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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

POTENCIALIDADES DO TEXTO LITERÁRIO: AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

A PARTIR DOS CONTOS PAI CONTRA MÃE DE MACHADO DE ASSIS E

NEGRINHA DE MONTEIRO LOBATO EM DIÁLOGO COM A LEI 10.639/03

PROFESSORA PDE: Solange Busato1 PROFESSORA ORIENTADORA: Cleiser Schenatto Langaro2

Resumo: Diante das potencialidades do texto literário em retratar e refletir sobre aspectos da realidade histórica, social e política, Conforme Candido (1972), ressalta-se a capacidade do mesmo de transformar e humanizar o homem e contribuir para a formação de leitores críticos e reflexivos. Nessa perspectiva optou-se por analisar as relações étnico-raciais a partir dos contos Pai Contra Mãe de Machado de Assis e Negrinha de Monteiro Lobato. O primeiro ambientado no período da escravidão, aproximadamente após o ano de 1850 e o segundo publicado em 1920, trinta e dois anos após a abolição da escravatura no país. A leitura e análise das leis Áurea, Ventre Livre, Sexagenário e a Lei 10.639/03 (que estabeleceu o ensino obrigatório de História e Cultura Afro-brasileiras e Africanas nos currículos escolares) estabeleceu o diálogo com as obras literárias e a formação cultural do povo brasileiro. O cotejamento entre as obras literárias e o conteúdo das Leis possibilitou reflexões acerca do regime escravocrata e das relações de poder. Problematizou-se, portanto, a questão do preconceito racial na formação da sociedade brasileira e da presença de formas de bullying no espaço escolar em tempos atuais. Palavras-chave: Literatura e História; Pluralidade Cultural; Bullying. 1. INTRODUÇÃO

Neste estudo foram analisados os contos Pai contra mãe de Machado de

Assis e Negrinha de Monteiro Lobato. O primeiro, ambientado no período vigência

da escravidão no Brasil, narra os instrumentos da escravidão retratando a crueldade

do homem contra seu semelhante. "A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos,

como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão

por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé;

havia também a máscara de folha-de-flandres (ASSIS, 1906, p.01)3.

1 Professora de Língua Portuguesa e Literatura, Especialista em Língua Portuguesa. E-mail:

[email protected] 2 Orientadora da Pesquisa. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras,

área de concentração em Linguagem e Sociedade da UNIOESTE – Campus de Cascavel. Professora na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, PR, Brasil. 3 http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1951

Em Negrinha, publicado em 1920, trinta e dois anos após a abolição da

escravatura no país, a história narra a vida difícil da pequena órfã Negrinha, já

liberta, porém escravizada moralmente e socialmente. A menina sofre sob o jugo da

patroa da mãe, sinhá de postura autoritária e comportamentos escravocratas, “[...] o

13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana.

Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo:

— Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!... [...]” (LOBATO

IN MARICONI, 200, p. 78).

A Lei Áurea (Lei Imperial n.º 3.353) sancionou e promulgou, em 13 de maio

de 1888, o fim da escravidão no Brasil. Foi precedida pela Lei n.º 2.040, Lei do

Ventre Livre, de 28 de setembro, de 1871 que libertou todas as crianças nascidas de

pais escravos. A lei do Ventre Livre, sancionada pelo visconde do Rio Branco, em

setembro de 1871, rezava que:

Art. 1º Os filhos da mulher escrava que nascerem no Império, desde a

data desta lei, serão considerados livres.

Parágrafo 1º Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a

autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de

criá-los até a idade de 8 anos completos.

Parágrafo 2º Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção ou de receber do Estado a indenização de 600 mil réis ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos (IN HISTOBLOG – HISTÓRIA GERAL, 2009)4.

Além destas, também a Lei do Sexagenário, publicada em setembro de

1885, Lei Saraiva-Cotegipe, mais conhecida como Lei dos Sexagenários que

declarava liberdade, de modo geral, aos escravos negros que tivessem mais de 60

anos, não sem antes trabalhar mais três anos gratuitamente ao senhor como forma

de indenização.

