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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE
I
O gênero textual “charge” em sala de aula: leitura, interação e
criticidade
Profa Renilda Severa Lazoski1
Dr. José Geraldo Marques2
Resumo: Este artigo tem como objetivo principal apresentar os passos e as conclusões da implementação do projeto: O gênero textual “charge” em sala de aula: leitura, interação e criticidade, desenvolvido com os alunos da 7o ano da Escola Estadual Nicolau Copérnico, município de Mallet-PR e requisito para a conclusão do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) promovido pela SEED (Secretaria de Estado de Educação do Paraná). A linha de estudo escolhida foi Ensino e Aprendizagem de Leitura. Neste estudo, pretende-se relativizar o grande interesse dos alunos pela leitura na tela mediado por tecnologias digitais através de um trabalho de leitura que tem como núcleo um gênero jornalístico de humor, a charge. Quisemos, com isso, despertar no corpo discente, além do interesse pela leitura do texto impresso, a construção de uma postura crítica. O gênero charge, como pudemos comprovar no decorrer do nosso trabalho, atrai a curiosidade do aluno pela imagem e pelo humor. Observação, mediação, análise e descrição fazem parte da metodologia adotada. Optou-se pela metodologia Qualitativa com viés bibliográfico, baseada nos fundamentos metodológicos de Lakatos e Marconi (2003).
Palavras chave: Leitura. Humor. Charge.
_____________________________
1 Graduada em Letras pela FAFI – UVA (atual UNESPAR), União da Vitória-PR, Pós Graduada em
Letras – Língua Portuguesa e Literatura. Professora de Língua Portuguesa da Escola Estadual Nicolau Copérnico–Ensino Fundamental de Mallet PR Email: [email protected]
2 Mestre e Doutor pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor-Adjunto do
Departamento de Letras da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO)
1 Introdução
Iniciado o curso PDE, fez-se necessário escolher um tema para
elaborar um projeto, a partir do qual elaborar-se-ia uma Unidade Didática,
composta por atividades que seriam trabalhadas em sala de aula durante a
implementação. Esse tema precisaria fazer a diferença na realidade escolar, daí
optar-se em trabalhar com leitura baseada em uma sondagem com professores
de outras disciplinas e também com minha experiência como professora de
Língua Portuguesa. A percepção, a partir de minha prática, da dificuldade que os
alunos têm em interpretar e compreender o que leem bem como as causas de
seu desinteresse em ler também foi levada em conta. Esses são os problemas: a
falta de interesse do aluno pela leitura e a ausência de estratégias de leitura para
suprir essa grave lacuna que compromete o ensino-aprendizagem não só em
Língua Portuguesa, mas também em todas as outras disciplinas.
Sabemos que muitos de nossos alunos leem, mas somente o que é
de seu interesse e, na maioria das vezes, nada disso tem a ver com
conhecimento de mundo que pode contribuir para seu crescimento crítico. As
novas tecnologias ajudaram a afastar nossos alunos dos livros. É preciso que a
escola e o professor tenham essa consciência e busquem inovar suas aulas para
que elas se tornem atrativas, para que os livros e a leitura voltem a fazer parte
importante e necessária da vida do nosso aluno (que ultimamente está distante da
realidade escolar) para que ele aprenda a ler os textos que comportam os muitos
gêneros com os quais ele se relaciona.
Com a finalidade de contribuir com a melhoria do ensino, no que diz
respeito à leitura, será desenvolvido nesta Unidade Didática, um trabalho com o
gênero textual “charge”, ainda pouco utilizado no Ensino Fundamental e para
muitos, não fazendo parte do currículo de Língua Portuguesa, além do fato de que
nos livros escolares eles pouco aparecem.
Trabalhar o gênero textual “charge” é um desafio porque sua
interpretação é interdisciplinar e, envolve vários temas como política, meio-
ambiente, violência, esporte e outras dimensões sociais, que estão em destaque
nas mídias e que são abordados na charge com a finalidade crítica.
A ideia inicial é usar a imagem (figura) e humor da charge para
despertar a curiosidade do aluno e, a partir dessa primeira leitura, aprofundar
suas possibilidades de leitura e por consequência, despertar o interesse dele pela
leitura de um modo geral, pois a charge, para ser entendida, precisa de
conhecimento de mundo.
