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1 Ao final desta Unidade, o aluno deverá saber: operar com os conceitos de conhecimento, sociedade, cultura e ideologia; estabelecer relações entre tais conceitos, identificando-os em seu cotidiano. Objetivos CONHECIMENTO E SOCIEDADE unidade

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Ao final desta Unidade, o aluno deverá saber:

• operar com os conceitos de conhecimento,

sociedade, cultura e ideologia;

• estabelecer relações entre tais conceitos,

identificando-os em seu cotidiano.

Obje

tivos

CONHECIMENTO ESOCIEDADE

unidade

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1 INTRODUÇÃO

Por muito tempo, nutriu-se a imagem do conhecimento como

algo produzido por pessoas excepcionalmente talentosas. Ainda hoje,

pensamos em cientistas, intelectuais e artistas, como gênios solitários

afastados do mundo. A televisão e o cinema ajudam a alimentar essa

imagem. Isso tudo tem um propósito muito claro: criar uma barreira

entre as pessoas comuns e o acesso e a partilha do conhecimento. Há

muito tempo, sabe-se que conhecer é poder. Assim, tentam manter

o conhecimento sob o domínio de poucos, como forma de ampliar o

poder. Em sentido inverso, quanto mais pessoas tiverem acesso ao

conhecimento, mais partilhado será o poder e mais democrática será

a sociedade como um todo.

A educação é o instrumento que permite a democratização

da sociedade através da formação de cidadãos críticos e autônomos.

Mas para que isso ocorra de fato, é preciso que você educadora,

você educador, seja o primeiro a acreditar no poder transformador da

educação. Nós só conseguiremos fazer nossos alunos valorizarem o

saber e cultivá-lo, se em nossas vidas formos modelos de dedicação e

paixão pelo saber. Assim, quebraremos o mito de que o saber é para

poucos ou que é um feito esporádico de gênios brilhantes.

No decorrer dessa unidade, você perceberá a íntima relação

entre conhecimento e sociedade, e como o capitalismo transformou o

conhecimento em um meio de dominação. Que aquilo que um dia foi

partilhado por todos, virou privilégio de alguns.

UNIDADE 1CONHECIMENTO E SOCIEDADE

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Graças à luta e à organização popular, hoje o acesso ao conhecimento tem se

democratizado. Cabe a você a tarefa de dar continuidade a esse processo, ampliando seus

conhecimentos. Conhecer não é fácil, pois todos os dias se abrem novas fronteiras do

saber. Por isso, é importante ter um método de aprendizagem e deixar uma parte do dia

exclusivamente dedicada ao estudo. Transformar as dúvidas em perguntas e partilhá-las com

os colegas, tutores e professores. Leia o texto mais de uma vez, quando necessário. Não salte

as partes difíceis esperando que elas se resolvam por si mesmas: não existe mágica! Vença

as dificuldades aprofundando sobre o tema, buscando outras fontes, fazendo anotações etc.

Diz o ditado popular que o conhecimento não ocupa lugar, mas, infelizmente, com as

pessoas não é assim. Alguns ocupam lugares privilegiados, enquanto a maioria ocupa lugares

inferiores na sociedade. Se o conhecimento for uma ferramenta capaz de tornar a nossa

sociedade mais justa e igualitária, então está na hora de você assumir o seu lugar na História

como ser que, enquanto ensina, aprende.

2 O QUE É CONHECIMENTO?

Figura 1 - Rã Venenosa-Panamá. Autor: Luis Louro “Olhares.com” <http://br.olhares.com/ra_venenosa_panama_foto138906.html>

Antes de tentar dar uma definição do que seja conhecimento,

vamos fazer um pequeno exercício. Observe a figura acima. O que

você vê? Enumere tudo o que você sabe sobre a figura. Agora escreva

no espaço a seguir qual a informação mais importante contida na

figura.

18 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

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Muito bem, se você colocou que se trata de uma rã ou sapo

cuja característica principal é ser anfíbio. Parabéns! Mas se você

estiver um dia passeando pela floresta e encontrar um desses lindos

animaizinhos, a informação mais importante que deve saber é que eles

são terrivelmente venenosos. Na natureza, as cores vivas de alguns

animais servem para indicar que são venenosos. Uma informação

importante se você for um predador tentando incluí-lo no seu cardápio.

Mas você pode estar se perguntando: como vou saber que vermelho

vivo significa “perigo, substância venenosa”? Em alguns animais, essa

informação valiosa é passada de uma geração para outra através do

instinto. Em outras espécies, através do aprendizado. Por exemplo,

um macaquinho pode se lembrar dos gritos de pavor de sua mãe

ao sentir a aproximação de uma cobra, e sentirá medo de cobras

sempre que vir uma. Do mesmo modo, pessoas podem ter medo de

eletricidade sem nunca ter levado um choque na vida, ou medo de

baratas mesmo que nenhuma delas lhe tenha feito mal algum.

Em uma primeira definição bastante geral, podemos dizer que

conhecimento é toda informação organizada que ajuda a garantir

a sobrevivência da espécie. Saber como conseguir comida e água;

como curar-se de doenças; resistir às mudanças do ambiente. Tudo

isso é conhecimento.

Voltando ao exercício da rã, se você não selecionou “venenosa”

como uma característica importante, isso tem uma razão: a chance

de você morrer envenenada ou envenenado, porque comeu uma rã

dessas, é muito pequena.

Nós conhecemos aquilo que é importante para nossa vida. Por

exemplo, fazer um cesto de palha pode ser algo vital para alguém

que trabalha na roça, mas ninguém vai perguntar para uma diretora

de uma empresa multinacional se ela sabe fazer cestos de palha.

