os municipio sem busca da melhoria da educacao

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So Paulo, 2005 1 edio

Iniciativa

Realizao

Pesquisa de campo

Fundao Ita Social Unicef

Cenpec Centro de Estudos e Pesquisas em Educao, Cultura e Ao ComunitriaDiretora-presidenta

Maria Alice SetbalCoordenao geral

Ana Maria Aparecida Abreu Guedes Pinto Amlia Borja Elosa Barbosa de Oliveira De Blasis Maria Guillermina Garcia Wladilene Maryan Alves DuchAssistentes de pesquisa

Maria do Carmo Brant CarvalhoCoordenao da rea Gesto de Polticas Educacionais Apoio

Kleber Fernandes de Oliveira Patrcia NakayamaApoio tcnico

Maria Estela BergaminCoordenao do Programa Melhoria da Educao no Municpio

Undime

Vanda Noventa FonsecaOrganizao

Edneide de Viveiros Melo Sueli de Jesus CerinoEdio de textos

Elosa Barbosa de Oliveira De BlasisColaborao especial

Pyxis Editorial e ComunicaoReviso

Ana Maria Falsarella Josemar da Silva Martins

Claudia Padovani e Lui FagundesProjeto grfico e editorao

Fonte DesignFotos

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Os Municpios em busca da melhoria na educao / [coordenao Maria Estela Bergamin; organizao Elosa Barbosa de Oliveira De Blasis]. 1. ed. So Paulo: CENPEC, 2005. Vrios colaboradores. Iniciativa: Fundao Ita Social, UNICEF. Apoio: UNDIME. Bibliografia. 1. Municpios Governo e administrao Brasil 2. Planejamento educacional Brasil I. Bergamin, Maria Estela. II. Blasis, Elosa Barbosa de Oliveira De. 051941 CDD370.981

Acari, RN e Itabera, GO Wladilene Maryan Alves Duch Alagoa Grande, PB Ana Maria Aparecida Abreu Guedes Pinto Pocinhos, PB Amlia Borja Poo Redondo, SE Elosa Barbosa de Oliveira De Blasis Sobradinho, BA Maria Guillermina Garcia Uau, BA Josiela Oliveira Cardoso e Lindomar de Abreu DantasIlustraes

Desenhos produzidos pelas crianas das escolas dos municpios pesquisados

ndices para catlogo sistemtico: 1. Brasil: Gesto educacional municipal 2. Brasil: Municpios: Melhoria na educao ISBN 85-85796-53-1 copyright by CENPEC

370.981 370.981

SumrioPapel dos municpios decisivo para o desenvolvimento da educao Carta de agradecimento Programa Melhoria mobiliza mltiplas potencialidades locais Educao se realiza na expresso das diferenas Para cada desafio, a soluo que lhe cabe Desafios traduzem realidade escolar Infra-estrutura sustenta a qualidade Poo Redondo, proposta educativa para o semi-rido Ler e escrever, ferramentas para o desenvolvimento humano Itabera, buscas coletivas e resultados partilhados Alagoa Grande v a educao como responsabilidade de todos Escola e famlia, relao que exige reciprocidade Acari consolida convivncia pelo exerccio da linguagem A formao do professor parte de seu contexto Pocinhos promove ao integrada Uau supera divergncias por uma educao melhor As prticas educativas e escolares sob um novo olhar Sobradinho em busca de sua identidade Novos caminhos em que apostar Bibliografia Anexo 5 7 8 12 16 19 20 22 28 33 38 44 48 54 57 62 68 72 78 82 83

Apresentao

Papel dos municpios decisivo para o desenvolvimento da educaoNas ltimas duas dcadas, o Brasil tem vivenciado um forte movimento em favor da descentralizao poltico-administrativa dos servios pblicos, fortalecendo as gestes municipais, entendidas como responsveis pela prestao direta de servios aos cidados que vivem em seus territrios servios esses que, antes, estavam muitas vezes sob a tutela dos estados e da Unio. Esse movimento, que afeta toda a rea social incluindo sade, assistncia social, previdncia e educao , foi institucionalizado pela Constituio Federal de 1988, cujo texto claro em atribuir, s municipalidades, a responsabilidade tambm pelo ensino bsico e pelo fundamental. Assim, os municpios vm assumindo papel essencial no gerenciamento das redes escolares e no estabelecimento de metas para melhoria da qualidade na educao, compromissadas com a reduo da distoro idade/srie, da reprovao e do abandono escolar, garantindo que todo aluno chegue quarta srie com pleno domnio da leitura e da escrita, e que os adultos aumentem sua escolaridade mdia. Para isso, os municpios precisam se abrir s novas experincias, ousando aplicar novos formatos organizacionais e institucionais nos sistemas de ensino e nas escolas. A busca por esses novos horizontes educacionais um desafio que assume formas e intensidades to diferentes quanto so as singularidades dos 5.561 municpios brasileiros, o que torna mais complexas as atividades de planejamento, controle e fiscalizao, demandando dos governos municipais que disponham de recursos financeiros e tcnicos nem sempre disponveis. , portanto, necessrio investir no desenvolvimento das competncias locais para que possam analisar a realidade local, diagnosticar suas prioridades e potencialidades e elaborar propostas de ao que maximizem recursos e promovam incluso social. O Programa Melhoria da Educao no Municpio surgiu nesse cenrio visando apoiar os municpios brasileiros na formao de quadros e no planejamento, na implementao e na avaliao de projetos educativos que assegurem, a todas as crianas e aos jovens de seus territrios, acesso a um sistema de ensino com qualidade e a permanncia nele. Resultado da parceria instituda entre a Fundao Ita Social, o Fundo das Naes Unidas para a Infncia (Unicef), a Unio Nacional do Dirigentes Municipais de Educao (Undime) e o Centro de Estudos e Pesquisa em Educao, Cultura e Ao Comunitria (Cenpec), o Programa vem sendo realizado, em todo o Brasil, desde 1999. Integrando procedimentos participativos a aes conjuntas que envolvem diferentes instituies e esferas de poder, o Programa Melhoria da Educao no Municpio percorreu, desde o seu incio, uma trajetria metodolgica que foi sistematizada na coleo Melhoria da educao no municpio: um trabalho coletivo (2003), disponibilizada a todos os gestores municipais objetivando auxili-los na elaborao de uma Avaliao Diagnstica e de um Plano de Ao Educativa para suas cidades. Esta publicao, que temos agora o prazer de compartilhar com o pblico em geral, representa um passo alm nesse percurso: trata-se do que poderamos qualificar como um estudo avaliativo das experincias vivenciadas por uma amostragem de municpios que desenvolveram Avaliaes Diagnsticas e Planos de Ao Educativa, no mbito do Programa. uma oportunidade rica para refletirmos sobre estratgias voltadas ao enfrentamento de problemas educacionais e sobre as habilidades necessrias, aos gestores municipais, para atuar em favor de uma escola pblica capaz de ensinar a todos.

Fundao Ita Social Unicef

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Carta de agradecimentoA Fundao Ita Social, o Unicef e toda a equipe do Cenpec que atua no Programa Melhoria da Educao no Municpio registram aqui seu agradecimento s equipes gestoras, aos professores e aos alunos de todas as cidades participantes do programa que somaram 1.037 municpios, em 2004 , em particular s que foram alvo deste estudo avaliativo, cuja acolhida e reciprocidade permitiram dar ao nosso trabalho a amplitude desejada. Estatsticas e teorias s alcanam sentido pleno se colocadas em prtica e confrontadas realidade. No temos dvidas de que os estudos de caso contriburam para conferir a esta publicao a dimenso de uma pedagogia construda a partir da existncia. A seguir, listamos as cidades e os gestores que apoiaram nosso trabalho mais diretamente.Acari, RN Marluce Medeiros (Secretria Municipal de Educao). Alagoa Grande, PB Maria Gorett de Menezes Patrcio Santos (Secretria Municipal de Educao) e Mnica de Ftima Silva Cavalcante Pereira. Itabera, GO Eleni Soares Mendona (Secretria Municipal de Educao), Paula Adriana Vieira da Cunha, Sueli Rodrigues Barbosa e Wanderlei Jos da Costa (responsveis pela conduo do Plano de Ao Educativa do Municpio). Pocinhos, PB Eliane Moura Galdino (Secretria Municipal de Educao), Mrcio Leandro Silva (Coordenador do Projeto de Formao Docente de Pocinhos) e Maria de Ftima Leal. Poo Redondo, SE frei Enoque Salvador de Melo (Prefeito), Aline Silva (Secretria Municipal de Educao) e Marluce Rocha (Assessora de Projetos da Prefeitura de Poo Redondo). Sobradinho, BA Luiz Eduardo Soledade de Paiva (Secretrio Municipal de Educao) e Ducilene Soares Silva Kestering, Ione Queiroz e Nadja Amorim Pires (responsveis pelo Programa Melhoria da Educao no Municpio em Sobradinho). Uau, BA Mrcia Conceio da Silva Lobo (Secretria Municipal de Educao), Josiela Oliveira Cardoso e Adonias Almeida do Nascimento (responsveis pelo Programa Melhoria, relatado no estudo de caso).

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Introduo

Programa Melhoria mobiliza mltiplas potencialidades locaisJosemar da Silva Martins*

Estas notas sobre o trabalho que a Fundao Ita Social, o Unicef e o Cenpec vm realizando no Brasil, por intermdio do Programa Melhoria da Educao no Municpio, so antes reflexes que meros elogios. Desde 1999, o Programa Melhoria vem se fazendo presente em muitos municpios brasileiros, nmero que, at 2004, totalizou 1.037 localidades. Recentemente, foi feito um estudo avaliativo expresso nesta publicao , objetivando conhecer os resultados do Programa. Esse estudo envolveu 140 municpios, dos quais 115 situados no Nordeste e, desses, 84, no semirido brasileiro (SAB). Em todos esses municpios, o Programa Melhoria colocou em curso uma metodologia de abordagem dos problemas que extrapola a esfera meramente educacional. Mais que isso, props aos prprios sujeitos que se perguntassem sobre seus problemas e sobre as solues possveis. Em que pese o fato de sempre haver mais problemas que solues (e de haver problemas sem solues ordinrias), a experincia apontou instrumentos

