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OBSERVAÇÕES SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 9.718/98. Frederico de Moura Theophilo Advogado em Londrina – Paraná – OAB-PR 8719 1 – Circunscrição do tema. Desde o advento da vigência do § 1º do artigo 3º da Lei 9.718/1998, os contribuintes do PIS e da COFINS se viram obrigados ao recolhimento das contribuições em comento, as quais, segundo os artigos 2º e 3º, § 1º da Lei nº 9.718/98 passaram a incidir sobre “a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas ”. Como se pode ver as citadas contribuições passariam a incidir sobre toda e qualquer receita, ampliando tal dispositivo legal o conceito constitucional de “faturamento”. Nos termos do artigo 8º da mesma lei a alíquota foi ali fixada em 3% sobre a “totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas” que era a base de cálculo estabelecida pelo § 1º do artigo 3º da Lei 9.718/1998. Citado artigo 8º da Lei nº 9.718/98 através de seu parágrafo 1º prescrevia à época de sua edição que a pessoa jurídica poderia compensar, com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL devida em cada período de apuração trimestral ou anual, até um terço da COFINS efetivamente paga, obedecidas as regras dos parágrafos 2º a 4º seguintes. A revogação dos §§ 1º a 4º do artigo 8º citados supra se deu a partir de 1º de janeiro de 2.000, por força do artigo 93 inciso III da mencionada MP nº 2.158- 35/2001. A partir desta data a alíquota restou estabelecida em 3% sobre a “totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas” sem qualquer dedução. Ocorre que o Excelso Supremo Tribunal Federal, nos RREE nºs 358.273-9-RS, 390.840-5-MG, 357.950-9-RS e 346.084-6-PR, por seu Plenário, 1

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OBSERVAÇÕES SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 9.718/98.

Frederico de Moura Theophilo Advogado em Londrina – Paraná – OAB-PR 8719

1 – Circunscrição do tema. Desde o advento da vigência do § 1º do artigo 3º da Lei 9.718/1998, os contribuintes do PIS e da COFINS se viram obrigados ao recolhimento das contribuições em comento, as quais, segundo os artigos 2º e 3º, § 1º da Lei nº 9.718/98 passaram a incidir sobre “a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas”. Como se pode ver as citadas contribuições passariam a incidir sobre toda e qualquer receita, ampliando tal dispositivo legal o conceito constitucional de “faturamento”. Nos termos do artigo 8º da mesma lei a alíquota foi ali fixada em 3% sobre a “totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas” que era a base de cálculo estabelecida pelo § 1º do artigo 3º da Lei 9.718/1998. Citado artigo 8º da Lei nº 9.718/98 através de seu parágrafo 1º prescrevia à época de sua edição que a pessoa jurídica poderia compensar, com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL devida em cada período de apuração trimestral ou anual, até um terço da COFINS efetivamente paga, obedecidas as regras dos parágrafos 2º a 4º seguintes. A revogação dos §§ 1º a 4º do artigo 8º citados supra se deu a partir de 1º de janeiro de 2.000, por força do artigo 93 inciso III da mencionada MP nº 2.158-35/2001. A partir desta data a alíquota restou estabelecida em 3% sobre a “totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas” sem qualquer dedução. Ocorre que o Excelso Supremo Tribunal Federal, nos RREE nºs 358.273-9-RS, 390.840-5-MG, 357.950-9-RS e 346.084-6-PR, por seu Plenário,

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decidiu , que tal § 1º do artigo 3º da Lei 9.718/1998 é inconstitucional, como se pode constatar da decisão paradigma a seguir citada por sua ementa:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 358.273-9 RIO GRANDE DO SUL RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO RECORRENTE(S): AMERICAN TOOL DO BRASIL LTDA ADVOGADO(A/S): PAULO JOSÉ KOLBERG BING E OUTRO(A/S) ADVOGADO(A/S): RODRIGO LEPORACE FARRET RECORRIDO(A/S): UNIÃO ADVOGADO(A/S): PFN - RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE – ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente. TRIBUTÁRIO – INSTITUTOS – EXPRESSÕES E VOCÁBULOS – SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos,conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos tributários. (grifado) CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – PIS – RECEITA BRUTA – NOÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada. (grifado)

A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, em conhecer do recurso extraordinário e, por maioria, dar-lhe provimento, em parte, para declarar a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998. Vencidos, parcialmente, os ministros Cezar Peluso e Celso de Mello, que declaravam também a inconstitucionalidade do artigo 8º, e, ainda, os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Nelson Jobim, Presidente, que negavam provimento ao recurso. Ausente, justificadamente, a ministra Ellen Gracie. Brasília, 9 de novembro de 2005. MARCO AURÉLIO – RELATOR (DJ: 15/8/2006) – DOCUMENTO À DISPOSIÇÃO NO SÍTIO DO STF.

O Ministro Marco Aurélio, Relator dos três primeiros recursos e também designado Relator do último acórdão citado, assentou em seu Voto a necessidade de lei complementar para criar-se outra fonte de custeio para as contribuições da seguridade social quando afirma a certa altura que:

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“(......) “Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica. Não fosse o § 1º que se seguiu, ter-se-ia a observância da jurisprudência desta Corte, no que ficara explicitado, na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, a sinonímia dos vocábulos “faturamento” e “receita bruta”. Todavia, o § 1º veio a definir esta última de forma toda própria: § 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas. O passo mostrou-se demasiadamente largo, olvidando-se, por completo, não só a Lei Fundamental como também a interpretação desta já proclamada pelo Supremo Tribunal Federal. Fez-se incluir no conceito de receita bruta todo e qualquer aporte contabilizado pela empresa, pouco importando a origem, em si, e a classificação que deva ser levada em conta sob o ângulo contábil. Em síntese, o legislador ordinário (logicamente não no sentido vulgar, mas técnico-legislativo) acabou por criar uma fonte de custeio da seguridade à margem do disposto no artigo 195, com a redação vigente à época, e sem ter presente a regra do § 4º nele contido, isto é, a necessidade de novas fontes destinadas a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social pautar-se pela regra do artigo 154, inciso I, da Constituição Federal, que é explícito quanto à exigência de lei complementar. Antecipou-se à própria Emenda Constitucional nº 20, no que, dando nova redação ao artigo 195 da Constituição Federal, versou a incidência da contribuição sobre a receita ou o faturamento”. (grifado)

No mesmo sentido é o Voto-Vista do Ministro Cezar Peluso, muito bem detalhado quando expressamente assenta que: “(......)

