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Revista Ensaios & Diálogos – Nº7 – janeiro/dezembro de 2014 58 Onde está a credibilidade das agências de rating? Gabriel Ribeiro 1 Prof. Esp. Emerson do Carmo Martins Mina 2 Resumo As agências de rating entraram no foco das discussões após a Crise de 2008. Elas foram acusadas por serem uma das maiores responsáveis pela bancarrota financeira após muitos fundos de investimento que quebraram, devido à baixa qualidade e altos riscos oferecidos por seus ativos, terem sido avaliados por elas com as mais altas notas de confiança, o que levou milhares de investidores a uma armadilha financeira. Este projeto busca destrinchar, de forma sucinta, por meio da análise de Documentação Indireta, os mecanismos que fazem essas agências funcionarem, como elas nasceram, a maneira como trabalham e o envolvimento delas com os desastres financeiros que abalaram empresas e países. Os resultados desta pesquisa concluem que essas agências são muito importantes para deixarem de existir, mas que as décadas de liberdade e falta de regulamentação as tornaram poderosas demais e inconsequentes a ponto de ditarem altas quedas e não se responsabilizarem por isso. Palavras-chave: Agências de Rating – Classificação de Risco – Crise do subprime – Crédito – Crise Imobiliária 1 Introdução As agências de rating são, hoje, um tipo de companhias mais influentes no mundo, tendo sobre si a confiança de milhões de pessoas envolvidas direta e indiretamente com o mercado financeiro. Até por isso, seu número é restrito a poucos concorrentes, pois a credibilidade leva anos para ser conquistada. Baseadas nessa confiança, elas cresceram absurdamente e se tornaram indispensáveis para auxiliar os investidores nas assimetrias de informações disponibilizadas por aqueles que vendem produtos de investimentos, além de serem grandes auxiliadoras no controle de qualidade desses produtos emitidos. As três principais e mais antigas companhias de classificação de risco são a Standard & Poor’s, a Moody’s e a Fitch. Sobre elas, está concentrado o maior número de ratings produzidos e, também, o maior número de problemas já ocorridos. Neste artigo, para esclarecer, da melhor forma possível, o que são essas empresas e qual o seu papel nos problemas gerados pela crise financeira de 2008, que perduram até hoje, é preciso entrar, ainda que de forma sucinta, nas engrenagens que movem essas gigantes e poderosas empresas. Para melhor embasamento das conclusões aqui mostradas, discorreremos sobre o nascimento dessas agências; a forma como trabalham; as causas de suas maiores críticas; e as soluções para os inconvenientes causados por elas, formulando, assim, um pensamento crítico sobre o trabalho desempenhado por essas empresas fundamentais, mas carentes de algum tipo de regulação. 2 História Segundo Rudden (2005), a história das agências de classificação de riscos de crédito começou na metade do século XIX, mais especificamente a partir de 1850, nos Estados Unidos. 1 Aluno do curso de Tecnologia em Gestão Financeira – Claretiano Faculdade – Rio Claro 2 Professor Claretiano Faculdade – Rio Claro

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Revista Ensaios & Diálogos – Nº7 – janeiro/dezembro de 2014 58

Onde está a credibilidade das agências de rating?

Gabriel Ribeiro1

Prof. Esp. Emerson do Carmo Martins Mina2

Resumo

As agências de rating entraram no foco das discussões após a Crise de 2008. Elas foram acusadas por serem uma das maiores responsáveis pela bancarrota financeira após muitos fundos de investimento que quebraram, devido à baixa qualidade e altos riscos oferecidos por seus ativos, terem sido avaliados por elas com as mais altas notas de confiança, o que levou milhares de investidores a uma armadilha financeira. Este projeto busca destrinchar, de forma sucinta, por meio da análise de Documentação Indireta, os mecanismos que fazem essas agências funcionarem, como elas nasceram, a maneira como trabalham e o envolvimento delas com os desastres financeiros que abalaram empresas e países. Os resultados desta pesquisa concluem que essas agências são muito importantes para deixarem de existir, mas que as décadas de liberdade e falta de regulamentação as tornaram poderosas demais e inconsequentes a ponto de ditarem altas quedas e não se responsabilizarem por isso. Palavras-chave: Agências de Rating – Classificação de Risco – Crise do subprime – Crédito – Crise Imobiliária 1 Introdução

As agências de rating são, hoje, um tipo de companhias mais influentes no mundo, tendo sobre si

a confiança de milhões de pessoas envolvidas direta e indiretamente com o mercado financeiro. Até por

isso, seu número é restrito a poucos concorrentes, pois a credibilidade leva anos para ser conquistada.

Baseadas nessa confiança, elas cresceram absurdamente e se tornaram indispensáveis para

auxiliar os investidores nas assimetrias de informações disponibilizadas por aqueles que vendem produtos

de investimentos, além de serem grandes auxiliadoras no controle de qualidade desses produtos

emitidos.

As três principais e mais antigas companhias de classificação de risco são a Standard & Poor’s, a

Moody’s e a Fitch. Sobre elas, está concentrado o maior número de ratings produzidos e, também, o

maior número de problemas já ocorridos.

