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I J.A. MEDEIROS VIEIRA MARCOS R. ROSA ORADORES BARRIGAS-VERDES A arte de falar bem

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I

J . A . M E D E I R O S V I E I R A

MA R CO S R . R O S A

ORADORES BARRIGAS-VERDES

A arte de falar bem

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II

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III

JOÃO ALFREDO MEDEIROS VIEIRA

MARCOS ROBERTO ROSA

ORADORES BARRIGAS-VERDES

A arte de falar bem

1ª edição

LEDIX (Livraria Editora Xavier)

Florianópolis – Santa Catarina

2012

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IV

ORADORES BARRIGAS-VERDES A arte de falar bem

© João Alfredo Medeiros Vieira

Editoração gráfica, capa e arte final: Marcos Roberto Rosa ([email protected])

VIEIRA, João Alfredo Medeiros; ROSA, Marcos Roberto. Oradores Barrigas-Verdes: A arte de falar bem. Florianópolis, SC: LEDIX, 2012.

232 p.

1. Oratória, 2. Retórica, 3. Português. I. Título

ISBN: 978-85-86251-41-2 CDD 800

Proibida a reprodução total ou parcial (exceto a última, com citação expressa da fonte), sob qualquer forma, meio eletrônico, mecânico ou processo xerográfico, fotocópia e gravação, sem permissão do Editor (Lei nº 5.988, de 14-12-1973).

Reservados os direitos de propriedade desta edição pela

Livraria Editora Xavier (LEDIX)

Av. Atlântica, 409 – Fone (48) 3240-1642 – Florianópolis, SC – 88095-700 – [email protected]

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V

Para Vanilda – ou “Vani” –, minha dileta esposa.

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VI

“A palavra é a mais difícil das artes”

Latino Coelho

“Chez beaucoup d'hommes, la parole précède la pensée. Ils savent seulement ce qu'ils pensent après avoir entendu ce qu'ils disent.”

(“Em muitos homens, a palavra precede o pensamento. Eles só sabem o que pensam depois de ter ouvido o que dizem.”)

Gustave Lebon “Aforismos do Tempo Presente”

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VII

SUMÁRIO UMA INTRODUÇÃO SOBRE A PALAVRA E A ORATÓRIA ................9

1ª PARTE - NOMINATA GERAL DOS ORADORES E AS

ÁREAS DA SUA ORATÓRIA ........................................... 23

I - A ELOQUÊNCIA ANTIGA, A MODERNA E A ATUAL .................. 25

II - O QUE É TAUTOLOGIA? ........................................................ 33

III - ORADORES PARLAMENTARES ............................................. 39

ADOLPHO KONDER ...................................................................................42

EDMUNDO DA LUZ PINTO .........................................................................43

LAURO MULLER .........................................................................................45

VIDAL RAMOS ...........................................................................................48

NEREU RAMOS ..........................................................................................49

OSMAR CUNHA .........................................................................................52

JORGE LACERDA ........................................................................................53

CARLOS GOMES DE OLIVEIRA....................................................................55

ANTÔNIO CARLOS KONDER REIS ...............................................................60

ROMEU SEBASTIÃO NEVES .......................................................................61

RUBENS NAZARENO NEVES.......................................................................63

IV - ORADORES CÍVICOS ............................................................ 65

AGENOR NEVES MARQUES .......................................................................66

DIB CHEREM ..............................................................................................74

ADOLFO ZIGELLI ........................................................................................77

WILLIAM DUARTE DA SILVA ......................................................................78

V - ORADORES FORENSES .......................................................... 81

ORADORES NO BRASIL COLONIAL .............................................................84

ORADORES FORENSES E PARLAMENTARES NO SÉCULO XX ......................89

ARMANDO CALIL BULOS ...........................................................................94

HÉLIO BARRETO DOS SANTOS ...................................................................98

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VIII

VI - ORADORES ACADÊMICOS ................................................. 101

OTHON DA GAMA LOBO D’EÇA .............................................................. 104

GUSTAVO NEVES .................................................................................... 111

RENATO BARBOSA .................................................................................. 112

OSVALDO RODRIGUES CABRAL .............................................................. 114

CUSTÓDIO FRANCISCO DE CAMPOS ....................................................... 120

NORBERTO ULYSSÉA UNGARETTI ........................................................... 121

ALMIRO CALDEIRA DE ANDRADA ........................................................... 129

GILBERTO CALLADO DE OLIVEIRA ........................................................... 135

CARLOS ALBERTO SILVEIRA LENZI ........................................................... 150

JOSÉ ISAAC PILATI ................................................................................... 152

VII - ORADORES SACROS ......................................................... 155

MONSENHOR MANFREDO LEITE ................................................................ 164

DOM JOAQUIM DOMINGUES DE OLIVEIRA ............................................. 173

DOM FELÍCIO CÉSAR DA CUNHA VASCONCELOS ...................................... 176

MONSENHOR AGENOR NEVES MARQUES .................................................. 178

PADRE ANTÔNIO ADÃO ............................................................................ 182

PADRE DOUTOR ITAMAR LUIZ DA COSTA ................................................... 183

2ª PARTE - ORATÓRIA E RETÓRICA - A ARTE DE FALAR

BEM (POR MARCOS ROBERTO ROSA) ............................... 189

UM POUCO DE HISTÓRIA ........................................................................ 191

ELEMENTOS DA ORATÓRIA .................................................................... 195

QUEM PODE SER UM ORADOR? ............................................................. 197

A RETÓRICA ............................................................................................ 205

FIGURAS DE RETÓRICA E APARENTES TAUTOLOGIAS ............................. 208

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ............................................................ 212

DISCURSO DO ACADÊMICO J. A. MEDEIROS VIEIRA, RECEPCIONANDO

GILBERTO CALLADO DE OLIVEIRA ................................................................... 213

POSFÁCIO .............................................................................. 227

OBRAS DE J.A. MEDEIROS VIEIRA ............................................ 229

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O R A D O R E S B A R R I G A S - V E R D E S

9

UMA INTRODUÇÃO SOBRE A

PALAVRA E A ORATÓRIA

(Texto inicial de “O Estilo e a Oratória no Brasil”, prefaciado por Murilo Melo Filho, da Academia Brasileira de Letras)

PREFÁCIO

“Para escrever um romance, uma poesia, ou um ensaio, é preciso comparar coisas que não tenham qualquer relação entre si, Por isto,

o escritor, como o viajante, é um ser alegre, otimista.”

Henri Bergson

“Posso escrever este Prefácio, porque o Acadêmico João Alfredo Medeiros Vieira, autor deste livro, me submeteu, para leitura, os seus originais. Pude, então, transportar-me, como num tapete mágico, para os tempos de algumas das suas melhores e mais sentidas observações: os tempos da oratória no Palácio Tiradentes, quando tive oportunidade, como jornalista credenciado, de ser uma testemunha pessoal, entre 1950 e 1960, dos áureos anos da Democracia brasileira.”

“Assisti, então, a um exercício diário de muitos talentos oratórios: Carlos Lacerda, José Américo, Otávio Mangabeira, Prado Kelly, Afonso Arinos de Melo Franco, San Thiago Dantas, Pedro Aleixo, Tancredo Neves, Nereu

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Ramos, Adauto Cardoso, Moura Andrade, Mem de Sá, Aliomar Baleeiro e Alcides Carneiro, todos referidos neste livro e aplaudidos por entusiasmados populares que lotavam as galerias do Congresso de então.”

“Conheci o Autor há três anos, quando estive em Florianópolis para fazer uma palestra na Academia Catarinense de Letras, a convite do seu saudoso Presidente, Paschoal Pitsica.”

“Voltei a encontrá-lo na 8ª Edição do seu ‘Português Prático e Forense’, quando aliou a sua condição de juiz à sua experiência de professor, produzindo uma obra extremamente útil a estudantes de Direito, advogados, promotores, procuradores, juristas e magistrados. Fiquei então particularmente feliz por vê-lo alinhado nas fileiras de todos quantos, como nós, estamos na Academia Brasileira de Letras, lutando para preservar o nosso idioma, falado por 220 milhões de habitantes em toda a Terra, mas tão ameaçada pela gíria, pela invasão televisiva e pela hegemonia americana.”

“Sempre ouvi falar, com respeito e admiração, de suas obras sobre os Direitos Penal, Processual Penal e Civil, sobre o usufruto, a posse, a prisão cautelar, o júri e o homicídio, para não falarmos de suas crônicas e dos seus contos. Mais recentemente, reencontrei-o na publicação de ‘Tenho Dito’, uma coleção de seus discursos e palestras em colégios, universidades e academias, nas saudações a Nereu Corrêa, José Aparecido de Oliveira, Wilson Santos, Evaldo Pauli e

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Carlos Gomes de Oliveira, além das evocações a Blumenau e Alceu.”

“Nesses discursos, em que extravasou toda a sua competência de extraordinário orador, ele como que já fazia uma espécie de ‘avant-première’ deste seu ‘O Estilo e a Oratória no Brasil’, que me convidou para prefaciar.”

“Neste livro, ele foi buscar nos primeiros dias da nossa ABL a inspiração de grandes e inesquecíveis oradores, como os Patronos Evaristo da Veiga e José Bonifácio, o Moço; os Fundadores Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Olavo Bilac, Afonso Celso, Coelho Neto, Graça Aranha e José do Patrocínio, além dos Acadêmicos Pedro Calmon, Lauro Müller, João Neves da Fontoura, José Américo, Austregésilo de Athayde, Luís Viana Filho, Alceu Amoroso Lima, Assis Chateaubriand, Peregrino Júnior e, mais recentemente, Roberto Campos, Raymundo Faoro, Barbosa Lima Sobrinho, Celso Furtado, Josué Montello, Miguel Reale, Oscar Dias Corrêa e José Sarney.”

“Reviveu os tempos heroicos do Tribunal do Júri, com julgamentos históricos e marcantes, a cargo de excelentes advogados, que eram também grandes oradores: Romeiro Neto, Alfredo Tranjan, Bulhões Pedreira, Emerson de Lima, Cordeiro Guerra, Carlos Sussekind, Stélio Galvão Bueno, Roberto Lyra, Serrano Neves e Evandro Lins e Silva.”

“Bem haja, então, o acadêmico, historiador, jurisconsulto, escritor e professor João Alfredo Medeiros Vieira, por mais esta obra, que vem acrescentar-se à sua

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importante bibliografia e aos serviços que, com dedicação, trabalho e competência, já prestou e ainda prestará à cultura e à inteligência brasileiras.”

Murilo Melo Filho

Academia Norte-Riograndense de Letras (cad.19)

e Academia Brasileira de Letras (cad. 20)

(2005)

* * *

INTRODUÇÃO

“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (João, I, 1).

O Logos, o “VERBUM”, de São João Evangelista, está fora da compreensão humana, por transcender a capacidade intelectual da criatura. O “Verbum Dei” exprime e é. A nossa palavra não é coisa expressa, mas apenas exprime, denota ou conota a realidade já expressa. Eis o que comentava o autor signatário deste preâmbulo em Uma História Impossível – a crônica do livro num livro de crônicas, editado em 1991, pela LEDIX. É por meio da palavra que os falantes e os escrevinhadores nos comunicamos, ouvindo e transmitindo ideias ou sentimentos.

A mais vasta coletânea de tratados seria pouquidade, caso um escritor se abalançasse a discorrer sobre a arte de falar e a história dos seus expoentes, em todos os quadrantes da Terra, ao longo dos séculos.

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Far-se-ia mister redigir muitas laudas a fim de contá-lo, ainda que tal relato se limitasse apenas ao Brasil.

Na conversação diária, bem como nos domínios da Oratória, geralmente é isto o que se vê: muitos sabem e não dizem; outros dizem e não sabem. Aqueles têm ideias que não querem expor ou transmitir; estes não as têm, mas insistem em falar... Assim, quem quer, não pode; quem pode, não quer. Basta abrir o ouvido às falas e aos silêncios de todas as assembleias, reuniões, sessões plenárias, mesas-redondas que por aí se multiplicam, para perceber esses altos e baixos das conversas, palestras e debates, nos dias que correm. Antes de tudo, existe, na Oratória, estilo e estética.

Vários séculos antes da Era Cristã destacaram-se como mestres da Retórica Córax e Tísias, depois Protágoras, Górgias, Prodicon, Hippias, Trasímaco, Iseu, Isócrates, Demétrio, Charisius, Aristóteles. Tomaram-se famosas as escolas de Pérgamo e de Rodes. E as dos retóricos Xenocles de Adrumento, Denis de Magnésia e Mênipo, o Cariano. Do Século I da nossa era em diante, tiveram grande realce como mestres de Oratória Crisóstomo e Plutarco, posteriormente Filon, Polemon, Apúlcio, Áticus, Hermógenes, Luciano, Filostrato, Himério, Themistos, Calixtrato, Demóstenes e Cícero. Rebrilharam, também, no Senado romano, no Forum e nas ruas, Catão (234-149 a.C.), o “quirite” – romano de estirpe antiga –, cujo fecho discursivo costumeiro o tomaria famoso (“Delenda Cartago!...”) e Lúcio Valério (Século II a.C.), tribuno da plebe, que lutou em prol das mulheres, contra o primeiro, o qual postulava a continuidade da Lei

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Ópia, repressora delas. Mais tarde, Sêneca (14-65 a.C.) e Tibério Cláudio (10 a.C. – 54 d.C.), sucessor de Calígula.

Os doze volumes de Quintiliano, escritos no primeiro século, foram redigidos por solicitação de seus discípulos. Orador notável e mestre de Retórica foi ele professor de Plínio, o Moço, e dos sobrinhos do Imperador Domiciano.

Quando veio a lume o livro “A Palavra – a arte da conversação e da oratória”, do saudoso amigo e confrade acadêmico Nereu Corrêa, em 1983, pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, lembrava ele – um intelectual não afeito à tribuna -, que, via de regra, os oradores não escrevem sobre o que fazem, isto é, discursar. Talvez seja o signatário exceção à regra, neste trabalho. No dele, afora as densas e brilhantes teorizações sobre a forma e o estilo, tão do seu agrado e amplo conhecimento, preferiu entrevistar, é verdade que limitadamente, grandes tribunos brasileiros contemporâneos, entre os quais PEDRO CALMON, PEDRO ALEIXO, ALIOMAR BALEEIRO, AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO, ALCIDES CARNEIRO, JOÃO LYRA FILHO, MANOELITO DE ORNELLAS, PLÍNIO SALGADO, PRADO KELLY. Realçou, ainda, em tinta forte, os nomes de outros notáveis mestres da palavra, como RUI BARBOSA, OLAVO BILAC, COELHO NETO, e, mais recentemente, JOÃO NEVES DA FONTOURA e CARLOS LACERDA. O udenista Nereu Corrêa, com seu espírito liberal, sabendo distinguir a beleza literária de ideologia partidária, facciosismo ou estreitas concepções políticas, teve, à guisa de prefaciador do livro em

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tela, ninguém menos que o discutido e, de fato, politicamente discutível escritor e orador Plínio Salgado, que admirava, como eu, na seara cultural e na esfera literária. Encomiando-o a mancheias – aliás, era de ser encomiado pelo valor da obra – o líder integral-perrepista escrevia sobre Nereu em seu ensaio: “Este livro de Nereu Corrêa deve ser o início de uma obra de que é capaz, por seu talento literário, por seu poder de investigação, por sua objetividade no exame do estilo, da forma, do comportamento dos oradores brasileiros. Estou convencido de que Nereu Corrêa, tendo-nos dado este magnífico resumo – que é único em nossa literatura – poderá empreender a realização de uma obra que será completa, compreendendo a História Antiga, Moderna e Contemporânea da Oratória e dando-nos, em termos modernos e atuais, os lineamentos seguros da arte de falar nos dias que correm. Naturalmente, nessa obra que esperamos de tão notável escritor da geração novíssima, veremos o estudo dos nossos grandes oradores como Vieira, Mont’Alverne, Sampaio, Clemente Pereira, Evaristo da Veiga, os Andradas, Torres Homem, Taboraí, Paranaguá, Visconde do Uruguai, Visconde do Rio Branco, Zacarias, Cotegipe, Ouro Preto, Souza Franco, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, os mencionados por Afonso Celso no seu livro Oito Anos no Parlamento. E ainda os grandes mestres da palavra como José do Patrocínio, Coelho Neto, Olavo Bilac e os contemporâneos do início da República em nosso país... Será obra de vulto que Nereu Corrêa poderá empreender pelo que revela em cada capítulo de A Palavra. Não poderemos perder este talento raro, este poder de investigação e de

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interpretação que nos oferece, neste seu livro, tão grandes qualidades de cultura, de método expositivo, de compreensão do problema da arte de falar” (Transcrito do “Diário de São Paulo”, de 23/4/1972).

Infelizmente, Nereu Corrêa não conseguiu realizar a tarefa sugerida por seu prefaciador. Faleceu sem no-la ter oferecido. No entanto, talvez – quem sabe? – para suprir ou completar as suas apreciações e relembranças sobre a Oratória, este despretensioso trabalho consiga abranger, mais ou menos, ampla e retrospectivamente, a arte de falar, no Brasil.

Quase sempre, nessa área, uns começam, outros acabam. Aqueles movem, estes removem, promovem, absorvem, volvem, desenvolvem. Havendo os que leem, mas não interpretam, há, também, os que interpretam sem ler... Se é certo, porém, que não pretendo completar de todo, em definitivo, aqui, o estudo nereusista, procurarei, ao menos, ampliar retrospectivamente seu inventário e sua interpretação, sob um foco também histórico. Porque a Oratória está inserta dentro da História. Desta ela nasce. Com ela se desenvolve, conforma, propaga, explica, afina, mistura, confunde, convive.

O século XVIII foi, por excelência, o século da palavra escrita.

Contudo, no Século XVIII a palavra falada atingiu um dos seus pontos altos, ao longo dos acontecimentos que culminaram com a Revolução Francesa, à época em que os mais brilhantes oradores como Danton, Mirabeau, Camille

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Desmoullins e outros derrubaram a Realeza, à força dos seus libelos, de suas objurgatórias, dos seus “dinamites” verbais. Já o alvorecer da escrita veio com o Renascimento, quando o livro apareceu impresso, espalhando-se por todo o mundo civilizado. E no Século XIX a palavra falada voltou a sobrepor-se à outra, retomando o prestígio que possuía na Antiguidade clássica, graças aos grandes oradores, bem como no curso da Idade Média, nas Universidades.

O Século XX marcou mais esplendentemente ainda o primado da palavra oral, que se expandiu, em novas dimensões, como instrumento extraordinário e inexcedível de polarização dos espíritos em todos os campos do pensamento e da atividade humana.

O já mencionado Nereu Corrêa escreve na obra A Palavra: “No artesanato do orador, há uma matéria que merece primazia sobre todas, porque nela está o fulcro, a coluna mestra da sua arte: é a língua. Com efeito, a língua está na base desse aprendizado, é o ponto de partida, o alicerce sobre o qual o futuro orador vai construir o edifício da sua arte. Sem esse alicerce, tudo o que fizer terá a inconsistência e a fragilidade das obras sem base”. E em outro trecho: “Dir-se-á que o conhecimento da língua é uma coisa, e a faculdade de falar, outra. Nada mais falso. A faculdade de falar não existe por si mesma, independentemente do conhecimento da língua... O campo sobre o qual ela opera é a língua, que lhe fornece os meios simbólicos ao seu livre exercício”.

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De fato, isso é incontrastável. No Brasil, quem não conhece a Língua Portuguesa não pode arvorar-se em orador. Tampouco em escritor. Deve, primeiramente, aprender o uso correto do idioma. Ninguém será, pelo menos, um bom profissional, em nenhuma área, sem aprendizado e perfeito treinamento.

Afrânio Coutinho, com muita razão, pondera: “Acreditava a crítica decimononista que somente os critérios de cunho social seriam passíveis de esclarecer o fenômeno literário. Era a aplicação de métodos e padrões extraliterários ao estudo do fato literário. Uma obra literária tinha que ser estudada à luz dos dados fornecidos pela História ou Sociologia. Neste momento, assistimos ao inverso da situação. A valorização do significado estético do fato literário e a procura de critérios e métodos estéticos para sua análise e compreensão, têm evidenciado a possibilidade de esclarecimento de problemas de natureza extraliterária – política ou social –, mercê da aplicação daqueles critérios estéticos. O critério estilístico, por exemplo, na elucidação de fatos individuais ou de época, vem concorrer para a compreensão de muito problema biográfico ou social. É o caso de Vieira. Estilo individual típico de uma época, Vieira só poderia ser bem compreendido à luz dos padrões fornecidos pelos modernos recursos de análise formalista, graças à qual foi posto em circulação o conceito de estilo barroco para a interpretação e definição da literatura seiscentista...”.

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Mais adiante completa: “Outro aspecto de Vieira sobre que paira muita incompreensão é o da Retórica. Confundindo-a, como é corrente, com o verbalismo vazio e a ornamentação ‘gongórica’, certa crítica pouco rigorosa quanto à terminologia costuma usar um ar de condescendência a respeito dos escritores barrocos – inclusive Vieira –, os quais teriam sido produto do chamado ‘mau gosto’ da época, caracterizado pelos ‘exageros retóricos’. A Retórica não era produto do arbítrio dos escritores, mas fazia parte de um sistema de vida intelectual, inclusive devendo-se-lhe muito da seiva que fecundava o trabalho do espírito. A Retórica estilística fazia ver que o trabalho do estilo era o mais importante aspecto da tarefa de comunicação, a que estavam, por outro lado, legitimamente relacionados a invenção, a memória, o plano, a elocução. Tal doutrina decorria da própria filosofia da vida e das finalidades da atividade intelectual, sobretudo quando se tratava de conseguir a persuasão do público, pois a arte da comunicação se identificava com as duas disciplinas reunidas, a Lógica e a Retórica”. (“Vieira e a Crítica Estética”, in “Do Barroco”, ensaios, Editora UFRJ, Edições Tempo Brasileiro, 1994, págs. 207/208).

Com efeito, tanto é válido e extremamente relevante compreender o meio e a época através da manifestação literária, no nosso caso, em especial, da mensagem oratória, quanto a interpretação desta poderá efetuar-se pela ótica dos grandes acontecimentos históricos.

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Josué Montello, em sua “A Oratória Atual do Brasil”, editada em 1959 (resumo de uma conferência proferida a 16 de julho daquele ano na Academia Brasileira de Letras), assim principia: “Quase todos os tratadistas da eloquência são mais ou menos acordes em que a Oratória, depois de alcançar a sua fase de esplendor nos dias do passado, atravessa no presente – o presente do tratadista – o seu período de marasmo ou decadência”.

“Há quase dois mil anos, aludia Tácito a esse declínio, no começo do ‘Diálogo dos Oradores’. E aí mesmo encontrava uma explicação para o crepúsculo da eloquência ao defender a tese de que a Oratória decai quando as coisas públicas vão bem. Dessa forma, se a sociedade mergulha numa fase de crise, logo a eloquência dá de si, com a sua impetuosidade, a sua ira, o seu destemor e o seu fulgor verbal, e é Cícero contra Catilina, e é Danton pregando a Revolução, e é Rui Barbosa ateando a coluna de fogo da Campanha Civilista. De onde se conclui que há uma razão superior de consolação, nas linhas da tese defendida por Tácito, sempre que se nota a ausência dos grandes oradores no plano da vida nacional”.

Contudo, vale acrescentar que, além de se sobrepor a todas as manifestações dos momentos de crise institucional, a Oratória também reflete os variáveis instantes de esplendor jurídico – penal, na tribuna forense, assim como acompanha e exprime o sentimento de fé religiosa na tribuna sacra, sem as demarcações cíclicas e rígidas dos fatos nacionais própria e especificamente históricos. Todavia, seja como for, estes e

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aqueles são, por igual, história: da vida humana e da tradição de fé dos povos e seres humanos. Portanto, o conceito de Montello afeiçoa-se mais à concepção da Oratória política ou parlamentar, excluídas a Oratória forense, a acadêmica, fúnebre e a sacra, ainda que estas igualmente condigam com o ser humano, suas crises, suas infrações éticas, penais e pecados – o que é, ainda, História.

Torna-se, entretanto, incontestável, que a Oratória política parece, no geral, mais arrebatadora, ruidosa, envolvente e apaixonante. Por isso, tem maior lugar, in omne tempus, nos registros históricos.

Oratória rima com História. Daí a razão por que os oradores cujo estilo e cujas falas me proponho rememorar e reproduzir neste livro – à parte os grandes expoentes da tribuna criminal e do púlpito –, encimam, sempre, episódios marcantes da nossa História brasileira, desde a época do Império, como as turbulências do Primeiro e Segundo Reinados, até à Abolição da escravatura, ao fim da Monarquia, à Proclamação da República, às fases moderna e contemporânea.

Em meio a outros livros que estou concluindo – três ao todo –, os quais vêm a inteirar, neste ano, três dezenas de obras publicadas1, algumas reeditadas, como “Português Prático e Forense” (8ª ed., 495 págs.), afora os seiscentos e cinquenta artigos em jornais e revistas, quis, antes do mais,

1 N.E. – em 2011, incluído este título, o autor completa 37 (trinta e sete) obras publicadas.

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dar, na correnteza, um fecho aceitável ao presente, que procurou esmerar-se em enaltecer, também, com as manifestações orais, as glórias da nossa Pátria e a fé dos nossos antepassados.

Florianópolis, SC, agosto de 2004. J.A. Medeiros Vieira

Nota do autor:

Grato ao genro e gerente da LEDIX, Marcos Roberto

Rosa, por sua colaboração também nesta área, mormente a

da Retórica, que passou a estudar e admirar (2ª Parte, pág.

189 e seguintes).

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1ª PARTE -

NOMINATA GERAL DOS

ORADORES E AS ÁREAS DA SUA

ORATÓRIA

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I -

A ELOQUÊNCIA ANTIGA, A

MODERNA E A ATUAL

Durante os anos da minha mocidade eu costumava anotar num caderninho sempre no bolso, tópicos importantes de discursos e sermões que ouvia. Daí o aproveitamento, aqui, de tais anotações que encontrei em meus arquivos.

Já se realçou em livro que versa sobre o assunto, que a crítica centrada na Oratória, assim como a crítica linguística, por mais benevolente, liberal, permissiva ou “avançada” que seja, caso inicie sua análise a partir do final do século passado, ou, quando menos, dos anos oitenta e noventa deste último, não poderá cantar loas sequer a uma vintena de oradores parlamentares e – também os incluímos – oradores forenses. Aqui se trata de oradores de SANTA CATARINA, em geral. Para que não se diga, porém, ser o autor um

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pessimista, ou alguém extremamente rigoroso na análise crítica, ressalva ele, de antemão, que existem, ainda, apesar de tudo, bons oradores regionais em nosso tempo. Contudo, as mais das vezes, a repetição incessante de palavras e expressões como “desafios” (“este é o nosso desafio...”), ou “com certeza” (lugar comum, chavão que não cessam de reprisar), afora o costume de falares vacilantes, ambíguos, desacompanhados de gestos, alheios às mais comezinhas regras de gramática, revelam a decadência oratória em quase todas as tribunas galgadas em nosso Estado. Como se tornar, por exemplo, um bom orador forense aquele que não revê, não mantém, não aplica as normas elementares de correção gramatical, boa dicção, treinamento da gesticulação discursiva e dos olhares, para a fala em público? Não apenas o orador forense, mas também o orador cívico, o orador parlamentar devem fazê-lo. Nem se alude por ora às escandalosas incorreções, repetições, contradições, aos lugares comuns, chavões, arranhões, obstruções linguísticas em que incorrem, a toda hora, “jornalistas” interioranos, autores de colunas diárias em gazetas ilhoas e continentais – florianopolenses, joinvilenses, blumenauenses, criciumenses, tubaronenses, lageanas, joaçabenses, chapecoenses..., De instante a instante, ouve-se e lê isto: “a nível de...”, “um novo enfoque”, “posicionamento” “leque de opções”, “os vários segmentos”, “gesto gratificante”, “equacionar”, “carenciado”, “novas alternativas”, “o desafio é”, “eis o grande desafio”, e por aí afora.

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Ativo e perspicaz sueltista, sempre alerta na censura política da Capital e de seus poderosos – no que, aliás, faz bem -, ainda que geralmente escreva bons períodos, gramaticalmente corretos e convincentes, redigiu, em l3/7/2011, quarta-feira, na página que mantém por inteiro, sempre muito lida, as expressões repetitivas “...em benefício da cidadania...” – “...o respeito à cidadania é tudo...” Ficou “cismado” com a cidadania... Para evitar repetição, que é um vício na escrita, poderia ter grafado assim, na segunda frase: O respeito aos cidadãos é tudo... Pobreza vocabular? Pauperismo? Talvez. Ou descuido, pressa, descaso com o estilo. Do presidente de uma associação estadual de imprensa, repetindo o chavão verbal da atualidade em todos os meios: “Adoro conviver e conversar com as pessoas...” (ND, 30/7/2011, p. 35). Note-se que quando quer, ele, que escreve razoavelmente bem, não sucumbe à tentação desse modismo verbal do verbo “adorar”. Ora, só se pode e deve adorar DEUS!... Por seu turno, um praticante do ciclismo, garantiu ao repórter: “Sou ciclista e adoro pedalar...”. Um colunista terminou o artigo desta maneira: “... (Partido tal...) vai exigir uma posição do deputado que transferiu-se...” O certo é que se transferiu, pois o pronome relativo que atrai o pessoal do caso oblíquo se.(DC, 9/8/2011, p. 2). Uma bela cronista exclamou sorridente, repetindo-o em sua coluna: “Eu adoro a praia!” Outra senhora, daquela vez entrevistada, contou eufórica: “Eu adorei aquela viagem!”

Uma conceituada cronista de turismo, a qual escreve geralmente muito bem suas reportagens, bastante

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manuseadas pelos inúmeros leitores, inclusive o autor desta análise, publicou a narrativa de um “DIÁRIO DE BORDO E DE TERRA” (DC 16/8/2011, suplemento “VIAGEM”), extensa rememoração com os subtítulos “ROMA, BONIFÁCIO”, “OLBIA”, “TRAPANI” “TAORMINA”, “SORRENTO”, “POMPEIA”. Belíssima é a sua minuciosa descrição, assim como belíssimas e inesquecíveis, são, de fato, aquelas paragens da Itália e França. Houve apenas dois senões, no tópico “Olbia”: “Um dos lugares mais famosos da Costa Esmeralda, a cidade de Olbia, na Sardenha, oferece um turismo requintado”. “Um dos atrativos é Porto Cervo, uma das mais caras e exclusivas áreas de compras da ilha – lá encontra-se lojas das marcas Gueci, Moschino e Versace.” “Lá, encontra-se”? Não se pode escrever assim, porque o advérbio de lugar lá atrai o pronome oblíquo se. Devia ser lá se encontram (no plural, por causa da concordância com o nome lojas).

Um repórter escreveu: “Ao final, o orador foi aplaudido de pé...”. Melhor seria: “foi aplaudido com todos de pé...” Porque se assim não for, a impressão será a de que ele, o orador, estava de pé. O fato é que, geralmente, ele termina e senta-se.

Já de outra parte, muitos redatores – em reportagens, artigos, crônicas, discursos etc, não apenas neste Estado, mas também em outros lugares do país – – costumam empregar redundante e desnecessariamente um pronome pessoal do caso reto, sobretudo ele ou ela, eles ou elas, após o uso do sujeito, em orações como as seguintes: “O autor ele ainda

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tentou demonstrar a procedência de suas informações...” (trecho do período expresso por um brilhante Promotor de Justiça de São Paulo, no programa “Direito e Literatura”, dia 31/7/2011, às 12 horas, na TV Justiça, canal 9). Em certa ocasião escutei uma senhora narrando a aquisição de um apartamento em que havia rachaduras: “Meu marido ele assinou o contrato sem notar isso...” Enfim, há constante emprego desses pronomes sem necessidade alguma e possivelmente só com objetivo de darem ênfase, reforçarem a pessoa do sujeito da ação. Todavia, é de se perguntar: para que isso? “As crianças elas não obedecem...” “A casa ela é nova” Dir-se-á que tal acontece na escrita. Contudo, isso ocorre, outrossim, na “Oratória”. No falar. No dizer. Principalmente entre os discursantes das Câmaras de Vereadores e da Assembleia Legislativa do nosso Estado, bem como de outros...

Não se cuida apenas de vícios de linguagem, senões até perdoáveis, mas – o que é pior – de erros gramaticais de concordância, regência, conjugação verbal e assim por diante. Recentemente, um deputado estadual discorria sobre problemas rodoviários, enchentes na região por ele representada. Foi concluindo: “Os cidadãos barriga-verdes merecem um pouco mais de atenção das autoridades...” Ora, usando-se o plural dos substantivos compostos afigura-se elementar a regra segundo a qual na pluralização de um termo composto por substantivo e adjetivo (p.ex., barriga e verde), ambos passam para o plural. Os pronomes de tratamento (Senhor, senhora, Você, V.Exa etc) são

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misturados, até por Senadores da República em seus discursos, dentro de um só período, mesmo numa só oração!... “V.Exa. descreveu muito bem a cena. Mas o senhor esqueceu um fato... Você podia ter lembrado outras coisas...” Um outro discursante, deputado, exclamava: “Vossa Excelência, Sr. Presidente, deveis atender o nosso apelo...” (“Deveis” e atender o, em vez de ao ). É preciso ouvir para poder acreditar...

A oratória parlamentar na atualidade aparece dessa forma, sic et simpliciter...

Não obstante, houve diversos oradores que se altearam nas tribunas cívica, parlamentar, acadêmica, forense e sacra durante o Século XIX e os meados do Século XX.

Os referidos oradores vão, no geral, nominados em seguida.

Pelo que muitos ouviram, pelo que soubemos, ante o que apurei, pesquisei em bibliotecas (v.g., além da minha, a Biblioteca Pública do Estado, Biblioteca da UFSC, Biblioteca da UDESC, Biblioteca Municipal Barreiros Filho etc), os oradores do Século XIX e da primeira metade do Século XX nesta unidade da Federação jamais incorreram em pecados vernáculos nem cometeram aquilo que mais se escuta de quantos sobem às nossas tribunas atualmente, ou seja frases ou expressões tautológicas como aquelas que na parte subsequente vou arrolar. Note-se, entanto, é evidente – será tautológico quando não se trate de reforço, realce e ênfase na esfera estritamente oratória. O leitor sabe, acaso, o que significa tautologia?

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A escritora/pesquisadora KATHLEEN LESSA divulgou em 16/8/2009 extensa relação de exemplos desse vício de linguagem. Transmitiu-a, transmitiu-os digitalmente no “Recanto das Letras” (reedição em 15/10/2009) Pedindo-lhe vênia, retransmiti-los-ei na íntegra, ato contínuo. Não obstante, após transcrever tal lista, aporei observação necessária para lembrar que algumas de tais expressões não são, a rigor, tautológicas, pois quem as emprega talvez apenas tencione dar ênfase, reforçar a ideia, pôr em maior destaque aquilo que afirma. Por isso, é discutível a assertiva de que as expressões que resolvi indicar sejam realmente e rigorosamente tautológicas. Mormente na Oratória... Algumas expressões, evidentemente.

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II -

O QUE É TAUTOLOGIA?2

Tautologia é o termo usado para definir um dos vícios de linguagem. Consiste na repetição de uma ideia, de maneira viciada, com palavras diferentes, mas com o mesmo sentido.

O exemplo clássico é o famoso “subir para cima” ou o “descer para baixo”.

Como um vício de linguagem pode ser considerada um sinônimo de pleonasmo ou redundância.

A seguir ver-se-ão vários exemplos de tautologia:

- amanhecer o dia

- anexo junto à carta

2 Adaptado de: LESSA, Kathleen. Você sabe o que é tautologia? Postado em 16/08/2009 e reeditado em 15/10/2009. Disponível em: <http://www. recantodasletras.com.br/gramatica/1757599>. Acesso em: 09 ago. 2011.

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- conviver junto

- criação nova

- de sua livre escolha

- detalhes minuciosos

- em duas metades iguais

- encarar de frente

- expressamente proibido

- há anos atrás

- multidão de pessoas

- outra alternativa

- sintomas indicativos

- superávit positivo

- todos foram unânimes

- vereador da cidade

Essas repetições são dispensáveis e erradas.

Vejamos o caso de “CONVIVER JUNTO com eles:

O verbo CONVIVER já indica “viver junto com outras pessoas”, “viver em comum”.

Logo, acrescentar o adjetivo “junto” ou o advérbio “juntamente” não tem lógica. Está errado.

