o Ético e o estÉtico em adorno - pucrs · 2017. 9. 28. · márcia tiburi - universidade...

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MAURICIO JOÃO FARINON O ÉTICO E O ESTÉTICO EM ADORNO Porto Alegre 2012

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Page 1: O ÉTICO E O ESTÉTICO EM ADORNO - Pucrs · 2017. 9. 28. · Márcia Tiburi - Universidade Presbiteriana Mackenzie Porto Alegre Janeiro de 2012. Dados Internacionais de Catalogação

FACULDADE DE EDUCACcedilAtildeO PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM EDUCACcedilAtildeO

DOUTORADO EM EDUCACcedilAtildeO

MAURICIO JOAtildeO FARINON

O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO EM ADORNO

Porto Alegre 2012

Mauricio Joatildeo Farinon

O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO EM ADORNO

Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo na Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PU-CRS como requisito parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Educaccedilatildeo

Orientadora Professora Doutora Nadja Mara Amilibia Hermann

Porto Alegre 2012

Mauricio Joatildeo Farinon

O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO EM ADORNO

Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo na Ponti-fiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS como requisito parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Educaccedilatildeo

Aprovada em 12 de janeiro de 1012

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________ Professora Orientadora - Professora Dra Nadja Mara Amilibia Hermann ndash PUCRS

_______________________________________________________________

Professor Convidado - Professor Dr Marcos Villela Pereira ndash PUCRS

_______________________________________________________________ Professor Convidado - Professor Dr Alexandre Fernandez Vaz ndash UFSC

_______________________________________________________________

Professor Convidado - Professora Dra Maacutercia Tiburi - Universidade Presbiteriana Mackenzie

Porto Alegre Janeiro de 2012

Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo ( CIP )

Bibliotecaacuteria responsaacutevel Acircngela Saadi Machado - CRB 101857

P285p Farinon Mauricio Joatildeo

O eacutetico e o esteacutetico em Adorno Mauricio Joatildeo Farinon ndash 2011 101 f 30 cm

Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica

do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2011 Orientador Prof Dra Nadja Mara Amilibia Hermann

1 Adorno Theodor W 1903-1969 2 Educaccedilatildeo - Filosofia 3

Pensamento criacutetico I Hermann Nadja orientador II Tiacutetulo

CDU 3701

Bibliotecaacuteria responsaacutevel Acircngela Saadi Machado - CRB 101857

AGRADECIMENTOS

Agrave minha esposa Betacircnia Beledeli Farinon pela companhia compreensiva e apoio em todos os

momentos Com ela aprendi o significado do ser outro

Aos meus pais pelas palavras de incentivo pela presenccedila marcante o carinho inigualaacutevel Por

estarem sempre comigo Aos meus irmatildeos com suas famiacutelias Principalmente ao meu irmatildeo

Altair por todo apoio nesta conquista

Um agradecimento especial agrave minha querida orientadora professora Dra Nadja Hermann

Com rigor carinho e amizade indicou o caminho intelectual a ser percorrido Fez de mim

muito mais que um doutor a ela devo parte do que sou

Ao professor Dr Claacuteudio Dalbosco pelas excelentes contribuiccedilotildees dadas para esta pesquisa

seja com membro da banca de qualificaccedilatildeo seja como colega e amigo na Universidade de

Passo Fundo Sempre eacute bom poder contar com amigos dispostos a contribuir em nossos em-

preendimentos

Agradeccedilo tambeacutem aos amigos Clecircnio Lago Eliana Xerri Clara Furtado Vanderlei Carbona-

ra Adilsom Eskelsen Grandes lembranccedilas dos momentos vividos na PUC e em outros espa-

ccedilos Com vocecircs estes quatro anos ganharam um sentido especial

A todos os meus alunos(as) e ex-alunos(as) Na convivecircncia e debates em aula foi possiacutevel

entender muito do que significa a eacutetica o que significa o outro o que significa educaccedilatildeo

Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da PUC-RS pela oportunidade de estar inte-

grado neste reconhecido programa e por possibilitar a conclusatildeo de mais esta etapa em minha

formaccedilatildeo Agradeccedilo tambeacutem a CAPES pelo apoio financeiro via bolsa de pesquisa durante

os quatro anos do doutorado

Meus agradecimentos a todos que de uma ou outra forma acompanharam estes quatro anos

de curso Todos fazem parte da minha histoacuteria e satildeo personagens fundamentais em minha

vida

RESUMO

Eacutetica esteacutetica e educaccedilatildeo satildeo os conceitos baacutesicos presentes nesta investigaccedilatildeo a qual

tem como paradigma orientador a Teoria Criacutetica de Theodor Adorno A partir das bases que

permitem conceber o sujeito poacutes-metafiacutesico em Adorno sob que condiccedilotildees eacute possiacutevel defen-

der o alargamento da experiecircncia como meio de constituiccedilatildeo da subjetividade a qual eacute a base

da consciecircncia moral e que significaccedilatildeo eacutetica surge para a educaccedilatildeo tendo em vista o sujeito

que moralmente precisa ser constituiacutedo com base na experiecircncia Partindo deste problema o

objetivo geral eacute discutir a noccedilatildeo de subjetividade poacutes-metafiacutesica em Adorno a fim de estabe-

lecer baseado em tal sujeito uma significaccedilatildeo eacutetico-educativa capaz de nortear a formaccedilatildeo do

humano e o desenvolvimento da consciecircncia moral Como indicativo teoacuterico a tese propotildee

que no momento em que a educaccedilatildeo se torna promotora de enriquecimento das experiecircncias

formativas eacute possiacutevel o alargamento do modo como ocorre a constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do su-

jeito eacutetico Isto nos conduz agrave constituiccedilatildeo do meio no qual o ser humano estaacute inserido meio

este denominado linguagem Portanto a defesa eacute sobre o plasmar linguumliacutestico como o desafio

eacutetico da formaccedilatildeo humana Articula-se a esteacutetica como fundamento sob o qual eacute possiacutevel de-

fender tal alargamento do conceito de experiecircncia e de constituiccedilatildeo da subjetividade O per-

curso teoacuterico inicia com a discussatildeo sobre o modo como ocorre a constituiccedilatildeo da subjetivida-

de e da consciecircncia moral em Kant cujo alicerce estaacute nos conceitos de finalidade e liberdade

para apoacutes compreender a mudanccedila proposta por Adorno no qual a esteacutetica estaacute em iacutentima

relaccedilatildeo com a eacutetica o que se evidencia a partir dos termos concreto constelaccedilatildeo comunica-

ccedilatildeo e conteuacutedo de verdade O meacutetodo eacute analiacutetico conceitual gerando um confronto entre estas

duas vertentes filosoacuteficas ao mesmo tempo em que propotildee significaccedilatildeo agrave praacutetica educacional

em ambiente escolar A proposta de reconhecimento do outro enquanto concretude que cons-

titui e habita um meio linguumliacutestico e a necessidade de a sala de aula ser o local privilegiado no

qual este meio deve ser plasmado eacute uma alternativa eacutetica para a formaccedilatildeo a partir da qual eacute

possiacutevel vislumbrar a escola enquanto local de desenvolvimento e qualificaccedilatildeo do humano

Palavras-chaves Eacutetica Esteacutetica Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Plasmar linguiacutestico

ABSTRACT

Ethics aesthetic and education are the basic concepts in this present investigation which has

as its guiding paradigm critical theory of Theodor Adorno Form the basis the allow us to

conceive the post-metaphysical subject in Adorno under what conditions is possible defend

the enlargement of the experience like a way of the constitution of the subjectivity which is

the basis of the moral consciousness and that ethic signification comes to the education in

view of the subject that morally need to be constituted based on the experience Starting

from this problem the general goal is to discuss the post-metaphysical subjectivity notion in

Adorno to establish based in such subject an ethical and educational meaning able to guide

the human formation and the moral consciousness development As theoretical indicative the

thesis proposes that in the moment that the education becomes an enrichment promoter of

the formation experiences is possible the enlargement of the way that happens the

constitution and the development of the ethic subject This guides us to the constitution of the

environment in which the mankind is inside this environment is called language Therefore

the defense is about the linguistic shape as the ethical challenge of human development It is

articulated the aesthetic as a foundation under which is possible to defend the enlargement of

the concept of the experience and the constitution of the subjectivity The theoretical

approach starts with a discussion on how the constitution of subjectivity and moral

consciousness in Kant happens whose foundation lies in the concepts of order and freedom

to after understand the change proposed by Adorno in which aesthetics is intimately related

to ethics as is evident from the terms of concrete constellation communication and real

content The method is analytical and conceptual creating a confrontation between these two

philosophical strands while proposing significance to educational practice in the school

environment The propose o recognize the other as a concrete who is inserted in a linguistic

environment and the necessity for the classroom to be an ideal place in which this

environment should be shaped is an ethical alternative to the formation from which we can

glimpse the school as a place of development and qualification of the human

Keywords Ethics Aesthetic Education Formation Linguistic shape

LISTA DE ABREVIATURAS ANTR ndash Antropologia de um ponto de vista pragmaacutetico

CRPu ndash Criacutetica da razatildeo pura CRPr ndash Criacutetica da razatildeo praacutetica

DE ndash Dialeacutetica do esclarecimento DN ndash Dialeacutetica negativa DOD ndash Discurso sobre a origem e fundamentos das desigualdades entre os homens

EE ndash Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo EXP ndash Experiecircncia e criaccedilatildeo artiacutestica ndash paralipocircmenos agrave ldquoTeoria Esteacuteticardquo

FMC ndash Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes K ndash Kierkegaard

MC ndash Metafiacutesica dos costumes MET ndash Metafiacutesica

MM ndash Miacutenima moralia OPF ndash Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico

PS ndash Palavras e sinais ndash modelos criacuteticos 2 SDMP ndash Sobre a discordacircncia entre moral e a poliacutetica a propoacutesito da paz perpeacutetua

SO ndash Sobre sujeito e objeto

TE ndash Teoria esteacutetica

SUMAacuteRIO INTRODUCcedilAtildeO 9

1 ASPECTOS EacuteTICOS DA CONSTITUICcedilAtildeO E DA FORMACcedilAtildeO DO HUMANO SEGUNDO KANT 19

11 A constituiccedilatildeo transcendental do sujeito eacutetico em Kant 22

12 O ideal de Reino dos fins e a determinaccedilatildeo moral do sujeito transcendental 26

2 THEODOR ADORNO E A CONCEPCcedilAtildeO DE PENSAMENTO POacuteS-METAFIacuteSICO 33

21 Discussatildeo em torno do conceito de ldquosujeitordquo 33

22 A concepccedilatildeo de verdade em seu nuacutecleo histoacuterico 38

221 Tensatildeo entre verdade e procedimento 39

222 A perda da evidecircncia e o impulso ao esclarecimento 41

23 Constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade marcas do pensamento poacutes-metafiacutesico em Adorno 44

3 A IMPOSSIBILIDADE DO REINO DOS FINS MEDIANTE A FORCcedilA DO IMPERATIVO CATEGOacuteRICO

UMA CONTRAPOSICcedilAtildeO FUNDADA EM ADORNO 49

4 O PROJETO EacuteTICO ESTEacuteTICO E FILOSOacuteFICO EM ADORNO 57

41 A vinculaccedilatildeo entre experiecircncia e racionalidade esteacutetica 59

42 A dinacircmica entre aproximaccedilatildeo do outro e construccedilatildeo de si 65

5 O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO NA FORMACcedilAtildeO HUMANA 74

51 Entre o eu e o outro ou quando a presenccedila nos manteacutem humanos 74

52 A eacutetica e a esteacutetica em sua dimensatildeo pedagoacutegica 86

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 92

REFEREcircNCIAS 96

INTRODUCcedilAtildeO

A investigaccedilatildeo que aqui se apresenta tem como foco a relaccedilatildeo entre eacutetica esteacutetica e

educaccedilatildeo Natildeo satildeo poucos os esforccedilos em torno desse tema o que gera uma infinidade de

referenciais teoacutericos de modo que natildeo seria difiacutecil a repeticcedilatildeo de investigaccedilotildees jaacute existentes

o que comprometeria a pretensatildeo deste trabalho Nesse sentido eacute que a tese pretende uma

significaccedilatildeo eacutetico-educativa tendo como base a noccedilatildeo de sujeito esteacutetico em Theodor Adorno

Em linhas gerais entende-se por sujeito esteacutetico o indiviacuteduo que se constitui tanto moralmen-

te quanto em termos de conhecimento mediante a experiecircncia sensiacutevel a relaccedilatildeo efetiva e

permanente Isso remete agrave noccedilatildeo de esteacutetica enquanto percepccedilatildeo a dimensatildeo sensiacutevel que no

caracteriza Viso realizar um direcionamento efetivo estabelecendo as conexotildees entre as ba-

ses conceituais provindas da filosofia seja no acircmbito da eacutetica quanto da esteacutetica e a praacutetica

educativa em sentido amplo e especiacutefico Entendo a praacutetica educativa em sentido amplo en-

quanto processo de esclarecimento efetivado em todos os niacuteveis de relaccedilatildeo e em sentido es-

peciacutefico como aquela sistematicamente desenvolvida em ambiente escolar

Ao abordar a constituiccedilatildeo esteacutetica da subjetividade ou em outros termos a proposta

de um sujeito esteacutetico fica posto um viacutenculo direto com a noccedilatildeo de formaccedilatildeo O sujeito esteacute-

tico precisa ser constituiacutedo por mais que sejamos seres sensiacuteveis por natureza Mas a sensibi-

lidade no sentido de mera percepccedilatildeo natildeo eacute a uacutenica forma de se entender este tema pois ele

envolve a noccedilatildeo de mimese (a possibilidade de riqueza de experiecircncia ordenada pelo encontro

permanente com aquilo que me eacute diferente) e expressatildeo (o modo proacuteprio de o sujeito falar

derivado da riqueza mimeacutetica) Desse modo eacute possiacutevel afirmar que a pobreza de linguagem

revela a pobreza mimeacutetica

Mimese natildeo eacute imitaccedilatildeo mas eacute o braccedilo que se estende eacute o corpo que encontra resso-

nacircncia na realidade permitindo a dialeacutetica do tato conforme defendido nas Minima Moralia

Adorno rejeita a imitaccedilatildeo de modelos alegando que ele impede a autonomia Se admitirmos a

existecircncia de modelos esses satildeo imitaacuteveis Poreacutem um ser emancipado natildeo se fixa na imita-

ccedilatildeo mas tende agrave construccedilatildeo de uma sociedade cujos integrantes sejam capazes de pensar se-

gundo o ideal kantiano de fazer uso do proacuteprio entendimento sem a tutela ou modelagem de

outrem E essa possibilidade perpassa necessariamente pelo processo educacional

No entanto esse processo segue uma tendecircncia eacutetica orientado pelas questotildees baacutesicas

que mundo que ser humano que sociedade noacutes queremos Desse modo se justifica a necessi-

dade de pensar a formaccedilatildeo escolar sob ideais eacuteticos natildeo constituiacuteda exclusivamente de co-

nhecimentos intelectuais Em Theodor Adorno o problema da ldquoformaccedilatildeo moralrdquo se situa den-

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tro da perspectiva esteacutetica o que remete a uma abordagem da dimensatildeo do outro O outro eacute o

maior e permanente desafio agrave racionalidade e todas as categorias iluministas natildeo datildeo conta da

apreensatildeo e significaccedilatildeo plena deste outro O comportamento da razatildeo pura ou do espiacuterito

absoluto por exemplo em relaccedilatildeo ao que me eacute diferente eacute de ser condiccedilatildeo para todo o senti-

do tudo eacute para a razatildeo e todo objeto dos sentidos tem existecircncia desqualificada ndash ou natildeo eacute

admitido como fato ndash se natildeo passar pela elaboraccedilatildeo subjetiva Essa eacute a noccedilatildeo de constituiccedilatildeo

via sujeito o para mim base teoacuterica para legitimar toda dominaccedilatildeo A existecircncia se torna

desqualificada quanto a prioridade estaacute na representaccedilatildeo que faccedilo daquilo com quem me rela-

ciono reduzindo a existecircncia do outro sua efetividade sua concretude a algo secundaacuterio

frente ao meu entendimento sobre ele Assim eacute que surgem conceitos frios pois natildeo admitem

o outro para aleacutem do sentido jaacute apreendido e para aleacutem do momento vivido como se ao con-

traacuterio do dinamismo da histoacuteria nossas compreensotildees natildeo precisassem mudar

O fator decisivo que originou a tese que aqui se apresenta estaacute constituiacutedo por dois e-

lementos Primeiro se deve ao percurso seguido pelos meus estudos em Filosofia e segundo

pela minha inserccedilatildeo no mundo educacional em acircmbito acadecircmico mas principalmente na

educaccedilatildeo baacutesica Ao concluir meu mestrado em Filosofia fui levado a analisar ndash pelo avanccedilo

nos estudos ndash a relaccedilatildeo entre a constituiccedilatildeo do sujeito e os desafios para a educaccedilatildeo Assim

direcionei meus estudos a um esforccedilo congregador entre aspectos teoacuterico-sistemaacuteticos em

Filosofia e os desafios em significar ndash com base neste estudo teoacuterico ndash eticamente a educa-

ccedilatildeo Realizarei esta abordagem explorando principalmente os conceitos de experiecircncia esteacute-

tica e subjetividade defendendo a possibilidade de mediante o ideal de enriquecimento de

experiecircncias formativas alargar o sentido de constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do sujeito eacutetico

Ao me inquietar com o tema acerca da constituiccedilatildeo do sujeito epistemoloacutegico e eacutetico

direcionei-me necessariamente a Immanuel Kant e agraves condiccedilotildees racionais puras ao ajuiza-

mento nesses dois acircmbitos Em termos eacuteticos surgem as noccedilotildees de fim uacuteltimo e liberdade co-

mo suporte agrave noccedilatildeo de dever O amor incondicional ao dever se constitui na condiccedilatildeo ao a-

gente moral e agrave sociedade baseada em seres racionais que estabelecem ligaccedilatildeo sistemaacutetica a

partir de leis comuns ndash o que pode ser entendido como reino dos fins Desta incondicionalida-

de eacute possiacutevel derivar a concepccedilatildeo de autonomia pois a uacutenica determinaccedilatildeo eacute interna posse do

sujeito Neste ponto eacute que se justifica a necessidade de retornar a Kant pois com este filoacutesofo

o conceito de autonomia foi inserido como criteacuterio epistemoloacutegico e moral Sobre isto ocorre

um incisivo ideal educacional pois tal criteacuterio precisa ser formado desenvolvido no ser hu-

mano Tentativas de implosatildeo deste ideal ocorreram com os regimes totalitaacuterios (por exemplo

o Nacional Socialismo na Alemanha e a Ditadura Militar no Brasil) para os quais a forccedila de

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determinaccedilatildeo era dada pela ideologia absolutista Poreacutem a Teoria Criacutetica retoma o conceito

de maioridade pondo como condiccedilatildeo para a proacutepria democracia

O que surge ao analisar a obra kantiana sobre moral eacute que o encontro ocorre via amor

ao dever Todo senso moral deriva deste postulado Natildeo eacute pelo outro propriamente dito mas

somente por natildeo poder entrar em contradiccedilatildeo com minha proacutepria razatildeo que aceito o cumpri-

mento do dever aqueacutem a qualquer tendecircncia pessoal Um ponto que merece destaque eacute como

se desenvolve a consciecircncia moral a consciecircncia do dever natildeo ficando evidente como ocorre

a passagem da consciecircncia comum para uma fundamentaccedilatildeo dos costumes Uma possiacutevel

indicaccedilatildeo poderia ser encontrada no texto Resposta agrave pergunta o que eacute esclarecimento

quando eacute possiacutevel vislumbrar que a liberdade de fazer uso puacuteblico da razatildeo se constitui na

condiccedilatildeo para exercer o poder originado a partir do entendimento no seu bom uso O que fica

incerto eacute como o ser humano chega a desenvolver as condiccedilotildees para exercer a liberdade do

uso puacuteblico da razatildeo pois eacute negada pelo autor a forccedila decisiva dos exemplos nessa constitui-

ccedilatildeo

O que pode ser vislumbrado eacute a necessidade de um efetivo ardor educativo para que o

ser humano natildeo venha a fazer mau uso de suas forccedilas Nesse sentido eacute que recorro a Adorno

para buscar elementos que efetivam essa realizaccedilatildeo encontrando nos conceitos de concreto

viacutenculo comunicaccedilatildeo de diferenciados e sociedade atomizada indicaccedilotildees teoacutericas baacutesicas ao

desenvolvimento da consciecircncia moral Tudo isso baseado na concepccedilatildeo de subjetividade

esteacutetica Destaco entatildeo que o percurso traccedilado neste texto eacute indispensaacutevel pois parte do sen-

tido loacutegico-formal a partir do qual ocorre a formaccedilatildeo da consciecircncia moral em Kant para em

Adorno pontuar o contraponto da formaccedilatildeo moral mediante a ecircnfase na experiecircncia efetivada

no encontro com os outros o que remete agrave experiecircncia esteacutetica sensiacutevel Dessa experiecircncia

surge o sentido eacutetico da educaccedilatildeo enquanto promotora de ceacutelulas de humanidade e como o

espaccedilo do plasmar linguumliacutestico

Retomando a discussatildeo da responsabilidade moral baseada na ausecircncia de contradiccedilatildeo

da razatildeo com seus princiacutepios eacute que Kant se distancia de seu antecessor iluminista Jean-

Jacques Rousseau No filoacutesofo francecircs o respeito ao outro natildeo eacute por ser ele racional mas se

alicerccedila na noccedilatildeo de ser sensiacutevel Trago Rousseau presente natildeo por ser um autor decisivo

nesta investigaccedilatildeo mas para pontuar um paralelo entre dois autores da mesma eacutepoca histoacuterica

no que se refere agraves bases da obrigaccedilatildeo moral Tem-se aqui a indicaccedilatildeo da possibilidade de

encontro entre diferentes movido pela virtude da piedade como condiccedilatildeo para a humanidade

O desenvolvimento moral que eacute a existecircncia da humanidade propriamente dita para aleacutem da

animalidade ocorre quando o indiviacuteduo eacute capaz de sair de si e movido pela virtude da pieda-

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de guiado pela razatildeo pelo ir em direccedilatildeo ao outro Nesse sentido a proposta iluminista de

Rousseau eacute um vislumbre moderno do ideal eacutetico adorniano acerca do encontro

Estar autorizado a agir somente por ser um dever prescrito pela razatildeo eacute conforme a-

cima descrito uma eacutetica de coerecircncia loacutegica Em olhar diferenciado a autorizaccedilatildeo a agir ocor-

re pelo fato de o outro solicitar minha accedilatildeo o que gera uma resposta inevitaacutevel Eacute do outro o

diferente de mim e que por isso se constitui em desafio para o pensamento que vem a obri-

gaccedilatildeo o que remete a uma interdependecircncia planetaacuteria constitutiva de um imperativo de res-

posta guiada pela natildeo colocaccedilatildeo do si mesmo no centro da discussatildeo mas guiada pela neces-

sidade comum de existecircncia qualificada Tal qualificaccedilatildeo nos remete agrave consideraccedilatildeo prioritaacute-

ria do local e do momento que o outro ser humano vive com suas escolhas suas decisotildees

suas experiecircncias e o estado atual que o indiviacuteduo se encontra

Dentro do pensamento de Kant o desafio que surge eacute delinear como ocorre a constitu-

iccedilatildeo da consciecircncia moral e se a partir dessa constituiccedilatildeo eacute possiacutevel assegurar a realizaccedilatildeo do

seu ideal de reino dos fins conceito norteador a partir do qual ocorrem os viacutenculos Nesse

ponto eacute que se torna vaacutelida a investigaccedilatildeo abordando os paradigmas de Kant e de Adorno

para na tensatildeo entre os dois autores em evidecircncia apontar a diferenccedila provinda de Adorno ao

modo como o sujeito eacute constituiacutedo Nessa direccedilatildeo eacute que ocorre uma radical mudanccedila a for-

maccedilatildeo deve levar a uma ampliaccedilatildeo e enriquecimento do niacutevel de experiecircncia pressuposto

para o agir moral Experiecircncia e agir moral encontram iacutentima relaccedilatildeo experiecircncia natildeo eacute mero

trato manejar ou proceder sobre algo mas estaacute vinculada agrave capacidade de se comunicar no

sentido de diaacutelogo momento em que os opostos entram em relaccedilatildeo e se autoconstituem A

obrigaccedilatildeo moral natildeo se deve a um rigor loacutegico de coerecircncia interna da proacutepria razatildeo mas de

um dever cuja base estaacute na necessidade da accedilatildeo por puro amor agrave vida natildeo enquanto universal

conceitual mas enquanto vida do efecircmero a concretude o ente do ser Em termos eacuteticos en-

contramos um ponto determinante todo princiacutepio de valor toda regra de accedilatildeo deve partir do

sensiacutevel a concretude que habita o mundo imediatamente

O fundamento teoacuterico adorniano se apoiaraacute principalmente nas obras Dialeacutetica do es-

clarecimento Dialeacutetica Negativa Teoria Esteacutetica e Minima Moralia apesar de percorrer as

demais obras buscando nelas alguns esclarecimentos terminoloacutegicos necessaacuterios Em Kant a

base estaacute na Criacutetica da razatildeo pura Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes e Fun-

damentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes

Atribuir ao efecircmero (o caraacuteter proacuteprio de transitoriedade) o valor de princiacutepio eacute arran-

car o fundamento das garras da abstraccedilatildeo Deve-se estar atento ao proacuteprio termo vida a cons-

tataccedilatildeo feita na Minima moralia de que natildeo haacute mais vida ou que natildeo haacute vida correta na falsa

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tem seu corretivo ndash o fato de vida estar carregada do significado originado pela relaccedilatildeo per-

manente com o mundo sensiacutevel e natildeo pelo conceito abstrato Eacute essa vida a origem da filoso-

fia e onde ela estaacute em ausecircncia ali eacute que deve surgir o pensamento Baseado nisso eacute que re-

corro agrave Minima moralia Teoria esteacutetica e agrave Dialeacutetica negativa com a finalidade de compre-

ender o direcionamento que eacute dado ao modo de constituiccedilatildeo do sujeito moral

As discussotildees sobre a Teoria Criacutetica de Adorno sofrem de uma marca histoacuterica que a

meu ver eacute muito reducionista em se tratando de atualizaccedilatildeo ou mesmo da anaacutelise referente

aos seus conceitos decisivos Refiro-me ao episoacutedio nazista pontuado na figura de Auschwitz

Apesar da importacircncia que a perseguiccedilatildeo e extermiacutenio principalmente aos judeus significa-

ram para Adorno em questotildees pessoais e teoacutericas situar sua produccedilatildeo considerando somente

tal fato oculta outras dimensotildees fundamentais Em se tratando de educaccedilatildeo tenho claro que

para ele o essencial eacute evitar que Auschwitz se repita impedindo o renovar das causas de tal

regressatildeo Fazendo referecircncia ao tiacutetulo deste projeto de tese O eacutetico e o esteacutetico em Adorno

merece atenccedilatildeo a cunhagem de sua concepccedilatildeo de esteacutetica e a devida vinculaccedilatildeo com a eacutetica

que estaacute aqueacutem do evento nazismo encontrando sua origem na criacutetica agrave tradiccedilatildeo metafiacutesica

principalmente na figura de Immanuel Kant e sua proposta de fundamentos da moralidade

Destaco tambeacutem o ideal de experiecircncia formativa como constituidora da consciecircncia bem

como sua noccedilatildeo fundante de dialeacutetica negativa e a relaccedilatildeo dessa com a rigorosidade no ato de

pensamento e na constituiccedilatildeo da verdade

Como o interesse central desta pesquisa eacute a significaccedilatildeo eacutetico-educativa que surge a

partir do sujeito poacutes-metafiacutesico em Theodor Adorno o problema que direciona a investigaccedilatildeo

estaacute delineado nos seguintes termos a partir das bases que permitem conceber o sujeito poacutes-

metafiacutesico em Adorno sob que condiccedilotildees eacute possiacutevel defender o alargamento da experiecircncia

como meio de constituiccedilatildeo da subjetividade a qual eacute a base da consciecircncia moral e que

significaccedilatildeo eacutetica surge para a educaccedilatildeo tendo em vista o sujeito que moralmente precisa

ser constituiacutedo com base na experiecircncia O sujeito poacutes-metafiacutesico ou para Adorno o sujeito

esteacutetico eacute compreendido a partir da relaccedilatildeo estabelecida com os fragmentos de alteridade

aquilo que permanece apoacutes o ato compreensivo e que exige continuaccedilatildeo da experiecircncia sensiacute-

vel como condiccedilatildeo para ampliaccedilatildeo da consciecircncia

Diante da contextualizaccedilatildeo apresentada e do problema proposto a tese defendida eacute no

momento em que educaccedilatildeo se torna promotora de enriquecimento das experiecircncias formati-

vas eacute possiacutevel o alargamento do modo como ocorre a constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do sujeito eacuteti-

co Isso nos conduz agrave constituiccedilatildeo do meio no qual o ser humano estaacute inserido meio esse de-

nominado linguagem Portanto a defesa eacute sobre o plasmar linguiacutestico como o desafio eacutetico da

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formaccedilatildeo humana Para tanto articula-se a esteacutetica como fundamento sob o qual eacute possiacutevel

defender tal alargamento do conceito de experiecircncia e de constituiccedilatildeo da subjetividade Es-

tando as experiecircncias em processo de constante formaccedilatildeo o desafio eacutetico-educativo eacute desen-

volver a consciecircncia da necessidade de viacutenculos de responsabilidade em contraposiccedilatildeo ao

ideal de seres atomizados (monadas) e movidos unicamente pelo criteacuterio da razatildeo pura que

dita o amor ao dever Somente assim eacute possiacutevel vislumbrar um estado humano ou estado de

reconciliaccedilatildeo em situaccedilatildeo de encontro e comunicaccedilatildeo de antiacuteteses natildeo hostis Juntamente

com a compreensatildeo de educaccedilatildeo em sua funccedilatildeo de plasmar da linguagem surge a relaccedilatildeo

com a noccedilatildeo adorniana do novo Por mais que tenhamos a necessidade de nos adaptarmos a

determinadas normas costumes tradiccedilotildees valores condiccedilatildeo miacutenima para haver convivecircncia

social a educaccedilatildeo deve permitir a manifestaccedilatildeo da riqueza individual e a novidade que a au-

toconstruccedilatildeo pode revelar Isso significa pensar na coesatildeo sem coaccedilatildeo mas mediante a valo-

rizaccedilatildeo daquilo que no outro eacute outro ou seja valorizaccedilatildeo do diferente no outro seu caraacuteter de

novidade

Vale destacar alguns pontos que marcam o horizonte desta pesquisa Como primeiro

aspecto a referecircncia estaacute na alteraccedilatildeo que a accedilatildeo humana sofreu em suas configuraccedilotildees Eacute

improvaacutevel que nossos antepassados tivessem o senso de que seus atos pudessem interferir

sobre a vida em escala planetaacuteria e as consequecircncias se estendessem por seacuteculos ou ateacute mes-

mo que fossem irreversiacuteveis Seus vislumbres se estendiam por poucas geraccedilotildees e estavam

situadas nos limites locais Somente este alargamento jaacute potildee a necessidade de repensar os

fundamentos eacuteticos da accedilatildeo humana em estreito viacutenculo com o ato pedagoacutegico Admitindo

que educar natildeo eacute instruir eacute decisivo analisar como constituir a consciecircncia moral na conside-

raccedilatildeo desta interdependecircncia planetaacuteria com a tarefa de desenvolver a consciecircncia da accedilatildeo e

do alcance da accedilatildeo

No segundo aspecto faccedilo referecircncia ao sentido que o mito de Prometeu assume em

periacuteodos da ciecircncia e tecnologia avanccediladas como se vivencia a partir da revoluccedilatildeo industrial

e no auge dessa ciecircncia nos seacuteculos XX e XXI Eacute possiacutevel afirmar que as descobertas da ci-

ecircncia elevaram o ser humano a uma condiccedilatildeo de desacorrentamento diante da proacutepria nature-

za permitindo a sobrevivecircncia reproduccedilatildeo e o prolongamento da vida para aleacutem dos limites

considerados ateacute entatildeo como naturais A capacidade de prever os fenocircmenos naturais permi-

te a construccedilatildeo de estruturas para resistir ao poder da natureza ou accedilotildees para minimizar viacuteti-

mas diante de tal poder A princiacutepio parece que nada restou do temor que assombrava o ho-

mem primitivo e o fazia endeusar a natureza na busca das explicaccedilotildees para seus dilemas

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Poreacutem como jaacute alertavam Adorno e Horkeimer na Dialeacutetica do esclarecimento este

processo de desmistificaccedilatildeo acabou por gerar uma nova potecircncia miacutetica hoje configurada no

poder da ciecircncia e da tecnologia Dessa forma eacute que ocorreu um novo acorrentamento e con-

tinuando com a Dialeacutetica do esclarecimento quando se pensa haver rompido com a necessi-

dade natural percebe-se o quanto estamos sujeitos a ela Eacute assim que o ideal kantiano de reino

dos fins na posiccedilatildeo privilegiada do humano como fim e nunca como meio para as accedilotildees

deve ser estendido tambeacutem agrave natureza externa ao humano considerando-a por ela mesma e

natildeo na administraccedilatildeo que impotildee o para-mim e o sentido que surge somente via razatildeo

Esta pesquisa legitima-se na necessidade de repensar os fundamentos da moralidade

para aleacutem do antropocentrismo o que significa repensar o local a partir do qual o ser humano

se posiciona diante daquilo como que se relaciona Em termos morais o sujeito transcendental

e a razatildeo pura encontram seu limite o outro natildeo eacute objeto e o dualismo eacute a oposiccedilatildeo radical agrave

alteridade Objetificar eacute reduzir o sentido agravequilo dado pela razatildeo dualismo eacute admitir um pri-

meiro como portador de todo sentido e um segundo em permanente acircnsia pela inclusatildeo nesse

sentido previamente dado Admitir a alteridade o outro eacute propor uma relaccedilatildeo em configura-

ccedilotildees diferenciadas ou seja a partir da comunicaccedilatildeo entre diferenciados o que pressupotildee

comportamento mimeacutetico e expressivo Mimeacutetico no sentido de acolhida do outro e expres-

sivo enquanto resposta a esta diferenccedila que se impotildee Mimese e expressatildeo se convertem a-

qui em elementos altamente eacuteticos Em primeiro lugar por exigirem uma educaccedilatildeo dos senti-

dos na capacidade de receber essa alteridade e natildeo consideraacute-la antiacutetese hostil Em segundo

lugar por exigirem a resposta em termos de permissatildeo ao outro continuar em sua reserva de

sentido para aleacutem da interpretaccedilatildeo que visa reduzir o outro agravequilo que digo dele

Destaco um terceiro e uacuteltimo aspecto na apresentaccedilatildeo dos horizontes de sentido da

pesquisa Vive-se um tempo de excessos natildeo eacute possiacutevel negar o excesso de poder que impera

nas relaccedilotildees entre seres humanos e entre ser humano e natureza o poder de produccedilatildeo tornou-

se ilimitado o poder do conhecimento permite transcender os limites da natureza humana

(prolongamento da vida para aleacutem das capacidades naturais substacircncias que ampliam a resis-

tecircncia fiacutesica) Poreacutem tem-se a carecircncia de referenciais normativos e ateacute de referecircncias (ou

evidentes exemplos) do que eacute o homo humanus para aleacutem do homo faber ou do homo sapi-

ens Eacute possiacutevel admitir que a existecircncia do elemento produtivo (faber) do elemento do pen-

samento desenvolvido natildeo subsiste sem o alicerce do homo humanus em sua capacidade de

sentir-se responsaacutevel e agir em prol de todos os outros seres o que exige alicerces de valores

e de um elevado senso eacutetico Diante disso a pesquisa assume a incisiva relevacircncia por apontar

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alguns resultados que podem auxiliar na discussatildeo e fundamentaccedilatildeo do agir educativo pauta-

do pelo ideal de humanidade

Sob esta oacutetica e com esta pesquisa questiono o ideal kantiano de que pela forccedila do

imperativo categoacuterico seria possiacutevel instituir o reino dos fins Vislumbrar um estado humano

cuja base estaacute na ligaccedilatildeo sistemaacutetica de todos os seres racionais sob leis comuns condiz com a

pretensatildeo de colocar o indiviacuteduo humano como o primeiro absoluto Eacute possiacutevel pensar o hu-

mano apenas na ligaccedilatildeo entre humanos Absolutizando o humano natildeo se cai no mesmo pro-

blema que se quis superar durante os milecircnios de pensamento filosoacutefico ndash o mito A ligaccedilatildeo

sistemaacutetica de todos os seres racionais segundo leis comuns como sendo o alicerce da morali-

dade se configura em abstracionismo moral pois o mundo do seacuteculo XX percebeu a urgecircncia

da interdependecircncia entre todos os seres vivos Apoiando Hans Jonas o imperativo eacute que haja

vida independente de onde quer que ela esteja Assim eacute que o centro da investigaccedilatildeo eacutetica

estaacute na vida em sua ampla manifestaccedilatildeo Natildeo em uma ligaccedilatildeo entre seres racionais mas em

ligaccedilatildeo cuja base eacute o princiacutepio vital o que natildeo significa outra coisa senatildeo a centralidade na

relaccedilatildeo e o reconhecimento da natureza em noacutes ndash caraacuteter de pertenccedila agrave natureza e dependecircn-

cia dela

Defendendo um giro no eixo sustentador da accedilatildeo moral enfatizando o alargamento da

experiecircncia a partir da perspectiva adorniana de esteacutetica ndash o que derivaraacute no capiacutetulo final no

termo comunicaccedilatildeo de diferenciados ndash e ciente da responsabilidade da educaccedilatildeo em promo-

ver este alargamento como base da educaccedilatildeo eacutetico-esteacutetico eacute que aproximo filosofia e educa-

ccedilatildeo cuja base estaacute no pensamento de Theodor Adorno

Diante disso indico o objetivo central deste trabalho que eacute discutir a noccedilatildeo de subje-

tividade poacutes-metafiacutesica em Adorno a fim de estabelecer baseado em tal sujeito uma signifi-

caccedilatildeo eacutetico-educativa capaz de nortear a formaccedilatildeo do humano e o desenvolvimento da cons-

ciecircncia moral a partir da funccedilatildeo esteacutetica como formadora da eacutetica

Com este norte traccedilado proponho cinco capiacutetulos como estrutura investigativa No

primeiro capiacutetulo o objetivo eacute analisar a concepccedilatildeo e a constituiccedilatildeo do sujeito moral em

Kant cujo significado eacute a constituiccedilatildeo metafiacutesica do humano Desenvolvo releitura e anaacutelise

sobre a proposta kantiana de que nos conceitos de finalidade e liberdade estatildeo a base do

sujeito moral norteado pelo imperativo categoacuterico fundamentado no criteacuterio racional da lei

moral Esta discussatildeo primeira eacute fundamental para posteriormente conseguir situar a criacutetica

adorniana a esse modelo de constituiccedilatildeo de modo que o segundo capiacutetulo visa analisar a

concepccedilatildeo de pensamento e subjetividade na perspectiva poacutes-metafiacutesica de Theodor Adorno

perspectiva essa natildeo orientada pela base racional da lei mas analisando o exato momento da

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decisatildeo momento da efetividade praacutetica quando ocorre o contato com o outro Dada a priori-

dade desse momento sobre ele deve recair todo o interesse teoacuterico-filosoacutefico Para tanto par-

to da concepccedilatildeo de sujeito em Aristoacuteteles para compreender o significado da afirmaccedilatildeo ador-

niana de que hoje o sujeito eacute destituiacutedo de subjetividade e em contrapartida apresentam-se

quais as condiccedilotildees dadas pelo autor para que haja a subjetividade Esse recurso a Aristoacuteteles

deve-se agrave possibilidade de situar ali o surgimento da forccedila de determinaccedilatildeo interna do indiviacute-

duo Situo aqui um aspecto decisivo na argumentaccedilatildeo pois no auge da modernidade ocorre a

insuficiecircncia dessa forccedila interna do sujeito e contrapondo tambeacutem a perspectiva kantiana

esta forccedila interior ao indiviacuteduo humano passa a ser administrada por vontades a ele exteriores

Vislumbra-se assim o colapso da base conceitual do seu imperativo categoacuterico baseado no

poder da autodeterminaccedilatildeo Ocorre uma relaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de sensibilidade e entendimen-

to em Kant e a noccedilatildeo de perda de evidecircncia em Adorno quando o entendimento natildeo mais

encontra material ldquoconfiaacutevelrdquo para o ato de siacutentese Mesmo natildeo tendo sido pontuado por A-

dorno com a concepccedilatildeo de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade ocorre uma possiacutevel soluccedilatildeo

para tal problema No centro da concepccedilatildeo de pensamento poacutes-metafiacutesico estaacute a ideia de de-

terminaccedilatildeo e de verdade portadora de nuacutecleo temporal contrariando radicalmente a concep-

ccedilatildeo tradicional das ideias eternas e imutaacuteveis de Platatildeo ou do criteacuterio transcendental do tem-

po e do espaccedilo em Kant Assim eacute que partindo do princiacutepio temporal o criteacuterio da histoacuteria

em sua transitoriedade o outro eacute constante desafio nunca simples ideia ou resultado final

Partindo dessa compreensatildeo o terceiro capiacutetulo visa propor as criacuteticas ao imperativo

categoacuterico alegando a impossibilidade de mediante a forccedila de tal imperativo objetivar o rei-

no dos fins O amor ao dever gera um viacutenculo baseado estritamente no criteacuterio de coerecircncia

loacutegica como fundamento para a accedilatildeo moral fazendo o humano tatildeo abstrato que perde a efeti-

vidade dos viacutenculos concretos Se junta a isso o problema de que natildeo eacute possiacutevel vislumbrar

nas trecircs obras sobre moral (Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes Fundamenta-

ccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes) o modo como o ser humano desenvolve a consciecircncia moral

Do mesmo modo natildeo satildeo evidentes as condiccedilotildees que permitem ocorrer efetivamente a tran-

siccedilatildeo da consciecircncia moral vulgar para uma metafiacutesica dos costumes

No quarto capiacutetulo o desafio eacute estabelecer as bases teoacutericas para a concepccedilatildeo de su-

jeito esteacutetico em Adorno e o que demarca o acircmbito artiacutestico nesse autor ou seja quando uma

obra pode ser considerada arte Conseguindo situar este sujeito e o acircmbito da obra de arte

torna-se possiacutevel compreender o real desafio agrave racionalidade diante da constante reserva de

sentido que compotildee o outro o diferenciado Na concepccedilatildeo de sujeito esteacutetico encontra-se a

possibilidade de realizaccedilatildeo da dialeacutetica do esclarecimento esse processo de saiacuteda do ser hu-

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mano de seu estado de menoridade rumo a um patamar de entendimento que ainda em Kant

chama-se esclarecimento e autonomia

Finalizando o itineraacuterio teoacuterico o quinto capiacutetulo visa localizar qual a significaccedilatildeo eacute-

tico-educativa que surge a partir dessa concepccedilatildeo de sujeito esteacutetico Recorro a alguns concei-

tos decisivos e que representam um incisivo desafio agrave educaccedilatildeo Refiro-me especificamente agrave

noccedilatildeo de sensibilidade identificaccedilatildeo viacutenculos de responsabilidades ceacutelulas de humanidade

comunicaccedilatildeo de diferenciados em contraposiccedilatildeo ao ideal de ser humano e sociedade atomi-

zados A educaccedilatildeo deve gerar a paz o que em Adorno se caracteriza como a possibilidade de

comunicaccedilatildeo entre diferentes sem acircnsia de domiacutenio cuja marca estaacute na ausecircncia do medo

natildeo do desconhecido que gera o mito mas de poder ser diferente sem temor sem o risco de

ser considerado antiacutetese hostil A educaccedilatildeo eacute aqui concebida a partir do plasmar linguumliacutestico

da constituiccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade e como possibilitadora no novo

Seguindo esse horizonte teoacuterico-investigativo a educaccedilatildeo e posta diante do desafio de

aperfeiccediloar cada vez mais a humanidade em noacutes tornando-nos aptos a coabitar com a vida

onde quer que ela esteja a partir de sua riqueza proacutepria Natildeo eacute o pensamento que nos humani-

za ele somente nos converte em animais racionais Cabe ao movimento de esclarecimento da

consciecircncia gerar as condiccedilotildees para que a vida seja possiacutevel neste local que habitamos Ou

seja constituir o meio proacuteprio que possibilita a humanidade o que natildeo se fundamenta em um

puro amor ao dever ou agrave coerecircncia loacutegica do pensamento sendo urgente desenvolver a cons-

ciecircncia da interdependecircncia universal como fundamento para a possibilidade de pensar o hu-

mano e de seu proacuteprio existir

1 ASPECTOS EacuteTICOS DA CONSTITUICcedilAtildeO E DA FORMACcedilAtildeO DO HUMANO SEGUNDO KANT

Em se tratando de filosofia e educaccedilatildeo ou se referindo ao termo formaccedilatildeo temos o

grande desafio de estabelecer os fundamentos para a constituiccedilatildeo da subjetividade apta a pro-

duzir a significar o conhecimento e tambeacutem apta a agir moralmente A pergunta poderia ser

sintetizada da seguinte maneira ldquoquem eacute como se forma o sujeito humano e quais as bases

eacuteticas de tal constituiccedilatildeordquo A pretensatildeo dessa investigaccedilatildeo natildeo eacute apresentar um esquema ge-

ral das respostas que surgiram na tradiccedilatildeo filosoacutefica cujo berccedilo estaacute ainda na trageacutedia grega

mas sim pontuar dois paradigmas que considero decisivos nesta abordagem a busca pelos

universais fundados nos conceitos da razatildeo em Kant e a defesa do singular sensiacutevel em A-

dorno Destaca-se que a referecircncia agrave Kant eacute necessaacuteria para melhor apresentar a posiccedilatildeo de

Adorno em relaccedilatildeo agrave defesa do singular sensiacutevel Desse modo metodologicamente a referecircn-

cia agrave Kant eacute apenas de passagem

Diante do problema da subjetividade o que segue eacute uma releitura de alguns toacutepicos do

pensamento kantiano para entatildeo pontuar a criacutetica adorniana aos constituintes da ideia norte-

adora em Kant denominada reino dos fins Para tanto seratildeo percorridos dois caminhos teoacuteri-

cos dois modos de conceber a formaccedilatildeo moral O ponto de partida estaacute em como Kant com-

preende a constituiccedilatildeo da liberdade e autonomia de consciecircncia e representaccedilatildeo e o ideal de

reino dos fins isso baseado nas obras Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes (FMC)

Metafiacutesica dos costumes (MC) e as obras magnas Criacutetica da razatildeo pura (CRPu) e Criacutetica da

razatildeo praacutetica (CRPr) O contraponto em Adorno segue com um diaacutelogo entre suas obras

buscando no jogo de tensotildees textuais que marcam sua produccedilatildeo as bases da constituiccedilatildeo

sensiacutevel da moralidade e os fundamentos de sua afirmaccedilatildeo de sujeito destituiacutedo de subjetivi-

dade ou o fato de natildeo haver mais sujeito

Immanuel Kant com o caraacuteter transcendental que define o sujeito remete a um estrei-

tamento na noccedilatildeo de constituiccedilatildeo ou seja como se forma o sujeito do conhecimento e o sujei-

to moral Agora a forccedila constituinte eacute tatildeo somente interna como condiccedilatildeo de possibilidade de

qualquer regra praacutetica autocircnoma Assim natildeo haacute interferecircncia externa de circunstacircncias con-

tingentes de um soberano de divindades na formaccedilatildeo da natureza interna Essa eacute definida

como posse do indiviacuteduo que no interior da experiecircncia interage movido pela rigidez inaba-

laacutevel derivada da marca constituinte do reino dos fins ou seja a consideraccedilatildeo do humano

como portador de grandeza absoluta sem possibilidade de ser meio Essa grandeza deve estar

na base de qualquer princiacutepio praacutetico ndash ningueacutem pode querer atentar contra o fundamento do

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reino entendendo tal fundamento como sendo a grandeza do indiviacuteduo ser fim em si mesmo

(cf CRPr MC e FMC) A noccedilatildeo de fim eacute decisiva para Kant em questotildees morais como des-

taca Macarena Marey

Um sistema de fins implica [] natildeo somente uma classificaccedilatildeo de deveres eacuteticos mas tambeacutem uma compreensatildeo da moralidade que eacute notavelmente mais ampla que a preocupaccedilatildeo moral dos agentes na vida cotidiana sobre a autorizaccedilatildeo moral de suas accedilotildees [] A moralidade eacute uma esfera que inclui a questatildeo [] sobre quais satildeo os fins entendidos natildeo como meros lsquoobjetos do arbiacutetriorsquo mas como princiacutepios praacuteticos supremos que informam o plano de vida de um agente cuja efetiva aceitaccedilatildeo eacute con-diccedilatildeo necessaacuteria de qualquer pretensatildeo de moralidade (MAREY 2010 p75 ndash tradu-ccedilatildeo nossa)

Na eacutetica kantiana a consciecircncia desses princiacutepios praacuteticos supremos deveria estar na

base das accedilotildees a partir dos quais se evidenciaria como o agente estaacute conduzindo suas accedilotildees

qual eacute o seu fio condutor Na noccedilatildeo de ser humano como reino de fins estaacute para a mesma

autora ldquoo princiacutepio praacutetico ou o fim geral o projeto fundamental [] que daacute forma ao plano

de vida de um agenterdquo (ibidem p76)

No seacuteculo XX Theodor Adorno elabora uma criacutetica principalmente com base filosoacutefi-

co-esteacutetica que pode ser concebida como sendo o diagnoacutestico da crise enfrentada pelo sujeito

transcendental e pelo almejado reino dos fins kantiano E atribuo o adjetivo crise natildeo no sen-

tido de natildeo aceitar a humanidade como fim uacuteltimo mas aos moldes transcendentais do sujei-

to e aos moldes do imperativo categoacuterico que natildeo conseguiram dar conta da realizaccedilatildeo de

sua tarefa o reino dos fins Em outras palavras o problema natildeo estaacute no reino dos fins na hu-

manidade como fim uacuteltimo mas em sua ideia de fundo na sua teoria legitimadora a qual natildeo

percebeu o caraacuteter determinante das contingecircncias histoacutericas que podem impor o limite da

proacutepria humanidade ndash a barbaacuterie extrema aniquiladora de todo sujeito Isso pelo fato de que

ldquocomo uacutenico ser dotado de entendimento na terra o ser humano pode estabelecer voluntaria-

mente fins para si mesmordquo (HOumlFFE 2009 p32) Um regime totalitaacuterio por exemplo pode

pretender considerar como humano apenas um determinado grupo ou determinado modo de

vida A base racional que potildee o humano como fim propotildee princiacutepios praacuteticos altamente nega-

tivos agravequeles que natildeo se adequarem a essa determinada concepccedilatildeo de humano1

A ideia de fundo anteriormente mencionada e que eacute passiacutevel de discussatildeo reside no

reconhecimento da lei moral como determinante para a accedilatildeo Ateacute admite-se uma referecircncia agrave

esfera praacutetica mas o fundamento estaacute dado sempre pela lei a qual eacute estritamente racional e

nenhum elemento sensiacutevel pode sustentar o dever Eacute o que Kant chama de vontade conduzida

1 Esta discussatildeo seraacute bem pontuada no quinto capiacutetulo

21

pela representaccedilatildeo das regras a vontade eacute a ldquofaculdade de determinar a sua causalidade pela

representaccedilatildeo de regras por conseguinte agrave medida que satildeo capazes de accedilotildees segundo propo-

siccedilotildees fundamentais por conseguinte tambeacutem segundo princiacutepios praacuteticos a priori (pois soacute

estes tecircm aquela necessidade que a razatildeo exige para a proposiccedilatildeo fundamental)rdquo (CRPr sect57)

Para Douglas Garcia Alves Juacutenior a vontade em Kant ldquoeacute uma faculdade pela qual o sujeito

ao ser propriamente afetado pela sensibilidade que lhe impotildee quereres eacute ao mesmo tempo

capaz de sobrepor-lhe a representaccedilatildeo de um dever que ele mesmo concebe atraveacutes da razatildeordquo

(ALVES JUNIOR 2005 p41) Esta representaccedilatildeo do dever eacute a representaccedilatildeo da lei moral2 a

qual conforme a segunda criacutetica (sect64) nos ordena a sua mais estrita observacircncia O ajuiza-

mento enquanto ato do entendimento enquanto direcionado natildeo ao empiacuterico mas ao conteuacute-

do conceitual ndash o juiacutezo diz o conceito ndash natildeo oferece muita dificuldade acerca do que segundo

a lei moral precisa ser feito ldquoa ponto de que ateacute o entendimento mais comum e menos exerci-

tado mesmo sem experiecircncia do mundo natildeo soubesse lidar com elerdquo Essa facilidade reteacutem o

ser humano em um ambiente seguro pois basta clareza loacutegica para aplicar a regra Poreacutem da

lei moral ateacute a accedilatildeo reside um espaccedilo que deve ser habitado pelo ser humano a tomada de

decisatildeo Esse problema foi levantado por Kant quando afirma ldquose a lei somente pode pres-

crever a maacutexima das accedilotildees e natildeo as proacuteprias accedilotildees isso constitui um indiacutecio de que deixa

uma folga para a livre escolha no seguir (conformar-se com) a lei isto eacute que a lei natildeo pode

especificar precisamente de qual maneira algueacutem deve agir e quanto algueacutem precisa fazer

atraveacutes da accedilatildeo para um fim que eacute tambeacutem um deverrdquo (MC p 233) Contudo este espaccedilo

livre de promessa de decisatildeo em como agenciar a lei agrave praacutetica eacute iluminado por um uacutenico

pressuposto a proacutepria lei moral que estaacute em noacutes como o ceacuteu estrelado estaacute acima de noacutes3

A questatildeo que se impotildee e que seraacute alvo das discussotildees eacute A forccedila provinda da lei mo-

ral e do amor ao dever eacute suficiente para mover o ser humano a partir de um fio condutor mo-

ralmente adequado agrave humanidade E como a educaccedilatildeo poderia interferir neste processo de

constituiccedilatildeo da moralidade e na consequente edificaccedilatildeo do humano Sobre esta uacuteltima recai

todo o esforccedilo dessa investigaccedilatildeo

A proposta teoacuterica aqui desenvolvida segue aleacutem das interrogaccedilotildees acima outros pro-

blemas Eacute possiacutevel defender um alargamento da experiecircncia como sendo a base da constitui-

2 Conforme a Criacutetica da razatildeo praacutetica a lei moral eacute descrita nos seguinte imperativo ldquoAge de tal modo que a maacutexima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo (sect7 p54) 3 Metaacutefora utilizada por Kant para expressar a grandeza da lei moral no interior do ser humano Na conclusatildeo da Criacutetica da razatildeo praacutetica (sect288) afirma ldquoDuas coisas enchem o acircnimo de admiraccedilatildeo e veneraccedilatildeo sempre nova e crescente quanto mais frequentemente e persistentemente a reflexatildeo ocupa-se com elas o ceacuteu estrelado acima de mim e a lei moral em mimrdquo

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ccedilatildeo da subjetividade e da consciecircncia moral Em que termos se daria tal defesa A experiecircn-

cia pode significar um alargamento necessaacuterio agrave consciecircncia moral Quanto de autocircnomo e

quanto de heterocircnomo existe na condiccedilatildeo humana

Com isto faccedilo a abertura das discussotildees que constituem este primeiro capiacutetulo visando

firmar ao final da tese uma re-significaccedilatildeo eacutetico-educativa com base no sujeito poacutes-

metafiacutesico ndash ou esteacutetico ndash em Adorno Neste primeiro momento pretendo entatildeo realizar uma

anaacutelise do modelo de constituiccedilatildeo da subjetividade baseado no imperativo categoacuterico Aleacutem

dos motivos jaacute destacados optei por seguir um diaacutelogo com Kant devido agraves constantes inter-

faces que o filoacutesofo de Frankfurt estabelece com o de Koumlnigsberg principalmente em ques-

totildees morais e do imperativo categoacuterico Faccedilo entatildeo uma leitura a partir da recepccedilatildeo ou re-

percussatildeo que a proposta filosoacutefica de Kant teve sobre a proposta filosoacutefica de Adorno

Kant quis que a lei moral fosse interna ao ser humano como autonomia princiacutepio e lei

dados a partir da proacutepria razatildeo e do amor ao dever A questatildeo que surge eacute decisiva O que

fazer com esta gigantesca lei moral interna Como agenciaacute-la na praacutetica Nas obras baacutesicas

que versam sobre eacutetica Kant defenderaacute uma relaccedilatildeo iacutentima da lei moral com as maacuteximas de

accedilatildeo uma vez que satildeo as maacuteximas que estatildeo em iacutentima relaccedilatildeo com a accedilatildeo mesma Dessa

forma a lei moral deve estar na base das maacuteximas utilizadas na accedilatildeo e no momento das deci-

sotildees devemos ter o olhar fixo no princiacutepio do dever ditado pelo imperativo categoacuterico Na

Minima moralia (116 p158) Adorno propotildee que se deve ldquoaprender a lidar com a moralida-

derdquo a senti-la e assim apropriar-se dela sendo as ldquoinfraccedilotildees miacutenimasrdquo o veiacuteculo mediador

entre este ldquoimenso ceacuteu estreladordquo e o mundo da vida Metaforicamente o que ocorre em A-

dorno eacute o retorno do telescoacutepio que busca o gigantesco ceacuteu estrelado kantiano ao proacuteprio

chatildeo da efetividade a fim de na contingecircncia histoacuterica encontrar o incentivo para a accedilatildeo A

consciecircncia moral o princiacutepio interno deve ser despertado em Adorno pelo elemento sensiacute-

vel pelo limite do corpo ndash a contingecircncia histoacuterica

11 A constituiccedilatildeo transcendental do sujeito eacutetico em Kant

A tensatildeo entre Kant e Adorno encontra um ponto de referecircncia ndash o qual considero co-

mo dado fundamental ndash nas noccedilotildees de metafiacutesica e experiecircncia esteacutetica como formas do pen-

samento filosoacutefico

Na Metafiacutesica dos costumes Kant define metafiacutesica como ldquoum sistema de cogniccedilatildeo a

priori a partir exclusivamente de conceitosrdquo (2008) Em outro momento expotildee que ldquooutra

coisa natildeo eacute senatildeo o inventaacuterio sistematicamente ordenado de tudo o que possuiacutemos pela ra-

23

zatildeo purardquo (CRPu A XX) Situada em uma dimensatildeo privilegiada do saber referente ao prag-

maacutetico a metafiacutesica serviraacute como telos e nuacutecleo de forccedila ao ideal formativo sendo a clareza

intuitiva apenas a instacircncia propulsora da relaccedilatildeo de conhecimento no momento da receptivi-

dade do nosso espiacuterito quando somos afetados pelo objeto O conhecimento encontra sua

culminacircncia na siacutentese operada pelo entendimento ao sermos capazes de pensar o objeto pro-

vindo da sensibilidade (cf Loacutegica transcendental na Criacutetica da razatildeo pura) Partindo do

princiacutepio de que a verdade estaacute situada dentro dos limites da experiecircncia possiacutevel a sensibili-

dade ampliada se torna decisiva O limite de qualquer conhecimento estaacute mesmo para Kant

na impossibilidade de alcanccedilar a coisa em-si o elemento essencial em palavra aristoteacutelica

Assim sendo na CRPu o conhecimento somente consegue se mover dentro do material que a

sensibilidade lhe fornece e a verdade ocorre como resultado do jogo entre o material provin-

do da sensibilidade e a siacutentese que o entendimento realiza

Na Metafiacutesica dos costumes ao definir o local que a lei moral ocupa dentro dos costu-

mes Kant a coloca em situaccedilatildeo bem distante das accedilotildees e ao ocupar-se com ela refugia-se em

um territoacuterio tranquilamente livre da contingecircncia A lei em Kant e conforme exposto anteri-

ormente pode prescrever somente a maacutexima da accedilatildeo e natildeo o modo de accedilatildeo propriamente

dito de modo que a efetividade praacutetica estaacute definida pela diversidade de regras praacutetica a par-

tir da promessa de decisatildeo Mas em questotildees praacuteticas nenhum ser humano ocupa tal refuacutegio

estando em constante conflito entre suas proacuteprias maacuteximas a accedilatildeo e a lei Na tentativa de re-

duzir tal distacircncia o autor compotildee a moral tanto (a) pela lei quanto (b) pela capacidade de

cumprir tal lei e (c) a vontade em assim fazer (cf MC p240) Lei vontade e capacidade praacute-

tica formam a triacuteade constitutiva do sujeito eacutetico poreacutem tais fatores somente satildeo possiacuteveis de

serem considerados como posse humana pressupondo o sujeito livre

No paraacutegrafo 5 da Criacutetica da razatildeo praacutetica em nota explicativa sobre a lei moral a li-

berdade eacute posta como condiccedilatildeo para a existecircncia da moralidade e por outro lado eacute mediante

esta que a liberdade pode ser conhecida afirmo que a lei moral seja a condiccedilatildeo sob a qual primeiramente podemos tornar-nos conscientes da liberdade quero apenas lembrar que a liberdade eacute sem duacutevida a ratio essendi da lei moral mas que a lei moral eacute a ratio cognoscendi da liberdade Pois se a lei moral natildeo fosse pensada antes claramente em nossa razatildeo jamais nos considerariacuteamos autorizados a admitir algo como a liberdade [] Mas se natildeo exis-tisse liberdade alguma a lei moral natildeo seria de modo algum encontraacutevel em noacutes

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Falar em lei moral exige entatildeo inserir a liberdade4 como algo proacuteprio desse ser consi-

derado por Kant como fim uacuteltimo Liberdade e finalidade satildeo os atributos essenciais a partir

dos quais o humano deve ser reconhecido E assim se impotildee novamente o ser humano no

centro das discussotildees

ele natildeo coloca o ser humano no centro do mundo mas o declara um fim que natildeo exis-te ao mesmo tempo como meio portanto um simples fim um fim em si mesmo Aleacutem disso numa hierarquia de fins o ser humano constitui seu fim terminal e ateacute o fim terminal absoluto de toda a natureza E essa posiccedilatildeo ou dignidade compete segundo o antropocentrismo5 de Kant unicamente ao ser humano (HOumlFFE 2009 p21)

Estamos diante das condiccedilotildees para pensar a humanidade enquanto espeacutecie a liberdade

e a concepccedilatildeo de finalidade Ambas definem o espaccedilo a partir do qual eacute possiacutevel falar em mo-

ralidade

A imputabilidade de uma accedilatildeo ao sujeito sua responsabilidade moral somente eacute pos-

siacutevel pressupondo para Kant a condiccedilatildeo de agente livre Nesse sentido surge o problema dos

modelos os exemplos em sua impossibilidade de mover para a accedilatildeo pois eles ldquoservem apenas

para encorajar isto eacute potildeem fora de duacutevida a possibilidade daquilo que a lei ordenardquo (FMC

BA 29) Ao mesmo tempo em que Kant reconhece os exemplos como necessaacuterios agrave educaccedilatildeo

moral por outro lado o exemplo pode se tornar prejudicial por natildeo permitir o fortalecimento

da subjetividade reconhecida pela autonomia O modelo quando tornado ideal desconside-

rando seu caraacuteter de contingecircncia impede o desenvolvimento da ousadia no pensamento de-

fendido enfaticamente no texto Resposta agrave pergunta que eacute esclarecimento Sapere aude en-

contra o sentido pleno na medida em que permite desenvolver e assumir um comportamento

sem o guia tutorial

Assim eacute que nos textos da Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes e Fun-

damentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes haacute esta dupla perspectiva em relaccedilatildeo agrave tensatildeo entre

exemplos modelos e liberdade Haacute um consenso interno na teoria kantiana pondo os modelos

como encorajadores provando que eacute possiacutevel agir em plena conformidade ao dever Poreacutem

eles natildeo representam em nada o fortalecimento da moralidade em noacutes pois apoacutes acalmar os

sentimentos que o exemplo excita ldquoo coraccedilatildeo retorna espontaneamente ao seu movimento

4 O objetivo natildeo eacute aqui discutir detalhadamente o conceito de liberdade mas pontuaacute-lo brevemente a fim de situar as caracteriacutesticas ndash juntamente com a de finalidade uacuteltima ndash que marcam o ser humano em sentido moral 5 Otfried Houmlffe no mesmo texto indica que o antropocentrismo defendido eacute simplesmente temaacutetico ldquoPoder-se-ia dizer que se trata de um antropocentrismo temaacutetico e natildeo dogmaacutetico ou de um antropocentrismo relativo e natildeo absoluto Este eacute um antropocentrismo condicionado a saber um antropocentrismo que pressupotildee que se olhe a natureza do ponto de vista da espeacutecie homo sapiens Haacute aleacutem disso outra diferenccedila da compreensatildeo usual de antropocentrismo a natureza natildeo eacute instrumentalizada com vistas ao bem-estar humanordquo (2009 p33)

25

vital natural e moderado e por conseguinte recai na languidez que lhe era antes peculiar

porque na verdade lhe era oferecido algo que o estimulava mas nada que o fortalecesserdquo

(CRPr sect 281)

O fortalecimento do sujeito para a accedilatildeo eacutetica ocorre em Kant a partir da conduccedilatildeo do

indiviacuteduo agrave liberdade resultando na autonomia como fora defendido na Resposta agrave pergunta

o que eacute esclarecimento Desse movimento inicial eacute possiacutevel desenvolver a consciecircncia da lei

moral ou seja a orientaccedilatildeo da maacutexima de accedilatildeo a partir da forccedila da lei ldquoO ceacuteu estrelado acima

de noacutes e a lei moral em noacutesrdquo Esse enunciado expressa muito mais do que uma forma de ori-

entaccedilatildeo devendo ser conteuacutedo de consciecircncia do mesmo modo que o ceacuteu estrelado em sua

grandeza serve de orientaccedilatildeo a lei moral em sua grandeza deve ser consciecircncia para poder

influenciar a orientaccedilatildeo pragmaacutetica do ser humano ldquoo que ele faz de si mesmo ou pode e

deve fazer como ser que age livrementerdquo (ANTR p21)

Nesse ponto eacute que os exemplos e os modelos sofrem de impossibilidade pois sua uacuteni-

ca funccedilatildeo eacute mostrar que eacute possiacutevel agir por amor ao dever mas natildeo pode ser colocado como

modelo de accedilatildeo Uma educaccedilatildeo que se utiliza de modelos visando fortalecer a consciecircncia e

gerar moralidade eacute carente de princiacutepios pois os modelos quando postos na posiccedilatildeo de prin-

ciacutepios podem impedir o elemento baacutesico da moralidade a liberdade e autonomia Em relaccedilatildeo

a isso eacute possiacutevel aproximar Adorno de Kant quando em Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo (Educa-

ccedilatildeo-para quecirc p141) os modelos ideais satildeo acusados de ideologia o que impede o pensa-

mento emancipado e criacutetico

Pode-se entatildeo defender que os exemplos natildeo servem de princiacutepios pois natildeo agem na

consciecircncia de modo a fortalecer ou ateacute mesmo como motivador da accedilatildeo A uacutenica possibili-

dade de haver a tomada de consciecircncia eacute mediante a representaccedilatildeo da lei da moralidade em

relaccedilatildeo ao ser humano individual ou seja a adequaccedilatildeo do princiacutepio agrave accedilatildeo E isso ocorre ape-

nas quando a base da accedilatildeo seu impulso normativo ocorre via conceito e a representaccedilatildeo deste

na praacutetica humana Princiacutepios tecircm que ser estabelecidos sobre a base de conceitos [] Ora esses con-ceitos se devem tornar-se subjetivamente praacuteticos natildeo tecircm que ficar parados diante das leis objetivas da moralidade para admiraacute-las e para apreciaacute-las em relaccedilatildeo agrave hu-manidade mas tecircm que considerar a sua representaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao homem e sua individualidade (CRPr sect 281)

Fixando a distinccedilatildeo entre princiacutepios e exemplos esses podem gerar apreccedilo e admira-

ccedilatildeo servindo de incentivo ao ajuizamento em conteuacutedos morais Mas natildeo podem servir de

incentivos agrave accedilatildeo mesma o que exige a forccedila motriz dos princiacutepios os quais satildeo originados

26

pela faculdade do entendimento natildeo da sensibilidade Seguindo as linhas da Criacutetica da razatildeo

pura os conceitos se originam da mateacuteria-prima fornecida pela intuiccedilatildeo a qual eacute sensiacutevel Eacute

somente nesse sentido que os exemplos podem ter utilidade movendo a faculdade do enten-

dimento a operar a siacutentese deste diverso em uma ligaccedilatildeo sinteacutetica resultando em consciecircncia

Assim eacute possiacutevel a existecircncia do eu idecircntico (oposto agrave heteronomia) este sujeito possuidor de

si mesmo e capaz de mover-se pela representaccedilatildeo desta carga de consciecircncia ldquoTudo na natu-

reza age segundo leis Soacute um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representaccedilatildeo

das leis isto eacute segundo princiacutepios ou soacute ele tem uma vontaderdquo (FMC BA 36) O que temos

aqui eacute que pela siacutentese ocorre o surgimento de princiacutepios uacutenica via constituidora de uma

forccedila subjetiva para mim

Essa constituiccedilatildeo do sujeito moral em Kant ndash cujo percurso encontra nos exemplos a-

penas um estiacutemulo havendo necessidade da formaccedilatildeo da consciecircncia mediante a siacutentese do

material apreendido pelos sentidos convertendo-os em conceitos sendo que a partir de sua

representaccedilatildeo eacute originada a accedilatildeo moral ndash eacute definida como transcendental O sujeito transcen-

dental estaacute edificado com base metafiacutesica pois a possibilidade de determinaccedilatildeo supera a con-

tingecircncia histoacuterica e se fixa nas bases conceituais estaacuteveis fruto das representaccedilotildees e deste

modo limitando a influecircncia das experiecircncias efetivas com o objeto Este eacute o curso que o meacute-

todo da razatildeo praacutetica assume constituindo a subjetividade enquanto forccedila para mim baseada

no poder da ldquoliberdade interior de desembaraccedilar-se de tal modo da impetuosa impertinecircncia

das inclinaccedilotildees que absolutamente nenhuma mesmo a mais benquista tenha influecircncia sobre

uma resoluccedilatildeo para a qual devemos servir-nos agora da nossa razatildeordquo (CRPr sect 287) A forma-

ccedilatildeo da consciecircncia a partir da criacutetica da razatildeo em Kant segue entatildeo esse trajeto descrito com

sua consequente constituiccedilatildeo do princiacutepio supremo da moralidade Eacute esse um dos pontos deci-

sivos de contraposiccedilatildeo surgidos a partir do estudo da obra de Theodor Adorno o que seraacute

desenvolvido no decorrer do texto

12 O ideal de Reino dos fins e a determinaccedilatildeo moral do sujeito transcendental

O plano intelectual da Criacutetica da razatildeo pura apresentado no prefaacutecio agrave segunda edi-

ccedilatildeo aponta para a exigecircncia de relaccedilatildeo com a natureza a partir do imperativo racional de natildeo

se deixar guiar por nada que esteja aqueacutem da posiccedilatildeo de juiz que dita as regras e obriga a res-

postas conforme sua proacutepria pretensatildeo de esclarecimento Ao definir isso como sendo atributo

da razatildeo que ldquosoacute entende aquilo que produz segundo os seus proacuteprios planos que ela tem que

tomar a dianteira com princiacutepios que determinam os seus juiacutezos segundo leis constantes e

27

deve forccedilar a natureza a responder agraves suas interrogaccedilotildees em vez de se deixar guiar por estardquo

(CRPu B XIII) ao apresentar tal plano Kant abre espaccedilo para a interferecircncia direta da razatildeo

pura livre de contingecircncias empiacutericas em relaccedilatildeo aos princiacutepios eacuteticos

Em termos morais a razatildeo precisa ser a produtora de suas leis e orientadora de suas

accedilotildees pois satildeos seus princiacutepios que devem estar na dianteira tanto dos ajuizamentos quanto

da proacutepria atividade humana inserida no mundo Temos em Kant ldquoa indicaccedilatildeo de que o con-

teuacutedo da lei moral em geral e o conteuacutedo concreto de determinadas maacuteximas que se possam

derivar dela natildeo satildeo determinados pelas disposiccedilotildees morais do acircnimo Nesse sentido Kant eacute

inequivocamente um racionalista somente a razatildeo (reflexatildeo) e natildeo um sentimento formula a

lei moral e determina com isso quais accedilotildees satildeo ordenadasrdquo (SCHOumlNECKER 2009 p57)

A moralidade entendida como a adequaccedilatildeo do agir humano ao princiacutepio racional de-

nominado lei e sendo entatildeo de cunho empiacuterico eacute consequecircncia desta situaccedilatildeo de autonomia

caracteriacutestica do sujeito que forccedila a natureza a guiar-se por tal lei constante Nessa perspectiva

Kant cunha a concepccedilatildeo de autonomia da vontade Contrapondo-se agrave possibilidade de deter-

minaccedilatildeo externa e portanto contingente a autonomia revela a capacidade de fazer uso do

proacuteprio entendimento conforme enunciado no texto Resposta agrave pergunta que eacute esclareci-

mento

Na Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes a vontade eacute caracterizada como a ldquofa-

culdade de se determinar a si mesmo a agir em conformidade com a representaccedilatildeo de certas

leisrdquo (BA 63) Desse modo a determinaccedilatildeo moral ocorre via representaccedilatildeo sendo essa resul-

tado da consciecircncia da lei moral em noacutes Isto foi analisado anteriormente poreacutem vale ressal-

tar que este agir em conformidade com a representaccedilatildeo da lei significa guiar-se pelos princiacute-

pios de consciecircncia fixados pelo entendimento em seu ato sinteacutetico de congregar as represen-

taccedilotildees em um conceito cuja forccedila determina a vontade

Voltando agrave autonomia ocorre um ldquoauto-forccedilarrdquo a natureza a seguir alguns criteacuterios

Em se tratando de seres racionais os uacutenicos em que eacute possiacutevel admitir a autonomia como cri-

teacuterio a vontade ldquoeacute aquela sua propriedade graccedilas agrave qual ela eacute para si mesma a sua lei (inde-

pendentemente da natureza dos objetos do querer)rdquo Dessa forma o princiacutepio da autonomia eacute

ldquonatildeo escolher senatildeo de modo a que as maacuteximas da escolha estejam incluiacutedas simultaneamen-

te no querer mesmo como lei universalrdquo (FMC BA 87)

Essa referecircncia eleva o sujeito transcendental para aleacutem da dimensatildeo epistemoloacutegica

Apesar de a Criacutetica da Razatildeo Pura ter o caraacuteter estrito de reformular as bases para o conheci-

mento ao afirmar que foge agrave capacidade de entendimento racional toda determinaccedilatildeo alheia

ao uso puro da razatildeo compreende-se que em termos de conduta praacutetica toda lei deve para

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ser reconhecida pela razatildeo partir de sua necessidade O plano de se deixar guiar por vontade

alheia natildeo encontra legitimaccedilatildeo na razatildeo pelo simples fato de natildeo ter sido ela a movedora de

tal plano e inclusive da minha vontade Este eacute o pressuposto da maioridade em Kant que

toda accedilatildeo feita por mim possa ser reconhecida pela minha razatildeo como devedora total agrave sua

necessidade

Kant faz uma advertecircncia para natildeo confundir a moralidade como pertencente agrave filoso-

fia transcendental pois falar em transcendental exige o entendimento de que nela natildeo entra conceito algum que contenha algo de empiacuterico ou seja vigiar para que o conhecimento a priori seja totalmente puro [] Daiacute resulta que os princiacutepios supremos da moralidade e os seus conceitos fundamentais sendo embora conceitos a priori natildeo pertencem agrave filosofia transcendental (CRPu B 28)

No entanto apesar de as questotildees morais estarem ligadas agrave contingecircncia o princiacutepio

de lei que orienta toda moralidade precisa daquele assentamento Sendo assim pode ateacute natildeo

haver pertenccedila em questotildees praacuteticas mas a lei do agir eacute dada estritamente pela razatildeo Desse

modo o moacutebil eacute sempre dado pelo sujeito transcendental nas suas condiccedilotildees de possibilida-

de a priori em conceber natildeo apenas uma verdade epistemoloacutegica mas a legitimidade e reco-

nhecimento da lei

Estamos diante do fato da razatildeo e sendo assim faz-se necessaacuterio estabelecer as bases

firmes deste fato Ou seja eacute imprescindiacutevel ter claro que para Kant como jaacute fora mencionado

anteriormente todo conhecimento para ser digno de consideraccedilatildeo cientiacutefica e estar legitima-

do racionalmente precisa partir do princiacutepio que a proacutepria razatildeo natildeo reconhece aquilo que eacute

produzido segundo planos a ela estranhos Ao afirmar que natildeo se pode buscar a fundamenta-

ccedilatildeo para a verdade a natildeo ser na convicccedilatildeo racional o deslocamento que ocorre aponta para a

superioridade da natureza interna sobre a externa Esta precisa ser controlada por aquela e

apesar de constantemente estarmos em busca da objetividade a fim de colocarmos em movi-

mento nossa capacidade de conhecer (cf CRPu B 1) isso natildeo ocorre sem mais a razatildeo ldquodeve

ir ao encontro da natureza para ser por esta ensinada eacute certo mas natildeo na qualidade de aluno

que aceita tudo o que o mestre afirma antes na de juiz investido nas suas funccedilotildees que obriga

as testemunhas a responder aos quesitos que lhes apresentardquo (CRPu B XIII)

Em relaccedilatildeo agrave natureza interna isto assume um caraacuteter decisivo na eticidade onde estaacute a

base da lei de conduta O querer natildeo pode ser guiado por questotildees alheias ao si proacuteprio toda

accedilatildeo deve ser pautada pela vontade consequente desse querer e isso por natildeo haver o reconhe-

cimento tanto de um governo divino quanto do humano em outra pessoa a natildeo ser a primeira

do singular o eu mesmo como nuacutecleo de forccedila para o agir A razatildeo natildeo reconhece aquilo que

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natildeo eacute por ela ditada e assim estaacute estabelecida a base para a maioridade e para a edificaccedilatildeo do

estado humano autocircnomo A pergunta ldquode onde proveacutem a leirdquo deveria ter como resposta i-

mediata proveacutem da razatildeo e pela razatildeo Assim sendo o estreitamento da noccedilatildeo de constitui-

ccedilatildeo configurado na necessidade do reconhecimento da lei pela razatildeo remete em Kant ao es-

treitamento na noccedilatildeo de facticidade somente estou autorizado a realizar aquilo que corres-

ponde agrave lei reconhecida pela razatildeo

Mas o que eacute lei Na Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes encontramos uma

definiccedilatildeo elucidativa eacute o princiacutepio objetivo do querer6 ou seja eacute a regra assentada em moti-

vos vaacutelidos para todo ser racional (cf FMC BA 63) Quando a razatildeo tem a possibilidade de

reconhecer uma accedilatildeo gerada por sua lei estamos diante da impossibilidade de accedilatildeo danosa

moralmente imputada pois o princiacutepio da razatildeo se assenta na validade para todos os seres

racionais Em outras palavras para que seja lei eacute necessaacuterio que natildeo ocorra a possibilidade de

a razatildeo mesma ser viacutetima da regra Por isso que o fim objetivo assume o caraacuteter de universali-

dade e necessidade Em termos aristoteacutelicos necessaacuterio eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash o

princiacutepio supremo da obrigaccedilatildeo

Retomando argumentaccedilatildeo acima a consideraccedilatildeo de todos os seres racionais (caraacuteter de

universalidade) envolvidos na necessidade objetiva encontra a denominaccedilatildeo de reino dos

fins Conforme jaacute visto esta eacute uma noccedilatildeo decisiva em Kant pois gera uma concepccedilatildeo de hu-

manidade derivada da forccedila moral (da accedilatildeo por dever) consequente da forccedila da lei (fundamen-

to do dever) A humanidade estabelecida atraveacutes da forccedila moral apoiada no amor ao dever

encontra a obrigatoriedade das accedilotildees nesse amor na segunda formulaccedilatildeo do imperativo cate-

goacuterico que assim dita ldquoAge de tal maneira que uses a humanidade tanto na tua pessoa como

na pessoa de qualquer outro sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente co-

mo meiordquo (FMC BA 66-67)

Em Sobre a discordacircncia entre moral e a poliacutetica a propoacutesito da paz perpeacutetua estaacute

expressa a soberania da consciecircncia no ordenamento do agir humano Eacute impossiacutevel que uma

vez admitido o dever enquanto princiacutepio interno e a constituiccedilatildeo da vontade a partir de tal

natildeo haja a possibilidade de agenciamento praacutetico a partir do princiacutepio do dever Em suas pa-

lavras postula-se que eacute um absurdo ldquoalgueacutem depois de ter admitido a autoridade deste concei-

to do dever querer dizer que natildeo se pode realizaacute-lordquo (2009 p79) Essa postura riacutegida de Kant

representa sua intenccedilatildeo em constituir uma subjetividade que se move unicamente pelo princiacute-

pio da autonomia que somente a lei interna pode proporcionar O motivo moral estaacute no cum-

6 Conforme nota explicativa de Kant em BA 15

30

primento da lei sendo esse o motivo da accedilatildeo Em relaccedilatildeo a esse motivo ldquoKant estaacute analisan-

do o conceito proacuteprio de uma lei moral dada uma lei se ela eacute moral devemos segui-la incon-

dicionalmente precisamente por ela ser moralrdquo (MAREY 2010 p79 ndash traduccedilatildeo nossa) Estri-

tamente no sentido moral da lei estaacute entatildeo o criteacuterio de decisatildeo para a adequaccedilatildeo da accedilatildeo agrave

moralidade Esta eacute a centralidade da foacutermula a autorizaccedilatildeo para atuar surge especificamente

ldquodo procedimento de universalizaccedilatildeo enunciado na foacutermula imperativa da lei geralrdquo (MA-

REY 2010 p79 ndash traduccedilatildeo nossa)

A accedilatildeo moral eacute livre isto eacute natildeo passiacutevel de influecircncia heterocircnoma Ao romper com

todo determinismo externo eacute aberta a possibilidade de realizaccedilatildeo do dever por uma uacutenica via

sendo um princiacutepio interno natildeo posso natildeo querer sua realizaccedilatildeo A questatildeo eacute se eacute possiacutevel no

momento da accedilatildeo a vontade humana se guiar unicamente pela consciecircncia do princiacute-

piofoacutermula do dever Ao defender positivamente essa questatildeo Kant fixa a liberdade a partir

do princiacutepio formal como base da moralidade Para fazer a filosofia praacutetica concordar consigo mesma eacute necessaacuterio em primeiro lu-gar resolver a questatildeo de saber se nos problemas da razatildeo praacutetica deve-se tomar co-mo ponto de partida o princiacutepio material dela a finalidade (como objeto da livre vontade) ou partir do princiacutepio formal isto eacute daquele (estabelecido somente com relaccedilatildeo agrave liberdade nas relaccedilotildees externas) assim enunciado age de tal maneira que possas querer que tua maacutexima se torne uma lei universal (qualquer que seja a finali-dade desejada por ti) (SDMP p86)

A concepccedilatildeo anteriormente desenvolvida dita a construccedilatildeo dos princiacutepios atraveacutes da

siacutentese operada pelo entendimento sobre o diverso da intuiccedilatildeo sensiacutevel resultando em conte-

uacutedo de consciecircncia impulsionadora da representaccedilatildeo deste princiacutepio (lei) em relaccedilatildeo ao ser

humano particular A partir dessa concepccedilatildeo eacute que se insere o conceito de liberdade como

suporte que garante a representaccedilatildeo da lei agrave accedilatildeo Isso se torna compreensiacutevel quando relem-

bramos a recusa de Kant a toda forma de determinaccedilatildeo pois ela eacute externa e por isso natildeo cor-

responde ao conceito de liberdade sendo este resultado da accedilatildeo mediante a representaccedilatildeo da

lei a qual eacute conteuacutedo de consciecircncia Para ser livre eacute necessaacuterio que a vontade seja impulsio-

nada por um princiacutepio interno a ela estamos diante da autonomia da vontade

Mas seria simplista entender a liberdade de escolha em Kant apenas na perspectiva

de a vontade natildeo ser determinada por impulsos sensiacuteveis ou determinaccedilotildees externas (instintos

paixotildees) Ampliando essa concepccedilatildeo liberdade eacute ldquocapacidade da razatildeo pura ser por si mes-

ma praacutetica ndash possiacutevel somente pela qualificaccedilatildeo da maacutexima da accedilatildeo como lei universalrdquo (MC

p63) Natildeo se entende o arbiacutetrio livre unicamente como oposiccedilatildeo agrave natureza que manda mas

submetida agrave razatildeo que prescreve a lei na forma de imperativo lei que comanda ou proiacutebe de

31

maneira absoluta sem possibilidade de natildeo o ser Desse modo a vontade somente seraacute livre

quando a forccedila legislativa da maacutexima servir como lei visto que a lei eacute algo em si positivo a saber a forma de uma causalidade intelectual isto eacute da liberdade assim na medida em que ela em contraste com uma contra-atuaccedilatildeo subjetiva a saber as inclinaccedilotildees em noacutes enfraquece a presunccedilatildeo eacute ao mesmo tempo um objeto de respeito e na medida em que ela ateacute a abate isto eacute a humilha eacute um objeto do maacuteximo respeito (CRPr sect130)

Eacute dada agrave lei a forccedila de ser causalidade e por ser conteuacutedo de consciecircncia eacute forma da

liberdade A lei eacute forma de causalidade que abate as inclinaccedilotildees ou seja anula em sentido

praacutetico o efeito da felicidade proacutepria e nesse sentido eacute moral pois considera o humano como

finalidade no ideal de reino dos fins Assim se entende o sentido da liberdade a possibilidade

de natildeo ser guiado nem pela determinaccedilatildeo natural o que seria ligado agrave contingecircncia e tam-

pouco pela subjetividade egoiacutesta Nesse sentido liberdade e autonomia satildeo as caracteriacutesticas

proacuteprias do ser dotado de razatildeo

A liberdade eacute entatildeo transcendental condiccedilatildeo de possibilidade natildeo apenas de ruptura

com os ditames da natureza mas de se converter em lei universal e necessaacuteria para a accedilatildeo O

princiacutepio que permite o movimento natildeo eacute outro que a representaccedilatildeo da lei na accedilatildeo humana

Kant identifica a accedilatildeo desprovida de liberdade a um autocircmato algueacutem que age como maacutequi-

na sem raciociacutenio e vontade proacutepria Se seguiacutessemos apenas um mecanismo da natureza en-

tatildeo a accedilatildeo ldquonatildeo seria melhor que a liberdade de um assador giratoacuterio o qual uma vez posto

em marcha executa por si os seus movimentosrdquo (CRPr sect174) quando natildeo haacute a representaccedilatildeo

da accedilatildeo como necessaacuteria e originada por um princiacutepio racional

Conceber a determinaccedilatildeo moral do sujeito exige como linha reguladora a noccedilatildeo de

reino dos fins Essa noccedilatildeo estaacute de acordo com o ideal de sociedade proposto tambeacutem no texto

Ideia de uma histoacuteria universal de um ponto de vista cosmopolita Defendendo a necessidade

de um mundo cosmopolita isso ocorreria pelo equiliacutebrio entre os antagonismos gerais e o

direcionamento das forccedilas em direccedilatildeo agrave realizaccedilatildeo do mais alto propoacutesito da natureza em noacutes

a ligaccedilatildeo mediante um poder irresistiacutevel o qual congrega a liberdade de cada um em co-

habitaccedilatildeo com a liberdade dos outros Isso seria a sociedade que em outras palavras deve ser

entendida como devendo estar regulada pela ideia de reino dos fins Essa relaccedilatildeo fica ainda

mais evidente quando Kant expotildee o conceito de reino ldquoa ligaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios seres

racionais por meio de leis comunsrdquo (FMC BA 74) Assim ocorre a tentativa de edificar a ple-

na igualdade entre os homens quando apesar dos antagonismos todas as forccedilas satildeo orienta-

32

das a um objetivo comum constituir a civilizaccedilatildeo entendida como o uso da ideia de morali-

dade

A obrigatoriedade de uma accedilatildeo estaacute na promoccedilatildeo e preservaccedilatildeo desse reino e nenhum

fator subjetivo pode desviar o seguimento do dever Isso significa que nenhum moacutebil pode

desviar o querer orientado pelo elemento objetivo do querer ndash tal eacute a forccedila que o imperativo

categoacuterico daacute ao sujeito envolvido na accedilatildeo uma pureza de intenccedilotildees incapaz de romper a lei

E nesse meio eacute que surge um limite ao ideal eacutetico-moral kantiano pois no acircmbito da razatildeo

pura exige-se um indiviacuteduo com uma rigidez de caraacuteter natildeo realizaacutevel no plano da contingecircn-

cia histoacuterica Eacute necessaacuterio considerar o dinamismo a incerteza histoacuterica como constituinte do

humano Estariacuteamos diante de um limite para a razatildeo pura como fixadora do alcance do ali-

cerce eacutetico Para justificar e fundamentar a afirmaccedilatildeo acima recorro a Theodor W Adorno

2 THEODOR ADORNO E A CONCEPCcedilAtildeO DE PENSAMENTO POacuteS-METAFIacuteSICO

21 Discussatildeo em torno do conceito de ldquosujeitordquo

Theodor Adorno leva ao extremo a criacutetica agrave formaccedilatildeo da subjetividade e consequen-

temente define um novo olhar sobre quem eacute ou o que eacute aquilo que chamamos sujeito Anali-

sando a trajetoacuteria de sua produccedilatildeo intelectual eacute possiacutevel relacionar sua criacutetica agrave subjetividade

tanto como uma contraposiccedilatildeo ao transcendental de Kant quanto ao pensamento grego anti-

go mas especificamente em Aristoacuteteles Considero essa tensatildeo fundamental e a interpretaccedilatildeo

que proponho avanccedila para a noccedilatildeo de que os seres humanos se converteram em ldquosujeitos des-

providos de subjetividaderdquo (MM 33 p467) Quem eacute realmente esse sujeito e em que termos

ocorre este desprover de sua proacutepria subjetividade

Na Metafiacutesica o termo sujeito eacute posto por Aristoacuteteles como um dos sentidos de subs-

tacircncia assim definido-a como a essecircncia o universal o gecircnero e o sujeito ldquoE o sujeito eacute aqui-

lo sobre o qual satildeo ditas as demais coisas sem que ele por sua vez seja dito de outrardquo (VII 3

1028b 36) Essa concepccedilatildeo encontra em seu centro a indicaccedilatildeo de um elemento fundamental

a noccedilatildeo de determinaccedilatildeo condiccedilatildeo para qualquer conhecimento Nada eacute possiacutevel dizer sem

considerar esta origem epistemoloacutegica que em Aristoacuteteles eacute a substacircncia identificada em um

sentido com o sujeito Substacircncia eacute sujeito em seu sentido enfaacutetico a origem de todo o devir

forccedila originaacuteria e que eacute legitimamente em-si Os atributos somente predicam algo em refe-

recircncia a um sujeito no caso o sujeito congregador das predicaccedilotildeesdeterminaccedilotildees eacute a subs-

tacircncia e aquelas natildeo existem fora dessa Ou seja somente satildeo em atribuiccedilatildeo ao sujeito

Apesar de Aristoacuteteles natildeo ter concebido o termo autonomia contudo este em-sisi-

mesmo independente de determinaccedilotildees pode ser entendido como um prenuacutencio desse termo

Aristoacuteteles traz para o interior do ente a capacidade de automover-se Natildeo eacute o sentido kantia-

no de autonomia ou maioridade tampouco o sentido adorniano de emancipaccedilatildeo mas indica a

possibilidade ainda claacutessica de compreender o sujeito como portador de um poder intriacutenseco

capaz de construiacute-lo mesmo que ainda em potecircncia visando um fim

Esse elemento determinante poreacutem natildeo determinado servindo assim de origem ou

suporte para todas as modificaccedilotildees que algo venha a sofrer eacute chamado por Aristoacuteteles de hy-

pokeimenon Em referecircncia a este termo para Hans-Georg Gadamer ldquoa palavra significa lsquoa-

quilo que se encontra na basersquo Eacute assim que a palavra vem ao nosso encontro na fiacutesica e na 7 As chamadas referentes agraves citaccedilotildees da obra Minima Moralia (MM) de Theodor Adorno seguem a seguinte ordem abreviatura da obra nuacutemero do aforismo seguido do nuacutemero da paacutegina conforme a traduccedilatildeo ao portu-guecircs de Luiz Eduardo Bicca

34

metafiacutesica de Aristoacuteteles [] e significa aquilo que se encontra inalteravelmente agrave base da

mudanccedila de todas as transformaccedilotildeesrdquo (2007 p11)

A questatildeo eacute sobre a possibilidade de retirar significaccedilatildeo desse fundamento grego em

relaccedilatildeo agrave Teoria Criacutetica de Adorno A soluccedilatildeo que proponho gira em torno de uma criacutetica da

cultura Partindo da concepccedilatildeo grega o sujeito eacute a forccedila original em tudo o que haacute e que per-

mite a realizaccedilatildeo das possibilidades servindo como determinaccedilatildeo para todas as mudanccedilas que

venham a ocorrer Eacute forccedila original por ser proacutepria do indiviacuteduo e natildeo ser passiacutevel de nenhuma

alteraccedilatildeo deriva natildeo sendo derivada O que Adorno percebe eacute que em eacutepocas de administra-

ccedilatildeo da cultura nada escapa ao controle nem mesmo esta substacircncia proacutepria Este em-si origi-

nal se converte conforme apresentado em Dialeacutetica do esclarecimento (p24) em para-ele

Eacute possiacutevel atribuir agrave Paideia grega a concepccedilatildeo desse valor interior poreacutem eacute igual-

mente possiacutevel atribuir agrave nossa sociedade contemporacircnea sua conduccedilatildeo a um valor objetivo

como posse natildeo mais do indiviacuteduo mas da proacutepria estrutura soacutecio-cultural que o determina

Estamos diante de algo desprovido de subjetividade Este que Aristoacuteteles quis como portador

de um nuacutecleo de forccedila originaacuterio foi convertido em algueacutem vazio desta proacutepria forccedila tendo

esta migrado para esferas a ele exteriores Em se tratando de seres humanos tendo sido o po-

der de determinaccedilatildeo a ele alienado eacute totalmente compreensiacutevel a padronizaccedilatildeo de comporta-

mentos e modos de pensar Aquele que deveria ser o sujeito estaacute carente de sua forccedila e aquilo

que deveria ser as derivaccedilotildees da accedilatildeo de tal sujeito (a cultura as instituiccedilotildees o econocircmico)

acaba se convertendo em substrato o elemento essencial que determina externamente o indi-

viacuteduo Sobre a menoridade do indiviacuteduo diante da cultura Rodrigo Duarte afirma ldquoo sujeito

experimenta ndash exatamente na eacutepoca em que os seus meios teacutecnicos de dominaccedilatildeo da natureza

se encontram mais desenvolvidos ndash sua degeneraccedilatildeo em mera coisa sendo que o mundo fiacutesico

a ele subordinado transfere sua selvageria para o seio da cultura acircmbito em que por defini-

ccedilatildeo a autoconsciecircncia do sujeito deveria se colocar como alternativa agrave inconsciecircncia da natu-

rezardquo (1997 p52)

A derivaccedilatildeo primeira dessa constataccedilatildeo ocorre em termos eacutetico-morais O sujeito mo-

ral eacute em Kant o sujeito capaz de se determinar aquele cuja vontade eacute movida por um princiacute-

pio interno legislador universalmente O substrato estaacute no princiacutepio da vontade de um ser ra-

cional capaz de legislar em favor de uma causa comum o bem em sentido efetivo de realiza-

ccedilatildeo do humano em sua dignidade Esta missatildeo legisladora e constituidora do reino dos fins

kantianos exige nada menos que a existecircncia do sujeito enquanto possuidor de subjetividade

forte e autocircnoma Em se tratando da accedilatildeo humana seja em Kant ou Adorno a existecircncia do

sujeito eacute condiccedilatildeo para toda a teoria da moralidade Como persistir na fundamentaccedilatildeo via

35

imperativo categoacuterico quando ocorre a anulaccedilatildeo da forccedila autocircnoma do indiviacuteduo como que

perdendo seu poder subjetivo determinante seu em-si (seja aristoteacutelico ou kantiano)

Nessa anaacutelise cabe uma criacutetica ao proacuteprio si Adorno natildeo concebe uma constituiccedilatildeo

metafiacutesica do si mas o percebe como constituiacutedo em conexatildeo com outros si ldquoO sujeito que

supostamente eacute em si estaacute em si mediado por aquilo do qual se separa a conexatildeo de todos os

sujeitos Atraveacutes da mediaccedilatildeo se converte ele mesmo naquilo que segundo sua consciecircncia de

liberdade natildeo quer ser heterocircnomordquo (DN 20058 p 201) Nesses termos a subjetividade natildeo

eacute um dado causal totalmente intriacutenseco ao ser humano como o hypokeimenon aristoteacutelico ou

o transcendental em Kant mas definido mediante as circunstacircncias histoacutericas nas quais ele

estaacute inserido Para ser em-si eacute necessaacuterio tambeacutem ser com-outro O que ocorre eacute em Adorno

uma volta incisiva ao sujeito agora sob novas configuraccedilotildees marcadas pela experiecircncia com

outros sujeitos pois ldquoenquanto a induacutestria cultura e os donos do poder querem sujeitos enfra-

quecidos para melhor se adaptarem ao sistema que os devora Adorno propotildee a reconstruccedilatildeo

da individualidade do sujeito na experiecircncia com outros sujeitos para que essa individualida-

de seja fonte impulsionadora de resistecircnciardquo (PUCCI 2006 p 407)

Mas como garantir que a individualidade natildeo desapareccedila ou sucumba agrave impotecircncia

diante da forccedila da alteridade O que haacute de autocircnomo e de heterocircnomo nesta constituiccedilatildeo A

isso Adorno remete em inuacutemeros textos sempre enfatizando a necessidade de ou constituir

consciecircncia ou elevar o niacutevel de experiecircncias formativas Os quais natildeo deixam de estar em

iacutentima inter-relaccedilatildeo pois os conteuacutedos de consciecircncia e o proacuteprio ato de consciecircncia satildeo for-

mados somente pela radical inserccedilatildeo na experiecircncia

Dessa forma ao tratar do termo consciecircncia Adorno vai aleacutem do procedimento loacutegico

formal que constitui o pensamento

eacute o pensar em relaccedilatildeo agrave realidade ao conteuacutedo ndash a relaccedilatildeo entre as formas e estrutu-ras do pensamento do sujeito e aquilo que este natildeo eacute Este sentido mais profundo de consciecircncia ou faculdade de pensar natildeo eacute apenas o desenvolvimento loacutegico formal mas ele corresponde literalmente agrave capacidade de fazer experiecircncias Eu diria que pensar eacute o mesmo que fazer experiecircncias intelectuais (EE p151)

Eacute possiacutevel traccedilar uma linha teoacuterica que vai de Aristoacuteteles a Adorno Heidegger no tex-

to O fim da filosofia e a tarefa do pensamento (2009 p72) afirma que ldquocom o ego cogito

como subjectum por excelecircncia eacute atingido o fundamentum absolutum isto quer dizer o sujei-

8 Nas chamadas referentes agrave obra Dialeacutetica negativa indicarei o ano de publicaccedilatildeo Isso pelo fato de utilizar a versatildeo em espanhol e tambeacutem a versatildeo em portuguecircs Quando citar a versatildeo em espanhol (2005) a traduccedilatildeo eacute de Mauricio J Farinon

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to eacute o ὑί transferido para a consciecircncia Essa constataccedilatildeo eacute decisiva para compre-

endermos o itineraacuterio teoacuterico em torno do conceito de sujeito Sendo em Aristoacuteteles algo in-

terno agrave constituiccedilatildeo essencial do ente em sua natureza primeira com Descartes esse constitu-

inte eacute transferido ao nuacutecleo racional a consciecircncia humana Eacute a consciecircncia que determina a

existecircncia subjetiva e objetiva tanto da res cogitans quanto da res extensa

Kant leva ao extremo essa constataccedilatildeo quando admite a experiecircncia sensiacutevel como

ponto de apoio para todo entendimento mas esse mesmo se identifica com o ato de pensar e

embora natildeo havendo situaccedilatildeo de primazia entre sensibilidade e entendimento eacute na capacidade

de siacutentese operada pelo entendimento que se origina todo conhecimento E a siacutentese eacute ato de

pensar por conceito ndash pensamento por excelecircncia ndash o que somente eacute possiacutevel via unidade da

consciecircncia a identidade do sujeito consigo mesmo Para Adorno essa consciecircncia se tornou

administrada e o ego nem sempre eacute possuidor de cogito sendo essa caracteriacutestica transferida

para algo a ele estranho Natildeo raro temos indiviacuteduos cuja capacidade de decisatildeo e de origem de

qualquer movimento eacute determinada por tutores Assim temos o sujeito destituiacutedo de subjeti-

vidade

A identidade do sujeito consigo mesmo eacute a consciecircncia de si unidade transcendental

que permite o ajuizamento em termos de conhecimento e o que para noacutes eacute o mais decisivo

em termos morais Eacute por me reconhecer uno que posso atribuir valor moral ou seja na eman-

cipaccedilatildeo estaacute o criteacuterio para a accedilatildeo via imperativo categoacuterico Quanto a isso Kant foi decisivo e

sua proposta pode ser caracterizada como sendo exata O ponto de discussatildeo estaacute em admitir a

identidade para aleacutem do consigo mesmo partindo para uma compreensatildeo de que o outro natildeo

se resume ao sentido que reside na consciecircncia idecircntica a si mesma

Chama agrave atenccedilatildeo a referecircncia do pensamento com aquilo que ele mesmo natildeo eacute A

consciecircncia em Adorno por mais que haja nela o elemento da apreensatildeo e reconhecimento do

objeto perpassa pelo elemento da negatividade da contradiccedilatildeo Somente eacute possiacutevel pensar em

constante progresso quando natildeo haacute identidade pois assim subsistem os indicativos de novas

experiecircncias Natildeo haacute um termo final no processo de constituiccedilatildeo da subjetividade e isso de-

vido agrave inexistecircncia do elemento reconciliador entre sujeito e objeto na paz da subjetividade

constitutiva

Pressupondo tal reconciliaccedilatildeo entre o real e a consciecircncia estariacuteamos diante da frieza

conceitual que permite somente o eterno giro dela sobre ela mesma Ao romper com esse mo-

delo de reconciliaccedilatildeo proacuteprio do idealismo kantiano Adorno indica sua proacutepria concepccedilatildeo de

filosofia dizendo que ela ldquonada mais eacute do que o pensamento que natildeo se deixa travarrdquo (EXP

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p11) A forccedila do ato de pensamento reside na capacidade desenvolvida pelas experiecircncias

formativas Isso eacute decisivo na concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e no todo do pensamento adorniano A

proacutepria possibilidade de experiecircncia esteacutetica perpassa pela habilidade em realizar experiecircncias

formativas O que veremos mais adiante

A referecircncia a Immanuel Kant assume fundamental importacircncia Sua ecircnfase de que haacute

uma complementaccedilatildeo absolutamente necessaacuteria entre sensibilidade e entendimento ou seja

entre experiecircncia e pensamento na constituiccedilatildeo do conhecimento leva a um avanccedilo decisivo

em relaccedilatildeo a Aristoacuteteles Quando este afirma no livro II da Metafiacutesica que o aprendizado eacute

fruto da capacidade de experiecircncia a qual desenvolve a memoacuteria e coloca a έ (arte) vin-

culada ao saber e ao entendimento identifica a sabedoria como o conhecimento das causas e a

filosofia como ldquociecircncia da verdaderdquo

Sendo a verdade o conhecimento das causas deve-se remeter ao termo primeiro agravequi-

lo que eacute a origem de tudo o mais Ateacute mesmo a causa material natildeo deve remeter ao infinito

pois essa total transitoriedade impediria a verdade e esta eacute somente a primeira ldquoos entes eter-

nos satildeo sempre necessariamente os mais verdadeiros (natildeo satildeo temporalmente verdadeiros e

natildeo haacute nenhuma causa de seu ser mas que eles satildeo causa do ser para as demais coisas) de

sorte que cada coisa possui verdade na mesma medida em que possui de serrdquo (MET II 3

993b 28) Ou seja tudo o que deriva passa a ser relativo a esse elemento primordial Eacute assim

que Aristoacuteteles concebe a noccedilatildeo de verdade entendimento e saber Natildeo haacute dependecircncia do

pensamento do sujeito humano mas somente da posse do conhecimento das causas

Eacute nesse ponto que ocorre a diferenciaccedilatildeo kantiana pois o decisivo natildeo estaacute no ser e-

terno aristoteacutelico mas no processo de associaccedilatildeo entre sensibilidade e entendimento o que

significa a capacidade de conhecimento e pensamento Assim ocorre uma inclinaccedilatildeo decisiva

em direccedilatildeo ao sujeito do proacuteprio conhecimento Agora o sujeito eacute o indiviacuteduo mesmo e a con-

diccedilatildeo de possibilidade de todo conhecimento natildeo estaacute em outro lugar a natildeo ser na razatildeo

Adorno poreacutem natildeo compactua com as determinaccedilotildees provindas da subjetividade kan-

tiana Se por um lado Aristoacuteteles apresentava o sujeito como sentido de substacircncia e com

Kant a inclinaccedilatildeo ao sujeito humano passa a ser o elemento central de sua teoria em Adorno

eacute possiacutevel defender uma primazia da experiecircncia O fato central que determina nossa capaci-

dade de conhecimento natildeo estaacute no substrato metafiacutesico claacutessico tampouco eacute exclusividade da

estrutura interna do indiviacuteduo mas eacute o permanente renovar da experiecircncia entre diferencia-

dos

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Natildeo ocorre a negaccedilatildeo do que Kant chamou estruturas internas como condiccedilotildees ao co-

nhecimento e tambeacutem natildeo haacute a abstraccedilatildeo do objeto Contudo a partir da Teoria Criacutetica de

Theodor Adorno falar em conhecimento e em verdade pressupotildee um jogo livre entre diferen-

ciados Eacute livre por natildeo encontrar um termo decisivo um ponto reconciliador onde ocorre a

total adequaccedilatildeo entre pensamento e realidade Fala-se em sujeitos por natildeo haver uma posiccedilatildeo

de centralidade em nenhum dos poacutelos tradicionais sujeito e objeto mas sim na relaccedilatildeo Sujei-

to e objeto natildeo podem existir sem pressupor a relaccedilatildeo o erro kantiano estaacute em enfatizar um

aspecto que natildeo existe sem a relaccedilatildeo com o diferenciado e a inversatildeo ocasionada pelo filoacuteso-

fo de Frankfurt resulta em o proacuteprio ser humano ser concebido como ldquoresultado natildeo Eidosrdquo

(SO p200) Sendo o elemento central do humano a condiccedilatildeo de ser tambeacutem resultado re-

mete-se a um questionamento na tentativa de em relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do que eacute a verdade

conseguir situaacute-la nesse quadro teoacuterico caracterizado pela primazia da relaccedilatildeo

22 A concepccedilatildeo de verdade em seu nuacutecleo histoacuterico

As discussotildees em torno do conceito de verdade encontram uma indicaccedilatildeo precisa ain-

da na Dialeacutetica do esclarecimento A Dialeacutetica negativa e a Teoria esteacutetica ocupam lugar

central nessa discussatildeo mas a referecircncia agrave obra conjunta com Horkheimer eacute decisiva pois

nessa ocorre a fundamentaccedilatildeo das discussotildees em torno desse conceito O que resulta dessas

discussotildees permite situar Adorno como um autor poacutes-metafiacutesico

O nuacutecleo da verdade eacute temporal portanto sua caracteriacutestica baacutesica eacute a transitoriedade

histoacuterica Somente esse fato coloca Adorno em choque radical com a tradiccedilatildeo filosoacutefica que

se criou desde a Greacutecia claacutessica Nas palavras dele mesmo assim eacute caracterizada sua teoria

ldquouma teoria que atribui agrave verdade um nuacutecleo temporal em vez de opocirc-la ao movimento histoacute-

rico como algo imutaacutevelrdquo (DE p9) e a ldquoverdade eacute constelaccedilatildeo em devirrdquo (OPF p21) somen-

te existindo como o que estaacute em devir Esse fato demarca a concepccedilatildeo baacutesica daquilo que eacute

possiacutevel denominar de pensamento poacutes-metafiacutesico Diante da verdade em seu nuacutecleo histoacuteri-

co o proacuteprio sujeito passa a ser compreendido a partir desta dimensatildeo pondo em questatildeo o

caraacuteter a prioritranscendental kantiano ou formal platocircnico Eacute a importacircncia do resgate da

contingecircncia da historicidade e do elemento ativo no ser humano9

Dois problemas perpassam a discussatildeo em torno desse tema a partir de Adorno O

primeiro eacute a aniquilaccedilatildeo da verdade em troca da eficaacutecia no procedimento A segunda discus-

satildeo aponta para uma contraposiccedilatildeo ao conceito grego aletheia Se este termo indica aquilo 9 Ver o texto de Bruno Pucci Teoria Criacutetica e Educaccedilatildeo na obra do mesmo nome editado em 2007

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natildeo oculto natildeo escondido ou dissimulado e portanto alcanccedilar a verdade eacute conseguir tirar o

veacuteu que encobre a realidade e trazer o fato agrave tona em contraposiccedilatildeo a administraccedilatildeo da vida

gera o processo inverso o encobrimento Nesse sentido a verdade natildeo se torna mais evidente

exigindo um radical esforccedilo interpretativo principalmente dos fatores que geram esse enco-

brimento e tambeacutem dos fatores que impedem ao pensamento vislumbrar o mundo sob o veacuteu

ideoloacutegico

Esse quadro natildeo se vislumbra somente em questotildees teoacutericas mas perpassa por toda

formaccedilatildeo do pensamento humano principalmente em questotildees de educaccedilatildeo regular em insti-

tuiccedilotildees de ensino Eacute visiacutevel a resistecircncia ao ato de pensar e de se demorar sobre algo A acircnsia

por foacutermulas capazes de resolver imediatamente os problemas toma conta das atividades esco-

lares e ao se deparar com a necessidade de uso de um uacutenico ferramental ndash o pensamento rigo-

rosamente orientado ndash ocorre o bloqueio das energias do conhecimento o que pode ser en-

tendido como resistecircncia agrave investigaccedilatildeo teoacuterica Diante desse quadro surge a Filosofia como

alternativa formadora e propulsora do pensamento e busca pela verdade Analisaremos esses

dois pontos de discussatildeo acima apontados

221 Tensatildeo entre verdade e procedimento

Para Adorno o problema decisivo ao pensamento e agrave proacutepria Filosofia se situa na fa-

lecircncia do elemento ativo a saber a concentraccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo na verdade Para ele o ativo

natildeo se estabelece como em geral ocorre nas aacutereas teacutecnico-cientiacuteficas nas quais esse termo eacute

identificado com o domiacutenio de procedimentos e a consequente produccedilatildeo de objetos Essa

accedilatildeo pode estar carregada de automatismos A verdadeira atividade coincide com a posse do

elemento cognitivo pois somente nesse momento eacute que a accedilatildeo passa a ser atribuiacuteda ao que

executa10 O robocirc natildeo eacute ativo por mais que produza pois nele estaacute ausente o elemento do

entendimento que em outras palavras eacute a satisfaccedilatildeo da verdade Desse modo vincula-se o

elemento ativo com a existecircncia da forccedila subjetiva com a existecircncia do sujeito propriamente

dito

A falecircncia desse elemento ativo se identifica com a incorporaccedilatildeo do segundo elemen-

to a eficiecircncia na operacionalidade agrave qual vem acoplada a noccedilatildeo de representaccedilatildeo do ldquoobje-

tordquo e de enfraquecimento do ldquosujeitordquo Um primeiro sentido desse enfraquecimento jaacute estaacute

10 Acerca da relaccedilatildeo com a natureza seja interna ou externa a partir do criteacuterio baseado no domiacutenio teacutecnico carente da relaccedilatildeo com a verdade ver Rodrigo Duarte Miacutemesis e Racionalidade (1993) principalmente os capiacute-tulos I II e III onde o autor aborda a relaccedilatildeo de domiacutenio da natureza do ponto de vista da razatildeo totalizadora e na contra-resposta de uma relaccedilatildeo esteacutetica com a natureza

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descrito no paraacutegrafo anterior com a distinccedilatildeo entre ativo e automatismo Outro fator que

aponta para o enfraquecimento do sujeito ocorre pela representaccedilatildeo que percebemos nas rela-

ccedilotildees originadas nos ambientes virtuais Natildeo haacute mais a necessidade de encontro efetivo e a

dinacircmica que envolve o tato e o confronto direto eacute substituiacutedo pela dinacircmica da visatildeo e da

audiccedilatildeo destituiacuteda de efetividade sensiacutevel imediata Essa representaccedilatildeo do outro em um en-

contro desvinculado da experiecircncia efetiva do corpo promovido pelos ambientes virtuais

pode gerar a imediata pobreza de experiecircncia a inexistecircncia de padrotildees eacuteticos que somente

ocorrem quando temos o corpo em contato Subjetividade vazia eacute o que marca o indiviacuteduo

moderno pois a condiccedilatildeo para haver solidez no eu entendida como reconhecimento de si

diante da diferenccedila que o outro significa eacute negada na relaccedilatildeo ausente de corpo e portanto

natildeo efetiva

Retomando o conceito de verdade qual eacute a verdade do outro para aleacutem de minha re-

presentaccedilatildeo Dessa compreensatildeo pode resultar a riqueza ou pobreza de consciecircncia pois

quando acredito poder substituir o objeto pelo objeto de minha representaccedilatildeo ou quando ad-

mito que o outro somente exista por ter passado pela minha percepccedilatildeo e entendimento entatildeo

a verdade se converte em ideologia reducionista e anuladora da riqueza constitutiva desse

outro A verdade do outro eacute seu em-si e devir e natildeo o seu para-mim eacute seu conteuacutedo de cons-

ciecircncia proacuteprio e insubstituiacutevel eacute sua marca histoacuterica constituidora da identidade proacutepria Eacute

baseado nesses dados que defendo a urgecircncia da educaccedilatildeo que vise desenvolver a satisfaccedilatildeo

pela verdade a riqueza de conteuacutedo natildeo somente a operacionalidade Preocupa-se muito em

formar nos modos de proceder (seja em esfera produtiva seja na cotidianidade da vida) es-

quecendo dos criteacuterios que deveriam nortear toda conduta humana

A conduta adequada poder-se-ia caracterizar em sentido filosoacutefico do seguinte modo

natildeo eacute agitaccedilatildeo afanosa nem o ficar parado matutando mas sim o olhar demorado sobre o objeto sem querer forccedilaacute-lo A disciplina cientiacutefica em voga requer do sujeito que se apague a si mesmo em prol da primazia da coisa ingenuamente presumida A isto se opotildee a filosofia O pensar natildeo deve reduzir-se ao meacutetodo a verdade natildeo eacute o resto que permanece apoacutes a eliminaccedilatildeo do sujeito Pelo contraacuterio este deve levar consigo toda sua inervaccedilatildeo e experiecircncia na observaccedilatildeo da coisa para segundo o i-deal perder-se nela (OPF p19)

Esta caracterizaccedilatildeo do pensamento enquanto demorar-se sobre o outro eacute condiccedilatildeo pa-

ra o desenvolvimento da consciecircncia no sentido em que esse termo eacute defendido no texto Edu-

caccedilatildeo ndash para quecirc como conteuacutedo que se origina pelo constante renovar da experiecircncia Natildeo

se deve entender a experiecircncia como um procedimento cientiacutefico laboratorial mas em sentido

intelectual estrito do pensamento que se potildee em confronto com sua alteridade enquanto alte-

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ridade Falar em educaccedilatildeo eacute propor tais experiecircncias natildeo procedimental em relaccedilatildeo ao outro

mas no sentido de educar na habilidade de realizar experiecircncias de pensamento resistindo ao

previamente pensado Estariacuteamos aqui diante das condiccedilotildees para o contundente desenvolvi-

mento da consciecircncia pois ao resistir ao previamente pensado (enquanto a priori) ocorre a

abertura ao devir histoacuterico gerando inevitavelmente tal desenvolvimento fruto daquilo que

Adorno denomina de ldquoconcentraccedilatildeo ampliada11rdquo (OPF 20)

222 A perda da evidecircncia e o impulso ao esclarecimento

Com o uso do termo perda da evidecircncia quero significar algo diferente do sentido a-

dorniado desenvolvido em sua Teoria esteacutetica de perda da evidecircncia artiacutestica Nessa obra estaacute

desenvolvida a perspectiva de que ldquoperante aquilo em que se torna a realidade a essecircncia

afirmativa da arte esta essecircncia inelutaacutevel tornou-se insuportaacutevelrdquo (TE p12) Por causa disto

eacute que a arte assume o caraacuteter de tensatildeo com a realidade e se mostra como ldquoantiacutetese social da

sociedaderdquo (TE p 19) Na possibilidade de admitir a arte como coacutepia do real em Adorno isso

ocorre ldquona medida em que a este fornecem o que lhe eacute recusado no exterior e assim libertam

daquilo para que as orienta a experiecircncia externa coisificanterdquo (TE p15)

Eacute nesse ponto que reside a compreensatildeo adorniana do caraacuteter esclarecedor da verdade

desenvolver a consciecircncia dos elementos que levam agrave negaccedilatildeo da vida Embora Adorno atri-

bua agrave arte um papel de criacutetica eacute via educaccedilatildeo que se torna possiacutevel a ampliaccedilatildeo da consciecircn-

cia em um incisivo impulso esclarecedor Desenvolver consciecircncia eacute tornar algo evidente

trazer ao entendimento estes poderes que determinam a existecircncia individual a ponto de gerar

a ausecircncia de vida A perda da evidecircncia pode ser entendida como obscurecimento que impe-

de a compreensatildeo dos fatos o qual tem sua origem nos interesses ideoloacutegicos que anulam o

desenvolvimento da consciecircncia ou ainda impedem a consciecircncia de se achegar aos fatos

Como compreender em Kant a sensibilidade a percepccedilatildeo que intui os objetos a par-

tir da ausecircncia de evidecircncia em Adorno Em relaccedilatildeo agrave Kant o poder da sensibilidade regida

pelas estruturas internas ao sujeito nas noccedilotildees de tempo e espaccedilo se tornam insuficientes

Ainda na introduccedilatildeo da primeira criacutetica haacute a seguinte afirmaccedilatildeo

que outra coisa poderia despertar e pocircr em accedilatildeo a nossa capacidade de conhecer se-natildeo os objetos que afetam os sentidos e que por um lado originam por si mesmos as

11 No texto Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico (p20-21) a concentraccedilatildeo ampliada eacute posta como sinocirc-nimo de meditar no sentido de ele ultrapassar o previamente pensado e assim o pensamento se renova pela constante relaccedilatildeo Natildeo eacute pensar simples mas o pensamento ampliado concentraccedilatildeo ampliada permanecircncia na relaccedilatildeo com o outro

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representaccedilotildees e por outro lado potildeem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a comparaacute-las ligaacute-las ou separaacute-las transformando assim a mateacuteria bru-ta das impressotildees sensiacuteveis num conhecimento que se denomina experiecircncia (CR-Pu B 1)

Seguindo a argumentaccedilatildeo acima a percepccedilatildeo oferece um material jaacute desqualificado

gerando um erro no processo inicial que leva agrave siacutentese e ajuizamento operados pelo entendi-

mento A siacutentese operada pelo entendimento estaacute dentro de uma triacuteade no sistema kantiano a

qual possibilita o conhecimento a priori dos objetos Conforme a Criacutetica da razatildeo pura (em B

104) essa triacuteade eacute formada pelas seguintes funccedilotildees

a) primeiro passo o diverso da intuiccedilatildeo pura

b) segundo passo a siacutentese desse diverso pela imaginaccedilatildeo

c) terceiro passo ldquoos conceitos que conferem unidade a essa siacutentese pura e consistem

unicamente na representaccedilatildeo dessa unidade sinteacutetica necessaacuteriardquo

A discussatildeo natildeo estaacute centrada na possibilidade dos conhecimentos sinteacuteticos a priori

mas na possibilidade de a sensibilidade fornecer material confiaacutevel ao entendimento Desse

modo se postula o nuacutecleo do conhecimento como resultado do jogo entre entendimento e ex-

periecircncia estando na possibilidade de experiecircncia efetiva a condiccedilatildeo para um ajuizamento

com conteuacutedo de verdade

Estamos diante da razatildeo interpretativa e do fato sensiacutevel ambos postos em tensatildeo

temporal a qual daacute a possibilidade do encontro Retornando ao problema anterior o qual a-

ponta para um encobrimento da realidade como que existindo uma aura branda sobre os fa-

tos gerando o apaziguamento das consciecircncias promovido pela aderecircncia a seu sentido ime-

diatamente visiacutevel eacute decisivo o desenvolvimento da razatildeo interpretativa em condiccedilotildees de

desvelar ou testemunhar exatamente aquilo que o veacuteu oculta A esse ocultamento Adorno

chamou de administraccedilatildeo promovida pela induacutestria cultural

Isso demarca uma ruptura na triacuteade kantiana acima exposta pois natildeo havendo possibi-

lidade imediata de a sensibilidade dar o objeto em seu efetivo sentido o entendimento natildeo

consegue operar a siacutentese legiacutetima e consequentemente ter a fonte para verdade alguma Ve-

jamos qual o itineraacuterio kantiano ldquoa espontaneidade do nosso pensamento exige que este di-

verso12 seja percorrido recebido e ligado de determinado modo para que se converta em co-

nhecimento A esse ato dou o nome de siacutenteserdquo (CRPu B102) Continuando a argumentaccedilatildeo

encontramos uma definiccedilatildeo mais clara do que eacute o momento da siacutentese ldquona acepccedilatildeo mais geral

12 O diverso fornecido pela intuiccedilatildeo que daacute o objeto em suas singularidades Esse diverso eacute percorrido e elabo-rado pelo entendimento gerando sua siacutentese

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da palavra o ato de juntar umas agraves outras diversas representaccedilotildees e conceber a sua diversi-

dade num conhecimentordquo (B103)

Como consequecircncia deste ato sinteacutetico ocorre o ato de pensamento e que promove

pensamento no sentido de gerar conceito o qual eacute em Kant ldquoa primeira origem do nosso

conhecimentordquo (B103) Estamos diante de um diverso da intuiccedilatildeo sensiacutevel o qual tem como

caracteriacutestica o ajuizamento o discurso ldquoo conhecimento de todo o entendimento pelo me-

nos do entendimento humano eacute um conhecimento por conceitos que natildeo eacute intuitivo mas

discursivordquo (CRPu B 93)

Eacute esse itineraacuterio que fica bloqueado E uma ampliaccedilatildeo da consciecircncia somente ocorre-

ria com a mudanccedila natildeo apenas no sentido mas na possibilidade de conhecimento O conhe-

cimento discursivo por mais que seja importante deve ser precedido por algo que estaacute fora do

domiacutenio conceitual do sujeito transcendental a noccedilatildeo de verdade objetiva O sujeito transcen-

dental queda insuficiente em se tratando da possibilidade de conhecimento por natildeo ser dado

agraves suas estruturas material veriacutedico para sua siacutentese e ajuizamento E isso devido ao fato de

negar a verdade em seu nuacutecleo sensiacutevel concreto presente no objeto e disponibilizado ao

sujeito somente via radical imersatildeo na experiecircncia Eacute nesse momento que podemos entender

claramente a afirmaccedilatildeo adorniana na Dialeacutetica negativa a qual aponta para o fato de que o

ldquoconceito eacute um momento como outro qualquer na loacutegica dialeacuteticardquo E da ldquonecessidade que a

filosofia tem de operar com conceitos natildeo se pode fazer-se a virtude de sua prioridaderdquo (DN

2005 p 23)

Sua natildeo prioridade se justifica na discussatildeo que envolve dois termos decisivos para

Adorno os quais serviratildeo de impulso agrave compreensatildeo do momento especiacutefico que a razatildeo in-

terpretativa e a capacidade conceitual ocupam dentro deste quadro teoacuterico Refiro-me aos

termos constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade

Em se tratando do ajuizamento e expressatildeo vale destacar ldquoO criteacuterio do verdadeiro

natildeo eacute sua imediata comunicabilidade a algueacutem Agora que todo passo em direccedilatildeo agrave

comunicaccedilatildeo vende e falsifica a verdade deve-se resistir agrave coaccedilatildeo quase universal de

confundir o conhecido com sua comunicaccedilatildeo e inclusive situaacute-la acima delerdquo (DN 2005

p49) O fato de ser dito natildeo justifica ser verdade Toda forma de comunicaccedilatildeo pode ser cami-

nho em direccedilatildeo ao ocultamento agrave natildeo evidecircncia na direccedilatildeo de uma pseudo comunicaccedilatildeo O

juiacutezo pode representar a falsa consciecircncia Esse fator reafirma a problemaacutetica que bloqueou o

itineraacuterio teoacuterico kantiano

Diante desse bloqueio ou em outros termos diante do caraacuteter problemaacutetico estabele-

cido entre a sensibilidade e o entendimento eacute possiacutevel situar a partir de Adorno alguns indi-

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cativos que vecircm suprir a lacuna gerada pela ausecircncia de evidecircncia Tais indicativos satildeo condi-

ccedilotildees que garantem agrave subjetividade o conteuacutedo daquilo com o qual se relaciona e representam

o momento dialeacutetico necessaacuterio para a continuaccedilatildeo do processo de formaccedilatildeo da consciecircncia ndash

conforme seraacute posteriormente desenvolvido Os indicativos que pontuo como soluccedilotildees ao

problema indicado satildeo a noccedilatildeo de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade Esses se vinculam

diretamente ao objeto colocando-os na posiccedilatildeo de desafio e exigecircncia agrave razatildeo interpretativa

O termo razatildeo interpretativa tem sentido muito proacuteprio em Adorno indicando inclu-

sive a vinculaccedilatildeo com aquilo que ele denomina na Teoria esteacutetica de racionalidade esteacutetica

Enquanto interpretaccedilatildeo ocorre a ldquonegaccedilatildeo da ideia absoluta o conteuacutedo jaacute natildeo pode identifi-

car-se com a razatildeo como postulava o idealismo criacutetica da onipotecircncia da razatildeo ele deixa

por seu lado de ser racional segundo as normas do pensamento discursivordquo (TE p40) Nesse

sentido eacute impossiacutevel chegar a uma evidecircncia do conteuacutedo a ponto de resolver o interpretado

pois ldquodeve-se interpretar-se e natildeo ser substituiacuteda pela claridade do sentidordquo (TE p42)

Com o sentido de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade se postula a autocriacutetica da razatildeo

gerando a consciecircncia dos fatores que impedem o acesso ao material confiaacutevel via sentidos

Isso para Adorno eacute a racionalidade esteacutetica

Enquanto que o conhecimento discursivo acede agrave realidade mesmo nas suas irracio-nalidades que por sua vez correspondem agrave lei do seu movimento haacute nelas algo de inflexiacutevel em relaccedilatildeo ao conhecimento racional A este uacuteltimo eacute estranho o sofri-mento pode defini-lo subsumindo-o fazer dele um meio de pacificaccedilatildeo Mas soacute com dificuldade o pode exprimir atraveacutes da sua experiecircncia isso significaria a sua irracionalidade O sofrimento reduzido ao seu conceito permanece mudo e sem consequumlecircncias [] a verdade eacute concreta (TE p30)

Mas para chegar a um conteuacutedo ou a seu sentido algumas consideraccedilotildees satildeo funda-

mentais e visando inclusive aprofundar o proacuteprio conceito de interpretaccedilatildeo partimos para o

proacuteximo item deste capiacutetulo

23 Constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade marcas do pensamento poacutes-metafiacutesico em Adorno

O termo constelaccedilatildeo proacuteprio de sua obra Teoria esteacutetica remete ao quatildeo insuficiente

eacute um conceito em sua tentativa de capturar o real A razatildeo interpretativa deve se comportar

como a arte daiacute uma racionalidade esteacutetica semelhante a ldquoum iacutematilde num campo de limalha de

ferro Natildeo apenas os seus elementos mas tambeacutem a sua constelaccedilatildeo o especificamente esteacuteti-

co que se atribui comumente ao seu espiacuterito remete para este Outrordquo (TE p18) Em outra

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passagem assim eacute exposto ldquoA arte tem o seu conceito na constelaccedilatildeo de momentos que se

transformam historicamente fecha-se assim a definiccedilatildeordquo (TE p12)

Esta racionalidade interpretativa exige uma caracteriacutestica a sensibilidade Em outras

palavras eacute uma racionalidade em radical viacutenculo com a efetividade da experiecircncia Desse

modo a sensibilidade natildeo eacute algo agrave parte um momento primeiro e rapidamente superado pelo

momento intelectivo Converte-se na condiccedilatildeo para apreender o objeto por isso a necessidade

de sua permanente renovaccedilatildeo

Como eacute possiacutevel dizer algo Somente via constelaccedilatildeo ou seja na abertura do devir

histoacuterico e na capacidade de congregar sentido mediante a percepccedilatildeo dos conteuacutedos de verda-

de Exatamente por natildeo ser imutaacutevel a verdade se constitui em conteuacutedo a consciecircncia que se

expressa em confronto com a constelaccedilatildeo de momentos que formam um objeto O que forma

o objeto A totalidade de seus momentos sua constelaccedilatildeo Em se tratando do termo consciecircn-

cia eacute possiacutevel afirmaacute-la como sendo o conteuacutedo interno ao sujeito o qual equivale ao niacutevel de

experiecircncia que tenho

Theodor Adorno utiliza o conceito constelaccedilatildeo para trazer ao centro da experiecircncia

esteacutetica a riqueza constitutiva do outro Natildeo eacute mais um uacutenico olhar segundo uma uacutenica loacutegi-

ca interpretativa que consegue capturar o real retendo-o em uma caacutepsula conceitual mas ao

contraacuterio um jogo de forccedilas constitutivas entra em accedilatildeo quando a relaccedilatildeo de diferenciados

ocorre Esse jogo segue a regra de que um uacutenico conceito natildeo contempla a totalidade do obje-

to mas diante da constelaccedilatildeo de sentido diversos conceitos dialogam visando a compreen-

satildeo Poreacutem natildeo eacute simplesmente constelaccedilatildeo de conceitos mas eacute a consideraccedilatildeo da riqueza

constitutiva do outro no instante da relaccedilatildeo Os dois poacutelos da relaccedilatildeo estatildeo em jogo com uma

constelaccedilatildeo de significados uma riqueza constitutiva que natildeo se enclausura em caacutepsulas con-

ceituais ndash por isto eacute constelaccedilatildeo Em linguagem metafoacuterica Adorno se utiliza do exemplo do

imatilde em um campo de limalha de ferro tudo entra em relaccedilatildeo remetendo agrave relaccedilatildeo de diferen-

ciados Fecha-se assim agrave definiccedilotildees por ser uma constelaccedilatildeo de momentos em permanente

abertura histoacuterica

O termo sedimento da histoacuteria no texto Sobre sujeito e objeto remete claramente ao

quanto a consciecircncia eacute determinada pela relaccedilatildeo com aquilo que ela mesma natildeo eacute o outro

Somos resultado da histoacuteria e como tal natildeo haacute a menor possibilidade em persistir sem mais

na captura conceitual cuja pretensatildeo eacute convencionar o sentido Em contraposiccedilatildeo com o idea-

lismo no qual ldquopensar eacute conhecer por conceitosrdquo (CRPu B 94) temos o pensamento como

algo que ldquonatildeo se esgota nem no processo psicoloacutegico nem na loacutegica formal pura intemporal Eacute

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um modo de comportamento ao qual eacute imprescindiacutevel a referecircncia agravequilo com o qual se rela-

cionardquo (OPF p18)

A sensibilidade natildeo fornece e tampouco o entendimento interioriza por completo

seus objetos Duas vias impedem este fornecimento e esta interiorizaccedilatildeo Por um lado temos a

perda da evidecircncia conforme analisado no item anterior Por outro lado ocorre o limite inter-

pretativo da razatildeo a qual gera nada menos que a consciecircncia limitada Em ambos percebe-se

a ausecircncia da possibilidade de experiecircncia que eacute falha na dialeacutetica entre pensamento e reali-

dade A necessidade da Filosofia estaacute em ser forccedila de reflexatildeo sobre o outro a alteridade natildeo

nele mesmo e por ele mesmo mas a partir dele em sua natildeo igualdade impulsionadora da ex-

periecircncia Na terra de iguais natildeo se tem motivo para pensar O pensamento ocorre por causa

da diversidade da tensatildeo da dinacircmica caracterizada pela contradiccedilatildeo

Havendo conteuacutedo de verdade estando o outro imerso em uma constelaccedilatildeo de momen-

tos que o constituem isso remete agrave exigecircncia da razatildeo interpretativa a qual se contrapotildee agrave

clareza de sentido Se houvesse clareza de sentido natildeo precisariamos interpretar A exigecircncia

de interpretaccedilatildeo eacute considerada desse modo exigecircncia filosoacutefica fundante O outro em sua

constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade natildeo eacute somente intuitivo Enquanto empiria eacute possiacutevel ad-

mitir tal reduccedilatildeo Poreacutem se houvesse esta reduccedilatildeo a fascinaccedilatildeo de sua percepccedilatildeo imediata

seria suficiente e desse modo perder-se-ia toda riqueza constitutiva que estaacute aleacutem do conteuacute-

do imediato dado pelos sentidos Em sua constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade o outro eacute impul-

so interpretativo motivo de pensamento e partindo dele conteuacutedo filosoacutefico Eacute filosoacutefico por

natildeo se reduzir agrave intuiccedilatildeo mas apontar estiacutemulo ao pensamento ndash isto converteu aquilo que na

teoria do conhecimento tradicional era tido como objeto em algo qualitativamente distinto o

OUTRO

Onde se localiza o sujeito dessa razatildeo interpretativa e quando eacute possiacutevel dizer que tal

sujeito existe Adorno situa essa possibilidade afirmando que o ldquoindiviacuteduo se converte em

sujeito na medida em que graccedilas a sua consciecircncia individual se objetiva tanto na unidade de

si mesmo quanto de suas experiecircncias ambas podem ser negadas aos animaisrdquo (DN 2005

p53) Esta consciecircncia individual pode ser aproximada salvo algumas restriccedilotildees agrave

autoconsciecircncia kantiana Exporei aspectos da teoria kantiana acerca disso para apoacutes

estabelecer as discussotildees

Na Criacutetica da razatildeo pura ocorre a indicaccedilatildeo clara do que significa para o ser humano

o reconhecimento da siacutentese das representaccedilotildees como propriedade individual Todas as repre-

sentaccedilotildees constituem uma totalidadeunidade na autoconsciecircncia a qual eacute denominada ldquouni-

dade transcendental da autoconsciecircnciardquo Essa unidade significa que ldquoas diversas representa-

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ccedilotildees natildeo seriam representaccedilotildees minhas se natildeo pertencessem na sua totalidade a uma auto-

consciecircnciardquo Eacute a ldquoligaccedilatildeo originaacuteriardquo de todas as representaccedilotildees Para Kant a consciecircncia

empiacuterica eacute dispersa e sem referecircncia agrave identidade do sujeito Tal referecircncia agrave identidade do

sujeito se estabelece ldquoporque acrescento uma representaccedilatildeo agrave outra e tenho consciecircncia da sua

siacutenteserdquo A ligaccedilatildeo originaacuteria agrave identidade do sujeito ocorrida pela autoconsciecircncia somente

ocorre devido exatamente agrave consciecircncia da siacutentese de tais representaccedilotildees num mesmo sujeito

gerando assim o eu idecircntico Por esta unidade de todas as representaccedilotildees na consciecircncia eacute

possiacutevel formar inclusive a unidade do sujeito Se assim natildeo o fosse ldquoteria um eu tatildeo

multicolor e diverso quanto tenho representaccedilotildees das quais sou conscienterdquo (cf CRPu B

132-134)

Partindo de tais referenciais eacute possiacutevel estabelecer um paralelo entre a concepccedilatildeo kan-

tiana da formaccedilatildeo da autoconsciecircncia com a concepccedilatildeo adorniana de tal formaccedilatildeo Um passo

decisivo dado por Adorno estaacute na relevacircncia que a continuidade histoacuterica tem na formaccedilatildeo do

eu Com o desaparecimento da consciecircncia da continuidade histoacuterica ocorre natildeo somente a

perda da referecircncia quanto ao devir histoacuterico mas o esfacelamento da consciecircncia que natildeo

reconhece a totalidade dos momentos como seu constitutivo essencial Isso remete ao fato de

que a autoconsciecircncia deve significar a existecircncia do eu idecircntico pois apesar de no devir his-

toacuterico na tensatildeo histoacuterica de todo encontro e busca da verdade natildeo haver a identidade entre

sujeito e seu outro apesar disso as experiecircncias constituiacutedas pelo indiviacuteduo devem ser repre-

sentadas como propriedade uacutenica de si mesmo

Eacute a noccedilatildeo de que apesar da natildeo possibilidade de representar a totalidade do outro em

minha consciecircncia aquilo que se representa eacute conteuacutedo proacuteprio e forma a autoconsciecircncia

Isso tem consequecircncia em questotildees morais pois diante da impossibilidade de representaccedilatildeo

plena se exige a relaccedilatildeo permanente o encontro constante e na perspectiva adorniana este

encontro deve ocorrer de modo a permitir uma situaccedilatildeo na qual eacute possiacutevel ser diferente sem

ter medo (cf MM 66 p89) Ocorre o entendimento que toda representaccedilatildeo eacute representaccedilatildeo de

um momento histoacuterico de modo que a razatildeo permanece em estranhamento diante do real Eacute

ldquoa siacutentese natildeo violenta do dispersordquo (TE p165) que ocorre apesar de permitir ao outro conti-

nuar sendo ele para aleacutem do meu conteuacutedo de consciecircncia Em se tratando de consciecircncia

moral Adorno argumenta que essa na doutrina kantiana eacute a ldquovoz da lei moralrdquo e somente se

converte em consciecircncia devido agrave forccedila de coerccedilatildeo social que se impotildee mediante seu caraacuteter

de universalidade e necessidade (cf DN 2009 p226 e 230)

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Retornando ao problema da representaccedilatildeo e utilizando outra anaacutelise da Teoria esteacuteti-

ca percebemos que a relaccedilatildeo da razatildeo interpretativa diante da obra de arte eacute a mesma relaccedilatildeo

que essa razatildeo deve estabelecer com tudo o que entra em seu ciacuterculo de contato

Se uma obra se abre inteiramente atinge-se entatildeo a sua estrutura interrogativa e a re-flexatildeo torna-se obrigatoacuteria em seguida a obra afasta-se para finalmente assaltar uma segunda vez com o laquoo que eacute istoraquo aquele que se sentia seguro da questatildeo Eacute possiacutevel poreacutem reconhecer como constitutivo o caraacuteter enigmaacutetico laacute onde ele falta as obras de arte que se apresentam sem resiacuteduo agrave reflexatildeo e ao pensamento natildeo satildeo obras de arte (TE p142)

Este caraacuteter de instigaccedilatildeo agrave razatildeo e consequentemente de permanente enriquecimento

da experiecircncia eleva o outro esse que era considerado tradicionalmente objeto agrave dignidade

de estar-aiacute com riqueza constitutiva para aleacutem da minha apreensatildeo Parafraseando Adorno o

ldquoobjetordquo que se apresenta sem resiacuteduo agrave reflexatildeo e ao pensamento natildeo eacute ldquoobjetordquo

Educacionalmente se impotildee o desafio de constituir a consciecircncia verdadeira na exi-

gecircncia de que ldquoo princiacutepio do esclarecimento da consciecircncia seja aplicado na praacutetica educa-

cionalrdquo principalmente diante do fato de que

a proacutepria organizaccedilatildeo do mundo em que vivemos e a ideologia dominante [] ou seja a organizaccedilatildeo do mundo converteu-se a si mesma imediatamente em sua proacute-pria ideologia Ela exerce uma pressatildeo tatildeo imensa sobre as pessoas que supera toda a educaccedilatildeo Seria efetivamente idealista no sentido ideoloacutegico se quiseacutessemos com-bater o conceito de emancipaccedilatildeo sem levar em conta o peso imensuraacutevel do obscu-recimento da consciecircncia pelo existente (EE p142-143 ndash grifo nosso)

Isso explica o motivo pelo qual muitas vezes a escola pode sofrer de insuficiecircncia

formativa Frente agrave pressatildeo do mundo sobre os indiviacuteduos sua consciecircncia sofre muito mais o

impacto por tal pressatildeo do que pela accedilatildeo pedagoacutegica desenvolvida por um professor ou insti-

tuiccedilatildeo escolar

3 A IMPOSSIBILIDADE DO REINO DOS FINS MEDIANTE A FORCcedilA DO IMPERA-TIVO CATEGOacuteRICO UMA CONTRAPOSICcedilAtildeO FUNDADA EM ADORNO

Karl Kraus em Os uacuteltimos dias da humanidade apresenta a confianccedila total que se cri-

ou sobre o ser humano cuja forccedila do dever e a forccedila moral em agir por puro amor ao dever eacute o

imperativo maacuteximo de conduta E apresenta isso como criacutetica para deixar claro que o proacuteprio

periacuteodo da Primeira Guerra Mundial tinha como pressuposto da vitoacuteria a forccedila interna gerada

pelo imperativo categoacuterico natildeo pode haver derrota pois nada eacute mais forte que o sujeito que

age movido por tal forccedila Kraus descrevendo uma cena em um quartel-general alematildeo diz

a firme esperanccedila de que o Senhor dos Exeacutercitos continuaraacute a estar do nosso lado Se o inimigo natildeo quiser a paz entatildeo teremos noacutes que trazer a paz ao mundo arrom-bando com punho de ferro e espada flamejante os portotildees daqueles que natildeo querem a paz [] Os feitos heroacuteicos das nossas tropas os ecircxitos dos nossos grandes gene-rais as admiraacuteveis realizaccedilotildees da paacutetria tecircm as suas raiacutezes em uacuteltima anaacutelise nas forccedilas morais inculcadas ao nosso povo numa escola exigente a do imperativo cate-goacuterico [] A nossa vitoacuteria devemo-la em parte natildeo pequena agraves riquezas morais e espirituais que o grande saacutebio de Koumlnigsberg ofereceu ao nosso povo (2003 p287-288)

Por certo que Kant natildeo esperava esta realizaccedilatildeo do indiviacuteduo formado em sua ldquoesco-

lardquo Mas o desenvolvimento histoacuterico mostrou que a contingecircncia estaacute muito mais presente na

ldquocoluna vertebral da moralidaderdquo do que ele pocircde imaginar no seacuteculo XVIII E assim eacute que o

ser humano se tornou cego no seguir a vontade fruto daquele estreitamento que o amor agrave lei

estabelece Cegueira que natildeo reconhece mais o contexto em seu nuacutecleo de forccedila a rigidez do

agir por puro respeito agrave lei pode se tornar fechada na lei por ela mesma A advertecircncia neo-

testamentaacuteria do cristianismo remete agrave necessidade de que a lei natildeo estaacute acima do ser humano

nem este fora feito para ela mas o radical contraacuterio Soma-se a isso a exigecircncia de que em

consideraccedilatildeo praacutetica o puro amor deve ser pelo diverso na sua contingecircncia histoacuterica Exis-

tem muito mais coisas de incerto do que puderam imaginar os defensores do caraacuteter de neces-

sidade

O seacuteculo XX testemunhou os maiores exemplos de atrocidades jamais realizadas contra

a humanidade A efetivaccedilatildeo da extinccedilatildeo em massa natildeo liquidou apenas indiviacuteduos humanos

mas arrasou o ideal do Reino dos fins O imperativo categoacuterico pretendia formar um estado

verdadeiramente humano em que nada poderia estar acima da dignidade humana Tambeacutem

tinha a pretensatildeo de formar o sujeito moralmente inabalaacutevel aquele que nada o altera em seu

equiliacutebrio na rigidez de caraacuteter como nuacutecleo de forccedila A grande contribuiccedilatildeo de Kant estaacute eacute

claro no fato de analisar as condiccedilotildees a partir das quais se poderia evitar que o sujeito se con-

50

vertesse em uma mera esponja assim Kant acredita ser necessaacuterio arrancar o sujeito das de-

terminaccedilotildees heterocircnomas Poreacutem este autocircnomo abstraiu tanto o Outro que acabou impedin-

do o encontro a experiecircncia e a linguagem A noccedilatildeo de mimese encontra espaccedilo nesta triacuteade

Analisemos esses termos separadamente

Eacute o encontro entre diferenciados que estabelece as bases para toda experiecircncia possiacute-

vel e ele natildeo se limita ao momento inicial da relaccedilatildeo mas eacute constituinte permanente na am-

pliaccedilatildeo da consciecircncia Desse modo eacute que mesmo que a razatildeo tenha que operar com concei-

tos eles natildeo estatildeo em um patamar de substituiccedilatildeo ao fato mesmo

Retornando agrave discussatildeo do capiacutetulo anterior o termo consciecircncia deve ser entendido

natildeo somente como o espaccedilo de lucidez do entendimento quando tenho clareza no pensar mas

aponta a uma riqueza constitutiva

eacute o pensar em relaccedilatildeo agrave realidade ao conteuacutedo ndash a relaccedilatildeo entre as formas e estruturas do pensamento do sujeito e aquilo que este natildeo eacute Este sentido mais profundo de consciecircncia ou faculdade de pensar natildeo eacute apenas o desenvolvimento loacutegico formal mas ele corresponde literalmente agrave capacidade de fazer experiecircncias Eu diria que pensar eacute o mesmo que fazer experiecircncias intelectuais Nesta medida e nos termos que procuramos expor a educaccedilatildeo para a experiecircncia eacute idecircntica agrave educaccedilatildeo para a emancipaccedilatildeo (EE p151)

Aqui o encontro expressa toda sua forccedila formadora pois na permanecircncia dele eacute que

ocorre a possibilidade de ampliaccedilatildeo do conhecimento Natildeo mais no a priori mas na experiecircn-

cia sempre renovada Assim como a histoacuteria tem a dinamicidade da mudanccedila permanente o

entendimento que natildeo respeita isso sofre o problema de natildeo ter seus conceitos adequados ao

empiacuterico Essa insuficiecircncia liquida a primazia do sujeito doador de sentido pois o real estaacute

sempre fugindo aos modelos ideais estabelecidos A advertecircncia de Heraacuteclito de que natildeo eacute

possiacutevel entrar duas vezes em um mesmo rio elucida isso perfeitamente O juiacutezo eacute sempre

insuficiente pois o fato mesmo (seja do eu quanto do Outro) estaacute em constante mudanccedila exi-

gindo a mesma postura da linguagem

A primazia da experiecircncia ou primazia da relaccedilatildeo deve ser o criteacuterio para o conheci-

mento em constante progresso Em termos dialeacuteticos isso natildeo significa nem a primazia do

sujeito como Kant o propocircs tampouco a primazia do objeto como o quis Adorno indicando

aquilo que natildeo eacute acreacutescimo subjetivo o natildeo-idecircntico O que se propotildee eacute antes a centralidade

do encontro cuja base estaacute na dinacircmica de constante enfrentamento de diferenciados Assim

se estabelece um giro na teoria do conhecimento onde a preocupaccedilatildeo estaacute nos constituintes da

relaccedilatildeo Como esta deve se estabelecer para que natildeo ocorra a ruptura no processo de escla-

recimento Se haacute um sujeito e um objeto ou sujeitos ou ainda somente objetos isto eacute secun-

51

daacuterio diante daquilo que ocorre entre eles O papel da filosofia estaacute nessa definiccedilatildeo Temos

entatildeo que o encontro e a experiecircncia representam um nuacutecleo de tensatildeo natildeo passiacutevel de repou-

so e assim condiccedilatildeo para a ampliaccedilatildeo da consciecircncia Disso resulta a riqueza de linguagem Eacute

impossiacutevel ter o que dizer sobre algo que foge do meu universo experiencial E quando a proacute-

pria experiecircncia eacute limitada limitada tambeacutem eacute minha expressatildeo

A expressatildeo eacute a capacidade de acoplar agraves manifestaccedilotildees linguiacutesticas toda riqueza da

experiecircncia adquirida E isso exige rigor pois toda palavra dita superficialmente sofre a ca-

recircncia de natildeo se aproximar e tampouco se demorar sobre o outro Expressatildeo e rigor satildeo as

condiccedilotildees do conhecimento Poreacutem o rigor natildeo eacute reduccedilatildeo E a mimese eacute o nome dado a este

processo que vai da abertura ao encontro e ampliaccedilatildeo da consciecircncia ateacute a sua objetivaccedilatildeo

como linguagem no mundo sensiacutevel (seja mediante a fala gestos criaccedilatildeo artiacutestica) Mimese

eacute o braccedilo estendido ao que me eacute diferente que ocorre no momento em que se efetiva o encon-

tro Um braccedilo estendido que reconhece a dor alheia poreacutem natildeo eacute reconhecimento somente

racional mas sensiacutevel que encontra reaccedilatildeo no corpo Conforme Tiburi miacutemesis eacute ldquomuito

mais do que tentativa de reproduccedilatildeo do objeto por um sujeito seria a tentativa de tocaacute-lo de

modo sensiacutevelrdquo (2005 p137 ndash grifo nosso)

O tocar sensiacutevel a aproximaccedilatildeo que se pode definir como afetiva pois envolve o sen-

timento afeiccedilatildeo permite o reconhecimento de si e do outro ao mesmo tempo em que permite

a diferenccedila entre ambos Esse modo de conceber a miacutemesis ldquoindicaria muito mais uma dimen-

satildeo essencial do pensar esta dimensatildeo de aproximaccedilatildeo natildeo violenta luacutedica carinhosa []

uma aproximaccedilatildeo do outro que consiga compreendecirc-lo sem prendecirc-lo e oprimi-lo que consi-

ga dizecirc-lo sem desfiguraacute-lo Essa proximidade na qual o espaccedilo da diferenccedila e da distacircncia

seja respeitado sem anguacutestiardquo (GAGNEBIN 2005 p101) Desse modo a origem eacute fiacutesica e

provoca fisicamente natildeo apenas intelectualmente ldquoO sofrimento reduzido ao seu conceito

permanece mudo e sem consequecircnciasrdquo (TE p30) Aqui estaacute a dor mesma quando ocorre a

sua negaccedilatildeo ldquoO que tem de doloroso eacute a dor elevada a conceitordquo (DN 2005 p18) Essa eacute a

pobreza de relaccedilatildeo mimeacutetica e de experiecircncias pelo sacrifiacutecio da diversidade qualificada

Eacute o que se percebe em Kafka quando na cena final de O Processo K exclama derra-

deiramente ldquocomo um catildeordquo por natildeo ser reconhecido e o encontro natildeo ter se efetivado Conse-

quentemente o estado humano tornou-se impossiacutevel e o fracasso do Reino dos fins eminente

Agora parece haver uma terra de ningueacutem entre os dois lados da relaccedilatildeo Mais uma vez torna-

se legiacutetima a preocupaccedilatildeo com os termos do encontro e sua primazia Em Kafka a mimese

natildeo se efetiva pois o encontro mimeacutetico eacute rompido pelo problema da individuaccedilatildeo e indife-

renccedila Reconhecer o outro em sua dignidade passa pela consideraccedilatildeo de sua diferenccedila e isso

52

garante a individuaccedilatildeo necessaacuteria agrave natildeo indiferenccedila13 Adorno potildee esse problema no centro da

questatildeo da barbaacuterie pois ldquose as pessoas natildeo fossem profundamente indiferentes em relaccedilatildeo ao

que acontece com todas as outras excetuando o punhado com quem mantecircm viacutenculos estritos

e possivelmente por intermeacutedio de alguns interesses concretos entatildeo Auschwitz natildeo teria

sido possiacutevel as pessoas natildeo o teriam aceito (EE p134)

Pontuando um problema a partir da teoria kantiana temos a constataccedilatildeo da natildeo reali-

zaccedilatildeo do reino dos fins segundo os moldes do imperativo categoacuterico Auschwitz foi o exem-

plo deste fracasso pois aqueles que deveriam ser os fins passaram a ser possuidores de exis-

tecircncia insignificante O ideal de dignidade proacuteprio do reino kantiano natildeo se atribui a univer-

salidade e entatildeo Adorno potildee o diagnoacutestico natildeo haacute mais vida ndash seres humanos foram reduzi-

dos a mera fumaccedila serpenteando ao ceacuteu pela chamineacute dos fornos dos campos de extermiacutenio14

Esse foi o exemplo maacuteximo da indiferenccedila que destroacutei aniquila o diferente E o fracasso do

reino kantiano se deve exatamente no fato de que a comunicaccedilatildeo foi negada diante da ausecircn-

cia mimeacutetica ndash comunicar-se consigo mesmo como uma mocircnada petrificada Pensar em hu-

manidade exige entatildeo dois pressupostos o encontro e a comunicaccedilatildeo

A forccedila do imperativo categoacuterico visava impedir que o homem entendido como hu-

manidade dispusesse de si mesmo para atentar contra a raccedila humana A ecircnfase posta desde

Aristoacuteteles no ideal da vida justa a retidatildeo que se conquista pela razatildeo orientada para uma

medida justa nas accedilotildees converte-se nas palavras de Adorno em triste ciecircncia E o problema

chave disso estaacute do diagnoacutestico apresentado ainda em Dialeacutetica do Esclarecimento

O processo teacutecnico no qual o sujeito se coisificou apoacutes sua eliminaccedilatildeo da consciecircn-cia estaacute livre da plurivocidade do pensamento miacutetico bem como de toda significa-ccedilatildeo em geral porque a proacutepria razatildeo se tornou um mero adminiacuteculo da aparelhagem econocircmica que a tudo engloba Ela eacute usada como um instrumento universal servindo para a fabricaccedilatildeo de todos os demais instrumentos (p41-42)

E a essecircncia desse novo momento da razatildeo estaacute na sua conversatildeo em meacutetodo perden-

do com isso a referecircncia ao conceito de reta razatildeo a atribuiccedilatildeo do agir humano em relaccedilatildeo

aos outros conforme projeto aristoteacutelico

A teacutecnica eacute a essecircncia desse saber que natildeo visa conceitos e imagens nem o prazer do discernimento mas o meacutetodo a utilizaccedilatildeo do trabalho de outros o capital[] O que os homens querem aprender da natureza eacute como empregaacute-la para dominar completamente a ela e aos homens Nada mais importa Sem a menor consideraccedilatildeo

13 Sobre o problema da individuaccedilatildeo e indiferenccedila ver tambeacutem Civilizaccedilatildeo e barbaacuterie organizado por Adauto Novaes 2004 14 Ver Dialeacutetica negativa (2003) p332

53

consigo mesmo o esclarecimento eliminou com seu cauteacuterio o uacuteltimo resto de sua proacutepria autoconsciecircncia (DE p20)

A eliminaccedilatildeo natildeo somente da consciecircncia entendida como aquela ampliaccedilatildeo do

horizonte de sentido mediante a experiecircncia conforme exposto acima mas da proacutepria

autoconsciecircncia enquanto conhecimento de si mesmo permite o agir livre de qualquer

medida pois uma vez recusada toda ldquoverdade objetiva atraveacutes do recurso ao sujeito implica a

proacutepria negaccedilatildeo deste uacuteltimo natildeo resta nenhuma medida para a medida de todas as coisas

que sucumbe agrave contingecircncia e se torna uma inverdaderdquo (MM 39 p54)

Nesta carecircncia de limite eacute que ocorre o fato original para Adorno Auschwitz Nele a

negaccedilatildeo absoluta da vida e a ausecircncia total de limites marca a contingecircncia na sua dimensatildeo

negativa destrutiva pois os ldquoespeacutecimesrdquo da raccedila humana laacute estavam natildeo por outro motivo a

natildeo ser para o extermiacutenio15 A noccedilatildeo de reino volta com sua forccedila total natildeo enquanto

reconciliaccedilatildeo de sujeito e objeto pela forccedila do conceito Falar na possibilidade de um reino

remete agrave humanidade reconciliada na perspectiva da plena realizaccedilatildeo das diferenccedilas A

reconciliaccedilatildeo inicia no acircmbito individual quando natildeo tenho nenhum receio em ser diferente

quando as singularidades satildeo estiacutemulos agrave comunicaccedilatildeo e natildeo sua reduccedilatildeo Somente a partir

de entatildeo eacute possiacutevel pensar a humanidade como o quis Kant um Reino dos fins pois nada

estaraacute acima do encontro que gera a riqueza de experiecircncia e de comunicaccedilatildeo o que remete a

um alargamento do conceito de constituiccedilatildeo da consciecircncia moral enquanto base teoacuterico-

praacutetica para o estado humano

Para educar seguindo essa linha teoacuterica exige-se um preacute-requisito a permanente

comunicaccedilatildeo de diferenciados Eacute possiacutevel comparar a educaccedilatildeo com o desenvolvimento das

condiccedilotildees em co-habitar Enquanto habitarmos as fronteiras das relaccedilotildees negando ou

esquecendo de ocupar o espaccedilo do encontro toda possiacutevel relaccedilatildeo seraacute de total diferenciaccedilatildeo

ou radical identidade Encontro significa compartir as diferenccedilas na co-habitaccedilatildeo Precisamos

ocupar o territoacuterio esse meio no qual a educaccedilatildeo se efetiva saindo dos extremos fronteiriccedilos

em direccedilatildeo ao nuacutecleo onde ocorre a comunicaccedilatildeo essa eacute efetivaccedilatildeo da dialeacutetica do tato

exposta na Minima moralia (16 p29) Eacute possiacutevel afirmar que esta dialeacutetica do con-tato eacute o

que torna possiacutevel a riqueza de consciecircncia e a representaccedilatildeo deste conteuacutedo na relaccedilatildeo

imediata com o outro

Baseado no pressuposto da dialeacutetica do tato como nuacutecleo de forccedila tanto do

conhecimento quanto em questotildees morais percebe-se que tanto as ideias de Platatildeo quanto o 15 Sobre isso ver a magniacutefica obra de Robert Antelme A espeacutecie humana Apresentarei alguns elementos desta obra no decorrer do quinto capiacutetulo

54

sujeito transcendental com seus juiacutezos sinteacuteticos a priori estatildeo carentes de realidade e sem

efetiva consequecircncia sobre o real A ampliaccedilatildeo que Kant quis seguindo esses termos natildeo

passa de reduccedilatildeo tanto epistemoloacutegica quanto de nuacutecleo de forccedila para constituir a boa

vontade pois tanto as formas quanto o a priori carecem de realidade e determinaccedilatildeo da

realidade Quando o conceito e a consequente possibilidade de ajuizamento se constituem de

forma pura natildeo incorremos no erro de darmos agrave luz um pre-conceito

Retomando a discussatildeo sobre a possibilidade de uma ampliaccedilatildeo do conceito de

constituiccedilatildeo do sujeito a criacutetica a Kant se baseia na insuficiecircncia da formaccedilatildeo da consciecircncia

moral nos moldes apresentados na Criacutetica da razatildeo praacutetica Em termos eacuteticos a noccedilatildeo kanti-

ana de formaccedilatildeo da consciecircncia eacute reducionista e assim sem forccedila para definir a accedilatildeo o que

resulta na impossibilidade de realizaccedilatildeo do reino dos fins mediante a forccedila do imperativo ca-

tegoacuterico Esse imperativo propotildee uma forccedila natildeo suportada pelo sujeito que estaacute em permanen-

te constituiccedilatildeo e portanto em um constante reformular da siacutentese operada pelo entendimento

No capiacutetulo denominado Liberdade na Dialeacutetica negativa (2009 p180) Adorno potildee

em tensatildeo o princiacutepio da vontade com o princiacutepio de realidade Desse modo afirma que para

Kant ldquoa vontade seria a unidade normativa de todos os impulsos que se revelam ao mesmo

tempo como espontacircneos e racionalmente determinados em contraposiccedilatildeo agrave causalidade natu-

ral [] lsquoLiberdadersquo seria a palavra para designar a possibilidade desses impulsosrdquo Seguindo

a linha argumentativa e recorrendo agrave psicologia analiacutetica insere na discussatildeo sobre a vontade

e a moralidade a noccedilatildeo de princiacutepio de realidade segundo o qual ldquoinuacutemeros fatores da reali-

dade exterior sobretudo da realidade social entram nas decisotildees assinaladas pela vontade e

pela liberdaderdquo Dentro desse princiacutepio estaacute inserido o sujeito empiacuterico o qual deve ser consi-

derado como aquele que ldquotoma tais decisotildees ndash e somente um sujeito empiacuterico pode tomaacute-las

o lsquoeu pensorsquo transcendentalmente puro natildeo seria capaz de nenhum impulsordquo Esse sujeito eacute

ldquoele mesmo momento do mundo lsquoexteriorrsquo espacio-temporal e natildeo tem nenhuma prioridade

ontoloacutegica em face delerdquo que permita o esquecimento e abandono de tudo o que eacute finito e aci-

dental de tudo o que envolve a contingecircncia humana mergulhada na experiecircncia

Eacute possiacutevel afirmar que o eu penso transcendentalmente puro falha na possibilidade de

decisatildeo pelo fato de lhe faltar a prova da realidade Os fatores da realidade exterior e social

nos quais o sujeito estaacute inserido e dos quais natildeo pode abstrair interferem na tomada de deci-

sotildees Sem querer negar o princiacutepio da lei estamos diante do questionamento agrave lei considerada

por ela mesma e ao fato de nesta consideraccedilatildeo conseguir constituir o reino dos fins Estando

o ser humano na posiccedilatildeo de fim uacuteltimo uma consideraccedilatildeo se faz indispensaacutevel sendo o indi-

viacuteduo humano um ser historicamente constituiacutedo pressupor o princiacutepio loacutegico-formal como

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condiccedilatildeo imutaacutevel para a accedilatildeo significa retirar o alicerce que permite o juiacutezo luacutecido sobre o

que se deve fazer Na contingecircncia do fato existem constituintes que podem determinar a con-

duta humana para aleacutem das determinaccedilotildees da lei seja esta moral ou juriacutedica

ldquoO sujeito que eacute pretensamente em si eacute mediado nele mesmo por aquilo do que ele se

separa a conexatildeo de todos os sujeitosrdquo (DN 2009 p181) Nesta conexatildeo estaacute localizado o

reino dos fins natildeo simplesmente enquanto ldquoa ligaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios seres racionais por

meio de leis comunsrdquo (FMC BA 74) mas enquanto conexatildeo de todos os sujeitos cuja media-

ccedilatildeo estaacute na humanidade efetiva dele a qual natildeo se reduz agraves exigecircncias loacutegicas e sentidos loacutegi-

cos da razatildeo

O abstrato princiacutepio da moralidade em Kant por mais que esse o queira forte natildeo tem

forccedila suficiente para imediatamente orientar a existecircncia empiacuterica e sua contingecircncia agrave

pretensatildeo de um possiacutevel reino dos fins Apesar da grandeza desse filoacutesofo marcada pela

tentativa de solidificar os princiacutepios supremos da moralidade natildeo haacute a devida consideraccedilatildeo

do elemento existencial efetivamente noacutes somos muito mais experiecircncia e apesar da

necessidade de um elemento eacutetico imperativo que norteasse a vontade na accedilatildeo e sua dinacircmica

existe o elemento da constante decisatildeo a qual estaacute marcada por outra necessidade a da

formaccedilatildeo da vontade

Eacute o problema da possibilidade de converter esta consciecircncia do dever agrave sua realizaccedilatildeo

em material sensiacutevel Como torno disponiacutevel este dado intelectual primeiro (a lei) como uma

efetiva mobilizaccedilatildeo para a contingecircncia da vida Esse problema se sobressai devido ao fato

de esse percurso natildeo ser imediato e tampouco sua ldquoconstruccedilatildeordquo no interior da subjetividade eacute

natural O modo como a subjetividade eacute constituiacuteda resulta na possibilidade de uma

consequecircncia moral decisiva Somente no automatismo da accedilatildeo natildeo ocorre tal constituiccedilatildeo do

mesmo modo que na pura intelectualidade a consciecircncia moral tambeacutem natildeo se efetiva Este

agenciamento se converte entatildeo em algo decisivo

O domiacutenio da lei enquanto ato intelectual bem como a convicccedilatildeo de seu conteuacutedo ou

ainda a atribuiccedilatildeo de valor a uma accedilatildeo a partir da lei esses momentos natildeo se ajustam um ao

outro em uma relaccedilatildeo de causa e efeito como algo natural O a priori no princiacutepio do dever

natildeo se constitui naturalmente como causa de um efeito na experiecircncia Algo falta agrave teoria

kantiana que permitiria aceitar esta iacutentima relaccedilatildeo O conceito de boa vontade poderia ser

admitido como esse elemento pois se por um lado natildeo haacute nada de bom sem limitaccedilatildeo a natildeo

ser a vontade por outro lado pressupor um planeta povoado por pessoas desse niacutevel de

excelecircncia guiados exclusivamente pela boa vontade incorreria no risco de aceitar a

humanidade como algo jaacute formado o que natildeo se pode admitir sob nenhuma perspectiva A

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interioridade natildeo se constroacutei unicamente a priori no abstrato Esta interioridade abstrata eacute

por si soacute tatildeo incerta quanto a experiecircncia desprovida de orientaccedilatildeo

Na Metafiacutesica dos costumes fica claro a diversidade de modos de cumprir o dever

Sobre tal diversidade que contrasta com a uacutenica formulaccedilatildeo do dever a lei moral Kant natildeo

dedica suas paacuteginas Poreacutem por se tratar de uma diversidade em modos de cumprir a lei

moral fica evidente sua identidade com a experiecircncia Eacute assim que a capacidade de decisatildeo

prudente entra em cena e encontra sua base legitimadora no fato de que ningueacutem a desenvolve

abstratamente mas somente imerso na contingecircncia da vida A isso denomino de consciecircncia

concreta de si-mesmo Por um lado temos a lei como o uacutenico elemento certo imutaacutevel por

outro a existecircncia como incerta e passiacutevel de infinitas modificaccedilotildees Nessa perspectiva a

mais urgente preparaccedilatildeo estaacute natildeo na consciecircncia da lei mas na capacidade de enfrentar a

efetividade incerta sem sucumbir agravequilo que a lei nega o si-mesmo egoiacutesta Aqui a questatildeo

eacutetica estaacute constantemente em decisatildeo eacute na experiecircncia que torno a lei efetiva de modo que

nesta estaacute o cerne da formaccedilatildeo moral

Um fato marcante eacute que Kant arrancou a existecircncia de sua determinaccedilatildeo individualista

e contingente ao pensar os pressupostos eacuteticos do reino dos fins e afirmar a necessidade da lei

Poreacutem empurrou a existecircncia mesma a um local tatildeo marginal em seu sistema que

praticamente natildeo restou nada aleacutem da frieza constitutiva derivada de sua concepccedilatildeo

metafiacutesico-transcendental E o sujeito natildeo apenas constitui mas eacute constituiacutedo na

transitoriedade da existecircncia que eacute histoacuterica e portanto mutaacutevel

Quando o ser puro eacute posto diante da realidade a qual exige tomada de decisatildeo conside-

rando o entorno corre o risco de sentir-se imobilizado diante do princiacutepio loacutegico racional e de

um irrestrito amor ao dever E isso pelo fato de o ser humano natildeo ser o transcendental mas

ser muito mais consequecircncia do que princiacutepio do mesmo modo que interfere eacute interferido O

poder da objetividade eacute tatildeo grande que acaba por gerar a ldquoneacutevoardquo que encobre o imenso ceacuteu

estrelado kantiano acima de noacutes Com este poder da objetividade agindo e pondo muitas ve-

zes por terra as noccedilotildees abstratas e subjetivas a proacutepria moralidade natildeo assume um viacutenculo

condicionador em relaccedilatildeo ao sujeito empiacuterico (o uacutenico que age e decide)

4 O PROJETO EacuteTICO ESTEacuteTICO E FILOSOacuteFICO EM ADORNO

Na constituiccedilatildeo de sua concepccedilatildeo de esteacutetica Adorno entra em diaacutelogo principalmen-

te com Kierkegaard Kant Hegel e com a psicanaacutelise A partir desses quatro contrapontos

percebe-se o processo de cunhagem de seu pensamento frente a esse tema Na Teoria esteacutetica

Adorno traccedila a criacutetica direta ao idealismo e agrave psicanaacutelise e em Construccedilatildeo do esteacutetico sua

ecircnfase estaacute na teoria do filoacutesofo dinamarquecircs De todos esses contrapontos eacute possiacutevel lanccedilar a

pergunta que constituiccedilatildeo do esteacutetico eacute possiacutevel encontrar em Adorno

Em Kierkegaard construccedilatildeo do esteacutetico Adorno analisa o pensamento do referido fi-

loacutesofo e observa trecircs sentidos para o termo em questatildeo No primeiro o ldquoesteacutetico eacute [hellip] como

no uso comum da linguagem o domiacutenio das obras de arte e da consideraccedilatildeo teoacuterica da arterdquo

em segundo temos ldquoo esteacutetico como atituderdquo e por uacuteltimo ldquoo esteacutetico referido agrave forma da

comunicaccedilatildeo subjetiva e se legitima no conceito kierkegaardiano de existecircnciardquo (K p22-23)

O primeiro sentido encontra referecircncia clara por se dirigir a um objeto especiacutefico de-

nominado obra de arte e a investigaccedilatildeo teoacuterico-filosoacutefica que se realiza a partir dela Poreacutem

os dois sentidos posteriores remetem o pensamento esteacutetico agrave consideraccedilatildeo do ser humano em

seu estado atual com um interesse especial ao pensamento mesmo como posse do sujeito

Desse modo pensar esteticamente consiste no olhar atento ao homem e aquilo que ele eacute de

forma imediata enquanto empiacuterico e passiacutevel de experiecircncia O contraponto eacutetico conforme

cita Adorno considera a mudanccedila e o motivo que leva a se tornar aquilo que se torna De mo-

do que se o esteacutetico eacute o olhar sobre aquilo que o ser humano eacute imediatamente o eacutetico eacute o

olhar sobre aquilo que o ser humano pode vir a ser

O diferencial em Adorno eacute que o proacuteprio domiacutenio e consideraccedilatildeo teoacuterica da arte jaacute eacute

por si mesmo anaacutelise do ser humano em sua existecircncia imediata e em suas possibilidades de

devir Pelo fato de a arte ter se tornado o que se tornou ldquoantiacutetese social da sociedaderdquo falar

sobre ela eacute falar sobre o meio pelo qual e no qual surge No momento em que a arte se contra-

potildee agrave realidade se constitui em forma de conhecimento pois sua tarefa natildeo eacute mais afirmar

mas ser tensatildeo provocando o movimento dialeacutetico do pensamento ndash a antiacutetese entre o pensa-

mento e aquilo que ele mesmo natildeo eacute antiacutetese entre a arte e o meio no qual ela aparece

O comportamento esteacutetico proacuteprio do ser sensiacutevel que cria consciecircncia mediante a ex-

periecircncia desenvolvida assume a marca da contradiccedilatildeo ao princiacutepio de realidade a qual potildee a

adaptaccedilatildeo como o bem supremo Na frase ldquoa realidade oferece muitos outros motivos reais

para dela se fugirrdquo (K p20) natildeo expressa a fuga propriamente dita como uma patologia psiacute-

quica mas remete ao termo resistecircncia muito desenvolvido na Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo e na

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Minima moralia Nesta compreensatildeo da esteacutetica como atitude a realidade natildeo tem o poder

supremo de atuar sobre o indiviacuteduo determinando-o ou reprimindo-o como um sujeito des-

provido de subjetividade Pelo contraacuterio enquanto consideraccedilatildeo do estado em que o humano

se encontra como ser real a capacidade de compreensatildeo e atribuiccedilatildeo de sentido exige a dose

de resistecircncia acusada por Adorno como indispensaacutevel ao entendimento da realidade natildeo en-

quanto aparecircncia imediata ndash afinal essa eacute muito bem administrada ndash mas como um espetaacuteculo

que ocorre nos bastidores

Frente a isso a obra de arte assume vinculaccedilatildeo ao processo de esclarecimento ao natildeo

ser simples coacutepia do empiacuterico ou daquilo que acontece na superfiacutecie da existecircncia mas tra-

zendo para frente do palco aquilo que ocorre nos bastidores

O embuste [] consiste precisamente em que esta harmonizaccedilatildeo da vida e esta de-formaccedilatildeo da vida satildeo imperceptiacuteveis para as pessoas porque acontecem nos bastido-res [] de modo que as pessoas absorvem a harmonizaccedilatildeo oferecida sem ao menos se dar conta do que lhes acontece Talvez ateacute mesmo acreditem estar se comportan-do de modo realista E justamente aqui eacute necessaacuterio resistir (EM p86)

Esta forma distinta de reflexatildeo eacute o ato de pensamento vinculado ao processo de escla-

recimento exigido ainda nas linhas da Dialeacutetica do esclarecimento e que remete natildeo somente

ao terceiro sentido que o termo esteacutetica assume em Kierkegaard e eacute analisado por Adorno

como sendo um interesse especial pelo proacuteprio pensamento enquanto posse do sujeito ou

seja a necessidade de pensar o proacuteprio pensamento Vinculado a isto estaacute a possibilidade de

resistir agraves formas de ofuscamento que substituem a tensatildeo social pela pretensa harmonia de

um sentido imediato Como resposta a este ofuscamento propotildee-se a constituiccedilatildeo de um loacute-

cus comunicativo16 por meio do qual se amplia o niacutevel de experiecircncias e de compreensatildeo

cuja consequecircncia eacute um retorno qualificado ao proacuteprio pensamento de modo autocriacutetico

quanto agrave possibilidade de perceber o diferenciado ndash aquilo que permite a identidade de si suas

caracteriacutesticas proacuteprias e que impedem a simples universalizaccedilatildeo ndash a partir do local ocupado

por ele

Isso remete agrave proacutepria filosofia claacutessica no meacutetodo socraacutetico e platocircnico de construccedilatildeo

do conhecimento Ursula Wolf em sua obra La filosofiacutea y la cuestioacuten de la vida buena reto-

ma Platatildeo e o modelo socraacutetico de constituiccedilatildeo da subjetividade trazendo ao centro de tal

constituiccedilatildeo o sentido de elencos A observaccedilatildeo que se potildee indica para uma diferenccedila entre o

meacutetodo da teacutechne e o meacutetodo do elencos ldquonatildeo apenas evidencia a insuficiecircncia do meacutetodo da

teacutechne para a eacutetica [] mas estabelece ao mesmo tempo um novo meacutetodo o qual tem seu 16 No capiacutetulo 5 seraacute desenvolvido com mais detalhes o significado deste loacutecus comunicativo

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modelo nos diaacutelogos com os quais Soacutecrates potildee agrave prova o saber de seus companheiros Esse

modo de proceder eacute o do elencosrdquo ([sd] p54 ndash traduccedilatildeo nossa) Em primeiro lugar deve-se

destacar a consciecircncia da tensatildeo dialeacutetica que se estabelece no momento em que ocupo meu

espaccedilo de sujeito portador de voz e com papel efetivo no elenco de atores No momento que

ocorre esse jogo entre atores no sentido de elenco se efetiva o real sentido de diaacutelogo en-

quanto meio de constituiccedilatildeo da subjetividade enquanto meio dialoacutegico que constituo e me

constitui

Este eacute o locus proacuteprio e ideal para que ocorra a resistecircncia apontada por Adorno no

momento em que me eacute permitida a elevaccedilatildeo do niacutevel de consciecircncia mediante a experiecircncia

comunicativa com outros atores Continuando com Wolf isto ocorre pelo fato de o elencos

permitir a complementaccedilatildeo das opiniotildees individuais evidenciando a falta de clareza conceitu-

al e elaborando as contradiccedilotildees Assim se constitui um meio proacuteprio no qual se examinam as

opiniotildees e se constituem referenciais interpretativos acerca do proacuteprio contexto no qual os

indiviacuteduos estatildeo inseridos

41 A vinculaccedilatildeo entre experiecircncia e racionalidade esteacutetica

Com a Teoria esteacutetica Adorno potildee em questatildeo a dinacircmica da subjetividade que se

constitui mediante relaccedilatildeo do sujeito com o mundo e sua consequente objetivaccedilatildeo enquanto

expressatildeo dessa riqueza subjetiva ou seu conteuacutedo de consciecircncia Antes da proacutepria arte o

contexto concreto no qual o indiviacuteduo estaacute inserido ndash as experiecircncias que determinam nosso

modo de compreender a realidade ndash tem o poder de ldquopocircr em movimento processos de pensa-

mentordquo Essa expressatildeo utilizada na Teoria esteacutetica (p45) quando o autor comenta as obras

de Brecht deve ser considerada de modo mais amplo direcionada ao proacuteprio meio concreto

no qual o indiviacuteduo estaacute inserido o qual significa para Adorno impulso ao pensar

Vicente Goacutemez (1998 p49 ndash traduccedilatildeo nossa) ao situar o sentido que a esteacutetica tem

em Adorno afirma que essa ldquonatildeo significa simplesmente teoria da arte mas laquoeacute referir-se agrave

posiccedilatildeo que o pensamento ocupa diante da objetividaderaquordquo Essa posiccedilatildeo do pensamento eacute a

uacutenica para Adorno ldquocapaz de realizar o verdadeiro conhecimento e natildeo a mera tautologia ou

reduplicaccedilatildeo do momento subjetivo no processo cognoscitivordquo Assim estamos diante de um

problema filosoacutefico o que eacute a objetividade o que eacute o concreto e como eacute possiacutevel a compre-

ensatildeo natildeo tautoloacutegica deste por parte do ser humano

O motivo para isso estaacute no fato de o proacuteprio conceito de concreto ser considerado por

Adorno de modo negativo ldquoAquilo que ainda natildeo era eacute o concretordquo ndash o maior problema eacute

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ldquotratar a concreccedilatildeo como dado como indubitavelmente laquoexistenteraquordquo (TE p156) No real no

concreto estaacute a possibilidade de gerar processos de pensamento pelo fato de que ldquoaquilo que

eacute eacute mais do que ele eacute Esse mais natildeo lhe eacute anexado de fora mas permanece imante a elerdquo

(DN 2009 p140) constituindo-se em radical desafio ao pensamento no momento em que

nos deparamos com os limites de apreender somente o disponiacutevel pela experiecircncia imediata Eacute

diante dessa compreensatildeo de concreto que deve ser situada a expressatildeo artiacutestica a obra de

arte e enquanto concretude a proacutepria arte se converte em algo que estaacute para aleacutem do seu sim-

ples existente sendo mais do que aquilo apreendido imediatamente pelos sentidos Desse mo-

do a arte tambeacutem passa a ldquopocircr em movimento processos de pensamentordquo Essa eacute uma das

caracteriacutesticas que demarca o artiacutestico do natildeo-artiacutestico em Adorno

Deve-se destacar a centralidade que esse conceito ndash concreto ndash adquire em Adorno

Se na filosofia claacutessica a admiraccedilatildeo o espanto eacute o que origina o pensamento a filosofia em

Adorno esta funccedilatildeo eacute assumida pelo concreto A Dialeacutetica negativa aponta isso quando le-

mos que ldquosobre o concreto natildeo se deve filosofar mas a partir delerdquo (2005 p41 ndash grifo nos-

so) Poreacutem eacute possiacutevel salvar a admiraccedilatildeo enquanto olhar que natildeo se acomoda diante do evi-

dente e imediato mas encontra seu incitamento no descortinar desta novidade que surge haacute

algo ainda a compreender conteuacutedo ainda a ser transmitido e apreendido o mundo ainda natildeo

estaacute resolvido sob a luz do sentido jaacute manifestado

Esta caracteriacutestica da arte a qual deve ser ampliada para aleacutem do domiacutenio artiacutestico

pois tudo eacute mais do que aquilo que se apresenta permite pontuar o significado da negativida-

de No momento em que o entendimento natildeo consegue perceber nada aleacutem daquilo que ime-

diatamente aparece diante de mim quando desfaccedilo a possibilidade do concreto substituindo-o

pela clareza absoluta de sentido aniquilo a possibilidade da compreensatildeo deixando espaccedilo

para o reducionismo ou pobreza de sentido Nas palavras de Joseacute Antonio Zamora natildeo man-

ter-se na ldquoinsistecircncia do negativo transitar demasiado rapidamente agrave afirmaccedilatildeo do positivo

contribui efetivamente muito mais para a perpetuaccedilatildeo do falso existente do que para sua su-

peraccedilatildeordquo (2004 p13 ndash traduccedilatildeo nossa) Eacute isto que o sentido de concreto permite a colocaccedilatildeo

do eacute para aleacutem daquilo que aiacute estaacute Desse modo o negativo o concreto se transforma em

fundamento epistemoloacutegico

De modo mais enfaacutetico o problema eacute como a arte estaacute situada diante dessa compreen-

satildeo de concreto o qual conforme exposto acima rompe com a simples evidecircncia e se projeta

como reserva de sentido Esse problema nos potildee diante de um fragmento adorniano jaacute co-

mum ldquoTornou-se manifesto que tudo o que diz respeito agrave arte deixou de ser evidenterdquo tendo

perdido aquilo ldquoque poderia fazer de modo natildeo refletido ou sem problemas (TE p11) Essa eacute

61

a criacutetica ao simples existente empiacuterico levada ao extremo com o conceito de enigma e conte-

uacutedo de verdade (os quais jaacute foram desenvolvidos no segundo capiacutetulo) O que cabe aqui eacute

situar a arte enquanto algo que ldquose voltou graccedilas agrave sua forma tanto contra o simples existen-

te contra o estado de coisas persistente como veio em sua ajuda enquanto modelaccedilatildeo dos

elementos existentesrdquo (TE p12)

Ocorre o questionamento daquilo que nos eacute familiar pondo no centro das discussotildees

aquilo que eacute estranho o para aleacutem daquilo que eacute e que constitui o outro do meu entendimento

a alteridade Aqui estaacute a decisiva atualidade do esteacutetico a novidade no modo de compreender

esse termo Para Nadja Hermann

Desde o seacuteculo 20 satildeo conhecidas as profundas transformaccedilotildees ocorridas no pensa-mento que [] denunciam o caraacuteter excludente do conceito que natildeo reconhece o outro e natildeo acolhe aquilo que escapa as suas determinaccedilotildees e apontam para a atuali-dade do esteacutetico para aleacutem da teoria do belo e da arte transposto agora para vida cotidiana Esse conjunto de mudanccedilas produz efeitos sobre nossas interpretaccedilotildees de mundo e no modo de pensar (2010 p123-124 ndash grifo nosso)

Continuando com o argumento anterior tem-se entatildeo a inserccedilatildeo do outro e do estra-

nho em contraposiccedilatildeo ao idecircntico e com o simplesmente familiar Isso se deve agrave experiecircncia

esteacutetica na qual devido ao elemento do concreto e de natildeo evidecircncia se ldquoenfatiza uma multi-

plicidade de dimensotildees do estranho que nos retira da conformidade com o familiarrdquo (HER-

MANN 2010 p124)

Eacute possiacutevel perceber isto de modo enfaacutetico em Adorno quando na Teoria esteacutetica

(p12) situa a arte em um movimento de volta contra o estado de coisas e ao mesmo tempo

vem em sua ajuda enquanto modelaccedilatildeo de tal estado Desse modo natildeo eacute um simples contrari-

ar caracteriacutestica que pode ser aplicada a toda teoria de Adorno principalmente quando acusa-

da de pessimista Inspirada na relaccedilatildeo artiacutestica com a realidade a teoria natildeo eacute um simples ir

contra mas nesse movimento eacute impulso de progresso indo ao encontro do mundo enquanto

possibilidade de modelaccedilatildeo de seus elementos Essa modelaccedilatildeo ocorre no momento em que a

obra de arte nos potildee diante do concreto e ldquointegra-se assim num processo englobante de espi-

ritualizaccedilatildeo no progresso da consciecircnciardquo (TE p110) Essa eacute outra caracteriacutestica para uma

produccedilatildeo se considerada obra de arte em Adorno

Eacute o que se pode observar por exemplo em obras como Guernica de Pablo Picasso

Nessa obra percebe-se que se demarca o acircmbito do concreto e de ausecircncia de evidecircncia con-

vertendo aquilo que aparece em algo que vai aleacutem de sua manifestaccedilatildeo imediata Para Ador-

no ldquoem toda obra de arte genuiacutena aparece algo que natildeo existerdquo (TE p100) ou seja o con-

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creto na consideraccedilatildeo para aleacutem do evidente Mas esse aleacutem natildeo eacute algo anexado de fora mas

conteuacutedo intriacutenseco que precisa ser disponibilizado agrave consciecircncia

A dinacircmica consequente disto eacute entre a arte em sua relaccedilatildeo consigo mesma e em sua

relaccedilatildeo com o concreto A construccedilatildeo do esteacutetico em Adorno perpassa por estas duas dire-

ccedilotildees Em primeiro lugar ldquotoda obra de arte aspira por si mesma agrave identidade consigordquo identi-

dade esta que ldquona realidade empiacuterica se impotildee agrave forccedila a todos os objetosrdquo (TE p15) Este

caraacuteter de singularidade faz com que a obra seja ela mesma e natildeo o que possa representar

extinguindo toda tentativa de extrair dela uma mensagem ndash ldquopinta-se um quadro e natildeo o que

ele representardquo (Ibidem)

