os desafios da escola pÚblica paranaense …...marginal!” (freire, 2008, p.101-103). a literatura...
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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
LETRAMENTO LITERÁRIO E A REPRESENTAÇÃO ESTÉTICA DA VIOLÊNCIA NA NARRATIVA FICCIONAL1
Iliete Cassiano2 Vanderléia da silva Oliveira3
Resumo: Trabalho desenvolvido como resultado da experiência pedagógica implementada em uma escola pública do Estado do Paraná, inserida nas atividades do Programa PDE/SEED-PR. A proposta, metodologicamente tendo como escopo o conceito de letramento literário, pautou-se na sequência didática de Cosson (2009), fazendo uso da sequência básica de leitura e desenvolvida com os alunos do 2º ano do Ensino Médio. Objetivou-se, a partir do gênero literário conto, desenvolver atividades de leitura a propósito da obra Rasif, mar que arrebenta, de Marcelino Freire, abordando-se a representação estética da temática da violência.
Palavras-chave: Letramento literário. Contos. Literatura contemporânea. Marcelino Freire. Violência.
Introdução
Mesmo tendo como pressuposto teórico o fato de que o ensino de literatura é
imprescindível no Ensino Fundamental e Médio e que a relação obra/autor/leitor é
essencial para a formação do leitor, trabalhar com a literatura em sala de aula se
constitui em um desafio para o professor.
Fomentar a leitura é tarefa árdua, sobretudo neste início de século no qual
a modernidade e disponibilidade da tecnologia, bem como a mídia, absorvem o
interesse de nossos jovens, envolvendo-os em outras atividades prazerosas, que o
distanciam do universo da leitura.
O ensino de literatura na escola deve ser visto como uma prática social de
comunicação que amplie o horizonte do leitor e faça com que ele seja um ser ativo,
participante e crítico na construção da realidade.
1 Unidade didática integrante do Caderno Pedagógico intitulado Figurações da violência e leitura
literária no espaço escolar, do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), turma 2013, da Secretaria de Estado da Educação (SEED) – Paraná, na área de Língua Portuguesa. 2 Graduada em Letras Anglo-Portuguesas, Especialista em Literatura e Estudos da Linguagem,
Professora PDE 2013, e-mail: [email protected]. 3 Doutora em Letras, na área de Estudos Literários, docente do Centro de Letras, Comunicação e
Artes, da UENP-Campus Cornélio Procópio, e-mail: [email protected].
Considerando-se o que foi relatado, justifica-se a presente proposta de
trabalho voltada para a investigação de prática pedagógica tendo o texto literário
como principal elemento de estudo, fomentando a formação de leitor.
A proposta pedagógica que discute o processo de letramento literário,
abordando a temática violência, compôs um caderno pedagógico intitulado
Figurações da violência e a leitura literária no espaço escolar, como uma das
exigências do PDE. Neste texto, pois, será analisada a implementação da referida
produção.
1. Letramento literário: o que pode a literatura em sala de aula
Educar para o letramento literário continua sendo, em pleno século XXI, um
desafio para a escola, diante de uma “modernidade” que absorve o aluno-leitor,
fazendo-o voltar-se para múltiplos interesses, dos quais, muitas vezes, o letramento
literário não faz parte.
O ato de ler, interpretar, se identificar ou não com a obra, envolver-se com a
leitura, evidencia, ainda, um leitor em formação, que define o letramento literário
como algo sem sentido e irrelevante aos seus interesses pessoais, vez que exige
desse leitor predisposição para a leitura, tempo para a mesma e envolvimento com a
obra para possíveis reflexões e transformações individuais e de mundo.
O ensino de literatura em sala de aula gera uma reflexão, uma vez que, por
exemplo, o prazer de ler fica distante dos bancos escolares, dentre outros entraves.
Portanto, é preciso reflexão e análise sobre as diferentes metodologias, no que diz
respeito ao ensino de leitura, a serem usadas nas diferentes séries do Ensino
Fundamental e Médio.
O ensino de literatura na escola deve ser visto como uma prática social de
comunicação que leve o aluno a refletir sobre a sua própria realidade e a dos outros.
