os gêneros textuais e a eja - diálogos com a...
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OS GÊNEROS TEXTUAIS E A EJA1
Soésia Hoffmann Prusch2 Ana Lúcia Buogo3
Resumo Este artigo trata da importância do desenvolvimento da competência discursiva para a inserção social do aluno da educação de jovens e adultos - EJA . Aborda o ensino da língua na EJA baseado nos gêneros textuais a partir das concepções teóricas do interacionismo sociodiscursivo de Bronckart. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Gêneros textuais. Interacionismo sociodiscursivo.
INTRODUÇÃO
A EJA constitui-se numa modalidade de ensino diferenciada do ensino
fundamental regular, com algumas leis específicas que a rege, com um currículo
definido de acordo com suas necessidades, com um público composto de alunos que
não conseguiram concluir o ensino fundamental na idade certa, ou nem tiveram acesso
ao ensino. Assim, compõe-se de alunos provindos de grupos sociais de baixo poder
aquisitivo, com uma linguagem própria, modos de ser e agir peculiares a sua realidade
social.
Num universo regido pelo valor da escrita, em que seu domínio possibilita
aceitação social e até independência, esses educandos, que já possuem um vasto
conhecimento da vida, lutam cotidianamente para sobreviver. Como refere Ebert (s/d,
p.9), eles "conhecem bem o valor da escrita, muito mais do que os sujeitos
escolarizados, pois diariamente sentem na pele o preço da falta de escolarização e do
conhecimento escolar".
Assim, falar em EJA, nos remete a esses diferentes grupos sociais que
ainda não se escolarizaram e a suas vivências e conhecimentos. Essa modalidade de
1Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, dentro das atividades do Curso de Especialização em Educação de Jovens e Adultos, Projeto ler e escrever o mundo: a EJA no contexto da educação contemporânea - da Universidade de Caxias do Sul 2 Aluna do curso de pós-graduação - Projeto ler e escrever o mundo: a EJA no contexto da educação contemporânea - da Universidade de Caxias do Sul 3Orientadora da pesquisa.
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ensino apresenta grupos muito mais heterogêneos do que os do ensino regular no que
tange à idade, conhecimento e experiências.
O aluno da EJA traz consigo conhecimentos linguísticos extraídos de suas
vivências e já maneja a língua de forma a suprir suas necessidades comunicativas do
dia-a-dia. Mas um ensino da língua de forma contextualizada e significativa ainda pode
ampliar sua competência discursiva, o que Baltar (2004, p.16) define como "a
capacidade que os usuários da língua tem ou deverão ter para, ao criarem seus textos,
escolher o gênero que melhor lhe convier" .
Nesse intuito, de ampliação da competência discursiva, o trabalho docente com
gêneros textuais, conforme afirma Marcuschi (2006, apud Soares, 2001, p. 2),
"concebidos como formas culturais e cognitivas de ação social corporificadas de modo
particular na língua”, pode promover as capacidades de ação, possibilitando aos alunos
transitar nos diferentes gêneros e exercer de modo efetivo essas competências,
exigidas em situações reais que envolvem a língua em sociedade.
Os PCNs (MEC, 1998) trazem uma importante reflexão que parece pertinente
relacionar aqui:
(...) a escola deve assumir o compromisso de procurar garantir que a sala de aula seja um espaço onde cada sujeito tenha o direito à palavra reconhecida como legítimo, e essa palavra encontre ressonância no discurso do outro.
Dessa forma, pode-se perceber a relevância de se operar com os gêneros
textuais, o que vem a garantir o direito à palavra ao cidadão que, conhecedor e hábil
manipulador da língua, pode expressar-se e manifestar sua intencionalidade no
discurso elaborado.