Na espécie, o excesso operado pela Lei nº 9.718/98, equiparando faturamento a qualquer receita, não obstante transponha a esfera de competência fixada pelo conceito de faturamento e atribuída pelo art. 195, I, da CF/88, não implica usurpação de competência, porque podia a União, como ainda pode, instituir novas fontes de custeio da seguridade social com base noutros eventos econômicos, salvos aqueles expressos na discriminação de competências em matéria de impostos, com fundamento no art. 195, § 4º, da CF/88, e, dentre essas novas fontes, as demais espécies de receita. Não se caracteriza, pois, vício material de incompetência. Do ângulo formal, no entanto, para o fazer de modo lícito, seria mister houvesse obedecido ao disposto no art. 154, I, da Constituição da República, ou seja: i) fosse a contribuição criada por intermédio de lei complementar; ii) fosse não cumulativa; e iii) não tivesse o mesmo fato gerador, nem base de cálculo dos impostos. Ou seja, a instituição de contribuição social sobre as demais modalidades de receita só extrairia fundamento de validade à norma de competência descrita no art. 195, § 4º, da Constituição da República, cuja observância haveria, pois, de ser rigorosa. (grifado) Ora, ainda quando, só por argumentar, se estimasse que a previsão, pela Lei nº 9.718/98, da COFINS sobre as demais espécies de receita, figuraria instituição de nova fonte de custeio, o expediente normativo permaneceria inconstitucional por não ter observado a forma prescrita no art. 195, § 4º, da Constituição da República. (grifado) Tenho, portanto, por incompatível com a ordem constitucional o disposto no § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, seja por distender o conceito de faturamento assumido na redação original do art. 195, I, da Constituição, seja por não instituir nova fonte de custeio nos termos exigidos pelo art. 195, § 4º”.(grifado)

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Portanto a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98 reside no fato de, ao estabelecer nova e ampliada base de cálculo daqueles tributos, ter criado novas fontes de custeio da seguridade social em ofensa ao artigo 195, I da Constituição vigente à época da publicação da mencionada lei e sem obediência ao prescrito no § 4º do mesmo artigo, o qual remete ao artigo 154, I anterior que exige lei complementar material para tanto. Objetiva, portanto, este estudo saber se, sendo inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98 que criou novos tributos, é possível subsistirem incólumes os demais dispositivos da mencionada lei que complementam e dão os contornos exatos dessa nova hipótese de incidência tributária.

2 – Considerações iniciais sobre unidade e indivisibilidade ou incindibilidade da hipótese de incidência e do fato imponível dos tributos.

Para Geraldo Ataliba1, “21.1 - Enquanto categoria jurídica, a

hipótese de incidência é una e indivisível. Trata-se de ente lógico-jurídico unitário e incindível.

O legislador ao erigi-la, pode arrecadar inúmeros fatos e elementos de fato tirados do mundo pré-jurídico. Da perspectiva pré-jurídica, estes fatos compõem um todo complexo, integrado por diversos e variados elementos. Juridicamente considerados, entretanto, são uma unidade, uma coisa só, uma categoria só, não alterando esta sua feição, necessariamente unitária, a eventual multiplicidade de elementos do fato que por ela é descrito.

21.2 - Como ente jurídico ─ entidade do mundo do direito ─ trata-se de uma só coisa: a “hipótese de incidência”. Esta é que, no seu todo unitário, dá configuração ao tributo, permite determinar, por suas características, a espécie tributária (v. Geraldo Ataliba, Considerações em torno da teoria jurídica da taxa, in DRP, vol. 9, pg. 43).

21.3 - A conseqüência imediata e necessária do caráter unitário da hipótese de incidência está, em cada caso, na identificação de cada hipótese de incidência só consigo mesma, no plano epistemológico-jurídico”.

.............................................. 27.1 - A principal conseqüência da unidade formal e substancial da hipótese

de incidência está em que o fato imponível é também necessariamente -- trata-se de postulado metodológico e axiomático exigido pela dogmática jurídica -- uno e incindível.

27.2 - Fato imponível é, como visto, aquele fato concreto do mundo fenomênico que é qualificado pelo direito como apto a determinar o nascimento da obrigação tributária ─ fato jurígeno, portanto. Esta qualificação contém-se em lei. Um fato empírico poderá assim ser qualificado quando se subsume, se enquadra na hipótese de incidência. Ou, como diz ALFREDO BECKER, é a “realização da hipótese de incidência”, a sua concretização.

27.3 - Pois, cada fato imponível é um todo uno (unitário) e incindível e determina o nascimento de uma obrigação tributária”2.

1 GERALDO ATALIBA, “Hipótese de incidência Tributária”, Malheiros Editores, 5ª edição, 5ª tiragem, 1996, pg. 59 2 GERALDO ATALIBA, obra citada, pgs.65-66

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A lição acima é de fundamental importância para se entender as modificações introduzidas na pretendida imposição do PIS e da COFINS, quando, modificando a unidade lógico-jurídica da hipótese de incidência prevista constitucionalmente para aqueles tributos, a Lei nº 9.718/98 acabou por criar novos tributos. Por sua vez, a unicidade e indivisibilidade da hipótese de incidência não interferem no reconhecimento de vários dos seus aspectos, principalmente quando se busca identificar determinada, única e individualizada hipótese de incidência. Assim é que buscando exemplo de Paulo de Barros Carvalho, Geraldo Ataliba 3 aclara com propriedade a questão, a saber: “28.4 - O professor PAULO DE BARROS CARVALHO, da Universidade Católica de São Paulo, costuma socorrer-se de analogia muito ilustrativa, de notável alcance didático, para demonstrar que a incindibilidade do conceito de hipótese de incidência não repugna o reconhecimento de inúmeros “aspectos” da mesma. 28.5 - Se, numa aula de física, se propusesse como objeto de estudo uma esfera metálica, salientaria o professor inicialmente o caráter unitário e incindível desse objeto. Ela (a esfera) não tem elementos ou partes. Não pode ser decomposta ou desmontada. Se for cindida, já não será mais uma esfera, mas outro objeto: duas semi-esfera. Para manter sua identidade substancial, como objeto de estudo, há de ser considerada unitariamente. Isto não obstante, a esfera pode ser examinada quanto a diversas propriedades, ou características ou aspectos, reconhecíveis na sua unidade substancial. 28.6 - Efetivamente, a esfera pode ser estudada nos seus aspectos: forma, brilho, peso, simetria, matéria, mobilidade, tamanho, consistência, densidade, etc. São aspectos ínsitos na sua unitária consistência. A consideração, separadamente, de cada qual, não importa decomposição do indecomponível, nem separação do inseparável. 28.7 - Só logicamente se estabelece separação entre estes diversos aspectos; é possível, e útil, o estudo e consideração de cada qual. A reunião dos estudos e conclusões, extraídos do exame de todos os aspectos mencionados, conduz a melhor, mais perfeito e mais minucioso conhecimento do objeto “esfera metálica”, que, por ter propriedades, qualidades ou atributos inúmeros, não deixou de ser uno e incindível”.

