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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

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CONSTRUINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NO ESPAÇO ESCOLAR

Autora: Lurdes Corona1 Orientadora: Claudia Cristina Hoffmann2

Resumo: A proposta deste artigo é oferecer caminhos através dos quais seja possível construir a igualdade de gênero a partir do espaço escolar. Por meio do estudo de alguns relatos de mulheres e crianças, que são vítimas da violência doméstica, são analisadas as possibilidades de mudanças na educação para a erradicação da violência. Diante de uma sociedade ainda marcada pelo Machismo, homofobia, preconceito, discriminação, falta de respeito e grande número de pessoas em situação de vulnerabilidade social, a proposta é contribuir para a construção de uma educação com equidade de gênero, como forma de concretizar a justiça social. Acredita-se que este artigo possa sensibilizar os jovens estudantes para a modificação de estereótipos de gênero que geram comportamentos discriminatórios. Toda essa reflexão sobre a necessidade de desenvolver um processo educativo que contemple a igualdade de gênero será muito importante para a mudança de postura possibilitando que as novas gerações portem uma pedagogia que favoreça novas relações com acento sobre a justiça e a igualdade.

Palavras-chave: Igualdade de Gênero. Espaço Escolar. Violência.

1 Introdução

Este artigo é resultado de estudos que foram realizados para a elaboração do

projeto de Intervenção Pedagógica durante a participação no Programa de

Desenvolvimento Educacional – PDE/PR, na turma 2013/2014. Neste artigo são

abordados vários temas, tais como machismo, homofobia, preconceito,

discriminação, violência doméstica e homossexualidade, ligados às relações de

gênero, considerando que todos estão muito presentes em todas as instituições e

particularmente, na escola, ambiente que contribui para a produção e reprodução de

padrões e identidades de gênero e de sexualidade.

Durante o período de Implementação do Projeto no Colégio Nova Esperança,

com os alunos do 3º ano do Ensino Médio, foi possível perceber a relevância do

1 Especialização em Metodologia do Ensino de História, Planejamento de Ensino e Relação de Ajuda;

Licenciada em História; Professora do Colégio Estadual Nova Esperança – Ensino Fundamental e Médio. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Sociedade, Cultura e Fronteiras e Professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná,

Campus de Marechal Cândido Rondon. E-mail: [email protected]

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tema e a necessidade urgente de desenvolvê-lo considerando a dimensão do

problema e as experiências vividas, sobretudo na faixa etária na qual se encontram

os jovens estudantes.

Foram utilizados alguns relatos de mulheres e crianças que frequentam a

Casa da Paz3, além de alguns casos de violência trazidos pelos alunos. Na

sequência, analisaram-se possibilidades de mudança na educação objetivando a

erradicação da violência doméstica.

Aconteceu uma sensibilização dos jovens estudantes no sentido de modificar

os estereótipos de gênero que geram comportamentos discriminatórios. Através de

várias atividades (vídeos, histórias, textos, teatros, história, em quadrinhos)

realizadas, os estudantes compreenderam a necessidade de desenvolver uma nova

cultura educacional de seus filhos.

Pode-se dizer que foi muito importante a discussão sobre o tema com os

professores que participaram do grupo de trabalho em rede. A riqueza de suas

experiências veio confirmar a necessidade de se trabalhar esses conteúdos e de

favorecer uma formação continuada para que os educadores se sintam seguros e

possam desenvolver um trabalho sistemático na linha de História e gênero.

O grande objetivo é poder contribuir para que a escola seja um espaço de

transformação social e de construção da igualdade. A sexualidade e as relações de

gênero em constante construção fazem parte das pessoas que compõe a

comunidade escolar. Sendo assim, é muito importante o conhecimento da realidade

na qual a escola está inserida, para que as atividades dos professores envolvam as

temáticas de gênero e violência contra a mulher e sejam desenvolvidas de acordo

com esta realidade.

Este trabalho é resultado das experiências vividas no Programa de

Desenvolvimento Educacional e oferece subsídios para uma reflexão sobre as

questões de gênero, orientação sexual, violência contra a mulher e os caminhos que

podem ser trilhados no espaço escolar para a construção de novas relações entre

homens e mulheres com base na equidade de gênero.

3 Casa da Paz é uma entidade que acolhe crianças em situação de vulnerabilidade social, no período

complementar ao da escola, localizada no município de Dois Vizinhos – Paraná.

