os gêneros textuais e a eja - diálogos com a...

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OS GÊNEROS TEXTUAIS E A EJA 1 Soésia Hoffmann Prusch 2 Ana Lúcia Buogo 3 Resumo Este artigo trata da importância do desenvolvimento da competência discursiva para a inserção social do aluno da educação de jovens e adultos - EJA . Aborda o ensino da língua na EJA baseado nos gêneros textuais a partir das concepções teóricas do interacionismo sociodiscursivo de Bronckart. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Gêneros textuais. Interacionismo sociodiscursivo. INTRODUÇÃO A EJA constitui-se numa modalidade de ensino diferenciada do ensino fundamental regular, com algumas leis específicas que a rege, com um currículo definido de acordo com suas necessidades, com um público composto de alunos que não conseguiram concluir o ensino fundamental na idade certa, ou nem tiveram acesso ao ensino. Assim, compõe-se de alunos provindos de grupos sociais de baixo poder aquisitivo, com uma linguagem própria, modos de ser e agir peculiares a sua realidade social. Num universo regido pelo valor da escrita, em que seu domínio possibilita aceitação social e até independência, esses educandos, que já possuem um vasto conhecimento da vida, lutam cotidianamente para sobreviver. Como refere Ebert (s/d, p.9), eles "conhecem bem o valor da escrita, muito mais do que os sujeitos escolarizados, pois diariamente sentem na pele o preço da falta de escolarização e do conhecimento escolar". Assim, falar em EJA, nos remete a esses diferentes grupos sociais que ainda não se escolarizaram e a suas vivências e conhecimentos. Essa modalidade de 1Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso TCC, dentro das atividades do Curso de Especialização em Educação de Jovens e Adultos, Projeto ler e escrever o mundo: a EJA no contexto da educação contemporânea - da Universidade de Caxias do Sul 2 Aluna do curso de pós-graduação - Projeto ler e escrever o mundo: a EJA no contexto da educação contemporânea - da Universidade de Caxias do Sul 3 Orientadora da pesquisa.

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OS GÊNEROS TEXTUAIS E A EJA1

Soésia Hoffmann Prusch2 Ana Lúcia Buogo3

Resumo Este artigo trata da importância do desenvolvimento da competência discursiva para a inserção social do aluno da educação de jovens e adultos - EJA . Aborda o ensino da língua na EJA baseado nos gêneros textuais a partir das concepções teóricas do interacionismo sociodiscursivo de Bronckart. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Gêneros textuais. Interacionismo sociodiscursivo.

INTRODUÇÃO

A EJA constitui-se numa modalidade de ensino diferenciada do ensino

fundamental regular, com algumas leis específicas que a rege, com um currículo

definido de acordo com suas necessidades, com um público composto de alunos que

não conseguiram concluir o ensino fundamental na idade certa, ou nem tiveram acesso

ao ensino. Assim, compõe-se de alunos provindos de grupos sociais de baixo poder

aquisitivo, com uma linguagem própria, modos de ser e agir peculiares a sua realidade

social.

Num universo regido pelo valor da escrita, em que seu domínio possibilita

aceitação social e até independência, esses educandos, que já possuem um vasto

conhecimento da vida, lutam cotidianamente para sobreviver. Como refere Ebert (s/d,

p.9), eles "conhecem bem o valor da escrita, muito mais do que os sujeitos

escolarizados, pois diariamente sentem na pele o preço da falta de escolarização e do

conhecimento escolar".

Assim, falar em EJA, nos remete a esses diferentes grupos sociais que

ainda não se escolarizaram e a suas vivências e conhecimentos. Essa modalidade de

1Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, dentro das atividades do Curso de Especialização em Educação de Jovens e Adultos, Projeto ler e escrever o mundo: a EJA no contexto da educação contemporânea - da Universidade de Caxias do Sul 2 Aluna do curso de pós-graduação - Projeto ler e escrever o mundo: a EJA no contexto da educação contemporânea - da Universidade de Caxias do Sul 3Orientadora da pesquisa.

2

ensino apresenta grupos muito mais heterogêneos do que os do ensino regular no que

tange à idade, conhecimento e experiências.

