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OS PROFESSORES E SEU PAPEL NA SOCIEDADE IMPERIAL André Paulo Castanha 1 Marisa Bittar 2 Epigrafe O professor, na frase eloqüente de um grande pensador, é o órgão pelo qual se exerce a ação moralizadora do poder sobre o tenro coração dos meninos: é ele quem, pelo exemplo e pelo ensino, prepara homens virtuosos e bons cidadãos, inspirando- lhes piedade e devotamento pela pátria e seu chefe, a obediência às leis, a submissão às autoridades, o amor pelo próximo: enfim, é ele quem se apresenta a infância como uma imagem das virtudes públicas e particulares, como laço moral entre os governados e o governo. (PROVÍNCIA do Paraná. Inspetoria da Instrução, 1867, p. 4). 1 – Introdução 1 Professor do Colegiado de Pedagogia da Unioeste – Campus de Francisco Beltrão, membro do Grupo de Pesquisa: História, Sociedade e Educação no Brasil - HISTEDOPR. Historiador, mestre e doutor em Educação. E-mail: [email protected] ; [email protected] 2 Professora e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar. Atua na árae de Fundamentos da Educação. Doutora em História Social pela USP e pesquisadora na área de História da Educação. E-mail: [email protected]

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Os professores e seu papel na sociedade imperial

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OS PROFESSORES E SEU PAPEL NA SOCIEDADE IMPERIALAndr Paulo Castanha

Marisa Bittar

EpigrafeO professor, na frase eloqente de um grande pensador, o rgo pelo qual se exerce a ao moralizadora do poder sobre o tenro corao dos meninos: ele quem, pelo exemplo e pelo ensino, prepara homens virtuosos e bons cidados, inspirando-lhes piedade e devotamento pela ptria e seu chefe, a obedincia s leis, a submisso s autoridades, o amor pelo prximo: enfim, ele quem se apresenta a infncia como uma imagem das virtudes pblicas e particulares, como lao moral entre os governados e o governo. (PROVNCIA do Paran. Inspetoria da Instruo, 1867, p. 4).1 Introduo

O objetivo central deste artigo compreender as aes desencadeadas pelo Estado referente aos professores pblicos primrios no Brasil do sculo XIX. Quais as condies de trabalho e incentivos salariais? Que papel era esperado do professorado na construo de um projeto de Nao?

Os professores participaram ativamente do processo de difuso da instruo pblica ao longo do Imprio, por isso foram alvo de muitas crticas e, muitas vezes, responsabilizados pelo estado pouco lisonjeiro da educao. Em torno deles e do trabalho exercido por eles, constituiu-se uma estrutura de inspeo e fiscalizao. Sendo eles agentes do Estado, estavam sujeitos a um conjunto de regras que deveriam seguir, em funo de estarem vinculados a um projeto de sociedade e Estado.

Ao estudar a categoria dos professores primrios, possvel perceber uma significativa desvalorizao, no s na importncia do trabalho desenvolvido, mas principalmente em termos salariais. No entanto, esclarecemos, que no pretendemos analisar a questo do trabalho do professor enquanto categoria profissional inserida no sistema capitalista, visto que tal relao apenas se desenhava naquele momento histrico. A anlise est centrada, to somente, no trabalho do professor enquanto um agente do Estado, responsvel pela difuso da instruo elementar e de uma moral civilizadora. O objetivo perceber as condies e contribuies de seu trabalho na constituio da sociedade e Estado imperial.

Para demonstrar como se deu a ao dos agentes do Estado, sobre o conjunto dos professores, analisamos a legislao educacional produzida pela Corte e pelas provncias do Rio de Janeiro, Mato Grosso e Paran. Com o objetivo de mostrar semelhanas e diferenas, no sistema de controle dos professores. Ao fazer tal comparao, pretendemos verificar at que ponto se efetivou a autonomia advinda do Ato Adicional de 1834. Em outras palavras, queremos perceber como cada uma delas, cuidou dos professores. Alm da legislao sero utilizados relatrios dos presidentes das provncias, de inspetores de instruo pblica, de comisses de inspeo, de autores do sculo XIX e historiadores da educao.

O texto segue o seguinte percurso: inicialmente procuramos construir um perfil dos professores, a partir das fontes primrias, depois demonstramos as condies para o exerccio da profisso e, em seguida analisamos o papel do professorado na produo do consenso na sociedade imperial. Por fim, estabelecemos algumas concluses com o objetivo de ampliar o debate entre os historiadores da educao.

2 Perfil dos professorado no sculo XIXQuem era o professor de primeiras letras ou instruo elementar no Brasil imperial? Qual o perfil dos homens que se dedicavam ao magistrio primrio? Uma idia muito forte, constantemente reproduzida nos discursos e textos de autoridades e de intelectuais do sculo XIX, representava os professores primrios como fracassados social e economicamente. Vejamos dois exemplos. O inspetor de instruo pblica da Provncia de Mato Grosso, Joaquim Gaudie Ley, afirmou o seguinte:

Ainda no posso infelizmente, falar bem de todos estes empregados, nem ao menos da sua maioria; e a vista do nosso estado ou falta de pessoal habilitado, o magistrio continuar a ser entre ns salvas poucas excees o apangio dos indivduos que se reconhecem incapazes de ganhar a vida de outro modo.(PROVNCIA de Mato Grosso. Relatrio do Inspetor, 1859).Alguns anos mais tarde, Antnio de Almeida Oliveira complementava:

Homens, que s em falta de melhor emprego seguiram o magistrio, que para ele no se preparam, e que por mal remunerados procuram fora dele suprimir a exigidade das suas rendas, nem s esto abaixo do mrito que o cargo exige como ensinam mal o pouco que sabem. (2003, p. 52).

Quando no eram taxados de fracassados, ganhavam outros adjetivos depreciativos, por exemplo, carrascos, desleixados, sinecuras. Em 1851, a expresso sinecura foi utilizada por Luiz Pedreira do Coutto Ferraz, para referir-se ao trabalho dos professores antes da implantao da reforma de 1849, na Provncia do Rio de Janeiro, da seguinte forma:

Escolas, cujos professores conservavam-se h muito tempo em desleixada sinecura, hoje apresentam um aspecto de vida e de trabalho, desde que as visitas dos inspetores e outras medidas do novo regulamento, postas efetivamente em prtica, tem despertado o receio de processo e demisso.(PROVNCIA do Rio de Janeiro. Relatrio do presidente, 1851, p. 41).

Alguns anos depois, Tavares Bastos, nas Cartas do Solitrio, tambm classificou os professores primrios da mesma forma. Segundo, ele as escolas primrias eram criadas para sinecuras de agentes eleitorais ou de suas mulheres. E para sinecura, os salrios que geralmente pagam ao magistrio no so medocres; mas, para atrair pessoas de mrito ao exerccio desse cargo, parecem realmente irrisrios.(1998, 659-60. Grifo do autor).

Deixemos de lado os adjetivos negativos para averiguarmos, como que os discursos do mesmo perodo representavam o professor ideal para formar os cidados. Para Almeida Oliveira, os bons professores deveriam ser compndios de virtudes ou homens dotados de qualidades extraordinrias. Para tanto, chegou a compor um poema no qual exaltava as virtudes do mestre perfeito. Segundo o poema os mestres deveriam ter as seguintes caractersticas:Puro nos costumes, no dever exato

Modesto, polido, cheio de bondade,

Paciente, pio, firme no carter,

Zeloso, ativo e to prudente

Em punir como louvar;

Agente sem ambio, apstolo

Em quem a infncia se modela,

Espelho em que os mundos se refletem,

Mito e sacerdote, juiz e pai,

Eis o mestre, eis o professor. (2003, p. 203-4).Pela proposta de Almeida Oliveira, eles realmente deveriam ser um compndio para caber tanta virtude em um homem s. Da lista de virtudes necessrias para ser um bom professor, ganharam mais relevncia a pureza dos costumes e a profisso como sacerdcio, ou vocao. Tais preceitos eram constantemente repetidos nos textos, nos discursos e na prpria legislao. Para se ter uma idia do peso atribudo a pureza de costumes, basta considerar que o professor era obrigado pela legislao a apresentar um atestado de moralidade ao candidatar-se a uma cadeira de primeiras letras. Quanto ao sacerdcio ou vocao estava imbuda uma forte concepo religiosa, base da estrutura educacional daquele momento histrico.

Na lista de virtudes apresentada por Almeida Oliveira, ficaram de fora algumas, que hoje so fundamentais para um bom professor, mas que no sculo XIX no se apresentavam como tais. Estamos nos referindo ao conhecimento do contedo, dos procedimentos didticos, do profissionalismo. Naquela sociedade patriarcal, rural e escravista ganhava relevncia o educador e no o instrutor. Da a fora dos conceitos de espelho, sacerdote, juiz e pai.