Neste artigo, para esclarecer, da melhor forma possível, o que são essas empresas e qual o seu

papel nos problemas gerados pela crise financeira de 2008, que perduram até hoje, é preciso entrar,

ainda que de forma sucinta, nas engrenagens que movem essas gigantes e poderosas empresas.

Para melhor embasamento das conclusões aqui mostradas, discorreremos sobre o nascimento

dessas agências; a forma como trabalham; as causas de suas maiores críticas; e as soluções para os

inconvenientes causados por elas, formulando, assim, um pensamento crítico sobre o trabalho

desempenhado por essas empresas fundamentais, mas carentes de algum tipo de regulação.

2 História

Segundo Rudden (2005), a história das agências de classificação de riscos de crédito começou na

metade do século XIX, mais especificamente a partir de 1850, nos Estados Unidos.

1 Aluno do curso de Tecnologia em Gestão Financeira – Claretiano Faculdade – Rio Claro 2 Professor Claretiano Faculdade – Rio Claro

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Naquela época, o país estava em constante expansão com a conquista dos novos territórios

partindo do leste para o “oeste selvagem”. E, com essa expansão, as empresas também cresciam e

necessitavam escoar sua produção através de um transporte rápido e eficiente, no caso, os trens.

Sendo assim, inspirados no nascimento das ferrovias na Inglaterra, os EUA sofreram um boom

desse tipo de transporte a partir de 1850, com as empresas levando os trilhos até as regiões mais

longínquas, a oeste.

Entretanto, essas empresas, até então, dependiam, exclusivamente, do empréstimo dos bancos

ou de investidores, e isso se tornou um problema, pois os valores e os riscos tornaram-se altos demais.

Dessa forma, baseados no mercado de títulos de dívida soberana, ou, mesmo, de dívida corporativa de

empresas europeias – que já existiam há, pelo menos, três séculos –, os Estados Unidos criaram um

enorme mercado de títulos de dívidas para financiar a expansão ferroviária. Com o passar dos anos, e

após 1900, esse mercado de títulos ficou tão robusto que já ultrapassava os mercados nos quais havia se

inspirado.

Assim, uma gama diversa de investidores europeus começou a comprar esses títulos de dívidas

corporativas. Mas, como eles não conheciam muito bem as empresas nas quais investiam – lembrando

que, naquela época, as informações corriam muito mais lentas e o tempo de viagem entre os continentes

era muito maior −, começaram a exigir outros meios de obter informação, e não mais pelos meios

tradicionais – através de relações familiares, de negócios ou bancárias.

Os investidores desejavam uma análise “fria”, independente de interesses e que fosse realizada

por pessoas competentes e que pudessem oferecer informações seguras sobre essas empresas.

Dessa maneira, o editor do American Railroad Journal, Henry Varnum Poor, observando a

necessidade que ali se instalava, escreveu, em 1860, o primeiro livro denominado History of the

Railroads and Canals of the United States, no qual o autor tentou compilar, pela primeira vez, o máximo

de informações sobre as companhias ferroviárias americanas. A publicação fez tanto sucesso que Henry,

em 1868, após a Guerra Civil Americana, abriu, junto com seu filho Henry William Poor, a empresa H.V.

and H.W. Poor Co., na qual começaram a publicar, todos os anos, o Manual of the Railroads of the United

States, o sucessor do primeiro livro e que possuía informações atualizadas sobre as companhias

ferroviárias, com balanços e outras informações importantes. Esses livros tornaram-se a principal fonte

dos investidores por décadas, sendo os precursores das atuais avaliações de crédito (STANDARD &

POOR’S, 2013).

Então, em 1909, o analista financeiro John Moody levou a publicação de informações um pouco

mais longe e criou o primeiro rating de crédito, atribuindo letras de acordo com o nível de risco de um

título de dívida corporativa emitido pelas empresas ferroviárias. A empresa de Poor seguiu o exemplo em

1922 e, anos depois, em 1941, se uniu à Standard Statistics, uma empresa de consolidação e

classificação de risco de crédito, formando a Standard & Poor’s (BRAGA, 2008; MOODY’S, 2013).

Já em 1913, quem começa a publicar as informações financeiras é a Fitch Publishing Company,

que, em 1924, introduz a conhecida classificação de risco “AAA” a “D” (RUDDEN, 2005).

A partir de então, com a expansão das emissões de títulos de dívida locais e estaduais, de

prestadoras de serviços públicos e de indústrias, as três agências tornaram-se muito conhecidas,

principalmente por causa de sua confiabilidade, integridade e independência. E, com a crise financeira de

1929, a demanda por avaliações de crédito aumentou ainda mais, com os investidores preocupados com

as altas taxas de inadimplência das obrigações e do risco de crédito. No fim da década de 1920, a grande

maioria das emissões de títulos de dívida era classificada por alguma agência de rating (RUDDEN, 2005;

BRAGA, 2008).

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Mas foi em 1931 que essas companhias realmente se tornam oficiais, quando o Departamento do

Tesouro dos EUA instituiu os ratings de crédito como normas para alguns tipos de investimentos, de tal

forma que fundos de pensão, por exemplo, não poderiam investir em títulos abaixo de um risco mínimo

(BRAGA, 2008).