1. A necessidade do desenvolvimento da competência discursiva para a inserção
social e o desenvolvimento da consciência da cidadania
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O educando da EJA, pela sua singularidade, quando busca a formação nos
bancos escolares, geralmente, a princípio, objetiva a certificação para inserir-se no
mercado de trabalho. Porém, cabe à escola, aos professores, que lhes possibilite uma
educação de qualidade que supere essas expectativas. O desenvolvimento da
competência discursiva vem ao encontro dessa finalidade.
Baltar (2004, p.17) ressalta que "um usuário competente discursivamente é
aquele que pensa a produção de textos, situando-os dentro de um gênero com sua
estrutura relativamente estável, que pertence a um ambiente discursivo, como produção
escrita dialógica, que busque atingir objetivos sociodiscursivos específicos".
A prática da leitura e da produção escrita sob a ótica dos gêneros, é essencial ao
exercício e ao aprimoramento dessa competência e, na escola, é o principal lugar onde
isso pode ocorrer. Foucambert (1994), citado por Baltar (2004, p.20), lembra que "à
escola, mas naturalmente não só a ela, compete executar políticas pedagógicas que
sejam capazes de inserir indivíduos no mundo da escrita".
Baltar (2004, p.9-10) reflete que o tipo de ensino da língua que mais se pratica
nas escolas ainda é aquele
descontextualizado, baseado num conceito único de gramática normativa como um livro de certo e errado, em que se deve aprender as classes e as categorias gramaticais e todas as regras da língua de forma mnemônica, para depois aplicar esses conhecimentos em exercícios estruturais.
Contrapondo essa realidade, Silva e Oliveira (s/d, p. 3)4 referem-se aos PCNs,
que a partir de uma metodologia de enfoque enunciativo-discursiva, propõem uma
ruptura com o ensino de língua materna que foi efetivada na escola, de maneira
normativa e conceitual. As autoras relacionam a essa proposta a concepção de
linguagem sócio interacionista, postura epistemológica presente em diversas áreas do
conhecimento, que defende a tese de que as condutas humanas resultam de um
4 SILVA, Margarete Fátima Pauletto Sales; OLIVEIRA, Ana Arlinda de. Práticas de leitura e letramento na
EJA.
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processo histórico de socialização, possibilitado especialmente pela emergência e pelo
desenvolvimento dos instrumentos semióticos.
É necessário que o sujeito, para além do domínio do código, seja oral, escrito ou
demais linguagens, compreenda o caráter ideológico dos discursos presentes no
cotidiano, veiculado pelos mais diversos meios de comunicação.
O trabalho com o texto, a serviço da interação social e discursiva, conforme
Baltar (2004) pressupõe o trabalho de pensar, de tomar decisões sobre os gêneros
possíveis de expressar o que se quer dizer, de acordo com os efeitos de sentido que se
pretende em relação ao interlocutor, pressupõe o exercício de se criar estratégias,
mobilizar conhecimentos prévios para poder materializar em linguagem o que se
pretende dizer ou então, entender o que está sendo dito.
Marcuschi (2002, p. 29) compreende que "quando dominamos um gênero
textual, não dominamos uma forma linguística e sim uma forma de realizar
linguísticamente objetivos específicos em situações sociais particulares". Ele cita
Bronckart (1999, p. 103), que reforça que "a apropriação dos gêneros é um mecanismo
fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas
humanas".
Baltar (2004, p.19) destaca, com muita propriedade, que nossos alunos precisam
estar cientes de que
"a língua que falam e que precisam saber escrever para interagir em sua sociedade letrada lhes oferece um repertório infinito de possibilidades textuais, mas sobretudo, precisam entender que a escolha desse repertório deve ser feita de acordo com o espaço discursivo onde usarão esses textos para interagir socialmente".
O ensino da língua, conforme o mesmo autor (p. 20), só pode ser efetivo se der
condições aos seus falantes de desenvolverem suas competências discursivas para,
com isso, dialogar com seus interlocutores.
