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CAMINHOS PARA O MAL DE ALZHEIMER ENTREVISTA ALEXANDRE KALACHE MAIS VIDA NA VELHICE A multiplicacao das INCUBADORAS DE EMPRESAS SOLTEIRAS HOJE: MORAR SO E OPCAO ´´ O PAÍS PERDEU 30% DE SUAS MATAS O verde real Março 2008 145 EXEMPLAR DE ASSINANTE VENDA PROIBIDA

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Pesquisa FAPESP - Ed. 145

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CAMINHOS PARA O MAL DE ALZHEIMER

ENTREVISTAALEXANDRE KALACHE MAIS VIDA NA VELHICE

A multiplicacao das INCUBADORAS DE EMPRESAS

SOLTEIRAS HOJE:MORAR SO E OPCAO´ ´

O PAÍS PERDEU 30% DE SUAS MATAS

O verde real

Março 2008 ■ Nº 145

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“Gostaríamos de sugerir a estrutura para o sal do ácido desoxirribonucléico (DNA). Essa estrutura tem detalhes novos que são de considerável interesse biológico”, anunciava o artigo assinado pela dupla Francis Crick e James Watson, publicado em 1953 na revista

Nature. A elegante estrutura em forma de dupla hélice, uma das maiores descobertas da história da ciência, mostrou como a vida poderia ser explicada física e quimicamente. A maquete da estrutura do DNA (foto), cedida pelo Cold Spring Harbor Laboratory,

dos Estados Unidos, está em exibição na exposição Revolução genômica, em cartaz até 13 de julho no Parque do Ibirapuera, em São Paulo (leia reportagem na página 42).

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O totem da vida

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IMAGEM DO MÊS*

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145 MARÇO 2008

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20 CAPA

> CAPA

20 O país consumiu 30% de sua vegetação natural, a maior parte nos últimos 50 anos

26 Os satélites Landsat, Cbers e Terra monitoram o polêmico desmatamento

> ENTREVISTA

14 Criador das cidades amigas do idoso, Alexandre Kalache diz que uma política para o bem-envelhecer é importante para o desenvolvimento do país

> POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

38 MEDICAMENTOS Ação entre universidades,

empresas e governo facilita a descoberta e o desenvolvimento de fármacos na Inglaterra

42 DIFUSÃO

Exposição desvenda o DNA, da biodiversidade até o núcleo da célula

44 BIOTECNOLOGIA

Conselho de Ministros confirma liberação comercial de milho geneticamente modificado

45 CONVÊNIO

FAPESP e Braskem vão investir R$ 50 milhões em polímeros verdes

> AMBIENTE

48 BIODIVERSIDADE

No Cerrado, descampado exibe riqueza biológica inesperada

> CIÊNCIA

56 FARMACOLOGIA

Equipe identifica como proteína essencial ao cérebro causa morte celular no paciente de mal de Alzheimer

> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 11 CARTA DA EDITORA 12 MEMÓRIA 32 ESTRATÉGIAS 52 LABORATÓRIO 62 SCIELO NOTÍCIAS ........................

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> EDITORIAS > POLÍTICA C&T > AMBIENTE > CIÊNCIA > TECNOLOGIA > HUMANIDADES WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR

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60 BIOLOGIA MOLECULAR

Com 210 cromossomos, genoma do guaraná fornece pistas sobre suas propriedades terapêuticas

> TECNOLOGIA

68 EMPREENDEDORISMO

Incubadoras tecnológicas, que hoje somam 393, querem atingir novo patamar de desenvolvimento econômico e empresarial

76 ENGENHARIA

ELÉTRICA

Empresa de Bauru usa redes neurais artificiais para fabricar brake lights automotivos, que acendem quando o freio é acionado

78 AGRICULTURA

Técnica permite traçar todo o caminho percorrido dentro da planta pelo silício aplicado como fertilizante

................................ 64 LINHA DE PRODUÇÃO 94 RESENHA 95 LIVROS 96 FICÇÃO 98 CLASSIFICADOS CAPA MAYUMI OKUYAMA FOTO FÁBIO COLOMBINI

50

> HUMANIDADES

80 SOCIOLOGIA

Estudo sobre mulheres sós sugere que é “possível ser feliz sozinho” e ainda ter amor

86 HISTÓRIA

As Farc podem ter se transformado em “gigante militar, mas anão político e democrático”

90 LITERATURA

Franz Kafka foi lido como escritor que poderia lançar luzes sobre a vida nacional no regime militar

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REPRODUÇÃO DO LIVRO KAFKA DE CRUMB

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6 ■ MARÇO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 145

Experiência com animais

Sobre a reportagem de capa da revista Pesquisa FAPESP “Sem eles não há avanço” (edição 144), existem vários livros e vídeos (como por exemplo o Não matarás, do Instituto Nina Rosa) provando o quanto são desnecessários os testes em animais. Em países da Co-munidade Européia a partir de 2009 não serão mais aceitos os produtos tes-tados em animais. Isso não é um mo-dismo, é uma tendência mundial total-mente passível de ser posta em prática sem emperrar a ciência.

LARISSA OTTATI CAVALHEIRO

São Bernardo do Campo, SP

São muitos os preconceitos reproduzi-dos e os argumentos covardemente le-vantados na reportagem “Sem eles não há avanço”. Gostaria de me concentrar apenas em um ponto, defendido com insistência pela revista: a de que a apro-vação recente de leis em diferentes es-tados brasileiros – São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina – é fruto de pura ignorância daqueles que a defen-dem. Este argumento é tendencioso e omite a crescente luta política em favor dos animais e do respeito por suas vi-das. Não se trata de sentimentalismo, mas de posições conscientes de pessoas que entendem que o abuso dos animais

[email protected]

■ Para anunciar Ligue para: (11) 3838-4008

■ Assinaturas, renovação e mudança de endereço Envie um e-mail: [email protected] ou ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418

■ Assinaturas de pesquisadores e bolsistas Envie e-mail para [email protected] ou ligue (11) 3838-4304

■ Edições anteriores Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem. Envie e-mail para [email protected] ou ligue (11) 3838-4304

■ Site da revistaNo endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis asreportagens em inglês e espanhol.

■ Opiniões ou sugestões Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, SP 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: [email protected]

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As reportagens de Pesquisa FAPESP mostram a construção do conhecimento essencial ao desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução.

deve chegar ao fi m, assim como tam-bém chegou ao fi m a violência contra os negros, no passado escravocrata, violência esta plenamente justifi cável, segundo a visão da época. Outra omis-são importante da reportagem é que o teste – exaustivo – em animais, quando chega ao fi m, deve passar por uma se-gunda bateria de testes – mais “segu-ros”, mais apurados – em seres huma-nos. Falta ainda discutir quem são as pessoas que se submetem a tais testes, e quais as suas razões.

JULIANA VERGUEIRO

Campinas, SP

Quero manifestar meu repúdio à revis-ta Pesquisa FAPESP, que na contramão da história defende uma ciência retró-grada e jurássica com o uso de animais para experimentação. A frase “Experiên-cias com animais seguem imprescindí-veis”, trata-se de um pensamento que beira um dogma religioso. Em vez de procurar avanços na ciência por meio do uso de métodos substitutivos ao uso de animais, a revista prefere uma ciên-cia que não evolui no tempo.

JOÃO MANOEL AGUILERA JUNIOR

Campinas, SP

Percebi que aqueles que se opõem e acreditam na possibilidade de um avan-ço científi co sem o uso de animais fo-ram enquadrados somente como “ati-vistas” por Pesquisa FAPESP, pessoas sentimentais e egoístas, já que não pen-sam nos benefícios que os experimentos podem trazer para a sociedade. Foram apresentados também na reportagem vários comentários de professores e cientistas de grandes instituições brasi-leiras fundamentando o argumento de que existem pesquisas que não podem ser feitas sem animais, principalmente as sobre câncer e Aids. Bom, mesmo sabendo qual “partido” a revista apóia (de acordo com a Carta da Editora), gos-taria de ver uma reportagem sobre os

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“ativistas”, quais pesquisas são possíveis sem o uso de cobaias, profi ssionais da área que sustentam esse tipo de proce-dimento e casos em que a pesquisa em animais não adiantou. Sim, é verdade. Existem muitos casos de remédios que tiveram o efeito esperado em animais e, quando utilizados por humanos, fa-lharam terrivelmente. Gostaria de res-saltar a importância de um estudo ético mais profundo. Usar animais como bem quisermos e depois matá-los sem dor não me parece uma forma ética de tratar outro ser vivo independente-mente da sua estrutura mental e emo-cional. Recomendo o livro de Sônia T. Felipe, Ética e experimentação animal; fundamentos abolicionistas. Ela apre-senta um panorama bem completo sobre o uso atual dos animais na nossa sociedade. Será uma boa fonte para uma próxima reportagem.

FABÍOLA DE CASTRO CARDOSO

Florianópolis, SC

Sobre animais de laboratório, é certo que a ciência precisa deles e os códigos de ética estão melhorando muito. Con-tudo, hospedo em casa, há 2 anos, uma ratinha de laboratório entre as centenas que o curso de psicologia do Macken-zie, em São Paulo, usa anualmente em experimentos pseudocientífi cos e que alguns alunos, ao fi nal do “experimen-to”, trazem para casa. Nossa Rata-Ana, trazida por minha fi lha, come maçãs, castanhas, queijo, é muito bem tratada, mas está há 2 anos sozinha em uma gaiola! Quando a maioria dos cursos de psicologia usa programas de computa-dor para reproduzir o comportamento animal e, assim, ensinar aos alunos o que já é arqui-sabido pela ciência, usar e descartar esses animaizinhos apenas para fazer de conta que os alunos estão fazendo uma “experiência” é, a meu ver, apenas logro e desfaçatez.

MARLENE SUANO FFLCH-USPSão Paulo, SP

Como pode haver avanço com sofri-mento e morte? Sempre acreditei que essa revista fosse criteriosa quanto às reportagens por ela apresentada. Mas qual foi minha decepção ao ver que es-tão dando apoio à matança de animais. Chego a compará-la (como apoio) aos Centros de Controle de Zoonoses, que, na minha opinião, são campos de con-centração dos animais. Não há critérios, tanto que a própria reportagem, quando se refere à Unifesp, diz que depois que a universidade passou a cobrar pelos ani-mais de laboratório a procura caiu 50%, deixando claro que o uso é realmente indiscriminado. Deixo aqui meu protes-to por essa revista dar apoio à matança “para o bem da pesquisa”. Realmente, este é um país que não vai pra frente!

MARIA LUCIA TRISTÃO

Bauru, SP

Como não dizer que os cientistas que realizam experimentos em animais são frios e calculistas, se a própria reporta-gem de Pesquisa FAPESP escancara a mais pura verdade? “O imbróglio do Rio de Janeiro preocupa pesquisadores de todo o país porque não é um caso isolado. (...) Em 2005, a Assembléia Le-gislativa paulista aprovou uma lei que, além de coibir os rodeios e cercear os abatedouros, proíbe o uso de animais em pesquisa caso haja dor.” Para mim esta matéria é mais uma pérola que co-leciono sobre os “pesquisadores tão dedicados a salvar vidas”. É fácil lidar com animais, principalmente porque não falam e não podem processar. É óbvio que todos os envolvidos na in-dústria farmacêutica não estão preocu-pados com a saúde de ninguém e sim com lucros imediatos. Muita gente já ignora os produtos dessa indústria pré-histórica, paliativa e não curativa, que tortura animais, testa medicamentos destinados a seres humanos em ani-mais que são completamente diferentes um do outro. Portanto são testes invá-lidos, e, ainda por cima, cada teste não acrescenta nada ao “conhecimento” dos

cientistas. Inválidos por serem realiza-dos em animais e, também, por estes estarem confi nados, signifi cando que os resultados nunca serão reais, pois o medo e todos os sentimentos negativos que lhes são impostos produzem resul-tados bem duvidosos... Quando os avançados cientistas perceberem quan-tas vidas desperdiçaram à toa, acredito que cometerão um suicídio coletivo. Sugiro à classe científi ca que, para re-cuperar a imagem de benfeitores da humanidade, coloque-se ela própria à disposição como cobaias de seus cruéis experimentos. Muito em breve a gran-de massa populacional saberá que essa indústria que escraviza e mata animais e humanos é completamente desneces-sária. Quero ainda registrar minha total admiração pelo vereador, ator e ser hu-mano maravilhoso Cláudio Cavalcanti, pois não valeria a pena viver num mun-do sem pessoas como ele.

CLÁUDIA BASSO

São Paulo, SP

É bom ressaltar que muitas vezes na pes-quisa de novos medicamentos os efeitos nos animais não se repetem em seres humanos. O que faz mal para o ser hu-mano é inócuo aos animais, pois os or-ganismos diferentes reagem de forma diferente às mesmas substâncias. Aspi-rina pode matar gatos; coelhos e cabras podem comer beladona à vontade, já o ser humano não. Não podemos esque-cer os efeitos da talidomida nos anos 1960 e de outros remédios, como o Se-lacryn e o Domperidone, que nos testes em animais não causaram mal nenhum, ao contrário do que fi zeram no homem. O fato de ainda nos alimentarmos de animais não justifi ca as pesquisas assas-sinas. Pesquisas comprovam que o ser humano não necessita comer carne para sobreviver. Existem alternativas. Portan-to, discordo dos pesquisadores Luiz Eu-gênio Mello e Marcel Frajblat.

MARCOS FERNANDES DE CARVALHO

São Paulo, SP

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Em relação à matéria “Experiências com animais continuam a ser impres-cendíveis, ao contrário do que dizem ativistas”, convém esclarecer que há cientistas que fortemente questionam a validade do uso de modelos animais para a previsão de reações do organis-mo humano a medicamentos etc. En-tre as razões enumeradas: os mamífe-ros manifestam diferentes respostas diante de estímulos devido a diferenças com respeito aos genes presentes, dife-renças relativas a mutações do mesmo gene, diferenças quanto às proteínas e sua atividade, diferenças na regulação genética e na expressão genética, dife-renças no que diz respeito à história evolucionária etc. (N. Shank, Greek, R., Nobis, N. & Swingle-Greek, J. 2007. Animals and medicine - Do animal ex-periments predict human responses?. Skeptic 13(3), 44-51.) Por outro lado, o posicionamento dos mencionados ativistas não é contra a ciência, mas a favor do respeito à vida – num âmbito que ultrapassa a moral antropocêntri-ca, o que difi culta o diálogo.

TIBOR RABÓCZKAY

INSTITUTO DE QUÍMICA/USPSão Paulo, SP

Gostei de saber que desde 1990 já exis-tem comitês de ética. Se não põem termo, ao menos limitam o uso abusi-vo de animais no ensino e na pesquisa. Fui graduada numa época em que tais

comitês não existiam e algumas disci-plinas, principalmente a fisiologia, foram recheadas de crueldade. Ainda hoje me lembro dos gritos de dor dos animais usados em aulas práticas. E nas aulas práticas de farmacologia os camundongos eram sacrifi cados segu-rando-se a parte posterior do animal com a mão, levantando o braço com o animal vivo, consciente e sem aneste-sia, e batendo violentamente a parte anterior do corpo do animal contra a bancada. Os ossinhos e pedaços de te-cidos espalhavam-se sobre a bancada e o chão do laboratório. E o técnico ainda achava tudo isso normal. Para mim nunca foi.

MARA BEATRIZ COSTANTIN

Igarapava, SP

Os retrógrados sempre estão presentes em nossa sociedade, desde quando “a Terra era quadrada”. Essa gente deveria abdicar dos benefícios do progresso da ciência. Mas isso não acontece.

CRISNAMURTI GARCIA

Santos, SP

Com relação à entrevista do presiden-te da Sociedade Brasileira de Biofísica, Marcelo Morales, ao programa de rá-dio Pesquisa Brasil, tenho a dizer que a aprovação da lei no Rio de Janeiro, que proíbe o uso de animais em expe-rimentos científi cos, é só uma prova de que o nosso Poder Legislativo não tem a menor noção do que faz. Ou então, de uma forma irresponsável, prefere agradar a opinião pública, que, mergulhada no desconhecimento so-bre a importância da ciência, talvez esteja a favor desta lei. Será que esses políticos não têm noção do impacto negativo de tal lei no desenvolvimento científico nacional? Na busca por curas de doenças? Que ignorância. Acho que este vereador tem proble-mas importantes no Rio para comba-ter, como a violência, por exemplo. Ele

deveria prestar serviço à comunidade e não atrapalhar o desenvolvimento científico. Será que a próxima lei de autoria desse vereador vai obrigar to-do mundo no Rio a ser vegetariano para evitar o sacrifício de animais? Pro vavelmente uma lei como esta não seria aprovada, pois a maioria da po-pulação não vai querer abrir mão do churrasco no fi m de semana.

PAULO SÉRGIO BRANDÃO DO NASCIMENTO

Recife, PE

A Sociedade Brasileira de Fisiologia parabeniza Pesquisa FAPESP pela im-portante reportagem de autoria de Fabrício Marques. Trata-se de uma va-lorosa contribuição para o esclareci-mento do público em geral sobre a utilização de animais na pesquisa cien-tífi ca e que conta com depoimentos de alguns dos mais renomados cientistas que atuam em diferentes áreas da bio-logia experimental. O texto, didático e elucidativo, mostra claramente a im-prescindível utilização desses animais no desenvolvimento, validação e certi-ficação de novos fármacos, vacinas e técnicas cirúrgicas, entre outras ativi-dades. Estas visam benefícios à saúde e ao bem-estar do ser humano e dos próprios animais se considerarmos que os resultados das pesquisas são também aplicáveis na medicina veteri-nária. Graças à experimentação ani-mal, a expectativa de vida das popula-ções tem aumentado, pois muitas en-fermidades têm sido mais bem conhe-cidas, prevenidas e tratadas. Embora ainda não havendo no Brasil uma le-gislação normativa sobre a utilização de animais em laboratório, os protoco-los experimentais desenvolvidos nas universidades e centros de pesquisa são rigidamente analisados pelos seus co-mitês de ética em experimentação ani-mal que seguem a normatização do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (Cobea). A proibição do uso de animais em pesquisas, como querem os ativistas defensores dos animais, re- G

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presenta um enorme atraso científi co e tecnológico. Isso, em curto prazo, le-vará o Brasil a uma total dependência de outros países, sendo forçado a im-portar medicamentos e tecnologias para a área médica, além do impedi-mento do nosso avanço científi co que, a duras penas, vem melhorando seus índices internacionais nas últimas dé-cadas. O artigo também contribui para a desmistifi cação do cientista como sá-dico, torturador de animais, pecha que os ativistas contrários ao uso de ani-mais de laboratório tentam imputar aos que desenvolvem pesquisas em bio-logia experimental. A utilização racio-nal e ética dos animais é parte intrínse-ca da formação acadêmica dos pesqui-sadores dessas áreas, sempre visando benefícios à humanidade e aos próprios animais. Deve-se ressaltar também que os próprios cientistas têm se empenha-do na busca de métodos alternativos. Porém esses métodos ainda não são sufi cientemente acurados para repro-duzir as complexidades próprias do funcionamento dos organismos vivos.

FRANCISCO TADEU RANTIN

PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE FISIOLOGIA - SBFIS

São Carlos, SP

Gostaria de parabenizá-los pela repor-tagem, uma vez que é de suma impor-tância abrir o debate sobre o uso de animais de laboratório. Essa discussão já alavancou mudanças importantes que culminaram na preocupação cres-cente em torno do uso consciente des-ses seres vivos. É fato que a ciência deve muito do seu conhecimento aos trabalhos desenvolvidos in vivo e é fa-to também que isso continuará a ser necessário como foi exposto no texto em diversos exemplos (vacinas, trans-plantes, células-tronco, dentre outros). Certamente não devemos visualizar os cientistas como frios e indiferentes ao sofrimento dos animais, mesmo por-que, sempre que possível, utilizamos outros meios para responder às per-

guntas científi cas. Vale ressaltar que as comissões de ética hoje são muito mais rigorosas quanto ao tipo de pes-quisa para qual os animais são previs-tos, avaliando-se a quantidade de in-divíduos e as reais necessidades de uso desses para responder aos quesitos da pesquisa. Devemos sempre buscar meios que substituam o trabalho in vivo, mas não podemos e não devemos barrar o seu uso consciente porque aí sim estaremos barrando principal-mente o progresso da ciência. Enquan-to outras formas de pesquisa para determinadas áreas não são possíveis, não podemos fi car parados esperando que o progresso venha até nós. A nos-sa sociedade deve muito da sua tecno-logia ao conhecimento adquirido pelo estudo da fi siologia animal desenvol-vido por grandes cientistas pioneiros. Ainda hoje tentamos, por exemplo, entender nosso cérebro e construir máquinas que sejam tão rápidas quan-to ele. Certamente não conseguiremos isso se os animais não puderem ser utilizados. É de suma importância que esses seres vivos sejam respeitados, mantidos em condições dignas e não desperdiçados, mas não é possível, por hora, retirá-los de nossas vidas cientí-fi cas se almejamos o progresso tecno-lógico que benefi cia não só os huma-nos, mas também os animais.

CECÍLIA C. CAFÉ MENDES MESTRANDA FMUSPSão Paulo, SP

Como cientista devo fazer algumas observações sobre a matéria de capa de Pesquisa FAPESP. Realmente nos-sos políticos, em sua maioria, pos-suem conhecimento no mínimo me-díocre sobre qualquer tema. No caso do vereador Cláudio Cavalcanti, do Rio de Janeiro, uma coisa ele deve sa-ber fazer, que é interpretar. Afi nal é ator. Como a própria palavra diz, ator é a pessoa que cria, interpreta e repre-senta uma ação dramática baseando-se em textos, estímulos visuais, sono-ros e outros, previamente concebidos na maioria das vezes por outros. Tal representação pode ser notada em sua frase: “Um ser humano que tor-tura seres dominados e incapazes de se defender, seres que gritam e cho-ram de dor – seja esse ser um pesqui-sador ou um psicopata –, representa o rebotalho da Criação”. Se o termo “rebotalho” encontra-se empregado como resíduo, a coisa se complica. Pois não vejo muita diferença com muitos políticos. O que são a maioria daqueles que nos representam? Que foram designados pelo povo para melhorar “nossas”, e não “suas”, con-dições de vida? Esse vereador se es-quece de que para que ele possa se-guir com tais colocações ele necessita destes animais. Duvido muito que ele já não tenha necessitado de algum medicamento. Ou que, se entrar um rato na casa dele, ambos dividirão o espaço de forma harmoniosa. Para não ser muito cansativo, cito os expe-rimentos que realizamos em que ne-cessitamos utilizar ventilação mecâ-nica. Pergunto: como testar hipóteses em modelos plásticos ou virtuais? Os animais em PVC são ótimos para dar base de microcirurgia, mas é muito diferente ter um animal estático, com-pletamente parado, e outro no qual o coração, vasos, pulmões etc.estão em funcionamento.

ITAMAR S. DE OLIVEIRA-JUNIOR

DISCIPLINA DE GERIATRIA E GERONTOLOGIA/UNIFESP

São Paulo, SP

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Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected], pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

Doença de Chagas

Com relação à reportagem “Com-posto contra Chagas” (edição 144), o texto diz, referindo-se ao mecanis-mo de transmissão pelos barbeiros: “Na medida em que suga o sangue, ele defeca no local, contaminando sua vítima com o protozoário. Ao entrar na corrente sangüínea do hos-pedeiro, o tripomastigota invade as hemáceas ou tecidos musculares e assume sua terceira e última forma, chamada de amastigota, sem fl agelo, que tem grande poder de se multi-plicar dentro das células”. Neste tre-cho há dois erros importantes que devem ser corrigidos. Em primeiro lugar, o tripomastigota (chamado metacíclico) eliminado com as fezes do barbeiro não “entra na corrente sangüínea” como sugere o texto. Esta forma infectiva do parasita, uma vez inserida no local da picada ou atra-vés de mucosas, invade células pró-ximas e, apenas após alguns ciclos de multiplicação intracelular (sob a for-ma amastigota), irá se transformar em tripomastigotas que, estes sim, poderão então “entrar na corrente sangüínea”, onde são chamados de tripomastigotas sangüíneos. O se-gundo erro é que os tripomastigotas, sangüíneos ou metacíclicos, não in-vadem hemáceas, mas são capazes de penetrar e se multiplicar em uma grande variedade de tipos celulares (como tecido cardíaco).

RENATO A. MORTARA DISCIPLINA DE PARASITOLOGIA/UNIFESP

São Paulo, SP

Nota da redação: De fato, houve estes dois erros na reportagem.

A Corte no Brasil

Há tempos sou assinante de Pesquisa FAPESP e me interesso praticamente por todos os assuntos nela publica-dos. Na edição 143, a reportagem

“Um corte na história do Brasil” co-meça de forma muito interessante e caminha bem até iniciarem-se as ci-tações do trabalho da pesquisadora Laura de Mello e Souza. Daí para a frente é como se entrássemos num terreno de areia movediça em que se caminha com extrema difi culdade e com poucos resultados. Há um tanto de frases e raciocínios rebuscados certamente inatingíveis para o públi-co comum. Afi nal, para quem fazem história os historiadores? Para si mes mos? Para seus pares? Será que não é possível contar a história de forma clara e compreensível? Não será por este hermetismo de lingua-gem que a história, como disciplina escolar, é tão pouco apreciada?

SÉRGIO DE PADUA IATCHUK

São Paulo, SP

Léa Velho

Na entrevista à Pesquisa FAPESP (edição 143), Léa Velho retoma pon-tos de que a grande mídia reiterada-mente vem se ocupando, principal-mente o do aproveitamento de mes-tres e doutores no mercado de traba-lho. Embora na entrevista ela apro-funde alguns tópicos, o essencial não se diferencia. Infelizmente nota-se a ausência do novo (sem trocadilho), do principal. Refiro-me à reforma

educacional brasileira que integra a pauta de luta que os movimentos sociais e políticos organizados estão lançando em torno das reformas de-mocráticas (saúde, trabalhista, edu-cacional, entre outras). No debate que as mesmas suscitam e suscitarão, certamente estará presente o apro-veitamento de mestres e doutores que atualmente estão servindo para rebaixar o nível salarial nas IES (so-bretudo articulares) e do próprio nível de qualidade por conta do ex-cesso de especialistas, que também fazem parte da pós-graduação.

JOSÉ CARLOS ABRÃO

Ribeirão Preto, SP

Biocombustíveis

Sobre a reportagem “Proteína no óleo” (edição 142), a idéia de produzir biocombustíveis menos poluentes por meio de reações compartilhadas com catalisadores protéicos como a lipase é muito importante, pois possibilita a redução de poluentes na atmosfera terrestre. Pode-se favorecer a melho-ria na qualidade de vida, reduzindo e combatendo o impacto ambiental e conseqüentemente o processo de aquecimento global do planeta.

MARTE FERREIRA DA SILVA

Atibaia, SP

Correção

O crédito correto da foto que ilustra a reportagem “Composto contra Cha-gas”, na página 79 (edição 144), é Centro de Microscopia Eletrônica (Ceme) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

> mande sua carta para [email protected]

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GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR

CELSO LAFERPRESIDENTE

JOSÉ ARANA VARELAVICE-PRESIDENTE

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EDITOR CHEFENELDSON MARCOLIN

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EDITORES EXECUTIVOSCARLOS HAAG (HUMANIDADES), CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA)

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ISSN 1519-8774

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Revoluções: genômica, de idéias e comportamentos

MARILUCE MOURA - DIRETORA DE REDAÇÃO

G randes exposições de divulgação científica podem ser altamente ilustrativas da extraor-dinária capacidade humana de fazer o pen-

sado. Tome-se por exemplo a Revolução genômica que está desde o dia 29 de fevereiro no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, e lá permanecerá até 13 de julho: um neófito em montagens desse tipo de mostra sairia convencido de que seria impossível ela ficar pronta a tempo, ao visitar, apenas 2 ou 3 dias antes da data marcada para a inauguração, o belo prédio projetado por Niemeyer que a abriga, e cuja arquitetura original foi re-cuperada no tempo recorde de 60 dias. Entre sons irritantes pro-duzidos por serras, serrotes, fu-radeiras e martelos, um mar impressionante de caixas de ma-deira de todos os tamanhos esva-ziadas dos materiais que vieram dos Estados Unidos para com por a exposição, operários por todo lado a trabalhar em pisos, pare-des, instalações elétricas e mon-tagens de equipamentos e peças, talvez nosso hipotético visitante balançasse cético a cabeça com um desanimado “não vai dar!”, em contraste absoluto com a certeza dos coman-dantes de toda essa azáfama, expressa num taxati-vo “é claro que vai dar”.

Deu tempo, sim. A exposição vinda do Museu de História Natural de Nova York, mas com bons acréscimos brasileiros, promovida pelo Instituto Sangari, com múltiplos apoios empresariais e ins-titucionais, o da FAPESP inclusive, foi inaugurada na noite de 28 e aberta ao público em 29 de feverei-ro (página 42). Pronta – ainda que os próprios or-ganizadores explicassem que restavam algumas coisas por finalizar e outras para aperfeiçoar. O que não chega a ser um problema, já que exposições podem funcionar como um processo, de certa ma-neira – um processo de fazer pensar e produzir novas interrogações, mudar as perguntas, confor-me observação do diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz. Aliás, é nesse pro-pósito de produzir novas perguntas – e discussões – que Pesquisa FAPESP se junta aos promotores da exposição e começa a cuidar da programação de palestras e debates que integra Revolução genômica. Personagens importantes na construção contem-

porânea do conhecimento científico, brasileiros e estrangeiros, vão contribuir de março a julho pa-ra dar vitalidade ao debate de questões essenciais ao desenho presente e futuro das sociedades hu-manas, e que se desdobram em grande parte no âmbito da produção de ciência e tecnologia. Mas vamos enfim a algumas mais que merecidas pala-vras sobre esta edição. Primeiro, a reportagem de capa é para ler com muita atenção: um amplo le-vantamento sobre os vários ecossistemas brasilei-ros, da Floresta Amazônica à Caatinga e aos Pam-

pas, que inexplicavelmente se manteve na sombra por quase 1 ano, deixa claro que até aqui o país consumiu 30% de sua vegetação natural, e a maior parte disso ocorreu nos últi-mos 50 anos, como mostra o editor de ciência, Ricardo Zor-zetto. É muito? É pouco? O leitor terá dados suficientes para tirar suas próprias con-clusões. Faz parte também do tema da capa a reportagem da editora de política, Claudia Izique, detalhando com preci-são os sistemas que permitem

monitorar o desmatamento da Amazônia, objeto de intensas polêmicas e celeumas políticas há coisa de 2 meses. Tudo isso a partir da página 20.

Outra reportagem de fôlego na revista foi pro-duzida pelo editor de tecnologia, Marcos de Olivei-ra, e pelo editor especial Fabrício Marques sobre a expansão e o significado das incubadoras de empre-sas para a economia brasileira e para seu potencial inovativo. Alguns exemplos concretos de empresas que em diferentes partes do país saíram das incuba-doras para se afirmar no mundo dos negócios dão um sabor especial ao relato dos dois jornalistas.

Imperdíveis são também a entrevista com Ale-xandre Kalache, defendendo uma consistente po-lítica para o bem-envelhecer, feita pelo editor chefe, Neldson Marcolin, e, no mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a reportagem do editor de humanidades, Carlos Haag, sobre um estudo que mostra que mulheres que vivem sozi-nhas por opção, muito longe do velho mito da sol-teirona, podem ser felizes e bem-amadas. Por fim, vale conferir na seção de cartas a impressionante polêmica provocada pela capa do mês passado.

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CARTA DA EDITORA

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MEMÓRIA

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Era quase aguardenteEm 1925

pesquisadores testavam

álcool 70% em motor a

explosão

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Ford guiado por Heraldo de Souza Mattos em agosto de 1925: testes pelas estradas do Rio

Um Ford empoeirado de quatro cilindros com faixas toscas amarradas na lateral, dirigido por um motorista de capuz, óculos de proteção e guarda-pó, é o carro mais antigo que se tem notícia a rodar com álcool no Brasil. Em agosto de 1925 o Ford percorreu

230 quilômetros (km) em uma corrida no Circuito da Gávea, no Rio de Janeiro, na primeira prova automobilística realizada pelo Automóvel Clube do Brasil. O consumo foi de 20 litros por 100 km. No mesmo ano, o Ford fez os percursos Rio–São Paulo, Rio–Barra do Piraí e Rio–Petrópolis. O combustível era álcool etílico hidratado 70% (com 30% de água). “Era quase aguardente”, diz o químico Abraão Iachan, assessor da diretoria do Instituto Nacional de Tecnologia (INT). A cachaça tem entre 38% e 54% de álcool na sua composição.

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Fusca com motor a álcool da antiga

Telesp: experiências duradouras e

sucesso econômico

As primeiras experiências com esse carro ocorreram na Estação Experimental de Combustíveis e Minérios (EECM), organismo governamental de pesquisa que se transformou no INT, em 1933. A motivação da época não era muito diferente da de hoje. O então presidente Epitácio Pessoa (1919-1922) já reclamava em 1922 da “colossal importação de gasolina no Brasil”, aludia ao “uso do álcool em seu lugar” e previa o “amparo que a solução prestaria à indústria canavieira”. O governo seguinte, de Arthur Bernardes (1922-1926), encomendou à EECM um projeto de desenvolvimento de motores a álcool, que pudesse também servir de base para legislação sobre o assunto.

O diretor e um dos criadores da EECM, o engenheiro geógrafo e civil Ernesto Lopes da Fonseca Costa, era um entusiasta do projeto. A coordenação dos trabalhos foi do engenheiro Heraldo de Souza Mattos, dublê de pesquisador e piloto de testes do velho Ford, obtido por empréstimo. “Essas experiências tiveram por objetivo elucidar, entre outros, os seguintes pontos ainda mal conhecidos naquela época: causas prováveis das corrosões freqüentemente observadas nas diversas peças do motor alimentado com álcool; condições indispensáveis à perfeita carburação dos

carburantes alcoólicos; consumo específico e fatores interferentes no rendimento térmico do motor”, escreveu Fonseca Costa no prefácio do livro Álcool motor e motores a explosão, de Eduardo Sabino de Oliveira (Instituto do Açúcar e do Álcool, 1942).

A prioridade da EECM era como tornar viável a mistura do álcool com a gasolina importada e não substituir inteiramente um combustível pelo outro. Essa mistura passou a ocorrer obrigatoriamente na década de 1930, com várias leis municipais, estaduais e federais que estabeleciam a adição de 5% a 10% de álcool à gasolina. Nos anos 1920 o Brasil produzia 150 mil

litros do combustível derivado da cana, fabricado em pequenas destilarias de aguardente. Nas décadas seguintes o país investiu na produção de álcool anidro (com pequena quantidade de água), mais adequado à mistura para motores a explosão.

O uso do álcool como combustível já estava na mira de diversas empresas e governos desde o início do século XX. O próprio Henry Ford, criador da indústria automobilística nos Estados Unidos, rodou com um Ford de 1914 abastecido com álcool.

É famosa sua previsão para o New York Times, em 1925: o álcool seria o “combustível do futuro”. Na França havia pesquisas alentadas sobre o poder carburante do álcool em motores a explosão. E outros países, como Inglaterra, Alemanha, Holanda e África do Sul, tiveram experiências semelhantes, todos antes do Brasil. Foi na segunda metade dos anos 1970 que o investimento científico e governamental no Programa Nacional do Álcool, o Proálcool, levou o país a tornar-se a principal referência mundial nesse combustível por meio de experiências duradouras e economicamente bem-sucedidas.

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ENTREVISTA

Alexandre KalacheUma política para o bem-envelhecer

Aos 62 anos, o médico e pesqui-sador em saúde pública Ale-xandre Kalache tem como pro-jeto de vida envelhecer me-lhorando a vida dos idosos. Antes que tal idéia pareça pu-ro oportunismo – dada a sua

idade –, é preciso dizer que Kalache tra-ta do assunto há mais de 30 anos. Foi ele um dos primeiros especialistas a en-xergar o enorme desafio que os países em desenvolvimento terão pela frente se não começarem a pensar e agir sobre o envelhecimento da população ime-diatamente. “Trata-se de encarar o que poderá se transformar em um proble-ma como uma oportunidade de torná-lo um importante tema da política de desenvolvimento”, alerta.

Em 2050 o mundo terá 2 bilhões de idosos segundo estimativas da Organi-zação Mundial da Saúde (OMS). Mais de 80% deles estarão vivendo em países como o Brasil. Aqui a porcentagem de pessoas idosas irá de 9% a 18% em ape-nas 17 anos (2005 a 2022). Como ade-quar a sociedade a essa mudança de-mográfica brutal? “Começando a pen-sar e a planejar já”, responde Kalache. Sua percepção de que essa explosão se daria ocorreu em 1976, no período em que fazia mestrado em saúde social na Universidade de Londres. Posterior-mente, ele seguiu para o doutorado na Universidade de Oxford, onde foi pro-fessor assistente.

Kalache é médico formado pela então Faculdade Nacional de Medici-na da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janei-

Criador das cidades amigas do idoso diz que tema é importante para o desenvolvimento do país | NE L D S O N MA RC O L I N

ro (UFRJ). Durante 4 anos foi instrutor de clínica mé-dica e nos meados dos anos 1970 partiu para a Europa, onde ficou 33 anos, os últimos 13 dirigindo o Progra-ma Global de Envelhecimento e Saúde da OMS. Os dois filhos (um nascido no Rio e a filha na Inglaterra) e uma neta cresceram e ficaram em Londres. No mês passado, Kalache deu por terminado seu ciclo na OMS e agora trabalha como assessor para envelhecimento global da presidência da Academia de Medicina de Nova York. Tem a ambição de criar um Centro Internacional de Políticas para o Envelhecimento no Rio para continuar a pesquisar e sugerir melhorias na qualidade de vida dos idosos. No dia seguinte ao seu retorno ao Brasil, no amplo apartamento da mãe, Lourdes Kalache, no co-ração de Copacabana, bairro onde nasceu e foi criado, ele falou à Pesquisa FAPESP.