Em segundo lugar ocorre o direcionamento em relaccedilatildeo ao concreto ao empiacuterico Po-

reacutem este direcionamento natildeo ocorre enquanto coacutepia imitativa As obras de arte ldquosatildeo coacutepias do

vivente empiacuterico na medida em que a este fornecem o que lhe eacute recusado no exterior e assim

libertam daquilo para que as orienta a experiecircncia externa coisificanterdquo (TE p15) ndash fazem

surgir o concreto naquilo que ele eacute A comunicaccedilatildeo17 que surge a partir da obra de arte assu-

me um sentido positivo e outro negativo Positivo enquanto identidade e afirmaccedilatildeo de si

mesmo enquanto arte ndash arte pela arte negativo pelo fato de defender o natildeo-evidente e rela-

cionar-se com a realidade pela recusa agrave imitaccedilatildeo dos seus elementos Desse modo a obra se

torna altamente espiritualizada e assim realiza a tensatildeo entre forma e conteuacutedo

Se comunicar pressupotildee linguagem eacute possiacutevel dizer que nesta estaacute a formalizaccedilatildeo do

conteuacutedo espiritual Um pensamento expressado eacute um conteuacutedo que se torna linguagem e

desse modo assume uma forma A obra de arte eacute forma expressatildeo de um conteuacutedo A respos-

ta agrave questatildeo sobre qual eacute o elemento decisivo ndash a forma ou o conteuacutedo ndash nos remete agrave impos-

sibilidade de um existir sem o outro Conteuacutedo natildeo formalizado natildeo tornado linguagem eacute

mudo e sem consequecircncias forma linguagem vazia de conteuacutedo eacute ideoloacutegica e nociva ao

desenvolvimento da consciecircncia Partindo desses dados na obra de arte deve haver o equiliacute-

brio entre o conteuacutedo e a forma no sentido de aquilo expresso como conteuacutedo ser indiacutecio do

concreto e do mesmo modo a forma deve permitir o surgimento deste conteuacutedo concreto

Utilizando as palavras de Adorno temos ldquoA forma esteacutetica eacute a organizaccedilatildeo objetiva

de tudo o que no interior de uma obra de arte aparece como linguagem coerente Eacute a siacutentese

natildeo violenta do dispersordquo (TE p165) O elemento de natildeo violecircncia poderia fazer supor a

primazia do conteuacutedo sobre a forma pois esta pode ter a pretensatildeo de reter aquilo que eacute dife-

rente em uma imposiccedilatildeo de sentido Salvo esta consideraccedilatildeo a forma eacute salva pelo fato de ser

17 O conceito de comunicaccedilatildeo seraacute melhor desenvolvido no segundo item deste capiacutetulo Aqui se faz considera-ccedilotildees provisoacuterias a fim de estabelecer as relaccedilotildees com o conceito de forma e conteuacutedo

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indispensaacutevel na organizaccedilatildeo coerecircncia da proacutepria obra mesma Pela forma deve haver a ma-

nifestaccedilatildeo do conteuacutedo aquela eacute a condiccedilatildeo para este ldquoO ecircxito esteacutetico depende essencial-

mente de se o formado eacute capaz de despertar o conteuacutedo depositado na formardquo (TE p161)

O conteuacutedo da obra de arte assume por sua relaccedilatildeo com o concreto a dimensatildeo de

criacutetica Deve fazer surgir o mais naquilo que estaacute dado esse elemento de para aleacutem do imedi-

ato do evidente do oacutebvio Ao permitir a manifestaccedilatildeo da novidade ao fazer aparecer o novo

o concreto no para aleacutem do que aparece a forma deve expressar esse conteuacutedo e em uma

tensatildeo dialeacutetica o conteuacutedo assumir uma forma Vislumbra-se a convergecircncia entre forma e

criacutetica pois nas ldquoobras de arte a forma eacute aquilo mediante o qual elas se revelam criacuteticas em si

mesmas [] Pela sua implicaccedilatildeo criacutetica a forma aniquila as praacuteticas e as obras do passado A

forma contradiz a concepccedilatildeo da obra como algo de imediatordquo (TE p165) Assim se visualiza

a participaccedilatildeo da arte no processo de esclarecimento neste desenvolvimento da consciecircncia

diante daquilo que eacute e pelo questionamento do sentido atribuiacutedo a esse eacute

Essa tensatildeo tambeacutem demarca o acircmbito do que eacute arte Quando as obras ldquotornam-se con-

textos de sentido ao negarem o sentidordquo (TE 176) fazem surgir o concreto ao negarem aquilo

que se quer como o concreto Eacute diante desses elementos que se pode inserir o sentido de sujei-

to em relaccedilatildeo agrave obra de arte Ao pensar sobre o que eacute o sujeito precisamos refletir ldquosobre o

que na arte fala eis o seu verdadeiro sujeito e natildeo o que a produz ou a receberdquo (TE 190)

Continuando com a argumentaccedilatildeo Adorno propotildee

Verdadeira eacute a arte tanto mais que o que nela fala e ela proacutepria estatildeo cindidos natildeo reconciliados mas esta verdade cabe-lhe em sorte quando ela sintetiza o dividido e assim o determina apenas no seu caraacuteter irreconciliaacutevel Paradoxalmente a arte tem de testemunhar o irreconciliaacutevel e tender no entanto para a reconciliaccedilatildeo isso soacute eacute possiacutevel a partir da sua linguagem natildeo-discursiva Soacute neste processo se concretiza o noacutes Mas o que fala na arte eacute verdadeiramente o seu sujeito na medida em que nela fala e por ela natildeo eacute representado (TE p191-192)

Por ser portadora de linguagem e portadora de conteuacutedo a obra de arte assume a fun-

ccedilatildeo de sujeito ela fala propotildee questatildeo converte-se em desafio ao outro sujeito agora o hu-

mano exigindo deste o rigor cognitivo poreacutem em uma posiccedilatildeo de natildeo posse frente agrave obra

Compreende-se entatildeo desse modo que a tensatildeo entre a obra de arte e o ser humano eacute uma

tensatildeo entre sujeitos natildeo mais de sujeito e objeto propondo algumas caracteriacutesticas especiais

Essas caracteriacutesticas como veremos no capiacutetulo 5 devem demarcar a relaccedilatildeo para aleacutem do

sujeito obra de arte e sujeito humano mas constituir uma forma de relaccedilatildeo entre os proacuteprios

sujeitos humanos em suas mais diversas possibilidades de co-habitarem

64

A noccedilatildeo de sujeito eacute condiccedilatildeo para a obra de arte e esta relaccedilatildeo entre sujeitos demarca

a constituiccedilatildeo da obra artiacutestica um deve remeter ao outro a arte deve remeter agrave razatildeo o ser

humano com sua racionalidade deve remeter-se agrave arte em sua linguagem enquanto testemunha

do concreto Assim constitui-se a racionalidade esteacutetica nessa tensatildeo que pode ser entendida

como relaccedilatildeo entre sujeitos pois ambos satildeo portadores de sentido em manifestaccedilatildeo e propotildee

sentido Ambos os sujeitos em sentido concreto O desafio ao sujeito humano estaacute na capaci-

dade de perceber este sentido manifesto por este seu outro

Estamos diante do mais rico sentido de dialeacutetica em Adorno o qual se converte em

imperativo para o pensamento ldquopensar de tal modo que a forma do pensamento natildeo mais tor-

ne seus objetos coisas inalteraacuteveis que permanecem iguais a si mesmas a experiecircncia des-

mente que eles o sejamrdquo (DN 2009 p134) No nuacutecleo do pensamento dialeacutetico estaacute a prima-

zia da experiecircncia de sujeitos que natildeo permanecem iguais no decorrer da histoacuteria rompendo

com o ideal de identidade na paz do conceito ldquoO existente singular coincide tatildeo pouco com o

seu conceito superior quanto se mostra como ininterpretaacutevel Ele tambeacutem natildeo eacute por sua parte

algo derradeiro contra o qual o conhecimento deveria se chocarrdquo (DN 2009 p140) Ao mes-

mo tempo em que o singular natildeo coincide com o conceito afirmando sua dignidade de dife-

renciado ele eacute passiacutevel de interpretaccedilatildeo e se constitui em reserva de sentido Daiacute a ecircnfase de

Adorno na Teoria esteacutetica em definir o momento da razatildeo interpretativa diante do outro

A afirmaccedilatildeo acima de que a relaccedilatildeo entre sujeitos eacute marca da racionalidade esteacutetica

pelo fato de a proacutepria arte se constituir em sujeito exige um complemento O que diferencia o

sujeito humano Em uma palavra a consciecircncia e reafirmando o terceiro capiacutetulo a capaci-

dade de siacutentese operada pelo pensamento humano Poreacutem siacutentese natildeo absoluta mas aberta agrave

ampliaccedilatildeo de sentido ndash siacutentese natildeo final mas dinacircmica Na Dialeacutetica negativa (2009 p159)

visualiza-se essa especificidade do sujeito humano pondo como primeiro a noccedilatildeo de empiria

para somente apoacutes ser possiacutevel falar em transcendental espiritual A consciecircncia eacute em pri-

meiro lugar empiacuterica ldquofunccedilatildeo do sujeito vivordquo e portanto histoacuterica Natildeo havendo ldquoqualquer

relaccedilatildeo com uma consciecircncia empiacuterica com a consciecircncia do eu vivo natildeo haveria nenhuma

consciecircncia transcendental puramente espiritualrdquo (grifo nosso) A expressatildeo consciecircncia do

eu vivo situa-se em um contraponto ao eu penso cartesiano Eu penso logo existo como quis

Descartes eacute contraposto pelo imperativo dialeacutetico do pensamento eu vivo logo posso pensar

Apesar de a vida ser o elemento originaacuterio o ser humano se posiciona diante dela a

partir da razatildeo interpretativa e esta eacute pensamento e constitui pensamento ndash esse eacute o viacutenculo

entre experiecircncia esteacutetica e racionalidade A obra de arte ldquonatildeo dispensa objetivamente a inter-

pretaccedilatildeo como se nada houvesse para interpretar [] A obra de arte que crecirc possuir o conte-

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uacutedo a partir de si encalha num racionalismo ingecircnuordquo (TE p40) Dessa maneira percebe-se a

relaccedilatildeo natildeo somente da arte com a sociedade com o concreto mas da arte com a razatildeo inter-

pretativa Poreacutem ldquodeve-se interpretar-se e natildeo ser substituiacuteda pela claridade do sentidordquo (TE

p40) isso eacute

se a verdade que as obras de arte contecircm ficar encerrada no momento da experiecircncia esteacutetica ela se perderia e esta natildeo seria nada Disto vem que as obras de arte por causa daquilo que nelas aponta para aleacutem do momento fugaz da experiecircncia esteacutetica satildeo remetidas agrave razatildeo interpretativa para que a interpretaccedilatildeo exponha a verdade pa-ra Adorno interpretaccedilatildeo significa interpretaccedilatildeo filosoacutefica a laquonecessidade de inter-pretaccedilatildeoraquo que as obras de arte possuem eacute a necessidade que a experiecircncia esteacutetica possui da demonstraccedilatildeo filosoacutefica (WELLMER 1993 p19 ndash traduccedilatildeo nossa)

Isso faz retomar o sentido claacutessico de esta admiraccedilatildeo que permitia ao ser

humano pensar filosofar e que a proacutepria filosofia eliminou no momento em que se viu na

posiccedilatildeo de poder apreender o fato e fenocircmeno o empiacuterico em uma caacutepsula conceitual en-

cerrando a proacutepria verdade nessa caacutepsula Esta permanecircncia da thaumazein a qual se origina

no momento em que permito o novo (para a consciecircncia agrave qual nada haacute de novo natildeo eacute possiacute-

vel a admiraccedilatildeo) equivale para usar uma expressatildeo de Hermann agrave promessa de vida A obra

de arte encontra aqui seu local privilegiado ldquoa arte nos indica que o mundo natildeo eacute plenamente

compreendido no acircmbito conceitual e que pode deixar um espaccedilo para uma promessa de vidardquo

(2010 p45) Nada haacute para se admirar no conceito esse em linguagem adorniana eacute frio e sem

consequecircncia A riqueza de mundo soacute eacute possiacutevel por uma via fazendo o movimento ao en-

contro do mundo ao encontro do outro ndash esse encontro quando aberto agrave sua novidade apro-

funda o mundo

42 A dinacircmica entre aproximaccedilatildeo do outro e construccedilatildeo de si

A Teoria esteacutetica lanccedila uma compreensatildeo de obra de arte enquanto ldquoidentidade consi-

go mesmardquo (p15) Nesse sentido a arte natildeo pretende ser idecircntica ao seu exterior mas quer ser

apenas ela mesma e natildeo representaccedilatildeo fidedigna A identidade esteacutetica ocorre de modo a ldquode-

fender o natildeo-idecircntico que a compulsatildeo agrave identidade oprime na realidaderdquo (ibidem) sendo

entatildeo em primeiro lugar identidade consigo mesma Na construccedilatildeo do sujeito esteacutetico o pri-

mado estaacute em ser para si em um impulso de construccedilatildeo de si Essa construccedilatildeo natildeo significa

desarmonia em relaccedilatildeo ao todo sobreposiccedilatildeo de si mesmo mas sim o fortalecimento subjeti-

vo em sua identidade consigo mesmo como condiccedilatildeo para pensar uma possiacutevel identidade

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natildeo opressora Hermann destaca isso de modo incisivo ao afirmar que a devida atenccedilatildeo agravequi-

lo que eacute particular em sua contingecircncia pode

esclarecer a relaccedilatildeo reciacuteproca entre o universal e o particular [e] evita uma orienta-ccedilatildeo puramente abstrata sem abandonar princiacutepios universais pois a educaccedilatildeo pres-supotildee um processo de inserccedilatildeo num mundo compartilhado de valores e crenccedilas sem o qual qualquer dialeacutetica entre individualizaccedilatildeo e socializaccedilatildeo estaria condenada ao fracasso (2010 p104)

Continuando o pensamento para a autora haacute ldquoum miacutenimo de normas morais validadas

intersubjetivamente que constituem nosso ethos e sem as quais se torna muito difiacutecil edificar

a formaccedilatildeo humana O compartilhamento de valores e regras comuns permite projetar um

mundo sob o qual se daacute a base de nossas conversaccedilotildeesrdquo (Ibidem p105) Dessa forma perce-

be-se a dinacircmica que ocorre entre a aproximaccedilatildeo docom o outro e a construccedilatildeo de si indi-

cando o real sentido de pensar a relaccedilatildeo segundo o modelo do elencos a dinacircmica que potildee os

diversos atores como responsaacuteveis pela autoconstruccedilatildeo e pela coesatildeo do todo Somente quan-

do a proximidade permite a proacutepria identidade eacute que se torna possiacutevel projetar uma situaccedilatildeo

em que a diferenccedila eacute motivo de coesatildeo natildeo de rupturas O contraacuterio quando a aproximaccedilatildeo

impede o si mesmo a individualidade o ldquocompartilhamento de valores e regras comunsrdquo eacute

impossibilitado ou ocorre somente de modo aparente E isso devido ao fato de a coerccedilatildeo ge-

rar coesatildeo somente aparente

Sob esta oacutetica o pensamento pode significar um modo de aproximar-se do outro cuja

dinacircmica eacute o desencadear compreensivo gerado pela aproximaccedilatildeo real efetiva que nos potildee

face-a-face Com a aproximaccedilatildeo se estabelece a relaccedilatildeo oposta agrave dominaccedilatildeo gerada pela ca-

pacidade de distanciamento a qual pressupotildee indiferenciaccedilatildeo ndash a dominaccedilatildeo eacute possiacutevel so-

mente para quem eacute indiferente e para ser indiferente natildeo pode ocorrer a aproximaccedilatildeo efetiva

A racionalidade da aproximaccedilatildeo natildeo compactua com a tendecircncia ao equivalente que marca a

forma de relaccedilatildeo sob a oacutetica da instrumentalidade e do princiacutepio da disponibilidade Eacute exata-

mente pelo fato de o outro natildeo estar simplesmente disponiacutevel a mim e ao meu intelecto que

me obriga a natildeo trataacute-lo como simples objeto do meu querer (instrumentalizaccedilatildeo) Nessa di-

nacircmica eacute que deve ser pensada a tensatildeo entre aproximaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo aproximaccedilatildeo e

construccedilatildeo A aproximaccedilatildeo que gera diferenciaccedilatildeo permite a construccedilatildeo tanto do si quanto do

outro e ateacute mesmo construccedilatildeo do todo

A expressatildeo ldquofragmento de alteridaderdquo (TE p18) indica esta racionalidade orientada

por uma siacutentese que natildeo desfaz a alteridade A proacutepria possibilidade de aproximaccedilatildeo envolve

a possibilidade de haver um inteiramente outro como um fragmento de alteridade que faz

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tambeacutem parte da proacutepria possibilidade de aproximaccedilatildeo enquanto comunicaccedilatildeo de diferenci-

ados Na relaccedilatildeo com meu diferente na diferenccedila especiacutefica entre noacutes estou em relaccedilatildeo com

o que eu natildeo sou mas que ao mesmo tempo permite fazer de mim uma singularidade Se

houver alguma siacutentese ndash no sentido de conhecimento ndash contudo ela natildeo extingue tais frag-

mentos os quais permanecem no diferenciado

Os fragmentos de alteridade interferem no processo de siacutentese operada pelo entendi-

mento No momento em que consigo referir todas as representaccedilotildees a mim enquanto ser de

experiecircncia esta siacutentese natildeo eacute uma simples imposiccedilatildeo ao real pois para aleacutem de toda compre-

ensatildeo reside a possibilidade da novidade do renovar da experiecircncia diante de algo que eacute sem-

pre inteiramente outro Assim ldquosubstitui o princiacutepio de unidade e a onipotecircncia do conceito

soberano pela ideacuteia daquilo que existiria fora do feiticcedilo de tal unidaderdquo (DN 2005 p10) Eacute

ilusatildeo a crenccedila de que pela tentativa de unidade nada reste do outro A filosofia pode se ori-

entar pela tendecircncia do uno mas natildeo pode negar a fraqueza do conceito ao estabelecer o uno

como que havendo um envolvimento total das particularidades nessa totalidade

Em sentido contraacuterio a dialeacutetica negativa substitui esse feiticcedilo por aquilo que existe

fora dele Um segundo giro-copernicano colocaria no centro do debate filosoacutefico os fragmen-

tos de alteridade aquilo que resta depois de satisfeita a sanha de tudo abocanhar Nisso estaacute o

sentido de dialeacutetica jaacute que ldquoseu nome a princiacutepio natildeo diz nada mais que os objetos natildeo se

reduzem a seu conceito que entram em contradiccedilatildeo com a norma tradicional da adaequatiordquo

(DN 2005 p 17) E isto devido ao fato de que o ldquoconhecimento natildeo interioriza por completo

nenhum de seus objetosrdquo (p24) e exatamente por natildeo serem objetos completamente apreen-

siacuteveis eacute que tecircm a capacidade de pocircr em movimento processos de pensamento processos de

compreensatildeo que se efetivam pela aproximaccedilatildeo

Considerando a esteacutetica enquanto relaccedilatildeo entre diferenciados sem a acircnsia de posse

como alteridades permanentes o caraacuteter de aproximaccedilatildeo assume efeito decisivo de apariccedilatildeo

Natildeo somente eu percebo o outro ou seja natildeo eacute unicamente ato de minha consciecircncia mas

tambeacutem eacute o outro que aparece que se lanccedila ao meu olhar se deixa apreender A atitude esteacute-

tica eacute a secularizaccedilatildeo do ato religioso da revelaccedilatildeo duas presenccedilas que se potildee em direccedilatildeo

uma agrave outra para um encontro que resulta no aacutepice da experiecircncia e permita a construccedilatildeo de

sentido tatildeo somente a partir disso

Chegamos entatildeo ao conceito de construccedilatildeo no qual natildeo ocorre a prioridade dos pro-

cessos subjetivos Eacute possiacutevel afirmar a concordacircncia de Adorno com o ideal de construccedilatildeo

grego claacutessico

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o bloco de maacutermore e as teclas de um piano nas quais respectivamente uma escultu-ra e uma composiccedilatildeo esperam ser libertadas satildeo para tal tarefa provavelmente mais do que metaacuteforas As tarefas trazem em si a sua soluccedilatildeo objetiva pelo menos no in-terior de uma certa margem de variaccedilatildeo embora natildeo possuam a univocidade de e-quaccedilotildees A accedilatildeo do artista eacute o ponto miacutenimo entre o problema a mediatizar perante o qual ele se vecirc e que jaacute estaacute de antematildeo traccedilado e a soluccedilatildeo que igualmente se en-contra de modo potencial no material Se ao utensiacutelio se chamou um braccedilo prolon-gado poder-se-ia chamar ao artista um utensiacutelio prolongado utensiacutelio da passagem da potencialidade agrave atualidade (TE p190)

Assim em Adorno eacute necessaacuterio ldquoseparar-se daquela comparaccedilatildeo grosseira com o su-

jeito criativo que por uma exuberacircncia presunccedilosa transforma a obra de arte em documento

do seu criador e assim a diminuirdquo (TE p194) Na Teoria esteacutetica ocorre a suspeita diante da

posiccedilatildeo de um sujeito que constroacutei em uma adequaccedilatildeo do material a uma forma existente na

mente de tal sujeito A tendecircncia de Adorno estaacute mais em conceber a capacidade de mediaccedilatildeo

para as possibilidades jaacute existentes no material ldquotudo ainda laacute estaacute No teclado de qualquer

piano estaacute contida a Appassionata soacute que o compositor deve extraiacute-la e para isso natural-

mente eacute preciso ser Beethovenrdquo (EXP p24) E nesse ato natildeo haacute a posse plena de tais mo-

mentos pelo sujeito pois

implica sempre o primado dos procedimentos construtivos em relaccedilatildeo agrave imaginaccedilatildeo subjetiva A construccedilatildeo impotildee soluccedilotildees que o ouvido ou o olho que as representam natildeo tecircm imediatamente presentes em toda a claridade O imprevisto natildeo soacute eacute efeito mas possui igualmente um lado objetivo Isso se encontra modificado numa nova qualidade (TE p36)

No conceito de construccedilatildeo e imprevisto evidencia-se a relaccedilatildeo natildeo de um sujeito sobre

um objeto passivo mas uma dinacircmica construtiva na qual os dois poacutelos tanto o artista quanto

material satildeo atuantes no ato produtivo ldquotornou-se entretanto manifesto que as obras devem

conter caracteriacutesticas as quais no processo de produccedilatildeo natildeo satildeo previsiacuteveis e que subjeti-

vamente o artista era surpreendido pelas suas proacuteprias obrasrdquo (TE p51) O que natildeo significa

espontaneiacutesmo como que em um agir do indiviacuteduo desprovido de criteacuterios racionais de pro-

cedimentos teacutecnicos especializados mas indica tatildeo somente usando o exemplo da composi-

ccedilatildeo ao piano a necessidade de extrair aquilo que jaacute estaacute posto no instrumento Natildeo imponho

um som apenas permito a manifestaccedilatildeo das possibilidades jaacute existentes no instrumento

Nessa dinacircmica de construccedilatildeo e possibilidade do imprevisto na qual se insere a sur-

presa ou a novidade vinda da proacutepria obra Adorno insere a categoria do novo Com isso de

imediato eacute possiacutevel indicar a contraposiccedilatildeo de obras padronizadas ao gosto do cliente na

mercantilizaccedilatildeo das produccedilotildees cujo criteacuterio eacute o modismo e na possibilidade de o cliente pro-

jetar suas emoccedilotildees o que eacute em grossas palavras o produto da induacutestria cultural A contrapo-

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siccedilatildeo ao novo sugerida aqui autoriza-se pela caracteriacutestica imediatamente oposta a do sem-

pre-semelhante

A produccedilatildeo em seacuterie ndash seja da arte ou dos bens de consumo e nesse caso a proacutepria arte

seria um bem de consumo ndash acompanha o padratildeo do sempre-semelhante e visualizando a

educaccedilatildeo visualizando o proacuteprio humano impede a manifestaccedilatildeo da riqueza constitutiva in-

terna a possibilidade de ser natildeo-idecircntico o natildeo-semelhante a proacutepria manifestaccedilatildeo do novo

que eacute cada ser humano Apesar de isso ser objeto de discussatildeo mais detalhada do uacuteltimo capiacute-

tulo eacute viaacutevel afirmar jaacute aqui que educar eacute permitir a manifestaccedilatildeo qualificada da riqueza

constitutiva do indiviacuteduo enquanto algo novo e nessa autoconstruccedilatildeo de si gerar a identida-

de de si a construccedilatildeo do proacuteprio sujeito

Poreacutem esse novo conforme jaacute destacado natildeo eacute algo imposto de fora mas eacute a mani-

festaccedilatildeo de algo jaacute existente poreacutem natildeo evidenciado Enfaticamente o novo eacute somente aquilo

que permite romper com o sempre-semelhante conduzindo a conceitos como outro e alteri-

dade ldquoA relaccedilatildeo ao Novo tem o seu modelo na crianccedila que busca no piano um acorde jamais

ouvido ainda virgem No entanto o acorde existia jaacute desde sempre As possibilidades de

combinaccedilatildeo satildeo limitadas na verdade tudo jaacute se encontra no tecladordquo (TE p45) O desafio

estaacute em fazer com que o outro perceba esse novo em si mesmo e natildeo menos importante con-

seguir perceber isso no outro No novo estaacute entatildeo a expressatildeo do concreto a manifestaccedilatildeo

para aleacutem daquilo que estaacute evidente reafirmando o sentido de dialeacutetica ldquoA dialeacutetica eacute a cons-

ciecircncia consequente da natildeo-identidaderdquo (DN 2005 p17) Em primeiro lugar cabe destacar

que partindo dessa ideia a dialeacutetica natildeo eacute um meacutetodo mas um modo de consciecircncia Consci-

ecircncia esta adquirida apoacutes romper com a ideoloacutegica concepccedilatildeo de pensamento com funccedilatildeo

exclusivamente identificadora Assim temos a impossibilidade de haver identidade e ao

mesmo tempo existir a dialeacutetica ndash a dialeacutetica se opotildee ao pensamento identificador pensar na

identidade eacute pensar natildeo dialeticamente pois anula sua condiccedilatildeo primeira o divergente disso-

nante negativo diferenciado

Conforme a Dialeacutetica negativa (2005 p18) a consequecircncia primeira gerada pela anu-

laccedilatildeo da dialeacutetica promovida pelo pensamento identificador eacute o empobrecimento da experi-

ecircncia A aproximaccedilatildeo natildeo ocorre mais com o criteacuterio de permitir o novo e o diferenciado mas

enclausurando o individual dentro de padrotildees de validade universal Toda a diversidade da

experiecircncia eacute sacrificada juntamente com a diversidade do outro em nome de uma adequaccedilatildeo

e uniformidade abstrata

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Sob condiccedilotildees sociais sobretudo aquelas referentes agrave educaccedilatildeo que dominam orientam atrofiam de muacuteltiplas formas as forccedilas produtivas espirituais sob a dominante pobreza imaginativa [] seria fictiacutecio supor que todos poderiam entendecirc-lo ao todo ou sequer percebecirc-lo Esperar isso seria organizar o conhecimento segundo os traccedilos patoloacutegicos de uma humanidade a qual segundo a lei da igualdade lhe eacute arrebatada a possibilidade de criar experiecircncias se eacute que alguma vez a tenha possuiacutedo (DN 2005 p48-49)

O imperativo dialeacutetico do pensamento o qual conduz agrave possibilidade de criar experi-

ecircncia aponta a necessidade de ldquopensar de tal modo que a forma do pensamento natildeo mais tor-

ne seus objetos coisas inalteraacuteveis que permanecem iguais a si mesmas a experiecircncia des-

mente que eles o sejamrdquo (DN 2009 p134) Os objetos aqui mencionados satildeo os objetos do

pensamento ou seja os conceitos criados pelo pensamento a partir da experiecircncia Indica-se

a necessidade de construccedilatildeo conceitual em confronto permanente com o concreto Assim o

conceito natildeo eacute uma ferramenta a partir da qual o concreto eacute tratado mas esta ferramenta eacute o

proacuteprio ato de pensar

O conceito enquanto resultado da relaccedilatildeo entre pensamento e concretude permite a-

penas uma compreensatildeo daquilo a que se direciona de modo bem direto e portanto passiacutevel

de mudanccedila jaacute que o concreto sofre a accedilatildeo do tempo e do proacuteprio espaccedilo A proacutepria Dialeacutetica

negativa (2009 p136) leva ao extremo a citaccedilatildeo anterior compreendendo o conceito como

algo natildeo-idecircntico nem sequer a si mesmo muito menos com aquilo ao qual se refere Ou seja

ele se determina por aquilo que lhe eacute exterior de modo que natildeo se esgota em si mesmo sendo

impossiacutevel aos objetos do pensamento ndash o conceito ndash ser inalteraacutevel e igual a si mesmo

A dissonacircncia proacutepria das cores sons e imagens no mundo artiacutestico tambeacutem se con-

verte em criteacuterio de racionalidade Eacute o que se percebe por exemplo em uma obra brasileira

como o Rudepoema de Heitor Villa-Lobos na qual o entendimento se depara com sua insufi-

ciecircncia na resoluccedilatildeo do sentido sendo a obra ao mesmo tempo resistecircncia e abertura agrave inter-

pretaccedilatildeo Por ser resistecircncia permanece em seu para si enquanto abertura eacute direcionada agrave

razatildeo interpretativa Sendo assim toda aproximaccedilatildeo eacute sinocircnimo de sentido revelado e reserva

de sentido Por isso que a constituiccedilatildeo do esteacutetico em Adorno tem como objetivo principal pocircr

em movimento processos de pensamento e a verdade encontra sua significaccedilatildeo tatildeo somente

naquilo que natildeo estaacute em harmonia com o sentido administrado imposto Ou seja o verdadei-

ro surge diante daquilo que permite ao ser humano ser forma de alteridade em sua permanen-

te reserva de sentido Em outras palavras a verdade estaacute na aproximaccedilatildeo e natildeo na apropria-

ccedilatildeo

Incorporada a esta noccedilatildeo de sujeito esteacutetico estaacute a dimensatildeo comunicativa Somente haacute

comunicaccedilatildeo ou diaacutelogo quando o pressuposto relacional for paciacutefico e dessa forma natildeo

71

tiver a pretensatildeo de reduccedilatildeo epistemoloacutegica ao sentido que o sujeito apreende ou atribui A

comunicaccedilatildeo somente se efetiva na paz do diferenciado quando eacute possiacutevel ser outro sem te-

mor

Se fosse permitido especular sobre o estado de reconciliaccedilatildeo natildeo caberia imaginaacute-lo nem sob a forma de indiferenciada unidade de sujeito e objeto nem sob a de sua hos-til antiacutetese antes a comunicaccedilatildeo do diferenciado [] Paz eacute um estado de diferenci-accedilatildeo sem dominaccedilatildeo no qual o diferente eacute compartido (PS p184)

A marca da comunicabilidade estaacute na interioridade que realiza a abertura e o fecha-

mento A primeira por natildeo existir plena identidade no princiacutepio de realidade sendo a tensatildeo

dialeacutetica natural e pressuposto para o encontro e para a proacutepria concepccedilatildeo de verdade em A-

dorno A segunda por evitar que o proacuteprio ser humano se perca em meio ao jogo de diferen-

ciados Ou seja eacute preciso que ocorra a identidade do sujeito consigo mesmo o reconhecimen-

to de sua proacutepria subjetividade enquanto nuacutecleo de forccedila ndash noccedilatildeo de siacutentese apresentada no

terceiro capiacutetulo Abertura e fechamento identidade e natildeo identidade satildeo condiccedilotildees para um

sujeito provido de subjetividade ndash significa condiccedilatildeo e capacidade de pensamento bem como

constituiccedilatildeo da proacutepria condiccedilatildeo humana no interior do mundo

A ecircnfase dada agrave comunicaccedilatildeo remete ao sujeito que se constitui enquanto ser histoacuterico

ou seja enquanto ser-aiacute enquanto presenccedila posta e mediada pelo elemento comunicativo Eacute o

singular caracterizado como ser-aiacute natildeo o em-si kantiano inapreensiacutevel pelo entendimento

humano mas aquilo que estaacute dado e nessa presenccedila impossiacutevel de ser ignorado ldquoA comuni-

caccedilatildeo com o outro cristaliza-se no singular que eacute mediado por ela em seu ser-aiacuterdquo (DN 2009

p140) Eacute fundamental destacar que a comunicaccedilatildeo entre diferenciados eacute mediada pelo proacuteprio

ato de comunicaccedilatildeo e natildeo nas estruturas a priori do sujeito Nesse sentido eacute que se compre-

ende a primazia da relaccedilatildeo cuja mediaccedilatildeo eacute o ato comunicativo mesmo A individuaccedilatildeo eacute

dada pela comunicaccedilatildeo pelo enfrentamento que busca o comum (universal) e o diferente (al-

teridade)

Esta tensatildeo entre universal e particular a qual se manteacutem enquanto houver comunica-

ccedilatildeo natildeo se caracteriza por uma relaccedilatildeo comparativa entre individualidades Se comunicaccedilatildeo

fosse isso entatildeo tudo se resolveria no ato dedutivo a partir do pensamento Por exemplo mu-

nido dos referenciais sobre o que caracteriza um ser humano poderiacuteamos falar e atribuir valor

sobre qualquer indiviacuteduo mesmo sem relaccedilatildeo efetiva Esse modo de proceder natildeo pode ser

denominado comunicaccedilatildeo pois faz-se ausente o singular que em seu ser-aiacute permite a comu-

nicaccedilatildeo

72

O centro dessa discussatildeo estaacute no fato de que natildeo eacute possiacutevel progredir do particular ao

universal somente pela forccedila do pensamento ldquonatildeo se progride a partir de conceitos e por eta-

pas ateacute o conceito superior mais universal mas esses conceitos entram em uma constelaccedilatildeo

Essa constelaccedilatildeo ilumina o que haacute de especiacutefico no objeto e que eacute indiferente ou um peso para

o procedimento classificatoacuteriordquo (DN 2009 p140) Atraveacutes do conceito de constelaccedilatildeo A-

dorno propotildee uma congregaccedilatildeo de momentos e sentidos que se comunicam e sem subsumir

nenhum deles compotildeem a riqueza de sentido Cabe destacar que nenhum dos momentos se

eleva em potecircncia essencial mas todos pontuam um momento permanente (que natildeo eacute negado

na figura do outro momento) na constituiccedilatildeo do sentido de modo que natildeo eacute o primado da

razatildeo doadora de sentido mas o sentido que se forma na ligaccedilatildeo dos momentos histoacutericos

Constelaccedilatildeo natildeo eacute representaccedilatildeo mas apresentaccedilatildeo daquilo que natildeo pode ser compreendido

isoladamente Eacute histoacuteria que engloba o indiviacuteduo e na qual ele estaacute inserido Perceber a cons-

telaccedilatildeo eacute nada mais que perceber e interpretar aquilo que eacute condicionado historicamente ndash

conhecer eacute pensar em constelaccedilatildeo

Essa histoacuteria estaacute nele e fora dele ela eacute algo que o engloba e em que ele tem seu lu-gar Perceber a constelaccedilatildeo na qual a coisa se encontra significa o mesmo que deci-frar aquilo que ele porta em si enquanto algo que veio a ser [] Somente um saber que tem presente o valor histoacuterico conjuntural do objeto em sua relaccedilatildeo com os ou-tros objetos consegue liberar a histoacuteria no objeto (DN 2009 p141)

Com a constelaccedilatildeo que constitui sentido via comunicaccedilatildeo ocorre a abertura do enigma

que se quer decifrar Adorno utiliza a metaacutefora do cofre para expressar o sentido que a conste-

laccedilatildeo assume em sua teoria como os cadeados em um cofre-forte a abertura natildeo ocorre ldquoape-

nas por meio de uma uacutenica chave ou de um uacutenico nuacutemero mas de uma combinaccedilatildeo numeacuteri-

cardquo (DN 2009 p142)

Assim sendo na obra de arte ocorre comunicaccedilatildeo ela mesma comunica Mas natildeo eacute

comunicaccedilatildeo de uma mensagem que se pode simplesmente extrair e que estaacute evidente sendo

antes a manifestaccedilatildeo do concreto Em Adorno a obra somente eacute artiacutestica se permitir tal mani-

festaccedilatildeo abrindo espaccedilo para o surgimento do algo mais o surgimento daquilo que eacute para

aleacutem do que se mostra imediatamente Mantendo a arte essa relaccedilatildeo com o concreto sendo

um ldquodesdobramento da verdaderdquo (TE p123) ela se converte em impulso e possibilidade de

esclarecimento em oposiccedilatildeo radical aos produtos da induacutestria da cultura

Essa eacute a linguagem da obra de arte seu modo de expressatildeo e que lhe daacute autenticidade

ldquoo meio pelo qual as obras de arte existentes satildeo mais do que a existecircnciardquo ndash ou seja pela sua

existecircncia permitem a manifestaccedilatildeo do concreto do mais ndash este meio ldquonatildeo eacute um novo ser-aiacute

73

mas a sua linguagem As obras autecircnticas falam mesmo quando recusam a aparecircnciardquo (TE

p124) Essa recusa da aparecircncia volta a fazer referecircncia ao concreto indicando que ldquodeveria

derrubar-se a doutrina da imitaccedilatildeo num sentido sublimado a realidade deve imitar as obras

de arte Mas o fato de as obras de arte existirem mostra que o natildeo-ente poderia existir A rea-

lidade das obras de arte daacute testemunho da possibilidade do possiacutevelrdquo (TE p153 - grifo nos-

so) Em uacuteltima instacircncia o que temos eacute a construccedilatildeo de sentido via expressatildeo comunicaccedilatildeo

linguagem Para isso faz-se necessaacuteria a dinacircmica da aproximaccedilatildeo dos diferentes como possi-

bilidade desta construccedilatildeo do sentido desse outro do sentido de mim mesmo da autoconsci-

ecircncia

5 O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO NA FORMACcedilAtildeO HUMANA

Analisando a obra adorniana observa-se a preocupaccedilatildeo com o corpo como sendo o

desencadeador das reflexotildees sobre eacutetica A experiecircncia do corpo danificado transforma-se em

incentivo ao pensamento e agrave consideraccedilatildeo pelo outro eacute a teoria que lanccedila seu olhar para a

vida posta em seu limite Quando afirma na Dialeacutetica negativa e na Teoria esteacutetica o pro-

blema de elevar a dor ao conceito e o consequente mutismo que este viria a enfrentar Adorno

aponta para a natildeo-compatibilidade entre entendimento conceito e linguagem quando a refe-

recircncia natildeo estaacute dada pelo viacutenculo direto com o real o concreto conforme abordado no capiacutetu-

lo anterior

Deve-se destacar retomando o quarto capiacutetulo que o concreto eacute considerado por A-

dorno como o local a partir do qual se deve filosofar O que significa agora em uma amplia-

ccedilatildeo das discussotildees que o ato de pensar de construir sentido o ato de compreensatildeo e interpre-

taccedilatildeo proacuteprio da filosofia tem sua origem no momento em que nos deparamos com esta alteri-

dade este outro cuja reserva de sentido permite o constante progresso no conhecimento O

local ocupado por este outro o outro propriamente dito assume o centro das discussotildees

Diante disso proponho uma referecircncia agrave literatura e agrave filosofia a fim de percebermos

como a presenccedila do outro define a compreensatildeo humana nosso ato de pensar e nossa accedilatildeo

As obras A condiccedilatildeo humana18 (Andreacute Malraux) publicada em 1933 e A espeacutecie humana19

(Robert Antelme) publicada em 1957 satildeo emblemaacuteticas em sua relaccedilatildeo com a proposta filo-

soacutefica de Theodor Adorno e suas reflexotildees sobre a moral Em um primeiro momento estabe-

leccedilo essa relaccedilatildeo para em seguida indicar o sentido eacutetico que deveria estar presente na ativi-

dade educacional a qual seraacute defendida sob o enfoque do plasmar linguiacutestico

51 Entre o eu e o outro ou quando a presenccedila nos manteacutem humanos

Em ambas as obras da literatura acima citadas ocorre uma indicaccedilatildeo interessante sobre

o sentido eacutetico da accedilatildeo humana o sentido eacutetico da presenccedila o eu que permanece humano por

conseguir perceber o concreto que eacute o outro e o concreto que eacute si mesmo Os dois casos que

seratildeo expostos trazem ao centro da discussatildeo a experiecircncia do corpo a experiecircncia propria-

mente dita e que marca um modo de pensar e de agir conduzido por um excedente a efetivi-

18 Obra traduzida por Ivo Barroso e editada no Brasil pela Record estando em 2008 em sua segunda ediccedilatildeo 19 Da coleccedilatildeo Os afluentes da memoacuteria teve a traduccedilatildeo para o portuguecircs de Portugal feita por Clara Alvarez Foi publicada pela editora Ulisseia de Lisboa em 2003

75

dade do outro e seu apelo por existir a experiecircncia do outro que reivindica algo como eacute pro-

blematizado na Minima moralia quando Adorno afirma que

No desaparecimento da experiecircncia um fato possui uma consideraacutevel responsabili-dade que as coisas sob a lei de sua pura funcionalidade adquirem uma forma que restringe o trato delas a um mero manejo sem tolerar um soacute excedente ndash seja em termos de liberdade de comportamento seja de independecircncia da coisa ndash que subsis-ta como nuacutecleo da experiecircncia porque natildeo eacute consumido pelo instante da accedilatildeo (MM 19 p33)

A dinacircmica exposta tensiona o desaparecimento da experiecircncia e do excedente que

subsiste como nuacutecleo de experiecircncia se nossa capacidade perceptiva permite que algo nos

seja dado esse algo (outro) exige ser percebido em sua concretude a qual natildeo tolera o sim-

ples manejo de nosso proacuteprio entendimento Esta eacute a proposta da obra adorniana evitar a anu-

laccedilatildeo do outro a cegueira diante deste excedente agrave experiecircncia que se compreende como o

concreto Excedente esse que deveria se constituir em incentivo agrave accedilatildeo A fim de compreen-

der melhor o sentido disso busco referecircncia com as obras A condiccedilatildeo humana e A espeacutecie

humana

Toda a obra de Andreacute Malraux aqui em evidecircncia estaacute permeada pelo limite que o

corpo a presenccedila do outro impotildee Seja em termos de luta poliacutetica conflitos ideoloacutegicos seja

em questotildees amorosas o outro sempre aparece para aleacutem de sua funcionalidade natildeo admitin-

do um simples manejo que impede sua liberdade e sua existecircncia concreta Incisivamente eacute

preciso entrar na luminosidade provinda do corpo A cena que abre sua A condiccedilatildeo humana

merece total destaque sendo aqui apresentada em seus aspectos principais

Logo na primeira paacutegina satildeo relatadas as circunstacircncias do personagem que estando

diante da viacutetima a ser assassinada percebe-se separado dessa por um veacuteu uma cortina que o

impede de ver o corpo Assim sendo tudo leva agrave certeza da facilidade que seria matar No

entanto Tchen se depara com um limite uma parte do corpo estaacute descoberta Esse fato provo-

ca Tchen e inicia-se entatildeo um processo de pensamento o momento de reconhecimento do

outro Poreacutem este reconhecimento natildeo ocorre considerando o posto ocupado pela viacutetima em

potencial ou por causa de sua posiccedilatildeo social ou pelo forte senso do dever de Tchen Mas eacute

reconhecimento que ocorre por um uacutenico motivo o contato com o corpo Este eacute o elemento

constituidor de toda consciecircncia de dever o instante em que o limite do outro se impotildee

Tchen tentaria erguer o cortinado Golpearia atraveacutes dele [Estava diante de] um corpo menos visiacutevel que uma sombra e do qual saiacutea apenas aquele peacute semi-inclinado pelo sono mas mesmo assim vivente ndash carne de homem [] [Tchen] sa-bia que o iria matar Preso ou natildeo executado ou natildeo pouco importa Nada mais e-

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xistia aleacutem daquele peacute do homem que devia golpear sem que pudesse defender-se [] Aquele peacute vivo como um animal adormecido Era o teacutermino de um corpo lsquoEs-tarei ficando idiotarsquo Era necessaacuterio ver aquele corpo Vecirc-lo ver-lhe a cabeccedila para tanto entrar na luminosidade deixar que sua sombra atarracada passasse sobre a cama Qual a resistecircncia da carne [] Mataacute-lo natildeo era nada tocaacute-lo eacute que era im-possiacutevel (MALRAUX 2008 p19-21)

E esse processo de reflexatildeo que se desencadeou mediante a percepccedilatildeo do corpo do ou-

tro aleacutem de permitir reconhecer esse outro originou o proacuteprio reconhecimento de si ldquoTchen

descobria em si ateacute a naacuteusea natildeo o combatente que esperava mas um sacrificador [] lsquoAs-

sassinar natildeo eacute apenas matarrsquordquo (ibidem p20) e por isso mesmo o personagem percebe estar

fora do ldquomundo dos homensrdquo (p19)

Deparamo-nos com o fato fundamental o veacuteu da abstraccedilatildeo natildeo nos deixa perceber o

limite do corpo a carne humana Tchen teria que erguer o cortinado mas se o fizesse depa-

rar-se-ia com o corpo mas mesmo assim precisava entrar em sua luminosidade Essa expres-

satildeo de Malroux indica outra forma de luminosidade para aqueacutem da luz da razatildeo o sentido

natildeo estaacute dado previamente pela razatildeo o espaccedilo natildeo eacute somente uma categoria da razatildeo como o

quis Kant condiccedilatildeo para conhecer algo antes mesmo de ocorrer a experiecircncia sensiacutevel eacute sim

espaccedilo ndash local ndash ocupado pelo outro constituiacutedo por ele luminosidade para aleacutem do sentido

atribuiacutedo pelo sujeito que se depara com um simples objeto luminosidade que antecede a

consideraccedilatildeo do outro atraveacutes do puro senso do dever Eacute luz que proveacutem do local que o corpo

ocupa ndash eacute necessaacuterio ver o corpo entrar em sua luminosidade Somente diante deste fato eacute que

o braccedilo do algoz freia pois encontra a resistecircncia da carne

Eacute possiacutevel realizar uma conexatildeo com a obra adorniana tendo como referecircncia aquilo

que constitui a subjetividade aquilo que estaacute para aleacutem do eu mas assume seu momento ori-

ginaacuterio da proacutepria atividade subjetiva do eu Este momento originaacuterio ldquoeacute um choque sofrido

pelo sujeito ndash da materialidade social que penetra na constituiccedilatildeo de sua natureza interna ndash e

que o obriga a pensarrdquo (ALVES JUacuteNIOR 2005 p71) Evidencia-se o viacutenculo com a obra de

Andreacute Malraux ndash A condiccedilatildeo humana ndash no momento em que a materialidade obrigou o assas-

sino a pensar no deparar-se com o corpo da potencial viacutetima Esse choque estaacute na origem das

consideraccedilotildees sobre a eacutetica perpassando toda a accedilatildeo humana como sinal da presenccedila concreta

do outro

Alves Juacutenior denomina isto de ldquovertigem da razatildeo diante da materialidaderdquo (idem

p16) o que corresponde agrave perspectiva fundante das reflexotildees sobre moral em Adorno O afo-

rismo da Minima moralia que considero emblemaacutetico em relaccedilatildeo a isso eacute denominado Para

uma dialeacutetica do tacto (MM 16 p29-30) Em referecircncia a Goethe Adorno analisa a ldquoplena

77

consciecircncia da iminente impossibilidade de toda relaccedilatildeo humana no interior da sociedade in-

dustrial nascenterdquo Diante desse problema o tato foi considerado ldquoo expediente salvador entre

os seres humanos alienados [] Tacto e humanidade ndash para ele a mesma coisa ndash percorreram

entrementes precisamente o caminho do qual em sua opiniatildeo deveriam nos preservarrdquo Essa

dialeacutetica civilizadora que permitiria a preservaccedilatildeo da humanidade mediante a percepccedilatildeo do

outro em sua corporeidade ndash o tato em sentido bem geral ndash foi interrompida no momento em

que os indiviacuteduos tornaram-se indiferentes e natildeo mais reconheceram o outro Nesse momento

o tato ldquonatildeo alcanccedila o indiviacuteduo e acaba por lhe fazer uma infinita injusticcedilardquo Natildeo alcanccedila o

indiviacuteduo devido a um avanccedilo que nos fez infinitamente autocircnomos em detrimento radical do

heterocircnomo Pela salvaccedilatildeo do tato poderiacuteamos salvar o viacutenculo heterocircnomo natildeo enquanto

determinaccedilatildeo dada pelo outro a mim sendo o eu um mero objeto dessa accedilatildeo do outro mas

como possibilidade da percepccedilatildeo e consideraccedilatildeo dessa alteridade em seu momento originaacuterio

ndash algo que existe que estaacute aiacute e por isto precisa ser reconhecido

Pelo reconhecimento dessa alteridade realizar-se-ia a autonomia a constituiccedilatildeo de si

Se para Aristoacuteteles o sujeito eacute identificado como o motor imoacutevel ou seja a substacircncia para

Adorno eacute possiacutevel pensar uma salvaccedilatildeo dessa dimensatildeo interna essa constituiccedilatildeo proacutepria que

faz com que o indiviacuteduo seja mais que indiviacuteduo seja sujeito forccedila movente proacutepria Poreacutem

forccedila interna natildeo natural desde sempre dada mas mediada pelas experiecircncias e constituiccedilotildees

histoacutericas de si mesmo A formaccedilatildeo da autonomia passaria necessariamente pela dialeacutetica do

tato pelo reconhecimento da heteronomia a qual natildeo extingue a necessidade de autonomia

apenas indica a constituiccedilatildeo do eu a partir das experiecircncias construiacutedas com o outro A auto-

nomia eacute reconhecida por Adorno como possibilidade de realizaccedilatildeo do humano ldquoO fim objeti-

vo da humanidade eacute apenas uma outra expressatildeo para a mesma coisa Significa que o indiviacute-

duo enquanto indiviacuteduo como representante do gecircnero humano perdeu a autonomia atraveacutes

da qual poderia realizar efetivamente o gecircnerordquo (MM 17 p31)

O criteacuterio do reconhecimento do outro como criteacuterio para firmar sua autonomia sua

identidade seu eu o qual permitiria realizar a humanidade exige fazer referecircncia agrave obra A

condiccedilatildeo humana Como caminho para chegar a esta obra faccedilo referecircncia de passagem a

Rousseaue seu ideal de reconhecimento do sentimento do outro como sendo o nuacutecleo de suas

consideraccedilotildees sobre moral O meio humano ou se quisermos admitir o termo habitat huma-

no encontra sua significaccedilatildeo em um elemento possiacutevel de se encontrar ainda no autor do Dis-

curso sobre a origem e fundamentos das desigualdades entre os homens definindo a condi-

ccedilatildeo para a humanizaccedilatildeo o encontro

78

Conforme seu segundo discurso enquanto o homem vagava como selvagem no interi-

or da selva com preocupaccedilotildees exclusivas de alimentaccedilatildeo descanso e procriaccedilatildeo com as ope-

raccedilotildees do sentir querer e temer natildeo havia distinccedilotildees imediatas entre ele e os demais animais

selvagens Somente quando passa a efetivar o encontro duradouro marcado pela cabana e

consequente constituiccedilatildeo dos laccedilos familiares propriamente ditos eacute que seus sentimentos mu-

dam e assim eacute possiacutevel dizer que este ser antes selvagem firma seu passo em um novo mei-

o Agora o sentimento de amor e de cuidado passa a fazer parte desse meio e ele se torna efe-

tivamente humano Poreacutem nesse processo de construccedilatildeo do humano um elemento ficou fa-

lho e o amor e o cuidado ficaram restritos aos limites da moradia ou ao proacuteprio si-mesmo

Tal elemento para Rousseau eacute a virtude da piedade Duas passagens do Discurso sobre a

origem e fundamentos das desigualdades entre os homens enfatizam essa virtude

A primeira citaccedilatildeo remete ao problema de toda possiacutevel barbaacuterie real ou imaginaacuteria

de todo totalitarismo possiacutevel pela natildeo identificaccedilatildeo do indiviacuteduo com o seu gecircnero Quando

abstraio torna-se permitido exterminar pois natildeo faz mais parte da humanidade ldquoCom efeito a

comiseraccedilatildeo seraacute tanto mais eneacutergica quanto mais intimamente o animal espectador se identi-

ficar com o animal sofredorrdquo (DOD p191) A identificaccedilatildeo eacute a consideraccedilatildeo do outro como

um ser tatildeo humano quanto eu e portanto natildeo passiacutevel de nada que tente reduzir ou abstrair a

dignidade dessa sua condiccedilatildeo Assim sendo a virtude da piedade permite o sair de si em dire-

ccedilatildeo ao outro ou seja eacute a condiccedilatildeo da solidariedade remetendo agrave dialeacutetica do tato

A segunda citaccedilatildeo tem ainda maior ecircnfase moral e remete agrave perversatildeo no ato de pen-

samento

Eacute a razatildeo que engendra o amor-proacuteprio e eacute a reflexatildeo que o fortalece eacute ela que faz o homem ensimesmar-se [] Eacute a filosofia que o isola eacute por sua causa que ele diz em segredo ao ver um homem que sofre lsquoPerece se quiseres que eu estou em seguran-ccedilarsquo [] Pode-se impunemente degolar seu semelhante embaixo da sua janela basta-lhe pocircr as matildeos sobre os ouvidos e argumentar um pouco consigo mesmo para im-pedir a natureza que nele se revolta de identificar-se com aquele que assassinam (I-bidem p192)

Chegamos assim agrave obra A espeacutecie humana do francecircs Robert Antelme ex-

prisioneiro em campos de concentraccedilatildeo nazistas Nessa obra estaacute exposta por um lado a au-

secircncia do elemento de piedade e a tentativa de excluir os prisioneiros da condiccedilatildeo humana e

por outro aquilo que permitiu aos prisioneiros resistir sobreviver

Eles quiseram fazer de noacutes animais obrigando-nos a viver em condiccedilotildees que nin-gueacutem digo bem ningueacutem poderaacute jamais imaginar Mas eles natildeo vatildeo conseguir Porque noacutes sabemos de onde vimos [sic] sabemos por que estamos aqui [] Se por

79

vezes nos acontece deixarmos de nos reconhecer a noacutes proacuteprios esse eacute o preccedilo desta guerra e temos que nos aguumlentar Mas para aguumlentar eacute preciso que cada um de noacutes saia de si proacuteprio que se sinta responsaacutevel por todos noacutes Conseguiram espoliar-nos de tudo mas natildeo daquilo que somos Noacutes ainda existimos (2003 p196)

Toda a obra retrata o elemento decisivo que permitiu resistir na humanidade sair de si

proacuteprio e se sentir responsaacutevel por todos Que imperativo eacutetico poderia ser maior Afinal em

eacutepoca de terror absoluto20 foi o que garantiu a preservaccedilatildeo Esta ldquoverdade universalrdquo ndash somos

seres humanos ndash se converte em slogan e voltando a afirmar natildeo se realizou pelo imperativo

categoacuterico e nem o poderia ser pois esse dita o respeito por algo que merece no maacuteximo

observacircncia a lei Observo a lei natildeo por respeito a ela mas por respeito ao ser humano o que

exige pensar na contingecircncia O elemento central eacute o sentimento a capacidade de comover-se

Isso permite considerar a todos apesar das diferenccedilas como incluiacutedos na mesma espeacutecie a

humana

a variedade de relaccedilotildees entre os homens a sua cor os seus costumes a sua organi-zaccedilatildeo em classes mascaram uma verdade que aqui surge retumbante no limite da natureza perto dos nosso limites natildeo existem espeacutecies humanas existe uma espeacutecie humana []De fato aiacute tudo se passa como se houvessem espeacutecies ndash ou mais exa-tamente como se a pertenccedila agrave espeacutecie natildeo fosse um dado adquirido como se nela pudeacutessemos entrar e sair ficar laacute soacute metade ou atingi-la em pleno ou nunca a atin-gir mesmo a custo de vaacuterias geraccedilotildees ndash sendo a divisatildeo em raccedilas ou em classes o canhatildeo da espeacutecie que fundamenta o axioma sempre pronto a linha uacuteltima de defe-sa laquonatildeo satildeo gente como noacutesraquo (ANTELME 2003 p222-223)

Natildeo reconhecer a alteridade como elemento intriacutenseco agrave humanidade eacute efeito daquilo

que anteriormente foi caracterizado como fechamento em si mesmo (o ensimesmar-se de

Rousseau) Esse natildeo reconhecimento eacute o que nos impede de ver no outro sua condiccedilatildeo huma-

na sua dignidade intriacutenseca de pertencente agrave proacutepria humanidade Antelme (p223-224) retra-

ta isso ao referir-se aos assassinatos nazistas nos campos como a tentativa fracassada de espo-

liar um homem de sua humanidade Poreacutem apesar dessa tentativa ldquocontinuamos homens

acabaremos como homens [] Ele pode matar um homem mas natildeo o pode transformar numa

coisa diferenterdquo O testemunho de Antelme aponta para a permanecircncia de uma forccedila interna

ao indiviacuteduo que pode ser identificada com a existecircncia do sujeito a capacidade de resistir ao

totalitarismo entendido no seu ldquosignificado mais amplo como concentraccedilatildeo poliacutetica das for-

ccedilas que atuam no sentido de destituir no indiviacuteduo tudo que poderia vir a caracterizaacute-lo como

sujeitordquo (1997 p125) Tal caracterizaccedilatildeo pode ser entendida a partir de tais testemunhos

como a capacidade de resistir e se identificar com o outro 20 Referecircncia ao periacuteodo do holocausto nazista os campos de extermiacutenio Vale lembrar que a obra A espeacutecie humana eacute um magniacutefico relato da vida no interior desse periacuteodo de terror absoluto

80

O imperativo que surge pode ser descrito como a necessidade de natildeo fazer ao outro

aquilo que natildeo estiver em harmonia com sua condiccedilatildeo humana O decisivo eacute entatildeo permitir a

humanidade e que toda tentativa contraacuteria sofra a accedilatildeo de um pensamento orientado para o

ideal adorniano do termo paz ldquoeacute um estado de diferenciaccedilatildeo sem dominaccedilatildeo no qual o dife-

rente eacute compartidordquo (SO p184) contribuindo para gerar a ldquosituaccedilatildeo melhor como aquela na

qual eacute possiacutevel ser diferente sem ter medordquo (MM 66 p89)

Ao sujeito esteacutetico por pressupor a diferenciaccedilatildeo como seu imperativo ndash o que natildeo

pode ser confundido com total toleracircncia ndash eacute dada a condiccedilatildeo de equiliacutebrio entre aquilo que

ele eacute e as condiccedilotildees que permitem a ele tornar-se algo Contudo este vir a ser ocorre dentro

do limite do proacuteprio meio em que vive ou seja a humanidade o que inscreve a estreita rela-

ccedilatildeo da eacutetica e da esteacutetica na constituiccedilatildeo de tal sujeito

Adorno analisa a oposiccedilatildeo radical deste sentimento de identificaccedilatildeo jaacute apontado seacutecu-

los antes por Rousseau e reconhecido de modo histoacuterico nos eventos retratados em A espeacutecie

humana e A condiccedilatildeo humana Essa anaacutelise marca as obras Teoria esteacutetica e Minima moralia

corroborando a concepccedilatildeo de educaccedilatildeo como processo a partir do qual eacute possiacutevel gerar ceacutelu-

las de humanidade Considero isso decisivo em termos de educaccedilatildeo a ponto de defender a

submissatildeo de todos os demais esforccedilos em acircmbito educacional a este criteacuterio humanizar A-

dorno traccedila um diagnoacutestico da sua eacutepoca e afirma a efetivaccedilatildeo de uma ldquoeacutepoca que assume a

etiqueta da era atocircmicardquo (TE p207) O termo era atocircmica seraacute desenvolvido nas linhas abai-

xo na perspectiva de radical fragmentaccedilatildeo das experiecircncias em sentido temporal tambeacutem na

proacutepria fragmentaccedilatildeo subjetiva envolvendo os sentimentos e a passagem do indiviacuteduo para o

individualismo enquanto indiferenccedila ao outro

Atualizando Demoacutecrito e sua definiccedilatildeo da natureza como formada por pequenas partiacute-

culas denominadas aacutetomos o nosso seacuteculo assumiu a atomizaccedilatildeo como categoria orientadora

no todo das accedilotildees humanas O indiviacuteduo corre o risco de se converter em espeacutecime destituiacutedo

de viacutenculos com o todo no qual vive gerando a fragmentaccedilatildeo histoacuterica e conjugando os fatos

apenas no tempo presente Essa desconsideraccedilatildeo da continuidade eacute decisiva para o processo

de formaccedilatildeo da identidade pois ultrapassa os limites da experiecircncia externa se tornando ain-

da mais problemaacutetica ao fragmentar a proacutepria subjetividade Poder-se-ia dizer que esse eacute o

mundo da radicalizaccedilatildeo atocircmica natildeo apenas atomizaccedilatildeo das experiecircncias e da histoacuteria mas

das proacuteprias emoccedilotildees e reaccedilotildees subjetivas Na Minima moralia enfatiza ldquoA atomizaccedilatildeo natildeo

estaacute em progresso apenas entre os seres humanos mas tambeacutem no interior de cada indiviacuteduo

entre as esferas de sua vidardquo (MM 84 p114) Essa individuaccedilatildeo absoluta problematizada jaacute

por Rousseau levou ao problema criacutetico descrito na obra de Antelme e considerado por A-

81

dorno como exemplo maacuteximo de barbaacuterie Individuaccedilatildeo aqui entendida por indiferenccedila ou

seja ldquose as pessoas natildeo fossem profundamente indiferentes em relaccedilatildeo ao que acontece com

todas as outras excetuando o punhado com que mantecircm viacutenculos estritos e possivelmente por

intermeacutedio de alguns interesses concretos entatildeo Auschwitz natildeo teria sido possiacutevel as pessoas

natildeo o teriam aceitordquo (MM 61 p85)

Compreende-se o sentido de educaccedilatildeo enquanto processo a partir do qual eacute possiacutevel

gerar ceacutelulas de humanidade Em primeiro lugar enquanto natildeo formos capazes de romper

com a indiferenccedila permaneceremos incapazes de estabelecer viacutenculos de responsabilidade de

nos identificarmos com o outro Como resultado temos simples exemplares humanos cada

um falho na capacidade de relaccedilatildeo com o outro A ldquoceacutelula de humanidaderdquo eacute resultado da in-

terconexatildeo dos diversos indiviacuteduos a partir de viacutenculos Em segundo lugar eacute necessaacuterio rom-

per com a fragmentaccedilatildeo histoacuterica e inserirmo-nos na construccedilatildeo da continuidade histoacuterica

necessaacuteria entre passado presente e futuro As experiecircncias natildeo satildeo aacutetomos isolados devem

sim estar interligadas em um conjunto denominado histoacuteria ndash essa ligaccedilatildeo temporal eacute a ceacutelula

obtida a partir dos diferentes acontecimentos natildeo mais isolados ou seja eacute consciecircncia Em

terceiro lugar as proacuteprias reaccedilotildees subjetivas os sentimentos natildeo satildeo estanques A impressatildeo

de natildeo comunicaccedilatildeo de isolamento entre esses sentimentos fragmenta a proacutepria subjetivida-

de Vivemos assim em uma sucessatildeo de prazeres ou sofrimentos desvinculados onde o im-

perativo do momento eacute o criteacuterio para a satisfaccedilatildeo Eacute imprescindiacutevel a geraccedilatildeo de ceacutelula vin-

culaccedilatildeo com o outro continuidade histoacuterica natildeo isolamento dos sentimentos O desafio edu-

cacional reside no desfazer da era atocircmica e na consequente formaccedilatildeo do ser humano apto a

constituir ceacutelulas de humanidade

Indiferenccedila e barbaacuterie foram amplamente tematizadas na obra organizada por Adauto

Novaes intitulada Civilizaccedilatildeo e barbaacuterie21 O texto Indiferenccedila nova forma de barbaacuterie

(Gabriel Cohn) analisa e potildee em tensatildeo os termos diferenccedila e indiferenccedila conectando-se

perfeitamente com as discussotildees acima desenvolvidas O ponto de partida das reflexotildees eacute a

21 Vale destacar o sentido Adorniano para o termo barbaacuterie Natildeo ocorre um dualismo mas a natildeo coincidecircncia entre o desenvolvimento material tecnoloacutegico e a promoccedilatildeo da humanidade Isso eacute possiacutevel de se perceber no texto Educaccedilatildeo contra a barbaacuterie onde se expotildee ldquoEntendo por barbaacuterie algo muito simples ou seja que estan-do na civilizaccedilatildeo do mais alto desenvolvimento tecnoloacutegico as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relaccedilatildeo a sua proacutepria civilizaccedilatildeo ndash e natildeo apenas por natildeo terem em sua arrasadora maioria experimentado a formaccedilatildeo nos termos correspondentes ao conceito de civilizaccedilatildeo mas tambeacutem por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva um oacutedio primitivo que contribui par aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilizaccedilatildeo venha a explodir aliaacutes uma tendecircncia imanente que a caracterizardquo (EE p 155)

82

ideia de civilizaccedilatildeo cultura22 e humanidade em iacutentima conexatildeo mediante a formaccedilatildeo que

possibilitaria a efetiva dialeacutetica do tato A urgecircncia eacute ldquorecuperar o complexo significado que

anima a ideacuteia de civilizaccedilatildeo e a torna inseparaacutevel da ideacuteia de cultura entendida esta na sua

acepccedilatildeo mais plena como cultivo da humanidade como formaccedilatildeordquo (2004 p82) Pela forma-

ccedilatildeo e aqui estamos diante de um ideal educativo eacute possiacutevel compreender a humanidade fixa-

da natildeo na indiferenccedila pois a indiferenccedila eacute condiccedilatildeo para a natildeo-aceitaccedilatildeo Conforme os argu-

mentos do texto (p84 ss) civilidade e formaccedilatildeo constituem o oposto agrave barbaacuterie partindo da

noccedilatildeo de que a responsabilidade enquanto cuidado com outro se opotildee agrave indiferenccedila Dessa

forma faz-se necessaacuterio evitar que ldquoo respeito pelo outro deslize rumo agrave indiferenccedila pelo ou-

tro A aceitaccedilatildeo generalizada da diferenccedila eacute a expressatildeo exata da indiferenccedilardquo (p85) conside-

rada pelo autor como a nova forma de barbaacuterie e promotora de barbaacuteries

O argumento foi aqui conduzido de modo a demonstrar que a atomizaccedilatildeo desemboca

na indiferenccedila Aleacutem disso foi pontuada a formaccedilatildeo como alternativa para reduzir a distacircncia

entre cultura e humanidade A partir dessas observaccedilotildees eacute possiacutevel atribuir agrave educaccedilatildeo o com-

promisso de possibilitar ao humano a verdadeira inserccedilatildeo na experiecircncia o que ocorre pela

consciecircncia de que natildeo haacute formaccedilatildeo humana sem a re-significaccedilatildeo do passado a plenitude do

presente como tempo no qual podemos agir e o olhar visionaacuterio ao que viraacute

Relaciono tudo isso ao termo utopia pois nada justifica melhor essa vinculaccedilatildeo e con-

tinuidade histoacuterica do que esse termo Em entendimento mais detalhado e sigo aqui as opor-

tunas consideraccedilotildees de Gadamer no texto O que eacute praacutexis As condiccedilotildees da razatildeo social uto-

pia ldquonatildeo eacute um esboccedilo de objetivos de accedilatildeo O caracteriacutestico da utopia eacute mais claramente que

nos conduz ateacute o momento da accedilatildeo [] Natildeo eacute primeiramente um projeto de accedilatildeo mas uma

criacutetica do presenterdquo (1983 p50) Assim eacute que se efetiva a estreita relaccedilatildeo entre o olhar que

vislumbra a plena realizaccedilatildeo do estado humano e que no entanto o faz mais como um olhar

criacutetico ao momento presente e aos constituintes que permitiram chegar a esse estado atual

Assim sendo o olhar ao presente assume sua funccedilatildeo na proacutepria dialeacutetica do esclarecimento

nesse processo histoacuterico de auto-reflexatildeo que permite a constituiccedilatildeo do humano pois na expe-

riecircncia utoacutepica ldquopermanece algo de negativo contra o que existe embora lhe continue a per-

tencerrdquo (TE p45) Nesse aspecto a utopia se vincula agrave esperanccedila a partir da qual Adorno

aponta para o que eacute verdadeiro ldquoa pergunta a colocar seria entatildeo se temos mais razatildeo para

amar o que sucede a noacutes para afirmar o que existe porque existe do que de tomar como ver-

22 Rodrigo Duarte (2007 p150 ss) analisa o problema do entrelaccedilamento de cultura e barbaacuterie a partir do enfo-que da induacutestria cultural sendo esta entendida como a exploraccedilatildeo planificada da cultura caracterizando a domi-naccedilatildeo da vida humana a partir da subversatildeo das manifestaccedilotildees culturais autecircnticas

83

dadeiro aquilo de que temos esperanccedilardquo (MM 61 p85) Esse aspecto da esperanccedila potildee em

conexatildeo a criacutetica do presente a partir do olhar ao passado a fim de questionar a aceitaccedilatildeo do

que existe simplesmente por estar dado a noacutes Por outro lado a criacutetica do presente eacute inscrita

sob o olhar da esperanccedila o caraacuteter eacutetico propriamente dito no qual o pensamento visualiza

aquilo que posso vir a ser no sentido de futuro

Na Criacutetica da razatildeo praacutetica ao diferenciar a causalidade natural da causalidade pela

liberdade sendo essa proacutepria do reino dos fins Kant renuncia radicalmente a consideraccedilatildeo ao

passado e o potildee como totalmente fluiacutedo por natildeo termos mais este momento agraves matildeos Consi-

derando o que determina a accedilatildeo a partir da segunda criacutetica qualquer tentativa de vincular o

fato presente ao passado subtrai toda responsabilidade moral E em se tratando de causalida-

de o ato somente eacute imputaacutevel pressupondo a autonomia do presente frente a qualquer influecircn-

cia passada

visto que o tempo passado natildeo estaacute mais em meu poder cada accedilatildeo que pratico tem que ser necessaacuteria mediante fundamentos determinantes que natildeo estatildeo em meu po-der isto eacute jamais sou livre no momento em que ajo [] Pois a cada momento estou sempre sob a necessidade de ser determinado a agir mediante aquilo que natildeo estaacute em meu poder e a [] seacuterie infinita dos eventos que eu sempre soacute prosseguiria segundo uma ordem jaacute predeterminada e natildeo iniciaria espontaneamente em parte alguma se-ria uma cadeia natural constante portanto minha causalidade jamais seria liberdade (CRPr sect169-170)

Essa forma de considerar a moralidade salva por um lado a accedilatildeo de todo determinis-

mo estranho ou predestinaccedilatildeo levando agrave possibilidade de alterar o curso dos acontecimentos

Nesses termos natildeo apenas sofro a accedilatildeo histoacuterica mas ajo sobre a histoacuteria o que eacute possiacutevel

somente ao ser racional possuidor de liberdade e autonomia da vontade Ao determinismo agrave

dependecircncia dos eventos passados Kant chamou de mecanismo natural por ser comum a

toda natureza dita irracional Mas e por outro lado essa quebra de vinculaccedilatildeo ao passado tem

como efeito colateral a fixaccedilatildeo no presente como momento suficiente na constituiccedilatildeo humana

Admitindo a necessidade de causalidade por liberdade em oposiccedilatildeo agrave natural com seu viacutenculo

ao passado a consequecircncia eacute o processo de individuaccedilatildeo do indiviacuteduo quando este assume a

etiqueta da era atocircmica

Em Adorno o passado e o presente estatildeo continuamente voltando sua face um ao ou-

tro em um processo de constituiccedilatildeo da moralidade identificado como o imperativo da gera-

ccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade Retomando o problema da atomizaccedilatildeo e a consequente indivi-

duaccedilatildeo a noccedilatildeo de viacutenculo temporal se constitui em alternativa decisiva significando a me-

moacuteria posta agrave salvo do esquecimento Faz-se indispensaacutevel que os choques do real no qual

84

estaacute a origem do pensamento natildeo se tornem momentos isolados na histoacuteria mas se configu-

rem em uma sucessatildeo intimamente vinculada e assim constituidora da consciecircncia Se por

um lado temos aqui a condiccedilatildeo para despertar o indiviacuteduo por outro quando ausente esta

noccedilatildeo de viacutenculo temporal as experiecircncias se tornam aacutetomos isolados Eacute o diagnoacutestico de que

a ldquovida transformou-se numa sucessatildeo intemporal de choques entre os quais se rasgam lacu-

nas intervalos paralisadosrdquo (MM 33 p46) Assim a vinculaccedilatildeo histoacuterica aqui defendida

constitui-se em desafio eacutetico-educativo na medida em que remete ao cuidado ao evitar os

elementos que no passado levaram ao problema enfrentado ldquoO cuidado com a memoacuteria fez

dela natildeo soacute um objeto de estudo mas tambeacutem uma tarefa eacutetica nosso dever consistiria assim

em preservaacute-la em salvar o desaparecido o passado em resgatar como se diz tradiccedilotildees vi-

das falas e imagensrdquo (GAGNEBIN 2007 p35) ou seja a experiecircncia vivida pelos outros e

pelo indiviacuteduo mesmo enquanto nuacutecleo de forccedila que impulsiona para novas experiecircncias de

vida superando os fatores perversos do passado e alimentando aquilo que contribuiu para a

constituiccedilatildeo eacutetica das relaccedilotildees humanas No sentido de resgatar tradiccedilotildees vidas falas ima-

gens Gagnebin afirma no mesmo texto que ldquomuitas pessoas entre noacutes nem precisam esque-

cer simplesmente natildeo sabem por exemplo o que essa palavra lsquoAuschwitzrsquo representardquo

(p37) Histoacuteria Filosofia Arte todas vinculadas agrave educaccedilatildeo no sentido de fazer valer a fala o

local do outro como testemunho de um momento da histoacuteria da humanidade mas mais que

isso como testemunho do ser humano que se constitui a partir do local ocupado pelo outro do

intercacircmbio de experiecircncias de vida

A fim de detalhar esse enfrentamento do passado e presente e a constituiccedilatildeo da mora-

lidade remeto ao texto O que significa elaborar o passado23 Nesse texto eacute possiacutevel perceber

a tocircnica que a interconexatildeo de passado e presente assume evitando a incisiva indiferenccedila que

a Criacutetica da razatildeo praacutetica enfatizou O passado natildeo eacute algo que natildeo estaacute mais agrave matildeo mas eacute

material disponiacutevel para toda dialeacutetica entre presente e utopia entre o estado atual e a neces-

sidade de vislumbrar algo melhor como criacutetica agravequilo que permitiu ao presente se converter

naquilo que eacute Em tal texto Adorno aponta o problema de que o ldquodesaparecimento da consci-

ecircncia da continuidade histoacuterica [eacute] um sintoma daquela fraqueza social do eu que Horkhei-

mer e eu jaacute procuramos derivar na Dialeacutetica do esclarecimentordquo (EE p32) Retomando a

obra de 1947 tem-se o que significa esta fraqueza do eu ldquoOs homens receberam o seu eu

como algo pertencente a cada um diferente de todos os outros para que ele possa com maior

seguranccedila se tornar igualrdquo (DE p27)

23 Em Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo p29

85

Essa igualdade se deve dentre outros aspectos agrave natildeo vinculaccedilatildeo das experiecircncias en-

tre si e da natildeo vinculaccedilatildeo do proacuteprio indiviacuteduo agrave sua totalidade de experiecircncias O que signi-

fica a tentativa de gerar coesatildeo pela coerccedilatildeo que soacute eacute possiacutevel com a efetivaccedilatildeo da era atocircmi-

ca ldquoA unidade da coletividade manipulada consiste na negaccedilatildeo de cada indiviacuteduo seria digna

de escaacuternio a sociedade que conseguisse transformar os homens em indiviacuteduosrdquo (DE p27) O

problema eacute que esses indiviacuteduos mesmos cuja condiccedilatildeo de existecircncia eacute a lucidez de seu tem-

po de experiecircncias contiacutenuas acabam por natildeo serem capazes de agir movidos pela consciecircn-

cia provinda de tais experiecircncias mas a partir da igualdade gerada pela vergonha ou medo de

ser diferente ldquoQue todos os homens sejam iguais uns aos outros eacute precisamente o que viria a

calhar para a sociedade Ela considera as diferenccedilas reais ou imaginaacuterias como marcas igno-

miniosas que atestam que natildeo se avanccedilou o bastante que algo escapou da maacutequina e natildeo estaacute

inteiramente determinado pela totalidaderdquo (MM 66 p89) Tal maacute universalidade nega a pos-

sibilidade de compartir as diferenccedilas pondo o universal como a anulaccedilatildeo dessas Para Adorno

a vida em sociedade deveria ser conduzida tendo o ideal de integraccedilatildeo das diferenccedilas como

seu objetivo pois a proposta de coesatildeo sem violecircncia se constitui no sentido do proacuteprio termo

sociedade

uma sociedade emancipada natildeo seria nenhum Estado unitaacuterio mas a realizaccedilatildeo efe-tiva do universal na reconciliaccedilatildeo das diferenccedilas A poliacutetica que ainda estiver seria-mente interessada em tal sociedade natildeo deveria propagar a igualdade abstrata das pessoas sequer como uma ideacuteia Em vez disso ela deveria apontar para a maacute igual-dade hoje para a identidade entre os interessados no cinema e os interessados em armamentos pensando contudo a situaccedilatildeo melhor como aquela na qual eacute possiacutevel ser diferente sem ter medo (MM 66 p89 ndash grifo nosso)

O universal pode entatildeo significar a ausecircncia do sujeito temos a individualidade mas

natildeo temos sujeitos ndash eacute o grave problema da ausecircncia de subjetividade caracteriacutestica da vida

no interior da sociedade do capitalismo tardio ldquoonde o indiviacuteduo natildeo pode ser sujeito instau-

ra-se uma individualidade cuja caracteriacutestica eacute a transformaccedilatildeo do sujeito mesmo em merca-

doria que oferece como vantagem e valor a forccedila de trabalho o proacuteprio corpo informaccedilatildeo ou

sua proacutepria consciecircnciardquo (TIBURI 2005 p129) Diante disto a ldquofilosofia de Adorno filia-se

[] agrave criacutetica do individualismo como resto danificado do sujeitordquo (ibidem p135)

A ecircnfase kantiana do passado destituiacutedo de seu elemento de causalidade inscreve o su-

jeito eacutetico em um presente contiacutenuo e o resultado eacute que ldquoa humanidade se aliena da memoacuteria

esgotando-se sem focirclego na adaptaccedilatildeo ao existenterdquo (EE p33) Evitar tal adaptaccedilatildeo e aliena-

ccedilatildeo eacute tarefa da educaccedilatildeo em seu processo de constituiccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade em meio

ao todo atomizado e a consideraccedilatildeo do passado em seu elemento promotor e necessaacuterio agrave

86

dialeacutetica do esclarecimento24 somente vai ocorrer ldquono instante em que estiverem eliminadas

as causas do que passourdquo (EE p49)

O que surge de todas essas discussotildees eacute que o estabelecimento de viacutenculos estaacute na base

de todas as discussotildees eacuteticas Viacutenculo enquanto diferenccedilas que natildeo nos tornam indiferentes

enquanto necessidade de consciecircncia dos momentos histoacutericos dos tempos que se conectam

na formaccedilatildeo do humano viacutenculo enquanto importacircncia de formar identidade a partir das di-

versas experiecircncias individuais que permitem o reconhecimento do outro e o reconhecimento

de si Viacutenculo eacute a geraccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade Com isso alguns problemas surgem

provocantes Como a educaccedilatildeo pode se comprometer diante disto Eacute possiacutevel reivindicar que

a escola promova ou eduque para o estabelecimento de tais viacutenculos Como significar etica-

mente a educaccedilatildeo tendo como base tais desafios e a concepccedilatildeo de sujeito ateacute entatildeo defendi-

da Como soluccedilatildeo para tais questionamentos seraacute desenvolvido argumento em defesa da sig-

nificaccedilatildeo eacutetico-educativa a partir do termo plasmar linguiacutestico O eixo norteador estaacute entatildeo

no sentido eacutetico que envolve o dar forma agrave linguagem a partir do espaccedilo escolar e em sentido

mais amplo a partir dos processos formativo-educacionais que se estabelecem no decorrer das

experiecircncias de vida do indiviacuteduo

52 A eacutetica e a esteacutetica em sua dimensatildeo pedagoacutegica

Natildeo eacute possiacutevel conceber a educaccedilatildeo sem a vinculaccedilatildeo com a eacutetica e a eacutetica natildeo tem

outro ponto de apoio a natildeo ser o esteacutetico ndash enquanto o sensiacutevel aquela materialidade corpoacuterea

que rompe o abstrato ndash o qual repotildee a preocupaccedilatildeo sobre a formaccedilatildeo humana Eacute necessaacuterio

que ocorra esta reposiccedilatildeo do interesse sobre a formaccedilatildeo e aqui em sentido formal de

instituiccedilotildees de ensino pois esse espaccedilo eacute local privilegiado de desenvolvimento da

consciecircncia da realidade consciecircncia do outro consciecircncia de si Em outras palavras a escola

tem a grande possibilidade de aperfeiccediloar as experiecircncias e educar a sensibilidade o que

seria em linhas gerais a educaccedilatildeo esteacutetica Enfatizo que a consciecircncia da realidade do

reconhecimento do outro e de si mesmo em natildeo sobreposiccedilatildeo deveria ser o motor esteacutetico e

eacutetico da formaccedilatildeo desde a infacircncia

Isso remete agrave preocupaccedilatildeo esteacutetica de Adorno no que se refere agrave formaccedilatildeo escolar

Deveriacuteamos ter preocupaccedilatildeo com aquilo que as crianccedilas tecircm em defasagem aquilo que

24 O passado se torna promotor da dialeacutetica do esclarecimento pelo fato de manter o ser humano luacutecido dos moti-vos pelos quais o presente assumiu determinadas caracteriacutesticas Tambeacutem por dar condiccedilotildees de o pensamento retornar sobre si mesmo compreendendo sua formaccedilatildeo histoacuterica

87

muitas vezes natildeo conseguem aprender ldquoo indescritiacutevel empobrecimento do repertoacuterio de

imagens da riqueza de imagines sem a qual elas crescem o empobrecimento da linguagem e

de toda a expressatildeordquo25 dirigindo o olhar a esse problema para ldquodiscutir se a escola natildeo pode

assumir esta tarefardquo (EE p146) Esse olhar que recai sobre as instituiccedilotildees de ensino

propondo o desafio de ser o espaccedilo no qual este repertoacuterio mental de imagens de linguagem

encontraria seu pleno desenvolvimento eacute plenamente possiacutevel de aceitaccedilatildeo Enfaticamente

essas instituiccedilotildees natildeo podem se abster dessa tarefa em vista do criteacuterio qualitativo que

permeia a educaccedilatildeo para aqueacutem dos iacutendices de aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo das ampliaccedilotildees

de espaccedilos fiacutesicos (sem eacute claro abstrair da importacircncia de tais criteacuterios) No momento em

que a escola assume a tarefa de gerar esse enriquecimento de imagens e de linguagem a

preocupaccedilatildeo recai sobre a ampliaccedilatildeo mental a ampliaccedilatildeo dos referenciais interpretativos do

mundo ampliaccedilatildeo da capacidade de realizar experiecircncias no mundo

Esse eacute o meio no qual a crianccedila jaacute deve ser inserida e muito mais eacute esse o meio que a

crianccedila jaacute deve estar construiacutendo seu meio proacuteprio no qual habita sua linguagem Isso

encontra fundamentos a partir principalmente de Gadamer para quem a linguagem ldquonatildeo eacute

um mero instrumento ou um dom excelente que possuiacutemos como homens mas o meio no

qual vivemos desde o comeccedilo como seres sociais e que manteacutem aberto o todo no qual

existimosrdquo (1983 p11) Assim sendo ldquocada vez que se leva a cabo uma comunicaccedilatildeo natildeo soacute

se usa como tambeacutem se plasma a linguagemrdquo (p12) Seguindo essas linhas nota-se que o ser

humano natildeo usa a linguagem ele eacute linguagem eacute comunicaccedilatildeo que se efetiva no diaacutelogo

efetivo ou seja que modifica os envolvidos ndash o que significa em uacuteltima instacircncia o plasmar

do humano o plasmar da linguagem

Noacutes somos a palavra a linguagem noacutes natildeo a usamos noacutes nela vivemos ldquoas palavras

que usamos na linguagem nos satildeo a tal ponto familiares que estamos aiacute por assim dizer nas

palavras Elas natildeo se tornam objeto O uso da liacutengua natildeo eacute de modo algum o uso de algo Noacutes

vivemos em uma liacutengua como em um elemento como o peixe na aacuteguardquo (GADAMER 2007

p95) Vislumbra-se o real desafio que eacute a sala de aula ela deve ser o espaccedilo do plasmar deste

mundo desse elemento no qual vivemos Pela construccedilatildeo da linguagem eacute possiacutevel construir

sentido gerar sentido por esta construccedilatildeo a proacutepria escola passa a ter sentido convertendo-se

em espaccedilo comum no qual constituiacutemos modos de compreender o mundo

25 Conforme Bruno Pucci ldquoao mesmo tempo que gera a padronizaccedilatildeo de tudo a Induacutestria Cultural atrofia a ima-ginaccedilatildeo a espontaneidade a atividade intelectual do espectador Faz desaparecer tanto a capacidade de criacutetica como a do respeito ao ser humano Exclui o diferente o novo Ateacute o divertir-se significa estar de acordo Sob o monopoacutelio privado da cultura a tirania deixa o corpo e vai direto agrave alma (2007 p31 ndash grifo do autor)

88

A relaccedilatildeo disso com a proposta de significaccedilatildeo eacutetica para a educaccedilatildeo se evidencia no

momento em que percebemos a importacircncia da relaccedilatildeo com o outro com a alteridade como

condiccedilatildeo para este plasmar da linguagem desse meio em que vivemos Sendo a eacutetica o

pressuposto que nos orienta na boa conduccedilatildeo e construccedilatildeo do indiviacuteduo no interior das

experiecircncia coletivas a sala de aula se converte em espaccedilo privilegiado no qual os sujeitos ali

envolvidos se percebem no desafio de dar forma a esse meio construiacute-lo como espaccedilo

comum o habitat sem o qual natildeo nos orientamos adequadamente o habitat referencial que

nos identifica e ao mesmo tempo nos vincula26 O grave problema eacute que haacute um desmembrar

desse mundo desse meio O professor plasma ndash daacute forma ndash a sua linguagem a partir de sua

funccedilatildeo o aluno constitui sua linguagem seu meio tendo como referecircncia sua posiccedilatildeo muitas

vezes apenas receptiva cada um como um aacutetomo isolado natildeo consegue constituir a ceacutelula a

partir do qual se constitui o corpo comum denominado sala de aula Eacute como se cada um dos

envolvidos habitasse as fronteiras do territoacuterio e uma terra de ningueacutem permaneceria

inabitada a linguagem comum permaneceria sem ganhar forma sem ser plasmada e

consequentemente ficaria falha a proacutepria expressatildeo do indiviacuteduo a manifestaccedilatildeo de sua

concretude27

Nesse sentido a linguagem natildeo se constitui simplesmente em um sistema de signos

utilizados para dizer algo Ela eacute salva a partir do conceito constelaccedilatildeo28 natildeo tendo mais sua

finalidade exclusivamente na representaccedilatildeo e definiccedilatildeo de conceitos Na Criacutetica da razatildeo

pura (B93ss) o juiacutezo ndash a capacidade de pensar e definir ndash eacute dado como a ldquorepresentaccedilatildeo de

uma representaccedilatildeo de um objetordquo ou seja a representaccedilatildeo de um conceito criado pela

faculdade do entendimento A partir da Dialeacutetica negativa o sensiacutevel sobrevive a partir de

seu meio linguiacutestico o qual eacute extinguido pelo pensamento reduzido ao conceito ignorando o

caraacuteter de constelaccedilatildeo e o elemento concreto

O momento unificador sobrevive sem a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo e mesmo sem entregar-se agrave abstraccedilatildeo enquanto princiacutepio supremo de modo que natildeo se progride a partir de conceitos e por etapas ateacute o conceito superior mais universal mas esses conceitos entram em uma constelaccedilatildeo Essa constelaccedilatildeo ilumina o que haacute de especiacutefico no ob-jeto e que eacute indiferente ou um peso para o procedimento classificatoacuterio O modelo para isso eacute o comportamento da linguagem Ela natildeo oferece nenhum mero sistema de signos para as funccedilotildees do conhecimento Onde ela se apresenta essencialmente

26 Para Kant o que nos vincularia eacute a ideia de reino de fins O que se defende aqui eacute a vinculaccedilatildeo a partir da forma dada ao meio no qual vivemos a partir desse plasmar linguiacutestico que identifica cada um e a partir do qual podemos nos relacionar 27 Sobre o conceito de concreto ver capiacutetulo 4 28 Conforme desenvolvido no segundo capiacutetulo a constelaccedilatildeo refere-se aos diversos olhares ndash diversos conceitos ndash que entram em tensatildeo quando se quer conhecer algo tambeacutem faz referecircncia agrave diversidade de experiecircncias que natildeo se esgotando contribuem para o entendimento de algo

89

enquanto linguagem e se torna apresentaccedilatildeo ela natildeo define seus conceitos [] Na medida em que os conceitos se reuacutenem em torno da coisa a ser conhecida eles de-terminam potencialmente seu interior alcanccedilam por meio do pensamento aquilo que o pensamento necessariamente extirpa de si (2009 p140-141 ndash grifo nosso)

Estamos diante de uma diferenccedila a linguagem eacute tatildeo somente um sistema de signos a

partir do qual o conceito eacute dito ou a linguagem eacute o meio no qual cada um vive se manifesta

e a partir do qual deve ser conhecido Conforme Tiburi ldquona filosofia adorniana a linguagem

deixa de ser um objeto em seu sentido puro e simples ou um instrumento para designar obje-

tos ela passa a ser lugar de uma experiecircncia [] A proacutepria linguagem aparece como experi-

ecircncia enquanto conviacutevio e fala sem dominaccedilatildeo sobre o natildeo-idecircnticordquo (2005 p68) A Teoria

esteacutetica nos indica a relaccedilatildeo que se estabelece entre a linguagem e o concreto destacando

exatamente o caraacuteter de meio linguiacutestico ldquoo meio pelo qual as obras de arte existentes satildeo

mais do que a existecircncia natildeo eacute um novo ser-aiacute mas a sua linguagem As obras autecircnticas fa-

lam mesmo quando recusam a aparecircnciardquo (p124) Esse ser mais do que a existecircncia indica

algo surgido para aleacutem do evidente do que aparece Ou seja indica o elemento concreto que

precisa ser percebido a partir do seu meio compreendido aqui como meio linguiacutestico local

em que se efetivam as experiecircncias nos comunicamos sem contudo ocorrer sobreposiccedilatildeo de

interlocutores Dizer que a obra de arte fala mesmo quando recusa a aparecircncia ndash tornando-se

natildeo-evidente ndash faz considerar o essencial como aquilo que permanece escondido e por isso

mesmo provocativo Reconhecer esse caraacuteter essencial eacute tarefa da razatildeo que respeita a cons-

telaccedilatildeo de momentos que se inter-relacionam e constituem sentido

o sentido de uma obra de arte eacute ao mesmo tempo a essecircncia que se oculta no faacutetico traduz em apariccedilatildeo o que esta de outro modo esconde A organizaccedilatildeo da obra de ar-te isto eacute o agrupamento dos seus momentos e o seu inter-relacionamento tem este objetivo e eacute difiacutecil mediante a atitude criacutetica distingui-lo do elemento afirmativo da aparecircncia da realidade do sentido tatildeo cuidadosamente como agradaria agrave constru-ccedilatildeo conceptual filosoacutefica (TE p124-125)

Deparamo-nos com a necessidade de atribuir o sentido esteacutetico da obra de arte ao proacute-

prio ser humano Quanto de noacutes se oculta na manifestaccedilatildeo do faacutetico Natildeo estaria o essencial

o verdadeiro nesse conteuacutedo que se oculta Enquanto alternativa de novas descobertas e no-

vos sentidos sim ali estaacute o verdadeiro pois o pensamento que pensa compreender se percebe

insuficiente exigindo o renovar da experiecircncia Diante desse oculto no qual estaria a verdade

o pensamento que retorna a si mesmo natildeo mais se reconhece mas percebe-se estranho em sua

insuficiecircncia de conteuacutedo Poreacutem eacute somente ldquono olhar para o desviante no oacutedio agrave banalidade

90

na busca do que ainda natildeo estaacute gasto do que ainda natildeo foi capturado pelo esquema conceitual

geral que reside a derradeira chance do pensamentordquo (MM 41 p58)

Afirmado na Minima moralia (122 p168) e repetido em Dialeacutetica negativa (2009

p48) esse estranhamento do pensamento sobre ele mesmo permite a abertura para o novo que

estaacute oculto no faacutetico E mais eacute a chance para pensar uma relaccedilatildeo verdadeira entre o pensa-

mento e o pensado ldquoVerdadeiros satildeo apenas aqueles pensamentos que natildeo compreendem a si

mesmosrdquo Natildeo compreendem a si mesmo devido ao desvio ocorrido na regra tradicional da

adequaccedilatildeo entre pensamento e pensado como sendo a verdade Conforme indicado em Dialeacute-

tica negativa (p43) os pensamentos devem ir ao extremo nada deve deter esta capacidade

humana denominada pensar Isso significa em uacuteltimas palavras ldquopensar perigosamente es-

timular o pensamento a partir da experiecircncia da coisa natildeo recuar diante de nada natildeo se dei-

xar embaraccedilar por qualquer conveniecircncia do previamente pensadordquo (OPF p23) A lingua-

gem enquanto posse de um sujeito que diz algo estaacute em conexatildeo com uma novidade a lin-

guagem enquanto meio no qual esse outro estaacute inserido o que impotildee a necessidade de natildeo

recuar diante do natildeo pensado mas encontrar nisso a chance para a filosofia e para a possibili-

dade de reafirmar o plasmar da linguagem como sendo o fundo moral da constituiccedilatildeo do hu-

mano Tudo isso enfatiza a ideia do plasmar linguiacutestico da sala de aula como resultado de uma

relaccedilatildeo entre sujeitos os quais ao mesmo tempo em que constituiacuterem linguagem devem ser

compreendidos a partir dessa constituiccedilatildeo Poreacutem essa constituiccedilatildeo natildeo ocorre somente em

sala de aula mas jaacute eacute algo que o aluno vem constituindo anteriormente agrave vida escolar e conti-

nuaraacute constituindo em paralelo agrave escola nas diversas relaccedilotildees que estabelece na vivecircncia so-

cial Desse modo compreender o outro significa tambeacutem compreender seu meio linguiacutestico

anterior e paralelo agrave escola

Como eacute possiacutevel vincular a formaccedilatildeo eacutetica a partir do plasmar linguiacutestico Como eacute

possiacutevel que no viacutenculo com o outro em seu meio linguiacutestico e aqui focado no ambiente sala

de aula seja derivada a sensibilizaccedilatildeo moral A vinculaccedilatildeo entre arte filosofia e educaccedilatildeo

se constitui em alternativa pedagoacutegica fundamental para pensar a formaccedilatildeo e a sensibilizaccedilatildeo

moral O sentido da eacutetica e moral eacute posto aqui seguindo as linhas de Hermann em sua es-

treita relaccedilatildeo com a educaccedilatildeo e como devendo ser preocupaccedilatildeo da filosofia da educaccedilatildeo Em

Autocriaccedilatildeo e horizonte comum

a investigaccedilatildeo sobre o sentido eacutetico da educaccedilatildeo estaacute muito proacutexima das questotildees mais pungentes com as quais os educadores se defrontam e que longe de ser uma fi-nalidade metafiacutesica ou de diletantismo as questotildees eacuteticas podem ser trabalhadas como uma arte de viver (2010 p92 ndash grifo nosso)

91

O meio linguiacutestico solidamente constituiacutedo esse meio no qual estamos inseridos eacute

condiccedilatildeo para desenvolver a arte de viver Eacute nesse meio para aleacutem dos meros signos a partir

dos quais dizemos o mundo que a arte de viver encontra sua condiccedilatildeo de desenvolvimento

ou de aprendizagem Em outras palavras o lugar ocupado pelo outro e por mim a considera-

ccedilatildeo pela experiecircncia individual enquanto local da manifestaccedilatildeo do concreto que identifica

cada um e a partir do qual devemos ser reconhecidos as estrateacutegias que orientam o modo co-

mo habitamos nosso meio podem ser entendidos para usar a expressatildeo de Hermann como

arte de viver Tudo isso eacute fundamental para a educaccedilatildeo e somente teremos condiccedilotildees de edu-

car pessoas capazes de habitar qualificadamente o meio em que vivem no momento em que

dermos a devida atenccedilatildeo ao modo como se estaacute plasmando a linguagem como se estaacute edifi-

cando esse meio proacuteprio no qual vivemos Dessa forma mediante a educaccedilatildeo ocorre o ldquopro-

cesso compreensivo que exige quebrar nossas resistecircncias para nos abrirmos ao outro para

deixar valer a palavra do outro O encontro com a alteridade nos enriquece ao integrar o que

nos falta ao experimentar que nem sempre o que sabemos eacute suficiente para compreender a

situaccedilatildeordquo (HERMANN 2010 p117 ndash grifo nosso) A experiecircncia do mundo natildeo pode ser

outra a natildeo ser aquela que permite valer a palavra do outro Nesse sentido eacute que a sala de aula

deve assumir algumas tarefas baacutesicas ser o espaccedilo no qual a linguagem eacute formada permitir

que o outro compartilhe dessa linguagem sem medo garantir a subjetividade apta a reconhe-

cer esse meio no qual o outro estaacute inserido Sobre isto recai o sentido eacutetico-educativo de sujei-

to esteacutetico esse que eacute capaz de realizar experiecircncias sempre renovadas com aquilo que o ou-

tro eacute em sua concretude

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Proponho estas consideraccedilotildees em trecircs blocos temaacuteticos nos quais estabeleccedilo as

relaccedilotildees entre os capiacutetulos e indico alguns elementos que considero decisivos para entender a

significaccedilatildeo eacutetico educativa do sujeito poacutes-metafiacutesico em Adorno

I

O termo plasmar linguiacutestico estaacute em iacutentima conexatildeo com o ideal de construccedilatildeo O ato

pedagoacutegico natildeo se identifica com produccedilatildeo pois nessa os envolvidos agem sobre o outro

como se esse uacuteltimo fosse um objeto a ser manipulado A produccedilatildeo ocorre nos moldes

tecnoloacutegicos de fabricaccedilatildeo de materiais um utensiacutelio domeacutestico eacute produzido um automoacutevel eacute

produzido produzem-se alimentos etc A sala de aula eacute local de construccedilatildeo portanto natildeo

possui nenhuma semelhanccedila com manipulaccedilatildeo Por ser ato construtivo ocorre o

reconhecimento da novidade do outro e do local do outro O imprevisto passa a ser elemento

altamente qualificado pois eacute o outro (aqui entendido tanto o aluno quanto o professor) que

estaacute manifestando-se e contruindo-se plasmando o meio em que habita e a partir do qual se

relaciona ndash sua linguagem ndash tanto em dimensotildees pessoais quanto em dimensotildees de grupo Na

relaccedilatildeo o termo constelaccedilatildeo indica o modo como tudo isso ocorre Compreender e dizer o

outro significa consideraacute-lo a partir da constelaccedilatildeo de momentos historicamente construiacutedos

O problema com que precisamos nos defrontar eacute se as instituiccedilotildees de ensino satildeo capazes de

realmente perceber esta constelaccedilatildeo proacutepria de cada indiviacuteduo e ainda se tais instituiccedilotildees

estatildeo sendo promotoras de tais momentos construtivos Natildeo raro percebemos atividades

isoladas (principalmente em projetos desenvolvidos nas escolas) como atividades-extras que

natildeo somam a esse plasmar linguiacutestico natildeo se inserem dentro de uma constelaccedilatildeo de

momentos

II

Existe algum pressuposto a ser levado em consideraccedilatildeo no momento da relaccedilatildeo com o

outro A confirmaccedilatildeo de pressupostos pode ser defendida como radicalmente necessaacuteria O

maior problema estaacute em que consistem tais pressupostos Para esclarecer isso em primeiro

93

lugar faccedilo uma referecircncia a um aspecto negativo A sala de aula enquanto momento de

encontro com a concretude (este indiviacuteduo portador de sentido para aleacutem das atribuiccedilotildees

apreendidas) a partir da perspectiva eacutetica e tambeacutem na perspectiva do conhecimento natildeo

pode seguir o paracircmetro da razatildeo que como juiacuteza dita as regras e obriga o objeto a responder

a tais interrogaccedilotildees Para Kant este eacute o atributo da razatildeo ditar as regras agrave natureza e esta

tem como atributo dar uma resposta ndash eacute a tradicional relaccedilatildeo sujeito e objeto posta como

nuacutecleo epistemoloacutegico e eacutetico

Negando esta relaccedilatildeo o professor passa a ser um personagem fundamental mas natildeo

absoluto em termos de conduccedilatildeo do processo de ensino e aprendizagem Em sala de aula natildeo

raro nos deparamos com a novidade do outro dada a partir do seu local proacuteprio e que potildee em

crise os procedimentos previamente calculados Se nossa razatildeo obrigasse agrave respostas

conforme as interrogaccedilotildees por ela postas todo plano de ensino natildeo seria passiacutevel de falha

pois o objeto aluno seria obrigado a responder aos ditames prescritos O problema estaacute em

como a razatildeo que dita as regras reagiraacute diante da novidade que surge do outro em sua

condiccedilatildeo de concreto na qual resiste sempre em expressatildeo de Hermann uma promessa de

vida E essa promessa obriga tanto o professor quanto o aluno a admitir o local que o outro

ocupa como sendo o local a partir do qual devemos compreender ou conhecer Essa

manifestaccedilatildeo natildeo eacute serva dos ditames racionais poreacutem ocorre tatildeo somente no momento em

que o corpo surge e a sensibilidade se defronta com ele Se em momento posterior a razatildeo

com o entendimento realiza a siacutentese a conceituaccedilatildeo o ajuizamento o pressuposto fundante

de todo esse percurso estaacute no reconhecimento do outro em seu local de manifestaccedilatildeo seu

meio linguiacutestico

Isso remete em Adorno agrave perda da evidecircncia Somente eacute possiacutevel a centralidade posta

na razatildeo que dita as regras ao outro se admitirmos esse outro meramente como um material

passivo e a linguagem como sendo unicamente um meio de dizer algo um instrumento da

razatildeo A educaccedilatildeo infantil eacute exemplo paradigmaacutetico de tal desafio O periacuteodo de adaptaccedilatildeo

nada mais eacute do que o momento de constituir linguagem comum Eacute o momento em que o

professor se defronta com os limites sensiacuteveis da razatildeo e assim percebe que eacute insuficiente

ditar regras sendo necessaacuterio constituir o meio linguiacutestico Constituiacutemos linguagem como

seres viventes vivemos a linguagem como sendo o local que constituiacutemos ndash nosso loacutecus proacute-

prio cada um de noacutes enquanto envolvidos do processo de ensino e aprendizagem comparti-

lhamos desse mundo linguiacutestico esperando que sejamos compreendidos a partir da manifesta-

ccedilatildeo deste meio constituiacutemos linguagem comum no momento em que nos permitimos coabitar

e criar sentido exatamente por esse estar junto O pressuposto da relaccedilatildeo estaacute no reconheci-

94

mento de que o outro ocupa um local proacuteprio constituiacutedo por ele e que ao mesmo tempo o

constitui

No entanto muito aleacutem da educaccedilatildeo infantil percorrendo todos os niacuteveis de ensino

quando a sala de aula se transforma em um meio linguiacutestico comum a todos promove-se jun-

tamente com a construccedilatildeosignificaccedilatildeo dos conhecimentos a educaccedilatildeo moral do ser humano

eacute a partir daiacute que devemos pensar a educaccedilatildeo em uma perspectiva eacutetica Essa promessa de

vida eacute difiacutecil de ser aceita nas praacuteticas pedagoacutegica orientadas pela razatildeo que deve ditar as

regras ao outro meramente obediente

A perda da evidecircncia se constitui para Adorno em instigaccedilatildeo ao pensamento Nada

mais haacute de oacutebvio vivemos em uma eacutepoca tecnoloacutegica onde as identidades on-line satildeo masca-

radas a proacutepria relaccedilatildeo abstrai o corpo priorizando um perfil virtual Outro problema eacute o en-

cobrimento ideoloacutegico que os fatos podem receber o que somado agrave fraqueza de entendimen-

to resulta na desqualificaccedilatildeo do material apreendido pelos sentidos Reconstruindo o argu-

mento com a ausecircncia dos limites que somente o corpo pode nos dar nossa capacidade per-

ceptiva de sensibilidade apreende um material desqualificado possivelmente carente de da-

dos reais ou muito aqueacutem do concreto apontado pelo filoacutesofo de Frankfurt como o local da

verdade Por isso eacute que a esteacutetica enquanto aisthesis capacidade de percepccedilatildeo do outro estaacute

intimamente vinculada a esse ideal de formaccedilatildeo eacutetica e sobre isso recai a necessidade do aacuter-

duo esforccedilo pedagoacutegico educar a sensibilidade a percepccedilatildeo do outro educar para o reconhe-

cimento do local do outro educar para constitui um local comum Pensar eticamente a educa-

ccedilatildeo eacute proporcionar ao ser humano as condiccedilotildees para se relacionar com o corpo qualificada-

mente bem como prover as condiccedilotildees para ampliar a consciecircncia a ponto de estar apto a

reconhecer e reagir diante de compreensotildees ou comportamentos estandardizados A educaccedilatildeo

deveria levar o indiviacuteduo a ocupar qualificadamente seu espaccedilo e tempo de vida

III

O imperativo categoacuterico tem o objetivo em palavras kantianas conforme a Fundamen-

taccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes de gerar uma ligaccedilatildeo sistemaacutetica entre os seres humanos

Enquanto lei moral tal imperativo deve orientar o estabelecimento de maacuteximas as quais nos

conduzem na accedilatildeo Entre a lei moral e a accedilatildeo Kant (MC) define a existecircncia de uma folga

para a livre escolha do modo como ocorreraacute a aplicaccedilatildeo da lei Mesmo assim a relaccedilatildeo com a

moralidade tem o uacutenico criteacuterio da lei e mesmo que pudermos encontrar vaacuterias formas de

aplicaacute-la o fio condutor estaacute previamente dado Em criteacuterios morais natildeo haacute possibilidade de

95

afastamento da lei de modo que a escolha natildeo eacute de todo livre pois cada accedilatildeo deve ser com-

patiacutevel com tal imperativo moral Natildeo existem muitas opccedilotildees devo somente seguir a lei De

tal modo a livre escolha segue somente criteacuterios loacutegicos de adequaccedilatildeo (lei ndash maacutexima ndash

praacutetica) a accedilatildeo natildeo pode se afastar da lei se quiser salvar a ligaccedilatildeo sistemaacutetica denominada

reino dos fins O olhar dirigido para a lei moral dentro de noacutes assim como o dirigimos para o

ceacuteu estrelado acima de noacutes como forma de orientaccedilatildeo pode nos tornar cegos agraves

reivindicaccedilotildees de vida do outro gerando a relaccedilatildeo fria de um simples dever que preciso

seguir Desse modo natildeo eacute o outro que me move agrave accedilatildeo mas a loacutegica do dever Meu olho estaacute

posto nesse criteacuterio

Eacute exatamente no levar ao extremo esse espaccedilo para a livre escolha que reside o pro-

blema educacional Como educar a capacidade de escolha como tornar o ser humano apto a

decidir moralmente Eacute possiacutevel defender a necessidade da educaccedilatildeo que desenvolva modos

de experiecircncias com o outro na capacidade de visualizar sentir o corpo do outro como algo

que passiacutevel de destruiccedilatildeo precisa ser cuidado Aqui o imperativo natildeo eacute loacutegico-conceitual

mas eacute sensiacutevel posto ao deparar-me com o limite fiacutesico e com o limite do sentimento que o

outro tem Ningueacutem tem o direito de infligir dor ao outro pois esse outro eacute ser sensiacutevel muito

antes de ter a loacutegica desenvolvida Educaccedilatildeo e eacutetica exigem entatildeo desenvolver uma postura

humana diante daquilo que natildeo pode ser reduzido ao conceito a dor o sofrimento a

concretude do outro Assim eacute que se conecta a esteacutetica enquanto sentidos aptos a perceber a

vida em sua concretude a sensibilidade mesma Enquanto sensibilidade eacute pela esteacutetica que

ocorre o reconhecimento do local do outro o impulso agrave compreensatildeo e o impulso agrave accedilatildeo

REFEREcircNCIAS

ADORNO Theodor W Dialeacutetica negativa Traduccedilatildeo de Alfredo Brotons Muntildeoz Madrid Ediciones Akal 2005a (Obra Completa 6) _______ Dialeacutetica negativa Traduccedilatildeo de Marco A Casanova Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2009b _______ Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo 3 ed Traduccedilatildeo de Wolfgang Leo Maar Satildeo Paulo Paz e Terra 2003 _______ Experiecircncia e criaccedilatildeo artiacutestica ndash paralipocircmenos agrave ldquoTeoria Esteacuteticardquo Traduccedilatildeo de Artur Moratildeo Lisboa Ediccedilotildees 70 2003 (Arte e Comunicaccedilatildeo 81) _______ Kierkegaard construccioacuten de lo esteacutetico Traduccioacuten de Joaquiacuten C Mielke Ma-drid Ediciones Akal 2006 (Obra completa 2) _______ Minima Moralia ndash reflexotildees a partir da vida danificada Trad Luiz Eduardo Bicca 2 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1993 _______ Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico In ________ Palavras e sinais mode-los criacuteticos 2 Traduccedilatildeo de Maria Helena Ruschel Petroacutepolis Vozes 1995 p15-25 _______ Sobre sujeito e objeto In ________ Palavras e sinais modelos criacuteticos 2 Tradu-ccedilatildeo de Maria Helena Ruschel Petroacutepolis Vozes 1995 p181-201 _______ Teoria esteacutetica Traduccedilatildeo de Artur Moratildeo Lisboa Ediccedilotildees 70 [sd] (Arte e Comu-nicaccedilatildeo14) ADORNO Theodor W HORKHEIMER Max Dialeacutetica do Esclarecimento fragmentos filosoacuteficos Traduccedilatildeo de Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1985 AGAMBEN Giorgio A linguagem e a morte um seminaacuterio sobre o lugar da negatividade Traduccedilatildeo de Henrique Burigo Belo Horizonte UFMG 2006 ALVES JUacuteNIOR Douglas Garcia Dialeacutetica da vertigem Adorno e a filosofia moral Satildeo Paulo Escuta Belo Horizonte FumecFCH 2005 ANTELME Robert A espeacutecie humana Traduccedilatildeo de Clara Alvarez Lisboa Editora Ulisseia 2003 APEL Karl-Otto Eacutetica e responsabilidade o problema da passagem para a moral poacutes-convencional Traduccedilatildeo de Jorge Telles Menezes Lisboa Instituto Piaget 2007 ARENDT Hannah A vida do espiacuterito Traduccedilatildeo de Cesar A de Almeida Antocircnio A Hele-na Martins Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

97

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98

______ Pensar com a liacutengua In ____ Hermenecircutica em retrospectiva a posiccedilatildeo da filosofia na sociedade Vol IV Traduccedilatildeo de Marco Antocircnio Casanova Petroacutepolis Vozes 2007 p91-100 (Coleccedilatildeo Textos Filosoacuteficos) ______ Subjetividade e intersubjetividade sujeito e pessoa In ___ Hermenecircutica em re-trospectiva a virada hermenecircutica Traduccedilatildeo de Marco Antocircnio Casanova 2ed Pretoacutepolis Vozes 2007 p9-27 GAGNEBIN Jeanne Marie O que significa elaborar o passado In PUCCI Bruno LASTOacuteRIA Luiz AC N COSTA Berlarmino C G (org) Tecnologia cultura e formaccedilatildeo ainda Auschwitz Satildeo Paulo Cortez 2003 p35-44 ______ Sete aulas sobre linguagem memoacuteria e histoacuteria 2 ed Rio de Janeiro Imago 2005 GOacuteMEZ Vicente El pensamiento esteacutetico de Theodor W Adorno Madrid Ediciones Caacutete-dra 1998 GOacuteMEZ V WELLMER A Teoriacutea criacutetica y esteacutetica dos interpretaciones de Th W Ador-no Valegravencia Guada 1994 HABERMAS Juumlrgen A inclusatildeo do outro estudos de teoria poliacutetica Traduccedilatildeo de George Sperber Paulo A Soethe Milton C Mota Satildeo Paulo Loyola 2007 ______ O futuro da natureza humana a caminho de uma eugenia liberal Traduccedilatildeo de Kari-na Jannini Satildeo Paulo Martins Fontes 2004 HEIDEGGER Martin O fim da filosofia e a tarefa do pensamento In ___ Sobre a questatildeo do pensamento Traduccedilatildeo de Ernildo Stein Petroacutepolis Vozes 2009 p65-84 HERMANN Nadja Agrave procura de vestiacutegios da formaccedilatildeo In CENCI Angelo V DALBOS-CO Claudio A MUumlHL Eldon H Sobre filosofia e educaccedilatildeo racionalidade diversidade e formaccedilatildeo pedagoacutegica Passo Fundo UPF 2009 p149-160 ______ Autocriaccedilatildeo e horizonte comum ndash ensaios sobre educaccedilatildeo eacutetico-esteacutetica Ijuiacute Ed Unijuiacute 2010 ndash (coleccedilatildeo Fronteiras da educaccedilatildeo) ______ Eacutetica e esteacutetica uma relaccedilatildeo quase esquecida Porto Alegre EDIPUC-RS 2005 HOBSBAWM Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX Traduccedilatildeo de Marcos Santarrita Ed 2 30ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2005 ______ Globalizaccedilatildeo democracia e terrorismo Traduccedilatildeo de Joseacute Viegas Satildeo Paulo Com-panhia das letras 2007 HOumlFFE Otfried O ser humano como fim terminal Kant Criacutetica da faculdade do juiacutezo sectsect82-84 Studia Kantiana Santa Maria n8 p20-38 mai 2009 JAY Martin A imaginaccedilatildeo dialeacutetica histoacuteria da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pes-quisas Sociais Traduccedilatildeo de Vera Ribeiro Rio de Janeiro Contraponto 2008

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Page 2: O ÉTICO E O ESTÉTICO EM ADORNO - Pucrs · 2017. 9. 28. · Márcia Tiburi - Universidade Presbiteriana Mackenzie Porto Alegre Janeiro de 2012. Dados Internacionais de Catalogação

Mauricio Joatildeo Farinon

O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO EM ADORNO

Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo na Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PU-CRS como requisito parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Educaccedilatildeo

Orientadora Professora Doutora Nadja Mara Amilibia Hermann

Porto Alegre 2012

Mauricio Joatildeo Farinon

O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO EM ADORNO

Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo na Ponti-fiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS como requisito parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Educaccedilatildeo

Aprovada em 12 de janeiro de 1012

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________ Professora Orientadora - Professora Dra Nadja Mara Amilibia Hermann ndash PUCRS

_______________________________________________________________

Professor Convidado - Professor Dr Marcos Villela Pereira ndash PUCRS

_______________________________________________________________ Professor Convidado - Professor Dr Alexandre Fernandez Vaz ndash UFSC

_______________________________________________________________

Professor Convidado - Professora Dra Maacutercia Tiburi - Universidade Presbiteriana Mackenzie

Porto Alegre Janeiro de 2012

Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo ( CIP )

Bibliotecaacuteria responsaacutevel Acircngela Saadi Machado - CRB 101857

P285p Farinon Mauricio Joatildeo

O eacutetico e o esteacutetico em Adorno Mauricio Joatildeo Farinon ndash 2011 101 f 30 cm

Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica

do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2011 Orientador Prof Dra Nadja Mara Amilibia Hermann

1 Adorno Theodor W 1903-1969 2 Educaccedilatildeo - Filosofia 3

Pensamento criacutetico I Hermann Nadja orientador II Tiacutetulo

CDU 3701

Bibliotecaacuteria responsaacutevel Acircngela Saadi Machado - CRB 101857

AGRADECIMENTOS

Agrave minha esposa Betacircnia Beledeli Farinon pela companhia compreensiva e apoio em todos os

momentos Com ela aprendi o significado do ser outro

Aos meus pais pelas palavras de incentivo pela presenccedila marcante o carinho inigualaacutevel Por

estarem sempre comigo Aos meus irmatildeos com suas famiacutelias Principalmente ao meu irmatildeo

Altair por todo apoio nesta conquista

Um agradecimento especial agrave minha querida orientadora professora Dra Nadja Hermann

Com rigor carinho e amizade indicou o caminho intelectual a ser percorrido Fez de mim

muito mais que um doutor a ela devo parte do que sou

Ao professor Dr Claacuteudio Dalbosco pelas excelentes contribuiccedilotildees dadas para esta pesquisa

seja com membro da banca de qualificaccedilatildeo seja como colega e amigo na Universidade de

Passo Fundo Sempre eacute bom poder contar com amigos dispostos a contribuir em nossos em-

preendimentos

Agradeccedilo tambeacutem aos amigos Clecircnio Lago Eliana Xerri Clara Furtado Vanderlei Carbona-

ra Adilsom Eskelsen Grandes lembranccedilas dos momentos vividos na PUC e em outros espa-

ccedilos Com vocecircs estes quatro anos ganharam um sentido especial

A todos os meus alunos(as) e ex-alunos(as) Na convivecircncia e debates em aula foi possiacutevel

entender muito do que significa a eacutetica o que significa o outro o que significa educaccedilatildeo

Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da PUC-RS pela oportunidade de estar inte-

grado neste reconhecido programa e por possibilitar a conclusatildeo de mais esta etapa em minha

formaccedilatildeo Agradeccedilo tambeacutem a CAPES pelo apoio financeiro via bolsa de pesquisa durante

os quatro anos do doutorado

Meus agradecimentos a todos que de uma ou outra forma acompanharam estes quatro anos

de curso Todos fazem parte da minha histoacuteria e satildeo personagens fundamentais em minha

vida

RESUMO

Eacutetica esteacutetica e educaccedilatildeo satildeo os conceitos baacutesicos presentes nesta investigaccedilatildeo a qual

tem como paradigma orientador a Teoria Criacutetica de Theodor Adorno A partir das bases que

permitem conceber o sujeito poacutes-metafiacutesico em Adorno sob que condiccedilotildees eacute possiacutevel defen-

der o alargamento da experiecircncia como meio de constituiccedilatildeo da subjetividade a qual eacute a base

da consciecircncia moral e que significaccedilatildeo eacutetica surge para a educaccedilatildeo tendo em vista o sujeito

que moralmente precisa ser constituiacutedo com base na experiecircncia Partindo deste problema o

objetivo geral eacute discutir a noccedilatildeo de subjetividade poacutes-metafiacutesica em Adorno a fim de estabe-

lecer baseado em tal sujeito uma significaccedilatildeo eacutetico-educativa capaz de nortear a formaccedilatildeo do

humano e o desenvolvimento da consciecircncia moral Como indicativo teoacuterico a tese propotildee

que no momento em que a educaccedilatildeo se torna promotora de enriquecimento das experiecircncias

formativas eacute possiacutevel o alargamento do modo como ocorre a constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do su-

jeito eacutetico Isto nos conduz agrave constituiccedilatildeo do meio no qual o ser humano estaacute inserido meio

este denominado linguagem Portanto a defesa eacute sobre o plasmar linguumliacutestico como o desafio

eacutetico da formaccedilatildeo humana Articula-se a esteacutetica como fundamento sob o qual eacute possiacutevel de-

fender tal alargamento do conceito de experiecircncia e de constituiccedilatildeo da subjetividade O per-

curso teoacuterico inicia com a discussatildeo sobre o modo como ocorre a constituiccedilatildeo da subjetivida-

de e da consciecircncia moral em Kant cujo alicerce estaacute nos conceitos de finalidade e liberdade

para apoacutes compreender a mudanccedila proposta por Adorno no qual a esteacutetica estaacute em iacutentima

relaccedilatildeo com a eacutetica o que se evidencia a partir dos termos concreto constelaccedilatildeo comunica-

ccedilatildeo e conteuacutedo de verdade O meacutetodo eacute analiacutetico conceitual gerando um confronto entre estas

duas vertentes filosoacuteficas ao mesmo tempo em que propotildee significaccedilatildeo agrave praacutetica educacional

em ambiente escolar A proposta de reconhecimento do outro enquanto concretude que cons-

titui e habita um meio linguumliacutestico e a necessidade de a sala de aula ser o local privilegiado no

qual este meio deve ser plasmado eacute uma alternativa eacutetica para a formaccedilatildeo a partir da qual eacute

possiacutevel vislumbrar a escola enquanto local de desenvolvimento e qualificaccedilatildeo do humano

Palavras-chaves Eacutetica Esteacutetica Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Plasmar linguiacutestico

ABSTRACT

Ethics aesthetic and education are the basic concepts in this present investigation which has

as its guiding paradigm critical theory of Theodor Adorno Form the basis the allow us to

conceive the post-metaphysical subject in Adorno under what conditions is possible defend

the enlargement of the experience like a way of the constitution of the subjectivity which is

the basis of the moral consciousness and that ethic signification comes to the education in

view of the subject that morally need to be constituted based on the experience Starting

from this problem the general goal is to discuss the post-metaphysical subjectivity notion in

Adorno to establish based in such subject an ethical and educational meaning able to guide

the human formation and the moral consciousness development As theoretical indicative the

thesis proposes that in the moment that the education becomes an enrichment promoter of

the formation experiences is possible the enlargement of the way that happens the

constitution and the development of the ethic subject This guides us to the constitution of the

environment in which the mankind is inside this environment is called language Therefore

the defense is about the linguistic shape as the ethical challenge of human development It is

articulated the aesthetic as a foundation under which is possible to defend the enlargement of

the concept of the experience and the constitution of the subjectivity The theoretical

approach starts with a discussion on how the constitution of subjectivity and moral

consciousness in Kant happens whose foundation lies in the concepts of order and freedom

to after understand the change proposed by Adorno in which aesthetics is intimately related

to ethics as is evident from the terms of concrete constellation communication and real

content The method is analytical and conceptual creating a confrontation between these two

philosophical strands while proposing significance to educational practice in the school

environment The propose o recognize the other as a concrete who is inserted in a linguistic

environment and the necessity for the classroom to be an ideal place in which this

environment should be shaped is an ethical alternative to the formation from which we can

glimpse the school as a place of development and qualification of the human

Keywords Ethics Aesthetic Education Formation Linguistic shape

LISTA DE ABREVIATURAS ANTR ndash Antropologia de um ponto de vista pragmaacutetico

CRPu ndash Criacutetica da razatildeo pura CRPr ndash Criacutetica da razatildeo praacutetica

DE ndash Dialeacutetica do esclarecimento DN ndash Dialeacutetica negativa DOD ndash Discurso sobre a origem e fundamentos das desigualdades entre os homens

EE ndash Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo EXP ndash Experiecircncia e criaccedilatildeo artiacutestica ndash paralipocircmenos agrave ldquoTeoria Esteacuteticardquo

FMC ndash Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes K ndash Kierkegaard

MC ndash Metafiacutesica dos costumes MET ndash Metafiacutesica

MM ndash Miacutenima moralia OPF ndash Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico

PS ndash Palavras e sinais ndash modelos criacuteticos 2 SDMP ndash Sobre a discordacircncia entre moral e a poliacutetica a propoacutesito da paz perpeacutetua

SO ndash Sobre sujeito e objeto

TE ndash Teoria esteacutetica

SUMAacuteRIO INTRODUCcedilAtildeO 9

1 ASPECTOS EacuteTICOS DA CONSTITUICcedilAtildeO E DA FORMACcedilAtildeO DO HUMANO SEGUNDO KANT 19

11 A constituiccedilatildeo transcendental do sujeito eacutetico em Kant 22

12 O ideal de Reino dos fins e a determinaccedilatildeo moral do sujeito transcendental 26

2 THEODOR ADORNO E A CONCEPCcedilAtildeO DE PENSAMENTO POacuteS-METAFIacuteSICO 33

21 Discussatildeo em torno do conceito de ldquosujeitordquo 33

22 A concepccedilatildeo de verdade em seu nuacutecleo histoacuterico 38

221 Tensatildeo entre verdade e procedimento 39

222 A perda da evidecircncia e o impulso ao esclarecimento 41

23 Constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade marcas do pensamento poacutes-metafiacutesico em Adorno 44

3 A IMPOSSIBILIDADE DO REINO DOS FINS MEDIANTE A FORCcedilA DO IMPERATIVO CATEGOacuteRICO

UMA CONTRAPOSICcedilAtildeO FUNDADA EM ADORNO 49

4 O PROJETO EacuteTICO ESTEacuteTICO E FILOSOacuteFICO EM ADORNO 57

41 A vinculaccedilatildeo entre experiecircncia e racionalidade esteacutetica 59

42 A dinacircmica entre aproximaccedilatildeo do outro e construccedilatildeo de si 65

5 O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO NA FORMACcedilAtildeO HUMANA 74

51 Entre o eu e o outro ou quando a presenccedila nos manteacutem humanos 74

52 A eacutetica e a esteacutetica em sua dimensatildeo pedagoacutegica 86

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 92

REFEREcircNCIAS 96

INTRODUCcedilAtildeO

A investigaccedilatildeo que aqui se apresenta tem como foco a relaccedilatildeo entre eacutetica esteacutetica e

educaccedilatildeo Natildeo satildeo poucos os esforccedilos em torno desse tema o que gera uma infinidade de

referenciais teoacutericos de modo que natildeo seria difiacutecil a repeticcedilatildeo de investigaccedilotildees jaacute existentes

o que comprometeria a pretensatildeo deste trabalho Nesse sentido eacute que a tese pretende uma

significaccedilatildeo eacutetico-educativa tendo como base a noccedilatildeo de sujeito esteacutetico em Theodor Adorno

Em linhas gerais entende-se por sujeito esteacutetico o indiviacuteduo que se constitui tanto moralmen-

te quanto em termos de conhecimento mediante a experiecircncia sensiacutevel a relaccedilatildeo efetiva e

permanente Isso remete agrave noccedilatildeo de esteacutetica enquanto percepccedilatildeo a dimensatildeo sensiacutevel que no

caracteriza Viso realizar um direcionamento efetivo estabelecendo as conexotildees entre as ba-

ses conceituais provindas da filosofia seja no acircmbito da eacutetica quanto da esteacutetica e a praacutetica

educativa em sentido amplo e especiacutefico Entendo a praacutetica educativa em sentido amplo en-

quanto processo de esclarecimento efetivado em todos os niacuteveis de relaccedilatildeo e em sentido es-

peciacutefico como aquela sistematicamente desenvolvida em ambiente escolar

Ao abordar a constituiccedilatildeo esteacutetica da subjetividade ou em outros termos a proposta

de um sujeito esteacutetico fica posto um viacutenculo direto com a noccedilatildeo de formaccedilatildeo O sujeito esteacute-

tico precisa ser constituiacutedo por mais que sejamos seres sensiacuteveis por natureza Mas a sensibi-

lidade no sentido de mera percepccedilatildeo natildeo eacute a uacutenica forma de se entender este tema pois ele

envolve a noccedilatildeo de mimese (a possibilidade de riqueza de experiecircncia ordenada pelo encontro

permanente com aquilo que me eacute diferente) e expressatildeo (o modo proacuteprio de o sujeito falar

derivado da riqueza mimeacutetica) Desse modo eacute possiacutevel afirmar que a pobreza de linguagem

revela a pobreza mimeacutetica

Mimese natildeo eacute imitaccedilatildeo mas eacute o braccedilo que se estende eacute o corpo que encontra resso-

nacircncia na realidade permitindo a dialeacutetica do tato conforme defendido nas Minima Moralia

Adorno rejeita a imitaccedilatildeo de modelos alegando que ele impede a autonomia Se admitirmos a

existecircncia de modelos esses satildeo imitaacuteveis Poreacutem um ser emancipado natildeo se fixa na imita-

ccedilatildeo mas tende agrave construccedilatildeo de uma sociedade cujos integrantes sejam capazes de pensar se-

gundo o ideal kantiano de fazer uso do proacuteprio entendimento sem a tutela ou modelagem de

outrem E essa possibilidade perpassa necessariamente pelo processo educacional

No entanto esse processo segue uma tendecircncia eacutetica orientado pelas questotildees baacutesicas

que mundo que ser humano que sociedade noacutes queremos Desse modo se justifica a necessi-

dade de pensar a formaccedilatildeo escolar sob ideais eacuteticos natildeo constituiacuteda exclusivamente de co-

nhecimentos intelectuais Em Theodor Adorno o problema da ldquoformaccedilatildeo moralrdquo se situa den-

10

tro da perspectiva esteacutetica o que remete a uma abordagem da dimensatildeo do outro O outro eacute o

maior e permanente desafio agrave racionalidade e todas as categorias iluministas natildeo datildeo conta da

apreensatildeo e significaccedilatildeo plena deste outro O comportamento da razatildeo pura ou do espiacuterito

absoluto por exemplo em relaccedilatildeo ao que me eacute diferente eacute de ser condiccedilatildeo para todo o senti-

do tudo eacute para a razatildeo e todo objeto dos sentidos tem existecircncia desqualificada ndash ou natildeo eacute

admitido como fato ndash se natildeo passar pela elaboraccedilatildeo subjetiva Essa eacute a noccedilatildeo de constituiccedilatildeo

via sujeito o para mim base teoacuterica para legitimar toda dominaccedilatildeo A existecircncia se torna

desqualificada quanto a prioridade estaacute na representaccedilatildeo que faccedilo daquilo com quem me rela-

ciono reduzindo a existecircncia do outro sua efetividade sua concretude a algo secundaacuterio

frente ao meu entendimento sobre ele Assim eacute que surgem conceitos frios pois natildeo admitem

o outro para aleacutem do sentido jaacute apreendido e para aleacutem do momento vivido como se ao con-

traacuterio do dinamismo da histoacuteria nossas compreensotildees natildeo precisassem mudar

O fator decisivo que originou a tese que aqui se apresenta estaacute constituiacutedo por dois e-

lementos Primeiro se deve ao percurso seguido pelos meus estudos em Filosofia e segundo

pela minha inserccedilatildeo no mundo educacional em acircmbito acadecircmico mas principalmente na

educaccedilatildeo baacutesica Ao concluir meu mestrado em Filosofia fui levado a analisar ndash pelo avanccedilo

nos estudos ndash a relaccedilatildeo entre a constituiccedilatildeo do sujeito e os desafios para a educaccedilatildeo Assim

direcionei meus estudos a um esforccedilo congregador entre aspectos teoacuterico-sistemaacuteticos em

Filosofia e os desafios em significar ndash com base neste estudo teoacuterico ndash eticamente a educa-

ccedilatildeo Realizarei esta abordagem explorando principalmente os conceitos de experiecircncia esteacute-

tica e subjetividade defendendo a possibilidade de mediante o ideal de enriquecimento de

experiecircncias formativas alargar o sentido de constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do sujeito eacutetico

Ao me inquietar com o tema acerca da constituiccedilatildeo do sujeito epistemoloacutegico e eacutetico

direcionei-me necessariamente a Immanuel Kant e agraves condiccedilotildees racionais puras ao ajuiza-

mento nesses dois acircmbitos Em termos eacuteticos surgem as noccedilotildees de fim uacuteltimo e liberdade co-

mo suporte agrave noccedilatildeo de dever O amor incondicional ao dever se constitui na condiccedilatildeo ao a-

gente moral e agrave sociedade baseada em seres racionais que estabelecem ligaccedilatildeo sistemaacutetica a

partir de leis comuns ndash o que pode ser entendido como reino dos fins Desta incondicionalida-

de eacute possiacutevel derivar a concepccedilatildeo de autonomia pois a uacutenica determinaccedilatildeo eacute interna posse do

sujeito Neste ponto eacute que se justifica a necessidade de retornar a Kant pois com este filoacutesofo

o conceito de autonomia foi inserido como criteacuterio epistemoloacutegico e moral Sobre isto ocorre

um incisivo ideal educacional pois tal criteacuterio precisa ser formado desenvolvido no ser hu-

mano Tentativas de implosatildeo deste ideal ocorreram com os regimes totalitaacuterios (por exemplo

o Nacional Socialismo na Alemanha e a Ditadura Militar no Brasil) para os quais a forccedila de

11

determinaccedilatildeo era dada pela ideologia absolutista Poreacutem a Teoria Criacutetica retoma o conceito

de maioridade pondo como condiccedilatildeo para a proacutepria democracia

O que surge ao analisar a obra kantiana sobre moral eacute que o encontro ocorre via amor

ao dever Todo senso moral deriva deste postulado Natildeo eacute pelo outro propriamente dito mas

somente por natildeo poder entrar em contradiccedilatildeo com minha proacutepria razatildeo que aceito o cumpri-

mento do dever aqueacutem a qualquer tendecircncia pessoal Um ponto que merece destaque eacute como

se desenvolve a consciecircncia moral a consciecircncia do dever natildeo ficando evidente como ocorre

a passagem da consciecircncia comum para uma fundamentaccedilatildeo dos costumes Uma possiacutevel

indicaccedilatildeo poderia ser encontrada no texto Resposta agrave pergunta o que eacute esclarecimento

quando eacute possiacutevel vislumbrar que a liberdade de fazer uso puacuteblico da razatildeo se constitui na

condiccedilatildeo para exercer o poder originado a partir do entendimento no seu bom uso O que fica

incerto eacute como o ser humano chega a desenvolver as condiccedilotildees para exercer a liberdade do

uso puacuteblico da razatildeo pois eacute negada pelo autor a forccedila decisiva dos exemplos nessa constitui-

ccedilatildeo

O que pode ser vislumbrado eacute a necessidade de um efetivo ardor educativo para que o

ser humano natildeo venha a fazer mau uso de suas forccedilas Nesse sentido eacute que recorro a Adorno

para buscar elementos que efetivam essa realizaccedilatildeo encontrando nos conceitos de concreto

viacutenculo comunicaccedilatildeo de diferenciados e sociedade atomizada indicaccedilotildees teoacutericas baacutesicas ao

desenvolvimento da consciecircncia moral Tudo isso baseado na concepccedilatildeo de subjetividade

esteacutetica Destaco entatildeo que o percurso traccedilado neste texto eacute indispensaacutevel pois parte do sen-

tido loacutegico-formal a partir do qual ocorre a formaccedilatildeo da consciecircncia moral em Kant para em

Adorno pontuar o contraponto da formaccedilatildeo moral mediante a ecircnfase na experiecircncia efetivada

no encontro com os outros o que remete agrave experiecircncia esteacutetica sensiacutevel Dessa experiecircncia

surge o sentido eacutetico da educaccedilatildeo enquanto promotora de ceacutelulas de humanidade e como o

espaccedilo do plasmar linguumliacutestico

Retomando a discussatildeo da responsabilidade moral baseada na ausecircncia de contradiccedilatildeo

da razatildeo com seus princiacutepios eacute que Kant se distancia de seu antecessor iluminista Jean-

Jacques Rousseau No filoacutesofo francecircs o respeito ao outro natildeo eacute por ser ele racional mas se

alicerccedila na noccedilatildeo de ser sensiacutevel Trago Rousseau presente natildeo por ser um autor decisivo

nesta investigaccedilatildeo mas para pontuar um paralelo entre dois autores da mesma eacutepoca histoacuterica

no que se refere agraves bases da obrigaccedilatildeo moral Tem-se aqui a indicaccedilatildeo da possibilidade de

encontro entre diferentes movido pela virtude da piedade como condiccedilatildeo para a humanidade

O desenvolvimento moral que eacute a existecircncia da humanidade propriamente dita para aleacutem da

animalidade ocorre quando o indiviacuteduo eacute capaz de sair de si e movido pela virtude da pieda-

12

de guiado pela razatildeo pelo ir em direccedilatildeo ao outro Nesse sentido a proposta iluminista de

Rousseau eacute um vislumbre moderno do ideal eacutetico adorniano acerca do encontro

Estar autorizado a agir somente por ser um dever prescrito pela razatildeo eacute conforme a-

cima descrito uma eacutetica de coerecircncia loacutegica Em olhar diferenciado a autorizaccedilatildeo a agir ocor-

re pelo fato de o outro solicitar minha accedilatildeo o que gera uma resposta inevitaacutevel Eacute do outro o

diferente de mim e que por isso se constitui em desafio para o pensamento que vem a obri-

gaccedilatildeo o que remete a uma interdependecircncia planetaacuteria constitutiva de um imperativo de res-

posta guiada pela natildeo colocaccedilatildeo do si mesmo no centro da discussatildeo mas guiada pela neces-

sidade comum de existecircncia qualificada Tal qualificaccedilatildeo nos remete agrave consideraccedilatildeo prioritaacute-

ria do local e do momento que o outro ser humano vive com suas escolhas suas decisotildees

suas experiecircncias e o estado atual que o indiviacuteduo se encontra

Dentro do pensamento de Kant o desafio que surge eacute delinear como ocorre a constitu-

iccedilatildeo da consciecircncia moral e se a partir dessa constituiccedilatildeo eacute possiacutevel assegurar a realizaccedilatildeo do

seu ideal de reino dos fins conceito norteador a partir do qual ocorrem os viacutenculos Nesse

ponto eacute que se torna vaacutelida a investigaccedilatildeo abordando os paradigmas de Kant e de Adorno

para na tensatildeo entre os dois autores em evidecircncia apontar a diferenccedila provinda de Adorno ao

modo como o sujeito eacute constituiacutedo Nessa direccedilatildeo eacute que ocorre uma radical mudanccedila a for-

maccedilatildeo deve levar a uma ampliaccedilatildeo e enriquecimento do niacutevel de experiecircncia pressuposto

para o agir moral Experiecircncia e agir moral encontram iacutentima relaccedilatildeo experiecircncia natildeo eacute mero

trato manejar ou proceder sobre algo mas estaacute vinculada agrave capacidade de se comunicar no

sentido de diaacutelogo momento em que os opostos entram em relaccedilatildeo e se autoconstituem A

obrigaccedilatildeo moral natildeo se deve a um rigor loacutegico de coerecircncia interna da proacutepria razatildeo mas de

um dever cuja base estaacute na necessidade da accedilatildeo por puro amor agrave vida natildeo enquanto universal

conceitual mas enquanto vida do efecircmero a concretude o ente do ser Em termos eacuteticos en-

contramos um ponto determinante todo princiacutepio de valor toda regra de accedilatildeo deve partir do

sensiacutevel a concretude que habita o mundo imediatamente

O fundamento teoacuterico adorniano se apoiaraacute principalmente nas obras Dialeacutetica do es-

clarecimento Dialeacutetica Negativa Teoria Esteacutetica e Minima Moralia apesar de percorrer as

demais obras buscando nelas alguns esclarecimentos terminoloacutegicos necessaacuterios Em Kant a

base estaacute na Criacutetica da razatildeo pura Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes e Fun-

damentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes

Atribuir ao efecircmero (o caraacuteter proacuteprio de transitoriedade) o valor de princiacutepio eacute arran-

car o fundamento das garras da abstraccedilatildeo Deve-se estar atento ao proacuteprio termo vida a cons-

tataccedilatildeo feita na Minima moralia de que natildeo haacute mais vida ou que natildeo haacute vida correta na falsa

13

tem seu corretivo ndash o fato de vida estar carregada do significado originado pela relaccedilatildeo per-

manente com o mundo sensiacutevel e natildeo pelo conceito abstrato Eacute essa vida a origem da filoso-

fia e onde ela estaacute em ausecircncia ali eacute que deve surgir o pensamento Baseado nisso eacute que re-

corro agrave Minima moralia Teoria esteacutetica e agrave Dialeacutetica negativa com a finalidade de compre-

ender o direcionamento que eacute dado ao modo de constituiccedilatildeo do sujeito moral

As discussotildees sobre a Teoria Criacutetica de Adorno sofrem de uma marca histoacuterica que a

meu ver eacute muito reducionista em se tratando de atualizaccedilatildeo ou mesmo da anaacutelise referente

aos seus conceitos decisivos Refiro-me ao episoacutedio nazista pontuado na figura de Auschwitz

Apesar da importacircncia que a perseguiccedilatildeo e extermiacutenio principalmente aos judeus significa-

ram para Adorno em questotildees pessoais e teoacutericas situar sua produccedilatildeo considerando somente

tal fato oculta outras dimensotildees fundamentais Em se tratando de educaccedilatildeo tenho claro que

para ele o essencial eacute evitar que Auschwitz se repita impedindo o renovar das causas de tal

regressatildeo Fazendo referecircncia ao tiacutetulo deste projeto de tese O eacutetico e o esteacutetico em Adorno

merece atenccedilatildeo a cunhagem de sua concepccedilatildeo de esteacutetica e a devida vinculaccedilatildeo com a eacutetica

que estaacute aqueacutem do evento nazismo encontrando sua origem na criacutetica agrave tradiccedilatildeo metafiacutesica

principalmente na figura de Immanuel Kant e sua proposta de fundamentos da moralidade

Destaco tambeacutem o ideal de experiecircncia formativa como constituidora da consciecircncia bem

como sua noccedilatildeo fundante de dialeacutetica negativa e a relaccedilatildeo dessa com a rigorosidade no ato de

pensamento e na constituiccedilatildeo da verdade

Como o interesse central desta pesquisa eacute a significaccedilatildeo eacutetico-educativa que surge a

partir do sujeito poacutes-metafiacutesico em Theodor Adorno o problema que direciona a investigaccedilatildeo

estaacute delineado nos seguintes termos a partir das bases que permitem conceber o sujeito poacutes-

metafiacutesico em Adorno sob que condiccedilotildees eacute possiacutevel defender o alargamento da experiecircncia

como meio de constituiccedilatildeo da subjetividade a qual eacute a base da consciecircncia moral e que

significaccedilatildeo eacutetica surge para a educaccedilatildeo tendo em vista o sujeito que moralmente precisa

ser constituiacutedo com base na experiecircncia O sujeito poacutes-metafiacutesico ou para Adorno o sujeito

esteacutetico eacute compreendido a partir da relaccedilatildeo estabelecida com os fragmentos de alteridade

aquilo que permanece apoacutes o ato compreensivo e que exige continuaccedilatildeo da experiecircncia sensiacute-

vel como condiccedilatildeo para ampliaccedilatildeo da consciecircncia

Diante da contextualizaccedilatildeo apresentada e do problema proposto a tese defendida eacute no

momento em que educaccedilatildeo se torna promotora de enriquecimento das experiecircncias formati-

vas eacute possiacutevel o alargamento do modo como ocorre a constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do sujeito eacuteti-

co Isso nos conduz agrave constituiccedilatildeo do meio no qual o ser humano estaacute inserido meio esse de-

nominado linguagem Portanto a defesa eacute sobre o plasmar linguiacutestico como o desafio eacutetico da

14

formaccedilatildeo humana Para tanto articula-se a esteacutetica como fundamento sob o qual eacute possiacutevel

defender tal alargamento do conceito de experiecircncia e de constituiccedilatildeo da subjetividade Es-

tando as experiecircncias em processo de constante formaccedilatildeo o desafio eacutetico-educativo eacute desen-

volver a consciecircncia da necessidade de viacutenculos de responsabilidade em contraposiccedilatildeo ao

ideal de seres atomizados (monadas) e movidos unicamente pelo criteacuterio da razatildeo pura que

dita o amor ao dever Somente assim eacute possiacutevel vislumbrar um estado humano ou estado de

reconciliaccedilatildeo em situaccedilatildeo de encontro e comunicaccedilatildeo de antiacuteteses natildeo hostis Juntamente

com a compreensatildeo de educaccedilatildeo em sua funccedilatildeo de plasmar da linguagem surge a relaccedilatildeo

com a noccedilatildeo adorniana do novo Por mais que tenhamos a necessidade de nos adaptarmos a

determinadas normas costumes tradiccedilotildees valores condiccedilatildeo miacutenima para haver convivecircncia

social a educaccedilatildeo deve permitir a manifestaccedilatildeo da riqueza individual e a novidade que a au-

toconstruccedilatildeo pode revelar Isso significa pensar na coesatildeo sem coaccedilatildeo mas mediante a valo-

rizaccedilatildeo daquilo que no outro eacute outro ou seja valorizaccedilatildeo do diferente no outro seu caraacuteter de

novidade

Vale destacar alguns pontos que marcam o horizonte desta pesquisa Como primeiro

aspecto a referecircncia estaacute na alteraccedilatildeo que a accedilatildeo humana sofreu em suas configuraccedilotildees Eacute

improvaacutevel que nossos antepassados tivessem o senso de que seus atos pudessem interferir

sobre a vida em escala planetaacuteria e as consequecircncias se estendessem por seacuteculos ou ateacute mes-

mo que fossem irreversiacuteveis Seus vislumbres se estendiam por poucas geraccedilotildees e estavam

situadas nos limites locais Somente este alargamento jaacute potildee a necessidade de repensar os

fundamentos eacuteticos da accedilatildeo humana em estreito viacutenculo com o ato pedagoacutegico Admitindo

que educar natildeo eacute instruir eacute decisivo analisar como constituir a consciecircncia moral na conside-

raccedilatildeo desta interdependecircncia planetaacuteria com a tarefa de desenvolver a consciecircncia da accedilatildeo e

do alcance da accedilatildeo

No segundo aspecto faccedilo referecircncia ao sentido que o mito de Prometeu assume em

periacuteodos da ciecircncia e tecnologia avanccediladas como se vivencia a partir da revoluccedilatildeo industrial

e no auge dessa ciecircncia nos seacuteculos XX e XXI Eacute possiacutevel afirmar que as descobertas da ci-

ecircncia elevaram o ser humano a uma condiccedilatildeo de desacorrentamento diante da proacutepria nature-

za permitindo a sobrevivecircncia reproduccedilatildeo e o prolongamento da vida para aleacutem dos limites

considerados ateacute entatildeo como naturais A capacidade de prever os fenocircmenos naturais permi-

te a construccedilatildeo de estruturas para resistir ao poder da natureza ou accedilotildees para minimizar viacuteti-

mas diante de tal poder A princiacutepio parece que nada restou do temor que assombrava o ho-

mem primitivo e o fazia endeusar a natureza na busca das explicaccedilotildees para seus dilemas

15

Poreacutem como jaacute alertavam Adorno e Horkeimer na Dialeacutetica do esclarecimento este

processo de desmistificaccedilatildeo acabou por gerar uma nova potecircncia miacutetica hoje configurada no

poder da ciecircncia e da tecnologia Dessa forma eacute que ocorreu um novo acorrentamento e con-

tinuando com a Dialeacutetica do esclarecimento quando se pensa haver rompido com a necessi-

dade natural percebe-se o quanto estamos sujeitos a ela Eacute assim que o ideal kantiano de reino

dos fins na posiccedilatildeo privilegiada do humano como fim e nunca como meio para as accedilotildees

deve ser estendido tambeacutem agrave natureza externa ao humano considerando-a por ela mesma e

natildeo na administraccedilatildeo que impotildee o para-mim e o sentido que surge somente via razatildeo

Esta pesquisa legitima-se na necessidade de repensar os fundamentos da moralidade

para aleacutem do antropocentrismo o que significa repensar o local a partir do qual o ser humano

se posiciona diante daquilo como que se relaciona Em termos morais o sujeito transcendental

e a razatildeo pura encontram seu limite o outro natildeo eacute objeto e o dualismo eacute a oposiccedilatildeo radical agrave

alteridade Objetificar eacute reduzir o sentido agravequilo dado pela razatildeo dualismo eacute admitir um pri-

meiro como portador de todo sentido e um segundo em permanente acircnsia pela inclusatildeo nesse

sentido previamente dado Admitir a alteridade o outro eacute propor uma relaccedilatildeo em configura-

ccedilotildees diferenciadas ou seja a partir da comunicaccedilatildeo entre diferenciados o que pressupotildee

comportamento mimeacutetico e expressivo Mimeacutetico no sentido de acolhida do outro e expres-

sivo enquanto resposta a esta diferenccedila que se impotildee Mimese e expressatildeo se convertem a-

qui em elementos altamente eacuteticos Em primeiro lugar por exigirem uma educaccedilatildeo dos senti-

dos na capacidade de receber essa alteridade e natildeo consideraacute-la antiacutetese hostil Em segundo

lugar por exigirem a resposta em termos de permissatildeo ao outro continuar em sua reserva de

sentido para aleacutem da interpretaccedilatildeo que visa reduzir o outro agravequilo que digo dele

Destaco um terceiro e uacuteltimo aspecto na apresentaccedilatildeo dos horizontes de sentido da

pesquisa Vive-se um tempo de excessos natildeo eacute possiacutevel negar o excesso de poder que impera

nas relaccedilotildees entre seres humanos e entre ser humano e natureza o poder de produccedilatildeo tornou-

se ilimitado o poder do conhecimento permite transcender os limites da natureza humana

(prolongamento da vida para aleacutem das capacidades naturais substacircncias que ampliam a resis-

tecircncia fiacutesica) Poreacutem tem-se a carecircncia de referenciais normativos e ateacute de referecircncias (ou

evidentes exemplos) do que eacute o homo humanus para aleacutem do homo faber ou do homo sapi-

ens Eacute possiacutevel admitir que a existecircncia do elemento produtivo (faber) do elemento do pen-

samento desenvolvido natildeo subsiste sem o alicerce do homo humanus em sua capacidade de

sentir-se responsaacutevel e agir em prol de todos os outros seres o que exige alicerces de valores

e de um elevado senso eacutetico Diante disso a pesquisa assume a incisiva relevacircncia por apontar

16

alguns resultados que podem auxiliar na discussatildeo e fundamentaccedilatildeo do agir educativo pauta-

do pelo ideal de humanidade

Sob esta oacutetica e com esta pesquisa questiono o ideal kantiano de que pela forccedila do

imperativo categoacuterico seria possiacutevel instituir o reino dos fins Vislumbrar um estado humano

cuja base estaacute na ligaccedilatildeo sistemaacutetica de todos os seres racionais sob leis comuns condiz com a

pretensatildeo de colocar o indiviacuteduo humano como o primeiro absoluto Eacute possiacutevel pensar o hu-

mano apenas na ligaccedilatildeo entre humanos Absolutizando o humano natildeo se cai no mesmo pro-

blema que se quis superar durante os milecircnios de pensamento filosoacutefico ndash o mito A ligaccedilatildeo

sistemaacutetica de todos os seres racionais segundo leis comuns como sendo o alicerce da morali-

dade se configura em abstracionismo moral pois o mundo do seacuteculo XX percebeu a urgecircncia

da interdependecircncia entre todos os seres vivos Apoiando Hans Jonas o imperativo eacute que haja

vida independente de onde quer que ela esteja Assim eacute que o centro da investigaccedilatildeo eacutetica

estaacute na vida em sua ampla manifestaccedilatildeo Natildeo em uma ligaccedilatildeo entre seres racionais mas em

ligaccedilatildeo cuja base eacute o princiacutepio vital o que natildeo significa outra coisa senatildeo a centralidade na

relaccedilatildeo e o reconhecimento da natureza em noacutes ndash caraacuteter de pertenccedila agrave natureza e dependecircn-

cia dela

Defendendo um giro no eixo sustentador da accedilatildeo moral enfatizando o alargamento da

experiecircncia a partir da perspectiva adorniana de esteacutetica ndash o que derivaraacute no capiacutetulo final no

termo comunicaccedilatildeo de diferenciados ndash e ciente da responsabilidade da educaccedilatildeo em promo-

ver este alargamento como base da educaccedilatildeo eacutetico-esteacutetico eacute que aproximo filosofia e educa-

ccedilatildeo cuja base estaacute no pensamento de Theodor Adorno

Diante disso indico o objetivo central deste trabalho que eacute discutir a noccedilatildeo de subje-

tividade poacutes-metafiacutesica em Adorno a fim de estabelecer baseado em tal sujeito uma signifi-

caccedilatildeo eacutetico-educativa capaz de nortear a formaccedilatildeo do humano e o desenvolvimento da cons-

ciecircncia moral a partir da funccedilatildeo esteacutetica como formadora da eacutetica

Com este norte traccedilado proponho cinco capiacutetulos como estrutura investigativa No

primeiro capiacutetulo o objetivo eacute analisar a concepccedilatildeo e a constituiccedilatildeo do sujeito moral em

Kant cujo significado eacute a constituiccedilatildeo metafiacutesica do humano Desenvolvo releitura e anaacutelise

sobre a proposta kantiana de que nos conceitos de finalidade e liberdade estatildeo a base do

sujeito moral norteado pelo imperativo categoacuterico fundamentado no criteacuterio racional da lei

moral Esta discussatildeo primeira eacute fundamental para posteriormente conseguir situar a criacutetica

adorniana a esse modelo de constituiccedilatildeo de modo que o segundo capiacutetulo visa analisar a

concepccedilatildeo de pensamento e subjetividade na perspectiva poacutes-metafiacutesica de Theodor Adorno

perspectiva essa natildeo orientada pela base racional da lei mas analisando o exato momento da

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decisatildeo momento da efetividade praacutetica quando ocorre o contato com o outro Dada a priori-

dade desse momento sobre ele deve recair todo o interesse teoacuterico-filosoacutefico Para tanto par-

to da concepccedilatildeo de sujeito em Aristoacuteteles para compreender o significado da afirmaccedilatildeo ador-

niana de que hoje o sujeito eacute destituiacutedo de subjetividade e em contrapartida apresentam-se

quais as condiccedilotildees dadas pelo autor para que haja a subjetividade Esse recurso a Aristoacuteteles

deve-se agrave possibilidade de situar ali o surgimento da forccedila de determinaccedilatildeo interna do indiviacute-

duo Situo aqui um aspecto decisivo na argumentaccedilatildeo pois no auge da modernidade ocorre a

insuficiecircncia dessa forccedila interna do sujeito e contrapondo tambeacutem a perspectiva kantiana

esta forccedila interior ao indiviacuteduo humano passa a ser administrada por vontades a ele exteriores

Vislumbra-se assim o colapso da base conceitual do seu imperativo categoacuterico baseado no

poder da autodeterminaccedilatildeo Ocorre uma relaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de sensibilidade e entendimen-

to em Kant e a noccedilatildeo de perda de evidecircncia em Adorno quando o entendimento natildeo mais

encontra material ldquoconfiaacutevelrdquo para o ato de siacutentese Mesmo natildeo tendo sido pontuado por A-

dorno com a concepccedilatildeo de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade ocorre uma possiacutevel soluccedilatildeo

para tal problema No centro da concepccedilatildeo de pensamento poacutes-metafiacutesico estaacute a ideia de de-

terminaccedilatildeo e de verdade portadora de nuacutecleo temporal contrariando radicalmente a concep-

ccedilatildeo tradicional das ideias eternas e imutaacuteveis de Platatildeo ou do criteacuterio transcendental do tem-

po e do espaccedilo em Kant Assim eacute que partindo do princiacutepio temporal o criteacuterio da histoacuteria

em sua transitoriedade o outro eacute constante desafio nunca simples ideia ou resultado final

Partindo dessa compreensatildeo o terceiro capiacutetulo visa propor as criacuteticas ao imperativo

categoacuterico alegando a impossibilidade de mediante a forccedila de tal imperativo objetivar o rei-

no dos fins O amor ao dever gera um viacutenculo baseado estritamente no criteacuterio de coerecircncia

loacutegica como fundamento para a accedilatildeo moral fazendo o humano tatildeo abstrato que perde a efeti-

vidade dos viacutenculos concretos Se junta a isso o problema de que natildeo eacute possiacutevel vislumbrar

nas trecircs obras sobre moral (Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes Fundamenta-

ccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes) o modo como o ser humano desenvolve a consciecircncia moral

Do mesmo modo natildeo satildeo evidentes as condiccedilotildees que permitem ocorrer efetivamente a tran-

siccedilatildeo da consciecircncia moral vulgar para uma metafiacutesica dos costumes

No quarto capiacutetulo o desafio eacute estabelecer as bases teoacutericas para a concepccedilatildeo de su-

jeito esteacutetico em Adorno e o que demarca o acircmbito artiacutestico nesse autor ou seja quando uma

obra pode ser considerada arte Conseguindo situar este sujeito e o acircmbito da obra de arte

torna-se possiacutevel compreender o real desafio agrave racionalidade diante da constante reserva de

sentido que compotildee o outro o diferenciado Na concepccedilatildeo de sujeito esteacutetico encontra-se a

possibilidade de realizaccedilatildeo da dialeacutetica do esclarecimento esse processo de saiacuteda do ser hu-

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mano de seu estado de menoridade rumo a um patamar de entendimento que ainda em Kant

chama-se esclarecimento e autonomia

Finalizando o itineraacuterio teoacuterico o quinto capiacutetulo visa localizar qual a significaccedilatildeo eacute-

tico-educativa que surge a partir dessa concepccedilatildeo de sujeito esteacutetico Recorro a alguns concei-

tos decisivos e que representam um incisivo desafio agrave educaccedilatildeo Refiro-me especificamente agrave

noccedilatildeo de sensibilidade identificaccedilatildeo viacutenculos de responsabilidades ceacutelulas de humanidade

comunicaccedilatildeo de diferenciados em contraposiccedilatildeo ao ideal de ser humano e sociedade atomi-

zados A educaccedilatildeo deve gerar a paz o que em Adorno se caracteriza como a possibilidade de

comunicaccedilatildeo entre diferentes sem acircnsia de domiacutenio cuja marca estaacute na ausecircncia do medo

natildeo do desconhecido que gera o mito mas de poder ser diferente sem temor sem o risco de

ser considerado antiacutetese hostil A educaccedilatildeo eacute aqui concebida a partir do plasmar linguumliacutestico

da constituiccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade e como possibilitadora no novo

Seguindo esse horizonte teoacuterico-investigativo a educaccedilatildeo e posta diante do desafio de

aperfeiccediloar cada vez mais a humanidade em noacutes tornando-nos aptos a coabitar com a vida

onde quer que ela esteja a partir de sua riqueza proacutepria Natildeo eacute o pensamento que nos humani-

za ele somente nos converte em animais racionais Cabe ao movimento de esclarecimento da

consciecircncia gerar as condiccedilotildees para que a vida seja possiacutevel neste local que habitamos Ou

seja constituir o meio proacuteprio que possibilita a humanidade o que natildeo se fundamenta em um

puro amor ao dever ou agrave coerecircncia loacutegica do pensamento sendo urgente desenvolver a cons-

ciecircncia da interdependecircncia universal como fundamento para a possibilidade de pensar o hu-

mano e de seu proacuteprio existir

1 ASPECTOS EacuteTICOS DA CONSTITUICcedilAtildeO E DA FORMACcedilAtildeO DO HUMANO SEGUNDO KANT

Em se tratando de filosofia e educaccedilatildeo ou se referindo ao termo formaccedilatildeo temos o

grande desafio de estabelecer os fundamentos para a constituiccedilatildeo da subjetividade apta a pro-

duzir a significar o conhecimento e tambeacutem apta a agir moralmente A pergunta poderia ser

sintetizada da seguinte maneira ldquoquem eacute como se forma o sujeito humano e quais as bases

eacuteticas de tal constituiccedilatildeordquo A pretensatildeo dessa investigaccedilatildeo natildeo eacute apresentar um esquema ge-

ral das respostas que surgiram na tradiccedilatildeo filosoacutefica cujo berccedilo estaacute ainda na trageacutedia grega

mas sim pontuar dois paradigmas que considero decisivos nesta abordagem a busca pelos

universais fundados nos conceitos da razatildeo em Kant e a defesa do singular sensiacutevel em A-

dorno Destaca-se que a referecircncia agrave Kant eacute necessaacuteria para melhor apresentar a posiccedilatildeo de

Adorno em relaccedilatildeo agrave defesa do singular sensiacutevel Desse modo metodologicamente a referecircn-

cia agrave Kant eacute apenas de passagem

Diante do problema da subjetividade o que segue eacute uma releitura de alguns toacutepicos do

pensamento kantiano para entatildeo pontuar a criacutetica adorniana aos constituintes da ideia norte-

adora em Kant denominada reino dos fins Para tanto seratildeo percorridos dois caminhos teoacuteri-

cos dois modos de conceber a formaccedilatildeo moral O ponto de partida estaacute em como Kant com-

preende a constituiccedilatildeo da liberdade e autonomia de consciecircncia e representaccedilatildeo e o ideal de

reino dos fins isso baseado nas obras Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes (FMC)

Metafiacutesica dos costumes (MC) e as obras magnas Criacutetica da razatildeo pura (CRPu) e Criacutetica da

razatildeo praacutetica (CRPr) O contraponto em Adorno segue com um diaacutelogo entre suas obras

buscando no jogo de tensotildees textuais que marcam sua produccedilatildeo as bases da constituiccedilatildeo

sensiacutevel da moralidade e os fundamentos de sua afirmaccedilatildeo de sujeito destituiacutedo de subjetivi-

dade ou o fato de natildeo haver mais sujeito

Immanuel Kant com o caraacuteter transcendental que define o sujeito remete a um estrei-

tamento na noccedilatildeo de constituiccedilatildeo ou seja como se forma o sujeito do conhecimento e o sujei-

to moral Agora a forccedila constituinte eacute tatildeo somente interna como condiccedilatildeo de possibilidade de

qualquer regra praacutetica autocircnoma Assim natildeo haacute interferecircncia externa de circunstacircncias con-

tingentes de um soberano de divindades na formaccedilatildeo da natureza interna Essa eacute definida

como posse do indiviacuteduo que no interior da experiecircncia interage movido pela rigidez inaba-

laacutevel derivada da marca constituinte do reino dos fins ou seja a consideraccedilatildeo do humano

como portador de grandeza absoluta sem possibilidade de ser meio Essa grandeza deve estar

na base de qualquer princiacutepio praacutetico ndash ningueacutem pode querer atentar contra o fundamento do

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reino entendendo tal fundamento como sendo a grandeza do indiviacuteduo ser fim em si mesmo

(cf CRPr MC e FMC) A noccedilatildeo de fim eacute decisiva para Kant em questotildees morais como des-

taca Macarena Marey

Um sistema de fins implica [] natildeo somente uma classificaccedilatildeo de deveres eacuteticos mas tambeacutem uma compreensatildeo da moralidade que eacute notavelmente mais ampla que a preocupaccedilatildeo moral dos agentes na vida cotidiana sobre a autorizaccedilatildeo moral de suas accedilotildees [] A moralidade eacute uma esfera que inclui a questatildeo [] sobre quais satildeo os fins entendidos natildeo como meros lsquoobjetos do arbiacutetriorsquo mas como princiacutepios praacuteticos supremos que informam o plano de vida de um agente cuja efetiva aceitaccedilatildeo eacute con-diccedilatildeo necessaacuteria de qualquer pretensatildeo de moralidade (MAREY 2010 p75 ndash tradu-ccedilatildeo nossa)

Na eacutetica kantiana a consciecircncia desses princiacutepios praacuteticos supremos deveria estar na

base das accedilotildees a partir dos quais se evidenciaria como o agente estaacute conduzindo suas accedilotildees

qual eacute o seu fio condutor Na noccedilatildeo de ser humano como reino de fins estaacute para a mesma

autora ldquoo princiacutepio praacutetico ou o fim geral o projeto fundamental [] que daacute forma ao plano

de vida de um agenterdquo (ibidem p76)

No seacuteculo XX Theodor Adorno elabora uma criacutetica principalmente com base filosoacutefi-

co-esteacutetica que pode ser concebida como sendo o diagnoacutestico da crise enfrentada pelo sujeito

transcendental e pelo almejado reino dos fins kantiano E atribuo o adjetivo crise natildeo no sen-

tido de natildeo aceitar a humanidade como fim uacuteltimo mas aos moldes transcendentais do sujei-

to e aos moldes do imperativo categoacuterico que natildeo conseguiram dar conta da realizaccedilatildeo de

sua tarefa o reino dos fins Em outras palavras o problema natildeo estaacute no reino dos fins na hu-

manidade como fim uacuteltimo mas em sua ideia de fundo na sua teoria legitimadora a qual natildeo

percebeu o caraacuteter determinante das contingecircncias histoacutericas que podem impor o limite da

proacutepria humanidade ndash a barbaacuterie extrema aniquiladora de todo sujeito Isso pelo fato de que

ldquocomo uacutenico ser dotado de entendimento na terra o ser humano pode estabelecer voluntaria-

mente fins para si mesmordquo (HOumlFFE 2009 p32) Um regime totalitaacuterio por exemplo pode

pretender considerar como humano apenas um determinado grupo ou determinado modo de

vida A base racional que potildee o humano como fim propotildee princiacutepios praacuteticos altamente nega-

tivos agravequeles que natildeo se adequarem a essa determinada concepccedilatildeo de humano1

A ideia de fundo anteriormente mencionada e que eacute passiacutevel de discussatildeo reside no

reconhecimento da lei moral como determinante para a accedilatildeo Ateacute admite-se uma referecircncia agrave

esfera praacutetica mas o fundamento estaacute dado sempre pela lei a qual eacute estritamente racional e

nenhum elemento sensiacutevel pode sustentar o dever Eacute o que Kant chama de vontade conduzida

1 Esta discussatildeo seraacute bem pontuada no quinto capiacutetulo

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pela representaccedilatildeo das regras a vontade eacute a ldquofaculdade de determinar a sua causalidade pela

representaccedilatildeo de regras por conseguinte agrave medida que satildeo capazes de accedilotildees segundo propo-

siccedilotildees fundamentais por conseguinte tambeacutem segundo princiacutepios praacuteticos a priori (pois soacute

estes tecircm aquela necessidade que a razatildeo exige para a proposiccedilatildeo fundamental)rdquo (CRPr sect57)

Para Douglas Garcia Alves Juacutenior a vontade em Kant ldquoeacute uma faculdade pela qual o sujeito

ao ser propriamente afetado pela sensibilidade que lhe impotildee quereres eacute ao mesmo tempo

capaz de sobrepor-lhe a representaccedilatildeo de um dever que ele mesmo concebe atraveacutes da razatildeordquo

(ALVES JUNIOR 2005 p41) Esta representaccedilatildeo do dever eacute a representaccedilatildeo da lei moral2 a

qual conforme a segunda criacutetica (sect64) nos ordena a sua mais estrita observacircncia O ajuiza-

mento enquanto ato do entendimento enquanto direcionado natildeo ao empiacuterico mas ao conteuacute-

do conceitual ndash o juiacutezo diz o conceito ndash natildeo oferece muita dificuldade acerca do que segundo

a lei moral precisa ser feito ldquoa ponto de que ateacute o entendimento mais comum e menos exerci-

tado mesmo sem experiecircncia do mundo natildeo soubesse lidar com elerdquo Essa facilidade reteacutem o

ser humano em um ambiente seguro pois basta clareza loacutegica para aplicar a regra Poreacutem da

lei moral ateacute a accedilatildeo reside um espaccedilo que deve ser habitado pelo ser humano a tomada de

decisatildeo Esse problema foi levantado por Kant quando afirma ldquose a lei somente pode pres-

crever a maacutexima das accedilotildees e natildeo as proacuteprias accedilotildees isso constitui um indiacutecio de que deixa

uma folga para a livre escolha no seguir (conformar-se com) a lei isto eacute que a lei natildeo pode

especificar precisamente de qual maneira algueacutem deve agir e quanto algueacutem precisa fazer

atraveacutes da accedilatildeo para um fim que eacute tambeacutem um deverrdquo (MC p 233) Contudo este espaccedilo

livre de promessa de decisatildeo em como agenciar a lei agrave praacutetica eacute iluminado por um uacutenico

pressuposto a proacutepria lei moral que estaacute em noacutes como o ceacuteu estrelado estaacute acima de noacutes3

A questatildeo que se impotildee e que seraacute alvo das discussotildees eacute A forccedila provinda da lei mo-

ral e do amor ao dever eacute suficiente para mover o ser humano a partir de um fio condutor mo-

ralmente adequado agrave humanidade E como a educaccedilatildeo poderia interferir neste processo de

constituiccedilatildeo da moralidade e na consequente edificaccedilatildeo do humano Sobre esta uacuteltima recai

todo o esforccedilo dessa investigaccedilatildeo

A proposta teoacuterica aqui desenvolvida segue aleacutem das interrogaccedilotildees acima outros pro-

blemas Eacute possiacutevel defender um alargamento da experiecircncia como sendo a base da constitui-

2 Conforme a Criacutetica da razatildeo praacutetica a lei moral eacute descrita nos seguinte imperativo ldquoAge de tal modo que a maacutexima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo (sect7 p54) 3 Metaacutefora utilizada por Kant para expressar a grandeza da lei moral no interior do ser humano Na conclusatildeo da Criacutetica da razatildeo praacutetica (sect288) afirma ldquoDuas coisas enchem o acircnimo de admiraccedilatildeo e veneraccedilatildeo sempre nova e crescente quanto mais frequentemente e persistentemente a reflexatildeo ocupa-se com elas o ceacuteu estrelado acima de mim e a lei moral em mimrdquo

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ccedilatildeo da subjetividade e da consciecircncia moral Em que termos se daria tal defesa A experiecircn-

cia pode significar um alargamento necessaacuterio agrave consciecircncia moral Quanto de autocircnomo e

quanto de heterocircnomo existe na condiccedilatildeo humana

Com isto faccedilo a abertura das discussotildees que constituem este primeiro capiacutetulo visando

firmar ao final da tese uma re-significaccedilatildeo eacutetico-educativa com base no sujeito poacutes-

metafiacutesico ndash ou esteacutetico ndash em Adorno Neste primeiro momento pretendo entatildeo realizar uma

anaacutelise do modelo de constituiccedilatildeo da subjetividade baseado no imperativo categoacuterico Aleacutem

dos motivos jaacute destacados optei por seguir um diaacutelogo com Kant devido agraves constantes inter-

faces que o filoacutesofo de Frankfurt estabelece com o de Koumlnigsberg principalmente em ques-

totildees morais e do imperativo categoacuterico Faccedilo entatildeo uma leitura a partir da recepccedilatildeo ou re-

percussatildeo que a proposta filosoacutefica de Kant teve sobre a proposta filosoacutefica de Adorno

Kant quis que a lei moral fosse interna ao ser humano como autonomia princiacutepio e lei

dados a partir da proacutepria razatildeo e do amor ao dever A questatildeo que surge eacute decisiva O que

fazer com esta gigantesca lei moral interna Como agenciaacute-la na praacutetica Nas obras baacutesicas

que versam sobre eacutetica Kant defenderaacute uma relaccedilatildeo iacutentima da lei moral com as maacuteximas de

accedilatildeo uma vez que satildeo as maacuteximas que estatildeo em iacutentima relaccedilatildeo com a accedilatildeo mesma Dessa

forma a lei moral deve estar na base das maacuteximas utilizadas na accedilatildeo e no momento das deci-

sotildees devemos ter o olhar fixo no princiacutepio do dever ditado pelo imperativo categoacuterico Na

Minima moralia (116 p158) Adorno propotildee que se deve ldquoaprender a lidar com a moralida-

derdquo a senti-la e assim apropriar-se dela sendo as ldquoinfraccedilotildees miacutenimasrdquo o veiacuteculo mediador

entre este ldquoimenso ceacuteu estreladordquo e o mundo da vida Metaforicamente o que ocorre em A-

dorno eacute o retorno do telescoacutepio que busca o gigantesco ceacuteu estrelado kantiano ao proacuteprio

chatildeo da efetividade a fim de na contingecircncia histoacuterica encontrar o incentivo para a accedilatildeo A

consciecircncia moral o princiacutepio interno deve ser despertado em Adorno pelo elemento sensiacute-

vel pelo limite do corpo ndash a contingecircncia histoacuterica

11 A constituiccedilatildeo transcendental do sujeito eacutetico em Kant

A tensatildeo entre Kant e Adorno encontra um ponto de referecircncia ndash o qual considero co-

mo dado fundamental ndash nas noccedilotildees de metafiacutesica e experiecircncia esteacutetica como formas do pen-

samento filosoacutefico

Na Metafiacutesica dos costumes Kant define metafiacutesica como ldquoum sistema de cogniccedilatildeo a

priori a partir exclusivamente de conceitosrdquo (2008) Em outro momento expotildee que ldquooutra

coisa natildeo eacute senatildeo o inventaacuterio sistematicamente ordenado de tudo o que possuiacutemos pela ra-

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zatildeo purardquo (CRPu A XX) Situada em uma dimensatildeo privilegiada do saber referente ao prag-

maacutetico a metafiacutesica serviraacute como telos e nuacutecleo de forccedila ao ideal formativo sendo a clareza

intuitiva apenas a instacircncia propulsora da relaccedilatildeo de conhecimento no momento da receptivi-

dade do nosso espiacuterito quando somos afetados pelo objeto O conhecimento encontra sua

culminacircncia na siacutentese operada pelo entendimento ao sermos capazes de pensar o objeto pro-

vindo da sensibilidade (cf Loacutegica transcendental na Criacutetica da razatildeo pura) Partindo do

princiacutepio de que a verdade estaacute situada dentro dos limites da experiecircncia possiacutevel a sensibili-

dade ampliada se torna decisiva O limite de qualquer conhecimento estaacute mesmo para Kant

na impossibilidade de alcanccedilar a coisa em-si o elemento essencial em palavra aristoteacutelica

Assim sendo na CRPu o conhecimento somente consegue se mover dentro do material que a

sensibilidade lhe fornece e a verdade ocorre como resultado do jogo entre o material provin-

do da sensibilidade e a siacutentese que o entendimento realiza

Na Metafiacutesica dos costumes ao definir o local que a lei moral ocupa dentro dos costu-

mes Kant a coloca em situaccedilatildeo bem distante das accedilotildees e ao ocupar-se com ela refugia-se em

um territoacuterio tranquilamente livre da contingecircncia A lei em Kant e conforme exposto anteri-

ormente pode prescrever somente a maacutexima da accedilatildeo e natildeo o modo de accedilatildeo propriamente

dito de modo que a efetividade praacutetica estaacute definida pela diversidade de regras praacutetica a par-

tir da promessa de decisatildeo Mas em questotildees praacuteticas nenhum ser humano ocupa tal refuacutegio

estando em constante conflito entre suas proacuteprias maacuteximas a accedilatildeo e a lei Na tentativa de re-

duzir tal distacircncia o autor compotildee a moral tanto (a) pela lei quanto (b) pela capacidade de

cumprir tal lei e (c) a vontade em assim fazer (cf MC p240) Lei vontade e capacidade praacute-

tica formam a triacuteade constitutiva do sujeito eacutetico poreacutem tais fatores somente satildeo possiacuteveis de

serem considerados como posse humana pressupondo o sujeito livre

No paraacutegrafo 5 da Criacutetica da razatildeo praacutetica em nota explicativa sobre a lei moral a li-

berdade eacute posta como condiccedilatildeo para a existecircncia da moralidade e por outro lado eacute mediante

esta que a liberdade pode ser conhecida afirmo que a lei moral seja a condiccedilatildeo sob a qual primeiramente podemos tornar-nos conscientes da liberdade quero apenas lembrar que a liberdade eacute sem duacutevida a ratio essendi da lei moral mas que a lei moral eacute a ratio cognoscendi da liberdade Pois se a lei moral natildeo fosse pensada antes claramente em nossa razatildeo jamais nos considerariacuteamos autorizados a admitir algo como a liberdade [] Mas se natildeo exis-tisse liberdade alguma a lei moral natildeo seria de modo algum encontraacutevel em noacutes

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Falar em lei moral exige entatildeo inserir a liberdade4 como algo proacuteprio desse ser consi-

derado por Kant como fim uacuteltimo Liberdade e finalidade satildeo os atributos essenciais a partir

dos quais o humano deve ser reconhecido E assim se impotildee novamente o ser humano no

centro das discussotildees

ele natildeo coloca o ser humano no centro do mundo mas o declara um fim que natildeo exis-te ao mesmo tempo como meio portanto um simples fim um fim em si mesmo Aleacutem disso numa hierarquia de fins o ser humano constitui seu fim terminal e ateacute o fim terminal absoluto de toda a natureza E essa posiccedilatildeo ou dignidade compete segundo o antropocentrismo5 de Kant unicamente ao ser humano (HOumlFFE 2009 p21)

Estamos diante das condiccedilotildees para pensar a humanidade enquanto espeacutecie a liberdade

e a concepccedilatildeo de finalidade Ambas definem o espaccedilo a partir do qual eacute possiacutevel falar em mo-

ralidade

A imputabilidade de uma accedilatildeo ao sujeito sua responsabilidade moral somente eacute pos-

siacutevel pressupondo para Kant a condiccedilatildeo de agente livre Nesse sentido surge o problema dos

modelos os exemplos em sua impossibilidade de mover para a accedilatildeo pois eles ldquoservem apenas

para encorajar isto eacute potildeem fora de duacutevida a possibilidade daquilo que a lei ordenardquo (FMC

BA 29) Ao mesmo tempo em que Kant reconhece os exemplos como necessaacuterios agrave educaccedilatildeo

moral por outro lado o exemplo pode se tornar prejudicial por natildeo permitir o fortalecimento

da subjetividade reconhecida pela autonomia O modelo quando tornado ideal desconside-

rando seu caraacuteter de contingecircncia impede o desenvolvimento da ousadia no pensamento de-

fendido enfaticamente no texto Resposta agrave pergunta que eacute esclarecimento Sapere aude en-

contra o sentido pleno na medida em que permite desenvolver e assumir um comportamento

sem o guia tutorial

Assim eacute que nos textos da Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes e Fun-

damentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes haacute esta dupla perspectiva em relaccedilatildeo agrave tensatildeo entre

exemplos modelos e liberdade Haacute um consenso interno na teoria kantiana pondo os modelos

como encorajadores provando que eacute possiacutevel agir em plena conformidade ao dever Poreacutem

eles natildeo representam em nada o fortalecimento da moralidade em noacutes pois apoacutes acalmar os

sentimentos que o exemplo excita ldquoo coraccedilatildeo retorna espontaneamente ao seu movimento

4 O objetivo natildeo eacute aqui discutir detalhadamente o conceito de liberdade mas pontuaacute-lo brevemente a fim de situar as caracteriacutesticas ndash juntamente com a de finalidade uacuteltima ndash que marcam o ser humano em sentido moral 5 Otfried Houmlffe no mesmo texto indica que o antropocentrismo defendido eacute simplesmente temaacutetico ldquoPoder-se-ia dizer que se trata de um antropocentrismo temaacutetico e natildeo dogmaacutetico ou de um antropocentrismo relativo e natildeo absoluto Este eacute um antropocentrismo condicionado a saber um antropocentrismo que pressupotildee que se olhe a natureza do ponto de vista da espeacutecie homo sapiens Haacute aleacutem disso outra diferenccedila da compreensatildeo usual de antropocentrismo a natureza natildeo eacute instrumentalizada com vistas ao bem-estar humanordquo (2009 p33)

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vital natural e moderado e por conseguinte recai na languidez que lhe era antes peculiar

porque na verdade lhe era oferecido algo que o estimulava mas nada que o fortalecesserdquo

(CRPr sect 281)

O fortalecimento do sujeito para a accedilatildeo eacutetica ocorre em Kant a partir da conduccedilatildeo do

indiviacuteduo agrave liberdade resultando na autonomia como fora defendido na Resposta agrave pergunta

o que eacute esclarecimento Desse movimento inicial eacute possiacutevel desenvolver a consciecircncia da lei

moral ou seja a orientaccedilatildeo da maacutexima de accedilatildeo a partir da forccedila da lei ldquoO ceacuteu estrelado acima

de noacutes e a lei moral em noacutesrdquo Esse enunciado expressa muito mais do que uma forma de ori-

entaccedilatildeo devendo ser conteuacutedo de consciecircncia do mesmo modo que o ceacuteu estrelado em sua

grandeza serve de orientaccedilatildeo a lei moral em sua grandeza deve ser consciecircncia para poder

influenciar a orientaccedilatildeo pragmaacutetica do ser humano ldquoo que ele faz de si mesmo ou pode e

deve fazer como ser que age livrementerdquo (ANTR p21)

Nesse ponto eacute que os exemplos e os modelos sofrem de impossibilidade pois sua uacuteni-

ca funccedilatildeo eacute mostrar que eacute possiacutevel agir por amor ao dever mas natildeo pode ser colocado como

modelo de accedilatildeo Uma educaccedilatildeo que se utiliza de modelos visando fortalecer a consciecircncia e

gerar moralidade eacute carente de princiacutepios pois os modelos quando postos na posiccedilatildeo de prin-

ciacutepios podem impedir o elemento baacutesico da moralidade a liberdade e autonomia Em relaccedilatildeo

a isso eacute possiacutevel aproximar Adorno de Kant quando em Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo (Educa-

ccedilatildeo-para quecirc p141) os modelos ideais satildeo acusados de ideologia o que impede o pensa-

mento emancipado e criacutetico

Pode-se entatildeo defender que os exemplos natildeo servem de princiacutepios pois natildeo agem na

consciecircncia de modo a fortalecer ou ateacute mesmo como motivador da accedilatildeo A uacutenica possibili-

dade de haver a tomada de consciecircncia eacute mediante a representaccedilatildeo da lei da moralidade em

relaccedilatildeo ao ser humano individual ou seja a adequaccedilatildeo do princiacutepio agrave accedilatildeo E isso ocorre ape-

nas quando a base da accedilatildeo seu impulso normativo ocorre via conceito e a representaccedilatildeo deste

na praacutetica humana Princiacutepios tecircm que ser estabelecidos sobre a base de conceitos [] Ora esses con-ceitos se devem tornar-se subjetivamente praacuteticos natildeo tecircm que ficar parados diante das leis objetivas da moralidade para admiraacute-las e para apreciaacute-las em relaccedilatildeo agrave hu-manidade mas tecircm que considerar a sua representaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao homem e sua individualidade (CRPr sect 281)

Fixando a distinccedilatildeo entre princiacutepios e exemplos esses podem gerar apreccedilo e admira-

ccedilatildeo servindo de incentivo ao ajuizamento em conteuacutedos morais Mas natildeo podem servir de

incentivos agrave accedilatildeo mesma o que exige a forccedila motriz dos princiacutepios os quais satildeo originados

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pela faculdade do entendimento natildeo da sensibilidade Seguindo as linhas da Criacutetica da razatildeo

pura os conceitos se originam da mateacuteria-prima fornecida pela intuiccedilatildeo a qual eacute sensiacutevel Eacute

somente nesse sentido que os exemplos podem ter utilidade movendo a faculdade do enten-

dimento a operar a siacutentese deste diverso em uma ligaccedilatildeo sinteacutetica resultando em consciecircncia

Assim eacute possiacutevel a existecircncia do eu idecircntico (oposto agrave heteronomia) este sujeito possuidor de

si mesmo e capaz de mover-se pela representaccedilatildeo desta carga de consciecircncia ldquoTudo na natu-

reza age segundo leis Soacute um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representaccedilatildeo

das leis isto eacute segundo princiacutepios ou soacute ele tem uma vontaderdquo (FMC BA 36) O que temos

aqui eacute que pela siacutentese ocorre o surgimento de princiacutepios uacutenica via constituidora de uma

forccedila subjetiva para mim

Essa constituiccedilatildeo do sujeito moral em Kant ndash cujo percurso encontra nos exemplos a-

penas um estiacutemulo havendo necessidade da formaccedilatildeo da consciecircncia mediante a siacutentese do

material apreendido pelos sentidos convertendo-os em conceitos sendo que a partir de sua

representaccedilatildeo eacute originada a accedilatildeo moral ndash eacute definida como transcendental O sujeito transcen-

dental estaacute edificado com base metafiacutesica pois a possibilidade de determinaccedilatildeo supera a con-

tingecircncia histoacuterica e se fixa nas bases conceituais estaacuteveis fruto das representaccedilotildees e deste

modo limitando a influecircncia das experiecircncias efetivas com o objeto Este eacute o curso que o meacute-

todo da razatildeo praacutetica assume constituindo a subjetividade enquanto forccedila para mim baseada

no poder da ldquoliberdade interior de desembaraccedilar-se de tal modo da impetuosa impertinecircncia

das inclinaccedilotildees que absolutamente nenhuma mesmo a mais benquista tenha influecircncia sobre

uma resoluccedilatildeo para a qual devemos servir-nos agora da nossa razatildeordquo (CRPr sect 287) A forma-

ccedilatildeo da consciecircncia a partir da criacutetica da razatildeo em Kant segue entatildeo esse trajeto descrito com

sua consequente constituiccedilatildeo do princiacutepio supremo da moralidade Eacute esse um dos pontos deci-

sivos de contraposiccedilatildeo surgidos a partir do estudo da obra de Theodor Adorno o que seraacute

desenvolvido no decorrer do texto

12 O ideal de Reino dos fins e a determinaccedilatildeo moral do sujeito transcendental

O plano intelectual da Criacutetica da razatildeo pura apresentado no prefaacutecio agrave segunda edi-

ccedilatildeo aponta para a exigecircncia de relaccedilatildeo com a natureza a partir do imperativo racional de natildeo

se deixar guiar por nada que esteja aqueacutem da posiccedilatildeo de juiz que dita as regras e obriga a res-

postas conforme sua proacutepria pretensatildeo de esclarecimento Ao definir isso como sendo atributo

da razatildeo que ldquosoacute entende aquilo que produz segundo os seus proacuteprios planos que ela tem que

tomar a dianteira com princiacutepios que determinam os seus juiacutezos segundo leis constantes e

27

deve forccedilar a natureza a responder agraves suas interrogaccedilotildees em vez de se deixar guiar por estardquo

(CRPu B XIII) ao apresentar tal plano Kant abre espaccedilo para a interferecircncia direta da razatildeo

pura livre de contingecircncias empiacutericas em relaccedilatildeo aos princiacutepios eacuteticos