O aluno da EJA traz consigo conhecimentos linguísticos extraídos de suas

vivências e já maneja a língua de forma a suprir suas necessidades comunicativas do

dia-a-dia. Mas um ensino da língua de forma contextualizada e significativa ainda pode

ampliar sua competência discursiva, o que Baltar (2004, p.16) define como "a

capacidade que os usuários da língua tem ou deverão ter para, ao criarem seus textos,

escolher o gênero que melhor lhe convier" .

Nesse intuito, de ampliação da competência discursiva, o trabalho docente com

gêneros textuais, conforme afirma Marcuschi (2006, apud Soares, 2001, p. 2),

"concebidos como formas culturais e cognitivas de ação social corporificadas de modo

particular na língua”, pode promover as capacidades de ação, possibilitando aos alunos

transitar nos diferentes gêneros e exercer de modo efetivo essas competências,

exigidas em situações reais que envolvem a língua em sociedade.

Os PCNs (MEC, 1998) trazem uma importante reflexão que parece pertinente

relacionar aqui:

(...) a escola deve assumir o compromisso de procurar garantir que a sala de aula seja um espaço onde cada sujeito tenha o direito à palavra reconhecida como legítimo, e essa palavra encontre ressonância no discurso do outro.

Dessa forma, pode-se perceber a relevância de se operar com os gêneros

textuais, o que vem a garantir o direito à palavra ao cidadão que, conhecedor e hábil

manipulador da língua, pode expressar-se e manifestar sua intencionalidade no

discurso elaborado.

1. A necessidade do desenvolvimento da competência discursiva para a inserção

social e o desenvolvimento da consciência da cidadania

3

O educando da EJA, pela sua singularidade, quando busca a formação nos

bancos escolares, geralmente, a princípio, objetiva a certificação para inserir-se no

mercado de trabalho. Porém, cabe à escola, aos professores, que lhes possibilite uma

educação de qualidade que supere essas expectativas. O desenvolvimento da

competência discursiva vem ao encontro dessa finalidade.

Baltar (2004, p.17) ressalta que "um usuário competente discursivamente é

aquele que pensa a produção de textos, situando-os dentro de um gênero com sua

estrutura relativamente estável, que pertence a um ambiente discursivo, como produção

escrita dialógica, que busque atingir objetivos sociodiscursivos específicos".

A prática da leitura e da produção escrita sob a ótica dos gêneros, é essencial ao

exercício e ao aprimoramento dessa competência e, na escola, é o principal lugar onde

isso pode ocorrer. Foucambert (1994), citado por Baltar (2004, p.20), lembra que "à

escola, mas naturalmente não só a ela, compete executar políticas pedagógicas que

sejam capazes de inserir indivíduos no mundo da escrita".

Baltar (2004, p.9-10) reflete que o tipo de ensino da língua que mais se pratica

nas escolas ainda é aquele

descontextualizado, baseado num conceito único de gramática normativa como um livro de certo e errado, em que se deve aprender as classes e as categorias gramaticais e todas as regras da língua de forma mnemônica, para depois aplicar esses conhecimentos em exercícios estruturais.

Contrapondo essa realidade, Silva e Oliveira (s/d, p. 3)4 referem-se aos PCNs,

que a partir de uma metodologia de enfoque enunciativo-discursiva, propõem uma

ruptura com o ensino de língua materna que foi efetivada na escola, de maneira

normativa e conceitual. As autoras relacionam a essa proposta a concepção de

linguagem sócio interacionista, postura epistemológica presente em diversas áreas do

conhecimento, que defende a tese de que as condutas humanas resultam de um

4 SILVA, Margarete Fátima Pauletto Sales; OLIVEIRA, Ana Arlinda de. Práticas de leitura e letramento na

EJA.

4

processo histórico de socialização, possibilitado especialmente pela emergência e pelo

desenvolvimento dos instrumentos semióticos.

É necessário que o sujeito, para além do domínio do código, seja oral, escrito ou

demais linguagens, compreenda o caráter ideológico dos discursos presentes no

cotidiano, veiculado pelos mais diversos meios de comunicação.