Na natureza também é assim, estamos cercados por milhares de

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informações, visuais, táteis, olfativas etc., mas só conseguimos

interpretar um pequeno número delas. As formigas constroem uma

trilha olfativa de centenas de metros até o formigueiro, mas nós não

sentimos odor algum quando nos aproximamos da trilha. Isso quer

dizer que não existe informação sozinha, informação é um processo

que envolve três coisas:

OBJETO – SIGNO – INTERPRETANTE

Objeto – aquilo que é representado pelo signo sob este ou

aquele aspecto.

Signo – é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa

algo para alguém.

Interpretante – possível ou real que atribui um significado

para o signo que passa a ser signo para outro interpretante,

permanecendo sempre aberto a novas interpretações.

Ampliamos nossos conhecimentos na medida em que somos

capazes de interpretar mais informações, de decodificar signos. Por

exemplo, uma pessoa que não sabe ler não tem acesso a uma série

de informações que se escondem por trás daqueles signos (letras)

que, quando organizados de uma determinada forma, simbolizam

as palavras que, por sua vez, são símbolos de coisas, emoções ou

pensamentos. É como estar vivendo em um país estrangeiro sem

falar a língua dos nativos. Quando ela aprende a ler, um novo mundo

se abre para ela. Mas não aprendemos só lendo informações em livros

ou em revistas. Muito do trabalho dos cientistas é aprender a decifrar

os signos em que está guardado o conhecimento da Natureza.

Abrimos a janela e vemos densas nuvens escuras se formando

no céu, imediatamente corremos para o quintal para tirar a roupa do

varal. Nuvens escuras é sinal de chuva. Mas como a gente sabe disso?

Sabemos porque várias vezes antes de começar a chover, vimos o

céu ficar daquele jeito. Se a cada vez que fosse começar a chover o

céu fosse diferente, nunca associaríamos uma coisa com a outra.

Só o que se repete, o que tem regularidade, pode ser

previsto.

Quando acontece algo extraordinário, como a passagem de um

cometa, ficamos assombrados, imaginamos que é um sinal dos deuses

etc. Se cometas riscassem o céu todo dia, ninguém prestaria atenção

neles, fariam parte do que é “natural”, ou seja, não necessariamente

o que tem explicação, mas o que é previsível, e, portanto, conhecido.

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Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

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Conhecemos algo quando sabemos quais as regras segundo

as quais se comporta e somos capazes de prever seu comportamento

futuro, ou, pelo menos, estimar qual o seu comportamento provável.

Por milhares de anos o homem pescou peixes com anzol e, durante

milhares de anos, o peixe sempre caiu no anzol. É porque nós

aprendemos algo sobre o peixe (mas ele não aprendeu sobre nós).

Mas conhecer não é só perceber regularidades, é preciso ser

capaz de compreendê-las ou explicá-las. Por outro lado, o fato de

estarmos acostumados com algum fenômeno não quer dizer que o

conhecemos. Por exemplo, você sabe o que é o fogo?

Ora, que pergunta boba, fogo é aquilo que queima, emite luz

e calor e não tem uma forma definida. Certo, mas o fogo é matéria?

É gasoso? É líquido? E aí começamos a perceber que, apesar de

tão acostumados com a presença do fogo e de sua fundamental

importância em nossas vidas, sequer sabemos se ele é matéria ou

não e a qual estado da matéria ele pertence. Percebemos então que

sabemos muito sobre o fogo, mas igualmente há muita coisa que

ainda ignoramos, apesar da humanidade ter dominado o fogo há

milhares de anos.

Isso ocorre em todos os campos do conhecimento, na medida

em que se amplia o que é conhecido, expande na mesma proporção

o universo do que desconhecemos. Ocorre que não podemos ficar

esperando pelos avanços científicos para nos orientarmos frente às

coisas. Não é por falta de um conhecimento completo e detalhado

que deixamos de dar explicações para os fenômenos. Muitas

pessoas sequer dão crédito para ciência, preferem apelar para os

conhecimentos tradicionais como forma de compreender o mundo.

Sabemos que nuvens escuras são sinal de chuva, mas por

que chove? Por mais que as

pessoas pareçam não pensar

no assunto, elas sempre têm

alguma forma de explicação

para os fenômenos que as

cercam. Chove porque os

deuses querem fecundar a terra

para garantir a sobrevivência

do homem, então pedimos

aos deuses ou santos que

nos mandem chuva quando

há seca, dirá o crente. Chove

quando ocorrem determinadas

condições meteorológicas, dirá Figura 2 - Autor: Marcelo Prates <http://www.portalhd.com.br/cmlink/2.494/espetaculo-no-ceu-7.7690#0>

SAIBA MAIS

O fogo não é nem sólido, nem líquido, nem gas-oso, ele pertence a um quarto estado da maté-ria chamado de plasma. Visite o site do Instituto de Física da UnB e apre-nda mais sobre plasmas: http://www.fis.unb.br/plasmas/

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o cientista. Qual dessas explicações é a verdadeira?

Cada uma delas tem a sua verdade, uma explica um sentido ou

propósito para vida e para o mundo, digamos que é uma resposta que

remete a um sentido espiritual da existência. A outra explica a causa do

fenômeno. O que não podemos esperar é que os cientistas nos digam

sobre o sentido último da existência (algo que, possivelmente, muitos

deles também procuram), ou que um mestre espiritual ou um filósofo

compreenda os mistérios do átomo ou da evolução das espécies. Ou

seja, não existem apenas graus de conhecimento (saber menos ou

saber mais), mas há também diferentes gêneros de conhecimento,

que podem ser causa de conflitos e incompreensões sempre que tais

diferenças não forem respeitadas. Por exemplo, quando a religião

pretende invadir os domínios da filosofia ou da ciência e vice-versa.