O próximo boom da indústria de classificação de risco é atribuído a uma nova recessão, dessa

vez, em 1970, quando a moratória no valor de US$ 82 milhões das notas promissórias da companhia

Penn Central Railroad ocorreu. Isso aumentou ainda mais a demanda e criou o modelo utilizado

atualmente, em que as agências cobram dos emissores dos títulos para avaliá-los.

Em 1972, ocorre, no Canadá, a primeira expansão das agências de classificação de risco fora do

terreno americano, com o nascimento da The Canadian Bond Rating Service e da Dominion Bond Rating

Service. Já em 1975, nasce a Mikuni & Co. no Japão, seguida por outras duas em 1979 e 1985. Na

Inglaterra, nasce a International Bank Credit Analysis em 1979, juntando-se à Fitch em 1997 e formando

a Fitch/IBCA (BRAGA, 2008).

Na década de 1980, a procura segue em expansão por causa do crescimento do mercado de

derivativos, com o surgimento de negociações secundárias dos títulos de dívida pública de países

lançados nos mercados internacionais e o crescimento do mercado de junk bonds – obrigações

especulativas que apresentam elevada probabilidade de incumprimento, apresentando, por isso, um

elevado risco (BRAGA,2008).

2 Metodologia de classificação das agências

O rating nada mais é do que uma opinião a respeito da capacidade que um devedor – seja este

uma empresa privada ou pública ou, mesmo, um país – tem para honrar com seus compromissos

financeiros, efetuando pagamentos e amortizações nas datas preestabelecidas. Sendo assim, torna-se

uma medida relativa de risco de crédito. De acordo com Sales (2006):

Rating não deve ser entendido como uma medida de volatilidade de preços ou medidas de valor relativo, e sim de risco relativo. Não é uma medida de potencial de valorização de ativos ou outros riscos relacionados a investimentos em renda fixa que não à perda esperada em função da inadimplência do emissor. Em outras palavras, utilizando-se a classificação de rating, torna-se possível determinar, através de fatores qualitativos e quantitativos, a previsibilidade e estabilidade da geração de caixa futura do emissor, bem como o nível de risco relativo associado ao não recebimento pontual.

De acordo com Hansen (2005), todas as agências são unânimes em alertar que os ratings não

são uma sugestão de investimento e que os problemas de default podem ocorrer com empresas com

qualquer classificação.

Ou seja, a lógica por trás da existência das agências de classificação de risco está no fato de que

elas resolvem o problema de assimetria de informações entre credores e devedores no que se refere à

credibilidade dos últimos, tendo em vista que tais informações colaboram com as tomadas de decisões de

todos os agentes do sistema financeiro ao permitir que todos tenham acesso à avaliação da saúde

financeira e dos riscos que o devedor oferece (BRAGA, 2008).

2.1 As agências

As agências de classificação de risco de crédito cresceram ao responder uma questão um tanto

complexa no mercado: como um emprestador avalia o crédito de um tomador de empréstimo e como

continua mantendo-se informado quanto a isso durante o período do contrato? Empresas especializadas

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nesse tipo de negócio, tais como bancos e seguradoras, poderiam, se quisessem, colher as informações

necessárias para si.

Porém, aplicadores “não especialistas” não possuem os meios para tal, e, até mesmo,

especialistas que se aventuram em novos investimentos têm dificuldades para driblar as assimetrias de

informação do mercado. Assim, aparecem as agências com o objetivo único de produzir informação de

qualidade sobre inúmeros tipos de investimentos e de divulgá-los para o público em geral (VELAZQUEZ,

2011).

Com dados de 2012, as três principais agências de rating (Standard & Poor’s, Moody’s Investor

Service e Fitch Ratings) dominam 95% do mercado mundial de classificação. Essas empresas são

privadas e processam avaliações de crédito de outras empresas e países a um custo acessível aos

agentes econômicos.

Elas, por meio de uma padronização de avaliação, permitem ao investidor realizar uma

comparação entre as diversas oportunidades de investimentos, facilitando a análise do aplicador quanto à

precificação dos ativos e estimativa de taxas de retornos.

A partir daí, conforme explica Braga (2008), o investidor estabelece o rendimento esperado dos

títulos em sua carteira de ativos de acordo com o prêmio de risco demandado que compense o

investimento mais arriscado. Assim, os emissores com menor risco de crédito (com melhor classificação)

pagam menor prêmio do que emissores com pior classificação. Dessa forma, o rating torna-se, sim, uma

ferramenta para estabelecimento de preços e remunerações, contradizendo a citação de Sales (2006)

que diz que o rating não deve ser entendido como uma medida de volatilidade de preços ou medidas de

valor relativo.

De acordo com Medina (2012), os ratings apresentam vantagens diferentes para o emissor,

investidor e para o mercado:

Para o emissor:

Menor prêmio pelo risco oferecido, ou seja, quanto menor o risco, menor o valor a pagar

para o investidor;

Acesso mais fácil a novos mercados (existe uma maior aceitação pelos investidores ao

verem um emissor classificado);

Maior liquidez de seus papéis e possível redução do custo de capital;

Maior facilidade de crédito;

Melhorias estratégicas e política de gestão (as entidades preocupam-se mais em dar bons

resultados).