A literatura tem como suporte diversos gêneros literários que possibilitam diferentes
abordagens, tanto de estrutura como de tema, possíveis de serem explorados em
sala de aula, levando-se em consideração as experiências de leitura que os alunos
já trazem consigo e proporcionando-lhes experiências novas capazes de causarem
uma ruptura e ampliarem seus horizontes de expectativas. Para Aguiar e Bordini:
A riqueza polissêmica da literatura é um campo de plena liberdade para o leitor, o que não ocorre em outros textos. [...] a obra literária acaba por fornecer ao leitor um universo muito mais carregado de informações, porque o leva a participar ativamente da construção dessas, com isso forçando-o a reexaminar a sua própria visão da realidade concreta. (AGUIAR E BORDINI, 1988, p.15)
Vivemos numa sociedade de alfabetizados, mas nem todos letrados. Faz-se
necessário diminuir essa desigualdade, proporcionando um trabalho com obras
literárias, conduzindo, respectivamente ao letramento literário.
O letramento literário é essencial para a formação do leitor. Mas, quem tem
direito à literatura? Segundo Candido (1995, p.263),“Uma sociedade justa pressupõe
o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as
modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável”.
O crítico provoca um “leque” de reflexões quando relata que em nossa
sociedade há fruição da literatura segundo as classes, na medida em que um homem
do povo está privado da possibilidade de conhecer e aproveitar a leitura de obras
clássicas, ficando, para ele, a literatura de massa, não menos importante, mas
insuficiente para a grande maioria que, devido à pobreza e à ignorância, é impedida
de chegar às obras eruditas (CANDIDO, 1995). Assim sendo, observa-se que:
O letramento é, sem dúvida alguma, pelo menos nas modernas sociedades industrializadas, um direito humano absoluto, independentemente das condições econômicas e sociais em que um dado grupo humano esteja inserido; dados sobre letramento representam, assim, o grau em que esse direito está distribuído entre a população e foi efetivamente alcançado por ela. (SOARES, 2006, p.120).
Candido (1995, p.74), em Literatura e Sociedade, ressalta a importância
da literatura como um sistema vivo de obras, que age umas sobre as outras e sobre
os leitores; vivendo na medida em que estes a vivem, decifrando-a, aceitando-a,
transformando-a. Para o autor, a obra não é produto fixo, unívoco ante qualquer
público; nem este é passivo, homogêneo, registrando uniformemente o seu efeito,
mas sim, são dois termos que atuam um sobre o outro, e aos quais se junta o autor,
termo inicial do processo literário. Para configurar a realidade da literatura atuando
no tempo. Na visão dele (1995, p.249), “A literatura desenvolve em nós a quota de
humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a
natureza, a sociedade, o semelhante.”
O texto literário envolve, pois, uma multiplicidade de conhecimentos que
abrangem, de certa forma, outros textos, outras áreas de estudo e expressa a
realidade por meio da ficção. Propõe-se, então, que o trabalho com esses textos
levem o leitor a uma visão crítica, sob um olhar reflexivo e ativo, capaz, por meio da
leitura, de questionar possíveis temáticas, transformar sua própria realidade e
buscar alternativas positivas para a transformação da realidade do outro.
Sugere-se, nas Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa para a
Educação Básica (PARANÀ, 2008), que a literatura seja pensada e trabalhada
utilizando-se a Estética da Recepção e a teoria do Efeito, vez que as mesmas
buscam formar um leitor capaz de sentir, de expressar sentimentos envolvidos pelas
subjetividades da literatura, expressas na tríade obra/autor/leitor que está presente
na interação da prática de leitura. Diante disso, optou-se neste trabalho pela adoção
da proposta de sistematização de leitura de Cosson (2009), particularmente a
sequência básica.
1.1. A metodologia e a busca de “novos caminhos”
A literatura em sala de aula precisa ser repensada, vez que o modo como
se apresenta, principalmente nos livros didáticos, não contribui em sua totalidade
para a formação do leitor. Sua divisão em períodos e/ou escolas literárias,
distribuídas nas séries do Ensino Médio, impede que ela se articule com épocas e
acontecimentos diferentes, consequentemente tendo uma visão fragmentada e não
global das obras.
