oeste i - 02 - coração de tormenta

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  • 7/27/2019 Oeste I - 02 - Corao de Tormenta

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    A histria de uma inesquecvel mulher, Samantha Kingsley, cuja rebeldia e coragem alevaro a enentar-se a uma persegio implacvel. Submetida aos mais baixos instintos

    de um violento pistoleiro, Samantha deve idear um plano que lhe perita escapar delepara sempre. Mas, quando estalam as paixes e renasce a iluso, quando o dio se

    convere em amor e a vingana em terura, os mais orglhosos coraes vem como seaproxima... o fnal da torenta.

    Johanna Lindsey

    Corao de tormenta

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    Captulo 1

    8 de fevereiro de 1870, Denver, Avermelhado

    Samantha deixou de passear-se pela habitao ao divisar sua imagem no espelhooval que estava sobre o lar. Estava a suficiente distncia dele para ver-se de corpointeiro. Seus olhos brilhavam. A moa no se precaveu de quo provocadora luziacom seu elegante traje de tafetn verde escuro com adornos de veludo negro. Quonico podia ver era seu cabelo: tinha passado uma hora arrumando-o e, devido fria com que se passeou pelo quarto, via-se agora totalmente desalinhado. Duas desuas sedosas mechas castanha-avermelhadas caam at sua magra cintura.

    Samantha apertou os dentes e continuou dando passos irados pela grande sute dehotel que compartilhava com seu amiga, Jeannette Allston. Jeannette no estava alimas, embora assim fora, Samantha no teria tentado dissimular sua irritao. Em

    geral, mantinha seu temperamento a raia diante de sua mida e loira amiga, masnesse momento estava muito furiosa. Deteve-se justo frente ao espelho oval, com asmos nos quadris, olhando-se com ira. Do espelho, seus grandes olhos de esmeraldalhe devolveram o olhar.

    V o que tem feito, Samantha Blackstone Kingsley? - disse a sua imagem, comdesprezo tornaste a permitir que ele te fizesse zangar. Te olhe! Estpida!

    Com rebeldia, voltou a colocar os cachos soltos em seu lugar, sem que em reali-dade lhe importasse seu aspecto. De todos os modos, seu chapu de veludo verde

    ocultaria o penteado. O poria antes de sair. Se que saa. Se Adrien alguma vezchegava para acompanh-la ao restaurante.

    Uma hora tarde. Uma hora! Seu estmago grunhiu de fome, e isso aumentou afria da jovem. por que havia dito ao Jeannette que esperaria ali a seu irmo?

    Teria sido melhor sair junto com seu amiga. Mas no, Samantha queria umaoportunidade de estar a ss com o Adrien. Conforme parecia, nunca podia est-lo.

    Amava ao Adrien, adorava-o, mas como podia fazer saber se alguma vez podiaach-lo solo sequer um momento? Mas Adrien se atrasou. Sempre chegava tarde, e

    esta vez Samantha estava furiosa por isso.Tinha tido uma oportunidade de ter ao Adrien para ela sozinha, mas ele a tinhaarruinado com seu atraso, o qual tinha acalorado o temperamento da moa. Quando

    viesse, se que o fazia, diria ao Adrien Allston o que pensava dele. Que descara-mento!

    Por que o tinha escolhido a ele para apaixonar-se? O sofisticado Adrien. Era ar-rumado. . . no, formoso. Era simplesmente formoso. No muito alto, mas to mus-culoso, de aspecto to viril. . .

    Ele seria seu marido. Claro que Adrien ainda no sabia. Mas Samantha tinhaestado segura disso do momento em que o tinha conhecido, dois anos antes. Era ohomem que ela necessitava. E Samantha sempre conseguia o que queria. Desde que

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    haba.ido a viver com seu pai dez anos atrs, quando contava apenas nove, semprese tinha sado com a sua. Estava acostumada a obter o que desejava.

    E Samantha desejava ao Adrien, de modo que o conseguiria, de uma ou outramaneira. . . se esse dia no acabava de inimizar-se com ele.

    Realmente tinha que acalmar-se, porque no podia permitir o luxo de descarregarsua fria sobre o Adrien. O no o esperaria absolutamente. Samantha sempre astinha engenhado para comportar-se como a dama doce e gentil que ele acreditavaque era. Do momento em que Jeannette tinha confessado que seu irmo no tol-erava nenhum tipo de Alvoroo emocional, a jovem jamais tinha levantado a voz emsua presena. Sempre se mostrava serena, at recatada Que esforo! Ela, que sempretinha tanta facilidade para perder os estribos, que era to temperamental. . .

    Malcriada, tinha-a chamado seu preceptor; malcriada, egosta e obstinada. Masele no compreendia o que ela tinha sofrido durante seus primeiros nove anos, vi-

    vendo com sua av na Inglaterra. Por isso ele no sabia que, uma vez que saboreoua liberdade, no conseguiu saciar-se com ela. Estava decidida a esquecer a rigidezdesses primeiros nove anos e fazer o que quisesse. Alm disso, se s vezes tinha quemostrar um pouco de mau gnio para sair-se com a sua, e se era malcriada, o quetinha isso de mau? Sempre se saa com a sua. Sempre.

    Maria, o ama de chaves dos Kingsley, que era o mais parecido a uma me queSamantha tivesse tido jamais, era mais pormenorizada que o preceptor. Maria achamava pequena zorra. ladina como a zorra, menina, repreendia-a cada vezque via aquele brilho decidido nos olhos da Samantha. Um dia tinha agregado: sagaz para dirigir a seu pai, mas algum dia encontrar um homem a quem nopoder dirigir. O que far ento, menina?

    Entretanto, Samantha se tinha burlado e tinha respondido com confiana: Noterei nada que ver com um homem a quem no possa dirigir. por que teria que faz-lo? No penso renunciar a minha liberdade.

    Isso tinha sido... quanto tempo atrs? Quase dez anos. Justo antes de que ela par-tisse para o este para terminar a escola. Mas no tinha trocado de opinio. E estavasegura de que poderia dirigir ao Adrien, segura de que se casaria com ele.

    Entretanto, ele no conhecia seus planos. O que era mais, Adrien nem sequerparecia saber que ela existia. Isso feria sua vaidade pois, mais que nada, Samanthaera formosa. Essa era sua melhor fortuna e, no obstante ela o dava por sentado enunca tinha pensado muito nisso. . . at fazia pouco. Apesar de todos seus esforos,de todos seus intentos de melhorar o que o bom Senhor lhe tinha dado, Adrienseguia sem lhe emprestar ateno.

    Tinha uma beleza quase clssica: tez de cor vvida, cabelo que, segundo a luz,brilhava com um tom quase carmesim e olhos como as esmeraldas mais brilhantes.

    Uma figura magra e esbelta e rasgos que exigiam mais de um olhar de qualquer.Mas a olhava Adrien? Ele parecia olhar atravs dela; olhar e, ao mesmo tempo, nov-la. Era desesperador.

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    O estmago da Samantha grunhiu de maneira embaraosa e despertou de seu en-soacin. Voltou a olhar-se com fria no espelho e logo, de repente, em um acessode ira, arrancou-se as forquilhas com que tanto se esmerou e deixou que as mechasavermelhadas cassem sobre seus ombros e suas costas em uma abundncia de ca-chos e ondas rebeldes.

    J est - disse, com petulncia e desprezo de si mesmo e de seu crescente apetite.Agora, embora aparea, no posso ir, Adrien.

    Muito tarde, compreendeu que dessa maneira no machucava a ningum maisque a si mesmo. Ao Adrien no importaria. Com sua tpica impassibilidade, ig-noraria a possibilidade de que ela pudesse estar zangada por seu atraso. Por outraparte, era provvel que ele no aparecesse por ali. A hora do almoo tinha passadofazia j muito tempo.

    Acaso Jeannette seguiria esperando-os no restaurante com a viva faladora que

    tinham conhecido na incmoda viagem em diligncia do Cheyenne a Denver? Asenhora Bane tinha assumido o papel de chaperona no oficial das moas. Teria idoAdrien diretamente ao restaurante porque era tarde? Ou simplesmente teria esque-cido sua entrevista para o almoo?

    Maldito seja - disse Samantha em voz baixa. Estava sozinha, de modo que nin-gum ouviria sua terrvel violao da etiqueta. - Se no o amasse, mataria-o. Sobressal-tou-se para ouvir que batiam na porta. Entrecerr os olhos com fria e logo os abriucom consternao ao recordar o que tinha feito com seu cabelo. por que ele no podiater chegado cinco minutos antes de que ela se rendesse a seu temperamento?

    Vai-te, Adrien - disse Samantha, a contra gosto - decidi no almoar hoje - sen-tiria-se decepcionado?

    Voltaram a chamar e a moa franziu o cenho enquanto se dirigia porta.

    No me ouviu?

    Sim, ouvi-a, senhorita Kingsley, mas por que no me abre de todos os modos?

    Samantha se deteve. No era Adrien. Mas teria conhecido essa voz em qualquerparte. Tom. . . Tom. . . No conseguia recordar seu sobrenome, mas o homem tinha

    estado na estao da diligncia quando eles chegaram, na semana anterior. Lhetinha gostado imediatamente, o qual resultava desagradvel a jovem. O homemera extremamente grosseiro. Tambm era ignorante, pois a tinha seguido toda asemana, tinha-lhe falado quantas vezes tinha podido faz-lo e se recusava a aceitaras indiretas que lhe dirigia a moa para lhe demonstrar que no estava interessadanele.

    Era arrumado, embora de uma maneira tosca. Um homem jovem. Estava prosper-ando em Denver, tentando achar prata, como tantos outros. O ouro tinha minguadona regio Pikes Peak, mas a prata tinha sido descoberta apenas no ano anterior.

    Entretanto, Tom no lhe interessava absolutamente. De fato, tinha comeado aassust-la com o tom ntimo com que lhe falava quando ningum mais podia ouvi-

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    lo e a maneira em que seus olhos a percorriam, como se tentasse imaginar que haviasob sua roupa e sua imaginao estivesse fazendo um bom trabalho. Entretanto, oque mais lhe incomodava era que o homem realmente acreditava que ela se sentiaatrada por ele, apesar de haver-se esforado em lhe demonstrar o contrrio. A lti-ma vez que se cruzou com ele no vestbulo do hotel, recusou-se sequer a olhar para

    onde estava ele. O homem a tinha afastado de seu caminho e lhe tinha advertidoque deixasse de fazer-se rogar! Havia-lhe dito que lhe estava acabando a pacincia.A moa se surpreendeu tanto que no soube o que dizer quando Jeannette lhe per-guntou se lhe ocorria algo.

    Agora esse homem chamava a sua porta. Por que?

    Teve a audcia de golpear com mais fora e insistncia.

    Vamos, senhorita Kingsley, me abra a porta.

    Com exceo de se de minha porta, oua-me? -ordenou-lhe, furiosa -. No penso

    abri-la, assim parta.Produziu-se um silncio momentneo, suficiente para que se ouvisse girar a ca-

    vanhaque da porta. Samantha ficou boquiaberta. Que descaramento! O pior era quea porta no estava fechada com chave. Abriu-se lentamente e o jovem alto entrouna habitao. Sorriu e fechou rapidamente a porta atrs de si. Samantha ficou sempalavras. . . mas s um instante.

    Est louco? -disse, levantando a voz com cada palavra -. Saia de minha habitao!

    O homem simplesmente meneou a cabea, divertido.

    Penso ficar, senhorita; ao menos, at que tenhamos tido um pequeno bate-papo.A moa levantou as mos, exasperada.

    Meu Deus, sim que est louco. - Logo se ergueu com dignidade e tentou um en-foque sereno. - Olhe, senhor. . . como se chama. . .

    O homem a interrompeu com ar suspicaz e disse:

    No finja. - Voc sabe meu nome. Tom Peesley.

