ser e tempo ou a desconstrução da metafísica

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Ser e tempoA desconstruo da metafsica

Editorial"Heidegger nunca enunciou, mas acredito que ele deveria aceitar: lembrar o ser (para tentar sair da metafsica) significa somente lembr-lo como j-sempre ter ido embora; como Deus que se mostra a Moiss somente de costas. Portanto, pensar o ser no uma experincia de presena cheia, de verdade luminosa; se levarmos em considerao que, para Heidegger, a metafsica (esquecimento do ser) a histria do ser, ento o ser tem uma histria que sempre de diminuio, de esquecimento, de "fraqueza"..." A afirmao de Gianni Vattimo, filsofo italiano, que mais uma vez nos brinda com uma instigante entrevista, sobre Martin Heidegger, nos seus trinta anos de falecimento e quase oitenta anos da sua obra fundamental Sein und Zeit. "Acredito que Heidegger comeou o seu "erro" nazista quando deixou de meditar sobre So Paulo e comeou a mitificar Hlderlin", outra contundente afirmao do filsofo do pensamento fraco. Assim damos continuidade ao tema de capa da edio nmero 185, "o sculo de Heidegger", publicando as entrevistas de Joo Augusto Anchieta Amazonas Mac Dowell, professor de Filosofia da FAJE em Belo Horizonte, dos filsofos Emmanuel Carneiro Leo, ex-aluno de Martin Heidegger, Rafael Haddock-Lobo e cio Elvis

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Pisetta. Tambm publicamos uma entrevista com William J. Richardson, do Boston College. Ele foi o destinatrio de uma clebre carta de Martin Heidegger. A economista pernambucana Tnia Bacelar analisa a poltica econmica brasileira, e o escritor mexicano Carlos Montemayor reflete sobre o significado da eleio presidencial mexicana.

O Homem Urso, de Werner Herzog, o filme da semana que destacamos nestaedio. A todas e todos uma excelente leitura e uma tima semana!

Leia nesta edioEditorial pg. 2

Tema de capaEntrevistas Gianni Vattimo: O nazismo e o erro filosfico de Heidegger pg. 4 Emmanuel Carneiro Leo: Heidegger e a influncia do cristianismo pg. 8 Joo Augusto Mac Dowell: A busca pelo sentido do ser pg. 12 William Richardson: Heidegger e a subjetividade pg . 23 HaddockRafael Haddock-Lobo: A desconstruo em Heidegger, Lvinas e Derrida pg. 33 cio Elvis Pisetta: A filosofia heideggeriana destrutiva e construtiva pg. 38 Brasil em Foco Tnia Bacelar: S o desmonte da mquina de desigualdade pode mudar o Brasil pg. 42

Destaques da semanaEntrevista da Semana: Oliveira: Armando Lopes de Oliveira: Vaz e a filosofia da natureza pg. 47 Anlise de Conjuntura: Montemayor: Carlos Montemayor: Os dois caminhos do Mxico pg. 51 Memria: Mate: Reyes Mate: Jos Mara Mardones, filsofo da religio pg. 55

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Filme da Semana: O homem urso pg. 56 Deu nos jornais: pg. 60 Frases da Semana: pg. 61 Destaques On-Line: pg. 63

IHU em revistaEventos pg. 66

Sala de Leitura pg. 67 IHU Reprter pg. 68 Errata pg. 71

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O nazismo e o erro filosfico de HeideggerEntrevista com Gianni VattimoAutenticidade significa co-responder chamada do ser; mas o ser assim entendido tambm a prpria comunidade, a sociedade na qual se vive, etc. Tambm por isso Heidegger se empenhou com Hitler, errando. Mas devemos pensar que naqueles anos Lukacs e Bloch estavam com Stalin, Giovanni Gentile com Mussolini.... As afirmaes so do filsofo italiano Gianni Vattimo, em entrevista por e-mail IHU On-Line, explicando as Onrelaes entre o filsofo Martin Heidegger e o nazismo. Essa a quarta entrevista exclusiva que Vattimo concede IHU On-Line. A primeira Onfoi publicada na 88 edio, de 15 de dezembro de 2003 sob o ttulo O cristianismo

a religio do ps-moderno , a segunda na 128 edio, de 20 de dezembro de 2004sob o ttulo Deus projeto, e ns o encontramos quando temos a fora para

projetar..., e a terceira saiu na edio 161, de 24 de outubro de 2005, quandorecebeu pessoalmente a IHU On-Line, em Porto Alegre, no dia 18 de outubro Ondaquele ano, s vsperas de proferir sua conferncia no evento Metamorfoses da

cultura contempornea. Nessa oportunidade, ele falou sobre O ps-moderno uma reivindicao de multiplicidade de viso de mundo. Dele tambm publicamos umaentrevista na 121 edio, de 1 de novembro de 2004, sob o ttulo Garzantina di

filosofia, um artigo na edio 53, de 31 de maro de 2003 sob o ttulo A guerra pelos direitos humanos? e outro no nmero 80, de 20 de outubro de 2003, sob o ttulo Democracia, killer da metafsica. A editoria Livro da Semana, na edio 149, de 1 deagosto de 2005, abordou a obra The future of religion, escrita por Vattimo, Richard Rorty e Santiago Zabala. Vattimo nasceu em Turim, em cuja universidade se formou em Filosofia e na qual ministra aulas at hoje. Cursou uma especializao na Universidade de Heidelberg (Alemanha) e teve algumas passagens por universidades americanas como professor visitante. Foi deputado no Parlamento Europeu, integrando vrias comisses, como as de cultura, educao e justia, entre outras. Estudioso do pensamento de Nietzsche, Heidegger e Gadamer, Vattimo conhecido como o mentor do "pensamento fraco". De sua produo intelectual, destacamos, Credere di Credere. Milano: Garzanti, 1996 (traduzido para o portugus), Dopo la cristianit. Per um cristianit. WWW.UNISINOS.BR IHU ONLINE WWW.UNISINOS.BR /IHU

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cristianesimo non religioso. Milano:Garzanti, 2002 (traduzido para o portugus), O psfim da modernidade: niilismo e hermenutica na cultura ps-moderna. So Paulo:Martins Fontes, 1996; Introduo a Heidegger. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.

IHU On-Line Como Heideggerajuda a entender o enfraquecimento das estruturas do ser na psmodernidade? Gianni Vattimo A concepo da diferena ontolgica que Heidegger comea a desenvolver em Ser e Tempo1 significa que o ser no deve se confundir com o ente, com alguma coisa presente. E, como se sabe, Heidegger pensa que identificar o ser com o ente seja um esquecimento do ser. Agora, pode-se lembrar o ser? O que, porm, significaria faz-lo presente diante dos olhos da nossa mente, portanto, reduzi-lo novamente a um ente. Alm disso: Heidegger, nos seus escritos sobre Nietzsche2, escreve que a metafsica a histria do ser. Eu tiro disso tudo a seguinte concluso, que Heidegger nunca enunciou, mas acredito que ele deveria aceitar: lembrar o ser (para tentar sair da metafsica) significa somente lembr-lo como jSer e tempo: principal obra filosfica de Heidegger, foi publicada em 1927. Em portugus, confira Ser e tempo. 6. ed. Petrpolis: Vozes, 1997. (Nota da IHU On-Line) OnFriedrich Nietzsche (1844-1900): filsofo alemo, conhecido por seus polmicos conceitos almdo-homem, transvalorao dos valores, niilismo, vontade de poder e eterno retorno. Entre suas obras figuram como as mais importantes Assim Zaratustra. Falou Zaratustra 9. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1998; O Anticristo Lisboa: Guimares, Anticristo. 1916; A Genealogia da Moral. 5. ed. So Paulo: Centauro, 2004. Escreveu at 1888, quando foi acometido por um colapso nervoso que nunca o abandonou, at o dia de sua morte. A Nietzsche foi dedicado o tema de capa da edio nmero 127 da IHU On-Line, de 13 de dezembro de 2004. OnSobre o filsofo alemo, conferir ainda a entrevista exclusiva realizada pela IHU On-Line Onedio 175, de 10 de abril de 2006, com o jesuta cubano Emilio Brito, docente na Universidade de Louvain-La-Neuve, intitulada Nietzsche e Paulo. (Nota da IHU On-Line On-Line)1 2

sempre tendo ido embora; como Deus que se mostra a Moiss somente de costas. Portanto, pensar o ser no uma experincia de presena cheia, de verdade luminosa; se levarmos em considerao que, para Heidegger a metafsica (esquecimento do ser) a histria do ser, ento o ser tem uma histria que sempre de diminuio, de esquecimento, de fraqueza...

IHU On-Line Qual o lugar daverdade e da unidade do sujeito no pensamento de Heidegger? Gianni Vattimo Verdade, para Heidegger, tambm aquela secundria das proposies verdadeiras, que correspondem a critrios dados com a abertura do ser no qual somos sempre arremessados. Mas a verdade primeira esta abertura (algo semelhante aos paradigmas dos quais fala Kuhn3). A relao com esta verdade primria (por exemplo, na experincia da obra de arte, que nos dribla porque o anncio de um paradigma outro, no uma experincia de unidade do sujeito, mas, ao contrrio, exatamente uma experincia de desorientao).

IHU On-Line Como explicaria aaproximao de Heidegger ao nazismo? uma derivao de seu pensamento filosfico? Gianni Vattimo De certa forma sim, foi um erro filosfico. HeideggerThomas Kuhn (1922-1996): fsico norteamericano, cujo trabalho incidiu sobre histria e filosofia da cincia, tornando-se um marco importante no estudo do processo que leva ao desenvolvimento cientfico. Sua obra mais conhecida A estrutura das revolues cientficas. 7. ed. So Paulo: Perspectiva, 2003. (Nota da IHU OnOn-Line)3

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acreditou que fosse possvel reconstruir uma situao histrica anloga quela da Grcia pr-clssica, na qual, errando, porque esquecia a diferena ontolgica, pensou que o ser pudesse dar-se de modo no-metafsico. Mas era um erro, antes de tudo filosfico.

IHU On-Line O prprio nazismodeve ser entendido como uma anormalidade na Histria ou como uma radicalizao da racionalidade moderna? Gianni Vattimo Heidegger o entendeu como uma radicalizao da racionalidade moderna. Visto que ele pensava que esta racionalidade fosse o auge do esquecimento do ser, no a podia aceitar. Mas, de outro modo, o extremo da metafsica devia tambm ser o seu fim. Onde est o perigo, cresce tambm o que salva (Hlderlin4). Portanto, posio ambgua; um pouco como o capitalismo para Marx: o pior do pior, mas tambm a condio que prepara a revoluo do proletariado...

Gianni Vattimo Acredito que o Heidegger dos anos 1930, aquele depois da Kehre, se deu conta de que a autenticidade da qual falava Ser e Tempo, no algo que se possa procurar sozinho. Autenticidade significa co-responder chamada do ser; mas o ser assim entendido tambm a prpria comunidade, a sociedade na qual se vive, etc. Tambm, por isso, Heidegger se empenhou com Hitler, errando. Mas devemos pensar que naqueles anos Lukacs5 e Bloch6 estavam com Stalin7, Giovanni Gentile8, com Mussolini9 etc.