É preciso apontar caminhos significativos na construção do letramento
literário, na valorização da leitura, tendo como principal objetivo a formação desse
leitor, ainda em transição, que chega ao ambiente escolar com pouco ou nenhum
contato com o universo literário, que envolve a sociedade em que está
inserido. Oportunizar momentos no ambiente escolar para que esse encontro com a
literatura se efetive, valorizar sua experiência literária e ampliar seu horizonte de
expectativas, deve ser um dos caminhos para a contribuição da formação desse
aluno-leitor.
Faz-se necessário, no entanto, eleger uma metodologia que aborde o
letramento literário, que dê subsídios para o trabalho da literatura em sala de aula,
onde a leitura seja relevante. O professor necessita de uma linha condutora, de um
“caminho” a ser seguido que “abra” novas possibilidades de trabalho com o texto
literário.
A metodologia escolhida deve oportunizar esses múltiplos caminhos que
contemplem o trabalho com literatura em sala de aula e que seja relevante ao tema
proposto. Ela, ainda, deve visar ao texto literário e, consequentemente ao tema
discutido. Portanto, observa-se que:
É importante que o professor também tenha em mente que seu propósito é promover o letramento literário, mostrando ao seu aluno um caminho de leitura que poderá ser transposto para tantos outros textos que ele venha a ler mais tarde ou julgar necessário. [...] (COSSON, 2009, p. 103-104).
A proposta de trabalho volta-se para a investigação de prática pedagógica,
tendo o texto literário como principal elemento de estudo, fomentando a formação de
leitor, buscando, ainda, levar o aluno a refletir sobre a obra, analisando-a no tempo
passado e presente (contemporâneo e atual). Nesse trabalho com a literatura,
especificamente com o texto, elegeu-se como metodologia as sequências didáticas
proposta por Cosson (2009), abordando-se a temática da violência.
Sob a égide do cenário contemporâneo, por meio do texto literário, foi
trabalhada a questão da violência social, atualmente muito presente em nosso dia a
dia e, inevitavelmente, representada por meio da ficção, a fim de que o aluno possa
refletir sobre a temática com criticidade, buscando transformar sua própria realidade
e do outro. Para Cosson (2009, p.29):
Ao professor cabe criar as condições para que o encontro do aluno com a literatura seja uma busca plena de sentido para o texto literário, para o próprio aluno e para a sociedade em que todos estão inseridos.
2. Marcelino Freire e a literatura contemporânea
Para esse trabalho com o letramento literário, foi escolhida a obra Rasif,
mar que arrebenta, do escritor contemporâneo Marcelino Freire. A obra compõe-se
de vários contos que abordam o tema da violência numa visão crítica e realista da
sociedade, com uma linguagem clara e muitas vezes “agressiva”. Aborda, portanto,
um dos inúmeros problemas sociais, que é a questão da violência presente no
cotidiano das pessoas.
Muitos escritores, como Marcelino Freire, buscam retratar temas atuais, por
meio da literatura contemporânea, cada vez mais presente no universo literário.
São estilos diferentes, temas atuais, linguagem clara e objetiva, uso de termos
linguísticos que muitas vezes “chocam” o leitor, mas “carregados” de
expressividade, como se vê em: “Ele tá dizendo. Que tá de saco cheio. Ele e o
bando inteiro. De saco cheio. E que a maloca vai de mal a pior. [...] País de
marginal!” (FREIRE, 2008, p.101-103).
A literatura contemporânea ganha cada vez mais espaço, busca um “novo”
público, interessado numa leitura inovadora aos seus anseios, que interaja com
esse leitor, fazendo-o refletir sobre sua própria realidade e transformando a
sociedade em que está inserido.