Se as diferentes maneiras de conhecer aprenderem a dialogar entre

si, verão que muito têm a aprender umas com as outras.

3 CONHECIMENTO E SOCIEDADE

Na história da humanidade muito do conhecimento de vários

povos e culturas se perdeu. Muitas vezes, nossa capacidade de

conhecer e aprender cede lugar a nossa bestialidade e violência e a

sede de destruição torna-se maior que a sede de saber. Mesmo assim,

vários tesouros da humanidade se preservaram para as gerações

futuras. O que seria de nós sem a agricultura, a capacidade de forjar

o metal ou de produzir arte? Apesar de muitas idas e vindas, é nítido o

progresso do nosso conhecimento em relação às gerações passadas.

Isso se deve a dois fatores intimamente ligados: nossa capacidade de

produzir cultura e linguagem. Com elas, as gerações passadas podem

transmitir para as gerações futuras o saber acumulado até então.

A cultura é o que nos torna verdadeiramente humanos na

medida em que humanizamos a natureza, ou seja, tornamos objetos

naturais em objetos culturais, a madeira em arco, do barro um

vaso ou panela etc. Juntamente com a transformação da natureza

pelo trabalho, atribuímos um significado e um sentido a tudo o que

produzimos e às formas como nos relacionamos com as coisas e

com as outras pessoas. Como dizia o filósofo Karl Marx, todo mundo

sente fome, mas existe uma grande diferença entre saciar a fome

rasgando a carne crua com os dentes e comer um bife bem passado

com talheres em uma mesa bem posta. A diferença é justamente o

que marca a nossa cultura, e nossos modos de sentir, agir e pensar.

Como já nascemos dentro de uma cultura, parece que ela nem

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Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

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existe. É como o sotaque, nós só o

percebemos nos outros. A cultura

se apresenta para nós como uma

“segunda natureza”, ou seja, nos

sentimos tão à vontade dentro dela

que mal conseguimos diferenciar o

que é individual do que é coletivo

ou social. Será que gostaríamos de

determinado estilo musical se ele

não tocasse na rádio? Teria coragem

de sair na rua com uma roupa que

foi moda nos anos 70? Ofereceria

um churrasco de cachorro para seus

amigos? Pois é. Até que ponto podemos dizer que nossos gostos,

ideias e valores são realmente “nossos” e não produto do convívio

familiar, dos amigos etc.? É claro que cada ser humano é único em

sua experiência vital, mas somos também seres sociais e, portanto,

imersos em uma cultura e época determinadas.

O espaço para a manifestação da individualidade também

varia de uma cultura para outra. Em culturas em que não há uma

grande complexidade na divisão do trabalho entre as pessoas da

comunidade, o conhecimento tem um caráter muito mais coletivo,

tanto em sua produção quanto em sua apropriação. Em várias tribos

indígenas do Brasil, podemos perceber essa característica. Um índio

sabe quase tanto quanto sua comunidade inteira. Sabe como fazer

uma casa, como caçar, pescar, plantar, preparar os alimentos, tecer,

fazer cestos, produzir remédios etc. Praticamente não existem

conhecimentos “secretos” guardados por um seleto grupo de “sábios”.

Na medida em que a sociedade vai dividindo o trabalho entre

homens e mulheres, cada gênero passa a dominar conhecimentos

específicos. Enquanto os homens passam a dominar os conhecimentos

sobre a caça, as mulheres dominam a agricultura, a educação dos

filhos e com isso um desenvolvimento muito maior da linguagem.

Alguns cientistas chegam a afirmar que isso teria determinado o

fato de as meninas aprenderem a falar mais rápido e melhor que os

meninos.

A divisão do trabalho, entretanto, não parou por aí, ela foi se

tornando cada vez mais complexa, evidenciando que saber é poder.

Separar o conhecimento do comum das pessoas traz mais poder

e riqueza para o grupo que o detém. Nesse caso, podemos dizer

que quanto mais complexa é a sociedade, mais especializado é o

conhecimento. É só reparar em nosso modo de vida para nos darmos

Figura

3 -

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conta disso. Sequer sabemos como consertar boa parte dos objetos

que utilizamos todos os dias, de uma simples torneira a um aparelho

de TV. Quanto mais nos especializamos, sabemos mais sobre menos

coisas. Como diz o ditado popular: “especialista é aquele que sabe

quase tudo sobre quase nada”.

Por outro lado, seria preciso centenas ou talvez milhares

de anos, para que um único ser humano aprendesse tudo aquilo

que a humanidade sabe. Como não temos tanto tempo disponível,

procuramos nos especializar em um pequeno número de coisas e

sermos bons no que fazemos. Em sociedades complexas, portanto,

existe mais espaço para a individualidade, já que a diferenciação

em várias profissões e ramos de atividade exige maior liberdade de

escolha; indivíduos mais capazes de se adaptar às rápidas mudanças

da sociedade. O problema, portanto, não está na especialização do

conhecimento em si mesma, mas em determinados rumos que ela

tem tomado ao longo da história.