OnIHU On-Line Por que Heideggerafirmou que era impossvel ultrapassar o niilismo? Como entender a esperana num mundo niilista? Gianni Vattimo Como foi dito acima, o ser nunca pode dar-se como ente. A esperana do niilismo de que, reduzindo a imponncia, a peremptoriedade, o peso do ente, do real (paixes, instinto de sobrevivncia,Lukcs Gyrgy (1885-1971): mais conhecido como Georg Lukcs filsofo hngaro. Em sua Lukcs, trajetria filosfica procurou refazer o percurso da filosofia clssica alem, inicialmente como crtico influenciado por Kant, depois Hegel e, finalmente, aderindo ao marxismo. (Nota da IHU On-Line) OnErnst Bloch (1885-1977): filsofo alemo marxista : heterodoxo, que construiu vasta obra que ressalta o papel da utopia na histria do homem. Seu livro Princpio O Princpio Esperana. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005, foi destacado na editoria Livro Onda Semana da 151 edio da revista IHU On-Line, de 15 de agosto de 2005, com a realizao de duas entrevistas sobre a obra: uma com o tradutor do livro, Nlio Schneider, e outra com o professor da UFRGS, Edson Sousa. (Nota da IHU On-Line) OnJosef Stalin (1878-1953): ditador sovitico, responsvel pelo stalinismo. (Nota da IHU OnOnLine) Giovanni Gentile (1875-1944): filsofo italiano. (Nota da IHU On-Line) OnBenito Amilcare Andrea Mussolini (1883-1945): Andrea jornalista e poltico italino, governou a Itlia com poderes ditatoriais entre 1922 e 1943, autodenominando-se Il Duce, que significa em italiano o condutor. (Nota da IHU On-Line) On5 6 7 8 9

IHU On-Line O paradigma datcnica pode auxiliar a compreender as bases desse e de qualquer outro totalitarismo? Gianni Vattimo A resposta est implcita na precedente. Certo, como diz em Identitt und Differenz, a possibilidade de sair da metafsica em direo a um novo evento do ser est tambm ligada ao fato de que no Gestell, no mundo tcnico-totalitrio, homem e mundo no tm mais os caracteres de sujeito e objeto. Mas quais caracteres tero?

IHU On-Line Se o ente estlanado no mundo, como entender sua responsabilidade individual e poltica?

Hlderlin Johann Christian Friedrich Hlderlin (1770-1843): poeta lrico alemo. (Nota da IHU On-Line) On4

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das Gering, o mnimo, o pequeno, do qual falava Vortrge und Asufstze Asufstze. OnIHU On-Line O ser-para-a-morte (Sein-zum-Tode) no um conceitomuito pessimista para classificar o ser humano? Gianni Vattimo De maneira nenhuma. Significa somente aceitar o prprio fim e historicidade, sentindo-se empenhados para responder a uma chamada que vem de outros mortais, e no pensar nunca que atingimos j a verdade objetiva, o ponto de vista de Deus. E, portanto, nunca bombardear o Iraque em nome do verdadeiro direito humano.

violncia recproca) o ser se d como

age exatamente como eles), enfraqueceria muito as prprias posies...

OnIHU On-Line Que relaes podemser estabelecidas com o pensamento cristo e o heideggeriano? H a uma influncia mtua? Gianni Vattimo Certo, se pensarmos em um texto como a Introduo Fenomenologia da Religio, de 1920, nos daremos conta de que alguns, ou talvez todos os conceitos fundamentais que Heidegger desenvolveu aps, em Ser e Tempo (por exemplo, a autenticidade, a metafsica etc.) esto j todos na sua leitura das cartas de So Paulo. Acredito que Heidegger comeou o seu erro nazista - que durou somente alguns anos - quando deixou de meditar sobre So Paulo e comeou a mitificar Hlderlin. Mas o seu pensamento permanece profundamente cristo; e tambm, a propsito de influncia mtua, os cristos de hoje deveriam eleg-looa verdadeiro mestre, deixando de lado os tantos resduos de metafsica escolar que ainda dominam o ensino nos seminrios.

OnIHU On-Line Se pudssemos trazlo ao presente, como Heidegger dialogaria com o pensamento fraco de Gianni Vattimo? Gianni Vattimo Teria que adot-lo como seu filho, embora um pouco extravagante. Fora de brincadeira: se Heidegger visse o que acontece hoje por causa do fundamentalismo, da pretenso de ser correto (Bush acredita de verdade, como os nazistas, no Gott mit uns, Deus est conosco; e

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Heidegger e a influncia do cristianismoEntrevista com Emmanuel Carneiro LeoSem o cristianismo, na sua origem e provenincia crist, no se compreende o pensamento de Heidegger, pondera o Prof. Dr. Emmanuel Carneiro Leo, em entrevista por telefone IHU On-Line, Onrefletindo a influncia do cristianismo em Heidegger e vice-versa. Carneiro Leo menciona tambm a presena das idias heideggerianas em Bultmann, Bruckner, Lackner e Rahner e conta algumas de suas lembranas como aluno de um dos filsofos mais discutidos e estudados da atualidade. Doutor pela Universidade de Roma, Itlia, e licenciado em Filosofia pela Universidade de Friburgo, Alemanha, onde foi aluno de Heidegger, Carneiro Leo regressou ao Brasil em meados da dcada de 1960. Desde ento, dedica-se ao magistrio na condio de professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na qual leciona at hoje. um dos principais divulgadores do pensamento heideggeriano no Brasil, tendo traduzido para o portugus alguns livros do filsofo alemo. autor de, entre outros, do livro Aprendendo a pensar. Petrpolis: Vozes, 1991. Confira o que o professor pensa sobre o assunto.

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On-Line Quais so suas principais lembranas como aluno de Heidegger? Emmanuel Carneiro Leo Minha primeira lembrana que a atividade de ensino e acadmica de Heidegger para com seus alunos, com os estudantes, aqueles que escutavam suas palestras, era de um cuidado todo especial. Era um professor com grande ateno para as dificuldades e os problemas dos seus alunos. A segunda grande lembrana e impresso que tenho que a importncia do ensino de Heidegger era promover a capacidade de pensamento dos alunos. Ele no queria ensinar respostas, problemas, perguntas, doutrinas, mas desenvolvia a capacidade prpria de pensar de cada aluno, porque a posio que ele passava

era que todo o homem tem uma contribuio a dar vida do pensamento, de maneiras diferentes, com graus diferentes, com qualidade diferente, deixando transparecer que essa contribuio fundamental para o desenvolvimento da capacidade de pensar de todos.

IHU On-Line Qual a grandecontribuio da filosofia de Heidegger? Emmanuel Carneiro Leo A principal contribuio da obra de Heidegger e o grande mrito promover esse aprofundamento do pensamento. Pensar no ficar no nvel das relaes j dadas, encontradas, mas aprofundar, a partir do que dado, at

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a provenincia, a origem, a fonte de onde elas so oriundas.

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On-Line Quais so as principais diferenas entre a fenomenologia de Heidegger e a de Husserl? Emmanuel Carneiro Leo Podemos dizer que a fenomenologia de Husserl10 se constri por meio da intencionalidade da conscincia. Isso significa que h uma diferena entre fenmeno e fenomenologia e o que faz a intermediao entre essa diferena a intencionalidade dessa conscincia. Sem conscincia, no h fenomenologia, para Husserl. Para Heidegger, j no dessa forma. Ele acredita que a fenomenologia o prprio fenmeno. por causa da fenomenologia do fenmeno que h conscincia e intencionalidade. O Dasein, a presena, o modo de ser do homem, no intermedirio entre o fenmeno e a fenomenologia, mas o lugar onde o fenmeno mostra que ele j a fenomenologia. IHU On-Line Como Heideggerdialoga com a tradio filosfica? Quais so suas principais influncias e quais so os rompimentos que prope? Emmanuel Carneiro Leo Heidegger tem uma formao religiosa, crist, escolstica e, pela escolstica, ele encontra a filosofia grega. Como a filosofia grega, mediada pela escolstica a filosofia clssica, o que significa10

Plato11 e Aristteles12, Heidegger procura suas fontes, de onde provm esses pensadores. Por isso, a principal influncia para o pensamento prsocrtico. Para se compreender o pensamento clssico indispensvel ter uma experincia do que constitui a contribuio dos pr-socrticos. Com essa recuperao dos pr-socrticos, que uma tradio alem desde Nietzsche, sobretudo, mas tambm de Hegel13, embora este esteja mais ao ladoPlato (427-347 a. C.): filsofo ateniense. Criador de sistemas filosficos influentes at hoje, como a Teoria das Idias e a Dialtica. Discpulo de Scrates, Plato foi mestre de Aristteles. Entre suas obras, destacam-se A Repblica e o Fdon. (Nota da IHU On-Line) On11 12

Aristteles de Estagira (384 a C. 322 a. C.): filsofo grego, um dos maiores pensadores de todos os tempos. Suas reflexes filosficas por um lado originais e por outro reformuladoras da tradio grega acabaram por configurar um modo de pensar que se estenderia por sculos. Prestou inigualveis contribuies para o pensamento humano, destacando-se: tica, poltica, fsica, metafsica, lgica, psicologia, poesia, retrica, zoologia, biologia, histria natural e outras reas de conhecimento. considerado, por muitos, o filsofo que mais influenciou o pensamento ocidental. (Nota da IHU On-Line) On-

Edmund Husserl (1859-1938): filsofo alemo, principal representante do movimento fenomenolgico. Marx e Nietzsche, at ento ignorados, influenciaram profundamente Husserl, que era um crtico do idealismo kantiano. Husserl apresenta como idia fundamental de seu antipsicologismo a intencionalidade da conscincia, desenvolvendo conceitos como o da intuio eidtica e epoch. Pragmtico, Husserl teve como discpulos Martin Heidegger, Sartre e outros. (Nota da IHU On-Line) On-

Friedrich Hegel (1770-1831): filsofo alemo. Foi um dos pensadores mais influentes dos tempos recentes. Como Aristteles e Santo Toms de Aquino, Hegel tentou desenvolver um sistema filosfico no qual estivessem integradas todas as contribuies de seus principais predecessores. Sua primeira obra, A fenomenologia do esprito, tornou-se a favorita dos hegelianos da Europa continental no sc. XX. Nesse livro, Hegel considerava uma variedade to grande de concepes quanto os diversos estados da mente, e as encarava como estgios no desenvolvimento do esprito em direo a uma maior maturidade. Sua segunda obra, A Cincia da Lgica, tenta fazer uma anlise sistemtica dos conceitos. Sua Enciclopdia das cincias filosficas contm todo o seu sistema de uma forma condensada. O ltimo livro de Hegel foi A filosofia do direito direito. Depois de sua morte, seus alunos publicaram suas conferncias sobre filosofia da histria, da religio e da arte, e sobre histria da filosofia, usando principalmente suas anotaes. (Nota da IHU OnOnLine)13

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de Aristteles, o que leva a um movimento no de retorno e recuperao das fontes da cultura, da histria, do pensamento, da cincia, da arte. Isso a grande influncia que sofre o pensamento de Heidegger, um pensamento cuja originalidade a sua origem.

IHU On-Line Em quais aspectosHeidegger influencia o desconstrutivismo e por qu? Emmanuel Carneiro Leo Sua influncia se d porque, para se chegar a essa fonte de originariedade do pensamento pr-socrtico, h uma necessidade de desvincular-se, desvencilhar-se das respostas j dadas, dos padres de pensamento e conhecimento j estabelecidos at aqui. Ento preciso se desconstruir o que se constitui a tradio do pensamento, do conhecimento e da arte para poder abrir caminho e libertar a experincia para o originrio.

parmetros e os padres e princpios de como ele tem que viver. Ele quer, ele mesmo, assumir a construo de sua cultura, sua sociedade, sua vida, seu pensamento, seu conhecimento. O homem moderno aquele que quer transformar a realidade e no apenas aceit-la como ela . A perda dessa perspectiva de aceitao leva consigo tambm uma experincia de criao, o que significa que, para sermos criadores, no temos que nos deixar sufocar pela forma de conhecimento transformadora da realidade. Por isso, chegamos cedo demais para essa experincia de doao criadora do real.

