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PEDAGOGIA LITERATURA INFANTO-JUVENIL

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PEDAGOGIALITERATURA

INFANTO-JUVENIL

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Universidade Estadual de Santa Cruz

ReitorProf. Antonio Joaquim da Silva Bastos

Vice-reitoraProfª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro

Pró-reitora de GraduaçãoProfª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa

Diretora do Departamento de Ciências da EducaçãoProfª. Raimunda Alves Moreira Assis

Ministério daEducação

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Ficha Catalográfica L776 Literatura infanto-juvenil: pedagogia – módulo 5, vo- lume 1, EAD / Elaboração de conteúdo: Sandra Maria Pereira do Sacramento, Inara de Oliveira Rodrigues. – [Ilhéus, BA]: EDITUS, [2011]. 141p. : il.

ISBN 789-85-7455-260-6

1. Literatura infantojuvenil – Estudo e ensino. I. Sacramento, Sandra Maria Pereira do. II. Rodri- gues, Inara de Oliveira. III. Pedagogia. CDD 809.89282

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Coordenação UAB – UESCProfª. Drª. Maridalva de Souza Penteado

Coordenação do Curso de Pedagogia (EAD)Drª. Maria Elizabete Sauza Couto

Elaboração de ConteúdoProfª. Drª. Sandra Maria Pereira do SacramentoProfª. Drª. Inara de Oliveira Rodrigues

Instrucional DesignProfª. Msc. Marileide dos Santos de OliveraProfª. Msc. Cibele Cristina Barbosa CostaProfª. Msc. Cláudia Celeste Lima Costa Menezes

RevisãoProfª. Msc. Sylvia Maria Campos Teixeira

Coordenação de DesignProfª. Msc. Julianna Nascimento Torezani

DiagramaçãoJamile A. de Mattos Chagouri OckéJoão Luiz Cardeal Craveiro

Capa Sheylla Tomás Silva

PedagogiaEAD . UAB|UESC

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PARA ORIENTAR SEUS ESTUDOS

SAIBA MAIS

Aqui você terá acesso a informações que complementam seus estudos a respeito do tema abordado. São apresentados trechos de textos ou indicações que contribuem para o aprofundamento de seus estudos.

LEITURA RECOMENDADA

Indicação de leituras vinculadas ao conteúdo abordado.

PARA CONHECER

Aqui você será apresentado a autores e fontes de pesquisa a fim de melhor conhe-cê-los.

VOCÊ SABIA?

Esses são boxes que trazem curiosidades a respeito da temática abordada.

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Sumário

UNIDADE IA LITERATURA INFANTO-JUVENIL E A FORMAÇÃO DOS

ESTADOS NACIONAIS EUROPEUS

1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 132 A LITERATURA INFANTIL E OS ESTADOS-NAÇÃO ................... 143 CIÊNCIA E RAZÃO NO CONTEXTO DA LITERATURA INFANTIL . 15ATIVIDADES ................................................................................. 22RESUMINDO ................................................................................. 22REFERÊNCIAS .............................................................................. 23

UNIDADE II A QUESTÃO DO CÂNONE E A LITERATURA

INFANTO-JUVENIL

1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 272 O LITERÁRIO: DO MUNDO GREGO ÀS COMUNIDADES IMAGINADAS ......................................................................... 283 A LITERATURA INFANTIL E SUA FUNÇÃO PROPEDÊUTICA ...... 31ATIVIDADES ................................................................................. 39RESUMINDO ................................................................................. 40REFERÊNCIAS ............................................................................... 40

UNIDADE IIILITERATURA INFANTO-JUVENIL E O LUDOS

1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 432 DE ARISTÓTELES AO LUDOS .................................................. 443 A CRIANÇA COMO PERSONAGEM NA LITERATURA INFANTIL .. 49ATIVIDADES ................................................................................ 52RESUMINDO ................................................................................. 54REFERÊNCIAS ............................................................................... 55

PARTE I

Profª. Drª. Sandra Maria Pereira do Sacramento

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UNIDADE IVA LITERATURA INFANTO-JUVENIL E A REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA

1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 572 A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E SEU ESTIGMA ............... 58ATIVIDADES ................................................................................. 66RESUMINDO ................................................................................. 69REFERÊNCIAS ............................................................................... 69

UNIDADE VA LITERATURA INFANTO-JUVENIL E A FORMAÇÃO

DO ESTADO BRASILEIRO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 712 A FORMAÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO BRASILEIRO ..................... 723 A LITERATURA INFANTIL E OS DADOS CONTEUDÍSTICOS ...... 75ATIVIDADES ................................................................................. 77RESUMINDO ................................................................................. 80REFERÊNCIAS ............................................................................... 80

PARTE II

Profª. Drª. Inara de Oliveira Rodrigues

UNIDADE VIA LEITURA NA ESCOLA E NA SOCIEDADE:

PAPEL E IMPORTÂNCIA DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL

1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 832 LOBATO, O SÍTIO E MUITAS HISTÓRIAS POR CONTAR ........... 843 LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL ........................................... 91ATIVIDADES ................................................................................. 95RESUMINDO ................................................................................. 97REFERÊNCIAS .............................................................................. 98

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UNIDADE VIIA DIMENSÃO DO IMAGINÁRIO NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL

1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 1012 MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS HISTÓRIAS E OS VERSOS ................................................................................. 1023 IMAGINÁRIO, FANTASIAS E MARAVILHAS ............................. 107ATIVIDADES ................................................................................. 115RESUMINDO ................................................................................. 121REFERÊNCIAS ............................................................................... 121

UNIDADE VIIIAS ESTRATÉGIAS LITERÁRIAS E OS DIFERENTES SUPORTES

DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL

1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 1232 ESTRATÉGIAS LITERÁRIAS: A INTERTEXTUALIDADE NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL ........................................... 124

2.1 Conhecendo alguns autores e pressupostos .............. 1242.2 A literatura infanto-juvenil, a intertextualidade e outras estratégias literárias ...................................... 128

3 LIVROS, MÍDIAS, REDE: OS ITINERÁRIOS ABERTOS DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL ........................................... 133ATIVIDADES ................................................................................. 138RESUMINDO ................................................................................. 139REFERÊNCIAS .............................................................................. 140

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AS AUTORAS

Profª. Drª. Sandra Maria Pereira do Sacramento

Doutora em Letras Vernáculas, pela Universidade Fede-

ral do Rio de Janeiro (UFRJ), Coordenadenou até 2011.1

o Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagens e

Representações da Universidade Estadual de Santa Cruz

(UESC), Professora Associada à Cátedra UNESCO de Lei-

tura, Professora Plena em Teoria da Literatura do DLA/

UESC. Possui vários textos publicados em periódicos na

área de Letras, disponíveis on line.

Profª. Drª. Inara de Oliveira Rodrigues

Doutora em Letras (Teoria da Literatura) pela Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do SUL (PUCRS),

professora do curso de Letras e Vice-Coordenadora do

Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagens e

Representações da Universidade Estadual de Santa Cruz

(UESC). Possui artigos publicados em periódicos na área

de Letras e desenvolve pesquisas no campo das literatu-

ras de línguas portuguesas.

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DISCIPLINA

LITERATURA INFANTO-JUVENIL

Literatura infanto-juvenil: discussões sobre o panorama

histórico e gênero literário e suas características. Produ-

ção literária. A prática da leitura na escola e na socieda-

de. Pesquisa sobre literatura infanto-juvenil na escola,

na biblioteca (livros, gibis etc.), na televisão, CDROM e

sites. A dimensão do imaginário na Literatura Infantil e a

intertextualidade.

CARGA HORÁRIA: 60h

EMENTA

Profª. Drª. Sandra Maria Pereira do Sacramento

Profª. Drª. Inara de Oliveira Rodrigues

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de

1 INTRODUÇÃO

Nesta unidade, vamos mostrar a você a relação estabelecida

entre os estados nacionais europeus e o início da literatura infantil.

A literatura infanto-juvenil, como se concebe hoje, tem sua origem

vinculada ao nascimento dos estados-nação burgueses europeus,

a partir do século XVIII, com a valorização dos ideais forjados de

tradição dos capitalistas, então em ascensão.

UNIDADE I

A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E A FORMAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS

EUROPEUS

OBJETIVOIdentificar as relações entre a origem dos estados-nação europeus e da literatura infantil, com destaque para os seus principais representantes.

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14 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus

2 A LITERATURA INFANTIL E OS ESTADOS-NAÇÃO

Para o Estado-nação, a língua nacional e o limite territorial

eram vistos como elementos indispensáveis, capazes de imporem uma

identidade à nação (RENAN, 1997). Entretanto, de acordo com Nelly

Novaes Coelho, em Panorama Histórico da Literatura Infantil /Juvenil:

Quando hoje falamos nos livros consagrados como clássicos infantis, os contos-de-fada ou contos mara-os-de-fada ou contos mara-vilhosos de Perrault, Grimm ou Andersen, ou nas fá-bulas de La Fontaine, praticamente esquecemos (ou ignoramos) que esses nomes não correspondem aos verdadeiros autores de tais narrativas. São eles alguns dos escritores que, desde o século XVII, interessados na literatura folclórica criada pelo povo de seus res-pectivos países, reuniram as estórias anônimas, que há séculos vinham sendo transmitidas, oralmente, de geração para geração, e as transcreveram (COELHO, 1991, p.12).

No texto abaixo, apresentamos mais informações sobre o conceito de Estado-Nação. Leia com atenção e converse com um colega sobre o mesmo.

Estado-nação: quando se pensa em Estado-Nação, estamos longe de tratar de uma experiência político-institucional simples. Muitas vezes não paramos para indagar sobre o quanto o seu surgimento alterou as relações inter-humanas por todo nosso planeta. Em primeiro lugar, deve-se romper com qualquer linha de abordagem que insira a experiência histórica do Estado-Nação numa longa du-ração ligada aos Estados dos monarcas absolutos europeus. Contando de hoje, a experiência histórica do Estado-Nação ainda não completou dois séculos, tal como o Brasil mal tem 150 anos. Em segundo lugar, no rigor do conceito e da cronologia, a formação do Estado antecede ao surgimento daquilo que definimos como burocracia. Inicialmente, a experiência do Estado-Nação é circunscrita à Europa e às suas projeções coloniais no século XIX, sendo antecipada cultural-mente pelos debates intelectuais e políticos do contexto do Iluminismo, quando houve a gradativa transformação no sentido que se dava à noção de Razão na prática administrativa, que passou da condição de mero cálculo/ratio para aque-la de força constituidora das coisas. Nesse sentido, e somente nesse sentido, o Estado da Razão do final do século XVIII, diferentemente da Razão de Esta-do dos séculos XVI e XVII, não seria mais um simples mecanismo resultante da soma das partes através de um pacto, como pretendera Thomas Hobbes (1588-1679) em 1651 com seu “Leviathan”, mas a “coisa pública” em que os “objetivos públicos” deixavam de ter nos corpos estamentais de privilégios os suportes ou intermediários da ação político-administrativa estatal. Portanto, o Estado da Razão de finais do século XVIII pressupôs um tipo novo de poder/po-tência pública que aos poucos abandonou uma atitude jurisdicionalista (centrada na acomodação das partes de privilégio) e tornou-se apenas disciplina (ou seja, atitude constituidora da natureza de suas partes). Tal mudança de paradigma é historicamente indissociável do processo de burocratização – formação de um corpo de agentes da administração separados patrimonialmente dos meios ad-ministrativos – e da uniformização legislativa e fiscal do Estado.

Fonte: http://www.espacoacademico.com.br/035/35evianna.htm

SAIBA MAIS

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de

3 CIÊNCIA E RAZÃO NO CONTEXTO DA LITERATURA IN-FANTIL

Além dessas informações, também podemos acrescentar os

textos da tradição oriental e mesmo da grega, que foram trazidos

pelos estados modernos, em forma de adaptação, como As Mil e

Uma Noites, que chegou ao continente europeu no século XVIII; por

Galland; da mesma forma que La Fontaine, ainda no século XVII,

traduz as fábulas de Esopo, com a presença de animais falantes

sempre com moralidade, como, por exemplo, A galinha dos ovos de

ouro, A cigarra e a formiga, A Raposa e a Cegonha, entre outras.

Leia mais sobre os escritores falados acima e sua importância para a Literatura Infantil do Ocidente.

Galland: Antoine Galland, escritor francês nascido no século XVII, introduziu no Ocidente inúmeras histórias de tradição oral do Oriente. Galland nasceu em uma família de camponeses na província de Somme, em 1646, e morreu em 1715. Ele era especialista em História, manuscritos antigos, línguas orientais e moedas. Galland esteve no Oriente, a convite do rei francês Luís XIV, com vá-rias personalidades da política, das letras e da ciência. Era um colecionador de manuscritos e, em sua passagem pela Síria, descobriu os originais de “As Mil e Uma Noites”, feitos entre 1704 e 1717. O escritor levou-os para a França, tra-duziu e publicou os contos mais importantes dessa obra e, ainda, acrescentou alguns outros, que circulavam oralmente – como o de “Ali Babá e os Quarenta Ladrões”. Para não chocar seus contemporâneos, Galland retirou do texto as passagens picantes. O sucesso foi imediato. Essa tradução de Galland não é a única, mas é a mais famosa. Especialmente nesse livro, a história de Ali Babá foi adaptada por Luc Lefort. Homem excepcional, seu diário testemunha a pai-xão pelo saber e pela verdade. Durante toda sua vida, Galland foi um homem simples. Ele foi um pouco a imagem da obra que nos fez descobrir.

Fonte: http://www.educarede.org.br/educa/index.cfm?pg=biblioteca.biografia&id_autor=83

La Fontaine: francês de origem burguesa, nascido na região de Champagne, foi autor de contos, poemas, máximas, mas com as fábulas ganhou notorieda-de mundial. Resgatando fábulas do grego Esopo (século VI a. C.) e do romano Fedro (século I d. C.), os textos de La Fontaine não apresentam grande origina-lidade temática, mas recebem um tempero de fina ironia. O autor francês não só tornou mais atuais as fábulas de Esopo, como também criou suas próprias, dentre elas “A cigarra e a formiga” e “A raposa e as uvas”. Contemporâneo de Charles Perrault, frequentava a corte do Rei Sol - Luís XIV, de onde extraiu informações para sua crítica social. Integrou o chamado “Quarteto da Rue du Vieux Colombier”, composto também por Racine, Boileau e Molière. Participou da Academia Francesa com ingresso em 1683, em que sucedeu o famoso po-lítico Colbert, a quem se opunha ideologicamente. Estreou no mundo literário em 1654 com uma comédia. A publicação da primeira coletânea de fábulas data de 1668, sucedida de mais onze, lançadas até 1694. No prefácio dessa primeira coletânea, deixa bem clara suas intenções na constituição dos textos: “Sirvo-me de animais para instruir os homens”. Morreu aos 73 anos sendo considerado o pai da fábula moderna. As narrativas de La Fontaine estão per-

PARA CONHECER

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16 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus

meadas de pensamentos filosóficos com forte moralidade didática e, apesar de tão antigas, mantêm-se vivas até hoje.

Fonte: http://www.graudez.com.br/litinf/autores/lafontaine/lafontaine.htm

Esopo: foi um célebre fabulista grego, provavelmente nascido no ano de 620 a. C. Segundo o historiador Heródoto, Esopo teria nascido na Trácia, região da Ásia Menor, tornando-se escravo na Grécia. Outro historiador, Heráclites do Ponto, afirma ser o roubo de um objeto sagrado a causa da morte do fabulis-ta. Como era costume no caso de sacrilégios, Esopo teria sido atirado do alto de um rochedo. Discute-se a sua existência real, assim como acontece com Homero. Assim, há ainda alguns detalhes atribuídos à biografia de Esopo, cuja veracidade não se pode comprovar: seria aleijado, com dificuldades de fala e seria um protegido do rei Creso. Levanta-se a possibilidade de a obra esopia-na ser uma compilação de fábulas ditadas pela sabedoria popular da antiga Grécia. Seja lá como for, o realmente importante é a imortalidade das fábulas a ele atribuídas. As primeiras versões escritas das fábulas de Esopo datam do séc. III d. C. Muitas traduções foram feitas para várias línguas, não existindo uma versão que se possa afirmar ser mais próxima da primordial. Destaca-se, entre os estudiosos da obra esopiana, Émile Chambry, profundo conhecedor da língua e da cultura gregas. Chambry publicou, em 1925, Aesoi -– Fabu-lae, em que trabalha com 358 fábulas. Características das fábulas esopianas: narrativas, geralmente, curtas, bem-humoradas e relacionadas ao cotidiano; encerram em si uma linguagem simples, pois se dirigem ao povo; contêm sim-ples conselhos sobre lealdade, generosidade e as virtudes do trabalho; a moral é representada por um pensamento, nem sempre relacionado diretamente à narrativa; personagens são, basicamente, animais que apresentam compor-tamento humano

Fonte: http://www.graudez.com.br/litinf/autores/esopo/esopo.htm

A célebre fábula A Raposa e as Uvas, atribuída a La Fontaine,

é, na verdade, uma tradução do grego para o francês. Veja a sua

reprodução abaixo:

A Raposa e as Uvas

Certa raposa matreira,

que andava à toa e faminta,

ao passar por uma quinta,

viu no alto da parreira

um cacho de uvas maduras,

sumarentas e vermelhas.

Ah, se as pudesse tragar!

Mas lá naquelas alturas

não podia alcançar:

Então falou despeitada:

- Estão verdes essas uvas.

Verdes não servem pra nada!

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de

Como não cabem quatro mãos em duas luvas,

Há quem prefira desdenhar a lamentar.

(La Fontaine)

Nesses textos, sempre em uma linguagem metafórica,

os animais têm um comportamento humano, como falar, ter

ressentimentos e covardia; trazem em seu final uma mensagem moral,

de cunho pedagógico; também em forma figurativa, conotativa, que,

quando passada para a linguagem de denotação, presta-se a uma

aplicação prática. Em outras palavras, “Como não cabem quatro mãos

em duas luvas, Há quem prefira desdenhar a lamentar.”, quer dizer

que, diante do inevitável, por conta, talvez, da incapacidade, é mais

fácil desdenhar a assumir a incompetência.

Essa volta ao passado desempenhou um papel preponderante

na busca de sedimentação dos valores então em voga; pois, desde o

século XVII, com a troca de eixo da ordem cosmológica teocêntrica

pela antropocêntrica, que a Europa sofreu sérios abalos em seu

pilar ideológico medieval. Ocorreu a laicização do saber, antes

restrito à visão dogmática da Igreja, tendo levado Galileu, com o seu

heliocentrismo, a permanecer em prisão domiciliar por ter ousado

questionar a fé corrente de que a Terra era o centro do Universo, lugar

escolhido por Deus para morada do homem. A Reforma Protestante

de Lutero incide na Igreja outro duro golpe, quando esse questionou

as ações papais, como a venda de indulgências.

A ciência engatinha, porém, através de seu método

investigativo, deixa de lado o saber contemplativo e volta-se para

a realidade de forma experimental. Fé e razão passam a ter esferas

distintas, a primeira condicionada à metafísica, à verdade revelada,

e a segunda busca, através do método rigoroso de explicação dos

fenômenos, a verdade científica. Segundo o professor Antônio

Cândido, em Formação da Literatura Brasileira (1976):

Por Ilustração, entende-se o conjunto das tendências ideológicas próprias do século XVIII, de fonte inglesa e francesa na maior parte: exaltação da natureza, divulgação apaixonada do saber, crença na melhoria da sociedade por seu intermédio, confiança na ação governamental para promover a civilização e bem-estar coletivo. Sob o aspecto filosófico, fundem-se nela racionalismo e empirismo; nas letras, pendor didático e ético, visando empenhá-las na propagação das Luzes (CÂNDIDO, 1976, p.43-44).

Tomando-se Ilustração como sinônimo de Iluminismo, - que

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18 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus

na Alemanha ganhou o nome de Aufklärung - percebe-se o

quanto o movimento racionalista foi importante, no sentido da

busca pela explicação das demandas, sejam elas no campo da

representação governamental, científica ou religiosa.

Tais indagações passaram a ser embasadas no princípio

da racionalidade, encerradas na expressão de Descartes: Penso,

logo existo. O filósofo francês Descartes, trazendo do século

anterior alguma coisa do método de Galileu, eleva-o ao sentido

primeiro do filosofar, com a dúvida metódica, isto é, a partir da

dúvida, da não certeza, investiga-se e chega-se à descoberta e,

mais do que tudo, com a possibilidade da demonstração.

Descartes, seguindo rigorosamente o caminho, o método por ele estabelecido, começa duvidando de tudo, até reconhecer como indubitável o ser do pensamento. É na descoberta da subjetivi-dade que residem as variações do novo tema. O filósofo passa a se preocupar com o sujeito co-gnoscente (o sujeito que conhece) mais do que com o objeto conhecido. [...]Outros filósofos, além de Descartes, também se dedicam ao problema do método, tais com Ba-con, Locke, Hume, Spinoza (ARANHA,1993, p. 154).

Tal cenário sustenta-se no triunfo da razão sobre a fé,

com contribuições de filósofos franceses como D’Alembert, Diderot, Voltaire, Montesquieu e Rousseau chamados de

enciclopedistas. No Discurso Preliminar da Enciclopédia, de 1751,

afirma o primeiro:

Descartes teve pelo menos a ousadia de ensinar os espíritos bons a sacudir o jugo da Enciclopé-dia, da opinião, da autoridade, em uma palavra, dos preconceitos e da barbárie; e por meio desta revolta,cujos frutos hoje recolhemos, prestou à filosofia um serviço talvez mais essencial do que todos os que deve aos seus ilustres sucessores [...] Embora acabasse por acreditar que podia explicar tudo, começou, pelo menos, duvidando de tudo; e as armas de que nos servimos para combatê-lo, embora contra ele,nem por isso lhe pertencem menos [...] (apud MOUSNIER et al., 1961, p.16).

Logo, D’Alembert mostrou que aqueles que criticaram

Descartes, se valiam da mesma estrutura mental, ou seja, da

Aufklärung: Iluminismo, Es-clarecimento ou Ilustração (em alemão Aufklärung, em inglês Enlightenment, em ita-liano Iluminismo, em francês Siècle des Lumières, em espa-nhol Ilustración) designam uma época da história in-telectual ocidental. No es-paço cultural alemão, um dos traços distintivos do Iluminismo (Aufklärung) é a inexistência do sentimento anticlerical que, por exem-plo, deu a tônica ao Ilumi-nismo francês. Os ilumi-nistas alemães possuíam, quase todos, profundo in-teresse e sensibilidade re-ligiosas, e almejavam uma reformulação das formas de religiosidade. O nome mais conhecido da Aufklärung foi Immanuel Kant. Outros importantes expoentes do iluminismo alemão foram: Johann Gottfried von Her-der, Gotthold Ephraim Les-sing, Moses Mendelssohn, entre outros.Fonte: http://videociencia.word-press.com/historia/iluminismo/

SAIBA MAIS

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de

dúvida, para chegarem a tal fim.

Em Do contrato social, Rousseau atribui a obediência à Lei

como a verdadeira liberdade, em nome da soberania:

Aquele que recusar obedecer à vontade geral a tanto será constrangido por todo um corpo, o que não significa senão que o forçarão a ser livre, pois é essa a condição que, entregando cada cidadão à pátria, o garante contra qualquer dependência pessoal (1973, p. 42).

Esses pensadores foram bastante tributários dos avanços

ocorridos na Inglaterra, ainda no século XVII, amparados no

também filósofo Locke, levando à Revolução Gloriosa de cunho

liberal. Locke foi muito influenciado pelo pensamento de Descartes,

logo depois, deixa o aparato da lógica, para se voltar para o

dado psicológico, no entendimento do ser humano. Entretanto,

a ascensão da burguesia, no território franco, só ocorre com a

chamada Revolução Francesa de 1789.

Finalmente, a sociedade francesa é agitada por uma série de convulsões que se repercutem, gra-ças à analogia das circunstâncias, por toda a Eu-ropa Ocidental. A resultante histórica das várias forças que participaram na Revolução Francesa é o primeiro triunfo decisivo da alta burguesia no ter-reno político, ao cabo de uma sucessão de fases, em que o dinamismo revolucionário pertenceu sucessivamente a uma fração de alta nobreza, à noblesse de robe, aos camponeses, à burguesia provinciana (Girondinos), aos pequenos burgue-ses (Terror de Robespierre) a outras camadas mais populares (Babeuf) (SARAIVA; LOPES, 1971, p.599).

Por isso, torna-se importante destacar que o papel da

família, como núcleo societário, contrário ao modelo estamental da monarquia, estabeleceu esferas de ação, de modo hierárquico,

para o homem, para a mulher e para os filhos. E Pedro Paulo de

Oliveira, em A Construção da Masculinidade, confirma a afirmação:

A assimetria de poder na família era reforça-da pela disposição da nova ordem em promover uma separação total entre homens e mulheres: pensava-se na época que quanto mais feminina a mulher e mais masculino o homem, mais saudá-veis a sociedade e o Estado. Nessa separação, a autonomia do gênero masculino contrastava com

Estamental: relativo a estamento. Constitui uma forma de estratifi-cação social com cama-das sociais mais fecha-das do que as classes sociais; e mais abertas do que as castas (tipo de sociedades ainda presentes na Índia, no qual o indivíduo desde o nascimento está obriga-do a seguir um estilo de vida pré-determinado), reconhecidas por lei e geralmente ligadas ao conceito de honra. His-toricamente, os esta-mentos caracterizaram a sociedade feudal du-rante a Idade Média.

Fonte: <http://www.diciona-rioinformal.com.br/definicao.hp?palavra=estamento&id=7 342>.

SAIBA MAIS

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Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus

a submissão feminina. A subjugação da mulher ia ao encontro da constituição de uma família nuclear para a qual o lar, com os afazeres domésticos e os cuidados com as crianças, se tornaria seu espaço legítimo, en-quanto aos homens ficaria destinada a esfera pública, a esfera do poder. Na sociedade burguesa as funções da mulher foram postas com clareza: mãe, educado-ra, controladora dos empregados (quando eles existi-rem), provedora de afeto e carinho (OLIVEIRA, 2004, p.49).

Esse modelo comportamental vem a reboque de amplas

mudanças na vida urbana europeia, de forma mais ampla, já que

o campesinato, quase sempre, com o início da industrialização,

migra para os grandes centros europeus, como Paris e Londres, para

formar a massa do operariado. Para se ter uma ideia da projeção do

crescimento populacional nessas capitais europeias, no século XVIII,

a população das cidades representava 2%; enquanto que, em meados

do século XIX, 42 % da população europeia vivia em zona urbana

(RÉMOND, 1976).

A Alemanha e a Itália optam pela unificação de seus territórios

devido à crescente industrialização e esse processo:

Atendeu basicamente aos interesses de uma burguesia desejosa de formar um amplo mercado nacional para seus produtos. Assim ocorreu na Itália, onde a unifi-cação partiu do Reino do Piemonte-Sardenha (Norte Industrial) para o Sul, destacando-se as figuras de Ví-tor Emanuel II e seu Ministro Cavour. Na Alemanha, a unificação econômica, através da União Aduaneira (Zollverein), antecedeu à unificação política. Essa foi realizada sob a direção da Prússia em três guerras sucessivas, que afastam a Dinamarca, a Áustria e a França de seu caminho (AQUINO, 1993, p. 107).

Como se vê, a unificação de condados levou a estados

europeus fortes, que necessitaram de parâmetros comportamentais,

contrários aos do passado, coincidindo com o Romantismo literário. E

a mulher ganha destaque nessa divisão de papeis já que deve assumir

uma função pedagógica diante do filho, ainda que, socialmente, esteja

condicionada ao marido e à prole, isto é, sua autonomia está em não

ter autonomia nenhuma. É o que Rousseau, filósofo do Iluminismo

francês, vai sublinhar:

A razão que leva o homem ao conhecimento de seus deveres não é muito complexa; a razão que leva a mulher ao conhecimento dos seus é ainda mais sim-

Figura 1.1 - Cena da Família de Adolfo Augusto Pinto, 1891. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Almeida_J%C3%BAnior_-_Cena _de_Fam%C3%ADlia_de_Adolfo_Augusto_Pinto,_1891.JPG>.

Campesinato

s.m. Conjunto de agri-cultores de uma re-gião, de um Estado. Condição dos campo-neses.

Fonte: http://www.dicio.com. br/campesinato/

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ples. A obediência que deve aos filhos são conseqüên-cias tão naturais e tão visíveis de sua condição, que ela não pode, sem má-fé, recusar sua aprovação ao sen-timento interior que a guia, nem desconsiderar o de-ver na inclinação que ainda não se alterou (ROUSSEAU, 2004, p.558).

A construção do Estado-nação estruturou-se em bases

etnocêntricas e falocêntricas e creditou ao homem, branco, burguês,

europeu, a razão, o espaço público e a cultura; enquanto à mulher,

coube a não-razão, o privado e a natureza. E a literatura daí advinda

traz as marcas de origem da pretensão de uma unidade republicana;

uma vez que o princípio hierarquizador da modernidade, calcado em

pares dicotômicos do público/privado; homem/mulher; adulto/criança;

centro/periferia, alto/baixo, branco/negro, não levou em conta, na pauta

da racionalidade ocidental, a alteridade encerrada nos segundos desses

mesmos pares. Dessa sorte, os enredos das histórias infantis tendem

a dissolver os conflitos, quase sempre, pela via do fantástico, sem que

haja, de fato, intervenção racional na ordem dos acontecimentos.

Por exemplo, o conto Os sete corvos, dos irmãos Jakob e

Wilhelm Grimm, encerra os objetivos pedagógicos esperados para um

texto voltado para o público infantil. Nele, a bondade da irmãzinha fez

com que os sete irmãos voltassem a ser gente novamente, depois do

encantamento a que foram submetidos pelo pai, ao se tornarem corvos

porque se atrasaram para trazer a água do poço para o batismo da

menininha doente.

A narrativa encerra os valores do catolicismo, isto é, os enfermos

não batizados devem receber o sacramento antes da morte, caso

contrário, se morrerem pagãos, é possível não irem para o céu. A figura

do pai se faz presente com sua autoridade; bastou esse dizer: “- Tomara

que eles todos virem corvos!” (2002, p. 58), e automaticamente, as

crianças viraram sete animais. Por outro lado, os pais, ao revelarem à

menina que os irmãos tinham virado corvos, e explicarem que: o que

aconteceu tinha sido um desígnio do céu, e que o nascimento dela não

tinha culpa de nada (2002, p.61). Tal atitude encerra a crença no ente

sobrenatural que determina o que acontece na Terra. Assim, a fala do

pai dá início ao encantamento e o encontro do anel da menina por um

dos irmãos precipita o fim do encantamento: “Mas quando o sétimo

corvo acabou de esvaziar seu copo, o anel caiu lá de dentro. Ele olhou

bem e reconheceu que era um anel do pai e da mãe deles...” Então,

“[...] a menina, que estava escondida atrás da porta, ouviu esse desejo,

apareceu de repente e todos os corvos viraram gente outra vez” (2002,

p.63).

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Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus

ATIVIDADES

Leia a fábula A Galinha dos ovos de ouro de La Fontaine e responda às questões propostas:

A Galinha dos ovos de ouro

Havia um homem quetinha uma galinha

que punha ovos de ouro.

Por avidez e burrice,pensou: se a galinha abrisse,

encontraria um tesouro.

Ah, cobiça desastrada!Morta e aberta a galinha

viu que lá não tinha nada!

Por excesso de ambição,Podes perder teu quinhão.

(La Fontaine)

a) Por que o homem resolveu abrir a barriga da galinha?

b) O narrador faz a seguinte exclamação: “Ah, cobiça desastrada!” Desastrada é o adjetivo atribuído à cobiça, isto é, uma cobiça capaz de causar um desastre. Você concorda com o narrador?c) Transforme o ensinamento expresso em linguagem metafórica, conotativa, em linguagem denotativa, isto é, aplicável no cotidiano: “Por excesso de ambição, Podes perder teu quinhão.”

RESUMO

Você viu nesta Unidade I, que a literatura infantil tem sua origem nos

estados-nação europeus, ainda no século XVIII, quando destacam a

importância de um território, uma língua, como elementos da tradição

nacional.

ATIVIDADES

RESUMINDO

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Referências:

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ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993.

CÂNDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.

COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura/Juvenil: das origens Indo-Européias ao Brasil Contemporâneo. São Paulo: Ática, 1991.

GRIMM, Jakob. Contos de Grimm: animais encantados. Apresentação, Tradução e Adaptação de Ana Maria Machado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

LA FONTAINE, Jean de. Fábulas. Tradução de Ferreira Gullar. Rio de Janeiro: Revan,1999.

MOUSNIER, Roland; LABROUSSE, Ernest. O século XVIII, o último século do antigo regime. ...(Org). História geral das civilizações. Tradução de Vitor Ramos. São Paulo: DIFEL, (tomo V) 1961.