No mesmo perodo em que Almeida Oliveira escreveu seu livro, iniciaram-se as conferncias pedaggicas envolvendo os professores da Corte, nas quais muitos temas relacionados ao trabalho do docente foram debatidos. Ao fazer um relato de tais atividades, Francisco Igncio Marcondes Homem de Mello, inspetor interino de instruo pblica fez algumas afirmaes sobre os professores e o trabalho exercido por eles, que ampliaram a lista de virtudes e, ao mesmo tempo reforaram o perfil do bom professor do sculo XIX. Segundo ele:

A vida do professor de escola vida toda de pacincia, de conformidade de nimo, de abnegao: e a soma dos sacrifcios nela despendidos s igualada pela extenso dos benefcios, que ele assegura sociedade, quando desempenha religiosamente os seus rduos deveres. Da o respeito universal, em que so tidos em todas as naes cultas os educadores da mocidade que fazem os costumes pblicos e particulares, e assim promovem a prosperidade ou a decadncia dos estados. A sociedade mal se apercebe da existncia desses obreiros modestos, que, sem a seduo de posies brilhantes, trabalham em silncio, como o homem de bem s possudo da idia do dever, e preparam laboriosamente o destino das geraes por vir.(MUNICPIO da Corte. Inspetoria Geral de Instruo, 1873, p. 12).O excerto refora o carter vocacional do professor, quando desempenha religiosamente seus rduos deveres, quando paciente, abnegado e no se preocupa com posio social e sim com a ideia do dever.

Na agonia do perodo monrquico, Jos Ricardo Pires de Almeida escreveu sobre a instruo pblica, procurando mostrar ao mundo os feitos do Imprio do Brasil. E no seu texto, tambm definiu um perfil para o professor:

Se h uma funo que exige, s vezes, uma grande moralidade, uma instruo slida, uma vocao especial e um devotamento contnuo certamente a do professor pblico, do educador da juventude. Mas aqueles que renem todas estas qualidades, em um grau mais ou menos elevado, tm necessidade de ter uma existncia assegurada, para si e para sua famlia, e de serem cercados de toda espcie de considerao pblica que une a posio mais ou menos abastada do homem sua independncia relativa. contrrio equidade que seus esforos os confinem misria ou ao menos a uma privao, a uma penria que os desconsidera aos olhos de todos e aos seus prprios. (1989, p. 101).Pires de Almeida no deu tanta nfase moralidade, que estava precedida da expresso s vezes, entretanto considerou a necessidade de uma vocao especial e um devotamento contnuo, por outro lado, introduziu o conceito de instruo slida, que pode ser traduzido por culto. E considerou, que um homem com tais caractersticas deveria gozar de prestgio social e uma remunerao adequada, que garantisse tranquilidade para ele e sua famlia. Esta era a utopia de Pires de Almeida, pois, as condies de vida e trabalho dos professores caracterizavam-se pela misria, privao, penria, desconsiderao social e deles prprios. Estas eram de fato, as condies enfrentadas pela maioria esmagadora dos professores de primeiras letras, no Brasil imperial.

Depois de termos traado um perfil dos professores primrios no Imprio a partir da sua representao em discursos de autoridades e de intelectuais, passamos a refletir sobre as condies institudas para o exerccio da sua profisso.

3 Condies para o exerccio da profisso

Os adjetivos utilizados para conceituar os professores primrios no sculo XIX foram variados. Mas para sermos mais objetivos na anlise, optamos por sintetiz-los em trs: sinecuras, morigerados e cultos. Frente aos trs conceitos podemos afirmar que o foco central da ao do Estado, ou seja, a estrutura legal constituda para regulamentar e organizar o trabalho docente estava voltada para combater os sinecuras e garantir a morigerao ou moralidade, mesmo quando se tratava de medidas relacionadas formao profissional. Muitas aes foram desencadeadas para qualificar os professores, mas nenhuma teve pleno xito e, em todas elas, o preceito da moralidade era exigido.Para facilitar a comparao entre as unidades administrativas estudadas organizamos o seguinte quadro.

Quadro 1 Exigncias legais para ser professor primrio na Corte e provncias do Rio de Janeiro, Mato Grosso e Paran de 1827 a 1880

CorteProvncia do RJProvncia de MTProvncia do PR

Lei de 15 de outubro de 1827: Art. 8: s sero admitidos oposio e examinados os cidados brasileiros que estiverem no gozo de seus direitos civis e polticos, sem nota na regularidade de sua conduta. Decreto n. 1331-A. Reforma Coutto Ferraz, de 17 de fevereiro de 1854:

Art. 12: s podem exercer o magistrio pblico os cidados brasileiros que provarem: 1 maioridade legal. 2 moralidade. 3 capacidade profissional.

Decreto n. 7.247 Reforma Lencio de Carvalho, de 19 de abril de 1879:

No mencionou as exigncias.Lei n. 1 de 2 de janeiro de 1837: no definiu a idade mnima, nem imps outras exigncias, apenas estabeleceu vantagens aos formados pela escola normal.

Regulamento de 14 de dezembro de 1849Art. 12: s podem exercer o magistrio pblico os cidados brasileiros maiores de 21 anos, de reconhecida morigerao, que no se acharem pronunciados e que no houverem sofrido pena de gals ou condenao por crime de estupro, rapto, adultrio, roubo, furto ou algum outro que ofenda a moral pblica ou a religio do estado.

Regulamento de 30 de abril de 1862:

Art. 27: S podero exercer o magistrio pblico os brasileiros de um e outro sexo que provarem ser maiores de 21 anos, qualquer que seja seu estado civil, ser bem morigerados, professar a religio do Estado e ter a necessria idoneidade fsica e profissional.Regulamento 16 de dezembro de 1876: Art. 120: Mantiveram-se as mesmas exigncias do regulamento anterior. A nica diferena que passou a aceitar mulheres a partir de 18 anos, desde que morassem com os parentes de reconhecida probidade.

Lei n. 8 de 5 de maio de 1837:

Art. 18: idade superior a 18 anos, bom comportamento provado por documento fidedigno, conhecimento das matrias exigidas na lei.Regulamento de 30 de setembro de 1854:

Art. 4: 1 Certides ou justificaes de idade provando ser maior de 18 anos; 2 atestaes de bom procedimento passados pelo Proco da Freguesia onde residirem, ou tiverem ultimamente residido por mais de um ano. Art. 6: Capacidade profissional provada por exame oral ou escrito feito publicamente para uma banca de trs membros.

Regulamento de 4 de maro de 1880.

Art. 81: S podero propor-se ao magistrio pblico os cidados brasileiros que provarem os seguinte requisitos: 1 Maioridade legal; 2 Moralidade; 3 Iseno de culpa; 4 Capacidade profissional. Art. 82: para provar seria necessrio apresentar: 1 certido de batismo; 2 atestado do proco ou autoridade do lugar; 3 exibio de folha corrida; 4 exame de habilitao.

Lei n. 34 de 16 de maro de 1846 da Provncia de So Paulo:

Art. 10: no mnimo 18 anos, moralidade e capacidade profissional.

Regulamento de 8 de abril de 1857:

Art. 67: Manteve o mesmo da lei paulista. Regulamento de 16 de julho 1876:

Art. 45: Idade mnima de 18 anos, moralidade e capacidade profissional.

Do quadro comparativo queremos fazer algumas consideraes:A lei de 15 de outubro de 1827 exigia que o candidato a uma cadeira de instruo pblica deveria ser cidado brasileiro que estivesse no gozo de seus direitos civis e polticos, sem nota na regularidade de sua conduta. Isso significava que a idade mnima era de 25 anos. Algumas provncias estavam nomeando professores com idade menor. Para corrigir tal equvoco o Ministrio dos Negcios do Imprio promulgou a Deciso n. 222, em 1830, determinando que os menores de 25 anos no poderiam ser nomeados professores. (BRASIL, 1876, 166-7). Aps o Ato Adicional as provncias passaram a admitir professores com idade superior a 18 ou 21 anos. Isso se deu em virtude da falta de candidatos, pois, um cidado em pleno gozo dos direitos polticos dificilmente optaria pela profisso docente. Assim, a exigncia de pleno gozo dos direitos polticos foi substituda pela nacionalidade brasileira.

Ao analisar os cargos e funes na estrutura administrativa brasileira, em meados do sculo XIX, o jurista Marques de So Vicente (Jos Antnio Pimenta Bueno) definiu a situao dos professores do seguinte modo:

Gozam dos direitos que so privativos da nacionalidade, como so os de exercer os ofcios e cargos pblicos que no tem carter poltico, pois que para estes preciso alm de nacional ser cidado ativo. Os cargos de professor de primeiras letras, de coletor de rendas pblicas, guardas das alfndegas, e muitos outros empregos e profisses no demandam o gozo dos direitos polticos, e entretanto so privativos dos nacionais, um estrangeiro no pode obt-los.(2002, p 540).A afirmao de Pimenta Bueno evidencia a situao poltica dos professores primrios no Brasil imperial. A grande maioria deles no se enquadrava na categoria de cidados ativos, com direito de votar e ser votado. Alm do impedimento legal de acumular outro cargo, os professores geralmente no tinham a renda necessria para garantir-lhes o direito de ser votado em cargo eletivo, ou seja, at poderiam ser qualificados como votantes, mas dificilmente, como eleitores. No caso das professoras a excluso era ainda maior, pois, a estas era negado completamente o direito de voto.

visvel pelo contido no quadro n. 1 que as exigncias para o acesso ao cargo de professor pblico eram praticamente as mesmas na Corte e nas provncias. A principal diferena se dava em relao a idade, 18 ou 21 anos. Ao comparar os diversos regulamentos, no restam dvidas de que as questes centrais estavam ligadas moralidade e religio, as quais deveriam ser provadas por meio de atestados. Nas primeiras leis aparecia a expresso boa conduta, bom comportamento, os quais foram substitudos pelos conceitos de morigerao e moralidade.