IHU On-Line H em Heideggerinfluncias do cristianismo? E no cristianismo vieses heideggerianos? Emmanuel Carneiro Leo Sim, sem dvida h influncias recprocas. Heidegger queria fazer curso de teologia crist. Toda a atividade de leitura e interpretao da realidade que Heidegger prope resultado do que ele aprendeu da interpretao e na leitura da chamada hermenutica bblica. Sem o cristianismo, na sua origem e provenincia crist, no se compreende o pensamento de Heidegger. No cristianismo catlico e no evanglico, alm de vrias outras orientaes, a influncia de Heidegger foi fundamental nesse sculo. As chamadas correntes evanglicas da teologia dialtica, teologia da morte de Deus, exegtica, todas elas tem grande presena e influncia heideggerianas. Em Bultmann14, isso tambm pode serRudolf Karl Bultmann (1884-1976): telogo luterano alemo nascido em Wiefelstede, Oldenburg, que props uma interpretao do Novo Testamento da Bblia apoiada em conceitos de uma filosofia existencialista. Iniciou como professor sobre sua especialidade, o Novo Testamento (1916), em Breslau, Giessen e Marburg. Nessa cidade, tomou contato com Martin Heidegger e a filosofia existencialista, que influenciou seu pensamento posterior. Morreu em14

IHU On-Line De que maneirapodemos compreender a afirmao do filsofo de que "chegamos muito tarde para os deuses e muito cedo para o ser"? Emmanuel Carneiro Leo A nossa tradio entende a realidade como sendo o resultado no de uma atividade de sentido ou de criao, de um princpio absoluto. Com a modernidade no temos mais essa conscincia e essa necessidade, por isso, somos modernos medida que perdemos essa necessidade. Isso significa que chegamos tarde para os deuses, no entanto, com a modernidade, para conseguir-se isso houve uma mudana nos padres de relacionamento do homem europeu ocidental, que a respeito de quem estamos falando. Essa mudana aconteceu porque o homem de agora no quer mais receber, como o homem religioso de antes, os

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notado, assim como em Bruckner, Lackner e Rahner15. Esses pensadores querem ler tanto a Bblia como a tradio crist sob a perspectiva do pensamento de interpretao de Heidegger.

IHU On-Line Como o senhor avalia

Marburg, ento Alemanha Ocidental. Seu primeiro livro foi Jesus (1926), e sua mais famosa obra foi Das Evangelium des Johannes (1941). Na edio 114, de 6 de setembro de 2004, publicamos na editoria Teologia Pblica um debate sobre a obra Teologia do Novo Testamento, com a participao de Nlio Schneider e Johan Konings. (Nota da IHU OnOn-Line) Karl Rahner (1904-2004): importante telogo catlico do sculo XX, ingressou na Companhia de Jesus em 1922. Doutorou-se em Filosofia e em Teologia. Foi perito do Conclio Vaticano II e professor na Universidade de Mnster. A sua obra teolgica compe-se de mais de 4 mil ttulos. Suas obras principias so: Geist in Welt (O Esprito no mundo), 1939, Hrer des Wortes (Ouvinte da Palavra), 1941, Schrifften zur Theologie (Escritos de Teologia), 16 volumes escritos entre 1954 e 1984, (Curso Grundkurs des Glaubens Fundamental da F), 1976. Em 2004, celebramos seu centenrio de nascimento. A Unisinos dedicou sua memria o Simpsio Internacional O Lugar da Teologia na Universidade do sculo XXI, XXI realizado de 24 a 27 de maio daquele ano. A OnIHU On-Line n. 90, de 1 de maro de 2004, publicou um artigo de Rosino Gibellini sobre Rahner; e a n. 94, de 29 de maro de 2004, publicou uma entrevista de J. Moltmann, analisando o pensamento de Rahner. No dia 28 de abril de 2004, no evento Abrindo o Livro rico Livro, Hammes, telogo e professor da PUCRS, apresentou o livro Curso Fundamental da F, uma das principais obras de Karl Rahner. A entrevista com o prof. rico Hammes pode ser conferida na OnIHU On-Line n. 98, de 26 de abril de 2004. Ainda sobre Rahner, publicamos uma entrevista com H. Vorgrimler no IHU On-Line n. 97, de 19 de abril Onde 2004, sob o ttulo Karl Rahner: telogo do Conclio Vaticano nascido h 100 anos. A edio nmero 102, da IHU On-Line, de 24 de maio de On2004, dedicou a matria de capa memria do centenrio de nascimento de Karl Rahner. Os Cadernos Teologia Pblica publicaram o artigo Conceito e Misso da Teologia em Karl Rahner, de autoria do Prof. Dr. rico Joo Hammes. (Nota da On IHU On-Line)15

as relaes entre Heidegger e o advento do nazismo.? Emmanuel Carneiro Leo Heidegger foi reitor da Universidade de Friburgo no perodo nazista. Sem dvida, ele achava, inicialmente, que o movimento do Partido Nacional Socialista trazia uma resposta para a situao de crise em que se encontrava a Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial. No entanto, a seguir, ele se convenceu de que estava enganado, de que o nazismo no trazia nenhuma proposta de libertao, de promoo para a Alemanha, pelo contrrio, trouxe a destruio. Entretanto, isso s foi perceptvel com o tempo. Inicialmente, como todos os alemes que estavam em crise depois da Primeira Guerra Mundial, Heidegger viu nesse movimento poltico de restaurao uma sada, porm a sada que o nazismo trouxe foi aprofundar a desgraa.

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A busca pelo sentido do serEntrevista com Joo Augusto Mac DowellUma obra original e profunda, comparada Fenomenologia do Esprito, de Hegel. Esses so alguns dos mritos de Ser e tempo, considerada a obra-prima de Heidegger. Transformando o mtodo fenomenolgico, herdado de seu mestre Husserl, em uma hermenutica da prpria realidade, ele no s questiona as categorias com que vinham sendo interpretados o ser humano e o ente no seu conjunto desde o incio do pensamento ocidental, mas tambm abre novos horizontes imensamente fecundos para a compreenso de sua historicidade constitutiva. A avaliao do filsofo Joo Augusto Mac Dowell, SJ, reitor da Faculdade Jesuta de Filosofia e Teologia (FAJE), antigo Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus (CES), em Belo Horizonte. Por e-mail, ele concedeu entrevista IHU On-Line, contribuindo para o debate sobre Heidegger no ano em Onque se completam 30 anos de sua morte. Graduado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Medianeira e em Teologia pela Philosophische Theologische Hochschule Sankt Georgen, na Alemanha, Mac Dowell mestre em Teologia pela mesma instituio. doutor em Filosofia pela Pontifcia Universidade Gregoriana (PUG), na Itlia, com a tese A

gnese da ontologia fundamental de Martin Heidegger. O trabalho foi publicado pelaeditora Herder, de So Paulo, em 1970, e chegou segunda edio em 1993 pela Loyola. Escreveu, ainda, Religio tambm se aprende. 3. ed., So Paulo: Santurio, 2003 e organizou Saber filosfico, histria e transcendncia. Homenagem ao Padre

Henrique Cludio de Lima Vaz, SJ, em seu 80 aniversrio. So Paulo: Loyola, 2002.

IHU On-Line Qual a gnese daontologia fundamental de Heidegger? Joo Augusto Mac Dowell Com este ttulo Ontologia Fundamental, Heidegger designa o projeto de refundamentao da Metafsica desenvolvido parcialmente e de maneira, afinal de contas aportica, em sua obra mestra Ser e Tempo. Este projeto se origina da preocupao que anima o jovem Heidegger de restaurar a Metafsica como pensamento de uma transcendncia real, transcendncia rejeitada pelas correntes filosficasWWW.UNISINOS.BR IHU ONLINE WWW.UNISINOS.BR /IHU

dominantes, especialmente na Alemanha, no incio do sculo XIX, o cientificismo positivista e o neokantismo, limitado a uma transcendncia meramente lgica. Tendo recebido sua primeira formao, tambm filosfica, num ambiente catlico, ele pretendia com este projeto fazer valer a viso do mundo prpria da cultura crist, embora sobre novas bases, compatveis com os princpios da filosofia moderna, em particular, tomando como ponto de partida imanncia do sujeito humano. Alis, o pensar de Heidegger, ao longo de todo 12JULHO SO LEOPOLDO, 3 DE JULHO DE 2006

o seu percurso, foi um pensar comprometido, como tentativa de compreender o seu prprio tempo e de apontar caminhos para superar as limitaes do mundo moderno. Entretanto, medida que foi desenvolvendo o seu projeto nos dez anos que precederam a publicao de Ser e Tempo (1927), Heidegger descobriu que a Ontologia Fundamental no poderia consistir na restaurao da Metafsica, mesmo que sobre novas bases, mas sim na elaborao da questo do sentido de ser, questo, segundo ele, esquecida por toda a tradio filosfica do Ocidente desde Plato. Com efeito, a Metafsica, como pensamento do ente como ente, determina o ser ou essncia de cada ente e do ente em geral, quando pergunta: Que (este) ente? Mas no perguntou jamais: Que ser?, ou melhor: Por que h ser e no simplesmente nada? Em vez disso, para entender a existncia do ente, ela remete a outro ente e, finalmente, ao ente supremo (Deus), como princpio e fundamento de toda a realidade.

pensamento ocidental, mas tambm abre novos horizontes imensamente fecundos para a compreenso de sua historicidade constitutiva. Somente pouco a pouco, porm, os intrpretes do filsofo compreenderam que as brilhantes descobertas da Analtica Existencial sobre o ser do homem constituam apenas o primeiro passo na elaborao da questo do sentido de ser, verdadeiro alvo da investigao heideggeriana. Entretanto, esta empreitada, assumida em Ser e Tempo, levou-o a convencer-se de que a verdade do ser no poderia ser autenticamente desvendada a partir do movimento de transcendncia do ser humano em busca de seu sentido. Esta constatao, que no tornou suprfluo o caminho percorrido at ento, j que s poderia acontecer no seu trmino, provocou a inverso do rumo de seu pensamento: de busca e conquista do sentido de ser ele transformou-se em acolhida de sua verdade como dom. Esta inverso ou converso do pensar heideggeriano inaugurar uma nova fase de sua trajetria espiritual. Filosofia como hermenutica da realidade Paradoxalmente, mesmo que os resultados da investigao nele desenvolvida tenham sido superados pelo prprio Heidegger, Ser e Tempo, mesmo assim, pode ser considerada sua obra-prima. Por um lado, h autores no o meu caso que seguem Heidegger at Ser e Tempo, mas recusam como divagao mtica ou potica, destituda de significado filosfico, o seu pensamento ulterior. Por outro lado, as publicaes subseqentes do filsofo ou so relativamente breves, conferncias as mais das vezes, divulgadas isoladamente ou reunidas em volumes de cunho mais ou menos homogneo, ou consistem na transcrio de cursos, que por sua 13JULHO SO LEOPOLDO, 3 DE JULHO DE 2006