■ O senhor voltou ao Brasil em definitivo para criar o Cen-tro Internacional de Políticas para o Envelhecimento?— Não. Vou me dividir entre Nova York e Rio com a in-tenção de estabelecer aqui esse centro, muito voltado pa-ra o envelhecimento como um tema de desenvolvimento. Ou seja, como o Brasil e países semelhantes, que tiveram um envelhecimento rapidíssimo se comparado com o que foi experimentado nos países mais desenvolvidos, podem enfrentar os desafios decorrentes.

■ O que isso tem a ver com o trabalho em Nova York? — O centro estará ligado à Academia de Medicina de Nova York e à Universidade de Londres. A idéia é formar um grupo de organizações não-governamentais, gover-namentais, acadêmicas e até de iniciativa privada para poder, debaixo desse guarda-chuva, criar um consórcio voltado para o estabelecimento de políticas pautadas no conceito de envelhecimento ativo, que criamos na OMS. Como, por exemplo, o movimento global das cidades amigas dos idosos. O Programa Cidade Amiga do Idoso foi a grande e última atividade que desenvolvi dentro da OMS. E quero dar continuidade a ele mesmo fora da OMS. Agora é a hora de executar. Por exemplo, a go- F

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para depois ampliar para todo o estado. E a idéia desde o início era mesmo essa. Para entender como fizemos esse pro-jeto é preciso contar a história pelo co-meço. Na minha infância e adolescên-cia, Copacabana era um bairro de jo-vens. Nasci na maternidade Arnaldo de Moraes, aqui perto, que hoje é virtual-mente um hospital geriátrico, o São Lucas. Ou seja, ao longo do meu tempo de vida, 62 anos, Copacabana se trans-formou de um bairro com muita crian-ça em um bairro de idosos. Hoje já não nascem mais crianças em Copacabana. A grávida daqui terá de dar à luz em Botafogo. Hoje Copacabana tem mais idosos, proporcionalmente, do que o Japão ou a Suécia. Quem são eles? Pes-soas como minha mãe, de 89 anos. São os que vieram para cá quando Copaca-bana se urbanizou e se desenvolveu nos anos 1920, 1930. Mas explodiu nos anos 1940 e 1950. Todos queriam mo-rar em Copacabana.

■ E não saíram mais daqui. — Os filhos foram embora e os netos nem pensam em Copacabana – para eles o bairro é um corredor, eles “pas-sam” por aqui. Ficaram os idosos. E fi-caram porque aqui sempre existiu uma grande concentração de serviços. Qua-ndo meu pai morreu, minha mãe me perguntou, “Você acha que eu devo mudar daqui?”. Eu falei, “Pense bem antes de fazer essa mudança, porque aqui é onde você está familiarizada, ambientada, você tem tudo na porta, a farmácia, o táxi, os restaurantes, os bancos”. Além do mais, o velho ativo vai para o calçadão, se sociabiliza, é agra-dável. Mas, note: para cada idoso ativo do lado de fora, temos dois ou três com dificuldade de andar, com problemas de doenças não-preveníveis, muitas ve-zes mal gerenciadas, malcuidadas por-que os próprios médicos com freqüên-cia não têm uma formação adequada, embora existam cada vez mais geriatras trabalhando em Copacabana. De cada três habitantes, um tem mais de 60 anos, o que é muito alto. Higienópolis, em São Paulo, tem esse perfil. Há uma sigla para isso. São os NOEPs, ou seja, naturally ocurring eldery population. São popula-ções que por uma série de fatores, como essa de Copacabana, vão concentrando idosos de uma forma natural. Não é por política, mas por acidente.

■ Daí a escolha de Copacabana ser a pri-meira cidade amiga do idoso?— Houve um Congresso Internacio nal de Gerontologia em junho de 2005, no Rio, e os organizadores me convida-ram para fazer a conferência de aber-tura. Mas pediram uma idéia nova, para chamar a atenção da mídia. Foi aí que pensei em fazer um estudo piloto que é Copacabana Amiga do Idoso e lancei isso no congresso. Deu certo. Saiu no Fantástico, Jornal Nacional, Globo Repórter e nos jornais. Como falei para uma audiência internacio-nal, depois disso as pessoas começa-ram a me perguntar, “Por que só Co-pacabana? Por que não Buenos Aires, Genebra, Xangai?” Eu respondia, “E por que não?”. Rapidamente recruta-mos na OMS essas 35 cidades, que fo-ram as que fizeram parte do estudo piloto. Fechei com 35 porque queria ter minar o projeto antes de sair da-OMS. E esse já era um número grande para trabalhar. Fechamos com Xangai, Tóquio, Moscou, Londres, Nova York, Melbourne, Genebra, Liverpool, Nova Délhi, Nairóbi, Istambul, Buenos Ai-res, Cidade do México, Rio...

■ Os relatórios do estudo se constituíam em quê? — Fizemos primeiro uma pesquisa bá-sica para ver quais são, de acordo com a literatura especializada, os elementos principais que fazem com que um am-biente possa ser mais amigo do idoso. Coisas como moradia, transporte, par-ticipação cívica, acesso a informação, acesso a serviços médicos, acesso a ser-viços sociais, engajamento na vida pú-blica, questão de comunicação e de adaptação na vida da informática para uma população envelhecida. Pegamos estes oito temas e realizamos estudos qualitativos, de grupos focais e com idosos mais jovens, com idosos mais idosos, dos diversos níveis socioeconô-micos, em grupos só de mulheres, só de homens, mistos, e depois com presta-dores de serviços e com cuidadores do idoso. Depois fizemos outro estudo, usando a mesma metodologia, em tor-no dos oito temas, que foram aplicados nas 35 cidades. Quando os relatórios retornaram, juntamos todos para en-contrar os denominadores comuns do que se pode fazer para um meio urbano se tornar mais amigo do idoso.

vernadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, quer fazer de seu estado um estado amigo do idoso. Vou passar uma semana lá para discutir o desenvolvi-mento de políticas que busquem fazer do Rio Grande do Sul talvez um estado modelo. Para isso, uma força-tarefa en-volvendo todas as secretarias de Estado já foi criada. Percorrerei todo o estado, discutirei com grupos acadêmicos, or-ganizações não-governamentais e com o setor privado. E, principalmente, or-ganizarei grupos com os idosos gaúchos para que eles nos contem quais as difi-culdades, sugestões e expectativas. Será um processo de baixo para cima.

■ De acordo com o Guia Global da Ci-dade Amiga do Idoso, da OMS, hoje há 35 cidades dentro do programa.— Sim, começamos com 35, mas esse número está crescendo – somente em janeiro várias cidades da Europa e do Japão se incorporaram ao programa. Agora, com o Rio Grande do Sul, o nú-mero vai crescer porque começaremos com 12 cidades gaúchas como piloto

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■ Foi esse estudo que resultou no guia?— Sim. O guia foi lançado em outu-bro do ano passado. Agora está se transformando num movimento in-ternacional ainda maior.

■ Mas isso, por enquanto, é uma tendên-cia. O senhor já tem resultados visíveis desse movimento?— Em Nova York já. Estive lá na pri-meira semana de fevereiro e o prefeito Michael Bloomberg fez o State of the City – a prestação de contas anual – centrado no projeto Age Family in New York. Ele estabeleceu oito comitês, cada um deles voltado para um dos temas do Guia da Cidade Amiga do Idoso. Há o comitê house, sobre a questão de mora-dia, o de parques abertos, sobre a ques-tão de acessibilidade aos parques, de como fazer com que sejam mais ade-quados para o idoso. No Central Park há pistas de patinação, de skate, pessoas correndo. Isso não é voltado para o ido-so. O que foi mostrado no estudo das 35 cidades é que se deveriam criar vias específicas para quem deseja correr, an-dar de skate ou bicicleta. Assim o idoso também teria uma via segura para ca-minhar, sem medo de ser abalroado por quem está praticando esportes. Eles pe-dem banco a cada 200 metros para po-der descansar. Em Nova York, no Central Park, não há ainda um número sufi-ciente deles. Mas há mais do que, diga-mos, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, ou no Aterro do Flamengo, no Rio. Portanto, tudo é relativo e há que respeitar a percepção do idoso que vive naquela localidade específica. Por exemplo, a pesquisa mostrou que os idosos de Genebra acham que a cidade não está suficientemente limpa. Vá ex-plicar isso para um visitante da perife-ria de uma de nossas cidades. No en-tanto, o que vale é como se sente o ido-so local. O guia tem uma lista com itens que devem ser checados por quem é o responsável por políticas de segurança, de vias públicas, de espaços abertos, de transporte, de moradia etc. É um ins-trumento para o desenvolvimento de políticas para aquele setor específico e deve ser contextualizada para a realida-de local. Por isso farei a peregrinação pelo Rio Grande do Sul.

■ O senhor já sente alguma dessas melho-rias em Copacabana?

— Há duas coisas imediatas que foram feitas com base no estudo. A primeira foi a criação de um posto policial, 24 horas por dia, 7 dias por semana, dedi-cado ao idoso. É para resolver proble-mas de segurança, como as pequenas infrações em geral. A segunda iniciativa, também baseada no Copacabana Amiga do Idoso, será a inauguração em março de um posto de saúde, também aberto 24 horas por dia, 7 dias por semana, per-to do metrô, numa área central.

■ Essas reivindicações foram dos próprios idosos?— Também. Em Copacabana hoje se um idoso tem um problema de saúde urgente as pessoas não sabem o que fa-zer. Geralmente acaba sendo levado para algum pronto-socorro e, às vezes, quando chega lá leva uma bronca, por-que PS é lugar para emergências. Que-remos fazer agora um Centro de Saúde Amigo do Idoso, com base num outro estudo da OMS, que desenvolvi nos úl-timos 5 ou 6 anos. Normalmente nos centros de saúde não há um lugar ade-quado para o idoso esperar, às vezes nem onde sentar, mal tem banheiro. Não raro ele chega cedo, recebe uma senha e, depois de algumas horas, a re-cepcionista grita, sem o menor respeito, avisando que o atendimento já acabou.

Isso depois de 5, 6 horas de espera. Os letreiros são pouco visíveis, tudo é ruim. É como alguns aeroportos que não es-tamos familiarizados e não sabemos para onde ir. De repente, uma voz anun-cia alguma coisa que você não ouve bem. A gente acaba se irritando. Mas o idoso, não. Ele se sente diminuído, hu-milhado, culpado de não estar conse-guindo entender esse sistema. Nosso objetivo é tornar esse sistema mais ami-go do idoso por um lado. Por outro, é preciso treinar o trabalhador de atenção primária, desde o médico de família até o enfermeiro e nutricionista, de um modo que eles ajam de modo mais ade-quado. Este é um grave problema da transição demográfica. Os trabalhado-res da saúde continuam sabendo tudo sobre atenção infantil e muito pouco sobre usuários mais velhos. ■ A aplicação do programa leva as dife-renças sociais em conta? — Deste prédio onde estamos, em Co-pacabana, é possível ver a favela de Pavão-Pavãozinho muito perto da gen-te. Todos os contrastes e as contradi-ções do Brasil estão presentes aqui no bairro. Em 150 metros em linha reta é possível ir ao coração da favela, onde há uma das grandes bocas de tráfico do Rio. O Rio está cercado de favelas e o estudo foi feito também com o mora-dor favelado. Vale para todos.

■ É fato que o idoso rico vive mais do que o idoso pobre mesmo quando este tem toda a assistência médica?— Esse é um bom tema para discussão hoje. Michael Marmot, da Universidade de Londres, é provavelmente o maior especialista em saúde pública atualmen-te. Ele deu uma grande contribuição ao tema ao medir cientificamente essa si-tuação. Mamort demonstrou que se pegarmos um ônibus, daqueles verme-lhos de Londres, e rodarmos de Kilburn, que é um bairro pobre, para Hamstead, que é um bairro de rico, a cada 200 me-tros se ganha 1 ano de vida.

■ Quanto mais perto do bairro rico, maior a expectativa de vida? — É isso aí. Há uma diferença de 10 anos na esperança de vida. Isso mesmo depois de ajustarmos os dados para ex-cesso de peso, dieta inadequada, consu-mo de fumo e álcool, tudo o que há de

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ruim para a saúde, que são os fatores importantes para as doenças crônicas, majoritariamente as dos adultos. Ainda assim continuamos com uma diferença de esperança de vida maior para os ricos. Por que isso ocorre não se compreende muito bem ainda. Mas a suspeita é que tenha a ver com a auto-estima. É aí que entra a cidade amiga do idoso valorizan-do a cidadania e o auto-respeito. Não é apenas aos 65 anos que uma pessoa se dá conta das desigualdades que se dão ao longo da vida. É duro chegar à velhice. É quando percebemos que nosso tempo passou e a esperança de antes se trans-forma em desespero. É importante atuar nas sociedades que estão envelhecendo, de modo a poder oferecer alguma segu-rança de que estaremos amparados quando mais precisarmos de amparo – e não só para conhecer os fatores que in-dicam quem é que vai morrer mais cedo ou mais tarde. À medida que envelhece-mos, nosso interesse é não somente so-mar mais anos de vida, mas sim mais vida aos anos. É como assegurarmos um mínimo de qualidade de vida a nossos últimos anos. Este é o grande desafio.

■ É a isso que se refere o termo envelhe-cimento ativo? — A definição precisa de envelheci-mento ativo é o processo de melhorar as oportunidades de saúde, participa-ção, segurança, de forma a aumentar a qualidade de vida à medida que se en-velhece. É um processo de otimização. As oportunidades estão sempre lá. Na sua idade, na minha, na de um jovem de 16 anos ou na de uma criança de 5 anos. Quanto mais cedo e com mais eficácia se aproveitar essas oportunida-des, maiores serão os efeitos para a saú-de. O segundo pilar do envelhecimento ativo é a participação. A saúde é a cha-ve que lhe permite participar da vida da sociedade. Quer dizer, não é só a saúde pelo fato de estar saudável, mas para aproveitar, estar com energia, partici-par da vida da sua sociedade, pegar um ônibus quando for preciso, ter acesso a uma biblioteca, a um show ou ir à praia quando se tem vontade; estar inserido, e não ser excluído como ocorre tantas vezes com o incapacitado.

■ A estimativa de um aumento da popu-lação idosa no mundo, de 11% em 2006 para 22% em 2050, era esperada?— Depende para quem você pergunta. Os demógrafos, em geral, se surpreen-deram. As pessoas estão vivendo mais. Quando eu nasci, em 1945, em Copaca-bana existia uma maternidade porque tinha muita criança e uma esperança de vida de 43 anos. No meu tempo de vida, ganhamos 30 anos de esperança de vida. Alguns países da América Latina, que podemos comparar com o Brasil, ga-nharam muito mais. Chile, Costa Rica, Cuba, além dos uruguaios e dos argen-tinos, estão com uma esperança de vida ainda maior. A do Chile e da Costa Rica era pior do que o Brasil nos anos 1940. E hoje estão com níveis europeus, por volta de 78 anos de esperança de vida, acima da nossa, que é de 73,2 anos. Es-tamos vivendo mais, mas isso tem um preço. Temos de nos preparar. Se não, condenamos essas pessoas. Viver mais passa a ser um prêmio vazio. Sobreviver em péssimo estado de saúde, sem qua-lidade de vida, não dá. A discussão, quando eu era estudante de medicina, era sobre o boom demográfico. A taxa de fecundidade total da brasileira em 1975 era de 5,8 filhos. Quase seis filhos na média. Hoje está em dois.

■ Inclusive nos estados mais pobres?— A queda da fecundidade ocorreu em paralelo. Quando a da classe média caiu, em paralelo caíram as faixas mais po-bres, nas zonas rurais, nas zonas urbanas e semi-urbanas, no Nordeste, no Ama-zonas, no Rio Grande do Sul, tudo em paralelo. Estamos falando de 1975. É muito pouco tempo para essa queda. Claro, houve o impacto dos métodos contraceptivos, que não existiam antes. Mas o que contribuiu para essa tremen-da baixa na fecundidade é o fato de o Brasil ser um país muito aberto a mu-danças de comportamento. Percebi em 1975 que o envelhecimento da popula-ção ocorreria mais rápido no Brasil do que vinha acontecendo no resto do mundo. Todos me perguntavam no ex-terior como é que tinha essa certeza e eu dizia que o país estava se modernizando. A mesma novela que era assistida em Copacabana era vista na periferia do Rio ou na zona rural do Maranhão. No final dos anos 1970 passou o seriado Malu Mulher, sobre uma mulher divorciada e emancipada, de grande sucesso, que vi-rou mãe solteira e superava as dificulda-des. Aquela heroína da classe média da Zona Sul do Rio teve seus valores disse-minados. Era natural pensar, “Se a Malu tem um filho só, por que é que eu vou ter 3? Ou 6, como a minha mãe, ou 18 como a minha avó?”. Esses elementos que mudam comportamentos são im-portantes, mas não eram enxergados naquela época. A França levou 115 anos para dobrar a proporção de idosos de 7% para 14%. O Brasil vai dobrar de 9% para 18% em 17 anos, de 2005 ao início da década de 2020. Agora, a grande dife-rença é que os franceses levaram mais de 1 século para ir se adaptando ao envelhe-cimento, como outros países ricos. Para a França envelhecer foi necessário que a francesa do final do século XIX alcanças-se um nível de educação mais alto, para poder fazer uso dos métodos rudimen-tares de controle da natalidade. Era difí-cil. Mas, pouco a pouco, de geração em geração, elas conseguiram controlar o número de crianças e aumentar a espe-rança de vida e, em 115 anos, dobrou a proporção de idosos. No Brasil isso tudo foi comprimido em uma geração.

■ Como vencer esse desafio?— Para nós, profissionais e pesquisado-res da saúde, para os responsáveis pelo

À medida que envelhecemos, nosso interesse é não somente somar mais anos de vida, mas sim mais vida aos anos

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desenvolvimento urbano, planejamen-to, seguro social, comunicação, infor-mática, é se adaptar ao mundo que envelhece muito rápido. Em 2050 tere-mos mais de 85% dos 2 bilhões de ido-sos em países como o Brasil.

■ Mais de 80%?— Por volta de 85%. É 1,7 bilhão de pessoas. E estarão em países em desen-volvimento. A grande diferença da França é que primeiro eles enriquece-ram e depois envelheceram. ■ O Brasil tem quantos idosos hoje?— Em torno de 18 milhões. E vamos para 33 milhões em 2022. Não dá para esperar até chegar a 20% da população de idosos. Teremos de adaptar e desen-volver as políticas já. Inclusive discutir seriamente e sem medo a questão da Previdência Social e a idade da aposen-tadoria, que precisa ser revista.

■ A definição de idoso é de 60 ou mais. Ela não está superada quando vemos pessoas na faixa dos 60 anos ainda mui-to dispostas física e mentalmente? — Essa é uma definição antiga da Or-ganização das Nações Unidas. Os países mais pobres não querem que seja atua-lizada. Alguém que tenha sido um tra-balhador braçal, carregado peso acima da sua capacidade, mal alimentado, com uma infância subnutrida e infec-ções repetidas, além de trabalhar 12 horas por dia, não vai chegar aos 60 anos, muito menos aos 75, tão bem dis-posto quanto um nova-iorquino.

■ Isso comprovaria que o peso do am-biente é maior do que o da genética?— Só de 20% a 25% da velhice bem-sucedida se deve a fatores hereditários ou genéticos. O que determina real-mente o sucesso na velhice são o am-biente e o estilo de vida. Não só o estilo de vida como praticar esporte ou ter boa dieta. Há três outros fatores de per-sonalidade que são muito importantes. São eles: otimismo, auto-eficácia e au-to-estima. Ser otimista por natureza é importante. Ter auto-eficácia também, ou seja, essas são aquelas pessoas que conseguem comandar bem os próprios recursos – pode-se ter poucos, mas deve-se usar com eficácia aquilo que se tem, inclusive a saúde. E uma boa auto-estima, se querer bem. De alguma for-

colha for morrer cedo. Coisas como es-ses tratamentos ortomoleculares, por exemplo. Dá muito lucro para quem vende essa ilusão e muita esperança pa-ra aqueles que acreditam. É muito mais fácil acreditar numa pílula mágica que se toma pela manhã do que caminhar uma hora todos os dias.

■ Como vê o recente estudo internacional que mostrou que se as pessoas chegam aos 70 anos em boa forma física em mé-dia são tão felizes e saudáveis em termos mentais quanto alguém de 20 anos? — Não é de estranhar, porque o idoso que chega bem aos 70 anos normal-mente tem boa alimentação e aproveita seus recursos da forma mais eficaz, ga-nha a tal da auto-eficácia. Mas há mui-tos outros que não a têm.

■ Por que tanto empenho em trabalhar com idosos? Isso não é uma tarefa para jovens?— Eu tive velhos fantásticos na minha família. A parte do meu pai é sírio-liba-nesa, com aqueles valores intensos. A parte de mãe é italiano-portuguesa, bem mediterrânea. Quando era crian-ça, não tinha televisão. Os idosos da família eram velhos apaixonados, que guardavam e contavam histórias, que vinham do Líbano, da Grécia, da Itália, em primeira mão, do povo. E eu ficava fascinado, gostava de estar entre eles. E fui muito mimado por eles. Só tive ca-rinho, não recebi nada de mau.

■ Sempre pensou em ser pesquisador?— Sempre quis fazer saúde pública, sem estar necessariamente em hospital ou consultório. Foi muito interessante quando cheguei em Londres e vi aquela sociedade cheia de velhos, coisa que ain-da não existia aqui, nem em Copacaba-na quanto mais no Brasil. Pensei, “Que incrível, deve ser ótimo envelhecer aqui, tem tantos serviços disponíveis”. Dois meses me peguei pensando, “Deve ser péssimo envelhecer aqui, não tem vida familiar como eu tive com aqueles ve-lhos todos integrados, aqui tanta gente está isolada, deprimida...” ■

> É possível baixar o Guia Global da Cidade Amiga do Idoso no endereço www.who.int/ageing/publications/Global_age_friendly_cities_Guide_English.pdf

ma esses três fatores refletem no futuro e talvez sejam a chave para entender os determinantes sociais de saúde. Se al-guém foi sempre maltratado pela socie-dade, essa pessoa não terá auto-eficácia e muito menos auto-estima. Ser otimis-ta nessa situação é duro. E isso acaba por influir não só no número de anos que se vai viver, mas também na forma e na qualidade de vida que se terá.

■ O que existe hoje de procedimentos an-tienvelhecimento na área médica? — Durante os 13 anos em que dirigi o programa da OMS cada vez que che-gava e-mail com o assunto anti-ageing ou antienvelhecimento, eu nem abria. Se viesse por carta, para o lixo.

■ Por quê?— Não há nada provado, nada que te-nha sido demonstrado, com base empí-rica e em dados e evidências, que evite o envelhecimento. Nada que tenha con-vencido a mim ou pesquisadores sérios, que respeito. Na verdade, é uma contra-dição de termos... Antienvelhecimento? Só existe uma alternativa a ele e eu com certeza prefiro envelhecer se a única es-

Não há nada provado, que tenha sido demonstrado, com base empírica e em evidências, que evite o envelhecimento. Nada que tenha convencido pesquisadores sérios

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CAPA

CANA-DE-AÇÚCAR Plantações ocupam vastas áreas da Mata Atlântica e do Cerrado

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O país consumiu 30% de sua vegetação natural, a maior parte nos últimos 50 anos

RI C A R D O ZO R Z E T TO | F OTO S LA LO D E AL M E I DA

Mais verdedo que imaginávamos

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Nos últimos 2 meses, enquanto todo mundo olhava para a Amazônia e o presidente da República questionava os da-dos sobre o avanço do desma-tamento na Região Norte ob-tidos pelo Instituto Nacional

de Pesquisas Espaciais, permanecia es-condido na página do Ministério do Meio Ambiente (MMA) na internet um documento mostrando o quanto já se desmatou no país em razão da ocupação humana e o que resta das vegetações na-turais. A área desmatada da Floresta Amazônica corresponde a 21% do que já foi transformado em pastagens, plan-tações e cidades no país. De acordo com esse documento, o Mapa da cobertura vegetal dos biomas brasileiros, já se der-rubaram no Brasil 2,5 milhões de quilô-metros quadrados (km2) de vegetação nativa desde o início da colonização pe-los europeus. É o equivalente a 30% do território nacional ou 4,5 vezes o da Fran-ça, um dos maiores países da Europa.

Elaborado a partir de imagens de satélite de 2002, o documento represen-ta a versão mais atual e abrangente do

estado da vegetação que cobre o país. Pode ser útil por diversos motivos. Em primeiro lugar, porque permite conhe-cer o quanto cada um dos seis principais ecossistemas (Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal, Pampas e Caatinga) ainda preserva de vegetação suficiente para manter condições de chuva, qua-lidade do solo e clima adequados para abrigar vida humana ou animal.

Em segundo lugar, a identificação de quanto ainda existe de cada ecossis-tema deve auxiliar o Brasil a cumprir compromissos internacionais assumi-dos nos últimos anos, como a Conven-ção sobre Diversidade Biológica, que prevêem que até 2010 pelo menos 10% de cada região ecológica do mundo esteja efetivamente conservada. “Só é possível alcançar essa meta quando se conhece a área ocupada por cada tipo de vegetação”, diz a agrônoma Maria Cecília Wey de Brito, secretária de Bio-diversidade e Florestas do MMA. Além de orientar a fiscalização das áreas na-turais mais ameaçadas do país e a cria-ção de unidades de conservação, esse levantamento, se repetido no futuro,

pode mostrar o impacto do desmata-mento na emissão de gás carbônico, associado ao aumento da temperatura do planeta – os dados disponíveis atual-mente se baseiam nas emissões de mea-dos da década de 1990.

O levantamento feito pelo ministé-rio reflete 5 séculos de história da ocu-pação do país moldados pelos desejos e possibilidades dos governantes, dos em-presários e dos cidadãos comuns. Repre-senta o que o historiador Caio Prado Júnior chamou de sentido da evolução geopolítica de um povo em seu clássico Formação do Brasil contemporâneo e de-veria servir de base para a discussão e o planejamento do que se quer para o Bra-sil nas próximas décadas.

“A colonização do país adotou um padrão predatório de ocupação que, em parte, prevalece ainda hoje, baseado no uso do fogo e na sensação de que os re-cursos naturais são inesgotáveis”, afirma o historiador ambiental José Augusto

GADO BOVINOIntroduzido inicialmente na

Caatinga e nos Pampas, hoje é criado em todo o país

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Pádua, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador visitante da Universidade de Oxford, na Inglaterra. “Na Amazônia estamos vendo a trágica repetição dessa forma arcaica de fazer as fronteiras avançarem. O predomínio de queimadas se justificou no passado, por ser a forma mais eficiente disponível à época, que aumentava a produtividade do solo por um curto período. Hoje não se justifica”, explica Pádua.

Evidentemente não são apenas par-tes da Floresta Amazônica que desapa-recem, consumidas pelo fogo e pelas motosserras. Ao reunir informações so-bre todo o país, o levantamento do mi-nistério também mostra que houve per-das até mesmo maiores em outros ecos-sistemas, ainda que em ritmos diferentes. O primeiro a sentir o peso dos macha-dos, a Mata Atlântica, é também o mais devastado. Já caíram 751 mil km2, ou 30% do que se derrubou até hoje no Brasil. Inicialmente explorada de modo seletivo, pois só o pau-brasil interessava, essa floresta que se estendia por uma es-treita faixa da costa que vai do Rio Gran-de do Norte ao Rio Grande do Sul foi lentamente substituída – primeiro por engenhos de açúcar e, mais tarde, pelas principais cidades brasileiras – e quase desapareceu. O que resta sobrevive em áreas de relevo montanhoso e difícil acesso, como as encostas da serra do Mar, no litoral Sudeste e Sul, ou em uni-dades de conservação.

“O exemplo da Mata Atlântica, pos-sivelmente o caso mais impressionante de devastação da história moderna, tem de ser debatido para que a sociedade brasileira pense se deseja o mesmo des-tino para os outros ecossistemas”, diz Pádua. Com o avanço tecnológico do século passado, a capacidade de o ser humano interferir no ambiente au-mentou muito.

Brasil Central - A transformação da paisagem foi muito mais rápida no Cer-rado, o segundo mais extenso ecossiste-ma brasileiro, menor apenas que a Ama-zônia. Em 40 anos perdeu 800 mil km2 de sua fisionomia, que varia de campos a florestas impenetráveis. A construção de Brasília no final da década de 1950 incentivou o povoamento do Brasil Central, então visto como prioritário pelo governo federal. Pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-cuária (Embrapa) desenvolveram se-mentes resistentes ao clima mais seco e técnicas para reduzir a acidez do solo, transformando as terras do Centro-Oeste, antes desfavoráveis à agricultura, numa das regiões mais produtivas do país. Hoje, além de extensas fazendas de gado, o Cerrado concentra mais da me-tade da produção nacional de milho, soja e feijão.

Embora as atenções ainda se voltem para a Amazônia – e com certa razão, afinal, é a maior floresta tropical úmida

do planeta, capaz de influenciar o clima no mundo –, o que sobrou dos outros ecossistemas é igualmente importante do ponto de vista da biodiversidade. “Talvez mereçam até mais atenção, uma vez que abrigam muitas espécies que se tornaram raras por causa da extensão do desmatamento”, afirma Giselda Du-rigan, pesquisadora do Instituto Flores-tal de São Paulo. No Cerrado cada área de 10 mil m2 pode conter até 400 espé-cies de plantas, cuja sobrevivência pode ser fundamental para manter as carac-terísticas do solo e do clima da área em que se encontram. Também a Caatinga, o único ecossistema inteiramente bra-sileiro, exibe uma variedade de vida que vai muito além dos mandacarus e xi-que-xiques. Cerca de 900 espécies de árvores, arbustos, cactos e bromélias vivem nessa vegetação quase sempre seca e cinzenta que se espalha pelo Nor-deste brasileiro.

Nessa região a vegetação também não escapou ilesa da ocupação huma-na, que data do início da colonização. A Caatinga perdeu 300 mil km2 de ve-getação natural (12% do que se derru-bou no país) para a agricultura, a cria-ção de cabras, a exploração de gesso, a siderurgia e mais recentemente o culti-vo de frutas às margens do rio São Francisco. Ainda que esteja ocupada em quase toda a sua extensão, afinal 20 milhões de pessoas vivem numa área que corresponde a pouco mais que o

área total original área remanescente rios e lagos área desmatada total

Ecossistema mil km2 %* mil km2 %** mil km2 %** mil km2 %** %***

Amazônia 4.230,5 49,8 3.595,2 84,98 107,8 2,55 527,5 12,47 21,14

Cerrado 2.047,2 24,1 1.236,8 60,41 12,4 0,61 798 38,98 31,99

Mata Atlântica 1.059 12,5 285,6 26,97 15,4 1,45 751,4 70,95 30,68

Caatinga 825,8 9,7 518,3 62,76 7,8 0,94 299,6 36,28 12,01

Pampas 178,2 2,1 73,7 41,36 17,8 9,99 86,8 48,71 3,48

Pantanal 151,2 1,8 131,2 86,77 2,6 1,72 17,4 11,51 0,70

Área do país 8.491,9 100 5.840,8 68,78 163,8 1,93 2.480,7 29,21 100

* sobre a área do país ** sobre a área total *** sobre total desmatado

Território em transformaçãoCerrado, Pampas e Mata Atlântica são os ambientes mais alterados e o Pantanal, o mais preservado

FONTE: MMA / Pesquisa FAPESP

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território de Portugal e Espanha juntos, é um dos poucos ecossistemas que apresentaram uma pequena recupera-ção de área nos últimos tempos, segun-do o geógrafo Jurandyr Ross, professor da Universidade de São Paulo (USP). “É que a agricultura cabocla e a pecuá-ria extensiva alteram pouco o ambien-te”, afirma Ross, que mostrou essas transformações no livro Ecogeografia do Brasil, de 2006.

Do levantamento do ministério, também emergem diferentes formas de ocupação e de relação humana com os espaços naturais. Grandes propriedades agropecuárias exploram as terras no Centro-Oeste e no sul da Amazônia, en-quanto cidades apinhadas de gente cres-cem sobre as áreas litorâneas antes co-bertas pela Mata Atlântica. No sul do país, cidades menores dividem o espaço com pequenas propriedades de produ-ção intensiva. Palco de disputa de terras entre portugueses e espanhóis no início da colonização, os Pampas, um dos me-nores ecossistemas do país, abrigaram mais tarde levas de imigrantes que ex-ploraram a madeira de suas matas de araucária e as pastagens naturais.

“As florestas e os campos úmidos são as áreas dos Pampas mais destruí-das pela ocupação humana”, conta o geógrafo Heinrich Hasenack, da Uni-versidade Federal do Rio Grande do Sul, que coordenou o mapeamento dos Pampas. “Ainda hoje se cria gado como há 200 anos, sem manejo adequado nem controle do número de animais nos campos de vegetação natural”, afir-ma Hasenack. Por essa razão, os Pam-pas, hoje totalmente ocupados, perde-ram 87 mil km2 de sua vegetação origi-nal, 3,5% do que se devastou em terri-tório nacional, para a indústria, a pe-cuá ria de corte e as plantações de milho, soja, uva e arroz, que contaminam as bacias dos rios Ibicuí e Jacuí, de modo semelhante ao que ocorre em outras partes do Brasil.

O ecossistema que permanece mais íntegro é também o que ocupa a menor área do país: o Pantanal, protegido pelas águas que periodicamente cobrem cam-pos e florestas durante vários meses do ano. Alimentado pelas fartas chuvas que caem em sua cabeceira, na transição en-tre o Cerrado e a Amazônia, o rio Para-guai manteve cidades e cerca de 3 mil fazendas de gado restritas às bordas sul e

leste do Pantanal. Desde o início da co-lonização no século XVIII, ali foram con-sumidos 17 mil km2, menos de 1% da área desmatada no Brasil (veja tabela).

“A vegetação do Pantanal se mantém conservada porque o pantaneiro usa a terra de modo sustentável”, comenta João dos Santos Vila da Silva, especialis-ta em monitoramento por satélite da Embrapa que coordenou o mapeamen-to do Pantanal. Ao menos nesse ecossis-tema, que se estende pelo sul de Mato Grosso e por todo o Mato Grosso do Sul, o uso mais adequado da terra não se de-ve à consciência ecológica, mas à expe-riência prática. “Os proprietários sabem que, se plantam pasto com espécies exó-ticas, como a braquiária, a alagação do ano seguinte destrói tudo”, explica.

Disparidades - Ainda que represente a situação dos campos e florestas brasilei-ros em 2002, o levantamento do MMA atualiza e detalha as informações coleta-das entre 1970 e 1985 pelo Radam Brasil, o maior projeto nacional de mapeamen-to da vegetação, do relevo e do uso do solo. Alguém pode se perguntar por que um documento que custou ao ministé-rio R$ 3 milhões e parece tão importan-te permaneceu desconhecido, sem ser amplamente divulgado nem debatido, por tanto tempo. Nem Bráulio Dias, di-retor do Programa Nacional de Biodi-versidade do ministério e coordenador do levantamento, sabe responder, mas reconhece que poderia ter sido diferente: “Esse trabalho não ganhou divulgação à altura da que merecia”.

Quem examinou o levantamento surpreendeu-se com o fato de, em al-guns casos, as taxas de desmatamento serem menores que as apontadas por outros estudos. No Cerrado, os dados do MMA indicam que 40% da área original foi alterada, enquanto um estudo publi-cado em 2006 pela organização não-governamental Conservação Internacio-nal do Brasil sugere que a proporção degradada é de 60%.

Parte da divergência se explica pela metodologia adotada em cada estudo. O MMA considerou vegetação natural áreas em recuperação ou usadas para a criação de gado nas quais os pastos não foram plantados. Mas, para os especia-listas, muitas dessas áreas não deveriam ser contabilizadas como vegetação natu-ral, pois, se fossem abandonadas, dificil-

mente voltariam a se regenerar e abrigar vida animal. “Nossos números não indi-cam que as áreas preservadas de cada ecossistema estejam em bom estado de conservação”, afirma Bráulio Dias.

Disparidade semelhante também pode ser observada quando se avaliam os remanescentes da Mata Atlântica. Para o ministério, 71% dessa vegetação já foi destruída e restam quase 27%. Nas contas da Fundação SOS Mata Atlântica, que há quase 20 anos acom-panha e mede a degradação desse ecos-sistema, só estão preservados 7%. Jean Paul Metzger, ecólogo da USP que in-vestiga as conseqüências da alteração da Mata Atlântica para animais e plan-tas, comparou os dados do ministério relativos a São Paulo com os da SOS Mata Atlântica. Concluiu que em am-bos os casos há erros. “O mapeamento do MMA superestima a cobertura flo-restal, em particular por incluir vegeta-ção em estágio muito inicial de regene-ração na categoria de floresta. Já o le-vantamento da SOS Mata Atlântica subestima a área de vegetação remanes-cente”, diz Metzger. Pelas contas de Metzger, cerca de 10% da floresta se mantém bem conservada.

Francisco Kronka, coordenador do Inventário Florestal de São Paulo de 2003, que mapeou os remanescentes de vegetação natural no estado, diz-se pre-ocupado com a possível superestima-ção das áreas conservadas. “Esse docu-mento deve servir de base para um in-ventário nacional que, a partir de uma mesma metodologia e de informações de um mesmo período, tentaria acertar as estatísticas sobre a cobertura vegetal do país, que cada autor cita de modo diferente”, comenta Kronka. Pesquisa-dores da área ambiental vêem nos da-dos mais otimistas uma armadilha. “Muita gente pode fazer um raciocínio simplista e pensar que, se em 500 anos desmatamos apenas 30%, ainda é pos-sível derrubar muito mais floresta até se chegar ao limite legal de 80% estabe-lecido pelo Código Florestal Brasileiro para a maior parte do país”, diz Giselda, autora de estudos sobre o Cerrado.

“De forma alguma esses números significam autorização para desmatar”, afirma o geólogo Edson Sano, da Embra-pa, responsável pelo levantamento no Cerrado. Bráulio Dias, coordenador-geral do trabalho, concorda. “Algumas

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pessoas acreditam que os nossos dados estão diminuindo o grau de ameaça aos ecossistemas. Mas não queremos pintar uma situação nem melhor nem pior do que de fato é. Todo mapeamento tem limitações de escala”, diz. “Muitas áreas que hoje se encontram protegidas em unidades de conservação do Cerrado eram usadas para pastagem até 20 anos atrás, antes de serem desapropriadas. Se não tivessem sido consideradas como vegetação natural, várias dessas áreas de proteção não existiriam.”