OLIVEIRA, Pedro Paulo de Oliveira. A construção social da masculinidade. Belo Horizonte; Rio de Janeiro: UFMG/IUPERJ, 2004.

RÉMOND, René. O Século XIX: 1815-1914. Tradução de Frederico Pessoa de Barros. São Paulo: Cultrix, 1976.

RENAN, Ernest. O que é uma nação. In: ROUANET, Maria Helena. Nacionalidade em questão. Universidade do Rio de Janeiro: IL, 1997.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social; Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e outros. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Col. Os pensadores.

SARAIVA, António José; LOPES, Óscar. História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto Editora, 1971.

REFERÊNCIAS

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Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus

ANEXOS

D’Alembert: Foi muito influenciado por Descartes, conservando, portanto, a visão mecanicista

do mundo, sendo a matéria, constituída de átomos que se repelem continuamente.

Fonte: www.algosobre.com.br/biografias/d-alambert.html)

Diderot: Denis Diderot (1713-1784), filósofo francês. Elaborou juntamente com D’Alembert

a “Enciclopédia ou Dicionário racional das ciências, das artes e dos ofícios”, composta de 33

volumes publicados, pretendia reunir todo o conhecimento humano disponível, que se tornou

o principal vínculo de divulgação de suas ideias naquela época. Também se dedicou à teoria

da literatura e à ética trabalhista.

Fonte: http://videociencia.wordpress.com/historia/iluminismo/

Voltaire: Pode ser considerado como o filósofo que encerra o espírito do século XVIII. Por

ser muito crítico da nobreza, foi exilado várias vezes. Em um desses exílios, teve contato,

na Inglaterra, com as ideias de Locke, onde escreveu as famosas Cartas Inglesas, também

chamadas de Cartas Filosóficas, criticando a política francesa. Foi um liberal convicto, ao

defender os direitos civis, ainda que para aquele momento visse a necessidade do Despotismo

Esclarecido, com a presença de filósofos junto ao rei.

Fonte: www.pensador.info/autor/Voltaire/

Montesquieu: Ainda que tenha nascido em uma família de nobres, tornou-se crítico da

monarquia absolutista e do clero. Sua obra mais significativa foi O espírito das leis, em que

propõe uma teoria de governo, baseada no constitucionalismo e na separação dos poderes. A

democracia como o filósofo concebeu via os poderes: executivo, legislativo e judiciário como

instâncias autônomas e comandadas por pessoas diferentes, para que fosse evitado o arbítrio

e a violência, levando-o a afirmar: “Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela

disposição das coisas, o poder freie o poder.”

Fonte: www.suapesquisa.com/biografias/montesquieu.htm

Rousseau: Alguns não veem o genebrino, radicado em Paris, como um enciclopedista

racional, na medida em que valoriza a natureza, ainda que critique o poder absolutista, vindo

a influenciar, já no Romantismo, seus escritores. Escreveu, entre outras obras: Discurso sobre

a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, na qual defende os homens

vivendo na natureza, sem a propriedade privada, responsável pela miséria e a escravidão.

Fonte: www.unicamp.br/.../cursos/rousseau2001/aso.htm

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Suas anotações

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UNIDADE II

A QUESTÃO DO CÂNONE E A LITERATURA INFANTO-JUVENIL

OBJETIVOIdentificar como a literatura infantil, em seu início, vincula-se à tradição ocidental, na linha platônica, ao dar ênfase a um conteúdo a ser “ensinado”.

1 INTRODUÇÃO

Nesta unidade, vamos mostrar a você como certa literatura

infantil mantém-se, por sua postura, na tradição do cânone literário,

quando se vincula à concepção de ver o artístico comprometido com

o conteudismo platônico; da mesma forma seu “menos valor”, ao ser

associada ao popular, por sua origem; à mãe ou à criança.

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Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil

2 O LITERÁRIO: DO MUNDO GREGO ÀS COMUNIDADES IMAGINADAS

Ainda que a literatura infanto-juvenil tenha surgido na

modernidade ocidental, vinculada aos interesses dos estados-nação

europeus, faz-se necessário retomar o conceito de literatura, para a

tradição greco-latina, que se confundia com a gramática (gramma),

pois significava, assim como litteratus, a arte de conhecer a

gramática e a poesia. Chega ao século XVIII, vinculada à noção

de valor, portanto, ao ideológico, na medida em que fazia parte

da formação educacional do cidadão. Ernest Curtius, em Literatura

Européia e Idade Média Latina, justifica a ligação da literatura aos

valores gregos:

Porque os gregos encontraram num poeta o refle-xo de seu passado, de seus deuses. Não possuíam livros nem castas sacerdotais. Sua tradição era Ho-mero. Já no séc. VI era um clássico. Desde então é a literatura disciplina escolar, e a continuidade da literatura européia está ligada à escola (1957, p.38).

Nada podia abalar essa integração entre o poético e o político,

pois a poesia, sendo simulacro, constitui imitação da aparência

e não da realidade, só se justificando se estivesse a serviço da

educação do povo grego. Com admissão da poesia em sua ágora,

que se adequasse à Lei e à razão humana, através dos hinos aos

deuses e em louvor aos homens famosos.

Platão, em diálogo com Glauco, afirma:

Quanto a seus protetores, que, sem fazer versos, amam a poesia, permitiremos que defendam em prosa e nos mostrem que não só é agradável, mas também útil, à república e aos particulares para o governo da vida. De bom grado os ouviremos, porque com isso só temos a lucrar, se nos puderem provar que aí se junta o útil ao agradável (PLA-TÃO,1994, p.403).

Simulacro

[Do lat. simulacru.]Substantivo masculino Ant. 1.Imagem de divin-dade ou personalidade pagã; ídolo, efígie. 2. Ação simulada para exer-cício ou experiência:um simulacro de vestibular. 3.Falsificação, imitação: Não passa de um simula-cro de herói. 4.Fingimen-to, disfarce, simulação. 5.Cópia ou reprodução imperfeita ou grosseira; arremedo: O cenário de O Guarani era apenas um simulacro de flores-ta brasileira; “Se, abas-tados e engrandecidos, viemos de humildes e po-bres, pretendemos mui-tas vezes fazer esquecer ao mundo o nosso berço; mas no abrigo familiar, deixada tão viciosa ver-gonha, abrimos o larário doméstico e tiramos dele os deuses da meninice, grosseiros simulacros das imagens paternas” (Alexandre Herculano, Opúsculos, V, p. 34-35). 6.V. fantasma (3).

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A filosofia platônica teve grande importância para a tradição ocidental. Leia o que vai abaixo e depois se informe mais sobre esse grande filósofo e suas obras.PLATÃO: nasceu em Atenas, em 428 ou 427 a.C., de pais aristocráticos e abastados, de antiga e nobre casta. Ao seu temperamento artístico deu, na mocidade, livre curso, que o acompanhou durante a vida toda, manifestando-se na expressão estética de seus escritos. Suas obras, até hoje, são objeto de análise e apreciação, a mais conhecida, entretanto, é A República, em que defende, na forma de diálogo, um modelo aristocrático de poder, governado pelos intelectuais.

Fonte: http://www.mundodosfilosofos.com.br/platao.htm

PARA CONHECER

SAIBA MAIS

O conceito de comunidades imaginadas trazido por Bene-dict Anderson embasa toda a argumentação desse estudio-so, nascido na China, filho de pais ingleses, para explicar como um modelo imposto, coletivamente, é seguido por todos como algo tido como na-tural e espontâneo.

Comunidades imaginadas: é o conceito que intitula uma obra de referência para os estudiosos das identidades nacionais e os processos de construção da nação. Ander-son tem repensado as bases para o estudo da identidade nacional com um estudo teó-rico e empírico sistemático e aprofundado. Aqui, Anderson coloca que as comunidades nacionais são produto de um processo de desenvolvimento político, social e cultural que resulta na geração de uma relação imaginária com seus concidadãos nas imediações do Estado-Nação. A recupera-ção do conceito de imaginação nega a conotação pejorativa do termo, em oposição à reali-dade (realidade versus imagi-nação). Anderson examina a base material da imaginação para entender como se confor-ma uma comunidade nacional. Fonte: http://www.netsaber.com. br/resumos/ver_resumo_c_54197.html

Coloca, portanto, o literário a serviço do ideológico, na

medida em que, para ter existência reconhecida, necessita ser

útil à sociedade grega na formação de seus concidadãos. A razão

deve conter a emoção, contrária a qualquer manifestação do

desejo, fazendo, entretanto, concessão ao Belo, Bom e Justo, ao

colocar o artístico em comum acordo com a ética. A literatura do

período romântico, por outro lado, endossará as ideias correntes

burguesas, e coloca-se disponível para compor as comunidades imaginadas (ANDERSON, 2008).

O romantismo reflete a ambiência então operante. O

romantismo alemão, - ainda que a princípio a Alemanha não

estivesse unificada - procura nas raízes folclóricas, na tradição

das narrativas orais, uma forma de sedimentar o seu cânone,

com o culto ao Volksgeist, com forte valorização do dado local.

Participantes do Círculo intelectual de Heidel-berg, Jacob e Wilhelm Grimm, - filólogos, gran-des folcloristas, estudiosos da mitologia germâ-nica e da história do Direito alemão – recolhem diretamente da memória popular as antigas narrativas, lendas ou sagas germânicas, con-servadas por tradição oral. [...].Buscando encontrar as origens da realidade his-tórica ‘nacional’, os pesquisadores encontraram a fantasia, o fantástico, o mítico... e uma gran-de Literatura Infantil surge para encantar crian-ças do mundo todo (COELHO, 1991 p.140).

É, nesse cenário, que Goethe propõe o conceito de

Literatura Universal (Weltliteratur), em atenção aos valores e

crenças da modernidade europeia, sustentados na nação e em

suas tradições, no progresso e na ciência.

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Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil

Dentro desse processo renovador, a criança é desco-berta como um ser que precisava de cuidados espe-cíficos para sua formação humanística, cívica, espiri-tual, ética e intelectual. E os novos conceitos de Vida, Educação e Cultura abrem caminho para os novos e ainda tateantes procedimentos na área pedagógica e na literária. Pode-se dizer que é nesse momento que a criança entra como um valor a ser levado em con-sideração no processo social e no contexto humano (COELHO, 1991, p.139).

Escritores como Charles Perrault, na França; os irmãos

Grimm, na Alemanha; Andersen, na Dinamarca; e Callodi, na

Itália; não hesitaram em voltar às raízes folclóricas medievais, na

linha de ação presa ao ideal da construção dos estados-nação, com

suas comunidades imaginadas. O idealismo romântico, então, acabou

por criar o mito da infância, esta vista como a idade de ouro do

ser humano, e, ao mesmo tempo, a adolescência (COELHO, 1991).

E a volta ao passado significou a pedra de toque necessária para

que a burguesia se impusesse; então, nada melhor do que a busca

em tempos imemoriais de suas narrativas e de suas manifestações

populares, como acontece com as produções dos primeiros escritores

voltados ao público infantil:

Charles Perrault, no século 17, [na França] e os ir-mãos Grimm, no início do século 19, [na Alemanha] se apropriam dos contos de fadas. Estes relatos fundam-se preferencialmente numa ação de proce-dência mágica, resultante da presença de um auxi-liar com propriedades extraordinárias que se põe a serviço do herói: uma fada, um duende, um animal encantado (ZILBERMAN; MAGALHÃES, 1984, p.15).

É o que ocorre, por exemplo, em O Gato de Botas, de Charles

Perrault, que traz em seu enredo o pragmatismo esperado para a

nova sociedade. Como afirma Nelly Novaes Coelho, em Literatura

Infantil: teoria, análise, didática (2000):

Em épocas de consolidação, quando determinado sistema se impõe, a intencionalidade pedagógica do-mina praticamente sem controvérsias, pois o impor-tante para a criação no momento é transmitir valores para serem incorporados como verdades pelas novas gerações (2000, p.47).

SAIBA MAIS

Volksgeist: segundo a Escola Histórica, o povo é um ser vivo marcado por forças interiores e silenciosas que segrega uma espécie de cons-ciência popular, o espíri-to do povo (Volksgeist). O povo é anterior e su-perior ao Estado e é do espírito do povo que bro-ta tanto a língua quanto o direito, consideradas produções instintivas e quase inconscientes que nascem e morrem com o próprio povo. No caso es-pecífico do direito, o cos-tume teria de ser mais importante do que a lei, porque o que emana do Volksgeist tem de estar numa posição superior aos próprios ditames do Estado.

Fonte: http://farolpolitico.blo-gspot.com/2007/09/ esprito-do-povo-volksgeist.html

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O conto O Gato de Botas reflete toda a necessidade de

impor um modelo de homem empreendedor, que soubesse

superar qualquer dificuldade. A narrativa gira em torno da

divisão de uma herança: tendo o pai falecido, deixou para

seus três filhos, os seguintes bens - um moinho, para o mais

velho; um burro, para o do meio; e um gato, para o mais

novo. O que fazer com um gato? Logo, o gato colocou-se

disposto a ajudar o seu dono:

De hoje em diante meu destino

É ao meu dono servir.

Hei de cobri-lo de ouro!

Basta de me divertir!

Com este saco de pano

Vou para o bosque distante.

Um cérebro que trabalha

Faz fortuna num instante.

(Fábulas Encantadas)

Figura 2.1. Edição de wallpaper “Shrek”. Gato de Botas

A partir daí, fez de tudo para promover o rapaz e, após mil

peripécias, acaba por aproximá-lo do rei e de sua filha, com quem se

casa e vivem felizes para sempre. O que está subjacente a esse conto é a

valorização da iniciativa, típica dos valores burgueses então em ascensão.

Não interessa sua origem, ou classe social, na qual você nasceu, basta o

talento, “Um cérebro que trabalha” que “Faz fortuna num instante”. É o

self-made men do sistema liberal, capitalista, pois, a princípio, “todos são

iguais perante a Lei”.

3 A LITERATURA INFANTIL E SUA FUNÇÃO PROPEDÊUTICA

A questão da literatura infanto-juvenil passa, necessariamente,

por aquilo que se atribui como literário e como não-literário de acordo

com a tradição ocidental, no qual estão incluídas as obras tidas como

canônicas, ancoradas em pressupostos que vem desde a Grécia antiga.

Nesse sentido, por um lado, essa literatura reedita a velha fórmula, que

vem de Platão do Docere cum delectare (= ensinar deleitando). Entretanto,

desde o seu início, padeceu de uma espécie de menos valia; talvez não

tanto por seu vínculo aos valores correntes, mas por sua origem, isto é, os

contos populares apresentavam domesticidade e função propedêutica, em que a figura da mãe era chamada como a primeira preceptora do filho

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32 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil

da burguesia e depois a escola assumia esse papel. Tal paradoxo,

entre o ideário do Liberalismo e a promoção dos direitos da mulher,

colocou-se de pronto, mesmo que o símbolo da Revolução tenha sido

a Marianne, eternizada em suas vestes desnudas por Delacroix.

O conceito de cânone literário esteve presente desde os gregos, como algo a ser seguido pelos escritores.

Canônicas: relativo ao cânone; termo derivado da palavra grega “kanon”, que designava uma espécie de vara com funções de instrumento de medida; mais tarde, o seu significado evoluiu para o de padrão ou modelo a ser aplicado como norma. É, no século IV, que encontramos a primeira utilização gene-ralizada de cânone: trata-se da lista de Livros Sagrados, que a Igreja cristã homologou como transmitindo a palavra de Deus, logo representando a ver-dade e a lei que devia alicerçar a fé e reger o comportamento da comunidade de crentes. Após a rejeição de certos livros, denominados apócrifos, o cânone bíblico tornou-se fechado, inalterável, distinguindo-se nesse aspecto do outro referente do cânone teológico, o conjunto de Santos Padres a que a Igreja Católica periodicamente acrescenta novos indivíduos, através de um processo chamado canonização. Importante para a história posterior do conceito é, pois, a ideia de que canônica é uma seleção (materializada numa lista) de textos e/ou indivíduos adotados como lei por uma comunidade e que lhe permitem a produção e reprodução de valores (normalmente ditos universais) e a imposi-ção de critérios de medida que lhe possibilitem, num movimento de inclusão/exclusão, distinguir o legítimo do marginal, do heterodoxo, do herético ou do proibido. Neste sentido, torna-se claro que um cânone veicula o discurso nor-mativo e dominante num determinado contexto, teológico ou outro, e é isso que subjaz a expressões como “o cânone aristotélico”, “cânones da crítica” etc. Acompanhando o processo de secularização da cultura em marcha desde o Renascimento, o conceito e o termo vieram progressivamente a ser aplicados ao domínio da literatura, muitas vezes, sob a forma de expressões como “os clássicos” ou “as obras-primas”. O cânone literário é, assim, o corpo de obras (e seus autores) social e institucionalmente consideradas “grandes”, “geniais”, perenes, comunicando valores humanos essenciais, por isso, dignas de serem estudadas e transmitidas de geração em geração. Tal definição é válida, quer se trate de um cânone nacional, presumindo-se que o povo se reconhece nas suas características específicas, quer se trate do cânone universal, o que signi-fica de fato, dada à própria origem histórica da categoria literatura, um cânone eurocêntrico ou, quanto muito, ocidental.Fonte: http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl/verbetes/C/canone.htm

O quadro, constante da Figura 2.2, retrata os representantes

da sociedade francesa da época e a Liberdade, encerrada em uma

mulher, seria uma espécie de síntese de todas as classes sociais.

O conto A Dama e o Leão, dos irmãos Grimm encerra as normas

comportamentais a serem seguidas pelos gêneros, com destaque

para valores como contenção, recato e incentivo à superação, e os

dotes a serem preservados pela mulher: beleza, modéstia, pureza.

SAIBA MAIS

Propedêutica:

adj. 1. Que serve de introdução; prelimi-nar.

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A narrativa apela sobremodo para o fantástico como solução para

os problemas existenciais enfrentados pelos personagens. Assim,

a menina pobre casa com o Príncipe, que se transveste de vários

bichos, como leão:

Ora, o leão era um príncipe encantado, que durante o dia era leão. Todo o seu séquito também se cons-tituía de leões. À noite, porém, reassumia a forma humana (s/d, p.81).

Entre outros animais, está a pomba:

Mas o leão disse que seria perigoso demais, pois se um raio de luz tocasse nele o transformaria em pom-ba, e ele teria de voar durante sete anos.[...]- Durante sete anos devo voar pelo mundo – disse-lhe a pomba.- A cada sete passos deixarei cair uma gota de sangue e uma pena branca, para te mostrar o caminho. Tu me seguirás e me libertarás. Dizendo isso, a pomba voou e saiu pela porta. Ela seguiu-a e a cada sete passos a ave deixava cair uma gota de sangue e uma pequena pena branca, a fim de mostrar o caminho (s/d, p.82).

Em certo momento, deixaram cair a pena branca e a gota

de sangue, com a pomba desaparecida. Para resgatá-la, a princesa

correu mundo. Foi ao sol, à lua, ao vento da noite, ao vento leste e ao

oeste. Aí o vento sul disse:

Figura 2.2. Delacroix La Libertè guidant le peuple.1830.Fonte: <http://fr.wikipedia.org/wiki/La_Libert%C3%A9_guidant_le_peuple>.

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Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil

- Vi uma pomba branca. Voou para o mar Verme-lho, onde se tornou de novo um leão, pois que os sete anos se passaram. E o leão está sempre lutando com um dragão que é uma princesa encantada (s/d, p.83).

E o vento deu-lhe mais conselhos, mas, infelizmente, quando

o dragão e a pomba tomaram a forma humana,

... a princesa que tinha sido dragão se viu livre do encanto, tomou o príncipe nos braços, sentou-se nas costas do grifo e levou-o embora. E a pobre viajan-te, mais uma vez abandonada, sentou-se e pôs-se a chorar (s/d, p.84).

No entanto, logo tomou uma resolução: “Para onde o vento

soprar eu irei, e enquanto o galo cantar eu procurarei e hei de achá-

lo” (p.84). E o vento levou-a a muitos lugares até chegar ao castelo

aonde o príncipe e a princesa iam se casar. Lá, solicitou um encontro

com o noivo e, enquanto esse dormia, falou ao seu ouvido: - Durante

sete anos te segui. Estive com o sol, com a lua, com os quatro ventos,

à tua procura. Ajudei-te a vencer o dragão, e agora me esquecerás?

(s/d, p.85).

O príncipe, de início, nada entendeu e perguntou ao camareiro

que sons tinham sido aqueles, que ouvira durante a noite, ao que

esse respondeu que lhe fora administrada uma droga sonífera, devido

à presença de uma pobre moça. Então, o príncipe ordenou que

permitisse a entrada novamente da moça em seus aposentos e que

gostaria de tomar mais uma vez os comprimidos para dormir. Nesse

tempo, ao começar a relatar sua história, o príncipe reconheceu a voz

de sua querida esposa e falou:

- Agora estou realmente livre, pela primeira vez. Tudo foi como um sonho, pois a princesa estrangeira lançou-me um encanto pelo qual esqueci de ti. Mas o céu, numa hora feliz, afastou de mim aquela ceguei-ra (s/d, p.86).

E foram felizes para sempre...

Badinter assinala a condição a que foram relegadas as

mulheres:

Sem dúvida, as mulheres foram as ‘deixadas-por-conta’ da Revolução. No momento em que o ideal re-

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volucionário colocava a igualdade formal abaixo das diferenças naturais, ao sexo resta o último critério de distinção. Os Judeus foram emancipados pelo de-creto de 27 de setembro de 1791, a escravidão dos negros abolida (nas colônias francesas) em 4 de fe-vereiro de 1794, mas, apesar dos esforços de alguns, a condição das mulheres não foi modificada. Os di-reitos do Homem, direitos naturais ligados à pessoa humana não as reconhece. O Código Civil de Napoleão (1804) manteve a desi-gualdade dos sexos [...]. Aos homens, os direitos; às mulheres, os deveres. O imperador interveio pes-soalmente para restabelecer em sua plenitude a au-toridade do marido, ligeiramente abalada no fim do século XVIII. Insistiu para que, no dia do casamento, a mulher reconhecesse claramente que devia obedi-ência ao marido (BADINTER, 1986, p. 212-14).

Sinalizam-se, assim, previamente, a ocupação dos lugares, em

que a polis, da sociedade administrada, continuava sendo a seara do

masculino, enquanto às mulheres ficava reservado, em uma espécie

de não-lugar, o foyer, o emparedamento do restrito. Como afirma

Almeida:

A ideologia burguesa intentou mantê-las confinadas no espaço

doméstico, e essa domesticidade era desejada e mantida a todo custo.

Positivistas e higienistas foram determinantes para conseguir alicerçar

a concepção da mulher-mãe, guardiã dos lares, mãe extremosa,

tudo o mais que se seguiu ideologicamente foi preservar o culto ao

feminino e manter a mulher intocada dos efeitos nocivos da vida

terrena, em um espaço próprio, no qual dominavam os sentimentos,

a espiritualidade e a superioridade do coração sobre a razão, o que

significava o cerne de sua existência (ALMEIDA, 2007).

Enquanto a mulher ocupava o espaço da invisibilidade,

“mulher-mãe, guardiã dos lares, mãe extremosa”, deixava o espaço

público livre para que o homem transitasse. Então, a literatura

infanto-juvenil surge nessa dimensão de dependência aos valores do

estado burguês, mas, a partir de uma não-cidadã, mas importante

no arranjo dos interesses postos, sobre uma criança. Ambos, mãe e

filho, são considerados infantis, vistos como menores, por isso, sem

voz, uma vez que infantil é aquele, que não é sujeito de sua própria

enunciação. O incentivo ao hábito de leitura ocorre paralelamente

para a mulher e para a criança, como símbolo de civilidade urbana:

[A] leitura, enquanto prática difundida em diferen-tes camadas sociais e faixas etárias, isto é, enquanto um procedimento de obtenção de informações [do] cotidiano e acessível a todos, e não raro erudito, é

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Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil

uma conquista da sociedade burguesa do século 18. A expansão do mercado editorial, a ascensão do jor-nal como meio de comunicação, a ampliação da rede escolar, o crescimento das camadas alfabetizadas – todos estes são fenômenos que se passam entre o Iluminismo, sendo esta filosofia a sistematização e culminância do processo civilizatório. O ler transfor-mou-se em instrumento de ilustração e sinal de civi-lidade (ZILBERMAN; MAGALHÃES, 1984, p.21).

A novela em verso Grisélidis, de Charles

Perrault, trata-se de uma fábula, no sentido de algo

fantasioso, do folclore francês, em que tece elogios

aos atributos femininos como a fidelidade, a paciência

e a submissão ao homem, bem nos moldes esperados

para esse gênero. Grisélidis não tem voz e o príncipe,

ao procurar a sua pretendente, valorizava a submissão

feminina ao esposo. É o que ele afirma:

Seus caminhos são tais, com tantas variantes,

Que uma só coisa eu encontrarei

Em que estão todas concordantes,

É em querer ditar a lei.

Ora, estou convencido, em nenhum casamento

Se pode ter felicidade

Quando os dois têm autoridade;

Se pois quereis que a ele dê consentimento,

Buscai-se jovem muito bela

Livre de orgulho e de vaidade,

De total obediência total,

De uma paciência sem igual,

E que não possua vontade;

Quando a encontrardes, casarei com ela.

(PERRAULT, 2007, p.22)

Apesar de toda a maldade do príncipe, que, por ciúme, lhe

rouba a filha e quase vem a se casar com ela, Grisélidis, a pobre

pastorinha, comporta-se com resignação:

Sois vós o meu Esposo, e meu Mestre, e Senhor,

(Diz ela suspirando e quase a esvaecer),

E, embora seja horrendo o que estejais a dizer,

Quero fazer-vos sabedor

Figura 2.3 - La Lecture (1869-1870), de Berthe Morisot.Fonte: <http://fr.wikipedia.org/wiki/Fichier:Berthe_Morisot_006.jpg>.

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De que o que eu mais prezo é vos obedecer.

(PERRAULT, 2007, p. 40)

Assim o príncipe chega a conceder a glória a Grisélidis,

reconhecendo-a como virtuosa, não por ela, mas por intermédio dele:

Maior será minha solicitude

Em prevenir os seus desejos

De que já foi a minha inquietude

Em oprimi-la de atos malfazejos;

E se por todo o sempre há de estar a memória

Dos desgostos que o seu coração tem sopeado,

Quero que ainda mais celebrem essa glória

Com que a virtude imensa eu lhe terei coroado.

(PERRAULT, 2007, p. 46)

Tais atitudes são endossadas porque dos homens eram

esperados vigor, coragem, perseverança, para que se tornassem

vencedores. Por isso,

Com a ascensão da burguesia, mais do que nunca a mulher passa a ser vista como um complemento do homem, que deveria ser aperfeiçoado e enobrecido pela afeição e o puro amor de uma mulher. Dessa foram ela se transforma em algo especialmente des-tinado à satisfação masculina (OLIVEIRA, 2004, p. 73).

O filósofo Michel Foucault, crítico da modernidade, questionou

não a relação da verdade com as coisas, mas a forma como os

discursos são instituídos como princípio de verdade na sociedade,

chamando atenção para como os jogos de verdade e exclusão são

engendrados, isto é, organizados socialmente:

Decifrar a história das idéias não é tanto visar um es-tabelecimento do verdadeiro e sim perceber arranjos que articulam jogos de verdade e de exclusão, que estabelecem o tolerado e o intolerável (apud DES-CAMPS, 1991, p.40).

Para Foucault, o poder não se encontra em instâncias

fechadas, isto é, em instituições, mas de forma difusa na estrutura

social. Roberto Machado, estudioso da teoria foucaultiana, adverte,

em Ciência e Saber: a trajetória da Arqueologia de Foucault (1981):

Foucault: Michel Fou-cault (1926-1984) foi pro-fessor de História dos Sis-temas de Pensamento no Collège de France de 1970 a 1984. Autor das seguin-tes obras, nas quais ana-lisa a construção da ver-dade – os biopoderes e as disciplinas - para o Oci-dente: História da loucu-ra (1961), As palavras e as coisas, uma arqueolo-gia das ciências humanas (1966), A Arqueologia do saber (1969), Vigiar e punir (1975) e História da sexualidade (1976).

Fonte: HUISMAN, 2000, p.16, p. 270, p. 271, p.422, p. 568.

PARA CONHECER

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Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil

O Estado não é o ponto de partida necessário, o foco absoluto que estaria na origem de todo tipo de po-der social e de que também se deveria partir para explicar a constituição dos saberes nas sociedades capitalistas (MACHADO, 1981, p.190).

Alerta-nos, entretanto, que o poder do Estado instituído em

uma sociedade também exerce sua coerção, sobre os cidadãos, entre

outras microfísicas, isto é, aquilo que não é percebido, mas que coage

para a manutenção de uma verdade. Então, as regras de sujeição

disciplinar vão determinar as fronteiras do permitido e do não

permitido, porque se embasam em pares que se opõem: alto/baixo,

claro/escuro, natureza/cultura, homem/mulher, centro/periferia. Em

Vigiar e punir, Foucault vai nos dizer que as disciplinas atravessam o

corpo social e a realidade mais concreta do ser humano – o próprio

corpo – como uma rede, sem que suas fronteiras sejam delimitadas,

através de:

“Métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que asseguram a sujeição con-stante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade” (FOUCAULT, 1977, p.139).

Logo, os estados-nação impõem uma norma comportamental

a ser vigiada e punida, em nome da ordem a ser mantida, tanto no

espaço doméstico quanto no público. Os primeiros textos voltados

para as crianças estiveram atrelados ao estado-nação e, portanto,

à pedagogia, pois: “O aspecto meramente lúdico de um texto não

justificava a publicação, apenas o critério de utilidade educativa

legitimava a difusão de histórias infantis” (ZILBERMAN, 1984, p.41).

A obra infantil, desse modo, assume o compromisso de

transmitir as regras, através do sonho, de que a criança necessitava

para transitar, de forma ajustada, na sociedade. Nesse sentido, a

fatura estética voltada para a petizada acaba por se encerrar em

duas chaves, uma voltada para a manutenção da ordem dominante, o

docere platônico; outra que enseja a ousadia, o delectare, devido ao

”mundo do faz de conta”, entretanto, pleno de verossimilhança, isto

é, à luz de Aristóteles em Arte Retórica e Arte Poética (1964), aquilo

que tem a aparência da verdade, no literário. Como afirma Coelho:

Os que são impelidos mais fortemente pelas forças da renovação exigem que a literatura seja apenas entretenimento, jogo descompromissado (pois é jus-tamente a atividade lúdica que tem por função de-sarticular estruturas estáticas, já cristalizadas com o tempo) (COELHO, 2000, p.47).

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Assim, o lúdico, puro jogo, descola o texto infantil do

pragmatismo ético-social, levando o leitor mirim à aventura espiritual,

à fruição estética.

ATIVIDADES

1. Comente a intenção de Charles Perrault, acerca de seus escritos,

a partir da seguinte citação de Contes du temps passé, avec

des moralités, publicado em 1697:

“... Houve pessoas que perceberam que essas bagatelas não

são simples bagatelas, mas que guardam uma moral útil e que

a narração que as conduz não foi escolhida senão para fazer

entrar (tal moral) de uma maneira mais agradável no espírito,

e de uma maneira que instrui e diverte ao mesmo tempo. Isso

me basta para não temer o ser acusado de me divertir com

coisas frívolas. Mas como há pessoas que não se deixam tocar

senão pela autoridade dos antigos...”

2. Leia o conto Os dois Irmãos, dos irmãos Grimm, e, a partir

dos fragmentos destacados a seguir, identifique o princípio

pedagógico que encerra o conteúdo da narrativa:

a) “Era uma vez dois irmãos, um rico e outro pobre. O rico era

ourives, e malvado até não poder mais. O pobre ganhava a

vida fabricando vassouras, e era bom e honesto” (GRIMM,

2002, p.25).

b) “Acontece que o ourives era esperto e sabia uma porção

de coisas. Sabia que tipo de pássaro era aquele” (GRIMM,

2002, p.27).

c) “Fique sabendo que esse pássaro não era como os outros.

Tinha uma coisa maravilhosa: quem comesse o coração e o

fígado dele passaria a achar, todas as manhãs, uma moeda

de ouro debaixo do travesseiro” (GRIMM, 2002, p.27).

d) “- Não há nada de mal nisso – disse o caçador - desde que

vocês continuem sendo bons e honestos e não comecem a

ficar preguiçosos” (GRIMM, 2002, p.29).

e) “- Seria muito melhor se quem não tivesse língua fossem

os mentirosos. As línguas de um dragão são a presa do

matador do dragão” (GRIMM, 2002, p.50).

