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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Poesia e Formação de Leitores: conhecer e apreciar para poder compartilhar
Elisângela Bankersen
Maria Cristina Fernandes
Resumo
Tendo em vista a preocupação com a formação e a prática docente e dando ênfase ao papel fundamental da poesia na formação de leitores, este trabalho apresenta e discute os resultados obtidos por meio da implementação na escola de um projeto que teve como intenção desenvolver, aplicar e avaliar uma proposta pautada no texto poético a estudantes do Curso de Formação de Docentes. As atividades desenvolvidas tiveram por finalidade contribuir para a formação do leitor literário, através da realização de leituras e estudos, intervenções poéticas e sugestões de oficinas de poesia destinadas às crianças . Foram realizadas oficinas de poesia, associando teoria à prática, para que os estudantes adquirissem conhecimento sobre o assunto e então futuramente realizarem uma prática significativa com poesia nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Assim, o desenvolvimento desta pesquisa-ação certamente contribuiu para a formação de bons leitores e futuros educadores que compreendam a literatura como emoção estética, jogo de significados e mediadora do prazer da leitura. Dentre as descobertas feitas estão a de que os alunos não se mostram tão avessos à leitura do texto poético quando são realizadas atividades significativas e sensibilizadoras e que o professor precisa ser um leitor, conhecedor e apreciador de poemas para assim apresentá-los aos alunos
Palavras-chave: Literatura; Poesia; Formação de leitores; Prática significativa ; Formação de
professores.
INTRODUÇÃO
O contato com a literatura, especialmente com a poesia, na fase da infância, é
considerado essencial para a formação de leitores, pois o mesmo pode auxiliar no
desenvolvimento da personalidade, no crescimento intelectual e afetivo, na
compreensão da realidade e de si mesmo. Sendo assim, seu ensino e
aprendizagem na escola são fundamentais para o enriquecimento pessoal do aluno
e principalmente para a leitura e compreensão do mundo, além de que através da
leitura de textos poéticos há o estímulo dos sentidos, da capacidade crítica, do
imaginário e da liberdade de expressão, assim como, o aprimoramento da
linguagem.
Entretanto, após conversas com professores da área de Língua Portuguesa,
observação da prática docente e pelo contato tido com materiais didáticos que
circulam nas escolas, percebeu-se que a maioria dos alunos dos anos iniciais do
Ensino Fundamental tem pouco contato com o texto poético na escola e, quando o
tem , é realizado um trabalho frágil e fragmentado, sendo que a poesia muitas
vezes é apresentada como uma tarefa educativa, ora para transmitir valores, ora
para se trabalhar datas comemorativas, ou pior ainda, como pretexto para o ensino
de gramática. Apesar de nos dias atuais o poema circular na internet em blogs e
redes sociais e alcançar prestígio, na escola ele ainda é um gênero marginalizado,
como afirma Gebara (1997).
Evidenciou-se um despreparo de muitos professores que atuam em anos
iniciais do Ensino Fundamental em relação ao trabalho com textos literários,
especificamente poéticos, não conhecendo o valor estético da literatura / poesia em
si. Portanto, partindo desse contexto surgiu a questão norteadora deste estudo: Qual
deve ser a mediação formativa evidenciada na formação de docentes para mudança
paradigmática do trabalho pedagógico com o texto literário poético nos anos iniciais
do Ensino Fundamental ?
Neste sentido, reforça SANTOS E SOUZA ( 2004 ):
(...) precisamos discutir o papel da escola que constitui-se em ambiente privilegiado para a formação do leitor. Nela é imprescindível que a criança conheça livros de caráter estético, diferentes dos pedagógicos e utilitaristas, usados na maioria das escolas. O livro estético (ficção ou poesia) proporciona
ao pequeno leitor a oportunidade de vivenciar a história e as emoções, colocando-se em ação por meio da imaginação, permitindo-lhe uma visão mais crítica do mundo.
Dessa maneira, o presente estudo objetivou desenvolver, aplicar e avaliar
uma proposta formativa pautada no texto literário poético, junto a estudantes do
Curso de Formação de Docentes, de modo que contribuísse para a formação de
leitores e futuros educadores que compreendam o texto literário poético como
fruição estética, jogo de significados e mediador do prazer pela leitura. Também
tentou mostrar como deveria realmente ser abordada a poesia em sala de aula: de
maneira sensibilizadora, lúdica, dialógica e provocadora, possibilitando
aprendizagens acerca da importância do professor como mediador das experiências
com a leitura literária em si.
Partindo dessa problemática e tendo como lócus da implementação da
pesquisa o Colégio Estadual Barão do Cerro Azul buscou-se o envolvimento de
alunos do curso de Formação de Docentes, (estendendo-se também a alunos do
ensino fundamental e Médio) com o mundo da poesia permitindo e possibilitando a
interação aluno – leitura – literatura – poesia – sociedade -sensibilização.