Pedro (2009) analisa que:

Esta Lei não mudava o panorama da escravidão no Brasil. Retrógrada, visava tão somente diminuir a atuação da campanha abolicionista sem tocar nos privilégios dos grandes latifundiários escravocratas. No entanto, em 1887, Joaquim Nabuco pedia que o Exército recusasse definitivamente o papel de capitão-do-mato, isto é, de perseguidor de negros fugidos das fazendas. O marechal Deodoro da Fonseca liberou

4 Pesquisado em: http://histoblogsu.blogspot.com.br/2009/06/lei-do-ventre-livre-sexagenario-e-lei.html.

Acesso em: 26 de novembro de 2014.

o Exército dessa função, deixando clara sua posição contra a escravidão (IN HISTOBLOG – HISTÓRIA GERAL, 2009)5.

Surgiu, então, a terceira Lei. O governo acatou o projeto do ministro João

Alfredo que decretava a abolição definitiva da escravidão. O ato foi assinado pela

princesa Isabel que ocupava interinamente o cargo de D. Pedro II, pois na ocasião

ele se encontrava na Europa. O dia 13 de maio de 1888 passou para a história

oficial como o dia em que a princesa Isabel legalizou a liberdade aos escravos do

Brasil:

[...] Declara extinta a escravidão no Brasil: A Princesa Imperial

Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro

II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembleia Geral

decretou e ela sancionou a lei seguinte:

Art. 1“ .º: É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no

Brasil.

Art. 2.º: Revogam-se as disposições em contrário.

Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e

execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e

guardar tão inteiramente como nela se contém [...]. (HISTOBLOG –

HISTÓRIA GERAL, 2009).

A leitura crítica da Lei e de fatos históricos evidencia que a mesma não teve a

intenção de melhorar as condições de vida da população escrava do Brasil, mas sim

resolver a vida dos latifundiários. Monteiro Lobato, por meio da literatura, convida o

leitor a essa interpretação. “[...] A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar

de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes,

amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime

novo. [...]” (LOBATO In MARICONI, 200, p. 78).

Mais de um século depois do 13 de maio de 1888 o governo brasileiro publica

a Lei 10.639/03, que interage diretamente com o sistema educacional do país e tem

como objetivo:

ensinar História e Cultura Afro-brasileiras e Africanas não é mais uma

questão de vontade pessoal e de interesse particular. É uma questão

curricular de caráter obrigatório que envolve as diferentes

comunidades: escolar, familiar, e sociedade. O propósito principal

para inserção da Lei é o de divulgar e produzir conhecimentos, bem

5 Pesquisado em: http://histoblogsu.blogspot.com.br/2009/06/lei-do-ventre-livre-sexagenario-e-lei.html.

Acesso em: 26 de novembro de 2014.

como atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à

pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir objetivos

comuns, que garantam respeito aos direitos legais e valorização de

identidade cultural brasileira e africana, como outras que direta ou

indiretamente contribuíram (contribuem) para a formação da

identidade cultural brasileira (SANTOS, 2008).

É possível inferir, a partir da Lei 10.639/03, que a sociedade brasileira

ainda tem encontrado dificuldades para cumprir o que rege a Lei 1888, assim como

Dona Inácia, pois o preconceito ainda perdura no pensamento e em posturas

coloniais, exploradoras e preconceituosas como demonstrou Monteiro Lobato no

conto Negrinha.