ATIVIDADES

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Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil

f) “ – A misericórdia é mais importante que o direito. Pode

ficar com sua estalagem. E também vou lhe dar mil moedas

de ouro, de presente” (GRIMM, 2002, p.52).

g) “ Mas o caçador era muito esperto. Arrancou três botões de

prata do paletó e carregou a arma com eles, porque contra

a prata não havia poder mágico” (GRIMM, 2002, p.56).

h) “ Aí ele ficou sabendo como seu irmão lhe tinha sido fiel”

(GRIMM, 2002, p.58).

RESUMO

Foram mostrados, nesta Unidade II, a origem do cânone literário e

o modo como a Literatura infantil inseriu-se na tradição ocidental,

vinculada, ainda que a sua manutenção encerre uma certa

desvalorização em relação ao literário, sem adjetivação, talvez por

seu vínculo à sua origem popular, à figura da mãe, sem peso político,

fora do lar, e à criança, em sua dependência ao adulto.

Referências

ALMEIDA, J. S. de. Ler as letras: por que educar meninas e

mulheres? São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São

Paulo: Campinas: Autores Associados, 2007.

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre

a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução de Denise Bottman.

São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio

Pinto de Carvalho. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.

BADINTER, Elisabeth. Um e o outro. Tradução de Carlota Gomes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

RESUMINDO

REFERÊNCIAS

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de

COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura/Juvenil: das origens Indo-Européias ao Brasil Contemporâneo. São

Paulo: Ática, 1991.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática.

São Paulo: Moderna, 2000.

CURTIUS, Ernest. Literatura Européia e Idade Média Latina. Tradução de Teodoro Cabral. Rio de Janeiro: INL,1957.

DESCAMPS, Christian. As Idéias Filosóficas Contemporâneas na França. Tradução de Arnaldo Marques. Rio de Janeiro: Jorge Zahar

Editor, 1991.

FOUCAULT, Michel. Fábulas Encantadas. São Paulo: Abril Cultural,

1970.

FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Tradução de Luis Felipe

Baeta Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977.

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Tradução de Salma

Tannus Muchail. São. Paulo: Martins Fontes, 1999.

FOUCAULT, Michel. História da loucura. Tradução de José Teixeira

Coelho. São Paulo: Perspectiva, 2003.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Tradução de Lygia M. Pondé

Vassalo. Petrópolis: Vozes, 1977.

GRIMM, Jakob. Contos de Grimm: animais encantados. Apresentação,

Tradução e Adaptação de Ana Maria Machado. Ilustração de Ricardo

Leite. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

MACHADO, Roberto. Ciência e Saber: a trajetória da arqueologia de

Michel Foucault. Rio de Janeiro: Graal, 1991.

PLATÃO. A República. Tradução de Jair Lot Vieira. São Paulo:

EDIPRO,1994.

ZILBERMAN, Regina; MAGALHÃES, Lígia Cademartori. Literatura infantil: autoritarismo e emancipação. São Paulo; Ática, 1984.

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Suas anotações

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UNIDADE III

LITERATURA INFANTO-JUVENILE O LUDOS

OBJETIVOCompreender como o texto infantil pode despertar o prazer

estético, distanciando-se, assim, de um conteúdo pedagógico

de ensinamento.

1 INTRODUÇÃO

Nesta unidade, vamos apresentar a você uma visão mais

lúdica do texto da literatura infantil e como esse é capaz de despertar

o prazer estético em seu leitor.

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Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Intanfo-juvenil e o Ludos

2 DE ARISTÓTELES AO LUDOS

Se voltarmos aos conceitos aristotélicos, podemos dimensionar

a literatura infanto-juvenil além da ênfase conteudística, isto é, que

destaca o conteúdo inserido na obra, na linha da tradição platônica.

Aristóteles, discípulo de Platão, distancia-se do mestre em suas

colocações acerca do artístico. para ele, a literatura é verdadeira e

séria, por princípio, uma vez que o poeta se ocupa do que poderia ter

acontecido, segundo a verossimilhança ou a necessidade, e não com

o que aconteceu, como o faz o historiador.

Aristóteles: nasceu em Estagira, na península macedônica da Calcídica (por isso é também chamado de o Estagirita). Era filho de Nicômaco, amigo e médi-co pessoal do rei Amintas 2o, pai de Filipe e avô de Alexandre, o Grande. Aristó-teles mudou-se para Atenas, então o centro intelectual e artístico da Grécia, e estudou na Academia de Platão até a morte do mestre, no ano 347 a.C. Depois disso, passou algum tempo em Assos, no litoral da Ásia Menor (atual Turquia), onde se casou com Pítias, a sobrinha do tirano local. Sendo este assassinado, o filósofo fugiu para Mitilene, na ilha de Lesbos. Foi depois convidado para a Corte da Macedônia onde, durante três anos, exerceu o cargo de tutor de Ale-xandre, mais tarde “o Grande”. Em 355 a.C., voltou a Atenas e fundou uma escola próxima ao templo de Apolo Lício, de onde recebeu seu nome: Liceu. O caminho coberto (“peripatos”) por onde costumava caminhar enquanto en-sinava deu à escola outro nome: Peripatética. A escola se tornaria a rival e, ao mesmo tempo, a verdadeira herdeira da Academia platônica. Aristóteles é considerado um dos mais fecundos pensadores de todos os tempos. Suas investigações filosóficas deram origem a diversas áreas do conhecimento. En-tre outras, podem-se citar a biologia, a zoologia, a física, a história natural, a poética, a psicologia, sem falar em disciplinas propriamente filosóficas como a ética, a teoria política, a estética e a metafísica. As obras de Aristóteles que sobreviveram ao tempo foram obtidas a partir de anotações do próprio autor para suas aulas, de textos didáticos, de anotações dos discípulos, ou ainda de uma mistura de várias fontes. De suas obras, destacam-se Organon, dedica-da à lógica formal; Ética a Nicômaco (cujo título indica o tema; Nicômaco era também o nome de seu filho); Poética e Política.

FONTE: http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u190.jhtm

No capítulo IX da sua Arte Poética, que nos chegou de forma

incompleta, afirma:

[...] a poesia [isto é, a literatura] é mais filosófica e de caráter mais elevado que a história, porque a poesia permanece no universal e a história estuda apenas o particular (ARISTÓTELES, 1964, p.278).

Aristóteles, então, destaca a autonomia do artístico, na

medida em que o vê como uma unidade, um todo orgânico, em

transcendência com a realidade evocada. Por isso, o conceito de

PARA CONHECER

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nida

de

cópia, de mímesis, deve ser entendido semelhante a uma espécie

de recriação não assujeitada aos princípios da racionalidade, uma vez

que essa é capaz de criar um mundo coerente em sua universalidade,

com harmonia e perfeição.

MÍMESIS ou MIMESE. do gr. mímesis, “imitação” (imitatio, em latim), desig-na a ação ou faculdade de imitar; cópia, reprodução ou representação da na-tureza, o que constitui, na filosofia aristotélica, o fundamento de toda a arte. O fenômeno não é um exclusivo do processo artístico, pois toda atividade huma-na inclui procedimentos miméticos como a dança, a aprendizagem de línguas, os rituais religiosos, a prática desportiva, o domínio das novas tecnologias, etc. Por esta razão, Aristóteles defendia que era a mímesis que nos distinguia dos animais. Os conceitos de mímesis e poeisis são nucleares na filosofia de Platão, [ainda que Platão não tenha usado esses termos], na Arte Poética de Aristóteles e no pensamento teórico posterior sobre estética, referindo-se à criação da obra de arte e à forma como essa reproduz objetos pré-existentes. O primeiro termo aplica-se a artes tão autônomas e ao mesmo tempo tão próximas entre si, como a poesia, a música e a dança, nas quais o artista se destaca pela forma como consegue imitar a realidade. A mímesis pode indiciar a imitação do movimento dos animais ou o seu som, a imitação retórica de uma personagem conhecida, a imitação do simbolismo de um ícone ou a imitação de um ato musical. Esses exemplos podemos colher facilmente na literatura grega clássica. As posições iniciais de Platão, em A República, para quem a imitação é, sobretudo, produção de imagens e resultado de pura inspiração e entusias-mo do artista perante a natureza das coisas aparentemente reais (o que se vê em particular na comédia e na tragédia), e de Aristóteles, na Arte Poética, para quem o poeta é um imitador do real por excelência, mas seu intérprete, função que compete ao cientista, foram largamente discutidas até hoje. Em particular, a questão da poesia ainda permanece em aberto: seguimos com Platão se aceitarmos que a imitação fica no nível da lexis, ou seguimos com Aristóteles, se aceitarmos que todo o mundo representado ou logos está em causa e que não resta ao artista outra coisa que não seja descrever o mundo das coisas possíveis de acontecer, coisas a que chamamos verossimilhanças e não propriamente representações diretas do real? Os tratadistas latinos, como Horácio, defenderão o princípio aristotélico, reclamando que a pintura como a poesia (ut pictura poesis), por exemplo, são artes de imitação. O filósofo Jac-ques Derrida propõe uma reflexão mais radical sobre o conceito de mímesis: o real é, em síntese, uma replicação do que já está descrito, recontado, expresso na própria linguagem. Falar nesse caso de imitação do mundo é aceitar que repetimos apenas uma visão apreendida na linguagem. A semiótica contem-porânea substituiu o conceito de imitação pelo conceito de iconicidade nos estudos literários.

Fonte: http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl/verbetes/M/mimesis.htm

A obra tem o compromisso de transmitir as regras, entretanto,

plena de verossimilhança, isto é, à luz de Aristóteles (1964), aquilo

que tem a aparência da verdade, “mundo do faz de conta”, no literário,

de que a criança necessita para transitar, de forma, ajustada, na

sociedade. Nas palavras de Nelly Novaes Coelho; aliás já citada na

aula anterior:

SAIBA MAIS

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Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Intanfo-juvenil e o Ludos

Os que são impelidos mais fortemente pelas forças da renovação exigem que a literatura seja apenas entretenimento, jogo descompromissado (pois é jus-tamente a atividade lúdica que tem por função de-sarticular estruturas estáticas, já cristalizadas com o tempo) (COELHO, 2000, p.47).

Assim, o lúdico, puro jogo, descola o texto infantil do

pragmatismo ético-social, levando o leitor mirim à aventura espiritual,

à fruição estética. E o didatismo das produções voltadas às crianças

começa a ser refutado na metade do século XIX, em nome do lúdico,

“em obras como Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, [como As Aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi, A ilha do tesouro, de Robert L. Ste-venson e as histórias de Mark Twain: As aventuras de Tom Sawyer e As aventuras de Huckleberry Finn” (ZILBERMAN, 1984, p.41).

PARA CONHECER

Lewis Carroll: nasceu em Daresbury, Cheshire, 1832, e faleceu em Guildford, Surrey, 1898. Escritor e mate-mático britânico. Homem de caráter tímido adota esse pseudônimo para as suas obras literárias, o seu verda-deiro nome (Charles Lutwidge Dodgson) utiliza-o para as obras científicas. De formação universitária, é professor de matemática em Oxford e estudioso da lógica matemá-tica. Escreve diversos relatos de falsa aparência infantil, cuja matéria narrativa está, ilusoriamente, próxima do absurdo. Amador entusiasta da fotografia elabora vários álbuns de retratos de meninas; e para uma delas, Alice Liddell, escreve a sua obra mais famosa, Aventuras de Alice no País das Maravilhas (1845), conto de surpreen-dente originalidade. Outras obras do mesmo gênero são Through the Looking-Glass and What Alice Found There (continuação da anterior, cujo grande êxito compartilha), Sylvie and Bruno (carregada de um sentimentalismo moralizante) e The Hun-ting of the Snark. Esta última, que parece uma estranha poesia sem sentido, esconde possibilidades de interpretação simbólica que fascinam a crítica mo-derna. Carroll serve-se da capacidade infantil para observar a realidade com total ingenuidade, capacidade que utiliza para evidenciar os aspectos absurdos e incoerentes do comportamento dos adultos e para animar jogos encantado-res baseados nas regras da lógica.

Fonte: http://www.vidaslusofonas.pt/lewis_carroll.htm

Carlo Collodi: Carlo Lorenzini nasceu em Florença em 24 de novembro de 1826, numa família modesta. Com-pletados os estudos no seminário, colaborou em nume-rosos jornais, escreveu romances e peças de teatro. Co-meçou a dedicar-se à literatura para a infância em 1875; adotou, entretanto o pseudônimo de Collodi, nome da terra natal de sua mãe. A sua obra-prima, As Aventuras

Figura 3.1 - Lewis Caroll. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:LewisCarrollSelfPhoto.jpg>.

Figura 3.2 - Carlo Collodi. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/

Carlo_Collodi>.

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nida

de

de Pinóquio, foi inicialmente publicada em episódios no Giornale per i Bambini, surgindo em livro em 1883. Carlo Collodi morreu em Florença em 26 de outubro de 1890.

Fonte: <http://html.editorial-caminho.pt/show_autor__q1area_--_3Dcatalogo__--_3D_obj_--_3D319 19__q236__q30__q41__q5.htm>.

Robert L. Stevenson: (13 de novembro de 1850, Edim-burgo – 3 de dezembro de 1894, Apia, Samoa), foi um novelista, poeta e escritor de roteiros de viagem. Escre-veu clássicos como A Ilha do Tesouro, O Médico e o Mons-tro e As Aventuras de David Balfour também traduzido como Raptado. Nascido em Edimburgo, capital da Escócia, Stevenson era filho de um engenheiro e de uma pastora puritana. Tanto o pai como a mãe carregavam uma tradi-ção familiar em seus ofícios e isso determinou em muitos aspectos a vida do autor. Filho de engenheiro, ele acaba entrando, em 1866, na faculdade de engenharia de Edim-burgo. Lá, estuda e escreve durante 1871 e 1872 para o jornal universitário, o Edimburgh University Magazine, revelando seu gosto e talento para a literatura. No ano de 1873, após concluir a faculdade, Robert muda-se para a cidade de Londres, Inglaterra, pois sentia-se deslocado no ambiente familiar, marcado por um clima coercitivo e pela inexorável moral e religiosidade puritanas. Em sua curta estadia na cidade, passa a frequentar os salões literários para, algum tempo depois, partir por uma longa viagem pela Europa continental. O ano de 1876 é importante em sua vida particular, pois nesse ano conhece uma mulher norte-americana, Fanny Ousborne, com a qual se iria casar, em 1880, em São Francisco, Estados Unidos. Volta à Inglaterra e traz consigo a esposa e um enteado, chamado Lloyd. No ano seguinte, é internado na cidade de Davos, Suíça, para tratar sua tuberculose, que há anos o vinha acompanhando. A carreira de engenheiro, jamais exercida, é pre-terida pela de escritor, que, a partir de 1882, é marcada por uma acentuada pro-ficuidade. Conhece a notoriedade artística ao escrever, em 1886 The Strange case of Dr.Jekyll and Mr.Hyde, um de seus maiores sucessos literários. Com a morte do pai, em 1887, Stevenson retorna aos Estados Unidos, onde volta a tratar de sua tuberculose. No ano seguinte, aventura-se num veleiro em diversos arquipélagos do Pacífico-Sul, junto com a esposa e o enteado. Apaixonado pela paisagem para-disíaca se estabelece definitivamente nas Ilhas Samoa, em 1889. Morre, prematu-ramente, em 3 de dezembro de 1894, vítima de um ataque cardíaco.

Fonte: <http://cinema.sapo.pt/pessoa/robert-louis-stevenson/biografia>.

Mark Twain: Samuel Langhorn Clemens, mais conhecido como Mark Twain, foi um escritor estadunidense que nas-ceu na Florida, no dia 30 de novembro de 1835, e se criou às margens do rio Mississipi. Twain foi um aventureiro incansável, que encontrou em sua própria vida a inspira-ção necessária para sua obra literária. Aos doze anos, seu pai morreu, então, Mark largou os estudos e começou a trabalhar como aprendiz de topógrafo numa editora, onde começou a escrever seus primeiros artigos jornalísticos. Aos dezoito anos, saiu de casa para correr atrás de aven-turas e fortuna. Trabalhou como tipógrafo, como aprendiz de piloto de uma embarcação movida a vapor, até que a Guerra da Secessão (1861) interrompeu sua carreira de piloto. Em seguida, partiu para o oeste, em direção às montanhas de Nevada, onde trabalhou em campos de mi-neração. Seu desejo de enriquecer o levou a procurar ouro, sem muitos resulta-dos, fato que o obrigou a trabalhar como jornalista. Seu primeiro êxito literário aconteceu, em 1865, com um conto de curta duração, chamado A Célebre Rã Sal-tadora do Condado de Calaveras, que apareceu num periódico já assinado como Mark Twain. Como jornalista, viajou a São Francisco, onde conheceu o escritor

Figura 3.3 Robert L. Stevenson. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_Louis_Stevenson>.

Figura 3.4 - Mark Twain. Fonte: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Mark_Twain >.

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Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Intanfo-juvenil e o Ludos

Bret Harte, que o incentivou a prosseguir na carreira literária. Foi à Polinésia e à Europa, cujas experiências foram relatadas no livro Os inocentes no Estrangeiro (1869). Depois de se casar, em 1870, com Olivia Langdon, estabeleceu-se em Connecticut. Seis anos depois, publicou a primeira novela que lhe daria fama: As aventuras de Huckleberry Finn (1882), obra também ambientada nas margens do rio Mississipi, mas não tão autobiográfica como Tom Sawyer, sua obra prima e uma das mais destacadas da literatura estadunidense. É preciso destacar também Vida no Mississipi (1883) que, além de uma novela, é uma esplêndida evocação do sul, não isenta de crítica, consequência do seu trabalho como piloto. Com um estilo popular e cheio de humor, Twain contrapõe estas obras ao mundo idealizado da infância, inocente e ao mesmo tempo astuta, com uma concepção desencanta-da do homem adulto, do homem da era industrial, da era dourada, enganado pela moralidade e pela civilização. Contudo, nas obras que se seguiram, o sentido de humor e a ternura do mundo infantil dão lugar a um pessimismo e amargura cada vez mais evidentes, expressados com ironia e sarcasmo. Uma série de desgraças pessoais, como o falecimento de sua esposa e de uma de suas filhas, bem como falta de dinheiro, escureceram seus últimos anos de vida. Depois de publicar mais de 35 livros, Mark Twain faleceu, em Redding, no dia 21 de abril de 1910.

Fonte: <http://www.infoescola.com/biografias/mark-twain/>.

Alice no país das maravilhas narra o sonho de Alice, em que ela

cresce e diminui várias vezes, transitando por mundos nunca vistos:

Alice estava começando a se cansar de ficar ali sentada no barranco ao lado da irmã, sem nada para fazer. [...]Porém, quando o Coelho realmente tirou um relógio do bolso do colete, olhou as horas e seguiu caminho apre-ssado, Alice ergue-se de um pulo, ardendo de curio-sidade. Ela saiu correndo atrás dele pelo campo afora, alcançando-o bem a tempo de vê-lo pular para dentro de uma grande toca embaixo da sebe (2002, p.11).

A partir daí, Alice percorre: 2. A lagoa de lágrimas; 3. Uma corrida

política e uma história de cabo a rabo; 4. O Coelho envia um pequeno

emissário; 5. Conselhos de um Bicho-da-Seda; 6. Porco e pimenta; 7.

Um chá muito louco; 8. O campo de croquê da Rainha; 9. A história da

Tartaruga de Imitação; 10. A Quadrilha das Lagostas; 11. Quem roubou

as tortas? E, finalmente, 12. O depoimento de Alice; quando ela acorda

com a cabeça no colo da irmã:

- Este foi, certamente, um sonho curioso, querida - disse a irmã. - Mas já está ficando tarde. - Assim, Alice levantou e saiu correndo. [...]A grama alta farfalhou aos seus pés quando o Coelho Branco passou correndo. Ela podia ouvir o tilintar das xí-caras de chá enquanto a Lebre de Março e seus amigos compartilhavam sua interminável refeição e, a distân-cia, os soluços da infeliz Tartaruga de Imitação. Assim ficou sentada, de olhos fechados e meio acreditando, ela mesma, no País das Maravilhas, embora soubesse

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nida

de

que bastaria abri-los de novo, e a grama estaria far-falhando ao vento (2002, p. 90-91).

Essa narrativa distancia-se da pretensão

tradicional do didatismo, sem fechar-se em

uma intenção calcada na lógica da causa e do

efeito. Traz, através da ambigüidade, o sentido

não fechado da imprevisibilidade. Como, por

exemplo, na sentença lógica, em que Alice

conversa com o Gatinho de Cheshire, isto

é, gato fictício de sorriso largo, originário da

Cheshire, região da Inglaterra: “Bem, já vi

muitos gatos sem sorriso”, pensou Alice, “mas

nunca um sorriso sem gato” (2002, p.51). Isto

é, pode haver gatos que não sorriem, mas

aquele gato, com certeza, sorri.

3 A CRIANÇA COMO PERSONAGEM NA LITERATURA INFANTIL

Ligia Cademaroti Magalhães, em O Que é a Literatura Infantil,

esclarece que o uso de personagens infantis na literatura, voltado a essa

faixa etária, ocorre somente na segunda metade do século XIX, abrindo

espaço para o lúdico, com o aproveitamento do universo da criança:

A ligação entre o outro do narrador – o leitor – e o outro do leitor – o narrador – consiste num grande desafio de cuja superação também depende o estatuto literário do texto infantil. O entrecruzamento dessas duas vozes, juntamente a outras a que o texto pode dar espaço, não traria o caos, a dificuldade de compreensão, mas uma abertura para que muitas vozes se organizem – sufo-cando o discurso pedagógico persuasivo – e permitindo unidade na diversidade (CADEMARTORI, 1991, p. 24).

A voz da criança, enquanto leitor, é levada em conta e a necessidade

de impor um modelo comportamental vai sendo relativizado, em

contraponto com a visão do adulto. Nesse raciocínio, vemos também os

poemas de Cecília Meireles e Manuel Bandeira, escritores do modernismo

brasileiro, na linha sucessória dos escritores acima referidos, uma vez

que não se subjugam a nenhum preceito, além do que diz o próprio

texto, por não estarem presos a um referente imediato.

Figura 3.5 - Gatinho de Cheshire. Fonte: <http://www.portalwallpaper.net/wallpaper/EL-GATO-DE-CHESHIRE-wallpaper/>.

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Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Intanfo-juvenil e o Ludos

Colar de Carolina

Com seu colar de coralCarolina

Corre por entre as colunasda colina.

O calor de Carolinacolore o colo de cal,

torna corada a menina.

E o sol, vendo aquela cordo colar de Carolina,põe coroas de coral

nas colunas da colina.(Cecília Meireles)

O poema reproduzido, voltado para o público infantil, da

poetisa brasileira Cecília Meireles, enquadra-se em uma concepção

artística de que o texto vale por si só, não necessitando do contexto

que lhe dá origem. Do mesmo, consta a possibilidade inventiva da

criança diante do mundo e do trato com o código linguístico, muito

próxima das brincadeiras infantis das parlendas e das trava-línguas.

Parlendas: as parlendas são versinhos com temática infantil, recitados em brincadeiras de crianças. Possuem uma rima fácil e, por isso, são populares entre as crianças. Muitas parlendas são usadas em jogos para melhorar o re-lacionamento entre os participantes ou apenas por diversão. Muitas parlendas são antigas e, algumas delas, foram criadas há décadas. Elas fazem parte do folclore brasileiro, pois representam uma importante tradição cultural do nosso povo. Exemplo: Rei, capitão,/ soldado, ladrão./moça bonita/Do meu coração.

Fonte: http://www.suapesquisa.com/folclorebrasileiro/parlendas.htm

Trava-línguas: podemos definir os trava-línguas como frases folclóricas cria-das pelo povo com objetivo lúdico (brincadeira). Apresentam-se como um de-safio de pronúncia, ou seja, uma pessoa passa uma frase difícil para outro indivíduo falar. Essas frases tornam-se difíceis, pois possuem muitas sílabas parecidas (exigem movimentos repetidos da língua) e devem ser faladas rapi-damente. Esses trava-línguas já fazem parte do folclore brasileiro, porém estão mais presentes nas regiões do interior brasileiro. Exemplos: O rato roeu /a roupa do rei de Roma/. Atrás da pia tem um prato, um pinto e um gato./ Pinga a pia, para o prato, /pia o pinto e mia o gato/.Fonte: http://www.suapesquisa.com/folclorebrasileiro/trava_linguas.htm

SAIBA MAIS

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nida

de

O poema está estruturado em quatro estrofes, com números

variados de versos. A primeira estrofe compõe-se de quatro versos;

a segunda e a terceira estrofes, de três versos e a quarta e última

estrofe, de um verso. No nível fônico, a sonoridade é obtida, em rima

interna, aliterada, pela repetição indefinida do fonema consonantal

/k/: “Com seu colar de coral” (1º verso da 1ª estrofe); “Carolina”

(1º verso da 1ª estrofe); “Corre por entre as colunas” (1º verso

da 1ª estrofe); “da colina.” (1º verso da 1ª estrofe). “O calor de

Carolina” (1º verso da 2ª estrofe); “colore o colo de cal,” (2º verso

da 2ª estrofe); “torna corada a menina.” (3º verso da 2ª estrofe).

“E o sol, vendo aquela cor” (1º verso da 3ª estrofe); “do colar de

Carolina,” (2º verso da 3ª estrofe); “põe coroas de coral” (3º verso

da 3ª estrofe). “nas colunas da colina.” (único verso da 4º estrofe).

O poema “Debussy”, de Manuel Bandeira encanta-nos pelo

trato afetivo dado ao tema de seu texto, isto é, a ternura despertada

em um adulto diante dos movimentos inocentes de uma criança, que

se contenta com qualquer coisa para se distrair. Vejamos:

DEBUSSYPara cá, para lá...Para cá, para lá...

Um novelozinho de linha...Para cá, para lá...Para cá, para lá...

Oscila no ar pela mão de uma criança(Vem e vai...)

Que delicadamente e quase a adormecer o balança- Psiu...-

Para cá, para lá...Para cá e...

- O novelozinho caiu. (Manuel Bandeira)

Esse poema, de uma única estrofe, também se utiliza de recursos

poéticos fônicos, que remetem à simplicidade e à espontaneidade dos

movimentos infantis, com um novelo de linha nas mãos, “Oscila no

ar pela mão de uma criança” (6º verso); “(Vem e vai...)” (7º verso);

em que o verso “Para cá, para lá...” se repete por cinco vezes, e mais

uma parte “Para cá e...”, ao constatar o eu poético que a criança

dormiu, pois, logo em seguida “ – O novelozinho caiu.” (12º verso).

O poeta, ao se valer do nome do músico Debussy, como título

do poema, ao mesmo tempo em que presta uma homenagem ao

grande inovador da música clássica, a ele se contrapõe, por enfatizar

a simplicidade dos movimentos infantis com um novelo de linha nas

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52 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Intanfo-juvenil e o Ludos

mãos. Obtém, assim, uma espécie de antítese entre o simples (=

criança) e o complexo (= arranjos musicais), deixando que somente

a ternura se mantenha para o leitor. Dessa sorte, o poema não tem

a função de ensinar nada sobre os acordes inusitados obtidos pelo

artista francês, mas somente despertar o prazer estético no leitor.

Achille-Claude Debussy (1862-1918). Debussy nasceu em Saint-Germain-en-Laye (França) no dia 22 de agosto de 1862. É considerado o pai da música moderna, apesar de ter vivido no tempo da belle époque. Sua obra musical libertou-se dos cânones tradicionais, das repetições e das cadências rítmicas, tendo dado extraordinária importância aos acordes isolados, aos timbres, às pausas. Inovador, desenvolveu novas escalas e arranjos de orquestra em “blocos”, em vez de melodia ou contraponto precisos. Introduziu novos modos de tocar o piano. A única obra de Debussy que pode ser considerada como música absoluta no sentido de Beethoven - Brahms é o Quarteto de cordas, construído na forma cíclica, que ele inventou. Usa uma sucessão de acordes isolados, como o pontilhismo dos pintores impressionistas, em vez da seqüên-cia, conforme as regras da teoria. Desde então, a arte de Debussy foi cha-mada de Impressionismo. Suas obras consideradas mais impressionistas são Prèlude à l’Après-Midi d’un Faune (1894) e La Mer (1.904). Foi o compositor da poesia simbolista, musicando as Ariettes Oubliées e as Fêtes Galantes do poeta Verlaine. Os simbolistas franceses eram ferrenhos wagnerianos. O pró-prio Debussy, no início, admirava Wagner, mais tarde, censurou a primazia da orquestra, sufocando a voz humana, e a violenta efusividade dos sentimentos. Nesta época, escreveu a ópera Pelléas et Mélisande, que o tornou famoso. Todo o romantismo de Debussy é melhor visto no piano, onde seu estilo pianís-tico representa um mundo completo como o de Chopin e o de Schumann. Mais tarde, sua arte tornou-se mais áspera. A França, sacudida por movimentos nacionalistas, venerava Debussy, chamando-o de “Claude de France”, que teria derrotado os alemães, tirando-lhes a hegemonia no reino da música. Entre suas obras, podemos destacar: 24 Preludies; Estampes (1903), para piano; Música vocal: Pelléas et Mélisande (1902), Fêtes Galantes, nº 1 (1903) e nº 2 de (1904). Morreu em Paris, no dia 25 de março de 1918, no ano anterior ao da morte de Renoir.Fonte: http://www.angelfire.com/pa/genesis4/DEBUSSY.html

ATIVIDADES 1. Comente o conteúdo da seguinte citação:

A centralização da história na criança provocou out-ras mudanças: a ação tornou-se contemporânea, isto é, datada, e seu desdobramento apresenta o confronto entre o mundo do herói e o dos adultos. Desse modo, o leitor encontra um elo de ligação vi-sível com o texto, vendo-se representado no âmbito ficcional. A nova orientação foi bastante fértil, já que a evolução posterior da literatura infantil demonstra

PARA CONHECER

ATIVIDADES

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de

esta inclinação ao aproveitamento do universo da cri-ança ou de heróis que simbolizam esta condição (ani-mais, preferencialmente). O adulto não se viu banido do texto, pois os livros de aventuras continuam a atrair o leitor juvenil; porém, teve sua importância restringida no conjunto do gênero, fato que assi-nala a ascensão do adjetivo infantil como congênito à natureza dessa modalidade literária (ZILBERMAN; MAGALHÃES, 1984, p.87).

2. Leia os fragmentos abaixo reproduzidos de As aventuras de Tom

Sawyer, de Mark Twain e responda o que se pede, utilizando-os em

sua resposta:

“Enquanto Tom ceava e roubava torrões de açúcar sempre que podia,

tia Polly lhe fez várias perguntas cheias de malícia e muito profundas,

porque queria armar-lhe uma ratoeira e levá-lo a fazer revelações”

(1980, p.9).

“Chegou a casa tarde nessa noite e, ao trepar cautelosamente pela

janela, descobriu a tia à sua espera” (1980, p.15).

“Tom estava agora transformado num herói. Não ia correndo nem

saltitando, mas com ar digno, como compete a um pirata que se

sente o ponto de atração do público” ( 1980, p.149).

“- Isso é verdade. Mas não posso ouvir acusarem-no [Muff Potter]

dessa maneira, quando afinal não foi ele que fez aquilo” (1980, p.178).

“– Foi ele que disse a Jeff Thatcher e Jeff disse a Johnny Baker e

Johnny disse a Jim Hollis e Jim disse a Bem Rogers e Bem disse a um

preto; o preto é que me disse. E agora?

“- Ora! Todos eles mentem. Se não eles, pelo menos o preto. Eu não

o conheço, mas nunca vi um preto que não mentisse. Agora me conte

como é que o Bob Tauner fez isso” (1980, p.55).

“Que estranhas são as meninas! Nunca foi castigada na escola.

Imagine! Como se isso fosse uma grande coisa. Só uma menina,

mesmo. São todas muito sensíveis e medrosas” (1980, p.160).

a) Em que medida o menino da história se distancia de outros

narrados em histórias anteriores de um Charles Perrault

ou dos irmãos Grimm, por exemplo?

b) O menino pode ser considerado um herói?

c) Em qual(is) fragmento(s) se percebe uma visão datada, no

modo de narrar seres e problemas?

3. Leia o poema “O pingüim”, do poeta brasileiro Vinicius de Moraes:

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Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Intanfo-juvenil e o Ludos

a) De que modo o mundo da criança se faz presente

nestes versos?

b) Há alguma intenção de ensinamento ou somente o

lúdico é enfatizado?

O pingüim

Bom-dia, Pingüm

Onde vai assim

Com ar apressado?

Eu não sou malvado

Não fique assustado

Com medo de mim.

Eu só gostaria

De dar um tapinha

No seu chapéu jaca

Ou bem de levinho

Puxar o rabinho

Da sua casaca.