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Jardim cuidado pelos alunos da Escola Municipal Menino Deus, em Poo Redondo, SE

tcnico-metodolgicos simples, mas suficientes e eficientes para mobilizar os atores locais no diagnstico e no registro das interrogaes sobre seus prprios problemas, assim como para organizar as respostas a esses diagnsticos. Destaco dois pontos acerca do Programa Melhoria. O primeiro diz respeito contextualizao das solues, visando a garantir o direito subjetivo universal educao escolar. Sabemos que educao, em sentido amplo, algo inerente instncia da cultura, em qualquer sociedade. Mas, aqui, se trata de uma educao particular: aquela que tem como base o cdigo escrito e a lgica formal e que se desenvolve, primordialmente, na instituio escolar. No se tra-

ta, apenas, de viabilizar a todos o acesso educao, em termos gerais, mas de se garantir o direito educao escolar, que se tornou ao lado da formao das identidades nacionais e das maneiras de viver urbanas um pilar fundamental da modernidade, congregando os outros dois. Todos estamos em luta para garantir esse direito, por considerar que todo e qualquer ser humano tem direito escolarizao formal. Esse direito perfeitamente justificado, considerando a expanso da sociedade letrada, que tem como base institucional e tecnolgica o cdigo escrito, a matemtica e a lgica formais. exatamente esse carter que nos coloca em defesa da expan-

so da escolarizao, a todos e a todas, por sabermos que um conjunto de formas de excluso suportado por esses cdigos. Esse , portanto, um princpio universal, uma circunstncia de universalidade da educao escolar, erguida com o nascimento da sociedade moderna. No entanto, por trs dessa circunstncia moderna de universalidade da educao escolar, reside todo o problema de uma colonizao educacional, camuflada por argumentos universalistas, racionalistas e modernos. Com a desculpa de haver uma verdade universal, os problemas e as solues foram sempre emanados de fora dos contextos humanos aos quais se dirigiam. Esse foi o artifcio usado para que se apagassem as pinturas de guerra de uma cultura com identidade prpria, substitudas pela prtica de variados modos de aprisionamento dos sujeitos em representaes construdas pelo colonizador. Esse aspecto constituiu, e ainda constitui, a narrativa oficial da educao brasileira. J dispomos, porm, de referncias suficientes para sustentar que os problemas no podem mais ser detectados de fora para dentro ou de cima para baixo, externamente aos ambientes em que os sujeitos organizam os modos de produo de suas existncias, sob o risco de as aes se converterem em novas prticas de colonizao. Isso porque parte dos problemas se situa, segundo a narrativa oficial, na fronteira da representao simblica das categorias oprimidas, em que a produo de um imaginrio e de um discurso, organizados de fora e arremessados aos sujeitos, os converte em meros objetos da represen-

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Alunos em apresentao de projeto sobre leitura e escrita, em Itabera, GO, 2003

tao e da nomeao colonizadora, sem que se possa reconhec-los nelas. Ento, agora, o princpio de direito subjetivo universal educao escolar somente pode ser realizado a contento se for, ele tambm, uma possibilidade de os sujeitos expressarem suas diferenas, sendo que o ncleo de muitos problemas est inscrito nessas diferenas. Nesse sentido, uma das qualidades inestimveis do Programa Melhoria ter-se pautado por esse princpio, instrumentalizando os sujeitos para dizer suas palavras e, com elas, se interrogarem e reinventarem a si mesmos e as suas circunstncias de vida. O Programa Melhoria permitiu pensar e

enfrentar os problemas inscritos em seus contextos, tomando-os como uma espcie de ecossistema particular, composto de fluxos variados, cuja importncia ser maior quanto mais pensarmos as questes ligadas base material das solues do desenvolvimento. Os fluxos (1) interpenetram-se, mas podem ser separados em trs tipos: a) fluxos de componentes socioambientais, com predominncia daqueles assentados nas questes da natureza; b) fluxos de componentes socioculturais, com destaque para aqueles assentados na base simblica da produo da existncia; c) fluxos de componentes socioeconmicos e tecnolgicos, nos quais

esto aqueles assentados na base material de produo da existncia. Em cada um desses fluxos ou nos cruzamentos entre eles , h um conjunto de problemas e solues que s pode ser enfrentado de dentro. Alis, com base nesse entendimento que sustentamos a necessidade de formatos contextualizados da ao educativa no semi-rido brasileiro, onde colocamos a perspectiva da educao para a convivncia com o semi-rido brasileiro como forma de qualificar as discusses sobre as bases de um desenvolvimento desvinculado de maniquesmos do tipo campo/cidade, local/global etc., mas considerando os ecossistemas complexos que compem os territrios e suas unidades espaciais. Nisso tambm o Programa Melhoria deu sua contribuio, no apenas ao ajudar a tecer interrogaes sobre essas discusses na cartografia das nossas redes locais especialmente na Rede de Educao do Semi-rido Brasileiro (Resab) , mas tambm ao possibilitar que todos os sujeitos envolvidos se olhassem e se interrogassem. O outro aspecto que destaco diz respeito aos tipos de solues elencadas na maior parte das experincias relatadas, que foram listadas pelo estudo avaliativo. H uma tendncia de que as solues passem, quase sempre, pelo campo da arte. Problemas de ordens variadas, inseridos em fluxos assentados em diversas questes, em geral so tratados pela via da arte: questes de meio ambiente, dificuldades de leitura e escrita, questes de relaes sociais etc. so, nada mais, nada menos, materiais para a elaborao da experincia artstica.

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Isso indica o carter interdisciplinar da arte e sua potncia educativa, mas revela, tambm, uma outra fome e uma outra sede, que no somente de pasto ou de gua. Revela que outros problemas podem estar silenciosos por trs dos problemas visveis e das solues organizadas. Dizem que a educao sozinha quase nada pode e que nossa necessidade educativa vai alm da sala de aula e dos contedos meramente escolares. Mltiplas aes de interveno nas cidades foram postas em curso, incluindo a revitalizao de teatros abandonados, que assim se encontravam devido ao descaso histrico com essas outras fomes e sedes. Est claro que existem eroses invisveis e que h a necessidade urgente de se colocar em curso novas prticas que extrapolam o pragmatismo das preocupaes, com a base material do desenvolvimento. Novas prticas sociais, novas prticas estticas, novas prticas na relao com o outro, com o estrangeiro, com o estranho, com o diferente. Um programa que parecer distante das urgncias do momento, mas que coloca em jogo, exatamente, a articulao das subjetividades, em estado nascente, com o socius, em estado mutante, e com o meio ambiente, que pode ser reinventado, apontando sadas para as crises maiores de nossa poca (2). Isso implica enfrentar novos desafios na educao e na cultura. As experincias atingiram no apenas os problemas objetivamente detectados, mas tambm aqueles para os quais nem sempre temos olhos e que esto instalados, molecularmente, em mbitos invisveis da nossa condio humana, os quais somente a

arte tem os instrumentos capazes de alcanar e mobilizar, atingindo os domnios da inteligncia, da sensibilidade e do desejo. No trabalho do Programa Melhoria, especialmente no semi-rido brasileiro (mas no apenas a), est a possibilidade de mobilizao das mltiplas inteligncias locais, de ampliao da comunicao entre as localidades e de crescimento dos repertrios, em funo da requalificao dos modos de produo da existncia o que lhe dignifica. E, nesse caso, preciso reconhecer tambm que, apesar da pobreza material facilmente flagrada nas estatsticas oficiais, os municpios e os sujeitos neles implicados expressam uma riqueza que as estatsticas no capturam e da qual jamais sabem falar: a riqueza de inveno de solues, o que se torna possvel desde que existam bons gerenciamentos. Com a presente publicao, o Programa Melhoria est retroalimentando um ciclo que extrapola aquele formado pelos municpios nos quais esteve presente. De todo modo, quis aqui, apenas, compartilhar os pontos que essa experincia me fez refletir.

Josemar da Silva Martins professor do Departamento de Cincias Humanas do Campus III, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em Juazeiro; mestre em educao pela UQAC, Qubec, Canad; doutorando em educao na Faced/ UFBA. Membro da Rede de Educao do Semi-rido Brasileiro (Resab).

Notas1 Aqui me refiro ao texto O que rural? O que urbano? E a educao?, de Salvador M. Trevisan, e sua palestra, realizada no encontro regional do Frum Estadual de Educao do Campo da Bahia (Feec) e da Rede de Educao do Semi-rido Brasileiro (Resab). Ilhus (BA), 27/9/2003. 2 GUATTARI, Flix. As trs ecologias. Campinas: Papirus, 1990, p. 55.

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Educao se realiza na expresso das diferenasAs cidades so muito diferentes entre si. Cada uma tem sua histria, sua cultura, sua constituio, seu modo de funcionamento, suas festas, seus servios, sua distribuio geogrfica. A vivncia de tudo isso, em todas e em cada uma das cidades , por si mesmo, um ato contnuo de aprendizagem.Pilar Figueiras

Vivemos, hoje, expostos a rpidas e sucessivas mudanas cientfico-tecnolgicas, particularmente nos campos da informtica e das telecomunicaes, que tm alterado, de forma profunda, os meios de produo econmica e cultural de nossa sociedade, estabelecendo condies para que todos os pases, independentemente dos seus estgios de desenvolvimento, sejam atingidos pela globalizao e pela internacionalizao da economia. Mltiplas e complexas formas de comunicao interagem, ofertando produtos e servios diversos, padronizando os desejos de consumo e os estilos de vida, mesmo entre povos de diferentes culturas, nveis socioeconmicos e situaes geogrficas incluindo os mais afastados dos maiores centros urbanos. Essas transformaes tm impacto considervel nas polticas de estado, em especial nas sociais. nesse cenrio que os municpios brasileiros vm sendo convocados a assumir suas responsabilidades constitucionais no processo de descentralizao administrativa em curso no pas.

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Globalizao e internacionalizao da economia resultam da maior interdependncia entre os pases, no mundo atual. Acontecimentos ocorridos em qualquer parte do planeta podem ter reflexos internacionais. Do mesmo modo, os pases perifricos tornaram-se mais vulnerveis s turbulncias e instabilidades econmicas internacionais. Nessa nova ordem mundial, foras transnacionais afetam a todos, sobretudo os pases mais pobres, que correm o risco de perder parte de sua governabilidade por conta do poder de influncia de instituies e mecanismos econmicos situados alm de suas fronteiras. Como estratgia de proteo, as naes vm se configurando em blocos, a exemplo do Mercosul e da Unio Europia, que levam a uma progressiva unificao das economias continentais.

Estudantes participam de projeto sobre leitura e escrita, em Itabera, GO, 2003

interessante observar que os avanos da cincia e da tecnologia tm sido usados de tal forma que no contribuem para a reduo, mas sim para o aumento da distncia entre ricos e pobres, seja entre grupos sociais e localidades de um mesmo pas, seja entre pases e regies do mundo. Essas desigualdades vm se aprofundado e provocando mudanas tambm nos modelos de desenvolvimento. Pases emergentes, como o caso do Brasil, absorveram, durante dcadas, modelos produzidos pelos pases do chamado Primeiro Mundo. A despeito de poderem gerar crescimento econmico e aumento da riqueza, esses modelos no garantem a distribuio equ-

nime da renda gerada, motivo pelo qual passaram a ser questionados. Assim, a idia de desenvolvimento deixou de ser vista como limitada a movimentos econmicos, passando a compreender e a integrar tambm as dimenses do meio ambiente, da cidadania, da cultura, do lazer, da educao, da tica, da solidariedade humana, do territrio e do tempo. Ou seja, o desenvolvimento passou a incorporar a noo de sustentabilidade, entendida como um processo de benefcio coletivo que abrange todas as reas de nossa existncia. Em especial, diz respeito aos locais onde vivemos as cidades , espaos em que todas essas dimenses podem ser facilmente integrveis.