A poesia tem o poder de transformar e formar os seres humanos, tornando-os
mais sensíveis diante do mundo, como disse a poetisa Adélia Prado em uma
entrevista na televisão, “quem lê poesia não vive no mundo da lua. Pelo contrário,
vive a realidade, passa a olhar com mais verdade o mundo.” Mas, isso só será
possível se houver uma mudança do tratamento do texto poético na escola através
da potencialização dos professores enquanto leitores e mediadores de poesia, pois
certamente melhor compartilha aquele que conhece e aprecia. Todo professor antes
tem que ser um leitor. E não um leitor qualquer, mas um leitor apreciador.
É possível sim, como diz Gebara (1997) tirar o poema da marginalidade
através da promoção de leituras, análises e produções de textos poéticos dos
alunos, unindo autor e leitor através do texto, pois “o poema como qualquer outro
texto literário traz a emoção estética e a sensibilidade necessárias à educação
humanista de nossos alunos.”
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA / REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
1. O texto literário e a escola
O contato e a apreciação de textos literários na época da infância são
considerados essenciais para a formação de leitores. Sendo assim, torna-se
indiscutível o papel humanizador da literatura na vida do educando e a prática da
leitura literária na escola, articulando-se, inclusive, ao previsto na LDBEN 9394/96
que, em seu artigo 35, inciso III, coloca como um dos objetivos a ser alcançado na
escola o "aprimoramento do educando como pessoa humana", incluindo então a
formação ética, a autonomia intelectual e o pensamento crítico.”
Bamberger (1987, p. 11) reforça a ideia do aprimoramento da pessoa humana
ponderando que: "Se conseguirmos fazer com que a criança tenha sistematicamente
uma experiência positiva com a linguagem, estaremos promovendo o seu
desenvolvimento como ser humano."
Conforme Souza (2004) é na escola que a maioria das crianças vai aprender
a ler, dessa forma, a escola deve constituir-se num local que privilegie a formação
do pequeno leitor através de um trabalho voltado para o livro estético (prosa ou
poesia). Segundo a autora, para se formar leitores críticos e autônomos, é
fundamental que a criança conheça livros de caráter estético e não apenas de
caráter pedagógico e utilitarista, como os livros didáticos muito usados na maioria
das escolas.
De acordo com Gebara (1997) é necessário sim realizar um trabalho de
qualidade com textos literários em sala de aula, principalmente garantindo a
presença de textos poéticos. Sendo assim, a escolha da poesia para dar início à
tarefa de despertar o gosto pela leitura seria interessante, pois é um tipo de texto
que atrai as crianças por seu caráter lúdico e mágico.
2. A poesia e a infância
A natureza da criança é poética e plena de fantasia. Segundo Kirinus (2011,
p.33): “A própria palavra infância, compreendida na sua etimologia da raiz latina
fantilis, nasce do verbo for, fatus, sum farie e significa dizer, predizer e celebrar em
poesias, denota a relação infância-fantasia-poesia.” Segundo a autora, a infância
amplia e aumenta com a lente da fantasia o tempo e o espaço que vive, sendo que
para a criança o tempo é sempre agora e nesse tempo a poesia é recebida com
muita facilidade pelas crianças, pois poesia pressupõe originalidade e a criança
aprecia o jogo de surpresas com a linguagem .
Desde muito cedo a criança tem contato com o texto poético, através das
canções de ninar e das cantigas de roda, das parlendas, trava-línguas e adivinhas,
sendo que essas manifestações poéticas orais associadas à sonoridade podem e
devem ser utilizadas em séries iniciais para introduzir as crianças no encantamento
literário, assim como na linguagem poética. Segundo Souza (2004, p. 65): “É esse
jogo de palavras, associado às sonoridades, que traz encanto ao texto poético e
propicia prazer ao pequeno leitor. Para tanto, o trabalho inicial com poesia é o da
sensibilização, da descoberta do jogo das palavras”.
Para Schork, (2009) a interação com a poesia é um dos caminhos para o
desenvolvimento pleno da capacidade linguística da criança, sendo que através do
acesso e da familiaridade com a linguagem conotativa, ela terá maior sensibilidade
para a compreensão de si própria e do mundo, pois este tipo de linguagem é uma
ponte imprescindível entre o indivíduo e a vida.
A esse respeito Schork (2009, p. 6) se manifesta:
Por isso, o contato com o texto poético, desde a infância, justifica-se para além do desenvolvimento de habilidades cognitivas, ele estimula o imaginário e promove o conhecimento sensível, afetivo, a formação cultural, e o desenvolvimento dos sentidos humanos, é o principal elemento do processo de humanização do próprio homem. (CARVALHO; BUFREM, 2006). Fazer poesia, ler poesia, declamar poesia é uma forma de criar um novo ser, um novo mundo, um novo tempo.
