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Sociedade & Natureza ISSN: 0103-1570 [email protected] Universidade Federal de Uberlândia Brasil Cervo Chelotti, Marcelo; Barboza Castanho, Roberto TERRITÓRIOS DA LAVOURA DE ARROZ E DE SOJA NO RIO GRANDE DO SUL: ESPECIFICIDADES NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO REGIONAL Sociedade & Natureza, vol. 18, núm. 34, junio, 2006, pp. 115-132 Universidade Federal de Uberlândia Uberlândia, Minas Gerais, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321327188009 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Sociedade & Natureza

ISSN: 0103-1570

[email protected]

Universidade Federal de Uberlândia

Brasil

Cervo Chelotti, Marcelo; Barboza Castanho, Roberto

TERRITÓRIOS DA LAVOURA DE ARROZ E DE SOJA NO RIO GRANDE DO SUL:

ESPECIFICIDADES NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO REGIONAL

Sociedade & Natureza, vol. 18, núm. 34, junio, 2006, pp. 115-132

Universidade Federal de Uberlândia

Uberlândia, Minas Gerais, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321327188009

Como citar este artigo

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Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Territórios da Lavoura de Arroz e de Soja no Rio Grande do Sul: Especificidades na Produção do Espaço Agrário RegionalMarcelo Cervo Chelotti, Roberto Barboza Castanho

TERRITÓRIOS DA LAVOURA DE ARROZ E DE SOJA NO RIO GRANDE DO SUL:ESPECIFICIDADES NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO REGIONAL

TERRITORIES OF FARM OF RICE AND OF SOY IN THE RIO GRANDE DO SUL:specified in the production of the regional agrarian space

Marcelo Cervo ChelottiDoutorando no PPGGEO/UFU – MG

Bolsista FAPEMIG – E-mail: [email protected]

Roberto Barboza CastanhoDoutorando no PPGGEO/UFU – MG

Bolsista CAPES – E-mail: [email protected]

Artigo recebido em 23/02/2006 e aceito para publicação em 24/03/2006

RESUMO: A organização do espaço agrário gaúcho possui especificidades associadas a sua formação

socioespacial, onde as lavouras de arroz e de soja configuram-se em territórios aparentemente

distintos. Historicamente o arroz é produzido na metade sul, tendo como características o

arrendamento da terra, alto padrão tecnológico e ser destinado ao mercado interno. Enquanto a

soja na metade norte é produzida em terras próprias, também com alto padrão tecnológico, e

destinada principalmente para o mercado externo. No entanto, em função das oscilações do

mercado, associado à baixa do preço do arroz, a soja tem ocupado significativos espaços em áreas

típicas de produção de arroz.

Palavras-chave: espaço agrário, lavoura de arroz, lavoura de soja, Rio Grande do Sul.

ABSTRACT: The organization of the space agrarian gaúcho possesses specified associated its partner-space

formation, where the farming of rice and of soy they are configured seemingly in territories different.

Historically the rice is produced in the south half, tends as characteristics the lease of the earth, high

technological pattern and to be destined to the internal market. While the soy in the north half is

produced in own lands, also with high technological pattern, and destined mainly for the external

market. However, in function of the oscillations of the market, associated the drop of the price of the

rice, the soy has been occupying significant spaces in typical areas of production of rice.

Key-words: space agrarian, rice of farming, soy of farming, Rio Grande do Sul.

INTRODUÇÃO

O presente artigo abordará os territóriosconquistados pela lavoura do arroz e da soja no

espaço agrário gaúcho no ano de 20041, bem comoseus desdobramentos regionais. O arroz e a sojasão culturas temporárias, cultivadas no verão, e porisso oscilam muito dependendo das condições

1 O ano de 2004 foi escolhido em função da serem os dados agropecuários do IBGE mais atualizados.

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climáticas e também da política agrícola.

No Rio Grande do Sul, historicamente essesdois cultivos ocupam diferentes territórios, uma aosul, o arroz, e outra, a soja, ao norte. No entanto,nos últimos anos a soja tem se expandido para áreastradicionais de produção de arroz no na Metade Sul,em função de gerar mais lucro que o arroz.

Para realizar a espacialização dessas culturasno território gaúcho, utilizou-se como suporte osoftware de geoprocessamento Arcview 3.2a, sendopossível detectar as áreas (em hectares) das culturasde arroz e soja, tendo como base, a malha digital doRio Grande do Sul, tanto nas escalas municipal,Microrregiões e Mesorregiões. Desta forma, com aelaboração de um banco de dados, organizado pormunicípio e depois agrupado pelos ‘layers’, da microe mesorregiões, elaborou-se as regionalizações dasculturas, destacando as áreas com maior e menorpredominância da lavoura de arroz e da soja.