Primeiro, a tendência ao monopólio em detrimento da

democratização do conhecimento. Com o conhecimento aplicado à

produção e a crescente divisão do trabalho, ampliou-se a riqueza

social. Ou seja, começamos a produzir mais do que o estritamente

necessário para nos mantermos vivos. Logo, determinados grupos

começaram a imaginar maneiras de apropriarem-se do excedente

social. Em geral, aqueles cujas funções dentro da divisão social do

trabalho são mais difíceis de quantificar. Por exemplo, quando você

contrata um pedreiro para levantar a sua casa, mais ou menos tem

uma ideia de quanto tempo de trabalho o pedreiro (e talvez o seu

ajudante) precisará para levantar a casa e o quanto seria justo

pagar pelo tempo de trabalho do pedreiro em jornadas de oito horas

diárias. Agora, imagine que você contrate um publicitário para fazer a

campanha de um produto qualquer. Como medir o valor do trabalho

do publicitário? De repente, as horas que ele passou no escritório

pensando em sua propaganda foram inúteis. No fim de semana,

enquanto pescava com os amigos – Eureca! – ele teve a grande ideia

que tornará a sua campanha um sucesso.

O que você faz? Paga a ele apenas as horas em que ele estava

pescando no domingo à tarde?

Esse é o problema: quando se trata de trabalhos ditos

“manuais”, em que o conhecimento já está sedimentado e um grande

número de pessoas é capaz de dominá-lo com pouco treino, temos

uma medida: o tempo, medido em horas de trabalho. Quando se trata

de funções mais “intelectuais”, praticamente não existem medidas.

Nesse caso, se usam medidas abstratas: o religioso dirá que

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Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

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não existe nada mais elevado do que a salvação das almas; o general

dirá que tem em suas mãos a segurança da pátria; o cantor dirá...

Enfim, a falta de medidas tornou mais fácil para os trabalhadores

intelectuais a apropriação de uma parte maior no bolo da riqueza

produzida por todos. Ao mesmo tempo, os intelectuais cuidaram para

que o saber que possuem não fosse difundido para não ameaçar seu

poder e status.

Se hoje o domínio da escrita não é mais um mistério, não

significa que o conhecimento está completamente democratizado.

Isso porque o conhecimento está tão enraizado no processo produtivo

que se tornou um diferencial para vencer os concorrentes. Uma

grande empresa de medicamentos investe bilhões em pesquisa

para desenvolver novas drogas. Mesmo que tais remédios sejam

essenciais para salvar a vida de muitas pessoas, a empresa guardará

a sete chaves o segredo de sua fórmula. Em parte, para recuperar os

investimentos que realizou, em parte para ampliar seus lucros, já que

ninguém mais produz aquele medicamento e todos são obrigados a

comprar dela. Ou seja, no capitalismo, o conhecimento se torna uma

forma de ampliar o lucro daqueles que monopolizam o saber.

Mas não é só isso, o conhecimento é também uma ferramenta

importante para o controle social. Em sociedades complexas como

a nossa, não basta saber o que as pessoas fazem. É preciso prever

o que elas farão antes mesmo de agirem. Imagine que você é dona

ou dono de uma fábrica de bermudas, mas não está só no mercado,

outras empresas estão oferecendo produtos similares ao seu. Está

chegando o verão e você não pode simplesmente esperar a estação

começar, observar o que todo mundo está usando e aí começar sua

produção. Pois, nesse caso, vai acabar produzindo bermudas para o

inverno, o que seria um fiasco! O que você precisa é antecipar-se aos

concorrentes, lançando a moda e deixar que os outros corram atrás.

Mas como eu sei o que vai ser moda no próximo verão?

Eu não sei, mas posso inventar...

O grande segredo é, portanto, antecipar-se às ações das

pessoas, atuando sobre suas motivações para garantir que ajam

justamente como o planejado. E aqui entramos no segundo aspecto

das sociedades complexas. Nelas não há como ter uma visão geral

sobre tudo o que se passa na sociedade. Os meios de comunicação

social (rádio, TV, jornais, revistas) tornaram-se nossos olhos e ouvidos

para termos acesso à realidade. Tal situação apresenta um risco: que

vejamos e ouçamos apenas o que eles querem. Entre as milhares

de informações e eventos que ocorrem todos os dias, os meios de

comunicação precisam selecionar uma pequena parcela deles para

SAIBA MAIS

O monopólio do saber

No antigo Egito, por exem-plo, os sacerdotes criaram uma escrita que só eles en-tendiam, justamente para afastar a maior parte do povo do poder. Ao contrário do nosso alfabeto com suas atuais 26 letras, o hieróglifo egípcio tinha 6.900 sinais. Se alfabetizar uma criança com apenas 26 letras não é uma tarefa das mais fáceis, imagine quanto tempo al-guém levaria para conhecer todo “alfabeto” egípcio?

Figura 4 - Fonte: http://wikipedia.org ”Egyptian funerary”

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noticiar. Noticiar tudo é simplesmente impossível. Portanto, o meio

de comunicação escolhe o que noticiar baseado no interesse do grupo

social ao qual apoia ou defende.

Não existe meio de comunicação “neutro”, todos são parciais.

Todos eles pretendem atingir suas bases motivacionais, modelar o

seu gosto, para que você consuma determinados produtos através da

publicidade, mas também moldando o seu estilo de vida, suas opiniões

políticas etc. Como a maior parte dos meios de comunicação pertence

a empresas privadas, eles retiram seu lucro da venda de espaços para

publicidade em sua programação ou em suas páginas. Nesse caso, a

tendência natural é que tais meios defendam os interesses de quem

os paga. Por exemplo, se você fosse um produtor de automóveis e um

canal de TV dissesse que deveríamos parar de comprar carros para

não contribuirmos com o aquecimento global através da emissão de

carbono, você anunciaria os seus carros nesse canal?