Para o investidor:

Maior facilidade na comparação de notas, devido à padronização das escalas;

Informações mais simétricas e que podem ser comparadas entre empresas, setores e

países;

Aplicação mais racional dos recursos: risco real vs risco percebido;

Maior segurança para aplicar em outros setores e empresas menos conhecidos.

Para o mercado:

Maior transparência;

Maior confiabilidade;

Melhor certificação de qualidade;

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Progresso e internacionalização: CreditMetrics¹, opções de risco de crédito, valores

mobiliários condicionados por eventos de crédito (credit-linked notes²).

2.2 A metodologia

Para que se possa entender como as agências de classificação de risco de crédito dão as notas

aos emissores, é importante que se entenda como ocorre o processo de rating, que, além de ser

complicado e, muitas vezes, subjetivo, ainda possui particularidades nos métodos de cada agência.

Ou seja, as agências de rating possuem métodos diferenciados para julgar cada critério, e isso

dificulta, ainda mais, a comparação entre elas. Entretanto, de forma a encontrar um ponto de

convergência, aqui se faz uma comparação entre as três principais agências de classificação do mercado

– Standard & Poor’s, Fitch e Moody’s.

Segundo Lanari & Júnios (2000), o Acordo de Basileia definiu que, para o processo de gestão do

risco de crédito tornar-se eficiente, deveria aderir vários critérios para possibilitar o maior conhecimento

possível sobre o tomador de crédito, mantendo-se o foco na capacidade de pagamento deste. Para isso, a

análise deve incluir, no mínimo, a documentação e análise dos seguintes fatores:

O propósito do crédito e a fonte de recursos para o seu pagamento;

A integridade e reputação do tomador do crédito;

O risco imediato do tomador do crédito e sua sensibilidade aos desenvolvimentos

mercadológicos e econômicos;

O histórico de pagamentos de créditos e sua capacidade imediata de pagamento,

baseadas em tendências financeiras históricas e projeções de fluxo de caixa;

Análise da capacidade de pagamento futura baseada em diversos cenários;

A capacidade legal do tomador assumir a dívida;

Para créditos comerciais, o expertise do tomador no mercado, o panorama do seu setor

de atuação e sua participação nesse setor;

As condições e prazos do crédito, incluindo compromissos firmados para limitar o risco

futuro do tomador;

Quando for o caso, a adequação e garantia de acesso a ativos colaterais³ ou garantias,

incluídos a partir da análise de vários cenários.

Dessa forma, de acordo com a LF Rating (2013) e com a Credit Rating Agency (2013), o processo

de classificação começa com o pedido formal da instituição emissora para ela mesma ou para uma

obrigação específica emitida por ela, que, logo após, é firmado com a assinatura do contrato para a

implementação do processo de classificação.

Após isso, o cliente recebe um formulário em que há questões e exigências de documentos

necessários para se obter o máximo de informações possível. Entre essas informações, constam o Plano

de Negócios; Planejamento Estratégico; Demonstrativos Financeiros Consolidados; Projeções e

Orçamentos; Planos de Investimentos; Posicionamento no Mercado; e Capacidade Financeira dos Sócios.

Todas essas informações são de cunho confidencial e de reponsabilidade da agência classificadora.

A partir daí, uma equipe de analistas é selecionada – um profissional principal e os demais de

suporte −, sendo que os analistas escolhidos devem possuir um grau de especialização no segmento de

atuação da contratante para que estes possam discutir, de forma mais aprofundada, sobre os riscos

inerentes (AUSTIN, 2013).

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Na próxima etapa do processo, a equipe analisa a documentação enviada e visita o local onde a

empresa está situada, visando o conhecimento da companhia e dos negócios por meio de reuniões com

os administradores de primeiro escalão. Tais reuniões se fazem importantes para a averiguação das

informações recebidas em detrimento dos documentos enviados pela emissora.

Após essa fase, os analistas elaboram um documento final, levando em conta diversas análises:

Análise Qualitativa: em que se estuda o sistema de gestão da emissora, os planos

financeiros e de desenvolvimento, junto com a análise SWOT;

Análise Quantitativa: os analistas estudam os coeficientes das contas, que determinam a

atividade financeira e sua situação, por meio de métodos convencionais (analisando

fatores internos e externos) e especiais para determinar a posição financeira e as

tendências do emissor;

Análise Jurídica: estuda-se toda a atividade econômica e financeira para verificar a

conformidade com a legislação do país receptor. Além disso, a análise inclui o estudo da

gestão, trabalho, relações de negócios e campos legais de cooperação entre a matriz e

suas filiais.

Finalizada essa etapa, ocorre o Comitê de Rating, em que o analista principal, junto com outros

responsáveis pela classificação – mas que não estão envolvidos com o processo, para que não haja

conflitos de interesse –, discutem todas as análises, dando notas para cada área de acordo com suas

próprias metodologias. Neste momento, vale frisar o que a LF Rating (2013) deixa claro:

[...] as várias notas e conceitos que são formados ao longo da análise serão a matéria-prima para a obtenção do rating final. Não há uma fórmula pré-determinada que transforme um em outro, ou seja, não há um programa computacional que consiga gerar um rating. Rating é uma opinião, formada por aspectos subjetivos e objetivos, que se juntam em proporções diferentes em cada caso analisado.

