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1 ORIGEM DA FAMÍLIA FERREIRA LIMA Durante os séculos XVII e XVIII vários colonizadores portugueses se aventuram na ocupação do Nordeste do Brasil. Esses pioneiros foram desbravadores corajosos que adentraram pelas trilhas e veredas dos sertões, com o objetivo de descobrirem riquezas naturais, fortalecerem o domínio da nação luso-brasileira e ocuparem as terras inóspitas dos sertões. LEAL (1993), no trecho do livro A Colonização Portuguesa no Ceará, baseado em pesquisas bibliográficas fez um mapa genealógico cearense, relacionando os nomes dos primeiros povoadores portugueses, indicando a naturalidade deles, os locais onde se instalaram os entrelaçamentos familiares e as famílias que fundaram. Baseado nesses registros históricos é possível, obter informações dos locais onde a família portuguesa “Ferreira Lima” se instalou no litoral e no interior do Ceará. A família Ferreira Lima, veio na sua maioria do distrito de Braga, no coração do verde e fértil Vale do Cavado, antiga província do Minho, norte de Portugal, alguns se estabeleceram em Fortaleza e na região litorânea, outros, no entanto, adentraram no interior do Ceará, chegando até a região do Cariri (Figura 1). Figura 1. Mapa do Distrito de Braga, Portugal de onde veio o clã Ferreira Lima. Os antigos registros indicam que o senhor Mateus Ferreira Lima, casou-se em Recife e veio para a região Cariri, provavelmente em 1750. João Ferreira Lima casou em 1770, em Baturité e sua esposa era da família Pereira. Joaquim Ferreira Lima e Manuel Ferreira Lima fixaram residência na região dos Inhamuns (Quadro 1). Quadro 1. Relação de nomes da família Ferreira Lima, local de nascimento, fixação e entrelaçamento com outras famílias, período 1700 a 1800. Nome Local de nascimento ou casamento Local de Fixação Entrelaçamento familiar Manuel Ferreira Lima Nasceu em Braga Inhamuns Batista de Melo Mateus Ferreira Lima Casou em Recife Cariri João Ferreira Lima Casou em Baturité, 1770 Baturité Pereira Ferreira Lima Nasceu em Braga Casou-se em Russas Russas Joaquim Lima Ferreira Nasceu em Braga Casou em Arneiróz Inhamuns

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ORIGEM DA FAMÍLIA FERREIRA LIMA

Durante os séculos XVII e XVIII vários colonizadores portugueses se aventuram na ocupação do Nordeste do Brasil. Esses pioneiros foram desbravadores corajosos que adentraram pelas trilhas e veredas dos sertões, com o objetivo de descobrirem riquezas naturais, fortalecerem o domínio da nação luso-brasileira e ocuparem as terras inóspitas dos sertões. LEAL (1993), no trecho do livro A Colonização Portuguesa no Ceará, baseado em pesquisas bibliográficas fez um mapa genealógico cearense, relacionando os nomes dos primeiros povoadores portugueses, indicando a naturalidade deles, os locais onde se instalaram os entrelaçamentos familiares e as famílias que fundaram. Baseado nesses registros históricos é possível, obter informações dos locais onde a família portuguesa “Ferreira Lima” se instalou no litoral e no interior do Ceará.

A família Ferreira Lima, veio na sua maioria do distrito de Braga, no coração do verde e fértil Vale do Cavado, antiga província do Minho, norte de Portugal, alguns se estabeleceram em Fortaleza e na região litorânea, outros, no entanto, adentraram no interior do Ceará, chegando até a região do Cariri (Figura 1).

Figura 1. Mapa do Distrito de Braga, Portugal de onde veio o clã Ferreira Lima. Os antigos registros indicam que o senhor Mateus Ferreira Lima, casou-se em

Recife e veio para a região Cariri, provavelmente em 1750. João Ferreira Lima casou em 1770, em Baturité e sua esposa era da família Pereira. Joaquim Ferreira Lima e Manuel Ferreira Lima fixaram residência na região dos Inhamuns (Quadro 1).

Quadro 1. Relação de nomes da família Ferreira Lima, local de nascimento, fixação e entrelaçamento com outras famílias, período 1700 a 1800. Nome Local de nascimento ou

casamento Local de Fixação

Entrelaçamento familiar

Manuel Ferreira Lima Nasceu em Braga Inhamuns Batista de Melo Mateus Ferreira Lima Casou em Recife Cariri João Ferreira Lima Casou em Baturité, 1770 Baturité Pereira Ferreira Lima Nasceu em Braga

Casou-se em Russas Russas

Joaquim Lima Ferreira

Nasceu em Braga Casou em Arneiróz

Inhamuns

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É muito importante saber a origem dos nomes, pois estes indicam a influencia,

a função, a nobreza, a posição sócio-econômica de seus descendentes e até a região de origem.

O clã Ferreira era uma família nobre, das mais antigas, cujas origens não são ainda bem conhecidas. Parece ser de origem castelhana e o seu solar a vila de Ferreira, no reino de Castela, hoje chamada Herrera de Rubisverga, na entrada da terra de campos.

A pessoa mais antiga com esse sobrenome, segundo os genealogistas, é Dom Álvaro Rodrigues Ferreira, que viveu por volta do ano de 1170 no Reino de Leão, um dos reinos medievais nos quais era dividida a área hoje ocupada pela Espanha. Dom Álvaro teve três filhos: Rodrigo Álvares Ferreira, Fernando Álvares Ferreira e Teresa Álvares Ferreira, sendo que esta última casou-se com Dom Sancho Nunes de Barbosa. Observe que a palavra "Álvares" que aparece no nome dos filhos, provavelmente provém da expressão "filho de Álvaro", não sendo, portanto, um sobrenome herdado da mãe. Dom Fernando viveu em Portugal, no Paço de Ferreira, situado no conselho de Aguiar e Souza. De seus filhos provém os Ferreiras de Portugal (RODOVID, 2009). Então, pode-se afirmar que os Ferreira migraram da Espanha para Portugal em épocas muito remotas, 300 anos antes do descobrimento do Brasil (Figura 2, I e II).

(I)

Figura 2. Os Ferreiras usam em Portugal, as seguintes armas: de vermelho com quatro faixas de ouro. Timbre: um avestruz, com uma ferradura de ouro no bico.

(II)

Os Ferreiras trazem as dos Herreras de Espanha, que são: de vermelho, com duas caldeiras de ouro, uma sobre a outra; bordadura cosida de vermelho, carregada de doze caldeiras.

A entrada do sobrenome no Brasil deu-se através de mais de uma centena de

famílias diferentes, em vários estados, tornando-se um dos sobrenomes mais dispersos no país.

O sobrenome Lima em português é classificado como um toponímico, ou seja, tem origem geográfica, deriva de Limia, nome pré-romano (Celta ou Ligure), significaria "esquecimento", também, é o nome de um rio. Existia uma lenda que dizia que quem atravessase este rio ficaria esquecido de tudo. Provavelmente a primeira pessoa a utilizar este sobrenome deveria ter sua morada próxima a este rio. Era uma das principais famílias de Portugal que teve em Dom João Fernandes de Lima o iniciante da geração. Senhor de terras de Limia, daí a origem do nome, juiz da corte, conselheiro do Reino, comendador da ordem de Santa Maria. Seus descendentes

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ocuparam lugar de importância na corte portuguesa. O brasão de armas foi concedido à família em 1485 (LIMA, 2009).

Ainda, segundo o mesmo autor, os Limas, remontam a D. Fernão Aires Barticele, cunhado do Rei D. Afonso Henriques. Nas lutas de Aragão e Castela, que formaram os países ibéricos, D. João Fernandes de Lima, o primeiro do nome, tomou Límia, na Galizia. Os Limas lutaram contra os reis godos de Aragão. No Brasil, do Paraná, partiram para o sul, guerreando contra índios e colonizando os sertões. Lembra, também, Hermenegildo Lima, sua bravura e coragem na Guerra do Paraguai. Eram nobres em Portugal e foram aguerridos no sul do Brasil (Figura 2).

O sobrenome Ferreira Lima, pode ser o resultado da união das duas famílias ilustres, ocorrida e celebrada no Paço de Ferreira, situado no conselho de Aguiar e Souza em épocas subseqüentes ao descobrimento do Brasil. Esta ilustre família ocupou, também, o verde e fértil Vale do Cavado, na antiga província do Minho, norte de Portugal. A vinda da família Ferreira Lima para o Ceará ocorreu nos séculos XVII e XVIII.

Figura 2. Brasões utilizados pela família Lima.

ORIGEM DA FAMILIA FERREIRA LIMA DA SESMARIA MONTE A LEGRE

Será que família Ferreira Lima veio do distrito de Braga do verde e fértil Vale do

Cavado, norte de Portugal? Por que esses colonizadores vieram dessa importante região de Portugal e com bravura adentraram aos sertões semi-áridos se aventurando pelas trilhas e veredas, tendo que enfrentar a fúria e resistência das tribos indígenas que ocupavam há tanto tempo essas terras? É importante investigar a história dos “Ferreira Lima” que povoaram a sesmaria Monte Alegre e que deram origem as famílias que habitam até hoje os sítios Cajazeiras, Gangorra, Recanto, Malhada Grande, Vacaria, Gabriel, Coroatá, Fortuna, Guarani, Moça, Pau D’Arco e diversas regiões do Brasil e do mundo. Quem são eles? Por que chegaram ao Monte Alegre em uma época tão remota, quando o Brasil ainda era uma simples colônia de Portugal? Qual é a sua árvore genealógica? (Tabela 1).

É importante ressaltar, que nem tudo era tão árido nas terras que serpenteiam os riachos: Verde, Ursa, Porcos e Fortuna. Havia um vale fértil e verde com abundantes pastagens nativas, onde o capim mimoso brotava na época das primeiras chuvas de novembro e dezembro, então a rama vicejante e verde recobria de folhagem a caatinga. Era uma terra propicia para o criatório extensivo de gado, mesmo havendo a possibilidade de saques dos silvícolas da região e do ataque das onças pardas e pintadas que rosnavam nas madrugadas, rodeando os curais de pau-a-pique, especialmente, onde jaziam os bezerros apartados a noite do plantel leiteiro.

Quem primeiro chegou a essa região? Qual foi o ano mais ou menos? Não se sabe com precisão, no entanto, segundo depoimento de Antonio Ferreira Lima,

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nascido em 1 de outubro de 1914, o senhor José Ferreira Lima nasceu provavelmente na era de 1775 e viveu com seus pais em algum engenho, as margens do rio de Paraíba (PB), ocupado desde século XVI, por cristão-novos que tiravam sua subsistência da agricultura, pecuária e possuíam alguns escravos.

Tabela 1. Árvore Genealógica da Família Lima do sitio Monte Alegre e da Vacaria, Várzea Alegre, CE.

Nome Esposa Data de nascimento Capitão Agostinho Duarte Pinheiro ou o Alferes Bernardo Duarte Pinheiro

Romana Xavier de Carvalho natural de PE

Ana Maria Bezerra, natural de Santo Antão da Mata,

PE

1693?

1694?

José Ferreira Lima

N. 1775

Raimundo Ferreira Lima Joana Batista Ferreira

N. 1801

Martim Ferreira Lima Carolina Ferreira Lima

N.1833; F. 1929

Aniceto Ferreira Lima Joana Josefa Pereira Lima

N. 12/04/1873; F. 1947

Antonio Ferreira Lima Adalgisa Rufino de Lima e

Expedita Maria de Lima

04/10/1914

Antonio Aniceto de Lima Nilba Gonçalves de Lima

27/01/1952

Antonio Ferreira Lima Adalgisa Rufino de Lima N. 1914; N. 1932 Antonio Aniceto de Lima Nilba Gonçalves de Lima N. 1952 N. 1955 Antonio Aniceto de Lima N. 1989 (N – Nascimento; F - Falecimento).

Ainda, de acordo com FERREIRA LIMA (2009), os sobrenomes Ferreira e Lima, foram nomes adotados, talvez de portugueses ou mesmo cristãos velhos, usados para ocultar a verdadeira identidade dessa família, cuja origem era marrana. É importante salientar que muitas pessoas, especialmente os cristãos novos ou criptojudeus, que migram para o Brasil após o descobrimento, utilizaram esses sobrenomes para escaparem dos implacáveis inquisidores portugueses e espanhóis, especialmente depois do casamento de D. Manuel rei Portugal com Isabel de Aragão, viúva do príncipe herdeiro D. Afonso desaparecido prematuramente em 1491.

Os judeus, até o ano de 1496, viviam em Portugal em suas aljamas ou judiarias onde tinham as suas sinagogas. A lei portuguesa não só reconhecia como também garantia aos judeus o exercício de seu culto. Assim, as Ordenações Afonsinas proibiam que um judeu fosse convertido pela força, e determinavam que ao sábado, dia santo da religião judaica, o judeu não fosse obrigado a comparecer em tribunal.

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Essas e outras regalias, como o direito ao divórcio, eram permitidas aos judeus mediantes o pagamento ao rei de determinados impostos (SARAIVA, 1985). Até os fins do século XV, os judeus estavam integrados à sociedade lusitana, além disso, vale ressaltar que os mesmos ocupavam altos cargos na política e tinham grande destaque como comerciantes, artesãos e até como navegadores.