IHU On-Line Por que Ser e Tempo considerada sua obra mestra? Joo Augusto Mac Dowell Trata-se de um marco na histria da filosofia semelhante, a meu ver, por exemplo, Fenomenologia do Esprito de Hegel. Sua importncia reside, em primeiro lugar, na sua profunda originalidade. Heidegger prope uma nova perspectiva global, que ele chama existencial, para a compreenso do ser humano e aplica-a com admirvel rigor ao longo de toda a obra. Transformando o mtodo fenomenolgico, herdado de seu mestre Husserl, em uma hermenutica da prpria realidade, ele no s questiona as categorias com que vinham sendo interpretados o ser humano e o ente no seu conjunto desde o incio doWWW.UNISINOS.BR IHU ONLINE WWW.UNISINOS.BR /IHU

prpria natureza, possuem um carter mais difuso. Apesar de consignarem passos decisivos no caminho do pensar de Heidegger, estas obras, cada uma de per si, no alcanam a radicalidade inventiva e a imponncia arquitetural de Ser e Tempo. Na verdade, a prprio ndole meditativa do novo pensar inaugurado com a mencionada converso ou vira-volta, que impede o filsofo de estruturar suas idias maneira relativamente analtica e orgnica daquela produo magistral. Mas o que acima de tudo determina a primazia de Ser e Tempo que as intuies fundamentais dessa obra, o filosofar entendido como hermenutica da realidade, a compreenso existencial do ser humano, a idia de ser-nomundo com todas a suas implicaes, a contraposio entre a temporalidade existencial e a temporalidade cronolgica e psicolgica, a concepo da verdade como manifestao e o desocultamento do ente e, enfim, o primado da questo do ser, permanecem vlidas ao longo de toda a obra heideggeriana e so elas que vo conduzir o seu pensamento a novas paragens at ento ainda no contempladas. Como avalia a importncia e o impacto de Heidegger na Filosofia? Joo Augusto Mac Dowell H certamente consenso entre os entendidos em colocar Heidegger, ao lado de Wittgenstein16 e talvez algum outro mais, em lugar de absoluto destaque na galeria dos filsofos do sculo XX. Com efeito, quer se inspirando nele, quer rejeitando-o mais ou menos radicalmente, ningum que pretenda pensar o mundo de hoje pode deixar de confrontar-se com a sua obra.Ludwig Wittgenstein (1889-1951): filsofo analtico austraco (Nota da IHU On-Line). On-

verdade que a sua influncia durante muito tempo esteve restrita praticamente chamada filosofia permanecendo continental17, relativamente alheios s suas idias, seja os pensadores de tendncia marxista, seja as correntes filosficas analticas ou pragmatistas do mundo anglo-saxnico. Depois de inspirar, em parte em funo de mal-entendidos, a filosofia existencialista do Sartre18 de O Ser e o Nada, bem como a tentativa de superao da Ontologia de E. Lvinas19, sem falar em seus discpulos como H. Jonas20 e H. Arendt21, o pensamentoAnalticos e Continentais. So Leopoldo, RS: Unisinos, Unisinos 2002 Jean(1905-1980): filsofo Jean-Paul Sartre existencialista francs. Escreveu obras tericas, romances, peas teatrais e contos. Seu primeiro romance foi A Nusea (1938), e seu principal trabalho filosfico O Ser e o Nada (1943). Sartre define o existencialismo, em seu ensaio O existencialismo um humanismo, como a doutrina na qual, para o homem, "a existncia precede a essncia". Na Crtica da razo dialtica (1964), Sartre apresenta suas teorias polticas e sociolgicas. Aplicou suas teorias psicanalticas nas biografias Baudelaire (1947) e Saint Genet (1953). As palavras (1963) a primeira parte de sua autobiografia. Em 1964, foi escolhido para o prmio Nobel de literatura, que recusou. (Nota da OnIHU On-Line)17 18

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Lvinas: Emmanuel Lvinas filsofo e comentador talmdico, nasceu em 1906, na Litunia, e faleceu em 1995, na Frana. Desde 1930 era naturalizado francs. Foi aluno de Husserl e conheceu Heidegger, cuja obra Ser e tempo, de 1927, o influenciou muito. A tica precede a ontologia uma frase que caracteriza o pensamento de Lvinas. Ele autor do livro que o consagrou lextriorit Totalit et infini. Essai sur lextriorit que foi traduzido para o portugus com o titulo Totalidade e Infinito. Lisboa: Edies 70, 2000. No Brasil, a Editora Perspectiva, publicou Quatro leituras talmdicas, em 2003, e a Editora Vozes, De Deus que vem a idia, em 2002. (Nota da IHU On-Line)19

Hans Jonas (1902-1993): filsofo alemo, naturalizado norte-americano, um dos primeiros pensadores a refletir sobre as novas abordagens ticas do progresso tecnocientfico. A sua obra principal intitula-se: Das Prinzip Verantwortung.20

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Ethik Versuch einer Ethik fr die technologische OnZivilisation, 1979. (Nota da IHU On-Line)

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heideggeriano se traduziu na corrente hermenutica, representada por H G. Gadamer22 e, at certo ponto, por P. Ricoeur23. difcil citar o nome de um pensador significativo dentro da tradio da filosofia continental que no tenha sentido o impacto da reflexo heideggeriana. Alis, a sua irradiao21

extrapolou o campo da filosofia, afetando, por exemplo, a psicologia, com Binswanger24 e Medard Boss25, e a teologia crist tanto evanglica como catlica, com figuras como R. Bultmann, do lado evanglico, e K. Rahner, do catlico.

IHU On-Line E, em nossos dias,Hannah Arendt (1906-1975), filsofa e sociloga alem, de origem judaica, nasceu em Hannover. Foi influenciada por Husserl, Heidegger e Karl Yaspers. Em conseqncia das perseguies nazistas, em 1941, partiu para os EUA, onde escreveu grande parte das suas obras. Lecionou nas principais universidades deste pas. Props, em uma distino inusitada, que os termos labor, trabalho e ao fossem entendidos como diferentes formas de atividades fundamentais do ser humano, sendo aquele vinculado s necessidades biolgicas, o intermedirio ao artificialismo da vida moderna e esta s relaes entre os homens sem a mediao das coisas ou da matria. Sua filosofia assenta numa crtica sociedade de massas e sua tendncia para atomizar os indivduos. Preconiza um regresso a uma concepo poltica separada da esfera econmica, tendo como modelo de inspirao a antiga cidade grega. Entre suas obras, citamos: :

perdura a sua influncia? Joo Augusto Mac Dowell Heidegger no fez propriamente escola. Seu pensamento assistemtico no se presta a transmisses padronizadas. No entanto, os desafios que ele lanou continuam a repercutir em todas as faixas do espectro filosfico, numa proposta integradora, as linhas hermenutica e analtico-pragmtica, inspiradas nos dois maiores mestres do sculo XX, Heidegger e Wittgenstein, de um lado com K.-O. Apel26, e, do outro, com R. Rorty27. Entretanto, sobretudo o pensamento ps-moderno de Lyotard28, J. Derrida29, G. Vattimo30 eLudwig Binswanger (1881-1966): filsofo suo considerado ,o fundador da psicologia existencial. (Nota da IHU On-Line) On24

sobre Eichmann em Jerusalm - Uma reportagem sobre a banalidade do mal. Lisboa: Tenacitas. 2004; O Sistema Totalitrio. Lisboa: Publicaes Dom Quixote.1978; O Conceito de Amor em Santo Agostinho. Lisboa: Instituto Piaget; A Vida do Esprito. v.I. Pensar. Lisboa: Instituto Piaget; Sobre Lisboa: Relgio D`gua; a Revoluo. Compreenso Poltica e o Futuro e Outros Ensaios.Lisboa: Relgio D`gua (edio da Perspectiva, 2002). Sobre Arendt, confira o nmero 168 da IHU OnOn-Line, de 12 de dezembro de 2005, sob o ttulo

Medard Boss (1903-1990): psicanalista e psiquiatra suo que desenvolveu uma forma de psicoterapia chamada anlise do Dasein, largamente influenciada na filosofia fenomenolgico-exitencial de seu amigo e mentor, Martin Heidegger. (Nota da IHU On-Line) On25

Stein. Hannah Arendt, Simone Weil e Edith Stein. Trs mulheres que marcaram o sculo XX. (Nota da IHU OnOn-Line)22

HansGadamer: Hans-Georg Gadamer filsofo alemo, autor do importante livro Verdade e mtodo. Petrpolis: Vozes, 1997, faleceu no dia 13 de maro de 2002, aos 102 anos. Por essa razo, dedicamos a ele a matria de capa da IHU On-Line nmero 9, de 18 Onde maro de 2002. (Nota da IHU On-Line) On-

KarlKarl-Otto Apel (1922): filsofo alemo que : combinou as tradies filosficas analtica e continental. autor do livro Transformao da Filosofia V.1. So Paulo: Loyola, 2000. (Nota da IHU OnOn-Line)26

filsofo pragmatista Richard Rorty: estadunidense. Sua principal obra Filosofia e o OnEspelho da Natureza. (Nota da IHU On-Line)27

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Paul Ricoeur (1913-2005): filsofo francs. Sobre ele, conferir um artigo intitulado Imaginar a paz ou sonh-la?, publicado na IHU On-Line 49 Onedio, de 24 de fevereiro de 2003, e uma entrevista na 50 edio, de 10 de maro de 2003. A edio 142, de 23 de maio de 2005, publicou a editoria Memria sobre Ricoeur, em funo de seu falecimento. (Nota da IHU On-Line) On-

JeanJean-Franois Lyotard (1924-1998): filsofo francs, autor de uma filosofia do desejo e significado representante do ps-modernismo. Escreveu, entre outros, A fenomenologia. Lisboa: Edies 70, 1954, O inumano: consideraes sobre o tempo. Lisboa: Estampa, 1990, Heidegger e 'os judeus'. Lisboa: Instituto Piaget, 1999 e A pscondio ps-moderna. 8. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2004. (Nota da IHU On-Line) On28

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tantos outros, que no pode ser entendido seno luz da reflexo heideggeriana sobre o destino da Metafsica e sobre o mundo moderno. Sua busca do fundo sem fundo do pensar, por um lado, e sua crtica do subjetivismo da razo instrumental moderna, por outro, deram azo ao surgimento do pensamento dbil e da razo fragmentada, que caracterizam as obras daqueles filsofos.