O trabalho com o texto, a serviço da interação social e discursiva, conforme

Baltar (2004) pressupõe o trabalho de pensar, de tomar decisões sobre os gêneros

possíveis de expressar o que se quer dizer, de acordo com os efeitos de sentido que se

pretende em relação ao interlocutor, pressupõe o exercício de se criar estratégias,

mobilizar conhecimentos prévios para poder materializar em linguagem o que se

pretende dizer ou então, entender o que está sendo dito.

Marcuschi (2002, p. 29) compreende que "quando dominamos um gênero

textual, não dominamos uma forma linguística e sim uma forma de realizar

linguísticamente objetivos específicos em situações sociais particulares". Ele cita

Bronckart (1999, p. 103), que reforça que "a apropriação dos gêneros é um mecanismo

fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas

humanas".

Baltar (2004, p.19) destaca, com muita propriedade, que nossos alunos precisam

estar cientes de que

"a língua que falam e que precisam saber escrever para interagir em sua sociedade letrada lhes oferece um repertório infinito de possibilidades textuais, mas sobretudo, precisam entender que a escolha desse repertório deve ser feita de acordo com o espaço discursivo onde usarão esses textos para interagir socialmente".

O ensino da língua, conforme o mesmo autor (p. 20), só pode ser efetivo se der

condições aos seus falantes de desenvolverem suas competências discursivas para,

com isso, dialogar com seus interlocutores.

Bakhtin (1997, apud Baltar, 2004 p.21) escreve que uma possibilidade de auxiliar

os alunos a desenvolver a cidadania é estimular-lhes as competências discursivas,

através da produção de gêneros de textos inseridos em um ambiente discursivo dentro

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de uma instituição social, com a possibilidade de diálogo real com interlocutores

também reais, dispostos a atitudes responsivas ativas. Machado (1997, apud Baltar,

2004, p.21) reforça isso quando afirma que é possível aliar competência discursiva ao

exercício da cidadania como a "participação ativa do indivíduo no tecido social".

2. Os gêneros textuais e o interacionismo sociodiscursivo - ISD - de Bronckart

Conforme Marcuschi (2005, p. 19, apud Ebert, s/d, p. 9-10), os gêneros

textuais são "fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social,

que contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia".

Esse autor caracteriza os gêneros textuais como "eventos textuais altamente

maleáveis, dinâmicos e plásticos que surgem emparelhados a necessidades e

atividades sócio culturais". Percebe-se isso, segundo ele, ao se considerar a

quantidade de gêneros textuais hoje existentes em relação a sociedades anteriores à

comunicação escrita.

O trabalhar com gêneros textuais permite relacionar diferentes áreas de

conhecimento, contribuindo para o aprendizado e a aplicação da escrita e da leitura.

Marcuschi (2005, p. 22-23) trabalha nessa perspectiva.

Marcuschi (2005, apud Baltar, 2004, p. 9-10) explica que

usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilos e composição característica.

Já texto, conforme Bronckart5 é qualificado como toda produção de linguagem

situada, construída, de um lado, mobilizando os recursos (lexicais e sintáticos) de uma

5 BRONCKART, Jean Paul. Interacionismo Sócio-discursivo: uma entrevista com Jean Paul Bronckart.

Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL .

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língua natural, de outro, levando em conta modelos de organização textual disponíveis

no quadro dessa língua.

Ebert (s/d, p. 10) refere que, ao inserir diversos gêneros textuais nas práticas

didáticas, o professor "coloca o aluno em contato não somente com os gêneros

produzidos na escola, mas também com outros produzidos fora dela, em diversas áreas

de conhecimento". O gênero, declara a autora, precisa ser apresentado na perspectiva

de que é variável e que nos ajuda a perceber e modificar o mundo. No mesmo artigo, a

autora cita Marcuschi (2005), que afirma: “Sendo os gêneros fenômenos sócio-

históricos e culturalmente sensíveis, não há como fazer uma lista fechada de todos os

gêneros[...]. Daí a desistência progressiva de teorias com pretensão a uma

classificação geral dos gêneros”(p.10).

Ebert lembra ainda que os gêneros textuais são oriundos de situações e fatos

sociais, que acontecem dentro e fora do ambiente escolar, nas situações cotidianas

que evocam sua existência. Assim, são formas de como organizamos nossa vida.

Para Bakhtin (2003, apud Silva e Oliveira, s/d, p. 9 ),

a riqueza e a variedade de gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.

