oficinas de ensino

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Olhares sobre a educação hoje, suas possibilidades e formas. Movimentos Sociais, mídia, pedagogia do oprimido revisitada...

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  • OFICINASde

    ENSINOIII SEMANA PAULO FREIRE NA UFRRJ

  • Organizao

    Marlia Lopes de Campos e Lana Cludia Fonseca de Souza

    OFICINASde ENSINO P L E U RIII SEMANA AU O FR IRE NA F RJ

    Autores

    Adriana Hoffmann Fernandes

    Aristteles de Paula Berino

    Bruno Barante Ladvocat

    Cintia Xisto da Fonseca

    Cristiane Cardoso

    Dora Soraia Kindel

    Gabriela Rizo

    Guilherme Henrique Almeida Pereira

    Katherina Coumendouros

    Lgia Cristina Ferreira Machado

    Lilian Maria Paes de Carvalho Ramos

    Maria Clara Lanari Barros

    Marlia Lopes de Campos

    Mauro Guimares

    Monique de Oliveira Silva

    Olvia Chaves de Oliveira

    Patrcia Bastos de Azevedo

    Priscila Soares

    Roberta Lobo

    Sandra La Cava de Almeida Amado

  • EDUR- Editora da Universidade Federal Rural do Rio de JaneiroRodovia BR 465, Km 7, Centro - CEP 23890-000 - Seropdica, RJ

    UFRRJ/DPPG/EDUR/Pav. Central /sala 102Fone: (21) 2682-1210 ramal 3302 - FAX: (21) 2682-1201

    [email protected]/editora.htm

    Universidade Federal Rural do Rio de JaneiroReitor: Prof. Ricardo Motta Miranda

    Vice-Reitor: Prof . Ana Maria Dantas Soares

    Decana de Pesquisa e Ps-Graduao: Prof . Aurea Echevarria

    Decana de Graduao: Prof . Ndia Majerowicz

    PRODOCNCIA UFRRJ Programa de Consolidao das Licenciaturas (CAPES-MEC)

    Um programa do Decanato de Graduao da UFRRJCoordenao: Prof . Gabriela Rizo e Prof . Mrcia Denise Pletsch

    Capa, diagramao e projeto grfico

    FOMENTAR COMRCIO E SERVIOS LTDA [email protected]

    Reviso de OriginaisMarilza Mendes

    Oficinas de ensino: III Semana Paulo

    Freire na UFRRJ / Marlia Lopes de Campos, Lana Claudia de Souza Fonseca (Org.). Seropdica (RJ): Ed. da UFRRJ, 2010. 150 p,Contm Bibliografia

    ISBN: 978-85-85720-85-8

    1. Educao. 2. Professores Formao. 3. Educao de adultos. 4. educao do adolescente. I. Campos, Marlia Lopes de. II. Fonseca, Lana Claudia de Souza. III. Ttulo.

    370.7 O31

  • APRESENTAO

    FORMAO DE PROFESSORES

    O perfil do educador revisitando a pedagogia do oprimido(Lilian Maria Paes de Carvalho Ramos)

    Educao, movimentos sociais e audiovisual(Marlia Lopes de Campos e Roberta Lobo)

    Educao do Campo(Olvia Chaves de Oliveira)

    Docentes no Brasil passado e presente(Cintia Xisto da Fonseca e Gabriela Rizo)

    As narrativas na formao do professor-leitor: desafios da contemporaneidade(Adriana Hoffmann Fernandes, Sandra La Cava de Almeida Amado, Maria Clara Lanari Barros e Priscila Soares)

    ENSINANDO

    ..CINCIASE ento surgiu a vida... conhecimento cientfico e conhecimento religioso: um dilogo possvel nas aulas de cincias?(Lgia Cristina Ferreira Machado)

    ...MEIO AMBIENTEConstruo conceitual em Educao Ambiental(Mauro Guimares)

    Desconstruindo e reconstruindo representaes ambientais(Guilherme Henrique Almeida Pereira E Bruno Barante Ladvocat)

    ...SADERisco de zoonoses em reas urbanas(Katherina Coumendouros)

    ...HISTTIAHistria ensinada e letramento: o filme como pretexto pedaggico(Patrcia Bastos de Azevedo)

    ...GEOGRAFIADesvendando a linguagem dos mapas: a cartografia como uma ferramentapara o ensino da Geografia.(Cristiane Cardoso)

    S U M IR OS U M IR O

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    11

    20

    29

    36

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    80

    88

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  • MATEMTICABlocos lgicos: o ldico da lgica e a lgica do ldico(Dora Soraia Kindel)

    UMA HOMENAGEM A GRANDES MESTRES

    Paulo Freire e Milton Santos: aproximaes, sedues(Aristteles de Paula Berino e Monique de Oliveira Silva)

    110

    117

    119

  • A III Semana Paulo Freire da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, ocorrida em outubro de 2008, ofereceu queles que ministraram oficinas durante sua realizao a oportunidade de publicarem seus escritos, contribuindo assim para lembrar o trabalho desenvolvido naqueles dias. Foi neste esprito que nasceu esta publicao, composta por trs partes.

    A primeira delas nos remete s oficinas que abordaram a questo da formao docente, sob diversos ngulos. O artigo inicial, ao tratar da Pedagogia do Oprimido, nos leva ao prprio homenageado na Semana, revisitando seus escritos e provocando a que todos faam o mesmo. O artigo seguinte relaciona-se com temticas de um campo caro a Paulo Freire, o campo dos movimentos sociais e da educao popular, este, em nossos tempos, se apropriando das tecnologias audiovisuais. Segue-se a este artigo, outra oficina sobre educao no campo, em escolas rurais, que ofertou aos nossos alunos conhecimentos necessrios sobre seus conceitos, panorama no Brasil e diretrizes bsicas. Os dois ltimos captulos desta seo nos falam dos desafios da formao docente nesta primeira dcada do sculo XXI, tanto no que tange a documentos que revelam suas condies no Brasil de hoje, como no que tange a sua formao inicial e continuada.

    A segunda parte deste trabalho compreende oficinas que foram realizadas na III Semana Paulo Freire com o objetivo de subsidiar o ensino em sua realizao nas escolas. Neste sentido, aqui apresentamos oficinas destinadas a vrios campos como ensino de cincias, meio ambiente, sade, ensino de histria, ensino de geografia e ensino de matemtica.

    Por fim, esta publicao se fecha com texto que traz baila uma discusso pouco vista. Em meio a um evento que traz em seu ttulo o nome de Paulo Freire, a figura de Milton Santos emerge em dilogo com o primeiro. Esta foi uma forma de homenagem a outro grande nome da intelectualidade brasileira em nosso evento, lembrando que no encontro de grandes ideias e generosos seres humanos que se constri o oficio de ensinar na sociedade contempornea.

    Coordenao Prodocncia UFRRJ

    APRESENTACAO

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  • FORMACAODE PROFESSORES

  • O PERFIL DO EDUCADOR revisitando a pedagogia do oprimido

    1Lilian Maria Paes de Carvalho Ramos

    A idia de relacionar o tema do perfil docente obra de Paulo Freire, particularmente Pedagogia do Oprimido, surgiu de debates com estudantes e colegas durante a II Semana Paulo Freire e, posteriormente, nos encontros do grupo de pesquisa O perfil do professor do Estado do Rio de Janeiro. A III Semana Paulo Freire forneceu a oportunidade de explorar o tema numa oficina aberta comunidade do IM- UFRRJ em Nova Iguau e municpios vizinhos. A acolhida foi boa, contando com a participao de vinte e uma pessoas, em sua maioria estudantes do Curso de Formao de Professores em nvel mdio de uma escola pblica estadual prxima, alm de professores de escolas do municpio de Nova Iguau.

    Aps as apresentaes individuais, passou-se projeo de um vdeo sobre a vida e obra desse grande educador, produzido para a TV Escola - Darcy Ribeiro e Paulo Freire: educadores do Brasil. Este material audiovisual foi utilizado como instrumento de codificao, para chegar ao levantamento da situao problematizadora e, posteriormente, sua descodificao. Em seguida foram debatidos temas e questes levantadas pelos participantes. Outros materiais utilizados foram fotos de professores, artigos de jornal e captulos de livros, trazidos para facilitar a investigao temtica e a criao de um pr-texto.

    O intuito principal foi proporcionar uma releitura do crculo de cultura freireano com o objetivo de contribuir para a formao de docentes crticos, bem como para a configurao da identidade do educador por vocao, aquele que Freire denomina educador humanista. O crculo de cultura oportuniza a troca, a descodificao das situaes. No se trata de repetir o que foi visto e dito, mas de reexistenciar criticamente, como nos ensinou o mestre, para aprender a dizer a sua palavra, numa aprendizagem permanente desse esforo de totalizao jamais acabado.

    O mtodo da conscientizao um mtodo pedaggico que procura oportunizar a redescoberta de si atravs da retomada reflexiva do prprio processo de sua descoberta (FREIRE,1978, p.9). Foi o que se tentou oportunizar nessa oficina a redescoberta de si pela comparao entre as situaes vivenciadas e as situaes apresentadas no vdeo e nos textos, de forma a gerar temas ou palavras cuja combinao propiciasse a formao de outras, favorecendo a conscientizao e a politizao.

    1 Doutora em Educao pela Universidade Estadual de Campinas (1997), graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Paran (1982) e mestre em Educao pela Universidade Federal do Paran (1987). professora adjunta da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro desde 2006, atuando no Instituto Multidisciplinar de Nova Iguau. Possui ampla experincia na rea de Educao, com nfase em docncia no ensino superior e na ps-graduao, alm de Gesto Educacional. Atua em pesquisa na rea de Polticas de Formao de Professores e Identidade Docente; Direitos da Criana e do Adolescente. Possui um livro publicado e outros trs organizados, alm de vrios captulos, artigos em peridicos e textos apresentados em congressos nacionais e internacionais.

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  • EDUCADOR POR VOCAO- PRIMEIRAS PROVOCAES

    Paulo Freire afirmou tantas vezes que toda revoluo cultural busca enfrentar, culturalmente, a cultura da dominao, e toda ao poltica junto aos oprimidos tem de ser uma ao cultural pela liberdade. A Pedagogia do Oprimido se prope uma ao de solidariedade: lutar junto com o oprimido para a transformao da sua realidade objetiva (Ibid., p.38). Pois s ele conhece essa realidade. Trazer-lhe outra realidade idealizada seria uma forma de violncia mais uma, para somar-se s demais do seu cotidiano.

    A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, ter dois momentos distintos: o primeiro, em que os oprimidos vo desvelando o mundo da opresso e vo comprometendo-se na prxis, com a sua transformao; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertao. (FREIRE, op.cit., p.44).