Como já dissemos, a função principal dos aparatos de

comunicação não é só fazer propaganda de determinados produtos,

mas a que você adote um “estilo de vida” condizente com o que

se espera de bons consumidores: que pensem, ajam e sintam

exatamente aquilo que o sistema espera deles. Que os meios de

comunicação defendam determinados interesses, não tem nada de

errado. O problema é que para ganhar a simpatia do público, ou

por não defenderem interesses muito nobres, boa parte dos meios

de comunicação tende a ocultar seus reais propósitos, ou diz que é

isento e imparcial.

Quando o conhecimento se volta para satisfação de

determinados interesses, ocultos sob a roupagem de estarem a serviço

de todos indistintamente, passa a cumprir a função de ideologia.

4 IDEOLOGIA E CONHECIMENTO

Em seu uso corrente, ideologia assume várias significações,

por vezes, contraditórias. Algumas pessoas usam o termo ideologia

para se referir à forma de pensar ou ao conjunto de ideias de um

determinado grupo de pessoas ou instituição, por exemplo, quando

diz que concorda ou discorda da “ideologia” de determinado partido

ou movimento. Outros ainda se referem à ideologia como opinião ou

crença sustentada por uma pessoa, algo semelhante à convicção.

Aqui, porém, empregamos o termo ideologia em um sentido

que se tornou clássico a partir da definição do filósofo Karl Marx

(1818-1883). Marx concebe a ideologia como representação falsa da

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Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

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realidade, ou seja, algo que aparenta ser verdade, mas que é apenas

uma ilusão para ocultar interesses da classe dominante.

Em sociedades capitalistas como a nossa, a estrutura social

está organizada de modo a favorecer sempre os interesses da classe

dominante. Para impedir que os pobres se revoltem ou que a situação

saia do controle, os ricos difundem determinados valores e ideias que

fazem com que o oprimido pense como o opressor, sendo solidário aos

interesses da classe dominante contra os interesses de sua própria

classe.

Para entender melhor como isso funciona vamos ver algumas

características da ideologia:

1. A ideologia universaliza tomando algo particular, a preferência

ou interesse de algum grupo como sendo interesse ou

preferência de todos. Por exemplo, quando os Estados Unidos

querem justificar a invasão de algum país, sempre falam não

em nome dos interesses particulares de seu país, mas dizem

estar lutando em favor do “mundo livre”, da “democracia” ou

combatendo o “terror” ou as “drogas”. Democracia ou liberdade

são valores que precisam de contornos mais concretos para

que possamos saber precisamente do que se está falando.

Precisar tais conceitos acabaria justamente por revelar aquilo

que se pretende ocultar, ou seja, que aquilo que se postula

como universal, na verdade é um interesse particular. Da

mesma forma, ocorre na publicidade, ou no discurso político

em que se pretende criar falsos universalismos, como o de que

todo brasileiro é louco por carro, futebol, cerveja etc. Junto

com tais estereótipos, os heróis como o maior piloto, o craque,

o conquistador... Agora reflita um pouco: a quem interessa

tais visões sobre o brasileiro? O teatrólogo Nelson Rodrigues

dizia que toda unanimidade é burra. Poderíamos acrescentar

que além de burra é perigosa, por sua tendência totalitária de

sufocar as vozes destoantes em nome de um falso consenso.

2. A ideologia oculta ao apresentar a sociedade como um todo

harmônico, sem conflito de interesses. Para isso nos faz crer

que todos temos direitos iguais e igual acesso às oportunidades,

que as pessoas se tornam ricas ou pobres, graças apenas ao

seu esforço pessoal ou “talento”. Os meios de comunicação

não cansam de falar de pessoas pobres que se tornaram

ricas e famosas, alimentando a ilusão de que basta querer

para trilhar o mesmo caminho, ou que os ricos assim o são

porque lutaram muito para chegar onde estão. Na verdade,

a imensa maioria dos que hoje são ricos vêm se beneficiando

PARA CONHECER

SAIBA MAIS

Desigualdade no BrasilNo Brasil, apenas 1% da parcela mais rica da popu-lação (1,7 milhão de pes-soas) detém uma renda equivalente a da parcela formada pelos 50% mais pobres (86,5 milhões de pessoas).

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/

ult96u69318.shtml

Figura 4 - Karl Marx (1875) “Wikemedia Commons”

Karl Marx (1818-1883) foi um dos mais influentes filósofos do século XIX cujo legado permanece vivo até hoje em diversas áreas do conheci-mento humano, tais como: economia, filosofia, política, sociologia, educação, histó-ria etc. Sua principal obra, O Capital, foi concluída pos-tumamente por seu amigo Friedrich Engels e traduzida para centenas de idiomas. Nela, Marx realiza uma ri-gorosa análise da sociedade capitalista e demonstra que a riqueza da classe dominan-te (burguesia) é resultado da exploração do trabalho do proletariado. Segundo Marx, o capitalismo é um sistema inviável economicamente por destruir as duas fontes de riqueza: o trabalhador e a natureza. A solução seria substituir o sistema capita-lista, cujo objetivo é garan-tir a riqueza da burguesia através da exploração dos trabalhadores e da natureza, por um sistema centrado na satisfação das necessidades das pessoas (alimentação, habitação, educação, saúde e cultura para todos). Por seu caráter social, esse sis-tema ficou conhecido como socialismo. Até hoje, os ideais socialistas de Marx ainda inspiram movimentos sociais, partidos e organiza-ções dos trabalhadores pelo mundo todo.