É importante ressaltar que a charge é um gênero multimodal
(texto/imagem) que está bastante presente nas mídias e suportes variados
(revista, tv, internet, etc) frequentados pelos adolescentes.
2 Pressupostos teóricos
A leitura é uma atividade essencial a qualquer área do conhecimento
e mais essencial à própria vida do ser humano. Ela é uma forma do homem se
situar com o mundo de forma a dinamizá-lo e uma forma de encontro entre o
homem e a realidade sociocultural e possibilita o contato com diferentes pontos
de vista. É uma ferramenta para sociabilizar-se proporcionando ao leitor a
possibilidade de acumular conhecimentos à medida que for lendo. Além do mais,
quanto mais leitura, mais possibilidades de domínio da escrita, de um raciocínio
provavelmente mais apurado, e de um exercício maior de habilidade expressiva.
Não é tarefa fácil fazer o aluno gostar de ler, torná-lo um leitor
crítico, competente, com gosto e hábito de leitura, pois para muitos a leitura é
somente uma obrigação escolar, - esse hábito não faz parte do dia a dia de uma
grande parte de nossos jovens e crianças, e essa falta de leitura torna a
aprendizagem fraca, com pouco conteúdo. O uso constante do livro didático nas
aulas de Língua Portuguesa, com atividades de gramática, interpretação, cópia e
textos fragmentados não fazem o aluno gostar de ler Cabe ao professor, uma
mudança de postura, criar oportunidades, atividades diferentes, instigantes,
deixando de lado gêneros excessivamente trabalhados e proporcionando ao
aluno um aumento de conhecimentos, desenvolvendo habilidades intelectuais,
formando bons leitores. Segundo SILVA (2005),
(...) o professor é pré-requisito básico para o cultivo da leitura. Como tal,
é imprescindível que tenha uma visão objetiva e crítica de sua prática
diária, um conhecimento teórico amplo, consistente e relevante, que
possa sustentar essa prática e subsidiar seus objetivos, bem como uma
formação contínua que lhe permita acompanhar a evolução dos
conhecimentos para redimensionar sua atividade pedagógica, tornando-
a mais relevante, mais produtiva e significativa. Nesse sentido, a função
do professor seria a de ”criar condições para o educando realizar a sua
própria aprendizagem, conforme seus próprios interesses, necessidades,
fantasias, segundo as dúvidas e exigências que a realidade lhe
apresenta”.
As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná entendem a leitura
como um ato dialógico, interlocutivo, que envolve demandas sociais, históricas,
políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado momento.
Segundo elas, ao ler, o indivíduo busca suas experiências, os seus
conhecimentos prévios, a sua formação familiar, religiosa, cultural, enfim, as
várias vozes que o constituem (PARANÁ 2008, p.56).
Segundo Brandão e Micheleti (1997)
O ato de ler é mais do que simples decodificação de sinais, é um
processo abrangente e complexo que envolve o conhecimento de mundo
e a interação texto/leitor. Se um texto é marcado pela sua incompletude,
ele só se completa no ato da leitura.
A leitura é um processo de apreensão da realidade que se revela ao
leitor através de várias linguagens. Ela oferece ao leitor possibilidade de que ele
acumule conhecimentos à medida em que leia cada vez mais. Ela é importante
para o acréscimo de informações, do conhecimento de mundo.
Segundo Kleiman (2004, p.13), há todo um processo interativo em
jogo, onde o leitor se utiliza dos diversos níveis de conhecimento e que estes
interagem entre si.
Para Silva (2005, p.16) a leitura pode ocupar, sem dúvida, um
espaço privilegiado no ensino de língua portuguesa, mas também no ensino de
todas as disciplinas acadêmicas que objetivam a transmissão de cultura e de
valores para as novas gerações.
Completando as ideias dos autores citados, a leitura é requisito
básico para o desenvolvimento intelectual e crítico de todo cidadão e a escola é
responsável em desenvolver isso em seus educandos, ensinando o aluno a ler,
despertando nele esse hábito, lendo com seus alunos e principalmente ensiná-los
a ler e não somente decodificar signos.