No entanto, a coexistência do judaísmo com o catolicismo, ou seja, dos judeus com os cristãos em solo português mudaria drasticamente em fins do ano de 1496, com o decreto de expulsão dos judeus assinado pelo rei D. Manuel. Portugal, desta forma, cedia às pressões da Espanha que já havia feito o mesmo em 1492 – quando muitos dos judeus que lá habitavam migraram para Portugal.

Cedendo as pressões dos Reis Católicos em troca do casamento com a filha destes, mas consciente da importância da comunidade judaica para o reino português, D. Manuel tomou medidas para evitar a fuga em massa da comunidade judaica. Primeiro deu um prazo longo de dez meses para os judeus deixarem Portugal, a Espanha havia dado quatro meses quando o fizera, isentou por 20 anos de qualquer perseguição religiosa, assim aqueles que se convertessem ao cristianismo não seriam investigados de práticas da velha fé, e por fim, no dia marcado para os judeus deixarem Portugal, proibiu o embarque e os obrigou a converterem-se ao catolicismo (SARAIVA, 1985).

Conseqüentemente, nasciam neste país a partir desse momento os cristão-novos, judeus convertidos à religião oficial do reino. Conjuntamente, passavam a existir em Portugal diferentes categorias de cristãos: os cristão-novos (os convertidos), judeus e muçulmanos (estes mais conhecidos como mouriscos) e os cristão-velhos, de ascendência reconhecidamente cristã. Os cristãos novos foram também, apelidados pelos espanhóis, seus ferrenhos adversários de marranos, ou "porcos", demonstrando não somente o sentido ofensivo do termo, mas o antisemitismo que logo se espalhou pela Peninsula Ibérica para designar os seguidores de Moisés.

Deste modo, o decreto de expulsão dos judeus acabou sendo substituído pela conversão forçada ao catolicismo. A partir de então os cristão-novos passaram a serem herdeiros diretos dos preconceitos e das perseguições antes destinados aos judeus (MONTEIRO, 2007).

Posteriormente, com a introdução da Inquisição, outra das condições impostas pelos Reis Católicos para o segundo casamento de Rei D. Manuel com Maria de Castela, a perseguição assumiu contornos mais metódicos e crueis, com confissões obtidas sob tortura, e os auto de fé para aqueles que fossem descobertos a professar a fé mosaica em segredo (WIKIPÉDIA, 2009).

Persiguidos como lebres pelos espanhois e portugues, o resultado foi o êxodo da comunidade judaica, para outros países da Europa ou do Novo Mundo que se descortinava com grandes extensões teritoriais e possibilidade de liberdade dos algozes inquisidores. Portugal viu igualmente desaparecer uma grande quantidade da sua comunidade científica, médica, cultural e empresarial, que como em muitos outros países, teve um papel dinamizador no desenvolvimento. Dessa expulsão beneficiaram as regiões da Europa que acolheram os judeus portugueses, como a Holanda ou a Flandres.

É importante salientar que a perseguição aos cristãos-novos continuou no Brasil, durante todo período da colonização portuguesa, época do Império e por muito tempo durante a Primeira Répública. A Revolução Liberal, e a extinção da Inquisição, a 31 de Março de 1821, ou mesmo o reconheciemnto oficial da Primeira República da liberdade de culto não altera a vida isolada das cada vez menos comunidades de Marranos da Beira Interior, tal como não teve impacto visível o estabelecimento de uma comunidade judaica pública desde os anos de 1810. Atualmente no Brasil algumas comunidades de marranos resistiram as perseguições e ao tempo como a Comunidade de Belmonte e algumas famílias na região da Covilhã. Nos anos de 1910, são "descobertos" e tornados públicos pelo Capitão Barros Basto, ele próprio um marrano convertido, nos anos 1920 (WIPÉDIA, 2009).

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Segundo LACHIETTI (2008) os cristão-novos que viviam na Paraíba não eram abastados como os da Bahia ou do Rio de Janeiro, mas também tinham algumas posses. Tiravam sua subsistência da agricultura e possuíam alguns escravos. Seu número cresceu após a expulsão dos holandeses, quando os judeus que não quiseram deixar o Brasil penetraram fundo no sertão. Constituíam um grupo coeso, fechado, endogâmico e freqüentavam a igreja apenas para o ‘mundo ver’. Mas no âmago de seus corações, como no templo de suas casas faziam as cerimônias que aprenderam de seus pais e avós, e que lhes eram transmitidas há mais de 10 gerações. O ‘judaísmo’ dos cristão-novos da Paraíba se manifestava através de dois modelos: a prática de algumas cerimônias e o sentimento de “pertencer”. Os cristão-novos de Camaragibe (Pernambuco) também foram acusados de seguir alguns preceitos da religião judaica. Mas é importante, uma vez para sempre, demolir o mito de que a perseguição aos marranos foi eminentemente religiosa. Tanto na Paraíba como em outras regiões do mundo, o que levou a perseguição dos cristão-novos foi um anti-semitismo existencial, que não dependia exclusivamente da religião, mas como explica Yirmiyahu Yovel, estava voltado contra o próprio “ser”, o próprio “existir” dos judeus. Esse anti-semitismo é mais profundo que o anti-semitismo religioso.

Muito cedo os paraibanos aparecem como suspeitos de judaísmo. O primeiro visitador que a Inquisição mandou ao Brasil já teve ordem de investigar a Paraíba. João Nunes, cristão-novo que aí viveu em fins do século XVI, e teve importante papel na colonização local, foi denunciado por ter dito “quando me ergo pela manhã que rezo uma Ave Maria, amarga-me a boca”. Pesquisas mais exaustivas poderão esclarecer ainda obscuros ângulos da realidade dos ‘judeus’ da Paraíba. As suspeitas aparentes repetiam as seculares acusações de que “faziam ajuntamentos”; costumavam estar na Igreja com muito pouco acato e reverência no tempo em que se levantava o “Santíssimo Sacramento”; quando falavam uns com os outros, e não traziam livros de rezas nem de contas”.

Na Paraíba, a heresia judaica se entende durante séculos. Na investida inquisitorial do século XVIII, quando são presos em poucos anos cerca de cinqüenta paraibanos, as evidências sobre as ‘sinagogas’ e as reuniões secretas aumentaram. O Santo Ofício obteve vantagens econômicas com suas prisões, cujo montante ainda não foi avaliado.

No ano de 1729 são encontrados nos Engenhos da Paraíba dezenas de famílias que praticavam acintosamente o judaísmo. Nessa época, teve muito trabalho com eles o Familiar do Santo Ofício Antonio Borges da Fonseca, e o governador do Ceará, Antonio Vitorino Borges Fonseca. Surpreendendo em pleno campo Paraibano um forte e amalgamado grupo de criptojudeus não perdeu tempo em prendê-los e encaminhá-los a Lisboa. Dessa leva poucos voltaram, dois pelo menos que se sabe alimentaram as fogueiras inquisitoriais e muitos morreram nos seus cárceres ou ficara esmolando na capital do Reino (LEAL, 1983).

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Foi nessa época de ferrenha perseguição que provavelmente, os pais de José Ferreira, deixaram os sertões do rio Paraíba, juntamente com a sua família e outros companheiros de peregrinação, e como uns bons disfarçantes conseguiram penetrar na região mais ocidental da Paraíba, quase na divisa com o Ceará, e estabelecer-se como um “português” de origem nobre, já trazendo consigo a alcunha de Ferreira e Lima, tendo em vista despistar os implacáveis inquisidores que cada vez mais ousavam adentrar as regiões inóspitas do interior sertanejo para encontrar os hereges marranos.

Estima-se que cerca de um décimo, da população brasileira seja de descendentes de judeus cristão-novos, porém, alguns historiadores afirmam que na verdade essa proporção é de 35%. Isso equivale, na menor das estimativas, a 17 milhões de pessoas. CARVALHO (2009) no livro "As raízes judaicas no Brasil", apresenta uma relação dos sobrenomes de cristão-novos, brasileiros ou residentes no Brasil, condenados pela Inquisição nos séculos XVII e XVIII e que constam nos arquivos da Torre do Tombo em Lisboa. Convém lembrar que os judeus, por ocasião da conversão forçada e para esconder suas raízes e evitar a perseguição, adotaram muitos sobrenomes de cristão-velhos. Ainda, há como pode ser visto na lista, diversos outros tipos de sobrenomes também adotados pelas famílias de conversos, como os de origem geográfica (por exemplo, Toledo e Évora), os de alcunha (p.ex. Moreno e Bueno), os de profissões (p.ex. Ferreira), os derivados de nomes de pessoas (p.ex. Henriques, Fernandes), entre outros.

A lista de nomes é longa, entre tantos os que foram perseguidos pela inquisição estão: Ferreira, Lima, Gonçalves, Brito, Diniz, Oliveira, Souza, Matos, muitos conhecidos na região sul do estado do Ceará. A lista abaixo foi abreviada sendo colocados apenas os nomes mais conhecidos: Abreu, Aguiar, Albuquerque, Almeida, Alves, Baptista, Barbosa, Barros, Bezerra, Botelho, Brito, Cabral, Campos, Castelo Branco, Castro, Correa, Costa, Dias, Diniz, Duarte, Feijó, Ferreira , Figueira, Figueiredo, Fonseca, Freitas, Furtado, Garcia, Gomes, Gonçalves, Guedes, Guerra, Henriques, Lago, Leal, Leite, Lemos, Lima, Lopes, Lourenço, Luiz, Macedo, Machado, Madeira, Magalhães, Maia, Manoel, Marques, Martins, Mascarenhas , Mattos , Medeiros, Mello, Mendes, Mendonça, Menezes, Mesquita, Miranda, Montes, Monteiro , Moraes, Mourão, Moraes, Moreira, Motta, Moura, Mocinho, Neves, Nogueira, Noronha, Novaes, Nunes, Oliva, Oliveira , Pacheco, Paes, Paiva, Poderoso, Penha , Penteado, Pessoa, Pereira , Pimentel, Pinheiro, Pinto, Pires, Ponte, Quadros, Queiroz, Rabelo, Ramalho, Ramires, Ramos, Rego, Reis, Rezende, Ribeiro, Rodriguez, Romão, Rosário, Rosa, Ruiz, Salvador, Sampaio , Sanches, Sandoval, Santiago, Santos, Saraiva, Seixas, Sena, Cerqueira, Serra, Silva , Silveira, Simões, Soares , Siqueira, Sodré, Souza , Tavares, Teixeira, Telles, Torres, Tota, Tourinho, Trindade, Uchôa, Vale, Valença, Vargas, Vasconcellos, Vasques, Vaz, Veiga, Veloso, Viana, Vicente, Viera, Vilhena , Villanova, Xavier, Ximinez.

As notícias da perseguição de 1729 se espalharam rapidamente pelo interior dos sertões por boca dos destemidos vaqueiros que faziam a rota do centro-sul do Ceará à Paraíba, via o Arraial do Poço (freguesia de Icó), ponto de entroncamento e comercialização do gado que cruzava os sertões, obrigando os marranos adentrarem mais ao interior de Pernambuco, Paraíba e Ceará. A colonização de Icó (que vem de "Icós - tribo da nação dos Cariris"), data do início do século XVIII, sendo a povoação de Arraial Novo dos Icós elevada a vila em 1738, a terceira vila do Ceará, logo após Aquiraz e Fortaleza. Somente em 1842 foi elevada a categoria de cidade através da Lei nº 244, de 21 de outubro de 1842 (WIKPÉDIA, 2009 b).

É provável que na freguesia de Icó, os pais de José Ferreira Lima tenham tido os primeiros contatos com os sesmeiros cearenses, comercializado o gado e a carne de sol, juntamente com alguns de seus filhos, inclusive José Ferreira Lima.

Nessa época o Brasil ainda era colônia de Portugal, a capitania do Ceará era subordinada a Pernambuco, tendo como prováveis governadores os capitães-mores,

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Antônio José Vitoriano Borges da Fonseca e posteriormente, João Baptista de Azevedo Coutinho de Montauri, no período de 1765 a 1789. É importante lembrar que, somente a partir de 29 de setembro de 1779, Bernardo Manuel de Vasconcelos se torna o primeiro governador autônomo do Ceará (WIKIPEDIA, 2009).

Quem foram os pais de José Ferreira Lima

A família Ferreira Lima da sesmaria Monte Alegre, Várzea Alegre, Ceará, tem como ancestral segundo depoimento de Lourenço Ferreira Lima o português Capitão Agostinho Duarte Pinheiro que juntamente com o seu irmão o Alferes Bernardo Duarte Pinheiro, foram beneficiados com umas datas (sesmarias), as margens do Riacho do Machado, na época, conhecido por Riacho do Coroatá em 23 de fevereiro de 1718. O Capitão Agostinho, abalado por problemas familiares, resolveu doar sua parte na propriedade aos seus filhos e retornou a Portugal, enquanto o seu irmão Bernardo fixou residência definitivamente em Várzea Alegre, onde construiu sua casa no sítio Lagoas. Ainda de acordo com o depoente para conseguir as sesmarias, os irmãos mudaram os seus sobrenomes de Duarte Pinheiro para Ferreira Lima, família nobre de Portugal, a fim de esconder a sua verdadeira identidade como marrano, evitando as especulações e perseguições que eram infligidas aos descendentes de judeus. No entanto, essa hipótese parecer não ter muita sustentação devido ao fato Agostinho Duarte Pinheiro (Brandão), ter nascido na freguesia de Santa Eulália, conselho de Paços de Ferreira, Porto, Portugal. Casou-se com Romana Xavier de Carvalho, natural de Pernambuco e como capitão gozava de privilégios não concedidos aos judeus como o direito a aquisição através de doação de sesmarias e o exercício de alto cargo militar. Seus filhos foram: Jerônima (1741); André (1742); Joana da Silva dos Santos (1745) X José Felipe Coelho; Antônio Duarte Brandão (1747); Teresa (1756); Manoel (1759); Agostinho da Silva; Francisco Duarte Alves Pinheiro (mãe desconhecida) X Maurícia Moreira de Carvalho; Francisco Duarte Alves Pinheiro casou-se com Maurícia Moreira de Carvalho (CORREIA LIMA, 2009).