Bronckart (1996, apud Machado, 2005, p.241) considera o texto uma "unidade

comunicativa de nível superior" e define o texto como: "toda unidade de produção

verbal, oral ou escrita, contextualizada, que veicula uma mensagem linguisticamente

organizada e que tende a produzir um efeito de coerência no seu destinatário" e que,

segundo Bronckart, é uma unidade comunicativa de nível superior"

Machado (2005, p.237) esclarece que Bronckart substitui o termo texto por ação

e o ISD tem como unidades de estudo privilegiadas as ações verbais e não verbais.

O ISD apresenta uma visão psicossociológica dos gêneros. Bronckart tem em

Vigotski sua fonte de referência e uma abordagem marxiana dos fenômenos

psicológicos, considerando a psicologia em sua dimensão social.

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O Interacionismo sociodiscursivo defendido por Bronckart postula que "as ações

humanas devem ser tratadas em suas dimensões sociais e discursivas constitutivas"

(BALTAR, 2004, p. 67). Baltar ressalta que, para Bronckart , a linguagem é uma

característica da atividade social humana na interação comunicativa, o que ocorre por

meio de atividades e de ações de linguagens. As atividades de linguagem são os

eventos discursivos, que se dão dentro de "zonas de cooperação social determinadas”,

e são o "princípio constitutivo das ações de linguagem".

A comunicação sempre se dá através de algum gênero textual, como confirma

Bakhtin (1997, apud Baltar, 2004, p.68), lembrando que a prática da linguagem da

criança e depois do adulto consiste na utilização de diferentes gêneros do discurso em

uso nas formações sociais nas quais cada indivíduo se insere. Bakhtin (1997) ainda é

citado pelo mesmo autor para referir que "os gêneros são padrões comunicativos

socialmente utilizados, que funcionam como uma espécie de modelo comunicativo

global, que representa um conhecimento social localizado em situações concretas" (p.

68).

Baltar (2004, p. 69-71) explica como Bronckart percebe a produção de textos

através de uma ação de linguagem e, para isso, analisa as três prerrogativas desse

processo:

1) a situação de ação de linguagem: a situação de ação de linguagem refere-se

às propriedades dos mundos formais, físico, social e subjetivo, que influem sobre a

produção textual na medida em que se mobilizam as suas representações sobre esses

mundos.

2) a ação de linguagem: a noção de ação de linguagem compõe os parâmetros

do contexto de produção e do conteúdo temático. O agente produtor de um texto

empírico precisa escolher, em um repertório de textos disponíveis no

intertexto/arquitexto, o que se adequa a situação de ação de linguagem específica.

3) a noção de intertexto: a noção de intertexto refere-se aos "textos que são

partilhados por indivíduos nas formações sociais contemporâneas, que são deixados

por gerações anteriores para serem atualizados nas interações verbais" (p. 70). O

indivíduo se apropria dos gêneros textuais aderindo a um modelo já existente. Mas,

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nessa ação de linguagem, pode haver o acréscimo de algo novo, introduzindo até

novos modelos de gêneros.

O interacionismo sociodiscursivo postulado por Bronckart esclarece que é

preciso distinguir atividade (social) de ação de linguagem. Segundo Machado (2005, p.

249), ele utiliza o termo atividade para "designar uma leitura do agir que implica as

dimensões motivacionais e intencionais mobilizadas por um coletivo organizado", e

cada atividade "é constituída de ações, condutas que podem ser atribuídas a um agente

particular, motivadas e orientadas por objetivos que implicam a representação e a

antecipação de seus efeitos na atividade social". Os gêneros de texto, então, segundo

Machado (2005, p. 249), analisando Bronckart (2011), são "reguladores e produtos das

atividades sociais de linguagem".

Os gêneros de textos são pré-construtos (Bronckart, 2011, apud Machado, 2005,

p. 250), que já existem antes de nossas ações e são necessários para sua realização.

Conforme Schneuwly (1994, p. 160-162), citado pela mesma autora (p. 251), "os

gêneros se constituem como ferramentas semióticas complexas, que permitem que

realizemos ações de linguagem, participando das atividades sociais de linguagem". Ele

refere ao falante-enunciador, que "age linguageiramente, em uma situação definida por

uma série de parâmetros, com a ajuda de uma ferramenta que aqui é o gênero".