Como bem observado, a forma, brilho, peso, etc. podem ser apreciados de per si sem que isso importe na decomposição da unidade do objeto sob estudo, porém, o conjunto desses aspectos é que irá diferenciar uma esfera de outra esfera, quanto ao brilho, matéria, peso, tamanho, etc., determinando sua individualidade. O mesmo se dá com a hipótese de incidência e com o fato imponível nela pressuposto, considerados em suas unidades e incindibilidades. Esses aspectos compreendem, ainda na lição de Geraldo Ataliba, as propriedades que tem a hipótese de incidência de determinar: os sujeitos da obrigação

3 GERALDO ATALIBA, obra citada, pgs. 69 e 70

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tributária, o seu conteúdo material, o local e o momento do nascimento dessa obrigação. Assim, são: o aspecto pessoal, o aspecto material, o aspecto temporal e o espacial que distinguem, em sua unidade, uma hipótese de incidência de outra. Com efeito, essas considerações foram previamente levantadas de forma a alicerçar o entendimento adiante desenvolvido sobre o alcance das modificações introduzidas pela Lei nº 9.718/98. Pelo exposto, são os aspectos da hipótese de incidência que lhe dão identificação e, por conseqüência as características do tributo a que ela se refere indicando sua espécie ou subespécie tributária, os quais se cindidos, mesmo que parcialmente, dão ensejo à criação de um novo tributo totalmente diferente do anterior.

3 – Considerações exordiais também sobre os aspectos da hipótese de incidência dos tributos. O aspecto material de incidência, a base de cálculo.

A questão da incidência em matéria fiscal vem sendo tratada constantemente pelos doutrinadores e cientistas do direito, pois tal instituto é de fundamental importância para a aplicação das normas tributárias e exigência dos tributos, mormente diante do princípio da legalidade estrita em matéria fiscal inserto no inciso I do artigo 150 da Constituição. Para o professor Paulo de Barros Carvalho4, a norma tributária em sentido estrito é aquela que define a incidência fiscal. Segundo o autor, a hipótese contida na citada norma “(...) alude a um fato e a conseqüência prescreve os efeitos

jurídicos que o acontecimento irá propagar, razão pela qual se fala em um descritor e um prescritor, o primeiro para designar o antecedente normativo e o segundo para indicar o seu conseqüente”.

Geraldo Ataliba5 constatando a natureza ex lege da obrigação tributária acrescenta que “(...) uma lei descreve hipoteticamente um estado de fato,

um fato ou um conjunto de circunstâncias de fato, e dispõe que a realização concreta, no mundo fenomênico, do que foi descrito, determina o nascimento de uma obrigação de pagar um tributo. Portanto, temos primeiramente (lógica e cronologicamente) uma descrição legislativa (hipotética) de um fato: ulteriormente, ocorre, acontece, realiza-se este fato concretamente. 18.3 A obrigação só nasce com a realização (ocorrência) deste fato, isto é: só surge quando este fato concreto, localizado no tempo e no espaço, se realiza”. 4 CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO – Editora Saraiva – 4ª Edição – S. Paulo, 1991 – pgs. 154 5 HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA – Malheiros Editores – 5ª Edição, 5ª Tiragem – S. Paulo 1996 – pgs. 49

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Do exposto observa-se que a incidência tributária depende de lei específica que contenha norma jurídica tributária onde seu descritor seja uma hipótese nela prevista que, uma vez ocorrida no mundo fático, faça surgir uma relação jurídica pela qual o sujeito passivo desta relação se veja compelido ao pagamento de determinado tributo. É, portanto, esta norma tributária específica que define o campo de incidência de determinado tributo ao lhe fixar a hipótese legal de incidência e é novamente na lição de Geraldo Ataliba6 que é possível destacar o aspecto material, o pessoal, o espacial e o temporal da hipótese de incidência tributária. O aspecto pessoal é o que determina o sujeito ativo da obrigação, titular do direito ao tributo e o sujeito passivo da obrigação, detentor do dever de pagamento deste tributo. O aspecto temporal é aquele que determina o tempo da ocorrência desta hipótese de incidência, o qual pode ser expressamente determinado na norma ou simplesmente a norma prescreve que o tempo de sua ocorrência dar-se-á quando acontecer, na realidade fenomênica, o fato previsto na hipótese legal (fato imponível), surgindo nesse momento a obrigação tributária. O aspecto espacial também está previsto na norma que determina o lugar do cumprimento da obrigação tributária que, em geral é aquele de ocorrência do fato imponível dentro dos limites territoriais do sujeito ativo titular da respectiva competência tributária conferida pela Constituição. Finalmente, é o aspecto material que “(...) contém a designação de

todos os dados de ordem objetiva, configuradores do arquétipo em que ela (h.i.) consiste; é a própria consistência material do fato ou estado de fato descrito na h.i.; é a descrição dos dados substanciais que servem de suporte à h.i.”.7

Este aspecto material juntamente com o aspecto pessoal são os mais importantes das hipóteses legais de incidência dos tributos e estão intimamente ligados. No aspecto material destaca-se a base de cálculo do tributo que Geraldo Ataliba chama de “perspectiva dimensível” do aspecto material da h.i. Faz também parte deste aspecto material da h.i. a alíquota. Esta se constitui em um termo que é indicativo de uma parte, uma fração, em geral determinada através de um percentual, da base imponível.

6 Obra citada – pgs. 70/71 7 Obra citada – pg. 95

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Com efeito, segundo o entendimento doutrinário já visto, é a hipótese de incidência, notadamente através de seu núcleo, a base de cálculo, na lição de Alfredo Augusto Becker, a determinante da espécie ou subespécie tributária. Nesse sentido, GERALDO ATALIBA8, ao abordar o aspecto material da hipótese de incidência destaca a sua importância na individualização das espécies tributárias ao enfatizar que ele “é o mais importante aspecto, do ponto de vista

funcional e operativo do conceito (de h.i.) porque, precisamente, revela sua essência, permitindo caracterização e individualização, em função de todas as demais hipóteses de incidência. É o aspecto decisivo que enseja fixar a espécie tributária a que o tributo (a que a h.i. se refere) pertence. Contém ainda as indicações da subespécie em que ele se insere. As classificações jurídicas dos tributos encontram critério e fundamento na configuração do aspecto material da hipótese de incidência. Efetivamente ele é que fornece os critérios para se responder “quanto é devido”, além de servir de fulcro para o discrímen que permite formular a única classificação jurídica dos tributos, desdobrando-se em espécies e subespécies. ...43.1 Base imponível é uma perspectiva dimensível do aspecto material da h.i., que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critério para determinação, em cada obrigação tributária concreta, do quantum debeatur. A base imponível é a dimensão do aspecto material da hipótese de incidência”.

De outro lado, também Alfredo Augusto Becker9, entende que sendo a base imponível o núcleo da hipótese de incidência, é ela que individualiza esse tributo ao escrever: “a hipótese de incidência da regra jurídica de tributação tem como

núcleo: a base de cálculo; como elementos adjetivos: todos os demais elementos que integram sua composição. Resumindo, o espectro atômico da hipótese de incidência da regra jurídica de tributação revela que em sua composição existe um núcleo e um ou mais elementos adjetivos. O núcleo é a base de cálculo e confere o gênero jurídico ao tributo”.