IHU On-Line O fim da metafsicaanunciado por Heidegger ajuda a aprofundar a crise religiosa das sociedades ps-modernas? Joo Augusto Mac Dowell Para responder sua pergunta ser necessrio esclarecer o que significa para Heidegger o fim da Metafsica. De fato, esta expresso entrou no jargo filosfico e, como tal, foi banalizada numa srie de acepes superficiais e confusas. O que Heidegger denomina superao da Metafsica no se identifica com as expresses idnticas ou equivalentes utilizadas por R. Carnap31 ou por Nietzsche ou ainda porJacques Derrida (1930-2004): filsofo francs, criador do mtodo chamado desconstruo. Seu trabalho associado, com freqncia, ao psestruturalismo e ao ps-modernismo. Entre as principais influncias de Derrida encontram-se Sigmund Freud e Martin Heidegger. Entre sua extensa produo, figuram os livros Gramatologia. So Paulo: Perspectiva, 1973; L'Ethique du don, (1992), Demeure, Maurice Blanchot (1998 ), Voiles avec Hlne Cixous (1998), Donner la mort (1999). Dedicamos a Derrida a editoria Memria da IHU OnOn-Line edio 119, de 18 de outubro de 2004 (Nota da IHU On-Line). On29

Marx32. Estes autores, com base em pressupostos certamente diversos, rejeitam simplesmente a Metafsica, como um tipo de pensamento ilusrio e incapaz de revelar a verdade do mundo. Para Heidegger, porm, que classifica, alis, o pensamento desses filsofos como ainda enredado no dualismo metafsico, o fim da Metafsica constitui o acabamento de um processo histrico. TrataTrata-se de uma etapa do pensamento ocidental, que possui sua grandeza prpria, mas que hoje j exauriu suas possibilidades. A Metafsica, tendo cumprido at o fim o seu destino, abre uma nova possibilidade de pensar e compreender o real no seu todo. Pensar o fim da Metafsica significa entender a essncia do mundo moderno, caracterizado pelo imprio da tecnocincia, na qual o modelo metafsico do pensar chega s suas ltimas conseqncias. Metafsica, estrutura da filosofia ocidental Metafsica, segundo Heidegger, no apenas uma das disciplinas filosficas, ao lado da lgica, da tica, da antropologia filosfica e da filosofia da natureza. Constitui antes a prpria estrutura da filosofia ocidental desde Plato. A idia heideggeriana de Metafsica pode ser caracterizada, creio, por trs elementos. Por um lado, trataeminente defensor do positivismo lgico. (Nota da IHU On-Line) OnKarl Heinrich Marx (18181883): filsofo, cientista social, economista, historiador e revolucionrio alemo, um dos pensadores que exerceram maior influncia sobre o pensamento social e sobre os destinos da humanidade no sculo XX. Marx foi estudado no Ciclo de Estudos Repensando os Clssicos da Economia. A palestra32

Gianni Vattimo (1936): filsofo italiano, internacionalmente conhecido pelo conceito de pensamento fraco. Concedeu diversas entrevistas IHU On-Line. Leia a entrevista que publicamos OnOnacima. (Nota da IHU On-Line).30

A Utopia de um novo paradigma para a economiafoi proferida pela Prof. Dr. Leda Maria Paulani, em 23 de junho de 2005. O Caderno IHU Idias Idias, edio nmero 41, teve como tema A (anti)filosofia de Karl Marx, com artigo de autoria da mesma professora. (Nota da IHU On-Line) On-

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Rudolf Carnap (1891-1970): filsofo alemo que trabalhou na Europa Central antes de 1935 e nos Estados Unidos aps esse perodo. Foi um dos principais membros do Crculo de Viena e um

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se do dualismo platnico, vigente sob formas diversas em todo o pensamento ocidental, que se estabelece entre o mundo sensvel e o mundo inteligvel, isto , entre as coisas individuais e mutveis de nossa experincia imediata, situadas no espao e no tempo, e a sua essncia, como idias universais e eternas, que constituem a verdadeira realidade. Outro trao determinante da Metafsica o privilgio do conhecente, radicalizado no subjetivismo moderno, mas vigente j, segundo Heidegger, na metafsica clssica, de determinar o ser do ente, enquanto depende do juzo ou julgamento do sujeito a sua verdade. A distino entre ente e ser vista do sujeito, em funo de seu movimento de transcendncia sobre o ente para o ser. constitutiva da Metafsica esta transcendncia ascensional, na qual o ente captado no seu ser e representado na sua verdade. Enfim, o tipo metafsico de pensar tem um carter onto-teolgico, enquanto, embora se exercendo no mbito da diferena ontolgica entre ser e ente, no a pensa, ou seja, no interroga o sentido de ser, antes fundamenta o ente no seu todo e na sua diversidade na unidade do ente primeiro, absoluto e infinito, identificado com o Deus cristo. Tecnocincia, expresso final da Metafsica A tecnocincia moderna constitui para Heidegger, como j disse, a expresso final e a plena realizao do destino da Metafsica. Nela o ente no apenas representado como ob-jeto do conhecimento, mas tambm re-criado de acordo com os interesses e objetivos humanos como pro-jeto da vontade de poder. Nestas condies, as coisas do mundo se transformam em meros recursos, sem consistncia prpria, no interior de um sistema de controle, queWWW.UNISINOS.BR IHU ONLINE WWW.UNISINOS.BR /IHU

constitui a essncia da tcnica. Entretanto, na sua pretenso de tudo controlar, o ser humano acaba sendo controlado pela prpria tcnica. Ele j no capaz de pensar o ente e muito menos o ser como tal, envolvendo sua existncia, sem o perceber, em um nada de sentido. Entretanto, diante da crise do que h de mais prprio no ser humano, quando todas as possibilidades do pensar metafsico se esgotaram, surge tambm a oportunidade de um novo pensar. No se trata da negao da tcnica nem da fuga do mundo da tcnica, antes de procurar um caminho para o pensar neste contexto inexorvel. Este novo pensar, para o qual devemos nos dispor, segundo Heidegger, na sobriedade prpria da acolhida de um dom, j no ser metafsico, nem tampouco antimetafsico e reducionista, como o cientificismo positivista ou o individualismo relativista. Ele ter de descartar, contudo, as trs caractersticas do pensamento metafsico acima descritas. Desde Ser e Heidegger apontava a Tempo, necessidade de suplantar a oposio secundria sensvel/inteligvel, ao desvendar a unidade originria da existncia humana numa temporalidade existencial. Correspondentemente, o prprio ser, como horizonte ltimo do pensar, no se situa no plano do imutvel e eterno, mas implica uma historicidade constitutiva. nesta perspectiva que a Metafsica, com seu modo prprio de pensar e compreender a realidade, constitui uma etapa na histria do ser. Entretanto, a diferena ontolgica j no se estabelece mediante a transcendncia do esprito humano sobre o ente em direo ao ser. Pelo contrrio, a converso ou vira-volta do itinerrio heideggeriano, como superao da Metafsica, equivale justamente percepo de que o 17JULHO SO LEOPOLDO, 3 DE JULHO DE 2006

prprio ser que toma a iniciativa de se revelar, abrindo para o pensar um horizonte de compreenso. Isso significa a excluso filosfica de qualquer pensar representativo e objetivante. Trata-se antes de acolher como dom a manifestao do ser que torna os entes presentes ao pensar. Da tambm se segue o questionamento da estrutura onto-teolgica da Metafsica. Esta caracterizao de toda a histria da Metafsica foi violentamente contestada por autores, que no aceitam que sejam assim rotulados determinados pensadores, como, por exemplo, Toms de Aquino33. Sem envolver-me aqui mais a fundo nesta discusso, basta dizer que, a meu ver, ela decorre de um mal-entendido. Com efeito, desde Aristteles a transcendncia metafsica aponta numa dupla direo, por um lado, para o ente em geral, isto , o ente como ente (dimenso ontolgica), por outro, para o fundamento ltimo do ente (dimenso teolgica). Portanto, a Metafsica tem inegavelmente um carter onto-teolgico. O que pode ser questionado e discutido o juzo de Heidegger a este respeito, ou seja, a afirmao da fundamentao do ente de nossa experincia em um ente primeiro, prpria da Metafsica, enquanto ontoteolgica, no uma

interpretao filosoficamente adequada da realidade. Um pensar da essncia, e no da existncia A posio heideggeriana decorre de vrios pressupostos. O primeiro a sua concepo da filosofia como determinao do ser ou essncia do ente e, em ltima anlise, do sentido de ser como tal. Embora rejeite, a certa altura, pelos motivos j dados, a Ontologia, como autntico pensar do ser, a sua investigao tem certamente um carter ontolgico (prprio do ser do ente), em oposio ao que chama de ntico (prprio do ente). Compreender o ente compreender o seu ser e no explic-lo por outro ente, como fazem as cincias positivas. Em virtude da adoo do mtodo fenomenolgico, ele s focaliza o eidos, a casa formal no sentido aristotlico, desprezando toda considerao da causa eficiente. Para ele, a filosofia s pode levar em considerao aquilo que pode ser descrito fenomenologicamente, isto , que se manifesta implcita ou explicitamente e pode ser experienciado, dando ao termo experincia o significado radical de presena ao pensamento, independentemente da distino j superada, para ele, entre sensvel e inteligvel. Tomando os termos no sentido tradicional, pode-se dizer, com aparente paradoxo, que o seu pensar um pensar da essncia, e no da existncia. Ser, para Heidegger, no significa existir, como o fato de estar a no mundo, mas sim o horizonte determinante do pensar, a iluminao e no o iluminado. Ele recusa, portanto, passar, mediante o raciocnio, do ente que experienciado a seu fundamento metafsico, inacessvel experincia, a um ente supremo, que seria a razo suficiente do que existe. Tal a 18JULHO SO LEOPOLDO, 3 DE JULHO DE 2006

Toms de Aquino (1227-1274): frade dominicano e telogo italiano, considerado santo pela Igreja. Um de seus maiores mritos foi introduzir o aristotelismo na escolstica anterior. A partir de So Toms, a Igreja tem uma teologia (fundada na revelao) e uma filosofia (baseada no exerccio da razo humana) que se fundem numa sntese definitiva: f e razo. Nascido numa famlia nobre, estudou filosofia em Npoles e depois foi para Paris, onde se dedicou ao ensino e ao estudo de questes filosficas e teolgicas. Seus interesses no se restringiam religio e filosofia, mas tambm alquimia, tendo publicado uma importante obra alqumica chamada Aurora Consurgens. Sua obra mais famosa e importante a Suma Teolgica. (Nota da IHU On-Line) On33

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dimenso teolgica da Metafsica, um procedimento de carter ntico, que a leva a esquecer a questo decisiva do status do prprio ser. Com efeito, o novo pensar heideggeriano no pergunta pelo porqu. Esta pergunta s tem sentido no mbito das relaes entre os entes intramundanos. Procurar justificar o ente no seu todo, determinar a sua razo suficiente, alcanar o seu fundamento, foi a pretenso desmesurada da razo metafsica. O todo, no seu mistrio, no pode ser abarcado pela razo humana, essencialmente limitada. O autntico pensar o que se situa modestamente diante do fundo sem fundo do ser e, em vez de tentar domin-lo, acolhe na gratido as suas manifestaes. Uma vez que a revelao da verdade depende propriamente da iniciativa do prprio ser, neste momento da crise do pensamento metafsico, s resta ao ser humano dispor-se por uma expectativa serena a acolher a eventual comunicao de um novo pensar. Heidegger e a questo de Deus S depois deste amplo rodeio, ser possvel abordar diretamente sua pergunta sobre a religio no pensamento de Heidegger e sobre as conseqncias da superao heideggeriana da Metafsica em relao crise religiosa contempornea. Em primeiro lugar, diga-se de passagem, que os termos religio e experincia religiosa no so bem vistos por ele, que os considera eivados do subjetivismo moderno. Valoriza, ao invs, a experincia do sagrado e do divino, como constitutiva da existncia humana. A questo de Deus em Heidegger extremamente complexa e tem sido muito discutida. S poderei acenar aqui para alguns aspectos mais importantes. Como j disse, ele rejeita a linguagem metafsica sobre Deus, isto ,WWW.UNISINOS.BR IHU ONLINE WWW.UNISINOS.BR /IHU