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2 Proposição teórico-metodológica do Projeto de Intervenção Pedagógica

Diante de uma realidade que apresenta muitas lutas organizadas das

mulheres ao longo da História algumas questões permanecem sem resposta: Por

que é tão difícil desconstruir a crença na superioridade do homem e construir uma

cultura que supere o androcentrismo e promova a igualdade entre homens e

mulheres? Como desenvolver uma educação que possa desconstruir essa cultura

do ser homem ou mulher em nossa sociedade para criar um novo modelo de

educação que promova a igualdade de gênero? O que fazer para construir um

processo educativo que contribua para erradicar a violência contra a mulher?

A partir destes questionamentos teve início uma pesquisa bibliográfica e ao

mesmo tempo, uma reflexão sobre a violência doméstica, através de entrevistas com

mulheres que participam dessa violenta realidade e possuem filhos acompanhados

na Casa da Paz.

Neste sentido Nanci e Beatriz (2009, p.38) dizem que:

[...] a instituição escolar deve contribuir para uma educação libertadora que contemple a dimensão sexual, a diversidade, os direitos humanos e a multiculturalidade. Todavia, para que isso aconteça é necessário a implementação de novas práticas pedagógicas.

Pode-se afirmar que os educadores e as educadoras são tidos como

referenciais no processo educativo que considera os temas sobre gênero e

sexualidade uma vez que o ambiente escolar por si mesmo já oferece oportunidades

para tais reflexões. Mas para que isso aconteça é necessário investir na formação

dos profissionais que atuam nesse meio.

Louro (2007) apud Nanci e Beatriz afirma que: “a sexualidade não é apenas

uma questão pessoal, mas social e política, sendo construída ao longo de toda uma

vida, de muitos modos, por todos os sujeitos, particularmente, os envolvidos no

processo educacional”.

A sexualidade e as relações de gênero, em constante construção, fazem

parte das pessoas que compõe a comunidade escolar. Sendo assim, é muito

importante o conhecimento da realidade na qual a escola está inserida, para que as

atividades dos professores envolvam as temáticas de gênero e violência contra a

mulher e sejam desenvolvidas de acordo com a realidade.

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Sobre isso Nanci e Beatriz (2009, p.39) dizem: “Mais do que rever currículos

escolares há que se repensar na formação docente e enfrentar o preconceito e as

violências de gênero, que, muitas vezes, os próprios professores enfrentam no dia-

a-dia de trabalho”.

Esta violência está muito presente nos nossos ambientes de trabalho,

inclusive isso acontece com frequência também entre as crianças. No primeiro

contato com as crianças da Casa da Paz, o grupo se encontrava numa roda de

conversa a respeito da família. Havia oito crianças. Todas foram se apresentando

falando o nome das pessoas com as quais conviviam em casa. Durante a conversa

era possível perceber que se conheciam. Falavam da vida e da família com

entusiasmo, entretanto em alguns momentos, uns ridicularizavam os outros

mencionando situações consideradas vergonhosas no meio social.

Chegou à vez da criança “P”, que disse: “Professora eu moro com meu pai e

meu tio e minha mãe mora com outra mulher.” Disse isso com um sorriso

envergonhado enquanto os colegas riam e repetiam juntos: “É a mãe dele mora com

outra mulher” e todos apontavam com o dedo em sua direção e riam, enquanto ele

abaixava a cabeça.

Depois deste dia em vários momentos os colegas de “P” aproveitavam

qualquer oportunidade para expor a situação dele. Essa violência que vem sofrendo

mostra o quanto o papel dos educadores é importante para que as crianças

construam uma nova cultura e sejam portadoras de um novo modo de ver o mundo

e a sociedade a partir da igualdade e da justiça. Sobre isso GROSSI (2006, p.295)

diz: “[...] a violência é um mal que precisa ser combatido, denunciado, eliminado das

relações sociais e que, portanto lutar contra toda e qualquer violência é um exercício

de cidadania”.

Tendo consciência de que o espaço escolar é ambiente privilegiado para

fazer acontecer essa nova cultura será importante e necessário que sejam

planejadas ações eliminando toda a forma de discriminação e violência. Acreditando

que a escola é o espaço de pleno desenvolvimento do ser humano, considera-se

importante que ela cumpra o seu papel oportunizando o exercício da cidadania

acolhendo as diferenças como caminho para a construção de uma sociedade mais

justa e solidária.