    Samantha se encolheu de ombros. Jamais tinha ouvido o nome, mas pareceu re-

    cordar tudo que aquele sujeito lhe havia dito. Devido a ele e a sua maneira depersegui-la, a moa nunca queria sair sozinha do hotel. Sempre estava no veculo,como se a esperasse.

    No me importa. No o entende? Por que no me deixa em paz?

    Ouo o que diz, senhorita. Kingsley, mas sei que minta. Quando deixar de fingir?

    O que se supe que quer dizer com isso?

    Voc sabe muito bem o que quero dizer -grunhiu-. Eu lhe agrado, mas tem queseguir fingindo.

    Samantha se conteve. Estava zangado? At ento, tinha sido um homem muitolhe exasperem: obstinado, persistente, mas nunca ameaador. Entretanto era muito

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    alto, corpulento, com enormes braos e ombros, musculoso pelo trabalho nas minasde outros quando no procurava sua prpria nervura. Recordou que lhe tinha faladode isso e da razo pela qual ficava em Denver. Gostava da vida de uma grande ci-dade, e Denver era grande, parecia com as do este por sua prosperidade. A diferenada maioria das cidades que se iniciaram com a febre do ouro, Denver tinha sobre-

    vivido e a cidade continuava crescendo. E bem, senhorita?

    O que?

    No me respondeu. - Se passado uma enorme emano pelo cabelo dourado-ro-jizo em sinal de impacincia e logo cravou nela seus claros olhos castanhos - Quandovai deixar de fingir para que possamos comear um noivado formal? J hora de quefalemos com sinceridade.

    Voc e eu? - disse, irritada -. No h nada entre ns. Por que no pode meter-se

    isso na cabea? Basta, mulher, - gritou -. Esta manh lhe adverti que me estava acabando a pacin-

    cia. Ou comea a mostrar-se mais amigvel ou no me fao responsvel por meus atos.

    Samantha o olhou, estupefata, mas se conteve. O acesso de irritao do homem afez atuar com cautela. Era muito corpulento. A fazia sentir mais pequena do que eraem realidade: media um metro sessenta e trs. Alm disso, acreditava- muito capazde usar a violncia. Que chance teria de defender-se dele? Alm disso, que diabostinha feito para que esse homem acreditasse que queria ser sua noiva?

    Tom Peesley a olhava furioso, esperando uma resposta. A moa franziu o cenho.Como poderia livrar-se dele? OH, Deus! por que no vem-na Adrien? Ele poderiadet-lo.

    Senhor Peesley... Tom... por que no discutimos isto enquanto baixamos aovestbulo? - sugeriu Samantha com uma clida sorriso, esperando que ele no suspei-tasse de sua repentina mudana de atitude -. Pode me acompanhar at o restauranteonde me espera minha amiga, a senhorita Allston.

    Entretanto, o homem meneou a cabea com obstinao.

    Ficaremos aqui at que tudo fique arrumado.Sua teimosia a exasperava, e esqueceu a cautela.

    Como podemos arrumar algo se voc no quer me escutar? - perguntou, acalora-da -. A pura verdade que voc no me agrada. De fato, chateou-me tanto que comeaa me desgostar em extremo. Isso lhe parece suficientemente claro, senhor Peesley?

    Com grande rapidez, o homem esteve junto a ela. Samantha afogou uma ex-clamao quando a tirou dos ombros e a sacudiu. Obrigou-a a jogar a cabea paratrs, e a moa se achou olhando aqueles olhos cheios de ira.

    Mente - grunhiu Peesley em tom detestvel e voltando a sacudi-la-. Sei que estmentindo. Por que?

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    As lgrimas comearam a afluir aos olhos da Samantha.

    Por favor. Faz-me mal.

    O homem no reduziu a fora com que a sustentava

    A culpa dela.

    Aproximou seu rosto ao da jovem e esta pensou que a beijaria. Entretanto, s aolhou aos olhos, que brilhavam pelas lgrimas. Parecia querer lhe ordenar dizer oque queria ouvir.

    Em tom menos spero, disse:

    Por que no pode admitir que sente o mesmo eu? Assim que a vi, soube que vocera para mim. Tive outras mulheres e as abandonei. Jamais quis me casar at que a vi

    voc. isso o que queria ouvir? O que quero me casar com voc?

    Eu.. .

    Samantha comeou a neg-lo, mas reconsiderou seu prprio temperamento. . . eo dele. Empurrou-o, tratando de soltar-se, mas foi intil.

    Me solte! -exigiu.

    No at que me responda.

    Samantha quis gritar, amaldioar, mas as damas no o faziam. Isso lhe tinha sidoinculcado nos ltimos anos. As damas podiam amaldioar mentalmente ou, se es-tavam sozinhas e era absolutamente necessrio, podiam emitir uma leve maldio.Mas nunca, jamais em pblico. Era uma pena, pois Samantha tinha algumas pala-

    vras para alicar a aquele papanatas. Conhecia algumas palavras realmente chocantesque tinha ouvido dizer aos jeans de seu pai na fazenda. Eles tinham falado comliberdade, sem advertir que a senhorita inglesa aprendia espanhol com rapidez.

    A sua curta idade, a maioria dessas palavras no tinham tido significado algum.Uma vez tinha perguntado a Maria o que era uma puta, e a mulher a tinha esbofe-teado. depois disso, no tinha falado com a Maria durante uma semana, e jamais

    voltou a lhe perguntar o significado de uma palavra.

    Mais tarde foi escola no este, onde as moas falavam abertamente e em forma

    descritiva sobre o sexo e os homens, sempre que no houvesse nenhum adulto perto.Elas responderam a suas perguntas com rapidez e nenhuma se escandalizou (bom,talvez um pouco) pelo conhecimento que tinha Samantha das palavras proibidas sdamas.

    Este homem o fazia muito difcil recordar que era uma dama. Daria algo por umapistola, disse-se. Mas seu derringer, que estava em sua bolsa, sobre o escritrio, nolhe serviria. Com uma s bala, era adequada para mover-se pela cidade, onde ums disparo traria ajuda. No, necessitava a pistola que tinha no dormitrio, a de seisdisparos.

    Estou esperando, senhorita, e j me estou cansando de esperar -grunhiu Tom.

    Samantha tomou flego para evitar gritar.

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    Voc quer respostas. Ento, deme uma primeiro. O que lhe fez dar por sentadoque voc me agrada?

    Preesley franziu o cenho.

    uma pergunta tola.

    De-me o gosto. O que?

    Que me diga isso! - exclamou Samantha, exasperada.

    Bom. . . voc sabe. Quando voc me olhou era todos sorrisos, me fazendo quedasdesses bonitos olhos verdes. Era a moa mais formosa que tivesse visto. Ento soubeque era para mim.

    Samantha suspirou. Deus, jamais voltaria a sorrir a nenhum homem por cortesia.

    Senhor Peesley, um sorriso no indica necessariamente advertir afeto - deu-. Esse

    dia eu sorria a todo mundo simplesmente porque estava cheia de alegria por no ter quever outra diligncia durante vrias semanas. Estava encantada porque a viagem tinhaterminado. Compreende?

    Mas o sorriso que me dedicou foi especial - protestou, com teima -. Eu me davaconta.

    Maldio. Teria que ser mais direta.

    Sinto muito disse -. Mas se equivocou, senhor Peesley.

    Me chame Tom.

    No o farei. Como posso faz-lo entender? No tenho desejos de conhec-lo.Estou apaixonada por outra pessoa, do homem com quem vim aqui. O senhor Allston.Com ele me vou casar. Agora, quer me soltar e partir?

    Em lugar de enfurecer-se, Tom Peesley ps-se a rir.

    Agora sei que mente. Vi-lhe com ele. Empresta mais ateno a sua irm que avoc.

    Isso a machucou, porque era absolutamente certo.

    Isso no lhe importa. Ele o homem que amo.A insistncia da moa comeava a zangar ao Peesley.

    Se realmente acreditasse isso, mataria-o.

    Ento, finalmente, chegou o beijo. Samantha no estava reparada para o brutalassalto. Apertada em braos do Tom Peesley, Samantha provou seu prprio sanguequando ele machucou seus lbios contra seus dentes. O grito de fria que lutava porsair ficou apanhado em sua garganta.

    Logo, de repente, soltou-a, mas por um momento a jovem ficou muito aturdida

    para adverti-lo. Peesley falou friamente. Posso ser um amante tenro ou posso faz-la sofrer. Uma vez quase matei a uma

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    garota que me fez zangar muito. E isso o que voc est fazendo, senhorita. Est-meirritando com suas brincadeiras.

    Samantha devia estar assustada, mas no era assim. Jamais a tinham tratado as-sim, e j no o toleraria. Esbofeteou-o com suficiente fora para enviar a uma pes-soa mais leviana ao outro lado da habitao. No conseguiu mover ao Tom Peesley,

    mas sim o deixou aturdido. Era o ltimo que tinha esperado, e ficou ali de p, bo-quiaberto, enquanto a moa dava meia volta e corria a seu dormitrio. Samanthafechou a porta de um golpe. Entretanto, no havia: fechadura e no sabia se TomPeesley se daria por vencido ou a seguiria. lanou-se para a cmoda e procurou orevlver na primeira gaveta. Em um instante, aferrando em sua mo direita a armade culatra perlada, finalmente se sentiu em controle da situao.

    Sabia usar a arma. OH, sim que sabia. Manuel Ramrez se encarregou disso. Omajor dos jeans de seu pai e marido da Maria. Manuel era muito teimoso; frequente-

    mente como Samantha mesma. Quando, aos doze anos a moa tinha insistido emque j no necessitava acompanhantes, que podia sair a cavalgar sozinha, ningumtinha obtido disuadir-a. . . exceto Manuel. Tinha ameaado matando ao formosopotro da jovem se ela se atrevia a sair sozinha sem antes aprender a disparar. Porisso, Samantha tinha aprendido a disparar, no s pistolas mas tambm tambmrifles. Chegou a ser perita em ambos. depois disso, ningum se preocupava se elapassava todo um dia fora ou inclusive se passava a noite nos campos. Sabiam quetinha todo o amparo que necessitava com seu cavalo veloz e o Colt que levava su-

    jeito ao quadril.

    Por desgraa para o Tom Peesley, tinha decidido seguir a Samantha. Abriu a portado dormitrio e seus olhos se dilataram ao ver o Colt apontando a seu peito.

    Que diabos pensa fazer com isso, senhorita?

    Obrig-lo a partir.

    Isso cr?

    Estou segura, senhor Peesley -respondeu, com muita calma -. De fato, posso ju-rar-lhe.

    Samantha sorriu pela primeira vez. Novamente estava ao mando, e era uma sen-sao maravilhosa. S que Tom Preesley ainda no sabia.

    O direi uma s vez, moa. Baixe esse revlver.

    Samantha riu e moveu a arma em atitude brincalhona flexionando sua bonecade modo que o canho riscou vrios semicrculos e delineou um amplo branco queia do ombro esquerdo de Peesley, passava por seu ventre e chegava at seu ombrodireito, uma e outra vez. Sua risada ressonou na grande habitao.

    Sei disparar muito bem. - Os olhos da Samantha brilhavam com diverso. de-

    pois do que me tem feito passar, realmente eu gostaria de demonstrar-lhe a expressodivertida da moa se desvaneceu

    No o faria -disse Peesley com total confiana.

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    A expresso divertida da moa se desvaneceu Por que no? Deveria mat-lo por me haver maltratado. Ou por estar em meu

    quarto sem convite. Mas no o farei. Aconselharei-lhe de boa maneira que parta. Claroest que se voc no seguir meus conselhos, ento lhe arrancarei uma parte de pele dacara interna de sua coxa direita.