    Nesse sentido, a nosso ver as oficinas com pblicos-alvo selecionados classificam-se entre os trabalhos educativos que devem ser realizados com os oprimidos, no processo de sua organizao (Ibid., p.44). Sendo uma metodologia interativa por excelncia, quando aliada a uma tica baseada no respeito ao outro e ao seu saber, transforma-se num importante instrumento de conscientizao. Como ensina o mestre, todo mtodo deve ser utilizado como conscincia, e no como instrumento de manipulao, de propaganda.

    O mtodo , na verdade (diz o Prof. lvaro Vieira Pinto), a forma exterior, e materializada em atos, que assume a propriedade fundamental, entendido este no seu sentido de mxima generalidade da conscincia: sua intencionalidade.[...] Por definio, continua o professor brasileiro, a conscincia , pois, mtodo. Tal a raiz do mtodo, assim como tal a essncia da conscincia, que s existe enquanto faculdade abstrata e metdica. (FREIRE, 1978, p.60-1)

    Educador e educandos so assim engajados na tarefa de no apenas desvelar a realidade, mas tambm de recri-la, em busca da libertao. Por este motivo a concepo bancria da educao, calcada na narrao, na transmisso vertical de conhecimentos e na memorizao, no pode servir a este propsito. S na prxis os homens encontram criatividade e transformao.Coerentemente, a educao libertadora nega o saber como doao, encarando a educao e o conhecimento como processos de busca. Seu impulso inicial conciliador, pois busca a superao da contradio educador-educandos, de tal maneira que se faam ambos simultaneamente, educadores e educandos (Ibid., p.67). A ao do educador humanista.

    ... identificando-se, desde logo, com a dos educandos, deve orientar-se no sentido da humanizao de ambos. Do pensar autntico e no no sentido da doao, da entrega do saber. Sua ao deve estar infundida da profunda crena nos homens. Crena no seu poder criador. [...] Isto tudo exige dele que seja um companheiro dos educandos, em suas relaes com estes. (FREIRE, 1978, p.71).

    O PERFIL DO EDUCADOR ...12

  • Prossegue o autor condenando a conotao digestiva da educao bancria, ocupada em sorver e digerir contedos, colocando o educador acima dos educandos e esquecendo que a vida humana s ganha sentido na comunicao. Fundada num conceito mecnico de conscincia, a concepo bancria busca a dominao, o controle do pensamento e da ao, o ajustamento ao mundo tal qual ele se apresenta, inibindo o poder de criao do educando.

    Prope Freire, ao contrrio, uma educao verdadeiramente humanista, no baseada na transmisso pura e simples e, portanto, sem doutrinao ou alienao, expresso de uma sociedade revolucionria. Afirma que a libertao autntica prxis, e a educao problematizadora s pode ser um ato cognoscente.

    A educao que se impe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertao no pode fundar-se numa compreenso dos homens como seres vazios a que o mundo encha de contedos; no pode basear-se numa conscincia especializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos homens como corpos conscientes e na conscincia como conscincia intencionada ao mundo. No pode ser a do depsito de contedos, mas a da problematizao dos homens em suas relaes com o mundo. (FREIRE, 1978, p.77).

    O processo compreende alguns passos. Dado o primeiro, que a superao da contradio educador-educandos, torna-se possvel instaurar uma relao dialgica entre sujeitos. Esta indispensvel cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes, em torno do mesmo objeto congnoscvel. (Ibid.,p.78). Sem essa superao no pode existir educao problematizadora.

    Desta maneira, o educador j no o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, educado, em dilogo com o educando que, ao ser educado, tambm educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os argumentos de autoridade j no valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e no contra elas. (FREIRE, 1978, p.78-9. Grifos do autor).

    O educador problematizador deve ter conscincia de que ningum educa ningum, como ningum se educa a si mesmo; os homens se educam em comunho, mediatizados pelo mundo (Ibid., p.79). No pode haver conhecimento verdadeiro no simples ato de memorizar contedos. Por isso ele ou ela adota a postura de sujeito cognoscente, que sabe que o objeto congnoscvel no sua propriedade, embora dele se haja apropriado, mas to somente incidncia da reflexo sua e dos educandos (Ibid., p.79). O educador vai assim refazendo constantemente o seu conhecimento, atravs do dilogo com os educandos.

    ... o papel do educador problematizador proporcionar, com os educandos, as condies em que se d a superao do conhecimento no nvel da doxa pelo verdadeiro conhecimento, o que se d no nvel do logos. [...] A educao problematizadora, de carter autenticamente reflexivo, implica num constante ato de desvelamento da realidade. [...] busca a emerso das conscincias, de que resulte sua insero crtica na realidade (FREIRE, 1978, p.80. Grifos do autor).

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  • A problematizao se apresenta ao educando como um desafio, e todo desafio conduz naturalmente a uma resposta ao desafio. Esta ir gradativamente desencadeando no educando um processo de compreenso da realidade que culmina por torn-lo cada vez mais crtico e desalienado, mais capacitado para estabelecer relaes entre os diferentes fatos, destacando percepes e refletindo sobre elas.

    [...] na prtica problematizadora, vo os educandos desenvolvendo o seu poder de captao e de compreenso do mundo que lhes aparece, em suas relaes com ele, no mais como uma realidade esttica, mas como uma realidade em transformao, em processo. (FREIRE, op.cit., p.82).

    A educao problematizadora constitui-se, assim, num esforo permanente de desmitificao, de superao da falsa conscincia do mundo que trazemos. Ela se refaz permanentemente na prxis. Essa educao, partindo da historicidade dos homens,

    [...] os reconhece como seres que esto sendo, como seres inacabados, inconclusos, em e com uma realidade, que sendo histrica, tambm igualmente inacabada. [...] os homens se sabem inacabados. Tm a conscincia de sua inconcluso. A se encontram as razes da educao mesma, como manifestao exclusivamente humana. Isto , na inconcluso dos homens e na conscincia que dela tem. Da que seja a educao um que fazer permanente. (FREIRE, 1978, p.83).

    Ao contrrio da tradicional, a educao problematizadora refora a mudana e, nesse sentido, faz-se revolucionria. Sua marca a esperana. Propondo aos homens sua situao como problema, mostra crena em seu poder de perceber a realidade e de objetiv-la, para ento transform-la. De ser o sujeito de sua histria. Para a educao problematizadora, enquanto um quefazer humanista e libertador, o importante est em que os homens submetidos dominao, lutem por sua emancipao. (Ibid., p.86).

    DILOGO E EDUCAO PROBLEMATIZADORA

    Discorrendo sobre a dialogicidade da educao, Freire observa que a palavra possui duas dimenses inseparveis: ao e reflexo. No h palavra verdadeira que no seja prxis. Da, que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo. (Ibid., p.86). Palavra sem ao verbalismo; ao sem reflexo ativismo. Assim, a palavra verdadeira trabalho, prxis. Diz-la no privilgio de alguns, que a dizem para os outros, mas direito de todos os homens de diz-la com os demais. O dilogo este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunci-lo, no se esgotando, portanto, na relao eu-tu. (Ibid.,p.93).

    O dilogo uma exigncia existencial. No simples troca de ideias nem debate: o encontro de homens que pronunciam o mundo para transform-lo. Implica amor, coragem, humildade, f nos homens, confiana.

    Um falso amor, uma falsa humildade, uma debilitada f nos homens no podem gerar confiana. A confiana implica no testemunho que um sujeito d aos outros de suas reais e concretas intenes. No pode

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  • existir se a palavra, descaracterizada, no coincide com os atos. Dizer uma coisa e fazer outra, no levando a palavra a srio, no pode ser estmulo confiana. (FREIRE, 1978, p.96).

    Essa falsidade ou duplicidade de intenes uma armadilha que educadores precisam evitar: faa o que eu digo, mas no faa o que eu fao. Esquecem-se de que o exemplo a maior das lies, aquela que no ser esquecida facilmente. Sem comunicao no h verdadeira educao, ainda que o contedo resultante no corresponda exatamente quilo que esperamos ou consideramos o mais adequado. preciso ignorar a arrogncia da pretensa superioridade intelectual.

    Para o educador-educando, dialgico, problematizador, o contedo programtico da educao no uma doao ou uma imposio um conjunto de informes a ser depositado nos educandos, mas a devoluo organizada, sistematizada e acrescentado ao povo, daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada. (FREIRE, 1978, p.98).

    difcil resistir ao impulso de transmitir aos outros nossa viso de mundo, de repassar informaes que julgamos relevantes de maneira unilateral. Mas esse esforo essencial para o educador preocupado em realizar um trabalho libertador, em respeitar a viso de mundo do educando, em dialogar com ele sobre as diferentes vises existentes. Caso contrrio, incorreremos numa invaso cultural. O prprio contedo programtico para a ao no pode ser uma deciso exclusiva do educador, sem a participao do educando.

    na realidade mediatizadora, na consincia que dela tenhamos educadores e povo, que iremos buscar o contedo programtico da educao. O momento deste buscar o que inaugura o dilogo na educao como prtica da liberdade. o momento em que se realiza a investigao do que chamamos universo temtico do povo ou o conjunto de seus temas geradores. (FREIRE, 1978, p.102).

    Essa busca implica no uso de uma metodologia dialgica, levando ao mesmo tempo apreenso dos temas geradores e tomada de conscincia dos indivduos em torno dos mesmos. Somente na sua viso de mundo podero ser encontrados os seus temas geradores. O autor acrescenta que a reflexo crtica uma caracterstica exclusiva da humanidade: ao contrrio dos animais, somente os homens so capazes de refletir sobre sua prpria atividade e sobre si mesmos, de promover um enfrentamento com a realidade para a superao dos obstculos. (ibid.,p.107).Sendo seres histrico-sociais, os homens so capazes de tridimensionar o tempo. Mas precisam sempre ter em mente que presente, passado e futuro no so estanques, pois a histria se desenvolve em permanente devir, em que se concretizam suas unidades epocais. (Ibid.,p.108).

    [As unidades epocais] esto em relao umas com as outras na dinmica da continuidade histrica. [...] Uma unidade epocal se caracteriza pelo conjunto de ideias, de concepes, esperanas, dvidas, valores, desafios, em interao dialtica com seus contrrios, buscando plenitude. A representao concreta destas ideias, destes

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  • valores, destas concepes e esperanas, como tambm os obstculos ao ser mais dos homens, constituem os temas da poca (FREIRE,1978, p.109).

    Estes temas, que implicam ainda em seus contrrios ou antagnicos, que iro indicar as tarefas que as pessoas se proporo realizar. Encontram-se pessoas dispostas a realizar uns ou outros, cada qual com suas tarefas especficas.