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de uma estrutura social de exploração e dominação que tem

se perpetuado durante séculos. Quando grupos empobrecidos

se organizam para reivindicar seus direitos, ou questionar a

injustiça secular a que estão submetidos, aparecem como

“desordeiros” que querem perturbar a “paz social”. Quando

uma categoria social faz greve como último recurso para

conseguir melhores condições de trabalho, são apresentados

como intransigentes que não compreendem a crise pela qual

“todos” estão passando. Se são professores, por exemplo,

é dito que eles não pensam nas pobres crianças que ficam

sem aula e que deveriam buscar formas mais construtivas de

protesto. Quando o governo manda bater nos manifestantes,

a TV diz que houve “confronto com a polícia” que foi “obrigada

a usar a força”. Se um rico comete um crime, se diz que

era um sujeito de “classe média alta”, a palavra “rico” está

definitivamente banida do vocabulário televisivo. E por quê?

Porque o contrário de rico é pobre, o que chama a atenção

do espectador para as injustiças sociais, enquanto o contrário

de classe média alta é classe média baixa. Ou seja, no Brasil

todos somos de classe média!

Figura 5 - Fonte: http://caipirinhaseattlense.files.wordpress.com/2009/07/alienado.jpg

3. A ideologia legitima a dominação existente na sociedade,

fazendo-nos pensar que o modelo de sociedade que temos é

o melhor dos possíveis, e tentar construir alternativas a ele

nos levaria inevitavelmente ao caos e à violência. Não basta

que a classe dominante pense e aja segundo seus interesses,

é preciso que os dominados pensem como os dominadores e

ajam sempre de modo a favorecer os interesses dos poderosos.

Quando é denunciado um escândalo de corrupção envolvendo

políticos, existem pessoas que afirmam que se estivessem no

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Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

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lugar deles fariam o mesmo. De certa forma, quem pensa assim

não revela apenas a sua falta de consciência política, como

também está legitimando a corrupção que sempre favorece

os mais ricos, pois são eles que têm condições de infringir

maior dano à sociedade ao desviarem o dinheiro público

que poderia criar milhares de oportunidades de emprego,

saúde e educação. Da mesma forma, o sonho de consumir

bens sofisticados ou de “subir na vida”, alimenta e legitima a

exclusão social, e cria os mecanismos de diferenciação social

até mesmo entre os próprios ricos, nunca satisfeitos em já

ter muito mais do que podem usar. Assim, entramos em uma

corrida louca por sempre ter mais, sem parar para pensar que

esta é uma ilusão impossível de ser realizada e cujo efeito

prático é a destruição do planeta. Ou seja, imitar o modo de

pensar dos dominadores, além de não nos propiciar uma vida

melhor, pode nos levar à completa destruição.

A ideologia é, portanto, uma ferramenta poderosa para manter

a dominação de uns poucos sobre a grande maioria oprimida e

marginalizada. Justamente por não exercer uma coerção violenta para

impor os interesses da classe dominante, mas uma dominação sutil,

invisível, que se espalha por todos os poros da sociedade tornando-se

muito difícil de ser percebida e combatida. Muitos sequer a percebem,

ou percebem a si mesmos como propagadores da ideologia dominante.

Mas não existe “neutralidade” ideológica: ou você faz ideologia ou

contra-ideologia. Assim como não existe arte, ciência ou informação

que seja neutra, também não existe professor, artista, jornalista,

padre ou pastor que seja neutro. Ou melhor, afirmar uma suposta

“neutralidade” já é uma tentativa de ocultar que está a serviço da

ideologia dominante. Todo intelectual, mesmo um professor do ensino

fundamental, tem que decidir de que lado está: se está a favor da

transformação social e do ensino crítico ou a favor da conservação

da dominação através de um ensino alienado e alienante. É claro

que se a ideologia está espalhada por toda sociedade, combatê-la

não é tarefa fácil. Principalmente depois que ela penetrou na própria

estrutura econômica e política da sociedade, como veremos a seguir.

5 TÉCNICA E CIÊNCIA COMO “IDEOLOGIA”

Com o desenvolvimento do capitalismo, a ideologia alastrou-

se também pela esfera política e econômica. As sucessivas crises

Figura 6 - O que é Educação?Fonte: “Planeta Educação”

http://www.planetaeducacao.com.br

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capitalistas do final do século XIX e do início do século XX ensinaram

uma dura lição ao capitalismo: o mercado abandonado a si mesmo

pode destruir o próprio sistema. Ocorre que todos os produtores,

concorrendo entre si para conseguirem uma fatia maior do mercado,

aumentam a produtividade do trabalho agregando mais tecnologia ao

processo produtivo. Mais produtividade significa produzir mercadorias

mais baratas, em maior quantidade e melhor qualidade. Como isso

é possível? Veja um exemplo: imagine que você fabrica bolsas

e que elas são costuradas a mão. Com isso, cada bolsa demanda

muito tempo de trabalho para ficar pronta e você precisa de muitos

funcionários para fazê-las. Então você resolve comprar máquinas de

costura industriais. Com elas, as bolsas ficam prontas mais rápido

e o acabamento é muito melhor. Cada

funcionário produz muito mais bolsas agora

do que fazia antes e você poderá mandar

uma parte deles embora. Com menos

funcionários e mais bolsas, você pode

baixar o preço e mesmo assim aumentar o

seu lucro, porque agora pode vender mais

que antes. Então aumentar a produtividade

graças à tecnologia é ótimo, não é? Temos

cada vez mais produtos melhores e mais

baratos!