Bakhtin (1997, apud Baltar, 2004 p.21) escreve que uma possibilidade de auxiliar
os alunos a desenvolver a cidadania é estimular-lhes as competências discursivas,
através da produção de gêneros de textos inseridos em um ambiente discursivo dentro
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de uma instituição social, com a possibilidade de diálogo real com interlocutores
também reais, dispostos a atitudes responsivas ativas. Machado (1997, apud Baltar,
2004, p.21) reforça isso quando afirma que é possível aliar competência discursiva ao
exercício da cidadania como a "participação ativa do indivíduo no tecido social".
2. Os gêneros textuais e o interacionismo sociodiscursivo - ISD - de Bronckart
Conforme Marcuschi (2005, p. 19, apud Ebert, s/d, p. 9-10), os gêneros
textuais são "fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social,
que contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia".
Esse autor caracteriza os gêneros textuais como "eventos textuais altamente
maleáveis, dinâmicos e plásticos que surgem emparelhados a necessidades e
atividades sócio culturais". Percebe-se isso, segundo ele, ao se considerar a
quantidade de gêneros textuais hoje existentes em relação a sociedades anteriores à
comunicação escrita.
O trabalhar com gêneros textuais permite relacionar diferentes áreas de
conhecimento, contribuindo para o aprendizado e a aplicação da escrita e da leitura.
Marcuschi (2005, p. 22-23) trabalha nessa perspectiva.
Marcuschi (2005, apud Baltar, 2004, p. 9-10) explica que
usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilos e composição característica.
Já texto, conforme Bronckart5 é qualificado como toda produção de linguagem
situada, construída, de um lado, mobilizando os recursos (lexicais e sintáticos) de uma
5 BRONCKART, Jean Paul. Interacionismo Sócio-discursivo: uma entrevista com Jean Paul Bronckart.
Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL .
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língua natural, de outro, levando em conta modelos de organização textual disponíveis
no quadro dessa língua.
Ebert (s/d, p. 10) refere que, ao inserir diversos gêneros textuais nas práticas
didáticas, o professor "coloca o aluno em contato não somente com os gêneros
produzidos na escola, mas também com outros produzidos fora dela, em diversas áreas
de conhecimento". O gênero, declara a autora, precisa ser apresentado na perspectiva
de que é variável e que nos ajuda a perceber e modificar o mundo. No mesmo artigo, a
autora cita Marcuschi (2005), que afirma: “Sendo os gêneros fenômenos sócio-
históricos e culturalmente sensíveis, não há como fazer uma lista fechada de todos os
gêneros[...]. Daí a desistência progressiva de teorias com pretensão a uma
classificação geral dos gêneros”(p.10).
Ebert lembra ainda que os gêneros textuais são oriundos de situações e fatos
sociais, que acontecem dentro e fora do ambiente escolar, nas situações cotidianas
que evocam sua existência. Assim, são formas de como organizamos nossa vida.
Para Bakhtin (2003, apud Silva e Oliveira, s/d, p. 9 ),
a riqueza e a variedade de gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.
Bronckart (1996, apud Machado, 2005, p.241) considera o texto uma "unidade
comunicativa de nível superior" e define o texto como: "toda unidade de produção
verbal, oral ou escrita, contextualizada, que veicula uma mensagem linguisticamente
organizada e que tende a produzir um efeito de coerência no seu destinatário" e que,
segundo Bronckart, é uma unidade comunicativa de nível superior"
Machado (2005, p.237) esclarece que Bronckart substitui o termo texto por ação
e o ISD tem como unidades de estudo privilegiadas as ações verbais e não verbais.
O ISD apresenta uma visão psicossociológica dos gêneros. Bronckart tem em
Vigotski sua fonte de referência e uma abordagem marxiana dos fenômenos
psicológicos, considerando a psicologia em sua dimensão social.