Crescimento - Os 30% das matas bra-sileiras consumidos nos últimos 500 anos contribuíram para que o Brasil se tornasse uma das dez maiores econo-mias do mundo, com um PIB de R$ 2 trilhões, ainda que em grande parte de-pendente de produtos agropecuários. Será que o país, para se desenvolver eco-nomicamente e reduzir desigualdades sociais, terá de seguir o exemplo de na-ções mais desenvolvidas que puseram abaixo integralmente suas florestas?

A resposta dependerá das escolhas feitas agora. E há quem acredite em uma saída mais harmoniosa, na qual o aumento da geração de riquezas não signifique a destruição de áreas verdes como a Amazônia. “Precisamos superar o padrão de uso extensivo do solo e criar formas intensivas que se valham da tec-nologia para aumentar a produtividade com o mínimo de ocupação do espaço”, diz Pádua. Uma saída seria aproveitar melhor as terras desmatadas que não produzem tudo o que poderiam. Nas terras férteis de São Paulo ou do Paraná, por exemplo, a produtividade agrope-cuária se encontra no limite permitido pelo estágio atual de desenvolvimento científico, mas em outras áreas ainda é possível aumentar a produção. Vários estudos mostram uma enorme propor-ção de áreas desmatadas e subutilizadas no país. O desempenho do próprio Cer-rado poderia melhorar. “Atualmente usamos 80 milhões de hectares do Cer-rado para produzir 120 milhões de to-neladas de grãos”, afirma Sano. “É possí-vel dobrar essa produção sem derrubar 1 hectare a mais de floresta.” ■

GERAÇÃO DE ENERGIARepresa de hidrelétrica alaga

buritizal no Tocantins

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Exploração seletiva da madeira, sem manejo adequado, deixa o solo exposto. Para o Prodes não é desmatamento, mas para o Detertrata-se de um ato ilícito

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A arte de varrer nuvensTrês satélites, Landsat, Cbers e Terra, monitoram o polêmico desmatamento da Amazônia

das dos dois satélites captam a quanti-dade de radiação refletida na superfície do solo, discriminada por faixa de es-pectro – visível e vermelho próximo e infravermelho médio. Essas informa-ções – que, devidamente modeladas, permitem identificar plantas verdes, solo, sombra e água – são processadas por algoritmos que dão a proporção da presença de cada um desses componen-tes em cada pixel da imagem.

O algoritmo para transformação dos dados dos satélites – desenvolvido na década de 1980 por Yosio Shima-bukuro, pesquisador do Inpe – segue o modelo conhecido como mistura linear (liner mixture model). “Linear porque parte do pressuposto de que os elemen-tos que compõem a imagem são inde-pendentes e mistura porque lá embaixo, de fato, eles estão todos misturados”, explica Valeriano. Nessa classificação de imagens, a vegetação lisa e homogênea corresponde a um tom verde-claro; a floresta aparece em verde-escuro por-que tem um componente de sombra mais forte; o solo em tom róseo, já que mescla o azul e o vermelho; e água em preto. A metodologia de análise das imagens é baseada na segmentação, classificação e edição, de forma a iden-tificar desmatamentos com área míni-ma de 6,25 hectares.

CL AU D I A IZ I Q U E

INP

E

Oprocesso de desflorestamento da Amazônia se acelerou a partir da segunda metade do século XX com a expansão da fronteira agrícola, da constru-ção de estradas e instalação de pólos de desenvolvimento re-

gionais. No final dos anos 1970 – depois da inauguração da rodovia Transama-zônica e a pedido da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Su-dam) –, o Instituto Nacional de Pesqui-sas Espaciais (Inpe) fez o primeiro ba-lanço do estrago com o auxílio das ima-gens enviadas pelo Landsat-1, satélite da Nasa, a agência espacial norte-ame-ricana. Constatou-se que 2,5% da região já estava degradada.

Dez anos depois, quando as quei-madas na região passaram a chamar a atenção internacional – consta que a fumaça sobre a floresta pôde ser obser-vada desde a escotilha do ônibus espa-cial Columbia – e a taxa de desfloresta-mento saltou para 10%, o país decidiu adotar uma política de controle do desflorestamento e criou, em 1988, o Programa de Monitoramento do Des-matamento da Amazônia (Prodes).

Ao longo de 20 anos – e ao preço da devastação de 17% do bioma da Ama-zônia – o Brasil desenvolveu um sistema de rastreamento dos aproximadamente

5 milhões de quilômetros quadrados (km2) da Amazônia Legal qualificado de “invejável” pela revista Science nº 316, de 27 de abril de 2007. Nesse período, a tecnologia de monitoramento evoluiu de um sistema analógico, com resolução de 1:500 mil com imagens em branco e preto, para um sistema digital na escala 1:250 mil. “A partir da década de 1990 passamos a desenvolver softwares e a fazer o monitoramento não mais com base na interpretação visual, mas em processamento de imagem”, lembra Dalton de Morisson Valeriano, coorde-nador do Programa Amazônia do Inpe.

A matéria-prima dessa análise são imagens enviadas pelo Landsat-5 e pelo satélite sino-brasileiro Cbers, com reso-lução espacial de 30 metros. As três ban-

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28 ■ MARÇO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 145

Esse conjunto de informações for-ma um mapa com 229 imagens digitais, cada uma delas correspondente a uma área de 160 x 160 km. Desse total, 213 imagens são interpretadas, já que o Prodes não avalia a situação das áreas de Cerrado. “O Cerrado pega fogo e fica preto, como as áreas de desmata-mento. No ano seguinte volta a ser Cer-rado e induz a taxas de erro muito gran-des”, explica Valeriano.

Os dados são processados por meio do software de informação georreferen-ciada batizado de Spring, desenvolvido pelo Inpe, pela IBM e pela Empresa Bra-sileira de Pesquisa Agropecuária (Em-brapa), interpretados e auditados por especialistas do Inpe. “Feito isso, as in-formações são colocadas sobre uma máscara do passado e o desmatamento é identificado”, resume Valeriano. As conclusões de cada levantamento são publicadas anualmente em dezembro.

Foi através do Prodes que o planeta tomou conhecimento do desmatamento recorde de 1995, quando foram abatidos 29,1 mil km2 de floresta e constatou que a situação ainda estava fora do controle em 2004, quando a Amazônia perdeu

27,4 mil km2 do seu bioma. O último relatório mostrou uma redução de 20% no desmatamento no período 2006-2007, comparado ao ciclo 2005-2006.

Desde 2003, “em prol da transpa-rência”, as informações do Prodes fo-ram colocadas na rede. “A medida pro-vocou um impacto interessante”, conta Valeriano. Jogou, por exemplo, por ter-ra algumas “teses”, como a da ineficiên-cia das áreas de conservação para con-ter o desmatamento ou a de que as áreas indígenas estavam degradadas, ele exemplifica. “Mostramos que isso não era verdade”, afirma, mostrando o exemplo da região de Marabá, no Pará, onde o desflorestamento contorna as terras indígenas. Em 2005 a taxa caiu

30% e em 2006 o Inpe registrou redu-ção de 14 mil km2 de floresta.

O Prodes, apesar de “invejável”, tem limitações. Uma delas é a quantidade de nuvens que recobrem a região. “A janela de observação da Amazônia vai de maio a outubro. Fora desse período é difícil observar porque fica tudo nu-blado”, explica Valeriano. Outro proble-ma é o risco da dependência do Landsat- 5, satélite lançado em 1984 para operar durante 5 anos, mas que ainda está ati-vo depois quase um quarto de século. “A saída é recorrer também às imagens do Cbers”, comenta Valeriano.

O Landsat cruza a Amazônia a cada 16 dias e o Cbers, a cada 26. O Inpe tam-bém compra dados do DMC – um con-sórcio de microssatélites liderado pela Inglaterra –, do Spot e do ResourceSat. Esses satélites funcionam como uma espécie de back-up das informações co-letadas pelo Prodes e também são utili-zados para “ varrer nuvens”, como ele diz. “Quando se calcula o desmatamen-to, é preciso estimar também quanto de floresta não foi possível observar por causa das nuvens e projetar a taxa de desmatamento na área”, diz Valeriano. O percentual de “não-observação”, co-mo ele sublinha, varia de 10% a 15%.

Deter - O terceiro problema é que as informações do Prodes são uma “ima-gem póstuma” da floresta, do desmata-mento consumado, e não fornecem uma base para que a ação governamen-tal se antecipe à dinâmica do desflores-tamento. Foi para suprir essa carência que o Inpe iniciou, a partir de 2004, o projeto Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), que utiliza imagens do sensor Modis do Satélite Terra, lan-çado em 1999 no âmbito do programa Earth Observing System (EOS), e do sensor WFI instalado a bordo do Cbers- 2, para dar informações quinzenais ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Iba-ma). “O Deter foi concebido para dar suporte à fiscalização”, diz Valeriano.

A resolução espacial do sensor do Modis e do Cbers, de 250 metros, não é tão boa quanto a do Landsat, com 30 metros. “Com essa resolução, estamos no limite da tecnologia para esse tipo de aplicação”, reconhece Valeriano. A prin-cipal função do Deter, no entanto, não é calcular o desmatamento, mas “apon-

Na imagem do Cbers,Manaus aparece próxima dos

rios Negro (em preto) e Solimões (em roxo).

O verde mais escuro é floresta, e o verde mais claro e o

lilás são áreas de ex-florestas

INP

E

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PESQUISA FAPESP 145 ■ MARÇO DE 2008 ■ 29

tar” situações de risco com o objetivo de subsidiar a decisão do que deve ser fis-calizado, observa o coordenador do programa. As informações são transmi-tidas quinzenalmente ao Ibama e men-salmente publicadas no site do Inpe.

Com essa missão, o Deter operou de janeiro a outubro de 2004 e de 2005, com recursos do Inpe. Em 2006 contra-tou a Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais para colaborar no processamento dos dados. Os resul-tados até agora mostraram-se compa-tíveis com os levantamentos do Prodes. “Em 2006/2007 o Prodes apontou uma queda no desmatamento de 27 mil pa-ra 19 mil km. O Deter observou 12 mil desses 19 mil km2. O Deter vê entre 40% e 60% do que o Prodes enxerga”, compara Valeriano.

Em 2007 o levantamento do Deter se estendeu de março a dezembro. “Pe-gamos várias imagens do Modis e ob-servamos cinco por quinzena, uma a cada 3 dias, que é a freqüência de co-bertura do satélite. Selecionamos e in-terpretamos por meio do modelo de mistura linear e divulgamos o dado em

janeiro ”, ele conta. As estimativas apon-taram que, entre agosto e dezembro de 2007, as áreas degradadas na Amazônia somavam 3.235 km2. Como o Deter só “lê” de 40% a 60% do desmatamento registrado pelo Prodes, o desfloresta-mento pode ter atingido 7 mil km2. Confirmado esse número, o desmata-mento estaria agregando uma média de mais de mil km2 por mês.

A notícia provocou reações distin-tas de várias áreas do governo federal e dos estados e o levantamento do Inpe foi colocado sob suspeita. “O objetivo do Deter não é estimar a área total des-matada na Amazônia”, insiste Valeriano. Por conta da resolução dos sensores Modis e WFI/Cbers, há risco de erro. “Para calcular a área desmatada, o Inpe continuará a utilizar imagens de me-lhor resolução dos sensores do Landsat e Cbers“, afirma. O Deter, entretanto, fornece o tamanho de cada polígono desmatado, o que permite uma “hierar-quização da fiscalização”.

Valeriano explica que, além da reso-lução espacial dos satélites, os dois pro-jetos têm “leituras” distintas do desma-tamento: o Prodes identifica o corte raso – ou seja, o desmatamento rápido –, enquanto o Deter capta também as áreas desmatadas em processo de degradação continuada, por corte seletivo de ma-deira e queimadas recorrentes. “Esta-mos apontando potenciais indícios de desmatamento, que não são contabili-zados como tal. No leste do Pará e no Mato Grosso há exploração seletiva da madeira e o solo fica exposto. Para o Prodes, isso não é necessariamente des-matamento, dependendo da fração do solo exposto. Mas, para o Deter, trata-se de desmatamento. É uma forma de con-verter a floresta sem corte raso”, subli-nha. “Se o Deter se ocupasse apenas de corte raso, não acompanharia a dinâmi-ca do desmatamento, e a contribuição do Ministério da Ciência e Tecnologia no Grupo Interministerial de Combate ao Desmatamento, coordenado pela Casa Civil, perderia sentido.”

O Inpe faz planos de avançar ainda mais a tecnologia de monitoramento. “Estamos negociando com a Índia para ter acesso aos dados do ResourceSat. O nosso plano é conseguir fazer um le-vantamento multitemporal com uso de múltiplos sensores de melhor resolu-ção, na casa dos 50 metros.” ■

Pixels sem nuvens O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) opera um Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) que utiliza o processamento digital IDA (interactive data language) para analisar imagens do sensor Modis. O modelo de análise é o mesmo adotado pelo Inpe. O SAD monitora os estados do Mato Grosso, desde 2000, e do Pará, desde o ano passado. A partir deste ano começará a rastrear toda a Amazônia Legal.

No entanto, o Inpe detectava recrudescimento no desmatamento no período entre agosto e dezembro de 2007, o Imazon observou redução de 21% no desfl orestamento em Mato Grosso e aumento de 74% no Pará, em comparação com os dados de 2006. “Não trabalhamos com a mesma imagem. O Inpe escolhe a melhor imagem do período. E a gente consegue fi ltrar substituindo as áreas de nuvens por pixels sem nuvens“, explica Carlos de Souza Júnior, pesquisador e secretário executivo do Imazon. Cada pixel corresponde a uma área de 250 x 250 metros. Em áreas de fl oresta, 60% dos pixels equivalem a vegetação e 40% são sombra. “Quando há desmatamento, perde o percentual de vegetação e aparecem sinais de solo que deveria ser zero”, ele explica. “Se o percentual de vegetação cair até 25% e o de solo aumentar mais de 20%, então esse pixel sofreu alteração.”

O sistema de medição utilizado pelo Imazon, como ele diz, é conservador. “Há zonas de confusão”, reconhece, referindo-se às áreas queimadas, mas ainda não convertidas para a pecuária ou a agricultura. “Há controvérsias sobre como tratar essas áreas degradadas”, pondera, oferecendo uma segunda explicação para a discrepância entre os dados.

As informações

dos satélites formam

um mapa com 229

imagens digitais,

cada uma delas

correspondente a

uma área de 160 x 160

quilômetros. Desse

total, 213 imagens

são interpretadas,

já que o Prodes não

avalia a situação das

áreas de Cerrado

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32 ■ MARÇO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 145

O Congresso norte-

americano quer expli-

cações do governo

sobre um programa

que dá uma espécie de

bolsa a cientistas nu-

cleares da extinta

União Soviética para

evitar que ajudem paí-

ses com ambições atô-

micas. As Iniciativas

para Prevenção da Pro-

liferação (IPP), um pro-

grama coordenado

pelo Departamento de

Energia, já destinaram

US$ 309 milhões des-

de 1994 a 17 mil pesqui-

sadores comprometi-

dos em trabalhar em

tecnologias pacíficas,

oriundos de países como Rússia,

Ucrânia, Casaquistão e Usbe-

quistão. O programa foi ideali-

zado para atenuar um problema

emergencial – o desemprego em

massa de pesquisadores após a

desintegração soviética –, mas

acabou se desvirtuando. Segun-

do reportagem da revista Natu-

re, menos da metade dos cien-

tistas patrocinados atualmente

tem expertise em armas e o pro-

grama vem recrutando novos

especialistas, muitos deles jo-

vens demais para terem partici-

pado da corrida armamentista

dos tempos da Guerra Fria. Ele-

na Sokova, do Centro James

Martin para Estudos sobre Não-

Proliferação Nuclear, apóia o

programa e diz que pagar os

cientistas ajuda efetivamente a

evitar que trabalhem com ar-

mas. Segundo ela, uma pesquisa

feita em 2003 com 600 cientis-

tas russos concluiu que 20%

deles cogitavam trabalhar para

governos acusados de dar apoio

a grupos terroristas.

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ministros e cientistas. David Anderson, diretor de um instituto ambiental em Ontário e ex-ministro do Meio Ambiente, disse que a mudança mostra o desinteresse do governo por assuntos científicos. E lembrou que Carty deve ter passado maus bocados dando conselhos a autoridades que tentaram desacreditar pesquisas sobre mudanças climáticas.

“Não considero que, nestes 4 anos, o governo tenha compreendido o papel que um conselheiro de ciência pode desempenhar”, disse Carty à revista Nature.

> Acesso livre em Harvard

A Universidade Harvard, nos Estados Unidos, deu uma contribuição

> Conselhos desautorizados

O governo canadense decidiu abolir o cargo de conselheiro nacional em ciência a partir deste mês, após 4 anos de serviços prestados por Arthur Carty, pesquisador da área de química. No lugar será criado um comitê assessor de ciência, tecnologia e inovação composto por 17 executivos da indústria,

O acoplamento do módulo europeu Colum-

bus à Estação Espacial Internacional (ISS,

na sigla em inglês), em meados de feverei-

ro, conferiu à Agência Espacial Européia

(ESA) um novo status na estação. “Estamos passando do estágio

de passageiro para o de um parceiro totalmente apto”, disse Jean-

Jacques Dordain, diretor-geral da ESA, segundo o site da agência.

Com o Columbus, a Europa poderá realizar seus próprios experi-

mentos, além de manter astronautas na equipe residente, sem pre-

cisar fazer acordos com as agências da Rússia e dos Estados Unidos

– as únicas a instalarem módulos na ISS até então. O módulo será

operado e controlado por um centro da ESA em Oberpfaffenhofen,

na Alemanha. O laboratório Columbus tem 6,8 metros de compri-

mento e 4,4 metros de largura. Leva 2,5 toneladas em equipamen-

tos científicos. A ESA gastou US$ 2 bilhões em seu desenvolvimen-

to e construção, iniciados em 1992, e espera que o Columbus tenha

uma vida útil de pelo menos 1 década.

AFIRMAÇÃO EUROPÉIA

ESTRATÉGIAS MUNDO>>

LA

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AB

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vão exigir investimentos de US$ 35 bilhões ao longo de 15 anos. Quinze projetos prevêem a construção de hidrelétricas. Outros incluem o aproveitamento de energia das marés e do Sol. “Queremos enviar uma mensagem clara: o Peru vai fazer de tudo para diversificar suas matrizes energéticas e tirar partido de todas as fontes que puder”, disse à agência SciDev.Net Pedro Gamio, representante do Ministério da Energia peruano.

importante ao movimento que propõe o acesso livre e gratuito a publicações científicas. A Faculdade de Artes e Ciências (FAS, na sigla em inglês) da universidade decidiu tornar públicos todos os artigos divulgados por seus pesquisadores a partir do mês passado. “Isso deve servir como uma mensagem para a comunidade acadêmica no sentido de que devemos ter maior controle sobre como nosso trabalho é usado e disseminado”, disse Stuart Shieber, professor da FAS. Os artigos ficarão disponíveis numa base de dados da internet. A decisão obriga os pesquisadores a publicar seus artigos em revistas que não ofereçam restrições ao acesso livre. A Escola Médica Harvard também está trabalhando numa iniciativa para levar o modelo de acesso aberto a todos os artigos resultantes de pesquisas apoiadas pelos Institutos Nacionais de Saúde.

> Botânicos amordaçados

Estudo publicado por um grupo de botânicos indianos sugere que a legislação restritiva do país sobre biodiversidade está sufocando a pesquisa neste campo. O artigo, publicado na revista Current Science, da Academia de Ciências da Índia, diz que os pesquisadores vivem uma situação de isolamento devido à proibição de enviar amostras para bancos internacionais e trocar material de pesquisa com colegas de outros países. “Embora combater a biopirataria seja uma preocupação legítima, também é importante proteger os interesses dos cientistas engajados em pesquisas fundamentais”, disse K. D. Prathapan, da Universidade Agrícola Kerala. As restrições são especialmente prejudiciais no campo da taxonomia, em que a identificação

precisa de plantas e animais exige comparações com espécies semelhantes presentes em diferentes países.

> Fontes alternativas

Em busca de parcerias, o governo do Peru vai apresentar a investidores privados 35 grandes projetos no campo de energias renováveis, com o objetivo de reduzir a dependência do país em petróleo. As iniciativas

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A revista de saúde The

Lancet suspendeu tem-

porariamente a publi-

ca ção de artigos de au -

tores da organiza ção

Médicos Sem Fron teiras

(MSF), em resposta a

uma polêmica envol-

vendo uma série de es-

tudos sobre desnutrição

divulgados em janeiro

na revista e produzidos

por um grupo de pesqui-

sadores. Patrocinado

pela Fundação Bill e Me-

linda Gates, o grupo

explorou as causas e as

conse qüências da des-

nutrição e avaliou vá-

rios tipos de interven-

ção. Logo que os estu-

dos saíram, os dirigentes da MSF publicaram uma crítica violenta

em seu website. A queixa: os artigos pouco falaram dos alimentos

terapêuticos feitos à base de amendoim, que têm alto teor caló-

rico e protéico e podem ser usados em tratamentos domiciliares.

“Ao deixar de endossar essa estratégia, os autores estão minan-

do o apoio a uma intervenção capaz de salvar vidas”, declarou o

MSF. Um dos membros do grupo de pesquisa, o paquistanês Zul-

fiqar Bhutta, enviou um e-mail à revista Science lembrando que

os estudos recomendam o tratamento da desnutrição em domi-

cílio. O problema, diz, é que não foram encontrados estudos clí-

nicos capazes de avaliar os efeitos dessa estratégia na mortali-

dade. Richard Horton, editor do The Lancet, reclamou que a po-

lêmica teve o dom de abortar o debate de alto nível que a revista

esperava criar com os artigos. “Isso é imperdoável”, afirmou.

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ÊN

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Médicos sem Fronteiras: polêmica

O módulo Columbus chega à estação

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34 ■ MARÇO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 145

> Sacrifício de elefantes

Para controlar o excesso de elefantes em seu território, a África do Sul retomará em maio o sacrifício seletivo desses animais, que vigorou entre 1967 e 1994 matando 14.562 deles, de acordo com dados oficiais. “Vamos permitir o sacrifício em algumas partes do país, mas não há intenção que se transforme em um massacre de grande escala”, afirmou o ministro do Meio Ambiente, Marthinus van Schalkwyk, de acordo com a agência EFE. Na África do Sul há muito mais elefantes – cerca de 20 mil – do que seu ecossistema pode permitir. A maioria, perto de 14 mil, vive no Parque Nacional Kruger, cuja capacidade é de 7.500 animais. A superpopulação dos vorazes elefantes arrasa a vegetação natural e faz faltar comida para outros animais que habitam o parque. Outras estratégias foram articuladas, como a esterilização ou a transferência de animais para outras regiões, sem resultados satisfatórios. O sacrifício será feito por meio de rifles, mas o governo descarta abrir os parques públicos para caçadores, como acontece em parques privados. “As práticas cruéis não serão permitidas”, afirmou o ministro Van Schalkwyk.

foi um pretexto dos norte-americanos para promover testes de armas de defesa. A China exigiu que os Estados Unidos ofereçam todas as informações disponíveis a respeito da destruição do satélite. “Continuamos monitorando o possível dano à segurança no espaço e o possível dano à segurança de outros países”, afirmou o porta-voz do Ministério do Exterior chinês, Liu Jianchao, de acordo com a agência BBC. Para o Ministério do Exterior russo, a operação foi uma resposta dos Estados Unidos à China, que no ano passado destruiu um satélite de forma semelhante – e foi duramente criticada pelos norte-americanos. Segundo os russos, a ameaça representada pelo satélite não justificava o uso de um míssil.

Estados Unidos sustenta que a derrubada foi necessária porque o satélite estava descontrolado, carregava combustível tóxico e podia representar uma ameaça quando reentrasse na atmosfera. Para a Rússia e a China, a operação

> Guerra nas Estrelas?

O uso de um míssil para destruir um satélite espião defeituoso norte-americano foi duramente criticado por autoridades russas e chinesas. O governo dos

Qual foi o exato papel dos cientistas

alemães no apoio ao regime nazista?

Num esforço para responder a essa

pergunta, o Conselho de Pesquisa da

Alemanha (DFG) patrocinou uma investigação de sua própria

história, que está sendo concluída. Em entrevista à revista

Nature, o historiador Ulrich Herbert, da Universidade Freiburg,

disse que nenhum novo crime foi descoberto. Mas informações

sobre pedidos de bolsas e de apoio mostram que muitos pro-

fessores ajudaram a traçar planos expansionistas para o pós-

guerra de uma Alemanha vitoriosa — planos que teriam mata-

do mais de 30 milhões de pessoas. Também se constatou que

o expurgo de um quarto dos docentes das universidades, entre

judeus e opositores, atrasou o desenvolvimento da biologia

celular e molecular no país. A investigação mostrou que certas

atrocidades, como a eutanásia de deficientes mentais, basea-

ram-se em idéias que vicejaram em vários países nos anos

1920 e 1930. “Mas tais idéias ganharam forma apenas na Ale-

manha de Hitler”, disse Herbert.

À SOMBRA DO NAZISMO

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ESTRATÉGIAS MUNDO>>

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PESQUISA FAPESP 145 ■ MARÇO DE 2008 ■ 35

de vacinas e reduzir cursos do PNI. A infecção por rotavírus atinge anualmente 10 milhões de pessoas na América Latina, com 15 mil mortes. A dengue está presente em mais de cem países tropicais, com incidência de 50 milhões de casos por ano – e 20 mil mortes. A leishmaniose afeta cerca de 2 milhões de pessoas no mundo. Transmitida sobretudo por insetos que picam cães infectados, a leishmaniose é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma das seis maiores endemias do planeta. O projeto do Instituto Butantan pretende desenvolver uma vacina combinada de leishmaniose e raiva canina. O Instituto Butantan, vinculado à Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, é responsável pela produção de mais de 80% do total de soros e vacinas consumidos no Brasil.

do Ministério da Saúde. O projeto será financiado com recursos não reembolsáveis do Fundo Tecnológico (Funtec) do BNDES, que apóia iniciativas de interesse estratégico do país. O objetivo do BNDES é reduzir as importações

no valor de R$ 32 milhões com o Instituto Butantan para financiar o desenvolvimento e os testes clínicos de vacinas contra o rotavírus, a dengue e a leishmaniose canina.As vacinas farão parte do Programa Nacional de Imunização (PNI),

> Inovação catarinense

A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) criou um fundo para investir R$ 12 milhões em empresas nascentes de base tecnológica de Santa Catarina. Em parceria com a BZPlan Administração de Recursos e a Fir Capital Partners, a Finep lançou o Fundo SC, com recursos de R$ 12 milhões. A iniciativa prevê investimentos em até dez empresas inovadoras do estado com atuação nos setores de tecnologia da informação, biotecnologia e nanotecnologia. Do total dos recursos, a Finep participa com 40%, ou seja, R$ 4,8 milhões, e tem direito a voto na tomada de decisão sobre qual empresa deverá receber investimentos. O restante da verba virá de parceiros privados e do governo catarinense. O Fundo SC deve começar a operar a partir de julho deste ano. Trata-se do segundo fundo constituído no país em menos de 2 meses pelo Programa Inovar Semente, da Finep. O primeiro, o Horizont TI, voltado para empresas de tecnologia da informação, foi lançado em Belo Horizonte em janeiro.

> BNDES apóia Butantan

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assinou contrato

ED

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RD

O C

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O Prêmio FCW de Ciência e

Cultura, concedido pela Fun-

dação Conrado Wessel (FCW),

aumentou de R$ 100 mil para

R$ 200 mil o valor individual de premiação concedido

para cada uma de suas quatro categorias: Medicina,

Ciência Geral, Ciência Aplicada e Literatura. A mu-

dança vale para os vencedores de 2007, que serão

conhecidos em meados de abril e receberão o prêmio

numa festa, em São Paulo, no dia 2 de junho. Criado

em 2002, o Prêmio FCW é considerado um dos mais

importantes da área acadêmica e já foi oferecido pa-

ra nomes como o cirurgião Adib Jatene, o poeta Fer-

reira Gullar e o cientista Isaias Raw, entre outros. A

FCW é uma instituição filantrópica criada de acordo com o testamento de Ubaldo Conrado

Wessel, argentino de origem alemã que se radicou no Brasil no início do século XX. Fotógrafo

e químico, Wessel inventou o primeiro papel fotográfico brasileiro, que tomou o lugar dos

importados no mercado nacional em meados da década de 1920. A FAPESP é uma das enti-

dades parceiras do Prêmio FCW e auxilia na avaliação dos candidatos.

PRÊMIO DOBRADO

ESTRATÉGIAS BRASIL>>

Produção de vacinas: interesse estratégico

Troféu criado pelo artista plástico Vlavianos

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36 ■ MARÇO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 145

comprometidas com a desenvolvimento da região. O julgamento será feito no dia 16 de setembro. Mais informações estão disponíveis no site www.amazonia.desenvolvimento.gov.br.

> Esforço baiano

A Bahia anunciou investimentos de R$ 100 milhões em inovação tecnológica até 2010. O dinheiro será distribuído por três editais e dois programas lançados no mês passado. Do total, R$ 16,5 milhões virão do edital do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas, o Pappe Subvenção. Foi também lançado o edital Pesquisadores nas Empresas, que vai distribuir R$ 1,5

> Desenvolvimento da Amazônia

Estão abertas até 20 de junho as inscrições para a edição 2008 do Prêmio Professor Samuel Benchimol, que busca reconhecer pesquisadores e pesquisas ligados ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Promovida pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), o prêmio divide-se em duas categorias. Uma delas vai selecionar projetos nas áreas social, econômica, tecnologia e ambiental. O primeiro colocado recebe um prêmio no valor de R$ 30 mil, o segundo, de R$ 20 mil, e o terceiro, de R$ 15 mil. A outra categoria irá homenagear o esforço de pessoas ou instituições

Foram anunciados os três vencedores – ou me-

lhor, vencedoras – do Grande Prêmio Capes de

Teses, atribuído a trabalhos defendidos por dou-

tores em programas de pós-graduação avaliados

pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

(Capes). As laureadas foram María Laura Schuverdt, da Universidade

Estadual de Campinas (Unicamp), na categoria que engloba engenha-

rias, ciências exatas e da terra; Solange Maria Teixeira, da Universida-

de Federal do Maranhão (UFMA), em ciências humanas e ciências sociais

aplicadas; e Ana Lia Parra-Pedrazzoli, da Universidade de São Paulo

(USP), em ciências biológicas, da saúde e agrárias. A tese de María

Laura, 32 anos, teve como produto final foi um método capaz de solu-

cionar problemas com um número enorme de variáveis e restrições.

Ana Lia, 34 anos, isolou e identificou o feromônio sexual do minador-

dos-citros Phyllocnistis citrella, causador de uma praga da citricultu-

ra. A preocupação com o envelhecimento do trabalhador brasileiro

levou Solange Teixeira, 42 anos, a estudar as conseqüências sociais

do problema. Elas receberão uma bolsa de pós-doutorado no exterior

e premiação em dinheiro de uma parceria entre a Capes e a Fundação

Conrado Wessel. Em 2007 foram inscritas 417 teses.

milhão na concessão de bolsas a pesquisadores que atuarão em pequenas e médias empresas baianas. Serão contemplados projetos voltados para aumentar a competitividade das empresas. Outro edital, este com recursos de R$ 1 milhão, destina-se a apoiar sistemas locais de inovação em instituições científicas. Até 2010, o Programa Estadual de Incentivo à Inovação Tecnológica

(Inovatec) terá recursos de R$ 60 milhões para ampliar a infra-estrutura de base tecnológica da Bahia. “O objetivo é melhorar a qualidade das pesquisas e propiciar o desenvolvimento de produtos e processos”, disse o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação da Bahia, Ildes Ferreira. Por fim, o Programa Juro Zero disporá de R$ 20 milhões para financiar inovação em micro e pequenas empresas.

AS TESES DO ANO

ESTRATÉGIAS BRASIL>>

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> Centenário na internet

A Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista (Unesp) lançou um endereço na internet (www.machadodeassis.unesp.br) para homenagear o escritor Machado de Assis (1839-1908) no centenário de sua morte. O site reúne textos de jornais e revistas para os quais o escritor carioca contribuiu na segunda metade do século XIX. Num primeiro momento, está sendo oferecida parte dos periódicos que representam os pouco mais de 10 anos de iniciação literária do escritor, de 1855 a 1869. São textos publicados em O Futuro – Periódico Literário, Marmota Fluminense – Jornal de Moda e Variedades, Semana Ilustrada, Diário do Rio de Janeiro, Jornal do Povo e A Saudade. O site, que traz imagens digitalizadas dos textos originais, teve origem no projeto A Trajetória de Machado de Assis pelos Periódicos, coordenado pelas professoras Silvia Maria Azevedo, da Faculdade de Ciências e Letras, em Assis, e Lúcia Granja, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, em São José do Rio Preto.

Autoridades brasilei-

ras e argentinas parti-

ciparam em meados de

fevereiro em Buenos

Aires de uma reunião

para discutir os termos

da retomada do proje-

to de construção de

um satélite conjunto, o

Sabia (Satélite Argen-

tino-Brasileiro de Infor-

mação em Água, Ali-

mentos e Ambiente). O

grupo discutiu uma de-

claração de cooperação

na área espacial que

deverá ser assinada

pelos presidentes dos

dois países. Apresenta-

do pela primeira vez em

1996, o projeto havia sido suspenso em 2000, em decorrência

da aguda crise econômica que atingiu a Argentina e da saída

de um terceiro parceiro da iniciativa, a Espanha. Orçado em US$

70 milhões, o Sabia prevê aplicações na previsão de safras e no

monitoramento de recursos naturais, com destaque para a pros-

pecção mineral e a proteção ao meio ambiente. Propõe-se a

reduzir a dependência dos dois países de informações forneci-

das pelo satélite norte-americano Landsat. A parceria aprovei-

ta potencialidades complementares dos dois vizinhos. Enquan-

to o Brasil desenvolveu bastante nos últimos 10 anos a enge-

nharia estrutural dos satélites, a Argentina avançou no desen-

volvimento de sensores ópticos avançados.

especiais, com concursos e entregas de prêmios. Também serão apresentados por volta de 3 mil trabalhos de pesquisa em painéis, com participação de autores brasileiros e estrangeiros. Entre as atividades

paralelas, destacam-se a 15a Jornada Nacional de Iniciação Científica, o Concurso Cientistas de Amanhã, a Exposição de Tecnologia e Ciência e a SBPC Jovem, voltada para os estudantes do ensino básico.

> A preparação do encontro

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) colocou no ar o site da 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que acontecerá em seu campus entre os dias 13 e 18 de julho. O site www.sbpc2008.unicamp.br:81/ disponibiliza informações e um formulário para o cadastro de propostas e comentários. O evento terá 60 conferências, 60 simpósios, 40 mesas-redondas, 40 minicursos, 40 encontros, 10 assembléias, 40 comunicações orais e algumas sessões

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Remadoras no Tâmisa em Oxford: cultivando o senso de equipe

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MEDICAMENTOS

Febre criadoraArticulação entre universidades, empresas e governo facilita a descoberta e o desenvolvimento de fármacos na Inglaterra

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A PENICILINA NÃO É SÓ UM DOS MEDICAMENTOS MAIS USADOS DO MUNDO. É TAMBÉM O RESULTADO DE UMA ABORDAGEM PIONEIRA, DESCRITA POR ROBERT BUD, diretor de pesquisa do Museu da Ciência, em Lon-dres, no livro Penicillin – Triumph and tragedy, lança-do no ano passado pela Editora da Universidade de Oxford. A transformação de um extrato de fungo descoberto em um modesto hospital de Londres em um pó que começou a ser usado durante a Segunda Guerra Mundial, desde então salvando milhões de vidas, representa o primeiro trabalho coletivo de de-senvolvimento de fármacos no mundo.

As articulações entre as forças científicas, econô-micas e políticas, tecidas com dificuldade naquela épo-ca, hoje são comuns na Inglaterra. A engrenagem de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos foi se ajustando e hoje é razoavelmente articulada, conec-tando universidades, empresas, governo e agências de financiamento. A pesquisa de novos medicamentos ocorre em 62 laboratórios de hospitais ou de universidades e em boa parte das quase 500 empresas farmacêuticas instaladas no Reino Unido. Como resultado, 15 dos 75 medicamen-tos mais vendidos no mundo nasceram e cres-ceram no Reino Unido, incluindo o Viagra. Só os Estados Unidos, com empresas mais atiradas aos lucros, conseguiram mais.

O governo britânico criou um ambiente favorável à inovação em fármacos, incentivan-do a formação de pesquisadores, a aproxima-ção entre universidades e empresas e a comer-

CA R LO S FI O R AVA N T I, D E OX F O R D*

cialização da pesquisa acadêmica. Os cientistas ainda têm de fazer sacrifícios e, de vez em quando, pôr uma roupa um pouco mais formal que o guarda-pó quase branco de todo dia e gastar algumas horas conversan-do com empresários. Pelo menos duas vezes por ano a Isis Innovation, a empresa de transferência de tec-nologia da Universidade de Oxford, promove jantares em que não faltam encorpados vinhos tintos france-ses regando as esperanças de transformar as idéias nascidas em laboratórios em produtos comerciais.

Tanto os pesquisadores quanto as instituições contam com um forte apoio do governo. Os investi-mentos em pesquisa pública devem ter chegado a quase US$ 4 bilhões por ano em 2005/2006, embora a maior parte desse dinheiro se destine à ciência bá-sica e a pesquisa clínica ainda seja relativamente mal servida. Quem não quiser dinheiro público pode re-correr a alguma das 25 fundações independentes, as charities. A Wellcome Trust, a maior delas, criou um

fundo extra – de até £ 700 milhões (£ 1 equivale a cerca de R$ 4) por projeto durante 3 anos – para estimular a ino-vação biomédica até o ponto de ser apoiada pelos meca-nismos habituais de financia-mento. Nich Dunster, da Wellcome Trust Technology Transfer, apresentou esse fundo na BioTrinity, uma fei-ra de negócios que reuniu

* Esta reportagem integra o estudo New Perspectives on Drug Development in Develo-ping Countries: a Case Study of the Brazilian Compound P-MAPA, desenvolvido em 2007 como parte de um pro-grama de estudos oferecido pelo Reuters Institute for the Study of Journalism na Universidade de Oxford, Inglaterra.