RUBENS GOMES DE SOUZA10, citado por GERALDO ATALIBA, vai mais além ao afirmar: “43.14 A decisiva importância da base imponível e sua posição nuclear – exatamente porque é um atributo do aspecto material da h.i. – não escaparam ao ínclito Rubens Gomes de Sousa, que teve oportunidade de escrever “...a escolha, pelo legislador, de uma base de cálculo inadequada pode desvirtuar não só a natureza específica do tributo, transformando-o, por exemplo, de imposto sobre a renda em imposto sobre o capital, mas também a sua natureza genérica, transformando-o de imposto em taxa, ou vice-versa” (“Um caso de ficção legal no direito tributário: a pauta de valores como base de cálculo do ICM” publicado in RDP, vol.II, pág.16) 43.15 Esse notável mestre e pioneiro já manifestara tal convicção, anteriormente: “Se um tributo, formalmente instituído como incidindo sobre determinado pressuposto de fato ou de direito, é calculado com base em uma circunstância estranha a esse pressuposto, é evidente que não se poderá admitir que a natureza jurídica desse tributo seja a que normalmente corresponderia à definição de sua incidência. Assim, um imposto sobre vendas e consignações, mas calculado sobre o capital da firma, ou sobre o valor do seu estoque, em vez de o ser sobre o preço da mercadoria vendida ou consignada, claramente não seria um imposto de vendas e consignações, mas um imposto sobre o capital ou sobre o patrimônio.”

8 Obra citada – pg. 100 9 Alfredo Augusto Becker, in “Teoria Geral do Direito Tributário” - 2ª edição, Ed. Saraiva, pg. 339 10 Rubens Gomes de Souza, citado por Geraldo Ataliba – Obra citada pg. 100, in Parecer RDP, vol. 11, pg. 16.

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43.15.1 Continua Gomes de Sousa: “por outras palavras, a ordem normal das coisas é que o pressuposto material ou jurídico da incidência defina a natureza do tributo e determine a escolha da sua base de cálculo”.

Posto isso, pelas lições dos insignes mestres é a base de cálculo, elemento dimensível do aspecto material da hipótese de incidência, o determinante, inclusive, da espécie e, mesmo, da subespécie tributária. Assim, ela é o elemento essencial e determinante do campo material de incidência do tributo. Isso vale dizer que a base de cálculo do tributo sendo núcleo da hipótese de incidência (BECKER) ou sendo a perspectiva dimensível do seu aspecto material (ATALIBA) deve guardar estreita relação com o pressuposto material ou jurídico de incidência do determinado tributo, ou seja, com sua regra matriz constitucional de incidência. Portanto, a regra que modifica a base de cálculo de um determinado tributo, está como ensina Rubens Gomes de Souza, criando outro tributo diferente do anterior e esta criação deste novo tributo deve, no caso sob estudo, obedecer ao comando das normas constitucionais, no caso, o § 4º do artigo 195 e o artigo 154,I da Constituição. Esta a conclusão do Supremo Tribunal Federal nos RREE nºs 358.273-9-RS, 390.840-5-MG, 357.950-9-RS e 346.084-6-PR citados.

4 - A fixação da nova base de cálculo e das novas alíquotas do PIS e da COFINS - Violação do artigo 195, § 4º e do artigo 154, I da Constituição Federal.

Continuando no exame do caso presente e diante do demonstrado anteriormente, bem como, dentro do entendimento do Excelso Tribunal nos RREE nºs 358.273-9-RS, 390.840-5-MG, 357.950-9-RS e 346.084-6-PR, o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, ao determinar que a base de cálculo da COFINS e da Contribuição ao PIS passaria a ser a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, haver-se-á de concluir que tal dispositivo criou outra unidade distinta de hipótese de incidência totalmente diversa das hipóteses de incidência do PIS e da COFINS previstas na Constituição e leis antecedentes. Portanto, o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98 criou novas contribuições para o custeio da Seguridade Social. Esse fato é incontroverso. E isto porque as novas contribuições passaram, a partir da edição da Lei nº 9.718/98, a incidir sobre novas bases de cálculo receitas ou fontes, as quais não correspondem ao conceito de faturamento.

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Além dessas novas bases de cálculo estabelecidas pelo § 1º do artigo 3º, a citada Lei nº 9.718/98 complementa todos os contornos dessas novas contribuições estabelecendo, desde os demais parágrafos do artigo 3º até o artigo 9º, o seguinte:

a) quais receitas estão excluídas das novas bases de cálculo; b) quais aquelas que compõem as bases de cálculo dos bancos e instituições financeiras; c) quais aquelas que compõem as bases de cálculo dos produtores e importadores de petróleo e álcool carburante; d) quais alíquotas de cada um desses grupos; e) qual a alíquota geral da COFINS; e, f) equipara as variações cambiais e monetárias a receita financeira para fins de incidência destas novas contribuições ali chamadas erroneamente de “PIS” e de “COFINS”.

Disso defluiu que não foi somente o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98 que deu os contornos e limites à definição dessa nova hipótese de incidência tributária de novas contribuições chamadas também impropriamente de “PIS” e de “COFINS”. Como exemplo basta examinar-se os incisos II e IV do § 2º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, os quais estabelecem que serão excluídos da nova base de cálculo:

II - as reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda, que não representem ingresso de novas receitas, o resultado positivo da avaliação de investimentos pelo valor do patrimônio líquido e os lucros e dividendos derivados de investimentos avaliados pelo custo de aquisição, que tenham sido computados como receita; (grifado) e, (.....) IV - a receita decorrente da venda de bens do ativo permanente.

Ora, o resultado da avaliação de investimentos e a venda de imóveis do ativo permanente jamais poderiam integrar as bases de cálculo do PIS e da COFINS nos termos da legislação anterior, o mesmo se dá com as variações monetárias e cambiais do artigo 9º seguinte. Com efeito, os artigos 2º a 9º dessa Lei nº 9.718/98 é que criaram a unidade lógico-jurídica da hipótese de incidência dessas novas contribuições, inclusive suas alíquotas que são elementos adjetivos do aspecto material da hipótese de incidência tributária.