OUTROS EXEMPLOS:

- A razão é porque...;

- A seu critério pessoal;

- Abertura inaugural;

- Abusar demais;

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- Acabamento final;

- Almirante da Marinha;

- Ambos os dois/de dois;

- Atrás da retaguarda;

- Beco sem saída;

- Brigadeiro da Aeronáutica;

- Certeza absoluta;

- Colaborar com uma ajuda/um auxílio;

- Com absoluta exatidão;

- Comparecer em pessoa;

- Completamente vazio/cheio

- Comprovadamente certo;

- Continua a permanecer;

- De comum acordo;

- Demasiadamente excessivo;

- Despesas com gastos;

- Destaque excepcional;

- Discussão tensa;

- Elo de ligação;

- Empréstimo temporário;

- Escolha opcional;

- Exceder em muito;

- Exultar de alegria;

- Fato real;

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- Frequentar constantemente/sempre;

- Ganhar grátis;

- General do Exército;

- Goteira no teto;

- Gritar bem alto;

- Habitat natural;

- Inovação recente;

- Interromper de uma vez;

- Juntamente com;

- Medidas extremas de último caso;

- Monopólio exclusivo;

- Morrer mesmo;

- Nos dias 8, 9 e 10, inclusive;

- Palavra de honra;

- Passatempo passageiro;

- Planejar antecipadamente;

- Preconceito intolerável;

- Principal obra-prima;

- Quantia exata;

- Repetir outra vez/de novo;

- Retornar de novo;

- Sentido significativo;

- Sorriso nos lábios;

- Sua autobiografia;

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- Surpresa inesperada;

- Última versão definitiva

- Vandalismo criminoso;

- Velha tradição;

- Viúva do falecido;

- Voltar atrás/de ré.

Agora, caro(a) leitor(a), uma opinião, que, aliás, também pode ser discutida, sobre serem tautológicas no campo oratório certas expressões. Ei-las:

Ambos, os dois. (Com vírgula. Mesmo sem vírgula poderia ser apenas ênfase).

Destaque excepcional (Num certo meio, diversos seres podem ter destaque; um poderia ser excepcional, mormente se for acrescentada a expressão por si mesmo, ou por sua vez...)

Discussão tensa (Pode ser entabulada uma discussão tranquila, sobre assuntos, p.ex., filosóficos, literários, artísticos, até mesmo com senso de humor...)

Comprovadamente certo (um fato pode ser certo sem ser comprovado). Ex: A ocorrência foi certa e comprovada, isto é comprovadamente certa.

Exceder em muito (pode algo exceder em pouco: ex: José pagou R$5, 00: João pagou R$5, 20. O que este pagou, excedeu em pouco o que o outro pagou...)

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No mais, está com razão a autora. Os acréscimos são desnecessários, embora constituam, principalmente na Oratória, uma tentação quase invencível.

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III -

ORADORES PARLAMENTARES

(Em ordem alfabética – os mais importantes e eloquentes têm seus nomes em itálico)

Achiles Balsini (União Democrática Nacional – UDN)

Adolpho Konder (Partido Republicano, depois UDN)

Afonso Guilhermino Wanderley Júnior (UDN)

Antenor Tavares (Partido Social Democrático – PSD)

Antônio de Barros Lemos (UDN)

Antônio Carlos Konder Reis (UDN)

Antônio Nunes Varella (PSD)

Antônio Pichetti (Partido de Representação Popular – PRP)

Armando Calil Bulos (PSD)

Armindo Macílio Doutel de Andrade (Partido Democrático

Trabalhista – PDT)

Barreiros Filho – Partido Liberal (PL)

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Carlos Büchele (Movimento Democrático Brasileiro – MDB)

Carlos Gomes de Oliveira (Partido Trabalhista Brasileiro –

PTB)

Cássio Medeiros (PRP)

Dib Cherem (PSD)

Edmundo da Luz Pinto (antigo Partido Republicano)

Eduardo Santos Lins (UDN)

Evilásio Neri Caon (PDT)

Fernando Bastos

Fernando Viegas (UDN)

Francisco Gallotti (PSD)

Francisco Mascarenhas (UDN)

Haroldo Carneiro de Carvalho (UDN)

Hélio Carneiro (UDN)

Henrique Véllion Córdova (PSD)

Horácio Rebelo (UDN)

Jaison Barreto (UDN)

João Bayer Filho (UDN)

João de Oliveira (Coligação por SC)

João Estivalet Pires (PSD)

João José de Souza Cabral (UDN)

Jorge Lacerda (PRP)

José Bahia Spínola Bittencourt (PSD)

José de Miranda Ramos (PTB)

José Gallotti Peixoto(PSD)

José Maria Cardoso da Veiga (PRP)

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Júlio A. Coelho de Souza (UDN)

Laerte Ramos Vieira (UDN)

Lenoir Vargas Ferreira (PSD)

Lauro Muller (antigo Partido Republicano e Partido

Federalista)

Lenoir Vargas Ferreira (PSD)

Leoberto Leal (PSD)

Livadário Nóbrega (PRP)

Manoel Siqueira Belo (PSD)

Marcos Konder (antigo Partido Republicano, depois UDN)

Mário Tavares da Cunha Melo (UDN)

Nelson Rosa Brasil (UDN)

Nereu Celeste Ghizoni (PSD)

Nereu de Oliveira Ramos (PSD)

Norberto Ulyssea Ungaretti (UDN)

Orlando Bertoli (PSD)

Osmar Cunha (PSD)

Osny Medeiros Regis (PSD)

Raul Schaefer (PSD)

Roberto F. Mattar (Partido Social Progressista – PSP)

Romeu Sebastião Neves (UDN)

Rubens Nazareno Neves (Partido Democrata Cristão – PDC)

Waldemar Rupp (UDN)

Walter Tenório Cavalcanti (PSD)

William Duarte da Silva (PSD)

Wilmar Orlando Dias (PSD)

Wilson Erasmo Quintino dos Santos (PSD)

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ADOLPHO KONDER

Entre numerosos discursos que pronunciou, escorreita e brilhantemente, Konder fez um deles em Rio das Antas, no Meio-Oeste catarinense, no dia 6 de maio de 1928, o qual se destaca no seu currículo de eloquência. Alguns trechos tratam da “Guerra do Contestado”, que devastara a

região:

“Somos todos brasileiros! Somos catarinenses! Senhores, não vejo fronteiras dentro da minha Pátria! Não vejo fronteiras dentro do meu Estado! Como brasileiros temos as mesmas finalidades a cumprir. Estamos todos radicados no mesmo solo onde tivemos a ventura de nascer.”

Mais tarde, em Joinville, proclamava:

“Venho da terra verde das grandes esperanças e dos grandes entusiasmos! Venho da terra onde o homem, na armadura invulnerável da coragem indômita, realiza triunfalmente a conquista civilizadora do sertão aspérrimo. Na sua estranha audácia, anda ele a medir-se com o pinheiro alto, altíssimo, empertigado e arrogante, que tenta reproduzir a insólita façanha dos gigantes na escalada do Olimpo! Piso a terra das fortes objetivações da inteligência humana, revelada já no gosto aprimorado das construções, já na organização do trabalho, já na estrutura social

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adotada. E lá e aqui, planalto acima e planalto abaixo, o mesmo vigor, a mesma confiança no poder da vontade, a mesma certeza do triunfo, o mesmo homem intemerato, resoluto, de alma ensolada pelos arrebatamentos de entusiasmo sadio...”.

EDMUNDO DA LUZ PINTO

Nasceu no Rio de Janeiro em 5 de janeiro de 1898 e faleceu em 15 de julho de 1963, aos 65 anos de idade. De seus dados genealógicos extrai-se que Hercílio Luz teve uma filha, Maria Isabel Âncora da Luz, a qual se casou com Eduardo Brueger Pinto, vindo a gerar os filhos Edmundo da Luz Pinto e

outros. Era neto materno do Marechal e Deputado Geral Francisco Carlos da Luz e Maria Barbosa.3

Luís Nassif, em “O causeur dos anos dourados”, escreve sobre Edmundo: “O grande guru da juventude dourada que começava a se preparar para o Poder era o deputado catarinense Edmundo da Luz Pinto...”.4

Um dos mais eloquentes tribunos catarinenses, senão o maior e mais brilhante de todos, Edmundo da Luz Pinto,

3 Enciclopédia SIMPOZIO, Evaldo Pauli – “Hercílio Luz”, 1953, SC. 4 “O causeur dos anos dourados”, Luís Nassif, Lainsignia, 26/11/2004.

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quando o Brasil vinha sendo presidido por Arthur Bernardes, do qual era amigo, tornara-se líder do Partido Republicano na CÂMARA FEDERAL.

Em 1919, num comovente discurso proferido na Capital do Estado, empolgou a multidão que o escutava. Tecia loas à beleza da terra catarinense, o torrão natal:

“Bendita seja a terra que o mar abraça e que recorta em ilhas e onde as montanhas sobem, galgando o céu na ânsia de respirar a atmosfera do infinito!”

“Bendita seja a terra onde vive imortalizado o espírito dos nossos maiores, que até hoje nos abençoam no luminoso beijo das estrelas!”

“Bendita seja a terra em que estão guardadas as tradições da nossa bravura, cenário de história de heróis, pátria de um povo valente!”

“Bendita seja a terra de Luiz Delfino e Víctor Meireles, a arte no ritmo e a arte na cor!”

“Bendita seja a terra de Cruz e Souza e Anita Garibaldi, a arte no símbolo e a arte no heroísmo!”

“Bendita seja a terra que até no nome é santa, e santa no amor de seus filhos, e santa nas perspectivas radiosas do porvir!”5

5 “Catarinensismos”, Theobaldo Costa Jamundá, UDESC-EDEME, 1974, final das orelhas na contracapa. Alguns nomes de deputados estaduais de diversas legislaturas, entre os federais e senadores, foram extraídos da obra “O DEPUTADO CATARINENSE”, de Regina Iara Regis Dittrich, Editora da UFSC,1981.

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LAURO MULLER

Lauro Severiano Muller nasceu em Itajaí, SC, no dia 8 de novembro de 1863 e faleceu no Rio de Janeiro em 30 de julho de 1926. Foi político e diplomata, sendo antes Alferes(em 1885) Segundo-Tenente (1889), Primeiro-Tenente (1890), Major (1900), Coronel (1912), General de Brigada (1914) e General de

Divisão (1921).

Já no Parlamento do Império, mostrou-se outro expoente da Oratória política, conquanto não possa ser comparado, em valor retórico, na eloquência, a alguns homens públicos da sua época, ou posteriores. Permaneceu quatro anos no Senado Federal. Pertencia a uma bancada de que participavam Felipe Schmidt e Vidal Ramos. Aliás, em 1889 ele deveria assumir o cargo de Governador de Santa Catarina, mas foi Hercílio Luz, o candidato a Vice, quem o fez6.

No livro publicado em 1984, sob o título “ADOLPHO KONDER” (Secom, Florianópolis, SC), no qual divulga

6 Os nomes dos famosos pares de Lauro Muller na Câmara Alta figuram em “O ESTILO E A ORATÓRIA NO BRASIL” (Ledix, 2005, p. 8 e l45, obra maior do autor signatário deste livro, prefaciada por MURILO MELO FILHO – Cadeira 19 da ACADEMIA NORTE-RIOGRANDENSE DE LETRAS e Cadeira 20 da ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS). Também havemos de transcrever ditos nomes na sequência.

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belíssimo “improviso” proferido na sessão solene da Câmara Municipal de Itajaí, em 16/2/1984, na qualidade de sobrinho do homenageado cujo centenário de nascimento se comemorava então, o venerando ex-Governador do Estado, ex-Deputado Federal e ex-Senador Antônio Carlos Konder Reis, referindo-se a LAURO MULLER, assinalava: “Lauro deixara injustamente a Pasta das Relações Exteriores, pois que o nacionalismo vesgo desconfiara da sua lealdade para com o Brasil pelo fato de ser ele filho de colonos alemães. Uma campanha na imprensa do Rio levou Lauro Muller a renunciar à Chancelaria brasileira. Pouco depois da sua primeira viagem triunfal a Buenos Aires, quando o seu nome foi lembrado para suceder a Venceslau Braz, essa campanha o incompatibilizou com as funções de chanceler que ele tanto dignificara.”7

Adiante republicam-se trechos da oratória de LAURO MULLER.

É regular, em quantidade, a nominata dos oradores do Século XIX e início do Século XX que discursaram, com linguagem memorável, tanto em nosso Estado como no Congresso Nacional. Além de Lauro Muller, destacaram-se, anos depois, ADOLPHO KONDER, VIDAL RAMOS, JOSÉ

7 No livreto que contém discurso proferido na cidade de Itajaí, SC, quando da homenagem a ADOLPHO KONDER, cujo centenário de nascimento se comemorava em 16 de fevereiro de 1984, o ex-Governador e Senador Antônio Carlos Konder Reis resumia o final histórico da vida de Lauro Muller, o que se dava durante o governo de Arthur Bernardes: “Lauro estava vivendo os últimos dias da sua gloriosa vida. Era Senador de uma bancada da qual participavam Felipe Schmidt e Vidal Ramos.”

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BOITEUX, MARCOS KONDER, NEREU RAMOS, EDMUNDO DA LUZ PINTO, OTHON DA GAMA LOBO D’EÇA, ANTÔNIO CARLOS KONDER REIS.

Não se pode comparar a fala de Lauro Muller com a de outros colegas parlamentares como, por exemplo, Evaristo da Veiga e Quintino Bocaiuva. Não foi tão brilhante. Vários outros o suplantaram, tais foram Lopes Trovão, Olavo Bilac, Coelho Neto, Silveira Martins, Ferreira Viana, Felipe Neri de Oliveira, Félix da Cunha, Oliveira Belo, Assis Brasil, Lúcio de Mendonça, Maurício de Lacerda.

Vejam-se estes excertos do seu discurso de posse na ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS:

“Fizemos da igualdade das soberanias um dogma da nossa política internacional, relegando para o passado ideias de hegemonia, coirmã do imperialismo desenfreado que está assassinando e incendiando a Europa e quase o mundo inteiro.”

E a última frase: “Portas mais largas não tem outra nação por onde entre o forasteiro, se agasalhe e trabalhe, livre na sua atividade, nas suas crenças e nos seus ideais, acolhido por uma hospitalidade que, sem superior no mundo, lhe dispensam os sucessores daquela ‘gente boa e de boa simplicidade’ que Pero Vaz Caminha traçou na singeleza graciosa da sua carta histórica.”8

8 “Catarinensismos”, Theobaldo Costa Jamundá, UDESC-EDEME, 1974.

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VIDAL RAMOS

Vidal Ramos, nascido em Lages, a principal cidade do planalto serrano de Santa Catarina, foi governador deste Estado entre 1910 e 1914. Felipe Schmidt governaria os catarinenses no período de l914 a 1918. E Hercílio Luz completaria o quatriênio 1918/1922. É que este último havia sido empossado na curul governamental ante a circunstância de o

eleito, LAURO MULLER (Hercílio fora candidato a Vice) ter sido, já depois de eleito, considerado inelegível pela Assembleia Legislativa. Por sua vez, Lauro Muller, após a “Campanha Civilista”, em que pontificava a figura de Ruy Barbosa, realizou a conciliação da política barriga-verde. Foi ele que sucedeu o Barão do Rio Branco, Chanceler do Brasil, depois da morte deste. Unificou o seu Partido Republicano.

Quando Vidal Ramos iniciava o mandato de Senador em 1915, na qualidade de substituto do Senador Felipe Schmidt, o qual assumira o governo do Estado (período 28/9/1914 – 28/9/1918), pronunciou um discurso importante, de linguagem irretocável A estreia senatorial deu-se em 31 de maio de 1915. Alguns trechos vão reproduzidos no tópico subsequente. Transcrevem-se, outrossim, diversos outros excertos dos seus discursos no tópico aludido.

Na solenidade de inauguração do COLÉGIO ROSA, situado em Lages, terra natal do orador, importante centro agroindustrial e cultural da região serrana catarinense, no dia

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20 de maio de 1912, VIDAL RAMOS pronunciou tocante peça oratória. O Colégio em apreço passou a ser denominado, posteriormente, COLÉGIO VIDAL RAMOS. Por sinal, afigura-se um amplo, vasto, suntuoso e belo edifício de dois andares, construído em estilo escolar superior, no centro da cidade.

Eis uma parte do discurso: “Estes pavimentos foram feitos para ser pisados tanto pelo calçado do rico quanto pelo pé do pobre. Aqui todos têm os mesmos direitos, porque se os ornamentos deste edifício foram feitos com o ouro dos ricos, as paredes que o sustentam foram argamassadas com o suor dos pobres...”.

NEREU RAMOS

Considerado um dos melhores oradores do seu tempo, Nereu foi, além disso, o catarinense que alcançou, embora brevemente, a Presidência da República. Seu partido era o PSD, ou Partido Social Democrático. Filho de Vidal Ramos, herdou-lhe a experiência e as motivações ideológico-políticas.

Malgrado essa qualidade de orador que o distinguia entre muitos, por vezes não se saiu bem nos debates e controvérsias, particularmente quando Senador.

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Estatura média, personalidade forte, incisivo, nem sempre bem humorado e continuamente atento a tudo, soube liderar sua grei e enfrentar adversários fortíssimos, não menos experimentados, muitos deles implacáveis e irreverentes. Por sua tez moreno-pálida, e uma “papada” inicial, era chamado, pelos inimigos, de “papo-amarelo.” E então se viu atacado, algumas vezes violentamente, através de jornais como o “Diário da Tarde”, pertencente a Adolpho Konder, dirigido por Altino Flores, Pedro Carneiro da Cunha Luz e, em 1945/47, por José Medeiros Vieira.

Com a vitória do movimento revolucionário de 1930, liderado por Getúlio Vargas, os membros da Aliança Liberal, a que Nereu pertencia, junto com o primo e então religionário Aristiliano Ramos, lograram assegurar o mando político no Estado. Em 1934, quando da eleição para o Governo de Santa Catarina, , ocorreu a cisão no grupo da Aliança Liberal, dividindo-o em duas facções: uma, liderada por Nereu, e outra por Aristiliano Ramos., que se passou para o lado de Adolpho Konder.

Em 12 de maio de 1945, foram lançadas as bases do PSD no Estado, sob a chefia de Nereu Ramos. E a 26 de junho, os membros da União Democrática Nacional (UDN), diversos muito importantes, organizaram-se sob a orientação e chefia das famílias KONDER-BORNHAUSEN. Ninguém menos que Irineu Bornhausen (futuro Governador) – pai do também futuro governador e Senador Jorge Bornhausen – com base em Itajaí, seria a figura proeminente da UDN, com projeção igualmente nacional. No Diário da Tarde a oposição

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contrapunha–se aos Ramos e seguidores: “A velha escola nutrida na falta de politização das massas populares e no mandonismo do “coronel, ou seja na política do carrilho.”9

Nereu Ramos era sempre muito afeito à Oratória. Houve mais de um discurso em que, abrindo os braços dramaticamente, olhando em todos os lados seus ouvintes, trovejava: “O Senhor dos mundos é também o Senhor dos meus atos!” Quando aparteado, geralmente sabia responder. Mas nem sempre. Em 1946, no Senado travou-se acirrada discussão. Defendia a tese, conquanto não pudesse sustentá-la, segundo a qual todos os sessenta e três parlamentares lá presentes se haviam comprometido – no momento da posse perante o TSE – a respeitar a Constituição vigente no momento, isto é, a de 1937. Foi aparteado por Aureliano Leite e Otávio Mangabeira. Aureliano disse: “Com perdão de V.Exa., devo esclarecer que nosso compromisso foi o de respeitar o regime democrático.” E Mangabeira acrescentou: “Quem não respeitou a Constituição, por ele mesmo outorgada em 37, foi o seu próprio autor, Getúlio Vargas, ao golpeá-la várias vezes.”10 Aí Nereu titubeou.

Eis alguns trechos de discursos de Nereu, sendo o primeiro quando ainda era Deputado Federal, líder da Maioria:

“A campanha política de Vossas Excelências foi colocada em torno da Constituição de 37. Vossas

9 Diário da Tarde, 27 de janeiro de 1947. 10 Murilo Melo Filho, “Testemunho Político”, Elevação, São Paulo, 1999, p. 96.

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Excelências, porém, não foram os vencedores; venceram aqueles que contribuíram, colaboraram ou serviram ao regime de 1º de novembro, na certeza de que estavam servindo o Brasil. A campanha se fez, precisamente, contra Constituição de 37. E nós, os que apoiamos este regime, fomos os preferidos pelo povo brasileiro.”11

OSMAR CUNHA

Nasceu em Florianópolis aos 19/10/1918. Bacharelou-se em Direito pela UFSC em 1957. Advogado, professor e político. Orador vibrante, alinhado no Partido Social Democrático, Osmar Cunha foi vereador de 1950 a 1954, primeiro Prefeito Municipal de

Florianópolis entre 15/11/1954 a 21/01/1959, Deputado Federal nos períodos de 1959 a 1963, de 1963 a 1967 e de 1967 a 1971, estes últimos pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA). Dissentiu de Nereu Ramos, desligando-se do PSD.

Defensor intransigente do municipalismo, foi presidente da Associação Brasileira de Municípios (1954-1957 e 1960-1969).

11 Vítor Nunes Leal, “Coronelismo, Enxada e Voto”, Alfa Ômega,1975, p. 242.

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Quando orador, ironizando os adversários, costumava exclamar com gestos seguidos: “É... tudo farinha do mesmo saco...”

JORGE LACERDA

Nascido em Paranaguá, Paraná, no dia 20 de outubro de 1914, filho de descendentes gregos, Komninos Giorgis Lakierdis e Anastácia Joanides Lakierdis, da Ilha de Kastelorizon. Estudou medicina na Universidade do Paraná, formando-se em 1937 e Direito na Faculdade de Niterói, RJ, em 1949,

antes de entrar definitivamente na política, sendo foi duas vezes deputado federal (1950 e 1954) pelo PRP (Partido de Representação Popular) liderado por Plínio Salgado.

Faleceu em um acidente aéreo aos 43 anos idade. No mesmo desastre também morreram Nereu Ramos e Leoberto Leal, ambos catarinenses.

Eis um trecho do seu discurso de orador da turma, dia 02/12/197, em Curitiba:

A palavra sofre o mesmo desespero do escopro e do pincel... O orador experimenta sempre a mesma angústia do estatuário, cujas mãos nervosas desejam interpretar, no mármore bruto, a expressão imortal da beleza; e a mesma aflição do pintor, cuja alma torturada do artista, procura surpreender, na alquimia das tintas da sua paleta, a magia

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arrebatadora das cores da natureza... Sinto, também, esta mesma angústia no triunfo deste instante, porque a palavra, das artes a mais difícil, no conceito de Latino Coelho, não saberá exprimir estes dois grandes encantamentos de hoje; o que ilumina este salão e o que alvoroça a nossa alma; a alegria nossa de novos médicos, e o entusiasmo dos mestres, dos pais, da esposa, da noiva, do parente e do amigo.

Em 31 de janeiro de 1956, finaliza assim seu discurso de posse como governador do Estado de Santa Catarina:

Hoje, ao ser despertado pelo romper da alvorada na manhã festiva, radiante de luz, senti nascerem em mim a consciência da profunda responsabilidade, principalmente como representante de uma geração inquieta, traumatizada por dramas dos mais graves da história, geração que se despediu das interpretações românticas dos problemas nacionais para embrenhar-se fundo nas realidades brasileiras em busca da solução urgente para as questões cruciais que afligem as nossas coletividades. Em terras catarinenses, impôs-me o destino, neste próximo quinquênio, a árdua tarefa de procurar desfraldar, bem alto, em nome da minha geração, a bandeira das aspirações dos nossos tempos, de maneira que o nome de Santa Catarina continue resplandecendo, cada vez mais, no cenário da nacionalidade.

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CARLOS GOMES DE OLIVEIRA

Em 1951, outro orador de grandes méritos exornou a tribuna do Senado Federa1. Era ele CARLOS GOMES DE OLIVEIRA. Nascido no ano de 1894, em Santa Catarina, sua vida pública foi afanosa, plena e digna. Após formado, em 1918, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, publicou numerosas obras jurídicas,

exerceu diversos cargos, tendo sido Deputado à Assembleia Constituinte estadual, em 1928, e à de 1930, bem assim Deputado à Constituinte Nacional em 1934 e à Câmara dos Deputados de 1935 a 1937. Quando da comemoração do centenário de vida, em 8 de outubro de 1994, do ilustre brasileiro, na cidade de Joinville, SC, o autor deste livro, disse, entre outras assertivas, em nome da Academia Catarinense de Letras, à qual o homenageado também pertencia:

A Academia Catarinense de Letras aqui se acha, em vossa presença, consensum omnium, no dia em que estais completando cem anos de idade, para estreitar-vos num apertado amplexo e cingir-vos com a auréola cintilante desta homenagem única e singular em seus anais. Bafeja-vos o halo deste fervido louvor, qual privilégio de quem - avis rara intra cenaculum nostrum. é nele o primus inter pares.

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São João Evangelista inteirou, também, um século de existência, como o perfizeram Matusalém e, parece, Simeão, aquele que esperava o Messias para poder cerrar os olhos; aqui perto de nós, no Brasil, o mineiro Raimundo Gomes dos Santos, filho de uma escrava, o mais idoso do nosso país, viveu 134 anos em Presidente Epitácio, até o próximo passado 19 de setembro. No Rio Grande do Sul, o Sr. Aquiles Figueiredo está com 102 anos. Bi-homônimo - no prenome e no primeiro dos apelidos - daquele esteta maior da melodia pátria, Carlos Gomes, vós tendes tirado, por igual, das beletras, a harmonia dos sons e a beleza das notas que o campineiro fazia ressoar da sua música. Em vossos olhos ainda brilham os dois círios que refletem toda a paisagem luminosa de vossa vida. O sodalício que formamos, neste ocaso do Século XX, seria menor sem vós. Santa Catarina, sem vós, seria menor, como o seria o Brasi1. Sois mais que uma relíquia viva da História Catarinense, porque um símbolo autêntico e grandioso dos seus fastos, das suas glórias, do seu patrimônio moral, espiritual, cultural e cívico.

Mas quem sois, vós, afinal, que tocais assim tão fundamente a nossa alma, para que venhamos. una você, uno ore, neste indizível regozijo, a fim de entremear os mais efusivos parabéns com a visão do caminho que na longuíssima centúria pervagastes? ... Ah, sois aquele mesmo jovem egresso da famosa Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo...

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Ainda mais que tudo isso, sois aquele intelectual escolhido entre os melhores da época, para participar da Comissão de Redação dos Anais do 1º Congresso de História Catarinense, em 1948, evento em que sobressaístes ao lado de Henrique Fontes, Oswaldo Cabral. Heitor Blum, Carlos da Costa Pereira, Clementino Brito, Álvaro Tolentino de Souza, Alfredo Xavier Vieira, Luís Trindade, José Lupércio Lopes, Vitor Peluso Júnior, Antônio Nunes Varella e Antônio Taulois de Mesquita. Sois o ativo participante da comissão organizadora do centenário de Blumenau, que se destacou, por intensa atividade, juntamente com Jorge Lacerda e Hercílio Deeke. Sois o mesmo professor do Colégio Coração de Jesus e da Faculdade de Direito de Santa Catarina, que deixou na alma dos seus discípulos lembranças inapagáveis de fervor, dedicação, apostolado e grandeza. Da boca dos vossos contemporâneos, colegas e alunos, ainda escutamos reminiscências envoltas no respeito, na admiração e no afeto. Do vosso falar vinham migalhas colhidas no trigal de Booz. Vossas aulas, vossos livros, vossas conferências foram assim como vasto armazém de ideias que poderiam abastecer e saciar a fome espiritual de numerosas gerações. Fazíeis sempre faiscar neles a forja vulcânica da vossa inteligência e do vosso caráter.

Na vida pública fostes verdadeiro idealista que sonhava com um Brasil melhor, às vezes num cenário e numa época em que, na palavra do indefectível Sancho, do velho Cervantes, havia tantos ‘aventureros de mala traza y de peor talante...’

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Em 1951, numa porfia tanto mais difícil e honrosa quanto arrostada contra um antagonista havia muito ungido pela água lustral da sagração popular, como o era Nereu Ramos, o tribuno irreprochável, disputastes uma cadeira do Senado da República. Deu-vos a voz das ruas esplêndida vitória. Mas não vos ofuscou, nem embaiu, nem iludiu a ‘aura popularis’. Fostes eleito, em 1955 1º Secretário da Mesa Diretora do Senado Federal e, no exercício da Presidência, destes posse ao recém-eleito Presidente da República, Juscelino Kubistchek de Oliveira, bem como ao Vice-Presidente João Goulart.

Na militância cívica dos vossos grêmios, na tribuna política e parlamentar, na imprensa partidária em que por longas décadas inseristes a marca das melhores virtudes e esperanças de nossa gente, muitas vezes no aceso das paixões em que até soalhavam epítetos ferinos e solertes maledicências, não descestes jamais ao bas-fond da retaliação e do agravo. Ao contrário, soubestes entender, como Disraeli, que a vida - ainda que centenária - é ‘muito curta para admitir pequenezas...’

Ilustre confrade, amigo e Mestre Carlos Gomes de Oliveira. Sois o único dentre nós, que pode retroceder, na lembrança, ao último quartel do Século XIX, como testemunha ocular dele. E agora, corcovado pelo peso deste glorioso centenário de vida, vosso olhar, que outrora vinha do cume do Poder para a imensidão da planície, está soerguido da planície para o cume. E certamente já se volta e alonga para um Brasil muito diferente do que antes vira.

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Perpassando por lugares sagrados, já não consegue vislumbrar as imagens, os ícones, os tesouros do seu tempo... Esse olhar agora não está a divisar, no firmamento das instituições nacionais desta República tantas vezes velha e tantas vezes nova, e nas cadeiras curuis dos altiplanos, as tantas e tantas cabeças coroadas dos lauréis da Honra, da Sabedoria, da Virtude e do Bem, que no vosso tempo ornavam o cenário da vida pública. Os varões de Plutarco fazem a exceção nesta caliginosa ‘noite ética’ que, como afirmou Pietro Prini, ‘encobre a humanidade’.

A República nascida apenas cinco anos antes de vós é outra, sim, mas não vos invada a desesperança nem vos estarreça o espírito a momentânea escuridão do céu, porque nele já se adelgaçam as brancas nuvens da alvorada... Eis aí um novo tempo. Talvez - proclamemo-lo otimistas ante este marco cívico-eleitoral da segunda feira passada, dia 3 (o maior pleito deste século) - a renovação traga-vos de volta e vos restitua também aquele algo mais que era penhor da dignidade e da probidade da vida pública nos tempos em que vós a exercestes... E quiçá essa transformação confirme a palavra de RUI, que acreditava na ‘impotência fatal dos incompetentes e no valor insuprível das capacidades... ’

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ANTÔNIO CARLOS KONDER REIS

Já com 88 anos em 2012, (nasceu em 1924) Konder Reis sempre foi um dos mais brilhantes oradores de Santa Catarina. Tanto na Oratória parlamentar, como na cívica e acadêmica.

Quando deputado estadual na Constituinte de 1946, primo-roso na expressão linguística, no

apuro vocabular, na argumentação convincente, revelou-se o jovem parlamentar como um dos mais promissores políticos barrigas-verdes. Posteriormente, no exercício do cargo de deputado federal e Senador sua oratória rebrilhou intensamente.

Na noite de 16 de fevereiro de 1984, ele proferiu um aplaudidíssimo “improviso” quando da Sessão Solene em homenagem ao ex-Governador ADOLPHO KONDER, pelo transcurso do centenário do seu nascimento. Assim começou, após o preâmbulo em que disse ter-lhe pedido o Presidente, logo depois da chegada à Casa, que discursasse (o orador acabava de vir da igreja Matriz, onde pronunciara longo discurso de três laudas):

“Não preciso dizer a Vossa Excelência, Senhor Presidente, que falo legítima e autenticamente de improviso... Creio que será melhor assim, porque com a ajuda da memória, vou falar com o coração. E só de coração se há de poder falar na terra de Adolpho Konder, para

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aqueles que o sucederam nos sonhos, nas aspirações, mas acima de tudo no serviço a Santa Catarina e ao Brasil.”

Adiante, referindo-se a Itajaí – terra natal de ambos, tio e sobrinho, perorava:

“Itajaí dos dias ensolarados, do vento nordeste e do vento sul; Itajaí das andorinhas; Itajaí dos pescadores; Itajaí dos navios a vela; Itajaí das noites iluminadas pelos candeeiros e – mais do que pelos candeeiros – pelos prateados reflexos da lua...”

Aludindo, mais à frente, a uma fase da vida do homenageado, disse:

“Veio a Revolução. Ele não sofreu nem mais nem menos do que sofrem todos quantos participam de um movimento revolucionário. E nunca se queixou pelo que sofreu, porque uma revolução faz sofrer primeiro os derrotados, depois, e às vezes muito mais, os vitoriosos.”

Por fim:

“Certamente a mais alta fase de sua vida foi esta em que ele desceu com dignidade e altivez, coragem, perseverança e fé, sempre olhando para o Céu – céu claro de sol, mesmo que com os olhos ofuscados; céu escuro, à noite, buscando o caminho das estrelas...”

ROMEU SEBASTIÃO NEVES

Nasceu em Lages, SC, no dia 20 de janeiro de 1913, filho de Ernesto Augusto Neves e Albertina Fiuza Neves. Vindo para Florianópolis bacharelou-se em Direito no ano de

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1950. Deputado à Assembleia Legislativa na 3ª legislatura (1955-1959) e na 4ª legislatura (1959-1963), eleito pela União Democrática Nacional. Faleceu em 6/4/1987.

Um de seus mais brilhantes discursos, entre os muitos que pronunciou, deu-se no final de 1956. Justamente naquele ano, Irineu Bornhausen encerrava o seu mandato de Governador (1951-56).

Neves, então, subiu a tribuna e disse mais ou menos as seguintes palavras (anotações no caderninho de bolso do autor deste livro):

– Sr. Presidente, Sres. Deputados.

– Irineu Bornhausen encerra, neste final de ano, o seu mandato de Governador do Estado. Encerra-o altaneiro, honrado, vitorioso e digno.

– Realizou dezenas de obras, ouviu a plebe e ouviu as elites. Grandes e pequenos, ricos e pobres, todos o aplaudem. É por isso, caros confrades, que há pouco, quando aqui esteve, o famoso orador cívico e sacro Padre Antônio de Oliveira Godinho exclamava na praça pública: “Houve algum milagre no governo Irineu Bornhausen? Não, não houve milagre algum. Porque não é milagre conservar puras as tradições de civismo e honradez da terra barriga-verde! Não é milagre manter intactas as arcas do Tesouro, as cifras dos tributos pagos com o suor da gente catarinense. Ser honesto, correto e altivo não é milagre nenhum. É dever do homem público. E esse dever Irineu Bornhausen soube cumprir, deixando sua imagem de estadista rebrilhando nas salas do Palácio Cruz e Souza!...”

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RUBENS NAZARENO NEVES

Natural de Lages, SC, a 17/07/1926, filho de Herculano Xavier Neves e de D. Ibrantina Antunes Neves. Concluiu os estudos primários no Grupo Escolar “Vidal Ramos”, Lages (1933-1934) e no Colégio Evangélico, Lages, (1935-1936), o curso secundário na Escola Normal “Vidal Ramos” (1937) e Colégio Diocesano, Lages (1938-1946). Bacharelou-se em

Direito pela Universidade Federal do Paraná (1947-1951), exercendo a Advocacia em Lages.

Foi Vereador à Câmara Municipal de Lages (1951-1954), pela União Democrática Nacional. Fundador do Partido Democrata Cristão e membro do Diretório Regional do partido (1954-1963). Adjunto de Promotor Público, Lages (1951). Delegado Regional de Polícia, Lages (1952). Deputado à Assembleia Legislativa do Estado à 3ª legislatura (1955-1958), eleito pelo Partido Democrata Cristão. Licencia-se para ocupar a Secretaria de Estado da Educação e Cultura (1956-1958). Deputado Estadual à 4ª legislatura (1959-1962), eleito pelo mesmo partido. Secretário de Estado da Educação e Cultura (1962-1963). Procurador do Estado em Brasília, DF (1965-1969). Professor Adjunto do Instituto Central de Artes da Universidade de Brasília (1966-1968). Presidente do Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina – IPESC (1969-1971). Professor de Direito Internacional Público da Universidade Federal de Santa Catarina (1972-1977).

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Diretor-Geral do Departamento Autônomo de Turismo – DEATUR (1972-1975). Oficial Maior do 1º Tabelionato da Comarca de Lages (1979).

Casado com D. Lúcia Regina Arruda Neves, de cujo consórcio houve descendência.

Da Revista da Academia Catarinense de Letras, ed. 1994. “O

acadêmico João Alfredo Medeiros Vieira, em nome dos confrades da Academia Catarinense de Letras, dia 8 de outubro de 1994, na cidade de Joinvile, perante os confrades Carlos Humberto Corrêa, Evaldo Pauli, Lauro Junkes, o Presidente Paschoal Apóstolo Pítsica e o senhor Luís Hamilton Diniz (filho do saudoso acadêmico José de Diniz), ofereceu ao acadêmico Carlos Gomes de Oliveira expressiva Placa de Prata, homenageando-o pela passagem do seu centenário de nascimento, proferindo, na ocasião, a seguinte oração...”. (Ver do autor: “Tenho Dito”, Ledix, 2004, págs. 87 e segs.). Outrossim, veja a partir da pág. 55 deste livro o discurso por inteiro.