    O tom seguro da jovem enfureceu ao Tom Peesley que deu um passo para ela. Nopde seguir avanando, porque estalou um disparo. O homem se inclinou e aferrousua coxa direita, a s uns centmetros da virilha. O sangue se deslizou por entre seusdedos. A bala lhe tinha dado no ponto exato em que havia dito Samantha; tinha-orasgado e logo se incrustou na porta. Peesley a olhou, incrdulo, e logo levantou amo e olhou o sangue.

    Necessita outra demonstrao antes de partir? - perguntou Samantha em vozsuave.

    A fumaa acre o fazia arder os olhos, mas manteve o revlver firme, apontando aoPeesley. O homem no tinha trocado sua postura agressiva. Talvez agora seja em sua coxa esquerda, s que um pouco mais acima. . . -

    prosseguiu. Maldita. . .

    A arma voltou a estalar e Tom uivou de dor quando a bala rasgou a tenra carnede sua coxa esquerda.

    No entende que falo muito a srio, senhor Peesley

    Quero que saia de minha habitao e de minha vida. Ou talvez voc deseje san-grar mais antes? Possivelmente queira conservar uma de minhas balas como lem-brana. Digamos. . . em seu ombro direito?

    Peesley a olhou com fria enquanto o sangue corria por suas pernas, estendia-se,escura, por suas calas cinzas e entrava em suas botas. A moa sabia que ele desejavalhe pr as mos em cima e que, se o fazia, era provvel que a matasse.

    Me est acabando a pacincia, senhor Peesley disse friamente. Vou - respondeu em tom spero e deu meia volta. Saiu do dormitrio e se deteve

    na porta que dava ao corredor. Samantha o seguiu a certa distncia, apontando a armaa aquela figura que coxeava. Ao ver que continuava de p na porta, disse:

    Acaso tenho que acompanh-lo at a sada?O homem se ergueu com obstinao para ouvi-la, e se voltou para enfrent-la. A

    bala nmero trs lhe deu no ombro direito e o enviou contra a porta. Agora! -gritou Samantha por cima do eco. Seus olhos lacrimejavam pela fumaa

    e estava furiosa porque o homem a tinha feito ir to longe. - Parta!Finalmente aceitou retirar-se. Samantha o seguiu pelo corredor, sem emprestar

    ateno comoo que ali havia. Os hspedes se congregaram ali para ouvir osdisparos. A moa seguiu caminhando detrs do Peesley para a parte traseira dohotel. A escada traseira estava no exterior. Esperou com impacincia que o homem

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    abrisse a porta e, enquanto ele tentava faz-lo-se aproximou muito a ele. QuandoPeesley comeou a baixar a escada, jogou para trs o brao esquerdo e tentou der-rubar a Samantha. Entretanto, antes de que seu punho pudesse alcan-la, a moacolocou a quarta bala nos grossos msculos do brao do Peesley.

    Embora o resto de sua cara estava contorsionado pela dor, seus olhos refletiam

    infinita fria. Estendeu a mo para a jovem, enquanto o sangue gotejava sobre odescanso de madeira. O brao ferido j no tinha fora, mas seus dedos ainda ten-tavam alcan-la.

    Samantha fez uma careta e deu um passo atrs. Est louco! -exclamou.

    Sentiu asco ao ver tudo o sangue que emanava do brao, o ombro e as pernas dohomem. Entretanto, ele seguia ali: um enorme boi que carecia do sentido comumde dar-se por vencido.

    No queria machuc-lo - sussurrou a moa - Quo nico queria era que me dei-xasse em paz. Maldito seja por que no parte? V-se! - rogou.

    Mas o parvo obstinado deu outro passo para ela e seus dedos estendidos tocarama jaqueta de tafet da jovem. O revlver estalou uma vez mais e Samantha afogouum soluo. A quinta bala lhe deu na tbia. No sabia se tinha conseguido evitar oosso, pois suas mos tremiam muito a essa altura.. O homem ficou para trs, perdeuo equilbrio ao bordo da escada e caiu por ela. Samantha ficou de p e olhou como

    Tom Peesley caa no p. Conteve o flego e esperou. moveria-se? Queria mat-lo.Jamais tinha matado a ningum e a ideia a aterrava.

    Moveu-se. Inclusive conseguiu ficar de p com certa vacilao e olh-la. Sabiato bem como ela que s ficava uma bala. Acaso se perguntava se poderia suportaroutra bala? Seguiria-a ao interior do hotel e tentaria mat-la? Samantha adivinhouos pensamentos do homem.

    Imbecil! - gritou-lhe-. No se d conta de poderia hav-lo matado em qualquermomento? Com uma bala, verei-me forada a faz-lo. Esta ltima bala para o corao.No me obrigue a us-la!

    Peesley esteve ali de p por uma eternidade, meditando. Finalmente, deu meiavolta e se afastou coxeando.

    Samantha no soube quanto tempo permaneceu esperando a que Tom Peesleydesaparecesse de sua vista. Embora no fazia frio, comeou a tremer. Ao fim, retor-nou ao corredor e se ruborizou ao ver toda a gente que a olhava do final do corredor.Com um leve grito de vergonha correu para sua sute e deu uma portada contra acuriosidade de outros. Lanou-se para seu dormitrio e se tornou sobre a cama achorar sua frustrao.

    Maldito seja, Tom Peesley! Oxal morra sangrando! - exclamou, esquecendo por

    completo que em realidade no queria que o homem morresse.Mas Samantha se haveria sentido mais mortificada se tivesse sabido que um es-

    tranho alto e moreno tinha presenciado a cena da escada.

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    CAPITULO 2

    O hotel onde Samantha Kingsley tinha sua sute estava se localizado em umaparte nova de Denver, ao bordo da cidade, onde a regra era a expanso constante. frente do hotel havia uma rua povoada de lojas, vrios botequins, dois restaurantes,

    dois hotis mais pequenos, um aougue, um banco e inclusive um dos novos teatros.Mas aos recursos do hotel no havia mais que campo aberto, terras que ainda espe-ravam que Denver as reclamasse.

    Hank Chvez cavalgava lentamente do sul para o hotel, com a esperana de queo tamanho do edifcio no implicasse que as habitaes eram custosas. Preferiahospedar-se ali antes que seguir procurando alojamento. Tinha detido seu cavalosob um lamo quando viu que um homem e uma moa saam escada traseira dohotel. A brilhante luz da tarde, viu que o homem sangrava. Ferido pela mulher

    que sustentava o revlver? Resultava difcil acredit-lo. Entretanto, Hank fez umacareta quando o homem estendeu a mo para ela e estalou um disparo.

    Hank continuou olhando-os fascinado. A mulher... no, no podia ser mais queuma menina de dezessete ou dezoito anos era muito bonita. Era uma mocinha, mastinha corpo de mulher. Seu formoso cabelo caa sobre suas costas e seus ombros:cabelo escuro que emitia brilhos avermelhados luz do sol.

    Hank se inclinou para frente e apoiou os antebraos na cavanhaque da arreiospara observar a cena. Teria dado algo por saber o que diziam, mas estava muitolonge para ouvi-los. Em seguida, o homem caiu pela escada e logo se afastou, coxe-ando. Os olhos cinzas do Hank voltaram para a moa e a olharam com ateno, paralhe ordenar que olhasse em sua direo de modo que ele pudesse ver todo seu rosto.Seria to bonita como parecia?

    Entretanto, a jovem no se voltou para ele. Depois de um momento, voltou a en-trar em hotel. Com a mesma rapidez com que tinha chegado, seu desejo de conhe-c-la-se desvaneceu. A dama do revlver. No, no queria conhec-la. Tinha coisasimportantes que fazer ali, e carecia de tempo para mesclar-se com harpas.

    Tinha demorado meses em chegar de Dallas a Denver: meses de esforo, de ex-

    traviar-se, de voltar a encontrar o caminho, sempre evitando as cidades onde pode-ria sentir a tentao de descansar. Poderia ter alcanado ao Pat McClure, que tinhaabandonado Dallas poucos dias antes de que Hank se inteirasse disso. Entretanto,depois de ler a nota do Pat, ps-se to furioso que tinha destroado sua habitaodo hotel logo se dirigiu ao botequim mais prximo e tambm a tinha destroado.

    Como no podia pagar os danos, tinha passado um ms no crcere. Poderia terconseguido o dinheiro do Bradford Maitland. Depois de tudo, Hank lhe tinha sal-

    vado a vida uma vez e Maitland era rico. Mas Hank era muito orgulhoso para

    pedir-lhe Maitland tinha ganho a mulher que Hank desejava e, embora o tinha ad-mitido com dignidade, ainda havia ressentimento em seu interior. Depois de tudo,era a nica mulher a quem Hank tinha pedido que compartilhasse sua vida. No

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    obstante, nunca tinha tido nenhuma possibilidade de ganhar em Angela. Quando aconheceu, ela j pertencia ao Maitland em corpo e alma. Claro que Bradford tinhasido muito teimoso para compreend-lo. Se to somente tivesse conservado essaobstinao. . . pensou Hank.

    No, jamais pediria ajuda ao Maitland: nem a Angela, que tambm tinha fortuna

    prpria. J lhe tinha tirado dinheiro ao assaltar a diligncia em que ela viajava.Assim tinha conhecido a Angela Sherrington. Hank no tinha podido esquec-la

    e tinha retornado a lhe devolver a metade do que lhe tinha roubado. Claro est, amoa estava furiosa ( E como!) at que viu as jias que ele havia devolvido. Maistarde, Hank tinha utilizado o pretexto de lhe devolver o dinheiro para voltar aprocur-la. Mas, para ento, Maitland tinha chegado. Tinha-a perdido para sempre.

    Seu scio, Pat McClure, reuniu-se com ele em Dallas com a inteno de acom-panh-lo ao Mxico para ajud-lo a recuperar os bens de sua famlia: Entretanto,

    Pat tinha encontrado a uma bonita jovem e se mudou casa de tijolo cru que elatinha nos subrbios da cidade, enquanto que Hank se hospedou no hotel. Por isso,Hank no se inteirou de que Pat tinha partido para Denver at que foi busc-lo. Amoa entregou a enigmtica nota do Pat; a nota que no dizia nada e, entretanto,dizia-o tudo. Hank poderia ter matado ao Pat McClure nesse instante, apesar deque tinham sido muito bons amigos. Pat se tinha levado no s seu prprio din-heiro, mas tambm tambm o que guardava para o Hank, com o que este voltaria acomprar a fazenda de sua famlia no Mxico.

    Esse era o sonho pelo que Hank Chvez tinha vivido todos esses anos. Desdeaquele dia no 59 quando uma banda de tropas irregulares do Jurez tinha chegado fazenda e massacrado a sua famlia, Hank tinha sonhado com a vingana. Esseshomens eram bandidos que se dedicavam a matar e a saquear para obter benefciospessoais, utilizando a revoluo como pretexto.

    O chefe da banda tinha afirmado que as terras dos Chvez eram propriedadeda igreja, o qual como todos sabiam, no era verdade. Mas isso no lhes tinhaimportado. Como Jurez tinha declarado que devia despojar-se igreja de suaspropriedades devido ao apoio dos conservadores, propriedade da igreja tinha sido

    uma fcil desculpa para cometer pilhagens no Mxico.Hank jamais poderia esquecer como os jeans com quem tinha crescido eram as-

    sassinados por resistir a incorporar-se ao exrcito. Suas algemas e filhas tinham sidovioladas. Sua av tinha morrido de um ataque cardaco depois de presenciar a mortede seu filho, o pai do Hank, ao tentar impedir a entrada da banda a seu lar.