Nos últimos anos as lutas pela igualdade de Gênero e pela construção de

uma sociedade que respeite e valorize a diversidade tem se intensificado. Porém,

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em diversos momentos constatam-se atitudes discriminatórias que tratam com

naturalidade a injusta desigualdade que existe entre homens e mulheres. Acredita-

se que esta realidade seja um dos fatores que impede a construção do caminho de

harmonia entre os seres humanos.

De acordo com as diretrizes curriculares da disciplina de História, essa área

tem por objetivo buscar a superação das carências humanas através do

conhecimento. As teorias que são estudadas auxiliam nas descobertas das

necessidades dos sujeitos históricos propondo ações no presente e projetos de

futuro. É uma atividade que nos permite elaborar um conhecimento que nos auxilie

na compreensão da realidade e nos oriente em nossas ações.

Entre essas carências humanas mencionadas nas diretrizes está também o

pouco conhecimento da comunidade educativa sobre o tema trabalhado. Neste

sentido, a disciplina de história cumpre o seu papel de contribuir para que os sujeitos

históricos passem por um processo de mudança de mentalidade e a partir das novas

crenças construam relações pautadas na equidade de gênero, no respeito e na

acolhida do diferente.

É conhecido pelos educadores que as diretrizes curriculares propõem uma

metodologia relacionada com a história temática a ser utilizada com o Ensino Médio.

A forma como isto pode acontecer está descrita de maneira bem clara nas

diretrizes curriculares da História (PARANÁ, 2008, p.76)

Para trabalhar com a História Temática deve-se constituir uma problemática por meio da compreensão, na aula de História, das estruturas e das ações humanas que constituíram os processos históricos do presente, tais como a fome, desigualdade e exclusão social, confrontos identitários (individual, social, étnica, sexual, de gênero, de idade, de propriedade, de direitos, regionais e nacionais).

A problemática que foi desenvolvida do projeto de intervenção pedagógica

que culminou com este artigo está diretamente ligada a um conjunto de situações

que envolvem o cotidiano da vida humana e a história das sociedades ocidentais e,

sugere que sejam desenvolvidas simultaneamente. Neste sentido é importante

lembrar que as Diretrizes Curriculares de História para a educação básica propõem

“formar sujeitos que construam sentidos para o mundo, que compreendam

criticamente o contexto social de que são frutos e que, pelo acesso ao

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conhecimento, sejam capazes de uma inserção cidadã e transformadora na

sociedade.” (PARANÁ, 2008, p.31).

O tema das relações de gênero sugere todo um caminho de desconstrução

das normas estabelecidas, para construir um novo modelo de educação que

contribua para a justiça e a igualdade. De acordo com a obra Gênero e Diversidade

na Escola (BRASIL, 2009, p.65) para refletir sobre a discriminação de gênero num

contexto de desigualdade social é só estar prestando atenção aos programas de

televisão que apresentam as dificuldades pelas quais passam as mulheres em

diferentes países. É possível observar a rigidez dos costumes, países que obrigam

as mulheres a esconder o corpo e aqueles que submetem a mulher à mutilação

genital e o aborto de crianças do sexo feminino, já que a preferência da sociedade é

pelo filho homem.

No mundo todo, a situação da mulher é preocupante, pois em todas as

classes sociais ela pode ser vítima, de violência física, psicológica, moral e social

enfrentando desafios para se integrar na sociedade, no trabalho, na escolarização e

na vida política. Num país tão grande como é o caso do Brasil é possível constatar

em todas as regiões que a mulher aparece em diferentes situações reforçando os

papéis do espaço privado, do trabalho doméstico, da procriação e do cuidado e

educação dos filhos.

O Brasil é um país marcado pela exclusão e a desigualdade social que apesar

das lutas constantes em favor da equidade de gênero o problema continua. Pode-se

dizer que existe uma “feminização da pobreza”, pois dentre os segmentos mais

pobres em nossa sociedade, a mulher é a mais vulnerável porque recai sobre ela o

cuidado e a educação dos filhos, o gerenciamento da casa, a busca por seu

sustento e o de sua família. Por isso precisam trabalhar desde cedo, não tem

oportunidade de se preparar profissionalmente e acabam assumindo trabalhos

desprezíveis e mal pagos. De acordo com Whitaker (1989), Apud FERREIRA e LUZ

(p.39)

[...] a problemática das questões de gênero está ligada a falta de preparação dos educadores e educadoras sobre o tema. É através do conhecimento que poderiam acontecer mudanças significativas nas crenças relacionadas ao ser homem ou mulher em nossa sociedade com um assento na equidade de gênero.