    O conjunto dos temas em interao constitui o universo temtico da poca. [...]. Frente a este universo de temas que dialeticamente se contradizem, os homens tomam suas posies tambm contraditrias, realizando tarefas em favor, uns, da manuteno das estruturas, outros, da mudana (FREIRE,1978, p.109).

    a que entra um dos trabalhos mais importantes do educador problematizador, comprometido com a mudana: empenhar-se junto aos educandos no desvelamento da realidade, para possibilitar sua transformao e libertao. Negar as situaes-limites alienar-se ou, pior, trabalhar contra a mudana. necessrio ajud-los a reconhecer as situaes-limites, que se apresentam inicialmente como obstculos intransponveis, para poder visualizar alm delas o indito vivel.

    A prxima tarefa se constitui na investigao da temtica significativa. Os temas geradores podem ser localizados em crculos concntricos, que partem do mais geral ao mais particular (Ibid.,p.111). Trata-se de um amplo esforo para propor aos indivduos dimenses significativas de sua realidade, cuja anlise crtica lhes possibilite reconhecer a interao de suas partes (Ibid.,p.113).

    Ocorre que as situaes existenciais concretas geralmente se apresentam como codificadas. Para descodific-las, preciso partir do abstrato ao concreto na anlise dessas situaes, por meio da descrio. Essa descrio se dar conforme a viso de mundo dos envolvidos. E nesta forma de pensar o mundo se encontram envolvidos seus temas geradores` [...]. Investigar o tema gerador` investigar, repitamos, o pensar dos homens referido realidade, investigar seu atuar sobre a realidade, que sua prxis (Ibid.,p.115).

    Os temas referem-se a fatos concretos, pois so histricos, como o so os homens. Nesse sentido, eles no esto mas sempre esto sendo. A investigao temtica um processo de busca, de descoberta, que envolve a investigao do prprio pensar do povo (Ibid.,p.118).

    Por isto que a investigao se far to mais pedaggica quanto mais crtica e to mais crtica quanto, deixando de perder-se nos esquemas estreitos das vises parciais da realidade, das vises focalistas da realidade, se fixe na compreenso da totalidade. (FREIRE, 1978, p.117-8).

    No pode ser feita sem esse homem situado, inserido na realidade. Nesse sentido que toda investigao temtica de carter conscientizador se faz pedaggica e toda autntica educao se faz investigao do pensar. Assim compreendida, educao e investigao temtica tornam-se momentos de um mesmo processo (Ibid.,p.120).

    O PERFIL DO EDUCADOR ...16

  • A tarefa do educador dialgico , trabalhando em equipe interdisciplinar este universo temtico, recolhido na investigao, devolv-lo como problema, no como dissertao, aos homens de quem recebeu. [...]. Se, na etapa da alfabetizao, a educao problematizadora e da comunicao busca e investiga a palavra geradora, na ps-alfabetizao, busca e investiga o tema gerador. (FREIRE, 1978, p.120).

    Tal , resumidamente, a fonte das ideias que buscamos para compor o perfil do educador que se deseja formar: um educador comprometido com as questes de sua poca, com os problemas de seus educandos, com a evoluo constante do legado cultural recebido das geraes passadas. No o educador-transmissor, repassador de informaes, alienado e alienante, pouco engajado numa prtica profissional verdadeiramente revolucionria, comprometida com a mudana das estruturas socias e de poder. Tampouco aquele que nega as lies recebidas, mas o que busca adapt-las ao momento e situao histrica concreta na qual vive com seus educandos.

    CONCLUINDO: OS PERCALOS DA PRTICA ESCOLAR

    Conforme a lio do mestre, a educao no ela est sendo, sempre. A maior caracterstica da educao autenticamente libertadora esse seu carter de incompletude, de reinveno permanente. O problema que surge como colocar em prtica essas ideias na educao escolar, particularmente na rede municipal, realidade atual ou futura da maioria dos participantes da oficina. Essa questo se apresenta como uma situao-limite para o grupo.

    Como a maior parte j conhecia a histria de vida e as principais ideias de Paulo Freire, esta foi a questo bsica que lhes foi colocada. Alguns, com atuao em Organizaes No Governamentais (ONGs) e projetos especficos voltados para a educao, desenvolvidos basicamente em carter extraescolar, observaram ser maior a liberdade do educador nessas instncias.

    Como exemplo dessa liberdade foi citado um programa desenvolvido pela prefeitura municipal, em horrios alternativos escola, onde o educador tem ampla liberdade de desenvolver projetos culturais. Liberdade at excessiva, na maioria dos casos, tendo em vista a pouca orientao dada aos educadores quanto aos propsitos desejados e resultados esperados. Essa falta de diretrizes foi apontada por vrios dos presentes como positiva, no sentido de permitir a realizao de um leque diversificado de aes. Mas tambm negativa, no sentido de falta de preparo da maioria e de controle das diretrizes por parte da administrao municipal.

    Sendo assim, o que ocorre na prtica que cada um utiliza o seu leque de conhecimentos para propor aes embora reconheam que este bastante limitado, e que seria necessrio um preparo muito maior para realizar um trabalho que fizesse real diferena na vida dos educandos. Afirmaram, no entanto, tentar colocar em prtica algumas ideias do mestre, sempre que possvel, embora se considerem ainda pouco conhecedores de sua obra para faz-lo com propriedade. Faltaria talvez o que Freire prope como o segundo momento da descodificao: a realizao de reunies e seminrios de avaliao peridicos.

    A utilizao de uma equipe interdisciplinar, por exemplo, foi considerada muito complexa pelos participantes. Tradicionalmente, na rea educacional no temos o hbito de debater em equipe questes relacionadas a trabalho: cada qual recebe sua

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  • incumbncia contratual e procura cumpr-la. Isso dificulta bastante a pesquisa da palavra geradora e do tema gerador. Esse trabalho dever ser desenvolvido idealmente por uma equipe preparada e sensibilizada para levantar esse universo temtico dos educandos e perceber as relaes dialticas entre o que representam e os seus contrrios. Mas essa equipe dificilmente encontrada nas escolas e instituies. O fato de alguns educadores viverem nos mesmos bairros que os educandos facilita seu conhecimento da realidade local, todavia ainda insuficiente para o levantamento do universo temtico, que requer um trabalho sistemtico e intencional.

    Quanto aos princpios da educao humanista, especialmente em se tratando de grupos de adultos, observou-se ser mais fcil superar a contradio educador-educandos e estabelecer uma relao dialgica entre sujeitos. Da para a problematizao da realidade e a busca de solues o caminho menos rduo. J quando se trata da educao escolarizada de crianas, a questo se complica. A relao dialgica entre sujeitos dificultada pela distncia etria e pela superioridade natural do adulto em relao criana.Um outro aspecto da questo diz respeito falta de liberdade do educador das sries iniciais nas redes pblica e particular de ensino. Os contedos programticos so pr-estabelecidos pelas escolas ou secretarias de educao. Os participantes relataram conseguir, no mximo, a incluso de alguns temas da poca nesses contedos. Mas o rgido controle exercido sobre seu trabalho dificulta a realizao de aes inovadoras. At mesmo as avaliaes da aprendizagem dos alunos so definidas por outras pessoas que no o professor da turma. Esta constitui-se, sem dvida, numa situao-limite, para a qual os participantes no visualizam soluo a curto prazo.

    Como lutar junto com crianas para transformar sua realidade objetiva uma pergunta ainda sem resposta para o grupo. Mas se esta se apresenta como uma situao-limite, faz-se necessrio buscar solues dentro de um leque mais amplo, naquelas que Freire classificaria como indito vivel. A reproduo acrtica desse sistema serve apenas concepo bancria da educao, a manuteno das atuais estruturas sociais e de poder tanto dentro das escolas como na sociedade mais ampla. Ou seja, serve aos interesses dos opressores, no dos oprimidos. Esta constitui, sem sombra de dvida, a tarefa principal a que devero se dedicar os educadores humanistas.

    O PERFIL DO EDUCADOR ...18

  • REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

    OUTRAS REFERNCIAS

    TV ESCOLA Ensino Fundamental- Vendo e Aprendendo Poltica e Educao. Darcy Ribeiro e Paulo Freire: educadores do Brasil. vdeo

    O PERFIL DO EDUCADOR ... 19

  • APRESENTAO DO MINI CURSO

    Nosso trabalho em conjunto surge com a aproximao de uma reflexo sobre as experincias de educao popular nos anos de 1980 e 1990, seus desafios terico-metodolgicos e de luta poltica. Articular Educao, Movimentos Sociais e Audiovisual traar relaes com as experincias histricas brasileiras, bem como as latinoamericanas. Neste vrtice, histria, educao e luta social no se separam, se fundem organicamente com uma filosofia da prxis. Neste sentido, a reflexo que levantamos articula-se com nossas experincias concretas com o MST, a CPT e o Movimento Social dos Maestros no Mxico, rememorando e reatualizando como possibilidades histricas as experincias do audiovisual como metodologia de educao popular, trazendo a baila Rossellini, Eduardo Coutinho, Jean Rouch, bem como apresentando experincias contemporneas articuladas com a UFPB e a UFRRJ, como o Cinestsico e o Aerocine.

    I

    Discutir educao popular, ou seja, educao de pessoas, movimentos sociais, organizaes polticas em processo de luta buscar um enraizamento na filosofia da educao, abrindo para questes do homem como ser da prxis, ser da luta pela sobrevivncia, mas tambm ser da liberdade, num almejar outras possibilidades da existncia para alm do reino da necessidade, para um reino do livre jogo de suas

    2 Graduada em Histria, mestre em Educao e doutora em Sociologia. Desde 1992, quando trabalhou na rede de ensino pblico de Angra dos Reis, atua junto aos movimentos populares e busca caminhos para prticas de educao popular a partir de Paulo Freire. Atuou auxiliando escolas de ensino bsico na construo de projetos pedaggicos a partir do Estudo da Realidade Local e por este mesmo caminho trabalhou com formao de professores em diversos cursos de Pedagogia. Trabalhou com alfabetizao e educao de jovens e adultos e com processos de gesto democrtica e participativa. Durante oito anos, permaneceu na rea de ensino de histria e histria da Educao. Atualmente, professora de Pesquisa e Planejamento Educacional na Universidade Federal da Paraba e pertence ao Grupo de Pesquisa Polticas Pblicas, gesto educacional e participao cidad, na linha de Linguagens Audiovisuais, formao cidad e redes de conhecimento.3 Historiadora e Doutora em Educao. Atuou no MST entre os anos de 1999-2006 e trocou experincias com a CNTE (Coordinadora Nacional de los Trabajadores de la Educacin) do Mxico entre os anos de 2003 e 2004. Atualmente professora do Departamento Educao e Sociedade do Instituto Multidisciplinar/UFRRJ, ministrando as disciplinas de Filosofia e Educao e do Programa de Ps-Graduao em Educao da UFRRJ. responsvel pelas disciplinas de Filosofia do Curso de Licenciatura em Educao do Campo, uma parceria entre o ITERRA/MST e a UnB. Est inserida no Grupo de Pesquisa Filosofia e Educao: Ensino e Desafios Contemporneos/ Linha de Pesquisa Filosofia da Educao Contempornea. Compartilha autoria do livro Educao e Sociedade: Compromisso com o Humano/Edies Loyola, 2007, junto com o Prof. Luiz Monteiro Teixeira.