Aparentemente por se tratar de cultivares deverão, o arroz e a soja, tornam-se culturas competitivasno que tange a área destinada a sua produção,entretanto, o que se deve ressaltar, é que o arroz éum cereal destinado diretamente ao consumo interno,enquanto a soja de caráter exportador.

Nesse contexto, destaca-se que em funçãodos seus altos custos de produção e preçosinsatisfatórios, a lavoura do arroz irrigado nos últimosanos vem perdendo espaço para a sojicultura, sendoque esta última o custo de produção éconsideravelmente menor, apresentando ao mesmotempo uma produtividade relativamente alta,considerando obviamente os meios tecnológicosdispensados ao seu cultivo, que em determinadas áreasalcançam uma produtividade de até 3.000 kg/ha.

O ESPAÇO AGRÁRIO GAÚCHO:DIFERENÇAS REGIONAIS

O Rio Grande do Sul caracteriza-se pela fortetradição em seu setor primário. Neste sentido oelemento dominante, ao qual todos os outros se

subordinam é a propriedade agrária, sendo a terra omeio de produção principal. Assim, a estrutura fundiáriaapresenta características bastante particulares, ediversificadas, em alguns casos coexistindo lado a lado,a grande e a pequena propriedade.

Conforme o Instituto Brasileiro de Geografiae Estatística (IBGE), o Rio Grande do Sul encontra-se dividido em sete grandes MesorregiõesGeográficas, sendo elas: Centro-Ocidental, Centro-Oriental, Metropolitana de Porto Alegre, Noroeste,Sudeste e Sudoeste, como mostra a figura 1. Noentanto, existem outras regionalizações, como asocioeconômica, dividindo-o entre Metade Sul eMetade Norte, numa linha imaginária que sai de PortoAlegre em direção a São Borja no sentido leste-oeste.

A ocupação histórica do espaço sul-rio-grandense configurou inicialmente em seu espaçoagrário duas sociedades bem distintas, ao sul ospecuaristas, e ao norte os agricultores. Assim, enquantono sul desenvolvia-se a pecuária de corte extensivanas fazendas, o norte (denominado área colonial)apresentava-se enquanto área de expansão da fronteiraagrícola que somente se fechou na década de 1950.

O período que vai de 1930 a 1950 pode serentendido como uma fase na qual os constituintesdo modelo histórico de acumulação e dominaçãogaúcha são explorados ao máximo e sempre a favorda classe agropecuarista e industriais dominantes.Assim, a economia gaúcha estruturava-se com umabase produtiva agropastoril de alta qualidadedespontando-se como uma das melhores do Brasil.

Após 1964, novos direcionamentoscaracterizam o sistema agrícola brasileiro, como amodernização conservadora que estimulava ointenso uso de políticas de crédito os quais atendiamaos interesses agro-industriais. Esse período marcauma nova reestruturação no espaço agropecuáriogaúcho, onde a modernização começava a serintroduzida modificando as relações no campo.Assim, culturas como a da soja adquire espaçossignificativos e a lavoura orizícola expande-se emdireção a Metade Sul.

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Entretanto, com o processo demodernização, os padrões antigos foramsubstituídos por técnicas mais “modernas”. Atração animal passa a ser substituída pelo trator,e os fertil izantes são agora produzidosquimicamente. Desta forma, a modernização crioupadrões de comportamento diversos dos até entãopraticados pelos agricultores gaúchos. Taispadrões podem ser verificados pelas distintasorganizações espaciais, via produção agrícoladiferenciada.

METADE SUL: TERRITÓRIO DALAVOURA ORIZÍCOLA

Durante a colonização açoriana, em meadosdo século XVIII, baseada na pequena propriedadefamiliar, o arroz do tipo sequeiro era cultivado basicamentepara a subsistência. Mas foi através da colonizaçãoalemã, que teve inicio no século XIX, baseada em umaagropecuária especializada, que o arroz irrigado começoua ser cultivado. No entanto, sua produção em escalacomercial começou ser cultivado fora das áreas coloniais,

FIGURA 1: Estado do Rio Grande do Sul, com as divisões dos 497 municípios, 38 microrregiões e 7mesorregiões.Fonte: Base Digital IBGE (2002) / Dados P.A.M. IBGE (2004).Org.: Castanho; Chelotti (2006).

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destacando-se, a região da Depressão Central e LitoralOcidental da Lagoa dos Patos. (FRAQUELLI apudBESKOW, 1986).

Assim, a existência de recursos naturais

favoráveis para o cultivo do arroz irrigado, bem como apredominância de extensos vales com muitos mananciaisde água, foram fundamentais para possibilitar osurgimento e desenvolvimento da orizicultura nestasáreas do Rio Grande do Sul (Figura 2).