Em termos morais a razatildeo precisa ser a produtora de suas leis e orientadora de suas

accedilotildees pois satildeos seus princiacutepios que devem estar na dianteira tanto dos ajuizamentos quanto

da proacutepria atividade humana inserida no mundo Temos em Kant ldquoa indicaccedilatildeo de que o con-

teuacutedo da lei moral em geral e o conteuacutedo concreto de determinadas maacuteximas que se possam

derivar dela natildeo satildeo determinados pelas disposiccedilotildees morais do acircnimo Nesse sentido Kant eacute

inequivocamente um racionalista somente a razatildeo (reflexatildeo) e natildeo um sentimento formula a

lei moral e determina com isso quais accedilotildees satildeo ordenadasrdquo (SCHOumlNECKER 2009 p57)

A moralidade entendida como a adequaccedilatildeo do agir humano ao princiacutepio racional de-

nominado lei e sendo entatildeo de cunho empiacuterico eacute consequecircncia desta situaccedilatildeo de autonomia

caracteriacutestica do sujeito que forccedila a natureza a guiar-se por tal lei constante Nessa perspectiva

Kant cunha a concepccedilatildeo de autonomia da vontade Contrapondo-se agrave possibilidade de deter-

minaccedilatildeo externa e portanto contingente a autonomia revela a capacidade de fazer uso do

proacuteprio entendimento conforme enunciado no texto Resposta agrave pergunta que eacute esclareci-

mento

Na Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes a vontade eacute caracterizada como a ldquofa-

culdade de se determinar a si mesmo a agir em conformidade com a representaccedilatildeo de certas

leisrdquo (BA 63) Desse modo a determinaccedilatildeo moral ocorre via representaccedilatildeo sendo essa resul-

tado da consciecircncia da lei moral em noacutes Isto foi analisado anteriormente poreacutem vale ressal-

tar que este agir em conformidade com a representaccedilatildeo da lei significa guiar-se pelos princiacute-

pios de consciecircncia fixados pelo entendimento em seu ato sinteacutetico de congregar as represen-

taccedilotildees em um conceito cuja forccedila determina a vontade

Voltando agrave autonomia ocorre um ldquoauto-forccedilarrdquo a natureza a seguir alguns criteacuterios

Em se tratando de seres racionais os uacutenicos em que eacute possiacutevel admitir a autonomia como cri-

teacuterio a vontade ldquoeacute aquela sua propriedade graccedilas agrave qual ela eacute para si mesma a sua lei (inde-

pendentemente da natureza dos objetos do querer)rdquo Dessa forma o princiacutepio da autonomia eacute

ldquonatildeo escolher senatildeo de modo a que as maacuteximas da escolha estejam incluiacutedas simultaneamen-

te no querer mesmo como lei universalrdquo (FMC BA 87)

Essa referecircncia eleva o sujeito transcendental para aleacutem da dimensatildeo epistemoloacutegica

Apesar de a Criacutetica da Razatildeo Pura ter o caraacuteter estrito de reformular as bases para o conheci-

mento ao afirmar que foge agrave capacidade de entendimento racional toda determinaccedilatildeo alheia

ao uso puro da razatildeo compreende-se que em termos de conduta praacutetica toda lei deve para

28

ser reconhecida pela razatildeo partir de sua necessidade O plano de se deixar guiar por vontade

alheia natildeo encontra legitimaccedilatildeo na razatildeo pelo simples fato de natildeo ter sido ela a movedora de

tal plano e inclusive da minha vontade Este eacute o pressuposto da maioridade em Kant que

toda accedilatildeo feita por mim possa ser reconhecida pela minha razatildeo como devedora total agrave sua

necessidade

Kant faz uma advertecircncia para natildeo confundir a moralidade como pertencente agrave filoso-

fia transcendental pois falar em transcendental exige o entendimento de que nela natildeo entra conceito algum que contenha algo de empiacuterico ou seja vigiar para que o conhecimento a priori seja totalmente puro [] Daiacute resulta que os princiacutepios supremos da moralidade e os seus conceitos fundamentais sendo embora conceitos a priori natildeo pertencem agrave filosofia transcendental (CRPu B 28)

No entanto apesar de as questotildees morais estarem ligadas agrave contingecircncia o princiacutepio

de lei que orienta toda moralidade precisa daquele assentamento Sendo assim pode ateacute natildeo

haver pertenccedila em questotildees praacuteticas mas a lei do agir eacute dada estritamente pela razatildeo Desse

modo o moacutebil eacute sempre dado pelo sujeito transcendental nas suas condiccedilotildees de possibilida-

de a priori em conceber natildeo apenas uma verdade epistemoloacutegica mas a legitimidade e reco-

nhecimento da lei

Estamos diante do fato da razatildeo e sendo assim faz-se necessaacuterio estabelecer as bases

firmes deste fato Ou seja eacute imprescindiacutevel ter claro que para Kant como jaacute fora mencionado

anteriormente todo conhecimento para ser digno de consideraccedilatildeo cientiacutefica e estar legitima-

do racionalmente precisa partir do princiacutepio que a proacutepria razatildeo natildeo reconhece aquilo que eacute

produzido segundo planos a ela estranhos Ao afirmar que natildeo se pode buscar a fundamenta-

ccedilatildeo para a verdade a natildeo ser na convicccedilatildeo racional o deslocamento que ocorre aponta para a

superioridade da natureza interna sobre a externa Esta precisa ser controlada por aquela e

apesar de constantemente estarmos em busca da objetividade a fim de colocarmos em movi-

mento nossa capacidade de conhecer (cf CRPu B 1) isso natildeo ocorre sem mais a razatildeo ldquodeve

ir ao encontro da natureza para ser por esta ensinada eacute certo mas natildeo na qualidade de aluno

que aceita tudo o que o mestre afirma antes na de juiz investido nas suas funccedilotildees que obriga

as testemunhas a responder aos quesitos que lhes apresentardquo (CRPu B XIII)

Em relaccedilatildeo agrave natureza interna isto assume um caraacuteter decisivo na eticidade onde estaacute a

base da lei de conduta O querer natildeo pode ser guiado por questotildees alheias ao si proacuteprio toda

accedilatildeo deve ser pautada pela vontade consequente desse querer e isso por natildeo haver o reconhe-

cimento tanto de um governo divino quanto do humano em outra pessoa a natildeo ser a primeira

do singular o eu mesmo como nuacutecleo de forccedila para o agir A razatildeo natildeo reconhece aquilo que

29

natildeo eacute por ela ditada e assim estaacute estabelecida a base para a maioridade e para a edificaccedilatildeo do

estado humano autocircnomo A pergunta ldquode onde proveacutem a leirdquo deveria ter como resposta i-

mediata proveacutem da razatildeo e pela razatildeo Assim sendo o estreitamento da noccedilatildeo de constitui-

ccedilatildeo configurado na necessidade do reconhecimento da lei pela razatildeo remete em Kant ao es-

treitamento na noccedilatildeo de facticidade somente estou autorizado a realizar aquilo que corres-

ponde agrave lei reconhecida pela razatildeo

Mas o que eacute lei Na Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes encontramos uma

definiccedilatildeo elucidativa eacute o princiacutepio objetivo do querer6 ou seja eacute a regra assentada em moti-

vos vaacutelidos para todo ser racional (cf FMC BA 63) Quando a razatildeo tem a possibilidade de

reconhecer uma accedilatildeo gerada por sua lei estamos diante da impossibilidade de accedilatildeo danosa

moralmente imputada pois o princiacutepio da razatildeo se assenta na validade para todos os seres

racionais Em outras palavras para que seja lei eacute necessaacuterio que natildeo ocorra a possibilidade de

a razatildeo mesma ser viacutetima da regra Por isso que o fim objetivo assume o caraacuteter de universali-

dade e necessidade Em termos aristoteacutelicos necessaacuterio eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash o

princiacutepio supremo da obrigaccedilatildeo

Retomando argumentaccedilatildeo acima a consideraccedilatildeo de todos os seres racionais (caraacuteter de

universalidade) envolvidos na necessidade objetiva encontra a denominaccedilatildeo de reino dos

fins Conforme jaacute visto esta eacute uma noccedilatildeo decisiva em Kant pois gera uma concepccedilatildeo de hu-

manidade derivada da forccedila moral (da accedilatildeo por dever) consequente da forccedila da lei (fundamen-

to do dever) A humanidade estabelecida atraveacutes da forccedila moral apoiada no amor ao dever

encontra a obrigatoriedade das accedilotildees nesse amor na segunda formulaccedilatildeo do imperativo cate-

goacuterico que assim dita ldquoAge de tal maneira que uses a humanidade tanto na tua pessoa como

na pessoa de qualquer outro sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente co-

mo meiordquo (FMC BA 66-67)

Em Sobre a discordacircncia entre moral e a poliacutetica a propoacutesito da paz perpeacutetua estaacute

expressa a soberania da consciecircncia no ordenamento do agir humano Eacute impossiacutevel que uma

vez admitido o dever enquanto princiacutepio interno e a constituiccedilatildeo da vontade a partir de tal

natildeo haja a possibilidade de agenciamento praacutetico a partir do princiacutepio do dever Em suas pa-

lavras postula-se que eacute um absurdo ldquoalgueacutem depois de ter admitido a autoridade deste concei-

to do dever querer dizer que natildeo se pode realizaacute-lordquo (2009 p79) Essa postura riacutegida de Kant

representa sua intenccedilatildeo em constituir uma subjetividade que se move unicamente pelo princiacute-

pio da autonomia que somente a lei interna pode proporcionar O motivo moral estaacute no cum-

6 Conforme nota explicativa de Kant em BA 15

30

primento da lei sendo esse o motivo da accedilatildeo Em relaccedilatildeo a esse motivo ldquoKant estaacute analisan-

do o conceito proacuteprio de uma lei moral dada uma lei se ela eacute moral devemos segui-la incon-

dicionalmente precisamente por ela ser moralrdquo (MAREY 2010 p79 ndash traduccedilatildeo nossa) Estri-

tamente no sentido moral da lei estaacute entatildeo o criteacuterio de decisatildeo para a adequaccedilatildeo da accedilatildeo agrave

moralidade Esta eacute a centralidade da foacutermula a autorizaccedilatildeo para atuar surge especificamente

ldquodo procedimento de universalizaccedilatildeo enunciado na foacutermula imperativa da lei geralrdquo (MA-

REY 2010 p79 ndash traduccedilatildeo nossa)

A accedilatildeo moral eacute livre isto eacute natildeo passiacutevel de influecircncia heterocircnoma Ao romper com

todo determinismo externo eacute aberta a possibilidade de realizaccedilatildeo do dever por uma uacutenica via

sendo um princiacutepio interno natildeo posso natildeo querer sua realizaccedilatildeo A questatildeo eacute se eacute possiacutevel no

momento da accedilatildeo a vontade humana se guiar unicamente pela consciecircncia do princiacute-

piofoacutermula do dever Ao defender positivamente essa questatildeo Kant fixa a liberdade a partir

do princiacutepio formal como base da moralidade Para fazer a filosofia praacutetica concordar consigo mesma eacute necessaacuterio em primeiro lu-gar resolver a questatildeo de saber se nos problemas da razatildeo praacutetica deve-se tomar co-mo ponto de partida o princiacutepio material dela a finalidade (como objeto da livre vontade) ou partir do princiacutepio formal isto eacute daquele (estabelecido somente com relaccedilatildeo agrave liberdade nas relaccedilotildees externas) assim enunciado age de tal maneira que possas querer que tua maacutexima se torne uma lei universal (qualquer que seja a finali-dade desejada por ti) (SDMP p86)

A concepccedilatildeo anteriormente desenvolvida dita a construccedilatildeo dos princiacutepios atraveacutes da

siacutentese operada pelo entendimento sobre o diverso da intuiccedilatildeo sensiacutevel resultando em conte-

uacutedo de consciecircncia impulsionadora da representaccedilatildeo deste princiacutepio (lei) em relaccedilatildeo ao ser

humano particular A partir dessa concepccedilatildeo eacute que se insere o conceito de liberdade como

suporte que garante a representaccedilatildeo da lei agrave accedilatildeo Isso se torna compreensiacutevel quando relem-

bramos a recusa de Kant a toda forma de determinaccedilatildeo pois ela eacute externa e por isso natildeo cor-

responde ao conceito de liberdade sendo este resultado da accedilatildeo mediante a representaccedilatildeo da

lei a qual eacute conteuacutedo de consciecircncia Para ser livre eacute necessaacuterio que a vontade seja impulsio-

nada por um princiacutepio interno a ela estamos diante da autonomia da vontade

Mas seria simplista entender a liberdade de escolha em Kant apenas na perspectiva

de a vontade natildeo ser determinada por impulsos sensiacuteveis ou determinaccedilotildees externas (instintos

paixotildees) Ampliando essa concepccedilatildeo liberdade eacute ldquocapacidade da razatildeo pura ser por si mes-

ma praacutetica ndash possiacutevel somente pela qualificaccedilatildeo da maacutexima da accedilatildeo como lei universalrdquo (MC

p63) Natildeo se entende o arbiacutetrio livre unicamente como oposiccedilatildeo agrave natureza que manda mas

submetida agrave razatildeo que prescreve a lei na forma de imperativo lei que comanda ou proiacutebe de

31

maneira absoluta sem possibilidade de natildeo o ser Desse modo a vontade somente seraacute livre

quando a forccedila legislativa da maacutexima servir como lei visto que a lei eacute algo em si positivo a saber a forma de uma causalidade intelectual isto eacute da liberdade assim na medida em que ela em contraste com uma contra-atuaccedilatildeo subjetiva a saber as inclinaccedilotildees em noacutes enfraquece a presunccedilatildeo eacute ao mesmo tempo um objeto de respeito e na medida em que ela ateacute a abate isto eacute a humilha eacute um objeto do maacuteximo respeito (CRPr sect130)

Eacute dada agrave lei a forccedila de ser causalidade e por ser conteuacutedo de consciecircncia eacute forma da

liberdade A lei eacute forma de causalidade que abate as inclinaccedilotildees ou seja anula em sentido

praacutetico o efeito da felicidade proacutepria e nesse sentido eacute moral pois considera o humano como

finalidade no ideal de reino dos fins Assim se entende o sentido da liberdade a possibilidade

de natildeo ser guiado nem pela determinaccedilatildeo natural o que seria ligado agrave contingecircncia e tam-

pouco pela subjetividade egoiacutesta Nesse sentido liberdade e autonomia satildeo as caracteriacutesticas

proacuteprias do ser dotado de razatildeo

A liberdade eacute entatildeo transcendental condiccedilatildeo de possibilidade natildeo apenas de ruptura

com os ditames da natureza mas de se converter em lei universal e necessaacuteria para a accedilatildeo O

princiacutepio que permite o movimento natildeo eacute outro que a representaccedilatildeo da lei na accedilatildeo humana

Kant identifica a accedilatildeo desprovida de liberdade a um autocircmato algueacutem que age como maacutequi-

na sem raciociacutenio e vontade proacutepria Se seguiacutessemos apenas um mecanismo da natureza en-

tatildeo a accedilatildeo ldquonatildeo seria melhor que a liberdade de um assador giratoacuterio o qual uma vez posto

em marcha executa por si os seus movimentosrdquo (CRPr sect174) quando natildeo haacute a representaccedilatildeo

da accedilatildeo como necessaacuteria e originada por um princiacutepio racional

Conceber a determinaccedilatildeo moral do sujeito exige como linha reguladora a noccedilatildeo de

reino dos fins Essa noccedilatildeo estaacute de acordo com o ideal de sociedade proposto tambeacutem no texto

Ideia de uma histoacuteria universal de um ponto de vista cosmopolita Defendendo a necessidade

de um mundo cosmopolita isso ocorreria pelo equiliacutebrio entre os antagonismos gerais e o

direcionamento das forccedilas em direccedilatildeo agrave realizaccedilatildeo do mais alto propoacutesito da natureza em noacutes

a ligaccedilatildeo mediante um poder irresistiacutevel o qual congrega a liberdade de cada um em co-

habitaccedilatildeo com a liberdade dos outros Isso seria a sociedade que em outras palavras deve ser

entendida como devendo estar regulada pela ideia de reino dos fins Essa relaccedilatildeo fica ainda

mais evidente quando Kant expotildee o conceito de reino ldquoa ligaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios seres

racionais por meio de leis comunsrdquo (FMC BA 74) Assim ocorre a tentativa de edificar a ple-

na igualdade entre os homens quando apesar dos antagonismos todas as forccedilas satildeo orienta-

32

das a um objetivo comum constituir a civilizaccedilatildeo entendida como o uso da ideia de morali-

dade

A obrigatoriedade de uma accedilatildeo estaacute na promoccedilatildeo e preservaccedilatildeo desse reino e nenhum

fator subjetivo pode desviar o seguimento do dever Isso significa que nenhum moacutebil pode

desviar o querer orientado pelo elemento objetivo do querer ndash tal eacute a forccedila que o imperativo

categoacuterico daacute ao sujeito envolvido na accedilatildeo uma pureza de intenccedilotildees incapaz de romper a lei

E nesse meio eacute que surge um limite ao ideal eacutetico-moral kantiano pois no acircmbito da razatildeo

pura exige-se um indiviacuteduo com uma rigidez de caraacuteter natildeo realizaacutevel no plano da contingecircn-

cia histoacuterica Eacute necessaacuterio considerar o dinamismo a incerteza histoacuterica como constituinte do

humano Estariacuteamos diante de um limite para a razatildeo pura como fixadora do alcance do ali-

cerce eacutetico Para justificar e fundamentar a afirmaccedilatildeo acima recorro a Theodor W Adorno

2 THEODOR ADORNO E A CONCEPCcedilAtildeO DE PENSAMENTO POacuteS-METAFIacuteSICO

21 Discussatildeo em torno do conceito de ldquosujeitordquo

Theodor Adorno leva ao extremo a criacutetica agrave formaccedilatildeo da subjetividade e consequen-

temente define um novo olhar sobre quem eacute ou o que eacute aquilo que chamamos sujeito Anali-

sando a trajetoacuteria de sua produccedilatildeo intelectual eacute possiacutevel relacionar sua criacutetica agrave subjetividade

tanto como uma contraposiccedilatildeo ao transcendental de Kant quanto ao pensamento grego anti-

go mas especificamente em Aristoacuteteles Considero essa tensatildeo fundamental e a interpretaccedilatildeo

que proponho avanccedila para a noccedilatildeo de que os seres humanos se converteram em ldquosujeitos des-

providos de subjetividaderdquo (MM 33 p467) Quem eacute realmente esse sujeito e em que termos

ocorre este desprover de sua proacutepria subjetividade

Na Metafiacutesica o termo sujeito eacute posto por Aristoacuteteles como um dos sentidos de subs-

tacircncia assim definido-a como a essecircncia o universal o gecircnero e o sujeito ldquoE o sujeito eacute aqui-

lo sobre o qual satildeo ditas as demais coisas sem que ele por sua vez seja dito de outrardquo (VII 3

1028b 36) Essa concepccedilatildeo encontra em seu centro a indicaccedilatildeo de um elemento fundamental

a noccedilatildeo de determinaccedilatildeo condiccedilatildeo para qualquer conhecimento Nada eacute possiacutevel dizer sem

considerar esta origem epistemoloacutegica que em Aristoacuteteles eacute a substacircncia identificada em um

sentido com o sujeito Substacircncia eacute sujeito em seu sentido enfaacutetico a origem de todo o devir

forccedila originaacuteria e que eacute legitimamente em-si Os atributos somente predicam algo em refe-

recircncia a um sujeito no caso o sujeito congregador das predicaccedilotildeesdeterminaccedilotildees eacute a subs-

tacircncia e aquelas natildeo existem fora dessa Ou seja somente satildeo em atribuiccedilatildeo ao sujeito

Apesar de Aristoacuteteles natildeo ter concebido o termo autonomia contudo este em-sisi-

mesmo independente de determinaccedilotildees pode ser entendido como um prenuacutencio desse termo

Aristoacuteteles traz para o interior do ente a capacidade de automover-se Natildeo eacute o sentido kantia-

no de autonomia ou maioridade tampouco o sentido adorniano de emancipaccedilatildeo mas indica a

possibilidade ainda claacutessica de compreender o sujeito como portador de um poder intriacutenseco

capaz de construiacute-lo mesmo que ainda em potecircncia visando um fim

Esse elemento determinante poreacutem natildeo determinado servindo assim de origem ou

suporte para todas as modificaccedilotildees que algo venha a sofrer eacute chamado por Aristoacuteteles de hy-

pokeimenon Em referecircncia a este termo para Hans-Georg Gadamer ldquoa palavra significa lsquoa-

quilo que se encontra na basersquo Eacute assim que a palavra vem ao nosso encontro na fiacutesica e na 7 As chamadas referentes agraves citaccedilotildees da obra Minima Moralia (MM) de Theodor Adorno seguem a seguinte ordem abreviatura da obra nuacutemero do aforismo seguido do nuacutemero da paacutegina conforme a traduccedilatildeo ao portu-guecircs de Luiz Eduardo Bicca

34

metafiacutesica de Aristoacuteteles [] e significa aquilo que se encontra inalteravelmente agrave base da

mudanccedila de todas as transformaccedilotildeesrdquo (2007 p11)

A questatildeo eacute sobre a possibilidade de retirar significaccedilatildeo desse fundamento grego em

relaccedilatildeo agrave Teoria Criacutetica de Adorno A soluccedilatildeo que proponho gira em torno de uma criacutetica da

cultura Partindo da concepccedilatildeo grega o sujeito eacute a forccedila original em tudo o que haacute e que per-

mite a realizaccedilatildeo das possibilidades servindo como determinaccedilatildeo para todas as mudanccedilas que

venham a ocorrer Eacute forccedila original por ser proacutepria do indiviacuteduo e natildeo ser passiacutevel de nenhuma

alteraccedilatildeo deriva natildeo sendo derivada O que Adorno percebe eacute que em eacutepocas de administra-

ccedilatildeo da cultura nada escapa ao controle nem mesmo esta substacircncia proacutepria Este em-si origi-

nal se converte conforme apresentado em Dialeacutetica do esclarecimento (p24) em para-ele

Eacute possiacutevel atribuir agrave Paideia grega a concepccedilatildeo desse valor interior poreacutem eacute igual-

mente possiacutevel atribuir agrave nossa sociedade contemporacircnea sua conduccedilatildeo a um valor objetivo

como posse natildeo mais do indiviacuteduo mas da proacutepria estrutura soacutecio-cultural que o determina

Estamos diante de algo desprovido de subjetividade Este que Aristoacuteteles quis como portador

de um nuacutecleo de forccedila originaacuterio foi convertido em algueacutem vazio desta proacutepria forccedila tendo

esta migrado para esferas a ele exteriores Em se tratando de seres humanos tendo sido o po-

der de determinaccedilatildeo a ele alienado eacute totalmente compreensiacutevel a padronizaccedilatildeo de comporta-

mentos e modos de pensar Aquele que deveria ser o sujeito estaacute carente de sua forccedila e aquilo

que deveria ser as derivaccedilotildees da accedilatildeo de tal sujeito (a cultura as instituiccedilotildees o econocircmico)

acaba se convertendo em substrato o elemento essencial que determina externamente o indi-

viacuteduo Sobre a menoridade do indiviacuteduo diante da cultura Rodrigo Duarte afirma ldquoo sujeito

experimenta ndash exatamente na eacutepoca em que os seus meios teacutecnicos de dominaccedilatildeo da natureza

se encontram mais desenvolvidos ndash sua degeneraccedilatildeo em mera coisa sendo que o mundo fiacutesico

a ele subordinado transfere sua selvageria para o seio da cultura acircmbito em que por defini-

ccedilatildeo a autoconsciecircncia do sujeito deveria se colocar como alternativa agrave inconsciecircncia da natu-

rezardquo (1997 p52)

A derivaccedilatildeo primeira dessa constataccedilatildeo ocorre em termos eacutetico-morais O sujeito mo-

ral eacute em Kant o sujeito capaz de se determinar aquele cuja vontade eacute movida por um princiacute-

pio interno legislador universalmente O substrato estaacute no princiacutepio da vontade de um ser ra-

cional capaz de legislar em favor de uma causa comum o bem em sentido efetivo de realiza-

ccedilatildeo do humano em sua dignidade Esta missatildeo legisladora e constituidora do reino dos fins

kantianos exige nada menos que a existecircncia do sujeito enquanto possuidor de subjetividade

forte e autocircnoma Em se tratando da accedilatildeo humana seja em Kant ou Adorno a existecircncia do

sujeito eacute condiccedilatildeo para toda a teoria da moralidade Como persistir na fundamentaccedilatildeo via

35

imperativo categoacuterico quando ocorre a anulaccedilatildeo da forccedila autocircnoma do indiviacuteduo como que

perdendo seu poder subjetivo determinante seu em-si (seja aristoteacutelico ou kantiano)

Nessa anaacutelise cabe uma criacutetica ao proacuteprio si Adorno natildeo concebe uma constituiccedilatildeo

metafiacutesica do si mas o percebe como constituiacutedo em conexatildeo com outros si ldquoO sujeito que

supostamente eacute em si estaacute em si mediado por aquilo do qual se separa a conexatildeo de todos os

sujeitos Atraveacutes da mediaccedilatildeo se converte ele mesmo naquilo que segundo sua consciecircncia de

liberdade natildeo quer ser heterocircnomordquo (DN 20058 p 201) Nesses termos a subjetividade natildeo

eacute um dado causal totalmente intriacutenseco ao ser humano como o hypokeimenon aristoteacutelico ou

o transcendental em Kant mas definido mediante as circunstacircncias histoacutericas nas quais ele

estaacute inserido Para ser em-si eacute necessaacuterio tambeacutem ser com-outro O que ocorre eacute em Adorno

uma volta incisiva ao sujeito agora sob novas configuraccedilotildees marcadas pela experiecircncia com

outros sujeitos pois ldquoenquanto a induacutestria cultura e os donos do poder querem sujeitos enfra-

quecidos para melhor se adaptarem ao sistema que os devora Adorno propotildee a reconstruccedilatildeo

da individualidade do sujeito na experiecircncia com outros sujeitos para que essa individualida-

de seja fonte impulsionadora de resistecircnciardquo (PUCCI 2006 p 407)

Mas como garantir que a individualidade natildeo desapareccedila ou sucumba agrave impotecircncia

diante da forccedila da alteridade O que haacute de autocircnomo e de heterocircnomo nesta constituiccedilatildeo A

isso Adorno remete em inuacutemeros textos sempre enfatizando a necessidade de ou constituir

consciecircncia ou elevar o niacutevel de experiecircncias formativas Os quais natildeo deixam de estar em

iacutentima inter-relaccedilatildeo pois os conteuacutedos de consciecircncia e o proacuteprio ato de consciecircncia satildeo for-

mados somente pela radical inserccedilatildeo na experiecircncia

Dessa forma ao tratar do termo consciecircncia Adorno vai aleacutem do procedimento loacutegico

formal que constitui o pensamento

eacute o pensar em relaccedilatildeo agrave realidade ao conteuacutedo ndash a relaccedilatildeo entre as formas e estrutu-ras do pensamento do sujeito e aquilo que este natildeo eacute Este sentido mais profundo de consciecircncia ou faculdade de pensar natildeo eacute apenas o desenvolvimento loacutegico formal mas ele corresponde literalmente agrave capacidade de fazer experiecircncias Eu diria que pensar eacute o mesmo que fazer experiecircncias intelectuais (EE p151)

Eacute possiacutevel traccedilar uma linha teoacuterica que vai de Aristoacuteteles a Adorno Heidegger no tex-

to O fim da filosofia e a tarefa do pensamento (2009 p72) afirma que ldquocom o ego cogito

como subjectum por excelecircncia eacute atingido o fundamentum absolutum isto quer dizer o sujei-

8 Nas chamadas referentes agrave obra Dialeacutetica negativa indicarei o ano de publicaccedilatildeo Isso pelo fato de utilizar a versatildeo em espanhol e tambeacutem a versatildeo em portuguecircs Quando citar a versatildeo em espanhol (2005) a traduccedilatildeo eacute de Mauricio J Farinon

36

to eacute o ὑί transferido para a consciecircncia Essa constataccedilatildeo eacute decisiva para compre-

endermos o itineraacuterio teoacuterico em torno do conceito de sujeito Sendo em Aristoacuteteles algo in-

terno agrave constituiccedilatildeo essencial do ente em sua natureza primeira com Descartes esse constitu-

inte eacute transferido ao nuacutecleo racional a consciecircncia humana Eacute a consciecircncia que determina a

existecircncia subjetiva e objetiva tanto da res cogitans quanto da res extensa

Kant leva ao extremo essa constataccedilatildeo quando admite a experiecircncia sensiacutevel como

ponto de apoio para todo entendimento mas esse mesmo se identifica com o ato de pensar e

embora natildeo havendo situaccedilatildeo de primazia entre sensibilidade e entendimento eacute na capacidade

de siacutentese operada pelo entendimento que se origina todo conhecimento E a siacutentese eacute ato de

pensar por conceito ndash pensamento por excelecircncia ndash o que somente eacute possiacutevel via unidade da

consciecircncia a identidade do sujeito consigo mesmo Para Adorno essa consciecircncia se tornou

administrada e o ego nem sempre eacute possuidor de cogito sendo essa caracteriacutestica transferida

para algo a ele estranho Natildeo raro temos indiviacuteduos cuja capacidade de decisatildeo e de origem de

qualquer movimento eacute determinada por tutores Assim temos o sujeito destituiacutedo de subjeti-

vidade

A identidade do sujeito consigo mesmo eacute a consciecircncia de si unidade transcendental

que permite o ajuizamento em termos de conhecimento e o que para noacutes eacute o mais decisivo

em termos morais Eacute por me reconhecer uno que posso atribuir valor moral ou seja na eman-

cipaccedilatildeo estaacute o criteacuterio para a accedilatildeo via imperativo categoacuterico Quanto a isso Kant foi decisivo e

sua proposta pode ser caracterizada como sendo exata O ponto de discussatildeo estaacute em admitir a

identidade para aleacutem do consigo mesmo partindo para uma compreensatildeo de que o outro natildeo

se resume ao sentido que reside na consciecircncia idecircntica a si mesma

Chama agrave atenccedilatildeo a referecircncia do pensamento com aquilo que ele mesmo natildeo eacute A

consciecircncia em Adorno por mais que haja nela o elemento da apreensatildeo e reconhecimento do

objeto perpassa pelo elemento da negatividade da contradiccedilatildeo Somente eacute possiacutevel pensar em

constante progresso quando natildeo haacute identidade pois assim subsistem os indicativos de novas

experiecircncias Natildeo haacute um termo final no processo de constituiccedilatildeo da subjetividade e isso de-

vido agrave inexistecircncia do elemento reconciliador entre sujeito e objeto na paz da subjetividade

constitutiva

Pressupondo tal reconciliaccedilatildeo entre o real e a consciecircncia estariacuteamos diante da frieza

conceitual que permite somente o eterno giro dela sobre ela mesma Ao romper com esse mo-

delo de reconciliaccedilatildeo proacuteprio do idealismo kantiano Adorno indica sua proacutepria concepccedilatildeo de

filosofia dizendo que ela ldquonada mais eacute do que o pensamento que natildeo se deixa travarrdquo (EXP

37

p11) A forccedila do ato de pensamento reside na capacidade desenvolvida pelas experiecircncias

formativas Isso eacute decisivo na concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e no todo do pensamento adorniano A

proacutepria possibilidade de experiecircncia esteacutetica perpassa pela habilidade em realizar experiecircncias

formativas O que veremos mais adiante

A referecircncia a Immanuel Kant assume fundamental importacircncia Sua ecircnfase de que haacute

uma complementaccedilatildeo absolutamente necessaacuteria entre sensibilidade e entendimento ou seja

entre experiecircncia e pensamento na constituiccedilatildeo do conhecimento leva a um avanccedilo decisivo

em relaccedilatildeo a Aristoacuteteles Quando este afirma no livro II da Metafiacutesica que o aprendizado eacute

fruto da capacidade de experiecircncia a qual desenvolve a memoacuteria e coloca a έ (arte) vin-

culada ao saber e ao entendimento identifica a sabedoria como o conhecimento das causas e a

filosofia como ldquociecircncia da verdaderdquo

Sendo a verdade o conhecimento das causas deve-se remeter ao termo primeiro agravequi-

lo que eacute a origem de tudo o mais Ateacute mesmo a causa material natildeo deve remeter ao infinito

pois essa total transitoriedade impediria a verdade e esta eacute somente a primeira ldquoos entes eter-

nos satildeo sempre necessariamente os mais verdadeiros (natildeo satildeo temporalmente verdadeiros e

natildeo haacute nenhuma causa de seu ser mas que eles satildeo causa do ser para as demais coisas) de

sorte que cada coisa possui verdade na mesma medida em que possui de serrdquo (MET II 3

993b 28) Ou seja tudo o que deriva passa a ser relativo a esse elemento primordial Eacute assim

que Aristoacuteteles concebe a noccedilatildeo de verdade entendimento e saber Natildeo haacute dependecircncia do

pensamento do sujeito humano mas somente da posse do conhecimento das causas

Eacute nesse ponto que ocorre a diferenciaccedilatildeo kantiana pois o decisivo natildeo estaacute no ser e-

terno aristoteacutelico mas no processo de associaccedilatildeo entre sensibilidade e entendimento o que

significa a capacidade de conhecimento e pensamento Assim ocorre uma inclinaccedilatildeo decisiva

em direccedilatildeo ao sujeito do proacuteprio conhecimento Agora o sujeito eacute o indiviacuteduo mesmo e a con-

diccedilatildeo de possibilidade de todo conhecimento natildeo estaacute em outro lugar a natildeo ser na razatildeo

Adorno poreacutem natildeo compactua com as determinaccedilotildees provindas da subjetividade kan-

tiana Se por um lado Aristoacuteteles apresentava o sujeito como sentido de substacircncia e com

Kant a inclinaccedilatildeo ao sujeito humano passa a ser o elemento central de sua teoria em Adorno

eacute possiacutevel defender uma primazia da experiecircncia O fato central que determina nossa capaci-

dade de conhecimento natildeo estaacute no substrato metafiacutesico claacutessico tampouco eacute exclusividade da

estrutura interna do indiviacuteduo mas eacute o permanente renovar da experiecircncia entre diferencia-

dos

38

Natildeo ocorre a negaccedilatildeo do que Kant chamou estruturas internas como condiccedilotildees ao co-

nhecimento e tambeacutem natildeo haacute a abstraccedilatildeo do objeto Contudo a partir da Teoria Criacutetica de

Theodor Adorno falar em conhecimento e em verdade pressupotildee um jogo livre entre diferen-

ciados Eacute livre por natildeo encontrar um termo decisivo um ponto reconciliador onde ocorre a

total adequaccedilatildeo entre pensamento e realidade Fala-se em sujeitos por natildeo haver uma posiccedilatildeo

de centralidade em nenhum dos poacutelos tradicionais sujeito e objeto mas sim na relaccedilatildeo Sujei-

to e objeto natildeo podem existir sem pressupor a relaccedilatildeo o erro kantiano estaacute em enfatizar um

aspecto que natildeo existe sem a relaccedilatildeo com o diferenciado e a inversatildeo ocasionada pelo filoacuteso-

fo de Frankfurt resulta em o proacuteprio ser humano ser concebido como ldquoresultado natildeo Eidosrdquo

(SO p200) Sendo o elemento central do humano a condiccedilatildeo de ser tambeacutem resultado re-

mete-se a um questionamento na tentativa de em relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do que eacute a verdade

conseguir situaacute-la nesse quadro teoacuterico caracterizado pela primazia da relaccedilatildeo

22 A concepccedilatildeo de verdade em seu nuacutecleo histoacuterico

As discussotildees em torno do conceito de verdade encontram uma indicaccedilatildeo precisa ain-

da na Dialeacutetica do esclarecimento A Dialeacutetica negativa e a Teoria esteacutetica ocupam lugar

central nessa discussatildeo mas a referecircncia agrave obra conjunta com Horkheimer eacute decisiva pois

nessa ocorre a fundamentaccedilatildeo das discussotildees em torno desse conceito O que resulta dessas

discussotildees permite situar Adorno como um autor poacutes-metafiacutesico

O nuacutecleo da verdade eacute temporal portanto sua caracteriacutestica baacutesica eacute a transitoriedade

histoacuterica Somente esse fato coloca Adorno em choque radical com a tradiccedilatildeo filosoacutefica que

se criou desde a Greacutecia claacutessica Nas palavras dele mesmo assim eacute caracterizada sua teoria

ldquouma teoria que atribui agrave verdade um nuacutecleo temporal em vez de opocirc-la ao movimento histoacute-

rico como algo imutaacutevelrdquo (DE p9) e a ldquoverdade eacute constelaccedilatildeo em devirrdquo (OPF p21) somen-

te existindo como o que estaacute em devir Esse fato demarca a concepccedilatildeo baacutesica daquilo que eacute

possiacutevel denominar de pensamento poacutes-metafiacutesico Diante da verdade em seu nuacutecleo histoacuteri-

co o proacuteprio sujeito passa a ser compreendido a partir desta dimensatildeo pondo em questatildeo o

caraacuteter a prioritranscendental kantiano ou formal platocircnico Eacute a importacircncia do resgate da

contingecircncia da historicidade e do elemento ativo no ser humano9

Dois problemas perpassam a discussatildeo em torno desse tema a partir de Adorno O

primeiro eacute a aniquilaccedilatildeo da verdade em troca da eficaacutecia no procedimento A segunda discus-

satildeo aponta para uma contraposiccedilatildeo ao conceito grego aletheia Se este termo indica aquilo 9 Ver o texto de Bruno Pucci Teoria Criacutetica e Educaccedilatildeo na obra do mesmo nome editado em 2007

39

natildeo oculto natildeo escondido ou dissimulado e portanto alcanccedilar a verdade eacute conseguir tirar o

veacuteu que encobre a realidade e trazer o fato agrave tona em contraposiccedilatildeo a administraccedilatildeo da vida

gera o processo inverso o encobrimento Nesse sentido a verdade natildeo se torna mais evidente

exigindo um radical esforccedilo interpretativo principalmente dos fatores que geram esse enco-

brimento e tambeacutem dos fatores que impedem ao pensamento vislumbrar o mundo sob o veacuteu

ideoloacutegico

Esse quadro natildeo se vislumbra somente em questotildees teoacutericas mas perpassa por toda

formaccedilatildeo do pensamento humano principalmente em questotildees de educaccedilatildeo regular em insti-

tuiccedilotildees de ensino Eacute visiacutevel a resistecircncia ao ato de pensar e de se demorar sobre algo A acircnsia

por foacutermulas capazes de resolver imediatamente os problemas toma conta das atividades esco-

lares e ao se deparar com a necessidade de uso de um uacutenico ferramental ndash o pensamento rigo-

rosamente orientado ndash ocorre o bloqueio das energias do conhecimento o que pode ser en-

tendido como resistecircncia agrave investigaccedilatildeo teoacuterica Diante desse quadro surge a Filosofia como

alternativa formadora e propulsora do pensamento e busca pela verdade Analisaremos esses

dois pontos de discussatildeo acima apontados

221 Tensatildeo entre verdade e procedimento

Para Adorno o problema decisivo ao pensamento e agrave proacutepria Filosofia se situa na fa-

lecircncia do elemento ativo a saber a concentraccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo na verdade Para ele o ativo

natildeo se estabelece como em geral ocorre nas aacutereas teacutecnico-cientiacuteficas nas quais esse termo eacute

identificado com o domiacutenio de procedimentos e a consequente produccedilatildeo de objetos Essa

accedilatildeo pode estar carregada de automatismos A verdadeira atividade coincide com a posse do

elemento cognitivo pois somente nesse momento eacute que a accedilatildeo passa a ser atribuiacuteda ao que

executa10 O robocirc natildeo eacute ativo por mais que produza pois nele estaacute ausente o elemento do

entendimento que em outras palavras eacute a satisfaccedilatildeo da verdade Desse modo vincula-se o

elemento ativo com a existecircncia da forccedila subjetiva com a existecircncia do sujeito propriamente

dito

A falecircncia desse elemento ativo se identifica com a incorporaccedilatildeo do segundo elemen-

to a eficiecircncia na operacionalidade agrave qual vem acoplada a noccedilatildeo de representaccedilatildeo do ldquoobje-

tordquo e de enfraquecimento do ldquosujeitordquo Um primeiro sentido desse enfraquecimento jaacute estaacute

10 Acerca da relaccedilatildeo com a natureza seja interna ou externa a partir do criteacuterio baseado no domiacutenio teacutecnico carente da relaccedilatildeo com a verdade ver Rodrigo Duarte Miacutemesis e Racionalidade (1993) principalmente os capiacute-tulos I II e III onde o autor aborda a relaccedilatildeo de domiacutenio da natureza do ponto de vista da razatildeo totalizadora e na contra-resposta de uma relaccedilatildeo esteacutetica com a natureza

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descrito no paraacutegrafo anterior com a distinccedilatildeo entre ativo e automatismo Outro fator que

aponta para o enfraquecimento do sujeito ocorre pela representaccedilatildeo que percebemos nas rela-

ccedilotildees originadas nos ambientes virtuais Natildeo haacute mais a necessidade de encontro efetivo e a

dinacircmica que envolve o tato e o confronto direto eacute substituiacutedo pela dinacircmica da visatildeo e da

audiccedilatildeo destituiacuteda de efetividade sensiacutevel imediata Essa representaccedilatildeo do outro em um en-

contro desvinculado da experiecircncia efetiva do corpo promovido pelos ambientes virtuais

pode gerar a imediata pobreza de experiecircncia a inexistecircncia de padrotildees eacuteticos que somente

ocorrem quando temos o corpo em contato Subjetividade vazia eacute o que marca o indiviacuteduo

moderno pois a condiccedilatildeo para haver solidez no eu entendida como reconhecimento de si

diante da diferenccedila que o outro significa eacute negada na relaccedilatildeo ausente de corpo e portanto

natildeo efetiva

Retomando o conceito de verdade qual eacute a verdade do outro para aleacutem de minha re-

presentaccedilatildeo Dessa compreensatildeo pode resultar a riqueza ou pobreza de consciecircncia pois

quando acredito poder substituir o objeto pelo objeto de minha representaccedilatildeo ou quando ad-

mito que o outro somente exista por ter passado pela minha percepccedilatildeo e entendimento entatildeo

a verdade se converte em ideologia reducionista e anuladora da riqueza constitutiva desse

outro A verdade do outro eacute seu em-si e devir e natildeo o seu para-mim eacute seu conteuacutedo de cons-

ciecircncia proacuteprio e insubstituiacutevel eacute sua marca histoacuterica constituidora da identidade proacutepria Eacute

baseado nesses dados que defendo a urgecircncia da educaccedilatildeo que vise desenvolver a satisfaccedilatildeo

pela verdade a riqueza de conteuacutedo natildeo somente a operacionalidade Preocupa-se muito em

formar nos modos de proceder (seja em esfera produtiva seja na cotidianidade da vida) es-

quecendo dos criteacuterios que deveriam nortear toda conduta humana

A conduta adequada poder-se-ia caracterizar em sentido filosoacutefico do seguinte modo

natildeo eacute agitaccedilatildeo afanosa nem o ficar parado matutando mas sim o olhar demorado sobre o objeto sem querer forccedilaacute-lo A disciplina cientiacutefica em voga requer do sujeito que se apague a si mesmo em prol da primazia da coisa ingenuamente presumida A isto se opotildee a filosofia O pensar natildeo deve reduzir-se ao meacutetodo a verdade natildeo eacute o resto que permanece apoacutes a eliminaccedilatildeo do sujeito Pelo contraacuterio este deve levar consigo toda sua inervaccedilatildeo e experiecircncia na observaccedilatildeo da coisa para segundo o i-deal perder-se nela (OPF p19)

Esta caracterizaccedilatildeo do pensamento enquanto demorar-se sobre o outro eacute condiccedilatildeo pa-

ra o desenvolvimento da consciecircncia no sentido em que esse termo eacute defendido no texto Edu-

caccedilatildeo ndash para quecirc como conteuacutedo que se origina pelo constante renovar da experiecircncia Natildeo

se deve entender a experiecircncia como um procedimento cientiacutefico laboratorial mas em sentido

intelectual estrito do pensamento que se potildee em confronto com sua alteridade enquanto alte-

41

ridade Falar em educaccedilatildeo eacute propor tais experiecircncias natildeo procedimental em relaccedilatildeo ao outro

mas no sentido de educar na habilidade de realizar experiecircncias de pensamento resistindo ao

previamente pensado Estariacuteamos aqui diante das condiccedilotildees para o contundente desenvolvi-

mento da consciecircncia pois ao resistir ao previamente pensado (enquanto a priori) ocorre a

abertura ao devir histoacuterico gerando inevitavelmente tal desenvolvimento fruto daquilo que

Adorno denomina de ldquoconcentraccedilatildeo ampliada11rdquo (OPF 20)

222 A perda da evidecircncia e o impulso ao esclarecimento

Com o uso do termo perda da evidecircncia quero significar algo diferente do sentido a-

dorniado desenvolvido em sua Teoria esteacutetica de perda da evidecircncia artiacutestica Nessa obra estaacute

desenvolvida a perspectiva de que ldquoperante aquilo em que se torna a realidade a essecircncia

afirmativa da arte esta essecircncia inelutaacutevel tornou-se insuportaacutevelrdquo (TE p12) Por causa disto

eacute que a arte assume o caraacuteter de tensatildeo com a realidade e se mostra como ldquoantiacutetese social da

sociedaderdquo (TE p 19) Na possibilidade de admitir a arte como coacutepia do real em Adorno isso

ocorre ldquona medida em que a este fornecem o que lhe eacute recusado no exterior e assim libertam

daquilo para que as orienta a experiecircncia externa coisificanterdquo (TE p15)

Eacute nesse ponto que reside a compreensatildeo adorniana do caraacuteter esclarecedor da verdade

desenvolver a consciecircncia dos elementos que levam agrave negaccedilatildeo da vida Embora Adorno atri-

bua agrave arte um papel de criacutetica eacute via educaccedilatildeo que se torna possiacutevel a ampliaccedilatildeo da consciecircn-

cia em um incisivo impulso esclarecedor Desenvolver consciecircncia eacute tornar algo evidente

trazer ao entendimento estes poderes que determinam a existecircncia individual a ponto de gerar

a ausecircncia de vida A perda da evidecircncia pode ser entendida como obscurecimento que impe-

de a compreensatildeo dos fatos o qual tem sua origem nos interesses ideoloacutegicos que anulam o

desenvolvimento da consciecircncia ou ainda impedem a consciecircncia de se achegar aos fatos

Como compreender em Kant a sensibilidade a percepccedilatildeo que intui os objetos a par-

tir da ausecircncia de evidecircncia em Adorno Em relaccedilatildeo agrave Kant o poder da sensibilidade regida

pelas estruturas internas ao sujeito nas noccedilotildees de tempo e espaccedilo se tornam insuficientes

Ainda na introduccedilatildeo da primeira criacutetica haacute a seguinte afirmaccedilatildeo

que outra coisa poderia despertar e pocircr em accedilatildeo a nossa capacidade de conhecer se-natildeo os objetos que afetam os sentidos e que por um lado originam por si mesmos as

11 No texto Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico (p20-21) a concentraccedilatildeo ampliada eacute posta como sinocirc-nimo de meditar no sentido de ele ultrapassar o previamente pensado e assim o pensamento se renova pela constante relaccedilatildeo Natildeo eacute pensar simples mas o pensamento ampliado concentraccedilatildeo ampliada permanecircncia na relaccedilatildeo com o outro

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representaccedilotildees e por outro lado potildeem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a comparaacute-las ligaacute-las ou separaacute-las transformando assim a mateacuteria bru-ta das impressotildees sensiacuteveis num conhecimento que se denomina experiecircncia (CR-Pu B 1)

Seguindo a argumentaccedilatildeo acima a percepccedilatildeo oferece um material jaacute desqualificado

gerando um erro no processo inicial que leva agrave siacutentese e ajuizamento operados pelo entendi-

mento A siacutentese operada pelo entendimento estaacute dentro de uma triacuteade no sistema kantiano a

qual possibilita o conhecimento a priori dos objetos Conforme a Criacutetica da razatildeo pura (em B

104) essa triacuteade eacute formada pelas seguintes funccedilotildees

a) primeiro passo o diverso da intuiccedilatildeo pura

b) segundo passo a siacutentese desse diverso pela imaginaccedilatildeo

c) terceiro passo ldquoos conceitos que conferem unidade a essa siacutentese pura e consistem

unicamente na representaccedilatildeo dessa unidade sinteacutetica necessaacuteriardquo

A discussatildeo natildeo estaacute centrada na possibilidade dos conhecimentos sinteacuteticos a priori

mas na possibilidade de a sensibilidade fornecer material confiaacutevel ao entendimento Desse

modo se postula o nuacutecleo do conhecimento como resultado do jogo entre entendimento e ex-

periecircncia estando na possibilidade de experiecircncia efetiva a condiccedilatildeo para um ajuizamento

com conteuacutedo de verdade

Estamos diante da razatildeo interpretativa e do fato sensiacutevel ambos postos em tensatildeo

temporal a qual daacute a possibilidade do encontro Retornando ao problema anterior o qual a-

ponta para um encobrimento da realidade como que existindo uma aura branda sobre os fa-

tos gerando o apaziguamento das consciecircncias promovido pela aderecircncia a seu sentido ime-

diatamente visiacutevel eacute decisivo o desenvolvimento da razatildeo interpretativa em condiccedilotildees de

desvelar ou testemunhar exatamente aquilo que o veacuteu oculta A esse ocultamento Adorno

chamou de administraccedilatildeo promovida pela induacutestria cultural

Isso demarca uma ruptura na triacuteade kantiana acima exposta pois natildeo havendo possibi-

lidade imediata de a sensibilidade dar o objeto em seu efetivo sentido o entendimento natildeo

consegue operar a siacutentese legiacutetima e consequentemente ter a fonte para verdade alguma Ve-

jamos qual o itineraacuterio kantiano ldquoa espontaneidade do nosso pensamento exige que este di-

verso12 seja percorrido recebido e ligado de determinado modo para que se converta em co-

nhecimento A esse ato dou o nome de siacutenteserdquo (CRPu B102) Continuando a argumentaccedilatildeo

encontramos uma definiccedilatildeo mais clara do que eacute o momento da siacutentese ldquona acepccedilatildeo mais geral

12 O diverso fornecido pela intuiccedilatildeo que daacute o objeto em suas singularidades Esse diverso eacute percorrido e elabo-rado pelo entendimento gerando sua siacutentese

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da palavra o ato de juntar umas agraves outras diversas representaccedilotildees e conceber a sua diversi-

dade num conhecimentordquo (B103)

Como consequecircncia deste ato sinteacutetico ocorre o ato de pensamento e que promove

pensamento no sentido de gerar conceito o qual eacute em Kant ldquoa primeira origem do nosso

conhecimentordquo (B103) Estamos diante de um diverso da intuiccedilatildeo sensiacutevel o qual tem como

caracteriacutestica o ajuizamento o discurso ldquoo conhecimento de todo o entendimento pelo me-

nos do entendimento humano eacute um conhecimento por conceitos que natildeo eacute intuitivo mas

discursivordquo (CRPu B 93)

Eacute esse itineraacuterio que fica bloqueado E uma ampliaccedilatildeo da consciecircncia somente ocorre-

ria com a mudanccedila natildeo apenas no sentido mas na possibilidade de conhecimento O conhe-

cimento discursivo por mais que seja importante deve ser precedido por algo que estaacute fora do

domiacutenio conceitual do sujeito transcendental a noccedilatildeo de verdade objetiva O sujeito transcen-

dental queda insuficiente em se tratando da possibilidade de conhecimento por natildeo ser dado

agraves suas estruturas material veriacutedico para sua siacutentese e ajuizamento E isso devido ao fato de

negar a verdade em seu nuacutecleo sensiacutevel concreto presente no objeto e disponibilizado ao

sujeito somente via radical imersatildeo na experiecircncia Eacute nesse momento que podemos entender

claramente a afirmaccedilatildeo adorniana na Dialeacutetica negativa a qual aponta para o fato de que o

ldquoconceito eacute um momento como outro qualquer na loacutegica dialeacuteticardquo E da ldquonecessidade que a

filosofia tem de operar com conceitos natildeo se pode fazer-se a virtude de sua prioridaderdquo (DN

2005 p 23)

Sua natildeo prioridade se justifica na discussatildeo que envolve dois termos decisivos para

Adorno os quais serviratildeo de impulso agrave compreensatildeo do momento especiacutefico que a razatildeo in-

terpretativa e a capacidade conceitual ocupam dentro deste quadro teoacuterico Refiro-me aos

termos constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade

Em se tratando do ajuizamento e expressatildeo vale destacar ldquoO criteacuterio do verdadeiro

natildeo eacute sua imediata comunicabilidade a algueacutem Agora que todo passo em direccedilatildeo agrave

comunicaccedilatildeo vende e falsifica a verdade deve-se resistir agrave coaccedilatildeo quase universal de

confundir o conhecido com sua comunicaccedilatildeo e inclusive situaacute-la acima delerdquo (DN 2005

p49) O fato de ser dito natildeo justifica ser verdade Toda forma de comunicaccedilatildeo pode ser cami-

nho em direccedilatildeo ao ocultamento agrave natildeo evidecircncia na direccedilatildeo de uma pseudo comunicaccedilatildeo O

juiacutezo pode representar a falsa consciecircncia Esse fator reafirma a problemaacutetica que bloqueou o

itineraacuterio teoacuterico kantiano

Diante desse bloqueio ou em outros termos diante do caraacuteter problemaacutetico estabele-

cido entre a sensibilidade e o entendimento eacute possiacutevel situar a partir de Adorno alguns indi-

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cativos que vecircm suprir a lacuna gerada pela ausecircncia de evidecircncia Tais indicativos satildeo condi-

ccedilotildees que garantem agrave subjetividade o conteuacutedo daquilo com o qual se relaciona e representam

o momento dialeacutetico necessaacuterio para a continuaccedilatildeo do processo de formaccedilatildeo da consciecircncia ndash

conforme seraacute posteriormente desenvolvido Os indicativos que pontuo como soluccedilotildees ao

problema indicado satildeo a noccedilatildeo de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade Esses se vinculam

diretamente ao objeto colocando-os na posiccedilatildeo de desafio e exigecircncia agrave razatildeo interpretativa

O termo razatildeo interpretativa tem sentido muito proacuteprio em Adorno indicando inclu-

sive a vinculaccedilatildeo com aquilo que ele denomina na Teoria esteacutetica de racionalidade esteacutetica

Enquanto interpretaccedilatildeo ocorre a ldquonegaccedilatildeo da ideia absoluta o conteuacutedo jaacute natildeo pode identifi-

car-se com a razatildeo como postulava o idealismo criacutetica da onipotecircncia da razatildeo ele deixa

por seu lado de ser racional segundo as normas do pensamento discursivordquo (TE p40) Nesse

sentido eacute impossiacutevel chegar a uma evidecircncia do conteuacutedo a ponto de resolver o interpretado

pois ldquodeve-se interpretar-se e natildeo ser substituiacuteda pela claridade do sentidordquo (TE p42)

Com o sentido de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade se postula a autocriacutetica da razatildeo

gerando a consciecircncia dos fatores que impedem o acesso ao material confiaacutevel via sentidos

Isso para Adorno eacute a racionalidade esteacutetica

Enquanto que o conhecimento discursivo acede agrave realidade mesmo nas suas irracio-nalidades que por sua vez correspondem agrave lei do seu movimento haacute nelas algo de inflexiacutevel em relaccedilatildeo ao conhecimento racional A este uacuteltimo eacute estranho o sofri-mento pode defini-lo subsumindo-o fazer dele um meio de pacificaccedilatildeo Mas soacute com dificuldade o pode exprimir atraveacutes da sua experiecircncia isso significaria a sua irracionalidade O sofrimento reduzido ao seu conceito permanece mudo e sem consequumlecircncias [] a verdade eacute concreta (TE p30)

Mas para chegar a um conteuacutedo ou a seu sentido algumas consideraccedilotildees satildeo funda-

mentais e visando inclusive aprofundar o proacuteprio conceito de interpretaccedilatildeo partimos para o

proacuteximo item deste capiacutetulo

23 Constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade marcas do pensamento poacutes-metafiacutesico em Adorno

O termo constelaccedilatildeo proacuteprio de sua obra Teoria esteacutetica remete ao quatildeo insuficiente

eacute um conceito em sua tentativa de capturar o real A razatildeo interpretativa deve se comportar

como a arte daiacute uma racionalidade esteacutetica semelhante a ldquoum iacutematilde num campo de limalha de

ferro Natildeo apenas os seus elementos mas tambeacutem a sua constelaccedilatildeo o especificamente esteacuteti-

co que se atribui comumente ao seu espiacuterito remete para este Outrordquo (TE p18) Em outra

45

passagem assim eacute exposto ldquoA arte tem o seu conceito na constelaccedilatildeo de momentos que se

transformam historicamente fecha-se assim a definiccedilatildeordquo (TE p12)

Esta racionalidade interpretativa exige uma caracteriacutestica a sensibilidade Em outras

palavras eacute uma racionalidade em radical viacutenculo com a efetividade da experiecircncia Desse

modo a sensibilidade natildeo eacute algo agrave parte um momento primeiro e rapidamente superado pelo

momento intelectivo Converte-se na condiccedilatildeo para apreender o objeto por isso a necessidade

de sua permanente renovaccedilatildeo

Como eacute possiacutevel dizer algo Somente via constelaccedilatildeo ou seja na abertura do devir

histoacuterico e na capacidade de congregar sentido mediante a percepccedilatildeo dos conteuacutedos de verda-

de Exatamente por natildeo ser imutaacutevel a verdade se constitui em conteuacutedo a consciecircncia que se

expressa em confronto com a constelaccedilatildeo de momentos que formam um objeto O que forma

o objeto A totalidade de seus momentos sua constelaccedilatildeo Em se tratando do termo consciecircn-

cia eacute possiacutevel afirmaacute-la como sendo o conteuacutedo interno ao sujeito o qual equivale ao niacutevel de

experiecircncia que tenho

Theodor Adorno utiliza o conceito constelaccedilatildeo para trazer ao centro da experiecircncia

esteacutetica a riqueza constitutiva do outro Natildeo eacute mais um uacutenico olhar segundo uma uacutenica loacutegi-

ca interpretativa que consegue capturar o real retendo-o em uma caacutepsula conceitual mas ao

contraacuterio um jogo de forccedilas constitutivas entra em accedilatildeo quando a relaccedilatildeo de diferenciados

ocorre Esse jogo segue a regra de que um uacutenico conceito natildeo contempla a totalidade do obje-

to mas diante da constelaccedilatildeo de sentido diversos conceitos dialogam visando a compreen-

satildeo Poreacutem natildeo eacute simplesmente constelaccedilatildeo de conceitos mas eacute a consideraccedilatildeo da riqueza

constitutiva do outro no instante da relaccedilatildeo Os dois poacutelos da relaccedilatildeo estatildeo em jogo com uma

constelaccedilatildeo de significados uma riqueza constitutiva que natildeo se enclausura em caacutepsulas con-

ceituais ndash por isto eacute constelaccedilatildeo Em linguagem metafoacuterica Adorno se utiliza do exemplo do

imatilde em um campo de limalha de ferro tudo entra em relaccedilatildeo remetendo agrave relaccedilatildeo de diferen-

ciados Fecha-se assim agrave definiccedilotildees por ser uma constelaccedilatildeo de momentos em permanente

abertura histoacuterica

O termo sedimento da histoacuteria no texto Sobre sujeito e objeto remete claramente ao

quanto a consciecircncia eacute determinada pela relaccedilatildeo com aquilo que ela mesma natildeo eacute o outro

Somos resultado da histoacuteria e como tal natildeo haacute a menor possibilidade em persistir sem mais

na captura conceitual cuja pretensatildeo eacute convencionar o sentido Em contraposiccedilatildeo com o idea-

lismo no qual ldquopensar eacute conhecer por conceitosrdquo (CRPu B 94) temos o pensamento como

algo que ldquonatildeo se esgota nem no processo psicoloacutegico nem na loacutegica formal pura intemporal Eacute

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um modo de comportamento ao qual eacute imprescindiacutevel a referecircncia agravequilo com o qual se rela-

cionardquo (OPF p18)

A sensibilidade natildeo fornece e tampouco o entendimento interioriza por completo

seus objetos Duas vias impedem este fornecimento e esta interiorizaccedilatildeo Por um lado temos a

perda da evidecircncia conforme analisado no item anterior Por outro lado ocorre o limite inter-

pretativo da razatildeo a qual gera nada menos que a consciecircncia limitada Em ambos percebe-se

a ausecircncia da possibilidade de experiecircncia que eacute falha na dialeacutetica entre pensamento e reali-

dade A necessidade da Filosofia estaacute em ser forccedila de reflexatildeo sobre o outro a alteridade natildeo

nele mesmo e por ele mesmo mas a partir dele em sua natildeo igualdade impulsionadora da ex-

periecircncia Na terra de iguais natildeo se tem motivo para pensar O pensamento ocorre por causa

da diversidade da tensatildeo da dinacircmica caracterizada pela contradiccedilatildeo

Havendo conteuacutedo de verdade estando o outro imerso em uma constelaccedilatildeo de momen-

tos que o constituem isso remete agrave exigecircncia da razatildeo interpretativa a qual se contrapotildee agrave

clareza de sentido Se houvesse clareza de sentido natildeo precisariamos interpretar A exigecircncia

de interpretaccedilatildeo eacute considerada desse modo exigecircncia filosoacutefica fundante O outro em sua

constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade natildeo eacute somente intuitivo Enquanto empiria eacute possiacutevel ad-

mitir tal reduccedilatildeo Poreacutem se houvesse esta reduccedilatildeo a fascinaccedilatildeo de sua percepccedilatildeo imediata

seria suficiente e desse modo perder-se-ia toda riqueza constitutiva que estaacute aleacutem do conteuacute-

do imediato dado pelos sentidos Em sua constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade o outro eacute impul-

so interpretativo motivo de pensamento e partindo dele conteuacutedo filosoacutefico Eacute filosoacutefico por

natildeo se reduzir agrave intuiccedilatildeo mas apontar estiacutemulo ao pensamento ndash isto converteu aquilo que na

teoria do conhecimento tradicional era tido como objeto em algo qualitativamente distinto o

OUTRO

Onde se localiza o sujeito dessa razatildeo interpretativa e quando eacute possiacutevel dizer que tal

sujeito existe Adorno situa essa possibilidade afirmando que o ldquoindiviacuteduo se converte em

sujeito na medida em que graccedilas a sua consciecircncia individual se objetiva tanto na unidade de

si mesmo quanto de suas experiecircncias ambas podem ser negadas aos animaisrdquo (DN 2005

p53) Esta consciecircncia individual pode ser aproximada salvo algumas restriccedilotildees agrave

autoconsciecircncia kantiana Exporei aspectos da teoria kantiana acerca disso para apoacutes

estabelecer as discussotildees

Na Criacutetica da razatildeo pura ocorre a indicaccedilatildeo clara do que significa para o ser humano

o reconhecimento da siacutentese das representaccedilotildees como propriedade individual Todas as repre-

sentaccedilotildees constituem uma totalidadeunidade na autoconsciecircncia a qual eacute denominada ldquouni-

dade transcendental da autoconsciecircnciardquo Essa unidade significa que ldquoas diversas representa-

47

ccedilotildees natildeo seriam representaccedilotildees minhas se natildeo pertencessem na sua totalidade a uma auto-

consciecircnciardquo Eacute a ldquoligaccedilatildeo originaacuteriardquo de todas as representaccedilotildees Para Kant a consciecircncia

empiacuterica eacute dispersa e sem referecircncia agrave identidade do sujeito Tal referecircncia agrave identidade do

sujeito se estabelece ldquoporque acrescento uma representaccedilatildeo agrave outra e tenho consciecircncia da sua

siacutenteserdquo A ligaccedilatildeo originaacuteria agrave identidade do sujeito ocorrida pela autoconsciecircncia somente

ocorre devido exatamente agrave consciecircncia da siacutentese de tais representaccedilotildees num mesmo sujeito

gerando assim o eu idecircntico Por esta unidade de todas as representaccedilotildees na consciecircncia eacute

possiacutevel formar inclusive a unidade do sujeito Se assim natildeo o fosse ldquoteria um eu tatildeo

multicolor e diverso quanto tenho representaccedilotildees das quais sou conscienterdquo (cf CRPu B

132-134)

Partindo de tais referenciais eacute possiacutevel estabelecer um paralelo entre a concepccedilatildeo kan-

tiana da formaccedilatildeo da autoconsciecircncia com a concepccedilatildeo adorniana de tal formaccedilatildeo Um passo

decisivo dado por Adorno estaacute na relevacircncia que a continuidade histoacuterica tem na formaccedilatildeo do

eu Com o desaparecimento da consciecircncia da continuidade histoacuterica ocorre natildeo somente a

perda da referecircncia quanto ao devir histoacuterico mas o esfacelamento da consciecircncia que natildeo

reconhece a totalidade dos momentos como seu constitutivo essencial Isso remete ao fato de

que a autoconsciecircncia deve significar a existecircncia do eu idecircntico pois apesar de no devir his-

toacuterico na tensatildeo histoacuterica de todo encontro e busca da verdade natildeo haver a identidade entre

sujeito e seu outro apesar disso as experiecircncias constituiacutedas pelo indiviacuteduo devem ser repre-

sentadas como propriedade uacutenica de si mesmo

Eacute a noccedilatildeo de que apesar da natildeo possibilidade de representar a totalidade do outro em

minha consciecircncia aquilo que se representa eacute conteuacutedo proacuteprio e forma a autoconsciecircncia

Isso tem consequecircncia em questotildees morais pois diante da impossibilidade de representaccedilatildeo

plena se exige a relaccedilatildeo permanente o encontro constante e na perspectiva adorniana este

encontro deve ocorrer de modo a permitir uma situaccedilatildeo na qual eacute possiacutevel ser diferente sem

ter medo (cf MM 66 p89) Ocorre o entendimento que toda representaccedilatildeo eacute representaccedilatildeo de

um momento histoacuterico de modo que a razatildeo permanece em estranhamento diante do real Eacute

ldquoa siacutentese natildeo violenta do dispersordquo (TE p165) que ocorre apesar de permitir ao outro conti-

nuar sendo ele para aleacutem do meu conteuacutedo de consciecircncia Em se tratando de consciecircncia

moral Adorno argumenta que essa na doutrina kantiana eacute a ldquovoz da lei moralrdquo e somente se

converte em consciecircncia devido agrave forccedila de coerccedilatildeo social que se impotildee mediante seu caraacuteter

de universalidade e necessidade (cf DN 2009 p226 e 230)

48

Retornando ao problema da representaccedilatildeo e utilizando outra anaacutelise da Teoria esteacuteti-

ca percebemos que a relaccedilatildeo da razatildeo interpretativa diante da obra de arte eacute a mesma relaccedilatildeo

que essa razatildeo deve estabelecer com tudo o que entra em seu ciacuterculo de contato

Se uma obra se abre inteiramente atinge-se entatildeo a sua estrutura interrogativa e a re-flexatildeo torna-se obrigatoacuteria em seguida a obra afasta-se para finalmente assaltar uma segunda vez com o laquoo que eacute istoraquo aquele que se sentia seguro da questatildeo Eacute possiacutevel poreacutem reconhecer como constitutivo o caraacuteter enigmaacutetico laacute onde ele falta as obras de arte que se apresentam sem resiacuteduo agrave reflexatildeo e ao pensamento natildeo satildeo obras de arte (TE p142)

Este caraacuteter de instigaccedilatildeo agrave razatildeo e consequentemente de permanente enriquecimento

da experiecircncia eleva o outro esse que era considerado tradicionalmente objeto agrave dignidade

de estar-aiacute com riqueza constitutiva para aleacutem da minha apreensatildeo Parafraseando Adorno o

ldquoobjetordquo que se apresenta sem resiacuteduo agrave reflexatildeo e ao pensamento natildeo eacute ldquoobjetordquo

Educacionalmente se impotildee o desafio de constituir a consciecircncia verdadeira na exi-

gecircncia de que ldquoo princiacutepio do esclarecimento da consciecircncia seja aplicado na praacutetica educa-

cionalrdquo principalmente diante do fato de que

a proacutepria organizaccedilatildeo do mundo em que vivemos e a ideologia dominante [] ou seja a organizaccedilatildeo do mundo converteu-se a si mesma imediatamente em sua proacute-pria ideologia Ela exerce uma pressatildeo tatildeo imensa sobre as pessoas que supera toda a educaccedilatildeo Seria efetivamente idealista no sentido ideoloacutegico se quiseacutessemos com-bater o conceito de emancipaccedilatildeo sem levar em conta o peso imensuraacutevel do obscu-recimento da consciecircncia pelo existente (EE p142-143 ndash grifo nosso)

Isso explica o motivo pelo qual muitas vezes a escola pode sofrer de insuficiecircncia

formativa Frente agrave pressatildeo do mundo sobre os indiviacuteduos sua consciecircncia sofre muito mais o

impacto por tal pressatildeo do que pela accedilatildeo pedagoacutegica desenvolvida por um professor ou insti-

tuiccedilatildeo escolar

3 A IMPOSSIBILIDADE DO REINO DOS FINS MEDIANTE A FORCcedilA DO IMPERA-TIVO CATEGOacuteRICO UMA CONTRAPOSICcedilAtildeO FUNDADA EM ADORNO

Karl Kraus em Os uacuteltimos dias da humanidade apresenta a confianccedila total que se cri-

ou sobre o ser humano cuja forccedila do dever e a forccedila moral em agir por puro amor ao dever eacute o

imperativo maacuteximo de conduta E apresenta isso como criacutetica para deixar claro que o proacuteprio

periacuteodo da Primeira Guerra Mundial tinha como pressuposto da vitoacuteria a forccedila interna gerada

pelo imperativo categoacuterico natildeo pode haver derrota pois nada eacute mais forte que o sujeito que

age movido por tal forccedila Kraus descrevendo uma cena em um quartel-general alematildeo diz

a firme esperanccedila de que o Senhor dos Exeacutercitos continuaraacute a estar do nosso lado Se o inimigo natildeo quiser a paz entatildeo teremos noacutes que trazer a paz ao mundo arrom-bando com punho de ferro e espada flamejante os portotildees daqueles que natildeo querem a paz [] Os feitos heroacuteicos das nossas tropas os ecircxitos dos nossos grandes gene-rais as admiraacuteveis realizaccedilotildees da paacutetria tecircm as suas raiacutezes em uacuteltima anaacutelise nas forccedilas morais inculcadas ao nosso povo numa escola exigente a do imperativo cate-goacuterico [] A nossa vitoacuteria devemo-la em parte natildeo pequena agraves riquezas morais e espirituais que o grande saacutebio de Koumlnigsberg ofereceu ao nosso povo (2003 p287-288)

Por certo que Kant natildeo esperava esta realizaccedilatildeo do indiviacuteduo formado em sua ldquoesco-

lardquo Mas o desenvolvimento histoacuterico mostrou que a contingecircncia estaacute muito mais presente na

ldquocoluna vertebral da moralidaderdquo do que ele pocircde imaginar no seacuteculo XVIII E assim eacute que o

ser humano se tornou cego no seguir a vontade fruto daquele estreitamento que o amor agrave lei

estabelece Cegueira que natildeo reconhece mais o contexto em seu nuacutecleo de forccedila a rigidez do

agir por puro respeito agrave lei pode se tornar fechada na lei por ela mesma A advertecircncia neo-

testamentaacuteria do cristianismo remete agrave necessidade de que a lei natildeo estaacute acima do ser humano

nem este fora feito para ela mas o radical contraacuterio Soma-se a isso a exigecircncia de que em

consideraccedilatildeo praacutetica o puro amor deve ser pelo diverso na sua contingecircncia histoacuterica Exis-

tem muito mais coisas de incerto do que puderam imaginar os defensores do caraacuteter de neces-

sidade

O seacuteculo XX testemunhou os maiores exemplos de atrocidades jamais realizadas contra

a humanidade A efetivaccedilatildeo da extinccedilatildeo em massa natildeo liquidou apenas indiviacuteduos humanos

mas arrasou o ideal do Reino dos fins O imperativo categoacuterico pretendia formar um estado

verdadeiramente humano em que nada poderia estar acima da dignidade humana Tambeacutem

tinha a pretensatildeo de formar o sujeito moralmente inabalaacutevel aquele que nada o altera em seu

equiliacutebrio na rigidez de caraacuteter como nuacutecleo de forccedila A grande contribuiccedilatildeo de Kant estaacute eacute

claro no fato de analisar as condiccedilotildees a partir das quais se poderia evitar que o sujeito se con-

50

vertesse em uma mera esponja assim Kant acredita ser necessaacuterio arrancar o sujeito das de-

terminaccedilotildees heterocircnomas Poreacutem este autocircnomo abstraiu tanto o Outro que acabou impedin-

do o encontro a experiecircncia e a linguagem A noccedilatildeo de mimese encontra espaccedilo nesta triacuteade

Analisemos esses termos separadamente

Eacute o encontro entre diferenciados que estabelece as bases para toda experiecircncia possiacute-

vel e ele natildeo se limita ao momento inicial da relaccedilatildeo mas eacute constituinte permanente na am-

pliaccedilatildeo da consciecircncia Desse modo eacute que mesmo que a razatildeo tenha que operar com concei-

tos eles natildeo estatildeo em um patamar de substituiccedilatildeo ao fato mesmo

Retornando agrave discussatildeo do capiacutetulo anterior o termo consciecircncia deve ser entendido

natildeo somente como o espaccedilo de lucidez do entendimento quando tenho clareza no pensar mas

aponta a uma riqueza constitutiva

eacute o pensar em relaccedilatildeo agrave realidade ao conteuacutedo ndash a relaccedilatildeo entre as formas e estruturas do pensamento do sujeito e aquilo que este natildeo eacute Este sentido mais profundo de consciecircncia ou faculdade de pensar natildeo eacute apenas o desenvolvimento loacutegico formal mas ele corresponde literalmente agrave capacidade de fazer experiecircncias Eu diria que pensar eacute o mesmo que fazer experiecircncias intelectuais Nesta medida e nos termos que procuramos expor a educaccedilatildeo para a experiecircncia eacute idecircntica agrave educaccedilatildeo para a emancipaccedilatildeo (EE p151)

Aqui o encontro expressa toda sua forccedila formadora pois na permanecircncia dele eacute que

ocorre a possibilidade de ampliaccedilatildeo do conhecimento Natildeo mais no a priori mas na experiecircn-

cia sempre renovada Assim como a histoacuteria tem a dinamicidade da mudanccedila permanente o

entendimento que natildeo respeita isso sofre o problema de natildeo ter seus conceitos adequados ao

empiacuterico Essa insuficiecircncia liquida a primazia do sujeito doador de sentido pois o real estaacute

sempre fugindo aos modelos ideais estabelecidos A advertecircncia de Heraacuteclito de que natildeo eacute

possiacutevel entrar duas vezes em um mesmo rio elucida isso perfeitamente O juiacutezo eacute sempre

insuficiente pois o fato mesmo (seja do eu quanto do Outro) estaacute em constante mudanccedila exi-

gindo a mesma postura da linguagem

A primazia da experiecircncia ou primazia da relaccedilatildeo deve ser o criteacuterio para o conheci-

mento em constante progresso Em termos dialeacuteticos isso natildeo significa nem a primazia do

sujeito como Kant o propocircs tampouco a primazia do objeto como o quis Adorno indicando

aquilo que natildeo eacute acreacutescimo subjetivo o natildeo-idecircntico O que se propotildee eacute antes a centralidade

do encontro cuja base estaacute na dinacircmica de constante enfrentamento de diferenciados Assim

se estabelece um giro na teoria do conhecimento onde a preocupaccedilatildeo estaacute nos constituintes da

relaccedilatildeo Como esta deve se estabelecer para que natildeo ocorra a ruptura no processo de escla-

recimento Se haacute um sujeito e um objeto ou sujeitos ou ainda somente objetos isto eacute secun-

51

daacuterio diante daquilo que ocorre entre eles O papel da filosofia estaacute nessa definiccedilatildeo Temos

entatildeo que o encontro e a experiecircncia representam um nuacutecleo de tensatildeo natildeo passiacutevel de repou-

so e assim condiccedilatildeo para a ampliaccedilatildeo da consciecircncia Disso resulta a riqueza de linguagem Eacute

impossiacutevel ter o que dizer sobre algo que foge do meu universo experiencial E quando a proacute-

pria experiecircncia eacute limitada limitada tambeacutem eacute minha expressatildeo

A expressatildeo eacute a capacidade de acoplar agraves manifestaccedilotildees linguiacutesticas toda riqueza da

experiecircncia adquirida E isso exige rigor pois toda palavra dita superficialmente sofre a ca-

recircncia de natildeo se aproximar e tampouco se demorar sobre o outro Expressatildeo e rigor satildeo as

condiccedilotildees do conhecimento Poreacutem o rigor natildeo eacute reduccedilatildeo E a mimese eacute o nome dado a este

processo que vai da abertura ao encontro e ampliaccedilatildeo da consciecircncia ateacute a sua objetivaccedilatildeo

como linguagem no mundo sensiacutevel (seja mediante a fala gestos criaccedilatildeo artiacutestica) Mimese

eacute o braccedilo estendido ao que me eacute diferente que ocorre no momento em que se efetiva o encon-

tro Um braccedilo estendido que reconhece a dor alheia poreacutem natildeo eacute reconhecimento somente

racional mas sensiacutevel que encontra reaccedilatildeo no corpo Conforme Tiburi miacutemesis eacute ldquomuito

mais do que tentativa de reproduccedilatildeo do objeto por um sujeito seria a tentativa de tocaacute-lo de

modo sensiacutevelrdquo (2005 p137 ndash grifo nosso)

O tocar sensiacutevel a aproximaccedilatildeo que se pode definir como afetiva pois envolve o sen-

timento afeiccedilatildeo permite o reconhecimento de si e do outro ao mesmo tempo em que permite

a diferenccedila entre ambos Esse modo de conceber a miacutemesis ldquoindicaria muito mais uma dimen-

satildeo essencial do pensar esta dimensatildeo de aproximaccedilatildeo natildeo violenta luacutedica carinhosa []

uma aproximaccedilatildeo do outro que consiga compreendecirc-lo sem prendecirc-lo e oprimi-lo que consi-

ga dizecirc-lo sem desfiguraacute-lo Essa proximidade na qual o espaccedilo da diferenccedila e da distacircncia

seja respeitado sem anguacutestiardquo (GAGNEBIN 2005 p101) Desse modo a origem eacute fiacutesica e

provoca fisicamente natildeo apenas intelectualmente ldquoO sofrimento reduzido ao seu conceito

permanece mudo e sem consequecircnciasrdquo (TE p30) Aqui estaacute a dor mesma quando ocorre a

sua negaccedilatildeo ldquoO que tem de doloroso eacute a dor elevada a conceitordquo (DN 2005 p18) Essa eacute a

pobreza de relaccedilatildeo mimeacutetica e de experiecircncias pelo sacrifiacutecio da diversidade qualificada

Eacute o que se percebe em Kafka quando na cena final de O Processo K exclama derra-

deiramente ldquocomo um catildeordquo por natildeo ser reconhecido e o encontro natildeo ter se efetivado Conse-

quentemente o estado humano tornou-se impossiacutevel e o fracasso do Reino dos fins eminente

Agora parece haver uma terra de ningueacutem entre os dois lados da relaccedilatildeo Mais uma vez torna-

se legiacutetima a preocupaccedilatildeo com os termos do encontro e sua primazia Em Kafka a mimese

natildeo se efetiva pois o encontro mimeacutetico eacute rompido pelo problema da individuaccedilatildeo e indife-

renccedila Reconhecer o outro em sua dignidade passa pela consideraccedilatildeo de sua diferenccedila e isso

52

garante a individuaccedilatildeo necessaacuteria agrave natildeo indiferenccedila13 Adorno potildee esse problema no centro da

questatildeo da barbaacuterie pois ldquose as pessoas natildeo fossem profundamente indiferentes em relaccedilatildeo ao

que acontece com todas as outras excetuando o punhado com quem mantecircm viacutenculos estritos

e possivelmente por intermeacutedio de alguns interesses concretos entatildeo Auschwitz natildeo teria

sido possiacutevel as pessoas natildeo o teriam aceito (EE p134)

Pontuando um problema a partir da teoria kantiana temos a constataccedilatildeo da natildeo reali-

zaccedilatildeo do reino dos fins segundo os moldes do imperativo categoacuterico Auschwitz foi o exem-

plo deste fracasso pois aqueles que deveriam ser os fins passaram a ser possuidores de exis-

tecircncia insignificante O ideal de dignidade proacuteprio do reino kantiano natildeo se atribui a univer-

salidade e entatildeo Adorno potildee o diagnoacutestico natildeo haacute mais vida ndash seres humanos foram reduzi-

dos a mera fumaccedila serpenteando ao ceacuteu pela chamineacute dos fornos dos campos de extermiacutenio14

Esse foi o exemplo maacuteximo da indiferenccedila que destroacutei aniquila o diferente E o fracasso do

reino kantiano se deve exatamente no fato de que a comunicaccedilatildeo foi negada diante da ausecircn-

cia mimeacutetica ndash comunicar-se consigo mesmo como uma mocircnada petrificada Pensar em hu-

manidade exige entatildeo dois pressupostos o encontro e a comunicaccedilatildeo

A forccedila do imperativo categoacuterico visava impedir que o homem entendido como hu-

manidade dispusesse de si mesmo para atentar contra a raccedila humana A ecircnfase posta desde

Aristoacuteteles no ideal da vida justa a retidatildeo que se conquista pela razatildeo orientada para uma

medida justa nas accedilotildees converte-se nas palavras de Adorno em triste ciecircncia E o problema

chave disso estaacute do diagnoacutestico apresentado ainda em Dialeacutetica do Esclarecimento

O processo teacutecnico no qual o sujeito se coisificou apoacutes sua eliminaccedilatildeo da consciecircn-cia estaacute livre da plurivocidade do pensamento miacutetico bem como de toda significa-ccedilatildeo em geral porque a proacutepria razatildeo se tornou um mero adminiacuteculo da aparelhagem econocircmica que a tudo engloba Ela eacute usada como um instrumento universal servindo para a fabricaccedilatildeo de todos os demais instrumentos (p41-42)

E a essecircncia desse novo momento da razatildeo estaacute na sua conversatildeo em meacutetodo perden-

do com isso a referecircncia ao conceito de reta razatildeo a atribuiccedilatildeo do agir humano em relaccedilatildeo

aos outros conforme projeto aristoteacutelico

A teacutecnica eacute a essecircncia desse saber que natildeo visa conceitos e imagens nem o prazer do discernimento mas o meacutetodo a utilizaccedilatildeo do trabalho de outros o capital[] O que os homens querem aprender da natureza eacute como empregaacute-la para dominar completamente a ela e aos homens Nada mais importa Sem a menor consideraccedilatildeo

13 Sobre o problema da individuaccedilatildeo e indiferenccedila ver tambeacutem Civilizaccedilatildeo e barbaacuterie organizado por Adauto Novaes 2004 14 Ver Dialeacutetica negativa (2003) p332

53

consigo mesmo o esclarecimento eliminou com seu cauteacuterio o uacuteltimo resto de sua proacutepria autoconsciecircncia (DE p20)

A eliminaccedilatildeo natildeo somente da consciecircncia entendida como aquela ampliaccedilatildeo do

horizonte de sentido mediante a experiecircncia conforme exposto acima mas da proacutepria

autoconsciecircncia enquanto conhecimento de si mesmo permite o agir livre de qualquer

medida pois uma vez recusada toda ldquoverdade objetiva atraveacutes do recurso ao sujeito implica a

proacutepria negaccedilatildeo deste uacuteltimo natildeo resta nenhuma medida para a medida de todas as coisas

que sucumbe agrave contingecircncia e se torna uma inverdaderdquo (MM 39 p54)

Nesta carecircncia de limite eacute que ocorre o fato original para Adorno Auschwitz Nele a

negaccedilatildeo absoluta da vida e a ausecircncia total de limites marca a contingecircncia na sua dimensatildeo

negativa destrutiva pois os ldquoespeacutecimesrdquo da raccedila humana laacute estavam natildeo por outro motivo a

natildeo ser para o extermiacutenio15 A noccedilatildeo de reino volta com sua forccedila total natildeo enquanto

reconciliaccedilatildeo de sujeito e objeto pela forccedila do conceito Falar na possibilidade de um reino

remete agrave humanidade reconciliada na perspectiva da plena realizaccedilatildeo das diferenccedilas A

reconciliaccedilatildeo inicia no acircmbito individual quando natildeo tenho nenhum receio em ser diferente

quando as singularidades satildeo estiacutemulos agrave comunicaccedilatildeo e natildeo sua reduccedilatildeo Somente a partir

de entatildeo eacute possiacutevel pensar a humanidade como o quis Kant um Reino dos fins pois nada

estaraacute acima do encontro que gera a riqueza de experiecircncia e de comunicaccedilatildeo o que remete a

um alargamento do conceito de constituiccedilatildeo da consciecircncia moral enquanto base teoacuterico-

praacutetica para o estado humano

Para educar seguindo essa linha teoacuterica exige-se um preacute-requisito a permanente

comunicaccedilatildeo de diferenciados Eacute possiacutevel comparar a educaccedilatildeo com o desenvolvimento das

condiccedilotildees em co-habitar Enquanto habitarmos as fronteiras das relaccedilotildees negando ou

esquecendo de ocupar o espaccedilo do encontro toda possiacutevel relaccedilatildeo seraacute de total diferenciaccedilatildeo

ou radical identidade Encontro significa compartir as diferenccedilas na co-habitaccedilatildeo Precisamos

ocupar o territoacuterio esse meio no qual a educaccedilatildeo se efetiva saindo dos extremos fronteiriccedilos

em direccedilatildeo ao nuacutecleo onde ocorre a comunicaccedilatildeo essa eacute efetivaccedilatildeo da dialeacutetica do tato

exposta na Minima moralia (16 p29) Eacute possiacutevel afirmar que esta dialeacutetica do con-tato eacute o

que torna possiacutevel a riqueza de consciecircncia e a representaccedilatildeo deste conteuacutedo na relaccedilatildeo

imediata com o outro

Baseado no pressuposto da dialeacutetica do tato como nuacutecleo de forccedila tanto do

conhecimento quanto em questotildees morais percebe-se que tanto as ideias de Platatildeo quanto o 15 Sobre isso ver a magniacutefica obra de Robert Antelme A espeacutecie humana Apresentarei alguns elementos desta obra no decorrer do quinto capiacutetulo

54

sujeito transcendental com seus juiacutezos sinteacuteticos a priori estatildeo carentes de realidade e sem

efetiva consequecircncia sobre o real A ampliaccedilatildeo que Kant quis seguindo esses termos natildeo

passa de reduccedilatildeo tanto epistemoloacutegica quanto de nuacutecleo de forccedila para constituir a boa

vontade pois tanto as formas quanto o a priori carecem de realidade e determinaccedilatildeo da

realidade Quando o conceito e a consequente possibilidade de ajuizamento se constituem de

forma pura natildeo incorremos no erro de darmos agrave luz um pre-conceito

Retomando a discussatildeo sobre a possibilidade de uma ampliaccedilatildeo do conceito de

constituiccedilatildeo do sujeito a criacutetica a Kant se baseia na insuficiecircncia da formaccedilatildeo da consciecircncia

moral nos moldes apresentados na Criacutetica da razatildeo praacutetica Em termos eacuteticos a noccedilatildeo kanti-

ana de formaccedilatildeo da consciecircncia eacute reducionista e assim sem forccedila para definir a accedilatildeo o que

resulta na impossibilidade de realizaccedilatildeo do reino dos fins mediante a forccedila do imperativo ca-

tegoacuterico Esse imperativo propotildee uma forccedila natildeo suportada pelo sujeito que estaacute em permanen-

te constituiccedilatildeo e portanto em um constante reformular da siacutentese operada pelo entendimento

No capiacutetulo denominado Liberdade na Dialeacutetica negativa (2009 p180) Adorno potildee

em tensatildeo o princiacutepio da vontade com o princiacutepio de realidade Desse modo afirma que para

Kant ldquoa vontade seria a unidade normativa de todos os impulsos que se revelam ao mesmo

tempo como espontacircneos e racionalmente determinados em contraposiccedilatildeo agrave causalidade natu-

ral [] lsquoLiberdadersquo seria a palavra para designar a possibilidade desses impulsosrdquo Seguindo

a linha argumentativa e recorrendo agrave psicologia analiacutetica insere na discussatildeo sobre a vontade

e a moralidade a noccedilatildeo de princiacutepio de realidade segundo o qual ldquoinuacutemeros fatores da reali-

dade exterior sobretudo da realidade social entram nas decisotildees assinaladas pela vontade e

pela liberdaderdquo Dentro desse princiacutepio estaacute inserido o sujeito empiacuterico o qual deve ser consi-

derado como aquele que ldquotoma tais decisotildees ndash e somente um sujeito empiacuterico pode tomaacute-las

o lsquoeu pensorsquo transcendentalmente puro natildeo seria capaz de nenhum impulsordquo Esse sujeito eacute

ldquoele mesmo momento do mundo lsquoexteriorrsquo espacio-temporal e natildeo tem nenhuma prioridade

ontoloacutegica em face delerdquo que permita o esquecimento e abandono de tudo o que eacute finito e aci-

dental de tudo o que envolve a contingecircncia humana mergulhada na experiecircncia

Eacute possiacutevel afirmar que o eu penso transcendentalmente puro falha na possibilidade de

decisatildeo pelo fato de lhe faltar a prova da realidade Os fatores da realidade exterior e social

nos quais o sujeito estaacute inserido e dos quais natildeo pode abstrair interferem na tomada de deci-

sotildees Sem querer negar o princiacutepio da lei estamos diante do questionamento agrave lei considerada

por ela mesma e ao fato de nesta consideraccedilatildeo conseguir constituir o reino dos fins Estando

o ser humano na posiccedilatildeo de fim uacuteltimo uma consideraccedilatildeo se faz indispensaacutevel sendo o indi-

viacuteduo humano um ser historicamente constituiacutedo pressupor o princiacutepio loacutegico-formal como

55

condiccedilatildeo imutaacutevel para a accedilatildeo significa retirar o alicerce que permite o juiacutezo luacutecido sobre o

que se deve fazer Na contingecircncia do fato existem constituintes que podem determinar a con-

duta humana para aleacutem das determinaccedilotildees da lei seja esta moral ou juriacutedica

ldquoO sujeito que eacute pretensamente em si eacute mediado nele mesmo por aquilo do que ele se

separa a conexatildeo de todos os sujeitosrdquo (DN 2009 p181) Nesta conexatildeo estaacute localizado o

reino dos fins natildeo simplesmente enquanto ldquoa ligaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios seres racionais por

meio de leis comunsrdquo (FMC BA 74) mas enquanto conexatildeo de todos os sujeitos cuja media-

ccedilatildeo estaacute na humanidade efetiva dele a qual natildeo se reduz agraves exigecircncias loacutegicas e sentidos loacutegi-

cos da razatildeo

O abstrato princiacutepio da moralidade em Kant por mais que esse o queira forte natildeo tem

forccedila suficiente para imediatamente orientar a existecircncia empiacuterica e sua contingecircncia agrave

pretensatildeo de um possiacutevel reino dos fins Apesar da grandeza desse filoacutesofo marcada pela

tentativa de solidificar os princiacutepios supremos da moralidade natildeo haacute a devida consideraccedilatildeo

do elemento existencial efetivamente noacutes somos muito mais experiecircncia e apesar da

necessidade de um elemento eacutetico imperativo que norteasse a vontade na accedilatildeo e sua dinacircmica

existe o elemento da constante decisatildeo a qual estaacute marcada por outra necessidade a da

formaccedilatildeo da vontade

Eacute o problema da possibilidade de converter esta consciecircncia do dever agrave sua realizaccedilatildeo

em material sensiacutevel Como torno disponiacutevel este dado intelectual primeiro (a lei) como uma

efetiva mobilizaccedilatildeo para a contingecircncia da vida Esse problema se sobressai devido ao fato

de esse percurso natildeo ser imediato e tampouco sua ldquoconstruccedilatildeordquo no interior da subjetividade eacute

natural O modo como a subjetividade eacute constituiacuteda resulta na possibilidade de uma

consequecircncia moral decisiva Somente no automatismo da accedilatildeo natildeo ocorre tal constituiccedilatildeo do

mesmo modo que na pura intelectualidade a consciecircncia moral tambeacutem natildeo se efetiva Este

agenciamento se converte entatildeo em algo decisivo

O domiacutenio da lei enquanto ato intelectual bem como a convicccedilatildeo de seu conteuacutedo ou

ainda a atribuiccedilatildeo de valor a uma accedilatildeo a partir da lei esses momentos natildeo se ajustam um ao

outro em uma relaccedilatildeo de causa e efeito como algo natural O a priori no princiacutepio do dever

natildeo se constitui naturalmente como causa de um efeito na experiecircncia Algo falta agrave teoria

kantiana que permitiria aceitar esta iacutentima relaccedilatildeo O conceito de boa vontade poderia ser

admitido como esse elemento pois se por um lado natildeo haacute nada de bom sem limitaccedilatildeo a natildeo

ser a vontade por outro lado pressupor um planeta povoado por pessoas desse niacutevel de

excelecircncia guiados exclusivamente pela boa vontade incorreria no risco de aceitar a

humanidade como algo jaacute formado o que natildeo se pode admitir sob nenhuma perspectiva A

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interioridade natildeo se constroacutei unicamente a priori no abstrato Esta interioridade abstrata eacute

por si soacute tatildeo incerta quanto a experiecircncia desprovida de orientaccedilatildeo

Na Metafiacutesica dos costumes fica claro a diversidade de modos de cumprir o dever

Sobre tal diversidade que contrasta com a uacutenica formulaccedilatildeo do dever a lei moral Kant natildeo

dedica suas paacuteginas Poreacutem por se tratar de uma diversidade em modos de cumprir a lei

moral fica evidente sua identidade com a experiecircncia Eacute assim que a capacidade de decisatildeo

prudente entra em cena e encontra sua base legitimadora no fato de que ningueacutem a desenvolve

abstratamente mas somente imerso na contingecircncia da vida A isso denomino de consciecircncia

concreta de si-mesmo Por um lado temos a lei como o uacutenico elemento certo imutaacutevel por

outro a existecircncia como incerta e passiacutevel de infinitas modificaccedilotildees Nessa perspectiva a

mais urgente preparaccedilatildeo estaacute natildeo na consciecircncia da lei mas na capacidade de enfrentar a

efetividade incerta sem sucumbir agravequilo que a lei nega o si-mesmo egoiacutesta Aqui a questatildeo

eacutetica estaacute constantemente em decisatildeo eacute na experiecircncia que torno a lei efetiva de modo que

nesta estaacute o cerne da formaccedilatildeo moral

Um fato marcante eacute que Kant arrancou a existecircncia de sua determinaccedilatildeo individualista

e contingente ao pensar os pressupostos eacuteticos do reino dos fins e afirmar a necessidade da lei

Poreacutem empurrou a existecircncia mesma a um local tatildeo marginal em seu sistema que

praticamente natildeo restou nada aleacutem da frieza constitutiva derivada de sua concepccedilatildeo

metafiacutesico-transcendental E o sujeito natildeo apenas constitui mas eacute constituiacutedo na

transitoriedade da existecircncia que eacute histoacuterica e portanto mutaacutevel

Quando o ser puro eacute posto diante da realidade a qual exige tomada de decisatildeo conside-

rando o entorno corre o risco de sentir-se imobilizado diante do princiacutepio loacutegico racional e de

um irrestrito amor ao dever E isso pelo fato de o ser humano natildeo ser o transcendental mas

ser muito mais consequecircncia do que princiacutepio do mesmo modo que interfere eacute interferido O

poder da objetividade eacute tatildeo grande que acaba por gerar a ldquoneacutevoardquo que encobre o imenso ceacuteu

estrelado kantiano acima de noacutes Com este poder da objetividade agindo e pondo muitas ve-

zes por terra as noccedilotildees abstratas e subjetivas a proacutepria moralidade natildeo assume um viacutenculo

condicionador em relaccedilatildeo ao sujeito empiacuterico (o uacutenico que age e decide)

4 O PROJETO EacuteTICO ESTEacuteTICO E FILOSOacuteFICO EM ADORNO

Na constituiccedilatildeo de sua concepccedilatildeo de esteacutetica Adorno entra em diaacutelogo principalmen-

te com Kierkegaard Kant Hegel e com a psicanaacutelise A partir desses quatro contrapontos

percebe-se o processo de cunhagem de seu pensamento frente a esse tema Na Teoria esteacutetica

Adorno traccedila a criacutetica direta ao idealismo e agrave psicanaacutelise e em Construccedilatildeo do esteacutetico sua

ecircnfase estaacute na teoria do filoacutesofo dinamarquecircs De todos esses contrapontos eacute possiacutevel lanccedilar a

pergunta que constituiccedilatildeo do esteacutetico eacute possiacutevel encontrar em Adorno

Em Kierkegaard construccedilatildeo do esteacutetico Adorno analisa o pensamento do referido fi-

loacutesofo e observa trecircs sentidos para o termo em questatildeo No primeiro o ldquoesteacutetico eacute [hellip] como

no uso comum da linguagem o domiacutenio das obras de arte e da consideraccedilatildeo teoacuterica da arterdquo

em segundo temos ldquoo esteacutetico como atituderdquo e por uacuteltimo ldquoo esteacutetico referido agrave forma da

comunicaccedilatildeo subjetiva e se legitima no conceito kierkegaardiano de existecircnciardquo (K p22-23)

O primeiro sentido encontra referecircncia clara por se dirigir a um objeto especiacutefico de-

nominado obra de arte e a investigaccedilatildeo teoacuterico-filosoacutefica que se realiza a partir dela Poreacutem

os dois sentidos posteriores remetem o pensamento esteacutetico agrave consideraccedilatildeo do ser humano em

seu estado atual com um interesse especial ao pensamento mesmo como posse do sujeito

Desse modo pensar esteticamente consiste no olhar atento ao homem e aquilo que ele eacute de

forma imediata enquanto empiacuterico e passiacutevel de experiecircncia O contraponto eacutetico conforme

cita Adorno considera a mudanccedila e o motivo que leva a se tornar aquilo que se torna De mo-

do que se o esteacutetico eacute o olhar sobre aquilo que o ser humano eacute imediatamente o eacutetico eacute o

olhar sobre aquilo que o ser humano pode vir a ser

O diferencial em Adorno eacute que o proacuteprio domiacutenio e consideraccedilatildeo teoacuterica da arte jaacute eacute

por si mesmo anaacutelise do ser humano em sua existecircncia imediata e em suas possibilidades de

devir Pelo fato de a arte ter se tornado o que se tornou ldquoantiacutetese social da sociedaderdquo falar

sobre ela eacute falar sobre o meio pelo qual e no qual surge No momento em que a arte se contra-

potildee agrave realidade se constitui em forma de conhecimento pois sua tarefa natildeo eacute mais afirmar

mas ser tensatildeo provocando o movimento dialeacutetico do pensamento ndash a antiacutetese entre o pensa-

mento e aquilo que ele mesmo natildeo eacute antiacutetese entre a arte e o meio no qual ela aparece

O comportamento esteacutetico proacuteprio do ser sensiacutevel que cria consciecircncia mediante a ex-

periecircncia desenvolvida assume a marca da contradiccedilatildeo ao princiacutepio de realidade a qual potildee a

adaptaccedilatildeo como o bem supremo Na frase ldquoa realidade oferece muitos outros motivos reais

para dela se fugirrdquo (K p20) natildeo expressa a fuga propriamente dita como uma patologia psiacute-

quica mas remete ao termo resistecircncia muito desenvolvido na Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo e na

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Minima moralia Nesta compreensatildeo da esteacutetica como atitude a realidade natildeo tem o poder

supremo de atuar sobre o indiviacuteduo determinando-o ou reprimindo-o como um sujeito des-

provido de subjetividade Pelo contraacuterio enquanto consideraccedilatildeo do estado em que o humano

se encontra como ser real a capacidade de compreensatildeo e atribuiccedilatildeo de sentido exige a dose

de resistecircncia acusada por Adorno como indispensaacutevel ao entendimento da realidade natildeo en-

quanto aparecircncia imediata ndash afinal essa eacute muito bem administrada ndash mas como um espetaacuteculo

que ocorre nos bastidores

Frente a isso a obra de arte assume vinculaccedilatildeo ao processo de esclarecimento ao natildeo

ser simples coacutepia do empiacuterico ou daquilo que acontece na superfiacutecie da existecircncia mas tra-

zendo para frente do palco aquilo que ocorre nos bastidores

O embuste [] consiste precisamente em que esta harmonizaccedilatildeo da vida e esta de-formaccedilatildeo da vida satildeo imperceptiacuteveis para as pessoas porque acontecem nos bastido-res [] de modo que as pessoas absorvem a harmonizaccedilatildeo oferecida sem ao menos se dar conta do que lhes acontece Talvez ateacute mesmo acreditem estar se comportan-do de modo realista E justamente aqui eacute necessaacuterio resistir (EM p86)

Esta forma distinta de reflexatildeo eacute o ato de pensamento vinculado ao processo de escla-

recimento exigido ainda nas linhas da Dialeacutetica do esclarecimento e que remete natildeo somente

ao terceiro sentido que o termo esteacutetica assume em Kierkegaard e eacute analisado por Adorno

como sendo um interesse especial pelo proacuteprio pensamento enquanto posse do sujeito ou

seja a necessidade de pensar o proacuteprio pensamento Vinculado a isto estaacute a possibilidade de

resistir agraves formas de ofuscamento que substituem a tensatildeo social pela pretensa harmonia de

um sentido imediato Como resposta a este ofuscamento propotildee-se a constituiccedilatildeo de um loacute-

cus comunicativo16 por meio do qual se amplia o niacutevel de experiecircncias e de compreensatildeo

cuja consequecircncia eacute um retorno qualificado ao proacuteprio pensamento de modo autocriacutetico

quanto agrave possibilidade de perceber o diferenciado ndash aquilo que permite a identidade de si suas

caracteriacutesticas proacuteprias e que impedem a simples universalizaccedilatildeo ndash a partir do local ocupado

por ele

Isso remete agrave proacutepria filosofia claacutessica no meacutetodo socraacutetico e platocircnico de construccedilatildeo

do conhecimento Ursula Wolf em sua obra La filosofiacutea y la cuestioacuten de la vida buena reto-

ma Platatildeo e o modelo socraacutetico de constituiccedilatildeo da subjetividade trazendo ao centro de tal

constituiccedilatildeo o sentido de elencos A observaccedilatildeo que se potildee indica para uma diferenccedila entre o

meacutetodo da teacutechne e o meacutetodo do elencos ldquonatildeo apenas evidencia a insuficiecircncia do meacutetodo da

teacutechne para a eacutetica [] mas estabelece ao mesmo tempo um novo meacutetodo o qual tem seu 16 No capiacutetulo 5 seraacute desenvolvido com mais detalhes o significado deste loacutecus comunicativo

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modelo nos diaacutelogos com os quais Soacutecrates potildee agrave prova o saber de seus companheiros Esse

modo de proceder eacute o do elencosrdquo ([sd] p54 ndash traduccedilatildeo nossa) Em primeiro lugar deve-se

destacar a consciecircncia da tensatildeo dialeacutetica que se estabelece no momento em que ocupo meu

espaccedilo de sujeito portador de voz e com papel efetivo no elenco de atores No momento que

ocorre esse jogo entre atores no sentido de elenco se efetiva o real sentido de diaacutelogo en-

quanto meio de constituiccedilatildeo da subjetividade enquanto meio dialoacutegico que constituo e me

constitui

Este eacute o locus proacuteprio e ideal para que ocorra a resistecircncia apontada por Adorno no

momento em que me eacute permitida a elevaccedilatildeo do niacutevel de consciecircncia mediante a experiecircncia

comunicativa com outros atores Continuando com Wolf isto ocorre pelo fato de o elencos

permitir a complementaccedilatildeo das opiniotildees individuais evidenciando a falta de clareza conceitu-

al e elaborando as contradiccedilotildees Assim se constitui um meio proacuteprio no qual se examinam as

opiniotildees e se constituem referenciais interpretativos acerca do proacuteprio contexto no qual os

indiviacuteduos estatildeo inseridos

41 A vinculaccedilatildeo entre experiecircncia e racionalidade esteacutetica

Com a Teoria esteacutetica Adorno potildee em questatildeo a dinacircmica da subjetividade que se

constitui mediante relaccedilatildeo do sujeito com o mundo e sua consequente objetivaccedilatildeo enquanto

expressatildeo dessa riqueza subjetiva ou seu conteuacutedo de consciecircncia Antes da proacutepria arte o

contexto concreto no qual o indiviacuteduo estaacute inserido ndash as experiecircncias que determinam nosso

modo de compreender a realidade ndash tem o poder de ldquopocircr em movimento processos de pensa-

mentordquo Essa expressatildeo utilizada na Teoria esteacutetica (p45) quando o autor comenta as obras

de Brecht deve ser considerada de modo mais amplo direcionada ao proacuteprio meio concreto

no qual o indiviacuteduo estaacute inserido o qual significa para Adorno impulso ao pensar

Vicente Goacutemez (1998 p49 ndash traduccedilatildeo nossa) ao situar o sentido que a esteacutetica tem

em Adorno afirma que essa ldquonatildeo significa simplesmente teoria da arte mas laquoeacute referir-se agrave

posiccedilatildeo que o pensamento ocupa diante da objetividaderaquordquo Essa posiccedilatildeo do pensamento eacute a

uacutenica para Adorno ldquocapaz de realizar o verdadeiro conhecimento e natildeo a mera tautologia ou

reduplicaccedilatildeo do momento subjetivo no processo cognoscitivordquo Assim estamos diante de um

problema filosoacutefico o que eacute a objetividade o que eacute o concreto e como eacute possiacutevel a compre-

ensatildeo natildeo tautoloacutegica deste por parte do ser humano

O motivo para isso estaacute no fato de o proacuteprio conceito de concreto ser considerado por

Adorno de modo negativo ldquoAquilo que ainda natildeo era eacute o concretordquo ndash o maior problema eacute

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ldquotratar a concreccedilatildeo como dado como indubitavelmente laquoexistenteraquordquo (TE p156) No real no

concreto estaacute a possibilidade de gerar processos de pensamento pelo fato de que ldquoaquilo que

eacute eacute mais do que ele eacute Esse mais natildeo lhe eacute anexado de fora mas permanece imante a elerdquo

(DN 2009 p140) constituindo-se em radical desafio ao pensamento no momento em que

nos deparamos com os limites de apreender somente o disponiacutevel pela experiecircncia imediata Eacute

diante dessa compreensatildeo de concreto que deve ser situada a expressatildeo artiacutestica a obra de

arte e enquanto concretude a proacutepria arte se converte em algo que estaacute para aleacutem do seu sim-

ples existente sendo mais do que aquilo apreendido imediatamente pelos sentidos Desse mo-

do a arte tambeacutem passa a ldquopocircr em movimento processos de pensamentordquo Essa eacute uma das

caracteriacutesticas que demarca o artiacutestico do natildeo-artiacutestico em Adorno

Deve-se destacar a centralidade que esse conceito ndash concreto ndash adquire em Adorno

Se na filosofia claacutessica a admiraccedilatildeo o espanto eacute o que origina o pensamento a filosofia em

Adorno esta funccedilatildeo eacute assumida pelo concreto A Dialeacutetica negativa aponta isso quando le-

mos que ldquosobre o concreto natildeo se deve filosofar mas a partir delerdquo (2005 p41 ndash grifo nos-

so) Poreacutem eacute possiacutevel salvar a admiraccedilatildeo enquanto olhar que natildeo se acomoda diante do evi-

dente e imediato mas encontra seu incitamento no descortinar desta novidade que surge haacute

algo ainda a compreender conteuacutedo ainda a ser transmitido e apreendido o mundo ainda natildeo

estaacute resolvido sob a luz do sentido jaacute manifestado

Esta caracteriacutestica da arte a qual deve ser ampliada para aleacutem do domiacutenio artiacutestico

pois tudo eacute mais do que aquilo que se apresenta permite pontuar o significado da negativida-

de No momento em que o entendimento natildeo consegue perceber nada aleacutem daquilo que ime-

diatamente aparece diante de mim quando desfaccedilo a possibilidade do concreto substituindo-o

pela clareza absoluta de sentido aniquilo a possibilidade da compreensatildeo deixando espaccedilo

para o reducionismo ou pobreza de sentido Nas palavras de Joseacute Antonio Zamora natildeo man-

ter-se na ldquoinsistecircncia do negativo transitar demasiado rapidamente agrave afirmaccedilatildeo do positivo

contribui efetivamente muito mais para a perpetuaccedilatildeo do falso existente do que para sua su-

peraccedilatildeordquo (2004 p13 ndash traduccedilatildeo nossa) Eacute isto que o sentido de concreto permite a colocaccedilatildeo

do eacute para aleacutem daquilo que aiacute estaacute Desse modo o negativo o concreto se transforma em

fundamento epistemoloacutegico

De modo mais enfaacutetico o problema eacute como a arte estaacute situada diante dessa compreen-

satildeo de concreto o qual conforme exposto acima rompe com a simples evidecircncia e se projeta

como reserva de sentido Esse problema nos potildee diante de um fragmento adorniano jaacute co-

mum ldquoTornou-se manifesto que tudo o que diz respeito agrave arte deixou de ser evidenterdquo tendo

perdido aquilo ldquoque poderia fazer de modo natildeo refletido ou sem problemas (TE p11) Essa eacute

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a criacutetica ao simples existente empiacuterico levada ao extremo com o conceito de enigma e conte-

uacutedo de verdade (os quais jaacute foram desenvolvidos no segundo capiacutetulo) O que cabe aqui eacute

situar a arte enquanto algo que ldquose voltou graccedilas agrave sua forma tanto contra o simples existen-

te contra o estado de coisas persistente como veio em sua ajuda enquanto modelaccedilatildeo dos

elementos existentesrdquo (TE p12)

Ocorre o questionamento daquilo que nos eacute familiar pondo no centro das discussotildees

aquilo que eacute estranho o para aleacutem daquilo que eacute e que constitui o outro do meu entendimento

a alteridade Aqui estaacute a decisiva atualidade do esteacutetico a novidade no modo de compreender

esse termo Para Nadja Hermann

Desde o seacuteculo 20 satildeo conhecidas as profundas transformaccedilotildees ocorridas no pensa-mento que [] denunciam o caraacuteter excludente do conceito que natildeo reconhece o outro e natildeo acolhe aquilo que escapa as suas determinaccedilotildees e apontam para a atuali-dade do esteacutetico para aleacutem da teoria do belo e da arte transposto agora para vida cotidiana Esse conjunto de mudanccedilas produz efeitos sobre nossas interpretaccedilotildees de mundo e no modo de pensar (2010 p123-124 ndash grifo nosso)

Continuando com o argumento anterior tem-se entatildeo a inserccedilatildeo do outro e do estra-

nho em contraposiccedilatildeo ao idecircntico e com o simplesmente familiar Isso se deve agrave experiecircncia

esteacutetica na qual devido ao elemento do concreto e de natildeo evidecircncia se ldquoenfatiza uma multi-

plicidade de dimensotildees do estranho que nos retira da conformidade com o familiarrdquo (HER-

MANN 2010 p124)

Eacute possiacutevel perceber isto de modo enfaacutetico em Adorno quando na Teoria esteacutetica

(p12) situa a arte em um movimento de volta contra o estado de coisas e ao mesmo tempo

vem em sua ajuda enquanto modelaccedilatildeo de tal estado Desse modo natildeo eacute um simples contrari-

ar caracteriacutestica que pode ser aplicada a toda teoria de Adorno principalmente quando acusa-

da de pessimista Inspirada na relaccedilatildeo artiacutestica com a realidade a teoria natildeo eacute um simples ir

contra mas nesse movimento eacute impulso de progresso indo ao encontro do mundo enquanto

possibilidade de modelaccedilatildeo de seus elementos Essa modelaccedilatildeo ocorre no momento em que a

obra de arte nos potildee diante do concreto e ldquointegra-se assim num processo englobante de espi-

ritualizaccedilatildeo no progresso da consciecircnciardquo (TE p110) Essa eacute outra caracteriacutestica para uma

produccedilatildeo se considerada obra de arte em Adorno

Eacute o que se pode observar por exemplo em obras como Guernica de Pablo Picasso

Nessa obra percebe-se que se demarca o acircmbito do concreto e de ausecircncia de evidecircncia con-

vertendo aquilo que aparece em algo que vai aleacutem de sua manifestaccedilatildeo imediata Para Ador-

no ldquoem toda obra de arte genuiacutena aparece algo que natildeo existerdquo (TE p100) ou seja o con-

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creto na consideraccedilatildeo para aleacutem do evidente Mas esse aleacutem natildeo eacute algo anexado de fora mas

conteuacutedo intriacutenseco que precisa ser disponibilizado agrave consciecircncia

A dinacircmica consequente disto eacute entre a arte em sua relaccedilatildeo consigo mesma e em sua

relaccedilatildeo com o concreto A construccedilatildeo do esteacutetico em Adorno perpassa por estas duas dire-

ccedilotildees Em primeiro lugar ldquotoda obra de arte aspira por si mesma agrave identidade consigordquo identi-

dade esta que ldquona realidade empiacuterica se impotildee agrave forccedila a todos os objetosrdquo (TE p15) Este

caraacuteter de singularidade faz com que a obra seja ela mesma e natildeo o que possa representar

extinguindo toda tentativa de extrair dela uma mensagem ndash ldquopinta-se um quadro e natildeo o que

ele representardquo (Ibidem)

Em segundo lugar ocorre o direcionamento em relaccedilatildeo ao concreto ao empiacuterico Po-

reacutem este direcionamento natildeo ocorre enquanto coacutepia imitativa As obras de arte ldquosatildeo coacutepias do

vivente empiacuterico na medida em que a este fornecem o que lhe eacute recusado no exterior e assim

libertam daquilo para que as orienta a experiecircncia externa coisificanterdquo (TE p15) ndash fazem

surgir o concreto naquilo que ele eacute A comunicaccedilatildeo17 que surge a partir da obra de arte assu-

me um sentido positivo e outro negativo Positivo enquanto identidade e afirmaccedilatildeo de si

mesmo enquanto arte ndash arte pela arte negativo pelo fato de defender o natildeo-evidente e rela-

cionar-se com a realidade pela recusa agrave imitaccedilatildeo dos seus elementos Desse modo a obra se

torna altamente espiritualizada e assim realiza a tensatildeo entre forma e conteuacutedo

Se comunicar pressupotildee linguagem eacute possiacutevel dizer que nesta estaacute a formalizaccedilatildeo do

conteuacutedo espiritual Um pensamento expressado eacute um conteuacutedo que se torna linguagem e

desse modo assume uma forma A obra de arte eacute forma expressatildeo de um conteuacutedo A respos-

ta agrave questatildeo sobre qual eacute o elemento decisivo ndash a forma ou o conteuacutedo ndash nos remete agrave impos-

sibilidade de um existir sem o outro Conteuacutedo natildeo formalizado natildeo tornado linguagem eacute

mudo e sem consequecircncias forma linguagem vazia de conteuacutedo eacute ideoloacutegica e nociva ao

desenvolvimento da consciecircncia Partindo desses dados na obra de arte deve haver o equiliacute-

brio entre o conteuacutedo e a forma no sentido de aquilo expresso como conteuacutedo ser indiacutecio do

concreto e do mesmo modo a forma deve permitir o surgimento deste conteuacutedo concreto

Utilizando as palavras de Adorno temos ldquoA forma esteacutetica eacute a organizaccedilatildeo objetiva

de tudo o que no interior de uma obra de arte aparece como linguagem coerente Eacute a siacutentese

natildeo violenta do dispersordquo (TE p165) O elemento de natildeo violecircncia poderia fazer supor a

primazia do conteuacutedo sobre a forma pois esta pode ter a pretensatildeo de reter aquilo que eacute dife-

rente em uma imposiccedilatildeo de sentido Salvo esta consideraccedilatildeo a forma eacute salva pelo fato de ser

17 O conceito de comunicaccedilatildeo seraacute melhor desenvolvido no segundo item deste capiacutetulo Aqui se faz considera-ccedilotildees provisoacuterias a fim de estabelecer as relaccedilotildees com o conceito de forma e conteuacutedo

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indispensaacutevel na organizaccedilatildeo coerecircncia da proacutepria obra mesma Pela forma deve haver a ma-

nifestaccedilatildeo do conteuacutedo aquela eacute a condiccedilatildeo para este ldquoO ecircxito esteacutetico depende essencial-

mente de se o formado eacute capaz de despertar o conteuacutedo depositado na formardquo (TE p161)

O conteuacutedo da obra de arte assume por sua relaccedilatildeo com o concreto a dimensatildeo de

criacutetica Deve fazer surgir o mais naquilo que estaacute dado esse elemento de para aleacutem do imedi-

ato do evidente do oacutebvio Ao permitir a manifestaccedilatildeo da novidade ao fazer aparecer o novo

o concreto no para aleacutem do que aparece a forma deve expressar esse conteuacutedo e em uma

tensatildeo dialeacutetica o conteuacutedo assumir uma forma Vislumbra-se a convergecircncia entre forma e

criacutetica pois nas ldquoobras de arte a forma eacute aquilo mediante o qual elas se revelam criacuteticas em si

mesmas [] Pela sua implicaccedilatildeo criacutetica a forma aniquila as praacuteticas e as obras do passado A

forma contradiz a concepccedilatildeo da obra como algo de imediatordquo (TE p165) Assim se visualiza

a participaccedilatildeo da arte no processo de esclarecimento neste desenvolvimento da consciecircncia

diante daquilo que eacute e pelo questionamento do sentido atribuiacutedo a esse eacute

Essa tensatildeo tambeacutem demarca o acircmbito do que eacute arte Quando as obras ldquotornam-se con-

textos de sentido ao negarem o sentidordquo (TE 176) fazem surgir o concreto ao negarem aquilo

que se quer como o concreto Eacute diante desses elementos que se pode inserir o sentido de sujei-

to em relaccedilatildeo agrave obra de arte Ao pensar sobre o que eacute o sujeito precisamos refletir ldquosobre o

que na arte fala eis o seu verdadeiro sujeito e natildeo o que a produz ou a receberdquo (TE 190)

Continuando com a argumentaccedilatildeo Adorno propotildee

Verdadeira eacute a arte tanto mais que o que nela fala e ela proacutepria estatildeo cindidos natildeo reconciliados mas esta verdade cabe-lhe em sorte quando ela sintetiza o dividido e assim o determina apenas no seu caraacuteter irreconciliaacutevel Paradoxalmente a arte tem de testemunhar o irreconciliaacutevel e tender no entanto para a reconciliaccedilatildeo isso soacute eacute possiacutevel a partir da sua linguagem natildeo-discursiva Soacute neste processo se concretiza o noacutes Mas o que fala na arte eacute verdadeiramente o seu sujeito na medida em que nela fala e por ela natildeo eacute representado (TE p191-192)

Por ser portadora de linguagem e portadora de conteuacutedo a obra de arte assume a fun-

ccedilatildeo de sujeito ela fala propotildee questatildeo converte-se em desafio ao outro sujeito agora o hu-

mano exigindo deste o rigor cognitivo poreacutem em uma posiccedilatildeo de natildeo posse frente agrave obra

Compreende-se entatildeo desse modo que a tensatildeo entre a obra de arte e o ser humano eacute uma

tensatildeo entre sujeitos natildeo mais de sujeito e objeto propondo algumas caracteriacutesticas especiais

Essas caracteriacutesticas como veremos no capiacutetulo 5 devem demarcar a relaccedilatildeo para aleacutem do

sujeito obra de arte e sujeito humano mas constituir uma forma de relaccedilatildeo entre os proacuteprios

sujeitos humanos em suas mais diversas possibilidades de co-habitarem

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A noccedilatildeo de sujeito eacute condiccedilatildeo para a obra de arte e esta relaccedilatildeo entre sujeitos demarca

a constituiccedilatildeo da obra artiacutestica um deve remeter ao outro a arte deve remeter agrave razatildeo o ser

humano com sua racionalidade deve remeter-se agrave arte em sua linguagem enquanto testemunha

do concreto Assim constitui-se a racionalidade esteacutetica nessa tensatildeo que pode ser entendida

como relaccedilatildeo entre sujeitos pois ambos satildeo portadores de sentido em manifestaccedilatildeo e propotildee

sentido Ambos os sujeitos em sentido concreto O desafio ao sujeito humano estaacute na capaci-

dade de perceber este sentido manifesto por este seu outro

Estamos diante do mais rico sentido de dialeacutetica em Adorno o qual se converte em

imperativo para o pensamento ldquopensar de tal modo que a forma do pensamento natildeo mais tor-

ne seus objetos coisas inalteraacuteveis que permanecem iguais a si mesmas a experiecircncia des-

mente que eles o sejamrdquo (DN 2009 p134) No nuacutecleo do pensamento dialeacutetico estaacute a prima-

zia da experiecircncia de sujeitos que natildeo permanecem iguais no decorrer da histoacuteria rompendo

com o ideal de identidade na paz do conceito ldquoO existente singular coincide tatildeo pouco com o

seu conceito superior quanto se mostra como ininterpretaacutevel Ele tambeacutem natildeo eacute por sua parte

algo derradeiro contra o qual o conhecimento deveria se chocarrdquo (DN 2009 p140) Ao mes-

mo tempo em que o singular natildeo coincide com o conceito afirmando sua dignidade de dife-

renciado ele eacute passiacutevel de interpretaccedilatildeo e se constitui em reserva de sentido Daiacute a ecircnfase de

Adorno na Teoria esteacutetica em definir o momento da razatildeo interpretativa diante do outro

A afirmaccedilatildeo acima de que a relaccedilatildeo entre sujeitos eacute marca da racionalidade esteacutetica

pelo fato de a proacutepria arte se constituir em sujeito exige um complemento O que diferencia o

sujeito humano Em uma palavra a consciecircncia e reafirmando o terceiro capiacutetulo a capaci-

dade de siacutentese operada pelo pensamento humano Poreacutem siacutentese natildeo absoluta mas aberta agrave

ampliaccedilatildeo de sentido ndash siacutentese natildeo final mas dinacircmica Na Dialeacutetica negativa (2009 p159)

visualiza-se essa especificidade do sujeito humano pondo como primeiro a noccedilatildeo de empiria

para somente apoacutes ser possiacutevel falar em transcendental espiritual A consciecircncia eacute em pri-

meiro lugar empiacuterica ldquofunccedilatildeo do sujeito vivordquo e portanto histoacuterica Natildeo havendo ldquoqualquer

relaccedilatildeo com uma consciecircncia empiacuterica com a consciecircncia do eu vivo natildeo haveria nenhuma

consciecircncia transcendental puramente espiritualrdquo (grifo nosso) A expressatildeo consciecircncia do

eu vivo situa-se em um contraponto ao eu penso cartesiano Eu penso logo existo como quis

Descartes eacute contraposto pelo imperativo dialeacutetico do pensamento eu vivo logo posso pensar

Apesar de a vida ser o elemento originaacuterio o ser humano se posiciona diante dela a

partir da razatildeo interpretativa e esta eacute pensamento e constitui pensamento ndash esse eacute o viacutenculo

entre experiecircncia esteacutetica e racionalidade A obra de arte ldquonatildeo dispensa objetivamente a inter-

pretaccedilatildeo como se nada houvesse para interpretar [] A obra de arte que crecirc possuir o conte-

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uacutedo a partir de si encalha num racionalismo ingecircnuordquo (TE p40) Dessa maneira percebe-se a

relaccedilatildeo natildeo somente da arte com a sociedade com o concreto mas da arte com a razatildeo inter-

pretativa Poreacutem ldquodeve-se interpretar-se e natildeo ser substituiacuteda pela claridade do sentidordquo (TE

p40) isso eacute

se a verdade que as obras de arte contecircm ficar encerrada no momento da experiecircncia esteacutetica ela se perderia e esta natildeo seria nada Disto vem que as obras de arte por causa daquilo que nelas aponta para aleacutem do momento fugaz da experiecircncia esteacutetica satildeo remetidas agrave razatildeo interpretativa para que a interpretaccedilatildeo exponha a verdade pa-ra Adorno interpretaccedilatildeo significa interpretaccedilatildeo filosoacutefica a laquonecessidade de inter-pretaccedilatildeoraquo que as obras de arte possuem eacute a necessidade que a experiecircncia esteacutetica possui da demonstraccedilatildeo filosoacutefica (WELLMER 1993 p19 ndash traduccedilatildeo nossa)

Isso faz retomar o sentido claacutessico de esta admiraccedilatildeo que permitia ao ser

humano pensar filosofar e que a proacutepria filosofia eliminou no momento em que se viu na

posiccedilatildeo de poder apreender o fato e fenocircmeno o empiacuterico em uma caacutepsula conceitual en-

cerrando a proacutepria verdade nessa caacutepsula Esta permanecircncia da thaumazein a qual se origina

no momento em que permito o novo (para a consciecircncia agrave qual nada haacute de novo natildeo eacute possiacute-

vel a admiraccedilatildeo) equivale para usar uma expressatildeo de Hermann agrave promessa de vida A obra

de arte encontra aqui seu local privilegiado ldquoa arte nos indica que o mundo natildeo eacute plenamente

compreendido no acircmbito conceitual e que pode deixar um espaccedilo para uma promessa de vidardquo

(2010 p45) Nada haacute para se admirar no conceito esse em linguagem adorniana eacute frio e sem

consequecircncia A riqueza de mundo soacute eacute possiacutevel por uma via fazendo o movimento ao en-

contro do mundo ao encontro do outro ndash esse encontro quando aberto agrave sua novidade apro-

funda o mundo

42 A dinacircmica entre aproximaccedilatildeo do outro e construccedilatildeo de si

A Teoria esteacutetica lanccedila uma compreensatildeo de obra de arte enquanto ldquoidentidade consi-

go mesmardquo (p15) Nesse sentido a arte natildeo pretende ser idecircntica ao seu exterior mas quer ser

apenas ela mesma e natildeo representaccedilatildeo fidedigna A identidade esteacutetica ocorre de modo a ldquode-

fender o natildeo-idecircntico que a compulsatildeo agrave identidade oprime na realidaderdquo (ibidem) sendo

entatildeo em primeiro lugar identidade consigo mesma Na construccedilatildeo do sujeito esteacutetico o pri-

mado estaacute em ser para si em um impulso de construccedilatildeo de si Essa construccedilatildeo natildeo significa

desarmonia em relaccedilatildeo ao todo sobreposiccedilatildeo de si mesmo mas sim o fortalecimento subjeti-

vo em sua identidade consigo mesmo como condiccedilatildeo para pensar uma possiacutevel identidade

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natildeo opressora Hermann destaca isso de modo incisivo ao afirmar que a devida atenccedilatildeo agravequi-

lo que eacute particular em sua contingecircncia pode

esclarecer a relaccedilatildeo reciacuteproca entre o universal e o particular [e] evita uma orienta-ccedilatildeo puramente abstrata sem abandonar princiacutepios universais pois a educaccedilatildeo pres-supotildee um processo de inserccedilatildeo num mundo compartilhado de valores e crenccedilas sem o qual qualquer dialeacutetica entre individualizaccedilatildeo e socializaccedilatildeo estaria condenada ao fracasso (2010 p104)

Continuando o pensamento para a autora haacute ldquoum miacutenimo de normas morais validadas

intersubjetivamente que constituem nosso ethos e sem as quais se torna muito difiacutecil edificar

a formaccedilatildeo humana O compartilhamento de valores e regras comuns permite projetar um

mundo sob o qual se daacute a base de nossas conversaccedilotildeesrdquo (Ibidem p105) Dessa forma perce-

be-se a dinacircmica que ocorre entre a aproximaccedilatildeo docom o outro e a construccedilatildeo de si indi-

cando o real sentido de pensar a relaccedilatildeo segundo o modelo do elencos a dinacircmica que potildee os

diversos atores como responsaacuteveis pela autoconstruccedilatildeo e pela coesatildeo do todo Somente quan-

do a proximidade permite a proacutepria identidade eacute que se torna possiacutevel projetar uma situaccedilatildeo

em que a diferenccedila eacute motivo de coesatildeo natildeo de rupturas O contraacuterio quando a aproximaccedilatildeo

impede o si mesmo a individualidade o ldquocompartilhamento de valores e regras comunsrdquo eacute

impossibilitado ou ocorre somente de modo aparente E isso devido ao fato de a coerccedilatildeo ge-

rar coesatildeo somente aparente

Sob esta oacutetica o pensamento pode significar um modo de aproximar-se do outro cuja

dinacircmica eacute o desencadear compreensivo gerado pela aproximaccedilatildeo real efetiva que nos potildee

face-a-face Com a aproximaccedilatildeo se estabelece a relaccedilatildeo oposta agrave dominaccedilatildeo gerada pela ca-

pacidade de distanciamento a qual pressupotildee indiferenciaccedilatildeo ndash a dominaccedilatildeo eacute possiacutevel so-

mente para quem eacute indiferente e para ser indiferente natildeo pode ocorrer a aproximaccedilatildeo efetiva

A racionalidade da aproximaccedilatildeo natildeo compactua com a tendecircncia ao equivalente que marca a

forma de relaccedilatildeo sob a oacutetica da instrumentalidade e do princiacutepio da disponibilidade Eacute exata-

mente pelo fato de o outro natildeo estar simplesmente disponiacutevel a mim e ao meu intelecto que

me obriga a natildeo trataacute-lo como simples objeto do meu querer (instrumentalizaccedilatildeo) Nessa di-

nacircmica eacute que deve ser pensada a tensatildeo entre aproximaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo aproximaccedilatildeo e

construccedilatildeo A aproximaccedilatildeo que gera diferenciaccedilatildeo permite a construccedilatildeo tanto do si quanto do

outro e ateacute mesmo construccedilatildeo do todo

A expressatildeo ldquofragmento de alteridaderdquo (TE p18) indica esta racionalidade orientada

por uma siacutentese que natildeo desfaz a alteridade A proacutepria possibilidade de aproximaccedilatildeo envolve

a possibilidade de haver um inteiramente outro como um fragmento de alteridade que faz

67

tambeacutem parte da proacutepria possibilidade de aproximaccedilatildeo enquanto comunicaccedilatildeo de diferenci-

ados Na relaccedilatildeo com meu diferente na diferenccedila especiacutefica entre noacutes estou em relaccedilatildeo com

o que eu natildeo sou mas que ao mesmo tempo permite fazer de mim uma singularidade Se

houver alguma siacutentese ndash no sentido de conhecimento ndash contudo ela natildeo extingue tais frag-

mentos os quais permanecem no diferenciado

Os fragmentos de alteridade interferem no processo de siacutentese operada pelo entendi-

mento No momento em que consigo referir todas as representaccedilotildees a mim enquanto ser de

experiecircncia esta siacutentese natildeo eacute uma simples imposiccedilatildeo ao real pois para aleacutem de toda compre-

ensatildeo reside a possibilidade da novidade do renovar da experiecircncia diante de algo que eacute sem-

pre inteiramente outro Assim ldquosubstitui o princiacutepio de unidade e a onipotecircncia do conceito

soberano pela ideacuteia daquilo que existiria fora do feiticcedilo de tal unidaderdquo (DN 2005 p10) Eacute

ilusatildeo a crenccedila de que pela tentativa de unidade nada reste do outro A filosofia pode se ori-

entar pela tendecircncia do uno mas natildeo pode negar a fraqueza do conceito ao estabelecer o uno

como que havendo um envolvimento total das particularidades nessa totalidade

Em sentido contraacuterio a dialeacutetica negativa substitui esse feiticcedilo por aquilo que existe

fora dele Um segundo giro-copernicano colocaria no centro do debate filosoacutefico os fragmen-

tos de alteridade aquilo que resta depois de satisfeita a sanha de tudo abocanhar Nisso estaacute o

sentido de dialeacutetica jaacute que ldquoseu nome a princiacutepio natildeo diz nada mais que os objetos natildeo se

reduzem a seu conceito que entram em contradiccedilatildeo com a norma tradicional da adaequatiordquo

(DN 2005 p 17) E isto devido ao fato de que o ldquoconhecimento natildeo interioriza por completo

nenhum de seus objetosrdquo (p24) e exatamente por natildeo serem objetos completamente apreen-

siacuteveis eacute que tecircm a capacidade de pocircr em movimento processos de pensamento processos de

compreensatildeo que se efetivam pela aproximaccedilatildeo

Considerando a esteacutetica enquanto relaccedilatildeo entre diferenciados sem a acircnsia de posse

como alteridades permanentes o caraacuteter de aproximaccedilatildeo assume efeito decisivo de apariccedilatildeo

Natildeo somente eu percebo o outro ou seja natildeo eacute unicamente ato de minha consciecircncia mas

tambeacutem eacute o outro que aparece que se lanccedila ao meu olhar se deixa apreender A atitude esteacute-

tica eacute a secularizaccedilatildeo do ato religioso da revelaccedilatildeo duas presenccedilas que se potildee em direccedilatildeo

uma agrave outra para um encontro que resulta no aacutepice da experiecircncia e permita a construccedilatildeo de

sentido tatildeo somente a partir disso

Chegamos entatildeo ao conceito de construccedilatildeo no qual natildeo ocorre a prioridade dos pro-

cessos subjetivos Eacute possiacutevel afirmar a concordacircncia de Adorno com o ideal de construccedilatildeo

grego claacutessico

68

o bloco de maacutermore e as teclas de um piano nas quais respectivamente uma escultu-ra e uma composiccedilatildeo esperam ser libertadas satildeo para tal tarefa provavelmente mais do que metaacuteforas As tarefas trazem em si a sua soluccedilatildeo objetiva pelo menos no in-terior de uma certa margem de variaccedilatildeo embora natildeo possuam a univocidade de e-quaccedilotildees A accedilatildeo do artista eacute o ponto miacutenimo entre o problema a mediatizar perante o qual ele se vecirc e que jaacute estaacute de antematildeo traccedilado e a soluccedilatildeo que igualmente se en-contra de modo potencial no material Se ao utensiacutelio se chamou um braccedilo prolon-gado poder-se-ia chamar ao artista um utensiacutelio prolongado utensiacutelio da passagem da potencialidade agrave atualidade (TE p190)

Assim em Adorno eacute necessaacuterio ldquoseparar-se daquela comparaccedilatildeo grosseira com o su-

jeito criativo que por uma exuberacircncia presunccedilosa transforma a obra de arte em documento

do seu criador e assim a diminuirdquo (TE p194) Na Teoria esteacutetica ocorre a suspeita diante da

posiccedilatildeo de um sujeito que constroacutei em uma adequaccedilatildeo do material a uma forma existente na

mente de tal sujeito A tendecircncia de Adorno estaacute mais em conceber a capacidade de mediaccedilatildeo

para as possibilidades jaacute existentes no material ldquotudo ainda laacute estaacute No teclado de qualquer

piano estaacute contida a Appassionata soacute que o compositor deve extraiacute-la e para isso natural-

mente eacute preciso ser Beethovenrdquo (EXP p24) E nesse ato natildeo haacute a posse plena de tais mo-

mentos pelo sujeito pois

implica sempre o primado dos procedimentos construtivos em relaccedilatildeo agrave imaginaccedilatildeo subjetiva A construccedilatildeo impotildee soluccedilotildees que o ouvido ou o olho que as representam natildeo tecircm imediatamente presentes em toda a claridade O imprevisto natildeo soacute eacute efeito mas possui igualmente um lado objetivo Isso se encontra modificado numa nova qualidade (TE p36)

No conceito de construccedilatildeo e imprevisto evidencia-se a relaccedilatildeo natildeo de um sujeito sobre

um objeto passivo mas uma dinacircmica construtiva na qual os dois poacutelos tanto o artista quanto

material satildeo atuantes no ato produtivo ldquotornou-se entretanto manifesto que as obras devem

conter caracteriacutesticas as quais no processo de produccedilatildeo natildeo satildeo previsiacuteveis e que subjeti-

vamente o artista era surpreendido pelas suas proacuteprias obrasrdquo (TE p51) O que natildeo significa

espontaneiacutesmo como que em um agir do indiviacuteduo desprovido de criteacuterios racionais de pro-

cedimentos teacutecnicos especializados mas indica tatildeo somente usando o exemplo da composi-

ccedilatildeo ao piano a necessidade de extrair aquilo que jaacute estaacute posto no instrumento Natildeo imponho

um som apenas permito a manifestaccedilatildeo das possibilidades jaacute existentes no instrumento

Nessa dinacircmica de construccedilatildeo e possibilidade do imprevisto na qual se insere a sur-

presa ou a novidade vinda da proacutepria obra Adorno insere a categoria do novo Com isso de

imediato eacute possiacutevel indicar a contraposiccedilatildeo de obras padronizadas ao gosto do cliente na

mercantilizaccedilatildeo das produccedilotildees cujo criteacuterio eacute o modismo e na possibilidade de o cliente pro-

jetar suas emoccedilotildees o que eacute em grossas palavras o produto da induacutestria cultural A contrapo-

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siccedilatildeo ao novo sugerida aqui autoriza-se pela caracteriacutestica imediatamente oposta a do sem-

pre-semelhante

A produccedilatildeo em seacuterie ndash seja da arte ou dos bens de consumo e nesse caso a proacutepria arte

seria um bem de consumo ndash acompanha o padratildeo do sempre-semelhante e visualizando a

educaccedilatildeo visualizando o proacuteprio humano impede a manifestaccedilatildeo da riqueza constitutiva in-

terna a possibilidade de ser natildeo-idecircntico o natildeo-semelhante a proacutepria manifestaccedilatildeo do novo

que eacute cada ser humano Apesar de isso ser objeto de discussatildeo mais detalhada do uacuteltimo capiacute-

tulo eacute viaacutevel afirmar jaacute aqui que educar eacute permitir a manifestaccedilatildeo qualificada da riqueza

constitutiva do indiviacuteduo enquanto algo novo e nessa autoconstruccedilatildeo de si gerar a identida-

de de si a construccedilatildeo do proacuteprio sujeito

Poreacutem esse novo conforme jaacute destacado natildeo eacute algo imposto de fora mas eacute a mani-

festaccedilatildeo de algo jaacute existente poreacutem natildeo evidenciado Enfaticamente o novo eacute somente aquilo

que permite romper com o sempre-semelhante conduzindo a conceitos como outro e alteri-

dade ldquoA relaccedilatildeo ao Novo tem o seu modelo na crianccedila que busca no piano um acorde jamais

ouvido ainda virgem No entanto o acorde existia jaacute desde sempre As possibilidades de

combinaccedilatildeo satildeo limitadas na verdade tudo jaacute se encontra no tecladordquo (TE p45) O desafio

estaacute em fazer com que o outro perceba esse novo em si mesmo e natildeo menos importante con-

seguir perceber isso no outro No novo estaacute entatildeo a expressatildeo do concreto a manifestaccedilatildeo

para aleacutem daquilo que estaacute evidente reafirmando o sentido de dialeacutetica ldquoA dialeacutetica eacute a cons-

ciecircncia consequente da natildeo-identidaderdquo (DN 2005 p17) Em primeiro lugar cabe destacar

que partindo dessa ideia a dialeacutetica natildeo eacute um meacutetodo mas um modo de consciecircncia Consci-

ecircncia esta adquirida apoacutes romper com a ideoloacutegica concepccedilatildeo de pensamento com funccedilatildeo

exclusivamente identificadora Assim temos a impossibilidade de haver identidade e ao

mesmo tempo existir a dialeacutetica ndash a dialeacutetica se opotildee ao pensamento identificador pensar na

identidade eacute pensar natildeo dialeticamente pois anula sua condiccedilatildeo primeira o divergente disso-

nante negativo diferenciado

Conforme a Dialeacutetica negativa (2005 p18) a consequecircncia primeira gerada pela anu-

laccedilatildeo da dialeacutetica promovida pelo pensamento identificador eacute o empobrecimento da experi-

ecircncia A aproximaccedilatildeo natildeo ocorre mais com o criteacuterio de permitir o novo e o diferenciado mas

enclausurando o individual dentro de padrotildees de validade universal Toda a diversidade da

experiecircncia eacute sacrificada juntamente com a diversidade do outro em nome de uma adequaccedilatildeo

e uniformidade abstrata

70

Sob condiccedilotildees sociais sobretudo aquelas referentes agrave educaccedilatildeo que dominam orientam atrofiam de muacuteltiplas formas as forccedilas produtivas espirituais sob a dominante pobreza imaginativa [] seria fictiacutecio supor que todos poderiam entendecirc-lo ao todo ou sequer percebecirc-lo Esperar isso seria organizar o conhecimento segundo os traccedilos patoloacutegicos de uma humanidade a qual segundo a lei da igualdade lhe eacute arrebatada a possibilidade de criar experiecircncias se eacute que alguma vez a tenha possuiacutedo (DN 2005 p48-49)

O imperativo dialeacutetico do pensamento o qual conduz agrave possibilidade de criar experi-

ecircncia aponta a necessidade de ldquopensar de tal modo que a forma do pensamento natildeo mais tor-

ne seus objetos coisas inalteraacuteveis que permanecem iguais a si mesmas a experiecircncia des-

mente que eles o sejamrdquo (DN 2009 p134) Os objetos aqui mencionados satildeo os objetos do

pensamento ou seja os conceitos criados pelo pensamento a partir da experiecircncia Indica-se

a necessidade de construccedilatildeo conceitual em confronto permanente com o concreto Assim o

conceito natildeo eacute uma ferramenta a partir da qual o concreto eacute tratado mas esta ferramenta eacute o

proacuteprio ato de pensar

O conceito enquanto resultado da relaccedilatildeo entre pensamento e concretude permite a-

penas uma compreensatildeo daquilo a que se direciona de modo bem direto e portanto passiacutevel

de mudanccedila jaacute que o concreto sofre a accedilatildeo do tempo e do proacuteprio espaccedilo A proacutepria Dialeacutetica

negativa (2009 p136) leva ao extremo a citaccedilatildeo anterior compreendendo o conceito como

algo natildeo-idecircntico nem sequer a si mesmo muito menos com aquilo ao qual se refere Ou seja

ele se determina por aquilo que lhe eacute exterior de modo que natildeo se esgota em si mesmo sendo

impossiacutevel aos objetos do pensamento ndash o conceito ndash ser inalteraacutevel e igual a si mesmo

A dissonacircncia proacutepria das cores sons e imagens no mundo artiacutestico tambeacutem se con-

verte em criteacuterio de racionalidade Eacute o que se percebe por exemplo em uma obra brasileira

como o Rudepoema de Heitor Villa-Lobos na qual o entendimento se depara com sua insufi-

ciecircncia na resoluccedilatildeo do sentido sendo a obra ao mesmo tempo resistecircncia e abertura agrave inter-

pretaccedilatildeo Por ser resistecircncia permanece em seu para si enquanto abertura eacute direcionada agrave

razatildeo interpretativa Sendo assim toda aproximaccedilatildeo eacute sinocircnimo de sentido revelado e reserva

de sentido Por isso que a constituiccedilatildeo do esteacutetico em Adorno tem como objetivo principal pocircr

em movimento processos de pensamento e a verdade encontra sua significaccedilatildeo tatildeo somente

naquilo que natildeo estaacute em harmonia com o sentido administrado imposto Ou seja o verdadei-

ro surge diante daquilo que permite ao ser humano ser forma de alteridade em sua permanen-

te reserva de sentido Em outras palavras a verdade estaacute na aproximaccedilatildeo e natildeo na apropria-

ccedilatildeo

Incorporada a esta noccedilatildeo de sujeito esteacutetico estaacute a dimensatildeo comunicativa Somente haacute

comunicaccedilatildeo ou diaacutelogo quando o pressuposto relacional for paciacutefico e dessa forma natildeo

71

tiver a pretensatildeo de reduccedilatildeo epistemoloacutegica ao sentido que o sujeito apreende ou atribui A

comunicaccedilatildeo somente se efetiva na paz do diferenciado quando eacute possiacutevel ser outro sem te-

mor

Se fosse permitido especular sobre o estado de reconciliaccedilatildeo natildeo caberia imaginaacute-lo nem sob a forma de indiferenciada unidade de sujeito e objeto nem sob a de sua hos-til antiacutetese antes a comunicaccedilatildeo do diferenciado [] Paz eacute um estado de diferenci-accedilatildeo sem dominaccedilatildeo no qual o diferente eacute compartido (PS p184)

A marca da comunicabilidade estaacute na interioridade que realiza a abertura e o fecha-

mento A primeira por natildeo existir plena identidade no princiacutepio de realidade sendo a tensatildeo

dialeacutetica natural e pressuposto para o encontro e para a proacutepria concepccedilatildeo de verdade em A-

dorno A segunda por evitar que o proacuteprio ser humano se perca em meio ao jogo de diferen-

ciados Ou seja eacute preciso que ocorra a identidade do sujeito consigo mesmo o reconhecimen-

to de sua proacutepria subjetividade enquanto nuacutecleo de forccedila ndash noccedilatildeo de siacutentese apresentada no

terceiro capiacutetulo Abertura e fechamento identidade e natildeo identidade satildeo condiccedilotildees para um

sujeito provido de subjetividade ndash significa condiccedilatildeo e capacidade de pensamento bem como

constituiccedilatildeo da proacutepria condiccedilatildeo humana no interior do mundo

A ecircnfase dada agrave comunicaccedilatildeo remete ao sujeito que se constitui enquanto ser histoacuterico

ou seja enquanto ser-aiacute enquanto presenccedila posta e mediada pelo elemento comunicativo Eacute o

singular caracterizado como ser-aiacute natildeo o em-si kantiano inapreensiacutevel pelo entendimento

humano mas aquilo que estaacute dado e nessa presenccedila impossiacutevel de ser ignorado ldquoA comuni-

caccedilatildeo com o outro cristaliza-se no singular que eacute mediado por ela em seu ser-aiacuterdquo (DN 2009

p140) Eacute fundamental destacar que a comunicaccedilatildeo entre diferenciados eacute mediada pelo proacuteprio

ato de comunicaccedilatildeo e natildeo nas estruturas a priori do sujeito Nesse sentido eacute que se compre-

ende a primazia da relaccedilatildeo cuja mediaccedilatildeo eacute o ato comunicativo mesmo A individuaccedilatildeo eacute

dada pela comunicaccedilatildeo pelo enfrentamento que busca o comum (universal) e o diferente (al-

teridade)

Esta tensatildeo entre universal e particular a qual se manteacutem enquanto houver comunica-

ccedilatildeo natildeo se caracteriza por uma relaccedilatildeo comparativa entre individualidades Se comunicaccedilatildeo

fosse isso entatildeo tudo se resolveria no ato dedutivo a partir do pensamento Por exemplo mu-

nido dos referenciais sobre o que caracteriza um ser humano poderiacuteamos falar e atribuir valor

sobre qualquer indiviacuteduo mesmo sem relaccedilatildeo efetiva Esse modo de proceder natildeo pode ser

denominado comunicaccedilatildeo pois faz-se ausente o singular que em seu ser-aiacute permite a comu-

nicaccedilatildeo

72

O centro dessa discussatildeo estaacute no fato de que natildeo eacute possiacutevel progredir do particular ao

universal somente pela forccedila do pensamento ldquonatildeo se progride a partir de conceitos e por eta-

pas ateacute o conceito superior mais universal mas esses conceitos entram em uma constelaccedilatildeo

Essa constelaccedilatildeo ilumina o que haacute de especiacutefico no objeto e que eacute indiferente ou um peso para

o procedimento classificatoacuteriordquo (DN 2009 p140) Atraveacutes do conceito de constelaccedilatildeo A-

dorno propotildee uma congregaccedilatildeo de momentos e sentidos que se comunicam e sem subsumir

nenhum deles compotildeem a riqueza de sentido Cabe destacar que nenhum dos momentos se

eleva em potecircncia essencial mas todos pontuam um momento permanente (que natildeo eacute negado

na figura do outro momento) na constituiccedilatildeo do sentido de modo que natildeo eacute o primado da

razatildeo doadora de sentido mas o sentido que se forma na ligaccedilatildeo dos momentos histoacutericos

Constelaccedilatildeo natildeo eacute representaccedilatildeo mas apresentaccedilatildeo daquilo que natildeo pode ser compreendido

isoladamente Eacute histoacuteria que engloba o indiviacuteduo e na qual ele estaacute inserido Perceber a cons-

telaccedilatildeo eacute nada mais que perceber e interpretar aquilo que eacute condicionado historicamente ndash

conhecer eacute pensar em constelaccedilatildeo

Essa histoacuteria estaacute nele e fora dele ela eacute algo que o engloba e em que ele tem seu lu-gar Perceber a constelaccedilatildeo na qual a coisa se encontra significa o mesmo que deci-frar aquilo que ele porta em si enquanto algo que veio a ser [] Somente um saber que tem presente o valor histoacuterico conjuntural do objeto em sua relaccedilatildeo com os ou-tros objetos consegue liberar a histoacuteria no objeto (DN 2009 p141)

Com a constelaccedilatildeo que constitui sentido via comunicaccedilatildeo ocorre a abertura do enigma

que se quer decifrar Adorno utiliza a metaacutefora do cofre para expressar o sentido que a conste-

laccedilatildeo assume em sua teoria como os cadeados em um cofre-forte a abertura natildeo ocorre ldquoape-

nas por meio de uma uacutenica chave ou de um uacutenico nuacutemero mas de uma combinaccedilatildeo numeacuteri-

cardquo (DN 2009 p142)

Assim sendo na obra de arte ocorre comunicaccedilatildeo ela mesma comunica Mas natildeo eacute

comunicaccedilatildeo de uma mensagem que se pode simplesmente extrair e que estaacute evidente sendo

antes a manifestaccedilatildeo do concreto Em Adorno a obra somente eacute artiacutestica se permitir tal mani-

festaccedilatildeo abrindo espaccedilo para o surgimento do algo mais o surgimento daquilo que eacute para

aleacutem do que se mostra imediatamente Mantendo a arte essa relaccedilatildeo com o concreto sendo

um ldquodesdobramento da verdaderdquo (TE p123) ela se converte em impulso e possibilidade de

esclarecimento em oposiccedilatildeo radical aos produtos da induacutestria da cultura

Essa eacute a linguagem da obra de arte seu modo de expressatildeo e que lhe daacute autenticidade

ldquoo meio pelo qual as obras de arte existentes satildeo mais do que a existecircnciardquo ndash ou seja pela sua

existecircncia permitem a manifestaccedilatildeo do concreto do mais ndash este meio ldquonatildeo eacute um novo ser-aiacute

73

mas a sua linguagem As obras autecircnticas falam mesmo quando recusam a aparecircnciardquo (TE

p124) Essa recusa da aparecircncia volta a fazer referecircncia ao concreto indicando que ldquodeveria

derrubar-se a doutrina da imitaccedilatildeo num sentido sublimado a realidade deve imitar as obras

de arte Mas o fato de as obras de arte existirem mostra que o natildeo-ente poderia existir A rea-

lidade das obras de arte daacute testemunho da possibilidade do possiacutevelrdquo (TE p153 - grifo nos-

so) Em uacuteltima instacircncia o que temos eacute a construccedilatildeo de sentido via expressatildeo comunicaccedilatildeo

linguagem Para isso faz-se necessaacuteria a dinacircmica da aproximaccedilatildeo dos diferentes como possi-

bilidade desta construccedilatildeo do sentido desse outro do sentido de mim mesmo da autoconsci-

ecircncia

5 O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO NA FORMACcedilAtildeO HUMANA

Analisando a obra adorniana observa-se a preocupaccedilatildeo com o corpo como sendo o

desencadeador das reflexotildees sobre eacutetica A experiecircncia do corpo danificado transforma-se em

incentivo ao pensamento e agrave consideraccedilatildeo pelo outro eacute a teoria que lanccedila seu olhar para a

vida posta em seu limite Quando afirma na Dialeacutetica negativa e na Teoria esteacutetica o pro-

blema de elevar a dor ao conceito e o consequente mutismo que este viria a enfrentar Adorno

aponta para a natildeo-compatibilidade entre entendimento conceito e linguagem quando a refe-

recircncia natildeo estaacute dada pelo viacutenculo direto com o real o concreto conforme abordado no capiacutetu-

lo anterior

Deve-se destacar retomando o quarto capiacutetulo que o concreto eacute considerado por A-

dorno como o local a partir do qual se deve filosofar O que significa agora em uma amplia-

ccedilatildeo das discussotildees que o ato de pensar de construir sentido o ato de compreensatildeo e interpre-

taccedilatildeo proacuteprio da filosofia tem sua origem no momento em que nos deparamos com esta alteri-

dade este outro cuja reserva de sentido permite o constante progresso no conhecimento O

local ocupado por este outro o outro propriamente dito assume o centro das discussotildees

Diante disso proponho uma referecircncia agrave literatura e agrave filosofia a fim de percebermos

como a presenccedila do outro define a compreensatildeo humana nosso ato de pensar e nossa accedilatildeo

As obras A condiccedilatildeo humana18 (Andreacute Malraux) publicada em 1933 e A espeacutecie humana19

(Robert Antelme) publicada em 1957 satildeo emblemaacuteticas em sua relaccedilatildeo com a proposta filo-

soacutefica de Theodor Adorno e suas reflexotildees sobre a moral Em um primeiro momento estabe-

leccedilo essa relaccedilatildeo para em seguida indicar o sentido eacutetico que deveria estar presente na ativi-

dade educacional a qual seraacute defendida sob o enfoque do plasmar linguiacutestico

51 Entre o eu e o outro ou quando a presenccedila nos manteacutem humanos

Em ambas as obras da literatura acima citadas ocorre uma indicaccedilatildeo interessante sobre

o sentido eacutetico da accedilatildeo humana o sentido eacutetico da presenccedila o eu que permanece humano por

conseguir perceber o concreto que eacute o outro e o concreto que eacute si mesmo Os dois casos que

seratildeo expostos trazem ao centro da discussatildeo a experiecircncia do corpo a experiecircncia propria-

mente dita e que marca um modo de pensar e de agir conduzido por um excedente a efetivi-

18 Obra traduzida por Ivo Barroso e editada no Brasil pela Record estando em 2008 em sua segunda ediccedilatildeo 19 Da coleccedilatildeo Os afluentes da memoacuteria teve a traduccedilatildeo para o portuguecircs de Portugal feita por Clara Alvarez Foi publicada pela editora Ulisseia de Lisboa em 2003

75

dade do outro e seu apelo por existir a experiecircncia do outro que reivindica algo como eacute pro-

blematizado na Minima moralia quando Adorno afirma que

No desaparecimento da experiecircncia um fato possui uma consideraacutevel responsabili-dade que as coisas sob a lei de sua pura funcionalidade adquirem uma forma que restringe o trato delas a um mero manejo sem tolerar um soacute excedente ndash seja em termos de liberdade de comportamento seja de independecircncia da coisa ndash que subsis-ta como nuacutecleo da experiecircncia porque natildeo eacute consumido pelo instante da accedilatildeo (MM 19 p33)

A dinacircmica exposta tensiona o desaparecimento da experiecircncia e do excedente que

subsiste como nuacutecleo de experiecircncia se nossa capacidade perceptiva permite que algo nos

seja dado esse algo (outro) exige ser percebido em sua concretude a qual natildeo tolera o sim-

ples manejo de nosso proacuteprio entendimento Esta eacute a proposta da obra adorniana evitar a anu-

laccedilatildeo do outro a cegueira diante deste excedente agrave experiecircncia que se compreende como o

concreto Excedente esse que deveria se constituir em incentivo agrave accedilatildeo A fim de compreen-

der melhor o sentido disso busco referecircncia com as obras A condiccedilatildeo humana e A espeacutecie

humana

Toda a obra de Andreacute Malraux aqui em evidecircncia estaacute permeada pelo limite que o

corpo a presenccedila do outro impotildee Seja em termos de luta poliacutetica conflitos ideoloacutegicos seja

em questotildees amorosas o outro sempre aparece para aleacutem de sua funcionalidade natildeo admitin-

do um simples manejo que impede sua liberdade e sua existecircncia concreta Incisivamente eacute

preciso entrar na luminosidade provinda do corpo A cena que abre sua A condiccedilatildeo humana

merece total destaque sendo aqui apresentada em seus aspectos principais

Logo na primeira paacutegina satildeo relatadas as circunstacircncias do personagem que estando

diante da viacutetima a ser assassinada percebe-se separado dessa por um veacuteu uma cortina que o

impede de ver o corpo Assim sendo tudo leva agrave certeza da facilidade que seria matar No

entanto Tchen se depara com um limite uma parte do corpo estaacute descoberta Esse fato provo-

ca Tchen e inicia-se entatildeo um processo de pensamento o momento de reconhecimento do

outro Poreacutem este reconhecimento natildeo ocorre considerando o posto ocupado pela viacutetima em

potencial ou por causa de sua posiccedilatildeo social ou pelo forte senso do dever de Tchen Mas eacute

reconhecimento que ocorre por um uacutenico motivo o contato com o corpo Este eacute o elemento

constituidor de toda consciecircncia de dever o instante em que o limite do outro se impotildee

Tchen tentaria erguer o cortinado Golpearia atraveacutes dele [Estava diante de] um corpo menos visiacutevel que uma sombra e do qual saiacutea apenas aquele peacute semi-inclinado pelo sono mas mesmo assim vivente ndash carne de homem [] [Tchen] sa-bia que o iria matar Preso ou natildeo executado ou natildeo pouco importa Nada mais e-

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xistia aleacutem daquele peacute do homem que devia golpear sem que pudesse defender-se [] Aquele peacute vivo como um animal adormecido Era o teacutermino de um corpo lsquoEs-tarei ficando idiotarsquo Era necessaacuterio ver aquele corpo Vecirc-lo ver-lhe a cabeccedila para tanto entrar na luminosidade deixar que sua sombra atarracada passasse sobre a cama Qual a resistecircncia da carne [] Mataacute-lo natildeo era nada tocaacute-lo eacute que era im-possiacutevel (MALRAUX 2008 p19-21)

E esse processo de reflexatildeo que se desencadeou mediante a percepccedilatildeo do corpo do ou-

tro aleacutem de permitir reconhecer esse outro originou o proacuteprio reconhecimento de si ldquoTchen

descobria em si ateacute a naacuteusea natildeo o combatente que esperava mas um sacrificador [] lsquoAs-

sassinar natildeo eacute apenas matarrsquordquo (ibidem p20) e por isso mesmo o personagem percebe estar

fora do ldquomundo dos homensrdquo (p19)

Deparamo-nos com o fato fundamental o veacuteu da abstraccedilatildeo natildeo nos deixa perceber o

limite do corpo a carne humana Tchen teria que erguer o cortinado mas se o fizesse depa-

rar-se-ia com o corpo mas mesmo assim precisava entrar em sua luminosidade Essa expres-

satildeo de Malroux indica outra forma de luminosidade para aqueacutem da luz da razatildeo o sentido

natildeo estaacute dado previamente pela razatildeo o espaccedilo natildeo eacute somente uma categoria da razatildeo como o

quis Kant condiccedilatildeo para conhecer algo antes mesmo de ocorrer a experiecircncia sensiacutevel eacute sim

espaccedilo ndash local ndash ocupado pelo outro constituiacutedo por ele luminosidade para aleacutem do sentido

atribuiacutedo pelo sujeito que se depara com um simples objeto luminosidade que antecede a

consideraccedilatildeo do outro atraveacutes do puro senso do dever Eacute luz que proveacutem do local que o corpo

ocupa ndash eacute necessaacuterio ver o corpo entrar em sua luminosidade Somente diante deste fato eacute que

o braccedilo do algoz freia pois encontra a resistecircncia da carne

Eacute possiacutevel realizar uma conexatildeo com a obra adorniana tendo como referecircncia aquilo

que constitui a subjetividade aquilo que estaacute para aleacutem do eu mas assume seu momento ori-

ginaacuterio da proacutepria atividade subjetiva do eu Este momento originaacuterio ldquoeacute um choque sofrido

pelo sujeito ndash da materialidade social que penetra na constituiccedilatildeo de sua natureza interna ndash e

que o obriga a pensarrdquo (ALVES JUacuteNIOR 2005 p71) Evidencia-se o viacutenculo com a obra de

Andreacute Malraux ndash A condiccedilatildeo humana ndash no momento em que a materialidade obrigou o assas-

sino a pensar no deparar-se com o corpo da potencial viacutetima Esse choque estaacute na origem das

consideraccedilotildees sobre a eacutetica perpassando toda a accedilatildeo humana como sinal da presenccedila concreta

do outro

Alves Juacutenior denomina isto de ldquovertigem da razatildeo diante da materialidaderdquo (idem

p16) o que corresponde agrave perspectiva fundante das reflexotildees sobre moral em Adorno O afo-

rismo da Minima moralia que considero emblemaacutetico em relaccedilatildeo a isso eacute denominado Para

uma dialeacutetica do tacto (MM 16 p29-30) Em referecircncia a Goethe Adorno analisa a ldquoplena

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consciecircncia da iminente impossibilidade de toda relaccedilatildeo humana no interior da sociedade in-

dustrial nascenterdquo Diante desse problema o tato foi considerado ldquoo expediente salvador entre

os seres humanos alienados [] Tacto e humanidade ndash para ele a mesma coisa ndash percorreram

entrementes precisamente o caminho do qual em sua opiniatildeo deveriam nos preservarrdquo Essa

dialeacutetica civilizadora que permitiria a preservaccedilatildeo da humanidade mediante a percepccedilatildeo do

outro em sua corporeidade ndash o tato em sentido bem geral ndash foi interrompida no momento em

que os indiviacuteduos tornaram-se indiferentes e natildeo mais reconheceram o outro Nesse momento

o tato ldquonatildeo alcanccedila o indiviacuteduo e acaba por lhe fazer uma infinita injusticcedilardquo Natildeo alcanccedila o

indiviacuteduo devido a um avanccedilo que nos fez infinitamente autocircnomos em detrimento radical do

heterocircnomo Pela salvaccedilatildeo do tato poderiacuteamos salvar o viacutenculo heterocircnomo natildeo enquanto

determinaccedilatildeo dada pelo outro a mim sendo o eu um mero objeto dessa accedilatildeo do outro mas

como possibilidade da percepccedilatildeo e consideraccedilatildeo dessa alteridade em seu momento originaacuterio

ndash algo que existe que estaacute aiacute e por isto precisa ser reconhecido

Pelo reconhecimento dessa alteridade realizar-se-ia a autonomia a constituiccedilatildeo de si

Se para Aristoacuteteles o sujeito eacute identificado como o motor imoacutevel ou seja a substacircncia para

Adorno eacute possiacutevel pensar uma salvaccedilatildeo dessa dimensatildeo interna essa constituiccedilatildeo proacutepria que

faz com que o indiviacuteduo seja mais que indiviacuteduo seja sujeito forccedila movente proacutepria Poreacutem

forccedila interna natildeo natural desde sempre dada mas mediada pelas experiecircncias e constituiccedilotildees

histoacutericas de si mesmo A formaccedilatildeo da autonomia passaria necessariamente pela dialeacutetica do

tato pelo reconhecimento da heteronomia a qual natildeo extingue a necessidade de autonomia

apenas indica a constituiccedilatildeo do eu a partir das experiecircncias construiacutedas com o outro A auto-

nomia eacute reconhecida por Adorno como possibilidade de realizaccedilatildeo do humano ldquoO fim objeti-

vo da humanidade eacute apenas uma outra expressatildeo para a mesma coisa Significa que o indiviacute-

duo enquanto indiviacuteduo como representante do gecircnero humano perdeu a autonomia atraveacutes

da qual poderia realizar efetivamente o gecircnerordquo (MM 17 p31)

O criteacuterio do reconhecimento do outro como criteacuterio para firmar sua autonomia sua

identidade seu eu o qual permitiria realizar a humanidade exige fazer referecircncia agrave obra A

condiccedilatildeo humana Como caminho para chegar a esta obra faccedilo referecircncia de passagem a

Rousseaue seu ideal de reconhecimento do sentimento do outro como sendo o nuacutecleo de suas

consideraccedilotildees sobre moral O meio humano ou se quisermos admitir o termo habitat huma-

no encontra sua significaccedilatildeo em um elemento possiacutevel de se encontrar ainda no autor do Dis-

curso sobre a origem e fundamentos das desigualdades entre os homens definindo a condi-

ccedilatildeo para a humanizaccedilatildeo o encontro

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Conforme seu segundo discurso enquanto o homem vagava como selvagem no interi-

or da selva com preocupaccedilotildees exclusivas de alimentaccedilatildeo descanso e procriaccedilatildeo com as ope-

raccedilotildees do sentir querer e temer natildeo havia distinccedilotildees imediatas entre ele e os demais animais

selvagens Somente quando passa a efetivar o encontro duradouro marcado pela cabana e

consequente constituiccedilatildeo dos laccedilos familiares propriamente ditos eacute que seus sentimentos mu-

dam e assim eacute possiacutevel dizer que este ser antes selvagem firma seu passo em um novo mei-

o Agora o sentimento de amor e de cuidado passa a fazer parte desse meio e ele se torna efe-

tivamente humano Poreacutem nesse processo de construccedilatildeo do humano um elemento ficou fa-

lho e o amor e o cuidado ficaram restritos aos limites da moradia ou ao proacuteprio si-mesmo

Tal elemento para Rousseau eacute a virtude da piedade Duas passagens do Discurso sobre a

origem e fundamentos das desigualdades entre os homens enfatizam essa virtude

A primeira citaccedilatildeo remete ao problema de toda possiacutevel barbaacuterie real ou imaginaacuteria

de todo totalitarismo possiacutevel pela natildeo identificaccedilatildeo do indiviacuteduo com o seu gecircnero Quando

abstraio torna-se permitido exterminar pois natildeo faz mais parte da humanidade ldquoCom efeito a

comiseraccedilatildeo seraacute tanto mais eneacutergica quanto mais intimamente o animal espectador se identi-

ficar com o animal sofredorrdquo (DOD p191) A identificaccedilatildeo eacute a consideraccedilatildeo do outro como

um ser tatildeo humano quanto eu e portanto natildeo passiacutevel de nada que tente reduzir ou abstrair a

dignidade dessa sua condiccedilatildeo Assim sendo a virtude da piedade permite o sair de si em dire-

ccedilatildeo ao outro ou seja eacute a condiccedilatildeo da solidariedade remetendo agrave dialeacutetica do tato

A segunda citaccedilatildeo tem ainda maior ecircnfase moral e remete agrave perversatildeo no ato de pen-

samento

Eacute a razatildeo que engendra o amor-proacuteprio e eacute a reflexatildeo que o fortalece eacute ela que faz o homem ensimesmar-se [] Eacute a filosofia que o isola eacute por sua causa que ele diz em segredo ao ver um homem que sofre lsquoPerece se quiseres que eu estou em seguran-ccedilarsquo [] Pode-se impunemente degolar seu semelhante embaixo da sua janela basta-lhe pocircr as matildeos sobre os ouvidos e argumentar um pouco consigo mesmo para im-pedir a natureza que nele se revolta de identificar-se com aquele que assassinam (I-bidem p192)

Chegamos assim agrave obra A espeacutecie humana do francecircs Robert Antelme ex-

prisioneiro em campos de concentraccedilatildeo nazistas Nessa obra estaacute exposta por um lado a au-

secircncia do elemento de piedade e a tentativa de excluir os prisioneiros da condiccedilatildeo humana e

por outro aquilo que permitiu aos prisioneiros resistir sobreviver

Eles quiseram fazer de noacutes animais obrigando-nos a viver em condiccedilotildees que nin-gueacutem digo bem ningueacutem poderaacute jamais imaginar Mas eles natildeo vatildeo conseguir Porque noacutes sabemos de onde vimos [sic] sabemos por que estamos aqui [] Se por

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vezes nos acontece deixarmos de nos reconhecer a noacutes proacuteprios esse eacute o preccedilo desta guerra e temos que nos aguumlentar Mas para aguumlentar eacute preciso que cada um de noacutes saia de si proacuteprio que se sinta responsaacutevel por todos noacutes Conseguiram espoliar-nos de tudo mas natildeo daquilo que somos Noacutes ainda existimos (2003 p196)

Toda a obra retrata o elemento decisivo que permitiu resistir na humanidade sair de si

proacuteprio e se sentir responsaacutevel por todos Que imperativo eacutetico poderia ser maior Afinal em

eacutepoca de terror absoluto20 foi o que garantiu a preservaccedilatildeo Esta ldquoverdade universalrdquo ndash somos

seres humanos ndash se converte em slogan e voltando a afirmar natildeo se realizou pelo imperativo

categoacuterico e nem o poderia ser pois esse dita o respeito por algo que merece no maacuteximo

observacircncia a lei Observo a lei natildeo por respeito a ela mas por respeito ao ser humano o que

exige pensar na contingecircncia O elemento central eacute o sentimento a capacidade de comover-se

Isso permite considerar a todos apesar das diferenccedilas como incluiacutedos na mesma espeacutecie a

humana

a variedade de relaccedilotildees entre os homens a sua cor os seus costumes a sua organi-zaccedilatildeo em classes mascaram uma verdade que aqui surge retumbante no limite da natureza perto dos nosso limites natildeo existem espeacutecies humanas existe uma espeacutecie humana []De fato aiacute tudo se passa como se houvessem espeacutecies ndash ou mais exa-tamente como se a pertenccedila agrave espeacutecie natildeo fosse um dado adquirido como se nela pudeacutessemos entrar e sair ficar laacute soacute metade ou atingi-la em pleno ou nunca a atin-gir mesmo a custo de vaacuterias geraccedilotildees ndash sendo a divisatildeo em raccedilas ou em classes o canhatildeo da espeacutecie que fundamenta o axioma sempre pronto a linha uacuteltima de defe-sa laquonatildeo satildeo gente como noacutesraquo (ANTELME 2003 p222-223)

Natildeo reconhecer a alteridade como elemento intriacutenseco agrave humanidade eacute efeito daquilo

que anteriormente foi caracterizado como fechamento em si mesmo (o ensimesmar-se de

Rousseau) Esse natildeo reconhecimento eacute o que nos impede de ver no outro sua condiccedilatildeo huma-

na sua dignidade intriacutenseca de pertencente agrave proacutepria humanidade Antelme (p223-224) retra-

ta isso ao referir-se aos assassinatos nazistas nos campos como a tentativa fracassada de espo-

liar um homem de sua humanidade Poreacutem apesar dessa tentativa ldquocontinuamos homens

acabaremos como homens [] Ele pode matar um homem mas natildeo o pode transformar numa

coisa diferenterdquo O testemunho de Antelme aponta para a permanecircncia de uma forccedila interna

ao indiviacuteduo que pode ser identificada com a existecircncia do sujeito a capacidade de resistir ao

totalitarismo entendido no seu ldquosignificado mais amplo como concentraccedilatildeo poliacutetica das for-

ccedilas que atuam no sentido de destituir no indiviacuteduo tudo que poderia vir a caracterizaacute-lo como

sujeitordquo (1997 p125) Tal caracterizaccedilatildeo pode ser entendida a partir de tais testemunhos

como a capacidade de resistir e se identificar com o outro 20 Referecircncia ao periacuteodo do holocausto nazista os campos de extermiacutenio Vale lembrar que a obra A espeacutecie humana eacute um magniacutefico relato da vida no interior desse periacuteodo de terror absoluto

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O imperativo que surge pode ser descrito como a necessidade de natildeo fazer ao outro

aquilo que natildeo estiver em harmonia com sua condiccedilatildeo humana O decisivo eacute entatildeo permitir a

humanidade e que toda tentativa contraacuteria sofra a accedilatildeo de um pensamento orientado para o

ideal adorniano do termo paz ldquoeacute um estado de diferenciaccedilatildeo sem dominaccedilatildeo no qual o dife-

rente eacute compartidordquo (SO p184) contribuindo para gerar a ldquosituaccedilatildeo melhor como aquela na

qual eacute possiacutevel ser diferente sem ter medordquo (MM 66 p89)

Ao sujeito esteacutetico por pressupor a diferenciaccedilatildeo como seu imperativo ndash o que natildeo

pode ser confundido com total toleracircncia ndash eacute dada a condiccedilatildeo de equiliacutebrio entre aquilo que

ele eacute e as condiccedilotildees que permitem a ele tornar-se algo Contudo este vir a ser ocorre dentro

do limite do proacuteprio meio em que vive ou seja a humanidade o que inscreve a estreita rela-

ccedilatildeo da eacutetica e da esteacutetica na constituiccedilatildeo de tal sujeito

Adorno analisa a oposiccedilatildeo radical deste sentimento de identificaccedilatildeo jaacute apontado seacutecu-

los antes por Rousseau e reconhecido de modo histoacuterico nos eventos retratados em A espeacutecie

humana e A condiccedilatildeo humana Essa anaacutelise marca as obras Teoria esteacutetica e Minima moralia

corroborando a concepccedilatildeo de educaccedilatildeo como processo a partir do qual eacute possiacutevel gerar ceacutelu-

las de humanidade Considero isso decisivo em termos de educaccedilatildeo a ponto de defender a

submissatildeo de todos os demais esforccedilos em acircmbito educacional a este criteacuterio humanizar A-

dorno traccedila um diagnoacutestico da sua eacutepoca e afirma a efetivaccedilatildeo de uma ldquoeacutepoca que assume a

etiqueta da era atocircmicardquo (TE p207) O termo era atocircmica seraacute desenvolvido nas linhas abai-

xo na perspectiva de radical fragmentaccedilatildeo das experiecircncias em sentido temporal tambeacutem na

proacutepria fragmentaccedilatildeo subjetiva envolvendo os sentimentos e a passagem do indiviacuteduo para o

individualismo enquanto indiferenccedila ao outro

Atualizando Demoacutecrito e sua definiccedilatildeo da natureza como formada por pequenas partiacute-

culas denominadas aacutetomos o nosso seacuteculo assumiu a atomizaccedilatildeo como categoria orientadora

no todo das accedilotildees humanas O indiviacuteduo corre o risco de se converter em espeacutecime destituiacutedo

de viacutenculos com o todo no qual vive gerando a fragmentaccedilatildeo histoacuterica e conjugando os fatos

apenas no tempo presente Essa desconsideraccedilatildeo da continuidade eacute decisiva para o processo

de formaccedilatildeo da identidade pois ultrapassa os limites da experiecircncia externa se tornando ain-

da mais problemaacutetica ao fragmentar a proacutepria subjetividade Poder-se-ia dizer que esse eacute o

mundo da radicalizaccedilatildeo atocircmica natildeo apenas atomizaccedilatildeo das experiecircncias e da histoacuteria mas

das proacuteprias emoccedilotildees e reaccedilotildees subjetivas Na Minima moralia enfatiza ldquoA atomizaccedilatildeo natildeo

estaacute em progresso apenas entre os seres humanos mas tambeacutem no interior de cada indiviacuteduo

entre as esferas de sua vidardquo (MM 84 p114) Essa individuaccedilatildeo absoluta problematizada jaacute

por Rousseau levou ao problema criacutetico descrito na obra de Antelme e considerado por A-

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dorno como exemplo maacuteximo de barbaacuterie Individuaccedilatildeo aqui entendida por indiferenccedila ou

seja ldquose as pessoas natildeo fossem profundamente indiferentes em relaccedilatildeo ao que acontece com

todas as outras excetuando o punhado com que mantecircm viacutenculos estritos e possivelmente por

intermeacutedio de alguns interesses concretos entatildeo Auschwitz natildeo teria sido possiacutevel as pessoas

natildeo o teriam aceitordquo (MM 61 p85)

Compreende-se o sentido de educaccedilatildeo enquanto processo a partir do qual eacute possiacutevel

gerar ceacutelulas de humanidade Em primeiro lugar enquanto natildeo formos capazes de romper

com a indiferenccedila permaneceremos incapazes de estabelecer viacutenculos de responsabilidade de

nos identificarmos com o outro Como resultado temos simples exemplares humanos cada

um falho na capacidade de relaccedilatildeo com o outro A ldquoceacutelula de humanidaderdquo eacute resultado da in-

terconexatildeo dos diversos indiviacuteduos a partir de viacutenculos Em segundo lugar eacute necessaacuterio rom-

per com a fragmentaccedilatildeo histoacuterica e inserirmo-nos na construccedilatildeo da continuidade histoacuterica

necessaacuteria entre passado presente e futuro As experiecircncias natildeo satildeo aacutetomos isolados devem

sim estar interligadas em um conjunto denominado histoacuteria ndash essa ligaccedilatildeo temporal eacute a ceacutelula

obtida a partir dos diferentes acontecimentos natildeo mais isolados ou seja eacute consciecircncia Em

terceiro lugar as proacuteprias reaccedilotildees subjetivas os sentimentos natildeo satildeo estanques A impressatildeo

de natildeo comunicaccedilatildeo de isolamento entre esses sentimentos fragmenta a proacutepria subjetivida-

de Vivemos assim em uma sucessatildeo de prazeres ou sofrimentos desvinculados onde o im-

perativo do momento eacute o criteacuterio para a satisfaccedilatildeo Eacute imprescindiacutevel a geraccedilatildeo de ceacutelula vin-

culaccedilatildeo com o outro continuidade histoacuterica natildeo isolamento dos sentimentos O desafio edu-

cacional reside no desfazer da era atocircmica e na consequente formaccedilatildeo do ser humano apto a

constituir ceacutelulas de humanidade

Indiferenccedila e barbaacuterie foram amplamente tematizadas na obra organizada por Adauto

Novaes intitulada Civilizaccedilatildeo e barbaacuterie21 O texto Indiferenccedila nova forma de barbaacuterie

(Gabriel Cohn) analisa e potildee em tensatildeo os termos diferenccedila e indiferenccedila conectando-se

perfeitamente com as discussotildees acima desenvolvidas O ponto de partida das reflexotildees eacute a

21 Vale destacar o sentido Adorniano para o termo barbaacuterie Natildeo ocorre um dualismo mas a natildeo coincidecircncia entre o desenvolvimento material tecnoloacutegico e a promoccedilatildeo da humanidade Isso eacute possiacutevel de se perceber no texto Educaccedilatildeo contra a barbaacuterie onde se expotildee ldquoEntendo por barbaacuterie algo muito simples ou seja que estan-do na civilizaccedilatildeo do mais alto desenvolvimento tecnoloacutegico as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relaccedilatildeo a sua proacutepria civilizaccedilatildeo ndash e natildeo apenas por natildeo terem em sua arrasadora maioria experimentado a formaccedilatildeo nos termos correspondentes ao conceito de civilizaccedilatildeo mas tambeacutem por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva um oacutedio primitivo que contribui par aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilizaccedilatildeo venha a explodir aliaacutes uma tendecircncia imanente que a caracterizardquo (EE p 155)

82

ideia de civilizaccedilatildeo cultura22 e humanidade em iacutentima conexatildeo mediante a formaccedilatildeo que

possibilitaria a efetiva dialeacutetica do tato A urgecircncia eacute ldquorecuperar o complexo significado que

anima a ideacuteia de civilizaccedilatildeo e a torna inseparaacutevel da ideacuteia de cultura entendida esta na sua

acepccedilatildeo mais plena como cultivo da humanidade como formaccedilatildeordquo (2004 p82) Pela forma-

ccedilatildeo e aqui estamos diante de um ideal educativo eacute possiacutevel compreender a humanidade fixa-

da natildeo na indiferenccedila pois a indiferenccedila eacute condiccedilatildeo para a natildeo-aceitaccedilatildeo Conforme os argu-

mentos do texto (p84 ss) civilidade e formaccedilatildeo constituem o oposto agrave barbaacuterie partindo da

noccedilatildeo de que a responsabilidade enquanto cuidado com outro se opotildee agrave indiferenccedila Dessa

forma faz-se necessaacuterio evitar que ldquoo respeito pelo outro deslize rumo agrave indiferenccedila pelo ou-

tro A aceitaccedilatildeo generalizada da diferenccedila eacute a expressatildeo exata da indiferenccedilardquo (p85) conside-

rada pelo autor como a nova forma de barbaacuterie e promotora de barbaacuteries

O argumento foi aqui conduzido de modo a demonstrar que a atomizaccedilatildeo desemboca

na indiferenccedila Aleacutem disso foi pontuada a formaccedilatildeo como alternativa para reduzir a distacircncia

entre cultura e humanidade A partir dessas observaccedilotildees eacute possiacutevel atribuir agrave educaccedilatildeo o com-

promisso de possibilitar ao humano a verdadeira inserccedilatildeo na experiecircncia o que ocorre pela

consciecircncia de que natildeo haacute formaccedilatildeo humana sem a re-significaccedilatildeo do passado a plenitude do

presente como tempo no qual podemos agir e o olhar visionaacuterio ao que viraacute

Relaciono tudo isso ao termo utopia pois nada justifica melhor essa vinculaccedilatildeo e con-

tinuidade histoacuterica do que esse termo Em entendimento mais detalhado e sigo aqui as opor-

tunas consideraccedilotildees de Gadamer no texto O que eacute praacutexis As condiccedilotildees da razatildeo social uto-

pia ldquonatildeo eacute um esboccedilo de objetivos de accedilatildeo O caracteriacutestico da utopia eacute mais claramente que

nos conduz ateacute o momento da accedilatildeo [] Natildeo eacute primeiramente um projeto de accedilatildeo mas uma

criacutetica do presenterdquo (1983 p50) Assim eacute que se efetiva a estreita relaccedilatildeo entre o olhar que

vislumbra a plena realizaccedilatildeo do estado humano e que no entanto o faz mais como um olhar

criacutetico ao momento presente e aos constituintes que permitiram chegar a esse estado atual

Assim sendo o olhar ao presente assume sua funccedilatildeo na proacutepria dialeacutetica do esclarecimento

nesse processo histoacuterico de auto-reflexatildeo que permite a constituiccedilatildeo do humano pois na expe-

riecircncia utoacutepica ldquopermanece algo de negativo contra o que existe embora lhe continue a per-

tencerrdquo (TE p45) Nesse aspecto a utopia se vincula agrave esperanccedila a partir da qual Adorno

aponta para o que eacute verdadeiro ldquoa pergunta a colocar seria entatildeo se temos mais razatildeo para

amar o que sucede a noacutes para afirmar o que existe porque existe do que de tomar como ver-

22 Rodrigo Duarte (2007 p150 ss) analisa o problema do entrelaccedilamento de cultura e barbaacuterie a partir do enfo-que da induacutestria cultural sendo esta entendida como a exploraccedilatildeo planificada da cultura caracterizando a domi-naccedilatildeo da vida humana a partir da subversatildeo das manifestaccedilotildees culturais autecircnticas

83

dadeiro aquilo de que temos esperanccedilardquo (MM 61 p85) Esse aspecto da esperanccedila potildee em

conexatildeo a criacutetica do presente a partir do olhar ao passado a fim de questionar a aceitaccedilatildeo do

que existe simplesmente por estar dado a noacutes Por outro lado a criacutetica do presente eacute inscrita

sob o olhar da esperanccedila o caraacuteter eacutetico propriamente dito no qual o pensamento visualiza

aquilo que posso vir a ser no sentido de futuro

Na Criacutetica da razatildeo praacutetica ao diferenciar a causalidade natural da causalidade pela

liberdade sendo essa proacutepria do reino dos fins Kant renuncia radicalmente a consideraccedilatildeo ao

passado e o potildee como totalmente fluiacutedo por natildeo termos mais este momento agraves matildeos Consi-

derando o que determina a accedilatildeo a partir da segunda criacutetica qualquer tentativa de vincular o

fato presente ao passado subtrai toda responsabilidade moral E em se tratando de causalida-

de o ato somente eacute imputaacutevel pressupondo a autonomia do presente frente a qualquer influecircn-

cia passada

visto que o tempo passado natildeo estaacute mais em meu poder cada accedilatildeo que pratico tem que ser necessaacuteria mediante fundamentos determinantes que natildeo estatildeo em meu po-der isto eacute jamais sou livre no momento em que ajo [] Pois a cada momento estou sempre sob a necessidade de ser determinado a agir mediante aquilo que natildeo estaacute em meu poder e a [] seacuterie infinita dos eventos que eu sempre soacute prosseguiria segundo uma ordem jaacute predeterminada e natildeo iniciaria espontaneamente em parte alguma se-ria uma cadeia natural constante portanto minha causalidade jamais seria liberdade (CRPr sect169-170)

Essa forma de considerar a moralidade salva por um lado a accedilatildeo de todo determinis-

mo estranho ou predestinaccedilatildeo levando agrave possibilidade de alterar o curso dos acontecimentos

Nesses termos natildeo apenas sofro a accedilatildeo histoacuterica mas ajo sobre a histoacuteria o que eacute possiacutevel

somente ao ser racional possuidor de liberdade e autonomia da vontade Ao determinismo agrave

dependecircncia dos eventos passados Kant chamou de mecanismo natural por ser comum a

toda natureza dita irracional Mas e por outro lado essa quebra de vinculaccedilatildeo ao passado tem

como efeito colateral a fixaccedilatildeo no presente como momento suficiente na constituiccedilatildeo humana

Admitindo a necessidade de causalidade por liberdade em oposiccedilatildeo agrave natural com seu viacutenculo

ao passado a consequecircncia eacute o processo de individuaccedilatildeo do indiviacuteduo quando este assume a

etiqueta da era atocircmica

Em Adorno o passado e o presente estatildeo continuamente voltando sua face um ao ou-

tro em um processo de constituiccedilatildeo da moralidade identificado como o imperativo da gera-

ccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade Retomando o problema da atomizaccedilatildeo e a consequente indivi-

duaccedilatildeo a noccedilatildeo de viacutenculo temporal se constitui em alternativa decisiva significando a me-

moacuteria posta agrave salvo do esquecimento Faz-se indispensaacutevel que os choques do real no qual