O desenvolvimento local sustentvel supe a construo de comunidades com melhor qualidade de vida e mais capacitadas a solucionar seus problemas, de forma autnoma, valendo-se principalmente de seu conhecimento sobre a prpria realidade, das relaes entre seus integrantes, das vocaes, das potencialidades e dos recursos disponveis ou passveis de serem construdos ou atrados para seu territrio.

Esse entendimento refora o papel dos governos municipais de tomarem a iniciativa de articulao de projetos locais de desenvolvimento que sejam abrangentes, humanos e inclusivos. Isso

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requer uma sociedade fortalecida e mobilizada por meio de sistemas que viabilizem a participao ativa de cada cidado, porque o desenvolvimento sustentado s acontece quando tambm a sociedade civil assume o papel de protagonista num processo de gesto participativa que integre poder pblico e comunidade na elaborao, no acompanhamento e na efetivao das estratgias locais de desenvolvimento. Essas estratgias devem considerar as necessidades da comunidade e respeitar a cultura local.Sociedade civil o espao social que vai alm do mercado e do Estado, garantido constitucionalmente, e que estabelece, a cada um de seus indivduos, direitos e deveres de cidadania a serem reivindicados e praticados individual ou coletivamente, de forma voluntria e autnoma. O nvel de organizao das sociedades civis depende do grau de conscientizao dos seus integrantes em relao a esses direitos e deveres e da capacidade de organizao deles para reivindic-los e coloc-los em prtica, participando de modo ativo do desenvolvimento da sociedade. O desenvolvimento municipal depende, do mesmo modo, dessa postura cidad dos integrantes da comunidade.

Parte indissocivel do processo de desenvolvimento, a educao pblica tem nele papel preponderante, contribuindo para ampliar a incluso

social e para qualificar o exerccio da cidadania. Estatsticas demonstram uma forte relao entre desigualdade social e baixa escolaridade. Projetos na rea educacional contribuem para que haja uma maior socializao do saber. Sendo um recurso sempre em expanso e transformao, o conhecimento uma ferramenta fundamental para o enfrentamento da pobreza e da desigualdade, abrindo horizontes para o avano das comunidades. Vivemos hoje em uma sociedade, sempre em transformao e recriando a si mesma, que tem o conhecimento como principal forma de produo. A escola pblica um dos poucos espaos acessveis populao excluda de outros espaos sociais deve ter a funo de garantir a todos os conhecimentos socialmente produzidos. Sobretudo nos municpios de pequeno porte, a escola um dos espaos pblicos mais aptos a acolher as comunidades, partilhando e aprofundando os laos comunitrios, de forma a consolidar a noo coletiva de pertencimento e de identificao cultural. O fortalecimento da escola pblica condio imprescindvel promoo do desenvolvimento, pressupondo o direito a um bom padro de qualidade, ao acesso aprendizagem e permanncia na escola, conforme estabelecem a Constituio Federal de 1988 e a LDB. Garantir esses direitos um desafio das trs esferas de governo (municpios, estados e Unio), responsveis pela organizao do ensino, o que requer polticas claras definindo os instrumentos, os

parmetros de qualidade e os insumos necessrios ao desenvolvimento da educao.A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia, ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho. (Constituio de 1988, artigo 205.) O ensino ser ministrado com base nos seguintes princpios: I igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola; II liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III pluralismo de idias e de concepes pedaggicas, e coexistncia de instituies pblicas e privadas de ensino; IV gratuidade do ensino pblico em estabelecimentos oficiais; V valorizao dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistrio pblico, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso pblico de provas e ttulos; VI gesto democrtica do ensino pblico, na forma da lei; VII garantia de padro de qualidade. (Constituio de 1988, artigo 206.) O dever do Estado com a educao escolar

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pblica ser efetivado mediante a garantia de: IX padres mnimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mnimas, por aluno, de insumos indispensveis ao desenvolvimento do processo de ensino aprendizagem. (LDB 9394/96, artigo 4.) Qualidade no um conceito de significado consensual, mas vinculado a um momento histrico. Isso quer dizer que seu sentido se altera de acordo com o tempo, o lugar e as pessoas que o produzem, sendo constantemente reelaborado, como nos alerta o texto a seguir, da publicao

Indicadores da Qualidade na Educao (p. 5): provvel que compartilhemos muitas noes gerais sobre o que uma escola de qualidade. A maioria das pessoas, certamente, concorda com o fato de que uma escola boa aquela em que os alunos aprendem coisas essenciais para sua vida, como ler e escrever, resolver problemas matemticos, conviver com os colegas, respeitar regras, trabalhar em grupo. Mas quem pode definir bem e dar vida s orientaes gerais sobre qualidade na escola, de acordo com contextos socioculturais locais, a prpria comunidade escolar. No existe um

padro ou uma receita nica para uma escola de qualidade. (Ao Educativa, Unicef, Pnud, Inep.) Assim, para que o conceito de qualidade na educao ganhe sentido e possa ser perseguido, importante que a comunidade, com base em sua viso de mundo e em suas experincias, participe de sua definio.

O volume crescente de informaes e as mudanas nas relaes familiares, escolares e de trabalho trouxeram novos desafios para a escola, tornando cada vez mais relevante o papel das instituies, governamentais e no-governamentais, que apiam a educao de nossas crianas e jovens. Os municpios que tanta influncia exercem sobre a vida de seus habitantes assumem um novo e fundamental papel: o de fortalecer seus espaos educativos, integrando diferentes atores na tarefa de educar, ampliando para alm da escola os espaos de aprendizagem. Desde que acreditem em seu potencial para promover desenvolvimento e assegurar o direito educao para seus cidados, os municpios dispem de amplo leque de iniciativas. Exemplos disso so as experincias descritas nesta publicao, ocorridas em municpios que, entendendo a educao em seu sentido mais amplo, apostaram nela como fator importante para a promoo de seu desenvolvimento. Como disse o gegrafo brasileiro Milton Santos: A cidade o nico lugar em que se pode contemplar o mundo com a esperana de produzir um futuro.

Alunos em atividade educativa, em Poo Redondo, SE

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Para cada desafio, a soluo que lhe cabe[A cidade] a sede de uma sociedade local compsita e complexa, cuja diversidade constitui um permanente convite ao debate.Milton Santos

Para compreender os esforos e as estratgias de interveno adotadas pelas cidades includas no Programa Melhoria da Educao no Municpio, fizemos um levantamento das Avaliaes Diagnsticas e Planos de Ao Educativa realizados, entre 2002 e 2004, por 140 localidades situadas nos seguintes estados brasileiros: Bahia, Gois, Minas Gerais, Paraba, Pernambuco, Piau, Rio Grande do Norte e Sergipe. A concentrao das ci-

dades pesquisadas em estados do Nordeste se deve constatao de que 40% dos 1.037 municpios por onde passou o Programa Melhoria, ao longo de sua histria, situam-se nessa regio.Dos 140 municpios pesquisados, 84 (ou seja, 60% da amostragem) situam-se na regio semi-rida, o que lhes confere caractersticas ambientais, econmicas e culturais especficas.

Grfico 1 Municpios da amostragem avaliada, segundo taxa de urbanizao e acumulao percentual*

Grfico2 Municpios da amostragem avaliada, segundo a populao e acumulao percentual*

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), Censo Demogrfico 2000. * A amostragem avaliada composta por 140 municpios (veja p. 83 e 84)

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), Censo Demogrfico 2000. * A amostragem avaliada composta por 140 municpios (veja p. 83 e 84)

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Grfico 3 IDH dos municpios da amostragem avaliada, em relao ao IDH do Brasil

Grfico 4 Escolas urbanas e rurais nos municpios da amostragem avaliada

Grfico 5 Taxa de analfabetismo nos municpios da amostragem includa no estudo avaliativo do Programa Melhoria

Fonte: Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), 2000.

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep), 2001.

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep), 2001.

Dos municpios avaliados, 43 tm at 5.000 habitantes e apenas 18 tm populao acima dos 30 mil; alm disso, 67,1% possuem taxas de urbanizao de at 70%, sendo que em 39,3% deles essa taxa vai apenas at 50%. A maioria tem sua economia baseada, principalmente, na agricultura de subsistncia e na produo agropecuria tradicional. So municpios essencialmente rurais, com ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) abaixo da mdia nacional (apenas oito tm IDH acima do ndice brasileiro, Grfico 3). Segundo dados do IBGE, de 2000, um tero da populao brasileira vivia na Regio

Nordeste por volta de 47 milhes de pessoas. Desses, 8,6 milhes residiam na rea rural, particularmente na regio semi-rida (Sudene 2000).Dados do IBGE demonstram que, ao contrrio do ocorrido no pas como um todo, no Nordeste a urbanizao vem se dando de forma lenta em 1970, 56% da populao brasileira residia em rea urbana, percentual que saltou, em 2000, para 80% e, em 2002, para 84% distribudos, nesse ltimo perodo, da seguinte forma: 92% no Sudeste, 87% no Centro-Oeste, 81% no Sul, 72% no Norte e 71% no Nordeste.

A maior parte das escolas de ensino fundamental (de 1a a 4a sries) da amostragem pesquisada situa-se na rea rural e est vinculada s redes municipais de ensino (Grfico 4). Em 99 dos municpios que estudamos, as taxas de analfabetismo estavam entre 25% e 50% da populao (Grfico 5).Mais da metade das escolas brasileiras de ensino fundamental so rurais especificamente 97 mil das 169 mil existentes no pas. E 50% dessas escolas rurais dispem apenas de uma sala de aula e 64% so multisseriadas, ou seja, atendem

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simultaneamente a alunos de diferentes sries. Embora a populao no campo tenha diminudo drasticamente nos ltimos 30 anos, foram registradas melhoras nos indicadores educacionais, como o aumento do tempo de escolaridade e a diminuio do analfabetismo. Porm, nas reas rurais, 28% dos jovens acima de 15 anos ainda so analfabetos; dois teros a mais do que o registrado nas grandes cidades, onde a populao chega a estudar, em mdia, durante sete anos. Nas reas rurais, essa mdia de escolaridade cai para trs ou quatro anos, agravando as distores entre idade/srie, cuja taxa chega a 65% nas reas rurais contra 50% nas reas urbanizadas (Inep, 2004).