    EDUCAO, MOVIMENTOS SOCIAIS E AUDIOVISUAL

    2Marlia Lopes de Campos 3Roberta Lobo

    Enquanto houver um oprimido, ns seremos subversivos. (Frei Betto)

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  • potencialidades, do exibir-se como expresso de uma subjetividade para alm das determinaes de classe. Se este homem livre da luta pela existncia, pautado por desejos porm, no esquecido de sua razo dialtica - no encontra respaldo na existncia real da sociedade do incio do sculo XXI, como projet-lo criando espaos de elaborao, estudo e insero nas classes populares?

    Acreditamos que a Universidade Pblica Brasileira possui um papel fundamental no fortalecimento desta aproximao da produo do conhecimento com as classes populares, no apenas como mais uma produtora de mercadorias, mas como tentativa de recuperao de um fio da meada - mesmo j sendo outro , de uma visita ressignificada da articulao com os projetos societrios progressistas e emancipatrios dos anos de 1950 e 1960, das suas sobrevivncias nos anos de 1980 e 1990. Estas aes esto materializadas nas centenas de escolas que o MST criou nos seus 25 anos de existncia, nas atividades de educao popular desenvolvidas por inmeras entidades de luta da sociedade civil e mesmo pelas atividades de resistncia desenvolvidas em instituies regulares da Educao Bsica pblica, cada vez mais degradadas e esvaziadas em termos de utopias polticas.

    Num primeiro momento de nosso curso, buscamos relacionar a Educao Popular com a questo do poder popular nas suas dimenses poltica, econmica, social, afetiva e militar. Portanto, pensar poder popular implica tambm tratar questes da subjetividade, da superao no somente das relaes macro de poder, mas de micro-relaes de poder que se instauram nos processos organizativos e afetivos, conflitos e domnios que atravessam a totalidade social do homem. Sensibilidade, respeito e reconhecimento do diverso como pontos de chegada e de partida. Superar relaes de poder imbrica-se com a necessidade de superar a lgica de produo de mercadorias, coisas e homens fetichizados sob a lei do valor.

    Neste imbricamento, impem-se as experincias histricas: A revoluo de 1848, a Comuna de Paris de 1870/1871, as Comunas Indgenas na Revoluo Mexicana de 1917-1919, os Soviets da Revoluo Russa de 1917, os Conselhos de Operrios e de Soldados da Revoluo Alem de 1918-1919, as Comunas Anarquistas da Espanha Republicana de 1936, maio de 1968, primavera de Praga. Todas estas experincias nos ajudam a analisar a dialtica histrica na sua materialidade regressiva, bem como nas suas projees futuras, continuidades que se impem sob as derrotas e interrupes crticas que questionam a longa permanncia de programas de transformaes sociais. As aprendizagens das massas populares com as vanguardas revolucionrias e de seus intelectuais orgnicos e as aprendizagens das vanguardas e de seus intelectuais com as camadas populares em sua diversidade e seu processo contnuo de reinveno do cotidiano (CERTEAU,1994).No bojo dessas experincias, estavam sendo elaboradas concepes de educao popular, experincias concretas tais como as universidades livres na Europa e no Brasil dos anos de 1910 e 1920, as escolas das comunas espanholas, as escolas rurais mexicanas. No momento de reao conservadora em que vivemos, onde as polticas pblicas combinam poltica assistencialista com poltica de extermnio a fim de dar conta da gesto do Estado, da governabilidade sob o Choque da Ordem (Slogan Poltico utilizado pelo prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes), da gesto de uma barbrie recorrentemente produzida, esmagando espaos que poderiam garantir uma integridade social, um pertencimento de direito, acuando os indivduos e as coletividades sob interrupes de dilogo, na violncia da fala negada e do bito massificado no anonimato dos autos de resistncia e dos suspeitos de atuarem no trfico de drogas. Como pensar as potencialidades da educao popular na realidade triturada das classes populares, com seus filhos desfigurados nos cantes de escassez aplastados como imensas e amorfas

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  • sucatas humanas?Sob esta perspectiva, nossa tentativa foi apresentar algumas experincias

    concretas de educao e luta popular existentes na atualidade. A luta dos professores, pais e estudantes das escolas rurais mexicanas em 2003 e 2004, a experincia do Curso de Pedagogia da Terra CPT/UFPB, bem como as experincias de produo audiovisual articulados com a UFRRJ e a UFPB, como o Aerocine e o Cinestsico.

    A ATUALIDADE DA EXPERINCIA MEXICANA

    Nos anos de 1930, o Mxico assumiu em sua constituio o carter socialista da Educao. Esta conquista foi fruto da Revoluo Mexicana de 1914-1919, e apesar de sua extrema institucionalizao ocorrida nas dcadas seguintes, marcando 70 anos no poder do PRI (Partido Revolucionrio Institucional), de 1929-2000, a Educao no Mxico foi fundamentada por um forte movimento popular, envolvendo os professores, pais e alunos. Educao e Comunidade fazem parte de um mesmo corpo social, incorporando muito das tradies indgenas, dos conselhos de ancios, das terras comunais, do autogoverno.

    Nos anos de 1950, surge o Movimiento Revolucionrio de los Maestros (MRM), inspirando o surgimento, em 1979, da Coordinadora Nacional de los Trabajadores em la Educacin (CNTE) e nos anos de 1980 do Movimiento Magisterial Democrtico, com atuao em vrios Estados, sendo um exemplo de luta e solidariedade para o povo mexicano, onde o professor se torna um grande lder social. Deste movimento surgir, ainda nos anos de 1980, uma organizao poltica com forte base social nos maestros (professores da educao bsica) chamada Movimiento de Unidad y Lucha Popular (MULP) que, ao integrar vrios movimentos sociais, tornou-se uma das maiores organizaes polticas do Mxico, influenciando o movimento estudantil, o movimento campons, o movimento indgena, o movimento dos operrios e dos trabalhadores precarizados, o movimento dos sem-teto, etc. No Mxico contemporneo, a vanguarda poltica formada pelo professores da educao bsica, organizando e articulando os diversos movimentos sociais em todo o territrio nacional, de norte a sul, lutando pela liberdade de centenas de presos polticos indgenas, trabalhadores e professores, pela moradia digna, pelas escolas rurais, pelo reconhecimento do uso comunal da terra e dos costumes indgenas, lutando contra as reformas neoliberais no apenas na Educao, mas em todas as esferas econmicas, jurdicas e polticas (CNTE, 2002, 18-39). Trata-se de uma luta por autonomia e autodeterminao que envolve a populao e o conjunto da militncia social, que prima pelo valor comunal das assemblias comunitrias, dos servios comunitrios, pela autoridade municipal indgena com base em seu prprio sistema normativo independente das autoridades eleitorais. Memria histrica da revoluo e atualidade da luta poltica fazem do Mxico um pas com intensa fora social mobilizada, movimentos de massa que se unem como autodefesa frente um Estado fortemente militarizado e policialesco. A memria da Revoluo Mexicana, de Zapata, de Francisco Villa, de Flores Magn, bem como a tradio comunal indgena e a luta poltica levada adiante pelos professores instaurou na populao mexicana o seguinte princpio: temos o direito de mudar a forma de governo se este nos oprime, nos explora, nos causa danos, fazendo uso para isto de todas as formas de luta e instrumentos para conseguir a emancipao (CODEP. Comite de Defensa de los Derechos del Pueblo. Caderno de Princpios, 2003/2004, p. 4).

    A Educao no Mxico mantm forte sua marca de valorizao da cultura, das diferentes lnguas indgenas, das assemblias comunitrias, dos servios gratuitos, dos recursos naturais comunais. Enfim, mantm sua marca de uma educao de carter

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  • comunal e socialista, muito em funo, inclusive, dos processos de formao dos professores. Diante desta realidade de fora social organizada, o Estado inicia, nos anos de 2000, o fechamento das Escolas Normais Rurais, escolas fundadas nos anos de 1930, formando professores da educao bsica para atuarem nas escolas pblicas voltadas para as comunidades indgenas e camponesas, ampliando a formao docente com formao poltica e artstica e a formao bilngue de acordo com as necessidades das prprias comunidades.

    Neste mini curso que realizamos durante a Semana Paulo Freire, mostramos a experincia de luta e resistncia dos anos de 2003 e 2004 da Escola Normal Rural Mactumactza, localizada no Estado de Chiapas, atravs do documentrio Granito de Arena de Freidberg (2005). Esta escola, depois de 46 anos de existncia numa das regies mais pobres do pas, foi destruda pelo Governo de Vicent Fox que queria transform-la numa escola tcnica privada para o fortalecimento da ideologia do capital humano. Apesar da resistncia, de 150 professores e alunos presos e torturados, de um motorista escolar assassinado, de mobilizaes, marchas e manifestaes no Distrito Federal, esta escola foi destruda. No entanto, potencializou a luta contra a privatizao da educao no Mxico, unindo todo o movimento social contra as aes do governo federal.

    II

    Aliada questo da luta e da resistncia como um dos elementos da Educao, tratamos da questo da auto-representao e da imagem dos Movimentos Sociais. Ou seja, como os movimentos sociais se vem? Que leituras fazem de si atravs das imagens? Como se d a reformulao da imagem que os movimentos sociais possuem de si mesmos e de suas possibilidades de atuao poltica e social? Que imagens podem nos evocar imagem/imaginao? Estas questes tm sua origem nos processos de educao popular fomentados nos anos de 1960 pela teoria e prtica pedaggica de Paulo Freire. No sculo XXI, onde o mundo a imagem e semelhana da mercadoria, ratificada atravs de uma profuso e seleo de imagens que naturalizam as relaes fetichizadas do capital atravs do espetculo, o que pode distinguir uma experincia esttica onde a imagem se apresenta atravs de um vis crtico e propositivo de uma outra forma de sociabilidade?

    Aqui nosso ensaio foi no sentido de trazer a fotografia e o audiovisual como crtica da cultura. Utilizando as fotografias TERRA e TRABALHO de Sebastio Salgado, bem como o registro audiovisual da Turma de Graduao Pedagogia do Campo

    4formada por jovens ligados ao MST e CPT numa parceria com a UFPB . Nosso objetivo foi estimular a participao dos alunos, apresentando

    experincias diversas que pudessem remet-los diretamente prxis dos movimentos sociais do campo, que hoje mantm firme a luta social e poltica, bem como propostas de educao diferenciadas do sistema oficial, apesar de fazerem mediaes com o poder pblico. Vale a pena ressaltar que, hoje, o MST possui em torno de 100 parcerias com as Escolas Tcnicas Federais e as Universidades Pblicas atravs de cursos tcnicos, cursos de graduao e de ps-graduao em diversas reas do conhecimento, elevando a escolarizao de mais de 4.500 jovens militantes sociais.