84

estaacute a origem do pensamento natildeo se tornem momentos isolados na histoacuteria mas se configu-

rem em uma sucessatildeo intimamente vinculada e assim constituidora da consciecircncia Se por

um lado temos aqui a condiccedilatildeo para despertar o indiviacuteduo por outro quando ausente esta

noccedilatildeo de viacutenculo temporal as experiecircncias se tornam aacutetomos isolados Eacute o diagnoacutestico de que

a ldquovida transformou-se numa sucessatildeo intemporal de choques entre os quais se rasgam lacu-

nas intervalos paralisadosrdquo (MM 33 p46) Assim a vinculaccedilatildeo histoacuterica aqui defendida

constitui-se em desafio eacutetico-educativo na medida em que remete ao cuidado ao evitar os

elementos que no passado levaram ao problema enfrentado ldquoO cuidado com a memoacuteria fez

dela natildeo soacute um objeto de estudo mas tambeacutem uma tarefa eacutetica nosso dever consistiria assim

em preservaacute-la em salvar o desaparecido o passado em resgatar como se diz tradiccedilotildees vi-

das falas e imagensrdquo (GAGNEBIN 2007 p35) ou seja a experiecircncia vivida pelos outros e

pelo indiviacuteduo mesmo enquanto nuacutecleo de forccedila que impulsiona para novas experiecircncias de

vida superando os fatores perversos do passado e alimentando aquilo que contribuiu para a

constituiccedilatildeo eacutetica das relaccedilotildees humanas No sentido de resgatar tradiccedilotildees vidas falas ima-

gens Gagnebin afirma no mesmo texto que ldquomuitas pessoas entre noacutes nem precisam esque-

cer simplesmente natildeo sabem por exemplo o que essa palavra lsquoAuschwitzrsquo representardquo

(p37) Histoacuteria Filosofia Arte todas vinculadas agrave educaccedilatildeo no sentido de fazer valer a fala o

local do outro como testemunho de um momento da histoacuteria da humanidade mas mais que

isso como testemunho do ser humano que se constitui a partir do local ocupado pelo outro do

intercacircmbio de experiecircncias de vida

A fim de detalhar esse enfrentamento do passado e presente e a constituiccedilatildeo da mora-

lidade remeto ao texto O que significa elaborar o passado23 Nesse texto eacute possiacutevel perceber

a tocircnica que a interconexatildeo de passado e presente assume evitando a incisiva indiferenccedila que

a Criacutetica da razatildeo praacutetica enfatizou O passado natildeo eacute algo que natildeo estaacute mais agrave matildeo mas eacute

material disponiacutevel para toda dialeacutetica entre presente e utopia entre o estado atual e a neces-

sidade de vislumbrar algo melhor como criacutetica agravequilo que permitiu ao presente se converter

naquilo que eacute Em tal texto Adorno aponta o problema de que o ldquodesaparecimento da consci-

ecircncia da continuidade histoacuterica [eacute] um sintoma daquela fraqueza social do eu que Horkhei-

mer e eu jaacute procuramos derivar na Dialeacutetica do esclarecimentordquo (EE p32) Retomando a

obra de 1947 tem-se o que significa esta fraqueza do eu ldquoOs homens receberam o seu eu

como algo pertencente a cada um diferente de todos os outros para que ele possa com maior

seguranccedila se tornar igualrdquo (DE p27)

23 Em Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo p29

85

Essa igualdade se deve dentre outros aspectos agrave natildeo vinculaccedilatildeo das experiecircncias en-

tre si e da natildeo vinculaccedilatildeo do proacuteprio indiviacuteduo agrave sua totalidade de experiecircncias O que signi-

fica a tentativa de gerar coesatildeo pela coerccedilatildeo que soacute eacute possiacutevel com a efetivaccedilatildeo da era atocircmi-

ca ldquoA unidade da coletividade manipulada consiste na negaccedilatildeo de cada indiviacuteduo seria digna

de escaacuternio a sociedade que conseguisse transformar os homens em indiviacuteduosrdquo (DE p27) O

problema eacute que esses indiviacuteduos mesmos cuja condiccedilatildeo de existecircncia eacute a lucidez de seu tem-

po de experiecircncias contiacutenuas acabam por natildeo serem capazes de agir movidos pela consciecircn-

cia provinda de tais experiecircncias mas a partir da igualdade gerada pela vergonha ou medo de

ser diferente ldquoQue todos os homens sejam iguais uns aos outros eacute precisamente o que viria a

calhar para a sociedade Ela considera as diferenccedilas reais ou imaginaacuterias como marcas igno-

miniosas que atestam que natildeo se avanccedilou o bastante que algo escapou da maacutequina e natildeo estaacute

inteiramente determinado pela totalidaderdquo (MM 66 p89) Tal maacute universalidade nega a pos-

sibilidade de compartir as diferenccedilas pondo o universal como a anulaccedilatildeo dessas Para Adorno

a vida em sociedade deveria ser conduzida tendo o ideal de integraccedilatildeo das diferenccedilas como

seu objetivo pois a proposta de coesatildeo sem violecircncia se constitui no sentido do proacuteprio termo

sociedade

uma sociedade emancipada natildeo seria nenhum Estado unitaacuterio mas a realizaccedilatildeo efe-tiva do universal na reconciliaccedilatildeo das diferenccedilas A poliacutetica que ainda estiver seria-mente interessada em tal sociedade natildeo deveria propagar a igualdade abstrata das pessoas sequer como uma ideacuteia Em vez disso ela deveria apontar para a maacute igual-dade hoje para a identidade entre os interessados no cinema e os interessados em armamentos pensando contudo a situaccedilatildeo melhor como aquela na qual eacute possiacutevel ser diferente sem ter medo (MM 66 p89 ndash grifo nosso)

O universal pode entatildeo significar a ausecircncia do sujeito temos a individualidade mas

natildeo temos sujeitos ndash eacute o grave problema da ausecircncia de subjetividade caracteriacutestica da vida

no interior da sociedade do capitalismo tardio ldquoonde o indiviacuteduo natildeo pode ser sujeito instau-

ra-se uma individualidade cuja caracteriacutestica eacute a transformaccedilatildeo do sujeito mesmo em merca-

doria que oferece como vantagem e valor a forccedila de trabalho o proacuteprio corpo informaccedilatildeo ou

sua proacutepria consciecircnciardquo (TIBURI 2005 p129) Diante disto a ldquofilosofia de Adorno filia-se

[] agrave criacutetica do individualismo como resto danificado do sujeitordquo (ibidem p135)

A ecircnfase kantiana do passado destituiacutedo de seu elemento de causalidade inscreve o su-

jeito eacutetico em um presente contiacutenuo e o resultado eacute que ldquoa humanidade se aliena da memoacuteria

esgotando-se sem focirclego na adaptaccedilatildeo ao existenterdquo (EE p33) Evitar tal adaptaccedilatildeo e aliena-

ccedilatildeo eacute tarefa da educaccedilatildeo em seu processo de constituiccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade em meio

ao todo atomizado e a consideraccedilatildeo do passado em seu elemento promotor e necessaacuterio agrave

86

dialeacutetica do esclarecimento24 somente vai ocorrer ldquono instante em que estiverem eliminadas

as causas do que passourdquo (EE p49)

O que surge de todas essas discussotildees eacute que o estabelecimento de viacutenculos estaacute na base

de todas as discussotildees eacuteticas Viacutenculo enquanto diferenccedilas que natildeo nos tornam indiferentes

enquanto necessidade de consciecircncia dos momentos histoacutericos dos tempos que se conectam

na formaccedilatildeo do humano viacutenculo enquanto importacircncia de formar identidade a partir das di-

versas experiecircncias individuais que permitem o reconhecimento do outro e o reconhecimento

de si Viacutenculo eacute a geraccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade Com isso alguns problemas surgem

provocantes Como a educaccedilatildeo pode se comprometer diante disto Eacute possiacutevel reivindicar que

a escola promova ou eduque para o estabelecimento de tais viacutenculos Como significar etica-

mente a educaccedilatildeo tendo como base tais desafios e a concepccedilatildeo de sujeito ateacute entatildeo defendi-

da Como soluccedilatildeo para tais questionamentos seraacute desenvolvido argumento em defesa da sig-

nificaccedilatildeo eacutetico-educativa a partir do termo plasmar linguiacutestico O eixo norteador estaacute entatildeo

no sentido eacutetico que envolve o dar forma agrave linguagem a partir do espaccedilo escolar e em sentido

mais amplo a partir dos processos formativo-educacionais que se estabelecem no decorrer das

experiecircncias de vida do indiviacuteduo

52 A eacutetica e a esteacutetica em sua dimensatildeo pedagoacutegica

Natildeo eacute possiacutevel conceber a educaccedilatildeo sem a vinculaccedilatildeo com a eacutetica e a eacutetica natildeo tem

outro ponto de apoio a natildeo ser o esteacutetico ndash enquanto o sensiacutevel aquela materialidade corpoacuterea

que rompe o abstrato ndash o qual repotildee a preocupaccedilatildeo sobre a formaccedilatildeo humana Eacute necessaacuterio

que ocorra esta reposiccedilatildeo do interesse sobre a formaccedilatildeo e aqui em sentido formal de

instituiccedilotildees de ensino pois esse espaccedilo eacute local privilegiado de desenvolvimento da

consciecircncia da realidade consciecircncia do outro consciecircncia de si Em outras palavras a escola

tem a grande possibilidade de aperfeiccediloar as experiecircncias e educar a sensibilidade o que

seria em linhas gerais a educaccedilatildeo esteacutetica Enfatizo que a consciecircncia da realidade do

reconhecimento do outro e de si mesmo em natildeo sobreposiccedilatildeo deveria ser o motor esteacutetico e

eacutetico da formaccedilatildeo desde a infacircncia

Isso remete agrave preocupaccedilatildeo esteacutetica de Adorno no que se refere agrave formaccedilatildeo escolar

Deveriacuteamos ter preocupaccedilatildeo com aquilo que as crianccedilas tecircm em defasagem aquilo que

24 O passado se torna promotor da dialeacutetica do esclarecimento pelo fato de manter o ser humano luacutecido dos moti-vos pelos quais o presente assumiu determinadas caracteriacutesticas Tambeacutem por dar condiccedilotildees de o pensamento retornar sobre si mesmo compreendendo sua formaccedilatildeo histoacuterica

87

muitas vezes natildeo conseguem aprender ldquoo indescritiacutevel empobrecimento do repertoacuterio de

imagens da riqueza de imagines sem a qual elas crescem o empobrecimento da linguagem e

de toda a expressatildeordquo25 dirigindo o olhar a esse problema para ldquodiscutir se a escola natildeo pode

assumir esta tarefardquo (EE p146) Esse olhar que recai sobre as instituiccedilotildees de ensino

propondo o desafio de ser o espaccedilo no qual este repertoacuterio mental de imagens de linguagem

encontraria seu pleno desenvolvimento eacute plenamente possiacutevel de aceitaccedilatildeo Enfaticamente

essas instituiccedilotildees natildeo podem se abster dessa tarefa em vista do criteacuterio qualitativo que

permeia a educaccedilatildeo para aqueacutem dos iacutendices de aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo das ampliaccedilotildees

de espaccedilos fiacutesicos (sem eacute claro abstrair da importacircncia de tais criteacuterios) No momento em

que a escola assume a tarefa de gerar esse enriquecimento de imagens e de linguagem a

preocupaccedilatildeo recai sobre a ampliaccedilatildeo mental a ampliaccedilatildeo dos referenciais interpretativos do

mundo ampliaccedilatildeo da capacidade de realizar experiecircncias no mundo

Esse eacute o meio no qual a crianccedila jaacute deve ser inserida e muito mais eacute esse o meio que a

crianccedila jaacute deve estar construiacutendo seu meio proacuteprio no qual habita sua linguagem Isso

encontra fundamentos a partir principalmente de Gadamer para quem a linguagem ldquonatildeo eacute

um mero instrumento ou um dom excelente que possuiacutemos como homens mas o meio no

qual vivemos desde o comeccedilo como seres sociais e que manteacutem aberto o todo no qual

existimosrdquo (1983 p11) Assim sendo ldquocada vez que se leva a cabo uma comunicaccedilatildeo natildeo soacute

se usa como tambeacutem se plasma a linguagemrdquo (p12) Seguindo essas linhas nota-se que o ser

humano natildeo usa a linguagem ele eacute linguagem eacute comunicaccedilatildeo que se efetiva no diaacutelogo

efetivo ou seja que modifica os envolvidos ndash o que significa em uacuteltima instacircncia o plasmar

do humano o plasmar da linguagem

Noacutes somos a palavra a linguagem noacutes natildeo a usamos noacutes nela vivemos ldquoas palavras

que usamos na linguagem nos satildeo a tal ponto familiares que estamos aiacute por assim dizer nas

palavras Elas natildeo se tornam objeto O uso da liacutengua natildeo eacute de modo algum o uso de algo Noacutes

vivemos em uma liacutengua como em um elemento como o peixe na aacuteguardquo (GADAMER 2007

p95) Vislumbra-se o real desafio que eacute a sala de aula ela deve ser o espaccedilo do plasmar deste

mundo desse elemento no qual vivemos Pela construccedilatildeo da linguagem eacute possiacutevel construir

sentido gerar sentido por esta construccedilatildeo a proacutepria escola passa a ter sentido convertendo-se

em espaccedilo comum no qual constituiacutemos modos de compreender o mundo

25 Conforme Bruno Pucci ldquoao mesmo tempo que gera a padronizaccedilatildeo de tudo a Induacutestria Cultural atrofia a ima-ginaccedilatildeo a espontaneidade a atividade intelectual do espectador Faz desaparecer tanto a capacidade de criacutetica como a do respeito ao ser humano Exclui o diferente o novo Ateacute o divertir-se significa estar de acordo Sob o monopoacutelio privado da cultura a tirania deixa o corpo e vai direto agrave alma (2007 p31 ndash grifo do autor)

88

A relaccedilatildeo disso com a proposta de significaccedilatildeo eacutetica para a educaccedilatildeo se evidencia no

momento em que percebemos a importacircncia da relaccedilatildeo com o outro com a alteridade como

condiccedilatildeo para este plasmar da linguagem desse meio em que vivemos Sendo a eacutetica o

pressuposto que nos orienta na boa conduccedilatildeo e construccedilatildeo do indiviacuteduo no interior das

experiecircncia coletivas a sala de aula se converte em espaccedilo privilegiado no qual os sujeitos ali

envolvidos se percebem no desafio de dar forma a esse meio construiacute-lo como espaccedilo

comum o habitat sem o qual natildeo nos orientamos adequadamente o habitat referencial que

nos identifica e ao mesmo tempo nos vincula26 O grave problema eacute que haacute um desmembrar

desse mundo desse meio O professor plasma ndash daacute forma ndash a sua linguagem a partir de sua

funccedilatildeo o aluno constitui sua linguagem seu meio tendo como referecircncia sua posiccedilatildeo muitas

vezes apenas receptiva cada um como um aacutetomo isolado natildeo consegue constituir a ceacutelula a

partir do qual se constitui o corpo comum denominado sala de aula Eacute como se cada um dos

envolvidos habitasse as fronteiras do territoacuterio e uma terra de ningueacutem permaneceria

inabitada a linguagem comum permaneceria sem ganhar forma sem ser plasmada e

consequentemente ficaria falha a proacutepria expressatildeo do indiviacuteduo a manifestaccedilatildeo de sua

concretude27

Nesse sentido a linguagem natildeo se constitui simplesmente em um sistema de signos

utilizados para dizer algo Ela eacute salva a partir do conceito constelaccedilatildeo28 natildeo tendo mais sua

finalidade exclusivamente na representaccedilatildeo e definiccedilatildeo de conceitos Na Criacutetica da razatildeo

pura (B93ss) o juiacutezo ndash a capacidade de pensar e definir ndash eacute dado como a ldquorepresentaccedilatildeo de

uma representaccedilatildeo de um objetordquo ou seja a representaccedilatildeo de um conceito criado pela

faculdade do entendimento A partir da Dialeacutetica negativa o sensiacutevel sobrevive a partir de

seu meio linguiacutestico o qual eacute extinguido pelo pensamento reduzido ao conceito ignorando o

caraacuteter de constelaccedilatildeo e o elemento concreto

O momento unificador sobrevive sem a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo e mesmo sem entregar-se agrave abstraccedilatildeo enquanto princiacutepio supremo de modo que natildeo se progride a partir de conceitos e por etapas ateacute o conceito superior mais universal mas esses conceitos entram em uma constelaccedilatildeo Essa constelaccedilatildeo ilumina o que haacute de especiacutefico no ob-jeto e que eacute indiferente ou um peso para o procedimento classificatoacuterio O modelo para isso eacute o comportamento da linguagem Ela natildeo oferece nenhum mero sistema de signos para as funccedilotildees do conhecimento Onde ela se apresenta essencialmente

26 Para Kant o que nos vincularia eacute a ideia de reino de fins O que se defende aqui eacute a vinculaccedilatildeo a partir da forma dada ao meio no qual vivemos a partir desse plasmar linguiacutestico que identifica cada um e a partir do qual podemos nos relacionar 27 Sobre o conceito de concreto ver capiacutetulo 4 28 Conforme desenvolvido no segundo capiacutetulo a constelaccedilatildeo refere-se aos diversos olhares ndash diversos conceitos ndash que entram em tensatildeo quando se quer conhecer algo tambeacutem faz referecircncia agrave diversidade de experiecircncias que natildeo se esgotando contribuem para o entendimento de algo

89

enquanto linguagem e se torna apresentaccedilatildeo ela natildeo define seus conceitos [] Na medida em que os conceitos se reuacutenem em torno da coisa a ser conhecida eles de-terminam potencialmente seu interior alcanccedilam por meio do pensamento aquilo que o pensamento necessariamente extirpa de si (2009 p140-141 ndash grifo nosso)

Estamos diante de uma diferenccedila a linguagem eacute tatildeo somente um sistema de signos a

partir do qual o conceito eacute dito ou a linguagem eacute o meio no qual cada um vive se manifesta

e a partir do qual deve ser conhecido Conforme Tiburi ldquona filosofia adorniana a linguagem

deixa de ser um objeto em seu sentido puro e simples ou um instrumento para designar obje-

tos ela passa a ser lugar de uma experiecircncia [] A proacutepria linguagem aparece como experi-

ecircncia enquanto conviacutevio e fala sem dominaccedilatildeo sobre o natildeo-idecircnticordquo (2005 p68) A Teoria

esteacutetica nos indica a relaccedilatildeo que se estabelece entre a linguagem e o concreto destacando

exatamente o caraacuteter de meio linguiacutestico ldquoo meio pelo qual as obras de arte existentes satildeo

mais do que a existecircncia natildeo eacute um novo ser-aiacute mas a sua linguagem As obras autecircnticas fa-

lam mesmo quando recusam a aparecircnciardquo (p124) Esse ser mais do que a existecircncia indica

algo surgido para aleacutem do evidente do que aparece Ou seja indica o elemento concreto que

precisa ser percebido a partir do seu meio compreendido aqui como meio linguiacutestico local

em que se efetivam as experiecircncias nos comunicamos sem contudo ocorrer sobreposiccedilatildeo de

interlocutores Dizer que a obra de arte fala mesmo quando recusa a aparecircncia ndash tornando-se

natildeo-evidente ndash faz considerar o essencial como aquilo que permanece escondido e por isso

mesmo provocativo Reconhecer esse caraacuteter essencial eacute tarefa da razatildeo que respeita a cons-

telaccedilatildeo de momentos que se inter-relacionam e constituem sentido

o sentido de uma obra de arte eacute ao mesmo tempo a essecircncia que se oculta no faacutetico traduz em apariccedilatildeo o que esta de outro modo esconde A organizaccedilatildeo da obra de ar-te isto eacute o agrupamento dos seus momentos e o seu inter-relacionamento tem este objetivo e eacute difiacutecil mediante a atitude criacutetica distingui-lo do elemento afirmativo da aparecircncia da realidade do sentido tatildeo cuidadosamente como agradaria agrave constru-ccedilatildeo conceptual filosoacutefica (TE p124-125)

Deparamo-nos com a necessidade de atribuir o sentido esteacutetico da obra de arte ao proacute-

prio ser humano Quanto de noacutes se oculta na manifestaccedilatildeo do faacutetico Natildeo estaria o essencial

o verdadeiro nesse conteuacutedo que se oculta Enquanto alternativa de novas descobertas e no-

vos sentidos sim ali estaacute o verdadeiro pois o pensamento que pensa compreender se percebe

insuficiente exigindo o renovar da experiecircncia Diante desse oculto no qual estaria a verdade

o pensamento que retorna a si mesmo natildeo mais se reconhece mas percebe-se estranho em sua

insuficiecircncia de conteuacutedo Poreacutem eacute somente ldquono olhar para o desviante no oacutedio agrave banalidade

90

na busca do que ainda natildeo estaacute gasto do que ainda natildeo foi capturado pelo esquema conceitual

geral que reside a derradeira chance do pensamentordquo (MM 41 p58)

Afirmado na Minima moralia (122 p168) e repetido em Dialeacutetica negativa (2009

p48) esse estranhamento do pensamento sobre ele mesmo permite a abertura para o novo que

estaacute oculto no faacutetico E mais eacute a chance para pensar uma relaccedilatildeo verdadeira entre o pensa-

mento e o pensado ldquoVerdadeiros satildeo apenas aqueles pensamentos que natildeo compreendem a si

mesmosrdquo Natildeo compreendem a si mesmo devido ao desvio ocorrido na regra tradicional da

adequaccedilatildeo entre pensamento e pensado como sendo a verdade Conforme indicado em Dialeacute-

tica negativa (p43) os pensamentos devem ir ao extremo nada deve deter esta capacidade

humana denominada pensar Isso significa em uacuteltimas palavras ldquopensar perigosamente es-

timular o pensamento a partir da experiecircncia da coisa natildeo recuar diante de nada natildeo se dei-

xar embaraccedilar por qualquer conveniecircncia do previamente pensadordquo (OPF p23) A lingua-

gem enquanto posse de um sujeito que diz algo estaacute em conexatildeo com uma novidade a lin-

guagem enquanto meio no qual esse outro estaacute inserido o que impotildee a necessidade de natildeo

recuar diante do natildeo pensado mas encontrar nisso a chance para a filosofia e para a possibili-

dade de reafirmar o plasmar da linguagem como sendo o fundo moral da constituiccedilatildeo do hu-

mano Tudo isso enfatiza a ideia do plasmar linguiacutestico da sala de aula como resultado de uma

relaccedilatildeo entre sujeitos os quais ao mesmo tempo em que constituiacuterem linguagem devem ser

compreendidos a partir dessa constituiccedilatildeo Poreacutem essa constituiccedilatildeo natildeo ocorre somente em

sala de aula mas jaacute eacute algo que o aluno vem constituindo anteriormente agrave vida escolar e conti-

nuaraacute constituindo em paralelo agrave escola nas diversas relaccedilotildees que estabelece na vivecircncia so-

cial Desse modo compreender o outro significa tambeacutem compreender seu meio linguiacutestico

anterior e paralelo agrave escola

Como eacute possiacutevel vincular a formaccedilatildeo eacutetica a partir do plasmar linguiacutestico Como eacute

possiacutevel que no viacutenculo com o outro em seu meio linguiacutestico e aqui focado no ambiente sala

de aula seja derivada a sensibilizaccedilatildeo moral A vinculaccedilatildeo entre arte filosofia e educaccedilatildeo

se constitui em alternativa pedagoacutegica fundamental para pensar a formaccedilatildeo e a sensibilizaccedilatildeo

moral O sentido da eacutetica e moral eacute posto aqui seguindo as linhas de Hermann em sua es-

treita relaccedilatildeo com a educaccedilatildeo e como devendo ser preocupaccedilatildeo da filosofia da educaccedilatildeo Em

Autocriaccedilatildeo e horizonte comum

a investigaccedilatildeo sobre o sentido eacutetico da educaccedilatildeo estaacute muito proacutexima das questotildees mais pungentes com as quais os educadores se defrontam e que longe de ser uma fi-nalidade metafiacutesica ou de diletantismo as questotildees eacuteticas podem ser trabalhadas como uma arte de viver (2010 p92 ndash grifo nosso)

91

O meio linguiacutestico solidamente constituiacutedo esse meio no qual estamos inseridos eacute

condiccedilatildeo para desenvolver a arte de viver Eacute nesse meio para aleacutem dos meros signos a partir

dos quais dizemos o mundo que a arte de viver encontra sua condiccedilatildeo de desenvolvimento

ou de aprendizagem Em outras palavras o lugar ocupado pelo outro e por mim a considera-

ccedilatildeo pela experiecircncia individual enquanto local da manifestaccedilatildeo do concreto que identifica

cada um e a partir do qual devemos ser reconhecidos as estrateacutegias que orientam o modo co-

mo habitamos nosso meio podem ser entendidos para usar a expressatildeo de Hermann como

arte de viver Tudo isso eacute fundamental para a educaccedilatildeo e somente teremos condiccedilotildees de edu-

car pessoas capazes de habitar qualificadamente o meio em que vivem no momento em que

dermos a devida atenccedilatildeo ao modo como se estaacute plasmando a linguagem como se estaacute edifi-

cando esse meio proacuteprio no qual vivemos Dessa forma mediante a educaccedilatildeo ocorre o ldquopro-

cesso compreensivo que exige quebrar nossas resistecircncias para nos abrirmos ao outro para

deixar valer a palavra do outro O encontro com a alteridade nos enriquece ao integrar o que

nos falta ao experimentar que nem sempre o que sabemos eacute suficiente para compreender a

situaccedilatildeordquo (HERMANN 2010 p117 ndash grifo nosso) A experiecircncia do mundo natildeo pode ser

outra a natildeo ser aquela que permite valer a palavra do outro Nesse sentido eacute que a sala de aula

deve assumir algumas tarefas baacutesicas ser o espaccedilo no qual a linguagem eacute formada permitir

que o outro compartilhe dessa linguagem sem medo garantir a subjetividade apta a reconhe-

cer esse meio no qual o outro estaacute inserido Sobre isto recai o sentido eacutetico-educativo de sujei-

to esteacutetico esse que eacute capaz de realizar experiecircncias sempre renovadas com aquilo que o ou-

tro eacute em sua concretude

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Proponho estas consideraccedilotildees em trecircs blocos temaacuteticos nos quais estabeleccedilo as

relaccedilotildees entre os capiacutetulos e indico alguns elementos que considero decisivos para entender a

significaccedilatildeo eacutetico educativa do sujeito poacutes-metafiacutesico em Adorno

I

O termo plasmar linguiacutestico estaacute em iacutentima conexatildeo com o ideal de construccedilatildeo O ato

pedagoacutegico natildeo se identifica com produccedilatildeo pois nessa os envolvidos agem sobre o outro

como se esse uacuteltimo fosse um objeto a ser manipulado A produccedilatildeo ocorre nos moldes

tecnoloacutegicos de fabricaccedilatildeo de materiais um utensiacutelio domeacutestico eacute produzido um automoacutevel eacute

produzido produzem-se alimentos etc A sala de aula eacute local de construccedilatildeo portanto natildeo

possui nenhuma semelhanccedila com manipulaccedilatildeo Por ser ato construtivo ocorre o

reconhecimento da novidade do outro e do local do outro O imprevisto passa a ser elemento

altamente qualificado pois eacute o outro (aqui entendido tanto o aluno quanto o professor) que

estaacute manifestando-se e contruindo-se plasmando o meio em que habita e a partir do qual se

relaciona ndash sua linguagem ndash tanto em dimensotildees pessoais quanto em dimensotildees de grupo Na

relaccedilatildeo o termo constelaccedilatildeo indica o modo como tudo isso ocorre Compreender e dizer o

outro significa consideraacute-lo a partir da constelaccedilatildeo de momentos historicamente construiacutedos

O problema com que precisamos nos defrontar eacute se as instituiccedilotildees de ensino satildeo capazes de

realmente perceber esta constelaccedilatildeo proacutepria de cada indiviacuteduo e ainda se tais instituiccedilotildees

estatildeo sendo promotoras de tais momentos construtivos Natildeo raro percebemos atividades

isoladas (principalmente em projetos desenvolvidos nas escolas) como atividades-extras que

natildeo somam a esse plasmar linguiacutestico natildeo se inserem dentro de uma constelaccedilatildeo de

momentos

II

Existe algum pressuposto a ser levado em consideraccedilatildeo no momento da relaccedilatildeo com o

outro A confirmaccedilatildeo de pressupostos pode ser defendida como radicalmente necessaacuteria O

maior problema estaacute em que consistem tais pressupostos Para esclarecer isso em primeiro

93

lugar faccedilo uma referecircncia a um aspecto negativo A sala de aula enquanto momento de

encontro com a concretude (este indiviacuteduo portador de sentido para aleacutem das atribuiccedilotildees

apreendidas) a partir da perspectiva eacutetica e tambeacutem na perspectiva do conhecimento natildeo

pode seguir o paracircmetro da razatildeo que como juiacuteza dita as regras e obriga o objeto a responder

a tais interrogaccedilotildees Para Kant este eacute o atributo da razatildeo ditar as regras agrave natureza e esta

tem como atributo dar uma resposta ndash eacute a tradicional relaccedilatildeo sujeito e objeto posta como

nuacutecleo epistemoloacutegico e eacutetico

Negando esta relaccedilatildeo o professor passa a ser um personagem fundamental mas natildeo

absoluto em termos de conduccedilatildeo do processo de ensino e aprendizagem Em sala de aula natildeo

raro nos deparamos com a novidade do outro dada a partir do seu local proacuteprio e que potildee em

crise os procedimentos previamente calculados Se nossa razatildeo obrigasse agrave respostas

conforme as interrogaccedilotildees por ela postas todo plano de ensino natildeo seria passiacutevel de falha

pois o objeto aluno seria obrigado a responder aos ditames prescritos O problema estaacute em

como a razatildeo que dita as regras reagiraacute diante da novidade que surge do outro em sua

condiccedilatildeo de concreto na qual resiste sempre em expressatildeo de Hermann uma promessa de

vida E essa promessa obriga tanto o professor quanto o aluno a admitir o local que o outro

ocupa como sendo o local a partir do qual devemos compreender ou conhecer Essa

manifestaccedilatildeo natildeo eacute serva dos ditames racionais poreacutem ocorre tatildeo somente no momento em

que o corpo surge e a sensibilidade se defronta com ele Se em momento posterior a razatildeo

com o entendimento realiza a siacutentese a conceituaccedilatildeo o ajuizamento o pressuposto fundante

de todo esse percurso estaacute no reconhecimento do outro em seu local de manifestaccedilatildeo seu

meio linguiacutestico

Isso remete em Adorno agrave perda da evidecircncia Somente eacute possiacutevel a centralidade posta

na razatildeo que dita as regras ao outro se admitirmos esse outro meramente como um material

passivo e a linguagem como sendo unicamente um meio de dizer algo um instrumento da

razatildeo A educaccedilatildeo infantil eacute exemplo paradigmaacutetico de tal desafio O periacuteodo de adaptaccedilatildeo

nada mais eacute do que o momento de constituir linguagem comum Eacute o momento em que o

professor se defronta com os limites sensiacuteveis da razatildeo e assim percebe que eacute insuficiente

ditar regras sendo necessaacuterio constituir o meio linguiacutestico Constituiacutemos linguagem como

seres viventes vivemos a linguagem como sendo o local que constituiacutemos ndash nosso loacutecus proacute-

prio cada um de noacutes enquanto envolvidos do processo de ensino e aprendizagem comparti-

lhamos desse mundo linguiacutestico esperando que sejamos compreendidos a partir da manifesta-

ccedilatildeo deste meio constituiacutemos linguagem comum no momento em que nos permitimos coabitar

e criar sentido exatamente por esse estar junto O pressuposto da relaccedilatildeo estaacute no reconheci-

94

mento de que o outro ocupa um local proacuteprio constituiacutedo por ele e que ao mesmo tempo o

constitui

No entanto muito aleacutem da educaccedilatildeo infantil percorrendo todos os niacuteveis de ensino

quando a sala de aula se transforma em um meio linguiacutestico comum a todos promove-se jun-

tamente com a construccedilatildeosignificaccedilatildeo dos conhecimentos a educaccedilatildeo moral do ser humano

eacute a partir daiacute que devemos pensar a educaccedilatildeo em uma perspectiva eacutetica Essa promessa de

vida eacute difiacutecil de ser aceita nas praacuteticas pedagoacutegica orientadas pela razatildeo que deve ditar as

regras ao outro meramente obediente

A perda da evidecircncia se constitui para Adorno em instigaccedilatildeo ao pensamento Nada

mais haacute de oacutebvio vivemos em uma eacutepoca tecnoloacutegica onde as identidades on-line satildeo masca-

radas a proacutepria relaccedilatildeo abstrai o corpo priorizando um perfil virtual Outro problema eacute o en-

cobrimento ideoloacutegico que os fatos podem receber o que somado agrave fraqueza de entendimen-

to resulta na desqualificaccedilatildeo do material apreendido pelos sentidos Reconstruindo o argu-

mento com a ausecircncia dos limites que somente o corpo pode nos dar nossa capacidade per-

ceptiva de sensibilidade apreende um material desqualificado possivelmente carente de da-

dos reais ou muito aqueacutem do concreto apontado pelo filoacutesofo de Frankfurt como o local da

verdade Por isso eacute que a esteacutetica enquanto aisthesis capacidade de percepccedilatildeo do outro estaacute

intimamente vinculada a esse ideal de formaccedilatildeo eacutetica e sobre isso recai a necessidade do aacuter-

duo esforccedilo pedagoacutegico educar a sensibilidade a percepccedilatildeo do outro educar para o reconhe-

cimento do local do outro educar para constitui um local comum Pensar eticamente a educa-

ccedilatildeo eacute proporcionar ao ser humano as condiccedilotildees para se relacionar com o corpo qualificada-

mente bem como prover as condiccedilotildees para ampliar a consciecircncia a ponto de estar apto a

reconhecer e reagir diante de compreensotildees ou comportamentos estandardizados A educaccedilatildeo

deveria levar o indiviacuteduo a ocupar qualificadamente seu espaccedilo e tempo de vida

III

O imperativo categoacuterico tem o objetivo em palavras kantianas conforme a Fundamen-

taccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes de gerar uma ligaccedilatildeo sistemaacutetica entre os seres humanos

Enquanto lei moral tal imperativo deve orientar o estabelecimento de maacuteximas as quais nos

conduzem na accedilatildeo Entre a lei moral e a accedilatildeo Kant (MC) define a existecircncia de uma folga

para a livre escolha do modo como ocorreraacute a aplicaccedilatildeo da lei Mesmo assim a relaccedilatildeo com a

moralidade tem o uacutenico criteacuterio da lei e mesmo que pudermos encontrar vaacuterias formas de

aplicaacute-la o fio condutor estaacute previamente dado Em criteacuterios morais natildeo haacute possibilidade de

95

afastamento da lei de modo que a escolha natildeo eacute de todo livre pois cada accedilatildeo deve ser com-

patiacutevel com tal imperativo moral Natildeo existem muitas opccedilotildees devo somente seguir a lei De

tal modo a livre escolha segue somente criteacuterios loacutegicos de adequaccedilatildeo (lei ndash maacutexima ndash

praacutetica) a accedilatildeo natildeo pode se afastar da lei se quiser salvar a ligaccedilatildeo sistemaacutetica denominada

reino dos fins O olhar dirigido para a lei moral dentro de noacutes assim como o dirigimos para o

ceacuteu estrelado acima de noacutes como forma de orientaccedilatildeo pode nos tornar cegos agraves

reivindicaccedilotildees de vida do outro gerando a relaccedilatildeo fria de um simples dever que preciso

seguir Desse modo natildeo eacute o outro que me move agrave accedilatildeo mas a loacutegica do dever Meu olho estaacute

posto nesse criteacuterio

Eacute exatamente no levar ao extremo esse espaccedilo para a livre escolha que reside o pro-

blema educacional Como educar a capacidade de escolha como tornar o ser humano apto a

decidir moralmente Eacute possiacutevel defender a necessidade da educaccedilatildeo que desenvolva modos

de experiecircncias com o outro na capacidade de visualizar sentir o corpo do outro como algo

que passiacutevel de destruiccedilatildeo precisa ser cuidado Aqui o imperativo natildeo eacute loacutegico-conceitual

mas eacute sensiacutevel posto ao deparar-me com o limite fiacutesico e com o limite do sentimento que o

outro tem Ningueacutem tem o direito de infligir dor ao outro pois esse outro eacute ser sensiacutevel muito

antes de ter a loacutegica desenvolvida Educaccedilatildeo e eacutetica exigem entatildeo desenvolver uma postura

humana diante daquilo que natildeo pode ser reduzido ao conceito a dor o sofrimento a

concretude do outro Assim eacute que se conecta a esteacutetica enquanto sentidos aptos a perceber a

vida em sua concretude a sensibilidade mesma Enquanto sensibilidade eacute pela esteacutetica que

ocorre o reconhecimento do local do outro o impulso agrave compreensatildeo e o impulso agrave accedilatildeo

REFEREcircNCIAS

ADORNO Theodor W Dialeacutetica negativa Traduccedilatildeo de Alfredo Brotons Muntildeoz Madrid Ediciones Akal 2005a (Obra Completa 6) _______ Dialeacutetica negativa Traduccedilatildeo de Marco A Casanova Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2009b _______ Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo 3 ed Traduccedilatildeo de Wolfgang Leo Maar Satildeo Paulo Paz e Terra 2003 _______ Experiecircncia e criaccedilatildeo artiacutestica ndash paralipocircmenos agrave ldquoTeoria Esteacuteticardquo Traduccedilatildeo de Artur Moratildeo Lisboa Ediccedilotildees 70 2003 (Arte e Comunicaccedilatildeo 81) _______ Kierkegaard construccioacuten de lo esteacutetico Traduccioacuten de Joaquiacuten C Mielke Ma-drid Ediciones Akal 2006 (Obra completa 2) _______ Minima Moralia ndash reflexotildees a partir da vida danificada Trad Luiz Eduardo Bicca 2 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1993 _______ Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico In ________ Palavras e sinais mode-los criacuteticos 2 Traduccedilatildeo de Maria Helena Ruschel Petroacutepolis Vozes 1995 p15-25 _______ Sobre sujeito e objeto In ________ Palavras e sinais modelos criacuteticos 2 Tradu-ccedilatildeo de Maria Helena Ruschel Petroacutepolis Vozes 1995 p181-201 _______ Teoria esteacutetica Traduccedilatildeo de Artur Moratildeo Lisboa Ediccedilotildees 70 [sd] (Arte e Comu-nicaccedilatildeo14) ADORNO Theodor W HORKHEIMER Max Dialeacutetica do Esclarecimento fragmentos filosoacuteficos Traduccedilatildeo de Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1985 AGAMBEN Giorgio A linguagem e a morte um seminaacuterio sobre o lugar da negatividade Traduccedilatildeo de Henrique Burigo Belo Horizonte UFMG 2006 ALVES JUacuteNIOR Douglas Garcia Dialeacutetica da vertigem Adorno e a filosofia moral Satildeo Paulo Escuta Belo Horizonte FumecFCH 2005 ANTELME Robert A espeacutecie humana Traduccedilatildeo de Clara Alvarez Lisboa Editora Ulisseia 2003 APEL Karl-Otto Eacutetica e responsabilidade o problema da passagem para a moral poacutes-convencional Traduccedilatildeo de Jorge Telles Menezes Lisboa Instituto Piaget 2007 ARENDT Hannah A vida do espiacuterito Traduccedilatildeo de Cesar A de Almeida Antocircnio A Hele-na Martins Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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98

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Page 3: O ÉTICO E O ESTÉTICO EM ADORNO - Pucrs · 2017. 9. 28. · Márcia Tiburi - Universidade Presbiteriana Mackenzie Porto Alegre Janeiro de 2012. Dados Internacionais de Catalogação

Mauricio Joatildeo Farinon

O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO EM ADORNO

Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo na Ponti-fiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul ndash PUCRS como requisito parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em Educaccedilatildeo

Aprovada em 12 de janeiro de 1012

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________ Professora Orientadora - Professora Dra Nadja Mara Amilibia Hermann ndash PUCRS

_______________________________________________________________

Professor Convidado - Professor Dr Marcos Villela Pereira ndash PUCRS

_______________________________________________________________ Professor Convidado - Professor Dr Alexandre Fernandez Vaz ndash UFSC

_______________________________________________________________

Professor Convidado - Professora Dra Maacutercia Tiburi - Universidade Presbiteriana Mackenzie

Porto Alegre Janeiro de 2012

Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo ( CIP )

Bibliotecaacuteria responsaacutevel Acircngela Saadi Machado - CRB 101857

P285p Farinon Mauricio Joatildeo

O eacutetico e o esteacutetico em Adorno Mauricio Joatildeo Farinon ndash 2011 101 f 30 cm

Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica

do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2011 Orientador Prof Dra Nadja Mara Amilibia Hermann

1 Adorno Theodor W 1903-1969 2 Educaccedilatildeo - Filosofia 3

Pensamento criacutetico I Hermann Nadja orientador II Tiacutetulo

CDU 3701

Bibliotecaacuteria responsaacutevel Acircngela Saadi Machado - CRB 101857

AGRADECIMENTOS

Agrave minha esposa Betacircnia Beledeli Farinon pela companhia compreensiva e apoio em todos os

momentos Com ela aprendi o significado do ser outro

Aos meus pais pelas palavras de incentivo pela presenccedila marcante o carinho inigualaacutevel Por

estarem sempre comigo Aos meus irmatildeos com suas famiacutelias Principalmente ao meu irmatildeo

Altair por todo apoio nesta conquista

Um agradecimento especial agrave minha querida orientadora professora Dra Nadja Hermann

Com rigor carinho e amizade indicou o caminho intelectual a ser percorrido Fez de mim

muito mais que um doutor a ela devo parte do que sou

Ao professor Dr Claacuteudio Dalbosco pelas excelentes contribuiccedilotildees dadas para esta pesquisa

seja com membro da banca de qualificaccedilatildeo seja como colega e amigo na Universidade de

Passo Fundo Sempre eacute bom poder contar com amigos dispostos a contribuir em nossos em-

preendimentos

Agradeccedilo tambeacutem aos amigos Clecircnio Lago Eliana Xerri Clara Furtado Vanderlei Carbona-

ra Adilsom Eskelsen Grandes lembranccedilas dos momentos vividos na PUC e em outros espa-

ccedilos Com vocecircs estes quatro anos ganharam um sentido especial

A todos os meus alunos(as) e ex-alunos(as) Na convivecircncia e debates em aula foi possiacutevel

entender muito do que significa a eacutetica o que significa o outro o que significa educaccedilatildeo

Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da PUC-RS pela oportunidade de estar inte-

grado neste reconhecido programa e por possibilitar a conclusatildeo de mais esta etapa em minha

formaccedilatildeo Agradeccedilo tambeacutem a CAPES pelo apoio financeiro via bolsa de pesquisa durante

os quatro anos do doutorado

Meus agradecimentos a todos que de uma ou outra forma acompanharam estes quatro anos

de curso Todos fazem parte da minha histoacuteria e satildeo personagens fundamentais em minha

vida

RESUMO

Eacutetica esteacutetica e educaccedilatildeo satildeo os conceitos baacutesicos presentes nesta investigaccedilatildeo a qual

tem como paradigma orientador a Teoria Criacutetica de Theodor Adorno A partir das bases que

permitem conceber o sujeito poacutes-metafiacutesico em Adorno sob que condiccedilotildees eacute possiacutevel defen-

der o alargamento da experiecircncia como meio de constituiccedilatildeo da subjetividade a qual eacute a base

da consciecircncia moral e que significaccedilatildeo eacutetica surge para a educaccedilatildeo tendo em vista o sujeito

que moralmente precisa ser constituiacutedo com base na experiecircncia Partindo deste problema o

objetivo geral eacute discutir a noccedilatildeo de subjetividade poacutes-metafiacutesica em Adorno a fim de estabe-

lecer baseado em tal sujeito uma significaccedilatildeo eacutetico-educativa capaz de nortear a formaccedilatildeo do

humano e o desenvolvimento da consciecircncia moral Como indicativo teoacuterico a tese propotildee

que no momento em que a educaccedilatildeo se torna promotora de enriquecimento das experiecircncias

formativas eacute possiacutevel o alargamento do modo como ocorre a constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do su-

jeito eacutetico Isto nos conduz agrave constituiccedilatildeo do meio no qual o ser humano estaacute inserido meio

este denominado linguagem Portanto a defesa eacute sobre o plasmar linguumliacutestico como o desafio

eacutetico da formaccedilatildeo humana Articula-se a esteacutetica como fundamento sob o qual eacute possiacutevel de-

fender tal alargamento do conceito de experiecircncia e de constituiccedilatildeo da subjetividade O per-

curso teoacuterico inicia com a discussatildeo sobre o modo como ocorre a constituiccedilatildeo da subjetivida-

de e da consciecircncia moral em Kant cujo alicerce estaacute nos conceitos de finalidade e liberdade

para apoacutes compreender a mudanccedila proposta por Adorno no qual a esteacutetica estaacute em iacutentima

relaccedilatildeo com a eacutetica o que se evidencia a partir dos termos concreto constelaccedilatildeo comunica-

ccedilatildeo e conteuacutedo de verdade O meacutetodo eacute analiacutetico conceitual gerando um confronto entre estas

duas vertentes filosoacuteficas ao mesmo tempo em que propotildee significaccedilatildeo agrave praacutetica educacional

em ambiente escolar A proposta de reconhecimento do outro enquanto concretude que cons-

titui e habita um meio linguumliacutestico e a necessidade de a sala de aula ser o local privilegiado no

qual este meio deve ser plasmado eacute uma alternativa eacutetica para a formaccedilatildeo a partir da qual eacute

possiacutevel vislumbrar a escola enquanto local de desenvolvimento e qualificaccedilatildeo do humano

Palavras-chaves Eacutetica Esteacutetica Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Plasmar linguiacutestico

ABSTRACT

Ethics aesthetic and education are the basic concepts in this present investigation which has

as its guiding paradigm critical theory of Theodor Adorno Form the basis the allow us to

conceive the post-metaphysical subject in Adorno under what conditions is possible defend

the enlargement of the experience like a way of the constitution of the subjectivity which is

the basis of the moral consciousness and that ethic signification comes to the education in

view of the subject that morally need to be constituted based on the experience Starting

from this problem the general goal is to discuss the post-metaphysical subjectivity notion in

Adorno to establish based in such subject an ethical and educational meaning able to guide

the human formation and the moral consciousness development As theoretical indicative the

thesis proposes that in the moment that the education becomes an enrichment promoter of

the formation experiences is possible the enlargement of the way that happens the

constitution and the development of the ethic subject This guides us to the constitution of the

environment in which the mankind is inside this environment is called language Therefore

the defense is about the linguistic shape as the ethical challenge of human development It is

articulated the aesthetic as a foundation under which is possible to defend the enlargement of

the concept of the experience and the constitution of the subjectivity The theoretical

approach starts with a discussion on how the constitution of subjectivity and moral

consciousness in Kant happens whose foundation lies in the concepts of order and freedom

to after understand the change proposed by Adorno in which aesthetics is intimately related

to ethics as is evident from the terms of concrete constellation communication and real

content The method is analytical and conceptual creating a confrontation between these two

philosophical strands while proposing significance to educational practice in the school

environment The propose o recognize the other as a concrete who is inserted in a linguistic

environment and the necessity for the classroom to be an ideal place in which this

environment should be shaped is an ethical alternative to the formation from which we can

glimpse the school as a place of development and qualification of the human

Keywords Ethics Aesthetic Education Formation Linguistic shape

LISTA DE ABREVIATURAS ANTR ndash Antropologia de um ponto de vista pragmaacutetico

CRPu ndash Criacutetica da razatildeo pura CRPr ndash Criacutetica da razatildeo praacutetica

DE ndash Dialeacutetica do esclarecimento DN ndash Dialeacutetica negativa DOD ndash Discurso sobre a origem e fundamentos das desigualdades entre os homens

EE ndash Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo EXP ndash Experiecircncia e criaccedilatildeo artiacutestica ndash paralipocircmenos agrave ldquoTeoria Esteacuteticardquo

FMC ndash Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes K ndash Kierkegaard

MC ndash Metafiacutesica dos costumes MET ndash Metafiacutesica

MM ndash Miacutenima moralia OPF ndash Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico

PS ndash Palavras e sinais ndash modelos criacuteticos 2 SDMP ndash Sobre a discordacircncia entre moral e a poliacutetica a propoacutesito da paz perpeacutetua

SO ndash Sobre sujeito e objeto

TE ndash Teoria esteacutetica

SUMAacuteRIO INTRODUCcedilAtildeO 9

1 ASPECTOS EacuteTICOS DA CONSTITUICcedilAtildeO E DA FORMACcedilAtildeO DO HUMANO SEGUNDO KANT 19

11 A constituiccedilatildeo transcendental do sujeito eacutetico em Kant 22

12 O ideal de Reino dos fins e a determinaccedilatildeo moral do sujeito transcendental 26

2 THEODOR ADORNO E A CONCEPCcedilAtildeO DE PENSAMENTO POacuteS-METAFIacuteSICO 33

21 Discussatildeo em torno do conceito de ldquosujeitordquo 33

22 A concepccedilatildeo de verdade em seu nuacutecleo histoacuterico 38

221 Tensatildeo entre verdade e procedimento 39

222 A perda da evidecircncia e o impulso ao esclarecimento 41

23 Constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade marcas do pensamento poacutes-metafiacutesico em Adorno 44

3 A IMPOSSIBILIDADE DO REINO DOS FINS MEDIANTE A FORCcedilA DO IMPERATIVO CATEGOacuteRICO

UMA CONTRAPOSICcedilAtildeO FUNDADA EM ADORNO 49

4 O PROJETO EacuteTICO ESTEacuteTICO E FILOSOacuteFICO EM ADORNO 57

41 A vinculaccedilatildeo entre experiecircncia e racionalidade esteacutetica 59

42 A dinacircmica entre aproximaccedilatildeo do outro e construccedilatildeo de si 65

5 O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO NA FORMACcedilAtildeO HUMANA 74

51 Entre o eu e o outro ou quando a presenccedila nos manteacutem humanos 74

52 A eacutetica e a esteacutetica em sua dimensatildeo pedagoacutegica 86

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 92

REFEREcircNCIAS 96

INTRODUCcedilAtildeO

A investigaccedilatildeo que aqui se apresenta tem como foco a relaccedilatildeo entre eacutetica esteacutetica e

educaccedilatildeo Natildeo satildeo poucos os esforccedilos em torno desse tema o que gera uma infinidade de

referenciais teoacutericos de modo que natildeo seria difiacutecil a repeticcedilatildeo de investigaccedilotildees jaacute existentes

o que comprometeria a pretensatildeo deste trabalho Nesse sentido eacute que a tese pretende uma

significaccedilatildeo eacutetico-educativa tendo como base a noccedilatildeo de sujeito esteacutetico em Theodor Adorno

Em linhas gerais entende-se por sujeito esteacutetico o indiviacuteduo que se constitui tanto moralmen-

te quanto em termos de conhecimento mediante a experiecircncia sensiacutevel a relaccedilatildeo efetiva e

permanente Isso remete agrave noccedilatildeo de esteacutetica enquanto percepccedilatildeo a dimensatildeo sensiacutevel que no

caracteriza Viso realizar um direcionamento efetivo estabelecendo as conexotildees entre as ba-

ses conceituais provindas da filosofia seja no acircmbito da eacutetica quanto da esteacutetica e a praacutetica

educativa em sentido amplo e especiacutefico Entendo a praacutetica educativa em sentido amplo en-

quanto processo de esclarecimento efetivado em todos os niacuteveis de relaccedilatildeo e em sentido es-

peciacutefico como aquela sistematicamente desenvolvida em ambiente escolar

Ao abordar a constituiccedilatildeo esteacutetica da subjetividade ou em outros termos a proposta

de um sujeito esteacutetico fica posto um viacutenculo direto com a noccedilatildeo de formaccedilatildeo O sujeito esteacute-

tico precisa ser constituiacutedo por mais que sejamos seres sensiacuteveis por natureza Mas a sensibi-

lidade no sentido de mera percepccedilatildeo natildeo eacute a uacutenica forma de se entender este tema pois ele

envolve a noccedilatildeo de mimese (a possibilidade de riqueza de experiecircncia ordenada pelo encontro

permanente com aquilo que me eacute diferente) e expressatildeo (o modo proacuteprio de o sujeito falar

derivado da riqueza mimeacutetica) Desse modo eacute possiacutevel afirmar que a pobreza de linguagem

revela a pobreza mimeacutetica

Mimese natildeo eacute imitaccedilatildeo mas eacute o braccedilo que se estende eacute o corpo que encontra resso-

nacircncia na realidade permitindo a dialeacutetica do tato conforme defendido nas Minima Moralia

Adorno rejeita a imitaccedilatildeo de modelos alegando que ele impede a autonomia Se admitirmos a

existecircncia de modelos esses satildeo imitaacuteveis Poreacutem um ser emancipado natildeo se fixa na imita-

ccedilatildeo mas tende agrave construccedilatildeo de uma sociedade cujos integrantes sejam capazes de pensar se-

gundo o ideal kantiano de fazer uso do proacuteprio entendimento sem a tutela ou modelagem de

outrem E essa possibilidade perpassa necessariamente pelo processo educacional

No entanto esse processo segue uma tendecircncia eacutetica orientado pelas questotildees baacutesicas

que mundo que ser humano que sociedade noacutes queremos Desse modo se justifica a necessi-

dade de pensar a formaccedilatildeo escolar sob ideais eacuteticos natildeo constituiacuteda exclusivamente de co-

nhecimentos intelectuais Em Theodor Adorno o problema da ldquoformaccedilatildeo moralrdquo se situa den-

10

tro da perspectiva esteacutetica o que remete a uma abordagem da dimensatildeo do outro O outro eacute o

maior e permanente desafio agrave racionalidade e todas as categorias iluministas natildeo datildeo conta da

apreensatildeo e significaccedilatildeo plena deste outro O comportamento da razatildeo pura ou do espiacuterito

absoluto por exemplo em relaccedilatildeo ao que me eacute diferente eacute de ser condiccedilatildeo para todo o senti-

do tudo eacute para a razatildeo e todo objeto dos sentidos tem existecircncia desqualificada ndash ou natildeo eacute

admitido como fato ndash se natildeo passar pela elaboraccedilatildeo subjetiva Essa eacute a noccedilatildeo de constituiccedilatildeo

via sujeito o para mim base teoacuterica para legitimar toda dominaccedilatildeo A existecircncia se torna

desqualificada quanto a prioridade estaacute na representaccedilatildeo que faccedilo daquilo com quem me rela-

ciono reduzindo a existecircncia do outro sua efetividade sua concretude a algo secundaacuterio

frente ao meu entendimento sobre ele Assim eacute que surgem conceitos frios pois natildeo admitem

o outro para aleacutem do sentido jaacute apreendido e para aleacutem do momento vivido como se ao con-

traacuterio do dinamismo da histoacuteria nossas compreensotildees natildeo precisassem mudar

O fator decisivo que originou a tese que aqui se apresenta estaacute constituiacutedo por dois e-

lementos Primeiro se deve ao percurso seguido pelos meus estudos em Filosofia e segundo

pela minha inserccedilatildeo no mundo educacional em acircmbito acadecircmico mas principalmente na

educaccedilatildeo baacutesica Ao concluir meu mestrado em Filosofia fui levado a analisar ndash pelo avanccedilo

nos estudos ndash a relaccedilatildeo entre a constituiccedilatildeo do sujeito e os desafios para a educaccedilatildeo Assim

direcionei meus estudos a um esforccedilo congregador entre aspectos teoacuterico-sistemaacuteticos em

Filosofia e os desafios em significar ndash com base neste estudo teoacuterico ndash eticamente a educa-

ccedilatildeo Realizarei esta abordagem explorando principalmente os conceitos de experiecircncia esteacute-

tica e subjetividade defendendo a possibilidade de mediante o ideal de enriquecimento de

experiecircncias formativas alargar o sentido de constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do sujeito eacutetico

Ao me inquietar com o tema acerca da constituiccedilatildeo do sujeito epistemoloacutegico e eacutetico

direcionei-me necessariamente a Immanuel Kant e agraves condiccedilotildees racionais puras ao ajuiza-

mento nesses dois acircmbitos Em termos eacuteticos surgem as noccedilotildees de fim uacuteltimo e liberdade co-

mo suporte agrave noccedilatildeo de dever O amor incondicional ao dever se constitui na condiccedilatildeo ao a-

gente moral e agrave sociedade baseada em seres racionais que estabelecem ligaccedilatildeo sistemaacutetica a

partir de leis comuns ndash o que pode ser entendido como reino dos fins Desta incondicionalida-

de eacute possiacutevel derivar a concepccedilatildeo de autonomia pois a uacutenica determinaccedilatildeo eacute interna posse do

sujeito Neste ponto eacute que se justifica a necessidade de retornar a Kant pois com este filoacutesofo

o conceito de autonomia foi inserido como criteacuterio epistemoloacutegico e moral Sobre isto ocorre

um incisivo ideal educacional pois tal criteacuterio precisa ser formado desenvolvido no ser hu-

mano Tentativas de implosatildeo deste ideal ocorreram com os regimes totalitaacuterios (por exemplo

o Nacional Socialismo na Alemanha e a Ditadura Militar no Brasil) para os quais a forccedila de

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determinaccedilatildeo era dada pela ideologia absolutista Poreacutem a Teoria Criacutetica retoma o conceito

de maioridade pondo como condiccedilatildeo para a proacutepria democracia

O que surge ao analisar a obra kantiana sobre moral eacute que o encontro ocorre via amor

ao dever Todo senso moral deriva deste postulado Natildeo eacute pelo outro propriamente dito mas

somente por natildeo poder entrar em contradiccedilatildeo com minha proacutepria razatildeo que aceito o cumpri-

mento do dever aqueacutem a qualquer tendecircncia pessoal Um ponto que merece destaque eacute como

se desenvolve a consciecircncia moral a consciecircncia do dever natildeo ficando evidente como ocorre

a passagem da consciecircncia comum para uma fundamentaccedilatildeo dos costumes Uma possiacutevel

indicaccedilatildeo poderia ser encontrada no texto Resposta agrave pergunta o que eacute esclarecimento

quando eacute possiacutevel vislumbrar que a liberdade de fazer uso puacuteblico da razatildeo se constitui na

condiccedilatildeo para exercer o poder originado a partir do entendimento no seu bom uso O que fica

incerto eacute como o ser humano chega a desenvolver as condiccedilotildees para exercer a liberdade do

uso puacuteblico da razatildeo pois eacute negada pelo autor a forccedila decisiva dos exemplos nessa constitui-

ccedilatildeo

O que pode ser vislumbrado eacute a necessidade de um efetivo ardor educativo para que o

ser humano natildeo venha a fazer mau uso de suas forccedilas Nesse sentido eacute que recorro a Adorno

para buscar elementos que efetivam essa realizaccedilatildeo encontrando nos conceitos de concreto

viacutenculo comunicaccedilatildeo de diferenciados e sociedade atomizada indicaccedilotildees teoacutericas baacutesicas ao

desenvolvimento da consciecircncia moral Tudo isso baseado na concepccedilatildeo de subjetividade

esteacutetica Destaco entatildeo que o percurso traccedilado neste texto eacute indispensaacutevel pois parte do sen-

tido loacutegico-formal a partir do qual ocorre a formaccedilatildeo da consciecircncia moral em Kant para em

Adorno pontuar o contraponto da formaccedilatildeo moral mediante a ecircnfase na experiecircncia efetivada

no encontro com os outros o que remete agrave experiecircncia esteacutetica sensiacutevel Dessa experiecircncia

surge o sentido eacutetico da educaccedilatildeo enquanto promotora de ceacutelulas de humanidade e como o

espaccedilo do plasmar linguumliacutestico

Retomando a discussatildeo da responsabilidade moral baseada na ausecircncia de contradiccedilatildeo

da razatildeo com seus princiacutepios eacute que Kant se distancia de seu antecessor iluminista Jean-

Jacques Rousseau No filoacutesofo francecircs o respeito ao outro natildeo eacute por ser ele racional mas se

alicerccedila na noccedilatildeo de ser sensiacutevel Trago Rousseau presente natildeo por ser um autor decisivo

nesta investigaccedilatildeo mas para pontuar um paralelo entre dois autores da mesma eacutepoca histoacuterica

no que se refere agraves bases da obrigaccedilatildeo moral Tem-se aqui a indicaccedilatildeo da possibilidade de

encontro entre diferentes movido pela virtude da piedade como condiccedilatildeo para a humanidade

O desenvolvimento moral que eacute a existecircncia da humanidade propriamente dita para aleacutem da

animalidade ocorre quando o indiviacuteduo eacute capaz de sair de si e movido pela virtude da pieda-

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de guiado pela razatildeo pelo ir em direccedilatildeo ao outro Nesse sentido a proposta iluminista de

Rousseau eacute um vislumbre moderno do ideal eacutetico adorniano acerca do encontro

Estar autorizado a agir somente por ser um dever prescrito pela razatildeo eacute conforme a-

cima descrito uma eacutetica de coerecircncia loacutegica Em olhar diferenciado a autorizaccedilatildeo a agir ocor-

re pelo fato de o outro solicitar minha accedilatildeo o que gera uma resposta inevitaacutevel Eacute do outro o

diferente de mim e que por isso se constitui em desafio para o pensamento que vem a obri-

gaccedilatildeo o que remete a uma interdependecircncia planetaacuteria constitutiva de um imperativo de res-

posta guiada pela natildeo colocaccedilatildeo do si mesmo no centro da discussatildeo mas guiada pela neces-

sidade comum de existecircncia qualificada Tal qualificaccedilatildeo nos remete agrave consideraccedilatildeo prioritaacute-

ria do local e do momento que o outro ser humano vive com suas escolhas suas decisotildees

suas experiecircncias e o estado atual que o indiviacuteduo se encontra

Dentro do pensamento de Kant o desafio que surge eacute delinear como ocorre a constitu-

iccedilatildeo da consciecircncia moral e se a partir dessa constituiccedilatildeo eacute possiacutevel assegurar a realizaccedilatildeo do

seu ideal de reino dos fins conceito norteador a partir do qual ocorrem os viacutenculos Nesse

ponto eacute que se torna vaacutelida a investigaccedilatildeo abordando os paradigmas de Kant e de Adorno

para na tensatildeo entre os dois autores em evidecircncia apontar a diferenccedila provinda de Adorno ao

modo como o sujeito eacute constituiacutedo Nessa direccedilatildeo eacute que ocorre uma radical mudanccedila a for-

maccedilatildeo deve levar a uma ampliaccedilatildeo e enriquecimento do niacutevel de experiecircncia pressuposto

para o agir moral Experiecircncia e agir moral encontram iacutentima relaccedilatildeo experiecircncia natildeo eacute mero

trato manejar ou proceder sobre algo mas estaacute vinculada agrave capacidade de se comunicar no

sentido de diaacutelogo momento em que os opostos entram em relaccedilatildeo e se autoconstituem A

obrigaccedilatildeo moral natildeo se deve a um rigor loacutegico de coerecircncia interna da proacutepria razatildeo mas de

um dever cuja base estaacute na necessidade da accedilatildeo por puro amor agrave vida natildeo enquanto universal

conceitual mas enquanto vida do efecircmero a concretude o ente do ser Em termos eacuteticos en-

contramos um ponto determinante todo princiacutepio de valor toda regra de accedilatildeo deve partir do

sensiacutevel a concretude que habita o mundo imediatamente

O fundamento teoacuterico adorniano se apoiaraacute principalmente nas obras Dialeacutetica do es-

clarecimento Dialeacutetica Negativa Teoria Esteacutetica e Minima Moralia apesar de percorrer as

demais obras buscando nelas alguns esclarecimentos terminoloacutegicos necessaacuterios Em Kant a

base estaacute na Criacutetica da razatildeo pura Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes e Fun-

damentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes

Atribuir ao efecircmero (o caraacuteter proacuteprio de transitoriedade) o valor de princiacutepio eacute arran-

car o fundamento das garras da abstraccedilatildeo Deve-se estar atento ao proacuteprio termo vida a cons-

tataccedilatildeo feita na Minima moralia de que natildeo haacute mais vida ou que natildeo haacute vida correta na falsa

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tem seu corretivo ndash o fato de vida estar carregada do significado originado pela relaccedilatildeo per-

manente com o mundo sensiacutevel e natildeo pelo conceito abstrato Eacute essa vida a origem da filoso-

fia e onde ela estaacute em ausecircncia ali eacute que deve surgir o pensamento Baseado nisso eacute que re-

corro agrave Minima moralia Teoria esteacutetica e agrave Dialeacutetica negativa com a finalidade de compre-

ender o direcionamento que eacute dado ao modo de constituiccedilatildeo do sujeito moral

As discussotildees sobre a Teoria Criacutetica de Adorno sofrem de uma marca histoacuterica que a

meu ver eacute muito reducionista em se tratando de atualizaccedilatildeo ou mesmo da anaacutelise referente

aos seus conceitos decisivos Refiro-me ao episoacutedio nazista pontuado na figura de Auschwitz

Apesar da importacircncia que a perseguiccedilatildeo e extermiacutenio principalmente aos judeus significa-

ram para Adorno em questotildees pessoais e teoacutericas situar sua produccedilatildeo considerando somente

tal fato oculta outras dimensotildees fundamentais Em se tratando de educaccedilatildeo tenho claro que

para ele o essencial eacute evitar que Auschwitz se repita impedindo o renovar das causas de tal

regressatildeo Fazendo referecircncia ao tiacutetulo deste projeto de tese O eacutetico e o esteacutetico em Adorno

merece atenccedilatildeo a cunhagem de sua concepccedilatildeo de esteacutetica e a devida vinculaccedilatildeo com a eacutetica

que estaacute aqueacutem do evento nazismo encontrando sua origem na criacutetica agrave tradiccedilatildeo metafiacutesica

principalmente na figura de Immanuel Kant e sua proposta de fundamentos da moralidade

Destaco tambeacutem o ideal de experiecircncia formativa como constituidora da consciecircncia bem

como sua noccedilatildeo fundante de dialeacutetica negativa e a relaccedilatildeo dessa com a rigorosidade no ato de

pensamento e na constituiccedilatildeo da verdade

Como o interesse central desta pesquisa eacute a significaccedilatildeo eacutetico-educativa que surge a

partir do sujeito poacutes-metafiacutesico em Theodor Adorno o problema que direciona a investigaccedilatildeo

estaacute delineado nos seguintes termos a partir das bases que permitem conceber o sujeito poacutes-

metafiacutesico em Adorno sob que condiccedilotildees eacute possiacutevel defender o alargamento da experiecircncia

como meio de constituiccedilatildeo da subjetividade a qual eacute a base da consciecircncia moral e que

significaccedilatildeo eacutetica surge para a educaccedilatildeo tendo em vista o sujeito que moralmente precisa

ser constituiacutedo com base na experiecircncia O sujeito poacutes-metafiacutesico ou para Adorno o sujeito

esteacutetico eacute compreendido a partir da relaccedilatildeo estabelecida com os fragmentos de alteridade

aquilo que permanece apoacutes o ato compreensivo e que exige continuaccedilatildeo da experiecircncia sensiacute-

vel como condiccedilatildeo para ampliaccedilatildeo da consciecircncia

Diante da contextualizaccedilatildeo apresentada e do problema proposto a tese defendida eacute no

momento em que educaccedilatildeo se torna promotora de enriquecimento das experiecircncias formati-

vas eacute possiacutevel o alargamento do modo como ocorre a constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do sujeito eacuteti-

co Isso nos conduz agrave constituiccedilatildeo do meio no qual o ser humano estaacute inserido meio esse de-

nominado linguagem Portanto a defesa eacute sobre o plasmar linguiacutestico como o desafio eacutetico da

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formaccedilatildeo humana Para tanto articula-se a esteacutetica como fundamento sob o qual eacute possiacutevel

defender tal alargamento do conceito de experiecircncia e de constituiccedilatildeo da subjetividade Es-

tando as experiecircncias em processo de constante formaccedilatildeo o desafio eacutetico-educativo eacute desen-

volver a consciecircncia da necessidade de viacutenculos de responsabilidade em contraposiccedilatildeo ao

ideal de seres atomizados (monadas) e movidos unicamente pelo criteacuterio da razatildeo pura que

dita o amor ao dever Somente assim eacute possiacutevel vislumbrar um estado humano ou estado de

reconciliaccedilatildeo em situaccedilatildeo de encontro e comunicaccedilatildeo de antiacuteteses natildeo hostis Juntamente

com a compreensatildeo de educaccedilatildeo em sua funccedilatildeo de plasmar da linguagem surge a relaccedilatildeo

com a noccedilatildeo adorniana do novo Por mais que tenhamos a necessidade de nos adaptarmos a

determinadas normas costumes tradiccedilotildees valores condiccedilatildeo miacutenima para haver convivecircncia

social a educaccedilatildeo deve permitir a manifestaccedilatildeo da riqueza individual e a novidade que a au-

toconstruccedilatildeo pode revelar Isso significa pensar na coesatildeo sem coaccedilatildeo mas mediante a valo-

rizaccedilatildeo daquilo que no outro eacute outro ou seja valorizaccedilatildeo do diferente no outro seu caraacuteter de

novidade

Vale destacar alguns pontos que marcam o horizonte desta pesquisa Como primeiro

aspecto a referecircncia estaacute na alteraccedilatildeo que a accedilatildeo humana sofreu em suas configuraccedilotildees Eacute

improvaacutevel que nossos antepassados tivessem o senso de que seus atos pudessem interferir

sobre a vida em escala planetaacuteria e as consequecircncias se estendessem por seacuteculos ou ateacute mes-

mo que fossem irreversiacuteveis Seus vislumbres se estendiam por poucas geraccedilotildees e estavam

situadas nos limites locais Somente este alargamento jaacute potildee a necessidade de repensar os

fundamentos eacuteticos da accedilatildeo humana em estreito viacutenculo com o ato pedagoacutegico Admitindo

que educar natildeo eacute instruir eacute decisivo analisar como constituir a consciecircncia moral na conside-

raccedilatildeo desta interdependecircncia planetaacuteria com a tarefa de desenvolver a consciecircncia da accedilatildeo e

do alcance da accedilatildeo

No segundo aspecto faccedilo referecircncia ao sentido que o mito de Prometeu assume em

periacuteodos da ciecircncia e tecnologia avanccediladas como se vivencia a partir da revoluccedilatildeo industrial

e no auge dessa ciecircncia nos seacuteculos XX e XXI Eacute possiacutevel afirmar que as descobertas da ci-

ecircncia elevaram o ser humano a uma condiccedilatildeo de desacorrentamento diante da proacutepria nature-

za permitindo a sobrevivecircncia reproduccedilatildeo e o prolongamento da vida para aleacutem dos limites

considerados ateacute entatildeo como naturais A capacidade de prever os fenocircmenos naturais permi-

te a construccedilatildeo de estruturas para resistir ao poder da natureza ou accedilotildees para minimizar viacuteti-

mas diante de tal poder A princiacutepio parece que nada restou do temor que assombrava o ho-

mem primitivo e o fazia endeusar a natureza na busca das explicaccedilotildees para seus dilemas

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Poreacutem como jaacute alertavam Adorno e Horkeimer na Dialeacutetica do esclarecimento este

processo de desmistificaccedilatildeo acabou por gerar uma nova potecircncia miacutetica hoje configurada no

poder da ciecircncia e da tecnologia Dessa forma eacute que ocorreu um novo acorrentamento e con-

tinuando com a Dialeacutetica do esclarecimento quando se pensa haver rompido com a necessi-

dade natural percebe-se o quanto estamos sujeitos a ela Eacute assim que o ideal kantiano de reino

dos fins na posiccedilatildeo privilegiada do humano como fim e nunca como meio para as accedilotildees

deve ser estendido tambeacutem agrave natureza externa ao humano considerando-a por ela mesma e

natildeo na administraccedilatildeo que impotildee o para-mim e o sentido que surge somente via razatildeo

Esta pesquisa legitima-se na necessidade de repensar os fundamentos da moralidade

para aleacutem do antropocentrismo o que significa repensar o local a partir do qual o ser humano

se posiciona diante daquilo como que se relaciona Em termos morais o sujeito transcendental

e a razatildeo pura encontram seu limite o outro natildeo eacute objeto e o dualismo eacute a oposiccedilatildeo radical agrave

alteridade Objetificar eacute reduzir o sentido agravequilo dado pela razatildeo dualismo eacute admitir um pri-

meiro como portador de todo sentido e um segundo em permanente acircnsia pela inclusatildeo nesse

sentido previamente dado Admitir a alteridade o outro eacute propor uma relaccedilatildeo em configura-

ccedilotildees diferenciadas ou seja a partir da comunicaccedilatildeo entre diferenciados o que pressupotildee

comportamento mimeacutetico e expressivo Mimeacutetico no sentido de acolhida do outro e expres-

sivo enquanto resposta a esta diferenccedila que se impotildee Mimese e expressatildeo se convertem a-

qui em elementos altamente eacuteticos Em primeiro lugar por exigirem uma educaccedilatildeo dos senti-

dos na capacidade de receber essa alteridade e natildeo consideraacute-la antiacutetese hostil Em segundo

lugar por exigirem a resposta em termos de permissatildeo ao outro continuar em sua reserva de

sentido para aleacutem da interpretaccedilatildeo que visa reduzir o outro agravequilo que digo dele

Destaco um terceiro e uacuteltimo aspecto na apresentaccedilatildeo dos horizontes de sentido da

pesquisa Vive-se um tempo de excessos natildeo eacute possiacutevel negar o excesso de poder que impera

nas relaccedilotildees entre seres humanos e entre ser humano e natureza o poder de produccedilatildeo tornou-

se ilimitado o poder do conhecimento permite transcender os limites da natureza humana

(prolongamento da vida para aleacutem das capacidades naturais substacircncias que ampliam a resis-

tecircncia fiacutesica) Poreacutem tem-se a carecircncia de referenciais normativos e ateacute de referecircncias (ou

evidentes exemplos) do que eacute o homo humanus para aleacutem do homo faber ou do homo sapi-

ens Eacute possiacutevel admitir que a existecircncia do elemento produtivo (faber) do elemento do pen-

samento desenvolvido natildeo subsiste sem o alicerce do homo humanus em sua capacidade de

sentir-se responsaacutevel e agir em prol de todos os outros seres o que exige alicerces de valores

e de um elevado senso eacutetico Diante disso a pesquisa assume a incisiva relevacircncia por apontar

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alguns resultados que podem auxiliar na discussatildeo e fundamentaccedilatildeo do agir educativo pauta-

do pelo ideal de humanidade

Sob esta oacutetica e com esta pesquisa questiono o ideal kantiano de que pela forccedila do

imperativo categoacuterico seria possiacutevel instituir o reino dos fins Vislumbrar um estado humano

cuja base estaacute na ligaccedilatildeo sistemaacutetica de todos os seres racionais sob leis comuns condiz com a

pretensatildeo de colocar o indiviacuteduo humano como o primeiro absoluto Eacute possiacutevel pensar o hu-

mano apenas na ligaccedilatildeo entre humanos Absolutizando o humano natildeo se cai no mesmo pro-

blema que se quis superar durante os milecircnios de pensamento filosoacutefico ndash o mito A ligaccedilatildeo

sistemaacutetica de todos os seres racionais segundo leis comuns como sendo o alicerce da morali-

dade se configura em abstracionismo moral pois o mundo do seacuteculo XX percebeu a urgecircncia

da interdependecircncia entre todos os seres vivos Apoiando Hans Jonas o imperativo eacute que haja

vida independente de onde quer que ela esteja Assim eacute que o centro da investigaccedilatildeo eacutetica

estaacute na vida em sua ampla manifestaccedilatildeo Natildeo em uma ligaccedilatildeo entre seres racionais mas em

ligaccedilatildeo cuja base eacute o princiacutepio vital o que natildeo significa outra coisa senatildeo a centralidade na

relaccedilatildeo e o reconhecimento da natureza em noacutes ndash caraacuteter de pertenccedila agrave natureza e dependecircn-

cia dela

Defendendo um giro no eixo sustentador da accedilatildeo moral enfatizando o alargamento da

experiecircncia a partir da perspectiva adorniana de esteacutetica ndash o que derivaraacute no capiacutetulo final no

termo comunicaccedilatildeo de diferenciados ndash e ciente da responsabilidade da educaccedilatildeo em promo-

ver este alargamento como base da educaccedilatildeo eacutetico-esteacutetico eacute que aproximo filosofia e educa-

ccedilatildeo cuja base estaacute no pensamento de Theodor Adorno

Diante disso indico o objetivo central deste trabalho que eacute discutir a noccedilatildeo de subje-

tividade poacutes-metafiacutesica em Adorno a fim de estabelecer baseado em tal sujeito uma signifi-

caccedilatildeo eacutetico-educativa capaz de nortear a formaccedilatildeo do humano e o desenvolvimento da cons-

ciecircncia moral a partir da funccedilatildeo esteacutetica como formadora da eacutetica

Com este norte traccedilado proponho cinco capiacutetulos como estrutura investigativa No

primeiro capiacutetulo o objetivo eacute analisar a concepccedilatildeo e a constituiccedilatildeo do sujeito moral em

Kant cujo significado eacute a constituiccedilatildeo metafiacutesica do humano Desenvolvo releitura e anaacutelise

sobre a proposta kantiana de que nos conceitos de finalidade e liberdade estatildeo a base do

sujeito moral norteado pelo imperativo categoacuterico fundamentado no criteacuterio racional da lei

moral Esta discussatildeo primeira eacute fundamental para posteriormente conseguir situar a criacutetica

adorniana a esse modelo de constituiccedilatildeo de modo que o segundo capiacutetulo visa analisar a

concepccedilatildeo de pensamento e subjetividade na perspectiva poacutes-metafiacutesica de Theodor Adorno

perspectiva essa natildeo orientada pela base racional da lei mas analisando o exato momento da

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decisatildeo momento da efetividade praacutetica quando ocorre o contato com o outro Dada a priori-

dade desse momento sobre ele deve recair todo o interesse teoacuterico-filosoacutefico Para tanto par-

to da concepccedilatildeo de sujeito em Aristoacuteteles para compreender o significado da afirmaccedilatildeo ador-

niana de que hoje o sujeito eacute destituiacutedo de subjetividade e em contrapartida apresentam-se

quais as condiccedilotildees dadas pelo autor para que haja a subjetividade Esse recurso a Aristoacuteteles

deve-se agrave possibilidade de situar ali o surgimento da forccedila de determinaccedilatildeo interna do indiviacute-

duo Situo aqui um aspecto decisivo na argumentaccedilatildeo pois no auge da modernidade ocorre a

insuficiecircncia dessa forccedila interna do sujeito e contrapondo tambeacutem a perspectiva kantiana

esta forccedila interior ao indiviacuteduo humano passa a ser administrada por vontades a ele exteriores

Vislumbra-se assim o colapso da base conceitual do seu imperativo categoacuterico baseado no

poder da autodeterminaccedilatildeo Ocorre uma relaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de sensibilidade e entendimen-

to em Kant e a noccedilatildeo de perda de evidecircncia em Adorno quando o entendimento natildeo mais

encontra material ldquoconfiaacutevelrdquo para o ato de siacutentese Mesmo natildeo tendo sido pontuado por A-

dorno com a concepccedilatildeo de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade ocorre uma possiacutevel soluccedilatildeo

para tal problema No centro da concepccedilatildeo de pensamento poacutes-metafiacutesico estaacute a ideia de de-

terminaccedilatildeo e de verdade portadora de nuacutecleo temporal contrariando radicalmente a concep-

ccedilatildeo tradicional das ideias eternas e imutaacuteveis de Platatildeo ou do criteacuterio transcendental do tem-

po e do espaccedilo em Kant Assim eacute que partindo do princiacutepio temporal o criteacuterio da histoacuteria

em sua transitoriedade o outro eacute constante desafio nunca simples ideia ou resultado final

Partindo dessa compreensatildeo o terceiro capiacutetulo visa propor as criacuteticas ao imperativo

categoacuterico alegando a impossibilidade de mediante a forccedila de tal imperativo objetivar o rei-

no dos fins O amor ao dever gera um viacutenculo baseado estritamente no criteacuterio de coerecircncia

loacutegica como fundamento para a accedilatildeo moral fazendo o humano tatildeo abstrato que perde a efeti-

vidade dos viacutenculos concretos Se junta a isso o problema de que natildeo eacute possiacutevel vislumbrar

nas trecircs obras sobre moral (Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes Fundamenta-

ccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes) o modo como o ser humano desenvolve a consciecircncia moral

Do mesmo modo natildeo satildeo evidentes as condiccedilotildees que permitem ocorrer efetivamente a tran-

siccedilatildeo da consciecircncia moral vulgar para uma metafiacutesica dos costumes

No quarto capiacutetulo o desafio eacute estabelecer as bases teoacutericas para a concepccedilatildeo de su-

jeito esteacutetico em Adorno e o que demarca o acircmbito artiacutestico nesse autor ou seja quando uma

obra pode ser considerada arte Conseguindo situar este sujeito e o acircmbito da obra de arte

torna-se possiacutevel compreender o real desafio agrave racionalidade diante da constante reserva de

sentido que compotildee o outro o diferenciado Na concepccedilatildeo de sujeito esteacutetico encontra-se a

possibilidade de realizaccedilatildeo da dialeacutetica do esclarecimento esse processo de saiacuteda do ser hu-

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mano de seu estado de menoridade rumo a um patamar de entendimento que ainda em Kant

chama-se esclarecimento e autonomia

Finalizando o itineraacuterio teoacuterico o quinto capiacutetulo visa localizar qual a significaccedilatildeo eacute-

tico-educativa que surge a partir dessa concepccedilatildeo de sujeito esteacutetico Recorro a alguns concei-

tos decisivos e que representam um incisivo desafio agrave educaccedilatildeo Refiro-me especificamente agrave

noccedilatildeo de sensibilidade identificaccedilatildeo viacutenculos de responsabilidades ceacutelulas de humanidade

comunicaccedilatildeo de diferenciados em contraposiccedilatildeo ao ideal de ser humano e sociedade atomi-

zados A educaccedilatildeo deve gerar a paz o que em Adorno se caracteriza como a possibilidade de

comunicaccedilatildeo entre diferentes sem acircnsia de domiacutenio cuja marca estaacute na ausecircncia do medo

natildeo do desconhecido que gera o mito mas de poder ser diferente sem temor sem o risco de

ser considerado antiacutetese hostil A educaccedilatildeo eacute aqui concebida a partir do plasmar linguumliacutestico

da constituiccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade e como possibilitadora no novo

Seguindo esse horizonte teoacuterico-investigativo a educaccedilatildeo e posta diante do desafio de

aperfeiccediloar cada vez mais a humanidade em noacutes tornando-nos aptos a coabitar com a vida

onde quer que ela esteja a partir de sua riqueza proacutepria Natildeo eacute o pensamento que nos humani-

za ele somente nos converte em animais racionais Cabe ao movimento de esclarecimento da

consciecircncia gerar as condiccedilotildees para que a vida seja possiacutevel neste local que habitamos Ou

seja constituir o meio proacuteprio que possibilita a humanidade o que natildeo se fundamenta em um

puro amor ao dever ou agrave coerecircncia loacutegica do pensamento sendo urgente desenvolver a cons-

ciecircncia da interdependecircncia universal como fundamento para a possibilidade de pensar o hu-

mano e de seu proacuteprio existir

1 ASPECTOS EacuteTICOS DA CONSTITUICcedilAtildeO E DA FORMACcedilAtildeO DO HUMANO SEGUNDO KANT

Em se tratando de filosofia e educaccedilatildeo ou se referindo ao termo formaccedilatildeo temos o

grande desafio de estabelecer os fundamentos para a constituiccedilatildeo da subjetividade apta a pro-

duzir a significar o conhecimento e tambeacutem apta a agir moralmente A pergunta poderia ser

sintetizada da seguinte maneira ldquoquem eacute como se forma o sujeito humano e quais as bases

eacuteticas de tal constituiccedilatildeordquo A pretensatildeo dessa investigaccedilatildeo natildeo eacute apresentar um esquema ge-

ral das respostas que surgiram na tradiccedilatildeo filosoacutefica cujo berccedilo estaacute ainda na trageacutedia grega

mas sim pontuar dois paradigmas que considero decisivos nesta abordagem a busca pelos

universais fundados nos conceitos da razatildeo em Kant e a defesa do singular sensiacutevel em A-

dorno Destaca-se que a referecircncia agrave Kant eacute necessaacuteria para melhor apresentar a posiccedilatildeo de

Adorno em relaccedilatildeo agrave defesa do singular sensiacutevel Desse modo metodologicamente a referecircn-

cia agrave Kant eacute apenas de passagem

Diante do problema da subjetividade o que segue eacute uma releitura de alguns toacutepicos do

pensamento kantiano para entatildeo pontuar a criacutetica adorniana aos constituintes da ideia norte-

adora em Kant denominada reino dos fins Para tanto seratildeo percorridos dois caminhos teoacuteri-

cos dois modos de conceber a formaccedilatildeo moral O ponto de partida estaacute em como Kant com-

preende a constituiccedilatildeo da liberdade e autonomia de consciecircncia e representaccedilatildeo e o ideal de

reino dos fins isso baseado nas obras Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes (FMC)

Metafiacutesica dos costumes (MC) e as obras magnas Criacutetica da razatildeo pura (CRPu) e Criacutetica da

razatildeo praacutetica (CRPr) O contraponto em Adorno segue com um diaacutelogo entre suas obras

buscando no jogo de tensotildees textuais que marcam sua produccedilatildeo as bases da constituiccedilatildeo

sensiacutevel da moralidade e os fundamentos de sua afirmaccedilatildeo de sujeito destituiacutedo de subjetivi-

dade ou o fato de natildeo haver mais sujeito

Immanuel Kant com o caraacuteter transcendental que define o sujeito remete a um estrei-

tamento na noccedilatildeo de constituiccedilatildeo ou seja como se forma o sujeito do conhecimento e o sujei-

to moral Agora a forccedila constituinte eacute tatildeo somente interna como condiccedilatildeo de possibilidade de

qualquer regra praacutetica autocircnoma Assim natildeo haacute interferecircncia externa de circunstacircncias con-

tingentes de um soberano de divindades na formaccedilatildeo da natureza interna Essa eacute definida

como posse do indiviacuteduo que no interior da experiecircncia interage movido pela rigidez inaba-

laacutevel derivada da marca constituinte do reino dos fins ou seja a consideraccedilatildeo do humano

como portador de grandeza absoluta sem possibilidade de ser meio Essa grandeza deve estar

na base de qualquer princiacutepio praacutetico ndash ningueacutem pode querer atentar contra o fundamento do

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reino entendendo tal fundamento como sendo a grandeza do indiviacuteduo ser fim em si mesmo

(cf CRPr MC e FMC) A noccedilatildeo de fim eacute decisiva para Kant em questotildees morais como des-

taca Macarena Marey

Um sistema de fins implica [] natildeo somente uma classificaccedilatildeo de deveres eacuteticos mas tambeacutem uma compreensatildeo da moralidade que eacute notavelmente mais ampla que a preocupaccedilatildeo moral dos agentes na vida cotidiana sobre a autorizaccedilatildeo moral de suas accedilotildees [] A moralidade eacute uma esfera que inclui a questatildeo [] sobre quais satildeo os fins entendidos natildeo como meros lsquoobjetos do arbiacutetriorsquo mas como princiacutepios praacuteticos supremos que informam o plano de vida de um agente cuja efetiva aceitaccedilatildeo eacute con-diccedilatildeo necessaacuteria de qualquer pretensatildeo de moralidade (MAREY 2010 p75 ndash tradu-ccedilatildeo nossa)

Na eacutetica kantiana a consciecircncia desses princiacutepios praacuteticos supremos deveria estar na

base das accedilotildees a partir dos quais se evidenciaria como o agente estaacute conduzindo suas accedilotildees

qual eacute o seu fio condutor Na noccedilatildeo de ser humano como reino de fins estaacute para a mesma

autora ldquoo princiacutepio praacutetico ou o fim geral o projeto fundamental [] que daacute forma ao plano

de vida de um agenterdquo (ibidem p76)

No seacuteculo XX Theodor Adorno elabora uma criacutetica principalmente com base filosoacutefi-

co-esteacutetica que pode ser concebida como sendo o diagnoacutestico da crise enfrentada pelo sujeito

transcendental e pelo almejado reino dos fins kantiano E atribuo o adjetivo crise natildeo no sen-

tido de natildeo aceitar a humanidade como fim uacuteltimo mas aos moldes transcendentais do sujei-

to e aos moldes do imperativo categoacuterico que natildeo conseguiram dar conta da realizaccedilatildeo de

sua tarefa o reino dos fins Em outras palavras o problema natildeo estaacute no reino dos fins na hu-

manidade como fim uacuteltimo mas em sua ideia de fundo na sua teoria legitimadora a qual natildeo

percebeu o caraacuteter determinante das contingecircncias histoacutericas que podem impor o limite da

proacutepria humanidade ndash a barbaacuterie extrema aniquiladora de todo sujeito Isso pelo fato de que

ldquocomo uacutenico ser dotado de entendimento na terra o ser humano pode estabelecer voluntaria-

mente fins para si mesmordquo (HOumlFFE 2009 p32) Um regime totalitaacuterio por exemplo pode

pretender considerar como humano apenas um determinado grupo ou determinado modo de

vida A base racional que potildee o humano como fim propotildee princiacutepios praacuteticos altamente nega-

tivos agravequeles que natildeo se adequarem a essa determinada concepccedilatildeo de humano1

A ideia de fundo anteriormente mencionada e que eacute passiacutevel de discussatildeo reside no

reconhecimento da lei moral como determinante para a accedilatildeo Ateacute admite-se uma referecircncia agrave

esfera praacutetica mas o fundamento estaacute dado sempre pela lei a qual eacute estritamente racional e

nenhum elemento sensiacutevel pode sustentar o dever Eacute o que Kant chama de vontade conduzida

1 Esta discussatildeo seraacute bem pontuada no quinto capiacutetulo

21

pela representaccedilatildeo das regras a vontade eacute a ldquofaculdade de determinar a sua causalidade pela

representaccedilatildeo de regras por conseguinte agrave medida que satildeo capazes de accedilotildees segundo propo-

siccedilotildees fundamentais por conseguinte tambeacutem segundo princiacutepios praacuteticos a priori (pois soacute

estes tecircm aquela necessidade que a razatildeo exige para a proposiccedilatildeo fundamental)rdquo (CRPr sect57)

Para Douglas Garcia Alves Juacutenior a vontade em Kant ldquoeacute uma faculdade pela qual o sujeito

ao ser propriamente afetado pela sensibilidade que lhe impotildee quereres eacute ao mesmo tempo

capaz de sobrepor-lhe a representaccedilatildeo de um dever que ele mesmo concebe atraveacutes da razatildeordquo

(ALVES JUNIOR 2005 p41) Esta representaccedilatildeo do dever eacute a representaccedilatildeo da lei moral2 a

qual conforme a segunda criacutetica (sect64) nos ordena a sua mais estrita observacircncia O ajuiza-

mento enquanto ato do entendimento enquanto direcionado natildeo ao empiacuterico mas ao conteuacute-

do conceitual ndash o juiacutezo diz o conceito ndash natildeo oferece muita dificuldade acerca do que segundo

a lei moral precisa ser feito ldquoa ponto de que ateacute o entendimento mais comum e menos exerci-

tado mesmo sem experiecircncia do mundo natildeo soubesse lidar com elerdquo Essa facilidade reteacutem o

ser humano em um ambiente seguro pois basta clareza loacutegica para aplicar a regra Poreacutem da

lei moral ateacute a accedilatildeo reside um espaccedilo que deve ser habitado pelo ser humano a tomada de

decisatildeo Esse problema foi levantado por Kant quando afirma ldquose a lei somente pode pres-

crever a maacutexima das accedilotildees e natildeo as proacuteprias accedilotildees isso constitui um indiacutecio de que deixa

uma folga para a livre escolha no seguir (conformar-se com) a lei isto eacute que a lei natildeo pode

especificar precisamente de qual maneira algueacutem deve agir e quanto algueacutem precisa fazer

atraveacutes da accedilatildeo para um fim que eacute tambeacutem um deverrdquo (MC p 233) Contudo este espaccedilo

livre de promessa de decisatildeo em como agenciar a lei agrave praacutetica eacute iluminado por um uacutenico

pressuposto a proacutepria lei moral que estaacute em noacutes como o ceacuteu estrelado estaacute acima de noacutes3

A questatildeo que se impotildee e que seraacute alvo das discussotildees eacute A forccedila provinda da lei mo-

ral e do amor ao dever eacute suficiente para mover o ser humano a partir de um fio condutor mo-

ralmente adequado agrave humanidade E como a educaccedilatildeo poderia interferir neste processo de

constituiccedilatildeo da moralidade e na consequente edificaccedilatildeo do humano Sobre esta uacuteltima recai

todo o esforccedilo dessa investigaccedilatildeo

A proposta teoacuterica aqui desenvolvida segue aleacutem das interrogaccedilotildees acima outros pro-

blemas Eacute possiacutevel defender um alargamento da experiecircncia como sendo a base da constitui-

2 Conforme a Criacutetica da razatildeo praacutetica a lei moral eacute descrita nos seguinte imperativo ldquoAge de tal modo que a maacutexima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo (sect7 p54) 3 Metaacutefora utilizada por Kant para expressar a grandeza da lei moral no interior do ser humano Na conclusatildeo da Criacutetica da razatildeo praacutetica (sect288) afirma ldquoDuas coisas enchem o acircnimo de admiraccedilatildeo e veneraccedilatildeo sempre nova e crescente quanto mais frequentemente e persistentemente a reflexatildeo ocupa-se com elas o ceacuteu estrelado acima de mim e a lei moral em mimrdquo

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ccedilatildeo da subjetividade e da consciecircncia moral Em que termos se daria tal defesa A experiecircn-

cia pode significar um alargamento necessaacuterio agrave consciecircncia moral Quanto de autocircnomo e

quanto de heterocircnomo existe na condiccedilatildeo humana

Com isto faccedilo a abertura das discussotildees que constituem este primeiro capiacutetulo visando

firmar ao final da tese uma re-significaccedilatildeo eacutetico-educativa com base no sujeito poacutes-

metafiacutesico ndash ou esteacutetico ndash em Adorno Neste primeiro momento pretendo entatildeo realizar uma

anaacutelise do modelo de constituiccedilatildeo da subjetividade baseado no imperativo categoacuterico Aleacutem

dos motivos jaacute destacados optei por seguir um diaacutelogo com Kant devido agraves constantes inter-

faces que o filoacutesofo de Frankfurt estabelece com o de Koumlnigsberg principalmente em ques-

totildees morais e do imperativo categoacuterico Faccedilo entatildeo uma leitura a partir da recepccedilatildeo ou re-

percussatildeo que a proposta filosoacutefica de Kant teve sobre a proposta filosoacutefica de Adorno

Kant quis que a lei moral fosse interna ao ser humano como autonomia princiacutepio e lei

dados a partir da proacutepria razatildeo e do amor ao dever A questatildeo que surge eacute decisiva O que

fazer com esta gigantesca lei moral interna Como agenciaacute-la na praacutetica Nas obras baacutesicas

que versam sobre eacutetica Kant defenderaacute uma relaccedilatildeo iacutentima da lei moral com as maacuteximas de

accedilatildeo uma vez que satildeo as maacuteximas que estatildeo em iacutentima relaccedilatildeo com a accedilatildeo mesma Dessa

forma a lei moral deve estar na base das maacuteximas utilizadas na accedilatildeo e no momento das deci-

sotildees devemos ter o olhar fixo no princiacutepio do dever ditado pelo imperativo categoacuterico Na

Minima moralia (116 p158) Adorno propotildee que se deve ldquoaprender a lidar com a moralida-

derdquo a senti-la e assim apropriar-se dela sendo as ldquoinfraccedilotildees miacutenimasrdquo o veiacuteculo mediador

entre este ldquoimenso ceacuteu estreladordquo e o mundo da vida Metaforicamente o que ocorre em A-

dorno eacute o retorno do telescoacutepio que busca o gigantesco ceacuteu estrelado kantiano ao proacuteprio

chatildeo da efetividade a fim de na contingecircncia histoacuterica encontrar o incentivo para a accedilatildeo A

consciecircncia moral o princiacutepio interno deve ser despertado em Adorno pelo elemento sensiacute-

vel pelo limite do corpo ndash a contingecircncia histoacuterica

11 A constituiccedilatildeo transcendental do sujeito eacutetico em Kant

A tensatildeo entre Kant e Adorno encontra um ponto de referecircncia ndash o qual considero co-

mo dado fundamental ndash nas noccedilotildees de metafiacutesica e experiecircncia esteacutetica como formas do pen-

samento filosoacutefico

Na Metafiacutesica dos costumes Kant define metafiacutesica como ldquoum sistema de cogniccedilatildeo a

priori a partir exclusivamente de conceitosrdquo (2008) Em outro momento expotildee que ldquooutra

coisa natildeo eacute senatildeo o inventaacuterio sistematicamente ordenado de tudo o que possuiacutemos pela ra-

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zatildeo purardquo (CRPu A XX) Situada em uma dimensatildeo privilegiada do saber referente ao prag-

maacutetico a metafiacutesica serviraacute como telos e nuacutecleo de forccedila ao ideal formativo sendo a clareza

intuitiva apenas a instacircncia propulsora da relaccedilatildeo de conhecimento no momento da receptivi-

dade do nosso espiacuterito quando somos afetados pelo objeto O conhecimento encontra sua

culminacircncia na siacutentese operada pelo entendimento ao sermos capazes de pensar o objeto pro-

vindo da sensibilidade (cf Loacutegica transcendental na Criacutetica da razatildeo pura) Partindo do

princiacutepio de que a verdade estaacute situada dentro dos limites da experiecircncia possiacutevel a sensibili-

dade ampliada se torna decisiva O limite de qualquer conhecimento estaacute mesmo para Kant

na impossibilidade de alcanccedilar a coisa em-si o elemento essencial em palavra aristoteacutelica

Assim sendo na CRPu o conhecimento somente consegue se mover dentro do material que a

sensibilidade lhe fornece e a verdade ocorre como resultado do jogo entre o material provin-

do da sensibilidade e a siacutentese que o entendimento realiza

Na Metafiacutesica dos costumes ao definir o local que a lei moral ocupa dentro dos costu-

mes Kant a coloca em situaccedilatildeo bem distante das accedilotildees e ao ocupar-se com ela refugia-se em

um territoacuterio tranquilamente livre da contingecircncia A lei em Kant e conforme exposto anteri-

ormente pode prescrever somente a maacutexima da accedilatildeo e natildeo o modo de accedilatildeo propriamente

dito de modo que a efetividade praacutetica estaacute definida pela diversidade de regras praacutetica a par-

tir da promessa de decisatildeo Mas em questotildees praacuteticas nenhum ser humano ocupa tal refuacutegio

estando em constante conflito entre suas proacuteprias maacuteximas a accedilatildeo e a lei Na tentativa de re-

duzir tal distacircncia o autor compotildee a moral tanto (a) pela lei quanto (b) pela capacidade de

cumprir tal lei e (c) a vontade em assim fazer (cf MC p240) Lei vontade e capacidade praacute-

tica formam a triacuteade constitutiva do sujeito eacutetico poreacutem tais fatores somente satildeo possiacuteveis de

serem considerados como posse humana pressupondo o sujeito livre

No paraacutegrafo 5 da Criacutetica da razatildeo praacutetica em nota explicativa sobre a lei moral a li-

berdade eacute posta como condiccedilatildeo para a existecircncia da moralidade e por outro lado eacute mediante

esta que a liberdade pode ser conhecida afirmo que a lei moral seja a condiccedilatildeo sob a qual primeiramente podemos tornar-nos conscientes da liberdade quero apenas lembrar que a liberdade eacute sem duacutevida a ratio essendi da lei moral mas que a lei moral eacute a ratio cognoscendi da liberdade Pois se a lei moral natildeo fosse pensada antes claramente em nossa razatildeo jamais nos considerariacuteamos autorizados a admitir algo como a liberdade [] Mas se natildeo exis-tisse liberdade alguma a lei moral natildeo seria de modo algum encontraacutevel em noacutes

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Falar em lei moral exige entatildeo inserir a liberdade4 como algo proacuteprio desse ser consi-

derado por Kant como fim uacuteltimo Liberdade e finalidade satildeo os atributos essenciais a partir

dos quais o humano deve ser reconhecido E assim se impotildee novamente o ser humano no

centro das discussotildees

ele natildeo coloca o ser humano no centro do mundo mas o declara um fim que natildeo exis-te ao mesmo tempo como meio portanto um simples fim um fim em si mesmo Aleacutem disso numa hierarquia de fins o ser humano constitui seu fim terminal e ateacute o fim terminal absoluto de toda a natureza E essa posiccedilatildeo ou dignidade compete segundo o antropocentrismo5 de Kant unicamente ao ser humano (HOumlFFE 2009 p21)

Estamos diante das condiccedilotildees para pensar a humanidade enquanto espeacutecie a liberdade

e a concepccedilatildeo de finalidade Ambas definem o espaccedilo a partir do qual eacute possiacutevel falar em mo-

ralidade

A imputabilidade de uma accedilatildeo ao sujeito sua responsabilidade moral somente eacute pos-

siacutevel pressupondo para Kant a condiccedilatildeo de agente livre Nesse sentido surge o problema dos

modelos os exemplos em sua impossibilidade de mover para a accedilatildeo pois eles ldquoservem apenas

para encorajar isto eacute potildeem fora de duacutevida a possibilidade daquilo que a lei ordenardquo (FMC

BA 29) Ao mesmo tempo em que Kant reconhece os exemplos como necessaacuterios agrave educaccedilatildeo

moral por outro lado o exemplo pode se tornar prejudicial por natildeo permitir o fortalecimento

da subjetividade reconhecida pela autonomia O modelo quando tornado ideal desconside-

rando seu caraacuteter de contingecircncia impede o desenvolvimento da ousadia no pensamento de-

fendido enfaticamente no texto Resposta agrave pergunta que eacute esclarecimento Sapere aude en-

contra o sentido pleno na medida em que permite desenvolver e assumir um comportamento

sem o guia tutorial

Assim eacute que nos textos da Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes e Fun-

damentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes haacute esta dupla perspectiva em relaccedilatildeo agrave tensatildeo entre

exemplos modelos e liberdade Haacute um consenso interno na teoria kantiana pondo os modelos

como encorajadores provando que eacute possiacutevel agir em plena conformidade ao dever Poreacutem

eles natildeo representam em nada o fortalecimento da moralidade em noacutes pois apoacutes acalmar os

sentimentos que o exemplo excita ldquoo coraccedilatildeo retorna espontaneamente ao seu movimento

4 O objetivo natildeo eacute aqui discutir detalhadamente o conceito de liberdade mas pontuaacute-lo brevemente a fim de situar as caracteriacutesticas ndash juntamente com a de finalidade uacuteltima ndash que marcam o ser humano em sentido moral 5 Otfried Houmlffe no mesmo texto indica que o antropocentrismo defendido eacute simplesmente temaacutetico ldquoPoder-se-ia dizer que se trata de um antropocentrismo temaacutetico e natildeo dogmaacutetico ou de um antropocentrismo relativo e natildeo absoluto Este eacute um antropocentrismo condicionado a saber um antropocentrismo que pressupotildee que se olhe a natureza do ponto de vista da espeacutecie homo sapiens Haacute aleacutem disso outra diferenccedila da compreensatildeo usual de antropocentrismo a natureza natildeo eacute instrumentalizada com vistas ao bem-estar humanordquo (2009 p33)

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vital natural e moderado e por conseguinte recai na languidez que lhe era antes peculiar

porque na verdade lhe era oferecido algo que o estimulava mas nada que o fortalecesserdquo

(CRPr sect 281)

O fortalecimento do sujeito para a accedilatildeo eacutetica ocorre em Kant a partir da conduccedilatildeo do

indiviacuteduo agrave liberdade resultando na autonomia como fora defendido na Resposta agrave pergunta

o que eacute esclarecimento Desse movimento inicial eacute possiacutevel desenvolver a consciecircncia da lei

moral ou seja a orientaccedilatildeo da maacutexima de accedilatildeo a partir da forccedila da lei ldquoO ceacuteu estrelado acima

de noacutes e a lei moral em noacutesrdquo Esse enunciado expressa muito mais do que uma forma de ori-

entaccedilatildeo devendo ser conteuacutedo de consciecircncia do mesmo modo que o ceacuteu estrelado em sua

grandeza serve de orientaccedilatildeo a lei moral em sua grandeza deve ser consciecircncia para poder

influenciar a orientaccedilatildeo pragmaacutetica do ser humano ldquoo que ele faz de si mesmo ou pode e

deve fazer como ser que age livrementerdquo (ANTR p21)

Nesse ponto eacute que os exemplos e os modelos sofrem de impossibilidade pois sua uacuteni-

ca funccedilatildeo eacute mostrar que eacute possiacutevel agir por amor ao dever mas natildeo pode ser colocado como

modelo de accedilatildeo Uma educaccedilatildeo que se utiliza de modelos visando fortalecer a consciecircncia e

gerar moralidade eacute carente de princiacutepios pois os modelos quando postos na posiccedilatildeo de prin-

ciacutepios podem impedir o elemento baacutesico da moralidade a liberdade e autonomia Em relaccedilatildeo

a isso eacute possiacutevel aproximar Adorno de Kant quando em Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo (Educa-

ccedilatildeo-para quecirc p141) os modelos ideais satildeo acusados de ideologia o que impede o pensa-

mento emancipado e criacutetico

Pode-se entatildeo defender que os exemplos natildeo servem de princiacutepios pois natildeo agem na

consciecircncia de modo a fortalecer ou ateacute mesmo como motivador da accedilatildeo A uacutenica possibili-

dade de haver a tomada de consciecircncia eacute mediante a representaccedilatildeo da lei da moralidade em

relaccedilatildeo ao ser humano individual ou seja a adequaccedilatildeo do princiacutepio agrave accedilatildeo E isso ocorre ape-

nas quando a base da accedilatildeo seu impulso normativo ocorre via conceito e a representaccedilatildeo deste

na praacutetica humana Princiacutepios tecircm que ser estabelecidos sobre a base de conceitos [] Ora esses con-ceitos se devem tornar-se subjetivamente praacuteticos natildeo tecircm que ficar parados diante das leis objetivas da moralidade para admiraacute-las e para apreciaacute-las em relaccedilatildeo agrave hu-manidade mas tecircm que considerar a sua representaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao homem e sua individualidade (CRPr sect 281)

Fixando a distinccedilatildeo entre princiacutepios e exemplos esses podem gerar apreccedilo e admira-

ccedilatildeo servindo de incentivo ao ajuizamento em conteuacutedos morais Mas natildeo podem servir de

incentivos agrave accedilatildeo mesma o que exige a forccedila motriz dos princiacutepios os quais satildeo originados

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pela faculdade do entendimento natildeo da sensibilidade Seguindo as linhas da Criacutetica da razatildeo

pura os conceitos se originam da mateacuteria-prima fornecida pela intuiccedilatildeo a qual eacute sensiacutevel Eacute

somente nesse sentido que os exemplos podem ter utilidade movendo a faculdade do enten-

dimento a operar a siacutentese deste diverso em uma ligaccedilatildeo sinteacutetica resultando em consciecircncia

Assim eacute possiacutevel a existecircncia do eu idecircntico (oposto agrave heteronomia) este sujeito possuidor de

si mesmo e capaz de mover-se pela representaccedilatildeo desta carga de consciecircncia ldquoTudo na natu-

reza age segundo leis Soacute um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representaccedilatildeo

das leis isto eacute segundo princiacutepios ou soacute ele tem uma vontaderdquo (FMC BA 36) O que temos

aqui eacute que pela siacutentese ocorre o surgimento de princiacutepios uacutenica via constituidora de uma

forccedila subjetiva para mim

Essa constituiccedilatildeo do sujeito moral em Kant ndash cujo percurso encontra nos exemplos a-

penas um estiacutemulo havendo necessidade da formaccedilatildeo da consciecircncia mediante a siacutentese do

material apreendido pelos sentidos convertendo-os em conceitos sendo que a partir de sua

representaccedilatildeo eacute originada a accedilatildeo moral ndash eacute definida como transcendental O sujeito transcen-

dental estaacute edificado com base metafiacutesica pois a possibilidade de determinaccedilatildeo supera a con-

tingecircncia histoacuterica e se fixa nas bases conceituais estaacuteveis fruto das representaccedilotildees e deste

modo limitando a influecircncia das experiecircncias efetivas com o objeto Este eacute o curso que o meacute-

todo da razatildeo praacutetica assume constituindo a subjetividade enquanto forccedila para mim baseada

no poder da ldquoliberdade interior de desembaraccedilar-se de tal modo da impetuosa impertinecircncia

das inclinaccedilotildees que absolutamente nenhuma mesmo a mais benquista tenha influecircncia sobre

uma resoluccedilatildeo para a qual devemos servir-nos agora da nossa razatildeordquo (CRPr sect 287) A forma-

ccedilatildeo da consciecircncia a partir da criacutetica da razatildeo em Kant segue entatildeo esse trajeto descrito com

sua consequente constituiccedilatildeo do princiacutepio supremo da moralidade Eacute esse um dos pontos deci-

sivos de contraposiccedilatildeo surgidos a partir do estudo da obra de Theodor Adorno o que seraacute

desenvolvido no decorrer do texto

12 O ideal de Reino dos fins e a determinaccedilatildeo moral do sujeito transcendental

O plano intelectual da Criacutetica da razatildeo pura apresentado no prefaacutecio agrave segunda edi-

ccedilatildeo aponta para a exigecircncia de relaccedilatildeo com a natureza a partir do imperativo racional de natildeo

se deixar guiar por nada que esteja aqueacutem da posiccedilatildeo de juiz que dita as regras e obriga a res-

postas conforme sua proacutepria pretensatildeo de esclarecimento Ao definir isso como sendo atributo

da razatildeo que ldquosoacute entende aquilo que produz segundo os seus proacuteprios planos que ela tem que

tomar a dianteira com princiacutepios que determinam os seus juiacutezos segundo leis constantes e

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deve forccedilar a natureza a responder agraves suas interrogaccedilotildees em vez de se deixar guiar por estardquo

(CRPu B XIII) ao apresentar tal plano Kant abre espaccedilo para a interferecircncia direta da razatildeo

pura livre de contingecircncias empiacutericas em relaccedilatildeo aos princiacutepios eacuteticos

Em termos morais a razatildeo precisa ser a produtora de suas leis e orientadora de suas

accedilotildees pois satildeos seus princiacutepios que devem estar na dianteira tanto dos ajuizamentos quanto

da proacutepria atividade humana inserida no mundo Temos em Kant ldquoa indicaccedilatildeo de que o con-

teuacutedo da lei moral em geral e o conteuacutedo concreto de determinadas maacuteximas que se possam

derivar dela natildeo satildeo determinados pelas disposiccedilotildees morais do acircnimo Nesse sentido Kant eacute

inequivocamente um racionalista somente a razatildeo (reflexatildeo) e natildeo um sentimento formula a

lei moral e determina com isso quais accedilotildees satildeo ordenadasrdquo (SCHOumlNECKER 2009 p57)

A moralidade entendida como a adequaccedilatildeo do agir humano ao princiacutepio racional de-

nominado lei e sendo entatildeo de cunho empiacuterico eacute consequecircncia desta situaccedilatildeo de autonomia

caracteriacutestica do sujeito que forccedila a natureza a guiar-se por tal lei constante Nessa perspectiva

Kant cunha a concepccedilatildeo de autonomia da vontade Contrapondo-se agrave possibilidade de deter-

minaccedilatildeo externa e portanto contingente a autonomia revela a capacidade de fazer uso do

proacuteprio entendimento conforme enunciado no texto Resposta agrave pergunta que eacute esclareci-

mento

Na Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes a vontade eacute caracterizada como a ldquofa-

culdade de se determinar a si mesmo a agir em conformidade com a representaccedilatildeo de certas

leisrdquo (BA 63) Desse modo a determinaccedilatildeo moral ocorre via representaccedilatildeo sendo essa resul-

tado da consciecircncia da lei moral em noacutes Isto foi analisado anteriormente poreacutem vale ressal-

tar que este agir em conformidade com a representaccedilatildeo da lei significa guiar-se pelos princiacute-

pios de consciecircncia fixados pelo entendimento em seu ato sinteacutetico de congregar as represen-

taccedilotildees em um conceito cuja forccedila determina a vontade

Voltando agrave autonomia ocorre um ldquoauto-forccedilarrdquo a natureza a seguir alguns criteacuterios

Em se tratando de seres racionais os uacutenicos em que eacute possiacutevel admitir a autonomia como cri-

teacuterio a vontade ldquoeacute aquela sua propriedade graccedilas agrave qual ela eacute para si mesma a sua lei (inde-

pendentemente da natureza dos objetos do querer)rdquo Dessa forma o princiacutepio da autonomia eacute

ldquonatildeo escolher senatildeo de modo a que as maacuteximas da escolha estejam incluiacutedas simultaneamen-

te no querer mesmo como lei universalrdquo (FMC BA 87)

Essa referecircncia eleva o sujeito transcendental para aleacutem da dimensatildeo epistemoloacutegica

Apesar de a Criacutetica da Razatildeo Pura ter o caraacuteter estrito de reformular as bases para o conheci-

mento ao afirmar que foge agrave capacidade de entendimento racional toda determinaccedilatildeo alheia

ao uso puro da razatildeo compreende-se que em termos de conduta praacutetica toda lei deve para

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ser reconhecida pela razatildeo partir de sua necessidade O plano de se deixar guiar por vontade

alheia natildeo encontra legitimaccedilatildeo na razatildeo pelo simples fato de natildeo ter sido ela a movedora de

tal plano e inclusive da minha vontade Este eacute o pressuposto da maioridade em Kant que

toda accedilatildeo feita por mim possa ser reconhecida pela minha razatildeo como devedora total agrave sua

necessidade

Kant faz uma advertecircncia para natildeo confundir a moralidade como pertencente agrave filoso-

fia transcendental pois falar em transcendental exige o entendimento de que nela natildeo entra conceito algum que contenha algo de empiacuterico ou seja vigiar para que o conhecimento a priori seja totalmente puro [] Daiacute resulta que os princiacutepios supremos da moralidade e os seus conceitos fundamentais sendo embora conceitos a priori natildeo pertencem agrave filosofia transcendental (CRPu B 28)

No entanto apesar de as questotildees morais estarem ligadas agrave contingecircncia o princiacutepio

de lei que orienta toda moralidade precisa daquele assentamento Sendo assim pode ateacute natildeo

haver pertenccedila em questotildees praacuteticas mas a lei do agir eacute dada estritamente pela razatildeo Desse

modo o moacutebil eacute sempre dado pelo sujeito transcendental nas suas condiccedilotildees de possibilida-

de a priori em conceber natildeo apenas uma verdade epistemoloacutegica mas a legitimidade e reco-

nhecimento da lei

Estamos diante do fato da razatildeo e sendo assim faz-se necessaacuterio estabelecer as bases

firmes deste fato Ou seja eacute imprescindiacutevel ter claro que para Kant como jaacute fora mencionado

anteriormente todo conhecimento para ser digno de consideraccedilatildeo cientiacutefica e estar legitima-

do racionalmente precisa partir do princiacutepio que a proacutepria razatildeo natildeo reconhece aquilo que eacute

produzido segundo planos a ela estranhos Ao afirmar que natildeo se pode buscar a fundamenta-

ccedilatildeo para a verdade a natildeo ser na convicccedilatildeo racional o deslocamento que ocorre aponta para a

superioridade da natureza interna sobre a externa Esta precisa ser controlada por aquela e

apesar de constantemente estarmos em busca da objetividade a fim de colocarmos em movi-

mento nossa capacidade de conhecer (cf CRPu B 1) isso natildeo ocorre sem mais a razatildeo ldquodeve

ir ao encontro da natureza para ser por esta ensinada eacute certo mas natildeo na qualidade de aluno

que aceita tudo o que o mestre afirma antes na de juiz investido nas suas funccedilotildees que obriga

as testemunhas a responder aos quesitos que lhes apresentardquo (CRPu B XIII)

Em relaccedilatildeo agrave natureza interna isto assume um caraacuteter decisivo na eticidade onde estaacute a

base da lei de conduta O querer natildeo pode ser guiado por questotildees alheias ao si proacuteprio toda

accedilatildeo deve ser pautada pela vontade consequente desse querer e isso por natildeo haver o reconhe-

cimento tanto de um governo divino quanto do humano em outra pessoa a natildeo ser a primeira

do singular o eu mesmo como nuacutecleo de forccedila para o agir A razatildeo natildeo reconhece aquilo que

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natildeo eacute por ela ditada e assim estaacute estabelecida a base para a maioridade e para a edificaccedilatildeo do

estado humano autocircnomo A pergunta ldquode onde proveacutem a leirdquo deveria ter como resposta i-

mediata proveacutem da razatildeo e pela razatildeo Assim sendo o estreitamento da noccedilatildeo de constitui-

ccedilatildeo configurado na necessidade do reconhecimento da lei pela razatildeo remete em Kant ao es-

treitamento na noccedilatildeo de facticidade somente estou autorizado a realizar aquilo que corres-

ponde agrave lei reconhecida pela razatildeo

Mas o que eacute lei Na Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes encontramos uma

definiccedilatildeo elucidativa eacute o princiacutepio objetivo do querer6 ou seja eacute a regra assentada em moti-

vos vaacutelidos para todo ser racional (cf FMC BA 63) Quando a razatildeo tem a possibilidade de

reconhecer uma accedilatildeo gerada por sua lei estamos diante da impossibilidade de accedilatildeo danosa

moralmente imputada pois o princiacutepio da razatildeo se assenta na validade para todos os seres

racionais Em outras palavras para que seja lei eacute necessaacuterio que natildeo ocorra a possibilidade de

a razatildeo mesma ser viacutetima da regra Por isso que o fim objetivo assume o caraacuteter de universali-

dade e necessidade Em termos aristoteacutelicos necessaacuterio eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash o

princiacutepio supremo da obrigaccedilatildeo

Retomando argumentaccedilatildeo acima a consideraccedilatildeo de todos os seres racionais (caraacuteter de

universalidade) envolvidos na necessidade objetiva encontra a denominaccedilatildeo de reino dos

fins Conforme jaacute visto esta eacute uma noccedilatildeo decisiva em Kant pois gera uma concepccedilatildeo de hu-

manidade derivada da forccedila moral (da accedilatildeo por dever) consequente da forccedila da lei (fundamen-

to do dever) A humanidade estabelecida atraveacutes da forccedila moral apoiada no amor ao dever

encontra a obrigatoriedade das accedilotildees nesse amor na segunda formulaccedilatildeo do imperativo cate-

goacuterico que assim dita ldquoAge de tal maneira que uses a humanidade tanto na tua pessoa como

na pessoa de qualquer outro sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente co-

mo meiordquo (FMC BA 66-67)

Em Sobre a discordacircncia entre moral e a poliacutetica a propoacutesito da paz perpeacutetua estaacute

expressa a soberania da consciecircncia no ordenamento do agir humano Eacute impossiacutevel que uma

vez admitido o dever enquanto princiacutepio interno e a constituiccedilatildeo da vontade a partir de tal

natildeo haja a possibilidade de agenciamento praacutetico a partir do princiacutepio do dever Em suas pa-

lavras postula-se que eacute um absurdo ldquoalgueacutem depois de ter admitido a autoridade deste concei-

to do dever querer dizer que natildeo se pode realizaacute-lordquo (2009 p79) Essa postura riacutegida de Kant

representa sua intenccedilatildeo em constituir uma subjetividade que se move unicamente pelo princiacute-

pio da autonomia que somente a lei interna pode proporcionar O motivo moral estaacute no cum-

6 Conforme nota explicativa de Kant em BA 15

30

primento da lei sendo esse o motivo da accedilatildeo Em relaccedilatildeo a esse motivo ldquoKant estaacute analisan-

do o conceito proacuteprio de uma lei moral dada uma lei se ela eacute moral devemos segui-la incon-

dicionalmente precisamente por ela ser moralrdquo (MAREY 2010 p79 ndash traduccedilatildeo nossa) Estri-

tamente no sentido moral da lei estaacute entatildeo o criteacuterio de decisatildeo para a adequaccedilatildeo da accedilatildeo agrave

moralidade Esta eacute a centralidade da foacutermula a autorizaccedilatildeo para atuar surge especificamente

ldquodo procedimento de universalizaccedilatildeo enunciado na foacutermula imperativa da lei geralrdquo (MA-

REY 2010 p79 ndash traduccedilatildeo nossa)

A accedilatildeo moral eacute livre isto eacute natildeo passiacutevel de influecircncia heterocircnoma Ao romper com

todo determinismo externo eacute aberta a possibilidade de realizaccedilatildeo do dever por uma uacutenica via

sendo um princiacutepio interno natildeo posso natildeo querer sua realizaccedilatildeo A questatildeo eacute se eacute possiacutevel no

momento da accedilatildeo a vontade humana se guiar unicamente pela consciecircncia do princiacute-

piofoacutermula do dever Ao defender positivamente essa questatildeo Kant fixa a liberdade a partir

do princiacutepio formal como base da moralidade Para fazer a filosofia praacutetica concordar consigo mesma eacute necessaacuterio em primeiro lu-gar resolver a questatildeo de saber se nos problemas da razatildeo praacutetica deve-se tomar co-mo ponto de partida o princiacutepio material dela a finalidade (como objeto da livre vontade) ou partir do princiacutepio formal isto eacute daquele (estabelecido somente com relaccedilatildeo agrave liberdade nas relaccedilotildees externas) assim enunciado age de tal maneira que possas querer que tua maacutexima se torne uma lei universal (qualquer que seja a finali-dade desejada por ti) (SDMP p86)

A concepccedilatildeo anteriormente desenvolvida dita a construccedilatildeo dos princiacutepios atraveacutes da

siacutentese operada pelo entendimento sobre o diverso da intuiccedilatildeo sensiacutevel resultando em conte-

uacutedo de consciecircncia impulsionadora da representaccedilatildeo deste princiacutepio (lei) em relaccedilatildeo ao ser

humano particular A partir dessa concepccedilatildeo eacute que se insere o conceito de liberdade como

suporte que garante a representaccedilatildeo da lei agrave accedilatildeo Isso se torna compreensiacutevel quando relem-

bramos a recusa de Kant a toda forma de determinaccedilatildeo pois ela eacute externa e por isso natildeo cor-

responde ao conceito de liberdade sendo este resultado da accedilatildeo mediante a representaccedilatildeo da

lei a qual eacute conteuacutedo de consciecircncia Para ser livre eacute necessaacuterio que a vontade seja impulsio-

nada por um princiacutepio interno a ela estamos diante da autonomia da vontade

Mas seria simplista entender a liberdade de escolha em Kant apenas na perspectiva

de a vontade natildeo ser determinada por impulsos sensiacuteveis ou determinaccedilotildees externas (instintos

paixotildees) Ampliando essa concepccedilatildeo liberdade eacute ldquocapacidade da razatildeo pura ser por si mes-

ma praacutetica ndash possiacutevel somente pela qualificaccedilatildeo da maacutexima da accedilatildeo como lei universalrdquo (MC

p63) Natildeo se entende o arbiacutetrio livre unicamente como oposiccedilatildeo agrave natureza que manda mas

submetida agrave razatildeo que prescreve a lei na forma de imperativo lei que comanda ou proiacutebe de

31

maneira absoluta sem possibilidade de natildeo o ser Desse modo a vontade somente seraacute livre

quando a forccedila legislativa da maacutexima servir como lei visto que a lei eacute algo em si positivo a saber a forma de uma causalidade intelectual isto eacute da liberdade assim na medida em que ela em contraste com uma contra-atuaccedilatildeo subjetiva a saber as inclinaccedilotildees em noacutes enfraquece a presunccedilatildeo eacute ao mesmo tempo um objeto de respeito e na medida em que ela ateacute a abate isto eacute a humilha eacute um objeto do maacuteximo respeito (CRPr sect130)

Eacute dada agrave lei a forccedila de ser causalidade e por ser conteuacutedo de consciecircncia eacute forma da

liberdade A lei eacute forma de causalidade que abate as inclinaccedilotildees ou seja anula em sentido

praacutetico o efeito da felicidade proacutepria e nesse sentido eacute moral pois considera o humano como

finalidade no ideal de reino dos fins Assim se entende o sentido da liberdade a possibilidade

de natildeo ser guiado nem pela determinaccedilatildeo natural o que seria ligado agrave contingecircncia e tam-

pouco pela subjetividade egoiacutesta Nesse sentido liberdade e autonomia satildeo as caracteriacutesticas

proacuteprias do ser dotado de razatildeo

A liberdade eacute entatildeo transcendental condiccedilatildeo de possibilidade natildeo apenas de ruptura

com os ditames da natureza mas de se converter em lei universal e necessaacuteria para a accedilatildeo O

princiacutepio que permite o movimento natildeo eacute outro que a representaccedilatildeo da lei na accedilatildeo humana

Kant identifica a accedilatildeo desprovida de liberdade a um autocircmato algueacutem que age como maacutequi-

na sem raciociacutenio e vontade proacutepria Se seguiacutessemos apenas um mecanismo da natureza en-

tatildeo a accedilatildeo ldquonatildeo seria melhor que a liberdade de um assador giratoacuterio o qual uma vez posto

em marcha executa por si os seus movimentosrdquo (CRPr sect174) quando natildeo haacute a representaccedilatildeo

da accedilatildeo como necessaacuteria e originada por um princiacutepio racional

Conceber a determinaccedilatildeo moral do sujeito exige como linha reguladora a noccedilatildeo de

reino dos fins Essa noccedilatildeo estaacute de acordo com o ideal de sociedade proposto tambeacutem no texto

Ideia de uma histoacuteria universal de um ponto de vista cosmopolita Defendendo a necessidade

de um mundo cosmopolita isso ocorreria pelo equiliacutebrio entre os antagonismos gerais e o

direcionamento das forccedilas em direccedilatildeo agrave realizaccedilatildeo do mais alto propoacutesito da natureza em noacutes

a ligaccedilatildeo mediante um poder irresistiacutevel o qual congrega a liberdade de cada um em co-

habitaccedilatildeo com a liberdade dos outros Isso seria a sociedade que em outras palavras deve ser

entendida como devendo estar regulada pela ideia de reino dos fins Essa relaccedilatildeo fica ainda

mais evidente quando Kant expotildee o conceito de reino ldquoa ligaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios seres

racionais por meio de leis comunsrdquo (FMC BA 74) Assim ocorre a tentativa de edificar a ple-

na igualdade entre os homens quando apesar dos antagonismos todas as forccedilas satildeo orienta-

32

das a um objetivo comum constituir a civilizaccedilatildeo entendida como o uso da ideia de morali-

dade

A obrigatoriedade de uma accedilatildeo estaacute na promoccedilatildeo e preservaccedilatildeo desse reino e nenhum

fator subjetivo pode desviar o seguimento do dever Isso significa que nenhum moacutebil pode

desviar o querer orientado pelo elemento objetivo do querer ndash tal eacute a forccedila que o imperativo

categoacuterico daacute ao sujeito envolvido na accedilatildeo uma pureza de intenccedilotildees incapaz de romper a lei

E nesse meio eacute que surge um limite ao ideal eacutetico-moral kantiano pois no acircmbito da razatildeo

pura exige-se um indiviacuteduo com uma rigidez de caraacuteter natildeo realizaacutevel no plano da contingecircn-

cia histoacuterica Eacute necessaacuterio considerar o dinamismo a incerteza histoacuterica como constituinte do

humano Estariacuteamos diante de um limite para a razatildeo pura como fixadora do alcance do ali-

cerce eacutetico Para justificar e fundamentar a afirmaccedilatildeo acima recorro a Theodor W Adorno

2 THEODOR ADORNO E A CONCEPCcedilAtildeO DE PENSAMENTO POacuteS-METAFIacuteSICO

21 Discussatildeo em torno do conceito de ldquosujeitordquo

Theodor Adorno leva ao extremo a criacutetica agrave formaccedilatildeo da subjetividade e consequen-

temente define um novo olhar sobre quem eacute ou o que eacute aquilo que chamamos sujeito Anali-

sando a trajetoacuteria de sua produccedilatildeo intelectual eacute possiacutevel relacionar sua criacutetica agrave subjetividade

tanto como uma contraposiccedilatildeo ao transcendental de Kant quanto ao pensamento grego anti-

go mas especificamente em Aristoacuteteles Considero essa tensatildeo fundamental e a interpretaccedilatildeo

que proponho avanccedila para a noccedilatildeo de que os seres humanos se converteram em ldquosujeitos des-

providos de subjetividaderdquo (MM 33 p467) Quem eacute realmente esse sujeito e em que termos

ocorre este desprover de sua proacutepria subjetividade

Na Metafiacutesica o termo sujeito eacute posto por Aristoacuteteles como um dos sentidos de subs-

tacircncia assim definido-a como a essecircncia o universal o gecircnero e o sujeito ldquoE o sujeito eacute aqui-

lo sobre o qual satildeo ditas as demais coisas sem que ele por sua vez seja dito de outrardquo (VII 3

1028b 36) Essa concepccedilatildeo encontra em seu centro a indicaccedilatildeo de um elemento fundamental

a noccedilatildeo de determinaccedilatildeo condiccedilatildeo para qualquer conhecimento Nada eacute possiacutevel dizer sem

considerar esta origem epistemoloacutegica que em Aristoacuteteles eacute a substacircncia identificada em um

sentido com o sujeito Substacircncia eacute sujeito em seu sentido enfaacutetico a origem de todo o devir

forccedila originaacuteria e que eacute legitimamente em-si Os atributos somente predicam algo em refe-

recircncia a um sujeito no caso o sujeito congregador das predicaccedilotildeesdeterminaccedilotildees eacute a subs-

tacircncia e aquelas natildeo existem fora dessa Ou seja somente satildeo em atribuiccedilatildeo ao sujeito

Apesar de Aristoacuteteles natildeo ter concebido o termo autonomia contudo este em-sisi-

mesmo independente de determinaccedilotildees pode ser entendido como um prenuacutencio desse termo

Aristoacuteteles traz para o interior do ente a capacidade de automover-se Natildeo eacute o sentido kantia-

no de autonomia ou maioridade tampouco o sentido adorniano de emancipaccedilatildeo mas indica a

possibilidade ainda claacutessica de compreender o sujeito como portador de um poder intriacutenseco

capaz de construiacute-lo mesmo que ainda em potecircncia visando um fim

Esse elemento determinante poreacutem natildeo determinado servindo assim de origem ou

suporte para todas as modificaccedilotildees que algo venha a sofrer eacute chamado por Aristoacuteteles de hy-

pokeimenon Em referecircncia a este termo para Hans-Georg Gadamer ldquoa palavra significa lsquoa-

quilo que se encontra na basersquo Eacute assim que a palavra vem ao nosso encontro na fiacutesica e na 7 As chamadas referentes agraves citaccedilotildees da obra Minima Moralia (MM) de Theodor Adorno seguem a seguinte ordem abreviatura da obra nuacutemero do aforismo seguido do nuacutemero da paacutegina conforme a traduccedilatildeo ao portu-guecircs de Luiz Eduardo Bicca

34

metafiacutesica de Aristoacuteteles [] e significa aquilo que se encontra inalteravelmente agrave base da

mudanccedila de todas as transformaccedilotildeesrdquo (2007 p11)

A questatildeo eacute sobre a possibilidade de retirar significaccedilatildeo desse fundamento grego em

relaccedilatildeo agrave Teoria Criacutetica de Adorno A soluccedilatildeo que proponho gira em torno de uma criacutetica da

cultura Partindo da concepccedilatildeo grega o sujeito eacute a forccedila original em tudo o que haacute e que per-

mite a realizaccedilatildeo das possibilidades servindo como determinaccedilatildeo para todas as mudanccedilas que

venham a ocorrer Eacute forccedila original por ser proacutepria do indiviacuteduo e natildeo ser passiacutevel de nenhuma

alteraccedilatildeo deriva natildeo sendo derivada O que Adorno percebe eacute que em eacutepocas de administra-

ccedilatildeo da cultura nada escapa ao controle nem mesmo esta substacircncia proacutepria Este em-si origi-

nal se converte conforme apresentado em Dialeacutetica do esclarecimento (p24) em para-ele

Eacute possiacutevel atribuir agrave Paideia grega a concepccedilatildeo desse valor interior poreacutem eacute igual-

mente possiacutevel atribuir agrave nossa sociedade contemporacircnea sua conduccedilatildeo a um valor objetivo

como posse natildeo mais do indiviacuteduo mas da proacutepria estrutura soacutecio-cultural que o determina

Estamos diante de algo desprovido de subjetividade Este que Aristoacuteteles quis como portador

de um nuacutecleo de forccedila originaacuterio foi convertido em algueacutem vazio desta proacutepria forccedila tendo

esta migrado para esferas a ele exteriores Em se tratando de seres humanos tendo sido o po-

der de determinaccedilatildeo a ele alienado eacute totalmente compreensiacutevel a padronizaccedilatildeo de comporta-

mentos e modos de pensar Aquele que deveria ser o sujeito estaacute carente de sua forccedila e aquilo

que deveria ser as derivaccedilotildees da accedilatildeo de tal sujeito (a cultura as instituiccedilotildees o econocircmico)

acaba se convertendo em substrato o elemento essencial que determina externamente o indi-

viacuteduo Sobre a menoridade do indiviacuteduo diante da cultura Rodrigo Duarte afirma ldquoo sujeito

experimenta ndash exatamente na eacutepoca em que os seus meios teacutecnicos de dominaccedilatildeo da natureza

se encontram mais desenvolvidos ndash sua degeneraccedilatildeo em mera coisa sendo que o mundo fiacutesico

a ele subordinado transfere sua selvageria para o seio da cultura acircmbito em que por defini-

ccedilatildeo a autoconsciecircncia do sujeito deveria se colocar como alternativa agrave inconsciecircncia da natu-

rezardquo (1997 p52)

A derivaccedilatildeo primeira dessa constataccedilatildeo ocorre em termos eacutetico-morais O sujeito mo-

ral eacute em Kant o sujeito capaz de se determinar aquele cuja vontade eacute movida por um princiacute-

pio interno legislador universalmente O substrato estaacute no princiacutepio da vontade de um ser ra-

cional capaz de legislar em favor de uma causa comum o bem em sentido efetivo de realiza-

ccedilatildeo do humano em sua dignidade Esta missatildeo legisladora e constituidora do reino dos fins

kantianos exige nada menos que a existecircncia do sujeito enquanto possuidor de subjetividade

forte e autocircnoma Em se tratando da accedilatildeo humana seja em Kant ou Adorno a existecircncia do

sujeito eacute condiccedilatildeo para toda a teoria da moralidade Como persistir na fundamentaccedilatildeo via

35

imperativo categoacuterico quando ocorre a anulaccedilatildeo da forccedila autocircnoma do indiviacuteduo como que

perdendo seu poder subjetivo determinante seu em-si (seja aristoteacutelico ou kantiano)

Nessa anaacutelise cabe uma criacutetica ao proacuteprio si Adorno natildeo concebe uma constituiccedilatildeo

metafiacutesica do si mas o percebe como constituiacutedo em conexatildeo com outros si ldquoO sujeito que

supostamente eacute em si estaacute em si mediado por aquilo do qual se separa a conexatildeo de todos os

sujeitos Atraveacutes da mediaccedilatildeo se converte ele mesmo naquilo que segundo sua consciecircncia de

liberdade natildeo quer ser heterocircnomordquo (DN 20058 p 201) Nesses termos a subjetividade natildeo

eacute um dado causal totalmente intriacutenseco ao ser humano como o hypokeimenon aristoteacutelico ou

o transcendental em Kant mas definido mediante as circunstacircncias histoacutericas nas quais ele

estaacute inserido Para ser em-si eacute necessaacuterio tambeacutem ser com-outro O que ocorre eacute em Adorno

uma volta incisiva ao sujeito agora sob novas configuraccedilotildees marcadas pela experiecircncia com

outros sujeitos pois ldquoenquanto a induacutestria cultura e os donos do poder querem sujeitos enfra-

quecidos para melhor se adaptarem ao sistema que os devora Adorno propotildee a reconstruccedilatildeo

da individualidade do sujeito na experiecircncia com outros sujeitos para que essa individualida-

de seja fonte impulsionadora de resistecircnciardquo (PUCCI 2006 p 407)

Mas como garantir que a individualidade natildeo desapareccedila ou sucumba agrave impotecircncia

diante da forccedila da alteridade O que haacute de autocircnomo e de heterocircnomo nesta constituiccedilatildeo A

isso Adorno remete em inuacutemeros textos sempre enfatizando a necessidade de ou constituir

consciecircncia ou elevar o niacutevel de experiecircncias formativas Os quais natildeo deixam de estar em

iacutentima inter-relaccedilatildeo pois os conteuacutedos de consciecircncia e o proacuteprio ato de consciecircncia satildeo for-

mados somente pela radical inserccedilatildeo na experiecircncia

Dessa forma ao tratar do termo consciecircncia Adorno vai aleacutem do procedimento loacutegico

formal que constitui o pensamento

eacute o pensar em relaccedilatildeo agrave realidade ao conteuacutedo ndash a relaccedilatildeo entre as formas e estrutu-ras do pensamento do sujeito e aquilo que este natildeo eacute Este sentido mais profundo de consciecircncia ou faculdade de pensar natildeo eacute apenas o desenvolvimento loacutegico formal mas ele corresponde literalmente agrave capacidade de fazer experiecircncias Eu diria que pensar eacute o mesmo que fazer experiecircncias intelectuais (EE p151)

Eacute possiacutevel traccedilar uma linha teoacuterica que vai de Aristoacuteteles a Adorno Heidegger no tex-

to O fim da filosofia e a tarefa do pensamento (2009 p72) afirma que ldquocom o ego cogito

como subjectum por excelecircncia eacute atingido o fundamentum absolutum isto quer dizer o sujei-

8 Nas chamadas referentes agrave obra Dialeacutetica negativa indicarei o ano de publicaccedilatildeo Isso pelo fato de utilizar a versatildeo em espanhol e tambeacutem a versatildeo em portuguecircs Quando citar a versatildeo em espanhol (2005) a traduccedilatildeo eacute de Mauricio J Farinon

36

to eacute o ὑί transferido para a consciecircncia Essa constataccedilatildeo eacute decisiva para compre-

endermos o itineraacuterio teoacuterico em torno do conceito de sujeito Sendo em Aristoacuteteles algo in-

terno agrave constituiccedilatildeo essencial do ente em sua natureza primeira com Descartes esse constitu-

inte eacute transferido ao nuacutecleo racional a consciecircncia humana Eacute a consciecircncia que determina a

existecircncia subjetiva e objetiva tanto da res cogitans quanto da res extensa

Kant leva ao extremo essa constataccedilatildeo quando admite a experiecircncia sensiacutevel como

ponto de apoio para todo entendimento mas esse mesmo se identifica com o ato de pensar e

embora natildeo havendo situaccedilatildeo de primazia entre sensibilidade e entendimento eacute na capacidade

de siacutentese operada pelo entendimento que se origina todo conhecimento E a siacutentese eacute ato de

pensar por conceito ndash pensamento por excelecircncia ndash o que somente eacute possiacutevel via unidade da

consciecircncia a identidade do sujeito consigo mesmo Para Adorno essa consciecircncia se tornou

administrada e o ego nem sempre eacute possuidor de cogito sendo essa caracteriacutestica transferida

para algo a ele estranho Natildeo raro temos indiviacuteduos cuja capacidade de decisatildeo e de origem de

qualquer movimento eacute determinada por tutores Assim temos o sujeito destituiacutedo de subjeti-

vidade

A identidade do sujeito consigo mesmo eacute a consciecircncia de si unidade transcendental

que permite o ajuizamento em termos de conhecimento e o que para noacutes eacute o mais decisivo

em termos morais Eacute por me reconhecer uno que posso atribuir valor moral ou seja na eman-

cipaccedilatildeo estaacute o criteacuterio para a accedilatildeo via imperativo categoacuterico Quanto a isso Kant foi decisivo e

sua proposta pode ser caracterizada como sendo exata O ponto de discussatildeo estaacute em admitir a

identidade para aleacutem do consigo mesmo partindo para uma compreensatildeo de que o outro natildeo

se resume ao sentido que reside na consciecircncia idecircntica a si mesma

Chama agrave atenccedilatildeo a referecircncia do pensamento com aquilo que ele mesmo natildeo eacute A

consciecircncia em Adorno por mais que haja nela o elemento da apreensatildeo e reconhecimento do

objeto perpassa pelo elemento da negatividade da contradiccedilatildeo Somente eacute possiacutevel pensar em

constante progresso quando natildeo haacute identidade pois assim subsistem os indicativos de novas

experiecircncias Natildeo haacute um termo final no processo de constituiccedilatildeo da subjetividade e isso de-

vido agrave inexistecircncia do elemento reconciliador entre sujeito e objeto na paz da subjetividade

constitutiva

Pressupondo tal reconciliaccedilatildeo entre o real e a consciecircncia estariacuteamos diante da frieza

conceitual que permite somente o eterno giro dela sobre ela mesma Ao romper com esse mo-

delo de reconciliaccedilatildeo proacuteprio do idealismo kantiano Adorno indica sua proacutepria concepccedilatildeo de

filosofia dizendo que ela ldquonada mais eacute do que o pensamento que natildeo se deixa travarrdquo (EXP

37

p11) A forccedila do ato de pensamento reside na capacidade desenvolvida pelas experiecircncias

formativas Isso eacute decisivo na concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e no todo do pensamento adorniano A

proacutepria possibilidade de experiecircncia esteacutetica perpassa pela habilidade em realizar experiecircncias

formativas O que veremos mais adiante

A referecircncia a Immanuel Kant assume fundamental importacircncia Sua ecircnfase de que haacute

uma complementaccedilatildeo absolutamente necessaacuteria entre sensibilidade e entendimento ou seja

entre experiecircncia e pensamento na constituiccedilatildeo do conhecimento leva a um avanccedilo decisivo

em relaccedilatildeo a Aristoacuteteles Quando este afirma no livro II da Metafiacutesica que o aprendizado eacute

fruto da capacidade de experiecircncia a qual desenvolve a memoacuteria e coloca a έ (arte) vin-

culada ao saber e ao entendimento identifica a sabedoria como o conhecimento das causas e a

filosofia como ldquociecircncia da verdaderdquo

Sendo a verdade o conhecimento das causas deve-se remeter ao termo primeiro agravequi-

lo que eacute a origem de tudo o mais Ateacute mesmo a causa material natildeo deve remeter ao infinito

pois essa total transitoriedade impediria a verdade e esta eacute somente a primeira ldquoos entes eter-

nos satildeo sempre necessariamente os mais verdadeiros (natildeo satildeo temporalmente verdadeiros e

natildeo haacute nenhuma causa de seu ser mas que eles satildeo causa do ser para as demais coisas) de

sorte que cada coisa possui verdade na mesma medida em que possui de serrdquo (MET II 3

993b 28) Ou seja tudo o que deriva passa a ser relativo a esse elemento primordial Eacute assim

que Aristoacuteteles concebe a noccedilatildeo de verdade entendimento e saber Natildeo haacute dependecircncia do

pensamento do sujeito humano mas somente da posse do conhecimento das causas

Eacute nesse ponto que ocorre a diferenciaccedilatildeo kantiana pois o decisivo natildeo estaacute no ser e-

terno aristoteacutelico mas no processo de associaccedilatildeo entre sensibilidade e entendimento o que

significa a capacidade de conhecimento e pensamento Assim ocorre uma inclinaccedilatildeo decisiva

em direccedilatildeo ao sujeito do proacuteprio conhecimento Agora o sujeito eacute o indiviacuteduo mesmo e a con-

diccedilatildeo de possibilidade de todo conhecimento natildeo estaacute em outro lugar a natildeo ser na razatildeo

Adorno poreacutem natildeo compactua com as determinaccedilotildees provindas da subjetividade kan-

tiana Se por um lado Aristoacuteteles apresentava o sujeito como sentido de substacircncia e com

Kant a inclinaccedilatildeo ao sujeito humano passa a ser o elemento central de sua teoria em Adorno

eacute possiacutevel defender uma primazia da experiecircncia O fato central que determina nossa capaci-

dade de conhecimento natildeo estaacute no substrato metafiacutesico claacutessico tampouco eacute exclusividade da

estrutura interna do indiviacuteduo mas eacute o permanente renovar da experiecircncia entre diferencia-

dos

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Natildeo ocorre a negaccedilatildeo do que Kant chamou estruturas internas como condiccedilotildees ao co-

nhecimento e tambeacutem natildeo haacute a abstraccedilatildeo do objeto Contudo a partir da Teoria Criacutetica de

Theodor Adorno falar em conhecimento e em verdade pressupotildee um jogo livre entre diferen-

ciados Eacute livre por natildeo encontrar um termo decisivo um ponto reconciliador onde ocorre a

total adequaccedilatildeo entre pensamento e realidade Fala-se em sujeitos por natildeo haver uma posiccedilatildeo

de centralidade em nenhum dos poacutelos tradicionais sujeito e objeto mas sim na relaccedilatildeo Sujei-

to e objeto natildeo podem existir sem pressupor a relaccedilatildeo o erro kantiano estaacute em enfatizar um

aspecto que natildeo existe sem a relaccedilatildeo com o diferenciado e a inversatildeo ocasionada pelo filoacuteso-

fo de Frankfurt resulta em o proacuteprio ser humano ser concebido como ldquoresultado natildeo Eidosrdquo

(SO p200) Sendo o elemento central do humano a condiccedilatildeo de ser tambeacutem resultado re-

mete-se a um questionamento na tentativa de em relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do que eacute a verdade

conseguir situaacute-la nesse quadro teoacuterico caracterizado pela primazia da relaccedilatildeo

22 A concepccedilatildeo de verdade em seu nuacutecleo histoacuterico

As discussotildees em torno do conceito de verdade encontram uma indicaccedilatildeo precisa ain-

da na Dialeacutetica do esclarecimento A Dialeacutetica negativa e a Teoria esteacutetica ocupam lugar

central nessa discussatildeo mas a referecircncia agrave obra conjunta com Horkheimer eacute decisiva pois

nessa ocorre a fundamentaccedilatildeo das discussotildees em torno desse conceito O que resulta dessas

discussotildees permite situar Adorno como um autor poacutes-metafiacutesico

O nuacutecleo da verdade eacute temporal portanto sua caracteriacutestica baacutesica eacute a transitoriedade

histoacuterica Somente esse fato coloca Adorno em choque radical com a tradiccedilatildeo filosoacutefica que

se criou desde a Greacutecia claacutessica Nas palavras dele mesmo assim eacute caracterizada sua teoria

ldquouma teoria que atribui agrave verdade um nuacutecleo temporal em vez de opocirc-la ao movimento histoacute-

rico como algo imutaacutevelrdquo (DE p9) e a ldquoverdade eacute constelaccedilatildeo em devirrdquo (OPF p21) somen-

te existindo como o que estaacute em devir Esse fato demarca a concepccedilatildeo baacutesica daquilo que eacute

possiacutevel denominar de pensamento poacutes-metafiacutesico Diante da verdade em seu nuacutecleo histoacuteri-

co o proacuteprio sujeito passa a ser compreendido a partir desta dimensatildeo pondo em questatildeo o

caraacuteter a prioritranscendental kantiano ou formal platocircnico Eacute a importacircncia do resgate da

contingecircncia da historicidade e do elemento ativo no ser humano9

Dois problemas perpassam a discussatildeo em torno desse tema a partir de Adorno O

primeiro eacute a aniquilaccedilatildeo da verdade em troca da eficaacutecia no procedimento A segunda discus-

satildeo aponta para uma contraposiccedilatildeo ao conceito grego aletheia Se este termo indica aquilo 9 Ver o texto de Bruno Pucci Teoria Criacutetica e Educaccedilatildeo na obra do mesmo nome editado em 2007

39

natildeo oculto natildeo escondido ou dissimulado e portanto alcanccedilar a verdade eacute conseguir tirar o

veacuteu que encobre a realidade e trazer o fato agrave tona em contraposiccedilatildeo a administraccedilatildeo da vida

gera o processo inverso o encobrimento Nesse sentido a verdade natildeo se torna mais evidente

exigindo um radical esforccedilo interpretativo principalmente dos fatores que geram esse enco-

brimento e tambeacutem dos fatores que impedem ao pensamento vislumbrar o mundo sob o veacuteu

ideoloacutegico

Esse quadro natildeo se vislumbra somente em questotildees teoacutericas mas perpassa por toda

formaccedilatildeo do pensamento humano principalmente em questotildees de educaccedilatildeo regular em insti-

tuiccedilotildees de ensino Eacute visiacutevel a resistecircncia ao ato de pensar e de se demorar sobre algo A acircnsia

por foacutermulas capazes de resolver imediatamente os problemas toma conta das atividades esco-

lares e ao se deparar com a necessidade de uso de um uacutenico ferramental ndash o pensamento rigo-

rosamente orientado ndash ocorre o bloqueio das energias do conhecimento o que pode ser en-

tendido como resistecircncia agrave investigaccedilatildeo teoacuterica Diante desse quadro surge a Filosofia como

alternativa formadora e propulsora do pensamento e busca pela verdade Analisaremos esses

dois pontos de discussatildeo acima apontados

221 Tensatildeo entre verdade e procedimento

Para Adorno o problema decisivo ao pensamento e agrave proacutepria Filosofia se situa na fa-

lecircncia do elemento ativo a saber a concentraccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo na verdade Para ele o ativo

natildeo se estabelece como em geral ocorre nas aacutereas teacutecnico-cientiacuteficas nas quais esse termo eacute

identificado com o domiacutenio de procedimentos e a consequente produccedilatildeo de objetos Essa

accedilatildeo pode estar carregada de automatismos A verdadeira atividade coincide com a posse do

elemento cognitivo pois somente nesse momento eacute que a accedilatildeo passa a ser atribuiacuteda ao que

executa10 O robocirc natildeo eacute ativo por mais que produza pois nele estaacute ausente o elemento do

entendimento que em outras palavras eacute a satisfaccedilatildeo da verdade Desse modo vincula-se o

elemento ativo com a existecircncia da forccedila subjetiva com a existecircncia do sujeito propriamente

dito

A falecircncia desse elemento ativo se identifica com a incorporaccedilatildeo do segundo elemen-

to a eficiecircncia na operacionalidade agrave qual vem acoplada a noccedilatildeo de representaccedilatildeo do ldquoobje-

tordquo e de enfraquecimento do ldquosujeitordquo Um primeiro sentido desse enfraquecimento jaacute estaacute

10 Acerca da relaccedilatildeo com a natureza seja interna ou externa a partir do criteacuterio baseado no domiacutenio teacutecnico carente da relaccedilatildeo com a verdade ver Rodrigo Duarte Miacutemesis e Racionalidade (1993) principalmente os capiacute-tulos I II e III onde o autor aborda a relaccedilatildeo de domiacutenio da natureza do ponto de vista da razatildeo totalizadora e na contra-resposta de uma relaccedilatildeo esteacutetica com a natureza

40

descrito no paraacutegrafo anterior com a distinccedilatildeo entre ativo e automatismo Outro fator que

aponta para o enfraquecimento do sujeito ocorre pela representaccedilatildeo que percebemos nas rela-

ccedilotildees originadas nos ambientes virtuais Natildeo haacute mais a necessidade de encontro efetivo e a

dinacircmica que envolve o tato e o confronto direto eacute substituiacutedo pela dinacircmica da visatildeo e da

audiccedilatildeo destituiacuteda de efetividade sensiacutevel imediata Essa representaccedilatildeo do outro em um en-

contro desvinculado da experiecircncia efetiva do corpo promovido pelos ambientes virtuais

pode gerar a imediata pobreza de experiecircncia a inexistecircncia de padrotildees eacuteticos que somente

ocorrem quando temos o corpo em contato Subjetividade vazia eacute o que marca o indiviacuteduo

moderno pois a condiccedilatildeo para haver solidez no eu entendida como reconhecimento de si

diante da diferenccedila que o outro significa eacute negada na relaccedilatildeo ausente de corpo e portanto

natildeo efetiva

Retomando o conceito de verdade qual eacute a verdade do outro para aleacutem de minha re-

presentaccedilatildeo Dessa compreensatildeo pode resultar a riqueza ou pobreza de consciecircncia pois

quando acredito poder substituir o objeto pelo objeto de minha representaccedilatildeo ou quando ad-

mito que o outro somente exista por ter passado pela minha percepccedilatildeo e entendimento entatildeo

a verdade se converte em ideologia reducionista e anuladora da riqueza constitutiva desse

outro A verdade do outro eacute seu em-si e devir e natildeo o seu para-mim eacute seu conteuacutedo de cons-

ciecircncia proacuteprio e insubstituiacutevel eacute sua marca histoacuterica constituidora da identidade proacutepria Eacute

baseado nesses dados que defendo a urgecircncia da educaccedilatildeo que vise desenvolver a satisfaccedilatildeo

pela verdade a riqueza de conteuacutedo natildeo somente a operacionalidade Preocupa-se muito em

formar nos modos de proceder (seja em esfera produtiva seja na cotidianidade da vida) es-

quecendo dos criteacuterios que deveriam nortear toda conduta humana

A conduta adequada poder-se-ia caracterizar em sentido filosoacutefico do seguinte modo

natildeo eacute agitaccedilatildeo afanosa nem o ficar parado matutando mas sim o olhar demorado sobre o objeto sem querer forccedilaacute-lo A disciplina cientiacutefica em voga requer do sujeito que se apague a si mesmo em prol da primazia da coisa ingenuamente presumida A isto se opotildee a filosofia O pensar natildeo deve reduzir-se ao meacutetodo a verdade natildeo eacute o resto que permanece apoacutes a eliminaccedilatildeo do sujeito Pelo contraacuterio este deve levar consigo toda sua inervaccedilatildeo e experiecircncia na observaccedilatildeo da coisa para segundo o i-deal perder-se nela (OPF p19)

Esta caracterizaccedilatildeo do pensamento enquanto demorar-se sobre o outro eacute condiccedilatildeo pa-

ra o desenvolvimento da consciecircncia no sentido em que esse termo eacute defendido no texto Edu-

caccedilatildeo ndash para quecirc como conteuacutedo que se origina pelo constante renovar da experiecircncia Natildeo

se deve entender a experiecircncia como um procedimento cientiacutefico laboratorial mas em sentido

intelectual estrito do pensamento que se potildee em confronto com sua alteridade enquanto alte-

41

ridade Falar em educaccedilatildeo eacute propor tais experiecircncias natildeo procedimental em relaccedilatildeo ao outro

mas no sentido de educar na habilidade de realizar experiecircncias de pensamento resistindo ao

previamente pensado Estariacuteamos aqui diante das condiccedilotildees para o contundente desenvolvi-

mento da consciecircncia pois ao resistir ao previamente pensado (enquanto a priori) ocorre a

abertura ao devir histoacuterico gerando inevitavelmente tal desenvolvimento fruto daquilo que

Adorno denomina de ldquoconcentraccedilatildeo ampliada11rdquo (OPF 20)

222 A perda da evidecircncia e o impulso ao esclarecimento

Com o uso do termo perda da evidecircncia quero significar algo diferente do sentido a-

dorniado desenvolvido em sua Teoria esteacutetica de perda da evidecircncia artiacutestica Nessa obra estaacute

desenvolvida a perspectiva de que ldquoperante aquilo em que se torna a realidade a essecircncia

afirmativa da arte esta essecircncia inelutaacutevel tornou-se insuportaacutevelrdquo (TE p12) Por causa disto

eacute que a arte assume o caraacuteter de tensatildeo com a realidade e se mostra como ldquoantiacutetese social da

sociedaderdquo (TE p 19) Na possibilidade de admitir a arte como coacutepia do real em Adorno isso

ocorre ldquona medida em que a este fornecem o que lhe eacute recusado no exterior e assim libertam

daquilo para que as orienta a experiecircncia externa coisificanterdquo (TE p15)

Eacute nesse ponto que reside a compreensatildeo adorniana do caraacuteter esclarecedor da verdade

desenvolver a consciecircncia dos elementos que levam agrave negaccedilatildeo da vida Embora Adorno atri-

bua agrave arte um papel de criacutetica eacute via educaccedilatildeo que se torna possiacutevel a ampliaccedilatildeo da consciecircn-

cia em um incisivo impulso esclarecedor Desenvolver consciecircncia eacute tornar algo evidente

trazer ao entendimento estes poderes que determinam a existecircncia individual a ponto de gerar

a ausecircncia de vida A perda da evidecircncia pode ser entendida como obscurecimento que impe-

de a compreensatildeo dos fatos o qual tem sua origem nos interesses ideoloacutegicos que anulam o

desenvolvimento da consciecircncia ou ainda impedem a consciecircncia de se achegar aos fatos

Como compreender em Kant a sensibilidade a percepccedilatildeo que intui os objetos a par-

tir da ausecircncia de evidecircncia em Adorno Em relaccedilatildeo agrave Kant o poder da sensibilidade regida

pelas estruturas internas ao sujeito nas noccedilotildees de tempo e espaccedilo se tornam insuficientes

Ainda na introduccedilatildeo da primeira criacutetica haacute a seguinte afirmaccedilatildeo

que outra coisa poderia despertar e pocircr em accedilatildeo a nossa capacidade de conhecer se-natildeo os objetos que afetam os sentidos e que por um lado originam por si mesmos as

11 No texto Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico (p20-21) a concentraccedilatildeo ampliada eacute posta como sinocirc-nimo de meditar no sentido de ele ultrapassar o previamente pensado e assim o pensamento se renova pela constante relaccedilatildeo Natildeo eacute pensar simples mas o pensamento ampliado concentraccedilatildeo ampliada permanecircncia na relaccedilatildeo com o outro

42

representaccedilotildees e por outro lado potildeem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a comparaacute-las ligaacute-las ou separaacute-las transformando assim a mateacuteria bru-ta das impressotildees sensiacuteveis num conhecimento que se denomina experiecircncia (CR-Pu B 1)

Seguindo a argumentaccedilatildeo acima a percepccedilatildeo oferece um material jaacute desqualificado

gerando um erro no processo inicial que leva agrave siacutentese e ajuizamento operados pelo entendi-

mento A siacutentese operada pelo entendimento estaacute dentro de uma triacuteade no sistema kantiano a

qual possibilita o conhecimento a priori dos objetos Conforme a Criacutetica da razatildeo pura (em B

104) essa triacuteade eacute formada pelas seguintes funccedilotildees

a) primeiro passo o diverso da intuiccedilatildeo pura

b) segundo passo a siacutentese desse diverso pela imaginaccedilatildeo

c) terceiro passo ldquoos conceitos que conferem unidade a essa siacutentese pura e consistem

unicamente na representaccedilatildeo dessa unidade sinteacutetica necessaacuteriardquo

A discussatildeo natildeo estaacute centrada na possibilidade dos conhecimentos sinteacuteticos a priori

mas na possibilidade de a sensibilidade fornecer material confiaacutevel ao entendimento Desse

modo se postula o nuacutecleo do conhecimento como resultado do jogo entre entendimento e ex-

periecircncia estando na possibilidade de experiecircncia efetiva a condiccedilatildeo para um ajuizamento

com conteuacutedo de verdade

Estamos diante da razatildeo interpretativa e do fato sensiacutevel ambos postos em tensatildeo

temporal a qual daacute a possibilidade do encontro Retornando ao problema anterior o qual a-

ponta para um encobrimento da realidade como que existindo uma aura branda sobre os fa-

tos gerando o apaziguamento das consciecircncias promovido pela aderecircncia a seu sentido ime-

diatamente visiacutevel eacute decisivo o desenvolvimento da razatildeo interpretativa em condiccedilotildees de

desvelar ou testemunhar exatamente aquilo que o veacuteu oculta A esse ocultamento Adorno

chamou de administraccedilatildeo promovida pela induacutestria cultural

Isso demarca uma ruptura na triacuteade kantiana acima exposta pois natildeo havendo possibi-

lidade imediata de a sensibilidade dar o objeto em seu efetivo sentido o entendimento natildeo

consegue operar a siacutentese legiacutetima e consequentemente ter a fonte para verdade alguma Ve-

jamos qual o itineraacuterio kantiano ldquoa espontaneidade do nosso pensamento exige que este di-

verso12 seja percorrido recebido e ligado de determinado modo para que se converta em co-

nhecimento A esse ato dou o nome de siacutenteserdquo (CRPu B102) Continuando a argumentaccedilatildeo

encontramos uma definiccedilatildeo mais clara do que eacute o momento da siacutentese ldquona acepccedilatildeo mais geral

12 O diverso fornecido pela intuiccedilatildeo que daacute o objeto em suas singularidades Esse diverso eacute percorrido e elabo-rado pelo entendimento gerando sua siacutentese

43

da palavra o ato de juntar umas agraves outras diversas representaccedilotildees e conceber a sua diversi-

dade num conhecimentordquo (B103)

Como consequecircncia deste ato sinteacutetico ocorre o ato de pensamento e que promove

pensamento no sentido de gerar conceito o qual eacute em Kant ldquoa primeira origem do nosso

conhecimentordquo (B103) Estamos diante de um diverso da intuiccedilatildeo sensiacutevel o qual tem como

caracteriacutestica o ajuizamento o discurso ldquoo conhecimento de todo o entendimento pelo me-

nos do entendimento humano eacute um conhecimento por conceitos que natildeo eacute intuitivo mas

discursivordquo (CRPu B 93)

Eacute esse itineraacuterio que fica bloqueado E uma ampliaccedilatildeo da consciecircncia somente ocorre-

ria com a mudanccedila natildeo apenas no sentido mas na possibilidade de conhecimento O conhe-

cimento discursivo por mais que seja importante deve ser precedido por algo que estaacute fora do

domiacutenio conceitual do sujeito transcendental a noccedilatildeo de verdade objetiva O sujeito transcen-

dental queda insuficiente em se tratando da possibilidade de conhecimento por natildeo ser dado

agraves suas estruturas material veriacutedico para sua siacutentese e ajuizamento E isso devido ao fato de

negar a verdade em seu nuacutecleo sensiacutevel concreto presente no objeto e disponibilizado ao

sujeito somente via radical imersatildeo na experiecircncia Eacute nesse momento que podemos entender

claramente a afirmaccedilatildeo adorniana na Dialeacutetica negativa a qual aponta para o fato de que o

ldquoconceito eacute um momento como outro qualquer na loacutegica dialeacuteticardquo E da ldquonecessidade que a

filosofia tem de operar com conceitos natildeo se pode fazer-se a virtude de sua prioridaderdquo (DN

2005 p 23)

Sua natildeo prioridade se justifica na discussatildeo que envolve dois termos decisivos para

Adorno os quais serviratildeo de impulso agrave compreensatildeo do momento especiacutefico que a razatildeo in-

terpretativa e a capacidade conceitual ocupam dentro deste quadro teoacuterico Refiro-me aos

termos constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade

Em se tratando do ajuizamento e expressatildeo vale destacar ldquoO criteacuterio do verdadeiro

natildeo eacute sua imediata comunicabilidade a algueacutem Agora que todo passo em direccedilatildeo agrave

comunicaccedilatildeo vende e falsifica a verdade deve-se resistir agrave coaccedilatildeo quase universal de

confundir o conhecido com sua comunicaccedilatildeo e inclusive situaacute-la acima delerdquo (DN 2005

p49) O fato de ser dito natildeo justifica ser verdade Toda forma de comunicaccedilatildeo pode ser cami-

nho em direccedilatildeo ao ocultamento agrave natildeo evidecircncia na direccedilatildeo de uma pseudo comunicaccedilatildeo O

juiacutezo pode representar a falsa consciecircncia Esse fator reafirma a problemaacutetica que bloqueou o

itineraacuterio teoacuterico kantiano

Diante desse bloqueio ou em outros termos diante do caraacuteter problemaacutetico estabele-

cido entre a sensibilidade e o entendimento eacute possiacutevel situar a partir de Adorno alguns indi-

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cativos que vecircm suprir a lacuna gerada pela ausecircncia de evidecircncia Tais indicativos satildeo condi-

ccedilotildees que garantem agrave subjetividade o conteuacutedo daquilo com o qual se relaciona e representam

o momento dialeacutetico necessaacuterio para a continuaccedilatildeo do processo de formaccedilatildeo da consciecircncia ndash

conforme seraacute posteriormente desenvolvido Os indicativos que pontuo como soluccedilotildees ao

problema indicado satildeo a noccedilatildeo de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade Esses se vinculam

diretamente ao objeto colocando-os na posiccedilatildeo de desafio e exigecircncia agrave razatildeo interpretativa

O termo razatildeo interpretativa tem sentido muito proacuteprio em Adorno indicando inclu-

sive a vinculaccedilatildeo com aquilo que ele denomina na Teoria esteacutetica de racionalidade esteacutetica

Enquanto interpretaccedilatildeo ocorre a ldquonegaccedilatildeo da ideia absoluta o conteuacutedo jaacute natildeo pode identifi-

car-se com a razatildeo como postulava o idealismo criacutetica da onipotecircncia da razatildeo ele deixa

por seu lado de ser racional segundo as normas do pensamento discursivordquo (TE p40) Nesse

sentido eacute impossiacutevel chegar a uma evidecircncia do conteuacutedo a ponto de resolver o interpretado

pois ldquodeve-se interpretar-se e natildeo ser substituiacuteda pela claridade do sentidordquo (TE p42)

Com o sentido de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade se postula a autocriacutetica da razatildeo

gerando a consciecircncia dos fatores que impedem o acesso ao material confiaacutevel via sentidos

Isso para Adorno eacute a racionalidade esteacutetica

Enquanto que o conhecimento discursivo acede agrave realidade mesmo nas suas irracio-nalidades que por sua vez correspondem agrave lei do seu movimento haacute nelas algo de inflexiacutevel em relaccedilatildeo ao conhecimento racional A este uacuteltimo eacute estranho o sofri-mento pode defini-lo subsumindo-o fazer dele um meio de pacificaccedilatildeo Mas soacute com dificuldade o pode exprimir atraveacutes da sua experiecircncia isso significaria a sua irracionalidade O sofrimento reduzido ao seu conceito permanece mudo e sem consequumlecircncias [] a verdade eacute concreta (TE p30)

Mas para chegar a um conteuacutedo ou a seu sentido algumas consideraccedilotildees satildeo funda-

mentais e visando inclusive aprofundar o proacuteprio conceito de interpretaccedilatildeo partimos para o

proacuteximo item deste capiacutetulo

23 Constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade marcas do pensamento poacutes-metafiacutesico em Adorno

O termo constelaccedilatildeo proacuteprio de sua obra Teoria esteacutetica remete ao quatildeo insuficiente

eacute um conceito em sua tentativa de capturar o real A razatildeo interpretativa deve se comportar

como a arte daiacute uma racionalidade esteacutetica semelhante a ldquoum iacutematilde num campo de limalha de

ferro Natildeo apenas os seus elementos mas tambeacutem a sua constelaccedilatildeo o especificamente esteacuteti-

co que se atribui comumente ao seu espiacuterito remete para este Outrordquo (TE p18) Em outra

45

passagem assim eacute exposto ldquoA arte tem o seu conceito na constelaccedilatildeo de momentos que se

transformam historicamente fecha-se assim a definiccedilatildeordquo (TE p12)

Esta racionalidade interpretativa exige uma caracteriacutestica a sensibilidade Em outras

palavras eacute uma racionalidade em radical viacutenculo com a efetividade da experiecircncia Desse

modo a sensibilidade natildeo eacute algo agrave parte um momento primeiro e rapidamente superado pelo

momento intelectivo Converte-se na condiccedilatildeo para apreender o objeto por isso a necessidade

de sua permanente renovaccedilatildeo

Como eacute possiacutevel dizer algo Somente via constelaccedilatildeo ou seja na abertura do devir

histoacuterico e na capacidade de congregar sentido mediante a percepccedilatildeo dos conteuacutedos de verda-

de Exatamente por natildeo ser imutaacutevel a verdade se constitui em conteuacutedo a consciecircncia que se

expressa em confronto com a constelaccedilatildeo de momentos que formam um objeto O que forma

o objeto A totalidade de seus momentos sua constelaccedilatildeo Em se tratando do termo consciecircn-

cia eacute possiacutevel afirmaacute-la como sendo o conteuacutedo interno ao sujeito o qual equivale ao niacutevel de

experiecircncia que tenho

Theodor Adorno utiliza o conceito constelaccedilatildeo para trazer ao centro da experiecircncia

esteacutetica a riqueza constitutiva do outro Natildeo eacute mais um uacutenico olhar segundo uma uacutenica loacutegi-

ca interpretativa que consegue capturar o real retendo-o em uma caacutepsula conceitual mas ao

contraacuterio um jogo de forccedilas constitutivas entra em accedilatildeo quando a relaccedilatildeo de diferenciados

ocorre Esse jogo segue a regra de que um uacutenico conceito natildeo contempla a totalidade do obje-

to mas diante da constelaccedilatildeo de sentido diversos conceitos dialogam visando a compreen-

satildeo Poreacutem natildeo eacute simplesmente constelaccedilatildeo de conceitos mas eacute a consideraccedilatildeo da riqueza

constitutiva do outro no instante da relaccedilatildeo Os dois poacutelos da relaccedilatildeo estatildeo em jogo com uma

constelaccedilatildeo de significados uma riqueza constitutiva que natildeo se enclausura em caacutepsulas con-

ceituais ndash por isto eacute constelaccedilatildeo Em linguagem metafoacuterica Adorno se utiliza do exemplo do

imatilde em um campo de limalha de ferro tudo entra em relaccedilatildeo remetendo agrave relaccedilatildeo de diferen-

ciados Fecha-se assim agrave definiccedilotildees por ser uma constelaccedilatildeo de momentos em permanente

abertura histoacuterica

O termo sedimento da histoacuteria no texto Sobre sujeito e objeto remete claramente ao

quanto a consciecircncia eacute determinada pela relaccedilatildeo com aquilo que ela mesma natildeo eacute o outro

Somos resultado da histoacuteria e como tal natildeo haacute a menor possibilidade em persistir sem mais

na captura conceitual cuja pretensatildeo eacute convencionar o sentido Em contraposiccedilatildeo com o idea-

lismo no qual ldquopensar eacute conhecer por conceitosrdquo (CRPu B 94) temos o pensamento como

algo que ldquonatildeo se esgota nem no processo psicoloacutegico nem na loacutegica formal pura intemporal Eacute

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um modo de comportamento ao qual eacute imprescindiacutevel a referecircncia agravequilo com o qual se rela-

cionardquo (OPF p18)

A sensibilidade natildeo fornece e tampouco o entendimento interioriza por completo

seus objetos Duas vias impedem este fornecimento e esta interiorizaccedilatildeo Por um lado temos a

perda da evidecircncia conforme analisado no item anterior Por outro lado ocorre o limite inter-

pretativo da razatildeo a qual gera nada menos que a consciecircncia limitada Em ambos percebe-se

a ausecircncia da possibilidade de experiecircncia que eacute falha na dialeacutetica entre pensamento e reali-

dade A necessidade da Filosofia estaacute em ser forccedila de reflexatildeo sobre o outro a alteridade natildeo

nele mesmo e por ele mesmo mas a partir dele em sua natildeo igualdade impulsionadora da ex-

periecircncia Na terra de iguais natildeo se tem motivo para pensar O pensamento ocorre por causa

da diversidade da tensatildeo da dinacircmica caracterizada pela contradiccedilatildeo

Havendo conteuacutedo de verdade estando o outro imerso em uma constelaccedilatildeo de momen-

tos que o constituem isso remete agrave exigecircncia da razatildeo interpretativa a qual se contrapotildee agrave

clareza de sentido Se houvesse clareza de sentido natildeo precisariamos interpretar A exigecircncia

de interpretaccedilatildeo eacute considerada desse modo exigecircncia filosoacutefica fundante O outro em sua

constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade natildeo eacute somente intuitivo Enquanto empiria eacute possiacutevel ad-

mitir tal reduccedilatildeo Poreacutem se houvesse esta reduccedilatildeo a fascinaccedilatildeo de sua percepccedilatildeo imediata

seria suficiente e desse modo perder-se-ia toda riqueza constitutiva que estaacute aleacutem do conteuacute-

do imediato dado pelos sentidos Em sua constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade o outro eacute impul-

so interpretativo motivo de pensamento e partindo dele conteuacutedo filosoacutefico Eacute filosoacutefico por

natildeo se reduzir agrave intuiccedilatildeo mas apontar estiacutemulo ao pensamento ndash isto converteu aquilo que na

teoria do conhecimento tradicional era tido como objeto em algo qualitativamente distinto o

OUTRO

Onde se localiza o sujeito dessa razatildeo interpretativa e quando eacute possiacutevel dizer que tal

sujeito existe Adorno situa essa possibilidade afirmando que o ldquoindiviacuteduo se converte em

sujeito na medida em que graccedilas a sua consciecircncia individual se objetiva tanto na unidade de

si mesmo quanto de suas experiecircncias ambas podem ser negadas aos animaisrdquo (DN 2005

p53) Esta consciecircncia individual pode ser aproximada salvo algumas restriccedilotildees agrave

autoconsciecircncia kantiana Exporei aspectos da teoria kantiana acerca disso para apoacutes

estabelecer as discussotildees

Na Criacutetica da razatildeo pura ocorre a indicaccedilatildeo clara do que significa para o ser humano

o reconhecimento da siacutentese das representaccedilotildees como propriedade individual Todas as repre-

sentaccedilotildees constituem uma totalidadeunidade na autoconsciecircncia a qual eacute denominada ldquouni-

dade transcendental da autoconsciecircnciardquo Essa unidade significa que ldquoas diversas representa-

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ccedilotildees natildeo seriam representaccedilotildees minhas se natildeo pertencessem na sua totalidade a uma auto-

consciecircnciardquo Eacute a ldquoligaccedilatildeo originaacuteriardquo de todas as representaccedilotildees Para Kant a consciecircncia

empiacuterica eacute dispersa e sem referecircncia agrave identidade do sujeito Tal referecircncia agrave identidade do

sujeito se estabelece ldquoporque acrescento uma representaccedilatildeo agrave outra e tenho consciecircncia da sua

siacutenteserdquo A ligaccedilatildeo originaacuteria agrave identidade do sujeito ocorrida pela autoconsciecircncia somente

ocorre devido exatamente agrave consciecircncia da siacutentese de tais representaccedilotildees num mesmo sujeito

gerando assim o eu idecircntico Por esta unidade de todas as representaccedilotildees na consciecircncia eacute

possiacutevel formar inclusive a unidade do sujeito Se assim natildeo o fosse ldquoteria um eu tatildeo

multicolor e diverso quanto tenho representaccedilotildees das quais sou conscienterdquo (cf CRPu B

132-134)

Partindo de tais referenciais eacute possiacutevel estabelecer um paralelo entre a concepccedilatildeo kan-

tiana da formaccedilatildeo da autoconsciecircncia com a concepccedilatildeo adorniana de tal formaccedilatildeo Um passo

decisivo dado por Adorno estaacute na relevacircncia que a continuidade histoacuterica tem na formaccedilatildeo do

eu Com o desaparecimento da consciecircncia da continuidade histoacuterica ocorre natildeo somente a

perda da referecircncia quanto ao devir histoacuterico mas o esfacelamento da consciecircncia que natildeo

reconhece a totalidade dos momentos como seu constitutivo essencial Isso remete ao fato de

que a autoconsciecircncia deve significar a existecircncia do eu idecircntico pois apesar de no devir his-

toacuterico na tensatildeo histoacuterica de todo encontro e busca da verdade natildeo haver a identidade entre

sujeito e seu outro apesar disso as experiecircncias constituiacutedas pelo indiviacuteduo devem ser repre-

sentadas como propriedade uacutenica de si mesmo

Eacute a noccedilatildeo de que apesar da natildeo possibilidade de representar a totalidade do outro em

minha consciecircncia aquilo que se representa eacute conteuacutedo proacuteprio e forma a autoconsciecircncia

Isso tem consequecircncia em questotildees morais pois diante da impossibilidade de representaccedilatildeo

plena se exige a relaccedilatildeo permanente o encontro constante e na perspectiva adorniana este

encontro deve ocorrer de modo a permitir uma situaccedilatildeo na qual eacute possiacutevel ser diferente sem

ter medo (cf MM 66 p89) Ocorre o entendimento que toda representaccedilatildeo eacute representaccedilatildeo de

um momento histoacuterico de modo que a razatildeo permanece em estranhamento diante do real Eacute

ldquoa siacutentese natildeo violenta do dispersordquo (TE p165) que ocorre apesar de permitir ao outro conti-

nuar sendo ele para aleacutem do meu conteuacutedo de consciecircncia Em se tratando de consciecircncia

moral Adorno argumenta que essa na doutrina kantiana eacute a ldquovoz da lei moralrdquo e somente se

converte em consciecircncia devido agrave forccedila de coerccedilatildeo social que se impotildee mediante seu caraacuteter

de universalidade e necessidade (cf DN 2009 p226 e 230)

48

Retornando ao problema da representaccedilatildeo e utilizando outra anaacutelise da Teoria esteacuteti-

ca percebemos que a relaccedilatildeo da razatildeo interpretativa diante da obra de arte eacute a mesma relaccedilatildeo

que essa razatildeo deve estabelecer com tudo o que entra em seu ciacuterculo de contato

Se uma obra se abre inteiramente atinge-se entatildeo a sua estrutura interrogativa e a re-flexatildeo torna-se obrigatoacuteria em seguida a obra afasta-se para finalmente assaltar uma segunda vez com o laquoo que eacute istoraquo aquele que se sentia seguro da questatildeo Eacute possiacutevel poreacutem reconhecer como constitutivo o caraacuteter enigmaacutetico laacute onde ele falta as obras de arte que se apresentam sem resiacuteduo agrave reflexatildeo e ao pensamento natildeo satildeo obras de arte (TE p142)

Este caraacuteter de instigaccedilatildeo agrave razatildeo e consequentemente de permanente enriquecimento

da experiecircncia eleva o outro esse que era considerado tradicionalmente objeto agrave dignidade

de estar-aiacute com riqueza constitutiva para aleacutem da minha apreensatildeo Parafraseando Adorno o

ldquoobjetordquo que se apresenta sem resiacuteduo agrave reflexatildeo e ao pensamento natildeo eacute ldquoobjetordquo

Educacionalmente se impotildee o desafio de constituir a consciecircncia verdadeira na exi-

gecircncia de que ldquoo princiacutepio do esclarecimento da consciecircncia seja aplicado na praacutetica educa-

cionalrdquo principalmente diante do fato de que

a proacutepria organizaccedilatildeo do mundo em que vivemos e a ideologia dominante [] ou seja a organizaccedilatildeo do mundo converteu-se a si mesma imediatamente em sua proacute-pria ideologia Ela exerce uma pressatildeo tatildeo imensa sobre as pessoas que supera toda a educaccedilatildeo Seria efetivamente idealista no sentido ideoloacutegico se quiseacutessemos com-bater o conceito de emancipaccedilatildeo sem levar em conta o peso imensuraacutevel do obscu-recimento da consciecircncia pelo existente (EE p142-143 ndash grifo nosso)

Isso explica o motivo pelo qual muitas vezes a escola pode sofrer de insuficiecircncia

formativa Frente agrave pressatildeo do mundo sobre os indiviacuteduos sua consciecircncia sofre muito mais o

impacto por tal pressatildeo do que pela accedilatildeo pedagoacutegica desenvolvida por um professor ou insti-

tuiccedilatildeo escolar

3 A IMPOSSIBILIDADE DO REINO DOS FINS MEDIANTE A FORCcedilA DO IMPERA-TIVO CATEGOacuteRICO UMA CONTRAPOSICcedilAtildeO FUNDADA EM ADORNO

Karl Kraus em Os uacuteltimos dias da humanidade apresenta a confianccedila total que se cri-

ou sobre o ser humano cuja forccedila do dever e a forccedila moral em agir por puro amor ao dever eacute o

imperativo maacuteximo de conduta E apresenta isso como criacutetica para deixar claro que o proacuteprio

periacuteodo da Primeira Guerra Mundial tinha como pressuposto da vitoacuteria a forccedila interna gerada

pelo imperativo categoacuterico natildeo pode haver derrota pois nada eacute mais forte que o sujeito que

age movido por tal forccedila Kraus descrevendo uma cena em um quartel-general alematildeo diz

a firme esperanccedila de que o Senhor dos Exeacutercitos continuaraacute a estar do nosso lado Se o inimigo natildeo quiser a paz entatildeo teremos noacutes que trazer a paz ao mundo arrom-bando com punho de ferro e espada flamejante os portotildees daqueles que natildeo querem a paz [] Os feitos heroacuteicos das nossas tropas os ecircxitos dos nossos grandes gene-rais as admiraacuteveis realizaccedilotildees da paacutetria tecircm as suas raiacutezes em uacuteltima anaacutelise nas forccedilas morais inculcadas ao nosso povo numa escola exigente a do imperativo cate-goacuterico [] A nossa vitoacuteria devemo-la em parte natildeo pequena agraves riquezas morais e espirituais que o grande saacutebio de Koumlnigsberg ofereceu ao nosso povo (2003 p287-288)

Por certo que Kant natildeo esperava esta realizaccedilatildeo do indiviacuteduo formado em sua ldquoesco-

lardquo Mas o desenvolvimento histoacuterico mostrou que a contingecircncia estaacute muito mais presente na

ldquocoluna vertebral da moralidaderdquo do que ele pocircde imaginar no seacuteculo XVIII E assim eacute que o

ser humano se tornou cego no seguir a vontade fruto daquele estreitamento que o amor agrave lei

estabelece Cegueira que natildeo reconhece mais o contexto em seu nuacutecleo de forccedila a rigidez do

agir por puro respeito agrave lei pode se tornar fechada na lei por ela mesma A advertecircncia neo-

testamentaacuteria do cristianismo remete agrave necessidade de que a lei natildeo estaacute acima do ser humano

nem este fora feito para ela mas o radical contraacuterio Soma-se a isso a exigecircncia de que em

consideraccedilatildeo praacutetica o puro amor deve ser pelo diverso na sua contingecircncia histoacuterica Exis-

tem muito mais coisas de incerto do que puderam imaginar os defensores do caraacuteter de neces-

sidade

O seacuteculo XX testemunhou os maiores exemplos de atrocidades jamais realizadas contra

a humanidade A efetivaccedilatildeo da extinccedilatildeo em massa natildeo liquidou apenas indiviacuteduos humanos

mas arrasou o ideal do Reino dos fins O imperativo categoacuterico pretendia formar um estado

verdadeiramente humano em que nada poderia estar acima da dignidade humana Tambeacutem

tinha a pretensatildeo de formar o sujeito moralmente inabalaacutevel aquele que nada o altera em seu

equiliacutebrio na rigidez de caraacuteter como nuacutecleo de forccedila A grande contribuiccedilatildeo de Kant estaacute eacute

claro no fato de analisar as condiccedilotildees a partir das quais se poderia evitar que o sujeito se con-

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vertesse em uma mera esponja assim Kant acredita ser necessaacuterio arrancar o sujeito das de-

terminaccedilotildees heterocircnomas Poreacutem este autocircnomo abstraiu tanto o Outro que acabou impedin-

do o encontro a experiecircncia e a linguagem A noccedilatildeo de mimese encontra espaccedilo nesta triacuteade

Analisemos esses termos separadamente

Eacute o encontro entre diferenciados que estabelece as bases para toda experiecircncia possiacute-

vel e ele natildeo se limita ao momento inicial da relaccedilatildeo mas eacute constituinte permanente na am-

pliaccedilatildeo da consciecircncia Desse modo eacute que mesmo que a razatildeo tenha que operar com concei-

tos eles natildeo estatildeo em um patamar de substituiccedilatildeo ao fato mesmo

Retornando agrave discussatildeo do capiacutetulo anterior o termo consciecircncia deve ser entendido

natildeo somente como o espaccedilo de lucidez do entendimento quando tenho clareza no pensar mas

aponta a uma riqueza constitutiva

eacute o pensar em relaccedilatildeo agrave realidade ao conteuacutedo ndash a relaccedilatildeo entre as formas e estruturas do pensamento do sujeito e aquilo que este natildeo eacute Este sentido mais profundo de consciecircncia ou faculdade de pensar natildeo eacute apenas o desenvolvimento loacutegico formal mas ele corresponde literalmente agrave capacidade de fazer experiecircncias Eu diria que pensar eacute o mesmo que fazer experiecircncias intelectuais Nesta medida e nos termos que procuramos expor a educaccedilatildeo para a experiecircncia eacute idecircntica agrave educaccedilatildeo para a emancipaccedilatildeo (EE p151)

Aqui o encontro expressa toda sua forccedila formadora pois na permanecircncia dele eacute que

ocorre a possibilidade de ampliaccedilatildeo do conhecimento Natildeo mais no a priori mas na experiecircn-

cia sempre renovada Assim como a histoacuteria tem a dinamicidade da mudanccedila permanente o

entendimento que natildeo respeita isso sofre o problema de natildeo ter seus conceitos adequados ao

empiacuterico Essa insuficiecircncia liquida a primazia do sujeito doador de sentido pois o real estaacute

sempre fugindo aos modelos ideais estabelecidos A advertecircncia de Heraacuteclito de que natildeo eacute

possiacutevel entrar duas vezes em um mesmo rio elucida isso perfeitamente O juiacutezo eacute sempre

insuficiente pois o fato mesmo (seja do eu quanto do Outro) estaacute em constante mudanccedila exi-

gindo a mesma postura da linguagem

A primazia da experiecircncia ou primazia da relaccedilatildeo deve ser o criteacuterio para o conheci-

mento em constante progresso Em termos dialeacuteticos isso natildeo significa nem a primazia do

sujeito como Kant o propocircs tampouco a primazia do objeto como o quis Adorno indicando

aquilo que natildeo eacute acreacutescimo subjetivo o natildeo-idecircntico O que se propotildee eacute antes a centralidade

do encontro cuja base estaacute na dinacircmica de constante enfrentamento de diferenciados Assim

se estabelece um giro na teoria do conhecimento onde a preocupaccedilatildeo estaacute nos constituintes da

relaccedilatildeo Como esta deve se estabelecer para que natildeo ocorra a ruptura no processo de escla-

recimento Se haacute um sujeito e um objeto ou sujeitos ou ainda somente objetos isto eacute secun-