O escritor Marcelino Juvêncio Freire nasceu em 1967 na cidade de Sertânia
em Pernambuco e vive em São Paulo desde 1991. Contista. Em 1989 frequentou a
escola literária do escritor Raimundo Carrero (1947). Seus dois primeiros livros:
AcRústico (1995) e EraOdito (1998). É autor, entre outros, de Angu de Sangue,
2000 e Contos Negreiros, 2005. Foi vencedor do Prêmio Jabuti em 2006.
Segundo Santiago Nazarian, Marcelino Freire também é conhecido como agitador
cultural, sobre os eventos que promove, os autores que divulga. Sua paixão por
sons e palavras é o que torna a sua prosa tão próxima da poesia, do teatro. Sua
obra Rasif: mar que arrebenta, é composta por 17 contos, sendo eles: Para
Iemanjá, Da paz, O meu homem-bomba, We speak English, Maracabul, Meu
último Natal, Júnior, Roupa suja, Ao atores, Amor cristão, Chá, I-no-cen-te,
Amigo do rei, Tupi-guarani, Sinal fechado, Ponto.com.ponto, O futuro que me
espera.
Dos contos citados, foram escolhidos três para o trabalho em sala de aula
com os alunos: “We speak English”, que retrata o valor cultural dos idiomas:
português, inglês e árabe, enquanto códigos de comunicação. Questiona junto ao
leitor o presente da língua e da cultura e sobre o futuro das mesmas; o conto
“Tupi-guarani” que aborda fatos históricos de questões mal resolvidas referente à
formação de nossa nação; assim como mostra a figura indígena reclamando o
direito à sua terra e sua cultura, através de uma linguagem “pesada”, carregada de
ironia e palavras indígenas. O autor faz uso de gírias e de um vocabulário “forte”
para manifestar a revolta e indignação do índio pelas atitudes do homem “branco”,
que o discrimina por meio da indiferença social e de seus interesses pessoais; e,
finalmente, o conto: “O futuro que me espera”, que mostra um narrador cheio de
saudades de sua terra natal (Pernambuco), dos lugares, de seu povo; que vê no
retorno a solução de seus problemas sentimentais. A linguagem utilizada por ele
reflete a presença de um futuro próximo, como se pudesse prever seu próprio
futuro. Unindo passado e futuro, o narrador oferece ao leitor um novo começo.
2.1. O conto e a produção didática
O gênero literário conto poderá ser um dos caminhos para que o professor
envolva os alunos num ambiente de leitura e através de atividades relacionadas a
mesma, possa efetivar assim o letramento literário.
Para Moisés (1997), o conto constitui-se de unidades de ação, tempo e
lugar, embora reduzidas, com poucas personagens, com uma linguagem objetiva e
de imediata compreensão para o leitor, sendo o diálogo a base expressiva do
mesmo. Por constituir-se em uma narrativa curta, predispõe pouco tempo para a
leitura e melhor compreensão, aspecto essencial para a interpretação do texto, o
que pode amenizar a distância, ainda existente, entre leitor e obra literária, pois,
segundo Aguiar e Bordini (1988, p.9), “Ao decifrar-lhe o texto o leitor estabelece elos
com as manifestações sócio-culturais que lhe são distantes no tempo e no espaço”.
A produção didática aqui elaborada levou em consideração alguns aspectos
importantes da chamada Estética da Recepção, com encaminhamento metodológico
pautado nas sequências didáticas propostas por Cosson (2009): a básica e a
expandida. A sequência básica do letramento literário destina-se ao trabalho com
alunos do Ensino Fundamental e a sequência expandida, com os alunos do Ensino
Médio. Todavia, embora a proposta do projeto fosse direcionada ao Ensino Médio
utilizando a sequência expandida, a produção didática foi desenvolvida por meio da
sequência básica, por tratar-se de contos, ou seja, narrativas curtas.
Para cada conto selecionado foi desenvolvida uma sequência de atividades
chamada de “intervalos”. Essas atividades, pautadas em objetivos específicos para
cada conto, contribuíram para a interação e reflexão entre os alunos, assim como os
questionamentos feitos durante a realização das atividades e resolução das
mesmas. Os chamados “intervalos” oportunizaram momentos de leitura dos contos,
análise e socialização entre os alunos, fazendo-os refletirem sobre a temática da
violência dentro do ambiente escolar e em seu cotidiano, contrastando ficção e
realidade num mesmo universo literário.