FIGURA 2: Vista parcial de área destinada a produção de arroz irrigado, no município de Dom Pedrito – RS.Fonte: Chelotti (2000).

Possuindo características muito especificaspara o seu cultivo, como o uso intenso deequipamentos para seu cultivo e irrigação, o arrozirrigado distinguiu-se das demais culturas que eramcultivadas nas áreas coloniais. O processo deirrigação pressupunha uma um suporte mecânico,com isso, o domínio de algumas tecnologias quegrande parte dos agricultores não tinham acesso.

[...] em 1906, instala-se em Cachoeira do Sul a

primeira lavoura irrigada com levante mecânico

(...). Foi organizada por um grande proprietáriofundiário, criador de gado e advogado, em

sociedade com um comerciante e advogado além

de outro comerciante, sendo esta lavoura junto

com as de Pelotas consideradas o marco da

agricultura capitalista no Rio Grande do Sul onde

começa verdadeiramente a história da grandeorizicultura no Rio Grande do Sul. (BESKOW,

1986, p.44).

Desta maneira, os primeiros grandesinvestimentos na produção de arroz irrigado estiveramassociados à concentração de capital oriundo daclasse pecuarista que exportava charque para outrasregiões. Pode-se dizer então, que desde os primórdiosda inserção da lavoura orizícola, baseada naprodução para o mercado, esta lavoura estevealtamente associada com a pecuária, onde estas duasatividades econômicas começam a dividir espaços

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e constituiu uma nova forma de exploração da terra.Assim, durante os períodos de crise da pecuária,uma das alternativas era arrendar parcelas destaterra para os orizicultores, em função da lucratividadeda mesma em relação à exploração pecuarista.

A lavoura orizícola caracterizou-se no RioGrande do Sul, sob a forma do arrendamentocapitalista da terra. Desta maneira, a lavouraorizícola organizou-se basicamente a partir de trêsclasses sociais: os Proprietários Fundiários, osCapitalistas (arrendatários) e os Assalariados Rurais.

Para Beskow (1986) o arrendatário2

capitalista dedicado a orizicultura no Rio Grande doSul, é proprietário de parcela dos meios de produção,ou seja, maquinários e equipamentos agrícolas. Emgeral, este arrenda terra e água, elementos naturaisimprescindíveis para o cultivo desta lavoura. Oarrendamento capitalista na lavoura orizícola estáassociada a existência da propriedade privada da terra,ao fato de que esta é monopolizada por uma pequenaparcela, geralmente os latifundiários pecuaristas.

O espaço agrário gaúcho começa a convivercom novas relações de trabalho no campo,ultrapassando, dessa forma, as “porteiras dasestâncias”, que possuíam a relação patrão e peão.Estas novas relações acarretaram grandestransformações, tanto de âmbito econômico quantosocial. Deve-se ressaltar, que apesar de suaconstituição ter-se dado sob forma capitalista, comcerto grau de tecnologia, a mão-de-obra nesteperíodo era bastante utilizada, constituído assim umgrande mercado de força de trabalho.

Alguns acontecimentos significativos, tantoem nível estadual, nacional e internacionalfortaleceram a constituição da lavoura orizícola noestado do Rio Grande do Sul. Pode-se citar entreestes acontecimentos, a primeira Guerra Mundial ea posterior criação do Sindicato do Arroz em 1926,e a criação da Carteira Agrícola do Banco do Brasil.

A combinação de fatores como ocrescimento do mercado interno do Brasil, acrescente urbanização, associado às condiçõesfavoráveis de mercados externos importadores dealimentos em função da primeira Guerra, foram osresponsáveis pelo notável aumento da participaçãoda produção de arroz gaúcho no mercado nacional.

Verifica-se então, a consolidação de umaagricultura voltada para o mercado interno quecrescia em função de um mercado externo quenecessitava uma grande demanda de gênerosalimentícios. Portanto, este momento vivido peloespaço agrário gaúcho é de suma importância, poismais uma vez o Rio Grande do Sul torna-seabastecedor de grande parcela de gênerosalimentícios, nesse caso o arroz.

No final do século XX, o Rio Grande do Suljá era responsável por mais de 40% da produçãototal de arroz do Brasil, e mais de 80% da produçãonacional de arroz irrigado. Sendo assim, tornou-se oprincipal supridor de arroz para São Paulo, Rio deJaneiro, Minas Gerais e diversas capitais do nordestee centro-oeste do país.

O cultivo do arroz irrigado gaúcho tematingido níveis médios de produtividade superiores acinco toneladas por hectare. Essas altas taxas deprodutividade se dão em função do alto grau deespecificidade desta lavoura, com intensivaintrodução de tecnologias, caracterizando-se comouma lavoura altamente capitalista em seus meios deprodução.