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daacuterio diante daquilo que ocorre entre eles O papel da filosofia estaacute nessa definiccedilatildeo Temos

entatildeo que o encontro e a experiecircncia representam um nuacutecleo de tensatildeo natildeo passiacutevel de repou-

so e assim condiccedilatildeo para a ampliaccedilatildeo da consciecircncia Disso resulta a riqueza de linguagem Eacute

impossiacutevel ter o que dizer sobre algo que foge do meu universo experiencial E quando a proacute-

pria experiecircncia eacute limitada limitada tambeacutem eacute minha expressatildeo

A expressatildeo eacute a capacidade de acoplar agraves manifestaccedilotildees linguiacutesticas toda riqueza da

experiecircncia adquirida E isso exige rigor pois toda palavra dita superficialmente sofre a ca-

recircncia de natildeo se aproximar e tampouco se demorar sobre o outro Expressatildeo e rigor satildeo as

condiccedilotildees do conhecimento Poreacutem o rigor natildeo eacute reduccedilatildeo E a mimese eacute o nome dado a este

processo que vai da abertura ao encontro e ampliaccedilatildeo da consciecircncia ateacute a sua objetivaccedilatildeo

como linguagem no mundo sensiacutevel (seja mediante a fala gestos criaccedilatildeo artiacutestica) Mimese

eacute o braccedilo estendido ao que me eacute diferente que ocorre no momento em que se efetiva o encon-

tro Um braccedilo estendido que reconhece a dor alheia poreacutem natildeo eacute reconhecimento somente

racional mas sensiacutevel que encontra reaccedilatildeo no corpo Conforme Tiburi miacutemesis eacute ldquomuito

mais do que tentativa de reproduccedilatildeo do objeto por um sujeito seria a tentativa de tocaacute-lo de

modo sensiacutevelrdquo (2005 p137 ndash grifo nosso)

O tocar sensiacutevel a aproximaccedilatildeo que se pode definir como afetiva pois envolve o sen-

timento afeiccedilatildeo permite o reconhecimento de si e do outro ao mesmo tempo em que permite

a diferenccedila entre ambos Esse modo de conceber a miacutemesis ldquoindicaria muito mais uma dimen-

satildeo essencial do pensar esta dimensatildeo de aproximaccedilatildeo natildeo violenta luacutedica carinhosa []

uma aproximaccedilatildeo do outro que consiga compreendecirc-lo sem prendecirc-lo e oprimi-lo que consi-

ga dizecirc-lo sem desfiguraacute-lo Essa proximidade na qual o espaccedilo da diferenccedila e da distacircncia

seja respeitado sem anguacutestiardquo (GAGNEBIN 2005 p101) Desse modo a origem eacute fiacutesica e

provoca fisicamente natildeo apenas intelectualmente ldquoO sofrimento reduzido ao seu conceito

permanece mudo e sem consequecircnciasrdquo (TE p30) Aqui estaacute a dor mesma quando ocorre a

sua negaccedilatildeo ldquoO que tem de doloroso eacute a dor elevada a conceitordquo (DN 2005 p18) Essa eacute a

pobreza de relaccedilatildeo mimeacutetica e de experiecircncias pelo sacrifiacutecio da diversidade qualificada

Eacute o que se percebe em Kafka quando na cena final de O Processo K exclama derra-

deiramente ldquocomo um catildeordquo por natildeo ser reconhecido e o encontro natildeo ter se efetivado Conse-

quentemente o estado humano tornou-se impossiacutevel e o fracasso do Reino dos fins eminente

Agora parece haver uma terra de ningueacutem entre os dois lados da relaccedilatildeo Mais uma vez torna-

se legiacutetima a preocupaccedilatildeo com os termos do encontro e sua primazia Em Kafka a mimese

natildeo se efetiva pois o encontro mimeacutetico eacute rompido pelo problema da individuaccedilatildeo e indife-

renccedila Reconhecer o outro em sua dignidade passa pela consideraccedilatildeo de sua diferenccedila e isso

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garante a individuaccedilatildeo necessaacuteria agrave natildeo indiferenccedila13 Adorno potildee esse problema no centro da

questatildeo da barbaacuterie pois ldquose as pessoas natildeo fossem profundamente indiferentes em relaccedilatildeo ao

que acontece com todas as outras excetuando o punhado com quem mantecircm viacutenculos estritos

e possivelmente por intermeacutedio de alguns interesses concretos entatildeo Auschwitz natildeo teria

sido possiacutevel as pessoas natildeo o teriam aceito (EE p134)

Pontuando um problema a partir da teoria kantiana temos a constataccedilatildeo da natildeo reali-

zaccedilatildeo do reino dos fins segundo os moldes do imperativo categoacuterico Auschwitz foi o exem-

plo deste fracasso pois aqueles que deveriam ser os fins passaram a ser possuidores de exis-

tecircncia insignificante O ideal de dignidade proacuteprio do reino kantiano natildeo se atribui a univer-

salidade e entatildeo Adorno potildee o diagnoacutestico natildeo haacute mais vida ndash seres humanos foram reduzi-

dos a mera fumaccedila serpenteando ao ceacuteu pela chamineacute dos fornos dos campos de extermiacutenio14

Esse foi o exemplo maacuteximo da indiferenccedila que destroacutei aniquila o diferente E o fracasso do

reino kantiano se deve exatamente no fato de que a comunicaccedilatildeo foi negada diante da ausecircn-

cia mimeacutetica ndash comunicar-se consigo mesmo como uma mocircnada petrificada Pensar em hu-

manidade exige entatildeo dois pressupostos o encontro e a comunicaccedilatildeo

A forccedila do imperativo categoacuterico visava impedir que o homem entendido como hu-

manidade dispusesse de si mesmo para atentar contra a raccedila humana A ecircnfase posta desde

Aristoacuteteles no ideal da vida justa a retidatildeo que se conquista pela razatildeo orientada para uma

medida justa nas accedilotildees converte-se nas palavras de Adorno em triste ciecircncia E o problema

chave disso estaacute do diagnoacutestico apresentado ainda em Dialeacutetica do Esclarecimento

O processo teacutecnico no qual o sujeito se coisificou apoacutes sua eliminaccedilatildeo da consciecircn-cia estaacute livre da plurivocidade do pensamento miacutetico bem como de toda significa-ccedilatildeo em geral porque a proacutepria razatildeo se tornou um mero adminiacuteculo da aparelhagem econocircmica que a tudo engloba Ela eacute usada como um instrumento universal servindo para a fabricaccedilatildeo de todos os demais instrumentos (p41-42)

E a essecircncia desse novo momento da razatildeo estaacute na sua conversatildeo em meacutetodo perden-

do com isso a referecircncia ao conceito de reta razatildeo a atribuiccedilatildeo do agir humano em relaccedilatildeo

aos outros conforme projeto aristoteacutelico

A teacutecnica eacute a essecircncia desse saber que natildeo visa conceitos e imagens nem o prazer do discernimento mas o meacutetodo a utilizaccedilatildeo do trabalho de outros o capital[] O que os homens querem aprender da natureza eacute como empregaacute-la para dominar completamente a ela e aos homens Nada mais importa Sem a menor consideraccedilatildeo

13 Sobre o problema da individuaccedilatildeo e indiferenccedila ver tambeacutem Civilizaccedilatildeo e barbaacuterie organizado por Adauto Novaes 2004 14 Ver Dialeacutetica negativa (2003) p332

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consigo mesmo o esclarecimento eliminou com seu cauteacuterio o uacuteltimo resto de sua proacutepria autoconsciecircncia (DE p20)

A eliminaccedilatildeo natildeo somente da consciecircncia entendida como aquela ampliaccedilatildeo do

horizonte de sentido mediante a experiecircncia conforme exposto acima mas da proacutepria

autoconsciecircncia enquanto conhecimento de si mesmo permite o agir livre de qualquer

medida pois uma vez recusada toda ldquoverdade objetiva atraveacutes do recurso ao sujeito implica a

proacutepria negaccedilatildeo deste uacuteltimo natildeo resta nenhuma medida para a medida de todas as coisas

que sucumbe agrave contingecircncia e se torna uma inverdaderdquo (MM 39 p54)

Nesta carecircncia de limite eacute que ocorre o fato original para Adorno Auschwitz Nele a

negaccedilatildeo absoluta da vida e a ausecircncia total de limites marca a contingecircncia na sua dimensatildeo

negativa destrutiva pois os ldquoespeacutecimesrdquo da raccedila humana laacute estavam natildeo por outro motivo a

natildeo ser para o extermiacutenio15 A noccedilatildeo de reino volta com sua forccedila total natildeo enquanto

reconciliaccedilatildeo de sujeito e objeto pela forccedila do conceito Falar na possibilidade de um reino

remete agrave humanidade reconciliada na perspectiva da plena realizaccedilatildeo das diferenccedilas A

reconciliaccedilatildeo inicia no acircmbito individual quando natildeo tenho nenhum receio em ser diferente

quando as singularidades satildeo estiacutemulos agrave comunicaccedilatildeo e natildeo sua reduccedilatildeo Somente a partir

de entatildeo eacute possiacutevel pensar a humanidade como o quis Kant um Reino dos fins pois nada

estaraacute acima do encontro que gera a riqueza de experiecircncia e de comunicaccedilatildeo o que remete a

um alargamento do conceito de constituiccedilatildeo da consciecircncia moral enquanto base teoacuterico-

praacutetica para o estado humano

Para educar seguindo essa linha teoacuterica exige-se um preacute-requisito a permanente

comunicaccedilatildeo de diferenciados Eacute possiacutevel comparar a educaccedilatildeo com o desenvolvimento das

condiccedilotildees em co-habitar Enquanto habitarmos as fronteiras das relaccedilotildees negando ou

esquecendo de ocupar o espaccedilo do encontro toda possiacutevel relaccedilatildeo seraacute de total diferenciaccedilatildeo

ou radical identidade Encontro significa compartir as diferenccedilas na co-habitaccedilatildeo Precisamos

ocupar o territoacuterio esse meio no qual a educaccedilatildeo se efetiva saindo dos extremos fronteiriccedilos

em direccedilatildeo ao nuacutecleo onde ocorre a comunicaccedilatildeo essa eacute efetivaccedilatildeo da dialeacutetica do tato

exposta na Minima moralia (16 p29) Eacute possiacutevel afirmar que esta dialeacutetica do con-tato eacute o

que torna possiacutevel a riqueza de consciecircncia e a representaccedilatildeo deste conteuacutedo na relaccedilatildeo

imediata com o outro

Baseado no pressuposto da dialeacutetica do tato como nuacutecleo de forccedila tanto do

conhecimento quanto em questotildees morais percebe-se que tanto as ideias de Platatildeo quanto o 15 Sobre isso ver a magniacutefica obra de Robert Antelme A espeacutecie humana Apresentarei alguns elementos desta obra no decorrer do quinto capiacutetulo

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sujeito transcendental com seus juiacutezos sinteacuteticos a priori estatildeo carentes de realidade e sem

efetiva consequecircncia sobre o real A ampliaccedilatildeo que Kant quis seguindo esses termos natildeo

passa de reduccedilatildeo tanto epistemoloacutegica quanto de nuacutecleo de forccedila para constituir a boa

vontade pois tanto as formas quanto o a priori carecem de realidade e determinaccedilatildeo da

realidade Quando o conceito e a consequente possibilidade de ajuizamento se constituem de

forma pura natildeo incorremos no erro de darmos agrave luz um pre-conceito

Retomando a discussatildeo sobre a possibilidade de uma ampliaccedilatildeo do conceito de

constituiccedilatildeo do sujeito a criacutetica a Kant se baseia na insuficiecircncia da formaccedilatildeo da consciecircncia

moral nos moldes apresentados na Criacutetica da razatildeo praacutetica Em termos eacuteticos a noccedilatildeo kanti-

ana de formaccedilatildeo da consciecircncia eacute reducionista e assim sem forccedila para definir a accedilatildeo o que

resulta na impossibilidade de realizaccedilatildeo do reino dos fins mediante a forccedila do imperativo ca-

tegoacuterico Esse imperativo propotildee uma forccedila natildeo suportada pelo sujeito que estaacute em permanen-

te constituiccedilatildeo e portanto em um constante reformular da siacutentese operada pelo entendimento

No capiacutetulo denominado Liberdade na Dialeacutetica negativa (2009 p180) Adorno potildee

em tensatildeo o princiacutepio da vontade com o princiacutepio de realidade Desse modo afirma que para

Kant ldquoa vontade seria a unidade normativa de todos os impulsos que se revelam ao mesmo

tempo como espontacircneos e racionalmente determinados em contraposiccedilatildeo agrave causalidade natu-

ral [] lsquoLiberdadersquo seria a palavra para designar a possibilidade desses impulsosrdquo Seguindo

a linha argumentativa e recorrendo agrave psicologia analiacutetica insere na discussatildeo sobre a vontade

e a moralidade a noccedilatildeo de princiacutepio de realidade segundo o qual ldquoinuacutemeros fatores da reali-

dade exterior sobretudo da realidade social entram nas decisotildees assinaladas pela vontade e

pela liberdaderdquo Dentro desse princiacutepio estaacute inserido o sujeito empiacuterico o qual deve ser consi-

derado como aquele que ldquotoma tais decisotildees ndash e somente um sujeito empiacuterico pode tomaacute-las

o lsquoeu pensorsquo transcendentalmente puro natildeo seria capaz de nenhum impulsordquo Esse sujeito eacute

ldquoele mesmo momento do mundo lsquoexteriorrsquo espacio-temporal e natildeo tem nenhuma prioridade

ontoloacutegica em face delerdquo que permita o esquecimento e abandono de tudo o que eacute finito e aci-

dental de tudo o que envolve a contingecircncia humana mergulhada na experiecircncia

Eacute possiacutevel afirmar que o eu penso transcendentalmente puro falha na possibilidade de

decisatildeo pelo fato de lhe faltar a prova da realidade Os fatores da realidade exterior e social

nos quais o sujeito estaacute inserido e dos quais natildeo pode abstrair interferem na tomada de deci-

sotildees Sem querer negar o princiacutepio da lei estamos diante do questionamento agrave lei considerada

por ela mesma e ao fato de nesta consideraccedilatildeo conseguir constituir o reino dos fins Estando

o ser humano na posiccedilatildeo de fim uacuteltimo uma consideraccedilatildeo se faz indispensaacutevel sendo o indi-

viacuteduo humano um ser historicamente constituiacutedo pressupor o princiacutepio loacutegico-formal como

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condiccedilatildeo imutaacutevel para a accedilatildeo significa retirar o alicerce que permite o juiacutezo luacutecido sobre o

que se deve fazer Na contingecircncia do fato existem constituintes que podem determinar a con-

duta humana para aleacutem das determinaccedilotildees da lei seja esta moral ou juriacutedica

ldquoO sujeito que eacute pretensamente em si eacute mediado nele mesmo por aquilo do que ele se

separa a conexatildeo de todos os sujeitosrdquo (DN 2009 p181) Nesta conexatildeo estaacute localizado o

reino dos fins natildeo simplesmente enquanto ldquoa ligaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios seres racionais por

meio de leis comunsrdquo (FMC BA 74) mas enquanto conexatildeo de todos os sujeitos cuja media-

ccedilatildeo estaacute na humanidade efetiva dele a qual natildeo se reduz agraves exigecircncias loacutegicas e sentidos loacutegi-

cos da razatildeo

O abstrato princiacutepio da moralidade em Kant por mais que esse o queira forte natildeo tem

forccedila suficiente para imediatamente orientar a existecircncia empiacuterica e sua contingecircncia agrave

pretensatildeo de um possiacutevel reino dos fins Apesar da grandeza desse filoacutesofo marcada pela

tentativa de solidificar os princiacutepios supremos da moralidade natildeo haacute a devida consideraccedilatildeo

do elemento existencial efetivamente noacutes somos muito mais experiecircncia e apesar da

necessidade de um elemento eacutetico imperativo que norteasse a vontade na accedilatildeo e sua dinacircmica

existe o elemento da constante decisatildeo a qual estaacute marcada por outra necessidade a da

formaccedilatildeo da vontade

Eacute o problema da possibilidade de converter esta consciecircncia do dever agrave sua realizaccedilatildeo

em material sensiacutevel Como torno disponiacutevel este dado intelectual primeiro (a lei) como uma

efetiva mobilizaccedilatildeo para a contingecircncia da vida Esse problema se sobressai devido ao fato

de esse percurso natildeo ser imediato e tampouco sua ldquoconstruccedilatildeordquo no interior da subjetividade eacute

natural O modo como a subjetividade eacute constituiacuteda resulta na possibilidade de uma

consequecircncia moral decisiva Somente no automatismo da accedilatildeo natildeo ocorre tal constituiccedilatildeo do

mesmo modo que na pura intelectualidade a consciecircncia moral tambeacutem natildeo se efetiva Este

agenciamento se converte entatildeo em algo decisivo

O domiacutenio da lei enquanto ato intelectual bem como a convicccedilatildeo de seu conteuacutedo ou

ainda a atribuiccedilatildeo de valor a uma accedilatildeo a partir da lei esses momentos natildeo se ajustam um ao

outro em uma relaccedilatildeo de causa e efeito como algo natural O a priori no princiacutepio do dever

natildeo se constitui naturalmente como causa de um efeito na experiecircncia Algo falta agrave teoria

kantiana que permitiria aceitar esta iacutentima relaccedilatildeo O conceito de boa vontade poderia ser

admitido como esse elemento pois se por um lado natildeo haacute nada de bom sem limitaccedilatildeo a natildeo

ser a vontade por outro lado pressupor um planeta povoado por pessoas desse niacutevel de

excelecircncia guiados exclusivamente pela boa vontade incorreria no risco de aceitar a

humanidade como algo jaacute formado o que natildeo se pode admitir sob nenhuma perspectiva A

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interioridade natildeo se constroacutei unicamente a priori no abstrato Esta interioridade abstrata eacute

por si soacute tatildeo incerta quanto a experiecircncia desprovida de orientaccedilatildeo

Na Metafiacutesica dos costumes fica claro a diversidade de modos de cumprir o dever

Sobre tal diversidade que contrasta com a uacutenica formulaccedilatildeo do dever a lei moral Kant natildeo

dedica suas paacuteginas Poreacutem por se tratar de uma diversidade em modos de cumprir a lei

moral fica evidente sua identidade com a experiecircncia Eacute assim que a capacidade de decisatildeo

prudente entra em cena e encontra sua base legitimadora no fato de que ningueacutem a desenvolve

abstratamente mas somente imerso na contingecircncia da vida A isso denomino de consciecircncia

concreta de si-mesmo Por um lado temos a lei como o uacutenico elemento certo imutaacutevel por

outro a existecircncia como incerta e passiacutevel de infinitas modificaccedilotildees Nessa perspectiva a

mais urgente preparaccedilatildeo estaacute natildeo na consciecircncia da lei mas na capacidade de enfrentar a

efetividade incerta sem sucumbir agravequilo que a lei nega o si-mesmo egoiacutesta Aqui a questatildeo

eacutetica estaacute constantemente em decisatildeo eacute na experiecircncia que torno a lei efetiva de modo que

nesta estaacute o cerne da formaccedilatildeo moral

Um fato marcante eacute que Kant arrancou a existecircncia de sua determinaccedilatildeo individualista

e contingente ao pensar os pressupostos eacuteticos do reino dos fins e afirmar a necessidade da lei

Poreacutem empurrou a existecircncia mesma a um local tatildeo marginal em seu sistema que

praticamente natildeo restou nada aleacutem da frieza constitutiva derivada de sua concepccedilatildeo

metafiacutesico-transcendental E o sujeito natildeo apenas constitui mas eacute constituiacutedo na

transitoriedade da existecircncia que eacute histoacuterica e portanto mutaacutevel

Quando o ser puro eacute posto diante da realidade a qual exige tomada de decisatildeo conside-

rando o entorno corre o risco de sentir-se imobilizado diante do princiacutepio loacutegico racional e de

um irrestrito amor ao dever E isso pelo fato de o ser humano natildeo ser o transcendental mas

ser muito mais consequecircncia do que princiacutepio do mesmo modo que interfere eacute interferido O

poder da objetividade eacute tatildeo grande que acaba por gerar a ldquoneacutevoardquo que encobre o imenso ceacuteu

estrelado kantiano acima de noacutes Com este poder da objetividade agindo e pondo muitas ve-

zes por terra as noccedilotildees abstratas e subjetivas a proacutepria moralidade natildeo assume um viacutenculo

condicionador em relaccedilatildeo ao sujeito empiacuterico (o uacutenico que age e decide)

4 O PROJETO EacuteTICO ESTEacuteTICO E FILOSOacuteFICO EM ADORNO

Na constituiccedilatildeo de sua concepccedilatildeo de esteacutetica Adorno entra em diaacutelogo principalmen-

te com Kierkegaard Kant Hegel e com a psicanaacutelise A partir desses quatro contrapontos

percebe-se o processo de cunhagem de seu pensamento frente a esse tema Na Teoria esteacutetica

Adorno traccedila a criacutetica direta ao idealismo e agrave psicanaacutelise e em Construccedilatildeo do esteacutetico sua

ecircnfase estaacute na teoria do filoacutesofo dinamarquecircs De todos esses contrapontos eacute possiacutevel lanccedilar a

pergunta que constituiccedilatildeo do esteacutetico eacute possiacutevel encontrar em Adorno

Em Kierkegaard construccedilatildeo do esteacutetico Adorno analisa o pensamento do referido fi-

loacutesofo e observa trecircs sentidos para o termo em questatildeo No primeiro o ldquoesteacutetico eacute [hellip] como

no uso comum da linguagem o domiacutenio das obras de arte e da consideraccedilatildeo teoacuterica da arterdquo

em segundo temos ldquoo esteacutetico como atituderdquo e por uacuteltimo ldquoo esteacutetico referido agrave forma da

comunicaccedilatildeo subjetiva e se legitima no conceito kierkegaardiano de existecircnciardquo (K p22-23)

O primeiro sentido encontra referecircncia clara por se dirigir a um objeto especiacutefico de-

nominado obra de arte e a investigaccedilatildeo teoacuterico-filosoacutefica que se realiza a partir dela Poreacutem

os dois sentidos posteriores remetem o pensamento esteacutetico agrave consideraccedilatildeo do ser humano em

seu estado atual com um interesse especial ao pensamento mesmo como posse do sujeito

Desse modo pensar esteticamente consiste no olhar atento ao homem e aquilo que ele eacute de

forma imediata enquanto empiacuterico e passiacutevel de experiecircncia O contraponto eacutetico conforme

cita Adorno considera a mudanccedila e o motivo que leva a se tornar aquilo que se torna De mo-

do que se o esteacutetico eacute o olhar sobre aquilo que o ser humano eacute imediatamente o eacutetico eacute o

olhar sobre aquilo que o ser humano pode vir a ser

O diferencial em Adorno eacute que o proacuteprio domiacutenio e consideraccedilatildeo teoacuterica da arte jaacute eacute

por si mesmo anaacutelise do ser humano em sua existecircncia imediata e em suas possibilidades de

devir Pelo fato de a arte ter se tornado o que se tornou ldquoantiacutetese social da sociedaderdquo falar

sobre ela eacute falar sobre o meio pelo qual e no qual surge No momento em que a arte se contra-

potildee agrave realidade se constitui em forma de conhecimento pois sua tarefa natildeo eacute mais afirmar

mas ser tensatildeo provocando o movimento dialeacutetico do pensamento ndash a antiacutetese entre o pensa-

mento e aquilo que ele mesmo natildeo eacute antiacutetese entre a arte e o meio no qual ela aparece

O comportamento esteacutetico proacuteprio do ser sensiacutevel que cria consciecircncia mediante a ex-

periecircncia desenvolvida assume a marca da contradiccedilatildeo ao princiacutepio de realidade a qual potildee a

adaptaccedilatildeo como o bem supremo Na frase ldquoa realidade oferece muitos outros motivos reais

para dela se fugirrdquo (K p20) natildeo expressa a fuga propriamente dita como uma patologia psiacute-

quica mas remete ao termo resistecircncia muito desenvolvido na Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo e na

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Minima moralia Nesta compreensatildeo da esteacutetica como atitude a realidade natildeo tem o poder

supremo de atuar sobre o indiviacuteduo determinando-o ou reprimindo-o como um sujeito des-

provido de subjetividade Pelo contraacuterio enquanto consideraccedilatildeo do estado em que o humano

se encontra como ser real a capacidade de compreensatildeo e atribuiccedilatildeo de sentido exige a dose

de resistecircncia acusada por Adorno como indispensaacutevel ao entendimento da realidade natildeo en-

quanto aparecircncia imediata ndash afinal essa eacute muito bem administrada ndash mas como um espetaacuteculo

que ocorre nos bastidores

Frente a isso a obra de arte assume vinculaccedilatildeo ao processo de esclarecimento ao natildeo

ser simples coacutepia do empiacuterico ou daquilo que acontece na superfiacutecie da existecircncia mas tra-

zendo para frente do palco aquilo que ocorre nos bastidores

O embuste [] consiste precisamente em que esta harmonizaccedilatildeo da vida e esta de-formaccedilatildeo da vida satildeo imperceptiacuteveis para as pessoas porque acontecem nos bastido-res [] de modo que as pessoas absorvem a harmonizaccedilatildeo oferecida sem ao menos se dar conta do que lhes acontece Talvez ateacute mesmo acreditem estar se comportan-do de modo realista E justamente aqui eacute necessaacuterio resistir (EM p86)

Esta forma distinta de reflexatildeo eacute o ato de pensamento vinculado ao processo de escla-

recimento exigido ainda nas linhas da Dialeacutetica do esclarecimento e que remete natildeo somente

ao terceiro sentido que o termo esteacutetica assume em Kierkegaard e eacute analisado por Adorno

como sendo um interesse especial pelo proacuteprio pensamento enquanto posse do sujeito ou

seja a necessidade de pensar o proacuteprio pensamento Vinculado a isto estaacute a possibilidade de

resistir agraves formas de ofuscamento que substituem a tensatildeo social pela pretensa harmonia de

um sentido imediato Como resposta a este ofuscamento propotildee-se a constituiccedilatildeo de um loacute-

cus comunicativo16 por meio do qual se amplia o niacutevel de experiecircncias e de compreensatildeo

cuja consequecircncia eacute um retorno qualificado ao proacuteprio pensamento de modo autocriacutetico

quanto agrave possibilidade de perceber o diferenciado ndash aquilo que permite a identidade de si suas

caracteriacutesticas proacuteprias e que impedem a simples universalizaccedilatildeo ndash a partir do local ocupado

por ele

Isso remete agrave proacutepria filosofia claacutessica no meacutetodo socraacutetico e platocircnico de construccedilatildeo

do conhecimento Ursula Wolf em sua obra La filosofiacutea y la cuestioacuten de la vida buena reto-

ma Platatildeo e o modelo socraacutetico de constituiccedilatildeo da subjetividade trazendo ao centro de tal

constituiccedilatildeo o sentido de elencos A observaccedilatildeo que se potildee indica para uma diferenccedila entre o

meacutetodo da teacutechne e o meacutetodo do elencos ldquonatildeo apenas evidencia a insuficiecircncia do meacutetodo da

teacutechne para a eacutetica [] mas estabelece ao mesmo tempo um novo meacutetodo o qual tem seu 16 No capiacutetulo 5 seraacute desenvolvido com mais detalhes o significado deste loacutecus comunicativo

59

modelo nos diaacutelogos com os quais Soacutecrates potildee agrave prova o saber de seus companheiros Esse

modo de proceder eacute o do elencosrdquo ([sd] p54 ndash traduccedilatildeo nossa) Em primeiro lugar deve-se

destacar a consciecircncia da tensatildeo dialeacutetica que se estabelece no momento em que ocupo meu

espaccedilo de sujeito portador de voz e com papel efetivo no elenco de atores No momento que

ocorre esse jogo entre atores no sentido de elenco se efetiva o real sentido de diaacutelogo en-

quanto meio de constituiccedilatildeo da subjetividade enquanto meio dialoacutegico que constituo e me

constitui

Este eacute o locus proacuteprio e ideal para que ocorra a resistecircncia apontada por Adorno no

momento em que me eacute permitida a elevaccedilatildeo do niacutevel de consciecircncia mediante a experiecircncia

comunicativa com outros atores Continuando com Wolf isto ocorre pelo fato de o elencos

permitir a complementaccedilatildeo das opiniotildees individuais evidenciando a falta de clareza conceitu-

al e elaborando as contradiccedilotildees Assim se constitui um meio proacuteprio no qual se examinam as

opiniotildees e se constituem referenciais interpretativos acerca do proacuteprio contexto no qual os

indiviacuteduos estatildeo inseridos

41 A vinculaccedilatildeo entre experiecircncia e racionalidade esteacutetica

Com a Teoria esteacutetica Adorno potildee em questatildeo a dinacircmica da subjetividade que se

constitui mediante relaccedilatildeo do sujeito com o mundo e sua consequente objetivaccedilatildeo enquanto

expressatildeo dessa riqueza subjetiva ou seu conteuacutedo de consciecircncia Antes da proacutepria arte o

contexto concreto no qual o indiviacuteduo estaacute inserido ndash as experiecircncias que determinam nosso

modo de compreender a realidade ndash tem o poder de ldquopocircr em movimento processos de pensa-

mentordquo Essa expressatildeo utilizada na Teoria esteacutetica (p45) quando o autor comenta as obras

de Brecht deve ser considerada de modo mais amplo direcionada ao proacuteprio meio concreto

no qual o indiviacuteduo estaacute inserido o qual significa para Adorno impulso ao pensar

Vicente Goacutemez (1998 p49 ndash traduccedilatildeo nossa) ao situar o sentido que a esteacutetica tem

em Adorno afirma que essa ldquonatildeo significa simplesmente teoria da arte mas laquoeacute referir-se agrave

posiccedilatildeo que o pensamento ocupa diante da objetividaderaquordquo Essa posiccedilatildeo do pensamento eacute a

uacutenica para Adorno ldquocapaz de realizar o verdadeiro conhecimento e natildeo a mera tautologia ou

reduplicaccedilatildeo do momento subjetivo no processo cognoscitivordquo Assim estamos diante de um

problema filosoacutefico o que eacute a objetividade o que eacute o concreto e como eacute possiacutevel a compre-

ensatildeo natildeo tautoloacutegica deste por parte do ser humano

O motivo para isso estaacute no fato de o proacuteprio conceito de concreto ser considerado por

Adorno de modo negativo ldquoAquilo que ainda natildeo era eacute o concretordquo ndash o maior problema eacute

60

ldquotratar a concreccedilatildeo como dado como indubitavelmente laquoexistenteraquordquo (TE p156) No real no

concreto estaacute a possibilidade de gerar processos de pensamento pelo fato de que ldquoaquilo que

eacute eacute mais do que ele eacute Esse mais natildeo lhe eacute anexado de fora mas permanece imante a elerdquo

(DN 2009 p140) constituindo-se em radical desafio ao pensamento no momento em que

nos deparamos com os limites de apreender somente o disponiacutevel pela experiecircncia imediata Eacute

diante dessa compreensatildeo de concreto que deve ser situada a expressatildeo artiacutestica a obra de

arte e enquanto concretude a proacutepria arte se converte em algo que estaacute para aleacutem do seu sim-

ples existente sendo mais do que aquilo apreendido imediatamente pelos sentidos Desse mo-

do a arte tambeacutem passa a ldquopocircr em movimento processos de pensamentordquo Essa eacute uma das

caracteriacutesticas que demarca o artiacutestico do natildeo-artiacutestico em Adorno

Deve-se destacar a centralidade que esse conceito ndash concreto ndash adquire em Adorno

Se na filosofia claacutessica a admiraccedilatildeo o espanto eacute o que origina o pensamento a filosofia em

Adorno esta funccedilatildeo eacute assumida pelo concreto A Dialeacutetica negativa aponta isso quando le-

mos que ldquosobre o concreto natildeo se deve filosofar mas a partir delerdquo (2005 p41 ndash grifo nos-

so) Poreacutem eacute possiacutevel salvar a admiraccedilatildeo enquanto olhar que natildeo se acomoda diante do evi-

dente e imediato mas encontra seu incitamento no descortinar desta novidade que surge haacute

algo ainda a compreender conteuacutedo ainda a ser transmitido e apreendido o mundo ainda natildeo

estaacute resolvido sob a luz do sentido jaacute manifestado

Esta caracteriacutestica da arte a qual deve ser ampliada para aleacutem do domiacutenio artiacutestico

pois tudo eacute mais do que aquilo que se apresenta permite pontuar o significado da negativida-

de No momento em que o entendimento natildeo consegue perceber nada aleacutem daquilo que ime-

diatamente aparece diante de mim quando desfaccedilo a possibilidade do concreto substituindo-o

pela clareza absoluta de sentido aniquilo a possibilidade da compreensatildeo deixando espaccedilo

para o reducionismo ou pobreza de sentido Nas palavras de Joseacute Antonio Zamora natildeo man-

ter-se na ldquoinsistecircncia do negativo transitar demasiado rapidamente agrave afirmaccedilatildeo do positivo

contribui efetivamente muito mais para a perpetuaccedilatildeo do falso existente do que para sua su-

peraccedilatildeordquo (2004 p13 ndash traduccedilatildeo nossa) Eacute isto que o sentido de concreto permite a colocaccedilatildeo

do eacute para aleacutem daquilo que aiacute estaacute Desse modo o negativo o concreto se transforma em

fundamento epistemoloacutegico

De modo mais enfaacutetico o problema eacute como a arte estaacute situada diante dessa compreen-

satildeo de concreto o qual conforme exposto acima rompe com a simples evidecircncia e se projeta

como reserva de sentido Esse problema nos potildee diante de um fragmento adorniano jaacute co-

mum ldquoTornou-se manifesto que tudo o que diz respeito agrave arte deixou de ser evidenterdquo tendo

perdido aquilo ldquoque poderia fazer de modo natildeo refletido ou sem problemas (TE p11) Essa eacute

61

a criacutetica ao simples existente empiacuterico levada ao extremo com o conceito de enigma e conte-

uacutedo de verdade (os quais jaacute foram desenvolvidos no segundo capiacutetulo) O que cabe aqui eacute

situar a arte enquanto algo que ldquose voltou graccedilas agrave sua forma tanto contra o simples existen-

te contra o estado de coisas persistente como veio em sua ajuda enquanto modelaccedilatildeo dos

elementos existentesrdquo (TE p12)

Ocorre o questionamento daquilo que nos eacute familiar pondo no centro das discussotildees

aquilo que eacute estranho o para aleacutem daquilo que eacute e que constitui o outro do meu entendimento

a alteridade Aqui estaacute a decisiva atualidade do esteacutetico a novidade no modo de compreender

esse termo Para Nadja Hermann

Desde o seacuteculo 20 satildeo conhecidas as profundas transformaccedilotildees ocorridas no pensa-mento que [] denunciam o caraacuteter excludente do conceito que natildeo reconhece o outro e natildeo acolhe aquilo que escapa as suas determinaccedilotildees e apontam para a atuali-dade do esteacutetico para aleacutem da teoria do belo e da arte transposto agora para vida cotidiana Esse conjunto de mudanccedilas produz efeitos sobre nossas interpretaccedilotildees de mundo e no modo de pensar (2010 p123-124 ndash grifo nosso)

Continuando com o argumento anterior tem-se entatildeo a inserccedilatildeo do outro e do estra-

nho em contraposiccedilatildeo ao idecircntico e com o simplesmente familiar Isso se deve agrave experiecircncia

esteacutetica na qual devido ao elemento do concreto e de natildeo evidecircncia se ldquoenfatiza uma multi-

plicidade de dimensotildees do estranho que nos retira da conformidade com o familiarrdquo (HER-

MANN 2010 p124)

Eacute possiacutevel perceber isto de modo enfaacutetico em Adorno quando na Teoria esteacutetica

(p12) situa a arte em um movimento de volta contra o estado de coisas e ao mesmo tempo

vem em sua ajuda enquanto modelaccedilatildeo de tal estado Desse modo natildeo eacute um simples contrari-

ar caracteriacutestica que pode ser aplicada a toda teoria de Adorno principalmente quando acusa-

da de pessimista Inspirada na relaccedilatildeo artiacutestica com a realidade a teoria natildeo eacute um simples ir

contra mas nesse movimento eacute impulso de progresso indo ao encontro do mundo enquanto

possibilidade de modelaccedilatildeo de seus elementos Essa modelaccedilatildeo ocorre no momento em que a

obra de arte nos potildee diante do concreto e ldquointegra-se assim num processo englobante de espi-

ritualizaccedilatildeo no progresso da consciecircnciardquo (TE p110) Essa eacute outra caracteriacutestica para uma

produccedilatildeo se considerada obra de arte em Adorno

Eacute o que se pode observar por exemplo em obras como Guernica de Pablo Picasso

Nessa obra percebe-se que se demarca o acircmbito do concreto e de ausecircncia de evidecircncia con-

vertendo aquilo que aparece em algo que vai aleacutem de sua manifestaccedilatildeo imediata Para Ador-

no ldquoem toda obra de arte genuiacutena aparece algo que natildeo existerdquo (TE p100) ou seja o con-

62

creto na consideraccedilatildeo para aleacutem do evidente Mas esse aleacutem natildeo eacute algo anexado de fora mas

conteuacutedo intriacutenseco que precisa ser disponibilizado agrave consciecircncia

A dinacircmica consequente disto eacute entre a arte em sua relaccedilatildeo consigo mesma e em sua

relaccedilatildeo com o concreto A construccedilatildeo do esteacutetico em Adorno perpassa por estas duas dire-

ccedilotildees Em primeiro lugar ldquotoda obra de arte aspira por si mesma agrave identidade consigordquo identi-

dade esta que ldquona realidade empiacuterica se impotildee agrave forccedila a todos os objetosrdquo (TE p15) Este

caraacuteter de singularidade faz com que a obra seja ela mesma e natildeo o que possa representar

extinguindo toda tentativa de extrair dela uma mensagem ndash ldquopinta-se um quadro e natildeo o que

ele representardquo (Ibidem)

Em segundo lugar ocorre o direcionamento em relaccedilatildeo ao concreto ao empiacuterico Po-

reacutem este direcionamento natildeo ocorre enquanto coacutepia imitativa As obras de arte ldquosatildeo coacutepias do

vivente empiacuterico na medida em que a este fornecem o que lhe eacute recusado no exterior e assim

libertam daquilo para que as orienta a experiecircncia externa coisificanterdquo (TE p15) ndash fazem

surgir o concreto naquilo que ele eacute A comunicaccedilatildeo17 que surge a partir da obra de arte assu-

me um sentido positivo e outro negativo Positivo enquanto identidade e afirmaccedilatildeo de si

mesmo enquanto arte ndash arte pela arte negativo pelo fato de defender o natildeo-evidente e rela-

cionar-se com a realidade pela recusa agrave imitaccedilatildeo dos seus elementos Desse modo a obra se

torna altamente espiritualizada e assim realiza a tensatildeo entre forma e conteuacutedo

Se comunicar pressupotildee linguagem eacute possiacutevel dizer que nesta estaacute a formalizaccedilatildeo do

conteuacutedo espiritual Um pensamento expressado eacute um conteuacutedo que se torna linguagem e

desse modo assume uma forma A obra de arte eacute forma expressatildeo de um conteuacutedo A respos-

ta agrave questatildeo sobre qual eacute o elemento decisivo ndash a forma ou o conteuacutedo ndash nos remete agrave impos-

sibilidade de um existir sem o outro Conteuacutedo natildeo formalizado natildeo tornado linguagem eacute

mudo e sem consequecircncias forma linguagem vazia de conteuacutedo eacute ideoloacutegica e nociva ao

desenvolvimento da consciecircncia Partindo desses dados na obra de arte deve haver o equiliacute-

brio entre o conteuacutedo e a forma no sentido de aquilo expresso como conteuacutedo ser indiacutecio do

concreto e do mesmo modo a forma deve permitir o surgimento deste conteuacutedo concreto

Utilizando as palavras de Adorno temos ldquoA forma esteacutetica eacute a organizaccedilatildeo objetiva

de tudo o que no interior de uma obra de arte aparece como linguagem coerente Eacute a siacutentese

natildeo violenta do dispersordquo (TE p165) O elemento de natildeo violecircncia poderia fazer supor a

primazia do conteuacutedo sobre a forma pois esta pode ter a pretensatildeo de reter aquilo que eacute dife-

rente em uma imposiccedilatildeo de sentido Salvo esta consideraccedilatildeo a forma eacute salva pelo fato de ser

17 O conceito de comunicaccedilatildeo seraacute melhor desenvolvido no segundo item deste capiacutetulo Aqui se faz considera-ccedilotildees provisoacuterias a fim de estabelecer as relaccedilotildees com o conceito de forma e conteuacutedo

63

indispensaacutevel na organizaccedilatildeo coerecircncia da proacutepria obra mesma Pela forma deve haver a ma-

nifestaccedilatildeo do conteuacutedo aquela eacute a condiccedilatildeo para este ldquoO ecircxito esteacutetico depende essencial-

mente de se o formado eacute capaz de despertar o conteuacutedo depositado na formardquo (TE p161)

O conteuacutedo da obra de arte assume por sua relaccedilatildeo com o concreto a dimensatildeo de

criacutetica Deve fazer surgir o mais naquilo que estaacute dado esse elemento de para aleacutem do imedi-

ato do evidente do oacutebvio Ao permitir a manifestaccedilatildeo da novidade ao fazer aparecer o novo

o concreto no para aleacutem do que aparece a forma deve expressar esse conteuacutedo e em uma

tensatildeo dialeacutetica o conteuacutedo assumir uma forma Vislumbra-se a convergecircncia entre forma e

criacutetica pois nas ldquoobras de arte a forma eacute aquilo mediante o qual elas se revelam criacuteticas em si

mesmas [] Pela sua implicaccedilatildeo criacutetica a forma aniquila as praacuteticas e as obras do passado A

forma contradiz a concepccedilatildeo da obra como algo de imediatordquo (TE p165) Assim se visualiza

a participaccedilatildeo da arte no processo de esclarecimento neste desenvolvimento da consciecircncia

diante daquilo que eacute e pelo questionamento do sentido atribuiacutedo a esse eacute

Essa tensatildeo tambeacutem demarca o acircmbito do que eacute arte Quando as obras ldquotornam-se con-

textos de sentido ao negarem o sentidordquo (TE 176) fazem surgir o concreto ao negarem aquilo

que se quer como o concreto Eacute diante desses elementos que se pode inserir o sentido de sujei-

to em relaccedilatildeo agrave obra de arte Ao pensar sobre o que eacute o sujeito precisamos refletir ldquosobre o

que na arte fala eis o seu verdadeiro sujeito e natildeo o que a produz ou a receberdquo (TE 190)

Continuando com a argumentaccedilatildeo Adorno propotildee

Verdadeira eacute a arte tanto mais que o que nela fala e ela proacutepria estatildeo cindidos natildeo reconciliados mas esta verdade cabe-lhe em sorte quando ela sintetiza o dividido e assim o determina apenas no seu caraacuteter irreconciliaacutevel Paradoxalmente a arte tem de testemunhar o irreconciliaacutevel e tender no entanto para a reconciliaccedilatildeo isso soacute eacute possiacutevel a partir da sua linguagem natildeo-discursiva Soacute neste processo se concretiza o noacutes Mas o que fala na arte eacute verdadeiramente o seu sujeito na medida em que nela fala e por ela natildeo eacute representado (TE p191-192)

Por ser portadora de linguagem e portadora de conteuacutedo a obra de arte assume a fun-

ccedilatildeo de sujeito ela fala propotildee questatildeo converte-se em desafio ao outro sujeito agora o hu-

mano exigindo deste o rigor cognitivo poreacutem em uma posiccedilatildeo de natildeo posse frente agrave obra

Compreende-se entatildeo desse modo que a tensatildeo entre a obra de arte e o ser humano eacute uma

tensatildeo entre sujeitos natildeo mais de sujeito e objeto propondo algumas caracteriacutesticas especiais

Essas caracteriacutesticas como veremos no capiacutetulo 5 devem demarcar a relaccedilatildeo para aleacutem do

sujeito obra de arte e sujeito humano mas constituir uma forma de relaccedilatildeo entre os proacuteprios

sujeitos humanos em suas mais diversas possibilidades de co-habitarem

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A noccedilatildeo de sujeito eacute condiccedilatildeo para a obra de arte e esta relaccedilatildeo entre sujeitos demarca

a constituiccedilatildeo da obra artiacutestica um deve remeter ao outro a arte deve remeter agrave razatildeo o ser

humano com sua racionalidade deve remeter-se agrave arte em sua linguagem enquanto testemunha

do concreto Assim constitui-se a racionalidade esteacutetica nessa tensatildeo que pode ser entendida

como relaccedilatildeo entre sujeitos pois ambos satildeo portadores de sentido em manifestaccedilatildeo e propotildee

sentido Ambos os sujeitos em sentido concreto O desafio ao sujeito humano estaacute na capaci-

dade de perceber este sentido manifesto por este seu outro

Estamos diante do mais rico sentido de dialeacutetica em Adorno o qual se converte em

imperativo para o pensamento ldquopensar de tal modo que a forma do pensamento natildeo mais tor-

ne seus objetos coisas inalteraacuteveis que permanecem iguais a si mesmas a experiecircncia des-

mente que eles o sejamrdquo (DN 2009 p134) No nuacutecleo do pensamento dialeacutetico estaacute a prima-

zia da experiecircncia de sujeitos que natildeo permanecem iguais no decorrer da histoacuteria rompendo

com o ideal de identidade na paz do conceito ldquoO existente singular coincide tatildeo pouco com o

seu conceito superior quanto se mostra como ininterpretaacutevel Ele tambeacutem natildeo eacute por sua parte

algo derradeiro contra o qual o conhecimento deveria se chocarrdquo (DN 2009 p140) Ao mes-

mo tempo em que o singular natildeo coincide com o conceito afirmando sua dignidade de dife-

renciado ele eacute passiacutevel de interpretaccedilatildeo e se constitui em reserva de sentido Daiacute a ecircnfase de

Adorno na Teoria esteacutetica em definir o momento da razatildeo interpretativa diante do outro

A afirmaccedilatildeo acima de que a relaccedilatildeo entre sujeitos eacute marca da racionalidade esteacutetica

pelo fato de a proacutepria arte se constituir em sujeito exige um complemento O que diferencia o

sujeito humano Em uma palavra a consciecircncia e reafirmando o terceiro capiacutetulo a capaci-

dade de siacutentese operada pelo pensamento humano Poreacutem siacutentese natildeo absoluta mas aberta agrave

ampliaccedilatildeo de sentido ndash siacutentese natildeo final mas dinacircmica Na Dialeacutetica negativa (2009 p159)

visualiza-se essa especificidade do sujeito humano pondo como primeiro a noccedilatildeo de empiria

para somente apoacutes ser possiacutevel falar em transcendental espiritual A consciecircncia eacute em pri-

meiro lugar empiacuterica ldquofunccedilatildeo do sujeito vivordquo e portanto histoacuterica Natildeo havendo ldquoqualquer

relaccedilatildeo com uma consciecircncia empiacuterica com a consciecircncia do eu vivo natildeo haveria nenhuma

consciecircncia transcendental puramente espiritualrdquo (grifo nosso) A expressatildeo consciecircncia do

eu vivo situa-se em um contraponto ao eu penso cartesiano Eu penso logo existo como quis

Descartes eacute contraposto pelo imperativo dialeacutetico do pensamento eu vivo logo posso pensar

Apesar de a vida ser o elemento originaacuterio o ser humano se posiciona diante dela a

partir da razatildeo interpretativa e esta eacute pensamento e constitui pensamento ndash esse eacute o viacutenculo

entre experiecircncia esteacutetica e racionalidade A obra de arte ldquonatildeo dispensa objetivamente a inter-

pretaccedilatildeo como se nada houvesse para interpretar [] A obra de arte que crecirc possuir o conte-

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uacutedo a partir de si encalha num racionalismo ingecircnuordquo (TE p40) Dessa maneira percebe-se a

relaccedilatildeo natildeo somente da arte com a sociedade com o concreto mas da arte com a razatildeo inter-

pretativa Poreacutem ldquodeve-se interpretar-se e natildeo ser substituiacuteda pela claridade do sentidordquo (TE

p40) isso eacute

se a verdade que as obras de arte contecircm ficar encerrada no momento da experiecircncia esteacutetica ela se perderia e esta natildeo seria nada Disto vem que as obras de arte por causa daquilo que nelas aponta para aleacutem do momento fugaz da experiecircncia esteacutetica satildeo remetidas agrave razatildeo interpretativa para que a interpretaccedilatildeo exponha a verdade pa-ra Adorno interpretaccedilatildeo significa interpretaccedilatildeo filosoacutefica a laquonecessidade de inter-pretaccedilatildeoraquo que as obras de arte possuem eacute a necessidade que a experiecircncia esteacutetica possui da demonstraccedilatildeo filosoacutefica (WELLMER 1993 p19 ndash traduccedilatildeo nossa)

Isso faz retomar o sentido claacutessico de esta admiraccedilatildeo que permitia ao ser

humano pensar filosofar e que a proacutepria filosofia eliminou no momento em que se viu na

posiccedilatildeo de poder apreender o fato e fenocircmeno o empiacuterico em uma caacutepsula conceitual en-

cerrando a proacutepria verdade nessa caacutepsula Esta permanecircncia da thaumazein a qual se origina

no momento em que permito o novo (para a consciecircncia agrave qual nada haacute de novo natildeo eacute possiacute-

vel a admiraccedilatildeo) equivale para usar uma expressatildeo de Hermann agrave promessa de vida A obra

de arte encontra aqui seu local privilegiado ldquoa arte nos indica que o mundo natildeo eacute plenamente

compreendido no acircmbito conceitual e que pode deixar um espaccedilo para uma promessa de vidardquo

(2010 p45) Nada haacute para se admirar no conceito esse em linguagem adorniana eacute frio e sem

consequecircncia A riqueza de mundo soacute eacute possiacutevel por uma via fazendo o movimento ao en-

contro do mundo ao encontro do outro ndash esse encontro quando aberto agrave sua novidade apro-

funda o mundo

42 A dinacircmica entre aproximaccedilatildeo do outro e construccedilatildeo de si

A Teoria esteacutetica lanccedila uma compreensatildeo de obra de arte enquanto ldquoidentidade consi-

go mesmardquo (p15) Nesse sentido a arte natildeo pretende ser idecircntica ao seu exterior mas quer ser

apenas ela mesma e natildeo representaccedilatildeo fidedigna A identidade esteacutetica ocorre de modo a ldquode-

fender o natildeo-idecircntico que a compulsatildeo agrave identidade oprime na realidaderdquo (ibidem) sendo

entatildeo em primeiro lugar identidade consigo mesma Na construccedilatildeo do sujeito esteacutetico o pri-

mado estaacute em ser para si em um impulso de construccedilatildeo de si Essa construccedilatildeo natildeo significa

desarmonia em relaccedilatildeo ao todo sobreposiccedilatildeo de si mesmo mas sim o fortalecimento subjeti-

vo em sua identidade consigo mesmo como condiccedilatildeo para pensar uma possiacutevel identidade

66

natildeo opressora Hermann destaca isso de modo incisivo ao afirmar que a devida atenccedilatildeo agravequi-

lo que eacute particular em sua contingecircncia pode

esclarecer a relaccedilatildeo reciacuteproca entre o universal e o particular [e] evita uma orienta-ccedilatildeo puramente abstrata sem abandonar princiacutepios universais pois a educaccedilatildeo pres-supotildee um processo de inserccedilatildeo num mundo compartilhado de valores e crenccedilas sem o qual qualquer dialeacutetica entre individualizaccedilatildeo e socializaccedilatildeo estaria condenada ao fracasso (2010 p104)

Continuando o pensamento para a autora haacute ldquoum miacutenimo de normas morais validadas

intersubjetivamente que constituem nosso ethos e sem as quais se torna muito difiacutecil edificar

a formaccedilatildeo humana O compartilhamento de valores e regras comuns permite projetar um

mundo sob o qual se daacute a base de nossas conversaccedilotildeesrdquo (Ibidem p105) Dessa forma perce-

be-se a dinacircmica que ocorre entre a aproximaccedilatildeo docom o outro e a construccedilatildeo de si indi-

cando o real sentido de pensar a relaccedilatildeo segundo o modelo do elencos a dinacircmica que potildee os

diversos atores como responsaacuteveis pela autoconstruccedilatildeo e pela coesatildeo do todo Somente quan-

do a proximidade permite a proacutepria identidade eacute que se torna possiacutevel projetar uma situaccedilatildeo

em que a diferenccedila eacute motivo de coesatildeo natildeo de rupturas O contraacuterio quando a aproximaccedilatildeo

impede o si mesmo a individualidade o ldquocompartilhamento de valores e regras comunsrdquo eacute

impossibilitado ou ocorre somente de modo aparente E isso devido ao fato de a coerccedilatildeo ge-

rar coesatildeo somente aparente

Sob esta oacutetica o pensamento pode significar um modo de aproximar-se do outro cuja

dinacircmica eacute o desencadear compreensivo gerado pela aproximaccedilatildeo real efetiva que nos potildee

face-a-face Com a aproximaccedilatildeo se estabelece a relaccedilatildeo oposta agrave dominaccedilatildeo gerada pela ca-

pacidade de distanciamento a qual pressupotildee indiferenciaccedilatildeo ndash a dominaccedilatildeo eacute possiacutevel so-

mente para quem eacute indiferente e para ser indiferente natildeo pode ocorrer a aproximaccedilatildeo efetiva

A racionalidade da aproximaccedilatildeo natildeo compactua com a tendecircncia ao equivalente que marca a

forma de relaccedilatildeo sob a oacutetica da instrumentalidade e do princiacutepio da disponibilidade Eacute exata-

mente pelo fato de o outro natildeo estar simplesmente disponiacutevel a mim e ao meu intelecto que

me obriga a natildeo trataacute-lo como simples objeto do meu querer (instrumentalizaccedilatildeo) Nessa di-

nacircmica eacute que deve ser pensada a tensatildeo entre aproximaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo aproximaccedilatildeo e

construccedilatildeo A aproximaccedilatildeo que gera diferenciaccedilatildeo permite a construccedilatildeo tanto do si quanto do

outro e ateacute mesmo construccedilatildeo do todo

A expressatildeo ldquofragmento de alteridaderdquo (TE p18) indica esta racionalidade orientada

por uma siacutentese que natildeo desfaz a alteridade A proacutepria possibilidade de aproximaccedilatildeo envolve

a possibilidade de haver um inteiramente outro como um fragmento de alteridade que faz

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tambeacutem parte da proacutepria possibilidade de aproximaccedilatildeo enquanto comunicaccedilatildeo de diferenci-

ados Na relaccedilatildeo com meu diferente na diferenccedila especiacutefica entre noacutes estou em relaccedilatildeo com

o que eu natildeo sou mas que ao mesmo tempo permite fazer de mim uma singularidade Se

houver alguma siacutentese ndash no sentido de conhecimento ndash contudo ela natildeo extingue tais frag-

mentos os quais permanecem no diferenciado

Os fragmentos de alteridade interferem no processo de siacutentese operada pelo entendi-

mento No momento em que consigo referir todas as representaccedilotildees a mim enquanto ser de

experiecircncia esta siacutentese natildeo eacute uma simples imposiccedilatildeo ao real pois para aleacutem de toda compre-

ensatildeo reside a possibilidade da novidade do renovar da experiecircncia diante de algo que eacute sem-

pre inteiramente outro Assim ldquosubstitui o princiacutepio de unidade e a onipotecircncia do conceito

soberano pela ideacuteia daquilo que existiria fora do feiticcedilo de tal unidaderdquo (DN 2005 p10) Eacute

ilusatildeo a crenccedila de que pela tentativa de unidade nada reste do outro A filosofia pode se ori-

entar pela tendecircncia do uno mas natildeo pode negar a fraqueza do conceito ao estabelecer o uno

como que havendo um envolvimento total das particularidades nessa totalidade

Em sentido contraacuterio a dialeacutetica negativa substitui esse feiticcedilo por aquilo que existe

fora dele Um segundo giro-copernicano colocaria no centro do debate filosoacutefico os fragmen-

tos de alteridade aquilo que resta depois de satisfeita a sanha de tudo abocanhar Nisso estaacute o

sentido de dialeacutetica jaacute que ldquoseu nome a princiacutepio natildeo diz nada mais que os objetos natildeo se

reduzem a seu conceito que entram em contradiccedilatildeo com a norma tradicional da adaequatiordquo

(DN 2005 p 17) E isto devido ao fato de que o ldquoconhecimento natildeo interioriza por completo

nenhum de seus objetosrdquo (p24) e exatamente por natildeo serem objetos completamente apreen-

siacuteveis eacute que tecircm a capacidade de pocircr em movimento processos de pensamento processos de

compreensatildeo que se efetivam pela aproximaccedilatildeo

Considerando a esteacutetica enquanto relaccedilatildeo entre diferenciados sem a acircnsia de posse

como alteridades permanentes o caraacuteter de aproximaccedilatildeo assume efeito decisivo de apariccedilatildeo

Natildeo somente eu percebo o outro ou seja natildeo eacute unicamente ato de minha consciecircncia mas

tambeacutem eacute o outro que aparece que se lanccedila ao meu olhar se deixa apreender A atitude esteacute-

tica eacute a secularizaccedilatildeo do ato religioso da revelaccedilatildeo duas presenccedilas que se potildee em direccedilatildeo

uma agrave outra para um encontro que resulta no aacutepice da experiecircncia e permita a construccedilatildeo de

sentido tatildeo somente a partir disso

Chegamos entatildeo ao conceito de construccedilatildeo no qual natildeo ocorre a prioridade dos pro-

cessos subjetivos Eacute possiacutevel afirmar a concordacircncia de Adorno com o ideal de construccedilatildeo

grego claacutessico

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o bloco de maacutermore e as teclas de um piano nas quais respectivamente uma escultu-ra e uma composiccedilatildeo esperam ser libertadas satildeo para tal tarefa provavelmente mais do que metaacuteforas As tarefas trazem em si a sua soluccedilatildeo objetiva pelo menos no in-terior de uma certa margem de variaccedilatildeo embora natildeo possuam a univocidade de e-quaccedilotildees A accedilatildeo do artista eacute o ponto miacutenimo entre o problema a mediatizar perante o qual ele se vecirc e que jaacute estaacute de antematildeo traccedilado e a soluccedilatildeo que igualmente se en-contra de modo potencial no material Se ao utensiacutelio se chamou um braccedilo prolon-gado poder-se-ia chamar ao artista um utensiacutelio prolongado utensiacutelio da passagem da potencialidade agrave atualidade (TE p190)

Assim em Adorno eacute necessaacuterio ldquoseparar-se daquela comparaccedilatildeo grosseira com o su-

jeito criativo que por uma exuberacircncia presunccedilosa transforma a obra de arte em documento

do seu criador e assim a diminuirdquo (TE p194) Na Teoria esteacutetica ocorre a suspeita diante da

posiccedilatildeo de um sujeito que constroacutei em uma adequaccedilatildeo do material a uma forma existente na

mente de tal sujeito A tendecircncia de Adorno estaacute mais em conceber a capacidade de mediaccedilatildeo

para as possibilidades jaacute existentes no material ldquotudo ainda laacute estaacute No teclado de qualquer

piano estaacute contida a Appassionata soacute que o compositor deve extraiacute-la e para isso natural-

mente eacute preciso ser Beethovenrdquo (EXP p24) E nesse ato natildeo haacute a posse plena de tais mo-

mentos pelo sujeito pois

implica sempre o primado dos procedimentos construtivos em relaccedilatildeo agrave imaginaccedilatildeo subjetiva A construccedilatildeo impotildee soluccedilotildees que o ouvido ou o olho que as representam natildeo tecircm imediatamente presentes em toda a claridade O imprevisto natildeo soacute eacute efeito mas possui igualmente um lado objetivo Isso se encontra modificado numa nova qualidade (TE p36)

No conceito de construccedilatildeo e imprevisto evidencia-se a relaccedilatildeo natildeo de um sujeito sobre

um objeto passivo mas uma dinacircmica construtiva na qual os dois poacutelos tanto o artista quanto

material satildeo atuantes no ato produtivo ldquotornou-se entretanto manifesto que as obras devem

conter caracteriacutesticas as quais no processo de produccedilatildeo natildeo satildeo previsiacuteveis e que subjeti-

vamente o artista era surpreendido pelas suas proacuteprias obrasrdquo (TE p51) O que natildeo significa

espontaneiacutesmo como que em um agir do indiviacuteduo desprovido de criteacuterios racionais de pro-

cedimentos teacutecnicos especializados mas indica tatildeo somente usando o exemplo da composi-

ccedilatildeo ao piano a necessidade de extrair aquilo que jaacute estaacute posto no instrumento Natildeo imponho

um som apenas permito a manifestaccedilatildeo das possibilidades jaacute existentes no instrumento

Nessa dinacircmica de construccedilatildeo e possibilidade do imprevisto na qual se insere a sur-

presa ou a novidade vinda da proacutepria obra Adorno insere a categoria do novo Com isso de

imediato eacute possiacutevel indicar a contraposiccedilatildeo de obras padronizadas ao gosto do cliente na

mercantilizaccedilatildeo das produccedilotildees cujo criteacuterio eacute o modismo e na possibilidade de o cliente pro-

jetar suas emoccedilotildees o que eacute em grossas palavras o produto da induacutestria cultural A contrapo-

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siccedilatildeo ao novo sugerida aqui autoriza-se pela caracteriacutestica imediatamente oposta a do sem-

pre-semelhante

A produccedilatildeo em seacuterie ndash seja da arte ou dos bens de consumo e nesse caso a proacutepria arte

seria um bem de consumo ndash acompanha o padratildeo do sempre-semelhante e visualizando a

educaccedilatildeo visualizando o proacuteprio humano impede a manifestaccedilatildeo da riqueza constitutiva in-

terna a possibilidade de ser natildeo-idecircntico o natildeo-semelhante a proacutepria manifestaccedilatildeo do novo

que eacute cada ser humano Apesar de isso ser objeto de discussatildeo mais detalhada do uacuteltimo capiacute-

tulo eacute viaacutevel afirmar jaacute aqui que educar eacute permitir a manifestaccedilatildeo qualificada da riqueza

constitutiva do indiviacuteduo enquanto algo novo e nessa autoconstruccedilatildeo de si gerar a identida-

de de si a construccedilatildeo do proacuteprio sujeito

Poreacutem esse novo conforme jaacute destacado natildeo eacute algo imposto de fora mas eacute a mani-

festaccedilatildeo de algo jaacute existente poreacutem natildeo evidenciado Enfaticamente o novo eacute somente aquilo

que permite romper com o sempre-semelhante conduzindo a conceitos como outro e alteri-

dade ldquoA relaccedilatildeo ao Novo tem o seu modelo na crianccedila que busca no piano um acorde jamais

ouvido ainda virgem No entanto o acorde existia jaacute desde sempre As possibilidades de

combinaccedilatildeo satildeo limitadas na verdade tudo jaacute se encontra no tecladordquo (TE p45) O desafio

estaacute em fazer com que o outro perceba esse novo em si mesmo e natildeo menos importante con-

seguir perceber isso no outro No novo estaacute entatildeo a expressatildeo do concreto a manifestaccedilatildeo

para aleacutem daquilo que estaacute evidente reafirmando o sentido de dialeacutetica ldquoA dialeacutetica eacute a cons-

ciecircncia consequente da natildeo-identidaderdquo (DN 2005 p17) Em primeiro lugar cabe destacar

que partindo dessa ideia a dialeacutetica natildeo eacute um meacutetodo mas um modo de consciecircncia Consci-

ecircncia esta adquirida apoacutes romper com a ideoloacutegica concepccedilatildeo de pensamento com funccedilatildeo

exclusivamente identificadora Assim temos a impossibilidade de haver identidade e ao

mesmo tempo existir a dialeacutetica ndash a dialeacutetica se opotildee ao pensamento identificador pensar na

identidade eacute pensar natildeo dialeticamente pois anula sua condiccedilatildeo primeira o divergente disso-

nante negativo diferenciado

Conforme a Dialeacutetica negativa (2005 p18) a consequecircncia primeira gerada pela anu-

laccedilatildeo da dialeacutetica promovida pelo pensamento identificador eacute o empobrecimento da experi-

ecircncia A aproximaccedilatildeo natildeo ocorre mais com o criteacuterio de permitir o novo e o diferenciado mas

enclausurando o individual dentro de padrotildees de validade universal Toda a diversidade da

experiecircncia eacute sacrificada juntamente com a diversidade do outro em nome de uma adequaccedilatildeo

e uniformidade abstrata

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Sob condiccedilotildees sociais sobretudo aquelas referentes agrave educaccedilatildeo que dominam orientam atrofiam de muacuteltiplas formas as forccedilas produtivas espirituais sob a dominante pobreza imaginativa [] seria fictiacutecio supor que todos poderiam entendecirc-lo ao todo ou sequer percebecirc-lo Esperar isso seria organizar o conhecimento segundo os traccedilos patoloacutegicos de uma humanidade a qual segundo a lei da igualdade lhe eacute arrebatada a possibilidade de criar experiecircncias se eacute que alguma vez a tenha possuiacutedo (DN 2005 p48-49)

O imperativo dialeacutetico do pensamento o qual conduz agrave possibilidade de criar experi-

ecircncia aponta a necessidade de ldquopensar de tal modo que a forma do pensamento natildeo mais tor-

ne seus objetos coisas inalteraacuteveis que permanecem iguais a si mesmas a experiecircncia des-

mente que eles o sejamrdquo (DN 2009 p134) Os objetos aqui mencionados satildeo os objetos do

pensamento ou seja os conceitos criados pelo pensamento a partir da experiecircncia Indica-se

a necessidade de construccedilatildeo conceitual em confronto permanente com o concreto Assim o

conceito natildeo eacute uma ferramenta a partir da qual o concreto eacute tratado mas esta ferramenta eacute o

proacuteprio ato de pensar

O conceito enquanto resultado da relaccedilatildeo entre pensamento e concretude permite a-

penas uma compreensatildeo daquilo a que se direciona de modo bem direto e portanto passiacutevel

de mudanccedila jaacute que o concreto sofre a accedilatildeo do tempo e do proacuteprio espaccedilo A proacutepria Dialeacutetica

negativa (2009 p136) leva ao extremo a citaccedilatildeo anterior compreendendo o conceito como

algo natildeo-idecircntico nem sequer a si mesmo muito menos com aquilo ao qual se refere Ou seja

ele se determina por aquilo que lhe eacute exterior de modo que natildeo se esgota em si mesmo sendo

impossiacutevel aos objetos do pensamento ndash o conceito ndash ser inalteraacutevel e igual a si mesmo

A dissonacircncia proacutepria das cores sons e imagens no mundo artiacutestico tambeacutem se con-

verte em criteacuterio de racionalidade Eacute o que se percebe por exemplo em uma obra brasileira

como o Rudepoema de Heitor Villa-Lobos na qual o entendimento se depara com sua insufi-

ciecircncia na resoluccedilatildeo do sentido sendo a obra ao mesmo tempo resistecircncia e abertura agrave inter-

pretaccedilatildeo Por ser resistecircncia permanece em seu para si enquanto abertura eacute direcionada agrave

razatildeo interpretativa Sendo assim toda aproximaccedilatildeo eacute sinocircnimo de sentido revelado e reserva

de sentido Por isso que a constituiccedilatildeo do esteacutetico em Adorno tem como objetivo principal pocircr

em movimento processos de pensamento e a verdade encontra sua significaccedilatildeo tatildeo somente

naquilo que natildeo estaacute em harmonia com o sentido administrado imposto Ou seja o verdadei-

ro surge diante daquilo que permite ao ser humano ser forma de alteridade em sua permanen-

te reserva de sentido Em outras palavras a verdade estaacute na aproximaccedilatildeo e natildeo na apropria-

ccedilatildeo

Incorporada a esta noccedilatildeo de sujeito esteacutetico estaacute a dimensatildeo comunicativa Somente haacute

comunicaccedilatildeo ou diaacutelogo quando o pressuposto relacional for paciacutefico e dessa forma natildeo

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tiver a pretensatildeo de reduccedilatildeo epistemoloacutegica ao sentido que o sujeito apreende ou atribui A

comunicaccedilatildeo somente se efetiva na paz do diferenciado quando eacute possiacutevel ser outro sem te-

mor

Se fosse permitido especular sobre o estado de reconciliaccedilatildeo natildeo caberia imaginaacute-lo nem sob a forma de indiferenciada unidade de sujeito e objeto nem sob a de sua hos-til antiacutetese antes a comunicaccedilatildeo do diferenciado [] Paz eacute um estado de diferenci-accedilatildeo sem dominaccedilatildeo no qual o diferente eacute compartido (PS p184)

A marca da comunicabilidade estaacute na interioridade que realiza a abertura e o fecha-

mento A primeira por natildeo existir plena identidade no princiacutepio de realidade sendo a tensatildeo

dialeacutetica natural e pressuposto para o encontro e para a proacutepria concepccedilatildeo de verdade em A-

dorno A segunda por evitar que o proacuteprio ser humano se perca em meio ao jogo de diferen-

ciados Ou seja eacute preciso que ocorra a identidade do sujeito consigo mesmo o reconhecimen-

to de sua proacutepria subjetividade enquanto nuacutecleo de forccedila ndash noccedilatildeo de siacutentese apresentada no

terceiro capiacutetulo Abertura e fechamento identidade e natildeo identidade satildeo condiccedilotildees para um

sujeito provido de subjetividade ndash significa condiccedilatildeo e capacidade de pensamento bem como

constituiccedilatildeo da proacutepria condiccedilatildeo humana no interior do mundo

A ecircnfase dada agrave comunicaccedilatildeo remete ao sujeito que se constitui enquanto ser histoacuterico

ou seja enquanto ser-aiacute enquanto presenccedila posta e mediada pelo elemento comunicativo Eacute o

singular caracterizado como ser-aiacute natildeo o em-si kantiano inapreensiacutevel pelo entendimento

humano mas aquilo que estaacute dado e nessa presenccedila impossiacutevel de ser ignorado ldquoA comuni-

caccedilatildeo com o outro cristaliza-se no singular que eacute mediado por ela em seu ser-aiacuterdquo (DN 2009

p140) Eacute fundamental destacar que a comunicaccedilatildeo entre diferenciados eacute mediada pelo proacuteprio

ato de comunicaccedilatildeo e natildeo nas estruturas a priori do sujeito Nesse sentido eacute que se compre-

ende a primazia da relaccedilatildeo cuja mediaccedilatildeo eacute o ato comunicativo mesmo A individuaccedilatildeo eacute

dada pela comunicaccedilatildeo pelo enfrentamento que busca o comum (universal) e o diferente (al-

teridade)

Esta tensatildeo entre universal e particular a qual se manteacutem enquanto houver comunica-

ccedilatildeo natildeo se caracteriza por uma relaccedilatildeo comparativa entre individualidades Se comunicaccedilatildeo

fosse isso entatildeo tudo se resolveria no ato dedutivo a partir do pensamento Por exemplo mu-

nido dos referenciais sobre o que caracteriza um ser humano poderiacuteamos falar e atribuir valor

sobre qualquer indiviacuteduo mesmo sem relaccedilatildeo efetiva Esse modo de proceder natildeo pode ser

denominado comunicaccedilatildeo pois faz-se ausente o singular que em seu ser-aiacute permite a comu-

nicaccedilatildeo

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O centro dessa discussatildeo estaacute no fato de que natildeo eacute possiacutevel progredir do particular ao

universal somente pela forccedila do pensamento ldquonatildeo se progride a partir de conceitos e por eta-

pas ateacute o conceito superior mais universal mas esses conceitos entram em uma constelaccedilatildeo

Essa constelaccedilatildeo ilumina o que haacute de especiacutefico no objeto e que eacute indiferente ou um peso para

o procedimento classificatoacuteriordquo (DN 2009 p140) Atraveacutes do conceito de constelaccedilatildeo A-

dorno propotildee uma congregaccedilatildeo de momentos e sentidos que se comunicam e sem subsumir

nenhum deles compotildeem a riqueza de sentido Cabe destacar que nenhum dos momentos se

eleva em potecircncia essencial mas todos pontuam um momento permanente (que natildeo eacute negado

na figura do outro momento) na constituiccedilatildeo do sentido de modo que natildeo eacute o primado da

razatildeo doadora de sentido mas o sentido que se forma na ligaccedilatildeo dos momentos histoacutericos

Constelaccedilatildeo natildeo eacute representaccedilatildeo mas apresentaccedilatildeo daquilo que natildeo pode ser compreendido

isoladamente Eacute histoacuteria que engloba o indiviacuteduo e na qual ele estaacute inserido Perceber a cons-

telaccedilatildeo eacute nada mais que perceber e interpretar aquilo que eacute condicionado historicamente ndash

conhecer eacute pensar em constelaccedilatildeo

Essa histoacuteria estaacute nele e fora dele ela eacute algo que o engloba e em que ele tem seu lu-gar Perceber a constelaccedilatildeo na qual a coisa se encontra significa o mesmo que deci-frar aquilo que ele porta em si enquanto algo que veio a ser [] Somente um saber que tem presente o valor histoacuterico conjuntural do objeto em sua relaccedilatildeo com os ou-tros objetos consegue liberar a histoacuteria no objeto (DN 2009 p141)

Com a constelaccedilatildeo que constitui sentido via comunicaccedilatildeo ocorre a abertura do enigma

que se quer decifrar Adorno utiliza a metaacutefora do cofre para expressar o sentido que a conste-

laccedilatildeo assume em sua teoria como os cadeados em um cofre-forte a abertura natildeo ocorre ldquoape-

nas por meio de uma uacutenica chave ou de um uacutenico nuacutemero mas de uma combinaccedilatildeo numeacuteri-

cardquo (DN 2009 p142)

Assim sendo na obra de arte ocorre comunicaccedilatildeo ela mesma comunica Mas natildeo eacute

comunicaccedilatildeo de uma mensagem que se pode simplesmente extrair e que estaacute evidente sendo

antes a manifestaccedilatildeo do concreto Em Adorno a obra somente eacute artiacutestica se permitir tal mani-

festaccedilatildeo abrindo espaccedilo para o surgimento do algo mais o surgimento daquilo que eacute para

aleacutem do que se mostra imediatamente Mantendo a arte essa relaccedilatildeo com o concreto sendo

um ldquodesdobramento da verdaderdquo (TE p123) ela se converte em impulso e possibilidade de

esclarecimento em oposiccedilatildeo radical aos produtos da induacutestria da cultura

Essa eacute a linguagem da obra de arte seu modo de expressatildeo e que lhe daacute autenticidade

ldquoo meio pelo qual as obras de arte existentes satildeo mais do que a existecircnciardquo ndash ou seja pela sua

existecircncia permitem a manifestaccedilatildeo do concreto do mais ndash este meio ldquonatildeo eacute um novo ser-aiacute

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mas a sua linguagem As obras autecircnticas falam mesmo quando recusam a aparecircnciardquo (TE

p124) Essa recusa da aparecircncia volta a fazer referecircncia ao concreto indicando que ldquodeveria

derrubar-se a doutrina da imitaccedilatildeo num sentido sublimado a realidade deve imitar as obras

de arte Mas o fato de as obras de arte existirem mostra que o natildeo-ente poderia existir A rea-

lidade das obras de arte daacute testemunho da possibilidade do possiacutevelrdquo (TE p153 - grifo nos-

so) Em uacuteltima instacircncia o que temos eacute a construccedilatildeo de sentido via expressatildeo comunicaccedilatildeo

linguagem Para isso faz-se necessaacuteria a dinacircmica da aproximaccedilatildeo dos diferentes como possi-

bilidade desta construccedilatildeo do sentido desse outro do sentido de mim mesmo da autoconsci-

ecircncia

5 O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO NA FORMACcedilAtildeO HUMANA

Analisando a obra adorniana observa-se a preocupaccedilatildeo com o corpo como sendo o

desencadeador das reflexotildees sobre eacutetica A experiecircncia do corpo danificado transforma-se em

incentivo ao pensamento e agrave consideraccedilatildeo pelo outro eacute a teoria que lanccedila seu olhar para a

vida posta em seu limite Quando afirma na Dialeacutetica negativa e na Teoria esteacutetica o pro-

blema de elevar a dor ao conceito e o consequente mutismo que este viria a enfrentar Adorno

aponta para a natildeo-compatibilidade entre entendimento conceito e linguagem quando a refe-

recircncia natildeo estaacute dada pelo viacutenculo direto com o real o concreto conforme abordado no capiacutetu-

lo anterior

Deve-se destacar retomando o quarto capiacutetulo que o concreto eacute considerado por A-

dorno como o local a partir do qual se deve filosofar O que significa agora em uma amplia-

ccedilatildeo das discussotildees que o ato de pensar de construir sentido o ato de compreensatildeo e interpre-

taccedilatildeo proacuteprio da filosofia tem sua origem no momento em que nos deparamos com esta alteri-

dade este outro cuja reserva de sentido permite o constante progresso no conhecimento O

local ocupado por este outro o outro propriamente dito assume o centro das discussotildees

Diante disso proponho uma referecircncia agrave literatura e agrave filosofia a fim de percebermos

como a presenccedila do outro define a compreensatildeo humana nosso ato de pensar e nossa accedilatildeo

As obras A condiccedilatildeo humana18 (Andreacute Malraux) publicada em 1933 e A espeacutecie humana19

(Robert Antelme) publicada em 1957 satildeo emblemaacuteticas em sua relaccedilatildeo com a proposta filo-

soacutefica de Theodor Adorno e suas reflexotildees sobre a moral Em um primeiro momento estabe-

leccedilo essa relaccedilatildeo para em seguida indicar o sentido eacutetico que deveria estar presente na ativi-

dade educacional a qual seraacute defendida sob o enfoque do plasmar linguiacutestico

51 Entre o eu e o outro ou quando a presenccedila nos manteacutem humanos

Em ambas as obras da literatura acima citadas ocorre uma indicaccedilatildeo interessante sobre

o sentido eacutetico da accedilatildeo humana o sentido eacutetico da presenccedila o eu que permanece humano por

conseguir perceber o concreto que eacute o outro e o concreto que eacute si mesmo Os dois casos que

seratildeo expostos trazem ao centro da discussatildeo a experiecircncia do corpo a experiecircncia propria-

mente dita e que marca um modo de pensar e de agir conduzido por um excedente a efetivi-

18 Obra traduzida por Ivo Barroso e editada no Brasil pela Record estando em 2008 em sua segunda ediccedilatildeo 19 Da coleccedilatildeo Os afluentes da memoacuteria teve a traduccedilatildeo para o portuguecircs de Portugal feita por Clara Alvarez Foi publicada pela editora Ulisseia de Lisboa em 2003

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dade do outro e seu apelo por existir a experiecircncia do outro que reivindica algo como eacute pro-

blematizado na Minima moralia quando Adorno afirma que

No desaparecimento da experiecircncia um fato possui uma consideraacutevel responsabili-dade que as coisas sob a lei de sua pura funcionalidade adquirem uma forma que restringe o trato delas a um mero manejo sem tolerar um soacute excedente ndash seja em termos de liberdade de comportamento seja de independecircncia da coisa ndash que subsis-ta como nuacutecleo da experiecircncia porque natildeo eacute consumido pelo instante da accedilatildeo (MM 19 p33)

A dinacircmica exposta tensiona o desaparecimento da experiecircncia e do excedente que

subsiste como nuacutecleo de experiecircncia se nossa capacidade perceptiva permite que algo nos

seja dado esse algo (outro) exige ser percebido em sua concretude a qual natildeo tolera o sim-

ples manejo de nosso proacuteprio entendimento Esta eacute a proposta da obra adorniana evitar a anu-

laccedilatildeo do outro a cegueira diante deste excedente agrave experiecircncia que se compreende como o

concreto Excedente esse que deveria se constituir em incentivo agrave accedilatildeo A fim de compreen-

der melhor o sentido disso busco referecircncia com as obras A condiccedilatildeo humana e A espeacutecie

humana

Toda a obra de Andreacute Malraux aqui em evidecircncia estaacute permeada pelo limite que o

corpo a presenccedila do outro impotildee Seja em termos de luta poliacutetica conflitos ideoloacutegicos seja

em questotildees amorosas o outro sempre aparece para aleacutem de sua funcionalidade natildeo admitin-

do um simples manejo que impede sua liberdade e sua existecircncia concreta Incisivamente eacute

preciso entrar na luminosidade provinda do corpo A cena que abre sua A condiccedilatildeo humana

merece total destaque sendo aqui apresentada em seus aspectos principais

Logo na primeira paacutegina satildeo relatadas as circunstacircncias do personagem que estando

diante da viacutetima a ser assassinada percebe-se separado dessa por um veacuteu uma cortina que o

impede de ver o corpo Assim sendo tudo leva agrave certeza da facilidade que seria matar No

entanto Tchen se depara com um limite uma parte do corpo estaacute descoberta Esse fato provo-

ca Tchen e inicia-se entatildeo um processo de pensamento o momento de reconhecimento do

outro Poreacutem este reconhecimento natildeo ocorre considerando o posto ocupado pela viacutetima em

potencial ou por causa de sua posiccedilatildeo social ou pelo forte senso do dever de Tchen Mas eacute

reconhecimento que ocorre por um uacutenico motivo o contato com o corpo Este eacute o elemento

constituidor de toda consciecircncia de dever o instante em que o limite do outro se impotildee

Tchen tentaria erguer o cortinado Golpearia atraveacutes dele [Estava diante de] um corpo menos visiacutevel que uma sombra e do qual saiacutea apenas aquele peacute semi-inclinado pelo sono mas mesmo assim vivente ndash carne de homem [] [Tchen] sa-bia que o iria matar Preso ou natildeo executado ou natildeo pouco importa Nada mais e-

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xistia aleacutem daquele peacute do homem que devia golpear sem que pudesse defender-se [] Aquele peacute vivo como um animal adormecido Era o teacutermino de um corpo lsquoEs-tarei ficando idiotarsquo Era necessaacuterio ver aquele corpo Vecirc-lo ver-lhe a cabeccedila para tanto entrar na luminosidade deixar que sua sombra atarracada passasse sobre a cama Qual a resistecircncia da carne [] Mataacute-lo natildeo era nada tocaacute-lo eacute que era im-possiacutevel (MALRAUX 2008 p19-21)

E esse processo de reflexatildeo que se desencadeou mediante a percepccedilatildeo do corpo do ou-

tro aleacutem de permitir reconhecer esse outro originou o proacuteprio reconhecimento de si ldquoTchen

descobria em si ateacute a naacuteusea natildeo o combatente que esperava mas um sacrificador [] lsquoAs-

sassinar natildeo eacute apenas matarrsquordquo (ibidem p20) e por isso mesmo o personagem percebe estar

fora do ldquomundo dos homensrdquo (p19)

Deparamo-nos com o fato fundamental o veacuteu da abstraccedilatildeo natildeo nos deixa perceber o

limite do corpo a carne humana Tchen teria que erguer o cortinado mas se o fizesse depa-

rar-se-ia com o corpo mas mesmo assim precisava entrar em sua luminosidade Essa expres-

satildeo de Malroux indica outra forma de luminosidade para aqueacutem da luz da razatildeo o sentido

natildeo estaacute dado previamente pela razatildeo o espaccedilo natildeo eacute somente uma categoria da razatildeo como o

quis Kant condiccedilatildeo para conhecer algo antes mesmo de ocorrer a experiecircncia sensiacutevel eacute sim

espaccedilo ndash local ndash ocupado pelo outro constituiacutedo por ele luminosidade para aleacutem do sentido

atribuiacutedo pelo sujeito que se depara com um simples objeto luminosidade que antecede a

consideraccedilatildeo do outro atraveacutes do puro senso do dever Eacute luz que proveacutem do local que o corpo

ocupa ndash eacute necessaacuterio ver o corpo entrar em sua luminosidade Somente diante deste fato eacute que

o braccedilo do algoz freia pois encontra a resistecircncia da carne

Eacute possiacutevel realizar uma conexatildeo com a obra adorniana tendo como referecircncia aquilo

que constitui a subjetividade aquilo que estaacute para aleacutem do eu mas assume seu momento ori-

ginaacuterio da proacutepria atividade subjetiva do eu Este momento originaacuterio ldquoeacute um choque sofrido

pelo sujeito ndash da materialidade social que penetra na constituiccedilatildeo de sua natureza interna ndash e

que o obriga a pensarrdquo (ALVES JUacuteNIOR 2005 p71) Evidencia-se o viacutenculo com a obra de

Andreacute Malraux ndash A condiccedilatildeo humana ndash no momento em que a materialidade obrigou o assas-

sino a pensar no deparar-se com o corpo da potencial viacutetima Esse choque estaacute na origem das

consideraccedilotildees sobre a eacutetica perpassando toda a accedilatildeo humana como sinal da presenccedila concreta

do outro

Alves Juacutenior denomina isto de ldquovertigem da razatildeo diante da materialidaderdquo (idem

p16) o que corresponde agrave perspectiva fundante das reflexotildees sobre moral em Adorno O afo-

rismo da Minima moralia que considero emblemaacutetico em relaccedilatildeo a isso eacute denominado Para

uma dialeacutetica do tacto (MM 16 p29-30) Em referecircncia a Goethe Adorno analisa a ldquoplena

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consciecircncia da iminente impossibilidade de toda relaccedilatildeo humana no interior da sociedade in-

dustrial nascenterdquo Diante desse problema o tato foi considerado ldquoo expediente salvador entre

os seres humanos alienados [] Tacto e humanidade ndash para ele a mesma coisa ndash percorreram

entrementes precisamente o caminho do qual em sua opiniatildeo deveriam nos preservarrdquo Essa

dialeacutetica civilizadora que permitiria a preservaccedilatildeo da humanidade mediante a percepccedilatildeo do

outro em sua corporeidade ndash o tato em sentido bem geral ndash foi interrompida no momento em

que os indiviacuteduos tornaram-se indiferentes e natildeo mais reconheceram o outro Nesse momento

o tato ldquonatildeo alcanccedila o indiviacuteduo e acaba por lhe fazer uma infinita injusticcedilardquo Natildeo alcanccedila o

indiviacuteduo devido a um avanccedilo que nos fez infinitamente autocircnomos em detrimento radical do

heterocircnomo Pela salvaccedilatildeo do tato poderiacuteamos salvar o viacutenculo heterocircnomo natildeo enquanto

determinaccedilatildeo dada pelo outro a mim sendo o eu um mero objeto dessa accedilatildeo do outro mas

como possibilidade da percepccedilatildeo e consideraccedilatildeo dessa alteridade em seu momento originaacuterio

ndash algo que existe que estaacute aiacute e por isto precisa ser reconhecido

Pelo reconhecimento dessa alteridade realizar-se-ia a autonomia a constituiccedilatildeo de si

Se para Aristoacuteteles o sujeito eacute identificado como o motor imoacutevel ou seja a substacircncia para

Adorno eacute possiacutevel pensar uma salvaccedilatildeo dessa dimensatildeo interna essa constituiccedilatildeo proacutepria que

faz com que o indiviacuteduo seja mais que indiviacuteduo seja sujeito forccedila movente proacutepria Poreacutem

forccedila interna natildeo natural desde sempre dada mas mediada pelas experiecircncias e constituiccedilotildees

histoacutericas de si mesmo A formaccedilatildeo da autonomia passaria necessariamente pela dialeacutetica do

tato pelo reconhecimento da heteronomia a qual natildeo extingue a necessidade de autonomia

apenas indica a constituiccedilatildeo do eu a partir das experiecircncias construiacutedas com o outro A auto-

nomia eacute reconhecida por Adorno como possibilidade de realizaccedilatildeo do humano ldquoO fim objeti-

vo da humanidade eacute apenas uma outra expressatildeo para a mesma coisa Significa que o indiviacute-

duo enquanto indiviacuteduo como representante do gecircnero humano perdeu a autonomia atraveacutes

da qual poderia realizar efetivamente o gecircnerordquo (MM 17 p31)

O criteacuterio do reconhecimento do outro como criteacuterio para firmar sua autonomia sua

identidade seu eu o qual permitiria realizar a humanidade exige fazer referecircncia agrave obra A

condiccedilatildeo humana Como caminho para chegar a esta obra faccedilo referecircncia de passagem a

Rousseaue seu ideal de reconhecimento do sentimento do outro como sendo o nuacutecleo de suas

consideraccedilotildees sobre moral O meio humano ou se quisermos admitir o termo habitat huma-

no encontra sua significaccedilatildeo em um elemento possiacutevel de se encontrar ainda no autor do Dis-

curso sobre a origem e fundamentos das desigualdades entre os homens definindo a condi-

ccedilatildeo para a humanizaccedilatildeo o encontro

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Conforme seu segundo discurso enquanto o homem vagava como selvagem no interi-

or da selva com preocupaccedilotildees exclusivas de alimentaccedilatildeo descanso e procriaccedilatildeo com as ope-

raccedilotildees do sentir querer e temer natildeo havia distinccedilotildees imediatas entre ele e os demais animais

selvagens Somente quando passa a efetivar o encontro duradouro marcado pela cabana e

consequente constituiccedilatildeo dos laccedilos familiares propriamente ditos eacute que seus sentimentos mu-

dam e assim eacute possiacutevel dizer que este ser antes selvagem firma seu passo em um novo mei-

o Agora o sentimento de amor e de cuidado passa a fazer parte desse meio e ele se torna efe-

tivamente humano Poreacutem nesse processo de construccedilatildeo do humano um elemento ficou fa-

lho e o amor e o cuidado ficaram restritos aos limites da moradia ou ao proacuteprio si-mesmo

Tal elemento para Rousseau eacute a virtude da piedade Duas passagens do Discurso sobre a

origem e fundamentos das desigualdades entre os homens enfatizam essa virtude

A primeira citaccedilatildeo remete ao problema de toda possiacutevel barbaacuterie real ou imaginaacuteria

de todo totalitarismo possiacutevel pela natildeo identificaccedilatildeo do indiviacuteduo com o seu gecircnero Quando

abstraio torna-se permitido exterminar pois natildeo faz mais parte da humanidade ldquoCom efeito a

comiseraccedilatildeo seraacute tanto mais eneacutergica quanto mais intimamente o animal espectador se identi-

ficar com o animal sofredorrdquo (DOD p191) A identificaccedilatildeo eacute a consideraccedilatildeo do outro como

um ser tatildeo humano quanto eu e portanto natildeo passiacutevel de nada que tente reduzir ou abstrair a

dignidade dessa sua condiccedilatildeo Assim sendo a virtude da piedade permite o sair de si em dire-

ccedilatildeo ao outro ou seja eacute a condiccedilatildeo da solidariedade remetendo agrave dialeacutetica do tato

A segunda citaccedilatildeo tem ainda maior ecircnfase moral e remete agrave perversatildeo no ato de pen-

samento

Eacute a razatildeo que engendra o amor-proacuteprio e eacute a reflexatildeo que o fortalece eacute ela que faz o homem ensimesmar-se [] Eacute a filosofia que o isola eacute por sua causa que ele diz em segredo ao ver um homem que sofre lsquoPerece se quiseres que eu estou em seguran-ccedilarsquo [] Pode-se impunemente degolar seu semelhante embaixo da sua janela basta-lhe pocircr as matildeos sobre os ouvidos e argumentar um pouco consigo mesmo para im-pedir a natureza que nele se revolta de identificar-se com aquele que assassinam (I-bidem p192)

Chegamos assim agrave obra A espeacutecie humana do francecircs Robert Antelme ex-

prisioneiro em campos de concentraccedilatildeo nazistas Nessa obra estaacute exposta por um lado a au-

secircncia do elemento de piedade e a tentativa de excluir os prisioneiros da condiccedilatildeo humana e

por outro aquilo que permitiu aos prisioneiros resistir sobreviver

Eles quiseram fazer de noacutes animais obrigando-nos a viver em condiccedilotildees que nin-gueacutem digo bem ningueacutem poderaacute jamais imaginar Mas eles natildeo vatildeo conseguir Porque noacutes sabemos de onde vimos [sic] sabemos por que estamos aqui [] Se por

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vezes nos acontece deixarmos de nos reconhecer a noacutes proacuteprios esse eacute o preccedilo desta guerra e temos que nos aguumlentar Mas para aguumlentar eacute preciso que cada um de noacutes saia de si proacuteprio que se sinta responsaacutevel por todos noacutes Conseguiram espoliar-nos de tudo mas natildeo daquilo que somos Noacutes ainda existimos (2003 p196)

Toda a obra retrata o elemento decisivo que permitiu resistir na humanidade sair de si

proacuteprio e se sentir responsaacutevel por todos Que imperativo eacutetico poderia ser maior Afinal em

eacutepoca de terror absoluto20 foi o que garantiu a preservaccedilatildeo Esta ldquoverdade universalrdquo ndash somos

seres humanos ndash se converte em slogan e voltando a afirmar natildeo se realizou pelo imperativo

categoacuterico e nem o poderia ser pois esse dita o respeito por algo que merece no maacuteximo

observacircncia a lei Observo a lei natildeo por respeito a ela mas por respeito ao ser humano o que

exige pensar na contingecircncia O elemento central eacute o sentimento a capacidade de comover-se

Isso permite considerar a todos apesar das diferenccedilas como incluiacutedos na mesma espeacutecie a

humana

a variedade de relaccedilotildees entre os homens a sua cor os seus costumes a sua organi-zaccedilatildeo em classes mascaram uma verdade que aqui surge retumbante no limite da natureza perto dos nosso limites natildeo existem espeacutecies humanas existe uma espeacutecie humana []De fato aiacute tudo se passa como se houvessem espeacutecies ndash ou mais exa-tamente como se a pertenccedila agrave espeacutecie natildeo fosse um dado adquirido como se nela pudeacutessemos entrar e sair ficar laacute soacute metade ou atingi-la em pleno ou nunca a atin-gir mesmo a custo de vaacuterias geraccedilotildees ndash sendo a divisatildeo em raccedilas ou em classes o canhatildeo da espeacutecie que fundamenta o axioma sempre pronto a linha uacuteltima de defe-sa laquonatildeo satildeo gente como noacutesraquo (ANTELME 2003 p222-223)

Natildeo reconhecer a alteridade como elemento intriacutenseco agrave humanidade eacute efeito daquilo

que anteriormente foi caracterizado como fechamento em si mesmo (o ensimesmar-se de

Rousseau) Esse natildeo reconhecimento eacute o que nos impede de ver no outro sua condiccedilatildeo huma-

na sua dignidade intriacutenseca de pertencente agrave proacutepria humanidade Antelme (p223-224) retra-

ta isso ao referir-se aos assassinatos nazistas nos campos como a tentativa fracassada de espo-

liar um homem de sua humanidade Poreacutem apesar dessa tentativa ldquocontinuamos homens

acabaremos como homens [] Ele pode matar um homem mas natildeo o pode transformar numa

coisa diferenterdquo O testemunho de Antelme aponta para a permanecircncia de uma forccedila interna

ao indiviacuteduo que pode ser identificada com a existecircncia do sujeito a capacidade de resistir ao

totalitarismo entendido no seu ldquosignificado mais amplo como concentraccedilatildeo poliacutetica das for-

ccedilas que atuam no sentido de destituir no indiviacuteduo tudo que poderia vir a caracterizaacute-lo como

sujeitordquo (1997 p125) Tal caracterizaccedilatildeo pode ser entendida a partir de tais testemunhos

como a capacidade de resistir e se identificar com o outro 20 Referecircncia ao periacuteodo do holocausto nazista os campos de extermiacutenio Vale lembrar que a obra A espeacutecie humana eacute um magniacutefico relato da vida no interior desse periacuteodo de terror absoluto

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O imperativo que surge pode ser descrito como a necessidade de natildeo fazer ao outro

aquilo que natildeo estiver em harmonia com sua condiccedilatildeo humana O decisivo eacute entatildeo permitir a

humanidade e que toda tentativa contraacuteria sofra a accedilatildeo de um pensamento orientado para o

ideal adorniano do termo paz ldquoeacute um estado de diferenciaccedilatildeo sem dominaccedilatildeo no qual o dife-

rente eacute compartidordquo (SO p184) contribuindo para gerar a ldquosituaccedilatildeo melhor como aquela na

qual eacute possiacutevel ser diferente sem ter medordquo (MM 66 p89)

Ao sujeito esteacutetico por pressupor a diferenciaccedilatildeo como seu imperativo ndash o que natildeo

pode ser confundido com total toleracircncia ndash eacute dada a condiccedilatildeo de equiliacutebrio entre aquilo que

ele eacute e as condiccedilotildees que permitem a ele tornar-se algo Contudo este vir a ser ocorre dentro

do limite do proacuteprio meio em que vive ou seja a humanidade o que inscreve a estreita rela-

ccedilatildeo da eacutetica e da esteacutetica na constituiccedilatildeo de tal sujeito

Adorno analisa a oposiccedilatildeo radical deste sentimento de identificaccedilatildeo jaacute apontado seacutecu-

los antes por Rousseau e reconhecido de modo histoacuterico nos eventos retratados em A espeacutecie

humana e A condiccedilatildeo humana Essa anaacutelise marca as obras Teoria esteacutetica e Minima moralia

corroborando a concepccedilatildeo de educaccedilatildeo como processo a partir do qual eacute possiacutevel gerar ceacutelu-

las de humanidade Considero isso decisivo em termos de educaccedilatildeo a ponto de defender a

submissatildeo de todos os demais esforccedilos em acircmbito educacional a este criteacuterio humanizar A-

dorno traccedila um diagnoacutestico da sua eacutepoca e afirma a efetivaccedilatildeo de uma ldquoeacutepoca que assume a

etiqueta da era atocircmicardquo (TE p207) O termo era atocircmica seraacute desenvolvido nas linhas abai-

xo na perspectiva de radical fragmentaccedilatildeo das experiecircncias em sentido temporal tambeacutem na

proacutepria fragmentaccedilatildeo subjetiva envolvendo os sentimentos e a passagem do indiviacuteduo para o

individualismo enquanto indiferenccedila ao outro

Atualizando Demoacutecrito e sua definiccedilatildeo da natureza como formada por pequenas partiacute-

culas denominadas aacutetomos o nosso seacuteculo assumiu a atomizaccedilatildeo como categoria orientadora

no todo das accedilotildees humanas O indiviacuteduo corre o risco de se converter em espeacutecime destituiacutedo

de viacutenculos com o todo no qual vive gerando a fragmentaccedilatildeo histoacuterica e conjugando os fatos

apenas no tempo presente Essa desconsideraccedilatildeo da continuidade eacute decisiva para o processo

de formaccedilatildeo da identidade pois ultrapassa os limites da experiecircncia externa se tornando ain-

da mais problemaacutetica ao fragmentar a proacutepria subjetividade Poder-se-ia dizer que esse eacute o

mundo da radicalizaccedilatildeo atocircmica natildeo apenas atomizaccedilatildeo das experiecircncias e da histoacuteria mas

das proacuteprias emoccedilotildees e reaccedilotildees subjetivas Na Minima moralia enfatiza ldquoA atomizaccedilatildeo natildeo

estaacute em progresso apenas entre os seres humanos mas tambeacutem no interior de cada indiviacuteduo

entre as esferas de sua vidardquo (MM 84 p114) Essa individuaccedilatildeo absoluta problematizada jaacute

por Rousseau levou ao problema criacutetico descrito na obra de Antelme e considerado por A-

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dorno como exemplo maacuteximo de barbaacuterie Individuaccedilatildeo aqui entendida por indiferenccedila ou

seja ldquose as pessoas natildeo fossem profundamente indiferentes em relaccedilatildeo ao que acontece com

todas as outras excetuando o punhado com que mantecircm viacutenculos estritos e possivelmente por

intermeacutedio de alguns interesses concretos entatildeo Auschwitz natildeo teria sido possiacutevel as pessoas

natildeo o teriam aceitordquo (MM 61 p85)

Compreende-se o sentido de educaccedilatildeo enquanto processo a partir do qual eacute possiacutevel

gerar ceacutelulas de humanidade Em primeiro lugar enquanto natildeo formos capazes de romper

com a indiferenccedila permaneceremos incapazes de estabelecer viacutenculos de responsabilidade de

nos identificarmos com o outro Como resultado temos simples exemplares humanos cada

um falho na capacidade de relaccedilatildeo com o outro A ldquoceacutelula de humanidaderdquo eacute resultado da in-

terconexatildeo dos diversos indiviacuteduos a partir de viacutenculos Em segundo lugar eacute necessaacuterio rom-

per com a fragmentaccedilatildeo histoacuterica e inserirmo-nos na construccedilatildeo da continuidade histoacuterica

necessaacuteria entre passado presente e futuro As experiecircncias natildeo satildeo aacutetomos isolados devem

sim estar interligadas em um conjunto denominado histoacuteria ndash essa ligaccedilatildeo temporal eacute a ceacutelula

obtida a partir dos diferentes acontecimentos natildeo mais isolados ou seja eacute consciecircncia Em

terceiro lugar as proacuteprias reaccedilotildees subjetivas os sentimentos natildeo satildeo estanques A impressatildeo

de natildeo comunicaccedilatildeo de isolamento entre esses sentimentos fragmenta a proacutepria subjetivida-

de Vivemos assim em uma sucessatildeo de prazeres ou sofrimentos desvinculados onde o im-

perativo do momento eacute o criteacuterio para a satisfaccedilatildeo Eacute imprescindiacutevel a geraccedilatildeo de ceacutelula vin-

culaccedilatildeo com o outro continuidade histoacuterica natildeo isolamento dos sentimentos O desafio edu-

cacional reside no desfazer da era atocircmica e na consequente formaccedilatildeo do ser humano apto a

constituir ceacutelulas de humanidade

Indiferenccedila e barbaacuterie foram amplamente tematizadas na obra organizada por Adauto

Novaes intitulada Civilizaccedilatildeo e barbaacuterie21 O texto Indiferenccedila nova forma de barbaacuterie

(Gabriel Cohn) analisa e potildee em tensatildeo os termos diferenccedila e indiferenccedila conectando-se

perfeitamente com as discussotildees acima desenvolvidas O ponto de partida das reflexotildees eacute a

21 Vale destacar o sentido Adorniano para o termo barbaacuterie Natildeo ocorre um dualismo mas a natildeo coincidecircncia entre o desenvolvimento material tecnoloacutegico e a promoccedilatildeo da humanidade Isso eacute possiacutevel de se perceber no texto Educaccedilatildeo contra a barbaacuterie onde se expotildee ldquoEntendo por barbaacuterie algo muito simples ou seja que estan-do na civilizaccedilatildeo do mais alto desenvolvimento tecnoloacutegico as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relaccedilatildeo a sua proacutepria civilizaccedilatildeo ndash e natildeo apenas por natildeo terem em sua arrasadora maioria experimentado a formaccedilatildeo nos termos correspondentes ao conceito de civilizaccedilatildeo mas tambeacutem por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva um oacutedio primitivo que contribui par aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilizaccedilatildeo venha a explodir aliaacutes uma tendecircncia imanente que a caracterizardquo (EE p 155)

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ideia de civilizaccedilatildeo cultura22 e humanidade em iacutentima conexatildeo mediante a formaccedilatildeo que

possibilitaria a efetiva dialeacutetica do tato A urgecircncia eacute ldquorecuperar o complexo significado que

anima a ideacuteia de civilizaccedilatildeo e a torna inseparaacutevel da ideacuteia de cultura entendida esta na sua

acepccedilatildeo mais plena como cultivo da humanidade como formaccedilatildeordquo (2004 p82) Pela forma-

ccedilatildeo e aqui estamos diante de um ideal educativo eacute possiacutevel compreender a humanidade fixa-

da natildeo na indiferenccedila pois a indiferenccedila eacute condiccedilatildeo para a natildeo-aceitaccedilatildeo Conforme os argu-

mentos do texto (p84 ss) civilidade e formaccedilatildeo constituem o oposto agrave barbaacuterie partindo da

noccedilatildeo de que a responsabilidade enquanto cuidado com outro se opotildee agrave indiferenccedila Dessa

forma faz-se necessaacuterio evitar que ldquoo respeito pelo outro deslize rumo agrave indiferenccedila pelo ou-

tro A aceitaccedilatildeo generalizada da diferenccedila eacute a expressatildeo exata da indiferenccedilardquo (p85) conside-

rada pelo autor como a nova forma de barbaacuterie e promotora de barbaacuteries

O argumento foi aqui conduzido de modo a demonstrar que a atomizaccedilatildeo desemboca

na indiferenccedila Aleacutem disso foi pontuada a formaccedilatildeo como alternativa para reduzir a distacircncia

entre cultura e humanidade A partir dessas observaccedilotildees eacute possiacutevel atribuir agrave educaccedilatildeo o com-

promisso de possibilitar ao humano a verdadeira inserccedilatildeo na experiecircncia o que ocorre pela

consciecircncia de que natildeo haacute formaccedilatildeo humana sem a re-significaccedilatildeo do passado a plenitude do

presente como tempo no qual podemos agir e o olhar visionaacuterio ao que viraacute

Relaciono tudo isso ao termo utopia pois nada justifica melhor essa vinculaccedilatildeo e con-

tinuidade histoacuterica do que esse termo Em entendimento mais detalhado e sigo aqui as opor-

tunas consideraccedilotildees de Gadamer no texto O que eacute praacutexis As condiccedilotildees da razatildeo social uto-

pia ldquonatildeo eacute um esboccedilo de objetivos de accedilatildeo O caracteriacutestico da utopia eacute mais claramente que

nos conduz ateacute o momento da accedilatildeo [] Natildeo eacute primeiramente um projeto de accedilatildeo mas uma

criacutetica do presenterdquo (1983 p50) Assim eacute que se efetiva a estreita relaccedilatildeo entre o olhar que

vislumbra a plena realizaccedilatildeo do estado humano e que no entanto o faz mais como um olhar

criacutetico ao momento presente e aos constituintes que permitiram chegar a esse estado atual

Assim sendo o olhar ao presente assume sua funccedilatildeo na proacutepria dialeacutetica do esclarecimento

nesse processo histoacuterico de auto-reflexatildeo que permite a constituiccedilatildeo do humano pois na expe-

riecircncia utoacutepica ldquopermanece algo de negativo contra o que existe embora lhe continue a per-

tencerrdquo (TE p45) Nesse aspecto a utopia se vincula agrave esperanccedila a partir da qual Adorno

aponta para o que eacute verdadeiro ldquoa pergunta a colocar seria entatildeo se temos mais razatildeo para

amar o que sucede a noacutes para afirmar o que existe porque existe do que de tomar como ver-

22 Rodrigo Duarte (2007 p150 ss) analisa o problema do entrelaccedilamento de cultura e barbaacuterie a partir do enfo-que da induacutestria cultural sendo esta entendida como a exploraccedilatildeo planificada da cultura caracterizando a domi-naccedilatildeo da vida humana a partir da subversatildeo das manifestaccedilotildees culturais autecircnticas

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dadeiro aquilo de que temos esperanccedilardquo (MM 61 p85) Esse aspecto da esperanccedila potildee em

conexatildeo a criacutetica do presente a partir do olhar ao passado a fim de questionar a aceitaccedilatildeo do

que existe simplesmente por estar dado a noacutes Por outro lado a criacutetica do presente eacute inscrita

sob o olhar da esperanccedila o caraacuteter eacutetico propriamente dito no qual o pensamento visualiza

aquilo que posso vir a ser no sentido de futuro

Na Criacutetica da razatildeo praacutetica ao diferenciar a causalidade natural da causalidade pela

liberdade sendo essa proacutepria do reino dos fins Kant renuncia radicalmente a consideraccedilatildeo ao

passado e o potildee como totalmente fluiacutedo por natildeo termos mais este momento agraves matildeos Consi-

derando o que determina a accedilatildeo a partir da segunda criacutetica qualquer tentativa de vincular o

fato presente ao passado subtrai toda responsabilidade moral E em se tratando de causalida-

de o ato somente eacute imputaacutevel pressupondo a autonomia do presente frente a qualquer influecircn-

cia passada

visto que o tempo passado natildeo estaacute mais em meu poder cada accedilatildeo que pratico tem que ser necessaacuteria mediante fundamentos determinantes que natildeo estatildeo em meu po-der isto eacute jamais sou livre no momento em que ajo [] Pois a cada momento estou sempre sob a necessidade de ser determinado a agir mediante aquilo que natildeo estaacute em meu poder e a [] seacuterie infinita dos eventos que eu sempre soacute prosseguiria segundo uma ordem jaacute predeterminada e natildeo iniciaria espontaneamente em parte alguma se-ria uma cadeia natural constante portanto minha causalidade jamais seria liberdade (CRPr sect169-170)

Essa forma de considerar a moralidade salva por um lado a accedilatildeo de todo determinis-

mo estranho ou predestinaccedilatildeo levando agrave possibilidade de alterar o curso dos acontecimentos

Nesses termos natildeo apenas sofro a accedilatildeo histoacuterica mas ajo sobre a histoacuteria o que eacute possiacutevel

somente ao ser racional possuidor de liberdade e autonomia da vontade Ao determinismo agrave

dependecircncia dos eventos passados Kant chamou de mecanismo natural por ser comum a

toda natureza dita irracional Mas e por outro lado essa quebra de vinculaccedilatildeo ao passado tem

como efeito colateral a fixaccedilatildeo no presente como momento suficiente na constituiccedilatildeo humana

Admitindo a necessidade de causalidade por liberdade em oposiccedilatildeo agrave natural com seu viacutenculo

ao passado a consequecircncia eacute o processo de individuaccedilatildeo do indiviacuteduo quando este assume a

etiqueta da era atocircmica

Em Adorno o passado e o presente estatildeo continuamente voltando sua face um ao ou-

tro em um processo de constituiccedilatildeo da moralidade identificado como o imperativo da gera-

ccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade Retomando o problema da atomizaccedilatildeo e a consequente indivi-

duaccedilatildeo a noccedilatildeo de viacutenculo temporal se constitui em alternativa decisiva significando a me-

moacuteria posta agrave salvo do esquecimento Faz-se indispensaacutevel que os choques do real no qual

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estaacute a origem do pensamento natildeo se tornem momentos isolados na histoacuteria mas se configu-

rem em uma sucessatildeo intimamente vinculada e assim constituidora da consciecircncia Se por

um lado temos aqui a condiccedilatildeo para despertar o indiviacuteduo por outro quando ausente esta

noccedilatildeo de viacutenculo temporal as experiecircncias se tornam aacutetomos isolados Eacute o diagnoacutestico de que

a ldquovida transformou-se numa sucessatildeo intemporal de choques entre os quais se rasgam lacu-

nas intervalos paralisadosrdquo (MM 33 p46) Assim a vinculaccedilatildeo histoacuterica aqui defendida

constitui-se em desafio eacutetico-educativo na medida em que remete ao cuidado ao evitar os

elementos que no passado levaram ao problema enfrentado ldquoO cuidado com a memoacuteria fez

dela natildeo soacute um objeto de estudo mas tambeacutem uma tarefa eacutetica nosso dever consistiria assim

em preservaacute-la em salvar o desaparecido o passado em resgatar como se diz tradiccedilotildees vi-

das falas e imagensrdquo (GAGNEBIN 2007 p35) ou seja a experiecircncia vivida pelos outros e

pelo indiviacuteduo mesmo enquanto nuacutecleo de forccedila que impulsiona para novas experiecircncias de

vida superando os fatores perversos do passado e alimentando aquilo que contribuiu para a

constituiccedilatildeo eacutetica das relaccedilotildees humanas No sentido de resgatar tradiccedilotildees vidas falas ima-

gens Gagnebin afirma no mesmo texto que ldquomuitas pessoas entre noacutes nem precisam esque-

cer simplesmente natildeo sabem por exemplo o que essa palavra lsquoAuschwitzrsquo representardquo

(p37) Histoacuteria Filosofia Arte todas vinculadas agrave educaccedilatildeo no sentido de fazer valer a fala o

local do outro como testemunho de um momento da histoacuteria da humanidade mas mais que

isso como testemunho do ser humano que se constitui a partir do local ocupado pelo outro do

intercacircmbio de experiecircncias de vida

A fim de detalhar esse enfrentamento do passado e presente e a constituiccedilatildeo da mora-

lidade remeto ao texto O que significa elaborar o passado23 Nesse texto eacute possiacutevel perceber

a tocircnica que a interconexatildeo de passado e presente assume evitando a incisiva indiferenccedila que

a Criacutetica da razatildeo praacutetica enfatizou O passado natildeo eacute algo que natildeo estaacute mais agrave matildeo mas eacute

material disponiacutevel para toda dialeacutetica entre presente e utopia entre o estado atual e a neces-

sidade de vislumbrar algo melhor como criacutetica agravequilo que permitiu ao presente se converter

naquilo que eacute Em tal texto Adorno aponta o problema de que o ldquodesaparecimento da consci-

ecircncia da continuidade histoacuterica [eacute] um sintoma daquela fraqueza social do eu que Horkhei-

mer e eu jaacute procuramos derivar na Dialeacutetica do esclarecimentordquo (EE p32) Retomando a

obra de 1947 tem-se o que significa esta fraqueza do eu ldquoOs homens receberam o seu eu

como algo pertencente a cada um diferente de todos os outros para que ele possa com maior

seguranccedila se tornar igualrdquo (DE p27)

23 Em Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo p29

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Essa igualdade se deve dentre outros aspectos agrave natildeo vinculaccedilatildeo das experiecircncias en-

tre si e da natildeo vinculaccedilatildeo do proacuteprio indiviacuteduo agrave sua totalidade de experiecircncias O que signi-

fica a tentativa de gerar coesatildeo pela coerccedilatildeo que soacute eacute possiacutevel com a efetivaccedilatildeo da era atocircmi-

ca ldquoA unidade da coletividade manipulada consiste na negaccedilatildeo de cada indiviacuteduo seria digna

de escaacuternio a sociedade que conseguisse transformar os homens em indiviacuteduosrdquo (DE p27) O

problema eacute que esses indiviacuteduos mesmos cuja condiccedilatildeo de existecircncia eacute a lucidez de seu tem-

po de experiecircncias contiacutenuas acabam por natildeo serem capazes de agir movidos pela consciecircn-

cia provinda de tais experiecircncias mas a partir da igualdade gerada pela vergonha ou medo de

ser diferente ldquoQue todos os homens sejam iguais uns aos outros eacute precisamente o que viria a

calhar para a sociedade Ela considera as diferenccedilas reais ou imaginaacuterias como marcas igno-

miniosas que atestam que natildeo se avanccedilou o bastante que algo escapou da maacutequina e natildeo estaacute

inteiramente determinado pela totalidaderdquo (MM 66 p89) Tal maacute universalidade nega a pos-

sibilidade de compartir as diferenccedilas pondo o universal como a anulaccedilatildeo dessas Para Adorno

a vida em sociedade deveria ser conduzida tendo o ideal de integraccedilatildeo das diferenccedilas como

seu objetivo pois a proposta de coesatildeo sem violecircncia se constitui no sentido do proacuteprio termo

sociedade

uma sociedade emancipada natildeo seria nenhum Estado unitaacuterio mas a realizaccedilatildeo efe-tiva do universal na reconciliaccedilatildeo das diferenccedilas A poliacutetica que ainda estiver seria-mente interessada em tal sociedade natildeo deveria propagar a igualdade abstrata das pessoas sequer como uma ideacuteia Em vez disso ela deveria apontar para a maacute igual-dade hoje para a identidade entre os interessados no cinema e os interessados em armamentos pensando contudo a situaccedilatildeo melhor como aquela na qual eacute possiacutevel ser diferente sem ter medo (MM 66 p89 ndash grifo nosso)

O universal pode entatildeo significar a ausecircncia do sujeito temos a individualidade mas

natildeo temos sujeitos ndash eacute o grave problema da ausecircncia de subjetividade caracteriacutestica da vida

no interior da sociedade do capitalismo tardio ldquoonde o indiviacuteduo natildeo pode ser sujeito instau-

ra-se uma individualidade cuja caracteriacutestica eacute a transformaccedilatildeo do sujeito mesmo em merca-

doria que oferece como vantagem e valor a forccedila de trabalho o proacuteprio corpo informaccedilatildeo ou

sua proacutepria consciecircnciardquo (TIBURI 2005 p129) Diante disto a ldquofilosofia de Adorno filia-se

[] agrave criacutetica do individualismo como resto danificado do sujeitordquo (ibidem p135)

A ecircnfase kantiana do passado destituiacutedo de seu elemento de causalidade inscreve o su-

jeito eacutetico em um presente contiacutenuo e o resultado eacute que ldquoa humanidade se aliena da memoacuteria

esgotando-se sem focirclego na adaptaccedilatildeo ao existenterdquo (EE p33) Evitar tal adaptaccedilatildeo e aliena-

ccedilatildeo eacute tarefa da educaccedilatildeo em seu processo de constituiccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade em meio

ao todo atomizado e a consideraccedilatildeo do passado em seu elemento promotor e necessaacuterio agrave

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dialeacutetica do esclarecimento24 somente vai ocorrer ldquono instante em que estiverem eliminadas

as causas do que passourdquo (EE p49)

O que surge de todas essas discussotildees eacute que o estabelecimento de viacutenculos estaacute na base

de todas as discussotildees eacuteticas Viacutenculo enquanto diferenccedilas que natildeo nos tornam indiferentes

enquanto necessidade de consciecircncia dos momentos histoacutericos dos tempos que se conectam

na formaccedilatildeo do humano viacutenculo enquanto importacircncia de formar identidade a partir das di-

versas experiecircncias individuais que permitem o reconhecimento do outro e o reconhecimento

de si Viacutenculo eacute a geraccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade Com isso alguns problemas surgem

provocantes Como a educaccedilatildeo pode se comprometer diante disto Eacute possiacutevel reivindicar que

a escola promova ou eduque para o estabelecimento de tais viacutenculos Como significar etica-

mente a educaccedilatildeo tendo como base tais desafios e a concepccedilatildeo de sujeito ateacute entatildeo defendi-

da Como soluccedilatildeo para tais questionamentos seraacute desenvolvido argumento em defesa da sig-

nificaccedilatildeo eacutetico-educativa a partir do termo plasmar linguiacutestico O eixo norteador estaacute entatildeo

no sentido eacutetico que envolve o dar forma agrave linguagem a partir do espaccedilo escolar e em sentido

mais amplo a partir dos processos formativo-educacionais que se estabelecem no decorrer das

experiecircncias de vida do indiviacuteduo

52 A eacutetica e a esteacutetica em sua dimensatildeo pedagoacutegica

Natildeo eacute possiacutevel conceber a educaccedilatildeo sem a vinculaccedilatildeo com a eacutetica e a eacutetica natildeo tem

outro ponto de apoio a natildeo ser o esteacutetico ndash enquanto o sensiacutevel aquela materialidade corpoacuterea

que rompe o abstrato ndash o qual repotildee a preocupaccedilatildeo sobre a formaccedilatildeo humana Eacute necessaacuterio

que ocorra esta reposiccedilatildeo do interesse sobre a formaccedilatildeo e aqui em sentido formal de

instituiccedilotildees de ensino pois esse espaccedilo eacute local privilegiado de desenvolvimento da

consciecircncia da realidade consciecircncia do outro consciecircncia de si Em outras palavras a escola

tem a grande possibilidade de aperfeiccediloar as experiecircncias e educar a sensibilidade o que

seria em linhas gerais a educaccedilatildeo esteacutetica Enfatizo que a consciecircncia da realidade do

reconhecimento do outro e de si mesmo em natildeo sobreposiccedilatildeo deveria ser o motor esteacutetico e

eacutetico da formaccedilatildeo desde a infacircncia

Isso remete agrave preocupaccedilatildeo esteacutetica de Adorno no que se refere agrave formaccedilatildeo escolar

Deveriacuteamos ter preocupaccedilatildeo com aquilo que as crianccedilas tecircm em defasagem aquilo que

24 O passado se torna promotor da dialeacutetica do esclarecimento pelo fato de manter o ser humano luacutecido dos moti-vos pelos quais o presente assumiu determinadas caracteriacutesticas Tambeacutem por dar condiccedilotildees de o pensamento retornar sobre si mesmo compreendendo sua formaccedilatildeo histoacuterica

87

muitas vezes natildeo conseguem aprender ldquoo indescritiacutevel empobrecimento do repertoacuterio de

imagens da riqueza de imagines sem a qual elas crescem o empobrecimento da linguagem e

de toda a expressatildeordquo25 dirigindo o olhar a esse problema para ldquodiscutir se a escola natildeo pode

assumir esta tarefardquo (EE p146) Esse olhar que recai sobre as instituiccedilotildees de ensino

propondo o desafio de ser o espaccedilo no qual este repertoacuterio mental de imagens de linguagem

encontraria seu pleno desenvolvimento eacute plenamente possiacutevel de aceitaccedilatildeo Enfaticamente

essas instituiccedilotildees natildeo podem se abster dessa tarefa em vista do criteacuterio qualitativo que

permeia a educaccedilatildeo para aqueacutem dos iacutendices de aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo das ampliaccedilotildees

de espaccedilos fiacutesicos (sem eacute claro abstrair da importacircncia de tais criteacuterios) No momento em

que a escola assume a tarefa de gerar esse enriquecimento de imagens e de linguagem a

preocupaccedilatildeo recai sobre a ampliaccedilatildeo mental a ampliaccedilatildeo dos referenciais interpretativos do

mundo ampliaccedilatildeo da capacidade de realizar experiecircncias no mundo

Esse eacute o meio no qual a crianccedila jaacute deve ser inserida e muito mais eacute esse o meio que a

crianccedila jaacute deve estar construiacutendo seu meio proacuteprio no qual habita sua linguagem Isso

encontra fundamentos a partir principalmente de Gadamer para quem a linguagem ldquonatildeo eacute

um mero instrumento ou um dom excelente que possuiacutemos como homens mas o meio no

qual vivemos desde o comeccedilo como seres sociais e que manteacutem aberto o todo no qual

existimosrdquo (1983 p11) Assim sendo ldquocada vez que se leva a cabo uma comunicaccedilatildeo natildeo soacute

se usa como tambeacutem se plasma a linguagemrdquo (p12) Seguindo essas linhas nota-se que o ser

humano natildeo usa a linguagem ele eacute linguagem eacute comunicaccedilatildeo que se efetiva no diaacutelogo

efetivo ou seja que modifica os envolvidos ndash o que significa em uacuteltima instacircncia o plasmar

do humano o plasmar da linguagem

Noacutes somos a palavra a linguagem noacutes natildeo a usamos noacutes nela vivemos ldquoas palavras

que usamos na linguagem nos satildeo a tal ponto familiares que estamos aiacute por assim dizer nas

palavras Elas natildeo se tornam objeto O uso da liacutengua natildeo eacute de modo algum o uso de algo Noacutes

vivemos em uma liacutengua como em um elemento como o peixe na aacuteguardquo (GADAMER 2007

p95) Vislumbra-se o real desafio que eacute a sala de aula ela deve ser o espaccedilo do plasmar deste

mundo desse elemento no qual vivemos Pela construccedilatildeo da linguagem eacute possiacutevel construir

sentido gerar sentido por esta construccedilatildeo a proacutepria escola passa a ter sentido convertendo-se

em espaccedilo comum no qual constituiacutemos modos de compreender o mundo

25 Conforme Bruno Pucci ldquoao mesmo tempo que gera a padronizaccedilatildeo de tudo a Induacutestria Cultural atrofia a ima-ginaccedilatildeo a espontaneidade a atividade intelectual do espectador Faz desaparecer tanto a capacidade de criacutetica como a do respeito ao ser humano Exclui o diferente o novo Ateacute o divertir-se significa estar de acordo Sob o monopoacutelio privado da cultura a tirania deixa o corpo e vai direto agrave alma (2007 p31 ndash grifo do autor)

88

A relaccedilatildeo disso com a proposta de significaccedilatildeo eacutetica para a educaccedilatildeo se evidencia no

momento em que percebemos a importacircncia da relaccedilatildeo com o outro com a alteridade como

condiccedilatildeo para este plasmar da linguagem desse meio em que vivemos Sendo a eacutetica o

pressuposto que nos orienta na boa conduccedilatildeo e construccedilatildeo do indiviacuteduo no interior das

experiecircncia coletivas a sala de aula se converte em espaccedilo privilegiado no qual os sujeitos ali

envolvidos se percebem no desafio de dar forma a esse meio construiacute-lo como espaccedilo

comum o habitat sem o qual natildeo nos orientamos adequadamente o habitat referencial que

nos identifica e ao mesmo tempo nos vincula26 O grave problema eacute que haacute um desmembrar

desse mundo desse meio O professor plasma ndash daacute forma ndash a sua linguagem a partir de sua

funccedilatildeo o aluno constitui sua linguagem seu meio tendo como referecircncia sua posiccedilatildeo muitas

vezes apenas receptiva cada um como um aacutetomo isolado natildeo consegue constituir a ceacutelula a

partir do qual se constitui o corpo comum denominado sala de aula Eacute como se cada um dos

envolvidos habitasse as fronteiras do territoacuterio e uma terra de ningueacutem permaneceria

inabitada a linguagem comum permaneceria sem ganhar forma sem ser plasmada e

consequentemente ficaria falha a proacutepria expressatildeo do indiviacuteduo a manifestaccedilatildeo de sua

concretude27

Nesse sentido a linguagem natildeo se constitui simplesmente em um sistema de signos

utilizados para dizer algo Ela eacute salva a partir do conceito constelaccedilatildeo28 natildeo tendo mais sua

finalidade exclusivamente na representaccedilatildeo e definiccedilatildeo de conceitos Na Criacutetica da razatildeo

pura (B93ss) o juiacutezo ndash a capacidade de pensar e definir ndash eacute dado como a ldquorepresentaccedilatildeo de

uma representaccedilatildeo de um objetordquo ou seja a representaccedilatildeo de um conceito criado pela

faculdade do entendimento A partir da Dialeacutetica negativa o sensiacutevel sobrevive a partir de

seu meio linguiacutestico o qual eacute extinguido pelo pensamento reduzido ao conceito ignorando o

caraacuteter de constelaccedilatildeo e o elemento concreto

O momento unificador sobrevive sem a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo e mesmo sem entregar-se agrave abstraccedilatildeo enquanto princiacutepio supremo de modo que natildeo se progride a partir de conceitos e por etapas ateacute o conceito superior mais universal mas esses conceitos entram em uma constelaccedilatildeo Essa constelaccedilatildeo ilumina o que haacute de especiacutefico no ob-jeto e que eacute indiferente ou um peso para o procedimento classificatoacuterio O modelo para isso eacute o comportamento da linguagem Ela natildeo oferece nenhum mero sistema de signos para as funccedilotildees do conhecimento Onde ela se apresenta essencialmente

26 Para Kant o que nos vincularia eacute a ideia de reino de fins O que se defende aqui eacute a vinculaccedilatildeo a partir da forma dada ao meio no qual vivemos a partir desse plasmar linguiacutestico que identifica cada um e a partir do qual podemos nos relacionar 27 Sobre o conceito de concreto ver capiacutetulo 4 28 Conforme desenvolvido no segundo capiacutetulo a constelaccedilatildeo refere-se aos diversos olhares ndash diversos conceitos ndash que entram em tensatildeo quando se quer conhecer algo tambeacutem faz referecircncia agrave diversidade de experiecircncias que natildeo se esgotando contribuem para o entendimento de algo

89

enquanto linguagem e se torna apresentaccedilatildeo ela natildeo define seus conceitos [] Na medida em que os conceitos se reuacutenem em torno da coisa a ser conhecida eles de-terminam potencialmente seu interior alcanccedilam por meio do pensamento aquilo que o pensamento necessariamente extirpa de si (2009 p140-141 ndash grifo nosso)

Estamos diante de uma diferenccedila a linguagem eacute tatildeo somente um sistema de signos a

partir do qual o conceito eacute dito ou a linguagem eacute o meio no qual cada um vive se manifesta

e a partir do qual deve ser conhecido Conforme Tiburi ldquona filosofia adorniana a linguagem

deixa de ser um objeto em seu sentido puro e simples ou um instrumento para designar obje-

tos ela passa a ser lugar de uma experiecircncia [] A proacutepria linguagem aparece como experi-

ecircncia enquanto conviacutevio e fala sem dominaccedilatildeo sobre o natildeo-idecircnticordquo (2005 p68) A Teoria

esteacutetica nos indica a relaccedilatildeo que se estabelece entre a linguagem e o concreto destacando

exatamente o caraacuteter de meio linguiacutestico ldquoo meio pelo qual as obras de arte existentes satildeo

mais do que a existecircncia natildeo eacute um novo ser-aiacute mas a sua linguagem As obras autecircnticas fa-

lam mesmo quando recusam a aparecircnciardquo (p124) Esse ser mais do que a existecircncia indica

algo surgido para aleacutem do evidente do que aparece Ou seja indica o elemento concreto que

precisa ser percebido a partir do seu meio compreendido aqui como meio linguiacutestico local

em que se efetivam as experiecircncias nos comunicamos sem contudo ocorrer sobreposiccedilatildeo de

interlocutores Dizer que a obra de arte fala mesmo quando recusa a aparecircncia ndash tornando-se

natildeo-evidente ndash faz considerar o essencial como aquilo que permanece escondido e por isso

mesmo provocativo Reconhecer esse caraacuteter essencial eacute tarefa da razatildeo que respeita a cons-

telaccedilatildeo de momentos que se inter-relacionam e constituem sentido

o sentido de uma obra de arte eacute ao mesmo tempo a essecircncia que se oculta no faacutetico traduz em apariccedilatildeo o que esta de outro modo esconde A organizaccedilatildeo da obra de ar-te isto eacute o agrupamento dos seus momentos e o seu inter-relacionamento tem este objetivo e eacute difiacutecil mediante a atitude criacutetica distingui-lo do elemento afirmativo da aparecircncia da realidade do sentido tatildeo cuidadosamente como agradaria agrave constru-ccedilatildeo conceptual filosoacutefica (TE p124-125)

Deparamo-nos com a necessidade de atribuir o sentido esteacutetico da obra de arte ao proacute-

prio ser humano Quanto de noacutes se oculta na manifestaccedilatildeo do faacutetico Natildeo estaria o essencial

o verdadeiro nesse conteuacutedo que se oculta Enquanto alternativa de novas descobertas e no-

vos sentidos sim ali estaacute o verdadeiro pois o pensamento que pensa compreender se percebe

insuficiente exigindo o renovar da experiecircncia Diante desse oculto no qual estaria a verdade

o pensamento que retorna a si mesmo natildeo mais se reconhece mas percebe-se estranho em sua

insuficiecircncia de conteuacutedo Poreacutem eacute somente ldquono olhar para o desviante no oacutedio agrave banalidade

90

na busca do que ainda natildeo estaacute gasto do que ainda natildeo foi capturado pelo esquema conceitual

geral que reside a derradeira chance do pensamentordquo (MM 41 p58)

Afirmado na Minima moralia (122 p168) e repetido em Dialeacutetica negativa (2009

p48) esse estranhamento do pensamento sobre ele mesmo permite a abertura para o novo que

estaacute oculto no faacutetico E mais eacute a chance para pensar uma relaccedilatildeo verdadeira entre o pensa-

mento e o pensado ldquoVerdadeiros satildeo apenas aqueles pensamentos que natildeo compreendem a si

mesmosrdquo Natildeo compreendem a si mesmo devido ao desvio ocorrido na regra tradicional da

adequaccedilatildeo entre pensamento e pensado como sendo a verdade Conforme indicado em Dialeacute-

tica negativa (p43) os pensamentos devem ir ao extremo nada deve deter esta capacidade

humana denominada pensar Isso significa em uacuteltimas palavras ldquopensar perigosamente es-

timular o pensamento a partir da experiecircncia da coisa natildeo recuar diante de nada natildeo se dei-

xar embaraccedilar por qualquer conveniecircncia do previamente pensadordquo (OPF p23) A lingua-

gem enquanto posse de um sujeito que diz algo estaacute em conexatildeo com uma novidade a lin-

guagem enquanto meio no qual esse outro estaacute inserido o que impotildee a necessidade de natildeo

recuar diante do natildeo pensado mas encontrar nisso a chance para a filosofia e para a possibili-

dade de reafirmar o plasmar da linguagem como sendo o fundo moral da constituiccedilatildeo do hu-

mano Tudo isso enfatiza a ideia do plasmar linguiacutestico da sala de aula como resultado de uma

relaccedilatildeo entre sujeitos os quais ao mesmo tempo em que constituiacuterem linguagem devem ser

compreendidos a partir dessa constituiccedilatildeo Poreacutem essa constituiccedilatildeo natildeo ocorre somente em

sala de aula mas jaacute eacute algo que o aluno vem constituindo anteriormente agrave vida escolar e conti-

nuaraacute constituindo em paralelo agrave escola nas diversas relaccedilotildees que estabelece na vivecircncia so-

cial Desse modo compreender o outro significa tambeacutem compreender seu meio linguiacutestico

anterior e paralelo agrave escola

Como eacute possiacutevel vincular a formaccedilatildeo eacutetica a partir do plasmar linguiacutestico Como eacute

possiacutevel que no viacutenculo com o outro em seu meio linguiacutestico e aqui focado no ambiente sala

de aula seja derivada a sensibilizaccedilatildeo moral A vinculaccedilatildeo entre arte filosofia e educaccedilatildeo

se constitui em alternativa pedagoacutegica fundamental para pensar a formaccedilatildeo e a sensibilizaccedilatildeo

moral O sentido da eacutetica e moral eacute posto aqui seguindo as linhas de Hermann em sua es-

treita relaccedilatildeo com a educaccedilatildeo e como devendo ser preocupaccedilatildeo da filosofia da educaccedilatildeo Em

Autocriaccedilatildeo e horizonte comum

a investigaccedilatildeo sobre o sentido eacutetico da educaccedilatildeo estaacute muito proacutexima das questotildees mais pungentes com as quais os educadores se defrontam e que longe de ser uma fi-nalidade metafiacutesica ou de diletantismo as questotildees eacuteticas podem ser trabalhadas como uma arte de viver (2010 p92 ndash grifo nosso)

91

O meio linguiacutestico solidamente constituiacutedo esse meio no qual estamos inseridos eacute

condiccedilatildeo para desenvolver a arte de viver Eacute nesse meio para aleacutem dos meros signos a partir

dos quais dizemos o mundo que a arte de viver encontra sua condiccedilatildeo de desenvolvimento

ou de aprendizagem Em outras palavras o lugar ocupado pelo outro e por mim a considera-

ccedilatildeo pela experiecircncia individual enquanto local da manifestaccedilatildeo do concreto que identifica

cada um e a partir do qual devemos ser reconhecidos as estrateacutegias que orientam o modo co-

mo habitamos nosso meio podem ser entendidos para usar a expressatildeo de Hermann como

arte de viver Tudo isso eacute fundamental para a educaccedilatildeo e somente teremos condiccedilotildees de edu-

car pessoas capazes de habitar qualificadamente o meio em que vivem no momento em que

dermos a devida atenccedilatildeo ao modo como se estaacute plasmando a linguagem como se estaacute edifi-

cando esse meio proacuteprio no qual vivemos Dessa forma mediante a educaccedilatildeo ocorre o ldquopro-

cesso compreensivo que exige quebrar nossas resistecircncias para nos abrirmos ao outro para

deixar valer a palavra do outro O encontro com a alteridade nos enriquece ao integrar o que

nos falta ao experimentar que nem sempre o que sabemos eacute suficiente para compreender a

situaccedilatildeordquo (HERMANN 2010 p117 ndash grifo nosso) A experiecircncia do mundo natildeo pode ser

outra a natildeo ser aquela que permite valer a palavra do outro Nesse sentido eacute que a sala de aula

deve assumir algumas tarefas baacutesicas ser o espaccedilo no qual a linguagem eacute formada permitir

que o outro compartilhe dessa linguagem sem medo garantir a subjetividade apta a reconhe-

cer esse meio no qual o outro estaacute inserido Sobre isto recai o sentido eacutetico-educativo de sujei-

to esteacutetico esse que eacute capaz de realizar experiecircncias sempre renovadas com aquilo que o ou-

tro eacute em sua concretude

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Proponho estas consideraccedilotildees em trecircs blocos temaacuteticos nos quais estabeleccedilo as

relaccedilotildees entre os capiacutetulos e indico alguns elementos que considero decisivos para entender a

significaccedilatildeo eacutetico educativa do sujeito poacutes-metafiacutesico em Adorno

I

O termo plasmar linguiacutestico estaacute em iacutentima conexatildeo com o ideal de construccedilatildeo O ato

pedagoacutegico natildeo se identifica com produccedilatildeo pois nessa os envolvidos agem sobre o outro

como se esse uacuteltimo fosse um objeto a ser manipulado A produccedilatildeo ocorre nos moldes

tecnoloacutegicos de fabricaccedilatildeo de materiais um utensiacutelio domeacutestico eacute produzido um automoacutevel eacute

produzido produzem-se alimentos etc A sala de aula eacute local de construccedilatildeo portanto natildeo

possui nenhuma semelhanccedila com manipulaccedilatildeo Por ser ato construtivo ocorre o

reconhecimento da novidade do outro e do local do outro O imprevisto passa a ser elemento

altamente qualificado pois eacute o outro (aqui entendido tanto o aluno quanto o professor) que

estaacute manifestando-se e contruindo-se plasmando o meio em que habita e a partir do qual se

relaciona ndash sua linguagem ndash tanto em dimensotildees pessoais quanto em dimensotildees de grupo Na

relaccedilatildeo o termo constelaccedilatildeo indica o modo como tudo isso ocorre Compreender e dizer o

outro significa consideraacute-lo a partir da constelaccedilatildeo de momentos historicamente construiacutedos

O problema com que precisamos nos defrontar eacute se as instituiccedilotildees de ensino satildeo capazes de

realmente perceber esta constelaccedilatildeo proacutepria de cada indiviacuteduo e ainda se tais instituiccedilotildees

estatildeo sendo promotoras de tais momentos construtivos Natildeo raro percebemos atividades

isoladas (principalmente em projetos desenvolvidos nas escolas) como atividades-extras que

natildeo somam a esse plasmar linguiacutestico natildeo se inserem dentro de uma constelaccedilatildeo de

momentos

II

Existe algum pressuposto a ser levado em consideraccedilatildeo no momento da relaccedilatildeo com o

outro A confirmaccedilatildeo de pressupostos pode ser defendida como radicalmente necessaacuteria O

maior problema estaacute em que consistem tais pressupostos Para esclarecer isso em primeiro

93

lugar faccedilo uma referecircncia a um aspecto negativo A sala de aula enquanto momento de

encontro com a concretude (este indiviacuteduo portador de sentido para aleacutem das atribuiccedilotildees

apreendidas) a partir da perspectiva eacutetica e tambeacutem na perspectiva do conhecimento natildeo

pode seguir o paracircmetro da razatildeo que como juiacuteza dita as regras e obriga o objeto a responder

a tais interrogaccedilotildees Para Kant este eacute o atributo da razatildeo ditar as regras agrave natureza e esta

tem como atributo dar uma resposta ndash eacute a tradicional relaccedilatildeo sujeito e objeto posta como

nuacutecleo epistemoloacutegico e eacutetico

Negando esta relaccedilatildeo o professor passa a ser um personagem fundamental mas natildeo

absoluto em termos de conduccedilatildeo do processo de ensino e aprendizagem Em sala de aula natildeo

raro nos deparamos com a novidade do outro dada a partir do seu local proacuteprio e que potildee em

crise os procedimentos previamente calculados Se nossa razatildeo obrigasse agrave respostas

conforme as interrogaccedilotildees por ela postas todo plano de ensino natildeo seria passiacutevel de falha

pois o objeto aluno seria obrigado a responder aos ditames prescritos O problema estaacute em

como a razatildeo que dita as regras reagiraacute diante da novidade que surge do outro em sua

condiccedilatildeo de concreto na qual resiste sempre em expressatildeo de Hermann uma promessa de

vida E essa promessa obriga tanto o professor quanto o aluno a admitir o local que o outro

ocupa como sendo o local a partir do qual devemos compreender ou conhecer Essa

manifestaccedilatildeo natildeo eacute serva dos ditames racionais poreacutem ocorre tatildeo somente no momento em

que o corpo surge e a sensibilidade se defronta com ele Se em momento posterior a razatildeo

com o entendimento realiza a siacutentese a conceituaccedilatildeo o ajuizamento o pressuposto fundante

de todo esse percurso estaacute no reconhecimento do outro em seu local de manifestaccedilatildeo seu

meio linguiacutestico

Isso remete em Adorno agrave perda da evidecircncia Somente eacute possiacutevel a centralidade posta

na razatildeo que dita as regras ao outro se admitirmos esse outro meramente como um material

passivo e a linguagem como sendo unicamente um meio de dizer algo um instrumento da

razatildeo A educaccedilatildeo infantil eacute exemplo paradigmaacutetico de tal desafio O periacuteodo de adaptaccedilatildeo

nada mais eacute do que o momento de constituir linguagem comum Eacute o momento em que o

professor se defronta com os limites sensiacuteveis da razatildeo e assim percebe que eacute insuficiente

ditar regras sendo necessaacuterio constituir o meio linguiacutestico Constituiacutemos linguagem como

seres viventes vivemos a linguagem como sendo o local que constituiacutemos ndash nosso loacutecus proacute-

prio cada um de noacutes enquanto envolvidos do processo de ensino e aprendizagem comparti-

lhamos desse mundo linguiacutestico esperando que sejamos compreendidos a partir da manifesta-

ccedilatildeo deste meio constituiacutemos linguagem comum no momento em que nos permitimos coabitar

e criar sentido exatamente por esse estar junto O pressuposto da relaccedilatildeo estaacute no reconheci-

94

mento de que o outro ocupa um local proacuteprio constituiacutedo por ele e que ao mesmo tempo o

constitui

No entanto muito aleacutem da educaccedilatildeo infantil percorrendo todos os niacuteveis de ensino

quando a sala de aula se transforma em um meio linguiacutestico comum a todos promove-se jun-

tamente com a construccedilatildeosignificaccedilatildeo dos conhecimentos a educaccedilatildeo moral do ser humano

eacute a partir daiacute que devemos pensar a educaccedilatildeo em uma perspectiva eacutetica Essa promessa de

vida eacute difiacutecil de ser aceita nas praacuteticas pedagoacutegica orientadas pela razatildeo que deve ditar as

regras ao outro meramente obediente

A perda da evidecircncia se constitui para Adorno em instigaccedilatildeo ao pensamento Nada

mais haacute de oacutebvio vivemos em uma eacutepoca tecnoloacutegica onde as identidades on-line satildeo masca-

radas a proacutepria relaccedilatildeo abstrai o corpo priorizando um perfil virtual Outro problema eacute o en-

cobrimento ideoloacutegico que os fatos podem receber o que somado agrave fraqueza de entendimen-

to resulta na desqualificaccedilatildeo do material apreendido pelos sentidos Reconstruindo o argu-

mento com a ausecircncia dos limites que somente o corpo pode nos dar nossa capacidade per-

ceptiva de sensibilidade apreende um material desqualificado possivelmente carente de da-

dos reais ou muito aqueacutem do concreto apontado pelo filoacutesofo de Frankfurt como o local da

verdade Por isso eacute que a esteacutetica enquanto aisthesis capacidade de percepccedilatildeo do outro estaacute

intimamente vinculada a esse ideal de formaccedilatildeo eacutetica e sobre isso recai a necessidade do aacuter-

duo esforccedilo pedagoacutegico educar a sensibilidade a percepccedilatildeo do outro educar para o reconhe-

cimento do local do outro educar para constitui um local comum Pensar eticamente a educa-

ccedilatildeo eacute proporcionar ao ser humano as condiccedilotildees para se relacionar com o corpo qualificada-

mente bem como prover as condiccedilotildees para ampliar a consciecircncia a ponto de estar apto a

reconhecer e reagir diante de compreensotildees ou comportamentos estandardizados A educaccedilatildeo

deveria levar o indiviacuteduo a ocupar qualificadamente seu espaccedilo e tempo de vida

III

O imperativo categoacuterico tem o objetivo em palavras kantianas conforme a Fundamen-

taccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes de gerar uma ligaccedilatildeo sistemaacutetica entre os seres humanos

Enquanto lei moral tal imperativo deve orientar o estabelecimento de maacuteximas as quais nos

conduzem na accedilatildeo Entre a lei moral e a accedilatildeo Kant (MC) define a existecircncia de uma folga

para a livre escolha do modo como ocorreraacute a aplicaccedilatildeo da lei Mesmo assim a relaccedilatildeo com a

moralidade tem o uacutenico criteacuterio da lei e mesmo que pudermos encontrar vaacuterias formas de

aplicaacute-la o fio condutor estaacute previamente dado Em criteacuterios morais natildeo haacute possibilidade de

95

afastamento da lei de modo que a escolha natildeo eacute de todo livre pois cada accedilatildeo deve ser com-

patiacutevel com tal imperativo moral Natildeo existem muitas opccedilotildees devo somente seguir a lei De

tal modo a livre escolha segue somente criteacuterios loacutegicos de adequaccedilatildeo (lei ndash maacutexima ndash

praacutetica) a accedilatildeo natildeo pode se afastar da lei se quiser salvar a ligaccedilatildeo sistemaacutetica denominada

reino dos fins O olhar dirigido para a lei moral dentro de noacutes assim como o dirigimos para o

ceacuteu estrelado acima de noacutes como forma de orientaccedilatildeo pode nos tornar cegos agraves

reivindicaccedilotildees de vida do outro gerando a relaccedilatildeo fria de um simples dever que preciso

seguir Desse modo natildeo eacute o outro que me move agrave accedilatildeo mas a loacutegica do dever Meu olho estaacute

posto nesse criteacuterio

Eacute exatamente no levar ao extremo esse espaccedilo para a livre escolha que reside o pro-

blema educacional Como educar a capacidade de escolha como tornar o ser humano apto a

decidir moralmente Eacute possiacutevel defender a necessidade da educaccedilatildeo que desenvolva modos

de experiecircncias com o outro na capacidade de visualizar sentir o corpo do outro como algo

que passiacutevel de destruiccedilatildeo precisa ser cuidado Aqui o imperativo natildeo eacute loacutegico-conceitual

mas eacute sensiacutevel posto ao deparar-me com o limite fiacutesico e com o limite do sentimento que o

outro tem Ningueacutem tem o direito de infligir dor ao outro pois esse outro eacute ser sensiacutevel muito

antes de ter a loacutegica desenvolvida Educaccedilatildeo e eacutetica exigem entatildeo desenvolver uma postura

humana diante daquilo que natildeo pode ser reduzido ao conceito a dor o sofrimento a

concretude do outro Assim eacute que se conecta a esteacutetica enquanto sentidos aptos a perceber a

vida em sua concretude a sensibilidade mesma Enquanto sensibilidade eacute pela esteacutetica que

ocorre o reconhecimento do local do outro o impulso agrave compreensatildeo e o impulso agrave accedilatildeo

REFEREcircNCIAS

ADORNO Theodor W Dialeacutetica negativa Traduccedilatildeo de Alfredo Brotons Muntildeoz Madrid Ediciones Akal 2005a (Obra Completa 6) _______ Dialeacutetica negativa Traduccedilatildeo de Marco A Casanova Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2009b _______ Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo 3 ed Traduccedilatildeo de Wolfgang Leo Maar Satildeo Paulo Paz e Terra 2003 _______ Experiecircncia e criaccedilatildeo artiacutestica ndash paralipocircmenos agrave ldquoTeoria Esteacuteticardquo Traduccedilatildeo de Artur Moratildeo Lisboa Ediccedilotildees 70 2003 (Arte e Comunicaccedilatildeo 81) _______ Kierkegaard construccioacuten de lo esteacutetico Traduccioacuten de Joaquiacuten C Mielke Ma-drid Ediciones Akal 2006 (Obra completa 2) _______ Minima Moralia ndash reflexotildees a partir da vida danificada Trad Luiz Eduardo Bicca 2 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1993 _______ Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico In ________ Palavras e sinais mode-los criacuteticos 2 Traduccedilatildeo de Maria Helena Ruschel Petroacutepolis Vozes 1995 p15-25 _______ Sobre sujeito e objeto In ________ Palavras e sinais modelos criacuteticos 2 Tradu-ccedilatildeo de Maria Helena Ruschel Petroacutepolis Vozes 1995 p181-201 _______ Teoria esteacutetica Traduccedilatildeo de Artur Moratildeo Lisboa Ediccedilotildees 70 [sd] (Arte e Comu-nicaccedilatildeo14) ADORNO Theodor W HORKHEIMER Max Dialeacutetica do Esclarecimento fragmentos filosoacuteficos Traduccedilatildeo de Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1985 AGAMBEN Giorgio A linguagem e a morte um seminaacuterio sobre o lugar da negatividade Traduccedilatildeo de Henrique Burigo Belo Horizonte UFMG 2006 ALVES JUacuteNIOR Douglas Garcia Dialeacutetica da vertigem Adorno e a filosofia moral Satildeo Paulo Escuta Belo Horizonte FumecFCH 2005 ANTELME Robert A espeacutecie humana Traduccedilatildeo de Clara Alvarez Lisboa Editora Ulisseia 2003 APEL Karl-Otto Eacutetica e responsabilidade o problema da passagem para a moral poacutes-convencional Traduccedilatildeo de Jorge Telles Menezes Lisboa Instituto Piaget 2007 ARENDT Hannah A vida do espiacuterito Traduccedilatildeo de Cesar A de Almeida Antocircnio A Hele-na Martins Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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______ Pensar com a liacutengua In ____ Hermenecircutica em retrospectiva a posiccedilatildeo da filosofia na sociedade Vol IV Traduccedilatildeo de Marco Antocircnio Casanova Petroacutepolis Vozes 2007 p91-100 (Coleccedilatildeo Textos Filosoacuteficos) ______ Subjetividade e intersubjetividade sujeito e pessoa In ___ Hermenecircutica em re-trospectiva a virada hermenecircutica Traduccedilatildeo de Marco Antocircnio Casanova 2ed Pretoacutepolis Vozes 2007 p9-27 GAGNEBIN Jeanne Marie O que significa elaborar o passado In PUCCI Bruno LASTOacuteRIA Luiz AC N COSTA Berlarmino C G (org) Tecnologia cultura e formaccedilatildeo ainda Auschwitz Satildeo Paulo Cortez 2003 p35-44 ______ Sete aulas sobre linguagem memoacuteria e histoacuteria 2 ed Rio de Janeiro Imago 2005 GOacuteMEZ Vicente El pensamiento esteacutetico de Theodor W Adorno Madrid Ediciones Caacutete-dra 1998 GOacuteMEZ V WELLMER A Teoriacutea criacutetica y esteacutetica dos interpretaciones de Th W Ador-no Valegravencia Guada 1994 HABERMAS Juumlrgen A inclusatildeo do outro estudos de teoria poliacutetica Traduccedilatildeo de George Sperber Paulo A Soethe Milton C Mota Satildeo Paulo Loyola 2007 ______ O futuro da natureza humana a caminho de uma eugenia liberal Traduccedilatildeo de Kari-na Jannini Satildeo Paulo Martins Fontes 2004 HEIDEGGER Martin O fim da filosofia e a tarefa do pensamento In ___ Sobre a questatildeo do pensamento Traduccedilatildeo de Ernildo Stein Petroacutepolis Vozes 2009 p65-84 HERMANN Nadja Agrave procura de vestiacutegios da formaccedilatildeo In CENCI Angelo V DALBOS-CO Claudio A MUumlHL Eldon H Sobre filosofia e educaccedilatildeo racionalidade diversidade e formaccedilatildeo pedagoacutegica Passo Fundo UPF 2009 p149-160 ______ Autocriaccedilatildeo e horizonte comum ndash ensaios sobre educaccedilatildeo eacutetico-esteacutetica Ijuiacute Ed Unijuiacute 2010 ndash (coleccedilatildeo Fronteiras da educaccedilatildeo) ______ Eacutetica e esteacutetica uma relaccedilatildeo quase esquecida Porto Alegre EDIPUC-RS 2005 HOBSBAWM Eric A era dos extremos o breve seacuteculo XX Traduccedilatildeo de Marcos Santarrita Ed 2 30ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2005 ______ Globalizaccedilatildeo democracia e terrorismo Traduccedilatildeo de Joseacute Viegas Satildeo Paulo Com-panhia das letras 2007 HOumlFFE Otfried O ser humano como fim terminal Kant Criacutetica da faculdade do juiacutezo sectsect82-84 Studia Kantiana Santa Maria n8 p20-38 mai 2009 JAY Martin A imaginaccedilatildeo dialeacutetica histoacuteria da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pes-quisas Sociais Traduccedilatildeo de Vera Ribeiro Rio de Janeiro Contraponto 2008

99

JONAS Hans O princiacutepio responsabilidade ensaio de uma eacutetica para a civilizaccedilatildeo tecnoloacute-gica Traduccedilatildeo de Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez Rio de Janeiro Contraponto Ed PUC-RIO 2006 KANT Immanuel A metafiacutesica dos costumes 2 ed rev Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru EDIPRO 2008 ______ Antropologia de um ponto de vista pragmaacutetico Traduccedilatildeo de Cleacutelia Aparecida Mar-tins Satildeo Paulo Iluminuras 2006 ______ Criacutetica da razatildeo praacutetica Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas de Valerio Rohden 2ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2008 ______ Criacutetica da razatildeo pura Traduccedilatildeo de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujatildeo 5ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2001 ______ Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes Traduccedilatildeo de Paulo Quintela Lisboa Ediccedilotildees 70 2008 ______ Pedagogiacutea Traduccioacuten de Lorenzo Luzuriaga y Joseacute Luis Pascual 3 ed Madrid Ediciones Akal 2003 (Baacutesica de Bolsillo 85) ______ Sobre a discordacircncia entre moral e a poliacutetica a propoacutesito da paz perpeacutetua In Textos seletos Traduccedilatildeo de Floriano de Souza Fernandes 5ed Petroacutepolis Vozes 2009 p79-91 KRAUS Karl Os uacuteltimos dias da humanidade Seleccedilatildeo traduccedilatildeo posfaacutecio e notas Antoacutenio Sousa Ribeiro Lisboa Antiacutegona 2003 MAREY Macarena La eacutetica kantiana como ldquosistema de los finesrdquo algunas objeciones a las lecturas formalistas y procedimentalistas de la eacutetica de Kant Studia Kantiana Santa Maria n10 p73-112 dez 2010 MENKE Christoph La soberaniacutea del arte la experiencia esteacutetica seguacuten Adorno y Derrida Traduccedilatildeo de Ricardo Saacutenchez Ortiz de Urbina Madrid Visor 1997 ndash (Coleccioacuten La balsa de la Medusa 85) METZ Johann Baptist WIESEL Elie Esperar a pesar de todo Traduccioacuten de Carmen Gau-ger Madrid Editorial Trotta 1996 MUumlLLER-DOOHM Stefan En tierra de nadie Theodor W Adorno una biografiacutea intelec-tual Traduccioacuten de Roberto H Bernet y Rauacutel Gabaacutes Barcelona Herder 2003 NEL Noddings La educacioacuten moral Propuesta alternativa para la educacioacuten del caraacutecter Buenos Aires Amorrortu 2009 NOVAES Adauto (org) A crise da razatildeo Satildeo Paulo Companhia das Letras 2006 NOVAES Adauto (org) Civilizaccedilatildeo e barbaacuterie Satildeo Paulo Companhia das Letras 2004

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COHN Gabriel Indiferenccedila nova forma de barbaacuterie In NOVAES Adauto (org) Civiliza-ccedilatildeo e barbaacuterie Satildeo Paulo Companhia das Letras 2004 ORTEGA Joaquiacuten Esteban Memoria hermeneacuteutica y educacioacuten Madrid Biblioteca Nueva 2002 PUCCI Bruno Educaccedilatildeo contra a intoleracircncia In FAacuteVERO Altair DALBOSCO Claacuteudio MARCON Telmo (org) Passo Fundo UPF 2006 p404-418 ______Teoria criacutetica e educaccedilatildeo In _____ (org) Teoria criacutetica e educaccedilatildeo a questatildeo da formaccedilatildeo cultural na Escola de Frankfurt 4ed Petroacutepolis Vozes 2007 p11-58 RANCIEgraveRE Jacques O mestre ignorante cinco liccedilotildees sobre a emancipaccedilatildeo intelectual Tra-duccedilatildeo de Liacutelian do Valle 2ed Belo Horizonte Autecircntica 2007 ROUSSEAU Jean-Jacques Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens precedido de discurso sobre as ciecircncias e as artes Traduccedilatildeo de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvatildeo 5 ed Introduccedilatildeo de Jacques Roger Satildeo Paulo Martins Fontes 2005 RUSH Fred (org) Teoria Criacutetica Traduccedilatildeo de Beatriz Katinsky e Regina Andreacutes Rebollo Aparecida Ideias amp Letras 2008 SAacuteNCHEZ Antonio Hernaacutendez La educacioacuten imposible Granada Editorial Comares 1999 ndash (Coleccioacuten Ensentildear y aprender) SCHILLER Friedrich Cartas sobre a educaccedilatildeo esteacutetica da humanidade Traduccedilatildeo de Rober-to Schwarz Satildeo Paulo Iluminuras 2002 SCHNEEWIND J B A invenccedilatildeo da autonomia uma histoacuteria da filosofia moral moderna Trad Magda Franccedila Lopes Satildeo Leopoldo Editora Unisinos 2001 ndash (Coleccedilatildeo Ideias n2) SCHOumlNECKER Dieter O amor ao ser humano como disposiccedilatildeo moral do acircnimo no pensa-mento de Kant Studia Kantiana Santa Maria v8 p54-69 mai 2009 SCHWARZBOumlCK Silvia Adorno y lo poliacutetico Buenos Aires Prometeo Libros 2008 TAFALLA Marta Theodor W Adorno una filosofiacutea de la memoria Barcelona Herder 2003 TIBURI Maacutercia Metamorfoses do conceito eacutetica e Dialeacutetica Negativa em Theodor Adorno Porto Alegre Editora da UFRGS 2005 VENTOacuteS Xavier Rubert de Eacutetica sin atributos 2ed Barcelona Editorial Anagrama 2002 WELLMER Albrecht Sobre la dialeacutectica de modernidad y postmodernidad la criacutetica de la razoacuten despueacutes de Adorno Traduccioacuten de Joseacute Luis Araacutentegui Madrid Visor 1993 ndash (Colec-cioacuten La Balsa de la Medusa 59)

101

WIGGERSHAUS Rolf A escola de Frankfurt histoacuteria desenvolvimento teoacuterico significa-ccedilatildeo poliacutetica Traduccedilatildeo de Vera de Azambuja Harvey 2ed Rio de Janeiro DIFEL 2006 WOLF Ursula La filosofiacutea y la cuestioacuten de la vida buena Traduccioacuten de Aacutengel Galaacuten Bujaacuten Madrid Editorial Siacutentesis [sd] WULF Christoph Antropologia da educaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Sidney Reinaldo da Silva Cam-pinas Editora Aliacutenea 2005 ZAMORA Joseacute Antonio Theodor W Adorno pensar contra la barbarie Madrid Editorial Trotta 2004

Page 4: O ÉTICO E O ESTÉTICO EM ADORNO - Pucrs · 2017. 9. 28. · Márcia Tiburi - Universidade Presbiteriana Mackenzie Porto Alegre Janeiro de 2012. Dados Internacionais de Catalogação

Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo ( CIP )

Bibliotecaacuteria responsaacutevel Acircngela Saadi Machado - CRB 101857

P285p Farinon Mauricio Joatildeo

O eacutetico e o esteacutetico em Adorno Mauricio Joatildeo Farinon ndash 2011 101 f 30 cm

Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) ndash Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica

do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2011 Orientador Prof Dra Nadja Mara Amilibia Hermann

1 Adorno Theodor W 1903-1969 2 Educaccedilatildeo - Filosofia 3

Pensamento criacutetico I Hermann Nadja orientador II Tiacutetulo

CDU 3701

Bibliotecaacuteria responsaacutevel Acircngela Saadi Machado - CRB 101857

AGRADECIMENTOS

Agrave minha esposa Betacircnia Beledeli Farinon pela companhia compreensiva e apoio em todos os

momentos Com ela aprendi o significado do ser outro

Aos meus pais pelas palavras de incentivo pela presenccedila marcante o carinho inigualaacutevel Por

estarem sempre comigo Aos meus irmatildeos com suas famiacutelias Principalmente ao meu irmatildeo

Altair por todo apoio nesta conquista

Um agradecimento especial agrave minha querida orientadora professora Dra Nadja Hermann

Com rigor carinho e amizade indicou o caminho intelectual a ser percorrido Fez de mim

muito mais que um doutor a ela devo parte do que sou

Ao professor Dr Claacuteudio Dalbosco pelas excelentes contribuiccedilotildees dadas para esta pesquisa

seja com membro da banca de qualificaccedilatildeo seja como colega e amigo na Universidade de

Passo Fundo Sempre eacute bom poder contar com amigos dispostos a contribuir em nossos em-

preendimentos

Agradeccedilo tambeacutem aos amigos Clecircnio Lago Eliana Xerri Clara Furtado Vanderlei Carbona-

ra Adilsom Eskelsen Grandes lembranccedilas dos momentos vividos na PUC e em outros espa-

ccedilos Com vocecircs estes quatro anos ganharam um sentido especial

A todos os meus alunos(as) e ex-alunos(as) Na convivecircncia e debates em aula foi possiacutevel

entender muito do que significa a eacutetica o que significa o outro o que significa educaccedilatildeo

Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da PUC-RS pela oportunidade de estar inte-

grado neste reconhecido programa e por possibilitar a conclusatildeo de mais esta etapa em minha

formaccedilatildeo Agradeccedilo tambeacutem a CAPES pelo apoio financeiro via bolsa de pesquisa durante

os quatro anos do doutorado

Meus agradecimentos a todos que de uma ou outra forma acompanharam estes quatro anos

de curso Todos fazem parte da minha histoacuteria e satildeo personagens fundamentais em minha

vida

RESUMO

Eacutetica esteacutetica e educaccedilatildeo satildeo os conceitos baacutesicos presentes nesta investigaccedilatildeo a qual

tem como paradigma orientador a Teoria Criacutetica de Theodor Adorno A partir das bases que

permitem conceber o sujeito poacutes-metafiacutesico em Adorno sob que condiccedilotildees eacute possiacutevel defen-

der o alargamento da experiecircncia como meio de constituiccedilatildeo da subjetividade a qual eacute a base

da consciecircncia moral e que significaccedilatildeo eacutetica surge para a educaccedilatildeo tendo em vista o sujeito

que moralmente precisa ser constituiacutedo com base na experiecircncia Partindo deste problema o

objetivo geral eacute discutir a noccedilatildeo de subjetividade poacutes-metafiacutesica em Adorno a fim de estabe-

lecer baseado em tal sujeito uma significaccedilatildeo eacutetico-educativa capaz de nortear a formaccedilatildeo do

humano e o desenvolvimento da consciecircncia moral Como indicativo teoacuterico a tese propotildee

que no momento em que a educaccedilatildeo se torna promotora de enriquecimento das experiecircncias

formativas eacute possiacutevel o alargamento do modo como ocorre a constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do su-

jeito eacutetico Isto nos conduz agrave constituiccedilatildeo do meio no qual o ser humano estaacute inserido meio

este denominado linguagem Portanto a defesa eacute sobre o plasmar linguumliacutestico como o desafio

eacutetico da formaccedilatildeo humana Articula-se a esteacutetica como fundamento sob o qual eacute possiacutevel de-

fender tal alargamento do conceito de experiecircncia e de constituiccedilatildeo da subjetividade O per-

curso teoacuterico inicia com a discussatildeo sobre o modo como ocorre a constituiccedilatildeo da subjetivida-

de e da consciecircncia moral em Kant cujo alicerce estaacute nos conceitos de finalidade e liberdade

para apoacutes compreender a mudanccedila proposta por Adorno no qual a esteacutetica estaacute em iacutentima

relaccedilatildeo com a eacutetica o que se evidencia a partir dos termos concreto constelaccedilatildeo comunica-

ccedilatildeo e conteuacutedo de verdade O meacutetodo eacute analiacutetico conceitual gerando um confronto entre estas

duas vertentes filosoacuteficas ao mesmo tempo em que propotildee significaccedilatildeo agrave praacutetica educacional

em ambiente escolar A proposta de reconhecimento do outro enquanto concretude que cons-

titui e habita um meio linguumliacutestico e a necessidade de a sala de aula ser o local privilegiado no

qual este meio deve ser plasmado eacute uma alternativa eacutetica para a formaccedilatildeo a partir da qual eacute

possiacutevel vislumbrar a escola enquanto local de desenvolvimento e qualificaccedilatildeo do humano

Palavras-chaves Eacutetica Esteacutetica Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Plasmar linguiacutestico

ABSTRACT

Ethics aesthetic and education are the basic concepts in this present investigation which has

as its guiding paradigm critical theory of Theodor Adorno Form the basis the allow us to

conceive the post-metaphysical subject in Adorno under what conditions is possible defend

the enlargement of the experience like a way of the constitution of the subjectivity which is

the basis of the moral consciousness and that ethic signification comes to the education in

view of the subject that morally need to be constituted based on the experience Starting

from this problem the general goal is to discuss the post-metaphysical subjectivity notion in

Adorno to establish based in such subject an ethical and educational meaning able to guide

the human formation and the moral consciousness development As theoretical indicative the

thesis proposes that in the moment that the education becomes an enrichment promoter of

the formation experiences is possible the enlargement of the way that happens the

constitution and the development of the ethic subject This guides us to the constitution of the

environment in which the mankind is inside this environment is called language Therefore

the defense is about the linguistic shape as the ethical challenge of human development It is

articulated the aesthetic as a foundation under which is possible to defend the enlargement of

the concept of the experience and the constitution of the subjectivity The theoretical

approach starts with a discussion on how the constitution of subjectivity and moral

consciousness in Kant happens whose foundation lies in the concepts of order and freedom

to after understand the change proposed by Adorno in which aesthetics is intimately related

to ethics as is evident from the terms of concrete constellation communication and real

content The method is analytical and conceptual creating a confrontation between these two

philosophical strands while proposing significance to educational practice in the school

environment The propose o recognize the other as a concrete who is inserted in a linguistic

environment and the necessity for the classroom to be an ideal place in which this

environment should be shaped is an ethical alternative to the formation from which we can

glimpse the school as a place of development and qualification of the human

Keywords Ethics Aesthetic Education Formation Linguistic shape

LISTA DE ABREVIATURAS ANTR ndash Antropologia de um ponto de vista pragmaacutetico

CRPu ndash Criacutetica da razatildeo pura CRPr ndash Criacutetica da razatildeo praacutetica

DE ndash Dialeacutetica do esclarecimento DN ndash Dialeacutetica negativa DOD ndash Discurso sobre a origem e fundamentos das desigualdades entre os homens

EE ndash Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo EXP ndash Experiecircncia e criaccedilatildeo artiacutestica ndash paralipocircmenos agrave ldquoTeoria Esteacuteticardquo

FMC ndash Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes K ndash Kierkegaard

MC ndash Metafiacutesica dos costumes MET ndash Metafiacutesica

MM ndash Miacutenima moralia OPF ndash Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico

PS ndash Palavras e sinais ndash modelos criacuteticos 2 SDMP ndash Sobre a discordacircncia entre moral e a poliacutetica a propoacutesito da paz perpeacutetua

SO ndash Sobre sujeito e objeto

TE ndash Teoria esteacutetica

SUMAacuteRIO INTRODUCcedilAtildeO 9

1 ASPECTOS EacuteTICOS DA CONSTITUICcedilAtildeO E DA FORMACcedilAtildeO DO HUMANO SEGUNDO KANT 19

11 A constituiccedilatildeo transcendental do sujeito eacutetico em Kant 22

12 O ideal de Reino dos fins e a determinaccedilatildeo moral do sujeito transcendental 26

2 THEODOR ADORNO E A CONCEPCcedilAtildeO DE PENSAMENTO POacuteS-METAFIacuteSICO 33

21 Discussatildeo em torno do conceito de ldquosujeitordquo 33

22 A concepccedilatildeo de verdade em seu nuacutecleo histoacuterico 38

221 Tensatildeo entre verdade e procedimento 39

222 A perda da evidecircncia e o impulso ao esclarecimento 41

23 Constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade marcas do pensamento poacutes-metafiacutesico em Adorno 44

3 A IMPOSSIBILIDADE DO REINO DOS FINS MEDIANTE A FORCcedilA DO IMPERATIVO CATEGOacuteRICO

UMA CONTRAPOSICcedilAtildeO FUNDADA EM ADORNO 49

4 O PROJETO EacuteTICO ESTEacuteTICO E FILOSOacuteFICO EM ADORNO 57

41 A vinculaccedilatildeo entre experiecircncia e racionalidade esteacutetica 59

42 A dinacircmica entre aproximaccedilatildeo do outro e construccedilatildeo de si 65

5 O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO NA FORMACcedilAtildeO HUMANA 74

51 Entre o eu e o outro ou quando a presenccedila nos manteacutem humanos 74

52 A eacutetica e a esteacutetica em sua dimensatildeo pedagoacutegica 86

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 92

REFEREcircNCIAS 96

INTRODUCcedilAtildeO

A investigaccedilatildeo que aqui se apresenta tem como foco a relaccedilatildeo entre eacutetica esteacutetica e

educaccedilatildeo Natildeo satildeo poucos os esforccedilos em torno desse tema o que gera uma infinidade de

referenciais teoacutericos de modo que natildeo seria difiacutecil a repeticcedilatildeo de investigaccedilotildees jaacute existentes

o que comprometeria a pretensatildeo deste trabalho Nesse sentido eacute que a tese pretende uma

significaccedilatildeo eacutetico-educativa tendo como base a noccedilatildeo de sujeito esteacutetico em Theodor Adorno

Em linhas gerais entende-se por sujeito esteacutetico o indiviacuteduo que se constitui tanto moralmen-

te quanto em termos de conhecimento mediante a experiecircncia sensiacutevel a relaccedilatildeo efetiva e

permanente Isso remete agrave noccedilatildeo de esteacutetica enquanto percepccedilatildeo a dimensatildeo sensiacutevel que no

caracteriza Viso realizar um direcionamento efetivo estabelecendo as conexotildees entre as ba-

ses conceituais provindas da filosofia seja no acircmbito da eacutetica quanto da esteacutetica e a praacutetica

educativa em sentido amplo e especiacutefico Entendo a praacutetica educativa em sentido amplo en-

quanto processo de esclarecimento efetivado em todos os niacuteveis de relaccedilatildeo e em sentido es-

peciacutefico como aquela sistematicamente desenvolvida em ambiente escolar

Ao abordar a constituiccedilatildeo esteacutetica da subjetividade ou em outros termos a proposta

de um sujeito esteacutetico fica posto um viacutenculo direto com a noccedilatildeo de formaccedilatildeo O sujeito esteacute-

tico precisa ser constituiacutedo por mais que sejamos seres sensiacuteveis por natureza Mas a sensibi-

lidade no sentido de mera percepccedilatildeo natildeo eacute a uacutenica forma de se entender este tema pois ele

envolve a noccedilatildeo de mimese (a possibilidade de riqueza de experiecircncia ordenada pelo encontro

permanente com aquilo que me eacute diferente) e expressatildeo (o modo proacuteprio de o sujeito falar

derivado da riqueza mimeacutetica) Desse modo eacute possiacutevel afirmar que a pobreza de linguagem

revela a pobreza mimeacutetica

Mimese natildeo eacute imitaccedilatildeo mas eacute o braccedilo que se estende eacute o corpo que encontra resso-

nacircncia na realidade permitindo a dialeacutetica do tato conforme defendido nas Minima Moralia

Adorno rejeita a imitaccedilatildeo de modelos alegando que ele impede a autonomia Se admitirmos a

existecircncia de modelos esses satildeo imitaacuteveis Poreacutem um ser emancipado natildeo se fixa na imita-

ccedilatildeo mas tende agrave construccedilatildeo de uma sociedade cujos integrantes sejam capazes de pensar se-

gundo o ideal kantiano de fazer uso do proacuteprio entendimento sem a tutela ou modelagem de

outrem E essa possibilidade perpassa necessariamente pelo processo educacional

No entanto esse processo segue uma tendecircncia eacutetica orientado pelas questotildees baacutesicas

que mundo que ser humano que sociedade noacutes queremos Desse modo se justifica a necessi-

dade de pensar a formaccedilatildeo escolar sob ideais eacuteticos natildeo constituiacuteda exclusivamente de co-

nhecimentos intelectuais Em Theodor Adorno o problema da ldquoformaccedilatildeo moralrdquo se situa den-

10

tro da perspectiva esteacutetica o que remete a uma abordagem da dimensatildeo do outro O outro eacute o

maior e permanente desafio agrave racionalidade e todas as categorias iluministas natildeo datildeo conta da

apreensatildeo e significaccedilatildeo plena deste outro O comportamento da razatildeo pura ou do espiacuterito

absoluto por exemplo em relaccedilatildeo ao que me eacute diferente eacute de ser condiccedilatildeo para todo o senti-

do tudo eacute para a razatildeo e todo objeto dos sentidos tem existecircncia desqualificada ndash ou natildeo eacute

admitido como fato ndash se natildeo passar pela elaboraccedilatildeo subjetiva Essa eacute a noccedilatildeo de constituiccedilatildeo

via sujeito o para mim base teoacuterica para legitimar toda dominaccedilatildeo A existecircncia se torna

desqualificada quanto a prioridade estaacute na representaccedilatildeo que faccedilo daquilo com quem me rela-

ciono reduzindo a existecircncia do outro sua efetividade sua concretude a algo secundaacuterio

frente ao meu entendimento sobre ele Assim eacute que surgem conceitos frios pois natildeo admitem

o outro para aleacutem do sentido jaacute apreendido e para aleacutem do momento vivido como se ao con-

traacuterio do dinamismo da histoacuteria nossas compreensotildees natildeo precisassem mudar

O fator decisivo que originou a tese que aqui se apresenta estaacute constituiacutedo por dois e-

lementos Primeiro se deve ao percurso seguido pelos meus estudos em Filosofia e segundo

pela minha inserccedilatildeo no mundo educacional em acircmbito acadecircmico mas principalmente na

educaccedilatildeo baacutesica Ao concluir meu mestrado em Filosofia fui levado a analisar ndash pelo avanccedilo

nos estudos ndash a relaccedilatildeo entre a constituiccedilatildeo do sujeito e os desafios para a educaccedilatildeo Assim

direcionei meus estudos a um esforccedilo congregador entre aspectos teoacuterico-sistemaacuteticos em

Filosofia e os desafios em significar ndash com base neste estudo teoacuterico ndash eticamente a educa-

ccedilatildeo Realizarei esta abordagem explorando principalmente os conceitos de experiecircncia esteacute-

tica e subjetividade defendendo a possibilidade de mediante o ideal de enriquecimento de

experiecircncias formativas alargar o sentido de constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do sujeito eacutetico

Ao me inquietar com o tema acerca da constituiccedilatildeo do sujeito epistemoloacutegico e eacutetico

direcionei-me necessariamente a Immanuel Kant e agraves condiccedilotildees racionais puras ao ajuiza-

mento nesses dois acircmbitos Em termos eacuteticos surgem as noccedilotildees de fim uacuteltimo e liberdade co-

mo suporte agrave noccedilatildeo de dever O amor incondicional ao dever se constitui na condiccedilatildeo ao a-

gente moral e agrave sociedade baseada em seres racionais que estabelecem ligaccedilatildeo sistemaacutetica a

partir de leis comuns ndash o que pode ser entendido como reino dos fins Desta incondicionalida-

de eacute possiacutevel derivar a concepccedilatildeo de autonomia pois a uacutenica determinaccedilatildeo eacute interna posse do

sujeito Neste ponto eacute que se justifica a necessidade de retornar a Kant pois com este filoacutesofo

o conceito de autonomia foi inserido como criteacuterio epistemoloacutegico e moral Sobre isto ocorre

um incisivo ideal educacional pois tal criteacuterio precisa ser formado desenvolvido no ser hu-

mano Tentativas de implosatildeo deste ideal ocorreram com os regimes totalitaacuterios (por exemplo

o Nacional Socialismo na Alemanha e a Ditadura Militar no Brasil) para os quais a forccedila de

11

determinaccedilatildeo era dada pela ideologia absolutista Poreacutem a Teoria Criacutetica retoma o conceito

de maioridade pondo como condiccedilatildeo para a proacutepria democracia

O que surge ao analisar a obra kantiana sobre moral eacute que o encontro ocorre via amor

ao dever Todo senso moral deriva deste postulado Natildeo eacute pelo outro propriamente dito mas

somente por natildeo poder entrar em contradiccedilatildeo com minha proacutepria razatildeo que aceito o cumpri-

mento do dever aqueacutem a qualquer tendecircncia pessoal Um ponto que merece destaque eacute como

se desenvolve a consciecircncia moral a consciecircncia do dever natildeo ficando evidente como ocorre

a passagem da consciecircncia comum para uma fundamentaccedilatildeo dos costumes Uma possiacutevel

indicaccedilatildeo poderia ser encontrada no texto Resposta agrave pergunta o que eacute esclarecimento

quando eacute possiacutevel vislumbrar que a liberdade de fazer uso puacuteblico da razatildeo se constitui na

condiccedilatildeo para exercer o poder originado a partir do entendimento no seu bom uso O que fica

incerto eacute como o ser humano chega a desenvolver as condiccedilotildees para exercer a liberdade do

uso puacuteblico da razatildeo pois eacute negada pelo autor a forccedila decisiva dos exemplos nessa constitui-

ccedilatildeo

O que pode ser vislumbrado eacute a necessidade de um efetivo ardor educativo para que o

ser humano natildeo venha a fazer mau uso de suas forccedilas Nesse sentido eacute que recorro a Adorno

para buscar elementos que efetivam essa realizaccedilatildeo encontrando nos conceitos de concreto

viacutenculo comunicaccedilatildeo de diferenciados e sociedade atomizada indicaccedilotildees teoacutericas baacutesicas ao

desenvolvimento da consciecircncia moral Tudo isso baseado na concepccedilatildeo de subjetividade

esteacutetica Destaco entatildeo que o percurso traccedilado neste texto eacute indispensaacutevel pois parte do sen-

tido loacutegico-formal a partir do qual ocorre a formaccedilatildeo da consciecircncia moral em Kant para em

Adorno pontuar o contraponto da formaccedilatildeo moral mediante a ecircnfase na experiecircncia efetivada

no encontro com os outros o que remete agrave experiecircncia esteacutetica sensiacutevel Dessa experiecircncia

surge o sentido eacutetico da educaccedilatildeo enquanto promotora de ceacutelulas de humanidade e como o

espaccedilo do plasmar linguumliacutestico

Retomando a discussatildeo da responsabilidade moral baseada na ausecircncia de contradiccedilatildeo

da razatildeo com seus princiacutepios eacute que Kant se distancia de seu antecessor iluminista Jean-

Jacques Rousseau No filoacutesofo francecircs o respeito ao outro natildeo eacute por ser ele racional mas se

alicerccedila na noccedilatildeo de ser sensiacutevel Trago Rousseau presente natildeo por ser um autor decisivo

nesta investigaccedilatildeo mas para pontuar um paralelo entre dois autores da mesma eacutepoca histoacuterica

no que se refere agraves bases da obrigaccedilatildeo moral Tem-se aqui a indicaccedilatildeo da possibilidade de

encontro entre diferentes movido pela virtude da piedade como condiccedilatildeo para a humanidade

O desenvolvimento moral que eacute a existecircncia da humanidade propriamente dita para aleacutem da

animalidade ocorre quando o indiviacuteduo eacute capaz de sair de si e movido pela virtude da pieda-

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de guiado pela razatildeo pelo ir em direccedilatildeo ao outro Nesse sentido a proposta iluminista de

Rousseau eacute um vislumbre moderno do ideal eacutetico adorniano acerca do encontro

Estar autorizado a agir somente por ser um dever prescrito pela razatildeo eacute conforme a-

cima descrito uma eacutetica de coerecircncia loacutegica Em olhar diferenciado a autorizaccedilatildeo a agir ocor-

re pelo fato de o outro solicitar minha accedilatildeo o que gera uma resposta inevitaacutevel Eacute do outro o

diferente de mim e que por isso se constitui em desafio para o pensamento que vem a obri-

gaccedilatildeo o que remete a uma interdependecircncia planetaacuteria constitutiva de um imperativo de res-

posta guiada pela natildeo colocaccedilatildeo do si mesmo no centro da discussatildeo mas guiada pela neces-

sidade comum de existecircncia qualificada Tal qualificaccedilatildeo nos remete agrave consideraccedilatildeo prioritaacute-

ria do local e do momento que o outro ser humano vive com suas escolhas suas decisotildees

suas experiecircncias e o estado atual que o indiviacuteduo se encontra

Dentro do pensamento de Kant o desafio que surge eacute delinear como ocorre a constitu-

iccedilatildeo da consciecircncia moral e se a partir dessa constituiccedilatildeo eacute possiacutevel assegurar a realizaccedilatildeo do

seu ideal de reino dos fins conceito norteador a partir do qual ocorrem os viacutenculos Nesse

ponto eacute que se torna vaacutelida a investigaccedilatildeo abordando os paradigmas de Kant e de Adorno

para na tensatildeo entre os dois autores em evidecircncia apontar a diferenccedila provinda de Adorno ao

modo como o sujeito eacute constituiacutedo Nessa direccedilatildeo eacute que ocorre uma radical mudanccedila a for-

maccedilatildeo deve levar a uma ampliaccedilatildeo e enriquecimento do niacutevel de experiecircncia pressuposto

para o agir moral Experiecircncia e agir moral encontram iacutentima relaccedilatildeo experiecircncia natildeo eacute mero

trato manejar ou proceder sobre algo mas estaacute vinculada agrave capacidade de se comunicar no

sentido de diaacutelogo momento em que os opostos entram em relaccedilatildeo e se autoconstituem A

obrigaccedilatildeo moral natildeo se deve a um rigor loacutegico de coerecircncia interna da proacutepria razatildeo mas de

um dever cuja base estaacute na necessidade da accedilatildeo por puro amor agrave vida natildeo enquanto universal

conceitual mas enquanto vida do efecircmero a concretude o ente do ser Em termos eacuteticos en-

contramos um ponto determinante todo princiacutepio de valor toda regra de accedilatildeo deve partir do

sensiacutevel a concretude que habita o mundo imediatamente

O fundamento teoacuterico adorniano se apoiaraacute principalmente nas obras Dialeacutetica do es-

clarecimento Dialeacutetica Negativa Teoria Esteacutetica e Minima Moralia apesar de percorrer as

demais obras buscando nelas alguns esclarecimentos terminoloacutegicos necessaacuterios Em Kant a

base estaacute na Criacutetica da razatildeo pura Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes e Fun-

damentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes

Atribuir ao efecircmero (o caraacuteter proacuteprio de transitoriedade) o valor de princiacutepio eacute arran-

car o fundamento das garras da abstraccedilatildeo Deve-se estar atento ao proacuteprio termo vida a cons-

tataccedilatildeo feita na Minima moralia de que natildeo haacute mais vida ou que natildeo haacute vida correta na falsa

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tem seu corretivo ndash o fato de vida estar carregada do significado originado pela relaccedilatildeo per-

manente com o mundo sensiacutevel e natildeo pelo conceito abstrato Eacute essa vida a origem da filoso-

fia e onde ela estaacute em ausecircncia ali eacute que deve surgir o pensamento Baseado nisso eacute que re-

corro agrave Minima moralia Teoria esteacutetica e agrave Dialeacutetica negativa com a finalidade de compre-

ender o direcionamento que eacute dado ao modo de constituiccedilatildeo do sujeito moral

As discussotildees sobre a Teoria Criacutetica de Adorno sofrem de uma marca histoacuterica que a

meu ver eacute muito reducionista em se tratando de atualizaccedilatildeo ou mesmo da anaacutelise referente

aos seus conceitos decisivos Refiro-me ao episoacutedio nazista pontuado na figura de Auschwitz

Apesar da importacircncia que a perseguiccedilatildeo e extermiacutenio principalmente aos judeus significa-

ram para Adorno em questotildees pessoais e teoacutericas situar sua produccedilatildeo considerando somente

tal fato oculta outras dimensotildees fundamentais Em se tratando de educaccedilatildeo tenho claro que

para ele o essencial eacute evitar que Auschwitz se repita impedindo o renovar das causas de tal

regressatildeo Fazendo referecircncia ao tiacutetulo deste projeto de tese O eacutetico e o esteacutetico em Adorno

merece atenccedilatildeo a cunhagem de sua concepccedilatildeo de esteacutetica e a devida vinculaccedilatildeo com a eacutetica

que estaacute aqueacutem do evento nazismo encontrando sua origem na criacutetica agrave tradiccedilatildeo metafiacutesica

principalmente na figura de Immanuel Kant e sua proposta de fundamentos da moralidade