A produção didática procurou por “novos caminhos” para o trabalho com a
literatura em sala de aula, focando na leitura de textos literários (contos),
aproximando os alunos desse universo literário tão importante no ambiente escolar e
fora dele.
2.2. O texto literário e a representação da violência
A obra literária retrata, muitas vezes, a realidade de forma fiel, o que nos
remete a um flashback, por semelhança, de acontecimentos vivenciados ou
presenciados por nós mesmos. Ela retrata aspectos reais, ainda que de forma
ficcional, possibilitando ao aluno refletir sobre a obra lida e perceber que a literatura
proporciona riqueza expressiva.
A literatura sempre representou a violência, sob as mais diversas formas,
seja ela verbal, física, moral, etc., como se observa nos textos literários, embora
fictícios, mas que retratam a realidade. Muitas vezes, absorve, choca dentro desse
contexto social banal, conformista, que é cômodo, pois tira o peso da
responsabilidade e nos torna descomprometidos com os problemas sociais.
Quando se pensa na temática da violência, percebemos que ela está mais
próxima de nós e do aluno, do que imaginamos. No próprio ambiente escolar, muitas
vezes, ela se faz presente, seja verbal ou fisicamente. Desse modo, ao abordá-la em
sala de aula, teremos a oportunidade de inserir o aluno nesse universo, fazendo-o
capaz de refletir sobre ela, tão presente no cotidiano das pessoas, mas, muitas
vezes indiferente aos olhos de muitos.
É preciso, por meio da leitura das obras literárias, estimular o aluno ao
comprometimento com os problemas sociais que os rodeiam, que possam discutir
sobre os mesmos, sob uma visão crítica, um olhar reflexivo e ativo, capaz, através
da leitura, de questioná-la, transformando sua própria realidade e buscando
alternativas positivas para a transformação da realidade do outro, tornando-se,
assim, leitores críticos e passíveis de mudança.
3. Relato de experiência
3.1. Os contos de Marcelino Freire
A obra contemporânea Rasif, mar que arrebenta, do escritor Marcelino
Freire, possibilita o trabalho sobre a temática da violência, relacionando-se com
outros gêneros textuais como a poesia e a música.
Foram selecionados três contos: “We speak English”, “Tupi-guarani” e “O
futuro que me espera”, para compor e desenvolver a produção didática e,
posteriormente, executar a implementação do projeto didático-pedagógico na escola.
Esses contos apresenta elementos que remetem a possíveis tipos de
violência, à ideia de valor cultural de idiomas e à proposta de um novo começo,
aproximando, por meio de semelhança, ficção e realidade.
Eles retratam personagens envolvidos numa “atmosfera” realista, embora
ficcional, marcada pelos mais diversos tipos de violência, na qual, enfim,
predominam aspectos que transpõem o universo fictício para o real. É a ficção
mostrando a realidade. Ambas se fundem num contexto literário atual,
contemporâneo, no qual o escritor Marcelino Freire, “despe” a realidade, através de
uma linguagem simples, composta de parágrafos curtos, que ganha expressividade
por meio do diálogo dos personagens, dando, assim, sentido amplo à obra.
Para esse trabalho fez-se uso da sequência básica proposta por Cosson
(2009). Essa proposta de sistematização de leitura do texto literário dividiu-se em
etapas, sendo a motivação o primeiro passo, a qual constituiu-se de
questionamentos, textos jornalísticos e sugestões de vídeos que abordassem o tema
violência. As demais etapas foram: introdução, leitura e interpretação.
Na introdução apresentou-se a obra e o autor aos alunos e para cada conto
selecionado, uma série de atividades que constituíram os intervalos. O primeiro
conto trabalhado foi “We speak English” e, para o 1º intervalo, propôs-se a
intertextualidade com o texto A questão dos Poveiros, da obra Marginália, de Lima
Barreto. Já no 2º intervalo ouviu-se a música Geração coca-cola, do grupo Legião
Urbana, instigando os alunos a pensarem na diversidade cultural e nas influências
recebidas também na oralidade. A atividade foi complementada com a listagem de
palavras estrangeiras que fazem parte do cotidiano dos alunos e da produção textual
sobre o tema : “Qual o valor da cultura de um país?”