A lavoura orizícola desempenha um grandepapel econômico e social, além de representar amaior arrecadação de impostos na maioria dosmunicípios da Metade Sul. Ressalta-se que nodecorrer do tempo a área desta lavoura osciloubastante, em função das políticas agrícolas quesempre foram favoráveis para o setor.

2 Conforme Beskow (1986) o arrendamento capitalista da terra no Brasil começou com a lavoura orizícola no Rio Grande do Sulem meados de 1910.

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Ao comparar a área da lavoura orizícolapercebe-se que sempre esteve em franca expansão,tanto do ponto de vista de produtividade quanto deárea cultivada. No entanto, nos últimos anos, emfunção da concorrência do arroz proveniente doMercosul a área destinada para o arroz estagnou-se.

O alto custo de produção é consideradopelos agricultores, como um dos principais problemasenfrentados pela lavoura orizícola. Assim, asvantagens de produzir arroz em outras regiões ouaté mesmo na Argentina e Uruguai tornam-seevidente na medida em que seus custos de produçãosão bem inferiores aos encontrados no Rio Grandedo Sul, tornando-se, desta forma, áreas de atraçãode agricultores.

Torna-se bem claro que as políticas adotadasna década de 1970, na qual permitiram a expansãoda lavoura orizícola no Rio Grande do Sul, objetivavabasicamente a expansão da produção de grãos, nãoestando associada com uma verdadeira políticaagrícola. Utilizavam-se, para tanto, políticascompensatórias de garantia de preços mínimos,crédito e subsídios. O que de certa forma, possibilitoua inserção da orizicultura em áreas até entãodominadas pela pecuária, alicerçada noarrendamento capitalista da terra. Neste período daeconomia brasileira não eram priorizadas as questõesque integram os custos de produção, gerenciamentoda propriedade e competitividade.

Assim, verifica-se que nas últimas safras,várias reivindicações foram levantadas por estesagricultores, que estão observando o sucateamentode suas lavouras. Desta forma, essa indignação coma falta de interesse por parte do poder público, temsido manifestada através de barricadas, nasfronteiras por onde o arroz argentino e uruguaiocostumam ser exportados para o Brasil.

Na medida em que a lavoura orizícola

consolidou-se no espaço agrário da Metade Sul elafoi capaz de dividir espaços substanciais com apecuária, até então, principal atividade econômica.Percebe-se, então, a formação e organização de umacadeia produtiva no decorrer das décadas,basicamente voltada para o abastecimento domercado interno, formado pelas grandes cidades dosudeste brasileiro.

METADE NORTE: TERRITÓRIO DASOJICULTURA

O cultivo da soja está muito associado aoavanço do processo de modernização da agriculturaem meados da década de 1960. Mas isso não querdizer que essa cultura não era desenvolvida no RioGrande do Sul, só que não com caráter comercial esim de subsistências nas pequenas propriedades.3

Mas foi a partir da década de 1970 que alavoura empresarial gaúcha apresentou umcrescimento realmente surpreendente, pois tanto oarroz, como o trigo e a soja constituíram-se na frentede expansão capitalista no estado. A mecanizaçãoda lavoura foi introduzida no Rio Grande do Sulatravés do cultivo do arroz, entretanto foi a triticulturaque efetivou a consolidação da modernizaçãoagrícola inclusive lançando bases para a lavouraempresarial, ou seja, a triticultura mecanizadacomandou o processo de mecanização, que teveinicio no Planalto Gaúcho e se difundiu para todoBrasil.

De acordo com Brum (1988) foi neste contextohistórico que o binômio milho-mandioca, predominantena zona de agricultura e destinado basicamente àcriação e engorde de suínos, vai ser substituído pelacombinação trigo-soja, esta última destinada acomercialização internacional. A combinação trigo-soja,com crescente destaque para a última cultura, avançou,também, com velocidade, em antigas áreas de campo,subtraídos à pecuária, bem como rumo a outras regiõespioneiras e outros Estados.

3 Inicialmente a soja (conhecida como feijão japonês) era utilizada somente para a alimentação animal, pois ainda não era consideradauma cultura rentável economicamente.

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A fase de grande expansão da soja no RioGrande do Sul coincidiu com o aprofundamento dainternacionalização da economia brasileira. Nessafase se define com mais clareza o atual modeloeconômico brasileiro. Desta forma, a nossaeconomia se integra mais ao capitalismo internacionale a região da campanha começa a cultivar a sojaem áreas até então ocupadas pela pecuária.

Ao assumir o modelo agroexpotador a soja,no terceiro momento (1968-80), caracterizou a formadecisiva a articulação da economia do Rio Grandedo Sul com o pólo dinâmico nacional. Esta crescentedemanda estimulou o incremento da produção dasoja, fazendo com que o Estado cumprisse a funçãogeradora de divisas, no processo global deacumulação e cumprisse a sua função exportadora.