Outra hipótese sustentada por Antonio Ferreira Lima é que a família Ferreira Lima, veio da Paraíba e eram descendentes de judeus ou cristãos novos e que usaram esse nome para despistar as origens judaicas, a fim de escaparem da ferrenha perseguição que ocorreu em 1729, quando na ocasião o Inquisidor do Santo Ofício Antonio Borges da Fonseca, e o governador do Ceará, Antonio Vitorino Borges Fonseca encontram nos Engenhos da Paraíba dezenas de famílias que praticavam acintosamente o judaísmo, sendo levadas ao tribunal da inquisição em Lisboa (Leal, 1980).

Bernardo nasceu na freguesia de Santa Eulália, conselho de Paços de Ferreira, distrito do Porto, Portugal. Casou-se com Ana Maria Bezerra, nascida em Santo Antão da Mata ou Tracunhaém, Pernambuco, filha de Antônio Bezerra do Vale e de Maria Álvares de Medeiros. Bernardo faleceu em 20/11/1768, na fazenda das Alagoas, ribeiro do riacho do Machado, Várzea Alegre, Ceará, em 23/11/1768 foi rezada missa na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Expectação do Icó, esmolado por sua mulher, Ana Maria, em intenção de sua alma.

São descendentes diretos do capitão Bernardo Duarte Pinheiro grande parte da população de Várzea Alegre: Francisco Duarte Pinheiro (ou Bezerra), Raimundo Duarte Bezerra (Papai Raimundo), José Raimundo Duarte de Meneses (José Raimundo do Sanharol); Maria Anacleta de Menezes casada com Antonio de Brito Correia, filho de Antonio Correia de Brito; Tereza Anacleta de Menezes (Tetê) casou-se Joaquim Alves de Morais, filho de Gabriel de Morais Rego e de “Mãe Dona”, da Fazenda Timbaúba, nos Inhamuns (MORAIS & COSTA, 1995).

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RESUMO HISTÓRICO DOS ANTEPASSADOS (1775 – 1932)

José Ferreira Lima

Mais ou menos no ano de 1805, José Ferreira Lima saia definitivamente da Paraíba com destino a certa fazenda próxima a uma várzea, chamada Alegre, onde a passarada cantava ao nascer do dia e ao entardecer, fazia coreografia em revoadas semicircular ou em formato de “V”, despedindo-se de mais um dia na terra da luz, numa mistura de silvos, gorjeios, arrulhos e pios, tentando encontrar abrigo seguro nas altas copas dos oitizeiros.

José Ferreira Lima já ouvira falar do processo de distribuição de terra no centro-sul do Ceará e da possibilidade de comprar alguma um pedaço de chão de algum sesmeiro desistente. É importante esclarecer que o processo de colonização do Ceará ocorreu no final do século XVII e início do século XVIII, sendo esta ocupação um processo doloroso que custou a vida de muitos indígenas especialmente das tribos Cariús e Cariris, que resistiram heroicamente a ocupação pelo homem branco. Esta fase dura de embate entre nativos e brancos, ainda não havia terminado, mas o senhor José Ferreira Lima estava disposto a enfrentar as dificuldades, pois melhor seria negociar com os silvícolas do que cair nas mãos de um inquisidor impiedoso.

“A ocupação de toda a capitania do Ceará deu-se a partir do litoral para o interior, e a área mais importante de penetração foi o Vale do Jaguaribe, onde deságua o Rio Cariús. Este vale jaguaribano significava a principal porta dos sesmeiros que vinham do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco à procura de pastagens naturais e de água, elementos essenciais para o desenvolvimento da pecuária.” (Propostas Alternativas – Vale do Jaguaribe – 1995p. 12 – IMOPEC).

Muitos sesmeiros percorreram as paragens verdejantes dos riachos, Machado, Verde e Fortuna, onde o ouro brotava dos cascalhos, um sonho que durou muito pouco. Talvez por esse motivo alguns deles tenham desistido de ocupar aquelas terras ou as tenham adquirido apenas com fins especulativo. Provavelmente, foi este o caso da sesmaria Monte Alegre banhada pelo riacho Fortuna e o riacho dos Porcos caititus, vendida em 1801, a um paraibano destemido que estava pronto a enfrentar todos os desafios do sertão, não muito distante de uma bela lagoa conhecido como Várzea-Alegre.

Aos 26 anos de idade José Ferreira Lima, ano de 1801, segue juntamente com seus pais em direção ao interior do Ceará, via Icó ponto de referencia dos vaqueiros nordestinos, onde poderia obter informações sobre a compra e venda de um pedaço de chão com água e pastagem nativa para definitivamente se estabelecer com sua família. Foi aí, que obteve informações acerca de uma sesmaria do alto sertão, do riacho Fortuna lugar que segundo alguns antigos garimpeiros do seu leito árido e de seixos rolados na época da seca, brotava ouro. O negócio foi fechado e a família durante 6 a 8 dias fez o percurso até fazenda que foi nomeada de Monte Alegre até os dias de hoje.

A referencia mais antiga relativa a ocupação dos riachos Machado e Verde datam de 1718. Os irmãos portugueses Capitão Agostinho Duarte Pinheiro e o Alferes Bernardo Duarte Pinheiro, associados ao cearense Vasco da Cunha Pereira, solicitaram umas datas de sesmarias as margens do riacho do Machado. Por despacho de 23 de fevereiro de 1718 foi-lhes concedido a data citada numa extensão de nove léguas, com uma légua para cada lado do riacho. Dois anos depois acompanhados de familiares resolveram fazer uma excursão a propriedade. Quando chegaram ao local onde existia uma lagoa, toda circundada por floresta virgem ficou a contemplar aquela paisagem maravilhosa escutando o cantar de pássaros que voavam nos galhos de arvores frondosas. Admirado com aquele magnífico panorama

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um dos componentes proferiu essa concisa e significativa frase: Mas que Várzea Alegre! Sendo sugerida a escolha do nome da fazenda (MORAIS, 2009).

As terras adquiridas por José Ferreira extremavam a leste com as referidas datas cedidas aos irmãos portugueses Capitão Agostinho Duarte Pinheiro e ao Alferes Bernardo Duarte Pinheiro, tendo como referencia de divisa, o ponto mais alto da serra da Vaca Morta. Segundo o depoimento de Antonio Ferreira a propriedade do Cipó ou Riacho da Ursa, atualmente Monte Alegre, tinha a extensão de uma légua e meia (1 légua = 6,0 km) por uma légua e meia de mata virgem. As dimensões dessa sesmaria compreendiam os sítios Monte Alegre, Cajazeiras, Gangorra, Betânia, Salão, Queimadas, Moça, Malhada Grande e a Vacaria.

José Ferreira chegou a fazenda Monte Alegre 1801, nesse mesmo ano nasceu um dos seus filhos, Raimundo Ferreira Lima que posteriormente assumiria as atividades desenvolvidas pelo seu antecessor de forma bem sucedida.

A partir de 1808 com chegada da Família Real, o Brasil passou por muitas transformações, saindo da posição de uma simples colônia e se tornando uma grande nação unificada através de D. João VI. As principais mudanças de forma sintetizada foram: A transferência da Corte portuguesa para o Brasil e a abertura dos portos brasileiros às nações amigas (1808); a assinatura dos tratados de comércio com a Inglaterra (1810); a elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarves (1815); a repressão militar à Revolta Pernambucana (1817); o retorno da família real a Portugal (1821); o reconhecimento da independência política do Brasil (1825), proclamada em 1822, por seu filho, D. Pedro I (COTRIM, 2009).

Dom João VI ao chegar ao Brasil trouxe toda sua máquina burocrática e precisava manter a ostentação e o conforto que lhe era peculiar em Lisboa, portanto, era necessário conquistar os súditos, manter apóio político, aumentar as receitas, para isso não teve parcimônia na distribuição de títulos de nobreza, cartas de sesmarias, cargos na máquina burocrática e outras mercês para os ricos nativos, principalmente os poderosos comerciantes residentes no Rio de Janeiro, mas também de São Paulo e Minas Gerais e em outras províncias brasileiras (JORNAL DO COMÉRCIO, 2008). É provável que, durante este período José Ferreira Lima obtivesse o título de capitão ajudante.

Há indícios históricos e testemunhais de que José Ferreira Lima, ou algum dos seus parentes muito próximos e com a mesma alcunha, tenha prestado relevantes serviços a vila de Icó, durante o período de 1820 a 1824, pois segundo FERREIRA (2009), este assumiu a patente de capitão ajudante, tendo 30 homens disponíveis, armados de bacamarte prontos para escoltar autoridades em suas viagens, ou para dispersar índios e capturar negros fugitivos, numa época vergonhosa em que a escravidão era oficializada e mão de obra para a lavoura era escassa.

Em 20 de janeiro de 1824, quando o tenente-coronel Tristão Gonçalves de Alencar marchava com suas tropas de Crato em direção a Fortaleza, na época que irrompeu a revolução republicana conhecida como a Confederação do Equador, recebe o apóio da vereança de Icó e nessa reunião são nomeados os oficiais que seguiriam os revoltosos até Aracati, os sargentos-mores Manoel Rodrigues de Moura César, Francisco de Paula Martins e o capitão ajudante José Ferreira Lima.

A Confederação do Equador foi um movimento político de caráter emancipacionista e republicano, ou mais certamente autonomista, ocorrido em 1824 no Nordeste do Brasil e que representou a principal reação contra a tendência absolutista e a política centralizadora do governo de D. Pedro I (1822-1831), esboçadas na Carta Outorgada em 1824, a primeira Constituição do país (WIKIPÉDIA, 2009c). No entanto, o movimento foi fortemente reprimido pelas forças legaistas do imperio e alguns foram condenados a morte por ordem do imperador Pedro I.

O nome do capitão ajudante José Ferreira Lima aparece juntamente com o do tenente-coronel Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, do capitão José Pacheco de Medeiros, do tenente-coronel José Ferreira de Azevedo e do sargento-mor Francisco Ferreira de Souza, convocados pelo Exmo. Senhor Governador das Armas da

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província do Ceará, José Pereira Filgueiras (INSTITUTO D0 CEARA, 2009), para decidirem os rumos da revolução republicana em 29 de abril de 1824 na cidade de Fortaleza.

Fora esse incidente dos confederados, José Ferreira Lima teve uma vida pacata e sossegada no sítio Monte-Alegre sendo a sua principal atividade a criação extensiva de gado em pastagem nativa, onde o capim mimoso crescia abundantemente nas áreas de mata de vegetação menos densa. Além das culturas de subsistência, plantavam ainda o algodão que era muito utilizado na tecelagem doméstica e na confecção de redes e roupas. Outra atividade complementar desenvolvida por esse pioneiro foi o plantio de cana-de-açúcar para produção de melaço e rapadura, utilizados na alimentação principalmente da mão de obra escrava.

Raimundo Ferreira Lima Raimundo Ferreira Lima foi também pecuarista e deu continuidade às mesmas

atividades desenvolvidas pelo seu pai José Ferreira Lima na lavoura, pecuária e fabricação de rapadura e melaço. Foi casado com Joana Batista Ferreira Lima que sabia ler, escrever e tirava as quatro operações de conta, portanto, administrava os negócios da fazenda, no entanto, o Sr. Raimundo era analfabeto. Sabe-se pelo menos o nome de dois dos seus filhos, Martins Ferreira Lima e Rafael Ferreira Lima e que teve duas filhas e uma delas tinha o apelido de Bicota, devido possuir um nariz grande e afilado.

Exerceu o cargo por nomeação de Alferes (subtenente) possuindo na sua propriedade 30 homens que eram recrutados, quando necessário para caçar escravos fugitivos e lutar contra rebeliões indígenas, portanto, um tipo de capitão do mato. Dava-se o título de “alferes” na época medieval em Portugal aos porta-bandeiras dos exércitos, das unidades militares e de outras instituições. Na organização do Exército decretada pelo Rei D. Sebastião, cada companhia passou a ter um alferes que, além de levar a bandeira da unidade, exercia as funções de seu segundo comandante, imediatamente subordinado ao capitão. Alferes, acabou por deixar de designar uma função e passou a ser um posto de oficial que já não tinha, necessariamente, a função de levar uma bandeira. Os alferes mantiveram-se como segundos comandantes das companhias de Infantaria até à introdução do posto de tenente, em 1707 (WIKIPÉDIA, 2009 c).

Um dos vaqueiros de Raimundo Ferreira chamava-se Braz Forte, um dia foi armado até a cidade, a polícia insistiu para que ele entregasse as armas, mas ele resistiu. Os soldados não tendo coragem de enfrentá-lo peito a peito, fizeram uma tocai no caminho e mataram o homem indefeso.