Neste momento, o relatório final é formado com a nota definitiva da companhia emissora e é

entregue em reunião com a administração, para que sejam esclarecidos todos os motivos daquela nota

em especial. Caso a emissora não concorde com o rating, deve enviar documentos relevantes para que

se possa fazer uma nova análise. A partir daí o mesmo processo ocorre, só que sem o direito da emissora

reclamar a nota obtida.

Ao final, a agência dá o direito da contratante divulgar ou não o rating recebido. Uma vez

autorizado, a classificadora disponibiliza a nota final em seu site e, simultaneamente, notifica a imprensa

especializada, permitindo a venda dos produtos somente após a divulgação oficial.

Todo o processo de rating dura em torno de 30 dias, variando conforme a agência e o caso

analisado. Além disso, a forma como todo o processo é feito também pode mudar de acordo com a

metodologia adotada pela classificadora.

Enfim, quando todo o processo termina, ocorre o acompanhamento por parte das agências por

um prazo determinado em contrato. Durante esse período, ocorrem reuniões periódicas para coleta de

dados e averiguação de quaisquer mudanças no cenário externo, como também da emissora, tendo esta,

se necessário, sua nota revisada tanto para baixo quanto para cima.

No quadro abaixo, há um exemplo de cronograma para avaliação de rating, neste caso, produzido

pela Austin Rating, lembrando-se que cada um tem suas próprias especificidades.

Onde está a Credibilidade das Agências de Rating?

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Figura 1 – Cronograma de Elaboração de Rating (AUSTIN, 2013).

2.3 As classificações

As diferentes classificações de risco feitas pelas três maiores agências de rating dividem-se em

dois grupos principais: o primeiro grupo é formado por aqueles emissores que possuem o chamado grau

de investimento (ou investment grade) – emissores com baixo risco de crédito e menos chances de

moratória –, e o segundo grupo é formado por emissores que possuem notas em grau especulativo (ou

non investment grades) – emissores com maior risco de crédito. Nesses dois grupos, há procura por

investimentos, sendo que, em cada caso, o perfil dos investidores é diferente. No primeiro, a maior

procura provém dos grandes investidores institucionais, pois oferecem baixo risco de calote. Já o segundo

é procurado por fundos de hedge4, pois o risco oferecido traz maiores retornos (BITTENCOURT, 2008).

Além disso, os ratings são divididos em mais dois grupos: curto e longo prazos. Os de curto prazo

refletem a opinião das agências sobre o pagamento de um emissor no prazo de 12 meses, podendo esses

papéis serem commercial papers, depósitos bancários etc. Já os de longo prazo informam ao investidor a

capacidade de pagamento em um prazo de mais de 12 meses, como é o caso das emissões de

debêntures, internacionais e outras obrigações de renda fixa de longo prazo. As escalas de rating foram

criadas primeiro por John Moody, no início do século XX, porém, a escala de triplo ‘A’ somente foi inserida

em 1924, por John Knowles Fitch, e foi adotada, logo após, pela Standard & Poor’s devido à fácil

memorização.

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Dessa forma, as três maiores agências apresentam dois tipos de classificação que são correspondentes:

Figura 2 – Classificação das agências de risco (G1; FITCH; MOODY’S; S&P, 2013).

Especificando ainda mais as classificações, segue um quadro com as notas de longo prazo, sendo

que cada uma representa um risco:

Categoria Definição

AAA/Aaa O rating mais alto atribuído pelas agências. A capacidade do devedor para honrar seus compromissosfinanceiros relativos à obrigação é extremamente forte.

AA/Aa Uma obrigação avaliada com esta nota difere apenas l igeiramente das obrigações com o rating mais alto. Acapacidade do devedor para honrar seus compromissos financeiros relativos à obrigação é muito forte.

A/AEssa nota sugere um emissor mais suscetível aos efeitos adversos de mudanças nas circunstâncias e nascondições econômicas do que as obrigações nas categorias mais altas. No entanto, a capacidade do devedor parahonrar seus compromissos financeiros relativos à obrigação ainda é forte.

BBB/BaaExibe parâmetros de proteção adequados, no entanto, condições econômicas adversas ou mudanças nascircuntâncias são mais prováveis de levar a um enfraquecimento na capacidade do devedor para honrar seuscompromissos, possuindo certas características de grau especulativo.

BB/Ba

Com um risco de crédito substancial, entretanto menos vulnerável ao não pagamento do que outras emissõesespeculativas. O emissor com essa nota possui grandes incertezas no momento ou exposição a condiçõesadversas de negócios, financeiras ou econômicas que poderiam levar o mesmo a uma capacidade inadequadapara honrar seus compromissos financeiros.

B/BNota considerada especulativa e há um direcionamento para um alto risco de crédito, em que condições adversasdo mercado prejudicariam a capacidade ou a disposição do devedor para pagar suas dívidas. Porém, o emissorainda possui capacidade para honrá-las.

CCC/CaaIndica um emissor altamente vulnerável ao não pagamento e dependente de condições favoráveis de negócios,financeiras e econômicas para honrar seus compromissos financeiros. No caso de condições adversas, o devedorprovavelmente não terá a capacidade para honrar seus compromissos financeiros.