    4 Trata-se do Curso Superior de Licenciatura em Pedagogia rea de aprofundamento EJA -, realizado atravs do Programa Estudante Convnio (PEC/MSC) com os Movimentos Sociais do Campo (Comisso Pastoral da Terra Paraba) e o Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria/ Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (Convnio CRT-PB 229/2007).

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  • Por fim, apresentamos duas experincias de produo audiovisual articuladas com a UFPB e a UFRRJ.

    O PROJETO CINESTSICO foi criado pela Prof Dr Virgnia de Oliveira Silva, professora-pesquisadora atuante nas reas de Educao e de Comunicao Audiovisual (UFPB), no incio do ano de 2008, contando com a parceria com a Prof Dr Marlia Campos que responsvel pelas atividades pedaggicas em escolas. Foi constituda uma equipe de trabalho com alunos bolsistas e voluntrios dos cursos de graduao em Pedagogia e em Comunicao Social. Utiliza bolsas do Programa de Extenso da UFPB (PROBEX), de Monitoria e de PIVIC. O projeto se situa dentro de um mbito multidisciplinar e interinstitucional, realizando, a partir da extenso, articulaes com aes de pesquisa e de docncia, desenvolvendo atividades educativas relacionadas linguagem e aos meios audiovisuais, preferencialmente em espaos escolares, mas tambm em outros espaos educativos.

    O PROJETO CINESTSICO recebeu essa denominao visando uma estreita relao entre educao, cinestesia / sinestesia e cinema. A palavra educao deriva do latim educare que significa trazer para fora, enquanto as palavras cinestesia e cinema derivam da raiz grega kinesis, que significa movimento. O nome de PROJETO CINESTSICO ainda pressupe o jogo ldico da aproximao sonora com uma das figuras de linguagem a sinestesia que tem origem na soma das palavras gregas syn, que significa junto e aisthesis, percepo. O termo, portanto, quer dizer juno de sensaes.O ensino universitrio, a exemplo do que acontece nas instituies escolares em geral, utiliza ainda muito perifericamente os recursos audiovisuais, embora, na contemporaneidade, tenhamos nosso cotidiano impregnado dominantemente pela linguagem audiovisual, caracterstica das mdias eletrnicas. curioso que, no campo da educao, os debates sobre os meios audiovisuais sejam ainda bastante incipientes, em particular no que diz respeito linguagem flmica. Embora este tema esteja na agenda desde os anos 70, no auge da fetichizao dos meios tecnolgicos e das mquinas de ensinar do tecnicismo e ainda que as escolas bsicas e as prprias instituies de ensino superior utilizem os filmes como recursos didticos, isso ocorre sem o devido aprofundamento terico-metodolgico e sem a preocupao de formar o futuro professor como leitor / autor / criador / produtor de audiovisuais.

    O PROJETO CINESTSICO tem basicamente quatro objetivos:

    A - exibir produtos audiovisuais, em particular aqueles que no possuem circulao na grande mdia, com nfase na produo paraibana e nordestina. Este objetivo diz respeito ao papel da ampliao do acesso dos espectadores s obras audiovisuais que esto fora do grande circuito comercial;

    B - realizar debates nas sesses de exibio. Este objetivo diz respeito necessidade de ampliarmos o olhar crtico a partir das leituras de mundo dos espectadores, relacionando os produtos exibidos com propostas estticas diversas. Essa leitura crtica dos produtos audiovisuais fundamental para que os espectadores possam questionar os esteretipos e os valores usualmente veiculados pelos produtos do grande circuito comercial. urgente realizarmos uma alfabetizao do olhar e levarmos, em nossas atividades junto aos graduandos, aos professores e aos alunos do ensino Bsico, propostas reflexivas que ampliem a maneira como estes sujeitos lem o mundo, tendo em vista a maneira como a mdia trabalha para formatar a percepo e a recepo das obras audiovisuais.

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  • Desde o contexto que se seguiu Segunda Guerra Mundial, os filsofos da Escola de Frankfurt Adorno e Horckheimer se dedicaram anlise da constituio da indstria cultural e de seu papel na formatao dos modos de percepo, dos gostos e dos valores a respeito dos diversos fenmenos vividos. Esses autores atriburam uma importncia e urgncia s atividades reflexivas, de forma que pudessem contribuir para uma dimenso de criticidade face ao amortecimento/ domesticao da percepo, geradora de esclarecimento. Abordando a questo da televiso como instrumento ideolgico nos anos 60, Adorno nos aponta:

    ...o que se pode verificar sobretudo nas representaes televisivas norte-americanas, (...) ou seja, a tentativa de incutir nas pessoas uma falsa conscincia e um ocultamento da realidade, alm de (...) procurar-se impor s pessoas um conjunto de valores como se fossem dogmaticamente positivos, enquanto a FORMAO a que nos referimos consistiria justamente em pensar problematicamente conceitos como estes que so assumidos meramente em sua positividade (...). Alm disso, existe um carter ideolgico-formal da TV, ou seja, desenvolve-se uma espcie de vcio televisivo em que a TV (...) converte-se, pela sua simples existncia, no nico contedo da conscincia, desviando as pessoas por meio da fartura da sua oferta daquilo que deveria se constituir propriamente no seu objeto e sua prioridade. (ADORNO, 1995, p.80).

    C - pesquisar as maneiras como os diversos sujeitos ressignificam os produtos e a linguagem audiovisual. Este objetivo est relacionado com o estudo das formas de recepo e de ressignificao em suas ntimas relaes com a produo de conhecimento e de conceitos. Em termos de metodologia, procuramos registrar os olhares, as opinies e as falas dos sujeitos espectadores nos momentos dos debates e das oficinas, quer atravs da observao participante (BRANDO, 1999), do registro dos processos vividos em cadernos de campo, quer atravs de gravaes e de produes realizadas em oficinas a partir da produo de pequenos textos e/ou desenhos.

    D - produzir audiovisuais, levando os espectadores a compreenderem suas formas de produo, oportunizando-lhes lugares de autoria e lhes possibilitando contacto com os elementos constitutivos da linguagem audiovisual. Tornam-se importantes oficinas para compreenso da linguagem flmica e de seus recursos (planos, montagem, narrativa, etc), bem como as propostas estticas a eles relacionadas.

    Durante o ano de 2008, o projeto Cinestsico realizou uma srie de atividades. Organizou uma mostra de filmes paraibanos de novos autores, exibindo-a no prprio campus da UFPB em Joo Pessoa, na UFRRJ-campus Nova Iguau, na UFPB nos campi de Bananeiras e de Cajazeiras. Alm disso, durante todo o segundo semestre, realizou atividades de exibio, debates e oficinas no Instituto de Educao da Paraba, escola estadual de Ensino Mdio modalidade formao de professores. As atividades em continuidade no IEP foram bastante oportunas para a investigao/aprendizagem da ressignificao dos produtos audiovisuais pelo pblico expectador futuros(as) professores(as). Tivemos a oportunidade de refletir criticamente sobre muitos clichs que circulam na sociedade em geral mas que, nas escolas, encontram um lugar

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  • privilegiado para se fortalecer . Tratam-se de clichs relacionados ao popular, ao brasileiro, ao nordestino, ao paraibano. Por outro lado, os debates proporcionam um espao importante para que os alunos e professores do Ensino Mdio possam exercer suas vozes, num local onde todas as vozes parecem abafadas e despersonalizadas como o caso das escolas pblicas estaduais.

    Outra experincia apresentada foi a do AEROCINE. Criado em Agosto de 2006 como um coletivo de audiovisual independente se articulou com o Grupo de Pesquisa Teoria Crtica e Educao/Linha de Pesquisa Educao, Cultura e Tecnologia para a produo de pequenos curtas voltados para temas marcados pela invisibilidade social. Seus integrantes possuem uma dupla origem. Uma origem nos movimentos sociais e nos circuitos das universidades estaduais e federais do Estado do Rio de Janeiro/Brasil. O Coletivo AEROCINE, junto com professores e alunos do Projeto As Classes Populares no Cinema Brasileiro dos anos de 1950, com o apoio do Programa de Bolsa de Iniciao Cientfica/CNPq/UFRRJ do Instituto Multidisciplinar/IM/UFRRJ e do financiamento Auxlio Instalao da FAPERJ, produziram dois curtas entre os anos de 2006 e 2008: CHAPA e REGENTE FEIJ.

    Para o Aerocine e o Grupo de Pesquisa Teoria Crtica e Educao/UFRRJ, pensar tambm construir sociedade. adquirir a capacidade de formular ideias com o outro, pelo outro, no prprio outro e vice-versa. Formamos, assim, um coletivo, na expectativa dos mltiplos encontros com outros tantos coletivos, sedentos por mais outros coletivos; pensando, construindo a sociedade. Aerocine foi uma primeira (auto)denominao. Por enquanto, com ela que nos apresentamos. Empenhado na criao artstica, tem mergulhado, sobretudo, na criao audiovisual. Mas, a arte, experimentada, sentida, tambm deve ser (re)pensada e (re)formulada, a fim de se extrair focos de significaes to recnditos quanto relevantes. Logo, o desafio de se fazer teoria tambm foi incorporada s pretenses do Aerocine. Ao incidir o foco sobre a produo audiovisual, irrompe-se uma espinhosa questo: como podem as iniciativas de criao audiovisual extrair legitimidade e viabilidade no horror social vigente?

    Talvez, da capacidade de promover inventrios (audiovisuais) desse horror, a fim de alimentar a esperana dos desesperanados. Isso no significa simplesmente catalogar imagens horrorosas: a arte no reproduz o visvel; ela torna visvel (Paul Klee). Isso obriga-nos a uma ininterrupta (re)elaborao do real, ao desafio de construir respostas e proposies estticas vinculadas, mas no aderentes ao real uma espcie de realismo antirrealista, por que no? Como diatribe lanada inautenticidade objetivada da sociedade da mercadoria. Da, somos remetidos experimentao do onrico e da fantasia como partes constitutivas do real, danificado, mas tratado como inconcluso e em movimento. Somos remetidos determinar o recalcitrante em ser determinado, a exprimir a expresso que reluta em se exprimir. Somos remetidos a buscar o ainda-no-existente, na esteira do vir-a-ser. Somos remetidos, portanto, ao novo. Mas, voc que muito vivo, me diga qual o novo? Me diga qual o novo? Me diga qual o novo (Belchior)?

    A mercantilizao da vida social engendra uma compulso pelo novo, cujo resultado um acmulo horrendo de escombros simblicos. Com a implacvel invaso da lgica mercantil no universo simblico, desencadeou-se uma simultnea economicizao da esttica e estetizao da economia, que alimenta um consumo (fetichista) altamente destrutivo. Por isso, repudiamos, com veemncia, a arte como suporte simblico-persuasivo do fetichismo do consumo. Eis uma convico, (auto)permitida, mais do que plausvel, necessria. Uma homenagem conferida esperana.