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IV -

ORADORES CÍVICOS

(Em ordem alfabética)

Acácio Garibaldi Santiago Adolfo Zigelli Agenor Neves Marques Alírio Bossle Antônio Pichetti Dib Cherem Doutel de Andrade Henrique da Silva Fontes Jaime Carpes de Oliveira Jaison Barreto Jau Guedes da Fonseca Jorge Lacerda

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José Arthur Boiteux José Medeiros Vieira Mario Tavares da Cunha Melo Nereu do Vale Pereira Osmar Cunha Othon da Gama Lobo D’Eça Raimundo Colombo Renato Barbosa Vidal Ramos William Duarte da Silva Wilson Santos

AGENOR NEVES MARQUES

Houve um tribuno, porém, entre todos, que não pode ser omitido. Ele foi dos mais extraordinários oradores sacros e cívicos do Brasil. Veio ao mundo em 1914. O autor deste livro e esposa (Professora Vanilda Tenfen Medeiros Vieira – ou “Vani) visitaram-no em 2004 na cidade de Urussanga, SC, de cuja paróquia era titular havia

muito. Contava 89 anos de idade. Se tivesse, aliás, pregado nos púlpitos da Candelária, da Catedral da Rua Chile, no Rio de Janeiro, ou nos da Catedral da Sé, da Igreja de Santa Ifigênia, na Basílica de Aparecida, em São Paulo, estaria, há muito, consagrado também como autêntico epígono de Vieira, orador de fala estupenda, empolgante, comovente,

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adornada de lantejoulas, colorido de imagens, hipérboles antíteses e metáforas.

Nasceu em Palhoça, Santa Catarina, em 10 de outubro de 1914 o Padre Agenor Neves Marques, que nos primeiros tempos de sua estada em Tijucas o povo chamava “Padre Nevinho”. Conheci-o na cidade de Tijucas, a 40 quilômetros de Florianópolis, na manhã de sua ordenação sacerdotal em 1950 e fui seu “coroinha” nos poucos meses seguintes. Ambas as cidades, Palhoça e Tijucas, por longos anos disputaram o privilégio de terem sido o seu berço natal; confirmou-se, no entanto, ter ele nascido em Palhoça. Ainda em Tijucas impressionou-me fundamente o sermão que pronunciou no dia 20 de janeiro de 1941, sobre São Sebastião, padroeiro da paróquia.

Padre Agenor foi, outrossim, apicultor – tendo criado a “Casa das Abelhas” -, fundador de orfanatos, creches, asilos de idosos, hospitais, emissoras de rádio, bem como exímio piloto de avião, ficando conhecido, nos anos cinquenta, por haver pousado seu aparelho na Via Dutra, quando levava a São Paulo um amigo, o falecido Juiz de Direito Newton Varella (mais tarde também piloto), ao perceber que apresentava falha mecânica... Viveu grande parte de sua vida na cidade de Urussanga, situada no sul de Santa Catarina, onde veio a falecer no dia 31 de agosto de 2006, aos 91 anos de idade.

De incomum facilidade de expressão, fluência insuperável, riqueza vocabular que não se esgotava nunca, polivalente no púlpito e na tribuna cívica, Padre Agenor

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Neves Marques deu à Oratória catarinense e brasileira peças de grande valor. Transcrevem-se, aqui, parcialmente, algumas delas. Entretanto, inicia-se a reprodução com um excerto do seu discurso proferido nos meados de 1945, no adro da Catedral Metropolitana de Florianópolis, durante grande comício patriótico pelo regresso dos “pracinhas” da Força Expedicionária Brasileira que haviam lutado nos campos da Itália, na Segunda Grande Guerra, contra as forças nazifascistas.

Convidado pelo Governador do Estado, pela Assembleia Legislativa, pelo Poder Judiciário, pela Câmara de Vereadores, Prefeitura Municipal e Arquidiocese de Florianópolis, Padre Agenor Neves Marques arrebatou e comoveu profundamente a imensa multidão que, desde as escadarias do belo templo-mor situado no alto de uma colina, enchia a Praça Quinze de Novembro, cujos alto-falantes repercutiam a sua voz sonora. Achegando-se ao microfone, de início com entonação pausada, depois entrecortada de emoção, civismo e ternura, falou sobre os que não voltaram:

Chora, mulher catarinense, chora!...

Chora esses soluços de dor e de saudade...

Chora esse pranto que as palavras não descrevem...

Chora pelo teu esposo, que não voltou para o aconchego do lar.

Chora pelo teu noivo que não tornou para a festa das núpcias...

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Chora pelo teu irmão que não mais poderá contigo recordar, como antes, entre pulos de alegria, a infância querida, à sombra das laranjeiras, debaixo dos laranjais...

Chora, mulher, pelo teu filho, aquele menino já crescido que deste à luz um dia, o qual acariciaste e amamentaste, que viste partir, guapo, forte e varonil, já homem feito, mas que agora não podes mais rever nem abraçar, porque ele dorme sob a terra álgida de Pistóia...

Chora, mãe branca, chora, mãe amarela, chora, mãe índia, chora, mãe negra... Chora, mãe negra, de alma da cor do alabastro, que amamentaste, com o teu leite branco, em teus seios negros, o menino que há pouco, lá na trincheira distante, emborcou inerme na poça rubra do sangue vermelho da sua bravura, retendo, ainda, nas mãos crispadas, o teu retrato – o retrato de mãe – que foi a sua última visão na terra...

Chora, mulher catarinense, chora!...

As tuas lágrimas cristalinas, copiosas e incessantes, são tão incessantes e tão copiosas, que as vejo agora encharcar, no paroxismo dessa dor materna e desse orgulho cívico, o verde das nossas florestas, o amarelo do nosso ouro, o azul do nosso céu... E o milagre da metamorfose só a dor opera, só o coração explica. E porque só o coração explica,

Chora, mulher catarinense, chora!...

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Na sequência, trechos esparsos de outras falas de Monsenhor Agenor Neves Marques, algumas das quais ao microfone da Rádio Eldorado, posteriormente denominada Rádio Marconi, de Urussanga, por ele fundada:

Exmas. Autoridades aqui presentes neste Salão de Atos, meus Senhores, minhas Senhoras e indistintamente as mulheres de todas as idades, de todas as etnias, de todas as posições sociais.

Agradecendo a honrosa incumbência de abrir esta sessão solene em comemoração ao DIA INTERNA-CIONAL DA MULHER, sinto-me feliz em saudar todas elas, exaltando a sua figura, ornada das mais excelsas qualidades, com que Deus presenteou Aquela que nos deu à luz, nos hospedou no seu ventre, nos amamentou nos seus seios e nos acompanhou em todos os momentos da vida, desde o primeiro sorriso até a última lágrima.

Tão necessária e tão profunda é a presença e a participação da mulher na história da humanidade, que eu vos convido, neste curto espaço de tempo, a um olhar de relance pela sua caminhada de amor e glória, pela sua fortaleza de sofrimento e abnegação, pela sua sensibilidade de carinho para com todos os seus semelhantes.

Realmente se volvermos nossos olhos para os primeiros passos do HOMEM neste nosso planeta, nós veremos, perambulando pelas vielas do Paraíso terrestre, um jovem esbelto, altaneiro e forte, mas solitário, pensativo e triste... Tem-se a impressão de que, entre todas as

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maravilhosas obras de Deus, a única obra inacabada era ele mesmo... Adão, inteligente, racional, mas incompleto...

No primeiro encontro do Criador com sua criatura, Deus completou sua obra: criou Eva, sua obra prima, a mais bela do universo. E o próprio novo homem deixou para sempre marcada a sua gratidão: agora sim, esta mulher é na verdade carne da minha carne, osso dos meus ossos!...

Se pousarmos os olhos na Bíblia, o livro Sagrado, encontraremos uma procissão de mulheres guerreiras, corajosas e heroicas, entre as quais emerge a vitoriosa Judite, exibindo ao seu povo a cabeça decepada do general Holofernes, cujo poderoso exército sitiava os Israelitas, para matá-los de fome e de sede.

Se rememorarmos a História dos bárbaros e a História da civilização, ai veremos, entre muitas, imagem empolgante de Joana D'Arc, que vendo as consecutivas derrotas de seus guerreiros, já conformados com a rendição da França, levanta sua voz feminina, veste-se com as armaduras de guerra, monta seu cavalo, desembainha sua espada e conclama seu povo para a guerra, assumindo ela mesma o comando direto das batalhas. Transferindo para seu exército o poder contagiante da força feminina, ela vence a guerra e proclama gloriosa a libertação de sua Pátria.

A despeito de tão estrondosa vitória e de seu maravilhoso feito, a heroína foi vitima do ciúme da inveja de seus compatriotas. Acusada de feiticeira foi condenada a morrer queimada na fogueira, sentença imposta às bruxas

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pela Santa Inquisição. Mais tarde, na revisão de seu processo, a Igreja reconheceu sua inocência e, penitenciando-se, lhe concedeu a glória dos altares. Estava assim, perante a história, reconhecido o poder feminino, o testemunho de sua capacidade, de sua força, de sua coragem, de sua disposição e de seu heroísmo.

Se olharmos para o lado do Oriente, outras mulheres estarão nos dando igual testemunho: Bandaranaike no Comando do Ceilão e Golda Maier, defendendo Israel, como primeira Ministra, nos tempos mais difíceis de sua pequena e aguerrida Nação. Na Guerra dos Sete Dias as aviadoras de Israel, pilotando seus aviões supersônicos, ajudaram a decidir uma grande e vitoriosa batalha contra seus poderosos inimigos.

Neste elenco podemos incluir Indira Gandi, vítima da traição dos Silquis, fuzilada por um elemento de sua guarda pessoal, inconformado com as reformas sociais da grande Mulher.

Se volvermos nossos olhos para a América do Sul, muito mais perto de nós, aqui em nosso Brasil, podemos nos extasiar diante da Imagem da Princesa Isabel, toda benignidade, toda coração, toda complacência, toda amor, toda sorridente a acenar com a Rosa de Ouro nas mãos, cumprimentando todas as mulheres do mundo neste Dia Internacional da Mulher.

A capacidade Feminina não se manifesta somente nas cabeças coroadas, nos tronos e nos palácios reais, mas

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também e com mais força e evidência ainda, nas choupanas e nas favelas, na fome, na miséria, na escravidão.

Muitos seriam os testemunhos dessa verdade. Um deles, bem atual, bem visível, bem oportuno é o da Bem-aventurada Madre Teresa de Calcutá, com a entrega total de sua vida em favor dos pobres, doentes, esquecidos e famintos dos lugares mais infetos do mundo.

Se baixarmos nossos olhos para nossa própria história, e divisarmos por outro ângulo o Poder Feminino, encontraremos a mulher africana aviltada, condenada, deprimida, escravizada, posta na humilhante, mas gloriosa condição de amamentar carinhosamente com o leite branco de seus seios negros os filhos dos seus próprios escravizadores.

Haverá em todo o orbe terrestre maior síntese do Poder Feminino, do que esta imagem aqui retratada em branco e preto?

Volvendo nova página da vida, agora em nosso próprio Estado, precisamente na cidade de Laguna, estaremos revivendo a romântica e corajosa heroína Anita, apaixonar-se por José Garibaldi e com ele empunhar o bacamarte, enfrentar a fúria dos mares e atravessar os oceanos, incentivando o destemido guerreiro para a reconquista da Itália e de sua definitiva libertação.

O próprio Jesus Cristo, que jamais fez acepção de pessoas, nem de raça, nem de cor, nem de posição social, nem de sexo, nem de poder, outorgou a uma mulher do povo, Maria Madalena, o honroso privilégio de levar

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pessoalmente aos homens seus discípulos, a primeira notícia de sua gloriosa ressurreição.

Reduzindo e fechando o círculo de nosso olhar, desejamos estender à Mulher Urussanguense as nossas homenagens e congratulações. Aqui mesmo, em nosso pequeno mundo, conhecemos muitas heroínas casadas ou solteiras, viúvas ou velhinhas, leigas ou religiosas, sacrificando espontaneamente as suas vidas, seus interesses e até seus lazeres, para entregar seus corações aos pobres, aos enfermos, aos aflitos, aos órfãos e às crianças carentes.

Escusando-me de relatar nomes, porque sua lista é enorme, alegro-me em apresentar, em nome de todos os HOMENS, as nossas mais sinceras e efusivas congratulações a todas as MULHERES integrantes do Poder Executivo, bem como ao expressivo número de Vereadores do Poder Legislativo, a quem transfiro a incumbência de levar às demais mulheres de todas as idades, o nosso abraço, o nosso beijo, o nosso amor e as nossas flores.

Muito Obrigado Padre Agenor Neves Marques

DIB CHEREM

Dib Cherem nasceu em Tijucas, no dia 1º de junho de 1929 — faleceu em Florianópolis, 16 de agosto de 2004. Foi advogado, radialista e político brasileiro. Filho de José Rosa Cherem e de Zalfa Cherem, bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Catarina, em 1952.

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Eleito vereador em Florianópolis, no ano de 1954, assumindo a Prefeitura duas vezes, em 1959 e 1975. Foi deputado à Assembleia Legislativa de Santa Catarina na 4ª legislatura (1959 — 1963), como suplente convocado, e na 5ª legislatura (1963 — 1967), eleito pelo Partido Social Democrático (PSD). Depois deputado à Câmara dos Deputados na 44ª legislatura (1971 — 1975) e na 45ª legislatura (1975 — 1979), eleito pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA). Nomeado conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, a partir de 1979, permanecendo no cargo por vinte anos, até aposentar-se.

A trajetória de Dib Cherem12

“Depois de atuar como radialista, na Guarujá, Dib Cherem cumpriu mandato proporcional na Capital. Como presidente da Câmara, respondeu interinamente pela Prefeitura. Na seqüência, enquanto não advogava, exercia mandatos de deputado estadual e federal, como representante da Grande Florianópolis. Acessível e receptivo, Dib era daqueles que efetivamente se entregava de corpo e alma à causa pública. Mostrava-se orador fluente.”

“Nos últimos cinco anos vinha se dedicando à leitura e também ao resgate histórico da política de Santa Catarina, publicando artigos semanais. Tendo participado ativamente da vida pública do Estado na segunda metade do século passado, Dib deixou um legado de honradez e retidão em

12 PRISCO, Cláudio.Disponível em: http://www1.an.com.br/2004/ago/ 17/0pri.htm. Acesso em: 02 mai. 2012.

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tudo que fez e por onde passou, bem como renome de bom orador.”

Na sequência alguns trechos de seu discurso “LUIZ GALLOTTI, JULGADOR EXCELSO”, proferido na Sessão da Câmara dos Deputados no dia 28/06/1974.

Com mais de cinquenta anos de vivência no Poder Judiciário, o culto magistrado deixa o honroso cargo com a tranquilidade sorridente de quem, por todos esses longos e profícuos anos, em toda a integridade cumpriu sempre seu dever.

Impossível comportar, num pronunciamento por mais dilatado, a extensão de sua cultura jurídica.

As latitudes e altitudes de seus julgamentos são indimensíveis. O alcance da Justiça que os substratava irreproduzível.

Mais adiante, lembra a trajetória do homenageado:

[...] realizou os estudos primários em Tijucas; os secundários no Colégio dos Padres Jesuítas em Florianópolis; e os superiores na Faculdade Nacional de Direito, onde bacharelou-se em 1926, com distinção em todas as matérias, tendo sido eleito o orador da Turma.

No ano seguinte elegeu-se Deputado para a Assembleia Constituinte de Santa Catarina.

Depois de haver sido nomeado Procurador-Geral da República, e ocupado diversos outros cargos que sempre dignificou, em 1949 foi empossado no cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, do qual veio a ser presidente, por eleição, em 1966.

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Desde 1969 ocupa a Cadeira nº 22 – que pertencia ao Presidente da República, NEREU RAMOS – na Academia Catarinense de Letras, para a qual viu-se eleito por unanimidade de votos.

E termina:

[...] ao manifestar admiração pelo inexcedido jurista, pelo imortal poeta catarinense, significamos a reverência do nosso respeito, e de nossa afeição, por quem, na grandeza indizível de sua estatura moral, e na vastidão de sua cultura jurídica, no Supremo Tribunal Federal pôs em luz a Justiça.

ADOLFO ZIGELLI

Adolfo Zigelli foi, também, afora o jornalismo que exerceu com fluência e, no geral, correção vernácula, inspirado orador cívico.

Natural de Joaçaba, SC (12/03/1926) resolveu perfazer os estudos ginasiais no Colégio Frei Rogério, seguindo, depois, para Porto Alegre, onde

esteve interno, com seu irmão Walter, por igual joaçabense, no Colégio Nossa Senhora do Rosário. Retornando a Joaçaba após a morte dos pais em 1955, ambos os irmãos trabalharam intensamente, tornando-se Walter gerente do antigo jornal O Cruzeiro e Adolfo dedicando-se ao radio jornalismo na Rádio Sociedade Catarinense.

Nos meados dos anos cinquenta Adolfo e seu mano vieram para Florianópolis. O primeiro passou a pertencer à

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equipe do então governador Jorge Lacerda, destacando-se, principalmente, com seu timbre de voz sonora, aliado a uma boa redação, à Rádio Diário da Manhã. Era filiado à União Democrática Nacional (UDN).

Com prosélito do notável orador/governador Jorge Lacerda, pronunciou numerosos discursos cívicos, ora em caravanas no interior do Estado, ora na Capital, em comícios e ao microfone da Rádio Diário da Manhã. Conseguiu efetuar o Curso de Direito na antiga Faculdade da Rua Esteves Júnior, diplomando-se em 1970. Faleceu num desastre aéreo no dia 30 de agosto de 1975, por sinal e coincidência nas proximidades de Joaçaba, cidade em que nascera.

WILLIAM DUARTE DA SILVA

William Duarte da Silva, que conta 77 invernos, é um Advogado atuante e experiente bem conhecido em Santa Catarina, há tempo “jubilado” pela OAB, empresário do ramo hoteleiro-turístico à frente do HOTEL QUINTA DA BICA D’ÁGUA, sito na belíssima região da Trindade, ex-proprietário do MOSTEIRO PARK HOTEL, de Nova Trento, político, ex-Presidente da Câmara Municipal de São João Batista, ex-Deputado Estadual.

Já na qualidade de Advogado, já na condição de Vereador, já na de Deputado, nunca deixou de ser o mesmo intelectual que, desde a juventude acadêmica, se revelava um leitor voraz de livros jurídicos, filosóficos, religiosos, ou

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obras simplesmente literárias. É por isso que se exprime rápido, com boa fluência e razoável facilidade de linguagem.

Chamado NERY NATAL DUARTE, junto à pia do Batismo, porém, depois, segundo conta, à parte, por deslumbrada preferência de uma tia, inglesou-se-lhe o nome para William. Triunfou em numerosas causas cíveis, criminais e trabalhistas, ao longo de três décadas, quando procurava no Foro em várias Comarcas barrigas-verdes. Nas duas instâncias e no Pleno pretoriano do Estado, bem assim nos Tribunais superiores. Por igual, suplantou adversários poderosos em diversas convenções e eleições na esfera político-partidária.

Eis alguns trechos do discurso do então acadêmico de Direito William Duarte:

13Povo de Minha Terra.

Como portador dos sentimentos do povo de São João Batista, nesta Capital, quero neste momento expor por intermédio desta conceituada Rádio, os motivos principais pelos quais o povo batistense, labuta pela sua emancipação. E é com justa razão, que nós batistenses, lutamos pela criação do município de São João Batista, [...]

Prosseguiu o orador:

Portanto, como vedes, Senhores Deputados e povo Catarinense, São João Batista não tem mais deveres e sim direitos, pois sua população, sua receita municipal, sua indústria e sua agricultura, já superaram os deveres, e,

13 Discurso pró criação do Município de São João Batista proferido na Rádio Diário da Manhã, em 9 de abril de 1957.

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lutam agora pela reivindicação do seu direito assegurado na Constituição do Estado. Por esses motivos, acreditamos nós batistenses que os dignos Deputados estarão unidos com um só pensamento para o dia da votação da emancipação do distrito de São João Batista, pensamento este, que sem dúvida condizem com o pensar do povo de minha terra, que é o de tornar autônomo o progressista distrito de São João Batista, contribuindo destarte para o maior desenvolvimento de nosso Estado.

Por fim:

Contudo, queremos realçar que, se existem municípios, Senhores Deputados, que atualmente ainda não têm o progresso que acabo de especificar, perguntamos, porque então São João Batista não passará a município? Apenas respondemos que São João Batista enquadra-se em qualquer Lei que porventura venha ou queira a emancipação de qualquer distrito. O povo de São João Batista, deposita a inteira confiança nos Senhores Deputados, porque sabemos nós batistenses de que a colenda Assembleia votará a favor da emancipação do distrito de São João Batista. Atualmente, assume cada vez mais São João Batista caracteres bastante uniformes de densidade nos diversos subdistritos, o que apresenta indiscutivelmente expressivo índice econômico. Portanto, Senhores Deputados, eu em nome de São João Batista faço um apelo as Vossas Excelências para que votem a favor da autonomia do distrito de São João Batista, pois assim estarão cumprindo as verdadeiras finalidades de representantes do povo catarinense.

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V -

ORADORES FORENSES

(Ordem alfabética – os mais brilhantes, com voz sonora, têm seus nomes em itálico)

Acácio Bernardes (Blumenau, Itajaí, Camboriú)

Afonso Guilhermino Wanderley Júnior

André Melo Filho (Florianópolis)

Arão Rebelo (Blumenau)

Armando Calil Bulos (Laguna)

Antônio Nunes Varella (Joaçaba)

Carlos Büchle

Carlos Gomes de Oliveira (Joinville)

Celso Leal da Veiga (Brusque)

Cláudio Gastão da Rosa

Custódio Campos (Florianópolis)

Dail Santos (Tijucas)

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Daniel Vinicius Arantes

Délcio Guerreiro (Joaçaba)

Edmundo Acácio Moreira (Tubarão–Laguna–Florianópolis)

Emídio Trilha (Lages)

Evilásio Neri Caon (Lages, Florianópolis)

Felisberto Córdova (Lages)

Fernando Bastos (Florianópolis)

Francisco Campos Ferreira

Gilberto Callado de Oliveira (Lages, Florianópolis)

Hélio Barreto dos Santos (Florianópolis)

Hélio Sacillotti de Oliveira (Florianópolis)

Henrique Stadieck

Humberto Francisco Scharf Vieira (Florianópolis)

Ivan Ranzolin (Lages – Florianópolis)

Ivo Silveira (Palhoça – Florianópolis)

Jaime Souza (Angelina – São José – Ibirama – Florianópolis)

João Batista Bonassis (Florianópolis)

João Bayer Filho

João Bayer Neto (Tijucas)

João de Oliveira (Laguna)

João José Caldeira Bastos

João José Leal

João Linhares (Florianópolis, Brasília)

Jorge Bornhausen (Blumenau – Florianópolis – Rio de

Janeiro)

Jorge Edgar Ritzmann

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José Galvani Alberton

José Manoel Soar

José Medeiros Vieira (Itajaí)

Laerte Ramos Vieira (Lages)

Leoberto Caon (Florianópolis)

Márcio Vicari (Florianópolis)

Nereu Ramos (Lages, Florianópolis)

Neudy Primo Massolini (Concórdia)

Olivério José Gomes (Joaçaba)

Orestes Guerreiro (Joaçaba)

Osmar de Souza Nunes (Itajaí)

Paschoal Apóstolo Pitsica (Florianópolis, Chapecó,

Palmitos, Xanxerê)

Paulo Henrique Blasi (Campos Novos – Florianópolis)

Paulo Leonardo Medeiros Vieira (Florianópolis)

Paulo Lehmkul Vieira

Renato Barbosa (Florianópolis, Niterói-RJ)

Sadi Lima (Florianópolis)

Saulo Vieira

Sebastião Luz (São Joaquim – Florianópolis)

Trogildo José Pereira (Biguaçu)

Tullo Cavallazzi Filho

Valdemiro Cascaes (Florianópolis)

Walter Tenório Cavalcanti (Curitibanos)

Wilmar Orlando Dias (Florianópolis)

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* * *

Na História de Santa Catarina, em especial na História do Judiciário, houve alguns excelentes oradores forenses.

É mister dividir a nominata e os pronunciamentos em três ou quatro partes, pelo menos. Destarte, farei tal separação da seguinte maneira:

I – Oradores forenses na JUSTIÇA do Brasil Colonial;

II – Oradores forenses nos períodos pré-constitucional e pós-constitucional do IMPÉRIO;

III – Oradores forenses na Segunda Metade do Século XIX;

IV – Oradores forenses no Século XX.

ORADORES NO BRASIL COLONIAL

Na obra “NOTAS PARA A HISTÓRIA DO PODER JUDICIÁRIO EM SANTA CATARINA”, que publiquei em 1981, com apoio editorial da Fundação Catarinense de Cultura, foi analisada longamente a JUSTIÇA COLONIAL. E a seguir a Justiça nos períodos pré-constitucional e pós-constitucional do Império. Por sua vez, o Poder Judiciário é examinado, também, no Século XIX.

Faz-se, agora, neste livro, um breve retrospecto do tema, a fim de identificar os oradores forenses daqueles idos.

Eis o que já consta na obra referida: “I. AS ORDENAÇÓES – O Direito Ibérico antigo traduziu, em seus ordenamentos, o espírito jurídico, as concepções humanísticas, monárquicas e quase teocráticas da Idade

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Média. Esse modelo jurídico, plasmado naquele período – para muitos obscuro, para outros repleto de grandes conquistas da inteligência nos campos filosófico e científico, e no qual pontificaram os luminares da Escolástica, entre eles ALBERTO MAGNO, DUNS SCOTTO e TOMÁS DE AQUINO – teve a sua mais expressiva codificação nas famosas ORDENAÇÕES AFONSINAS, promulgadas no final do Século XV.

Naquele período e durante muito tempo após a Renascença não surgiram normas jurídicas específicas de cada uma das múltiplas áreas do Direito Positivo, à maneira do que modernamente ocorre e sim prescrições diversificadas em ordenamentos ecléticos e gerais, ao mesmo tempo de interesse público, estatal, social e individual. Somente com o aperfeiçoamento jurídico-institucional dos Estados que surgiam no tempo e no espaço é que tais normas se tornaram específicas e consentâneas com a realidade social, os fatores históricos e a vida de cada povo. PORTUGAL, com sua estrutura monárquica, sua influência política e militar, estendendo seus domínios à África, às ilhas do Atlântico – Madeira, Cabo Verde, Açores, etc. – e ao Brasil, trouxe, para as regiões descobertas por seus navegadores, o precioso acervo cultural e jurídico formado lenta, mas seguramente em seu território. A partir de 1521, sob o reinado de D. MANUEL I, os povos das terras descobertas (portugueses, nativos e descendentes), todos os súditos e jurisdicionados d'além mar, estavam sujeitos às codificações que viriam a ser chamadas ‘ORDENAÇOES MANUELINAS’, as quais traziam, é certo, algumas inovações em relação ao Código anterior. Sob o

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domínio espanhol produziram-se novas alterações e desde então passaram a vigorar as chamadas ‘ORDENAÇÕES FILIPINAS’, nome oriundo do patronímico do soberano que as ditou. Foram aquelas Ordenações que, à semelhança dos atuais Códigos de Divisão e Organização Judiciárias, disciplinaram os ofícios públicos no Brasil.

II. AS CAPITANIAS – Em 1504, após a expedição do rico cristão-novo Fernão de Noronha (ou Loronha), D. Manuel criara a primeira Capitania Hereditária, a da Ilha de São João, depois chamada Fernando de Noronha. E na carta dirigida a Martim Afonso de Souza, em 1532, o monarca deixava à sua escolha permanecer na Terra de Vera Cruz, ou voltar a Portugal, onde já se providenciava a divisão do Brasil em Capitanias. HÉLIO VIANNA, em sua monumental ‘HISTÓRIA DO BRASIL’, esmiúça tal divisão, do prisma histórico. Por seu turno, QUEIRÓS LI MA, no importante estudo ‘CAPITANIAS HEREDITÁRIAS’, publicado na Revista de Estudos Jurídicos, examina a natureza das doações reinóis, o regime com elas introduzido na Colônia e, no início, as funções também judiciais dos Capitães-Donatários. Estes ‘gozavam verdadeiras atribuições de governo e a de exercer amplas funções judiciais, no Cível e no Crime’. ‘Os donatários podiam fundar vilas, com termo, jurisdição, insígnias; seriam senhores, ao longo das costas, das ilhas adjacentes até a distância de dez léguas; por eles seriam nomeados os ouvidores, os tabeliães do público e judicial e outros serventuários’. Isso é o que constava no ‘Foral de Doação’, que acompanhava as Cartas respectivas. Tratava-se de ‘doação e mercê de juro e herdade para sempre... ’

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O documento, concedido aos vassalos mais importantes, estabelecia a ampla competência daqueles, nas funções judiciais: ‘Poderá, por si e seu Ouvidor, estar à eleição dos juízes e oficiais e alimpar ou apurar as pautas, passar cartas de confirmação aos dictos juízes e oficiaes, os quaes se chamarão pelo dicto capitão e governador – e elle porá Ouvidor que poderá conhecer de ações novas a dez léguas donde estiver...’ ‘E conhecerá em toda a dicta Capitania e os dictos juízes darão apellações para o seo Ouvidor, nas quantias que mandam as minhas Ordenações’; ‘e do que dicto Ouvidor julgar, assim por ação nova como por apellação e agravo, sendo em causas cíveis, não haverá apellações nem agravos, até a quantia de cem mil réis, e dahi para cima dará apellação à parte que quizer apellar...’; ‘nos casos crimes Hei por bem que o dicto Capitão e governador e seo Ouvidor tenhão jurisdição e alçada de morte natural em escravos e gentios, e assi mesmo em peões cristãos e homens livres, assi para absolver como para condenar, sem haver apellação, nem agravo; porém, nos quatro casos seguintes – heresia, quando o herético lhe for entregue pello eclesiástico, traição, sodomia e moeda falsa – terão alçada em toda pessoa de qualquer qualidade que seja, para condenar os culpados à morte, e dar suas sentenças à execução, sem apellação nem agravo...’”14

* * *

14 N.E.: mantida a ortografia da época

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Dois nomes sobressaem entre os melhores oradores forenses do período colonial, especialmente à época do processo eleitoral e da incipiente organização dos Partidos políticos. Aliás, já eram eles brilhantes oradores criminais: DR. FRANCISCO LUIZ DO LIVRAMENTO e DR.OVÍDIO SARAIVA, advogados atuantes e imbatíveis. Ovídio Saraiva posteriormente seria Juiz. Mais tarde, já no final do Século XIX, outro notável orador foi o Promotor Público DR. MANOEL DOS SANTOS LOSTADA.

Tais oradores também atuaram nos períodos pré e pós-constitucional do Império.

De 1820 a 1895, já proclamadas a Independência (1822) e a República (1889), destacaram-se os seguintes oradores:

JOÃO SILVEIRA DE SOUZA; MANOEL JOSÉ DE OLIVEIRA (1880/1885) JOSÉ ACÁCIO MOREIRA (este, no Sul do Estado,

de 1896 em diante). MARCELINO ANTÔNIO DUTRA (também

professor e poeta satírico – 1858/ 1868 – atuou no Ministério Público).

MANOEL DA SILVA MAFRA (1855/1895). JOSÉ MARIA DO VALE JÚNIOR (1861). JOSÉ FRANCISCO MAFRA (1869). MANOEL DOS SANTOS LOSTADA (1890). PEDRO JOSÉ DE SOUZA LOBO (1885 em diante,

em Joinville). JOSÉ JOAQUIM GOMES (a partir de 1885, em

Tijucas).

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JOÃO MUNIZ CORDEIRO TATAGIBA (a partir de 1885, também em Tijucas).

Ainda na primeira metade do Século XIX, outros oradores se fizeram conhecer. Não obstante, o que mais se destacou foi, realmente, o Dr. Francisco Luiz do Livramento, a partir de 1846, e pouco mais tarde o seu sobrinho Dr. Joaquim Augusto do Livramento. Com efeito, tornara-se intensa a luta política entre o Partido Conservador e o Partido Liberal. FRANCISCO LUIZ DO Livramento, do Partido Conservador, já era bastante conhecido por suas vitórias forenses, quer no campo civil, quer no Júri, bem como por seus artigos, à época em que escrevia também no jornal “O Catarinense”, de Jerônimo Coelho. Assim, não foi difícil ao brilhante advogado suplantar, aos poucos, o seu adversário, tornando-se deputado à Assembleia Geral, ou Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro. Esteve, reeleito, por dez anos no Parlamento. Terminada aquela fase, foi sucedido pelo sobrinho.

ORADORES FORENSES E PARLAMENTARES NO SÉCULO XX

Entre os oradores forenses no decurso da primeira metade do Século XX, podem ser mencionados, com destaque, CARLOS GOMES DE OLIVEIRA, JOÃO DE OLIVEIRA, NEREU RAMOS, HENRIQUE RUPP JÚNIOR. A partir dos meados do século, JOÃO BATISTA BONASSIS, JOÃO RUPP JÚNIOR, CUSTÓDIO CAMPOS, RENATO BARBOSA, JOÃO LINHARES, ARÃO

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REBELO, HÉLIO SACILOTTI DE OLIVEIRA, FELISBERTO CÓRDOVA, ACÁCIO BERNARDES, EVILÁSIO NERI CAON, JOÃO JOSÉ CALDEIRA BASTOS, JOSÉ MANOEL SOAR (“JARAGUÁ”).

Sabe-se pela tradição oral vinda do final dos anos quarenta do século passado, que diversas vezes se cruzaram em audiências forenses e no Tribunal do Júri os advogados JOÃO DE OLIVEIRA e NEREU RAMOS. Aquele era fisicamente alto, vigoroso (“bonitão”, para as mulheres), mas sobretudo extremamente inteligente, culto e perspicaz. Este era de estatura média, tez pálida, personalidade marcante, mais comedido e hábil, tranquilo de gestos, porém de olhar sério e fisionomia austera.

Certa feita Nereu atuava como assistente de acusação num processo-crime a que respondia um jovem lagunense, incurso nas penas do artigo 220 do Código Penal (rapto consensual). Nereu, corroborando o que alegava o “Promotor Público”, fustigava o mancebo, por ter, no namoro com a bela camponesa de 17 anos, induzido esta a segui-lo, “a fim de praticar atos libidinosos...” Ela o fez. Porém havia dúvidas sobre se o fizera realmente e livremente de bom grado. Por seu turno, no momento de falar em defesa do rapaz, João de Oliveira dirigiu-se ao Juiz: “Excelência, por favor posso pedir-lhe algo?” – “Pois não. Peça-o.” – Então o jovem causídico ergueu-se, dirigiu-se até à Mesa onde se achavam o Juiz e o Promotor, pegou um grande tinteiro e a caneta de pena que lá se encontravam e voltou ao seu lugar, na mesinha ao lado da de Nereu. Pôs a caneta e o tinteiro sobre

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ela. Entregou a caneta a Nereu, pedindo: “Por favor, caro colega, poderia colocar a caneta na tinta?” Embora espantado, bastante curioso Nereu assentiu, encaminhando a caneta em direção ao tinteiro, ao que o oponente, naquele instante retirou o tinteiro. Fez isso várias vezes – com Nereu já começando a irritar-se – e por fim parou, sorriu e, abrindo os braços, exclamou: “Quando o tinteiro não quer, a caneta não entra...”

Risada geral. Desnecessário é dizer que o réu foi absolvido...

Natural de Ouro Fino, Minas Gerais, onde nasceu em 18 de fevereiro de 1891, João de Oliveira seguiu para o Rio de Janeiro, bacharelando-se em Direito. No início dos anos trinta mudou-se para o Sul de Santa Catarina, lá se tornando famoso, com o passar do tempo, por sua vigorosa atuação advocatícia e também como jornalista. Fixou residência inicialmente em Tubarão, montando uma banca muito procurada e valorizada. Fundou jornais como “O Argonauta” e “A Imprensa”. Em 1931, mudando-se para Laguna, a famosa cidade histórica a partir da Revolução Farroupilha, lá constituiu família com Maria Elisa Colaço e fundou o “Correio do Sul”, um semanário que perdurou longos anos, sendo um dos mais lidos do Estado (1931-1955). João de Oliveira foi Deputado ao Congresso Representativo do Estado à 10ª. Legislatura (1919/1921). Depois foi Deputado estadual à 11ª. Legislatura (1923/1924); Deputado à Assembleia Constituinte Estadual (1935) e à 1ª. Legislatura (1935/1937),eleito na Coligação Catarinense.

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Polemista aguerrido, indômito, João de Oliveira travou um dos maiores embates contra o não menos aguerrido historiador, depois deputado estadual Oswaldo Rodrigues Cabral, seu adversário e desafeto. Oswaldo, historiógrafo já consagrado, que nascera em Laguna, e tinha toda a sua origem familiar, cívica e acadêmica na “Terra Juliana”, embora não fosse advogado, e sim médico, com breve exercício na arte da cura e toda a existência dedicada à função de escritor, grande parte à Política (UDN), a cada artigo provocador ou insultuoso do inimigo, estampado no “Correio do Sul”, respondia pelas colunas de O Estado ou A Gazeta, de Florianópolis.

