os modelos de redução de danos e abstinencia na percepção dos usuários

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PONTIFÍCIA UNIVESIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS FACULDADE DE PSICOLOGIA BACHARELADO EM PSICOLIGIA SERGIO ALEXANDRE ALVES FERNANDES OS MODELOS DE REDUÇÃO DE DANOS E DE ABSTINÊNCIA NO TRATAMENTO DO ABUSO DE DROGAS NA PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS MONOGRAFIA Belo Horizonte 2015

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Os Modelos de Redução de danos e abstinencia na percepção dos usuários

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PONTIFÍCIA UNIVESIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE PSICOLOGIA

BACHARELADO EM PSICOLIGIA

SERGIO ALEXANDRE ALVES FERNANDES

OS MODELOS DE REDUÇÃO DE DANOS E DE ABSTINÊNCIA NO TRATAMENTODO ABUSO DE DROGAS NA PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS

MONOGRAFIA

Belo Horizonte2015

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SERGIO ALEXANDRE ALVES FERNANDES

OS MODELOS DE REDUÇÃO DE DANOS E DE ABSTINÊNCIA NO TRATAMENTODO ABUSO DE DROGAS NA PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS

Monografia apresentada ao curso de Psico-logia, como parte dos requisitos necessá-rios à obtenção do título de Baicharel emPsicologia.

Orientadora: Professora Maria AntoniêtaMendes da LuzCoorientadora: Professora Sílvia Regina Eu-lálio de Souza

Belo Horizonte2015

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SERGIO ALEXANDRE ALVES FERNANDES

OS MODELOS DE REDUÇÃO DE DANOS E DE ABSTINÊNCIA NO TRATAMENTO

DO ABUSO DE DROGAS NA PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS

Trabalho aprovado. Belo Horizonte, Nov 2015:

Professora Maria Antonieta Mendes da Luz Orientadora

Professora Sílvia Regina Eulálio de Souza Coorientadora

Belo Horizonte

2015

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Dedico este trabalho à minha companheira Rosa, aos meus filhos Gabriel, AnaCarolina e André, pelo apoio e carinho que sempre me dedicaram, mesmo se privandoda minha presença de pai durante alguns momentos do curso e até mesmo abrindo

mão de alguns objetivos para que eu pudesse concretizar o meu sonho.

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Agradecimentos

À minha orientadora, Profa. Maria Antonieta Mendes da Luz, que tornou possívela realização deste trabalho, sempre respeitando meus limites, com bom humor epaciência.

Aos internos da FUNDAP pela generosidade em compartilhar comigo suasvivências, às vezes dolorosas, fundamentais para a realização dessa monografia.

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O estreito tubo de vidro ficou cheio de uma etérea fumaça branca. Era espessa obastante para dar uma boa onda, mas ainda assim tinha aquele aspecto transparenteque distingue a fumaça do crack da fumaça de cigarro ou de baseado de maconha. O

fumante tinha 39 anos, um homem negro que trabalhava como vendedor de livrosnuma banca de rua. Fechou os olhos e recostou-se no surrado couro da cadeira de

escritório, preparando a respiração para manter a droga nos pulmões pelo maior tempopossível. Por fim, expirou, com um sorriso de serenidade no rosto, os olhos fechadospara saborear o êxtase. Cerca de quinze minutos depois, o computador informou que

outra dose estava disponível. – Não, obrigado, doutor – disse ele, erguendoligeiramente a mão esquerda [. . . ] Trecho extraído do prefácio do livro Um Preço Muito

Alto - Carl Hart

O paradoxo da educação é exatamente este: à medida que alguém começa a se tornarconsciente, passa também a examinar a sociedade em que está sendo educado –

James Baldwin

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Resumo

A temática apresentada neste trabalho relaciona-se com os paradigmas de tratamentopara o abuso de álcool e outras drogas no Brasil, a saber, a política de redução de da-nos, um dos eixos da Política Nacional Antidrogas (PNAD), em contraste com o modelode abstinência utilizado pelas chamadas fazendas de recuperação ou comunidadesterapêuticas, analisados sob o prisma de um grupo de usuários em tratamento em umacomunidade terapêutica de Belo Horizonte. Inicialmente revisita-se o histórico das polí-ticas públicas para álcool e outras drogas no Brasil para depois discutir os modelos deredução de danos e de abstinência. Por fim, interroga sobre qual o sentido – fenômenosociolinguístico, produtor de subjetividades, na perspectiva do construcionismo social– é construído pelos usuários sobre os modelos de redução de danos, abstinência, aPNAD (Política Nacional Antidrogas) no Brasil e quais as possíveis relações entre estessentidos e o tratamento desses usuários.

Palavras-Chave: redução de danos, abstinência, políticas públicas, subjetividade, sen-tido, construcionismo social.

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Abstract

The theme presented in this work deals with the paradigms of treatment for the abuseof alcohol and other drugs in Brazil, namely, the reduction riscks policy, a nationalanti-drug policy axes (PNAD), in contrast with the abstinence model used by recoveryfarms calls or therapeutic communities, analyzed under the prism of a group of users intreatment in a therapeutic community of Belo Horizonte. Initially revisits the history ofpublic policies for alcohol and other drugs in Brazil to discuss the models of reductionrisks and abstinence. Finally, wonders about the sense – sociolinguistic phenomenon,producer of subjectivities, from the perspective of social constructivism – is built byusers about the models of reduction risks, abstinence, the PNAD (National Anti DrugsPolicy) in Brazil and what are the possible relationships between the senses and thetreatment of these users.

Key-words: reduction risks, abstinence, public politics , subjectivities, sense , socialconstructivism.

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Lista de tabelas

Tabela 1 – O SUS e a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) . . . . . . . . . . 26

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Lista de abreviaturas e siglas

CAPSad Centro de Atenção Psicossocial para tratamento de Alcool e Drogas

CT Comunidade Terapêutica

FUNDAP Fundação de Amparo à Pobreza

PNAD Política Nacional Antidrogas

RAPS Rede de Atenção Psicossocial

RD Redução de Danos

SUS Sistema Unico de Saúde

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Sumário

1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

2 POLÍTICA PÚBLICA ANTIDROGAS BRASILEIRA (PNAD) . . . . . 232.1 Histórico da PNAD . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 232.2 O SUS e a rede de atenção psicossocial (RAPS) . . . . . . . . . . 252.3 As comunidades terapêuticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272.4 Redução de danos, abstinência e relações de poder . . . . . . . 28

3 MÉTODOS E PROCEDIMENTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

4 REDUÇÃO DE DANOS, ABSTINÊNCIA E A PNAD NA FALA DOSUSUÁRIOS: DESCRIÇÃO E ANÁLISE INTREPRETATIVA . . . . . . 35

4.1 Sobre o campo investigativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 354.2 Sobre o sentido atribuído à categoria redução de danos . . . . . 364.3 Sobre o sentido atribuído à categoria abstinência . . . . . . . . . 404.4 Sobre a política nacional antidrogas (PNAD) . . . . . . . . . . . . 44

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

6 REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

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1 INTRODUÇÃO

A motivação para fazer essa investigação surgiu a partir de nossa experiênciaprofissional no terceiro setor, especificamente em uma fundação que se dedica àrecuperação de dependentes químicos de álcool e outras drogas em Belo Horizonte,a FUNDAP, quando desde 2010 integramos a equipe de voluntários que participamdos grupos de apoio aos dependentes, momento em que foi possível acompanhar eparticipar efetivamente da dinâmica do trabalho, em seguida assumimos o cargo deestagiário de psicologia, atividade exercida até os dias atuais. Atualmente integramos oconselho curador da instituição e essa experiência administrativa ampliou o interessesobre as interfaces entre terceiro setor e as políticas públicas para álcool e drogas noBrasil.

A experiência como gestor na fundação, além de oportunizar o conhecimento dadinâmica do trabalho, administrativo, financeiro e clínico na prática, também possibilitouconhecer e participar de projetos e programas desenvolvidos na rede pública desaúde, sobretudo na interlocução com os equipamentos da rede pública de atençãopsicossocial (em reuniões de discussão de caso), centros de saúde regionais e órgãosde fiscalização municipal.

Sobre a FUNDAP: Em Julho de 1996, um grupo de pessoas conscientes daslimitações governamentais na solução dos problemas que afligem a sociedade deci-diu que era necessário agir para tentar minimizar estes males. Surgiu então a IMAP,em imóvel doado pelo Sr. Francisco Rodrigues, um dos fundadores. Situada na RuaPalermo 1595, bairro Bandeirantes em Belo Horizonte. A IMAP se transformou naFUNDAP (Fundação de Amparo à Pobreza), organização sem fins lucrativos mantene-dora da Casa Irmã Scheilla, nome escolhido em homenagem à enfermeira morta naAlemanha, em 1943, bastante conhecida no contexto do espiritismo brasileiro. A partirde novembro de 2012, a FUNDAP tornou-se parceira da Fraternidade Cristã EspíritaLuiz Sérgio, entidade filantrópica que objetiva prestar assistência espiritual aos quelutam contra as dependências de álcool e outras drogas e suas famílias.

Entre as iniciativas em andamento ainda hoje na FUNDAP está a casa de apoio.A casa de apoio se propõe auxiliar na reinserção social de pessoas com problemasde abuso de álcool e outras drogas, principalmente do crack. A clientela atendida namaioria são pessoas carentes financeiramente ou que foram abandonados pela famíliaem consequência da dependência. Eles são encaminhadas por hospitais, centros desaúde, grupos de abordagem de rua, vara de família, dentre outros. Podem participarpessoas de sexo masculino, de qualquer idade, qualquer raça, condição social, crençareligiosa. Não há nenhuma restrição quanto ao aspecto físico ou condição de saúde

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do participante, desde que tenham acompanhamento médico comprovado. Mas todostêm que estar comprometidos com a própria recuperação, participando de livre eespontânea vontade.

Na casa são realizadas reuniões de grupo de apoio à recuperação dos de-pendentes nos moldes de outros grupos de apoio como os Alcoólicos Anônimos eNarcóticos Anônimos. No caso específico da FUNDAP houve a criação de um programade apoio baseado nos doze passos do AA mesclado aos valores morais da doutrinaespírita, o Programa Renascer de apoio para as dependências. O Renascer se enqua-dra no paradigma terapêutico da abstinência. Atualmente, a casa conta com cerca dequarenta vagas em regime de internamento e os assistidos recebem gratuitamentehospedagem, quatro refeições por dia, grupos de apoio familiar, atendimento de psico-lógico, terapia ocupacional, acupuntura, florais, arte-terapia, pintura, cerâmica, dança,artesanato, laborterapia. A maior parte do trabalho é realizado por voluntários que emsua maioria são espíritas ou simpatizantes do espiritismo, mas a fundação tambémconta com funcionários contratados para a assistência aos internos e manutenção dastarefas diárias de conservação, limpeza, cozinha e enfermagem.