    Tinha havido superviventes. Apesar de que algumas mulheres tinham morrido aoresistir violao, a maioria delas tinha sobrevivido, como tambm seus filhos e osancies que no eram teis para o exrcito. Hank, que ento contava dezessete anos,

    tinha sobrevivido, embora mais tarde desejou que no tivesse sido assim.depois de ter visto tantos horrores, tinham-no golpeado desde atrs e, ao voltarem si, achou-se no exrcito, obrigado a servir ou morrer. Disseram-lhe que suas

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    terras j no lhe pertenciam, que seriam vendidas para contribuir com a revoluo.Todo se fazia em nome da revoluo mas, que diabos!., S tinha sido para obter

    benefcios pessoais. No havia nada que Hank pudesse fazer a respeito. Nem sequer,podia culpar ao Jurez nem revoluo; no podia culpar a um povo oprimido que stentava superar-se. Quo nico podia fazer era tentar recuperar o que lhe pertencia.

    Durante um ano e meio, lutou com as liberais. Lutou com amargura, incapaz dechegar at o Jurez para exigir justia e incapaz de escapar. Foram tempos amargose mortificantes, e o obcecou a ideia de recuperar suas terras.

    Dois membros mais de sua famlia tinham sobrevivido, mas s por encontrar-selonge de casa no momento do ataque. Seu av, dom Vitoriano, tinha levado a irmdo Hank, Dorotea, a Espanha para que conhecesse a parte da famlia de sobrenomeVega. ficaram-se ali pois dom Vitoriano caiu doente. Hank se inteirou de que - seuav estava moribundo e se rebelou quando lhe impediram de ir v-lo. Devido a essa

    rebelio, passou quase dois anos na priso. Enquanto estava ali, seu av morreu ese vendeu sua casa. Hank no tinha esperanas de voltar a compr-la, nem sequerquando escapasse da priso. Era pobre.

    Ningum sabia que seu verdadeiro nome era Enrique Antonio da Vega e Chvez.Os numerosos gringos da priso o chamavam Hank.

    Depois de sua fuga, abandonou o Mxico. Sempre cabia a possibilidade de quevoltassem a incorpor-lo ao exrcito pela fora. Trabalhou no Texas at que reuniusuficiente dinheiro para ir a Espanha a ver sua irm. Entretanto, esta j no estavaali, casou-se com um ingls e vivia na Inglaterra. Ento Hank foi a esse pas. MasDorotea, que agora tinha sua prpria famlia, j no o necessitava. Hank se sentiaintil. Alm disso, tinha o poderoso desejo de reclamar as terras da famlia. Paraisso, necessitava dinheiro, muito dinheiro, e no o tinha.

    Retornou a Amrica do Norte a fins de 1864. Tinha sido muito bem educado emsua juventude e sabia fazer muitas coisas, mas nenhuma delas lhe proporcionaria asoma de dinheiro que necessitava. Ento conheceu o Patrick McClure e a algunshomens mais que faziam dinheiro com facilidade. Roubavam-no.

    O fato de converter-se em foragido ia contra todas suas crenas, e se compro-

    meteu a roubar s a aquelas pessoas que podiam dar o luxo de perder um pouco.No roubaria aos mineiros do meio oeste, como faziam Patrick e sua banda, poisesses homens trabalhavam duro para obter seu ouro e, em geral, o que levavam emcima era tudo que tinham. Tampouco assaltaria bancos, pois isso significava rou-bar as economias de pessoas inocentes. Entretanto, sim assaltava as diligncias queatravessavam Texas. Os passageiros das diligncias no levavam todo seu dinheiroconsigo. Ao Hank importava muito no deixar a ningum na indigncia. Algumas

    vezes incluso tinha chegado a devolver dinheiro, quando algum o convencia de queestava roubando tudo que possua.

    Sua nova profisso tinha resultado lucrativa, embora no agradvel. Levou-lhemuito tempo reunir dinheiro, pois uma s diligncia no lhes proporcionava muitoe tudo devia repartir-se no grupo. Entretanto, depois de cinco anos, muitssimo

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    antes do que teria demorado de outra maneira, Hank teve suficiente dinheiro pararetornar ao Mxico e comprar suas terras.

    Pensou, com amargura, que j devia estar ali, com seu sonho completo. Em troca,tinha tido que cavalgar centenas de milhas para se localizar a seu scio. S lhe sub-traa rezar para que no fosse muito tarde e Pat no tivesse gasto todo o dinheiro.

    Se o tinha feito, mataria-o.Logo depois de umas poucas palavras com o zelador no imenso vestbulo, Hank

    soube que teria que procurar outro alojamento. Apenas ficavam dez dlares, gessono lhe alcanaria para pagar sequer uma noite nesse hotel luxuoso. Procurou umestbulo para seu cavalo e logo comeou a percorrer a rua em busca de um hotelmais barato ou uma penso. Tambm desejava dar um banho. Sua roupa j noera negra a no ser marrom, to coberta estava pelo p do caminho. Alm disso,precisava visitar uma barbearia. Nos ltimos meses lhe tinha crescido uma espessabarba negra e seu cabelo cor carvo j lhe acontecia os ombros por vrios centme-tros, o qual lhe dava aspecto de vagabundo.

    Hank passou por uma barbearia, observou sua localizao e logo passou por umrestaurante e uma sorveteria. Ento viu um pster que dizia: PENSO DA SEN-HORA HAUGE. Debaixo dele, escritas em um papel branco, estavam as palavras:H LUGAR. Alugou um quarto por um dlar ao dia ou cinco por semana. Nopensava ficar muito tempo. Com as alforjas ao ombro, rechaou o oferecimento dasenhora Hauge de acompanh-lo a sua habitao; simplesmente lhe pediu que lheindicasse sua localizao.

    Era uma casa nova, de dois pisos. Seu quarto estava acima, ao final de um com-prido corredor, sobre a direita. Ao atravessar o corredor, Hank descobriu um rastrode sangue ainda lquido e comeou a segui-lo. Ouviu vozes que provinham de umahabitao que tinha a porta aberta. O rastro de sangue terminava nessa porta. Aoaproximar-se, as vozes se fizeram mais claras.

    Me alegro de que sua nova casa ainda no esteja terminada, doutor, e de que vocesteja aqui. No acredito que tivesse podido chegar mais longe.

    Tolices -respondeu uma voz cascata -. perdeste muito sangue, Tom, mas no est

    to mal. Agora fica quieto. Como diabos pode dizer isso? Estou-me morrendo. No te est morrendo -foi a firme resposta. Pois assim me sinto - grunhiu a voz mais profunda-. Di-me todo o corpo. Isso no o duvido.

    Hank se aproximou da porta aberta e espiou para o interior. Tom estava estiradosobre uma mesa larga e estreita. Um sujeito baixo e de mais idade estava a seus ps;sustentava uma faca. Nenhum dos dois homens advertiu a presena do Hank, que

    esqueceu sua fadiga e observou como o mdico cortava a perna da cala do Tom ecomeava a examinar uma das feridas.

    Jamais tinha visto algo assim, Tom. Como foi que lhe dispararam tanto?

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    Eu j o disse. Esse tipo me atacou perto do Cherry Creek - respondeu Tom, ir-ritado-. E no volte a me perguntar por que, porque no sei. No fazia mais que medisparar e no alcancei a me fazer a um lado. Estava louco.

    O mdico meneou a cabea como se no lhe acreditasse uma palavra. Hank sentiudesejos de rir. Sups que Tom no queria admitir a verdade e o compadeceu.

    O que mais me desconcerta so essas duas feridas que tem entre as pernas-prosseguiu o mdico, pensativo-. Esto muito perto de j sabe o que.

    No faz falta que me diga isso! -exclamou Tom, irritado e ruborizando-se. s que no entendo. Se tivesse tido as pernas fechadas e uma s bala tivesse

    passado entre elas, teria sido um disparo muito estranho. Mas as duas feridas no foramfeitas por uma s bala. Dispararam-lhe duas vezes ali. As ferida so idnticas: arranca-ram-lhe um centmetro de carne de cada coxa. Esse sujeito era um perito atirador. PorDeus, Tom, acaso ficou ali de p, e deixou que te usasse como branco de prtica?

    Quer deixar de tagarelar e me curar? No posso trabalhar mais rpido -grunhiu o mdico.

    Caminhou ao longo da mesa, examinando uma ferida por vez. - Essa ferida quetem na tbia est to limpa como a do brao. S terei que te escavar o ombro.

    Sim, ela. . . ele disse que me deixaria uma bala como lembrana - murmurou Tom.O mdico levantou uma sobrancelha.

    Disse ela.

    Sim? - balbuciou-. Bom. . . havia uma mulher com esse tipo. Essa rameira deolhos verdes desfrutou de cada minuto!O doutor entregou ao Tom uma garrafa de usque, meneando a cabea.

    Basta de falar. Bebe um pouco disso antes de que te extraia a bala. Suponho quete d conta de que no poder voltar para as minas por algum tempo, verdade? Nenhumdos dois braos te servir de muito por agora.

    Diabos -grunhiu Tom, e bebeu um gole. Eu no me queixaria. lhe olhe o lado bom, Tom. notvel, mas nenhuma de suas

    feridas grave. No h nenhum osso estilhaado, nem sequer no ombro. Com cincoferidas, quo nico tem muitas cartilagens e msculos rasgados. tiveste muita sorte,jovencito. Se esse sujeito era realmente um excelente atirador, ento no quis te fazernenhum dano permanente. -O mdico percorreu com a vista todo o corpo de seu paci-ente. - s que no entendo -adicionou em voz baixa.

    Hank se encaminhou a sua habitao, ainda inadvertido. Sua curiosidade haviatornado a despertar, embora sabia que Tom jamais admitiria que uma menina lhetinha disparado cinco vezes. Enfim, isso no era assunto do Hank. Alm disso, noera to parvo para interrogar a jovem. No faria nenhuma pergunta a uma dama quesoubesse disparar to bem. . . ou to mal. Cabiam as duas possibilidades. Ou a moatinha a inteno de ferir o Tom mas tinha pontudo mau, ou era uma soberba atira-dora. Hank se encolheu de ombros. Talvez nunca soubesse qual das duas era certa.

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    CAPITULO 3

    Samantha seguia chorando sobre seu travesseiro quando um agente da lei chamoua sua porta. A moa no estava preparada para receber ao senhor Floyd Ruger, nono estado emocional em que se achava. Era um homem de cara muito sria que

    comeou a lhe formular pergunta detrs pergunta, sem lhe dar tempo para pensarantes de responder.

    Seu nome, senhorita?

    Samantha Blackstone Kingsley.

    Seu segundo nome no muito comum.

    Bom, era o sobrenome de minha me. Nem sequer soube o de meu pai at que. .. - No importa - interrompeu-a-. De onde ?

    Do oeste

    Onde?

    Isso no lhe importa.

    Ao ter sido desprezada, Samantha no estava disposta a oferecer mais informao.Sem alterar-se, Ruger repetiu:

    Onde?

    A moa suspirou,

    Fui escola na Filadelfia, se for o que quer saber,

    Vive na Filadelfia? No, s estudei ali.

    A sua vez, Ruger lanou um suspiro significativo.

    Ento, onde vive?

    No norte do Mxico.

    O homem levantou uma sobrancelha.

    Mas no mexicana -observou. Parecia surpreso.

    Ah, deu-se conta.Ignorou o sarcasmo da moa e perguntou:

    Ficar em Denver?

    No, senhor Ruger. S estou de passagem; ia caminho a casa - respondeu, comimpacincia - e no vejo a necessidade de todas estas perguntas.

    Ruger voltou a ignor-la.

    Informou-se que voc disparou a um homem. verdade?

    Samantha entre fechou os olhos com suspicacia. Tinha adivinhado o motivo davisita.

    Acredito que no o direi.

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    Floyd Ruger a olhou com ateno.

    Acredita que no me dir isso? Olhe, senhorita Kingsley.

    No, voc olhe! - interrompeu-o, irritada-. Eu no cometi nenhum crime. E noestou de nimo para responder perguntas ridculas. Queria que partisse, senhor Ruger.

    Nesse momento, Jeannette Allston entrou na sute seguida de perto pelo Adrien.Jeannette se via preocupada mas Adrien estava simplesmente escandalizado. Sa-mantha sabia que o estaria. Isso a irritou mais at, e o olhou com fria.