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O Interacionismo sociodiscursivo defendido por Bronckart postula que "as ações
humanas devem ser tratadas em suas dimensões sociais e discursivas constitutivas"
(BALTAR, 2004, p. 67). Baltar ressalta que, para Bronckart , a linguagem é uma
característica da atividade social humana na interação comunicativa, o que ocorre por
meio de atividades e de ações de linguagens. As atividades de linguagem são os
eventos discursivos, que se dão dentro de "zonas de cooperação social determinadas”,
e são o "princípio constitutivo das ações de linguagem".
A comunicação sempre se dá através de algum gênero textual, como confirma
Bakhtin (1997, apud Baltar, 2004, p.68), lembrando que a prática da linguagem da
criança e depois do adulto consiste na utilização de diferentes gêneros do discurso em
uso nas formações sociais nas quais cada indivíduo se insere. Bakhtin (1997) ainda é
citado pelo mesmo autor para referir que "os gêneros são padrões comunicativos
socialmente utilizados, que funcionam como uma espécie de modelo comunicativo
global, que representa um conhecimento social localizado em situações concretas" (p.
68).
Baltar (2004, p. 69-71) explica como Bronckart percebe a produção de textos
através de uma ação de linguagem e, para isso, analisa as três prerrogativas desse
processo:
1) a situação de ação de linguagem: a situação de ação de linguagem refere-se
às propriedades dos mundos formais, físico, social e subjetivo, que influem sobre a
produção textual na medida em que se mobilizam as suas representações sobre esses
mundos.
2) a ação de linguagem: a noção de ação de linguagem compõe os parâmetros
do contexto de produção e do conteúdo temático. O agente produtor de um texto
empírico precisa escolher, em um repertório de textos disponíveis no
intertexto/arquitexto, o que se adequa a situação de ação de linguagem específica.
3) a noção de intertexto: a noção de intertexto refere-se aos "textos que são
partilhados por indivíduos nas formações sociais contemporâneas, que são deixados
por gerações anteriores para serem atualizados nas interações verbais" (p. 70). O
indivíduo se apropria dos gêneros textuais aderindo a um modelo já existente. Mas,
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nessa ação de linguagem, pode haver o acréscimo de algo novo, introduzindo até
novos modelos de gêneros.
O interacionismo sociodiscursivo postulado por Bronckart esclarece que é
preciso distinguir atividade (social) de ação de linguagem. Segundo Machado (2005, p.
249), ele utiliza o termo atividade para "designar uma leitura do agir que implica as
dimensões motivacionais e intencionais mobilizadas por um coletivo organizado", e
cada atividade "é constituída de ações, condutas que podem ser atribuídas a um agente
particular, motivadas e orientadas por objetivos que implicam a representação e a
antecipação de seus efeitos na atividade social". Os gêneros de texto, então, segundo
Machado (2005, p. 249), analisando Bronckart (2011), são "reguladores e produtos das
atividades sociais de linguagem".
Os gêneros de textos são pré-construtos (Bronckart, 2011, apud Machado, 2005,
p. 250), que já existem antes de nossas ações e são necessários para sua realização.
Conforme Schneuwly (1994, p. 160-162), citado pela mesma autora (p. 251), "os
gêneros se constituem como ferramentas semióticas complexas, que permitem que
realizemos ações de linguagem, participando das atividades sociais de linguagem". Ele
refere ao falante-enunciador, que "age linguageiramente, em uma situação definida por
uma série de parâmetros, com a ajuda de uma ferramenta que aqui é o gênero".
O produtor de um texto, segundo Baltar (2004, p. 72), pensa estratégias para
melhor desempenhar a ação discursiva de linguagem. Primeiramente, deverá dar-se
conta da ação de linguagem em que está inserido, a seguir, optar por um determinado
gênero do intertexto, e, por fim, articular o plano geral do texto, com os tipos de discurso
que o comporão.
Um texto pode apresentar características de heterogeneidade ou
homogeneidade, explica Baltar (2004, p. 72), lembrando que, conforme Bronckart
(1999), há uma minoria de textos homogêneos, compostos por um mesmo tipo de
discurso. A maioria dos textos são heterogêneos, compostos por mais de um tipo de
discurso, mas com a predominância de um deles.
