olhar cristão n2 materia de capa

5
OlharCristão NOV/DEZ/2013 1 Maiores jornadas de trabalho e congestionamentos roubam o tempo do convívio familiar FAMÍLIAS CONTRA O RELÓGIO MAGRÃO Ano1- nº 1 - Set / Out 2013 - www.olharcristao.com.br R$ 8,00 Em entrevista, goleiro fala sobre conversão e restauração do casamento MÚSICA Olhar Cristão PERNAMBUCO Ano1- nº 2 - Nov / Dez 2013 - www.olharcristao.com.br Pernambucano Armando Filho fala da carreira e do universo gospel Como as igrejas encaram os crescentes casos de agressão contra mulheres, crianças e idosos? A VIOLÊNCIA QUE ATACA A FAMÍLIA R$ 8,00

Upload: rafael-dantas

Post on 24-May-2015

108 views

Category:

News & Politics


4 download

DESCRIPTION

Matéria de capa da segunda edição da Revista Olhar Cristão.

TRANSCRIPT

Page 1: Olhar cristão n2   materia de capa

OlharCristão • nov/dez/2013 1

Maiores jornadas de trabalhoe congestionamentos roubam o tempo do convívio familiar

FAMÍLIASCONTRA O RELÓGIO

MAGRÃOAno1- nº 1 - Set / Out 2013 - www.olharcristao.com.br

R$ 8,00

Em entrevista, goleiro fala sobre conversão e restauração do casamento

MÚSICAOlharCristão

pernambuco

Ano1- nº 2 - Nov / Dez 2013 - www.olharcristao.com.br

Pernambucano Armando Filho fala da carreira e do universo gospel

Como as igrejas encaram os crescentes casos de agressão contra mulheres, crianças e idosos?

A vIOLêNCIA quEATACA A FAMÍLIA

R$ 8,00

Page 2: Olhar cristão n2   materia de capa

8 OlharCristão • nov/dez/2013

Page 3: Olhar cristão n2   materia de capa

OlharCristão • nov/dez/2013 9

FAMÍLIA Quando a violência está dentro de casa

As agressões que acontecem dentro do lar estão entre os casos de violên-cia que mais marcam o ser humano e destroem o núcleo familiar. longe dos olhares da sociedade e dentro do am-biente que deveria ser de proteção e aconchego, os casos de ofensas, abu-sos e opressões são comuns e de difícil tratamento. E as feridas geradas por essa realidade – que também acontece no meio de famílias cristãs – tem uma grande possibilidade de se perpetua-rem por gerações.

A cada ano casos extremos de violência doméstica comovem o país. A exposição do assas-sinato do casal Richthofen

pela própria filha ou a morte de Isabela Nardoni são marcas difíceis de sair da memória. Em Pernambuco, um dos fa-tos que ganhou notoriedade dentro do meio evangélico foi o assassinato do bis-po Robinson Cavalcanti e de sua esposa Miriam Cavalcanti , no ano passado, pelo filho adotivo. Mas se essas são situações

extremas de afronta a vida, milhares de casos silenciosos martirizam inúmeras pessoas diariamente - em sua maioria mulheres, crianças e idosos.

“A violência existe desde sempre. O caso relatado na bíblia de Caim e Abel é violência doméstica. Isso é o resultado da condição caída do homem que se afas-tou de Deus. Em segundo lugar, é fruto de uma cultura pós-moderna repleta de conflitos de papéis e valores”, declara o professor do departamento de psicolo-gia da Unicap e padre da Igreja Ortodoxa Sérvia, Alex Peña-Afaro. No cenário fami-liar ele ressalta o conflito entre gerações e o de direção do lar, entre os esposos, como os mais recorrentes.

Além de muito destrutivos, os casos de violência são bastante numerosos. O Recife, por exemplo, ocupa a sexta posição no ranking das capitais que mais matam mulheres, com uma taxa de homicídios de 7,6 a cada 100 mil por ano. Entre os idosos que vivem em Pernambuco, até setembro deste ano já foram registrados mais de 1,8 mil casos de violência, 25% a mais que no

mesmo período do ano passado.Entre as tensões não resolvidas dos

relacionamentos familiares, além da agressão física, brotam a violência emo-cional, psicológica, social, sexual, entre outros tipos que em geral não deixam marcas na pele e são bem pouco regis-trados. “São violências camufladas. Ve-mos apenas a ponta do iceberg”, diz o psicólogo Francisco Dias, que é pastor da Igreja Batista em Campo Grande e vice--presidente da Convenção Batista de Per-nambuco.