Ler poesia para e com as crianças deve possibilitar a ampliação da
capacidade da criança de sentir os elementos que no texto poético são capazes de
transmitir emoção. Em vista disso, um ponto que não pode ser negligenciado,
quando se trata de poesia para crianças, é que a qualidade estética deve prevalecer.
A poesia para crianças, assim como a prosa, tem que ser antes de tudo, muito boa! De primeiríssima qualidade!!! Bela, movente, cutucante, nova, surpreendente, bem escrita... Mexendo com a emoção, com as sensações, com os poros, mostrando algo de especial ou que passaria despercebido, invertendo a forma usual de a gente se aproximar de alguém ou de alguma coisa... (ABRAMOVICH, 1989, p. 67).
Deste modo, constata-se que a poesia tem uma importante função no
desenvolvimento da personalidade infantil porque ela permite a comunicação da
criança com a realidade, possibilitando a investigação do real, ampliando o
entendimento e a experiência de mundo através da palavra.
3. A poesia e sua abordagem pedagógica no espaço escolar
A trajetória do texto poético no Brasil, segundo Sorrenti (2007, p. 23) herdou
os mesmos princípios que nortearam por muito tempo a narrativa infantil: associada
à educação, de ordem pedagógica, objetivando a transmissão de valores didático-
moralizantes. Assim, a autora esclarece: “[...] a poesia que se reveste de carga
doutrinária minimiza o efeito poético, rebaixa seu valor e se torna insossa.” A criança
certamente entenderá o poema sem a necessidade de moralidade, pois na medida
em que o poema tocar sua sensibilidade certamente perdurará em sua memória
afetiva.
Ao estudar a história da poesia e sua relação com a educação, como aponta
Véras et al (2007) há um estreito vínculo entre o ensino e a poesia, sendo que a
poesia teve seu começo marcado por um forte conservadorismo. Eram muito
comuns os temas relacionados à exaltação da pátria e dos valores cívicos, morais e
familiares. Estas temáticas orientavam a produção poética voltada ao público infantil.
Nascida em fins do século XIX e expandindo-se nos primeiros anos do século XX, a poesia infantil brasileira surge comprometida com a tarefa educativa da escola, no sentido de contribuir para formar no aluno o futuro cidadão e o indivíduo de bons sentimentos. Daí a importância dos recitativos nas festividades patrióticas ou familiares, e a exemplaridade ou sentimentalidade que caracterizavam tal poesia (COELHO, 2000, p. 224).
De acordo com Véras et al (2007) no que diz respeito à poesia, apenas a
partir dos anos 60 é que surge uma poesia menos ligada aos moldes escolares,
sendo que “esta nova poesia infantil descobre a palavra como um jogo, uma
brincadeira com a fala, com a sonoridade, resgatando as antigas manifestações
populares, como cantigas de ninar, cantigas de roda, parlendas” costumeiramente
presentes no folclore brasileiro.
Também com o “boom” da literatura infantil na década de 80, novos caminhos
começam a ser esboçados, sendo que há um aumento significativo de livros de
poemas para crianças. Para Pinheiro (2000, p. 11-12), “[...] se o número é
significativo, a qualidade estética das obras é quase sempre passível de críticas.
Dificilmente encontramos livros que alcancem o equilíbrio estético de Ou isto ou
aquilo, de Cecília Meireles ou da Arca de Noé, de Vinícius de Moraes”. Nesta
década também foram divulgados poetas como Elias José, Ana Maria Machado e
José Paulo Paes.
Azevedo (2001) destaca que houve nos últimos anos uma grande produção
de livros de literatura infantil e juvenil, milhões de livros. Mas, sabe-se que essa
produção não seria tão expressiva se não fossem as adoções dos livros de literatura
feitas pelas escolas e para serem lidos em classe tendo como objetivo, entre outros,
a formação de leitores. Evidencia-se então que se não fosse a atuação das escolas,
a produção de livros literários e poéticos seria muito reduzida. Ainda segundo o
autor:
[...] nossas escolas, tirando as exceções de praxe que por sorte existem, infelizmente não estão preparadas para lidar com a literatura e acabam transformando o que deveria ser uma leitura intuitiva, pessoal, prazerosa, livre, emocional, um contato espontâneo com o discurso poético e com a ficção em uma atividade didática, compulsória, impessoal e utilitária. Uma leitura para ser avaliada através de critérios bons para as matérias informativas, mas estranhos à literatura. (AZEVEDO, 2001, p. 4).