Segundo Bronckart (1999, apud Baltar, 2004, p.74), "(...) os gêneros não podem
nunca ser objeto de uma classificação racional, estável e definitiva", mas," os textos de
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fato são constituídos, segundo modalidades muito variáveis, por segmentos de
estatutos diferentes (segmentos de exposição teórica, de relato, de diálogo, etc.)".
Nesses segmentos é onde se identificam as regularidades de organização e de
marcação linguística. Esses segmentos são chamados de tipos de discurso, e, "os
mundos virtuais em que estão ancorados são os mundos discursivos"
Baltar (2004, p. 74) lembra que, enquanto os gêneros textuais disponíveis no
intertexto são ilimitados, os tipos de discurso existem de maneira muito mais limitada.
Segundo ele, Bronckart baseia sua teoria em quatro tipos de discurso: relato interativo,
narração, discurso interativo, discurso teórico.
Este autor nos explica um pouco sobre essas unidades linguísticas propostas por
Bronckart:
- o relato interativo é, geralmente, monologado e desenvolve-se em situações de
interação que podem ser reais (originariamente orais), ou posta em cena em romances
ou peças de teatro, com predomínio do script e sequências narrativas;
- a narração é um discurso monologado com predomínio de frases declarativas,
com predomínio da sequência narrativa e descritiva;
- o discurso interativo caracteriza-se pelo predomínio de frases interrogativas e
imperativas e a interação se marca pela alternância dos turnos de fala (diálogo);
- o discurso teórico quase sempre é monologado; tem o predomínio de frases
declarativas, do plano expositivo puro ou esquematização, ou sequencia descritiva,
explicativa e argumentativa;
Ainda, pode ocorrer o discurso misto interativo-teórico, que apresenta
características tanto do discurso interativo quanto do discurso teórico.
Machado (2005, p.242) esclarece que, para o ISD, os tipos de discurso são
segmentos de texto ou até mesmo um texto inteiro, que apresentam características
próprias em diferentes níveis, como:
a) no nível semântico pragmático mostram relação com o contexto físico de
produção, exibindo determinada forma de apresentação dos conteúdos;
b) no nível morfossintático apresenta um conjunto de atividades linguísticas
discriminativas, a forma como conteúdo se apresenta;
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c) no nível psicológico, é o resultado de operações discursivas, das relações
entre o mundo discursivo e o mundo da interação
d) no nível da planificação, os conteúdos dos diferentes tpos de discurso podem
apresentar-se organizados em sequencias textuais ou em scripts e planificações.
As sequências narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa, dialógica e
injuntiva, segundo Baltar (2004, p. 79) procedem do intertexto, fundadas em dimensões
práticas e históricas. Essa sequências são fruto de uma reestruturação do conteúdo
temático, organizado na mente do produtor do texto de forma lógica, em
macroestruturas semânticas, que devem ser organizadas linearmente para formar um
todo coerente que vai expressar o efeito de sentido que o agente produtor do texto
pretende atingir diante de seu interlocutor.
A sequência narrativa, envolve personagens envolvidos em acontecimentos num
espaço-tempo definido. Estrutura-se basicamente em três fases: situação inicial,
transformação e situação final (Baltar, 2004, p.80).
A sequência descritiva, consoante o autor acima, leva ao efeito de "fazer ver, de
guiar o olhar, de mostra algum detalhe dos elementos do objeto do discurso ao seu
interlocutor" (p.81)
A sequência argumentativa para Bronckart (1999, apud Baltar, 2004, p. 82),
organiza-se como uma sucessão de quatro fases: fase de premissa (dados), em que há
uma constatação inicial; fase de apresentação dos argumentos; fase de apresentação
de contra-argumentos; fase de conclusão.
A sequência explicativa desenvolve-se seguindo as fases de constatação inicial,
problematização, resolução e avaliação ou conclusão (Baltar, 2004, p.83).