Um dos editoriais do Correio do Sul era assim intitulado: “SEU CABRALÃO, TOME VERGONHA, TOME!...” Eram duas colunas de impropérios, assacadilhas, acusações, insultos violentos. O texto aparecia vazado em vernáculo apurado e linguagem esmerada.

Cabral não perdeu tempo e intitulou seu novo artigo: “GIOVANI CRAPULINI...” Devolveu os insultos, negou as acusações, em linguagem também correta, brilhante, irônica e mordaz. Foi “arrasador”.

Por que Giovani Crapulini? A origem era esta: No início dos anos cinquenta, quando se travava a polêmica, mais exatamente em 1952, o escritor italiano GIOVANI GUARESCHI lançava em Milão, pela Rizzoli Editore, uma obra, em dois volumes, que o tornaria famoso em todo o mundo: “DON CAMILO E SEU REBANHO” e “O REGRESSO DE DON CAMILO”. No Brasil, com tradução

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de A. Dias da Costa, foi publicada pela Difusão Europeia do Livro, de São Paulo, em conjunto com a Livraria Bertrand, de Lisboa. Tornou-se best-seller mundial. Tratava-se da história de um “pároco de aldeia”, ou de cidade pequena, meio rechonchudo, bondoso, bem humorado ,mas a um só tempo enérgico e influente, que agia sobre tudo e todos em seu ministério sacerdotal. O nome de GIOVANI GUARESCHI passou a figurar nos cabeçários dos maiores jornais e revistas da Europa e América.

Nas polêmicas dos jornais do interior, os nomes de Giovani Guareschi e Don Camilo passavam a ser mencionados pelos jornalistas em entreveros locais, com insinuações, metáforas, comparações e ridicularização... O “CORREIO DO SUL” não poupava Oswaldo Cabral. Este respondia relembrando “Crapulini”, Don Camilo e outros personagens da obra, pondo em ridículo João de Oliveira... Em O Estado e A Gazeta, cognominava o desafeto de “GIOVANI CRAPULINI”... que escrevia escondido no porão da Laguna, “cobarde” e safado...

* * *

Um dos filhos de João de Oliveira, VOLNEY COLAÇO DE OLIVEIRA, destacou-se na área política. Pertenceu ao Partido Social Progressista (PSP),de Ademar de Barros, então coligado com a UNIÃO DEMOCRÁTICA NACIONAL (UDN), contrário ao PSD, que era aglutinado em torno da família Ramos.

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O Dr. Volney Colaço de Oliveira apresentava-se alto, espadaúdo, fisicamente vigoroso, ao que diziam, um “bon vivant”... Além de pessoalmente simpático e atencioso, mostrava-se um advogado atuante como o pai e depois Procurador da República. Nasceu em Tubarão a 4 de abril de 1926. Perfez o Curso Primário em Laguna e o Secundário no Colégio Batista, do Rio de Janeiro, onde residiu por algum tempo.

Deputado estadual na 2ª Legislatura (1951/1954) foi eleito Presidente da Assembleia Legislativa (1951/1953). Quando exercia o mandato, travou debates, (havendo alguns episódios jocosos) com o desafeto de seu pai e dele próprio, o também deputado OSWALDO RODRIGUES CABRAL (UDN). Mas Cabral sempre o superava na digna firmeza, coragem e dons oratórios.

ARMANDO CALIL BULOS

Além de orador forense como advogado no Sul do Estado, foi, também, notável orador parlamentar.

Natural de Tubarão, SC, onde nasceu em 5/9/1915, fez os estudos primários no Colégio Stella Maris e Grupo Escolar Jerônimo Coelho, de Laguna. O Curso Secundário ele o perfez no Ginásio Catarinense, de Florianópolis e no Ginásio

Oriental, de São Paulo. Bacharelou-se em Direito na

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Faculdade de Direito da Universidade do Paraná (1940), sendo o orador da Turma. Exerceu os encargos de Presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade do Paraná e fundador 1/Vice Presidente da União Nacional de Estudantes (UNE) Dirigiu o jornal “Sul do Estado”, de Laguna e ocupou vários cargos, entre eles o de Consultor Jurídico do Instituto de Previdência do Estado (1942/1944) .Foi eleito Deputado à Assembleia Constituinte e Legislativa do Estado(1947/1951), pelo PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO (PSD). Depois se tornou Secretário de Estado e Chefe da Casa Civil do Governo, além de Presidente do Conselho Estadual de Cultura.

O PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO (PSD), ao qual pertencia com destaque e que representara na Assembleia Legislativa, estava reunido em convenção no ano de 1957. Sessão solene de encerramento foi efetuada no Cine Ritz (Rua Arcipreste Paiva, Florianópolis – próximo à Catedral Metropolitana e à Praça Quinze).O salão de cinema, bastante amplo, tornara-se pequeno para abrigar todos os convencionais, correligionários, filiados, simpatizantes, naquele final de semana. Desde o início desta, os jornais da Capital e do interior faziam ampla cobertura do evento, registrando a presença do líder máximo do PSD, NEREU RAMOS, na cidade. Além dele, na Convenção, seu irmão CELSO RAMOS, ADERBAL RAMOS DA SILVA, LEOBERTO LEAL, PROTÓGENES VIEIRA, MANOEL SIQUEIRA BELO, BIASE FARACO, ANTENOR TAVARES, WALDEMAR GRUBA, FERNANDO

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OSVALDO DE OLIVEIRA, LOPES VIEIRA, JOSÉ BOABAID, IVO SILVEIRA,LENOIR VARGAS FERREIRA, LECIAN SLOWINSKI, AGRIPA FARIA, UDO DEEKE,OSCAR RODRIGUES DA NOVA,OSMAR CUNHA, ORLANDO BERTOLI, WALTER TENÓRIO CAVALCANTI, ALFREDO CAMPOS, JOSÉ BAHIA SPÍNDOLA BITTENCOURT, POMPÍLIO PEREIRA BENTO, ANTÔNIO GOMES DE ALMEIDA e numerosos outros correligionários.

Entretanto, o nome que mais se destacava, nos meios político e acadêmico, em Santa Catarina, como orador parlamentar, forense e cívico, não era o de Nereu Ramos, por sinal famoso pelo dom da palavra. Sobressaía sempre o de ARMANDO CALIL BULOS, ou (mais simplesmente conhecido), ARMANDO CALIL. Era, de fato, o notável orador do PSD. Dezenas de discursos que pronunciou ficaram taquigrafados. Foram disputados avidamente por intelectuais e estudantes, na Assembleia Legislativa, nos Foruns do Sul do Estado, nas Faculdades nascentes... Tudo pela beleza dos “improvisos”, o esplendor vernáculo, a pureza vocabular, a eloquência que há muito não se ouvia em nossa terra.

Na Convenção pessedista ele confirmou a fama que o aureolava. Após alguns discursos de religionários entusiastas de sua bandeira, ele subiu à tribuna do palco ornamentado de flores e galhardetes. O “cacique” Nereu sentara-se no centro da longa mesa ocupada pelos próceres mais importantes e graúdos. Calil sobraçava o exemplar de um diário

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oposicionista cujo editorial do dia se intitulava “O PAPO AMARELO ESTÁ NA TERRA”...

Então, Armando Calil dobrou o jornal, atirou-o ao canto onde se achava a lixeira, abriu os braços, apontou o indicador para o centro da mesa e exclamou:

“– Eis o ‘papo amarelo’!... Sim, amarelo que é a cor do ouro das nossas minas, amarelo que cintila nas flores dos jardins, amarelo que se alarga na bandeira do Brasil! Quiseram pôr no ridículo alguém que se alteia no panorama nacional como o líder catarinense mais respeitado e prestigiado do nosso tempo, mas não o conseguem. Antes ser amarelo do que incolor, do que ser anódino, crapuloso e miserável. Ser ‘papo amarelo’ é nele ter o órgão por onde passam as palavras belas, emocionantes e verdadeiras dirigidas ao povo da sua e da nossa terra! Sim, meus amigos e companheiros, ele tem o amarelo que circunda o pôr do Sol desta incomparável Desterro, o amarelo rebrilhante dos cálices sagrados, o amarelo ímpar das alianças áureas!...”

Após a tocante introdução, Calil alongou-se sobre a figura de NEREU RAMOS, a Convenção do seu Partido e a esperança na vitória eleitoral. Na fala empregou metáforas, antíteses, citações, hipérboles que deslumbravam a enorme plateia, sobretudo os grupos de professores, intelectuais e acadêmicos presentes.

O aplauso foi geral, demorado e retumbante. Nereu mostrava-se comovido e grato. Faceiro, também, por ter um amigo brilhante orador, que” rivalizava” com ele na tribuna política, cívica e parlamentar.

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HÉLIO BARRETO DOS SANTOS

Hélio Barreto dos Santos nasceu em Laguna, SC, em 1929,mudando-se na adolescência para Florianópolis. Vinha das tradicionais famílias Barreto e Santos. Ingressou no Seminário, estudou Filosofia e Teologia, porém não chegou a ser ordenado sacerdote. Cursou a Faculdade de Direito de Santa Catarina, bacharelando-se em 1957, na “Turma Jubileu de Prata da Faculdade de Direito”. A ela também pertenceram seus amigos Francisco Xavier Medeiros Vieira e sua irmã Maria de Lourdes Medeiros Vieira, aquele hoje Desembargador aposentado e ex-Presidente do Tribunal de Justiça. Quanto à nossa irmã mais velha, Maria de Lourdes, hoje com 90 anos, que era presidente da “Ala Feminina” da UDN (União Democrática Nacional), certa vez, ouvindo-a aqui, num “encontro”, o famoso deputado carioca Carlos Lacerda disse: “– A Dr. Maria de Lourdes é a Sandra Cavalcanti de Santa Catarina.” Sandra foi uma oradora udenista e deputada no Rio de Janeiro.

Mais tarde Hélio, portador de óculos de aros grossos e dono de olhar vivaz, abrangente e simpático, gestos largos, voz sonora, retumbante e audível à boa distância, lecionou várias disciplinas, sobretudo Direito Romano, ficando conhecido, por longos anos, como excelente latinista e orador. Em 1984 foi escolhido para diretor da Faculdade, reeleito em 1986.

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Além de mestre notável, cultor do idioma e homem profundamente religioso, escrevia frequentemente artigos em jornais e revistas, discursando em diversas solenidades cívicas e culturais. Casou-se com a Sra. Lúcia e atualmente é ativo advogado seu filho Hélio Barreto dos Santos Filho.

* * *

Numa longínqua tarde de 1953 – quando fazia um (1) ano que eu lecionava Português na EAM/SC, ministrando também aulas particulares na saleta/escritório da residência dos meus pais, sita na Avenida Rio Branco nº 60, em Florianópolis, eu descia os altos da Avenida, juntamente com Hélio. Naqueles idos, jovens e velhos com formação religiosa, filiamo-nos a uma pequena mas influente agremiação político-partidária – o Partido Democrata Cristão (PDC), desde 1950. Pertenci ao PDC por pouco tempo, sendo o único Partido em que militei. Hélio também.

Perguntou-me Hélio, segurando-me o braço: “João Alfredo, você irá à reunião do PDC amanhã à noite?”... Respondi-lhe: “Claro que irei, Hélio...”

Pedi-lhe que me entregasse algumas frases latinas famosas, ou aforismos, que achava importantes, a fim de que eu pudesse continuar estudando bem as declinações e posteriormente explicasse o sentido daquelas aos meus alunos. Eis alguns de sua preferência:

“Video meliora provoque; deteriora sequor.” “Vejo o bem e o aprovo; mas sigo o mal.” (Ovídio, Metamorfoses)

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“Sol lucet omnibus.” O sol brilha para todos. (expressão latina)

“Per faz et per néfas.” (locução latina que quer dizer “a torto e a direito”. Ex.: Vou conseguir o meu intento per faz et per néfas.

“Quod erat demonstrandum” (locução que significa “o que havia para ser demonstrado”, frase com a qual se termina uma demonstração, seja numa petição judicial, seja num trabalho).

“Quoúsque tandem?” É a resposta – “Até quando?” – com que Cícero perguntava ao conspirador Catilina: “Até quando abusarás da nossa paciência?”

“Quid novi?” (pergunta latina que significa: “Que há de novo?”

“Onus probandi” (locução latina muito usada na linguagem jurídica, a qual significa “obrigação de provar”)

“Docto hómini vivere est cogitare.” (“Para o homem sábio, viver é pensar.” Cícero, Tusculanae, 5, 38).

“Deliberando díseitur sapiéntia.” (A sabedoria se adquire por força de reflexão.” Pubílio Siro, Sententiae).

“Felícitas semper subiecta est envídiae: sola miséria caret invídia.” (A felicidade está sempre sujeita à inveja: só a miséria não é cobiçada por ninguém.” Provérbio socrático).

“Faber ipse suae quisque fortunae.” (Cada um é o artesão de seu próprio sucesso.” Salústio, citando Ápio Cláudio, 307 a.C.).

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VI -

ORADORES ACADÊMICOS

Os oradores a seguir arrolados, embora nem todos sempre falantes, ou oradores, e sim escritores lato sensu, pertencem ou pertenceram à Academia Catarinense de Letras (A.C.L.).

(Ordem alfabética)

Alcides Abreu

Almiro Caldeira de Andrade

Altino Corsino da Silva Flores

Amilcar Neves

Aníbal Nunes Pires

Artêmio Zanon

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Carlos Alberto Silveira Lenzi

Carlos Gomes de Oliveira

Celestino Sachet

Edmundo da Luz Pinto

Edy Leopoldo Tremel

Evaldo Pauli

Flávio José Cardoso

Gilberto Callado de Oliveira

Gustavo Neves

Haroldo Callado

Henrique da Silva Fontes

Jali Meirinho

Jair Francisco Hamms

João Alfredo Medeiros Vieira

José Artulino Besen

José Artur Boiteux

José Curi

José Ferreira da Silva

Leatrice Moelmann Pagani

Lydio Martinho Callado

Maio Antônio da Silva Pereira

Moacir Pereira

Nereu Correa

Norberto Ungaretti

Osvaldo Ferreira de Melo

Osvaldo Rodrigues Cabral

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Othon da Gama Lobo D’Eça

Paulo Gonçalves Weber Vieira da Rosa

Paschoal Apóstolo Pitsica

Péricles Prade

Pinheiro Neto

Renato Barbosa

Salomão Ribas Júnior

Sérgio da Costa Ramos

Silvia Amélia Carneiro da Cunha

Theobaldo Costa Jamundá

* * *

Além dos oradores que integram ou integraram a A.C.L., diversos outros já falecidos pertenceram às entidades indicadas ao lado dos seus nomes.

Alfredo Xavier Vieira – Florianópolis, Centro Catarinense de Letras;

Américo Silveira d´Ávila – Florianópolis;

Carmelo Faraco – Florianópolis;

Cyro Gevaerd – Ex-vereador e Prefeito, Brusque;

Hélio Callado Caldeira;

Hélio Barreto dos Santos;

Wilson Santos – Ex-vereador e Jornalista, Brusque.

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OTHON DA GAMA LOBO D’EÇA

Nascido em Florianópolis (antiga Desterro) em 3 de agosto de 1892, filho de Nuno da Gama Lobo D’Eça e de Maria Luiza Crespo, bacharelou-se em Direito pela Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro (1923), foi jornalista e poeta. Faleceu em 7 de fevereiro de 1965.

Fundador da Academia Catarinense de Letras (a qual presidiu de 1945 até falecer), foi também um dos notáveis oradores barrigas-verdes. Eis alguns trechos do seu discurso recepcionando Oswaldo Rodrigues Cabral.15

Assim iniciou:

O destino foi sempre imprevisto, contraditório e paradoxal.

Às vezes, porém, é tão natural e tão lógico que parece haver-se subordinado a um ritmo de antemão estabelecido.

José Boiteux fundou a Academia Catarinense de Letras.

Deu-lhe todo o seu agitado entusiasmo, a sua minuciosa ternura, o seu espírito ciumento e até mesmo, numa singular abnegação, o pouco que lhe sobrava dos seus curtos recursos econômicos.

E o cenáculo maior de Santa Catarina pôde viver, luzir ao sol os seus capitéis severos: enriquecer o panorama

15 Discurso proferido em 1938.

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cultural de nossa terra — antes soturno, úmido e crepuscular.

Depois, por sobre os pórticos donde pendiam, já murchos, os tristes festões de loiros, debruçou-se um grande céu cor de cinza; e em torno se alargou uma enorme paisagem cheia de longas monotonias e de sombras profundas.

Mas, eis que, de novo, num milagre que tem explicação na fé espiritualista, a Academia Catarinense de Letras reinicia os seus amáveis serões de arte literária e de maneiras polidas; volta a palpitar sob a irradicação de uma nova luz, retomando o seu velho lugar na geografia intelectual de Santa Catarina e do Brasil.

E renasce, justamente sob o signo do seu generoso fundador; e novamente se reúne, após longos anos de inércia e de desânimo, para celebrar o seu nome e a sua obra, para afirmar, enfim, a imortalidade do seu espírito!

Vêde, srs. acadêmicos, como o destino, a que os antigos haviam arrancado os olhos, apesar de imprevisto, contraditório e paradoxal, pode ser submetido aos imperativos de certos acontecimentos.

E prosseguiu:

Escolhendo Jerônimo Coelho para tutelar a sua cadeira, José Boiteux imprimiu no seu gesto um motivo patriótico. Não fora o fato de haver sido o douto militar catarinense um político desassustado, administrador percuciente ou jornalista fundador da imprensa em Santa

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Catarina. Jerônimo Coelho, no plano da política partidária, ou nos quadros dos negócios públicos, ou mesmo na liça do periodismo, não se impôs como uma figura de extraordinária projeção nacional.

Político — sofreu e se deixou levar, muitas vezes, por certo, pelas contingências e as injunções dos interesses do seu grêmio; ou foi vencido pelas restrições das suas suscetibilidades pessoais. Como quase todos os políticos do regime imperial, foi tolerante e honesto, — segundo nos revelou o Sr. Osvaldo Cabral, no belo discurso que acabamos de ouvir, — a propósito da situação rio-grandense, mas, como todos os políticos, mesmo no tempo em que o velho monarca se deliciava com o seu telescópio e o seu hebraico, era apaixonado e inflexivelmente cioso dos seus pontos-de-vista.

A forma brusca, por que abandonou os seus companheiros de barricada, revela-nos o espírito dominado pela teimosia da intolerância ou pela persistência voluntariosa do capricho.

Administrador, não lhe conhecemos obra de vulto e que, por isso mesmo, houvesse chegado até nós, resistindo aos maroiços e aos pamperos das idades.

Assim também a sua ação no campo militar.

Mais adiante:

Os rumos dos acontecimentos sociais escapam aos rigorismos da ciência econômica ou da Psicanálise.

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Nem o raciocínio dedutivo, ou o agnosticismo racionalista, ou a dialética generalizante, esclarecem ou têm o poder de revelar a natureza intrínseca de certos fenômenos sociais.

Há, acima das doutrinas, das teses, dos doutrinadores e dos exegetas, uma vontade e uma força mais poderosa: um determinismo que escapa à miséria da inteligência humana, porque é delineado no alto e revela a sua existência.

Nada existe sem a intervenção dessa força e dessa vontade e nada existirá sem que se sinta a sua presença: do fogo fátuo que tremeluz na treva — ao planeta que cintila no espaço; das gramas rasteiras que afogam o chão das florestas — às frondes rumorejantes dos jequitibás dos musgos ásperos que se alastram nas pedras — aos cactos gigantescos que se empinam sobre os areais; dos vermes que rastejam entre as decomposições — ao homem que constrói um sistema ou ergue um monolito de cimento e de aço; das simples germinações das sementes aos grandes movimentos das turbas!

Porque na verdade, em todos os tempos e até a consumação dos séculos — Deus dirigirá os destinos dos povos.

Gama D’Eça continuou:

Sr. Oswaldo Cabral

É esse o intelectual ilustre que ides suceder na Academia Catarinense de Letras.

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É esse o historiador que, como bem dissestes em vosso discurso, alinhou, reuniu, colecionou, ajuntou, na paciência beneditina de um trabalho obstinado, tudo quanto pudesse dar um pouco de relevo a Santa Catarina, embora tivesse de vencer todos os obstáculos, todas as relutâncias, todas as dificuldades e até mesmo todo o ridículo que atraíam.

Recebeis, para zelar por ele, um alto e luminoso patrimônio; um besantado e heráldico espírito.

E estou certo, não deslustrareis a poltrona em que vos ides recostar, porque muito já tendes trabalhado e a vossa obra de pesquisador do nosso passado tem saliências claras e contornos fortes.

Não sois a solitária peça palidamente a refletir, no ermo, os raios do sol, como afirmastes há pouco; mas o homem de pensamento para que o adjetivo ainda não se amarfanhou e que, no plano da fisiologia não vê apenas vísceras funcionando, como no campo da medicina não descobre somente órgãos e hormônios, ou nos meandros da História não encontra unicamente monstros lutando em torno de interesses econômicos.

Médico ou historiador; publicista ou orador, sois e tendes sido sempre o homem de emoção e de sensibilidade, que não vacila em confessar, numa era de rudes inclinações materialistas, a sua suprema aspiração de ser poeta!

Mas, não nos surpreendeu a vossa confissão, Sr. Oswaldo Cabral.

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O largo e demorado pasmo que nos dilatou os olhos veio, justamente, do fato de ainda vacilardes em vos reconhecer um poeta da ação e do espírito.

Porque poeta não é somente aquele que faz versos, que arruma, como numa lata de sardinhas, as estrofes e as rimas que andou pescando no remanso da inspiração.

Uma tira de papel, um assunto e o dicionário de rimas podem fazer um Baudelaire.

A poesia é também realização, luta e sacrifício.

E a ação coordenada é a criação ainda em potencialidade da sua força rítmica, como a poesia é a ação que se realizou, que tomou uma forma concreta.

O heroísmo, que é a ação na sua mais alta e dignificadora esplendência, tem vivido sempre ao lado da poesia: Ésquilo bateu-se em Marathona e Sófocles, o mais belo e mais valoroso dos poetas gregos coroou-se de rosas para lutar em Salamina!

Mas os poetas nem sempre são os versejadores e sim aqueles que podem exprimir, através do seu temperamento e da sua raça, os rumores, os movimentos, os coloridos e até as amarguras que surpreendem num retalho da natureza.

Quem duvidaria, ao ouvir os primeiros capítulos e a chave de ouro do vosso discurso — estar diante de um verdadeiro poeta?

Sugeristes, como num poema, todas as belezas que boiam e que reluzem nas manhãs de sol: a música, as tintas,

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o ritmo, o aroma que só os poetas descobrem na alma cismarenta dos panoramas!

E concluiu seu pronunciamento:

Minhas senhoras e meus senhores

Srs. acadêmicos

A noite, como a vetusta alameda do poema, vai alongando o seu perfil de senhora.

As horas voam, uma a uma, para o longínquo país donde elas nunca voltarão.

Afirmamos, na precariedade do tempo e dos seus insultos, celebrando a vida de dois homens de letras já falecidos — a perenidade da sua obra e a imortalidade dos seus espíritos.

E entre aplausos demorados, num gesto de justiça que muito honra a academia, armamos cavaleiro um lídimo paladino da inteligência, um escritor que tem o heroísmo de acreditar e de fazer retinir a sua espada, que é de fino aço e de copos de ouro, por seu rei e pelo pendão de suas crenças.

Trouxemos para o nosso amorável convívio e para conosco trabalhar no incompreendido e tiranizado mundo das letras, um homem que ainda não se envenenou pela flor do ceticismo e cuja vida é um belo e contínuo labor de abelha próvida.

Reerguemos do desenvolvimento e da letargia budista, o cenáculo que deve ser, em Santa Catarina, um espelho de ideias polidas e de maneiras claras, o coordenador supremo dos rumos mentais de nossa terra.

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Não nos conformemos, srs. acadêmicos, com o prazer dos triunfos externos, antes, procuremos viver a vida útil e infatigável da colmeia.

E vós, Sr. Oswaldo Cabral, sabeis quem somos e a missão de que nos achamos revestidos, por mercê de Deus, nos destinos literários de Santa Catarina e do Brasil.

Sois, como nós, um generoso fazedor de livros.

Tomai, pois, o vosso lugar, seguramente conquistado pelo vosso próprio valor e vinde colaborar, em nossa campanha, pela unidade, pela glória e pela grandeza da cultura brasileira.

GUSTAVO NEVES

Nasceu em 10 de abril de 1899. Faleceu em 1º de abril de 1980. Além de brilhante cronista, foi, como Secretário da Justiça no Governo Aderbal Ramos da Silva, um vibrante orador político. Era membro da Academia Catarinense de Letras e o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Precedido por Manuel dos Santos Lostada, é patrono da cadeira nº 32 da ACL.

Gustavo Neves, nos anos setenta do século XX, era considerado um dos melhores oradores acadêmicos da sua geração e das anteriores.

Não se conseguiu obter, sic et simpliater, discurso que pronunciou ao longo de sua vida pública. Entretanto, em outras falas aqui reproduzidas encontram-se frases de sua lavra.

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RENATO BARBOSA

Renato Barbosa é filho de Lídio Martins Barbosa, nasceu em Florianópolis em 27 de agosto de 1902. Formado em Direito na Faculdade de Direito do Paraná (1930). Auxiliar de amanuense na Administração dos Correios e Telégrafos do Paraná (por concurso) e dedicou-se ao jornalismo na “Gazeta do Povo”. Promotor adjunto de Tibagi e Castro.

Em 1926 mudou-se para o Rio de Janeiro trabalhando no LLoyd Brasileiro e no jornal “O País”. Instalou banca em Tubarão, atuando em todo o sul do estado. Fundou nessa cidade o jornal “O Cruzeiro”, que o levou à prisão em 1932.

Deputado à Assembleia Constituinte e legislativa estadual (1935-1937) pela Coligação “Por Santa Catarina”. Nomeado (1937) membro do Conselho Técnico de Economia e Finanças do Estado. Professor, por concurso, de Direito Internacional Privado da Faculdade de Direito de Santa Catarina, na qual mais tarde vai se aposentar. Muda-se para o Rio de Janeiro (1941) exercendo ali a advocacia, além de outras funções. Possuidor de grande bagagem literária, membro da Academia Catarinense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Faleceu em Florianópolis, SC, em 19 de janeiro de 1988.16

16 Disponível em: http://www.poetaslivres.com.br/poeta.php?codigo=252. Acesso em: 23 abr. 2012.

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Eis alguns trechos dos seus vibrantes discursos. Este sobre o escravagismo:

O escravagismo, permitido, pelo preço ínfimo do salário, em espécie, que se cifrava ao custo misérrimo da subalimentação, e nada mais, se fez o segredo que mantinha de pé a chamada aristocracia rural, montando guarda, vigilante e devoradora, à instituição antieconômica do latifúndio, e perpetuada à sua sombra, despida da visão real do mundo, e sem descerrar olhos ávidos dos resultados da ganância, círculo acanhado onde morriam as empolgantes perspectivas da época...

Chapinhavam, pelos eitos e senzalas, no imenso lodaçal das bastardias, desvirginando donzelas negras, sem lei e sem Deus, como se triturassem, entre dedos longos de sangue azul, indefesas flores de ébano; ou, nas capitais, igualmente inúteis, se entregavam ao desbragamento e à orgias de poderosos herdeiros de papás escravocratas.17

Sobre Desterro:

Desterro da abolição...

Este salão, o tradicional Clube Doze de Agosto, regurgitava de gente.

Caleças estacionavam à frente do velho prédio.

No burburinho amável destes salões, a tafularia e a garridice de nossas moças emprestavam ao ambiente a nota encantadora da alta elegância da província.

17 BARBOSA, Renato de Medeiros. Geração abolicionista. Florianópolis: IHGSC/IOESC, 1940.

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E, acompanhadas dos papás, vigilantes e energéticos, ou dos manos, graves e sisudos, davam entrada nas salas, que os bicos de Auler iluminavam, as ligeiras figurinhas de seda, - breves bonequinhas da época da abolição...18

OSVALDO RODRIGUES CABRAL

Nasceu em Laguna aos 11 de outubro de 1903, vindo a falecer em Florianópolis em 17 de fevereiro de 1978. Formado em Medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1929), foi historiador, político e professor da Universidade Federal de Santa Catarina, onde é lembrado na denominação do Museu Universitário Oswaldo Rodrigues Cabral.

Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e dos Institutos Históricos e Geográficos da Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Foi, também, membro das Academias de Letras do Paraná, Piauí e Santa Catarina.

Deputado à Assembleia Legislativa de Santa Catarina, pela União Democrática Nacional, atuou na 1º legislatura (1947 – 1951), como suplente convocado, e na 2ª legislatura (1951 – 1955). Presidiu a Assembleia Catarinense em 1954.

Era um dos mais destacados pesquisadores da história de Santa Catarina. Além de grande historiador, foi orador

18 Idem.

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primoroso. Cabral inicia seu discurso de posse na Academia Catarinense de Letras da seguinte forma:19

Eu jamais suspeitei o esplendor deste momento.

Nunca supus, ao bater, tímido, às portas deste ilustre cenáculo, pudesse encontrá-las tapizadas de flores, abertas justamente para acolher a quem poucos méritos traz, embora portador de muitas esperanças, a quem deslumbrado pela apoteose do momento, ainda menor se sente e se considera, e fica a indagar, intimamente desconfiado, se não é muito para o que fez, se não é demais para o que vale, se não é excessivo para o que merece.

Eu jamais suspeitei o esplendor deste momento, mas não posso deixar de externar o grande júbilo que me alcança o coração e a gratidão que me dilata o peito, pelo instante que vivo, pela grandiosidade desta noite, pelas portas descerradas e convidativas da vossa amizade — e bem quisera ser poeta capaz de dizer-vos o que sinto, em versos que fossem magníficos no metro e na rima.

Mais uma vez sofro esta mágoa e vos confesso: contemplativo desde a infância, amei a natureza nas manhãs doiradas de sol e nos horizontes coloridos; no chiado vesperal das cigarras e na apoteose violenta dos crepúsculos; na música dos ninhos, na luz dos plenilúnios e no marulho sussurrante das águas, rolando espumarentas na pressa dos córregos.

19 Discurso proferido em 1938.

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Amei a vida em todas as suas manifestações de beleza — e julguei que nada elevaria mais o homem do que cantá-la em todos os tons, em estrofes ardentes de exaltação panteísta, em versos de sonoridade imprevista, no ardor de rimas nunca tentadas — muitas vezes tentei as mão aos céus e, em vez de rezar as orações que minha mãe me ensinou, pedi:

— Meu Deus faze de mim um poeta.

Poeta, tudo o que quis ser, tudo o que implorei a Deus me fizesse — mas, ai de mim, Ele assim não quis, não me destinou o invejável mister de cantar a Criação — e, já tanto amava a vida, fez-me médico para que defendesse — o que, bem ou mal, conforme a opinião de um pai agradecido ou de um herdeiro descontente, vou-me esforçando por fazer, procurando no bem que realizo consciente equilibrar o mal que pratico sem desejar, mitigando queixas e lenindo as dores, sofrendo com os que sofrem e exultando com aqueles a quem dou alívio.

Mas, não me posso esquivar, num ou noutro instante, recolhendo místico e contrito as pétalas perfumadas das estrofes que outros mais afortunados vão derramando como marcos esplêndidos da estrada da vida, de interpelar a Providência, levantando os olhos ao Céu:

— Deus meu, por que não me ouviste? Por que não fizeste de mim um poeta, por que não canto também eu, se me deste um coração?

E, pergunto-vos agora, de que maneira iria dizer-vos o deslumbramento de meus olhos, como traduzir-vos as

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melodias que sinto vibrar em meu coração, se não fui, se não sou um poeta, mau grado meu?

Entretanto, é mister que bem ou mal o faça e vos diga que, já de longe, caminheiro empoeirado e sedento, mas avançando confiante, alcançava a minha vista o templo das vossas letras e, na neblina das manhãs, parecia-me, pelas colunatas severas de granito e mármore, encimadas pelos capitéis trabalhados dos remates, que eu me ia aproximando da acrópole e busquei, mesmo na miragem da minha exaltação, divisar a Deusa no ouro e no marfim de que lhe compôs Fídias a serenidade das linhas.

Falando de José Boiteux, prossegue adiante:

Debalde se procurará na história de todos os tempos, entre as mais variadas classes sociais, uma figura cuja preocupação constante tivesse sido aquela de Boiteux: a afirmação dos foros de nobreza da gente barriga-verde, através dos fatos históricos que a cobriram de louros; a legitimidade de seus pergaminhos de autêntica fidalguia, conquistados na posse da terra, que tanta bravura exigiu, e na sua conservação, que a tantos sacrifícios obrigou.

Tudo o que foi obra catarinense e que pôde refletir sobre a terra estremecida um pouco de relevo, um quase nada de destaque, uma parcela infinitesimal de glória, Boiteux alinhou, reuniu, colecionou, ajuntou na paciência beneditina de um trabalho obstinado, que venceu todos os obstáculos, todas as relutâncias, todas as dificuldades e até mesmo todo o ridículo que atraíam. Tudo o que pudesse elevar a terra e a gente barrigas-verdes, foi a cogitação de

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Boiteux e, se no campo material e administrativo a sua colaboração aos governos foi apreciável, na parte intelectual é que foi sobre-humano o seu esforço, reunindo energias dispersas, desfazendo pequenas diferenças de vilarejo entre os nossos letrados, agrupando, formando em três blocos distintos, mas acorrentados pela mesma força criadora de um ideal, as obras máximas do seu espírito: o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, esta Academia Catarinense de Letras e o menos bem fadado Instituto Politécnico.

Nestes três centros culturais reuniu a inteligência barriga-verde, para maior glória de sua terra. Para isto, não poupou energias, não receou ridículos, não conheceu incompatibilidades, não se abateu pelos obstáculos, não se deixou vencer pela incredulidade nem dominar pelo ceticismo. E quando com probabilidades de êxito que hoje se reconhece e proclama pôde dotar o nosso Estado de uma escola superior de ensino, arrematou a sua obra com a fundação da nossa Faculdade de Direito.

Debalde, já vos disse, se procurará outro como ele, que não temeu jamais, como particular, confiando apenas na própria tenacidade, colocar-se à frente de iniciativas de tal porte e vulto que pareceram demasiadas e para as quais a incredulidade de muitos profetizava nascer para morrer de mal de sete dias, quando não de inviabilidade congênita pela maturidade do nascimento.

E é por isso que a Faculdade reúne hoje com regularidade os seus alunos, que o Instituto Histórico vive a

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mais produtiva das suas fases e que esta academia reúne hoje tudo o que de melhor há em terra catarinense para ouvir o elogio à sua personalidade, tão merecido quão incolor, menos pelo brilho do sol que ele foi, do que pela pequenez da impolida superfície da poça d’água que lhe reflete os raios, que sou eu.

E conclui, magistralmente, sua fala:

Senhores

Longe vai a minha arenga e é preciso concluí-la.

À sombra da árvore frondosa e exuberante de vida que é a vossa academia, eu vos pedi um lugar.

Não sou nem a cigarra que canta, nem a ave que nidifica. Sou apenas um viajor que vem de correr a senda dos séculos catando nela as migalhas da vida que passou!

Não cansei e pretendo continuar viagem.

Pedi-vos um pouco de sombra e um pouco de fé. E me destes o melhor e o mais nobre lugar desta casa!

Aos velhos castelos medievais, de longe em longe, chegavam, cansados e sedentos, bem aceitos por senhores e servos, os narradores de histórias, menestréis errantes que deslumbravam as princesas sonhadoras com as narrativas mais belas da cavalaria e farpeavam o valor dos cavaleiros com as lendas de lindas fadas encerradas em torres de granito.

As histórias eram quase sempre as mesmas e os mesmos ouvidos atentos as escutavam, para encanto do coração.

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Havia sempre um lugar à lareira para o menestrel bem vindo, que era portador de um pouco de sonho, que trazia um pouco de ilusão.

Eu sou o narrador...

As minhas histórias não são novas. Já as ouvistes, muitas vezes, de outros lábios, com o colorido de tintas mais frescas e mais vivas. Mas certamente também vós não desgostareis ouvi-las mais uma vez.

Dai-me um pouco em vossa casa do calor do vosso afeto e reparti comigo o pão da vossa amizade. E eu vos contarei histórias!

São as lindas histórias da nossa terra, são as belas lendas do nosso clan.

Ouvi:

— “Era uma vez...”

CUSTÓDIO FRANCISCO DE CAMPOS

Filho de Francisco Custódio de Campos e Júlia Duarte de Campos, nasceu em São José, SC, no dia 12 de novembro de 1895 e faleceu em Florianópolis em 7 de fevereiro de1969. Foi um advogado provisionado, jornalista e escritor. Era membro da Academia Catarinense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.

Embora provisionado, ou “rábula”, como se falava antigamente, Custódio Campos foi, outrossim, acadêmico de grandes méritos, latinista e germanista.

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Seus discursos surgiam repassados de tiradas memoráveis, lembranças de grande sabor histórico, paródico e filosófico.