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA>

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durante 2 dias em Oxford empresas que pesquisam, produzem ou ajudam em-preendedores a elaborar os planos de negócios a encontrar parceiros, a licen-ciar tecnologias, a conseguir financia-mento ou a se tornar mais conhecidos no Reino Unido, na Europa ou nos Es-tados Unidos. Muitos diretores das pe-quenas e médias empresas que compa-receram à BioTrinity afirmaram que pretendiam concluir os estudos clínicos iniciais dos candidatos a medicamentos em que trabalhavam e depois fazer uma parceria com grandes empresas farma-cêuticas, já que não tinham dinheiro suficiente para eles próprios produzir e vender os novos produtos.

epresentantes do governo que compa-receram a um seminário realizado em novembro na Câmara Britânica de São Paulo mostraram interesse em estimu-lar a criação de um ambiente de ino-vação em fármacos também no Brasil, de modo a superar a antiga desarticu-lação entre universidades, empresas e governo. Uma das novas forças é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que li-berou R$ 1 bilhão para empresas de to dos os portes investirem na produ-ção de princípios ativos e em inova-ção. “Sem inovação, estamos assu-mindo que somos periferia ad eter-num”, comentou Pedro Lins Palmeira Filho, chefe do departamento da área industrial do BNDES. A história mos-tra que pode ser difícil. Há duas déca-das a Companhia de Desenvolvimen-to Tecnológico (Codetec), apoiada pe lo governo, pretendia promover a sínte-se de fármacos e reduzir a dependên-cia externa, mas perdeu fôlego por fal-ta de investimentos.

Em Oxford essa engrenagem fluida começou a tomar corpo em 1997, quan-do Tim Cook entrou na Isis depois de 7 anos como diretor administrativo de empresas de base tecnológica e outros 7 como investidor privado. Segundo

Heroínas anônimas: as garotas da penicilina cuidando da produção dentro da universidade. Acima, a placa de Petri com o fungo que originou o medicamento mais usado no mundo

ele, o movimento de criar empresas e levantar outras fontes de financiamen-to emergiu porque a universidade de-cidiu não só ser útil, formando empre-sários e políticos, mas também parecer útil e se tornar uma força econômica. Parece ter funcionado: o retorno finan-ceiro foi dez vezes maior que o investi-mento. Cook e sua equipe avançaram à medida que estimularam a comunica-ção e as relações de confiança entre pesquisadores e empresários e eviden-ciaram o valor social e econômico dos cientistas. “Tudo que fazemos aqui é sociologia aplicada”, disse. Qualquer um dos 4 mil pesquisadores da univer-sidade pode contar com a Isis para ela-borar o plano de negócios, obter finan-ciamento e gerenciar a empresa.

Para Graham Richards, diretor do departamento de química da Univer-sidade de Oxford, um aspecto notável desse modelo é que os pesquisadores não precisam deixar o laboratório: co-mo as novas empresas normalmente têm seus próprios gerentes, que não são os cientistas que as fundaram, qua-se nada muda na vida acadêmica. Não é o bastante, porém, para mudar a cul-tura acadêmica: “Precisamos (tam-bém) de campeões”, comentou. “Duas ou três pessoas fazem toda diferença.” Ao lado de Cook, Richards faz a dife-rença. Além das empresas que ele criou ou ajudou a criar, articulou a constru-ção de um novo laboratório de quími-ca, de £ 64 milhões, sem nenhum apoio financeiro da universidade.

O departamento de química exibe o recorde de 18 spin-offs, que trouxe-ram £ 80 milhões para a universidade. De toda a universidade saíram cerca de 60 empresas, principalmente a partir de 1987, quando uma nova lei concedeu às universidades o direito de explorar a propriedade intelectual. Quem provo-cou a mudança foi a então primeira-ministra Margareth Thatcher, que não gostou nada da história de um anticor-po monoclonal desenvolvido em Cam-bridge que não fora patenteado e gerou muito dinheiro quando começou a ser explorado pela indústria.

Quase 50 empresas, incluindo mui-tas das maiores dos Estados Unidos, Europa e Japão, coordenam os testes clínicos de cerca de 500 potenciais me-dicamentos no Reino Unido. Os testes são feitos principalmente nos hospitais

do National Health Service (NHS), o sistema público de saúde inglês. Os compostos aprovados nos testes serão depois novamente avaliados pela auto-ridade regulatória, a European Agency for the Evaluation of Medicinal Pro-ducts (Emea), que pode fornecer uma licença única para venda em todos os Estados membros da União Européia.

Esse modelo daria outro final para histórias como a da penicilina. “Fle-ming ficava aqui, com outros três mé-dicos, fumando 60 cigarros por dia”, conta uma senhora sexagenária muito magra e falante, ao exibir uma pequena mesa de madeira coberta por vidros, potes e um microscópio, no segundo andar de um dos prédios do Hospital St. Mary, em Londres. Foi nessa sala em que o médico escocês Alexander Fle-ming em setembro de 1928, ao voltar de férias, encontrou em uma placa de Petri um fungo que exterminava bactérias.

No início Fleming trabalhou com entusiasmo. Em 1929 publicou um arti-go na British Journal of Experimental Pathology, mas alguns meses depois per-deu o interesse: nem ele nem sua equipe

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haviam conseguido purificar a penicili-na. Além disso, seu chefe imediato, Sir Almroth Wright, não gostava de bioquí-micos, que poderiam resolver esse pro-blema, e não os queria por perto.

m dos editores da British Journal, o patologista australiano Ho-ward Florey, que anos depois teria um papel fundamental no desenvolvimen-to da penicilina, deve ter visto o traba-lho de Fleming, mas não o medicamen-to que poderia nascer dali. Nove anos depois, foi o bioquímico Ernst Chain, um refugiado judeu da Alemanha na-zista, quem abriu os olhos de Florey ao encontrar o estudo de Fleming em uma biblioteca da Universidade de Oxford e desconfiar que ali havia algo precioso. Como professor da Universidade de

Oxford, Florey iniciou então a transfor-mação do extrato de Fleming em me-dicamento. A equipe que ele formou trabalhava ao mesmo tempo nos testes em animais, na purificação e na produ-ção da penicilina – inicialmente em urinóis – em quantidade suficiente pa-ra fazer testes em seres humanos.

Mesmo mostrando que a penicilina aplacava infecções bacterianas em camun-dongos, Florey não conseguiu atrair o in-teresse das indústrias farmacêuticas britâ-nicas, preocupadas em sobreviver à Se-gunda Guerra Mundial. Mas atravessou o mar e conseguiu apoio do governo dos Estados Unidos. As empresas farmacêuti-cas norte-americanas se uniram e priori-zaram a produção da penicilina, enquanto as britânicas custavam a chegar a um pla-no comum. Mais tarde, a Inglaterra teve de comprar dos Estados Unidos a patente sobre os métodos de produção de penici-lina. Fleming, Florey e Chain dividiram o Prêmio Nobel de Medicina de 1945.

Hoje Florey não teria de ir aos Es-tados Unidos para completar o desen-volvimento da penicilina. Poderia abrir uma empresa, pedir uma patente, con-

seguir financiamento, concluir a pesqui-sa e ganhar muito dinheiro recebendo royalties de multinacionais que produ-ziriam penicilina e a venderiam para todo o mundo. Ao chegar à Emea é que perceberia que os ventos não estavam mais a favor. Diferentemente dos anos 1940, quando quase não havia regula-ção para registro de medicamentos, no atual ambiente regulatório os técnicos da Emea não aprovariam a penicilina por causa dos 3% ou mais de risco de rea ções alérgicas que pode causar. Nada pessoal, claro: muitos outros medica-mentos seriam hoje vetados.

Os europeus estão mais cautelosos também porque, como demonstrou uma exposição do Museu de Ciência que manteve o título do livro de Robert Bud, a penicilina foi uma história de triunfo sobre as infecções, mas seu uso descon-trolado deixou o caminho livre para a propagação de bactérias e de vírus. Nes-te momento um dos maiores medos de quem vive na Inglaterra são as superbac-térias, como as que causam infecção hos-pitalar ou tuberculose e resistem a qual-quer medicamento à mão. ■

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DIFUSÃO

A apoteose da dupla

héliceExposição

desvenda o DNA, da biodiversidade

até o núcleo da célula

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Está no Brasil a exposição Revolução genômica, exibi-da em 2001 pelo Museu de História Natural de Nova York. Depois de ser vista por 800 mil pessoas nos Estados Unidos, China e Nova Zelândia, a mostra ficará em cartaz até 13 de julho no recém-reformado Pavilhão Armando Arruda Pereira, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. O Instituto Sangari, res-

ponsável pela vinda da exposição, espera uma audiência de 500 mil visitantes apenas na capital paulista. Ela também deve percorrer várias cidades brasileiras – a exemplo do que aconteceu com a exposição Darwin - Descubra o homem e a teoria revolucionária que mudou o mundo, também trazida pelo Instituto Sangari, que pode ser vista até abril no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, após 3 meses em car-taz no Museu de Arte de São Paulo.

Espalhada por uma área de 2 mil metros quadrados, a ex-posição sofreu adaptações em sua versão para o Brasil. Logo na primeira das três alas da exposição, batizada de Grande Salão do DNA, o visitante ingressa num ambiente repleto de plantas e animais vivos, contidos por paredes de vidro entre-meadas por televisores com imagens da fauna e da flora. “Con-seguimos reunir mais animais silvestres vivos na exposição do que esperávamos a princípio, tais como sagüis, tucanos, ta-

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Cenas: genética dos alimentos (esq.), célula gigante (dir.) e Francis Crick, ao apresentar o DNA (abaixo)

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rântulas e jibóias, que são um grande atrativo para o público infantil”, afirma Bianca Rinzler, diretora executiva do Instituto Sangari. O paleontólogo Niles Eldredge, um dos curadores do Museu de História Natural de Nova York, se disse bem impressionado com o acrés-cimo brasileiro. “A importância da bio-diversidade associada à revolução genô-mica tornou singular a exposição brasi-leira”, disse. No ambiente seguinte, animais empalhados dividem espaço com desenhos sobre a biodiversidade brasileira do botânico alemão Carl von Martius (1794-1868). A ala traz uma projeção de imagens mostrando que o DNA está presente tanto em seres hu-manos como em plantas e anfíbios – a idéia de que o DNA está em tudo é o grande mote da exposição – e se encerra numa grande redoma que simula o in-terior de uma célula.

A exposição tem outras duas gran-des alas: A Era do Genoma, que aborda conceitos da genética e doenças, e a Ge-nética dos Alimentos, que trata da im-portância da genômica para a agricul-tura e os alimentos transgênicos. A in-teratividade está presente em toda a exposição. Num equipamento, o visi-tante tem o rosto fotografado e projeta-do numa grande tela, que recebe a le-genda “humano”. Ao lado, surge a foto de uma outra espécie, como um chim-panzé, um peixe ou um roedor. Em ins-tantes, informa-se a porcentagem de genes dessa espécie com os humanos.

Uma instalação em forma de dupla hélice convida o visitante a tocá-la. Ao fundo, vê-se uma mosca projetada nu-ma tela. Num jogo de erros e acertos, é preciso tocar em pontos da estrutura até encontrar pontos do DNA capazes de abrigar mutações genéticas que pro-duzam anomalias – que incluem a alte-ração da cor da mosca, a atrofia das asas ou o surgimento de um membro extra. As crianças serão convidadas a partici-par de um experimento de extração de DNA de morangos.

Uma preocupação dos organizado-res foi tornar o conteúdo da exposição mais acessível ao público brasileiro. Mônica Teixeira, uma das curadoras, levou 5 meses para adaptar os textos da exposição norte-americana e acrescen-

tar textos novos, como os que tratam de chips de DNA, da síndrome do cro-mossomo X frágil e da distrofia mus-cular, além de conteúdos sobre cultu-ras agrícolas como o café, a cana, a soja e a laranja, que não existiam no origi-nal. “Foi, sem dúvida, a parte mais complexa e trabalhosa”, diz Mônica.

Banco de reservas - A seleção dos mo-nitores que acompanharão visitantes e alunos de escolas públicas foi rigorosa. Dos 220 candidatos, 50 foram escolhi-dos – mas só 25 atuarão efetivamente na exposição. Os demais permanece-rão num banco de reservas, sendo con-vocados caso haja desistências ou au-sências. Embora todos sejam estudan-tes de biologia, cumpriram 9 horas de aulas teóricas e mais 9 horas de treina-mento em mediação. “É que eles preci-sam estar preparados para responder no tom certo a cada tipo de público”, explica Eliana Dessen, geneticista da Universidade de São Paulo e co-cura-dora da exposição.

Em paralelo, dois ciclos de palestras sobre genômica e temas científicos, or-ganizados por Pesquisa FAPESP, vão movimentar o Pavilhão Armando Ar-ruda Pereira até julho. O ciclo “Genô-mica: modelando a biologia do século XXI” terá conferências de especialistas como Oliver Smithies, Nobel de Medi-cina de 2007; Alan Templeton, biólogo da Universidade de Michigan; Jane Gitschier, médica e bióloga da Uni-versidade da Califórnia em São Francisco; Fernando Reinach, pesquisador da USP e diretor

da Votorantim Novos Negócios; Jan Hoeijmakers, da Universidade Eras-mus, em Roterdã, estudioso das bases moleculares do envelhecimento; Ro-bin Buell, biólogo da Universidade Es-tadual de Michigan; e Wen-Hsiung Li, da Universidade de Chicago. O segun-do ciclo, “As ciências do século XX e as novas fronteiras do conhecimento no século XXI”, trará nomes como dos neurocientistas Miguel Nicolelis, Esper Cavalheiro e Sidarta Ribeiro, os físicos José Fernando Perez e Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FA-PESP, o parasitologista Luiz Hilde-brando Pereira, o botânico Carlos Joly, a arqueóloga Niéde Guidon, o psiquia-tra Mario Costa Pereira, o jornalista e sociólogo Muniz Sodré e o meteorolo-gista Carlos Nobre.

Após o encerramento da Revolução genômica, o Instituto Sangari promete trazer ao pavilhão do Parque do Ibira-puera novas atrações do Museu de His-tória Natural de Nova York, como as exibições sobre Albert Einstein, Água (atualmente em cartaz nos Estados Unidos) e Dinossauros. ■

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BIOTECNOLOGIA

Sementes da discórdia

Conselho de Ministrosconfirma liberação comercialde milho transgênico

Uma semana depois de o Conse-lho Nacional de Biossegurança ter confirmado, pela primeira vez no país, a comercialização de duas variedades de milho transgênico, o médico e bio-químico Walter Colli foi recon-

duzido à presidência da Comissão Téc-nica Nacional de Biossegurança (CTN-Bio) para um mandato de mais 2 anos.

A comercialização das duas varieda-des de milho – a MON810 e a Bayer LL – produzidas pela Monsanto e pela Bayer, respectivamente, já tinha sido autorizada pela CTNBio no ano passado. Mas essa decisão foi questionada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Re-cursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela Agência Nacional de Vigilância Sa-nitária (Anvisa) e teve que ser confirma-da pelo conselho formado por 11 minis-

tros e seus representantes. “Do ponto de vista técnico, as decisões da CTNBio são terminativas, desde a produção até a comercialização de organismos gene-

ticamente modificados. O Conselho de Ministros avalia questões econômicas, sociais e políticas e é uma instância de julgamento de recursos”, explica Colli.

Colli foi reconduzido ao cargo pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, tendo sido escolhido a partir de uma lista tríplice indicada por votação pelos demais membros da comissão. Re-cebeu 18 votos dos 22 membros presen-tes. “Vamos continuar atuando da mesma forma que no ano passado. Há muita coi-sa acumulada, entre pedidos de pesquisa e de liberação comercial”, afirmou. Colli é assessor da FAPESP e integra o conse-lho editorial da revista Pesquisa FAPESP. A vice-presidência ficará com o cientista Edílson Paiva, pesquisador da Embrapa de Sete Lagoas, Minas Gerais.

No Conselho de Ministros, a libera-ção comercial do milho transgênico teve quatro votos contrários dos represen-

atendendo a interesses das empresas da mesma forma que não acredito que o Ministério da Saúde, por exemplo, apro-va medicamentos para uso da população levando em conta o interesse das empre-sas, em geral, multinacionais.” Colli diz compreender as reações contrárias das organizações não-gover-namentais (ONGs) à liberação comercial de transgênicos como “um certo saudo-

sismo”. “A legislação anterior deixa-va uma brecha para a constesta-ção. Hoje, a única instância supe-rior é o Conselho de Ministros que

avalia aspectos econômicos, sociais e políticos e julga recursos”, explica.

Mas “estranha” o voto contrário da Saúde no Conselho Nacional de Biosse-gurança. “O ministro tem afirmado que quer introduzir conteúdos de tecnologia nos insumos de saúde. E quando se fala de alta tecnologia, está se falando de transgênicos que deveriam por lei ser submetidos à CTNBio.” Sublinha que a decisão de liberar a comercialização das duas variedades de milho foi tomada após exaustiva análise de risco. “Os riscos são os mesmos do milho híbrido conven-cional. São tão pequenos, talvez iguais ao de se tomar uma aspirina e certamente menores do que os riscos de muitos me-dicamentos liberados para comercializa-ção pelo órgão responsável.”

A polêmica continua. Menos de 10 dias depois da reunião dos ministros, a Anvisa ingressou com um novo recurso no Conselho Nacional de Biosseguran-ça, agora contra a liberação comercial de uma variedade de milho transgênico produzido pela Syngenta, já concedida pela CTNBio, argumentando que não foram apresentados estudos toxicológi-cos que comprovassem a sua segurança. Colli rebate: “O milho da Syngenta é có-pia do milho da Monsanto”. ■

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tantes dos ministérios do Meio Ambien-te, Desenvolvimento Agrário, Saúde e da Secretaria de Aqüicultura e Pesca, que recomendavam a realização de novos estudos sobre o impacto desses produ-tos. “O Ministério da Saúde não é contra os transgênicos”, sublinha o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estra-tégicos da pasta, Reinaldo Guimarães. Pondera, no entanto, que nas propostas de comercialização de qualquer produto – transgênico ou não – há forte interes-se das empresas. “Nesse caso específico, a CTNBio considerou o dossiê prepara-do pelas empresas como evidência para a sua liberação comercial. A Anvisa en-tende que isso não é evidência e o mi-nistério entende que a posição correta deveria ser a de cautela e prevenção.”

Para Guimarães, posições políticas e ideológicas distintas “envenenaram” a CTNBio, polarizando os debates. “De um lado, está o grupo que se coloca con-tra os transgênicos e, de outro, pesqui-sadores eminentes, com uma posição excessivamente liberal em relação à libe-ração comercial dos transgênicos”, afir-mou. Para ele, é preciso haver uma po-sição de equilíbrio que permita o diálo-go entre as partes.

Contestação - Colli refuta essa análise. “A polarização não foi a maioria que criou. Aliás, essa divisão está em outras instâncias. Basta ver que na reunião de ministros houve sete votos a favor da decisão da CTNBio e quatro contrários. Isso mostra que até o governo está di vi-dido.” Ele argumenta que as liberações comerciais seguem um rito: avaliar vá-rios pareceres ad hoc solicitados a cien-tistas da área, a depender do caso, entre quatro e oito membros da CTNBio. A Comissão, sublinha, tem tomado as decisões por maioria, em geral, de 16 a 18 votos contra 4 ou 5. “É difícil aceitar a insinuação de que essa maioria está

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PESQUISA FAPESP 145 ■ MARÇO DE 2008 ■ 45

AFAPESP e a Braskem – a 11ª pe-troquímica mundial pelo cri-tério do valor da empresa, de-pois da conclusão da aquisição da Ipiranga – firmaram convê-nio de cooperação para o de-senvolvimento de pesquisas em

biopolímeros. Os investimentos, de R$ 50 milhões ao longo de 5 anos, serão dividi-dos entre os dois parceiros. O acordo é parte da estratégia da Fundação de apoiar pesquisas aplicadas desenvolvidas con-juntamente por empresas e institutos de pesquisa, no âmbito do Programa Pes-quisa em Parceria para Inovação Tecno-lógica (Pite). “O objetivo é apoiar proje-tos de pesquisa exploratória com poten-cial de criar tecnologia de ruptura, na fronteira do conhecimento”, explicou o diretor científico da FAPESP, Carlos Hen-rique de Brito Cruz, deixando claro não se tratar de inovações incrementais.

Para a Braskem, a parceria se alinha à estratégia da empresa de ampliar a sua competitividade por meio da adoção de novas tecnologias e da inovação. “Não podemos ter entraves por restrição tec-nológica”, afirmou o presidente da Braskem, José Carlos Grubisich. “Por isso, vamos investir em projetos de rup-tura nas áreas de nanotecnologia e de biopolímeros”, completou.

A empresa tem 18 indústrias espa-lhadas pelo país e é pioneira na área de polímeros verdes. Em 2007 lançou o primeiro polietileno certificado que tem como matéria-prima o etanol de cana-de-açúcar. Além do etanol, a com-panhia desenvolve pesquisas na rota da biomassa que já resultaram no depósi-to de cinco patentes. “Investimos R$ 300 milhões em pesquisa e desenvolvi-mento (P&D) e na instalação de mo-dernos laboratórios de pesquisa”, enfa-tiza Grubisich. Essa tradição da empre-sa de investir em pesquisa “agilizou” a tramitação do convênio. “Quando a empresa tem pesquisa, é mais fácil por-

do por representantes da FAPESP e da Braskem, vai analisar as propostas en-tregues e selecionar aquelas que, numa segunda fase, terão o seu mérito anali-sado de acordo com as normas usual-mente adotadas pela Fundação.

Outros convênios -A Fundação já man- tém convênios semelhantes com a Mi-crosoft Research, Dedini, Padtec, Tele-fônica, Oxiteno, Digital Assets, Institu-to Fleury, Imprimatur e Ouro Fino Saúde Animal. No dia 18 de fevereiro firmou parceria também com as em-presas Ci&T Software e DigitalAssets, num total de R$ 3,6 milhões – também divididos entre a FAPESP e as duas em-presas – destinados a apoiar pesquisas aplicadas nas áreas de tecnologia da informação, engenharia de softwares, psicologia e administração de empre-sas. O prazo para o en caminhamento das propostas se encerra no dia 14 de abril. A chamada pública abrange algu-mas linhas de pesquisa, como tecnolo-gia, padrões e frameworks emergentes em web 2.0, usabilidade de aplicações web, reúso de softwares, entre outras. Mais informações: www.fapesp.br ■

Da esquerda para a direita: Brito, Vogt, Goldman, Serra, Lafer e Grubisich

ED

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>CONVÊNIO

Ruptura de padrõesFAPESP e Braskem vão investir R$ 50 milhões em polímeros verdes

que ela sabe falar a linguagem da ciên-cia e tecnologia”, comentou Brito.

O convênio foi assinado no dia 27 de fevereiro, na sede da Fundação, em cerimônia em que também estiveram presentes o governador José Serra; o secretário de Desenvolvimento e vice-governador, Alberto Goldman; o secre-tário de Ensino Superior, Carlos Vogt; o presidente da FAPESP, Celso Lafer; o diretor-presidente da Fundação, Ricar-do Brentani, entre outros. “Precisamos aumentar a vantagem do estado de São Paulo em nível internacional”, disse o governador. “Por isso o programa tem o aplauso do governo do estado.”

A primeira chamada pública, cujo prazo se encerra no dia 22 de abril, se-lecionará projetos relacionados a pes-quisas em processos de síntese de inter-mediários, monômeros e polímeros a partir de matérias-primas renováveis (açúcares, etanol, biomassa, entre ou-tras) e investigação das propriedades físico-químicas desses polímeros verdes que permitam sua utilização em dife-rentes aplicações. A seleção dos projetos será feita em duas fases. Na primeira, o Comitê Gestor da Cooperação, forma-

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Genômica: modelando a biologia do século XXI

NILES ELDREDGE 01/03, sábado, às 15:00(Paleontólogo, é um dos curadores do Museu de História Natural de Nova York desde 1969)

> Biodiversidade e a sexta extinção

OLIVER SMITHIES 09/03, domingo, às 11:00(Geneticista da Universidade da Carolina do Norte, Estados Unidos. Ganhou o Nobel de Fisiologia e Medicina em 2007, com Mario Capecchi e sir Martin Evans)

> A experiência de ser geneticista durante 60 anos

ALAN TEMPLETON 29/03, sábado, às 15:00, e 30/03, domingo, às 11:00 (Pesquisador da Universidade de Michigan, Estados Unidos)

> A evolução humana nos últimos 2 milhões de anos: genes (sábado)> Usando a biologia evolutiva para estudar doenças arteriais coronarianas (domingo) JANE GITSCHIER 06/04, domingo, às 11:00(Pesquisadora da Universidade da Califórnia em São Francisco e Instituto Médico Howard Hughes)

> Usando a genética para desvendar o segredo de uma característica da percepção – o ouvido absoluto

FERNANDO REINACH 13/04, domingo, às 11:00(Pesquisador em bioquímica e biologia molecular da USP e diretor executivo da Votorantim Novos Negócios. Foi um dos coordenadores do Projeto Genoma da Xylella fastidiosa)

> Impactos da genômica na agricultura brasileira

As ciências do século XX e as novas fronteiras do conhecimento no século XXI

MIGUEL NICOLELIS11/03, terça-feira, às 17:00(Neurocientista da Universidade Duke, Estados Unidos, e criador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra)

> Genes, circuitos e comportamentos: navegando na fronteira da neurociência

ESPER ABRÃO CAVALHEIRO 01/04, terça-feira, às 17:00(Neurocientista, é assessor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, CGEE. Foi presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico, CNPq)

> Tecnologias convergentes e a construção do novo homem

DEBATE

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ(SEGUNDO NOME A CONFIRMAR)08/04, terça-feira, às 17:00(Físico, diretor científi co da FAPESP. Foi reitor da Unicamp entre 2002 e 2005)

> O avanço da ciência faz a humanidade melhor? Por quê? JOSÉ FERNANDO PEREZ15/04, terça-feira, às 17:00(Físico, presidente da Recepta Biopharma, ex-diretor científi co da FAPESP e articulador dos projetos pioneiros em genômica no Brasil)

> Samba, futebol e genômica – a saga do Projeto Genoma brasileiro

LUIZ HILDEBRANDO PEREIRA22/04, terça-feira, às 17:00(Parasitologista, criou e dirige o Instituto de Pesquisa em Patologias Tropicais em Rondônia)

> Revolução genômica e saúde pública

CARLOS JOLY29/04, terça-feira, às 17:00(Biólogo, pesquisador da Unicamp. Foi o idealizador e primeiro coordenador do Programa Biota-FAPESP)

> O Programa Biota-FAPESP: uma referência para estudos de biodiversidade

REVOLUÇÃO GENÔMICAprogramação cultural | organização PESQUISA FAPESP

As vagas para assistir às apresentações são limitadas e as inscrições devem ser feitas pelo telefone (11) 3468 7400.

Outras apresentações e debates que vão ocorrer de março a julho serão divulgados no site de Pesquisa FAPESP: www.revistapesquisa.fapesp.br

A íntegra das palestras também estará disponível no site.

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AMBIENTE

Exclusiva do Cerrado: a bandoleta ou Cypsnagra hirundinacea, em perigo de extinção

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PESQUISA FAPESP 145 ■ MARÇO DE 2008 ■ 49

Descampado exibe riqueza biológica inesperada

Uma paisagem que parece um vasto pasto abandonado, com uma árvore aqui, outra ali, perseguida pelo sol ardente do interior paulista, emerge como uma notável reserva de aves a céu aberto. O Cerrado da Estação Ecológica de Itirapina, a 230 quilômetros da capital paulista, abriga 231 espécies de aves, entre elas delicados pássaros que cabem na palma da mão, a gralha-do-cerrado, 17 espécies de gaviões e falcões e sete de corujas, pre-dadores do topo da cadeia alimentar como se fossem leões alados, e a ema,

a maior ave brasileira, de até 1,80 metro de altura. Nos 23 quilômetros quadrados desse descampado – uma área equivalente a 1% do Distrito Federal, o coração do Cerrado brasileiro – vive uma em cada três espécies exclusivas do Cerrado, 27% do total de espécies encontradas nesse tipo de ambiente e 30% das registradas em todo o estado de São Paulo.

Nem os biólogos esperavam encontrar tamanha diversidade biológica em uma vegetação antes desvalorizada por representar as formas mais peladas do Cerrado paulista – o campo limpo, raro especialmente em São Paulo, coberto por um solo arenoso em que nada mais cresce a não ser insistentes plantas rasteiras, e o campo sujo, apenas com arbustos em meio ao tapete verde. Como explicar? José Carlos Motta Jr., professor da Universidade de São Paulo (USP), conta que justamente por se tratar de um espaço aberto é que nasce, cresce e se esconde por ali tamanha va-riedade de seres alados, muitos na lista de ameaçados de extinção no estado de São Paulo. Quem tiver mais paciência pode ver também alguma das 33 espécies migra-tórias já identificadas, a exemplo da rara águia-pescadora (Pandion haliaetus), que vem do sul dos Estados Unidos. Muitas outras podem nunca ser vistas se o próprio Cerrado desaparecer, como alertaram dois especialistas em aves, Edwin O’Neill Willis e Roberto Cavalcanti, há quase duas décadas.

Motta Jr., que começou aos 13 anos de idade a sair à noite para ver e ouvir as corujas das matas e cerrados daquela região, fez parte da equipe de quase 30 bió-logos da USP, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Instituto

Os falcões do Cerrado

BIODIVERSIDADE

CA R LO S FI O R AVA N T I

F OTO S JO S É CA R LO S MOT TA JR.

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50 ■ MARÇO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 145

Butantan que passaram dias e noites atrás do pulsar da vida no céu, nos buracos do solo ou em árvores mortas do Cerrado de Itirapina. O censo da vida selvagem que toma forma agora, depois de 10 anos de tra-balho, revela também espécies e fenômenos novos. É o caso do rato-de-espinho (Clyomys bishopi), roedor de 20 centímetros (sem o ra-bo) exclusivo do Cerra-do paulista que cava túneis interligados a meio metro da superfí-cie. Vivendo em colô-nias, os ratos-de-espi-nho são possíveis espé-cies-chave. O biólogo Roberto Guilherme Tro-vati verificou que esses animais arma-zenam e espalham frutos e sementes, eles próprios servem de alimento para outros animais e constroem abrigos que acolhem lagartos, cobras e sapos.

Também saíram da toca conclusões que podem ser úteis para rever ou for-talecer as estratégias de conservação da vegetação natural. “Perdemos o roman-tismo de achar que poderia existir uma solução única para preservar todos os grupos de animais”, diz Márcio Mar-tins, professor do Instituto de Biociên-cias da USP e coordenador da equipe. “Não se trata mais de escolher entre as lagoas lotadas de sapos endêmicos ou o

campo aberto onde vivem algumas aves que não aceitam outros espaços, mas de manter os dois ambientes, porque são igualmente importantes.” Os biólogos desse grupo verificaram que o desma-tamento prejudica a maioria das espé-cies de animais, a exemplo da rã Lepto-dactylus furnarius, que praticamente só vive em Cerrado preservado, mas ou-tras podem até se dar bem com o des-matamento, como a cascavel e a coruja-buraqueira, que se espalham e se repro-duzem facilmente em áreas abertas.

Capins e caçadores - Os levantamen-tos evidenciam a delicada situação dessa área do Cerrado paulista cercada por fazendas e cidades, uma das pou-cas do país a preservar os campos lim-pos. Em outros trechos espraiam-se árvores tortuosas e de cascas grossas que resistem a incêndios freqüentes – é o campo cerrado, com árvores como pequizeiro (Caryocar brasiliense), cujo fruto os moradores do Centro-Oeste adicionam ao arroz, e a gabirobeira (Campomanesia adamantium), cujos frutos rendiam doces e geléias. Nor-malmente as matas que contornam os rios cobrem de 10% a 15% da área de Cerrado no Brasil, mas em Itirapina não chegam a 5%; e justamente nelas é que vive boa parte das aves e a maio-ria dos anfíbios, além dos anfíbios que só se reproduzem nessas matas. A re-

composição e integra-ção dos blocos das ma-tas próximas aos rios é uma das recomenda-ções que os pesquisa-dores pretendem entre-gar em breve à diretoria da estação ecológica como forma de zelar ainda mais pelo espaço natural do tamanduá-bandeira (Myrmeco-phaga tridactyla), da onça-parda (Puma con-color) e da lontra (Lon-tra longicaudis). Eles sugerem maior fiscali-zação contra os caçado-res e a invasão de gado, cujas fezes propagam sementes de capins in-vasores, e mais atenção à eliminação das árvo-res exóticas, especial-

mente os pinheiros, que invadem a estação e crescem a partir de sementes trazidas pelo vento dos reflorestamen-tos vizinhos. “Os pinheiros já avança-ram bastante sobre outras áreas de preservação do Cerrado em São Pau-lo”, observa Motta Jr.

Tempos atrás, com base nas infor-mações e conclusões dos levantamen-tos de campo, a administração da esta-ção e os pesquisadores decidiram em conjunto pela desativação de estradas internas, em benefício da diversidade biológica. Quando precisava de argu-mentos para batalhar pela anexação de uma área vizinha de 150 hectares de campo cerrado que pertencia ao estado, a bióloga Denise Zanchetta, ex-admi-nistradora da estação, não hesitou em chamar os biólogos de São Paulo que andavam por lá. “Trabalhar em conjun-to e tomar decisões que beneficiem a todos foi uma experiência muito rica e fácil”, diz ela. “Na maioria das vezes há um vácuo. O pesquisador vem e vai em-bora sem deixar nada e o administrador é visto somente como quem vai entra-var o trabalho científico.”

Por ali tudo parece calmo, mas é um come-come irrefreável mesmo en-tre os representantes do alto da cadeia alimentar: um gavião grande pode atacar uma coruja e uma coruja gran-de pode comer um gavião pequeno. Motta Jr. conta que uma vez assistiu a

A ema (Rhea americana), maior ave brasileira: às vezes em bandos

Raridade: o caboclinho-frade (Sporophila bouvreuil pileata), criticamente em perigo de extinção

48-51_Aves do Cerrado_144.indd 50 29.02.08 22:35:33

Page 50: O verde real

um caburé, a menor coruja brasileira, de cerca de 60 gramas (menos que um sabiá), pegando um pássaro, a tesou-rinha (Tyrannus savana), de 30 gra-mas. Mas convém não olhar só para o alto, porque as cobras por lá também são muitas. Martins, Ricardo Sawaya, biólogo do Butantan, e os demais in-tegrantes da equipe que estudava rép-teis pediram aos moradores das fazen-das próximas para guardarem as ser-pentes que encontravam nas planta-ções, nas pastagens e nas casas – e an-tes, claro, matavam. A maioria das 35 espécies vistas na reserva vivia tam-bém nas fazendas, numa indicação de que suportavam variações acentuadas de temperatura, umidade e vegetação. Só três, menos flexíveis – uma jararaca (Bothrops itapetiningae), uma falsa-coral (Oxyrhopus rhombifer) e a nari-guda (Lystrophys nattereri) –, viviam apenas no Cerrado preservado.

Outras vezes, enquanto a equipe das aves saía atrás de bolotas de fezes, por meio das quais descobriam de que os animais se alimentavam, o grupo dos répteis abria a barriga de cobras

mortas para saber o quanto comiam de sapos, lagartos e roedores. Em um dos estudos, Felipe Spina fez 900 co-bras de 20 centímetros com massinha de modelar (300 com listras vermelhas, brancas e pretas intercaladas, represen-tando as corais, as serpentes mais colo-ridas do mundo, 300 com listras incli-nadas e outras 300 inteiramente mar-rons) para verificar se gaviões e corujas deixavam de atacar as cobras de massi-

nha com cores intensas, que represen-tariam as espécies venenosas e seus imitadores fidedignos. Sim, evitam – e preferem as marrons, que re-presen-tavam as não-venenosas.

Uma das conclusões desse traba-lho é que no Cerrado, como já havia sido verificado em florestas tropicais da América Central, uma forma de ga-nhar alguns meses de vida é parecer venenoso: mesmo uma semelhança superficial com uma coral-verdadeira (venenosa) já afasta predadores. Ga-viões, corujas, gralhas e garças não dis-tinguem as cobras corais falsas (não-venenosas) das verdadeiras, já que ambas são coloridas. Na dúvida sobre qual seria realmente venenosa – o risco de errar pode significar a morte –, os predadores vão procurar outro alimen-to. Assim, as corais verdadeiras, ainda que raras em Itirapina, beneficiam to-das as outras coloridas. “É um altruís-mo involuntário”, comenta Martins.

Os biólogos descobriram também os preconceitos que acompanham al-gumas espécies, como o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus). O único lo-bo do Brasil alimenta-se principal-mente de frutas e ratos, às vezes uma perdiz, mas os moradores da região acreditam que ele adora galinhas e outros animais domésticos. Não é ver-dade. De acordo com um levantamen-to dos pesquisadores, o guará ataca uma galinha para cada 50 a 70 ratos que consome. “Se os moradores cerca-rem os galinheiros ou deixarem um cachorro por perto, o lobo-guará vai embora”, sugere Motta Jr. “Ele não é como o lobo-cinzento norte-america-no, que pode comer até o cachorro.”■

PESQUISA FAPESP 145 ■ MARÇO DE 2008 ■ 51

História natural, ecologia e evolução de vertebradosbrasileiros

MODALIDADE

Projeto Temático

CO OR DE NA DOR

MÁRCIO MARTINS – IB/USP

INVESTIMENTO

R$ 815.289,80 (FAPESP)

Ecologia de comunidades de vertebrados terrestres em Cerrados e áreas alteradas na região de Itirapina, SP

MODALIDADE

Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa

CO OR DE NA DOR

MÁRCIO MARTINS – IB/USP

INVESTIMENTO

R$ 4.8954,88 (CNPq)

OS PROJETOS>

Papa-mosca-canela ou Polystictus pectoralis: também criticamente em perigo

48-51_Aves do Cerrado_144.indd 51 29.02.08 22:35:34

Page 51: O verde real

52 ■ MARÇO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 145

Camaleões mudam de cor, mas não pelo motivo que se

imagina. Depois de analisar coloração e comportamen-

to de várias espécies do camaleão-anão (Bradypodion),

no sul da África, os zoólogos australianos Devi Stuart-Fox

e Adnan Moussalli concluíram que esses répteis não

mudam de cor para se ocultar e escapar de predadores,

mas para impressionar o sexo oposto e afugentar rivais.