(Vinicius de Moraes)

RESUMONesta Unidade III, foi visto como o didatismo das produções

voltadas às crianças começa a ser refutado na metade do século

XIX, em nome do lúdico; através de obras como Alice no país das

maravilhas, de Lewis Carroll, As Aventuras de Pinóquio, de Carlo

Collodi, A ilha do tesouro, de Robert L. Stevenson e as histórias,

de Mark Twain: As aventuras de Tom Sawyer e As aventuras de

Huckleberry Finn.

RESUMINDO

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REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio

Pinto de Carvalho. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.

BANDEIRA, Manuel. Poesia Completa e Prosa. Volume Único. Rio

de Janeiro: Nova Aguilar, 1977.

CADEMARTORI, Ligia. O que é Literatura Infantil. São Paulo:

Brasiliense, 1991.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática.

São Paulo: Moderna, 2000.

LEWIS, Carroll. Alice no país das maravilhas. 2002.

MEIRELES, Cecília. Obra Poética. Vol. Único. Rio de Janeiro: Nova

Aguilar, 1987.

MORAES, Vinicius de. Poesia Completa e Prosa. Vol. Único. Rio de

Janeiro: Aguilar, 1980.

TWAIN, Mark. As aventuras de Tom Sawyer. Tradução de Luísa

Derouet. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

ZILBERMAN, Regina; MAGALHÃES, Lígia Cademartori. Literatura infantil: autoritarismo e emancipação. São Paulo: Ática, 1984.

REFERÊNCIAS

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Suas anotações

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UNIDADE IV

LITERATURA INFANTO-JUVENILE A REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA

OBJETIVOao final desta Unidade IV, você deverá identificar como a

reprodutibilidade técnica é capaz de permitir o acesso à herança

cultural da qual faz parte a literatura infantil.

1 INTRODUÇÃO

Nesta unidade, você terá acesso a informações sobre a

reprodutibilidade técnica tem papel preponderante na divulgação da

Literatura Infantil e se constitui em uma forma de democratização da

cultura.

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Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Infanto-juvenil e a reprodutibilidade técnica

2 A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E SEU ESTIGMA

A literatura infanto-juvenil, já afirmamos em outra ocasião,

surgiu - ainda que importantíssima para a imposição e a manutenção

do status quo dos estados-nação -, sob o estigma do menos

importante: o popular (por sua origem); a criança (a quem de

destina); a mulher, (mãe, primeira preceptora, responsável pelo lar)

e o suporte de veiculação (jornal, edições baratas, etc.). Em relação

a esse último aspecto, sobretudo quanto à reprodução em larga

escala dos textos literários, deve-se considerar a perspectiva crítica

de Walter Benjamin que, no capítulo, A obra de arte na era de sua

reprodutibilidade técnica, afirma:

Na medida em que ela multiplica a reprodução, subs-titui a existência única da obra por uma existência serial. E, na medida em que essa técnica permite à reprodução vir ao encontro do espectador, em todas as situações, ela atualiza o objeto reproduzido. [...] Seu agente mais poderoso é o cinema. Sua função social não é concebível, mesmo em seus traços mais positivos, e precisamente neles, sem seu lado des-trutivo e catártico: a liquidação do valor tradicional do patrimônio da cultura (BENJAMIN, 1994, p. 169).

Em contraposição à tradição estética da alta literatura,

reivindicaram as correntes teóricas atuais da literatura, por seu turno,

a ampliação investigativa, ao denunciarem a pretensão do literário de

estar imune ao alarido das ruas, destacando, exatamente o cunho

ideológico do cânone e a possibilidade da relativização das hierarquias

conceituais, que pré-determinaram a alta cultura, a cultura de massa

e a cultura popular, ainda que o aparato teórico dos estudos literários

tenha sido aplicado aos estudos de recepção midiática, no início das

investigações, atribuindo ao receptor da mensagem a função ativa

de mediador do sentido. Tal perspectiva acaba por desentronizar as

chamadas belas-letras, vistas abstraídas de uma contextualização

maior, pois, se a representação do chamado real constitui uma

produção discursiva, então, toda enunciação remete a um enunciado

comprometido com determinada formação ideológica, como quer o

pensamento pós-estruturalista.

E a quebra do cânone advém exatamente da reprodutibilidade

técnica. Walter Benjamin, nos anos quarenta do século passado,

quando os seguidores da Escola de Frankfurt atribuíam à técnica

algo danoso para a arte; ele, sem ser apocalíptico, vê o cinema e

a fotografia como um modo de democratizar a herança cultural da

Cânone

Já tratamos sobre o cânone na unidade II.

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humanidade, que ficou, por muitos séculos, restrita a uma ritualística

para poucos.

Figura 4.1 - Fotografia antiga. Fonte: Jornal A tarde On-line - Banda da Polícia Militar da Bahia

Figura 4.2 - Cena de filme antigo. Fonte: Filme “My fair lady” - 1965.

A literatura infanto-juvenil muito tem se aproveitado dos outros

suportes que não livro para a sua divulgação, ao mesmo tempo, para

a sua popularização, com a possibilidade de acesso a um contingente

maior da população infanto-juvenil. Isso porque: “O modo pelo qual se

organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas

condicionado naturalmente, mas também historicamente” (BENJAMIN,

1994, p. 169).

Não há como negar o poder de exposição que a arte ganhou.

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Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Infanto-juvenil e a reprodutibilidade técnica

Logo, a desierarquização ocorre no próprio fazer artístico, porque

esse não pode ser visto desarticulado da cultura, no sentido pleno

da palavra, enquanto solução de existência encontrada por seres

humanos em condições específicas. Assim, a fatura estética ganha

em amplitude e desvencilha-se, principalmente, a chamada erudita,

da pecha do elitismo. E a questão da iconicidade já se encontra na

própria ilustração dos livros infantis, ampliando, assim, o conceito

de leitura e de texto, da mesma forma que as histórias-em-

quadrinho ganham, na linha da exposição, no Brasil, com O Tico-

Tico, em 1905; fazendo-nos concordar com Nelly Novaes Coelho

de Panorama Histórico da Literatura Infantil/Juvenil: Das Origens

Indo-Européias ao Brasil Contemporâneo:

Essa valorização da imagem, no processo da apren-dizagem infantil, coincide com o aparecimento dos comics ou histórias-em-quadrinho, iniciando uma nova era no campo editorial. Nos Estados Unidos, o grande cartunista (Richard Felton) Outcault cria o Yellow Kid (1895) e, mais tarde, o Buster Bro-wn (1902). É este garoto crítico e contestador que, na versão brasileira, se transforma no ingênuo/travesso Chiquinho – personagem principal de O Tico-Tico, o primeiro jornal infantil em quadrinhos editado no Brasil (1991, p. 217-218).

No entanto, é, a partir da década de 1960, no governo de João

Goulart, na esteira da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional

(Lei nº 4.024, de 20/12/1961), que se propõe a democratização

do ensino, que ganham destaque as histórias-em-quadrinhos e o

teatro infantil, quase sempre, importados:

essa matéria estrangeira conta ainda com um mer-cado já “trabalhado” para consumi-la, pois seus heróis ou super-heróis são divulgados maciçamen-te através da televisão ou do cinema... (COELHO, 1991, p. 258).

Figuras 4.3 - Almanaque de O TICO-TICO. Fontes: <www.guiadosquadrinhos.com> e <www.universohq.com>.

A palavra Iconicidade é derivada de ícone. Para Peirce, um dos pais da Se-miótica, há três tipos de sig-nos: ícone, índice e símbolo O ícone é a coisa, o objeto, ser etc., representados por uma cópia similar ou não similar a eles. Por exemplo: a fotografia (cópia similar) do Monte Fuji. Ou uma ré-plica em miniatura do mon-te. Ou ainda um desenho, pintura... O índice, como a palavra explica, é o índice da coisa, objeto, ser etc. É o que os representa de for-ma mais “íntima” ou apro-ximada. Por exemplo: uma mecha de cabelo cortada é o índice de uma pessoa. O cheiro de churrasco é índice de que estão a assar carne. A fumaça é índice de fogo. O símbolo é todo o signo convencionado.

Fonte: <http://pt.shvoong.com/social-sciences/1671942-semi

%C3%B3tica/>.

SAIBA MAIS

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Em termos de produção, eminentemente, nacional, contamos

com Ziraldo e seu Pererê e, depois Zeróis, em sua crítica aos super-

heróis norte-americanos. Entretanto, façanha maior fica para Maurício

de Sousa Produções Ltda., responsável pela Turma da Mônica, além de

outros personagens.

SAIBA MAIS

Pererê: A Turma do Pererê foi lançada na revista O Cruzeiro, em 1959, e se tornou o marco do quadrinho nacional. Criada pelo cartu-nista Ziraldo, a coleção conta as travessuras de um grupo de amigos na Mata do Fundão. Pererê, um menino negro inspirado na figura folclórica do Saci, e seus amigos; o índio Tininim, o macaco Alan, a onça Galileu, o jabuti Moacir, a Boneca-de-Piche, a mãe Docelina vivenciam situações que estão no cotidiano das crianças, mas difíceis de tratar tanto na escola quanto em casa. Entre os assuntos, abor-dados com naturalidade por Ziraldo, estão saúde, ética, pluralidade cultural, preservação da natureza e drogas. Para o autor, a coleção procura ser uma nova abordagem na relação da escola com o aluno, uma extensão do aprendizado, uma inserção criança em um univer-so de curiosidade e emoção. Nas histórias de Ziraldo, aprendemos também com as brigas de seus personagens. Acompanhe a discussão entre Saci-Pererê e seu desafeto, o arrogante e chato duende irlan-dês. Os amigos fazem mil conjecturas sobre o motivo do mau-humor de nosso herói, por quem sentem imenso carinho. Daí tanta preocu-pação ética. Percebe-se a velada crítica do autor quanto ao desprezo dos estrangeiros, principalmente europeus, pelo Brasil em relação ao meio ambiente, considerando tudo o que já provocaram em seu pró-prio continente. A Turma do Pererê foi adaptada para TV, com estilo opereta e teve a direção de Guto Graça Mello, com direção geral de Augusto César Vannucci e produção de Gabriela Vannucci, veiculado pela Rede Globo em 12 de outubro de 1983.Fonte: <http://ebooksgratis.com.br/quadrinhos/quadrinhos-a-turma-do-perere-quiproquo-ziraldo/>.

Figuras 4.4 - Turma do Pererê. Fomte: <http://casaziraldodecultura.blogspot.com> e arquivos UAB.

Turma da Mônica: quem nunca se divertiu com a brabeza da Mônica, as trapalhadas do Cebolinha ou o jeito caipira do Chico Bento? Os personagens fazem parte da imaginação das crianças e de tantos adultos, que acompanham a evolução da Turma da Mônica. O criador desta turma divertida e de muito mais é o desenhista Mauricio de Sousa. Além das revistas, ele está na telona com o CineGibi, um filme onde Franjinha, o garoto inventor, resolve ler gibis com os quadrinhos em movimento. Wanessa Carmargo, Luciano Huck, a dupla Pedro e Thiago e a modelo

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Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Infanto-juvenil e a reprodutibilidade técnica

Fernanda Lima fazem participações especialíssimas. Para a alegria da garotada, o filme já está em DVD e traz, ainda, uma versão na língua de sinais, para ser entendida pelos deficientes. Recentemente, a Turma ganhou um reforço: Xaveco, filho de pais separados, que estreou nas bancas em setembro. As novidades não param. O desenhista apresentou ao então ministro da Cultura Gilberto Gil o projeto Turma da Mônica na TV, uma série de 60 programas educativos e culturais para crianças de três a 12 anos. Mauricio de Sousa, pai de dez filhos e bisavô de Daniel, tem um carinho especial por todos os seus personagens. Agora, anuncia a chegada de mais dois: Bloguinho, menino que fala “internetês”, a linguagem da Internet, e Dorinha, uma menina cega. “Ela vai mostrar às crianças como ouvir as coisas do mundo e ensinar a se tratarem de igual para igual, independentemente de serem portadoras de alguma deficiência física”, diz Mauricio. Filho de poetas, Mauricio começou a carreira ainda jovem, desenhando cartazes e pôsteres. Além de ajudar no orçamento doméstico, ele sonhava em se tornar um desenhista profissional. O primeiro sucesso foram as tiras em quadrinhos com o cãozinho Bidu e seu dono. Depois vieram Cebolinha, Piteco, Chico Bento, Penadinho e, mais tarde, Horácio, Raposão e Astronauta. Mas foi em 1970 que Mauricio criou seu principal personagem, a dentucinha Mônica. Dois anos depois, Cebolinha, Magali, Pelezinho e muitos outros. Uma grande e divertida turma que faz sucesso até no exterior. “Nossas histórias já estão nos Estados Unidos em vários países da Europa, como Grécia e Itália e até no Japão”.

Fonte: http://www.monica.com.br/mural/leitura.htm

Retomando-se as considerações do filósofo Walter Benjamin,

o poder de exposição, de que ele já falava (1994), quando analisou

a obra do poeta francês Baudelaire, ainda no século XIX, refletiu a

tendência da reprodutibilidade técnica trazida pela industrialização

do Ocidente.

Reprodutibilidade técnica: A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica, ensaio publicado em 1936, é o mais conhecido e citado dos textos do filósofo alemão Walter Benjamin. Benjamin discute, nesse artigo, as novas po-tencialidades artísticas -- essencialmente numa dimensão política -- decorren-tes da reprodutibilidade técnica. Em épocas anteriores, a experiência da obra de arte era condicionada pela sua «aura», isto é, pela distância e reverência que cada obra de arte, na medida em que é única, impõe ao observador. Pri-meiro - nas sociedades tradicionais ou pré-modernas - pelo modo como vinha associada ao ritual ou à experiência religiosa; depois - com o advento da socie-

Figuras 4.5 - Turma da Mônica. Fonte: <http://www.turmadamonica.com.br>.

SAIBA MAIS

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dade moderna burguesa - pelo seu valor de distinção social, contribuindo para colocar num plano à parte aqueles que podessem aceder à obra «autêntica». O aparecimento e desenvolvimento de formas de arte (começando pela foto-grafia) em que deixa de fazer sentido distinguir entre original e cópia traduz-se no fim dessa «aura», o que liberta a arte para novas possibilidades, tornando o seu acesso mais democrático e permitindo que contribua para uma «politização da estética», contrariando a «estetização da política» típica dos movimentos fascistas e totalitários dominantes no momento em que Benjamin escreve esse ensaio.

Fonte: http://www.babylon.com/definition/A_obra_de_arte_na_era_de_sua_reprodutibilidade_t%C3%A9cnica/Portuguese

É o que nos diz Nelly Novaes Coelho em Literatura Infantil:

teoria, análise, didática:

Notemos que não há meio de comunicação de massa eficaz que não tenha, como fundamento, um texto, isto é, uma rede de idéias que só as palavras po-dem expressar. Sem palavra que a nomeie, não há imagem que se comunique com eficácia; pois, sem corresponder a uma representação mental/verbal na mente do espectador, a imagem não significa nada (COELHO, 2000, p.11).

O uso dos meios de comunicação de massa, como veiculadores

de literatura infantil, se intensifica, sobremodo, com o final da Segunda

Guerra Mundial, em 1945, principalmente, através da adaptação de

clássicos pelos estúdios do Walt Disney. No Brasil, durante os anos

50, do século passado,

Quando o costume-da-leitura, como fonte de lazer, já começava a desaparecer, devido à crescente voga das histórias-em-quadrinhos e da televisão, a cria-ção lobatiana conhece uma nova face. Em 1952, Jú-lio Gouveia e Tatiana Belinky iniciam, na TV Tupi-São Paulo, a série de teleteatro O Sítio do Pica-Pau Ama-relo, que durante anos (até 1964) encantou crianças e adultos (COELHO, 1991, p.228).

Walt Disney: nasceu em 5 de dezembro de 1901 em Chicago, Ilinois. Depois do nascimento de Walt, a família Disney mudou-se para Marceline Missouri, onde viveu a maior parte da sua infância. Walt tinha interesses muito cedo pela arte. Costumava vender seus desenhos para os vizinhos para ganhar dinheiro extra e exerceu a carreira artística, estudando arte e fotografia, indo estudar no McKinley High School, em Chicago. Walt começou a amar e apreciar a na-tureza e a vida selvagem, pois viveu em área agrária. Seu pai era bastante severo e muitas vezes havia pouco dinheiro, mas Walt foi incentivado por sua mãe e por seu irmão mais velho, Roy, a desenvolver seu talento artístico. Du-rante o outono de 1918, Disney tentou se alistar no serviço militar, entretanto,

SAIBA MAIS

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Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Infanto-juvenil e a reprodutibilidade técnica

foi rejeitado por estar na época com dezesseis anos. Depois de fazer sucesso em 1925, com Comédias de Alice, Walt se tornou uma figura reconhecida em Hollywood. Em 1932, com a produção intitulada Flowers and Trees (a primeira cor cartoon), Walt ganhou o primeiro estúdio da Academy Awards. Em 1937, lançou The Old Mil e Branca de Neve e os Sete Anões, primeiro longa-metragem de animação musical, estreado no Theater, em Los Angeles Carthay. A seguir, conclui outros longa-metragens de animação, como os clássicos Pinóquio, Fan-tasia, Dumbo e Bambi. Inaugura a Disneyland Park em 1955. Walt Disney foi pioneiro na televisão, em 1954, ao utilizar cores em sua programação, através do Wonderful World of Color. Trata-se de um herói popular do século 20 e po-pularidade no mundo inteiro deve-se às características de sua personalidade, como imaginação, otimismo, criação e self-man, que representa a tradição americana de empreendedor.

Fonte: www.justdisney.com/walt_disney/

O Sítio do Picapau Amarelo já ganhou várias adaptações até

hoje, através de várias mídias (TV, DVD), em que o poder imagético

pode, muitas vezes, suscitar a vontade de acesso à leitura dos livros

de Monteiro Lobato.

Figuras 4.6 - Walt Disney e Produção Walt Disney Psctures.Fontes: http://disney-site.com/disneypics/> e <http://planetadisney.com.br>.

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A reprodutibilidade técnica, inegavelmente, foi capaz

de fazer chegar a cultura a contingentes inimagináveis. A

literatura infanto-juvenil, antes restrita a poucas crianças,

hoje está acessível em vários suportes, que vão do papel

às várias mídias; seja através da compra, seja através do

aluguel em locadoras, seja ainda através do empréstimo em

acervo de bibliotecas.

Acesse o site da Rede Glo-bo, em que consta a me-mória das várias edições do Sítio do Pica-Pau Amarelo: <http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-252780,00.html>.

PARA CONHECER

Hoje vivemos direcionados pela imagem, pelo ícone, levando-

nos a acreditar que as atuais agências de propaganda são as

verdadeiras depositárias dos velhos manuais de estilo e estética que

balizaram a escrita artística anterior; e, ao mesmo tempo, assistimos

à dissolução do autor na medida em que as produções artístico-

tecnológicas ocorrem em equipe e todos os envolvidos assinam o

produto final, inclusive o receptor que promove a completude de

sentido; da mesma forma que tais produções não estão imunes à

lógica capitalista da globalização. Convivemos com um Estado cada

vez mais minimalista, que se desvencilhou das funções do Estado-

nação, deixando, para os movimentos sociais de base e ONGs

nacionais e internacionais, o lugar antes ocupado por instâncias

de poder. Assistimos à queda das utopias, tanto de direita quanto

de esquerda, pois essas não foram capazes de gerar, de fato, o tão

esperado bem-estar para todos; ainda que a pretensão fosse, no caso

da direita, o pluribus unum, isto é, muitos vistos com um, quando

os limites territoriais e a línguas nacionais constituíam fortes marcos

identitários. Isso nos leva à constatação de que o ideário iluminista

Liberdade-Igualdade-Fraternidade, só conseguiu colocar-se em

parte, pois o Estado burguês, em nome da Liberdade e da Igualdade,

esqueceu a Fraternidade; por outro lado, o comunismo privilegiou a

Igualdade, com uma única classe social, mas obliterou a Liberdade e

a Fraternidade.

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ATIVIDADES

1. Leia o conto A bela adormecida, dos irmãos Grimm, e depois

assista ao filme de mesmo nome, produzido por Walt Disney,

disponível em <http://www.4shared.com/file/i_K0Nuii/A_Bela_

Adormecida__Portugus__C.htm> e responda às seguintes

questões:

a) Qual o apelo feito na narrativa em relação aos valores

passados ao leitor mirim?

b) As personagens pertencem a quais estratos sociais?

c) Há predominância etnocêntrica nesta obra?

d) A adaptação feita por Walt Disney é fiel à dos irmãos

Grimm?

e) De que modo a reprodutibilidade técnica é capaz de

democratizar a literatura infantil?

f) Como a linguagem icônica se faz presente no filme A

bela adormecida de Walt Disney?

2. Na década de 1980, a Rede Globo de Televisão levou ao ar um

especial contendo poemas infantis musicados de Vinicius de

Moraes. Tal programa gerou, inclusive, um LP (Long Play) em vinil,

com grande aceitação pela garotada. Primeiro, leia alguns dos

poemas utilizados no programa, abaixo reproduzidos, constantes

de Poesia Completa e Prosa (1980), do poeta e depois, assista ao

vídeo e responda ao que se pede:

O girassol

Sempre que o sol Pinta de anil Todo o céu O girassol

Fica um gentil Carrossel.

O girassol é o carrossel das abelhas.

Pretas e vermelhas

Ali ficam elas Brincando, fedelhas

Nas pétalas amarelas.

ATIVIDADES

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— Vamos brincar de carrossel, pessoal?

— “Roda, roda, carrossel

Roda, roda, rodador Vai rodando, dando mel Vai rodando, dando flor”.

— Marimbondo não pode ir que é bicho mau!

— Besouro é muito pesado! — Borboleta tem que fingir de borboleta na entrada!

— Dona Cigarra fica tocando seu realejo!

— “Roda, roda, carrossel Gira, gira, girassol

Redondinho como o céu Marelinho como o sol”.

E o girassol vai girando dia afora . . .

O girassol é o carrossel das abelhas.

(Vinicius de Moraes)

O relógio

Passa, tempo, tic-tac Tic-tac, passa, hora Chega logo, tic-tac

Tic-tac, e vai-te embora Passa, tempo Bem depressa

Não atrasa Não demora Que já estou

Muito cansado Já perdi

Toda a alegria De fazer

Meu tic-tac Dia e noite Noite e dia

Tic-tac Tic-tac

Tic-tac . . .

(Vinicius de Moraes)

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68 Módulo 5 I Volume 1 EAD

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A foca

Quer ver a foca Ficar feliz?

É pôr uma bola No seu nariz

Quer ver a foca Bater palminha?

É dar a ela Uma sardinha

Quer ver a foca Comprar uma briga?

É espetar ela Bem na barriga

Lá vai a foca Toda arrumada Dançar no circo Pra garotadaLá vai a foca

Subindo a escada Depois descendo Desengonçada

Quanto trabalha A coitadinha Pra garantir Sua sardinha

(Vinicius de Moraes)

Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=7AWBY711mfw>; http://www.youtube.com/watch?v=rcBcKLiD95Y>; <http://www.www.youtube.com/watch?v=kpjn6SRFts0>; <http://www.radio.uol.com.br/#/album/vinicius-de-moraes/a-arca-de-noe-de-vinicius-de-moraes/17784>.

a) A ênfase é dada ao conteúdo desses textos, em um princípio

pedagógico, ou prima pelo uso lúdico da palavra?

b) A reprodutibilidade técnica, ao colocar os poemas de Vinicius

de Moraes em um grande veículo de comunicação, foi capaz

de expô-los a um público maior? Explique:

c) Podemos dizer que o LP, gerado pelo programa, teve, para

os poemas, um poder de exposição maior do que a mídia

televisiva? Por quê?

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RESUMO

Nesta Unidade IV, foi vista a forma como a reprodutibilidade

técnica, por seu poder de exposição, intensifica a divulgação e acesso

da Literatura voltada para o público infantil.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio

Pinto de Carvalho. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.

BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. Tradução de José Martins Barbosa e Hemerson Alves

Baptista. São Paulo: Brasiliense, 1989.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre

literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet.

Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense,1994.

COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura/Juvenil: das origens Indo-Européias ao Brasil Contemporâneo. São

Paulo: Ática, 1991.

MORAES, Vinicius de. Poesia Completa e Prosa. Vol. Único. Rio de

Janeiro: Aguilar, 1980.

RESUMINDO

REFERÊNCIAS

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Suas anotações

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UNIDADE V

A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

OBJETIVOAo final desta Unidade V, você deverá identificar o vínculo da

literatura infantil no Brasil aos pressupostos do estado-nação,

bem como o uso dessa literatura para fins pedagógicos e a

mudança trazida por Monteiro Lobato.

1 INTRODUÇÃO

Nesta unidade, serão apresentadas a você informações sobre

o início da formação do Estado-nação brasileiro em consonância

com os valores correntes burgueses, a partir da vinda da família real

portuguesa, em 1808. O vínculo estabelecido com a Europa levou

nossos intelectuais a reproduzirem um modelo que não nos refletia,

entretanto, a alteração ocorreu com Monteiro Lobato na concepção

de Brasil.

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Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação do estado brasileiro

2 A FORMAÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO BRASILEIRO

A família real chega ao Brasil, em 1808, trazendo, em sua

bagagem, gosto e refinamento pertencentes aos modos cortesãos

europeus. Em 1815, o Brasil é elevado a Reino Unido de Portugal,

Brasil e Algarves e a nossa Independência política de Portugal ocorre

em 1822, influenciada pelo ideário burguês da revolução de 1789,

com a posterior Proclamação da República em 1889. Foi a maneira

encontrada de transitar, no âmbito do poder instituído, em um quadro

maior de ocidentalização, tanto na Colonização e no Império, quanto

na República. Sérgio Buarque de Holanda auxilia-nos na explicação

desse quadro:

A presteza com que na antiga colônia chegara a con-fundir-se a pregação das ‘idéias novas’, e o fervor com que em muitos círculos elas foram abraçadas às vés-peras da Independência, mostra de modo inequívoco a possibilidade que tinham de atender a um desejo insofrido de mudar, à generalizada certeza de que o povo, afinal, se achava amadurecido para a mudança. Mas também é claro que a ordem social expressa por elas estava longe de encontrar aqui o seu equivalente exato, mormente fora dos meios citadinos (1977, p. 77-78).

Sérgio Buarque estava convicto de que dependíamos,

integralmente, das ideias teóricas de fora e que as relações

socioeconômicas também nos eram impostas, restando às nações

colonizadas, como a nossa, a convivência com noções bipolares

hierarquizadas, em que pares dicotômicos se excluem - fazendo

com que o segundo elemento, que nos caracteriza, esteja sempre

em desvantagem em relação ao primeiro, como metrópole e colônia,

progresso e atraso, desenvolvimento e subdesenvolvimento,

modernização e tradicionalismo, hegemonia e dependência,

fortemente marcados por um etnocentrismo, em que não é levada

em consideração, no sentido mais amplo que se lhe possa atribuir

a categoria de alteridade. E essas ideias foram assimiladas por uma

elite que as alinhou ao aparelhamento do novo Estado Nacional. Esses

dois Brasis, apontados por ensaístas dessa época: um retrógrado, real,

ligado ao autoritarismo da época colonial; e o outro legal, com aparato

burguês de cidadania, não são devidos ao arremedo imitativo de nações

mestiças; pouco dadas à criação constitutiva do novo, mas à condição

mesma histórica de país periférico, ocupando o Sul da América, uma

vez que as ideias importadas serviam para legitimar qualquer tipo de

arbítrio por parte dos interesses de determinada classe.

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Assim, a Literatura, como manifestação cultural, vai, ao

longo de seu desenvolvimento, reforçar o pensamento hegemônico.

Joaquim Nabuco chega a afirmar que:

O sentimento em nós é brasileiro; a imaginação é européia. As paisagens todas do Novo Mundo, a flo-resta Amazônica ou os pampas argentinos não valem para mim um trecho da Via Appia, uma volta da estrada de Salerno e Amálfi, um pedaço do cais do Sena à sombra do velho Louvre (apud RIBEIRO, 1984, p.51).

Via Áppia: Das muitas maravilhas que a Roma antiga legou ao mundo de hoje, a Via Appia Antiga destaca-se pela importância que teve ao longo da história e chama a atenção pela excelente técnica de sua construção, o que permite que possamos percorrer seus cerca de 90 quilômetros praticamente retilíneos até hoje. Ligando Roma ao Sul da Itália, a estrada parte de Termas de Carcalla, passa por Terracina, Cápua, na região da Campanha, passa por Benevento e vai até Brindisi, cidade que era o início da rota oriental dos romanos. Original-mente batizada ‘Regina viarium’, ou rainha de todas as ruas, a construção da via foi iniciada em 312 a.C. por um político chamado Appio Claudio, cujo nome mais tarde foi dado à rua. A construção durou quase 120 anos, tendo sido con-cluída em 190 a.C. A largura da pista, 4,10 metros, mostra quão importantes eram os planos dos construtores para a estrada. Com a decadência do império romano, a Via Appia foi praticamente abandonada. E, apesar de ter sido redes-coberta na Renascença, só foi restaurada no século XX. Mas o ótimo estado de conservação em que se encontra hoje, não seria possível se, para empreender tal façanha, os romanos não tivessem utilizado técnicas refinadas de engenha-ria, que só seriam empregadas novamente no século passado. Quem percorre a Via Appia tem muito a conhecer em suas margens. Segundo o costume an-tigo, os mortos eram enterrados fora dos muros das cidades. Portanto, há, ao longo da Via, túmulos das mais diversas épocas que podem ser visitados. Além dos túmulos, há vários monumentos e pontos de interesse nos arredores.

Fonte: http:// br.olhares.com/via_appia_antica___roma_foto2038377.html

Amálfi: pertence à costa Amalfitana (Costiera Amalfitana), a 50 quilômetros da costa de Sorrento a Salerno, é uma das mais belas da Europa. A estrada estreita e sinuosa, que precariamente se apega a falésias, oferece vistas espe-taculares sobre as águas azuis. A estrada serpenteia através de inúmeras al-deias com casas de estuque branco e cúpulas de igrejas em cerâmica aninhada entre vinhas e pomares, que demonstram a versatilidade dos seus ocupantes na adaptação da utilização do terreno para se adequar à sua diversidade. A Costa Amalfitana é um Patrimônio Mundial da UNESCO.

Fonte: http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR&langpair=en%7Cpt&u=http://www.terragalleria.com/europe/italy/amalfi-coast/

Sena: em francês Seine, rio da França que drena a maior parte da bacia pa-risiense e se lança no canal da mancha, ao S do Havre; 776 km. É navegável em grande parte do seu curso. Desde 1960, a criação de um canal de 20km de extensão permite aos navios de 8m de calado remontar o rio até Rouen, mas o canal de Tancarville drena ainda parte do tráfego intenso, sobretudo

SAIBA MAIS

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Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação do estado brasileiro

entre Paris e o canal da Mancha. O baixo Sena é sede de um tráfego marítimo importante que se aproxima do total de 40 milhões de toneladas nos portos do Havre e de Rouen, e numerosos centros industriais se intercalam no vale entre essas duas cidades. A rede fluvial do sena é ligada à rede fluvial do norte da Europa pelos canais de Saint-Quentin, do rio Sambre ao Oise, e do rio Marne ao Reno; comunica-se com o sistema fluvial do Ródano pelo canal de Bougogne, pelo canal do rio Marne ao Saône, e com o rio Loire pelos canais de Briare e do Nivernais.

Fonte: Grande Enciclopédia Delta Larousse, 1973, v. 13, p. 6236.

Louvre: o Palácio do Louvre, onde de encontra o Museu do Louvre, foi man-dado construir no século XVI pelo Rei François I em estilo renascentista, com melhoramentos feitos até 1667. Em 1678, a residência real mudou-se para Versailles e o Louvre tornou-se uma galeria de arte e, finalmente em 1803, o Museu Napoleão. O Museu propriamente dito é hoje um dos maiores e mais famosos do mundo, com magníficas coleções de arte antiga egípcia, grega, etrusca, romana, oriental e também coleções de pintura e escultura de várias épocas, com destaque para os pintores renascentistas italianos, incluindo-se o mais famoso quadro do mundo, a Mona Lisa de Da Vinci.