A presente investigação teve como objetivo geral, analisar e intervir nos sentidos– sentido aqui tomado pela perspectiva do construcionismo social – dados por um grupode internos em uma comunidade terapêutica às categorias de redução de danos eabstinência. E como objetivo específico, realizar uma intervenção psicossocial queamplie a compreensão do grupo participante do seu papel como sujeito da própriarecuperação, intervindo nas discursivas que contenham referências a afetos de culpa,vergonha, autodepreciação produzidas por eles nos relatos sobre cada contexto detratamento.

O trabalho está assim estruturado: nesta Introdução, que corresponde ao pri-meiro capítulo, apresentamos implicitamente o objeto de estudo, a sua justificativa e osobjetivos da pesquisa.

No segundo capítulo, intitulado A política publica sobre drogas no Brasil (PNAD):apresentamos um breve relato histórico da implantação da política sobre drogas, aPNAD, a estrutura do SUS e a rede de atenção psicossocial (RAPS) para álcool edrogas, um breve relato sobre as Comunidades Terapêuticas e por fim introduzimosuma discussão sobre a relação entre redução de danos, abstinência e relações depoder.

No terceiro capítulo, apresentamos o procedimento metodológico da pesquisa,a sua caracterização, o campo investigativo, os sujeitos, instrumentos e técnicas decoletas de dados e por fim, procedimentos de análise. A metodologia base utilizada notrabalho foi a da análise discursiva sob a perspectiva do construcionismo social.

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No quarto capítulo, denominado de Sobre Redução De Danos, Abstinência E APolítica Nacional Antidrogas Na Fala Dos Usuários: descrição e análise interpretativados dados apresentamos a transcrição dos relatos dos sujeitos da pesquisa partici-pante, entremeados com os comentários que articulam as discursivas aos objetivos dapesquisa.

Finalmente, no quinto e último capítulo finalizamos com as Considerações finais,correspondente às impressões do resultado da pesquisa e deixamos reflexões sobre otema discutido nas reuniões. Com isso, mais do que encontrar soluções generalistas,esperamos contribuir para suscitar novos debates e investigações sobre a implantaçãoda política sobre drogas no Brasil.

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2 POLÍTICA PÚBLICA ANTIDROGAS BRASILEIRA (PNAD)

2.1 Histórico da PNAD

Araujo (2012) apresenta uma análise histórica e crítica, do surgimento da políticasobre drogas no Brasil. Inicialmente é um movimento fortemente influenciado pelosaber médico e da judicialização do problema. Apoiada por instituições científicas,religiosas, educacionais, imprensa, clubes desportivos, entre outras, estava a educaçãoantialcoólica e a legislação tinha um caráter repressor além de conter estratégias decontrole sobre a população trabalhadora. Essas estratégias eram colocadas em práticapor meio de palestras e conferências, propagandas (cartazes, folhetos, etc.) e pelarealização da semana antialcoólica:

[. . . ] o país tem regulamentação sobre as drogas desde 1938 (Decreto-Lei de Fiscalização de Entorpecentes n° 891/38, posteriormente in-corporada ao artigo 281 do Código Penal de 1941). O Código PenalBrasileiro surge na gestão do Presidente Getúlio Vargas (1930-1945),focado nas preocupações com o trabalhador e do papel do governo emdesenvolver ações para conter o comportamento desviante (ARAUJO,2012).

A partir da década de 1960 as políticas sobre drogas privilegiavam ações docampo jurídico e/ou médico que fossem na direção da redução da oferta de drogas. Oobjetivo era controlar o tráfico e o consumo das substâncias psicoativas. Traficantesou usuários eram criminalizados indiscriminadamente sem conseguir com isso evitaro uso e dificultando o seu controle, pois, muito mais substâncias foram colocadas naclandestinidade (ARAUJO, 2012).

Após essa fase, através de levantamento de dados, informações, orientações,assessoramento e articulação entre as diversas esferas públicas começam a surgir oConselho de Prevenção Antitóxico do Ministério da Saúde, a Comissão Nacional deFiscalização de Entorpecentes Tóxicos do Conselho Nacional de Saúde, o Conselhode Prevenção Antitóxicos do Ministério da Educação e Cultura e o Sistema Nacionalde prevenção, Fiscalização e Repressão vinculado ao Ministério da Justiça (ARAUJOapud GARCIA et al., 2012).

Um fato ocorrido na década de 1970 após a morte de duas crianças vítimasde crime relacionado com o uso drogas redundou em uma Comissão Parlamentarde Inquérito (CPI) no Congresso Nacional e após três anos de discussão, diversasalterações na legislação culminaram na Lei 6368/76 (ARAUJO apud GARCIA et al.,2012).

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Na década de 1980, ainda focado no binômio abstinência-repressão surgemos Conselhos Antidrogas (Decreto 85.110), conhecidos por Conselhos de Entorpe-centes (Conselho Federal – CONFEN, Conselhos Estaduais – CONENS e ConselhosMunicipais – COMENS) (ARAUJO apud GARCIA et al., 2012).

A partir dos anos 90 cria-se o Sistema Nacional Antidrogas (SISNAD) e a Secre-taria Nacional Antidrogas (SENAD) diretamente vinculada ao Gabinete de SegurançaInstitucional da Presidência da República (ARAUJO apud GARCIA et al., 2012).

Dalbosco (2011) aponta que, justificado pelas transformações sociais, políticas eeconômicas, pelas quais o país e o mundo passavam e pela necessidade de construçãode uma nova agenda nacional para a redução da demanda e da oferta de drogasno país, foi feita uma reavaliação dos fundamentos legais e em 2003, a partir dosprincípios da luta antimanicomial brasileira, foi criada a Política Nacional Antidrogas(PNAD) contemplando três pontos principais: integração das políticas públicas setoriaiscom a Política Nacional Antidrogas, descentralização das ações em nível municipal,estreitamento das relações com a sociedade e com a comunidade científica.

A PNAD está estruturada em cinco eixos principais: Prevenção; Tratamento;Recuperação e Reinserção Social; Redução dos Danos Sociais e à Saúde; Reduçãoda Oferta; Estudos, Pesquisas e Avaliações. Observa-se que a estratégia Redução deDanos (RD) teve nessa legislação atenção privilegiada, pois foi colocada como um dospilares, como um paradigma a ser perseguido:

[. . . ] Reconhecer a estratégia de redução de danos, amparada peloartigo 196 da Constituição Federal, como medida de intervenção pre-ventiva, assistencial, de promoção da saúde e dos direitos humanos.[. . . ] Orientar e estabelecer, com embasamento científico, intervençõese ações de redução de danos, considerando a qualidade de vida, obem-estar individual e comunitário, as características locais, o contextode vulnerabilidade e o risco social. [. . . ] Garantir, promover e destinarrecursos para o treinamento, capacitação e supervisão técnica de tra-balhadores e de profissionais para atuar em atividades de redução dedanos. [. . . ] Viabilizar o reconhecimento e a regulamentação do agenteredutor de danos como profissional e/ou trabalhador de saúde, garan-tindo sua capacitação e supervisão técnica. [. . . ] Estimular a formaçãode multiplicadores em atividades relacionadas à redução de danos,visando um maior envolvimento da comunidade com essa estratégia.[. . . ] Incluir a redução de danos na abordagem da promoção da saúdee prevenção, no ensino formal (fundamental, médio e superior). [. . . ]Promover estratégias de divulgação, elaboração de material educativo,sensibilização e discussão com a sociedade sobre redução de danospor meio do trabalho com as diferentes mídias. (BRASIL, 2005)

Passos e Souza (2011), sem explorar toda a problemática em relação à reduçãode danos, sintetizam o conceito:

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A redução de danos propõe determinadas regras de conduta como, porexemplo, substituir crack por maconha, ou substituir a via injetável pelainalável. Entretanto, o processo de corresponsabilização depende domodo como os usuários de drogas se apropriam dessa regra, dependedas atitudes que começam a emergir desse encontro, gerando muitosdesdobramentos possíveis, pois são muitos os dispositivos que a RDdispõe para dar continuidade a esse processo. (PASSOS; SOUZA,2011).

Esses mesmos autores se posicionam de maneira contrária a proposta detratamentos por abstinência:

[. . . ] uma rede de instituições que define uma governabilidade daspolíticas de drogas e que se exerce de forma coercitiva na medidaem que faz da abstinência a única direção de tratamento possível,submetendo o campo da saúde ao poder jurídico, psiquiátrico e religioso(PASSOS; SOUZA, 2011).

Do que foi aprendido da leitura de Passos e Souza (2011) permite inferir quea problemática tem outros desdobramentos políticos e ideológicos que precisam serdiscutidos, para além da questão clínica.

2.2 O SUS e a rede de atenção psicossocial (RAPS)

A Portaria nº 3088, de 26 de dezembro de 2011, regulamentou a Rede deAtenção Psicossocial (RAPS) criada pelo Decreto Presidencial nº 7508/2011. A RAPScontém os principais serviços e ações de atenção psicossocial no país para todasas pessoas com sofrimento ou transtornos mentais, incluindo os decorrentes do usoprejudicial de drogas (BRASIL, 2011).

A proposta é de articulação em rede com variados pontos que promovam umconjunto de referências capazes de acolher a pessoa em sofrimento mental. A ideiaé possibilitar a inclusão de outras instituições, associações, cooperativas e variadosespaços da cidade em torno da noção de território e estender conjunto dos serviços desaúde mental do município.

O território é a designação não apenas de uma área geográfica, mas tambémdas pessoas, das instituições, das redes e dos cenários nos quais se dão a vidacomunitária. Assim, trabalhar no território não equivale a trabalhar na comunidade,mas a trabalhar com os componentes, saberes e forças concretas da comunidade quepropõem soluções, apresentam demandas e que podem construir objetivos comuns.Trabalhar no território significa, assim, resgatar todos os saberes e potencialidades dosrecursos da comunidade, construindo coletivamente as soluções, a multiplicidade detrocas entre pessoas e os cuidados em saúde mental. (GARCIA, 2013 p. 24)

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A noção de território apresentada é central para se compreender a lógica deconstituição da RAPS e nesse ponto se articula a principal controvérsia apontadana hipótese desse trabalho, pois, é a partir dessa articulação de organizações comdiretrizes de tratamento diferentes que a rede se constitui. Garcia (2003) antecipa ascríticas quanto às possíveis contradições do modelo, porém em seus argumentos nãoestão incluídas as CT’s que está no cerne dessa discussão:

Nesse sentido, a importância da atuação no território e a relevância dos laçossociais na atenção ao sofrimento mental, expressa na Lei nº 10.216 e nos princípios daRAPS, não devem ser vista como contraditórias com o cuidado daqueles que fazemo uso prejudicial da droga. A RAPS incluiu um dispositivo para acolhimentos brevesmotivados por urgências médicas, os leitos especializados em Hospital Geral. A RAPStambém oferece oportunidade de acolhimento imediato e breve (leitos em CAPS 24horas) em situações de crise ou de grande vulnerabilidade. Em médio e longo prazo, épreciso, todavia, considerar que os territórios existenciais e laços sociais das pessoasque fazem o uso de drogas são mais diversos do que um retrato momentâneo sobreo usuário pode fazer supor. Eles não estão apenas ligados ao universo da droga, porisso não devem ser desconsiderados em seu cuidado. (GARCIA, 2013 p. 25)

Os componentes da RAPS no território estão distribuídos de acordo com oquadro abaixo.