CC/Ca Esse rating indica uma obrigação altamente especulativa muito próxima de default 5 , contudo, com algumapropensão de recuperação de capital e juros.

C/C

Obrigações altamente vulneráveis ao não pagamento, ou com pagamentos atrasados em conformidade com ostermos dos documentos ou obrigações de um emissor que é objeto de uma ação de falência ou ação similar e quenão entrou em default no pagamento. Entre outras, o rating 'C' pode ser atribuído a dívidas subordinadas, a açõespreferenciais ou a outras obrigações em que os pagamentos de caixa tenham sido suspensos de acordo com ostermos do instrumento ou quando as ações preferenciais são objeto de uma proposta de adiamento sob condições desfavoráveis (distressed exchange offer 6 ) ao investidor, em que algumas ou toda a emissão, ou é recomprada porum montante de caixa ou substituída por outros instrumentos tendo um valor inferior ao par.

D Uma obrigação aval iada como 'D' está em default no pagamento.

Ratings de Crédito de Emissão de Longo Prazo

Figura 3 – Classificação dos ratings (Standard & Poor’s, 2013; Moody’s, 2009).

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Como vimos, as agências de rating possuem notas diferentes para suas classificações, porém, os

graus das notas e risco são muito parecidos entre elas, o que facilita a comparação e ajuda o investidor a

analisar diferentes tipos de investimentos, mesmo que estes tenham sido avaliados por classificadoras

distintas.

No próximo tópico, será realizada uma análise sobre os principais acontecimentos que abalaram a

base de apoio das agências de classificação: sua reputação.

3 Onde está a credibilidade das agências de rating?

Como foi visto nos tópicos anteriores, as agências de classificação de risco possuem um papel

fundamental no mercado financeiro, auxiliando na redução de assimetrias de informações entre credores

e devedores. Porém, o histórico de constantes equívocos causados por elas – o que levou a incontáveis

perdas para os investidores –, além de suas insistentes omissões em todos os casos, coloca em “xeque”

o trabalho realizado por essas AR’s.

Um dos casos mais famosos, e que gerou muitas críticas, foi a da Enron, em 2001. Na época, a

empresa de energia era considerada a sétima maior empresa dos Estados Unidos, e suas ações bateram

o recorde naquele ano, sendo classificada com a maior nota pelas agências de risco. Entretanto, a

empresa possuía uma série de fraudes contábeis e uma dívida gigantesca. O maior problema foi que a

Standard & Poor’s e a Moody’s somente rebaixaram a nota da companhia na véspera de sua concordata.

Além desse caso, houve a crise do Sudeste Asiático em 1997, em que as AR’s foram pegas de

surpresa quando a crise estourou. Pouco antes da desvalorização do baht tailandês, que deu início ao

colapso, as agências tinham confirmado as classificações favoráveis que atribuíam às economias da

região, ignorando a deterioração de seus fundamentos macroeconômicos (FARHI & CINTRA, 2002).

Em solo nacional, o exemplo é o Banco Santos, o qual permanecia avaliado com nota “A” pela

Austin Rating até um dia após sua intervenção pelo Banco Central, quando, então, passou a ser cotado

em “CCC” (baixa solidez financeira).

Mas o maior caso de todos, que repercute até hoje e cujos efeitos ainda se sentem, é o da crise

do subprime, desencadeada em 2006. A seguir, uma análise mais completa do que realmente aconteceu

e o papel dessas classificadoras no episódio.

4 A crise do subprime De acordo com Velazquez (2011), após a queda das Torres Gêmeas, em 2001, os Estados Unidos

passaram por momentos nada agradáveis, com um clima absoluto de pessimismo. Contudo, para

incentivar o consumo e a produção, o Governo americano, naquela época, voltou a baixar os juros, que

já estavam em declínio desde os anos 80, além de promover medidas de estímulo. Tal ocorrência trouxe

ânimo ao mercado, e começou a haver um aumento de renda das famílias.

Sendo assim, em busca de melhores condições de vida, essas famílias americanas deram início a

um crescente empréstimo via hipotecas, mas, até então, os bancos somente permitiam o empréstimo

aos bons pagadores, os chamados títulos prime.

Entretanto, com a crescente procura e a constante queda dos juros, a qualidade média das

hipotecas também começou a cair, sendo, então, criadas as subprime, por meio das quais os bancos

permitiam que indivíduos com maior chance de calote pudessem contraí-las. Obviamente que, para valer

o risco, o retorno também deveria ser atraente. Dessa maneira, os juros altos eram uma marca

registrada desses títulos. As famílias americanas de baixa renda e com menos garantias eram orientadas

Onde está a Credibilidade das Agências de Rating?

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a adquirir empréstimos mais onerosos com a oportunidade de poder financiar 100% do imóvel. Para que

elas fossem atraídas para essas dívidas, criou-se uma modalidade de hipoteca chamada de Adjustable

Rate Mortgages (ARMs), que, nos primeiros dois ou três anos, oferecia a possibilidade de taxas menores

para, só então, haver o ajuste. Com os preços dos imóveis subindo vertiginosamente – cerca de 15% ao

ano –, tornava-se uma proposta atraente.