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É muito importante que as professoras/es tenham acesso a informações para

que possam conduzir os debates, os grupos de estudo e não sejam omissos diante

de cenas de discriminação, sexismo e violência que estão presentes no espaço

escolar. Segundo as diretrizes curriculares da História (PARANÁ, 2008, p.47):

[...] a finalidade da disciplina é a busca da superação das carências humanas, fundamentada por meio de um conhecimento constituído por interpretações históricas. Essas interpretações são compostas por teorias que diagnosticam as necessidades dos sujeitos históricos e propõem ações no presente e projetos de futuro.

Sabe-se que essas carências humanas mencionadas nas diretrizes estão

presentes no espaço escolar e muitas vezes são as causadoras das dificuldades de

aprendizagem e da indisciplina. Daí a necessidade de desenvolvermos um conjunto

de ações bem articuladas que tenham por objetivo desnaturalizar a violência, o

preconceito, o sexismo, a homofobia para a construção de uma sociedade com

parâmetros entre os quais esteja a justiça social e o respeito.

Ao implementar o projeto de intervenção pedagógica foram desenvolvidas

atividades relacionadas com as Histórias de vida das Mulheres que são mães das

crianças que frequentam a Casa da Paz e são vítimas de violência por parte de seus

familiares. Estas chamaram muito a atenção dos alunos que ficaram sensibilizados e

se propuseram a ter um encontro com essas crianças marcado por gestos de

partilha e solidariedade.

Sobre a situação de famílias que sofrem muito por causa da violência e,

sobretudo, se tratando das relações de poder que se estabelece na relação conjugal

Grossi (2006, p.306) diz: “podemos compará-lo com a brincadeira infantil de

gangorra onde o jogo consiste em haver sempre um em cima e um embaixo, sendo

raros os momentos onde os dois que nela estão conseguem permanecer num

mesmo plano horizontal”.

Durante a implementação os alunos comentaram que a igualdade de gênero

só vai acontecer quando os pais mudarem a forma de educar seus filhos. É através

da educação que se pode desconstruir os preconceitos a falta de respeito ao

diferente e promover a inclusão social. Como educadores e educadoras

comprometidos(as) com a justiça e a cidadania será necessário trabalhar para que

as pessoas sejam realmente humanizadas e desconstruir essa cultura que reforça e

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perpetua uma realidade social que prioriza o que é branco, masculino, hétero e

cristão.

A homossexualidade é um tema ainda difícil de ser trabalhado, não só por

causa do preconceito, como também pela falta de conhecimento. As pessoas cuja

sexualidade é diferente se sentem discriminadas, são expulsas da família, rejeitadas

pelos colegas, deixam a escola e não conseguem trabalho pela falta de qualificação,

muitas vezes acabam se prostituindo. Em muitas situações o caminho para as

lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais é o isolamento social ou a

ocultação da própria orientação sexual por medo da rejeição.

De acordo com (BRASIL, 2009, p.152):

[...] a homofobia não só afeta a quem manifesta uma expressão de diferente da esperada, mas também a todos os meninos, meninas e jovens que sofrem o terror de serem acusados de homossexuais. A homofobia instaura um regime de controle da conduta sexual e de adaptação de padrões de gênero dominantes, presente na formação de cada pessoa.

No ambiente escolar as piadas, brincadeiras e até atos de violência mais

sérios tem prejudicado profundamente o processo de aprendizagem.

Como nos afirma Butler (2009), a linguagem tem o poder de ferir e, quando se

atribui a ela esse poder, de alguma forma se está dizendo que somos objetos desta

trajetória agressiva. Foucault ao trabalhar sobre a construção dos sujeitos chamava

atenção para o poder da linguagem, dizia que devemos ter cuidado com aquilo que

dizemos e com o que as palavras fazem conosco.

Durante a Implementação do projeto os alunos trouxeram Histórias que são

vividas pelas pessoas da comunidade que tem muita semelhança com a realidade

experimentada pelas mães das crianças da Casa da Paz.