De acordo com o estabelecido pelo artigo 122 do regulamento de 16 de dezembro de 1876, da Provncia do Rio de Janeiro,

(...) a religio e a moralidade provam-se com atestados do proco, e folha corrida nos lugares onde o candidato haja residido nos dois anos mais prximos sua pretenso, salvo se o tiver cursado as escolas normais, for nelas habilitado e nomeado trs meses depois da habilitao. (PROVNCIA do Rio de Janeiro. Regulamento da Instruo, 1877, p. 307).

Em todas as provncias e na Corte o professor deveria apresentar atestados de maioridade e de moralidade, assinado pelo proco, chefe de polcia e, em alguns casos, pela cmara municipal ou autoridades da vila ou freguesia, referentes aos ltimos dois ou trs anos. Tais documentos deveriam ser entregues no momento da inscrio para o concurso, para que as autoridades avaliassem os candidatos, conforme estabelecia o artigo 55 do Regulamento de 16 de julho de 1876, da Provncia do Paran. (MIGUEL e MARTIN, 2004, p. 271).A partir do incio da dcada de 1860, os regulamentos elaborados nas provncias passaram a exigir explicitamente que o candidato ao cargo de professor pblico provasse ser catlico. Nos anteriores estava apenas subentendido na lei. Isso evidencia que j havia candidatos no catlicos interessados em concorrer ao cargo de professor pblico. Tal fato coincide com o perodo de intensificao da entrada de imigrantes no Brasil, sendo muitos deles, protestantes. A partir de meados da dcada de 1870 iniciou-se o movimento contrrio, ou seja, um processo de laicizao do Estado. No regulamento de 1876 da Provncia do Paran j no constou explicitamente a exigncia de ser catlico. Todavia, tal movimento ganhou fora com a publicao da reforma Lencio de Carvalho de 19 de abril de 1897, na Corte.

Enquanto o carter religioso perdia fora, ganhava importncia as questes ligadas a sade do professor. A partir do final da dcada de 1870 passou a ser exigido exame de sade dos candidatos ao magistrio primrio. Isso se deu em funo das constantes epidemias e, principalmente, pelo avano do saber mdico, que passou a se preocupar com as questes de salubridade e higiene escolar.

A capacidade profissional dos candidatos ao magistrio primrio era provada em concurso. Essa prtica foi estabelecida pela lei de 15 de outubro de 1827, ao exigir, no artigo 7, que para exercer o cargo de professor, o candidato deveria prestar um exame pblico, frente a uma banca composta pelo presidente da provncia em conselho, ou nomeado por ele. As leis que foram implementadas pelas provncias aps o Ato Adicional, reforaram este princpio, definindo no corpo da lei, ou por instrues complementares o processo do concurso. Em regra geral o candidato teria que ir capital da provncia para realizar as provas. A prova terica versava sobre ditado, leitura, interpretao gramatical, resoluo de operaes matemticas, oraes, doutrina da religio, entre outros, respectivas ao contedo da cadeira pretendida. De acordo com o artigo 5 das instrues para exames dos candidatos da Provncia do Paran, a prova prtica se dava da seguinte forma:

Posteriormente ao exame oral e escrito ser o candidato obrigado a fazer prova prtica em uma escola designada pelo Inspetor-Geral, em cuja presena e dos examinadores explicar e tomar as lies das diferentes classes, cumprindo todos os deveres prescritos aos professores para os exerccios escolares. (MIGUEL, 2000, p. 44).Estavam dispensados dos concursos os habilitados em escolas normais ou nos cursos superiores do Imprio. Nos concursos era comum no aparecer candidatos e, nesses casos, o regulamento de 1854 da Provncia de Mato Grosso definia o seguinte:

Quando no se apresente pretendente, devidamente habilitado a qualquer cadeira vaga, poder o Presidente da Provncia nomear interinamente para reg-la pessoa que provar sua moralidade por atestados do Proco da Freguesia em que reside, e for aprovado em exame de suficincia perante o Inspetor Paroquial e mais dois examinadores nomeados pela Presidncia. (S e SIQUEIRA, 2000, p. 21).Nestes casos a prova era mais simples e o professor poderia realiz-la na prpria localidade onde estava a escola, no sendo necessrio se deslocar at a capital.

Os professores eram avaliados por uma banca composta de trs examinadores. Os conceitos de aprovao, em concursos pblicos classificavam-se em timo, bom, sofrvel ou plenamente e simplesmente. Os candidatos aprovados pelos trs membros da banca receberiam os conceitos de timo, bom, ou de plenamente e quando aprovados por dois membros de sofrvel, ou simplesmente. No primeiro caso os professores poderiam ser providos de forma efetiva e no segundo de forma interina. Estes poderiam solicitar outro exame depois de seis meses.

De acordo com a lei geral de 1827 e os regulamentos 1837, da Provncia do Rio de Janeiro e de Mato Grosso, o professor que fosse aprovado plenamente poderia ser nomeado efetivo-vitalcio. Provavelmente a primeira legislao educacional a instituir o perodo probatrio tenha sido a de 1849, da Provncia do Rio de Janeiro, a qual serviu de base para a reforma Coutto Ferraz de 1854, na Corte. Os regulamentos e leis posteriores das provncias e da Corte passaram a exigir um perodo de trabalho que variava de 3 a 5 anos de experincia.

Em 1873, Almeida Oliveira apresentou uma proposta para conceder a vitaliciedade aos professores. Segundo ele:

Todo professor ser obrigado a escrever uma obra sobre qualquer das matrias do ensino. Essa obra deve ser oferecida ao conselho central da instruo no ato de pedir o professor a declarao da vitaliciedade, a fim de por ela se julgar das suas habilitaes. Se a obra for declarada m, ou no fim dos cinco anos o professor tiver contra si qualquer fato que ponha em dvida a sua moralidade, a declarao da vitaliciedade poder ser retardada, no primeiro caso at a apresentao de nova obra, no segundo at que finde o termo de espera proposta pelo conselho e aprovada pelo congresso.(2003, p. 225-6).A primeira idia de Almeida Oliveira foi aceita, porm no foi plenamente executada. Em compensao, a segunda ganhou destaque no processo para a concesso do ttulo de professor vitalcio. A prtica dos concursos e da concesso da vitaliciedade aos professores foi alvo de crticas das autoridades da instruo nas provncias. Eles afirmavam que a prova do concurso no garantia uma escolha segura de bons professores, da a intensa defesa do rigor para conceder o ttulo de vitaliciedade. Ao analisar essa questo, o inspetor de instruo pblica da Provncia do Rio de Janeiro, Josino do Nascimento Silva, assim se expressou:

De ordinrio o candidato ao professorado ignora, ou sabe mal, as doutrinas em que tem de ser examinado. Logo que se anuncia o concurso, procura um explicador que, nos poucos dias que medeiam entre o anncio e o ato, toma a seu cargo e promete prepar-lo para comparecer decentemente. A sorte favorvel ao candidato: o exame que faz sofrvel, aprovado e obtm uma cadeira com o carter de efetividade. Entra em exerccio e descansa: o estudo para ele no hbito e menos necessidade, por ter j alcanado o que desejava; o mais vir com o tempo. Professores a quem se tem perguntado se se preparam para dirigir as suas classes no dia seguinte, admiram-se que, para ensinar crianas ignorantes, seja necessrio esse trabalho. No h livro que lhes prenda a ateno; se eram ignorantes, quando receberam a nomeao de professor efetivo, mais ignorantes so quando passam a vitalcios. (PROVNCIA do Rio de Janeiro. Diretoria da Instruo, 1874, p. 26).

Esta afirmao serviu para justificar um maior rigor concesso do ttulo de vitaliciedade, que estava em discusso no projeto de reforma da instruo na Provncia, a qual se efetivou em 1876. Muitos outros pronunciamentos semelhantes foram feitos e, tais ideias subsidiaram um maior rigor na legislao a partir da dcada de 1870. Assim, aps terminar o estgio probatrio, o professor s conseguiria se tornar vitalcio se provasse que tinha sido assduo, dedicado e zeloso no ensino, que tinha sido capaz de aprovar 10% dos seus alunos a cada ano, que no exercia outra funo remunerada e que era conceituado e dava prova de sua moralidade.