Além do pessoal de apoio para lidar com o gado, trabalhar na lavoura e no engenho ele chegou a possuir oito escravos, comprados em Fortaleza pelo preço de 100 mil réis. O tráfico de negros africanos no Brasil colonial e no império passou a ser um negócio muito lucrativo para os colonos, sendo também de interesse da metrópole, da coroa portuguesa e até da Igreja Católica, que recebia certa porcentagem sobre cada escravo que entrava no país.

Além da mão de obra escrava tinha muitos moradores e alguns se destacaram como destemidos vaqueiros dos sertões. Um desses vaqueiros chamava-se Hipólito. Conta-se que certo dia, quando campeava o gado nas Cajazeiras, encontrou várias índias numa trilha de gado, então ele botou o cavalo atrás para ver se conseguia capturar alguma delas, no desespero e correria uma das índias soltou um garoto que lava a tira colo.

Hipólito pensou consigo mesmo: Vou cria criar esse menino!!

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Desceu do cavalo e ao segurá-lo, o indiozinho assustado lhe cerrou os dentes no polegar direito. Ele pelejou e não conseguia tirar o dedo da boca cerrada do menino, portanto, Hipólito usou a sua peixeira e rasgou-lhe as bochechas, assassinando-o, em seguida de forma brutal. Os índios foram tratados de modo cruel durante todo período do Brasil colonial e mesmo durante o império:

Faz horror refletir na rápida despovoação destes miseráveis depois que chegamos ao Brasil; basta notar, como refere o Padre Vieira, que em 1615, em que se conquistou o Maranhão, havia desde a cidade até o Gurupá mais de quinhentas aldeias de índios, todas numerosas, e algumas delas tanto, que deitavam quatro a cinco mil arcos; mas quando o dito Vieira chegou em 1652 ao Maranhão já tudo estava consumido e reduzido a mui poucas aldeotas (...). Calcula o Padre Vieira que em trinta anos, pelas guerras, cativeiros e moléstias que lhes trouxeram os portugueses, foram mortos mais de dois milhões de índios. (ANDRADA E SILVA, 1998).

Como o gado era criado solto e algumas reses nunca eram encurraladas, nas matas havia touros muito bravos e perigosos, chegando a se tornarem uma ameaça, até para os vaqueiros descuidados. Para capturar um desses touros bravos, Hipólito e seu Raimundo Ferreira, ficaram numa espera, num local aonde havia água. Com um tiro certeiro de bacamarte disparado por Hipólito, a bala cortou-lhe a jugular e o temido animal caiu a beira do riacho da Ursa. O animal estava muito cevado, Hipólito queria levar a carne, mas seu Raimundo, disse:

Tome cuidado! Boi solto no mato não castrado tem a carne reimosa! Nunca comi, jamais comerei!

Eles acreditavam naquela época que fazia muito mal a saúde. No entanto, Hipólito insistiu e levou ainda dois quilos do traseiro da fera para comer em sua casa na Santa Rosa. A partir desse episódio, o senhor Raimundo Ferreira resolveu construir um entrada de pau-a-pique na aguada para encurralar, e marcar a ferro-fogo e castrar os touros para ceva no pasto solto. Na entrada da aguada, havia um corredor que forma um “v”, na beira do riacho Fortuna, daí chamarem essa entrada de Gangorra até o dia de hoje.

Havia muitos veados, onças, caititus e tatus, naquelas matas da fazenda Monte Alegre. Seu Raimundo contava que certa vez ouviu uns esturros de onças, subiu em um lugar seguro e observou que havia uma onça pintada em cio, vinha sendo seguida de pelo menos uns vinte machos, inclusive um de cor avermelhado, que dava “chega”, bonito de se ver nos machos pintados. Caititu era “mata” no riacho, que ficou conhecido até hoje como riacho dos Porcos.

Todos os casamentos, especialmente dos homens eram feitos na mesma família, ou seja, endogâmicos, mas o senhor Raimundo fez uma exceção para casar a filha mais velha e não deixá-la no “caritó”. Caritó era a pequena prateleira no alto da parede, ou nicho nas casas de taipa, onde as mulheres escondiam fora do alcance das crianças, o carretel de linha, o pente, o talco, o pedaço de fumo e o cachimbo. A solteirona era chamada de Vitalina, conforme a popularizou a cantiga, a môça-velha que se enfeita - bota pó e tira pó - mas não encontra marido. E assim, a vitalina que ficou no caritó é como quem diz que ficou na prateleira, sem uso, esquecida, guardada intacta (INFORMAL, 2009).

"Bota pó, Vitalina e tira pó moça velha não sai mais do caritó". Raimundo Ferreira Lima tinha duas moças a mais nova era muito bonita, porém

a mais velha era feiosa, tinha o nariz grande e era apelidada de Bicota. Certa vez apareceu um rapaz de Crato da família Souza para trabalhar na fazenda Monte Alegre, era de boa aparência e se apaixonou por uma de suas filhas a mais nova. O rapaz pediu a moça em casamento e tudo foi acertado com o pai da noiva. Naquele tempo não havia namoro, o pai acertava tudo com o noivo ou o pai do noivo e os dois se viam no dia e na hora do casamento.

O padre veio fazer o casamento na sede fazenda, a cerimônia foi celebrada a luz de candeeiro e a noiva apareceu com o rosto coberto por um espesso véu. Tudo foi muito rápido como havia sido combinado com o padre. A festa bradou até de

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madrugada! Souza foi bem servido com todas as iguarias e bebidas alcoólicas. No entanto, Sr. Raimundo havia feito o casamento de Souza no papel com a Bicota. Quando a festa acabou o casal se recolheu aos seus aposentos num quarto do grande casarão. O casal teve uma bela noite de carícias e afagos, dormiram até mais tarde. Mas que surpresa desagradável teve o noivo quando viu pela manhã, que não era a sua amada, mas sim a Bicota! Ele ficou muito chateado, chamou o Sr. Raimundo lhe perguntou:

Por que o Senhor me enganou colocando em meu quarto a Bicota? O Sr. Raimundo lhe respondeu:

É porque a Bicota é a mais velha e ela precisava se casar primeiro, senão ia ficar no caritó! Então, Souza resmungou:

Vou embora e nunca mais boto meus pés aqui! O Senhor não é homem de palavra! Raimundo Ferreira estremeceu e retrucou:

Se você for embora e deixar a Bicota, morre seu cabra! Agora preste atenção! Bicota é uma moça rica, já tem pra mais de 70 reses, então você fica trabalhando para você mesmo aqui na fazenda e eu ainda lhe ajudo lhe oferecendo a mão-de-obra que você precisar para tocar suas roças.

Topa! O Souza pensou! Pensou! E disse topo! E não se fala mais no assunto! O casal teve muitos filhos. Um dos

seus filhos chamava-se Luiz de Souza, este foi embora para Humaitá perto de Fortaleza e nunca mais voltou.

Essa é uma prova contundente que Raimundo Ferreira era de origem marrana. Onde ouviu este homem analfabeto a cerca da história de Labão e Jacó para proceder dessa maneira arbitrário com o Souza, numa época em que ao leigo era proibido ler a Bíblia Sagrada e a maioria das missas era celebrada em latim? Sem dúvida ele recebeu esse conhecimento através de seus antecessores que eram criptojudeus.

O texto bíblico diz que: Jacó amava Raquel por isso se dispôs a trabalhar sete anos para Labão a fim

de pagar-lhe o dote que lhe era devido. Raquel era formosa de porte e de semblante, mas os olhos de Léia sua irmã

eram fracos. Após sete anos de árdua labuta Jacó disse a Labão: Dá-me a minha mulher, porque o tempo está cumprido para que receba por

esposa. E Labão reuniu todos os homens daquele lugar, e fez uma festa. A noite ele tomou a sua filha Léia, e a trouxe a ele para possuí-la. Mas de manhã, viu-se que era Léia. Então ele disse a Labão: Que me fizeste! Não te servi por Raquel? Por que,

então, me enganaste? Então disse Labão: Neste lugar, não é costume de se dar a mais nova antes da mais velha. Passa

a semana com está, então te darei a outra, pelo serviço em minha casa que me prestarás durante sete anos.

E Jacó fez assim e passou a semana com esta. E Labão lhe deu a sua filha Raquel como mulher (GÊNESIS 29: 16-28).

Quando o tráfico de escravos foi proibido por pressão da Inglaterra, os navios negreiros passaram a ser perseguidos, nesse tempo houve valorização de negros no mercado interno. O Ceará foi o primeiro estado brasileiro a libertar os escravos, nesta ocasião o Sr. Raimundo aproveitou a oportunidade e vendeu os seus escravos para o Rio de Janeiro por um preço de 100 mil cada. As negras não foram vendidas dizem que seu Raimundo as tratava muito bem. Uma das escravas chamada Tomázia, viveu 96 anos, Senhor Antonio Ferreira (Antonio de Aniceto) dizia que as suas irmãs Maria e Carolina, chegaram a vê-la ainda com vida.

O governo brasileiro foi durante muito tempo pressionado pela Inglaterra para acabar com o tráfico de escravos africanos, a demora para cumprimento da lei estava

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atrelada a dependência do Brasil em relação a mão de obra escrava, mas, enfim, neste contexto de pressão D. Pedro I assinou a Convenção de 1826. No artigo Iº definia-se um prazo de três anos para extinguir o tráfico nacional, que, depois de expirado seria considerado pirataria. Nos demais artigos o Brasil concordava em manter os tratados anteriores (anglo-portugueses) e instituíam-se duas comissões mistas, uma no Rio de Janeiro e outra em Serra Leoa na África, com a finalidade de resolver questões relativas a apresamentos, garantindo a liberdade dos africanos encontrados nesta situação. A Convenção foi ratificada a 13 de março de 1827, transformando automaticamente o tráfico nacional em pirataria a partir de 13 de março de 1830. Esta situação gerou um grande desconforto à Câmara, que condenaria a atitude do Governo imperial questionando-o por ceder a compromissos que, no seu entender, prejudicavam o Brasil (MULTIRIO, 2009).

Alguns mestiços da região são parentes muito próximos do povo da Vacaria. Portanto, Sr. Antonio de Aniceto conta que um dia quase levou uma surra por conta da semelhança que tinha com o mulato Cícero Braz. O relator diz que Cícero Braz tinha umas dívidas a pagar, era encrenqueiro e tomava umas pingas, um dia 10 homens em Farias Brito estavam reunidos para acertar as contas, já começava escurecer quando seu Antonio Aniceto passou e quase foi confundido com o tal, mas escapou por que foi reconhecido quando deu “boa noite”. Por isso ele afirmava de vez em quando que era primo segundo de Cícero Braz.

O senhor Raimundo Ferreira Lima durou 96 anos, sendo a sua morte decorrente de uma ferida na região peito, agravada depois que ele mandou queimar por uma de suas escravas com uma ponta de um cavador aquecido no borralho, aí o mal evoluiu rapidamente, indicando ao que parece ter sido - um câncer de pele. Raimundo Ferreira conservou a herança recebida que seu pai conquistara ao longo de sua vida, manteve o costume de casamentos endogâmicos.

Martins Ferreira Lima Mais ou menos no ano de 1854, quando Martins Ferreira Lima resolveu se

casar, Raimundo Ferreira Lima foi com o seu filho até o sítio São Romão e acertou o casamento com Carolina Ferreira Lima, filha do seu irmão Antonio Ferreira Lima. Naquele tempo os casamentos eram arranjados pelos pais. Ela era uma moça muito bonita, no entanto, Martins seu primo era meio feioso. Mas a moça, assim mesmo, aceitou ficar noiva naquele mesmo dia. É interessante, que os noivos não tiveram licença dos pais para conversarem durante aquela rápida visita ao Senhor Antonio Ferreira. Ambos voltaram em seguida para o sitio Monte Alegre, sendo a festa de casamento realizada posteriormente, na data em que foi combinado com pais da noiva. Martins nasceu 1833 no sítio Monte Alegre e casou-se mais ou menos no ano de 1855.

Martins morava na Cajazeira, recebeu uma grande herança em terras de seu pai Raimundo Ferreira Lima, mas teve uma atitude perdulária. Depois de tomar posse das terras, começou a vendê-las a vintém a braça, ficando apenas com a propriedade das Cajazeiras.

Segundo os relatos de Antonio de Aniceto, Carolina estava enjoada de tanto “Ferreira Lima” na família e sugeriu a Martins que mudasse os seus próprios nomes. Não sabemos como conseguiram isso, o certo é que Martins passou a ser chamado Martins Filgueira Lima, e Carolina, mudou a sua alcunha para Carolina Gurgulina de Lima. Esse nome Gurgulina é meio esquisito, mas essa foi a sua preferência, pelo menos era muito diferente de todos outros naquele sertão e questão de “mau gosto” não se discute.

O nome mais importante com sobrenome Gurgulino é de Heitor Gurgulino de Souza um acadêmico Brasileiro (nascido em São Lourenço, Minas Gerais, 1 de Agosto

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de 1928). Gurgulino foi uma das personalidades brasileiras mais importantes no cenário político internacional, como reitor da Universidade das Nações Unidas, onde ocupou também o cargo de subsecretário geral das Nações Unidas tendo participado de diversas conferências da ONU. Atualmente é Vice-Presidente, The Club of Rome (e Preside seu Capítulo Brasileiro), e Secretário-Geral Eleito da International Association of University President (WIKEPÉDIA, 2009 c).