    De maneira que ao fim decidiu vir!

    Abaixo disseram que disparou a um homem disse Adrien, incrdulo-. ver-dade?

    Samantha viu que o senhor Ruger a observava com perspiccia. Era muito. Real-mente o era.

    Explicarei-lhe isso mais tarde - disse friamente ao Adrien. Quanto a voc, senhorRuger, no tenho mais respostas. Se o homem a quem se supe que disparei morre,ento com gosto responderei a suas perguntas.

    Insisto em que, ao menos, diga-me seu nome, senhorita Kingsley -replicou Ruger.

    O que lhe faz pensar que o conheo? Pde ter sido um estranho.

    Ou um muito bom amigo -insinuou Ruger.

    Os olhos da Samantha brilharam com um fogo de esmeralda.

    Eu no acostumo disparar a meus amigos, senhor Ruger. Se isso servir para prfim a suas perguntas, direi-lhe que o homem irrompeu aqui pela fora e no queria medeixar em paz. Quo nico fiz foi me defender. Estava sozinha.

    Se defendeu lhe disparando cinco vezes?

    Cinco! -exclamou Adrien, e caiu sobre uma cadeira.

    J tive suficiente! - gritou Samantha ao agente-. Voc no tem nada que fazeraqui. Bom dia!

    Depois da partida do Ruger, produziu-se um completo silncio. Samantha cravou

    o olhar no Adrien. Parecia ter sofrido uma comoo. Que classe de homem era parareagir assim? Era ridculo. Devia estar consolando-a, pensou a moa, e no sentadoali, como algum que necessita consolo.

    OH, chrie, imagino o que deve ter passado - disse Jeannette em tom suave, en-quanto rodeava a Samantha com seu brao e a acompanhava ao sof.

    Samantha agradeceu ao cu por ter ao Jeannette. Ela e seu irmo eram decidida-mente franceses, apesar de ter nascido na Amrica do Norte. Sua me era francesa eseu pai, norte-americano, tinha morrido quando eles eram meninos. O pai os tinhadeixado em uma boa posio econmica. Sua me no havia tornado a casar-se, demodo que no tinham tido outra influncia que a sua. Talvez Adrien tivesse neces-sitado a influncia de um homem. Deus, estava-se comportando como uma mulhermedrosa.

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    Seriamente disparou a algum cinco vezes? - perguntou Jeannette.

    Samantha suspirou.

    Sim -respondeu, simplesmente.

    Que terrvel!

    Para ele -disse Samantha com amargura. No est molesta?

    OH, no sei. Estava muito furiosa. Ainda o estou. O homem no queria partir,nem sequer quando tomei o revlver. Suponho que no acreditou que o usaria.

    Mas, certamente, depois do primeiro disparo...

    Samantha riu, interrompendo-a.

    Qualquer pensaria que se teria partido, verdade? Mas depois do primeiro disparose enfureceu e queria me pr as mos em cima. Me teria matado se lhe tivesse dado aoportunidade.

    Mon Dieu! Ento s estava te defendendo, tal como disse.

    Sim. Finalmente obtive que sasse da habitao e me assegurei que abandonasseo hotel pela escada do fundo. Mas nem sequer ento se deu por vencido. Tentou mederrubar, de modo que voltei a lhe disparar.

    Como podia seguir vivendo depois de todo isso? -interveio Adrien de repente.

    Eu no queria mat-lo, Adrien. Sabia o que fazia. Causei-lhe cinco feridas in-

    ofensivas. Inofensivas? Inofensivas! -exclamou Adrien-. Como pode falar disso com tantacalma? Acreditava que te conhecia. atravessei este pas contigo, mas no te conheo.Samantha se enfureceu.

    O que se supe que devia fazer? Deixar que me machucasse? J me tinha atacadoantes de que pudesse tomar meu revlver. E pde partir por seus prprios meios. Viver,estou segura. Alm disso, queria assinalar que nada disto teria ocorrido se voc tivesse

    vindo quando devia. Onde estava, Adrien? Acaso esqueceu que tnhamos uma entre-vista para almoar?

    Adrien assentiu. Samantha tinha volteado posies com habilidade. Entretanto,no obteve satisfao alguma com a dbil resposta:

    Sim, esqueci-o.

    OH, Adrien! Como pde esquec-lo?

    Jeannette pronunciou as mesmas palavras que Samantha tinha estado a ponto dedizer, embora o tom desta no teria refletido uma mera decepo.

    No me olhe assim, Jean -replicou Adrien com um pouco mas de brio-. Simples-

    mente o esqueci. Esta manh tomei uma importante deciso e pus mos obra emseguida. Acabo de terminar.

    O que acaba de terminar? -perguntou Jeannette, surpreendida.

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    De comprar provises -respondeu, em tom quase defensivo-. Irei ao Elizabeth-town.

    Samantha franziu o cenho. No tinha esperado que Adrien abandonasse Denver.Tinha suposto que teria ao menos um ms mais para convenc-lo. Em um ms, elapartiria para a Santa F para encontrar-se com os homens que a acompanhariam

    fazenda. Ao Elizabethtown? Por que? -perguntou Jeannette.

    A procurar ouro, claro.

    As moas ficaram boquiabertas. Jeannette foi primeira em falar.

    Mas por que, Adrien? Veio aqui para abrir um estudo jurdico.

    Aqui h outros que se esto fazendo ricos, Jean.

    Nunca imaginei como seria - respondeu Adrien, entusiasmado-. Ns tambm

    seremos ricos e teremos uma dessas belas manses como as que esto construindoos mineiros enriquecidos.

    Samantha ps-se a rir de repente ao compreender.

    Tem a febre do ouro!

    Jeannette olhou outra jovem e logo a seu irmo, estupefata.

    Mas para que viajar at o Elizabethtown? Aqui h prata. . . toneladas dela, se osinforme so certos.

    verdade, Adrien - adicionou Samantha, com sensatez-. Poderia arriscar umadenncia aqui mesmo. No h necessidade de ir correndo a Novo o Mxico. No ouv-iste falar dos problemas que tm ali com os ndios?

    Ah, isso no nada -disse Adrien, tirando importncia ideia.

    Nunca viu um apache, Adrien. No sabe o que diz se pode te burlar do perigo decombater contra os ndios.

    Esse no o ponto. Se eu pudesse explorar uma mina de prata aqui, faria-o. Masno posso faz-lo at que tenha dinheiro suficiente para comprar a equipe necessriapara reduzir o mineral. muito mais fcil procurar ouro.

    Meu Deus -suspirou Samantha, desgostada-. vais procurar ouro l para voltaraqui para explorar uma mina de prata? Isso ridculo, Adrien.

    Tomei a deciso -replicou Adrien com obstinao-. E no ridculo. Eu no souo nico que no pode comprar a equipe que se necessita para explorar a prata. H mui-tos outros que vo ao Elizabethtown. Ali se pode recolher o ouro do cho. A prata deveser refinada. J comprei uma mina muito boa. S necessito um crisol.

    Comprou uma mina? -exclamou Jeannette, alarmada-. Quanto te custou?

    Adrien se encolheu de ombros. O preo era razovel, j que o dono se enfrentava ao mesmo problema que eu:no tinha crisol.

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    Quanto?

    S umas centenas.

    Adrien! -exclamou-. No podemos nos permitir o luxo de gastar umas centenas!

    A Samantha, a situao lhe pareceu embaraosa. Tinha acreditado que os Allston

    no tinham que preocupar-se com o dinheiro, como tampouco ela tinha que faz-lo. Quanto custaria esse aparelho para elaborar a prata? -ofereceu-se.

    Adrien se voltou para ela, esperanado, mas Jeannette interveio.

    No estamos obrigados a pedir emprestado, Adrien. Se realmente deve fazer isso,far-o voc mesmo.

    Eu o considerava um investimento -disse Samantha rapidamente-. No um em-prstimo.

    Adrien meneou a cabea.

    Obrigado, Samantha, mas no. A pequena Jean tem razo. Devemos faz-lo so-zinhos.

    Muito bem. Quando pensa partir? Poderamos ir todos juntos, j que, de todosos modos, eu devo ir ao sul.

    Depois de amanh -respondeu em seguida, alegrando-se de que Jeannette nohouvesse oposto mais resistncia-. S esperaremos a diligncia.

    CAPITULO 4Hank demorou quatro horas a cavalo para chegar mina Pitts. Quando chegou

    ali, encontrou a seis homens trabalhando ao sol, escavando rochas da terra, grun-hindo e murmurando enquanto suavam. Ao ver uma grande loja junto a um arroio,dirigiu-se a ela e desmontou, sem apartar a vista da loja.

    Entrou em silncio. Dentro havia duas mesas largas de madeira, bolsas de dormircolocadas nos borde da loja e uma velha estufa. Isso, alm dos utenslios de cozinhaque a rodeavam, implicavam uma estadia prolongada. Havia um s homem na loja.

    Estava sentado larga mesa se localizada direita do Hank com um jarro de caf aseu lado, concentrado em uma coluna de cifras escrita em uma folha de papel.

    Ol, Pat.

    Patrick McClure levantou a cabea, surpreso, e comeou a levantar-se, mas sedeteve e voltou a cair sobre o assento. A voz era a mesma de antes, mas a cara eramuito diferente. J no estavam os sorridentes olhos cinzas que Pat conhecia tobem. Em seu lugar, havia olhos de ao. Tinha temido que isso acontecesse, queHank no compreendesse.

    Oua, moo, no h razo para que olhe assim a seu velho amigo -disse Pat, in-cmodo, com voz cascata.

    Amigo? -Hank comeou a avanar lentamente- Voc te chama amigo?

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    No esperou resposta. Jogou para trs o brao direito e dirigiu um murro direto mandbula do Patrick. A cadeira, com o Patrick ainda sobre ela, caiu para trs.Patrick era um homem maior e seu corpo se abrandou, mas ficou de p em um in-stante. Muito lentamente, retrocedeu para apartar-se do Hank.

    No brigarei contigo, moo. Ao menos, no at que me lhe deixe explicar isso

    grunhiu Pat, com a boca dolorida-. Depois, se ainda quer brigar. . . S quero uma coisa de ti, Pat: meu dinheiro. Dem-me isso e deixarei as coisas

    como esto.

    No recebeu a nota que te deixei?

    Perdio! -exclamou Hank, com os dentes apertados-. No troque de tema!

    Mas te falei desta mina -prosseguiu Pat, sem acovardar-se-. Seremos mais ricosdo que jamais sonhamos, moo.

    Ento me d minha parte agora e pode ficar com o resto. No me interessam asminas, Pat. Voc conhece meus sonhos. Esperei mais de dez anos. J no esperarei mais.Devo ir ao Mxico.

    Mas voc no entende, Hank. Sente-se e me lhe deixe explicar isso Hank tomoupela camisa e o atraiu para si, levantando-o quase do cho. Seus olhos tinham uma ex-presso assassina

    No h nada que explicar. Ou tem meu dinheiro ou no o tem.

    No o tenho. Gastei-o quase tudo em um crisol disse Pat, e retrocedeu mais.

    Hank tomou pela camisa e o atraiu para si, levantando-o quase do cho. Seusolhos tinham uma expresso assassina

    Acredito que devo te matar, Patrick -disse, com voz calma e feroz-. Sim, devofaz-lo. Voc sabia o que significava esse dinheiro para mim. Sabia como odiava o quefazamos para conseguir o. Voc sabia. . . e igualmente o gastou.

    Mas, moo, ter suficiente dinheiro para comprar uma dzia de fazendas, duasdzias. . . - rogou Pat- Digo-te que seremos ricos.

    Como pode sab-lo? -perguntou Hank-. Ainda tem que elaborar a prata.

    Mandei-a a analisar. Aqui temos mineral de primeira, do melhor, e h muits-simo! Tudo questo de elabor-lo assim que chegue o crisol. Claro que isso levar umpouco de tempo.