Micheletti (2002) afirma que as atividades relacionadas à leitura de poemas
são esquecidas ou deixadas em segundo plano na escola, principalmente no ensino
fundamental, pois para muitos professores e alunos este gênero textual é
considerado de difícil interpretação. A autora elenca algumas causas que contribuem
para essa questão e que precisam ser repensadas, entre elas, a maneira como o
poema é tratado nos livros didáticos, apresentando atividades de interpretação que
não privilegiam a expressividade do poema e sim apenas a identificação de dados
referenciais, assim como o contexto em que o poema surge em sala de aula, usado
muitas vezes para memorização da escrita de alguns fonemas ou para ensinar
atitudes valorizadas pela escola e sociedade.
Entretanto, a poesia, mais do que entendida, deve ser sentida, incorporada,
pois:
O texto poético oferece ao leitor possibilidades para pensar a língua e sua carga expressiva. Ou seja, todo bom texto traz para o leitor informação e, ao mesmo tempo, o conduz a uma reflexão mais ampla envolvendo desde as questões existenciais até o posicionamento do leitor em seu contexto social. (MICHELETTI, 2002, p. 22-23)
Nos anos iniciais, segundo Gebara (1997) o trabalho com poesia será mais
eficiente se a ênfase for à fruição e não uma abordagem utilitária e mecanicista. A
autora também afirma que, em geral, os textos poéticos são introduzidos em sala de
aula por meio do livro didático que é um instrumento que deve servir de auxílio à
prática pedagógica. No entanto, o professor deve observar se estão presentes no
livro didático os fatores responsáveis pela adequação ao trabalho com o poema,
pois ainda muitos professores utilizam o livro didático como única fonte de pesquisa
e instrumentalização de sua prática. Neste caso, consideram que a abordagem
apresentada por meio dele é a forma de cumprir com os programas e conteúdos
disciplinares, desconsiderando alguns fatores como responsáveis pela adequação
do trabalho com o poema, e assim:
O texto poético é introduzido, em sala de aula, por uma pré-seleção dos autores e dos manuais didáticos. Essa escolha não prevê as diferenças, a maturidade, as necessidades e particularidades de um grupo, nem os assuntos de interesse, nem as experiências anteriores de leitura etc, porque há uma expectativa quanto a um público virtual que, por vezes, não é aquele que está com o livro à sua frente para realizar a primeira leitura do poema (GEBARA, 1997, p. 146)
A seleção de textos poéticos de qualidade é fundamental para um bom
trabalho em sala de aula, mas segundo Sorrenti (2007) apenas aproximar a criança
da poesia e apresentar a ela bons textos não basta. É necessário acrescentar outros
elementos a essa aproximação, entre os quais o entusiasmo do professor como um
mediador sensível ao texto poético, sendo sua prática essencial na formação do
gosto pela poesia.
Como afirma Lajolo (2002, p. 43):
Qualidade de texto é imprescindível, mas não é tudo. As relações entre literatura e escola (e, consequentemente, entre leitura e escola) são sutis e complexas e não se resolvem por uma melhor seleção de textos, quaisquer que sejam os critérios dessa seleção e mesmo que ela (seleção) privilegie critérios estéticos.
Nesse sentido, Koller (2008, p.24) explicita que é imprescindível que o
educador demonstre o gosto pela poesia ao trabalhar com os educandos,
assumindo o papel de mediador e possibilitando assim a construção do
conhecimento, pois “[...] a poesia além de possibilitar o autoconhecimento também
estimula o olhar para “o outro”, daí a importância de centrar a atenção na relação
que troca com o aluno para tocar-lhe a alma e sensibilizá-lo.
APLICAÇÃO DO PROJETO E RESULTADOS
A implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica na escola aconteceu
no primeiro semestre de 2014, sendo que algumas atividades continuaram a ser
desenvolvidas no segundo semestre. Primeiramente, foram feitos estudos e
realizadas atividades nas aulas de Língua Portuguesa, mostrando a importância do
texto literário poético e as características do mesmo, através de leitura de textos
teóricos sobre o tema, comparação entre textos literários e não literários, dinâmicas
em grupo, debates, produções de textos individuais e coletivos, apresentações orais
e intervenções poéticas com poemas de grandes poetas da nossa literatura no pátio
e nos muros da escola.
A aplicação do projeto foi iniciada já na primeira semana de aula com a 3ª e
a 4ª série do curso de Formação de Docentes , sendo que as atividades relatadas a
seguir foram realizadas nas aulas de Língua Portuguesa no período noturno.
Primeiramente, foram lidos e discutidos alguns conceitos dados por alguns
escritores para se tentar “definir” literatura , algo não muito fácil. Mais importante
do que conceituar literatura é os alunos compreenderem algumas intenções da
literatura: emocionar, divertir, instigar, conscientizar, provocar, produzir efeitos
estéticos, desconstruir conceitos, assim como perceber que literário é o texto que
emprega a linguagem de forma peculiar e única.