no aceita o tipo de pensamento que pretende demonstrar a existncia de Deus como fundamento ltimo da realidade, nem reconhece no Deus do tesmo metafsico um Deus que possa ser objeto de culto e de adorao. Por isso mesmo, enquanto um novo pensar no se consolidar, mais sensato calarse diante do mistrio do que querer falar de Deus. Na verdade, segundo Heidegger, s possvel falar autenticamente de algo medida que se manifesta, ou seja, que experienciado pelo pensamento. Ora, o mundo da tcnica, criado imagem e semelhana do homem e de seus interesses, j no revela a presena de um Deus. Trata-se de um mundo dessacralizado, que impede o acesso autntico ao divino. Estas observaes indicam claramente que, para ele, o divino, embora oculto pelo pensar representativo da modernidade, pertence essencialmente ao horizonte existencial do ser humano. Ele inclui expressamente esta dimenso no quarteto, constitutivo do mundo, que envolve a existncia humana: cu, terra, deuses e mortais. E a clebre entrevista que deu revista Der Spiegel por ocasio de seus 80 anos, para ser publicada apenas depois de sua morte, como seu testamento espiritual, contm a afirmao enigmtica, mas decisiva: S um Deus pode salvar-nos. A questo saber de que Deus se trata aqui e qual sua relao com o ser. certo que o ser, central no pensamento de Heidegger, no Deus. O ser, alis, no , porque s do ente se pode dizer que . E o ser no um ente, aquilo que . Por isso, Heidegger prefere dizer: h ser (es gibt Sein). Ora, o equivalente de haver em alemo se traduz literalmente em portugus por dar-se, que pode significar tambm algo como haver, acontecer, em frases como: Isso se deu (aconteceu, houve) naquele tempo. Portanto, ser, como se d, 19JULHO SO LEOPOLDO, 3 DE JULHO DE 2006

implica algo comunicativo, algo de doao. prprio do ser dar que pensar. Ele constitui a clareira em cujo mbito as coisas vm ao nosso encontro como sendo, isto , na sua verdade e sentido. Concepo de existncia no ltimo Heidegger Apesar de distinguir absolutamente entre o ser e os entes, Heidegger lhe atribui uma espcie de atuao, que suporia uma consistncia entitativa e at um carter pessoal. Para ele, como j expliquei, o ser que determina com suas iniciativas de manifestar-se ou ocultar-se o destino e a histria do pensar. O verdadeiro pensar aquele que, longe de arvorar-se em senhor da verdade, acolhe-a com gratido como uma graa e favor do ser. evidente a semelhana dessa linguagem com a que exprime na bblia a relao entre Deus e a liberdade humana na revelao dos seus desgnios como histria da salvao. Em todo o caso, mesmo prescindindo da relao para com um Deus transcendente e criador, tem muito de crist a concepo da existncia do ltimo Heidegger, como aceitao serena e agradecida do dom do ser como expresso suprema da liberdade como abertura verdade. Ser que por trs do ser haveria que divisar um Deus, concebido no tanto como a causa eficiente do mundo emprico, quanto como a fonte do sentido, aquele que, ao comunicar o ser como verdade, desperta o pensar como liberdade? A sintaxe do dar-se como haver em alemo distinta da portuguesa, enquanto atribui gramaticalmente ao sujeito impessoal es o dom do ser qual objeto direto. Poder-se-ia identificar neste es o mistrio frontal do qual flui o ser como o horizonte histrico da existncia humana? Heidegger no faz tal identificao. Mas esta reserva noWWW.UNISINOS.BR IHU ONLINE WWW.UNISINOS.BR /IHU

decorreria, quem sabe, da convico de que com isso ultrapassaria os limites do puro filosofar? possvel. Em todo caso, h tambm na sua obra indcios que vo em sentido contrrio, ou seja, no sentido da concepo de um divino imanente ao cosmo, prxima experincia do sagrado prpria da antiga religio da Grcia. A expresso deuses como uma das dimenses do mundo, que j mencionei, entre outras consideraes, pode levar a tal interpretao. Nesse caso, o ser planaria sobre o mundo humano tal qual a moira da mitologia grega, como o que determina, em ltima anlise, o destino dos deuses e dos mortais. Niilismo e morte de Deus possvel que Heidegger tenha deixado afinal sem resposta a questo sobre o tipo de divino ao qual ele se refere. Qualquer que seja, porm, a sua posio a esse respeito, certo que o divino faz parte de sua viso da realidade. O seu pensamento sobre o fim da Metafsica, bem entendido, longe de contribuir para o agravamento da crise religiosa contempornea, permite encar-la com a maior lucidez. Por um lado, a morte de Deus, caracterstica da cultura moderna, no equivale a um atestado da inexistncia de Deus, segundo sua interpretao da afirmao de Nietzsche, mas to somente percepo de que o Deus da Metafsica perdeu todo o seu vigor, j no capaz de dar sentido ao mundo contemporneo. Por outro lado, ele tacharia certamente de superficiais e absolutamente incapazes de superar o niilismo atual, resultante da morte de Deus, as manifestaes de ressurgimento religioso dos ltimos decnios. Esta religiosidade individualista, voltada para a satisfao afetiva do sujeito, constitui uma mera atitude reativa diante do racionalismo moderno, que, por isso mesmo, no seu 20JULHO SO LEOPOLDO, 3 DE JULHO DE 2006

irracionalismo permanece atrelada ao mesmo esquema de pensamento. Como disse h pouco, para Heidegger, s medida que o divino se manifesta pode estabelecer-se um autntico ser-paraDeus. Apenas ele pode tomar a iniciativa de revelar-se, cabendo ao ser humano to somente acolher com ateno a comunicao divina. Destarte, nesta poca de ocultamento da divindade no passaria de arrogncia enfatuada qualquer tentativa de chegar a Deus seja pela via da demonstrao racional, seja pelo sentimento religioso. Nem por isso propugna Heidegger uma atitude de mera passividade e resignao diante da crise atual. Tratase de assumir a tarefa de vigiar e proteger a verdade do ser, regio onde ser possvel experienciar o sagrado e pensar sua essncia, desde que ele volte a manifestar-se.

a norteiam. Foram as esperanas de um ressurgimento do povo alemo, aps as trgicas experincias da derrota na Primeira Guerra Mundial e do desastre da Repblica de Weimar, e mais ainda sua viso de uma revitalizao da cultura ocidental com base em razes autnticas, que ele projetou ingenuamente sobre a figura esqulida de Hitler34. No entanto, este erro fatal de julgamento, logo corrigido, a respeito do eventual executor de tais ideais no comprova qualquer afinidade entre seu pensamento e a ideologia nacionalsocialista. So, portanto, deplorveis as tentativas de invocar este episdio com o fito de minar a influncia do pensador do ser.

IHU On-Line De que forma osenhor interpreta a deciso de Heidegger de filiar-se ao nacionalsocialismo tendo em vista que quase foi padre e pediu um funeral religioso? Joo Augusto Mac Dowell No tempo de sua adeso ao nacionalsocialismo Heidegger j havia rompido os laos com a Igreja Catlica. No creio que este episdio, j debatido saciedade, possa ser explicado, num ou noutro sentido, em funo das atitudes religiosas de Heidegger. Em todo o caso, ele constitui uma mancha indelvel na biografia do filsofo. Mais grave, sob o ponto de vista tico, que a filiao, por um breve perodo, ao partido nazista que poderia ter suas atenuantes foi talvez sua recusa at o fim de exprimir sua mea culpa por tal gesto. Nem por isso se justifica a tentativa de, com base nesse fato, querer desqualificar o seu pensamento. Naturalmente, passos desta envergadura tm muito a ver com a mentalidade da pessoa, os valores que

IHU On-Line A superao heideggeriana da Metafsica no excluiria uma verdade absoluta? E a fundamentao das questes ticas, como pode ser feita com base nessa posio? Joo Augusto Mac Dowell A noo heideggeriana da verdade originria como des-ocultamento e manifestao do ente no seu ser e correspondentemente como abertura e liberdade do pensar relativiza a distino metafsica entre verdade absoluta e relativa. A manifestao do ente sempre verdadeira; poder, sim,Adolf Hitler (1889-1945): ditador alemo, lder do Partido Nazista. Suas teses racistas e anti-semitas, bem como seus objetivos para a Alemanha ficaram patentes no seu livro de 1924, Mein Kampf (Minha Luta). No perodo da sua ditadura, os judeus e outros grupos minoritrios considerados "indesejados", como ciganos e negros, foram perseguidos e exterminados no que se convencionou chamar de Holocausto. Cometeu o suicdio no seu Quartel-General (o Fhrerbunker) em Berlim, com o Exrcito Sovitico a poucos quarteires de distncia. A edio 145 da IHU On-Line, de 13 de junho de 2005, Oncomentou na editoria Filme da Semana, o filme dirigido por Oliver Hirschbiegel, A Queda as ltimas horas de Hitler. (Nota da IHU On-Line) On34

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ser mais ou menos verdadeira, de acordo com o maior ou menor desocultamento do ser e de acordo com a amplitude da perspectiva hermenutica do pensar. No h, porm, para o pensar humano, essencialmente finito, uma verdade absoluta, isto , uma revelao total do ente no seu ser. isso que reconhece o novo pensar que supera o racionalismo da metafsica moderna e sua pretenso de abarcar no pensamento toda a verdade. No se pode fundar absolutamente o edifcio do saber. A verdade, contraposta falsidade, como correspondncia ou no entre o que afirmado no juzo predicativo e a realidade, , para Heidegger, uma concepo secundria de verdade. Nada impede, porm, de considerar a verdade do juzo, nesta acepo, como absoluta. Algo no pode, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, ser e no ser verdadeiro, como pretende o relativismo. No entanto, este discurso lgico-predicativo no o mais adequado para pensar o ente no seu todo, pensamento que encerra tambm, segundo Heidegger, uma dimenso tica. A sua posio a respeito das questes ticas complexa. Ele no desenvolve uma tica como cincia das normas ou valores morais, porque considera que tal saber pertence ao reino da Metafsica. Isso no o impede de distinguir em Ser e Tempo a existncia autntica da inautntica, embora o critrio para tal distino no seja a adeso ou no a determinadas normas obrigatrias, mas sim o assumir a finitude e a temporalidade da existncia como ser-para-a-morte, o que relativiza

todas as possibilidades intramundanas, libertando a pessoa para a escolha livre. Aqui, portanto, o acento recai sobre a responsabilidade de cada um de compreender-se e projetar-se de acordo com o sentido prprio de sua existncia. A segunda fase do pensamento heideggeriano contm tambm e de maneira talvez ainda mais central um aspecto tico. No se trata, porm, de uma disciplina filosfica especfica. O agir humano s pode ser compreendido em conexo com a essncia das coisas, do prprio homem, do seu pensar, da sua linguagem e do ser. Desse modo, h uma tica imanente ao prprio pensar do ser, que assim anterior distino tradicional entre saber terico e saber prtico. Heidegger tem plena conscincia de que no mundo atual, justamente como dominado pela tcnica, no vigoram normas e valores absolutos. Por isso mesmo, nestas circunstncias, no tem sentido propor outro sistema de valores ou procurar fundament-lo. O que importa dispor-se mediante determinadas atitudes a acolher na liberdade uma eventual manifestao do ser que, para alm do mundo da tcnica, configure uma nova relao do homem para com o ente no seu todo. Ele prope, assim, em contraste com o subjetivismo e o antropocentrismo modernos, um ethos caracterizado por atitudes como a admirao e reverncia ante o mistrio do ser, a serenidade e a gratido, entre outras. S assim o ser humano e o seu pensar, que para ele a forma fundamental de agir, correspondero aos apelos do ser.