Tabela 1 – O SUS e a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)

ATENÇÃO BÁSICA EM SAÚDE

Estratégia Saúde da Família (ESF), Núcleo de Apoioà Saúde da Família (NASF), Equipe de Consultóriona Rua, Centro de Convivência e Cultura.

ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ESTRATÉGICACentro de Atenção Psicossocial (CAPS), CAPS: I, II,III, álcool e drogas (CAPSad) e infanto-juvenil(CAPSi).

ATENÇÃO RESIDENCIAL DE CARÁTERTRANSITÓRIO

Unidades de Acolhimento, Serviços de Atenção emRegime Residencial (comunidades terapêuticas)

ATENÇÃO HOSPITALAR

Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU),Unidade de Pronto Atendimento (UPA), ServiçoHospitalar ou Enfermaria Especializada em HospitalGeral.

ESTRATÉGIA DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO Serviço Residencial Terapêutico, Programa de Voltapra Casa.

ESTRATÉGIAS DE REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL Estratégias de Reabilitação Psicossocial.

Elaborado pelo autor com dados extraídos de (GARCIA, 2013 p. 30-34)

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2.3 As comunidades terapêuticas

Nos anos de 2006 e 2007 foi realizado pela SENAD uma parceria com aUniversidade de Brasília (UNB) e com a consultoria técnica do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (IPEA), um projeto denominado de “Mapeamento das InstituiçõesGovernamentais e Não-Governamentais de Atenção às Questões Relacionadas aoConsumo de Álcool e Outras Drogas no Brasil”. O objetivo do projeto era que o governofederal pudesse conhecer a situação e as práticas de atendimento adotadas por estasinstituições. Nesse documento, o governo brasileiro reconhece o seu desconhecimentodas instituições e as praticas realizadas nas comunidades terapêuticas.

[. . . ] as questões relacionadas ao consumo de álcool e outras drogasno Brasil são ainda pouco conhecidas das esferas governamentaisresponsáveis pela elaboração e execução da política nacional sobredrogas. Conhecer a diversidade da forma de atuação e de atendimentoprestado por estas instituições é fundamental para órgãos, como aSENAD, que tem, dentre outras, a atribuição de exercer orientaçãonormativa sobre as atividades de redução da demanda de drogas nopaís. (BRASIL, 2007)

Os resultados do trabalho mostraram que a maioria das instituições de trata-mento para abuso de álcool e drogas brasileiras são as comunidades terapêuticas. Opercentual dessas organizações relatado no trabalho de mapeamento (38,5%), jus-tifica um aprofundamento na história da CT’s para que se possam compreender osatravessamentos com a micropolítica de construção das políticas de drogas do Brasil.

O termo “comunidade terapêutica” surgiu na década de 1940 por um psiquiatraescocês, Maxwell Jones. A ideia era desmistificar a imagem autoritária dos profissionaisque atuavam nos hospitais, apostando nas ideias de autoajuda e ajuda mútua. Mas aprimeira CT psiquiátrica surgiu em unidade de reabilitação social do Belmont Hospital,em meados de 1940. (FRACASSO, 2013)

O autor ressalta que esse foi o modelo utilizado nas instituições de recuperaçãodo abuso de álcool e drogas ainda hoje nos outros países:

A natureza terapêutica do ambiente total (motivação geral das CTs deMaxwell Jones) é precursora do conceito fundamental de comunidadecomo método de tratamento de substâncias psicoativas. Esse modelo,fundamentado como uma abordagem de mútua ajuda, manteve essacaracterística essencial e diversificou-se, englobando e combinandocom eficácia outros modelos psicossociais vigentes, tais como a pre-venção da recaída e técnicas motivacionais, além de inúmeros serviçosadicionais relacionados à família, à educação ou trabalho e à saúdefísica e mental. (FRACASSO, 2013 p. 40)

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As Comunidades Terapêuticas no Brasil sugiram nos anos de 1970, principal-mente por organizações evangélicas. Multiplicaram-se sem qualquer regulamentaçãoe com propostas bem diferentes da filosofia original. A realidade era de um funciona-mento precário. Em virtude disso foi necessário que se organizassem em federações.Muitas práticas antidemocráticas eram praticadas e a partir de denúncias de maustratos de usuários veio também a pressão para a necessidade do estabelecimentode regulamentação do setor para o funcionamento destes serviços, que garantisse asegurança e a qualidade do trabalho de recuperação das pessoas com dependênciaquímica.

Em 30 de maio de 2001, a diretoria colegiada da Agência Nacional de VigilânciaSanitária (ANVISA), adotou a Resolução de Diretoria Colegiada – RDC 101/01 comoRegulamento Técnico para o Funcionamento das Comunidades Terapêuticas – Serviçosde Atenção às pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substânciaspsicoativas (SPA), segundo modelo psicossocial. Esta permanece até os dias de hojesendo uma das poucas normas de atividade desse segmento.

Foi no ano de 2005 que a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas(SENAD), sob a pressão do setor pela sua federação alterou a política vigente nopaís desde então foram aprovadas novas resoluções, entre elas a Resolução nº03/GSIPR/CH/CONAD de 27 de outubro de 2005. Nessa resolução, no item Dire-trizes 2.2.1 – Tratamento, Recuperação e Reinserção Social, da Política Nacional sobreDrogas, as Comunidades Terapêuticas – CTs foram incluídas como parte das interven-ções para tratamento, recuperação, redução de danos, reinserção social e ocupacionalpassando então, a fazer parte formal dessa política, mesmo que em suas práticasnão utilizem como terapêuticas a redução de danos e sim a abstinência. Nesse ponto,segundo nossa hipótese, introduz-se uma contradição na própria política nacionalantidrogas, como já citado.

2.4 Redução de danos, abstinência e relações de poder

A discussão entre qual dos paradigmas deve ser utilizado nos tratamentos deusuários de álcool e outras drogas, passa necessariamente por se discutir, sob o pontode vista das relações de poder da medicina, do estado (pela via da judicialização) epela moral religiosa em nossa cultura. Passos (2011) reflete de maneira crítica essaquestão evocando Deleuze e Foucault como seus articuladores. Para ele:

[. . . ] Expor as relações de poder que se teceram historicamente paraa produção de uma política de guerra às drogas exige que realizemosuma análise micropolítica da política antidrogas objetivando apreenderseus dispositivos capilares de reprodução do paradigma da abstinência(PASSOS, 2011, p. 4 ).

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O mesmo autor aponta uma proximidade entre a política antidrogas e o para-digma da abstinência, afirmando que a abstinência “se torna um eixo articulador entrea justiça, a psiquiatria e a moral religiosa que, em sua articulação, definem uma políticado tratamento para usuários de drogas”.

Para acompanhar o raciocínio do autor deve-se entender por paradigma daabstinência não apenas uma direção clínica possível e às vezes necessária, mas comojá citado:

[. . . ] por uma rede de instituições que define uma governabilidade daspolíticas de drogas e que se exerce de forma coercitiva na medidaem que faz da abstinência a única direção de tratamento possível,submetendo o campo da saúde ao poder jurídico, psiquiátrico e religioso(PASSOS, 2011, p. 2 ).

O autor defende ainda que há uma relação entre a criminologia e psiquiatria noBrasil, isso devido à interlocução direta com o Direito Penal, pois “psiquiatria se insurgedo exterior, disputando com o direito penal o papel de gestora do criminoso, através deuma relação, progressivamente mais íntima, entre crime e doença mental” (PASSOSapud RAUTER, 2011).

Assim, o mesmo autor evoca um período em que a criminalização era a realidadedos usuários de drogas ao afirmar “dentro deste jogo de poder o usuário de drogasestaria ora poder da criminologia, ora diante do poder da psiquiatria; ora encarceradona prisão, ora internado no hospício”.

Claro que se pode objetar quanto ao progresso da legislação penal brasileira emrelação aos usuários de drogas, mas pode-se facilmente extrapolar o raciocínio para adiscussão das internações compulsórias nas “clinicas de recuperação” com mesmosefeitos.

É a partir das relações entre psiquiatria e Direto trazidas pelo autor que pode-mos compreender como a Redução de Danos tem tido grandes dificuldades de seestabelecer como um paradigma, o que talvez explique também a alteração da PNADque incorporou as CT’s na citada legislação em 2011:

[. . . ] A produção histórica do estigma do usuário de drogas como umafigura perigosa ou doente nos permite compreender parte dos proble-mas que a RD passa a enfrentar quando essa se torna um métodode cuidado em saúde que acolhe as pessoas que usam drogas comocidadãos de direitos e sujeitos políticos. [. . . ] A construção das políticasde saúde para usuários de drogas centradas no hospital psiquiátricodemarca uma significativa interferência do Direito Penal sobre os pro-cedimentos clínicos, como também uma aproximação entre práticasjurídicas e práticas médicas. As diversas retaliações judiciais que açõesde RD vêm sofrendo no Brasil apontam para um embate que não se

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reduz às limitações impostas pelo Direito Penal, mas apontam para adelimitação imposta ao campo da saúde constituída entre a psiquiatriae a justiça em torno do paradigma da abstinência (PASSOS, 2011, p.2).

Mas não para por aí. Além da psiquiatria e do direito, que exercem sobre ousuário o seu poder disciplinar, acresce-se outro, a religião. Esta se encontra presentena maioria das CT’s, como uma forma adicional de poder disciplinar de maneira aindamais forte, uma vez que atua em dimensões subjetivas. É neste ponto que a escolhada abstinência se liga à produção de subjetividades, como na hipótese apresentada. Éo que Passos também concorda, incluindo a moral religiosa como um dos instrumentosde exercício de opressão e reforçamento dos estereótipos de fraqueza de caráter dousuário de drogas:

O poder disciplinar opera por meio da normalização das condutasdesviantes, em que o saber médico e o criminológico privilegiam comoobjeto de intervenção o criminoso, o louco, o delinquente, o “drogado”.Desse ponto de vista, poderíamos facilmente concluir que os embatesda RD acontecem, exclusivamente, contra os dispositivos disciplinares:a prisão e o manicômio. Porém não é somente dentro das prisões edos hospícios que os usuários de drogas são confinados hoje em dia.As ditas Comunidades Terapêuticas e Fazendas Terapêuticas trazemoutro elemento que não exclui a disciplina, mas a complementa: a moralreligiosa (PASSOS, 2011, p. 3).

Esta é a situação encontrada na prática do trabalho com os dependentesquímicos. Há uma forte identificação com o estereótipo moralista e a culpa predominanos relatos dos pacientes durante as reuniões grupo.

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3 MÉTODOS E PROCEDIMENTOS

Neste capítulo descreveremos os métodos e procedimentos adotados bem comoo contexto da realização desta pesquisa.