Partindo-se do pressuposto de que a literatura desenvolve e aprimora o senso

crítico do leitor, ampliando a sua capacidade de interpretação e visão de mundo, as

obras Pai contra mãe e Negrinha foram selecionadas para estudo e análise em sala

de aula. Dentre outros propósitos as atividades foram direcionadas para que o leitor

percebesse e refletisse sobre as relações de poder, sustentadoras de pensamentos,

atitudes e ações preconceituosas e excludentes. Para Silva (2005, p.24):

[...] a prática da leitura é um principio de cidadania, ou seja, o leitor

cidadão, pelas diferentes práticas de leitura, pode ficar sabendo quais

são suas obrigações e também pode defender os seus direitos, além

de ficar aberto às conquistas de outros direitos necessários para uma

sociedade justa, democrática e feliz.

Entende-se que para contribuir com a formação de alunos, sujeitos-cidadãos,

a mediação do professor e da escola é fundamental. A sociedade espera

principalmente da escola a contribuição para a formação de leitores críticos e

reflexivos e para a realização dessa tarefa as Diretrizes Curriculares da Educação

Básica (Paraná, 2008) regem que:

é necessária à compreensão das esferas discursivas em que as ideias

dos autores citados estão intimamente relacionadas e têm como

vértice a linguagem enquanto agente construtor de conhecimento e,

portanto, transformador da atividade humana no mundo reconhecendo

as intenções e os interlocutores do discurso.

Partindo-se desses pressupostos vislumbra-se a relação dialógica entre

autor/obra e leitor. A escola propicia a formação intelectual, cognitiva e política por

meio de pesquisas, leituras e estudos e favorece a conscientização e o respeito aos

diferentes falares, aos saberes próprios da cultura do educando e da cultura do

outro. Contribui, nesse sentido, preparando um leitor capaz de refletir criticamente

sobre questões como a violência na escola, a conscientização sobre a sexualidade

precoce, uso de drogas, bullying e preconceito. A Lei 10.639/03 impõe a

necessidade de abordar, no ambiente escolar, questões culturais e aspectos

históricos das culturas afro-brasileira, indígena e do campo.

Bakhtin/Volochinov (1999, p.41 apud DCEs 2008) afirma que “os seres

humanos apreendem a realidade e a constroem na medida em que se relacionam

com o outro, atribuindo assim, sentido ao seu próprio viver, permeado pelo exercício

efetivo da linguagem”. Ou seja, na linguagem e pela linguagem o ser humano se

constroi leitor do mundo em que vive e com o qual se relaciona. Exposto as mais

diferentes experiências desenvolve e aprimora seus horizontes de expectativas.

Nesse sentido, formam-se bons leitores quando estes estabelecem um

contato íntimo com os textos. Há inúmeras maneiras de fazê-lo e o importante é que

o texto apresentado aos alunos seja interessante e desperte a curiosidade

provocando-os para uma reflexão que extrapole o exposto, papel que a literatura

cumpre por estabelecer relação com a realidade e, também, devido à elaboração

estética da linguagem. Entende-se que o professor deve desempenhar o papel de

mediador, apresentando metodologias que explorem o texto literário e que orientem

o aluno a perceber as pistas que devem desvendar para melhor compreender o

sentido do texto. Pois, conforme Bragato Filho (1995), um leitor ativo será capaz de

completar os espaços vazados do texto literário na tentativa de interpretação e

compreensão do mesmo. Dessa maneira estabelecerá um diálogo constante com o

autor, o texto e o contexto.

Compreender a partir dos contos Pai Contra Mãe de Machado de Assis e

Negrinha de Monteiro Lobato o contexto sócio-histórico e cultural do país pode

ampliar a capacidade de interpretação e visão de mundo do leitor contribuindo para

percepção das relações de poder enquanto sustentadoras de pensamentos, atitudes

e ações preconceituosas e excludentes.

2. PAI CONTRA MÃE DE MACHADO DE ASSIS, NEGRINHA DE MONTEIRO

LOBATO E A QUESTÃO DO PRECONCEITO RACIAL

Mediante o direcionamento legal de que “Ensinar História e Cultura Afro-

brasileiras e Africanas não é mais uma questão de vontade pessoal e sim uma questão

curricular de caráter obrigatório que envolve as diferentes comunidades: escolar, familiar, e

sociedade [...]”, a reflexão foi conduzida em torno do preconceito racial e dos castigos

dados aos negros, tanto físico quanto moral, nas obras de Machado de Assis e de

Monteiro Lobato.