    Quanto? Um ano? Dois?

    No saberia diz-lo, moo. Mandei pedir a Inglaterra a melhor e a mais novaequipe.

    De repente, Hank o soltou e deu meia volta. O homem maior suspirou, aliviado.Hank era um homem muito mais alto e forte; magro, mas com bons msculos. Se

    estava furioso, resultaria-lhe fcil matar ao Pat com suas prprias mos. Como pde me fazer isso, Pat? Eu confiava em ti. Fomos amigos.

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    A voz do Hank era apenas audvel.

    Ainda o somos -protestou Pat-. Quer te convencer? Converti-te em um homemrico.

    A riqueza que no vejo no me serve agora grunhiu Hank.

    Pat o olhou com cautela. Fazia muito tempo que conhecia o Hank Chvez, masnunca o tinha visto assim. Moreno, arrumado, em geral com roupa escura, Hanksempre tinha tido aspecto perigoso. A primeira vista, parecia um pistoleiro. En-tretanto, a calidez e a diverso de seus olhos descartava essa imagem imediatamente.O jovem podia achar diverso quase em qualquer situao, e seu genuno amor pela

    vida e apesar das tragdias de seu passado o fazia notvel. Pat voltou a tent-lo.

    Hank, moo, por que no entende meu ponto de vista? Era minha nica opor-tunidade. Tnhamos muito dinheiro, mas voc sabe como sou. Me teria dado a grande

    vida durante um tempo e logo no ficaria nada.

    Poderia ter comprado uma empresa ou uma fazenda, Pat. Poderia ter sentadocabea.

    Isso no para mim -respondeu Pat, mais esperanado. Ao menos, Hank o es-cutava. -Eu no sirvo para ter um trabalho estvel.

    No est trabalhando aqui? -observou Hank.

    Trabalhando? Estou pagando a outros para que se quebrem as costas partindorochas.

    Hank o olhou com suspicacia. Com o que lhes est pagando, Patrick? perguntou brandamente.

    Bom, ficou um pouco de dinheiro. Mil ou algo assim -admitiu Pat com relutncia,pois tinha cansado em sua prpria armadilha-. Pensei economizar tempo preparandotodas as rochas para poder comear a trabalhar diretamente quando chegar o crisol.

    Levo-me o que fica, Pat.

    Oua, moo. . .

    Hank comeou a avanar por volta dele outra vez e Pat aceitou em seguida.

    Est bem, est bem. Suponho que no haver muita diferena. Viu que Hank serelaxava ligeiramente e acreditou que j no haveria problemas.

    Me diga, por que demorou tanto em chegar aqui? Supus que viria me pisando ostales.

    Hank ficou tenso.

    Estive no crcere.

    Pat franziu o cenho.

    No ter sido por. . . No, no teve nada que ver com nossos roubos disse Hank com amargura-.

    Causei alguns estragos depois de ler sua nota e me embebedar.

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    Pat fez uma careta. Sinto muito. Mas compreende por que tinha que faz-la assim? Tinha ganho esta

    mina em um jogo de naipes e sabia quo valiosa era pela atitude do tipo que a perdeu.Tomou muito mal. Ia ao sul do Texas para pedir dinheiro emprestado a um amigo paracomprar um crisol. Eu sabia que no poderia comprar o crisol s com meu dinheiro,

    por isso tomei emprestada sua parte, moo. Tive que faz-lo. Pat vacilou. - O que faragora?

    Voltarei a me embebedar e certamente destruirei um ou dois botequins mais -res-pondeu Hank com amargura.

    No tudo est perdido, moo. Sempre tiveste muita sorte com os naipes. Poderiaduplicar ou triplicar seu dinheiro dessa maneira.

    Ou perd-lo tudo. H outras maneiras...

    No penso roubar mais! -grunhiu Hank. No, no. No ia sugerir isso. Faz uns anos, houve um grande descobrimento de

    ouro em Novo o Mxico. Milhares de homens foram a esse povo novo, Elizabethtown.

    Cr que deveria procurar ouro? -disse Hank, irritado-. Tambm poderia espe-rar que esta mina comece a produzir. Qualquer das duas coisas levaria muito tempo.Minhas terras esto ali, e morro pelas ter. foi assim h anos. J no posso esperar.

    Pat voltou a inquietar-se.

    Sempre foi um fantico de suas terras. Jamais quis atender razes. Faz j muitotempo deveu averiguar quanto necessitaria para comprar. Alguma vez te ocorreu que oque tinha podia no ser suficiente?

    Tinha suficiente... at que voc me roubou isso. Oua, moo, no pode estar seguro disso. Poderia ter chegado l e descoberto que

    o dono pedia o dobro do que tinha, ou mais. No pode sab-lo. por que no o averiguaagora? -insistiu Pat, entusiasmado- Isso o que pode fazer! V e averigua exatamentequanto necessitar. Diabos, para quando retornar, esta nossa mina estar produzindo eter o que necessite. Disse que no quer esperar. Bem, desta maneira no ter que faz-la. Far algo agora mesmo para recuperar suas terras.

    O que sugere uma perda de tempo disse Hank em tom brusco-. Entretanto,por sua culpa, tenho muito tempo que perder e nada melhor que fazer. Ento, assimseja. -Sorriu, e seus olhos se crisparam como antes. - Mas o dinheiro que fica, amigo.Levo-me isso.

    Hank abandonou Denver ao dia seguinte e cavalgou diretamente para o sul. Cru-zaria a maior parte do territrio de Avermelhado e tudo Novo o Mxico: uma reaenorme que no era nada segura para um viajante solitrio. Mas Hank era perito em

    evitar gente, inclusive aos ndios. Tinha aprendido muito desde sua fuga da priso: aesconder-se nas montanhas ou nos planos. Seus sentidos, sempre agudos, haviam-seagudizado mais ainda depois da fuga e durante seus dias de bandido.

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    Tinha que cruzar mais de mil quilmetros de terreno desconhecido s para chegar fronteira com o Mxico. Embora o fizesse a passo veloz, demoraria mais de umms, mas j tinha decidido no apressar-se muito. No esta vez. No tinha pressa,graas ao Pat. Estava furioso pelo novo atraso, mas no havia nada que pudessefazer para acelerar as coisas exceto voltar a roubar. . . e no o faria.

    Maldito Pat e sua mina de prata!Nos dias seguintes, Hank meditou em sua vida desventurada. Ao quarto dia, seu

    nimo era to sombrio que se voltou descuidado. Cavalgava pela base da cordil-heira das Rochosas, forando cruelmente a seu cavalo, quando de repente o animaltropeou em um poo e, ao faz-lo, jogou no Hank a mais de um metro de distncia.torceu-se o tornozelo mas, o que era pior, o cavalo se quebrado uma pata dianteirae no podia seguir caminho. Terei que sacrific-lo.

    Hank se encontrou sem cavalo, cheio de remorsos pelo acidente e estado parado

    a grande distncia, entre duas cidades.

    CAPITULO 5

    Na diligncia, o ar era sufocante. Dois dos passageiros, uma mulher com seu filho,tinham descendido no CastleRock devido a uma indisposio do moo. Ningumtinha ocupado seus lugares, de modo que s havia quatro passageiros no veculo.Entretanto, haveria muitos mais povos e paradas antes de Elizabethtown e no ca-

    bia dvida de que a diligncia voltaria a encher-se.At com os dois lugares livres, fazia calor no interior. O senhor Patch, que viajava

    junto Samantha e os Allston, insistia em manter as persianas fechadas porque setratava de uma diligncia velha e tudo os guichs estavam rotas. Patch disse padecercerto mal que se agravava com o p. No deveria viajar ao sudoeste se quer evitaro p, pensou Samantha, irritada.

    Em realidade, no a irritava o senhor Patch, apesar de que se viram obrigados aacender um velho farol fumegante para que houvesse um pouco de luz. No, era

    Adrien quem tinha provocado seu mau humor. Sempre era Adrien. s vezes, Sa-mantha se perguntava como tinha podido apaixonar-se por esse homem. depois detanto tempo de viajar juntos, ainda permanecia distante. mais, nem sequer lhefalava. Que atitude to infantil em um homem! Isso era algo que Samantha podiafazer quando estava de mau humor, mas um homem de trinta anos? E tudo porquetinha recordado ao Tom Peesley.

    Isso tinha ocorrida graas ao senhor Ruger. Ao inteirar-se de que a moa aban-donaria Denver, dirigiu-se estao de diligncias justo antes de sua partida e tinhatido o descaramento de lhe pedir que no partisse at que ele tivesse a segurana deque no se cometeu nenhum crime. Entretanto, no podia insistir, e ambos sabiam.

    Tom Peesley no tinha apresentado nenhuma queixa contra ela e Samantha sabiaque nunca o faria. No se atreveria.

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    Tranquilizou ao Floyd Ruger lhe dizendo onde poderia encontr-la em caso deque fora necessrio. Mas no tinha conseguido apaziguar ao Adrien.

    No podia entender ao Adrien. Nem sequer podia atribuir seu comportamentoao feito de que ele era do este, pois havia outros dessa regio que no eram to. . .to infantis.

    Queixou-se ao Jeannette a respeito, mas a mida loira se ps do lado de seu irmo. Ele muito sensvel, chrie -tentou lhe explicar-No tolera a violncia.

    Entretanto, escolheu viajar a uma terra violenta -assinalou Samantha.

    Ouvi, e j se acostumar. Mas lhe levar tempo.

    Quanto demoraria para esquecer o do Tom Peesley?, perguntou-se Samantha.Chegou concluso de que teria que tomar alguma medida drstica. Pensou emdar cimes ao Adrien. Em realidade, ele no tinha competidores. Talvez neces-

    sitasse uma boa sacudida. Entretanto, nesse momento, o nico homem disponvelera o senhor Patch, calvo quase por completo e de barriga grande, de modo que,no momento, teve que descartar a ideia. O problema era que, quando chegassem aoElizabethtown, Adrien estaria ocupado.

    O que podia fazer? No pensava dar-se por vencida respeito ao Adrien. Tinhadecidido que ele era o homem que desejava, e ela sempre conseguia o que queria.Sonhava com ele, imaginava abraando-a, beijando-a, lhe fazendo o amor como ohaviam descrito as moas da escola. Sim, Adrien seria seu primeiro homem.

    Nenhum homem a tinha abraado sequer, no com ternura, pois no podia contarao Tom Peesley. Entretanto, ele tinha sido o primeiro homem que a tinha beijadocom paixo. A moa esperava que os beijos to cruis como os dele no fossem otpico, e tampouco o beijo do Ramn Mateo Nez da Baroja, da fazenda maisprxima a deles. O beijo do Ramn tinha sido o de um irmo, ao despedir-se quan-do ela partiu para a escola.

    Tinha que haver uma espcie de beijo intermdio, algo que a incitasse, que a fi-zesse desvanecer-se, como acontecia nas novelas romnticas que entravam na escolade contrabando. Essa era a classe de beijo com a que sonhava Samantha, e sabia que

    Adrien o daria. .. se alguma vez se decidia a faz-lo.Fazia cinco dias que a diligncia avanava dando tombos: uma maneira atroz de

    viajar. A viagem em trem desde a Pensilvania ao Cheyenne no tinha sido to maumas, depois da diligncia a Denver, Samantha tinha chegado a pensar em comprarum cavalo e cavalgar junto ao veculo. Mas dessa maneira no estaria perto doAdrien, de modo que descartou a ideia.

    Seu pai se consternou ao inteirar-se de que a moa voltaria para casa por terra eno de navio, como se tinha partido. Samantha sabia que ficaria furioso; por isso

    no lhe tinha telegrafado at abandonar Denver. Sua resposta a alcanou uma se-mana mais tarde: dizia-lhe quo furioso estava. Enviaria-lhe um grupo de homenspara que a acompanhassem, assim que lhe avisasse que tinha chegado ao Cheyenne.