A escolha do gênero charge1 não foi aleatória, buscou-se algo
diferente do habitual e até então inédito no ensino fundamental nessa escola
justamente, com a finalidade de despertar a curiosidade, em primeira leitura, pelo
texto não verbal (imagem) que é o que chama a atenção dos alunos. Por
1 A partir desse parágrafo, escreveremos charge com grafia adaptada ao português.
apresentarem duas linguagens (a verbal e a não verbal) e porque segundo a
pesquisa realizada no questionário da implementação, a leitura preferida deles é a
de “gibis”, essa semelhança com as charges faz com que eles se identifiquem um
pouco mais com este gênero.
A charge é um dos gêneros textuais de que o jornal e outros
suportes dispõem para expressar sua opinião sobre os acontecimentos diários.
Porém, diferentemente do gênero editorial, que expressa a posição oficial do
jornal em relação a um fato ou acontecimento, a charge expressa uma opinião
mais individual, mais independente. Tem-se, com ela, como objetivo, a crítica
humorística de um fato político ou ligado aos costumes (ou ainda “atuais”). Por
isso, o leitor deve conhecer o assunto a que a charge se refere para poder
compreendê-la. Nela, as características físicas das pessoas são quase sempre
exageradas (caricatura) e, para despertar o leitor ela dialoga de perto pelo viés da
ironia com a realidade que pretende relatar. Elas promovem uma visão mais
crítica dos problemas vigentes na sociedade na qual os alunos estão inseridos. É
um recurso atrativo que o professor e o aluno devem explorar. A charge, além de
trabalhar a leitura de texto, promove a leitura de mundo, desperta o interesse dos
alunos e a sua capacidade de interpretação, explorando a linguagem verbal e a
não verbal.
Segundo Romualdo (2000, p.21)
A charge, enquanto mensagem icônica, não será recebida nem decifrada
se o leitor não possuir informações necessárias para interpretá-la. A
charge é um texto visual humorístico que critica uma personagem, fato
ou acontecimento específico. Por focalizar uma realidade específica, ela
se prende mais ao momento, tendo, portanto, uma limitação temporal.
As charges são sempre repletas de sentidos críticos, em uma
harmoniosa união de recursos multimodais (linguísticos e imagéticos) e têm, por
objetivo, destacar o assunto que está em evidência de um modo jocoso.
Outra característica interessante da charge para, em uma primeira
leitura, despertar a curiosidade do aluno, é a presença do humor, os alunos
gostam e convivem com este recurso em desenhos, piadas e crônicas. Pensando
em conquistar o aluno para iniciar o trabalho com leitura, a charge foi uma
escolha acertada, pois percebeu-se, no início das atividades, que mesmo não
entendendo o real sentido da charge eles riram das imagens e gostaram delas,
mesmo não tendo um conhecimento prévio para interpretá-las. De acordo com
Bergson (1993), o riso está limitado à inteligência humana já que é necessário
que haja conhecimento prévio da situação e capacidade associativa para que o
mesmo aconteça. Ele complementa o seu raciocínio, afirmando que:
O nosso riso é sempre o riso dum grupo. Certamente que já vos
aconteceu, num comboio ou numa mesa de hotel, ouvir viajantes que
contam histórias que para eles devem ser cômicas, visto que se riem
com vontade. Também como eles vós rireis delas se fôsseis da mesma
sociedade, mas como não sois, não tendes vontade nenhuma de rir.
(BERGSON, 1993, p.20).
A leitura possui, além de uma função estética, função artística, e
social. Ela focaliza fatos da realidade humana. Usando alguns artifícios de
linguagem, podemos retratar situações verdadeiramente incomuns, excepcionais,
consequentemente trágicas ou cômicas. Num texto, o humor, nasce no momento
em que existe um desvio na visão normal da realidade que nos cerca. Essa
“anormalidade” envolve tanto os objetos quanto o comportamento humano. Nós
leitores, percebemos quando uma realidade está sendo localizada estranhamente
por um processo de comparação que fazemos a partir de vários elementos os
quais recebemos através de nossa educação. O humor nasce quando a visão da
realidade de modelos normais de comportamento passa por uma modificação
súbita. Para que o leitor ria de uma situação, é preciso que o arranjo das palavras
sugira um clima engraçado.