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Heidegger e a subjetividadeEntrevista com William RichardsonProfessor do Departamento de Filosofia do Boston College, em Chestnut Hill, Massachussets, EUA, o filsofo e psicanalista William Richardson, SJ, afirmou por e-mail IHU On-Line que On a contribuio de Heidegger para o entendimento da subjetividade foi esclarecer sobre o que um sujeito e o que no . Claramente, o que no , o ser que Heidegger tomou como o fenmeno humano por excelncia: Dasein, cuja natureza essencial simplesmente Estar-no-mundo (In-der-Welt-Sein). Se, eventualmente, ele age como sujeito, isso uma funo vlida, porm puramente secundria. Richardson mestre em Filosofia pelo Instituto Superior de Filosofia de Louvain, na Blgica. Ao longo de sua trajetria acadmica recebeu diversos prmios e reconhecimentos, entre eles o Cardinal Mercier Prize in Philosophy, da Universidade de Louvain, o Ps-doctoral Fellow, da Society for Values in Higher Education, entre outros. De seus inmeros artigos, destacamos The place of the unconscious in

Heidegger. Review of Existential Psychology and Psychiatry, V, 1965; Kant and the Late Heidegger. In Phenomenology in America, ed. J.M. Edie. Chicago: Quadrangle,1967; Heidegger and the Quest of Freedom. Theological Studies, XXVIII, 1967 e The

transcendence of God in the World of Man. Proceedings of the Catholic TheologicalSociety of America, XXIII (1968).

Quais so as principais crticas de Heidegger cincia? Como essas consideraes podem ser aplicadas cincia de nossos dias? William Richardson A crtica de Heidegger cincia moldada pela sua crtica metafsica, que surgiu da sua experincia filosfica anterior. Em uma carta de 1962, quando perguntado sobre como sua busca filosfica comeou, ele respondeu: O primeiro texto filosfico no qual eu trabalhei repetidas vezes desde 1907 foiWWW.UNISINOS.BR IHU ONLINE WWW.UNISINOS.BR /IHU

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a dissertao de Franz Brentano: Sobre

o Sentido Principal do Ser em Aristteles (1862). Na folha de rosto do

seu trabalho, Brentanto cita a frase de Aristteles: to on legetai pollachs. Eu traduzo: Um ser manifesta-se (ou seja, a respeito de seu Ser) de vrios modos. Latente nesta frase a questo que determina o modo do meu pensamento: o que a determinao penetrante, simples e unificada do Ser que permeia todos os seus mltiplos sentidos? ... Como eles podem ser trazidos para um acordo compreensvel? Este acordo no pode ser compreendido sem 23JULHO SO LEOPOLDO, 3 DE JULHO DE 2006

primeiro se levantar e se estabelecer a questo: de onde este Ser como tal (no meramente ser como ser) recebe esta determinao? (nfase de Heidegger) O Ser (Seidenes) do ttulo de Brentano35 traduz o to on (o que quer que seja), isto , um ser, como distinto do uso do Ser (Sein) de Heidegger no sentido de que um ser se manifesta como o que ele o , por assim dizer, do o-que-. O prprio Aristteles, na sua primeira filosofia, procura entender seres como seres (on hei on) tanto no sentido do menor denominador comum de todos os seres (o que foi mais tarde chamado de ontologia geral) ou de seres no sentido de suas bases finais em algum ser supremo, a temtica que mais tarde foi chamada teologia. Vistas juntas, essas duas abordagens ao questionamento dos seres como seres se tornam idnticas como metafsica. As razes para o termo so incertas, parcialmente por causa da ambigidade de meta (significando aps ou alm) como prefixo de physika (fsica) na frmula. Qualquer que seja a origem do termo, Heidegger insiste que a metafsica vista como um todo preocupada apenas com os seres como seres e negligencia as questes mais profundas sobre o do o-que- na sua diferena do o-que-, que repousa naFranz Brentano (1838-1917): filsofo alemo. Lecionou em Wrzburg e na Universidade de Viena. Sua filosofia evoluiu para um aristotelismo moderno, nitidamente emprico em seus mtodos e princpios. Os trabalhos mais importantes de Brentano so no campo da psicologia, por ele definida como cincia da alma. O objeto de seus estudos no foram, porm, os estados, e sim os atos e processos psquicos. Segundo Brentano, o fenmeno psquico distingue-se dos demais por sua propriedade de referir-se a um objeto por meio de mecanismos puramente mentais. Ao filsofo caberia, ento, estudar as diversas maneiras pelas quais a mente estabelece contatos com os objetos. Sua obra pstuma mais importante Von Simmlichen um Poetishen Bewusstsein (Sobre a conscincia sensorial e Onpotica), de 1928. (Nota da IHU On-Line)35

fundao da metafsica e a torna possvel. Segmento dos seres O que ns chamamos de cincia lida com um certo segmento desses seres comea com o desenvolvimento, pelos cientistas, de uma metodologia para medir, calcular e especular sobre a natureza de um certo segmento dos seres com uma viso para entend-los melhor e na esperana de aprimorar a capacidade do ser humano em lidar com eles nos interesses prticos da vida diria. Entendida desta maneira, a cincia para Heidegger totalmente merecedora do seu respeito. At o ponto em que, no entanto, os cientistas em pleno vo tendem a negligenciar as dimenses mais profundas dos seres que deixam seu prprio trabalho dar em nada, Heidegger critica o esforo cientfico em arriscar a reduo dos seres ao nvel de meros instrumentos para o controle humano e para o engrandecimento do desejo humano pelo poder sobre eles. Tal reduo demanda a prpria dignidade humana do cientista, unicamente baseada na abertura ao Ser na sua diferena dos seres os quais ele formalmente investiga. Isso posto, Heidegger jogou uma grande luz na emergncia histrica do empreendimento cientfico como o efeito de um esquecimento do Ser em uma poca da histria marcada pela origem da cincia moderna. Alm disto, certos cientistas encontraram sua prpria tcnica fenomenolgica de Heidegger, a qual ele uma vez chamou de hermenutica de facticidade, que foi de grande ajuda em tornar as apresentaes mais precisas, iluminando seus prprios procedimentos metodolgicos.

IHU On-Line De que forma a Onfilosofia 24 heideggeriana contribui

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para um entendimento da subjetividade e dos fundamentos filosficos da psicoanlise? William Richardson Para Heidegger, o ser humano considerado como Dasein, ou seja, um ser entre o resto dos seres, por meio do que o Ser se torna manifesto com a revelao de todos os seres em qu e como so. Como tal, Dasein36 (ou Existncia) pensado como sendo um eu, mas no um sujeito. Ser um sujeito significa relacionar-se com todos os outros seres como objetos para os quais o sujeito o nico ponto de referncia para determinar o que quer que possam significar. Assim, todos os seres so objetos para sujeitos, ou sujeitos que servem como objetos para outros sujeitos (ou para si mesmos). Na psicanlise, o ser humano concebido como um sujeito em princpio um sujeito consciente que capaz da atividade a qual apesar de sua conscincia , na verdade, inconsciente. Essa dimenso da qual o sujeito inconsciente foi primeiro problematizada por Freud37 e designada por ele como o inconsciente. Quer seja consciente ou inconsciente, o

sujeito analisado por Freud foi o sujeito como o descoberto por Descartes38. A contribuio de Heidegger para o entendimento da subjetividade foi esclarecer sobre o que um sujeito e o que no . Claramente, o que no , o ser que Heidegger tomou como o fenmeno humano por excelncia: Dasein, cuja natureza essencial simplesmente Estar-no-mundo (In-derWelt-Sein). Se, eventualmente, ele age como sujeito, isso uma funo vlida, porm puramente secundria.

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On Quais as On-Line contribuies de Heidegger para uma compreenso mais ampla do inconsciente do sujeito? William Richardson Para um homem de to grande inteligncia, o entendimento de Heidegger sobre Freud parece cru e superficial. Ele foi seriamente apresentado a Freud relativamente tarde na vida, quando Medard Boss39 o convidou para uma srie de seminrios (1959-1969) para os psiquiatras que ele estava treinando em Zollikon (Sua). Brevemente, Heidegger assumiu que, quando Freud encontrou um processo fsico que ele no podiaRen Descartes (1596-1650): filsofo, fsico e matemtico francs. Notabilizou-se sobretudo pelo seu trabalho revolucionrio da Filosofia, tendo tambm sido famoso por ser o inventor do sistema de coordenadas cartesiano, que influenciou o desenvolvimento do clculo moderno. Descartes, por vezes chamado o fundador da filosofia e matemtica modernas, inspirou os seus contemporneos e geraes de filsofos. Na opinio de alguns comentadores, ele iniciou a formao daquilo a que hoje se chama de racionalismo continental (supostamente em oposio escola que predominava nas ilhas britnicas, o empirismo), posio filosfica dos sculos XVII e XVIII na Europa. (Nota da IHU OnOnLine) Medard Boss (1903-1990): psicanalista e psiquiatra suo que desenvolveu uma forma de psicoterapia chamada anlise do Dasein, largamente influenciada na filosofia fenomenolgico-existencial de seu amigo e mentor, Martin Heidegger. (Nota da IHU On-Line) On38 39

A traduo literal do termo (alemo) seria sera. (N. do T.) Sigmund Freud (1856-1939): neurologista e fundador da Psicanlise. Interessou-se, inicialmente, pela histeria e, tendo como mtodo a hipnose, estudava pessoas que apresentavam esse quadro. Mais tarde, interessado pelo inconsciente e pelas pulses, foi influenciado por Charcot e Leibniz, abandonando a hipnose em favor da associao livre. Estes elementos tornaram-se bases da Psicanlise. Freud, alm de ter sido um grande cientista e escritor, realizou, assim como Darwin e Coprnico, uma revoluo no mbito humano: a idia de que somos movidos pelo inconsciente. Freud, suas teorias, e seu tratamento com seus pacientes foram controversos na Viena do sculo XIX, e continuam muito debatidos hoje. A edio 170 da IHU OnOnLine, de 8 de maio de 2006, dedicou-lhe o tema de capa sob o ttulo Sigmund Freud. Mestre da suspeita. (Nota da IHU On-Line) On36 37

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explicar pela causalidade consciente, ele postulou um processo psquico inconsciente para esclarec-lo. Mas isso foi ignorar completamente a dimenso do Dasein/Existncia como Ser-nomundo, a qual estende muito alm o nvel de conscincia consciente da Dasein/Existncia. Considerando essa dimenso, seria necessrio postular algo to bizarro quanto a inconscincia freudiana para poder explicar o comportamento humano. De fato, o prprio Boss j havia (antes de 1959) dispensado a hiptese de uma inconscincia freudiana a favor de uma anlise clnica prxima da Dasein/Existncia como Ser-no-mundo. Ele batizou esta tcnica de Dasainanlise e formou a base de um mtodo psicoteraputico que continua a ser usado por esse nome pelos sucessores contemporneos de Boss. No entanto, essa atitude negativa para com Freud permanece sobre o entendimento fisicalista de Heidegger da metapsicologia de Freud. Mais recentemente, uma nova abordagem de Freud foi proposta por um dos mais eminentes discpulos de Freud: o assim chamado Freud Francs, Jacques Lacan40. Aps estudar intensamente os principais trabalhos iniciais de Freud (A Interpretao dos Sonhos {1900}, A Psicopatologia na Vida Diria {1901} e

disponveis a ele nos crculos cientficos da sua poca para que se pudesse fazer esse insight especulativamente crvel. No sculo XX, entretanto, outra cincia surgiu: a lingstica formal tendo como pioneiro Ferdinand de Saussure41, e que foi estendida para a cultura antropolgica por Claude Lvi Strauss42 que pode servir como um paradigma melhor para a conceitualizao do insight original de Freud do que o fisicalista. O prprio projeto de Lacan, ento, tornou-se um retorno ao insight original de Freud e um repensar as suas implicaes lingsticas de acordo com a hiptese fundamental de que a inconscincia estruturada como a linguagem. Como teria reagido Heidegger se Freud tivesse sido apresentado a ele nesse contexto?