Fonte: http://mundofred.home.sapo.pt/paises/pt/franca_paris.htm

Nesse contexto, não era sem sustentação o índio europeizado

de um Alencar, vivenciando a chamada teoria da conciliação, que

esquece todos os excessos do nosso processo colonizador, ou o

interiorano sertanejo de um Bernardo Guimarães, enaltecido pelo lado

exótico, estranho ao europeu. E a literatura infantil, no Brasil, repetiu,

a princípio, em grande medida, o modelo imposto pelo colonizador

europeu. Essa ganhou, em nossas terras, uma espécie de “adaptação

de segunda mão”, considerando-se os escritores europeus como

Perrault, os irmãos Grimm e Andersen como os responsáveis pela

“adaptação de primeira mão”, uma vez que empreenderam a volta ao

passado medieval, no início da modernidade. Nas palavras de Regina

Zilberman, em A Literatura Infantil na Escola:

Herdeiras, talvez espúrias, da tradição popular eu-ropéia e sombras do legítimo Märchen coligido pe-los Grimm, esses relatos acabam por perder – ou, ao menos, ver enfraquecerem – as peculiaridades que os ligavam ao meio social no qual surgiram. Se os compiladores mencionados já haviam tratado de amenizar o conteúdo original dos textos – aquele que traduzia a revolta dos segmentos sociais mais opri-midos, como os dos camponeses e artesãos urbanos, que elaboraram as narrativas primitivas – o processo se completou nas transposições que sucessivamente foram feitas. Adaptações de adaptações, as histórias começaram a falar de um mundo sem qualquer vín-culo com a possível experiência do leitor; atenuadas até em seus conflitos simbólicos, converteram-se em resumos que pouco mostravam, seja a respeito da

Märchen

do alemão: conto; [lit.] conto de fadas. Fonte: http://pt.bab.la/dicionario/alemao-portugues/maerchen

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sociedade em que posteriormente se implantaram, por nada terem assimilado do novo solo (ZILBERMAN, 2003, p.156).

3 A LITERATURA INFANTIL E OS DADOS CONTEUDÍSTICOS

Desenvolve-se, no Brasil, o senso de inteligência, aliada à

implementação das instituições nacionais, com seu sistema educacional,

do qual não está distante a literatura voltada para o público infantil,

com reforço para os dados conteudísticos. Entre esses se encontram:

nacionalismo, intelectualismo, tradicionalismo cultural do ocidente,

moralismo e religiosidade (COELHO, 1991)

Do século XIX ao início do XX, antes de Monteiro Lobato, foram

publicadas as seguintes obras voltadas à leitura do público infantil: O

Livro do Povo (1861), de Antônio Marques Rodrigues; O Método de Abílio

(1868), de Abílio César Borges; O Amiguinho Nhonhô (1882), de Meneses

Vieira; Série Instrutiva (1882), de Hilário Ribeiro; Contos Infantis (1886),

de Júlia Lopes de Almeida; Livros de Leitura e Série Didática (1890), de

Felisberto de Carvalho; Coisas Brasileiras, (1893) de Romão Puiggari;

Série Puiggari/Barreto (1895), de Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira

Barreto; Cartilha das Mães (1895), de Arnaldo de Oliveira Barreto; Livros

de Leitura (1895), de João Kopke; Antologia Nacional (1895), de Fausto

Barreto e Carlos de Laet; Contos da Carochinha (1896), de Figueiredo

Pimentel; Livro das Crianças (1897), de Zalina Rolim; O Livro da Infância

(1899), de Francisca Júlia; Leituras Infantis (1900), de Francisco Vianna;

As Nossas Histórias (1907), de Alexina de Magalhães Pinto; Páginas

Infantis (1908), de Presciliana Duarte de Almeida; Era Uma vez (1908),

de Viriato Correia; Através do Brasil (1910), de Olavo Bilac e Manuel

Bonfim; Biblioteca Infantil (1915), de Arnaldo de Oliveira Barreto;

Saudade (1919) de Teles de Andrade.

Vejamos o poema “A Pátria”, do poeta do Parnasianismo brasileiro

Olavo Bilac:

A PátriaAma, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!

Criança! não verás nenhum país como este!

Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,

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76 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação do estado brasileiro

É um seio de mãe a transbordar carinhos. Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,

Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos! Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!

Vê que grande extensão de matas, onde impera Fecunda e luminosa, a eterna primavera!

Boa terra! jamais negou a quem trabalha

O pão que mata a fome, o teto que agasalha...

Quem com o seu suor a fecunda e umedece, Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!

Criança! não verás país nenhum como este: Imita na grandeza a terra em que nasceste!

(Olavo Bilac)

Esse poema estrutura-se em oito estrofes de dois versos, ou

dísticos, com os seguintes pares de rimas. Em termos de conteúdo,

volta-se para a criança, procurando inculcá-lhe valores patrióticos;

para isso, trata de uma terra, cuja natureza é, como a mãe, acolhedora

e próspera para aqueles que se esforçam. “Boa terra! jamais negou a

quem trabalha” (1º verso do 6º dístico); “O pão que mata a fome, o

teto que agasalha...” (2º verso do 6º dístico). “Quem com o seu suor a

fecunda e umedece,” (1º verso do 7º dístico); “Vê pago o seu esforço,

e é feliz, e enriquece!” (2º verso do 7º dístico). Evidentemente, que

ocorre o reforço das bases ideológicas da burguesia, calcada no

trabalho e no enriquecimento advindo deste.

Edgard Cavalheiro afirma, acerca desse período, que:

A literatura infantil praticamente não existia entre nós. Antes de Monteiro Lobato havia tão-somente o conto com fundo folclórico. Nossos escritores ex-traíam dos vetustos fabulários o tema e a morali-dade das engenhosas narrativas que deslumbraram e enterneceram as crianças das antigas gerações, desprezando, freqüentemente, as lendas e tradições aparecidas aqui, para apanharem nas tradições eu-ropéias o assunto de suas historietas (CAVALHEIRO, 1972, p.144).

Em Lobato, a moral é dissolvida e é dada ênfase à inteligência,

Figura: 5.1 - Olavo Bilac. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Olavo_Bilac>.

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à esperteza, no bom sentido; porque se centra na valorização da

verdade individual e não acredita em processos revolucionários para

o ser humano atingir o bem-estar. O esforço individual e a denúncia

às mazelas nacionais, sem o ranço do patriotismo cego, constituem

a linha mestre das narrativas lobatinas; tais evidências lhe causaram

problemas com o poder constituído, tendo à frente Getúlio Vargas.

Entretanto, hoje seus textos são vistos, muitas vezes, com um vinco

de classe e étnico muito acentuado.

ATIVIDADES

1. Por que os intelectuais brasileiros tinham dificuldade de representar

o Brasil e sua gente em seus textos, tanto da literatura dita para

adultos, quanto da literatura infantil?

2. Leia O Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, disponível em:

<http://recantodasletras.uol.com.br/visualizar.php?idt=102

457>. E responda a que você atribui a proposta de leitura diferente

para o célebre Chapeuzinho Vermelho, de Charles Perrault e

depois revisitada pelos irmãos Grimm e pelo dinamarquês Hans

Christian Andersen?

3. Responda ao que se pede, após a leitura do texto abaixo

reproduzido:

A Antologia Nacional (ou Colleção de Excerptos dos Principaes Escriptores da Língua Portuguesa, do 16º ao 19o. século), organizada pelos professores Fausto Barreto e Carlos de Laet, por solicitação do editor J. G. Azevedo (da Francisco Alves & Cia.), foi dos livros mais populares em nossas escolas, nos primeiros anos do século XX.Adotada no Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, na Es-cola Normal do Distrito Federal, no Colégio Militar e, progressivamente, pela maioria dos estabelecimen-tos de ensino nas principais capitais brasileiras, essa Antologia Nacional básica na formação literária de muitas gerações de brasileiros. Inclusive foi o mo-delo das dezenas de antologias que surgiram depois e chegam até nós.O critério da organização do volume bem como a natureza dos textos escolhidos são bem elucidativos dos principais objetivos e ideais que orientavam, na época, a tarefa educativa. Resumindo-os: ênfase na clareza e na lógica que devia imperar na expressão

ATIVIDADES

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Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação do estado brasileiro

do pensamento; valorização do contemporâneo e ên-fase ao nacional, a par da autoridade inquestionável da fonte-geratriz portuguesa.

Fonte: <http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/LiteraturaInfantil/fausto.html>.

a) Quais os objetivos esperados pelos organizadores de uma

antologia?

b) Até que ponto, vincular a literatura voltada para a criança ao

ensino da língua portuguesa empobrece o próprio conceito de

literatura?

4. Leia o fragmento abaixo tirado de Um Amor Conquistado: o mito

do amor materno, de Elisabeth Badinter (1985), e os versos da

poetisa brasileira Zalina Rolim, publicados no final do século XIX;

depois, responda ao que se pede:

Ao se percorrer a história das atitudes maternas, nasce a convicção de que o instinto materno é um mito. Não encontramos nenhuma conduta universal e necessária da mãe. Ao contrário, constatamos a extrema variabilidade de seus sentimentos, segundo sua cultura, ambições ou frustrações. Como, então, não chegar à conclusão, mesmo que ela pareça cruel, de que o amor materno é apenas um sentimento e, como tal, essencialmente contingente? Esse senti-mento pode existir ou não existir; ser e desapare-cer. Mostrar-se forte ou frágil. Preferir um filho ou entregar-se a todos. Tudo depende da mãe, de sua história e da História. Não, não há uma lei universal nessa matéria, que escapa ao determinismo natural. O amor materno não é inerente às mulheres. É ‘adi-cional’ (1985, p.266).

Cuidados maternais

Expor minha filhinha ao sol ardente -Mamãe diz que é um perigo:

Quero sentar-me ao delicioso abrigoDeste arbusto virente.

A sombrinha de seda cor-de-rosaTorna a luz tão suave!...

No arvoredo palpita um ninho de aveSob a fronde cheirosa.

Meio-dia. Um barulho de água viva

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Cortando o fresco atalhoDo bosque, em fino leito de cascalho,

Marulhoso deriva.

Minha filhinha, a todo o encanto alheia,Descansa em meus joelhos;

E nos seus lábios doces e vermelhos,Leve sorriso ondeia.

Pesa-lhe o sono; já entreabre a custoOs olhos sonolentos,

E adormecê-la assim exposta aos ventos,Causa-me grande susto.

Tão melindrosa e frágil! Pobre anjinho!Traz-me em perpétuo anseio...

Quem me dera escondê-la no meu seioEm faixas de carinho!...

E conservá-la assim - meu sonho eterno -No íntimo do peito,

E de amor construir-lhe o níveo leitoNo coração materno!...

(Zalina Rolim)

a) A maternidade é algo caro à família burguesa. Por que o

poema acima encerra ensinamentos acerca do comportamento

maternal?

b) Para a sociedade administrada burguesa, o espaço a ser

ocupado pela mulher é o da casa. Por quê?

Podemos identificar, no poema em questão, o que diz Badinter acerca

do amor materno como não pertencente às mulheres, mas algo

construído, “adicional”?

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80 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação do estado brasileiro

RESUMO

Foi mostrada, nesta Unidade V, a formação do estado-nação

brasileiro; tendo início com a chegada da família real portuguesa e,

ao mesmo tempo, deu-se ênfase à sujeição dos nossos intelectuais ao

modelo europeu, trazido pela colonização, com reflexos na produção

artística voltada para a criança, ao ser colocada a literatura infantil

em uma dimensão pedagógica simplesmente.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio

Pinto de Carvalho. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.

BILAC, Olavo. Poesia, por Alceu do Amoroso Lima. Rio de Janeiro:

Agir,1976.

CAVALHEIRO, Edgard. Monteiro Lobato. São Paulo: Brasiliense,

1972. 2 v.

BADINTER, Elisabeth. Um Amor conquistado: o mito do amor

materno. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,

1985.

BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro:

José Olympio,1988.

RIBEIRO, Darcy. Revista do Brasil. Rio de Janeiro: DIV, Editorial

do Departamento de Cultura da SEC do Estado do Rio de Janeiro,

Imprensa Oficial do Município do Rio de Janeiro, 1984.

ROLIM, Zalina. Disponível em: http://www.unicamp.br/iel/memoria/

Ensaios/LiteraturaInfantil/zalina.htm. Acessado em: 24 set. 2010,

11:36:00

ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo:

Global, 2003.

RESUMINDO

REFERÊNCIAS

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UNIDADE VI

A LEITURA NA ESCOLA E NA SOCIEDADE:PAPEL E IMPORTÂNCIA DA LITERATURA

INFANTO-JUVENIL

OBJETIVOReconhecer a importância da literatura-infantil e seu papel na escola e na sociedade, com destaque sobre a obra de Monteiro Lobato.

1 INTRODUÇÃO

Por sua conformação histórica ao âmbito escolar, a literatura

infanto-juvenil esteve dividida entre sua expressão como arte e como

instrumento pedagógico, sendo que a dimensão pedagógica prevaleceu

por um bom tempo. Devemos entender que, no mercado editorial

brasileiro, a produção de livros voltados à escola representava (e

ainda é assim) um montante considerável. Desse modo, no início do

século XX, para uma publicação ganhar reconhecimento institucional,

deveria adequar-se a programas e cursos.

Poucos foram os autores que, de diferentes modos,

questionaram esse modelo até então vigente. Um deles foi Monteiro

Lobato, como vimos no final da aula anterior. A partir de agora, vamos

estudar um pouco mais sobre esse importante nome da literatura

brasileira e, sem dúvida, da literatura infanto-juvenil, cuja relevância

reside, entre outros aspectos, na compreensão que defendia das

potencialidades da leitura para o progresso social: ou seja, na sua

perspectiva nacionalista, Lobato entendia que, para o Brasil crescer,

era preciso formar leitores. Com os posteriores estudos sobre a

leitura, de modo amplo, e sobre a leitura literária, especificamente,

muitos especialistas passaram a compreender os atos de leitura

como efetivas práticas sociais, pois podem significar inclusão e,

consequentemente, podem levar à indagação - nesse processo,

torna-se possível a transformação individual e social.

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2 LOBATO, O SÍTIO E MUITAS HISTÓRIAS POR CONTAR

José Bento Monteiro Lobato, o Juca, como era carinhosamente

chamado pela família e amigos, nasceu na cidade de Taubaté-SP, em

18 de abril de 1882. Formou-se em Direito, mas exerceu muitas outras

atividades: foi fazendeiro, empresário, editor e notabilizou-se como

escritor, sendo reconhecido como um dos maiores autores da literatura

voltada ao público infanto-juvenil, com títulos que foram lançados na

década de 1920, como A menina do narizinho arrebitado. O sucesso

dessa primeira história permitiu estabilizar o grupo que passou a compor

o espaço privilegiado das aventuras vividas por adultos e crianças,

bonecos e animais falantes: o Sítio do Pica-pau Amarelo. Desse modo,

o autor pode definir “a unidade final das Reinações de Narizinho, obra

que, lançada em 1931, nunca perde a primogenitura, permanecendo

como livro inaugural da coleção das obras completas de Monteiro Lobato

para a infância” (LAJOLO; ZILBERMAN, 1985, p. 55).

Figuras: 6.2 - Sítio do Picapau Amarelo - 1ª versão. Fonte: <http://obviousmag.org/archives/2005/03/sitio_do_pica_p_1.html>.

- Loucura? Sonho? Tudo é loucura ou sonho no

começo. Nada do que o homem fez no mundo teve

início de outra maneira - mas já tantos sonhos se

realizaram que não temos o direito de duvidar de

nenhum.

(Monteiro Lobato. Miscelâneas. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1956. p. 178 – disponível em: http://www.unicamp.br/iel/monteirolobato/citacao.html).

Figuras: 6.3 - Sítio do Picapau Amarelo - 2ª versão - Rede Globo. Fonte: <http://sitio.globo.com/>.

Figura 6.1 - Monteiro Lobato. Fone: < http://lobato.globo.com/>.

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Ao livro inaugural referido, seguem-se:

Viagem ao céu e O Saci, 1932

Caçadas de Pedrinho e Hans Staden, 1933

História do mundo para as crianças, 1933

Memórias da Emília e Peter Pan, 1936

Emília no país da gramática e Aritmética da Emília, 1934

Geografia de Dona Benta, 1935

Serões de Dona Benta e História das invenções, 1937

D. Quixote das crianças, 1936

O poço do Visconde, 1937

Histórias de tia Nastácia, 1937

O Pica-pau Amarelo e A reforma da natureza, 1939

O Minotauro, 1937

A chave do tamanho, 1942

Fábulas, 1922

Os doze trabalhos de Hércules (1º e 2º tomos) , 1942

O autor escreveu, também, livros de contos e de

reportagens/ensaios sobre questões importantes da realidade

brasileira de seu tempo, como os problemas ligados à agricultura,

ao desenvolvimento tecnológico, à exploração do petróleo, entre

muitos outros temas. Dos contos, “Urupês”, publicado em 1918,

tornou-se famoso por apresentar a controvertida figura do Jeca

Tatu, matuto do interior paulista que, nesse texto, era criticado,

como exemplo do atraso da mentalidade e da cultura do homem

do campo brasileiro. Mais tarde, teria revisado essa ideia de que

o urupê (parasita também conhecido como “orelha-de-pau”)

da vida interiorana do país era o trabalhador, pois o problema

estava na falta de políticas adequadas para o desenvolvimento

da população rural, como distribuição justa de terras, educação,

saúde, incentivos agrícolas.

Em Minhas memórias de Lobato, Luciana Sandroni apresenta a biografia do autor a partir de uma bem-humorada trama narrativa dirigida por Emilia e o Visconde: ela como a ‘mentora’ da iniciativa e o Visconde como efetivo pesquisador e escritor do texto. Das brigas e confusões entre os dois brinquedos, vai surgindo a história de Monteiro Lobato, conforme trecho abaixo:

“[...] O Visconde retomou a leitura, antes que a boneca se exaltasse mais ainda:Lobatinho gostava muito de ler e vivia na biblioteca do avô Visconde. Naquela época

Em <http://www.unicamp.br/iel/monteirolobato> você encontrará muitos documen-tos, em diferentes meios de apresentação (textos, fotos, ilustrações), sobre a vida e a obra de Lobato. Experimente essa visita e anote, no final desta aula, as informações que considerar mais relevan-tes sobre esse autor.

para conhecer

Para que você possa desen-volver bem seus estudos sobre Monteiro Lobato, reco-mendamos que selecione al-guns (no mínimo dois) livros da listagem apresentada das obras lobatianas. Há mui-tas edições atuais, de fácil aquisição e/ou acesso (nas bibliotecas públicas e de ins-tituições de ensino).

um conselho

Figura 6.4 - Jeca Tatú. Fonte: <http:// www.miniweb.com.br/literatura/artigos/jeca_tatu_historia1.html>.

saiba mais

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Literatura Infanto-Juvenil | A leitura na escola e na sociedade: papel e importância da Litreratura Infanto-juvenil

não havia muitos livros para crianças no Brasil. Então, os poucos livros que existiam, ele lia e relia várias vezes, como Robinson Crusoé, O menino verde e João Felpudo. O menino adorava ler para suas irmãs menores e para os filhos dos empregados. E Emília foi perguntando:- Mas por que que não tinha outros livros para ele ler? Os escritores não sabiam escrever nessa época? – provocou.- Não, Emília, é que como no Brasil não existiam editoras, a grande maioria dos livros era feita na Europa, então era muito caro e complicado. E ninguém ia se preocupar com livro para criança. Livro era uma coisa da elite. Só as pessoas ricas tinham livros e bibliotecas, como o avô do Lobato.- Puxa! Que sorte a do Lobato de ter um avô Visconde, fazendeiro e ainda por cima cheio de livros!- Que sorte a nossa. Porque assim, tendo uma infância cheia de livros, se divertindo e aprendendo tanto com os livros, o Lobato notou que todo mundo, principalmente as crianças, tinham que ler e, por isso, em 1919, ele fundou uma editora: a Monteiro Lobato & Cia.- Espera aí, Visconde, você estava na infância do Lobatinho e agora ele já está afundando editora?- Fundando, Emilia. Em todo o caso, você tem razão, acho que me adiantei um pouquinho. Vamos lá, deixa eu continuar a ler: [...]”.

(Companhia das Letras, 1997, p. 13-14).

Sobre a obra infanto-juvenil de Lobato, devemos considerar o

contexto histórico-cultural em que se desenvolveu, ou seja, vivia-se

o processo de modernização da sociedade brasileira. Nesse período,

novas perspectivas culturais para o desenvolvimento do país eram

colocadas em causa: valorização da dimensão popular da cultura

brasileira, revalorização do folclore, da oralidade, ao mesmo tempo em

que se efetivava uma ‘apropriação’ criativa dos valores estrangeiros.

No caso da obra lobatiana, o autor concentrou a sua

representação do que esperava do Brasil no espaço privilegiado do

sítio de Dona Benta (LAJOLO; ZILBERMAN, 1985). Ali, por meio das

tantas aventuras capitaneadas pela boneca Emília, por Narizinho,

Pedrinho e muitos personagens que a eles se somam, refletiam-se

os valores do autor, suas críticas ao que considerava o atraso da

realidade brasileira, suas perspectivas de modernização.

Em termos de estrutura das narrativas de Lobato, devemos

considerar marcas de mudança e de conservação. Com relação às

primeiras, é reconhecida a importância positiva de o autor ter dado

espaço para o protagonismo infantil – as crianças do sítio são agentes

de muitas histórias, são espertas e ativas como todas as crianças,

não são um exemplo acabado de certo bom comportamento esperado

pela “norma” social. Entretanto, as peraltices mais acentuadas ficam

a cargo da boneca Emilia – e os brinquedos tudo podem fazer, já

que pertencem ao mundo da fantasia, o que também significou uma

importante estratégia narrativa a renovar essa literatura.

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Outro aspecto relevante, apontado por Lajolo e Zilberman

(1985) refere-se à rejeição de Lobato à linguagem gramatical

normativa, como se pode ver, no trecho abaixo, de “O irmão de

Pinóquio”:

A moda de Dona Benta ler era boa. Lia ‘diferente’ dos livros. Como quase todos os livros para crianças que há no Brasil são muito sem graça, cheios de termos do tempo do onça ou só usados em Portugal, a boa velha lia traduzindo aquele português de defunto em língua do Brasil de hoje. Onde estava, por exemplo, ‘lume’, lia ‘fogo’; onde estava ‘lareira’ lia ‘varanda’. E sempre que dava com um ‘botou-o’ ou ‘comeu-o’, lia ‘botou ele’, ‘comeu ele’. – e ficava o dobro mais interessante.(Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecni-

caAula.html?aula=7677>. Esse trecho é parte integrante das Re-

inações de Narizinho).

Por meio de Emília, a bonequinha de pano que ganhou vida e não parou mais de falar depois de engolir a pílula falante, Monteiro Lobato expressou muitas de suas ideias e visão de mundo.

Metalinguagem

palavra formada com o prefixo gre-go meta, que expressa as idéias de comunidade ou participação, mistura ou intermediação e sucessão, desig-na a linguagem que se debruça so-bre si mesma. Por extensão, diz-se também: metadiscurso , metalitera-tura, metapoema e metanarrativa. Em seu estudo sobre as funções da linguagem, Roman Jakobson (1974) considera função metalinguística quando a linguagem fala da lingua-gem, voltando-se para si mesma. Tal função reenvia o código utilizado à língua e a seus elementos constitu-tivos. [...] O cinema, os quadrinhos, a propaganda, as artes plásticas e a própria literatura fazem amplo uso dessa função. Assim, quando um escritor escreve um poema [ou uma narrativa ficcional] e discute o seu próprio fazer poético [ou narrativo], explicitando procedimentos utilizados em sua construção, ele está usando a metalinguagem.Fonte: E-dicionário de termos literários, de Carlos Ceia. Disponível em: http://www.edtl.com.pt/index.php.

A crítica do narrador desse texto é clara e ainda

faz, com o uso da metalinguagem, uma referência

positiva sobre suas próprias estratégias de contar

histórias, ou seja, avalia as demais narrativas infantis

brasileiras como sendo pouco interessantes por não

falarem a linguagem das crianças, e explicita essa

avaliação no próprio “corpo” de uma história infantil.

Entretanto, há aspectos em que se verifica certa

conservação dos modelos até então vigentes. Vejamos o

caso de Dona Benta: a proprietária do sítio, se, por um lado,

representa a avó afetuosa e encorajadora das aventuras

dos netos, ao mesmo tempo, é a narradora que detém o

conhecimento acabado, isto é, de uma mulher idosa, que

possui o sentido apropriado das histórias que narra. Ainda

que garanta a devida adaptação dos chamados clássicos

infantis, ou da própria linguagem a ser utilizada, ela é a

representante da elite branca e culta de um Brasil ainda

marcado por altas taxas de analfabetismo.

In Figuras 6.2. Fonte: <http://obviousmag.org/archives/2005/03/sitio_do_pica_p_1.html>.

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Literatura Infanto-Juvenil | A leitura na escola e na sociedade: papel e importância da Litreratura Infanto-juvenil

Já Tia Nastácia, por outro lado, é a serviçal negra, herança

do tempo colonial e escravocrata, que detém o saber popular,

ao mesmo tempo valorizado, ao adentrar no espaço do Sítio, e

subalternizado pelas frequentes críticas que recebe quando se torna

também contadora de histórias. Essas e outras problematizações são

desenvolvidas por Marisa Lajolo, em “A figura do negro em Monteiro

Lobato”, do qual extraímos os trechos abaixo:

Tia Nastácia, [...] desfruta da afetividade da matriar-cal família branca para a qual trabalha e, ao mesmo tempo, apesar de suas breves, mas muito significa-tivas incursões pela sala e varanda, encontra no es-paço da cozinha emblema de seu confinamento e de sua desqualificação social. Ao longo da obra infan-til lobatiana, a exceção ao carinho brincalhão que a cerca vem sempre pela boca da Emília que em mo-mentos de discussão e desentendimento desrespeita a velha cozinheira, como sucede em algumas pas-sagens de Histórias de Tia Nastácia [1957, p. 30]:

“Pois cá comigo - disse Emília- só aturo estas histórias como estudos da ignorância e burrice do povo. Prazer não sinto nenhum. Não são engraçadas, não têm humorismo. Parecem-me muito grosseiras e até bárbaras - coisa mesmo de negra beiçuda, como Tia Nastácia. Não gosto, não gosto, e não gosto!” [Fonte: http://www.unicamp.br/iel/monteirolobato/outros/lobatonegros.pdf]

Entretanto, segundo Lajolo, nesse mesmo texto, os

xingamentos de Emília são verossímeis e, “portanto, esteticamente

necessários numa obra cuja qualidade literária tem lastro forte na

verossimilhança das situações e na coloquialidade da linguagem”

(idem). Assim, o acirramento das contradições sociais está presente

na obra lobatiana principalmente na situação em que tia Nastácia,

como contadora de histórias de tradição oral, é subalternizada em

relação aos seus ouvintes, detentores da cultura escrita. Isso porque

Lobato, de acordo com Lajolo,

[...] ao contrário de seus pares, não se limita a repro-duzir, em forma de antologia asséptica, as histórias que Tia Nastácia conta. Lobato reproduz a história encenando a situação de narração e recepção, pon-do, pois, em confronto o mundo da cultura negra do qual, no caso, Tia Nastácia é legítima porta-voz e o mundo da modernidade branca, à qual dão voz tanto às crianças quanto à própria Dona Benta, também

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ela ouvinte de Tia Nastácia e também ela insatisfeita com as histórias que ouve. Mas, ao contrário dos outros ouvintes, capaz de apontar, com objetividade, as razões da insatisfação:

“- As histórias que correm entre nosso povo são reflexos da era mais barbaresca da Europa. Os colonizadores portugueses trouxeram estas histórias e soltaram-nas por aqui - e o povo as vai repetindo, sobretudo na roça. A mentalidade de nossa gente roceira está ainda muito próxima da dos primeiros colonizadores.- Por que, vovó?- Por causa do analfabetismo. Como não sabem ler, só entra na cabeça dos homens do povo o que os outros contam - e os outros só contam o que ouviram. A coisa vem assim num rosário de pais a filhos. Só quem sabe ler e lê os bons livros, é que se põe de acordo com os progressos que as ciências trouxeram ao mundo” (1998, p.85).

Desse modo, para Lajolo (1998), num Brasil que se queria

moderno, à Tia Nastácia apenas restava o papel de “informante, de

fornecedora de histórias das quais as outras personagens lobatianas

se apropriavam”, elevando o seu conteúdo à relevância do folclore de

acordo com estética modernista.

Podemos compreender, dessa maneira, que a literatura infanto-

juvenil, aqui exemplificada com os textos paradigmáticos de Monteiro

Lobato, como toda arte, dialoga com o tempo histórico no qual está

inserida, apresentando seus avanços e contradições, suas possibilidades

e limites. Isso porque os autores, enquanto criadores de mundos,

neles veiculam, de forma mais ou menos consciente, seus valores, sua

conformação ideológica e sua posição de classe.

Entretanto, precisamos considerar o problema de “julgarmos”

os valores e perspectivas de uma época com os de outra – ou seja,

numa leitura apressada, seria possível, hoje, acentuar um caráter

racista na obra lobatiana, mas esse não é um caminho adequado de

análise. O importante é compreendermos os impasses pessoais e sociais

então vividos pelo autor, por seu tempo, como explicou Lajolo no texto

seleiconado. Além disso, em um conto não direcionado ao público infanto-

juvenil, “Negrinha”, Monteiro Lobato aponta duras críticas à hipocrisia e

à crueldade de certos setores sociais em relação à desumana condição

dos negros, como podemos perceber no excerto abaixo:

Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos as-sustados.

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Literatura Infanto-Juvenil | A leitura na escola e na sociedade: papel e importância da Litreratura Infanto-juvenil

Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primei-ros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, so-bre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças. Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma — “dama de grandes virtudes apos-tólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o rever-endo. Ótima, a dona Inácia. Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva sem filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava o choro da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste criança, gritava logo nervosa: — Quem é a peste que está chorando aí? Quem havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da criminosa abafava a boquinha da filha e afastava-se com ela para os fundos do quintal, torcendo-lhe em caminho beliscões de desespero. — Cale a boca, diabo! No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses que entanguem pés e mãos e fazem-nos doer... Assim cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pon-tapés. Não compreendia a idéia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não andava. Com pretextos de que às soltas reinaria no quintal, es-tragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta. — Sentadinha aí, e bico, hein? Negrinha imobilizava-se no canto, horas e horas. — Braços cruzados, já, diabo! Cruzava os bracinhos a tremer, sempre com o sus-to nos olhos. E o tempo corria. E o relógio batia uma, duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão eng-raçadinho! Era seu divertimento vê-lo abrir a janela e cantar as horas com a bocarra vermelha, arrufando as asas. Sorria-se então por dentro, feliz um instante. [...]

Fonte: Esse conto, de 1920, foi publicado originalmente em livro do mesmo nome, tendo sido selecionado por Ítalo Mori-coni e consta de Os cem melhores contos brasileiros do sé-culo [Objetiva: Rio de Janeiro, 2000, p. 78]. Disponível em: <http://www.bancodeescola.com/negrinha.htm>.

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Ao considerarmos esses diferentes enfoques e perspectivas

de um mesmo autor, importa compreender que a leitura literária

permite, como talvez nenhum outro tipo de discurso (ou seja, modo

de linguagem que se concretiza em ato de comunicação tanto oral

quanto escrita: discurso jornalístico, político, literário, entre outros),

ampliar sentidos e perspectivas críticas em relação à realidade

concreta da vida. Desse modo, qualquer imposição de um determinado

sentido aos textos literários se torna descabida, empobrecedora e tão

criticável quanto toda forma de censura.

Aprofundar os sentidos da leitura e, especialmente, da leitura

literária, como fonte de emancipação humana, é o nosso próximo

assunto.

3 LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL

Lendo, fica-se a saber quase tudo, Eu também leio, Algo portanto saberás, Agora já não estou tão certa, Terás então de ler doutra

maneira, Como, Não serve a mesma maneira para todos, cada um inventa a sua, a que lhe for própria, há quem leve a vida

inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam apegados à página, não percebem que as palavras são

apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar á outra margem, a outra

margem é que importa, A não ser, A não ser, quê, A não ser que esses tais rios não tenham duas margens, mas muitas, que cada pessoa que lê seja, ela, a sua própria margem, e que seja sua, e

apenas sua, a margem que terá de chegar. José Saramago – A caverna

No dia 8 de janeiro de 2002, a Lei 10.402 ins-tituiu a data de 18 de abril, aniversário de Monteiro Lobato, como o Dia Nacional do Livro Infantil.

você sabia?

Figura 6.5 - Fonte: http://imagens.kboing.com.br/papeldeparede/6384pedras.jpg

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Literatura Infanto-Juvenil | A leitura na escola e na sociedade: papel e importância da Litreratura Infanto-juvenil

Quando pensamos em leitura, partimos de uma concepção

do ato de ler como atividade individual, capacitada pela

alfabetização e progressiva escolarização das crianças e jovens.

Consequentemente, como afirma Zilberman, em Leitura: História

e sociedade, “ler não é inato ao ser humano, e essa circunstância

- a de consistir em habilidade adquirida - denuncia, de imediato,

a natureza social daquela atividade” (Disponível em: http://www.

crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_05_p013-017_c.pdf).