O texto humorístico impõe uma só leitura, se o efeito do humor não
se produz o texto não foi interpretado. É uma leitura marcada. Cada texto tem sua
estratégia de imposição de leitura, que consiste basicamente em apresentar ao
leitor diversas possibilidades para, em seguida impedir-lhe algumas. Para Sírio
Possenti (1991),
Na maioria das vezes, para se entender um texto humorístico, os
criadores e leitores são obrigados a conhecer as questões culturais e
ideológicas complexas da sociedade, sem os quais esses textos não
teriam razão de ser e nem conseguiriam ser interpretados, porque estes
ingredientes são fundamentais. Além disso, nos modos normais de
circulação e acesso a esses textos, exige-se uma análise, instantânea, o
que põe à prova, o domínio linguístico e discurso dos falantes.
(POSSENTI, 1991)
Entendemos, portanto, que o gênero charge, como também as
piadas e outras formas de texto humorístico, dependem muito de uma visão mais
ampla da cultura e de um acompanhamento crítico dos fatos políticos e de
questões sociais prementes para que possam ser interpretados a contento. Esse
é o desafio que enfrentamos com a nossa proposta de levar a charge à sala de
aula.
A charge não é um texto único, isolado, ela relaciona-se com outros
textos, tanto com os que vêm juntos na página da publicação onde ela aparece
como fora, em outras notícias que circulam no momento a respeito desse assunto
e a essa relação é o que chamamos intertextualidade. Kristeva (1974), definindo
intertextualidade, nos diz que “todo texto se constrói como um mosaico de
citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto”. Entendemos
que a charge não vem sozinha, quando nos propomos a interpretá-la.
Percebemos o quanto de conteúdo ela traz e o quanto precisamos nos informar
para compreendê-la. Para isso, é necessário o que a Semântica e os
semanticistas chamam de “inferência”, ou seja, informações implícitas que só
podemos identificar com um conhecimento prévio, um conhecimento de mundo, e
isso, a habilidade de se fazer inferências, é necessário “ensinar” aos nossos
alunos, para que eles entendam que os textos não são transparentes, não nos
trazem todas as informações, que precisamos recuperar informações que são
apenas sugeridas.
3 Metodologia
Para desenvolver o trabalho de implementação, elaborou-se uma
Unidade Didática composta de atividades e seu desenvolvimento. Optou-se pela
metodologia qualitativa com viés bibliográfico baseada nos fundamentos
metodológicos de Lakatos e Marconi(2003) que têm como características a
observação, análise e descrição do processo em que é aplicada.
A abordagem qualitativa em educação procura compreender o
conhecimento do aluno através de um contato direto do professor com ele,
facilitando a observação e descrição do processo a ser desenvolvido.
O foco do trabalho era despertar no aluno a prática de leitura. Uma
pesquisa bibliográfica de vários autores sobre leitura fundamentou essa unidade e
o trabalho foi aplicado utilizando o gênero jornalístico de humor charge.
As atividades propostas foram diversificadas respeitando-se o
conhecimento do aluno e a heterogeneidade da turma. Em um primeiro momento
apresentou-se a proposta aos alunos explicando-se os objetivos. Houve interação
e diálogo sobre o tema. Um questionário a respeito de leitura, humor e charge foi
respondido por eles e socializado com a turma e foi possível qualificar o
conhecimento deles e assim dar início às atividades propostas.
A aplicabilidade da Unidade Didática precisou contar com recursos
tecnológicos para apresentação e pesquisa das charges e as mesmas foram
selecionadas pelo professor mediador.
Foram organizadas nove atividades diversificadas que abrangeram a
observação, a interpretação, a oralidade, a leitura e a produção. De acordo com a
metodologia qualitativa, a cada atividade, o professor mediador e observador
precisa analisar os resultados e conforme essa análise prosseguir ou retomar o
conteúdo, pois à medida que os trabalhos avançavam, exige -se maior empenho
dos alunos para se chegar ao objetivo previsto.