Encerrando o 3º intervalo, relacionou-se o conto “We speak English” à
música Geração coca-cola, com textos literários modernistas, que abordam um
“choque cultural”, nacionalista.
Todos os intervalos instigaram os alunos a pensar sobre forma de violência
massificadora que nos é imposta, ainda que, às vezes, de maneira sutil ao nosso
cotidiano e à nossa cultura.
O 1º intervalo, sugerido para o trabalho com o segundo conto “Tupi-
guarani”, após a leitura do mesmo, foi o de relacionar falas do narrador-
personagem com acontecimentos históricos, antigos e atuais, ocorridos em nosso
país. Após as reflexões feitas, ouviu-se a música Que país é esse?, do grupo
Legião Urbana, e produziu-se uma carta argumentativa de reclamação e solicitação,
reivindicando aos governantes do país respostas a tantos problemas sociais,
incluindo a questão da violência em suas mais diversas formas.
O 2º intervalo referente a esse conto trabalhou a oralidade discursiva
abrindo um “leque” de discussões sobre a violência a partir de frases reflexivas,
questionando os alunos, a fim de que percebessem a violência presente no dia a dia
das pessoas: em suas palavras, gestos, fisionomias, atitudes, etc. Solicitou-se,
ainda, que os alunos escrevessem suas próprias frases e exprimissem suas
opiniões.
O 3º intervalo concretizou-se com uma pesquisa sobre a violência no próprio
ambiente indígena, tendo como tema orientador o seguinte questionamento: “Há
violência dentro da cultura indígena? Como eles lidam com isso?”
E, finalmente, o terceiro conto, “O futuro que me espera”, teve como 1º
intervalo a leitura prévia do texto, registrando, através de imagens, o sentido da
palavra saudade, questionando os alunos sobre a relação da atividade com o conto
de Marcelino Freire. Em continuidade, propôs-se uma intertextualidade com um texto
poético de Castro Alves, intitulado A canção do africano, retratando a violência
pela dor da distância do lugar de origem, marcada pela condição de escravo. Para
complementar essa atividade foi disponibilizada uma tela, intitulada Casa dos
negros, registrando-se as primeiras impressões dos alunos sobre a tela e
estabelecendo-se um paralelo com o poema.
No 2º intervalo propôs-se o vídeo do auto pernambucano de João Cabral de
Melo Neto, adaptado do poema Morte e Vida Severina, em desenho animado,
relacionando-o com o conto O futuro que me espera, instigando os alunos a pensar
na situação dos retirantes como forma de violência social, que discrimina e banaliza
o indivíduo. Ficando ainda a sugestão da música A triste partida, de Luiz Gonzaga,
que retrata a região nordeste, a seca.
O 3º intervalo foi encerrado com a proposta de redigir um texto dissertativo-
argumentativo com o tema O futuro que me espera ou Que futuro me espera?,
após a visualização da imagem Futurismo, pertencente a um dos movimentos
literários vanguardistas de 1922.
A última etapa da sequência básica foi a da interpretação,
contextualizando, ou seja, como apreensão global da obra, por meio de um “resgate”
oral das atividades desenvolvidas nos três intervalos de cada conto, tecendo
comentários sobre a intertextualidade entre eles, visando o foco do tema violência.
E, finalizando o trabalho com a sequência básica, os alunos, em dupla,
produziram contos e foi elaborada uma coletânea dos mesmos.
3.2. Contribuições do GTR
O GTR (grupo de trabalho em rede) em muito contribuiu para a proposta do
projeto de intervenção pedagógica, por meio das discussões em grupo, da
socialização de experiências em sala de aula, das sugestões de atividades de leitura
desenvolvidas com os alunos, particularmente com textos literários.