Como prática social, o desenvolvimento da habilidade

leitora, sobretudo em um mundo balizado pelo código da escrita,

transforma-se em condição definidora do acesso mais ou menos

facilitado (quando não do efetivo entrave) às prerrogativas do

exercício da cidadania. Nesse processo, o papel da escola e do/a

professor/a, como mediador/a de leitura, é fundamental:

Somente quando se ensina o aluno a perceber esse objeto que é o texto em toda sua beleza e complexi-dade, isto é, como ele está estruturado, como ele produz sentidos, quantos significados podem ser aí sucessivamente revelados, ou seja, somente quando são mostrados ao aluno modos de se envolver com esse objeto, mobilizando os seus saberes, memórias, sentimentos para assim compreendê-lo, há ensino de leitura. O papel da escola nesse processo é o de fornecer um conjunto de instrumentos e de estratégias para o aluno realizar esse trabalho de forma progres-sivamente autônoma (KLEIMAN, 2002, p. 28).

Entretanto, para Maria da Glória Bordini, em Literatura: a

formação do leitor (1993, p. 13), se todos os livros favorecem a des-

coberta de sentidos, são os textos literários “que o fazem de modo

mais abrangente. Enquanto os textos informativos atêm-se aos fatos

particulares, a literatura dá conta da totalidade do real, pois, repre-

sentando o particular, logra atingir uma significação mais ampla”. Por

esse mesmo ângulo de abordagem, Eliana Yunes, em “Políticas pú-

blicas de leitura – modos de fazer” (2003), afirma que o processo de

desenvolvimento da leitura deve começar pela literatura,

[...] pela contação de histórias, pela narrativa, pois ela excita nosso imaginário e organiza nossa narra-tividade. Justamente aí, na formação de nossa capa-cidade de dizer e de nos dizer, está o extraordinário poder da linguagem [ao] nos ensinar a pensar com autonomia e criticidade [...] além de construir nossa história pessoal, nossa intersubjetividade e identi-dade (2003, p. 16).

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Quando se realiza o ato da leitura, portanto, sobretudo, no

caso da leitura literária, efetiva-se uma integração entre texto-leitor

que, abrindo-se a muitos possíveis sentidos, revela inumeráveis

perspectivas de compreensão do indivíduo com o mundo e consigo

mesmo. Vejamos um exemplo dessa questão: vamos retomar o texto

do escritor português José Saramago em epígrafe, que faz parte do

romance A caverna (2000). Em uma primeira leitura, o tipo de registro

escrito que o autor realiza não nos permite facilmente reconhecer a

alternância das vozes que compõe o diálogo. Porém, se prestarmos

bem atenção, veremos que se trata de duas personagens cujas falas

se alternam após as vírgulas seguidas de letra maiúscula. Percebemos

mais facilmente esse registro se fizermos a leitura do trecho em voz

alta: experimente. E siga esse exemplo:

_ Lendo, fica-se a saber quase tudo,

_ Eu também leio,

_ Algo portanto saberás,

_ Agora já não estou tão certa,

_ Terás então de ler doutra maneira,

_ Como,

_ Não serve a mesma maneira para todos, cada um inventa a sua, a que lhe for própria, há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam apegados à página, não per-cebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar á outra margem, a outra mar-gem é que importa,

Vemos, assim, que não é difícil realizar a leitura se aceitarmos

o desafio da abertura para novos códigos, para diferentes registros

que, modificando nossa percepção imediata, exigem constante

amadurecimento de nossa capacidade leitora e de interpretação. Esse

desafio encontramos, com força e relevância, nos textos literários.

No caso da literatura infanto-juvenil, essa tem a importante

função de servir como uma espécie de chave inicial para o mundo da

leitura que cria outros mundos possíveis. Entretanto, não podemos

esquecer que o conceito de infância sofreu mudanças com o devir

histórico. Vamos, então, relembrar duas passagens anteriores, da

aula II e da III, respectivamente: nos séculos XVII e XVIII, durante

Ao final do excerto de José Saramago se-lecionado como epí-grafe para o item 3 desta aula, encontra-mos a ideia de “que cada pessoa que lê [é], ela, a sua própria margem, e que [é] sua, e apenas sua, a margem que terá de chegar”. Então, cada leitura que fazemos é um trajeto para conhecermos mais a nós mesmos?

para refletir

José Saramago (Riba-tejo, 16/11/1992 - Lan-zarote, 18/06/2010) foi, até presente, o único escritor de língua por-tuguesa que recebeu o Prêmio Nobel de Litera-tura (em 1999, pelo con-junto da sua obra, cul-minando com o romance Ensaio sobre a ceguei-ra). Sua vasta criação li-terária trata de questões importantes sobre a rea-lidade social portuguesa e mundial. Na literatura infanto-juvenil, publicou A maior flor do mundo (lançado em 2001, no Brasil, pela Companhia das Letras).

você sabia?

Figura: 6.6 - José Saramago. Fonte: <http://en.wikipedia.org/wiki/File:Jose Saramago.jpg>.

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Literatura Infanto-Juvenil | A leitura na escola e na sociedade: papel e importância da Litreratura Infanto-juvenil

o processo de afirmação da vida burguesa, “ambos, mãe e filho,

são considerados infantis, vistos como menores, por isso, sem voz,

uma vez que infantil é aquele que não é sujeito de sua própria

enunciação”. Já a partir da segunda metade do século XIX, “A voz

da criança, enquanto leitor, é levada em conta e a necessidade de

impor um modelo comportamental vai sendo relativizado”. Portanto,

conforme muda a concepção de infância, em função das circunstâncias

histórico-sociais e culturais, altera-se a compreensão da importância

da literatura direcionada a crianças e jovens. Isso também significa

reconhecer a literatura infanto-juvenil “mais em termos do leitor do

que das intenções dos autores ou dos próprios textos” (CECCANTINI,

2004, p. 21).

Se concordarmos com essa última afirmação e considerar-

mos que é na escola que se efetiva institucionalmente o processo

de formação de leitores, devemos ponderar sobre quais são os liv-

ros a serem encaminhados à leitura escolar: precisamos levar em

conta, especialmente, o público a que se destina e, dessa forma, não

podemos perder de vista a importância do reconhecimento de dife-

rentes interesses por faixa etária, contexto histórico-cultural, entre

outros elementos significativos no delineamento mais aproximado do

grupo de leitores.

De forma consequente, é responsabilidade do(a) professor(a)

estabelecer os critérios para a adesão de seus alunos às atividades

propostas, como avalia Marisa Lajolo, em Do mundo da leitura para a

leitura do mundo (2004):

Os projetos precisam abrir-se com a crítica da in-evitável participação nos rituais de apropriação da literatura infantil pela escola e vice-versa: que os professores lutem por uma formação competente, regular e supletiva, que os liberte da tutela de cursos efêmeros e do paternalismo autoritário de receitas de leituras apostas a livros; que os autores se mobili-zem no sentido de fazerem frente à escolarização de seus textos; e que os demais envolvidos - nós todos - discutamos nos circuitos, bastidores e arrabaldes da literatura infantil o caráter histórico da organici-dade institucional dos livros infantis, refinando cat-egorias para a compreensão dessa historicidade que também nos envolve, cumprindo, assim, de forma mais crítica, o papel que nos cabe, e que ninguém cumprirá por nós (2004, p. 74).

Portanto, a potencialidade reflexiva que a leitura literária

proporciona deve ser fruto do encantamento harmônico, que ocorre

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no decorrer de uma leitura. Esse envolvimento só será bem sucedido

se o(a) professor(a) fizer sua parte de motivador(a), selecionando

os textos adequados aos interesses dos pequenos leitores em

desenvolvimento, estimulando-os para o percurso de uma crescente

complexidade de leituras.

ATIVIDADES

1. Selecione um dos livros de Monteiro Lobato para crianças e es-

colha uma história, uma cena ou uma passagem para:

a) Desenvolver um comentário sobre a importância desse autor

em relação à literatura infanto-juvenil (considere a maneira

como são descritos os cenários, como são apresentadas as

personagens, a linguagem utilizada pelo narrador e pelos pro-

tagonistas);

b) relacionar com uma das seguintes frases* do autor:

“Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam

morar.”

“Nada de imitar seja lá quem for. [...] Temos de ser nós

mesmos. [...] Ser núcleo de cometa, não cauda. Puxar fila,

não seguir.”

[*Fonte: http://lobato.globo.com/misc_bau.asp]

2. Você concorda com a perspectiva crítica que Marisa Lajolo apre-

senta no excerto abaixo, do texto Quem paga a música escolhe a dança? Por quê?

Como os antigos diziam que quem paga a música escolhe a dança, talvez se acredite hoje ser correto que quem paga o livro escolha a leitura que dele se vai fazer. A situação atual tem sua (triste) caricatura no lobo de Chapeuzinho Vermelho que não é mais abatido pelos caçadores, e pela dona Chica-ca que não mais atira um pau no gato-to. Muda-se o final da história e reescreve-se a letra da música porque se acredita que leitores e ouvintes sairão dos livros

ATIVIDADES

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e das canções abatendo lobos e caindo de pau em bichanos. Trata-se de uma idéia pobre, precária e incorreta que além de considerar as crianças como tontas, desconsidera a função simbólica da cultura. Para ficar em um exemplo clássico, a psicanálise e os estudos literários ensinam que a madrasta malvada de contos de fada não desenvolve hostilidade contra a nova mulher do papai, mas - ao contrário - pode ajudar a criança a não se sentir muito culpada nos momentos em que odeia a mamãe, verdadeira ou adotiva...

Fonte: www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao15/pl001.php

3. Quando os professores selecionam livros para os pequenos leitores

na escola, eles devem considerar, sobretudo, a qualidade estética

desses livros. É o que afirma Regina Zilberman, em A literatura infantil na escola (1981, p. 23):

A seleção dos textos advém da aplicação de critérios de discriminação. O professor que se vale do livro para veiculação de regras gramaticais ou normas de obediência e bom comportamento oscilará da obra escrita de acordo com um padrão culto, mas adulto, àquela criação que tem índole edificante. Todavia, é necessário que o valor por excelência a guiar a seleção se relacione à qualidade estética. Porque a literatura infantil atinge o estatuto de arte literária e se distancia de sua origem comprometida com a pedagogia, quando apresenta textos de valor artísti-co a seus pequenos leitores; e não é porque estes ai-nda não alcançaram o status de adulto que merecem uma produção literária menor.

a) Você concorda com essa perspectiva sobre a literatura in-

fanto-juvenil? Explique:

b) Selecione um livro de literatura infanto-juvenil de Mon-

teiro Lobato e comente sobre as qualidades estéticas que

apresenta – considere a caracterização das personagens, a

ambientação, o tipo de diálogo que aparece, o tipo de nar-

rador e os jogos de sentido e linguagem que o texto coloca

em ação:

4. Em A maior flor do mundo, José Saramago, escritor que conhecemos

nesta aula, lança duas questões ao final da história:

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E se as histórias para crianças passassem a ser leitu-ra obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar?

- Elabore a resposta para essas perguntas na forma de uma carta

escrita por Emilia, a boneca de Lobato, dirigida a um dos personagens

do Sitio do Pica-pau Amarelo. Antes, assista ao filme que, apesar de ser

uma versão em espanhol do livro infantil de Saramago, é facilmente

compreensível – encontra-se em: <http://youtu.be/MNavjsXc12c>.

ResumoNesta Unidade VI, você estudou que a literatura infanto-juvenil

brasileira tem em Lobato um de seus maiores nomes, cuja obra

permitiu avanços na concepção de leitura para crianças e jovens,

sendo a escola um espaço privilegiado para o seu desenvolvimento,

marcado por contradições e desafios próprios de toda prática social.

RESUMINDO

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Literatura Infanto-Juvenil | A leitura na escola e na sociedade: papel e importância da Litreratura Infanto-juvenil

REFERÊNCIAS

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Alegre: Mercado Aberto, 1993.

CECCANTINI, João Luis C. T (Org.). Leitura e literatura infanto-juvenil: memórias de Gramado. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2004.

KLEIMAN, Ângela. O processo de leitura. In: BECKER, Paulo Ricardo e

RÖSING, Tânia M. K. (Org). Leitura e animação cultural – repen-

sando a escola e a biblioteca. Passo Fundo: UPF, 2002.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo.

São Paulo: Ática, 2004.

______. Quem paga a música escolhe a dança? Disponível em:

www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao15/pl001.php. Acesso em

jan./2011.

______. A figura do negro em Monteiro Lobato. Disponível em:

http://www.unicamp.br/iel/monteirolobato/outros/lobatonegros.pdf.

Acesso em: jan. 2011

______. ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira – História & histórias. São Paulo: Ática, 1985.

MASINA, Lea. A leitura partilhada. Porto Alegre: Movimento, 2005.

SANDRONI, Luciana. Minhas memórias de Lobato – contadas por

Emília, Marquesa de Rabicó e pelo Visconde de Sabugosa. Ilustrações

de Laerte. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1997.

SARAMAGO, José. A maior flor do mundo. São Paulo: Companhia

das Letras, 2001.

______. A caverna. Lisboa: Caminho, 2000.

YUNES, Eliana. Políticas públicas de leitura – modos de fazer. In:

RETTENMAIER, Miguel e RÖSING, Tânia M. K. (Org). Questões de leitura. Passo Fundo: UPF, 2003.

ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo:

Global, 1981.

REFERÊNCIAS

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Suas anotações

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UNIDADE VII

A DIMENSÃO DO IMAGINÁRIO NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL

OBJETIVOReconhecer as mudanças pelas quais passou a literatura infanto-

juvenil brasileira, compreendendo as principais implicações do

conceito de imaginário em suas diferentes formas de abordagem.

1 INTRODUÇÃO

Em 1935, Jorge Amado, na Revista Brasileira, publicou o texto

“Livros Infantis” (apud LAJOLO; ZILBERMAN, 1985, p. 313), no qual

afirma a dificuldade de escrever para crianças, pois elas são leitoras

muito exigentes: “Para satisfazer [aos] leitores adultos é bastante

relatar a vida, o quotidiano dos homens e dos ambientes ou ensinar

alguma coisa. Não é preciso fugir do plano da realidade. Porém, a

criança exige mais do que isto: exige imaginação”.

O imaginar, o plano do sonho e da fantasia são fundamentos

dessa literatura, mas, como veremos, as relações entre o ficcional

e o imaginário são, na verdade, as bases da arte literária em todas

as suas variadas formas de expressão, quer em prosa, quer em

verso, nas narrativas ou nos poemas para crianças e adultos. Isso

porque, a partir dos avanços dos estudos literários, psicanalíticos,

antropológicos, entre outros, consolidou-se a ideia de que os seres

humanos necessitam de uma instância de “faz de conta”, durante

todos os períodos da sua vida: por isso há sempre público para

novelas de TV, para o cinema, para o teatro e, claro, para a literatura.

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Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil

Jorge Amado: nasceu em 1912, em Itabuna, na Bahia e faleceu em 2001, em Salvador, capital do estado. Reconhecido por suas narrativas em que problematiza diversos aspectos da realidade social brasileira, como em Capitães de Areia (1936), Terras do sem fim (1943), O sumiço da santa (1988), entre inúmeras outras obras merecedoras de prêmios no Brasil e no exterior, também escreveu livros infantis. Destaca-se O gato malhado e a andorinha Sinhá, publicado em 1976, por insistência de seu filho João Jorge, para quem era dedicado o livro como presente de seu primeiro aniversário:

O temperamento do gato malhado não era dos melhores. Sua fama de encrenqueiro era tanta que, quando ele apare-cia no parque, todos fugiam: a galinha carijó, o reverendo papagaio, o pato negro, a pata branca, mamãe sabiá, os pombos, os cães. Até as flores se fechavam à sua passa-gem. Ao descobrir que todos os bichos tinham medo dele, o gato fica arrasado. Mas logo retoma sua indiferença ha-bitual, pois não se importa com os outros.O que ele não sabia é que havia alguém que não tinha nem um pouco de medo dele: a andorinha Sinhá. Num dia de primavera, o gato percebe que ela foi a única que não fugiu quando ele apareceu. A andorinha justifica sua cora-gem: ela voa, ele não. Desde aquele dia a amizade entre os dois se aprofunda, e no outono os bichos já vêem o gato com outros olhos, achando que talvez ele não seja tão ruim e perigoso, uma vez que passara toda a primavera e o verão sem aprontar.Durante esse tempo, até soneto o gato escreveu. E confessou à andorinha: ‘Se eu não fosse um gato, te pediria para casares comigo’. Mas o amor entre os dois é proibido, não só porque o gato é visto com desconfiança, mas também porque a an-dorinha está prometida ao rouxinol.Com grande lirismo, a história do amor de um gato mau por uma adorável andorinha assume aqui o tom fabular dos contos infanto-juvenis. Além de se transformar em um improvável caso de paixão, a narrativa mostra como duas criaturas bem diferentes podem não apenas conviver em paz como mudar a maneira de ver o mundo [posfácio de Tatiana Belinky e João Jorge Amado].

Fonte: http://www.jorgeamado.com.br/obra.php3?codigo=40473.

2 MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS HISTÓRIAS E OS VERSOS

Com os avanços da industrialização brasileira, com as novas

perspectivas de crescimento econômico e modernização, a vida cul-

tural do país também foi sofrendo mudanças significativas e a litera-

tura infanto-juvenil acompanha esse processo. Um número maior de

autores volta-se à escrita para crianças e jovens e são variadas as

abordagens por meio das quais a vida rural, até então predominante

em muitas histórias, perde terreno para o cenário urbano, em que

saiba mais

Figura 7.1 - Jorge Amado.Fonte: <http://pt.wikipedia.org>.

Figuras 7.2.Fonte: arquivos UAB/UESC

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são representadas situações da emergente classe média brasileira e

seus novos hábitos de consumo (LAJOLO; ZILBERMAN, 1985).

Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de

1961, a formação de leitores torna-se parte fundamental do currículo

escolar. Entretanto, isso não significou exatamente um avanço nas

perspectivas críticas sobre a literatura dirigida aos pequenos, pois as

histórias lidas e estudadas nas escolas eram, muitas vezes, pretexto

para o ensino da gramática ou da linguagem, de modo amplo (BITEN-

COURT, 2005; COELHO, 1991). Sem contar as “famigeradas” fichas

de leitura, que apresentavam, na maioria das vezes, uma perspec-

tiva unilateral dos textos, com respostas programadas e baseadas na

memorização de certos aspectos básicos das histórias (por exemplo:

pedir ao aluno que reproduzisse os nomes dos protagonistas; indicar,

no melhor dos casos, sugerir, uma “mensagem” do autor que deveria

ser encontrada no enredo etc.).

De todo modo, a importância dada à leitura nessa época foi

relevante para a institucionalização da literatura infanto-juvenil:

[...] surgiram a Fundação do Livro Escolar (1966), a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (1968), o Centro de Estudos de Literatura Infantil e Juve-nil (1973), as várias Associações de Professores de Língua e Literatura, além da Academia de Literatura Infantil e Juvenil, criada em São Paulo, em 1979 (LA-JOLO; ZILBERMAN, 1985, p. 123).

Esse processo foi resultante das mudanças registradas nesse

período sobre a própria concepção de infância e a imagem da criança

não mais como tábula rasa (ou seja, o vazio anterior a toda experiên-

cia) nem passiva, mas como “sofrida, inquieta, crítica, participante”.

São exemplos dessa nova concepção as narrativas A prefeitura é nos-

sa, de Giselda Nicolelis, e A bolsa amarela, de Lygia Bojunga Nunes (LAJOLO; ZILBERMAN, 1986, p. 178), entre muitas outras.

Giselda Laporta Nicolelis: nasceu em São Paulo, em 27 de outubro de 1938, publi-cou sua primeira história em 1972 e o primeiro livro em 1974. Foi então que descobriu seu verdadeiro caminho: a literatura infantil e juvenil, crianças e adolescentes. Hoje sua obra abrange mais de cem títulos, entre livros infantis e juvenis, ficção, poesia e ensaio, publicados por dezenas de editoras, com centenas de edições, e milhões de exemplares vendidos. Exerceu também o jornalismo, em publicação dirigida ao público infantil e juvenil, e trabalhou como coordenadora editorial, em duas coleções juvenis.

saiba mais

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Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil

Sócia-fundadora do Centro de Estudos de Literatura Infantil e Juvenil, cujo acervo se encontra atualmente na Universidade de São Paulo, da União Brasileira de Escritores, do Sindicato de Escritores do Estado de São Paulo e da Clearing House for Women Authors of America. É mãe do cientista Miguel Nicolelis.

Fonte: http://litinfjuv.wordpress.com/2010/04/19/350/

Figuras 7.3. Fonte: <http://literatura.moderna.com.br>.

A bolsa amarela: publicado em 1976, é o terceiro livro da autora Lygia Bojunga Nunes. Nele, encontramos o ludismo que sempre esteve presente nos seus livros, mas que aqui atinge um perfeito equilíbrio entre a liberdade do imaginário e as restrições do real. A Bolsa é a história de uma menina que entra em conflito consigo mesma e com a família ao reprimir três grandes vontades (que ela esconde numa bolsa amarela) – a vontade de crescer, a de ser garoto e a de se tornar escritora. A partir dessa revelação – por si mesma uma contestação à estrutura familiar tradicional em cujo meio “criança não tem vontade” – essa menina sensível e imaginativa nos conta o seu dia a dia, juntando o mundo real da família ao mundo criado por sua imaginação fértil e povoado de amigos secretos e fantasias. Ao mesmo tempo em que se sucedem episódios reais e fantásticos, uma aventura espiritual se processa, e a menina segue rumo à sua afirmação como pessoa. Traduzido em vários idiomas, o livro foi encenado em teatros do Brasil, Bélgica e Suécia. Ilustrações de Marie Louise Nery.

Os textos poéticos infantis igualmente ganharam, a partir des-

sa época, maior densidade imaginativa, um trabalho mais elaborado

com a linguagem lúdica e criativa. Muitos foram os escritores que

dedicaram livros de poesia aos pequenos leitores, dos quais, apenas

a título de exemplo, citamos os seguintes:

Figuras 7.4 e Texto - Fonte: <http://www.casalygiabojunga.com.br/frames/obras.htm>.

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“Boa Noite. A zebra quis ir passear mas a infeliz foi para a cama

- teve que se deitarporque estava de pijama.”

Esse poema faz parte do livro A televisão da bicharada, publi-

cado em 1962, por Sidônio Muralha (Lisboa, 1920 – Curitiba, 1982).

[Ilustração de Fernando Lemos. Disponível em: http://www.vidaslu-

sofonas.pt/sidonio_muralha.htm].

O Peru “Glu! Glu! Glu!Abram alas pro Peru!O Peru foi a passeioPensando que era pavãoTico-tico riu-se tantoQue morreu de congestão.

O Peru dança de rodaNuma roda de carvãoQuando acaba fica tontoDe quase cair no chão.”

Poema que faz parte d’Arca de Noé, livro de poemas infantis

de Vinícius de Moraes (Rio de Janeiro, 1913 – Rio de Janeiro, 1980),

encontra-se disponível no site do autor: http://www.viniciusdemor-

aes.com.br/site/article.php3?id_article=260.

Também a poetisa Cecília Meireles (Rio de Janeiro, 1901/Rio

de Janeiro, 1964) publicou títulos infantis, dentre os quais, se destaca

o livro Ou isto ou aquilo (1964). Sobre sua infância, escreveu:

Minha infância de menina sozinha deu-me duas cois-as que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os

Figura 7.6 - Cecília Meirelis.Fonte: <http://brincandodedeus.wordpress.com/>.

Figura 7.5 - Zebra.Fonte: Arquivos UAB/UESC.

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Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil

relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde, foi nessa área que os livros se abriram e deixaram sair suas re-alidades e seus sonhos, em combinação tão harmo-niosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano.Fonte: www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/cecilia-meireles/

A dimensão lúdica da poesia, a dimensão do jogo e do brincar

encontram-se na análise de Odila Maria Ferreira Carvalho Mansur, em

seu artigo “O imaginário na literatura infantil” a partir de um poema

de Cecília Meireles:

Jogo de Bola

A bela bolarola;a bela bola do Raul.Bola amarelaa da Arabela.A do Raul,azul.Rola a amarelae pula a azul.A bola é mole,é mole e rola.A bola é bela,é bela e pura.

De acordo com Mansur:

Poesia e jogo – é o que faz Cecília que, com pou-cas palavras, constrói o próprio ‘jogar’. Recorre ao movimento das vogais e dá colorido, faz da repetição das consoantes possibilidades de iconizar os pulos e os vaivéns das bolas coloridas: l, R, r associadas às oclusivas p e b, mais algumas consoantes cujo valor expressivo também é significativo, como o m e o z. Faz pelo princípio anagramático relações de pertença, bem como projeta o ritmo e constrói as rimas. A rima, um recurso para agradar o ouvido, para mostrar requinte, elaboração, realça os planos de significação e facilita a memorização.Brincar com fragmentos sonoros é uma das primei-ras tendências do ser humano e, como sabemos, muito próprio da criança, desde o momento em que ouve e que produz os primeiros sons. Brincar com a

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possibilidade da palavra, nomeando e re-nomeando objetos, experimentando o sabor e desmistificando o poder da língua faz parte dos processos de apro-priação da linguagem falada, para posterior uso na cultura, e sociedade. Nessas primeiras descobertas da língua, a criança usa-a de maneira desinteres-sada, reproduz, associa, diverte-se. É comum a cri-ança ligar-se à poesia, também, porque a expressão poética se faz por imagens, pelo raciocínio analógico – forma do pensar característica da criança. Atraída pela pluralidade de imagens, pela ambiguidade do sentido, pela fantasia, sensibilidade, afetividade, a criança abre os canais para a imaginação criadora e para o lúdico. Como toda forma de arte, a poesia é apreensão sensível.Fonte: http://sitemeu.net/vi7vu2.

Assim, as mudanças sobre a noção de infância e de criança

implicaram no reconhecimento de que a literatura infantil é, “antes

de tudo, literatura; ou melhor, é arte: fenômeno de criatividade que

representa o Mundo, o Homem, a Vida, através da palavra. Funde os

sonhos e a vida prática, o imaginário e o real, [...]” (COELHO,1987, p.

10 – grifos da autora).

Desse modo, ganha força a perspectiva da dimensão artística

como fundamento dos textos voltados para o público infanto-juvenil,

uma vez que o gênero se diferencia minimamente das obras para adul-

tos. As distinções consistem basicamente na capacidade de o autor es-

tabelecer a comunicação com o público por uma linguagem que esteja

ao alcance da compreensão de quem ainda está em intenso processo

de formação de características psicológicas, emocionais e afetivas.

3 IMAGINÁRIO, FANTASIAS E MARAVILHAS

E tudo era possível

Na minha juventude antes de ter saído da casa de meus pais disposto a viajareu conhecia já o rebentar do mardas páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo floridoo rolo das manhãs punha-se a circular

Existem muitos livros relevantes sobre a arte poética com in-dicações de caminho para a leitura analítica de poemas. Recomen-damos os seguintes: GOLDSTEIN, Norma S. Versos, sons, rit-mos. 14. ed. São Pau-lo: Ática, 2008. 111p (Série Princípios; 6); MOISÉS, Massaud. A criação poética. São Paulo: Melhoramen-tos; EDUSP, 1977. 156p; CANDIDO, An-tonio. Na sala de aula: caderno de ana-lise literaria. 6.ed. Sao Paulo: Atica, 1998. 95p.

Leitura Recomendada

Figura 7.7 - Fonte: UAB/UESC - Sheylla Tomas

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108 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil

e era só ouvir o sonhador falarda vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vidae havia para as coisas sempre uma saídaQuando foi isso? Eu próprio não sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criançaEntre as coisas e mim havia vizinhançasE tudo era possível era só querer

Ruy Belo, Homem de Palavra[s]Lisboa, Editorial Presença, 1999 (5. ed.)

Fonte: http:////sitemeu.net/Vi8Bo3/

Em “O fictício e o imaginário” (1999), Wolfgang Iser afirma

que, de um modo geral, todas as pessoas sentem prazer em viver o

“fingimento” propiciado pela literatura. Como fenômeno humano, é

na literatura que se encontram duas disposições antropológicas que,

nos textos literários, desvinculam-se de qualquer sentido pragmático:

o fictício e o imaginário. Segundo o autor: “Quando mentimos, temos

um certo propósito. O tipo de fingimento que ocorre na literatura não

tem relação direta com propósitos dessa ordem” (1999, p. 67).

Por meio da literatura, a invenção, o fictício, “compele o

imaginário a assumir forma, ao mesmo tempo em que serve como

meio para manifestação deste” (ISER, 1999, p. 70). Devemos

compreender, no caso dessa afirmação de Iser, que o imaginário se

identifica com a fantasia, com a capacidade humana de imaginar.

Quando os textos literários nos apresentam mundos que não

existem, pessoas inventadas, por mais próximas que se encontrem

de referências da vida real, estamos no terreno da invenção, do

“como se” – e aceitamos essa possibilidade. Por isso a literatura é

tão importante: ela nos permite ultrapassar os limites da realidade

imediata, o que significa apontar para as outras formas de vivência que

não conhecemos. Por isso, também, ela é uma forma de conhecimento

– por meio da literatura, podemos experimentar situações que nunca

viveríamos, que desejaríamos viver, que nem pensamos que poderiam

ser vividas. Entretanto, essa forma de conhecimento não se dá por

nenhuma argumentação racional ou moralista: aliás, qualquer atitude

panfletária fere a obra artística, em qualquer de suas manifestações.

Panfletário

relacionado a panfleto – fo-lheto ou folha avulsa para distribuição pública, que se constitui em pequeno texto polêmico, às vezes, satírico, de caráter sen-sacionalista e combativo, geralmente sobre temas políticos. Por extensão, entende-se como literatu-ra panfletária aquela for-mada por textos ficcionais ou poemas explicitamente comprometidos com cer-tas ideias, com determi-nadas perspectivas políti-cas tanto revolucionárias quanto conservadoras e que, em função da defesa desses ideais, não dá ên-fase à dimensão estética da expressão literária.Fonte: adaptado do Dicionário Aulete Digital - <http://www.auletedigital.com.br>.

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nida

de

Nem panfletária, nem como forma de inculcação

de “ensinamentos”, a literatura, destinada a crianças,

jovens e adultos, constitui-se em forma artística.

Nesse sentido, é importante sabermos distinguir entre

educar e ensinar, como estabelece Ieda Oliveira, em

seu artigo “A maioridade da literatura infantil” (apud

RAMOS, 2006, p. 207):

[...] educar contém o prefixo lati-no e, variante de ex – ‘para fora’ – seguido do verbo ducere – ‘con-duzir’. Significa, portanto, ‘conduz-ir para fora, ‘trazer para fora’. Ao passo que ensinar é in (‘dentro’) seguido de signare (‘colocar mar-ca’ – signum é sinal, marca. Sig-nifica, por conseguinte, calcar de fora para dentro a mente do aluno, colocando nela informações.

A conclusão da autora citada é que toda a arte

está voltada para a educação, para o conhecimento

humano que se processa para muito além da

capacidade de reter “lições”.

Nesse sentido, a literatura infanto-juvenil

não estaria a reboque de uma literatura mais

elaborada – pelo contrário, como já frisamos de

diferente modos, o público infantil é muito exigente.

A sua especificidade há muito vem sendo estudada

por várias áreas científicas, como a Psicologia, a

Antropologia, entre outras.

Em 1976, Bruno Bettelheim publicou A

psicanálise dos contos de fada, no qual defende a

importância dos contos de fadas “tradicionais” (os

que foram diretamente vertidos do folclore popular

de diferentes países europeus) para a afirmação da

psique infantil. Para o autor:

A cultura dominante deseja fingir, particularmente no que se refere às crianças, que o lado escuro do homem não existe, e professa a crença num aprimoramento otimis-ta. A própria psicanálise é encarada como tendo o propósito de tornar a vida fácil. Mas não é o que seu fundador pretendeu. A psicanálise

para conhecer

Wolfgang Iser: nasceu em 22 julho de 1926, na cidade alemã de Marienberg, esta-do da Saxônia, que, após a Segunda Guer-ra Mundial, passou a integrar a zona russa. Seu trabalho começou a atrair a atenção internacional quando se tornou membro fundador da Universidade de Constança, na fronteira da Alemanha com a Suíça. Established at almost the same time as UC Irvine, Constance was a “reform universi-ty,” intent on remedying various institutio-nal limits of the German university system.Constance era uma “reforma universi-tária”, com a intenção de corrigir vários limites institucionais do sistema univer-sitário alemão. For instance, in other Ger-man universities the study of literature was conducted according to national or linguistic traditions. Por exemplo, em outras uni-versidades alemãs, o estudo da literatu-ra era realizado de acordo com as tradi-ções nacionais ou linguísticas. Refusing to be bound by that definition of the field, Iser and his colleagues created a “Department of ‘Literaturwissenschaft,’ (Literary Science)” that studied the institution of literature itself. Recusando-se a essa vinculação, Iser e seus colegas criaram um Departamento de Literaturwissenschaft (Ciência da Lite-ratura), que estudou a instituição da pró-pria literatura. The innovative research that resulted led to the formation of the “Constan-ce School” of literary theory and criticism. A pesquisa inovadora, levou à formação da “Escola de Constance” de teoria e crítica literária. Along with Hans Robert Jauss and Jurij Striedter, Iser helped shift the focus of German literary theory in the late 1960s from the author to the reader. Juntamente com Hans Robert Jauss e Striedter Jurij, Iser ajudou a mudar o foco da teoria literária alemã na década de 1960: do autor para o leitor. Rather than ask what a work of li-terature means, they turned their attention to what a work does to the reader. Ao invés de perguntar o que uma obra de litera-tura significa, eles voltaram sua atenção para os sentidos do “trabalho” do leitor. If Jauss outlined a model for how to study the historical reception of a work of litera-ture (Rezeptionsaesthetik), Iser focused on what occurred in the act of reading a work of literature (Wirkungsaesthetik). Se Jauss delineou um modelo de como estudar a recepção histórica da obra de literatura (Rezeptionsaesthetik = Estética da Re-cepção), Iser focou seus estudos no ato de ler uma obra de literatura (Wirkung-saesthetik). Faleceu em Constança, em 24 de janeiro de 2007.