Prosseguindo as atividades, na maioria delas em grupo ou duplas
que se alternavam a cada atividade, percebeu-se a mudança na postura do aluno
quanto ao entendimento da charge. No início da implementação, o interesse era
somente pela imagem e humor apresentados. Com os trabalhos e mediação do
professor, houve reconhecimento da crítica e da necessidade de leitura, de
conhecimento prévio para entender a charge e o interesse do aluno em ler foi
observado.
4 Implementação
O início da implementação deu-se no segundo semestre de 2015 na
Escola Estadual Nicolau Copérnico, somando um total de 32 aulas, dispostas em
nove atividades. Sendo eu a professora desta turma desde o início do ano letivo,
comentei que faria com eles um trabalho inédito e que eles ficariam satisfeitos
com a proposta que eu iria apresentar.
A primeira atividade iniciou-se através de uma conversa informal
sobre a importância dos conteúdos estudados em Língua Portuguesa, até
chegarmos ao principal assunto: os trabalhos intensivos de leitura e que
desenvolveria com eles nas atividades do projeto que formulei. Em seguida foi
feita uma explanação sobre o mesmo e que resultados pretendia desenvolvendo
essas atividades. Depois dessa conversa, fiz algumas perguntas orais sobre
leitura e charge, das quais eles participaram curiosos. Disse-lhes que precisaria
que respondessem a um questionário sobre esses temas e que essas
informações registradas serviriam como uma análise inicial para então iniciarmos
o desenvolvimento do projeto. As perguntas foram sobre a importância da leitura
para eles, se gostavam de textos de humor, que tipo de leitura eles faziam, se
conheciam o gênero discursivo jornalístico charge. Eles tiveram um tempo para
responder e em seguida socializaram suas respostas.
Na análise do questionário, percebeu-se que poucos gostam de ler,
que a leitura preferida é a de gibis e que os alunos que leem emprestam livros na
biblioteca da escola ou na biblioteca pública. Quanto a textos de humor, todos
disseram que gostam de lê-los. Perguntados sobre a charge, poucos souberam
responder. Apresentei a eles algumas charges na tv multimídia para conhecerem.
Como se tratava de uma turma bastante heterogênea, alguns alunos relataram
nunca terem visto aquele gênero e a maioria disse que já o tinha visto em revistas
e que se tratava de “uma figura engraçada”. Não houve nenhum comentário além
da comparação com tirinhas de humor.
Para instigar a curiosidade deles, iniciei a segunda atividade.
Apresentei-lhes algumas charges na tv multimídia e cada aluno recebeu uma
cópia dela. A cada charge apresentada, fui perguntando se identificavam o
assunto, se encontravam o humor, a respeito dos personagens e, a cada
pergunta, eles tinham um tempo para observar e responder oralmente, todos
queriam falar. Encontraram o humor, identificaram o núcleo do humor, os
personagens e, o assunto. Alguns com facilidade e os demais colocavam
hipóteses sobre as quais que eu intervim. Fiz algumas provocações para
observarem a forma do desenho e também falei da caricatura. Perguntei se a
charge poderia ser considerada leitura, como esperado e eles tiveram dificuldades
em responder. Então, expliquei que a real intenção da charge é fazer uma crítica
e que precisamos ter conhecimento do assunto da charge para ela ser entendida,
que esse conhecimento vem através da leitura e eles foram percebendo o quanto
de informação poderiam tirar da charge.
Já familiarizados com o gênero, expliquei que precisariam de um
conhecimento teórico inicial. Apresentei-lhes então definições de charge,
caricatura e cartum que os alunos registraram em seus cadernos. Também
apresentei em slides algumas caricaturas, charges e cartuns explicando-as e
mostrando a eles as diferenças e semelhanças. Falamos também das linguagens
verbal e não verbal. Apresentei a eles charges com temas diferentes. Os alunos
ficaram surpresos com as informações, relatando que não tinham ideia das
informações e composição da charge.