Ao longo do Imprio, no se exigiu a apresentao de uma obra, porm as exigncias aumentaram, dificultando, assim a conquista da vitaliciedade. Pelo artigo 73, do regulamento de 1876, da Provncia do Paran, exigia-se a aprovao de 20% dos alunos. Nos artigos 131 a 133, do regulamento de 1876, da Provncia do Rio de Janeiro, deduzia-se as interrupes e licenas e o professor teria que reunir toda a documentao e encaminh-la apreciao do Conselho de Instruo. Caso fosse negado, teria que esperar mais cinco anos para fazer novo pedido. No caso de Mato Grosso, o regulamento de 1880 estabelecia que, para os formados pelo Liceu Cuiabano, o perodo probatrio seria de trs e para os demais de cinco anos, tendo nesse perodo aprovado no mnimo 20 alunos. Caso o professor tivesse sofrido algum processo disciplinar, o tempo mnimo seria nove anos. O professor deveria encaminhar os documentos para a inspetoria geral, que repassaria ao presidente da Provncia e ao Conselho Literrio. De acordo com o artigo 133, o diretor-Geral, proceder a um rigoroso inqurito sobre o procedimento do professor, para verificar se, realmente, merece ser vitalcio, ouvindo os principais funcionrios perante quem este tiver exercido as suas funes. Caso o pedido fosse indeferido, teria que esperar mais quatro anos para pedi-lo novamente. (S e SIQUEIRA, 2000, p. 172-3). Em todos os casos, a inspetoria de instruo pblica cobrava do professor pela emisso do ttulo de vitaliciedade. Conquistada a vitaliciedade, o professor s poderia ser demitido por processo disciplinar.Entretanto, nem tudo caminhava contra os professores, pois a legislao educacional produzida no Imprio, tambm oferecia algumas garantias e vantagens profisso docente. Vejamos as principais. Na lei de 15 de outubro de 1827 no foi garantido aos professores o direito de aposentadoria. Nos regulamentos posteriores, seja das provncias ou da Corte, o direito foi estabelecido aos vitalcios, inclusive proporcionalmente. Aps sete ou dez anos de servio, em virtude de problemas de sade, o professor poderia ser aposentado proporcionalmente. Aos vinte e cinco anos de servio era concedida a aposentadoria com o salrio normal, sem as gratificaes. Quase a totalidade da legislao estimulava o professor a continuar trabalhando depois dos 25 anos, oferecendo mais , ou , sobre o salrio e, ao final de trinta ou trinta e cinco anos, o professor receberia a aposentadoria integral, com as gratificaes. Caso o professor resolvesse deixar o ensino, depois de 25 anos, no poderia ocupar outro cargo provincial.

Muitos dos regulamentos tambm estabeleceram gratificaes por tempo de servio. Aps dez, quinze ou vinte anos de trabalho os professores poderiam ter um aumento proporcional ao salrio, mas tal gratificao dependia da qualidade do seu servio. Outras ofereciam gratificao por alunos aprovados ou quando na escola havia uma freqncia elevada de alunos. Havia tambm auxlio para o aluguel de casas e escolas ou casas-escola.Depois de citarmos algumas vantagens estabelecidas para a carreira docente, faz-se necessrio tratar tambm das suas obrigaes e proibies, que, alis, eram muitas. Todos os regulamentos trataram desta questo e, quanto mais prximo do final do Imprio, maior era a lista de deveres e proibies. Para sermos mais objetivos sobre esta questo reproduzimos o que estabeleceu o regimento interno das escolas da Corte, elaborado pelo inspetor interino Joaquim Jos Rodrigues Torres, em 1855, para dar execuo ao 8 do artigo 3 da reforma de 17 de fevereiro de 1854:

Art. 1 O professor pblico deve: 1 Procurar por todos os meios infundir no corao de seus discpulos o sentimento dos deveres para com Deus, para com a Ptria, pais e parentes, para com o prximo e para consigo mesmo. O procedimento do Professor, e seus exemplos so o meio mais eficaz de conseguir este resultado. 2 Manter o silncio na escola. 3 Apresentar-se ali decentemente vestido. 4 Participar ao Delegado respectivo qualquer impedimento, que o iniba de desempenhar seus deveres. 5 Organizar anualmente com o mesmo Delegado o oramento da despesa da respectiva Escola para o ano financeiro seguinte. 6 Remeter no fim de cada trimestre um mapa nominal dos alunos matriculados com declarao de freqncia e aproveitamento de cada um, e no fim do ano um mapa geral compreendendo o resultado dos exames, e notando dentre os alunos os que se fizerem recomendveis por talento, aplicao e moralidade. Estes mapas sero organizados, segundo modelos impressos remetidos pelo Inspetor Geral. Art. 2 O Professor s poder usar na sua Escola dos livros e compndios, que forem designados pelo Inspetor Geral. Art. 3 O Professor Pblico no pode: 1 Ocupar-se em objetos estranhos ao ensino durante as horas das lies, nem empregar os alunos em seu servio. 2 ausentar-se nos dias letivos das Freguesias, onde estiver colocada a Escola, para qualquer ponto distante, sem licena do Delegado respectivo, que s a poder conceder e por motivo urgente, at trs dias consecutivos. 3 Exercer profisso comercial, ou de indstria. 4 Exercer nenhum emprego administrativo sem autorizao prvia do Inspetor Geral. (BRASIL. Portaria de 20 de outubro de 1855, p. 345).

Esses deveres e proibies foram reproduzidos em todos os regulamentos posteriores, variando apenas a ordem de exposio. Alm disso, cabiam aos professores acompanhar os alunos missa aos domingos e dias santos, fazer a limpeza da escola, cuidar dos mveis e utenslios, entre outras. No regulamento de 1876, da Provncia do Rio de Janeiro, a lista de deveres e proibies tinha 23 itens. (PROVNCIA do Rio de Janeiro. Regulamento da Instruo, 1877, p. 316-19). No de Mato Grosso de 1880, tinha 22. (S e SIQUEIRA, 2000, p. 179-80).

Uma das exigncias que os professores se esmeravam em cumprir era a organizao dos mapas de freqncia dos alunos, pois do envio peridico deles, dependia o recebimento do ordenado. E aqui chegamos a um dos pontos centrais da problemtica vivida pelos professores no Imprio, pois, a remunerao recebida era baixssima. Tal fato provocava crticas constantes, de boa parte das autoridades, em seus relatrios e discursos, sem que os ordenados subissem. Uma das vozes que se levantaram a favor da dignidade dos salrios dos professores foi a do inspetor de instruo pblica da Corte, Eusbio de Queirs. No relatrio de 1856, fez a seguinte afirmao:No basta, porm decretar a instruo primria como uma necessidade social, e proclam-la como primeiro elemento de civilizao e progresso; mister tambm que o legislador, para no tentar uma obra impossvel e consagrar um princpio estril, eleve e reabilite perante o esprito pblico aqueles a quem encarrega o ensino da mocidade, inspirando-lhes a conscincia de sua importante misso e o sentimento da prpria dignidade, pondo-os longe do alcance da misria, libertando-os das apreenses do triste futuro que podero legar s suas famlias, dando-lhes, em uma palavra, meios de decente e honesta subsistncia.

De acordo com ele, no era s o professor que sofria com a privao do bem-estar e vantagens para si e sua famlia, para sua vida presente e para a velhice apressada por rduo e continuo trabalho. Com os baixos ordenados pagos aos professores a instruo e a educao da mocidade e a prpria sociedade, eram prejudicadas. O lastimvel estado pouco lisonjeiro da instruo pblica primria exigia esforos, mesmo que as circunstncias financeiras do pas, no fossem favorveis. Foi, sobretudo contra a precria sorte dos professores que se levantavam as vozes e clamores dos que sinceramente desejavam a reforma do ensino, concluiu Eusbio de Queirs. (MUNICPIO da Corte. Inspetoria Geral de Instruo, 1856, p. 5). preciso considerar, que esta afirmao do inspetor buscava justificar as medidas implantadas pela reforma Coutto Ferraz em favor da instruo pblica. Geralmente o reformador justifica suas ideias depreciando as anteriores.A questo salarial era realmente grave no perodo imperial, e no s os inspetores gerais tinham clareza da situao, mas tambm os presidentes de provncias, os deputados gerais e provinciais e, at os ministros do Imprio consideravam que os baixos salrios eram responsveis pelas precrias condies da instruo pblica. O inspetor geral de instruo pblica da Provncia de Mato Grosso, Joaquim Gaudei Ley, reivindicava constantemente melhores salrios aos professores. Algumas vezes as reivindicaes eram ouvidas, como se evidencia na passagem abaixo:

Pela lei n 11 de 6 de julho do ano passado foram elevados os vencimentos dos professores, conforme havia eu proposto no relatrio ltimo. Posto que este aumento de um tero mais no esteja em relao ao que deveria ser, a vista dos preos de todos os gneros indispensveis subsistncia, todavia no desconheo que nossas atuais circunstncias mais no permitem. (PROVNCIA de Mato Grosso. Inspetoria Geral de Instruo, 1859, p. 4).