O produtor de um texto, segundo Baltar (2004, p. 72), pensa estratégias para

melhor desempenhar a ação discursiva de linguagem. Primeiramente, deverá dar-se

conta da ação de linguagem em que está inserido, a seguir, optar por um determinado

gênero do intertexto, e, por fim, articular o plano geral do texto, com os tipos de discurso

que o comporão.

Um texto pode apresentar características de heterogeneidade ou

homogeneidade, explica Baltar (2004, p. 72), lembrando que, conforme Bronckart

(1999), há uma minoria de textos homogêneos, compostos por um mesmo tipo de

discurso. A maioria dos textos são heterogêneos, compostos por mais de um tipo de

discurso, mas com a predominância de um deles.

Segundo Bronckart (1999, apud Baltar, 2004, p.74), "(...) os gêneros não podem

nunca ser objeto de uma classificação racional, estável e definitiva", mas," os textos de

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fato são constituídos, segundo modalidades muito variáveis, por segmentos de

estatutos diferentes (segmentos de exposição teórica, de relato, de diálogo, etc.)".

Nesses segmentos é onde se identificam as regularidades de organização e de

marcação linguística. Esses segmentos são chamados de tipos de discurso, e, "os

mundos virtuais em que estão ancorados são os mundos discursivos"

Baltar (2004, p. 74) lembra que, enquanto os gêneros textuais disponíveis no

intertexto são ilimitados, os tipos de discurso existem de maneira muito mais limitada.

Segundo ele, Bronckart baseia sua teoria em quatro tipos de discurso: relato interativo,

narração, discurso interativo, discurso teórico.

Este autor nos explica um pouco sobre essas unidades linguísticas propostas por

Bronckart:

- o relato interativo é, geralmente, monologado e desenvolve-se em situações de

interação que podem ser reais (originariamente orais), ou posta em cena em romances

ou peças de teatro, com predomínio do script e sequências narrativas;

- a narração é um discurso monologado com predomínio de frases declarativas,

com predomínio da sequência narrativa e descritiva;

- o discurso interativo caracteriza-se pelo predomínio de frases interrogativas e

imperativas e a interação se marca pela alternância dos turnos de fala (diálogo);

- o discurso teórico quase sempre é monologado; tem o predomínio de frases

declarativas, do plano expositivo puro ou esquematização, ou sequencia descritiva,

explicativa e argumentativa;

Ainda, pode ocorrer o discurso misto interativo-teórico, que apresenta

características tanto do discurso interativo quanto do discurso teórico.

Machado (2005, p.242) esclarece que, para o ISD, os tipos de discurso são

segmentos de texto ou até mesmo um texto inteiro, que apresentam características

próprias em diferentes níveis, como:

a) no nível semântico pragmático mostram relação com o contexto físico de

produção, exibindo determinada forma de apresentação dos conteúdos;

b) no nível morfossintático apresenta um conjunto de atividades linguísticas

discriminativas, a forma como conteúdo se apresenta;

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c) no nível psicológico, é o resultado de operações discursivas, das relações

entre o mundo discursivo e o mundo da interação

d) no nível da planificação, os conteúdos dos diferentes tpos de discurso podem

apresentar-se organizados em sequencias textuais ou em scripts e planificações.

As sequências narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa, dialógica e

injuntiva, segundo Baltar (2004, p. 79) procedem do intertexto, fundadas em dimensões

práticas e históricas. Essa sequências são fruto de uma reestruturação do conteúdo

temático, organizado na mente do produtor do texto de forma lógica, em

macroestruturas semânticas, que devem ser organizadas linearmente para formar um

todo coerente que vai expressar o efeito de sentido que o agente produtor do texto

pretende atingir diante de seu interlocutor.

A sequência narrativa, envolve personagens envolvidos em acontecimentos num

espaço-tempo definido. Estrutura-se basicamente em três fases: situação inicial,

transformação e situação final (Baltar, 2004, p.80).