Depois de várias atividades orais, demos continuidade à
implementação, explicando que, como eles já tinham um pouco mais de
conhecimento sobre a charge, a próxima atividade seria uma interpretação
subjetiva das mesmas. Eles receberam uma charge impressa que foi exposta na
tv multimídia. Dessa vez não fiz nenhuma intervenção, ofereci um tempo para
responderem e, em seguida, fizemos a socialização. Eles reconheceram itens
básicos que já tinham assimilado, mas houve dificuldades para a maioria dos
alunos em perceber a intertextualidade apresentada na charge, ou seja, eles não
entenderam que o autor usou de outro texto para criticar outra situação e que
esses assuntos se interligavam. Após uma explicação mais detalhada eles
perceberam que o fato de não lerem dificulta o entendimento.
Dando continuidade, a próxima atividade também foi de
interpretação, só que objetiva. Os procedimentos foram os mesmos da atividade
anterior e na socialização os alunos tiveram mais facilidade nas respostas, talvez
por serem objetivas e também por já terem mais conhecimento sobre um ou outro
assunto, muitos alunos perceberam a intertextualidade, reconheceram as
características da charge e puderam fazer uma interpretação.
Depois de concluída esta atividade, percebeu-se que,
gradativamente, com o aprofundamento e discussões a respeito da leitura de
charges, os alunos sentiram-se mais atraídos pelo assunto, eles traziam charges
de casa e perguntavam se o que eles entendiam estava correto o que também me
chamou a atenção foi a ideia de que trabalhar somente “leitura”, independente do
gênero, fora do livro didático, torna a aula mais atrativa e produtiva.
Para motivar mais os alunos, e fazê-los participar, alguns recursos
tecnológicos foram utilizados como a pesquisa na sala de informática da escola,
(a maioria dos alunos não tem computador em casa) e a próxima atividade foi a
pesquisa de charges na internet, em sites sugeridos por mim. Fiz a proposta para
que pesquisassem por temas e pesquisassem também charges animadas
(imagem em movimento) orientei para que fizessem a leitura dos textos aos quais
as charges se referiam para melhor entendimento.
Num outro momento, priorizei a leitura, levando para a sala de aula
vários textos de temas diferentes. Os alunos foram organizados em grupos e cada
grupo recebeu um texto. Em seguida, pedi que fizessem a leitura e à medida que
lessem e discutissem o tema, trocassem os textos, assim todos os textos foram
lidos por todos. Em seguida, eles receberam charges de diferentes temáticas, o
desenvolvimento dessa atividade consistia em agrupar as charges ao texto de
mesmo assunto. Os alunos se mobilizaram, sugeriam charges aos textos dos
colegas até se chegar à produção do mural que foi exposto para apreciação de
todos na escola. A aula foi dinâmica, pois os alunos “foram atrás” do
conhecimento, socializaram as leituras e acredito que se sentiram mais motivados
por terem conhecimento tanto dos textos como das charges.
Na próxima atividade, os alunos teriam que produzir charges.
Selecionei alguns exemplares do jornal local e trouxe para eles lerem aproveitei a
oportunidade e trabalhei um pouco essa esfera de circulação de discursos
(BAKHTIN,2000, p.279), explicando os gêneros jornalísticos(editorial, reportagem,
entrevista, artigo, etc) e as funções das manchetes, do lide, etc. Como a produção
da charge dar-se-ia do cotidiano deles, num momento anterior, orientei para que
ouvissem a rádio local para que se inteirassem das notícias, bem como
observassem algum fato na escola que poderiam utilizar para a produção. Ao
iniciar essa atividade, os alunos vieram preparados e com muitas ideias. Em
duplas selecionaram vários temas e as charges foram produzidas. Desenharam
caricaturas de personagens conhecidos e o humor e a crítica ficaram visíveis para
todos. Essas charges foram expostas no mural para toda escola ver. Colegas,
professores e funcionários da escola apreciaram o mural e reconheceram nas
charges a realidade do município e da escola.
Finalizando os trabalhos, como última atividade e sempre fazendo os
alunos lerem, trouxe textos de notícias de vários temas, os alunos também
pesquisaram e trouxeram outros textos para continuar a produção. Fizeram
grupos, leram os textos, trocaram entre si e, em seguida, cada grupo escolheu um
texto e a partir da temática fizeram as produções. Toda comunidade escolar
participou da socialização das produções.