A sequência dialogal, conforme o autor acima (p.83), realiza-se apenas nos
segmentos de discursos interativos dialogados, sendo diferenciada da sequência
monologal por esta última não apresentar troca de turnos de fala.
Seguindo essa definição, a sequência injuntiva é aquela que objetiva direcionar
uma ação do destinatário.
Outras formas de planificação definidas por Bronckart (1999) são citadas por
Baltar (2004, p. 85): o script, quando os acontecimentos de uma história do mundo do
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narrar são expostos em uma ordem cronológica, sem apresentar processos de tensão;
e a esquematização, onde o conteúdo temático do mundo do expor é apresentado a
partir de um segmento de texto puramente expositivo ou informativo.
Baltar (2004, p.88) trata ainda dos mecanismos de textualização referidos por
Bronckart, que se referem às operações que refletem a organização do texto em um
todo coerente, uma unidade comunicativa, articulada a uma situação de ação de
linguagem: essas operações se referem à coesão nominal e verbal e a conexão.
A operação de conexão é responsável pelas grandes articulações da progressão
temática , em que figuram os organizadores textuais responsáveis pela marcação de
transição entre os tips de discurso que configuram o texto, entre as fases de uma
sequencia ou de uma forma a outra de planificação.
E a operação responsável pela marcação das relações de dependência e/ou de
descontinuidade entre dois subgrupos de constituintes internos das frases é a coesão.
Os mecanismos de enunciação são responsáveis pela coerência pragmática do
texto.
3. A EJA e os gêneros textuais
O aluno da EJA, por se tratar de um cidadão atuante em sociedade e no
mercado de trabalho, necessita estar habilitado a operar conscientemente a linguagem
em suas interações e, conforme afirma Baltar (2002, p. 71): "a apropriação dos gêneros
é um instrumento fundamental de socialização e de inserção prática nas atividades
interacionais humanas".
Soares (2001) reflete que, o que deve ser pretendido com um ensino embasado
em gêneros textuais é que o aluno tenha a oportunidade, no contexto escolar, de
explorar diversos gêneros que fazem ou não parte de suas interações sociais. Como
bem considera essa autora, não é possível trabalhar todos os gêneros textuais com que
o aluno irá deparar-se ao longo da vida, mas, na escola, pode-se apresentar e ensinar
muitos dos gêneros com os quais o aluno poderá interagir socialmente. Nesse sentido,
garante a pesquisadora citada, o trabalho elaborado e desenvolvido pelo professor
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pode garantir aos alunos o acesso a uma grande variedade de gêneros textuais,
desenvolvendo a habilidade de lidar com estes no cotidiano.
Silva-Oliveira (s/d,) marcam o fato de que a comunicação é uma questão
importante que se apresenta como ponto decisivo de sobrevivência, mas enfatizam que,
no entanto, quando ela se dá de modo precário, acarreta limitações ao acesso aos bens
culturais e ao exercício pleno da cidadania.
O aluno da EJA chega ou retorna à escola com um amplo repertório de
conhecimentos adquiridos, por meio do contato com a linguagem no decorrer de suas
vidas, e há que se respeitar isso. Mas, num contexto em que novos conhecimentos vem
a tona a todo instante, à escola cabe possibilitar a aquisição de conhecimentos de
linguagem que permitam ao educando da EJA incluir-se e interagir nessa sociedade.
Daí se destaca a grande importância do professor trabalhar com diversidades textuais
em sala estimulando sempre a discussão sobre o texto.
Silva-Oliveira (s/d) ressaltam que um trabalho adequado com gênero textual
demanda a compreensão de que a leitura de um texto não se faz apenas pela
significação das palavras e das frases ali presentes. É preciso refletir-se sobre a
situação em que o texto foi produzido, o que se pode inferir de determinadas situações,
a partir do conhecimento de mundo dos participantes no ato da comunicação,
envolvendo inclusive fatores de ordem intelectual, emocional, biológico, cultural,
econômico e político do leitor, o que resulta na interação entre o leitor e o texto.