Certo dia um dos irmãos de Carolina que morava no sítio São Romão veio fazer uma visita a sua irmã que morava no Monte Alegre. Naquele tempo o casal já tinha rapazes e moças. Carolina tinha uma moça que era meio gordinha e muito tímida. Certa vez, quando Carolina olhou pela janela e conheceu que era seu irmão que estava chegando para visitá-la, gritou para a moça:

Filha é seu tio que está chegando! E correu imediatamente em direção ao o terreiro para dar as boas vindas. A moça com vergonha arrancou em direção a uma cerca de pau-a-pique, mas como usava uma roupa de algodão muito larga e comprida ficou presa pela barra do vestido na ponta de uma estaca. Engraçado é que naquela época as mulheres não usavam calcinhas, a vergonha foi maior porque ficou com a bunda descoberta. O seu tio foi até onde estava a sua sobrinha e sem nenhuma cerimônia batia-lhe nas nádegas dizendo:

Oh! Égua deixa de ser brava, parece que nunca viu gente!! Dizem que as palmadas não foram de brincadeira os hematomas só desapareceram alguns dias depois.

O casal Martins e Carolina teve oito filhos e três filhas: Antonio Ferreira Lima, Aniceto Ferreira Lima, Raimundo Ferreira Lima, Manoel Ferreira Lima, Petronilo Ferreira Lima, Joaquim Ferreira Lima, Francisco Ferreira Lima, José Ferreira Lima. As filhas do casal chamavam-se: Donana Ferreira Lima, Juliana Ferreira Lima e Ingraça Ferreira Lima. Ingraça casou-se com José Maria e tiveram vários filhos. O Senhor Antonio de Aniceto conta que foi um dia a uma festa na casa de Chico Martins e Ingraça tinha uma moça muito bonita e gostava de dançar. Ela disse para Antonio de Aniceto na sua maneira simples de falar e repetindo:

- Oiah! Antoim oceis são primo, né!! Ocê dança marrela! Dança marrela, Antoim! Seu Antonio aproveitou a festa e dançou até de madrugada, marrela. Tempos depois a filha da Ingraça foi embora para os Inhamuns e nunca mais voltou ao Monte Alegre, morreu por lá.

Joaquim Ferreira Lima era uma das pessoas mais sabidas da família de Martins, gostava de conversar e nas festas de casamento se destacava como cozinheiro. No entanto, quando a borracha na Amazônia fazia fortuna, lá pelos idos de 1890, ele como muitos nordestinos saíram em busca do ouro branco que jorrava dos serengais nativos, sendo que nunca mais retornou a sua casa paterna. Ainda mandou notícias, dizia que estava trabalhando em uma granja e era cozinheiro de seringeuiros, era muito trabalhador e econômico, já tinha juntado uma boa grana, porém tudo ficava nas mãos do patrão. Certo dia, porém, tendo saudades de sua terra natal, foi acertar as contas com o patrão, no entanto, ele se recusou pagá-lo e mandou que os seus capangas apagassem o moço, enquanto ele volta para sua cabana.

Durante o período da grande seca do Nordeste que começou em 1877, milhares de retirantes acossados pela sede, pelo chão resequido, testemunharam a devastação de suas lavoura a morte de suas crianças e de suas cabeças de gado. Isso causou um grande êxodo da sua população para São Paulo, mas principalmente para a Amazônia, atraídos pela propaganda de ganho rápido e fácil na exploração da borracha.

Conforme um estudo elaborado pelo professor Samuel Benchimol no período de 1877 a 1900, pelo menor 158.125 nordestinos, mais conhecidos como cearenses, haviam emigrado para a Amazônia. Dorneles Câmara em seu trabalho intitulado “Colocação no Amazonas dos flagelados do Nordeste”, publicado em 1919, calcula que de 1877 a 1890 a população cearense ficou reduzida a um terço, 300 mil pessoas

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desapareceram umas porque faleceram e outras porque emigraram (citado por SANTOS, 2009).

Naquela época houve uma peste conhecida como cólera no Ceará, muitas pessoas morrem da Vacaria até Cajazeiras. Um das filhas de Raimundo Martins morreu e foi sepultada na Cajazeira, a beira da estrada, sua catatumba se encontra perto da casa de Raimundo Martins. Na propriedade que Sr. Antonio de Aniceto, herdou de seu pai Aniceto Ferreira Lima no sítio Vacaria, existe um pé de tamarindo, perto da casa de Gonzaga, onde muitas pessoas foram enterradas nesse local dizimadas pela fome, cólera, varíola e até febre amarela. Diziam os mais antigos, que lá se via assombração e vozes de almas penadas, especialmente nas luas cheias e mingunates.

A cólera (ou cólera asiática) é uma doença causada pelo vibrião colérico (Vibrio cholerae), uma bactéria em forma de vírgula ou bastonete que se multiplica rapidamente no intestino humano produzindo uma potente toxina que provoca diarréia intensa. Ela afeta apenas os seres humanos e a sua transmissão é diretamente dos dejetos fecais de doentes por ingestão oral, principalmente em água contaminada (WIKEPÉDIA d).

Texto de um jornal da época: “O povo está desesperado. A fome vai acabar gerando a violência.” Viam-se jovens mulheres, cobertas de trapos, desgrenhadas, os pés ensangüentados, a pele terrivelmente queimada, caindo pelas ruas. Os homens, levando duas ou três crianças, andavam dezenas de quilômetros. Vendiam até as próprias roupas do corpo em troca de alguma coisa para comer. Muitas pessoas ficaram cegas, pela exposição contínua ao sol. Apareciam casos de cólera, de febre amarela e de varíola (NANNI, 2008).

O flagelo da seca da Vacaria ao Monte Alegre Durante a seca de 1877 segundo Antonio de Aniceto, seu avô materno José

Higino Pereira enterrou na Vacaria, 70 pessoas que foram vitimadas pela fome e demais epidemias. Os locais onde foram enterradas essas pessoas durante o longo período da seca foram: 40 atrás da casa de seu Higino, próximo ao local onde mora atualmente, Chico Higino. Quatorze pessoas foram enterradas na Teresa Cega, cujo local era próximo da grota que dividia o sítio de laranja dos irmãos Antonio e Victor, tendo com referencia o pé de oiticica do riacho Fortuna. Da família de Manoel Lopes foram enterradas 6 pessoas debaixo do pé de tamarindo, próximo a casa de Gonzaga.

D Pedro disse que daria a sua própria coroa para salvar os nordestinos da fome, mas os recursos não chegavam ao interior, ou quando chegavam eram tarde demais. Manoel Higino e o Velho Neném foram a Fortaleza atrás de ajuda do governo federal, partiram com uma tropa de burros e viajaram muitos dias pelos sertões escaldantes. A viagem era perigosa havia riscos de saque, portanto foi na sua companhia um cangaceiro armado com um bacamarte. No caminho um cabra veio para saquear, pois a fome era grande, para assustá-lo foi necessário disparar o bacamarte no chão aí o cabra viu que não tinha chance e desistiu de seu intento.

Naquela época muitos animais morreram de fome, até o gadinho de leite teve que ser consumido. Martins Ferreira ainda salvou uma vaca leiteira, mas um dia ela sumiu, ele a encontrou em uma grota sendo esfolada pelos famintos, aí ele voltou sem dizer um aí, senão morria.

Higino Pereira e Martins escaparam da seca porque eram os mais abastados da região, no entanto a situação foi muito difícil naquela época, inclusive chegaram a perder quase todos os seus animais vitimados pela fome. O que salvou as duas famílias da fome foi as vazantes de batata doce e as raízes de maniçoba plantadas para extração de látex.

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Frutuoso de Santa Teresa dizia que na época da grande seca, resmungava com fome para seu pai:

Eu quero batata de farinha de soba (maniçoba). Seu pai lhe respondia: Corno besta, não tem nem de soba, nem que chega. O Velho Eufrásio pai de Benedito tinha nessa época umas cem reses. Porém,

era muito sovino. Quase todo o seu gado morreu de fome, mas ele conseguiu salvar algumas. Era um homem rico tinha muita prata as vezes ia para roça e carregava-as na algibeira. Mas um dia ele foi roubado e o senhor Higino consegui capturar o cabra e devolveu a prata do velho Eufrásio.

A fome se agravava, a irmã de Eufrásio esta passando fome, mas ele não tinha coragem de ajudá-la. Mas um dia José Alves convenceu o velho a matar uma vaca para ajudar sua irmã que estava morrendo de fome. Com muita peleja o Eufrásio concordou. Dizem que estava esfomeada, comeu tanto que não agüentou, morreu logo em seguida. Na hora do velório, a família chorava inclusive, Eufrásio resmunga baixinho. Alguém tentou consolá-lo, dizendo:

Não fique se sentido culpado pelo o acontecido! Pelo menos a sua irmã não morreu de fome, mas de barriga cheia. Então ele respondeu com os olhos cheios de lágrimas:

Eu não estou chorando pela minha irmã, eu estou com pena da vaquinha que matei! Parece que estou vendo os dois olhos da vaquinha olhando para mim!

Naquela época não havia serviços de infra-estrutura contra a seca, nem açudes, nem barragens ou cacimbas, por isso a fome era uma verdadeira calamidade. Também, não havia silos para armazenamento de grãos. Os cereais eram geralmente enterrados na areia dos riachos dos Porcos ou Fortuna, então quando ocorria uma chuva de forma imprevista no final da seca o prejuízo era quase total. Na época da estiagem, quando faltava água para o gado, o pessoal das Cajazeiras e dos arredores, vinha até a cacimba do gado no riacho Fortuna para dar de beber as suas reses, daí esse lugar ser chamado de Vacaria até o dia de hoje.

Os antigos moradores da região contavam que certo viajante um dia estava passando em frente de uma casa e ouviu um pranto, então ele desapeou da sua mula para saber o que estava acontecendo. Era uma família faminta e desesperada, não tinham mais nada para comer, já fazia alguns dias. A família tinha decido matar uma das filhas para saciarem a sua fome. Então, o viajante se condoeu muito e ofereceu-lhes a sua própria mula para saciar a fome daquela família, no lugar da sua própria filha.

Higino de Aniceto quando cavou os alicerces para construir uma casa na Teresa Cega, descobriu vários ossos nesse lugar. Os ossos foram colocados em um novo buraco de formigueiro nas proximidades da casa construída. Portanto, há um lugar que deveria ser histórico em homenagem aos flagelados da grande de 1877.

Higino José Pereira

Higino José Pereira era filho de Camilo Pereira, nasceu na Vacaria em 1853, casou-se com Maria Teresa de Jesus. Sr. Higino Pereira possuía pouca terra, 320 braças com uma légua de fundos, cujos limites no sentido Oeste-Leste eram do riacho Fortuna ao Pau d´Arco.

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Os filhos de Higino Pereira foram: José Camilo Pereira, Joaquim Camilo Pereira, Raimundo Camilo Pereira, Manoel Camilo Pereira, Frutuoso Camilo Pereira. Raimundo Camilo Pereira casou-se com uma prima de São Romão, seus filhos foram: Chico Camilo, Clementino Camilo, Lardislau Camilo, Lurdes Camilo, Pia Camilo, Santa Camilo. José Camilo foi o sogro de Higino Ferreira Lima (Higino de Aniceto), cuja esposa chamava-se Raimunda Camilo. Manoel Camilo foi morar em São Vicente perto de Várzea-Alegre. Pedro Camilo morreu de tuberculose, dizem que ele contraiu a doença porque comeu uma melancia quente. Antonio de Aniceto aplicou várias injeções no Sr. Camilo, mas naquele tempo a doença era praticamente incurável.

Na época da seca, muitas famílias foram embora em direção ao Maranhão. Isabel Cabocla da Vacaria foi uma dessas pessoas corajosas que se aventurou vagar por terras estranhas. Seus planos eram de voltar logo que as coisas melhorassem. Antes de sair ele chamou seu Higino Pereira, e entregou os documentos de suas terras para que ele os guardasse até a sua volta, no entanto, os anos se passaram e a mulher nem os seus filhos nunca mais voltaram então, seu Higino tomou posse das terras de Isabel Cabocla durante toda a sua vida. Muitos anos depois, já na década de 60, apareceram os seus netos lá pela Vacaria, reivindicando ao Senhor Antonio Higino a posse da terra, no entanto, pelo decorrer do prazo já tinha sido cumprido o direito de usucapião. No entanto, Antonio Higino por força da sua própria consciência negociou a propriedade com os descendentes de Isabel Cabocla.

Como era difícil naquela época encontrar uma loja de tecidos! Era um verdadeiro luxo comprar tecido. A maioria das roupas era feita em um tear usando fio de algodão feito na roca ou fuso. Algumas vezes Higino Pereira teve que ir fazer compras no Icó. Nessas viagens ele levava seus filhos mais velhos Pedro Higino e Manoel Higino. Naquela época eles compravam fiado para pagar com prazo de um ano, geralmente após a colheita da safra de algodão ou de cereais.

Às vezes, os caixeiros viajantes passavam vendendo nas portas. Naquela época os moradores da região criavam muito bode solto nos tabuleiros. Ao por do sol os pátios e currais das fazendas ficavam apinhadas de bodes. Um dia um desses caixeiros viajantes dormiu numa dessas fazendas que tinha muita cabra. Aí foi um desespero, pois durante toda aquela noite não consegui pregar os olhos com o barulho das cabras. Passando pela casa de seu Higino no dia seguinte, enquanto mostrava a mercadoria ele disse em tom de brincadeira:

Agora só vou vender tecido a quem não tem bode! Essa noite quase não prega os meus olhos com o bodejado!