Dennis Werner (1998, p.124) Apud (PEDRO e GROSSI, 2006) escrevendo

sobre a evolução e variação cultural na homossexualidade masculina, adaptação

biológica, bem estar psicológico e moralidade diz:

Subordinar os próprios interesses aos interesses dos outros é o que entendemos por moralidade. O ser humano tem essa capacidade porque no seu passado evolucionista aprendeu a ceder às vezes, em vez de defender agressivamente os seus próprios interesses imediatos.

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Se o argumento heterozigótico da homossexualidade é correto, então a

evolução da moralidade dependia da evolução da homossexualidade. Isto pode

parecer algo bizarro. Se a homossexualidade está na base da moralidade, por que

então os homossexuais são tão maltratados em tantas sociedades? Acredita-se que

a resposta é que os homossexuais são simplesmente fáceis de maltratar,

geralmente cedem mais que os outros. Se há uma minoria fácil de abusar, os outros

podem todos aproveitar.

Neste sentido o testemunho de um aluno do terceiro que se encontra em

conflito por causa da sua orientação sexual mostra o grande sofrimento

experimentado por estas pessoas. Sobretudo quando se sentem discriminados pelos

próprios educadores que fazem questão de abordar o tema dando ênfase a todas as

formas de preconceito.

As da Secretaria do Estado de Educação do Paraná (2009c) dizem que as

práticas sociais são construídas historicamente e a nossa mentalidade a respeito

das coisas são subjetivadas a partir das relações. Dessa maneira, será importante

nos servirmos do espaço escolar para as mudanças das concepções que temos

sobre a sociedade, a partir do acesso ao conhecimento.

2.1 Implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica

O Projeto de implementação Pedagógica foi bem acolhido tanto pelos alunos

do 3º ano do Ensino Médio do Colégio Nova Esperança, como pela equipe

Pedagógica. Todas as atividades realizadas com os estudantes contribuíram para a

constatação de que as relações entre homens e mulheres passam por diferenças

que são construções históricas e que não devem ser naturalizadas. Houve uma

grande preocupação em trabalhar a ideia de que as questões de gênero e de

sexualidade são social e historicamente construídas e por isso podem ser mudadas

e transformadas.

Segundo Louro (1997, p.28):

Em suas relações sociais, atravessadas por diferentes discursos, símbolos representações e práticas, os sujeitos vão se construindo como masculinos e femininos, arranjando e desarranjando seus lugares sociais, suas disposições e suas formas de ser e estar no mundo. Essas construções e esses arranjos são sempre transitórios,

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transformando-se não apenas ao longo do tempo, historicamente, como também se transformando na articulação com as histórias pessoais, as identidades sexuais, étnicas, de raça, de classe [...].

O estudo sobre a história da Casa da Paz e a análise dos relatos de mulheres

e crianças que são vítimas de violência doméstica, geraram indignação e profundas

reflexões entre os estudantes que confirmaram a necessidade de mudanças na

educação e construção de novas relações de gênero.

Sobre isso Freire (2003) apud Ferreira e Luz (2009, p.37) diz:

[...] educar é construir, libertar homens e mulheres do determinismo, passando a reconhecer o seu papel na história, considerando a sua identidade cultural na sua dimensão individual e coletiva. Sem respeitar essa identidade, sem autonomia ou sem levar em conta as experiências vividas, o processo educativo será inoperante e constituirá somente um conjunto de meras palavras, despidas de significado real.

Neste sentido os jovens estudantes concordam que para fazer acontecer uma

educação libertadora é preciso iniciar na infância e a partir da própria família

desenvolver uma nova mentalidade visando à igualdade e a justiça dentro da própria

família. Sobre isso Vainfas (2002, p.78) diz: “Enfim, a questão do tempo das mentalidades

que, conforme já disse, é o tempo braudeliano da longa duração: a mentalidade afirma Le

Goff é aquilo que muda mais lentamente. História das mentalidades, história da lentidão na

história”. Todos sabem como é difícil acontecer uma mudança de mentalidade, mas com

essas novas gerações que passam por um novo processo educativo, talvez seja possível

construir novas relações. De acordo com Vainfas (2002, p.20),

A problematização braudeliana do tempo longo foi de importância crucial para o conceito de mentalidades, concebidas como estruturas de crenças e comportamentos que mudam muito lentamente, tendendo por vezes à inércia e à estagnação.

Acredita-se que os jovens estudantes possam romper com a inércia e a

estagnação a partir das experiências vividas nesse trabalho e se tornem

protagonistas de uma nova História.