A sequência descritiva, consoante o autor acima, leva ao efeito de "fazer ver, de

guiar o olhar, de mostra algum detalhe dos elementos do objeto do discurso ao seu

interlocutor" (p.81)

A sequência argumentativa para Bronckart (1999, apud Baltar, 2004, p. 82),

organiza-se como uma sucessão de quatro fases: fase de premissa (dados), em que há

uma constatação inicial; fase de apresentação dos argumentos; fase de apresentação

de contra-argumentos; fase de conclusão.

A sequência explicativa desenvolve-se seguindo as fases de constatação inicial,

problematização, resolução e avaliação ou conclusão (Baltar, 2004, p.83).

A sequência dialogal, conforme o autor acima (p.83), realiza-se apenas nos

segmentos de discursos interativos dialogados, sendo diferenciada da sequência

monologal por esta última não apresentar troca de turnos de fala.

Seguindo essa definição, a sequência injuntiva é aquela que objetiva direcionar

uma ação do destinatário.

Outras formas de planificação definidas por Bronckart (1999) são citadas por

Baltar (2004, p. 85): o script, quando os acontecimentos de uma história do mundo do

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narrar são expostos em uma ordem cronológica, sem apresentar processos de tensão;

e a esquematização, onde o conteúdo temático do mundo do expor é apresentado a

partir de um segmento de texto puramente expositivo ou informativo.

Baltar (2004, p.88) trata ainda dos mecanismos de textualização referidos por

Bronckart, que se referem às operações que refletem a organização do texto em um

todo coerente, uma unidade comunicativa, articulada a uma situação de ação de

linguagem: essas operações se referem à coesão nominal e verbal e a conexão.

A operação de conexão é responsável pelas grandes articulações da progressão

temática , em que figuram os organizadores textuais responsáveis pela marcação de

transição entre os tips de discurso que configuram o texto, entre as fases de uma

sequencia ou de uma forma a outra de planificação.

E a operação responsável pela marcação das relações de dependência e/ou de

descontinuidade entre dois subgrupos de constituintes internos das frases é a coesão.

Os mecanismos de enunciação são responsáveis pela coerência pragmática do

texto.

3. A EJA e os gêneros textuais

O aluno da EJA, por se tratar de um cidadão atuante em sociedade e no

mercado de trabalho, necessita estar habilitado a operar conscientemente a linguagem

em suas interações e, conforme afirma Baltar (2002, p. 71): "a apropriação dos gêneros

é um instrumento fundamental de socialização e de inserção prática nas atividades

interacionais humanas".

Soares (2001) reflete que, o que deve ser pretendido com um ensino embasado

em gêneros textuais é que o aluno tenha a oportunidade, no contexto escolar, de

explorar diversos gêneros que fazem ou não parte de suas interações sociais. Como

bem considera essa autora, não é possível trabalhar todos os gêneros textuais com que

o aluno irá deparar-se ao longo da vida, mas, na escola, pode-se apresentar e ensinar

muitos dos gêneros com os quais o aluno poderá interagir socialmente. Nesse sentido,

garante a pesquisadora citada, o trabalho elaborado e desenvolvido pelo professor

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pode garantir aos alunos o acesso a uma grande variedade de gêneros textuais,

desenvolvendo a habilidade de lidar com estes no cotidiano.

Silva-Oliveira (s/d,) marcam o fato de que a comunicação é uma questão

importante que se apresenta como ponto decisivo de sobrevivência, mas enfatizam que,

no entanto, quando ela se dá de modo precário, acarreta limitações ao acesso aos bens

culturais e ao exercício pleno da cidadania.

O aluno da EJA chega ou retorna à escola com um amplo repertório de

conhecimentos adquiridos, por meio do contato com a linguagem no decorrer de suas

vidas, e há que se respeitar isso. Mas, num contexto em que novos conhecimentos vem

a tona a todo instante, à escola cabe possibilitar a aquisição de conhecimentos de

linguagem que permitam ao educando da EJA incluir-se e interagir nessa sociedade.

Daí se destaca a grande importância do professor trabalhar com diversidades textuais

em sala estimulando sempre a discussão sobre o texto.

Silva-Oliveira (s/d) ressaltam que um trabalho adequado com gênero textual

demanda a compreensão de que a leitura de um texto não se faz apenas pela

significação das palavras e das frases ali presentes. É preciso refletir-se sobre a

situação em que o texto foi produzido, o que se pode inferir de determinadas situações,

a partir do conhecimento de mundo dos participantes no ato da comunicação,

envolvendo inclusive fatores de ordem intelectual, emocional, biológico, cultural,

econômico e político do leitor, o que resulta na interação entre o leitor e o texto.