Uma pessoa que estava ao seu lado aproveitou a conversa e disse em tom de brincadeira:

Então, pode me vender que eu não tenho bode! O vendedor retrucou, imediatamente:

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Também, não vendo a quem não tem bode! Naquela época bode era mata nos quintais das fazendas.

BRIGA DE SEU HIGINO PEREIRA COM MANOEL BRITO

Higino José Pereira era um homem pacífico e trabalhador, mas não tolerava desaforos. Mas um dia ele encontrou o que não queria, ou seja, certo sujeito chamado Manoel de Brito, cabra desaforado que dava surra em gente e gostava de arruaças. Esse encontro foi depois de uma missa em Cariutaba, Manoel Brito pegou nas rédeas do animal de seu Higino e disse:

Você sabia que quem manda aqui é eu? Se prepare que qualquer dia desses, você vai levar uma surra!

Naquele momento o sangue ferveu na cabeça de seu Higino, mas ele não queria briga, especialmente depois de uma missa. Mas voltou com um nó bem grande atravessado na garganta e nem quis comer. Naquele mesmo dia, foi atrás de um valentão chamado Caetano e lhe ofereceu 2 mil reis para dar uma surra grande no cabra Manoel de Brito.

Manoel de Brito tinha uma lavra de fumo situada na vazante do riacho Fortuna e estava ansioso para vender as mudas de seu canteiro. Sr. Higino pediu ao cangaceiro que conversasse com o referido “cabra” que queria comprar umas plantas. Assim foi combinado para levaram o sujeito até a beira do riacho, a surra seria ali mesmo. Dito e feito, Manoel de Brito se prontificou ir até a vazante e Higino seguiria o desaforado por detrás das moitas de mufumbo.

Ao chegar ao local combinado, o cangaceiro disse: Prepara-se para apanhar, cabra ruim! Tu nunca mais vai insultar homem

nenhum! Manoel deu uma risada e um pulo para trás e arrastou a peixeira. Nesse

instante seu Higino surge de entre os arbustos com um cacete na mão, a luta começa o cabra lutou desesperadamente contra os dois, mas quando o Sr. Higino tentava tomar a faca, na puxada súbita ele perdeu o dedo. A luta não acabou o cacete caiu e o Manoel de Brito tomba, agora eles conseguem tomar a faca, o cabra está sem muita força. Então decidem matar o homem, com medo de uma posterior vingança. Cravaram-lhe duas facadas, mas por sorte penetrou apenas entre as costelas, Manoel ainda consegui se esquivar e fingiu que estava morto. Os dois se levantam e fugiram, mas felizmente seu Higino não se tornou naquele dia um assassino. No entanto, Manoel de Brito, nunca mais pode brigar ou insultar qualquer homem depois dessa surra, pois ficou meio aleijado.

Manoel de Brito era cabra de Adriano de Agostinho que não deixou por menos queria botar o Sr. Higino na cadeia a qualquer custo. Deu parte na delegacia em São Mateus. A coisa ficou feia! Era para prender Higino de qualquer jeito. E agora!

O senhor Higino tinha um amigo apelidado de Neném, era político e tinha muita influência em São Mateus. Naquele tempo a policia vestia uma farda preta andava a pé não podia usar arma de fogo para capturar presos, tinha que pegar o cabra pelo braço. Se matasse alguém ia para a forca. Então Higino foi pedir uma orientação ao seu amigo Neném para não ser preso. Foi aí que ele aconselhou:

Higino não se entregue a polícia, nunca! Você passe a andar com uma espingarda carregada e um facão na cintura!

Toda vez que a polícia chegar a sua casa e lhe der ordem de prisão, você aponte a arma e diga:

Arreda se não eu toro na bala! E assim aconteceu por diversas vezes. E Higino Pereira foi escapando da

prisão. Mas, Adriano era impertinente não deixava de atiçar a polícia de São Mateus,

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aí foi que Higino resolveu acabar com essa história. Chamou um cabra pra botar uma tocai no Adriano. Para tanto, armou-se de um bacamarte e de um facão. Ficou na tocai atrás de uma moita, mirou a arma, mas quando enquadrou o sujeito na mira do bacamarte, teve uma grande surpresa viu 25 Adrianos lado a lado. Baixou o cano, mirou outra vez e a cena se repetiu.

Então, ele pensou: Isso é um sinal, vamos embora! Naquele dia Deus colocou a mão naquela

arma para que Higino Pereira não se tornasse um assassino, porquanto ainda havia a pena de morte.

Sr. Higino era um homem muito católico, essa briga foi uma armadilha do capeta. Não era um homem de mau coração. Muito tempo depois do acontecido houve uma grande seca no interior do Ceará. Manoel Brito estava morrendo de fome, sua mulher desesperada foi aconselhada a pedir ajuda a senhor Higino. Então, ela meio encabulada foi assim mesmo bater na porta de Higino. Tal foi a sua surpresa, ele encheu uma carga de cereais do seu paiol e atendeu prontamente as necessidades de seu antigo inimigo, a partir daí a encrenca acabou.

“Se teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer. Se tiver sede, dá-lhe de beber. Pois fazendo isso, amontoarás brasas sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer pelo o mal, mas vence o mal com o bem” (ROMANOS 12. 20-21).

Aniceto Ferreira Lima

Aniceto Ferreira Lima nasceu no sítio Monte Alegre no dia 12 abril de 1873 e

faleceu 1943. Era filho de Martins Ferreira Lima e Carolina Ferreira Lima de São Romão (Cedro). Seus irmãos foram Francisco Martins Ferreira Lima, Petrunilo Martins Ferreira Lima, Raimundo Martins Ferreira Lima, Antonio Martins Ferreira Lima, Joaquim Martins Ferreira Lima, José Martins Ferreira Lima, Manoel Martins Ferreira Lima, Juliana Martins Ferreira Lima e Ingraça Martins Ferreira Lima.

Aniceto Ferreira Lima casou-se no ano de 1900, aos 27 anos de idade com

Joana Josefa Pereira, filha de Higino José Pereira e Maria Teresa de Jesus. Nesta época, Joana Josefa Pereira tinha apenas 16 de idade, isto indica que ela nasceu no de 1884. Joana Josefa Pereira faleceu em 1947, vítima de um câncer que começou na região nasal. Os filhos do casal foram Higino Ferreira Lima, Antonio Ferreira Lima, Victor Ferreira Lima, Brandina Ferreira Lima, Carolina Ferreira Lima, Josefa Ferreira

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Lima, Anorina Ferreira Lima, Marisa Ferreira Lima, Glória Ferreira Lima e Ginú Ferreira Lima.

Aniceto Ferreira Lima usava bigode grande, tinha a pele clara, sobrancelhas salientes, olhos firmes, pacato, de conversa mansa e calma. O seu bigode era o principal distintivo, era às vezes untado com óleo e quando torcido poderia ser colocado a trás das orelhas. Dizem que só depois de casado é que os homens deixam à barba crescer. Também, o bigode servia até como assinatura de um documento de compra ou venda, portanto, quando alguém fazia um negócio, a assinatura era feita colando um cabelo do bigode ou da barba no documento.

A hóstia que jorrava sangue

Em 1896, quando Joana tinha 12 anos ela foi com os seus pais a Juazeiro do Norte, conhecer o padre Cícero, nesta época a história da hóstia consagrada que se tornava em sangue havia se espalhado por aquela região. Essa idéia era divulgada pelo padre Cícero que tinha como colaboradora a Beata Maria de Araújo e atraiu a visita de muitos devotos do interior do Ceará e de outras regiões do país. O bispo do Crato amaldiçoou e o papa excomungou padre Cícero, mas o mito de semideus ainda permanece forte no coração do sertanejo até os dias atuais.

O ALMANAQUE ABRIL (2002) resume dessa maneira o caso da transmutação da hóstia em sangue:

No ano de 1872, chegava ao arraial de Juazeiro um padre jovem, de olhos e pele claros, estatura pequena, atraído por um sonho. Seu nome — Cícero Romão Batista, filho da vizinha cidade do Crato, que ao se ordenar um ano antes no Seminário da Prainha, em Fortaleza, não imaginava rumo tão inesperado para sua vida. Seus planos eram ensinar latim naquele mesmo seminário e residir na capital.

Mas um sonho ou visão, como ele classificou em carta ao bispo Dom Luiz onde uma multidão de retirantes invadia a sala em que se instalara no arraial para passar a noite, e aquele homem em vestes bíblicas, que apontava para a multidão e dizia:

"Tu, Cícero, toma conta dessa gente!". Após esta visão, levou-o a fazer uma opção pelos pobres, vindo residir no pequeno arraial de Juazeiro.

Em 1877, em meio à calamitosa seca que ceifou muitas vidas, escrevia ele ao bispo Dom Luiz:

"Eu nunca pensei ver tanta aflição e desespero junto”. Os cães saciam-se de carne humana. Nos campos, nos caminhos, por toda parte é um cemitério.

Porém, em 1889, na primeira sexta-feira do mês de março um fato novo mudaria a vida do arraial e de seu benfeitor, quando a hóstia transformou-se em sangue na boca da beata Maria de Araújo, durante a missa celebrada pelo Padre Cícero. O povo proclamou o milagre e, por conta disso, o padre foi suspenso de Ordens, passando a sofrer toda sorte de humilhações, por acreditar na veracidade do fenômeno.

Com isso, o povoado transformou-se, crescendo assustadoramente, acolhendo centenas de visitantes que queriam ver de perto o milagre. Obstinado, Padre Cícero lutou por sua reabilitação na Igreja. Mesmo absolvido em Roma, voltou a ser suspenso pelo bispo de Fortaleza.

Diante dessa situação o Padre Cícero estreou oficialmente na política, como primeiro prefeito de Juazeiro, em 1911; em 1912, foi eleito Vice-presidente do Estado, e em 1914, participou da chamada Sedição de Juazeiro, quando o sacerdote entra para a história como revolucionário.

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Um romeiro desiludido e o alto do Timóteo Timóteo foi um desses romeiros que veio do sul do país atraído por esse

milagre, queria ficar mais perto do Padre Cícero, portanto, vendeu tudo o que tinha e adquiriu uma propriedade por 40 contos de reis no Cariri. No entanto, fez doação da fazenda para o padre Cícero e ficou trabalhando na própria terra, como arrendatário do “meu padrinho”.

Joaquim Timóteo um dos filhos desse Timóteo ficou muito injuriado e saiu pelo meio do mundo a fora, só com seu patuá, chegou a Vacaria lá pelo ano de 1900, construiu um barraco de lona, num alto dos Barrocões, numa das propriedades de Chico Leandro. Morou por lá vários anos e fazia serviços de empreitada, portanto esse local ainda é conhecido até o dia de hoje como o alto do Timóteo, em homenagem ao romeiro desiludido. Padre Cícero que era um homem muito sábio e entendido na sua época poderia ter aconselhado aquele pobre romeiro a ficar com a propriedade, por que segundo ele era para ajudar os pobres. Aqui se repete a história de sempre, “cobre-se um santo e descobre-se outro”.

Prosas de Aniceto sobre beleza

Aniceto era um homem calmo, pacato e cheio de prosas. Gostava de dizer para os filhos:

Quando vocês forem casar, não casem com mulher bonita, pois só diminui. Casem com mulher feia porque que aumenta!!

Então os filhos perguntavam: Papai aumenta o que nas mulheres feias. Ele sorria e dizia: A feiúra meus filhos! A feiúra meus filhos! Essa só faz aumentar com o tempo.

É o melhor rendimento que vocês poderão fazer. E brincando olhava para Joana, piscava o olho para os visitantes e dizia

sorrindo: Vejam a Joana o quanto já aumentou. Agora vou lhes dizer: A beleza só diminui com o tempo. Deixando de lado as gozações, dizem que ele amava muito a Joana, foi um

casal que nunca discutiu. Joana era uma mulher muito ativa e trabalhadora, às vezes sisuda e de poucas palavras, exatamente o contrário de Aniceto.

O segredo do evangelho

Antonio de Aniceto obteve todas essas informações de forma oral, contadas

repetidas vezes por seu pai, quando ele estava sentado ora no portão de sua casa, ora deitado em um banquinho de madeira na varanda.

Eu ouvi falar do evangelho pela primeira vez em 1922. Papai dizia: Antonio existe um evangelho que os apóstolos escreveram. Aí eu me alertei e disse para meu pai: Eu quero ver esse evangelho. Mas ele me desenganou: Meu filho você não poder conhecer esse evangelho! De maneira nenhuma,

porque é proibido pela igreja Católica. Somente os padres, os bispos e o papa podem

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conhecer o segredo do evangelho, se qualquer outra pessoa descobrir o segredo da salvação morre imediatamente.

De vez em quando aquele assunto vinha a minha cabeça. E eu dizia para papai que queria conhecer o evangelho, então para me convencer da seriedade do segredo ele me contava a seguinte história:

Conta-se que um moço muito rico foi a Roma, pois queria descobrir o segredo do evangelho. O papa advertiu, filho é perigoso desvendar o segredo do evangelho. Mas ele insistiu! Então o bispo levou o moço até um local fechado. Colocou em suas mãos um pequeno pedaço de vela, então ele começou a ler, mas logo depois a vela apagou.