Segundo ele, um dos principais problemas da instruo pblica provincial era o ordenado dos professores, que no estimulava as pessoas a ingressarem no magistrio. A crtica foi reforada alguns anos depois por Almeida Oliveira, quando analisava a situao salarial dos professores nos pases mais desenvolvidos, comparando-a com a do Brasil. Assim se expressou:O fato geral mas no deixa de ser uma vergonha para os Estados e um prejuzo para os povos. A civilizao obra da escola, e a escola obra do professor. Se portanto quereis elevar a escola e a civilizao, comeai por elevar o professor altura da sua misso e lhe dar nas vantagens do seu ofcio a coragem, o gosto, a energia e a fora, que ele demanda. (2003, p. 224).Tal situao persistia nos anos 1880, na Corte, pois, segundo o inspetor Souza Bandeira:

(...) pode-se afirmar que enquanto forem to exguos os vencimentos do professorado primrio, ser enorme a dificuldade em levantar o nvel do nosso ensino, atraindo para ele as verdadeiras vocaes. O servio do professor fatigante e prolongado, obrigando-o a seis horas de trabalho dirio, e exige vocao e estudos constantes. Os regulamentos em vigor probem aos professores ocuparem-se em servios comerciais e industriais, e ningum ignora que os hbitos da profisso inutilizam o indivduo para trabalhos de outra ordem. (MUNICPIO da Corte. Inspetoria Geral de Instruo, 1884, p. 26).Muitos discursos semelhantes a este, defendendo uma melhor sorte dos professores foram encontrados nas fontes pesquisadas. Houve vrios aumentos salariais no perodo, porm somente no perodo imediatamente seguinte a tais aumentos que o salrio chegava a ter um valor significativo, pois alguns anos depois a inflao e o custo de vida corroam os ganhos.

Todavia, tambm houve os que afirmavam o contrrio. Na dcada de 1860, alguns presidentes da Provncia do Paran criticaram os privilgios dos professores paranaenses, especialmente o liberal Andr Augusto de Pdua Fleury. Em 1865 afirmou, que no Paran paga-se muito e aprende-se pouco. Criticava o alto salrio e a nomeao efetiva, com a exigncia de um perodo probatrio de apenas um ano, ao afirmar o seguinte: fizestes do professor um funcionrio mais independente do que o magistrado, quando na Lei n. 97 de 1863 decretaste que somente a pedido seu pudessem ser removidos de umas para outras cadeiras. (PROVNCIA do Paran. Relatrio do presidente, 1865, p. 15-6).

Para demonstrar melhor a realidade dos docentes no Brasil do sculo XIX, construmos um quadro comparativo entre as provncias e Corte, com os salrios recebidos anualmente pelos professores.Quadro 2 Salrio dos Professores primrios na Corte e nas Provncias do Rio de Janeiro, Mato Grosso e Paran no perodo imperial.

CorteProvncia do RJProvncia de MTProvncia do PR

AnoSalrioAnoSalrioAnoSalrioAnoSalrio

1854800$0001837600$0001837300$0001857800$000

18641:000$0001850600$0001858840$0001867800$000

18771:200$00018621:000$0001873800$00018811:200$000

18841:800$00018771:200$00018801:200$00018891:200$000

Fontes: Corte: Reforma Coutto Ferraz de 1854; Relatrio do Ministro do Imprio de 1864; Regulamento para as escolas publicas de 1877; Relatrio do inspetor Souza Bandeira de 1884. Rio de Janeiro: Regulamento de 1837; Regulamento de 1849; Regulamento de 1862; Regulamento de 1876. Mato Grosso: Lei Provincial n. 8 de 5 de maio de 1837; Relatrio do inspetor de instruo pblica de 1859; Regulamento orgnico de 1873; Regulamento da Instruo Primria de 1880. Paran: Regulamento de 8 de abril de 1857. Lei provincial n 151 de 13 de maio de 1867. Lei provincial n 672 de 10 de abril de 1881; Lei provincial n. 962 de 31 de outubro 1889.

Antes de comentar o quadro preciso considerar o seguinte: A lei de 15 de outubro de 1827, de carter geral, j estabeleceu no seu artigo 3 um salrio diferenciado que poderia variar entre 200$000 e 500$000. O presidente da provncia e seu conselho definiriam o salrio para cada professor, dependendo da localidade e do nmero de alunos, etc. Em regra geral, o salrio da maioria das provncias variou entre 200$000 e 400$000 at 1850. Porm h registros de que os professores interinos recebiam menos de 200$000.

Quanto ao quadro 2 necessrio fazer alguns esclarecimentos: a) o salrio correspondia ao valor acumulado de todo o ano, ou seja, a cada ms ou trimestre o professor recebia uma frao do total; b) para receber parte do salrio, os professores deveriam remeter mensalmente e, em alguns casos, trimestralmente um mapa de freqncia dos alunos, caso contrrio ficavam sem o vencimento; c) na tabela foi lanado o maior salrio (sem gratificaes) recebido pelos professores primrios pblicos, efetivos ou vitalcios (geralmente trabalhavam na capital ou cidades maiores), em cada unidade administrativa. Os professores das vilas ou freguesias recebiam de 20 a 40% a menos; d) o professor tinha direito a gratificaes, porm o recebimento delas dependia do trabalho desenvolvido, do nmero de alunos freqentes s aulas, do nmero de alunos aprovados no final do ano, etc. Por exemplo: os professores matogrossenses, em 1873, poderiam receber at 200$000 de gratificao, na Corte, a partir de 1877, poderia chegar a 600$000; e) havia um nmero grande de professores interinos, contratados e subvencionados. O salrio destes ficava abaixo da metade dos efetivos. Por exemplo: em 1889 foi autorizada uma subveno a 100 professores particulares na Provncia do Paran. Cada um receberia 360$000 ris anualmente. (MIGUEL, 2000, p. 309). Tais professores poderiam ter alunos pagantes, mas certamente eram pouqussimos, fazendo com que dependessem basicamente da contribuio do Estado.

Para ilustrar melhor comparamos o salrio dos professores da Corte com outras profisses. Em 1858, o salrio de um mestre-de-obras era de aproximadamente 1:280$000, de um mestre-carpinteiro 1:100$000, j o simples carpinteiro recebia 730$000. Em 1865, o salrio de um soldado da polcia militar era de aproximadamente 460$000 e, em 1873 um guarda urbano recebia 720$000. (HOLLOWAY, 1997, p. 160, 163 e 218). Os nmeros evidenciam que o salrio dos professores no era dos mais baixos. Todavia, no resta dvida de que era um salrio baixssimo, principalmente devido ao alto custo de vida da poca.

Alm disso, outro srio problema enfrentado pelos professores era o atraso no pagamento, em virtude das dificuldades financeiras das provncias, ou ento, pela demora do recebimento dos mapas de freqncia, devido s distncias e problemas de comunicao. Segundo informou o inspetor de instruo pblica, Josino do Nascimento Silva, no seu relatrio de 1874, o problema do atraso de salrios foi resolvido na Provncia do Rio de Janeiro. No mesmo relatrio, o inspetor defendeu algumas idias visando melhorar o salrio e estimular o desenvolvimento do professorado na Provncia nos seguintes termos:

(...) gratificao aos que tiverem matrcula excedente a quarenta alunos ou freqncia excedente a trinta, melhoramento de localidade, quando, por seu merecimento, se tornem dignos desse favor. A parte pecuniria depende de lei, que de certo ser votada se os membros da Assemblia se convencerem, como estou convencido, da necessidade de reformar o professorado. (PROVNCIA do Rio de Janeiro. Diretoria da Instruo, 1874, p. 16).

A anlise da legislao demonstra que a partir dos regulamentos da dcada de 1870, as provncias adotaram uma classificao diferenciada para organizar as escolas. Elas passaram a ser classificadas como de 1, 2 ou 3 ordem, classe ou entrncias. Independentemente da nomenclatura, a classificao dava-se de fato, entre cidades, vilas e freguesias ou povoados. Nas escolas das freguesias e povoados o salrio era menor. Os professores das escolas das freguesias ou povoados poderiam ascender s escolas das vilas depois de um perodo de trs a cinco anos de bom trabalho e um interregno semelhante para chegar regncia nas escolas das cidades e, assim paulatinamente poderiam melhorar o seu salrio. Segundo as autoridades, aquele sistema se constitua num estmulo aos professores para se habilitarem cada vez mais, pois, s assim, teriam uma progresso profissional e salarial.