NORBERTO ULYSSÉA UNGARETTI

Nasceu em Laguna, SC, no dia 15 de maio de 1936, filho de Gil Ungaretti e de Otília Ulysséa Ungaretti, bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Catarina, em 1960. Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Professor do Centro de Ciências

Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina e da Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina, sócio emérito do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, escritor e membro titular da cadeira 40 da Academia Catarinense de Letras (sendo seu atual vice-Presidente). Entre suas obras publicadas destaca-se “Laguna: um pouco do passado”, Florianópolis, Edição do Autor, 2002. Atualmente exerce a Advocacia com extrema dedicação e competência em suas causas.

DISCURSO DE NORBERTO UNGARETTI SOBRE OSWALDO CABRAL20

20 UNGARETTI, Norberto. O Escritor Oswaldo Cabral. Revista da Academia Catarinense de Letras, Florianópolis, n. 18, p.158-161, 2003. Anual.

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Nenhum texto, mesmo os mais áridos, deixa de ter espaço para o escritor, entendido como tal aquele que escreve bem, em estilo claro sem ser vazio, original sem ser excêntrico, não sem parecer afetado, convincente sem ser impositivo, capaz, enfim, não só de esclarecer, informar e instruir como também de agradar sob o ponto de vista estético e, por que não, capaz também de emocionar, no sentido mais humano desta expressão.

Tudo isto está presente na escrita de Oswaldo Cabral, que fez da narrativa histórica, antes de mais nada, uma leitura agradável, um continuado exercício de inteligência e frequentemente de bom humor – traço marcante da sua prosa verbal, não tivesse sido ele excelente “causeur”, um dos melhores conversadores do seu tempo – e de refinada ironia, sendo esta, como sabido, um atributo dos espíritos cultivados, qual o desse lagunense que viria a se tornar o intelectual mais brilhante da sua geração em Santa Catarina.

A vasta obra de Oswaldo Cabral culminou com “Nossa Senhora do Desterro”, lançada originalmente em quatro volumes, dois sob o título “Notícia” e dois sob o título “Memória”, Culminou literalmente, porque foi a obra do cume, do fecho, a última de seu trabalho de historiador, e culminou porque nela está o ponto mais alto de tudo o que produziu, para o que se preparou durante toda a sua vida de infatigável pesquisador do passado desterrense e catarinense. E quando se escreve aqui “passado desterrense” quer-se situar no tempo os limites que Oswaldo

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Cabral se impôs, porque a República o deteve, e só com a República a capital de Santa Catarina deixou de ser chamada Desterro para receber o nome atual. A Colônia e o Império foram os períodos em que concentrou seu garimpo. Tudo o que aqui aconteceu depois da República, principalmente nos primeiros anos que se lhe seguiram, ainda era recente, muita gente viva (não os protagonistas, mas seus parentes, cada grupo defendendo suas verdades), muita fenda aberta ou mal cicatrizada, e ele, próprio, Cabral, com posições divergentes das de outros eminentes historiadores, em capítulos marcantes da história republicana catarinense (vide a questão da responsabilidade pessoal de Floriano Peixoto na tragédia de Anhatomirim, contestada pelo respeitável e respeitado Carlos da Costa Pereira, como, em nossos dias, por Carlos Humberto Corrêa e Jali Meirinho). Esse conjunto de circunstâncias fez com que Oswaldo Cabral houvesse limitado aquele seu livro extraordinário, como, de resto, a quase totalidade dos estudos históricos que empreendeu, ao período pré-República. Foi bom que assim tivesse sido, pois quanto mais recuado o período que se estuda maiores se apresentam as dificuldades, pelo que a busca mais exaustiva, em fontes recuadas no tempo, esta Oswaldo Cabral realizou com exemplares dedicação e competência.

Justamente no seu mencionado e notável livro “Nossa Senhora do Desterro”, é que Oswaldo Cabral mais revela, a latere, suas qualidades de escritor, de homem que sabia trabalhar as palavras e colocá-las, com precisão, a

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expressar sentimentos, impressões e emoções, de modo a envolver o leitor num clima que tanto é, às vezes, de amargas reflexões, quanto, em outras, de risos e sorrisos, que nos arrancam o bom humor e a ironia do narrador.

Já nas palavras que colocou na capa de seu livro, como título, em dizeres e escrita que são do séc. XVIII, inclusive colocando “f” no lugar dos “s” (salvo os do plural), Cabral demonstrou seu e estilo leve, descontraído e original: “Notícia Hiftórica, Authentica, Sincera, Pitoresca e Sentimental da Villa, depois Cidade de NOSSA SENHORA DO DESTERRO da Ilha de Sancta Catharina, dos Cafos Raros Alcunhada, Efcrita por Ofwaldo Rodrigues Cabral, Doutor em Medicina, Licenciado em Cirurgia e Efcritor público da mefma Cidade, na Rua Efteves Júnior, antiga Formosa, também chamada do Paffeio, no ANO DA GRAÇA DE NOSSO SENHOR JESUS CHRISTO DE MCMLXXI – Compofta, Impreffa e Publicada com todas as Licenças Necessárias, i.e., nenhumas”.

Ao falar, logo no primeiro capítulo, sobre a fundação da cidade, abordando a morte de Dias Velho, o bandeirante paulista que lançou os fundamentos da povoa de Nossa Senhora do Desterro, assassinado por piratas, refere-se a um quadro representando aquele trágico episódio, no qual estão retratadas as filhas do fundador, que, segundo a tradição, teriam presenciado a morte do pai, o qual sucumbiu precisamente para defendê-las. Cabral observa, entretanto, que, na pintura, as filhas de Dias Velho pareciam estar cada qual agarrando o seu pirata... Quem poderia

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escrever isto, com tamanhas naturalidade e graça, senão Oswaldo Cabral?

Observador atento dos fatos e das pessoas, muitas vezes intercala com engraçadíssimos comentários as notícias que vai transmitindo, fluindo-lhe a escrita como se estivesse a conversar com seus amigos nas rodas do Instituto Histórico ou, á sombra das árvores, na pracinha da Rua Esteves Júnior, próximo à sua casa. Tais comentários, nem por fazerem rir os leitores perspicazes e inteligentes, comprometem a seriedade do texto. Pelo contrário. Ele ganha em humanidade, torna-se como que mais autêntico e dá vida aos personagens que focaliza. Vida, aliás, é precisamente a palavra chave para falar do escritor Oswaldo Cabral. Sua escrita tem vida, tem cor, tem sonoridades, tem vibração, tem emoções, de tudo lhe advindo o traço marcante de pessoalidade, inconfundível e inimitável. Quando exalta o desprendimento de Maria Baiana, mulher humilde que conheceu o sacrifício extremo a serviço dos coléricos isolados no Lazareto dos Ratones, e escreve-lhe o nome em letras maiúsculas, ou quando descreve a comoção dos presos na cadeia do Desterro, ao rés do chão do velho prédio da Câmara Municipal, no momento em que, por ocasião da trasladação de Passos, a Imagem do Senhor parava por alguns segundos para que aqueles infelizes a pudessem ver, é sobretudo humanidade que vibra nas palavras do escritor, e este, sobrepujando o historiador, toca a alma de quem o lê, tanto quanto coloca a sua própria na escrita que produz.

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Tamanha mobilidade foi-lhe possível porque Oswaldo Cabral não era apenas um narrador, um noticiarista, um cronista (no sentido do que anota, registra, conta), mas também um atento observador de tudo o que ia minuciosamente descrevendo e submetendo a percuciente análise crítica. Esta análise, entretanto, não tinha pretensão acadêmica, não procurava enquadramentos sociológicos nem interpretações segundo esta ou aquela corrente do pensamento filosófico, antropológico ou econômico-social. Não valorizava estatísticas, tabelas comparativas, tábuas demográficas, gráficos, quadros demonstrativos, números, etc. O que ele sobretudo queria fazer, e magistralmente fez, foi estender sobre o passado um olhar curioso e interessado, olhar que buscava as pessoas, procurava surpreende-las no seu dia a dia, identificava muitas vezes seu drama pessoal, focalizava-lhes as aspirações e anotava-lhes a vida frequentemente sem brilho e sem glória na mesmice provinciana em que se consumiam.

Isto não significa que não tivesse feito obra de ciência. Fez, sim, mas deixou a outros as interpretações sociológicas e afins. A história sobre a qual se debruçou foi a das gentes e das cidades em que viveram. Autoridades de variado escalão, o numeroso clero desterrense (clero secular, regular e... “irregular”, como intitulou, com elegante malícia, um dos capítulos), comerciantes, escravos e seus senhores, senhoras donas (como mandavam as Ordenações Filipinas que se chamasse às mulheres de distinção, nos casos que especificava), senhoras e

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sinhazinhas, poetas, musicistas, atores, políticos, magistrados, marinheiros, taberneiros, prostitutas, enfim, toda a variadíssima paisagem humana do espaço e tempo sobre que se debruçou o narrador, está ali, falando, brigando, lutando, amando e sofrendo, ou simplesmente vivendo, nas centenas de páginas de “Nossa Senhora do Desterro”.

Por haver, assim, composto à perfeição esse vasto e variado painel, passam por Oswaldo Cabral, necessariamente, e não só por “Nossa Senhora do Desterro”, os trabalhos de reconstituição histórica que hoje se queira fazer (e frequentemente do assunto se ocupam nossos cronistas, nossos repórteres, além de teses acadêmicas) sobre o carnaval, o teatro, a música (“A música em Santa Catarina no séc. XIX”), a literatura, o urbanismo (“Notícia sobre as ruas da Desterro colonial”, “Casas, sobrados e chácaras”), a política (“Breve notícia histórica sobre a Assembleia Legislativa de Santa Catarina”, “Subsídios para a história da política de Santa Catarina no regime monárquico”, obra a ser lançada neste ano de 2004), o comércio, as festividades cívicas e religiosas, as Justiças (“Os Juízes de Fora”, “A Organização das Justiças na Colônia e no Império e a história da comarca da Laguna”), a medicina (“Medicina, Médicos e Charlatães do Passado”, “A medicina caseira”, “A combustão espontânea como causa-mortis”), a religião (“A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito”, “A Venerável Ordem Terceira da Ilha de Santa Catarina”, “Subsídios para a história

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eclesiástica de Santa Catarina”), a educação (“Os Jesuítas em Santa Catarina e o ensino de humanidades na Província”), a genealogia (“Raízes seculares de Santa Catarina”), o folclore (“A medicina teológica e as benzeduras”, “A medicina caseira”, “Cultura e folclore”, “Contribuição ao estudo dos folguedos populares em Santa Catarina”, “A ciência do folclore”, “As danças de congados no sul do Brasil”), a arqueologia (“Da raridade dos zoófitos platiformes e a sua presença exclusiva nos sambaquis do litoral de Laguna”), a colonização açoriana (“Os açorianos”, “A vitória da colonização açoriana”), além de tudo o que ficou escrito, sobre a vida e a evolução social, política e cultural de Santa Catarina nas suas outras obras, duas delas editadas pela desaparecida Companhia Editora Nacional na prestigiada e valiosa coleção “Brasiliana” (“Santa Catarina” e “João Maria”) e dezenas de artigos, espalhados em diferentes jornais, revistas e coletâneas, ao que tudo acresce sua substanciosa “História de Santa Catarina”. Embora tivesse sido o cronista de Florianópolis, o maior estudioso e pesquisador do seu passado, outros municípios catarinenses ocuparam sua atenção de historiador, através de trabalhos específicos, como Gaspar (“Os primeiros povoadores de Gaspar”) e Brusque (“Brusque”) além, naturalmente de Laguna, sua terra, presente em vários dos seus títulos: (“Laguna e outros ensaios”, “A República Juliana e as comemorações do seu centenário”, “Anita Garibaldi”, “Raízes seculares de Laguna”, “Laguna-Rio Grande”, “A organização das

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Justiças na Colônia e no Império e a comarca da Laguna” [já mencionada], “Assuntos lagunenses”).

Em nenhum desses trabalhos o escritor se viu alijado do texto. Pelo contrário. Sua linguagem não tinha a secura do cientificismo esclarecedor, mas frequentemente aborrecido. Longe disso, era leve, fácil, agradável, pitoresca, rica e colorida, alternando, às vezes, momentos de ternura com outros de energia, ora castigando, pelo riso, os costumes, ora comovendo, ora exortando, sempre vibrante, porque tudo o que escrevia era do seu gosto, e em tudo colocava um pouco de si mesmo, do seu espírito de homem que não conhecia a indiferença nem o conformismo, nunca adulador, fiel a suas ideias e convicções, que proclamava e defendia com um entusiasmo que não envelheceu.

O historiador e o escritor, este a serviço daquele, aquele abrindo espaço para que este brilhasse, fizeram de Oswaldo Rodrigues Cabral, além da grande figura que se prolongou no médico, no político, no antropólogo, no professor, no homem de multiforme talento, aquele que foi, como já tive oportunidade de dizer, o intelectual mais brilhante da sua geração e um dos que mais o tenham sido, em todos os tempos, em Santa Catarina.

ALMIRO CALDEIRA DE ANDRADA

Nascido em Florianópolis, SC, no dia 6 de março de 1921 e falecido em 2007, aos 86 anos, Almiro era filho de Patrício Caldeira de Andrada e Gisele Barros Caldeira de

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Andrada. É patrono da Cadeira nº 39 da ACADEMIA CATARINENSE DE LETRAS

O autor deste livro acompanhou, em parte, o início de sua trajetória, quando ele contava apenas 29 anos e aquele 21, no início de 1950. Almiro, sobrinho do saudoso Haroldo Caldeira, era secretário/assessor deste, delegado regional, na agência do IBGE em Florianópolis, então situada na Rua Victor Meirelles, defronte aos Correios. Naquele ano realizou-se o 6º Recenseamento Geral do Brasil. O subscritor deste opúsculo foi nomeado Agente Itinerante da 4ª Zona Censitária, com sede em Lages, ao mesmo tempo em que Osvaldo Mello Filho, posteriormente se achamando OSVALDO FERREIRA DE MELLO, (também da ACL) foi designado, na mesma função, para a 6ª Zona Censitária, sediada em Videira. Os três conversávamos bastante, eu procurando aprender deles rudimentos de Estatística, bem assim a feitura de boletins censitários, contábeis, e quejandos, visto como a missão do Agente Itinerante era a de efetuar os pagamentos aos recenseadores, após o trabalho que efetuavam (V. “Diário de um Agente Itinerante”, 1969, Editora Leitura, Rio de Janeiro, 286 págs).

Eis o Capítulo I do livro em apreço, ainda com a ortografia da época:

O RECENSEAMENTO

O Recenseamento é uma operação cuja origem remonta às eras mais distantes. Já 2.238 antes de Cristo o imperador Yao, da China, mandava realizar o levantamento da população. Igualmente no Egito, 1.400 A. C., o Faraó

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Ramsés II determinou fôsse o mesmo efetuado. Na Grécia antiga Licurgo tomava resolução idêntica, a fim de proceder à contagem dos lacedemônios e espartanos.

E foi para se apresentarem na terra natal, com a finalidade de serem lá recenseados, que José e Maria empreenderam a viagem a Belém, onde nasceria Jesus.

Naqueles idos o censo era efetuado de modo a permitir a contagem dos homens com aptidões para a guerra, bem como para a instituição de leis que aumentassem o tributo dos súditos. Afora êsse escôpo, visava a proporcionar um conhecimento das condições políticas dos habitantes ao país. Assim foram, pelo menos, os censos dos hebreus, gregos e romanos e também os censos medievais.

Modernamente, os recenseamentos são promovidos com propósitos diferentes, visto como têm por fim, na coleta de informações, a obtenção de dados que, interpretados por meio do método estatístico, permitem seja conhecida a regularidade dos fenômenos investigados e suas leis de tendência, oferecendo, dêsse modo, indicações seguras e capazes de orientar os governos e os particulares em seus empreendimentos.

Por isso, êles se revestem de um caráter social, econômico e cientifico, não apresentando nenhuma finalidade política, fiscal ou militar. Por outro lado, no que tange ao Brasil, o Recenseamento apresenta aspectos que se não observam, certamente, em outros países, em virtude de sua extensão territorial e das diferenças e peculiaridades de cada região.

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Até 1950, o Brasil promoveu cinco Recenseamentos, não se computando trabalhos de pequena envergadura, de valor apenas cronológico, simples ensaios tentados com os recursos da época.

Um decreto de dezembro de 1871, após a criação, no ano anterior, da Diretoria Geral e Estatística, ordenava que se realizasse em todo o Império o primeiro Recenseamento da população. Coube a Joaquim José de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque, planejar e dirigir o I Recenseamento Geral do Brasil.

O II Recenseamento teve início em 1890, ficando concluída a apuração dos dados censitários em 1894.

Em 1900 foi realizado o III Recenseamento Geral; em 1920 o IV e em 1940 o V Recenseamento.

* * *

Para o Sexto Recenseamento Geral, cada Estado do Brasil é dividido em zonas e estas em setores de trabalho. O Estado de Santa Catarina apresenta-se com seis zonas, tendo a primeira, por sede Florianópolis, a segunda Blumenau, a terceira Joinville, a quarta Lages, a quinta Tubarão e a sexta Joaçaba.

Cada zona permanece sob a supervisão de um agente itinerante. Fiscalizando os serviços dos recenseadores, orientando-os e pagando-lhes a remuneração devida, êle eleve percorrer, durante o ano censitário, em circuitos contínuos, os municípios pertencentes à sua zona. Assim

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sendo, como titular da 4ª Zona Censitária, com sede em Lages, devo percorrer, além dêste município, os de Curitibanos, Campos Novos, Bom Retiro e São Joaquim da Costa da Serra.

Antes, porém, enquanto não nos é dada a ordem para a partida, os seis agentes itinerantes encontrâmo-nos em preparativos, à maneira de estágio, na repartição encarregada de promover o Recenseamento no Estado - a Inspetoria Regional de Estatística Municipal, subordinada ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Durante o estágio, tomando contato com os dados que devem ser manipulados no decurso da missão, delimitamos os setôres de trabalho de cada município, o que consiste em descrever, mediante determinados croquis, a área de ação, baseada nos mapas oficiais e na divisão territorial.

Eis que o Recenseamento se nos afigura um movimento singular, com todos. os seus aspectos peculiares, quer do ponto de vista técnico, quer do humano Afora o lado rotineiro - chegada, a cada instante, de numerosos fardos e caixotes contendo o material a ser distribuído pelas seis zonas do Estado (mapas, questionários, guias, folhetos, lápis, livros) - sente-se, na pujança do movimento e na atividade dos seus encarregados, a motivação que nasce de um perfeito conhecimento de suas finalidades cívicas. E meditando nestas, acompanho pari passu, a coordenação dos recursos materiais e humanos para emprêsa de tamanha envergadura Preparado o material propriamente dito, vem tarefa talvez mais difícil: a seleção a que se procede, do

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elemento humano ao qual é cometida a missão de apurar. O recenseador detém, em suas mãos, a chave para o êxito do Recenseamento.

Todavia, parece haver um cuidado especial na escolha dêsse elemento humano – a mola mestra dos censos. Vai compor-se, pelo que já estamos a ver, de tipos da terra, esclarecidos, vivazes e conhecedores profundos do sua “habitat” natural.

Almiro reuniu na sede os seis (6) agentes itinerantes, os agentes titulares das seis (6) Agências Modelo e começou: “Vou ler para todos vocês as instruções e recomendações sobre a missão de cada um...” Atenta e pausadamente, cuidadoso na escolha das palavras, correto no linguajar, olhando um a um os presentes, inclusive o signatário, de maneira didática perfeita, passou a fazer a leitura:

“1. O êxito de seu trabalho dependerá, em grande parte, do modo pelo qual você iniciar sua tarefa;

2. Não se apresente ao informante com a humildade de quem pede nem com a arrogância de quem impõe, mas com a boa vontade de quem deseja ser útil;

3. Não espere que o informante lhe pergunte quem é ou o que deseja. Diga logo o seu nome e declare a sua missão, apresentando o seu documento de identidade.”

O autor pede vênia ao ilustre, culto, brilhante sucessor de Almiro na Cadeira nº 39 da ACL, Acadêmico GILBERTO CALLADO DE OLIVEIRA, a fim de reproduzir excerto do

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seu discurso de posse na aludida instituição, em 17/04/2008: “Do Dr. Almiro Caldeira de Andrada guardo com muito carinho sua última carta, em que me encoraja a seguir postulando futuras cadeiras na Academia Catarinense de Letras. Escreveu ele: ‘Meu caro Gilberto, estou certo de que, como desejo, você dará à Academia Catarinense de Letras o brilho do seu saber e o seu talento, em dias não distantes.’ E foi pela vacância de sua cadeira, que ingressei na Academia...”

Pouco antes, porém, oferece-nos dados biográficos, atributos e preferências (vide página 149 e seguintes deste livro).

Vê-se, destarte, que ALMIRO CALDEIRA DE ANDRADA, embora principalmente romancista, contista e crítico literário, foi também orador conquanto morigerado na fala e de poucos discursos, nos seus últimos anos.

GILBERTO CALLADO DE OLIVEIRA

Natural de Florianópolis, SC, nascido aos 11 de maio de 1956, filho de Hélio Sacilotti de Oliveira (Procurador de Justiça) e Zelita Callado de Oliveira (Professora de Português). É Bacharel em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1981) e

Doutor em Filosofia do Direito pela Universidade de Navarra, Espanha (1987), jornalista e escritor titular da

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cadeira 39 na Academia Catarinense de Letras (empossado em abril de 2008). É sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e da Academia Catarinense de Filosofia. Compõe atualmente o corpo da Procuradoria de Justiça, junto ao Ministério Público de Santa Catarina. Dentre suas obras destacam-se: “Filosofia da Política Jurídica” (2008), “A verdadeira face do direito alternativo” (2006 – 2009) e “Garantismo e Barbárie: A face oculta do garantismo penal” (2011).

DISCURSO DE TOMADA DE POSSE DO ACADÊMICO GILBERTO CALLADO DE OLIVEIRA NA CADEIRA N. 3921

GRATIDÃO

Nesta hora tão solene e tão acadêmica, não poderia abrir minha oração sem que as primeiras palavras fossem para agradecer, com o coração transbordando de júbilo, o sufrágio dos Senhores Acadêmicos que me abriu a porta desta Casa de escritores e de cultura. Uma porta estreita, certamente, como é a porta do Céu por onde passam as almas purificadas da vida mundana para ir ao encontro da visão perficiente e beatífica do Criador, mas de uma estreiteza abençoada pelo beneplácito de grandes amigos.

21 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Discurso de tomada de posse na Cadeira n.39. Revista da Academia Catarinense de Letras, Florianópolis, n. 23, p.26-33, 2008. Anual.

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Em nome deles é de justiça citar o grande intelectual, orador e escritor, o confrade João Alfredo Medeiros Vieira, o primeiro dos protetores que me fez pensar e sentir o gosto pela Academia Catarinense de Letras. Há muitos anos nutrimos uma amizade que se foi estreitando por nossa inclinação às coisas do espírito. E hoje, manifesto-lhe o meu reconhecimento por todo o seu apoio e por toda a sua afabilidade.

Também agradeço, Dr. João Alfredo, o seu belíssimo discurso, de palavras tão bondosas dirigidas a mim. Não sei se as mereço.

Minha gratidão também vai dirigida àqueles que sufragaram outros nomes no pleito do dia 29 de novembro, porque se revelaram especialmente fidalgos no processo de sucessão acadêmica.

Foram generosos comigo muitos confrades. Transformaram eles o sonho em realidade, porque a última eleição fez-me ver que o candidato sonhador não era um ente de ficção ou quase tanto, mas um escritor que saiu da timidez de suas representações para assumir um posto de luz conquistado por homens de grande envergadura intelectual e moral. E naquela generosidade encontro a verdadeira vocação da Academia, a vocação de escritor.

VOCAÇÃO DE ESCRITOR

O escritor é o homem de letras. E o homem de letras é o homem de espírito. A reprodução da realidade em suas palavras reflete precioso dom de Deus: a liberdade de criar, na via superior da estética da comunicação, o ideal de felicidade que todos os homens almejam. Quem de nós não

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sente saudades do paraíso perdido? Esta lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo trágica, é o traço mais saliente do pecado original, do desejo nunca saciado que temos das delícias vividas por nossos primeiros pais antes da queda.

Aristóteles já descreveu, no seu inconfessado monoteísmo, mas carente da verdadeira revelação, o que, no plano da literatura, os escritores têm expressado nos mais variados estilos: a felicidade plena. Representá-la no estado em que a alma humana mais intensamente a deseja é tarefa estética de grande envergadura.

Quer nos esforços em eternizar o mundo vivido, quer nas viagens inefáveis para um mundo fantástico, quer ainda nas teses de um mundo real, o escritor não deixa de expressar com arte o seu pensamento. Nem sempre ele o manifesta em ficção ou em verso. Muitas vezes a difícil lógica dos argumentos se desvia do trabalho artístico, levando-o a uma composição pesada, sobrecarregada de repetições e de longos períodos. Tudo entra na penosa comunicação científica.

Quando o filósofo discorre sobre princípios metafísicos, a lógica invencível de seus argumentos não fere a verdade quando ele emprega palavras apropriadas. Conhecendo o idioma e o assunto sobre que escreve, terá ele produzido uma obra literária. Quando o poeta transmite as suas fantasias, os segredos inconfessados das suas emoções, no ritmo sanguíneo do seu coração, não pode ele destruir o mundo que o contorna, sem negar a si mesmo, porque a

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moção da vontade humana e os afetos dominadores não podem sobrepor-se àquela luz que lhes apontou a suma inspiração. Os desejos e as emoções não teriam nenhum sentido se as luzes da rainha das faculdades da alma, as luzes da ratio naturalis, não lhes apontassem origens e fins. O que diferencia o filósofo do poeta é a finalidade imediata de suas obras, aquele aguçando o pensamento mediante generalizações cada vez mais simples e mais compreensivas até atingir o domínio do universal, este estimulando a sensibilidade, pela direção estética da palavra, deixando, entretanto o livre uso das faculdades superiores.

Há quem pense que sem o dom da poesia ninguém possui esse senso estético, mas eu digo que a grandeza e a sublimidade de qualquer obra literária está no conduzir a alma humana à sua própria perfeição.

Importa sobretudo que o escritor expresse corretamente as suas ideias, numa forma inteiramente sua, peculiar, individual, integrando-se, por outro lado, à sua cultura, de modo que possam ele e os seus leitores se intercomunicar, com aquela segurança, no dizer de Osvaldo Ferreira de Melo, em sua obra Introdução à História da Literatura Catarinense, “das vozes úteis e dos ouvidos abertos”.

As vozes e os ouvidos são evidentemente manifestações naturais da comunicação humana, e de sua causa eficiente, a potencialidade cognoscitiva, fazendo corresponder ao que a própria mente do escritor produziu. Vox signíficat intellectus conceptum, disse Santo Tomás de

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Aquino, sustentando que se a palavra é o conceito interior do intelecto, tem ela o significado de verbo. Assim, o verbo é o que é proferido pela palavra, não sem antes ser um conceito interior da mente.

No mistério trinitário, Deus enuncia-se a si mesmo, eternamente, em uma palavra única, o Verbo, que é a imagem mesma de Seu Ser, o caráter de Sua substância, a medida de Sua imensidade, o rosto de Sua beleza, o esplendor de Sua glória. Essa única palavra é suficiente para expressar o que milhões de palavras pronunciadas por milhões de criaturas jamais conseguiram e conseguirão descrever. É Dele que procedemos, do Verbo mental de Deus. Somos, de forma assemelhada, Sua imagem, e, por isso, usamos o verbo para comunicar o nosso pensamento.

Tão augusta realidade é infinitamente superior às nossas pobres concepções, mas não deixa de se projetar nos diversos gêneros literários e nas obras de cada escritor, para o fim primordial de dilatar os espaços da verdade e do bem, sobrelevando assim a dignidade da pessoa humana pelas vias da perfeição. Quanto mais o homem se aproxima de sua plenitude ontológico-moral, mais intensamente se dignifica. E o escritor tem esse compromisso transcendente, de elevar a condição humana, na vida literária.

VOCAÇÃO ACADÊMICA

O fio condutor da verdade e do bem não tolhe a liberdade do escritor ao gênio nas combinações estéticas da palavra. Nem torna as suas obras mais notáveis no ambiente

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acadêmico. Penso que pertencer à Academia é questão de vocação.

Sentir o gosto da vida acadêmica e alimentar esse gosto como permanente tendência da alma é, no fundo, uma vocação. É ser chamado a participar da vida cultural como escritor, no conjunto dos membros deste colendo Silogeu. Cada um deles representa uma tendência, uma vocação particular, um chamamento à determinada criação literária para que a cultura ganhe mais vida, mais esplendor, mais elevação do espírito.

Nenhuma vocação nasce no homem sem a voz da Divina Providência.

Todos somos chamados a alguma missão terrena, a apostolar no ambiente em que vivemos, para que comece a brilhar a luz da Verdade na escuridão das mentes incrédulas, ou para que seja esplendente essa luz nas mentes tíbias.

Na unidade das diversas tendências literárias, há um esforço comum que impulsiona os acadêmicos a transmitir suas melhores criações ao povo, ao autêntico povo, que se move por vida própria, sem ser fácil joguete nas mãos de ideólogos carentes de senso moral, e aprimorar nele o sentido e a qualidade da comunicação humana.

Ao discorrer sobre as nove idades da Academia, o seu ex-presidente e saudoso amigo, Dr. Paschoal Apóstolo Pítsica, escreveu em seu livro “Numa Fonte Cristalina” que esta augusta casa de letras pretende “promover a literatura catarinense, difundir as obras dos acadêmicos e o nome dos

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nossos escritores”. Tão grandiosa vocação assume particular relevo quando, nas sessões de posse e de saudade, além de outros eventos de propagação da nossa cultura, revivem-se a vida e as obras dos patronos e titulares das renovadas cadeiras. Aqui reside a tradição da imortalidade, de transmitir às pessoas os valores mais elevados da inteligência catarinense, não no sentido de volta ao passado, mas como um harmônico desenvolvimento do passado, sem saltos desordenados, como um patrimônio cultural inestimável que se transmite de geração em geração.

O PATRONO

Na cadeira 39, que hoje passo a ocupar até o dia em que o Juiz dos juízes me chamar para a derradeira prestação de contas, do seu patrono levo o mesmo sobrenome: Sebastião Catão Callado, mas não saberia dizer se temos algum parentesco. Médico e poeta, homem de elevada integridade e de gênio retraído, Sebastião Callado não escondia sua veia poética nem mesmo em escritos científicos, como a dissertação sobre a epilepsia que apresentou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em setembro de 1885, para a obtenção do diploma. Ao descrever a vertigem epilética, não lhe faltaram o entusiasmo criador e o comovente conceito. Escreveu ele:

“No meio da saúde, em aparência, mais florescente e lisonjeira, na continuação plácida de trabalho empreendido, entre duas frases completivas d'um pensamento a enunciar, em ato transitório de um sorriso para um aperto de mão amigável, o epilético descora subitâneo, imobiliza-se, interrompe brusco o trabalho, intercala às duas frases a

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suspensão do pensamento, amortece o sorriso, ou paralisa a mão estendida: colheu-o a vertigem do mal”.

E para dar plasticidade a esta descrição patológica, arremata:

“Sem grito nem queda iniciais, bem vezes tudo se reduz a movimentos, contorções fisionômicas, semelhantes às daquele diácono, que, voltado o rosto para o lado, careteava, continuando contudo a incensar o bispo oficiante”.

No ambiente religioso do seu tempo, as “pílulas” de Frei Galvão, hoje santo, eram usadas como remédio para os males do corpo e da alma, pois continham uma poderosa jaculatória, escrita em papel, que a ciência naturalista da época (nem a de hoje, nem a de amanhã), jamais poderia romper: Post partum Virgo inviolata permansisti: Dei Genitrix intercede pro nobis.

Suas poesias trazem a tristeza de um homem encastelado em lastimoso mundo de recolhimento e de silêncio, com os olhos lacrimejando desejos nunca saciados, como se vê, dentre muitos sonetos, este terceto:

“Vivo de amores sem querer, pensando, Talvez que embale n'alma entristecida As esperanças que perdi chorando”

1° TITULAR

Não saberia dizer se suas inspirações continham a combinação, quase irredutível, de as dores humanas se mesclarem com o sorriso do alívio e da cura, ou da vida nascente, formando entre a medicina e a poesia perfeita

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simbiose, segundo confidenciou o primeiro titular da cadeira, Dr. Carlos Corrêa, também médico.

Em seu discurso de posse na Academia Catarinense de Letras, em 1926, o Dr. Carlos José da Motta de Azevedo Corrêa revelava:

“Há dentro de nossa alma uma vibração de cantante alegria, quando ouvimos o primeiro vagido da criancinha que nasceu em nossas mãos. São os lados bons da profissão, no equilíbrio das agruras. E, essa a razão porque eu me fiz médico, depois de fazer versos, ou faço versos ainda que seja médico”.

Aliás, por uma feliz coincidência, eu nasci, aqui em Florianópolis, na Maternidade Dr. Carlos Corrêa.

Seus magníficos sonetos apresentam ao leitor aquele fatal contraste da vida sensível entre a alma dolente e a alma num doce prazer, sobrelevando-se àquele “maço de bagatelas” (para usar a expressão de Liberato Bittencourt), que alguns poetas só conseguem compor.

Sebastião Callado e Carlos Corrêa coincidiam em ser ambos médicos, farmacêuticos e poetas, mas eram dois homens de temperamentos bem opostos, conforme destacou o Desembargador José Arthur Boiteux, em seu discurso de recepção do primeiro titular.

“Sebastião era triste, cético, retraído, gozando o retiro dos anacoretas; Carlos cantava as alegrias da vida e era confiante na justiça dos homens”.

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Mas, no tempo da vida madura, as composições poéticas do Dr. Carlos Corrêa vão revelar algo de melancólico e pessimista, influenciadas talvez pelos poemas de seu irmão mais velho, Raimundo Corrêa, como se observa nas alternadas rimas deste quarteto:

“Felicidade! Felicidade! - Palavra louca, louca ambição Por que, em ânsias, a humanidade Trabalha, luta, porfia em vão!”

Desvanecidas as ilusões dos verdes anos, esse grande poeta deixou de sonhar, como se nota nestas outras rimas:

“Depois, já velho, com a alma descrente Por tanta angústia que suportou, A Felicidade, é lembrar a gente A Felicidade com que sonhou”.

2° TITULAR

Depois do médico poeta, ou do poeta médico [Carlos Corrêa], assumiu em 1959 a penúltima cadeira da Academia um dos maiores representantes da literatura de fundo histórico em Santa Catarina, o Dr. Almiro Caldeira de Andrada.

Leitor, ainda adolescente, de tradicionais representantes do nosso vernáculo, como Humberto de Campos e Eça de Queiroz, o advogado Almiro Caldeira de Andrada fomentava então seu gosto pelas letras. Antes de publicar seu primeiro livro, “Rocamaranha”, em 1960, pela prestigiosa Editora Globo, com a alta tiragem de 10 mil exemplares, bem distribuídos no país e no exterior, Almiro

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mantinha coluna de crítica literária no jornal A Gazeta, e já estava eleito para a Academia, sendo depois seu presidente.

No cenário histórico de “Rocamaranha”, famílias açorianas são atraídas pelo sinete real de D. João V, então Rei de Portugal no século XVIII.

Quero destacar que é de D. João V que Sua Alteza, D. Bertrand, da Casa dos Bragança, descende em linha direta e legítima e atravessam o Atlântico para enfrentar nas terras virgens da Ilha de Santa Catarina as aventuras da colonização. Sua narrativa é erudita e de incomparável talento, quando descreve a formação social de sua terra natal.

Almiro publicou depois vários romances de fundo histórico, de extrema relevância para a literatura catarinense. No último, “A Estrela da Tempestade”, ele ilumina o céu e as águas da Laguna, destacando com exímia habilidade a tempestuosa relação concubinária vivida por aquele que foi derrotado na Batalha de Mentana, pelo exército pontifício, José Garibaldi e sua companheira de combates, Anita Garibaldi.

Do Dr. Almiro Caldeira de Andrada guardo com muito carinho sua última carta, em que me encoraja a seguir postulando futuras cadeiras da Academia. Escreveu ele:

“Meu caro Gilberto, estou certo de que, como desejo, Você dará à Academia Catarinense de Letras o brilho do seu saber e o seu talento, em dias não distantes”.

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E foi pela vacância de sua cadeira que ingressei na Academia. Espero por isso estar à altura do seu desejo e do de todos aqueles acadêmicos que aprovaram o meu nome.

FINAL

Vou concluindo a minha fala. Chamo a atenção para o essencial objetivo desta veneranda Academia, registrado em seus estatutos: o de cultivar a língua vernácula, instrumento absolutamente necessário para a conservação dos valores da cultura nacional e regional, especialmente no âmbito literário.

De há muito a nossa língua vem sofrendo agressões sem tréguas daquilo que posso chamar de "tribalismo linguístico". Os meios de comunicação, notadamente a internet, têm contribuído para o depauperamento do português, vulgarizando os estilos e rebaixando o sentido ético da comunicação humana, para um sistema de símbolos e de comandos, como se faz entre animais e máquinas.