Fonte: http://www.universityofcalifornia.edu/senate/inmemoriam/wolfgangiser.htm.

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110 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil

foi criada para capacitar o homem a aceitar a natureza problemática da vida sem ser der- rotado por ela, ou levado ao escapismo. A prescrição de Freud é de que só lutando corajosamente contra o que parecem prob-abilidades sobrepujantes o homem pode ter sucesso em extrair um sentido da sua existência. As figuras nos contos de fadas não são ambivalen-tes - não são boas e más ao mesmo tempo, como somos todos na realidade. Mas dado que a polariza-ção domina a mente da criança, também domina os contos de fadas. Uma pessoa é ou boa ou má, sem meio-termo. Um irmão é tolo, o outro esperto. Uma irmã é virtuosa e trabalhadora, as outras são vis e preguiçosas. Uma é linda, as outras são feias. Um dos pais é todo bondade, o outro é malvado. As am-bigüidades devem esperar até que esteja estabelecida uma personalidade relativamente firme na base das identificações positivas. Então a criança tem uma base para compreender que há grandes diferenças entre as pessoas e que, por conseguinte, uma pessoa tem que faz-er opções sobre quem quer ser. Esta decisão básica sobre a qual todo o desenvolvimento ulterior da personalidade se construirá, é facilitada pelas polarizações do conto de fada (BETTELHEIM, 1980, p. 17).

Entretanto, não devemos perder de vista a seguinte observação

de Bettelheim (1980, p. 20): “O conto de fadas não poderia ter seu

impacto psicológico sobre a criança se não fosse primeiro e antes de

tudo uma obra de arte”. Por sua dimensão artística, o conto de fadas

permite variadas interpretações, de acordo com os diferentes momentos e

interesses de cada criança. É o caso do seguinte exemplo:

O motivo central de ‘Branca de Neve’ é a garota pré- adolescente superando de todos os modos a madrasta malvada que, por ciúmes, nega-lhe uma existência inde-pendente - simbolicamente representada pela madrasta tentando destruir Branca de Neve. O significado profun-do da história para uma garota de cinco anos, em es-pecial, estava, todavia, bem longe desses problemas de pré-adolescência. Sua mãe era fria e distante, tan-to que ela se sentia perdida. A história reassegurava-lhe que ela não necessitava se desesperar: Branca de Neve, traída por sua madrasta, foi salva por homens - primeiro os anões e depois o príncipe. Essa criança, também, não se desesperou por causa do abandono da mãe, mas acreditou que o resgate viria dos ho-mens. Confiante de que ‘Branca de Neve’ mostrava-lhe o caminho, ela voltou-se para o pai, que respondeu favoravelmente; o final feliz do conto de fadas tor-nou possível a esta garota encontrar uma solução feliz para o impasse existencial em que a falta de interesse de sua mãe a projetara. Assim, um conto de fadas Figura 7.8 - Branca de Neve.

Fonte: http://files.myopera.com/lyninha/albums/890158/11.jpg

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nida

de

pode ter um significado importante tanto para uma criança de cinco anos como para uma de treze, embora os significados pessoais que deles deri-vam possam ser bem diferentes (BET-TELHEIM, 1980, p. 24-25).

A base de partida para essas considerações de

Bruno Bettelheim está, como dito, nos estudos de Freud,

para quem “os primeiros traços da imaginação criativa

aparecem na infância e se expressam por meio de jogos

e brincadeiras. Brincar é uma necessidade fundamental da

criança”, conforme Ana Maria Machado (apud RAMOS, 2006,

p. 42). E a brincadeira é encarada como coisa muito séria,

pois o contrário da brincadeira, na concepção freudiana,

não é ser sério, “mas ser real. Porque a criança distingue

perfeitamente seu mundo de brincadeira, imaginário,

faz-de-conta, por oposição a tudo aquilo que constitui a

realidade” (MACHADO apud RAMOS, 2006, p. 43).

Em linha de continuidade a essas diretrizes

psicanalíticas, os psicólogos Mario e Diana Corso

publicaram, em 2006, Fadas no divã: Psicanálise nas

Histórias Infantis, no qual alargaram as concepções

de Bettelheim, ampliando a análise dos contos infantis

tradicionais para as atuais histórias publicadas para

crianças e jovens, como a saga de Harry Potter ou os

quadrinhos encenados pela turma da Mônica, de Maurício

de Souza. Para tanto, os autores compreendem que

“contos de fadas não precisam ter fadas, mas devem

conter algum elemento extraordinário, surpreendente,

encantador. Maravilhoso provém do latim mirabilis, que

significa admirável, espantoso, extraordinário, singular”

(Disponível em <http://www.marioedianacorso.com/

fadas-no-diva>).

Desse modo, mesmo nas narrativas mais atuais,

o elemento maravilhoso cumpre a função de garantir

que se trata de outra dimensão, de outro mundo, com

possibilidades e lógicas diferentes. “Assim fazendo, os

argumentos da razão e da coerência já são barrados

na porta, e a festa pode começar sem suas incômodas

presenças, bastando pronunciar as palavras mágicas Era

uma vez... como uma senha de entrada” (disponível em

<http://www.marioedianacorso.com/fadas-no-diva>).

Bruno Bettelheim: psicólogo aus-tríaco nascido em Viena, de grande destaque histórico nos estudos so-bre crianças com problemas men-tais, sobretudo autistas. Discípulo de Freud, doutorou-se pela Univer-sidade de Viena (1938). Logo em seguida foi internado pelos nazis-tas nos campos de concentração de Dachau e Buchenwald, ao ser liber-tado (1939), emigrou para os Esta-dos Unidos. Nomeado pesquisador assistente da Progressive Education Association da University of Chica-go, ganhou fama quando publicou um artigo de muita repercussão, sobre suas observações e experiên-cias nos campos de concentração, Individual and Mass Behaviour in Extreme Situations (1943). Revali-dado seu doutorado da Universida-de de Viena (1944), naturalizou-se cidadão estadunidense e tornou-se professor assistente de psicologia da University of Chicago e chefe da e University’s Sonia Shankman Orthogenic School. Iniciou, então, seus estudos com crianças vítimas de distúrbios emocionais graves, principalmente as autistas. Foi um dos especialistas que mais se debru-çou sobre o estudo da influência dos contos de fadas. Para ele, a grande diferença entre este tipo de contos e os modernos é que os primeiros, ao contrário dos segundos, não re-metem apenas para o encantamen-to, tratando também de problemas existenciais, algo que permane-ce inalterável com a passagem do tempo. Publicou importantes livros como Love Is Not Enough (1950) e Truants from Life (1954), Children of the Dream (1967) e The Uses of Enchantment (1976). Aposentado da escola (1973) morreu em 1990, por suicídio, em Silver Spring, Md., U.S., possivelmente deprimido pela morte da esposa (1984) e após so-frer um derrame cerebral (1987).

Fonte: <http://www.dec.ufcg.edu.br/biogra fias/BrunoBet.html>.

para conhecer

Figura 7.9 - Bruno Bettelheim. Fonte: http://international psychoanalysis.net/wp-content/uploads/2008/05/bettleheim.jpg

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112 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil

Destacamos, abaixo, outros relevantes estudiosos da infância em suas diferen-tes abordagens:

Jacques-Marie-Émile LACAN: (1901-1980) nasceu na França em Orleans. Formou-se em medicina, atuando como neurologista e psiquiatra e se conside-rava um psicanalista freudiano. [...] Se Freud utilizou conhecimentos da física e da biologia nos seus trabalhos, Lacan utilizou a Linguística, a lógica mate-mática e a topologia. Lacan mostrou que o inconsciente se estrutura como a linguagem. A verdade sempre teve a mesma estrutura de uma ficção, em que aquilo que aparece sob a forma de sonho ou devaneio é, por vezes, a verdade oculta sobre cuja repressão está a realidade social.Fonte: <http://psicanaliselacaniana.vilabol.uol.com.br/fundamentos.html>.

Jean PIAGET: (1896-1980) foi um renomado psicólogo e filósofo suíço, conhe-cido por seu trabalho pioneiro no campo da inteligência infantil. Piaget passou grande parte de sua carreira profissional interagindo com crianças e estudando seu processo de raciocínio. Seus estudos tiveram um grande impacto sobre os campos da Psicologia e Pedagogia. Em seus estudos sobre crianças, Jean Pia-get descobriu que elas não raciocinam como os adultos. Esta descoberta levou Piaget a recomendar aos adultos que adotassem uma abordagem educacional diferente ao lidar com crianças. Ele modificou a teoria pedagógica tradicional que, até então, afirmava que a mente de uma criança é vazia, esperando ser preenchida por conhecimento. Na visão de Piaget, as crianças são as próprias construtoras ativas do conhecimento, constantemente criando e testando suas teorias sobre o mundo. Ele forneceu uma percepção sobre as crianças que ser-ve como base de muitas linhas educacionais atuais. De fato, suas contribuições para as áreas da Psicologia e da Pedagogia são imensuráveis. Fonte: <http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/biografia_jean_piaget.htm>.

LEV S. VYGOTSKY: (1896/1934) foi professor e pesquisador, contemporâneo de Piaget, e nasceu e viveu na Rússia. Dedicou-se nos campos da pedagogia e psicologia. [...] Partidário da revolução russa, sempre acreditou em uma sociedade mais justa sem conflito social e exploração. Construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um proces-so sócio-histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, sendo essa teoria considerada histórico-social.Fonte: <http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/biografia_vygotsky..htm>.

Carl Gustav JUNG: (1875/1961) nasceu em Kesswil – Suiça, e faleceu em Zurique. As idéias de Jung abriram uma nova dimensão para compreender as diversas expressões da mente humana na cultura. Assim, “encontra, por toda parte, os elementos de suas pesquisas: em mitos antigos e em contos de fada modernos; nas religiões do mundo oriental e ocidental, na alquimia, na astro-logia, na telepatia mental e na clarividência; nos sonhos e visões de pessoas normais; na antropologia, na história, na literatura e nas artes; e na pesquisa clínica e experimental” (HALL; LINDZEY, 1973, p. 122).Fonte: <http://www.psicologia.org.br/internacional/artigo7.htm>.

No campo atual da Sociologia da Infância, segundo o professor

Manuel Jacinto Sarmento, no seu artigo “Imaginário e culturas da

infância” (2003), vem ganhando terreno o conceito de “culturas

da infância”, compreendido como “a capacidade das crianças em

construírem de forma sistematizada modos de significação do

para conhecer

Figura 7.10. Fonte: http://lacan.psichogios.gr/content/binary/lacan-400.jpg

Figura 7.11. Fonte: http://constructivism.bravehost.com/myPictures/piaget.jpg

Figura 7.12. Fonte: http://www.marxists.org/archive/vygotsky/images/portrait.jpg

Figura 7.13. Fonte: http://www.thegrumpyted .com/images/jung.jpg

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113PedagogiaUESC

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nida

de

mundo e da ação intencional, que são distintos dos modos adultos

[...]”. As culturas da infância transportam as marcas dos tempos,

exprimem a sociedade nas suas contradições, nos seus estratos, na

sua complexidade.

De acordo com o professor Sarmento, essa perspectiva

cultural implicou nova compreensão da infância também no campo

da Antropologia. Nesse sentido, cita Clifford Geertz, reconhecido

antropólogo dos Estados Unidos:

Surgiu uma concepção seriamente modificada da mente infantil – não uma confusão alvoroçada e flo-rescente, não uma fantasia voraz, girando em desa-mparo num desejo cego [...] mas uma mente crian-do sentido, buscando sentido, preservando sentido e usando sentido; numa palavra – a palavra de Nelson Goodman – construtora de mundo (2001, p. 186).

Desse modo, o “imaginário infantil é um fator de conhecimento,

e não uma incapacidade, uma marca de imaturidade ou um erro”

(SARMENTO, 2003). Por essa perspectiva, a escola ganha contornos

potencialmente criadores, concebendo-se sua constituição como

lugar da cultura em que a comunidade educativa deve firmar o direito

da criança “à participação cidadã no espaço coletivo” (SARMENTO,

2003).

Nesse processo, a literatura cumpre papel de destaque, pois,

como afirma Nelly Novaes Coelho em O conto de fadas – símbolos,

mitos, arquétipos:

Pela imaginação, varinha de condão capaz de revelar o homem a si mesmo, a literatura vai-lhe desven-dando mundos que enriquecem o seu viver. O obje-tivo último da literatura é a experiência humana, o convívio com ela (2003, p. 118 – grifo da autora).

De certo modo, é esse o sentido do poema abaixo, de Carlos

Drummond de Andrade:

A palavra mágica

Certa palavra dorme na sombra

de um livro raro.

Como desencantá-la?

É a senha da vida

a senha do mundo.

Vou procurá-la.

Na Universidade do Minho, em Portugal, o Instituto de Estu-dos da Criança (http://www.iec.uminho.pt/), no qual atua o pro-fessor Manuel Jacinto Sarmento, desenvol-ve pesquisas relevan-tes sobre o mundo da infância. O artigo completo do referi-do autor encontra-se em: http://titosena.for-tunecity.com/Arquivos/Artigos_infancia/Cultu-ra%20na%20Infancia.

para conhecer

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114 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil

Vou procurá-la a vida inteira

no mundo todo.

Se tarda o encontro, se não a encontro,

não desanimo,

procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura

ficará sendo

minha palavra.

A magia da palavra está na procura do sentido da existência –

uma procura que se traduz no próprio segredo da vida quando é busca

solitária, mas solidária, quando é procura interior e diálogo aberto com

o mundo. Caminho que tem início na infância e em que, mais felizes

certamente seríamos, se a infância fosse sempre o caminho.

Figura 7.14 - Carlos Drummond de Andrade. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade>.

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115PedagogiaUESC

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de

ATIVIDADES

1. Mesmo sabendo que fazer poemas não é apenas inventar versos

rimados com determinado número de sílabas métricas, mas trabalhar

a linguagem descobrindo novos sentidos para os mais variados

fenômenos e elementos da vida, nada nos impede de brincar com as

palavras. Quando trabalhamos a literatura infanto-juvenil, devemos

incentivar essa brincadeira, esse jogo criativo com as palavras. Por isso,

como forma de exercitar sua capacidade criativa e lúdica, propomos os

seguintes desafios:

A) Complete os versinhos abaixo, criando novos sentidos para as

características mais comuns dos animais relacionados (“inspire-se”

nos poemas de Sidônio Muralha e Vinícius de Moraes que constam na

página 105):

O elefanteParece tão pesado,

o passo do elefante,

mas, que nada,

o peso da passada

__________________________________

__________________________________

__________________________________

A lagartixa

Ligeirinha, assustada

Pendurada na parede

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

B) Agora, invente seu próprio bicho – primeiro, com palavras, versos

e muita invenção, crie um animalzinho no seu mundo de faz de conta;

depois, faça uma ilustração sobre ele (sugestões: você pode combinar

características de bichos, pode inventar cores ou características

diferentes para bichos existentes, enfim, use e abuse da imaginação!):

2. Selecione no mínimo dois dos seguintes livros (que estão disponíveis

ATIVIDADES

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116 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil

em versão eletrônica no site <http://www.virtualbooks.com.br/>) e,

após leitura completa dos textos, realize as seguintes atividades:

Livros:

A ilha do tesouro, de Robert Louis Stevenson

Robinson Crusoé, de Daniel Defoe

Vinte mil léguas submarinas, de Júlio Verne

As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift

A) Elabore, sobre cada obra literária selecionada, uma apresentação

do autor – indique: datas e locais de nascimento e morte, bem como

uma síntese dos principais acontecimentos do período em que viveu

(“navegue” pela web e descubra muitas informações importantes).

B) Escreva um comentário sintético a respeito de cada narrativa

escolhida a partir das respostas às seguintes questões:

- O que o texto me diz?

- O que eu digo ao texto?

- O que eu digo aos meus colegas sobre o texto: (a ideia aqui

é apresentar cada obra literária selecionada a seus colegas de

formação, ou supostos professores já em atividade, destacando

o que devem observar de mais importante no trabalho com essas

narrativas em suas aulas):

3. Vamos brincar mais um pouco com a imaginação – agora, visite o

site: <http://virtualbooks.terra.com.br/osmelhoresautores/alfabeto

Pat.htm>, leia o livro digital Alfa Beto, de Patrícia Moura.

Com base nas ideias dessa autora, elabore o seu próprio alfabeto,

com palavras e ilustrações criativas, engraçadas e/ou sérias, que, no

conjunto formem uma ideia (ampla) sobre A AMIZADE!

4. Partindo da concepção de Mario e Diana Corso (2006) de que

“contos de fadas não precisam ter fadas, mas devem conter algum

elemento extraordinário, surpreendente, encantador”, leia os contos

abaixo, de Marina Colasanti (conheça essa autora – leia sobre ela),

e elabore um comentário sobre o sentido principal de cada conto,

destacando passagens que justifiquem sua reposta.

UMA IDEIA TODA AZUL

Um dia o Rei teve uma idéia. Era a primeira da vida toda, e tão maravilhado ficou com aquela idéia azul, que não quis saber de contar

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nida

de

aos ministros. Desceu com ela para o jardim, correu com Ela nos gramados, brincou com ela de esconder entre outros pensamentos, encontrando-a sempre com igual alegria, linda idéia dele toda azul.

Brincaram até o Rei adormecer encostado numa árvore. Foi acordar tateando a coroa e procurando a idéia, para perceber

o perigo. Sozinha no seu sono, solta e tão bonita, a idéia poderia ter chamado a atenção de alguém.

Bastaria esse alguém pegá-la e levar. É tão fácil roubar uma idéia: Quem jamais saberia que já tinha dono?

Com a idéia escondida debaixo do manto, o Rei voltou para o castelo. Esperou a noite. Quando todos os olhos se fecharam, saiu dos seus aposentos, atravessou salões, Desceu escadas, subiu degraus, até Chegar ao Corredor das Salas do Tempo.

Portas fechadas, e o silêncio. Que sala escolher? Diante de cada porta o Rei parava, pensava, e seguia adiante. Até

chegar à Sala do Sono. Abriu. Na sala acolchoada os pés do Rei afundavam até o tornozelo,

o olhar se embaraçava em gazes, cortinas e véus pendurados como teias.

Sala de quase escuro, sempre igual. O Rei deitou a idéia adormecida na cama de marfim, baixou o cortinado, saiu e trancou a porta.

A chave prendeu no pescoço em grossa corrente. E nunca mais mexeu nela.

O tempo correu seus anos. Idéias o Rei não teve mais, nem sentiu falta, tão ocupado estava em governar. Envelhecia sem perceber, diante dos educados espelhos reais Que mentiam a verdade. Apenas, sentia-se mais triste e mais só, sem que nunca mais tivesse tido vontade de brincar nos jardins.

Figura 7.15 - Fonte: http://dc122.4shared.com/doc/oZGZ1V08/preview001.png

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Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil

Só os ministros viam a velhice do Rei. Quando a cabeça ficou toda branca, disseram-lhe que já podia descansar, e o libertaram do manto.

Posta a coroa sobre a almofada, o Rei logo levou a mão à corrente. Ninguém mais se ocupa de mim - dizia atravessando salões e

descendo escadas a caminho das Salas do Tempo - ninguém mais me olha. Agora posso buscar minha Linda idéia e guardá-la só para mim.

Abriu a porta, levantou o cortinado. Na cama de marfim, a idéia dormia azul como naquele dia. Como naquele dia, jovem, tão jovem, uma idéia menina. E linda.

Mas o Rei não era mais o Rei daquele dia. Entre ele e a idéia estava todo o tempo passado lá fora, o tempo

todo parado na Sala do Sono. Seus olhos não viam na idéia a mesma graça. Brincar não queria, nem Rir. Que fazer com ela? Nunca mais saberiam estar juntos como naquele dia.

Sentado na beira da cama o Rei chorou suas duas últimas lágrimas, as que tinha guardado para a maior tristeza.

Depois baixou o cortinado, e deixando a idéia adormecida, fechou

para sempre a porta.

(Conto integrante do livro de COLASANTI, Marina. Uma ideia toda azul. São Paulo: Global Editora, 1998.)

A MOÇA TECELÃ

Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.

Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.

Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava. Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.

Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.

Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para

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ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.

Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.

Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.

Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem

querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.

Figura 7.16Fonte: http://3.bp.blogspot.com/_Y33Jq3K96EY/TP2G8ofQhwI/AAAAAAAADK4/YW8Z2tK5J84/s1600/a-helping-hand-by-weistling.jpg

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120 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil

Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.

Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.

— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!

Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.

Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.

(Conto integrante de: COLASANTI, Marina. Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento. Rio de Janeiro: Global Editora, 2000).

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Resumo

Nesta Unidade VII, foram apresentados os principais rumos

da Literatura Infanto-Juvenil no Brasil a partir da década de 60,

enfocando-se, sobretudo, as mudanças no conceito de infância e

criança que, consequentemente, alteraram a própria perspectiva

de compreensão sobre o imaginário infantil e suas relações com a

literatura.

Referências

BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

BITENCOURT, Maria de Fátima Ávila. Literatura infanto-juvenil brasileira – breve história. In: RÖSING, T.; BECKER, P. (Orgs). Leitura e animação cultural. Passo Fundo: Ed. UPF, 2005.

COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil/juvenil: das origens indo-européias ao Brasil contemporâneo. São Paulo: Ática, 1991.

______. Literatura infantil – história, teoria, análise. São Paulo: Quíron, 1987.

______.O Conto de fadas – símbolos, mitos, arquétipos. São Paulo: DCL, 2003.

HALL, Calvin S.; LINDZEY, Gardner. Teorias da Personalidade. São Paulo: EPU, Ed. Universidade de São Paulo, 1973.

ISER, W. O fictício e o imaginário. In: ROCHA, J. C. de C. (Org). Teoria da ficção – indagações à obra de Wolfgang Iser. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 1999.

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira – História & histórias. São Paulo: Ática, 1985.

______. Um Brasil para crianças: para conhecer a literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos. São Paulo: Global, 1986.

RAMOS, Anna Cláudia. Nos bastidores do imaginário – Criação e Literatura Infantil e Juvenil. São Paulo: CDL, 2006.

RESUMINDO

REFERÊNCIAS

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Suas anotações

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UNIDADE VIII

AS ESTRATÉGIAS LITERÁRIAS E OS DIFERENTES SUPORTES DA LITERATURA

INFANTO-JUVENIL

OBJETIVOIdentificar processos intertextuais e outras estratégias literárias

acionadas pela literatura infanto-juvenil, reconhecendo a

variedade de linguagens que podem constituir essa literatura,

bem como os diferentes suportes em que se apresenta.

1 INTRODUÇÃO

Ao longo de nossas aulas, marcamos a diferença entre

literatura infanto-juvenil e livros ou artefatos feitos para crianças e

jovens. Vale lembrar: nesse último caso, tratamos de publicações ou

objetos de caráter geralmente lúdico, mais ou menos voltados para

ações pedagógicas ou cognitivas. No primeiro, temos um fenômeno

artístico-cultural que demanda certos processos de realização e

recepção que instaura o literário, e é o que nos interessa aqui.

Nos tópicos a seguir, desenvolveremos algumas considerações

sobre as estratégias que são colocadas em funcionamento no

texto literário infanto-juvenil, destacando-se, dentre elas, a

intertextualidade. Veremos, também, que essa literatura dirigida

a crianças e jovens se constitui de variadas linguagens e pode

ser apresentada em diferentes suportes: do livro no estilo mais

convencional que conhecemos, até hipertextos e outros recursos da

era digital em que vivemos. Aliás, esta é uma questão que os atuais

estudos sobre a literatura infanto-juvenil nos convocam a refletir:

o mundo da virtualidade, dos computadores, das redes de internet

está criando um novo paradigma de leitura literária? Na verdade, há

muitas outras perguntas que podemos (e devemos) formular, cujas

respostas ainda estão em processo de construção. E você faz parte

desse processo!

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Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil

2 ESTRATÉGIAS LITERÁRIAS: A INTERTEXTUALIDADE NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL

2.1 Conhecendo alguns autores e pressupostos

Quando um autor desenvolve seu texto literário, ele seleciona

e coloca em ação determinadas estratégias, conforme seu propósito

estético. Ao contar uma história de suspense, por exemplo, ele pode

optar por um narrador que participe da trama narrativa, de modo

a não antecipar nenhum detalhe que colocaria em risco o clima de

expectativa e mistério que quer no seu texto. De igual modo, conforme

suas proposições, são selecionados os tipos de personagens, de

cenário, de recorrência descritiva, se o texto será mais centrado na

reflexão ou na ação e assim por diante.

O mesmo acontece com os gêneros poéticos, pois o poeta

igualmente seleciona determinadas métricas, ritmos, disposição

gráfica e muitas outras estratégias literárias para a composição de

seu poema, de acordo com sua proposta estética, com os resultados

que pretende alcançar.

Reconhecer as estratégias literárias colocadas em ação em um

determinado texto é reconhecer a literatura como artefato de linguagem

e, sobretudo, como fenômeno comunicativo. No âmbito da Teoria da

Literatura, o problema de como conceber a obra literária, enquanto

criação estética, em seu envolvimento com os dilemas da linguagem

e do mundo que lhe é exterior, mereceu variadas e, não poucas

vezes, opostas considerações analíticas. Trata-se, na verdade, de um

questionamento sempre atualizado, na medida em que a literatura,

enquanto fenômeno humano, é uma produção permanente e, como

tal, não prescinde do diálogo das várias correntes de análise que, em

suas discordâncias ou complementaridades, vão potencializando seus

incontáveis e surpreendentes sentidos.

Afirmar a permanência da produção literária significa, igualmente,

compreender que novas/outras obras surgem a cada dia em meio as

que surgiram no passado, seja ele mais ou menos remoto, daí o diálogo

estabelecer-se como fundamental. Assim, devemos reconhecer que a

potencialidade de sentidos da literatura se amplia no reconhecimento do

caráter dialógico de toda obra literária e de sua historicidade. De forma

consequente, no diálogo que as obras estabelecem dentro de si, entre

si, com seu tempo presente e passado, resgata-se a comunicação da

arte com a vida.

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de

Com relação a esse último aspecto, destacamos algumas das

mais relevantes proposições de dois teóricos, Mikhail Bakhtin e

Hans Robert Jauss. Ainda que tenham percorrido diferentes direções

analíticas, ambos partem da concepção fundamental de que a literatura

é um ato especial de comunicação. Dessa forma, enquanto ação

comunicativa, a obra literária se constitui como artefato estético pleno de

significações que são acessadas ou por sua constituição em linguagem,

de acordo com a noção de alteridade, no caso da ótica bakhtiniana, ou

por seu direcionamento a um leitor, a um público concreto, influenciado

pelo devir histórico, elemento privilegiado pela Estética da Recepção, na

formulação de Jauss.

Alteridade

Fato ou estado de ser Outro; diferenciação do sujeito em relação a um outro. Opõe-se à identi-dade, ao mundo interior e à subjetividade. Esse tema aparece com algu-ma insistência nos mais recentes estudos pós-co-loniais, feministas, des-construcionistas e psi-canalíticos, e é também tratado no dialogismo de Bakhtin. [...] [Esse au-tor], entre 1918 e 1924, escreve diversos ensaios cujo tema central é a re-lação entre o eu e os ou-tros. O eu só existe em diálogo com os outros, sem os quais não se po-derá definir. O processo de autocompreensão só se pode realizar através da alteridade, isto é, pela aceitação e percepção dos valores do Outro. Fonte: http://www.fcsh.unl.pt/

invest/edtl/verbetes/A/alteridade.

htm.

para conhecer

Mikhail Mikhailóvitch Bakhtin: nasceu em Orel, ao sul de Moscou, em 1895. Aos 23 anos, formou-se em História e Filologia na Universidade de São Petersburgo, mesma época em que iniciou encontros para discutir linguagem, arte e litera-tura com intelectuais de formações variadas, no que se torna-ria o Círculo de Bakhtin. Em vida, publicou poucos livros, com destaque para Problemas da Poética de Dostoiévski (1929), [e assinou outros com] colegas do Círculo. Durante o regime stalinista, o grupo passou a ser perseguido e Bakhtin foi con-denado a seis anos de exílio no Cazaquistão (só ao retornar, ele finalizou sua tese de doutorado sobre cultura popular na Ida-de Média e no Renascimento). Suas produções chegaram ao Ocidente nos anos 1970 e, uma década mais tarde, ao Brasil. Mas Bakhtin já havia morrido, em 1975, de inflamação aguda nos ossos.

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-inicial/filosofo-dialogo

Hans Robert Jauss: nasceu em Göppingen, Alemanha, em 12 de dezembro de 1921, e faleceu em Constança, Alema-nha, em 1 de março de 1997 . Foi um filólogo estudioso da Literatura alemã e das literaturas românicas, especializado nas literaturas medievais e na francesa moderna. [...] Em 1966, passou a fazer parte da recém fundada Universidade de Constança, o que foi decisivo para a trajetória de Jauss. Sua [aula] inaugural como Catedrático [dessa] Universida-de, no ano 1967, com o título A história da literatura como provocação da ciência literária introduziu uma mudança de perspectiva na investigação nos estudos literários, que hoje se conhece com o conceito da Estética da Recepção.

Fonte: http://pt.encydia.com/es/Hans-Robert_Jauss.

Figura 8.1 - Bakhtin. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mi-khail_Bakhtin>.

Figura 8.2 - Jauss. Fonte: <http: //en.wikipedia.org/wiki/Hans_Robert_Jauss>.

As proposições de Bakhtin tiveram seu desenvolvimento

original a partir de problematizações filosóficas que procuravam

compreender o ser em função de sua ação, a existência do sujeito

pela forma como ele responde ao mundo. Desse interesse inicial,

marcado pela preocupação ética, o passo seguinte foi reconhecer essa

ação enquanto atitude estética responsável, pois, de acordo com o

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126 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil

pensador russo, não existe arte nem sujeito artístico desinteressado.

Mais ainda, é no campo da linguagem que a ação estética pode ser

compreendida, daí ele buscar uma metodologia no texto escrito, e

dentre todos, no texto literário. Isso porque a literatura depara-se com

o desafio permanente de concretizar, no plano do texto escrito, a vida

autêntica da linguagem. Bakhtin encontrou na obra do romancista

Dostoiévski, que lhe era conterrâneo, o exemplo maior da realização

desse embate: o romance polifônico, como chamou, no qual se

encontram vários discursos e nenhum é privilegiado como central. Ao

contrário, as várias vozes do romance representam as contradições

da sociedade e esse plurilinguismo adentra no universo ficcional,

que sempre representa determinado cenário social.