As preocupaes com a criao de instituies e instrumentos para estimular e desenvolver os brios nos docentes, apareceram frequentemente nos discursos de intelectuais e autoridades responsveis pela instruo pblica. Qual o melhor sistema? A classificao das escolas por localidade, a produo de uma obra relevante sobre algum tema do ensino ou as gratificaes por tempo de servio? Em 1884, o inspetor da Corte, Souza Bandeira criticou o modelo de concesso de gratificaes por tempo de servio, afirmando que aquela garantia legal era detestvel, pois, no aviventava o estmulo pelo trabalho. O bom professor fica equiparado ao indolente, que apenas limitou-se a no incorrer em censuras. E, como alternativa, props que:

As gratificaes, correspondentes aos 10, 15 e 20 anos de servio, so concedidas aos professores que se distinguirem por publicaes julgadas teis pelo Conselho Diretor ou em provas pblicas prestadas perante a Escola Normal. Desta forma ser o professor constantemente induzido a estudar e trabalhar, pela certeza que tem de que os seus esforos sero compensados por uma vantagem material. Por outro lado, o mau professor perder a esperana de melhoramento. O nico meio de manter a atividade no professorado sujeit-lo a constantes provas de habilitao, a fim de que um esprito novo o anime sempre, e ponha embaraos ao influxo da rotina. (MUNICPIO da Corte. Inspetoria Geral de Instruo, 1884, p. 27. Grifos do autor).

Ainda sobre as condies de vida e do trabalho dos professores, preciso considerar o seguinte: Em dois documentos anteriores foi mencionado que o professor no poderia exercer outra funo remunerada. E sobre esta questo tambm houve uma homogeneidade na legislao educacional do imprio. O primeiro regulamento a instituir tal proibio, foi o de 1849, da Provncia do Rio de Janeiro. Os aprovados posteriormente nas demais unidades administrativas tambm adotaram aquele princpio. A ttulo de exemplo reproduzimos o artigo 33 da reforma Coutto Ferraz, de 17 de fevereiro de 1854.

O professor pblico no poder exercer nenhum emprego administrativo sem autorizao prvia do Inspetor Geral. No lhe ser contado para sua jubilao o tempo empregado fora do magistrio. Fica-lhe absolutamente proibida qualquer profisso comercial ou industrial. (BRASIL. Decreto n. 1331-A , p. 53).Estas foram, sinteticamente, as condies de produo e/ou reproduo da vida material dos professores primrios no Brasil do sculo XIX.

4 O professorado e a produo do consensoA poltica de implantao da instruo pblica, por parte do Estado, de forma organizada e sistemtica, mostrou uma preocupao constante com o acesso ao cargo de professor. Como demonstramos anteriormente, para ser professor naquele perodo, o candidato deveria cumprir certos requisitos fundamentais. No bastava provar que tinha os conhecimentos necessrios para proporcionar uma boa aprendizagem a seus alunos. Era fundamental provar a sua idoneidade e, principalmente, sua moralidade. Vimos tambm que as exigncias para os candidatos ao cargo de professor foram aumentando a cada novo regulamento. O critrio rigoroso para selecionar os professores nos concursos e nos primeiros anos de exerccio da profisso tornaram-se instrumentos-chave que o Estado adotou para compor um quadro de agentes submissos e ordeiros, que levassem adiante um projeto coeso de sociedade.

A propsito, Coutto Ferraz, ao analisar os resultados da reforma instituda na Provncia do Rio de Janeiro, em 1849, afirmou:O professorado vai visivelmente melhorando, e ir se aperfeioando com a constante e zelosa inspeo sobre ele exercida, com as visitas imprevistas e profcuas do inspetor geral, com as provas que precedem a nomeao dos professores efetivos, e com a experincia por que passam durante o prazo de 5 anos em que ficam sujeitos a demisso depois de nomeados. (PROVNCIA do Rio de Janeiro. Relatrio do presidente, 1852, p. 61).

Alm destes critrios explicitados por Coutto Ferraz, ressaltamos o sistema de penas e punies que foram introduzidos nos regulamentos para controlar de perto o trabalho dos professores. Aqui queremos chamar a ateno para mais uma grande semelhana na legislao educacional das provncias. Para demonstrar isso organizamos o quadro comparativo a seguir.

Quadro 3 Penas estabelecidas pela legislao educacional para punir os professores pblicos primrios da Provncia do Rio de Janeiro, Corte e provncias de So Paulo, Paran e Mato Grosso, em meados do sculo XIX

Provncia do RJCorteProvncias de SP e PRProvncia de MT

Regulamento de 14 de dezembro de 1849:

Art. 40: Os professores que, por negligncia ou m vontade, desleixarem o seu emprego, instruindo mal os alunos, exercendo a disciplina sem critrio ou infringirem quaisquer das disposies deste regulamento, ou as decises de seus superiores, ficam sujeitos s seguintes penas: admoestao do inspetor paroquial; repreenso, do conselho municipal do inspetor geral; suspenso do exerccio ou vencimento pelo inspetor geral e presidente da provncia; demisso pelo presidente da provncia.

Decreto 131-A. Reforma Coutto Ferraz de 17 de fevereiro de 1854:

Art. 115: Os professores pblicos que por negligncia ou m vontade no cumprirem bem seus deveres, instruindo mal os alunos, exercendo a disciplina sem critrio, deixando de dar aula sem causa justificada por mais de trs dias em um ms, ou infringindo qualquer das disposies deste Regulamento ou as decises de seus superiores, ficam sujeitos s seguintes penas: admoestao, repreenso, multa at 50$, suspenso do exerccio e vencimento de um at trs meses, perda da cadeira.

Regulamento de 8 de novembro de 1851, da Provncia da So Paulo:

Art. 15: Quando o professor se desleixar de seus deveres, for negligente no ensino, deixar de dar lio por mais de trs dias sem motivo justificado, faltar ao respeito devido aos seus superiores; usar de livros ou compndios no autorizados pelo conselho de instruo; comparecer na aula ou escola indecentemente vestido; der mau exemplo, ou ensinar maus princpios; comerciar ou aplicar-se a outra qualquer profisso estranha ao ensino sem a licena do Presidente da Provncia, e finalmente infringir as leis, regulamentos, e decises do Governo, e as instrues do inspetor geral ser admoestado pelo inspetor do distrito, ou repreendido, ou punido pelo inspetor geral ou pelo Presidente da Provncia com as penas do artigo antecedente conforme a gravidade do caso e reincidncia.

Regulamento de 8 de abril de 1857, da Provncia do Paran:

Art 87: Os professores pblicos, que por negligencia ou m vontade no cumprirem bem os seus deveres, servindo-se de livros no autorizados, instruindo mal os alunos, exercendo a disciplina sem critrio, deixando de dar escola por mais de trs dias, sem motivo legtimo em um ms, ou infringindo qualquer disposio deste regulamento e instrues de seus superiores ficaro sujeitos s seguintes penas: admoestao, repreenso, multa de 20 a 60$000 ris, suspenso de 15 dias a 3 meses com perda de vencimentos, perda da cadeira.

Regulamento de 4 de julho de 1873:

Art 99: Os professores pblicos que por ignorncia, descuido, frouxido, negligncia, omisso ou m vontade, no cumprirem bem os seus deveres, instruindo mal os alunos, exercendo a disciplina sem critrio, deixando de dar escola por mais de trs dias, sem motivo legtimo em um ms, ou infringindo qualquer disposio deste regulamento e instrues de seus superiores ficaro sujeitos s seguintes penas: admoestao, repreenso, multa de 10 a 30$000 ris, suspenso de 15 dias a trs meses com perda dos vencimentos, remoo para cadeiras das classes inferiores, perda da cadeira.

A semelhana dos dispositivos inquestionvel. uma evidncia concreta da circulao dos modelos de regulamentos e a cpia ou adaptao por parte das provncias. Estes mesmos dispositivos foram reproduzidos nos demais regulamentos aprovados posteriormente.

Alm dos motivos j citados no quadro n. 3, os professores estavam sujeitos a punies por fomentar insubordinao ou imoralidade, por dar maus exemplos e/ou inculcar maus princpios nos alunos. evidente, porm, que os professores no eram demitidos de uma hora para outra. Eles passavam por processo disciplinar, que, alis, tambm era uma garantia e um direito legal. A garantia de processo disciplinar evitou que muitos professores fossem demitidos sem justa causa muitas vezes por motivos polticos. Nos casos que afetavam gravemente a moral ou que houvesse perigo de demora no processo, o inspetor poderia determinar a suspenso prvia do exerccio do professor, levando o fato ao conhecimento do governo. (MIGUEL, 2000, p. 32). Os inspetores poderiam, tambm empregar todos os meios possveis para avaliar os talentos e comportamento moral e civil dos professores, a fim de informar a respeito do estado do ensino pblico.(MIGUEL, 2000, p. 38 e S e SIQUEIRA, 2000, p. 54).Ao abordar o trabalho dos professores na Provncia do Rio de Janeiro, o inspetor Josino do Nascimento Silva afirmou. Moralidade comprovada e incontestvel, exames severos e repetidos, a escola inspecionada a mido e as faltas imediatamente punidas, raras licenas, rarssimas remoes, tais so por enquanto as regras que se impem a Diretoria, e que pretende cumprir. (PROVNCIA do Rio de Janeiro. Diretoria da Instruo, 1874, p. 16).Os professores precisavam ser ntegros, ordeiros, com uma moral ilibada, verdadeiros espelhos para as crianas, como queria Almeida Oliveira no poema do bom professor. A falta da habilitao necessria para o exerccio da profisso e os baixos salrios so referidos em segundo plano. A preocupao central das autoridades, legitimada em dispositivos legais, estava muito mais direcionada manuteno e difuso da ordem e hierarquizao da sociedade do que na elevao cultural do povo.