As autoras afirmam que o trabalho com a leitura, compreensão e produção
escrita na Educação de Jovens e Adultos deve ter como meta primordial o
desenvolvimento de habilidades para que o aluno seja capaz de usar um número cada
vez maior de recursos da língua a fim de produzir efeitos de sentido de forma adequada
às situações específicas de interação humana.
E Ebert (s/d, p.11) reconhece que para muitos alunos da EJA, a escola
representa o principal meio de contato com o universo da escrita. Nesta perspectiva, o trabalho elaborado e desenvolvido pelo professor pode garantir aos alunos o acesso a uma grande variedade de gêneros textuais, proporcionando a habilidade de lidar com eles no cotidiano.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após esse resumido estudo sobre essa importante teoria que embasa o estudo
com gêneros textuais, o interacionismo sociodiscursivo, postulado por Jean Paul
Bronckart, observa-se que o trabalho a partir dos gêneros textuais pode possibilitar um
aprendizado contextualizado e mais significativo da língua.
Percebe-se, a partir do estudo dessa teoria, que o desenvolvimento da
competência discursiva defendido por Baltar (2002), do educando da EJA, torna-se
viável atuando-se em consonância com as prerrogativas do Interacionismo
sociodiscursivo.
Um ensino da língua baseado nos gêneros textuais é o que melhor se enquadra
às necessidades dessa modalidade de ensino. Operando-se com os mais variados
textos circulantes em sociedade, Pode-se auxiliar o educando a desenvolver
habilidades e competências para lidar com a linguagem: manifestar-se oralmente e por
escrito com mais desenvoltura e estar preparado para compreender, interpretar e
interagir no universo comunicativo em que se insere, e ainda, ampliar suas concepções
de mundo e suas chances de sentir-se útil e realizado em suas vivências.
Assim, a meta de um ensino da língua que favoreça o educando em suas
práticas discursivas cotidianas deve ser a de aprimorar o conhecimento de forma
sistematizada, para que os aspectos da linguagem, na interação do indivíduo com o
uso e a consequente adequação às situações comunicativas sejam, cada vez mais,
motivos de inclusão social.
REFERÊNCIAS
BALTAR, Marcos. Competência discursiva e gêneros textuais: uma experiência com o jornal em sala de aula. Caxias do Sul: EDUCS, 2004.
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BRONCKART, Jean Paul. Interacionismo Sócio-discursivo: uma entrevista com Jean Paul Bronckart. Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL . Disponível em: <http://www1.deltasearch.com/?q=Interacionismo+sociodiscursivo%3A+uma+entrevista+com+Jean+Paul+Bronckart&babsrc=NT_ss&s=web&rlz=0&as=0&ac=0> Acesso em: 25 ago 2013 EBERT, Síntia Lúcia Faé. A relação letramento e gêneros textuais na alfabetização de jovens e adultos. In: Cadernos FAPA - N. Especial VI Fórum FAPA – www.fapa.com.br/cadernosfapa Disponível em: <http://www.cereja.org.br/site/_shared/files/cer_artigos/anx/20100618130241_Relacao-letramento_SintiaLuciaFaeEbert_CadernosFAPA.pdf> Acesso em: 14 ago 2013 MACHADO, Ana Rachel. A perspectiva interacionista sociodiscursiva de Bronckart. In MEURER, J. L.; BONINI A.; MOTHA-ROTH D. (orgs.) Gêneros, teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In DIONÍSIO, A. P. MACHADO, R. M., BEZERRA M. A. (orgs). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: Ensino Fundamental. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, 1999. SILVA, Margarete Fátima Pauletto Sales.; OLIVEIRA, Ana Arlinda de. Práticas de leitura e letramento na eja. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/dlcv/lport/pdf/slp39/12.pdf> Acesso em: 27 ago 2013.
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