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Vale aqui notar a advertência de Alfredo Augusto Becker11 quando observa que: “Note-se: não existe uma regra jurídica para a hipótese de incidência, outra para a regra, outra para a base de cálculo, outra para alíquota, etc; tudo isto integra a estrutura lógica de uma única regra jurídica resultante de diversas leis ou artigos de leis (fórmula literal legislativa).É preciso não confundir regra jurídica com lei; a regra jurídica é uma resultante da totalidade do sistema jurídico formado pelas leis”.(grifado) Nesse sentido é que se busca novamente na lição de Geraldo Ataliba12 a natureza da alíquota aplicável à base de cálculo do tributo, distinguindo o autor o conceito de “base de calculo” prevista na hipótese de incidência e aquele outro da chamada por ele de “base calculada” sobre a qual incide efetivamente a alíquota. Diz o mestre que:

“43.18 Base calculada – A base calculada resulta da aplicação concreta da base imponível (esta no plano legal, aquela no plano da aplicação da lei). A contribuição científica criativa de Aires Barreto leva a conceituar base calculada como “o resultado expresso em moeda da aplicação do critério abstrato (base de cálculo) a um caso concreto” (ob. Cit. pg. 91 aula proferia no II Curso de Especialização em Direito Tributário, promovido pela Universidade Católica de São Paulo em 1971)

43.19 Ramalho diz da base calculada que ela é “o resultado quantitativo a que se chega para um contribuinte concreto.”

43.20 A base de cálculo é um conceito legal de tamanho; base calculada é magnitude concreta, é a precisa medida de um fato.

44.Alíquota 44.1 A alíquota é um termo do mandamento da norma tributária,

mandamento esse que incide se e quando se consuma o fato imponível, dando nascimento à obrigação tributária concreta.

Deve receber a designação de alíquota só esse termo que se consubstancia na fixação de um critério indicativo de uma parte, fração – sob a forma de percentual, ou outra – da base imponível.

44.2 A própria designação (alíquota) já sugere a idéia que esteve sempre na raiz do conceito assim expresso: é a quota (fração) ou parte da grandeza contida no fato imponível que o estado se atribui (editando a lei tributária).

(.................) 44.13 A base calculada é um fator individual de determinação da grandeza

de cada débito. A alíquota a um fator genérico. Dizemos “individual”, a base porque o dado numérico por ela fornecido varia conforme cada fato individual (fato imponível) realizado. Sendo a perspectiva dimensível do aspecto material, fornece um dado essencial à individualização do débito, dado este que varia de fato concreto para fato concreto (cada fato imponível tem a sua dimensão).

44.13.1 Já a alíquota – por estabelecida objetivamente em lei – é um fator estável e genérico. Assim, a combinação do dado numérico individual e específico (base calculada) com o dado numérico genérico (alíquota) permite a fixação do débito correspondente a cada obrigação.

44.14 Do exposto se vê que a base calculada é uma grandeza ínsita à coisa tributada, que o legislador qualifica com esta função. Alíquota é uma ordem de

11 Obra citada – pg. 341 12 HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA , 5ª tiragem, 5ª edição – coleção Estudos de Direito Tributário – 1996, pgs. 101 e 103

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grandeza exterior, que o legislador estabelece normativamente e que, combinada com a base imponível, permite determinar o quantum do objeto da obrigação tributária.”

Como se pode ver a alíquota é, no entendimento de Geraldo Ataliba e também de Augusto Becker um elemento adjetivo genérico da “base de cálculo”, especialmente da “base calculada” esta, elemento específico apurado com a ocorrência do fato imponível. Ora, por elemento adjetivo deve-se entender como adjunto. Segundo o Dicionário Aurélio, tal termo tem o seguinte significado:

adjunto [Do lat. adjunctu.] Adjetivo. 1.Unido, próximo, contíguo, adjetivo, adjeto.

Com efeito, se a norma que define a base de cálculo do tributo que é o núcleo da hipótese de incidência deste tributo é considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal nos arestos citados anteriormente, todos os demais “elementos adjetivos” deste núcleo, forçosamente também serão inconstitucionais pois NÃO HAVERÁ NOVA “BASE CALCULADA” SOBRE A QUAL INCIDIRÁ ESSA NOVA

ALÍQUOTA TAMBÉM ESTABELECIDA.

Desta forma, se os novos tributos instituídos pelo § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98 em função de novas bases de cálculo ali previstas, só encontrariam fundamento de validade se obedecidos os comandos fixados nos artigos 195, § 4º e 154, I, da Constituição Federal, que impõe a sua criação mediante lei complementar, e sendo inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, todos os demais dispositivos que lhe criaram “elementos adjetivos” também são inválidos e inconstitucionais, dentre estes os artigos 3º a 8º e 9º da referida Lei nº 9.718/98. Essa conclusão leva a outra. Se o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98 criou novos tributos não se pode falar em majoração de alíquota da COFINS, mas sim em fixação de uma nova alíquota para um novo tributo chamado erroneamente de “COFINS”. Desta forma, tendo em vista que o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98 criou nova fonte de custeio não prevista na Constituição Federal diante da criação de nova base de cálculo, a alíquota dessa nova exação por ser “elemento adjetivo” desta nova base de cálculo, deve, necessariamente, ser fixada mediante LEI

COMPLEMENTAR, A QUAL DEVE DEFINIR POR COMPLETO A HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DESTA NOVA FONTE DE CUSTEIO COM TODOS OS SEUS ASPECTOS. O PESSOAL, O ESPACIAL, O TEMPORAL E, ESPECIALMENTE, O MATERIAL, ESTE ÚLTIMO COM SEU NÚCLEO, A BASE DE CÁLCULO, E SEUS ELEMENTOS ADJETIVOS, DENTRE ESTES A SUA ALÍQUOTA.

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Com efeito, na lei que instituiu a COFINS, a LC 70/91, dos seus artigos 1º e 2º, extrai-se todos estes aspectos da hipótese de incidência desta contribuição, a saber:

Art. 1° Sem prejuízo da cobrança das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), fica instituída contribuição social para financiamento da Seguridade Social, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal, devida pelas pessoas jurídicas inclusive as a elas equiparadas pela legislação do imposto de renda, destinadas exclusivamente às despesas com atividades-fins das áreas de saúde, previdência e assistência social. (grifado)

Art. 2° A contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza. (grifado)

Como é possível concluir dos dispositivos legais acima, o artigo primeiro da citada lei define o aspecto pessoal da h.i. da citada contribuição elegendo como seus sujeitos passivos as “pessoas jurídicas inclusive as a elas equiparadas pela legislação do imposto de renda” e o sujeito ativo a União Federal detentora da competência constitucional para criar tal tributo. Das observações anteriores verifica-se a vinculação patente entre o aspecto pessoal e o aspecto material da h.i. da COFINS, pois este último, o “faturamento mensal”, é inerente, é próprio e somente possível às pessoas jurídicas, pois somente estas podem realizar tal aspecto material. A pessoa física não está no campo de incidência da COFINS, é caso de não-incidência. De outra parte este “faturamento mensal” também determina o aspecto temporal visto que o mesmo não é o “diário”, “trimestral” ou outro qualquer. Assim, sob o aspecto temporal, a h.i. da COFINS aperfeiçoa-se mensalmente. Também o aspecto espacial colhe-se da competência impositiva da União, incidindo tal tributo em todo o território nacional. Ainda do aspecto material, que é o “faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza”, é possível extrair que:

1º - a citada contribuição incide sobre a venda (contrato específico e determinado pela legislação); e, 2º - não qualquer venda; esta venda precisa ser de mercadorias ou de serviços ou de ambos quando vendidos conjuntamente.