Sim. Mas os dois lados da equação não batem: maior

produtividade significa menos mão-de-obra. Uma grande cervejaria,

por exemplo, não necessita de mais que uma dúzia de funcionários

para controlar todo processo produtivo. Se todas as empresas vão se

modernizando e as que não se modernizam acabam falindo, temos

menos ocupação da mão-de-obra, isto é, aumento do desemprego.

Então acontece a crise: produtos baratos em grande quantidade, mas

poucos consumidores para comprá-los por causa do desemprego.

Sem vender, as empresas quebram, aumentando o desemprego em

um efeito dominó.

Diante desse problema existem basicamente duas alternativas,

manter os níveis de emprego, reduzindo a jornada de trabalho sem

redução dos salários. Mas isso diminui o lucro dos capitalistas e

capitalismo sem exploração do trabalho, não é capitalismo. A outra

alternativa, que preserva os interesses dos capitalistas, é a de aceitar

a intervenção do Estado para regular as crises econômicas. E foi o

que foi feito na maioria dos países capitalistas a partir da década

de 1930. O Estado passa então a controlar o ritmo da economia

para que não acelere demais ultrapassando a capacidade de compra

Figura 7 - Fonte: http://static.hsw.com.br/gif/capitalism-2.jpg

30 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

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dos consumidores. Como ele faz isso? Basicamente, como vemos

diariamente nos jornais, controlando a taxa de juros e investindo

em setores que absorvem muita mão-de-obra. Juros altos, menos

crédito, menos investimentos, economia cresce menos. Quando

a economia está em recessão, faz-se o inverso: diminui-se a taxa

de juros e aumenta-se o crédito. Dessa forma, o Estado cria “crises

programadas” para evitar crises maiores.

Com suas novas funções, o controle do Estado passou a

ser um assunto “sério demais” para depender da deliberação dos

cidadãos. Pois, os cidadãos nem sempre pensam nos interesses das

empresas e dos bancos, mas no deles próprios: que o Estado invista

mais em educação, saúde, segurança etc. Se o Estado gastar segundo

os interesses dos cidadãos sobrará menos “caixa” para suportar os

tempos de crise e para investir nos setores considerados estratégicos.

Os temas políticos tornam-se temas técnicos reservados

a um pequeno grupo de pessoas: os tecnocratas. Como nem

todos compreendem os complexos meandros da administração

macroeconômica, esse assunto é reservado a uns poucos que

controlam os órgãos centrais do governo: o Banco Central, o Ministério

da Economia e do Planejamento, que são muito mais sensíveis às

oscilações da bolsa de valores do que ao voto dos eleitores. As grandes

questões políticas, como o tipo de desenvolvimento econômico que

queremos ou como devem ser distribuídos os gastos públicos e

quem deve pagar por eles, são retiradas de nossa agenda política,

e tornam-se questões meramente técnicas a serem tomadas pelos

tecnocratas da burocracia estatal. Como observa o filósofo alemão

Jurgen Habermas,

[...] a solução de tarefas técnicas não está referida à discussão pública. As discussões públicas poderiam antes problematizar as condições marginais do sistema, dentro das quais as tarefas da atividade estatal se apresentam como técnicas. A nova política de intervencionismo estatal exige, por isso, uma despolitização da massa da população. E, na medida em que há exclusão das questões práticas, fica também sem funções a opinião pública política (HABERMAS, 1994, p. 71).

Além disso, as pessoas acabam por se convencer que o progresso

técnico é a melhor forma de garantir um futuro melhor para todos,

sem jamais discutir que tipo de progresso queremos. As ênfases nos

discursos políticos ficam em torno de um ou outro pormenor dentro

de uma estrutura aceita por todos. É claro que crises capitalistas não

Tecnocrata: tecnocracia significa, literalmente, governo

dos técnicos; logo, os tecnocratas são os especialistas cuja autoridade se baseia nos conhecimentos teóricos dos mecanismos econômicos. O surgimento dos tecnocratas

está ligado ao crescimento das empresas, o que multiplicou

os cargos de gerência, exigindo maior capacitação

técnica de seus diretores. Isso levou à formação de cursos universitários de economia e administração de empresas, encarregados de atender a demanda das empresas por tecnocratas. Mais tarde, os

métodos de administração de empresas foram levados para

dentro da administração pública.

Para saber mais sobre Jürgen Habermas, visite: http://pt.wikipedia.org/w i k i / J%C3%BCrgen_Habermas

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são boas para ninguém; a questão é que os projetos alternativos ao

capitalismo sequer são levados em consideração, como se o sistema

capitalista de mercado fosse parte da natureza e, portanto, algo que

não podemos mudar, apenas nos adaptar a ele. Segundo Habermas,

isso torna o poder de legitimação dessa nova forma de ideologia mais

poderosa que suas formas anteriores, pois,

[...] a consciência tecnocrática é, por um lado, ‘menos ideológica’ do que todas as ideologias precedentes; pois, não tem o poder opaco de uma ofuscação que apenas sugere falsamente a realização de interesses. Por outro lado, a ideologia de fundo um tanto vítrea, hoje dominante, que faz da ciência um feitiço, é mais irresistível e de maior alcance do que as ideologias de tipo antigo, já que com a dissimulação das questões não só justifica o interesse parcial de dominação de uma determinada classe e reprime a necessidade parcial de emancipação por parte de outra classe, mas também afeta o interesse emancipador como tal do gênero humano (HABERMAS, 1994, p. 80).

Isso a que Habermas se refere, podemos acompanhar, de um

lado, pelo crescente desinteresse do povo em participar da vida política

e na falta de credibilidade dos políticos em geral. De outra parte,

através da homogeneização do discurso político, com a crescente

indiferenciação dos partidos políticos, que se tornam cada vez mais

agências para tratar dos interesses privados desse ou daquele grupo,

ao invés de tratarem dos grandes temas que afetam todo o gênero

humano, como as questões ecológicas, da paz mundial ou da fome.