A lavoura empresarial desta monocultura tem umcomportamento notável em todo o período,entretanto, é na etapa de 1968-80 que esta culturapassa a liderança do processo de acumulação naagricultura gaúcha. (BEZZI, 1985, p. 78).

Com a penetração capitalista no campo,especialmente com a cultura da soja e do arroz, oespaço agrário gaúcho sofreu uma alteração em suafisionomia, modificando o setor agrícola em funçãodo processo de modernização (Figura 3), sendo queum dos problemas mais visíveis foi o êxodo rural,que se deu em função das mudanças tecnológicas.Conseqüentemente acentuou-se a urbanização noestado, isto porque a migração rural-rural começavaa fechar-se, como é o caso das migrações para ooeste do Paraná.

FIGURA 3. Vista parcial de área destinada ao cultivo da soja, no município de Palmeira das Missões – RS.Fonte: Schmitt (2005).

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Enquanto o governo privilegiava algunsprodutos, os de exportação, os produtos destinadosao abastecimento da população passavam a serdesprezados pelos agricultores, pois optaram paraculturas que o mercado exigia, ou seja: o arroz, asoja e o trigo sendo que foram deixados de lado ofeijão, a mandioca, entre outros.

Tambara (1983) fez uma crítica essemodelo, ressaltando que, nas áreas de grandefertilidade, potencialmente aptas a produziremalimentos para a população brasileira, são ocupadascom produtos que se destinam, de modo geral, àexportação. Isto é decorrente do modelo brasileirode desenvolvimento, que apresenta constante déficitno seu balanço de pagamento. E a forma de diminuireste déficit é estimular a exportação de produtosprimários. É por isso que, até pouco tempo, o setorera contemplado com crédito altamente subsidiado.

Assim, o setor agrícola gaúcho, e também,o nacional, ficaram subordinados às multinacionais,que detinham todos os equipamentos e insumosnecessários para produzir como o mercado exigia.Esta penetração capitalista no campo absorveuequipamentos acima do que era necessário para oprocesso produtivo, sendo que, por muitas vezes,estes equipamentos ficavam ociosos após as safras,sem utilização econômica durante o restante do ano.

Para Reydon e Graziano da Silva apudSouza Filho (1994, p. 92), ressalta-se que,

Isto é conseqüência direta do processo demodernização, que purifica as relações de

produção, tornando-se mais capitalistas. Neste

processo há tendência ao crescimento da utilizaçãodo trabalho temporário e contrato por empreitada

e ao desaparecimento gradual das relações

tradicionais de emprego, como a produção familiare a parceria, em função da necessidade da elevação

da produtividade do trabalho.

As conseqüências da modernização doespaço agrário brasileiro, em especial o sul-rio-grandense causou sérias modificações tal como

redução do nível de emprego e modificação nasrelações de produção. Neste contexto, Souza Filho(1994, p. 93) ressalta que,

[...] das transformações ocorridas no espaçoagrário sul-rio-grandense com o processo de

modernização, a concentração da propriedade

da terra – que historicamente já se encontravaconcentrada – não diminuiu, pelo contrário,

apresentou uma tendência a reconcentração,

impedindo ao trabalhador o acesso à terra parafazê-la produzir. Isto, aliado à sucessão

hereditária nas pequenas propriedades rurais às

inovações tecnológicas introduzidas nosestabelecimentos, levou à expulsão, a partir do

final da década dos anos sessenta até nossos

dias, de aproximadamente 1 milhão detrabalhadores do meio rural.

A mecanização no espaço agrário, apesarde também ter-se acelerado a partir da década desetenta beneficiou uma minoria insignificante dosestabelecimentos e se concentrou em algumasregiões do Rio Grande do Sul. Conforme, Souza Filho(1994, p. 83), é importante enfatizar que,

[...] o processo de tecnificação do espaço agráriobrasileiro, com relevância ao sul-rio-grandense,

baseou-se nos insumos químicos (fertilizantes

e defensivos) e na tratorização. Afora asinovações por produto (tais como sementes

selecionadas, por exemplo), convém destacar o

uso de técnicas agronômicas de conservaçãode solo e irrigação.

O período pós 1960, com destaque aoperíodo de 1967-74, ciclo de grande extensão daatividade econômica que ficou conhecido como “omilagre brasileiro”, marca o inicio da intensificaçãoda modernização do espaço agrário no país.Intensificação que esteve altamente associada coma política de crédito rural até o final da década dosanos 1970, principalmente pelo baixo custo dosrecursos, devido a política de subsídios.