A importância da obra de ficção na escola é problematizada por Zilberman
(2003. p. 29):
A literatura infantil, nesta medida, é levada a realizar sua função formadora, que não se confunde com uma missão pedagógica. Com efeito, ela dá conta de uma tarefa a que está voltada toda a cultura - a de conhecimento do mundo e do ser, como sugere Antônio Candido, o que representa um acesso à circunstância individual por intermédio da realidade criada pela fantasia do escritor. E vai mais além — propicia os elementos para uma emancipação pessoal, o que é a finalidade implícita do próprio saber.
Os textos literários devem ser aproveitados em sala de aula em sua natureza
ficcional e não abordados de forma pedagogizante, como transmissão de valores ou
pretexto para o ensino de gramática, que em nada contribuem para a formação de
leitores capazes de reconhecer a beleza e a profundidade dos textos literários.
Nesse sentido, Souza (2004, p. 64) afirma que: “O caráter formador da literatura
difere de certa função pedagógica: enquanto o "pedagogismo" se empenha em
ensinar transmitindo conceitos definidos, a ficção estimula o desenvolvimento da
individualidade.”
Conforme Azevedo (2010 ,p. 2 ) :
De que adianta formar pessoas cheias de conhecimento técnico, mas individualistas a ponto de serem incapazes de perceber que são responsáveis não apenas pela construção de suas vidas particulares mas também pela da sociedade em que vivem; pessoas alienadas de suas emoções, de sua criatividade, de sua capacidade expressiva e de sua condição de ser .
Para compreender melhor a natureza da linguagem literária foi realizada
então a leitura e análise de um texto literário( uma crônica poética ) e de um texto
não literário( notícia ) , ambos com a mesma temática : o jovem . Através dessa
atividade, os alunos puderam perceber que nos textos literários a linguagem é
conotativa, pode apresentar múltiplos sentidos e faz uso de recursos visuais e
sonoros para provocar sensações e emoções e sentimentos. Foi solicitado aos
alunos que produzissem um texto literário a partir do tema: “E para você o que é ser
jovem? “ Poemas e crônicas poéticas muito interessantes foram produzidos . Para
encerrar essa parte, lemos um texto que aborda sobre a importância do contato e
da apreciação de textos literários na época da infância, essenciais para a formação
de leitores e como a literatura está e como deveria estar sendo apresentada na
escola , reflexão importante , uma vez que estes alunos e estas alunas serão
professores futuramente.
A aula seguinte foi iniciada com a leitura do texto “A incapacidade de ser
verdadeiro” do Drummond , texto muito apreciado por todos . Em seguida, os alunos
leram os poemas de sua preferência, sendo que lhes havia sido solicitado na aula
anterior que trouxessem um poema de que gostassem para ser lido para a classe.
Apareceram poemas de Vinícius de Moraes, Mario Quintana, Paulo Leminski ,
Helena Kolody , Fernando Pessoa e muitos outros . Uma aula muito bonita e
emocionante, muita poesia no ar !
As próximas aulas foram dedicadas ao estudo de alguns elementos
característicos do texto poético como: alguns conceitos de poema e poesia, a
importância do ritmo e da rima, o uso das figuras de linguagem e do neologismo. As
atividades foram desenvolvidas através de leitura e análise de poemas diversos e
contribuíram para que os alunos obtivessem um maior conhecimento em relação a
recursos empregados pelos poetas (consciente ou inconscientemente) para se
produzir poemas e revelar novas formas de ver o mundo. Uma atividade que se
destacou foi a produção de poemas com neologismos, resultando em criativas
produções poéticas.
Em outro momento, as aulas foram destinadas à leitura livre de diversos
poemas em livros de poesia de diferentes poetas da nossa literatura. Realizamos
uma roda de conversa com a finalidade de ler poemas que os alunos gostam em voz
alta e socializar impressões das leituras feitas. Além disso, foi sugerido aos alunos
que, em grupos, pensassem em socializar poemas com toda a escola , que
espalhassem poesia por todos os locais da escola ,mas de uma forma original. O
resultado foi incrível : lajotas , guarda-chuvas , vasos e árvores poéticas , varal e
móbiles de poesias , poemas em carteiras e em murais . A escola ficou colorida,
bonita e muito poética, sendo que alunos, professores, pais e visitantes paravam
para ler poemas e elogiavam os trabalhos.
Figura 1
Fonte : Elisângela Bankersen , 2014.