    Partindo destas premissas filosficas-estticas-polticas, surge, ento, em

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  • dezembro de 2007 o curta CHAPA (25 mim), vida e trabalho dos Chapeiros, homens que descarregam e carregam caminhes repletos de mercadorias, ficando disponveis nas margens das extensas rodovias deste pas. O curta um ensaio de documentrio com inseres poticas. Diante da superexplorao do trabalho, traz tona o grito da colnia, memria e histria da resistncia cultural dos terreiros da Baixada Fluminense. Propomos uma crtica deteriorada sociedade do trabalho, uma referncia resistncia cultural pela dana, pelo canto dos terreiros, pela espiritualidade de uma periferia esmagada e esmagadora, propulsora de uma violncia contnua: o desemprego massivo, a moradia indigna, a coero policial-estatal, a coero do consumo, a misria, a loucura.

    Da mesma perspectiva filosfica-esttica-poltica surge o curta OCUPAO REGENTE FEIJ com duas verses 17 min e 34 min. Este curta o testemunho das Famlias Sem Teto e de suas crianas que ocuparam em 2001 um prdio pblico na Rua Regente Feij esquina com a Rua da Constituio, centro do Rio de Janeiro. O foco est centrado nas crianas da ocupao e sua ligao com o mundo da arte, no trabalho informal e precarizado dos moradores e na expectativa do Estado em realizar a reforma do prdio, materializando assim a luta e a esperana de uma moradia digna.

    Recursos: exposio, Documentrio Granito de Arena, Fragmentos Visuais de TERRA e TRABALHO de Sebastio Salgado, Registro Audiovisual da Turma Pedagogia do Campo/UFPB, Produo Audiovisual do Aerocine e do Cinestsico.

    Pblico: alunos da UFRRJ e militantes da Educao Popular da Baixada Fluminense.

    Metodologia: dilogo ininterrupto com o pblico a partir das fotografias e dos recursos audiovisuais, intercalando com relato de experincias histricas e contemporneas no que diz respeito relao entre Educao, Movimentos Sociais e Audiovisual.

    Concluses: acreditamos que este mini curso foi um ensaio para se pensar de forma mais sistemtica e elaborada as experincias de Cultura e Educao Popular na Baixada Fluminense dos anos de 1950 e 1980, bem como a sistematizao de uma pesquisa histrica a respeito do audiovisual como metodologia da educao popular.

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  • REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    CNTE. La Primavera Magisterial de 1989. Los Maestros de la Dignidad. DF: Mxico, 2002.

    CODEP. Comite de Defensa de los Derechos del Pueblo. Caderno de Princpios, 2003/2004.

    FRANCASTEL, Pierre. Imagem, viso e imaginao. Lisboa: Edies 70, 1998.FREIRE, Paulo. Ao cultural para a liberdade e outros escritos. 4 ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

    GUATARRI, Flix; ROLNIK, Suely Micropoltica cartografias do desejo. 4 ed, Petrpolis: Vozes, 1996

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    NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. 2 ed, So Paulo: Contexto, 2005.

    TEIXEIRA, Ins Assuno de Castro (org). A escola vai ao cinema. 2 ed, Belo Horizonte: Autntica, 2003.

    THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-ao. So Paulo: Cortez, 2003.

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  • EDUCAO DO CAMPO

    5Olvia Chaves de Oliveira

    APRESENTAO

    Aqui trata-se de uma oficina elaborada e executada na III Semana Paulo Freire, que aconteceu na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, no ano de 2008. Teve como objetivo principal apresentar e dialogar sobre as diretrizes operacionais para a educao bsica no campo e contou com a participao de dez pessoas, entre elas alunos de diferentes cursos de graduao da Universidade e uma professora da rede municipal de educao de Nova Iguau - RJ.

    EDUCAO DO CAMPO: CONCEITOS GERAIS

    A construo do direito educao sempre esteve em movimento em nossa sociedade, assim como o direito a terra, no caso da educao do campo, os dois movimentos se unem. E se unem tambm no prprio movimento das comunidades consideradas margem, em busca de sua cidadania, a partir da construo de suas identidades, para o entendimento de seus direitos e os mecanismos para alcan-los. O movimento social pela educao do campo foi construindo novas prticas pedaggicas por meio da educao popular, sendo uma de suas matrizes pedaggicas que consiste numa prtica social e poltica. Essas prticas so tomadas como iniciativas construdas para superar modelos organizacionais e didticos no currculo escolar (ANTONIO & LUCINI, 2007). E se inicia nos anos 60, ganhando maior fora e visibilidade nos anos 80.

    O termo educao do campo surge em substituio ao termo educao rural, reafirmando a legitimidade da luta por polticas pblicas especficas e por um projeto educativo prprio para os sujeitos que vivem e trabalham no campo (VENDRAMINI, 2007).

    E tambm quando a educao desenvolvida no meio rural torna-se objeto de discusso dos sujeitos que a compem (ANTONIO & LUCINI, 2007).

    Uma das denncias que esse movimento faz em relao educao que os currculos so deslocados das necessidades, das questes do campo e dos interesses de seus sujeitos. Dentre outras coisas, defende-se a diversidade dos sujeitos que compem o campo e a construo de um Projeto Poltico Pedaggico que respeite as especificidades dos sujeitos e das escolas do campo

    Destaca-se como um dos seus objetivos: garantir a construo coletiva do Projeto Poltico Pedaggico da educao do campo com a participao da diversidade dos sujeitos, tendo sempre como referncia os direitos dos/as educando/as.

    5 Formada em Bacharelado e Licenciatura em Economia Domstica pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRuralRJ, em 2006. Foi Professora Substituta da Universidade no Departamento de Economia Domstica entre os anos de 2006 e 2008. Atualmente mestranda em Educao Agrcola, na rea temtica de Educao e Sociedade tambm na Universidade Rural e assessora a coordenao do Programa Conexes de Saberes na Escola Aberta UFRuralRJ, no Decanato de Extenso. Desde de a graduao faz pesquisa na rea de educao, cultura e comunidades tradicionais, especialmente utilizando a histria oral e investigando sobre aspectos scio-econmicos.

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  • PANORAMA DA EDUCAO DO CAMPO NO BRASIL

    Segundo Mrio Lcio Machado Melo Jr. Superintendente do INCRA/RJ h em todo estado do Rio de Janeiro assentamentos em vrios estgios de desenvolvimento, contabilizando cerca de 30. 000 pessoas e 6.000 famlias.

    Para Jaime Muniz Martins Delegado Federal do MDA no RJ h cerca de 20 comunidades quilombolas reconhecidas pelo INCRA. E para o MDA so aproximadamente 130. 000 famlias vivendo em rea rural no Rio de Janeiro.

    Francisco Sobral MEC/SECAD afirma que 219 mil pessoas esto matriculadas no ensino mdio na zona rural e outras 830 mil moram no campo, mas utilizam transporte para ir estudar nas cidades.

    Fernanda Azevedo, representando o MST, diz que no Rio de Janeiro so aproximadamente 75 a 80 assentamentos que contam com aproximadamente 10 a 15 escolas, que oferecem da 1. a 4. sries do ensino fundamental.

    A seguir, a tabela tem o objetivo de desenhar o cenrio em que se encontra o mundo rural brasileiro, e assim refletir sobre os propsitos de um programa nacional de educao do campo em todos os nveis de ensino, baseado na realidade excludente do meio rural brasileiro.

    A tabela foi construda a partir dos dados divulgados pelo INEP, pesquisas do censo escolar, censo demogrfico do IBGE 2000, dados do MDA e do MEC.

    EDUCAO DO CAMPO30

  • DIRETRIZES OPERACIONAIS PARA EDUCAO BSICA NAS ESCOLAS DO CAMPO

    Uma das legislaes e, a mais importante, a respeito da educao do campo Diretrizes Operacionais para Educao Bsica do Campo, a Resoluo CNE/CEB N 01 de 03/04/2002, tem como meta:

    Pr em prtica uma poltica de educao que respeite a diversidade cultural e as diferentes experincias de educao em desenvolvimento, em todas as regies do pas, como forma de ampliar a oferta de educao de jovens e adultos e da educao bsica nas escolas do campo (MEC/SECAD, 2007).

    Diz tambm em seu artigo 2, pargrafo nico, e no artigo 5, respectivamente, que:

    A identidade das escolas do campo definida pela sua vinculao s questes inerentes sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes prprios dos estudantes, na memria coletiva que sinaliza futuros, na rede de cincia e tecnologia disponvel na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as solues exigidas por essas questes qualidade social da vida coletiva do pas (CNE, 2002).

    As propostas pedaggicas das escolas do campo, respeitando as diferenas e o direito igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos artigos 23, 26 e 28 da Lei 9. 394, de 1996, contemplaro a diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais, polticos, econmicos, de gnero, gerao e etnia (CNE, 2002).

    EDUCAO DO CAMPO 31

  • Consultando o artigo 28 da Lei de Diretrizes de Bases da Educao (LDB), citado nas Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica do Campo, observamos que desde 1996, j havia a obrigatoriedade de adequao da educao bsica realidade da clientela. Vejamos o que diz o referido artigo:

    Na oferta da educao bsica para a populao rural, os sistemas de ensino promovero as adaptaes necessrias sua adequao peculiaridades da vida rural e de cada regio, especialmente:I contedos curriculares e metodologias apropriadas s reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;II organizao escolar prpria, incluindo adequao do calendrio escolar s fases do ciclo agrcola e s condies climticas;III adequao natureza do trabalho na zona rural.

    importante citar tambm a existncia do artigo 10 da Resoluo CNE/CBE N 01 que versa sobre a constituio de mecanismos que possibilitem a estabelecer relaes entre a escola e a comunidade local, os movimentos sociais para a gesto democrtica da escola.

    Continuando a anlise sobre a educao do campo sob a tica da legislao importante unir s concepes de educao, currculo, gesto, diversidade, a concepo de campo presente no Parecer CNE N 36/2001, provocado pelo artigo 28 da LDB (citado anteriormente) que prope medidas de adequao da escola vida do campo. Sendo a educao do campo denominada educao rural nas leis brasileiras.

    CONCLUSES

    A primeira e talvez mais importante concluso que se tem ao propor uma pequena avaliao do trabalho com os participantes da oficina, a falta que sentem de ter contato com as temticas relacionadas ao campo na graduao. Pois, ao iniciar as discusses sobre o que imaginam que seja a educao do campo e at mesmo qual a imagem que tm sobre o campo, muitos chegam a dizer que no sabem nada e nem pensam nada, porque moram na cidade e no ouviram falar sobre isso, apesar de terem curiosidade.

    Ao comear a explanao sobre a educao do campo os participantes comeam a apontar possibilidades de atuao neste campo terico e prtico e nascem algumas indignaes e surpresas ao apresentar os indicadores sociais deste local que est mais prximo deles do que podiam imaginar.