O presente estudo promoveu atividades de leitura que ultrapassassem os

limites da decodificação, voltadas ao desenvolvimento da capacidade de ler e

interpretar as pistas que o autor oferece ao seu leitor. Lajolo (1982, p.59), afirma

que:

ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um

texto. É a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado,

conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para

cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e,

dono da própria vontade, entregar-se a essa leitura, ou rebelar-se

contra ela, propondo outra não prevista.

O diálogo entre leitor/obra e autor na busca pelas significações que o texto

apresenta e permite parece tarefa fácil, porém as leituras de camadas profundas de

significados exigem maturidade do leitor, diante disso, faz-se necessária a

contribuição do professor mediador. Conforme Lajolo (1982, p.53), “[...] a maturidade

de que se fala aqui não é aquela garantida constitucionalmente aos maiores de

idade. É a maturidade de leitor construída ao longo da intimidade com muitos e

muitos textos”.

A partir da literatura o leitor amplia sua capacidade de compreender o mundo

e sua condição de agente ativo mediante o texto e a sociedade em que vive. Ao

retratar a maturidade do leitor, Martins (2003, p.37) propõe, de maneira

“despretensiosa”, como ela mesma a define, pensar a leitura “percebendo a

configuração de três níveis básicos [...] sensorial, emocional e racional”. Segundo a

autora, considerando a leitura como algo dinâmico, esses três níveis estariam inter-

relacionados, sendo simultâneos e de acordo com as experiências, expectativas,

necessidades e contexto do leitor.

Cabe ao mediador desse processo, no caso o professor, apresentar ao aluno

textos que provoquem a ruptura dos horizontes de expectativas dos mesmos. Silva

(1981, p.44) também infere que:

o “compreender” deve ser visto como uma forma de ser, emergindo

através dos seus conteúdos, ou seja, o texto como uma percepção

dentro do qual os significados são atribuídos. Nesse sentido, não

basta decodificar as representações indicadas por sinais e signos, o

leitor (que assume o modo da compreensão) porta-se diante do

texto, transformando-o e transformando-se.

É por meio desse processo de interação e ação com o texto que se efetiva a

compreensão e a interpretação do registro escrito e, segundo Silva (1981, p.45), “a

pessoa passa a compreender-se no mundo”.

Os pressupostos da Estética da Recepção, teoria apresentada por Jauss

(1967 IN COSTA LIMA, 2002), ressaltou a percepção da obra pelo leitor.

Fortalecidos a partir de 1960, conscientizam sobre a importante contribuição da

literatura na formação do leitor, importando-se, consideravelmente, com a recepção

que o mesmo tem da obra.

O estudo do texto literário em sala de aula promove o desenvolvimento das

habilidades linguísticas e estéticas dos alunos como alega Cândido em A Literatura

e a formação do homem (1972, p.806). Para ele a literatura “[...] não corrompe nem

edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que

chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver”.

Ao ler o indivíduo busca as suas experiências, os seus conhecimentos

prévios, a sua formação familiar, cultural e religiosa que constituem sua identidade.

De modo que a literatura é vista como arte que transforma/humaniza o homem e a

sociedade. Conforme Candido, a literatura desempenha três funções: a psicológica,

a formal e a social. Na primeira, permite ao homem a fuga da realidade, imerso num

mundo de fantasias, o que lhe possibilita momentos de reflexão, identificação e

libertação. Já na segunda, afirma que a literatura por si só faz parte da formação do

sujeito, atuando como instrumento de educação, ao retratar realidades não

reveladas pela ideologia dominante. E a terceira é a forma como a literatura retrata

os diversos segmentos da sociedade, é a representação social e humana.