A importância do crédito rural para o

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processo de modernização do espaço agrário noperíodo pós 1967, principalmente na década de 1970,a proporção com que os financiamentos creditíciosparticiparam no valor do produto liquido daagricultura, sendo que a partir da década dos anos1970, o processo de tecnificação do nosso espaçoagrário cresceu rapidamente em dois elementosfundamentais : quimificação e a mecanização.

A soja transformou-se no produto desustentação da modernização agrícola no RS, cujomodelo implantado no Estado para o cultivo desteproduto, fundamentava-se via políticas de crédito einfra-estrutura de comercialização.

A acumulação recente no campo gaúcho,conforme Bezzi (1985, p. 79-80) deve ser assimconsiderada:,

[...] aparece na combinação de duas culturas

altamente comercializáveis, uma de inverno, otrigo, e outra de verão, a soja. Isso permitiu usar

mais intensamente a terra, diminuir a ociosidade

das máquinas e equipamentos, e usufruir maisracionalmente de adubos e fertilizantes. Esta

modernização no setor primário possibilitou o

surgimento no Estado de um parque fabrilresponsável pela fabricação de tratores,

colheitadeiras, fertilizantes, etc., a soja e o trigo

aliam-se, constituindo uma empresa ruralcapitalista, capaz de produzir duas safras anuais

com resultados econômicos ponderáveis.

Assim, a soja transformou a estruturaprimária gaúcha, tendo em vista a sua boa colocaçãono mercado nacional e internacional.Simultaneamente, com o setor agrícola a pecuáriatambém passou por mudanças significativasprincipalmente a partir de 1960. A pecuáriatradicional que se encontrava alicerçada naacumulação de bens a partir da exploração extensiva,passa por modificações que repercutem até os diasatuais.

Assim, existem setores da economiabrasileira e também sul-rio-grandense que não

reagiram frente às transformações do mercado,tornando-se áreas com economias estagnadas ouconservadoras. É importante resgatar Tambara(1983, p. 13) quando salienta que,

A tese dualista propõe a existência de regiões

caracterizadas pelo tradicionalismo na maneira

de pensar e que colocam resistência a qualquertentativa de mudança. Estas regiões constituem

assim um obstáculo ao processo de

desenvolvimento de outras regiões.

Embora hoje, o Rio Grande do Sul possuauma produção relativamente diversificada emrelação a outros estados da federação, seu setoragrícola apresenta três culturas com maiorsignificado sobre as de mais: a soja, o arroz e o trigoEssas culturas se efetivaram com o intenso uso deequipamentos e insumos modernos, ou seja, sobformas capitalistas de produção.

É desse modo que o setor primário do RioGrande do Sul se estruturou e apresenta-se nacontemporaneidade. Apesar dos entraves pelos quaispassou, a economia sul-riograndense conseguiu seexpandir principalmente através da soja a qualmodificou a estrutura produtiva, principalmente daMetade Norte.

RIO GRANDE DO SUL: TERRITÓRIOSDO ARROZ E DA SOJA

Ao realizar o mapeamento das lavouras dearroz e de soja, percebe-se sua especificidaderegional quanto a espacialidade de cada cultivo.Assim, durante muitas décadas essas duas lavourasocupavam áreas bem distintas no Rio Grande doSul, o norte caracterizando-se pelo cultivo de soja eao sul o arroz.

Em função de sua especificidade quanto aocultivo, o arroz no Rio Grande do Sul émajoritariamente produzido na Metade Sul.Características como relevo, qualidade do solo ehidrografia, tornaram essa região a maior produtorade arroz irrigado do Brasil.

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Ao analisar a figura 4, torna-se nítido que oterritório ocupado pela lavoura do arroz irrigado é aMetade Sul, onde nessa região, encontra-seorganizado o setor agroindustrial do arroz, como apresença de cooperativas e engenhos debeneficiamento e comercialização.

Embora a Metade Sul seja consideradaterritório do arroz, seu cultivo não éuniformemente espacializado dentro da região.Existindo municípios que se destacam por diversosfatores, como a existência de grandes extensõesde terras planas (várzeas), disponibilidade de água

para irrigação, bem como a existência deagricultores.

Nesse contexto, municípios localizados nafronteira oeste são os maiores produtores de arroz,destacando-se Uruguaiana e Itaqui que cultivaramna safra de 2004 mais de 49.000 hectares cada um.No entanto, existem outros municípios como DomPedrito, Cachoeira do Sul, Santa Vitória do Palmarque também se cultivaram grandes extensões dearroz irrigado. Salienta-se, que nesses municípios écomum o consórcio entre pecuária e lavoura,denominado regionalmente de binômio “Boi/Arroz”.