    Diante de tudo o que foi exposto e dos princpios e conceitos da educao do campo, enquanto demanda dos movimentos sociais organizados pelos povos do campo. Conclui-se que problemas como dificuldades de acesso escola, baixos salrios, falta do ensino mdio, pouca infraestrutura das escolas, currculos que no atendem a comunidade, baixa qualificao dos professores, precisam ser combatidos superando-se a dicotomia entre o rural e o urbano na formulao de polticas pblicas para a educao bsica do campo.

    Conclui-se tambm a necessidade do questionamento sobre o papel da escola, da educao e do professor neste espao repleto de singularidades e novos significados colocados pelo mundo contemporneo.

    .6 Conselho Nacional de Educao/Cmara de Educao Bsica

    EDUCAO DO CAMPO32

  • preciso rever o currculo dos cursos de graduao que visam atender este pblico, buscando uma formao mais humanista e menos tcnica, capaz de entender a sociedade, suas transformaes e o papel dos diferentes grupos sociais.

    Acredita-se na possibilidade de contribuir com o fim do xodo rural e a conquista dos direitos dos sujeitos que trabalham e vivem no/do campo atravs da educao pautada nos princpios de liberdade e transformao da sociedade.

    EDUCAO DO CAMPO 33

  • REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    CALDART, R. S. Movimento Sem Terra: lies de pedagogia. Currculo Sem F r o n t e i r a s . v . 3 , n . 1 , j a n - j u n , 2 0 0 3 . D i s p o n v e l e m < h t t p : //www.curriculosemfronteiras.org> Acesso em: 25 mai. 2007.

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    INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANSIO TEIXEIRA - INEP. Panorama da educao no campo. Braslia: INEP, 2007.

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    VENDRAMINI, C. R. Educao e trabalho: reflexes em torno dos movimentos sociais do campo. Cadernos CEDES, Campinas, v. 27, n. 72, maio/ago, 2007.

    SEMINRIO EDUCAO DO CAMPO: POSSIBILIDADES FORMATIVAS. Seropdica RJ: UFRuralRJ, 19 de setembro de 2008.

    EDUCAO DO CAMPO34

  • I SEMINRIO TEMTICO DE EXTENSO RURAL: AS TRANSFORMAES DO MUNDO RURAL CONTEMPORNEO E OS DESAFIOS PARA UMA NOVA EXTENSO RURAL. Seropdica RJ: UFRuralRJ, 20 a 24 de outubro de 2008.

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  • DOCENTES NO BRASILpassado e presente

    7Cintia Xisto da Fonseca 8Gabriela Rizo

    Provocado pelos questionamentos no campo da educao brasileira, este trabalho procura apresentar dados sobre a formao docente no Brasil. A anlise procura trazer um panorama histrico do docente no Brasil e o estado de sua formao na atualidade, fundamentando-se em vrios autores que procuraram descrever o estado da arte sobre a formao de professores em nosso pas, levantando informaes no INEP e no Endipe entre os anos de 1997 e 2006. Tambm foi feito levantamento de documentos referentes aos ltimos 10 anos sobre a reestruturao da Universidade e da Formao Docente. Tais trabalhos referem-se formao de professores em geral, nos cursos de pedagogia e nas demais licenciaturas. Neste contexto, nossa discusso d continuidade ao tema da formao deste profissional em nvel superior, procurando fomentar questionamentos com base na valorizao do professor e na melhoria da educao do pas, to em voga atualmente.

    Bem sabemos que so muitos os desafios encontrados na educao do pas. Dentre eles a estrutura fsica e pessoal contribui para o bom funcionamento das escolas, com incumbncia de propiciar aprendizagem. A importncia da formao dos profissionais que atuam na escola deve compreender especialmente que os educadores que atuam em sries iniciais tambm so formados como cidados crticos e conscientes. Este encargo deve ser compartilhado pelos governos, instituies de ensino e pela sociedade. Portanto, para a contribuio social significativa dos educadores, estes trs atores devem discutir sobre a qualidade da formao docente no Brasil.

    O presente trabalho parte das reflexes direcionadas pela situao expressa nas estatsticas dos professores no Brasil, que nortearam o aprofundamento dos estudos na compreenso do processo de formao de docentes do ensino bsico. Aqui traremos alguns dados das pesquisas produzidas pelo Inep (Censo Escolar, Censo da Educao Superior e Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica), o IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio), a Fundao Carlos Chagas, o Instituto Nacional para a Educao Superior na Amrica Latina e o Caribe e o Sistema Educativo Nacional do Brasil pela anlise da Lei de Diretrizes e Base da Educao (Lei n..394/96) e suas possveis interferncias.Sobre a relevncia do tema estudado e aos desafios que compete ao campo da educao e aos profissionais que nele atuam, resta-nos falar da

    7 Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e membro do grupo de pesquisa Polticas de Trans-Formao. Seu trabalho monogrfico versa sobre a formao docente no Brasil atual. Este artigo faz parte de sua pesquisa, sob orientao da professora Gabriela Rizo e que integra o projeto desta professora Observatrio de Formao de Professores da Baixada: Um estudo comparativo entre os nveis de formao docente, suas polticas e a qualidade da educao.

    8 Professora adjunta da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, na rea de Poltica e Planejamento Educacional. Tem experincia na rea Educao, atuando principalmente nos seguintes temas: formao de professores, polticas pblicas, avaliao e sistemas educacionais. Possui graduao em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, graduao em Histria pela mesma instituio, especializao em Planejamento e Formualo de Polticas Educacionais pela Unesco, mestrado em Histria Social da Cultura pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro e doutorado em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

    36

  • possibilidade de estarem num estgio de nostalgia ou encarar os desafios atuais a partir de uma viso que contemple a contemporaneidade em sua prtica. Nesse sentido, a formao deve estar ligada a prtica inovadora, que concebe:

    compromisso com a construo com a cidadania pede necessariamente uma prtica educacional voltada para a compreenso da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relao vida pessoal e coletiva e a afirmao do principio da participao poltica. (MEC, 1996, p.19).

    POLTICA EDUCACIONAL: UMA APROXIMAO DA CONSTRUO HISTRICA E FORMAO DOCENTE

    Para entender a aproximao entre os elementos de polticas educacionais e a formao docente, necessria uma viso mais complexa da construo histrica do sistema de educao no Brasil. Dessa forma, importante contextualizar a histria, percebendo elos vivos entre o passado e o presente.

    O processo de formao dos professores no Brasil percorreu muitos caminhos e vrias mudanas conduziram concepo atual. necessrio que se estabelea a compreenso entre os acontecimentos histricos e as prticas sociais, pois segundo Paulo Freire:

    Precisamos conhecer o que fomos, para compreender o que somos e decidir sobre o que seremos. (FREIRE, 1993, p.33)

    Aps o descobrimento do Brasil, a Igreja Catlica tinha como objeto educacional catequizar os indgenas locais e os escravos africanos, impondo a cultura tradicional da ideologia catlica. Atravs das ordens do Rei de Portugal D. Joo II, os primeiros jesutas chegaram ao Brasil por volta de 1549, chefiados pelo Padre Manoel da Nbrega. Nesse momento se afirmava a formao viso educacional para a colnia, a Ratio Studiorum subsidiou a ao dos padres, e constitua-se numa verso religiosa de educao pblica e na formao das elites.

    O ensino destinado aos ndios e aos filhos de colonos portugueses se caracterizava pelo apego ao dogma, autoridade, tradio escolstica e literria, modelado forosamente pela relao da colnia com Portugal. Visava, portanto, impor uma cultura assegurando a converso da populao e a mo-de-obra para o enriquecimento da Coroa Portuguesa. Esta educao religiosa perdurou at aos meados do sculo XVIII. Em fins do setecentos, as Reformas Pombalinas se colocaram como marco na histria da educao, pois atravs delas o sistema educacional passou a ser responsabilidade do Estado. No mais repousava nas mos da Igreja Catlica. Segundo ideais iluministas, o Marques de Pombal inova o sistema educacional para uma verso de educao pblica de Estado. Inaugura-se na colnia o sistema de aulas rgias. Estas eram aulas avulsas de latim, grego, filosofia e retrica. Diferenciando-se do sistema de ensino dos jesutas, este mtodo destinava-se basicamente a uma pequena parte da populao e no se vinculava a uma estrutura fsica institucional, tal como os colgios jesuticos, e acontecia nas provncias em lugarejos.

    O projeto de Pombal s foi possvel porque nos anos anteriores, o Alvar de 28 de junho de 1759, determinava o fechamento dos colgios jesutas e a substituio dos educadores e do sistema jesutico por um sistema laico, portanto para que o sistema de aulas rgias se consolidasse houve a criao do cargo de Diretor Geral. Para que o

    DOCENTES NO BRASIL ... 37

  • Alvar estivesse institudo oficialmente, transcorreu um perodo de 13 anos, contemplando o fechamento de vrias instituies e a substituio dos jesutas. Consequentemente, a partir do Alvar de junho de 1759, houve uma introduo desordenada de profissionais no ensino, por conta da prpria estrutura da poca, que vinculou profisso docente a concepo de professores leigos. O termo professor leigo, no se restringe somente ao nvel de formao do docente, mas tambm associao entre didtica e prtica concreta, necessria para desenvolvimento profissional.

    Com a expulso da Companhia de Jesus, em 1759, de Portugal e, consequentemente, do Brasil, a estrutura e a organizao do sistema educacional ficou sem leme, apesar de ter sido implantado o ensino pblico, financiado pelo e para o Estado (...). Todavia, a organizao escolar foi extinta sem ser acompanhada por medidas eficazes que atenuassem seus efeitos. Como resultado tivemos uma educao desmantelada, pois, nada foi criado para dar continuidade ao trabalho educacional.Mestres nomeados por bispos e padres-mestres, capeles de engenho, tornaram-se os principais responsveis pela educao dos meninos brasileiros. (...) A estrutura educacional do Brasil-Colnia foi caracterizada pelas relaes de submisso externa em relao Metrpole e interna em relao aos colonizadores (negros ou mestios). (RANGHETTI, 2008)

    Portanto, podemos dizer que neste perodo o pas constitua-se de um sistema precrio sem formao para a docncia, ainda que o Alvar contemplasse a regulamentao atravs do cumprimento de exames para a atuao na profisso, o trabalho se estendia a privilgios e os professores passavam a gozar dos mesmos direitos dos nobres.

    Com a chegada da Famlia Real no Brasil, muitas mudanas aconteceram no mbito da educao superior. O pas se prope a um novo rumo, que se entende como construo de certa autonomia, o que se segue, mais tarde, com a proclamao da independncia poltica e a adoo do regime monrquico. Os primeiros cursos superiores eram organizados pelo crescimento da economia agroexportadora e a decorrente necessidade de escoamento da produo dos produtos no pas. Podemos dizer que os principais cursos foram os de Direito, Medicina, Engenharia e Administrao Pblica, voltados para atender os interesses da e para elite.