Destaco tambeacutem o ideal de experiecircncia formativa como constituidora da consciecircncia bem

como sua noccedilatildeo fundante de dialeacutetica negativa e a relaccedilatildeo dessa com a rigorosidade no ato de

pensamento e na constituiccedilatildeo da verdade

Como o interesse central desta pesquisa eacute a significaccedilatildeo eacutetico-educativa que surge a

partir do sujeito poacutes-metafiacutesico em Theodor Adorno o problema que direciona a investigaccedilatildeo

estaacute delineado nos seguintes termos a partir das bases que permitem conceber o sujeito poacutes-

metafiacutesico em Adorno sob que condiccedilotildees eacute possiacutevel defender o alargamento da experiecircncia

como meio de constituiccedilatildeo da subjetividade a qual eacute a base da consciecircncia moral e que

significaccedilatildeo eacutetica surge para a educaccedilatildeo tendo em vista o sujeito que moralmente precisa

ser constituiacutedo com base na experiecircncia O sujeito poacutes-metafiacutesico ou para Adorno o sujeito

esteacutetico eacute compreendido a partir da relaccedilatildeo estabelecida com os fragmentos de alteridade

aquilo que permanece apoacutes o ato compreensivo e que exige continuaccedilatildeo da experiecircncia sensiacute-

vel como condiccedilatildeo para ampliaccedilatildeo da consciecircncia

Diante da contextualizaccedilatildeo apresentada e do problema proposto a tese defendida eacute no

momento em que educaccedilatildeo se torna promotora de enriquecimento das experiecircncias formati-

vas eacute possiacutevel o alargamento do modo como ocorre a constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do sujeito eacuteti-

co Isso nos conduz agrave constituiccedilatildeo do meio no qual o ser humano estaacute inserido meio esse de-

nominado linguagem Portanto a defesa eacute sobre o plasmar linguiacutestico como o desafio eacutetico da

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formaccedilatildeo humana Para tanto articula-se a esteacutetica como fundamento sob o qual eacute possiacutevel

defender tal alargamento do conceito de experiecircncia e de constituiccedilatildeo da subjetividade Es-

tando as experiecircncias em processo de constante formaccedilatildeo o desafio eacutetico-educativo eacute desen-

volver a consciecircncia da necessidade de viacutenculos de responsabilidade em contraposiccedilatildeo ao

ideal de seres atomizados (monadas) e movidos unicamente pelo criteacuterio da razatildeo pura que

dita o amor ao dever Somente assim eacute possiacutevel vislumbrar um estado humano ou estado de

reconciliaccedilatildeo em situaccedilatildeo de encontro e comunicaccedilatildeo de antiacuteteses natildeo hostis Juntamente

com a compreensatildeo de educaccedilatildeo em sua funccedilatildeo de plasmar da linguagem surge a relaccedilatildeo

com a noccedilatildeo adorniana do novo Por mais que tenhamos a necessidade de nos adaptarmos a

determinadas normas costumes tradiccedilotildees valores condiccedilatildeo miacutenima para haver convivecircncia

social a educaccedilatildeo deve permitir a manifestaccedilatildeo da riqueza individual e a novidade que a au-

toconstruccedilatildeo pode revelar Isso significa pensar na coesatildeo sem coaccedilatildeo mas mediante a valo-

rizaccedilatildeo daquilo que no outro eacute outro ou seja valorizaccedilatildeo do diferente no outro seu caraacuteter de

novidade

Vale destacar alguns pontos que marcam o horizonte desta pesquisa Como primeiro

aspecto a referecircncia estaacute na alteraccedilatildeo que a accedilatildeo humana sofreu em suas configuraccedilotildees Eacute

improvaacutevel que nossos antepassados tivessem o senso de que seus atos pudessem interferir

sobre a vida em escala planetaacuteria e as consequecircncias se estendessem por seacuteculos ou ateacute mes-

mo que fossem irreversiacuteveis Seus vislumbres se estendiam por poucas geraccedilotildees e estavam

situadas nos limites locais Somente este alargamento jaacute potildee a necessidade de repensar os

fundamentos eacuteticos da accedilatildeo humana em estreito viacutenculo com o ato pedagoacutegico Admitindo

que educar natildeo eacute instruir eacute decisivo analisar como constituir a consciecircncia moral na conside-

raccedilatildeo desta interdependecircncia planetaacuteria com a tarefa de desenvolver a consciecircncia da accedilatildeo e

do alcance da accedilatildeo

No segundo aspecto faccedilo referecircncia ao sentido que o mito de Prometeu assume em

periacuteodos da ciecircncia e tecnologia avanccediladas como se vivencia a partir da revoluccedilatildeo industrial

e no auge dessa ciecircncia nos seacuteculos XX e XXI Eacute possiacutevel afirmar que as descobertas da ci-

ecircncia elevaram o ser humano a uma condiccedilatildeo de desacorrentamento diante da proacutepria nature-

za permitindo a sobrevivecircncia reproduccedilatildeo e o prolongamento da vida para aleacutem dos limites

considerados ateacute entatildeo como naturais A capacidade de prever os fenocircmenos naturais permi-

te a construccedilatildeo de estruturas para resistir ao poder da natureza ou accedilotildees para minimizar viacuteti-

mas diante de tal poder A princiacutepio parece que nada restou do temor que assombrava o ho-

mem primitivo e o fazia endeusar a natureza na busca das explicaccedilotildees para seus dilemas

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Poreacutem como jaacute alertavam Adorno e Horkeimer na Dialeacutetica do esclarecimento este

processo de desmistificaccedilatildeo acabou por gerar uma nova potecircncia miacutetica hoje configurada no

poder da ciecircncia e da tecnologia Dessa forma eacute que ocorreu um novo acorrentamento e con-

tinuando com a Dialeacutetica do esclarecimento quando se pensa haver rompido com a necessi-

dade natural percebe-se o quanto estamos sujeitos a ela Eacute assim que o ideal kantiano de reino

dos fins na posiccedilatildeo privilegiada do humano como fim e nunca como meio para as accedilotildees

deve ser estendido tambeacutem agrave natureza externa ao humano considerando-a por ela mesma e

natildeo na administraccedilatildeo que impotildee o para-mim e o sentido que surge somente via razatildeo

Esta pesquisa legitima-se na necessidade de repensar os fundamentos da moralidade

para aleacutem do antropocentrismo o que significa repensar o local a partir do qual o ser humano

se posiciona diante daquilo como que se relaciona Em termos morais o sujeito transcendental

e a razatildeo pura encontram seu limite o outro natildeo eacute objeto e o dualismo eacute a oposiccedilatildeo radical agrave

alteridade Objetificar eacute reduzir o sentido agravequilo dado pela razatildeo dualismo eacute admitir um pri-

meiro como portador de todo sentido e um segundo em permanente acircnsia pela inclusatildeo nesse

sentido previamente dado Admitir a alteridade o outro eacute propor uma relaccedilatildeo em configura-

ccedilotildees diferenciadas ou seja a partir da comunicaccedilatildeo entre diferenciados o que pressupotildee

comportamento mimeacutetico e expressivo Mimeacutetico no sentido de acolhida do outro e expres-

sivo enquanto resposta a esta diferenccedila que se impotildee Mimese e expressatildeo se convertem a-

qui em elementos altamente eacuteticos Em primeiro lugar por exigirem uma educaccedilatildeo dos senti-

dos na capacidade de receber essa alteridade e natildeo consideraacute-la antiacutetese hostil Em segundo

lugar por exigirem a resposta em termos de permissatildeo ao outro continuar em sua reserva de

sentido para aleacutem da interpretaccedilatildeo que visa reduzir o outro agravequilo que digo dele

Destaco um terceiro e uacuteltimo aspecto na apresentaccedilatildeo dos horizontes de sentido da

pesquisa Vive-se um tempo de excessos natildeo eacute possiacutevel negar o excesso de poder que impera

nas relaccedilotildees entre seres humanos e entre ser humano e natureza o poder de produccedilatildeo tornou-

se ilimitado o poder do conhecimento permite transcender os limites da natureza humana

(prolongamento da vida para aleacutem das capacidades naturais substacircncias que ampliam a resis-

tecircncia fiacutesica) Poreacutem tem-se a carecircncia de referenciais normativos e ateacute de referecircncias (ou

evidentes exemplos) do que eacute o homo humanus para aleacutem do homo faber ou do homo sapi-

ens Eacute possiacutevel admitir que a existecircncia do elemento produtivo (faber) do elemento do pen-

samento desenvolvido natildeo subsiste sem o alicerce do homo humanus em sua capacidade de

sentir-se responsaacutevel e agir em prol de todos os outros seres o que exige alicerces de valores

e de um elevado senso eacutetico Diante disso a pesquisa assume a incisiva relevacircncia por apontar

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alguns resultados que podem auxiliar na discussatildeo e fundamentaccedilatildeo do agir educativo pauta-

do pelo ideal de humanidade

Sob esta oacutetica e com esta pesquisa questiono o ideal kantiano de que pela forccedila do

imperativo categoacuterico seria possiacutevel instituir o reino dos fins Vislumbrar um estado humano

cuja base estaacute na ligaccedilatildeo sistemaacutetica de todos os seres racionais sob leis comuns condiz com a

pretensatildeo de colocar o indiviacuteduo humano como o primeiro absoluto Eacute possiacutevel pensar o hu-

mano apenas na ligaccedilatildeo entre humanos Absolutizando o humano natildeo se cai no mesmo pro-

blema que se quis superar durante os milecircnios de pensamento filosoacutefico ndash o mito A ligaccedilatildeo

sistemaacutetica de todos os seres racionais segundo leis comuns como sendo o alicerce da morali-

dade se configura em abstracionismo moral pois o mundo do seacuteculo XX percebeu a urgecircncia

da interdependecircncia entre todos os seres vivos Apoiando Hans Jonas o imperativo eacute que haja

vida independente de onde quer que ela esteja Assim eacute que o centro da investigaccedilatildeo eacutetica

estaacute na vida em sua ampla manifestaccedilatildeo Natildeo em uma ligaccedilatildeo entre seres racionais mas em

ligaccedilatildeo cuja base eacute o princiacutepio vital o que natildeo significa outra coisa senatildeo a centralidade na

relaccedilatildeo e o reconhecimento da natureza em noacutes ndash caraacuteter de pertenccedila agrave natureza e dependecircn-

cia dela

Defendendo um giro no eixo sustentador da accedilatildeo moral enfatizando o alargamento da

experiecircncia a partir da perspectiva adorniana de esteacutetica ndash o que derivaraacute no capiacutetulo final no

termo comunicaccedilatildeo de diferenciados ndash e ciente da responsabilidade da educaccedilatildeo em promo-

ver este alargamento como base da educaccedilatildeo eacutetico-esteacutetico eacute que aproximo filosofia e educa-

ccedilatildeo cuja base estaacute no pensamento de Theodor Adorno

Diante disso indico o objetivo central deste trabalho que eacute discutir a noccedilatildeo de subje-

tividade poacutes-metafiacutesica em Adorno a fim de estabelecer baseado em tal sujeito uma signifi-

caccedilatildeo eacutetico-educativa capaz de nortear a formaccedilatildeo do humano e o desenvolvimento da cons-

ciecircncia moral a partir da funccedilatildeo esteacutetica como formadora da eacutetica

Com este norte traccedilado proponho cinco capiacutetulos como estrutura investigativa No

primeiro capiacutetulo o objetivo eacute analisar a concepccedilatildeo e a constituiccedilatildeo do sujeito moral em

Kant cujo significado eacute a constituiccedilatildeo metafiacutesica do humano Desenvolvo releitura e anaacutelise

sobre a proposta kantiana de que nos conceitos de finalidade e liberdade estatildeo a base do

sujeito moral norteado pelo imperativo categoacuterico fundamentado no criteacuterio racional da lei

moral Esta discussatildeo primeira eacute fundamental para posteriormente conseguir situar a criacutetica

adorniana a esse modelo de constituiccedilatildeo de modo que o segundo capiacutetulo visa analisar a

concepccedilatildeo de pensamento e subjetividade na perspectiva poacutes-metafiacutesica de Theodor Adorno

perspectiva essa natildeo orientada pela base racional da lei mas analisando o exato momento da

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decisatildeo momento da efetividade praacutetica quando ocorre o contato com o outro Dada a priori-

dade desse momento sobre ele deve recair todo o interesse teoacuterico-filosoacutefico Para tanto par-

to da concepccedilatildeo de sujeito em Aristoacuteteles para compreender o significado da afirmaccedilatildeo ador-

niana de que hoje o sujeito eacute destituiacutedo de subjetividade e em contrapartida apresentam-se

quais as condiccedilotildees dadas pelo autor para que haja a subjetividade Esse recurso a Aristoacuteteles

deve-se agrave possibilidade de situar ali o surgimento da forccedila de determinaccedilatildeo interna do indiviacute-

duo Situo aqui um aspecto decisivo na argumentaccedilatildeo pois no auge da modernidade ocorre a

insuficiecircncia dessa forccedila interna do sujeito e contrapondo tambeacutem a perspectiva kantiana

esta forccedila interior ao indiviacuteduo humano passa a ser administrada por vontades a ele exteriores

Vislumbra-se assim o colapso da base conceitual do seu imperativo categoacuterico baseado no

poder da autodeterminaccedilatildeo Ocorre uma relaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de sensibilidade e entendimen-

to em Kant e a noccedilatildeo de perda de evidecircncia em Adorno quando o entendimento natildeo mais

encontra material ldquoconfiaacutevelrdquo para o ato de siacutentese Mesmo natildeo tendo sido pontuado por A-

dorno com a concepccedilatildeo de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade ocorre uma possiacutevel soluccedilatildeo

para tal problema No centro da concepccedilatildeo de pensamento poacutes-metafiacutesico estaacute a ideia de de-

terminaccedilatildeo e de verdade portadora de nuacutecleo temporal contrariando radicalmente a concep-

ccedilatildeo tradicional das ideias eternas e imutaacuteveis de Platatildeo ou do criteacuterio transcendental do tem-

po e do espaccedilo em Kant Assim eacute que partindo do princiacutepio temporal o criteacuterio da histoacuteria

em sua transitoriedade o outro eacute constante desafio nunca simples ideia ou resultado final

Partindo dessa compreensatildeo o terceiro capiacutetulo visa propor as criacuteticas ao imperativo

categoacuterico alegando a impossibilidade de mediante a forccedila de tal imperativo objetivar o rei-

no dos fins O amor ao dever gera um viacutenculo baseado estritamente no criteacuterio de coerecircncia

loacutegica como fundamento para a accedilatildeo moral fazendo o humano tatildeo abstrato que perde a efeti-

vidade dos viacutenculos concretos Se junta a isso o problema de que natildeo eacute possiacutevel vislumbrar

nas trecircs obras sobre moral (Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes Fundamenta-

ccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes) o modo como o ser humano desenvolve a consciecircncia moral

Do mesmo modo natildeo satildeo evidentes as condiccedilotildees que permitem ocorrer efetivamente a tran-

siccedilatildeo da consciecircncia moral vulgar para uma metafiacutesica dos costumes

No quarto capiacutetulo o desafio eacute estabelecer as bases teoacutericas para a concepccedilatildeo de su-

jeito esteacutetico em Adorno e o que demarca o acircmbito artiacutestico nesse autor ou seja quando uma

obra pode ser considerada arte Conseguindo situar este sujeito e o acircmbito da obra de arte

torna-se possiacutevel compreender o real desafio agrave racionalidade diante da constante reserva de

sentido que compotildee o outro o diferenciado Na concepccedilatildeo de sujeito esteacutetico encontra-se a

possibilidade de realizaccedilatildeo da dialeacutetica do esclarecimento esse processo de saiacuteda do ser hu-

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mano de seu estado de menoridade rumo a um patamar de entendimento que ainda em Kant

chama-se esclarecimento e autonomia

Finalizando o itineraacuterio teoacuterico o quinto capiacutetulo visa localizar qual a significaccedilatildeo eacute-

tico-educativa que surge a partir dessa concepccedilatildeo de sujeito esteacutetico Recorro a alguns concei-

tos decisivos e que representam um incisivo desafio agrave educaccedilatildeo Refiro-me especificamente agrave

noccedilatildeo de sensibilidade identificaccedilatildeo viacutenculos de responsabilidades ceacutelulas de humanidade

comunicaccedilatildeo de diferenciados em contraposiccedilatildeo ao ideal de ser humano e sociedade atomi-

zados A educaccedilatildeo deve gerar a paz o que em Adorno se caracteriza como a possibilidade de

comunicaccedilatildeo entre diferentes sem acircnsia de domiacutenio cuja marca estaacute na ausecircncia do medo

natildeo do desconhecido que gera o mito mas de poder ser diferente sem temor sem o risco de

ser considerado antiacutetese hostil A educaccedilatildeo eacute aqui concebida a partir do plasmar linguumliacutestico

da constituiccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade e como possibilitadora no novo

Seguindo esse horizonte teoacuterico-investigativo a educaccedilatildeo e posta diante do desafio de

aperfeiccediloar cada vez mais a humanidade em noacutes tornando-nos aptos a coabitar com a vida

onde quer que ela esteja a partir de sua riqueza proacutepria Natildeo eacute o pensamento que nos humani-

za ele somente nos converte em animais racionais Cabe ao movimento de esclarecimento da

consciecircncia gerar as condiccedilotildees para que a vida seja possiacutevel neste local que habitamos Ou

seja constituir o meio proacuteprio que possibilita a humanidade o que natildeo se fundamenta em um

puro amor ao dever ou agrave coerecircncia loacutegica do pensamento sendo urgente desenvolver a cons-

ciecircncia da interdependecircncia universal como fundamento para a possibilidade de pensar o hu-

mano e de seu proacuteprio existir

1 ASPECTOS EacuteTICOS DA CONSTITUICcedilAtildeO E DA FORMACcedilAtildeO DO HUMANO SEGUNDO KANT

Em se tratando de filosofia e educaccedilatildeo ou se referindo ao termo formaccedilatildeo temos o

grande desafio de estabelecer os fundamentos para a constituiccedilatildeo da subjetividade apta a pro-

duzir a significar o conhecimento e tambeacutem apta a agir moralmente A pergunta poderia ser

sintetizada da seguinte maneira ldquoquem eacute como se forma o sujeito humano e quais as bases

eacuteticas de tal constituiccedilatildeordquo A pretensatildeo dessa investigaccedilatildeo natildeo eacute apresentar um esquema ge-

ral das respostas que surgiram na tradiccedilatildeo filosoacutefica cujo berccedilo estaacute ainda na trageacutedia grega

mas sim pontuar dois paradigmas que considero decisivos nesta abordagem a busca pelos

universais fundados nos conceitos da razatildeo em Kant e a defesa do singular sensiacutevel em A-

dorno Destaca-se que a referecircncia agrave Kant eacute necessaacuteria para melhor apresentar a posiccedilatildeo de

Adorno em relaccedilatildeo agrave defesa do singular sensiacutevel Desse modo metodologicamente a referecircn-

cia agrave Kant eacute apenas de passagem

Diante do problema da subjetividade o que segue eacute uma releitura de alguns toacutepicos do

pensamento kantiano para entatildeo pontuar a criacutetica adorniana aos constituintes da ideia norte-

adora em Kant denominada reino dos fins Para tanto seratildeo percorridos dois caminhos teoacuteri-

cos dois modos de conceber a formaccedilatildeo moral O ponto de partida estaacute em como Kant com-

preende a constituiccedilatildeo da liberdade e autonomia de consciecircncia e representaccedilatildeo e o ideal de

reino dos fins isso baseado nas obras Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes (FMC)

Metafiacutesica dos costumes (MC) e as obras magnas Criacutetica da razatildeo pura (CRPu) e Criacutetica da

razatildeo praacutetica (CRPr) O contraponto em Adorno segue com um diaacutelogo entre suas obras

buscando no jogo de tensotildees textuais que marcam sua produccedilatildeo as bases da constituiccedilatildeo

sensiacutevel da moralidade e os fundamentos de sua afirmaccedilatildeo de sujeito destituiacutedo de subjetivi-

dade ou o fato de natildeo haver mais sujeito

Immanuel Kant com o caraacuteter transcendental que define o sujeito remete a um estrei-

tamento na noccedilatildeo de constituiccedilatildeo ou seja como se forma o sujeito do conhecimento e o sujei-

to moral Agora a forccedila constituinte eacute tatildeo somente interna como condiccedilatildeo de possibilidade de

qualquer regra praacutetica autocircnoma Assim natildeo haacute interferecircncia externa de circunstacircncias con-

tingentes de um soberano de divindades na formaccedilatildeo da natureza interna Essa eacute definida

como posse do indiviacuteduo que no interior da experiecircncia interage movido pela rigidez inaba-

laacutevel derivada da marca constituinte do reino dos fins ou seja a consideraccedilatildeo do humano

como portador de grandeza absoluta sem possibilidade de ser meio Essa grandeza deve estar

na base de qualquer princiacutepio praacutetico ndash ningueacutem pode querer atentar contra o fundamento do

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reino entendendo tal fundamento como sendo a grandeza do indiviacuteduo ser fim em si mesmo

(cf CRPr MC e FMC) A noccedilatildeo de fim eacute decisiva para Kant em questotildees morais como des-

taca Macarena Marey

Um sistema de fins implica [] natildeo somente uma classificaccedilatildeo de deveres eacuteticos mas tambeacutem uma compreensatildeo da moralidade que eacute notavelmente mais ampla que a preocupaccedilatildeo moral dos agentes na vida cotidiana sobre a autorizaccedilatildeo moral de suas accedilotildees [] A moralidade eacute uma esfera que inclui a questatildeo [] sobre quais satildeo os fins entendidos natildeo como meros lsquoobjetos do arbiacutetriorsquo mas como princiacutepios praacuteticos supremos que informam o plano de vida de um agente cuja efetiva aceitaccedilatildeo eacute con-diccedilatildeo necessaacuteria de qualquer pretensatildeo de moralidade (MAREY 2010 p75 ndash tradu-ccedilatildeo nossa)

Na eacutetica kantiana a consciecircncia desses princiacutepios praacuteticos supremos deveria estar na

base das accedilotildees a partir dos quais se evidenciaria como o agente estaacute conduzindo suas accedilotildees

qual eacute o seu fio condutor Na noccedilatildeo de ser humano como reino de fins estaacute para a mesma

autora ldquoo princiacutepio praacutetico ou o fim geral o projeto fundamental [] que daacute forma ao plano

de vida de um agenterdquo (ibidem p76)

No seacuteculo XX Theodor Adorno elabora uma criacutetica principalmente com base filosoacutefi-

co-esteacutetica que pode ser concebida como sendo o diagnoacutestico da crise enfrentada pelo sujeito

transcendental e pelo almejado reino dos fins kantiano E atribuo o adjetivo crise natildeo no sen-

tido de natildeo aceitar a humanidade como fim uacuteltimo mas aos moldes transcendentais do sujei-

to e aos moldes do imperativo categoacuterico que natildeo conseguiram dar conta da realizaccedilatildeo de

sua tarefa o reino dos fins Em outras palavras o problema natildeo estaacute no reino dos fins na hu-

manidade como fim uacuteltimo mas em sua ideia de fundo na sua teoria legitimadora a qual natildeo

percebeu o caraacuteter determinante das contingecircncias histoacutericas que podem impor o limite da

proacutepria humanidade ndash a barbaacuterie extrema aniquiladora de todo sujeito Isso pelo fato de que

ldquocomo uacutenico ser dotado de entendimento na terra o ser humano pode estabelecer voluntaria-

mente fins para si mesmordquo (HOumlFFE 2009 p32) Um regime totalitaacuterio por exemplo pode

pretender considerar como humano apenas um determinado grupo ou determinado modo de

vida A base racional que potildee o humano como fim propotildee princiacutepios praacuteticos altamente nega-

tivos agravequeles que natildeo se adequarem a essa determinada concepccedilatildeo de humano1

A ideia de fundo anteriormente mencionada e que eacute passiacutevel de discussatildeo reside no

reconhecimento da lei moral como determinante para a accedilatildeo Ateacute admite-se uma referecircncia agrave

esfera praacutetica mas o fundamento estaacute dado sempre pela lei a qual eacute estritamente racional e

nenhum elemento sensiacutevel pode sustentar o dever Eacute o que Kant chama de vontade conduzida

1 Esta discussatildeo seraacute bem pontuada no quinto capiacutetulo

21

pela representaccedilatildeo das regras a vontade eacute a ldquofaculdade de determinar a sua causalidade pela

representaccedilatildeo de regras por conseguinte agrave medida que satildeo capazes de accedilotildees segundo propo-

siccedilotildees fundamentais por conseguinte tambeacutem segundo princiacutepios praacuteticos a priori (pois soacute

estes tecircm aquela necessidade que a razatildeo exige para a proposiccedilatildeo fundamental)rdquo (CRPr sect57)

Para Douglas Garcia Alves Juacutenior a vontade em Kant ldquoeacute uma faculdade pela qual o sujeito

ao ser propriamente afetado pela sensibilidade que lhe impotildee quereres eacute ao mesmo tempo

capaz de sobrepor-lhe a representaccedilatildeo de um dever que ele mesmo concebe atraveacutes da razatildeordquo

(ALVES JUNIOR 2005 p41) Esta representaccedilatildeo do dever eacute a representaccedilatildeo da lei moral2 a

qual conforme a segunda criacutetica (sect64) nos ordena a sua mais estrita observacircncia O ajuiza-

mento enquanto ato do entendimento enquanto direcionado natildeo ao empiacuterico mas ao conteuacute-

do conceitual ndash o juiacutezo diz o conceito ndash natildeo oferece muita dificuldade acerca do que segundo

a lei moral precisa ser feito ldquoa ponto de que ateacute o entendimento mais comum e menos exerci-

tado mesmo sem experiecircncia do mundo natildeo soubesse lidar com elerdquo Essa facilidade reteacutem o

ser humano em um ambiente seguro pois basta clareza loacutegica para aplicar a regra Poreacutem da

lei moral ateacute a accedilatildeo reside um espaccedilo que deve ser habitado pelo ser humano a tomada de

decisatildeo Esse problema foi levantado por Kant quando afirma ldquose a lei somente pode pres-

crever a maacutexima das accedilotildees e natildeo as proacuteprias accedilotildees isso constitui um indiacutecio de que deixa

uma folga para a livre escolha no seguir (conformar-se com) a lei isto eacute que a lei natildeo pode

especificar precisamente de qual maneira algueacutem deve agir e quanto algueacutem precisa fazer

atraveacutes da accedilatildeo para um fim que eacute tambeacutem um deverrdquo (MC p 233) Contudo este espaccedilo

livre de promessa de decisatildeo em como agenciar a lei agrave praacutetica eacute iluminado por um uacutenico

pressuposto a proacutepria lei moral que estaacute em noacutes como o ceacuteu estrelado estaacute acima de noacutes3

A questatildeo que se impotildee e que seraacute alvo das discussotildees eacute A forccedila provinda da lei mo-

ral e do amor ao dever eacute suficiente para mover o ser humano a partir de um fio condutor mo-

ralmente adequado agrave humanidade E como a educaccedilatildeo poderia interferir neste processo de

constituiccedilatildeo da moralidade e na consequente edificaccedilatildeo do humano Sobre esta uacuteltima recai

todo o esforccedilo dessa investigaccedilatildeo

A proposta teoacuterica aqui desenvolvida segue aleacutem das interrogaccedilotildees acima outros pro-

blemas Eacute possiacutevel defender um alargamento da experiecircncia como sendo a base da constitui-

2 Conforme a Criacutetica da razatildeo praacutetica a lei moral eacute descrita nos seguinte imperativo ldquoAge de tal modo que a maacutexima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo (sect7 p54) 3 Metaacutefora utilizada por Kant para expressar a grandeza da lei moral no interior do ser humano Na conclusatildeo da Criacutetica da razatildeo praacutetica (sect288) afirma ldquoDuas coisas enchem o acircnimo de admiraccedilatildeo e veneraccedilatildeo sempre nova e crescente quanto mais frequentemente e persistentemente a reflexatildeo ocupa-se com elas o ceacuteu estrelado acima de mim e a lei moral em mimrdquo

22

ccedilatildeo da subjetividade e da consciecircncia moral Em que termos se daria tal defesa A experiecircn-

cia pode significar um alargamento necessaacuterio agrave consciecircncia moral Quanto de autocircnomo e

quanto de heterocircnomo existe na condiccedilatildeo humana

Com isto faccedilo a abertura das discussotildees que constituem este primeiro capiacutetulo visando

firmar ao final da tese uma re-significaccedilatildeo eacutetico-educativa com base no sujeito poacutes-

metafiacutesico ndash ou esteacutetico ndash em Adorno Neste primeiro momento pretendo entatildeo realizar uma

anaacutelise do modelo de constituiccedilatildeo da subjetividade baseado no imperativo categoacuterico Aleacutem

dos motivos jaacute destacados optei por seguir um diaacutelogo com Kant devido agraves constantes inter-

faces que o filoacutesofo de Frankfurt estabelece com o de Koumlnigsberg principalmente em ques-

totildees morais e do imperativo categoacuterico Faccedilo entatildeo uma leitura a partir da recepccedilatildeo ou re-

percussatildeo que a proposta filosoacutefica de Kant teve sobre a proposta filosoacutefica de Adorno

Kant quis que a lei moral fosse interna ao ser humano como autonomia princiacutepio e lei

dados a partir da proacutepria razatildeo e do amor ao dever A questatildeo que surge eacute decisiva O que

fazer com esta gigantesca lei moral interna Como agenciaacute-la na praacutetica Nas obras baacutesicas

que versam sobre eacutetica Kant defenderaacute uma relaccedilatildeo iacutentima da lei moral com as maacuteximas de

accedilatildeo uma vez que satildeo as maacuteximas que estatildeo em iacutentima relaccedilatildeo com a accedilatildeo mesma Dessa

forma a lei moral deve estar na base das maacuteximas utilizadas na accedilatildeo e no momento das deci-

sotildees devemos ter o olhar fixo no princiacutepio do dever ditado pelo imperativo categoacuterico Na

Minima moralia (116 p158) Adorno propotildee que se deve ldquoaprender a lidar com a moralida-

derdquo a senti-la e assim apropriar-se dela sendo as ldquoinfraccedilotildees miacutenimasrdquo o veiacuteculo mediador

entre este ldquoimenso ceacuteu estreladordquo e o mundo da vida Metaforicamente o que ocorre em A-

dorno eacute o retorno do telescoacutepio que busca o gigantesco ceacuteu estrelado kantiano ao proacuteprio

chatildeo da efetividade a fim de na contingecircncia histoacuterica encontrar o incentivo para a accedilatildeo A

consciecircncia moral o princiacutepio interno deve ser despertado em Adorno pelo elemento sensiacute-

vel pelo limite do corpo ndash a contingecircncia histoacuterica

11 A constituiccedilatildeo transcendental do sujeito eacutetico em Kant

A tensatildeo entre Kant e Adorno encontra um ponto de referecircncia ndash o qual considero co-

mo dado fundamental ndash nas noccedilotildees de metafiacutesica e experiecircncia esteacutetica como formas do pen-

samento filosoacutefico

Na Metafiacutesica dos costumes Kant define metafiacutesica como ldquoum sistema de cogniccedilatildeo a

priori a partir exclusivamente de conceitosrdquo (2008) Em outro momento expotildee que ldquooutra

coisa natildeo eacute senatildeo o inventaacuterio sistematicamente ordenado de tudo o que possuiacutemos pela ra-

23

zatildeo purardquo (CRPu A XX) Situada em uma dimensatildeo privilegiada do saber referente ao prag-

maacutetico a metafiacutesica serviraacute como telos e nuacutecleo de forccedila ao ideal formativo sendo a clareza

intuitiva apenas a instacircncia propulsora da relaccedilatildeo de conhecimento no momento da receptivi-

dade do nosso espiacuterito quando somos afetados pelo objeto O conhecimento encontra sua

culminacircncia na siacutentese operada pelo entendimento ao sermos capazes de pensar o objeto pro-

vindo da sensibilidade (cf Loacutegica transcendental na Criacutetica da razatildeo pura) Partindo do

princiacutepio de que a verdade estaacute situada dentro dos limites da experiecircncia possiacutevel a sensibili-

dade ampliada se torna decisiva O limite de qualquer conhecimento estaacute mesmo para Kant

na impossibilidade de alcanccedilar a coisa em-si o elemento essencial em palavra aristoteacutelica

Assim sendo na CRPu o conhecimento somente consegue se mover dentro do material que a

sensibilidade lhe fornece e a verdade ocorre como resultado do jogo entre o material provin-

do da sensibilidade e a siacutentese que o entendimento realiza

Na Metafiacutesica dos costumes ao definir o local que a lei moral ocupa dentro dos costu-

mes Kant a coloca em situaccedilatildeo bem distante das accedilotildees e ao ocupar-se com ela refugia-se em

um territoacuterio tranquilamente livre da contingecircncia A lei em Kant e conforme exposto anteri-

ormente pode prescrever somente a maacutexima da accedilatildeo e natildeo o modo de accedilatildeo propriamente

dito de modo que a efetividade praacutetica estaacute definida pela diversidade de regras praacutetica a par-

tir da promessa de decisatildeo Mas em questotildees praacuteticas nenhum ser humano ocupa tal refuacutegio

estando em constante conflito entre suas proacuteprias maacuteximas a accedilatildeo e a lei Na tentativa de re-

duzir tal distacircncia o autor compotildee a moral tanto (a) pela lei quanto (b) pela capacidade de

cumprir tal lei e (c) a vontade em assim fazer (cf MC p240) Lei vontade e capacidade praacute-

tica formam a triacuteade constitutiva do sujeito eacutetico poreacutem tais fatores somente satildeo possiacuteveis de

serem considerados como posse humana pressupondo o sujeito livre

No paraacutegrafo 5 da Criacutetica da razatildeo praacutetica em nota explicativa sobre a lei moral a li-

berdade eacute posta como condiccedilatildeo para a existecircncia da moralidade e por outro lado eacute mediante

esta que a liberdade pode ser conhecida afirmo que a lei moral seja a condiccedilatildeo sob a qual primeiramente podemos tornar-nos conscientes da liberdade quero apenas lembrar que a liberdade eacute sem duacutevida a ratio essendi da lei moral mas que a lei moral eacute a ratio cognoscendi da liberdade Pois se a lei moral natildeo fosse pensada antes claramente em nossa razatildeo jamais nos considerariacuteamos autorizados a admitir algo como a liberdade [] Mas se natildeo exis-tisse liberdade alguma a lei moral natildeo seria de modo algum encontraacutevel em noacutes

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Falar em lei moral exige entatildeo inserir a liberdade4 como algo proacuteprio desse ser consi-

derado por Kant como fim uacuteltimo Liberdade e finalidade satildeo os atributos essenciais a partir

dos quais o humano deve ser reconhecido E assim se impotildee novamente o ser humano no

centro das discussotildees

ele natildeo coloca o ser humano no centro do mundo mas o declara um fim que natildeo exis-te ao mesmo tempo como meio portanto um simples fim um fim em si mesmo Aleacutem disso numa hierarquia de fins o ser humano constitui seu fim terminal e ateacute o fim terminal absoluto de toda a natureza E essa posiccedilatildeo ou dignidade compete segundo o antropocentrismo5 de Kant unicamente ao ser humano (HOumlFFE 2009 p21)

Estamos diante das condiccedilotildees para pensar a humanidade enquanto espeacutecie a liberdade

e a concepccedilatildeo de finalidade Ambas definem o espaccedilo a partir do qual eacute possiacutevel falar em mo-

ralidade

A imputabilidade de uma accedilatildeo ao sujeito sua responsabilidade moral somente eacute pos-

siacutevel pressupondo para Kant a condiccedilatildeo de agente livre Nesse sentido surge o problema dos

modelos os exemplos em sua impossibilidade de mover para a accedilatildeo pois eles ldquoservem apenas

para encorajar isto eacute potildeem fora de duacutevida a possibilidade daquilo que a lei ordenardquo (FMC

BA 29) Ao mesmo tempo em que Kant reconhece os exemplos como necessaacuterios agrave educaccedilatildeo

moral por outro lado o exemplo pode se tornar prejudicial por natildeo permitir o fortalecimento

da subjetividade reconhecida pela autonomia O modelo quando tornado ideal desconside-

rando seu caraacuteter de contingecircncia impede o desenvolvimento da ousadia no pensamento de-

fendido enfaticamente no texto Resposta agrave pergunta que eacute esclarecimento Sapere aude en-

contra o sentido pleno na medida em que permite desenvolver e assumir um comportamento

sem o guia tutorial

Assim eacute que nos textos da Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes e Fun-

damentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes haacute esta dupla perspectiva em relaccedilatildeo agrave tensatildeo entre

exemplos modelos e liberdade Haacute um consenso interno na teoria kantiana pondo os modelos

como encorajadores provando que eacute possiacutevel agir em plena conformidade ao dever Poreacutem

eles natildeo representam em nada o fortalecimento da moralidade em noacutes pois apoacutes acalmar os

sentimentos que o exemplo excita ldquoo coraccedilatildeo retorna espontaneamente ao seu movimento

4 O objetivo natildeo eacute aqui discutir detalhadamente o conceito de liberdade mas pontuaacute-lo brevemente a fim de situar as caracteriacutesticas ndash juntamente com a de finalidade uacuteltima ndash que marcam o ser humano em sentido moral 5 Otfried Houmlffe no mesmo texto indica que o antropocentrismo defendido eacute simplesmente temaacutetico ldquoPoder-se-ia dizer que se trata de um antropocentrismo temaacutetico e natildeo dogmaacutetico ou de um antropocentrismo relativo e natildeo absoluto Este eacute um antropocentrismo condicionado a saber um antropocentrismo que pressupotildee que se olhe a natureza do ponto de vista da espeacutecie homo sapiens Haacute aleacutem disso outra diferenccedila da compreensatildeo usual de antropocentrismo a natureza natildeo eacute instrumentalizada com vistas ao bem-estar humanordquo (2009 p33)

25

vital natural e moderado e por conseguinte recai na languidez que lhe era antes peculiar

porque na verdade lhe era oferecido algo que o estimulava mas nada que o fortalecesserdquo

(CRPr sect 281)

O fortalecimento do sujeito para a accedilatildeo eacutetica ocorre em Kant a partir da conduccedilatildeo do

indiviacuteduo agrave liberdade resultando na autonomia como fora defendido na Resposta agrave pergunta

o que eacute esclarecimento Desse movimento inicial eacute possiacutevel desenvolver a consciecircncia da lei

moral ou seja a orientaccedilatildeo da maacutexima de accedilatildeo a partir da forccedila da lei ldquoO ceacuteu estrelado acima

de noacutes e a lei moral em noacutesrdquo Esse enunciado expressa muito mais do que uma forma de ori-

entaccedilatildeo devendo ser conteuacutedo de consciecircncia do mesmo modo que o ceacuteu estrelado em sua

grandeza serve de orientaccedilatildeo a lei moral em sua grandeza deve ser consciecircncia para poder

influenciar a orientaccedilatildeo pragmaacutetica do ser humano ldquoo que ele faz de si mesmo ou pode e

deve fazer como ser que age livrementerdquo (ANTR p21)

Nesse ponto eacute que os exemplos e os modelos sofrem de impossibilidade pois sua uacuteni-

ca funccedilatildeo eacute mostrar que eacute possiacutevel agir por amor ao dever mas natildeo pode ser colocado como

modelo de accedilatildeo Uma educaccedilatildeo que se utiliza de modelos visando fortalecer a consciecircncia e

gerar moralidade eacute carente de princiacutepios pois os modelos quando postos na posiccedilatildeo de prin-

ciacutepios podem impedir o elemento baacutesico da moralidade a liberdade e autonomia Em relaccedilatildeo

a isso eacute possiacutevel aproximar Adorno de Kant quando em Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo (Educa-

ccedilatildeo-para quecirc p141) os modelos ideais satildeo acusados de ideologia o que impede o pensa-

mento emancipado e criacutetico

Pode-se entatildeo defender que os exemplos natildeo servem de princiacutepios pois natildeo agem na

consciecircncia de modo a fortalecer ou ateacute mesmo como motivador da accedilatildeo A uacutenica possibili-

dade de haver a tomada de consciecircncia eacute mediante a representaccedilatildeo da lei da moralidade em

relaccedilatildeo ao ser humano individual ou seja a adequaccedilatildeo do princiacutepio agrave accedilatildeo E isso ocorre ape-

nas quando a base da accedilatildeo seu impulso normativo ocorre via conceito e a representaccedilatildeo deste

na praacutetica humana Princiacutepios tecircm que ser estabelecidos sobre a base de conceitos [] Ora esses con-ceitos se devem tornar-se subjetivamente praacuteticos natildeo tecircm que ficar parados diante das leis objetivas da moralidade para admiraacute-las e para apreciaacute-las em relaccedilatildeo agrave hu-manidade mas tecircm que considerar a sua representaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao homem e sua individualidade (CRPr sect 281)

Fixando a distinccedilatildeo entre princiacutepios e exemplos esses podem gerar apreccedilo e admira-

ccedilatildeo servindo de incentivo ao ajuizamento em conteuacutedos morais Mas natildeo podem servir de

incentivos agrave accedilatildeo mesma o que exige a forccedila motriz dos princiacutepios os quais satildeo originados

26

pela faculdade do entendimento natildeo da sensibilidade Seguindo as linhas da Criacutetica da razatildeo

pura os conceitos se originam da mateacuteria-prima fornecida pela intuiccedilatildeo a qual eacute sensiacutevel Eacute

somente nesse sentido que os exemplos podem ter utilidade movendo a faculdade do enten-

dimento a operar a siacutentese deste diverso em uma ligaccedilatildeo sinteacutetica resultando em consciecircncia

Assim eacute possiacutevel a existecircncia do eu idecircntico (oposto agrave heteronomia) este sujeito possuidor de

si mesmo e capaz de mover-se pela representaccedilatildeo desta carga de consciecircncia ldquoTudo na natu-

reza age segundo leis Soacute um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representaccedilatildeo

das leis isto eacute segundo princiacutepios ou soacute ele tem uma vontaderdquo (FMC BA 36) O que temos

aqui eacute que pela siacutentese ocorre o surgimento de princiacutepios uacutenica via constituidora de uma

forccedila subjetiva para mim

Essa constituiccedilatildeo do sujeito moral em Kant ndash cujo percurso encontra nos exemplos a-

penas um estiacutemulo havendo necessidade da formaccedilatildeo da consciecircncia mediante a siacutentese do

material apreendido pelos sentidos convertendo-os em conceitos sendo que a partir de sua

representaccedilatildeo eacute originada a accedilatildeo moral ndash eacute definida como transcendental O sujeito transcen-

dental estaacute edificado com base metafiacutesica pois a possibilidade de determinaccedilatildeo supera a con-

tingecircncia histoacuterica e se fixa nas bases conceituais estaacuteveis fruto das representaccedilotildees e deste

modo limitando a influecircncia das experiecircncias efetivas com o objeto Este eacute o curso que o meacute-

todo da razatildeo praacutetica assume constituindo a subjetividade enquanto forccedila para mim baseada

no poder da ldquoliberdade interior de desembaraccedilar-se de tal modo da impetuosa impertinecircncia

das inclinaccedilotildees que absolutamente nenhuma mesmo a mais benquista tenha influecircncia sobre

uma resoluccedilatildeo para a qual devemos servir-nos agora da nossa razatildeordquo (CRPr sect 287) A forma-

ccedilatildeo da consciecircncia a partir da criacutetica da razatildeo em Kant segue entatildeo esse trajeto descrito com

sua consequente constituiccedilatildeo do princiacutepio supremo da moralidade Eacute esse um dos pontos deci-

sivos de contraposiccedilatildeo surgidos a partir do estudo da obra de Theodor Adorno o que seraacute

desenvolvido no decorrer do texto

12 O ideal de Reino dos fins e a determinaccedilatildeo moral do sujeito transcendental

O plano intelectual da Criacutetica da razatildeo pura apresentado no prefaacutecio agrave segunda edi-

ccedilatildeo aponta para a exigecircncia de relaccedilatildeo com a natureza a partir do imperativo racional de natildeo

se deixar guiar por nada que esteja aqueacutem da posiccedilatildeo de juiz que dita as regras e obriga a res-

postas conforme sua proacutepria pretensatildeo de esclarecimento Ao definir isso como sendo atributo

da razatildeo que ldquosoacute entende aquilo que produz segundo os seus proacuteprios planos que ela tem que

tomar a dianteira com princiacutepios que determinam os seus juiacutezos segundo leis constantes e

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deve forccedilar a natureza a responder agraves suas interrogaccedilotildees em vez de se deixar guiar por estardquo

(CRPu B XIII) ao apresentar tal plano Kant abre espaccedilo para a interferecircncia direta da razatildeo

pura livre de contingecircncias empiacutericas em relaccedilatildeo aos princiacutepios eacuteticos

Em termos morais a razatildeo precisa ser a produtora de suas leis e orientadora de suas

accedilotildees pois satildeos seus princiacutepios que devem estar na dianteira tanto dos ajuizamentos quanto

da proacutepria atividade humana inserida no mundo Temos em Kant ldquoa indicaccedilatildeo de que o con-

teuacutedo da lei moral em geral e o conteuacutedo concreto de determinadas maacuteximas que se possam

derivar dela natildeo satildeo determinados pelas disposiccedilotildees morais do acircnimo Nesse sentido Kant eacute

inequivocamente um racionalista somente a razatildeo (reflexatildeo) e natildeo um sentimento formula a

lei moral e determina com isso quais accedilotildees satildeo ordenadasrdquo (SCHOumlNECKER 2009 p57)

A moralidade entendida como a adequaccedilatildeo do agir humano ao princiacutepio racional de-

nominado lei e sendo entatildeo de cunho empiacuterico eacute consequecircncia desta situaccedilatildeo de autonomia

caracteriacutestica do sujeito que forccedila a natureza a guiar-se por tal lei constante Nessa perspectiva

Kant cunha a concepccedilatildeo de autonomia da vontade Contrapondo-se agrave possibilidade de deter-

minaccedilatildeo externa e portanto contingente a autonomia revela a capacidade de fazer uso do

proacuteprio entendimento conforme enunciado no texto Resposta agrave pergunta que eacute esclareci-

mento

Na Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes a vontade eacute caracterizada como a ldquofa-

culdade de se determinar a si mesmo a agir em conformidade com a representaccedilatildeo de certas

leisrdquo (BA 63) Desse modo a determinaccedilatildeo moral ocorre via representaccedilatildeo sendo essa resul-

tado da consciecircncia da lei moral em noacutes Isto foi analisado anteriormente poreacutem vale ressal-

tar que este agir em conformidade com a representaccedilatildeo da lei significa guiar-se pelos princiacute-

pios de consciecircncia fixados pelo entendimento em seu ato sinteacutetico de congregar as represen-

taccedilotildees em um conceito cuja forccedila determina a vontade

Voltando agrave autonomia ocorre um ldquoauto-forccedilarrdquo a natureza a seguir alguns criteacuterios

Em se tratando de seres racionais os uacutenicos em que eacute possiacutevel admitir a autonomia como cri-

teacuterio a vontade ldquoeacute aquela sua propriedade graccedilas agrave qual ela eacute para si mesma a sua lei (inde-

pendentemente da natureza dos objetos do querer)rdquo Dessa forma o princiacutepio da autonomia eacute

ldquonatildeo escolher senatildeo de modo a que as maacuteximas da escolha estejam incluiacutedas simultaneamen-

te no querer mesmo como lei universalrdquo (FMC BA 87)

Essa referecircncia eleva o sujeito transcendental para aleacutem da dimensatildeo epistemoloacutegica

Apesar de a Criacutetica da Razatildeo Pura ter o caraacuteter estrito de reformular as bases para o conheci-

mento ao afirmar que foge agrave capacidade de entendimento racional toda determinaccedilatildeo alheia

ao uso puro da razatildeo compreende-se que em termos de conduta praacutetica toda lei deve para

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ser reconhecida pela razatildeo partir de sua necessidade O plano de se deixar guiar por vontade

alheia natildeo encontra legitimaccedilatildeo na razatildeo pelo simples fato de natildeo ter sido ela a movedora de

tal plano e inclusive da minha vontade Este eacute o pressuposto da maioridade em Kant que

toda accedilatildeo feita por mim possa ser reconhecida pela minha razatildeo como devedora total agrave sua

necessidade

Kant faz uma advertecircncia para natildeo confundir a moralidade como pertencente agrave filoso-

fia transcendental pois falar em transcendental exige o entendimento de que nela natildeo entra conceito algum que contenha algo de empiacuterico ou seja vigiar para que o conhecimento a priori seja totalmente puro [] Daiacute resulta que os princiacutepios supremos da moralidade e os seus conceitos fundamentais sendo embora conceitos a priori natildeo pertencem agrave filosofia transcendental (CRPu B 28)

No entanto apesar de as questotildees morais estarem ligadas agrave contingecircncia o princiacutepio

de lei que orienta toda moralidade precisa daquele assentamento Sendo assim pode ateacute natildeo

haver pertenccedila em questotildees praacuteticas mas a lei do agir eacute dada estritamente pela razatildeo Desse

modo o moacutebil eacute sempre dado pelo sujeito transcendental nas suas condiccedilotildees de possibilida-

de a priori em conceber natildeo apenas uma verdade epistemoloacutegica mas a legitimidade e reco-

nhecimento da lei

Estamos diante do fato da razatildeo e sendo assim faz-se necessaacuterio estabelecer as bases

firmes deste fato Ou seja eacute imprescindiacutevel ter claro que para Kant como jaacute fora mencionado

anteriormente todo conhecimento para ser digno de consideraccedilatildeo cientiacutefica e estar legitima-

do racionalmente precisa partir do princiacutepio que a proacutepria razatildeo natildeo reconhece aquilo que eacute

produzido segundo planos a ela estranhos Ao afirmar que natildeo se pode buscar a fundamenta-

ccedilatildeo para a verdade a natildeo ser na convicccedilatildeo racional o deslocamento que ocorre aponta para a

superioridade da natureza interna sobre a externa Esta precisa ser controlada por aquela e

apesar de constantemente estarmos em busca da objetividade a fim de colocarmos em movi-

mento nossa capacidade de conhecer (cf CRPu B 1) isso natildeo ocorre sem mais a razatildeo ldquodeve

ir ao encontro da natureza para ser por esta ensinada eacute certo mas natildeo na qualidade de aluno

que aceita tudo o que o mestre afirma antes na de juiz investido nas suas funccedilotildees que obriga

as testemunhas a responder aos quesitos que lhes apresentardquo (CRPu B XIII)

Em relaccedilatildeo agrave natureza interna isto assume um caraacuteter decisivo na eticidade onde estaacute a

base da lei de conduta O querer natildeo pode ser guiado por questotildees alheias ao si proacuteprio toda

accedilatildeo deve ser pautada pela vontade consequente desse querer e isso por natildeo haver o reconhe-

cimento tanto de um governo divino quanto do humano em outra pessoa a natildeo ser a primeira

do singular o eu mesmo como nuacutecleo de forccedila para o agir A razatildeo natildeo reconhece aquilo que

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natildeo eacute por ela ditada e assim estaacute estabelecida a base para a maioridade e para a edificaccedilatildeo do

estado humano autocircnomo A pergunta ldquode onde proveacutem a leirdquo deveria ter como resposta i-

mediata proveacutem da razatildeo e pela razatildeo Assim sendo o estreitamento da noccedilatildeo de constitui-

ccedilatildeo configurado na necessidade do reconhecimento da lei pela razatildeo remete em Kant ao es-

treitamento na noccedilatildeo de facticidade somente estou autorizado a realizar aquilo que corres-

ponde agrave lei reconhecida pela razatildeo

Mas o que eacute lei Na Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes encontramos uma

definiccedilatildeo elucidativa eacute o princiacutepio objetivo do querer6 ou seja eacute a regra assentada em moti-

vos vaacutelidos para todo ser racional (cf FMC BA 63) Quando a razatildeo tem a possibilidade de

reconhecer uma accedilatildeo gerada por sua lei estamos diante da impossibilidade de accedilatildeo danosa

moralmente imputada pois o princiacutepio da razatildeo se assenta na validade para todos os seres

racionais Em outras palavras para que seja lei eacute necessaacuterio que natildeo ocorra a possibilidade de

a razatildeo mesma ser viacutetima da regra Por isso que o fim objetivo assume o caraacuteter de universali-

dade e necessidade Em termos aristoteacutelicos necessaacuterio eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash o

princiacutepio supremo da obrigaccedilatildeo

Retomando argumentaccedilatildeo acima a consideraccedilatildeo de todos os seres racionais (caraacuteter de

universalidade) envolvidos na necessidade objetiva encontra a denominaccedilatildeo de reino dos

fins Conforme jaacute visto esta eacute uma noccedilatildeo decisiva em Kant pois gera uma concepccedilatildeo de hu-

manidade derivada da forccedila moral (da accedilatildeo por dever) consequente da forccedila da lei (fundamen-

to do dever) A humanidade estabelecida atraveacutes da forccedila moral apoiada no amor ao dever

encontra a obrigatoriedade das accedilotildees nesse amor na segunda formulaccedilatildeo do imperativo cate-

goacuterico que assim dita ldquoAge de tal maneira que uses a humanidade tanto na tua pessoa como

na pessoa de qualquer outro sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente co-

mo meiordquo (FMC BA 66-67)

Em Sobre a discordacircncia entre moral e a poliacutetica a propoacutesito da paz perpeacutetua estaacute

expressa a soberania da consciecircncia no ordenamento do agir humano Eacute impossiacutevel que uma

vez admitido o dever enquanto princiacutepio interno e a constituiccedilatildeo da vontade a partir de tal

natildeo haja a possibilidade de agenciamento praacutetico a partir do princiacutepio do dever Em suas pa-

lavras postula-se que eacute um absurdo ldquoalgueacutem depois de ter admitido a autoridade deste concei-

to do dever querer dizer que natildeo se pode realizaacute-lordquo (2009 p79) Essa postura riacutegida de Kant

representa sua intenccedilatildeo em constituir uma subjetividade que se move unicamente pelo princiacute-

pio da autonomia que somente a lei interna pode proporcionar O motivo moral estaacute no cum-

6 Conforme nota explicativa de Kant em BA 15

30

primento da lei sendo esse o motivo da accedilatildeo Em relaccedilatildeo a esse motivo ldquoKant estaacute analisan-

do o conceito proacuteprio de uma lei moral dada uma lei se ela eacute moral devemos segui-la incon-

dicionalmente precisamente por ela ser moralrdquo (MAREY 2010 p79 ndash traduccedilatildeo nossa) Estri-

tamente no sentido moral da lei estaacute entatildeo o criteacuterio de decisatildeo para a adequaccedilatildeo da accedilatildeo agrave

moralidade Esta eacute a centralidade da foacutermula a autorizaccedilatildeo para atuar surge especificamente

ldquodo procedimento de universalizaccedilatildeo enunciado na foacutermula imperativa da lei geralrdquo (MA-

REY 2010 p79 ndash traduccedilatildeo nossa)

A accedilatildeo moral eacute livre isto eacute natildeo passiacutevel de influecircncia heterocircnoma Ao romper com

todo determinismo externo eacute aberta a possibilidade de realizaccedilatildeo do dever por uma uacutenica via

sendo um princiacutepio interno natildeo posso natildeo querer sua realizaccedilatildeo A questatildeo eacute se eacute possiacutevel no

momento da accedilatildeo a vontade humana se guiar unicamente pela consciecircncia do princiacute-

piofoacutermula do dever Ao defender positivamente essa questatildeo Kant fixa a liberdade a partir

do princiacutepio formal como base da moralidade Para fazer a filosofia praacutetica concordar consigo mesma eacute necessaacuterio em primeiro lu-gar resolver a questatildeo de saber se nos problemas da razatildeo praacutetica deve-se tomar co-mo ponto de partida o princiacutepio material dela a finalidade (como objeto da livre vontade) ou partir do princiacutepio formal isto eacute daquele (estabelecido somente com relaccedilatildeo agrave liberdade nas relaccedilotildees externas) assim enunciado age de tal maneira que possas querer que tua maacutexima se torne uma lei universal (qualquer que seja a finali-dade desejada por ti) (SDMP p86)

A concepccedilatildeo anteriormente desenvolvida dita a construccedilatildeo dos princiacutepios atraveacutes da

siacutentese operada pelo entendimento sobre o diverso da intuiccedilatildeo sensiacutevel resultando em conte-

uacutedo de consciecircncia impulsionadora da representaccedilatildeo deste princiacutepio (lei) em relaccedilatildeo ao ser

humano particular A partir dessa concepccedilatildeo eacute que se insere o conceito de liberdade como

suporte que garante a representaccedilatildeo da lei agrave accedilatildeo Isso se torna compreensiacutevel quando relem-

bramos a recusa de Kant a toda forma de determinaccedilatildeo pois ela eacute externa e por isso natildeo cor-

responde ao conceito de liberdade sendo este resultado da accedilatildeo mediante a representaccedilatildeo da

lei a qual eacute conteuacutedo de consciecircncia Para ser livre eacute necessaacuterio que a vontade seja impulsio-

nada por um princiacutepio interno a ela estamos diante da autonomia da vontade

Mas seria simplista entender a liberdade de escolha em Kant apenas na perspectiva

de a vontade natildeo ser determinada por impulsos sensiacuteveis ou determinaccedilotildees externas (instintos

paixotildees) Ampliando essa concepccedilatildeo liberdade eacute ldquocapacidade da razatildeo pura ser por si mes-

ma praacutetica ndash possiacutevel somente pela qualificaccedilatildeo da maacutexima da accedilatildeo como lei universalrdquo (MC

p63) Natildeo se entende o arbiacutetrio livre unicamente como oposiccedilatildeo agrave natureza que manda mas

submetida agrave razatildeo que prescreve a lei na forma de imperativo lei que comanda ou proiacutebe de

31

maneira absoluta sem possibilidade de natildeo o ser Desse modo a vontade somente seraacute livre

quando a forccedila legislativa da maacutexima servir como lei visto que a lei eacute algo em si positivo a saber a forma de uma causalidade intelectual isto eacute da liberdade assim na medida em que ela em contraste com uma contra-atuaccedilatildeo subjetiva a saber as inclinaccedilotildees em noacutes enfraquece a presunccedilatildeo eacute ao mesmo tempo um objeto de respeito e na medida em que ela ateacute a abate isto eacute a humilha eacute um objeto do maacuteximo respeito (CRPr sect130)

Eacute dada agrave lei a forccedila de ser causalidade e por ser conteuacutedo de consciecircncia eacute forma da

liberdade A lei eacute forma de causalidade que abate as inclinaccedilotildees ou seja anula em sentido

praacutetico o efeito da felicidade proacutepria e nesse sentido eacute moral pois considera o humano como

finalidade no ideal de reino dos fins Assim se entende o sentido da liberdade a possibilidade

de natildeo ser guiado nem pela determinaccedilatildeo natural o que seria ligado agrave contingecircncia e tam-

pouco pela subjetividade egoiacutesta Nesse sentido liberdade e autonomia satildeo as caracteriacutesticas

proacuteprias do ser dotado de razatildeo

A liberdade eacute entatildeo transcendental condiccedilatildeo de possibilidade natildeo apenas de ruptura

com os ditames da natureza mas de se converter em lei universal e necessaacuteria para a accedilatildeo O

princiacutepio que permite o movimento natildeo eacute outro que a representaccedilatildeo da lei na accedilatildeo humana

Kant identifica a accedilatildeo desprovida de liberdade a um autocircmato algueacutem que age como maacutequi-

na sem raciociacutenio e vontade proacutepria Se seguiacutessemos apenas um mecanismo da natureza en-

tatildeo a accedilatildeo ldquonatildeo seria melhor que a liberdade de um assador giratoacuterio o qual uma vez posto

em marcha executa por si os seus movimentosrdquo (CRPr sect174) quando natildeo haacute a representaccedilatildeo

da accedilatildeo como necessaacuteria e originada por um princiacutepio racional

Conceber a determinaccedilatildeo moral do sujeito exige como linha reguladora a noccedilatildeo de

reino dos fins Essa noccedilatildeo estaacute de acordo com o ideal de sociedade proposto tambeacutem no texto

Ideia de uma histoacuteria universal de um ponto de vista cosmopolita Defendendo a necessidade

de um mundo cosmopolita isso ocorreria pelo equiliacutebrio entre os antagonismos gerais e o

direcionamento das forccedilas em direccedilatildeo agrave realizaccedilatildeo do mais alto propoacutesito da natureza em noacutes

a ligaccedilatildeo mediante um poder irresistiacutevel o qual congrega a liberdade de cada um em co-

habitaccedilatildeo com a liberdade dos outros Isso seria a sociedade que em outras palavras deve ser

entendida como devendo estar regulada pela ideia de reino dos fins Essa relaccedilatildeo fica ainda

mais evidente quando Kant expotildee o conceito de reino ldquoa ligaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios seres

racionais por meio de leis comunsrdquo (FMC BA 74) Assim ocorre a tentativa de edificar a ple-

na igualdade entre os homens quando apesar dos antagonismos todas as forccedilas satildeo orienta-

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das a um objetivo comum constituir a civilizaccedilatildeo entendida como o uso da ideia de morali-

dade

A obrigatoriedade de uma accedilatildeo estaacute na promoccedilatildeo e preservaccedilatildeo desse reino e nenhum

fator subjetivo pode desviar o seguimento do dever Isso significa que nenhum moacutebil pode

desviar o querer orientado pelo elemento objetivo do querer ndash tal eacute a forccedila que o imperativo

categoacuterico daacute ao sujeito envolvido na accedilatildeo uma pureza de intenccedilotildees incapaz de romper a lei

E nesse meio eacute que surge um limite ao ideal eacutetico-moral kantiano pois no acircmbito da razatildeo

pura exige-se um indiviacuteduo com uma rigidez de caraacuteter natildeo realizaacutevel no plano da contingecircn-

cia histoacuterica Eacute necessaacuterio considerar o dinamismo a incerteza histoacuterica como constituinte do

humano Estariacuteamos diante de um limite para a razatildeo pura como fixadora do alcance do ali-

cerce eacutetico Para justificar e fundamentar a afirmaccedilatildeo acima recorro a Theodor W Adorno

2 THEODOR ADORNO E A CONCEPCcedilAtildeO DE PENSAMENTO POacuteS-METAFIacuteSICO

21 Discussatildeo em torno do conceito de ldquosujeitordquo

Theodor Adorno leva ao extremo a criacutetica agrave formaccedilatildeo da subjetividade e consequen-

temente define um novo olhar sobre quem eacute ou o que eacute aquilo que chamamos sujeito Anali-

sando a trajetoacuteria de sua produccedilatildeo intelectual eacute possiacutevel relacionar sua criacutetica agrave subjetividade

tanto como uma contraposiccedilatildeo ao transcendental de Kant quanto ao pensamento grego anti-

go mas especificamente em Aristoacuteteles Considero essa tensatildeo fundamental e a interpretaccedilatildeo

que proponho avanccedila para a noccedilatildeo de que os seres humanos se converteram em ldquosujeitos des-

providos de subjetividaderdquo (MM 33 p467) Quem eacute realmente esse sujeito e em que termos

ocorre este desprover de sua proacutepria subjetividade

Na Metafiacutesica o termo sujeito eacute posto por Aristoacuteteles como um dos sentidos de subs-

tacircncia assim definido-a como a essecircncia o universal o gecircnero e o sujeito ldquoE o sujeito eacute aqui-

lo sobre o qual satildeo ditas as demais coisas sem que ele por sua vez seja dito de outrardquo (VII 3

1028b 36) Essa concepccedilatildeo encontra em seu centro a indicaccedilatildeo de um elemento fundamental

a noccedilatildeo de determinaccedilatildeo condiccedilatildeo para qualquer conhecimento Nada eacute possiacutevel dizer sem

considerar esta origem epistemoloacutegica que em Aristoacuteteles eacute a substacircncia identificada em um

sentido com o sujeito Substacircncia eacute sujeito em seu sentido enfaacutetico a origem de todo o devir

forccedila originaacuteria e que eacute legitimamente em-si Os atributos somente predicam algo em refe-

recircncia a um sujeito no caso o sujeito congregador das predicaccedilotildeesdeterminaccedilotildees eacute a subs-

tacircncia e aquelas natildeo existem fora dessa Ou seja somente satildeo em atribuiccedilatildeo ao sujeito

Apesar de Aristoacuteteles natildeo ter concebido o termo autonomia contudo este em-sisi-

mesmo independente de determinaccedilotildees pode ser entendido como um prenuacutencio desse termo

Aristoacuteteles traz para o interior do ente a capacidade de automover-se Natildeo eacute o sentido kantia-

no de autonomia ou maioridade tampouco o sentido adorniano de emancipaccedilatildeo mas indica a

possibilidade ainda claacutessica de compreender o sujeito como portador de um poder intriacutenseco

capaz de construiacute-lo mesmo que ainda em potecircncia visando um fim

Esse elemento determinante poreacutem natildeo determinado servindo assim de origem ou

suporte para todas as modificaccedilotildees que algo venha a sofrer eacute chamado por Aristoacuteteles de hy-

pokeimenon Em referecircncia a este termo para Hans-Georg Gadamer ldquoa palavra significa lsquoa-

quilo que se encontra na basersquo Eacute assim que a palavra vem ao nosso encontro na fiacutesica e na 7 As chamadas referentes agraves citaccedilotildees da obra Minima Moralia (MM) de Theodor Adorno seguem a seguinte ordem abreviatura da obra nuacutemero do aforismo seguido do nuacutemero da paacutegina conforme a traduccedilatildeo ao portu-guecircs de Luiz Eduardo Bicca

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metafiacutesica de Aristoacuteteles [] e significa aquilo que se encontra inalteravelmente agrave base da

mudanccedila de todas as transformaccedilotildeesrdquo (2007 p11)

A questatildeo eacute sobre a possibilidade de retirar significaccedilatildeo desse fundamento grego em

relaccedilatildeo agrave Teoria Criacutetica de Adorno A soluccedilatildeo que proponho gira em torno de uma criacutetica da

cultura Partindo da concepccedilatildeo grega o sujeito eacute a forccedila original em tudo o que haacute e que per-

mite a realizaccedilatildeo das possibilidades servindo como determinaccedilatildeo para todas as mudanccedilas que

venham a ocorrer Eacute forccedila original por ser proacutepria do indiviacuteduo e natildeo ser passiacutevel de nenhuma

alteraccedilatildeo deriva natildeo sendo derivada O que Adorno percebe eacute que em eacutepocas de administra-

ccedilatildeo da cultura nada escapa ao controle nem mesmo esta substacircncia proacutepria Este em-si origi-

nal se converte conforme apresentado em Dialeacutetica do esclarecimento (p24) em para-ele

Eacute possiacutevel atribuir agrave Paideia grega a concepccedilatildeo desse valor interior poreacutem eacute igual-

mente possiacutevel atribuir agrave nossa sociedade contemporacircnea sua conduccedilatildeo a um valor objetivo

como posse natildeo mais do indiviacuteduo mas da proacutepria estrutura soacutecio-cultural que o determina

Estamos diante de algo desprovido de subjetividade Este que Aristoacuteteles quis como portador

de um nuacutecleo de forccedila originaacuterio foi convertido em algueacutem vazio desta proacutepria forccedila tendo

esta migrado para esferas a ele exteriores Em se tratando de seres humanos tendo sido o po-

der de determinaccedilatildeo a ele alienado eacute totalmente compreensiacutevel a padronizaccedilatildeo de comporta-

mentos e modos de pensar Aquele que deveria ser o sujeito estaacute carente de sua forccedila e aquilo

que deveria ser as derivaccedilotildees da accedilatildeo de tal sujeito (a cultura as instituiccedilotildees o econocircmico)

acaba se convertendo em substrato o elemento essencial que determina externamente o indi-

viacuteduo Sobre a menoridade do indiviacuteduo diante da cultura Rodrigo Duarte afirma ldquoo sujeito

experimenta ndash exatamente na eacutepoca em que os seus meios teacutecnicos de dominaccedilatildeo da natureza

se encontram mais desenvolvidos ndash sua degeneraccedilatildeo em mera coisa sendo que o mundo fiacutesico

a ele subordinado transfere sua selvageria para o seio da cultura acircmbito em que por defini-

ccedilatildeo a autoconsciecircncia do sujeito deveria se colocar como alternativa agrave inconsciecircncia da natu-

rezardquo (1997 p52)

A derivaccedilatildeo primeira dessa constataccedilatildeo ocorre em termos eacutetico-morais O sujeito mo-

ral eacute em Kant o sujeito capaz de se determinar aquele cuja vontade eacute movida por um princiacute-

pio interno legislador universalmente O substrato estaacute no princiacutepio da vontade de um ser ra-

cional capaz de legislar em favor de uma causa comum o bem em sentido efetivo de realiza-

ccedilatildeo do humano em sua dignidade Esta missatildeo legisladora e constituidora do reino dos fins

kantianos exige nada menos que a existecircncia do sujeito enquanto possuidor de subjetividade

forte e autocircnoma Em se tratando da accedilatildeo humana seja em Kant ou Adorno a existecircncia do

sujeito eacute condiccedilatildeo para toda a teoria da moralidade Como persistir na fundamentaccedilatildeo via

35

imperativo categoacuterico quando ocorre a anulaccedilatildeo da forccedila autocircnoma do indiviacuteduo como que

perdendo seu poder subjetivo determinante seu em-si (seja aristoteacutelico ou kantiano)

Nessa anaacutelise cabe uma criacutetica ao proacuteprio si Adorno natildeo concebe uma constituiccedilatildeo

metafiacutesica do si mas o percebe como constituiacutedo em conexatildeo com outros si ldquoO sujeito que

supostamente eacute em si estaacute em si mediado por aquilo do qual se separa a conexatildeo de todos os

sujeitos Atraveacutes da mediaccedilatildeo se converte ele mesmo naquilo que segundo sua consciecircncia de

liberdade natildeo quer ser heterocircnomordquo (DN 20058 p 201) Nesses termos a subjetividade natildeo

eacute um dado causal totalmente intriacutenseco ao ser humano como o hypokeimenon aristoteacutelico ou

o transcendental em Kant mas definido mediante as circunstacircncias histoacutericas nas quais ele

estaacute inserido Para ser em-si eacute necessaacuterio tambeacutem ser com-outro O que ocorre eacute em Adorno

uma volta incisiva ao sujeito agora sob novas configuraccedilotildees marcadas pela experiecircncia com

outros sujeitos pois ldquoenquanto a induacutestria cultura e os donos do poder querem sujeitos enfra-

quecidos para melhor se adaptarem ao sistema que os devora Adorno propotildee a reconstruccedilatildeo

da individualidade do sujeito na experiecircncia com outros sujeitos para que essa individualida-

de seja fonte impulsionadora de resistecircnciardquo (PUCCI 2006 p 407)

Mas como garantir que a individualidade natildeo desapareccedila ou sucumba agrave impotecircncia

diante da forccedila da alteridade O que haacute de autocircnomo e de heterocircnomo nesta constituiccedilatildeo A

isso Adorno remete em inuacutemeros textos sempre enfatizando a necessidade de ou constituir

consciecircncia ou elevar o niacutevel de experiecircncias formativas Os quais natildeo deixam de estar em

iacutentima inter-relaccedilatildeo pois os conteuacutedos de consciecircncia e o proacuteprio ato de consciecircncia satildeo for-

mados somente pela radical inserccedilatildeo na experiecircncia

Dessa forma ao tratar do termo consciecircncia Adorno vai aleacutem do procedimento loacutegico

formal que constitui o pensamento

eacute o pensar em relaccedilatildeo agrave realidade ao conteuacutedo ndash a relaccedilatildeo entre as formas e estrutu-ras do pensamento do sujeito e aquilo que este natildeo eacute Este sentido mais profundo de consciecircncia ou faculdade de pensar natildeo eacute apenas o desenvolvimento loacutegico formal mas ele corresponde literalmente agrave capacidade de fazer experiecircncias Eu diria que pensar eacute o mesmo que fazer experiecircncias intelectuais (EE p151)

Eacute possiacutevel traccedilar uma linha teoacuterica que vai de Aristoacuteteles a Adorno Heidegger no tex-

to O fim da filosofia e a tarefa do pensamento (2009 p72) afirma que ldquocom o ego cogito

como subjectum por excelecircncia eacute atingido o fundamentum absolutum isto quer dizer o sujei-

8 Nas chamadas referentes agrave obra Dialeacutetica negativa indicarei o ano de publicaccedilatildeo Isso pelo fato de utilizar a versatildeo em espanhol e tambeacutem a versatildeo em portuguecircs Quando citar a versatildeo em espanhol (2005) a traduccedilatildeo eacute de Mauricio J Farinon

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to eacute o ὑί transferido para a consciecircncia Essa constataccedilatildeo eacute decisiva para compre-

endermos o itineraacuterio teoacuterico em torno do conceito de sujeito Sendo em Aristoacuteteles algo in-

terno agrave constituiccedilatildeo essencial do ente em sua natureza primeira com Descartes esse constitu-

inte eacute transferido ao nuacutecleo racional a consciecircncia humana Eacute a consciecircncia que determina a

existecircncia subjetiva e objetiva tanto da res cogitans quanto da res extensa

Kant leva ao extremo essa constataccedilatildeo quando admite a experiecircncia sensiacutevel como

ponto de apoio para todo entendimento mas esse mesmo se identifica com o ato de pensar e

embora natildeo havendo situaccedilatildeo de primazia entre sensibilidade e entendimento eacute na capacidade

de siacutentese operada pelo entendimento que se origina todo conhecimento E a siacutentese eacute ato de

pensar por conceito ndash pensamento por excelecircncia ndash o que somente eacute possiacutevel via unidade da

consciecircncia a identidade do sujeito consigo mesmo Para Adorno essa consciecircncia se tornou

administrada e o ego nem sempre eacute possuidor de cogito sendo essa caracteriacutestica transferida

para algo a ele estranho Natildeo raro temos indiviacuteduos cuja capacidade de decisatildeo e de origem de

qualquer movimento eacute determinada por tutores Assim temos o sujeito destituiacutedo de subjeti-

vidade

A identidade do sujeito consigo mesmo eacute a consciecircncia de si unidade transcendental

que permite o ajuizamento em termos de conhecimento e o que para noacutes eacute o mais decisivo

em termos morais Eacute por me reconhecer uno que posso atribuir valor moral ou seja na eman-

cipaccedilatildeo estaacute o criteacuterio para a accedilatildeo via imperativo categoacuterico Quanto a isso Kant foi decisivo e

sua proposta pode ser caracterizada como sendo exata O ponto de discussatildeo estaacute em admitir a

identidade para aleacutem do consigo mesmo partindo para uma compreensatildeo de que o outro natildeo

se resume ao sentido que reside na consciecircncia idecircntica a si mesma

Chama agrave atenccedilatildeo a referecircncia do pensamento com aquilo que ele mesmo natildeo eacute A

consciecircncia em Adorno por mais que haja nela o elemento da apreensatildeo e reconhecimento do

objeto perpassa pelo elemento da negatividade da contradiccedilatildeo Somente eacute possiacutevel pensar em

constante progresso quando natildeo haacute identidade pois assim subsistem os indicativos de novas

experiecircncias Natildeo haacute um termo final no processo de constituiccedilatildeo da subjetividade e isso de-

vido agrave inexistecircncia do elemento reconciliador entre sujeito e objeto na paz da subjetividade

constitutiva

Pressupondo tal reconciliaccedilatildeo entre o real e a consciecircncia estariacuteamos diante da frieza

conceitual que permite somente o eterno giro dela sobre ela mesma Ao romper com esse mo-

delo de reconciliaccedilatildeo proacuteprio do idealismo kantiano Adorno indica sua proacutepria concepccedilatildeo de

filosofia dizendo que ela ldquonada mais eacute do que o pensamento que natildeo se deixa travarrdquo (EXP

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p11) A forccedila do ato de pensamento reside na capacidade desenvolvida pelas experiecircncias

formativas Isso eacute decisivo na concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e no todo do pensamento adorniano A

proacutepria possibilidade de experiecircncia esteacutetica perpassa pela habilidade em realizar experiecircncias

formativas O que veremos mais adiante

A referecircncia a Immanuel Kant assume fundamental importacircncia Sua ecircnfase de que haacute

uma complementaccedilatildeo absolutamente necessaacuteria entre sensibilidade e entendimento ou seja

entre experiecircncia e pensamento na constituiccedilatildeo do conhecimento leva a um avanccedilo decisivo

em relaccedilatildeo a Aristoacuteteles Quando este afirma no livro II da Metafiacutesica que o aprendizado eacute

fruto da capacidade de experiecircncia a qual desenvolve a memoacuteria e coloca a έ (arte) vin-

culada ao saber e ao entendimento identifica a sabedoria como o conhecimento das causas e a

filosofia como ldquociecircncia da verdaderdquo

Sendo a verdade o conhecimento das causas deve-se remeter ao termo primeiro agravequi-

lo que eacute a origem de tudo o mais Ateacute mesmo a causa material natildeo deve remeter ao infinito

pois essa total transitoriedade impediria a verdade e esta eacute somente a primeira ldquoos entes eter-

nos satildeo sempre necessariamente os mais verdadeiros (natildeo satildeo temporalmente verdadeiros e

natildeo haacute nenhuma causa de seu ser mas que eles satildeo causa do ser para as demais coisas) de

sorte que cada coisa possui verdade na mesma medida em que possui de serrdquo (MET II 3

993b 28) Ou seja tudo o que deriva passa a ser relativo a esse elemento primordial Eacute assim

que Aristoacuteteles concebe a noccedilatildeo de verdade entendimento e saber Natildeo haacute dependecircncia do

pensamento do sujeito humano mas somente da posse do conhecimento das causas

Eacute nesse ponto que ocorre a diferenciaccedilatildeo kantiana pois o decisivo natildeo estaacute no ser e-

terno aristoteacutelico mas no processo de associaccedilatildeo entre sensibilidade e entendimento o que

significa a capacidade de conhecimento e pensamento Assim ocorre uma inclinaccedilatildeo decisiva

em direccedilatildeo ao sujeito do proacuteprio conhecimento Agora o sujeito eacute o indiviacuteduo mesmo e a con-

diccedilatildeo de possibilidade de todo conhecimento natildeo estaacute em outro lugar a natildeo ser na razatildeo

Adorno poreacutem natildeo compactua com as determinaccedilotildees provindas da subjetividade kan-

tiana Se por um lado Aristoacuteteles apresentava o sujeito como sentido de substacircncia e com

Kant a inclinaccedilatildeo ao sujeito humano passa a ser o elemento central de sua teoria em Adorno

eacute possiacutevel defender uma primazia da experiecircncia O fato central que determina nossa capaci-

dade de conhecimento natildeo estaacute no substrato metafiacutesico claacutessico tampouco eacute exclusividade da

estrutura interna do indiviacuteduo mas eacute o permanente renovar da experiecircncia entre diferencia-

dos

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Natildeo ocorre a negaccedilatildeo do que Kant chamou estruturas internas como condiccedilotildees ao co-

nhecimento e tambeacutem natildeo haacute a abstraccedilatildeo do objeto Contudo a partir da Teoria Criacutetica de

Theodor Adorno falar em conhecimento e em verdade pressupotildee um jogo livre entre diferen-

ciados Eacute livre por natildeo encontrar um termo decisivo um ponto reconciliador onde ocorre a

total adequaccedilatildeo entre pensamento e realidade Fala-se em sujeitos por natildeo haver uma posiccedilatildeo

de centralidade em nenhum dos poacutelos tradicionais sujeito e objeto mas sim na relaccedilatildeo Sujei-

to e objeto natildeo podem existir sem pressupor a relaccedilatildeo o erro kantiano estaacute em enfatizar um

aspecto que natildeo existe sem a relaccedilatildeo com o diferenciado e a inversatildeo ocasionada pelo filoacuteso-

fo de Frankfurt resulta em o proacuteprio ser humano ser concebido como ldquoresultado natildeo Eidosrdquo

(SO p200) Sendo o elemento central do humano a condiccedilatildeo de ser tambeacutem resultado re-

mete-se a um questionamento na tentativa de em relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do que eacute a verdade

conseguir situaacute-la nesse quadro teoacuterico caracterizado pela primazia da relaccedilatildeo

22 A concepccedilatildeo de verdade em seu nuacutecleo histoacuterico

As discussotildees em torno do conceito de verdade encontram uma indicaccedilatildeo precisa ain-

da na Dialeacutetica do esclarecimento A Dialeacutetica negativa e a Teoria esteacutetica ocupam lugar

central nessa discussatildeo mas a referecircncia agrave obra conjunta com Horkheimer eacute decisiva pois

nessa ocorre a fundamentaccedilatildeo das discussotildees em torno desse conceito O que resulta dessas

discussotildees permite situar Adorno como um autor poacutes-metafiacutesico

O nuacutecleo da verdade eacute temporal portanto sua caracteriacutestica baacutesica eacute a transitoriedade

histoacuterica Somente esse fato coloca Adorno em choque radical com a tradiccedilatildeo filosoacutefica que

se criou desde a Greacutecia claacutessica Nas palavras dele mesmo assim eacute caracterizada sua teoria

ldquouma teoria que atribui agrave verdade um nuacutecleo temporal em vez de opocirc-la ao movimento histoacute-

rico como algo imutaacutevelrdquo (DE p9) e a ldquoverdade eacute constelaccedilatildeo em devirrdquo (OPF p21) somen-

te existindo como o que estaacute em devir Esse fato demarca a concepccedilatildeo baacutesica daquilo que eacute

possiacutevel denominar de pensamento poacutes-metafiacutesico Diante da verdade em seu nuacutecleo histoacuteri-

co o proacuteprio sujeito passa a ser compreendido a partir desta dimensatildeo pondo em questatildeo o

caraacuteter a prioritranscendental kantiano ou formal platocircnico Eacute a importacircncia do resgate da

contingecircncia da historicidade e do elemento ativo no ser humano9

Dois problemas perpassam a discussatildeo em torno desse tema a partir de Adorno O

primeiro eacute a aniquilaccedilatildeo da verdade em troca da eficaacutecia no procedimento A segunda discus-

satildeo aponta para uma contraposiccedilatildeo ao conceito grego aletheia Se este termo indica aquilo 9 Ver o texto de Bruno Pucci Teoria Criacutetica e Educaccedilatildeo na obra do mesmo nome editado em 2007

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natildeo oculto natildeo escondido ou dissimulado e portanto alcanccedilar a verdade eacute conseguir tirar o

veacuteu que encobre a realidade e trazer o fato agrave tona em contraposiccedilatildeo a administraccedilatildeo da vida

gera o processo inverso o encobrimento Nesse sentido a verdade natildeo se torna mais evidente

exigindo um radical esforccedilo interpretativo principalmente dos fatores que geram esse enco-

brimento e tambeacutem dos fatores que impedem ao pensamento vislumbrar o mundo sob o veacuteu

ideoloacutegico

Esse quadro natildeo se vislumbra somente em questotildees teoacutericas mas perpassa por toda

formaccedilatildeo do pensamento humano principalmente em questotildees de educaccedilatildeo regular em insti-

tuiccedilotildees de ensino Eacute visiacutevel a resistecircncia ao ato de pensar e de se demorar sobre algo A acircnsia

por foacutermulas capazes de resolver imediatamente os problemas toma conta das atividades esco-

lares e ao se deparar com a necessidade de uso de um uacutenico ferramental ndash o pensamento rigo-

rosamente orientado ndash ocorre o bloqueio das energias do conhecimento o que pode ser en-

tendido como resistecircncia agrave investigaccedilatildeo teoacuterica Diante desse quadro surge a Filosofia como

alternativa formadora e propulsora do pensamento e busca pela verdade Analisaremos esses

dois pontos de discussatildeo acima apontados

221 Tensatildeo entre verdade e procedimento

Para Adorno o problema decisivo ao pensamento e agrave proacutepria Filosofia se situa na fa-

lecircncia do elemento ativo a saber a concentraccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo na verdade Para ele o ativo

natildeo se estabelece como em geral ocorre nas aacutereas teacutecnico-cientiacuteficas nas quais esse termo eacute

identificado com o domiacutenio de procedimentos e a consequente produccedilatildeo de objetos Essa

accedilatildeo pode estar carregada de automatismos A verdadeira atividade coincide com a posse do

elemento cognitivo pois somente nesse momento eacute que a accedilatildeo passa a ser atribuiacuteda ao que

executa10 O robocirc natildeo eacute ativo por mais que produza pois nele estaacute ausente o elemento do

entendimento que em outras palavras eacute a satisfaccedilatildeo da verdade Desse modo vincula-se o

elemento ativo com a existecircncia da forccedila subjetiva com a existecircncia do sujeito propriamente

dito

A falecircncia desse elemento ativo se identifica com a incorporaccedilatildeo do segundo elemen-

to a eficiecircncia na operacionalidade agrave qual vem acoplada a noccedilatildeo de representaccedilatildeo do ldquoobje-

tordquo e de enfraquecimento do ldquosujeitordquo Um primeiro sentido desse enfraquecimento jaacute estaacute

10 Acerca da relaccedilatildeo com a natureza seja interna ou externa a partir do criteacuterio baseado no domiacutenio teacutecnico carente da relaccedilatildeo com a verdade ver Rodrigo Duarte Miacutemesis e Racionalidade (1993) principalmente os capiacute-tulos I II e III onde o autor aborda a relaccedilatildeo de domiacutenio da natureza do ponto de vista da razatildeo totalizadora e na contra-resposta de uma relaccedilatildeo esteacutetica com a natureza

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descrito no paraacutegrafo anterior com a distinccedilatildeo entre ativo e automatismo Outro fator que

aponta para o enfraquecimento do sujeito ocorre pela representaccedilatildeo que percebemos nas rela-

ccedilotildees originadas nos ambientes virtuais Natildeo haacute mais a necessidade de encontro efetivo e a

dinacircmica que envolve o tato e o confronto direto eacute substituiacutedo pela dinacircmica da visatildeo e da

audiccedilatildeo destituiacuteda de efetividade sensiacutevel imediata Essa representaccedilatildeo do outro em um en-

contro desvinculado da experiecircncia efetiva do corpo promovido pelos ambientes virtuais

pode gerar a imediata pobreza de experiecircncia a inexistecircncia de padrotildees eacuteticos que somente

ocorrem quando temos o corpo em contato Subjetividade vazia eacute o que marca o indiviacuteduo

moderno pois a condiccedilatildeo para haver solidez no eu entendida como reconhecimento de si

diante da diferenccedila que o outro significa eacute negada na relaccedilatildeo ausente de corpo e portanto

natildeo efetiva

Retomando o conceito de verdade qual eacute a verdade do outro para aleacutem de minha re-

presentaccedilatildeo Dessa compreensatildeo pode resultar a riqueza ou pobreza de consciecircncia pois

quando acredito poder substituir o objeto pelo objeto de minha representaccedilatildeo ou quando ad-

mito que o outro somente exista por ter passado pela minha percepccedilatildeo e entendimento entatildeo

a verdade se converte em ideologia reducionista e anuladora da riqueza constitutiva desse

outro A verdade do outro eacute seu em-si e devir e natildeo o seu para-mim eacute seu conteuacutedo de cons-

ciecircncia proacuteprio e insubstituiacutevel eacute sua marca histoacuterica constituidora da identidade proacutepria Eacute

baseado nesses dados que defendo a urgecircncia da educaccedilatildeo que vise desenvolver a satisfaccedilatildeo

pela verdade a riqueza de conteuacutedo natildeo somente a operacionalidade Preocupa-se muito em

formar nos modos de proceder (seja em esfera produtiva seja na cotidianidade da vida) es-

quecendo dos criteacuterios que deveriam nortear toda conduta humana

A conduta adequada poder-se-ia caracterizar em sentido filosoacutefico do seguinte modo

natildeo eacute agitaccedilatildeo afanosa nem o ficar parado matutando mas sim o olhar demorado sobre o objeto sem querer forccedilaacute-lo A disciplina cientiacutefica em voga requer do sujeito que se apague a si mesmo em prol da primazia da coisa ingenuamente presumida A isto se opotildee a filosofia O pensar natildeo deve reduzir-se ao meacutetodo a verdade natildeo eacute o resto que permanece apoacutes a eliminaccedilatildeo do sujeito Pelo contraacuterio este deve levar consigo toda sua inervaccedilatildeo e experiecircncia na observaccedilatildeo da coisa para segundo o i-deal perder-se nela (OPF p19)

Esta caracterizaccedilatildeo do pensamento enquanto demorar-se sobre o outro eacute condiccedilatildeo pa-

ra o desenvolvimento da consciecircncia no sentido em que esse termo eacute defendido no texto Edu-

caccedilatildeo ndash para quecirc como conteuacutedo que se origina pelo constante renovar da experiecircncia Natildeo

se deve entender a experiecircncia como um procedimento cientiacutefico laboratorial mas em sentido

intelectual estrito do pensamento que se potildee em confronto com sua alteridade enquanto alte-

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ridade Falar em educaccedilatildeo eacute propor tais experiecircncias natildeo procedimental em relaccedilatildeo ao outro

mas no sentido de educar na habilidade de realizar experiecircncias de pensamento resistindo ao

previamente pensado Estariacuteamos aqui diante das condiccedilotildees para o contundente desenvolvi-

mento da consciecircncia pois ao resistir ao previamente pensado (enquanto a priori) ocorre a

abertura ao devir histoacuterico gerando inevitavelmente tal desenvolvimento fruto daquilo que

Adorno denomina de ldquoconcentraccedilatildeo ampliada11rdquo (OPF 20)

222 A perda da evidecircncia e o impulso ao esclarecimento

Com o uso do termo perda da evidecircncia quero significar algo diferente do sentido a-

dorniado desenvolvido em sua Teoria esteacutetica de perda da evidecircncia artiacutestica Nessa obra estaacute

desenvolvida a perspectiva de que ldquoperante aquilo em que se torna a realidade a essecircncia

afirmativa da arte esta essecircncia inelutaacutevel tornou-se insuportaacutevelrdquo (TE p12) Por causa disto

eacute que a arte assume o caraacuteter de tensatildeo com a realidade e se mostra como ldquoantiacutetese social da

sociedaderdquo (TE p 19) Na possibilidade de admitir a arte como coacutepia do real em Adorno isso

ocorre ldquona medida em que a este fornecem o que lhe eacute recusado no exterior e assim libertam

daquilo para que as orienta a experiecircncia externa coisificanterdquo (TE p15)

Eacute nesse ponto que reside a compreensatildeo adorniana do caraacuteter esclarecedor da verdade

desenvolver a consciecircncia dos elementos que levam agrave negaccedilatildeo da vida Embora Adorno atri-

bua agrave arte um papel de criacutetica eacute via educaccedilatildeo que se torna possiacutevel a ampliaccedilatildeo da consciecircn-

cia em um incisivo impulso esclarecedor Desenvolver consciecircncia eacute tornar algo evidente

trazer ao entendimento estes poderes que determinam a existecircncia individual a ponto de gerar

a ausecircncia de vida A perda da evidecircncia pode ser entendida como obscurecimento que impe-

de a compreensatildeo dos fatos o qual tem sua origem nos interesses ideoloacutegicos que anulam o

desenvolvimento da consciecircncia ou ainda impedem a consciecircncia de se achegar aos fatos

Como compreender em Kant a sensibilidade a percepccedilatildeo que intui os objetos a par-

tir da ausecircncia de evidecircncia em Adorno Em relaccedilatildeo agrave Kant o poder da sensibilidade regida

pelas estruturas internas ao sujeito nas noccedilotildees de tempo e espaccedilo se tornam insuficientes

Ainda na introduccedilatildeo da primeira criacutetica haacute a seguinte afirmaccedilatildeo

que outra coisa poderia despertar e pocircr em accedilatildeo a nossa capacidade de conhecer se-natildeo os objetos que afetam os sentidos e que por um lado originam por si mesmos as

11 No texto Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico (p20-21) a concentraccedilatildeo ampliada eacute posta como sinocirc-nimo de meditar no sentido de ele ultrapassar o previamente pensado e assim o pensamento se renova pela constante relaccedilatildeo Natildeo eacute pensar simples mas o pensamento ampliado concentraccedilatildeo ampliada permanecircncia na relaccedilatildeo com o outro

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representaccedilotildees e por outro lado potildeem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a comparaacute-las ligaacute-las ou separaacute-las transformando assim a mateacuteria bru-ta das impressotildees sensiacuteveis num conhecimento que se denomina experiecircncia (CR-Pu B 1)

Seguindo a argumentaccedilatildeo acima a percepccedilatildeo oferece um material jaacute desqualificado

gerando um erro no processo inicial que leva agrave siacutentese e ajuizamento operados pelo entendi-

mento A siacutentese operada pelo entendimento estaacute dentro de uma triacuteade no sistema kantiano a

qual possibilita o conhecimento a priori dos objetos Conforme a Criacutetica da razatildeo pura (em B

104) essa triacuteade eacute formada pelas seguintes funccedilotildees

a) primeiro passo o diverso da intuiccedilatildeo pura

b) segundo passo a siacutentese desse diverso pela imaginaccedilatildeo

c) terceiro passo ldquoos conceitos que conferem unidade a essa siacutentese pura e consistem

unicamente na representaccedilatildeo dessa unidade sinteacutetica necessaacuteriardquo

A discussatildeo natildeo estaacute centrada na possibilidade dos conhecimentos sinteacuteticos a priori

mas na possibilidade de a sensibilidade fornecer material confiaacutevel ao entendimento Desse

modo se postula o nuacutecleo do conhecimento como resultado do jogo entre entendimento e ex-

periecircncia estando na possibilidade de experiecircncia efetiva a condiccedilatildeo para um ajuizamento

com conteuacutedo de verdade

Estamos diante da razatildeo interpretativa e do fato sensiacutevel ambos postos em tensatildeo

temporal a qual daacute a possibilidade do encontro Retornando ao problema anterior o qual a-

ponta para um encobrimento da realidade como que existindo uma aura branda sobre os fa-

tos gerando o apaziguamento das consciecircncias promovido pela aderecircncia a seu sentido ime-

diatamente visiacutevel eacute decisivo o desenvolvimento da razatildeo interpretativa em condiccedilotildees de

desvelar ou testemunhar exatamente aquilo que o veacuteu oculta A esse ocultamento Adorno

chamou de administraccedilatildeo promovida pela induacutestria cultural

Isso demarca uma ruptura na triacuteade kantiana acima exposta pois natildeo havendo possibi-

lidade imediata de a sensibilidade dar o objeto em seu efetivo sentido o entendimento natildeo

consegue operar a siacutentese legiacutetima e consequentemente ter a fonte para verdade alguma Ve-

jamos qual o itineraacuterio kantiano ldquoa espontaneidade do nosso pensamento exige que este di-

verso12 seja percorrido recebido e ligado de determinado modo para que se converta em co-

nhecimento A esse ato dou o nome de siacutenteserdquo (CRPu B102) Continuando a argumentaccedilatildeo

encontramos uma definiccedilatildeo mais clara do que eacute o momento da siacutentese ldquona acepccedilatildeo mais geral

12 O diverso fornecido pela intuiccedilatildeo que daacute o objeto em suas singularidades Esse diverso eacute percorrido e elabo-rado pelo entendimento gerando sua siacutentese

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da palavra o ato de juntar umas agraves outras diversas representaccedilotildees e conceber a sua diversi-

dade num conhecimentordquo (B103)

Como consequecircncia deste ato sinteacutetico ocorre o ato de pensamento e que promove

pensamento no sentido de gerar conceito o qual eacute em Kant ldquoa primeira origem do nosso

conhecimentordquo (B103) Estamos diante de um diverso da intuiccedilatildeo sensiacutevel o qual tem como

caracteriacutestica o ajuizamento o discurso ldquoo conhecimento de todo o entendimento pelo me-

nos do entendimento humano eacute um conhecimento por conceitos que natildeo eacute intuitivo mas

discursivordquo (CRPu B 93)

Eacute esse itineraacuterio que fica bloqueado E uma ampliaccedilatildeo da consciecircncia somente ocorre-

ria com a mudanccedila natildeo apenas no sentido mas na possibilidade de conhecimento O conhe-

cimento discursivo por mais que seja importante deve ser precedido por algo que estaacute fora do

domiacutenio conceitual do sujeito transcendental a noccedilatildeo de verdade objetiva O sujeito transcen-

dental queda insuficiente em se tratando da possibilidade de conhecimento por natildeo ser dado

agraves suas estruturas material veriacutedico para sua siacutentese e ajuizamento E isso devido ao fato de

negar a verdade em seu nuacutecleo sensiacutevel concreto presente no objeto e disponibilizado ao

sujeito somente via radical imersatildeo na experiecircncia Eacute nesse momento que podemos entender

claramente a afirmaccedilatildeo adorniana na Dialeacutetica negativa a qual aponta para o fato de que o

ldquoconceito eacute um momento como outro qualquer na loacutegica dialeacuteticardquo E da ldquonecessidade que a

filosofia tem de operar com conceitos natildeo se pode fazer-se a virtude de sua prioridaderdquo (DN

2005 p 23)

Sua natildeo prioridade se justifica na discussatildeo que envolve dois termos decisivos para

Adorno os quais serviratildeo de impulso agrave compreensatildeo do momento especiacutefico que a razatildeo in-

terpretativa e a capacidade conceitual ocupam dentro deste quadro teoacuterico Refiro-me aos

termos constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade

Em se tratando do ajuizamento e expressatildeo vale destacar ldquoO criteacuterio do verdadeiro

natildeo eacute sua imediata comunicabilidade a algueacutem Agora que todo passo em direccedilatildeo agrave

comunicaccedilatildeo vende e falsifica a verdade deve-se resistir agrave coaccedilatildeo quase universal de

confundir o conhecido com sua comunicaccedilatildeo e inclusive situaacute-la acima delerdquo (DN 2005

p49) O fato de ser dito natildeo justifica ser verdade Toda forma de comunicaccedilatildeo pode ser cami-

nho em direccedilatildeo ao ocultamento agrave natildeo evidecircncia na direccedilatildeo de uma pseudo comunicaccedilatildeo O

juiacutezo pode representar a falsa consciecircncia Esse fator reafirma a problemaacutetica que bloqueou o

itineraacuterio teoacuterico kantiano

Diante desse bloqueio ou em outros termos diante do caraacuteter problemaacutetico estabele-

cido entre a sensibilidade e o entendimento eacute possiacutevel situar a partir de Adorno alguns indi-

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cativos que vecircm suprir a lacuna gerada pela ausecircncia de evidecircncia Tais indicativos satildeo condi-

ccedilotildees que garantem agrave subjetividade o conteuacutedo daquilo com o qual se relaciona e representam

o momento dialeacutetico necessaacuterio para a continuaccedilatildeo do processo de formaccedilatildeo da consciecircncia ndash

conforme seraacute posteriormente desenvolvido Os indicativos que pontuo como soluccedilotildees ao

problema indicado satildeo a noccedilatildeo de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade Esses se vinculam

diretamente ao objeto colocando-os na posiccedilatildeo de desafio e exigecircncia agrave razatildeo interpretativa

O termo razatildeo interpretativa tem sentido muito proacuteprio em Adorno indicando inclu-

sive a vinculaccedilatildeo com aquilo que ele denomina na Teoria esteacutetica de racionalidade esteacutetica

Enquanto interpretaccedilatildeo ocorre a ldquonegaccedilatildeo da ideia absoluta o conteuacutedo jaacute natildeo pode identifi-

car-se com a razatildeo como postulava o idealismo criacutetica da onipotecircncia da razatildeo ele deixa

por seu lado de ser racional segundo as normas do pensamento discursivordquo (TE p40) Nesse

sentido eacute impossiacutevel chegar a uma evidecircncia do conteuacutedo a ponto de resolver o interpretado

pois ldquodeve-se interpretar-se e natildeo ser substituiacuteda pela claridade do sentidordquo (TE p42)

Com o sentido de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade se postula a autocriacutetica da razatildeo

gerando a consciecircncia dos fatores que impedem o acesso ao material confiaacutevel via sentidos

Isso para Adorno eacute a racionalidade esteacutetica

Enquanto que o conhecimento discursivo acede agrave realidade mesmo nas suas irracio-nalidades que por sua vez correspondem agrave lei do seu movimento haacute nelas algo de inflexiacutevel em relaccedilatildeo ao conhecimento racional A este uacuteltimo eacute estranho o sofri-mento pode defini-lo subsumindo-o fazer dele um meio de pacificaccedilatildeo Mas soacute com dificuldade o pode exprimir atraveacutes da sua experiecircncia isso significaria a sua irracionalidade O sofrimento reduzido ao seu conceito permanece mudo e sem consequumlecircncias [] a verdade eacute concreta (TE p30)

Mas para chegar a um conteuacutedo ou a seu sentido algumas consideraccedilotildees satildeo funda-

mentais e visando inclusive aprofundar o proacuteprio conceito de interpretaccedilatildeo partimos para o

proacuteximo item deste capiacutetulo

23 Constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade marcas do pensamento poacutes-metafiacutesico em Adorno

O termo constelaccedilatildeo proacuteprio de sua obra Teoria esteacutetica remete ao quatildeo insuficiente

eacute um conceito em sua tentativa de capturar o real A razatildeo interpretativa deve se comportar

como a arte daiacute uma racionalidade esteacutetica semelhante a ldquoum iacutematilde num campo de limalha de

ferro Natildeo apenas os seus elementos mas tambeacutem a sua constelaccedilatildeo o especificamente esteacuteti-

co que se atribui comumente ao seu espiacuterito remete para este Outrordquo (TE p18) Em outra

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passagem assim eacute exposto ldquoA arte tem o seu conceito na constelaccedilatildeo de momentos que se

transformam historicamente fecha-se assim a definiccedilatildeordquo (TE p12)

Esta racionalidade interpretativa exige uma caracteriacutestica a sensibilidade Em outras

palavras eacute uma racionalidade em radical viacutenculo com a efetividade da experiecircncia Desse

modo a sensibilidade natildeo eacute algo agrave parte um momento primeiro e rapidamente superado pelo

momento intelectivo Converte-se na condiccedilatildeo para apreender o objeto por isso a necessidade

de sua permanente renovaccedilatildeo

Como eacute possiacutevel dizer algo Somente via constelaccedilatildeo ou seja na abertura do devir

histoacuterico e na capacidade de congregar sentido mediante a percepccedilatildeo dos conteuacutedos de verda-

de Exatamente por natildeo ser imutaacutevel a verdade se constitui em conteuacutedo a consciecircncia que se

expressa em confronto com a constelaccedilatildeo de momentos que formam um objeto O que forma

o objeto A totalidade de seus momentos sua constelaccedilatildeo Em se tratando do termo consciecircn-

cia eacute possiacutevel afirmaacute-la como sendo o conteuacutedo interno ao sujeito o qual equivale ao niacutevel de

experiecircncia que tenho

Theodor Adorno utiliza o conceito constelaccedilatildeo para trazer ao centro da experiecircncia

esteacutetica a riqueza constitutiva do outro Natildeo eacute mais um uacutenico olhar segundo uma uacutenica loacutegi-

ca interpretativa que consegue capturar o real retendo-o em uma caacutepsula conceitual mas ao

contraacuterio um jogo de forccedilas constitutivas entra em accedilatildeo quando a relaccedilatildeo de diferenciados

ocorre Esse jogo segue a regra de que um uacutenico conceito natildeo contempla a totalidade do obje-

to mas diante da constelaccedilatildeo de sentido diversos conceitos dialogam visando a compreen-

satildeo Poreacutem natildeo eacute simplesmente constelaccedilatildeo de conceitos mas eacute a consideraccedilatildeo da riqueza

constitutiva do outro no instante da relaccedilatildeo Os dois poacutelos da relaccedilatildeo estatildeo em jogo com uma

constelaccedilatildeo de significados uma riqueza constitutiva que natildeo se enclausura em caacutepsulas con-

ceituais ndash por isto eacute constelaccedilatildeo Em linguagem metafoacuterica Adorno se utiliza do exemplo do

imatilde em um campo de limalha de ferro tudo entra em relaccedilatildeo remetendo agrave relaccedilatildeo de diferen-

ciados Fecha-se assim agrave definiccedilotildees por ser uma constelaccedilatildeo de momentos em permanente

abertura histoacuterica

O termo sedimento da histoacuteria no texto Sobre sujeito e objeto remete claramente ao

quanto a consciecircncia eacute determinada pela relaccedilatildeo com aquilo que ela mesma natildeo eacute o outro

Somos resultado da histoacuteria e como tal natildeo haacute a menor possibilidade em persistir sem mais

na captura conceitual cuja pretensatildeo eacute convencionar o sentido Em contraposiccedilatildeo com o idea-

lismo no qual ldquopensar eacute conhecer por conceitosrdquo (CRPu B 94) temos o pensamento como

algo que ldquonatildeo se esgota nem no processo psicoloacutegico nem na loacutegica formal pura intemporal Eacute

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um modo de comportamento ao qual eacute imprescindiacutevel a referecircncia agravequilo com o qual se rela-

cionardquo (OPF p18)

A sensibilidade natildeo fornece e tampouco o entendimento interioriza por completo

seus objetos Duas vias impedem este fornecimento e esta interiorizaccedilatildeo Por um lado temos a

perda da evidecircncia conforme analisado no item anterior Por outro lado ocorre o limite inter-

pretativo da razatildeo a qual gera nada menos que a consciecircncia limitada Em ambos percebe-se

a ausecircncia da possibilidade de experiecircncia que eacute falha na dialeacutetica entre pensamento e reali-

dade A necessidade da Filosofia estaacute em ser forccedila de reflexatildeo sobre o outro a alteridade natildeo

nele mesmo e por ele mesmo mas a partir dele em sua natildeo igualdade impulsionadora da ex-

periecircncia Na terra de iguais natildeo se tem motivo para pensar O pensamento ocorre por causa

da diversidade da tensatildeo da dinacircmica caracterizada pela contradiccedilatildeo

Havendo conteuacutedo de verdade estando o outro imerso em uma constelaccedilatildeo de momen-

tos que o constituem isso remete agrave exigecircncia da razatildeo interpretativa a qual se contrapotildee agrave

clareza de sentido Se houvesse clareza de sentido natildeo precisariamos interpretar A exigecircncia

de interpretaccedilatildeo eacute considerada desse modo exigecircncia filosoacutefica fundante O outro em sua

constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade natildeo eacute somente intuitivo Enquanto empiria eacute possiacutevel ad-

mitir tal reduccedilatildeo Poreacutem se houvesse esta reduccedilatildeo a fascinaccedilatildeo de sua percepccedilatildeo imediata

seria suficiente e desse modo perder-se-ia toda riqueza constitutiva que estaacute aleacutem do conteuacute-

do imediato dado pelos sentidos Em sua constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade o outro eacute impul-

so interpretativo motivo de pensamento e partindo dele conteuacutedo filosoacutefico Eacute filosoacutefico por

natildeo se reduzir agrave intuiccedilatildeo mas apontar estiacutemulo ao pensamento ndash isto converteu aquilo que na

teoria do conhecimento tradicional era tido como objeto em algo qualitativamente distinto o

OUTRO

Onde se localiza o sujeito dessa razatildeo interpretativa e quando eacute possiacutevel dizer que tal

sujeito existe Adorno situa essa possibilidade afirmando que o ldquoindiviacuteduo se converte em

sujeito na medida em que graccedilas a sua consciecircncia individual se objetiva tanto na unidade de

si mesmo quanto de suas experiecircncias ambas podem ser negadas aos animaisrdquo (DN 2005

p53) Esta consciecircncia individual pode ser aproximada salvo algumas restriccedilotildees agrave

autoconsciecircncia kantiana Exporei aspectos da teoria kantiana acerca disso para apoacutes

estabelecer as discussotildees

Na Criacutetica da razatildeo pura ocorre a indicaccedilatildeo clara do que significa para o ser humano

o reconhecimento da siacutentese das representaccedilotildees como propriedade individual Todas as repre-

sentaccedilotildees constituem uma totalidadeunidade na autoconsciecircncia a qual eacute denominada ldquouni-

dade transcendental da autoconsciecircnciardquo Essa unidade significa que ldquoas diversas representa-

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ccedilotildees natildeo seriam representaccedilotildees minhas se natildeo pertencessem na sua totalidade a uma auto-

consciecircnciardquo Eacute a ldquoligaccedilatildeo originaacuteriardquo de todas as representaccedilotildees Para Kant a consciecircncia

empiacuterica eacute dispersa e sem referecircncia agrave identidade do sujeito Tal referecircncia agrave identidade do

sujeito se estabelece ldquoporque acrescento uma representaccedilatildeo agrave outra e tenho consciecircncia da sua

siacutenteserdquo A ligaccedilatildeo originaacuteria agrave identidade do sujeito ocorrida pela autoconsciecircncia somente

ocorre devido exatamente agrave consciecircncia da siacutentese de tais representaccedilotildees num mesmo sujeito

gerando assim o eu idecircntico Por esta unidade de todas as representaccedilotildees na consciecircncia eacute

possiacutevel formar inclusive a unidade do sujeito Se assim natildeo o fosse ldquoteria um eu tatildeo

multicolor e diverso quanto tenho representaccedilotildees das quais sou conscienterdquo (cf CRPu B

132-134)

Partindo de tais referenciais eacute possiacutevel estabelecer um paralelo entre a concepccedilatildeo kan-

tiana da formaccedilatildeo da autoconsciecircncia com a concepccedilatildeo adorniana de tal formaccedilatildeo Um passo

decisivo dado por Adorno estaacute na relevacircncia que a continuidade histoacuterica tem na formaccedilatildeo do

eu Com o desaparecimento da consciecircncia da continuidade histoacuterica ocorre natildeo somente a

perda da referecircncia quanto ao devir histoacuterico mas o esfacelamento da consciecircncia que natildeo

reconhece a totalidade dos momentos como seu constitutivo essencial Isso remete ao fato de

que a autoconsciecircncia deve significar a existecircncia do eu idecircntico pois apesar de no devir his-

toacuterico na tensatildeo histoacuterica de todo encontro e busca da verdade natildeo haver a identidade entre

sujeito e seu outro apesar disso as experiecircncias constituiacutedas pelo indiviacuteduo devem ser repre-

sentadas como propriedade uacutenica de si mesmo

Eacute a noccedilatildeo de que apesar da natildeo possibilidade de representar a totalidade do outro em

minha consciecircncia aquilo que se representa eacute conteuacutedo proacuteprio e forma a autoconsciecircncia

Isso tem consequecircncia em questotildees morais pois diante da impossibilidade de representaccedilatildeo

plena se exige a relaccedilatildeo permanente o encontro constante e na perspectiva adorniana este

encontro deve ocorrer de modo a permitir uma situaccedilatildeo na qual eacute possiacutevel ser diferente sem

ter medo (cf MM 66 p89) Ocorre o entendimento que toda representaccedilatildeo eacute representaccedilatildeo de

um momento histoacuterico de modo que a razatildeo permanece em estranhamento diante do real Eacute

ldquoa siacutentese natildeo violenta do dispersordquo (TE p165) que ocorre apesar de permitir ao outro conti-

nuar sendo ele para aleacutem do meu conteuacutedo de consciecircncia Em se tratando de consciecircncia

moral Adorno argumenta que essa na doutrina kantiana eacute a ldquovoz da lei moralrdquo e somente se

converte em consciecircncia devido agrave forccedila de coerccedilatildeo social que se impotildee mediante seu caraacuteter

de universalidade e necessidade (cf DN 2009 p226 e 230)

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Retornando ao problema da representaccedilatildeo e utilizando outra anaacutelise da Teoria esteacuteti-

ca percebemos que a relaccedilatildeo da razatildeo interpretativa diante da obra de arte eacute a mesma relaccedilatildeo

que essa razatildeo deve estabelecer com tudo o que entra em seu ciacuterculo de contato

Se uma obra se abre inteiramente atinge-se entatildeo a sua estrutura interrogativa e a re-flexatildeo torna-se obrigatoacuteria em seguida a obra afasta-se para finalmente assaltar uma segunda vez com o laquoo que eacute istoraquo aquele que se sentia seguro da questatildeo Eacute possiacutevel poreacutem reconhecer como constitutivo o caraacuteter enigmaacutetico laacute onde ele falta as obras de arte que se apresentam sem resiacuteduo agrave reflexatildeo e ao pensamento natildeo satildeo obras de arte (TE p142)

Este caraacuteter de instigaccedilatildeo agrave razatildeo e consequentemente de permanente enriquecimento

da experiecircncia eleva o outro esse que era considerado tradicionalmente objeto agrave dignidade

de estar-aiacute com riqueza constitutiva para aleacutem da minha apreensatildeo Parafraseando Adorno o

ldquoobjetordquo que se apresenta sem resiacuteduo agrave reflexatildeo e ao pensamento natildeo eacute ldquoobjetordquo

Educacionalmente se impotildee o desafio de constituir a consciecircncia verdadeira na exi-

gecircncia de que ldquoo princiacutepio do esclarecimento da consciecircncia seja aplicado na praacutetica educa-

cionalrdquo principalmente diante do fato de que

a proacutepria organizaccedilatildeo do mundo em que vivemos e a ideologia dominante [] ou seja a organizaccedilatildeo do mundo converteu-se a si mesma imediatamente em sua proacute-pria ideologia Ela exerce uma pressatildeo tatildeo imensa sobre as pessoas que supera toda a educaccedilatildeo Seria efetivamente idealista no sentido ideoloacutegico se quiseacutessemos com-bater o conceito de emancipaccedilatildeo sem levar em conta o peso imensuraacutevel do obscu-recimento da consciecircncia pelo existente (EE p142-143 ndash grifo nosso)

Isso explica o motivo pelo qual muitas vezes a escola pode sofrer de insuficiecircncia

formativa Frente agrave pressatildeo do mundo sobre os indiviacuteduos sua consciecircncia sofre muito mais o

impacto por tal pressatildeo do que pela accedilatildeo pedagoacutegica desenvolvida por um professor ou insti-

tuiccedilatildeo escolar

3 A IMPOSSIBILIDADE DO REINO DOS FINS MEDIANTE A FORCcedilA DO IMPERA-TIVO CATEGOacuteRICO UMA CONTRAPOSICcedilAtildeO FUNDADA EM ADORNO

Karl Kraus em Os uacuteltimos dias da humanidade apresenta a confianccedila total que se cri-

ou sobre o ser humano cuja forccedila do dever e a forccedila moral em agir por puro amor ao dever eacute o

imperativo maacuteximo de conduta E apresenta isso como criacutetica para deixar claro que o proacuteprio

periacuteodo da Primeira Guerra Mundial tinha como pressuposto da vitoacuteria a forccedila interna gerada

pelo imperativo categoacuterico natildeo pode haver derrota pois nada eacute mais forte que o sujeito que

age movido por tal forccedila Kraus descrevendo uma cena em um quartel-general alematildeo diz

a firme esperanccedila de que o Senhor dos Exeacutercitos continuaraacute a estar do nosso lado Se o inimigo natildeo quiser a paz entatildeo teremos noacutes que trazer a paz ao mundo arrom-bando com punho de ferro e espada flamejante os portotildees daqueles que natildeo querem a paz [] Os feitos heroacuteicos das nossas tropas os ecircxitos dos nossos grandes gene-rais as admiraacuteveis realizaccedilotildees da paacutetria tecircm as suas raiacutezes em uacuteltima anaacutelise nas forccedilas morais inculcadas ao nosso povo numa escola exigente a do imperativo cate-goacuterico [] A nossa vitoacuteria devemo-la em parte natildeo pequena agraves riquezas morais e espirituais que o grande saacutebio de Koumlnigsberg ofereceu ao nosso povo (2003 p287-288)

Por certo que Kant natildeo esperava esta realizaccedilatildeo do indiviacuteduo formado em sua ldquoesco-

lardquo Mas o desenvolvimento histoacuterico mostrou que a contingecircncia estaacute muito mais presente na

ldquocoluna vertebral da moralidaderdquo do que ele pocircde imaginar no seacuteculo XVIII E assim eacute que o

ser humano se tornou cego no seguir a vontade fruto daquele estreitamento que o amor agrave lei

estabelece Cegueira que natildeo reconhece mais o contexto em seu nuacutecleo de forccedila a rigidez do

agir por puro respeito agrave lei pode se tornar fechada na lei por ela mesma A advertecircncia neo-

testamentaacuteria do cristianismo remete agrave necessidade de que a lei natildeo estaacute acima do ser humano

nem este fora feito para ela mas o radical contraacuterio Soma-se a isso a exigecircncia de que em

consideraccedilatildeo praacutetica o puro amor deve ser pelo diverso na sua contingecircncia histoacuterica Exis-

tem muito mais coisas de incerto do que puderam imaginar os defensores do caraacuteter de neces-

sidade

O seacuteculo XX testemunhou os maiores exemplos de atrocidades jamais realizadas contra

a humanidade A efetivaccedilatildeo da extinccedilatildeo em massa natildeo liquidou apenas indiviacuteduos humanos

mas arrasou o ideal do Reino dos fins O imperativo categoacuterico pretendia formar um estado

verdadeiramente humano em que nada poderia estar acima da dignidade humana Tambeacutem

tinha a pretensatildeo de formar o sujeito moralmente inabalaacutevel aquele que nada o altera em seu

equiliacutebrio na rigidez de caraacuteter como nuacutecleo de forccedila A grande contribuiccedilatildeo de Kant estaacute eacute

claro no fato de analisar as condiccedilotildees a partir das quais se poderia evitar que o sujeito se con-

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vertesse em uma mera esponja assim Kant acredita ser necessaacuterio arrancar o sujeito das de-

terminaccedilotildees heterocircnomas Poreacutem este autocircnomo abstraiu tanto o Outro que acabou impedin-

do o encontro a experiecircncia e a linguagem A noccedilatildeo de mimese encontra espaccedilo nesta triacuteade

Analisemos esses termos separadamente

Eacute o encontro entre diferenciados que estabelece as bases para toda experiecircncia possiacute-

vel e ele natildeo se limita ao momento inicial da relaccedilatildeo mas eacute constituinte permanente na am-

pliaccedilatildeo da consciecircncia Desse modo eacute que mesmo que a razatildeo tenha que operar com concei-

tos eles natildeo estatildeo em um patamar de substituiccedilatildeo ao fato mesmo

Retornando agrave discussatildeo do capiacutetulo anterior o termo consciecircncia deve ser entendido

natildeo somente como o espaccedilo de lucidez do entendimento quando tenho clareza no pensar mas

aponta a uma riqueza constitutiva

eacute o pensar em relaccedilatildeo agrave realidade ao conteuacutedo ndash a relaccedilatildeo entre as formas e estruturas do pensamento do sujeito e aquilo que este natildeo eacute Este sentido mais profundo de consciecircncia ou faculdade de pensar natildeo eacute apenas o desenvolvimento loacutegico formal mas ele corresponde literalmente agrave capacidade de fazer experiecircncias Eu diria que pensar eacute o mesmo que fazer experiecircncias intelectuais Nesta medida e nos termos que procuramos expor a educaccedilatildeo para a experiecircncia eacute idecircntica agrave educaccedilatildeo para a emancipaccedilatildeo (EE p151)

Aqui o encontro expressa toda sua forccedila formadora pois na permanecircncia dele eacute que

ocorre a possibilidade de ampliaccedilatildeo do conhecimento Natildeo mais no a priori mas na experiecircn-

cia sempre renovada Assim como a histoacuteria tem a dinamicidade da mudanccedila permanente o

entendimento que natildeo respeita isso sofre o problema de natildeo ter seus conceitos adequados ao

empiacuterico Essa insuficiecircncia liquida a primazia do sujeito doador de sentido pois o real estaacute

sempre fugindo aos modelos ideais estabelecidos A advertecircncia de Heraacuteclito de que natildeo eacute

possiacutevel entrar duas vezes em um mesmo rio elucida isso perfeitamente O juiacutezo eacute sempre

insuficiente pois o fato mesmo (seja do eu quanto do Outro) estaacute em constante mudanccedila exi-

gindo a mesma postura da linguagem

A primazia da experiecircncia ou primazia da relaccedilatildeo deve ser o criteacuterio para o conheci-

mento em constante progresso Em termos dialeacuteticos isso natildeo significa nem a primazia do

sujeito como Kant o propocircs tampouco a primazia do objeto como o quis Adorno indicando

aquilo que natildeo eacute acreacutescimo subjetivo o natildeo-idecircntico O que se propotildee eacute antes a centralidade

do encontro cuja base estaacute na dinacircmica de constante enfrentamento de diferenciados Assim

se estabelece um giro na teoria do conhecimento onde a preocupaccedilatildeo estaacute nos constituintes da

relaccedilatildeo Como esta deve se estabelecer para que natildeo ocorra a ruptura no processo de escla-

recimento Se haacute um sujeito e um objeto ou sujeitos ou ainda somente objetos isto eacute secun-

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daacuterio diante daquilo que ocorre entre eles O papel da filosofia estaacute nessa definiccedilatildeo Temos

entatildeo que o encontro e a experiecircncia representam um nuacutecleo de tensatildeo natildeo passiacutevel de repou-

so e assim condiccedilatildeo para a ampliaccedilatildeo da consciecircncia Disso resulta a riqueza de linguagem Eacute

impossiacutevel ter o que dizer sobre algo que foge do meu universo experiencial E quando a proacute-

pria experiecircncia eacute limitada limitada tambeacutem eacute minha expressatildeo

A expressatildeo eacute a capacidade de acoplar agraves manifestaccedilotildees linguiacutesticas toda riqueza da

experiecircncia adquirida E isso exige rigor pois toda palavra dita superficialmente sofre a ca-

recircncia de natildeo se aproximar e tampouco se demorar sobre o outro Expressatildeo e rigor satildeo as

condiccedilotildees do conhecimento Poreacutem o rigor natildeo eacute reduccedilatildeo E a mimese eacute o nome dado a este

processo que vai da abertura ao encontro e ampliaccedilatildeo da consciecircncia ateacute a sua objetivaccedilatildeo

como linguagem no mundo sensiacutevel (seja mediante a fala gestos criaccedilatildeo artiacutestica) Mimese

eacute o braccedilo estendido ao que me eacute diferente que ocorre no momento em que se efetiva o encon-

tro Um braccedilo estendido que reconhece a dor alheia poreacutem natildeo eacute reconhecimento somente

racional mas sensiacutevel que encontra reaccedilatildeo no corpo Conforme Tiburi miacutemesis eacute ldquomuito

mais do que tentativa de reproduccedilatildeo do objeto por um sujeito seria a tentativa de tocaacute-lo de

modo sensiacutevelrdquo (2005 p137 ndash grifo nosso)

O tocar sensiacutevel a aproximaccedilatildeo que se pode definir como afetiva pois envolve o sen-

timento afeiccedilatildeo permite o reconhecimento de si e do outro ao mesmo tempo em que permite

a diferenccedila entre ambos Esse modo de conceber a miacutemesis ldquoindicaria muito mais uma dimen-

satildeo essencial do pensar esta dimensatildeo de aproximaccedilatildeo natildeo violenta luacutedica carinhosa []

uma aproximaccedilatildeo do outro que consiga compreendecirc-lo sem prendecirc-lo e oprimi-lo que consi-

ga dizecirc-lo sem desfiguraacute-lo Essa proximidade na qual o espaccedilo da diferenccedila e da distacircncia

seja respeitado sem anguacutestiardquo (GAGNEBIN 2005 p101) Desse modo a origem eacute fiacutesica e

provoca fisicamente natildeo apenas intelectualmente ldquoO sofrimento reduzido ao seu conceito

permanece mudo e sem consequecircnciasrdquo (TE p30) Aqui estaacute a dor mesma quando ocorre a

sua negaccedilatildeo ldquoO que tem de doloroso eacute a dor elevada a conceitordquo (DN 2005 p18) Essa eacute a

pobreza de relaccedilatildeo mimeacutetica e de experiecircncias pelo sacrifiacutecio da diversidade qualificada

Eacute o que se percebe em Kafka quando na cena final de O Processo K exclama derra-

deiramente ldquocomo um catildeordquo por natildeo ser reconhecido e o encontro natildeo ter se efetivado Conse-

quentemente o estado humano tornou-se impossiacutevel e o fracasso do Reino dos fins eminente

Agora parece haver uma terra de ningueacutem entre os dois lados da relaccedilatildeo Mais uma vez torna-

se legiacutetima a preocupaccedilatildeo com os termos do encontro e sua primazia Em Kafka a mimese

natildeo se efetiva pois o encontro mimeacutetico eacute rompido pelo problema da individuaccedilatildeo e indife-

renccedila Reconhecer o outro em sua dignidade passa pela consideraccedilatildeo de sua diferenccedila e isso

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garante a individuaccedilatildeo necessaacuteria agrave natildeo indiferenccedila13 Adorno potildee esse problema no centro da

questatildeo da barbaacuterie pois ldquose as pessoas natildeo fossem profundamente indiferentes em relaccedilatildeo ao

que acontece com todas as outras excetuando o punhado com quem mantecircm viacutenculos estritos

e possivelmente por intermeacutedio de alguns interesses concretos entatildeo Auschwitz natildeo teria

sido possiacutevel as pessoas natildeo o teriam aceito (EE p134)

Pontuando um problema a partir da teoria kantiana temos a constataccedilatildeo da natildeo reali-

zaccedilatildeo do reino dos fins segundo os moldes do imperativo categoacuterico Auschwitz foi o exem-

plo deste fracasso pois aqueles que deveriam ser os fins passaram a ser possuidores de exis-

tecircncia insignificante O ideal de dignidade proacuteprio do reino kantiano natildeo se atribui a univer-

salidade e entatildeo Adorno potildee o diagnoacutestico natildeo haacute mais vida ndash seres humanos foram reduzi-

dos a mera fumaccedila serpenteando ao ceacuteu pela chamineacute dos fornos dos campos de extermiacutenio14

Esse foi o exemplo maacuteximo da indiferenccedila que destroacutei aniquila o diferente E o fracasso do

reino kantiano se deve exatamente no fato de que a comunicaccedilatildeo foi negada diante da ausecircn-

cia mimeacutetica ndash comunicar-se consigo mesmo como uma mocircnada petrificada Pensar em hu-

manidade exige entatildeo dois pressupostos o encontro e a comunicaccedilatildeo

A forccedila do imperativo categoacuterico visava impedir que o homem entendido como hu-

manidade dispusesse de si mesmo para atentar contra a raccedila humana A ecircnfase posta desde

Aristoacuteteles no ideal da vida justa a retidatildeo que se conquista pela razatildeo orientada para uma

medida justa nas accedilotildees converte-se nas palavras de Adorno em triste ciecircncia E o problema

chave disso estaacute do diagnoacutestico apresentado ainda em Dialeacutetica do Esclarecimento

O processo teacutecnico no qual o sujeito se coisificou apoacutes sua eliminaccedilatildeo da consciecircn-cia estaacute livre da plurivocidade do pensamento miacutetico bem como de toda significa-ccedilatildeo em geral porque a proacutepria razatildeo se tornou um mero adminiacuteculo da aparelhagem econocircmica que a tudo engloba Ela eacute usada como um instrumento universal servindo para a fabricaccedilatildeo de todos os demais instrumentos (p41-42)

E a essecircncia desse novo momento da razatildeo estaacute na sua conversatildeo em meacutetodo perden-

do com isso a referecircncia ao conceito de reta razatildeo a atribuiccedilatildeo do agir humano em relaccedilatildeo

aos outros conforme projeto aristoteacutelico

A teacutecnica eacute a essecircncia desse saber que natildeo visa conceitos e imagens nem o prazer do discernimento mas o meacutetodo a utilizaccedilatildeo do trabalho de outros o capital[] O que os homens querem aprender da natureza eacute como empregaacute-la para dominar completamente a ela e aos homens Nada mais importa Sem a menor consideraccedilatildeo

13 Sobre o problema da individuaccedilatildeo e indiferenccedila ver tambeacutem Civilizaccedilatildeo e barbaacuterie organizado por Adauto Novaes 2004 14 Ver Dialeacutetica negativa (2003) p332

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consigo mesmo o esclarecimento eliminou com seu cauteacuterio o uacuteltimo resto de sua proacutepria autoconsciecircncia (DE p20)

A eliminaccedilatildeo natildeo somente da consciecircncia entendida como aquela ampliaccedilatildeo do

horizonte de sentido mediante a experiecircncia conforme exposto acima mas da proacutepria

autoconsciecircncia enquanto conhecimento de si mesmo permite o agir livre de qualquer

medida pois uma vez recusada toda ldquoverdade objetiva atraveacutes do recurso ao sujeito implica a

proacutepria negaccedilatildeo deste uacuteltimo natildeo resta nenhuma medida para a medida de todas as coisas

que sucumbe agrave contingecircncia e se torna uma inverdaderdquo (MM 39 p54)

Nesta carecircncia de limite eacute que ocorre o fato original para Adorno Auschwitz Nele a

negaccedilatildeo absoluta da vida e a ausecircncia total de limites marca a contingecircncia na sua dimensatildeo

negativa destrutiva pois os ldquoespeacutecimesrdquo da raccedila humana laacute estavam natildeo por outro motivo a

natildeo ser para o extermiacutenio15 A noccedilatildeo de reino volta com sua forccedila total natildeo enquanto

reconciliaccedilatildeo de sujeito e objeto pela forccedila do conceito Falar na possibilidade de um reino

remete agrave humanidade reconciliada na perspectiva da plena realizaccedilatildeo das diferenccedilas A

reconciliaccedilatildeo inicia no acircmbito individual quando natildeo tenho nenhum receio em ser diferente

quando as singularidades satildeo estiacutemulos agrave comunicaccedilatildeo e natildeo sua reduccedilatildeo Somente a partir

de entatildeo eacute possiacutevel pensar a humanidade como o quis Kant um Reino dos fins pois nada

estaraacute acima do encontro que gera a riqueza de experiecircncia e de comunicaccedilatildeo o que remete a

um alargamento do conceito de constituiccedilatildeo da consciecircncia moral enquanto base teoacuterico-

praacutetica para o estado humano

Para educar seguindo essa linha teoacuterica exige-se um preacute-requisito a permanente

comunicaccedilatildeo de diferenciados Eacute possiacutevel comparar a educaccedilatildeo com o desenvolvimento das

condiccedilotildees em co-habitar Enquanto habitarmos as fronteiras das relaccedilotildees negando ou

esquecendo de ocupar o espaccedilo do encontro toda possiacutevel relaccedilatildeo seraacute de total diferenciaccedilatildeo

ou radical identidade Encontro significa compartir as diferenccedilas na co-habitaccedilatildeo Precisamos

ocupar o territoacuterio esse meio no qual a educaccedilatildeo se efetiva saindo dos extremos fronteiriccedilos

em direccedilatildeo ao nuacutecleo onde ocorre a comunicaccedilatildeo essa eacute efetivaccedilatildeo da dialeacutetica do tato

exposta na Minima moralia (16 p29) Eacute possiacutevel afirmar que esta dialeacutetica do con-tato eacute o

que torna possiacutevel a riqueza de consciecircncia e a representaccedilatildeo deste conteuacutedo na relaccedilatildeo

imediata com o outro

Baseado no pressuposto da dialeacutetica do tato como nuacutecleo de forccedila tanto do

conhecimento quanto em questotildees morais percebe-se que tanto as ideias de Platatildeo quanto o 15 Sobre isso ver a magniacutefica obra de Robert Antelme A espeacutecie humana Apresentarei alguns elementos desta obra no decorrer do quinto capiacutetulo

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sujeito transcendental com seus juiacutezos sinteacuteticos a priori estatildeo carentes de realidade e sem

efetiva consequecircncia sobre o real A ampliaccedilatildeo que Kant quis seguindo esses termos natildeo

passa de reduccedilatildeo tanto epistemoloacutegica quanto de nuacutecleo de forccedila para constituir a boa

vontade pois tanto as formas quanto o a priori carecem de realidade e determinaccedilatildeo da

realidade Quando o conceito e a consequente possibilidade de ajuizamento se constituem de

forma pura natildeo incorremos no erro de darmos agrave luz um pre-conceito

Retomando a discussatildeo sobre a possibilidade de uma ampliaccedilatildeo do conceito de

constituiccedilatildeo do sujeito a criacutetica a Kant se baseia na insuficiecircncia da formaccedilatildeo da consciecircncia

moral nos moldes apresentados na Criacutetica da razatildeo praacutetica Em termos eacuteticos a noccedilatildeo kanti-

ana de formaccedilatildeo da consciecircncia eacute reducionista e assim sem forccedila para definir a accedilatildeo o que

resulta na impossibilidade de realizaccedilatildeo do reino dos fins mediante a forccedila do imperativo ca-

tegoacuterico Esse imperativo propotildee uma forccedila natildeo suportada pelo sujeito que estaacute em permanen-

te constituiccedilatildeo e portanto em um constante reformular da siacutentese operada pelo entendimento

No capiacutetulo denominado Liberdade na Dialeacutetica negativa (2009 p180) Adorno potildee

em tensatildeo o princiacutepio da vontade com o princiacutepio de realidade Desse modo afirma que para

Kant ldquoa vontade seria a unidade normativa de todos os impulsos que se revelam ao mesmo

tempo como espontacircneos e racionalmente determinados em contraposiccedilatildeo agrave causalidade natu-

ral [] lsquoLiberdadersquo seria a palavra para designar a possibilidade desses impulsosrdquo Seguindo

a linha argumentativa e recorrendo agrave psicologia analiacutetica insere na discussatildeo sobre a vontade

e a moralidade a noccedilatildeo de princiacutepio de realidade segundo o qual ldquoinuacutemeros fatores da reali-

dade exterior sobretudo da realidade social entram nas decisotildees assinaladas pela vontade e

pela liberdaderdquo Dentro desse princiacutepio estaacute inserido o sujeito empiacuterico o qual deve ser consi-

derado como aquele que ldquotoma tais decisotildees ndash e somente um sujeito empiacuterico pode tomaacute-las

o lsquoeu pensorsquo transcendentalmente puro natildeo seria capaz de nenhum impulsordquo Esse sujeito eacute

ldquoele mesmo momento do mundo lsquoexteriorrsquo espacio-temporal e natildeo tem nenhuma prioridade

ontoloacutegica em face delerdquo que permita o esquecimento e abandono de tudo o que eacute finito e aci-

dental de tudo o que envolve a contingecircncia humana mergulhada na experiecircncia

Eacute possiacutevel afirmar que o eu penso transcendentalmente puro falha na possibilidade de

decisatildeo pelo fato de lhe faltar a prova da realidade Os fatores da realidade exterior e social

nos quais o sujeito estaacute inserido e dos quais natildeo pode abstrair interferem na tomada de deci-

sotildees Sem querer negar o princiacutepio da lei estamos diante do questionamento agrave lei considerada

por ela mesma e ao fato de nesta consideraccedilatildeo conseguir constituir o reino dos fins Estando

o ser humano na posiccedilatildeo de fim uacuteltimo uma consideraccedilatildeo se faz indispensaacutevel sendo o indi-

viacuteduo humano um ser historicamente constituiacutedo pressupor o princiacutepio loacutegico-formal como

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condiccedilatildeo imutaacutevel para a accedilatildeo significa retirar o alicerce que permite o juiacutezo luacutecido sobre o

que se deve fazer Na contingecircncia do fato existem constituintes que podem determinar a con-

duta humana para aleacutem das determinaccedilotildees da lei seja esta moral ou juriacutedica

ldquoO sujeito que eacute pretensamente em si eacute mediado nele mesmo por aquilo do que ele se

separa a conexatildeo de todos os sujeitosrdquo (DN 2009 p181) Nesta conexatildeo estaacute localizado o

reino dos fins natildeo simplesmente enquanto ldquoa ligaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios seres racionais por

meio de leis comunsrdquo (FMC BA 74) mas enquanto conexatildeo de todos os sujeitos cuja media-

ccedilatildeo estaacute na humanidade efetiva dele a qual natildeo se reduz agraves exigecircncias loacutegicas e sentidos loacutegi-

cos da razatildeo

O abstrato princiacutepio da moralidade em Kant por mais que esse o queira forte natildeo tem

forccedila suficiente para imediatamente orientar a existecircncia empiacuterica e sua contingecircncia agrave

pretensatildeo de um possiacutevel reino dos fins Apesar da grandeza desse filoacutesofo marcada pela

tentativa de solidificar os princiacutepios supremos da moralidade natildeo haacute a devida consideraccedilatildeo

do elemento existencial efetivamente noacutes somos muito mais experiecircncia e apesar da

necessidade de um elemento eacutetico imperativo que norteasse a vontade na accedilatildeo e sua dinacircmica

existe o elemento da constante decisatildeo a qual estaacute marcada por outra necessidade a da

formaccedilatildeo da vontade

Eacute o problema da possibilidade de converter esta consciecircncia do dever agrave sua realizaccedilatildeo

em material sensiacutevel Como torno disponiacutevel este dado intelectual primeiro (a lei) como uma

efetiva mobilizaccedilatildeo para a contingecircncia da vida Esse problema se sobressai devido ao fato

de esse percurso natildeo ser imediato e tampouco sua ldquoconstruccedilatildeordquo no interior da subjetividade eacute

natural O modo como a subjetividade eacute constituiacuteda resulta na possibilidade de uma

consequecircncia moral decisiva Somente no automatismo da accedilatildeo natildeo ocorre tal constituiccedilatildeo do

mesmo modo que na pura intelectualidade a consciecircncia moral tambeacutem natildeo se efetiva Este

agenciamento se converte entatildeo em algo decisivo

O domiacutenio da lei enquanto ato intelectual bem como a convicccedilatildeo de seu conteuacutedo ou

ainda a atribuiccedilatildeo de valor a uma accedilatildeo a partir da lei esses momentos natildeo se ajustam um ao

outro em uma relaccedilatildeo de causa e efeito como algo natural O a priori no princiacutepio do dever

natildeo se constitui naturalmente como causa de um efeito na experiecircncia Algo falta agrave teoria

kantiana que permitiria aceitar esta iacutentima relaccedilatildeo O conceito de boa vontade poderia ser

admitido como esse elemento pois se por um lado natildeo haacute nada de bom sem limitaccedilatildeo a natildeo

ser a vontade por outro lado pressupor um planeta povoado por pessoas desse niacutevel de

excelecircncia guiados exclusivamente pela boa vontade incorreria no risco de aceitar a

humanidade como algo jaacute formado o que natildeo se pode admitir sob nenhuma perspectiva A

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interioridade natildeo se constroacutei unicamente a priori no abstrato Esta interioridade abstrata eacute

por si soacute tatildeo incerta quanto a experiecircncia desprovida de orientaccedilatildeo

Na Metafiacutesica dos costumes fica claro a diversidade de modos de cumprir o dever

Sobre tal diversidade que contrasta com a uacutenica formulaccedilatildeo do dever a lei moral Kant natildeo

dedica suas paacuteginas Poreacutem por se tratar de uma diversidade em modos de cumprir a lei

moral fica evidente sua identidade com a experiecircncia Eacute assim que a capacidade de decisatildeo

prudente entra em cena e encontra sua base legitimadora no fato de que ningueacutem a desenvolve

abstratamente mas somente imerso na contingecircncia da vida A isso denomino de consciecircncia

concreta de si-mesmo Por um lado temos a lei como o uacutenico elemento certo imutaacutevel por

outro a existecircncia como incerta e passiacutevel de infinitas modificaccedilotildees Nessa perspectiva a

mais urgente preparaccedilatildeo estaacute natildeo na consciecircncia da lei mas na capacidade de enfrentar a

efetividade incerta sem sucumbir agravequilo que a lei nega o si-mesmo egoiacutesta Aqui a questatildeo

eacutetica estaacute constantemente em decisatildeo eacute na experiecircncia que torno a lei efetiva de modo que

nesta estaacute o cerne da formaccedilatildeo moral

Um fato marcante eacute que Kant arrancou a existecircncia de sua determinaccedilatildeo individualista

e contingente ao pensar os pressupostos eacuteticos do reino dos fins e afirmar a necessidade da lei

Poreacutem empurrou a existecircncia mesma a um local tatildeo marginal em seu sistema que

praticamente natildeo restou nada aleacutem da frieza constitutiva derivada de sua concepccedilatildeo

metafiacutesico-transcendental E o sujeito natildeo apenas constitui mas eacute constituiacutedo na

transitoriedade da existecircncia que eacute histoacuterica e portanto mutaacutevel

Quando o ser puro eacute posto diante da realidade a qual exige tomada de decisatildeo conside-

rando o entorno corre o risco de sentir-se imobilizado diante do princiacutepio loacutegico racional e de

um irrestrito amor ao dever E isso pelo fato de o ser humano natildeo ser o transcendental mas

ser muito mais consequecircncia do que princiacutepio do mesmo modo que interfere eacute interferido O

poder da objetividade eacute tatildeo grande que acaba por gerar a ldquoneacutevoardquo que encobre o imenso ceacuteu

estrelado kantiano acima de noacutes Com este poder da objetividade agindo e pondo muitas ve-

zes por terra as noccedilotildees abstratas e subjetivas a proacutepria moralidade natildeo assume um viacutenculo

condicionador em relaccedilatildeo ao sujeito empiacuterico (o uacutenico que age e decide)

4 O PROJETO EacuteTICO ESTEacuteTICO E FILOSOacuteFICO EM ADORNO

Na constituiccedilatildeo de sua concepccedilatildeo de esteacutetica Adorno entra em diaacutelogo principalmen-

te com Kierkegaard Kant Hegel e com a psicanaacutelise A partir desses quatro contrapontos

percebe-se o processo de cunhagem de seu pensamento frente a esse tema Na Teoria esteacutetica

Adorno traccedila a criacutetica direta ao idealismo e agrave psicanaacutelise e em Construccedilatildeo do esteacutetico sua

ecircnfase estaacute na teoria do filoacutesofo dinamarquecircs De todos esses contrapontos eacute possiacutevel lanccedilar a

pergunta que constituiccedilatildeo do esteacutetico eacute possiacutevel encontrar em Adorno

Em Kierkegaard construccedilatildeo do esteacutetico Adorno analisa o pensamento do referido fi-

loacutesofo e observa trecircs sentidos para o termo em questatildeo No primeiro o ldquoesteacutetico eacute [hellip] como

no uso comum da linguagem o domiacutenio das obras de arte e da consideraccedilatildeo teoacuterica da arterdquo

em segundo temos ldquoo esteacutetico como atituderdquo e por uacuteltimo ldquoo esteacutetico referido agrave forma da

comunicaccedilatildeo subjetiva e se legitima no conceito kierkegaardiano de existecircnciardquo (K p22-23)

O primeiro sentido encontra referecircncia clara por se dirigir a um objeto especiacutefico de-

nominado obra de arte e a investigaccedilatildeo teoacuterico-filosoacutefica que se realiza a partir dela Poreacutem

os dois sentidos posteriores remetem o pensamento esteacutetico agrave consideraccedilatildeo do ser humano em

seu estado atual com um interesse especial ao pensamento mesmo como posse do sujeito

Desse modo pensar esteticamente consiste no olhar atento ao homem e aquilo que ele eacute de

forma imediata enquanto empiacuterico e passiacutevel de experiecircncia O contraponto eacutetico conforme

cita Adorno considera a mudanccedila e o motivo que leva a se tornar aquilo que se torna De mo-

do que se o esteacutetico eacute o olhar sobre aquilo que o ser humano eacute imediatamente o eacutetico eacute o

olhar sobre aquilo que o ser humano pode vir a ser

O diferencial em Adorno eacute que o proacuteprio domiacutenio e consideraccedilatildeo teoacuterica da arte jaacute eacute

por si mesmo anaacutelise do ser humano em sua existecircncia imediata e em suas possibilidades de

devir Pelo fato de a arte ter se tornado o que se tornou ldquoantiacutetese social da sociedaderdquo falar

sobre ela eacute falar sobre o meio pelo qual e no qual surge No momento em que a arte se contra-

potildee agrave realidade se constitui em forma de conhecimento pois sua tarefa natildeo eacute mais afirmar

mas ser tensatildeo provocando o movimento dialeacutetico do pensamento ndash a antiacutetese entre o pensa-

mento e aquilo que ele mesmo natildeo eacute antiacutetese entre a arte e o meio no qual ela aparece

O comportamento esteacutetico proacuteprio do ser sensiacutevel que cria consciecircncia mediante a ex-

periecircncia desenvolvida assume a marca da contradiccedilatildeo ao princiacutepio de realidade a qual potildee a

adaptaccedilatildeo como o bem supremo Na frase ldquoa realidade oferece muitos outros motivos reais

para dela se fugirrdquo (K p20) natildeo expressa a fuga propriamente dita como uma patologia psiacute-

quica mas remete ao termo resistecircncia muito desenvolvido na Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo e na

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Minima moralia Nesta compreensatildeo da esteacutetica como atitude a realidade natildeo tem o poder

supremo de atuar sobre o indiviacuteduo determinando-o ou reprimindo-o como um sujeito des-

provido de subjetividade Pelo contraacuterio enquanto consideraccedilatildeo do estado em que o humano

se encontra como ser real a capacidade de compreensatildeo e atribuiccedilatildeo de sentido exige a dose

de resistecircncia acusada por Adorno como indispensaacutevel ao entendimento da realidade natildeo en-

quanto aparecircncia imediata ndash afinal essa eacute muito bem administrada ndash mas como um espetaacuteculo

que ocorre nos bastidores

Frente a isso a obra de arte assume vinculaccedilatildeo ao processo de esclarecimento ao natildeo

ser simples coacutepia do empiacuterico ou daquilo que acontece na superfiacutecie da existecircncia mas tra-

zendo para frente do palco aquilo que ocorre nos bastidores

O embuste [] consiste precisamente em que esta harmonizaccedilatildeo da vida e esta de-formaccedilatildeo da vida satildeo imperceptiacuteveis para as pessoas porque acontecem nos bastido-res [] de modo que as pessoas absorvem a harmonizaccedilatildeo oferecida sem ao menos se dar conta do que lhes acontece Talvez ateacute mesmo acreditem estar se comportan-do de modo realista E justamente aqui eacute necessaacuterio resistir (EM p86)

Esta forma distinta de reflexatildeo eacute o ato de pensamento vinculado ao processo de escla-

recimento exigido ainda nas linhas da Dialeacutetica do esclarecimento e que remete natildeo somente

ao terceiro sentido que o termo esteacutetica assume em Kierkegaard e eacute analisado por Adorno

como sendo um interesse especial pelo proacuteprio pensamento enquanto posse do sujeito ou

seja a necessidade de pensar o proacuteprio pensamento Vinculado a isto estaacute a possibilidade de

resistir agraves formas de ofuscamento que substituem a tensatildeo social pela pretensa harmonia de

um sentido imediato Como resposta a este ofuscamento propotildee-se a constituiccedilatildeo de um loacute-

cus comunicativo16 por meio do qual se amplia o niacutevel de experiecircncias e de compreensatildeo

cuja consequecircncia eacute um retorno qualificado ao proacuteprio pensamento de modo autocriacutetico

quanto agrave possibilidade de perceber o diferenciado ndash aquilo que permite a identidade de si suas

caracteriacutesticas proacuteprias e que impedem a simples universalizaccedilatildeo ndash a partir do local ocupado

por ele

Isso remete agrave proacutepria filosofia claacutessica no meacutetodo socraacutetico e platocircnico de construccedilatildeo

do conhecimento Ursula Wolf em sua obra La filosofiacutea y la cuestioacuten de la vida buena reto-

ma Platatildeo e o modelo socraacutetico de constituiccedilatildeo da subjetividade trazendo ao centro de tal

constituiccedilatildeo o sentido de elencos A observaccedilatildeo que se potildee indica para uma diferenccedila entre o

meacutetodo da teacutechne e o meacutetodo do elencos ldquonatildeo apenas evidencia a insuficiecircncia do meacutetodo da

teacutechne para a eacutetica [] mas estabelece ao mesmo tempo um novo meacutetodo o qual tem seu 16 No capiacutetulo 5 seraacute desenvolvido com mais detalhes o significado deste loacutecus comunicativo

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modelo nos diaacutelogos com os quais Soacutecrates potildee agrave prova o saber de seus companheiros Esse

modo de proceder eacute o do elencosrdquo ([sd] p54 ndash traduccedilatildeo nossa) Em primeiro lugar deve-se

destacar a consciecircncia da tensatildeo dialeacutetica que se estabelece no momento em que ocupo meu

espaccedilo de sujeito portador de voz e com papel efetivo no elenco de atores No momento que

ocorre esse jogo entre atores no sentido de elenco se efetiva o real sentido de diaacutelogo en-

quanto meio de constituiccedilatildeo da subjetividade enquanto meio dialoacutegico que constituo e me

constitui

Este eacute o locus proacuteprio e ideal para que ocorra a resistecircncia apontada por Adorno no

momento em que me eacute permitida a elevaccedilatildeo do niacutevel de consciecircncia mediante a experiecircncia

comunicativa com outros atores Continuando com Wolf isto ocorre pelo fato de o elencos

permitir a complementaccedilatildeo das opiniotildees individuais evidenciando a falta de clareza conceitu-

al e elaborando as contradiccedilotildees Assim se constitui um meio proacuteprio no qual se examinam as

opiniotildees e se constituem referenciais interpretativos acerca do proacuteprio contexto no qual os

indiviacuteduos estatildeo inseridos

41 A vinculaccedilatildeo entre experiecircncia e racionalidade esteacutetica

Com a Teoria esteacutetica Adorno potildee em questatildeo a dinacircmica da subjetividade que se

constitui mediante relaccedilatildeo do sujeito com o mundo e sua consequente objetivaccedilatildeo enquanto

expressatildeo dessa riqueza subjetiva ou seu conteuacutedo de consciecircncia Antes da proacutepria arte o

contexto concreto no qual o indiviacuteduo estaacute inserido ndash as experiecircncias que determinam nosso

modo de compreender a realidade ndash tem o poder de ldquopocircr em movimento processos de pensa-

mentordquo Essa expressatildeo utilizada na Teoria esteacutetica (p45) quando o autor comenta as obras

de Brecht deve ser considerada de modo mais amplo direcionada ao proacuteprio meio concreto

no qual o indiviacuteduo estaacute inserido o qual significa para Adorno impulso ao pensar

Vicente Goacutemez (1998 p49 ndash traduccedilatildeo nossa) ao situar o sentido que a esteacutetica tem

em Adorno afirma que essa ldquonatildeo significa simplesmente teoria da arte mas laquoeacute referir-se agrave

posiccedilatildeo que o pensamento ocupa diante da objetividaderaquordquo Essa posiccedilatildeo do pensamento eacute a

uacutenica para Adorno ldquocapaz de realizar o verdadeiro conhecimento e natildeo a mera tautologia ou

reduplicaccedilatildeo do momento subjetivo no processo cognoscitivordquo Assim estamos diante de um

problema filosoacutefico o que eacute a objetividade o que eacute o concreto e como eacute possiacutevel a compre-

ensatildeo natildeo tautoloacutegica deste por parte do ser humano

O motivo para isso estaacute no fato de o proacuteprio conceito de concreto ser considerado por

Adorno de modo negativo ldquoAquilo que ainda natildeo era eacute o concretordquo ndash o maior problema eacute

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ldquotratar a concreccedilatildeo como dado como indubitavelmente laquoexistenteraquordquo (TE p156) No real no

concreto estaacute a possibilidade de gerar processos de pensamento pelo fato de que ldquoaquilo que

eacute eacute mais do que ele eacute Esse mais natildeo lhe eacute anexado de fora mas permanece imante a elerdquo

(DN 2009 p140) constituindo-se em radical desafio ao pensamento no momento em que

nos deparamos com os limites de apreender somente o disponiacutevel pela experiecircncia imediata Eacute

diante dessa compreensatildeo de concreto que deve ser situada a expressatildeo artiacutestica a obra de

arte e enquanto concretude a proacutepria arte se converte em algo que estaacute para aleacutem do seu sim-

ples existente sendo mais do que aquilo apreendido imediatamente pelos sentidos Desse mo-

do a arte tambeacutem passa a ldquopocircr em movimento processos de pensamentordquo Essa eacute uma das

caracteriacutesticas que demarca o artiacutestico do natildeo-artiacutestico em Adorno

Deve-se destacar a centralidade que esse conceito ndash concreto ndash adquire em Adorno

Se na filosofia claacutessica a admiraccedilatildeo o espanto eacute o que origina o pensamento a filosofia em

Adorno esta funccedilatildeo eacute assumida pelo concreto A Dialeacutetica negativa aponta isso quando le-

mos que ldquosobre o concreto natildeo se deve filosofar mas a partir delerdquo (2005 p41 ndash grifo nos-

so) Poreacutem eacute possiacutevel salvar a admiraccedilatildeo enquanto olhar que natildeo se acomoda diante do evi-

dente e imediato mas encontra seu incitamento no descortinar desta novidade que surge haacute

algo ainda a compreender conteuacutedo ainda a ser transmitido e apreendido o mundo ainda natildeo

estaacute resolvido sob a luz do sentido jaacute manifestado

Esta caracteriacutestica da arte a qual deve ser ampliada para aleacutem do domiacutenio artiacutestico

pois tudo eacute mais do que aquilo que se apresenta permite pontuar o significado da negativida-

de No momento em que o entendimento natildeo consegue perceber nada aleacutem daquilo que ime-

diatamente aparece diante de mim quando desfaccedilo a possibilidade do concreto substituindo-o

pela clareza absoluta de sentido aniquilo a possibilidade da compreensatildeo deixando espaccedilo

para o reducionismo ou pobreza de sentido Nas palavras de Joseacute Antonio Zamora natildeo man-

ter-se na ldquoinsistecircncia do negativo transitar demasiado rapidamente agrave afirmaccedilatildeo do positivo

contribui efetivamente muito mais para a perpetuaccedilatildeo do falso existente do que para sua su-

peraccedilatildeordquo (2004 p13 ndash traduccedilatildeo nossa) Eacute isto que o sentido de concreto permite a colocaccedilatildeo

do eacute para aleacutem daquilo que aiacute estaacute Desse modo o negativo o concreto se transforma em

fundamento epistemoloacutegico

De modo mais enfaacutetico o problema eacute como a arte estaacute situada diante dessa compreen-

satildeo de concreto o qual conforme exposto acima rompe com a simples evidecircncia e se projeta

como reserva de sentido Esse problema nos potildee diante de um fragmento adorniano jaacute co-

mum ldquoTornou-se manifesto que tudo o que diz respeito agrave arte deixou de ser evidenterdquo tendo

perdido aquilo ldquoque poderia fazer de modo natildeo refletido ou sem problemas (TE p11) Essa eacute

61

a criacutetica ao simples existente empiacuterico levada ao extremo com o conceito de enigma e conte-

uacutedo de verdade (os quais jaacute foram desenvolvidos no segundo capiacutetulo) O que cabe aqui eacute

situar a arte enquanto algo que ldquose voltou graccedilas agrave sua forma tanto contra o simples existen-

te contra o estado de coisas persistente como veio em sua ajuda enquanto modelaccedilatildeo dos

elementos existentesrdquo (TE p12)

Ocorre o questionamento daquilo que nos eacute familiar pondo no centro das discussotildees

aquilo que eacute estranho o para aleacutem daquilo que eacute e que constitui o outro do meu entendimento

a alteridade Aqui estaacute a decisiva atualidade do esteacutetico a novidade no modo de compreender

esse termo Para Nadja Hermann

Desde o seacuteculo 20 satildeo conhecidas as profundas transformaccedilotildees ocorridas no pensa-mento que [] denunciam o caraacuteter excludente do conceito que natildeo reconhece o outro e natildeo acolhe aquilo que escapa as suas determinaccedilotildees e apontam para a atuali-dade do esteacutetico para aleacutem da teoria do belo e da arte transposto agora para vida cotidiana Esse conjunto de mudanccedilas produz efeitos sobre nossas interpretaccedilotildees de mundo e no modo de pensar (2010 p123-124 ndash grifo nosso)

Continuando com o argumento anterior tem-se entatildeo a inserccedilatildeo do outro e do estra-

nho em contraposiccedilatildeo ao idecircntico e com o simplesmente familiar Isso se deve agrave experiecircncia

esteacutetica na qual devido ao elemento do concreto e de natildeo evidecircncia se ldquoenfatiza uma multi-

plicidade de dimensotildees do estranho que nos retira da conformidade com o familiarrdquo (HER-

MANN 2010 p124)

Eacute possiacutevel perceber isto de modo enfaacutetico em Adorno quando na Teoria esteacutetica

(p12) situa a arte em um movimento de volta contra o estado de coisas e ao mesmo tempo

vem em sua ajuda enquanto modelaccedilatildeo de tal estado Desse modo natildeo eacute um simples contrari-

ar caracteriacutestica que pode ser aplicada a toda teoria de Adorno principalmente quando acusa-

da de pessimista Inspirada na relaccedilatildeo artiacutestica com a realidade a teoria natildeo eacute um simples ir

contra mas nesse movimento eacute impulso de progresso indo ao encontro do mundo enquanto

possibilidade de modelaccedilatildeo de seus elementos Essa modelaccedilatildeo ocorre no momento em que a

obra de arte nos potildee diante do concreto e ldquointegra-se assim num processo englobante de espi-

ritualizaccedilatildeo no progresso da consciecircnciardquo (TE p110) Essa eacute outra caracteriacutestica para uma

produccedilatildeo se considerada obra de arte em Adorno

Eacute o que se pode observar por exemplo em obras como Guernica de Pablo Picasso

Nessa obra percebe-se que se demarca o acircmbito do concreto e de ausecircncia de evidecircncia con-

vertendo aquilo que aparece em algo que vai aleacutem de sua manifestaccedilatildeo imediata Para Ador-

no ldquoem toda obra de arte genuiacutena aparece algo que natildeo existerdquo (TE p100) ou seja o con-

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creto na consideraccedilatildeo para aleacutem do evidente Mas esse aleacutem natildeo eacute algo anexado de fora mas

conteuacutedo intriacutenseco que precisa ser disponibilizado agrave consciecircncia

A dinacircmica consequente disto eacute entre a arte em sua relaccedilatildeo consigo mesma e em sua

relaccedilatildeo com o concreto A construccedilatildeo do esteacutetico em Adorno perpassa por estas duas dire-

ccedilotildees Em primeiro lugar ldquotoda obra de arte aspira por si mesma agrave identidade consigordquo identi-

dade esta que ldquona realidade empiacuterica se impotildee agrave forccedila a todos os objetosrdquo (TE p15) Este

caraacuteter de singularidade faz com que a obra seja ela mesma e natildeo o que possa representar

extinguindo toda tentativa de extrair dela uma mensagem ndash ldquopinta-se um quadro e natildeo o que

ele representardquo (Ibidem)

Em segundo lugar ocorre o direcionamento em relaccedilatildeo ao concreto ao empiacuterico Po-

reacutem este direcionamento natildeo ocorre enquanto coacutepia imitativa As obras de arte ldquosatildeo coacutepias do

vivente empiacuterico na medida em que a este fornecem o que lhe eacute recusado no exterior e assim

libertam daquilo para que as orienta a experiecircncia externa coisificanterdquo (TE p15) ndash fazem

surgir o concreto naquilo que ele eacute A comunicaccedilatildeo17 que surge a partir da obra de arte assu-

me um sentido positivo e outro negativo Positivo enquanto identidade e afirmaccedilatildeo de si

mesmo enquanto arte ndash arte pela arte negativo pelo fato de defender o natildeo-evidente e rela-

cionar-se com a realidade pela recusa agrave imitaccedilatildeo dos seus elementos Desse modo a obra se

torna altamente espiritualizada e assim realiza a tensatildeo entre forma e conteuacutedo

Se comunicar pressupotildee linguagem eacute possiacutevel dizer que nesta estaacute a formalizaccedilatildeo do

conteuacutedo espiritual Um pensamento expressado eacute um conteuacutedo que se torna linguagem e

desse modo assume uma forma A obra de arte eacute forma expressatildeo de um conteuacutedo A respos-

ta agrave questatildeo sobre qual eacute o elemento decisivo ndash a forma ou o conteuacutedo ndash nos remete agrave impos-

sibilidade de um existir sem o outro Conteuacutedo natildeo formalizado natildeo tornado linguagem eacute

mudo e sem consequecircncias forma linguagem vazia de conteuacutedo eacute ideoloacutegica e nociva ao

desenvolvimento da consciecircncia Partindo desses dados na obra de arte deve haver o equiliacute-

brio entre o conteuacutedo e a forma no sentido de aquilo expresso como conteuacutedo ser indiacutecio do

concreto e do mesmo modo a forma deve permitir o surgimento deste conteuacutedo concreto

Utilizando as palavras de Adorno temos ldquoA forma esteacutetica eacute a organizaccedilatildeo objetiva

de tudo o que no interior de uma obra de arte aparece como linguagem coerente Eacute a siacutentese

natildeo violenta do dispersordquo (TE p165) O elemento de natildeo violecircncia poderia fazer supor a

primazia do conteuacutedo sobre a forma pois esta pode ter a pretensatildeo de reter aquilo que eacute dife-

rente em uma imposiccedilatildeo de sentido Salvo esta consideraccedilatildeo a forma eacute salva pelo fato de ser

17 O conceito de comunicaccedilatildeo seraacute melhor desenvolvido no segundo item deste capiacutetulo Aqui se faz considera-ccedilotildees provisoacuterias a fim de estabelecer as relaccedilotildees com o conceito de forma e conteuacutedo

63

indispensaacutevel na organizaccedilatildeo coerecircncia da proacutepria obra mesma Pela forma deve haver a ma-

nifestaccedilatildeo do conteuacutedo aquela eacute a condiccedilatildeo para este ldquoO ecircxito esteacutetico depende essencial-

mente de se o formado eacute capaz de despertar o conteuacutedo depositado na formardquo (TE p161)

O conteuacutedo da obra de arte assume por sua relaccedilatildeo com o concreto a dimensatildeo de

criacutetica Deve fazer surgir o mais naquilo que estaacute dado esse elemento de para aleacutem do imedi-

ato do evidente do oacutebvio Ao permitir a manifestaccedilatildeo da novidade ao fazer aparecer o novo

o concreto no para aleacutem do que aparece a forma deve expressar esse conteuacutedo e em uma

tensatildeo dialeacutetica o conteuacutedo assumir uma forma Vislumbra-se a convergecircncia entre forma e

criacutetica pois nas ldquoobras de arte a forma eacute aquilo mediante o qual elas se revelam criacuteticas em si

mesmas [] Pela sua implicaccedilatildeo criacutetica a forma aniquila as praacuteticas e as obras do passado A

forma contradiz a concepccedilatildeo da obra como algo de imediatordquo (TE p165) Assim se visualiza

a participaccedilatildeo da arte no processo de esclarecimento neste desenvolvimento da consciecircncia

diante daquilo que eacute e pelo questionamento do sentido atribuiacutedo a esse eacute

Essa tensatildeo tambeacutem demarca o acircmbito do que eacute arte Quando as obras ldquotornam-se con-

textos de sentido ao negarem o sentidordquo (TE 176) fazem surgir o concreto ao negarem aquilo

que se quer como o concreto Eacute diante desses elementos que se pode inserir o sentido de sujei-

to em relaccedilatildeo agrave obra de arte Ao pensar sobre o que eacute o sujeito precisamos refletir ldquosobre o

que na arte fala eis o seu verdadeiro sujeito e natildeo o que a produz ou a receberdquo (TE 190)

Continuando com a argumentaccedilatildeo Adorno propotildee

Verdadeira eacute a arte tanto mais que o que nela fala e ela proacutepria estatildeo cindidos natildeo reconciliados mas esta verdade cabe-lhe em sorte quando ela sintetiza o dividido e assim o determina apenas no seu caraacuteter irreconciliaacutevel Paradoxalmente a arte tem de testemunhar o irreconciliaacutevel e tender no entanto para a reconciliaccedilatildeo isso soacute eacute possiacutevel a partir da sua linguagem natildeo-discursiva Soacute neste processo se concretiza o noacutes Mas o que fala na arte eacute verdadeiramente o seu sujeito na medida em que nela fala e por ela natildeo eacute representado (TE p191-192)

Por ser portadora de linguagem e portadora de conteuacutedo a obra de arte assume a fun-

ccedilatildeo de sujeito ela fala propotildee questatildeo converte-se em desafio ao outro sujeito agora o hu-

mano exigindo deste o rigor cognitivo poreacutem em uma posiccedilatildeo de natildeo posse frente agrave obra

Compreende-se entatildeo desse modo que a tensatildeo entre a obra de arte e o ser humano eacute uma

tensatildeo entre sujeitos natildeo mais de sujeito e objeto propondo algumas caracteriacutesticas especiais

Essas caracteriacutesticas como veremos no capiacutetulo 5 devem demarcar a relaccedilatildeo para aleacutem do

sujeito obra de arte e sujeito humano mas constituir uma forma de relaccedilatildeo entre os proacuteprios

sujeitos humanos em suas mais diversas possibilidades de co-habitarem

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A noccedilatildeo de sujeito eacute condiccedilatildeo para a obra de arte e esta relaccedilatildeo entre sujeitos demarca

a constituiccedilatildeo da obra artiacutestica um deve remeter ao outro a arte deve remeter agrave razatildeo o ser

humano com sua racionalidade deve remeter-se agrave arte em sua linguagem enquanto testemunha

do concreto Assim constitui-se a racionalidade esteacutetica nessa tensatildeo que pode ser entendida

como relaccedilatildeo entre sujeitos pois ambos satildeo portadores de sentido em manifestaccedilatildeo e propotildee

sentido Ambos os sujeitos em sentido concreto O desafio ao sujeito humano estaacute na capaci-

dade de perceber este sentido manifesto por este seu outro

Estamos diante do mais rico sentido de dialeacutetica em Adorno o qual se converte em

imperativo para o pensamento ldquopensar de tal modo que a forma do pensamento natildeo mais tor-

ne seus objetos coisas inalteraacuteveis que permanecem iguais a si mesmas a experiecircncia des-

mente que eles o sejamrdquo (DN 2009 p134) No nuacutecleo do pensamento dialeacutetico estaacute a prima-

zia da experiecircncia de sujeitos que natildeo permanecem iguais no decorrer da histoacuteria rompendo

com o ideal de identidade na paz do conceito ldquoO existente singular coincide tatildeo pouco com o

seu conceito superior quanto se mostra como ininterpretaacutevel Ele tambeacutem natildeo eacute por sua parte

algo derradeiro contra o qual o conhecimento deveria se chocarrdquo (DN 2009 p140) Ao mes-

mo tempo em que o singular natildeo coincide com o conceito afirmando sua dignidade de dife-

renciado ele eacute passiacutevel de interpretaccedilatildeo e se constitui em reserva de sentido Daiacute a ecircnfase de

Adorno na Teoria esteacutetica em definir o momento da razatildeo interpretativa diante do outro

A afirmaccedilatildeo acima de que a relaccedilatildeo entre sujeitos eacute marca da racionalidade esteacutetica

pelo fato de a proacutepria arte se constituir em sujeito exige um complemento O que diferencia o

sujeito humano Em uma palavra a consciecircncia e reafirmando o terceiro capiacutetulo a capaci-

dade de siacutentese operada pelo pensamento humano Poreacutem siacutentese natildeo absoluta mas aberta agrave

ampliaccedilatildeo de sentido ndash siacutentese natildeo final mas dinacircmica Na Dialeacutetica negativa (2009 p159)

visualiza-se essa especificidade do sujeito humano pondo como primeiro a noccedilatildeo de empiria

para somente apoacutes ser possiacutevel falar em transcendental espiritual A consciecircncia eacute em pri-

meiro lugar empiacuterica ldquofunccedilatildeo do sujeito vivordquo e portanto histoacuterica Natildeo havendo ldquoqualquer

relaccedilatildeo com uma consciecircncia empiacuterica com a consciecircncia do eu vivo natildeo haveria nenhuma

consciecircncia transcendental puramente espiritualrdquo (grifo nosso) A expressatildeo consciecircncia do

eu vivo situa-se em um contraponto ao eu penso cartesiano Eu penso logo existo como quis

Descartes eacute contraposto pelo imperativo dialeacutetico do pensamento eu vivo logo posso pensar

Apesar de a vida ser o elemento originaacuterio o ser humano se posiciona diante dela a

partir da razatildeo interpretativa e esta eacute pensamento e constitui pensamento ndash esse eacute o viacutenculo

entre experiecircncia esteacutetica e racionalidade A obra de arte ldquonatildeo dispensa objetivamente a inter-

pretaccedilatildeo como se nada houvesse para interpretar [] A obra de arte que crecirc possuir o conte-

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uacutedo a partir de si encalha num racionalismo ingecircnuordquo (TE p40) Dessa maneira percebe-se a

relaccedilatildeo natildeo somente da arte com a sociedade com o concreto mas da arte com a razatildeo inter-

pretativa Poreacutem ldquodeve-se interpretar-se e natildeo ser substituiacuteda pela claridade do sentidordquo (TE

p40) isso eacute

se a verdade que as obras de arte contecircm ficar encerrada no momento da experiecircncia esteacutetica ela se perderia e esta natildeo seria nada Disto vem que as obras de arte por causa daquilo que nelas aponta para aleacutem do momento fugaz da experiecircncia esteacutetica satildeo remetidas agrave razatildeo interpretativa para que a interpretaccedilatildeo exponha a verdade pa-ra Adorno interpretaccedilatildeo significa interpretaccedilatildeo filosoacutefica a laquonecessidade de inter-pretaccedilatildeoraquo que as obras de arte possuem eacute a necessidade que a experiecircncia esteacutetica possui da demonstraccedilatildeo filosoacutefica (WELLMER 1993 p19 ndash traduccedilatildeo nossa)

Isso faz retomar o sentido claacutessico de esta admiraccedilatildeo que permitia ao ser

humano pensar filosofar e que a proacutepria filosofia eliminou no momento em que se viu na

posiccedilatildeo de poder apreender o fato e fenocircmeno o empiacuterico em uma caacutepsula conceitual en-

cerrando a proacutepria verdade nessa caacutepsula Esta permanecircncia da thaumazein a qual se origina

no momento em que permito o novo (para a consciecircncia agrave qual nada haacute de novo natildeo eacute possiacute-

vel a admiraccedilatildeo) equivale para usar uma expressatildeo de Hermann agrave promessa de vida A obra

de arte encontra aqui seu local privilegiado ldquoa arte nos indica que o mundo natildeo eacute plenamente

compreendido no acircmbito conceitual e que pode deixar um espaccedilo para uma promessa de vidardquo

(2010 p45) Nada haacute para se admirar no conceito esse em linguagem adorniana eacute frio e sem

consequecircncia A riqueza de mundo soacute eacute possiacutevel por uma via fazendo o movimento ao en-

contro do mundo ao encontro do outro ndash esse encontro quando aberto agrave sua novidade apro-

funda o mundo

42 A dinacircmica entre aproximaccedilatildeo do outro e construccedilatildeo de si

A Teoria esteacutetica lanccedila uma compreensatildeo de obra de arte enquanto ldquoidentidade consi-

go mesmardquo (p15) Nesse sentido a arte natildeo pretende ser idecircntica ao seu exterior mas quer ser

apenas ela mesma e natildeo representaccedilatildeo fidedigna A identidade esteacutetica ocorre de modo a ldquode-

fender o natildeo-idecircntico que a compulsatildeo agrave identidade oprime na realidaderdquo (ibidem) sendo

entatildeo em primeiro lugar identidade consigo mesma Na construccedilatildeo do sujeito esteacutetico o pri-

mado estaacute em ser para si em um impulso de construccedilatildeo de si Essa construccedilatildeo natildeo significa

desarmonia em relaccedilatildeo ao todo sobreposiccedilatildeo de si mesmo mas sim o fortalecimento subjeti-

vo em sua identidade consigo mesmo como condiccedilatildeo para pensar uma possiacutevel identidade

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natildeo opressora Hermann destaca isso de modo incisivo ao afirmar que a devida atenccedilatildeo agravequi-

lo que eacute particular em sua contingecircncia pode

esclarecer a relaccedilatildeo reciacuteproca entre o universal e o particular [e] evita uma orienta-ccedilatildeo puramente abstrata sem abandonar princiacutepios universais pois a educaccedilatildeo pres-supotildee um processo de inserccedilatildeo num mundo compartilhado de valores e crenccedilas sem o qual qualquer dialeacutetica entre individualizaccedilatildeo e socializaccedilatildeo estaria condenada ao fracasso (2010 p104)

Continuando o pensamento para a autora haacute ldquoum miacutenimo de normas morais validadas

intersubjetivamente que constituem nosso ethos e sem as quais se torna muito difiacutecil edificar

a formaccedilatildeo humana O compartilhamento de valores e regras comuns permite projetar um

mundo sob o qual se daacute a base de nossas conversaccedilotildeesrdquo (Ibidem p105) Dessa forma perce-

be-se a dinacircmica que ocorre entre a aproximaccedilatildeo docom o outro e a construccedilatildeo de si indi-

cando o real sentido de pensar a relaccedilatildeo segundo o modelo do elencos a dinacircmica que potildee os

diversos atores como responsaacuteveis pela autoconstruccedilatildeo e pela coesatildeo do todo Somente quan-

do a proximidade permite a proacutepria identidade eacute que se torna possiacutevel projetar uma situaccedilatildeo

em que a diferenccedila eacute motivo de coesatildeo natildeo de rupturas O contraacuterio quando a aproximaccedilatildeo

impede o si mesmo a individualidade o ldquocompartilhamento de valores e regras comunsrdquo eacute

impossibilitado ou ocorre somente de modo aparente E isso devido ao fato de a coerccedilatildeo ge-

rar coesatildeo somente aparente

Sob esta oacutetica o pensamento pode significar um modo de aproximar-se do outro cuja

dinacircmica eacute o desencadear compreensivo gerado pela aproximaccedilatildeo real efetiva que nos potildee

face-a-face Com a aproximaccedilatildeo se estabelece a relaccedilatildeo oposta agrave dominaccedilatildeo gerada pela ca-

pacidade de distanciamento a qual pressupotildee indiferenciaccedilatildeo ndash a dominaccedilatildeo eacute possiacutevel so-

mente para quem eacute indiferente e para ser indiferente natildeo pode ocorrer a aproximaccedilatildeo efetiva

A racionalidade da aproximaccedilatildeo natildeo compactua com a tendecircncia ao equivalente que marca a

forma de relaccedilatildeo sob a oacutetica da instrumentalidade e do princiacutepio da disponibilidade Eacute exata-

mente pelo fato de o outro natildeo estar simplesmente disponiacutevel a mim e ao meu intelecto que

me obriga a natildeo trataacute-lo como simples objeto do meu querer (instrumentalizaccedilatildeo) Nessa di-

nacircmica eacute que deve ser pensada a tensatildeo entre aproximaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo aproximaccedilatildeo e

construccedilatildeo A aproximaccedilatildeo que gera diferenciaccedilatildeo permite a construccedilatildeo tanto do si quanto do

outro e ateacute mesmo construccedilatildeo do todo

A expressatildeo ldquofragmento de alteridaderdquo (TE p18) indica esta racionalidade orientada

por uma siacutentese que natildeo desfaz a alteridade A proacutepria possibilidade de aproximaccedilatildeo envolve

a possibilidade de haver um inteiramente outro como um fragmento de alteridade que faz

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tambeacutem parte da proacutepria possibilidade de aproximaccedilatildeo enquanto comunicaccedilatildeo de diferenci-

ados Na relaccedilatildeo com meu diferente na diferenccedila especiacutefica entre noacutes estou em relaccedilatildeo com

o que eu natildeo sou mas que ao mesmo tempo permite fazer de mim uma singularidade Se

houver alguma siacutentese ndash no sentido de conhecimento ndash contudo ela natildeo extingue tais frag-

mentos os quais permanecem no diferenciado

Os fragmentos de alteridade interferem no processo de siacutentese operada pelo entendi-

mento No momento em que consigo referir todas as representaccedilotildees a mim enquanto ser de

experiecircncia esta siacutentese natildeo eacute uma simples imposiccedilatildeo ao real pois para aleacutem de toda compre-

ensatildeo reside a possibilidade da novidade do renovar da experiecircncia diante de algo que eacute sem-

pre inteiramente outro Assim ldquosubstitui o princiacutepio de unidade e a onipotecircncia do conceito

soberano pela ideacuteia daquilo que existiria fora do feiticcedilo de tal unidaderdquo (DN 2005 p10) Eacute

ilusatildeo a crenccedila de que pela tentativa de unidade nada reste do outro A filosofia pode se ori-

entar pela tendecircncia do uno mas natildeo pode negar a fraqueza do conceito ao estabelecer o uno

como que havendo um envolvimento total das particularidades nessa totalidade

Em sentido contraacuterio a dialeacutetica negativa substitui esse feiticcedilo por aquilo que existe

fora dele Um segundo giro-copernicano colocaria no centro do debate filosoacutefico os fragmen-

tos de alteridade aquilo que resta depois de satisfeita a sanha de tudo abocanhar Nisso estaacute o

sentido de dialeacutetica jaacute que ldquoseu nome a princiacutepio natildeo diz nada mais que os objetos natildeo se

reduzem a seu conceito que entram em contradiccedilatildeo com a norma tradicional da adaequatiordquo

(DN 2005 p 17) E isto devido ao fato de que o ldquoconhecimento natildeo interioriza por completo

nenhum de seus objetosrdquo (p24) e exatamente por natildeo serem objetos completamente apreen-

siacuteveis eacute que tecircm a capacidade de pocircr em movimento processos de pensamento processos de

compreensatildeo que se efetivam pela aproximaccedilatildeo

Considerando a esteacutetica enquanto relaccedilatildeo entre diferenciados sem a acircnsia de posse

como alteridades permanentes o caraacuteter de aproximaccedilatildeo assume efeito decisivo de apariccedilatildeo

Natildeo somente eu percebo o outro ou seja natildeo eacute unicamente ato de minha consciecircncia mas

tambeacutem eacute o outro que aparece que se lanccedila ao meu olhar se deixa apreender A atitude esteacute-

tica eacute a secularizaccedilatildeo do ato religioso da revelaccedilatildeo duas presenccedilas que se potildee em direccedilatildeo

uma agrave outra para um encontro que resulta no aacutepice da experiecircncia e permita a construccedilatildeo de

sentido tatildeo somente a partir disso

Chegamos entatildeo ao conceito de construccedilatildeo no qual natildeo ocorre a prioridade dos pro-

cessos subjetivos Eacute possiacutevel afirmar a concordacircncia de Adorno com o ideal de construccedilatildeo

grego claacutessico

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o bloco de maacutermore e as teclas de um piano nas quais respectivamente uma escultu-ra e uma composiccedilatildeo esperam ser libertadas satildeo para tal tarefa provavelmente mais do que metaacuteforas As tarefas trazem em si a sua soluccedilatildeo objetiva pelo menos no in-terior de uma certa margem de variaccedilatildeo embora natildeo possuam a univocidade de e-quaccedilotildees A accedilatildeo do artista eacute o ponto miacutenimo entre o problema a mediatizar perante o qual ele se vecirc e que jaacute estaacute de antematildeo traccedilado e a soluccedilatildeo que igualmente se en-contra de modo potencial no material Se ao utensiacutelio se chamou um braccedilo prolon-gado poder-se-ia chamar ao artista um utensiacutelio prolongado utensiacutelio da passagem da potencialidade agrave atualidade (TE p190)

Assim em Adorno eacute necessaacuterio ldquoseparar-se daquela comparaccedilatildeo grosseira com o su-

jeito criativo que por uma exuberacircncia presunccedilosa transforma a obra de arte em documento

do seu criador e assim a diminuirdquo (TE p194) Na Teoria esteacutetica ocorre a suspeita diante da

posiccedilatildeo de um sujeito que constroacutei em uma adequaccedilatildeo do material a uma forma existente na

mente de tal sujeito A tendecircncia de Adorno estaacute mais em conceber a capacidade de mediaccedilatildeo

para as possibilidades jaacute existentes no material ldquotudo ainda laacute estaacute No teclado de qualquer

piano estaacute contida a Appassionata soacute que o compositor deve extraiacute-la e para isso natural-

mente eacute preciso ser Beethovenrdquo (EXP p24) E nesse ato natildeo haacute a posse plena de tais mo-

mentos pelo sujeito pois

implica sempre o primado dos procedimentos construtivos em relaccedilatildeo agrave imaginaccedilatildeo subjetiva A construccedilatildeo impotildee soluccedilotildees que o ouvido ou o olho que as representam natildeo tecircm imediatamente presentes em toda a claridade O imprevisto natildeo soacute eacute efeito mas possui igualmente um lado objetivo Isso se encontra modificado numa nova qualidade (TE p36)

No conceito de construccedilatildeo e imprevisto evidencia-se a relaccedilatildeo natildeo de um sujeito sobre

um objeto passivo mas uma dinacircmica construtiva na qual os dois poacutelos tanto o artista quanto

material satildeo atuantes no ato produtivo ldquotornou-se entretanto manifesto que as obras devem

conter caracteriacutesticas as quais no processo de produccedilatildeo natildeo satildeo previsiacuteveis e que subjeti-

vamente o artista era surpreendido pelas suas proacuteprias obrasrdquo (TE p51) O que natildeo significa

espontaneiacutesmo como que em um agir do indiviacuteduo desprovido de criteacuterios racionais de pro-

cedimentos teacutecnicos especializados mas indica tatildeo somente usando o exemplo da composi-

ccedilatildeo ao piano a necessidade de extrair aquilo que jaacute estaacute posto no instrumento Natildeo imponho

um som apenas permito a manifestaccedilatildeo das possibilidades jaacute existentes no instrumento

Nessa dinacircmica de construccedilatildeo e possibilidade do imprevisto na qual se insere a sur-

presa ou a novidade vinda da proacutepria obra Adorno insere a categoria do novo Com isso de

imediato eacute possiacutevel indicar a contraposiccedilatildeo de obras padronizadas ao gosto do cliente na

mercantilizaccedilatildeo das produccedilotildees cujo criteacuterio eacute o modismo e na possibilidade de o cliente pro-

jetar suas emoccedilotildees o que eacute em grossas palavras o produto da induacutestria cultural A contrapo-

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siccedilatildeo ao novo sugerida aqui autoriza-se pela caracteriacutestica imediatamente oposta a do sem-

pre-semelhante

A produccedilatildeo em seacuterie ndash seja da arte ou dos bens de consumo e nesse caso a proacutepria arte

seria um bem de consumo ndash acompanha o padratildeo do sempre-semelhante e visualizando a

educaccedilatildeo visualizando o proacuteprio humano impede a manifestaccedilatildeo da riqueza constitutiva in-

terna a possibilidade de ser natildeo-idecircntico o natildeo-semelhante a proacutepria manifestaccedilatildeo do novo

que eacute cada ser humano Apesar de isso ser objeto de discussatildeo mais detalhada do uacuteltimo capiacute-

tulo eacute viaacutevel afirmar jaacute aqui que educar eacute permitir a manifestaccedilatildeo qualificada da riqueza

constitutiva do indiviacuteduo enquanto algo novo e nessa autoconstruccedilatildeo de si gerar a identida-

de de si a construccedilatildeo do proacuteprio sujeito

Poreacutem esse novo conforme jaacute destacado natildeo eacute algo imposto de fora mas eacute a mani-

festaccedilatildeo de algo jaacute existente poreacutem natildeo evidenciado Enfaticamente o novo eacute somente aquilo

que permite romper com o sempre-semelhante conduzindo a conceitos como outro e alteri-

dade ldquoA relaccedilatildeo ao Novo tem o seu modelo na crianccedila que busca no piano um acorde jamais

ouvido ainda virgem No entanto o acorde existia jaacute desde sempre As possibilidades de

combinaccedilatildeo satildeo limitadas na verdade tudo jaacute se encontra no tecladordquo (TE p45) O desafio

estaacute em fazer com que o outro perceba esse novo em si mesmo e natildeo menos importante con-

seguir perceber isso no outro No novo estaacute entatildeo a expressatildeo do concreto a manifestaccedilatildeo

para aleacutem daquilo que estaacute evidente reafirmando o sentido de dialeacutetica ldquoA dialeacutetica eacute a cons-

ciecircncia consequente da natildeo-identidaderdquo (DN 2005 p17) Em primeiro lugar cabe destacar

que partindo dessa ideia a dialeacutetica natildeo eacute um meacutetodo mas um modo de consciecircncia Consci-

ecircncia esta adquirida apoacutes romper com a ideoloacutegica concepccedilatildeo de pensamento com funccedilatildeo

exclusivamente identificadora Assim temos a impossibilidade de haver identidade e ao

mesmo tempo existir a dialeacutetica ndash a dialeacutetica se opotildee ao pensamento identificador pensar na

identidade eacute pensar natildeo dialeticamente pois anula sua condiccedilatildeo primeira o divergente disso-

nante negativo diferenciado

Conforme a Dialeacutetica negativa (2005 p18) a consequecircncia primeira gerada pela anu-

laccedilatildeo da dialeacutetica promovida pelo pensamento identificador eacute o empobrecimento da experi-

ecircncia A aproximaccedilatildeo natildeo ocorre mais com o criteacuterio de permitir o novo e o diferenciado mas

enclausurando o individual dentro de padrotildees de validade universal Toda a diversidade da

experiecircncia eacute sacrificada juntamente com a diversidade do outro em nome de uma adequaccedilatildeo

e uniformidade abstrata

70

Sob condiccedilotildees sociais sobretudo aquelas referentes agrave educaccedilatildeo que dominam orientam atrofiam de muacuteltiplas formas as forccedilas produtivas espirituais sob a dominante pobreza imaginativa [] seria fictiacutecio supor que todos poderiam entendecirc-lo ao todo ou sequer percebecirc-lo Esperar isso seria organizar o conhecimento segundo os traccedilos patoloacutegicos de uma humanidade a qual segundo a lei da igualdade lhe eacute arrebatada a possibilidade de criar experiecircncias se eacute que alguma vez a tenha possuiacutedo (DN 2005 p48-49)