FIGURA 4: Área de produção em hectares da lavoura orizícola no Rio Grande do Sul no ano de 2004.Fonte: Base Digital IBGE (2002) / Dados P.A.M. IBGE (2004).Org.: Castanho; Chelotti (2006).

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Outro fator que caracteriza a produção dearroz no Rio Grande do Sul, é a sua alta produtividadepor área cultivada. Através do Instituto Rio-grandense do Arroz (IRGA), os agricultores temacesso a cultivares cada vez mais produtivos eadaptados a realidade regional, ou seja, maisresistentes a pragas e efeitos climáticos. A meta doinstituto é de alcançar uma produção de 10.000toneladas de arroz por hectare cultivado, índice quepoucos municípios tem atingido. No entanto, aprodutividade média no ano de 2004 concentrou-seem torno dos 6.000 kg/ha.

Na seqüência, a figura 5 demonstra aprodução (em toneladas) de arroz que em algunsmunicípios atingiram a cifra de 500.000 toneladasdo produto no ano de 2004, concentrando-se nosmunicípios da fronteira oeste, com algumas exceçõesa exemplo do município de Dom Pedrito, Cachoeirado Sul e Santa Vitória do Palmar. Nesses municípios,a produção de arroz possuiu uma íntima ligação coma adoção de tecnologia de ponta, modernização daatividade, e alto índice de arrendamento da terra.

FIGURA 5: Produção de Arroz em toneladas no Rio Grande do Sul no ano de 2004.Fonte: Base Digital IBGE (2002) / Dados P.A.M. IBGE (2004).Org.: Castanho; Chelotti (2006).

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Como abordou-se anteriormente, a lavourada soja que começou a ser cultivada no planaltogaúcho em meados da década de 1960, responsávelpor uma significativa transformação sócio-espacialna Metade Norte, redefiniu as relações de trabalho,provocando migração para as cidades e para outrasregiões. Essa tendência, com o passar dos anos,expandiu-se também para a Metade Sul, onde adisponibilidade de terras foi favorável, atrelado astecnologias disponíveis, como, utilização de fertilizantes

para a correção do solo, implementos agrícolas, sendoestes, favorecidos pela configuração do relevo.

A figura 6 mostra que a soja é produzidahegemonicamente nos municípios do chamado planaltomédio gaúcho. Mas não é exclusivamente cultivadana grande propriedade, sendo também comumencontramos nas pequenas propriedades familiares,onde as culturas de subsistência foram aos poucos,sendo substituídas pela monocultura da soja.

FIGURA 6: Área de produção em hectares da lavoura sojícola no Rio Grande do Sul no ano de 2004.Fonte: Base Digital IBGE (2002) / Dados P.A.M. IBGE (2004).Org.: Castanho; Chelotti (2006).

Apesar, de alguns municípios apresentaremum relevo não muito propicio a mecanização, ainserção da produção da soja, encontrou meios dese expandir nessas áreas, tendo como um dosprincipais fatores, não somente a fertilidade do solo,

mas também a linhas de crédito oferecidas por partedas instituições financeiras, cobrindo desde o plantioaté possíveis perdas na produção em função deadversidades climáticas (Figura 7).

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FIGURA 7: Vista parcial de colheita da soja, com elevado índice de tecnificação no município de Palmeiradas Missões – RS.Fonte: Schmitt (2005).

Municípios como Palmeira das Missões,Cruz Alta e Tupanciretã apresentam-se como osmaiores produtores de soja, onde a área cultivadachega atingir mais de 80.000 hectares cada um. Emfunção da malha municipal ser mais fragmentadana Metade Norte, não sobressaem grandes áreascultivadas por município. Mas destaca-se que a sojaé cultiva em todos municípios, diferenciando-seapenas quanto o grau de tecnologia empregado noseu cultivo.

No entanto, observa-se também, emboraisoladamente, que municípios localizados na MetadeSul tem expressão quanto à produção de soja,podendo-se destacar São Borja, Cachoeira do Sul,São Gabriel e Dom Pedrito. Acredita-se que o preçono mercado internacional tem provocado a expansãodo cultivo de soja para regiões tradicionalmenteprodutoras de arroz, bem como a existência degrandes áreas de campo com alto potencial deexploração para tal cultivo (Figura 8).

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Em relação à produção (toneladas),verificamos a grande expressividade do planaltomédio, chegando a produzir mais de 80.000 t/ha emdeterminados municípios, destacando-se osmunicípios de Palmeira das Missões, Chapada,Carazinho, Passo Fundo, Cruz Alta, Tupanciretã,Santa Rosa, Três Passos, Santo Ângelo, Ijuí e SantoAugusto. Enquanto, na Metade Sul destacam-seapenas Cachoeira do Sul e São Gabriel, em funçãode possuírem as maiores áreas territoriais no RioGrande do Sul, como mostra a figura 9.