No decorrer desses dois anos de participação no Programa de

Desenvolvimento Educacional - PDE, é possível afirmar que os encontros e debates

com os colegas de curso, com os Professores das Universidades, os dados

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alavancados na escola e as reflexões com os professores da rede, através do Grupo

de Trabalho em Rede – GTR, contribuíram significativamente para o

desenvolvimento das atividades propostas pelo PDE.

As contribuições trazidas pelos educadores na primeira temática foram muito

significativas. Todos expressaram a necessidade de trabalhar o tema a partir do

espaço escolar. Algumas reflexões da primeira temática apontaram para a

necessidade que temos de investir na formação continuada dos educadores em

relação ao tema, para que seja possível desenvolver o trabalho com habilidade e

segurança. Isto foi enfatizado por vários educadores/as, o que se observa no texto

da professora A. C. V.:

[...] Em suma, é necessário antes formar o/a professor/a nessa temática para que se possa enfim contribuir para o debate de gênero. Uma vez que sem formação política adequada quanto ao assunto, será pouco provável a efetividade deste debate, pois sabemos que ainda existem em nossa categoria professores/as que trabalham exacerbando ou aprofundando as diversas formas de preconceito.

Os participantes do GTR consideraram o Projeto necessário e importante

para ser aplicado na escola uma vez que todo o conteúdo pode iluminar a realidade

de todas as escolas. A problemática levantada está presente em nossas realidades

e cada vez mais exige uma tomada de consciência de todas/os os/as educadores/as

que acreditamos num outro mundo possível. Isso é possível de constatação nas

palavras da professora A. A. C:

[...] Projetos como este podem contribuir para o debate em sala de aula a cerca de questões importantes como sexismo, violência familiar, gênero, homofobia, bullying. Na primeira oportunidade farei com minhas turmas um amplo debate tomando de empréstimos os relatos contidos no presente Projeto de Intervenção Pedagógica que trazem História de violência doméstica, machismo, preconceito, e discriminação com o intuito de provocar o estranhamento e a desnaturalização desses comportamentos sociais.

No segundo momento do Grupo de Trabalho os participantes valorizaram

muito o material produzido. Diante da problemática levantada no Projeto que

apresentava a necessidade de educar, conscientemente os alunos, no cotidiano

escolar, disseram que a proposta favorece um processo de socialização, reflexão e

constatação de que a escola também é um espaço para o exercício da cidadania e

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do convívio harmonioso na sociedade. Alguns cursistas destacaram a riqueza de

imagens textos e a criatividade presentes nas oficinas. Neste sentido alguns se

sentiram motivados a produzir o próprio material. Foi destacada também a

necessidade de ajudar os alunos no processo de desnaturalização das construções

sociais que vêm carregadas de preconceitos que engessam os papéis femininos e

masculinos sobrepondo um sexo sobre o outro.

De um modo geral os participantes do Grupo de Trabalho consideraram que

todas as oficinas foram importantes. Disseram que elas tinham o objetivo de formar

os educandos no âmbito da consciência social de aceitação do diferente e o respeito

ao direito do outro indivíduo ser quem ele é.

Alguns participantes deram um destaque especial à sexta oficina que

trabalhou com histórias reais ligadas a violência doméstica e casos de homofobia.

A respeito dessa parte que mexeu com a sensibilidade tanto dos alunos

quanto dos educadores participantes do Grupo de Trabalho em Rede, pois a

histórias recolhidas para o estudo eram marcadas por muita violência (GROSSI,

2006, p.308) diz:

A categoria de “violência simbólica” proposta por Pierre Bourdieu para pensar situações de dominação ainda me parece de grande utilidade para pensar a violência doméstica. Para ele a violência simbólica é uma violência que se exerce com a cumplicidade tácita daqueles que a exercem na medida onde uns e outros não tem consciência de exercê-la ou sofre-la.

Estas Histórias de mulheres e crianças que foram estudadas pelos alunos

mexeram com conteúdos ligados a suas histórias pessoais e em alguns momentos

foram causa de sofrimento e ao mesmo uma tomada de consciência da necessidade

de lutar para que aconteça um novo modelo de educação e que as relações de

gênero estejam baseadas na justiça.