Tomando por base o referencial teórico que fundamentou este estudo, bem comoos objetivos traçados para desenvolvê-la, optou-se por uma abordagem metodológicaqualitativa de pesquisa. A opção por esta abordagem deve-se ao fato de apresentarcaracterísticas que vêm ao encontro da perspectiva do estudo proposto, dentre elas,o fato de dar voz aos sujeitos da pesquisa, permitindo que eles manifestem suasopiniões, crenças, valores (MINAYO, 2002). Outro aspecto da abordagem qualitativaque se quer ressaltar refere-se ao seu caráter interpretativo e dialógico. A respeito dapesquisa qualitativa, Trivinos (1987, p. 130) indica que ao utilizar esse tipo de pesquisa,os pesquisadores conseguem compreender “as raízes dos significados, as causasde sua existência, suas relações, num quadro amplo do sujeito como ser social ehistórico”. Martins (2000) também nos dá a contribuição sobre aspectos relevantesdesta abordagem. Para ele, os dados coletados permitem uma descrição feita pelossujeitos. Assim o autor argumenta:

Na pesquisa qualitativa, uma questão metodológica importante é a que se refereao fato de que não se pode insistir em procedimentos sistemáticos que possam serprevistos, em passos ou sucessões, como uma escada em direção à generalização(p.58).

Quanto ao tipo de pesquisa, pode-se caracterizá-la como uma pesquisa par-ticipante. A metodologia de análise do material foi a análise discursiva pela ótica doconstrucionismo social.

Essa perspectiva de pesquisa baseia-se no estudo do saber cotidiano, enfocandoas maneiras pelas quais as pessoas produzem sentidos e posicionam-se nas relaçõessociais, nos próprios locais onde se produzem e se significam determinadas práticas ecom a preocupação de desnaturalizar as construções do cotidiano, Spink(1999).

[. . . ] Ao não considerá-las como objetos naturais e permanentes - e simcomo objetos construídos e transitivos - posiciona-se de forma precisa eespecífica para desenvolver métodos próprios de investigação da açãodo pesquisador na sua relação com chamado campo de pesquisa (p.37).

A escolha dessa perspectiva como eixo não se deu por acaso. Spink (1999) de-fine que para o construcionismo, a produção dos sentidos traz no bojo outros aspectos,a saber: uma reação ao representacionismo como possibilidade da ciência espelhar

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a realidade e a desconstrução da retórica da verdade, o que a autora chama de o“empowerment de grupos socialmente marginalizados”. Este o fator, reconhecemosser o mais importante para atender ao objetivo específico dessa pesquisa, ou seja,aparelhar os marginalizados sujeitos do grupo de usuários com novos sentidos sobre otratamento da dependência.

Em segundo lugar, ao escolhermos essa perspectiva, afirmamos a crença numaepistemologia social, em que o conhecimento seja algo que as pessoas fazem juntas,uma socialização do conhecimento através de práticas sociais e não algo apenasaprendido do mundo, Spink (1999, p.38).

Para descobrir os sentidos atribuídos pelos usuários às categorias: redução dedanos, abstinência e da PNAD, necessitamos recorrer a uma conceituação formal desentido que nos permita enfrentar a problemática apresentada com vistas a alterá-lae não apenas constatá-la. Spink nos oferece uma definição que associa o carátercoletivo ao sentido como método de investigação científica que atende aos nossosobjetivos:

[. . . ] O sentido é uma construção social, um empreendimento coletivomais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas, na dinâmicadas relações sociais, historicamente datadas e culturalmente localiza-das, constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam comas situações e fenômenos a sua volta (p. 38).

No próximo capítulo apresentamos uma transcrição do trabalho realizado nastrês reuniões temáticas. Recortamos apenas os assuntos relacionados ao enfoqueproposto, porém mantendo o contexto integral para que não se perdesse os atravessa-mentos discursivos segundo a orientação de Spink(1999):

[. . . ] Quando analisamos práticas discursivas, tomamos esses posici-onamentos como produções conjuntas. Harré (Davies e Harré, 1990)propõe que pode haver posicionamento interativo, onde o que umapessoa diz posiciona o outro; e pode haver posicionamento reflexivo,no qual nos autoposicionamos (p. 40).

Por ser um trabalho em grupo e pela complexidade dos temas apresentados,optamos por fazer uma transcrição que permitisse ao leitor ou leitora ter uma visãodo todo e justificasse o porquê foram eleitas algumas temáticas (ou trechos da entre-vista/grupo) para uma análise mais detalhada. Fizemos a análise ao longo do própriotexto, para poupar o leitor de ter que reafazer o trajeto do encadeamento lógico e man-tendo a relação temporal entre os eventos. A ideia foi adaptar a técnica da chamada porSpink(1999) de Linha Narrativa, para preservar toda a sequência de interação entre osparticipantes e o entrevistador. “A Linha Narrativa dá visibilidade à ordenação temporaldos eventos relatados” (p. 43).

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Elegemos como sujeitos da pesquisa um grupo vinte e cinco pessoas que jáparticipavam de um grupo de discussão sobre drogas, tarefa realizada semanalmenteno estagio de psicologia nos últimos dois anos. As passagens pelos diversos trata-mentos na rede pública e privada, nas chamadas fazendas de recuperação por partedesses sujeitos os qualificaram naturalmente para os objetivos da pesquisa, já que amaioria dos participantes havia recaído por mais de vez e conhecia bem as praticas dascasas de recuperação e os equipamentos da rede pública. Além disso, por já estaremhabituados ao trabalho de grupo de discussão, não foi difícil a adesão à proposta dotrabalho, o que fizeram com interesse. Durante o trabalho, esses sujeitos demonstraramser verdadeiros protagonistas e nos forneceram informações valiosas para os objetivosda pesquisa.

Realizamos três reuniões consecutivas com a finalidade específica de discutiros temas da abstinência, redução de danos e a política antidrogas. A participação notrabalho ocorreu aos sábados e as reuniões tinham a duração média de duas horas.Os participantes concordaram que os relatos fossem gravados e que fossem posterior-mente transcritos para fins acadêmicos. Vale também ressaltar, que nesse trabalho,foram preservados tanto os nomes dos atores que colaboraram com a pesquisa, quantodas instituições citas por eles. Os sujeitos da pesquisa tiveram sua identificação cifradaatravés de códigos: (Participante F, CO. . . ), e Pesquisador.

Durante a realização da pesquisa participante, seguimos também a orientaçãode Chizzoti (1991) e por vezes intervimos propondo questões reflexivas ao grupo ouque estimulassem a mudança de posição:

[. . . ] na escuta ativa e com a atenção receptiva a todas as informaçõesprestadas, quaisquer que sejam elas, intervindo com discretas inter-rogações de conteúdo ou com sugestões que estimulem a expressãomais circunstanciada de questões que interessam a pesquisa (p.93).

Reconhecendo a complexidade teórica que envolve essa proposta de pesquisaqualitativa, nos servimos de fragmentos da leitura de Spink(1999), que reconhecemosser muito mais rigorosa e sistemática do que a apresentada aqui, porém, para efeitosdesse trabalho introdutório, de cunho exploratório em nossa experiência em pesquisasocial e, por limitações de tempo consideramos que apenas nos iniciamos nos rigoresteóricos do método, postergando para momentos mais oportunos o aprofundamento datécnica apresentada na citada referência.

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4 REDUÇÃO DE DANOS, ABSTINÊNCIA E A PNAD NA FALA DOS USUÁRIOS:DESCRIÇÃO E ANÁLISE INTREPRETATIVA

4.1 Sobre o campo investigativo

Observa-se no trabalho com usuários de álcool e outras drogas em recuperaçãoque os usuários reincidem e circulem ora pelos diversos dispositivos da rede pública,principalmente pelos Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e outras Drogas(CAPSad), ora são internados voluntaria ou involuntariamente nas CT’s ou “fazendasde recuperação”. Nessas recaídas, os pacientes são submetidos a terapêuticas comfilosofias diferentes, mesmo antagônicas.

Nos serviços de referência são tratados por redução de danos, e nas comunida-des terapêuticas, ou “fazendas” pelo método da abstinência. Entende-se por reduçãode danos, não apenas a ação de propor aos usuários, por exemplo, substituir substân-cias que provocam maiores prejuízos por outras de menor potencial ofensivo para oorganismo ou à sociedade – como substituir crack por maconha, ou a substituição deinjetáveis por inalantes –, mas de incluir o usuário no processo de corresponsabilizaçãodeste tipo de escolha, que pode inclusive optar pela abstinência completa de qualquersubstância psicoativa, tornando-o sujeito de suas próprias escolhas diante do seutratamento.

Apesar da Política Nacional Antidrogas no Brasil (PNAD) se basear no modelode redução de danos, a maior parte dos usuários de drogas em tratamento no Brasilestá em comunidades terapêuticas ou nas chamadas “fazendas de recuperação”.Em levantamento realizado pela Secretária Nacional Antidrogas (SENAD) em 2007,verificou-se que das 1.256 instituições de tratamento entrevistadas, 483, ou seja, 38,5%da amostra classificam-se nesta categoria. Em seguida, aparecem os Centros deAtenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas (CAPSad), com 153, 12,2%; e osgrupos de autoajuda, com 124, 9,9%. Após oito anos da pesquisa acredita-se que essepercentual seja ainda maior hoje, pois verifica-se a tendência de privatização no campoda dependência química, que tem se tornado um grande mercado, graças a exploraçãodada na mídia à questão do Crack enfocando o fenômeno das “Crackolândias”, oque por sua vez favorece no imaginário popular a crença em soluções higienistas,repressivas e até antidemocráticas de tratamento, como a proposta de internaçãoinvoluntária dos usuários de crack nas grandes cidades.

A polêmica tem ainda mais elementos quando se aprofunda na questão daimplementação da política pública sobre drogas no Brasil (PNAD), que ao incorporar ascomunidades terapeuticas, CT’s, como parte integrante da rede de atenção psicossocial

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do sistema único de saúde, a (RAPS), e assim introduz uma contradição interna nopróprio sistema, pois a proposta terapêutica da maioria das CT’s ou “fazendas derecuperação” é de abstinência, paradigma contrário a um dos cinco eixos principais daprópria PNAD, (o eixo da redução dos danos sociais e à saúde).

A questão é complexa e muito se tem discutido do ponto de vista ideológicoas vantagens e desvantagens de cada modelo de tratamento. O debate tem sidoconduzido por religiosos, políticos, médicos, psicólogos e especialistas das ciênciassociais. Os argumentos utilizados são, biológicos, estatísticos, epidemiológicos, éticose até religiosos, porém pouco se ouve a opinião dos principais interessados na questão,os usuários do sistema. Esses normalmente ou são assujeitados pela droga ou pelasinstituições que os acolhem que muitas vezes associam o abuso de drogas à fraquezade caráter ou ao determinismo genético familiar.