Os questionamentos feitos através do Fórum, assim como o relato do grupo,
por meio do Diário, proporcionaram momentos de reflexão e discussão pertinentes
ao assunto proposto.
O GTR foi um elo muito importante, unindo teoria à prática, com foco no
conceito de letramento literário, instigando “novos pensares”, buscando alternativas
viáveis, assim como metodologias que amenizem o problema da leitura em sala de
aula, de modo a contribuir para a formação do leitor, revelando a ele o fato de que a
literatura pode ser transformadora da realidade individual e social.
O conhecimento adquirido com o grupo vai além do ambiente escolar, pois
reflete as experiências vividas de cada um, salientando a importância de rever a
prática pedagógica em sala de aula, de tornar o ambiente mais propício para o
trabalho com a leitura, de aproximar o aluno da realidade, ainda que por meio da
ficção.
Quando nos propomos a compartilhar saberes em busca dos mesmos
objetivos, acredito que nos aproximamos cada vez mais deles, pois unimos nossas
experiências às experiências dos outros, buscando “novos caminhos” para que o
trabalho em sala de aula se torne significativo e satisfatório.
O GTR continua sendo uma experiência válida, que dá continuidade no
trabalho em sala de aula, aprimora os conhecimentos adquiridos e traduz a
importância do trabalho do professor por um ensino de qualidade, tendo como foco
principal o educando.
3.3. Encaminhamento metodológico
O desenvolvimento das atividades propostas na produção didática
referentes à leitura dos contos do escritor Marcelino Freire proporcionaram
momentos de socialização e reflexão entre os alunos, através das intervenções e
dos questionamentos.
As atividades sugeridas nos “intervalos” da sequência didática para o
trabalho com cada conto possibilitaram a interação dos alunos com a obra literária e
um envolvimento maior com a literatura.
Alguns pontos positivos como leitura, socialização do conteúdo, reflexão
das discussões propostas contribuíram com o trabalho em sala de aula e para o
começo da efetivação do letramento literário. Já a porcentagem de participação não
atingiu a todos, o desinteresse e o não comprometimento, por parte de alguns, com
os temas atuais, no que diz respeito ao problemas sociais existentes em nossa
sociedade e, especificamente, no dia a dia, foram considerados como pontos
negativos.
Acredito que a implementação do projeto, segundo a proposta de trabalho
desenvolvida na produção didática, teve pontos relevantes, tais como o “despertar”
da consciência crítica, por parte de alguns alunos, assim como uma visão mais
inovadora e comprometedora com a realidade em que estão inseridos.
A literatura contemporânea, com seus textos literários, que abordam temas
atuais, é importante para aproximar leitor e obra literária, vez que oportuniza
discussões reflexivas e transformadoras da realidade atual.
3.4. O desafio de ensinar literatura
Tendo como base o projeto de intervenção pedagógica e a produção
didática, as ações realizadas durante a implementação na escola envolveram mais
desafios do que avanços.
Como foi relatado no início deste artigo, o trabalho com a leitura ainda é um
grande desafio para o professor, pois o aluno continua distante do universo literário.
Na implementação de algumas ações, o desafio maior foi o de garantir a
participação de todos os alunos, no que diz respeito à leitura e na discussão do tema
proposto.
Grande parte dos alunos se interessou pela leitura, conseguiu interagir uns
com os outros e com o professor na discussão do projeto. Alguns participaram
ativamente dando opiniões, fazendo questionamentos, outros, passivamente,
ouvindo a fala dos colegas, e um terceiro grupo não participou, ficando alheio à aula
e ao assunto proposto.
Penso que a proposta não atingiu a todos porque, primeiramente, o aluno
não está habituado à leitura de textos literários; tudo acontece de forma rápida,
como é o caso do acesso às tecnologias que absorvem o jovem de hoje, “poupando-
lhe” o tempo, limitando-o a um trabalho mais reflexivo.
Talvez a proposta do trabalho fosse mais produtiva se algumas atividades
estivessem relacionadas às tecnologias, ou seja, a um espaço virtual mais acessível
com a realidade do aluno, motivando-o à participação no desenvolvimento das
atividades.