Plurilinguismo

Em termos simples, trata-se de um “conjunto de lin-guagens diferentes trazidas [para o mundo do roman-ce] pelas personagens que falam nas suas linguagens e nos seus discursos origi-nais”, como afirma a pro-fessora Maria Inês Batista Campos, no artigo “Ques-tões de literatura e de es-tética: rotas bakhtianas (2009, p. 123). Entretanto, esse conceito implica em ou-tras relações dialógicas, que compõem o plurilinguismo social, no qual se reúne “um diálogo concentrado de vá-rias vozes, de várias visões de mundo, de várias lingua-gens [...]” (idem, p. 125). (In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: Dialogismo e Polif-inoia. São Paulo: Contexto, 2009). Fiodor Mikhailovitch Dostoievski: nasceu em 11 de novembro de

1821, em Moscou. Considerado um dos maiores romancistas russos, dos mais influentes de seu tempo, em suas obras descreveu suas expe-riências, principalmente o contato com a gente simples do povo. [...]. Suas primeiras tentativas literárias não foram bem sucedidas e, então, lançou-se à atividade política [cujas ações levaram-no à prisão]. Nos anos que cumpriu pena, escreveu sua primeira obra prima, Recorda-ções da Casa dos Mortos. [...] Casou-se (1857) com Maria Dmitrievna Issaiev, de quem enviuvou. Abatido com a morte da esposa e do irmão, inspirou-se para escrever Unijenie i oskorblionie (1861) e Prestuple-nie i nakazanie (1866), o famoso Crime e Castigo. Casou-se depois com Anna Grigorievna Snitkina e publicou o romance Igrok (1866), obra de fundo autobiográfico, escrita em apenas 26 dias para saldar dívidas com um editor. [...] com dívidas e perseguido pelos credores, refugiou-se na Alemanha, Suíça e Itália, onde passou a maior parte do tempo jogando em cassinos e quase sempre perdendo. O vício e seus numerosos problemas serviram, porém, de tema para os livros que escreveu no período, como sua obra final, o clássico Bratia Karamazovi (1878-1880), vasto panorama da Rússia e de suas possibilidades de crime e de redenção, considerada outra obra-prima do autor, além de ser a mais longa, conhecida entre nós como Os Irmãos Karamasov. [...] Faleceu em São Petersburgo em 09 de fevereiro de 1881.

Fonte: http://because.com.br/burl/?ahzkym

para conhecer

Figura 8.3 - Dostoyevsky. Fonte: <http://en.wikipedia.org/wiki/Fyodor_Dostoyevsky>.

Ao aprofundar seus estudos, Bakhtin, em Estética da criação

verbal (1992, p. 294), afirma que “o diálogo, por sua clareza e

simplicidade, é a forma clássica da comunicação verbal”. Como as

fronteiras que definem os enunciados são sempre de mesma natureza,

fazem-se presentes também nas obras de construção complexa,

como as artísticas. Além das fronteiras externas, elas possuem

ainda fronteiras internas: o autor manifesta sua individualidade, sua

visão de mundo, nos elementos estilísticos escolhidos. Essa marca

individualizante caracteriza seus traços específicos que, no processo

de comunicação verbal, diferencia sua criação das outras obras com

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nida

de

as quais está relacionada dentro de uma determinada esfera cultural,

em que se apoia em termos de tendências, etc. Além disso, toda obra

visa a uma compreensão responsiva ativa — ela é um elo na cadeia

de comunicação verbal. Tal como a réplica de um diálogo, a obra

relaciona-se com outras obras-enunciados, que lhe responderam e

para as quais responde.

Já em A História da Literatura como provocação à teoria literária

(1994), Jauss está preocupado com a superação da distância entre

literatura e história (conhecimento estético e histórico), que, para

ele, prevalecia em boa parte das correntes teóricas até então. Nesse

sentido, julgava necessário avançar-se para além de análises calcadas

na produção e na representação da obra literária: é necessário levar-

se em conta a dimensão de sua recepção e de seu efeito. Para Jauss,

a obra literária é condicionada, tanto em seu caráter estético quanto

histórico, pela relação dialógica entre literatura e leitor. No âmbito

de uma história da literatura, essa relação é a base do nexo entre

as obras literárias, sendo igualmente estética e histórica: estética,

porque toda recepção de uma obra implica juízo de valor estético

quando é comparada pelo leitor a outras obras lidas; histórica,

porque é possível traçar as modificações dessa valorização a partir de

um estudo da cadeia de recepções e daí visualizar-se seu significado

histórico e, ao mesmo tempo, sua qualidade estética.

Desse modo, para o filólogo alemão, devemos considerar que

a cada época ou momento histórico, uma obra literária sofre novos

processos interpretativos: portanto, “a literatura como acontecimento

cumpre-se primordialmente, no horizonte de expectativa dos leitores,

críticos e autores, seus contemporâneos e pósteros, ao experenciar a

obra” (JAUSS, 1994, p. 26).

Horizonte de expectativa

Termo de origem alemã – Erwartungshorizont, pode ser compreendido do seguinte modo: “[...] o horizonte é, basicamente, o modo como nos situamos e apreendemos o mundo a partir de um ponto de vista subjetivo; o horizonte de expectativas é uma característica fundamental de todas as situações interpretativas [...]: quando interpretamos, possuímos já um conjunto de crenças, de princípios assimilados e ideias aprendidas que limitam desde logo a liberdade total do ato interpretativo; por outras palavras, quando lemos um texto literário, o nosso horizonte de expectativas atua como a nossa memória literária feita de todas as leituras e aquisições culturais realizadas desde sempre. [...] [Assim], todos os leitores investem certas expectativas nos textos que lêem em virtude de estarem condicionados por outras leituras já realizadas, sobretudo se pertencerem ao mesmo gênero literário”.

Fonte: http://because.com.br/burl/?47wds4.

Entre o horizonte de expectativa

preexistente e a aparição de uma nova obra

há uma distância estética, objetivada nas

reações do público e nos juízos da crítica,

e que determina o caráter artístico de uma

obra literária. Assim, para Jauss, quanto

maior for a distância estética, maior será o

valor artístico do texto literário. Por outras

palavras: uma obra só se mantém atual

se continua a provocar alguma atitude no

leitor; daí a distância estética: a capacidade

de uma criação literária continuar

surpreendendo.

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128 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil

Ao compararmos as ideias desses dois autores, em suas linhas

mestras aqui esboçadas, devemos depreender, principalmente, que a

literatura se instaura como um fenômeno artístico dirigido ao outro.

Como ato comunicativo, a obra literária não possui, assim, um sentido

fixo, imanente, mas se reatualiza, transmutando sua estruturação

de sentido, bem como seu valor estético. Daí sua historicidade,

pois, para Bakhtin, todo discurso implica uma atitude responsiva,

um permanente olhar para trás como resposta e uma pergunta que

se dirige ao seu tempo presente, ou antecipa o futuro. Para Jauss,

como o texto sempre é uma resposta à pergunta de seu tempo, na

reconstituição do horizonte de expectativa, dá-se uma fusão, que

indica a possibilidade de a obra responder novas questões em épocas

distintas.

Nessas proposições, assinala-se o valor fundamental da

literatura como um diálogo aberto com o mundo que lhe é exterior.

Seguindo-se a ótica de Bakhtin, quando a obra literária transporta

para seu universo as várias vozes sociais, processo inerente à sua

própria existência como expressão, como linguagem comunicativa,

ela estabelece uma ponte de ligação com a vida concreta. Não se

trata de mera reprodução da realidade, senão que a realidade se

projeta em seu interior com toda sua vivacidade. O passo seguinte é

a possibilidade que se abre para o leitor de alargar seu horizonte, indo

além de sua subjetividade no diálogo que estabelece com o outro do

texto e os outros que nele dialogam. A partir das teses proferidas por

Jauss, depreende-se que o texto literário, enquanto obra artística,

ganha valor estético sempre que contraria as expectativas do leitor e,

portanto, possibilita uma nova percepção de seu mundo.

2.2 A literatura infanto-juvenil, a intertextualidade e

outras estratégias literárias

No E-Dicionário de termos literários, encontramos a seguinte

definição de INTERTEXTUALIDADE:

Como se pode notar na constituição da própria pa-lavra, intertextualidade significa relação entre tex-tos. [...] No sentido estrito, a palavra texto remete a uma ordem significativa verbal. Dentro dessa ordem, a literatura vale-se amplamente do recurso intertex-tual, consciente ou inconscientemente. Em razão disso, a intertextualidade faz-se operador de leitura. É importante marcar a primazia de Bakhtin em rela-

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de

ção a esses estudos, divulgados por Julia Kristeva. É dela o clássico conceito de intertextualidade: “[...] todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto” (KRISTEVA, 1974, p. 64).

Fonte: http://because.com.br/burl/?qvtyqm

A partir das concepções teóricas anteriormente apresentadas,

vimos que a literatura se instaura no diálogo entre as vozes dos seus

diferentes mundos ficcionais e, em qualquer gênero ou proposição

estética, com os seus leitores, constituindo-se, desse modo, a relação

inseparável que entrelaça autor/texto/leitor. Por essa perspectiva,

os textos literários também dialogam entre si, estabelecendo-se a

intertextualidade.

No caso da literatura infanto-juvenil, ganha destaque a questão

do leitor ao qual se dirige e que constitui, assim, sua especificidade. Por

certo, o jogo intertextual que, de diferentes modos, pode aparecer nos

textos, precisa ser reconhecido pelos destinatários potenciais desses

textos. Muitas vezes, esse reconhecimento necessita da mediação do

leitor adulto e, dessa forma, na realidade institucionalizada da leitura

literária, serão os professores os principais mediadores capazes de

enriquecer a leitura intertextual que as narrativas ficcionais infanto-

juvenis oportunizam.

Nas narrativas lobatianas, que estudamos, encontram-se

variadas referências intertextuais: personagens como Dom Quixote,

Peter Pan, mitos greco-latinos, como Hércules, heróis dos primeiros

filmes cinematográficos de cowboy, como Tom Mix, ou dos quadrinhos

do início do século XX, como Gato Félix, são exemplos de alguns dos

muitos diálogos que Monteiro Lobato manteve com a tradição literária

e com as inovações culturais de seu tempo.

Na literatura infanto-juvenil contemporânea, a intertextualidade

se faz presente de muitas formas, como é o caso de Fazendo Ana

Paz, de Lygia Bojunga Nunes (2004). Seguindo-se Rosa Maria Cuba

Riche, em “Literatura infanto-juvenil contemporânea: texto/contexto,

caminhos/descaminhos”, nesse livro de Lygia Bojunga, “o narrador

retoma a Raquel, personagem de A bolsa amarela, um dos primeiros

livros da autora, e reflete sobre as angústias do fazer literário” (1999,

p. 6). Como podemos ler no trecho seguinte:

Eu estava habituada a ver cada um dos meus perso-nagens hesitar pra vir à tona: quase sempre ele era isso, e depois isso, e depois isso, antes de virar aquilo; passava de gente pra bicho, de mulher pra homem, de

Figura 8.4. Fonte: arquivo UAB/UESC.

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Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil

criança pra velho, até ser o que ele ia ficar; que deva-garinho que ele abria a porta dentro de mim! Daí o meu susto com a Raquel: ela nem tocou a campainha: escancarou a porta, se aboletou no meu caderno, e só foi embora quando botei o ponto final no livro. Depois dela, tudo que é personagem que eu fiz, voltou a apa-recer devagar: abria uma fresta da porta, dava uma espiada, sumia, voltava, a fresta ia aumentando... E tinha dias que eu pensava: será que filho meu mais nenhum vai chegar feito a Raquel chegou? E aí, um dia aconteceu de novo: ela chegou, e sem a mais leve hesitação foi me dizendo: - Eu me chamo Ana Paz; eu tenho oito anos; eu acho o meu nome bonito (NUNES, 2004, p. 11-12).

Percebemos também, nesse fragmento, um recurso literário

que já comentamos em nossas aulas: a metanarrativa, pois no

“corpo” da história ficcional encontra-se uma reflexão sobre o próprio

fazer literário. Essa estratégia, entre outros efeitos, permite, por um

lado, certa diluição das fronteiras entre o criador e a criação, o que

equivale a uma passagem do real (o fazer literário efetivo) ao mundo

da fantasia e vice-versa. Por outro, entretanto, leva o leitor a refletir

sobre o próprio ato criativo, do qual ele passa a ser uma espécie

de testemunha e até mesmo de aprendiz desse jogo de inventar

histórias.

Outro recurso recorrente nos atuais textos infanto-juvenis é a

paródia, como explica Rosa Maria Cuba Riche no artigo já citado:

Situações e valores cristalizados pela história são retomados num outro texto que inverte o sentido do texto original e com ele dialoga numa espécie de contracanto. Trata-se de um jogo intertextual, em que um texto se opõe diretamente ao original. [...] Assim, Flávio de Souza, em Que história é essa? [1995], retoma o conto de fadas tradicional e narra sob o ponto de vista dos personagens secundários. No caso de Hoz Malepon Viuh Echer ou O caçador, um dos contos do livro em que até o título é inver-tido, a história de Chapeuzinho Vermelho é narrada sob o ponto de vista do caçador; é ele o protagonista e não mais a menina. O humor e a ironia também estão presentes na paródia como em Uma história meio ao contrário, de Ana Maria Machado, (1977), em Procurando Firme, de Ruth Rocha, (1984) [...] e em tantos outros títulos publicados anualmente (1999, p. 5).

Como outro exemplo de intertextualidade, em que ocorre

a paródia e a metalinguagem, podemos citar O fantástico mistério Figura 8.5. Fonte: arquivo UAB/UESC.

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de Feiurinha (1986), de Pedro Bandeira, também adaptado para o

cinema:

A divertida história de Pedro Bandeira gira em

torno de um grande mistério que agita todo o

mundo do faz de conta: a Princesa Dona Fei-

urinha do Encantado tinha desaparecido do país

das Fadas.

Outros personagens do reino, como Cinderela,

Branca de Neve, Rapunzel e Chapeuzinho Ver-

melho, entre muitas outras, ficam com medo de

que isto também aconteça com elas e decidem

enviar um emissário ao Escritor para que ele

possa decifrar o mistério.

O Escritor, de início cético diante do mensage-

iro, recebe a inesperada visita daqueles perso-

nagens das histórias de fadas que povoaram sua

infância. Acaba se convencendo de que o mun-

do encantado e seus habitantes fazem parte da

realidade, mesmo que esta realidade seja a da

imaginação. Decide, então, ajudá-los a descobrir

o que ocorreu com a Princesa Feiurinha.

Com auxílio de sua velha governanta Jerusa, ele

recupera a história de Feiurinha e chega à con-

clusão de que ela desaparecera porque não tinha

sido registrada por nenhum escritor. Portanto, a

história não poderia sobreviver na imaginação in-

fantil, nem mesmo na de qualquer leitor, porque

sem o auxílio dos livros, dificilmente poderiam

conhecê-la. Só alguém como Jerusa que ouviu

a avó contá-la há mais de sessenta anos teria

condições de se lembrar. O Escritor decide então

recuperar a história da princesa desaparecida e

registrá-la em livro. [...]

Fonte: <http://www.educarede.org.br/educa/index.cfm?pg=biblioteca.interna&id _livro=37>.

São inumeráveis os exemplos de obras que, ao recorrerem a

essas e outras diferentes estratégias literárias (fragmentação temporal

da narrativa, narradores mais ou menos participativos das aventuras e

que possuem as mais variadas idades e perspectivas de mundo, etc.),

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132 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil

enriquecem o processo artístico e reflexivo colocado em ação pelos

textos. Porém, algumas dessas estratégias só conseguem o seu efeito

se o leitor, especialmente no caso da intertextualidade e da paródia,

possuir uma bagagem de leitura que lhe permita reconhecer o diálogo

entre os textos.

Sobre esse último aspecto, ampliar o leque de leitura das

crianças e jovens sobre os “clássicos” torna-se, atualmente, cada

vez mais desafiador. Por isso, entram em cena, muitas vezes,

as adaptações, que, segundo a escritora Ana Maria Machado, não

devem ser desconsideradas. Pelo contrário, em Como e por que ler os

clássicos universais desde cedo (2002), a autora afirma: “O primeiro

contato com um clássico, na infância e adolescência, não precisa ser

com o original. O ideal mesmo é uma boa adaptação bem-feita e

atraente” (p.15).

Assim, dos clássicos às adaptações, com os muitos e variados

recursos literários de que dispõem, as obras de literatura infanto-juvenil

permitem o diálogo amplo de seus leitores com o mundo, com outros

leitores e consigo mesmos. Diálogos plurais que vêm recebendo diversos

meios/suportes de apresentação, como veremos a seguir.

Na oitava edição da revista EntreLivros, de de-zembro de 2005, Denise Góes apresenta uma reportagem intitulada “Cervantes: uma vida de tinta e sangue”, na qual encontram-se, em des-taque, alguns dados relevantes sobre as adapta-ções do clássico D. Quixote para crianças:“A idéia de facilitar o contato dos jovens com a obra de Cervantes levou o escritor espanhol Agustín Sánchez Aguilar a fazer uma adaptação. Era uma vez Dom Quixote (Global Editora) foi traduzida pela escritora Marina Colasanti e traz ilustrações de Nivio López Virgil. Também com o objetivo de aproximar os leitores da obra-prima espanhola é que o escritor paulistano Leonardo Chianca e o ilustrador chileno Gonzalo Cárcamo lançaram Dom Quixote (DCL). O livro traz, em linguagem simples, além da adaptação, informa-ções sobre a obra e seu autor. Duas outras obras merecem destaque. Uma delas é a adaptação fei-ta pelo poeta Ferreira Gullar, Dom Quixote de La Mancha (Revan), lançada em 2002, na qual o autor procurou manter o espírito da obra e ao mesmo tempo criar um canal de comunicação com o leitor. A outra é uma velha conhecida que, em 2006, completará 70 anos. É a adaptação feita por Monteiro Lobato (1882-1922), Dom Quixote para crianças (Brasiliense). Se-gundo Marisa Lajolo, [...] a obra de Lobato segue as regras do gênero adaptação infantil, condensando e fazendo uma seleção de algumas aventuras do fidalgo manchego. Lobato não só adaptou, mas reescreveu o clássico. Por meio da lei-tura que Dona Benta faz da obra para os personagens do Sítio, Lobato aproxima

saiba mais

Figura 8.6 - Dom Quixote e Sancho Pança. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Dom_Quixote>.

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a linguagem dos leitores e traz para o universo de Emília, Narizinho e Pedrinho o mundo fantástico de Cervantes. Há, no entanto, quem olhe com reservas inicia-tivas como essas. ‘Pode gerar no leitor a idéia de que já leu a obra e fazer com que deixe de aprofundar a leitura, afirma a professora Maria Augusta da Costa Vieira.”

Fonte: <http://ww7.me/entrelivroscervantes>.

3 LIVROS, MÍDIAS, REDE: OS ITINERÁRIOS ABERTOS DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL

A cada dia, surgem novas tecnologias que permitem um

maior acesso ao mundo - informações, entretenimento, cultura, arte,

tudo está na rede virtual, ou mais exatamente, na world wide web,

cuja sigla www é traduzida para o português como “rede de alcance

mundial”. Como não poderia deixar de ser, a literatura também entrou

na rede, embora existam reflexões menos otimistas com relação à

potencialidade virtual do fenômeno literário. É o que afirma Marcos

Palácios (2006 apud RÖSING; RETTENMAIER, 2008, p. 37):

A maior parte dos sites encontrados pelas buscas, usando-se palavras chaves similares, leva a uma constatação inevitável: há um maior número de tra-balhos de crítica à produção hipertextual e suas po-tencialidades do que propriamente um corpus vivo e em transformação de obras literárias hipertextuais para consumo na Internet. A vasta maioria das obras de ficção hipertextual disponibilizada na Internet tem data de produção situada no período 1994/2000. De lá para cá não parece haver ocorrido muito movi-mento ou desenvolvimento nesse setor.

Essa falta de “naturalidade” da literatura para os suportes

digitais/virtuais estaria no seu aporte oral e verbal (escrito) que

sempre a fundamentou. Uma exceção, contudo, seria justamente

com a literatura infanto-juvenil, que estabelece uma convivência

“produtiva” entre várias linguagens, sejam verbais ou não verbais. Isso

é facilmente constatado quando reconhecemos o peso especial que,

mesmo no livro convencional, as imagens, as ilustrações possuem.

Nesse sentido, seguindo-se Tania Rôsing e Miguel Rettenmaier (2008),

um exemplo é a obra Flicts (1969), de Ziraldo, na qual, segundo

Regina Zilberman (2005, apud RÖSING; RETTENMAIER, 2008, p. 38):

As imagens, não figurativas, não correspondem a um ornamento do texto, contemplando informações escritas, pelo contrário, as cores é que falam, com-

leitura recomendada

Conheça a revista Tigre Albino – trata-se de uma publicação eletrônica que discute poesia para crianças e jovens. Lan-çada em 15 de novem-bro de 2007, prevê edi-ções em março, e julho e novembro de cada ano. Acesse <http://www.ti-grealbino.com.br/>.

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Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil

petindo à expressão oral esclarecer o assunto e explicar o conflito, vivenciado pelo herói, ele mesmo um pigmento que não encontra lugar no universo dos tons pictóricos.

Ziraldo Alves Pinto nasceu no dia 24 de outubro de 1932, em Caratinga, Minas Gerais. Começou sua carreira nos anos 50 em jornais e revistas de ex-pressão, como Jornal do Bra-sil, O Cruzeiro, Folha de Minas, etc. Além de pintor, cartazista, jornalista, teatrólogo, chargis-ta, caricaturista e escritor.

Ziraldo explodiu nos anos 60 com o lançamento da primeira revista em quadrinhos brasileira feita por um só autor: A Turma do Pererê. Durante a Ditadura Militar (1964-1984), fundou com outros humoristas O Pas-quim - um jornal não conformista que fez escola, e até hoje deixa saudades. Seus quadrinhos para adultos, especialmente Supermãe e Mineirinho - o Co-mequieto, também contam com uma legião de admiradores.

Em 1969, Ziraldo publicou o seu primeiro livro infantil, FLICTS, que conquistou fãs em todo o mundo. A partir de 1979, concentrou-se na produção de livros para crianças, e, em 1980, lançou O Menino Maluquinho, um dos maiores fe-nômenos editoriais no Brasil de todos os tempos. O livro já foi adaptado com grande sucesso para teatro, quadrinhos, ópera infantil, videogame, Internet e cinema. [...] Seus trabalhos já foram traduzidos para diversos idiomas como inglês, espanhol, alemão, francês, italiano e basco. Os trabalhos de Ziraldo representam o talento e o humor brasileiros no mundo. Estão até expostos em museu! Ilustrou o primeiro livro infantil brasileiro com versão integral online, em uma iniciativa pioneira.

Fonte: http://www.ziraldo.com/historia/home.htm.

No mesmo artigo de Rôsing e Rettenmaier (2008), também

são citadas, como exemplos da convergência harmoniosa de várias

linguagens no texto literário infanto-juvenil, as obras de Ângela

Lago (como Cena de rua, de 2004) e de Juarez Machado (como em

Domingo de manhã, de 1986). No caso de Angela Lago, a autora

também possui um site, no qual, além das várias linguagens, concorrem

as potencialidades de interação e interatividade nos seus textos. É

interessante observar, nesse sentido, a diferença entre intertextualidade

e a hipertextualidade:

[...] enquanto a intertextualidade é uma referência extratextual (que se encontra fora do texto lido),

saiba mais

Figura 8.7 - Ziraldo e suas criações. Fonte: <http://blogdaturmadopapi.

blogspot.com>.

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no hipertexto, muitas das correlações encontram-se dentro da própria mídia, podendo ser acessada por meio dos nexos. No site da autora (www.ange-la-lago.com.br) encontram-se três obras concebidas especialmente para a internet: Oh!, narrativa lúdica entre um esqueleto e um cachorro atrapalhados; O ABCD de Ângela Lago, um conjunto de pequenas narrativas interativas e jogos envolvendo as letras do abecedário e a alfabetização; e Chapeuzinho! [...] A história é contada sem texto verbal escrito, ape-nas por meio de animações e sons. Na verdade seria melhor falar de histórias, no plural, uma vez que a autora explora a interação de seleção (tipo de inte-ração em que o leitor opta por caminhos, próprio do hipertexto), fornecendo múltiplos caminhos e des-fechos para a história. Assim, o leitor pode optar se a Chapeuzinho segue o caminho indicado pela mãe ou vai pelo tortuoso, se avó deixa o lobo entrar na casa dela ou não, se a menina pede ajuda aos caçadores ou não etc., numa estrutura cheia de ramificações

(NASCIMENTO, 2007, s/p).

Se a virtualidade da realidade digital permite uma ampliação

nunca vista de acesso ao conhecimento e à informação, não devemos

esquecer, contudo que esse espaço virtual não está isento de assimetrias

de acesso e, portanto, está atravessado por relações de poder. É o que

expressa a reflexão de Maria Zilda da Cunha, no artigo “Hibridismo,

múltiplas linguagens e literatura infantil e juvenil”:

Cumpre lembrar, no entanto, [...] que tudo isso não está imergindo como um reino inocente, o ciberespa-ço vem sendo produzido pelo capitalismo contem-porâneo e está impregnado das formas e paradig-mas próprios do capitalismo global. E, deste ponto de vista, se há uma revolução no modo de como le-vamos nossas vidas, essa revolução não modifica a natureza do montante exclusivo daqueles que detém riquezas e o poder (basta pensar em empresas que concentram o tráfego da internet). Essa constatação, porém, não pode cegar para o fato de a capacidade da rede permitir espontaneidade nesse processo de comunicação, posto que não é totalmente organiza-do e é diversificado na finalidade e adesão. Isso pos-sibilita uma multiplicidade de atividades interativas, antes inexistentes. Portanto, como estudiosos das linguagens, antes que o capital termine por colonizar o infinito, temos de reconhecer, diante de nós, bre-chas para a formação de comunidades culturalmente criativas e politicamente responsáveis.Fonte: <http://www.dobrasdaleitura.com/revisao/hibridismo2.html>.

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136 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil

Esse encaminhamento de acesso à rede para a formação de

“comunidades culturalmente criativas e politicamente responsáveis”,

concordando-se com a autora citada, constitui-se em um dos maiores

desafios atuais dos educadores. Além de perceber que esse acesso não

está isento dos conflitos e efetivas limitações interpostas pela realidade

social – a divisão entre os que têm computadores disponíveis e os que

não têm, o que gera a exclusão digital - devemos considerar igualmente

os limites da propagada interatividade hipertextual, que permitiria ao

leitor/usuário da internet navegar por mares de informação abertos e

infinitos. Na verdade, por um lado, de acordo com Capparelli (2002

apud RETTENMAIER; MATOS, 2005), o leitor “percorrerá apenas as

ilhas ou praias que o programa põe à sua disposição”. Por outro, se há

uma infinidade de links externos que sempre podem ser acessados em

meio a uma navegação, o problema é então o risco de dispersão: “o

leitor começa a ler sobre a guerra do Oriente Médio e termina com o

perigo da criação de cangurus na Austrália” (CAPPARELLI, 2002 apud )

RETTENMAIER; MATOS, 2005).

Esses desafios aumentam o peso do papel dos professores

como mediadores de leitura, seja no suporte livro seja nos mais

atuais suportes multimídia. Nesse sentido, Roger Chartier, um dos

grandes estudiosos da leitura como prática social, afirma que,

apesar da importância dos recursos digitais, o livro tem seu lugar

garantido nas atuais práticas leitoras e salienta a importância do

trabalho do professor na promoção do ato de ler:

O essencial da leitura hoje passa pela tela do com-putador. Mas muita gente diz que o livro acabou, que ninguém mais lê, que o texto está ameaçado. Eu não concordo. O que há nas telas dos computadores? Texto - e também imagens e jogos. A questão é que a leitura atualmente se dá de forma, fragmentada, num mundo em que cada texto é pensado como uma unidade separada de informação. Essa forma de lei-tura se reflete na relação com as obras, já que o livro impresso dá ao leitor a percepção de totalidade, coerência e identidade - o que não ocorre na tela. É muito difícil manter um contato profundo com um romance de Machado de Assis no computador. [...] Na internet, não há nada que obrigue o leitor a ler uma obra inteira e a compreender em sua totalidade. Mas cabe às escolas, bibliotecas e meios de comuni-cação mostrar que há outras formas de leitura que não estão na tela dos computadores. O professor deve ensinar que um romance é uma obra que se lê lentamente, de forma reflexiva. E que isso é muito diferente de pular de uma informação a outra, como fazemos ao ler notícias ou um site. Por tudo isso, não

Visite o site <http://www.ciberpoesia.com.br>: você vai conhecer um espaço de poesia e jogos com muita anima-ção visual, criatividade e interação, criados por Sérgio Capparelli e Ana Cláudia Gruszynski.

para conhecer

Figura 8.8. Fonte: UAB/UESC

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de

tenho dúvida de que a cultura impressa continuará existindo. Fonte: <http://because.com.br/burl/?ay8tny>.

Nesse fundamental processo de formação de leitores, que

começa com as crianças e jovens, a literatura infanto-juvenil possui

um privilegiado e desafiador espaço de atuação. Privilegiado porque,

institucionalizada em um âmbito próprio, a escola pode se servir de

um leque infindável de boas obras capazes de despertar a magia, a

reflexão, o reconhecimento do mundo exterior e interior dos seus

pequenos leitores. Desafiador, porque a leitura literária precisa ser

constantemente realimentada nessa época de valores fluidos, ou como

denominou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2001), nessa pós-

modernidade líquida em que vivemos. Hoje, os aparentemente sólidos

valores da modernidade parecem não dar conta das novas realidades

cambiantes de que fizemos parte: “estamos enfrentando um período de

muita sensação de liberdade e, também, de muita desorientação e muita

experimentação” (NICOLACI-DA-COSTA, 2005 apud RETTENMAIER;

MATOS, 2005, p. 159).

Recordando que há muito ainda a se conquistar para: -

a afirmação de uma rede virtual efetivamente democrática; - a

superação da carência de bibliotecas escolares; - a garantia de

acervos literários qualitativa e quantitativamente suficientes; - a

efetiva formação de leitores competentes em nosso país, chegamos à

conclusão do quanto todos os envolvidos com o processo educativo,

em todas as suas frentes, são responsáveis na consolidação de um

horizonte mais promissor para nossa infância e juventude.

leitura recomendada

Para você conhecer mais a respeito do pensamen-to de Zygmunt BAUMAN, é importante a leitura de seu livro Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

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138 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil

ATIVIDADES

1. Em Leitura, história e história da leitura (1991) Márcia Abreu

afirma que a leitura “[...] não é uma prática neutra. Ela é campo de

disputa e de poder” (p. 15). Explique essa afirmação com base nos

pressupostos teóricos apresentados sobre a importância da leitura

literária, sobretudo da literatura infanto-juvenil:

2. Apresente as possíveis recorrências intertextuais do poema de

José Paulo Paes, que faz parte do livro Um número depois do outro,

lançado em 1993:

O número 7

Lá se vão – escutem esta—

7 anões pela floresta.

2 a 2 de braços dados

Cada um com seu machado

Só Mestre é que vai sozinho

Pra amostrar o caminho

Pela floresta vão

Buscar lenha pro fogão

7 anões de braço dado,

Cada um com seu machado

E o 7 – olhem com cuidado –

Não parece mesmo um machado!

3. Na escola, encontram-se diferentes realidades socioculturais – na

literatura, essas diferenças são representadas de variadas formas. No

caso dos textos voltados para crianças e jovens, a sabedoria popular,

via folclore ou contos tradicionais, é um tema recorrente e importante.

Por meio do cordel, por exemplo, são contadas muitas histórias que

partem do senso comum e permitem refletir sobre nossa condição

humana. Ou seja, como afirmou Paulo Freire em Pedagogia da

esperança (2003, p. 84), o que não pode ocorrer é o desrespeito ao

senso comum; “o que não é possível é tentar superá-lo sem, partindo

dele, passar por ele”. Considerando essas premissas e revisando

alguns princípios de Bakhtin e de Jauss, conforme apresentado no

início desta aula, realize as seguintes atividades:

ATIVIDADES

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de

A) assista ao premiado curta metragem de animação “O lobisomem

e o coronel”, dirigido por Elvis K. Figueiredo e Ítalo Cajueiro – o

filme está disponível em: <http://www.portacurtas.com.br/Filme.

asp?Cod=1518#O lobisomem e o coronel>.

B) desenvolva um comentário sobre o filme, apontando os aspectos

mais relevantes abordados em relação à cultura popular, a partir

dessa fusão de linguagens que apresenta: do cordel, ao audiovisual,

passando pela mídia eletrônica:

4. “Navegue” no site da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil

(<http://www.fnlij.org.br/principal.asp?&cod_menu=0>) e selecione

- uma narrativa; - e um poema; de um site interativo de literatura

infanto-juvenil. Sobre cada um, desenvolva uma análise, comentando

a respeito:

A) da relevância do texto (temática e elementos literários importantes);

B) as principais estratégias literárias utilizadas em cada um (utilização

ou não de metalinguagem, intertextualidade etc.):

Por fim, elabore uma resenha sobre cada texto, explicando porque

eles devem ser trabalhados em sala de aula:

Resumo

Nesta Unidade VIII, mostramos as principais estratégias literárias

presentes nos textos infanto-juvenis, destacando-se o processo

intertextual e a noção de que toda obra é um diálogo aberto, cujos

suportes, hoje, podem variar do livro ao hipertexto, em um processo

crescente de interação entre autor/texto/leitor.

REFERÊNCIAS

RESUMINDO

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140 Módulo 5 I Volume 1 EAD

Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil

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Suas anotações

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