Além da contradição da inclusão das CTs na PNAD ser um problema operacional,na medida em que os equipamentos do sistema de referência públicos tem que searticular com o sistema privado com terapêuticas diferentes. Essa contradição podeser tomada também como produtora de subjetividades interferindo na recuperaçãodas pessoas. Por exemplo, os limites e possibilidades individuais de cada usuárioem manter a abstinência completa de substâncias psicoativas, são desconsideradosna abordagem da abstinência exercida nas “fazendas” ou CTs. Sem dar conta darealidade singular da recuperação de cada usuário, não raro atribuem aos própriosusuários o fracasso terapêutico, quando de suas recaídas, justificando o insucessopela pouca adesão ao tratamento por parte dos usuários, culpabilizando-os. Comoconsequência são produzidos afetos negativos de culpa, vergonha, autopiedade quereforça o estereótipo de fraqueza de caráter da doença o que consequentementedificulta a recuperação. Por outro lado, o modelo de redução de danos que é exercidonos sistemas de referência geralmente tem sido interpretado como tolerância ao uso enão inclui o usuário em um programa de recuperação sistemática de forma monitoradae consciente. Raros são os usuários que compreendem o conceito de redução dedanos contida na proposta da PNAD como um eixo da própria política.

4.2 Sobre o sentido atribuído à categoria redução de danos

Quais os sentidos estes usuários produzem para esses modelos de tratamentosou terapêuticas? De acordo com os objetivos deste trabalho, nesta subseção enfocare-mos o olhar dos sujeitos sobre a redução de danos. Iniciamos a discussão buscandocompreender não apenas o conceito propriamente dito, mas as experiências por elesvivenciadas durante suas passagens pelas instituições que empregam essa filosofia detratamento. Nesse sentido foram propostas as seguintes questões para que os sujeitosrespondessem livremente: O que vocês entendem sobre a redução de danos? O que

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vocês acham do tratamento baseado na redução de danos?

Os participantes demonstraram desconhecimento em relação ao tema. A maiorianunca havia ouvido falar sobre redução de danos e alguns confundiam a estratégia deredução de danos com tolerância ao uso das substâncias, no máximo tinham algumaideia sobre o assunto baseada no senso comum e mesmo já tendo se submetidoaos tratamentos por várias vezes não reconheciam como uma estratégia válida detratamento. Em alguns comentários nota-se a associação negativa entre a categoriaredução de danos e os equipamentos públicos que se propõem a utilizá-la comoterapêutica com uma ideia de permissividade:

Participante R: “Redução de danos é quando se tem um tratamentoque pode ser usado laboratorial também. Visa à redução de danos aopaciente e a terceiros. Você contrata um terapeuta em dependênciaquímica e ele fica vinte e quatro horas por dia, em casa, no trabalho,na escola com você, só não vai dormir com você, Como se fosse umpersonal. Você vai evitar dirigir bêbado, dirigir drogado, matar os outrose se matar, e vai também ter uma redução da dosagem da droga [sic]”.

Nesta fala do participante R encontramos uma significação bastante comum daredução de danos como tolerância ao uso, mas chama também a atenção o fato deter sido citado no discurso um significado associado a “redução de danos a terceiros”.Tal afirmação pode ser entendida como uma referência subjetiva a afetos de culpa, tãofrequente no relato dos dependentes de crack. Os terceiros, pode-se inferir, entramcomo substituição aos danos causados à família.

Participante L: “Eu já ouvi falar, só já ouvi falar. Eu passei no CMT, maslá eu não entendi nada porque o pessoal usava droga lá dentro. Eu nãocheguei usar. Eu cheguei a ficar sem usar droga no CMT durante unsseis meses. Fui muito bem tratado lá, mas tinha. Lá tinha atendimentopsiquiátrico, psicológico e outros, mas aí eu voltei a usar por causa domeu trabalho. CMT, CERSAM, CAPS infelizmente é um trabalho emvão, porque o cara leva droga lá pra dentro, leva bebida lá pra dentro,mulher se prostitui pra comprar droga, tudo isso lá dentro eu já vi isso[sic]”.

O participante L associa a categoria redução de danos à instituição em que aproposta foi vinculada. O relato aponta para uma desinformação quanto aos procedi-mentos da redução de danos e para um descrédito do tratamento na instituição, umavez que na fala há também referência ao tempo de abstinência como único índice derecuperação. Para L, ter retornado às drogas é o único parâmetro importante e não éavaliado, por exemplo, o grau de comprometimento com a droga e suas consequênciasfísicas e sociais.

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Pesquisador: “Tudo bem, mas sobre redução de danos, e não sobre asinstituições. Que você viu lá?”

Participante F interrompe e responde: “É isso que o R falou, reduz aquantidade drogas. A proposta de tratamento é gradativamente reduzira quantidade de drogas. É tratamento laboratorial. Mas não impede ouso de drogas [sic]. Eu no CETAS do André Luiz. Eu chegava lá às oitohoras e passava o dia no hospital e saia às dezessete horas, internaçãodia. Eu pagava. Pela minha situação socioeconômica, eu pagava. Eunão usava drogas lá durante o tratamento, mas tinha pessoas queusavam enquanto estavam lá e não eram desligados do tratamento.Eles não desistiam delas. . . Então é redução de danos morais. [sic] “

Nessa discursiva encontramos referências a “desistência”. O desligamento dosprogramas de recuperação, pelas constantes recaídas dos usuários, nas terapêuticasbaseadas em abstinência são subjetivadas como uma desistência por parte da institui-ção ao recuperando. É provável que isso possa reforçar o estereótipo de cronicidadeda doença, interrogamos.

Paticipante RF: “Eu posso citar um caso verídico de redução de danosou redução de uso? Eu conheço um rapaz que o pai tinha uma quadrade futebol e tinha um fluxo legal de pessoas lá e o pai conhecia otraficante que levava duas pedras pro filho dele todo dia. O rapaz nãosaia de casa pra nada. A gente roubava carro juntos e depois disso elefumava as duas pedras todo dia e não tinha contato com mais ninguém.A mãe dele que falou. Eu saí da cadeia e fui procurar ele e a mãe deleme falou que ele não tinha mais contato com ninguém. Melhor assim.Pelo menos ele parou de roubar. Fumava as duas pedrinhas dele tododia e só [sic]. Nem ver ele eu vi. Aí no caso é redução de danos morais”.

Aqui a redução de danos é associada à redução da criminalidade. Pelo depoi-mento do sujeito pode-se perceber a vinculação entre criminalidade e vício. Roubarpara comprar a droga é uma realidade entre os usuários de crack, principalmente.O sentido produzido pelo participante à redução de danos foi de redução de danosmorais. Uma vez sendo “fornecida” a droga, não haveria necessidade de roubar paraconsegui-la.

Participante RI: “Essa redução de danos é uma política que o RonaldoLaranjeiras tentou implantar na saúde do Brasil quando eles começarama querer tirar os usuários de crack da rua e o governo estava procurandouma forma de resolver. . . Essa forma era usada principalmente nospaíses onde o uso de drogas era permitido, é cadastrado. A pessoatem, por dia, por semana uma quantidade de heroína ou outro tipo dedroga. Você vai num posto, apresenta um cartão dele faz o uso dele. Láeles fizeram a redução de danos, e houve um pequeno resultado ondeas pessoas conseguiram de cinco gramas de heroína, por exemplo,

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reduzir uma grama. Mas aí teve uma confusão sobre a resocializaçãodessas pessoas. Que elas estavam como mendigas na rua e aí teveuma outra entidade que começou a receber essas pessoas, dar banho,dar comida, vestir essas pessoas e colocar as pessoas em funçõesespecíficas do governo. Fazendo as pessoas se sentir como sereshumanos de novo.

Participante RO: “Eu fui no CERSAM por um mês e meio e no CMTna década de noventa, mas não tive nenhum curso dessa filosofia detratamento não. Eu passava pelo psiquiatra, psicólogo, faziam aquelasperguntas normais do tipo, como você está? você está bem? Jogavaping-pong, sinuca, almoço, café da manhã, café da tarde, aí tinha unscaras que fumavam maconha, outros bebiam. . . Então ali eu acho queé uma bomba relógio. Eu acho que o CERSAM, na meu ponto de vista,é tirar o morador da rua durante o dia. É reduzir os danos pra sociedadedurante o dia e colocar eles lá dentro medicados e soltar eles à noite[sic]. Pra mim é isso, reduzir os danos pra sociedade. É igual quandoo Brasil recebe uma personalidade importantíssima e eles retiram osmendigos todos das ruas [sic]”

Chama a atenção nessas discursivas a vinculação do conceito de reduçãode danos a uma suposta estratégia higienista do governo para retirar as pessoasda rua. Justamente ao contrário, pois essa foi uma ideia alimentada pelas clínicasde recuperação e comunidades terapêuticas que trabalham com o paradigma daabstinência. O participante RI apresentou uma formulação bastante interessante parao sentido de redução de danos, introduziu o controle e monitoramento dos usuários aoseu modelo de redução de danos, porém, ao se referir ao uso introduziu um componentebaseado no modelo de países da Europa, onde o consumo controlado é permitido.

Mas não se pode deixar de observar a referência à condição sub-humanaassociada usuário de drogas, feita por RI principalmente aos usuários de crack. Ao dizer“Fazendo as pessoas se sentir como seres humanos de novo”, coloca em evidência aosentimento de depreciação incutido na dependência do crack.

Participante A interrompe e fala sobre o CERSAM Pampulha: “É tipoum albergue. Quando eu cheguei no CERSAM Bandeirantes eu vi tantadroga que eu me perguntei, que eu to fazendo aqui? Eu não possoficar aqui. Por exemplo, junta um grupo e diz, o que que a gente vaifazer agora? Vamos fazer isso e isso. . . vamos lá no cruzeirinho [boca,traficante], cada um leva dois vale transporte, já pula a roleta do Move,entrava no Move tudo clandestino e não paga a passagem. Com osvales uns dos outros, cada dois já tinha duas pedras. Duas pedras acada dois vales.Todo dia. Chegava no CERSAM as seis ou sete horasda manhã, comia, tomava banho de piscina, descansava e recebia osvales de novo as quatro horas. . . e era a mesma coisa. . . rotina . . . játinha mordomia e a noite ainda tinha a droga. A advertência tinha. É oseguinte, pegou droga, pegou bebida, pegou o cara transando é doisdias de advertência, no máximo quatro [sic].”

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Através dos comentários do Participante A pode-se verificar que os aparelhospúblicos não se preocuparam em orientar as pessoas sobre a terapêutica utilizada equal seriam as estratégias utilizadas nos seus tratamentos. Além disso, os depoimentosapontam para um total assujeitamento dessas pessoas, seja através dependência, sejapela condição de acolhidos nas instituições. Receber assistência material e medica-mentosa parece ser a tônica dos “tratamentos” e não houve, pelo menos pelos sujeitospesquisados, nenhuma ação de orientação ou esclarecimentos sobre a doença duranteo período de acolhimento.

Pesquisador: Algum de vocês foi orientado sobre a redução de danosno CERSAM?