Se as palavras estão no texto, o texto está num contexto e se subentende que

contexto é conjunto de particularidades que produz a mensagem, entendendo o

condicionamento histórico-sociológico do conhecimento de quem o formulou. Um

leitor que parte destes pressupostos terá condições de entender a obra de forma

mais ampla e compreender melhor a visão crítica do autor, assim como também se

compreenderá melhor, imerso neste ambiente e por analogia analisa a estrutura

cultural, social e política do país.

Bragatto Filho (1995, p.55) analisa que ao ler literatura faz-se emergir os três

níveis de diálogo do leitor com o texto o “sensorial, emocional e o racional, enfatiza

que a leitura deve ser encarada por sua faceta de seriedade e disciplina”. Cabe,

portanto, a intervenção do professor como mediador do processo de interlocução

leitor-texto, permitindo que o aluno-leitor faça muitas indagações sobre eles, mas

não somente as que estão na superficialidade dos mesmos.

Bragatto Filho (1995, p.06) observa que:

[...] mais importante do que o aprendizado dessas nomenclaturas (espaço, tempo, enredo, personagens principais e secundarias diversidade de temas e estilos, etc.) e de tantas outras, o nosso entender é o contato com o conteúdo e a forma do texto, com as possíveis intenções do autor: a discussão, em sala de aula, sobre a cadeia de relações que é um texto, todos os significados que se podem descobrir e atribuir a partir dessa cadeia de fios, constituída pelo manejo estético da palavra. [...].

Acredita-se que o interesse por uma maior compreensão e interpretação das

obras literárias ou dos textos lidos é de ambos: professor e aluno. Ter consciência

do porque ler, do como ler e de como absorver tais informações e compreendê-las

com seus próprios olhos e mente contribui para a formação de leitores mais críticos

e reflexivos.

3. METODOLOGIA

Na análise das obras escolhidas para a o Projeto de Intervenção Pedagógica

na Escola, citadas e já descritas anteriormente, refletiu-se sobre períodos da história

da formação do povo brasileiro, assim como sobre o período atual, com destaque

para a valorização da cultura afrodescendente no currículo escolar, proposta

principal da nova Lei.

No intuito de promover a leitura crítica e reflexiva sobre o país e sua história,

sobre a comunidade na qual o leitor vive e se relaciona, além da interação e reflexão

com os fatos do mundo, as atividades desenvolvidas mediaram a leitura do

educando para preencher os espaços vazados entre os contos e as leis,

problematizando e estabelecendo relações entre a história do país e as

representações literárias. Além de também questionar comportamentos

preconceituosos e discriminatórios, resquícios de um país no qual recentemente

ainda era permitida por Lei a prática da escravidão. Coube também, partindo-se

desses apontamentos, repensar as formas de escravidão que ambientaram a

história do Brasil, desde o início de sua colonização até os dias atuais.

Num segundo momento a análise destacou o emprego da ironia presente na

linguagem dos contos e sua capacidade de questionar o contexto social e a

condição social, tanto das vítimas quanto daqueles que exercem o papel dos

preconceituosos e opressores. O uso farto de reticências e exclamações que deu

espaço para o leitor indignar-se e refletir sobre tais procedimentos também foi objeto

de estudo.

Num terceiro momento ocorreu o debate que envolveu as Leis relacionadas a

essa temática, o que propuseram e propõem; a execução das mesmas; o impacto

social que causaram e o que significaram e significa cada qual em sua na época. E

hoje como está a condição dos afrodescendentes no país? Por que se fez

necessária uma nova Lei que vem de encontro aos mesmos (ou reformular a Lei

Áurea) em pleno século XXI? Qual o valor da liberdade para o ser humano? são

algumas das questões que nortearam o debate.