O imperativo dialeacutetico do pensamento o qual conduz agrave possibilidade de criar experi-

ecircncia aponta a necessidade de ldquopensar de tal modo que a forma do pensamento natildeo mais tor-

ne seus objetos coisas inalteraacuteveis que permanecem iguais a si mesmas a experiecircncia des-

mente que eles o sejamrdquo (DN 2009 p134) Os objetos aqui mencionados satildeo os objetos do

pensamento ou seja os conceitos criados pelo pensamento a partir da experiecircncia Indica-se

a necessidade de construccedilatildeo conceitual em confronto permanente com o concreto Assim o

conceito natildeo eacute uma ferramenta a partir da qual o concreto eacute tratado mas esta ferramenta eacute o

proacuteprio ato de pensar

O conceito enquanto resultado da relaccedilatildeo entre pensamento e concretude permite a-

penas uma compreensatildeo daquilo a que se direciona de modo bem direto e portanto passiacutevel

de mudanccedila jaacute que o concreto sofre a accedilatildeo do tempo e do proacuteprio espaccedilo A proacutepria Dialeacutetica

negativa (2009 p136) leva ao extremo a citaccedilatildeo anterior compreendendo o conceito como

algo natildeo-idecircntico nem sequer a si mesmo muito menos com aquilo ao qual se refere Ou seja

ele se determina por aquilo que lhe eacute exterior de modo que natildeo se esgota em si mesmo sendo

impossiacutevel aos objetos do pensamento ndash o conceito ndash ser inalteraacutevel e igual a si mesmo

A dissonacircncia proacutepria das cores sons e imagens no mundo artiacutestico tambeacutem se con-

verte em criteacuterio de racionalidade Eacute o que se percebe por exemplo em uma obra brasileira

como o Rudepoema de Heitor Villa-Lobos na qual o entendimento se depara com sua insufi-

ciecircncia na resoluccedilatildeo do sentido sendo a obra ao mesmo tempo resistecircncia e abertura agrave inter-

pretaccedilatildeo Por ser resistecircncia permanece em seu para si enquanto abertura eacute direcionada agrave

razatildeo interpretativa Sendo assim toda aproximaccedilatildeo eacute sinocircnimo de sentido revelado e reserva

de sentido Por isso que a constituiccedilatildeo do esteacutetico em Adorno tem como objetivo principal pocircr

em movimento processos de pensamento e a verdade encontra sua significaccedilatildeo tatildeo somente

naquilo que natildeo estaacute em harmonia com o sentido administrado imposto Ou seja o verdadei-

ro surge diante daquilo que permite ao ser humano ser forma de alteridade em sua permanen-

te reserva de sentido Em outras palavras a verdade estaacute na aproximaccedilatildeo e natildeo na apropria-

ccedilatildeo

Incorporada a esta noccedilatildeo de sujeito esteacutetico estaacute a dimensatildeo comunicativa Somente haacute

comunicaccedilatildeo ou diaacutelogo quando o pressuposto relacional for paciacutefico e dessa forma natildeo

71

tiver a pretensatildeo de reduccedilatildeo epistemoloacutegica ao sentido que o sujeito apreende ou atribui A

comunicaccedilatildeo somente se efetiva na paz do diferenciado quando eacute possiacutevel ser outro sem te-

mor

Se fosse permitido especular sobre o estado de reconciliaccedilatildeo natildeo caberia imaginaacute-lo nem sob a forma de indiferenciada unidade de sujeito e objeto nem sob a de sua hos-til antiacutetese antes a comunicaccedilatildeo do diferenciado [] Paz eacute um estado de diferenci-accedilatildeo sem dominaccedilatildeo no qual o diferente eacute compartido (PS p184)

A marca da comunicabilidade estaacute na interioridade que realiza a abertura e o fecha-

mento A primeira por natildeo existir plena identidade no princiacutepio de realidade sendo a tensatildeo

dialeacutetica natural e pressuposto para o encontro e para a proacutepria concepccedilatildeo de verdade em A-

dorno A segunda por evitar que o proacuteprio ser humano se perca em meio ao jogo de diferen-

ciados Ou seja eacute preciso que ocorra a identidade do sujeito consigo mesmo o reconhecimen-

to de sua proacutepria subjetividade enquanto nuacutecleo de forccedila ndash noccedilatildeo de siacutentese apresentada no

terceiro capiacutetulo Abertura e fechamento identidade e natildeo identidade satildeo condiccedilotildees para um

sujeito provido de subjetividade ndash significa condiccedilatildeo e capacidade de pensamento bem como

constituiccedilatildeo da proacutepria condiccedilatildeo humana no interior do mundo

A ecircnfase dada agrave comunicaccedilatildeo remete ao sujeito que se constitui enquanto ser histoacuterico

ou seja enquanto ser-aiacute enquanto presenccedila posta e mediada pelo elemento comunicativo Eacute o

singular caracterizado como ser-aiacute natildeo o em-si kantiano inapreensiacutevel pelo entendimento

humano mas aquilo que estaacute dado e nessa presenccedila impossiacutevel de ser ignorado ldquoA comuni-

caccedilatildeo com o outro cristaliza-se no singular que eacute mediado por ela em seu ser-aiacuterdquo (DN 2009

p140) Eacute fundamental destacar que a comunicaccedilatildeo entre diferenciados eacute mediada pelo proacuteprio

ato de comunicaccedilatildeo e natildeo nas estruturas a priori do sujeito Nesse sentido eacute que se compre-

ende a primazia da relaccedilatildeo cuja mediaccedilatildeo eacute o ato comunicativo mesmo A individuaccedilatildeo eacute

dada pela comunicaccedilatildeo pelo enfrentamento que busca o comum (universal) e o diferente (al-

teridade)

Esta tensatildeo entre universal e particular a qual se manteacutem enquanto houver comunica-

ccedilatildeo natildeo se caracteriza por uma relaccedilatildeo comparativa entre individualidades Se comunicaccedilatildeo

fosse isso entatildeo tudo se resolveria no ato dedutivo a partir do pensamento Por exemplo mu-

nido dos referenciais sobre o que caracteriza um ser humano poderiacuteamos falar e atribuir valor

sobre qualquer indiviacuteduo mesmo sem relaccedilatildeo efetiva Esse modo de proceder natildeo pode ser

denominado comunicaccedilatildeo pois faz-se ausente o singular que em seu ser-aiacute permite a comu-

nicaccedilatildeo

72

O centro dessa discussatildeo estaacute no fato de que natildeo eacute possiacutevel progredir do particular ao

universal somente pela forccedila do pensamento ldquonatildeo se progride a partir de conceitos e por eta-

pas ateacute o conceito superior mais universal mas esses conceitos entram em uma constelaccedilatildeo

Essa constelaccedilatildeo ilumina o que haacute de especiacutefico no objeto e que eacute indiferente ou um peso para

o procedimento classificatoacuteriordquo (DN 2009 p140) Atraveacutes do conceito de constelaccedilatildeo A-

dorno propotildee uma congregaccedilatildeo de momentos e sentidos que se comunicam e sem subsumir

nenhum deles compotildeem a riqueza de sentido Cabe destacar que nenhum dos momentos se

eleva em potecircncia essencial mas todos pontuam um momento permanente (que natildeo eacute negado

na figura do outro momento) na constituiccedilatildeo do sentido de modo que natildeo eacute o primado da

razatildeo doadora de sentido mas o sentido que se forma na ligaccedilatildeo dos momentos histoacutericos

Constelaccedilatildeo natildeo eacute representaccedilatildeo mas apresentaccedilatildeo daquilo que natildeo pode ser compreendido

isoladamente Eacute histoacuteria que engloba o indiviacuteduo e na qual ele estaacute inserido Perceber a cons-

telaccedilatildeo eacute nada mais que perceber e interpretar aquilo que eacute condicionado historicamente ndash

conhecer eacute pensar em constelaccedilatildeo

Essa histoacuteria estaacute nele e fora dele ela eacute algo que o engloba e em que ele tem seu lu-gar Perceber a constelaccedilatildeo na qual a coisa se encontra significa o mesmo que deci-frar aquilo que ele porta em si enquanto algo que veio a ser [] Somente um saber que tem presente o valor histoacuterico conjuntural do objeto em sua relaccedilatildeo com os ou-tros objetos consegue liberar a histoacuteria no objeto (DN 2009 p141)

Com a constelaccedilatildeo que constitui sentido via comunicaccedilatildeo ocorre a abertura do enigma

que se quer decifrar Adorno utiliza a metaacutefora do cofre para expressar o sentido que a conste-

laccedilatildeo assume em sua teoria como os cadeados em um cofre-forte a abertura natildeo ocorre ldquoape-

nas por meio de uma uacutenica chave ou de um uacutenico nuacutemero mas de uma combinaccedilatildeo numeacuteri-

cardquo (DN 2009 p142)

Assim sendo na obra de arte ocorre comunicaccedilatildeo ela mesma comunica Mas natildeo eacute

comunicaccedilatildeo de uma mensagem que se pode simplesmente extrair e que estaacute evidente sendo

antes a manifestaccedilatildeo do concreto Em Adorno a obra somente eacute artiacutestica se permitir tal mani-

festaccedilatildeo abrindo espaccedilo para o surgimento do algo mais o surgimento daquilo que eacute para

aleacutem do que se mostra imediatamente Mantendo a arte essa relaccedilatildeo com o concreto sendo

um ldquodesdobramento da verdaderdquo (TE p123) ela se converte em impulso e possibilidade de

esclarecimento em oposiccedilatildeo radical aos produtos da induacutestria da cultura

Essa eacute a linguagem da obra de arte seu modo de expressatildeo e que lhe daacute autenticidade

ldquoo meio pelo qual as obras de arte existentes satildeo mais do que a existecircnciardquo ndash ou seja pela sua

existecircncia permitem a manifestaccedilatildeo do concreto do mais ndash este meio ldquonatildeo eacute um novo ser-aiacute

73

mas a sua linguagem As obras autecircnticas falam mesmo quando recusam a aparecircnciardquo (TE

p124) Essa recusa da aparecircncia volta a fazer referecircncia ao concreto indicando que ldquodeveria

derrubar-se a doutrina da imitaccedilatildeo num sentido sublimado a realidade deve imitar as obras

de arte Mas o fato de as obras de arte existirem mostra que o natildeo-ente poderia existir A rea-

lidade das obras de arte daacute testemunho da possibilidade do possiacutevelrdquo (TE p153 - grifo nos-

so) Em uacuteltima instacircncia o que temos eacute a construccedilatildeo de sentido via expressatildeo comunicaccedilatildeo

linguagem Para isso faz-se necessaacuteria a dinacircmica da aproximaccedilatildeo dos diferentes como possi-

bilidade desta construccedilatildeo do sentido desse outro do sentido de mim mesmo da autoconsci-

ecircncia

5 O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO NA FORMACcedilAtildeO HUMANA

Analisando a obra adorniana observa-se a preocupaccedilatildeo com o corpo como sendo o

desencadeador das reflexotildees sobre eacutetica A experiecircncia do corpo danificado transforma-se em

incentivo ao pensamento e agrave consideraccedilatildeo pelo outro eacute a teoria que lanccedila seu olhar para a

vida posta em seu limite Quando afirma na Dialeacutetica negativa e na Teoria esteacutetica o pro-

blema de elevar a dor ao conceito e o consequente mutismo que este viria a enfrentar Adorno

aponta para a natildeo-compatibilidade entre entendimento conceito e linguagem quando a refe-

recircncia natildeo estaacute dada pelo viacutenculo direto com o real o concreto conforme abordado no capiacutetu-

lo anterior

Deve-se destacar retomando o quarto capiacutetulo que o concreto eacute considerado por A-

dorno como o local a partir do qual se deve filosofar O que significa agora em uma amplia-

ccedilatildeo das discussotildees que o ato de pensar de construir sentido o ato de compreensatildeo e interpre-

taccedilatildeo proacuteprio da filosofia tem sua origem no momento em que nos deparamos com esta alteri-

dade este outro cuja reserva de sentido permite o constante progresso no conhecimento O

local ocupado por este outro o outro propriamente dito assume o centro das discussotildees

Diante disso proponho uma referecircncia agrave literatura e agrave filosofia a fim de percebermos

como a presenccedila do outro define a compreensatildeo humana nosso ato de pensar e nossa accedilatildeo

As obras A condiccedilatildeo humana18 (Andreacute Malraux) publicada em 1933 e A espeacutecie humana19

(Robert Antelme) publicada em 1957 satildeo emblemaacuteticas em sua relaccedilatildeo com a proposta filo-

soacutefica de Theodor Adorno e suas reflexotildees sobre a moral Em um primeiro momento estabe-

leccedilo essa relaccedilatildeo para em seguida indicar o sentido eacutetico que deveria estar presente na ativi-

dade educacional a qual seraacute defendida sob o enfoque do plasmar linguiacutestico

51 Entre o eu e o outro ou quando a presenccedila nos manteacutem humanos

Em ambas as obras da literatura acima citadas ocorre uma indicaccedilatildeo interessante sobre

o sentido eacutetico da accedilatildeo humana o sentido eacutetico da presenccedila o eu que permanece humano por

conseguir perceber o concreto que eacute o outro e o concreto que eacute si mesmo Os dois casos que

seratildeo expostos trazem ao centro da discussatildeo a experiecircncia do corpo a experiecircncia propria-

mente dita e que marca um modo de pensar e de agir conduzido por um excedente a efetivi-

18 Obra traduzida por Ivo Barroso e editada no Brasil pela Record estando em 2008 em sua segunda ediccedilatildeo 19 Da coleccedilatildeo Os afluentes da memoacuteria teve a traduccedilatildeo para o portuguecircs de Portugal feita por Clara Alvarez Foi publicada pela editora Ulisseia de Lisboa em 2003

75

dade do outro e seu apelo por existir a experiecircncia do outro que reivindica algo como eacute pro-

blematizado na Minima moralia quando Adorno afirma que

No desaparecimento da experiecircncia um fato possui uma consideraacutevel responsabili-dade que as coisas sob a lei de sua pura funcionalidade adquirem uma forma que restringe o trato delas a um mero manejo sem tolerar um soacute excedente ndash seja em termos de liberdade de comportamento seja de independecircncia da coisa ndash que subsis-ta como nuacutecleo da experiecircncia porque natildeo eacute consumido pelo instante da accedilatildeo (MM 19 p33)

A dinacircmica exposta tensiona o desaparecimento da experiecircncia e do excedente que

subsiste como nuacutecleo de experiecircncia se nossa capacidade perceptiva permite que algo nos

seja dado esse algo (outro) exige ser percebido em sua concretude a qual natildeo tolera o sim-

ples manejo de nosso proacuteprio entendimento Esta eacute a proposta da obra adorniana evitar a anu-

laccedilatildeo do outro a cegueira diante deste excedente agrave experiecircncia que se compreende como o

concreto Excedente esse que deveria se constituir em incentivo agrave accedilatildeo A fim de compreen-

der melhor o sentido disso busco referecircncia com as obras A condiccedilatildeo humana e A espeacutecie

humana

Toda a obra de Andreacute Malraux aqui em evidecircncia estaacute permeada pelo limite que o

corpo a presenccedila do outro impotildee Seja em termos de luta poliacutetica conflitos ideoloacutegicos seja

em questotildees amorosas o outro sempre aparece para aleacutem de sua funcionalidade natildeo admitin-

do um simples manejo que impede sua liberdade e sua existecircncia concreta Incisivamente eacute

preciso entrar na luminosidade provinda do corpo A cena que abre sua A condiccedilatildeo humana

merece total destaque sendo aqui apresentada em seus aspectos principais

Logo na primeira paacutegina satildeo relatadas as circunstacircncias do personagem que estando

diante da viacutetima a ser assassinada percebe-se separado dessa por um veacuteu uma cortina que o

impede de ver o corpo Assim sendo tudo leva agrave certeza da facilidade que seria matar No

entanto Tchen se depara com um limite uma parte do corpo estaacute descoberta Esse fato provo-

ca Tchen e inicia-se entatildeo um processo de pensamento o momento de reconhecimento do

outro Poreacutem este reconhecimento natildeo ocorre considerando o posto ocupado pela viacutetima em

potencial ou por causa de sua posiccedilatildeo social ou pelo forte senso do dever de Tchen Mas eacute

reconhecimento que ocorre por um uacutenico motivo o contato com o corpo Este eacute o elemento

constituidor de toda consciecircncia de dever o instante em que o limite do outro se impotildee

Tchen tentaria erguer o cortinado Golpearia atraveacutes dele [Estava diante de] um corpo menos visiacutevel que uma sombra e do qual saiacutea apenas aquele peacute semi-inclinado pelo sono mas mesmo assim vivente ndash carne de homem [] [Tchen] sa-bia que o iria matar Preso ou natildeo executado ou natildeo pouco importa Nada mais e-

76

xistia aleacutem daquele peacute do homem que devia golpear sem que pudesse defender-se [] Aquele peacute vivo como um animal adormecido Era o teacutermino de um corpo lsquoEs-tarei ficando idiotarsquo Era necessaacuterio ver aquele corpo Vecirc-lo ver-lhe a cabeccedila para tanto entrar na luminosidade deixar que sua sombra atarracada passasse sobre a cama Qual a resistecircncia da carne [] Mataacute-lo natildeo era nada tocaacute-lo eacute que era im-possiacutevel (MALRAUX 2008 p19-21)

E esse processo de reflexatildeo que se desencadeou mediante a percepccedilatildeo do corpo do ou-

tro aleacutem de permitir reconhecer esse outro originou o proacuteprio reconhecimento de si ldquoTchen

descobria em si ateacute a naacuteusea natildeo o combatente que esperava mas um sacrificador [] lsquoAs-

sassinar natildeo eacute apenas matarrsquordquo (ibidem p20) e por isso mesmo o personagem percebe estar

fora do ldquomundo dos homensrdquo (p19)

Deparamo-nos com o fato fundamental o veacuteu da abstraccedilatildeo natildeo nos deixa perceber o

limite do corpo a carne humana Tchen teria que erguer o cortinado mas se o fizesse depa-

rar-se-ia com o corpo mas mesmo assim precisava entrar em sua luminosidade Essa expres-

satildeo de Malroux indica outra forma de luminosidade para aqueacutem da luz da razatildeo o sentido

natildeo estaacute dado previamente pela razatildeo o espaccedilo natildeo eacute somente uma categoria da razatildeo como o

quis Kant condiccedilatildeo para conhecer algo antes mesmo de ocorrer a experiecircncia sensiacutevel eacute sim

espaccedilo ndash local ndash ocupado pelo outro constituiacutedo por ele luminosidade para aleacutem do sentido

atribuiacutedo pelo sujeito que se depara com um simples objeto luminosidade que antecede a

consideraccedilatildeo do outro atraveacutes do puro senso do dever Eacute luz que proveacutem do local que o corpo

ocupa ndash eacute necessaacuterio ver o corpo entrar em sua luminosidade Somente diante deste fato eacute que

o braccedilo do algoz freia pois encontra a resistecircncia da carne

Eacute possiacutevel realizar uma conexatildeo com a obra adorniana tendo como referecircncia aquilo

que constitui a subjetividade aquilo que estaacute para aleacutem do eu mas assume seu momento ori-

ginaacuterio da proacutepria atividade subjetiva do eu Este momento originaacuterio ldquoeacute um choque sofrido

pelo sujeito ndash da materialidade social que penetra na constituiccedilatildeo de sua natureza interna ndash e

que o obriga a pensarrdquo (ALVES JUacuteNIOR 2005 p71) Evidencia-se o viacutenculo com a obra de

Andreacute Malraux ndash A condiccedilatildeo humana ndash no momento em que a materialidade obrigou o assas-

sino a pensar no deparar-se com o corpo da potencial viacutetima Esse choque estaacute na origem das

consideraccedilotildees sobre a eacutetica perpassando toda a accedilatildeo humana como sinal da presenccedila concreta

do outro

Alves Juacutenior denomina isto de ldquovertigem da razatildeo diante da materialidaderdquo (idem

p16) o que corresponde agrave perspectiva fundante das reflexotildees sobre moral em Adorno O afo-

rismo da Minima moralia que considero emblemaacutetico em relaccedilatildeo a isso eacute denominado Para

uma dialeacutetica do tacto (MM 16 p29-30) Em referecircncia a Goethe Adorno analisa a ldquoplena

77

consciecircncia da iminente impossibilidade de toda relaccedilatildeo humana no interior da sociedade in-

dustrial nascenterdquo Diante desse problema o tato foi considerado ldquoo expediente salvador entre

os seres humanos alienados [] Tacto e humanidade ndash para ele a mesma coisa ndash percorreram

entrementes precisamente o caminho do qual em sua opiniatildeo deveriam nos preservarrdquo Essa

dialeacutetica civilizadora que permitiria a preservaccedilatildeo da humanidade mediante a percepccedilatildeo do

outro em sua corporeidade ndash o tato em sentido bem geral ndash foi interrompida no momento em

que os indiviacuteduos tornaram-se indiferentes e natildeo mais reconheceram o outro Nesse momento

o tato ldquonatildeo alcanccedila o indiviacuteduo e acaba por lhe fazer uma infinita injusticcedilardquo Natildeo alcanccedila o

indiviacuteduo devido a um avanccedilo que nos fez infinitamente autocircnomos em detrimento radical do

heterocircnomo Pela salvaccedilatildeo do tato poderiacuteamos salvar o viacutenculo heterocircnomo natildeo enquanto

determinaccedilatildeo dada pelo outro a mim sendo o eu um mero objeto dessa accedilatildeo do outro mas

como possibilidade da percepccedilatildeo e consideraccedilatildeo dessa alteridade em seu momento originaacuterio

ndash algo que existe que estaacute aiacute e por isto precisa ser reconhecido

Pelo reconhecimento dessa alteridade realizar-se-ia a autonomia a constituiccedilatildeo de si

Se para Aristoacuteteles o sujeito eacute identificado como o motor imoacutevel ou seja a substacircncia para

Adorno eacute possiacutevel pensar uma salvaccedilatildeo dessa dimensatildeo interna essa constituiccedilatildeo proacutepria que

faz com que o indiviacuteduo seja mais que indiviacuteduo seja sujeito forccedila movente proacutepria Poreacutem

forccedila interna natildeo natural desde sempre dada mas mediada pelas experiecircncias e constituiccedilotildees

histoacutericas de si mesmo A formaccedilatildeo da autonomia passaria necessariamente pela dialeacutetica do

tato pelo reconhecimento da heteronomia a qual natildeo extingue a necessidade de autonomia

apenas indica a constituiccedilatildeo do eu a partir das experiecircncias construiacutedas com o outro A auto-

nomia eacute reconhecida por Adorno como possibilidade de realizaccedilatildeo do humano ldquoO fim objeti-

vo da humanidade eacute apenas uma outra expressatildeo para a mesma coisa Significa que o indiviacute-

duo enquanto indiviacuteduo como representante do gecircnero humano perdeu a autonomia atraveacutes

da qual poderia realizar efetivamente o gecircnerordquo (MM 17 p31)

O criteacuterio do reconhecimento do outro como criteacuterio para firmar sua autonomia sua

identidade seu eu o qual permitiria realizar a humanidade exige fazer referecircncia agrave obra A

condiccedilatildeo humana Como caminho para chegar a esta obra faccedilo referecircncia de passagem a

Rousseaue seu ideal de reconhecimento do sentimento do outro como sendo o nuacutecleo de suas

consideraccedilotildees sobre moral O meio humano ou se quisermos admitir o termo habitat huma-

no encontra sua significaccedilatildeo em um elemento possiacutevel de se encontrar ainda no autor do Dis-

curso sobre a origem e fundamentos das desigualdades entre os homens definindo a condi-

ccedilatildeo para a humanizaccedilatildeo o encontro

78

Conforme seu segundo discurso enquanto o homem vagava como selvagem no interi-

or da selva com preocupaccedilotildees exclusivas de alimentaccedilatildeo descanso e procriaccedilatildeo com as ope-

raccedilotildees do sentir querer e temer natildeo havia distinccedilotildees imediatas entre ele e os demais animais

selvagens Somente quando passa a efetivar o encontro duradouro marcado pela cabana e

consequente constituiccedilatildeo dos laccedilos familiares propriamente ditos eacute que seus sentimentos mu-

dam e assim eacute possiacutevel dizer que este ser antes selvagem firma seu passo em um novo mei-

o Agora o sentimento de amor e de cuidado passa a fazer parte desse meio e ele se torna efe-

tivamente humano Poreacutem nesse processo de construccedilatildeo do humano um elemento ficou fa-

lho e o amor e o cuidado ficaram restritos aos limites da moradia ou ao proacuteprio si-mesmo

Tal elemento para Rousseau eacute a virtude da piedade Duas passagens do Discurso sobre a

origem e fundamentos das desigualdades entre os homens enfatizam essa virtude

A primeira citaccedilatildeo remete ao problema de toda possiacutevel barbaacuterie real ou imaginaacuteria

de todo totalitarismo possiacutevel pela natildeo identificaccedilatildeo do indiviacuteduo com o seu gecircnero Quando

abstraio torna-se permitido exterminar pois natildeo faz mais parte da humanidade ldquoCom efeito a

comiseraccedilatildeo seraacute tanto mais eneacutergica quanto mais intimamente o animal espectador se identi-

ficar com o animal sofredorrdquo (DOD p191) A identificaccedilatildeo eacute a consideraccedilatildeo do outro como

um ser tatildeo humano quanto eu e portanto natildeo passiacutevel de nada que tente reduzir ou abstrair a

dignidade dessa sua condiccedilatildeo Assim sendo a virtude da piedade permite o sair de si em dire-

ccedilatildeo ao outro ou seja eacute a condiccedilatildeo da solidariedade remetendo agrave dialeacutetica do tato

A segunda citaccedilatildeo tem ainda maior ecircnfase moral e remete agrave perversatildeo no ato de pen-

samento

Eacute a razatildeo que engendra o amor-proacuteprio e eacute a reflexatildeo que o fortalece eacute ela que faz o homem ensimesmar-se [] Eacute a filosofia que o isola eacute por sua causa que ele diz em segredo ao ver um homem que sofre lsquoPerece se quiseres que eu estou em seguran-ccedilarsquo [] Pode-se impunemente degolar seu semelhante embaixo da sua janela basta-lhe pocircr as matildeos sobre os ouvidos e argumentar um pouco consigo mesmo para im-pedir a natureza que nele se revolta de identificar-se com aquele que assassinam (I-bidem p192)

Chegamos assim agrave obra A espeacutecie humana do francecircs Robert Antelme ex-

prisioneiro em campos de concentraccedilatildeo nazistas Nessa obra estaacute exposta por um lado a au-

secircncia do elemento de piedade e a tentativa de excluir os prisioneiros da condiccedilatildeo humana e

por outro aquilo que permitiu aos prisioneiros resistir sobreviver

Eles quiseram fazer de noacutes animais obrigando-nos a viver em condiccedilotildees que nin-gueacutem digo bem ningueacutem poderaacute jamais imaginar Mas eles natildeo vatildeo conseguir Porque noacutes sabemos de onde vimos [sic] sabemos por que estamos aqui [] Se por

79

vezes nos acontece deixarmos de nos reconhecer a noacutes proacuteprios esse eacute o preccedilo desta guerra e temos que nos aguumlentar Mas para aguumlentar eacute preciso que cada um de noacutes saia de si proacuteprio que se sinta responsaacutevel por todos noacutes Conseguiram espoliar-nos de tudo mas natildeo daquilo que somos Noacutes ainda existimos (2003 p196)

Toda a obra retrata o elemento decisivo que permitiu resistir na humanidade sair de si

proacuteprio e se sentir responsaacutevel por todos Que imperativo eacutetico poderia ser maior Afinal em

eacutepoca de terror absoluto20 foi o que garantiu a preservaccedilatildeo Esta ldquoverdade universalrdquo ndash somos

seres humanos ndash se converte em slogan e voltando a afirmar natildeo se realizou pelo imperativo

categoacuterico e nem o poderia ser pois esse dita o respeito por algo que merece no maacuteximo

observacircncia a lei Observo a lei natildeo por respeito a ela mas por respeito ao ser humano o que

exige pensar na contingecircncia O elemento central eacute o sentimento a capacidade de comover-se

Isso permite considerar a todos apesar das diferenccedilas como incluiacutedos na mesma espeacutecie a

humana

a variedade de relaccedilotildees entre os homens a sua cor os seus costumes a sua organi-zaccedilatildeo em classes mascaram uma verdade que aqui surge retumbante no limite da natureza perto dos nosso limites natildeo existem espeacutecies humanas existe uma espeacutecie humana []De fato aiacute tudo se passa como se houvessem espeacutecies ndash ou mais exa-tamente como se a pertenccedila agrave espeacutecie natildeo fosse um dado adquirido como se nela pudeacutessemos entrar e sair ficar laacute soacute metade ou atingi-la em pleno ou nunca a atin-gir mesmo a custo de vaacuterias geraccedilotildees ndash sendo a divisatildeo em raccedilas ou em classes o canhatildeo da espeacutecie que fundamenta o axioma sempre pronto a linha uacuteltima de defe-sa laquonatildeo satildeo gente como noacutesraquo (ANTELME 2003 p222-223)

Natildeo reconhecer a alteridade como elemento intriacutenseco agrave humanidade eacute efeito daquilo

que anteriormente foi caracterizado como fechamento em si mesmo (o ensimesmar-se de

Rousseau) Esse natildeo reconhecimento eacute o que nos impede de ver no outro sua condiccedilatildeo huma-

na sua dignidade intriacutenseca de pertencente agrave proacutepria humanidade Antelme (p223-224) retra-

ta isso ao referir-se aos assassinatos nazistas nos campos como a tentativa fracassada de espo-

liar um homem de sua humanidade Poreacutem apesar dessa tentativa ldquocontinuamos homens

acabaremos como homens [] Ele pode matar um homem mas natildeo o pode transformar numa

coisa diferenterdquo O testemunho de Antelme aponta para a permanecircncia de uma forccedila interna

ao indiviacuteduo que pode ser identificada com a existecircncia do sujeito a capacidade de resistir ao

totalitarismo entendido no seu ldquosignificado mais amplo como concentraccedilatildeo poliacutetica das for-

ccedilas que atuam no sentido de destituir no indiviacuteduo tudo que poderia vir a caracterizaacute-lo como

sujeitordquo (1997 p125) Tal caracterizaccedilatildeo pode ser entendida a partir de tais testemunhos

como a capacidade de resistir e se identificar com o outro 20 Referecircncia ao periacuteodo do holocausto nazista os campos de extermiacutenio Vale lembrar que a obra A espeacutecie humana eacute um magniacutefico relato da vida no interior desse periacuteodo de terror absoluto

80

O imperativo que surge pode ser descrito como a necessidade de natildeo fazer ao outro

aquilo que natildeo estiver em harmonia com sua condiccedilatildeo humana O decisivo eacute entatildeo permitir a

humanidade e que toda tentativa contraacuteria sofra a accedilatildeo de um pensamento orientado para o

ideal adorniano do termo paz ldquoeacute um estado de diferenciaccedilatildeo sem dominaccedilatildeo no qual o dife-

rente eacute compartidordquo (SO p184) contribuindo para gerar a ldquosituaccedilatildeo melhor como aquela na

qual eacute possiacutevel ser diferente sem ter medordquo (MM 66 p89)

Ao sujeito esteacutetico por pressupor a diferenciaccedilatildeo como seu imperativo ndash o que natildeo

pode ser confundido com total toleracircncia ndash eacute dada a condiccedilatildeo de equiliacutebrio entre aquilo que

ele eacute e as condiccedilotildees que permitem a ele tornar-se algo Contudo este vir a ser ocorre dentro

do limite do proacuteprio meio em que vive ou seja a humanidade o que inscreve a estreita rela-

ccedilatildeo da eacutetica e da esteacutetica na constituiccedilatildeo de tal sujeito

Adorno analisa a oposiccedilatildeo radical deste sentimento de identificaccedilatildeo jaacute apontado seacutecu-

los antes por Rousseau e reconhecido de modo histoacuterico nos eventos retratados em A espeacutecie

humana e A condiccedilatildeo humana Essa anaacutelise marca as obras Teoria esteacutetica e Minima moralia

corroborando a concepccedilatildeo de educaccedilatildeo como processo a partir do qual eacute possiacutevel gerar ceacutelu-

las de humanidade Considero isso decisivo em termos de educaccedilatildeo a ponto de defender a

submissatildeo de todos os demais esforccedilos em acircmbito educacional a este criteacuterio humanizar A-

dorno traccedila um diagnoacutestico da sua eacutepoca e afirma a efetivaccedilatildeo de uma ldquoeacutepoca que assume a

etiqueta da era atocircmicardquo (TE p207) O termo era atocircmica seraacute desenvolvido nas linhas abai-

xo na perspectiva de radical fragmentaccedilatildeo das experiecircncias em sentido temporal tambeacutem na

proacutepria fragmentaccedilatildeo subjetiva envolvendo os sentimentos e a passagem do indiviacuteduo para o

individualismo enquanto indiferenccedila ao outro

Atualizando Demoacutecrito e sua definiccedilatildeo da natureza como formada por pequenas partiacute-

culas denominadas aacutetomos o nosso seacuteculo assumiu a atomizaccedilatildeo como categoria orientadora

no todo das accedilotildees humanas O indiviacuteduo corre o risco de se converter em espeacutecime destituiacutedo

de viacutenculos com o todo no qual vive gerando a fragmentaccedilatildeo histoacuterica e conjugando os fatos

apenas no tempo presente Essa desconsideraccedilatildeo da continuidade eacute decisiva para o processo

de formaccedilatildeo da identidade pois ultrapassa os limites da experiecircncia externa se tornando ain-

da mais problemaacutetica ao fragmentar a proacutepria subjetividade Poder-se-ia dizer que esse eacute o

mundo da radicalizaccedilatildeo atocircmica natildeo apenas atomizaccedilatildeo das experiecircncias e da histoacuteria mas

das proacuteprias emoccedilotildees e reaccedilotildees subjetivas Na Minima moralia enfatiza ldquoA atomizaccedilatildeo natildeo

estaacute em progresso apenas entre os seres humanos mas tambeacutem no interior de cada indiviacuteduo

entre as esferas de sua vidardquo (MM 84 p114) Essa individuaccedilatildeo absoluta problematizada jaacute

por Rousseau levou ao problema criacutetico descrito na obra de Antelme e considerado por A-

81

dorno como exemplo maacuteximo de barbaacuterie Individuaccedilatildeo aqui entendida por indiferenccedila ou

seja ldquose as pessoas natildeo fossem profundamente indiferentes em relaccedilatildeo ao que acontece com

todas as outras excetuando o punhado com que mantecircm viacutenculos estritos e possivelmente por

intermeacutedio de alguns interesses concretos entatildeo Auschwitz natildeo teria sido possiacutevel as pessoas

natildeo o teriam aceitordquo (MM 61 p85)

Compreende-se o sentido de educaccedilatildeo enquanto processo a partir do qual eacute possiacutevel

gerar ceacutelulas de humanidade Em primeiro lugar enquanto natildeo formos capazes de romper

com a indiferenccedila permaneceremos incapazes de estabelecer viacutenculos de responsabilidade de

nos identificarmos com o outro Como resultado temos simples exemplares humanos cada

um falho na capacidade de relaccedilatildeo com o outro A ldquoceacutelula de humanidaderdquo eacute resultado da in-

terconexatildeo dos diversos indiviacuteduos a partir de viacutenculos Em segundo lugar eacute necessaacuterio rom-

per com a fragmentaccedilatildeo histoacuterica e inserirmo-nos na construccedilatildeo da continuidade histoacuterica

necessaacuteria entre passado presente e futuro As experiecircncias natildeo satildeo aacutetomos isolados devem

sim estar interligadas em um conjunto denominado histoacuteria ndash essa ligaccedilatildeo temporal eacute a ceacutelula

obtida a partir dos diferentes acontecimentos natildeo mais isolados ou seja eacute consciecircncia Em

terceiro lugar as proacuteprias reaccedilotildees subjetivas os sentimentos natildeo satildeo estanques A impressatildeo

de natildeo comunicaccedilatildeo de isolamento entre esses sentimentos fragmenta a proacutepria subjetivida-

de Vivemos assim em uma sucessatildeo de prazeres ou sofrimentos desvinculados onde o im-

perativo do momento eacute o criteacuterio para a satisfaccedilatildeo Eacute imprescindiacutevel a geraccedilatildeo de ceacutelula vin-

culaccedilatildeo com o outro continuidade histoacuterica natildeo isolamento dos sentimentos O desafio edu-

cacional reside no desfazer da era atocircmica e na consequente formaccedilatildeo do ser humano apto a

constituir ceacutelulas de humanidade

Indiferenccedila e barbaacuterie foram amplamente tematizadas na obra organizada por Adauto

Novaes intitulada Civilizaccedilatildeo e barbaacuterie21 O texto Indiferenccedila nova forma de barbaacuterie

(Gabriel Cohn) analisa e potildee em tensatildeo os termos diferenccedila e indiferenccedila conectando-se

perfeitamente com as discussotildees acima desenvolvidas O ponto de partida das reflexotildees eacute a

21 Vale destacar o sentido Adorniano para o termo barbaacuterie Natildeo ocorre um dualismo mas a natildeo coincidecircncia entre o desenvolvimento material tecnoloacutegico e a promoccedilatildeo da humanidade Isso eacute possiacutevel de se perceber no texto Educaccedilatildeo contra a barbaacuterie onde se expotildee ldquoEntendo por barbaacuterie algo muito simples ou seja que estan-do na civilizaccedilatildeo do mais alto desenvolvimento tecnoloacutegico as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relaccedilatildeo a sua proacutepria civilizaccedilatildeo ndash e natildeo apenas por natildeo terem em sua arrasadora maioria experimentado a formaccedilatildeo nos termos correspondentes ao conceito de civilizaccedilatildeo mas tambeacutem por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva um oacutedio primitivo que contribui par aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilizaccedilatildeo venha a explodir aliaacutes uma tendecircncia imanente que a caracterizardquo (EE p 155)

82

ideia de civilizaccedilatildeo cultura22 e humanidade em iacutentima conexatildeo mediante a formaccedilatildeo que

possibilitaria a efetiva dialeacutetica do tato A urgecircncia eacute ldquorecuperar o complexo significado que

anima a ideacuteia de civilizaccedilatildeo e a torna inseparaacutevel da ideacuteia de cultura entendida esta na sua

acepccedilatildeo mais plena como cultivo da humanidade como formaccedilatildeordquo (2004 p82) Pela forma-

ccedilatildeo e aqui estamos diante de um ideal educativo eacute possiacutevel compreender a humanidade fixa-

da natildeo na indiferenccedila pois a indiferenccedila eacute condiccedilatildeo para a natildeo-aceitaccedilatildeo Conforme os argu-

mentos do texto (p84 ss) civilidade e formaccedilatildeo constituem o oposto agrave barbaacuterie partindo da

noccedilatildeo de que a responsabilidade enquanto cuidado com outro se opotildee agrave indiferenccedila Dessa

forma faz-se necessaacuterio evitar que ldquoo respeito pelo outro deslize rumo agrave indiferenccedila pelo ou-

tro A aceitaccedilatildeo generalizada da diferenccedila eacute a expressatildeo exata da indiferenccedilardquo (p85) conside-

rada pelo autor como a nova forma de barbaacuterie e promotora de barbaacuteries

O argumento foi aqui conduzido de modo a demonstrar que a atomizaccedilatildeo desemboca

na indiferenccedila Aleacutem disso foi pontuada a formaccedilatildeo como alternativa para reduzir a distacircncia

entre cultura e humanidade A partir dessas observaccedilotildees eacute possiacutevel atribuir agrave educaccedilatildeo o com-

promisso de possibilitar ao humano a verdadeira inserccedilatildeo na experiecircncia o que ocorre pela

consciecircncia de que natildeo haacute formaccedilatildeo humana sem a re-significaccedilatildeo do passado a plenitude do

presente como tempo no qual podemos agir e o olhar visionaacuterio ao que viraacute

Relaciono tudo isso ao termo utopia pois nada justifica melhor essa vinculaccedilatildeo e con-

tinuidade histoacuterica do que esse termo Em entendimento mais detalhado e sigo aqui as opor-

tunas consideraccedilotildees de Gadamer no texto O que eacute praacutexis As condiccedilotildees da razatildeo social uto-

pia ldquonatildeo eacute um esboccedilo de objetivos de accedilatildeo O caracteriacutestico da utopia eacute mais claramente que

nos conduz ateacute o momento da accedilatildeo [] Natildeo eacute primeiramente um projeto de accedilatildeo mas uma

criacutetica do presenterdquo (1983 p50) Assim eacute que se efetiva a estreita relaccedilatildeo entre o olhar que

vislumbra a plena realizaccedilatildeo do estado humano e que no entanto o faz mais como um olhar

criacutetico ao momento presente e aos constituintes que permitiram chegar a esse estado atual

Assim sendo o olhar ao presente assume sua funccedilatildeo na proacutepria dialeacutetica do esclarecimento

nesse processo histoacuterico de auto-reflexatildeo que permite a constituiccedilatildeo do humano pois na expe-

riecircncia utoacutepica ldquopermanece algo de negativo contra o que existe embora lhe continue a per-

tencerrdquo (TE p45) Nesse aspecto a utopia se vincula agrave esperanccedila a partir da qual Adorno

aponta para o que eacute verdadeiro ldquoa pergunta a colocar seria entatildeo se temos mais razatildeo para

amar o que sucede a noacutes para afirmar o que existe porque existe do que de tomar como ver-

22 Rodrigo Duarte (2007 p150 ss) analisa o problema do entrelaccedilamento de cultura e barbaacuterie a partir do enfo-que da induacutestria cultural sendo esta entendida como a exploraccedilatildeo planificada da cultura caracterizando a domi-naccedilatildeo da vida humana a partir da subversatildeo das manifestaccedilotildees culturais autecircnticas

83

dadeiro aquilo de que temos esperanccedilardquo (MM 61 p85) Esse aspecto da esperanccedila potildee em

conexatildeo a criacutetica do presente a partir do olhar ao passado a fim de questionar a aceitaccedilatildeo do

que existe simplesmente por estar dado a noacutes Por outro lado a criacutetica do presente eacute inscrita

sob o olhar da esperanccedila o caraacuteter eacutetico propriamente dito no qual o pensamento visualiza

aquilo que posso vir a ser no sentido de futuro

Na Criacutetica da razatildeo praacutetica ao diferenciar a causalidade natural da causalidade pela

liberdade sendo essa proacutepria do reino dos fins Kant renuncia radicalmente a consideraccedilatildeo ao

passado e o potildee como totalmente fluiacutedo por natildeo termos mais este momento agraves matildeos Consi-

derando o que determina a accedilatildeo a partir da segunda criacutetica qualquer tentativa de vincular o

fato presente ao passado subtrai toda responsabilidade moral E em se tratando de causalida-

de o ato somente eacute imputaacutevel pressupondo a autonomia do presente frente a qualquer influecircn-

cia passada

visto que o tempo passado natildeo estaacute mais em meu poder cada accedilatildeo que pratico tem que ser necessaacuteria mediante fundamentos determinantes que natildeo estatildeo em meu po-der isto eacute jamais sou livre no momento em que ajo [] Pois a cada momento estou sempre sob a necessidade de ser determinado a agir mediante aquilo que natildeo estaacute em meu poder e a [] seacuterie infinita dos eventos que eu sempre soacute prosseguiria segundo uma ordem jaacute predeterminada e natildeo iniciaria espontaneamente em parte alguma se-ria uma cadeia natural constante portanto minha causalidade jamais seria liberdade (CRPr sect169-170)

Essa forma de considerar a moralidade salva por um lado a accedilatildeo de todo determinis-

mo estranho ou predestinaccedilatildeo levando agrave possibilidade de alterar o curso dos acontecimentos

Nesses termos natildeo apenas sofro a accedilatildeo histoacuterica mas ajo sobre a histoacuteria o que eacute possiacutevel

somente ao ser racional possuidor de liberdade e autonomia da vontade Ao determinismo agrave

dependecircncia dos eventos passados Kant chamou de mecanismo natural por ser comum a

toda natureza dita irracional Mas e por outro lado essa quebra de vinculaccedilatildeo ao passado tem

como efeito colateral a fixaccedilatildeo no presente como momento suficiente na constituiccedilatildeo humana

Admitindo a necessidade de causalidade por liberdade em oposiccedilatildeo agrave natural com seu viacutenculo

ao passado a consequecircncia eacute o processo de individuaccedilatildeo do indiviacuteduo quando este assume a

etiqueta da era atocircmica

Em Adorno o passado e o presente estatildeo continuamente voltando sua face um ao ou-

tro em um processo de constituiccedilatildeo da moralidade identificado como o imperativo da gera-

ccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade Retomando o problema da atomizaccedilatildeo e a consequente indivi-

duaccedilatildeo a noccedilatildeo de viacutenculo temporal se constitui em alternativa decisiva significando a me-

moacuteria posta agrave salvo do esquecimento Faz-se indispensaacutevel que os choques do real no qual

84

estaacute a origem do pensamento natildeo se tornem momentos isolados na histoacuteria mas se configu-

rem em uma sucessatildeo intimamente vinculada e assim constituidora da consciecircncia Se por

um lado temos aqui a condiccedilatildeo para despertar o indiviacuteduo por outro quando ausente esta

noccedilatildeo de viacutenculo temporal as experiecircncias se tornam aacutetomos isolados Eacute o diagnoacutestico de que

a ldquovida transformou-se numa sucessatildeo intemporal de choques entre os quais se rasgam lacu-

nas intervalos paralisadosrdquo (MM 33 p46) Assim a vinculaccedilatildeo histoacuterica aqui defendida

constitui-se em desafio eacutetico-educativo na medida em que remete ao cuidado ao evitar os

elementos que no passado levaram ao problema enfrentado ldquoO cuidado com a memoacuteria fez

dela natildeo soacute um objeto de estudo mas tambeacutem uma tarefa eacutetica nosso dever consistiria assim

em preservaacute-la em salvar o desaparecido o passado em resgatar como se diz tradiccedilotildees vi-

das falas e imagensrdquo (GAGNEBIN 2007 p35) ou seja a experiecircncia vivida pelos outros e

pelo indiviacuteduo mesmo enquanto nuacutecleo de forccedila que impulsiona para novas experiecircncias de

vida superando os fatores perversos do passado e alimentando aquilo que contribuiu para a

constituiccedilatildeo eacutetica das relaccedilotildees humanas No sentido de resgatar tradiccedilotildees vidas falas ima-

gens Gagnebin afirma no mesmo texto que ldquomuitas pessoas entre noacutes nem precisam esque-

cer simplesmente natildeo sabem por exemplo o que essa palavra lsquoAuschwitzrsquo representardquo

(p37) Histoacuteria Filosofia Arte todas vinculadas agrave educaccedilatildeo no sentido de fazer valer a fala o

local do outro como testemunho de um momento da histoacuteria da humanidade mas mais que

isso como testemunho do ser humano que se constitui a partir do local ocupado pelo outro do

intercacircmbio de experiecircncias de vida

A fim de detalhar esse enfrentamento do passado e presente e a constituiccedilatildeo da mora-

lidade remeto ao texto O que significa elaborar o passado23 Nesse texto eacute possiacutevel perceber

a tocircnica que a interconexatildeo de passado e presente assume evitando a incisiva indiferenccedila que

a Criacutetica da razatildeo praacutetica enfatizou O passado natildeo eacute algo que natildeo estaacute mais agrave matildeo mas eacute

material disponiacutevel para toda dialeacutetica entre presente e utopia entre o estado atual e a neces-

sidade de vislumbrar algo melhor como criacutetica agravequilo que permitiu ao presente se converter

naquilo que eacute Em tal texto Adorno aponta o problema de que o ldquodesaparecimento da consci-

ecircncia da continuidade histoacuterica [eacute] um sintoma daquela fraqueza social do eu que Horkhei-

mer e eu jaacute procuramos derivar na Dialeacutetica do esclarecimentordquo (EE p32) Retomando a

obra de 1947 tem-se o que significa esta fraqueza do eu ldquoOs homens receberam o seu eu

como algo pertencente a cada um diferente de todos os outros para que ele possa com maior

seguranccedila se tornar igualrdquo (DE p27)

23 Em Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo p29

85

Essa igualdade se deve dentre outros aspectos agrave natildeo vinculaccedilatildeo das experiecircncias en-

tre si e da natildeo vinculaccedilatildeo do proacuteprio indiviacuteduo agrave sua totalidade de experiecircncias O que signi-

fica a tentativa de gerar coesatildeo pela coerccedilatildeo que soacute eacute possiacutevel com a efetivaccedilatildeo da era atocircmi-

ca ldquoA unidade da coletividade manipulada consiste na negaccedilatildeo de cada indiviacuteduo seria digna

de escaacuternio a sociedade que conseguisse transformar os homens em indiviacuteduosrdquo (DE p27) O

problema eacute que esses indiviacuteduos mesmos cuja condiccedilatildeo de existecircncia eacute a lucidez de seu tem-

po de experiecircncias contiacutenuas acabam por natildeo serem capazes de agir movidos pela consciecircn-

cia provinda de tais experiecircncias mas a partir da igualdade gerada pela vergonha ou medo de

ser diferente ldquoQue todos os homens sejam iguais uns aos outros eacute precisamente o que viria a

calhar para a sociedade Ela considera as diferenccedilas reais ou imaginaacuterias como marcas igno-

miniosas que atestam que natildeo se avanccedilou o bastante que algo escapou da maacutequina e natildeo estaacute

inteiramente determinado pela totalidaderdquo (MM 66 p89) Tal maacute universalidade nega a pos-

sibilidade de compartir as diferenccedilas pondo o universal como a anulaccedilatildeo dessas Para Adorno

a vida em sociedade deveria ser conduzida tendo o ideal de integraccedilatildeo das diferenccedilas como

seu objetivo pois a proposta de coesatildeo sem violecircncia se constitui no sentido do proacuteprio termo

sociedade

uma sociedade emancipada natildeo seria nenhum Estado unitaacuterio mas a realizaccedilatildeo efe-tiva do universal na reconciliaccedilatildeo das diferenccedilas A poliacutetica que ainda estiver seria-mente interessada em tal sociedade natildeo deveria propagar a igualdade abstrata das pessoas sequer como uma ideacuteia Em vez disso ela deveria apontar para a maacute igual-dade hoje para a identidade entre os interessados no cinema e os interessados em armamentos pensando contudo a situaccedilatildeo melhor como aquela na qual eacute possiacutevel ser diferente sem ter medo (MM 66 p89 ndash grifo nosso)

O universal pode entatildeo significar a ausecircncia do sujeito temos a individualidade mas

natildeo temos sujeitos ndash eacute o grave problema da ausecircncia de subjetividade caracteriacutestica da vida

no interior da sociedade do capitalismo tardio ldquoonde o indiviacuteduo natildeo pode ser sujeito instau-

ra-se uma individualidade cuja caracteriacutestica eacute a transformaccedilatildeo do sujeito mesmo em merca-

doria que oferece como vantagem e valor a forccedila de trabalho o proacuteprio corpo informaccedilatildeo ou

sua proacutepria consciecircnciardquo (TIBURI 2005 p129) Diante disto a ldquofilosofia de Adorno filia-se

[] agrave criacutetica do individualismo como resto danificado do sujeitordquo (ibidem p135)

A ecircnfase kantiana do passado destituiacutedo de seu elemento de causalidade inscreve o su-

jeito eacutetico em um presente contiacutenuo e o resultado eacute que ldquoa humanidade se aliena da memoacuteria

esgotando-se sem focirclego na adaptaccedilatildeo ao existenterdquo (EE p33) Evitar tal adaptaccedilatildeo e aliena-

ccedilatildeo eacute tarefa da educaccedilatildeo em seu processo de constituiccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade em meio

ao todo atomizado e a consideraccedilatildeo do passado em seu elemento promotor e necessaacuterio agrave

86

dialeacutetica do esclarecimento24 somente vai ocorrer ldquono instante em que estiverem eliminadas

as causas do que passourdquo (EE p49)

O que surge de todas essas discussotildees eacute que o estabelecimento de viacutenculos estaacute na base

de todas as discussotildees eacuteticas Viacutenculo enquanto diferenccedilas que natildeo nos tornam indiferentes

enquanto necessidade de consciecircncia dos momentos histoacutericos dos tempos que se conectam

na formaccedilatildeo do humano viacutenculo enquanto importacircncia de formar identidade a partir das di-

versas experiecircncias individuais que permitem o reconhecimento do outro e o reconhecimento

de si Viacutenculo eacute a geraccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade Com isso alguns problemas surgem

provocantes Como a educaccedilatildeo pode se comprometer diante disto Eacute possiacutevel reivindicar que

a escola promova ou eduque para o estabelecimento de tais viacutenculos Como significar etica-

mente a educaccedilatildeo tendo como base tais desafios e a concepccedilatildeo de sujeito ateacute entatildeo defendi-

da Como soluccedilatildeo para tais questionamentos seraacute desenvolvido argumento em defesa da sig-

nificaccedilatildeo eacutetico-educativa a partir do termo plasmar linguiacutestico O eixo norteador estaacute entatildeo

no sentido eacutetico que envolve o dar forma agrave linguagem a partir do espaccedilo escolar e em sentido

mais amplo a partir dos processos formativo-educacionais que se estabelecem no decorrer das

experiecircncias de vida do indiviacuteduo

52 A eacutetica e a esteacutetica em sua dimensatildeo pedagoacutegica

Natildeo eacute possiacutevel conceber a educaccedilatildeo sem a vinculaccedilatildeo com a eacutetica e a eacutetica natildeo tem

outro ponto de apoio a natildeo ser o esteacutetico ndash enquanto o sensiacutevel aquela materialidade corpoacuterea

que rompe o abstrato ndash o qual repotildee a preocupaccedilatildeo sobre a formaccedilatildeo humana Eacute necessaacuterio

que ocorra esta reposiccedilatildeo do interesse sobre a formaccedilatildeo e aqui em sentido formal de

instituiccedilotildees de ensino pois esse espaccedilo eacute local privilegiado de desenvolvimento da

consciecircncia da realidade consciecircncia do outro consciecircncia de si Em outras palavras a escola

tem a grande possibilidade de aperfeiccediloar as experiecircncias e educar a sensibilidade o que

seria em linhas gerais a educaccedilatildeo esteacutetica Enfatizo que a consciecircncia da realidade do

reconhecimento do outro e de si mesmo em natildeo sobreposiccedilatildeo deveria ser o motor esteacutetico e

eacutetico da formaccedilatildeo desde a infacircncia

Isso remete agrave preocupaccedilatildeo esteacutetica de Adorno no que se refere agrave formaccedilatildeo escolar

Deveriacuteamos ter preocupaccedilatildeo com aquilo que as crianccedilas tecircm em defasagem aquilo que

24 O passado se torna promotor da dialeacutetica do esclarecimento pelo fato de manter o ser humano luacutecido dos moti-vos pelos quais o presente assumiu determinadas caracteriacutesticas Tambeacutem por dar condiccedilotildees de o pensamento retornar sobre si mesmo compreendendo sua formaccedilatildeo histoacuterica

87

muitas vezes natildeo conseguem aprender ldquoo indescritiacutevel empobrecimento do repertoacuterio de

imagens da riqueza de imagines sem a qual elas crescem o empobrecimento da linguagem e

de toda a expressatildeordquo25 dirigindo o olhar a esse problema para ldquodiscutir se a escola natildeo pode

assumir esta tarefardquo (EE p146) Esse olhar que recai sobre as instituiccedilotildees de ensino

propondo o desafio de ser o espaccedilo no qual este repertoacuterio mental de imagens de linguagem

encontraria seu pleno desenvolvimento eacute plenamente possiacutevel de aceitaccedilatildeo Enfaticamente

essas instituiccedilotildees natildeo podem se abster dessa tarefa em vista do criteacuterio qualitativo que

permeia a educaccedilatildeo para aqueacutem dos iacutendices de aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo das ampliaccedilotildees

de espaccedilos fiacutesicos (sem eacute claro abstrair da importacircncia de tais criteacuterios) No momento em

que a escola assume a tarefa de gerar esse enriquecimento de imagens e de linguagem a

preocupaccedilatildeo recai sobre a ampliaccedilatildeo mental a ampliaccedilatildeo dos referenciais interpretativos do

mundo ampliaccedilatildeo da capacidade de realizar experiecircncias no mundo

Esse eacute o meio no qual a crianccedila jaacute deve ser inserida e muito mais eacute esse o meio que a

crianccedila jaacute deve estar construiacutendo seu meio proacuteprio no qual habita sua linguagem Isso

encontra fundamentos a partir principalmente de Gadamer para quem a linguagem ldquonatildeo eacute

um mero instrumento ou um dom excelente que possuiacutemos como homens mas o meio no

qual vivemos desde o comeccedilo como seres sociais e que manteacutem aberto o todo no qual

existimosrdquo (1983 p11) Assim sendo ldquocada vez que se leva a cabo uma comunicaccedilatildeo natildeo soacute

se usa como tambeacutem se plasma a linguagemrdquo (p12) Seguindo essas linhas nota-se que o ser

humano natildeo usa a linguagem ele eacute linguagem eacute comunicaccedilatildeo que se efetiva no diaacutelogo

efetivo ou seja que modifica os envolvidos ndash o que significa em uacuteltima instacircncia o plasmar

do humano o plasmar da linguagem

Noacutes somos a palavra a linguagem noacutes natildeo a usamos noacutes nela vivemos ldquoas palavras

que usamos na linguagem nos satildeo a tal ponto familiares que estamos aiacute por assim dizer nas

palavras Elas natildeo se tornam objeto O uso da liacutengua natildeo eacute de modo algum o uso de algo Noacutes

vivemos em uma liacutengua como em um elemento como o peixe na aacuteguardquo (GADAMER 2007

p95) Vislumbra-se o real desafio que eacute a sala de aula ela deve ser o espaccedilo do plasmar deste

mundo desse elemento no qual vivemos Pela construccedilatildeo da linguagem eacute possiacutevel construir

sentido gerar sentido por esta construccedilatildeo a proacutepria escola passa a ter sentido convertendo-se

em espaccedilo comum no qual constituiacutemos modos de compreender o mundo

25 Conforme Bruno Pucci ldquoao mesmo tempo que gera a padronizaccedilatildeo de tudo a Induacutestria Cultural atrofia a ima-ginaccedilatildeo a espontaneidade a atividade intelectual do espectador Faz desaparecer tanto a capacidade de criacutetica como a do respeito ao ser humano Exclui o diferente o novo Ateacute o divertir-se significa estar de acordo Sob o monopoacutelio privado da cultura a tirania deixa o corpo e vai direto agrave alma (2007 p31 ndash grifo do autor)

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A relaccedilatildeo disso com a proposta de significaccedilatildeo eacutetica para a educaccedilatildeo se evidencia no

momento em que percebemos a importacircncia da relaccedilatildeo com o outro com a alteridade como

condiccedilatildeo para este plasmar da linguagem desse meio em que vivemos Sendo a eacutetica o

pressuposto que nos orienta na boa conduccedilatildeo e construccedilatildeo do indiviacuteduo no interior das

experiecircncia coletivas a sala de aula se converte em espaccedilo privilegiado no qual os sujeitos ali

envolvidos se percebem no desafio de dar forma a esse meio construiacute-lo como espaccedilo

comum o habitat sem o qual natildeo nos orientamos adequadamente o habitat referencial que

nos identifica e ao mesmo tempo nos vincula26 O grave problema eacute que haacute um desmembrar

desse mundo desse meio O professor plasma ndash daacute forma ndash a sua linguagem a partir de sua

funccedilatildeo o aluno constitui sua linguagem seu meio tendo como referecircncia sua posiccedilatildeo muitas

vezes apenas receptiva cada um como um aacutetomo isolado natildeo consegue constituir a ceacutelula a

partir do qual se constitui o corpo comum denominado sala de aula Eacute como se cada um dos

envolvidos habitasse as fronteiras do territoacuterio e uma terra de ningueacutem permaneceria

inabitada a linguagem comum permaneceria sem ganhar forma sem ser plasmada e

consequentemente ficaria falha a proacutepria expressatildeo do indiviacuteduo a manifestaccedilatildeo de sua

concretude27

Nesse sentido a linguagem natildeo se constitui simplesmente em um sistema de signos

utilizados para dizer algo Ela eacute salva a partir do conceito constelaccedilatildeo28 natildeo tendo mais sua

finalidade exclusivamente na representaccedilatildeo e definiccedilatildeo de conceitos Na Criacutetica da razatildeo

pura (B93ss) o juiacutezo ndash a capacidade de pensar e definir ndash eacute dado como a ldquorepresentaccedilatildeo de

uma representaccedilatildeo de um objetordquo ou seja a representaccedilatildeo de um conceito criado pela

faculdade do entendimento A partir da Dialeacutetica negativa o sensiacutevel sobrevive a partir de

seu meio linguiacutestico o qual eacute extinguido pelo pensamento reduzido ao conceito ignorando o

caraacuteter de constelaccedilatildeo e o elemento concreto

O momento unificador sobrevive sem a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo e mesmo sem entregar-se agrave abstraccedilatildeo enquanto princiacutepio supremo de modo que natildeo se progride a partir de conceitos e por etapas ateacute o conceito superior mais universal mas esses conceitos entram em uma constelaccedilatildeo Essa constelaccedilatildeo ilumina o que haacute de especiacutefico no ob-jeto e que eacute indiferente ou um peso para o procedimento classificatoacuterio O modelo para isso eacute o comportamento da linguagem Ela natildeo oferece nenhum mero sistema de signos para as funccedilotildees do conhecimento Onde ela se apresenta essencialmente

26 Para Kant o que nos vincularia eacute a ideia de reino de fins O que se defende aqui eacute a vinculaccedilatildeo a partir da forma dada ao meio no qual vivemos a partir desse plasmar linguiacutestico que identifica cada um e a partir do qual podemos nos relacionar 27 Sobre o conceito de concreto ver capiacutetulo 4 28 Conforme desenvolvido no segundo capiacutetulo a constelaccedilatildeo refere-se aos diversos olhares ndash diversos conceitos ndash que entram em tensatildeo quando se quer conhecer algo tambeacutem faz referecircncia agrave diversidade de experiecircncias que natildeo se esgotando contribuem para o entendimento de algo

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enquanto linguagem e se torna apresentaccedilatildeo ela natildeo define seus conceitos [] Na medida em que os conceitos se reuacutenem em torno da coisa a ser conhecida eles de-terminam potencialmente seu interior alcanccedilam por meio do pensamento aquilo que o pensamento necessariamente extirpa de si (2009 p140-141 ndash grifo nosso)

Estamos diante de uma diferenccedila a linguagem eacute tatildeo somente um sistema de signos a

partir do qual o conceito eacute dito ou a linguagem eacute o meio no qual cada um vive se manifesta

e a partir do qual deve ser conhecido Conforme Tiburi ldquona filosofia adorniana a linguagem

deixa de ser um objeto em seu sentido puro e simples ou um instrumento para designar obje-

tos ela passa a ser lugar de uma experiecircncia [] A proacutepria linguagem aparece como experi-

ecircncia enquanto conviacutevio e fala sem dominaccedilatildeo sobre o natildeo-idecircnticordquo (2005 p68) A Teoria

esteacutetica nos indica a relaccedilatildeo que se estabelece entre a linguagem e o concreto destacando

exatamente o caraacuteter de meio linguiacutestico ldquoo meio pelo qual as obras de arte existentes satildeo

mais do que a existecircncia natildeo eacute um novo ser-aiacute mas a sua linguagem As obras autecircnticas fa-

lam mesmo quando recusam a aparecircnciardquo (p124) Esse ser mais do que a existecircncia indica

algo surgido para aleacutem do evidente do que aparece Ou seja indica o elemento concreto que

precisa ser percebido a partir do seu meio compreendido aqui como meio linguiacutestico local

em que se efetivam as experiecircncias nos comunicamos sem contudo ocorrer sobreposiccedilatildeo de

interlocutores Dizer que a obra de arte fala mesmo quando recusa a aparecircncia ndash tornando-se

natildeo-evidente ndash faz considerar o essencial como aquilo que permanece escondido e por isso

mesmo provocativo Reconhecer esse caraacuteter essencial eacute tarefa da razatildeo que respeita a cons-

telaccedilatildeo de momentos que se inter-relacionam e constituem sentido

o sentido de uma obra de arte eacute ao mesmo tempo a essecircncia que se oculta no faacutetico traduz em apariccedilatildeo o que esta de outro modo esconde A organizaccedilatildeo da obra de ar-te isto eacute o agrupamento dos seus momentos e o seu inter-relacionamento tem este objetivo e eacute difiacutecil mediante a atitude criacutetica distingui-lo do elemento afirmativo da aparecircncia da realidade do sentido tatildeo cuidadosamente como agradaria agrave constru-ccedilatildeo conceptual filosoacutefica (TE p124-125)

Deparamo-nos com a necessidade de atribuir o sentido esteacutetico da obra de arte ao proacute-

prio ser humano Quanto de noacutes se oculta na manifestaccedilatildeo do faacutetico Natildeo estaria o essencial

o verdadeiro nesse conteuacutedo que se oculta Enquanto alternativa de novas descobertas e no-

vos sentidos sim ali estaacute o verdadeiro pois o pensamento que pensa compreender se percebe

insuficiente exigindo o renovar da experiecircncia Diante desse oculto no qual estaria a verdade

o pensamento que retorna a si mesmo natildeo mais se reconhece mas percebe-se estranho em sua

insuficiecircncia de conteuacutedo Poreacutem eacute somente ldquono olhar para o desviante no oacutedio agrave banalidade

90

na busca do que ainda natildeo estaacute gasto do que ainda natildeo foi capturado pelo esquema conceitual

geral que reside a derradeira chance do pensamentordquo (MM 41 p58)

Afirmado na Minima moralia (122 p168) e repetido em Dialeacutetica negativa (2009

p48) esse estranhamento do pensamento sobre ele mesmo permite a abertura para o novo que

estaacute oculto no faacutetico E mais eacute a chance para pensar uma relaccedilatildeo verdadeira entre o pensa-

mento e o pensado ldquoVerdadeiros satildeo apenas aqueles pensamentos que natildeo compreendem a si

mesmosrdquo Natildeo compreendem a si mesmo devido ao desvio ocorrido na regra tradicional da

adequaccedilatildeo entre pensamento e pensado como sendo a verdade Conforme indicado em Dialeacute-

tica negativa (p43) os pensamentos devem ir ao extremo nada deve deter esta capacidade

humana denominada pensar Isso significa em uacuteltimas palavras ldquopensar perigosamente es-

timular o pensamento a partir da experiecircncia da coisa natildeo recuar diante de nada natildeo se dei-

xar embaraccedilar por qualquer conveniecircncia do previamente pensadordquo (OPF p23) A lingua-

gem enquanto posse de um sujeito que diz algo estaacute em conexatildeo com uma novidade a lin-

guagem enquanto meio no qual esse outro estaacute inserido o que impotildee a necessidade de natildeo

recuar diante do natildeo pensado mas encontrar nisso a chance para a filosofia e para a possibili-

dade de reafirmar o plasmar da linguagem como sendo o fundo moral da constituiccedilatildeo do hu-

mano Tudo isso enfatiza a ideia do plasmar linguiacutestico da sala de aula como resultado de uma

relaccedilatildeo entre sujeitos os quais ao mesmo tempo em que constituiacuterem linguagem devem ser

compreendidos a partir dessa constituiccedilatildeo Poreacutem essa constituiccedilatildeo natildeo ocorre somente em

sala de aula mas jaacute eacute algo que o aluno vem constituindo anteriormente agrave vida escolar e conti-

nuaraacute constituindo em paralelo agrave escola nas diversas relaccedilotildees que estabelece na vivecircncia so-

cial Desse modo compreender o outro significa tambeacutem compreender seu meio linguiacutestico

anterior e paralelo agrave escola

Como eacute possiacutevel vincular a formaccedilatildeo eacutetica a partir do plasmar linguiacutestico Como eacute

possiacutevel que no viacutenculo com o outro em seu meio linguiacutestico e aqui focado no ambiente sala

de aula seja derivada a sensibilizaccedilatildeo moral A vinculaccedilatildeo entre arte filosofia e educaccedilatildeo

se constitui em alternativa pedagoacutegica fundamental para pensar a formaccedilatildeo e a sensibilizaccedilatildeo

moral O sentido da eacutetica e moral eacute posto aqui seguindo as linhas de Hermann em sua es-

treita relaccedilatildeo com a educaccedilatildeo e como devendo ser preocupaccedilatildeo da filosofia da educaccedilatildeo Em

Autocriaccedilatildeo e horizonte comum

a investigaccedilatildeo sobre o sentido eacutetico da educaccedilatildeo estaacute muito proacutexima das questotildees mais pungentes com as quais os educadores se defrontam e que longe de ser uma fi-nalidade metafiacutesica ou de diletantismo as questotildees eacuteticas podem ser trabalhadas como uma arte de viver (2010 p92 ndash grifo nosso)

91

O meio linguiacutestico solidamente constituiacutedo esse meio no qual estamos inseridos eacute

condiccedilatildeo para desenvolver a arte de viver Eacute nesse meio para aleacutem dos meros signos a partir

dos quais dizemos o mundo que a arte de viver encontra sua condiccedilatildeo de desenvolvimento

ou de aprendizagem Em outras palavras o lugar ocupado pelo outro e por mim a considera-

ccedilatildeo pela experiecircncia individual enquanto local da manifestaccedilatildeo do concreto que identifica

cada um e a partir do qual devemos ser reconhecidos as estrateacutegias que orientam o modo co-

mo habitamos nosso meio podem ser entendidos para usar a expressatildeo de Hermann como

arte de viver Tudo isso eacute fundamental para a educaccedilatildeo e somente teremos condiccedilotildees de edu-

car pessoas capazes de habitar qualificadamente o meio em que vivem no momento em que

dermos a devida atenccedilatildeo ao modo como se estaacute plasmando a linguagem como se estaacute edifi-

cando esse meio proacuteprio no qual vivemos Dessa forma mediante a educaccedilatildeo ocorre o ldquopro-

cesso compreensivo que exige quebrar nossas resistecircncias para nos abrirmos ao outro para

deixar valer a palavra do outro O encontro com a alteridade nos enriquece ao integrar o que

nos falta ao experimentar que nem sempre o que sabemos eacute suficiente para compreender a

situaccedilatildeordquo (HERMANN 2010 p117 ndash grifo nosso) A experiecircncia do mundo natildeo pode ser

outra a natildeo ser aquela que permite valer a palavra do outro Nesse sentido eacute que a sala de aula

deve assumir algumas tarefas baacutesicas ser o espaccedilo no qual a linguagem eacute formada permitir

que o outro compartilhe dessa linguagem sem medo garantir a subjetividade apta a reconhe-

cer esse meio no qual o outro estaacute inserido Sobre isto recai o sentido eacutetico-educativo de sujei-

to esteacutetico esse que eacute capaz de realizar experiecircncias sempre renovadas com aquilo que o ou-

tro eacute em sua concretude

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Proponho estas consideraccedilotildees em trecircs blocos temaacuteticos nos quais estabeleccedilo as

relaccedilotildees entre os capiacutetulos e indico alguns elementos que considero decisivos para entender a

significaccedilatildeo eacutetico educativa do sujeito poacutes-metafiacutesico em Adorno

I

O termo plasmar linguiacutestico estaacute em iacutentima conexatildeo com o ideal de construccedilatildeo O ato

pedagoacutegico natildeo se identifica com produccedilatildeo pois nessa os envolvidos agem sobre o outro

como se esse uacuteltimo fosse um objeto a ser manipulado A produccedilatildeo ocorre nos moldes

tecnoloacutegicos de fabricaccedilatildeo de materiais um utensiacutelio domeacutestico eacute produzido um automoacutevel eacute

produzido produzem-se alimentos etc A sala de aula eacute local de construccedilatildeo portanto natildeo

possui nenhuma semelhanccedila com manipulaccedilatildeo Por ser ato construtivo ocorre o

reconhecimento da novidade do outro e do local do outro O imprevisto passa a ser elemento

altamente qualificado pois eacute o outro (aqui entendido tanto o aluno quanto o professor) que

estaacute manifestando-se e contruindo-se plasmando o meio em que habita e a partir do qual se

relaciona ndash sua linguagem ndash tanto em dimensotildees pessoais quanto em dimensotildees de grupo Na

relaccedilatildeo o termo constelaccedilatildeo indica o modo como tudo isso ocorre Compreender e dizer o

outro significa consideraacute-lo a partir da constelaccedilatildeo de momentos historicamente construiacutedos

O problema com que precisamos nos defrontar eacute se as instituiccedilotildees de ensino satildeo capazes de

realmente perceber esta constelaccedilatildeo proacutepria de cada indiviacuteduo e ainda se tais instituiccedilotildees

estatildeo sendo promotoras de tais momentos construtivos Natildeo raro percebemos atividades

isoladas (principalmente em projetos desenvolvidos nas escolas) como atividades-extras que

natildeo somam a esse plasmar linguiacutestico natildeo se inserem dentro de uma constelaccedilatildeo de

momentos

II

Existe algum pressuposto a ser levado em consideraccedilatildeo no momento da relaccedilatildeo com o

outro A confirmaccedilatildeo de pressupostos pode ser defendida como radicalmente necessaacuteria O

maior problema estaacute em que consistem tais pressupostos Para esclarecer isso em primeiro

93

lugar faccedilo uma referecircncia a um aspecto negativo A sala de aula enquanto momento de

encontro com a concretude (este indiviacuteduo portador de sentido para aleacutem das atribuiccedilotildees

apreendidas) a partir da perspectiva eacutetica e tambeacutem na perspectiva do conhecimento natildeo

pode seguir o paracircmetro da razatildeo que como juiacuteza dita as regras e obriga o objeto a responder

a tais interrogaccedilotildees Para Kant este eacute o atributo da razatildeo ditar as regras agrave natureza e esta

tem como atributo dar uma resposta ndash eacute a tradicional relaccedilatildeo sujeito e objeto posta como

nuacutecleo epistemoloacutegico e eacutetico

Negando esta relaccedilatildeo o professor passa a ser um personagem fundamental mas natildeo

absoluto em termos de conduccedilatildeo do processo de ensino e aprendizagem Em sala de aula natildeo

raro nos deparamos com a novidade do outro dada a partir do seu local proacuteprio e que potildee em

crise os procedimentos previamente calculados Se nossa razatildeo obrigasse agrave respostas

conforme as interrogaccedilotildees por ela postas todo plano de ensino natildeo seria passiacutevel de falha

pois o objeto aluno seria obrigado a responder aos ditames prescritos O problema estaacute em

como a razatildeo que dita as regras reagiraacute diante da novidade que surge do outro em sua

condiccedilatildeo de concreto na qual resiste sempre em expressatildeo de Hermann uma promessa de

vida E essa promessa obriga tanto o professor quanto o aluno a admitir o local que o outro

ocupa como sendo o local a partir do qual devemos compreender ou conhecer Essa

manifestaccedilatildeo natildeo eacute serva dos ditames racionais poreacutem ocorre tatildeo somente no momento em

que o corpo surge e a sensibilidade se defronta com ele Se em momento posterior a razatildeo

com o entendimento realiza a siacutentese a conceituaccedilatildeo o ajuizamento o pressuposto fundante

de todo esse percurso estaacute no reconhecimento do outro em seu local de manifestaccedilatildeo seu

meio linguiacutestico

Isso remete em Adorno agrave perda da evidecircncia Somente eacute possiacutevel a centralidade posta

na razatildeo que dita as regras ao outro se admitirmos esse outro meramente como um material

passivo e a linguagem como sendo unicamente um meio de dizer algo um instrumento da

razatildeo A educaccedilatildeo infantil eacute exemplo paradigmaacutetico de tal desafio O periacuteodo de adaptaccedilatildeo

nada mais eacute do que o momento de constituir linguagem comum Eacute o momento em que o

professor se defronta com os limites sensiacuteveis da razatildeo e assim percebe que eacute insuficiente

ditar regras sendo necessaacuterio constituir o meio linguiacutestico Constituiacutemos linguagem como

seres viventes vivemos a linguagem como sendo o local que constituiacutemos ndash nosso loacutecus proacute-

prio cada um de noacutes enquanto envolvidos do processo de ensino e aprendizagem comparti-

lhamos desse mundo linguiacutestico esperando que sejamos compreendidos a partir da manifesta-

ccedilatildeo deste meio constituiacutemos linguagem comum no momento em que nos permitimos coabitar

e criar sentido exatamente por esse estar junto O pressuposto da relaccedilatildeo estaacute no reconheci-

94

mento de que o outro ocupa um local proacuteprio constituiacutedo por ele e que ao mesmo tempo o

constitui

No entanto muito aleacutem da educaccedilatildeo infantil percorrendo todos os niacuteveis de ensino

quando a sala de aula se transforma em um meio linguiacutestico comum a todos promove-se jun-

tamente com a construccedilatildeosignificaccedilatildeo dos conhecimentos a educaccedilatildeo moral do ser humano

eacute a partir daiacute que devemos pensar a educaccedilatildeo em uma perspectiva eacutetica Essa promessa de

vida eacute difiacutecil de ser aceita nas praacuteticas pedagoacutegica orientadas pela razatildeo que deve ditar as

regras ao outro meramente obediente

A perda da evidecircncia se constitui para Adorno em instigaccedilatildeo ao pensamento Nada

mais haacute de oacutebvio vivemos em uma eacutepoca tecnoloacutegica onde as identidades on-line satildeo masca-

radas a proacutepria relaccedilatildeo abstrai o corpo priorizando um perfil virtual Outro problema eacute o en-

cobrimento ideoloacutegico que os fatos podem receber o que somado agrave fraqueza de entendimen-

to resulta na desqualificaccedilatildeo do material apreendido pelos sentidos Reconstruindo o argu-

mento com a ausecircncia dos limites que somente o corpo pode nos dar nossa capacidade per-

ceptiva de sensibilidade apreende um material desqualificado possivelmente carente de da-

dos reais ou muito aqueacutem do concreto apontado pelo filoacutesofo de Frankfurt como o local da

verdade Por isso eacute que a esteacutetica enquanto aisthesis capacidade de percepccedilatildeo do outro estaacute

intimamente vinculada a esse ideal de formaccedilatildeo eacutetica e sobre isso recai a necessidade do aacuter-

duo esforccedilo pedagoacutegico educar a sensibilidade a percepccedilatildeo do outro educar para o reconhe-

cimento do local do outro educar para constitui um local comum Pensar eticamente a educa-

ccedilatildeo eacute proporcionar ao ser humano as condiccedilotildees para se relacionar com o corpo qualificada-

mente bem como prover as condiccedilotildees para ampliar a consciecircncia a ponto de estar apto a

reconhecer e reagir diante de compreensotildees ou comportamentos estandardizados A educaccedilatildeo

deveria levar o indiviacuteduo a ocupar qualificadamente seu espaccedilo e tempo de vida

III

O imperativo categoacuterico tem o objetivo em palavras kantianas conforme a Fundamen-

taccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes de gerar uma ligaccedilatildeo sistemaacutetica entre os seres humanos

Enquanto lei moral tal imperativo deve orientar o estabelecimento de maacuteximas as quais nos

conduzem na accedilatildeo Entre a lei moral e a accedilatildeo Kant (MC) define a existecircncia de uma folga

para a livre escolha do modo como ocorreraacute a aplicaccedilatildeo da lei Mesmo assim a relaccedilatildeo com a

moralidade tem o uacutenico criteacuterio da lei e mesmo que pudermos encontrar vaacuterias formas de

aplicaacute-la o fio condutor estaacute previamente dado Em criteacuterios morais natildeo haacute possibilidade de

95

afastamento da lei de modo que a escolha natildeo eacute de todo livre pois cada accedilatildeo deve ser com-

patiacutevel com tal imperativo moral Natildeo existem muitas opccedilotildees devo somente seguir a lei De

tal modo a livre escolha segue somente criteacuterios loacutegicos de adequaccedilatildeo (lei ndash maacutexima ndash

praacutetica) a accedilatildeo natildeo pode se afastar da lei se quiser salvar a ligaccedilatildeo sistemaacutetica denominada

reino dos fins O olhar dirigido para a lei moral dentro de noacutes assim como o dirigimos para o

ceacuteu estrelado acima de noacutes como forma de orientaccedilatildeo pode nos tornar cegos agraves

reivindicaccedilotildees de vida do outro gerando a relaccedilatildeo fria de um simples dever que preciso

seguir Desse modo natildeo eacute o outro que me move agrave accedilatildeo mas a loacutegica do dever Meu olho estaacute

posto nesse criteacuterio

Eacute exatamente no levar ao extremo esse espaccedilo para a livre escolha que reside o pro-

blema educacional Como educar a capacidade de escolha como tornar o ser humano apto a

decidir moralmente Eacute possiacutevel defender a necessidade da educaccedilatildeo que desenvolva modos

de experiecircncias com o outro na capacidade de visualizar sentir o corpo do outro como algo

que passiacutevel de destruiccedilatildeo precisa ser cuidado Aqui o imperativo natildeo eacute loacutegico-conceitual

mas eacute sensiacutevel posto ao deparar-me com o limite fiacutesico e com o limite do sentimento que o

outro tem Ningueacutem tem o direito de infligir dor ao outro pois esse outro eacute ser sensiacutevel muito

antes de ter a loacutegica desenvolvida Educaccedilatildeo e eacutetica exigem entatildeo desenvolver uma postura

humana diante daquilo que natildeo pode ser reduzido ao conceito a dor o sofrimento a

concretude do outro Assim eacute que se conecta a esteacutetica enquanto sentidos aptos a perceber a

vida em sua concretude a sensibilidade mesma Enquanto sensibilidade eacute pela esteacutetica que

ocorre o reconhecimento do local do outro o impulso agrave compreensatildeo e o impulso agrave accedilatildeo

REFEREcircNCIAS

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COHN Gabriel Indiferenccedila nova forma de barbaacuterie In NOVAES Adauto (org) Civiliza-ccedilatildeo e barbaacuterie Satildeo Paulo Companhia das Letras 2004 ORTEGA Joaquiacuten Esteban Memoria hermeneacuteutica y educacioacuten Madrid Biblioteca Nueva 2002 PUCCI Bruno Educaccedilatildeo contra a intoleracircncia In FAacuteVERO Altair DALBOSCO Claacuteudio MARCON Telmo (org) Passo Fundo UPF 2006 p404-418 ______Teoria criacutetica e educaccedilatildeo In _____ (org) Teoria criacutetica e educaccedilatildeo a questatildeo da formaccedilatildeo cultural na Escola de Frankfurt 4ed Petroacutepolis Vozes 2007 p11-58 RANCIEgraveRE Jacques O mestre ignorante cinco liccedilotildees sobre a emancipaccedilatildeo intelectual Tra-duccedilatildeo de Liacutelian do Valle 2ed Belo Horizonte Autecircntica 2007 ROUSSEAU Jean-Jacques Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens precedido de discurso sobre as ciecircncias e as artes Traduccedilatildeo de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvatildeo 5 ed Introduccedilatildeo de Jacques Roger Satildeo Paulo Martins Fontes 2005 RUSH Fred (org) Teoria Criacutetica Traduccedilatildeo de Beatriz Katinsky e Regina Andreacutes Rebollo Aparecida Ideias amp Letras 2008 SAacuteNCHEZ Antonio Hernaacutendez La educacioacuten imposible Granada Editorial Comares 1999 ndash (Coleccioacuten Ensentildear y aprender) SCHILLER Friedrich Cartas sobre a educaccedilatildeo esteacutetica da humanidade Traduccedilatildeo de Rober-to Schwarz Satildeo Paulo Iluminuras 2002 SCHNEEWIND J B A invenccedilatildeo da autonomia uma histoacuteria da filosofia moral moderna Trad Magda Franccedila Lopes Satildeo Leopoldo Editora Unisinos 2001 ndash (Coleccedilatildeo Ideias n2) SCHOumlNECKER Dieter O amor ao ser humano como disposiccedilatildeo moral do acircnimo no pensa-mento de Kant Studia Kantiana Santa Maria v8 p54-69 mai 2009 SCHWARZBOumlCK Silvia Adorno y lo poliacutetico Buenos Aires Prometeo Libros 2008 TAFALLA Marta Theodor W Adorno una filosofiacutea de la memoria Barcelona Herder 2003 TIBURI Maacutercia Metamorfoses do conceito eacutetica e Dialeacutetica Negativa em Theodor Adorno Porto Alegre Editora da UFRGS 2005 VENTOacuteS Xavier Rubert de Eacutetica sin atributos 2ed Barcelona Editorial Anagrama 2002 WELLMER Albrecht Sobre la dialeacutectica de modernidad y postmodernidad la criacutetica de la razoacuten despueacutes de Adorno Traduccioacuten de Joseacute Luis Araacutentegui Madrid Visor 1993 ndash (Colec-cioacuten La Balsa de la Medusa 59)

101

WIGGERSHAUS Rolf A escola de Frankfurt histoacuteria desenvolvimento teoacuterico significa-ccedilatildeo poliacutetica Traduccedilatildeo de Vera de Azambuja Harvey 2ed Rio de Janeiro DIFEL 2006 WOLF Ursula La filosofiacutea y la cuestioacuten de la vida buena Traduccioacuten de Aacutengel Galaacuten Bujaacuten Madrid Editorial Siacutentesis [sd] WULF Christoph Antropologia da educaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Sidney Reinaldo da Silva Cam-pinas Editora Aliacutenea 2005 ZAMORA Joseacute Antonio Theodor W Adorno pensar contra la barbarie Madrid Editorial Trotta 2004

Page 5: O ÉTICO E O ESTÉTICO EM ADORNO - Pucrs · 2017. 9. 28. · Márcia Tiburi - Universidade Presbiteriana Mackenzie Porto Alegre Janeiro de 2012. Dados Internacionais de Catalogação

AGRADECIMENTOS

Agrave minha esposa Betacircnia Beledeli Farinon pela companhia compreensiva e apoio em todos os

momentos Com ela aprendi o significado do ser outro

Aos meus pais pelas palavras de incentivo pela presenccedila marcante o carinho inigualaacutevel Por

estarem sempre comigo Aos meus irmatildeos com suas famiacutelias Principalmente ao meu irmatildeo

Altair por todo apoio nesta conquista

Um agradecimento especial agrave minha querida orientadora professora Dra Nadja Hermann

Com rigor carinho e amizade indicou o caminho intelectual a ser percorrido Fez de mim

muito mais que um doutor a ela devo parte do que sou

Ao professor Dr Claacuteudio Dalbosco pelas excelentes contribuiccedilotildees dadas para esta pesquisa

seja com membro da banca de qualificaccedilatildeo seja como colega e amigo na Universidade de

Passo Fundo Sempre eacute bom poder contar com amigos dispostos a contribuir em nossos em-

preendimentos

Agradeccedilo tambeacutem aos amigos Clecircnio Lago Eliana Xerri Clara Furtado Vanderlei Carbona-

ra Adilsom Eskelsen Grandes lembranccedilas dos momentos vividos na PUC e em outros espa-

ccedilos Com vocecircs estes quatro anos ganharam um sentido especial

A todos os meus alunos(as) e ex-alunos(as) Na convivecircncia e debates em aula foi possiacutevel

entender muito do que significa a eacutetica o que significa o outro o que significa educaccedilatildeo

Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da PUC-RS pela oportunidade de estar inte-

grado neste reconhecido programa e por possibilitar a conclusatildeo de mais esta etapa em minha

formaccedilatildeo Agradeccedilo tambeacutem a CAPES pelo apoio financeiro via bolsa de pesquisa durante

os quatro anos do doutorado

Meus agradecimentos a todos que de uma ou outra forma acompanharam estes quatro anos

de curso Todos fazem parte da minha histoacuteria e satildeo personagens fundamentais em minha

vida

RESUMO

Eacutetica esteacutetica e educaccedilatildeo satildeo os conceitos baacutesicos presentes nesta investigaccedilatildeo a qual

tem como paradigma orientador a Teoria Criacutetica de Theodor Adorno A partir das bases que

permitem conceber o sujeito poacutes-metafiacutesico em Adorno sob que condiccedilotildees eacute possiacutevel defen-

der o alargamento da experiecircncia como meio de constituiccedilatildeo da subjetividade a qual eacute a base

da consciecircncia moral e que significaccedilatildeo eacutetica surge para a educaccedilatildeo tendo em vista o sujeito

que moralmente precisa ser constituiacutedo com base na experiecircncia Partindo deste problema o

objetivo geral eacute discutir a noccedilatildeo de subjetividade poacutes-metafiacutesica em Adorno a fim de estabe-

lecer baseado em tal sujeito uma significaccedilatildeo eacutetico-educativa capaz de nortear a formaccedilatildeo do

humano e o desenvolvimento da consciecircncia moral Como indicativo teoacuterico a tese propotildee

que no momento em que a educaccedilatildeo se torna promotora de enriquecimento das experiecircncias

formativas eacute possiacutevel o alargamento do modo como ocorre a constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do su-

jeito eacutetico Isto nos conduz agrave constituiccedilatildeo do meio no qual o ser humano estaacute inserido meio

este denominado linguagem Portanto a defesa eacute sobre o plasmar linguumliacutestico como o desafio

eacutetico da formaccedilatildeo humana Articula-se a esteacutetica como fundamento sob o qual eacute possiacutevel de-

fender tal alargamento do conceito de experiecircncia e de constituiccedilatildeo da subjetividade O per-

curso teoacuterico inicia com a discussatildeo sobre o modo como ocorre a constituiccedilatildeo da subjetivida-

de e da consciecircncia moral em Kant cujo alicerce estaacute nos conceitos de finalidade e liberdade

para apoacutes compreender a mudanccedila proposta por Adorno no qual a esteacutetica estaacute em iacutentima

relaccedilatildeo com a eacutetica o que se evidencia a partir dos termos concreto constelaccedilatildeo comunica-

ccedilatildeo e conteuacutedo de verdade O meacutetodo eacute analiacutetico conceitual gerando um confronto entre estas

duas vertentes filosoacuteficas ao mesmo tempo em que propotildee significaccedilatildeo agrave praacutetica educacional

em ambiente escolar A proposta de reconhecimento do outro enquanto concretude que cons-

titui e habita um meio linguumliacutestico e a necessidade de a sala de aula ser o local privilegiado no

qual este meio deve ser plasmado eacute uma alternativa eacutetica para a formaccedilatildeo a partir da qual eacute

possiacutevel vislumbrar a escola enquanto local de desenvolvimento e qualificaccedilatildeo do humano

Palavras-chaves Eacutetica Esteacutetica Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Plasmar linguiacutestico

ABSTRACT

Ethics aesthetic and education are the basic concepts in this present investigation which has

as its guiding paradigm critical theory of Theodor Adorno Form the basis the allow us to

conceive the post-metaphysical subject in Adorno under what conditions is possible defend

the enlargement of the experience like a way of the constitution of the subjectivity which is

the basis of the moral consciousness and that ethic signification comes to the education in

view of the subject that morally need to be constituted based on the experience Starting

from this problem the general goal is to discuss the post-metaphysical subjectivity notion in

Adorno to establish based in such subject an ethical and educational meaning able to guide

the human formation and the moral consciousness development As theoretical indicative the

thesis proposes that in the moment that the education becomes an enrichment promoter of

the formation experiences is possible the enlargement of the way that happens the

constitution and the development of the ethic subject This guides us to the constitution of the

environment in which the mankind is inside this environment is called language Therefore

the defense is about the linguistic shape as the ethical challenge of human development It is

articulated the aesthetic as a foundation under which is possible to defend the enlargement of

the concept of the experience and the constitution of the subjectivity The theoretical

approach starts with a discussion on how the constitution of subjectivity and moral

consciousness in Kant happens whose foundation lies in the concepts of order and freedom

to after understand the change proposed by Adorno in which aesthetics is intimately related

to ethics as is evident from the terms of concrete constellation communication and real

content The method is analytical and conceptual creating a confrontation between these two

philosophical strands while proposing significance to educational practice in the school

environment The propose o recognize the other as a concrete who is inserted in a linguistic

environment and the necessity for the classroom to be an ideal place in which this

environment should be shaped is an ethical alternative to the formation from which we can

glimpse the school as a place of development and qualification of the human

Keywords Ethics Aesthetic Education Formation Linguistic shape

LISTA DE ABREVIATURAS ANTR ndash Antropologia de um ponto de vista pragmaacutetico

CRPu ndash Criacutetica da razatildeo pura CRPr ndash Criacutetica da razatildeo praacutetica

DE ndash Dialeacutetica do esclarecimento DN ndash Dialeacutetica negativa DOD ndash Discurso sobre a origem e fundamentos das desigualdades entre os homens

EE ndash Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo EXP ndash Experiecircncia e criaccedilatildeo artiacutestica ndash paralipocircmenos agrave ldquoTeoria Esteacuteticardquo

FMC ndash Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes K ndash Kierkegaard

MC ndash Metafiacutesica dos costumes MET ndash Metafiacutesica

MM ndash Miacutenima moralia OPF ndash Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico

PS ndash Palavras e sinais ndash modelos criacuteticos 2 SDMP ndash Sobre a discordacircncia entre moral e a poliacutetica a propoacutesito da paz perpeacutetua

SO ndash Sobre sujeito e objeto

TE ndash Teoria esteacutetica

SUMAacuteRIO INTRODUCcedilAtildeO 9

1 ASPECTOS EacuteTICOS DA CONSTITUICcedilAtildeO E DA FORMACcedilAtildeO DO HUMANO SEGUNDO KANT 19

11 A constituiccedilatildeo transcendental do sujeito eacutetico em Kant 22

12 O ideal de Reino dos fins e a determinaccedilatildeo moral do sujeito transcendental 26

2 THEODOR ADORNO E A CONCEPCcedilAtildeO DE PENSAMENTO POacuteS-METAFIacuteSICO 33

21 Discussatildeo em torno do conceito de ldquosujeitordquo 33

22 A concepccedilatildeo de verdade em seu nuacutecleo histoacuterico 38

221 Tensatildeo entre verdade e procedimento 39

222 A perda da evidecircncia e o impulso ao esclarecimento 41

23 Constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade marcas do pensamento poacutes-metafiacutesico em Adorno 44

3 A IMPOSSIBILIDADE DO REINO DOS FINS MEDIANTE A FORCcedilA DO IMPERATIVO CATEGOacuteRICO

UMA CONTRAPOSICcedilAtildeO FUNDADA EM ADORNO 49

4 O PROJETO EacuteTICO ESTEacuteTICO E FILOSOacuteFICO EM ADORNO 57

41 A vinculaccedilatildeo entre experiecircncia e racionalidade esteacutetica 59

42 A dinacircmica entre aproximaccedilatildeo do outro e construccedilatildeo de si 65

5 O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO NA FORMACcedilAtildeO HUMANA 74

51 Entre o eu e o outro ou quando a presenccedila nos manteacutem humanos 74

52 A eacutetica e a esteacutetica em sua dimensatildeo pedagoacutegica 86

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 92

REFEREcircNCIAS 96

INTRODUCcedilAtildeO

A investigaccedilatildeo que aqui se apresenta tem como foco a relaccedilatildeo entre eacutetica esteacutetica e

educaccedilatildeo Natildeo satildeo poucos os esforccedilos em torno desse tema o que gera uma infinidade de

referenciais teoacutericos de modo que natildeo seria difiacutecil a repeticcedilatildeo de investigaccedilotildees jaacute existentes

o que comprometeria a pretensatildeo deste trabalho Nesse sentido eacute que a tese pretende uma

significaccedilatildeo eacutetico-educativa tendo como base a noccedilatildeo de sujeito esteacutetico em Theodor Adorno

Em linhas gerais entende-se por sujeito esteacutetico o indiviacuteduo que se constitui tanto moralmen-

te quanto em termos de conhecimento mediante a experiecircncia sensiacutevel a relaccedilatildeo efetiva e

permanente Isso remete agrave noccedilatildeo de esteacutetica enquanto percepccedilatildeo a dimensatildeo sensiacutevel que no

caracteriza Viso realizar um direcionamento efetivo estabelecendo as conexotildees entre as ba-

ses conceituais provindas da filosofia seja no acircmbito da eacutetica quanto da esteacutetica e a praacutetica

educativa em sentido amplo e especiacutefico Entendo a praacutetica educativa em sentido amplo en-

quanto processo de esclarecimento efetivado em todos os niacuteveis de relaccedilatildeo e em sentido es-

peciacutefico como aquela sistematicamente desenvolvida em ambiente escolar

Ao abordar a constituiccedilatildeo esteacutetica da subjetividade ou em outros termos a proposta

de um sujeito esteacutetico fica posto um viacutenculo direto com a noccedilatildeo de formaccedilatildeo O sujeito esteacute-

tico precisa ser constituiacutedo por mais que sejamos seres sensiacuteveis por natureza Mas a sensibi-

lidade no sentido de mera percepccedilatildeo natildeo eacute a uacutenica forma de se entender este tema pois ele

envolve a noccedilatildeo de mimese (a possibilidade de riqueza de experiecircncia ordenada pelo encontro

permanente com aquilo que me eacute diferente) e expressatildeo (o modo proacuteprio de o sujeito falar

derivado da riqueza mimeacutetica) Desse modo eacute possiacutevel afirmar que a pobreza de linguagem

revela a pobreza mimeacutetica

Mimese natildeo eacute imitaccedilatildeo mas eacute o braccedilo que se estende eacute o corpo que encontra resso-

nacircncia na realidade permitindo a dialeacutetica do tato conforme defendido nas Minima Moralia

Adorno rejeita a imitaccedilatildeo de modelos alegando que ele impede a autonomia Se admitirmos a

existecircncia de modelos esses satildeo imitaacuteveis Poreacutem um ser emancipado natildeo se fixa na imita-

ccedilatildeo mas tende agrave construccedilatildeo de uma sociedade cujos integrantes sejam capazes de pensar se-

gundo o ideal kantiano de fazer uso do proacuteprio entendimento sem a tutela ou modelagem de

outrem E essa possibilidade perpassa necessariamente pelo processo educacional

No entanto esse processo segue uma tendecircncia eacutetica orientado pelas questotildees baacutesicas

que mundo que ser humano que sociedade noacutes queremos Desse modo se justifica a necessi-

dade de pensar a formaccedilatildeo escolar sob ideais eacuteticos natildeo constituiacuteda exclusivamente de co-

nhecimentos intelectuais Em Theodor Adorno o problema da ldquoformaccedilatildeo moralrdquo se situa den-

10

tro da perspectiva esteacutetica o que remete a uma abordagem da dimensatildeo do outro O outro eacute o

maior e permanente desafio agrave racionalidade e todas as categorias iluministas natildeo datildeo conta da

apreensatildeo e significaccedilatildeo plena deste outro O comportamento da razatildeo pura ou do espiacuterito

absoluto por exemplo em relaccedilatildeo ao que me eacute diferente eacute de ser condiccedilatildeo para todo o senti-

do tudo eacute para a razatildeo e todo objeto dos sentidos tem existecircncia desqualificada ndash ou natildeo eacute

admitido como fato ndash se natildeo passar pela elaboraccedilatildeo subjetiva Essa eacute a noccedilatildeo de constituiccedilatildeo

via sujeito o para mim base teoacuterica para legitimar toda dominaccedilatildeo A existecircncia se torna

desqualificada quanto a prioridade estaacute na representaccedilatildeo que faccedilo daquilo com quem me rela-

ciono reduzindo a existecircncia do outro sua efetividade sua concretude a algo secundaacuterio

frente ao meu entendimento sobre ele Assim eacute que surgem conceitos frios pois natildeo admitem

o outro para aleacutem do sentido jaacute apreendido e para aleacutem do momento vivido como se ao con-

traacuterio do dinamismo da histoacuteria nossas compreensotildees natildeo precisassem mudar

O fator decisivo que originou a tese que aqui se apresenta estaacute constituiacutedo por dois e-

lementos Primeiro se deve ao percurso seguido pelos meus estudos em Filosofia e segundo

pela minha inserccedilatildeo no mundo educacional em acircmbito acadecircmico mas principalmente na

educaccedilatildeo baacutesica Ao concluir meu mestrado em Filosofia fui levado a analisar ndash pelo avanccedilo

nos estudos ndash a relaccedilatildeo entre a constituiccedilatildeo do sujeito e os desafios para a educaccedilatildeo Assim

direcionei meus estudos a um esforccedilo congregador entre aspectos teoacuterico-sistemaacuteticos em

Filosofia e os desafios em significar ndash com base neste estudo teoacuterico ndash eticamente a educa-

ccedilatildeo Realizarei esta abordagem explorando principalmente os conceitos de experiecircncia esteacute-

tica e subjetividade defendendo a possibilidade de mediante o ideal de enriquecimento de

experiecircncias formativas alargar o sentido de constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do sujeito eacutetico

Ao me inquietar com o tema acerca da constituiccedilatildeo do sujeito epistemoloacutegico e eacutetico

direcionei-me necessariamente a Immanuel Kant e agraves condiccedilotildees racionais puras ao ajuiza-

mento nesses dois acircmbitos Em termos eacuteticos surgem as noccedilotildees de fim uacuteltimo e liberdade co-

mo suporte agrave noccedilatildeo de dever O amor incondicional ao dever se constitui na condiccedilatildeo ao a-

gente moral e agrave sociedade baseada em seres racionais que estabelecem ligaccedilatildeo sistemaacutetica a

partir de leis comuns ndash o que pode ser entendido como reino dos fins Desta incondicionalida-

de eacute possiacutevel derivar a concepccedilatildeo de autonomia pois a uacutenica determinaccedilatildeo eacute interna posse do

sujeito Neste ponto eacute que se justifica a necessidade de retornar a Kant pois com este filoacutesofo

o conceito de autonomia foi inserido como criteacuterio epistemoloacutegico e moral Sobre isto ocorre

um incisivo ideal educacional pois tal criteacuterio precisa ser formado desenvolvido no ser hu-

mano Tentativas de implosatildeo deste ideal ocorreram com os regimes totalitaacuterios (por exemplo

o Nacional Socialismo na Alemanha e a Ditadura Militar no Brasil) para os quais a forccedila de

11

determinaccedilatildeo era dada pela ideologia absolutista Poreacutem a Teoria Criacutetica retoma o conceito

de maioridade pondo como condiccedilatildeo para a proacutepria democracia

O que surge ao analisar a obra kantiana sobre moral eacute que o encontro ocorre via amor

ao dever Todo senso moral deriva deste postulado Natildeo eacute pelo outro propriamente dito mas

somente por natildeo poder entrar em contradiccedilatildeo com minha proacutepria razatildeo que aceito o cumpri-

mento do dever aqueacutem a qualquer tendecircncia pessoal Um ponto que merece destaque eacute como

se desenvolve a consciecircncia moral a consciecircncia do dever natildeo ficando evidente como ocorre

a passagem da consciecircncia comum para uma fundamentaccedilatildeo dos costumes Uma possiacutevel

indicaccedilatildeo poderia ser encontrada no texto Resposta agrave pergunta o que eacute esclarecimento

quando eacute possiacutevel vislumbrar que a liberdade de fazer uso puacuteblico da razatildeo se constitui na

condiccedilatildeo para exercer o poder originado a partir do entendimento no seu bom uso O que fica

incerto eacute como o ser humano chega a desenvolver as condiccedilotildees para exercer a liberdade do

uso puacuteblico da razatildeo pois eacute negada pelo autor a forccedila decisiva dos exemplos nessa constitui-

ccedilatildeo

O que pode ser vislumbrado eacute a necessidade de um efetivo ardor educativo para que o

ser humano natildeo venha a fazer mau uso de suas forccedilas Nesse sentido eacute que recorro a Adorno

para buscar elementos que efetivam essa realizaccedilatildeo encontrando nos conceitos de concreto

viacutenculo comunicaccedilatildeo de diferenciados e sociedade atomizada indicaccedilotildees teoacutericas baacutesicas ao

desenvolvimento da consciecircncia moral Tudo isso baseado na concepccedilatildeo de subjetividade

esteacutetica Destaco entatildeo que o percurso traccedilado neste texto eacute indispensaacutevel pois parte do sen-

tido loacutegico-formal a partir do qual ocorre a formaccedilatildeo da consciecircncia moral em Kant para em

Adorno pontuar o contraponto da formaccedilatildeo moral mediante a ecircnfase na experiecircncia efetivada

no encontro com os outros o que remete agrave experiecircncia esteacutetica sensiacutevel Dessa experiecircncia

surge o sentido eacutetico da educaccedilatildeo enquanto promotora de ceacutelulas de humanidade e como o

espaccedilo do plasmar linguumliacutestico

Retomando a discussatildeo da responsabilidade moral baseada na ausecircncia de contradiccedilatildeo

da razatildeo com seus princiacutepios eacute que Kant se distancia de seu antecessor iluminista Jean-

Jacques Rousseau No filoacutesofo francecircs o respeito ao outro natildeo eacute por ser ele racional mas se

alicerccedila na noccedilatildeo de ser sensiacutevel Trago Rousseau presente natildeo por ser um autor decisivo

nesta investigaccedilatildeo mas para pontuar um paralelo entre dois autores da mesma eacutepoca histoacuterica

no que se refere agraves bases da obrigaccedilatildeo moral Tem-se aqui a indicaccedilatildeo da possibilidade de

encontro entre diferentes movido pela virtude da piedade como condiccedilatildeo para a humanidade

O desenvolvimento moral que eacute a existecircncia da humanidade propriamente dita para aleacutem da

animalidade ocorre quando o indiviacuteduo eacute capaz de sair de si e movido pela virtude da pieda-

12

de guiado pela razatildeo pelo ir em direccedilatildeo ao outro Nesse sentido a proposta iluminista de

Rousseau eacute um vislumbre moderno do ideal eacutetico adorniano acerca do encontro

Estar autorizado a agir somente por ser um dever prescrito pela razatildeo eacute conforme a-

cima descrito uma eacutetica de coerecircncia loacutegica Em olhar diferenciado a autorizaccedilatildeo a agir ocor-

re pelo fato de o outro solicitar minha accedilatildeo o que gera uma resposta inevitaacutevel Eacute do outro o

diferente de mim e que por isso se constitui em desafio para o pensamento que vem a obri-

gaccedilatildeo o que remete a uma interdependecircncia planetaacuteria constitutiva de um imperativo de res-

posta guiada pela natildeo colocaccedilatildeo do si mesmo no centro da discussatildeo mas guiada pela neces-

sidade comum de existecircncia qualificada Tal qualificaccedilatildeo nos remete agrave consideraccedilatildeo prioritaacute-

ria do local e do momento que o outro ser humano vive com suas escolhas suas decisotildees

suas experiecircncias e o estado atual que o indiviacuteduo se encontra

Dentro do pensamento de Kant o desafio que surge eacute delinear como ocorre a constitu-

iccedilatildeo da consciecircncia moral e se a partir dessa constituiccedilatildeo eacute possiacutevel assegurar a realizaccedilatildeo do

seu ideal de reino dos fins conceito norteador a partir do qual ocorrem os viacutenculos Nesse

ponto eacute que se torna vaacutelida a investigaccedilatildeo abordando os paradigmas de Kant e de Adorno

para na tensatildeo entre os dois autores em evidecircncia apontar a diferenccedila provinda de Adorno ao

modo como o sujeito eacute constituiacutedo Nessa direccedilatildeo eacute que ocorre uma radical mudanccedila a for-

maccedilatildeo deve levar a uma ampliaccedilatildeo e enriquecimento do niacutevel de experiecircncia pressuposto

para o agir moral Experiecircncia e agir moral encontram iacutentima relaccedilatildeo experiecircncia natildeo eacute mero

trato manejar ou proceder sobre algo mas estaacute vinculada agrave capacidade de se comunicar no

sentido de diaacutelogo momento em que os opostos entram em relaccedilatildeo e se autoconstituem A

obrigaccedilatildeo moral natildeo se deve a um rigor loacutegico de coerecircncia interna da proacutepria razatildeo mas de

um dever cuja base estaacute na necessidade da accedilatildeo por puro amor agrave vida natildeo enquanto universal

conceitual mas enquanto vida do efecircmero a concretude o ente do ser Em termos eacuteticos en-

contramos um ponto determinante todo princiacutepio de valor toda regra de accedilatildeo deve partir do

sensiacutevel a concretude que habita o mundo imediatamente

O fundamento teoacuterico adorniano se apoiaraacute principalmente nas obras Dialeacutetica do es-

clarecimento Dialeacutetica Negativa Teoria Esteacutetica e Minima Moralia apesar de percorrer as

demais obras buscando nelas alguns esclarecimentos terminoloacutegicos necessaacuterios Em Kant a

base estaacute na Criacutetica da razatildeo pura Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes e Fun-

damentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes

Atribuir ao efecircmero (o caraacuteter proacuteprio de transitoriedade) o valor de princiacutepio eacute arran-

car o fundamento das garras da abstraccedilatildeo Deve-se estar atento ao proacuteprio termo vida a cons-

tataccedilatildeo feita na Minima moralia de que natildeo haacute mais vida ou que natildeo haacute vida correta na falsa

13

tem seu corretivo ndash o fato de vida estar carregada do significado originado pela relaccedilatildeo per-

manente com o mundo sensiacutevel e natildeo pelo conceito abstrato Eacute essa vida a origem da filoso-

fia e onde ela estaacute em ausecircncia ali eacute que deve surgir o pensamento Baseado nisso eacute que re-

corro agrave Minima moralia Teoria esteacutetica e agrave Dialeacutetica negativa com a finalidade de compre-

ender o direcionamento que eacute dado ao modo de constituiccedilatildeo do sujeito moral

As discussotildees sobre a Teoria Criacutetica de Adorno sofrem de uma marca histoacuterica que a

meu ver eacute muito reducionista em se tratando de atualizaccedilatildeo ou mesmo da anaacutelise referente

aos seus conceitos decisivos Refiro-me ao episoacutedio nazista pontuado na figura de Auschwitz

Apesar da importacircncia que a perseguiccedilatildeo e extermiacutenio principalmente aos judeus significa-

ram para Adorno em questotildees pessoais e teoacutericas situar sua produccedilatildeo considerando somente

tal fato oculta outras dimensotildees fundamentais Em se tratando de educaccedilatildeo tenho claro que

para ele o essencial eacute evitar que Auschwitz se repita impedindo o renovar das causas de tal

regressatildeo Fazendo referecircncia ao tiacutetulo deste projeto de tese O eacutetico e o esteacutetico em Adorno

merece atenccedilatildeo a cunhagem de sua concepccedilatildeo de esteacutetica e a devida vinculaccedilatildeo com a eacutetica

que estaacute aqueacutem do evento nazismo encontrando sua origem na criacutetica agrave tradiccedilatildeo metafiacutesica

principalmente na figura de Immanuel Kant e sua proposta de fundamentos da moralidade

Destaco tambeacutem o ideal de experiecircncia formativa como constituidora da consciecircncia bem

como sua noccedilatildeo fundante de dialeacutetica negativa e a relaccedilatildeo dessa com a rigorosidade no ato de

pensamento e na constituiccedilatildeo da verdade

Como o interesse central desta pesquisa eacute a significaccedilatildeo eacutetico-educativa que surge a

partir do sujeito poacutes-metafiacutesico em Theodor Adorno o problema que direciona a investigaccedilatildeo

estaacute delineado nos seguintes termos a partir das bases que permitem conceber o sujeito poacutes-

metafiacutesico em Adorno sob que condiccedilotildees eacute possiacutevel defender o alargamento da experiecircncia

como meio de constituiccedilatildeo da subjetividade a qual eacute a base da consciecircncia moral e que

significaccedilatildeo eacutetica surge para a educaccedilatildeo tendo em vista o sujeito que moralmente precisa

ser constituiacutedo com base na experiecircncia O sujeito poacutes-metafiacutesico ou para Adorno o sujeito

esteacutetico eacute compreendido a partir da relaccedilatildeo estabelecida com os fragmentos de alteridade

aquilo que permanece apoacutes o ato compreensivo e que exige continuaccedilatildeo da experiecircncia sensiacute-

vel como condiccedilatildeo para ampliaccedilatildeo da consciecircncia

Diante da contextualizaccedilatildeo apresentada e do problema proposto a tese defendida eacute no

momento em que educaccedilatildeo se torna promotora de enriquecimento das experiecircncias formati-

vas eacute possiacutevel o alargamento do modo como ocorre a constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do sujeito eacuteti-

co Isso nos conduz agrave constituiccedilatildeo do meio no qual o ser humano estaacute inserido meio esse de-

nominado linguagem Portanto a defesa eacute sobre o plasmar linguiacutestico como o desafio eacutetico da

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formaccedilatildeo humana Para tanto articula-se a esteacutetica como fundamento sob o qual eacute possiacutevel

defender tal alargamento do conceito de experiecircncia e de constituiccedilatildeo da subjetividade Es-

tando as experiecircncias em processo de constante formaccedilatildeo o desafio eacutetico-educativo eacute desen-

volver a consciecircncia da necessidade de viacutenculos de responsabilidade em contraposiccedilatildeo ao

ideal de seres atomizados (monadas) e movidos unicamente pelo criteacuterio da razatildeo pura que

dita o amor ao dever Somente assim eacute possiacutevel vislumbrar um estado humano ou estado de

reconciliaccedilatildeo em situaccedilatildeo de encontro e comunicaccedilatildeo de antiacuteteses natildeo hostis Juntamente

com a compreensatildeo de educaccedilatildeo em sua funccedilatildeo de plasmar da linguagem surge a relaccedilatildeo

com a noccedilatildeo adorniana do novo Por mais que tenhamos a necessidade de nos adaptarmos a

determinadas normas costumes tradiccedilotildees valores condiccedilatildeo miacutenima para haver convivecircncia

social a educaccedilatildeo deve permitir a manifestaccedilatildeo da riqueza individual e a novidade que a au-

toconstruccedilatildeo pode revelar Isso significa pensar na coesatildeo sem coaccedilatildeo mas mediante a valo-

rizaccedilatildeo daquilo que no outro eacute outro ou seja valorizaccedilatildeo do diferente no outro seu caraacuteter de

novidade

Vale destacar alguns pontos que marcam o horizonte desta pesquisa Como primeiro

aspecto a referecircncia estaacute na alteraccedilatildeo que a accedilatildeo humana sofreu em suas configuraccedilotildees Eacute

improvaacutevel que nossos antepassados tivessem o senso de que seus atos pudessem interferir

sobre a vida em escala planetaacuteria e as consequecircncias se estendessem por seacuteculos ou ateacute mes-

mo que fossem irreversiacuteveis Seus vislumbres se estendiam por poucas geraccedilotildees e estavam

situadas nos limites locais Somente este alargamento jaacute potildee a necessidade de repensar os

fundamentos eacuteticos da accedilatildeo humana em estreito viacutenculo com o ato pedagoacutegico Admitindo

que educar natildeo eacute instruir eacute decisivo analisar como constituir a consciecircncia moral na conside-

raccedilatildeo desta interdependecircncia planetaacuteria com a tarefa de desenvolver a consciecircncia da accedilatildeo e

do alcance da accedilatildeo

No segundo aspecto faccedilo referecircncia ao sentido que o mito de Prometeu assume em

periacuteodos da ciecircncia e tecnologia avanccediladas como se vivencia a partir da revoluccedilatildeo industrial

e no auge dessa ciecircncia nos seacuteculos XX e XXI Eacute possiacutevel afirmar que as descobertas da ci-

ecircncia elevaram o ser humano a uma condiccedilatildeo de desacorrentamento diante da proacutepria nature-

za permitindo a sobrevivecircncia reproduccedilatildeo e o prolongamento da vida para aleacutem dos limites

considerados ateacute entatildeo como naturais A capacidade de prever os fenocircmenos naturais permi-

te a construccedilatildeo de estruturas para resistir ao poder da natureza ou accedilotildees para minimizar viacuteti-

mas diante de tal poder A princiacutepio parece que nada restou do temor que assombrava o ho-

mem primitivo e o fazia endeusar a natureza na busca das explicaccedilotildees para seus dilemas

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Poreacutem como jaacute alertavam Adorno e Horkeimer na Dialeacutetica do esclarecimento este

processo de desmistificaccedilatildeo acabou por gerar uma nova potecircncia miacutetica hoje configurada no

poder da ciecircncia e da tecnologia Dessa forma eacute que ocorreu um novo acorrentamento e con-

tinuando com a Dialeacutetica do esclarecimento quando se pensa haver rompido com a necessi-

dade natural percebe-se o quanto estamos sujeitos a ela Eacute assim que o ideal kantiano de reino

dos fins na posiccedilatildeo privilegiada do humano como fim e nunca como meio para as accedilotildees

deve ser estendido tambeacutem agrave natureza externa ao humano considerando-a por ela mesma e

natildeo na administraccedilatildeo que impotildee o para-mim e o sentido que surge somente via razatildeo

Esta pesquisa legitima-se na necessidade de repensar os fundamentos da moralidade

para aleacutem do antropocentrismo o que significa repensar o local a partir do qual o ser humano

se posiciona diante daquilo como que se relaciona Em termos morais o sujeito transcendental

e a razatildeo pura encontram seu limite o outro natildeo eacute objeto e o dualismo eacute a oposiccedilatildeo radical agrave

alteridade Objetificar eacute reduzir o sentido agravequilo dado pela razatildeo dualismo eacute admitir um pri-

meiro como portador de todo sentido e um segundo em permanente acircnsia pela inclusatildeo nesse

sentido previamente dado Admitir a alteridade o outro eacute propor uma relaccedilatildeo em configura-

ccedilotildees diferenciadas ou seja a partir da comunicaccedilatildeo entre diferenciados o que pressupotildee

comportamento mimeacutetico e expressivo Mimeacutetico no sentido de acolhida do outro e expres-

sivo enquanto resposta a esta diferenccedila que se impotildee Mimese e expressatildeo se convertem a-

qui em elementos altamente eacuteticos Em primeiro lugar por exigirem uma educaccedilatildeo dos senti-

dos na capacidade de receber essa alteridade e natildeo consideraacute-la antiacutetese hostil Em segundo

lugar por exigirem a resposta em termos de permissatildeo ao outro continuar em sua reserva de

sentido para aleacutem da interpretaccedilatildeo que visa reduzir o outro agravequilo que digo dele

Destaco um terceiro e uacuteltimo aspecto na apresentaccedilatildeo dos horizontes de sentido da

pesquisa Vive-se um tempo de excessos natildeo eacute possiacutevel negar o excesso de poder que impera

nas relaccedilotildees entre seres humanos e entre ser humano e natureza o poder de produccedilatildeo tornou-

se ilimitado o poder do conhecimento permite transcender os limites da natureza humana

(prolongamento da vida para aleacutem das capacidades naturais substacircncias que ampliam a resis-

tecircncia fiacutesica) Poreacutem tem-se a carecircncia de referenciais normativos e ateacute de referecircncias (ou

evidentes exemplos) do que eacute o homo humanus para aleacutem do homo faber ou do homo sapi-

ens Eacute possiacutevel admitir que a existecircncia do elemento produtivo (faber) do elemento do pen-

samento desenvolvido natildeo subsiste sem o alicerce do homo humanus em sua capacidade de

sentir-se responsaacutevel e agir em prol de todos os outros seres o que exige alicerces de valores

e de um elevado senso eacutetico Diante disso a pesquisa assume a incisiva relevacircncia por apontar

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alguns resultados que podem auxiliar na discussatildeo e fundamentaccedilatildeo do agir educativo pauta-

do pelo ideal de humanidade

Sob esta oacutetica e com esta pesquisa questiono o ideal kantiano de que pela forccedila do

imperativo categoacuterico seria possiacutevel instituir o reino dos fins Vislumbrar um estado humano

cuja base estaacute na ligaccedilatildeo sistemaacutetica de todos os seres racionais sob leis comuns condiz com a

pretensatildeo de colocar o indiviacuteduo humano como o primeiro absoluto Eacute possiacutevel pensar o hu-

mano apenas na ligaccedilatildeo entre humanos Absolutizando o humano natildeo se cai no mesmo pro-

blema que se quis superar durante os milecircnios de pensamento filosoacutefico ndash o mito A ligaccedilatildeo

sistemaacutetica de todos os seres racionais segundo leis comuns como sendo o alicerce da morali-

dade se configura em abstracionismo moral pois o mundo do seacuteculo XX percebeu a urgecircncia

da interdependecircncia entre todos os seres vivos Apoiando Hans Jonas o imperativo eacute que haja

vida independente de onde quer que ela esteja Assim eacute que o centro da investigaccedilatildeo eacutetica

estaacute na vida em sua ampla manifestaccedilatildeo Natildeo em uma ligaccedilatildeo entre seres racionais mas em

ligaccedilatildeo cuja base eacute o princiacutepio vital o que natildeo significa outra coisa senatildeo a centralidade na

relaccedilatildeo e o reconhecimento da natureza em noacutes ndash caraacuteter de pertenccedila agrave natureza e dependecircn-

cia dela

Defendendo um giro no eixo sustentador da accedilatildeo moral enfatizando o alargamento da

experiecircncia a partir da perspectiva adorniana de esteacutetica ndash o que derivaraacute no capiacutetulo final no

termo comunicaccedilatildeo de diferenciados ndash e ciente da responsabilidade da educaccedilatildeo em promo-

ver este alargamento como base da educaccedilatildeo eacutetico-esteacutetico eacute que aproximo filosofia e educa-

ccedilatildeo cuja base estaacute no pensamento de Theodor Adorno

Diante disso indico o objetivo central deste trabalho que eacute discutir a noccedilatildeo de subje-

tividade poacutes-metafiacutesica em Adorno a fim de estabelecer baseado em tal sujeito uma signifi-

caccedilatildeo eacutetico-educativa capaz de nortear a formaccedilatildeo do humano e o desenvolvimento da cons-

ciecircncia moral a partir da funccedilatildeo esteacutetica como formadora da eacutetica

Com este norte traccedilado proponho cinco capiacutetulos como estrutura investigativa No

primeiro capiacutetulo o objetivo eacute analisar a concepccedilatildeo e a constituiccedilatildeo do sujeito moral em

Kant cujo significado eacute a constituiccedilatildeo metafiacutesica do humano Desenvolvo releitura e anaacutelise

sobre a proposta kantiana de que nos conceitos de finalidade e liberdade estatildeo a base do

sujeito moral norteado pelo imperativo categoacuterico fundamentado no criteacuterio racional da lei

moral Esta discussatildeo primeira eacute fundamental para posteriormente conseguir situar a criacutetica

adorniana a esse modelo de constituiccedilatildeo de modo que o segundo capiacutetulo visa analisar a

concepccedilatildeo de pensamento e subjetividade na perspectiva poacutes-metafiacutesica de Theodor Adorno

perspectiva essa natildeo orientada pela base racional da lei mas analisando o exato momento da

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decisatildeo momento da efetividade praacutetica quando ocorre o contato com o outro Dada a priori-

dade desse momento sobre ele deve recair todo o interesse teoacuterico-filosoacutefico Para tanto par-

to da concepccedilatildeo de sujeito em Aristoacuteteles para compreender o significado da afirmaccedilatildeo ador-

niana de que hoje o sujeito eacute destituiacutedo de subjetividade e em contrapartida apresentam-se

quais as condiccedilotildees dadas pelo autor para que haja a subjetividade Esse recurso a Aristoacuteteles

deve-se agrave possibilidade de situar ali o surgimento da forccedila de determinaccedilatildeo interna do indiviacute-

duo Situo aqui um aspecto decisivo na argumentaccedilatildeo pois no auge da modernidade ocorre a

insuficiecircncia dessa forccedila interna do sujeito e contrapondo tambeacutem a perspectiva kantiana

esta forccedila interior ao indiviacuteduo humano passa a ser administrada por vontades a ele exteriores

Vislumbra-se assim o colapso da base conceitual do seu imperativo categoacuterico baseado no

poder da autodeterminaccedilatildeo Ocorre uma relaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de sensibilidade e entendimen-

to em Kant e a noccedilatildeo de perda de evidecircncia em Adorno quando o entendimento natildeo mais

encontra material ldquoconfiaacutevelrdquo para o ato de siacutentese Mesmo natildeo tendo sido pontuado por A-

dorno com a concepccedilatildeo de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade ocorre uma possiacutevel soluccedilatildeo

para tal problema No centro da concepccedilatildeo de pensamento poacutes-metafiacutesico estaacute a ideia de de-

terminaccedilatildeo e de verdade portadora de nuacutecleo temporal contrariando radicalmente a concep-

ccedilatildeo tradicional das ideias eternas e imutaacuteveis de Platatildeo ou do criteacuterio transcendental do tem-

po e do espaccedilo em Kant Assim eacute que partindo do princiacutepio temporal o criteacuterio da histoacuteria

em sua transitoriedade o outro eacute constante desafio nunca simples ideia ou resultado final

Partindo dessa compreensatildeo o terceiro capiacutetulo visa propor as criacuteticas ao imperativo

categoacuterico alegando a impossibilidade de mediante a forccedila de tal imperativo objetivar o rei-

no dos fins O amor ao dever gera um viacutenculo baseado estritamente no criteacuterio de coerecircncia

loacutegica como fundamento para a accedilatildeo moral fazendo o humano tatildeo abstrato que perde a efeti-

vidade dos viacutenculos concretos Se junta a isso o problema de que natildeo eacute possiacutevel vislumbrar

nas trecircs obras sobre moral (Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes Fundamenta-

ccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes) o modo como o ser humano desenvolve a consciecircncia moral

Do mesmo modo natildeo satildeo evidentes as condiccedilotildees que permitem ocorrer efetivamente a tran-

siccedilatildeo da consciecircncia moral vulgar para uma metafiacutesica dos costumes

No quarto capiacutetulo o desafio eacute estabelecer as bases teoacutericas para a concepccedilatildeo de su-

jeito esteacutetico em Adorno e o que demarca o acircmbito artiacutestico nesse autor ou seja quando uma

obra pode ser considerada arte Conseguindo situar este sujeito e o acircmbito da obra de arte

torna-se possiacutevel compreender o real desafio agrave racionalidade diante da constante reserva de

sentido que compotildee o outro o diferenciado Na concepccedilatildeo de sujeito esteacutetico encontra-se a

possibilidade de realizaccedilatildeo da dialeacutetica do esclarecimento esse processo de saiacuteda do ser hu-

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mano de seu estado de menoridade rumo a um patamar de entendimento que ainda em Kant

chama-se esclarecimento e autonomia

Finalizando o itineraacuterio teoacuterico o quinto capiacutetulo visa localizar qual a significaccedilatildeo eacute-

tico-educativa que surge a partir dessa concepccedilatildeo de sujeito esteacutetico Recorro a alguns concei-

tos decisivos e que representam um incisivo desafio agrave educaccedilatildeo Refiro-me especificamente agrave

noccedilatildeo de sensibilidade identificaccedilatildeo viacutenculos de responsabilidades ceacutelulas de humanidade

comunicaccedilatildeo de diferenciados em contraposiccedilatildeo ao ideal de ser humano e sociedade atomi-

zados A educaccedilatildeo deve gerar a paz o que em Adorno se caracteriza como a possibilidade de

comunicaccedilatildeo entre diferentes sem acircnsia de domiacutenio cuja marca estaacute na ausecircncia do medo

natildeo do desconhecido que gera o mito mas de poder ser diferente sem temor sem o risco de

ser considerado antiacutetese hostil A educaccedilatildeo eacute aqui concebida a partir do plasmar linguumliacutestico

da constituiccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade e como possibilitadora no novo

Seguindo esse horizonte teoacuterico-investigativo a educaccedilatildeo e posta diante do desafio de

aperfeiccediloar cada vez mais a humanidade em noacutes tornando-nos aptos a coabitar com a vida

onde quer que ela esteja a partir de sua riqueza proacutepria Natildeo eacute o pensamento que nos humani-

za ele somente nos converte em animais racionais Cabe ao movimento de esclarecimento da

consciecircncia gerar as condiccedilotildees para que a vida seja possiacutevel neste local que habitamos Ou

seja constituir o meio proacuteprio que possibilita a humanidade o que natildeo se fundamenta em um

puro amor ao dever ou agrave coerecircncia loacutegica do pensamento sendo urgente desenvolver a cons-

ciecircncia da interdependecircncia universal como fundamento para a possibilidade de pensar o hu-

mano e de seu proacuteprio existir

1 ASPECTOS EacuteTICOS DA CONSTITUICcedilAtildeO E DA FORMACcedilAtildeO DO HUMANO SEGUNDO KANT

Em se tratando de filosofia e educaccedilatildeo ou se referindo ao termo formaccedilatildeo temos o

grande desafio de estabelecer os fundamentos para a constituiccedilatildeo da subjetividade apta a pro-

duzir a significar o conhecimento e tambeacutem apta a agir moralmente A pergunta poderia ser

sintetizada da seguinte maneira ldquoquem eacute como se forma o sujeito humano e quais as bases

eacuteticas de tal constituiccedilatildeordquo A pretensatildeo dessa investigaccedilatildeo natildeo eacute apresentar um esquema ge-

ral das respostas que surgiram na tradiccedilatildeo filosoacutefica cujo berccedilo estaacute ainda na trageacutedia grega

mas sim pontuar dois paradigmas que considero decisivos nesta abordagem a busca pelos

universais fundados nos conceitos da razatildeo em Kant e a defesa do singular sensiacutevel em A-

dorno Destaca-se que a referecircncia agrave Kant eacute necessaacuteria para melhor apresentar a posiccedilatildeo de

Adorno em relaccedilatildeo agrave defesa do singular sensiacutevel Desse modo metodologicamente a referecircn-

cia agrave Kant eacute apenas de passagem

Diante do problema da subjetividade o que segue eacute uma releitura de alguns toacutepicos do

pensamento kantiano para entatildeo pontuar a criacutetica adorniana aos constituintes da ideia norte-

adora em Kant denominada reino dos fins Para tanto seratildeo percorridos dois caminhos teoacuteri-

cos dois modos de conceber a formaccedilatildeo moral O ponto de partida estaacute em como Kant com-

preende a constituiccedilatildeo da liberdade e autonomia de consciecircncia e representaccedilatildeo e o ideal de

reino dos fins isso baseado nas obras Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes (FMC)

Metafiacutesica dos costumes (MC) e as obras magnas Criacutetica da razatildeo pura (CRPu) e Criacutetica da

razatildeo praacutetica (CRPr) O contraponto em Adorno segue com um diaacutelogo entre suas obras

buscando no jogo de tensotildees textuais que marcam sua produccedilatildeo as bases da constituiccedilatildeo

sensiacutevel da moralidade e os fundamentos de sua afirmaccedilatildeo de sujeito destituiacutedo de subjetivi-

dade ou o fato de natildeo haver mais sujeito

Immanuel Kant com o caraacuteter transcendental que define o sujeito remete a um estrei-

tamento na noccedilatildeo de constituiccedilatildeo ou seja como se forma o sujeito do conhecimento e o sujei-

to moral Agora a forccedila constituinte eacute tatildeo somente interna como condiccedilatildeo de possibilidade de

qualquer regra praacutetica autocircnoma Assim natildeo haacute interferecircncia externa de circunstacircncias con-

tingentes de um soberano de divindades na formaccedilatildeo da natureza interna Essa eacute definida

como posse do indiviacuteduo que no interior da experiecircncia interage movido pela rigidez inaba-

laacutevel derivada da marca constituinte do reino dos fins ou seja a consideraccedilatildeo do humano

como portador de grandeza absoluta sem possibilidade de ser meio Essa grandeza deve estar

na base de qualquer princiacutepio praacutetico ndash ningueacutem pode querer atentar contra o fundamento do

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reino entendendo tal fundamento como sendo a grandeza do indiviacuteduo ser fim em si mesmo

(cf CRPr MC e FMC) A noccedilatildeo de fim eacute decisiva para Kant em questotildees morais como des-

taca Macarena Marey

Um sistema de fins implica [] natildeo somente uma classificaccedilatildeo de deveres eacuteticos mas tambeacutem uma compreensatildeo da moralidade que eacute notavelmente mais ampla que a preocupaccedilatildeo moral dos agentes na vida cotidiana sobre a autorizaccedilatildeo moral de suas accedilotildees [] A moralidade eacute uma esfera que inclui a questatildeo [] sobre quais satildeo os fins entendidos natildeo como meros lsquoobjetos do arbiacutetriorsquo mas como princiacutepios praacuteticos supremos que informam o plano de vida de um agente cuja efetiva aceitaccedilatildeo eacute con-diccedilatildeo necessaacuteria de qualquer pretensatildeo de moralidade (MAREY 2010 p75 ndash tradu-ccedilatildeo nossa)

Na eacutetica kantiana a consciecircncia desses princiacutepios praacuteticos supremos deveria estar na

base das accedilotildees a partir dos quais se evidenciaria como o agente estaacute conduzindo suas accedilotildees

qual eacute o seu fio condutor Na noccedilatildeo de ser humano como reino de fins estaacute para a mesma

autora ldquoo princiacutepio praacutetico ou o fim geral o projeto fundamental [] que daacute forma ao plano

de vida de um agenterdquo (ibidem p76)

No seacuteculo XX Theodor Adorno elabora uma criacutetica principalmente com base filosoacutefi-

co-esteacutetica que pode ser concebida como sendo o diagnoacutestico da crise enfrentada pelo sujeito

transcendental e pelo almejado reino dos fins kantiano E atribuo o adjetivo crise natildeo no sen-

tido de natildeo aceitar a humanidade como fim uacuteltimo mas aos moldes transcendentais do sujei-

to e aos moldes do imperativo categoacuterico que natildeo conseguiram dar conta da realizaccedilatildeo de

sua tarefa o reino dos fins Em outras palavras o problema natildeo estaacute no reino dos fins na hu-

manidade como fim uacuteltimo mas em sua ideia de fundo na sua teoria legitimadora a qual natildeo

percebeu o caraacuteter determinante das contingecircncias histoacutericas que podem impor o limite da

proacutepria humanidade ndash a barbaacuterie extrema aniquiladora de todo sujeito Isso pelo fato de que

ldquocomo uacutenico ser dotado de entendimento na terra o ser humano pode estabelecer voluntaria-

mente fins para si mesmordquo (HOumlFFE 2009 p32) Um regime totalitaacuterio por exemplo pode

pretender considerar como humano apenas um determinado grupo ou determinado modo de

vida A base racional que potildee o humano como fim propotildee princiacutepios praacuteticos altamente nega-

tivos agravequeles que natildeo se adequarem a essa determinada concepccedilatildeo de humano1

A ideia de fundo anteriormente mencionada e que eacute passiacutevel de discussatildeo reside no

reconhecimento da lei moral como determinante para a accedilatildeo Ateacute admite-se uma referecircncia agrave

esfera praacutetica mas o fundamento estaacute dado sempre pela lei a qual eacute estritamente racional e

nenhum elemento sensiacutevel pode sustentar o dever Eacute o que Kant chama de vontade conduzida

1 Esta discussatildeo seraacute bem pontuada no quinto capiacutetulo

21

pela representaccedilatildeo das regras a vontade eacute a ldquofaculdade de determinar a sua causalidade pela

representaccedilatildeo de regras por conseguinte agrave medida que satildeo capazes de accedilotildees segundo propo-

siccedilotildees fundamentais por conseguinte tambeacutem segundo princiacutepios praacuteticos a priori (pois soacute

estes tecircm aquela necessidade que a razatildeo exige para a proposiccedilatildeo fundamental)rdquo (CRPr sect57)

Para Douglas Garcia Alves Juacutenior a vontade em Kant ldquoeacute uma faculdade pela qual o sujeito

ao ser propriamente afetado pela sensibilidade que lhe impotildee quereres eacute ao mesmo tempo

capaz de sobrepor-lhe a representaccedilatildeo de um dever que ele mesmo concebe atraveacutes da razatildeordquo

(ALVES JUNIOR 2005 p41) Esta representaccedilatildeo do dever eacute a representaccedilatildeo da lei moral2 a

qual conforme a segunda criacutetica (sect64) nos ordena a sua mais estrita observacircncia O ajuiza-

mento enquanto ato do entendimento enquanto direcionado natildeo ao empiacuterico mas ao conteuacute-

do conceitual ndash o juiacutezo diz o conceito ndash natildeo oferece muita dificuldade acerca do que segundo

a lei moral precisa ser feito ldquoa ponto de que ateacute o entendimento mais comum e menos exerci-

tado mesmo sem experiecircncia do mundo natildeo soubesse lidar com elerdquo Essa facilidade reteacutem o

ser humano em um ambiente seguro pois basta clareza loacutegica para aplicar a regra Poreacutem da

lei moral ateacute a accedilatildeo reside um espaccedilo que deve ser habitado pelo ser humano a tomada de

decisatildeo Esse problema foi levantado por Kant quando afirma ldquose a lei somente pode pres-

crever a maacutexima das accedilotildees e natildeo as proacuteprias accedilotildees isso constitui um indiacutecio de que deixa

uma folga para a livre escolha no seguir (conformar-se com) a lei isto eacute que a lei natildeo pode

especificar precisamente de qual maneira algueacutem deve agir e quanto algueacutem precisa fazer

atraveacutes da accedilatildeo para um fim que eacute tambeacutem um deverrdquo (MC p 233) Contudo este espaccedilo

livre de promessa de decisatildeo em como agenciar a lei agrave praacutetica eacute iluminado por um uacutenico

pressuposto a proacutepria lei moral que estaacute em noacutes como o ceacuteu estrelado estaacute acima de noacutes3

A questatildeo que se impotildee e que seraacute alvo das discussotildees eacute A forccedila provinda da lei mo-

ral e do amor ao dever eacute suficiente para mover o ser humano a partir de um fio condutor mo-

ralmente adequado agrave humanidade E como a educaccedilatildeo poderia interferir neste processo de

constituiccedilatildeo da moralidade e na consequente edificaccedilatildeo do humano Sobre esta uacuteltima recai

todo o esforccedilo dessa investigaccedilatildeo

A proposta teoacuterica aqui desenvolvida segue aleacutem das interrogaccedilotildees acima outros pro-

blemas Eacute possiacutevel defender um alargamento da experiecircncia como sendo a base da constitui-

2 Conforme a Criacutetica da razatildeo praacutetica a lei moral eacute descrita nos seguinte imperativo ldquoAge de tal modo que a maacutexima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo (sect7 p54) 3 Metaacutefora utilizada por Kant para expressar a grandeza da lei moral no interior do ser humano Na conclusatildeo da Criacutetica da razatildeo praacutetica (sect288) afirma ldquoDuas coisas enchem o acircnimo de admiraccedilatildeo e veneraccedilatildeo sempre nova e crescente quanto mais frequentemente e persistentemente a reflexatildeo ocupa-se com elas o ceacuteu estrelado acima de mim e a lei moral em mimrdquo

22

ccedilatildeo da subjetividade e da consciecircncia moral Em que termos se daria tal defesa A experiecircn-

cia pode significar um alargamento necessaacuterio agrave consciecircncia moral Quanto de autocircnomo e

quanto de heterocircnomo existe na condiccedilatildeo humana

Com isto faccedilo a abertura das discussotildees que constituem este primeiro capiacutetulo visando

firmar ao final da tese uma re-significaccedilatildeo eacutetico-educativa com base no sujeito poacutes-

metafiacutesico ndash ou esteacutetico ndash em Adorno Neste primeiro momento pretendo entatildeo realizar uma

anaacutelise do modelo de constituiccedilatildeo da subjetividade baseado no imperativo categoacuterico Aleacutem

dos motivos jaacute destacados optei por seguir um diaacutelogo com Kant devido agraves constantes inter-

faces que o filoacutesofo de Frankfurt estabelece com o de Koumlnigsberg principalmente em ques-

totildees morais e do imperativo categoacuterico Faccedilo entatildeo uma leitura a partir da recepccedilatildeo ou re-

percussatildeo que a proposta filosoacutefica de Kant teve sobre a proposta filosoacutefica de Adorno

Kant quis que a lei moral fosse interna ao ser humano como autonomia princiacutepio e lei

dados a partir da proacutepria razatildeo e do amor ao dever A questatildeo que surge eacute decisiva O que

fazer com esta gigantesca lei moral interna Como agenciaacute-la na praacutetica Nas obras baacutesicas

que versam sobre eacutetica Kant defenderaacute uma relaccedilatildeo iacutentima da lei moral com as maacuteximas de

accedilatildeo uma vez que satildeo as maacuteximas que estatildeo em iacutentima relaccedilatildeo com a accedilatildeo mesma Dessa

forma a lei moral deve estar na base das maacuteximas utilizadas na accedilatildeo e no momento das deci-

sotildees devemos ter o olhar fixo no princiacutepio do dever ditado pelo imperativo categoacuterico Na

Minima moralia (116 p158) Adorno propotildee que se deve ldquoaprender a lidar com a moralida-

derdquo a senti-la e assim apropriar-se dela sendo as ldquoinfraccedilotildees miacutenimasrdquo o veiacuteculo mediador

entre este ldquoimenso ceacuteu estreladordquo e o mundo da vida Metaforicamente o que ocorre em A-

dorno eacute o retorno do telescoacutepio que busca o gigantesco ceacuteu estrelado kantiano ao proacuteprio

chatildeo da efetividade a fim de na contingecircncia histoacuterica encontrar o incentivo para a accedilatildeo A

consciecircncia moral o princiacutepio interno deve ser despertado em Adorno pelo elemento sensiacute-

vel pelo limite do corpo ndash a contingecircncia histoacuterica

11 A constituiccedilatildeo transcendental do sujeito eacutetico em Kant

A tensatildeo entre Kant e Adorno encontra um ponto de referecircncia ndash o qual considero co-

mo dado fundamental ndash nas noccedilotildees de metafiacutesica e experiecircncia esteacutetica como formas do pen-

samento filosoacutefico

Na Metafiacutesica dos costumes Kant define metafiacutesica como ldquoum sistema de cogniccedilatildeo a

priori a partir exclusivamente de conceitosrdquo (2008) Em outro momento expotildee que ldquooutra

coisa natildeo eacute senatildeo o inventaacuterio sistematicamente ordenado de tudo o que possuiacutemos pela ra-

23

zatildeo purardquo (CRPu A XX) Situada em uma dimensatildeo privilegiada do saber referente ao prag-

maacutetico a metafiacutesica serviraacute como telos e nuacutecleo de forccedila ao ideal formativo sendo a clareza

intuitiva apenas a instacircncia propulsora da relaccedilatildeo de conhecimento no momento da receptivi-

dade do nosso espiacuterito quando somos afetados pelo objeto O conhecimento encontra sua

culminacircncia na siacutentese operada pelo entendimento ao sermos capazes de pensar o objeto pro-

vindo da sensibilidade (cf Loacutegica transcendental na Criacutetica da razatildeo pura) Partindo do

princiacutepio de que a verdade estaacute situada dentro dos limites da experiecircncia possiacutevel a sensibili-

dade ampliada se torna decisiva O limite de qualquer conhecimento estaacute mesmo para Kant

na impossibilidade de alcanccedilar a coisa em-si o elemento essencial em palavra aristoteacutelica

Assim sendo na CRPu o conhecimento somente consegue se mover dentro do material que a

sensibilidade lhe fornece e a verdade ocorre como resultado do jogo entre o material provin-

do da sensibilidade e a siacutentese que o entendimento realiza

Na Metafiacutesica dos costumes ao definir o local que a lei moral ocupa dentro dos costu-

mes Kant a coloca em situaccedilatildeo bem distante das accedilotildees e ao ocupar-se com ela refugia-se em

um territoacuterio tranquilamente livre da contingecircncia A lei em Kant e conforme exposto anteri-

ormente pode prescrever somente a maacutexima da accedilatildeo e natildeo o modo de accedilatildeo propriamente

dito de modo que a efetividade praacutetica estaacute definida pela diversidade de regras praacutetica a par-

tir da promessa de decisatildeo Mas em questotildees praacuteticas nenhum ser humano ocupa tal refuacutegio

estando em constante conflito entre suas proacuteprias maacuteximas a accedilatildeo e a lei Na tentativa de re-

duzir tal distacircncia o autor compotildee a moral tanto (a) pela lei quanto (b) pela capacidade de

cumprir tal lei e (c) a vontade em assim fazer (cf MC p240) Lei vontade e capacidade praacute-

tica formam a triacuteade constitutiva do sujeito eacutetico poreacutem tais fatores somente satildeo possiacuteveis de

serem considerados como posse humana pressupondo o sujeito livre

No paraacutegrafo 5 da Criacutetica da razatildeo praacutetica em nota explicativa sobre a lei moral a li-

berdade eacute posta como condiccedilatildeo para a existecircncia da moralidade e por outro lado eacute mediante

esta que a liberdade pode ser conhecida afirmo que a lei moral seja a condiccedilatildeo sob a qual primeiramente podemos tornar-nos conscientes da liberdade quero apenas lembrar que a liberdade eacute sem duacutevida a ratio essendi da lei moral mas que a lei moral eacute a ratio cognoscendi da liberdade Pois se a lei moral natildeo fosse pensada antes claramente em nossa razatildeo jamais nos considerariacuteamos autorizados a admitir algo como a liberdade [] Mas se natildeo exis-tisse liberdade alguma a lei moral natildeo seria de modo algum encontraacutevel em noacutes

24

Falar em lei moral exige entatildeo inserir a liberdade4 como algo proacuteprio desse ser consi-

derado por Kant como fim uacuteltimo Liberdade e finalidade satildeo os atributos essenciais a partir

dos quais o humano deve ser reconhecido E assim se impotildee novamente o ser humano no

centro das discussotildees

ele natildeo coloca o ser humano no centro do mundo mas o declara um fim que natildeo exis-te ao mesmo tempo como meio portanto um simples fim um fim em si mesmo Aleacutem disso numa hierarquia de fins o ser humano constitui seu fim terminal e ateacute o fim terminal absoluto de toda a natureza E essa posiccedilatildeo ou dignidade compete segundo o antropocentrismo5 de Kant unicamente ao ser humano (HOumlFFE 2009 p21)

Estamos diante das condiccedilotildees para pensar a humanidade enquanto espeacutecie a liberdade

e a concepccedilatildeo de finalidade Ambas definem o espaccedilo a partir do qual eacute possiacutevel falar em mo-

ralidade

A imputabilidade de uma accedilatildeo ao sujeito sua responsabilidade moral somente eacute pos-

siacutevel pressupondo para Kant a condiccedilatildeo de agente livre Nesse sentido surge o problema dos

modelos os exemplos em sua impossibilidade de mover para a accedilatildeo pois eles ldquoservem apenas

para encorajar isto eacute potildeem fora de duacutevida a possibilidade daquilo que a lei ordenardquo (FMC

BA 29) Ao mesmo tempo em que Kant reconhece os exemplos como necessaacuterios agrave educaccedilatildeo

moral por outro lado o exemplo pode se tornar prejudicial por natildeo permitir o fortalecimento

da subjetividade reconhecida pela autonomia O modelo quando tornado ideal desconside-

rando seu caraacuteter de contingecircncia impede o desenvolvimento da ousadia no pensamento de-

fendido enfaticamente no texto Resposta agrave pergunta que eacute esclarecimento Sapere aude en-

contra o sentido pleno na medida em que permite desenvolver e assumir um comportamento

sem o guia tutorial

Assim eacute que nos textos da Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes e Fun-

damentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes haacute esta dupla perspectiva em relaccedilatildeo agrave tensatildeo entre

exemplos modelos e liberdade Haacute um consenso interno na teoria kantiana pondo os modelos

como encorajadores provando que eacute possiacutevel agir em plena conformidade ao dever Poreacutem

eles natildeo representam em nada o fortalecimento da moralidade em noacutes pois apoacutes acalmar os

sentimentos que o exemplo excita ldquoo coraccedilatildeo retorna espontaneamente ao seu movimento

4 O objetivo natildeo eacute aqui discutir detalhadamente o conceito de liberdade mas pontuaacute-lo brevemente a fim de situar as caracteriacutesticas ndash juntamente com a de finalidade uacuteltima ndash que marcam o ser humano em sentido moral 5 Otfried Houmlffe no mesmo texto indica que o antropocentrismo defendido eacute simplesmente temaacutetico ldquoPoder-se-ia dizer que se trata de um antropocentrismo temaacutetico e natildeo dogmaacutetico ou de um antropocentrismo relativo e natildeo absoluto Este eacute um antropocentrismo condicionado a saber um antropocentrismo que pressupotildee que se olhe a natureza do ponto de vista da espeacutecie homo sapiens Haacute aleacutem disso outra diferenccedila da compreensatildeo usual de antropocentrismo a natureza natildeo eacute instrumentalizada com vistas ao bem-estar humanordquo (2009 p33)

25

vital natural e moderado e por conseguinte recai na languidez que lhe era antes peculiar

porque na verdade lhe era oferecido algo que o estimulava mas nada que o fortalecesserdquo

(CRPr sect 281)

O fortalecimento do sujeito para a accedilatildeo eacutetica ocorre em Kant a partir da conduccedilatildeo do

indiviacuteduo agrave liberdade resultando na autonomia como fora defendido na Resposta agrave pergunta

o que eacute esclarecimento Desse movimento inicial eacute possiacutevel desenvolver a consciecircncia da lei

moral ou seja a orientaccedilatildeo da maacutexima de accedilatildeo a partir da forccedila da lei ldquoO ceacuteu estrelado acima

de noacutes e a lei moral em noacutesrdquo Esse enunciado expressa muito mais do que uma forma de ori-

entaccedilatildeo devendo ser conteuacutedo de consciecircncia do mesmo modo que o ceacuteu estrelado em sua

grandeza serve de orientaccedilatildeo a lei moral em sua grandeza deve ser consciecircncia para poder

influenciar a orientaccedilatildeo pragmaacutetica do ser humano ldquoo que ele faz de si mesmo ou pode e

deve fazer como ser que age livrementerdquo (ANTR p21)

Nesse ponto eacute que os exemplos e os modelos sofrem de impossibilidade pois sua uacuteni-

ca funccedilatildeo eacute mostrar que eacute possiacutevel agir por amor ao dever mas natildeo pode ser colocado como

modelo de accedilatildeo Uma educaccedilatildeo que se utiliza de modelos visando fortalecer a consciecircncia e

gerar moralidade eacute carente de princiacutepios pois os modelos quando postos na posiccedilatildeo de prin-

ciacutepios podem impedir o elemento baacutesico da moralidade a liberdade e autonomia Em relaccedilatildeo

a isso eacute possiacutevel aproximar Adorno de Kant quando em Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo (Educa-

ccedilatildeo-para quecirc p141) os modelos ideais satildeo acusados de ideologia o que impede o pensa-

mento emancipado e criacutetico

Pode-se entatildeo defender que os exemplos natildeo servem de princiacutepios pois natildeo agem na

consciecircncia de modo a fortalecer ou ateacute mesmo como motivador da accedilatildeo A uacutenica possibili-

dade de haver a tomada de consciecircncia eacute mediante a representaccedilatildeo da lei da moralidade em

relaccedilatildeo ao ser humano individual ou seja a adequaccedilatildeo do princiacutepio agrave accedilatildeo E isso ocorre ape-

nas quando a base da accedilatildeo seu impulso normativo ocorre via conceito e a representaccedilatildeo deste

na praacutetica humana Princiacutepios tecircm que ser estabelecidos sobre a base de conceitos [] Ora esses con-ceitos se devem tornar-se subjetivamente praacuteticos natildeo tecircm que ficar parados diante das leis objetivas da moralidade para admiraacute-las e para apreciaacute-las em relaccedilatildeo agrave hu-manidade mas tecircm que considerar a sua representaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao homem e sua individualidade (CRPr sect 281)

Fixando a distinccedilatildeo entre princiacutepios e exemplos esses podem gerar apreccedilo e admira-

ccedilatildeo servindo de incentivo ao ajuizamento em conteuacutedos morais Mas natildeo podem servir de

incentivos agrave accedilatildeo mesma o que exige a forccedila motriz dos princiacutepios os quais satildeo originados

26

pela faculdade do entendimento natildeo da sensibilidade Seguindo as linhas da Criacutetica da razatildeo

pura os conceitos se originam da mateacuteria-prima fornecida pela intuiccedilatildeo a qual eacute sensiacutevel Eacute

somente nesse sentido que os exemplos podem ter utilidade movendo a faculdade do enten-

dimento a operar a siacutentese deste diverso em uma ligaccedilatildeo sinteacutetica resultando em consciecircncia

Assim eacute possiacutevel a existecircncia do eu idecircntico (oposto agrave heteronomia) este sujeito possuidor de

si mesmo e capaz de mover-se pela representaccedilatildeo desta carga de consciecircncia ldquoTudo na natu-

reza age segundo leis Soacute um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representaccedilatildeo

das leis isto eacute segundo princiacutepios ou soacute ele tem uma vontaderdquo (FMC BA 36) O que temos

aqui eacute que pela siacutentese ocorre o surgimento de princiacutepios uacutenica via constituidora de uma

forccedila subjetiva para mim

Essa constituiccedilatildeo do sujeito moral em Kant ndash cujo percurso encontra nos exemplos a-

penas um estiacutemulo havendo necessidade da formaccedilatildeo da consciecircncia mediante a siacutentese do

material apreendido pelos sentidos convertendo-os em conceitos sendo que a partir de sua

representaccedilatildeo eacute originada a accedilatildeo moral ndash eacute definida como transcendental O sujeito transcen-

dental estaacute edificado com base metafiacutesica pois a possibilidade de determinaccedilatildeo supera a con-

tingecircncia histoacuterica e se fixa nas bases conceituais estaacuteveis fruto das representaccedilotildees e deste

modo limitando a influecircncia das experiecircncias efetivas com o objeto Este eacute o curso que o meacute-

todo da razatildeo praacutetica assume constituindo a subjetividade enquanto forccedila para mim baseada

no poder da ldquoliberdade interior de desembaraccedilar-se de tal modo da impetuosa impertinecircncia

das inclinaccedilotildees que absolutamente nenhuma mesmo a mais benquista tenha influecircncia sobre

uma resoluccedilatildeo para a qual devemos servir-nos agora da nossa razatildeordquo (CRPr sect 287) A forma-

ccedilatildeo da consciecircncia a partir da criacutetica da razatildeo em Kant segue entatildeo esse trajeto descrito com

sua consequente constituiccedilatildeo do princiacutepio supremo da moralidade Eacute esse um dos pontos deci-

sivos de contraposiccedilatildeo surgidos a partir do estudo da obra de Theodor Adorno o que seraacute

desenvolvido no decorrer do texto

12 O ideal de Reino dos fins e a determinaccedilatildeo moral do sujeito transcendental

O plano intelectual da Criacutetica da razatildeo pura apresentado no prefaacutecio agrave segunda edi-

ccedilatildeo aponta para a exigecircncia de relaccedilatildeo com a natureza a partir do imperativo racional de natildeo

se deixar guiar por nada que esteja aqueacutem da posiccedilatildeo de juiz que dita as regras e obriga a res-

postas conforme sua proacutepria pretensatildeo de esclarecimento Ao definir isso como sendo atributo

da razatildeo que ldquosoacute entende aquilo que produz segundo os seus proacuteprios planos que ela tem que

tomar a dianteira com princiacutepios que determinam os seus juiacutezos segundo leis constantes e

27

deve forccedilar a natureza a responder agraves suas interrogaccedilotildees em vez de se deixar guiar por estardquo

(CRPu B XIII) ao apresentar tal plano Kant abre espaccedilo para a interferecircncia direta da razatildeo

pura livre de contingecircncias empiacutericas em relaccedilatildeo aos princiacutepios eacuteticos

Em termos morais a razatildeo precisa ser a produtora de suas leis e orientadora de suas

accedilotildees pois satildeos seus princiacutepios que devem estar na dianteira tanto dos ajuizamentos quanto

da proacutepria atividade humana inserida no mundo Temos em Kant ldquoa indicaccedilatildeo de que o con-

teuacutedo da lei moral em geral e o conteuacutedo concreto de determinadas maacuteximas que se possam

derivar dela natildeo satildeo determinados pelas disposiccedilotildees morais do acircnimo Nesse sentido Kant eacute

inequivocamente um racionalista somente a razatildeo (reflexatildeo) e natildeo um sentimento formula a

lei moral e determina com isso quais accedilotildees satildeo ordenadasrdquo (SCHOumlNECKER 2009 p57)

A moralidade entendida como a adequaccedilatildeo do agir humano ao princiacutepio racional de-

nominado lei e sendo entatildeo de cunho empiacuterico eacute consequecircncia desta situaccedilatildeo de autonomia

caracteriacutestica do sujeito que forccedila a natureza a guiar-se por tal lei constante Nessa perspectiva

Kant cunha a concepccedilatildeo de autonomia da vontade Contrapondo-se agrave possibilidade de deter-

minaccedilatildeo externa e portanto contingente a autonomia revela a capacidade de fazer uso do

proacuteprio entendimento conforme enunciado no texto Resposta agrave pergunta que eacute esclareci-

mento

Na Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes a vontade eacute caracterizada como a ldquofa-

culdade de se determinar a si mesmo a agir em conformidade com a representaccedilatildeo de certas

leisrdquo (BA 63) Desse modo a determinaccedilatildeo moral ocorre via representaccedilatildeo sendo essa resul-

tado da consciecircncia da lei moral em noacutes Isto foi analisado anteriormente poreacutem vale ressal-

tar que este agir em conformidade com a representaccedilatildeo da lei significa guiar-se pelos princiacute-

pios de consciecircncia fixados pelo entendimento em seu ato sinteacutetico de congregar as represen-

taccedilotildees em um conceito cuja forccedila determina a vontade

Voltando agrave autonomia ocorre um ldquoauto-forccedilarrdquo a natureza a seguir alguns criteacuterios

Em se tratando de seres racionais os uacutenicos em que eacute possiacutevel admitir a autonomia como cri-

teacuterio a vontade ldquoeacute aquela sua propriedade graccedilas agrave qual ela eacute para si mesma a sua lei (inde-

pendentemente da natureza dos objetos do querer)rdquo Dessa forma o princiacutepio da autonomia eacute

ldquonatildeo escolher senatildeo de modo a que as maacuteximas da escolha estejam incluiacutedas simultaneamen-

te no querer mesmo como lei universalrdquo (FMC BA 87)

Essa referecircncia eleva o sujeito transcendental para aleacutem da dimensatildeo epistemoloacutegica

Apesar de a Criacutetica da Razatildeo Pura ter o caraacuteter estrito de reformular as bases para o conheci-

mento ao afirmar que foge agrave capacidade de entendimento racional toda determinaccedilatildeo alheia

ao uso puro da razatildeo compreende-se que em termos de conduta praacutetica toda lei deve para

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ser reconhecida pela razatildeo partir de sua necessidade O plano de se deixar guiar por vontade

alheia natildeo encontra legitimaccedilatildeo na razatildeo pelo simples fato de natildeo ter sido ela a movedora de

tal plano e inclusive da minha vontade Este eacute o pressuposto da maioridade em Kant que

toda accedilatildeo feita por mim possa ser reconhecida pela minha razatildeo como devedora total agrave sua

necessidade

Kant faz uma advertecircncia para natildeo confundir a moralidade como pertencente agrave filoso-

fia transcendental pois falar em transcendental exige o entendimento de que nela natildeo entra conceito algum que contenha algo de empiacuterico ou seja vigiar para que o conhecimento a priori seja totalmente puro [] Daiacute resulta que os princiacutepios supremos da moralidade e os seus conceitos fundamentais sendo embora conceitos a priori natildeo pertencem agrave filosofia transcendental (CRPu B 28)

No entanto apesar de as questotildees morais estarem ligadas agrave contingecircncia o princiacutepio

de lei que orienta toda moralidade precisa daquele assentamento Sendo assim pode ateacute natildeo

haver pertenccedila em questotildees praacuteticas mas a lei do agir eacute dada estritamente pela razatildeo Desse

modo o moacutebil eacute sempre dado pelo sujeito transcendental nas suas condiccedilotildees de possibilida-

de a priori em conceber natildeo apenas uma verdade epistemoloacutegica mas a legitimidade e reco-

nhecimento da lei

Estamos diante do fato da razatildeo e sendo assim faz-se necessaacuterio estabelecer as bases

firmes deste fato Ou seja eacute imprescindiacutevel ter claro que para Kant como jaacute fora mencionado

anteriormente todo conhecimento para ser digno de consideraccedilatildeo cientiacutefica e estar legitima-

do racionalmente precisa partir do princiacutepio que a proacutepria razatildeo natildeo reconhece aquilo que eacute

produzido segundo planos a ela estranhos Ao afirmar que natildeo se pode buscar a fundamenta-

ccedilatildeo para a verdade a natildeo ser na convicccedilatildeo racional o deslocamento que ocorre aponta para a

superioridade da natureza interna sobre a externa Esta precisa ser controlada por aquela e

apesar de constantemente estarmos em busca da objetividade a fim de colocarmos em movi-

mento nossa capacidade de conhecer (cf CRPu B 1) isso natildeo ocorre sem mais a razatildeo ldquodeve

ir ao encontro da natureza para ser por esta ensinada eacute certo mas natildeo na qualidade de aluno

que aceita tudo o que o mestre afirma antes na de juiz investido nas suas funccedilotildees que obriga

as testemunhas a responder aos quesitos que lhes apresentardquo (CRPu B XIII)

Em relaccedilatildeo agrave natureza interna isto assume um caraacuteter decisivo na eticidade onde estaacute a

base da lei de conduta O querer natildeo pode ser guiado por questotildees alheias ao si proacuteprio toda

accedilatildeo deve ser pautada pela vontade consequente desse querer e isso por natildeo haver o reconhe-

cimento tanto de um governo divino quanto do humano em outra pessoa a natildeo ser a primeira

do singular o eu mesmo como nuacutecleo de forccedila para o agir A razatildeo natildeo reconhece aquilo que

29

natildeo eacute por ela ditada e assim estaacute estabelecida a base para a maioridade e para a edificaccedilatildeo do

estado humano autocircnomo A pergunta ldquode onde proveacutem a leirdquo deveria ter como resposta i-

mediata proveacutem da razatildeo e pela razatildeo Assim sendo o estreitamento da noccedilatildeo de constitui-

ccedilatildeo configurado na necessidade do reconhecimento da lei pela razatildeo remete em Kant ao es-

treitamento na noccedilatildeo de facticidade somente estou autorizado a realizar aquilo que corres-

ponde agrave lei reconhecida pela razatildeo

Mas o que eacute lei Na Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes encontramos uma

definiccedilatildeo elucidativa eacute o princiacutepio objetivo do querer6 ou seja eacute a regra assentada em moti-

vos vaacutelidos para todo ser racional (cf FMC BA 63) Quando a razatildeo tem a possibilidade de

reconhecer uma accedilatildeo gerada por sua lei estamos diante da impossibilidade de accedilatildeo danosa

moralmente imputada pois o princiacutepio da razatildeo se assenta na validade para todos os seres

racionais Em outras palavras para que seja lei eacute necessaacuterio que natildeo ocorra a possibilidade de

a razatildeo mesma ser viacutetima da regra Por isso que o fim objetivo assume o caraacuteter de universali-

dade e necessidade Em termos aristoteacutelicos necessaacuterio eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash o

princiacutepio supremo da obrigaccedilatildeo

Retomando argumentaccedilatildeo acima a consideraccedilatildeo de todos os seres racionais (caraacuteter de

universalidade) envolvidos na necessidade objetiva encontra a denominaccedilatildeo de reino dos

fins Conforme jaacute visto esta eacute uma noccedilatildeo decisiva em Kant pois gera uma concepccedilatildeo de hu-

manidade derivada da forccedila moral (da accedilatildeo por dever) consequente da forccedila da lei (fundamen-

to do dever) A humanidade estabelecida atraveacutes da forccedila moral apoiada no amor ao dever

encontra a obrigatoriedade das accedilotildees nesse amor na segunda formulaccedilatildeo do imperativo cate-

goacuterico que assim dita ldquoAge de tal maneira que uses a humanidade tanto na tua pessoa como

na pessoa de qualquer outro sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente co-

mo meiordquo (FMC BA 66-67)

Em Sobre a discordacircncia entre moral e a poliacutetica a propoacutesito da paz perpeacutetua estaacute

expressa a soberania da consciecircncia no ordenamento do agir humano Eacute impossiacutevel que uma

vez admitido o dever enquanto princiacutepio interno e a constituiccedilatildeo da vontade a partir de tal

natildeo haja a possibilidade de agenciamento praacutetico a partir do princiacutepio do dever Em suas pa-

lavras postula-se que eacute um absurdo ldquoalgueacutem depois de ter admitido a autoridade deste concei-

to do dever querer dizer que natildeo se pode realizaacute-lordquo (2009 p79) Essa postura riacutegida de Kant

representa sua intenccedilatildeo em constituir uma subjetividade que se move unicamente pelo princiacute-

pio da autonomia que somente a lei interna pode proporcionar O motivo moral estaacute no cum-

6 Conforme nota explicativa de Kant em BA 15

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primento da lei sendo esse o motivo da accedilatildeo Em relaccedilatildeo a esse motivo ldquoKant estaacute analisan-

do o conceito proacuteprio de uma lei moral dada uma lei se ela eacute moral devemos segui-la incon-

dicionalmente precisamente por ela ser moralrdquo (MAREY 2010 p79 ndash traduccedilatildeo nossa) Estri-

tamente no sentido moral da lei estaacute entatildeo o criteacuterio de decisatildeo para a adequaccedilatildeo da accedilatildeo agrave

moralidade Esta eacute a centralidade da foacutermula a autorizaccedilatildeo para atuar surge especificamente

ldquodo procedimento de universalizaccedilatildeo enunciado na foacutermula imperativa da lei geralrdquo (MA-

REY 2010 p79 ndash traduccedilatildeo nossa)

A accedilatildeo moral eacute livre isto eacute natildeo passiacutevel de influecircncia heterocircnoma Ao romper com

todo determinismo externo eacute aberta a possibilidade de realizaccedilatildeo do dever por uma uacutenica via

sendo um princiacutepio interno natildeo posso natildeo querer sua realizaccedilatildeo A questatildeo eacute se eacute possiacutevel no

momento da accedilatildeo a vontade humana se guiar unicamente pela consciecircncia do princiacute-

piofoacutermula do dever Ao defender positivamente essa questatildeo Kant fixa a liberdade a partir

do princiacutepio formal como base da moralidade Para fazer a filosofia praacutetica concordar consigo mesma eacute necessaacuterio em primeiro lu-gar resolver a questatildeo de saber se nos problemas da razatildeo praacutetica deve-se tomar co-mo ponto de partida o princiacutepio material dela a finalidade (como objeto da livre vontade) ou partir do princiacutepio formal isto eacute daquele (estabelecido somente com relaccedilatildeo agrave liberdade nas relaccedilotildees externas) assim enunciado age de tal maneira que possas querer que tua maacutexima se torne uma lei universal (qualquer que seja a finali-dade desejada por ti) (SDMP p86)

A concepccedilatildeo anteriormente desenvolvida dita a construccedilatildeo dos princiacutepios atraveacutes da

siacutentese operada pelo entendimento sobre o diverso da intuiccedilatildeo sensiacutevel resultando em conte-

uacutedo de consciecircncia impulsionadora da representaccedilatildeo deste princiacutepio (lei) em relaccedilatildeo ao ser

humano particular A partir dessa concepccedilatildeo eacute que se insere o conceito de liberdade como

suporte que garante a representaccedilatildeo da lei agrave accedilatildeo Isso se torna compreensiacutevel quando relem-

bramos a recusa de Kant a toda forma de determinaccedilatildeo pois ela eacute externa e por isso natildeo cor-

responde ao conceito de liberdade sendo este resultado da accedilatildeo mediante a representaccedilatildeo da

lei a qual eacute conteuacutedo de consciecircncia Para ser livre eacute necessaacuterio que a vontade seja impulsio-

nada por um princiacutepio interno a ela estamos diante da autonomia da vontade

Mas seria simplista entender a liberdade de escolha em Kant apenas na perspectiva

de a vontade natildeo ser determinada por impulsos sensiacuteveis ou determinaccedilotildees externas (instintos

paixotildees) Ampliando essa concepccedilatildeo liberdade eacute ldquocapacidade da razatildeo pura ser por si mes-

ma praacutetica ndash possiacutevel somente pela qualificaccedilatildeo da maacutexima da accedilatildeo como lei universalrdquo (MC

p63) Natildeo se entende o arbiacutetrio livre unicamente como oposiccedilatildeo agrave natureza que manda mas

submetida agrave razatildeo que prescreve a lei na forma de imperativo lei que comanda ou proiacutebe de

31

maneira absoluta sem possibilidade de natildeo o ser Desse modo a vontade somente seraacute livre

quando a forccedila legislativa da maacutexima servir como lei visto que a lei eacute algo em si positivo a saber a forma de uma causalidade intelectual isto eacute da liberdade assim na medida em que ela em contraste com uma contra-atuaccedilatildeo subjetiva a saber as inclinaccedilotildees em noacutes enfraquece a presunccedilatildeo eacute ao mesmo tempo um objeto de respeito e na medida em que ela ateacute a abate isto eacute a humilha eacute um objeto do maacuteximo respeito (CRPr sect130)

Eacute dada agrave lei a forccedila de ser causalidade e por ser conteuacutedo de consciecircncia eacute forma da

liberdade A lei eacute forma de causalidade que abate as inclinaccedilotildees ou seja anula em sentido

praacutetico o efeito da felicidade proacutepria e nesse sentido eacute moral pois considera o humano como

finalidade no ideal de reino dos fins Assim se entende o sentido da liberdade a possibilidade

de natildeo ser guiado nem pela determinaccedilatildeo natural o que seria ligado agrave contingecircncia e tam-

pouco pela subjetividade egoiacutesta Nesse sentido liberdade e autonomia satildeo as caracteriacutesticas

proacuteprias do ser dotado de razatildeo

A liberdade eacute entatildeo transcendental condiccedilatildeo de possibilidade natildeo apenas de ruptura

com os ditames da natureza mas de se converter em lei universal e necessaacuteria para a accedilatildeo O

princiacutepio que permite o movimento natildeo eacute outro que a representaccedilatildeo da lei na accedilatildeo humana

Kant identifica a accedilatildeo desprovida de liberdade a um autocircmato algueacutem que age como maacutequi-

na sem raciociacutenio e vontade proacutepria Se seguiacutessemos apenas um mecanismo da natureza en-

tatildeo a accedilatildeo ldquonatildeo seria melhor que a liberdade de um assador giratoacuterio o qual uma vez posto

em marcha executa por si os seus movimentosrdquo (CRPr sect174) quando natildeo haacute a representaccedilatildeo

da accedilatildeo como necessaacuteria e originada por um princiacutepio racional

Conceber a determinaccedilatildeo moral do sujeito exige como linha reguladora a noccedilatildeo de

reino dos fins Essa noccedilatildeo estaacute de acordo com o ideal de sociedade proposto tambeacutem no texto

Ideia de uma histoacuteria universal de um ponto de vista cosmopolita Defendendo a necessidade

de um mundo cosmopolita isso ocorreria pelo equiliacutebrio entre os antagonismos gerais e o

direcionamento das forccedilas em direccedilatildeo agrave realizaccedilatildeo do mais alto propoacutesito da natureza em noacutes

a ligaccedilatildeo mediante um poder irresistiacutevel o qual congrega a liberdade de cada um em co-

habitaccedilatildeo com a liberdade dos outros Isso seria a sociedade que em outras palavras deve ser

entendida como devendo estar regulada pela ideia de reino dos fins Essa relaccedilatildeo fica ainda

mais evidente quando Kant expotildee o conceito de reino ldquoa ligaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios seres

racionais por meio de leis comunsrdquo (FMC BA 74) Assim ocorre a tentativa de edificar a ple-

na igualdade entre os homens quando apesar dos antagonismos todas as forccedilas satildeo orienta-

32

das a um objetivo comum constituir a civilizaccedilatildeo entendida como o uso da ideia de morali-

dade

A obrigatoriedade de uma accedilatildeo estaacute na promoccedilatildeo e preservaccedilatildeo desse reino e nenhum

fator subjetivo pode desviar o seguimento do dever Isso significa que nenhum moacutebil pode

desviar o querer orientado pelo elemento objetivo do querer ndash tal eacute a forccedila que o imperativo

categoacuterico daacute ao sujeito envolvido na accedilatildeo uma pureza de intenccedilotildees incapaz de romper a lei

E nesse meio eacute que surge um limite ao ideal eacutetico-moral kantiano pois no acircmbito da razatildeo

pura exige-se um indiviacuteduo com uma rigidez de caraacuteter natildeo realizaacutevel no plano da contingecircn-

cia histoacuterica Eacute necessaacuterio considerar o dinamismo a incerteza histoacuterica como constituinte do

humano Estariacuteamos diante de um limite para a razatildeo pura como fixadora do alcance do ali-

cerce eacutetico Para justificar e fundamentar a afirmaccedilatildeo acima recorro a Theodor W Adorno

2 THEODOR ADORNO E A CONCEPCcedilAtildeO DE PENSAMENTO POacuteS-METAFIacuteSICO

21 Discussatildeo em torno do conceito de ldquosujeitordquo

Theodor Adorno leva ao extremo a criacutetica agrave formaccedilatildeo da subjetividade e consequen-

temente define um novo olhar sobre quem eacute ou o que eacute aquilo que chamamos sujeito Anali-

sando a trajetoacuteria de sua produccedilatildeo intelectual eacute possiacutevel relacionar sua criacutetica agrave subjetividade

tanto como uma contraposiccedilatildeo ao transcendental de Kant quanto ao pensamento grego anti-

go mas especificamente em Aristoacuteteles Considero essa tensatildeo fundamental e a interpretaccedilatildeo

que proponho avanccedila para a noccedilatildeo de que os seres humanos se converteram em ldquosujeitos des-

providos de subjetividaderdquo (MM 33 p467) Quem eacute realmente esse sujeito e em que termos

ocorre este desprover de sua proacutepria subjetividade

Na Metafiacutesica o termo sujeito eacute posto por Aristoacuteteles como um dos sentidos de subs-

tacircncia assim definido-a como a essecircncia o universal o gecircnero e o sujeito ldquoE o sujeito eacute aqui-

lo sobre o qual satildeo ditas as demais coisas sem que ele por sua vez seja dito de outrardquo (VII 3

1028b 36) Essa concepccedilatildeo encontra em seu centro a indicaccedilatildeo de um elemento fundamental

a noccedilatildeo de determinaccedilatildeo condiccedilatildeo para qualquer conhecimento Nada eacute possiacutevel dizer sem

considerar esta origem epistemoloacutegica que em Aristoacuteteles eacute a substacircncia identificada em um

sentido com o sujeito Substacircncia eacute sujeito em seu sentido enfaacutetico a origem de todo o devir

forccedila originaacuteria e que eacute legitimamente em-si Os atributos somente predicam algo em refe-

recircncia a um sujeito no caso o sujeito congregador das predicaccedilotildeesdeterminaccedilotildees eacute a subs-

tacircncia e aquelas natildeo existem fora dessa Ou seja somente satildeo em atribuiccedilatildeo ao sujeito

Apesar de Aristoacuteteles natildeo ter concebido o termo autonomia contudo este em-sisi-

mesmo independente de determinaccedilotildees pode ser entendido como um prenuacutencio desse termo

Aristoacuteteles traz para o interior do ente a capacidade de automover-se Natildeo eacute o sentido kantia-

no de autonomia ou maioridade tampouco o sentido adorniano de emancipaccedilatildeo mas indica a

possibilidade ainda claacutessica de compreender o sujeito como portador de um poder intriacutenseco

capaz de construiacute-lo mesmo que ainda em potecircncia visando um fim

Esse elemento determinante poreacutem natildeo determinado servindo assim de origem ou

suporte para todas as modificaccedilotildees que algo venha a sofrer eacute chamado por Aristoacuteteles de hy-

pokeimenon Em referecircncia a este termo para Hans-Georg Gadamer ldquoa palavra significa lsquoa-

quilo que se encontra na basersquo Eacute assim que a palavra vem ao nosso encontro na fiacutesica e na 7 As chamadas referentes agraves citaccedilotildees da obra Minima Moralia (MM) de Theodor Adorno seguem a seguinte ordem abreviatura da obra nuacutemero do aforismo seguido do nuacutemero da paacutegina conforme a traduccedilatildeo ao portu-guecircs de Luiz Eduardo Bicca

34

metafiacutesica de Aristoacuteteles [] e significa aquilo que se encontra inalteravelmente agrave base da

mudanccedila de todas as transformaccedilotildeesrdquo (2007 p11)

A questatildeo eacute sobre a possibilidade de retirar significaccedilatildeo desse fundamento grego em

relaccedilatildeo agrave Teoria Criacutetica de Adorno A soluccedilatildeo que proponho gira em torno de uma criacutetica da

cultura Partindo da concepccedilatildeo grega o sujeito eacute a forccedila original em tudo o que haacute e que per-

mite a realizaccedilatildeo das possibilidades servindo como determinaccedilatildeo para todas as mudanccedilas que

venham a ocorrer Eacute forccedila original por ser proacutepria do indiviacuteduo e natildeo ser passiacutevel de nenhuma

alteraccedilatildeo deriva natildeo sendo derivada O que Adorno percebe eacute que em eacutepocas de administra-

ccedilatildeo da cultura nada escapa ao controle nem mesmo esta substacircncia proacutepria Este em-si origi-

nal se converte conforme apresentado em Dialeacutetica do esclarecimento (p24) em para-ele

Eacute possiacutevel atribuir agrave Paideia grega a concepccedilatildeo desse valor interior poreacutem eacute igual-

mente possiacutevel atribuir agrave nossa sociedade contemporacircnea sua conduccedilatildeo a um valor objetivo

como posse natildeo mais do indiviacuteduo mas da proacutepria estrutura soacutecio-cultural que o determina

Estamos diante de algo desprovido de subjetividade Este que Aristoacuteteles quis como portador

de um nuacutecleo de forccedila originaacuterio foi convertido em algueacutem vazio desta proacutepria forccedila tendo

esta migrado para esferas a ele exteriores Em se tratando de seres humanos tendo sido o po-

der de determinaccedilatildeo a ele alienado eacute totalmente compreensiacutevel a padronizaccedilatildeo de comporta-

mentos e modos de pensar Aquele que deveria ser o sujeito estaacute carente de sua forccedila e aquilo

que deveria ser as derivaccedilotildees da accedilatildeo de tal sujeito (a cultura as instituiccedilotildees o econocircmico)

acaba se convertendo em substrato o elemento essencial que determina externamente o indi-

viacuteduo Sobre a menoridade do indiviacuteduo diante da cultura Rodrigo Duarte afirma ldquoo sujeito

experimenta ndash exatamente na eacutepoca em que os seus meios teacutecnicos de dominaccedilatildeo da natureza

se encontram mais desenvolvidos ndash sua degeneraccedilatildeo em mera coisa sendo que o mundo fiacutesico

a ele subordinado transfere sua selvageria para o seio da cultura acircmbito em que por defini-

ccedilatildeo a autoconsciecircncia do sujeito deveria se colocar como alternativa agrave inconsciecircncia da natu-

rezardquo (1997 p52)

A derivaccedilatildeo primeira dessa constataccedilatildeo ocorre em termos eacutetico-morais O sujeito mo-

ral eacute em Kant o sujeito capaz de se determinar aquele cuja vontade eacute movida por um princiacute-

pio interno legislador universalmente O substrato estaacute no princiacutepio da vontade de um ser ra-

cional capaz de legislar em favor de uma causa comum o bem em sentido efetivo de realiza-

ccedilatildeo do humano em sua dignidade Esta missatildeo legisladora e constituidora do reino dos fins

kantianos exige nada menos que a existecircncia do sujeito enquanto possuidor de subjetividade

forte e autocircnoma Em se tratando da accedilatildeo humana seja em Kant ou Adorno a existecircncia do

sujeito eacute condiccedilatildeo para toda a teoria da moralidade Como persistir na fundamentaccedilatildeo via

35

imperativo categoacuterico quando ocorre a anulaccedilatildeo da forccedila autocircnoma do indiviacuteduo como que

perdendo seu poder subjetivo determinante seu em-si (seja aristoteacutelico ou kantiano)

Nessa anaacutelise cabe uma criacutetica ao proacuteprio si Adorno natildeo concebe uma constituiccedilatildeo

metafiacutesica do si mas o percebe como constituiacutedo em conexatildeo com outros si ldquoO sujeito que

supostamente eacute em si estaacute em si mediado por aquilo do qual se separa a conexatildeo de todos os

sujeitos Atraveacutes da mediaccedilatildeo se converte ele mesmo naquilo que segundo sua consciecircncia de

liberdade natildeo quer ser heterocircnomordquo (DN 20058 p 201) Nesses termos a subjetividade natildeo

eacute um dado causal totalmente intriacutenseco ao ser humano como o hypokeimenon aristoteacutelico ou

o transcendental em Kant mas definido mediante as circunstacircncias histoacutericas nas quais ele

estaacute inserido Para ser em-si eacute necessaacuterio tambeacutem ser com-outro O que ocorre eacute em Adorno

uma volta incisiva ao sujeito agora sob novas configuraccedilotildees marcadas pela experiecircncia com

outros sujeitos pois ldquoenquanto a induacutestria cultura e os donos do poder querem sujeitos enfra-

quecidos para melhor se adaptarem ao sistema que os devora Adorno propotildee a reconstruccedilatildeo

da individualidade do sujeito na experiecircncia com outros sujeitos para que essa individualida-

de seja fonte impulsionadora de resistecircnciardquo (PUCCI 2006 p 407)

Mas como garantir que a individualidade natildeo desapareccedila ou sucumba agrave impotecircncia

diante da forccedila da alteridade O que haacute de autocircnomo e de heterocircnomo nesta constituiccedilatildeo A

isso Adorno remete em inuacutemeros textos sempre enfatizando a necessidade de ou constituir

consciecircncia ou elevar o niacutevel de experiecircncias formativas Os quais natildeo deixam de estar em

iacutentima inter-relaccedilatildeo pois os conteuacutedos de consciecircncia e o proacuteprio ato de consciecircncia satildeo for-

mados somente pela radical inserccedilatildeo na experiecircncia

Dessa forma ao tratar do termo consciecircncia Adorno vai aleacutem do procedimento loacutegico

formal que constitui o pensamento

eacute o pensar em relaccedilatildeo agrave realidade ao conteuacutedo ndash a relaccedilatildeo entre as formas e estrutu-ras do pensamento do sujeito e aquilo que este natildeo eacute Este sentido mais profundo de consciecircncia ou faculdade de pensar natildeo eacute apenas o desenvolvimento loacutegico formal mas ele corresponde literalmente agrave capacidade de fazer experiecircncias Eu diria que pensar eacute o mesmo que fazer experiecircncias intelectuais (EE p151)

Eacute possiacutevel traccedilar uma linha teoacuterica que vai de Aristoacuteteles a Adorno Heidegger no tex-

to O fim da filosofia e a tarefa do pensamento (2009 p72) afirma que ldquocom o ego cogito

como subjectum por excelecircncia eacute atingido o fundamentum absolutum isto quer dizer o sujei-

8 Nas chamadas referentes agrave obra Dialeacutetica negativa indicarei o ano de publicaccedilatildeo Isso pelo fato de utilizar a versatildeo em espanhol e tambeacutem a versatildeo em portuguecircs Quando citar a versatildeo em espanhol (2005) a traduccedilatildeo eacute de Mauricio J Farinon

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to eacute o ὑί transferido para a consciecircncia Essa constataccedilatildeo eacute decisiva para compre-

endermos o itineraacuterio teoacuterico em torno do conceito de sujeito Sendo em Aristoacuteteles algo in-

terno agrave constituiccedilatildeo essencial do ente em sua natureza primeira com Descartes esse constitu-

inte eacute transferido ao nuacutecleo racional a consciecircncia humana Eacute a consciecircncia que determina a

existecircncia subjetiva e objetiva tanto da res cogitans quanto da res extensa

Kant leva ao extremo essa constataccedilatildeo quando admite a experiecircncia sensiacutevel como

ponto de apoio para todo entendimento mas esse mesmo se identifica com o ato de pensar e

embora natildeo havendo situaccedilatildeo de primazia entre sensibilidade e entendimento eacute na capacidade

de siacutentese operada pelo entendimento que se origina todo conhecimento E a siacutentese eacute ato de

pensar por conceito ndash pensamento por excelecircncia ndash o que somente eacute possiacutevel via unidade da

consciecircncia a identidade do sujeito consigo mesmo Para Adorno essa consciecircncia se tornou

administrada e o ego nem sempre eacute possuidor de cogito sendo essa caracteriacutestica transferida

para algo a ele estranho Natildeo raro temos indiviacuteduos cuja capacidade de decisatildeo e de origem de

qualquer movimento eacute determinada por tutores Assim temos o sujeito destituiacutedo de subjeti-

vidade

A identidade do sujeito consigo mesmo eacute a consciecircncia de si unidade transcendental

que permite o ajuizamento em termos de conhecimento e o que para noacutes eacute o mais decisivo

em termos morais Eacute por me reconhecer uno que posso atribuir valor moral ou seja na eman-

cipaccedilatildeo estaacute o criteacuterio para a accedilatildeo via imperativo categoacuterico Quanto a isso Kant foi decisivo e

sua proposta pode ser caracterizada como sendo exata O ponto de discussatildeo estaacute em admitir a

identidade para aleacutem do consigo mesmo partindo para uma compreensatildeo de que o outro natildeo

se resume ao sentido que reside na consciecircncia idecircntica a si mesma

Chama agrave atenccedilatildeo a referecircncia do pensamento com aquilo que ele mesmo natildeo eacute A

consciecircncia em Adorno por mais que haja nela o elemento da apreensatildeo e reconhecimento do

objeto perpassa pelo elemento da negatividade da contradiccedilatildeo Somente eacute possiacutevel pensar em

constante progresso quando natildeo haacute identidade pois assim subsistem os indicativos de novas

experiecircncias Natildeo haacute um termo final no processo de constituiccedilatildeo da subjetividade e isso de-

vido agrave inexistecircncia do elemento reconciliador entre sujeito e objeto na paz da subjetividade

constitutiva

Pressupondo tal reconciliaccedilatildeo entre o real e a consciecircncia estariacuteamos diante da frieza

conceitual que permite somente o eterno giro dela sobre ela mesma Ao romper com esse mo-

delo de reconciliaccedilatildeo proacuteprio do idealismo kantiano Adorno indica sua proacutepria concepccedilatildeo de

filosofia dizendo que ela ldquonada mais eacute do que o pensamento que natildeo se deixa travarrdquo (EXP