O trabalho em sala de aula não se encerra em si mesmo, pois deve estar
sempre em transformação, por meio da revisão da prática pedagógica do professor,
por exemplo, para que os pontos negativos de seu trabalho sejam base para novos
encaminhamentos metodológicos que contribuam para o aprendizado do educando.
Somos seres com opiniões e atitudes diferentes, vivendo no mesmo espaço,
por isso faz-se necessário diversificar as metodologias para que os objetivos
propostos contemplem a todos.
Por outro lado, o grupo de alunos que participou ativamente, muito
contribuiu com suas reflexões, mostrando que tem consciência dos problemas
sociais vividos por eles e pela sociedade e verificando que o tema da violência não
é algo ficcional, mas real e presente na vida das pessoas.
Quanto ao inserir o trabalho com contos, o resultado foi satisfatório, pois o
aluno interagiu melhor com os textos, devido às características que o gênero literário
apresenta. Outro aspecto positivo foi o de relacionar os contos ao trabalho com
letras de música, vez que os alunos gostam e sua participação foi maior na
discussão do tema abordado, pois estabeleceram relação com outras músicas que
já conheciam.
Outro desafio foi o do trabalho de escrita e reescrita dos contos, vez que a
produção de texto, muitas vezes, é deficitária, porque o aluno apresenta problemas
com a questão da leitura e, a mesma não é atrativa a todos, apresentando
dificuldade em relatar por escrito sua ideias e opiniões.
As outras ações desenvolvidas constituíram-se num percurso de pontos
positivos e negativos, resultando em futuras reflexões no que diz respeito ao
trabalho com literatura em sala de aula.
As mediações e intervenções feitas no decorrer do trabalho em sala de
aula, entre leitor e obra literária, foram muito importantes para instigar a vivência
social do aluno por meio da literatura, embora ainda apenas interiorizada, mas que,
posteriormente, mostrou indícios de “possíveis caminhos” para se chegar ao
letramento literário.
Considerações finais
Entendemos que o letramento literário deve ser visto como uma prática
social de suma importância, relevante na formação do leitor, na interação com a
obra literária, na busca de novas metodologias que oportunizem caminhos diferentes
que contribuam para a transformação da realidade, na qual esse leitor esteja
inserido.
Fazer parte do universo literário, dentro e fora do ambiente escolar, é
valorizar a experiência de leitura que o aluno traz consigo, ampliando seu horizonte
de expectativas, através da leitura de textos literários, onde ficção e realidade se
mesclam numa reflexão crítica e significativa. Fica aqui a certeza de que, embora o
trabalho com literatura ainda continue sendo tarefa árdua para o professor em sala
de aula, ele pode colher frutos, senão todos, mas os poucos colhidos, os melhores!
As experiências que adquirimos ao longo da vida nos edifica, transforma e
fortalece. O PDE proporcionou mais uma experiência significativa em minha
formação pedagógica. O tempo de estudo e trabalho durante esses dois anos
contribuíram para rever minha prática pedagógica, aprimorar meus conhecimentos,
buscar novas metodologias para o trabalho em sala de aula.
A troca de experiências com os demais professores do Programa de
Desenvolvimento Educacional foi muito importante para certas reflexões, pois a
socialização que houve gerou questionamentos pertinentes à nossa profissão, ao
trabalho com o aluno, à prática pedagógica de cada um.
Foi um período de estudos, de novas experiências, de “olhares diferentes” ao
modo de ensinar, de agir em sala de aula, de contribuir para a formação do aluno,
respeitando-o em sua individualidade e procurando sanar suas dificuldades
buscando diversificar as atividades, através de metodologias significativas, que
contemplem o ensino-aprendizagem desse educando.
O projeto de intervenção pedagógica, assim como a elaboração da produção
didática e a implementação da proposta na escola, foram contribuições importantes,
relevantes ao trabalho desenvolvido com os alunos. Foram experiências válidas, que
instigaram a um trabalho diversificado, produtivo e reflexivo.
Estar “aberto”, portanto, à novas experiências é o primeiro passo para
mudanças significativas em nossa vida.
Referências
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