A próxima atividade consistia em uma análise do poema “ A vida bate “ de
Ferreira Gullar “ , sendo que inicialmente os alunos apresentaram dificuldade em
compreender o poema , mas depois de várias leituras e discussões , foi possível
entender o poema , resolver as questões para então produzir um texto, em poesia
ou prosa, sobre o valor da vida, como o homem deveria saciar a sua sede de viver e
sua maneira pessoal de viver. Alguns alunos ficaram muito no senso comum, mas
outros se destacaram e produziram belíssimos poemas .
A realização de um trabalho estético articulando a fotografia à poesia, através
do texto poético haicai então foi explanada aos alunos e demonstrada através de
exemplos, entre eles, o livro “ Quarenta clics de Curitiba “, obra que é composta de
quarenta encartes com poemas de Paulo Leminski e fotografias de Jack Pires nas
ruas , praças e parques de Curitiba nos anos setenta , trabalho em que fotografia e
poesia dialogam muito bem. Os alunos tiraram fotos de locais do nosso município e
produziram haicais. Foi um trabalho muito apreciado por eles e que apresentou bons
resultados, sendo que os clic - poemas foram publicados no facebook e expostos na
Semana da Cultura do colégio, sendo vistos e apreciados também pela comunidade
local.
Como os alunos estavam empolgados com o mundo poético e com suas
próprias produções poéticas, resolvemos realizar um sarau poético em que os
alunos envolvidos no projeto pusessem apresentar a outras turmas declamações de
poemas de autores diversos, assim como seus próprios poemas. Foi uma noite linda
e permeada de poesia, arte, música e sensibilidade, uma celebração à vida e que
ficará marcada na memória de todos que participaram. Nessa ocasião também foi
apresentada a coletânea de poemas produzidos pelos alunos, coletânea essa
impressa em gráfica, composta por diversos tipos de poemas. Certamente, essa
troca de emoções e significados levou ao enriquecimento da oralidade , da
sensibilidade e do ser interior dos alunos .
Uma atividade que despertou a atenção dos alunos e da comunidade em
geral foi a ilustração e a pintura de poemas de poetas brasileiros nos muros da
escola . Nessa atividade foram envolvidos, além dos alunos participantes do projeto,
alunos do ensino fundamental e do Ensino Médio que apresentam talento em
relação a desenho e à pintura. Essa atividade foi realizada em período contraturno e
em parceria com a professora de Artes, Gisele Bankersen, que teve um papel
fundamental para a concretização do trabalho. Poesia, arte e beleza aos olhos de
quem passa foi o resultado final desta ação que foi além da sala de aula. Uma
escola municipal apreciou muito o nosso trabalho e pediu para que fossem pintados
poemas no muro da escola também. Pintamos poemas de Cecília Meireles , Elias
José e Helena kolody , sendo que as crianças e a direção e professores adoraram a
atividade e disseram que a escola ficou mais alegre e poética .
Figura 2
Fonte : Elisângela Bankersen , 2014.
Então, sendo assim, realizar um trabalho como texto literário poético na
escola certamente pode despertar nos alunos o gosto pelo belo, pela arte, pela
leitura, intensificando assim o humano do ser. Nessa perspectiva de usar a poesia
como instrumento de humanização do conhecimento, o ponto de vista de Averbuck
(1988, p. 69) é esclarecedor, pois a mesma defende que:
[...] se a poesia pode desenvolver a personalidade, formar o gosto e a sensibilidade, possibilitar à criança o falar e o conhecimento do próprio “eu”, ela auxilia a compreensão da comunicação do irracional e do incomunicável, funcionando como “antídoto” em uma civilização urbana e técnica. O desenvolvimento do gosto da beleza, de um gosto pelo ritmo e o jogo da linguagem asseguram, assim, seu domínio e levam à consciência ao mesmo tempo libertadora e lúdica da linguagem, à descoberta de níveis da língua e do real. [...] Neste estatuto de ampliação do psíquico, individual e da cognição do universo, o social, realizado pela linguagem, se coloca a importância do espaço a ser concedido à poesia na escola e sua verdadeira necessidade numa ação formadora.
Um dos caminhos para a formação estética certamente seria o investimento
na formação de professores através de cursos e oficinas que os
instrumentalizassem para estabelecer relações dialógicas entre texto e leitor, que
oferecessem referenciais teóricos e práticos para que pudessem realizar um
trabalho de qualidade com a poesia em sala de aula.