Devemos ressaltar que o pioneirismo naprodução de grãos tratando-se da cultura da soja,ocorreu nos municípios da Metade Norte do RioGrande do Sul, impulsionados não somente naquestão de subsídios, mas também, referindo-se a

aspectos que dizem respeito a transferência detecnologia, como exemplo disso, têm-se a criaçãona década de 1970, da Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária (EMBRAPA), com sede nomunicípio de Passo Fundo, com a finalidade deprodução de novas variedades de soja, adaptáveisas condições edafo-climáticas da região.

A evolução no cultivo de arroz e soja no RioGrande do Sul foi capaz de produzir um espaçoagrário com especificidades bem regionais. Seinicialmente o fator preponderante era os recursosnaturais, ou seja, a disponibilidade de terra e água,com o passar dos anos foi à incorporação detecnologia e pesquisas que se tornou o novoparadigma. Portanto, aonde não existiam rios paraa irrigação do arroz, foram construídas barragens

FIGURA 8: Vista parcial de área destinada a pecuária tradicional e cultivo de soja no município de DomPedrito – RS.Fonte: Chelotti (2006).

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de captação de água; as áreas de matas e agriculturacolonial foram substituídas pela soja e todo o seucomplexo agro-industrial. Portanto, na

contemporaneidade a agricultura está cada vez maisintegrada ao meio técnico-científico-informacional.

FIGURA 9: Produção de Soja em toneladas no Rio Grande do Sul no ano de 2004.Fonte: Base Digital IBGE (2002) / Dados P.A.M. IBGE (2004).Org.: Castanho; Chelotti (2006).

Nesse contexto, a figura 10 realiza umacomparação das áreas em hectares destinadas aprodução de soja e de arroz no ano de 2004,possibilitando entender, que existem municípios

altamente especializados na produção de soja e dearroz, e aqueles, que possuem uma expressivaprodução de ambas culturas.

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FIGURA 10: Comparação das áreas destinadas a produção de Soja e de Arroz em hectares no Rio Grandedo Sul no ano de 2004.Fonte: Base Digital IBGE (2002) / Dados P.A.M. IBGE (2004).Org.: Castanho; Chelotti (2006).

Como exemplo da combinação do cultivode ambas as culturas, destacamos os municípios deSão Borja, Cachoeira do Sul, São Gabriel e DomPedrito, localizados na Metade Sul. Ressalta-se quenesse caso, não ocorre uma efetiva competição deáreas, pois a soja passa a ser cultivada em áreasanteriormente ocupadas pela pecuária, e não pelalavoura de arroz.

Portanto, não podemos mais considerar quea Metade Sul é território exclusivo da lavoura do

arroz irrigado, pois a soja nos últimos anos avançousignificativamente, ocupando áreas anteriormentedestinadas à pecuária de corte. Em relação àprodução de arroz irrigado na Metade Norte, pode-se aferir que não tem expressão, exceto na regiãodo litoral norte. Isso decorre das condições de solo,relevo, e hidrografia não serem favoráveis a seucultivo. Diferentemente da soja, que na Metade Sul,ocupa as coxilhas (colinas), enquanto o arroz asvastas áreas de várzeas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No verão o espaço agrícola gaúcho écaracterizado majoritariamente pelo cultivo de sojae arroz, estando espacialmente o primeiroconcentrando na Metade Norte, e o segundo naMetade Sul.

Tornou-se evidente que a existência derecursos naturais favoráveis para o cultivo do arrozirrigado, bem como a predominância de extensosvales com muitos mananciais de água, foramfundamentais para possibilitar o surgimento edesenvolvimento dessa lavoura na Metade Sul, desdeo início do século XX.

No caso da soja, foi a partir da década dosanos 1970, com o processo de modernização daagricultura, que esta se transformou no produto desustentação da modernização agrícola no Rio Grandedo Sul, cujo modelo implantado fundamentava-se viapolíticas de crédito e infra-estrutura decomercialização. Desta forma, as paisagens decampos naturais, antes existentes em abundânciana Metade Sul do Rio Grande do Sul, passaram aincorporar novos formas de exploração,principalmente via produção de grãos, no caso acultura da soja, uma vez que a produção de arrozsempre se fez presente nesta área. Enquanto, aMetade Norte, especializou-se na produção da soja.

Assim, historicamente as lavouras de soja earroz foram cultivadas em territórios distintos. Noentanto, ao passar dos anos, fatores como a demandade soja no mercado internacional, e a disponibilidadede áreas a serem cultivas, expandiu essa culturatambém na Metade Sul. Não significando com issoa competição de territórios, pelo contrário,representou aumento de áreas cultivadas no verãona mais tradicional área de pecuária de corteextensiva do Rio Grande do Sul.

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