A procura foi tamanha que o valor negociado via empréstimos quase dobrou de um ano para

outro. Em 2002, o valor alcançava a cifra de US$ 2.8 trilhões, mas, em 2003, ele já chegava aos US$ 4

trilhões.

Tal acontecimento se espalhou por todo os Estados Unidos e fez com que a qualidade dos

empréstimos caíssem ainda mais, agora, com a entrada de maus pagadores e de especuladores

interessados somente em comprar imóveis para, posteriormente, revendê-los com lucro, criando um ciclo

vicioso, promovido, até mesmo, pelo próprio Governo.

Mas esse mercado cresceu mesmo devido aos incentivos promovidos por todos os lados dessa

esfera. No lado dos tomadores de empréstimo, havia o conforto de poderem quitar suas hipotecas antes

mesmo do vencimento do prazo e sem qualquer tipo de multa, ou seja, os credores poderiam não

receber o fluxo contínuo de pagamentos que esperavam.

Pelo lado dos credores, estava a oportunidade de emprestarem a quem quisessem, sem o risco

de não receberem o pagamento. Isso se dá porque eles repassavam essas dívidas para outras

instituições, que as compravam. Após isso, essas empresas tinham duas escolhas: assumir essas

hipotecas e os juros provenientes delas ou agrupá-las em pacotes e direcioná-las a um processo de

securitização.

Dessa forma, como completa Velazquez (2011):

Como os preços dos imóveis estavam subindo constantemente, não havia medo de que o sistema falhasse. Assim, nem os intermediários financeiros nem os credores finais tinham incentivos para certificar-se da qualidade da hipoteca, nem os devedores eram muito pressionados a manterem seus pagamentos.

A esses pacotes deu-se o nome de MBS (mortgage-backed security), que eram formulados a

partir de hipotecas oriundas de diversos locais e com graus de risco diferentes, mitigando a probabilidade

de perdas devido à diversificação.

No esquema abaixo, pode ser observada, de maneira mais clara, a forma como essas MBSs

funcionam:

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Figura 4 – Anatomia da MBS (VELAZQUEZ, 2011; BUSINESS MONGOLIA, 2008).

O mercado de dívidas crescia tão rapidamente que outros produtos financeiros foram sendo

criados, entre eles, os CDOs (Collateralized Debt Obligations), que se tornaram alvo muito popular de

investimentos. Eles funcionavam, basicamente, como as MBSs, com a diferença principal que os CDOs

aceitavam diferentes origens de empréstimos, como cartão de crédito, de negócios, estudantis ou de

compra de carros, e não somente hipotecas. Tal complexidade trazia um risco inerente a esses ativos e

tornava o grau de risco difícil de ser mensurado.

Mas, de acordo com Velazquez (2011), a característica mais marcante desses CDOs era o seu tipo

de formulação. Eles foram criados com a assessoria das agências de Rating, que mostravam como era

possível montar esses ativos com o melhor grau de investimento possível. Uma vez que essas empresas

eram as responsáveis pela classificação desses “pacotes”, elas sabiam como orientar os emissores a

desenvolver ativos de baixo risco, mesmo que eles não fossem.

E o problema se originou nesse momento, pois as agências começaram a classificar, de forma

errônea, esses derivativos, muitas vezes levando em consideração o fato de serem assegurados por

ativos como CDSs (Credit Default Swap), que nada mais são do que um seguro contra calotes, obrigando

aquele que os vendia de ressarcir seu comprador caso houvesse um evento de crédito.

Além disso, esses derivativos, tanto os CDOs quanto os MBSs, não estavam diminuindo o risco,

somente segmentando-os em tranches. Além de que as classificadoras não estavam levando em conta

que muitas dívidas subprime estavam sendo colocadas junto a outras prime por causa da má avaliação

feita pelos bancos no escândalo que ficou conhecido como “robo-signing”, ou “assinaturas robô”, em que

funcionários dos bancos autorizavam hipotecas sem, ao menos, analisá-las.

Esses títulos podres estavam sendo produzidos em massa e colocados junto a outros de baixo

risco e recebendo, equivocadamente, notas de crédito altíssimas, chegando ao ponto de serem avaliados

com triplo A, a maior nota de rating e a permitida para que fundos de pensão pudessem, também, aderi-

los.

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A partir do momento que um dos devedores não conseguiu pagar sua hipoteca − devido à bolha

imobiliária que estourou com os preços estagnados e as famílias não conseguindo obter lucro com a

venda dos imóveis –, essa ocasião se transformou em um efeito dominó, prejudicando não somente os

maus pagadores, mas também os bons e, dessa forma, contaminando todos os títulos dentro dos

derivativos criados.

Nesse momento, começou a haver um estouro de pedidos de reembolso, com os títulos de

securitização sendo aplicados. Porém, até mesmo as seguradoras e os bancos, que também asseguravam

parte das perdas (para atrair mais investidores), estavam alavancados e não possuíam dinheiro para

cobrir os calotes, o que levou a um “quebra-quebra” generalizado, até o ápice, com a falência do banco

Lehman Brothers.

5 Conclusão

Como pôde ser observado, as agências de rating têm um papel fundamental no mercado

financeiro, auxiliando os investidores nas suas tomadas de decisões e assegurando a qualidade dos

produtos financeiros disponíveis no mercado de capitais.