Independente do seu formato, na opinião dos especialistas, há um caráter hereditário nas vítimas de violência do-méstica. São potenciais agressores de suas futuras famílias. Sendo assim, a vio-lência ultrapassa o agredido, destruindo todos os integrantes do núcleo familiar, extrapolando a geração da vítima inicial. “Funciona como uma maldição heredi-tária. O que não foi resolvido na infância ou adolescência, desencadeia em algum momento na família. A ferida que foi aberta fica no inconsciente como uma

rAFAEl DAntAs

CRESCIMENTO DOS CASOS DE AGRESSÕES FÍSICAS E PSICOLÓGICAS NO AMBIENTE DOMÉSTICO PREOCUPA IGREJAS E O ESTADO. SEQUELAS EMOCIONAIS DA VIOLÊNCIA NO LAR COMPROMETEM O RELACIONAMENTO EM SOCIEDADE DAS VÍTIMAS E PROMOVEM CICATRIzES PARA AS SUAS FUTURAS FAMÍLIAS.

Page 4: Olhar cristão n2   materia de capa

10 OlharCristão • nov/dez/2013

Karina Souza sofreu agressões na infância e hoje educa Sophia com outros princípios

{ vÓs maridos, amai vossas mulheres, como também cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela.

eféSiOS 5:25

bomba relógio. O ciclo não acaba até que se busque uma cura para o problema”, afirma Francisco Dias. O pastor lembra que o ser humano é corpo, alma e espí-rito, sendo necessário em vários casos o tratamento multidisciplinar.

Moradora de Olinda, Karina de Souza, 26, foi vítima de agressões físicas quando criança. As suas memórias da violência sofrida pelas mãos da mãe remontam aos sete anos de idade. “Minha mãe batia em mim e nos outros filhos antes e de-pois de beber. Ela dizia que nos odiava. Batia em todos, quebrava as janelas e jogava as crianças em cima dos vidros. Minha infância foi muito difícil”, lembra.

Além de apanhar, ela se recorda das ordens da mãe para que ela vendesse o leite que ganhavam de pessoas carido-sas para pagar a bebida. O drama de Ka-rina foi amenizado quando a avó a ado-tou, por volta dos 9 anos. Ainda assim, já morando na casa da avó, ouviu ameaças de morte da sua genitora.

Na adolescência, ela apostou todas

jas. E sem dúvida os cultos falam pouco sobre esse fenômeno social mundial. As mulheres não estão isentas da violência doméstica por sua fé. Isso precisa ser dito. Assim como a Igreja não está isen-ta da sociedade por ser Igreja”, afirma a pesquisadora.

Para Vilhena, a cultura da socieda-de brasileira, reprodutora do machismo e responsável pela violência contra as mulheres, infelizmente também perpas-sa pelos conceitos e valores das famílias cristãs. “Somos igreja ao mesmo tempo em que somos ou deveríamos ser cida-dãos em direitos e deveres. Logo tam-bém as mazelas sociais não estão fora de nós. Somos cristãos, evangélicos, cida-dãos brasileiros, educados sob uma mes-ma cultura patriarcal”, afirma a pesqui-sadora, que também é autora dos livros Uma igreja sem Voz e Pentecostalismos e Transformações Sociais.

Carolina (nome fictício), 28, já so-freu bastante com agressões do marido. Dona de casa e mãe de duas crianças, não enxergava muitas alternativas para acabar com o sofrimento. O drama da violência começou a mudar quando o cônjuge se converteu a uma Igreja pro-testante da periferia do Recife e abando-nou a bebida. “Foi um alívio. Fiquei muito feliz e também o segui na sua caminhada na Igreja e nos cultos”, diz.