Atuando nesse cenrio, os gestores educacionais foram incentivados a elaborar Avaliaes Diagnsticas e Planos de Ao Educativa, levando em conta os problemas da rea educacional como as altas taxas de analfabetismo, o abandono escolar, a repetncia e a distoro idade/srie. O primeiro passo foi identificar mais claramente as dificuldades e as potencialidades especficas da rea educacional do municpio. A partir da, foram priorizados um ou mais problemas e elaborado o Plano de Ao Educativa, posteriormente implementado e avaliado. Nosso estudo seguiu esse percurso e identificou os desafios educacionais mais freqentemente apontados pelos gestores de educao e as intervenes propostas para a superao deles. Observou, em seguida, in loco, como alguns desses Planos foram postos em andamento e seus resultados preliminares. Nosso levantamento orientou-se a partir das seguintes perguntas: 1. Quais foram os desafios educacionais identificados com maior incidncia pelos gestores educacionais dos municpios? 2. Quais so as aes de interveno escolhidas para o enfrentamento desses desafios? 3. Como, em algumas localidades, essas aes esto sendo desenvolvidas? As respostas s questes 1 e 2 so, evidentemente, de ordem estatstica e permearo cada etapa de nossa anlise. J, para responder questo 3, selecionamos sete municpios que implementaram Planos de Ao Educativa propostos, no mbito do programa, com base nos

seguintes critrios: a. ter ao menos uma representao por Estado; b. revelar aes e/ou aspectos locais singulares que tenham favorecido ou conferido ineditismo iniciativa; c. efetuar a confirmao da existncia e a execuo da ao, com base em documentos apresentados pelos municpios; d. apresentar disponibilidade, interesse ou vontade em participar do estudo. Os municpios selecionados para as avaliaes in loco foram: Alagoa Grande e Pocinhos (PB); Itabera (GO); Poo Redondo (SE); Acari (RN); Sobradinho e Uau (BA). O estudo que apresentamos a seguir analisa os exemplos de gesto educacional neles observados, considerando: os espaos e a possibilidade de atuao dos gestores; a potencializao dos resultados das aes, por meio da abertura de canais de comunicao e da mobilizao da comunidade; a identificao das potencialidades locais (educativas, culturais ou ambientais) e dos recursos disponveis (humanos, materiais ou provenientes de parcerias). Observamos que as intervenes realizadas por esses municpios tm uma meta comum: a preocupao de garantir, para sua populao, a aprendizagem da leitura e da escrita. Cada um deles props uma ao diferente, considerando os diversos contextos, as potencialidades e os recursos disponveis. No podemos fazer deles receitas prontas, contudo, so casos exemplares, na medida em que retratam a busca da ao adequada ao desafio local e a diversidade de solues encontradas.

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Desafios traduzem realidade escolarSomos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos.Eduardo Galeano Grfico 6 Desafios educacionais identificados com maior incidncia pelos gestores, nos municpios da amostragem avaliada

Resultado do levantamento feito nas Avaliaes Diagnsticas, o Grfico 6 ilustra os problemas ou desafios educacionais identificados pelos gestores dos municpios avaliados de acordo com o nmero de ocorrncias. Ao organizar as informaes, procuramos preservar as terminologias utilizadas pelos gestores municipais ao descrever ou atribuir causas para os problemas identificados. As respostas foram tabuladas de acordo com o nmero de ocorrncias e agrupadas por semelhana, conforme seu contedo. Os itens rendimento escolar e leitura e escrita so descritos e discutidos no mesmo captulo, uma vez que esto, na viso dos gestores, vinculados em suas causas, assim como nas aes propostas para seu enfrentamento. Os desafios identificados, independentemente de suas incidncias, trazem luz as diversas dimenses da realidade escolar vivenciada por esses municpios. Conhecer essa realidade determinante na definio dos grandes eixos de interveno necessrios ao desenvolvimento da educao, em cada localidade. Nos captulos a seguir, esses desafios sero descritos e comentados, assim como as solues propostas pelos gestores. Os relatos sobre as intervenes ocorridas nos sete municpios acompanhados so dispostos de forma alternada com as anlises avaliativas, exemplificando como se deram, na prtica, as identificaes de problemas e os enfrentamentos dos desafios. Todavia, importante ressaltar que as realidades locais e as comple-

Fonte: Avaliaes Diagnsticas produzidas pelos municpios da amostra, no mbito do Programa Melhoria da Educao no Municpio, 2002/2004.

xidades das solues vo muito alm das subdivises temticas que utilizamos. Cada caso ilustra um determinado tema por ser exemplar naquele aspecto, mas poderia servir igualmente para ilustrar outras propostas, aprendizagens e temas educacionais. A realidade nunca pode ser entendida ou analisada como unidimensional, porque mltipla e diversa, como qualquer aspecto de nossa vida social.

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Infra-estrutura sustenta a qualidadeO problema no mudar a conscincia das pessoas, ou o que elas tm na cabea, mas o regime poltico, econmico, institucional...Michael Foucault

O desafio mais freqentemente identificado pelos gestores municipais (com 24% de ocorrncia) a escassez de recursos financeiros para prover a infra-estrutura escolar (Grfico 6). O dado chama a ateno por indicar quanto, na compreenso dos gestores, a infra-estrutura do sistema de ensino e das escolas fundamental para que seja possvel desencadear um processo pedaggico e bem-sucedido. Essa concluso confirmada por dados nacionais divulgados pelo MEC, em 2001, pelos quais a infra-estrutura das escolas de ensino fundamental, no Brasil, adequada apenas no que diz respeito ao abastecimento de gua e ao fornecimento de energia eltrica (99,3% e 95,2%, respectivamente). J no que diz respeito ao aparelhamento das escolas, apenas 56% possuem bibliotecas, 28%, laboratrios de cincias e 49%, quadras de esportes. fato que o pensamento educacional brasileiro raramente d o destaque devido aos componentes materiais da infra-estrutura e ao funcionamento dos sistemas escolares como produtores de excluso escolar. Tendese a ressaltar, sobretudo, o preparo dos docentes, os contedos e os mtodos de ensino. Estudos e pesquisas sobre mtodos de ensino no Brasil apontam para a necessidade de o professor diversificar as atividades de ensino, considerando que a aprendizagem se d de forma mltipla e variada. Essa perspec-

Grfico 7 Problemas de infra-estrutura identificados nos municpios da amostragem avaliada

Fonte: Estudo Avaliativo, 2002/2004.

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tiva requer que se leve em conta, para alm do livro didtico e da sala de aula, a realidade cultural e ambiental do aluno e de sua famlia, a ser explorada em todas as suas potencialidades. Isso demanda maior aporte de recursos, tanto para o planejamento das atividades escolares e de sala de aula viabilizando, por exemplo, acesso a mais livros e uma maior variedade e quantidade de materiais e equipamentos de apoio quanto para a adoo de estratgias diversificadas de ensino como estudos do meio e atividades cientficas, que implicam visitas planejadas a locais especficos e/ou uso de laboratrios. Assim, as condies materiais tm relao direta com o processo de ensino e aprendizagem. As condies em que operam as escolas so estruturantes. Provendo boas condies de trabalho para os professores e de aprendizagem para os alunos, podemos esperar alteraes consistentes nos padres do ensino pblico. A garantia do direito a uma educao de qualidade para todos exige que sejam feitas mudanas profundas nas bases da atual escola pblica de ensino fundamental, alterando modelos de gesto e de formao dos professores, estrutura curricular, mtodos de transmisso do conhecimento, organizao de tempos escolares e avaliao alm de se assegurar, evidentemente, condies materiais e fsicas que permitam essas transformaes. Especificamente no que diz respeito infraestrutura, essas mudanas se referem aos seguintes aspectos (dentre outros): estabelecimento de um nmero mximo de alunos por classe ou por docente, o que ne-

cessariamente requer um aumento no nmero de salas de aula e a contratao de mais professores, possibilitando o acompanhamento individualizado dos alunos; existncia de salas de aula apropriadas para o trabalho pedaggico, ou seja, devidamente arejadas, iluminadas e providas de mveis e recursos didtico-pedaggicos suficientes ao atendimento de todos os alunos; construo e equipagem de bibliotecas e laboratrios adequados ao trabalho de professores e alunos; fornecimento de condies de trabalho para o professor no apenas no que diz respeito ao acesso a livros e materiais pedaggicos diversificados, mas, em especial, respeitando uma jornada de trabalho remunerada que lhe permita dedicar tempo ao planejamento e avaliao dos trabalhos de sala de aula; oferecimento de merenda de boa qualidade e de transporte escolar a professores e alunos quando isso se faz necessrio. Os municpios avaliados por nosso estudo, sobretudo os menores, com baixa capacidade de gerar renda e arrecadar impostos, sobrevivem na dependncia de aes sociais e dos programas de transferncia de renda do governo federal. Nesse contexto, prover infra-estrutura para os sistemas de ensino e escolas um desafio para essas gestes municipais comprometidas com a busca de recursos por meio de parcerias institucionais pblicas e privadas. A melhoria da qualidade na educao requer aes simultneas, em vrios mbitos, mas

tendo sempre como pr-requisito a existncia de condies satisfatrias de infra-estrutura. Fica patente que os municpios de nossa amostragem, refletindo o que ocorre de maneira geral no pas, carecem de mais recursos para a educao, os quais s podem ser alocados, no porte em que se fazem necessrios, por meio das diversas instncias governamentais, sejam municipais e estaduais, sejam federais.O planejamento e a avaliao de aes em busca de melhoria na educao no podem deixar de considerar tambm, dentre os diversos aspectos que afetam a qualidade do ensino, as seguintes dimenses: ...ambiente educativo, prtica pedaggica, avaliao, gesto escolar democrtica, formao e condies de trabalho dos profissionais da escola, espao fsico escolar e, por fim, acesso escola e permanncia e sucesso nela. (Indicadores da Qualidade na Educao, p. 10, Ao Educativa, Unicef, Pnud, Inep).

A seguir, iniciaremos nossa visita s cidades avaliadas in loco. Na primeira delas Poo Redondo, em Sergipe , vamos conhecer de perto como tem sido sua luta para garantir infra-estrutura escolar, aprendendo, como diz a cano, a fazer a hora, em vez de ficar espera de que as coisas aconteam por si mesmas...

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Poo Redondo, proposta educativa para o semi-rido

Da esq. para a dir.: acampamento de sem-terra; aspecto da arquitetura de moradias populares; fachada e interior da Escola Muncipal Bom Jesus dos Passos, e jardim da Escola Municipal Menino Deus; Poo Redondo, SE

Localizado em pleno semi-rido regio do Serto do So Francisco , Poo Redondo o segundo maior municpio do Estado de Sergipe, com 26 mil habitantes e uma rea de 12 mil km2 cuja paisagem se tornou bastante conhecida mesmo fora de nosso pas, por meio do filme Central do Brasil, que o exibe em grande parte das locaes finais. Seu territrio abrange patrimnios naturais como a grota de Angicos e a Serra da Guia, esta com 750 m de altitude o ponto mais elevado do Estado, com cavernas de at 100 m de extenso, que foram refgios de escravos fugi-

tivos das fazendas do Morgado de Porto da Folha. A cultura negra est presente nas danas e hbitos do povo que vive ao sop da serra, aparentado com moradores do Mocambo, comunidade negra que teve seu territrio imemorial (de pertencimento por direito histrico) reconhecido pela Fundao Cultural Palmares, rgo do Ministrio da Cultura. Poo Redondo fica a menos de 30 km da hidreltrica de Xing. Apesar disso, quase a totalidade das casas de sua zona rural no dispe de luz eltrica. Nas primeiras dcadas

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OS MUNICPIOSREESCREVENDO O FUTURODA EDUCAO O ENSINO EM BUSCA DA MELHORIA DAS CIDADES

Rica pois sua histria Poo Redondo o meu cho Quantas lutas, povo bravo De um serto em comunho (...)