A ideologia, hoje, ocupa-se muito mais em desqualificar como

“utópica” ou “romântica” toda proposta que questione os fundamentos

da estrutura social, do que em propor algo para combatê-la. Ou seja,

basta simplesmente afirmar que não há alternativas, para que nos

curvemos frente ao destino que nos reserva a tecnocracia de um

eterno retorno do mesmo.

Como podemos ver, a ciência e a técnica, aplicadas ao

incremento da produtividade de nossa civilização tecnológica, acabam

por assumir a função de ideologia de uma maneira tão eficaz quanto

as outras formas de ideologia veiculadas pelos grandes meios de

comunicação de massa. Isso nos faz ver que ciência e conhecimento

não podem ser vistos ingenuamente como bons em si mesmos.

Tampouco devemos ir ao polo oposto e afirmar que toda ciência

e tecnologia são ruins e que a melhor solução seria voltar à vida

primitiva em completa comunhão com a natureza. A questão não é a

aceitação ou recusa da tecnologia, mas a serviço de quem ela deve

32 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

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estar e quais as tecnologias mais apropriadas para enfrentarmos

cada um dos problemas. Ou seja, a ciência não pode ser considerada

como sendo a totalidade da razão, que se impõe aos seres humanos

como um dogma. O futuro de todo planeta Terra não pode ser fruto

da decisão de um punhado de tecnocratas. É nesse sentido que a

educação pode jogar um papel decisivo na construção de alternativas

à ideologia tecnocrática: uma democracia forte se constrói com

sujeitos críticos e criativos, capazes de pensarem por si mesmos.

Voltaremos a esse tema mais adiante ao tratarmos da relação

entre conhecimento e emancipação. Por enquanto, analisaremos

em maior detalhe as várias formas de se compreender o que é o

conhecimento e algumas de suas variantes históricas, como forma de

superar o reducionismo cientificista da sociedade tecnocrática.

Costuma-se dizer que para aprendermos uma coisa nova é

preciso desaprender o modo antigo de pensar. Para desaprender a

ideologia é preciso poder identificá-la e reconhecer suas formas, para

então abrirmos terreno para construção de novos conhecimentos.

Tendo isso em mente, em nossa próxima unidade, pretendemos

apresentar algumas teorias do conhecimento para que você possa

formar um mapa conceitual para se orientar na construção do seu

próprio ponto de vista sobre o tema. Lembre-se, nenhum texto ou

saber é neutro, está sempre a favor de uma ideologia ou contra-

ideologia, cabe a você identificar qual é a minha, para poder posicionar-

se criticamente frente a ela. Enquanto faz isso, estará entendendo

melhor a sua.

6 ATIVIDADES

As questões a seguir têm como objetivo ajudar a fixar tudo que aprendemos até agora.

Elas seguem a ordem em que está organizado o texto, portanto, seria melhor respondê-

las na sequência em que estão. Após respondê-las seria bom confrontar suas respostas

com as dos colegas no Seminário Integrador e esclarecer as dúvidas com o tutor. Depois,

reformule suas respostas, se for o caso, e entregue suas respostas ao tutor.

1. A partir do texto você poderia dizer como conhecemos o mundo?

2. Qual a diferença entre conhecimento e informação?

3. Como o conhecimento é produzido e distribuído socialmente?

4. Você poderia explicar o que entende pela frase do filósofo Francis Bacon de que “saber

é poder”?

5. Em nossa sociedade, você acha que o conhecimento está a serviço de quem? Justifique.

6. Qual a função social da ideologia?

7. Qual a relação entre informação, realidade e ideologia?

8. Como a ciência e a técnica podem funcionar como ideologia?

9. Existe ciência neutra? Justifique.

ATIVIDADE

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RESUMINDO

RE

FE

NC

IAS

7 RESUMINDO

O conhecimento é a forma de organizar e operar as informações

de modo a garantir a sobrevivência dos seres vivos no planeta.

Todo conhecimento se opera através de signos, ou seja, não existe

conhecimento sem informação, objeto e interpretante. Para que

algo seja cognoscível é preciso que seja algo que se repita de modo

a tornar-se previsível. Em nossas sociedades, o conhecimento tem

sido uma ferramenta importante para o desenvolvimento social e a

razão principal do sucesso de nossa espécie no planeta. A depender

do modelo de organização social, o conhecimento pode ser socializado

coletivamente ou especializado. A especialização do conhecimento não

é um mal em si, mas pode tornar-se fonte de legitimação do domínio de

determinados grupos sociais sobre outros. Nesse caso, o conhecimento

assume funções de ideologia, ocultando sua base social e histórica.

Nas sociedades capitalistas contemporâneas em que o Estado

assume funções de regulação econômica, a ciência e a técnica acabam

também por assumir funções de ideologia, ao legitimar o domínio dos

tecnocratas na tomada de decisões, em nome da alegada incompetência

do cidadão comum de manifestar-se em tais assuntos. Dessa forma, o

conhecimento torna-se também uma forma de excluir a participação do

cidadão nos rumos da sociedade.

8 REFERÊNCIAS

CHAUÍ, Marilena. O que é Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1991.

HABERMAS, Jurgen. Técnica e ciência como ideologia. Lisboa:

Edições 70, 1994.

HINKELAMMERT. Franz. As armas ideológicas da morte. São Paulo:

Paulinas, 1980.

SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense.

34 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

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Suas anotações

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