Esta preocupao pode ser evidenciada no relato do inspetor Josino do Nascimento Silva:No pode infelizmente a administrao prescindir do conhecimento da vida ntima dos professores pblicos: tem por obrigao estud-los na prtica dos seus deveres para com a sociedade, e esse estudo e conhecimento no vir da inspeo local, muitas vezes apaixonada por afeies ou desafeies, mas tambm no h de vir do inspetor geral, que passa, ouve censuras ou louvores, e no tem tempo para averiguar at que ponto so verdadeiros, que f devem merecer os seus autores. A chegada do inspetor geral fato sabido e os professores preparam-se para a visita, que no pode ser demorada. Tudo na escola encontrado em ordem quase irrepreensvel, e s o habitualmente desidioso e relaxado, ou incapaz (e desses, com prazer o digo, h muito poucos na provncia) apresenta-se tal qual . Mas o que ser depois da visita? O inspetor no voltar, ao menos por um ano, e satisfeito com a impresso do momento dar a diretoria informao favorvel a escola e ao professor, que no daria se mais detidamente pudesse estud-lo. (PROVNCIA do Rio de Janeiro. Diretoria da Instruo, 1878, p. 19-20).

De fato, o Estado criou uma srie de instrumentos para estudar e controlar a vida dos professores, mas, na prtica, nem sempre se conseguia aplic-los plenamente, pois, os professores e a comunidade criavam artifcios para enganar as autoridades. A resistncia ao cumprimento dos dispositivos legais e a constante intromisso do Estado na prtica docente histrica. O ato de burlar as regras evidencia que as reformas educacionais, geralmente no eram implementadas visando melhorar as condies de trabalho dos professores, e sim, para atender racionalidade do Estado.Para percebermos a importncia dada ao trabalho dos professores no Imprio, basta uma leitura atenta dos regulamentos de instruo pblica. No resta dvida que o principal objetivo das regras ali expressas era o controle do trabalho dos mestres. possvel visualizar nitidamente, que a vigilncia da vida dos professores aumentou ao longo dos regulamentos, medida que os inspetores foram imbudos de um poder maior, a cada novo regulamento. A hierarquizao e centralizao do poder na administrao era a base da poltica imperial, sendo o Imperador a cabea e os demais agentes, os braos. No campo educacional, tal lgica pode ser percebida facilmente, pois, os regulamentos de instruo pblica das provncias expressavam uma hierarquizao muito clara, entre os inspetores e professores.

Est claro que uma das questes centrais do processo educacional durante o Imprio relacionava-se questo moral. Por isso, a grande nfase dada religio na prtica de ensino e, conseqentemente, o papel de sacerdcio do professor. Para exemplificar, reproduzimos o relato da comisso que inspecionou as escolas na Corte, entre 1873 e 1874. Eles definiram o professor e seu papel da seguinte forma:

Mestre! Distribuidor da vida do esprito! Guia e iniciador dos pobres ignorantes! Sacerdote das letras! Foi a ti certamente que foram dirigidas aquelas palavras do Cristo s criancinhas! Chama-as, conchega-as a ti essas inocentes vtimas do pai inquo e da me desnaturada; esses mais do que os outros reclamam teus cuidados; queles tens de iluminar-lhes o esprito, a estes tens alm disso de regenerar-lhes a alma e de faz-los ressuscitar para o bem. Enceta a tua caridosa misso, seja teu constante e diuturno cuidado arrancar a m erva, germinada no seio da famlia, e plantar a semente da boa lio e do bom exemplo, que afinal vingar e retribuir com abundante messe os teus incansveis labores! (MUNICPIO da Corte. Escolas Pblicas da Corte, 1874, p. 56).

Ao conceber o trabalho do professor como misso, ele era compreendido e tido como semeador que conduziria seus alunos pelo caminho da luz, que necessariamente levaria ao encontro com Deus e garantiria a ordem pblica.

No entanto, o professor-sacerdote e agente do Estado no tinha um trabalho simples, pois, a populao no aceitava plenamente sua interveno, na medida em que insistia em no enviar as crianas escola. Tal rejeio foi comentada pelo inspetor Josino do Nascimento nos seguintes termos: o que porm parece-me de todo inadmissvel a repugnncia que, se diz, manifestam os pais contra a escola: possvel que alguns a tenham por pouco vantajosa aos filhos, e intil e mesmo perigosa para as filhas. E frente quele pensamento, o inspetor afirmou:O professor deve combater e vencer essa falsa opinio: a ele cabe to gloriosa tarefa, e leva-la- ao cabo, dando ao magistrio toda a dedicao, ensinando as crianas, em vez de definies ridas, que s vezes nem pelo prprio mestre so compreendidas, coisas teis e de servio prtico no seio das famlias: adorando-lhes o esprito com preceitos e regras tendentes a radicar o amor de Deus e do prximo. Faam-no e vero que a m opinio se desvanecer completamente. (PROVNCIA do Rio de Janeiro. Diretoria da Instruo, 1874, p. 14).

Eis a a tarefa do professorado proposta pelo inspetor Josino do Nascimento. Eles deveriam combater a ignorncia popular e se constituir em alicerce para construir uma sociedade ordeira, moral e crist, contribuindo, assim, para a manuteno da hierarquia social e poltica.

Naquele contexto, no poderamos deixar de destacar o importante e fundamental papel exercido pela Igreja Catlica no processo de controle do trabalho dos professores, bem como no fortalecimento da ao do Estado. Tal ao se deu pelo trabalho dos procos, que em vrios momentos exerceram a profisso docente e, especialmente a de inspetores paroquiais e, at mesmo de inspetores gerais, mantendo nessas funes um relacionamento direto com professores e alunos. Como religio oficial, a doutrina crist era base no currculo e obrigatria nas escolas. Dessa forma, a Igreja tambm ocupou um papel central na difuso de valores ticos e morais junto aos professores e alunos e, ao mesmo tempo, contribuiu efetivamente na tarefa de controlar de perto o trabalho e ao dos mestres. Foi um elemento importante na tarefa de produzir o consenso. Ou seja, a aceitao dos valores e princpios do grupo conservador.

Para garantir a ao e ao mesmo tempo o controle dos professores, construiu-se ao logo do Imprio, uma rede administrativa e burocrtica, na qual, os professores cumpriam a funo de agentes do Estado em nvel mais distante, ou um elemento difuso, como bem definiu Antonio Gramsci. (1991, p. 26). Ilmar Mattos, fundamentando-se em Gramsci, definiu o trabalho dos professores, no sculo XIX do seguinte modo:

Os professores representavam a possibilidade, por seu trabalho vivo na escola, do nexo fundamental entre instruo e educao, na medida em que fossem conscientes tanto dos contrastes entre o tipo de sociedade e de cultura representada pelos alunos - entendida como ausncia de civilizao - quanto de sua tarefa, que consistia em propiciar uma incluso por meio da formao disciplinada dos futuros homens e cidados. (1990, p. 267).A misso dos professores era a execuo de tal projeto, ou seja, civilizar os novos homens que estavam se formando, pois as autoridades imperiais e as elites polticas compreendiam muito bem a dimenso do trabalho dos professores na construo de valores necessrios para a manuteno da ordem estabelecida. Ordem que garantia a essncia do regime monrquico. Estes desempenhavam o papel de intelectuais difusores, portanto, agentes da civilizao responsvel pela produo e/ou manuteno de uma determinada concepo de mundo. Nessa condio, deveriam manter um relacionamento dirio com seus alunos buscando viabilizar o projeto de uma sociedade harmnica, na qual os futuros cidados saberiam claramente identificar os seus lugares.

5 Concluses

Voltar ao sculo XIX para estudar as condies de vida e trabalho dos professores foi, para ns um processo muito enriquecedor. O contato com as fontes primrias revelou os mecanismos institudos para controlar o trabalho docente, mecanismo ainda presente nos dias atuais embora em contexto bastante distinto. As fontes primrias revelaram tambm que havia aes homogneas e articuladas entre as provncias no tocante aos deveres e direitos dos professores. Tal fato nos permite contestar a tese da anarquia e desagregao nas medidas educativas, proclamadas pela histria da educao, em virtude do Ato Adicional de 1834, ou seja, da descentralizao.

De fato, o Ato Adicional descentralizou a administrao da educao, pois, a partir dele, as provncias passaram a regulamentar e organizar seus sistemas de ensino. No entanto, o fato de ter havido uma descentralizao administrativa, no o suficiente para afirmar que no havia qualquer unidade nas aes educativas. Contrapondo-se aos conceitos de anarquia, desagregao, fragmentao, renncia e omisso, o presente estudo interpretou a ao do Estado sobre os professores durante o Imprio, pela perspectiva da centralizao, que se efetivou por meio do poder dos inspetores, no currculo, na religio, nos concursos e perodo probatrio, nos deveres e obrigaes e, principalmente pelo projeto de sociedade e Estado que se almejava construir.