Angicos, Maranduba Beira do rio e currais Contam sempre a histria Dos nossos ancestrais

Trecho do Hino de Poo Redondo, autoria de frei Enoque e Edielson Fernandes Santana.

do sculo 20, a cidade virou campo de batalhas lendrias comandadas por Lampio, que ali formou seu maior bando, com mais de 30 cangaceiros e ali foi morto com Maria Bonita, em 1938, na grota de Angicos. Deixou um legado de histrias que ainda povoa o imaginrio nacional. O municpio enfrenta graves problemas econmicos e sociais causados pela estiagem, pela degradao ambiental e pela desertificao, que colocam em risco a produtividade do solo, a vida animal e vegetal e a prpria sobrevivncia dos habitantes, praticantes de uma agricul-

tura de subsistncia em permanente luta contra a seca. At 2001, a cidade apresentava o maior ndice de analfabetismo do Nordeste (62% da populao), uma realidade e um destino que comeam a mudar. Nos ltimos anos, tem sido palco de uma nova luta agora pela posse de terra, comandada pelo Movimento dos Sem-terra, MST. No setor agropecurio, ocupao da maioria dos trabalhadores do municpio, o desemprego alto. E os ocupados so, quase todos, informais. Em conseqncia, alta a taxa de mortalidade infantil, causada por desnutrio,

verminose e outras doenas relacionadas baixa qualidade de vida. Como so parcas as fontes de arrecadao, a prefeitura dispe de recursos insuficientes e depende de programas em parceria com as esferas federal e estadual e com fundaes privadas para suprir a maior parte das demandas por servios sociais, sobretudo os voltados para famlias em extrema vulnerabilidade econmica e social. O princpio que move a atual gesto de Poo Redondo pode ser resumido por uma frase de frei Enoque, prefeito local: Para ns, administrar olhar para quem tem menos.

O ENSINO REESCREVENDO O FUTURO DAS CIDADES

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Eu fico muito satisfeita quando uma pessoa est aprendendo; fico totalmente feliz. Sinto que estou levando essas pessoas ao longe, ao conhecimento de alguma coisa que ela no tinha. Ajudo o Brasil e a saberem que o Brasil a nossa casa, o nosso mundo; que ns somos filhos do Brasil.Alade Martins, professora do Programa de Alfabetizao Solidria de Poo Redondo, SE, que est na oitava srie.

Aspecto da arquitetura predominante de Poo Redondo, SE

Apesar de enfrentar problemas em diversas reas, Poo Redondo no perde de vista suas potencialidades, calcadas em sua histria, em seu povo, em seu meio ambiente e em sua forte identidade. A peculiaridade desse municpio deve-se ao fato de que ele possui um Plano Diretor, batizado com o nome de Caminhada para a Cidadania, elaborado, coletivamente, em assemblias pblicas, nas quais representantes dos distritos em que a cidade est dividida e de instituies governamentais so chamados a debater os problemas comuns da populao. O Plano Diretor de Poo Redondo orienta a poltica social e o planejamento de todas as secretarias do governo local, que procuram executar suas aes de modo integrado e articulado. Dentre os graves problemas sociais enfrentados pela populao, est a educao escolar. A equipe de gesto educacional do municpio acredita que seja fundamental ampliar o nvel educacional da populao para que se consiga alterar o quadro social adverso hoje vivenciado. Nessa direo, tem apostado na gesto compartilhada, isso , com participao de educadores e tambm de representantes da populao. A conscincia de que as condies estruturais formam o alicerce do trabalho pedaggico levou a equipe gestora local a garantir os cuidados bsicos com os prdios escolares, os equipamentos e os materiais pedaggicos necessrios. H ali uma grande preocupao com a organizao do espao escolar: as salas de aula so arejadas, o mobilirio encontrase em boas condies, h materiais e livros disposio de professores e alunos, alm de quadras para atividades ao ar livre.

O currculo escolar, que tem por foco A convivncia com o semi-rido, outra preocupao da equipe gestora da Secretaria Municipal de Ensino (SME). Sob orientao do Irpaa e da Resab, ele passou a incorporar novas disciplinas (Noes Bsicas de Tcnicas Agrcolas e Noes Bsicas de Economia Domstica), que estabelecem vnculo com a identidade local, integrando conhecimento, vida comunitria e trabalho no campo. Destaca-se nesse currculo uma metodologia de trabalho com projetos prticos. O mais importante, porm, no Plano de Ao Educativa local que toda escola de Poo Redondo tem tambm seu projeto poltico-pedaggico traba-

Exposio do Projeto A convivncia com o semi-rido na escola Bom Jesus

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lhado de maneira contnua e sistemtica. Mensalmente, nas reunies com os pais, os professores retomam e reavaliam as aes estabelecidas conjuntamente, em assemblias peridicas. A diretora da Escola Bom Jesus dos Passos, Soeli Silva, destaca: Todos ficam vidos para propor as solues mais cabveis no que diz respeito a cada questo. O grupo se mostra sempre atento, deixando clara a preocupao e o compromisso, porque o projeto uma conquista do coletivo, da escola, e todos defendem seu fortalecimento, sintonizando com o desejo de construir uma escola aberta, crtica e, acima de tudo, cidad. Por meio dos vrios projetos em anda-

dos Passos, Poo Redondo, SE, 2003

mento como, por exemplo, A paz comea na famlia e A natureza no se defende, ela se vinga , as escolas trabalham a histria do municpio e suas estrias. Os alunos elaboram livros sobre a cidade e seus povoados, sobre seus cidados, sobre seus personagens, sobre seus causos, incluindo casos que o povo conta e a histria oficial. O objetivo incentivar e promover, alm do domnio da leitura e da escrita, as manifestaes da cultura regional, aproximando a escola da comunidade. Boa parte das estrias narradas de domnio pblico e os cidados, sobretudo os mais antigos, so as principais fontes para essas informaes. Outra frente de ao a formao continuada dos professores. Na SME, foi formado um Comit Pedaggico encarregado desse trabalho, composto por tcnicos da prpria secretaria, diretores de escolas e assessores. Sua principal funo planejar as reunies mensais, realizadas sob forma de oficinas pedaggicas, em escolasplo (que renem lideranas comunitrias e representantes de outras escolas situadas no seu entorno), nos diversos distritos municipais. Alm do Comit Pedaggico, a equipe gestora da SME busca todo tipo de parceria que possa contribuir para o aprimoramento da formao dos professores. Programas de formao do MEC (como o Profa e o Proformao) tm sido de grande valia nessa empreitada. A preocupao com o magistrio, no entanto, no se resume promoo do seu envolvimento com as aes educacionais. A SME estruturou um Plano de Valorizao do Magistrio e implantou o Estatuto do Magistrio,

(Pretendemos) uma educao para o campo que enfatize a relao com a terra, os modos de produzir, o meio ambiente, diferentes saberes e culturas, a auto-estima, a identidade e memria coletivas e diferentes formas de compartilhar, caminhando no sentido de contribuir para a construo do desenvolvimento sustentvel do municpio e uma escola de qualidade, referncia na regio do semi-rido.Plano Diretor de Educao de Poo Redondo, SE, denominado Caminhada para a Cidadania.

Minha vontade era aprender meu nome. E achei muito bom. Agora fao meu nome em qualquer canto que chegue. feio demais, em todo canto que chegue, colocar o dedo. Presta no...Aluna de Poo Redondo, SE, em depoimento coletado pelo Programa de Alfabetizao Solidria.

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Essa falta de gua que empurra os produtores e moradores para longe de Poo Redondo, que sem gua para os animais so obrigados a venderem seus rebanhos e ir para So Paulo, acaba se o sertanejo souber como se precaver com a falta de gua, se souber que neste clima se d melhor a criao de caprinos ao invs de bovinos, que a natureza aqui tem que ser preservada e dar vez para o turismo. Voc veja: temos a Serra da Guia, a grota de Angicos; podemos tomar banho no So Francisco, temos as festas, vaquejadas, feira de artesanato e eventos, como seminrios sobre a histria do Cangao. Este lugar tem muito que oferecer pra seus habitantes e para quem vem de fora tambm. Pra isso a gente tem que aprender a respeitar e conviver com o semi-rido.Raimundo Cavalcante, morador de Poo Redondo, trabalha na gesto municipal assessorando escolas.

rea de lazer de Poo Redondo, SE

com piso salarial adequado aos padres locais, incluindo subsdios para a formao superior, em parcerias com os governos estadual e federal. A parceria com o Programa Melhoria da Educao no Municpio tem sido, tambm, de grande valia no trabalho da SME de Poo Redondo por um ensino local de qualidade, como destaca Marluce Rocha, da equipe gestora: Hoje podemos dizer que estamos a meio caminho andado, encontramos a parceria do Melhoria, que nos abriu uma luz no tocante qualidade da escola e nos inspirou a organizar o diagnstico da situao educacional do municpio e um banco de dados, que nos permite acompanhar os resultados de nosso trabalho. Foi a partir do encontro promo-

vido pelo Programa Melhoria, por exemplo, que os gestores educacionais da cidade aprofundaram sua preocupao com o nmero expressivo ali existente de analfabetos, jovens e adultos. Foram, ento, acionados programas como Brasil Alfabetizado e Alfabetizao Solidria, num esforo srio para a erradicao do problema, que levou formao de aproximadamente 50 salas de aula voltadas alfabetizao de adultos. Outra iniciativa importante da SME de Poo Redondo tem sido juntar as diferentes entidades que desenvolvem os programas de alfabetizao de adultos para discutir, conjuntamente, um eixo temtico unificado, considerando a necessidade de trazer para o debate a convivncia com o semi-ri-

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Ela ensinou uma lio, que diz assim: Fale do crocodilo. Eu digo: comadre Marta, o que o corcodilo? Parece que um jacar! ? O jacar o corcodilo? o jacar. Eu digo: comadre, eu no sabia diz corco-di-lo. Dizia de qualquer jeito. Agora eu j sei...Aparecida, benzedeira, (ela diz que benze mau-olhado, sol e sereno, vento cado, olhos quebrados, ar do tempo, espinhela cada e dor de dente), aluna de Poo Redondo, SE, em depoimento coletado pelo Programa de Alfabetizao Solidria. do. E a busca por novas parcerias permanente, mesmo no mbito da prpria cidade, o que permitiu, por exemplo, que o comrcio local financiasse lanche e material de consumo dos alunos dos Programas de alfabetizao de adultos. Poo Redondo soube tambm valorizar o acompanhamento dos dados estatsticos sobre o rendimento escolar, cujo levantamento vem sendo realizado desde 1996 (incio da atual gesto). De acordo com esses nmeros, o ensino municipal tem melhorado em quantidade com o aumento na oferta de vagas e em qualidade com, por exemplo, a reduo do fracasso escolar e a ampliao dos alunos em salas de aula: entre 1996 e 2002, o nmero de matriculados subiu de 3.165 para 6.752 e a porcentagem de reprovao/abandono escolar caiu de 68% para 35%. Para o grupo gestor, os dados sobre o ensino local, embora no sejam ideais, revelam avanos significativos, resultantes da gesto compartilhada, do incremento formao dos professores, da garantia de condies estruturais de funcionamento das escolas e da adoo de um currculo voltado para a convivncia com o semi-rido. O que mais se destaca, porm, em Poo Redondo a perspectiva dos gestores locais de lanar olhares mais atentos s potencialidades do que s dificuldades que enfrentam. Dessa forma, fica mais fcil encontrar as sadas e os caminhos que levam a um futuro melhor.