Base ontolgica Ns no sabemos, claro, mas ns sabemos que, para o Heidegger inicial, a linguagem tinha um lugar nico naFerdinand de Saussure (1857-1913): lingista suo, cujas elaboraes tericas propiciaram o desenvolvimento da lingstica como cincia e desencadearam o surgimento do estruturalismo. Alm disso, o pensamento de Saussure estimulou muitos dos questionamentos que comparecem na lingstica do sculo XX. (Nota da IHU On-Line) OnLviClaude Lvi-Strauss (1908): antroplogo belga que dedicou sua vida elaborao de modelos baseados na lingstica estrutural, na teoria da informao e na ciberntica para interpretar as culturas, que considerava como sistemas de comunicao, dando contribuies fundamentais para o progresso da antropologia social. Sua obra teve grande repercusso e transformou, de maneira radical, o estudo das cincias sociais, mesmo provocando reaes exacerbadas nos setores ligados principalmente tradio humanista, evolucionista e marxista. Ganhou Struc renome internacional com o livro Les Structures lmentaires de la parent (1949). Em 1935, LviStrauss veio ao Brasil para lecionar Sociologia na USP. Interessado em etnologia realizou um trabalho de pesquisa em aldeias indgenas do Mato Grosso. A experincia foi sistematizada no livro Tristes Trpicos, publicado em 1955 e considerado um dos mais importantes livros do sculo XX. (Nota da IHU On-Line) On41 42

Chistes e sua relao com o Inconsciente {1905}), Lacan concluiu que o insight pico de Freud foi nocaminho dos trabalhos com a linguagem. O recurso de Freud s categorias fisicalistas a fim de especular sobre isso foi determinado pelo fato de que esses foram os nicos meios

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(1901Jacques Lacan (1901-1981): psicanalista francs. Lacan fez uma releitura do trabalho de Freud, mas acabou por eliminar vrios elementos deste autor (descartando os impulsos sexuais e de agressividade, por exemplo). Para Lacan, o inconsciente determina a conscincia, mas este apenas uma estrutura vazia e sem contedo. (Nota da IHU On-Line) On-

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ontolgica do Dos trs componentes equiprimordiais da estrutura ontolgica do Dasein/Existncia, die Rede, termo pelo qual Heidegger traduz o logos grego, no s discurso (traduzindo para o portugus), mas a exata estrutura do Dasein/Existncia que permite Verstehen e Befindichkeit chegar expresso lingstica. Do mesmo modo, ns sabemos que, para o Heidegger recente, o logos de Herclito43 (como physis para Parmnides44) um modo no qual o Ser/altheia d em nada. Conseqentemente, logos/legein para Herclito interpretado como o processo de agrupamento de seres neles mesmos, precisamente na sua acessibilidade (expressvel). Por esta razo, logos, como experienciado por Herclito, pode ser entendido como a prpria linguagem na sua mais profunda origem. Ento, o esforo recente de Heidegger em pensar o significado do Ser em termos da funo da linguagem em poeta, pensador e homem de estado um complemento coerente ao seu insight inicial no logos como um componente estrutural do Dasein/Existncia no contexto do Ser e Conseqentemente, o Tempo. psicanalista, ento disposto, pode pensar o analisando como um eu j constitudo pelo logos como um componente ontolgico do seu Ser, que funciona tambm no nvel ntico de acordo com as leis da linguagem que a lingstica discerne. So essas leis que podem estruturar e guiar o prprio processo analtico.

Dasein/Existncia.

estrutura

Em suma, se a inconscincia estruturada como a linguagem, Heidegger pode oferecer uma base ontolgica para a qual Lacan e seus seguidores so tentados em um nvel ntico para fazer o insight genial de Freud cientificamente respeitvel para outras geraes de pensadores.

OnIHU On-Line Como Heidegger podefundamentar a liberdade na psmodernidade? William Richardson Esta uma dupla questo: a) como Heidegger entende a modernidade como uma poca de Ser-como-histria? b) qual o papel da liberdade em tal concepo? a) Modernidade senso comum agora Modernidade. dizer que as primeiras tentativas de Heidegger de discernir o significado de Ser por meio de uma fenomenologia do Dasein/Existncia como Ser-no-mundo, em Ser e Tempo produziram uma conceitualizao negativa do Ser, ou seja, como no-um-ser/coisa, como No-coisa ou Nada (Nichts) que podem ser articulados onticamente. No entanto, a anlise da verdade produziu o fato de que a explicao clssica da verdade em conformidade entre o julgamento e o contedo do que afirmado pressupe uma arena prvia de acesso entre juiz e julgado, no qual um primeiro encontro entre as duas partes tem espao. Essa rea antecedente de abertura, segundo Heidegger, um tipo mais fundamental de verdade que a forma contida em julgamentos, que os gregos chamavam simplesmente altheia, literalmente a(privao) - lth (esquecimento, ocultamento), portanto um processo inicial de des-ocultamento como prvio qualquer outra forma de verdade. Este poderia ser um domnio de pura abertura de todos os seres, o Aberto como tal (ou seja, o prprio Ser) que habilita todos os seres a se revelarem como o que e como so.

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Herclito de feso (540 a. C. - 470 a. C.): filsofo pr-socrtico, considerado o pai da dialtica. Problematiza a questo do devir (mudana). (Nota da IHU On-Line) OnParmnides de Elia (530 a. C. 460 a. C.): filsofo pr-socrtico, fundador da escola eletica. (Nota da IHU On-Line) On-

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Aps 1930, altheia como desocultamento desempenhou um papel mais ativo que antes e foi concebida como simultaneamente revelando-se para e ocultando-se da Dasein/Existncia. Este processo de revelao/ocultao em seguida levou a um sentido histrico como j antecipado em Ser e Tempo e pensado posteriormente como uma espcie de dispensa do Ser-como- altheia para o Dasein/Existncia, mesmo para indivduos (ex: Parmnides, Herclito, Plato etc), ou para grandes grupos de humanos assim constituindo todas as pocas da histria. Teria sido esquecimento (Geschick) para Descartes, que iniciou um estilo de pensamento filosfico geralmente categorizado como subjetivismo, de acordo com o qual todos os seres foram pensados na polaridade sujeito-objeto. Como este estilo de pensamento tornou possvel a revoluo cientfica de Coprnico45 a Newton46 e alm,Nicolau Coprnico (1473-1543): astrnomo e matemtico polons, alm de cnone da Igreja, governador e administrador, jurista, astrlogo e mdico. Desenvolveu a teoria heliocntrica para o sistema solar, que colocou o Sol como o centro do sistema solar, contrariando a ento vigente teoria geocntrica - o geocentrismo (que considerava a Terra como o centro). Essa teoria considerada uma das mais importantes descobertas de todos os tempos, sendo o ponto de partida da astronomia moderna. A teoria copernicana influenciou vrios outros aspectos da cincia e do desenvolvimento da humanidade, permitindo a emancipao da cosmologia em relao teologia. O IHU promoveu de 3 de agosto a 16 de novembro de 2005 o Ciclo de Estudos Desafios da Fsica para o Sculo XXI: uma aventura de Coprnico a Einstein. Sobre Coprnico, em especfico, o Prof. Dr. Geraldo Monteiro Sigaud, da PUC-Rio, proferiu palestra em 3 de agosto, intitulada Coprnico e Kepler: como a Terra saiu do centro do Universo. (Nota da IHU On-Line) OnIsaac Newton (1642-1727): fsico, astrnomo e matemtico ingls. Revelou como o universo se mantm unido atravs da sua teoria da gravitao, descobriu os segredos da luz e das cores e criou um ramo da matemtica, o clculo infinitesimal. Essas descobertas foram realizadas por Newton em um intervalo de apenas 18 meses, entre os45 46

Heidegger explica detalhadamente. Tudo somado, a revoluo filosfica instituda por Descartes e a evoluo da metodologia cientfica que constituiu a emergncia da cincia moderna coincidiram para formar o que ns agora chamamos de poca da modernidade. Heidegger insistiria, entretanto, que ns pensssemos sobre isso menos como uma realizao humana do que efetivamente um esquecimento do Ser como altheia ao qual certos homens e gnios responderam. O papel da liberdade b) Liberdade Cada esquecimento da Liberdade. altheia um esquecimento de liberdade, pois altheia implica liberao da escurido que torna os seres humanos livres e abertos para o que /so. Heidegger deixa esse ponto explcito ao discutir outra poca do Sercomo-histria que ele caracteriza como uma espcie de seqncia para a modernidade e descreve a poca da tecnicidade (die Technik). Na sua essncia, ela marcada no s pela objetivao de seres, mas pelo aumento do poder sobre eles, que eventualmente vitimiza a si prpria. Heidegger a apresenta, entretanto, como uma poca de liberdade na qual ela um novo modo de des-ocultamento: A essncia da liberdade no est originalmente conectada com a vontade ou mesmo com a causalidade da vontade humana. A liberdade governa o espao livre no sentido da clareza, a

anos de 1665 e 1667. considerado um dos maiores nomes na histria do pensamento humano, por causa da sua grande contribuio matemtica, fsica e astronomia. O IHU promoveu de 3 de agosto a 16 de novembro de 2005 o Ciclo de Estudos Desafios da Fsica para o Sculo XXI: uma aventura de Coprnico a Einstein. Sobre Newton, em especfico, o Prof. Dr. Ney Lemke proferiu palestra em 21 de setembro, intitulada A cosmologia de Newton. (Nota da IHU OnOn-Line)

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JULHO SO LEOPOLDO, 3 DE JULHO DE 2006

qual deve-se dizer, a revelada. ... Mas aquilo que liberta o mistrio est oculto e sempre se ocultando. Toda a revelao surge do livre, vai para o livre e traz o livre (A Questo a Respeito da Tecnologia, grifo de Heidegger). Isso bonito de se dizer, claro, mas como a liberdade ento entendida se relaciona com a vontade e a causalidade da vontade humana, a qual precisa ser envolvida em qualquer resposta genuinamente humana liberdade como dispensa da altheia? Heidegger no de grande ajuda aqui.

OnOn-Line Como podemos entender essa liberdade diante de regimes totalitrios, como o nazista, por exemplo? William Richardson Para Heidegger, a experincia da verdade como liberdade no uma bno pura47. Cada revelao da verdade finita e deixa um resduo de trevas, lth48. Ela pode assumir duas formas: uma forma o mistrio, o esconder daquilo que totalmente escondido, dos seres como tais; o segundo modo Heidegger chama falibilidade uma combinao de mistrio que ignora, subverte e at perverte o mistrio de tal maneira que Heidegger a chama de contra-essncia da verdade: A falibilidade pertence constituio interna do Dasein/Existncia na qual o homem histrico admitido. (...) Desencaminhando-o, a falibilidade domina o homem completamente. (Sobre a essncia da verdade). Essa dominao pode afetar o Dasein/Existncia individual, ou grupos sociopolticos, ou culturas inteiras at, certamente, a mais precursora experincia dos gregos.

IHU

(Se) altheia49 tem uma essncia conflituosa, a qual aparece tambm nas formas opositivas de distoro e esquecimento, ento na polis50 como domiclio essencial do homem h que se regrar todas as mais extremas contraessncias e nisso todos os excessos do indisfarvel. ... Aqui as mentiras disfararam a base primordial dessa caracterstica apresentada por J