Os pesquisadores mediram o contraste entre as cores

exibidas pelos camaleões e as do ambiente em que se

encontravam. Viram mais mudança de cor em situações

de confronto social do que diante de um predador. Machos

se tornam vistosos quando querem atrair fêmeas e apa-

gados quando as pretendidas não se interessam ou rivais se im-

põem. Já elas ficam com cores mais intensas para avisar a um

pretendente que se afaste. As espécies estudadas muitas vezes

se misturam ao ambiente, mas para Devi e Moussalli não foi esse

o motor da seleção natural que levou à capacidade de mudar de

cor em uma fração de segundo (PloS Biology).

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entre os homens. Como no Brasil, menos alemãs sofrem com o futebol: houve um aumento de 1,8 vez na incidência de problemas cardíacos. Uma vitória suada contra a Argentina e uma derrota dramática para a Itália causaram recordes de hospitalização, deixando claro que o importante não é o resultado, mas a aflição

> Haja coração!

Quem se exalta durante um jogo de futebol já desconfiava, mas agora está confirmado: o esporte pode fazer mal à saúde. Uma equipe da Universidade de Munique coordenada pela médica alemã Ute Wilbert-Lampen fez um levantamento dos problemas cardíacos registrados em hospitais de Munique durante a última Copa do Mundo, realizada em 2006 na Alemanha. Os pesquisadores compararam o número de casos de infartos, queixas de dores no peito e arritmias em dias de jogos da seleção anfitriã com os registrados em dias sem jogos e em anos anteriores. Verificaram que torcer pela seleção nacional deixa os alemães com o coração em frangalhos: mais do que triplicaram os casos de problemas cardiovasculares

A carência de selênio no organismo

aumenta o risco de problemas de saú-

de como câncer e infertilidade mas-

culina. Um estudo neozelandês indica

que, em termos de fonte desse nutriente, os brasileiros estão

bem servidos: a castanha-do-pará é o alimento mais rico em

selênio de que se tem notícia. Todos os dias, por 12 semanas,

cada grupo de voluntários consumiu, respectivamente, duas

castanhas-do-pará, um suplemento com 100 microgramas de

selênio ou um comprimido inócuo (placebo). Ao fim dos testes,

os grupos que consumiram castanhas ou suplemento de se-

lênio tinham mais selênio no sangue e maior atividade de uma

proteína que depende desse elemento químico para funcionar

(American Journal of Clinical Nutrition). Comer castanhas

produziu resultados ligeiramente melhores, embora elas con-

tivessem menos selênio do que o suplemento.

SAÚDE COM SABOR

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LABORATÓRIO MUNDO>>

da torcida. Alerta para quem sofre do coração: tome seus remédios antes do jogo. Ou vire fã de golfe.

> Mares poluídos de norte a sul

Praticamente não há mais 1 quilômetro quadrado de oceano que não sinta

os efeitos da presença humana no planeta. Uma equipe internacional de pesquisadores coordenada por Benjamin Halpern, do Centro Nacional de Análise e Síntese Ecológica dos Estados Unidos, analisou as conseqüências da pesca, da poluição e das alterações climáticas sobre os mares do globo. O grupo constatou

Castanha-do-pará: fonte natural de selênio

Traje de gala: fêmea (verde) espia macho

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Page 52: O verde real

PESQUISA FAPESP 145 ■ MARÇO DE 2008 ■ 53

que apenas 4% das águas dos oceanos permanecem em estado considerado bem conservado. Mas as atividades humanas já causaram um forte impacto sobre 40% dos mares (Science). As águas do Caribe oriental, do mar do Norte na Europa e em torno do Japão e parte da Austrália são as mais afetadas pelas atividades humanas. O gelado ambiente marinho que circunda os pólos é o mais bem preservado. Ao longo da costa brasileira, a degradação dos oceanos se situa entre o grau médio e o médio alto. “Esse projeto nos permite finalmente começar a ver como o ser humano está afetando os oceanos”, diz Halpern. “Nossos resultados mostram que, quando se

somam todos os tipos de impacto individual, surge um quadro geral que parece muito pior do que a maioria das pessoas imagina. Foi uma surpresa para mim.”

> Não basta soprar O saxofonista norte-americano John Coltrane recheava suas melodias de jazz com notas agudas e cortantes, que apenas bons músicos profissionais conseguem repetir. Os físicos Jer Ming Chen, John Smith e Joe Wolfe, da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, descobriram por quê. Eles desenvolveram um equipamento que, acoplado

ao bocal dos instrumentos de sopro, permite medir como a boca, a mandíbula, a língua, a glote, a faringe e a laringe influenciam a produção do som. Analisaram melodias tocadas por oito saxofonistas (cinco profissionais e três amadores) e constataram que o trato vocal não influencia muito as notas graves. Observaram, porém, que os saxofonistas profissionais usavam seu aparelho vocal para produzir as notas muito agudas, situadas numa faixa chamada altíssima, que não eram tocadas pelos amadores. Com esses resultados, publicados na Science, os físicos esperam ter colocado um ponto final a duas décadas e meia de discussões sobre a interferência do aparelho vocal para tocar instrumentos de sopro. Agora eles pretendem repetir os testes com clarinetas e outros instrumentos. Esperam encontrar resultados semelhantes.M

IGU

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YA

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A Noruega fez uma es-

pécie de seguro das la-

vouras do mundo. Cem

países já depositaram

sementes em lugar bem

protegido, o Domo Glo-

bal de Sementes Sval-

bard, inaugurado no fi-

nal de fevereiro. Para

chegar até lá a viagem

é longa. Primeiro é pre-

ciso desembarcar no

aeroporto de Svalbard,

arquipélago quase mil

quilômetros ao norte da

Noruega, o ponto mais

ao norte da Europa aon-

de chegam vôos comer-

ciais. Depois seguir por

uma estrada onde pla-

cas alertam para o risco

de encontrar um urso-

polar, até chegar à minúscula e gélida Longyearbyen, onde

vivem cerca de 1.800 pessoas e o sol não dá as caras durante

quase 4 meses do ano. Ali, numa encosta de rochas perma-

nentemente congeladas, uma imensa caverna escavada na

pedra já recebeu 100 milhões de sementes. Esse banco polar

tem capacidade de abrigar, a -18ºC, até 2 bilhões de sementes

das mais variadas espécies de plantas cultivadas para o con-

sumo humano, que talvez assim sejam salvas da extinção.

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Teto do banco global de sementes emerge do gelo em Svalbard

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Page 53: O verde real

54 ■ MARÇO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 145

Auckland, na Nova Zelândia, Boubli e alguns colegas acabam de descrever um novo uacari-preto: Cacajao ayresi, que vive às margens do rio Aracá, um afluente do rio Negro. O nome homenageia o primatólogo José Márcio Ayres, pioneiro no estudo dos uacaris e criador das reservas de Mamirauá e Amanã,

no Amazonas. Boubli espera que a descoberta inspire a criação de uma reserva que proteja a nova espécie primata com a participação dos ribeirinhos. No artigo em que descreve o C. ayresi, o pesquisador também defende que o que se acreditava ser uma subespécie de C. melanocephalus do Pico da Neblina é, na verdade, uma terceira espécie, agora batizada com o nome que os ianomâmis dão para esses macacos: C. hosomi.

> Sensibilidade e resistência

O risco de câncer de mama ou ovário aumenta muito quando uma mutação inativa o gene BRCA2, responsável por fazer reparos no material genético

das células. Uma colaboração entre o pesquisador britânico Alan Ashworth e o patologista brasileiro Jorge Reis-Filho, ambos do Centro Breakthrough de Pesquisa em Câncer de Mama, em Londres, demonstrou que uma outra alteração nesse mesmo gene torna o tumor resistente aos medicamentos usados para combatê-lo, como a carboplatina e os inibidores de PARP. A carboplatina causa uma segunda mutação no BRCA2, tornando-o novamente ativo. O gene passa a consertar os danos causados naturalmente no material genético e aqueles provocados pela quimioterapia. “É irônico que o mesmo mecanismo que causa sensibilidade à medicação também provoque a resistência

> Surpresa entre as folhagens

Jean-Philippe Boubli embrenha-se na Amazônia desde 1991 em busca dos discretos uacaris-pretos (Cacajao melanocephalus). Desde o início, quando morava na floresta, o antropólogo brasileiro sempre teve de contar com a ajuda de índios locais para encontrar grupos desse macaco no alto das árvores – ou, para seu desgosto, ver seu objeto de pesquisa virar almoço da tribo. Essa colaboração acaba de mostrar como ainda há muito a descobrir sobre a Floresta Amazônica. Os índios sempre conheceram mais de um tipo de uacari-preto, mas para primatólogos a novidade será apresentada no International Journal of Primatology. Agora professor na Universidade de

Timidez vencida: uacari descoberto na Amazônia

Pula-pula: trechos da melodia identificam o cantor

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O canto do pula-pula-assobiador

(Basileuterus leucoblepharus) não

é um trinado qualquer. Reprodu-

zindo gravações naturais experi-

mentalmente modificadas de cantos do pula-pula na floresta, pesqui-

sadores franceses e brasileiros decifraram recentemente a complexa

comunicação dessa ave que habita a Mata Atlântica. Cada parte de

seu repertório tem características acústicas que se propagam de

maneira diferente e por isso transmitem informações específicas.

Notas que identificam a espécie do cantador, uma informação públi-

ca, atingem uma ampla área da floresta. Já a estrofe que identifica

o indivíduo é reservada a vizinhos e não chega tão longe, constatou

a equipe, formada por grupos da Universidade Estadual de Campinas,

da Universidade Federal do Pará e da Universidade de São Paulo.

Modulações acústicas permitem também que um pula-pula, ao ouvir

um chamado, localize seu interlocutor (PloS One). Segundo os auto-

res do estudo, o canto dessa espécie é um exemplo de adaptação

evolutiva a um ambiente como a Mata Atlântica, em que a floresta

fechada impõe desafios à comunicação.

CANTADAS COM DESTINO CERTO

LABORATÓRIO BRASIL>>

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Page 54: O verde real

PESQUISA FAPESP 145 ■ MARÇO DE 2008 ■ 55

A bactéria Xylella fas-

tidiosa, que causa nos

citros uma doença co-

nhecida como amareli-

nho, usa para se defen-

der a própria arma com

que a planta tenta ata-

cá-la: a proteína hidro-

xinitrila liase. As laran-

jeiras se valem dessa

proteína para fabricar

o ácido cianídrico,

substância tóxica con-

tra microorganismos

invasores. Já a Xylella

usa essa proteína pos-

sivelmente para rever-

ter a síntese do ácido

cianídrico que encon-

tra ao invadir laranjei-

ras, limoeiros ou pés de

tangerina, constatou

Célia Sulzbacher Caruso, da Universidade de São Paulo em São Carlos. Essa descoberta explica

por que o amarelinho também pode resistir aos pesticidas à base de precursores do ácido cianí-

drico. “Com os próximos estudos voltados para o bloqueio do gene da Xylella responsável pela

produção dessa proteína, poderemos chegar a uma alternativa para erradicar a bactéria”, comen-

ta Célia, que acredita que possam existir moléculas capazes de inibir a ação da hidroxinitrila.

pesquisadores chineses e brasileiros na revista PNAS, está quase completo e permite observar, além do tamanho reduzido de um animal adulto, dedos curvos jamais vistos em outro pterossauro. Indicam que era capaz de pousar em árvores.

Xylella no interior de vasos de planta

ao tratamento”, comenta Reis-Filho, que publicou a descoberta em fevereiro na Nature. Reis-Filho e Ashworth identificaram esses efeitos primeiro em cultura de células em laboratório e depois em tecido extraído de portadoras de câncer ovariano. O achado pode abrir o caminho para vencer a resistência desses tumores aos medicamentos e ajudar a prever qual tratamento será mais eficaz para cada paciente.

> Pterossauro chinês

Por volta de 120 milhões de anos atrás, pequenos répteis empoleirados no alto das árvores espreitavam insetos. Descobrir um pterossauro que, de asas abertas, caberia

sobre esta página, causou surpresa. Nemicolopterus crypticus, nome que significa habitante oculto das florestas, viveu em florestas primitivas que existiam onde hoje é o nordeste da China. O fóssil de N. crypticus, descrito recentemente por

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Salvador entrou em alerta em 1995. Casos

de dengue começavam a se disseminar

pela cidade, na primeira epidemia da doen-

ça na capital baiana. Mais de 10 anos de-

pois, um estudo liderado por Florisneide Barreto, do Instituto de

Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, tenta entender

o padrão de dispersão da epidemia passada para evitar o ressur-

gimento do problema no futuro. A análise dos casos, publicada

em fevereiro na revista BMC Public Health, mostra que o epicen-

tro da dispersão do vírus provavelmente foi a península de Ita-

pagipe, na porção oeste da capital baiana. Dali a doença se espa-

lhou praticamente por toda a cidade. A partir desses resultados,

os autores ressaltam a importância de criar mecanismos mais

eficazes de vigilância e controle da doença. Quando casos são

detectados precocemente em seu ponto inicial, é possível traçar

estratégias para conter o avanço da epidemia.

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Epidemia histórica: dengue se espalhou por Salvador

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Em apenas 24 horas proteínas comuns no cére-bro assumem uma estrutura anômala e se emaranham. Parecem ouriços-do-mar encai-xados entre as células cerebrais, que em res-posta incham e se retorcem. Uma semana de-pois essas placas já têm seu tamanho final, flagrado em pacientes com mal de Alzheimer,

a causa mais comum de perda de memória e de capa-cidade intelectual em pessoas com idade avançada. A rapidez surpreendeu os pesquisadores norte-ame-ricanos que usaram um microscópio especial – mul-tifotônico – capaz de acompanhar em tempo real a deposição dessas placas em camundongos vivos. As imagens, publicadas em fevereiro na revista Nature, reforçam a idéia de que essa proteína, a � amilóide, tem papel central no Alzheimer, mas há controvérsia. Há pessoas que morrem com sintomas de Alzheimer e não têm placas no cérebro, e muitas têm placas no cérebro, mas não desenvolvem a doença.

Contra o tempo

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“Na vizinhança das placas há outros agregados de � amilóide, bem menores e solúveis, que não são vi-síveis pela maioria das técnicas de análise”, explica Sergio Teixeira Ferreira, bioquímico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele acredita que são esses os vilões – as placas na verdade indicam um excesso da proteína nos meandros do cérebro. Em busca de desvendar o mistério dessa doença que no mundo gera um novo caso a cada 7 segundos, de acordo com dados de 2005 da Organização Mundial da Saúde, o grupo do farmacologista Cristoforo Sca-vone, do Instituto de Ciências Biomédicas da Uni-versidade de São Paulo (USP), tem esmiuçado a bio-química do Alzheimer para detectá-lo antes que sintomas se manifestem e, principalmente, encontrar uma forma de contê-lo – até agora a medicina se limi-ta a retardar a perda de cognição.

Foi por isso que Elisa Kawamoto, do grupo de Scavone, se concentrou em investigar como a � amilóide altera a bioquímica das células e acaba por matá-las. Com a colaboração de Maria Christina Avellar, da Universidade Fe-deral de São Paulo (Unifesp), ela desco-briu que, em concentração abaixo da tóxica, a � amilóide estimula uma pro-teína, o fator de transcrição kappa B (NF-�B), a entrar em ação.

CIÊNCIA>

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Equipe identifica como proteína essencial no cérebro causa morte celular no paciente de mal de Alzheimer

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O biólogo norte-americano Mark Mattson, um dos líderes mundiais na pesquisa sobre demência ligada ao en-velhecimento, acredita que o NF-�B protege o cérebro contra a perda de neurônios que vem com a velhice. Elisa fez parte de seu trabalho no laboratório de Mattson no Instituto Nacional sobre Envelhecimento. Daí saiu uma colabo-ração produtiva, que ajudou o grupo da USP a mostrar que a relação não é assim tão simples. Em concentrações normais, a proteína induz o cérebro a recrutar substâncias protetoras. Mas no desequilíbrio causado pelo excesso de � amilóide o NF-�B acaba ativando genes ligados à morte celular.

Já se sabia que a � amilóide causa danos no cérebro, provocando esque-cimentos típicos do Alzheimer como sair de casa e não lembrar o caminho de volta ou deixar de reconhecer pa-rentes próximos. Mas Elisa e Scavone queriam entender mecanismos natu-rais de resistência contra esses efeitos deletérios. Ela então cultivou em labo-ratório células cerebrais de ratos, de uma região naturalmente resistente à degeneração por Alzheimer – o cere-belo, centro que controla o equilíbrio e o movimento fino como virar as pá-ginas de uma revista. “Queríamos sa-ber por que o Alzheimer só ataca algu-mas regiões”, conta Scavone.

Ao incubar com � amilóide essa cul-tura composta em 90% por neurônios e só 10% de outras células cerebrais, Elisa demonstrou que a proteína de fato age nos neurônios, as células que transmi-

tem informação e são minoria no cére-bro. A neuróglia, composta por células dez vezes mais abundantes, dá estrutura ao cérebro e não é afetada da mesma forma pela proteína. Os resultados do trabalho do grupo da USP estão na edi-ção deste mês do Journal of Neuroscience Research. “Provar que a ação acontece nos neurônios é um avanço grande para a área”, comemora Scavone.

Fechar as portas - Para se comunicar com o interior das células, a � amilóide em volta dos neurônios envia sinais através dos receptores N-metil D-as-partato, ou NMDA. O grupo da USP descobriu o que acontece depois: os receptores ativam o NF-�B, que migra para o núcleo das células e ali influencia a atividade genética. Descobrir isso foi essencial porque sugere uma forma de bloquear a via de sinalização, desenca-deada pela � amilóide, que leva à mor-te celular: bloquear os receptores.

Sergio Ferreira e Fernanda De Feli-ce, ambos da UFRJ, já haviam demons-trado o papel dos receptores em artigo publicado no Journal of Biological Che-mistry em 2007. Agora o grupo carioca está na pista de como interferir nessa sinalização. Uma das possibilidades é o aminoácido taurina, que existe em altas concentrações no cérebro jovem – con-centração que cai com o envelhecimen-to e o Alzheimer. Ferreira mostrou, em artigos publicados em 2004 no Faseb Journal e em 2005 na revista Neuro-pharmacology, que a taurina, presente em bebidas energéticas, protege os neu-

rônios contra a toxicidade da � amilói-de. “Funciona como um antídoto à ativação dos N-metil D-aspartato”, ex-plica o bioquímico.

Seu grupo agora investiga as possi-bilidades da taurina como arma de combate ao Alzheimer. Em colabora-ção com o Projeto de Envelhecimento Cerebral da USP, que mantém um ban-co de cérebros de idosos e cede esse ma-terial para pesquisadores associados, o bioquímico da UFRJ está comparando teores de taurina em cérebros de pes-soas que morreram com mais de 50 anos de idade, com e sem Alzheimer. Os resultados iniciais mostram uma dife-rença, mas ainda não é possível afirmar com rigor estatístico.

Mas os mecanismos de defesa do cé-rebro contra a � amilóide não se restrin-gem à produção do NF-�B. Elisa e Sca-vone verificaram no cerebelo uma ativi-dade dos genes que produzem o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) maior do que o esperado em comparação a outras partes do cérebro. O farmacologista Iván Izquierdo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), já havia mos-trado que essa proteína é essencial para a retenção de memória. O grupo da USP agora reforça sua relação com Alzhei-mer: eles acreditam que esse potencial de produzir mais dessa proteína da me-mória é exatamente o que protege as células do cerebelo. Nas regiões do cére-bro sensíveis ao Alzheimer, como o hi-pocampo e o córtex pré-frontal, o NF-�B inibe a produção do fator neurotró-fico. No cerebelo acontece o oposto. “O cerebelo é capaz de produzi-lo por ou-tras vias”, completa Scavone.

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As descobertas favorecem a idéia de que a perda da proteína esteja ligada ao surgimento do Alzheimer. As áreas do cérebro em que o NF-�B é mais eficaz em inibir a produção da substância pro-tetora, o córtex pré-frontal e o hipocam-po, são responsáveis, respectivamente, por processar comportamentos comple-xos e pelo armazenamento de memória – capacidades que gradativamente se perdem em pacientes com a doença. Na edição de fevereiro da Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), Izquierdo provou que injetar BDNF no hipocampo é suficiente para devolver a memória a ratos nos quais uma deficiên-cia em produção de proteínas fazia com que as lembranças se perdessem.

Mas ainda é cedo para comemorar e procurar comprimidos para memória à base de fator neurotrófico derivado do cérebro. “A proteína tem que ser in-jetada diretamente no hipocampo, e não se pode fazer isso em seres huma-nos”, adverte Izquierdo. Além disso, ela age promovendo o crescimento dos pontos de comunicação entre os neu-rônios – as sinapses. Em doses altas, pode dar origem a tumores.

Há no cérebro substâncias que pro-tegem as células e outras que as agri-dem, mas Scavone e sua equipe acredi-tam que, por mais que entendam as vias bioquímicas, interrompê-las pode ter efeitos adversos sérios. O NF-�B, por exemplo, pode promover ou evitar a morte celular, dependendo da con-centração e da região do cérebro em que se encontra. Scavone explica: “To-dos os compostos têm efeitos positivos em algumas concentrações e nocivos em outras”. Por isso, Ferreira reforça, é difícil prever o que acontecerá quando se interfere no equilíbrio químico, seja com substâncias naturalmente produ-zidas no organismo ou externas.

Para equilibrar as vias bioquímicas a resposta mais segura parece não estar

em medicamentos que alterem a con-centração de proteínas, mas na dieta. A restrição calórica, único procedimento que a ciência já provou prolongar a vi-da de animais de laboratório, parece desligar genes que disparam processos inflamatórios. Ela também aumenta os teores do fator neurotrófico e a ativida-de da proteína WNT, que o grupo de Ferreira mostrou, em artigo publicado este ano no Journal of Biological Che-mistry, ser inibida por altos teores de � amilóide. A WNT é outra dessas subs-tâncias com ação variável: em doses pequenas previne a formação de placas de � amilóide e pode dar origem a cân-cer quando mais abundante.

Agora pós-doutoranda no labora-tório de Scavone, Elisa testa os efeitos da restrição calórica em ratos subme-tidos a uma dieta rigorosa: durante um mês, alterna períodos de 24 horas em jejum e 24 horas com comida. Os dados ainda são preliminares – ela só

testou quatro animais de 4 meses de idade e quatro de 24 meses – mas ani-madores. Nos ratos mais jovens, que correspondem a adultos humanos por volta dos 30 anos, a restrição calórica reduz a inflamação induzida experi-mentalmente no hipocampo e aumen-ta nesse tecido a concentração do fator neurotrófico derivado do cérebro, proteína que protege os neurônios e favorece a formação da memória.

Para envelhecer bem - Mas ao me-nos entre os roedores esse efeito não é sempre benéfico. A restrição calórica nos ratos idosos que não fizeram dieta na juventude causa estresse oxidativo, que junto com processos inflamató-rios acaba causando a morte das célu-las cerebrais.

Talvez a restrição tenha que ser cons-tante ao longo da vida, ou quem sabe falte encontrar um nível de restrição ca-lórico adequado para idades avançadas. Afinal, dietas rigorosas impõem um es-tresse fisiológico que pode ser excessivo na velhice. Já em jovens o estresse pode fortalecer o organismo. “É como a his-tória do rei que, por medo de ser enve-nenado, tomava um pouco de veneno todos os dias”, compara Scavone.

Por enquanto parece que, chegada a meia-idade, já não adianta começar uma dieta para evitar a degeneração do cérebro. “É preciso mudar os hábitos alimentares da população”, diz Scavone, que enche de frutas as lancheiras que os filhos levam para a escola. Para ele, me-dicamentos são o último recurso, não o primeiro. Numa população cada vez mais velha é essencial cuidar da saúde desde a infância. ■

1. Alterações da via glutamato-óxido nítrico na modulação do NF-�B pelo peptídeo � amilóide2. Sinalização pela proteína WNT e a neurotoxicidade induzida pelo peptídeo � amilóide em cultura de células primárias de neurônios do hipocampo.

MODALIDADE

Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa

CO OR DE NA DOR

CRISTOFORO SCAVONE – USP

INVESTIMENTO

1. R$ 154.040,99 (FAPESP) e R$ 35.000 (CNPq)2. R$ 153.271,19

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O DNA do guaraná

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BIOLOGIA MOLECULAR

Guaraná: genes importantes para produção de flavonóides

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Espécie nativa da Região Norte que virou sinô-nimo de refrigerante tipicamente brasileiro e importante ingrediente de extratos e pós des-tinados aos mais variados fins, nem todos com comprovação científica, o guaraná co-meça a ser entendido no que tem de mais íntimo: o DNA. Dois trabalhos recém-publi-

cados em revistas internacionais por membros da Rede da Amazônia Legal de Pesquisa Genômica (Real-gene) mostram facetas desconhecidas da biologia molecular dessa planta trepadeira, cultivada há sécu-los como estimulante por tribos da Amazônia central, como os maués e os andirás, e hoje pelo homem con-temporâneo também em outras partes do país, como na Bahia, maior estado produtor de guaraná.

O primeiro estudo, que ganhou as páginas do Journal of Plant Research em maio do ano passado, revela a existência de 210 cromossomos na variedade sorbilis da Paullinia cupana, o tipo de guaraná que os pesquisadores analisaram. O número chamou a atenção, ainda mais se comparado ao encontrado em outras sete espécies do gênero Paullinia, todas com 24 cromossomos. “Alguns colegas diziam que o gua-raná tinha tantos cromossomos que era praticamen-te impossível contá-los”, comenta o biólogo molecu-lar Spartaco Astolfi-Filho, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e coordenador da Realgene. Mas, com o apoio de Carlos Roberto de Carvalho, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), o biólogo Danival Vieira de Freitas da Ufam, primeiro autor do estudo, logrou tal feito. Embora não seja inédita, a presença de tantos cromossomos em plantas é um evento raro. No artigo, os pesquisadores acreditam que o processo de domesticação do guaraná, levado a cabo pelos primeiros indígenas, pode ter favorecido a seleção de exemplares da planta com muitos cro-mossomos. Dessa forma, os povos da floresta teriam sido os responsáveis pela criação e propagação da variedade sorbilis da P. culpana, atualmente a mais cultivada no país.

O segundo trabalho saiu agora em janeiro na Plant Cell Reports e vai ainda mais fundo no material genético desse cipó amazônico. Em vez de seqüenciar todos os genes do guaraná, uma tarefa difícil devido ao enorme tamanho do genoma da planta, cerca de três vezes maior que o do homem, os pesquisadores optaram por procurar apenas pelos genes ativados

no órgão da planta usado para fabri-car extratos. A estratégia permitiu des-cobrir que os frutos do guaranazeiro, onde estão as cobiçadas sementes a partir das quais se fazem extratos para a produção de bebidas e outros pro-dutos, expressam 8.597 pedaços de ge-nes durante seu processo de amadure-cimento. Entre esses segmentos de ge-nes ativos, tecnicamente denominados etiquetas de seqüência expressa (ESTs, na sigla em inglês), há muitos ligados à síntese de flavonóides, substâncias com potencial antioxidante, e de al-calóides, como a cafeína. Também se destacam genes que parecem ser im-portantes para as reações da planta em situações de estresse ambiental, como secas, agressão de insetos e reação a microorganismos.

Flavonóides antioxidantes - Os da-dos da Realgene batem, em linhas ge-rais, com resultados recentes de pes-quisas que tentam confirmar proprie-dades terapêuticas, novas ou antigas, normalmente imputadas ao guaraná. Esse era, aliás, o objetivo central do tra-balho de seqüenciamento dos genes expressos, chamado no jargão técnico de transcriptoma, pelo fruto da planta ao longo de seus estágios de desenvol-vimento. “Tentamos encontrar alguma base molecular para o que já sabia so-bre o guaraná”, explica a pesquisadora Paula Ângelo, da Embrapa Amazônia Ocidental, de Manaus, primeira autora do estudo publicado na Plant Cell Re-ports. Nesse contexto, faz todo sentido, por exemplo, existir no genoma da es-pécie amazônica alto nível de expressão de genes que fabricam enzimas relacio-nadas à síntese de cafeína (99 ESTs de-tectadas). Afinal, a substância estimu-lante está presente num teor que varia de 3% a 6% do peso seco das sementes de P. cupana, proporção três vezes maior

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Com 210 cromossomos, genoma da planta amazônica fornece pistas sobre suas propriedades terapêuticas

do que a verificada nos próprios grãos de café. A maior surpresa do trabalho talvez tenha sido a identificação de 129 ESTs relacionadas ao metabolismo de flavonóides. Muitos dos eventuais efei-tos benéficos à saúde do consumo de chás e de pequenas doses de vinho tinto – proteção contra certos tipos de câncer e inflamações e melhoras no sistema cardiovascular, entre outros – são atri-buídos atualmente a esse vastíssimo grupo de compostos naturais, que in-cluem substâncias como os taninos, as catequinas e as antocianinas.

Os artigos publicados representam apenas o início, não o fim, dos esforços da Realgene, que reúne cientistas de mais de uma dezena de universidades e institutos de pesquisa da Amazônia e de outras partes do país. Serviço não falta-

rá aos membros da rede genômica, cujos trabalhos nos últimos 5 anos contaram com financiamento de R$ 1,5 milhão do Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico (CNPq) e de R$ 300 mil da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam). Eles terão de checar se o guaraná fabrica mesmo e em que nível as proteínas de maior interesse científico ou comercial apontadas no artigo sobre o transcriptoma dos frutos da planta. Também tentarão verificar como é o perfil de ativação de genes em outros tipos de tecidos da P. cupana, sobretudo nas folhas e raízes. “Ao final de nossos estudos, gostaríamos de me-lhorar ainda mais o status do guaraná como planta medicinal no mundo”, diz o otimista Astolfi-Filho. Tu-do isso além de continuar os trabalhos de seqüencia-mento para mapear genes expressos em organismos tão diversos como o mosquito Anopheles darlingi, princi-pal transmissor da malária no Brasil, e o camu-camu (Myrciaria dubia), fruta da Amazônia com 60 vezes mais vitamina C do que a laranja e o dobro da acerola. ■

MA RC O S PI V E T TA

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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internetwww.scielo.org

Notícias

Em fevereiro, novos periódicos foram disponibilizados no portal da Rede Scielo. São eles: Saúde e Sociedade, do Brasil, Estudios de Economía, do Chile, Gaceta Médica de Caracas, da Venezuela, Humanidades Médicas e Revista Cubana de Salud Pública, de Cuba, Motricidade, de Portugal, Quinto Sol, da Argentina, Revista Colombiana de Entomología, da Colômbia, Revista Española de Sanidad Penitenciaria, da Espanha, e Revista Internacional de Contaminación Ambiental, do México.

■ Pneumologia

Características do fumante

O artigo “Características psicológicas asso-ciadas ao comportamento de fumar tabaco”, de Regina de Cássia Rondina, da Faculdade de Ciências da Saúde/Associação Cultural e Educa-cional de Garça, Ricardo Gorayeb, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, e Clóvis Bo-telho, da Universidade Federal de Mato Grosso, apresenta uma revisão da literatura sobre a psi-cologia do tabagismo, destacando caracterís-ticas de personalidade do fumante como um dos obstáculos à ces-sação do tabagismo. Descreve-se a relação entre tabagismo e per-sonalidade e, a seguir, a relação do tabagismo com os principais transtornos psiquiátricos. Estudos revelam que os fumantes tendem a ser mais extrovertidos, ansiosos, tensos, impulsivos e com mais traços de neuroticismo e psicoti-cismo, em comparação a ex-fumantes e não- fumantes. A literatura revela, ainda, forte asso-ciação entre tabagismo e transtornos mentais, como esquizofrenia e depressão, entre outros.

JORNAL BRASILEIRO DE PNEUMOLOGIA – V. 33 – Nº 5 – SÃO PAULO – SET./OUT. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo/145/pneumologia.htm

■ Economia

Agroindústria canavieira

A produção e o consumo de açúcar são bas-tante antigos, assim como as práticas dos paí-ses desenvolvidos destinadas a apoiar e proteger seus mercados deste bem, o que se ampliou após a crise de 1929, passando a existir tanto o mer-

cado livre mundial como os mercados preferen-ciais. O estudo “Os mercados mundiais de açú-car e a evolução da agroindústria canavieira do Brasil entre 1930 e 1980: do açúcar ao álcool pa-ra o mercado interno”, de Pedro Ramos, da Uni-versidade Estadual de Campinas, analisa estas relações com a evolução da agroindústria cana-vieira do Brasil, mostrando que as exportações alcançaram um novo patamar apenas depois da entrada do nosso açúcar no mercado norte-americano, já que, até então, a produção de açú-car esteve voltada ao consumo interno e a ela es-teve associado o mercado de álcool carburante.

ECONOMIA APLICADA – V. 11 – Nº 4 – RIBEIRÃO PRETO – OUT./DEZ. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo/145/economia.htm

■ Fertilização

Debate sobre embriões

Com o advento das técnicas de fertilização in vitro no final da década de 1970, abriu-se um debate mundial sobre o estatuto do embrião produzido em laboratório, assim como sua ma-nipulação experimental na pesquisa científica. O objetivo do artigo “Nas fronteiras do ‘humano’: os debates britânico e brasileiro sobre a pesquisa com embriões”, de Letícia da Nóbrega Cesarino, da University of California, é analisar compa-rativamente dois desses debates no âmbito dos parlamentos britânico e brasileiro. O primeiro resultou na Human Fertilisation and Embriolo-gy Act de 1990, e o segundo, nas disposições da Lei de Biossegurança de 2005 relativas às célu-las-tronco embrionárias. A análise, partindo da literatura antropológica sobre o tema, preten-deu demonstrar não só a abertura das fronteiras do “humano” a uma negociação explicitamente política, como também os principais vetores que vêm conformando tais negociações no caso da pesquisa científica com embriões humanos.

MANA – V. 13 – Nº 2 – RIO DE JANEIRO – OUT. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo/145/fertilizacao.htm

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■ Saúde

Crianças obesas

O trabalho “Excesso de peso de escolares em região do Nordeste brasileiro: contraste entre as redes de en-sino pública e privada”, de Lana do Monte Paula Brasil e Hélcio de Sousa Maranhão, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e Mauro Fisberg, da Universida-de Federal de São Paulo, estima a prevalência de excesso de peso em escolares na cidade de Natal (RN). Foi feito estudo transversal com 1.927 crianças, de 6 a 11 anos de idade, de escolas públicas e privadas nas diferentes zo-nas da cidade. Foram analisadas as variáveis (sexo, faixa etária, tipo de escola e zonas da cidade) e considerados com excesso de peso os escolares com índice de massa corporal para sexo e idade igual ou superior ao percentil 85. Os resultados indicam excesso de peso encontrado em 33,6% das crianças. Não houve diferenças significan-tes entre os sexos e faixas etárias. Nas escolas privadas, a prevalência de excesso de peso foi 54,5%; nas públicas, 15,6%. Maior prevalência de excesso de peso foi encon-trada nas escolas das zonas de melhor índice de qualidade de vida da cidade, isto é, zonas leste-sul (41,3%), quando comparadas às zonas norte-oeste (28,4%). Concluiu-se que a prevalência de excesso de peso em escolares se mos-trou alta, demonstrando a necessidade de programas de intervenção e prevenção. A maior prevalência nas esco-las privadas, reforçada pelo mesmo achado nas crianças de escolas situadas nas zonas de maior poder aquisitivo da cidade, reflete a importância da associação entre os níveis socioeconômicos mais altos e o excesso de peso, sobretudo o sobrepeso, em regiões em desenvolvimento. REVISTA BRASILEIRA DE SAÚDE MATERNO INFANTIL – V. 7 – Nº 4 – RECIFE – OUT./DEZ. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo/145/saude.htm

■ Psiquiatria

Nise da Silveira

No decorrer da década de 1940, a psiquiatria hegemô-nica brasileira voltou-se para as inovações científicas e tecnológicas e para a sedimentação de uma visão orgânica da doença mental. Nesse contexto, Nise da Silveira pesqui-sou o desenvolvimento de uma prática clínica em terapia ocupacional, examinando os resultados com inteligência livre de enquadramentos limitadores. Organizou e cuidou dos espaços e tempos para o desenvolvimento das capa-cidades criativas, da experimentação e do aprendizado artístico dos loucos. Devido à quantidade de desenhos e pinturas e à qualidade das obras produzidas, seus ateliês adquiriram e aglutinaram grande interesse científico e ar-tístico. O artigo “Resistência, inovação e clínica no pensar e no agir de Nise da Silveira”, de Eliane Dias de Castro e Elizabeth Maria Freire de Araújo Lima, da Universidade de São Paulo, mostra que o trabalho de Nise da Silvei-

ra produziu um deslocamento nas atividades realizadas como ocupações monótonas e repetitivas, mantenedoras da lógica asilar; aproximou-as das necessidades reais dos pacientes, abrindo novas possibilidades de ação e par-ticipação no mundo para essas pessoas. Sua história é referência para práticas atuais na terapia ocupacional. A partir dela arte, cultura e loucura ganham novos sentidos. INTERFACE - COMUNICAÇÃO, SAÚDE, EDUCAÇÃO – V. 11 – Nº 22 – BOTUCATU – MAIO/AGO. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo/145/psiquiatria.htm

■ Agronomia

Cafeeiros adensados

Buscando obter maior produtividade inicial da lavoura cafeeira é comum fazer plantio adensado. Porém devi-do a esse adensamento e outras causas a produtividade reduz-se a partir da quarta ou quinta colheita. Essas são algumas das causas do “fechamento” da copa das plantas, o que torna necessário fazer a eliminação de linhas de café. Assim, o trabalho “Eliminação de linhas em cafeei-ros adensados por meio semimecanizado”, de Ezequiel de Oliveira, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Bambuí, Fábio Moreira da Silva e Rubens José Guimarães, ambos da Universidade Federal de Lavras, e Zigomar Me-nezes de Souza, da Universidade Estadual de Campinas, teve por objetivo avaliar a efi-ciência operacional e viabili-dade econômica de diferentes métodos de eliminação das linhas de cafeeiros adensados. O trabalho foi desenvolvido no município de Lavras, MG, em área de 1 hectare, sendo os ensaios realizados utilizando o delineamento inteiramente casualizado, com três repetições, em parcelas aleatórias com 50 metros de comprimento. Os tratamentos foram: palitamento e arranquio usando trator com gancho, pali-tamento com foice e corte com motosserra e palitamento com foice e corte com serra circular. O tratamento pali-tamento com foice e corte com serra circular apresentou melhor eficiência operacional de campo, sendo 41,8% mais eficiente que o tratamento palitamento e arranquio usando trator com gancho. O uso palitamento com ser-ra circular ou motosserra é técnica e economicamente mais viável que o uso do palitamento e arranquio usan-do trator com gancho. No caso da venda dos troncos como lenha, os três métodos de eliminação das linhas dos cafeeiros resultaram em receitas líquidas, sendo maior para o palitamento e corte usando serra circular.