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    Mas Samantha no voltou a lhe telegrafar. Queria mais tempo com o Adrien. Seupai lhe tinha advertido que no utilizasse seu nome completo ao aproximar-se decasa e lhe tinha enviado outros conselhos (ou, mas bem, ordens) paternais. Hamil-ton Kingsley se preocupava com sua filha, mas a moa j no lhe reprovava suaatitude protetora. Tinha passado muito tempo durante o qual nunca a arreganhava

    por ser ela to nova para ele. No podia lhe negar nada. depois de tudo, Samanthao tinha conhecido aos nove anos. A seu pai tinha levado muito tempo apartar a deseus avs da Inglaterra, E nunca pde obter o irmo da menina, Sheldon.

    Seus avs tinham sido to estritos que Samantha no tinha conhecido uma infn-cia normal. Desde que aprendeu a caminhar e a falar, exigiram que se comportassecomo uma pessoa adulta, embora sem os privilgios dos adultos. No sabia o queera jogar, correr, rir. Sua av lhe tinha proibido categoricamente essas coisas e, se aapanhavam comportando-se de uma maneira que no correspondesse a uma dama,no ato sobrevinham os castigos.

    Seu av, sir John Blackstone, no tinha sido to mau, mas Henrietta era um terror.Henrietta Blackstone odiava ao norte-americano Hamilton Kingsley por casar-secom sua nica filha e as engenhou para separar aos pais da Samantha depois donascimento dos meninos. Ellen Kingsley retornou ao imvel dos Blackstone comseus dois filhos e, um ms mais tarde, tirou-se a vida. Samantha nunca pde culpara sua me por haver-se suicidado, pois sabia como era viver com a Henrietta. Almdisso, nunca duvidou que tivesse sido a obstinao de sua av o que tinha levado asua me ao suicdio.

    Quando seu pai ameaou levar aos Blackstone a corte por no lhe permitir verseus filhos, sir John convenceu a sua esposa de deix-los ir antes que enfrentar oescndalo. Samantha tinha recebido com alvoroo a oportunidade de abandonarBlackstone Manor, mas Sheldon se recusou a faz-lo. Henrietta exercia uma forteinfluencia sobre ele, e Hamilton teve que conformar-se com um s de seus filhos.

    Samantha tinha muito medo de que seu pai esperasse dela as mesmas coisas queHenrietta. Ao ver que no dava sinais de faz-lo, a menina comeou a fazer, poucoa pouco, todas as coisas que nunca lhe tinham permitido e a repudiar tudo o que

    tivesse que ver com o fato de ser uma dama. Nos primeiros anos que passaram jun-tos, Samantha ps a prova a seu pai e aproveitou seu amor por ela e sua alegria det-la ao fim em casa.

    Agora se sentia muito mal por isso e inclusive chegou a acatar algumas das indi-caes de seu pai. Utilizou s a metade de seu nome do momento em que entraramna regio onde se conhecia a riqueza do Hamilton Kingsley.

    No facilitaria o fato de que algum conseguisse muito dinheiro sequestrandoa sua nica filha. Os sequestros eram comuns e estranha vez apanhavam aos re-sponsveis. portanto, um grupo de homens de seu pai a acompanharia o resto docaminho fazenda, embora isso faria que ficassem poucos homens ali.

    Samantha suspirou e olhou ao Adrien, que estava sentado junto ao senhor Patch.

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    A moa j no repudiava o ser uma dama. De fato, esforava-se ao mximo porrecordar tudo que seu av lhe tinha obrigado a aprender. Adrien no aceitaria poralgema a quem no fosse uma dama. Pois bem, ela seria essa dama. Seria a esposado Adrien.

    Baixou suas largas pestanas para que ele no se precavesse de que o observava.

    Samantha desabotoou o primeiro boto de sua blusa de seda branca. A jaquetaazul-morada que fazia jogo com sua saia estava junto a ela, sobre o assento, porquefazia muito calor na diligncia. Aproveitaria esse calor como desculpa para desa-botoar outro boto, e logo outro. Os franzidos que adornavam a dianteira de suablusa caram lentamente aos flancos, deixando ao descoberto seu pescoo uma vezdesabotoado o quarto boto.

    Adrien no a olhou. Samantha comeou a dar golpes com o p no piso, chateada,e desabotoou dois botes mais. Sentiu-se mais fresca, mas, de todos os modos, se

    atingiu energicamente para ver se isso chamava a ateno do Adrien. Mas no foiassim. Em troca, obteve toda a ateno do senhor Patch. Samantha sentiu desejosde gritar. Que demnios teria que fazer?

    De repente, a diligncia reduziu a velocidade e Adrien abriu a persiana maisprxima a ele. O senhor Patch comeou a tossir.

    O que ocorre, Adrien? -perguntou Jeannette.

    Parece que subir um passageiro.

    Chegamos a algum povoado?

    No.Adrien se interrompeu quando se abriu a porta e subiu um homem alto. Fez-se

    a um lado para lhe deixar lugar e o estranho se acomodou no assento contiguo aodele. Saudou as damas com o chapu mas no o tirou.

    Samantha respondeu com um breve movimento de cabea e apartou os olhosimediatamente. Sups que se tratava de um vagabundo, de modo que deixou de lheemprestar ateno e voltou a olhar ao Adrien. Entretanto, este olhava ao estranhocom curiosidade e ignorava moa.

    Como que estava por aqui sem um cavalo? -perguntou, em tom amigvel.O homem demorou para responder. Examinou ao Adrien antes de falar com uma

    voz profunda.

    Tive que matar a meu cavalo.

    Mon Dieu! -exclamou Adrien, horrorizado.

    Samantha suspirou, desgostada pela reao to pouco masculina. Para ouvir o sus-piro, os olhos do estranho se voltaram para ela. A jovem se sentiu obrigada a perguntar:

    Seu cavalo estava ferido? Sim, quebrou-se uma pata. Eu tambm tenho uma perna machucada. Parece que,depois de tudo, irei ao Elizabethtown.

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    Samantha o olhou com mais ateno. A sombra do chapu ocultava a parte su-perior do rosto do homem, mas na inferior se via uma mandbula forte cobertaapenas por uma incipiente barba negra; a boca firme se curvava para cima em umadas comissuras e formava uma covinha, e o nariz era reto e estreito, mas no muitolargo. Prometia ser uma cara de faces bem proporcionadas.

    O homem se ajeitou no assento quase com arrogncia. Talvez s estivesse cansado.Estendeu as pernas frente a sim at ocupar boa parte do corredor e quase tocar os

    joelhos da Samantha. Cruzou as mos sobre o ventre e Samantha se surpreendeu aover seus dedos largos, magros e quase graciosos. Era bvio que cuidava suas mos.No tinha calos, de modo que era provvel que usasse luvas para cavalgar.

    A primeira vista, parecia um vaqueiro comum, talher de p e algo elegante com suaroupa escura. Entretanto, ao observ-lo com mais ateno, Samantha comeou a duvi-dar disso. Estava sujo e, entretanto, o nico sinal de desalinho nele era a barba incipi-

    ente. Seu cabelo cor bano chegava apenas ao pescoo da camisa. A roupa era de seutalhe exato e de boa qualidade. Sua camisa marrom escura era de cambraia; o leno quelevava a pescoo era de seda e o colete era de excelente couro espanhol, igual s botas.

    Samantha comeou a sentir cada vez mais curiosidade por esse homem a quemantes tinha descartado com tanta rapidez. Era a primeira vez que se interessava emoutro homem desde que tinha conhecido ao Adrien, isso a surpreendia.

    O estranho era magro, mas seu peito e seus braos eram musculosos, como suaspernas, em fundadas em rodeadas calas negras. Samantha o comparou mental-mente com o Adrien. Aquele homem era jovem, vital, e estava em perfeito estadofsico. De fato, o loiro Adrien empalidecia junto ao vaqueiro e adquiria um aspectoquase doentio.

    Adrien o observava com curiosidade, tal como o fazia Samantha, mas o homemolhava a... a quem? A ela ou ao Jeannette? Samantha no podia estar segura disso,pois no conseguia lhe ver os olhos com claridade. Certamente olharia ao Jeannette,disse-se, pois seu amiga tinha uma beleza clssica. Era a classe de mulher midaque atraa aos homens, pois inspirava amparo e os fazia sentir desejos de abrig-la. Embora Samantha no era desajeitada nem muito alta, sentia-se extremamente

    torpe em comparao com o Jeannette.O silncio se prolongava. O senhor Patch continuou tossindo at que Samantha

    teve piedade dele e fechou a persiana. Na quietude conseguinte, comeou a sentir-se incmoda. Jeannette, aborrecida, tinha fechado os olhos, como tambm o tinhafeito o senhor Patch, mas Samantha no podia faz-la. Tinha que saber se o estra-nho a olhava ou no.

    A irritao se acumulou em seu interior at que, finalmente, perguntou semprembulos:

    que alguma vez se tira o chapu?Adrien afogou uma exclamao por tanta falta de tato e a moa se ruborizou. O

    estranho sorriu, tirou-se o chapu e alisou seu cabelo negro e ondulado.

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    Desculpe, senhorita -disse, em castelhano.

    Samantha olhou aqueles olhos cinzas como a piarra que se enrugavam nas comis-suras. Olhos sorridentes, pensou a jovem. Parecia estar rindo-se dela!

    Fala voc espanhol, senhor -disse, impulsivamente-. Entretanto, no parece serespanhol puro. Me deixe adivinhar... meio norte-americano?

    muito observadora.

    Por favor, Samantha -interrompeu-a Adrien em tom de desdm.

    A moa dirigiu seus olhos verdes para ele e levantou ligeiramente as sobrancelhas.

    OH! tornaste a me falar, Adrien?

    Em realidade, no deveria faz-lo -replicou com mau humor. Logo, voltando-separa o estranho, adicionou: - Voc deve desculpar a descortesia de minha amiga, senhor.

    Chvez. Hank Chvez -disse, assentindo-. Mas no tenho nada que desculpar a

    uma dama to bela.Samantha sorriu ante a galanteria.

    voc muito amvel, senhor. Mas realmente fui descorts. . . e nem sequer estavano certo. Seu sobrenome mexicano.

    Sim. Tambm tenho sangue da ndia.

    Mas no muita -sups.

    Adivinhou outra vez, senhorita.

    Adrien voltou a interromper para fazer as apresentaes, antes de que Samanthao envergonhasse mais at com sua falta de tato. Ento a moa voltou a recostar-see escutou como Adrien mantinha uma conversao banal e explicava seus motivospara ir a Novo o Mxico. Samantha fechou os olhos e deixou que sua voz, junto coma voz mais profunda do Hank Chvez, arrulhassem-na at dormir.

    Despertou um forte tombo que deu a diligncia. Ao abrir os olhos, viu que osdo Hank Chvez estavam fixos nela. Ou, mais precisamente, na V profunda queformava o decote de sua blusa.

    Samantha olhou para baixo. Seus seios se revelavam apenas um pouco. Nuncaantes tinha exibido tanto seu corpo. E nem sequer tinha dado resultado: Adrienseguia sem lhe emprestar ateno. Mas Hank Chvez sim o tinha notado. Seus ol-hos se encontraram. Ele sorria. Samantha sentiu desejos de morrer. O rubor subiupor seu pescoo e deu a seu rosto um brilhante tom rosado. No sabia por que sesentia to envergonhada, mas o estava. Talvez se devesse ao feito de que Hank eraum homem muito atrativo ou, possivelmente, maneira em que seus olhos a exami-navam. Fora qual fosse a razo, sentia-se absolutamente mortificada, e no havianada que pudesse fazer a respeito. Se voltava a grampear sua blusa com rapidez, no

    faria mais que piorar as coisas.Adrien seguia falando, abstrado, e finalmente Hank Chvez se voltou para ele.