Tal importância tem agregado um poder inigualável a essas classificadoras, pois a confiança

depositada nelas pelos investidores permite que, por meio de suas opiniões, derrubem ou levantem uma

empresa ou um país. Mesmo que elas aleguem que suas notas não têm esse objetivo, o que vemos na

prática é diferente da teoria.

Entretanto, a importância traz responsabilidade, e as constantes falhas que essas classificadoras

têm cometido têm induzido investidores do mundo inteiro ao erro, tornando-as grandes culpadas pelos

desastres financeiros de nossa história recente, sendo o maior desastre, que nos afeta até hoje, a crise

de 2007 e 2008.

Um dos maiores problemas a se atentar é o modo como essas agências são remuneradas.

Antigamente, elas produziam seus ratings por meio da demanda dos investidores que pagavam pelas

suas avaliações, mas, devido ao número de pedidos ter aumentado muito, essas empresas começaram a

inverter o processo e a cobrar dos emissores dos produtos financeiros. Isso causou, e causa, um

completo conflito de interesses, em que se supõe que quem pagar melhor terá as melhores

classificações, como exemplo, os próprios Estados Unidos.

De acordo com matéria publicada pela Veja (2011), ao rebaixar a nota americana de AAA para

AA+, a Standard & Poor’s deixou o Governo americano em “maus lençóis”. Acredita-se que ela tenha

feito isso como forma de impedir que fossem adotadas medidas mais severas e restritivas de regulação

de suas atividades.

O presidente Barack Obama tentou desacreditar a agência para evitar uma fuga de investidores

de seus títulos. Contudo, tal ato, se levado em frente, poderia desencadear uma retaliação em massa

com uma das outras duas principais agências, Fitch e Moody’s, também rebaixando a nota, o que forçaria

o Governo a pagar juros mais elevados e obrigaria muitos investidores, por força estatutária, a

abandonarem os títulos públicos americanos.

Nesse caso, as AR’s rebatem e dizem que a credibilidade é o seu carro-chefe e, de tal forma, trair

a confiança dos investidores as tornaria indesejadas.

Acredita-se que a melhor forma de solucionar esse problema seja através da lei americana Dodd-

Frank de Reforma de Wall Street e de Proteção ao Consumidor, proposta pelo senador Chris Dodd e o

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deputado Barney Frank, em 2010. Nela, há uma parte dedicada somente para as agências de rating e

com três principais propostas:

Primeira, a finalização da liberdade de opinião, tornando as agências responsáveis pelas emissões

das notas e permitindo ser passíveis de punição caso ocorra erros.

Segunda, maior transparência na classificação de riscos, ou seja, deve haver um

acompanhamento mais aberto e detalhado da forma como elas trabalham.

Terceira, “desoficializá-las”, removendo-as dos estatutos legais e regulatórios. Vários

regulamentos, especialmente os que regem políticas de investimento de fundos, estabelecem restrições

de investimento a papéis que não tenham sido avaliados ou recebido avaliação aceitável. As referências

às agências de rating deverão ser removidas desses estatutos, redefinindo-se as exigências que nelas se

apoiavam.

Tais regulamentações, se não impedirem, com certeza diminuirão consideravelmente os

problemas referentes às classificadoras. Por enquanto, apesar do apoio do presidente Barack Obama, a

lei Dodd-Frank está sofrendo muita resistência para ser implantada, principalmente quando levamos em

conta a quantidade de companhias que terão seu poder mitigado por ela.

6 Notas 1. Metodologia de cálculo do risco de crédito de uma carteira desenvolvida pelo banco norte-americano JP

Morgan. O CreditMetrics busca estimar a distribuição das perdas de uma carteira, levando em conta não apenas a possibilidade de inadimplência, mas também a variação na qualidade do crédito (ADVFN, 2013).

2. Termo em inglês para definir um título mobiliário que permite ao emissor transferir para os investidores um risco de crédito específico. O pagamento de principal e juros desses títulos está vinculado à ocorrência de um determinado evento de crédito. CLN podem ser emitidos por instituições financeiras, empresas ou SPE. No caso de CLN emitidos por instituições financeiras ou empresas (compradores de proteção), os investidores (vendedores de proteção) correm o risco de crédito destas e do crédito específico que se busca transferir (UQBAR, 2013).

3. Ativo colateral pode ser entendido como aquele que uma empresa oferece à instituição financeira como garantia do pagamento de um crédito (LANARI; JÚNIOS, 2000).

4. Fundos de hedge podem ser definidos como fundos que adotam um número de estratégias que não podem ser adotadas por fundos tradicionais de investimento, mas isso não implica, necessariamente, se são mais ou menos arriscados. De fato, a variedade de estratégias que podem ser adotadas acaba dificultando a comparação, pois, dentro da própria categoria de hedge funds, não existe uma linha única de atuação.

5. Termo em inglês para definir inadimplência. 6. No caso, exchange offer pode ser entendido como oferta de troca, ou seja, é uma forma de oferta pública em

que valores mobiliários são oferecidos como contrapartida em vez de dinheiro. E distressed são todas as dívidas bancárias, os títulos e as obrigações emitidas por empresas e governos que já estão vencidos ou cuja capacidade de pagamento no vencimento é questionável.

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