CIÊNCIA E AGROTECNOLOGIA – V. 31 – Nº 6 –LAVRAS – NOV./DEZ. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo/145/agronomia.htmFOT

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Já pensou se, um dia, existissem aparelhos

capazes de gerar energia elétrica a partir

dos movimentos naturais do nosso corpo?

Pois o que há alguns anos parecia imprová-

vel está para se tornar realidade. Cientistas

da Simon Fraser University, do Canadá, de-

senvolveram uma tecnologia que produz

energia a partir do movimento dos joelhos.

O aparelho coleta a energia do final da pas-

sada, quando os músculos estão trabalhan-

do para desacelerar o movimento da perna

– mais ou menos como fazem os carros hí-

bridos que retiram energia de suas freadas.

Ao “vestir” um desses geradores biomecâ-

nicos em cada perna, uma pessoa pode

gerar até 5 watts de energia sem nenhum

esforço físico adicional. Caminhadas mais

aceleradas produzem o equivalente a 13

watts de eletricidade. Nessa taxa, um mi-

nuto de caminhada gera energia suficiente

para manter um celular em funcionamento por meia hora. Um primeiro protótipo do equipamen-

to, a ser produzido pela empresa Bionic Power, uma spin-off da universidade, deverá estar pron-

to dentro de um ano e meio. Outro aparato desenvolvido na mesma linha saiu dos laboratórios

do Instituto de Tecnologia da Geórgia, nos Estados Unidos. Lá, uma equipe liderada pelo cientis-

ta Zhong Lin Wang conseguiu criar nanofios geradores de energia elétrica que, no futuro, pode-

rão ser empregados na fabricação de roupas. A novidade desses nanofios, feitos de óxido de

zinco, é sua capacidade de produzir eletricidade quando recebem uma pressão mecânica. No

caso de uma roupa, tal pressão pode ser simplesmente o movimento da pessoa que a veste ou

o bater do vento. Um desafio dos pesquisadores é criar um protótipo lavável.

polipropileno, cada uma delas com 20 micrômetros de comprimento (aproximadamente um quinto da espessura de uma folha de papel) e 0,6 micrômetro de diâmetro (1 centésimo do diâmetro do fio de cabelo humano). Um pedaço de apenas 2 centímetros quadrados suporta um objeto com 400 gramas, mostraram as pesquisas. O próximo desafio é fazer com que o adesivo grude em qualquer superfície e não apenas naquelas lisas e limpas, como o vidro.

> Inspirado nas lagartixas

Um novo adesivo criado por cientistas da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, é provavelmente o material que mais se aproxima da estrutura existente nas patas das lagartixas, que conseguem se deslocar em paredes e tetos sem cair ou escorregar. Os pesquisadores acreditam que o produto, em fase final de desenvolvimento, poderá ser usado na construção de robôs capazes de escalar paredes e outras superfícies verticais. Parecido com outro material antiderrapante criado pelo mesmo grupo em 2006, chamado de microfibras de altíssima fricção, o superadesivo tem a estrutura de um “tapete” formado por milhões de microfibras de

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de pesquisa e de agências governamentais de dez países, entre eles França, Inglaterra, Alemanha e Itália. Um dos maiores desafios apontados pelos especialistas é transformar o hidrogênio em um combustível economicamente viável. Para isso, o estudo examinou diferentes formas de produção e encontrou visões divergentes. Todos os países, no entanto, concordaram que sua produção poderá ser feita a partir de gás natural, biomassa ou energia eólica. Segundo o projeto, a frota movida a hidrogênio em 2030 será de 16 milhões de carros, o que terá representado um investimento em infra-estrutura de € 60 bilhões.

> Um novo recorde solar

Num típico dia de inverno no estado do Novo México, nos Estados Unidos, engenheiros do laboratório Sandia e da empresa Stirling Energy comemoraram um novo recorde mundial na eficiência da conversão de energia solar para eletricidade com um índice de 31,25% – o recorde anterior, de janeiro de 1984, era de 29,4%. A eficiência de conversão é calculada medindo-se a energia líquida enviada para a rede de transmissão e dividindo-a pela energia solar que alcança os espelhos parabólicos do sistema coletor. Para Bruce Osborn, presidente da Stirling Energy, o ganho na eficiência de conversão

coloca o sistema à frente de qualquer concorrente e muito próximo de sua comercialização. O avanço obtido na produção dos espelhos coletores é o principal responsável pelo feito. Eles são fabricados com um vidro com baixo teor de ferro e recobertos por uma película de prata, o que os torna altamente reflexivos.

> A saída é o hidrogênio

Um estudo publicado no final de fevereiro por pesquisadores europeus mostrou que a introdução do hidrogênio combustível na matriz energética do continente poderia reduzir em até 40% o consumo de petróleo e seus derivados pelo setor

de transporte. Denominado HyWays, o projeto contou com a participação de representantes do setor industrial, de institutos

Há dois anos, um comitê internacional

formado por alguns dos mais respei-

tados engenheiros e cientistas do mun-

do decidiu encarar uma ousada tarefa:

enumerar os principais desafios da engenharia no início do

século XXI para aumentar a qualidade de vida da humanidade

e tornar o mundo um lugar melhor para se viver. O resultado,

revisto por mais de 50 especialistas, foi divulgado recente-

mente e contempla quatro grandes áreas: sustentabilidade,

saúde, redução de vulnerabilidades e aumento da alegria de

viver. No total, 14 desafios foram listados, entre eles tornar a

energia solar mais acessível, criar métodos de seqüestro de

carbono, desenvolver melhores medicamentos e prevenir o

terror nuclear – a lista completa pode ser conferida no site

www.engineeringchallenges.org. O comitê decidiu não listar

os desafios por ordem de prioridade, mas a Academia Nacional

de Engenharia dos Estados Unidos, que patrocina a iniciativa,

está fazendo uma votação pelo site do projeto para identificar

qual delas, na opinião do público, é a mais importante.

DESAFIOS DO FUTURO

Espelhos coletores altamente reflexivos

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Mesmo com certificação, parte

do mel produzido e comercializa-

do no país tem sido adulterada

com glicose de milho ou de cana-

de-açúcar, como mostram dois

estudos conduzidos no Centro de

Isótopos Estáveis, unidade do Ins-

tituto de Biociências da Universi-

dade Estadual Paulista em Botu-

catu, no interior paulista, com

lotes do produto recolhidos em

apiários e supermercados. Uma

das pesquisas, feita pela agrônoma Elvira

Maria Arauco em sua tese de doutorado

defendida no Programa de Pós-graduação

em Zootecnia da Faculdade de Medicina

Veterinária, avaliou o grau de pureza de

211 amostras de mel compradas de apicul-

tores de 15 estados brasileiros. Do total,

8% apresentavam adulterações, que com-

prometem não só a qualidade como tam-

bém a composição do produto, já que,

durante o aquecimento para a adição de

glicose, o mel perde proteínas, minerais,

vitaminas e enzimas importantes. As

amostras de mel vendidas em supermer-

cados de sete estados brasileiros também apresentaram adul-

terações. De um total de 61 pequenas porções, 11 delas (18%)

continham glicose de milho ou de cana-de-açúcar, segundo

pesquisa realizada por Cibele Regina de Souza para a mono-

grafia de conclusão do curso de ciências biológicas do Institu-

to de Biociências da universidade. Os estudos foram realizados

tendo como base a diferença do valor padrão dos átomos de

carbono 13 e 12 do mel puro e dos produtos analisados.

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Adulterações comprometem mel

> Eficiência térmica

Um forno inovativo e compacto para a produção de gesso que apresenta alta eficiência térmica, cerca de 90%, e no processo de queima, em vez da madeira, utiliza gás natural ou biodiesel foi desenvolvido no Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Pernambuco

(UFPE) especialmente para o pólo gesseiro de Araripe, no sertão pernambucano, que reúne cerca de cem empresas. Outra vantagem do forno, que tem capacidade estimada de 30 toneladas por dia, é a possibilidade de condensação do vapor de água liberado no processo de transformação da gipsita em gesso. A água faz parte da composição da gipsita, que nada mais é do que

sulfato de cálcio hidratado. “Como a produção de gesso no pólo fica em torno de 1,2 milhão de toneladas por ano, são liberados para a atmosfera cerca de 220 milhões de litros de vapor de água provenientes da gipsita”, diz o professor Armando Shinohara, coordenador do projeto na universidade, que teve apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). “Essa quantidade de água daria para abastecer uma cidade com 12 mil habitantes por ano.” Para obter gesso de qualidade controlada, o forno será monitorado por computador. O equipamento foi produzido pela empresa Menkaura, fabricante de fornos de calcinação, que já começou a receber encomendas do pólo.

> Sensores no caminho

Uma bengala eletrônica com sensores semelhantes a um sonar, que avisam por meio de vibrações no próprio cabo sobre obstáculos como orelhões, caixas de correio e poças d’água, foi criada na Universidade do Vale do Itajaí (Univali), de Santa Catarina, para ajudar na locomoção de deficientes visuais. O projeto teve início em 2003, quando o professor Alejandro Rafael Garcia Ramirez, da Faculdade de Engenharia da Computação, campus de São José, entrou em contato com a Associação Catarinense para Integração do Cego, onde posteriormente foram feitos os testes do primeiro protótipo. O projeto, que recebeu cerca de R$ 30 mil daFinanciadora de Estudos e Projetos (Finep) para ser aperfeiçoado, utiliza a tecnologia conhecida como haptics, criada para auxiliar cegos a usar computadores e empregada, no caso, para realimentação tátil com o auxílio de sensores. A bengala eletrônica, que deverá custar em torno de R$ 500,00, já tem um novo protótipo em fase de testes para posteriormente ser apresentado a empresas. O produto similar importado custa cercade US$ 1.400,00.

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(Critt), incubadora da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Chamado de Altere (sigla de atualização tecnológica de religadores hidráulicos), o equipamento, instalado nas redes de distribuição, é utilizado para religar energia e indicar possíveis falhas no sistema. Uma unidade

O entulho produzido na construção civil

pode ser transformado em areia e rochas

britadas de alto desempenho mecânico.

A técnica inovadora para a obtenção dos

produtos de alto valor agregado, que po-

dem ser usados como concreto estrutural

para a construção de casas e edifícios, foi

desenvolvida por Vanderley John, profes-

sor do departamento de engenharia de

construção civil, e Carina Ulsen, pesqui-

sadora do laboratório de caracterização

tecnológica, ambos da Escola Politécnica

da Universidade de São Paulo. No entulho

da construção civil, a rocha geralmente

está contaminada por pasta de cimento,

que possui alta porosidade e baixa resis-

tência, o que torna o agregado reciclado

inadequado para o concreto estrutural.

A areia também pode ter contaminantes,

o que impossibilita o seu uso em arga-

massas. Na pesquisa, os materiais foram

separados conforme suas características

físicas e químicas, atendendo às exigências de cada aplicação na construção civil. Segundo dados

do Departamento Nacional de Produção Mineral, são gerados hoje cerca de 70 milhões de toneladas

por ano de resíduos da construção civil e demolição. Esses resíduos têm como destino produtos de

baixo valor agregado ou depósito em aterros, muitos dos quais ilegais. A próxima etapa prevê o le-

vantamento de custos e a adaptação do projeto para implantação em escala comercial.

> Projetos sustentáveis

Um livro que reúne o histórico e os princípios norteadores dos estudos sobre construções e projetos mais sustentáveis desenvolvidos por integrantes do Núcleo Orientado para a Inovação na Edificação (Norie), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), intitulado Habitações

de baixo custo mais sustentáveis: a Casa Alvorada e o Centro Experimental de Tecnologias Habitacionais Sustentáveis, foi lançado pelo Programa de Tecnologia de Habitação (Programa Habitare) e está disponível para download gratuito emhttp://www.habitare.org.br

Experiências construtivas

Um guia completo, que permite identi-

ficar as desordens nutricionais em cana-

de-açúcar, pode ser acessado gratuita-

mente no site do Centro Nacional de

Pesquisa e Tecnologia de Informática para Agricultura, órgão da

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no en-

dereço http://diagnose.cnptia.embrapa.br/cana/ A criação do Sis-

tema Especialista de Diagnose Nutricional para Cana-de-açúcar

foi uma das últimas contribuições do professor Euripedes Mala-

volta, ex-diretor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz

(Esalq) da Universidade de São Paulo e especialista em nutrição

mineral de plantas, falecido em janeiro deste ano. O sistema sin-

tetiza os conhecimentos históricos da fisiologia, nutrição mineral

e fertilidade do solo na cultura de cana-de-açúcar.

DIAGNÓSTICO NUTRICIONAL

Sistema identifica problemas na cana-de-açúcar

> Solução rápida

Um aparelho que permite solucionar rapidamente a interrupção de energia na rede elétrica foi desenvolvido pela Lupa Tecnologia, empresa de base tecnológica residente no Centro Regional de Inovação e Transferência de Tecnologia

remota, instalada junto ao religador, avisa, por meio de rádio, telefonia móvel ou fixa, um centro de operações quando a energia elétrica é interrompida, permitindo a operação remota do religador. A demanda pelo sistema surgiu de uma iniciativa da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig).

Novos destinos para o entulho

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EMPREENDEDORISMO

Nascedouro de negóciosIncubadoras de empresas crescem no país e agora querem novo patamar de desenvolvimento econômico e de sucesso empresarial

Um ambiente com muitas salas, umas maiores outras menores, lado a lado em pequenos pré-dios ou galpões marca o visual das incubadoras de empresas. Dentro delas, a gestação de algo novo que, como nas incuba-

doras destinadas a chocar ovos, espera-se, cresça forte e saudável. São negócios com base tecnológica formulados a partir de uma ou mais idéias que, quando concre-tizadas, se transformam em inovação. Tecnologia em grande parte nascida nas universidades e institutos de pesquisa do país. Cerca de 87% das incubadoras, que já somam 393 unidades no país, estão li-gadas formal ou informalmente a am-bientes acadêmicos de onde saem mui-tos dos candidatos a empreendedores. Há quase 8 anos, quando Pesquisa FAPESP, na sua edição 56, publicou a sua primei-ra reportagem sobre esses empreendi-mentos, elas somavam 135, um aumen-to de quase 37 incubadoras inauguradas por ano. O número de empresas incu-badas atingiu 2.775 no final do ano pas-sado e seu faturamento anual chegou aos R$ 400 milhões. Nada mau para um grupo de micro e pequenas empresas em que a metade não ganhou um centa-vo porque simplesmente ainda não ter-minou suas pesquisas e desenvolvimen-tos, ou seja, ainda não vendeu produtos.

Entre aquelas que já saíram da incu-badora prontas para o mercado, chama-das de graduadas, o faturamento atingiu R$ 1,8 bilhão em 2007, segundo cálculos da Associação Nacional das Entidades Promotoras de Empreendimentos de

Tecnologias Inovadoras (Anprotec). Elas somam cerca de 1.980 empresas e junto com as incubadas já absorvem mais de 30 mil postos de trabalho, com alto ín-dice de profissionais com mestrado e doutorado. São números grandiosos mas ainda pouco significativos para a economia brasileira. Se considerarmos o Produto Interno Bruto (PIB), a parti-cipação das empresas ainda é minúscu-la e somente uma delas tornou-se real-mente grande e significativa do ponto de vista econômico, a Bematech, desenvol-vedora e produtora de impressoras fis-cais em Curitiba, no Paraná (veja quadro na página 73), que se apresenta hoje co-mo um símbolo do alto patamar em que as empresa nascidas em incubadoras podem chegar porque já ultrapassou a barreira dos R$ 100 milhões em fatura-mento (ela faturou em 2007 R$ 240 mi-lhões). Muitas buscam a marca do R$ 1 milhão, como a empresa PAM, do Rio de Janeiro, produtora de membranas para filtragem de água, que deve atingir esse patamar neste ano (veja quadro na página 70). Algumas já ultrapassam a casa dos R$ 10 milhões, como a Audaces, empresa de Santa Catarina, produtora de softwares para a indústria têxtil.

Para atingir novos patamares econô-micos e de sucesso empresarial o movi-mento de incubadoras do país se prepa-ra para dar saltos de qualidade. “Elas formam uma nova geração de empreen-dedores em negócios em que a inovação tecnológica é o eixo estruturante, o que pode contribuir para uma mudança cul-tural e econômica dos empresários bra-

sileiros. Mas ainda é difícil medir tudo isso”, diz Guilherme Ary Plonski, presi-dente da Anprotec e professor da Facul-dade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP). Para atingir níveis de sucesso maiores, além de analisar de forma mais profunda o desempenho de empresas e incubado-ras, a entidade, que congrega esses em-preendimentos e mais os parques tecno-lógicos, aposta na aceleração do proces-so de crescimento de, pelo menos, cem empresas e num novo sistema de avalia-ção. “Vamos convocar os parceiros como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Em presas (Sebrae), as funda-ções de amparo à pesquisa, a Financia-dora de Estudos e Projetos (Finep) e outras entidades para escolher e apostar em cem empresas e injetar recursos fi-nanceiros e de consultoria, como vita-minas para corredores de maratona, para que elas cresçam alto e rápido”, diz Plonski. A escolha deve acontecer neste ano. “O nosso ideal é saber quanto é pos-sível acelerar o processo de incubação para que possamos conseguir colocar os pro dutos no mercado”, diz Luís Afonso Bermúdez, ex-presidente da Anprotec e diretor do Centro de Apoio ao Desen-volvimento Tecnológico (CDT) da Uni-versidade de Brasília. “Queremos que novas empresas se transformem em no-vas Bematechs”, diz Plonski. Ele espera contar também com as empresas asso-ciadas, o terceiro tipo de empreendi-mento que atua nas incubadoras, embo-ra não estejam instaladas dentro delas. A Anprotec já contabiliza 1.493 empresas R

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que aproveitam de todas as consultorias administrativas, jurídicas e da interação e troca de experiências existentes entre os empresários incubados.

Outras duas iniciativas também po-dem servir para que as empresas incu-badas alcem novos vôos. Uma é um projeto do Sebrae, de nível nacional, que prevê aumentar os negócios das empresas incubadas por meio de um apoio inicial, neste ano para 40 a 50 empresas que faturam entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão por ano, com o compro-misso de duplicar o faturamento em 3 anos. “É um projeto ambicioso, inicial-mente com R$ 4 milhões ou R$ 5 mi-lhões por ano, pensado para acelerar os negócios. No total, vamos apoiar de 400 a 500 empresas”, diz Paulo Alvim, ge-rente de inovação do Sebrae nacional. Ele conta que mais R$ 20 milhões serão destinados a nove incubadoras para que invistam nas empresas em consul-toria e capacitação. No Brasil, o Sebrae apoiou o surgimento de 250 incubado-ras desde o ano de 1998. “Agora esta-mos fortalecendo as incubadoras exis-tentes permitindo que elas tenham um compromisso com geração de renda, postos de trabalho e desenvolvimento local”, diz Alvim. A Finep está prestes a lançar o Programa Primeira Empresa (Prime), que prevê recursos de R$ 150 milhões injetados diretamente nas em-presas incubadas sem reembolso, no âmbito do Plano de Ação 2007/2010 de Ciência e Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional.

A Anprotec também finaliza um sistema único de avaliação ou acompa-nhamento, que as empresas incubadas e graduadas vão preencher via internet, de tudo relacionado ao empreendi-

mento e à incubadora, de financiamen-tos a faturamento. “Ao final vamos ter um quadro com número de empresas, funcionários, investimentos e impos-tos, quanto deles foi colocado na incu-badora e quanto foi gerado”, diz Tony Chierighini, diretor executivo da Cen-tro Empresarial para Laboração de Tec-nologias Avançadas (Celta), de Floria-nópolis, em Santa Catarina. “Isso vai servir principalmente aos parceiros co-mo o Sebrae, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-gico (CNPq), que financia bolsas de estudo, as fundações de amparo, com aportes sobretudo nas empresas, além da Finep, com financiamentos variados para incubadoras e empresas. “Vamos medir o impacto local da incubadora e suas empresas, além de mostrar resul-tados e vocações regionais para bioe-nergia, por exemplo, ou TV Digital”, diz Bermúdez. “As incubadoras têm que ser um pólo de conhecimento e apoiar também empresas que não estão insta-ladas dentro delas. Elas não são uma ilha e devem estar articuladas com os mecanismos de desenvolvimento de cada região”, diz Plonski.

Uma forma de dar mais musculatu-ra às incubadoras é apostar em nichos específicos. “É preciso iden-

tificar áreas em que tenhamos vanta-gens competitivas e fazer investimentos mais pesados neles. Imagino áreas co-mo, por exemplo, os biocombustíveis e o agronegócio. As incubadoras são for-mas eficazes de organizar a inovação tecnológica. Mas não basta criar a incu-badora. É essencial ter uma política de acom panhamento e vontade de fazer”, diz João Steiner, diretor do Instituto de

A vencedora na categoria Empresa Incubada em 2007, do Prêmio Nacional de Empreendedorismo Inovador promovido pela Anprotec, foi uma empresa que demorou pelo menos 15 anos para ser formada. A tecnologia de membranas para microfi ltração para tratamento de efl uentes e de água já estava quase pronta, mas não havia mercado. “A água era muito barata, não existia economia, principalmente industrial”, diz o professor Ronaldo Nóbrega, que trabalhou até se aposentar no Laboratório de Processos de Separação por Membranas da Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) e formou a PAM Membranas Seletivas em 2002, instalada na incubadora da própria Coppe. “Hoje existe uma grande preocupação ambiental, por economia e reúso de água, e o nosso sistema de fi ltragem com material polimérico capaz de remover bactérias e outros microorganismos está sendo bem aceito na área industrial.” A água fi ltrada é depois usada para lavar pisos ou em caldeiras, por exemplo. Para ele, a incubadora foi uma escola. “A incubadora nos deu suporte, fi zemos cursos e tivemos contato com vários outros empreendedores.” No ano passado a empresa faturou R$ 300 mil. Este ano a previsão é de ultrapassar a barreira do R$ 1 milhão.

Membranas seletivas

Feixe de fibras da empresa PAM: coladas lado a lado, formam a membrana (em microscopia eletrônica, ao lado) para filtrar a água

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Estudos Avançados (IEA-USP) e coor-denador do recém-desenhado projeto de implantação do Sistema de Parques Tecnológicos do Estado de São Paulo. Ele sustenta que o vigor das incubado-ras será essencial para garantir o futuro do sistema de parques. “Num primeiro momento nos preocupamos em atrair grandes empresas âncoras, como é o caso da presença da Embraer e da Vale no parque de São José dos Campos. Mas, no longo prazo, a rota da incubação é a mais importante para dar sustentabili-dade aos parques e garantir a sua reno-vação”, afirma. Para Steiner, uma fragi-lidade do sistema de incubadoras é a pulverização das iniciativas.

Pouquíssimas vozes não acreditam no potencial futuro das incubadoras de empresas. Uma delas é de Renato Pei-xoto Dagnino, professor do Departa-mento de Política Científica e Tecnoló-gica do Instituto de Geociências da Uni-versidade Estadual de Campinas (Uni-camp). “Um país que possui um padrão econômico-produtivo dependente e mimético e uma altíssima concentração de renda não tende a gerar estímulos de mercado à inovação empresarial. Não é à toa que 81% das empresas brasilei-ras que promoveram algum tipo de inovação o fizeram importando má-

Uma série de colas e adesivos que servem tanto para consertos caseiros como para indústrias e a construção civil está ganhando mercado para uma pequena empresa que nasceu no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), em São Paulo, em 2001, quando recebeu fi nanciamento do Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe) e se graduou em 2005. A Adespec desenvolveu adesivos à base de polímeros híbridos isentos de solventes, compostos orgânicos voláteis e isocianatos, substâncias prejudiciais à saúde e ao ambiente. “Além disso, os nossos adesivos não são prejudicados pela umidade, fator que causa prejuízo ao desempenho do poliuretano. Com umidade, o nosso produto cola ainda melhor”, diz Flávio Teixeira Lacerda, diretor da Adespec. Com essas qualidades, o adesivo ganha mercado principalmente na construção civil para unir juntas de dilatação e na colagem de vidros. No mercado ao consumidor, já briga com a Super Bonder e outras do gênero, e o faturamento atingiu, em 2006, R$ 3 milhões. Para ele, a incubadora foi fundamental para focar apenas o desenvolvimento, deixando preocupações como segurança, limpeza, portaria e informática para o Cietec. Em março de 2007, depois de 2 anos de negociação, a empresa recebeu um aporte de capital do Fundo de Investimentos Investech II, administrado pela Rio Bravo Venture Partners, que tem entre seus sócios o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco. “Por contrato, não podemos revelar valores, mas continuamos majoritários”, diz Lacerda. “Nosso desafi o é atingir R$ 50 milhões de faturamento e exportar até 2013.”

Cola sem cheiro

quinas e equipamentos. Não creio que iniciativas como as incubadoras tenham força para reverter esse padrão. Parece que somos super-homens e vamos con-seguir enfiar goela abaixo do setor pro-dutivo algo em que ele não acredita”, afirma Dagnino.

Para Luiz Gonzaga de Mello Belluz-zo, professor do Instituto de Economia da Unicamp, o desempenho das incu-badoras foi fortemente influenciado pelos problemas econômicos do país. “Não vejo equívocos no projeto das in-cubadoras. Elas surgiram para tentar combater um problema, que era a baixa inclinação da indústria brasileira à ino-vação”, diz. “A questão é que elas tive-ram de se desenvolver num ambiente hostil, em que a economia tinha baixo

dinamismo e houve atrofia do setor in-dustrial”, afirma o economista, que em-punhou a bandeira das incubadoras e dos parques tecnológicos quando foi secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, entre 1988 e 1990. Belluzzo sugere aperfeiçoamentos. “Se a economia cresce, a tendência é redu-zir os entraves. Mas é preciso saber es-colher os setores em que se vai gastar. Em vez de fazer algo horizontal, é me-lhor escolher áreas que sejam mais in-teressantes para o país. Agronegócio e biomedicina são setores em que temos massa crítica, em que tivemos avanços. Mas não creio que se deva abandonar certas áreas, como a de eletroeletrôni-cos, em que há um mercado importan-te no Brasil”, diz Belluzzo.

A s incubadoras, na sua esmagadora maioria, funcionam pela demanda das empresas que querem se insta-

lar em suas dependências. Depois de responderem a um edital, o perfil em-presarial ou as idéias e planos de negó-cio dos futuros empreendedores são analisados e, se aceitos, a empresa entra na incubadora. “É fundamental para a empresa ter uma relação com o conhe-cimento, vindo das universidades, de teses de doutorado, dissertações ou tra-

Preparo de adesivo na fábrica da Adespec

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Kefir de frutas da Biologicus

Instalada na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica do Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Incubatep), em Recife, a Biologicus é uma empresa voltada para a produção de cosméticos feitos com extratos vegetais e kefi r, uma bebida elaborada com leite composto de lactobacilos e leveduras, originária da fronteira da Europa com a Ásia. A empresa tem à frente o médico Djalma Marques, ex-professor da Universidade Federal da Paraíba, e a sua esposa, a engenheira química Fátima Fonseca. “Minha experiência acadêmica no Brasil e o doutorado feito na Espanha, na Universidade de Barcelona, e de Fátima, na Universidade de Cádiz, onde também trabalhamos como pesquisadores, abriram as possibilidades de nós montarmos a empresa, em 2004, para pesquisa e desenvolvimento de produtos demartológicos e alimentos probióticos, dotados de compostos de microorganismos benéfi cos à saúde”, diz Marques. “O kefi r é muito importante para manter a longevidade e baixar os índices de doenças degenerativas. Daí passamos a analisar os microorganismos encontrados na bebida e contamos mais 78, entre bactérias e leveduras importantes para o consumo humano.” Depois de 10 anos de pesquisa, eles elaboraram um kefi r feito de frutas como uva, abacaxi e ameixa. O extrato dessa bebida também é usado nos cremes. “A incubadora foi importante para nos dar credibilidade e recebermos o conhecimento do Itep, como cursos e laboratórios.” Por enquanto, o faturamento de R$ 30 mil mensais vai para manutenção e investimento na própria empresa.

Saúde nos negócios

balhos na graduação”, diz José Eduardo Fiates, superintendente de inovação da Fundação Certi, parque tecnológico de Florianópolis que abriga o Celta, e ex-presidente da Anprotec. Para ele, as incubadoras no Brasil são fundamen-tais num processo histórico. “O país não tem história na área de inovação, cresce no campo científico, mas tem gargalos na transferência do conheci-mento para o mercado.” Fiates acredita que o movimento das incubadoras de-senvolveu a criação do setor de empre-sas de base tecnológica ligadas às uni-versidades. Antes era raro existir essa ligação. Agora cerca de 50% das empre-sas que circulam no âmbito das incu-badoras (6.300) nasceram ou estão li-gadas a universidades e institutos de pesquisa, inclusive os centros federais de educação tecnológica (Cefets).

Fiates acredita também que com o sistema único de avaliação será possível medir melhor a atuação das incubadoras e avançar ainda mais. “Nos Estados Uni-dos, onde existem 1.500 incubadoras, o pessoal envolvido na área está nesse mo-mento tentando dimensionar qual é o impacto das inovações em outras empre-sas. Por exemplo, uma empresa incubada desenvolve uma enzima para melhorar determinado alimento industrial e vende esse produto por US$ 10 milhões a uma indústria maior, que, com essa enzima, vai faturar US$ 300 milhões com ela.

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“Não dá para dizer apenas que o impac-to foi de US$ 10 milhões para o setor de incubação. Será preciso qualificar me-lhor esse impacto indireto tanto para o setor como para o PIB. É um desafio pa-ra os economistas.”

D esafio também é manter as incuba-doras funcionando. Grande parte depende, para sua manutenção e

gerenciamento, dos gestores e de outros parceiros. “De 30 a 50% do custo real é institucional, dos gestores, como univer-sidades, prefeituras e institutos de pes-quisa, onde normalmente as incubado-ras estão instaladas”, diz Fiates. A outra parte é mantida pelas empresas, na for-ma de pagamentos de condomínios, e por outras fontes como Sebrae, Finep e prefeituras. No Cietec (Centro Incubador de Empresas Tecnológicas), que comple-ta 10 anos de existência em abril, o custo para a empresa varia de R$ 380 para as iniciantes a R$ 2.600,00 no terceiro ano de vida incubada, não importando o tamanho das dependências usadas pela empresa. A maior incubadora do país está em um prédio do Instituto de Pes-quisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo, na Cidade Universitária, on-de também estão a USP e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

“Atualmente aqui dentro são uma centena de doutores (entre empresários e funcionários) com intensa interação

com o conhecimento acadêmico (de professores e pesquisadores das insti-tuições parceiras e vizinhas) e com ou-tras empresas do mercado”, diz Sergio Risola, gerente do Cietec, que contabi-liza na incubadora 122 empresas, sendo 85 incubadas e 37 associadas. “O pa-gamento do condomínio dá direito a internet, secretaria, correio, copiadora, cursos e consultorias jurídicas, admi-nistrativas e de design”, diz Risola. No Celta, em um prédio de 10 mil metros quadrados (m²), onde estão 38 empre-sas, o condomínio varia de R$ 12 o m² para as iniciantes a R$ 20 o m² para as que estão de saída. Lá o custo total da incubadora é de R$ 800 mil por ano. “Conseguimos a auto-sustentação des-de 1994, por meio dos condôminos e de aluguéis para restaurantes, três agências

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A Bematech, de Curitiba, é um exemplo raro de empresa nascida numa incubadora a ultrapassar a marca de R$ 100 milhões em faturamento. Em 2007 teve receita de R$ 240 milhões. A empresa foi criada em 1990 pelos engenheiros Marcel Malczewski e Wolney Betiol dentro de uma incubadora vinculada ao Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar). “Lá dentro dispúnhamos de um laboratório de eletrônica cujos equipamentos valiam pelo menos US$ 1 milhão. Que pequena empresa poderia dispor disso?”, recorda-se Betiol. “A incubadora foi criada por várias instituições e cada uma ajudava a empresa de uma maneira. O Instituto Euvaldo Lodi garantia bolsas para pesquisadores. Também recebíamos apoio tecnológico e de gestão”, diz Betiol. Ao deixar a incubadora, a Bematech foi enfrentar as difi culdades comuns a todo tipo de empresa. A aposta na automação bancária, responsável pela expansão nos primeiros anos, esgotou-se em meados dos anos 1990. Isso levou a empresa a diversifi car e investir no mercado de automação do pequeno e médio varejo. A criação de uma impressora cuja segunda via do documento, aquele destinado ao Fisco, é armazenada num cartão de memória desbravou um novo mercado.

Um caso exemplar

Impressora da Bematech: automaçãono varejo

de bancos, correios, escritórios de con-tabilidade”, diz Chierighini.

No Cietec o custo é de R$ 1,74 mi-lhão por ano, num prédio que está em constante ampliação para abrigar novas empresas e sem lugar para locação de qualquer espaço. Como no caso de muitas incubadoras do estado, além dos condomínios, o financiamento vem principalmente da unidade paulista do Sebrae. No ano passado, R$ 945 mil vieram dessa entidade. Fora o custo de funcionamento da incubadora, existe o investimento direto para pesquisa nas empresas, em que a FAPESP, em 2007, financiou R$ 4,1 milhões em projetos do Programa Pipe. “Ao todo já contabi-lizamos 89 projetos do Programa Pes-quisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe) no Cietec”, diz Risola. Em 2007, o Sebrae-SP apoiou 79 incu-badoras no estado de São Paulo, num total de R$ 7,7 milhões, atingindo 1.356 empresas. “A participação do Sebrae em São Paulo faz parte de um alinhamento estratégico em apoiar a aproximação do conhecimento da universidade com as micro e pequenas empresas”, diz Mar- celo Dini, gerente de inovação e acesso a tecnologia do Sebrae-SP.

Essa relação próxima entre incuba-doras e Sebrae gera também descon-fianças futuras. “As incubadoras são altamente dependentes das instituições que as apóiam e isso cria laços de sub-serviência à estratégia dos apoiadores”, diz o professor Sergio Azevedo Fonseca, do Departamento de Administração Pública da Faculdade de Ciências e Le-tras da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara. “E se amanhã o Sebrae (em governos ou administra-ções diferentes) resolve mudar de posi-ção e não apoiar mais como faz hoje?”,

pergunta Fonseca. Ele defende que pa-ra suprir parte do orçamento das incu-badoras as graduadas paguem royalties durante certo período sobre fatura-mento ou outra forma de remuneração. “Muitas vezes, as empresas, depois que alçam vôo, viram as costas para a incu-badora que a ajudou”, conta.

F onseca estuda os projetos de incu-badoras de empresas desde seu doutorado nos anos 1990 e chegou

a fazer um sistema de avaliação que ain-da está em gestação. Em dois projetos de Auxílio Regular a Projeto de Pesqui-sa financiados pela FAPESP, sendo que no último, que está na fase final e tem o nome de Aperfeiçoamento de indica-dores de desempenho de incubadoras mistas (empresas de tecnologia e tradi-cionais): desafio para a construção de um modelo, ele traça oito indicadores para avaliação como estratégia de ocupação, em que se estuda o projeto de implan-tação e o perfil das empresas, e outros como sustentabilidade ambiental, índi-ce de mortalidade de empresas e causas, índices de desempenho empresarial e das incubadoras, geração de emprego e capacidade de promover a graduação e, finalmente, indicador de incorporação de inovação em seus produtos, mesmo em incubadoras tradicionais, aquelas em que existem negócios com pouca atividade inovadora.

Mas a falta de grandes sucessos em-presariais e as dúvidas sobre a avaliação e os caminhos que as incubadoras de-vem seguir talvez ocorram porque elas ainda estão em plena juventude. As pri-meiras incubadoras de empresas sur-giram no Brasil a partir da Resolução 084/84 do então Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq) assinado

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Muitas indústrias de confecções do Brasil, de outros países da América do Sul, da Europa e da Ásia, inclusive a China, utilizam sistemas de automação desenvolvidos pela empresa Audaces, com sede em Florianópolis, Santa Catarina, para processos de criação, corte e modelagem de roupas. Com o software, as empresas ganham em produtividade e melhoram a qualidade dos produtos por meio da digitalização dos moldes feita por máquinas digitais de fotografi a. “A empresa passa a produzir mais, com acabamento melhor e com o mesmo número de funcionários”, diz Claudio Grando, diretor de negócios da empresa. Ele e o diretor de tecnologia, Ricardo Cunha, se formaram, em 1991, em Ciências da Computação na Universidade Federal de Santa Catarina. Em 1992 eles montaram a Audaces numa sala alugada para trabalhar com corte e modelagem de móveis. Só em 1997 a empresa foi incubada no Centro Empresarial para Laboração de Tecnologias Avançadas (Celta) e lá fi cou até 2005, período em que se especializou na indústria têxtil. A empresa possui 97 funcionários e ganhou o prêmio de empresa graduada da Anprotec em 2007, quando faturou R$ 10 milhões, sendo que 40% em exportações.