O homem já não pensa por si, não reproduz inteiramente em seu intelecto as imagens que a leitura dos livros lhe proporciona; ele é pensado pelas máquinas televisuais, que lhe transmitem imagens prontas, em contínua transformação. A fala e a escrita são fáceis, sem beleza nem harmonia; os monossílabos tomam o lugar das frases, e o pensamento, já mutilado pela exaltação das sensações, não encontra outras formas de expressão senão as representações inúteis, afastadas das concepções lógicas do espírito, de tudo quanto é raciocinado, estruturado e metodizado.

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O saudoso Prof. Plínio Corrêa de Oliveira destacou em seu magistral ensaio “Revolução e Contra-Revolução” que “a aversão ao esforço intelectual, notadamente à abstração, à teorização e ao pensamento doutrinário, só pode induzir, em última análise, a uma hipertrofia dos sentidos e da imaginação”.

E, a partir daí, voltando-se a comunicação apenas para o concreto, será ela meramente instintiva e limitada àqueles sinais absolutamente indispensáveis à vida social. Perdendo a língua portuguesa os esplendores de sua grandeza e de sua ordem, perderá o povo o maior valor de seu patrimônio cultural.

Cabe às Academias de Letras um papel relevante, em resgatar a mais viva expressão de nossa nacionalidade, a língua portuguesa.

AGRADECIMENTOS

Termino minha oração agradecendo a presença de todos os amigos, aqui presentes, do MP, da Magistratura, da Ordem dos Advogados, da Universidade, da Academia, do Exército e de outros ambientes por mim frequentados, os quais tiveram a bondade de prestigiar minha posse.

Agradeço especialmente a presença de Sua Alteza Imperial e Real, D. Bertrand de Orleans e Bragança, a cuja linhagem o Brasil deve muito, deve tudo, o imenso território que temos e as imorredouras tradições monárquicas que continuam habitando o inconsciente dos brasileiros.

Meu coração se volta, finalmente, à minha família.

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De meu pai aprendi que as palavras não descansam senão no panteão da verdade e da justiça. Segui os seus passos na carreira do Ministério Público, procurando estar à altura da sua oratória inigualável na tribuna do Júri e do seu estilo articulado e preciso, da brilhante moldura dos seus pareceres de Procurador de Justiça.

De minha mãe herdei o estudo metódico. Formada em letras, já com os filhos crescidos, ela me ensinou com sua escrita suave, clara e coerente, notadamente com as inúmeras cartas que dela recebi nos anos de Espanha, que o mundo das ideias não pode negar o mundo real de onde elas provêm. Talvez por isso, minha mãe, eu não me tenha entregado aos excessos do lirismo e da imaginação.

Devo a meus pais muito do que tenho de escritor.

Aos meus queridos irmãos Elizabeth, Marília, Hélio e Myriam, um beijo de gratidão no coração de todos vocês.

A ti, minha querida Débora Maria, rogo à Virgem Poderosa que te dê saúde e te mantenha firme nas virtudes. Tu és o meu grande tesouro e serás sempre a minha Debinha, filha amorosa, que me tem dado muitas e muitas alegrias. Teu pai te ama muito.

Muito obrigado a todas as senhoras e a todos os senhores.

Tenho dito.

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CARLOS ALBERTO SILVEIRA LENZI

Jornalista, cronista, advogado e depois (pelo chamado “Quinto Constitucional”) por algum tempo Desembargador no Tribunal de Justiça catarinense, Silveira Lenzi, além de autor de várias obras jurídicas e de cunho político, é também orador.

Membro da Academia Catarinense de Letras, foi eleito, outrossim, orador do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Sua mais recente obra, publicada em 2011, intitula-se “ANASTÁCIO – Um dos Silveira de Souza”, tendo sido prefaciada pelo notável orador e acadêmico NORBERTO UNGARETTI – por igual desembargador aposentado e seu (nosso) confrade na ACADEMIA CATARINENSE DE LETRAS.

Na “Apresentação” (p. 11) escreve Ungaretti: “Carlos Alberto Silveira Lenzi [...] incursiona agora pela genealogia e história familiar, área em que é tão escassa a produção em nosso Estado”.

“Em torno de seu bisavô Anastácio Silveira de Souza, o quarto desse nome, o autor nos conduz à Desterro do século XIX e adentra no início do século XX, descrevendo a cidade, sua vida social, suas principais figuras.”22

Numerosas peças oratórias tem proferido o orador em tela, já como advogado, já como magistrado, já como acadêmico, sendo justo afirmar que figura, entre os nossos

22 LENZI, C.A. Silveira. Anastácio, um dos Silveira de Souza. Florianópolis: IHGSC, 2011.

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intelectuais, como zeloso cultor do idioma. Vibrante, empolgador, quase sempre convincente, tem voz sonora e sabe contemplar os circunstantes com o experiente olhar do tribuno acostumado às áreas política, parlamentar e forense.

Ultimamente, Silveira Lenzi, que é, por sinal, também, um zeloso cultor do idioma, frequenta as páginas das folhas matutinas ilhoas, com crônicas e croniquetas interessantes, por vezes comoventes...

* * *

O Sumário da obra atrás referida, além de abranger “Nos Açores”, “O novo mundo no Brasil”, “O brasão familiar”, “Referências Brasonais”, “O Desterro oitocentista”, “Anastácio IV”, “A Escola de Aprendizes”, “A Saleta floricultural”, “O Álbum”, “A Ampliação da Saleta”, “O falecimento” e “Os descendentes”, estampa valiosa Bibliografia e Anexos preciosos, encimados por um discurso sobre o qual (sem se abusar mãos do que o autor está abusando da adjetivação) o mais comedido dos analistas poderia afirmar que é estupendo. Seu título: “O grande orador sacro”. Eis a citação preambular sobre o notável orador sacro Monsenhor Manfredo Leite:

As catedrais emergem do fundo dos séculos. Levam nas arrojadas flechas de suas torres, uma forte arremetida para o infinito. Buscam a Luz. Querem a Imensidade. Fogem à compreensão da terra. Relutam contra a asfixia do espaço. Vestem-se de majestade e falam a linguagem que os tempos

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hão de ouvir e escutar. Afrontam as ventanias. Erguem-se triunfantes...23

JOSÉ ISAAC PILATI

Advogado, membro da Academia Desterrense de Letras, Pilati é também orador de bons atributos.

Transcrevem-se aqui trechos de seu discurso de saudação ao confrade poeta e escritor Júlio de Queiróz, em 28/05/2012, proferido na Câmara Municipal de Florianópolis, quando este foi contemplado com o prêmio Vilson Mendes de Literatura Desterrense. Eis os excertos:

A Academia Desterrense de Letras comparece hoje a esta Casa da isagoria para comemorar, pelo terceiro ano consecutivo, na data de aniversário de fundação, 28 de maio, o Dia do Escritor em Florianópolis; tal efeméride foi introduzida no calendário cultural desterrense por lei municipal de 13 de outubro de 2009, conquistada por iniciativa de Vilson Mendes, nosso inesquecível Presidente da ADL; um confrade que nutria indefectível amor por esta terra e sua história, indiscutível devoção pelos livros e a cultura, e inquestionável apreço por esta Casa do Povo de Florianópolis.

A obra literária de Júlio de Queiroz situa o seu nome entre os grandes escritores do Brasil contemporâneo. Agradeço aos meus pares a honra insigne de proferir esta saudação a um homenageado de tão alto mérito, e de modo

23 In: Catedral de São Paulo, 1954.

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especial e sempre a esta Casa, senhor Presidente, pelo privilégio de assomar a esta tribuna. Mas reconheço: a tarefa é bem maior do que este espaço de uma oração e a capacidade de um simples cidadão, e por esses motivos serei breve e objetivo. Tentando manter a salutar moderação que se recomenda perante os melhores vinhos.

A sua vida e obra giram em torno dos episódios mais significativos de sua biografia, que resumo num parágrafo: nasceu em 1926, no lugarejo de Alegre, nome este que seria contraponto de sua tristeza poética; no Estado do Espírito Santo, onde começaria a sua busca de Deus e de solução do grande enigma, da morte; filho de José Bento e de Alda Dias de Queiroz, os pais, que são a imagem primordial da sua visão positiva e amorosa, do mundo e da vida. A pequena cidade nordestina de Alegre imprimiu-lhe, também, a marca indelével de sua paisagem física e humana, a que Florianópolis acrescentaria – como um grande quadro na parede do mistério universal, a simbologia do mar; e mais a sua gente, gente simples, afável, lutadora, gente boa de Alegre e de Florianópolis.

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VII -

ORADORES SACROS

“Roma locuta, causa finita.” (“Roma falou, a causa está finda.”)

Nos seminários católicos que preparam os futuros sacerdotes ainda no nível médio, existe, entre as outras disciplinas, o estudo e o treino da Oratória.

Desde o tempo em que na Missa dominical a fala do celebrante era chamada “sermão” – atualmente “homilia” – o preparo do exercício oratório fazia-se de modo regular e por vezes rigoroso.

Na grande obra impressa sob o título “OS ESPARTANOS DE DEUS” (Florianópolis, 2000), elaborada “por diversos autores”, vê-se o relato de um ou outro estudante sobre o assunto. Na capa grossa de tamanho grande (18,5 x 26,5 cm), 427 páginas, embaixo da fotografia do

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majestoso SEMINÁRIO DIOCESANO NOSSA SENHORA DE FÁTIMA, situado em Tubarão, SC, figura uma frase que resume tal história: “Um punhado de meninos sonhadores, tentando alcançar o sacerdócio, vivia como se o mundo se limitasse ao espaço existente entre um rio e uma suave colina.”.

Já na página de entrada, abaixo do título pode ler-se:

“Fatos históricos, fotos e personagens que fizeram a história do Seminário Diocesano Nossa Senhora de Fátima de Tubarão, SC.”.

Ao pé da página está identificação autoral:

“Pesquisa, coordenação e edição de

SOLANGE RECH24 e JOSÉ DE SOUZA PATRÍCIO”.

A obra em apreço constitui longo, profundo e bem ilustrado histórico sobre “A origem dos Seminários Católicos, um dos instrumentos da Contrarreforma”, bem como em torno das Dioceses de Florianópolis e Tubarão, focalizando também as notáveis figuras de Bispos como Dom Joaquim Domingues de Oliveira, Dom Anselmo Pietrulla e outros.

Para os fins deste nosso livreto, importa destacar, especialmente, o Curso de Oratória Sacra. Na página 356, um dos subtítulos do longo texto subscrito pelo então seminarista e hoje notável professor Dr. JAIME BRUNING, sob a epígrafe “MEU TEMPO DE SEMINÁRIO”, intitula-se

24 Lembra-se que Solange é o nome de um ilustre seminarista.

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“AULA DE ORATÓRIA”. Nos dois tópicos anteriores ele narra episódios cômicos e correlacionados à arte de falar. Eis o excerto em questão, com a vênia que pedimos ao autor:

A QUEDA DO “LOBO”

Era uma quinta-feira. Estávamos muito cansados depois do jogo de futebol, jantar e, antes de dormir, ainda havia uma conferência espiritual do padre Germano Peters. O cansaço, uma certa monotonia da conferência, tudo ajudou para que alguns colegas cochilassem. Um deles não cochilou, mas dormiu, caindo esticado para frente e chegando a lamber parte do piso de concreto bruto da capela, pois caiu de boca aberta. Ainda bem que caiu d’uma altura de 10 cm apenas, isto é, do banquinho de ajoelhar que servia também para sentar, em 1957. O nome do colega era Waldemar Hobolt, porém apelidado de Lobo, o qual conseguiu acabar imediatamente com a conferência, pois o padre Germano e os colegas pensavam que ele havia desmaiado. Carregado para fora da capela, disse: “Eu só estava dormindo!” E deu uma gostosa risada.

A TROCA DE PAPA DEU CONFUSÃO

Ainda nesta mesma capela, e com o mesmo padre Germano, ocorreu outro fato cômico.

Estávamos numa benção com o Santíssimo Sacramento, à noite. O celebrante cantava partes em latim e nós respondíamos. Numa das passagens ele engasgou porque fora eleito o papa João XXIII. Antes o celebrante cantava: Oremus pro pontifice nostro, PIO. Agora seria Joanne. O padre Germano, ainda não acostumado com a

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mudança de nome do papa, deu uma enrolada muito engraçada e saiu-se com essa: Oremus pro pontifice nostro pi-pio... Joanne...

Basta dizer que não teve resposta alguma por parte dos seminaristas, porque jovens nessa idade e num momento sério como esses são facilmente acometidos de verdadeiro ataque de riso. E foi o que ocorreu. Todos riam, baixinho, é claro, mas não conseguiam parar. Olhando para o querido negrão Alcides Lima, a turma ria mais ainda porque ele fazia uma careta toda especial ao rir e segurava a barriga dando a entender que estava lhe doendo de tanto rir. Não me lembro como acabou aquela cerimônia... Jesus deve ter nos perdoado, pois não foi por nenhuma maldade que rimos, quem sabe riu-se de nós! E isso mesmo. Coisas desse tipo aconteciam conosco naquele tempo.

AULA DE ORATÓRIA

Isto ocorreu comigo e quase encerrou minha carreira oratória na decolagem. Nós tínhamos semanalmente ou quinzenalmente uma demonstração prática de oratória com o professor de português e literatura padre Ludgero Waterkemper. Cada orador era escolhido por ele com duas semanas de antecedência, mais ou menos, para preparar o tema e decorar. Cada qual podia escolher o tema que quisesse. Eu escolhi o tema Apicultura, porque meu pai era apicultor e eu entendia razoavelmente do assunto, entendia de abelhas.

Chegado o dia para me apresentar, subi ao estrado e ocupei o lugar perante o púlpito simulado para iniciar meu

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discurso. Saudei os presentes e anunciei o título. Porém, ao pronunciar o titulo Apicultura, todos os colegas, inclusive o padre Ludgero, riram muito... Isso me deixou surpreso e indagativo, pois não tinha a mínima ideia a respeito do motivo de tanto riso. Mas, em poucos instantes o padre Ludgero acalmou a turma, voltou à seriedade e mandou que eu continuasse. Na minha mente sobrara uma grande interrogação. E esta somente foi respondida ao final do meu discurso, quando fui aplaudido. Pelo fato de falar pela primeira vez em público perante colegas com espírito crítico afiado, eu estava com certa ansiedade, característica dessas ocasiões, nem me dando conta que, ao anunciar o titulo, logo a seguir coloquei o dedo no nariz como se fosse fazer cera. Os colegas não deixaram de associar imediatamente as coisas: abelha faz mel, mas também cera...

Quase que minha carreira oratória falhara, o que seria um desastre para meu futuro, porque me tornei um verdadeiro orador, proferindo mais de 2.700 palestras sobre Medicina Natural em todo o Brasil e algumas em outros países.

Mais tarde o mesmo professor me deu muitas oportunidades para treinar o falar em público, inclusive sendo designado frequentemente para fazer a leitura dos jornais aos colegas no refeitório. Assim aprendi a enfrentar qualquer público, mesmo o formado por doutores, universitários, sacerdotes, bispos e multidões, às vezes, em ginásios de esportes.

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As frases importantes que o padre Ludgero proferiu naquela época me valeram muito, inclusive numa palestra que proferi em Mutril, na Espanha, em 1988, a um público seleto, com muitos médicos, estudantes universitários e o povo em geral. As frases eram as seguintes:

“Quando falarem em público olhem com coragem direto para os olhos dos ouvintes, façam de conta que são apenas uma única pessoa. Ou então, façam de conta que estão falando apenas para muitas cabeças de repolho e, é claro, ninguém deve ter medo de enfrentar uma cabeça de repolho ou muitas delas...”

Foi o que lembrei naquela ocasião e falei com calma e muita convicção, mesmo estando num país estranho e diante de um público tão seleto. Uma das frases insistia em vir à minha memória: “são apenas cabeças de repolho...” e assim fiz, falei aos “repolhos”.

Para finalizar, posso dizer que minha vida de Seminário foi muito proveitosa. Descontando algumas falhas da educação recebida, pois sempre onde há homens há falhas, eu sou imensamente grato a todos os sacerdotes e superiores, os quais, cada um a seu modo, ajudaram a formar a minha personalidade. Também, queira ou não, cada colega desempenhou um papel importante na convivência comigo, mesmo aqueles com quem a gente não simpatizava muito, porque tudo faz parte dos mistérios insondáveis que Deus tem para conosco. Naquela época uma ofensa recebida de um colega me magoava. Porém hoje, distante daquela época, eu consigo entender qual era o

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plano de Deus ao me proporcionar essa pequena cruz. Tenho muita saudade dos colegas de então e garanto que estarei presente na primeira oportunidade de encontro dos antigos mestres e colegas de Seminário.

Aproveito ainda a oportunidade para dizer que saí do Seminário em 1968, casei, tenho três filhos, dois netos. Fui professor durante treze anos, fui diretor de um Colégio Estadual, em Cascavel, onde resido. Estou atualmente voltado para o ramo de Medicina Natural, já faz 20 anos.

Passo o dia todo atendendo pessoas doentes pelo método Bioenergético, colho alegrias imensas em poder ajudar a população sofrida a recuperar a saúde. Escrevi alguns livros sobre Medicina Natural.

* * *

RELAÇÃO DE ORADORES SACROS (Em ordem alfabética)

Mons. Afonso Emmendoerfer Mons. Agenor Neves Marques (falecido) Dom Agostinho Petry (Bispo de Rio do Sul) Mons. Agostinho Stahelin Pe. Antídio Vargas (Lages, falecido) Pe. Antônio Adão (Padre Jesuíta) Pe. Aquilino José dos Santos Mons. Augusto Zucco (por 45 anos pároco em Tijucas) Pe. Bertrand de Vetter Frei Cácio Roberto Petekov

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Dom Daniel Hostin (Bispo de Lages, falecido) Pe. Decio Antonio Bona Pe. Dirceu Bortolotti Danetti Pe. Domingos Volney Nandi Pe. Edgard Oliveira Frei Eliseu Tambosi Frei Elzeário Schmitt (Franciscano, Gaspar, falecido) Pe. Eugênio Kinzesk Pe. Evaristo de Biasi Pe. Ewerton Martins Gerent Dom Felício César da Cunha Vasconcelos (Bispo, falecido) Pe. Flávio Azambuja (Jesuíta, falecido em Rezende, RJ) Mons. Francisco de Sales Bianchini (falecido) Pe. Francisco José Gesser Pe. Francisco Wlock Mons. Frederico Hobold (falecido) Pe. Genesio Sevegnani Pe. Gervásio Fuck Frei Guilherme João Potratz Frei Gunther Max Walzer Mons. Harry Bauer (falecido, Joinville) Pe. Hélio Cunha Pe. Huberto Rohden (falecido em São Paulo) Pe. Itamar Luiz da Costa (falecido) Dom Jaime de Barros Câmara (Cardeal, falecido no RJ) Pe. Jalmir José Rigo Pe. João Cardoso Dom João Francisco Salm Dom Joaquim Domingues de Oliveira (Arcebispo, falecido)

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Mons. Joaquim Gomes de Oliveira Paiva Pe. José Artulino Besen (acadêmico da ACL, e historiador da Igreja em SC) Frei José Clemente Müller Mons. José Locks (São João Batista, falecido) Dom José Negri Pe. Ludgero Waterkemper Pe. Luís Prim Frei Luiz Antonio Frigo Mons. Manfredo Leite (falecido) Pe. Marcelo Henrique Fraga Pe. Márcio Alexandre Vignoli Pe. Mário Sérgio do Nascimento Pe. Ney Brasil Pereira (também festejado compositor, Florianópolis) Pe. Norberto Debortoli Pe. Paulo Bratti (falecido) Pe. Pedro Köhler (dedicado capelão do Hospital de Caridade, Florianópolis) Pe. Pedro Martendal Mons. Quinto David Baldessar (falecido) Pe. Sebastião da Silva Neiva (Franciscano, Lages, falecido) Pe. Sérgio Giacomelli Pe. Siro Manoel de Oliveira Pe. Tarcísio Pedro Vieira Pe. Valdemar Groh Pe. Valdir Bernardo Prim Pe. Valmir Debarbi Pe. Valmir Laudelino Silvino

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Mons. Vendelino Hobold (falecido) Dom Vito Schlickmann Pe. Vitor Galdino Feller (teólogo, professor) Pe. Wilmar Adelino Vicente Pe. Wilson Groh Dom Wilson Laus Schmidt (Bispo, falecido) Dom Wilson Tadeu Jönch (Arcebispo Metropolitano, Florianópolis)

* * *

Monsenhor MANFREDO LEITE

O mais antigo orador sacro foi JOAQUIM GOMES DE OLIVEIRA PAIVA, o “Arcipreste Paiva”. No entanto, o que sobressaiu, em 1920, por sua belíssima Oratória foi MONSENHOR MANFREDO LEITE. Além de orador sacro, revelou-se excelente conferencista. Sua “Conferência aos Moços”, subintitulada “Pelo Patriotismo” vai

transcrita neste livro, mais à frente.

Pede-se especial vênia ao confrade escritor, orador e acadêmico C.A. Silveira Lenzi para transcrever aqui parte da biografia do Monsenhor Manfredo Leite, a qual figura em

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sua obra “ANASTÁCIO, um dos Silveira de Souza”. Eis o excerto em questão25:

* * *

Mosenhor Manfredo Leite nasceu em Florianópolis, a 16 de maio de 1876. Filho de Higino Honorato Leite e de Leonarda Gaya Leite, oriundos de tradicional família paulistana. Seu irmão, Trajano, foi casado com Cândida Coutinho Silveira Leite (chamada Doca, tia Doca, na intimidade dos parentes); sendo seus filhos Racine Silveira Leite, Manfredo, Silveira Leite e Hilda Leite da Costa, Cândida, era filha do primeiro casamento de Anastácio Silveira de Souza com Cândida Coutinho Silveira de Souza Leite. Em segundas núpcias, após o falecimento da primeira mulher, Anastácio casou-se com Eulália de Souza Lobo (assinando-se, depois, Eulália Lobo da Silveira), nascendo desta união, Otávio Lobo da Silveira e Julieta Lobo da Silveira Brito. Em razão do parentesco de Julieta com Trajano e Doca, é que Monsenhor Manfredo quando vinha a Florianópolis, hospedava-se na confortável e ampla residência de Julieta (já viúva do Almirante Tito Alves de Brito, fundador da Escola de Aprendizes de Marinheiros, em Coqueiros), à Rua Esteves Júnior, nº 10, em frente à antiga Faculdade de Direito, com quem residi por cerca de três décadas. O terreno, o bangalô e contíguo, faziam parte da

25 LENZI, C.A. Silveira. Anastácio, um dos Silveira de Souza. Florianópolis: IHGSC, 2011. p. 59-63.

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grande área que compunha a chácara do abastado, comerciante Anastácio Silveira de Souza, dividida, posteriormente, em razão do falecimento e das sucessões.

Ordenação e Projeção

Os primeiros estudos do jovem Manfredo, foram realizados no famoso Colégio de Caraça, em Minas Gerais, tendo como colegas e amigos, entre outros, Afonso Pena Júnior e Fernando Mello Vianna. Depois, cursou Filosofia e Teologia no Seminário do Rio Comprido no Rio de Janeiro.

Em 25 de março de 1889 recebeu o Prebisteriato das mãos do Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro, Dom Joaquim Arcoverde Cavalcanti. Foi ordenado sacerdote, a 25 de março de 1897. Logo retornou para sua terra natal, Florianópolis, desempenhando a missão sacerdotal de Vigário da Freguesia de São José, Coadjutor das Paróquias de N. S. do Desterro, Santíssima Trindade, Lagoa e Ribeirão, tomando posse em 1902.

Orador oculto e vibrante, arrebentava os fiéis com seus sermões, principalmente nas missas de domingo na igreja e São Francisco na capital catarinense. “O verbo saia-lhe dos lábios dardejantes, inflamados, impetuoso, como uma catadura de pérolas, clara e ardente como um sol em pleno zênite... sem desdouro para os grandes oradores de nossa terra, Monsenhor Manfredo Leite, foi o ‘príncipe de todos’”, escreveu Raul Leite Monteiro na obra “Carmo, Patrimônio da História, arte e Fé”, SP, 1978.

Nos seus 1,85 m de altura, corpo de atleta e com traços de beleza masculina, Monsenhor Manfredo cativava a

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todos, homens e mulheres. Dotado de um talento invejável, honrou as luzes do seu saber não somente na tribuna sacra, mas na cátedra das escolas onde lecionou.

Na Política

Com esta presença, o destacado clérigo, constituiu-se em presa fácil das lideranças políticas, da época. Tornou-se amigo íntimo e compadre, por duas vezes, do chefe Republicano Catarinense, Hercílio Pedro da Luz, que lhe exigiu a candidatura ao Congresso Representativo do Estado, que funcionava em 1907, onde ainda hoje está o prédio da Câmara Municipal de Florianópolis.

Gustavo Richard era Governador, e muito embora houvesse ocorrido a fusão entre Republicanos e Federalistas, Hercílio Luz lhe fazia oposição rompendo com o mandatário em 1908, com a publicação do documento “Carta Política”.

Monsenhor Manfredo Leite, juntamente com outros 23 (vinte e três) cidadãos catarinenses em 1907, é eleito para a 7ª Legislatura do Congresso Republicano do Estado (Poder Legislativo Catarinense). concluindo o mandato, em 1909, extremamente decepcionado. É que o grande tribuno, em razão das ligações e amizades com Hercílio Luz, sofria fortes restrições políticas de Lauro Müller, algoz de Hercílio, em decorrência, inclusive, da cisão Republicana, provocada pela Campanha Civilista, de 1909/1910, que apoiava a candidatura de Rui Barbosa (amigo de Hercílio) à Presidência da República, contra a postulação de Floriano Peixoto, apoiado aqui no Estado por Lauro Müller. Com a

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cisão, surge o Partido Republicano Liberal, de efêmera duração.

Registros políticos na literatura e na Imprensa informam, que algum tempo depois de ter exercido o mandato estadual, Monsenhor Manfredo Leite foi eleito deputado federal por Santa Catarina, com expressiva votação, sendo sua eleição e posse, impugnada através das articulações promovidas por Lauro Müller. O jornal Correio do Povo, edição de 16/10/1948 ao registrar a participação do prelado catarinense no Congresso Eucarístico Nacional, daquele ano, em Porto Alegre, destacou em longa matéria ilustrada com foto: “[...] Embora insistentemente solicitado, por diversas vezes, pela direção de vários partidos políticos, para que o seu nome figurasse em chapa de deputados e senadores foi quando o seu amigo e conterrâneo Hercílio Luz, então na oposição, lhe fez caloroso apelo, no sentido de apresentar seu nome a uma cadeira da Câmara Federal por Santa Catarina”.

E prossegue o então tradicional e prestigioso jornal gaúcho: “Vitorioso nas urnas de maneira indiscutível, após uma memorável campanha eleitoral, durante a qual pronunciou uma longa série de brilhantes discursos, não logrou, entretanto, ser reconhecido no Rio de Janeiro. Teve o fato, na época, intensa repercussão em Santa Catarina, provocando o esbulho que sofreu Manfredo Leite, os mais veementes protestos da oposição chefiada por Hercílio Luz”.

Manfredo Leite era amigo também de Assis Brasil, chefe do partido Libertador, sendo o político gaúcho

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homenageado em São Paulo, em 1923, com discursos do jornalista Júlio de Mesquita, e do grande tribuno sacro catarinense, entre outros, consigna o matutino rio-grandense.

Não existe, assim, registro oficial da votação, eleição e posse do prelado catarinense na Câmara Federal, nem detalhes da propalada impugnação eleitoral, através da intervenção política de Lauro Müller. Do púlpito, combateu o regime ditatorial estabelecido por Getúlio Vargas em 1937, vinculando-se depois de 1946, a União Democrática Nacional.

O Retorno

Retornando a São Paulo, Monsenhor Manfredo Leite, é designado Professor de Lógica e Literatura no Ginásio Diocesano, Cura da Catedral da Sé, Vigário em Comissão da Paróquia de Atibaia, e, quando da declaração da Guerra de 1914, foi designado administrador da Basílica de Aparecida, efetivando-se com isto, na Arquidiocese de São Paulo, a política de substituir os religiosos alemães nos cargos que ocupavam à época.

Comissário da Ordem do Carmo, em junho de 1920, Monsenhor Camareiro Secreto, por decreto Pontifício em 1927 e prelado doméstico de S. Santidade.

Monsenhor Manfredo Leite, um dos 24 fundadores da Academia Paulista de Letras em novembro de 1909, ocupante da cadeira nº 23. Membro fundador da Academia Catarinense de Letras (cadeira nº' 6), em 1912, e do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, admitido em

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23/03/1897, juntamente com Emílio Blum e Antero de Assis. Foi redator-chefe da Gazeta do Povo de São Paulo, e também, do diário católico O São Paulo, órgão oficioso da Arquidiocese. Deixou as seguintes publicações: “Duas Almas”, “Seara”, “In Memorian” (Ed. Vozes), “Elogio Fúnebre de S. S. Pio XII” (1939), “A Catedral de São Paulo”, “Maria Glorificada”, “Saudades”, “A Educação”, bem como discursos, sermões, conferências, artigos de jornal, com o testemunho de sua fé, de seus princípios morais, de sua cultura humanística, do seu valor literário e do seu culto pelos ideais que dignificam a vida.

Monsenhor Manfredo Leite dedicou o maior tempo de sua vida à Ordem Terceira do Carmo de São Paulo, da qual era comissário e Reitor, desde 1920, nomeado por Dom Duarte Leopoldo e Silva permanecendo na função até o seu falecimento.

Vinha a Florianópolis, sempre que podia, na Semana Santa, para presenciar as cerimônias religiosas de Senhor do Passos, onde, oficialmente proferia o Sermão do Encontro.

Em sua casa à Rua do Carmo, sempre foi assistido pela fiel empregada e camareira Benedita, durante 45 anos de trabalho devotado e permanente.

* * *

Três notáveis oradores sacros que viveram longos anos em Santa Catarina, não nasceram aqui, conquanto possamos inclui-los entre os nossos grandes oradores. Eram

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eles o Padre Flávio Azambuja, Antônio Adão (ambos jesuítas, do Colégio Catarinense, gaúchos de Porto Alegre), e Dom Felício César da Cunha Vasconcelos, também oriundo do Rio Grande do Sul. Este era franciscano. Ao longo de mais de duas décadas trabalharam em Florianópolis, e mesmo após sua partida, voltaram ao Estado diversas vezes.

Entretanto, na fase chamada moderna, incluídos nela os anos quarenta e cinquenta do Século XX, bem assim os subsequentes, até o final deste, houve diversas figuras que se notabilizaram pela brilhante, às vezes extraordinária retórica no púlpito ilhéu e no interiorano de igrejas matrizes. Sobretudo na Capital da Província, como se registrou atrás e à pressa; por exemplo, em 1920, viveu e perorou na antiga DESTERRO, um dos mais festejados oradores cívicos e sacros daqui e do país, Monsenhor MANFREDO LEITE, tido por Manoel Victor como “um dos oradores mais notáveis do país”. Quiçá a proferição superiormente notável – repetir nunca é demais – foi a sua “Conferência aos Moços” sob a epígrafe de “Pelo Patriotismo”. Trata-se de uma página lapidar. Ei-la:

“Senhores - Que é a Pátria? Define-a um dos maiores oradores do século passado: A Pátria é o céu que nos cobre, é a abóboda estrelada ou iluminada pelos raios do sol...; é a vegetação; são as árvores amigas; são os lugares, as estâncias onde erraram os primeiros eflúvios de nossa vida; é o quinhão de território que nos foi doado pela Providência; é a montanha que em crianças subíamos,

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brincando; é o pássaro que trinava em gorjeios, a certas horas do dia, nas folhagens do vergel paterno; é a azulada cúpula dos céus que abrigou os dias dos nossos antepassados; é o solo que agora lhes guarda as cinzas: é o campanário donde baixaram tantas vezes as festivas vozes do sino, donde caíram, melancólicos e plangentes, os dobres a finado...”

“O patriotismo é o culto pela Pátria. É o zelo pelas nossas leis, pelos nossos costumes, pelo nosso idioma, pelos nossos lares e pelos nossos altares, a cuja sombra sorriram as alegrias de nossas mães e medraram as energias, a honra e as virtudes de nossos pais; o patriotismo é a defesa do solo, onde nascemos, da terra que os nossos suores fertilizaram, das grandezas que adquirimos; das glórias que nos deram ufania e orgulho... O patriotismo é o artista que levantou os monumentos imperecíveis, que o tempo não destrói nem a memória esquece. O patriotismo é a voz que cantou as epopeias, imortalizadas pelo gênio e perpetuadas pelas gerações. É a força que alimentou os povos, engrandeceu as nações e enriqueceu a terra. O patriotismo é a pena que escreveu a história humana!”

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Dom JOAQUIM DOMINGUES DE OLIVEIRA26

Dom Joaquim Domingues de Oliveira nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, no dia 4 de dezembro de 1878 e faleceu em Florianópolis, aos 18 de maio de 1967, tendo sido velado no Palácio Cruz e Sousa e sepultado com honras militares. Foi nomeado bispo em 2 de abril de 1914 e empossado em 7 de setembro do mesmo ano, para a

então diocese de Florianópolis, elevada a Arquidiocese de Florianópolis em 17 de janeiro de 1927, tendo sido seu primeiro arcebispo.

Filho do capitão Joaquim Domingues de Oliveira Belleza e de Joaquina da Silva Mota, seu nome completo deveria ter sido igual ao do pai, mas teria suprimido o último sobrenome por achar que "não ficava bem o sobrenome Belleza para um religioso...".

Expressava-se habilmente em Latim, idioma que usava para iniciar e terminar suas homilias. Foram 53 anos de ininterrupto pastoreio à frente da grei que conhecia como a mãe conhece os filhos, tendo encontrado um Estado catarinense rural e vendo-o, paulatinamente, se industrializar. Entravam e saíam governantes, entravam e saíam Vigários, o povo crescia e morria, e Dom Joaquim continuava. Acolheu

26 Adaptado de: http://arquifln.org.br/detalhe_00500.php?cod_select=571 &cod_002=2 e de http://pebesen.wordpress.com/padres-da-igreja-catolica-em-santa-catarina/dom-joaquim-domingues-de-oliveira/. Acesso em: 01 ago 2012.

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seminaristas que depois ordenou sacerdotes, bispos, viu-os envelhecendo, morrendo, e o Pastor continuava a “presidir com solicitude”, seu lema Episcopal.

Dom Joaquim entregou o Governo efetivo da Diocese a Dom Afonso Niehues, Arcebispo Coadjutor e Administrador Apostólico “sede plena”. No Ginásio “Charles Edgar Moritz”, lotado pelo clero, autoridades e o povo, fez um minucioso e emocionante relato de seus já 51 anos de pastoreio. Enumerou as obras pastorais, administrativas, materiais, um grande elenco a demonstrar o infatigável empenho com que desenvolveu o Ministério Episcopal, assumido de coração no já longínquo 26 de março de 1914, dia de sua eleição.

Neste momento Dom Joaquim recordou a singela cerimônia de ordenação episcopal na Capela do Pio Latino, em Roma, em 31 de maio de 1914, na mesma Cidade Eterna onde cursara Direito Canônico, obtendo o Grau de Doutor. O ancião resignado, mas não abatido, cheio de trabalhos, mas não cansado, relembrou a infância em São Paulo, sua cidade após seus pais terem emigrado da terra natal.

Recordou o 7 de setembro de 1914, dia de sua posse. Era um Bispo decidido, jovem em seus 35 anos, viera para trabalhar, e trabalhara. Ao relatar seu vasto e rico pastoreio tinha a consciência do dever cumprido. Presidira com solicitude. Desejou, por fim, que Dom Afonso fosse feliz na recém-assumida Arquidiocese.

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Ocupou a cadeira nº 22 da Academia Catarinense de Letras, sendo sucedido pelo saudoso Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Gallotti.

* * *

Algumas frases em Latim do saudoso Arcebispo:27

“Tu es Petrus et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam; et portae inferi non praevalebunt adversum eam.” (“Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.”) Esta frase constante da Vulgata (Mateus, 16, 18) era dita por ele geralmente no dia 29 de junho, dedicado a São Pedro.

“Dum tempus habemus, operemur bonum.” (“Enquanto temos tempo, façamos o bem.”)

“Bono certamen certavi, cursum consummavi, fidem servavi.” (“Combati o bom combate, terminei a corrida, conservei a fé.) São Paulo, carta a Timóteo, 4, 7.

“Fides tua te salvam fecit, vade in pace.” (“Tua fé te salvou, vai em paz.) São Lucas, 7, 50.

“Omnia possibilia sunt credentibus.” (“Tudo é possível para aqueles que crêem.” São Marcos, 9, 22.

“Magnificat ánima mea Dóminum.” (Minha alma engrandece o Senhor.”) Resposta de Maria Santíssima à saudação de sua prima Isabel.

27 Alguns padres sussurravam nas sacristias que Dom Joaquim fazia seus sermões em Latim “com breves citações em Português”...