Participante C: “Eu fui, me chamaram numa sala e fizeram igual a você,me fizeram umas perguntas. Redução de danos é redução do tempode uso com acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Psicológicoé conversar, blá blá blá, e o psiquiátrico é medicamento.No meu casonão funciona porque eu sou compulsivo com o crack. Se eu começareu não paro até dezoito, dezenove, até trinta dias. Então é trocar isso.Em vez de fumar crack, fumar um baseado. Nunca foi falado isso lá.A gente é que entendia assim. Oficialmente nunca foi falado isso lá.Em off pessoas de lá dentro já me falaram que era pra mim diminuir ouso do crack e substituir pela maconha que em alguns casos tem dadocerto. Eu como não gosto de maconha. . . [sic]”

Não encontramos nas discursivas, nenhuma referencia a algum tipo de orien-tação na utilização do método de redução de danos, muito menos da realização deum projeto terapêutico personalizado que incluísse os usuários na responsabilizaçãode seus tratamentos. As referências mais próximas da categoria redução de danosforam feitas pelo participante C, que reatou que recebeu orientações informalmente.O sentido construído pela maioria dos usuários à categoria redução de danos é a desubstituição do crack pela maconha.

4.3 Sobre o sentido atribuído à categoria abstinência

Nesta subseção investigamos o sentido atribuído à categoria abstinência. Nessareunião foram propostas as seguintes questões para iniciar a discussão: O que vo-cês entendem sobre a abstinência? O que vocês acham do tratamento baseado naabstinência?

Importante ressaltar que a maioria dos sujeitos já tem uma ou mais passagenspor casas de recuperação utilizam a abstinência como a principal estratégia de trata-mento. Abstinência, nesse caso inclui o afastamento de qualquer substância psicoativa,

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como álcool, tabaco, drogas de qualquer natureza. Inevitável, como no caso da re-dução de danos, que a discussão incluísse as instituições que adotam essa práticaterapêutica.

Participante RI: “Abstinência é ficar longe das drogas. Já pela abstinên-cia, o governo gasta com as comunidades terapêuticas, através da bolsacrack, onde várias comunidades se cadastraram, através da Secreta-ria de saúde, Federal, Ministério da Saúde, eles recebem R$1500,00por paciente, eles se cadastram e ele vai sendo monitorado por essasclínicas [sic].”

O participante RI atribui uma significação da abstinência em que os usuários sãoincluídos na dinâmica comercial em que as clínicas de recuperação e as comunidadesterapêuticas tem se inserido. No caso o paciente de crack passa a ter um valor demercadoria no mercado da dependência e seu valor é conhecido pelos próprios sujeitos.

Uma intervenção foi feita a seguir com a intenção de que o grupo pudesseproblematizar a questão e o contexto fosse alterado a partir da tomada de consciênciado grupo.

Pesquisador: “Mas me respondam uma coisa. Fazendo um paralelo. Seas clínicas recebem esse dinheiro por cada paciente, por mês, cerca deR$1500,00 a R$2000,00 por cabeça, por dependente, assim por dizer,de alguma forma, não há então o interesse em acabar com a depen-dência. Que vocês acham? Porque se acabarem com a dependência oque acontece?”

Participante CO interrompe e responde: “Acabou o comércio. . . Eupassei em uma que era o seguinte, eles pegam os moradores derua, dependentes e coloca lá, sabe? E eles escolhem principalmentepedreiros e serventes, igual tá tendo o minha casa minha vida lá ecoloca a gente pra fazer minha casa minha vida, sabe? Sem eu ganharum centavo, a Deus dará. . . e os moradores de rua que eles estavampegando lá era por biometria. Tinha que colocar o dedo todo dia, tal etal, sei lá . . . e cai no governo que fica sabendo. Aí é trinta Reais porcabeça, por dia. É tipo um capital de giro da clínica. [sic].”

Pesquisador: “ Mas espera aí. Quem recebe o dinheiro? Quem traba-lha?”

Participante A interrompe e responde: “O governo só paga se tiveruma confirmação que o interno tá lá e quem recebe é a clínica. TrintaReais por cada cabeça. Então eles não estão nem aí se o cara vai serecuperar, se vai ficar ou não, porque já virou comércio [sic]”

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Pesquisador: “ Mas quem que paga isso?”

Participante CO: “É o governo, a Dilma. Eles pagam os trinta Real pordia. Se ficar o me todo eles recebem R$999,00. Por que tem gente quefica uma semana, outros dois dias. . . Por isso eles só pagam o que apessoa fica. Então eles não querem nem saber porque virou capital degiro[sic]”

Participante CE: “Eu depois que fui ficando de confiança na fazenda jáera coordenador e a dona me pagou um curso pra eu trabalhar lá comomonitor. Eu trabalhava quatro dias e folgava quatro. Como ela tinha queme pagar, ela me cadastrou e quando estava de folga vinha o carro mebuscar pra eu passar o dedo, todo dia.É uma lista de presença. Pra eleslá eu estava internado, mas os R$1999,00 todo mês tava lá [sic]”

O relato do participante CO, que se diz escravizado pela clínica, através dadiscursiva traz o sentido de mercadoria do dependente. “trinta Reais por cabeça, pordia. É tipo um capital de giro da clínica”, diz o participante CO. Realmente, a exploraçãoda mão de obra escrava nesse caso tem duplo viés de perversidade, da objetivaçãodas pessoas na lógica do capital e da atribuição de um suposto tratamento baseadoapenas no trabalho, a chamada laborterapia. Há também a cooptação dos dependentespara a perpetuação do trabalho de exploração dos que estão em estágio mais agudoda dependência. Os mais velhos de casa vão se tornando os capatazes das fazendasde recuperação. Isso é evidente no que diz o participante F:

Participante F: “Já ouviu falar da Manassés? Foram quatro internaçõesna Manassés. Lá é totalmente comércio. Vende caneta dentro dos ôni-bus. Minha primeira internação foi no Rio de Janeiro. Eles não aceitamo interno ficar na cidade natal. Tem em toda cidade que você conheça.Aí chega lá, fica quinze dias em casa só preparando os kits. Tomandoum chá, que eles fala que é pra desintoxicar, embalando kit, que eleschamam de kit informativo. É tudo da china. Contém uma caneta, lapi-seira, chaveirinho. . . , um material bacana. Quinze dias preparando essematerial o dia todo e a base do chá. Após esses quinze dias a gente jáobrigado, não tem essa de não querer não, é obrigado é ir pra rua prafazer a venda do material. A primeira semana sai com um camaradamais velho de casa, que é o cara que vai te ensinar as rotas. Aí você vaipros pontos do ônibus e quando o ônibus para você pede pro motorista:Motorista, posso fazer um trabalho social ? se ele deixar a gente entra,se não, entra do mesmo jeito e paga a passagem. Aí você entra noônibus, faz as vendas, desce e assim vai. Isso aí é cento e vinte canetasque eles colocam pra cada um vender e você tem que se virar e voltarcom o dinheiro. Eu voltava pra cãs todo dia com trezentos Reais, mais omeu no bolso, que é a famosa caixinha. A caixinha é o que passava dovalor de três Reais, por que a gente falava pra vender que o kit custavaqualquer valor acima de três Reais. Nota de cinco e de dez não tinha

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troco não. Eu cheguei tirar duzentos Reais lá, por dia. Por isso é quemuitos não querem sair de lá. A caixinha acaba compensando. Eu fizum cálculo por alto. Na casa que estava tinha trinta pessoas. Dessas,vinte iam pra rua e todos vendiam no mínimo cem kits por dia. Dá muitodinheiro, uma base um milhão. . . [sic]”

A partir desses depoimentos, através da intervenção, propomos uma reflexãosobre a posição de cada sujeito diante da realidade das instituições de recuperaçãoe os usuários, o assujeitamento. O objetivo é que o grupo possa fazer uma avaliaçãode sua posição passiva diante do problema e possa reconhecer-se implicado nessaquestão:

Pesquisador: “Eu queria perguntar pra vocês uma coisa. De um ladoo CERSAM, CAPS, CMT que vocês falaram muito mal. Do outro ascomunidades terapêuticas com essa realidade que vocês estão mefalando. . . A maioria é isso aí. Como é que fica?”

Participante F: “Eles lá na Manassés não cobram. Eles têm uma taxade inscrição de quinhentos Reais, que é uma taxa de seguro, se o carapegar o kit e sumir eles não tomam prejuízo. Mas eles tem interessena recuperação sim, eu tenho certeza disso pois eu passei por lá. Porquatro casas, São Paulo, Rio, Brasília, e interior de Minas. Eles evange-lizam a gente. Muitos alunos não querem sair de lá e levando uma vidadigna, porque é uma empresa. Outros saem de lá recuperados. . . [sic].”

O conceito de recuperação trazido na discursiva pelo participante F tem umsentido de abstinência. Para os usuários do grupo, abstinência é sinônimo de recupera-ção. Sem levar em conta a recuperação do ponto da reinserção social do sujeito.

Pesquisador: “Me desculpe, mas eu sou forçado a discordar de você.Eu não duvido que alguns não parem de usar drogas. Mas me expliquemelhor, qual é o interesse na recuperação?”

Participante F:“O interesse é que a pessoa fique na casa continuevendendo o kit pra eles. Tem interesse no retorno financeiro [sic]”

Participantes em geral: Risos.

Pesquisador: “ Primeiro, o que é a recuperação pra vocês?”

Participante F: “É o retorno pra sociedade, né?”

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Pesquisador: “Recuperação pra mim é a pessoa ter uma vida social, teruma vida produtiva, ter uma vida familiar e afetiva que a inclua em suacomunidade, ser reinserido na sociedade e ter uma vida minimamentetranquila dentro do possível. Nesse sentido esse pessoal não estáinteressado na recuperação não. Eles querem que as pessoas paremde usar drogas para que fiquem escravizadas por eles, no mínimo. Quevocês acham? ”Participante F: “bom, nesse ponto de vista é verdade. Só pra esclarecer,a casa Manassés é do Edir Macedo. Isso já diz tudo, né?”Participantes em geral: risos e risos. A reunião é encerrada.

Observamos pela reação do grupo, ao final da discussão que houve uma mu-dança subjetiva em relação ao sentido de abstinência como signo de recuperação. Osparticipantes compreenderam o objetivo principal por traz das “boas intenções” dosreligiosos que mantém essas casas de recuperação. Isso pôde ser verificado pela ironiacontida na fala do próprio participante F, “a casa Manassés é do Edir Macedo. Isso jádiz tudo, né?” e dos risos dos participantes após essa fala.

4.4 Sobre a política nacional antidrogas (PNAD)

Com vistas ao objetivo de verificar o sentido produzido pelos sujeitos para aPolítica Nacional Anti Drogas foi apresentado ao grupo o texto da PNAD. Inicialmente foiperguntado se algum participante já havia tido contato com o documento ou se alguémconhecia o assunto. Julgamos ser necessário intervir inicialmente para esclarecer sobreas políticas públicas de maneira geral, já que muitos não tinham nenhuma informaçãoa respeito. Daí derivaram algumas questões transversais que foram incluídas no relatopara manter o leitor informado do clima da reunião. Importante dizer que o assunto,inicialmente, não despertou o interesse do grupo. A categoria “política” se mostrou demenos importância para o grupo e foi necessário intervir para reverter o contexto dedesinteresse do grupo. O resumo descritivo das falas da reunião é apresentado abaixo:

Pesquisador: “Eu queria apresentar pra vocês a Política Nacional AntiDrogas, PNAD. Alguém conhece?”.