Pensando assim, foram ministradas aos alunos e alunas envolvidos no
projeto , assim como a algumas professoras das séries iniciais do Ensino
Fundamental do município , oficinas poéticas, especificamente nas aulas de Prática
de Estágio Supervisionado e que tiveram como intenção apresentar sugestões de
atividades práticas de poesia direcionadas às crianças , constituindo –se em
momentos representativos de reflexão, produção e troca de experiências, ludicidade
e criatividade, ressaltando a importância de levar os alunos ao contato com textos
poéticos de qualidade, pois como Silva e Souza (2004, p.84) refletem:
[...] se os professores responsáveis pela intermediação criança/livro não tiveram formação para o ensino da leitura e da literatura , se estes docentes cometem com frequência equívocos metodológicos que impedem a formação de crianças conhecedoras e críticas, como ensinar leitura e literatura? Como estabelecer na escola a escolarização adequada da literatura? Como professores e alunos podem partilhar o processo de formação estética?
As atividades relatadas a seguir foram realizadas em forma de oficinas
teórico-práticas no período contraturno (manhã e tarde). Foram realizadas duas
oficinas, sendo uma para os alunos da 3ª série e uma para as alunas da 4 ª série de
Formação de Docentes. Na oficina destinada às alunas da 4 ª série também
participaram algumas professoras da rede municipal de ensino que demonstraram
interesse pelo projeto .
Primeiramente, foram apresentados conceitos e citações mostrando a
trajetória e o tratamento dado ao texto poético no Brasil , a importância do texto
poético na infância , analisadas práticas de como a poesia vem sendo “ trabalhada “
, de forma equivocada e superficial e , em seguida , explicitado que é imprescindível
que o professor conheça e aprecie poesia para então poder compartilhar com os
alunos . Nesse momento, o posicionamento das professoras que estavam presentes
na oficina foi muito importante e enriquecedor, pois elas mesmas afirmaram que não
levam muita poesia para a sala de aula e que não sabem bem como desenvolver
atividades com esse gênero textual.
Em seguida, foram apresentadas as oficinas aos alunos e às professoras,
sendo que algumas foram vivenciadas por eles e outras apenas mostradas, devido
ao tempo que era limitado. Fizemos leituras de poemas, apreciamos livros e autores
destinados ao público infanto-juvenil que tem poesia de qualidade como José Paulo
Paes, Roseana Murray, Mário Quintana , entre outros , produzimos poemas em
grupos e individualmente , partilhamos dúvidas e experiências . Uma atividade
apreciada por todos foi a produção da sacola poética, com poemas produzidos pelos
participantes. Realmente foram tardes enriquecedoras com momentos de reflexão,
ludicidade e desenvolvimento da sensibilidade, tão essencial aos educadores.
Essas considerações nos remetem a José Paulo Paes (1995, p.1):
“O texto poético é o espaço mais rico e amplo, capaz de permitir a liberação do imaginário e do sonho das pessoas. É preciso que o fato poético esteja muito presente e seja bem trabalhado pela escola para que o universo escolar possa romper o tédio e a indiferença com que muitas vezes se vê recoberto. Um mundo sem poesia é o mais triste dos mundos”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A poesia ainda é muito desvalorizada em nossa sociedade tão egoísta,
objetiva e prática, sendo que nesses tempos atuais não há muito espaço para o
sentimento, para a arte, para a emoção estética. Entretanto, é justamente dentro
desse contexto que se tornam imprescindíveis práticas que mobilizem os
sentimentos e humanizem mais o espaço escolar. A arte, a literatura, a poesia tem
esse poder. A poesia perdeu-se no tempo e no espaço escolar e é necessário
resgatá-la, dar-lhe o devido valor. Não é que a escola tem de assumir a
responsabilidade de criar poetas, porém , ela deve proporcionar o acesso ao
conhecimento e à apreciação de textos poéticos através de práticas pedagógicas
inovadoras. Foi o que buscou - se na elaboração e desenvolvimento das ações
propostas do projeto em questão.
. O projeto de intervenção pedagógica “Poesia e formação de leitores:
conhecer e apreciar para poder compartilhar ”, foi aplicado com sucesso nas 3ª e 4ª
séries do curso Formação de Docentes , assim como algumas atividades foram
desenvolvidas também com turmas do Ensino Médio do Colégio Estadual Barão do
Cerro Azul , localizado no município de Cruz Machado , proporcionando
experiências muito enriquecedoras e marcantes . Um dos nossos objetivos era que
os alunos envolvidos se tornassem leitores mais críticos e sensíveis, além de
futuros educadores que compreendam o texto literário poético como fruição
estética, jogo de significados e mediador do prazer pela leitura. A grande maioria
passou a gostar mais de poesia, a expressar-se melhor oralmente e demonstrou
muito compromisso e interesse com as atividades propostas. É possível sim
aproximar os alunos da poesia e tornar os alunos leitores e apreciadores deste
gênero tão rico e múltiplo em significados que estimula a imaginação , nos faz
pensar e nos leva a momentos de encantamento e de alegria.