    A partir da Promulgao de 20 de Outubro de 1823, se anuncia uma nova ordem para a poltica da educao brasileira. O Estado declarava livre a educao popular e abria caminho para criao de instituies pela iniciativa privada. Em 15 de outubro de 1827, a promulgao da Lei de Primeiras Letras que prescreve no artigo 1, a organizao histrica da formao de professores, a partir do contexto:

    Em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, haver escolas de primeiras letras que sero necessrias. [...]

    Este documento era composto por 17 artigos, que contemplava como prope SAVIANE (2008), uma preocupao diferenciada na formao de professores pelo contexto referido.

    DOCENTES NO BRASIL ...38

  • oArt. 5 Para as escolas do ensino mtuo se aplicaro os edifcios, que couberem com a suficincia nos lugares delas, arranjando-se com os utenslios necessrios custa da Fazenda Pblica e os Professores que no tiverem a necessria instruo deste ensino, iro instruir-se em curto prazo e custa dos seus ordenados nas escolas das capitais.

    o Art. 6 Os professores ensinaro a ler, escrever, as quatro operaes de aritmtica, prtica de quebrados, decimais e propores, as noes mais gerais de geometria prtica, a gramtica de lngua nacional, e os princpios de moral crist e da doutrina da religio catlica e apostlica romana, proporcionados compreenso dos meninos; preferindo para

    as leituras a Constituio do Imprio e a Histria do Brasil (Lei de 15 de outubro de 1827, Disponvel em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br, acessado: 2/5/2010)

    Como podemos perceber, esses dois artigos expressam uma preocupao com a instruo adequada para a atuao da profisso, o desenvolvimento do ensino pelo mtodo mtuo e a concepo de um currculo ordenado de acordo com o entendimento dos alunos. O Ato Adicional de 1834 determina para as provncias a responsabilidade de promover a educao primria, transferindo o sistema proposto pelas aulas rgias para os liceus. A promulgao do Ato de 34 e a Lei de Primeiras Letras possibilitou um caminho para a criao das primeiras Escolas Normais, pois as duas medidas pressupem o aumento do nmero de escolas, havendo uma demanda maior de profissionais da educao.

    A provncia do Rio de Janeiro instituiu em Niteri, 1835, a primeira escola normal do pas. Ento, foram institudas, no sculo XIX, as Escolas Normais em: Bahia, 1936; Mato Grosso, 1842; So Paulo, 1846; Piau, 1864; Rio Grande do Sul, 1869; Paran e Sergipe, 1870; Esprito Santo e Rio Grande do Norte, 1873; Paraba, 1879; Rio de Janeiro (DF) e Santa Catarina, 1880; Gois, 1884; Cear, 1885; Maranho, 1890. Obtendo pouca estrutura e sendo fechadas e reabertas periodicamente. Podemos observar que durante o imprio, as Escolas Normais no obtiveram sucesso em sua estruturao. A redistribuio dos recursos financeiros e dos recursos tcnicos ficava sob a incumbncia das provncias, e estas no tinham como prover a difuso do ensino.

    Posteriormente, em 1889, a Proclamao da Repblica desenvolveu condies para movimentos de renovao cultural e pedaggica nas provncias. Institui a separao do Estado e da Igreja, abolindo o ensino religioso nas escolas. Uma caracterstica da Repblica Federativa que seu sistema poltico se coloca como descentralizado, o que no difere da educao deste perodo, que vinha sendo descentralizada e pronta a atender algumas caractersticas do novo sistema de governo. Uma das maiores consequncias disto foi, em 1901, a decretao da Lei Orgnica de Ensino Superior e Fundamental da Repblica, cuja finalidade era proporcionar liberdade aos estabelecimentos de ensino, expandindo-se o nmero de escolas particulares. Referindo-se ao contexto histrico, a trajetria da educao brasileira se d em paralelo a estruturao da formao de nossos docentes: com ampliao de escolas, mais formao. Segundo os autores Gonalves e Peres (2002) a formao se mostra com base em dois processos: o autodidatismo, onde no existem no pas instituies e cursos formadores de professores e o surgimento posterior das instituies, apenas no sculo XIX, com as escolas normais.

    As dcadas de 20 e 30 so momento frtil na histria da educao. Desencadeado pela reforma industrial e o governo de Getulio Vargas, este perodo traz um ambiente para que polticas pblicas da educao se formassem. A definio de

    DOCENTES NO BRASIL ... 39

  • uma organizao educacional se manifesta a partir da criao do Ministrio da Educao e Sade, nomeado Francisco Campos, responsvel pela organizao e estrutura do ensino superior (Decreto 19.851) e ensino fundamental (Decreto 19.890).

    Posteriormente, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Educao delineia os caminhos da educao no pas. Os pioneiros o utilizaram como estratgia, marcar o campo de disputas da educao como um projeto que conduz ao marco de uma renovao do pas. Todo este movimento repercute na construo da Carta Magna em 1934, a primeira a dedicar um captulo a educao e cultura, onde a organizao e manuteno dos sistemas educativos permanecem com os Estados e Distrito Federal (Art. 151). Anteriormente, determinado pelo Ato Adicional em 1834 no Imprio a responsabilidade dos Estados com a educao. Com as reformas de Gustavo Capanema so adicionados decretos que incorporam o conjunto de Leis Orgnicas da Educao Nacional, sobre o Ensino Industrial, Ensino Comercial, Ensino Normal, Ensino Primrio e o Ensino Agrcola, delimitando o acesso as camadas mais amplas da populao urbana.

    A queda da ditadura inicia no campo da educao a democracia populista. O momento em que foi criada a Constituio de 1946 aponta um inovador paradigma de educao para todos, sob o domnio do ensino ministrado pelo poder pblico o liberalismo clssico. A partir de ento, com suporte da estrutura poltica e a promulgao da LDB Lei.4.024/61, se afirmam os defensores da liberdade de ensino, enquanto iniciativa privada!!!! (Art. 3 e 5). A lei decide sobre o funcionamento dos estabelecimentos isolados do ensino superior, federais e particulares; sobre o reconhecimento das universidades; tambm sugere medidas para organizao e funcionamento do sistema federal de ensino; e prope medidas para expanso e aperfeioamento de ensino (Art. 9). A Lei da Reforma Universitria (Lei 5.540/68) instaura uma alterao significativa no quadro do ensino superior, habilitando cursos de curta durao, dentro de uma formao intermediria de grau superior. Concomitante a evoluo desse projeto ocorre a Reforma do Ensino de 1 e 2 graus, com o foco profissionalizante. Com o movimento de redemocratizao da sociedade, a Constituio de 1988 normaliza os direitos sociais, dentre eles a educao escolar que impulsiona espaos para a redefinio dos marcos legais e das polticas educacionais nos anos finais do sculo XX e iniciais do sculo XXI (NEVES e PRONKO, 2008).

    As discusses em torno da LDB da Educao Nacional aps a promulgao da Constituio Federal de 1988 conduziram para que, em dezembro de 1996, se consolidasse na Lei 9.394, um novo projeto de educao escolar. A educao bsica (formada pela educao infantil, pelo ensino fundamental e pelo ensino mdio) e a educao superior. Na perspectiva de situao e formao do docente, a Lei de Diretrizes e Base da Educao Nacional (Lei n..394/96) determina para atuao na educao bsica que o docente possua nvel superior em licenciatura ou na formao mnima de nvel mdio (modalidade normal para o exerccio do magistrio na educao infantil e no primeiro segmento do ensino fundamental).

    O Plano de Educao Nacional, aprovado em 2001 pelo Congresso Nacional, fruto da mobilizao regional e nacional apresentado pelo Brasil constitui um subsdio importante na educao do pas. Ao final da Dcada da Educao (1997-2006), para a atuao na educao bsica, o docente passa a adquirir um novo carter em sua formao no mbito educacional. O exerccio do magistrio toma uma nova proporo no que se refere formao, ou seja, para atuao somente sero admitidos professores formados em nvel superior ou formados por treinamento de servio. A formao do pedagogo passa a ser em licenciatura plena. Segundo o Sistema Educativo Nacional do Brasil, a determinao da adequao consequncia da

    DOCENTES NO BRASIL ...40

  • erradicao da categoria de professores leigos. Tal medida envolve discusses e reflexes do poder pblico junto s universidades, para se definir uma poltica global de formao e qualificao do docente diante dos nveis e modalidades de ensino.

    Portanto, a formao inicial dos professores da educao bsica de responsabilidade do ensino superior (Art. 62 /LDBEN) onde se deve abranger as funes de ensino, pesquisa e extenso relacionadas teoria e a prtica envolvendo a qualidade social, poltica e pedaggica. graduao devem corresponder cursos em Universidades e Institutos de Educao Superior. Ou seja, estes devem garantir formao de profissionais para a educao bsica: professores que atuem na educao infantil e nas sries iniciais do ensino fundamental, alm de programas de formao pedaggica, destinados a pessoas com ensino superior que queiram se dedicar a educao bsica; e programas de educao continuada, destinados aos profissionais da educao com diversos nveis de formao e que estejam atuando em nossas redes de ensino.

    Pelo Sistema Nacional Educativo do Brasil, a Lei interfere sobre as condies de servio, a partir do artigo 67, que concebe a obrigatoriedade de cada sistema de ensino em promover a valorizao profissional por meio da criao de estatutos e planos de carreira (pois no pas no existe um nico estatuto que ampare os profissionais da educao). de profunda relevncia a aprovao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao (lei n 9.394/96) e do Plano Nacional de Educao em 2001, que so determinaes importantes na formao docente. Este inovador projeto traz expectativas para a melhoria no mbito da educao e visa a atuao do poder pblico junto s universidades, no sentido de definir uma poltica global de formao e qualificao do docente.

    UM PANORAMA DO ENSINO SUPERIOR

    A partir de dados do IBGE (Pesquisa Nacional de Amostra por Domiclio) em 2006, podemos analisar a expanso da rede particular de ensino superior como tambm ao ingresso de estudantes mais carentes de recursos financeiros na linha de crdito educativo pblico, que tem impulsionado a opo dos estudantes brasileiros no ensino superior, frente s novas exigncias do mercado de trabalho.

    Quanto ao panorama institucional das Universidades no Brasil, referente s pesquisas da Fundao Carlos Chagas, o Inep (2006) declara que 62% dos alunos matriculados nos cursos de Pedagogia, ficam a critrio das instituies de cunho privado. Isso quer dizer que 38% destas matrculas correspondem ao domnio publico. Sobre o crescimento do nmero de cursos, entre os anos de 2001 a 2006, aponta um crescimento de 70% na oferta dos cursos de nvel superior, sobretudo aqueles vinculados as ins