Tais indagações partem de uma leitura de nível mais racional, mas não

desconsideram a sensibilização que elas provocam no leitor (ódio, dor, sofrimento,

angustia, tensão, obediência,...). Realizou-se ainda um júri simulado a partir do

conto Pai Contra Mãe de Machado de Assis, dramatização tomando como base a

discussão que envolveu os personagens Candido Neves e a escrava Arminda,

finalizando com a opção pelo filho do Capitão do Mato. Os alunos desenvolveram

argumentos para absolver ou condenar Candido Neves.

A edição de documentário adicionou exemplos de condições de trabalho que

exploram o empregado nos dias atuais. O mesmo contemplou discussão sobre fatos

que geram preconceito racial no esporte, na escola, na sociedade de um modo

geral. Somaram a questão do bullying, homofobia, (ex)inclusão social e o

homossexualismo presente no ambiente escolar.

4. CONTRIBUIÇÕES DO GTR – GRUPO DE TRABALHO EM REDE

O Grupo de Trabalho em Rede (GTR) permitiu uma troca de ideias entre as

experiências do tutor (professor PDE) com os outros professores da rede estadual

de ensino do Paraná. Foram analisadas sugestões para ampliar o projeto e a

Sequência Didática, dentre elas o documentário Olhos Azuis (Blue Eyes)

desenvolvido pela pedagoga norte-americana Jane Elliott.

5. IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO NA ESCOLA

Uma das problemáticas importantes propiciadas pelo projeto consiste em

refletir para buscar a superação de formas de preconceito e discriminação, além de

reconhecer as diferenças para construir identidades e condutas respeitosas,

valorizando as diferenças, visualizar perspectivas de uma história, ampliando seu

senso crítico frente às representações e conceitos que lhes são transmitidos

historicamente acerca dos povos constituintes deste país.

Os sujeitos participantes deste projeto, realizado no decorrer do ano letivo de

2014, foram os alunos do Ensino Médio, do Curso de Formação de Docentes do

Colégio Estadual João Manoel Mondrone - Ensino Fundamental, Médio, Profissional

e Normal, situado em Medianeira - Pr, que atende cerca de mil e setecentos alunos.

Os educandos atendidos nesta modalidade de ensino são, geralmente, adolescentes

que já atuam na área da educação em creches municipais e maternal em escolas

particulares, trazendo para a sala de aula as histórias de preconceito praticadas

entre crianças.

Também utilizou-se o filme Quanto vale ou é por quilo? de Sérgio Bianchi

(2005), adaptação do conto de Machado de Assis, pois o mesmo aborda a

aproximação entre o antigo comércio de escravos e a atual exploração da miséria

pelo marketing social, formando uma solidariedade de fachada, além do

documentário “Olhos Azuis” de Jane Elliot, que trata sobre discriminação e o

sofrimento.

Realizou-se o júri simulado do conto Pai contra mãe de Machado de Assis

(condenar ou não Candido Neves?), a produção e a montagem de um documentário,

relacionando o passado e o presente a partir da Lei 10.639/03, abordando as formas

de bullying em ambientes escolares.

O grupo que produziu o documentário sobre o bullying se destacou, pois

houve o envolvimento e a reflexão sobre o próprio espaço escolar, além de atitudes

comuns na sociedade, o depoimento de colegas e a visão da família fez a diferença.

A comunidade escolar foi convidada para o encerramento da Implementação

Pedagógica. Na oportunidade exibiu-se o documentário e realizou-se o júri simulado

para pais/responsáveis, direção e equipe pedagógica da escola.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto foi estruturado de forma a trabalhar textos literários e suas

implicações não apenas no sentido de valorização da leitura, mas principalmente a

possibilidade de rearranjos e discussão histórica e social dos temas suscitados nas

obras. Ensinar e aprender hoje não se reduz a estar um tempo em sala de aula,

implica modificar o que fazemos dentro da sala de aula e organizar ações de

pesquisa e de comunicação que permitam os professores e alunos continuar a

aprender os mais diferentes conteúdos em ambientes e formas também

diferenciadas.