A execução do projeto envolvendo poesia recebeu apoio dos coordenadores
do curso de Formação de Docentes, bem como da equipe pedagógica e da direção
que contribuíram muito para o sucesso do mesmo, principalmente ao cederem
períodos de aulas para a aplicação das oficinas nas aulas de prática de estágio
supervisionado e ao custearem os gastos com as pinturas feitas no muro do colégio
e à impressão da coletânea dos poemas produzidos pelos alunos. O projeto foi além
da sala de aula, pois foram realizadas oficinas de poesia com professores da rede
municipal de ensino e estudantes de cursos relacionados à educação .
Dentre as descobertas feitas, está a de que os alunos não se mostram tão
avessos à leitura do texto poético. Alguns que dizem não gostar de poesia
certamente isso se deve, na verdade, ao fato de não terem sido estimulados em
algum momento de sua vida escolar a apreciar o gênero. Ou também ao fato de
quando estabelecerem contato com textos poéticos, estes foram usados apenas a
título de caracterização de algum período literário ou como motivo para estudo de
regras gramaticais ou lições de moral. A leitura e a produção de textos poéticos
precisam ser reconhecidas como atividades prazerosas e dinâmicas que
proporcionam conhecimento ao ser humano .
Outra constatação é que o professor precisa ser um leitor e conhecedor de
poesia, apreciando poemas para assim apresentá-los aos alunos. Sem que se seja
um leitor, dificilmente pode-se despertar no outro o gosto pela poesia. Certamente
quando gostamos do que fazemos o resultado é melhor. Sendo assim, foi solicitado
à aluna Vanessa Preslak ,que adora ler e produzir poemas ,que aplicasse em sua
regência no 4º ano do Ensino Fundamental algumas das atividades relacionadas à
poesia apresentadas nas oficinas em contraturno. Foram três dias de regência e
praticamente ela aplicou quase todas as oficinas sugeridas, adaptando-as quando
necessário. O resultado foi ótimo, segundo depoimento da aluna:
“Foi uma experiência muito marcante. As crianças se mostraram muito
receptivas à poesia, produziram muitos poemas e se mostraram empolgadas na
realização das atividades, principalmente na leitura dos poemas criados por elas
mesmas. Percebi que levar poesia para as crianças é muito bom e os resultados são
maravilhosos.”
Os participantes do GTR também mostraram interesse tanto pelo projeto
quanto pela produção didático-pedagógica que tinham como temática a poesia e a
formação de leitores, contribuindo com sugestões de textos, livros, autores, práticas
pedagógicas e até mesmo com produções poéticas deles mesmos. Muitos
professores parabenizaram o projeto, enfatizando a importância das práticas
metodológicas apresentadas no caderno pedagógico para a realização de
experiências significativas com poemas em sala de aula. Reconheceram, ainda, o
valor desse gênero para o desenvolvimento do gosto pela leitura.
Essa experiência oportunizou-nos apresentar algumas reflexões sobre a
relevância de se compartilhar poesia com crianças e jovens , além de contribuir
para o desenvolvimento de novas pesquisas, pois há muito ainda a ser explorado
nessa área , principalmente no que se refere à formação literária nos cursos que
formam professores , tanto para trabalhar em séries iniciais ( Formação de Docentes
e Pedagogia ) quanto para lecionar em séries finais do Ensino Fundamental ( cursos
de Letras).
Pela importância fundamental da poesia em nossas vidas, todas as sugestões
que visem maximizar a vida da poesia nas escolas ( e fora delas ) são válidas e
necessárias. Esta proposta buscou contribuir e disseminar poesia no âmbito
escolar e, consequentemente, na vida dos alunos. Neste trabalho, não tivemos a
pretensão de propor uma receita para eliminar de vez todos os obstáculos
referentes ao estímulo da leitura de poesia, mas tentamos apresentar algumas
ideias surgidas na experiência de sala de aula com a junção de leituras de autores
preocupados com esta temática. Assim finalizamos, apropriando-nos das sábias
palavras de Helder Pinheiro em uma entrevista para um jornal :
“ (...) ler cotidianamente, nem sempre dentro de um planejamento detalhado. Ler por ler, antes de uma aula, ou no final. E não só com crianças, com os jovens também. Fazer com que a poesia compareça em diferentes momentos da sala de aula. Estimular os alunos a trazerem poemas de que gostam, que viram ou ouviram nalgum lugar. E no nível pessoal, sempre estar lendo poesia: um livro novo, um livro antigo, uma antologia de novos poetas para descobrir novos talentos. Estar aberto ao novo – não propriamente achar bom ou ruim tudo que aparece. Estar aberto, deixar-se tocar pelo que atualmente se faz no âmbito da poesia. Sem esta disposição para apreender cada vez mais poesia fica difícil contribuir com a formação de leitores.”
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