Mas o moço, tinha um anel de diamante reluzente que brilhava até com o reflexo da lua, então ele abriu uma pequena janela e aproveitou o resto da noite lendo, até descobrir o segredo do evangelho. No dia seguinte ele disse para o frade:

Consegui ler o evangelho durante toda noite e descobri o segredo da salvação. Então o frade disse:

Pois se você descobrir o segredo da salvação você vai morrer! Tome muito cuidado!

Finalmente, o ricaço voltou para sua casa muito feliz, a final tinha descoberto o segredo do evangelho. E disse para os seus familiares:

Descobrir o segredo do evangelho é tão fácil! Então a sua família insistia todos os dias para que o jovem contasse o segredo do evangelho. Até que certo dia quando estavam todos reunidos, ele resolveu falar:

O segredo do evangelho é: levando a água batismal...! Naquele momento o homem caiu já sem fala.

Aí papai fazia um cara de espanto e dizia: Eh! Meu filho o evangelho é um grande segredo só quem pode saber, são os

bispos, os padres e o papa e ninguém mais.

Será que Joana gostava de adular?

Certo dia Aniceto resolveu experimentar se Joana lhe adolava (adulava). Aniceto vinha chegando do roçado, trazendo nas costas um feixe de lenha e o suor escorria pelo rosto, estava já com muita fome. Então ele pensou consigo mesmo:

Vou já saber se Joana me adola (adula)! Quando ela me oferecer o almoço vou dizer não quero. E assim dito e feito. Joana exclamou dizendo:

Aniceto o almoço está pronto! Ele imediatamente respondeu: Não quero almoçar hoje! Joana não lhe disse nada. Imediatamente, chamou o

cachorro, Tubarão: Cá, Tubarão! Venha aqui negro velho! E imediatamente ela colocou a comida

de Aniceto para o cachorro. Aniceto volta ao trabalho naquele dia com as tripas roncando, mas não dando a entender que estava com fome. Já ia escurecendo quando ele estava voltando para casa. Assentado, como sempre num banquinho da varanda. Escutou novamente Joana dizer de forma alta:

Aniceto a janta esta pronta, venha comer! Aniceto fez uma pausa, e pensou: Será que Joana me adola (adula) mesmo, quero ver agora a sua reação. E

disse: Não! Não quero jantar Joana! Imediatamente, Joana chamou mais uma vez o

esfomeado Tubarão: Cá, Tubarão!! Antes que ela derramasse mais uma vez a comida para cão,

Aniceto tomou o prato de sua mão, dizendo: Não faça isso que estou morrendo de fome. Tudo isso que fiz foi para saber se

você de fato me adola (adula) ou não.

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Ela sorriu disse: Quase você fica mais uma vez sem comer, por que se há uma coisa que não

tolero é um homem lunduzento.

Questões de herança

Em 1930 foi feito o inventário de Higino José Pereira, para cada herdeiro tocou apenas treze braças de terra e não dava para todos os seus filhos viverem juntos, por conseguinte, houve acirradas disputas de terras questionadas por Camilo com o seu cunhado Aniceto. Ele queria que Aniceto saísse do terreno que tinha sido herança de sua esposa Joana.

Certo dia Aniceto, Higino e Silveirinha estava fazendo uma cerca dentro dos limites de suas posses, quando, então apareceu José de Bilinha que tinha sido enviado por Camilo com ordens expressas parar a construção da cerca.

Neste exato momento o sangue de Higino de Aniceto subiu dos pés a cabeça, então ele partiu pra cima de José de Bilinha e os dois se abufelaram aos murros e pontas-pé, aí foi àquela correria para a apartarem a briga, então, José e Higino foram seguros como feras indomáveis. Higino ainda riscou Chico com a ponta da faca, mesmo sendo seguro pelos companheiros. A partir desse episódio surgiu uma grande encrenca entre a casa de Camilo e Aniceto.

A queixa de agressão contra Aniceto e seu filho, foi registrada em São Mateus. Chico e Camilo mentiram no seu depoimento e omitiram a sua intromissão na questão da terra.

Antonio Correia que morava em Cariutaba, genro de Aniceto era político e pediu ajuda ao senhor Mário Leal de São Mateus para intermediar a questão. No entanto, quando os fatos foram apurados, que o juiz percebeu que o sujeito havia mentido desavergonhadamente, resolveu reverter o processo contra Camilo, mais Aniceto que era um homem de bem, implorou para dar por encerrada a questão.

Aniceto disse: Não! Ele é meu afilhado e cunhado, vamos fazer isso - acabar o processo e dar

por encerrada a questão. O Juiz disse: Nesse caso ele vai ter que pagar 60 mil réis, então Aniceto disse-lhe: Pois bem, senhor Juiz, neste caso eu pago a metade e Camilo a outra metade

e damos por encerrada a questão. Mas o problema continuou por mais tempo, pois Camilo estava sempre

boatando e até ameaçando Aniceto, dizendo que ia arrumar uns cangaceiros e atacar a sua residência. A família, então sofreu com essas ameaças, portanto durante muitas noites o senhor Antonio Higino, cunhado de Aniceto vinha fazer sentinela na sua residência.

O tempo foi passando e Camilo resolveu fazer um acordo com Aniceto. Certo dia Camilo atocaiou Aniceto se ajoelhou aos seus pés e lhe pediu perdão, disse que queria fazer negócio com as terras e para confirmar o acordo iria chamar o senhor Mário Leal e outros políticos de São Mateus.

Na reunião sob a liderança dos políticos de São Mateus na casa Aniceto, foi proposto que uma das partes envolvidas no conflito comprasse a terra do outro, então Camilo disse:

Eu vendo a minha terra. Foi então dado um prazo até dezembro de 1931 para o pagamento da herança

de Camilo. Nesse tempo que fora estipulado, se Aniceto não arranjasse o dinheiro para a compra das referidas terras, seria desmanchado o negócio. Aí Camilo ainda acrescentou:

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Sim, ainda tem uma coisa, eu tenho uma casa muita boa na propriedade e ela custa um conto de réis. Aniceto não tinha o dinheiro para comprar o terreno e a casa. Mas como Higino seu filho gostava de guardar dinheiro, Joana olhou para ele e disse:

Compra meu filho a casa! E nós pagaremos o terreno. Higino concordou prontamente com o pedido de sua querida mãe. Tudo então ficou acertado, no entanto como conseguir todo dinheiro exigido por Camilo?

O ano de inverno (chuvas) de 1931 foi bom, Aniceto plantou o quanto pode e fez uma boa colheita, vendeu então todo legume naquele ano, ficou sem nenhum caroço para comer a fim de que pudesse cumprir o compromisso feito naquela reunião.

Quando a brisa fresca e mansa vasqueja ao sair do s ol

Aniceto gostava muito de prosa e de cantorias, nessas ocasiões festivas o alpendre e o terreiro de sua casa ficavam apinhados de gente. Numa noite enluarada de 1932, Aniceto tinha chamado dois cantadores que infelizmente não compareceram a cantoria. Então o negócio era improvisar alguma coisa para o pessoal não voltar descontente. Por sorte estavam nesta ocasião, os irmãos Joaquim Carlos, Antonio Carlos e Isaías Carlos que nesse tempo ainda eram solteiros, então eles combinaram entre si, que cada um cantaria uma música. Isaias Carlos cantou a música, “Quem nunca passou pelo Seridó”.

I

Quando a brisa fresca e mansa, Vasqueja ao sair do sol, Pelas biqueiras da casa Canta alegre o rouxinol!

Quem nunca passou pelo Seridó e no Piancó, Nunca viajou

Não saboreou. O mel do Abreu.

Um desses nasceu Em horas esquecidas

Passou pela vida, Porém não viveu.

II

Quando chega o mês de agosto Broca-se logo uma roça,

Toca-se fogo em setembro Todos ficam na espera

Das trovoadas em dezembro. Quando estamos todos na espera

De manhã olhamos para a atmosfera De dia e de hora em hora

Parece que agora Ouvi trovejar

Porque ouvi zoar Parece que agora é chuva que vem.

III

Vê-se aquela escuridão,

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Vêem-se as nuvens aglomerando-se Tomando de vão a vão,

Sopra o vento abre o relâmpago, Aí estronda o trovão.

O chão se alaga sangra o nevoeiro Arrastando o paul do outeiro

Procurando o ribeiro Para com ele unir,

Com ele extrair Do céu um tesouro

Esse rio de ouro Que faz tudo isso.

IV

Chove por exemplo hoje, Eis o festim no agreste Canta o sapo na lagoa

O passarinho no cipreste. Ensaia primeiro o mestre cururu Num turutu que é um desespero

Um ai o outro o outro oi, Uma vai outro foi A rã raspa a cuia O sapo aleluia.

Até ver a hora que bota a qualhada.

IV Os meninos quase nus

Fitando o nevoeiro Esperando pela lua

Que vem atrás do roteiro. Enrama primeiro

o pau pereiro Assanha o cabrieiro

Catinga de porco Demora aí um pouco Por ser mais ronceiro.

Oliveira (2008) publicou um artigo no qual se refere a poesia como divina música da alma, é uma questão de foro íntimo e de sensibilidade. Já o matuto analfabeto, dos cafundós cearenses, que improvisa o cordel primitivo, é um poeta nato e divino: “Quem nunca passou pelo Seridó e no Piancó, nunca viajou. Não saboreou o mel do Abreu. Um desses nasceu em horas esquecidas. Passou pela vida, porém não viveu”. Quer algo mais de cordel do que essa poesia? Essa letra mesmo não estando bem completa, indica a capacidade de gravar e recitar do senhor Antonio de Aniceto aos 95 anos de e idade.

Quem seria o autor do poema já cantado e conhecido no interior do Ceará nos anos de 1932? É provável que o autor desse poema tenha sido Leandro Gomes de Barro ou João Martins de Athaide, que foi o seu sucessor na literatura de cordel. Leandro Gomes de Barros foi o pioneiro na publicação de folhetos rimados, é autor de uma obra vastíssima da mais alta qualidade, o que lhe confere o título de poeta maior da Literatura de Cordel (LEMOS, 2009). Nascido em Pombal, PB em 1865, faleceu em Recife, em 4 de março de 1918, deixando um legado de cerca de mil folhetos escritos.

De vez em quando Aniceto gostava de recitar um versinho que dizia:

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Eu estava em meu canal,

Sem pensar sem imaginar, Deu-me um desejo notável,

Entrei num canavial. Já a cadela ao escuro,

Gania-me no faro, Rio acima, rio abaixo.

Em procura do Jaburutu. E o filho do tejuaçu,

Tocou o cassete no osso do mucumbu E caí de rabo estirado

Mas, ainda tive “o regalo de ver o galo cantar”.

A grande seca de 1932

Na entrada da seca de 1932, Aniceto passava por muitas dificuldades, pois tinha vendido o legume para pagar a dívida da questão de terras com o Camilo, além do mais, para piorar a situação Joana, adoeceu de um panarício (panadiço), então ele tomou 100 mil réis emprestado a Cícero Frutuoso para tratar de saúde de sua esposa e ainda tinha uma dívida de 80 mil reis com Pedro de Freitas em Farias Brito.

Mas, lá do alto Deus abençoa as pessoas pacíficas e honestas e não desampara os seus escolhidos. A salvação é que Carlinhos do Baixio seu genro, tinha comprado um terreno quase vizinho ao de Aniceto, tinha uma boa vazante e um açude. A propriedade tinha vinte e cinco tarefas de baixio, um bom sítio de banana e laranja.

Aí, Carlinhos do Baixio disse: Olha compadre Aniceto o açude é pra você plantar o arroz. O sítio de banana

é seu para você comprar o café, o de laranja pode usar a vontade e de vez em quando leve uma carga lá pra casa.

Papai plantou macaxeira nos baixios, Antonio seu filho plantou mamoeiro em volta da roça. Veio a seca, Aniceto plantou o arroz Macapá na vazante e ao redor do açude. Por sorte deu uma chuva no tabuleiro e a água encostou-se ao arroz. Aí Aniceto formava ao redor das plantas pequenos diques de retenção de água e usou todos os filhos na rega manual, formando pequenas redes de canais.

Ai Carlinhos soube do trabalho de irrigação e mandou por Zeba uma quarta de arroz Vermelho e disse:

Dê ao compadre Aniceto para ele ir plantando a medida que a água do açude for diminuindo.

A safra de arroz foi muita boa. Aniceto disse para José Flor, seu genro: Venha escapar aqui com a gente. O ano de 32 foi muito apertado que Cícero Frutuoso disse: Compadre Aniceto vai morrer todo mundo de fome. Agora você me deve 100

mil réis, então assine uma promissora e fica pagando um jurinho pouco, pois no caso de você morrer, então a sua terra pode pagar.

Aniceto concordou. Cícero Frutuoso disse para José Flor: Você me deve 60 mil réis a coisa esta feia, então você assina também uma

promissória. José Flor ficou muito cismado com a proposta, sentiu-se magoado com as palavras ditas por Cícero Frutuoso e com raiva vendeu o gado que tinha e pagou a dívida.

Higino de Aniceto foi botar uma vazante na cotia, perto de Dão Quintino, onde meu padrinho Gustavo estava residindo. A vazante de arroz era a melhor do mundo, mas quando era a noite o rato vinha e deixa tudo rente ao solo, nada escapava. Então

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Higino voltou e resolveu ir trabalhar na construção do açude do Estreito (Lima Campos).

Quando chegou lá encontrou um homem que apareceu de repente em sua frente e derramou a água da cuia nos seus pés. Que surpresa era Raimundo Martins seu tio. Então Higino ficou por lá até a seca se acabar comendo uma farinhazinha do Pará.