Este projeto comprova que o trabalho com os clássicos literários quando

contextualizados e relacionados de forma interdisciplinar não se torna uma tarefa

entediante para os alunos, já que há inúmeras formas de “ler” e “reler” uma obra.

Para isso é fundamental interagir com as ferramentas que as mídias oferecem, bem

como a parceria estabelecida entre as disciplinas.

Ressalta-se que os principais objetivos da Implementação Pedagógica e das

atividades desenvolvidas (debater o tema, formular argumentações consistentes,

fundamentar um argumento na lei, tomar um posicionamento, exercitar a expressão

e o raciocínio, amadurecer o senso crítico) foram atingidos. Interessante ressaltar

que no desenvolvimento da dinâmica os alunos se destacaram e impressionaram o

público com suas argumentações, postura ética, fundamentação teórica/legislativa e

desenvoltura oral.

Concluiu-se que a Lei 10.639/03 tem como objetivo principal garantir espaço

para informações e conhecimentos estratégicos voltados ao ensino da História e da

Cultura Africana e Afro-brasileira, primando pela valorização e respeito ao negro e

sua cultura, pois a partir do conhecimento sobre outra identidade cultural o indivíduo

tem condições de desenvolver posturas, atitudes e valores de respeito a diversidade

e a pluralidade étnico-racial.

A literatura, portanto, contribui para gerar discussões que ampliam os

horizontes do leitor, formando sua cosmovisão e contribuindo com a sua capacidade

de leitura crítica diante da vida e do meio em que vive.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAGADO FILHO, Paulo. Pela Leitura Literária na Escola de 1º Grau. São Paulo:

Ática, 1995.

BAKHTIN, Michail (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. de

Michel Lahud e Yara Frateschi. 9 ed. São Paulo: Hucitec, 1999.

BRASIL. Secretaria do Ensino Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:

Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CANDIDO, Antônio. A literatura e a formação do homem. In: Ciência e Cultura. São

Paulo, 1972.

JAUSS, Hans Robert. et al. A literatura e o leitor: textos de estética da recepção.

Tradução e Organização de Luiz Costa Lima. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra S/a,

2002.

LAJOLO, M. Usos e abusos da literatura na escola. São Paulo: Globo, 1982 a.

MARICONI, Ìtalo. Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000 MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 19. ed. São Paulo: Brasiliense, 2003.

PEDRO, Antônio. História da civilização ocidental: ensino médio. Vol. único. São

Paulo: FDT, 2004.

SEED/PR. Diretrizes Curriculares da Educação Básica/2005. p.57.

SILVA, E. T. Conferencias sobre leitura - trilogia pedagógica. 2. ed. Campinas/SP:

Autores Associados, 2005.

_________. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da

leitura. São Paulo: Cortez, 1981.

8. REFERÊNCIAS ONLINE

ASSIS, Machado de. Pai Contra Mãe. Pesquisado em:

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co

_obra=1951. Acesso em 26 de novembro de 2014.

BIANCHI, Sérgio. Quanto vale ou é por quilo? http://www.adorocinema.com/filmes/filme-110753/. ELLIOTT, Jane. Olhos Azuis. Documentário disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=N-1EPNmYKiI. Pesquisado em: 26 de novembro de 2014. HISTOBLOG – HISTÓRIA GERAL. LEI DO VENTRE LIVRE. LEI DO SEXAGENÁRIO. LEI ÁUREA. Disponível em: http://histoblogsu.blogspot.com.br/2009/06/lei-do-ventre-livre-sexagenario-e-lei.html. Acesso em 31/05/13. SANTOS, Leidiane. A História e Cultura Afro Brasileira e a LEI 10-639-03. Publicado

em 04 de dezembro de 2008, Educação, São Luís-MA. Disponível em:

<HYPERLINK "http://www.webartigos.com/artigos/a-historia-e-cultura-afro-brasileira-

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