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Dom FELÍCIO CÉSAR DA CUNHA VASCONCELOS

(Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Penedo, Pernambuco – Florianópolis, Santa Catarina – Ribeirão Preto, São Paulo). Em contraponto oratório e estilístico a Dom Joaquim Domingues de Oliveira, foi para Florianópolis em 1957, como Arcebispo Coadjutor (o primeiro da História da Arquidiocese), um franciscano com Oratória até então não conhecida na região, ainda que profundo conhecedor da Teologia e da doutrina da Igreja, Dom Felício surgia como orador empolgante, comovente, que tocava as almas dos fiéis pela beleza das imagens, pela linguagem castiça, pelas figuras de retórica, pela gesticulação, pelos arroubos sentimentais que sacudiam o púlpito e os corações florianopolitanos.

Após ter sido sacerdote do Clero arquidiocesano de Porto Alegre desde 1933, viu-se elevado ao trono episcopal, seguindo inicialmente para Penedo, onde permaneceu alguns anos. Vindo para a Capital barriga-verde, passou a pronunciar, então, principalmente na bicentenária igreja de São Francisco, memoráveis sermões que até hoje as pessoas mais antigas recordam com saudade. As figuras, metáforas, hipérboles, paráfrases, metonímias e anáforas fluíam incessantes do seu verbo candente. Mostrava-se orador “nato”, fulgente, até mesmo arrebatador. Por menos que o aparentasse, no entanto, Dom Felício não gozava de boa saúde; continuava, porém, heroicamente, a trabalhar na comunidade, que passou a estimá-lo sempre mais.

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No início dos anos sessenta, foi transferido para Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, onde faleceu.

Na homilia de uma Missa dominical na antiga igreja de São Francisco, em Florianópolis, em que se comemorava o aniversário do padroeiro (4 de outubro), ele se voltou para a grande Cruz, no alto, onde o Santo envolvia o corpo do SENHOR, e exclamou:

“– Ó São Francisco, Pai diletíssimo, eu te peço, nós te pedimos: faze-nos instrumento da tua paz! Onde houver ódio, que nós ponhamos o amor! Onde houver tristeza, ponhamos a alegria. Onde houver desespero, esperança! Onde houver trevas, luz!”

“– Que os teus braços, Pai Francisco, sejam os nossos! As tuas mãos, o teu coração, o teu olhar, a tua voz sejam os nossos – de todos quantos aqui te veneram neste bendito santuário... Que os mendigos que esmolam, ali na frente desta igreja, recebam de nós, além da moeda ou do naco de nosso pão, ou da nossa ajuda material que lhes saciem a fome, que eles recebam, Pai Francisco, o nosso sorriso e o nosso abraço!... Não só neste teu dia, mas sempre, sempre que lá estiverem ou os encontrarmos...”

Foi um sermão belíssimo e comovedor, que encharcou de lágrimas a face dos Irmãos seráficos, os homens e mulheres que lotavam a igreja...

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Monsenhor AGENOR NEVES MARQUES28

Na paróquia de Tijucas, a 40 km de Florianópolis, a qual tem como padroeiro São Sebastião, era coadjutor, no início dos anos quarenta do Século XX, o Padre AGENOR NEVES MARQUES, conhecido como “Padre Nevinho”.

No dia 20 de janeiro de 1942, Padre Agenor celebrou a MISSA comemorativa do “Dia do Padroeiro”, na velha igreja Matriz, situada no bairro da Praça, região norte da então pequena cidade, onde desemboca o Rio Tijucas – um trecho portuário à beira do mar. O templo ainda lá permanece... A praça foi remodelada nos meados de 2012, tornando-se belo ponto de turismo.

Naquele dia distante eu era um dos “coroinhas”.

Já reconhecido como brilhante orador sacro, havia pouco saído do Seminário, ele pronunciou comovente “sermão” (hoje se chama homilia), o qual levou às lágrimas os numerosos fieis que superlotavam o grande templo.

Meu pai anotara alguns trechos e frases do sacerdote, dando-me, mais tarde, para que os guardasse e sobre “Padre Nevinho” escrevesse. Faço-o, neste livro, reproduzindo parte da belíssima peça oratória do celebrante, acrescida dos dados históricos do Império Romano, anotados pelo meu saudoso genitor:

Diletíssimos fieis! Hoje esta igreja engalanada e florida festeja o seu padroeiro, São Sebastião. Quem era ele, para que assim tão devota e comovidamente nós o

28 N.E.: vide a biografia do Padre Agenor Neves Marques no capítulo referente à Oratória Cívica (p. 66 e seguintes).

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veneremos? Dizê-lo-ei, queridos fieis, pelas palavras do notável sacerdote-escritor Padre Huberto Rohden, colhidas do seu livro-missal “Ano Litúrgico”, publicado em 1931, já em 2ª edição.

Antes, porém, quero relembrar a época em que São Sebastião viveu, ou seja nos anos 280 do Império Romano, em que era Chefe Supremo o cruel Imperador CAIUS AURELIUS VALERIUS DIOCLETIANUS, ou mais simplesmente Imperador DIOCLECIANO. A perseguição de Diocleciano ou “Grande Perseguição”, foi a última e talvez a mais sangrenta contra os cristãos no Império Romano – relatam as enciclopédias.

29“Eis o vosso modelo, soldados e officiaes christãos!”

“Esbravejava crudelissima a perseguição do imperador Diocleciano. Um joven discipulo de Christo, natural de Narbonne (França) e educado em Milão (Italia), acabava de assentar praça no exercito romano. Um christão no meio de guerreiros gentios, como se explica isto? É que Sebastião conhecia o grande perigo em que se achavam muitos dos seus irmãos de fé, alistados nas legiões de Diocleciano. Resolveu animá-los á perseverança, tornando-se elle mesmo soldado do imperador pagão.”

“E Deus não o desamparou. Que o digam os nobres campeões, Marcos e Marcelliano, que devem à apostólica intrepidez do joven Sebastião não terem cahido victimas da apostasia, mas conquistado a corôa do martyrio.”

29 N.E.: mantida a ortografia da época.

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“Tamanho era o valor e o tino estratégico do joven guerreiro, que em breve foi promovido a official do exercito e transferido para a côrte de Roma.”

“Ahi não tardou a ser accusado perante o soberano de professar a religião do Crucificado, interdicta pelo governo romano. Interrogado pelo imperador, confessou o official desassombradamente a sua fé em Jesus Christo: “Majestade, eu sou christão!...” Inuteis foram todas as tentativas de Diocleciano para abalar as convicções do intrepido militar. Acabou por ameaçá-lo de morte, si continuasse a praticar a religião christan. “Majestade - respondeu Sebastião - em innumeras batalhas me tenho exposto á morte pela honra do Imperio Romano; e não hesito em sacrificar a vida pelo imperio de meu divino Rei.”

“Obcecado, o imperador condemnou-o á morte, entregando-o á crueldade duma turma de frecheiros. Sebastião, atado a um tronco, foi crivado de settas e deixado por morto.”

“Aconteceu, porém, que uma matrona christan, por nome Irene, encontrasse o corpo ensanguentado do martyr e lhe descobrisse indícios de vida. Mandou-o levar a sua casa, pensou-lhe os ferimentos e conseguiu fazê-lo voltar a si.”

“Certo dia, enfrentou Sebastião com o imperador, que se aterrou grandemente com o encontro, porque dava o official por morto. Lançou-lhe o martyr em rosto o injusto das perseguições que movia aos christãos, que nenhum crime tinham commettido. O monarcha, porém, em vez de

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desistir das crueldades, enfureceu-se ainda mais do militar, e tornou a condemná-lo á morte.”

“Assim foi que, no dia 20 de Janeiro de 288, São Sebastião expirou sob os golpes de clava dos carrascos, na arena imperial de Roma. Os pagãos lançaram o corpo esphacelado em uma cloaca; mas os christãos retiraram-no dahi ás occultas e sepultaram-no com todas as honras. Mais tarde levantou-se uma magnífica basilica sobre o seu tumulo, templo que até hoje fala do heroismo desse impávido campeão de Christo.”

“Devido ao soccorro que São Sebastião tem prestado innurneras vezes em tempo de epidemia - como, por exemplo, em Lisbôa, no anno 1599 - é muito venerado e invocado como padroeiro especial contra a peste.”

“Festa de São Sebastião - uma das festas mais populares dos brasileiros. Trasladação, novena, Missa, panegyrico, procissão com o andor do santo, muito povo, muita musica e muita festa ao, glorioso martyr - e quantos se lembram de imitar-lhe as virtudes? Ai! quão poucos, quão poucos...”

“Hora da Elevação!... Porque é que aquelle soldado fardado não se ajoelha? É que tem medo. Medo de que? Dos sorrisinhos d’escarneo de algum camarada. E esse homem se diz venerador do intrepido official romano? covarde!...”

“Procissão de Corpo de Deus! Porque é que fulano não tira o chapéu? Para que os amigos não o considerem carola... Ah, dobra-se ao jugo infame da opinião publica? Que vergonha!...”

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“Communhão geral dos homens!... Porque é que o Dr. sicrano não comparece? É' porque hoje vem muita gente, e elle não quer ser visto á Mesa Sagrada. Meus pêsames, pobre escravo do respeito humano.”

“Perdão, glorioso martyr da fé, perdão a esses teus “devotos” sem caracter nem brio! Livrai-os de toda a epidemia - mas livrai-os antes de tudo dessa peste mortifera do respeito humano, e dai-lhes o espirito varonil de professarem, como vós, a religião de Jesus Christo...”

Padre ANTÔNIO ADÃO

Igualmente jesuíta e ainda residente no Colégio Catarinense em 2010, possuía Oratória peculiar e tocante. A homilia subsequente ao Evangelho do Filho Pródigo, há pouco tempo, levou às lágrimas os fiéis. Narrando o desejo do filho de retornar à casa paterna, mas sem forças para abandonar seus vícios e pecados, o orador, num gesto súplice – e comparando aquele filho a cada um de nós mesmos –, voltado para o altar, exclamava: “Espera um pouco mais por mim, ó pai!... Eu quero regressar, mas ainda não consigo... Espera só um pouquinho mais, ó pai!... Só um pouquinho! Mas um dia se deu o retorno... E ele caiu em pranto abraçado ao pai...”

Padre Antônio Adão faleceu em Porto Alegre nos meados de 2011.

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Padre Doutor ITAMAR LUIZ DA COSTA

Com a vênia do Padre, escritor e acadêmico José Artulino Besen, vai aqui reproduzido o longo artigo que publicou no Jornal da Arquidiocese de março de 2012:

Filho único do casal Luiz Eduardo Costa e Dolvina Lucinda Costa, Padre Itamar Luiz da Costa nasceu em

Laranjeiras, Laguna, SC, em 23 de julho de 1921. Sentindo-se chamado a ser padre, ingressou no Seminário de Azambuja, Brusque e depois, para os cursos de filosofia e teologia, estudou em São Leopoldo, RS, com os padres jesuítas. Por onde passou, manifestava forte liderança e capacidade de estudo. Em São Leopoldo foi Diretor da revista “O Seminário”, dos seminaristas diocesanos, revista essa que deu muito o que falar na década de 60, no período pré e pós-Concílio Vaticano II. Em setembro de 1945 recebeu o comunicado de que iria estudar em Roma, onde completaria o curso de Teologia.

Os anos vividos em Roma

A conselho da direção do Pontifício Colégio Pio Brasileiro, matriculou-se no 3° ano de Teologia podendo, assim, obter a licenciatura no 4° ano e logo prosseguir com o doutorado. Gostava de enviar livros de presente a Dom Joaquim Domingues de Oliveira e de sugerir compras, geralmente aceitas. Em 9 de julho de 1945, Dom Joaquim o consultou para adquirir toda a coleção da Civiltà Cattolica, ideia concretizada nos anos seguintes ao custo de 100 mil

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liras. A coleção dos 161 anos da Civiltà engrandece a Biblioteca do Arcebispado de Florianópolis.

Doutorado e retorno ao Brasil

Em 24 de junho de 1948, Pe. Itamar defendeu sua Tese de Doutorado com o tema “A idéia mariológica nas obras de Vieira”. Foram 300 páginas datilografadas, no breve espaço de um ano. Obteve nota 10, “summa cum laude”. O título de “Doutor” foi muito apreciado pelo Pe. ltamar, tomando como ofensa a seu patrimônio intelectual ser chamado de “Padre Itamar”: “Padre Doutor Itamar”, corrigia.

Em 15 de outubro de 1948, Dom Joaquim, no jornal A GAZETA, dá notícia da chegada do Pe. Dr. Itamar Luiz da Costa, com muita ênfase na sua aprovação “summa cum laude”. Feliz com seu jovem e competente padre, em 30 de dezembro de 1948 Dom Joaquim nomeou-o vigário ecônomo da Catedral de Florianópolis, ou seja, Cura da Catedral. Na paróquia Nossa Senhora do Desterro, desenvolveu um exemplar programa voltado à assistência social, em especial, a jovens e crianças que habitavam os morros da Capital.

Estranha e inesperada transferência

Em 16 de dezembro de 1949, Pe. Itamar escreveu a Dom Joaquim: por cansaço, pouca saúde, colocava nas mãos de Dom Joaquim o cargo de Cura da Catedral. Em 19 de dezembro, pediu a paróquia de Imaruí, pedido aceito em 23 de dezembro. E aqui tem início um drama de contrainformações que dura até os dias de hoje: centro é o boato de que Dom Joaquim, enciumado pelo sucesso do Pe.

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Dr. Itamar, o teria transferido. Infelizmente a verdade foi comprometida e Pe. Itamar nunca desmentiu, deixando claro que ele mesmo pedira a transferência. A verdade é que sua passagem pela Catedral não chegou a um ano.

Religiosidade e poder em lmaruí

De 23 de dezembro de 1949 a julho de 1957, Pe. Itamar foi pároco de São João Batista do Imaruí e coadjutor de Senhor Bom Jesus de Pescaria Brava. Pe. Dr. Itamar assumiu Imaruí com muita alegria. Lagunense que era, conhecia muita gente da terra. A Festa e Procissão do Senhor Bom Jesus dos Passos chamava a região litorânea desde meados do século XIX. Com sua Oratória que a todos emocionava, Pe. Itamar tornou-se o grande pregador da solenidade. Comentava-se que só não chorava quem não estivesse lá, tal o impacto de suas palavras e gestos.

Havia décadas o município era comandado pela família Bittencourt e, no tempo de Pe. Dr. Itamar, por Pedro Bittencourt. Pe. Itamar colocou-se do lado da política dos Bittencourt, o PSD.

Primeiro pároco de Imbituba

Criada em 28 de dezembro de 1954 e instalada em 15 de agosto de 1955, a diocese de Tubarão teve como primeiro bispo Dom Anselmo Pietrulla, OFM. Em 15 de novembro de 1956, Dom Anselmo criou a paróquia de Imbituba, designando o Pe. Dr. Itamar para seu primeiro pároco. Chegou a Imbituba em 29 de janeiro de 1956, continuando, entretanto, como Vigário de Imaruí até julho de 1957, quando se transferiu definitivamente para Imbituba. Foi grande sua dedicação à nova paróquia, preocupado tanto

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com a vida religiosa como também empenhando-se no desenvolvimento social e cultural.

Por sua qualidade intelectual, Pe. Dr. Itamar ocupou a cadeira de Filosofia na FESSC - Fundação Educacional do Sul de Santa Catarina, fundada em 1967 e transformada na Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL em 1989. Em sua homenagem, os alunos deram a seu grêmio o nome de “Diretório Acadêmico Padre Doutor Itamar Luiz da Costa”.

Breve jornada de uma vida

Enquanto a lei determinava, Pe. ltamar vestiu a batina. Para susto dos paroquianos, acostumados com seu talhe clerical, no dia seguinte à liberação da batina, em 1966, apareceu envergando elegante terno e gravata. Infelizmente, sofreu um infarto, no dia 3 de abril de 1970. Era primeira sexta-feira do mês. Pe. Itamar celebrara a Missa às 7h e depois iria a Tubarão para a Aula Inaugural na FEESC, que aconteceria às 10h. Entrou na casa paroquial e pouco depois, às 10 horas, foi encontrado morto. Foi sepultado em sua terra natal, Laranjeiras. Atento à memória histórica do primeiro pároco, em 30 de novembro de 2008 o pároco atual Pe. José Eduardo Bittencourt trasladou seus restos mortais para Imbituba e criou, na igreja Matriz, o “Memorial Pe. Dr. Itamar Luiz da Costa”. Padre Itamar da Costa viveu apenas 49 anos, dos quais 24 como presbítero.

* * *

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Na sessão realizada em 27/06/2011, na Câmara Municipal de Imbituba, SC (região sul do Estado), o Vereador LUIZ ANTÔNIO DUTRA, discorreu longa e encomiosamente sobre o pároco e orador cuja existência e trabalho religioso haviam sido, aliás, enaltecidos após seu passamento no dia 3 de abril de 1970.

O Vereador Luiz Antônio Dutra, naquele dia 27 de junho de 2011, estava, porém, recriminando a “onda” de demolições, que vinham sendo feitas, de casas e prédios históricos por toda a cidade. Neste sentido, afirmou:

“Sr. Presidente, Senhores Vereadores:”

“Um povo sem memória é um povo sem história... Que povo é este? Falamos de casas e estilos... falamos sobre estilo novo, estilo antigo... Vamos a Laguna, nossa histórica cidade vizinha, e lá contemplamos casarios açorianos, monumentos inesquecíveis e intocáveis do passado e da glória lagunense...”

“Aqui em Imbituba, senhores vereadores, destroem, demolem a casa onde viveu, por longos anos, quase toda a sua vida, o Padre Itamar Luiz Costa!...”

“Senhor Presidente, Senhores Vereadores, povo imbitubense:”

“Se não tivermos zelo e cuidado com essas referências, esses valores do nosso passado, viveremos sem memória. E um povo sem memória é um povo sem história...”

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2ª PARTE -

ORATÓRIA E RETÓRICA

- A ARTE DE FALAR BEM

(por Marcos Roberto Rosa30)

30 Administrador com especialização (MBA) em Gestão Empresarial. Foi orador da segunda turma de formandos da Faculdade Municipal de Palhoça, em 2011. Autor do livro “Custo Industrial: análise de desempenho e apoio à decisão”, Ledix, 2012.

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O autor é efêmero,

mas sua obra é perene.

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UM POUCO DE HISTÓRIA31

Oratória: trata-se de método de discurso, da arte de como falar em público ou o conjunto de regras e técnicas que permitem apurar as qualidades pessoais de quem se destina a falar em público. Na Grécia Antiga, e mesmo em Roma, a Oratória era estudada como componente da Retórica (ou seja, composição e apresentação de discursos), e era considerada uma importante habilidade na vida pública e privada. Aristóteles e Quintiliano estão entre os mais conhecidos autores sobre o tema na antiguidade.

Em Atenas, a Oratória – ou discurso público – decorria do próprio processo democrático, em que todos os cidadãos tinham possibilidade de integrar qualquer um dos organismos de organização e gestão do Estado, como, por exemplo, a Eclésia e a Bulé. Contudo, na prática, as pessoas que não moravam na cidade ou que trabalhavam durante todo o dia raramente podiam assistir às reuniões diárias onde se decidiam os assuntos relativos ao Estado.

O estipêndio – denominado na altura misthos ecclesiastikós – que, durante a guerra do Peloponeso (431-404), era dado aos membros da Eclésia representava apenas

31 Adaptado de:

Oratória (história). In Infopédia. Porto: Porto Editora, 2003-2011. Disponível em: <http://www.infopedia.pt/$oratoria-(historia)>. Acesso em: 21 dez. 2011.

NOGUEIRA, Bruno Souza. Oratória. Postado em: 08/12/2009. Disponível em: <http://www.eternamisericordia.com.br/artigo/oratoria>. Acesso em: 21 dez. 2011.

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o suficiente para que não ficassem prejudicados. Assim, eram principalmente os cidadãos abastados, de famílias antigas ou com escravos e propriedades arrendadas, que desempenhavam o papel político mais proeminente no governo do Estado, podendo dedicar-se no tempo inteiro aos assuntos mais importantes. Entre estes se destacaram Anito, Cléon e Cléofon (apesar de também terem ascendido a estes postos, em grande parte devido a suborno, homens de humildes origens).

Dada a posição proeminente ocupada, iniciou-se o uso de os chamar oradores, uma vez que eram eles que se dirigiam, na maior parte das vezes, à grande Assembleia da Eclésia para expor planos e programas a serem votados, o que exigia também o domínio do discurso persuasivo. De igual forma, uma assistência tão alargada propiciava a exaltação do orador, que pretendia tocar o íntimo dos assistentes, convencendo-os dos seus propósitos. Simultaneamente, houve também quem abusasse deste poder sobre a multidão, com objetivos menos honestos e altruístas.

A história da Oratória confunde-se com a Retórica em certo sentido. De fato, a arte de falar em público foi primeiramente desenvolvida pelos gregos e, após a ascensão de Roma, copiada e modificada pelos latinos.

Na opinião do Dr. Iran P. Moreira Necho (em “A Short essay on Post Modern Rhetoric”), a “[...] oratória sofreu severamente após a ascensão latina, vez que a fala em público somente se desenvolve em ambientes onde o debate é livre. Logo, dentro do regime romano, em que a essência

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do homem comum era viver em função do Estado (e não debatê-lo), a oratória, rapidamente, transformou-se em mero compêndio de técnicas para falar ‘bonito’, ainda que sem conteúdo algum (preferencialmente sem conteúdo, uma vez que este pressupõe crítica) [...]”.

Assim é que a Oratória Latina (formalista, com pouco ou nenhum foco no conteúdo da mensagem) acabou por encontrar ambiente propício no mundo lusitano do século 19 e 20, uma vez que praticamente todos os países de língua portuguesa viveram grande parte de tal período sob regimes ditatoriais.

Todavia, com o evento da Segunda Guerra Mundial, um momento histórico em que os ideais democráticos começaram a ganhar corpo no mundo lusitano, houve uma gradual condenação do velho estilo latino de comunicação (rebuscado e com foco maior no formalismo). No Brasil, por exemplo, a matéria de Oratória, presente anteriormente (até meados de 50) em todas os cursos de Direito, foi abolida em todo país, por sua extrema ineficiência.

No Brasil atual, quase todos os cursos de Oratória existentes ainda seguem a tradição latinista, enquanto, nos Estados Unidos, a situação é praticamente inversa.

Na atualidade, há uma vigorosa tendência de retorno à “Escola Grega de Oratória” (aristotélica), em razão de que o mundo moderno tende a não mais aceitar uma comunicação floreada e sem conteúdo. Todavia, em que pese à demanda, a criação de novos centros de Oratória Grega (Retórica ou

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ainda “Oratória Persuasiva”) tem contra si alguns pontos contrários.

A Oratória Latina, por ser meramente formal, é fácil de ensinar. A Oratória Grega, por exigir muito mais conteúdo, requer uma formação extraordinariamente superior em termos de Professores (Filosofia, Lógica, Ética, Estilística, Gramática, Psicologia do comportamento, Psicologia de massas, etc...), já que não se concebe um mestre de Retórica que seja derrotado por seus discípulos. Logo, se um “Mestre” de Oratória Latina pode ser formado por qualquer pessoa que fale com eloquência, um Mestre de Oratória Grega exige muitos anos de estudo e profunda meditação.

A oratória latina pode ser ensinada através de cursos relativamente rápidos (palestras de 4 a 8 horas), na maioria dos casos. A oratória grega exige muito mais tempo, e especialmente forte meditação por parte dos alunos.

Distinções entre a Escola de Oratória Latina e Grega em termos de discurso é que veremos a seguir.

Latina: valorização da forma; utilização marcante de figuras de estilo; apelo constante à emotividade do ouvinte; comunicação concebida como meio de mostrar “superioridade intelectual” ou ainda eloquência.

Grega: valorização do conteúdo da mensagem; utilização de estratégias de argumentação; apelo à razão comum; comunicação concebida como meio de persuadir pessoas e obter influência.

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ELEMENTOS DA ORATÓRIA32

A voz e os gestos são considerados os meios mais importantes na expressão do orador. Constituem seus instrumentos e devem ser analisados e aprimorados. Os movimentos físicos do comunicador devem acompanhar as modificações no tom da voz. Quando ele está falando a um público, deve manter uma voz agradável e vibrante para despertar o interesse dos ouvintes e a inflexão adequada para ajudar a valorizar cada palavra destacando as ideias principais.

O orador deve aprimorar as inflexões de voz até que sejam um fiel reflexo de seus pensamentos.

A postura está tão revestida de importância quanto as palavras. A melhor escolha é uma postura firme, que demonstre segurança, sem ostentação. Pré-requisitos, imprescindíveis ao advogado.

Diz-se que os olhos são “o espelho da alma”. Assim, a vida do comunicador é também transmitida através do olhar, que deve ser amplo e dirigido a todos. Os gestos ajudam a dar ênfase às ideias e devem ser trabalhados com tal empenho, que a técnica passe a lhe pertencer naturalmente. No caso dos juristas, que já possuem maturidade mental com mensagens enriquecedoras, o aprimorar a comunicação é um dever natural.

32 Adaptado de: MEDEIROS, Roberta. Elementos da Oratória. Postado em: 08/12/2009. Disponível em: <http://www.eternamisericordia.com.br/artigo/ elementos-da-oratoria>. Acesso em: 21 dez. 2011.

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Há algumas maneiras de se desenvolver o material oratório capaz de garantir a atenção do ouvinte tais como: limitar o assunto; desenvolver o poder de reserva; intercalar ilustrações e exemplos; usar palavras concretas e familiares que criem imagens. Não se deve falar de improviso e sim apresentar uma fala de improviso.

É preciso buscar o autoconhecimento, aprender a sentir o próprio corpo, observar suas dimensões e seus limites, ter consciência da sua força, identificar o pensamento e o sentimento e, também, descobrir suas possibilidades de expressão; verificar como ocorrem os movimentos de braços, das mãos, das pernas, da cabeça. Enfim, sentir como age e reage o próprio corpo e, aí sim, gesticular de forma adequada. (POLITO, 1990)

O semblante talvez seja a parte mais expressiva de todo o corpo. Funciona como uma espécie de tela. As imagens do nosso interior são apresentadas em todas as suas dimensões. Cada sentimento possui formas diferentes de ser apresentado pelo semblante, para transmitir ideias pelas palavras e, às vezes, sem a existência delas.

Ele trabalha também como indicador de coerência de sinceridade na fala. Falamos com o corpo inteiro: voz, fala, gestos, expressão corporal, psiquismo e emoção. Tudo interligado à linguagem e à palavra.

Cada palavra dita importa. Cada emoção tem seu peso específico. O importante é ser gente. E uma das condições essenciais de ser gente, talvez a mais importante delas é comunicar, falar, expressar. (BLOCH, 1979)

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A melhor voz não é aquela que chama a atenção sobre sua beleza, mas aquela que veicula o pensamento, a emoção, a informação, sem chamar atenção sobre ela sobressaltando a mensagem. A voz pode desmentir a palavra. É muito mais fácil mentir verbalmente que vocalmente.

E então, a atuação vocal do profissional da voz, deve dar-se de forma bem projetada na área da máscara e sua respiração nas regiões centrais para um controle e apoio respiratório adequados. Ela também deve ser confiante, marcante, viva na aparência e na sonoridade, com alcance e flexibilidade, frequentemente firme e geralmente dinâmica, com um toque de energia. Uma bela voz toca a mente e o coração. Ela vende.

QUEM PODE SER UM ORADOR?33

Qualquer pessoa, física e mentalmente capacitada para falar, pode tornar-se um orador eficiente, sem que para isso necessite de dotes especiais de eloquência. Basta aprender pelo estudo, e pela prática desenvolver seus dotes naturais. Cícero, apesar de grande orador, não cessava de burilar o fraseado de seu discurso. Demóstenes declamava com a boca cheia de seixos para corrigir vícios de pronúncia, e ficava em casa meses a fio para estudar a obra de Tucídides e imitar-lhe

33 Adaptado de: SOUZA, Romulo. A História da Oratória. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/57415492/3/III-%E2%80%93-A-HISTORIA-DA-ORATORIA>. Acesso em: 21 dez. 2011.

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o estilo. Lacordaire ensaiava seu discurso falando às flores do jardim.

Qualidades de um orador:

A Memória – O orador precisa dela para recordar ideias e ordená-las enquanto fala. Precisa se lembrar das palavras próprias para reproduzir ideias com acuidade. Necessita da memória para citar números, datas, estatísticas que esclarecerão seu discurso. Contudo, não se pode confiar nelas totalmente, pois a emoção diante do auditório pode causar um tolhimento repentino dos fatos, dos dados, etc.

A Adaptabilidade – É a capacidade que o orador deve ter de adaptar o conteúdo da mensagem ao interesse da plateia para leva-la à ação. É dizer as coisas da forma que as pessoas desejam ouvir para que no final ajam de acordo com sua vontade. Não basta falar com elegância, é preciso persuadir e convencer. Dizem que a grande diferença entre os dois maiores oradores era que quando Cícero discursava exclamava-se: “Que maravilha!” Quando Demóstenes falava, o povo seguia em marcha.

Inspiração – É a maneira como o orador cria o seu discurso, é a forma nova de vestir velhas ideias e torná-las atraentes. É ainda a capacidade de modificar ou substituir um discurso previamente preparado, porque houve uma grande ou total mudança nas circunstâncias no auditório. É sair do lugar comum, forçar a imaginação e encontrar caminhos novos desconhecidos.

Entusiasmo – O homem pode até vencer sem preparo, mas nunca vencerá sem entusiasmo. Quem

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apresenta um comportamento frio, apático e insensível diante do auditório, isso mesmo receberá de volta. O entusiasmo é o combustível da expressão verbal. O entusiasmo contagia os ouvintes, faz crescer no orador e no auditório a força da convicção. Dê mais valor às ideias.

Determinação – Todo orador se depara com deficiências próprias que são desanimadoras, que o conduzirão à insegurança e à depressão. Se ele se render ante este seu senso de impotência, ali se sepulta para sempre o orador. Mas se fizer dessas deficiências um desafio para alcançar maiores alturas na Oratória, colherá com alegria o resultado dos seus esforços. Determinação é lutar contra nossos próprios defeitos, sem nunca desistir, insistindo continuamente. Exercitar e exercitar.

Demóstenes tinha problemas de articulação, respiração e postura. Era alvo de constante zombaria, pois quando falava continuamente erguia os ombros. Ao iniciar sua preparação, isolou-se em um lugar onde ninguém pudesse perturbá-lo. Além disso fez a barba de forma irregular e cortou mal seu cabelo. Com aparência ridícula não podia aparecer em público. Para conseguir boa respiração dedicava-se a longas e extenuantes corridas. A dicção, como já disse, foi corrigida com seixos que colocava na boca e com os quais pronunciava as palavras da forma mais correta possível. Como não conseguisse controlar o vício do ombro, começou a treinar diante de um espelho, e toda vez que erguia o ombro era espetado por uma espada que lhe produzia ferimentos profundos. Com toda esta

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dedicação, realizou o sonho de ser um orador, o maior de todos.

Observação – É preciso estar atento a tudo quanto se pode dali produzir um discurso. Fatos, ideias, declarações, descrições, necessidades. Sempre ligado em tudo, pois de tudo ou quase tudo se faz um discurso.

Expressividade – O comunicador deverá demonstrar nos seus traços, atitudes e gestos as emoções pelas quais passam os seus sentimentos e sua razão. Alegria, pânico, desolação, tristeza, meiguice, até devem ser vistos nos gestos e expressões faciais do orador. Não se deve confundir isto com a teatralização demagógica. Cuidar para que as emoções não obscureçam o raciocínio. Dar ênfase à palavra que melhor descreve o aspecto que você deseja destacar.

Síntese – Dizer somente o que for preciso, nada além do necessário é uma tarefa a ser perseguida por todo orador. Isto significa que o discurso deve abordar o assunto no tempo que o auditório espera. No início o orador não tem este problema, pois o nervosismo o conduz a terminar mais rapidamente. O tempo do discurso depende da importância do assunto. Não se deve mutilar um discurso por causa do tempo. Tempo normal de discurso, em média, será de 30 minutos.

Antão de Moraes, falando sobre Rui Barbosa, disse: “Chamaríeis o mar de prolixo, por que é imenso? Pois é o caso de Rui; ele não é prolixo, é grandioso”. O tamanho do discurso depende, em certo sentido do tamanho do orador.

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O Ritmo – É a musicalidade da fala, que envolve velocidade, tonalidade e intensidade. A variação destes 3 aspectos produz os sotaques regionais e pessoais. É preciso aperfeiçoar o ritmo da fala de cada um dentro das características pessoais. Mas neste crescimento ninguém deve imitar ninguém.

Defeitos como excesso de velocidade, padronização constante ou falta dela devem ser evitados. Um bom exercício para se obter bom ritmo e cadência é a leitura de poesia em voz alta.

A Voz – É o resultado da coluna de ar na sua passagem pelo aparelho digestivo e respiratório. A este conjunto se chama aparelho fonador. A voz é determinada pela hereditariedade e personalidade de cada um; contudo ela pode ser trabalhada com técnicas especiais para o seu aperfeiçoamento. A voz humana revela o nosso nível de alegria, pressa, ira, amor, prazer, segurança, etc.

O primeiro cuidado que se deve ter com a voz para que adquira a qualidade desejada, é com a respiração. Alguns falam quando ainda estão inspirando, outros falam quando quase já não há mais ar. Isto provoca esforço excessivo do aparelho respiratório e mau aproveitamento da coluna de ar. A respiração mais indicada para falar é a diafragmática e abdominal.

Outro cuidado com a fala é a dicção. A clareza da fala depende da boa pronúncia. A deficiência de dicção é quase sempre causada por negligência. Costuma-se engolir ou omitir r, s, m em finais de palavras.

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A voz com o uso do microfone deve encontrar a intensidade adequada para não irritar. É bom ter alguém que o ajude nisto. Outro aspecto ao qual se deve dar atenção é a altura. A voz por demais aguda o tempo todo, esganiçada, enerva, incomoda o ouvinte. Em geral as pessoas, quando emocionadas, tendem a subir a altura da voz. Ex.: grito na hora do pânico.

Vocabulário – Todo orador precisa ser possuidor de um rico vocabulário, que traduza, com acuidade, as ideias, os sentimentos e acontecimentos que necessita exprimir. O vocabulário deve ser o mais vasto possível, porém, mais importante do que possui-lo, é saber usá-lo.

O vocabulário rico é útil para compreendermos o que lemos e ouvimos, mas nem sempre deverá ser usado em nosso discurso. É igualmente inútil, quando usamos palavras difíceis, como que pesquisadas no profundo do dicionário. Vocabulário difícil que dificulte a compreensão do que se quer dizer é uma falha, e cheira a esnobismo.

Mais importante do que o vocabulário é a estrutura fraseológica que mais embeleza e agrada do que outra coisa qualquer. Machado de Assis – beleza fraseológica. Euclides da Cunha – riqueza de vocabulário.

O vocabulário pobre indica uma pessoa inculta, que não poderá expressar com exatidão seus pensamentos e leva o auditório a rejeitar o que fala por causa de sua pobreza vocabular.

Palavras vulgares não fazem parte da boa expressão oral. O mesmo acontece com frases feitas já por demais

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usadas e com gírias, que só se justificam em ocasiões especiais. Deve-se evitar termos técnicos próprios de uma profissão, pois dificultam o entendimento.

O melhor vocabulário é o que se adapte ao auditório a quem se fala. A simplicidade deve ser buscada por todo orador para expressar com clareza suas ideias.

Como desenvolver um bom vocabulário? A primeira e mais importante resposta é ler. A segunda é procurar no dicionário toda palavra desconhecida no exato momento que você se depara com ela, ou o mais depressa possível. A terceira é construir algumas frases com tal vocábulo. Fazer palavras cruzadas, ouvir bons oradores e praticar...

Expressão Corporal – O corpo todo fala quando discursamos. O principal nesta área é naturalidade. Contudo, há coisas que devem ser evitadas: falar com as mãos nos bolsos, com os braços sobre o púlpito, embora todos estes gestos possam ter seu lugar para expressar certa ideia.

A melhor postura é estar plantado sobre as duas pernas, qualquer movimento do corpo todo só deve ser feito com naturalidade para expressar algo importante, ou mudança de pensamento. Nunca se deve fazê-lo por mero nervosismo. Depois de alguns anos de experiência isto será feito com naturalidade.

Cuidar para não ter algo que o esconda, como vaso de flores, cartaz etc... Todo enfeite da plataforma não deve ficar na frente do orador. Ao dirigir-se ao auditório não assuma posição desleixada, ou tensa, isto poderá prejudicar seu discurso. Exemplificar.

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Gesticulação. A posição de repouso pode ser sobre o púlpito, ou deixá-las (mãos) cair normalmente ao lado do corpo. Precisa-se evitar os cacoetes repetitivos do nervosismo, como segurar a gola do paletó, pressionar as mãos em forma de concha, cruzar as mãos...

O semblante é o principal indicador de expressividade. O jogo fisionômico, quando bem usado, dispensa até os demais gestos. Nele os olhos desempenham um papel fundamental. Procure os seguintes meios para melhorar seu jogo facial: Observe bons atores pela televisão, bons oradores nas câmaras, assembleias e tribunais. Aprenda com contadores de estórias, bons cantores. Estude seus gestos e o jogo fisionômico, olhando-se pelo espelho, ou com vídeo-tapes. Peça ajuda de algum amigo para corrigi-lo de forma geral.