Apesar do novo começo da família, ela afirma que mesmo após a conversão, a violência moral e psicológica não aca-bou por inteiro. Mas, já convertida e mais decidida a dar um basta no dilema fami-liar, ela passou a ser mais firme. “Quando as agressões voltaram a acontecer eu falei sério com ele. Não admito que os meus filhos presenciem mais isso e disse a ele que é preciso viver uma nova vida. Sei que nem tudo muda do dia para a noite, mas é preciso enterrar o velho ho-mem”, diz a jovem mãe que se mantém em oração pela saúde do relacionamen-to familiar.

Para Alex Peña-Afaro, é necessário compreender a conversão como o início de uma caminhada de transformação do comportamento do ser humano, que pre-cisa ser modificado diariamente. "Temos que aceitar nossas cruzes, entender que a

as fichas num relacionamento com um rapaz, que resultou numa gravidez, mas não em um casamento. Hoje, como mãe, ela procura oferecer à filha, Sophia, 4 anos, o contrário do que recebeu. “Acho que amadureci com a vida e principal-mente com a experiência materna. Evito de todas as formas bater ou xingá-la, que foi o que eu vivi quando tinha a idade dela. Tento dar o carinho que não recebi”, afirma Karina, que em seus momentos de entristecimento com as dores do pas-sado se refugiou em igrejas de pessoas amigas para obter algum conforto.

fAMÍLiAS CRiStÃSE as feridas feitas pela violência domés-tica também são abertas no seio das fa-mílias cristãs. Em estudo realizado pela mestra em ciência das religiões Valéria Cristina Vilhena, as agressões contra as mulheres evangélicas merecem uma atenção especial da Igreja. “Mulheres evangélicas sofrem violência doméstica, inclusive de esposos que estão nas igre-

Page 5: Olhar cristão n2   materia de capa

OlharCristão • nov/dez/2013 11

tal no combate à violência doméstica. A casa é mais permeável à Igreja do que ao Estado. É mais fácil um pastor ou pastora saber que existe uma situação de violência dentro de uma casa do que um delegado, pois de certa forma a Igreja é extensão da casa. As pessoas que vivem a violência se sentem menos constrangidas de falar so-bre isso para os líderes de sua comunidade religiosa, pois esta se apresenta como uma grande família da fé. Isso por si só desafia a Igreja a ser mais ativa na luta contra esse tipo de violência”, declara Sandra Duarte, professora e coordenadora da área de Re-ligião, Sociedade e Cultura do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Faculdade Metodista de São Paulo.

Para Sandra Duarte, o primeiro pas-so para que as Igrejas tenham um papel relevante no combate à violência domés-tica é admitir que sua membresia não está imune a esse tipo de ocorrência. “Há mulheres, crianças e idosos de suas Igre-jas que estão vivendo sob risco em suas próprias casas, e o cuidado da Igreja pode fazer a diferença entre a vida e a morte”, diz Sandra Duarte.

conversão a Jesus é um ponto de partida, não de chegada. Ninguém é cristão ins-tantaneamente. Ser cristão é olhar para os nossos pecados e ter humildade para reco-nhecer que não somos perfeitos", declara.

Na análise da assistente social Camila Rebeca, conveniada ao Instituto Solidare, as famílias cristãs têm uma grande dificul-dade de enfrentar os casos de violência doméstica, principalmente se for neces-sária a denúncia do agressor. “As famílias cristãs enfrentam um conflito quando vivem uma situação de violência domés-tica. Afinal o que Deus quer? Consentir, se calar? A busca pelo perdão dos agres-sores. A Igreja deve abraçar mais essas ví-timas, Deus certamente não é conivente quando essas coisas acontecem”, declara.

tRAtANDO O pROBLeMASe por um lado os pesquisadores con-cordam que os conceitos sociais que fun-damentam a violência doméstica estão presentes nas famílias cristãs, por outro, também acreditam que a Igreja tem um papel relevante para o combate a esse mal social. “As Igrejas têm um papel fundamen-

Família Oliveira mudou hábitos da casa para garantir mais tempo junta.

}E vós pais, não provoqueis a ira aos vossos filhos, mas criai-os na disciplina e instrução do senhor.

eféSiOS 6:4

A CASA é MAIS PERMEáVEL à IGREJA DO qUE AO ESTADO. REALIDADE qUE DESAFIA A IGREJA A SER MAIS ATIVA NO COMBATE à VIOLêNCIA.