Participantes em geral: “não”Participante X: “é recente?”.Pesquisador: “Não. A atual política sobre drogas no Brasil foi instituídaem 2005. Nos locais onde vocês já passaram em tratamento alguém jáapresentou pra vocês o assunto?”Participantes em geral: “não, nunca”Participante CE: “mas por que um noiado iria se interessar por essenegócio de política pública? [sic]”

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Pelos relatos dos participantes percebe-se que no grupo não há nenhumainformação relevante sobre as políticas públicas em geral, nem em particular, sobre apolítica antidrogas.

Aparece também uma auto-referência ao estereótipo do noiado, termo quena gíria dos dependentes equivale ao conceito de sujeito que atingiu uma condiçãosub-humana devido à degradação física e moral resultante do uso de crack. Entre osusuários de drogas há uma gradação hierárquica dentro da dependência e o noiadoestá no mais baixo nível de respeito entre eles. Resolvemos intervir nesse ponto, poispela discursiva apresentada esses “noiados”, segundo o participante CE, não seriamsujeitos sociais que poderiam se apropriar como cidadãos de direitos e deveres. Talpostura caracteriza uma posição de alienação que é bastante reforçada pelo grupode usuários de outras drogas diferentes do crack – como os usuários de cocaína eálcool, que são consideradas drogas socialmente toleráveis. Então a intervenção aseguir teve duplo objetivo: posicionar os usuários dentro de uma responsabilização depolítica pública e afirmar uma micropolítica que quebrasse os estigmas de preconceitosdentro do próprio grupo, bastante heterogêneo em relação à droga de eleição:

Pesquisador: “bom, primeiro que a questão de se autodenominar de“noiado” não diz muito sobre você, apenas sobre como que te deno-minam.Você continua sendo responsável pelas suas escolhas. Alémdo mais, mesmo que a gente não queira, a política é parte importantenas nossas vidas, pois é por ela que se direcionam as ações que estãorelacionadas, por exemplo, como serão gastos os recursos para aten-der quem busca ajuda para o tratamento, isso no mínimo. Que vocêsacham?”.Participantes em geral: concordam acenando positivamente e Partici-pante CE: sorri.

A intervenção alcançou os objetivos pretendidos, na medida em que os partici-pantes passam a demonstrar mais interesse pelo tema ao dissociaram o sentido depolítica como apenas a dimensão político-partidária. Além disso observamos que otermo “noiado” não foi mais pronunciado durante o restante do trabalho e mesmo naspróximas reuniões do grupo.

Participante R: “É uma lei que pune?”.Pesquisador: “Não. Acho melhor eu explicar um pouco melhor pra vocês.Nós vivemos em um país que é regido por leis em suas várias esferas,federal, estadual e municipal. Esses governos para governar tem queplanejar as ações para buscar atender à sociedade. Para isso ele criaas políticas públicas em diversos setores, educação, segurança, saúde,transportes, etc. . . Nessas políticas eles afirmam quais os caminhoscada participante do governo e da sociedade deve seguir para atenderaos objetivos públicos, do povo, da sociedade. Então temos a questãodas drogas. É um problema particular ou público? Interessa a toda asociedade? É de interesse de vocês?”.

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Participantes em geral: “Sim, Claro que sim. . . [sic]”.

Pesquisador: “Sim. Então temos que ter uma política que diga comovamos resolver os problemas ligados ao abuso de drogas ilícitas oulícitas (como cigarro, álcool. . . )”.

Na medida em que o conceito de política pública foi sendo incorporado pelosparticipantes, os discursos se tornavam mais políticos e as reações do grupo maisinteressadas nos aspectos sociais da dependência. Muitos participantes, pelas váriaspassagens em instituições que os culpabilizavam pela própria doença, acabam porperder as conexões entre os aspectos sociais do problema com as drogas. Nessesentido, a apresentação da PNAD aos participantes do grupo, de alguma forma cumpreum objetivo de conectá-los à dimensão social do tema o que faz uma ponte entrecidadania e conhecimento. A dependência deixa de ser apenas uma questão individuale passa ao contexto das produções subjetivas da cultura contemporânea. Os próximosrelatos exemplificam o que é dito:

Participante RO: “Eu ouvi dizer que o Brasil é o pais que é o maiorconsumidor de drogas do mundo. É por isso que o governo, principal-mente da Dilma prá cá, começou a desenvolver esses programas deprevenção, teve até aqueles lances de internação compulsória em SãoPaulo, aquelas cracolandias. . . que virou uma pandemia. A situaçãofugiu do controle”.

Participante L: “Não, é o Estados Unidos. [sic]”Pesquisador: “Não sei dizer ao certo, mas somos um país que temsérios problemas nessa área e que esse problema ultrapassa as esferaspoliciais. Está claro pra todos isso?”Participantes em geral: “Sim, tá claro. . . ”

Participante R: “Mas aí tem um lado também, que traz o problemapra sociedade, que tem envolvimento com as drogas, geralmente é ospobres né? Porque o rico, ele se mantém até morrer, quando não morrede overdose. A população que tem dinheiro também faz o consumo,mas nem por isso precisa roubar pra manter o vício. Eu acho que opobre que é mais prejudicado, porque pra manter o vício tem que metera fita, meter assalto. Pra não morrer na favela”

A discursiva do participante R apresenta uma postura crítica interessante, arelação entre pobreza e dependência química. A intervenção a seguir tem como objetivoreforçar a temática e problematizar junto ao grupo a questão:

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Pesquisador: “O que você nos está trazendo, com suas palavras, éque a população pobre é a que sofre as maiores consequências dosproblemas com as drogas?”Participantes em geral: “sim, claro”. Tumulto geral na sala, várias pes-soas falando ao mesmo tempo.Participante R: “Sim, e por outro lado, o consumo das drogas também éuma questão de adrenalina . . . ”Pesquisador: “Eu achei importante o que você falou, porque tem umaspecto importante. . . ”Participante L interrompe: “A classe média é a que mais consome. . . ”

Pesquisador continua: “Sim, mas se como vocês dizem, as classesmenos favorecidas é que são as mais afetadas pela questão das drogas,elas acabam por ter mais um fator de discriminação e desigualdadesocial, necessitando ainda mais das políticas públicas para alterar essasituação. Que vocês acham?”

Neste ponto da discussão já se observa uma retificação do sentido de depen-dência, deslocada da categoria de problema moral ou biológico, associado ao própriosujeito, para uma produção subjetiva da desigualdade da sociedade em que a políticapública entra como uma componente reprodutora dessa situação:

Participante R e participantes em geral (discutindo entre si): “concordoplenamente, o que falta é uma boa política pública de educação queinclua a questão das drogas”Pesquisador: “Mas então, eu gostaria de saber se a questão é a falta depolíticas públicas, ou o que acontece com a execução dessas políticas?Eu vou apresentar pra vocês a política e gostaria de saber de vocês oque vocês reconhecem na prática, do que está no papel.”

Os participantes já apresentam uma análise crítica em que relacionam a própriacondição à aspectos macropolíticos e a associam aos fatores da comunicação demassas, pela inclusão da influência da mídia como produtora de estímulos de uso dedrogas e também como alimentadora da segregação entre as classes sociais:

Participante L: “É isso mesmo que o R falou, a droga tá mais associadaà periferia. As vezes não se fala de drogas na classe média, porqueeles não deixam transparecer o consumo de drogas. Na mídia nãoaprece o consumo de drogas na classe média. Leva mais pra favela,pros guetos, entendeu? Tem uma dupla discriminação, além de serpobre é discriminado por ser drogado”Pesquisador: “Tem todo um estereótipo, né?”Participante J: “Em São Paulo, tem uma boca de fumo lá dentro noMorumbi, um dos bairros mais ricos de SP. Quem mora lá é só quemtem dinheiro. Artista, jogador de futebol [. . . ]”

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Participante Co “Eu queria perguntar. . . Se tem essas políticas públicaspra beneficiar os pobres, por que eles não divulgam isso na mídia, comodivulgaram bolsa isso, bolsa aquilo, divulgaram a copa do mundo. . . ?Por que não divulgam isso mais pras famílias dos usuários e prospróprios usuários ficarem livres disso?”

A participação de CO representa uma postura crítica do grupo bastante diferenteda participação no início do trabalho. Já se percebe uma posição cidadã de questiona-mento quanto à necessidade de participação popular na formulação e divulgação daspolíticas públicas. A droga já tem uma significação de fenômeno biológico – predomi-nante no discurso médico científico positivista. A pergunta estimula a participação dosusuários aos centros comunitários como uma forma de participação e tratamento pelareinserção social dos dependentes:

Pesquisador: “Essa é uma boa pergunta. Que vocês acham? Por quenão há divulgação das políticas públicas sobre drogas nas escolas, noscentros comunitários?”Participante RI: “A população é vítima do desconhecimento, do sensaci-onalismo da mídia também [. . . ]”Participante M interrompe: “A grande culpada disso é a mídia. Elesfazem a propaganda que diz: se você beber não dirija, mas logo depoispassa uma propaganda de Skol. . . ”Pesquisador: “É verdade, e é por isso que é necessário uma políticapública para regular essas relações. Então vamos fazer uma leitura daPNAD?”Participantes em geral: “sim”. Todos concordaram e fizeram uma pausanos comentários enquanto era exibido texto.

Os participantes do grupo passam da condição de desinteressados à condiçãode participação ativa na questão da política sobre drogas no Brasil.

Logo após, foi utilizado um projetor multimídia e feita a leitura dos principaispontos da resolução Nº3/GSIPR/CH/CONAD, 27 de outubro de 2005, que aprova apolítica nacional sobre drogas em vigor no país.

Os pontos de maior destaque relacionados aos objetivos produzidos pelosusuários sobre a política antidrogas são descritos a seguir:

Participante CO: “Diz na política que eles buscam uma sociedade livredas drogas. Não acredito que existam sociedades livres de drogas.Então pra mim isso é uma utopia”Pesquisador: “Não diz no texto que exista sociedade sem drogas e simque se busca construir uma sociedade sem drogas. Mas o que vocêsentendem por utopia?”Participante CE: “uma ilusão, fora da realidade. Isso das políticas públi-cas antidrogas servem pra que? Eu sou frequentador da Pedreira PradoLopes a doze anos. Entra ano e sai ano e tá lá do mesmo jeito. Pareceque o que tá no papel é inglês ver [sic].”

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Pesquisador: “boa pergunta, que vocês acham? Vamos tentar responder?.”Participante CO: “Eu também acho que é pra gringo ver. Não vejo nadadisso.”

A primeira sentido produzido pelos participantes é que havia uma grande distân-cia entre a realidade por eles vivida e o que estava na PNAD. As primeiras reações sãode desdém ao texto, como se não houvesse representatividade entre a política públicae o mundo real. São utilizadas para representar tal situação as categorias “utopia” e“ilusão” ao se referirem ao texto da política antidrogas.

A intervenção a seguir teve como objetivo confrontar os participantes quanto àprópria implicação no problema, já que a maioria dos participantes tinha um discursode passividade para com a situação.