Com efeito, se o § 4º do artigo 195 da Constituição prescreve que poderão ser criadas outras fontes de custeio para a seguridade social obedecidas as normas do artigo 154, I precedente, e se este determina que esta criação só pode se

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dar mediante lei complementar material, devemos perquirir em que consiste a criação de um novo tributo. Segundo o princípio da legalidade estrita em matéria fiscal, um tributo só pode ser criado por lei e que esta lei deve definir a sua hipótese de incidência em todos os seus aspectos, como visto antes. Não pode ser criado um novo tributo, sem que sejam definidos os sujeitos ativo e passivo da nova obrigação tributária; quando ocorre o fato gerador, qual é sua base de cálculo, sua alíquota, etc. Do exposto, quando o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98 estabeleceu base de cálculo diversa da fixada pelo artigo 195, I da Constituição e explicitada na LC nº 70/91, criou nova incidência, obviamente complementada pelos demais dispositivos que se seguiram, especialmente aqueles que fixaram alíquotas, exclusões e inclusões nesta base de cálculo, etc. Sendo assim, a fixação das alíquotas, o estabelecimento de valores que são excluídos dessa base de cálculo, de bases de cálculo diferenciadas para empresas produtoras e importadoras de petróleo e álcool carburante e, ainda, para empresas financeiras, bem como alíquotas especiais para o pretenso “PIS” e a pretensa “COFINS” e alíquota geral para incidência desta “PSEUDOCOFINS” pelo artigo 8º da Lei nº 9.718/98, bem como, a explicitação da incidência dessa “PSEUDOCOFINS” e do “PSEUDOPIS” sobre variações monetárias e cambiais a que se refere o artigo 9º seguinte, equiparando estas a receita financeira, levam à inconstitucionalidade de todos estes dispositivos por ofensa ao prescrito no § 4º do artigo 195 combinado com o artigo 154, I da Constituição Federal. Por conseqüência, tendo o Poder Judiciário afastado a aplicação do § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98 por ter sido considerado nova base de cálculo de novos tributos, deverá afastar, igualmente, a aplicação dos demais parágrafos do citado artigo 3º e artigos 4º a 8º e 9º do mesmo texto normativo como visto acima, sob pena de legislar positivamente, em afronta ao já citado Princípio Constitucional da Separação dos Poderes, previsto no artigo 2º da Constituição Federal, como será visto em tópico próprio adiante.

5 – Do vício de competência do órgão legislativo. Invalidade insanável da norma assim editada.

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São do ilustre professor e tributarista Edvaldo Brito13 as seguintes lições:

"Poder constituinte é base da Constituição (essência) e fonte de legitimidade da Constituição jurídica. Exerce-o quem é titular de potência: o povo.

(.....) “A potestas é um tipo específico de poder, que por isso, não recebe

atribuições de outrem. O "jogo de lógica" de Alf Ross esclarece essa situação, ao explicar o que é uma regra de competência. Para esse autor, uma regra de competência tem três elementos: 1º) a designação de uma autoridade à qual uma outra outorga certas atribuições; 2º) as atribuições outorgadas; 3º) o procedimento mediante o qual as atribuições outorgadas vão ser exercidas.

A autoridade que procede à outorga, deve ter sido, também, competente para isto e, então, antes teve uma outra que lhe passou essas atribuições... Na busca, sempre, da fonte de cada qual dessas autoridades, chega-se a uma inicial e, assim, que não teve antecedente no sistema. Logo, ou se aceita a norma pressuposta (Kelsen) no plano lógico, ou se admite, numa relação de pragmática da comunicação normativa, que esta autoridade inicial é o povo.

Qualquer das alternativas conduz a que o poder constituinte não é competência. É uma potência, uma função, dado que as suas atribuições não são outorgadas, nem tem procedimento preestabelecido para o seu desempenho”.

No mesmo sentido supra é o pensamento de Miguel Reali14, quanto a validade da norma ao ensinar que esta deve ser vista sob o seu aspecto formal (validade técnico-jurídica), sob o seu aspecto de validade social (eficácia ou efetividade) e sob seu aspecto ético (fundamento). Interessa à questão a validade formal ou técnico-jurídica. Nesse aspecto, também se constata que a validade técnico-jurídica está alicerçada em três requisitos básicos. Diz o professor:

“Condição precípua, portanto, para que a lei seja válida é a conjugação de dois requisitos: ser emanada de um órgão competente e ter o órgão competência ratione materiae.

Mas bastarão esses dois elementos para que a lei tenha validade? Não. Não basta que o poder seja competente e nem basta que a matéria objeto da lei se contenha na competência do órgão. É necessário um terceiro requisito; que o poder se exerça, também, com obediência às exigências legais: é a legitimidade do procedimento, o que, na técnica do Direito norte-americano, se denomina due process of law.

Esse requisito diz respeito à legitimidade da própria maneira pela qual o órgão executa aquilo que lhe compete, ou a norma jurídica é elaborada. O Direito circunda a ação dos indivíduos e do Estado de devidas cautelas. Não basta ser governo. É preciso praticar os atos de governo segundo os trâmites legais.

(...............) É necessário, portanto, que a lei reúna três requisitos: a) quanto à legitimidade do órgão; b) quanto à competência ratione materiae; c) quanto à legitimidade do procedimento. Quando uma regra de direito obedece, em sua gênese, a esses três requisitos,

dizemos que ela tem condições de vigência”.

13“Reforma Tributária Inconstitucional” - CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO coordenado por Ives Gandra da Silva Martins, vol. 2, Ed. Cejup, 2ª edição, 1993, pgs. 425/426 14 “Lições Preliminares de Direito”, 15a Ed.,Saraiva, SP, 1987, pg. 110

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Do exame dos ensinamentos supra, seja uma emenda constitucional ou seja uma lei infraconstitucional, todas elas são normas de competência. Assim, para que possam adquirir validez dentro do sistema jurídico positivo devem estar calcadas, no dizer de Alf Ross, citado por Edvaldo Brito, em três elementos, quais sejam: “1º) a designação de uma autoridade à qual uma outra

outorga certas atribuições; 2º) as atribuições outorgadas; 3º) o procedimento mediante o qual as atribuições outorgadas vão ser exercidas”.

Na lição de Miguel Reali devem reunir também três requisitos, a saber: “a) quanto à legitimidade do órgão; b) quanto à competência ratione

materiae; e, c) quanto à legitimidade do procedimento”.