Na construção desse açude morreu muita gente lá, não foi de caçoada, dava uma caganeira danada e morria gente de cólera numa média de 60 pessoas por dia, especialmente pela falta de higiene. Os jumentos engordavam de tanto comer fezes humanas, pois a diarréia descia até pela perna das calças.

Da Vacaria os que morreram na seca foram: Tio Manoel Martins foi embora para o Buriti (Crato), morreram ele e uma de suas filhas. Tio José Martins foi para o Estreito e morreu por lá, os seus os filhos só escaparam porque vieram de volta pra o Monte Alegre.

Tio João Velho, nesta época foi embora para Cariús, ele nunca gostou de trabalhar. Era pobre demais, uma curiosidade, tinha uma filha muito bonita, mas que tinha medo de gente. Quando via alguém corria e se escondia com medo, chamava-se Marcolina. Saiu no meio de uma carga coberta com um lençol, pois não queria ver gente. Lá em Cariús morreram os seus quatro filhos: Juliana, Joaquim, Marcolino (apelido fura Moita) e Adélia. Outras pessoas que morreram foram da família de Antonio Duarte.

Antonio Domingo e seu pai escaparam bem fraquinhos da seca de 32 no estreito. Eram feitos valados nos quais as vitimas da cólera eram jogadas. Dentre aquele amontoado de gente que trabalhava na construção do açude do Estreito, poucos escaparam com vida para contar a história.

Os únicos sobreviventes naquela região de calamidade eram os jumentos, esses até engordaram comendo esterco humano.

Higino de Aniceto dizia quando estava com fome a coisa que achava melhor no mundo era pirão sem farinha, referindo-se ao minguado prato dos trabalhadores do açude do Estreito. Higino de Aniceto dizia:

A gente ia trabalhar botava um punhado de farinha no prato molhava com água, então ela inchava e quando voltava do trabalho essa era a nossa comida. Durante esse período Aniceto ficou cuidando da família de Higino, nesse tempo Marcelino e Joselina já eram nascidos. Todos os dias vinham lá pra casa.

Durante a seca de 1932 o governo de Getúlio Vargas criou vários campos ou curais humanos, tendo em vista manter a população afastada dos centros urbanos, evitarem tumulto e saques, tanto na capital como no interior. Para tanto foram criados sete campos de concentração para conter os flagelados da seca, eram vigiados por soldados e mantidos com uma pequena ração a base de farinha. Nestes currais morreram centenas de cearenses, vitimados pela fome, cólera. Os principais “currais do governo” foram de Senador Pompeu, Ipu, Quixeramobim, Cariús, Crato (Buriti) e Fortaleza (Otávio Bonfim e outro no Pirambu, este conhecido como Campo do Urubu).

Quem entrava nesses currais não podia sair. Todos tinham a cabeça raspada, vestiam roupas feitas de saco de açúcar, passavam muita fome e eram controlados por senhas. As pessoas não tinham nomes, tinham números.

Do ponto de vista oficial, os campos aparecem como medida de assistência aos flagelados que não tinham trabalho nas frentes de serviço. Mas na realidade, os famintos eram atraídos com a promessa de comida, assistência médica e segurança. Lá não encontravam a estrutura prometida e não podiam sair do campo, sendo mantidos presos. Tudo para evitar que Fortaleza fosse invadida por famintos (citado por Rocha, 2009).

O maior campo do Estado estava instalado em Buriti, distrito do Crato. Pelos registros oficiais, passaram por lá 65 mil pessoas em 1932. Alguns campos, projetados para receber duas mil pessoas, chegavam a manter até 18 mil flagelados de uma só

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vez. A fome e a insalubridade dos campos levaram, inevitavelmente, a milhares de mortes.

Os livros de óbitos das igrejas mostram que 90% das mortes registradas naquele período aconteciam nos campos de concentração.

A grande seca de 1932 iniciou-se de fato em 1926, com um breve intervalo em 1929, se configurando em verdadeiro cataclismo sócio-econômico na região nordeste, cuja calamidade fez com que o flagelo, tantas vezes repetido, assumisse proporções devastadoras, principalmente à população carente. O Ministério de Viação e Obras Públicas reiniciaram-se os trabalhos de açudagem no sertão (Cardoso, 2009).

Nessa época ressurgiam os projetos, paralisados desde a gestão de Arthur Bernardes, de açudes como Itans, Gargalheira e Lucrécia, no Estado do Rio Grande do Norte, Boqueirão de Piranhas, São Gonçalo e Condado, que não constava na idealização original, no Estado da Paraíba e Lima Campos, no Estado do Ceará, entre outros. Flagelados da grande seca foram aproveitados nas obras que o Ministério de Viação e Obras Públicas implementava nos Estados Nordestinos.

Multidões se formaram nos canteiros de obras, a grande maioria sem a mínima noção de higiene, sendo responsáveis pelo acúmulo de lixo e dejetos humanos em escala gigantesca. O regime alimentar, composto basicamente por farinha e carne seca, agravou o quadro de desnutrição crônica da população flagelada, aumentando ainda mais a possibilidade de acontecer um surto epidêmico.

No final de dezembro de 1932, quando as chuvas finalmente começaram a cair no Nordeste, o inevitável aconteceu através de um impressionante combinado de infecções que Barbosa, em seu célebre livro intitulado “seca de 32 – Impressões sobre a crise nordestina”, distinguiu como do grupo coli-tífico-desintérico. Em janeiro, fevereiro e março de 1933 as cifras da mortandade entre os “cassacos” alcançavam números impressionantes.

Proliferação de moscas em verdadeiros enxames contribuiu acentuadamente para disseminar os germes causadores de doenças gastro-intestinais. Em pouco tempo os campos de trabalho estavam atulhados de cadáveres da desdita da seca do século XX.

Crianças, portadoras de um quadro lastimável de desnutrição, foram as mais penalizadas, registrando a maioria dos óbitos da grande epidemia que assolou o nordeste brasileiro na década de 30.

Começou muito bem o inverno de 1933, as nuvens faziam torres muito bonitas e o trovão bradava. Quando Higino voltou do Estreito, o arroz já tinha sido plantado. E Aniceto botou uma roça em frente a sua casa. Quando foi de madrugada só ouvia os cachorros latindo, quando amanheceu eu fui olhar e eles tinham matado um tatu, estava bem fresquinho. Outro dia os cachorros estavam latindo atrás da casa, e não esbarravam aí papai disse:

Vá lá Antonio porque com uma zoada dessas ninguém pode dormir. Então ele foi. Era um tatu dos maiores do mundo, tinha entrado numa raiz de um pau, aí foi só puxar, matar e tratar. Tudo era mais fácil naquele tempo, apesar dos percalços da seca, pois quando chovia havia fartura e vida brotava exuberantemente no sertão.

Manufaturados do tear e o casamento de Simeana

Aniceto Ferreira era um homem pobre não tinha dinheiro e nem tempo para ir à cidade comprar roupas. Foi aí que surgiu a idéia de montar um tear na sua própria casa. Foi, então, que sua cunhada Simeana entrou como sócia no negócio. Era mulher nova bem disposta e trabalhadeira. As suas sobrinhas Maria, Carolina, Anorina e Ginu, entraram no negócio como ajudantes.

Vinha gente de todo lugar encomendar redes, lençóis e roupas. Tudo estava indo as mil e umas maravilhas! Porém, nessa ocasião apareceu Manoel de Mandu, da

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Cajazeira que se engraçou pela filha de senhor Higino Pereira. Ele era contra o namoro e o casamento porque o rapaz era de cor morena.

Manoel Mandu não teve outra escolha, chamou um filho de Chico Leandro e Adriano para roubarem moça. Isso trouxe um grande desgosto para o senhor Higino Pereira ele se intrigou com o seu genro e a filha. A intriga foi grande! O casal teve que ir embora da vacaria para o Sítio São João no Quixará. Lá foram acolhidos por Antonio de Souza, proprietário bem sucedido naquela região, casado com tia Aninha, Irmã de Lousinha.

Quando senhor Higino, estava muito mal e acamado mandou chamar o genro e a filha para perdoá-los, no entanto quando eles já estavam atravessando o riacho Fortuna, o pobre velho deu ordem a morrer e faleceu sem ter o prazer de ver o genro e a filha. Daí o provérbio que diz:

“Não deixes para manhã o que você pode fazer hoje”.

Estratégias de Aniceto durante a guerra de juazeiro

Quando os soldados passavam na estrada em direção ao Juazeiro do Norte, de longe ele atocaiava os praças e gritava: viva Franca Rabelo! Quando eram os romeiros que estavam passando na estrada próximo a sua casa ele usava uma fita amarela e gritava: viva o meu padrinho, Padre Cícero! E logo se apressava em ensinar o caminho que deviam seguir. Essa estratégia era importante, pois os romeiros costumavam levar o mantimento necessário que encontrassem no caminho.

Naquela época, durante o governo de Franco Rabelo, todos os ladrões e bandidos presos no Juazeiro eram levados para Fortaleza. Padre Cícero disse aqui ninguém entra mais para levar preso. Então, na cidade de Juazeiro do Norte, aumentou grandemente o número de ladrões. Ai doutor Floro prefeito de Juazeiro mandou construir uma vala cheia de potassa e forrado de grampo de ferro, quem era bandido era colocado na fossa. Durante esse tempo Juazeiro ficou muito calmo ninguém era roubado.

Conta-se que certa vez uma mulher denunciou a sua vizinha pelo desaparecimento de uma perua, então a mulher denunciada foi para a vala. No entanto, a tardinha ela voltou para dizer que tinha encontrado a perua, então ele falou agora já é tarde a mulher já foi para a vala, mas como você fez uma acusação falsa agora é sua vez. Então a mulher teve que pagar na mesma moeda.

Reavendo as armas de Petrunílio

Chico Martins (tio de Antonio de Aniceto) morava em Cajazeiras. No tempo da guerra do Padre Cícero contra o governador do Ceará franco Rabelo, os seus romeiros foram as cidades do interior para desarmar a população. Eles também podiam se arranchar nas fazendas e matarem bois e animais para atenderem as suas necessidades.

Quando os romeiros chegaram à cidade de Quixará, para desarmar a população os romeiros fizeram uma investigação minuciosa de onde poderia ser encontrada uma arma de fogo. Foi nessa ocasião que Raimundo Padre, para fazer uma média com os romeiros informou que na Betânia tinha um homem chamado Petrunilio (irmão de Aniceto), que tinha um revólver e um rifle.

Então os romeiros foram até lá e tomaram sem nenhuma resistência o rifle e o revólver de Petrunilo. Chico Martins da Cajazeira soube do ocorrido e ficou furioso com Raimundo Padre por ser ele o informante. Mas guardou aquela mágoa no seu coração por 14 anos. Um dia Chico Martins cismou e disse:

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Vamos dar uma surrar naquele cabra para ele nunca mais fazer um negócio desses.

Então, ele foi à noite ao Novo Barreiro (Betânia), município de Quixará e cercou a casa de Raimundo Padre e gritou:

Viemos buscar hoje o rifle e o revólver de Petrunilo, ou devolve agora ou vai levar uma surra. Raimundo Padre saiu tremendo de medo, implorou por sua vida e pediu um prazo para ir ao Quixará comprar as armas exigidas. Então Chico consentiu, mas deu um prazo até 9:00Hs da manhã. E ficou esperando no mesmo local.

Algumas pessoas do Quixará vieram até o local em que Chico estava para não deixar acontecer algo pior. Mas Chico era bravo e irredutível. Na hora marcada Raimundo Padre voltou trazendo apenas o rifle e pediu mais um prazo para entregar o revólver. Com muita peleja ele deu o último prazo de 8 dias, mas a arma tinha que ser entregue na sua casa. No prazo combinado a arma foi entregue e a questão esfriou. Chico Padre era irmão de João do Recanto, parente de Higino Pereira.

A morte de Aniceto Aniceto sempre dizia: Faz muita pena uma mulher ficar viúva! Mas, mesmo assim se é de eu ficar

viúvo, prefiro morrer antes de Joana. Pois não é que seu desejo foi aceito, morreu em 1943, antes de Joana em

conseqüência de uma paralisia intestinal. Naquele tempo, médico era muito difícil de ser encontrado nas redondezas. Então trouxeram um farmacêutico chamado Hamilton Correia de Várzea-Alegre, para ver se ele dava um jeito de fazer o Aniceto defecar. Hamilton foi chegando e dizendo:

Já fiz muito velho defecar de montão, eu espremo as tripas e o cabra defeca na hora, quer queira quer não.

Então ele foi até o quarto onde jazia Aniceto e começou a sessão de tortura. Aniceto nunca tinha dado nenhum gemido, mas nessa hora ele gemeu e bosta saiu do intestino com um veio de sangue.

Todos estavam aguardando o diagnóstico de Hamilton. Quando ele saiu disse enfaticamente e sem rodeios:

Ele dura três dias, dilacerou o intestino! Ninguém entendeu nada, pois não sabiam que o farmacêutico tinha estrangulado o intestino do paciente.

Aniceto ainda se amimou por ter defecado, mas durante três dias o sangue pingava através da rede dentro de uma aparadeira. No terceiro dia ele deu ordem a morrer, perdeu os sentidos. Antonio Frutuoso gritou bem alto:

Aniceto, Aniceto! Ele respondeu baixinho: Oi! E deu o último sussurro, dizendo: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E dito isto, expirou.

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