    Samantha no escutava a conversao. Levantou seu leque para cobrir a parte dian-

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    teira de sua blusa e, subrepticiamente, grampeou um boto. No pde seguir, poisaqueles olhos cinzas voltaram a posar-se nela. Baixou as mos at sua saia. Hankadvertiu o que tinha ocorrido; Seu olhar se dirigiu para onde tinha estado a fendados seios da moa e logo a seus olhos. Parecia arreganh-la por lhe negar a vista quetanto tinha admirado.

    Seu intenso olhar envergonhou a Samantha, que fechou os olhos. Dormiria ou,mas bem, fingiria dormir, mas no voltaria a olhar ao Hank Chvez, passasse o queacontecesse.

    CAPITULO 6

    Caa a noite, mas a diligncia continuava viagem, pois ainda faltavam vrios quil-metros para a seguinte parada.

    Hank tinha a cabea apoiada no respaldo do assento. Adrien Allston ao fim tinhadeixado de falar. Hank sentia uma dor palpitante no tornozelo e desejava tir-lasbotas, mas teria que esperar at que se detiveram passar a noite. Tinha tido que per-correr coxeando quase dois quilmetros carregando suas arreios para chegar linhade percurso da diligncia. Dez minutos mais e a teria perdido. Perguntava-se se lheconviria seguir viagem at o Elizabethtown para poder curar o tornozelo ou tentarcomprar um cavalo no prximo povo. Olhou mulher que estava sentada frente aele e decidiu esperar.

    Era uma mulher fascinante, at dormida. Era inegvel que a loira era muito bela,mas a de cabelo escuro era a imagem da beleza. Recordava-lhe moa de Denver, aque tinha visto com o revlver. O cabelo de cor castanha avermelhada, a figura magra,o nariz gracioso, tudo lhe parecia familiar. Mas s tinha tido uma vista lateral daquela

    jovem, e distncia. Esta era muito mais amadurecida, tinha o cabelo penteado comelegncia e parecia maior. Sups que teria vinte anos: uma mulher j enchente.

    Sua tez branca o fazia pensar que podia provir do este. Ou talvez no lhe agra-dasse o sol. Entretanto, sabia um pouco do Mxico, posto que tinha adivinhado sualinhagem.

    A me do Hank tinha sido norte-americana e tinha ancestros na Inglaterra. Issolhe tinha dado esse nome, embora seu pai o tinha trocado mais tarde pelo Enrique.

    Seu pai tinha sido mexicano descendente de espanhis, embora havia muito pou-co do Mxico em suas veias. O bisav do Hank tinha sido meio mestio e se casoucom uma espanhola; seu filho Vitoriano se casou com uma mulher da famlia Vega,que acabava de chegar da Espanha. Hank j no pensava muito em seus ancestros:todos os que importavam tinham morrido, exceto sua irm maior.

    Entretanto, Samantha Blackstone lhe tinha recordado a sua famlia. Que dama

    to curiosa! O loquaz Adrien Alltance s tinha escandalizado. Mas ao Hank noimportava. Admirava s mulheres que no temiam dar sua opinio nem a satisfazersua curiosidade.

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    No conseguia apartar os olhos dela. Tinha largas pestanas e, enquanto dormia,uma mecha curta caa sobre sua tmpora e emitia reflexos avermelhados luz doabajur. Hank recordou com prazer como se envergonhou ao advertir que a ele ad-mirava seus seios. Tinha desfrutado com essa vergonha lhe tinha agradado faz-laruborizar-se. Se obtinha que ela se ruborizasse, significava que no lhe era indife-

    rente.Por certo, ele no era. De algum jeito, essa moa recordava a Angela, embora no

    tinham nenhum parecido fsico que no fora, talvez, o tom do cabelo. Tinha-lheresultado fcil fazer ruborizar a Angela. Recordou como seu rosto tinha adquiridouma brilhante cor carmesim quando, ao assaltar sua diligncia, Hank a tinha re-

    visado em busca de objetos de valor. Ela o tinha esbofeteado com fora e ele se viuobrigado a responder com um beijo que teria desejado que nunca terminasse.

    Pela primeira vez em sua vida, Hank realmente sentiu desejos de assaltar uma

    diligncia: a mesma em que viajava, j para poder registrar a aquela mulher queestava frente a ele.

    O solo feito de olh-la fazia que a desejasse, e teve que colocar seu chapu sobreseu regao para ocultar a evidncia de seu desejo.

    O que lhe ocorria? Nunca antes tinha reagido com tanta fora fsica ante umamulher sem sequer toc-la. Nem sequer Angela o tinha excitado com tanta rapideze a mulher s estava dormindo. Nem sequer influa nele com seus olhos!

    Hank fechou os olhos para no v-la, com a esperana de que seu sangue recu-

    perasse a temperatura normal. Mas no deu resultado. No podia deixar de sonharcom ela.

    Seria uma comprida viagem at o Elizabethtown.

    Samantha foi a ltima em descer da diligncia. Jeannette tinha tido que despert-la, arreganhando-a porque essa noite no poderia dormir. A Samantha no impor-tava. A viagem era muita aborrecida e no havia nada que fazer mais que dormir.Ento recordou ao senhor Chvez e despertou por completo. Entretanto, ele tinhaido com outros homens. Achavam-se em uma deprimente parada de diligncias, onico edifcio em quilmetros redonda. Havia um estbulo onde se guardavam oscavalos suplementares e uma casa que, em realidade, no era mais que uma grandehabitao. Ali, os passageiros podiam obter uma comida quente e tender-se nosbancos para dormir umas horas.

    Samantha seguiu ao Jeannette ao interior. Decidiu no sentar-se; tinha as costasintumescida. A comida ainda no estava preparada. Era tarde e tinham tido quedespertar ao ancio para que lhes preparasse algo. S Jeannette, o senhor Patch e o

    velho encarregado estavam na habitao. Os outros haviam tornado a sair para la-var-se. Samantha comeou a caminhar e a desperezarse o mais possvel sem perder

    os maneiras de uma dama. Jeannette se sentou na nica cadeira com respaldo, pertodo lar. Estava cansada e lhe notava.

    O chofer e Adrien entraram pela porta traseira, mas Hank Chvez no estava

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    com eles. Samantha desejou que se desse pressa, pois tambm queria lavar-se nopoo. No seria apropriado que sasse enquanto ele ainda estava fora.

    Adrien se ocupou da comodidade de sua irm e, quando a comida esteve prepara-da, aproximou-lhe um prato. Samantha jogava fascas. Seguia ignorando-a. O velhoencarregado lhe ofereceu um prato, mas a moa o rechaou, pois desejava lavar-se

    antes. Sentia todo o corpo coberto da sujeira da viagem. Teria querido trocar-se deroupa, mas no tinham descarregado as bagagens para essa breve parada e no quispedir a ajuda de ningum para baixar uma de suas malas.

    Quando, ao fim, Hank Chvez entrou na habitao, Samantha no pde evitarsurpreender-se pela notvel mudana, Barbeou-se e, sem a barba, via-se mais ar-rumado at. ps-se uma camisa cinza escura com botes de me prola que faziam

    jogo com seus olhos. Assim que aqueles olhos cinzas se posaram nela, Samanthaapartou o olhar. Passou junto a ele sem dizer uma palavra, tomou o farol que ele

    tinha deixado e saiu ao ptio traseiro.Junto ao poo havia um suporte de pedra com um cubo vazio e uma grande latacom gua suja, que tinham deixado outros que j se lavaram. Samantha deixou ali ofarol, esvaziou a gua suja e logo encheu a lata com gua fresca do poo. Utilizandoo leno que extraiu de sua bolsa, inclinou-se para lav-la cara, as mos, o pescoo eentre os seios.

    Estendeu o leno sobre o suporte para que se secasse e logo se grampeou a blusacom rapidez. No repetiria o engano de deix-la desabotoada! Voltou a sentir-seincmoda ao recordar aqueles olhos cravados nela. O som de uns passos a fez darmeia volta e afogar uma exclamao. Hank Chvez estava a poucos centmetrosdela. Viu que a porta traseira da casa estava fechada, o qual significava que estavamsozinhos no ptio.

    Samantha sentiu que seu corao pulsava com fora, mas retrocedeu um passo einclinou a cabea, com todo o ar sereno de quem domina uma situao que foi pos-svel assumir. Os olhos do Hank no sorriam. J no tinha essas rugas nas comis-suras, e isso a assustou mais ainda.

    Finalmente, Hank falou.

    Esqueci meu chapu. Ah -suspirou-. Bom, assustou-me muito ao aparecer por atrs com tanto silncio.

    Deus! Quanto tempo tinham acontecido ali, olhando-se sem falar?

    No foi minha inteno assust-la, senhorita Blackston mas no deveria estaraqui sozinha.

    Tolices. -Samantha riu, perdendo o temor -Estou muito perto da casa. Almdisso, s esto os passageiros da diligncia, e confio em todos eles.

    Pois no deveria faz-lo, senhorita. Nem sequer me conhece.Disse-o em tom to srio que Samantha retrocedeu tomou sua bolsa, que estava

    no suporte. Seria-lhe fcil extrair seu novo derringer em caso de que fosse ne-

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    cessrio. Tinha comprado o modelo Remington pouco depois do ataque do TomPeesley. Um revlver de dois disparos era melhor que o modelo anterior.

    Quer dizer que no devo confiar em voc, senhor? -perguntou, com calma.

    S quero dizer que sou um estranho e que voc no deveria ser to confiada comos estranhos. Mas me permita lhe assegurar que sim pode confiar em mim...

    Samantha lhe sorriu.

    Tendo em conta seu conselho, no posso acreditar na segurana de um estranho.

    Hank lanou uma gargalhada.

    Ah, a senhorita no s bela, mas tambm tambm sbia -disse em espanhol.

    Samantha inclinou a cabea, fingindo no compreender o idioma.

    O que significa isso?

    Hank estendeu uma mo para lhe acariciar a bochecha, mas logo conteve essegesto de intimidade. O explicou.

    V, obrigado -disse a moa, sorrindo para si porque ele no tinha mentido. Elasabia falar espanhol muito bem. Era um jogo que empreendia com a gente que no sa-bia de sua fluidez nesse idioma. Era uma maneira segura de pr a prova a honestidadede uma pessoa. Hank Chvez tinha passado a prova.

    Pouco tempo atrs, tinha admitido para si mesmo que ele a atraa. Seu magne-tismo viril a afetava muito, mas no estava segura da razo precisa. Era arrumado,claro, mas tinha conhecido a outros homens arrumados. Entretanto, seu aspecto

    fsico no era quo nico a atraa. Havia algo diferente no Hank, uma qualidadeperigosa. Um toque do proibido, talvez? Apesar de tudo seus sorrisos e a expressoclida de seus olhos, ela tinha visto sua outra faceta. No temia um pouco o que via?

    Permite-me que a acompanhe casa, senhorita?

    Sim, obrigado. J terminei aqui.

    Hank se colocou o chapu em um ngulo inclinado, tomou o farol e logo o braoda jovem. A mo que a tirou do cotovelo estava morna. Seu ombro quase tocava odela, e essa cercania a acovardava.

    O homem Allston, o que de voc? perguntou Hank de repente.Pergunta-a to direta surpreendeu a Samantha. Entretanto, no a considerou uma

    afronta. depois de tudo, acaso ela no o tinha interrogado com a mesma audcia nadiligncia? Mas no soube o que responder. No queria lhe falar de seus sentimen-tos pelo Adrien.

    meu acompanhante, ele e sua irm. Jeannette e eu fomos companheiras na es-cola e nos fizemos muito amigas.

    Nesse momento, Hank estava muito consciente de seu prprio desejo para ad-vertir a vacilao da Samantha e o tom evasivo de sua resposta. Em realidade, nolhe tinha respondido, pois um prometido tambm podia ser um acompa