Construir uma sociedade harmnica, hierarquizada, centralizada e ordeira era o grande objetivo poltico da classe dirigente do Imprio. No entanto, o projeto teria limitaes se nas suas extremidades no existissem os professores para defend-lo e difundi-lo, nos mais distantes pontos do pas. Assim, possvel afirmar que eles contriburam decisivamente para a implantao, difuso e ampliao daquelas caractersticas de sociedade.

Ao longo do perodo, foi-se constituindo uma rede de controle do trabalho dos professores no s no acesso ao cargo, mas tambm na sua ao em sala de aula. Os regulamentos estabeleciam que os inspetores deveriam fazer visitas constantes s escolas buscando conhecer de perto o modo de vida e a prtica educativa dos mestres. Admoestaes, repreenses, inspees, regimento interno, mapas de freqncia, atestados, mtodos de ensino, livros didticos, regulamentos, etc., tornaram-se freqentes no quotidiano dos professores. A forte vigilncia visava impedir que os professores semeassem em seus alunos valores e princpios diferenciados dos defendidos pela classe hegemnica. O professor, como elemento difuso ou mais distante, deveria ser um agente a servio do projeto do grupo dominante e, de forma alguma, poderia representar uma ameaa ordem estabelecida. Sua ao contribuiu para cimentar aqueles valores entre as classes sociais por meio da relao direta com seus alunos e com a populao da comunidade na qual estava inserido.

Diante do exposto, possvel concluir que a preocupao com o trabalho do professor estava mais voltada ao potencial que desempenhava, enquanto agente da administrao, responsvel pela difuso de uma concepo de sociedade, do que pelos conhecimentos cientficos ensinados. Criticava-se a falta de habilitao dos professores, entretanto tal carncia era suprida pelo princpio da moralidade. No era fundamental ter um quadro de professores qualificados, mas era indispensvel que os professores fossem engajados no projeto, portanto, defensores e difusores da ordem e da moral, essncia da civilizao naquele momento. Eles deveriam servir de espelho aos jovens, tendo um comportamento exemplar na sua vida pblica e privada.

As condies do ser professor no sculo XIX, especialmente na Corte e nas provncias aqui analisadas evidenciam que eles no tinham uma vida abastada e, muito menos, a autonomia pedaggica necessria, como sugeriu Pires de Almeida. A realidade do exerccio dessa profisso no sculo XIX esteve muito mais prxima da proposio potica de Almeida de Oliveira. Todavia a melhor definio do ser professor e do papel social no Brasil imperial foi apresentada pelo inspetor de instruo pblica da Provncia do Paran, Ernesto Francisco de Lima Santos, a qual figura como epgrafe do texto. O professor deveria ser um homem de virtude, devotado ptria, obediente s leis, submisso s autoridades, moralmente ntegro. Deveria ser uma imagem das virtudes pblicas e particulares para a infncia, e servir de lao moral entre os governados e o governo.

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SO VICENTE, Jos Antnio Pimenta Bueno, Marqus de. Jos Antnio Pimenta Bueno, Marqus de So Vicente. (Org. e introd. de Eduardo Kugelmas). So Paulo: Editora 34, 2002. Professor do Colegiado de Pedagogia da Unioeste Campus de Francisco Beltro, membro do Grupo de Pesquisa: Histria, Sociedade e Educao no Brasil - HISTEDOPR. Historiador, mestre e doutor em Educao. E-mail: HYPERLINK "mailto:[email protected]" [email protected]; HYPERLINK "mailto:[email protected]" [email protected]

Professora e Coordenadora do Programa de Ps-Graduao em Educao da UFSCar. Atua na rae de Fundamentos da Educao. Doutora em Histria Social pela USP e pesquisadora na rea de Histria da Educao. E-mail: HYPERLINK "mailto:[email protected]" [email protected]

A 1 edio da obra O ensino pblico, de Antonio Almeida Oliveira foi em 1873.

As exigncias legais eram aplicadas aos professores homens. Quanto s mulheres, alm das exigncias arroladas nessa lista, constavam outras ainda mais rigorosas. Tal fato mereceu um estudo parte, que ser publicado em outra oportunidade.

A Provncia de Mato Grosso ainda teve os regulamentos de 4 de julho de 1873, o de 13 de fevereiro de 1878 e o de 7 de julho de 1889. Todos mantiveram as mesmas exigncias, exceto a de ser catlico, suprimida a partir de 1880. (S e SIQUEIRA, 2000).

Segundo a Constituio de 1824 (artigos 90-97) a eleio se dava em dois turnos. No primeiro, os indivduos qualificados como votantes elegiam alguns eleitores na Assembleia paroquial. Estes por sua vez elegiam os deputados provinciais, gerais e senadores. Para ser qualificado como votante exigia-se uma renda anual de cem mil ris. J para ser eleitor era necessrio comprovar renda de duzentos mil ris. Estes poderiam ser eleitos deputados provinciais. Para ser deputado geral era necessrio comprovar renda anual de quatrocentos mil e senador oitocentos mil ris. Alguns professores primrios chegaram a ser deputados provinciais, mas certamente, rarssimos a condio de deputado geral.

Justiniano Jos da Rocha, no seu relatrio de 1851 defendeu que se exigisse dos candidatos a professor pblico, prova de moralidade de quantos tivessem de exercer autoridade sobre o aluno. A prova de moralidade seria o documento por onde constasse nunca ter sofrido acusao infamante, e a certido do vigrio, do inspetor de quarteiro ou dos pais de famlia de sua vizinhana de que se porta como cidado pacfico. Esse diploma poderia ser cassado dando-se alguma circunstncia que inibiria a sua concesso. (1851, 11).

Um dos primeiros regulamentos a exigir atestado mdico foi o de 13 de fevereiro de 1878, da Provncia de Mato Grosso ao estabelecer no 4 do artigo 35 o seguinte: No sofrer enfermidade incompatvel com as funes do cargo a exercer, mediante atestado mdico. (S e SIQUEIRA, 2000, p. 123). Sobre as influncias do saber mdico nas questes educacionais Cf. GONDRA, 2004).

Cf. por exemplo o artigo 54 do regulamento de 1862 do RJ, artigo 48 do regulamento de 1871 do PR, artigo 67 do regulamento orgnico de 1873 de MT.

Alm deles, de acordo com o artigo 6 A escola deve estar sempre na maior limpeza e asseio, fazendo o Professor varrer a casa pelo menos uma vez no dia, lav-la duas vezes cada ms, e conservar abertas as janelas o maior espao de tempo que fora possvel. importante destacar que os dispositivos contidos no Regimento Interno das escolas da Corte, de 6 de novembro de 1883, continuaram praticamente os mesmos. Cf. BRASIL. Deciso n. 77, 1883, p. 77-8.

Alguns anos depois ele afirmou o seguinte: O governo imperial sabiamente compreendeu que nada poderia conseguir a esse respeito, se no se esforasse por melhorar a posio dos professores primrios, por elev-los na opinio do pas, por assegurar-lhes os meios de decente e honesta subsistncia, libertando-os das apreenses do futuro a legar a suas famlias. (MUNICPIO da Corte. Inspetoria Geral de Instruo, 1859, p. 4).

Esta prtica j estava instituda no artigo 15 do regulamento de 1849 da Provncia do Rio de Janeiro.

Entre as instituies destacam-se as diversas tentativas de criao e organizao das escolas normais na maioria das provncias do Imprio. Tivemos ainda as tentativas de formao na prtica dos professores adjuntos ou alunos-mestres e as experincias das chamadas conferencias pedaggicas. Sobre as escolas normais Cf. ARAJO e Outros, 2008 e CASTANHA, 2009. Sobre os alunos-mestres e as conferencias pedaggicas Cf. CASTANHA, 2008.

Tal idia no era de Souza Bandeira. Ele simplesmente sugeriu pr em execuo o artigo 17, da reforma Lencio de Carvalho, de 19 de abril de 1879 que estabelecia a gratificao por mrito e no por tempo de servio previsto nos regulamentos de 1854 e 1877. Naquela idia estava concentrado o esprito liberal da reforma Lencio de Carvalho e do prprio Souza Bandeira. Aqui cabe uma observao. Nos dias atuais, muitos administradores esto defendendo distines salariais por mrito, como se fosse a ltima novidade.

As penas do artigo antecedente eram: admoestao, repreenso, multa, suspenso correcional de 15 dias a 3 meses e demisso.

Segundo Gramsci, o elemento difuso era constitudo de homens comum, mdios, cuja participao oferecida pela disciplina e pela fidelidade, no pelo esprito criador e altamente organizativo. (p. 26).

Posio semelhante foi defendida por Gondra e Sacramento, no estudo sobre Coutto Ferraz. Segundo eles: A condio de professores pblicos, funcionrios e agentes do Estado exigia que os mesmos fossem submetidos a uma vigilncia constante, de modo que pudessem apresentar um comportamento exemplar e agissem em defesa da sociedade que procurava institu-los como exemplo que, dessa forma, modelaria os prprios alunos e seus responsveis. Por extenso, concorriam para a produo da boa sociedade. (2002, p. 729).

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