Roupas bem cortadas

em 1984 pelo presidente da entidade, professor Lynaldo Cavalcanti, criando o Programa Brasileiro de Parques Tec-nológicos, embora o que tenha preva-lecido inicialmente tenha sido as incu-badoras ainda sem parque. “Tínhamos informações da instalação de parques tecnológicos na França e principalmen-te nos Estados Unidos, com o sucesso de Boston e do Vale do Silício, além da Inglaterra. A idéia inicial era não ficar atrás deles”, diz Cavalcanti, hoje secre-tário executivo da Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisas Tecnológi-cas (Abpti). A resolução abriu a porta para cinco fundações tecnológicas, a que seria o Parqtec, em São Carlos, a primeira porque começou a funcionar em dezembro daquele ano, além de Florianópolis, que resultaria no Celta, e outras em Campina Grande, na Paraí-ba, em Manaus, no Amazonas, e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

P ulando de duas incubadoras em 1988 para cem, em 1999, esses em-preendimentos, mesmo naquelas

mais jovens, buscam se reorganizar e encontrar novos caminhos para avan-çar. É o caso da Incubadora de Empre-sas de Base Tecnológica (Incamp) da Unicamp, criada em 2002, que preten-de promover aperfeiçoamentos em seus próximos processos seletivos. Davi Sa-les, gerente da Incamp, considera ne-cessário mesclar as propostas nascidas do meio acadêmico – perfil que mar-ca boa parte das empresas que passa-ram pela incubadora – com iniciativas oriundas do meio empresarial. “Seria interessante se tivéssemos aqui dentro, por exemplo, spin-offs (empresas oriun-das de outras maiores ou originadas nas universidades) de companhias já consolidadas, que trariam uma densa bagagem empreendedora e ajudariam a disseminar essa cultura entre as de-mais empresas incubadas”, afirma Sales. Não que seja ruim a experiência da In-camp nesses 6 anos de atividade. De 25 empresas já graduadas ou que ainda se encontram incubadas, 21 estão com produtos lançados. Sales não considera que os quatro casos restantes sejam fra-cassos. “Três foram desistências. Os res-ponsáveis concluíram que a idéia não tinha futuro e a encerraram antes que desse errado. E o outro deveu-se a um problema de saúde do empreendedor.”

Fotografia digital no sistema da Audaces para a indústria têxtil

O que preocupa os dirigentes da Incamp é a pouca capacidade exibida por muitas empresas incubadas de su-perar as dificuldades do mercado. “Te-mos um trabalho forte para estimular o empreendedorismo, mas muitos res-ponsáveis pelas empresas incubadas, por virem do meio acadêmico, resistem a correr riscos. A gente fala, por exem-plo, para eles lançarem logo o produto e corrigirem os problemas no caminho, mas é comum que tentem adiar en-quanto não consideram a situação per-feita”, diz Sales. Por causa disso, as em-presas demoram a emitir sua primeira nota fiscal e quase a totalidade delas ostenta faturamentos minguados. O gerente da Incamp ressalta que um perfil empreendedor mais agressivo é essencial para driblar as pedras no ca-minho do crescimento de uma empre-sa. “Nada é fácil para elas. O período de incubação, de apenas 3 anos, é curto pa ra uma empresa de base tecnológica. É comum que, em momentos cruciais, elas não consigam dinheiro para desen-volver ou lançar seu produto e isso afe-te suas perspectivas. Daí a necessidade de melhorar o perfil empreendedor das nossas selecionadas”, afirma Sales.

A preocupação da Incamp tem fun-damento, como mostra o exemplo de sucesso da Bematech, empresa de auto-mação nascida em 1990 numa incuba-dora tecnológica do Instituto de Tecno-logia do Paraná (Tecpar), de Curitiba. Ela teve receita líquida de R$ 240 mi-lhões em 2007, possui 1.050 funcioná-rios e mantém subsidiárias na Argentina, em Taiwan e na Alemanha. Segundo o engenheiro Wolney Betiol, um dos fun-dadores da empresa, a arrancada do ne-gócio deveu-se ao seu esforço, ainda nos tempos de incubadora, de atrair investi-dores. “Demos sorte. Um professor nos-so conheceu por acaso um investidor

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Insumos para laboratórios

que se sentou ao lado dele no avião. Esse homem, que era líder de um grupo de investidores em empresas de agronegó-cios e de construção civil, pediu uma indicação de empresa tecnológica nas-cente para investir, pois queria diversifi-car. Foi assim que conseguimos os US$ 150 mil de capital semente que fizeram toda a diferença”, recorda-se Betiol.

M as, sustenta o empreendedor, ape-nas a sorte não explica o sucesso da empresa. “A verdade é que já

procurávamos investidores, pois sabía-mos que isso era essencial para crescer. Acabaríamos conseguindo de uma for-ma ou de outra. Outras empresas que se instalaram na incubadora na mesma época não se empenharam da mesma forma e pareciam temer os investidores. Eram comandadas por gente criada no ambiente acadêmico que estabelecia uma relação muito apaixonada com seu objeto de pesquisa. Isso limitava muito a capacidade deles de se abrir e de mudar”, opina. A capacidade de mu-dar continuamente e alinhar-se às ne-cessidades do mercado foi importante para a empresa sobreviver após deixar a incubadora. Em seus primeiros anos, a Bematech apostou pesadamente no desenvolvimento de equipamentos de automação bancária. Quando esse mer-cado deu sinais de esgotamento, a em-presa mudou o rumo e passou a desen-volver equipamentos para automação do pequeno e médio varejo.

Para Thomás Tosta de Sá, ex-presi-dente da Comissão de Valores Mobiliá-rios (CVM) e dirigente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), é injusto atribuir às incubadoras ou a suas empresas toda a responsabilidade pelos resultados ainda limitados. “O problema é que o setor de capital de risco é novo no Brasil. Mas está crescendo e a expectativa é de que avance a atuação dos fundos de ca pital semente, que ajudam as empresas de base tecnológica a dar o salto inicial”, afirma. Ele vê semelhanças entre a situa-ção do Brasil hoje e a dos Estados Uni-dos nos anos 1980 e 1990, quando um ciclo de crescimento impulsionado pe-lo mercado de capitais e o investimento de risco propiciaram a capitalização de mais de 30 mil empresas. Sá conta que, em 1981, ajudou a organizar no Brasil um seminário internacional sobre ca-pital de risco. “Evoluímos muito. Na-quela época não havia sequer uma uni-versidade com incubadora ou que ofe-recesse cursos de empreendedorismo no país”, afirma.

Mas na verdade ainda é pouco o in-vestimento do chamado capital de ris-co, em que investidores por meio de uma empresa constituída entram no capital ou na composição societária de uma empresa com o intuito de se des-fazer da compra quando ela estiver lu-crando bem, acima do que o mercado financeiro oferece. No Cietec, se com-putadas as incubadas atuais e as gra-

duadas, já passaram 195 empresas, sen-do que apenas uma, a Adespec, conse-guiu investimento de capital de risco. “O que temos são 25 angels, ou anjos, investidores individuais que apostaram suas economias em empresas do Cietec. Os valores do aporte variaram de R$ 300 mil a R$ 1 milhão”, diz Risola.

Com tanta dinâmica e possibilidades a serem exploradas, as incubadoras sus-citam também modelos para o futuro educacional acadêmico. O professor Ary Plonski acredita que elas possam ser um dos próximos ambientes primordiais das universidades, além até do que já está acontecendo com muitas universi-dades no Brasil que criam esse tipo de instituição no próprio campus. “No iní-cio da criação das universidades, ainda no século XII, surgiram as salas de aula, com a reprodução do conhecimento, depois no século XIX apareceram os la-boratórios, que fizeram incorporar as pesquisas. Agora acredito que as incuba-doras enriqueçam o modelo de univer-sidade, transformando conhecimento em produtos e serviços. Imagino que as incubadoras possam se incorporar aos laboratórios e às salas de aula no conjun-to básico educacional.” ■

Teste de diagnóstico: anticorpos nacionais

A difi culdade de importar ou adquirir anticorpos monoclonais e policlonais, utilizados em laboratórios e na produção de testes de diagnóstico, inspirou a criação, em 2004, da Imuny Biotechnology, empresa vinculada à Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp) que se especializou na produção destes insumos. A empresa não se instalou dentro da incubadora, mas num espaço na Faculdade de Ciências Médicas da universidade em que foi montado um laboratório. Hoje, já graduada, prepara-se para transferir a planta a outro local. Segundo a bióloga Fernanda Alvarez Rojas, fundadora da

Imuny, a incubação foi fundamental para converter uma idéia nascida no ambiente acadêmico num negócio. “No fi nal dos 3 anos, com o apoio da incubadora, iniciamos o contato com uma empresa de participações para nos auxiliar em ações de mercado, que foram de grande utilidade para defi nir nosso modelo de negócios”, afi rma Fernanda. Nos primeiros tempos, os investimentos feitos pelo Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe) da FAPESP lastrearam a pesquisa e o desenvolvimento da Imuny. Em 2006, com 12 clientes fi xos, a empresa precisava de mais capital. A injeção

de R$ 200 mil para organizar a gestão da produção, realizada por uma empresa e um investidor anjo, foi crucial. A Imuny conta hoje com uma distribuidora de anticorpos nacionais voltada para competir com importadores. A briga agora é ampliar o estoque, que garantirá as vendas e o aumento da receita. Só as encomendas da própria Unicamp garantiriam à Imuny uma receita de US$ 15 mil por mês.

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ENGENHARIA ELÉTRICA

Redes neurais artificiais para fabricar brake lights automotivos

Ortega usou o componente eletrô-nico SMD porque ele se diferencia do tradicional por não possuir terminais para inserção em furos na placa do cir-cuito impresso. A colocação desse dis-positivo é feita de forma automatizada e a soldagem realizada no mesmo lado em que o componente foi colocado, ou seja, na superfície da placa. “De um la-do, as redes neurais artificiais mapeiam as variáveis do processo e permitem ge-rar várias possibilidades de brake lights, dentro das características desejadas, permitindo a seleção de menor custo. De outro, o emprego de componentes SMD reduz o custo de fabricação ao permitir a eliminação de duas etapas do processo de montagem eletrônica – a pré-forma de terminais e o corte de ter-minais”, explica Ortega.

O produto da Racetronix é vendido no varejo a um preço entre R$ 27,00 e R$ 34,00. Existem mais baratos, até de R$ 9,00, mas não com 24 LEDs como o equipamento de Ortega. Ele garante que seu produto está entre os mais ba-ratos do mercado. O preço, em muitos casos, é menor que R$ 10 no atacado, dependendo do prazo de pagamento e quantidade comprada. Para ele, é pre-ciso comparar esse preço com produ-tos, como o dele, que obedeçam a cri-térios de engenharia e atendam às nor-mas do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). “Por isso o correto é com-parar o preço dos produtos da Racetro-nix com os da Arteb e da Cibie (gran-des fabricantes de lanternas e faróis). Meus produtos, que contêm 24 LEDs, não são melhores do que os deles, mas mais baratos.”

OCódigo de Trânsito Brasileiro não exige a utilização de lanternas insta-ladas no vidro traseiro dos veículos, conhecidas como brake lights, que se acendem quando o freio é acionado. Mas elas estão cada vez mais presen-tes nos carros fabricados no país, tan-

to instaladas pelas montadoras como pelo próprio consumidor em busca de mais segu-rança no trânsito. O mercado é disputado por, pelo menos, quatro marcas estrangeiras e 14 fabricantes nacionais, entre eles a paulista Ra-cetronix Engenharia, da cidade de Bauru. Em meados do ano passado, a empresa concluiu, com recursos do programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe), da FA-PESP, o desenvolvimento de um novo sistema para a fabricação de brake lights com LEDs – de light emitting diodes, ou diodos emissores de luz, produzidos com material semicondu-tor que se acendem ao receber uma carga elétri-

ca – usando redes neurais artificiais e componentes do tipo SMD, abrevia-tura, em inglês, de surface mounted device, ou disposi-tivo de montagem de superfície. Des-de que o brake li-ght da Racetronix foi lançado, cerca de 4 mil unidades já foram comer-cializadas em lojas de au topeças, se-gundo o tecnólogo An tonio Vanderlei Ortega, diretor da Racetronix.

Brake lights com LEDs não consti-

tuem exatamente uma novidade. Eles já exis-tem no Brasil desde o início dos anos 1990. A inovação da Racetronix está no uso das redes neurais artificiais e da montagem industrial dos aparelhos usando a técnica SMD. Esses sistemas ajudaram Ortega a resolver problemas relacio-nados à intensidade luminosa dos LEDs e ao número desses diodos que foram instalados no equipamento. As redes neurais artificiais nada mais são que modelos matemáticos, normal-mente implementados de forma computacio-nal, onde a lógica de funcionamento de cada parte do processo lembra os neurônios do cé-rebro, interligados em formas de nós, com di-versas conexões que fazem o processamento das informações e facilitam a tomada de decisões.

YU R I VA S C O N C E LO S

Confecção de brake lights utilizando redes neurais artificiais e componentes do tipo SMD

MODALIDADE

Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe)

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ANTÔNIO VANDERLEI ORTEGA – Racetronix

INVESTIMENTO

R$ 97.741,86 (FAPESP)

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Segurançailuminada

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Cinco anos de pesquisa foram neces-sários para a concretização do produto. Os primeiros esboços foram feitos em 2002. Antes disso, Ortega trabalhou nu-ma multinacional que fabricava LEDs, entre outras coisas. “Eu era responsável pelo controle de qualidade dos LEDs e já conhecia seu comportamento com-plexo de emissão de luz.” A idéia de ma-pear esses efeitos surgiu durante o mes-trado em engenharia industrial na Uni-versidade Estadual Paulista (Unesp) em Bauru. Foi quando Ortega teve contato com as redes neurais artificiais por meio de seu orientador, o professor Ivan Nu-nes da Silva. “Fizemos buscas em artigos científicos e não encontramos nada re-lativo ao uso de redes neurais na produ-ção de brake lights”, lembra Ortega. No doutorado, ele expandiu a técnica para aplicá-la a lanternas traseiras de freio utilizando LEDs. Devido à sua com-plexidade, as redes neurais não foram suficientes para mapear todas as variáveis envolvi-das e, por isso, sur-giu a necessidade de utilizar outro sistema, chamado de lógica fuzzy, ou sistemas de inter-ferência fuzzy. Es-sa teoria foi criada na década de 1960 com o objetivo de desenvolver uma técnica para tratar informações im-precisas ou vagas.

O projeto Pipe da FAPESP foi desenvolvido entre o mestrado e o doutorado. “No primeiro momento, ele serviu para aprimorar e colocar em prática o que foi desenvol-vido no mestrado, como testar outros modelos de redes, usar componentes do tipo SMD e gerar um produto com-pleto. Na etapa seguinte, os equipa-mentos adquiridos no projeto foram usados para gerar amostras utilizadas no doutorado, realizar medições de in-tensidade luminosa e promover testes de controle de qualidade.”

A principal função do brake light é aumentar a segurança do veículo, redu-zindo o risco de colisões traseiras. Um

estudo feito em 1998 pelo Departa-mento de Transportes dos Estados Uni-dos – onde o dispositivo é obrigatório desde 1986 em carros de passageiros – concluiu que a presença de brake lights evita a ocorrência de 92 mil a 137 mil colisões anualmente no país. Desse to-tal, de 58 mil a 70 mil provocariam fe-rimentos nos ocupantes dos veículos. Ao evitar esses acidentes, de acordo com o estudo, economiza-se algo em torno de US$ 655 milhões por ano em danos patrimoniais.

Rumo às montadoras - Embora o brake light da Racetronix seja direciona-do ao segmento de reposição de peças automotivas, a empresa tem como meta, no médio prazo, fornecê-lo para as montadoras de veículos. Em breve, Or-tega também pretende apresentar duas

Brake lightsda Racetronix: LEDs em vermelho para freio e branco para a marcha à ré no mesmo aparelho

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outras novidades ao mercado: um brake light com luz de ré e lanternas traseiras que usam LEDs. O primeiro será voltado às revendedoras de autopeças, mas as lanternas devem despertar o interesse das montadoras instaladas no país, se-guindo a tendência mostrada em alguns carros importados que já utilizam LEDs nas luzes traseiras em substituição às lâmpadas incandescentes convencionais. “Como para fornecer às montadoras é preciso ter um rígido sistema de contro-le de qualidade, do tipo ISO 9000 ou QS 9000, nosso próximo passo será imple-mentar um desses sistemas e sua respec-tiva certificação”, conclui Ortega. ■

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AGRICULTURA

Técnica permite traçar rota percorrida pelo silício aplicado como fertilizante | D I N O R A H E R E N O

Aadubação de cana-de-açúcar, batata, arroz e ou-tras culturas com silício tem ajudado a melhorar a produtividade e a qualidade da colheita. Estudos realizados mostram que a absorção de silício pela planta aumenta a tolerância à falta de água, a ca-pacidade de fotossíntese e a resistência ao ataque de pragas e doenças. Pesquisadores do Centro de

Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba, no interior paulista, foram além e desenvolveram uma metodologia que permite traçar todo o caminho percorrido pelo silício fertilizante e estudar os processos de absorção, transporte e redistribuição do elemento dentro da planta (leia matéria sobre silício na agri-cultura na edição 140 de Pesquisa FAPESP). “O primeiro passo para conseguir fazer esse estudo é aplicar uma fonte enriquecida em um dos isótopos de silício, chamado de traçador, com composição isotópica diferente da natural”, diz o professor José Albertino Bendassolli, do Laboratório de Isótopos Estáveis do Cena, coordenador da pesquisa.

Os isótopos são átomos de um mesmo elemento quí-mico que se diferenciam pelo número de massa, ou seja, a quantidade de prótons e nêutrons presentes no núcleo. O número de prótons caracteriza, por exemplo, o nitrogê-nio, o carbono, o enxofre ou o silício, enquanto a variação no número de nêutrons distingue os isótopos de cada um deles. Esses isótopos respondem pelas pequenas diferenças nas propriedades físicas de um mesmo elemento químico. O hidrogênio, por exemplo, o átomo mais simples do pon-to de vista estrutural, possui três isótopos: o hidrogênio com massa 1 responde por mais de 99% do total desse gás na natureza, o deutério com massa 2, constituinte da água pesada, empregada na refrigeração de reatores nucleares, e o trítio, com 3, instável e radioativo.

“O método do traçador com uso de isótopos estáveis, que não emitem nenhum tipo de partícula ou radiação, possibilita avaliar as transformações e o caminho percor-rido por um elemento na natureza de forma quantitativa e qualitativa”, diz o pesquisador. Isso significa que a me-todologia permite acompanhar como o silício se desloca pela planta, ou seja, onde se acumula, se ele consegue sair de uma folha e ir até outra carente do micronutriente. “O marcador permite ainda fazer um estudo do metabolismo M

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Por dentro da planta

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da planta, da parte celular e genética, como, por exemplo, se determinado aminoácido é precursor de uma proteí-na”, diz Josiane Toloti Carneiro, que também participou da pesquisa com um projeto de pós-doutorado financia-do pela FAPESP.

Absorção restrita – O silício é o segun-do elemento mais abundante na crosta terrestre, mas não está totalmente dispo-nível. “A forma como a planta consegue absorvê-lo naturalmente é restrita, por isso se faz a adubação”, diz Josiane. Atual-mente existem muitas empresas que usam resíduos de escória de siderurgia, provenientes de vários materiais, como fonte de silício na agricultura. A impor-tância desses fertilizantes tem crescido nos últimos 10 anos, embora países co-mo Japão, China e Coréia utilizem há décadas quantidades elevadas desse ele-mento químico em plantações de arroz. A curiosidade científica para saber o que esse elemento de símbolo Si representa na agricultura também tem aumentado. Tanto que desde 1999 o tema tem sido discutido em um congresso mundial. Es-te ano, na sua quarta edição, deverá ser realizado na África do Sul.

Os estudos feitos no Cena concen-traram-se em duas espécies distintas, arroz (gramínea) e feijão (leguminosa), acumuladoras de silício. O milho, ini-cialmente selecionado para ser estuda-do, foi substituído pelo feijão. As pes-quisas consistiram em analisar as duas plantas cultivadas em solução nutritiva sem aplicar o silício enriquecido e com aplicação do isótopo 30Si, o mais pesado dentre os três isótopos estáveis do Si

(massas 28, 29 e 30) e encontrado em menor quantidade na natureza. “Perce-bemos que quando o silício era aplica-do na planta praticamente toda a quan-tidade absorvida era direcionada para as folhas em curto espaço de tempo”, diz Josiane. Em outras partes foi detec-tada uma quantidade baixa do elemen-to. Quando ele ficou acumulado em grande quantidade, os pesquisadores tiraram a fonte de silício disponível nas folhas velhas e deixaram crescer folhas novas para ver se ele iria ser redistribuí-do, o que não aconteceu. “Não houve nenhuma absorção pelas plantas novas, ao contrário de outros fertilizantes”, diz Bendassolli. Se uma parte da planta es-tá precisando de nitrogênio, por exem-plo, ele migra de onde está acumulado para onde é mais necessário naquele momento. “A metodologia é uma fer-ramenta importante porque o silício tem sido aplicado como fertilizante, mas não se sabe exatamente qual a fun-ção fisiológica desse elemento químico na planta”, diz a bióloga Lílian Apareci-da de Oliveira, que faz doutorado no Cena e participa do projeto.

A análise das plantas é feita em um espectrômetro de massas, equipamento que faz a determinação da abundância isotópica do elemento químico de inte-resse apenas com frações gasosas. O es-pectrômetro utilizado no Cena é um exemplar único fabricado na Alemanha na década de 1960. A análise começa com a coleta e o tratamento das amos-tras do solo ou da planta. As impurezas são removidas com um ataque químico ácido, que separa a fração de silício con-tida na amostra. Em seguida, alguns reagentes são colocados na fração para que o silício precipite e possa ser trans-formado em um sal, posteriormente decomposto em alta temperatura em uma linha de vácuo para produzir e se-parar o gás tetrafluoreto de silício. De-pois ele é introduzido no espectrômetro de massas para as análises isotópicas.

O método para determinação es-pectrofotométrica de silício em amos-tras agronômicas foi publicado na re-vista Communications in Soil and Plant Analysis, da Universidade da Geórgia, Estados Unidos, em junho de 2007. A parte que trata da técnica para determi-nação isotópica de silício foi aceita pela revista Analytical Letters, de Nova York, e está aguardando publicação. ■

Determinação isotópica de Si por espectrometria de massas para estudos de absorção e mobilidade nas culturas de arroz e milho

MODALIDADE

Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa

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R$ 58.941,87 (FAPESP)

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SOCIOLOGIA

Mulher solteira

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Estudo sobre “mulheres sós”,

na contramão de Wave, prova que

é “possível ser feliz sozinho” e ainda ter amor

Sob o título sugestivo de “A tragédia das soltei-ronas”, uma matéria da Revista da Semana, de 1937, é exemplar na for-ma de abordar o “te-ma”: “Todas têm ódio

às moças que se casam. Pos-suem, em maior ou menor dose, o instinto da maldade. A histó-ria de milhares de tragédias conjugais nasce dessas almas torvas, às quais tudo se deve perdoar pelo muito que pena-ram. Casais felizes devem fugir das solteironas como o diabo da cruz. A Medicina sabe que os enfermos de certas doenças contagiosas têm um prazer sa-tânico em transmitir sua doença às pessoas sadias. Existe, na psi-copatologia das solteironas, fe-nômeno análogo”. O tom, dra-mático e antiquado, pode ter mudado, mas a essência dessas idéias, infelizmente, ainda per-manece viva. “A solteirice tem sido recorrentemente represen-tada como uma falta essencial, uma anomalia social, jamais um caminho, entre outros, escolhi-do como parte de um projeto de vida que pode ser vivido positi-vamente”, explica Eliane Gon-çalves, autora da tese de douto-rado recém-defendida na Uni-camp “Vidas no singular: no-ções sobre ‘mulheres sós’ no Brasil contemporâneo”, orienta-da por Adriana Piscitelli.

Após trabalhar com um gru-po de mulheres com idades en-tre 29 e 53 anos, sem filhos e morando sozinhas há mais de 2 anos, a pesquisadora “contesta a idéia de que as mulheres estão sós porque esperam seu prínci-pe encantado, foram preteridas em função das mais jovens ou por motivos afins”, afirmando que “há escolhas que elas vão fazendo ao longo da vida, como privilegiar a carreira para mar-car seu lugar no mundo”. Se-gundo Eliane, sob a lógica do “familismo”, que pressupõe o

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par e o casamento com lugares privilegiados de saúde e felicidade, a mulher “só” é percebida como solitária e infeliz, frustrada e insatisfeita, já que sua existência seria medida e avaliada segundo a perspectiva da mu-lher casada ou que possui um par masculino. Ainda segundo o estudo, tais conceitos não seriam coisas do passado, como no texto acima. “Nos estudos de popu-lação e na mídia, as noções mais proeminentes que atravessam a teoria social e, em menor escala, alguns estudos feministas estão associadas à idéia de ‘falta’, cristalizada na noção de solidão”, avalia.

Para a demografia, continua, a solidão seria efeito de uma diferença culturalmente produzida e materia-lizada na desproporção sexo/idade no mercado ma-trimonial. Após analisar vários “clássicos” demográfi-cos, entre os quais Pirâmide da solidão? (1986), de Elza Berquó, a pesquisadora teria percebido “as limi-tações de categorias clássicas consideradas, atualmen-te, por estudiosos dos estudos de população, insufi-cientes para analisar e compreender as transformações ocorridas na sociedade brasileira nas últimas décadas”. A mídia, por sua vez, continua, “traduz e reinterpreta noções inspiradas nos discursos acadêmicos da demo-grafia ou dos estudos de população e outras áreas dis-ciplinares”. Segundo Eliane, atenção especial é igual-mente concedida, na mídia, ao que aparece de modo incipiente ou está ausente dos estudos de população: a idéia de sociabilidade como marca de um certo esti-lo de vida das pessoas que moram sozinhas e a expres-são “novas solteiras”, caracterização aparentemente restrita a essas produções. “Mídia e demografia apre-sentam confluências nas análises sobre a necessidade de alguma forma de intervenção externa para favore-cer o encontro par/marido, chegando mesmo a fazer sugestões explícitas. Ambas convergem também na forma de analisar o ‘morar só’ como uma expressão do individualismo que se acentua nessa fase da mo-dernidade, aspecto reforçado por vozes de intelectuais das ciências sociais e das áreas ‘psi.’”

Os números parecem acompanhar a tendência. Segundo o mais recente World Fertility Report, da ONU, a média global de idade de casamento entre as mulhe-res pulou de 21,2 anos nos anos 1970 para 23,2 hoje. Nos países desenvolvidos a diferença é ainda maior: de 22 para 26,1 anos atualmente. No Brasil, a pesqui-sa Sexo, casamento e economia, feita pela Fundação Getúlio Vargas, indicou a presença de cerca de 19 mi-lhões de mulheres com mais de 20 anos que vivem sem marido ou companheiro e que, por isso, têm renda 62% superior à recebida pelas casadas ou in-formalmente unidas, o que levou a um aumento na

“solteirice” de 35% para 38%. Há 30 anos, seis em cada dez mulheres eram casadas.

Na base de tudo estão as conquistas feministas. “Várias das noções atribuídas às mulheres ‘sós’ nos distintos contextos remetem a algumas idéias procla-madas pelo feminismo. Nos estudos de população, na mídia e nas percepções das minhas entrevistadas, educação e trabalho qualificado e remunerado são considerados a via privilegiada pela qual as mulheres adquirem independência e conquistam autonomia”, nota Eliane. Essa ampliação da autonomia, continua a pesquisadora, deu a chance a um grupo de mulhe-res, educadas e profissionais, de decidir por si mesmas e ter o poder de, inclusive, romper com os estereóti-pos clássicos da “solteirona”. No entanto, segundo ela, é possível observar o efeito da importância dada à conjugalidade e à família quando o morar só, que não modifica o estado civil de alguém, é percebido como um ato de isolamento social, de enfraquecimento das regras de aliança. Assim, observa Eliane, a demogra-fia, mesmo concedendo o conceito do ganho das mu-lheres, salienta “a problemática da mulher madura, com mais de 30 anos, colocando-a como vítima do excedente de mulheres que disputam, em desvanta-gem com as mais jovens, reforçando a necessidade do par”. É a “pirâmide da solidão”.

O CONCEITO FALA DAS CHANCES DECRESCENTES DE mulheres mais velhas de se casarem considerando-se as normas sociais vigentes, nas quais os homens procuram parceiras mais jovens, o que traz para as outras faixas etárias superiores o prognóstico de que continuem a viver sozinhas. “Considerar como fatalidade uma mu-lher que não se casa, qualquer que seja a motivação, denota a centralidade dada ao estatuto do casamento como um valor em si mesmo. A eleição pelo casamen-to envolve estratégias políticas”, adverte a autora. Para ela, a própria Berquó, analisando dados do Censo de 1980, observou que as moradias unipessoais eram ocu-padas por homens solteiros e mais jovens e por mulhe-res mais velhas com maior escolaridade, o que permi-tiria concluir que, mais do que um desequilíbrio do mercado matrimonial, estaria em ação, nas grandes cidades, uma mudança de estilo de vida. Mas o concei-to da pirâmide ganhou vida própria e, por vezes, até vulgarizado e mal compreendido, passou a ser usado de forma indiscriminada como panacéia explicativa.

Há agravantes. Na medida em que a reprodução é considerada em alguns pressupostos demográficos uma função a ser realizada pela família, taxas baixas de fecundidade, vistas como resultado de processos

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crescentes de escolarização ou profissionalização das mulheres, são encaradas com preocupação pelos de-mógrafos, um ideal que, observa Eliane, foi abraçado pela mídia que o transforma em valor universal. “Em-bora Berquó afirme que a demografia tome o indiví-duo com unidade de análise, ‘família’ emerge como uma noção central para os estudos de população, tor-nando necessário entender como esta noção é usada para caracterizar as ‘solteiras’ que moram sozinhas.” Se o homem solteiro não é questionado, já que sua “solteirice” é presumida como fase transitória livre-mente escolhida, a “solidão” feminina, por sua vez, é reiteradamente acentuada, nos estudos mais diversos, a partir das informações estatísticas e das noções de-mográficas. “A ‘pirâmide da solidão’ passou a ser tra-tada como verdade inquestionável, uma matriz gera-dora ou categoria explanans, usada para explicar fe-nômenos distintos, como o machismo brasileiro, a ‘solidão’ de jovens sem namorados, de idosas viúvas e, até mesmo, o aumento de venda de vibradores em sex shoppings.”

Para Eliane, “ao generalizar conclusões a partir de estudos de base populacional, a demografia contribui para a naturalização de seus pressupostos e estes esti-mulam a regulação social, como ocorre nas estratégias de intervenção nos assuntos de casamento e da família”. Ainda segundo a pesquisadora, o apelo ao “equilíbrio no mercado matrimonial” no paradigma demográfico, cuja preocupação é a reprodução da população, pode ser lido como impositivo, na medida em que incide sobre a elaboração de políticas sociais que reforçam a centralidade da família e contribuem para apagar ou-tras formas de viver, uma tendência em pesquisas na-cionais e estrangeiras.

“O estar solteira, na mídia, é visto com mais sim-patia quando percebido como um momento transi-tório de investimento pessoal, e o casamento como um sonho idealizado. Contra a imagem de ‘solitária’ criou-se a figura da mulher executiva, liberada e auto-suficiente, que presumivelmente não ‘sofre’ de solidão ou dela escapa, refugiando-se no trabalho e no con-sumo.” Os estudos de Eliane revelam que as matérias sobre as “novas solteiras”, terminologia muito usada pelos jornalistas, parecem contestar a imagem estereo-tipada da “solteira do passado”, inovando na descrição das mulheres desacompanhadas (de parceiros ho-mens) por meio de polarizações contrastivas. Elas agora seriam “independentes”, “estudadas”, “bem-sucedidas”, “viajadas”, “malhadas”, “elegantes”, com “intensa vida social”. Assim, continua a autora, essas “novas solteiras” estariam colhendo os frutos das

conquistas da revolução feminina e feminista e suas falas conferem positividade à “solteirice”. “Um outro aspecto contradiz, em termos, as positividades de se estar só, pois recoloca a falta do par, embora expresse uma crítica ao casamento: ‘adoro ser independente, mas sinto falta de um companheiro’. Essas noções contraditórias, recorrentes também nos estudos de população, são reforçadas na mídia ao enfatizar que escolaridade e renda funcionam como armas da in-dependência da mulher face ao casamento, mas criam barreiras na conquista de parceiros estáveis.”

HÁ NA S E N T R E L I N H A S A P R E S E N Ç A I N C Ô M O DA D O “sofrimento” e da necessidade do “refúgio” no escri-tório ou no shopping center como forma de “compen-sação” pela escolha. “A natureza da falta é apresentada como o não preenchimento dos altos requisitos do ‘homem ideal’ desejado pelas ‘novas solteiras’.” Dessa forma, assinala Eliane, a noção mais desenvolvida nos textos da mídia é a da nova solteira que está à “procura de”, mas, de certo modo, tanto faz se encontrar ou não um parceiro. Esse tipo de mulher seria enquadrada na categoria de “satisfeita resignada”, mulher que deseja, mas não quer abrir mão de certas conquistas para ter a seu lado um “sapo qualquer”. “Atualmente a mulher altamente escolarizada e qualificada profissionalmen-te ainda é pressionada socialmente para casar-se e sua autonomia é apresentada como conflitante com o ‘mercado matrimonial’, um paradoxo (quase um cli-chê) recorrente nos discursos da mídia, da demografia e também das mulheres entrevistadas”, observa. Como, então, dar conta da autonomia, em especial, como lem-bra a pesquisadora, nos moldes de A room of one’s own (Um teto todo seu), texto de Virginia Woolf, que tra-duzia a preocupação com a renda anual própria e ao espaço para o desenvolvimento de um trabalho criati-vo? “A metáfora do quarto ou do teto para si parece uma evocação apropriada no contexto da minha pes-quisa, porque, reitero, a experiência de morar só tende a ser mesclada às noções da ‘nova solteira’ ou da mulher ‘independente’ e ‘moderna’ no corpus de noções anali-sadas”, analisa Eliane.

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trabalho. “Afinal, se o homem encarna a nova figura do indivíduo livre, solto, senhor de si, a mulher, até há algumas décadas, continuou a ser pensada como um ser naturalmente dependente, vivendo para os outros. A ideologia da mulher no lar foi edificada na recusa de generalizar os princípios da sociedade in-dividualista moderna. Identificada ao altruísmo e à comunidade familiar, a mulher não seria do domínio da ordem contratualista da sociedade, mas da ordem natural da família”, observa o filósofo francês Gilles Lipovetsky em seu A terceira mulher. Só recentemen-te, porém, “o trabalho feminino não aparece como um último recurso, mas como uma exigência indivi-dual e identitária, uma condição para realizar-se na existência, um meio de auto-afirmação”, afirma Lipo-vetsky. Dessa transformação sem precedente no mo-do de socialização e de individualização do feminino, uma generalização do princípio do livre-governo de si, uma nova economia dos poderes femininos nasce-ria a chamada “terceira mulher”. “A primeira era dia-bolizada e desprezada; a segunda, adulada, idealizada, instalada num trono; nos dois casos, subordinada ao homem, pensada por ele, definida em relação a ele. A terceira, por sua vez, é uma autocriação feminina.” A liberdade, nota Eliane, “tem sido historicamente considerada uma prerrogativa masculina. No entan-to, a liberdade retratada pelas minhas entrevistadas é simbolizada pelo ato repetitivo de circular livremen-te em um espaço que elas dominam. Sozinhas, elas aprendem a dar conta de si mesmas”.

SE O B S E RVA R M O S, E N T Ã O, O P RO C E S S O H I S T Ó R I C O, como propõe Lipovetsky, esse estilo de vida, que se fir-ma cada vez mais nos grandes centros urbanos, sobre-tudo nas camadas médias, estaria, por sua vez, relacio-nado com o processo de individualização crescente que se observa nesses segmentos, uma característica da mo-dernidade. Como nota Berquó, este mundo transfor-mado pelas lutas feministas impulsionaria as mulheres “independentes” à autodeterminação, favorecendo de-terminadas “escolhas” e investimentos em outros pro-jetos individuais e não apenas no casamento. Essa dualidade entre “vida simples comunitária” e “indivi-dualismo moderno” pode trazer valorações diferencia-das, em que a primeira opção, cercada de solidarieda-de, se contraporia à segunda, de caráter “objetivo”, “egoísta”, “competitivo”. Eliane tem ressalvas a essas dicotomias. “Se o individualismo for compreendido como uma busca orientada prioritariamente para si mesmo e não como atomização social, autocentramen-to ou isolamento, esta noção encontra ressonância nas histórias das mulheres ‘sós’ entrevistadas”, continua a pesquisadora. “Ao lado de um processo de individua-

lização – por exemplo, a idéia de um projeto focado na carreira, que as leva à decisão de morar sozinhas, a princípio por necessidade, depois por adaptação e fi-nalmente por prazer – elas mantêm sólidas relações amorosas, sexuais, de amizade e familiares.”

Ainda assim, “embora adotado como um estilo de vida, que as distingue socialmente como mulheres in-dependentes, autônomas e senhoras de si, o morar só não existe fora da vida social mais ampla e está marca-do por outros tipos de dependência e contingencia-mentos”. É possível amar e ser sozinho ao mesmo tem-po. Morar só não significa ficar sem par para relações e Eliane é uma crítica ferrenha da insistência da mídia em vincular as mulheres “sós” como privadas de vín-culos amorosos e sexuais. Ou, nas palavras da sociólo-ga americana Kay Trimberger, da Universidade da Ca-lifórnia, autora de The new single woman, como o es-tudo de Eliane, baseado em entrevistas com mulheres que vivem sozinhas, “mesmo que elas sintam que gos-tariam de ter um companheiro (a) fixo (a), elas estão certas de que suas vidas não dependem disso e que há outras formas de viver” e que “a ‘solteirice’, no futuro, será vista como algo mais do que apenas um intervalo entre relações matrimoniais, se transformando num way of life, com muitas variações, mas um caminho de vida satisfatório com suas demandas e recompensas”.