Se naquela poca tivesse escola, ns era outra pessoa. ... Ns no vinha vindo assim, sendo matada, aqui no serto.Aluna do Programa de Alfabetizao Solidria de Poo Redondo, SE.

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Ler e escrever, ferramentas para o desenvolvimento humanoPorque unindo pedaos de palavras Aos poucos vai unindo argila e orvalho, Tristeza e po, cambo e beija-flor, E acaba por unir a prpria vida No seu peito partida e repartidaThiago de Mello

O baixo resultado escolar foi o segundo problema com maior incidncia nas Avaliaes Diagnsticas, abrangendo aspectos como reprovao, abandono escolar e distores idade/srie que perfizeram, juntos, 15% das ocorrncias. Essas mesmas questes ressurgiram, naturalmente, nos Planos de Ao Educativa dos municpios como desafios a serem enfrentados, com as seguintes incidncias: reprovao 24%, abandono 19% e distoro idade/ srie 4% das indicaes. Contudo, o desafio a ser enfrentado eleito como sendo de absoluta prioridade pelos gestores, com 34% de indicaes, foi a aprendizagem da leitura e escrita, fazendo convergir o foco dos Planos de Ao Educativa para esta questo, apontada com freqncia como um dos principais entraves da educao brasileira. O entendimento implcito dos gestores foi de que, reforando a aprendizagem da leitura e da escrita, os problemas relativos aos resultados escolares seriam melhorados. Quantificando dados do Inep/2001 sobre distoro idade/srie, reprovao e abandono escolar referentes aos municpios avaliados, identificamos a pertinncia de os gestores apontarem esses problemas como centrais.

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Em 69 das cidades avaliadas, as taxas de distoro idade/srie no ensino fundamental, nas escolas municipais, variaram entre 50% e 75% (Grfico 8). J as reprovaes (Grficos 9 e 10) giraram, em 89 desses localidades, entre 10% e 25%, nos casos de alunos da 1 4 sries/escolas municipais, e entre 10% e 25% para os da 5 8 sries/escolas municipais, em 58 municpios. Por sua vez, as taxas de abandono (Grficos 11 e 12) chegaram a 25%, em 131 das cidades, para alunos da 1 4 sries/escolas municipais, e foram de at 25% para os alunos/escolas municipais da 5 8, em 96 dos municpios. Esses dados expem, claramente, o fenmeno da excluso escolar e justificam as metas estabelecidas pelos gestores ao definir suas prioridades educacionais.Os baixos indicadores so histricos na educao brasileira, apesar de registrarmos, desde os anos 30, uma expanso nos nveis de escolaridade da populao, processo acentuado entre as dcadas de 80 e 90. Isso decorre do fato de as oportunidades de permanncia com sucesso na aprendizagem no terem evoludo na mesma medida em que a rede pblica se expandiu. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep), entre 1954 e 1961, de cada mil crianas que ingressaram na primeira srie da escola primria, apenas 39,5% passaram para a segunda srie sem reprovao. Entre 1971 e 1978, de cada mil crianas que se

Grfico 8 Municpios da amostragem avaliada de acordo com a taxa de distoro idade/srie no ensino fundamental (de 1 a 8 sries), em escolas municipais e estaduais

Grfico 9 Municpios da amostragem avaliada de acordo com a taxa de reprovao, de 1 4 sries, em escolas municipais e estaduais

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep), 2001.

matricularam na primeira srie, 52,6% se matricularam na segunda srie do ano seguinte e apenas 18% conseguiram terminar a oitava srie em 1978. Ao longo de toda a dcada de 1980, apesar de um nmero cada vez maior de crianas em idade escolar ter acesso ao ensino pblico, a excluso continuava sendo um problema endmico e a repetncia era identificada como o maior problema da educao no Brasil: em mdia, apenas 50% das crianas ingressantes na primeira srie eram promovidas para a segunda srie. Diversos estudos constataram que o fracasso escolar atingia, especialmente, os alunos mais pobres, pelos seguintes motivos:

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep), 2002.

Grfico 10 Municpios da amostragem avaliada de acordo com a taxa de reprovao, da 5 8 sries, em escolas municipais e estaduais

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep), 2002.

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Grfico 11 Municpios da amostragem avaliada de acordo com a taxa de abandono escolar, da 1 4 sries, em escolas municipais e estaduais

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep), 2002.

insuficincia da oferta de vagas e de escolas; insuficincia dos componentes materiais que do suporte ao trabalho escolar; organizao inadequada do sistema de ensino (seriao, burocracia e hierarquizao); m organizao dos tempos e espaos escolares; currculo organizado de forma a distanciar o saber socialmente produzido do saber ensinado, excluindo da sala de aula a vivncia sociocultural dos alunos; formao inconsistente do professor nos contedos e nos mtodos de transmisso; desigualdades sociais endmicas no pas. Os debates desencadeados por esses estudos focalizaram, principalmente, o insucesso escolar como o maior desafio educacional brasileiro e concluram pela necessidade de que fosse enfrentado de forma sistmica, garantindo a permanncia dos que ingressassem no ensino fundamental. Ao longo das dcadas de 1980 e 1990, verificou-se a consolidao no pas de uma cultura e de um conjunto de polticas pblicas fortes de combate reprovao escolar.

Grfico 12 Municpios da amostragem avaliada de acordo com a taxa de abandono escolar, da 5 8 sries, em escolas municipais e estaduais

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep), 2002.

Os resultados, pelos dados dos ltimos anos, traduziram-se em uma cobertura pelo ensino fundamental de aproximadamente 97% da populao em idade escolar. Entretanto, segundo a Geografia da Educao Brasileira, Inep/MEC 2001, de

cada grupo de cem alunos ingressos na primeira srie do ensino fundamental, apenas 59% conseguem terminar a oitava srie; outros 41% param de estudar no meio do caminho e 39% dos que esto nessa fase tm idade superior adequada. Na dcada de 1990, a eficincia do sistema escolar passou a ser avaliada pelo desempenho dos alunos, constatando ndices sempre desfavorveis de aproveitamento, sobretudo no que diz respeito apropriao das habilidades de leitura e escrita. Segundo os resultados do Saeb 2003, 59% das crianas que freqentaram a quarta srie do ensino fundamental no conseguiam ler com desenvoltura; ou seja, apesar de no reprovar mais com tanta intensidade, a escola, que, atualmente, tem recebido mais alunos, no capaz de garantir a todos a permanncia e o sucesso no ensino fundamental. Apesar dos avanos verificados no sistema de ensino brasileiro na ltima dcada, especialmente no que diz respeito expanso da oferta de vagas, o insucesso escolar persiste no pas e se confirma, de forma evidente, nos casos dos municpios de nossa amostragem, cujos gestores trabalham com afinco em busca de alternativas de enfrentamento. Nesse processo, tem sido fundamental conhecer as causas do baixo resultado escolar, sintetizadas no Grfico 13. Em primeiro lugar, os gestores apontam a dificuldade de apropriao da leitura e da escrita; em seguida, por ordem de importncia, vm: as prticas curriculares utilizadas pelas escolas consideradas imprprias e/ou ultrapassadas; as atitudes das famlias e dos alunos em relao valorizao do en-

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sino; a formao dos professores e a escassez de recursos para a infra-estrutura. Todos esses fatores indicam que a excluso e a produo do fracasso escolar so motivadas, em maior ou menor grau, por causas diferentes, mas interdependentes. Por isso mesmo, as propostas de interveno tm privilegiado as aes conjuntas (Grfico 14): quando o problema priorizado pelos gestores foi repetncia ou baixa aprendizagem em leitura e escrita, as intervenes se voltaram, primeiramente, para as prticas curriculares (em maioria) e, em seguida, para a formao dos professores. Desse modo, procurou-se atingir, simultaneamente, os dois lados da mesma moeda: promover maior formao de professores e ao mesmo tempo projetos culturais e pedaggicos capazes de impulsionar a leitura e a escrita. Para os gestores municipais de nossa amostragem, o baixo rendimento apresentado pelos alunos da 1a 4a sries em leitura e escrita tem como principal conseqncia a repetncia, o abandono escolar e a distoro idade/srie. No por outro motivo, 34% dos Planos de Ao Educativa por eles propostos apontam a superao dessa dificuldade a pouca aprendizagem em leitura e escrita como prioridade na luta pela melhoria dos resultados escolares. Em sntese, entende-se que o sucesso escolar e o domnio da leitura e da escrita so, obviamente, aspectos to indissociveis entre si que no podemos falar de um sem, automaticamente, nos reportar ao outro.A nfase na leitura e na escrita se justifica, inclusive, em funo do debate nacional

deflagrado, a partir dos resultados obtidos pelos estudantes brasileiros nas avaliaes dos sistemas escolares, como o Sistema Nacional da Educao Bsica (Saeb) e, tambm, em avaliaes de desempenho de alunos, como o Programa Internacional de Avaliao de Estudantes (Pisa) e o Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf). Todos do destaque para a avaliao do rendimento em leitura e escrita. Em 2003, os resultados do Saeb revelaram que 59% das crianas das quartas sries no sabiam ler. Os resultados do Pisa, realizado em 2000, colocaram os estudantes brasileiros, na faixa de 15 anos, em ltimo lugar no domnio da leitura e escrita. O Inaf 2001, por sua vez,

apurou o seguinte: 9% de nossa populao entre 15 e 64 anos permanecem em situao de analfabetismo absoluto; 31% conseguem localizar informaes apenas em textos curtos; 34% localizam informaes em textos de extenso mdia; apenas 26% so capazes de ir alm da localizao de informaes, comparando partes de um mesmo texto ou textos diferentes entre si, realizando inferncias e snteses. O domnio da leitura e da escrita contribui para a incluso social, ampliando as possibilidades de um exerccio qualificado da cidadania. Constitui fator bsico de participao na vida econmica do pas, uma

Grfico 13 Causas da repetncia, abandono escolar e distoro idade/srie nos municpios da amostragem avaliada

Fonte: Avaliaes diagnsticas envolvendo 140 municpios, no mbito do Programa Melhoria da Educao no Municpio, 2001/2003.