As autoras afirmam que o trabalho com a leitura, compreensão e produção

escrita na Educação de Jovens e Adultos deve ter como meta primordial o

desenvolvimento de habilidades para que o aluno seja capaz de usar um número cada

vez maior de recursos da língua a fim de produzir efeitos de sentido de forma adequada

às situações específicas de interação humana.

E Ebert (s/d, p.11) reconhece que para muitos alunos da EJA, a escola

representa o principal meio de contato com o universo da escrita. Nesta perspectiva, o trabalho elaborado e desenvolvido pelo professor pode garantir aos alunos o acesso a uma grande variedade de gêneros textuais, proporcionando a habilidade de lidar com eles no cotidiano.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após esse resumido estudo sobre essa importante teoria que embasa o estudo

com gêneros textuais, o interacionismo sociodiscursivo, postulado por Jean Paul

Bronckart, observa-se que o trabalho a partir dos gêneros textuais pode possibilitar um

aprendizado contextualizado e mais significativo da língua.

Percebe-se, a partir do estudo dessa teoria, que o desenvolvimento da

competência discursiva defendido por Baltar (2002), do educando da EJA, torna-se

viável atuando-se em consonância com as prerrogativas do Interacionismo

sociodiscursivo.

Um ensino da língua baseado nos gêneros textuais é o que melhor se enquadra

às necessidades dessa modalidade de ensino. Operando-se com os mais variados

textos circulantes em sociedade, Pode-se auxiliar o educando a desenvolver

habilidades e competências para lidar com a linguagem: manifestar-se oralmente e por

escrito com mais desenvoltura e estar preparado para compreender, interpretar e

interagir no universo comunicativo em que se insere, e ainda, ampliar suas concepções

de mundo e suas chances de sentir-se útil e realizado em suas vivências.

Assim, a meta de um ensino da língua que favoreça o educando em suas

práticas discursivas cotidianas deve ser a de aprimorar o conhecimento de forma

sistematizada, para que os aspectos da linguagem, na interação do indivíduo com o

uso e a consequente adequação às situações comunicativas sejam, cada vez mais,

motivos de inclusão social.

REFERÊNCIAS

BALTAR, Marcos. Competência discursiva e gêneros textuais: uma experiência com o jornal em sala de aula. Caxias do Sul: EDUCS, 2004.

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BRONCKART, Jean Paul. Interacionismo Sócio-discursivo: uma entrevista com Jean Paul Bronckart. Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL . Disponível em: <http://www1.deltasearch.com/?q=Interacionismo+sociodiscursivo%3A+uma+entrevista+com+Jean+Paul+Bronckart&babsrc=NT_ss&s=web&rlz=0&as=0&ac=0> Acesso em: 25 ago 2013 EBERT, Síntia Lúcia Faé. A relação letramento e gêneros textuais na alfabetização de jovens e adultos. In: Cadernos FAPA - N. Especial VI Fórum FAPA – www.fapa.com.br/cadernosfapa Disponível em: <http://www.cereja.org.br/site/_shared/files/cer_artigos/anx/20100618130241_Relacao-letramento_SintiaLuciaFaeEbert_CadernosFAPA.pdf> Acesso em: 14 ago 2013 MACHADO, Ana Rachel. A perspectiva interacionista sociodiscursiva de Bronckart. In MEURER, J. L.; BONINI A.; MOTHA-ROTH D. (orgs.) Gêneros, teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In DIONÍSIO, A. P. MACHADO, R. M., BEZERRA M. A. (orgs). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: Ensino Fundamental. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, 1999. SILVA, Margarete Fátima Pauletto Sales.; OLIVEIRA, Ana Arlinda de. Práticas de leitura e letramento na eja. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/dlcv/lport/pdf/slp39/12.pdf> Acesso em: 27 ago 2013.

SOARES, Patrícia Barros. Letramento e gêneros textuais escritos em sala de EJA. Disponível em: < http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/sem02/COLE_1866.pdf> Acesso em: 20 set 2013