Através dos olhos mantemos a mais viva comunicação com o auditório. Olhe cada um nos olhos.

Naturalidade – Ela é tão importante que, se na tentativa de buscar a perfeição pela técnica, você perder a naturalidade, esqueça-se da técnica e fique com a naturalidade. Ninguém tem prazer em ouvir um robô, ou um orador visivelmente produzido. O orador pode ser melhorado, aperfeiçoado, desenvolvido, mas deve ser sempre ele mesmo.

Conhecimento – Só deve falar quem tem algo a dizer e sabe como falar. Isto inclui a necessidade de um preparo prévio. Estudado. O orador deve conhecer acima de tudo sua época; quem fala precisa conhecer o seu tempo. Quanto

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maior o conhecimento da matéria a ser exposta, tanto maior a possibilidade de sucesso. Nenhuma técnica de oratória será útil se a pessoa não souber o que dizer.

A RETÓRICA34

A retórica, ou a arte de falar bem, ganha evidência a partir da obra de Aristóteles sendo ainda hoje pesquisada com afinco pelos estudiosos do assunto. A crítica que Aristóteles fez aos teorizadores de retórica que o precederam parece ter sido assentada nas seguintes razões: na de eles terem centrado a sua atenção no discurso judicial, em prejuízo dos demais gêneros; na de terem dado especial atenção ao estímulo das emoções, com negligência evidente do uso da argumentação lógica; e na da excessiva importância dada à estrutura formal do discurso.

A grande inovação de Aristóteles foi o lugar dado ao argumento lógico como elemento central na arte de persuasão. A sua Retórica é, sobretudo, uma retórica da prova, do raciocínio, do silogismo retórico; isto é, uma teoria da argumentação persuasiva. E uma das suas maiores

34 Adaptado de:

ARISTÓTELES. Retórica. 2. ed. Lisboa – Portugal: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2005. (Obras completas de Aristóteles). Tradução e notas de MANUEL ALEXANDRE JÚNIOR, PAULO FARMHOUSE ALBERTO e ABELDO NASCIMENTO PENA. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/ 47425675/Retorica>. Acesso em: 21 dez. 2011.

WIKIPÉDIA (Comp.). Retórica. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Ret%C3%B3rica>. Acesso em: 21 dez. 2011.

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qualidades reside no fato de ela ser uma técnica aplicável a qualquer assunto, uma vez que proporciona simultaneamente um método de trabalho e um sistema crítico de análise, utilizáveis não só na construção de um discurso, mas também na interpretação de qualquer forma de discursos.

A Retórica de Aristóteles parece ter resultado de três momentos distintos da sua vida. O livro 1.5-15 e partes do livro 3 foram aparentemente escritos por volta de 350 a. C., quando ainda era membro da Academia e aí ensinava Retórica. Entre 342 a.C. e 335 a.C., durante a sua estada na Macedônia, teria escrito a sua parte mais substancial. A conclusão e os retoques finais dela poderão ter sido realizados após o regresso do estagirita a Atenas em 335 a. C., e a consequente abertura da sua própria escola. A Retórica dá, efetivamente, sinais de se haver dirigido a diferentes audiências, refletindo talvez diferentes contextos e momentos diversos do seu ensino. É por isso que algumas partes parecem ter sido dirigidas primariamente a estudantes de Filosofia e outras não.

Segundo Aristóteles a persuasão “é uma espécie de demonstração, pois certamente ficamos completamente persuadidos quando consideramos que algo nos foi demonstrado”. Ele identificou três classes de meios de persuasão (apelos à audiência) que nomeou ethos, pathos e logos: primeiro, a persuasão é conseguida através do próprio orador que, pelo seu caráter e pela forma como discursa, nos consegue fazer pensar que é credível; segundo, a persuasão pode vir de dentro dos próprios ouvintes, quando o discurso

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desperta as suas emoções; terceiro, a persuasão é feita através do próprio discurso, quando prova uma verdade por meio dos argumentos adequados. Cada discurso combina os três apelos, equilibrando ou enfatizando o ethos, o pathos ou o logos.

Ethos: é a forma como o orador convence o público de que está qualificado para falar sobre o assunto, como o seu caráter ou autoridade podem influenciar a audiência. Pode ser feito de várias maneiras: por ser uma figura notável no domínio em causa ou por ser relacionado com o tema em questão.

Pathos: o uso de apelos emocionais para alterar o julgamento do público. Pode ser feito através de metáforas e outras figuras de retórica, da amplificação, ao contar uma história ou apresentar o tema de uma forma que evoca fortes emoções na plateia.

Logos: o uso da razão e do raciocínio quer indutivo ou dedutivo, para a construção de um argumento. Os apelos ao logos incluem recorrer à objetividade, estatística, matemática, lógica (por exemplo, quando um anúncio afirma que o seu produto é 37% mais eficaz do que a concorrência, está fazendo um apelo lógico); o raciocínio indutivo utiliza exemplos (históricos, míticos ou hipotéticos) para tirar conclusões; o raciocínio dedutivo usa geralmente proposições aceitas para extrair conclusões específicas. Argumentos logicamente inconsistentes ou enganadores chamam-se falácias.

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A tautologia (do grego ταὐτολογία “dizer o mesmo”) é, na Retórica, um termo ou texto que expressa a mesma ideia de formas diferentes. Como o vício de linguagem, pode ser considerado um sinônimo de pleonasmo ou redundância. A origem do termo vem de do grego tautó, que significa “o mesmo”, mais logos, que significa “assunto”. Portanto, tautologia é dizer sempre a mesma coisa em termos diferentes.35 Para melhor entendimento o leitor deve reler a Introdução deste livro.

FIGURAS DE RETÓRICA E APARENTES TAUTOLOGIAS

Na oratória política – como é frisado na Introdução – empregam-se muitas figuras literárias com aparentes tautologias.

Perorava um deputado estadual, referindo-se a certo administrador de município da região que representava: “Senhor Presidente, Senhores Deputados: O prefeito atual é o antônimo de todos os adjetivos que ora emprego. O atual é a antítese daquele que o precedeu. Este era um homem cuja honradez jamais se pôs em dúvida. Infelizmente não se pode afirmar a mesma qualidade naquele que está administrando a nossa querida terra. Outrora, o Céu. Hoje, o inferno. Antes a ordem. Agora a desordem. Nos idos que lá vivemos, um horizonte sem nuvens; no presente, o trovejar contínuo da

35 WIKIPÉDIA (Comp.). Tautologia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/ wiki/Tautologia>. Acesso em: 21 dez. 2011.

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revolta popular, a borrasca incessante da maldição... Ora, o prefeito administrador há de ser um perfeito, não só um prefeito que administra a coisa pública...”

Até aí o orador saiu-se bem. Em seu longo discurso, empregou metáforas, anástrofes, analogias, antíteses e numerosas figuras de retórica. Em alguns momentos as repetições eram compreensíveis ante o contexto geral da fala, sem que fossem consideras tautológicas. Exemplo: Faz muito tempo, faz três anos que o Prefeito está lá...

Por outro lado, todo orador precisa sempre estar atento aos vocábulos que deve e pode empregar, certo do seu verdadeiro significado, mesmo que pareça repetitivo em determinadas passagens. Um exemplo de engraçada distração é narrado por J.A. Medeiros Vieira. Aconteceu na “Missa do Galo” celebrada na Catedral Metropolitana de Florianópolis, na noite do Natal de 1960. O locutor que efetuava a “cobertura” da celebração eucarística, por sinal já falecido e amigo pessoal do coautor deste livro, chamava-se Dib Cherem. Excelente figura humana, inteligente e culto, era bacharel em Direito, jornalista e depois político bastante ativo, tornando-se, inclusive, prefeito da cidade e deputado federal. Naquela noite de festa natalina chovia copiosamente. Então, no auge da cerimônia, o templo repleto de fiéis, sob as vozes do Coral, Dib, sempre bem falante e entusiasmado, transmitindo o evento religioso pelo microfone da Rádio Guarujá (a mais ouvida e segunda mais antiga do Estado), exclamou no portal da entrada: “Senhores ouvintes, chove muito, chove demais, chove a píncaros!...” Cometia um

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equívoco, pois o correto seria: “chove a cântaros”... A pressa e a distração levaram o excelente locutor (e orador) a usar uma palavra errada, de vez que píncaros é o topo da montanha, o cume desta, e cântaro é uma vasilha cheia d’água. Além disso, se já havia exclamado “chove muito, chove demais”, não se fazia necessário reforçar o dito com o “chove a píncaros” – ou mais exatamente “chove a cântaros”. Entretanto, pode ser afirmado que, como se tratava de uma fala bastante enfática, plena de entusiasmo religioso, o locutor queria realçar, tornar mais categórica a informação sobre a chuva copiosa que caía na cidade...

Uma interessante e oportuna retificação feita por certo vereador de grande Câmara Municipal do nosso Estado catarinense demonstrou, há cerca de dois anos, como é possível a quem discursa emendar em tempo um erro cometido. Trata-se do vício de linguagem que ora examinamos, mais que isso autêntico pleonasmo. Referindo-se ao flagelo das chuvas, enchentes e deslizamentos ocorridos na cidade, aludia ao desmoronamento de antigo prédio onde funcionava uma repartição pública. Disse ele: “Senhor Presidente, Senhores Vereadores... É um episódio triste, lamentável o que aconteceu nesta semana, quando desmoronou o prédio histórico da Biblioteca Pública Municipal. Foi uma perca prejudicial!... Ou melhor: Foi uma grande perda!... E sendo perda é prejudicial ao público da nossa cidade.”.

Antes do reparo, havia dito “perca prejudicial”... Dois erros crassos: devia ter dito perda e não “perca”. O adjetivo

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prejudicial é puro erro, pois toda perda é em si mesma prejudicial...

Todavia, atento às próprias afirmações e ao bom uso das palavras, soube retificar em tempo o seu erro.

De outra parte, embora pessoas entrevistadas por locutores de rádio e TV não estejam propriamente discursando, e sim respondendo às perguntas que lhes são feitas, há numerosos casos de erros gramaticais, entre eles vícios de linguagem. Um cidadão falava sobre o sol radioso e a euforia dos turistas nas praias florianopolitanas: “É uma alegria enorme veranear aqui, é uma praia gostosa...” Certa senhora, confirmando o falante antecessor, disse isto: “É muito bom, tudo é ótimo, o lugar, as pessoas, os preços... Esse mar aqui é muito gostoso...”

Ambos, ele e ela, ignoravam, por certo, que gostoso provém de gosto, e sendo assim se refere àquilo que se come, mastiga, engole... A menos que tivessem provado, engolido a água do mar e sentido o gosto da água salgada...

Relatando alguns atos criminosos de viciados em drogas, que destruíam bancos, cercas, imagens existentes na praça, o jornalista disse: “É um vandalismo criminoso, o ato dessa gente...” “Para nossa surpresa inesperada, encontramos restos de comida num beco sem saída...”

E pouco depois: “Claro, prezados ouvintes, todo vandalismo é criminoso, toda surpresa é inesperada e todo beco é sem saída... Desculpem-me esses pleonasmos...”

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Viu-se, assim, que o locutor era um estudioso da linguagem e soube retificar os erros cometidos.

Espera-se com estes exemplos, alertar os leitores para os perigos dos vícios de linguagem comumente empregados diuturnamente.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

As obras referenciadas na sequência destinam-se aos que pretendem aprofundar-se no estudo da Oratória, constituindo um vasto campo de pesquisa aos iniciantes nesta arte. Muitas outras poderão ser consultadas, dada à abrangência do tema, porém a leitura de uma ou mais destas se configura como uma forma de iniciação ao assunto.

ALCIDES, Sérgio. Os Letrados e a Tópica. IN Estes Penhascos. Claudio Manoel da Costa e a paisagem das Minas, 1753 – 1773. São Paulo: HUCITEC, 2003.

PLEBE, Armando. Breve História da Retórica Antiga. São Paulo: EPU, 1978.

ROCHA, Coelho da, Instituições de Direito Civil Português. Coimbra, vol. II, 1857.

TORRES, Amadeu. O Trecentismo Linguístico no Testamento de D. Lourenço Vicente. IN HYMANITas, Vol. L, 1998.

VIEIRA, João Alfredo Medeiros. O Estilo e a Oratória no Brasil. Florianópolis: LEDIX, 2005.

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DISCURSO DO ACADÊMICO J. A. MEDEIROS VIEIRA, RECEPCIONANDO GILBERTO

CALLADO DE OLIVEIRA

Peço aqui uma licença especial ao prezado leitor e à estimada leitora para incluir, como forma de ilustrar tudo que foi tratado nesta obra até este momento, um discurso de autoria do coautor deste livro, J. A. Medeiros Vieira, proferido no dia 17 de abril de 2008, no Auditório Othon d’Eça da Academia Catarinense de Letras, durante a Sessão Solene de recepção do Acadêmico Gilberto Callado de Oliveira.

Por se tratar de uma página bastante aplaudida, que repercutiu de forma até suntuosa nos meios de comunicação e na comunidade acadêmica local, tal discurso segue, mesmo correndo o risco de ser acusado de autopromoção, como um roteiro sugestivo aos postulantes a oradores.

Particularmente envaidecido pela oportunidade de saudar um grande amigo e companheiro beletrista, João Alfredo registrou de forma brilhante a passagem desta ocasião tão especial e marcante na carreira literária do recém-empossado acadêmico Gilberto Callado de Oliveira, especialmente estando na presença de sua Alteza Imperial e Real Dom Bertrand de Orleans e Bragança, Príncipe Imperial do Brasil e herdeiro presuntivo do Trono.

Aos que puderem tirar algum proveito deste “modelo” ora apresentado, minhas felicitações. Aos demais, fica o registro de uma homenagem a este grande escritor e orador barriga-verde.

(Marcos R. Rosa)

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SESSÃO SOLENE DE RECEPÇÃO DO ACADÊMICO GILBERTO CALLADO DE OLIVEIRA NA

ACADEMIA CATARINENSE DE LETRAS, realizada no Auditório Othon d’Eça, no dia 17 de Abril de 2008.36

DISCURSO DO ACADÊMICO JOÃO ALFREDO MEDEIROS VIEIRA, RECEPCIONANDO GILBERTO

CALLADO DE OLIVEIRA.

Estava AGOSTINHO na praia...

Sim, estava AGOSTINHO na praia... E havia um menino na orla do mar. Lá estava AGOSTINHO, nas lonjuras da costa africana, fascinado pela beleza e a imensidão das ondas... Contemplando-as, no deslumbramento daquele instante, quiçá já começasse, num sopro do ESPÍRITO, a pensar na lapidação, em breve, do diamante que rebrilharia no seu DE CIVITATE DEI...

AGOSTINHO caminhava, refletia, ponderava, estacava o passo para fitar, num êxtase único, o escarlate do céu sobre o azul das águas... Meditava em torno do mistério da SANTÍSSIMA TRINDADE – mistério inextricável, profundo, absoluto e transcendente do intelecto humano.

Mas que tem isso a ver com esta noite e com esta posse? - perguntareis.

36 VIEIRA, João Alfredo Medeiros. Discurso de recepção do Acadêmico Gilberto Callado de Oliveira. Revista da Academia Catarinense de Letras, Florianópolis, n. 23, p.20-25, 2008. Anual.

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Explicá-lo-ei.

Sr. Acadêmico LAURO JUNKES, Presidente da Academia Catarinense de Letras.

Sr. Acadêmico Norberto Ungaretti, Vice-Presidente da Academia Catarinense de Letras.

Senhores acadêmicos membros da Diretoria.

Digníssima ALTEZA IMPERIAL E REAL Dom Bertrand de Orleans e Bragança, Príncipe Imperial do Brasil e herdeiro presuntivo do Trono.

Exmo. e Revmo. Sr. Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger, Digníssimo Arcebispo Metropolitano.

Exmo. Sr. Dr. Robson Westfall, representante do Dr. Procurador Geral de Justiça e Doutores Procuradores.

Exmo. Sr. Dr. Sadi Lima, Procurador Geral do Estado e representante do Dr. Governador desta unidade federativa.

Sr. Acadêmico Carlos Humberto Corrêa, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.

Sr. Dário Berger, Prefeito Municipal.

Sr. Acadêmico Nelson Pereira dos Santos, representante da Academia Brasileira de Letras.

Exmos. Srs. Desembargadores e Juízes de Direito.

Exmo. Sr. Dr. Hélio Sacillotti de Oliveira, Procurador de Justiça aposentado e pai do meu recipiendário.

Exma. Sra. Professora Zelita Marques de Oliveira, genitora do empossado.

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Srta. Débora Maria Marques Callado de Oliveira, filha do acadêmico chegante.

Srs. representantes de Academias de Letras do Estado.

Professora Vanilda Tenfen Medeiros Vieira, dileta consorte e secretária da Academia de Letras de Palhoça.

Exmas. Autoridades civis, militares e eclesiásticas.

Confrades e confreiras.

Senhoras e senhores componentes deste seletíssimo auditório.

Meu caríssimo recipiendário.

O exórdio que fiz não se conformaria, é óbvio, com o das Filípicas, nem com o do Primeiro Discurso das Catilinárias, de Cícero, nem com a insinuante Oração da Coroa, vinda dos lábios de Demóstenes, o maior orador da Grécia antiga...

Mas teria de fazê-lo.

Estava AGOSTINHO na praia... Sua cognição ainda platônica da obra divina era, porém, naquela hora, talvez só comparável à daquele que, mais tarde, ou seja, oito séculos e meio depois, viria a inteirá-la e aperfeiçoá-la na insuperável e aristotélica visão de quem seria o próprio “Doutor Angélico”! Agostinho, passo a passo, marcava a areia da praia. Foi quando viu o menino, viu-o sentado na orla, ocupando-se em encher d´água, com uma simples conchinha, o buraco que cavara na areia. Aproximou-se, sorridente, meneando a cabeça e gesticulando:

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- Menino, que estás fazendo? Por acaso pensas que podes encher este buraquinho com toda a água do mar?...

O garoto, erguendo o olhar para ele, tranquilamente replicou:

- É mais fácil, senhor, encher este buraquinho com toda a água do mar, do que compreender o mistério da SANTÍSSIMA TRINDADE...

Aquele menino era verdadeiro estafeta de DEUS.

Sim, há mistérios e mistérios... Inumeráveis mistérios. Nesta noite de gala, nesta noite de festa, procurarei convosco sondar mais um deles: o mistério do ser humano, do homem e da mulher, quando de uma escolha, uma opção, um sufrágio, e a consumação desse sufrágio justamente à luz das coincidências, à luz do calendário, à luz do ineditismo deste ato acadêmico, à luz da História, à luz da pessoa, do passado, da vida e da obra do meu conspicuíssimo recipiendário. Com efeito, a escolha de um nome, entre alguns outros também exponenciais, mas dando-se isto dentro de um contexto histórico-filosófico, num grêmio tão diversificado e polivalente, não deixa de ser, por igual, um autêntico mistério, embora não tenha este o inigualável jaez do que preocupava o sábio de Hipona.

Que é que fez pender a balança da opção, na plena liberdade de escolha dos meus confrades e das minhas confreiras, em favor de um postulante dotado de tantos méritos, mas alguns diversos dos demais pretendentes, dos

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aspirantes que não conseguiram conquistar a Cadeira nº 39 deste sodalício? Como se explica o fato de que o ano que há pouco iniciamos é, coincidentemente e precisamente, o do bicentenário da chegada, ao Brasil, da família real portuguesa, e o candidato vencedor seja um intelectual sabidamente afeiçoado à Corte lusitana e a seus descendentes, bem assim Presidente do Clube Monárquico de Santa Catarina? Coincidência, ou não, há laivos de mistério, por menor que este seja, na sua vinda para a Academia, justamente dois meses após a morte de Dom Pedro Gastão de Orleans e Bragança, bisneto de Dom Pedro 2º, aos 94 anos, na cidade de Sevilha, Espanha, onde, aliás, o novel acadêmico, por sinal costuma passar temporadas, elaborando seus livros, tendo lá nascido há 21 anos, sua graciosa e bela filha Débora Maria.

Vede quantas coincidências!...

O ano de 2008, cronologicamente registra, por primeiro, o quadringentésimo septuagésimo sétimo (CDLXXVII) ANIVERSÁRIO DAS Ordenações Manuelinas, que se seguiram às Afonsinas.

Concomitantemente, 2008 assinala o quadringentési-mo (CD) aniversário, ou o quarto centenário de nascimento do maior escritor e orador da Língua Portuguesa, a mais alta expressão do seu barroquismo, o lusitano-baiano seiscentista PADRE ANTÔNIO VIEIRA. Neste mesmo ano de 2008 comemora-se o centésimo-septuagésimo quarto aniversário (CLXXIV) da Constituição Imperial de 25 de março de 1824, que criava, na prática, a JUSTIÇA

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BRASILEIRA, inclusive os Juizados Forâneos e a Casa de Suplicação.

Neste mesmo ano de 2008 todos festejamos o centenário da morte de JOAQUIM MARIA MACHADO DE ASSIS, o maior dos escritores brasileiros, cuja imagem esculpida embeleza, no Rio de Janeiro portal do Petit Trianon.

Relevo maior – afora a presença, neste auditório, para todos nós raríssima, altíssima e honrosíssima do grande amigo e religionário do empossado, Sua Alteza Imperial e Real Dom Bertrand de Orleans e Bragança, como também a do escritor Nelson Pereira dos Santos, representante da Academia Brasileira de Letras – relevo maior, dizia eu, não poderia haver do que a lembrança comemorativa daquelas figuras inexcedíveis das nossas letras – VIEIRA e MACHADO, juntamente com a do bicentenário da nossa JUSTIÇA, na noite e no ano da posse de um beletrista, jusfilófoso e jurisconsulto como GILBERTO CALLADO DE OLIVEIRA.

Entretanto, há muito que dizer sobre o nosso novo confrade Professor GILBERTO CALLADO DE OLIVEIRA. A ele dedico a máxima latina: “Nomen atque omen!” – O nome é o seu prognóstico.

Escritor fecundo, pensador de raras e profundas lucubrações, estilista esmeradíssimo, homem de intensa fé cristã cuja vida espiritual é de todos conhecida em nossa terra, GILBERTO CALLADO DE OLIVEIRA nem precisava da Academia. Esta é que precisava dele. Ei-lo,

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agora, a ocupar a cadeira deixada pelo inolvidável Almiro Caldeira de Andrada. Ambos verdadeiros exemplos do que os romanos referiam com a expressão humaniores litterae – letras mais humanas, ou a alta cultura literária.

O gosto de Gilberto pelas beletras, a sua vocação de jurista e jusfilósofo têm, por certo, uma origem, uma causa, um nascedouro dentro do lar: o seu ilustre pai e a sua querida genitora. O nome e a carreira do Dr. Hélio Sacillotti de Oliveira são por demais conhecidos em nossa terra, desde os longes da década de cinquenta do Século Vinte, quando ele, como Promotor de Justiça, esgrimia no Foro com inigualável destreza mental, vasta cultura jurídica e riquíssimo vocabulário. Fazia-o quase sempre vitorioso e aplaudido. Por seu turno, a Professora Zelita, sua mãe, graduada em Letras e brilhante cultora do vernáculo, aluna que fora do insigne Mestre Napoleão Mendes de Almeida, soube incutir no espírito do filho o mesmo apego ao idioma, transmitindo-lhe igual fluência vocabular e o mesmo brilho estilístico dos seus textos.

Helio Sacillotti de Oliveira não destoava dos verdadeiros numes da oratória forense, em particular da tribuna criminal, os quais esplenderam ainda na fase do Império, como Ferreira Viana, Felipe Néri de Oliveira, Félix da Cunha e Silveira Martins. Ombreou-se com aqueles que, já nos anos primevos da República, altearam-se nos debates criminais, tais sejam Lima Drumond, Evaristo de Morais, Roberto Lyra, Romeiro Neto, Araújo Jorge, Serrano Neves. E, em nosso Estado, à sua época, com tribunos que

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rebrilharam nos altiplanos da retórica, à maneira de João Batista Bonassis, Custódio Campos e Armando Calil.

Tomaria de vós muito tempo se passasse a enumerar e analisar todos os trabalhos escritos, ensaios, monografias e livros que brotaram da pena do Professor GILBERTO CALLADO DE OLIVEIRA. Arrole-se, porém, junto com sua biografia, a principal parte de sua vasta obra jurídica, filosófica e literária.

GILBERTO CALLADO DE OLIVEIRA é natural de Florianópolis, tendo iniciado sua carreira literária publicando crônicas no Diário Popular, de Curitiba e logo depois em A Gazeta, de Florianópolis. Realizou seus estudos de Filosofia e Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. Doutorou-se em Filosofia do Direito na Universidade de Navarra (Espanha), em 1987, com a tese “O Conceito de Acusação” (publicada em 1996 pela Editora Revista dos Tribunais, São Paulo), sendo então presidente do tribunal acadêmico o prestigioso romanista Álvaro d´Ors. Em 1994 fez seu pós-doutoramento na mesma Universidade, produzindo a obra crítica “A Verdadeira face do Direito Alternativo” (publicada em 1995, pela Editora Juruá, Curitiba), hoje em 4ª edição de 2006, revista e atualizada, com Estudo da Influência do Gramscismo no Direito Alternativo.

Membro do Ministério Público do Estado de Santa Catarina no cargo de Procurador de Justiça, onde, por sinal é, também colega do meu filho Humberto Francisco Scharf Vieira, e da minha filha Henriqueta Scharf Vieira,

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Promotora, ele é Professor dos cursos de Doutorado e Graduação em Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, nas áreas de Filosofia do Direito e Processo Penal. Também leciona no curso de pós-graduação da Universidade do Sul de Santa Catarina, disciplina concernente à de Segurança Pública.

Percorramos o longo rol de suas obras, além das numerosas crônicas iniciais, na fase das primícias literárias dos anos setenta do século passado. Já em 1987, como se disse, lançava a tese “O Conceito de Acusação”, em seu doutoramento na Universidade de Navarra; em 1999, pela editora espanhola EUNSA, publicava o ensaio “Demolição Multissecular do Direito Natural”; em 2001, com o selo da Editora da UNIVALI, trazia a público a densa e profunda obra “Filosofia da Política Jurídica”, com propostas epistemológicas para a política do Direito; em 2002, já levava ao leitor a terceira edição de “A Verdadeira Face do Direito Alternativo”; em 2004, vinha a lume a “Sociologia Juspolítica”; em 2005, também pela editora Obra Jurídica, chegava às livrarias o estudo intitulado “Princípios Básicos de Política Jurídica”; em 2006, éramos brindados com a quarta e primorosa edição de “A Verdadeira Face do Direito Alternativo”, que traz o sinete da JURUÁ Editora, de Curitiba; em 2007, publicou ele, num denso volume, “Constituição do Estado de Santa Catarina”, anotada com julgados do nosso Tribunal de Justiça. Foi na condição de Procurador de Justiça Coordenador do CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DO CONTROLE DE CONSTITUCIONA-

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LIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA, que elaborou a última obra referida, sobre a Carta Magna do Estado. E neste ano de 2008, pela CONCEITO EDITORIAL, de Florianópolis, vê lançada a segunda edição de “Filosofia da Política Jurídica”.

De permeio com essa dezena de lançamentos, o brilhante escritor, além dos numerosos artigos e ensaios em órgãos especializados quer no Brasil, quer no exterior, ao que se sabe já prepara novas obras a serem publicadas por editoras locais e nacionais, entre as quais, por certo, a LEDIX, que tenho a satisfação de dirigir.

A locução latina ex unge leo adapta-se como luva à figura do nosso novo confrade. Sim, pela garra se conhece o leão, ou as obras revelam o homem. Ora exprimindo as dificuldades epistemológicas da política jurídica e seus fundamentos metafísicos, ora analisando a perspectiva crítico-científica dos processos sociais, com seus conteúdos empíricos e axiológicos, ora desnudando as falácias do alternativismo ante as raízes naturais do Direito em face das contradições ideológicas e lógicas do gramscismo, o autor que nesta noite chega ao nosso convívio é, realmente, motivo de orgulho para a Academia, como já o é para Santa Catarina.

À pessoa de GILBERTO CALLADO DE OLIVEIRA poder-se-ia dedicar a frase de Santo Agostinho, que João Neves de Fontoura evocou, aplicando-a a Coelho Neto: “Ele não depende das palavras; as palavras é que dependem dele.”

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De fato, há os que escrevem e não dizem; e os que dizem e não escrevem. Há os que falam e não fazem; e os que fazem e não falam. Gilberto escreve e diz; Gilberto fala e faz. Sua escrita é sua vida. Ele toma como suas as palavras de Molière: “La parole a été donnée à l´homme pour expliquer ses pensées, et tout ainsi que les pensées sont portraits des choses, de même nos paroles sont elles les portraits de nos pensées: -- A palavra foi dada ao homem para explicar seus pensamentos, e assim como os pensamentos são os retratos das coisas, da mesma forma as nossas palavras são retratos de nossos pensamentos.”

. Ele o faz porque sabe, como Cícero, que “Nihil est veritatis luce dulcius” – Nada existe de mais doce que a luz da verdade.

Mas Gilberto adotou, sobretudo, em sua vida e sua obra a diretriz de BERNANOS: “Quando Deus cria os escritores, já sabe as obras que eles devem produzir, e contas lhes serão tomadas pelos pecados da negligência e da omissão.”

Jamais negligenciou, jamais se omitiu; ao contrário, exproba a desfaçatez, recrimina a indolência mental, aprofunda a crença nos valores eternos, verbera o erro e mostra a verdade. Por tudo isso, ele é um escritor que vem engrandecer a Casa de José Boiteux.

Caríssimo amigo e agora confrade escritor GILBERTO CALLADO DE OLIVEIRA: Ao cruzar o marco dos 79 invernos que Deus me permitiu viver, sinto que jamais imaginara ao longo deles e de trinta e dois anos de

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vida acadêmica, ter a honra altíssima deste momento – o momento de, na qualidade de preceptor ou recebedor, aqui vos recepcionar, em nome da ACADEMIA CATARINENSE DE LETRAS e dos seus consócios.

E, pari passu, recepcionando-vos, saudar, também, pessoalmente – fato inédito nos anais desta Academia -, com honra altíssima, única e indizível para o menino do Curso Primário – hoje ancião quase octogenário, que estudava nos livros de História a Família Real e a Casa dos Bragança -, aquele que é, de direito e de fato, o herdeiro presuntivo do Trono deixado por seu trisavô, Dom Pedro II.

Meu diletíssimo recipiendário:

Recebei o galardão que vos oferecemos merecidamente. Vinde participar de nossas tertúlias, sobraçando a vossa obra, repassada de esperanças verdes como os vossos anos. Mantende sempre acesa a pira que vossas mãos já acenderam e deixai-a crepitando no altar da imortalidade, junto conosco, os guardiães do tabernáculo, na majestade hierática do sacerdócio perene.

Tenho dito

Florianópolis, 17 de abril de 2008

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Posfácio

A coletânea ora apresentada buscou abarcar os mais expressivos oradores barrigas-verdes da história moderna e contemporânea de nosso Estado. Neste extenuante, porém recompensador trabalho, deparamo-nos com inúmeros outros oradores, de maior ou menor expressão em suas referidas áreas, os quais, por falta de informações precisas ou de maior tempo hábil para levantamento destas, não figuram neste opúsculo.

Temos incondicional certeza de que não nos seria possível, em apenas uma obra, abranger a totalidade das ilustres figuras que tanto nos emocionaram e ensinaram através de sua Oratória. Pelas omissões cometidas pedimos, antecipadamente, escusas aos nossos nobres leitores, deixando, desde já, a sugestão para um aprofundamento da pesquisa aqui apresentada.

No intuito de corrigirmos possíveis falhas encontradas ao longo do texto pedimos, humildemente, que, ao serem encontradas, nos sejam enviadas para procedermos as devidas correções nas próximas edições da obra. A remessa poderá ser feita através dos endereços apresentados na página IV deste livro. Aos que se dispuserem a nos auxiliar nas correções, nossos sinceros agradecimentos.

Esperamos com esta obra contribuir para o engrandecimento da cultura catarinense. De maneira sincera

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e despretensiosa almejamos que, ao lerem este livro, vos seja despertada, ao menos, a curiosidade para maior imersão neste maravilhoso mundo da Oratória.

Nosso muito obrigado a todos!

Os autores.

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OBRAS DE J.A. MEDEIROS

VIEIRA

FILOSOFIA:

1. “Filosofia – A Verdade como busca da natureza humana” (ensaio sobre Teoria do Conhecimento), 1956, 2ª ed. LEDIX, SP, 1992.

2. “O Existencialismo – Jaspers, Heidegger e Kierkegaard”, idem, 1958, 2ª ed. LEDIX, SP, 1992.

3. “Notas sobre a História da Filosofia em Santa Catarina”, Florianópolis, 1955, ed. autor, esg., 2ª ed. 1999.

4. “O Centenário de Mont’ Alverne”, Florianópolis, 1958, ed. aut.. 2ª ed. Revisada e ampliada, LEDIX, Florianópolis, SC, 2006.

5. “Filosofia e Direito”, Florianópolis, SC: LEDIX, 2009.

DIREITO:

a) Penal e Processo Penal 6. “Conceito, ônus, valoração e classificação das provas no processo penal”, mon., 1965.

7. “Estudo sobre o homicídio”, mon., Florianópolis, 1968. 2ª ed. LEDIX, Florianópolis, 2005.

8. “A Prisão Cautelar”, 1970. 2ª ed. LEDIX, Florianópolis, 2005.

9. “O Júri – Modificações – Conselho de Sentença Misto”, 1975. 2ª ed. LEDIX, Florianópolis, 2005.

b) Criminologia 10. “Noções de Criminologia”, LEDIX, SP, 1997.

c) Civil (ensaios)

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11. “Posse e Propriedade”, 1969. “Usufruto e Fideicomisso”, 1969.

12. “Sugestões para a reforma do Código Civil”, 1970.

d) História Judiciária: 13. “O Estatuto da Regência e a L.O.M.A.N.” (ensaio histórico-critico-doutrinário sobre a Lei Orgânica da Magistratura Nacional), ed. Associação dos Magistrados Catarinenses, 1979.

14. “Notas para a História do Poder Judiciário em Santa Catarina”, ed. Fundação Catarinense de Cultura, 1981.

PSICOLOGIA:

15. “Noções de Psicologia Experimental”, Imprensa Oficial de Santa Catarina, 1953.

16. “Estudos Psicológicos”, Tip. e Livraria Blumenauense. 1954.

17. “Psicologia para principiantes”, LEDIX, SP, 1995.

LITERATURA (E FILOLOGIA):

18. “Primícias e Evocações”, ed. aut., 1952. 2ª ed. Florianópolis, SC: LEDIX, 2006.

19. “Mater” (crônicas), ed. Ipiranga, 1952, 2a ed., esg. 20. “Diário de um Agente Itinerante” (impressões de viagem, cf análises histórico-sociológicas abrangendo o sul do país), Editora Leitura, Rio de Janeiro. 1969.

21. “A Prece de um Juiz” (opúsculo ou plaquette, 1973), múltiplas edições em Português e traduções para quarenta e uma (41) línguas; última edição, do T. J. de SC, opúsculo, 2002.

22. “Páginas Famosas”, Ed. Maxmar, Joaçaba, SC, 1974. 23. “O Sonho e a Glória” (romance histórico sobre a colonização ítalo-alemã do Vale do Itajaí, SC) – Editora Lunardelli, 1975.

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24. “Nos Degraus do Cenáculo”, IEB/PARMA, São Paulo, 1978.

25. “Os Vivos e os Mortos” (contos), Editora Parma, São Paulo, 1978.

26. “Uma História Impossível” (a crônica do livro num livro de crônicas), LEDIX, São Paulo, 1991.

27. “O Ensino Linguístico e Literário – A Avaliação”, LEDIX, São Paulo, 1996.

28. “Português Prático e Forense”, LEDIX, Florianópolis, SC, 8ª ed. 2004.

29. “Tenho Dito” (coletânea de discursos e palestras) LEDIX, 2004.

30. “O Estilo e a Oratória no Brasil”, LEDIX, 2005. 31. “Crônicas e Croniquetas”, Florianópolis, SC: LEDIX, 2006.

32. “Questões Gramaticais”, Florianópolis, SC: LEDIX, 2007.

33. “Jornalismo e Editoração”, Florianópolis, SC: LEDIX, 2007.

34. “A Nova Ortografia – com testes”, Florianópolis, SC: LEDIX, 2009.

35. “Memorial de Cinquenta e Sessenta”, Florianópolis, SC: LEDIX, 2009.

36. “Encontros e Andanças”, Florianópolis, SC: LEDIX, 2011.

37. “Oradores Barrigas-Verdes”, LEDIX, 2012.

Além dos títulos indicados, (incluídas aí as 10 monografias jurídicas) J. A. Medeiros Vieira publicou mais de 600 artigos até 2004 em jornais e revistas do Brasil e exterior.

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O autor, J.A. Medeiros Vieira, às margens da lagoa em seu sítio na localidade de Sorocaba de Fora, Biguaçu, SC, acompanhado de seu fiel pastor alemão “Lobo”.