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vez que as novas formas de organizao da produo requerem, cada vez mais, trabalhadores com domnio e proficincia de leitura e escrita. A apropriao dessas habilidades bsicas permite a aquisio e a ampliao de novos conhecimentos e informaes, mas no se limita a isso. Permite trabalhar os conhecimentos adquiridos, classificandoos, analisando-os e contextualizando-os talentos essenciais ao desenvolvimento de todos, na escola e no trabalho. A alfabetizao no se restringe, portanto, ao domnio da grafia, de palavras, de formao de frases e oraes. Permite o exerccio da capacidade de compreender significados, ampliando a insero e a contribuio social do indivduo. A alfabetizao se d a partir de contedos culturais, cientficos, histricos e tecnolgicos que esto presentes, no mundo de hoje, nas relaes sociais, nas relaes comunicacionais, afetivas, econmicas. D-se na medida em que trabalhamos os significados, trazemos o conhecimento em questo, presentes na

Grfico 14 Aes propostas para melhorar a aprendizagem em leitura e escrita e diminuir repetncia nos municpios da amostragem avaliada

Fonte: Avaliaes Diagnsticas envolvendo 140 municpios, no mbito do Programa Melhoria da Educao no Municpio, 2002/2004.

sociedade e que foram acumulados ao longo de nossa histria, como condio de compreendermos a sociedade em que estamos (PIMENTA, Selma G., 1998).

Atividade educativa envolvendo alunos e professores de Sobradinho, BA, 2004

Ler e escrever so ferramentas bsicas essenciais ao desenvolvimento de qualquer ser humano, um desafio premente para os que se vem diretamente responsveis pelo ensino fundamental, como os gestores municipais de educao. Superar esse entrave to determinante para o desenvolvimento do pas quanto vencer a fome, passo primordial em direo a uma escola pblica inclusiva, capaz de ensinar a todos conforme prev a Constituio Brasileira de 1988. Vejamos, a seguir, como os municpios de Itabera, em Gois, e Alagoa Grande, na Paraba, tm lidado com este desafio.

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Itabera, buscas coletivas e resultados partilhados

Da esq. para a dir.: estudantes; professores em discusso sobre o Programa Melhoria; detalhe de mural dos alunos; Itabera, GO, 2003

Fundada em 1868, Itabera que em tupiguarani quer dizer rio das pedras brilhantes, referncia ao Rio das Pedras que passa prximo do lugar situa-se na regio central de Gois, entre Goinia e Gois Velho. Centenria, a cidade carrega muitas tradies e histrias, entre elas a da ilustre visita, em julho de 1819, do naturalista francs Auguste de Saint-Hilaire, recebido por uma folia que recolhia esmolas para os festejos de Pentecostes. Naquela poca, o vilarejo se resumia a 52 casas e atendia pelo nome de Curralinho. As festas catlicas marcam fortemente a cultura local, hoje em transformao, com o nmero de habitantes se aproximando dos 30 mil, 76% dos quais viven-

do na regio urbana e 24%, na rea rural. A economia municipal baseia-se, especialmente, na produo de tomate e na pecuria de corte e leite. Possui um considervel patrimnio cultural, com destaque para o Museu Histrico e para a Casa da Cultura, que abriga a Academia Itaberina de Letras e Artes. Conta com 16 escolas pblicas (entre estaduais e municipais), trs particulares e, ainda, com a Unidade Universitria Rio das Pedras, brao da Universidade Estadual de Gois, cujo curso de Pedagogia trouxe novas perspectivas para a educao no municpio e regio. Anualmente, sedia a Expoart, feira de artesanato organizada pela Secretaria de Ao Social.

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Todos os campos que atravesso tinham sido queimados recentemente: o fogo ressecara as folhas das rvores; uma cinza negra cobria a terra e, com exceo dos pequenos capes de mata, no se via a menor vegetao; entretanto, o sol nessa regio era de um azul to claro, a luz do sol to brilhante, que a natureza parecia ainda mais bela, no obstante sua nudez.Auguste de Saint-Hilaire, descrevendo sua passagem por Itabera em 1819, no livro Voyages ou IAmerique du Sud, p. 173.

O fato de a comunidade ser ouvida a respeito do que pensa sobre educao despertou interesse pelos assuntos relativos melhoria da cidade como um todo. Essas discusses no s trouxeram as pessoas para dentro da escola, como tambm colaboraram para que houvesse uma mudana no olhar sobre as dificuldades de aprendizagem e sobre o papel da escola e dos pais na educao.Suely Rodrigues Barbosa, diretora de escola municipal em Itabera, GO.

Com tudo isso, uma das maiores dificuldades vividas pelos jovens itaberaienses a falta de lazer, que se resume muitas vezes aos jogos eletrnicos, segundo relata a monitora do Programa Melhoria no local, Wladilene Maryan. So altos os ndices de jovens que usam drogas ou lcool e que tm iniciao sexual precoce, muitos dos quais se prostituem. Focando esses e outros problemas, o Plano de Ao Educativa desenvolvido pela SME de Itabera alcanou resultados exemplares no enfrentamento de adversidades comuns a grande parte das cidades brasileiras. Tomar iniciativas no fcil, principalmente quando isso envolve um trabalho coletivo. A equipe gestora de educao em Itabera encarou esse desafio, partindo de trs princpios: 1. participao, na busca coletiva de solues; 2. mobilizao, ou seja, o estmulo ao envolvimento real das pessoas no processo de mudana; 3. socializao dos resultados, preservando o direito de todos partilharem os resultados. A primeira etapa desse processo foi marcada por uma ampla reunio envolvendo todas as equipes escolares da rede municipal com o objetivo de promover reflexes conjuntas sobre formas de aprimoramento do trabalho pedaggico. Nessa ocasio, foi feito um levantamento coletivo das potencialidades educadoras oferecidas pela cidade e uma anlise sobre o que faltava para melhorar o ensino em Itabera. Emergiram do debate trs problemas centrais: a aprendizagem da leitura e da escrita, a formao de professores e a evaso escolar. Em comum acordo, de-

finiu-se que o problema prioritrio a ser combatido seria a deficincia na leitura e na escrita, com prioridade para alunos de 1 a 4 sries, at porque, para se trabalhar essa questo, as demais, por estarem inter-relacionadas, teriam de ser tambm abordadas. Ou seja, os professores teriam de ser mais bem capacitados e os alunos,

Projeto sobre leitura e escrita, em Itabera, GO, 2003

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aprendendo mais e melhor, repetiriam e evadiriam menos das escolas. Leitura e escrita so, ademais, alicerces para o desenvolvimento de qualquer projeto didtico, assim como para todo o trabalho escolar. A empreitada comeou, ento, pelo aperfeioamento pedaggico, envolvendo aes voltadas formao continuada dos educadores (professores, diretores e coordenadores pedaggicos) e ao acompanhamento didtico-pedaggico das escolas. Para apoiar a formao dos educadores, foi estabelecida parceria com a Universidade Estadual de Gois, que passou a realizar cursos e oficinas pedaggicas. J para o acompanhamento das escolas, foi criada uma sistemtica de avaliao de resultados que objetivava permitir SME ter um rastreamento permanente de todo o processo em curso. A sistemtica de avaliao planejada pela SME de Itabera somou dois mecanismos diferenciados, mas de uso simultneo: o primeiro foram visitas regulares realizadas pela prpria equipe gestora s unidades educativas; o segundo foram avaliaes bimestrais envolvendo todos os alunos do municpio baseadas nos Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e batizadas de Gincanas Culturais , cujos dados ofereceram uma radiografia peridica indicando os pontos nevrlgicos das dificuldades de aprendizado locais e permitindo o planejamento de aes para sua superao. Apesar de algumas resistncias, logo os resultados se fizeram sentir: os diretores, ao ter seus conhecimentos tericos ampliados, passaram a demonstrar maior

envolvimento nos assuntos pedaggicos; os coordenadores pedaggicos e/ou supervisores tornaram-se mais crticos e conscientes da importncia de seu papel na melhoria da educao escolar; os professores inovaram mais em suas aulas, planejando-as melhor e de forma mais problematizada e criativa; os alunos, mais motivados, passaram a ter participao mais ativa nas aulas. Nesse processo, o Programa Melhoria da Educao no Municpio ajudou muito, segundo avaliao de Sueli Rodrigues Barbosa, tcnica da Secretaria de Educao: Penso que o Programa Melhoria tem como funo principal nos ajudar a ver nossas prprias dificuldades para que, aos poucos, possamos ir tomando iniciativas que contribuam de forma positiva para amenizar e, quem sabe, at solucionar os problemas detectados. No caso de Itabera, o problema no foi erradicado, at porque seria pretenso acreditar que, nesses poucos meses aps o trmino das fases presenciais do programa, conseguiramos tal faanha. Mas houve um encaminhamento para a melhora e um olhar mais atento de todos ns na busca por solues, conjuntamente. Para entender como essa busca se deu na prtica, vejamos o relato da diretora da Escola Municipalizada Irani Costa, que atende a 330 alunos, 90 deles provenientes da zona rural: Nosso primeiro passo foi nos reunir com a comunidade e pedir ajuda para abrir, na escola, uma sala de leitura. Tnhamos o mobilirio e uma sala disponvel, mas seriam necessrios os livros de literatu-

Gosto de chocolate, cachorro que late, frio que bate Cama fofinha, comida quentinha, carinho noitinha Forr, xod, na cama da vov Namoro no porto, chimarro e uma boa cano Andar a p, tomar caf e ter f Pipa que voa, rir toa, viver numa boa Pintar o sete, brincar com confete, chupar chiclete Bernadete, omelete, andar de patineteAnapaula, Bernadete e Ceclia, em atividade baseada no poema Duas dzias de coisinhas toa que deixam a gente feliz, de Otvio Roth; alunas da Escola Municipal So Benedito, Itabera, GO.