5 Considerações finais
Concluída a implementação, pode-se constatar que a proposta que
nos propusemos a desenvolver foi positiva e teve seus objetivos alcançados. A
participação dinâmica e interessada dos alunos contribuiu para que o trabalho do
professor fluísse. O aluno foi estimulado a buscar novas leituras para entender o
humor, a imagem e a crítica das charges. Os recursos tecnológicos utilizados
também auxiliaram professor e alunos a dinamizar as aulas.
Observou-se que trabalhar a dimensão da “leitura em sala de aula”
através do gênero charge modificou nessa turma o interesse pelas aulas de
Língua Portuguesa. Essas inovações comprovam que o professor precisa chegar
até seu aluno com propostas diferenciadas, que é preciso implementar uma
prática pedagógica que trabalhe a “leitura” no seu sentido verdadeiro, de maneira
completa, ou seja, enquanto interpretação e posicionamento crítico e não de
maneira fragmentária e tradicional como temos visto em tantas salas de aula.
Cabe ao professor fazer da leitura um hábito prazeroso, que motive o aluno a
buscar leituras além do ambiente escolar.
Por se tratar de um gênero novo para os alunos, as atividades com
charges foram colocadas aos poucos, apresentando-se o gênero, trabalhando-se
oralmente e, finalmente utilizando-se de tecnologias. Como se tratava de uma
turma heterogênea, muitos alunos participaram com muita facilidade das
atividades; para outros, foi preciso retomar algumas colocações e explicações, até
que conseguíssemos envolver a todos, o que, realmente aconteceu.
À medida que os alunos eram instigados a responder às questões
das charges, foram percebendo a importância de ler, de fazer leituras de outros
textos para compreensão de um terceiro texto, o que comprova a afirmação de
Kristeva (1974, p. 64) que “Todo texto se constrói como um mosaico de citações,
todo texto é absorção e transformação de um outro texto”.
Muitas das atividades os alunos desenvolveram em grupos e em
duplas. Percebeu-se que se sentiam mais seguros podendo contar com o colega,
principalmente nas atividades de produção e ficaram satisfeitos com a percepção
de poderem produzir a partir de leituras e da observação de notícias do próprio
local. As aulas foram bem atrativas e foi visível a satisfação dos alunos.
As atividades foram socializadas em sala de aula e as produções
foram vistas, por toda comunidade escolar através de murais. Pais convidados,
professores, funcionários e alunos reconheceram e elogiaram as charges
produzidas a partir de notícias locais, principalmente o olhar crítico que os alunos
imprimiram às produções.
Resumindo, o nosso trabalho foi significativo por muitos motivos: em
primeiro lugar, pela procura por um gênero multimodal e multissemiótico (que
contemplou a relação forte que os alunos mantêm com a tecnologia digital) que
aguçou a curiosidade dos alunos, a maneira como esse gênero foi trabalhado, de
forma inédita na escola, dando ensejo a comentários bastante gratificantes de
colegas e pais como o reconhecimento do potencial dos alunos, o que para eles
foi satisfatório. E finalmente na concretização de um trabalho de incentivo à leitura
que se encontrou com o desejo dos discentes de trabalhar com algo novo em sala
de aula.
6 Referências
BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Trad.
Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.p.261-306.
BERGSON, Henry. O riso. Ensaio sobre o significado do cômico. Tradução de
Guilherme de Castilho. 2.ed. Lisboa Guimarães Editores, 1993.
BRANDÃO, Helena e Micheletti, Guaraciaba. Aprender e ensinar com textos.
Vol. 2, São Paulo: Cortez, 1997.
KRISTEVA, Júlia. Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva, 1974.
KLEIMAN, Ângela. Texto – Leitor – aspectos cognitivos da leitura. 2.ed.
Campinas – São Paulo: Pontes, 1989.
POSSENTI, S. Os humores da língua. Campinas: Mercado das Letras, 1998.
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes curriculares da Rede
Pública de Educação Básica do Estado do Paraná. Língua Portuguesa.
Curitiba: SEED, 2008.
ROMUALDO, E.C. Charge jornalística: intertextualidade e polifonia: um
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SILVA, Ezequiel Theodoro d. A produção da leitura na escola – pesquisas x
propostas. 2. ed. São Paulo. Ática, 2005.