Pesquisador: “É muito fácil pra gente também ficar só criticando. Hápor parte da população um desinteresse muito grande em saber doseu papel de cidadão, que exige uma coisa chamada participação. Porexemplo, nos estamos aqui entre pessoas que são usuários de drogasem recuperação. Ou seja, temos pessoas que têm interesse direto naquestão. Quantos de vocês já demonstraram algum interesse sobreesse assunto?”

Participante CE: “Mas o próprio usuário de drogas se exclui da socie-dade. Abre mão dos seus direitos e deveres.”

Diante da discursiva “Mas o próprio usuário de drogas se exclui da sociedade[. . . ]”, há novamente a necessidade de intervir para que o grupo possa refletir sobre asua posição cidadã e faça uma análise crítica da questão.

Pesquisador: “Então ser usuário de drogas é perder a cidadania? é issoque vocês querem me dizer? Não tem mais direitos?”Participantes em geral: (tumulto na sala, vários falando ao mesmotempo) Participante CE, Claro que temos direitos e deveres também.Participante CO: Eu acho que falta é mais participação de gente comonós, ex-dependentes na questão. A gente não participa por que nãoquer. [sic]”Participante L: “Existem pessoas que não são adictas e têm mais inte-resse nesse assunto que nós, que deveríamos nos interessar mais peloassunto.”Pesquisador: “O nosso objetivo é esse mesmo L. Trazer a oportunidadeda reflexão sobre o assunto. Talvez se as pessoas tomarem mais cons-ciência da questão possam se apoderar de seus direitos. Mas vamosvoltar à PNAD. . . ”

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A intervenção surte os efeitos desejados. Já se percebe no grupo uma implica-ção, pois os participantes reconhecem que há um desinteresse na participação sobre oassunto e do contexto político.

Participante CO: “Me deu uma dúvida sobre esse conselho nacionalantidrogas. Será que tem algum representante dos usuários em recupe-ração?”Participante RO: “provavelmente não. Só os especialistas no assunto.Médicos, psicólogos, psiquiatras [sic]”Pesquisador: “As coisas são resolvidas politicamente. Que vocês acham?”

Neste ponto da discussão o grupo se apresenta bastante consciente de queo problema das drogas requer a participação de toda a sociedade e interroga, pelafala do participante CO, sobre a possibilidade de haver pessoas usuárias de drogasnos conselhos diretivos. Tal discursiva denota uma mudança subjetiva em relação àposição de assujeitamento inicial:

Participante CO: “Que só o ministério da saúde não dá conta. Que temque ter a participação popular também. Para atingir os objetivos dapolítica todos tem participar[sic]”

Outra mudança subjetiva observada no grupo após a exibição do texto da políticaantidrogas foi o deslocamento do foco do problema, do repressivo para o da prevenção.Os usuários em recuperação produzem um significado diferenciado para o problemada dependência e se incluem na construção de uma possível solução ao proporemum projeto de prevenção a partir das experiências dos próprios recuperandos junto àcomunidade:

Participante F: “Eu queria falar sobre um dos capítulos da política, o daprevenção. Acho que é o mais importante. Porque tem que trabalharantes que as pessoas entrem pras drogas. Depois fica difícil, e maiscaro também”Pesquisador: “É importante sim. O que vocês pensam sobre a preven-ção? O que já presenciaram na prática?”Participante L interrompe: “Só vi o PROERD. A PM manda um soldadouma vez por ano nas escolas falar sobre drogas com a mulecada. Osmoleques racham de rir deles. Ficam tirando eles. De prevenção sótenho notícias disso.[sic]”Participante F: “Acho tem um grande mercado aí pros ex-usuários dedrogas. A gente poderia participar como palestrante nas escolas ecomo uma espécie de agente comunitário antidrogas. Se tivesse umprojeto que envolvesse os usuários, depois de recuperados na própriacomunidade deles, como uma pessoa que trabalhasse com as famílias,antes da garotada iniciar, talvez desse certo.”Participante RO: “Só se tivesse um salário.”Participantes em geral : Risos e risos.

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Participante CE: “Se você chegasse num moleque que te conhece prapagar sermão pra ele, ele ia te dar é tiro na cara, [diria] outro dia mesmoestava aí com o cachimbo na mão e agora vem pagar de Mané!”

Pesquisador: “Mas eu acho uma boa ideia. Só pela ação da própriacomunidade é que os problemas da comunidade pedem ser resolvidos.Seria uma espécie de agente comunitário antidrogas que atuaria nasua própria comunidade num programa de prevenção? Tipo os ACS,agentes comunitários de saúde?”

O efeito de significação produzido no grupo a partir da ideia apresentada peloparticipante F foi imediato. Para os dependentes em recuperação é importante re-construir a autoestima destruída pela culpabilização que os programas baseados emabstinência promovem nos sujeitos. Ao perceberem uma possibilidade de resignificaras experiências negativas e transforma-las em oportunidade de trabalho, seja comopalestrantes, ou dentro da própria comunidade como mediadores os sujeitos apresenta-ram grande interesse e os efeitos foram positivos. Já não se identificavam apenas comodoentes e marginais, poderiam ser uteis dentro do próprio contexto da comunidade:

Participantes em geral: (tumulto e todos falando entre si)Participante M: “Se o cara fizer isso lá no morro os traficantes passamele. Já era [. . . ]Participante L: “ Pois eu acho que não. O M. dono do morro lá do SantaLúcia é meu chegado. Já cansei de ver ele dando moral pros mulequede lá não entrar pra noia, falando que essa droga é o fim deles. Eles nãotem interesse em que o pessoal da própria quebrada sejam usuáriosnão. O negócio deles é vender pros outros, de fora da quebrada [sic]”Participante L: “ Eu sou um cara considerado lá no morro e acho quepoderia fazer um trabalho desses de prevenção”Participante RO: “Um Gambá Cheira o outro[sic]”Pesquisador: “Que significa isso?”, Participantes em geral: risos e risos.

Participante RO: “É que os usuários sabem quem é do crime e reconhe-cem desde cedo quando um moleque tá pra entrar no crime. Se nessemomento alguém entrar e dá uma ideia, talvez ele não comece! Ai simé prevenção.”Participante R: “É diferente de um técnico, um polícia, um médico oupolítico falar. A história do sujeito tem respeito na comunidade. Por issoessa política feita por especialistas não funciona, não tem a participaçãodos mais interessados, os usuários”Pesquisador: “E o que pode ser feito a respeito?”

O participante M apresenta um roteiro que estabelece no grupo uma propostade estímulo à recuperação. Para que se possa reintegrar à sociedade é preciso serecuperar primeiro. Não para satisfazer os pedidos dos familiares, mas para retornar

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à comunidade com o respeito dos seus. Aparece aqui um dos aspectos mais tristesda dependência, a segregação e o isolamento. O usuário se afasta por vergonha dafamília e dos amigos, perde os vínculos e o respeito próprio:

Participante M: “ O primeiro passo é se recuperar. E participar tambémna comunidade, no centro social. Não se esconder do problema, nãofugir da quebrada de vergonha, se recair.”Participantes em geral: tumulto e todos falando ao mesmo tempo. Areunião é encerrada pelo tempo ter terminado.

Observamos no clima do grupo uma alteração na motivação dos participantese um engajamento ao aspecto social. O sentido produzido durante o trabalho deexibição da PNAD foi o de participação cidadã e responsabilização pela comunidade.Os participantes demonstraram interesse em continuar discutindo os temas políticossociais para melhor compreenderem o assunto.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As limitações de realização desse trabalho dizem mais do percurso particular denossa formação do que das condições do experimento em si e do exíguo tempo livredisponível. Por não possuir maior familiaridade com a pesquisa social na perspectivaconstrucionista, reconhecemos que em algumas intervenções fomos mais diretivos doque o recomendável, mas graças à grande boa vontade e disponibilidade do grupo,essa limitação foi superada na maioria das vezes em que intervimos.

Mesmo com as limitações citadas, acreditamos ter alcançado os objetivosgerais e específicos propostos para a atividade, ou seja, o de investigar os sentidosproduzidos pelos usuários de drogas às categorias redução de danos, abstinência esobre a política nacional antidrogas, mas não apenas na perspectiva da observaçãopassiva da realidade, mas de uma produção de novas significações que pudessempromover os participantes a novos níveis de compreensão de seu próprio papel nessecontexto.

Para a produção dessa monografia, acreditamos que o experimento forneceuelementos de aprendizado das práticas sociais ao seu pesquisador, pois observamosem loco o processo dialógico em que coexistem singularidades de uma produçãoindividual e uma dimensão social dos atos da fala dos sujeitos participantes.

Através da discussão realizada foi possível operar a reconstrução dos significa-dos – quebra dos significados instituídos que organizam o mundo dos dependentes.Uma experiência nova emergiu pelos atos de fala dos participantes e tornou-se visívelao ser contrastada com o fundo do que lhes é familiar, o assujeitamento diante dosefeitos da droga e das instituições que os acolhem. Pode-se falar em reconstruçãono sentido de mudança de um significado para outro já que o sentido organiza aexperiência presente, a passada e possibilidades futuras de vida.

Assim, as intervenções mostraram-se bem sucedidas dentro das nossas li-mitações intelectuais, pois observamos pelos relatos dos participantes, nas trocasdialógicas que os significados se desenvolveram entre as pessoas. Enfim, constatamosmudanças significativas em relação aos posicionamentos diante dos temas propostos,antes e no final do trabalho.

Os aspectos mais importantes observados no transcorrer dos encontros, pelosrelatos dos usuários, que aqui serão tomados à guisa de conclusão, foram:

Há pouca ou nenhuma informação consistente sobre a política de redução dedanos por parte dos usuários e o sentido mais comum da categoria construído por partedos participantes é a de redução de uso da substância de eleição ou de preferência,

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pela maconha, preferencialmente, sem nenhum procedimento de controle e inclusãodo usuário no projeto de recuperação.

A recuperação da dependência é tomada como sinônimo de abstinência ao usoda substância de eleição, não importando qual relação o usuário tem com a substânciae qual o grau de comprometimento social que o usuário tenha com a droga.

Os programas de redução de danos realizados nas unidades de referência ousão mal executados ou são mal divulgados, pois raros são os usuários que detémalguma informação sobre a redução de danos. No caso da nossa amostra nenhumparticipante soube responder com maior acerto sobre o tema.

Em contrapartida, verificamos que muitas instituições religiosas que acolhemos dependentes de drogas e que preconizam a abstinência como o único caminhode recuperação, impõem um regime de relação que segrega, oprime e às vezes atéexplora os seus usuários. Muitos relatos se referem ao trabalho equivalente ao deescravo.

Nenhum participante tinha conhecimento da política nacional antidrogas e acategoria política foi tomada pelo grupo como política partidária, inicialmente. Após adiscussão foi possível verificar uma posição de engajamento político e comunitário dosparticipantes.

O tema suscitou em nós o interesse em aprofundarmos na pesquisa socialconstrucionista, que se demonstrou um valioso instrumento de transformação darealidade social em nosso país, realidade esta de opressão, desigualdade e injustiçasem que a psicologia não pode se fazer indiferente.

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