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No altar estava, sua espera, o Lobisomem. Enquanto o casamento ia acontecendo, Curupira, transformado em sapo, apressou em desfazer o feitio, pois conhecia o segredo da Cuca. Quando o Saci perguntava: H algum aqui presente que tem algo contra esta unio? Eu! disse o Curupira. Todos se assustaram e fez-se um grande e tenebroso silncio.Rita Melo e Mariline, em atividade como alunas da Escola Municipal So Benedito, Itabera, GO.

ra infantil. Sabendo das dificuldades de nossa clientela, fizemos estudos sobre como desenvolver a campanha. Em relao aos pais dos alunos, achamos que poderiam pedir que vizinhos, patres e colegas de trabalho doassem livros que estivessem esquecidos em estantes. A proposta foi bem recebida e a comunidade se prontificou em ajudar. Partindo dessa reunio, montamos um projeto com o tema Ler o caminho... Pedimos ajuda tambm a polticos da regio e a uma grfica, para imprimir os folhetos. Enviamos correspondncias, juntamente com o folheto, para vrias editoras e tambm para o MEC. No fomos totalmente felizes no retorno, mas recebemos algumas doaes. Dando continuidade, visitamos escolas particulares e expusemos nosso objetivo. Sensibilizamos grande parte dos alunos e recebemos muitas doaes entregues em mos. Mesmo enfrentando barreiras e descasos, no fraquejamos. Nossa sala de leitura, que se chama Cantinho da Leitura, foi aberta com um pequeno acervo, mas deixando os alunos muito entusiasmados. Valeu a pena... O esforo no pra e continuamos sempre pedindo doaes para enriquecer nosso acervo de livros e gibis. O Cantinho da Leitura deu base para vrias outras iniciativas, algumas mais focadas na leitura, outras na escrita como nos detalha a diretora, na continuidade do seu relato: O projeto Lendo e escrevendo, por exemplo, visa montagem de livros com produo e texto dos prprios alunos. Eles so incentivados a escrever, porque seus textos so expostos nos corredores da escola. Isso os tem levado a escrever mais e a re-

Estudantes de Itabera, GO, 2003

gistrarem melhor suas idias. Desenvolvemos tambm o que chamamos de Momento Cultural. Todos os dias, durante cerca de 20 minutos, antes do incio das aulas, uma classe faz uma apresentao. O professor do dia planeja e apresenta, com os alunos, uma leitura de poesia, travalngua, conto, livro de literatura, reportagem etc. , canto ou dramatizao. Achamos esses Momentos valiosos, pois dia a dia os alunos vo se soltando, perdendo receios de se pronunciarem perante outras pessoas, desenvolvendo maior

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rapidez de leitura e se sentindo valorizados. E existe, ainda, a hora da Leitura por prazer. Para realiz-la, o professor procura um lugar arejado na escola ou mesmo na pracinha ao lado e deixa que os alunos escolham, entre livros, gibis e revistas do Cantinho da Leitura, o que querem ler, por puro prazer. Percebemos que, assim, eles tm maior interesse e motivao, pois nada lhes imposto. Com todas essas iniciativas, notamos que os pais esto acompanhando mais de perto a vida escolar dos filhos e participando mais das propostas da escola. Inclusive, so eles que esto ajudando a organizar e a cuidar da sala de leitura. Os estmulos lanados pela Secretaria Muni-

cipal de Educao de Itabera deram resultados, como fica evidenciado no caso da Escola Municipalizada Irani Costa. O melhor desempenho dos alunos, em todo o municpio, pode ser detectado pelos sistemas de acompanhamento e controle escolar, que se tornaram uma preocupao e um compromisso permanente da SME. Mobilizar educadores e a populao na busca por solues educacionais um trabalho que requer clareza nas metas gerais e, em particular, no uso de procedimentos adequados. S assim possvel garantir o acesso e a permanncia das crianas e dos adolescentes nas escolas e, mais importante que isso, uma aprendizagem efetiva.

Foi de modo que o gado, procura de alimento, veio, parte dele, empastar-se s margens do Rio das Pedras, onde a vegetao naquele tempo, como ainda hoje, era fresca e fecunda, e onde o pasto era virgem e vioso. Capito-mor Salvador Pedroso de Campos desenvolvia sua fazenda em iniciativas industriais, atraindo outras pessoas da lavoura, e fez com que nascesse a idia de se realizarem ladainhas aos domingos em uma das casas, que se tornou logo conhecida por Casa das Oraes. Da nasceu a devoo para Nossa Senhora DAbadia, que, para honra das tradies catlicas de Itabera, ainda venerada pelo seu povo.Bruno Calil Fonseca, em Histria de Itabera.

Alunos em sala de aula no municpio de Itabera, GO, 2003

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Alagoa Grande v a educao como responsabilidade de todos

Da esq. para a dir.: populao reunida em praa pblica para a I Mostra Teatral em Alagoa Grande; aspetos da arquitetura municipal; teatro; igreja; escola; em Alagoa Grande, PB, 2003

Incrustada na microrregio serrana de Piemonte da Borborema, no Estado da Paraba, o municpio de Alagoa Grande cujo primeiro nome foi Serto do Pa possui cerca de 30 mil habitantes e fica a 110 km da capital, Joo Pessoa. Com clima quente e mido, possui muitas cachoeiras e edificaes de valor histrico igrejas, casas, prdios pblicos e engenhos ,

tombadas pela municipalidade. Entre eles est o Teatro Santa Igns, terceiro mais antigo do Estado, construdo em 1905 por um influente poltico da regio. Terra natal do famoso ritmista Jackson do Pandeiro, a cidade abriga, ainda, a comunidade quilombola de Caina dos Crioulos, a 24 km do centro urbano, reconhecida pela Fundao

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Palmares. Por esses e outros motivos, uma das mais belas opes tursticas do chamado brejo paraibano, o que no lhe exime de conviver com graves dificuldades sociais. As alternativas de trabalho so escassas na cidade, restritas quase que apenas ao comrcio e administrao municipal. Em grau discreto, pratica-se a lavoura de subsistncia (milho, feijo e mandioca) e a pecuria bovina, ovina e caprina.

A cidade sedia um curso de Pedagogia em regime especial para professores da rede pblica e tem como principal veculo de comunicao a Rdio Rural Guarabira. Em 17 de junho de 2004, foi vtima de um grave acidente: a barragem de Cmara, construda trs anos antes no Rio Mamanguape, em um municpio vizinho, rompeu-se por falhas construtivas, elevando o nvel das guas em mais de cinco

metros. As cidades mais atingidas pela inundao foram Alagoa Grande e Mulungu, deixando um saldo de trs mortos e de 1.600 desabrigados. Em Alagoa Grande, as guas destruram plantaes, uma ponte e parte do patrimnio histrico. Hoje, a populao, que recebe indenizaes do governo estadual pela tragdia, dedica-se reconstruo das reas atingidas.

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A comunidade no tinha a menor idia do que se passava dentro da escola. Era como se fossem dois mundos: a escola um e a comunidade outro. (...) Estvamos buscando formas de fazer com que os alunos gostassem da escola, mostrando para os professores que no preciso ficar s na sala de aula, ser s professor conteudista, mas abrir para atividades extracurriculares tambm. Da veio o interesse por resgatar o passado, a cultura, quando comeamos a ver resultados em eventos como, por exemplo, a Mostra de Folclore. A vimos que as crianas se envolviam...Mnica de Ftima Pereira, coordenadora pedaggica da SME de Alagoa Grande, PB.

Participando do Programa Melhoria, a equipe gestora de educao de Alagoa Grande, percebeu, bem cedo, que os problemas educacionais do municpio compunham um ciclo vicioso: abandono e repetncia geravam professores desmotivados, alunos desinteressados e pais distanciados da escola. Tudo isso causava deficincias generalizadas no domnio, pelos alunos, da leitura e da escrita, origem dos crescentes ndices de abandono e repetncia escolar. A equipe sabia de antemo, tambm, que as verbas disponveis para a educao eram poucas e que o currculo, distante da realidade local, era outra matriz de problemas. Era preciso romper com esse crculo vicioso, mas onde estaria a sada? Apoiada pelo Programa Melhoria, os gestores municipais debateram a questo e aos poucos foram percebendo mais claramente que a sada estava no estmulo leitu-

ra e escrita. Como num jogo de domin, derrubando essa dificuldade, as outras falhas, dela conseqentes, tambm cairiam por terra. Surgia, ento, outra pergunta: como gerar interesse pelo aprendizado da leitura e da escrita? A resposta estava na prpria cidade: a cultural local, ponto forte de Alagoa Grande. Foi quando surgiu a idia de abrir as portas do Teatro Santa Igns para as escolas e para a prpria comunidade, um patrimnio histrico que estava, ento, subutilizado. Afinal, por que no tornar a marca cultural da cidade acessvel a toda a populao? Era preciso democratizar um espao considerado de elite. Nasceu assim a I Mostra Teatral de Alagoa Grande: professores e alunos foram convidados a participar do evento, permeado pelo estmulo leitura e escrita. A equipe gestora mostrou sua capacidade ao explorar os potenciais da comuni-

Bodocong, Alto Branco e Z Pinheiro Aprendi tocar pandeiro nos forrs de l.Jackson do Pandeiro (na letra de Forr em campina), msico e cantor natural de Alagoa Grande, PB.

Sala de aula no municpio de Alagoa Grande, PB, 2003

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Apresentao da I Mostra Teatral de Alagoa Grande, PB, 2003

dade, articulando apoios e entusiasmando pessoas e instituies a contriburem, fazendo o projeto acontecer. Do governo municipal, obtiveram a locomoo dos alunos junto Secretaria de Transportes e, da Secretaria de Cultura, chancela para usar o Santa Igns. Da comunidade, a primeira colaborao importante partiu da Rdio Rural Guarabira, que abriu sua programao para divulgar o acontecimento; outros apoios logo se somaram, como o do Grupo de Teatro Zoar, voltado ao trabalho com crianas e jovens, que se incumbiu de promover oficinas de voz, dico e interpretao; instituies bancrias e do comrcio fizeram doaes financeiras que permitiram a confeco dos figurinos e cenrios. Depois de dois meses de trabalho intenso, enfim estava tudo pronto: o que se viu a partir da grande noite de estria foram 28 peas tendo as crianas e os adolescentes da comunidade como

protagonistas de uma temporada que agitou a cidade e deu o que falar durante uma semana inteira. Certo! Mas como foi que tudo isso contribuiu para estimular a leitura e a escrita entre os alunos? De muitas formas: primeiro, pelas pesquisas sobre arte cnica que eles tiveram de fazer, envolvendo o estudo de fbulas e temas sobre teatro; depois, pela elaborao dos prprios textos das peas encenadas e ainda as oficinas de interpretao. O processo , todo ele, riqussimo ao aprendizado, que acontece de forma ldica, interativa, envolvente. Sem presso por notas ou posturas hierrquicas, logo eles estavam exercitando a escrita, a leitura e a criao, sem que isso fosse uma obrigao imposta. Smbolos comunitrios so referenciais a todo cidado. O uso do Teatro Santa Igns, antigo espao das elites locais, trouxe embutido um sentido especial de incluso e pertencimento s crianas e aos jovens da comunidade, assim como o convvio entre os alunos da zona rural e da zona urbana e dos estudantes com os outros membros da comunidade, como os artistas e os oficineiros. Nesse processo todo, puderam apreender vrias regras de convvio social, como o respeito ao outro e ao ambiente, saber ouvir e preservar bens pbli