Nota-se que uma norma de competência, para ser válida precisa preencher todos as três condições mencionadas. Não preenchendo tais condições e sendo uma norma de competência, como são todas as normas exceto a Constituição originária que é uma norma de potência, esta norma será inválida, nula. Sendo nula, inválida, a norma que foi baixada por órgão ilegítimo e incompetente ratione materiae, nulos são todos os seus dispositivos normativos que formam a unidade lógico-jurídica da hipótese de incidência nela descrita sejam estes dispositivos relativos ao seu núcleo (base de cálculo), sejam relativos aos elementos adjetivos a este núcleo. Com efeito, se o Excelso Tribunal concluiu que a Lei nº 9.718/98, por seu artigo 3º, § 1º instituiu nova fonte de custeio para a seguridade social, sendo esta norma nula, por ter sido produzida por órgão ilegítimo e incompetente (deveria ter sido estabelecida pelo legislador complementar) forçoso é concluir que todos os parágrafos do artigo 3º, calcados na norma nula do § 1º anterior, também são nulos e mais, também os artigos 4º a 9º que se seguem também são nulos. Sendo assim, considerar que essa nova base de cálculo é nula, inválida, e ao mesmo tempo considerar que a alíquota lá fixada pelo artigo 8º seguinte, ou mesmo que as demais normas dos demais parágrafos do artigo 3º e os artigos 4º ao 9º seguintes são válidos, É O MESMO QUE CONSIDERAR QUE UMA LEI ORDINÁRIA

DEVERIA SER LEI COMPLEMENTAR SOMENTE EM PARTE.

Ora, o legislador criou novo tributo por LEI ORDINÁRIA e deveria ter legislado por LEI COMPLEMENTAR o que não fez. Sendo assim, o vício é de validade da norma (lei) como um todo. NÃO É POSSÍVEL A EXISTÊNCIA DE UMA LEI QUE SEJA

PARTE LEI COMPLEMENTAR E PARTE LEI ORDINÁRIA. O vício é de legitimidade do órgão legislativo e de incompetência deste ratione materiae, além do vício de procedimento, pois tais normas não tramitaram no Legislativo como lei complementar

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e não foram aprovadas por quorum qualificado como manda o artigo 69 da Constituição. Do exposto, como o vício que macula a norma em tela é insanável, é de origem, como demonstrado supra, impossível reconhecer essa invalidade somente para o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, sem estendê-lo a todos os dispositivos legais que delineiam a unidade lógico-jurídica da hipótese de incidência nela descrita incluindo-se os dispositivos relativos ao seu núcleo (base de cálculo), e os relativos aos elementos adjetivos a este núcleo. Ora, o legislador pode legislar através de lei complementar formal sobre questões que não necessitem de lei complementar, e isso já foi reconhecido pelo próprio Supremo com relação à Lei Complementar 70/91, mas, ao contrário, é impossível. O legislador ordinário jamais poderá legislar matéria reservada pela Constituição ao legislador complementar, como no caso presente e, se assim o fizer, mesmo que em parte de determinada lei, esta parte da lei ordinária estará maculada de invalidez em sua totalidade por incompetência do órgão, alcançando os seus dispositivos que complementam a definição dessa nova hipótese de incidência. Sendo assim, a parte da Lei nº 9.718/98 que trata da nova hipótese de incidência com todos os seus dispositivos adjetivos é inconstitucional, como um todo não podendo ser salva parcialmente, pois se assim o fizer o julgador estará assumindo, em tal julgamento, a natureza de legislador positivo, como será visto adiante.

6 –O julgador não pode “legislar positivamente” sob pena de ofensa ao prescrito nos artigos 2º e 150, I da Constituição.

Como já exaustivamente examinado, o Excelso Tribunal julgou o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98 inconstitucional porque:

a) tal dispositivo pretendeu alterar a base de cálculo de tributos existentes (PIS e COFINS) contrariando o prescrito no artigo 195, I da Constituição vigente à época da promulgação da citada lei; b) tal alteração das bases de cálculos dos citados tributos representou a cindibilidade da hipótese de incidência destes tributos em seu aspecto material; c) cindida a hipótese de incidência daqueles tributos, tal lei findou por criar novos tributos; e, porque,

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d) a criação de novas fontes de custeio somente pode se dar através de lei complementar nos termos do artigo 195, § 4º combinado com o artigo 154, I da Constituição.

Sendo assim, se tal dispositivo não tinha sustentação de validade nas normas superiores citadas, é ele inválido também pelas razões já desenvolvidas. Inválido o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, não poderiam ser válidos todos os demais dispositivos da mesma lei considerados elementos adjetivos daquele dispositivo inconstitucional e que também são delineadores da unidade lógico-jurídica da nova hipótese de incidência destes novos tributos. Com efeito, o Excelso Tribunal, como visto, em virtude de ter considerado inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, conseqüentemente, manteve válidas e não revogadas as hipóteses de incidências e suas bases de cálculo do PIS e da COFINS, previstas na legislação anterior, desta última a COFINS estabelecida pela Lei Complementar nº 70/91. Entretanto, entendeu aquele E. Tribunal que as regras estabelecidas no caput e nos demais parágrafos do artigo 3º e em especial a regra do artigo 8º seguinte da Lei nº 9.718/98 eram aplicáveis às contribuições reguladas pela legislação anterior. Ora, os demais parágrafos do artigo 3º e os mencionados artigos 4º a 8º e 9º seguintes da Lei nº 9.718/98 são pertinentes às novas contribuições criadas pelo § 1º do artigo 3º da mesma lei e com ele, como demonstrado exaustivamente, compunham a nova unidade lógico-jurídica da hipótese de incidência destes novos tributos e deveriam todos estes dispositivos legais ter ingressado no ordenamento jurídico mediante Lei Complementar, tendo em vista o disposto no artigo 195, parágrafo 4º e 154, I da Constituição. O Supremo Tribunal Federal, ao entender, portanto, que as regras estabelecidas no caput e nos demais parágrafos do artigo 3º e em especial a regra do artigo 8º seguinte da Lei nº 9.718/98 eram aplicáveis às contribuições reguladas pela legislação anterior, agiu como legislador positivo o que representa ofensa ao artigo 2º da Constituição e ao artigo 150, I da Lei Fundamental. Sobre a questão levantada acima o mesmo Excelso Tribunal já tem se manifestado de forma abundante como é paradigma a seguinte decisão exarada no MS 22.690-CE, de cuja ementa extrai-se o seguinte tópico:

O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI FORMAL TRADUZ LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL DO ESTADO. - A reserva de lei constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções

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normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. - Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido pelo postulado constitucional da reserva de lei, atuar na anômala condição de legislador positivo (RTJ 126/48 - RTJ 143/57 - RTJ 146/461-462 - RTJ 153/765, v.g.), para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Judiciário - que não dispõe de função legislativa - passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio

constitucional da separação de poderes. (grifado) Ora, o caso sob exame está assentado no princípio da reserva formal da lei em matéria tributária e, ainda mais, da reserva de lei complementar para legislar sobre a matéria de criação de nova fonte de custeio da seguridade social. Lei ordinária que cria nova fonte de custeio é inconstitucional. Sendo inconstitucional, não pode o Supremo Tribunal Federal mandar aplicar alíquotas ali estabelecidas para as novos tributos criados às contribuições que já estavam com suas hipóteses de incidência, bases de cálculo e alíquotas reguladas em legislação anterior. Também, nesse sentido, é a seguinte decisão do Pleno do STF, a saber:

AI-AGR-EDV-AGR 153334 / RS - RIO GRANDE DO SUL AG.REG.NOS EMB.DIV.NO AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO RELATOR(A): MIN. MAURÍCIO CORRÊA JULGAMENTO: 30/10/1995 ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO PUBLICAÇÃO DJ 23-02-1996 PP-03629 EMENT VOL-01817-03 PP-00593 Agravo regimental em embargos de divergência em recurso extraordinário. decreto-lei n. 2.434/88. isenção de IOF/CÂMBIO a partir da data da guia de importação. Ofensa ao princípio da isonomia tributaria. Alegação de inconstitucionalidade do marco fixado pela norma para concessão do beneficio isencional: 1º. de julho de 1988. Impossibilidade. A jurisprudência das turmas desta corte é firme no sentido de que é vedado a este Tribunal, via de declaração de inconstitucionalidade de parte de dispositivo de lei, alterar o sentido inequívoco da norma. A corte constitucional só pode atuar como legislador negativo, não, porém, como legislador positivo. Por conseqüência, se a jurisprudência de ambas as turmas esta firmada no sentido da decisão embargada, incabíveis os embargos de divergência, a teor

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do disposto no art. 332 do RISTF. Agravo regimental em embargos de divergência improvido. (grifado)

Posto isso, entende-se que, ou o Poder Judiciário reconhece a inconstitucionalidade de todo o texto da Lei nº 9.718/98 que confere a unidade lógico-jurídica da hipótese de incidência assentada nos artigos 3º e §§, 4º a 8º e 9º da Lei nº 9.718/98 ou estará legislando positivamente, pois as bases de cálculo e as alíquotas ali previstas nos artigos 4º, 5º, 6º e 8º da citada lei se referem às contribuições que têm por base de calculo aquela definida nos §1º do artigo 3º anterior, especialmente declarado inconstitucional pelo STF. O reconhecimento de que estas novas bases de cálculo e alíquotas indicadas para as novas contribuições são aplicáveis à COFINS e ao PIS os quais continuaram regidos pela lei anterior e com suas hipóteses de incidência e bases de cálculo ali definidas importa em que o Supremo estará legislando positivamente o que lhe é vedado, sob pena de infringência ao Princípio Constitucional da Separação dos Poderes da República inserto no artigo 2º da Constituição Federal e em ofensa ao princípio da legalidade estrita em matéria fiscal assentado no artigo 150, I do mesmo Texto Político. 7 – Conclusões. 1ª - A hipótese de incidência tributária é uma unidade lógica incindível estando contida em uma norma jurídica em face do princípio da legalidade estrita em matéria fiscal. 2ª - A hipótese de incidência tributária pode estar contida em um ou mais dispositivos legais de uma ou mais leis e é a norma resultante da interpretação destes dispositivos que irá definir essa hipótese de incidência com todos os seus elementos. 3ª - Essa unidade lógico-jurídica pode ser examinada em face de seus diversos aspectos. O temporal, o espacial, o pessoal e o material. O conjunto desses aspectos é que forma a unidade lógico-jurídica da hipótese de incidência tributária. 4ª - Qualquer alteração em um dos seus aspectos implicará na cindibilidade dessa unidade lógico-jurídica da hipótese de incidência, com especial atenção à modificação do seu aspecto material com seu núcleo, a base de cálculo e seus elementos adjetivos que tratam se sua formação, inclusive a alíquota que representa uma fração da base calculada.

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5ª - a alíquota é elemento adjetivo genérico da base de cálculo definida na norma de incidência e é fração da base calculada, elemento específico apurado por ocasião do acontecimento do fato imponível. 6ª - Como a hipótese de incidência é uma unidade lógico-jurídica incindível, sua cindibilidade implica no surgimento de nova ou de outra unidade lógico-jurídica; outra hipótese de incidência diferente da primeira. 7ª - A modificação da base de cálculo (núcleo do aspecto material da hipótese de incidência) com seus elementos adjetivos implica, inclusive, em criação de novo tributo. 8ª - A invalidade ou a nulidade dessa modificação em virtude de incompetência do órgão legislativo ratione materiae alcança não somente a base de cálculo mas esta e todos os dispositivos que se agregam a ela, os seus elementos adjetivos. 9ª - O artigo 3º e seus §§, notadamente o seu § 1º, bem como, os artigos 4º a 8º e 9º da Lei nº 9.718/98 que criaram todos os contornos de uma nova hipótese de incidência com nova base de cálculo, só poderia ser estabelecido por lei complementar, o que gera um vício de origem por incompetência do órgão legislativo e, sendo assim, esses dispositivos legais são nulos, inválidos por ofensa ao prescrito nos artigos 195, I e § 4º e 154, I da Constituição. 10ª - Sendo nulos e inválidos o artigo 3º e seus §§, notadamente o seu § 1º da Lei nº 9.718/98 todos os demais dispositivos legais que estabelecem os elementos adjetivos desta nova base de cálculo insertos nos artigos 4º a 8º e 9º da mesma lei, também são nulos e inválidos. 11ª - Se o Excelso Tribunal reconheceu a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, não poderá deixar de reconhecer também a inconstitucionalidade dos demais parágrafos do artigo 3º da Lei nº 9.718/98 e dos artigos 4º a 8º e 9º da mesma lei. 12ª - Se o Excelso Tribunal pretender válidos e aplicáveis os demais parágrafos que não o § 1º do artigo 3º e também válidos os artigos 4º a 8º e 9º da Lei nº 9.718/98 para serem aplicados ao PIS e à COFINS como definidos na legislação anterior, estará assumindo a condição de legislador positivo o que é vedado pelo artigos 2º e 150, I da Constituição, pois tais dispositivos se agregam à nova base de cálculo, à nova fonte de custeio. Por estas razões, forçoso é concluir que a Lei nº 9.718/98, quando define exaustivamente a nova fonte de custeio da seguridade social em todos os seus aspectos, notadamente o aspecto material com seu núcleo e elementos adjetivos, não

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pode integrar o ordenamento jurídico positivo, razão pela qual os contribuintes têm direito de se sujeitar à Contribuição ao PIS e a COFINS, nos moldes da legislação anterior, sendo nulas todas as modificações introduzidas pela Lei nº 9.718/98 por seus artigos 3º e §§, 4º a 8º e 9º até à entrada em vigor das Leis nº 10.637/2002 (dezembro de 2.002) e 10.833/2003 (fevereiro de 2.004). Londrina, 24 de junho de 2.008.