As reflexões dos educadores revelaram que existem estes problemas na

maioria das escolas. Isto mostra que realmente a disciplina de História deve se

interessar pelas carências humanas e trabalhar para que elas sejam superadas

como destacam as diretrizes curriculares.

As situações de preconceito, desigualdade de gênero e violência doméstica

estão presentes em todas as realidades onde os educadores estão inseridos. Todos

consideraram que as questões de gênero precisam ser trabalhadas de forma ampla

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com a comunidade educativa. Há momentos em que os próprios educadores através

de conversa na sala dos professores e das piadinhas manifestam sua mentalidade

preconceituosa ridicularizando as pessoas que são diferentes e não se enquadram

nos padrões estabelecidos pela sociedade.

A experiência do Grupo de trabalho em rede enriqueceu a implementação,

pois a maioria dos educadores(as) possuem experiências significativas em relação

ao tema.

3 Considerações Finais

O espaço escolar pode ser um lugar privilegiado para fazer acontecer um

novo modelo de educação que promova a igualdade entre homens e mulheres num

processo constante de desconstrução da crença no androcentrismo e da cultura do

ser homem ou mulher que ainda é causa de sofrimento para muitas pessoas.

Tanto os(as) professores(as) como as alunas(os) que participaram da

implementação do Projeto de intervenção, que culminou na elaboração deste artigo,

afirmam que mudanças só irão acontecer se as famílias tomarem consciência de

que é preciso começar na infância. O machismo e a violência doméstica ainda são

realidades presentes nas famílias de hoje.

A tomada de consciência das famílias e da comunidade escolar a respeito da

urgência das mudanças contribui para essa problematização e análise crítica do que

é reproduzido pela instituição escolar. Ao afirmarmos que a escola deve preparar o

educando para o exercício da cidadania, precisamos considerar que se vive numa

sociedade desigual e que a proposta educativa deve contribuir sistematicamente

para que aconteçam novas relações de gênero.

De acordo com Gênero e Diversidade na Escola (BRASIL, 2009, p.44) “O

olhar que lançamos sobre as diferenças existentes entre nós, sejam elas de

pertencimento à determinada classe social, gênero, raça, etnia ou orientação sexual,

é cultural e socialmente estabelecido.” Isso nos coloca na defesa dos direitos

humanos e exige uma postura política e ética na qual, todos têm direito de serem

respeitados e tratados com dignidade sejam homens, mulheres, negros, brancos,

indígenas, ciganos, homossexuais, bissexuais, travestis, transexuais.

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No relato das experiências dos alunos a respeito desse tema, um deles

expressou suas dificuldades em relação a própria orientação sexual, o fato de não

ter clareza de sua identidade e o medo de expressar oque sente e ser humilhado,

ofendido e tratado com violência, não pelos colegas da turma que agora já pensam

diferente sobre isso, mas pelos próprios educadores que as vezes expõem suas

ideias homofóbicas e preconceituosas. Infelizmente é obrigado a conter suas

manifestações de afeto para ser aceito na família e na sociedade.

É preciso ficar claro que não há lugar na escola para machismo, preconceito,

homofobia e a inferioridade feminina. A grande maioria das educadoras são

mulheres que precisam ser valorizadas para que também possam contribuir para o

processo de humanização.

Em relação à violência doméstica se confirma que será necessário organizar

ações que visem coibir tal prática. A gravidade do tema exige continuidade da

reflexão, ações sistemáticas e políticas públicas que priorizem a construção de

relações de gênero baseadas no respeito às diferenças.

Pode-se dizer que toda a reflexão teórica que está sendo feita sobre a

violência doméstica pode ajudar na tomada de consciência para a construção de

novas relações de Gênero com base na igualdade e no amor. A respeito disso,

GROSSI (2006, p.308) diz que,

[...] se as mulheres (e os homens) vão realmente desejar mudar estes modos conhecidos de comunicação conjugal, se os homens (e as mulheres) vão parar de bater, pisar, humilhar, ofender as mulheres (e os homens) que escolheram para compartilhar a vida por amor é uma História que ainda está para ser escrita.

Acredita-se que trabalhos como este podem produzir resultados muito

positivos e que chegará o dia em que homens e mulheres se respeitarão e serão os

protagonistas desta nova História construindo relações de gênero baseadas na

justiça e na igualdade.

Page 16: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA …€¦ · O tema das relações de gênero sugere todo um caminho de desconstrução das normas estabelecidas, para construir um novo

Referências

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