As pesquisas de Eliane também mostraram que a mulher “só” não necessariamente abre mão da mater-nidade. Afinal, o que nos governa, como nota Lipo-vetsky, não é um modelo de reversibilidade entre os sexos, mas um duplo modelo individualista, reinscre-vendo a diferença masculino/feminino. Dessa forma, o francês também não acredita que a maternidade pos-sa ser abolida desse novo esquema. “As mudanças de excepcional amplitude na condição feminina não mo-dificarão essa constância. Declínio progressivo do pa-pel materno em benefício dos valores profissionais? Nada permite afirmá-lo. Há uma reciclagem histórica do papel materno, não o abandono do modelo.” Mais: escolher viver uma estética particular que privilegia o silêncio, o distanciamento calculado e as relações de amor e amizade em bases igualitárias é uma possibili-dade acessível a apenas algumas mulheres altamente escolarizadas, profissionais e independentes financei-ramente, que podem transitar entre contingências e desejos, avisa Eliane. “Se o single lifestyle e as residências de uma pessoa continuarão a se impor como uma ten-dência, não tenho uma conclusão, mas, talvez, as sol-teiras estejam reinventando a ‘solidão’, transformando-a em ‘aventura’”, completa a pesquisadora. Nem só, nem mal acompanhada. ■

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Desespero: Judith Villegas, que teve os sobrinhos recrutados pelas Farc

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A ORDEM

DA GUERRA

As Farc podem ter se transformado em “gigante militar, mas anão político e democrático”

HISTÓRIA

Apassagem do ano foi celebrada ao som do nome das Farc (Forças Armadas Revolucio-nárias da Colômbia), em razão da malogra-da, porém largamente coberta pela mídia, Operação Emanuel, que reuniu figuras dís-pares como o cineasta Oliver Stone e o pre-sidente da Venezuela, Hugo Chávez, na ten-

tativa de recuperar alguns dos muitos reféns seqües-trados pelo grupo guerrilheiro, que, dependendo do interlocutor, é visto das maneiras mais diversas. Para o Estado colombiano e, em especial para os EUA pós- 11 de Setembro, elas são um grupamento de terroris-tas. Para parte da mídia, eles não passariam de uma organização que, depois da queda dos cartéis, mono-polizou o narcotráfico. Para tentar decifrar o enigma, alguns pesquisadores estão analisando a atuação do grupo guerrilheiro, como o sociólogo colombiano Je-sus Izquierdo, que defendeu sua tese de doutorado Meninos não choram: formação do habitus guerreiro nas Farc-EP na Universidade Federal do Ceará, recém-publicada em livro pelas edições UFC. “Com acusa-ções mútuas e desconfiança, guerrilha e Estado, numa conversa de surdos, não conseguem definir os termos adequados para acabar com a guerra. Enquanto o con-flito se alastra porque seus protagonistas querem ven-cer pela força das armas, essa luta ganha sempre fôlego e se orienta a um fim imprevisível e o habitus guerrei-ro das Farc só se reafirma.”

Segundo ele, é preciso tentar entender como um grupo exíguo de 48 homens que enfrentaram as Forças Armadas em maio de 1964, em Marquetalia (local e data místicas para a guerrilha), conseguiu se constituir num exército de mais de 20 mil homens e mulheres que se espalha por todo o território colombiano. Em suma, como o grupo evoluiu de um movimento de autodefe-sa camponesa, nos anos 1950 e 1960, para uma oposi-ção feroz ao atual regime, chegando mesmo a tentar tomar o poder na Colômbia. Ao mesmo tempo, o gru-po chega a quase 4 décadas de existência sem cumprir seus principais objetivos políticos que, observa, dados o baixo nível cultural de seus membros, a escassa for-mação política, uma resistência a mudanças, o predo-mínio do centralismo em detrimento da democracia e os altos custos político-éticos de suas decisões organi-

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zacionais, pode dar razão a quem diz que as Farc são “um gigante militar, mas um anão político”. Isso não é, porém, uma novidade: “A existência da guerrilha no país é um fato evidente e antigo, datando do início do século XIX na forma de grupos que defendiam campo-neses de intervenções violentas do Estado, em especial durante o longo governo do Partido Conservador”, explica Izquierdo. Até a década de 1960, a população se concentrava majoritariamente nas zonas rurais, em que a terra era administrada por latifundiários sem fiscalização do Estado. Em 1930, com a derrota dos conservadores, o Partido Liberal assumiu o poder para, após 16 anos de governo, pouco se diferenciar, nota o pesquisador, do seu rival político.

“A acumulação do capital se deu em setores de pro-dução, como o cafeeiro, excluindo amplas bases sociais. Em meio a isso, surgiram líderes camponeses com grande força de articulação social, o que levou os lati-fundiários a pressionar o governo para controlar a si-tuação nas áreas rurais de forma violenta.” Diante des-se quadro “quase feudal”, surgiu a figura de Jorge Gai-tan, um liberal extremado e caudilhista que acirrou o discurso dos camponeses na luta pelo equilíbrio das relações do trabalho agrário, gerando movimentos co-mo as Ligas Camponesas, instrumento de coesão do setor rural para expressar suas demandas. Em pouco tempo, de defensora dos camponeses, as Ligas amplia-ram sua luta para mudanças radicais na sociedade. Iniciaram-se invasões de terras, o que levou o conflito de idéias para o conflito armado em ambos os lados, camponeses e latifundiários. Com o retorno dos con-servadores, em 1946, muitos camponeses, observa Iz-quierdo, se voltam para o Partido Comunista Colom-biano (PCC), “mas, mais do que a ideologia, foi o peso da exclusão social que motivou a Liga a se opor ao sis-tema”. Após o assassinato de Gaitan, em 1948, iniciou-se o período chamado de Violência, que se estendeu por 20 anos na Colômbia, uma guerra civil entre o setor rural e os proprietários de terra com proteção do Esta-do, para quem a união de camponeses em assentamen-tos comunistas estaria criando Repúblicas independen-tes, ameaça à soberania do país. Um desses lugares, Marquetalia, foi atacado em maio de 1964, por grande contingente de soldados que foram rechaçados por 48

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de suportar as agruras cotidianas da guerrilha e seu conhecimento do povo e do território de ação”. Essa postura, aliás, apontam os pesquisadores, é um calca-nhar-de-aquiles do grupo, que não sabe apresentar propostas para políticas ur-banas contemporâneas, perdendo apoio significativo das cidades, o que leva a um prolongamento indefinido do conflito. Outro é a ligação com o narcotráfico em que as Farc, para sustentar o crescimen-to de seu efetivo, sacrificaram sua legiti-midade política e reconhecimento ético como organização que se propõe a con-duzir a sociedade. “Ao cobrarem impos-tos, regularem o comércio e servirem de interface aos traficantes, os guerrilheiros sustentam de forma autônoma a guerra, mas, ao mesmo tempo, corroem a legiti-midade ética do movimento.” Daí a rea-ção cada vez mais forte da sociedade civil colombiana contra as extorsões, os se-qüestros, os assassinatos de civis e a in-terface com o narcotráfico, levando a marchas de protesto contra as Farc, for-talecendo os grupos paramilitares de extrema direita, ligados, em boa parte, ao tráfico de drogas.

Ou, como observa Izquierdo, “no fo-go cruzado entre Farc e seus inimigos, formou-se um círculo vicioso entre a ne-cessidade da guerra para gerar lucros e necessidade de lucros para robustecer o aparato da guerra”. Mais: a avidez pelo dinheiro do narcotráfico reforçou a vio-lência entre a guerrilha e os paramilitares, fenômeno criado pela junção de interes-ses de militares do Estado, comunidades locais, latifundiários, empresários e gru-pos de narcotraficantes cuja missão é aniquilar as Farc. “Guerrilheiros de extre-ma esquerda e paramilitares de extrema direita disputam na arena da guerra os lucros gerados pela produção e comercia-lização de cocaína.” No meio dessa dispu-ta, sem dimensão ideológica, está a popu-lação, que, nota o cientista político Boris Salazar em seu La hora de los dinosaurios, “é disputada pelos grupos como fonte de apoio e crescimento; assim, a interação entre Estado, insurgência e grupos para-militares é que o povo e a economia civil se converteram em objetivo militar cen-tral de um enfrentamento cujo curso se afasta cada vez mais das normas que re-gulam os conflitos convencionais”. É nes-se contexto, afirma Irina Gato Aranol, da Universidade Autónoma de Occidente, em seu artigo “El secuestro como ato de

indicação de apoio geral; antes revelam como “a miséria colombiana pratica-mente empurrou grupos menos favore-cidos para o discurso insurgente como forma de um futuro supostamente alter-nativo”. Izquierdo concorda. “Crianças e jovens mostram-se mais disponíveis para trilhar os caminhos da revolução. A falta de oportunidades pode ser o mo-tivo para que o jovem camponês veja na guerrilha uma oportunidade de romper com o ciclo de poucas oportunidades de trabalho”, afirma. Num triste para-doxo, notam Medina e Graciela, “a falta de controle das Farc, com sérios proble-mas de formação política, se traduz em práticas autoritárias e em fonte de viola-ção de direitos humanos”.

M ais, notam os autores, “o baixo nível educacional de boa parte de seus membros, somado à primazia das

ações militares, leva a um empobreci-mento do debate político e ao estabele-cimento de um grande abismo entre os comandos mais elevados e a base imensa dos combatentes. Daí a opção pelo afas-tamento do PCC e a ligação com uma espécie de bolivarismo, que esconde “uma tensão permanente entre campo e cidade, em que se escancara o desprezo dos guerrilheiros pelos problemas urba-nos e por seus cidadãos, vistos como inferiores ao soldado-camponês, com sua destreza superior e sua capacidade

homens. Nascia o imaginário das Farc. “O movimento guerrilheiro foi o resul-tado do processo de transformação de um movimento agrícola que, nos per-calços da luta armada, se deparou com a necessidade de procurar uma ideolo-gia que desse consistência a seu proje to político. Daí a entrada do PCC como ba-se social das Farc.”

Nas regiões onde a ausência do Esta-do era quase total eles exerciam grande influência sobre as comunidades, pas-sando a delimitar padrões sociais e esta-belecer e afirmar valores, nota Izquierdo. Segundo ele, os guerrilheiros ostentavam poder e viraram referencial de autorida-de em meio a focos de pobreza. “Com o passar do tempo, esse poder se consoli-dou e mostrou aos guerrilheiros que as práticas violentas, inicialmente justifica-das como necessidade de proteção, eram um instrumento de conquistar visibili-dade e reconhecimento social.” As comu-nidades pobres e afastadas tornaram-se o seu alvo para ampliação de quadros e, assim, o maior número de integrantes das Farc é de origem camponesa, in-cluindo-se aí uma prática crescente do grupo, que é o recrutamento forçado, até mesmo de adolescentes. Em El orden de la guerra, estudo referencial sobre a guer-rilha, organizado por Juan Medina e Graciela Ramón, os pesquisadores aler-tam que é um erro afirmar que os altos níveis de recrutamento das Farc sejam

Guerrilha armada: muita luta e pouca política

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Zlocal ou regional (empresas, partidos políticos, organismos do Estado etc.). Finalmente, se estabeleceu a cultura do enriquecimento rápido por toda a socie-dade colombiana, do risco, do prêmio ao mais ousado, relegando o trabalho duro, a acumulação lenta, o esforço produtivo, a um lugar inferior.” A cultura da captu-ra de rendas especulativas e de apropria-ção privada de bens públicos, o familis-mo amoral, se fez dominante em amplos setores da sociedade colombiana.

A violência se transformou em “arma de persuasão” dos dois protagonis-tas, Estado e guerrilha, sem qual-

quer consideração humanitária ou pelos interesses sociais e econômicos dos gru-pos afetados pela luta, avisa Pécaut. “Isso vem levando a população a adotar pos-turas oportunistas de curto prazo, por razões de sobrevivência e aferição de vantagens, o que se expressa em organi-zações civis dispostas a acordos regula-dos pela violência da coação armada, destruindo valores sociais que poderiam servir como freio aos conflitos, cada vez de mais de difícil resolução.” Para o pes-quisador francês, “a primazia dada à obtenção de recursos financeiros rele-gou a um plano secundário a fonte de construção de apoios sólidos no seio da população e, assim, o trabalho de politi-zação fica cada vez mais precário”. Res-taria, continua, ao grupo manter para sempre a postura militarista e violenta e esperar o apoio da conjuntura de países vizinhos, como a Venezuela de Chávez, que, igualmente bolivaristas, seriam uma forma de tirar as Farc do vácuo de futuro em que se encontram.

Mas haveria um outro futuro? Um decreto de 2002 garante aos desertores de grupos armados a proteção da lei. “O grande desafio será a desconstrução do habitus guerreiro no processo de re-conciliação nacional. Como fazer para que homens de guerra, que viveram anos na clandestinidade, tornem-se cidadãos da pátria e prescindam da me-diação da violência. Será preciso muito esforço para acolher e facilitar a inser-ção à vida civil dos ex-combatentes, pela combinação de esforços conjuntos de todas as instâncias sociais”, afirma Izquierdo. Os meninos precisam rea-prender a chorar. ■

violácion de derechos em el conflicto colombiano”, que devem ser vistos os se-qüestros feitos pelas Farc. “O ato do seqüestro, além de fonte de dinheiro, é uma demonstração de força da guerrilha que quer mostrar a solidez do seu tra-balho logístico militar, reiterando a já mais não tão nova estratégia dos grupos armados guerrilheiros para desequili -brar o go verno”, analisa a pesquisadora.

“Trata-se de levar o Estado, por meio de ações de terror contra a população, a uma negociação nos termos definidos pelas Farc nos últimos anos. O objetivo fundamental, agora, não é mais a derro-ta militar das Forças Armadas regulares, mas a erosão contínua e crescente da capacidade do governo para proteger os cidadãos até fazê-lo inviável em sua di-mensão fundamental: a segurança de todos”, observa Salazar. “Há nisso uma espécie de inércia no movimento, pois aumenta cada vez mais o fosso entre a capacidade militar e a credibilidade po-lítica dos guerrilheiros. Estar apenas ‘contra o Estado’, sem outras propostas efetivas, vai levar apenas mais miséria e sofrimento ao povo colombiano, sem perspectiva de mudanças democráticas”, nota Daniel Pécaut, da Escola de Altos

Estudos em Ciências Sociais de Paris, em seu artigo “Les Farc: puissance mili-taire, carences politiques”. Para o pes-quisador, o que está em jogo é uma for-ma de “proteção nos moldes da máfia siciliana que repousa sobre a imposição de um constrangimento coletivo em que os custos que isso implica em termos de perda de liberdade seriam compensa-dos, na lógica guerrilheira, pelos bene-fícios em termos de interesses”.

“As Farc podem suprir a ausência do Estado, mas à medida que vão consoli-dando suas ligações com a economia ilegal da coca e dos seqüestros têm mais e mais incentivos para deixar o Estado de lado. É uma guerra por mais Estado, contra o Estado”, notam Medina e Gra-ciela. Isso também vale em suas rela ções com o narcotráfico, não restritas apenas ao cultivo e aos impostos cobrados para servir de interface de traficantes. “A eco-nomia do narcotráfico desestruturou a unidade e funcionalidade da família camponesa que estava nas zonas coca-leiras, antes das Farc, e, infelizmente, continua a fazê-lo, gerando outro círcu-lo vicioso terrível. Logo penetrou em outras instituições e organizações que davam sentido à ordem social e política

Passeata contra a violência das Farc na Colômbia

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LITERATURA

Ditadura kafkianaAutor tcheco foi lido como escritor que poderia lançar luzes sobre a vida nacional durante o regime militar

Franz Kafka (1883-1924) foi, provavelmente, o escritor mais in-fluente do mundo no século XX. Mesmo que nem todos con-fessem ou percebam a inspiração, que pode ter vindo por meio de terceiros. Embora ainda considerado de leitura “difícil”, o escritor tcheco até poderia ser chamado de ícone pop. Nos EUA, ainda na década de 1960, por exemplo, Kafka teve sua estampa difundida pelo pai da pop art, Andy Warhol. O episódio “Little

Girl in the Big Ten”, do desenho The Simpsons, exibido em 2002, mos-trava Lisa Simpson freqüentando um bar de intelectuais chamado Ca-fé Kafka – quase o mesmo nome que Erico Verissimo deu ao seu bar no romance Incidente em Antares: Kafé Kafka. Quem passar numa livraria encontrará adaptações nacionais e estrangeiras de seus contos e roman-ces para os quadrinhos. Um dos grandes sucessos da década de 1980 foi a música Uma barata chamada Kafka, do grupo Inimigos do Rei.

No caso do Brasil, essa popularidade, no entanto, é um fenômeno relativamente recente. Basta considerar que somente três décadas de-pois da morte de Kafka seus livros começaram a ser discretamente publicados aqui. Exatamente no momento em que o país entrava nu-ma ditadura, Kafka ganhou mais espaço nas livrarias. Teria sido mera coincidência? Talvez. Eduardo Manoel de Brito, pesquisador do Nú-cleo de Estudos da Violência da USP e doutor em letras, língua e lite-ratura alemã, investigou essa relação em seu doutorado “Quando a ficção se confunde com a realidade: as obras A colônia penal e O pro-cesso como filtros receptivos da ditadura civil-militar brasileira”, orien-tado por Celeste H. M. Ribeiro de Sousa. Conclui que Kafka foi lido, apesar de não exclusivamente, mas de fato, como um escritor que poderia lançar luzes sobre a situação política vivida pelos brasileiros durante os anos da ditadura. Outros também o consumiram porque sua obra refletia sobre questões existenciais fundamentais – o ser lan-çado no mundo, o vazio da existência, o sentimento de uma culpa adâmica nunca superado.

Contudo, explica ele, os textos O processo e A colônia penal tive-ram como uma de suas razões de recepção mais fortes o fato de que mostravam literariamente o que vários brasileiros viviam e sentiam

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na pele. “Não por acaso, a tortura está presente em ambos os textos kaf kia-nos”, observa. De acordo com Brito, a junção das fontes comprovadoras da tese, como artigos de jornais e revistas (acadêmicos e não-acadêmicos), as entrevistas e a análise da proprieda-de mesma do texto ser interpretável como uma espécie de crítica à vio-lência, mostra que críticos intelec-tuais brasileiros leram e divulga-ram textos kafkianos como formas de refletir e criticar a política re-pressora da época.

Primárias - A demora para Kafka ser traduzido no Brasil, revela o pesquisador, aconteceu porque havia informações pri-márias ou desconhecimento

sobre o escritor que poderiam criar a idéia de que ele seria um autor quase intraduzível. O tra-dutor Modesto Carone chegou a mencionar em entrevista a Brito que leu em algum lugar que Kafka teria escrito suas obras em tcheco. “O mercado parece que não estava muito anima-do a traduzi-lo, visto ser ele considerado complexo. Mas, na década de 1960, havia já bastante informação sobre o autor. Ajudou nesse sentido a publicação de A metamor-

fose nos anos de 1950. Portanto, era possível um risco calculado para sua publicação mais siste-mática.” A motivação inicial que veio depois, acredita Brito, foi mercadológica.

Sua pesquisa, porém, é uma tentativa de mostrar o uso possí-vel da literatura estrangeira co-mo um instrumento capaz de varar o “silêncio” instaurado pe-la Censura. “Naturalmente, a

ditadura impunha um silenciamento à crítica, em especial depois de 1969, com o AI-5. Assim, ler situações de tortura, perseguições sem sentido, mortes pra-ticadas por um sistema político na obra de Kafka eram formas de superar o si-lenciamento imposto pelo regime e levar as pessoas a encontrarem no texto literário aquilo que era proibido de ser discutido abertamente.” Desse modo, acrescenta, quando alguns críticos fala-vam da ditadura soviética, relacionan-

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do textos kafkianos com o ambiente ditatorial brasileiro, eles varavam o si-lêncio imposto, driblavam o regime de perseguição política brasileiro. No fun-do, nas entrelinhas, a crítica era ao sis-tema brasileiro.

Brito afirma que há textos que ex-plicitamente relacionam Kafka com violências praticadas no Brasil. Mesmo quando as palavras “Brasil” e “ditadura civil-militar brasileira” estão ausentes. Um bom exemplo disso é o artigo de Antonio Candido “A verdade da repres-são”, de 1972. No ensaio, a questão é apresentar a polícia que tortura. “Não há menção à polícia brasileira, mas, dentro da generalidade do texto, é bem perceptível a crítica à polícia que tortu-rava e tentava criar sua verdade a partir do discurso daquele que era torturado.” Além disso, com a dissolução do regime no final dos anos 1970, surgiram arti-gos mais explícitos, relacionando Kafka e a ditadura nacional, até chegar aos anos 1990, com a obra Os leopardos de Kafka, de Moacyr Scliar, que trata expli-citamente do assunto.

O pesquisador não encontrou re-gistro que indicasse que tenha havido algum controle sobre a obra de Franz Kaf ka pelo governo – leia-se, Censura. “Na verdade, o escritor seria hermético demais para ser diretamente relaciona-do com situações políticas brasileiras.” Moacyr Scliar trata disso no seu livro, quando um policial mostra o quanto podia ser chucro diante de um texto literário de alto nível. O mesmo, contu-

do, não aconteceu na Europa: Kafka foi censurado na ditadura nazista e foi um problema real na ditadura soviética. “Durante o nazismo, Kafka foi censu-rado por ser um escritor judeu. Na di-tadura soviética, tornou-se um proble-ma diante do realismo soviético, tendo havido, inclusive, congressos para defi-nir como tratá-lo dentro do contexto da literatura a ser apresentada nos paí-ses comunistas.”

Violência - O doutorado de Brito foca o tema a partir de três pontos princi-pais: o conceito de violência, literatu-ridade e função social da literatura. Ele observa que, no primeiro caso, recor-reu ao conceito de Hannah Arendt, mas dialoga com Walter Benjamin (Crítica da violência, crítica do poder) e Michel Foucault (Vigiar e punir) e a questão dos micropoderes. “Estes au-tores possibilitaram uma refle-xão sobre a violência e a ques-tão da violência do Estado.” A idéia de literaturidade vem do formalismo rus so e seria a idéia de buscar o especifica-mente literário no texto de literatura. “Ou seja, por mais que eu faça uma in-terpretação social do texto, a funda-mentação crítica, a análise profunda do texto é literária.”

Sua preocupação era tratar a crítica da obra kafkiana como um estudioso de literatura, e não como um sociólogo, por exemplo. “A função social da litera-tura eu a encontrei em estudos de Anto-nio Candido, com quem eu também mantive uma correspondência breve du-rante os primeiros anos da escritura do meu trabalho. Era importante para mim a discussão sobre qual a função da litera-tura – buscando o enfoque social – sem abrir mão da crítica literária específica, daí a fidelidade aos princípios defendidos pelo formalismo russo.” Ele encontrou isso no crítico Antonio Candido, que não instrumentaliza a literatura em favor de outra coisa que não o valor literário es-tético, mas que parte da obra literária para tocar a vida em sociedade. ■

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RESENHA

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O judeu em cada um de nósEstudo revela presença da descendência dos cristãos-novos brasileiros LÉ A VI N O C U R FR E I TAG

E sta obra do historiador Paulo Vala-dares foi originalmente feita sob a orientação da professora Anita No-

vinsky, o que confere um aval respeitável em termos de trabalho acadêmico.

O autor realizou uma investigação paciente e fecunda, analisando docu-mentos na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, Centro Cultural Vergueiro, PUCCamp, IFCH-Unicamp e FFLCH-USP (São Paulo), Real Gabinete Portu-guês de Leitura carioca, Arquivos Dis-tritais portugueses, Biblioteca Pública Municipal do Porto e Bibliotecas Na-cionais de Lisboa e Madri.

Valadares é um nome de destaque na linha de pesquisa histórica e genea-lógica, co-autor do Dicionário sefaradi de sobrenomes, ao lado de Guilherme Faiguenboim e Anna Rosa Bigazzi, pre-miado em 2003 como “o melhor livro de referência judaica”. Pertence a Socie-dades Genealógicas Nacionais e Inter-nacionais e vem publicando trabalhos em revistas especializadas, com temas instigantes, como “Os Mesquitas do Es-tadão vistos pela genealogia judaica”.

A presença oculta é o primeiro tra-balho acadêmico que buscou respon-der a uma questão central na história da formação nacional: o que aconteceu aos descendentes dos cristãos-novos no país?

“Com o fim da Inquisição termi-nou a perseguição à cultura dos cris-tãos-novos no Brasil, mas continuou a existir o estigma que satanizou o judeu. Tanto que os poucos judeus que che-gam no período a seguir não se identi-ficam como tal: eram “hebreus”, “isra-elitas”, “russos”, “alemães”, “franceses” etc. O mesmo se deu com o nome das instituições judaicas, que preferiram denominar-se “israelitas”.

Nos anos 1930 e 40 o anti-semitismo difundiu-se no Bra-sil, inclusive pela influência do integralismo. Fernando Raja Gabaglia, diretor do respeitado Colégio Pedro II e descenden-te da cristã-nova Branca Dias, foi questionado pelo ministro Gustavo Capanema sobre a forte presença judaica na institui-ção – soube contornar o problema defendendo a liberdade religiosa e a integração dos seus alunos.

Um dos expoentes da diplomacia brasileira no pós-guer-ra foi Hugo Gouthier de Oliveira Gondim, falecido em 1992, da linha genealógica de Branca Dias. Chegou ao posto de embaixador brasileiro na Itália, comprou e restaurou o Pa-lácio da Piazza Navona, em Roma, mantendo amizade com grandes personalidades internacionais, como Kennedy. Foi aposentado compulsoriamente em 1964 e teve os direitos políticos cassados.

Nomes ilustres da sociedade brasileira têm suas origens ligadas a cristãos-novos: “Antônio Henrique Cunha Bueno, neto materno de Maria Cursina de Leão, baiana de Macaúbas, foi deputado federal por São Paulo. Defendeu a comunidade judaica durante os seus mandatos legislativos e membros de sua família são voluntários em instituições judaicas”.

O historiador Sérgio Buarque de Holanda, autor de Raízes do Brasil, pai de Chico Buarque, chegou a ser inquirido pelo regime nazista, quando estudou na Alemanha. Aparece nas pes-quisas genealógicas como descendente de Abraham Senior.

Outras personalidades dos meios econômicos e empresariais citados por Paulo Valadares são Luís Eulálio de Bueno Vidigal e Gastão Vidigal, este último presidente do Banco Mercantil.

Referindo-se aos “profetas hebreus que nos espiam das Gerais”, Valadares vê na cultura cristã-nova das serras mi-neiras uma opção pelos profetas judeus, mais do que pelos apóstolos cristãos. Em Congonhas do Campo os profetas estão fora da igreja e são imagens dessacralizadas – os cató-licos preferem cultuar sua fé dentro da igreja.

Nessa linha de idéias, o autor observa também uma apro-ximação dos carmelitas com os judeus, exemplificando com os fundadores da Ordem, santa Teresa d’Ávila e são João da Cruz, ambos de origem cristã-nova. Em Ouro Preto o profe-ta Elias é reverenciado na Igreja N.S. do Carmo, e é comum encontrar nas igrejas imagens de Abrão e Moisés.

LÉA VINOCUR FREITAG é professora titular pela Escola de Comuni-cações e Artes (USP) e doutora em Ciências Sociais (USP).

A presença oculta

Paulo Valadares

Fundação Ana Lima

292 páginas

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LIVROS

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Movimento estudantil brasileiro e a educação superiorMichel Zaidan Filho e Otávio Luiz Machado (orgs.)Editora Universitária UFPE260 páginas, R$ 30,00

Pesquisadores de diversos campos de conhe-cimento que estudaram ou vivenciaram o movimento estudantil brasileiro a partir de 1950 buscam empreender uma análise histó-rica e sociológica de diversos aspectos referen-tes à formação política de jovens, o papel da universidade na educação brasileira, a re-forma universitária, entre outras questões.

Editora Universitária UFPE (81) 2126-8397www.ufpe.br/editora

O diário de Jonathas AbbottFernando Abbott GalvãoFrancisco Alves Editora525 páginas, R$ 44,00

O diário do médico inglês que aportou em Salvador em 1812 relata principalmente a viagem que ele fez à Europa, entre 1830 e 1832, para conhecer e aprender as últimas técnicas com os grandes médicos da épo-ca. Entre descrições de procedimentos cirúrgicos, viagens acidentadas, reencon-tros, o jovem londrino faz um registro das aventuras de seu tempo.

Francisco Alves Editora (21) [email protected]

A ditadura militar argentina 1976-1983: do golpe de Estado à restauração democráticaMarcos Novaro e Vicente PalermoEdusp747 páginas, R$ 81,00

Os autores deste livro dedicam-se a levantar questões sobre os 7 anos de ditadura na Ar-gentina através de inúmeras fontes, tanto aquelas produzidas pelos dirigentes do pro-cesso ou textos jornalísticos, como também aquelas de fonte testemunhal ou analítica. As mudanças nos rumos que a economia argentina vinha adotando desde 1930, as quais permanecem até os dias atuais, tam-bém são analisadas na obra.

Edusp (11) 3091-4008 www.edusp.com.br

Logística e transporte no processo de globalização: oportunidades para o BrasilJosef Barat (org.)Editora Unesp / IEEI256 páginas, R$ 36,00

Josef Barat reúne em seu livro pesquisas que contribuem para a discussão sobre a logísti-ca de transporte, fator cada vez mais relevan-te para o aumento dos PIB nacionais. A obra atenta para o panorama atual de mudanças no processo produtivo decorrentes da glo-balização dos mercados e abertura de países da periferia ao capital internacional.

Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br

Mídia e Poder Judiciário: a influência dos órgãos da mídia no processo penal brasileiroFábio Martins de AndradeLumen Juris Editora 445 páginas, R$ 75,00

Levantando questões como o conceito de opinião pública, o caráter empresarial da imprensa, a notícia como produto das ativi-dades jornalísticas, o papel ocupado pela mídia no cenário atual, a questão ética e a responsabilidade pessoal do jornalista, o li-vro procura demonstrar a influência da mí-dia no trâmite do processo penal.

Lumen Juris Editora (11) 5908-0240www.lumenjuris.com.br

Soldados da pátria: história do Exército brasileiro 1889-1937Frank D. McCannCompanhia das Letras707 páginas, R$ 69,50

Numa narrativa que começa com a queda do Império, percorre toda a República Ve-lha e vai até a instauração da ditadura do Estado Novo, em 1937, Soldados da pátria enfoca quase meio século da história do Exército brasileiro, atentando não só para os acontecimentos marcantes da história, mas também para as idéias, motivações e atitudes dos militares.

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FICÇÃO...

Vênus e Marte

CA R LO S ED UA R D O M. VI E G A S

O professor doutor Paulo Schmidt, livre-docente do De-partamento de Microbiologia de uma das mais respeita-das universidades do Brasil; reconhecido mundialmente

por seus achados científi cos; famoso pelas polêmicas com os colegas; querido por alguns; detestado por muitos; em uma manhã calorenta do mês de dezembro enviou um e-mail ao também professor doutor Silvio Nogueira, publicamente seu adversário acadêmico e, privadamente, seu rival em uma questão amorosa, propondo que após mais de 25 anos de hostilidades intelectuais e de um rompimento pessoal, escrevessem e publicassem juntos um trabalho científi co.

Quando o professor Nogueira recebeu a mensagem, ime-diatamente a lembrança de Laura veio à sua mente. Como ela estaria? Trazia sua imagem congelada na memória, o que a conservava intocada pela idade. O outro era um homem prático; um tanto tímido pessoalmente, mas um adversário formidável nas querelas científicas. Leu a mensagem duas vezes, e adquiriu a certeza de que ali havia mais do que esta-va escrito. Sabia o que fazer: em poucos minutos havia en-contrado o número do telefone do professor Paulo.

Quando foi atendido não soube como cumprimentar o antigo amigo. Mas teve suas suspeitas confirmadas: tratava-se muito mais do que a publicação de um paper. O professor Paulo revelou-lhe que tinha a confirmação, já fazia dois me-ses, de ser portador de um tipo particularmente agressivo de câncer e sua esperança de vida era pequena. Esta era a notí-cia ruim. A notícia boa era que havia encontrado um tipo de enzima que possuía um enorme interesse científico e econô-mico, pois viabilizava a transformação de celulose em etanol, com uma eficiência sem paralelo. Mas, com a doença, não estaria, brevemente, em condições de continuar seus traba-lhos. Propunha, enfim, que ele assumisse seu lugar, como líder daquele projeto.

— A troco de quê, Paulo? — perguntou, agressivo.— A troco de minha paz. Não quero que você me perdoe

pelo passado. Mas não vou morrer em paz se deixar este projeto na mão dos incompetentes daqui e dos aproveitado-res de fora. Só você pode terminar o projeto, cuidando de uns e de outros.

Respondeu que iria meditar. Desejou boa sorte ao colega e desligou o telefone.

Em casa, o professor Nogueira sentiu-se confuso para narrar aquele dia ímpar para sua mulher. Quando terminou, Bia lhe fez a pergunta inevitável, se Paulo havia mencionado Laura. Não; não mencionou o nome dela, eu também não perguntei. Ah! Bom..., fez ela introspectivamente, o faro de mulher desconfiando. O que ele iria fazer?

Não sabia. Ou melhor: sobre Paulo Schmidt sabia tudo; conhecia em detalhes sua linha de pesquisa, desde a gra-duação seguiam caminhos paralelos. Compartilhavam o mesmo interesse pelas enzimas e tinham um passado em comum. Haviam morado na mesma república nos tempos da faculdade. Paulo havia lhe roubado Laura, que era a sua namorada. Não sentia culpa quando, como “assessor” e pro-tegido pelo anonimato, emitia pareceres cáusticos sobre os trabalhos dos orientandos de Paulo. Uma vez, no comitê científico de que fazia parte, havia dado um parecer desfa-vorável a um pedido do próprio Paulo. Não julgava isso um mal; ou uma desonestidade. Eram as regras de um jogo que o próprio Paulo também jogava. Assim, eram rivais na ciên-cia e na vida.

Lembrava-se de Paulo, na época da república, recém-chegado de Paris, proclamando um exílio político nunca comprovado. Exibia o charme do romantismo ideológico da época; falava do socialismo e do Instituto Pasteur. Ele nunca tinha saído do Brasil; não tinha os dotes e os encantos do colega; não sabia música e dançava sem jeito. Era apenas um bom aluno, e tinha o senso pragmático que o levou a ser bem- sucedido na carreira; não era um romântico. Para Lau-ra, a escolha foi fácil. Casou-se com Paulo, tiveram dois fi-

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lhos, e apesar de sua fama de garanhão da universidade, eles se mantiveram juntos por quase três décadas.

Passou a dormir mal. Como católico praticante, confes-sou e comungou. Mas a confissão não o aliviou e, uma noi-te, tentou sair de uma amargura que imaginava apagada pelo tempo, narrando para o filho como ele mesmo havia apresentado Laura a Paulo.

Era 1975. Uma noite, chegou na república com Laura na hora em que Paulo tentava reproduzir no violão os acordes de Venus and Mars, do Paul McCartney. Ela conhecia a can-ção. Em pouco tempo, Paulo a acompanhava, enquanto ela, sentada no tapete, as pernas cruzadas, cantava:

Standing in the hall of the great cathedral,Waiting for the transport to came,Starship 2IZNA9,A good friend of mine studies the starsVenus and Mars are alright tonight.Viu, então, surgir o encanto mútuo; o Paulo; a Laura.

Tentou o que pôde, mas era uma luta perdida. O resto o filho já sabia.

O professor Paulo Schmidt faleceu quatro meses depois. O próprio filho do amigo de juventude telefonou dando-lhe a notícia. Teve que suportar o murmúrio que sua chegada provocou no velório, acompanhado por Bia e os dois filhos. Lá estava Laura com os cabelos grisalhos, desmentindo com sua velhice viva a fotografia congelada de sua memória, se-rena, que abraçou ele e Bia, e ele viu que era sincera ao agra-decer por terem comparecido:

– Por favor, Bia, acredite. Paulo sempre se considerou amigo de seu marido.

Algum tempo depois, atendeu em sua sala o diretor da faculdade onde o professor Paulo havia lecionado. Laura havia pedido que lhe entregasse o computador pessoal do falecido professor Paulo Schmidt, o qual continha todos os dados e anotações de suas pesquisas com enzimas. O dire-

tor piscou os olhos quando falou: porém o computador está travado com uma senha. O professor Paulo havia dito a Laura, antes de morrer, que era uma precaução para que aqueles dados não caíssem “nas mãos de aventureiros e in-competentes”.

O professor Silvio Nogueira suspirou antes de perguntar:— E o que mais?O diretor enxugou o suor da testa com um lenço:— O professor Schmidt disse para sua esposa, Laura, que

o senhor saberia como destravá-lo. Disse que o senhor sabe a senha.

Então, tudo terminava ali. A ele caberia o epílogo daque-la vida que ele conhecia, agora, em sua inteireza, do começo ao fim. Aquela vida, cristalizada em trabalho, estava ali, tudo estava em suas mãos.

— O que mais ele disse? — perguntou, fazendo-se de ingênuo.

— Que o senhor compreenderia quando lhe dissessem que tudo está entre o amor e a guerra.

Suspirou mais uma vez. Despediu o diretor dizendo que não era bom em enigmas, mas faria o possível. Fechou a porta da sala, e resmungava, enquanto se dirigia para o com-putador, que eram mesmo uns incompetentes, oras! Amor e guerra, e nem conhecem rock antigo. Amor e guerra, Vênus e Marte. Ligou o computador, quando a máquina pediu-lhe a senha, sem vacilar, digitou: 2IZNA9.

O computador zumbiu alegremente enquanto começava a dar acesso aos seus segredos, e o professor Silvio Nogueira ficou um longo tempo olhando por sua janela.

CARLOS EDUARDO VIEGAS, economista pela Unicamp, é professor temporário no campus da USP em Pirassununga-SP. Douto-rando em ciências sociais pela UFSCar-SP, pesquisa a teoria da guerra e aventura-se na ficção.

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