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p11) A forccedila do ato de pensamento reside na capacidade desenvolvida pelas experiecircncias

formativas Isso eacute decisivo na concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e no todo do pensamento adorniano A

proacutepria possibilidade de experiecircncia esteacutetica perpassa pela habilidade em realizar experiecircncias

formativas O que veremos mais adiante

A referecircncia a Immanuel Kant assume fundamental importacircncia Sua ecircnfase de que haacute

uma complementaccedilatildeo absolutamente necessaacuteria entre sensibilidade e entendimento ou seja

entre experiecircncia e pensamento na constituiccedilatildeo do conhecimento leva a um avanccedilo decisivo

em relaccedilatildeo a Aristoacuteteles Quando este afirma no livro II da Metafiacutesica que o aprendizado eacute

fruto da capacidade de experiecircncia a qual desenvolve a memoacuteria e coloca a έ (arte) vin-

culada ao saber e ao entendimento identifica a sabedoria como o conhecimento das causas e a

filosofia como ldquociecircncia da verdaderdquo

Sendo a verdade o conhecimento das causas deve-se remeter ao termo primeiro agravequi-

lo que eacute a origem de tudo o mais Ateacute mesmo a causa material natildeo deve remeter ao infinito

pois essa total transitoriedade impediria a verdade e esta eacute somente a primeira ldquoos entes eter-

nos satildeo sempre necessariamente os mais verdadeiros (natildeo satildeo temporalmente verdadeiros e

natildeo haacute nenhuma causa de seu ser mas que eles satildeo causa do ser para as demais coisas) de

sorte que cada coisa possui verdade na mesma medida em que possui de serrdquo (MET II 3

993b 28) Ou seja tudo o que deriva passa a ser relativo a esse elemento primordial Eacute assim

que Aristoacuteteles concebe a noccedilatildeo de verdade entendimento e saber Natildeo haacute dependecircncia do

pensamento do sujeito humano mas somente da posse do conhecimento das causas

Eacute nesse ponto que ocorre a diferenciaccedilatildeo kantiana pois o decisivo natildeo estaacute no ser e-

terno aristoteacutelico mas no processo de associaccedilatildeo entre sensibilidade e entendimento o que

significa a capacidade de conhecimento e pensamento Assim ocorre uma inclinaccedilatildeo decisiva

em direccedilatildeo ao sujeito do proacuteprio conhecimento Agora o sujeito eacute o indiviacuteduo mesmo e a con-

diccedilatildeo de possibilidade de todo conhecimento natildeo estaacute em outro lugar a natildeo ser na razatildeo

Adorno poreacutem natildeo compactua com as determinaccedilotildees provindas da subjetividade kan-

tiana Se por um lado Aristoacuteteles apresentava o sujeito como sentido de substacircncia e com

Kant a inclinaccedilatildeo ao sujeito humano passa a ser o elemento central de sua teoria em Adorno

eacute possiacutevel defender uma primazia da experiecircncia O fato central que determina nossa capaci-

dade de conhecimento natildeo estaacute no substrato metafiacutesico claacutessico tampouco eacute exclusividade da

estrutura interna do indiviacuteduo mas eacute o permanente renovar da experiecircncia entre diferencia-

dos

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Natildeo ocorre a negaccedilatildeo do que Kant chamou estruturas internas como condiccedilotildees ao co-

nhecimento e tambeacutem natildeo haacute a abstraccedilatildeo do objeto Contudo a partir da Teoria Criacutetica de

Theodor Adorno falar em conhecimento e em verdade pressupotildee um jogo livre entre diferen-

ciados Eacute livre por natildeo encontrar um termo decisivo um ponto reconciliador onde ocorre a

total adequaccedilatildeo entre pensamento e realidade Fala-se em sujeitos por natildeo haver uma posiccedilatildeo

de centralidade em nenhum dos poacutelos tradicionais sujeito e objeto mas sim na relaccedilatildeo Sujei-

to e objeto natildeo podem existir sem pressupor a relaccedilatildeo o erro kantiano estaacute em enfatizar um

aspecto que natildeo existe sem a relaccedilatildeo com o diferenciado e a inversatildeo ocasionada pelo filoacuteso-

fo de Frankfurt resulta em o proacuteprio ser humano ser concebido como ldquoresultado natildeo Eidosrdquo

(SO p200) Sendo o elemento central do humano a condiccedilatildeo de ser tambeacutem resultado re-

mete-se a um questionamento na tentativa de em relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do que eacute a verdade

conseguir situaacute-la nesse quadro teoacuterico caracterizado pela primazia da relaccedilatildeo

22 A concepccedilatildeo de verdade em seu nuacutecleo histoacuterico

As discussotildees em torno do conceito de verdade encontram uma indicaccedilatildeo precisa ain-

da na Dialeacutetica do esclarecimento A Dialeacutetica negativa e a Teoria esteacutetica ocupam lugar

central nessa discussatildeo mas a referecircncia agrave obra conjunta com Horkheimer eacute decisiva pois

nessa ocorre a fundamentaccedilatildeo das discussotildees em torno desse conceito O que resulta dessas

discussotildees permite situar Adorno como um autor poacutes-metafiacutesico

O nuacutecleo da verdade eacute temporal portanto sua caracteriacutestica baacutesica eacute a transitoriedade

histoacuterica Somente esse fato coloca Adorno em choque radical com a tradiccedilatildeo filosoacutefica que

se criou desde a Greacutecia claacutessica Nas palavras dele mesmo assim eacute caracterizada sua teoria

ldquouma teoria que atribui agrave verdade um nuacutecleo temporal em vez de opocirc-la ao movimento histoacute-

rico como algo imutaacutevelrdquo (DE p9) e a ldquoverdade eacute constelaccedilatildeo em devirrdquo (OPF p21) somen-

te existindo como o que estaacute em devir Esse fato demarca a concepccedilatildeo baacutesica daquilo que eacute

possiacutevel denominar de pensamento poacutes-metafiacutesico Diante da verdade em seu nuacutecleo histoacuteri-

co o proacuteprio sujeito passa a ser compreendido a partir desta dimensatildeo pondo em questatildeo o

caraacuteter a prioritranscendental kantiano ou formal platocircnico Eacute a importacircncia do resgate da

contingecircncia da historicidade e do elemento ativo no ser humano9

Dois problemas perpassam a discussatildeo em torno desse tema a partir de Adorno O

primeiro eacute a aniquilaccedilatildeo da verdade em troca da eficaacutecia no procedimento A segunda discus-

satildeo aponta para uma contraposiccedilatildeo ao conceito grego aletheia Se este termo indica aquilo 9 Ver o texto de Bruno Pucci Teoria Criacutetica e Educaccedilatildeo na obra do mesmo nome editado em 2007

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natildeo oculto natildeo escondido ou dissimulado e portanto alcanccedilar a verdade eacute conseguir tirar o

veacuteu que encobre a realidade e trazer o fato agrave tona em contraposiccedilatildeo a administraccedilatildeo da vida

gera o processo inverso o encobrimento Nesse sentido a verdade natildeo se torna mais evidente

exigindo um radical esforccedilo interpretativo principalmente dos fatores que geram esse enco-

brimento e tambeacutem dos fatores que impedem ao pensamento vislumbrar o mundo sob o veacuteu

ideoloacutegico

Esse quadro natildeo se vislumbra somente em questotildees teoacutericas mas perpassa por toda

formaccedilatildeo do pensamento humano principalmente em questotildees de educaccedilatildeo regular em insti-

tuiccedilotildees de ensino Eacute visiacutevel a resistecircncia ao ato de pensar e de se demorar sobre algo A acircnsia

por foacutermulas capazes de resolver imediatamente os problemas toma conta das atividades esco-

lares e ao se deparar com a necessidade de uso de um uacutenico ferramental ndash o pensamento rigo-

rosamente orientado ndash ocorre o bloqueio das energias do conhecimento o que pode ser en-

tendido como resistecircncia agrave investigaccedilatildeo teoacuterica Diante desse quadro surge a Filosofia como

alternativa formadora e propulsora do pensamento e busca pela verdade Analisaremos esses

dois pontos de discussatildeo acima apontados

221 Tensatildeo entre verdade e procedimento

Para Adorno o problema decisivo ao pensamento e agrave proacutepria Filosofia se situa na fa-

lecircncia do elemento ativo a saber a concentraccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo na verdade Para ele o ativo

natildeo se estabelece como em geral ocorre nas aacutereas teacutecnico-cientiacuteficas nas quais esse termo eacute

identificado com o domiacutenio de procedimentos e a consequente produccedilatildeo de objetos Essa

accedilatildeo pode estar carregada de automatismos A verdadeira atividade coincide com a posse do

elemento cognitivo pois somente nesse momento eacute que a accedilatildeo passa a ser atribuiacuteda ao que

executa10 O robocirc natildeo eacute ativo por mais que produza pois nele estaacute ausente o elemento do

entendimento que em outras palavras eacute a satisfaccedilatildeo da verdade Desse modo vincula-se o

elemento ativo com a existecircncia da forccedila subjetiva com a existecircncia do sujeito propriamente

dito

A falecircncia desse elemento ativo se identifica com a incorporaccedilatildeo do segundo elemen-

to a eficiecircncia na operacionalidade agrave qual vem acoplada a noccedilatildeo de representaccedilatildeo do ldquoobje-

tordquo e de enfraquecimento do ldquosujeitordquo Um primeiro sentido desse enfraquecimento jaacute estaacute

10 Acerca da relaccedilatildeo com a natureza seja interna ou externa a partir do criteacuterio baseado no domiacutenio teacutecnico carente da relaccedilatildeo com a verdade ver Rodrigo Duarte Miacutemesis e Racionalidade (1993) principalmente os capiacute-tulos I II e III onde o autor aborda a relaccedilatildeo de domiacutenio da natureza do ponto de vista da razatildeo totalizadora e na contra-resposta de uma relaccedilatildeo esteacutetica com a natureza

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descrito no paraacutegrafo anterior com a distinccedilatildeo entre ativo e automatismo Outro fator que

aponta para o enfraquecimento do sujeito ocorre pela representaccedilatildeo que percebemos nas rela-

ccedilotildees originadas nos ambientes virtuais Natildeo haacute mais a necessidade de encontro efetivo e a

dinacircmica que envolve o tato e o confronto direto eacute substituiacutedo pela dinacircmica da visatildeo e da

audiccedilatildeo destituiacuteda de efetividade sensiacutevel imediata Essa representaccedilatildeo do outro em um en-

contro desvinculado da experiecircncia efetiva do corpo promovido pelos ambientes virtuais

pode gerar a imediata pobreza de experiecircncia a inexistecircncia de padrotildees eacuteticos que somente

ocorrem quando temos o corpo em contato Subjetividade vazia eacute o que marca o indiviacuteduo

moderno pois a condiccedilatildeo para haver solidez no eu entendida como reconhecimento de si

diante da diferenccedila que o outro significa eacute negada na relaccedilatildeo ausente de corpo e portanto

natildeo efetiva

Retomando o conceito de verdade qual eacute a verdade do outro para aleacutem de minha re-

presentaccedilatildeo Dessa compreensatildeo pode resultar a riqueza ou pobreza de consciecircncia pois

quando acredito poder substituir o objeto pelo objeto de minha representaccedilatildeo ou quando ad-

mito que o outro somente exista por ter passado pela minha percepccedilatildeo e entendimento entatildeo

a verdade se converte em ideologia reducionista e anuladora da riqueza constitutiva desse

outro A verdade do outro eacute seu em-si e devir e natildeo o seu para-mim eacute seu conteuacutedo de cons-

ciecircncia proacuteprio e insubstituiacutevel eacute sua marca histoacuterica constituidora da identidade proacutepria Eacute

baseado nesses dados que defendo a urgecircncia da educaccedilatildeo que vise desenvolver a satisfaccedilatildeo

pela verdade a riqueza de conteuacutedo natildeo somente a operacionalidade Preocupa-se muito em

formar nos modos de proceder (seja em esfera produtiva seja na cotidianidade da vida) es-

quecendo dos criteacuterios que deveriam nortear toda conduta humana

A conduta adequada poder-se-ia caracterizar em sentido filosoacutefico do seguinte modo

natildeo eacute agitaccedilatildeo afanosa nem o ficar parado matutando mas sim o olhar demorado sobre o objeto sem querer forccedilaacute-lo A disciplina cientiacutefica em voga requer do sujeito que se apague a si mesmo em prol da primazia da coisa ingenuamente presumida A isto se opotildee a filosofia O pensar natildeo deve reduzir-se ao meacutetodo a verdade natildeo eacute o resto que permanece apoacutes a eliminaccedilatildeo do sujeito Pelo contraacuterio este deve levar consigo toda sua inervaccedilatildeo e experiecircncia na observaccedilatildeo da coisa para segundo o i-deal perder-se nela (OPF p19)

Esta caracterizaccedilatildeo do pensamento enquanto demorar-se sobre o outro eacute condiccedilatildeo pa-

ra o desenvolvimento da consciecircncia no sentido em que esse termo eacute defendido no texto Edu-

caccedilatildeo ndash para quecirc como conteuacutedo que se origina pelo constante renovar da experiecircncia Natildeo

se deve entender a experiecircncia como um procedimento cientiacutefico laboratorial mas em sentido

intelectual estrito do pensamento que se potildee em confronto com sua alteridade enquanto alte-

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ridade Falar em educaccedilatildeo eacute propor tais experiecircncias natildeo procedimental em relaccedilatildeo ao outro

mas no sentido de educar na habilidade de realizar experiecircncias de pensamento resistindo ao

previamente pensado Estariacuteamos aqui diante das condiccedilotildees para o contundente desenvolvi-

mento da consciecircncia pois ao resistir ao previamente pensado (enquanto a priori) ocorre a

abertura ao devir histoacuterico gerando inevitavelmente tal desenvolvimento fruto daquilo que

Adorno denomina de ldquoconcentraccedilatildeo ampliada11rdquo (OPF 20)

222 A perda da evidecircncia e o impulso ao esclarecimento

Com o uso do termo perda da evidecircncia quero significar algo diferente do sentido a-

dorniado desenvolvido em sua Teoria esteacutetica de perda da evidecircncia artiacutestica Nessa obra estaacute

desenvolvida a perspectiva de que ldquoperante aquilo em que se torna a realidade a essecircncia

afirmativa da arte esta essecircncia inelutaacutevel tornou-se insuportaacutevelrdquo (TE p12) Por causa disto

eacute que a arte assume o caraacuteter de tensatildeo com a realidade e se mostra como ldquoantiacutetese social da

sociedaderdquo (TE p 19) Na possibilidade de admitir a arte como coacutepia do real em Adorno isso

ocorre ldquona medida em que a este fornecem o que lhe eacute recusado no exterior e assim libertam

daquilo para que as orienta a experiecircncia externa coisificanterdquo (TE p15)

Eacute nesse ponto que reside a compreensatildeo adorniana do caraacuteter esclarecedor da verdade

desenvolver a consciecircncia dos elementos que levam agrave negaccedilatildeo da vida Embora Adorno atri-

bua agrave arte um papel de criacutetica eacute via educaccedilatildeo que se torna possiacutevel a ampliaccedilatildeo da consciecircn-

cia em um incisivo impulso esclarecedor Desenvolver consciecircncia eacute tornar algo evidente

trazer ao entendimento estes poderes que determinam a existecircncia individual a ponto de gerar

a ausecircncia de vida A perda da evidecircncia pode ser entendida como obscurecimento que impe-

de a compreensatildeo dos fatos o qual tem sua origem nos interesses ideoloacutegicos que anulam o

desenvolvimento da consciecircncia ou ainda impedem a consciecircncia de se achegar aos fatos

Como compreender em Kant a sensibilidade a percepccedilatildeo que intui os objetos a par-

tir da ausecircncia de evidecircncia em Adorno Em relaccedilatildeo agrave Kant o poder da sensibilidade regida

pelas estruturas internas ao sujeito nas noccedilotildees de tempo e espaccedilo se tornam insuficientes

Ainda na introduccedilatildeo da primeira criacutetica haacute a seguinte afirmaccedilatildeo

que outra coisa poderia despertar e pocircr em accedilatildeo a nossa capacidade de conhecer se-natildeo os objetos que afetam os sentidos e que por um lado originam por si mesmos as

11 No texto Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico (p20-21) a concentraccedilatildeo ampliada eacute posta como sinocirc-nimo de meditar no sentido de ele ultrapassar o previamente pensado e assim o pensamento se renova pela constante relaccedilatildeo Natildeo eacute pensar simples mas o pensamento ampliado concentraccedilatildeo ampliada permanecircncia na relaccedilatildeo com o outro

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representaccedilotildees e por outro lado potildeem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a comparaacute-las ligaacute-las ou separaacute-las transformando assim a mateacuteria bru-ta das impressotildees sensiacuteveis num conhecimento que se denomina experiecircncia (CR-Pu B 1)

Seguindo a argumentaccedilatildeo acima a percepccedilatildeo oferece um material jaacute desqualificado

gerando um erro no processo inicial que leva agrave siacutentese e ajuizamento operados pelo entendi-

mento A siacutentese operada pelo entendimento estaacute dentro de uma triacuteade no sistema kantiano a

qual possibilita o conhecimento a priori dos objetos Conforme a Criacutetica da razatildeo pura (em B

104) essa triacuteade eacute formada pelas seguintes funccedilotildees

a) primeiro passo o diverso da intuiccedilatildeo pura

b) segundo passo a siacutentese desse diverso pela imaginaccedilatildeo

c) terceiro passo ldquoos conceitos que conferem unidade a essa siacutentese pura e consistem

unicamente na representaccedilatildeo dessa unidade sinteacutetica necessaacuteriardquo

A discussatildeo natildeo estaacute centrada na possibilidade dos conhecimentos sinteacuteticos a priori

mas na possibilidade de a sensibilidade fornecer material confiaacutevel ao entendimento Desse

modo se postula o nuacutecleo do conhecimento como resultado do jogo entre entendimento e ex-

periecircncia estando na possibilidade de experiecircncia efetiva a condiccedilatildeo para um ajuizamento

com conteuacutedo de verdade

Estamos diante da razatildeo interpretativa e do fato sensiacutevel ambos postos em tensatildeo

temporal a qual daacute a possibilidade do encontro Retornando ao problema anterior o qual a-

ponta para um encobrimento da realidade como que existindo uma aura branda sobre os fa-

tos gerando o apaziguamento das consciecircncias promovido pela aderecircncia a seu sentido ime-

diatamente visiacutevel eacute decisivo o desenvolvimento da razatildeo interpretativa em condiccedilotildees de

desvelar ou testemunhar exatamente aquilo que o veacuteu oculta A esse ocultamento Adorno

chamou de administraccedilatildeo promovida pela induacutestria cultural

Isso demarca uma ruptura na triacuteade kantiana acima exposta pois natildeo havendo possibi-

lidade imediata de a sensibilidade dar o objeto em seu efetivo sentido o entendimento natildeo

consegue operar a siacutentese legiacutetima e consequentemente ter a fonte para verdade alguma Ve-

jamos qual o itineraacuterio kantiano ldquoa espontaneidade do nosso pensamento exige que este di-

verso12 seja percorrido recebido e ligado de determinado modo para que se converta em co-

nhecimento A esse ato dou o nome de siacutenteserdquo (CRPu B102) Continuando a argumentaccedilatildeo

encontramos uma definiccedilatildeo mais clara do que eacute o momento da siacutentese ldquona acepccedilatildeo mais geral

12 O diverso fornecido pela intuiccedilatildeo que daacute o objeto em suas singularidades Esse diverso eacute percorrido e elabo-rado pelo entendimento gerando sua siacutentese

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da palavra o ato de juntar umas agraves outras diversas representaccedilotildees e conceber a sua diversi-

dade num conhecimentordquo (B103)

Como consequecircncia deste ato sinteacutetico ocorre o ato de pensamento e que promove

pensamento no sentido de gerar conceito o qual eacute em Kant ldquoa primeira origem do nosso

conhecimentordquo (B103) Estamos diante de um diverso da intuiccedilatildeo sensiacutevel o qual tem como

caracteriacutestica o ajuizamento o discurso ldquoo conhecimento de todo o entendimento pelo me-

nos do entendimento humano eacute um conhecimento por conceitos que natildeo eacute intuitivo mas

discursivordquo (CRPu B 93)

Eacute esse itineraacuterio que fica bloqueado E uma ampliaccedilatildeo da consciecircncia somente ocorre-

ria com a mudanccedila natildeo apenas no sentido mas na possibilidade de conhecimento O conhe-

cimento discursivo por mais que seja importante deve ser precedido por algo que estaacute fora do

domiacutenio conceitual do sujeito transcendental a noccedilatildeo de verdade objetiva O sujeito transcen-

dental queda insuficiente em se tratando da possibilidade de conhecimento por natildeo ser dado

agraves suas estruturas material veriacutedico para sua siacutentese e ajuizamento E isso devido ao fato de

negar a verdade em seu nuacutecleo sensiacutevel concreto presente no objeto e disponibilizado ao

sujeito somente via radical imersatildeo na experiecircncia Eacute nesse momento que podemos entender

claramente a afirmaccedilatildeo adorniana na Dialeacutetica negativa a qual aponta para o fato de que o

ldquoconceito eacute um momento como outro qualquer na loacutegica dialeacuteticardquo E da ldquonecessidade que a

filosofia tem de operar com conceitos natildeo se pode fazer-se a virtude de sua prioridaderdquo (DN

2005 p 23)

Sua natildeo prioridade se justifica na discussatildeo que envolve dois termos decisivos para

Adorno os quais serviratildeo de impulso agrave compreensatildeo do momento especiacutefico que a razatildeo in-

terpretativa e a capacidade conceitual ocupam dentro deste quadro teoacuterico Refiro-me aos

termos constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade

Em se tratando do ajuizamento e expressatildeo vale destacar ldquoO criteacuterio do verdadeiro

natildeo eacute sua imediata comunicabilidade a algueacutem Agora que todo passo em direccedilatildeo agrave

comunicaccedilatildeo vende e falsifica a verdade deve-se resistir agrave coaccedilatildeo quase universal de

confundir o conhecido com sua comunicaccedilatildeo e inclusive situaacute-la acima delerdquo (DN 2005

p49) O fato de ser dito natildeo justifica ser verdade Toda forma de comunicaccedilatildeo pode ser cami-

nho em direccedilatildeo ao ocultamento agrave natildeo evidecircncia na direccedilatildeo de uma pseudo comunicaccedilatildeo O

juiacutezo pode representar a falsa consciecircncia Esse fator reafirma a problemaacutetica que bloqueou o

itineraacuterio teoacuterico kantiano

Diante desse bloqueio ou em outros termos diante do caraacuteter problemaacutetico estabele-

cido entre a sensibilidade e o entendimento eacute possiacutevel situar a partir de Adorno alguns indi-

44

cativos que vecircm suprir a lacuna gerada pela ausecircncia de evidecircncia Tais indicativos satildeo condi-

ccedilotildees que garantem agrave subjetividade o conteuacutedo daquilo com o qual se relaciona e representam

o momento dialeacutetico necessaacuterio para a continuaccedilatildeo do processo de formaccedilatildeo da consciecircncia ndash

conforme seraacute posteriormente desenvolvido Os indicativos que pontuo como soluccedilotildees ao

problema indicado satildeo a noccedilatildeo de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade Esses se vinculam

diretamente ao objeto colocando-os na posiccedilatildeo de desafio e exigecircncia agrave razatildeo interpretativa

O termo razatildeo interpretativa tem sentido muito proacuteprio em Adorno indicando inclu-

sive a vinculaccedilatildeo com aquilo que ele denomina na Teoria esteacutetica de racionalidade esteacutetica

Enquanto interpretaccedilatildeo ocorre a ldquonegaccedilatildeo da ideia absoluta o conteuacutedo jaacute natildeo pode identifi-

car-se com a razatildeo como postulava o idealismo criacutetica da onipotecircncia da razatildeo ele deixa

por seu lado de ser racional segundo as normas do pensamento discursivordquo (TE p40) Nesse

sentido eacute impossiacutevel chegar a uma evidecircncia do conteuacutedo a ponto de resolver o interpretado

pois ldquodeve-se interpretar-se e natildeo ser substituiacuteda pela claridade do sentidordquo (TE p42)

Com o sentido de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade se postula a autocriacutetica da razatildeo

gerando a consciecircncia dos fatores que impedem o acesso ao material confiaacutevel via sentidos

Isso para Adorno eacute a racionalidade esteacutetica

Enquanto que o conhecimento discursivo acede agrave realidade mesmo nas suas irracio-nalidades que por sua vez correspondem agrave lei do seu movimento haacute nelas algo de inflexiacutevel em relaccedilatildeo ao conhecimento racional A este uacuteltimo eacute estranho o sofri-mento pode defini-lo subsumindo-o fazer dele um meio de pacificaccedilatildeo Mas soacute com dificuldade o pode exprimir atraveacutes da sua experiecircncia isso significaria a sua irracionalidade O sofrimento reduzido ao seu conceito permanece mudo e sem consequumlecircncias [] a verdade eacute concreta (TE p30)

Mas para chegar a um conteuacutedo ou a seu sentido algumas consideraccedilotildees satildeo funda-

mentais e visando inclusive aprofundar o proacuteprio conceito de interpretaccedilatildeo partimos para o

proacuteximo item deste capiacutetulo

23 Constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade marcas do pensamento poacutes-metafiacutesico em Adorno

O termo constelaccedilatildeo proacuteprio de sua obra Teoria esteacutetica remete ao quatildeo insuficiente

eacute um conceito em sua tentativa de capturar o real A razatildeo interpretativa deve se comportar

como a arte daiacute uma racionalidade esteacutetica semelhante a ldquoum iacutematilde num campo de limalha de

ferro Natildeo apenas os seus elementos mas tambeacutem a sua constelaccedilatildeo o especificamente esteacuteti-

co que se atribui comumente ao seu espiacuterito remete para este Outrordquo (TE p18) Em outra

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passagem assim eacute exposto ldquoA arte tem o seu conceito na constelaccedilatildeo de momentos que se

transformam historicamente fecha-se assim a definiccedilatildeordquo (TE p12)

Esta racionalidade interpretativa exige uma caracteriacutestica a sensibilidade Em outras

palavras eacute uma racionalidade em radical viacutenculo com a efetividade da experiecircncia Desse

modo a sensibilidade natildeo eacute algo agrave parte um momento primeiro e rapidamente superado pelo

momento intelectivo Converte-se na condiccedilatildeo para apreender o objeto por isso a necessidade

de sua permanente renovaccedilatildeo

Como eacute possiacutevel dizer algo Somente via constelaccedilatildeo ou seja na abertura do devir

histoacuterico e na capacidade de congregar sentido mediante a percepccedilatildeo dos conteuacutedos de verda-

de Exatamente por natildeo ser imutaacutevel a verdade se constitui em conteuacutedo a consciecircncia que se

expressa em confronto com a constelaccedilatildeo de momentos que formam um objeto O que forma

o objeto A totalidade de seus momentos sua constelaccedilatildeo Em se tratando do termo consciecircn-

cia eacute possiacutevel afirmaacute-la como sendo o conteuacutedo interno ao sujeito o qual equivale ao niacutevel de

experiecircncia que tenho

Theodor Adorno utiliza o conceito constelaccedilatildeo para trazer ao centro da experiecircncia

esteacutetica a riqueza constitutiva do outro Natildeo eacute mais um uacutenico olhar segundo uma uacutenica loacutegi-

ca interpretativa que consegue capturar o real retendo-o em uma caacutepsula conceitual mas ao

contraacuterio um jogo de forccedilas constitutivas entra em accedilatildeo quando a relaccedilatildeo de diferenciados

ocorre Esse jogo segue a regra de que um uacutenico conceito natildeo contempla a totalidade do obje-

to mas diante da constelaccedilatildeo de sentido diversos conceitos dialogam visando a compreen-

satildeo Poreacutem natildeo eacute simplesmente constelaccedilatildeo de conceitos mas eacute a consideraccedilatildeo da riqueza

constitutiva do outro no instante da relaccedilatildeo Os dois poacutelos da relaccedilatildeo estatildeo em jogo com uma

constelaccedilatildeo de significados uma riqueza constitutiva que natildeo se enclausura em caacutepsulas con-

ceituais ndash por isto eacute constelaccedilatildeo Em linguagem metafoacuterica Adorno se utiliza do exemplo do

imatilde em um campo de limalha de ferro tudo entra em relaccedilatildeo remetendo agrave relaccedilatildeo de diferen-

ciados Fecha-se assim agrave definiccedilotildees por ser uma constelaccedilatildeo de momentos em permanente

abertura histoacuterica

O termo sedimento da histoacuteria no texto Sobre sujeito e objeto remete claramente ao

quanto a consciecircncia eacute determinada pela relaccedilatildeo com aquilo que ela mesma natildeo eacute o outro

Somos resultado da histoacuteria e como tal natildeo haacute a menor possibilidade em persistir sem mais

na captura conceitual cuja pretensatildeo eacute convencionar o sentido Em contraposiccedilatildeo com o idea-

lismo no qual ldquopensar eacute conhecer por conceitosrdquo (CRPu B 94) temos o pensamento como

algo que ldquonatildeo se esgota nem no processo psicoloacutegico nem na loacutegica formal pura intemporal Eacute

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um modo de comportamento ao qual eacute imprescindiacutevel a referecircncia agravequilo com o qual se rela-

cionardquo (OPF p18)

A sensibilidade natildeo fornece e tampouco o entendimento interioriza por completo

seus objetos Duas vias impedem este fornecimento e esta interiorizaccedilatildeo Por um lado temos a

perda da evidecircncia conforme analisado no item anterior Por outro lado ocorre o limite inter-

pretativo da razatildeo a qual gera nada menos que a consciecircncia limitada Em ambos percebe-se

a ausecircncia da possibilidade de experiecircncia que eacute falha na dialeacutetica entre pensamento e reali-

dade A necessidade da Filosofia estaacute em ser forccedila de reflexatildeo sobre o outro a alteridade natildeo

nele mesmo e por ele mesmo mas a partir dele em sua natildeo igualdade impulsionadora da ex-

periecircncia Na terra de iguais natildeo se tem motivo para pensar O pensamento ocorre por causa

da diversidade da tensatildeo da dinacircmica caracterizada pela contradiccedilatildeo

Havendo conteuacutedo de verdade estando o outro imerso em uma constelaccedilatildeo de momen-

tos que o constituem isso remete agrave exigecircncia da razatildeo interpretativa a qual se contrapotildee agrave

clareza de sentido Se houvesse clareza de sentido natildeo precisariamos interpretar A exigecircncia

de interpretaccedilatildeo eacute considerada desse modo exigecircncia filosoacutefica fundante O outro em sua

constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade natildeo eacute somente intuitivo Enquanto empiria eacute possiacutevel ad-

mitir tal reduccedilatildeo Poreacutem se houvesse esta reduccedilatildeo a fascinaccedilatildeo de sua percepccedilatildeo imediata

seria suficiente e desse modo perder-se-ia toda riqueza constitutiva que estaacute aleacutem do conteuacute-

do imediato dado pelos sentidos Em sua constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade o outro eacute impul-

so interpretativo motivo de pensamento e partindo dele conteuacutedo filosoacutefico Eacute filosoacutefico por

natildeo se reduzir agrave intuiccedilatildeo mas apontar estiacutemulo ao pensamento ndash isto converteu aquilo que na

teoria do conhecimento tradicional era tido como objeto em algo qualitativamente distinto o

OUTRO

Onde se localiza o sujeito dessa razatildeo interpretativa e quando eacute possiacutevel dizer que tal

sujeito existe Adorno situa essa possibilidade afirmando que o ldquoindiviacuteduo se converte em

sujeito na medida em que graccedilas a sua consciecircncia individual se objetiva tanto na unidade de

si mesmo quanto de suas experiecircncias ambas podem ser negadas aos animaisrdquo (DN 2005

p53) Esta consciecircncia individual pode ser aproximada salvo algumas restriccedilotildees agrave

autoconsciecircncia kantiana Exporei aspectos da teoria kantiana acerca disso para apoacutes

estabelecer as discussotildees

Na Criacutetica da razatildeo pura ocorre a indicaccedilatildeo clara do que significa para o ser humano

o reconhecimento da siacutentese das representaccedilotildees como propriedade individual Todas as repre-

sentaccedilotildees constituem uma totalidadeunidade na autoconsciecircncia a qual eacute denominada ldquouni-

dade transcendental da autoconsciecircnciardquo Essa unidade significa que ldquoas diversas representa-

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ccedilotildees natildeo seriam representaccedilotildees minhas se natildeo pertencessem na sua totalidade a uma auto-

consciecircnciardquo Eacute a ldquoligaccedilatildeo originaacuteriardquo de todas as representaccedilotildees Para Kant a consciecircncia

empiacuterica eacute dispersa e sem referecircncia agrave identidade do sujeito Tal referecircncia agrave identidade do

sujeito se estabelece ldquoporque acrescento uma representaccedilatildeo agrave outra e tenho consciecircncia da sua

siacutenteserdquo A ligaccedilatildeo originaacuteria agrave identidade do sujeito ocorrida pela autoconsciecircncia somente

ocorre devido exatamente agrave consciecircncia da siacutentese de tais representaccedilotildees num mesmo sujeito

gerando assim o eu idecircntico Por esta unidade de todas as representaccedilotildees na consciecircncia eacute

possiacutevel formar inclusive a unidade do sujeito Se assim natildeo o fosse ldquoteria um eu tatildeo

multicolor e diverso quanto tenho representaccedilotildees das quais sou conscienterdquo (cf CRPu B

132-134)

Partindo de tais referenciais eacute possiacutevel estabelecer um paralelo entre a concepccedilatildeo kan-

tiana da formaccedilatildeo da autoconsciecircncia com a concepccedilatildeo adorniana de tal formaccedilatildeo Um passo

decisivo dado por Adorno estaacute na relevacircncia que a continuidade histoacuterica tem na formaccedilatildeo do

eu Com o desaparecimento da consciecircncia da continuidade histoacuterica ocorre natildeo somente a

perda da referecircncia quanto ao devir histoacuterico mas o esfacelamento da consciecircncia que natildeo

reconhece a totalidade dos momentos como seu constitutivo essencial Isso remete ao fato de

que a autoconsciecircncia deve significar a existecircncia do eu idecircntico pois apesar de no devir his-

toacuterico na tensatildeo histoacuterica de todo encontro e busca da verdade natildeo haver a identidade entre

sujeito e seu outro apesar disso as experiecircncias constituiacutedas pelo indiviacuteduo devem ser repre-

sentadas como propriedade uacutenica de si mesmo

Eacute a noccedilatildeo de que apesar da natildeo possibilidade de representar a totalidade do outro em

minha consciecircncia aquilo que se representa eacute conteuacutedo proacuteprio e forma a autoconsciecircncia

Isso tem consequecircncia em questotildees morais pois diante da impossibilidade de representaccedilatildeo

plena se exige a relaccedilatildeo permanente o encontro constante e na perspectiva adorniana este

encontro deve ocorrer de modo a permitir uma situaccedilatildeo na qual eacute possiacutevel ser diferente sem

ter medo (cf MM 66 p89) Ocorre o entendimento que toda representaccedilatildeo eacute representaccedilatildeo de

um momento histoacuterico de modo que a razatildeo permanece em estranhamento diante do real Eacute

ldquoa siacutentese natildeo violenta do dispersordquo (TE p165) que ocorre apesar de permitir ao outro conti-

nuar sendo ele para aleacutem do meu conteuacutedo de consciecircncia Em se tratando de consciecircncia

moral Adorno argumenta que essa na doutrina kantiana eacute a ldquovoz da lei moralrdquo e somente se

converte em consciecircncia devido agrave forccedila de coerccedilatildeo social que se impotildee mediante seu caraacuteter

de universalidade e necessidade (cf DN 2009 p226 e 230)

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Retornando ao problema da representaccedilatildeo e utilizando outra anaacutelise da Teoria esteacuteti-

ca percebemos que a relaccedilatildeo da razatildeo interpretativa diante da obra de arte eacute a mesma relaccedilatildeo

que essa razatildeo deve estabelecer com tudo o que entra em seu ciacuterculo de contato

Se uma obra se abre inteiramente atinge-se entatildeo a sua estrutura interrogativa e a re-flexatildeo torna-se obrigatoacuteria em seguida a obra afasta-se para finalmente assaltar uma segunda vez com o laquoo que eacute istoraquo aquele que se sentia seguro da questatildeo Eacute possiacutevel poreacutem reconhecer como constitutivo o caraacuteter enigmaacutetico laacute onde ele falta as obras de arte que se apresentam sem resiacuteduo agrave reflexatildeo e ao pensamento natildeo satildeo obras de arte (TE p142)

Este caraacuteter de instigaccedilatildeo agrave razatildeo e consequentemente de permanente enriquecimento

da experiecircncia eleva o outro esse que era considerado tradicionalmente objeto agrave dignidade

de estar-aiacute com riqueza constitutiva para aleacutem da minha apreensatildeo Parafraseando Adorno o

ldquoobjetordquo que se apresenta sem resiacuteduo agrave reflexatildeo e ao pensamento natildeo eacute ldquoobjetordquo

Educacionalmente se impotildee o desafio de constituir a consciecircncia verdadeira na exi-

gecircncia de que ldquoo princiacutepio do esclarecimento da consciecircncia seja aplicado na praacutetica educa-

cionalrdquo principalmente diante do fato de que

a proacutepria organizaccedilatildeo do mundo em que vivemos e a ideologia dominante [] ou seja a organizaccedilatildeo do mundo converteu-se a si mesma imediatamente em sua proacute-pria ideologia Ela exerce uma pressatildeo tatildeo imensa sobre as pessoas que supera toda a educaccedilatildeo Seria efetivamente idealista no sentido ideoloacutegico se quiseacutessemos com-bater o conceito de emancipaccedilatildeo sem levar em conta o peso imensuraacutevel do obscu-recimento da consciecircncia pelo existente (EE p142-143 ndash grifo nosso)

Isso explica o motivo pelo qual muitas vezes a escola pode sofrer de insuficiecircncia

formativa Frente agrave pressatildeo do mundo sobre os indiviacuteduos sua consciecircncia sofre muito mais o

impacto por tal pressatildeo do que pela accedilatildeo pedagoacutegica desenvolvida por um professor ou insti-

tuiccedilatildeo escolar

3 A IMPOSSIBILIDADE DO REINO DOS FINS MEDIANTE A FORCcedilA DO IMPERA-TIVO CATEGOacuteRICO UMA CONTRAPOSICcedilAtildeO FUNDADA EM ADORNO

Karl Kraus em Os uacuteltimos dias da humanidade apresenta a confianccedila total que se cri-

ou sobre o ser humano cuja forccedila do dever e a forccedila moral em agir por puro amor ao dever eacute o

imperativo maacuteximo de conduta E apresenta isso como criacutetica para deixar claro que o proacuteprio

periacuteodo da Primeira Guerra Mundial tinha como pressuposto da vitoacuteria a forccedila interna gerada

pelo imperativo categoacuterico natildeo pode haver derrota pois nada eacute mais forte que o sujeito que

age movido por tal forccedila Kraus descrevendo uma cena em um quartel-general alematildeo diz

a firme esperanccedila de que o Senhor dos Exeacutercitos continuaraacute a estar do nosso lado Se o inimigo natildeo quiser a paz entatildeo teremos noacutes que trazer a paz ao mundo arrom-bando com punho de ferro e espada flamejante os portotildees daqueles que natildeo querem a paz [] Os feitos heroacuteicos das nossas tropas os ecircxitos dos nossos grandes gene-rais as admiraacuteveis realizaccedilotildees da paacutetria tecircm as suas raiacutezes em uacuteltima anaacutelise nas forccedilas morais inculcadas ao nosso povo numa escola exigente a do imperativo cate-goacuterico [] A nossa vitoacuteria devemo-la em parte natildeo pequena agraves riquezas morais e espirituais que o grande saacutebio de Koumlnigsberg ofereceu ao nosso povo (2003 p287-288)

Por certo que Kant natildeo esperava esta realizaccedilatildeo do indiviacuteduo formado em sua ldquoesco-

lardquo Mas o desenvolvimento histoacuterico mostrou que a contingecircncia estaacute muito mais presente na

ldquocoluna vertebral da moralidaderdquo do que ele pocircde imaginar no seacuteculo XVIII E assim eacute que o

ser humano se tornou cego no seguir a vontade fruto daquele estreitamento que o amor agrave lei

estabelece Cegueira que natildeo reconhece mais o contexto em seu nuacutecleo de forccedila a rigidez do

agir por puro respeito agrave lei pode se tornar fechada na lei por ela mesma A advertecircncia neo-

testamentaacuteria do cristianismo remete agrave necessidade de que a lei natildeo estaacute acima do ser humano

nem este fora feito para ela mas o radical contraacuterio Soma-se a isso a exigecircncia de que em

consideraccedilatildeo praacutetica o puro amor deve ser pelo diverso na sua contingecircncia histoacuterica Exis-

tem muito mais coisas de incerto do que puderam imaginar os defensores do caraacuteter de neces-

sidade

O seacuteculo XX testemunhou os maiores exemplos de atrocidades jamais realizadas contra

a humanidade A efetivaccedilatildeo da extinccedilatildeo em massa natildeo liquidou apenas indiviacuteduos humanos

mas arrasou o ideal do Reino dos fins O imperativo categoacuterico pretendia formar um estado

verdadeiramente humano em que nada poderia estar acima da dignidade humana Tambeacutem

tinha a pretensatildeo de formar o sujeito moralmente inabalaacutevel aquele que nada o altera em seu

equiliacutebrio na rigidez de caraacuteter como nuacutecleo de forccedila A grande contribuiccedilatildeo de Kant estaacute eacute

claro no fato de analisar as condiccedilotildees a partir das quais se poderia evitar que o sujeito se con-

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vertesse em uma mera esponja assim Kant acredita ser necessaacuterio arrancar o sujeito das de-

terminaccedilotildees heterocircnomas Poreacutem este autocircnomo abstraiu tanto o Outro que acabou impedin-

do o encontro a experiecircncia e a linguagem A noccedilatildeo de mimese encontra espaccedilo nesta triacuteade

Analisemos esses termos separadamente

Eacute o encontro entre diferenciados que estabelece as bases para toda experiecircncia possiacute-

vel e ele natildeo se limita ao momento inicial da relaccedilatildeo mas eacute constituinte permanente na am-

pliaccedilatildeo da consciecircncia Desse modo eacute que mesmo que a razatildeo tenha que operar com concei-

tos eles natildeo estatildeo em um patamar de substituiccedilatildeo ao fato mesmo

Retornando agrave discussatildeo do capiacutetulo anterior o termo consciecircncia deve ser entendido

natildeo somente como o espaccedilo de lucidez do entendimento quando tenho clareza no pensar mas

aponta a uma riqueza constitutiva

eacute o pensar em relaccedilatildeo agrave realidade ao conteuacutedo ndash a relaccedilatildeo entre as formas e estruturas do pensamento do sujeito e aquilo que este natildeo eacute Este sentido mais profundo de consciecircncia ou faculdade de pensar natildeo eacute apenas o desenvolvimento loacutegico formal mas ele corresponde literalmente agrave capacidade de fazer experiecircncias Eu diria que pensar eacute o mesmo que fazer experiecircncias intelectuais Nesta medida e nos termos que procuramos expor a educaccedilatildeo para a experiecircncia eacute idecircntica agrave educaccedilatildeo para a emancipaccedilatildeo (EE p151)

Aqui o encontro expressa toda sua forccedila formadora pois na permanecircncia dele eacute que

ocorre a possibilidade de ampliaccedilatildeo do conhecimento Natildeo mais no a priori mas na experiecircn-

cia sempre renovada Assim como a histoacuteria tem a dinamicidade da mudanccedila permanente o

entendimento que natildeo respeita isso sofre o problema de natildeo ter seus conceitos adequados ao

empiacuterico Essa insuficiecircncia liquida a primazia do sujeito doador de sentido pois o real estaacute

sempre fugindo aos modelos ideais estabelecidos A advertecircncia de Heraacuteclito de que natildeo eacute

possiacutevel entrar duas vezes em um mesmo rio elucida isso perfeitamente O juiacutezo eacute sempre

insuficiente pois o fato mesmo (seja do eu quanto do Outro) estaacute em constante mudanccedila exi-

gindo a mesma postura da linguagem

A primazia da experiecircncia ou primazia da relaccedilatildeo deve ser o criteacuterio para o conheci-

mento em constante progresso Em termos dialeacuteticos isso natildeo significa nem a primazia do

sujeito como Kant o propocircs tampouco a primazia do objeto como o quis Adorno indicando

aquilo que natildeo eacute acreacutescimo subjetivo o natildeo-idecircntico O que se propotildee eacute antes a centralidade

do encontro cuja base estaacute na dinacircmica de constante enfrentamento de diferenciados Assim

se estabelece um giro na teoria do conhecimento onde a preocupaccedilatildeo estaacute nos constituintes da

relaccedilatildeo Como esta deve se estabelecer para que natildeo ocorra a ruptura no processo de escla-

recimento Se haacute um sujeito e um objeto ou sujeitos ou ainda somente objetos isto eacute secun-

51

daacuterio diante daquilo que ocorre entre eles O papel da filosofia estaacute nessa definiccedilatildeo Temos

entatildeo que o encontro e a experiecircncia representam um nuacutecleo de tensatildeo natildeo passiacutevel de repou-

so e assim condiccedilatildeo para a ampliaccedilatildeo da consciecircncia Disso resulta a riqueza de linguagem Eacute

impossiacutevel ter o que dizer sobre algo que foge do meu universo experiencial E quando a proacute-

pria experiecircncia eacute limitada limitada tambeacutem eacute minha expressatildeo

A expressatildeo eacute a capacidade de acoplar agraves manifestaccedilotildees linguiacutesticas toda riqueza da

experiecircncia adquirida E isso exige rigor pois toda palavra dita superficialmente sofre a ca-

recircncia de natildeo se aproximar e tampouco se demorar sobre o outro Expressatildeo e rigor satildeo as

condiccedilotildees do conhecimento Poreacutem o rigor natildeo eacute reduccedilatildeo E a mimese eacute o nome dado a este

processo que vai da abertura ao encontro e ampliaccedilatildeo da consciecircncia ateacute a sua objetivaccedilatildeo

como linguagem no mundo sensiacutevel (seja mediante a fala gestos criaccedilatildeo artiacutestica) Mimese

eacute o braccedilo estendido ao que me eacute diferente que ocorre no momento em que se efetiva o encon-

tro Um braccedilo estendido que reconhece a dor alheia poreacutem natildeo eacute reconhecimento somente

racional mas sensiacutevel que encontra reaccedilatildeo no corpo Conforme Tiburi miacutemesis eacute ldquomuito

mais do que tentativa de reproduccedilatildeo do objeto por um sujeito seria a tentativa de tocaacute-lo de

modo sensiacutevelrdquo (2005 p137 ndash grifo nosso)

O tocar sensiacutevel a aproximaccedilatildeo que se pode definir como afetiva pois envolve o sen-

timento afeiccedilatildeo permite o reconhecimento de si e do outro ao mesmo tempo em que permite

a diferenccedila entre ambos Esse modo de conceber a miacutemesis ldquoindicaria muito mais uma dimen-

satildeo essencial do pensar esta dimensatildeo de aproximaccedilatildeo natildeo violenta luacutedica carinhosa []

uma aproximaccedilatildeo do outro que consiga compreendecirc-lo sem prendecirc-lo e oprimi-lo que consi-

ga dizecirc-lo sem desfiguraacute-lo Essa proximidade na qual o espaccedilo da diferenccedila e da distacircncia

seja respeitado sem anguacutestiardquo (GAGNEBIN 2005 p101) Desse modo a origem eacute fiacutesica e

provoca fisicamente natildeo apenas intelectualmente ldquoO sofrimento reduzido ao seu conceito

permanece mudo e sem consequecircnciasrdquo (TE p30) Aqui estaacute a dor mesma quando ocorre a

sua negaccedilatildeo ldquoO que tem de doloroso eacute a dor elevada a conceitordquo (DN 2005 p18) Essa eacute a

pobreza de relaccedilatildeo mimeacutetica e de experiecircncias pelo sacrifiacutecio da diversidade qualificada

Eacute o que se percebe em Kafka quando na cena final de O Processo K exclama derra-

deiramente ldquocomo um catildeordquo por natildeo ser reconhecido e o encontro natildeo ter se efetivado Conse-

quentemente o estado humano tornou-se impossiacutevel e o fracasso do Reino dos fins eminente

Agora parece haver uma terra de ningueacutem entre os dois lados da relaccedilatildeo Mais uma vez torna-

se legiacutetima a preocupaccedilatildeo com os termos do encontro e sua primazia Em Kafka a mimese

natildeo se efetiva pois o encontro mimeacutetico eacute rompido pelo problema da individuaccedilatildeo e indife-

renccedila Reconhecer o outro em sua dignidade passa pela consideraccedilatildeo de sua diferenccedila e isso

52

garante a individuaccedilatildeo necessaacuteria agrave natildeo indiferenccedila13 Adorno potildee esse problema no centro da

questatildeo da barbaacuterie pois ldquose as pessoas natildeo fossem profundamente indiferentes em relaccedilatildeo ao

que acontece com todas as outras excetuando o punhado com quem mantecircm viacutenculos estritos

e possivelmente por intermeacutedio de alguns interesses concretos entatildeo Auschwitz natildeo teria

sido possiacutevel as pessoas natildeo o teriam aceito (EE p134)

Pontuando um problema a partir da teoria kantiana temos a constataccedilatildeo da natildeo reali-

zaccedilatildeo do reino dos fins segundo os moldes do imperativo categoacuterico Auschwitz foi o exem-

plo deste fracasso pois aqueles que deveriam ser os fins passaram a ser possuidores de exis-

tecircncia insignificante O ideal de dignidade proacuteprio do reino kantiano natildeo se atribui a univer-

salidade e entatildeo Adorno potildee o diagnoacutestico natildeo haacute mais vida ndash seres humanos foram reduzi-

dos a mera fumaccedila serpenteando ao ceacuteu pela chamineacute dos fornos dos campos de extermiacutenio14

Esse foi o exemplo maacuteximo da indiferenccedila que destroacutei aniquila o diferente E o fracasso do

reino kantiano se deve exatamente no fato de que a comunicaccedilatildeo foi negada diante da ausecircn-

cia mimeacutetica ndash comunicar-se consigo mesmo como uma mocircnada petrificada Pensar em hu-

manidade exige entatildeo dois pressupostos o encontro e a comunicaccedilatildeo

A forccedila do imperativo categoacuterico visava impedir que o homem entendido como hu-

manidade dispusesse de si mesmo para atentar contra a raccedila humana A ecircnfase posta desde

Aristoacuteteles no ideal da vida justa a retidatildeo que se conquista pela razatildeo orientada para uma

medida justa nas accedilotildees converte-se nas palavras de Adorno em triste ciecircncia E o problema

chave disso estaacute do diagnoacutestico apresentado ainda em Dialeacutetica do Esclarecimento

O processo teacutecnico no qual o sujeito se coisificou apoacutes sua eliminaccedilatildeo da consciecircn-cia estaacute livre da plurivocidade do pensamento miacutetico bem como de toda significa-ccedilatildeo em geral porque a proacutepria razatildeo se tornou um mero adminiacuteculo da aparelhagem econocircmica que a tudo engloba Ela eacute usada como um instrumento universal servindo para a fabricaccedilatildeo de todos os demais instrumentos (p41-42)

E a essecircncia desse novo momento da razatildeo estaacute na sua conversatildeo em meacutetodo perden-

do com isso a referecircncia ao conceito de reta razatildeo a atribuiccedilatildeo do agir humano em relaccedilatildeo

aos outros conforme projeto aristoteacutelico

A teacutecnica eacute a essecircncia desse saber que natildeo visa conceitos e imagens nem o prazer do discernimento mas o meacutetodo a utilizaccedilatildeo do trabalho de outros o capital[] O que os homens querem aprender da natureza eacute como empregaacute-la para dominar completamente a ela e aos homens Nada mais importa Sem a menor consideraccedilatildeo

13 Sobre o problema da individuaccedilatildeo e indiferenccedila ver tambeacutem Civilizaccedilatildeo e barbaacuterie organizado por Adauto Novaes 2004 14 Ver Dialeacutetica negativa (2003) p332

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consigo mesmo o esclarecimento eliminou com seu cauteacuterio o uacuteltimo resto de sua proacutepria autoconsciecircncia (DE p20)

A eliminaccedilatildeo natildeo somente da consciecircncia entendida como aquela ampliaccedilatildeo do

horizonte de sentido mediante a experiecircncia conforme exposto acima mas da proacutepria

autoconsciecircncia enquanto conhecimento de si mesmo permite o agir livre de qualquer

medida pois uma vez recusada toda ldquoverdade objetiva atraveacutes do recurso ao sujeito implica a

proacutepria negaccedilatildeo deste uacuteltimo natildeo resta nenhuma medida para a medida de todas as coisas

que sucumbe agrave contingecircncia e se torna uma inverdaderdquo (MM 39 p54)

Nesta carecircncia de limite eacute que ocorre o fato original para Adorno Auschwitz Nele a

negaccedilatildeo absoluta da vida e a ausecircncia total de limites marca a contingecircncia na sua dimensatildeo

negativa destrutiva pois os ldquoespeacutecimesrdquo da raccedila humana laacute estavam natildeo por outro motivo a

natildeo ser para o extermiacutenio15 A noccedilatildeo de reino volta com sua forccedila total natildeo enquanto

reconciliaccedilatildeo de sujeito e objeto pela forccedila do conceito Falar na possibilidade de um reino

remete agrave humanidade reconciliada na perspectiva da plena realizaccedilatildeo das diferenccedilas A

reconciliaccedilatildeo inicia no acircmbito individual quando natildeo tenho nenhum receio em ser diferente

quando as singularidades satildeo estiacutemulos agrave comunicaccedilatildeo e natildeo sua reduccedilatildeo Somente a partir

de entatildeo eacute possiacutevel pensar a humanidade como o quis Kant um Reino dos fins pois nada

estaraacute acima do encontro que gera a riqueza de experiecircncia e de comunicaccedilatildeo o que remete a

um alargamento do conceito de constituiccedilatildeo da consciecircncia moral enquanto base teoacuterico-

praacutetica para o estado humano

Para educar seguindo essa linha teoacuterica exige-se um preacute-requisito a permanente

comunicaccedilatildeo de diferenciados Eacute possiacutevel comparar a educaccedilatildeo com o desenvolvimento das

condiccedilotildees em co-habitar Enquanto habitarmos as fronteiras das relaccedilotildees negando ou

esquecendo de ocupar o espaccedilo do encontro toda possiacutevel relaccedilatildeo seraacute de total diferenciaccedilatildeo

ou radical identidade Encontro significa compartir as diferenccedilas na co-habitaccedilatildeo Precisamos

ocupar o territoacuterio esse meio no qual a educaccedilatildeo se efetiva saindo dos extremos fronteiriccedilos

em direccedilatildeo ao nuacutecleo onde ocorre a comunicaccedilatildeo essa eacute efetivaccedilatildeo da dialeacutetica do tato

exposta na Minima moralia (16 p29) Eacute possiacutevel afirmar que esta dialeacutetica do con-tato eacute o

que torna possiacutevel a riqueza de consciecircncia e a representaccedilatildeo deste conteuacutedo na relaccedilatildeo

imediata com o outro

Baseado no pressuposto da dialeacutetica do tato como nuacutecleo de forccedila tanto do

conhecimento quanto em questotildees morais percebe-se que tanto as ideias de Platatildeo quanto o 15 Sobre isso ver a magniacutefica obra de Robert Antelme A espeacutecie humana Apresentarei alguns elementos desta obra no decorrer do quinto capiacutetulo

54

sujeito transcendental com seus juiacutezos sinteacuteticos a priori estatildeo carentes de realidade e sem

efetiva consequecircncia sobre o real A ampliaccedilatildeo que Kant quis seguindo esses termos natildeo

passa de reduccedilatildeo tanto epistemoloacutegica quanto de nuacutecleo de forccedila para constituir a boa

vontade pois tanto as formas quanto o a priori carecem de realidade e determinaccedilatildeo da

realidade Quando o conceito e a consequente possibilidade de ajuizamento se constituem de

forma pura natildeo incorremos no erro de darmos agrave luz um pre-conceito

Retomando a discussatildeo sobre a possibilidade de uma ampliaccedilatildeo do conceito de

constituiccedilatildeo do sujeito a criacutetica a Kant se baseia na insuficiecircncia da formaccedilatildeo da consciecircncia

moral nos moldes apresentados na Criacutetica da razatildeo praacutetica Em termos eacuteticos a noccedilatildeo kanti-

ana de formaccedilatildeo da consciecircncia eacute reducionista e assim sem forccedila para definir a accedilatildeo o que

resulta na impossibilidade de realizaccedilatildeo do reino dos fins mediante a forccedila do imperativo ca-

tegoacuterico Esse imperativo propotildee uma forccedila natildeo suportada pelo sujeito que estaacute em permanen-

te constituiccedilatildeo e portanto em um constante reformular da siacutentese operada pelo entendimento

No capiacutetulo denominado Liberdade na Dialeacutetica negativa (2009 p180) Adorno potildee

em tensatildeo o princiacutepio da vontade com o princiacutepio de realidade Desse modo afirma que para

Kant ldquoa vontade seria a unidade normativa de todos os impulsos que se revelam ao mesmo

tempo como espontacircneos e racionalmente determinados em contraposiccedilatildeo agrave causalidade natu-

ral [] lsquoLiberdadersquo seria a palavra para designar a possibilidade desses impulsosrdquo Seguindo

a linha argumentativa e recorrendo agrave psicologia analiacutetica insere na discussatildeo sobre a vontade

e a moralidade a noccedilatildeo de princiacutepio de realidade segundo o qual ldquoinuacutemeros fatores da reali-

dade exterior sobretudo da realidade social entram nas decisotildees assinaladas pela vontade e

pela liberdaderdquo Dentro desse princiacutepio estaacute inserido o sujeito empiacuterico o qual deve ser consi-

derado como aquele que ldquotoma tais decisotildees ndash e somente um sujeito empiacuterico pode tomaacute-las

o lsquoeu pensorsquo transcendentalmente puro natildeo seria capaz de nenhum impulsordquo Esse sujeito eacute

ldquoele mesmo momento do mundo lsquoexteriorrsquo espacio-temporal e natildeo tem nenhuma prioridade

ontoloacutegica em face delerdquo que permita o esquecimento e abandono de tudo o que eacute finito e aci-

dental de tudo o que envolve a contingecircncia humana mergulhada na experiecircncia

Eacute possiacutevel afirmar que o eu penso transcendentalmente puro falha na possibilidade de

decisatildeo pelo fato de lhe faltar a prova da realidade Os fatores da realidade exterior e social

nos quais o sujeito estaacute inserido e dos quais natildeo pode abstrair interferem na tomada de deci-

sotildees Sem querer negar o princiacutepio da lei estamos diante do questionamento agrave lei considerada

por ela mesma e ao fato de nesta consideraccedilatildeo conseguir constituir o reino dos fins Estando

o ser humano na posiccedilatildeo de fim uacuteltimo uma consideraccedilatildeo se faz indispensaacutevel sendo o indi-

viacuteduo humano um ser historicamente constituiacutedo pressupor o princiacutepio loacutegico-formal como

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condiccedilatildeo imutaacutevel para a accedilatildeo significa retirar o alicerce que permite o juiacutezo luacutecido sobre o

que se deve fazer Na contingecircncia do fato existem constituintes que podem determinar a con-

duta humana para aleacutem das determinaccedilotildees da lei seja esta moral ou juriacutedica

ldquoO sujeito que eacute pretensamente em si eacute mediado nele mesmo por aquilo do que ele se

separa a conexatildeo de todos os sujeitosrdquo (DN 2009 p181) Nesta conexatildeo estaacute localizado o

reino dos fins natildeo simplesmente enquanto ldquoa ligaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios seres racionais por

meio de leis comunsrdquo (FMC BA 74) mas enquanto conexatildeo de todos os sujeitos cuja media-

ccedilatildeo estaacute na humanidade efetiva dele a qual natildeo se reduz agraves exigecircncias loacutegicas e sentidos loacutegi-

cos da razatildeo

O abstrato princiacutepio da moralidade em Kant por mais que esse o queira forte natildeo tem

forccedila suficiente para imediatamente orientar a existecircncia empiacuterica e sua contingecircncia agrave

pretensatildeo de um possiacutevel reino dos fins Apesar da grandeza desse filoacutesofo marcada pela

tentativa de solidificar os princiacutepios supremos da moralidade natildeo haacute a devida consideraccedilatildeo

do elemento existencial efetivamente noacutes somos muito mais experiecircncia e apesar da

necessidade de um elemento eacutetico imperativo que norteasse a vontade na accedilatildeo e sua dinacircmica

existe o elemento da constante decisatildeo a qual estaacute marcada por outra necessidade a da

formaccedilatildeo da vontade

Eacute o problema da possibilidade de converter esta consciecircncia do dever agrave sua realizaccedilatildeo

em material sensiacutevel Como torno disponiacutevel este dado intelectual primeiro (a lei) como uma

efetiva mobilizaccedilatildeo para a contingecircncia da vida Esse problema se sobressai devido ao fato

de esse percurso natildeo ser imediato e tampouco sua ldquoconstruccedilatildeordquo no interior da subjetividade eacute

natural O modo como a subjetividade eacute constituiacuteda resulta na possibilidade de uma

consequecircncia moral decisiva Somente no automatismo da accedilatildeo natildeo ocorre tal constituiccedilatildeo do

mesmo modo que na pura intelectualidade a consciecircncia moral tambeacutem natildeo se efetiva Este

agenciamento se converte entatildeo em algo decisivo

O domiacutenio da lei enquanto ato intelectual bem como a convicccedilatildeo de seu conteuacutedo ou

ainda a atribuiccedilatildeo de valor a uma accedilatildeo a partir da lei esses momentos natildeo se ajustam um ao

outro em uma relaccedilatildeo de causa e efeito como algo natural O a priori no princiacutepio do dever

natildeo se constitui naturalmente como causa de um efeito na experiecircncia Algo falta agrave teoria

kantiana que permitiria aceitar esta iacutentima relaccedilatildeo O conceito de boa vontade poderia ser

admitido como esse elemento pois se por um lado natildeo haacute nada de bom sem limitaccedilatildeo a natildeo

ser a vontade por outro lado pressupor um planeta povoado por pessoas desse niacutevel de

excelecircncia guiados exclusivamente pela boa vontade incorreria no risco de aceitar a

humanidade como algo jaacute formado o que natildeo se pode admitir sob nenhuma perspectiva A

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interioridade natildeo se constroacutei unicamente a priori no abstrato Esta interioridade abstrata eacute

por si soacute tatildeo incerta quanto a experiecircncia desprovida de orientaccedilatildeo

Na Metafiacutesica dos costumes fica claro a diversidade de modos de cumprir o dever

Sobre tal diversidade que contrasta com a uacutenica formulaccedilatildeo do dever a lei moral Kant natildeo

dedica suas paacuteginas Poreacutem por se tratar de uma diversidade em modos de cumprir a lei

moral fica evidente sua identidade com a experiecircncia Eacute assim que a capacidade de decisatildeo

prudente entra em cena e encontra sua base legitimadora no fato de que ningueacutem a desenvolve

abstratamente mas somente imerso na contingecircncia da vida A isso denomino de consciecircncia

concreta de si-mesmo Por um lado temos a lei como o uacutenico elemento certo imutaacutevel por

outro a existecircncia como incerta e passiacutevel de infinitas modificaccedilotildees Nessa perspectiva a

mais urgente preparaccedilatildeo estaacute natildeo na consciecircncia da lei mas na capacidade de enfrentar a

efetividade incerta sem sucumbir agravequilo que a lei nega o si-mesmo egoiacutesta Aqui a questatildeo

eacutetica estaacute constantemente em decisatildeo eacute na experiecircncia que torno a lei efetiva de modo que

nesta estaacute o cerne da formaccedilatildeo moral

Um fato marcante eacute que Kant arrancou a existecircncia de sua determinaccedilatildeo individualista

e contingente ao pensar os pressupostos eacuteticos do reino dos fins e afirmar a necessidade da lei

Poreacutem empurrou a existecircncia mesma a um local tatildeo marginal em seu sistema que

praticamente natildeo restou nada aleacutem da frieza constitutiva derivada de sua concepccedilatildeo

metafiacutesico-transcendental E o sujeito natildeo apenas constitui mas eacute constituiacutedo na

transitoriedade da existecircncia que eacute histoacuterica e portanto mutaacutevel

Quando o ser puro eacute posto diante da realidade a qual exige tomada de decisatildeo conside-

rando o entorno corre o risco de sentir-se imobilizado diante do princiacutepio loacutegico racional e de

um irrestrito amor ao dever E isso pelo fato de o ser humano natildeo ser o transcendental mas

ser muito mais consequecircncia do que princiacutepio do mesmo modo que interfere eacute interferido O

poder da objetividade eacute tatildeo grande que acaba por gerar a ldquoneacutevoardquo que encobre o imenso ceacuteu

estrelado kantiano acima de noacutes Com este poder da objetividade agindo e pondo muitas ve-

zes por terra as noccedilotildees abstratas e subjetivas a proacutepria moralidade natildeo assume um viacutenculo

condicionador em relaccedilatildeo ao sujeito empiacuterico (o uacutenico que age e decide)

4 O PROJETO EacuteTICO ESTEacuteTICO E FILOSOacuteFICO EM ADORNO

Na constituiccedilatildeo de sua concepccedilatildeo de esteacutetica Adorno entra em diaacutelogo principalmen-

te com Kierkegaard Kant Hegel e com a psicanaacutelise A partir desses quatro contrapontos

percebe-se o processo de cunhagem de seu pensamento frente a esse tema Na Teoria esteacutetica

Adorno traccedila a criacutetica direta ao idealismo e agrave psicanaacutelise e em Construccedilatildeo do esteacutetico sua

ecircnfase estaacute na teoria do filoacutesofo dinamarquecircs De todos esses contrapontos eacute possiacutevel lanccedilar a

pergunta que constituiccedilatildeo do esteacutetico eacute possiacutevel encontrar em Adorno

Em Kierkegaard construccedilatildeo do esteacutetico Adorno analisa o pensamento do referido fi-

loacutesofo e observa trecircs sentidos para o termo em questatildeo No primeiro o ldquoesteacutetico eacute [hellip] como

no uso comum da linguagem o domiacutenio das obras de arte e da consideraccedilatildeo teoacuterica da arterdquo

em segundo temos ldquoo esteacutetico como atituderdquo e por uacuteltimo ldquoo esteacutetico referido agrave forma da

comunicaccedilatildeo subjetiva e se legitima no conceito kierkegaardiano de existecircnciardquo (K p22-23)

O primeiro sentido encontra referecircncia clara por se dirigir a um objeto especiacutefico de-

nominado obra de arte e a investigaccedilatildeo teoacuterico-filosoacutefica que se realiza a partir dela Poreacutem

os dois sentidos posteriores remetem o pensamento esteacutetico agrave consideraccedilatildeo do ser humano em

seu estado atual com um interesse especial ao pensamento mesmo como posse do sujeito

Desse modo pensar esteticamente consiste no olhar atento ao homem e aquilo que ele eacute de

forma imediata enquanto empiacuterico e passiacutevel de experiecircncia O contraponto eacutetico conforme

cita Adorno considera a mudanccedila e o motivo que leva a se tornar aquilo que se torna De mo-

do que se o esteacutetico eacute o olhar sobre aquilo que o ser humano eacute imediatamente o eacutetico eacute o

olhar sobre aquilo que o ser humano pode vir a ser

O diferencial em Adorno eacute que o proacuteprio domiacutenio e consideraccedilatildeo teoacuterica da arte jaacute eacute

por si mesmo anaacutelise do ser humano em sua existecircncia imediata e em suas possibilidades de

devir Pelo fato de a arte ter se tornado o que se tornou ldquoantiacutetese social da sociedaderdquo falar

sobre ela eacute falar sobre o meio pelo qual e no qual surge No momento em que a arte se contra-

potildee agrave realidade se constitui em forma de conhecimento pois sua tarefa natildeo eacute mais afirmar

mas ser tensatildeo provocando o movimento dialeacutetico do pensamento ndash a antiacutetese entre o pensa-

mento e aquilo que ele mesmo natildeo eacute antiacutetese entre a arte e o meio no qual ela aparece

O comportamento esteacutetico proacuteprio do ser sensiacutevel que cria consciecircncia mediante a ex-

periecircncia desenvolvida assume a marca da contradiccedilatildeo ao princiacutepio de realidade a qual potildee a

adaptaccedilatildeo como o bem supremo Na frase ldquoa realidade oferece muitos outros motivos reais

para dela se fugirrdquo (K p20) natildeo expressa a fuga propriamente dita como uma patologia psiacute-

quica mas remete ao termo resistecircncia muito desenvolvido na Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo e na

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Minima moralia Nesta compreensatildeo da esteacutetica como atitude a realidade natildeo tem o poder

supremo de atuar sobre o indiviacuteduo determinando-o ou reprimindo-o como um sujeito des-

provido de subjetividade Pelo contraacuterio enquanto consideraccedilatildeo do estado em que o humano

se encontra como ser real a capacidade de compreensatildeo e atribuiccedilatildeo de sentido exige a dose

de resistecircncia acusada por Adorno como indispensaacutevel ao entendimento da realidade natildeo en-

quanto aparecircncia imediata ndash afinal essa eacute muito bem administrada ndash mas como um espetaacuteculo

que ocorre nos bastidores

Frente a isso a obra de arte assume vinculaccedilatildeo ao processo de esclarecimento ao natildeo

ser simples coacutepia do empiacuterico ou daquilo que acontece na superfiacutecie da existecircncia mas tra-

zendo para frente do palco aquilo que ocorre nos bastidores

O embuste [] consiste precisamente em que esta harmonizaccedilatildeo da vida e esta de-formaccedilatildeo da vida satildeo imperceptiacuteveis para as pessoas porque acontecem nos bastido-res [] de modo que as pessoas absorvem a harmonizaccedilatildeo oferecida sem ao menos se dar conta do que lhes acontece Talvez ateacute mesmo acreditem estar se comportan-do de modo realista E justamente aqui eacute necessaacuterio resistir (EM p86)

Esta forma distinta de reflexatildeo eacute o ato de pensamento vinculado ao processo de escla-

recimento exigido ainda nas linhas da Dialeacutetica do esclarecimento e que remete natildeo somente

ao terceiro sentido que o termo esteacutetica assume em Kierkegaard e eacute analisado por Adorno

como sendo um interesse especial pelo proacuteprio pensamento enquanto posse do sujeito ou

seja a necessidade de pensar o proacuteprio pensamento Vinculado a isto estaacute a possibilidade de

resistir agraves formas de ofuscamento que substituem a tensatildeo social pela pretensa harmonia de

um sentido imediato Como resposta a este ofuscamento propotildee-se a constituiccedilatildeo de um loacute-

cus comunicativo16 por meio do qual se amplia o niacutevel de experiecircncias e de compreensatildeo

cuja consequecircncia eacute um retorno qualificado ao proacuteprio pensamento de modo autocriacutetico

quanto agrave possibilidade de perceber o diferenciado ndash aquilo que permite a identidade de si suas

caracteriacutesticas proacuteprias e que impedem a simples universalizaccedilatildeo ndash a partir do local ocupado

por ele

Isso remete agrave proacutepria filosofia claacutessica no meacutetodo socraacutetico e platocircnico de construccedilatildeo

do conhecimento Ursula Wolf em sua obra La filosofiacutea y la cuestioacuten de la vida buena reto-

ma Platatildeo e o modelo socraacutetico de constituiccedilatildeo da subjetividade trazendo ao centro de tal

constituiccedilatildeo o sentido de elencos A observaccedilatildeo que se potildee indica para uma diferenccedila entre o

meacutetodo da teacutechne e o meacutetodo do elencos ldquonatildeo apenas evidencia a insuficiecircncia do meacutetodo da

teacutechne para a eacutetica [] mas estabelece ao mesmo tempo um novo meacutetodo o qual tem seu 16 No capiacutetulo 5 seraacute desenvolvido com mais detalhes o significado deste loacutecus comunicativo

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modelo nos diaacutelogos com os quais Soacutecrates potildee agrave prova o saber de seus companheiros Esse

modo de proceder eacute o do elencosrdquo ([sd] p54 ndash traduccedilatildeo nossa) Em primeiro lugar deve-se

destacar a consciecircncia da tensatildeo dialeacutetica que se estabelece no momento em que ocupo meu

espaccedilo de sujeito portador de voz e com papel efetivo no elenco de atores No momento que

ocorre esse jogo entre atores no sentido de elenco se efetiva o real sentido de diaacutelogo en-

quanto meio de constituiccedilatildeo da subjetividade enquanto meio dialoacutegico que constituo e me

constitui

Este eacute o locus proacuteprio e ideal para que ocorra a resistecircncia apontada por Adorno no

momento em que me eacute permitida a elevaccedilatildeo do niacutevel de consciecircncia mediante a experiecircncia

comunicativa com outros atores Continuando com Wolf isto ocorre pelo fato de o elencos

permitir a complementaccedilatildeo das opiniotildees individuais evidenciando a falta de clareza conceitu-

al e elaborando as contradiccedilotildees Assim se constitui um meio proacuteprio no qual se examinam as

opiniotildees e se constituem referenciais interpretativos acerca do proacuteprio contexto no qual os

indiviacuteduos estatildeo inseridos

41 A vinculaccedilatildeo entre experiecircncia e racionalidade esteacutetica

Com a Teoria esteacutetica Adorno potildee em questatildeo a dinacircmica da subjetividade que se

constitui mediante relaccedilatildeo do sujeito com o mundo e sua consequente objetivaccedilatildeo enquanto

expressatildeo dessa riqueza subjetiva ou seu conteuacutedo de consciecircncia Antes da proacutepria arte o

contexto concreto no qual o indiviacuteduo estaacute inserido ndash as experiecircncias que determinam nosso

modo de compreender a realidade ndash tem o poder de ldquopocircr em movimento processos de pensa-

mentordquo Essa expressatildeo utilizada na Teoria esteacutetica (p45) quando o autor comenta as obras

de Brecht deve ser considerada de modo mais amplo direcionada ao proacuteprio meio concreto

no qual o indiviacuteduo estaacute inserido o qual significa para Adorno impulso ao pensar

Vicente Goacutemez (1998 p49 ndash traduccedilatildeo nossa) ao situar o sentido que a esteacutetica tem

em Adorno afirma que essa ldquonatildeo significa simplesmente teoria da arte mas laquoeacute referir-se agrave

posiccedilatildeo que o pensamento ocupa diante da objetividaderaquordquo Essa posiccedilatildeo do pensamento eacute a

uacutenica para Adorno ldquocapaz de realizar o verdadeiro conhecimento e natildeo a mera tautologia ou

reduplicaccedilatildeo do momento subjetivo no processo cognoscitivordquo Assim estamos diante de um

problema filosoacutefico o que eacute a objetividade o que eacute o concreto e como eacute possiacutevel a compre-

ensatildeo natildeo tautoloacutegica deste por parte do ser humano

O motivo para isso estaacute no fato de o proacuteprio conceito de concreto ser considerado por

Adorno de modo negativo ldquoAquilo que ainda natildeo era eacute o concretordquo ndash o maior problema eacute

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ldquotratar a concreccedilatildeo como dado como indubitavelmente laquoexistenteraquordquo (TE p156) No real no

concreto estaacute a possibilidade de gerar processos de pensamento pelo fato de que ldquoaquilo que

eacute eacute mais do que ele eacute Esse mais natildeo lhe eacute anexado de fora mas permanece imante a elerdquo

(DN 2009 p140) constituindo-se em radical desafio ao pensamento no momento em que

nos deparamos com os limites de apreender somente o disponiacutevel pela experiecircncia imediata Eacute

diante dessa compreensatildeo de concreto que deve ser situada a expressatildeo artiacutestica a obra de

arte e enquanto concretude a proacutepria arte se converte em algo que estaacute para aleacutem do seu sim-

ples existente sendo mais do que aquilo apreendido imediatamente pelos sentidos Desse mo-

do a arte tambeacutem passa a ldquopocircr em movimento processos de pensamentordquo Essa eacute uma das

caracteriacutesticas que demarca o artiacutestico do natildeo-artiacutestico em Adorno

Deve-se destacar a centralidade que esse conceito ndash concreto ndash adquire em Adorno

Se na filosofia claacutessica a admiraccedilatildeo o espanto eacute o que origina o pensamento a filosofia em

Adorno esta funccedilatildeo eacute assumida pelo concreto A Dialeacutetica negativa aponta isso quando le-

mos que ldquosobre o concreto natildeo se deve filosofar mas a partir delerdquo (2005 p41 ndash grifo nos-

so) Poreacutem eacute possiacutevel salvar a admiraccedilatildeo enquanto olhar que natildeo se acomoda diante do evi-

dente e imediato mas encontra seu incitamento no descortinar desta novidade que surge haacute

algo ainda a compreender conteuacutedo ainda a ser transmitido e apreendido o mundo ainda natildeo

estaacute resolvido sob a luz do sentido jaacute manifestado

Esta caracteriacutestica da arte a qual deve ser ampliada para aleacutem do domiacutenio artiacutestico

pois tudo eacute mais do que aquilo que se apresenta permite pontuar o significado da negativida-

de No momento em que o entendimento natildeo consegue perceber nada aleacutem daquilo que ime-

diatamente aparece diante de mim quando desfaccedilo a possibilidade do concreto substituindo-o

pela clareza absoluta de sentido aniquilo a possibilidade da compreensatildeo deixando espaccedilo

para o reducionismo ou pobreza de sentido Nas palavras de Joseacute Antonio Zamora natildeo man-

ter-se na ldquoinsistecircncia do negativo transitar demasiado rapidamente agrave afirmaccedilatildeo do positivo

contribui efetivamente muito mais para a perpetuaccedilatildeo do falso existente do que para sua su-

peraccedilatildeordquo (2004 p13 ndash traduccedilatildeo nossa) Eacute isto que o sentido de concreto permite a colocaccedilatildeo

do eacute para aleacutem daquilo que aiacute estaacute Desse modo o negativo o concreto se transforma em

fundamento epistemoloacutegico

De modo mais enfaacutetico o problema eacute como a arte estaacute situada diante dessa compreen-

satildeo de concreto o qual conforme exposto acima rompe com a simples evidecircncia e se projeta

como reserva de sentido Esse problema nos potildee diante de um fragmento adorniano jaacute co-

mum ldquoTornou-se manifesto que tudo o que diz respeito agrave arte deixou de ser evidenterdquo tendo

perdido aquilo ldquoque poderia fazer de modo natildeo refletido ou sem problemas (TE p11) Essa eacute

61

a criacutetica ao simples existente empiacuterico levada ao extremo com o conceito de enigma e conte-

uacutedo de verdade (os quais jaacute foram desenvolvidos no segundo capiacutetulo) O que cabe aqui eacute

situar a arte enquanto algo que ldquose voltou graccedilas agrave sua forma tanto contra o simples existen-

te contra o estado de coisas persistente como veio em sua ajuda enquanto modelaccedilatildeo dos

elementos existentesrdquo (TE p12)

Ocorre o questionamento daquilo que nos eacute familiar pondo no centro das discussotildees

aquilo que eacute estranho o para aleacutem daquilo que eacute e que constitui o outro do meu entendimento

a alteridade Aqui estaacute a decisiva atualidade do esteacutetico a novidade no modo de compreender

esse termo Para Nadja Hermann

Desde o seacuteculo 20 satildeo conhecidas as profundas transformaccedilotildees ocorridas no pensa-mento que [] denunciam o caraacuteter excludente do conceito que natildeo reconhece o outro e natildeo acolhe aquilo que escapa as suas determinaccedilotildees e apontam para a atuali-dade do esteacutetico para aleacutem da teoria do belo e da arte transposto agora para vida cotidiana Esse conjunto de mudanccedilas produz efeitos sobre nossas interpretaccedilotildees de mundo e no modo de pensar (2010 p123-124 ndash grifo nosso)

Continuando com o argumento anterior tem-se entatildeo a inserccedilatildeo do outro e do estra-

nho em contraposiccedilatildeo ao idecircntico e com o simplesmente familiar Isso se deve agrave experiecircncia

esteacutetica na qual devido ao elemento do concreto e de natildeo evidecircncia se ldquoenfatiza uma multi-

plicidade de dimensotildees do estranho que nos retira da conformidade com o familiarrdquo (HER-

MANN 2010 p124)

Eacute possiacutevel perceber isto de modo enfaacutetico em Adorno quando na Teoria esteacutetica

(p12) situa a arte em um movimento de volta contra o estado de coisas e ao mesmo tempo

vem em sua ajuda enquanto modelaccedilatildeo de tal estado Desse modo natildeo eacute um simples contrari-

ar caracteriacutestica que pode ser aplicada a toda teoria de Adorno principalmente quando acusa-

da de pessimista Inspirada na relaccedilatildeo artiacutestica com a realidade a teoria natildeo eacute um simples ir

contra mas nesse movimento eacute impulso de progresso indo ao encontro do mundo enquanto

possibilidade de modelaccedilatildeo de seus elementos Essa modelaccedilatildeo ocorre no momento em que a

obra de arte nos potildee diante do concreto e ldquointegra-se assim num processo englobante de espi-

ritualizaccedilatildeo no progresso da consciecircnciardquo (TE p110) Essa eacute outra caracteriacutestica para uma

produccedilatildeo se considerada obra de arte em Adorno

Eacute o que se pode observar por exemplo em obras como Guernica de Pablo Picasso

Nessa obra percebe-se que se demarca o acircmbito do concreto e de ausecircncia de evidecircncia con-

vertendo aquilo que aparece em algo que vai aleacutem de sua manifestaccedilatildeo imediata Para Ador-

no ldquoem toda obra de arte genuiacutena aparece algo que natildeo existerdquo (TE p100) ou seja o con-

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creto na consideraccedilatildeo para aleacutem do evidente Mas esse aleacutem natildeo eacute algo anexado de fora mas

conteuacutedo intriacutenseco que precisa ser disponibilizado agrave consciecircncia

A dinacircmica consequente disto eacute entre a arte em sua relaccedilatildeo consigo mesma e em sua

relaccedilatildeo com o concreto A construccedilatildeo do esteacutetico em Adorno perpassa por estas duas dire-

ccedilotildees Em primeiro lugar ldquotoda obra de arte aspira por si mesma agrave identidade consigordquo identi-

dade esta que ldquona realidade empiacuterica se impotildee agrave forccedila a todos os objetosrdquo (TE p15) Este

caraacuteter de singularidade faz com que a obra seja ela mesma e natildeo o que possa representar

extinguindo toda tentativa de extrair dela uma mensagem ndash ldquopinta-se um quadro e natildeo o que

ele representardquo (Ibidem)

Em segundo lugar ocorre o direcionamento em relaccedilatildeo ao concreto ao empiacuterico Po-

reacutem este direcionamento natildeo ocorre enquanto coacutepia imitativa As obras de arte ldquosatildeo coacutepias do

vivente empiacuterico na medida em que a este fornecem o que lhe eacute recusado no exterior e assim

libertam daquilo para que as orienta a experiecircncia externa coisificanterdquo (TE p15) ndash fazem

surgir o concreto naquilo que ele eacute A comunicaccedilatildeo17 que surge a partir da obra de arte assu-

me um sentido positivo e outro negativo Positivo enquanto identidade e afirmaccedilatildeo de si

mesmo enquanto arte ndash arte pela arte negativo pelo fato de defender o natildeo-evidente e rela-

cionar-se com a realidade pela recusa agrave imitaccedilatildeo dos seus elementos Desse modo a obra se

torna altamente espiritualizada e assim realiza a tensatildeo entre forma e conteuacutedo

Se comunicar pressupotildee linguagem eacute possiacutevel dizer que nesta estaacute a formalizaccedilatildeo do

conteuacutedo espiritual Um pensamento expressado eacute um conteuacutedo que se torna linguagem e

desse modo assume uma forma A obra de arte eacute forma expressatildeo de um conteuacutedo A respos-

ta agrave questatildeo sobre qual eacute o elemento decisivo ndash a forma ou o conteuacutedo ndash nos remete agrave impos-

sibilidade de um existir sem o outro Conteuacutedo natildeo formalizado natildeo tornado linguagem eacute

mudo e sem consequecircncias forma linguagem vazia de conteuacutedo eacute ideoloacutegica e nociva ao

desenvolvimento da consciecircncia Partindo desses dados na obra de arte deve haver o equiliacute-

brio entre o conteuacutedo e a forma no sentido de aquilo expresso como conteuacutedo ser indiacutecio do

concreto e do mesmo modo a forma deve permitir o surgimento deste conteuacutedo concreto

Utilizando as palavras de Adorno temos ldquoA forma esteacutetica eacute a organizaccedilatildeo objetiva

de tudo o que no interior de uma obra de arte aparece como linguagem coerente Eacute a siacutentese

natildeo violenta do dispersordquo (TE p165) O elemento de natildeo violecircncia poderia fazer supor a

primazia do conteuacutedo sobre a forma pois esta pode ter a pretensatildeo de reter aquilo que eacute dife-

rente em uma imposiccedilatildeo de sentido Salvo esta consideraccedilatildeo a forma eacute salva pelo fato de ser

17 O conceito de comunicaccedilatildeo seraacute melhor desenvolvido no segundo item deste capiacutetulo Aqui se faz considera-ccedilotildees provisoacuterias a fim de estabelecer as relaccedilotildees com o conceito de forma e conteuacutedo

63

indispensaacutevel na organizaccedilatildeo coerecircncia da proacutepria obra mesma Pela forma deve haver a ma-

nifestaccedilatildeo do conteuacutedo aquela eacute a condiccedilatildeo para este ldquoO ecircxito esteacutetico depende essencial-

mente de se o formado eacute capaz de despertar o conteuacutedo depositado na formardquo (TE p161)

O conteuacutedo da obra de arte assume por sua relaccedilatildeo com o concreto a dimensatildeo de

criacutetica Deve fazer surgir o mais naquilo que estaacute dado esse elemento de para aleacutem do imedi-

ato do evidente do oacutebvio Ao permitir a manifestaccedilatildeo da novidade ao fazer aparecer o novo

o concreto no para aleacutem do que aparece a forma deve expressar esse conteuacutedo e em uma

tensatildeo dialeacutetica o conteuacutedo assumir uma forma Vislumbra-se a convergecircncia entre forma e

criacutetica pois nas ldquoobras de arte a forma eacute aquilo mediante o qual elas se revelam criacuteticas em si

mesmas [] Pela sua implicaccedilatildeo criacutetica a forma aniquila as praacuteticas e as obras do passado A

forma contradiz a concepccedilatildeo da obra como algo de imediatordquo (TE p165) Assim se visualiza

a participaccedilatildeo da arte no processo de esclarecimento neste desenvolvimento da consciecircncia

diante daquilo que eacute e pelo questionamento do sentido atribuiacutedo a esse eacute

Essa tensatildeo tambeacutem demarca o acircmbito do que eacute arte Quando as obras ldquotornam-se con-

textos de sentido ao negarem o sentidordquo (TE 176) fazem surgir o concreto ao negarem aquilo

que se quer como o concreto Eacute diante desses elementos que se pode inserir o sentido de sujei-

to em relaccedilatildeo agrave obra de arte Ao pensar sobre o que eacute o sujeito precisamos refletir ldquosobre o

que na arte fala eis o seu verdadeiro sujeito e natildeo o que a produz ou a receberdquo (TE 190)

Continuando com a argumentaccedilatildeo Adorno propotildee

Verdadeira eacute a arte tanto mais que o que nela fala e ela proacutepria estatildeo cindidos natildeo reconciliados mas esta verdade cabe-lhe em sorte quando ela sintetiza o dividido e assim o determina apenas no seu caraacuteter irreconciliaacutevel Paradoxalmente a arte tem de testemunhar o irreconciliaacutevel e tender no entanto para a reconciliaccedilatildeo isso soacute eacute possiacutevel a partir da sua linguagem natildeo-discursiva Soacute neste processo se concretiza o noacutes Mas o que fala na arte eacute verdadeiramente o seu sujeito na medida em que nela fala e por ela natildeo eacute representado (TE p191-192)

Por ser portadora de linguagem e portadora de conteuacutedo a obra de arte assume a fun-

ccedilatildeo de sujeito ela fala propotildee questatildeo converte-se em desafio ao outro sujeito agora o hu-

mano exigindo deste o rigor cognitivo poreacutem em uma posiccedilatildeo de natildeo posse frente agrave obra

Compreende-se entatildeo desse modo que a tensatildeo entre a obra de arte e o ser humano eacute uma

tensatildeo entre sujeitos natildeo mais de sujeito e objeto propondo algumas caracteriacutesticas especiais

Essas caracteriacutesticas como veremos no capiacutetulo 5 devem demarcar a relaccedilatildeo para aleacutem do

sujeito obra de arte e sujeito humano mas constituir uma forma de relaccedilatildeo entre os proacuteprios

sujeitos humanos em suas mais diversas possibilidades de co-habitarem

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A noccedilatildeo de sujeito eacute condiccedilatildeo para a obra de arte e esta relaccedilatildeo entre sujeitos demarca

a constituiccedilatildeo da obra artiacutestica um deve remeter ao outro a arte deve remeter agrave razatildeo o ser

humano com sua racionalidade deve remeter-se agrave arte em sua linguagem enquanto testemunha

do concreto Assim constitui-se a racionalidade esteacutetica nessa tensatildeo que pode ser entendida

como relaccedilatildeo entre sujeitos pois ambos satildeo portadores de sentido em manifestaccedilatildeo e propotildee

sentido Ambos os sujeitos em sentido concreto O desafio ao sujeito humano estaacute na capaci-

dade de perceber este sentido manifesto por este seu outro

Estamos diante do mais rico sentido de dialeacutetica em Adorno o qual se converte em

imperativo para o pensamento ldquopensar de tal modo que a forma do pensamento natildeo mais tor-

ne seus objetos coisas inalteraacuteveis que permanecem iguais a si mesmas a experiecircncia des-

mente que eles o sejamrdquo (DN 2009 p134) No nuacutecleo do pensamento dialeacutetico estaacute a prima-

zia da experiecircncia de sujeitos que natildeo permanecem iguais no decorrer da histoacuteria rompendo

com o ideal de identidade na paz do conceito ldquoO existente singular coincide tatildeo pouco com o

seu conceito superior quanto se mostra como ininterpretaacutevel Ele tambeacutem natildeo eacute por sua parte

algo derradeiro contra o qual o conhecimento deveria se chocarrdquo (DN 2009 p140) Ao mes-

mo tempo em que o singular natildeo coincide com o conceito afirmando sua dignidade de dife-

renciado ele eacute passiacutevel de interpretaccedilatildeo e se constitui em reserva de sentido Daiacute a ecircnfase de

Adorno na Teoria esteacutetica em definir o momento da razatildeo interpretativa diante do outro

A afirmaccedilatildeo acima de que a relaccedilatildeo entre sujeitos eacute marca da racionalidade esteacutetica

pelo fato de a proacutepria arte se constituir em sujeito exige um complemento O que diferencia o

sujeito humano Em uma palavra a consciecircncia e reafirmando o terceiro capiacutetulo a capaci-

dade de siacutentese operada pelo pensamento humano Poreacutem siacutentese natildeo absoluta mas aberta agrave

ampliaccedilatildeo de sentido ndash siacutentese natildeo final mas dinacircmica Na Dialeacutetica negativa (2009 p159)

visualiza-se essa especificidade do sujeito humano pondo como primeiro a noccedilatildeo de empiria

para somente apoacutes ser possiacutevel falar em transcendental espiritual A consciecircncia eacute em pri-

meiro lugar empiacuterica ldquofunccedilatildeo do sujeito vivordquo e portanto histoacuterica Natildeo havendo ldquoqualquer

relaccedilatildeo com uma consciecircncia empiacuterica com a consciecircncia do eu vivo natildeo haveria nenhuma

consciecircncia transcendental puramente espiritualrdquo (grifo nosso) A expressatildeo consciecircncia do

eu vivo situa-se em um contraponto ao eu penso cartesiano Eu penso logo existo como quis

Descartes eacute contraposto pelo imperativo dialeacutetico do pensamento eu vivo logo posso pensar

Apesar de a vida ser o elemento originaacuterio o ser humano se posiciona diante dela a

partir da razatildeo interpretativa e esta eacute pensamento e constitui pensamento ndash esse eacute o viacutenculo

entre experiecircncia esteacutetica e racionalidade A obra de arte ldquonatildeo dispensa objetivamente a inter-

pretaccedilatildeo como se nada houvesse para interpretar [] A obra de arte que crecirc possuir o conte-

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uacutedo a partir de si encalha num racionalismo ingecircnuordquo (TE p40) Dessa maneira percebe-se a

relaccedilatildeo natildeo somente da arte com a sociedade com o concreto mas da arte com a razatildeo inter-

pretativa Poreacutem ldquodeve-se interpretar-se e natildeo ser substituiacuteda pela claridade do sentidordquo (TE

p40) isso eacute

se a verdade que as obras de arte contecircm ficar encerrada no momento da experiecircncia esteacutetica ela se perderia e esta natildeo seria nada Disto vem que as obras de arte por causa daquilo que nelas aponta para aleacutem do momento fugaz da experiecircncia esteacutetica satildeo remetidas agrave razatildeo interpretativa para que a interpretaccedilatildeo exponha a verdade pa-ra Adorno interpretaccedilatildeo significa interpretaccedilatildeo filosoacutefica a laquonecessidade de inter-pretaccedilatildeoraquo que as obras de arte possuem eacute a necessidade que a experiecircncia esteacutetica possui da demonstraccedilatildeo filosoacutefica (WELLMER 1993 p19 ndash traduccedilatildeo nossa)

Isso faz retomar o sentido claacutessico de esta admiraccedilatildeo que permitia ao ser

humano pensar filosofar e que a proacutepria filosofia eliminou no momento em que se viu na

posiccedilatildeo de poder apreender o fato e fenocircmeno o empiacuterico em uma caacutepsula conceitual en-

cerrando a proacutepria verdade nessa caacutepsula Esta permanecircncia da thaumazein a qual se origina

no momento em que permito o novo (para a consciecircncia agrave qual nada haacute de novo natildeo eacute possiacute-

vel a admiraccedilatildeo) equivale para usar uma expressatildeo de Hermann agrave promessa de vida A obra

de arte encontra aqui seu local privilegiado ldquoa arte nos indica que o mundo natildeo eacute plenamente

compreendido no acircmbito conceitual e que pode deixar um espaccedilo para uma promessa de vidardquo

(2010 p45) Nada haacute para se admirar no conceito esse em linguagem adorniana eacute frio e sem

consequecircncia A riqueza de mundo soacute eacute possiacutevel por uma via fazendo o movimento ao en-

contro do mundo ao encontro do outro ndash esse encontro quando aberto agrave sua novidade apro-

funda o mundo

42 A dinacircmica entre aproximaccedilatildeo do outro e construccedilatildeo de si

A Teoria esteacutetica lanccedila uma compreensatildeo de obra de arte enquanto ldquoidentidade consi-

go mesmardquo (p15) Nesse sentido a arte natildeo pretende ser idecircntica ao seu exterior mas quer ser

apenas ela mesma e natildeo representaccedilatildeo fidedigna A identidade esteacutetica ocorre de modo a ldquode-

fender o natildeo-idecircntico que a compulsatildeo agrave identidade oprime na realidaderdquo (ibidem) sendo

entatildeo em primeiro lugar identidade consigo mesma Na construccedilatildeo do sujeito esteacutetico o pri-

mado estaacute em ser para si em um impulso de construccedilatildeo de si Essa construccedilatildeo natildeo significa

desarmonia em relaccedilatildeo ao todo sobreposiccedilatildeo de si mesmo mas sim o fortalecimento subjeti-

vo em sua identidade consigo mesmo como condiccedilatildeo para pensar uma possiacutevel identidade

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natildeo opressora Hermann destaca isso de modo incisivo ao afirmar que a devida atenccedilatildeo agravequi-

lo que eacute particular em sua contingecircncia pode

esclarecer a relaccedilatildeo reciacuteproca entre o universal e o particular [e] evita uma orienta-ccedilatildeo puramente abstrata sem abandonar princiacutepios universais pois a educaccedilatildeo pres-supotildee um processo de inserccedilatildeo num mundo compartilhado de valores e crenccedilas sem o qual qualquer dialeacutetica entre individualizaccedilatildeo e socializaccedilatildeo estaria condenada ao fracasso (2010 p104)

Continuando o pensamento para a autora haacute ldquoum miacutenimo de normas morais validadas

intersubjetivamente que constituem nosso ethos e sem as quais se torna muito difiacutecil edificar

a formaccedilatildeo humana O compartilhamento de valores e regras comuns permite projetar um

mundo sob o qual se daacute a base de nossas conversaccedilotildeesrdquo (Ibidem p105) Dessa forma perce-

be-se a dinacircmica que ocorre entre a aproximaccedilatildeo docom o outro e a construccedilatildeo de si indi-

cando o real sentido de pensar a relaccedilatildeo segundo o modelo do elencos a dinacircmica que potildee os

diversos atores como responsaacuteveis pela autoconstruccedilatildeo e pela coesatildeo do todo Somente quan-

do a proximidade permite a proacutepria identidade eacute que se torna possiacutevel projetar uma situaccedilatildeo

em que a diferenccedila eacute motivo de coesatildeo natildeo de rupturas O contraacuterio quando a aproximaccedilatildeo

impede o si mesmo a individualidade o ldquocompartilhamento de valores e regras comunsrdquo eacute

impossibilitado ou ocorre somente de modo aparente E isso devido ao fato de a coerccedilatildeo ge-

rar coesatildeo somente aparente

Sob esta oacutetica o pensamento pode significar um modo de aproximar-se do outro cuja

dinacircmica eacute o desencadear compreensivo gerado pela aproximaccedilatildeo real efetiva que nos potildee

face-a-face Com a aproximaccedilatildeo se estabelece a relaccedilatildeo oposta agrave dominaccedilatildeo gerada pela ca-

pacidade de distanciamento a qual pressupotildee indiferenciaccedilatildeo ndash a dominaccedilatildeo eacute possiacutevel so-

mente para quem eacute indiferente e para ser indiferente natildeo pode ocorrer a aproximaccedilatildeo efetiva

A racionalidade da aproximaccedilatildeo natildeo compactua com a tendecircncia ao equivalente que marca a

forma de relaccedilatildeo sob a oacutetica da instrumentalidade e do princiacutepio da disponibilidade Eacute exata-

mente pelo fato de o outro natildeo estar simplesmente disponiacutevel a mim e ao meu intelecto que

me obriga a natildeo trataacute-lo como simples objeto do meu querer (instrumentalizaccedilatildeo) Nessa di-

nacircmica eacute que deve ser pensada a tensatildeo entre aproximaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo aproximaccedilatildeo e

construccedilatildeo A aproximaccedilatildeo que gera diferenciaccedilatildeo permite a construccedilatildeo tanto do si quanto do

outro e ateacute mesmo construccedilatildeo do todo

A expressatildeo ldquofragmento de alteridaderdquo (TE p18) indica esta racionalidade orientada

por uma siacutentese que natildeo desfaz a alteridade A proacutepria possibilidade de aproximaccedilatildeo envolve

a possibilidade de haver um inteiramente outro como um fragmento de alteridade que faz

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tambeacutem parte da proacutepria possibilidade de aproximaccedilatildeo enquanto comunicaccedilatildeo de diferenci-

ados Na relaccedilatildeo com meu diferente na diferenccedila especiacutefica entre noacutes estou em relaccedilatildeo com

o que eu natildeo sou mas que ao mesmo tempo permite fazer de mim uma singularidade Se

houver alguma siacutentese ndash no sentido de conhecimento ndash contudo ela natildeo extingue tais frag-

mentos os quais permanecem no diferenciado

Os fragmentos de alteridade interferem no processo de siacutentese operada pelo entendi-

mento No momento em que consigo referir todas as representaccedilotildees a mim enquanto ser de

experiecircncia esta siacutentese natildeo eacute uma simples imposiccedilatildeo ao real pois para aleacutem de toda compre-

ensatildeo reside a possibilidade da novidade do renovar da experiecircncia diante de algo que eacute sem-

pre inteiramente outro Assim ldquosubstitui o princiacutepio de unidade e a onipotecircncia do conceito

soberano pela ideacuteia daquilo que existiria fora do feiticcedilo de tal unidaderdquo (DN 2005 p10) Eacute

ilusatildeo a crenccedila de que pela tentativa de unidade nada reste do outro A filosofia pode se ori-

entar pela tendecircncia do uno mas natildeo pode negar a fraqueza do conceito ao estabelecer o uno

como que havendo um envolvimento total das particularidades nessa totalidade

Em sentido contraacuterio a dialeacutetica negativa substitui esse feiticcedilo por aquilo que existe

fora dele Um segundo giro-copernicano colocaria no centro do debate filosoacutefico os fragmen-

tos de alteridade aquilo que resta depois de satisfeita a sanha de tudo abocanhar Nisso estaacute o

sentido de dialeacutetica jaacute que ldquoseu nome a princiacutepio natildeo diz nada mais que os objetos natildeo se

reduzem a seu conceito que entram em contradiccedilatildeo com a norma tradicional da adaequatiordquo

(DN 2005 p 17) E isto devido ao fato de que o ldquoconhecimento natildeo interioriza por completo

nenhum de seus objetosrdquo (p24) e exatamente por natildeo serem objetos completamente apreen-

siacuteveis eacute que tecircm a capacidade de pocircr em movimento processos de pensamento processos de

compreensatildeo que se efetivam pela aproximaccedilatildeo

Considerando a esteacutetica enquanto relaccedilatildeo entre diferenciados sem a acircnsia de posse

como alteridades permanentes o caraacuteter de aproximaccedilatildeo assume efeito decisivo de apariccedilatildeo

Natildeo somente eu percebo o outro ou seja natildeo eacute unicamente ato de minha consciecircncia mas

tambeacutem eacute o outro que aparece que se lanccedila ao meu olhar se deixa apreender A atitude esteacute-

tica eacute a secularizaccedilatildeo do ato religioso da revelaccedilatildeo duas presenccedilas que se potildee em direccedilatildeo

uma agrave outra para um encontro que resulta no aacutepice da experiecircncia e permita a construccedilatildeo de

sentido tatildeo somente a partir disso

Chegamos entatildeo ao conceito de construccedilatildeo no qual natildeo ocorre a prioridade dos pro-

cessos subjetivos Eacute possiacutevel afirmar a concordacircncia de Adorno com o ideal de construccedilatildeo

grego claacutessico

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o bloco de maacutermore e as teclas de um piano nas quais respectivamente uma escultu-ra e uma composiccedilatildeo esperam ser libertadas satildeo para tal tarefa provavelmente mais do que metaacuteforas As tarefas trazem em si a sua soluccedilatildeo objetiva pelo menos no in-terior de uma certa margem de variaccedilatildeo embora natildeo possuam a univocidade de e-quaccedilotildees A accedilatildeo do artista eacute o ponto miacutenimo entre o problema a mediatizar perante o qual ele se vecirc e que jaacute estaacute de antematildeo traccedilado e a soluccedilatildeo que igualmente se en-contra de modo potencial no material Se ao utensiacutelio se chamou um braccedilo prolon-gado poder-se-ia chamar ao artista um utensiacutelio prolongado utensiacutelio da passagem da potencialidade agrave atualidade (TE p190)

Assim em Adorno eacute necessaacuterio ldquoseparar-se daquela comparaccedilatildeo grosseira com o su-

jeito criativo que por uma exuberacircncia presunccedilosa transforma a obra de arte em documento

do seu criador e assim a diminuirdquo (TE p194) Na Teoria esteacutetica ocorre a suspeita diante da

posiccedilatildeo de um sujeito que constroacutei em uma adequaccedilatildeo do material a uma forma existente na

mente de tal sujeito A tendecircncia de Adorno estaacute mais em conceber a capacidade de mediaccedilatildeo

para as possibilidades jaacute existentes no material ldquotudo ainda laacute estaacute No teclado de qualquer

piano estaacute contida a Appassionata soacute que o compositor deve extraiacute-la e para isso natural-

mente eacute preciso ser Beethovenrdquo (EXP p24) E nesse ato natildeo haacute a posse plena de tais mo-

mentos pelo sujeito pois

implica sempre o primado dos procedimentos construtivos em relaccedilatildeo agrave imaginaccedilatildeo subjetiva A construccedilatildeo impotildee soluccedilotildees que o ouvido ou o olho que as representam natildeo tecircm imediatamente presentes em toda a claridade O imprevisto natildeo soacute eacute efeito mas possui igualmente um lado objetivo Isso se encontra modificado numa nova qualidade (TE p36)

No conceito de construccedilatildeo e imprevisto evidencia-se a relaccedilatildeo natildeo de um sujeito sobre

um objeto passivo mas uma dinacircmica construtiva na qual os dois poacutelos tanto o artista quanto

material satildeo atuantes no ato produtivo ldquotornou-se entretanto manifesto que as obras devem

conter caracteriacutesticas as quais no processo de produccedilatildeo natildeo satildeo previsiacuteveis e que subjeti-

vamente o artista era surpreendido pelas suas proacuteprias obrasrdquo (TE p51) O que natildeo significa

espontaneiacutesmo como que em um agir do indiviacuteduo desprovido de criteacuterios racionais de pro-

cedimentos teacutecnicos especializados mas indica tatildeo somente usando o exemplo da composi-

ccedilatildeo ao piano a necessidade de extrair aquilo que jaacute estaacute posto no instrumento Natildeo imponho

um som apenas permito a manifestaccedilatildeo das possibilidades jaacute existentes no instrumento

Nessa dinacircmica de construccedilatildeo e possibilidade do imprevisto na qual se insere a sur-

presa ou a novidade vinda da proacutepria obra Adorno insere a categoria do novo Com isso de

imediato eacute possiacutevel indicar a contraposiccedilatildeo de obras padronizadas ao gosto do cliente na

mercantilizaccedilatildeo das produccedilotildees cujo criteacuterio eacute o modismo e na possibilidade de o cliente pro-

jetar suas emoccedilotildees o que eacute em grossas palavras o produto da induacutestria cultural A contrapo-

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siccedilatildeo ao novo sugerida aqui autoriza-se pela caracteriacutestica imediatamente oposta a do sem-

pre-semelhante

A produccedilatildeo em seacuterie ndash seja da arte ou dos bens de consumo e nesse caso a proacutepria arte

seria um bem de consumo ndash acompanha o padratildeo do sempre-semelhante e visualizando a

educaccedilatildeo visualizando o proacuteprio humano impede a manifestaccedilatildeo da riqueza constitutiva in-

terna a possibilidade de ser natildeo-idecircntico o natildeo-semelhante a proacutepria manifestaccedilatildeo do novo

que eacute cada ser humano Apesar de isso ser objeto de discussatildeo mais detalhada do uacuteltimo capiacute-

tulo eacute viaacutevel afirmar jaacute aqui que educar eacute permitir a manifestaccedilatildeo qualificada da riqueza

constitutiva do indiviacuteduo enquanto algo novo e nessa autoconstruccedilatildeo de si gerar a identida-

de de si a construccedilatildeo do proacuteprio sujeito

Poreacutem esse novo conforme jaacute destacado natildeo eacute algo imposto de fora mas eacute a mani-

festaccedilatildeo de algo jaacute existente poreacutem natildeo evidenciado Enfaticamente o novo eacute somente aquilo

que permite romper com o sempre-semelhante conduzindo a conceitos como outro e alteri-

dade ldquoA relaccedilatildeo ao Novo tem o seu modelo na crianccedila que busca no piano um acorde jamais

ouvido ainda virgem No entanto o acorde existia jaacute desde sempre As possibilidades de

combinaccedilatildeo satildeo limitadas na verdade tudo jaacute se encontra no tecladordquo (TE p45) O desafio

estaacute em fazer com que o outro perceba esse novo em si mesmo e natildeo menos importante con-

seguir perceber isso no outro No novo estaacute entatildeo a expressatildeo do concreto a manifestaccedilatildeo

para aleacutem daquilo que estaacute evidente reafirmando o sentido de dialeacutetica ldquoA dialeacutetica eacute a cons-

ciecircncia consequente da natildeo-identidaderdquo (DN 2005 p17) Em primeiro lugar cabe destacar

que partindo dessa ideia a dialeacutetica natildeo eacute um meacutetodo mas um modo de consciecircncia Consci-

ecircncia esta adquirida apoacutes romper com a ideoloacutegica concepccedilatildeo de pensamento com funccedilatildeo

exclusivamente identificadora Assim temos a impossibilidade de haver identidade e ao

mesmo tempo existir a dialeacutetica ndash a dialeacutetica se opotildee ao pensamento identificador pensar na

identidade eacute pensar natildeo dialeticamente pois anula sua condiccedilatildeo primeira o divergente disso-

nante negativo diferenciado

Conforme a Dialeacutetica negativa (2005 p18) a consequecircncia primeira gerada pela anu-

laccedilatildeo da dialeacutetica promovida pelo pensamento identificador eacute o empobrecimento da experi-

ecircncia A aproximaccedilatildeo natildeo ocorre mais com o criteacuterio de permitir o novo e o diferenciado mas

enclausurando o individual dentro de padrotildees de validade universal Toda a diversidade da

experiecircncia eacute sacrificada juntamente com a diversidade do outro em nome de uma adequaccedilatildeo

e uniformidade abstrata

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Sob condiccedilotildees sociais sobretudo aquelas referentes agrave educaccedilatildeo que dominam orientam atrofiam de muacuteltiplas formas as forccedilas produtivas espirituais sob a dominante pobreza imaginativa [] seria fictiacutecio supor que todos poderiam entendecirc-lo ao todo ou sequer percebecirc-lo Esperar isso seria organizar o conhecimento segundo os traccedilos patoloacutegicos de uma humanidade a qual segundo a lei da igualdade lhe eacute arrebatada a possibilidade de criar experiecircncias se eacute que alguma vez a tenha possuiacutedo (DN 2005 p48-49)

O imperativo dialeacutetico do pensamento o qual conduz agrave possibilidade de criar experi-

ecircncia aponta a necessidade de ldquopensar de tal modo que a forma do pensamento natildeo mais tor-

ne seus objetos coisas inalteraacuteveis que permanecem iguais a si mesmas a experiecircncia des-

mente que eles o sejamrdquo (DN 2009 p134) Os objetos aqui mencionados satildeo os objetos do

pensamento ou seja os conceitos criados pelo pensamento a partir da experiecircncia Indica-se

a necessidade de construccedilatildeo conceitual em confronto permanente com o concreto Assim o

conceito natildeo eacute uma ferramenta a partir da qual o concreto eacute tratado mas esta ferramenta eacute o

proacuteprio ato de pensar

O conceito enquanto resultado da relaccedilatildeo entre pensamento e concretude permite a-

penas uma compreensatildeo daquilo a que se direciona de modo bem direto e portanto passiacutevel

de mudanccedila jaacute que o concreto sofre a accedilatildeo do tempo e do proacuteprio espaccedilo A proacutepria Dialeacutetica

negativa (2009 p136) leva ao extremo a citaccedilatildeo anterior compreendendo o conceito como

algo natildeo-idecircntico nem sequer a si mesmo muito menos com aquilo ao qual se refere Ou seja

ele se determina por aquilo que lhe eacute exterior de modo que natildeo se esgota em si mesmo sendo

impossiacutevel aos objetos do pensamento ndash o conceito ndash ser inalteraacutevel e igual a si mesmo

A dissonacircncia proacutepria das cores sons e imagens no mundo artiacutestico tambeacutem se con-

verte em criteacuterio de racionalidade Eacute o que se percebe por exemplo em uma obra brasileira

como o Rudepoema de Heitor Villa-Lobos na qual o entendimento se depara com sua insufi-

ciecircncia na resoluccedilatildeo do sentido sendo a obra ao mesmo tempo resistecircncia e abertura agrave inter-

pretaccedilatildeo Por ser resistecircncia permanece em seu para si enquanto abertura eacute direcionada agrave

razatildeo interpretativa Sendo assim toda aproximaccedilatildeo eacute sinocircnimo de sentido revelado e reserva

de sentido Por isso que a constituiccedilatildeo do esteacutetico em Adorno tem como objetivo principal pocircr

em movimento processos de pensamento e a verdade encontra sua significaccedilatildeo tatildeo somente

naquilo que natildeo estaacute em harmonia com o sentido administrado imposto Ou seja o verdadei-

ro surge diante daquilo que permite ao ser humano ser forma de alteridade em sua permanen-

te reserva de sentido Em outras palavras a verdade estaacute na aproximaccedilatildeo e natildeo na apropria-

ccedilatildeo

Incorporada a esta noccedilatildeo de sujeito esteacutetico estaacute a dimensatildeo comunicativa Somente haacute

comunicaccedilatildeo ou diaacutelogo quando o pressuposto relacional for paciacutefico e dessa forma natildeo

71

tiver a pretensatildeo de reduccedilatildeo epistemoloacutegica ao sentido que o sujeito apreende ou atribui A

comunicaccedilatildeo somente se efetiva na paz do diferenciado quando eacute possiacutevel ser outro sem te-

mor

Se fosse permitido especular sobre o estado de reconciliaccedilatildeo natildeo caberia imaginaacute-lo nem sob a forma de indiferenciada unidade de sujeito e objeto nem sob a de sua hos-til antiacutetese antes a comunicaccedilatildeo do diferenciado [] Paz eacute um estado de diferenci-accedilatildeo sem dominaccedilatildeo no qual o diferente eacute compartido (PS p184)

A marca da comunicabilidade estaacute na interioridade que realiza a abertura e o fecha-

mento A primeira por natildeo existir plena identidade no princiacutepio de realidade sendo a tensatildeo

dialeacutetica natural e pressuposto para o encontro e para a proacutepria concepccedilatildeo de verdade em A-

dorno A segunda por evitar que o proacuteprio ser humano se perca em meio ao jogo de diferen-

ciados Ou seja eacute preciso que ocorra a identidade do sujeito consigo mesmo o reconhecimen-

to de sua proacutepria subjetividade enquanto nuacutecleo de forccedila ndash noccedilatildeo de siacutentese apresentada no

terceiro capiacutetulo Abertura e fechamento identidade e natildeo identidade satildeo condiccedilotildees para um

sujeito provido de subjetividade ndash significa condiccedilatildeo e capacidade de pensamento bem como

constituiccedilatildeo da proacutepria condiccedilatildeo humana no interior do mundo

A ecircnfase dada agrave comunicaccedilatildeo remete ao sujeito que se constitui enquanto ser histoacuterico

ou seja enquanto ser-aiacute enquanto presenccedila posta e mediada pelo elemento comunicativo Eacute o

singular caracterizado como ser-aiacute natildeo o em-si kantiano inapreensiacutevel pelo entendimento

humano mas aquilo que estaacute dado e nessa presenccedila impossiacutevel de ser ignorado ldquoA comuni-

caccedilatildeo com o outro cristaliza-se no singular que eacute mediado por ela em seu ser-aiacuterdquo (DN 2009

p140) Eacute fundamental destacar que a comunicaccedilatildeo entre diferenciados eacute mediada pelo proacuteprio

ato de comunicaccedilatildeo e natildeo nas estruturas a priori do sujeito Nesse sentido eacute que se compre-

ende a primazia da relaccedilatildeo cuja mediaccedilatildeo eacute o ato comunicativo mesmo A individuaccedilatildeo eacute

dada pela comunicaccedilatildeo pelo enfrentamento que busca o comum (universal) e o diferente (al-

teridade)

Esta tensatildeo entre universal e particular a qual se manteacutem enquanto houver comunica-

ccedilatildeo natildeo se caracteriza por uma relaccedilatildeo comparativa entre individualidades Se comunicaccedilatildeo

fosse isso entatildeo tudo se resolveria no ato dedutivo a partir do pensamento Por exemplo mu-

nido dos referenciais sobre o que caracteriza um ser humano poderiacuteamos falar e atribuir valor

sobre qualquer indiviacuteduo mesmo sem relaccedilatildeo efetiva Esse modo de proceder natildeo pode ser

denominado comunicaccedilatildeo pois faz-se ausente o singular que em seu ser-aiacute permite a comu-

nicaccedilatildeo

72

O centro dessa discussatildeo estaacute no fato de que natildeo eacute possiacutevel progredir do particular ao

universal somente pela forccedila do pensamento ldquonatildeo se progride a partir de conceitos e por eta-

pas ateacute o conceito superior mais universal mas esses conceitos entram em uma constelaccedilatildeo

Essa constelaccedilatildeo ilumina o que haacute de especiacutefico no objeto e que eacute indiferente ou um peso para

o procedimento classificatoacuteriordquo (DN 2009 p140) Atraveacutes do conceito de constelaccedilatildeo A-

dorno propotildee uma congregaccedilatildeo de momentos e sentidos que se comunicam e sem subsumir

nenhum deles compotildeem a riqueza de sentido Cabe destacar que nenhum dos momentos se

eleva em potecircncia essencial mas todos pontuam um momento permanente (que natildeo eacute negado

na figura do outro momento) na constituiccedilatildeo do sentido de modo que natildeo eacute o primado da

razatildeo doadora de sentido mas o sentido que se forma na ligaccedilatildeo dos momentos histoacutericos

Constelaccedilatildeo natildeo eacute representaccedilatildeo mas apresentaccedilatildeo daquilo que natildeo pode ser compreendido

isoladamente Eacute histoacuteria que engloba o indiviacuteduo e na qual ele estaacute inserido Perceber a cons-

telaccedilatildeo eacute nada mais que perceber e interpretar aquilo que eacute condicionado historicamente ndash

conhecer eacute pensar em constelaccedilatildeo

Essa histoacuteria estaacute nele e fora dele ela eacute algo que o engloba e em que ele tem seu lu-gar Perceber a constelaccedilatildeo na qual a coisa se encontra significa o mesmo que deci-frar aquilo que ele porta em si enquanto algo que veio a ser [] Somente um saber que tem presente o valor histoacuterico conjuntural do objeto em sua relaccedilatildeo com os ou-tros objetos consegue liberar a histoacuteria no objeto (DN 2009 p141)

Com a constelaccedilatildeo que constitui sentido via comunicaccedilatildeo ocorre a abertura do enigma

que se quer decifrar Adorno utiliza a metaacutefora do cofre para expressar o sentido que a conste-

laccedilatildeo assume em sua teoria como os cadeados em um cofre-forte a abertura natildeo ocorre ldquoape-

nas por meio de uma uacutenica chave ou de um uacutenico nuacutemero mas de uma combinaccedilatildeo numeacuteri-

cardquo (DN 2009 p142)

Assim sendo na obra de arte ocorre comunicaccedilatildeo ela mesma comunica Mas natildeo eacute

comunicaccedilatildeo de uma mensagem que se pode simplesmente extrair e que estaacute evidente sendo

antes a manifestaccedilatildeo do concreto Em Adorno a obra somente eacute artiacutestica se permitir tal mani-

festaccedilatildeo abrindo espaccedilo para o surgimento do algo mais o surgimento daquilo que eacute para

aleacutem do que se mostra imediatamente Mantendo a arte essa relaccedilatildeo com o concreto sendo

um ldquodesdobramento da verdaderdquo (TE p123) ela se converte em impulso e possibilidade de

esclarecimento em oposiccedilatildeo radical aos produtos da induacutestria da cultura

Essa eacute a linguagem da obra de arte seu modo de expressatildeo e que lhe daacute autenticidade

ldquoo meio pelo qual as obras de arte existentes satildeo mais do que a existecircnciardquo ndash ou seja pela sua

existecircncia permitem a manifestaccedilatildeo do concreto do mais ndash este meio ldquonatildeo eacute um novo ser-aiacute

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mas a sua linguagem As obras autecircnticas falam mesmo quando recusam a aparecircnciardquo (TE

p124) Essa recusa da aparecircncia volta a fazer referecircncia ao concreto indicando que ldquodeveria

derrubar-se a doutrina da imitaccedilatildeo num sentido sublimado a realidade deve imitar as obras

de arte Mas o fato de as obras de arte existirem mostra que o natildeo-ente poderia existir A rea-

lidade das obras de arte daacute testemunho da possibilidade do possiacutevelrdquo (TE p153 - grifo nos-

so) Em uacuteltima instacircncia o que temos eacute a construccedilatildeo de sentido via expressatildeo comunicaccedilatildeo

linguagem Para isso faz-se necessaacuteria a dinacircmica da aproximaccedilatildeo dos diferentes como possi-

bilidade desta construccedilatildeo do sentido desse outro do sentido de mim mesmo da autoconsci-

ecircncia

5 O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO NA FORMACcedilAtildeO HUMANA

Analisando a obra adorniana observa-se a preocupaccedilatildeo com o corpo como sendo o

desencadeador das reflexotildees sobre eacutetica A experiecircncia do corpo danificado transforma-se em

incentivo ao pensamento e agrave consideraccedilatildeo pelo outro eacute a teoria que lanccedila seu olhar para a

vida posta em seu limite Quando afirma na Dialeacutetica negativa e na Teoria esteacutetica o pro-

blema de elevar a dor ao conceito e o consequente mutismo que este viria a enfrentar Adorno

aponta para a natildeo-compatibilidade entre entendimento conceito e linguagem quando a refe-

recircncia natildeo estaacute dada pelo viacutenculo direto com o real o concreto conforme abordado no capiacutetu-

lo anterior

Deve-se destacar retomando o quarto capiacutetulo que o concreto eacute considerado por A-

dorno como o local a partir do qual se deve filosofar O que significa agora em uma amplia-

ccedilatildeo das discussotildees que o ato de pensar de construir sentido o ato de compreensatildeo e interpre-

taccedilatildeo proacuteprio da filosofia tem sua origem no momento em que nos deparamos com esta alteri-

dade este outro cuja reserva de sentido permite o constante progresso no conhecimento O

local ocupado por este outro o outro propriamente dito assume o centro das discussotildees

Diante disso proponho uma referecircncia agrave literatura e agrave filosofia a fim de percebermos

como a presenccedila do outro define a compreensatildeo humana nosso ato de pensar e nossa accedilatildeo

As obras A condiccedilatildeo humana18 (Andreacute Malraux) publicada em 1933 e A espeacutecie humana19

(Robert Antelme) publicada em 1957 satildeo emblemaacuteticas em sua relaccedilatildeo com a proposta filo-

soacutefica de Theodor Adorno e suas reflexotildees sobre a moral Em um primeiro momento estabe-

leccedilo essa relaccedilatildeo para em seguida indicar o sentido eacutetico que deveria estar presente na ativi-

dade educacional a qual seraacute defendida sob o enfoque do plasmar linguiacutestico

51 Entre o eu e o outro ou quando a presenccedila nos manteacutem humanos

Em ambas as obras da literatura acima citadas ocorre uma indicaccedilatildeo interessante sobre

o sentido eacutetico da accedilatildeo humana o sentido eacutetico da presenccedila o eu que permanece humano por

conseguir perceber o concreto que eacute o outro e o concreto que eacute si mesmo Os dois casos que

seratildeo expostos trazem ao centro da discussatildeo a experiecircncia do corpo a experiecircncia propria-

mente dita e que marca um modo de pensar e de agir conduzido por um excedente a efetivi-

18 Obra traduzida por Ivo Barroso e editada no Brasil pela Record estando em 2008 em sua segunda ediccedilatildeo 19 Da coleccedilatildeo Os afluentes da memoacuteria teve a traduccedilatildeo para o portuguecircs de Portugal feita por Clara Alvarez Foi publicada pela editora Ulisseia de Lisboa em 2003

75

dade do outro e seu apelo por existir a experiecircncia do outro que reivindica algo como eacute pro-

blematizado na Minima moralia quando Adorno afirma que

No desaparecimento da experiecircncia um fato possui uma consideraacutevel responsabili-dade que as coisas sob a lei de sua pura funcionalidade adquirem uma forma que restringe o trato delas a um mero manejo sem tolerar um soacute excedente ndash seja em termos de liberdade de comportamento seja de independecircncia da coisa ndash que subsis-ta como nuacutecleo da experiecircncia porque natildeo eacute consumido pelo instante da accedilatildeo (MM 19 p33)

A dinacircmica exposta tensiona o desaparecimento da experiecircncia e do excedente que

subsiste como nuacutecleo de experiecircncia se nossa capacidade perceptiva permite que algo nos

seja dado esse algo (outro) exige ser percebido em sua concretude a qual natildeo tolera o sim-

ples manejo de nosso proacuteprio entendimento Esta eacute a proposta da obra adorniana evitar a anu-

laccedilatildeo do outro a cegueira diante deste excedente agrave experiecircncia que se compreende como o

concreto Excedente esse que deveria se constituir em incentivo agrave accedilatildeo A fim de compreen-

der melhor o sentido disso busco referecircncia com as obras A condiccedilatildeo humana e A espeacutecie

humana

Toda a obra de Andreacute Malraux aqui em evidecircncia estaacute permeada pelo limite que o

corpo a presenccedila do outro impotildee Seja em termos de luta poliacutetica conflitos ideoloacutegicos seja

em questotildees amorosas o outro sempre aparece para aleacutem de sua funcionalidade natildeo admitin-

do um simples manejo que impede sua liberdade e sua existecircncia concreta Incisivamente eacute

preciso entrar na luminosidade provinda do corpo A cena que abre sua A condiccedilatildeo humana

merece total destaque sendo aqui apresentada em seus aspectos principais

Logo na primeira paacutegina satildeo relatadas as circunstacircncias do personagem que estando

diante da viacutetima a ser assassinada percebe-se separado dessa por um veacuteu uma cortina que o

impede de ver o corpo Assim sendo tudo leva agrave certeza da facilidade que seria matar No

entanto Tchen se depara com um limite uma parte do corpo estaacute descoberta Esse fato provo-

ca Tchen e inicia-se entatildeo um processo de pensamento o momento de reconhecimento do

outro Poreacutem este reconhecimento natildeo ocorre considerando o posto ocupado pela viacutetima em

potencial ou por causa de sua posiccedilatildeo social ou pelo forte senso do dever de Tchen Mas eacute

reconhecimento que ocorre por um uacutenico motivo o contato com o corpo Este eacute o elemento

constituidor de toda consciecircncia de dever o instante em que o limite do outro se impotildee

Tchen tentaria erguer o cortinado Golpearia atraveacutes dele [Estava diante de] um corpo menos visiacutevel que uma sombra e do qual saiacutea apenas aquele peacute semi-inclinado pelo sono mas mesmo assim vivente ndash carne de homem [] [Tchen] sa-bia que o iria matar Preso ou natildeo executado ou natildeo pouco importa Nada mais e-

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xistia aleacutem daquele peacute do homem que devia golpear sem que pudesse defender-se [] Aquele peacute vivo como um animal adormecido Era o teacutermino de um corpo lsquoEs-tarei ficando idiotarsquo Era necessaacuterio ver aquele corpo Vecirc-lo ver-lhe a cabeccedila para tanto entrar na luminosidade deixar que sua sombra atarracada passasse sobre a cama Qual a resistecircncia da carne [] Mataacute-lo natildeo era nada tocaacute-lo eacute que era im-possiacutevel (MALRAUX 2008 p19-21)

E esse processo de reflexatildeo que se desencadeou mediante a percepccedilatildeo do corpo do ou-

tro aleacutem de permitir reconhecer esse outro originou o proacuteprio reconhecimento de si ldquoTchen

descobria em si ateacute a naacuteusea natildeo o combatente que esperava mas um sacrificador [] lsquoAs-

sassinar natildeo eacute apenas matarrsquordquo (ibidem p20) e por isso mesmo o personagem percebe estar

fora do ldquomundo dos homensrdquo (p19)

Deparamo-nos com o fato fundamental o veacuteu da abstraccedilatildeo natildeo nos deixa perceber o

limite do corpo a carne humana Tchen teria que erguer o cortinado mas se o fizesse depa-

rar-se-ia com o corpo mas mesmo assim precisava entrar em sua luminosidade Essa expres-

satildeo de Malroux indica outra forma de luminosidade para aqueacutem da luz da razatildeo o sentido

natildeo estaacute dado previamente pela razatildeo o espaccedilo natildeo eacute somente uma categoria da razatildeo como o

quis Kant condiccedilatildeo para conhecer algo antes mesmo de ocorrer a experiecircncia sensiacutevel eacute sim

espaccedilo ndash local ndash ocupado pelo outro constituiacutedo por ele luminosidade para aleacutem do sentido

atribuiacutedo pelo sujeito que se depara com um simples objeto luminosidade que antecede a

consideraccedilatildeo do outro atraveacutes do puro senso do dever Eacute luz que proveacutem do local que o corpo

ocupa ndash eacute necessaacuterio ver o corpo entrar em sua luminosidade Somente diante deste fato eacute que

o braccedilo do algoz freia pois encontra a resistecircncia da carne

Eacute possiacutevel realizar uma conexatildeo com a obra adorniana tendo como referecircncia aquilo

que constitui a subjetividade aquilo que estaacute para aleacutem do eu mas assume seu momento ori-

ginaacuterio da proacutepria atividade subjetiva do eu Este momento originaacuterio ldquoeacute um choque sofrido

pelo sujeito ndash da materialidade social que penetra na constituiccedilatildeo de sua natureza interna ndash e

que o obriga a pensarrdquo (ALVES JUacuteNIOR 2005 p71) Evidencia-se o viacutenculo com a obra de

Andreacute Malraux ndash A condiccedilatildeo humana ndash no momento em que a materialidade obrigou o assas-

sino a pensar no deparar-se com o corpo da potencial viacutetima Esse choque estaacute na origem das

consideraccedilotildees sobre a eacutetica perpassando toda a accedilatildeo humana como sinal da presenccedila concreta

do outro

Alves Juacutenior denomina isto de ldquovertigem da razatildeo diante da materialidaderdquo (idem

p16) o que corresponde agrave perspectiva fundante das reflexotildees sobre moral em Adorno O afo-

rismo da Minima moralia que considero emblemaacutetico em relaccedilatildeo a isso eacute denominado Para

uma dialeacutetica do tacto (MM 16 p29-30) Em referecircncia a Goethe Adorno analisa a ldquoplena

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consciecircncia da iminente impossibilidade de toda relaccedilatildeo humana no interior da sociedade in-

dustrial nascenterdquo Diante desse problema o tato foi considerado ldquoo expediente salvador entre

os seres humanos alienados [] Tacto e humanidade ndash para ele a mesma coisa ndash percorreram

entrementes precisamente o caminho do qual em sua opiniatildeo deveriam nos preservarrdquo Essa

dialeacutetica civilizadora que permitiria a preservaccedilatildeo da humanidade mediante a percepccedilatildeo do

outro em sua corporeidade ndash o tato em sentido bem geral ndash foi interrompida no momento em

que os indiviacuteduos tornaram-se indiferentes e natildeo mais reconheceram o outro Nesse momento

o tato ldquonatildeo alcanccedila o indiviacuteduo e acaba por lhe fazer uma infinita injusticcedilardquo Natildeo alcanccedila o

indiviacuteduo devido a um avanccedilo que nos fez infinitamente autocircnomos em detrimento radical do

heterocircnomo Pela salvaccedilatildeo do tato poderiacuteamos salvar o viacutenculo heterocircnomo natildeo enquanto

determinaccedilatildeo dada pelo outro a mim sendo o eu um mero objeto dessa accedilatildeo do outro mas

como possibilidade da percepccedilatildeo e consideraccedilatildeo dessa alteridade em seu momento originaacuterio

ndash algo que existe que estaacute aiacute e por isto precisa ser reconhecido

Pelo reconhecimento dessa alteridade realizar-se-ia a autonomia a constituiccedilatildeo de si

Se para Aristoacuteteles o sujeito eacute identificado como o motor imoacutevel ou seja a substacircncia para

Adorno eacute possiacutevel pensar uma salvaccedilatildeo dessa dimensatildeo interna essa constituiccedilatildeo proacutepria que

faz com que o indiviacuteduo seja mais que indiviacuteduo seja sujeito forccedila movente proacutepria Poreacutem

forccedila interna natildeo natural desde sempre dada mas mediada pelas experiecircncias e constituiccedilotildees

histoacutericas de si mesmo A formaccedilatildeo da autonomia passaria necessariamente pela dialeacutetica do

tato pelo reconhecimento da heteronomia a qual natildeo extingue a necessidade de autonomia

apenas indica a constituiccedilatildeo do eu a partir das experiecircncias construiacutedas com o outro A auto-

nomia eacute reconhecida por Adorno como possibilidade de realizaccedilatildeo do humano ldquoO fim objeti-

vo da humanidade eacute apenas uma outra expressatildeo para a mesma coisa Significa que o indiviacute-

duo enquanto indiviacuteduo como representante do gecircnero humano perdeu a autonomia atraveacutes

da qual poderia realizar efetivamente o gecircnerordquo (MM 17 p31)

O criteacuterio do reconhecimento do outro como criteacuterio para firmar sua autonomia sua

identidade seu eu o qual permitiria realizar a humanidade exige fazer referecircncia agrave obra A

condiccedilatildeo humana Como caminho para chegar a esta obra faccedilo referecircncia de passagem a

Rousseaue seu ideal de reconhecimento do sentimento do outro como sendo o nuacutecleo de suas

consideraccedilotildees sobre moral O meio humano ou se quisermos admitir o termo habitat huma-

no encontra sua significaccedilatildeo em um elemento possiacutevel de se encontrar ainda no autor do Dis-

curso sobre a origem e fundamentos das desigualdades entre os homens definindo a condi-

ccedilatildeo para a humanizaccedilatildeo o encontro

78

Conforme seu segundo discurso enquanto o homem vagava como selvagem no interi-

or da selva com preocupaccedilotildees exclusivas de alimentaccedilatildeo descanso e procriaccedilatildeo com as ope-

raccedilotildees do sentir querer e temer natildeo havia distinccedilotildees imediatas entre ele e os demais animais

selvagens Somente quando passa a efetivar o encontro duradouro marcado pela cabana e

consequente constituiccedilatildeo dos laccedilos familiares propriamente ditos eacute que seus sentimentos mu-

dam e assim eacute possiacutevel dizer que este ser antes selvagem firma seu passo em um novo mei-

o Agora o sentimento de amor e de cuidado passa a fazer parte desse meio e ele se torna efe-

tivamente humano Poreacutem nesse processo de construccedilatildeo do humano um elemento ficou fa-

lho e o amor e o cuidado ficaram restritos aos limites da moradia ou ao proacuteprio si-mesmo

Tal elemento para Rousseau eacute a virtude da piedade Duas passagens do Discurso sobre a

origem e fundamentos das desigualdades entre os homens enfatizam essa virtude

A primeira citaccedilatildeo remete ao problema de toda possiacutevel barbaacuterie real ou imaginaacuteria

de todo totalitarismo possiacutevel pela natildeo identificaccedilatildeo do indiviacuteduo com o seu gecircnero Quando

abstraio torna-se permitido exterminar pois natildeo faz mais parte da humanidade ldquoCom efeito a

comiseraccedilatildeo seraacute tanto mais eneacutergica quanto mais intimamente o animal espectador se identi-

ficar com o animal sofredorrdquo (DOD p191) A identificaccedilatildeo eacute a consideraccedilatildeo do outro como

um ser tatildeo humano quanto eu e portanto natildeo passiacutevel de nada que tente reduzir ou abstrair a

dignidade dessa sua condiccedilatildeo Assim sendo a virtude da piedade permite o sair de si em dire-

ccedilatildeo ao outro ou seja eacute a condiccedilatildeo da solidariedade remetendo agrave dialeacutetica do tato

A segunda citaccedilatildeo tem ainda maior ecircnfase moral e remete agrave perversatildeo no ato de pen-

samento

Eacute a razatildeo que engendra o amor-proacuteprio e eacute a reflexatildeo que o fortalece eacute ela que faz o homem ensimesmar-se [] Eacute a filosofia que o isola eacute por sua causa que ele diz em segredo ao ver um homem que sofre lsquoPerece se quiseres que eu estou em seguran-ccedilarsquo [] Pode-se impunemente degolar seu semelhante embaixo da sua janela basta-lhe pocircr as matildeos sobre os ouvidos e argumentar um pouco consigo mesmo para im-pedir a natureza que nele se revolta de identificar-se com aquele que assassinam (I-bidem p192)

Chegamos assim agrave obra A espeacutecie humana do francecircs Robert Antelme ex-

prisioneiro em campos de concentraccedilatildeo nazistas Nessa obra estaacute exposta por um lado a au-

secircncia do elemento de piedade e a tentativa de excluir os prisioneiros da condiccedilatildeo humana e

por outro aquilo que permitiu aos prisioneiros resistir sobreviver

Eles quiseram fazer de noacutes animais obrigando-nos a viver em condiccedilotildees que nin-gueacutem digo bem ningueacutem poderaacute jamais imaginar Mas eles natildeo vatildeo conseguir Porque noacutes sabemos de onde vimos [sic] sabemos por que estamos aqui [] Se por

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vezes nos acontece deixarmos de nos reconhecer a noacutes proacuteprios esse eacute o preccedilo desta guerra e temos que nos aguumlentar Mas para aguumlentar eacute preciso que cada um de noacutes saia de si proacuteprio que se sinta responsaacutevel por todos noacutes Conseguiram espoliar-nos de tudo mas natildeo daquilo que somos Noacutes ainda existimos (2003 p196)

Toda a obra retrata o elemento decisivo que permitiu resistir na humanidade sair de si

proacuteprio e se sentir responsaacutevel por todos Que imperativo eacutetico poderia ser maior Afinal em

eacutepoca de terror absoluto20 foi o que garantiu a preservaccedilatildeo Esta ldquoverdade universalrdquo ndash somos

seres humanos ndash se converte em slogan e voltando a afirmar natildeo se realizou pelo imperativo

categoacuterico e nem o poderia ser pois esse dita o respeito por algo que merece no maacuteximo

observacircncia a lei Observo a lei natildeo por respeito a ela mas por respeito ao ser humano o que

exige pensar na contingecircncia O elemento central eacute o sentimento a capacidade de comover-se

Isso permite considerar a todos apesar das diferenccedilas como incluiacutedos na mesma espeacutecie a

humana

a variedade de relaccedilotildees entre os homens a sua cor os seus costumes a sua organi-zaccedilatildeo em classes mascaram uma verdade que aqui surge retumbante no limite da natureza perto dos nosso limites natildeo existem espeacutecies humanas existe uma espeacutecie humana []De fato aiacute tudo se passa como se houvessem espeacutecies ndash ou mais exa-tamente como se a pertenccedila agrave espeacutecie natildeo fosse um dado adquirido como se nela pudeacutessemos entrar e sair ficar laacute soacute metade ou atingi-la em pleno ou nunca a atin-gir mesmo a custo de vaacuterias geraccedilotildees ndash sendo a divisatildeo em raccedilas ou em classes o canhatildeo da espeacutecie que fundamenta o axioma sempre pronto a linha uacuteltima de defe-sa laquonatildeo satildeo gente como noacutesraquo (ANTELME 2003 p222-223)

Natildeo reconhecer a alteridade como elemento intriacutenseco agrave humanidade eacute efeito daquilo

que anteriormente foi caracterizado como fechamento em si mesmo (o ensimesmar-se de

Rousseau) Esse natildeo reconhecimento eacute o que nos impede de ver no outro sua condiccedilatildeo huma-

na sua dignidade intriacutenseca de pertencente agrave proacutepria humanidade Antelme (p223-224) retra-

ta isso ao referir-se aos assassinatos nazistas nos campos como a tentativa fracassada de espo-

liar um homem de sua humanidade Poreacutem apesar dessa tentativa ldquocontinuamos homens

acabaremos como homens [] Ele pode matar um homem mas natildeo o pode transformar numa

coisa diferenterdquo O testemunho de Antelme aponta para a permanecircncia de uma forccedila interna

ao indiviacuteduo que pode ser identificada com a existecircncia do sujeito a capacidade de resistir ao

totalitarismo entendido no seu ldquosignificado mais amplo como concentraccedilatildeo poliacutetica das for-

ccedilas que atuam no sentido de destituir no indiviacuteduo tudo que poderia vir a caracterizaacute-lo como

sujeitordquo (1997 p125) Tal caracterizaccedilatildeo pode ser entendida a partir de tais testemunhos

como a capacidade de resistir e se identificar com o outro 20 Referecircncia ao periacuteodo do holocausto nazista os campos de extermiacutenio Vale lembrar que a obra A espeacutecie humana eacute um magniacutefico relato da vida no interior desse periacuteodo de terror absoluto

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O imperativo que surge pode ser descrito como a necessidade de natildeo fazer ao outro

aquilo que natildeo estiver em harmonia com sua condiccedilatildeo humana O decisivo eacute entatildeo permitir a

humanidade e que toda tentativa contraacuteria sofra a accedilatildeo de um pensamento orientado para o

ideal adorniano do termo paz ldquoeacute um estado de diferenciaccedilatildeo sem dominaccedilatildeo no qual o dife-

rente eacute compartidordquo (SO p184) contribuindo para gerar a ldquosituaccedilatildeo melhor como aquela na

qual eacute possiacutevel ser diferente sem ter medordquo (MM 66 p89)

Ao sujeito esteacutetico por pressupor a diferenciaccedilatildeo como seu imperativo ndash o que natildeo

pode ser confundido com total toleracircncia ndash eacute dada a condiccedilatildeo de equiliacutebrio entre aquilo que

ele eacute e as condiccedilotildees que permitem a ele tornar-se algo Contudo este vir a ser ocorre dentro

do limite do proacuteprio meio em que vive ou seja a humanidade o que inscreve a estreita rela-

ccedilatildeo da eacutetica e da esteacutetica na constituiccedilatildeo de tal sujeito

Adorno analisa a oposiccedilatildeo radical deste sentimento de identificaccedilatildeo jaacute apontado seacutecu-

los antes por Rousseau e reconhecido de modo histoacuterico nos eventos retratados em A espeacutecie

humana e A condiccedilatildeo humana Essa anaacutelise marca as obras Teoria esteacutetica e Minima moralia

corroborando a concepccedilatildeo de educaccedilatildeo como processo a partir do qual eacute possiacutevel gerar ceacutelu-

las de humanidade Considero isso decisivo em termos de educaccedilatildeo a ponto de defender a

submissatildeo de todos os demais esforccedilos em acircmbito educacional a este criteacuterio humanizar A-

dorno traccedila um diagnoacutestico da sua eacutepoca e afirma a efetivaccedilatildeo de uma ldquoeacutepoca que assume a

etiqueta da era atocircmicardquo (TE p207) O termo era atocircmica seraacute desenvolvido nas linhas abai-

xo na perspectiva de radical fragmentaccedilatildeo das experiecircncias em sentido temporal tambeacutem na

proacutepria fragmentaccedilatildeo subjetiva envolvendo os sentimentos e a passagem do indiviacuteduo para o

individualismo enquanto indiferenccedila ao outro

Atualizando Demoacutecrito e sua definiccedilatildeo da natureza como formada por pequenas partiacute-

culas denominadas aacutetomos o nosso seacuteculo assumiu a atomizaccedilatildeo como categoria orientadora

no todo das accedilotildees humanas O indiviacuteduo corre o risco de se converter em espeacutecime destituiacutedo

de viacutenculos com o todo no qual vive gerando a fragmentaccedilatildeo histoacuterica e conjugando os fatos

apenas no tempo presente Essa desconsideraccedilatildeo da continuidade eacute decisiva para o processo

de formaccedilatildeo da identidade pois ultrapassa os limites da experiecircncia externa se tornando ain-

da mais problemaacutetica ao fragmentar a proacutepria subjetividade Poder-se-ia dizer que esse eacute o

mundo da radicalizaccedilatildeo atocircmica natildeo apenas atomizaccedilatildeo das experiecircncias e da histoacuteria mas

das proacuteprias emoccedilotildees e reaccedilotildees subjetivas Na Minima moralia enfatiza ldquoA atomizaccedilatildeo natildeo

estaacute em progresso apenas entre os seres humanos mas tambeacutem no interior de cada indiviacuteduo

entre as esferas de sua vidardquo (MM 84 p114) Essa individuaccedilatildeo absoluta problematizada jaacute

por Rousseau levou ao problema criacutetico descrito na obra de Antelme e considerado por A-

81

dorno como exemplo maacuteximo de barbaacuterie Individuaccedilatildeo aqui entendida por indiferenccedila ou

seja ldquose as pessoas natildeo fossem profundamente indiferentes em relaccedilatildeo ao que acontece com

todas as outras excetuando o punhado com que mantecircm viacutenculos estritos e possivelmente por

intermeacutedio de alguns interesses concretos entatildeo Auschwitz natildeo teria sido possiacutevel as pessoas

natildeo o teriam aceitordquo (MM 61 p85)

Compreende-se o sentido de educaccedilatildeo enquanto processo a partir do qual eacute possiacutevel

gerar ceacutelulas de humanidade Em primeiro lugar enquanto natildeo formos capazes de romper

com a indiferenccedila permaneceremos incapazes de estabelecer viacutenculos de responsabilidade de

nos identificarmos com o outro Como resultado temos simples exemplares humanos cada

um falho na capacidade de relaccedilatildeo com o outro A ldquoceacutelula de humanidaderdquo eacute resultado da in-

terconexatildeo dos diversos indiviacuteduos a partir de viacutenculos Em segundo lugar eacute necessaacuterio rom-

per com a fragmentaccedilatildeo histoacuterica e inserirmo-nos na construccedilatildeo da continuidade histoacuterica

necessaacuteria entre passado presente e futuro As experiecircncias natildeo satildeo aacutetomos isolados devem

sim estar interligadas em um conjunto denominado histoacuteria ndash essa ligaccedilatildeo temporal eacute a ceacutelula

obtida a partir dos diferentes acontecimentos natildeo mais isolados ou seja eacute consciecircncia Em

terceiro lugar as proacuteprias reaccedilotildees subjetivas os sentimentos natildeo satildeo estanques A impressatildeo

de natildeo comunicaccedilatildeo de isolamento entre esses sentimentos fragmenta a proacutepria subjetivida-

de Vivemos assim em uma sucessatildeo de prazeres ou sofrimentos desvinculados onde o im-

perativo do momento eacute o criteacuterio para a satisfaccedilatildeo Eacute imprescindiacutevel a geraccedilatildeo de ceacutelula vin-

culaccedilatildeo com o outro continuidade histoacuterica natildeo isolamento dos sentimentos O desafio edu-

cacional reside no desfazer da era atocircmica e na consequente formaccedilatildeo do ser humano apto a

constituir ceacutelulas de humanidade

Indiferenccedila e barbaacuterie foram amplamente tematizadas na obra organizada por Adauto

Novaes intitulada Civilizaccedilatildeo e barbaacuterie21 O texto Indiferenccedila nova forma de barbaacuterie

(Gabriel Cohn) analisa e potildee em tensatildeo os termos diferenccedila e indiferenccedila conectando-se

perfeitamente com as discussotildees acima desenvolvidas O ponto de partida das reflexotildees eacute a

21 Vale destacar o sentido Adorniano para o termo barbaacuterie Natildeo ocorre um dualismo mas a natildeo coincidecircncia entre o desenvolvimento material tecnoloacutegico e a promoccedilatildeo da humanidade Isso eacute possiacutevel de se perceber no texto Educaccedilatildeo contra a barbaacuterie onde se expotildee ldquoEntendo por barbaacuterie algo muito simples ou seja que estan-do na civilizaccedilatildeo do mais alto desenvolvimento tecnoloacutegico as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relaccedilatildeo a sua proacutepria civilizaccedilatildeo ndash e natildeo apenas por natildeo terem em sua arrasadora maioria experimentado a formaccedilatildeo nos termos correspondentes ao conceito de civilizaccedilatildeo mas tambeacutem por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva um oacutedio primitivo que contribui par aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilizaccedilatildeo venha a explodir aliaacutes uma tendecircncia imanente que a caracterizardquo (EE p 155)

82

ideia de civilizaccedilatildeo cultura22 e humanidade em iacutentima conexatildeo mediante a formaccedilatildeo que

possibilitaria a efetiva dialeacutetica do tato A urgecircncia eacute ldquorecuperar o complexo significado que

anima a ideacuteia de civilizaccedilatildeo e a torna inseparaacutevel da ideacuteia de cultura entendida esta na sua

acepccedilatildeo mais plena como cultivo da humanidade como formaccedilatildeordquo (2004 p82) Pela forma-

ccedilatildeo e aqui estamos diante de um ideal educativo eacute possiacutevel compreender a humanidade fixa-

da natildeo na indiferenccedila pois a indiferenccedila eacute condiccedilatildeo para a natildeo-aceitaccedilatildeo Conforme os argu-

mentos do texto (p84 ss) civilidade e formaccedilatildeo constituem o oposto agrave barbaacuterie partindo da

noccedilatildeo de que a responsabilidade enquanto cuidado com outro se opotildee agrave indiferenccedila Dessa

forma faz-se necessaacuterio evitar que ldquoo respeito pelo outro deslize rumo agrave indiferenccedila pelo ou-

tro A aceitaccedilatildeo generalizada da diferenccedila eacute a expressatildeo exata da indiferenccedilardquo (p85) conside-

rada pelo autor como a nova forma de barbaacuterie e promotora de barbaacuteries

O argumento foi aqui conduzido de modo a demonstrar que a atomizaccedilatildeo desemboca

na indiferenccedila Aleacutem disso foi pontuada a formaccedilatildeo como alternativa para reduzir a distacircncia

entre cultura e humanidade A partir dessas observaccedilotildees eacute possiacutevel atribuir agrave educaccedilatildeo o com-

promisso de possibilitar ao humano a verdadeira inserccedilatildeo na experiecircncia o que ocorre pela

consciecircncia de que natildeo haacute formaccedilatildeo humana sem a re-significaccedilatildeo do passado a plenitude do

presente como tempo no qual podemos agir e o olhar visionaacuterio ao que viraacute

Relaciono tudo isso ao termo utopia pois nada justifica melhor essa vinculaccedilatildeo e con-

tinuidade histoacuterica do que esse termo Em entendimento mais detalhado e sigo aqui as opor-

tunas consideraccedilotildees de Gadamer no texto O que eacute praacutexis As condiccedilotildees da razatildeo social uto-

pia ldquonatildeo eacute um esboccedilo de objetivos de accedilatildeo O caracteriacutestico da utopia eacute mais claramente que

nos conduz ateacute o momento da accedilatildeo [] Natildeo eacute primeiramente um projeto de accedilatildeo mas uma

criacutetica do presenterdquo (1983 p50) Assim eacute que se efetiva a estreita relaccedilatildeo entre o olhar que

vislumbra a plena realizaccedilatildeo do estado humano e que no entanto o faz mais como um olhar

criacutetico ao momento presente e aos constituintes que permitiram chegar a esse estado atual

Assim sendo o olhar ao presente assume sua funccedilatildeo na proacutepria dialeacutetica do esclarecimento

nesse processo histoacuterico de auto-reflexatildeo que permite a constituiccedilatildeo do humano pois na expe-

riecircncia utoacutepica ldquopermanece algo de negativo contra o que existe embora lhe continue a per-

tencerrdquo (TE p45) Nesse aspecto a utopia se vincula agrave esperanccedila a partir da qual Adorno

aponta para o que eacute verdadeiro ldquoa pergunta a colocar seria entatildeo se temos mais razatildeo para

amar o que sucede a noacutes para afirmar o que existe porque existe do que de tomar como ver-

22 Rodrigo Duarte (2007 p150 ss) analisa o problema do entrelaccedilamento de cultura e barbaacuterie a partir do enfo-que da induacutestria cultural sendo esta entendida como a exploraccedilatildeo planificada da cultura caracterizando a domi-naccedilatildeo da vida humana a partir da subversatildeo das manifestaccedilotildees culturais autecircnticas

83

dadeiro aquilo de que temos esperanccedilardquo (MM 61 p85) Esse aspecto da esperanccedila potildee em

conexatildeo a criacutetica do presente a partir do olhar ao passado a fim de questionar a aceitaccedilatildeo do

que existe simplesmente por estar dado a noacutes Por outro lado a criacutetica do presente eacute inscrita

sob o olhar da esperanccedila o caraacuteter eacutetico propriamente dito no qual o pensamento visualiza

aquilo que posso vir a ser no sentido de futuro

Na Criacutetica da razatildeo praacutetica ao diferenciar a causalidade natural da causalidade pela

liberdade sendo essa proacutepria do reino dos fins Kant renuncia radicalmente a consideraccedilatildeo ao

passado e o potildee como totalmente fluiacutedo por natildeo termos mais este momento agraves matildeos Consi-

derando o que determina a accedilatildeo a partir da segunda criacutetica qualquer tentativa de vincular o

fato presente ao passado subtrai toda responsabilidade moral E em se tratando de causalida-

de o ato somente eacute imputaacutevel pressupondo a autonomia do presente frente a qualquer influecircn-

cia passada

visto que o tempo passado natildeo estaacute mais em meu poder cada accedilatildeo que pratico tem que ser necessaacuteria mediante fundamentos determinantes que natildeo estatildeo em meu po-der isto eacute jamais sou livre no momento em que ajo [] Pois a cada momento estou sempre sob a necessidade de ser determinado a agir mediante aquilo que natildeo estaacute em meu poder e a [] seacuterie infinita dos eventos que eu sempre soacute prosseguiria segundo uma ordem jaacute predeterminada e natildeo iniciaria espontaneamente em parte alguma se-ria uma cadeia natural constante portanto minha causalidade jamais seria liberdade (CRPr sect169-170)

Essa forma de considerar a moralidade salva por um lado a accedilatildeo de todo determinis-

mo estranho ou predestinaccedilatildeo levando agrave possibilidade de alterar o curso dos acontecimentos

Nesses termos natildeo apenas sofro a accedilatildeo histoacuterica mas ajo sobre a histoacuteria o que eacute possiacutevel

somente ao ser racional possuidor de liberdade e autonomia da vontade Ao determinismo agrave

dependecircncia dos eventos passados Kant chamou de mecanismo natural por ser comum a

toda natureza dita irracional Mas e por outro lado essa quebra de vinculaccedilatildeo ao passado tem

como efeito colateral a fixaccedilatildeo no presente como momento suficiente na constituiccedilatildeo humana

Admitindo a necessidade de causalidade por liberdade em oposiccedilatildeo agrave natural com seu viacutenculo

ao passado a consequecircncia eacute o processo de individuaccedilatildeo do indiviacuteduo quando este assume a

etiqueta da era atocircmica

Em Adorno o passado e o presente estatildeo continuamente voltando sua face um ao ou-

tro em um processo de constituiccedilatildeo da moralidade identificado como o imperativo da gera-

ccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade Retomando o problema da atomizaccedilatildeo e a consequente indivi-

duaccedilatildeo a noccedilatildeo de viacutenculo temporal se constitui em alternativa decisiva significando a me-

moacuteria posta agrave salvo do esquecimento Faz-se indispensaacutevel que os choques do real no qual

84

estaacute a origem do pensamento natildeo se tornem momentos isolados na histoacuteria mas se configu-

rem em uma sucessatildeo intimamente vinculada e assim constituidora da consciecircncia Se por

um lado temos aqui a condiccedilatildeo para despertar o indiviacuteduo por outro quando ausente esta

noccedilatildeo de viacutenculo temporal as experiecircncias se tornam aacutetomos isolados Eacute o diagnoacutestico de que

a ldquovida transformou-se numa sucessatildeo intemporal de choques entre os quais se rasgam lacu-

nas intervalos paralisadosrdquo (MM 33 p46) Assim a vinculaccedilatildeo histoacuterica aqui defendida

constitui-se em desafio eacutetico-educativo na medida em que remete ao cuidado ao evitar os

elementos que no passado levaram ao problema enfrentado ldquoO cuidado com a memoacuteria fez

dela natildeo soacute um objeto de estudo mas tambeacutem uma tarefa eacutetica nosso dever consistiria assim

em preservaacute-la em salvar o desaparecido o passado em resgatar como se diz tradiccedilotildees vi-

das falas e imagensrdquo (GAGNEBIN 2007 p35) ou seja a experiecircncia vivida pelos outros e

pelo indiviacuteduo mesmo enquanto nuacutecleo de forccedila que impulsiona para novas experiecircncias de

vida superando os fatores perversos do passado e alimentando aquilo que contribuiu para a

constituiccedilatildeo eacutetica das relaccedilotildees humanas No sentido de resgatar tradiccedilotildees vidas falas ima-

gens Gagnebin afirma no mesmo texto que ldquomuitas pessoas entre noacutes nem precisam esque-

cer simplesmente natildeo sabem por exemplo o que essa palavra lsquoAuschwitzrsquo representardquo

(p37) Histoacuteria Filosofia Arte todas vinculadas agrave educaccedilatildeo no sentido de fazer valer a fala o

local do outro como testemunho de um momento da histoacuteria da humanidade mas mais que

isso como testemunho do ser humano que se constitui a partir do local ocupado pelo outro do

intercacircmbio de experiecircncias de vida

A fim de detalhar esse enfrentamento do passado e presente e a constituiccedilatildeo da mora-

lidade remeto ao texto O que significa elaborar o passado23 Nesse texto eacute possiacutevel perceber

a tocircnica que a interconexatildeo de passado e presente assume evitando a incisiva indiferenccedila que

a Criacutetica da razatildeo praacutetica enfatizou O passado natildeo eacute algo que natildeo estaacute mais agrave matildeo mas eacute

material disponiacutevel para toda dialeacutetica entre presente e utopia entre o estado atual e a neces-

sidade de vislumbrar algo melhor como criacutetica agravequilo que permitiu ao presente se converter

naquilo que eacute Em tal texto Adorno aponta o problema de que o ldquodesaparecimento da consci-

ecircncia da continuidade histoacuterica [eacute] um sintoma daquela fraqueza social do eu que Horkhei-

mer e eu jaacute procuramos derivar na Dialeacutetica do esclarecimentordquo (EE p32) Retomando a

obra de 1947 tem-se o que significa esta fraqueza do eu ldquoOs homens receberam o seu eu

como algo pertencente a cada um diferente de todos os outros para que ele possa com maior

seguranccedila se tornar igualrdquo (DE p27)

23 Em Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo p29

85

Essa igualdade se deve dentre outros aspectos agrave natildeo vinculaccedilatildeo das experiecircncias en-

tre si e da natildeo vinculaccedilatildeo do proacuteprio indiviacuteduo agrave sua totalidade de experiecircncias O que signi-

fica a tentativa de gerar coesatildeo pela coerccedilatildeo que soacute eacute possiacutevel com a efetivaccedilatildeo da era atocircmi-

ca ldquoA unidade da coletividade manipulada consiste na negaccedilatildeo de cada indiviacuteduo seria digna

de escaacuternio a sociedade que conseguisse transformar os homens em indiviacuteduosrdquo (DE p27) O

problema eacute que esses indiviacuteduos mesmos cuja condiccedilatildeo de existecircncia eacute a lucidez de seu tem-

po de experiecircncias contiacutenuas acabam por natildeo serem capazes de agir movidos pela consciecircn-

cia provinda de tais experiecircncias mas a partir da igualdade gerada pela vergonha ou medo de

ser diferente ldquoQue todos os homens sejam iguais uns aos outros eacute precisamente o que viria a

calhar para a sociedade Ela considera as diferenccedilas reais ou imaginaacuterias como marcas igno-

miniosas que atestam que natildeo se avanccedilou o bastante que algo escapou da maacutequina e natildeo estaacute

inteiramente determinado pela totalidaderdquo (MM 66 p89) Tal maacute universalidade nega a pos-

sibilidade de compartir as diferenccedilas pondo o universal como a anulaccedilatildeo dessas Para Adorno

a vida em sociedade deveria ser conduzida tendo o ideal de integraccedilatildeo das diferenccedilas como

seu objetivo pois a proposta de coesatildeo sem violecircncia se constitui no sentido do proacuteprio termo

sociedade

uma sociedade emancipada natildeo seria nenhum Estado unitaacuterio mas a realizaccedilatildeo efe-tiva do universal na reconciliaccedilatildeo das diferenccedilas A poliacutetica que ainda estiver seria-mente interessada em tal sociedade natildeo deveria propagar a igualdade abstrata das pessoas sequer como uma ideacuteia Em vez disso ela deveria apontar para a maacute igual-dade hoje para a identidade entre os interessados no cinema e os interessados em armamentos pensando contudo a situaccedilatildeo melhor como aquela na qual eacute possiacutevel ser diferente sem ter medo (MM 66 p89 ndash grifo nosso)

O universal pode entatildeo significar a ausecircncia do sujeito temos a individualidade mas

natildeo temos sujeitos ndash eacute o grave problema da ausecircncia de subjetividade caracteriacutestica da vida

no interior da sociedade do capitalismo tardio ldquoonde o indiviacuteduo natildeo pode ser sujeito instau-

ra-se uma individualidade cuja caracteriacutestica eacute a transformaccedilatildeo do sujeito mesmo em merca-

doria que oferece como vantagem e valor a forccedila de trabalho o proacuteprio corpo informaccedilatildeo ou

sua proacutepria consciecircnciardquo (TIBURI 2005 p129) Diante disto a ldquofilosofia de Adorno filia-se

[] agrave criacutetica do individualismo como resto danificado do sujeitordquo (ibidem p135)

A ecircnfase kantiana do passado destituiacutedo de seu elemento de causalidade inscreve o su-

jeito eacutetico em um presente contiacutenuo e o resultado eacute que ldquoa humanidade se aliena da memoacuteria

esgotando-se sem focirclego na adaptaccedilatildeo ao existenterdquo (EE p33) Evitar tal adaptaccedilatildeo e aliena-

ccedilatildeo eacute tarefa da educaccedilatildeo em seu processo de constituiccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade em meio

ao todo atomizado e a consideraccedilatildeo do passado em seu elemento promotor e necessaacuterio agrave

86

dialeacutetica do esclarecimento24 somente vai ocorrer ldquono instante em que estiverem eliminadas

as causas do que passourdquo (EE p49)

O que surge de todas essas discussotildees eacute que o estabelecimento de viacutenculos estaacute na base

de todas as discussotildees eacuteticas Viacutenculo enquanto diferenccedilas que natildeo nos tornam indiferentes

enquanto necessidade de consciecircncia dos momentos histoacutericos dos tempos que se conectam

na formaccedilatildeo do humano viacutenculo enquanto importacircncia de formar identidade a partir das di-

versas experiecircncias individuais que permitem o reconhecimento do outro e o reconhecimento

de si Viacutenculo eacute a geraccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade Com isso alguns problemas surgem

provocantes Como a educaccedilatildeo pode se comprometer diante disto Eacute possiacutevel reivindicar que

a escola promova ou eduque para o estabelecimento de tais viacutenculos Como significar etica-

mente a educaccedilatildeo tendo como base tais desafios e a concepccedilatildeo de sujeito ateacute entatildeo defendi-

da Como soluccedilatildeo para tais questionamentos seraacute desenvolvido argumento em defesa da sig-

nificaccedilatildeo eacutetico-educativa a partir do termo plasmar linguiacutestico O eixo norteador estaacute entatildeo

no sentido eacutetico que envolve o dar forma agrave linguagem a partir do espaccedilo escolar e em sentido

mais amplo a partir dos processos formativo-educacionais que se estabelecem no decorrer das

experiecircncias de vida do indiviacuteduo

52 A eacutetica e a esteacutetica em sua dimensatildeo pedagoacutegica

Natildeo eacute possiacutevel conceber a educaccedilatildeo sem a vinculaccedilatildeo com a eacutetica e a eacutetica natildeo tem

outro ponto de apoio a natildeo ser o esteacutetico ndash enquanto o sensiacutevel aquela materialidade corpoacuterea

que rompe o abstrato ndash o qual repotildee a preocupaccedilatildeo sobre a formaccedilatildeo humana Eacute necessaacuterio

que ocorra esta reposiccedilatildeo do interesse sobre a formaccedilatildeo e aqui em sentido formal de

instituiccedilotildees de ensino pois esse espaccedilo eacute local privilegiado de desenvolvimento da

consciecircncia da realidade consciecircncia do outro consciecircncia de si Em outras palavras a escola

tem a grande possibilidade de aperfeiccediloar as experiecircncias e educar a sensibilidade o que

seria em linhas gerais a educaccedilatildeo esteacutetica Enfatizo que a consciecircncia da realidade do

reconhecimento do outro e de si mesmo em natildeo sobreposiccedilatildeo deveria ser o motor esteacutetico e

eacutetico da formaccedilatildeo desde a infacircncia

Isso remete agrave preocupaccedilatildeo esteacutetica de Adorno no que se refere agrave formaccedilatildeo escolar

Deveriacuteamos ter preocupaccedilatildeo com aquilo que as crianccedilas tecircm em defasagem aquilo que

24 O passado se torna promotor da dialeacutetica do esclarecimento pelo fato de manter o ser humano luacutecido dos moti-vos pelos quais o presente assumiu determinadas caracteriacutesticas Tambeacutem por dar condiccedilotildees de o pensamento retornar sobre si mesmo compreendendo sua formaccedilatildeo histoacuterica

87

muitas vezes natildeo conseguem aprender ldquoo indescritiacutevel empobrecimento do repertoacuterio de

imagens da riqueza de imagines sem a qual elas crescem o empobrecimento da linguagem e

de toda a expressatildeordquo25 dirigindo o olhar a esse problema para ldquodiscutir se a escola natildeo pode

assumir esta tarefardquo (EE p146) Esse olhar que recai sobre as instituiccedilotildees de ensino

propondo o desafio de ser o espaccedilo no qual este repertoacuterio mental de imagens de linguagem

encontraria seu pleno desenvolvimento eacute plenamente possiacutevel de aceitaccedilatildeo Enfaticamente

essas instituiccedilotildees natildeo podem se abster dessa tarefa em vista do criteacuterio qualitativo que

permeia a educaccedilatildeo para aqueacutem dos iacutendices de aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo das ampliaccedilotildees

de espaccedilos fiacutesicos (sem eacute claro abstrair da importacircncia de tais criteacuterios) No momento em

que a escola assume a tarefa de gerar esse enriquecimento de imagens e de linguagem a

preocupaccedilatildeo recai sobre a ampliaccedilatildeo mental a ampliaccedilatildeo dos referenciais interpretativos do

mundo ampliaccedilatildeo da capacidade de realizar experiecircncias no mundo

Esse eacute o meio no qual a crianccedila jaacute deve ser inserida e muito mais eacute esse o meio que a

crianccedila jaacute deve estar construiacutendo seu meio proacuteprio no qual habita sua linguagem Isso

encontra fundamentos a partir principalmente de Gadamer para quem a linguagem ldquonatildeo eacute

um mero instrumento ou um dom excelente que possuiacutemos como homens mas o meio no

qual vivemos desde o comeccedilo como seres sociais e que manteacutem aberto o todo no qual

existimosrdquo (1983 p11) Assim sendo ldquocada vez que se leva a cabo uma comunicaccedilatildeo natildeo soacute

se usa como tambeacutem se plasma a linguagemrdquo (p12) Seguindo essas linhas nota-se que o ser

humano natildeo usa a linguagem ele eacute linguagem eacute comunicaccedilatildeo que se efetiva no diaacutelogo

efetivo ou seja que modifica os envolvidos ndash o que significa em uacuteltima instacircncia o plasmar

do humano o plasmar da linguagem

Noacutes somos a palavra a linguagem noacutes natildeo a usamos noacutes nela vivemos ldquoas palavras

que usamos na linguagem nos satildeo a tal ponto familiares que estamos aiacute por assim dizer nas

palavras Elas natildeo se tornam objeto O uso da liacutengua natildeo eacute de modo algum o uso de algo Noacutes

vivemos em uma liacutengua como em um elemento como o peixe na aacuteguardquo (GADAMER 2007

p95) Vislumbra-se o real desafio que eacute a sala de aula ela deve ser o espaccedilo do plasmar deste

mundo desse elemento no qual vivemos Pela construccedilatildeo da linguagem eacute possiacutevel construir

sentido gerar sentido por esta construccedilatildeo a proacutepria escola passa a ter sentido convertendo-se

em espaccedilo comum no qual constituiacutemos modos de compreender o mundo

25 Conforme Bruno Pucci ldquoao mesmo tempo que gera a padronizaccedilatildeo de tudo a Induacutestria Cultural atrofia a ima-ginaccedilatildeo a espontaneidade a atividade intelectual do espectador Faz desaparecer tanto a capacidade de criacutetica como a do respeito ao ser humano Exclui o diferente o novo Ateacute o divertir-se significa estar de acordo Sob o monopoacutelio privado da cultura a tirania deixa o corpo e vai direto agrave alma (2007 p31 ndash grifo do autor)

88

A relaccedilatildeo disso com a proposta de significaccedilatildeo eacutetica para a educaccedilatildeo se evidencia no

momento em que percebemos a importacircncia da relaccedilatildeo com o outro com a alteridade como

condiccedilatildeo para este plasmar da linguagem desse meio em que vivemos Sendo a eacutetica o

pressuposto que nos orienta na boa conduccedilatildeo e construccedilatildeo do indiviacuteduo no interior das

experiecircncia coletivas a sala de aula se converte em espaccedilo privilegiado no qual os sujeitos ali

envolvidos se percebem no desafio de dar forma a esse meio construiacute-lo como espaccedilo

comum o habitat sem o qual natildeo nos orientamos adequadamente o habitat referencial que

nos identifica e ao mesmo tempo nos vincula26 O grave problema eacute que haacute um desmembrar

desse mundo desse meio O professor plasma ndash daacute forma ndash a sua linguagem a partir de sua

funccedilatildeo o aluno constitui sua linguagem seu meio tendo como referecircncia sua posiccedilatildeo muitas

vezes apenas receptiva cada um como um aacutetomo isolado natildeo consegue constituir a ceacutelula a

partir do qual se constitui o corpo comum denominado sala de aula Eacute como se cada um dos

envolvidos habitasse as fronteiras do territoacuterio e uma terra de ningueacutem permaneceria

inabitada a linguagem comum permaneceria sem ganhar forma sem ser plasmada e

consequentemente ficaria falha a proacutepria expressatildeo do indiviacuteduo a manifestaccedilatildeo de sua

concretude27

Nesse sentido a linguagem natildeo se constitui simplesmente em um sistema de signos

utilizados para dizer algo Ela eacute salva a partir do conceito constelaccedilatildeo28 natildeo tendo mais sua

finalidade exclusivamente na representaccedilatildeo e definiccedilatildeo de conceitos Na Criacutetica da razatildeo

pura (B93ss) o juiacutezo ndash a capacidade de pensar e definir ndash eacute dado como a ldquorepresentaccedilatildeo de

uma representaccedilatildeo de um objetordquo ou seja a representaccedilatildeo de um conceito criado pela

faculdade do entendimento A partir da Dialeacutetica negativa o sensiacutevel sobrevive a partir de

seu meio linguiacutestico o qual eacute extinguido pelo pensamento reduzido ao conceito ignorando o

caraacuteter de constelaccedilatildeo e o elemento concreto

O momento unificador sobrevive sem a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo e mesmo sem entregar-se agrave abstraccedilatildeo enquanto princiacutepio supremo de modo que natildeo se progride a partir de conceitos e por etapas ateacute o conceito superior mais universal mas esses conceitos entram em uma constelaccedilatildeo Essa constelaccedilatildeo ilumina o que haacute de especiacutefico no ob-jeto e que eacute indiferente ou um peso para o procedimento classificatoacuterio O modelo para isso eacute o comportamento da linguagem Ela natildeo oferece nenhum mero sistema de signos para as funccedilotildees do conhecimento Onde ela se apresenta essencialmente

26 Para Kant o que nos vincularia eacute a ideia de reino de fins O que se defende aqui eacute a vinculaccedilatildeo a partir da forma dada ao meio no qual vivemos a partir desse plasmar linguiacutestico que identifica cada um e a partir do qual podemos nos relacionar 27 Sobre o conceito de concreto ver capiacutetulo 4 28 Conforme desenvolvido no segundo capiacutetulo a constelaccedilatildeo refere-se aos diversos olhares ndash diversos conceitos ndash que entram em tensatildeo quando se quer conhecer algo tambeacutem faz referecircncia agrave diversidade de experiecircncias que natildeo se esgotando contribuem para o entendimento de algo

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enquanto linguagem e se torna apresentaccedilatildeo ela natildeo define seus conceitos [] Na medida em que os conceitos se reuacutenem em torno da coisa a ser conhecida eles de-terminam potencialmente seu interior alcanccedilam por meio do pensamento aquilo que o pensamento necessariamente extirpa de si (2009 p140-141 ndash grifo nosso)

Estamos diante de uma diferenccedila a linguagem eacute tatildeo somente um sistema de signos a

partir do qual o conceito eacute dito ou a linguagem eacute o meio no qual cada um vive se manifesta

e a partir do qual deve ser conhecido Conforme Tiburi ldquona filosofia adorniana a linguagem

deixa de ser um objeto em seu sentido puro e simples ou um instrumento para designar obje-

tos ela passa a ser lugar de uma experiecircncia [] A proacutepria linguagem aparece como experi-

ecircncia enquanto conviacutevio e fala sem dominaccedilatildeo sobre o natildeo-idecircnticordquo (2005 p68) A Teoria

esteacutetica nos indica a relaccedilatildeo que se estabelece entre a linguagem e o concreto destacando

exatamente o caraacuteter de meio linguiacutestico ldquoo meio pelo qual as obras de arte existentes satildeo

mais do que a existecircncia natildeo eacute um novo ser-aiacute mas a sua linguagem As obras autecircnticas fa-

lam mesmo quando recusam a aparecircnciardquo (p124) Esse ser mais do que a existecircncia indica

algo surgido para aleacutem do evidente do que aparece Ou seja indica o elemento concreto que

precisa ser percebido a partir do seu meio compreendido aqui como meio linguiacutestico local

em que se efetivam as experiecircncias nos comunicamos sem contudo ocorrer sobreposiccedilatildeo de

interlocutores Dizer que a obra de arte fala mesmo quando recusa a aparecircncia ndash tornando-se

natildeo-evidente ndash faz considerar o essencial como aquilo que permanece escondido e por isso

mesmo provocativo Reconhecer esse caraacuteter essencial eacute tarefa da razatildeo que respeita a cons-

telaccedilatildeo de momentos que se inter-relacionam e constituem sentido

o sentido de uma obra de arte eacute ao mesmo tempo a essecircncia que se oculta no faacutetico traduz em apariccedilatildeo o que esta de outro modo esconde A organizaccedilatildeo da obra de ar-te isto eacute o agrupamento dos seus momentos e o seu inter-relacionamento tem este objetivo e eacute difiacutecil mediante a atitude criacutetica distingui-lo do elemento afirmativo da aparecircncia da realidade do sentido tatildeo cuidadosamente como agradaria agrave constru-ccedilatildeo conceptual filosoacutefica (TE p124-125)

Deparamo-nos com a necessidade de atribuir o sentido esteacutetico da obra de arte ao proacute-

prio ser humano Quanto de noacutes se oculta na manifestaccedilatildeo do faacutetico Natildeo estaria o essencial

o verdadeiro nesse conteuacutedo que se oculta Enquanto alternativa de novas descobertas e no-

vos sentidos sim ali estaacute o verdadeiro pois o pensamento que pensa compreender se percebe

insuficiente exigindo o renovar da experiecircncia Diante desse oculto no qual estaria a verdade

o pensamento que retorna a si mesmo natildeo mais se reconhece mas percebe-se estranho em sua

insuficiecircncia de conteuacutedo Poreacutem eacute somente ldquono olhar para o desviante no oacutedio agrave banalidade

90

na busca do que ainda natildeo estaacute gasto do que ainda natildeo foi capturado pelo esquema conceitual

geral que reside a derradeira chance do pensamentordquo (MM 41 p58)

Afirmado na Minima moralia (122 p168) e repetido em Dialeacutetica negativa (2009

p48) esse estranhamento do pensamento sobre ele mesmo permite a abertura para o novo que

estaacute oculto no faacutetico E mais eacute a chance para pensar uma relaccedilatildeo verdadeira entre o pensa-

mento e o pensado ldquoVerdadeiros satildeo apenas aqueles pensamentos que natildeo compreendem a si

mesmosrdquo Natildeo compreendem a si mesmo devido ao desvio ocorrido na regra tradicional da

adequaccedilatildeo entre pensamento e pensado como sendo a verdade Conforme indicado em Dialeacute-

tica negativa (p43) os pensamentos devem ir ao extremo nada deve deter esta capacidade

humana denominada pensar Isso significa em uacuteltimas palavras ldquopensar perigosamente es-

timular o pensamento a partir da experiecircncia da coisa natildeo recuar diante de nada natildeo se dei-

xar embaraccedilar por qualquer conveniecircncia do previamente pensadordquo (OPF p23) A lingua-

gem enquanto posse de um sujeito que diz algo estaacute em conexatildeo com uma novidade a lin-

guagem enquanto meio no qual esse outro estaacute inserido o que impotildee a necessidade de natildeo

recuar diante do natildeo pensado mas encontrar nisso a chance para a filosofia e para a possibili-

dade de reafirmar o plasmar da linguagem como sendo o fundo moral da constituiccedilatildeo do hu-

mano Tudo isso enfatiza a ideia do plasmar linguiacutestico da sala de aula como resultado de uma

relaccedilatildeo entre sujeitos os quais ao mesmo tempo em que constituiacuterem linguagem devem ser

compreendidos a partir dessa constituiccedilatildeo Poreacutem essa constituiccedilatildeo natildeo ocorre somente em

sala de aula mas jaacute eacute algo que o aluno vem constituindo anteriormente agrave vida escolar e conti-

nuaraacute constituindo em paralelo agrave escola nas diversas relaccedilotildees que estabelece na vivecircncia so-

cial Desse modo compreender o outro significa tambeacutem compreender seu meio linguiacutestico

anterior e paralelo agrave escola

Como eacute possiacutevel vincular a formaccedilatildeo eacutetica a partir do plasmar linguiacutestico Como eacute

possiacutevel que no viacutenculo com o outro em seu meio linguiacutestico e aqui focado no ambiente sala

de aula seja derivada a sensibilizaccedilatildeo moral A vinculaccedilatildeo entre arte filosofia e educaccedilatildeo

se constitui em alternativa pedagoacutegica fundamental para pensar a formaccedilatildeo e a sensibilizaccedilatildeo

moral O sentido da eacutetica e moral eacute posto aqui seguindo as linhas de Hermann em sua es-

treita relaccedilatildeo com a educaccedilatildeo e como devendo ser preocupaccedilatildeo da filosofia da educaccedilatildeo Em

Autocriaccedilatildeo e horizonte comum

a investigaccedilatildeo sobre o sentido eacutetico da educaccedilatildeo estaacute muito proacutexima das questotildees mais pungentes com as quais os educadores se defrontam e que longe de ser uma fi-nalidade metafiacutesica ou de diletantismo as questotildees eacuteticas podem ser trabalhadas como uma arte de viver (2010 p92 ndash grifo nosso)

91

O meio linguiacutestico solidamente constituiacutedo esse meio no qual estamos inseridos eacute

condiccedilatildeo para desenvolver a arte de viver Eacute nesse meio para aleacutem dos meros signos a partir

dos quais dizemos o mundo que a arte de viver encontra sua condiccedilatildeo de desenvolvimento

ou de aprendizagem Em outras palavras o lugar ocupado pelo outro e por mim a considera-

ccedilatildeo pela experiecircncia individual enquanto local da manifestaccedilatildeo do concreto que identifica

cada um e a partir do qual devemos ser reconhecidos as estrateacutegias que orientam o modo co-

mo habitamos nosso meio podem ser entendidos para usar a expressatildeo de Hermann como

arte de viver Tudo isso eacute fundamental para a educaccedilatildeo e somente teremos condiccedilotildees de edu-

car pessoas capazes de habitar qualificadamente o meio em que vivem no momento em que

dermos a devida atenccedilatildeo ao modo como se estaacute plasmando a linguagem como se estaacute edifi-

cando esse meio proacuteprio no qual vivemos Dessa forma mediante a educaccedilatildeo ocorre o ldquopro-

cesso compreensivo que exige quebrar nossas resistecircncias para nos abrirmos ao outro para

deixar valer a palavra do outro O encontro com a alteridade nos enriquece ao integrar o que

nos falta ao experimentar que nem sempre o que sabemos eacute suficiente para compreender a

situaccedilatildeordquo (HERMANN 2010 p117 ndash grifo nosso) A experiecircncia do mundo natildeo pode ser

outra a natildeo ser aquela que permite valer a palavra do outro Nesse sentido eacute que a sala de aula

deve assumir algumas tarefas baacutesicas ser o espaccedilo no qual a linguagem eacute formada permitir

que o outro compartilhe dessa linguagem sem medo garantir a subjetividade apta a reconhe-

cer esse meio no qual o outro estaacute inserido Sobre isto recai o sentido eacutetico-educativo de sujei-

to esteacutetico esse que eacute capaz de realizar experiecircncias sempre renovadas com aquilo que o ou-

tro eacute em sua concretude

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Proponho estas consideraccedilotildees em trecircs blocos temaacuteticos nos quais estabeleccedilo as

relaccedilotildees entre os capiacutetulos e indico alguns elementos que considero decisivos para entender a

significaccedilatildeo eacutetico educativa do sujeito poacutes-metafiacutesico em Adorno

I

O termo plasmar linguiacutestico estaacute em iacutentima conexatildeo com o ideal de construccedilatildeo O ato

pedagoacutegico natildeo se identifica com produccedilatildeo pois nessa os envolvidos agem sobre o outro

como se esse uacuteltimo fosse um objeto a ser manipulado A produccedilatildeo ocorre nos moldes

tecnoloacutegicos de fabricaccedilatildeo de materiais um utensiacutelio domeacutestico eacute produzido um automoacutevel eacute

produzido produzem-se alimentos etc A sala de aula eacute local de construccedilatildeo portanto natildeo

possui nenhuma semelhanccedila com manipulaccedilatildeo Por ser ato construtivo ocorre o

reconhecimento da novidade do outro e do local do outro O imprevisto passa a ser elemento

altamente qualificado pois eacute o outro (aqui entendido tanto o aluno quanto o professor) que

estaacute manifestando-se e contruindo-se plasmando o meio em que habita e a partir do qual se

relaciona ndash sua linguagem ndash tanto em dimensotildees pessoais quanto em dimensotildees de grupo Na

relaccedilatildeo o termo constelaccedilatildeo indica o modo como tudo isso ocorre Compreender e dizer o

outro significa consideraacute-lo a partir da constelaccedilatildeo de momentos historicamente construiacutedos

O problema com que precisamos nos defrontar eacute se as instituiccedilotildees de ensino satildeo capazes de

realmente perceber esta constelaccedilatildeo proacutepria de cada indiviacuteduo e ainda se tais instituiccedilotildees

estatildeo sendo promotoras de tais momentos construtivos Natildeo raro percebemos atividades

isoladas (principalmente em projetos desenvolvidos nas escolas) como atividades-extras que

natildeo somam a esse plasmar linguiacutestico natildeo se inserem dentro de uma constelaccedilatildeo de

momentos

II

Existe algum pressuposto a ser levado em consideraccedilatildeo no momento da relaccedilatildeo com o

outro A confirmaccedilatildeo de pressupostos pode ser defendida como radicalmente necessaacuteria O

maior problema estaacute em que consistem tais pressupostos Para esclarecer isso em primeiro

93

lugar faccedilo uma referecircncia a um aspecto negativo A sala de aula enquanto momento de

encontro com a concretude (este indiviacuteduo portador de sentido para aleacutem das atribuiccedilotildees

apreendidas) a partir da perspectiva eacutetica e tambeacutem na perspectiva do conhecimento natildeo

pode seguir o paracircmetro da razatildeo que como juiacuteza dita as regras e obriga o objeto a responder

a tais interrogaccedilotildees Para Kant este eacute o atributo da razatildeo ditar as regras agrave natureza e esta

tem como atributo dar uma resposta ndash eacute a tradicional relaccedilatildeo sujeito e objeto posta como

nuacutecleo epistemoloacutegico e eacutetico

Negando esta relaccedilatildeo o professor passa a ser um personagem fundamental mas natildeo

absoluto em termos de conduccedilatildeo do processo de ensino e aprendizagem Em sala de aula natildeo

raro nos deparamos com a novidade do outro dada a partir do seu local proacuteprio e que potildee em

crise os procedimentos previamente calculados Se nossa razatildeo obrigasse agrave respostas

conforme as interrogaccedilotildees por ela postas todo plano de ensino natildeo seria passiacutevel de falha

pois o objeto aluno seria obrigado a responder aos ditames prescritos O problema estaacute em

como a razatildeo que dita as regras reagiraacute diante da novidade que surge do outro em sua

condiccedilatildeo de concreto na qual resiste sempre em expressatildeo de Hermann uma promessa de

vida E essa promessa obriga tanto o professor quanto o aluno a admitir o local que o outro

ocupa como sendo o local a partir do qual devemos compreender ou conhecer Essa

manifestaccedilatildeo natildeo eacute serva dos ditames racionais poreacutem ocorre tatildeo somente no momento em

que o corpo surge e a sensibilidade se defronta com ele Se em momento posterior a razatildeo

com o entendimento realiza a siacutentese a conceituaccedilatildeo o ajuizamento o pressuposto fundante

de todo esse percurso estaacute no reconhecimento do outro em seu local de manifestaccedilatildeo seu

meio linguiacutestico

Isso remete em Adorno agrave perda da evidecircncia Somente eacute possiacutevel a centralidade posta

na razatildeo que dita as regras ao outro se admitirmos esse outro meramente como um material

passivo e a linguagem como sendo unicamente um meio de dizer algo um instrumento da

razatildeo A educaccedilatildeo infantil eacute exemplo paradigmaacutetico de tal desafio O periacuteodo de adaptaccedilatildeo

nada mais eacute do que o momento de constituir linguagem comum Eacute o momento em que o

professor se defronta com os limites sensiacuteveis da razatildeo e assim percebe que eacute insuficiente

ditar regras sendo necessaacuterio constituir o meio linguiacutestico Constituiacutemos linguagem como

seres viventes vivemos a linguagem como sendo o local que constituiacutemos ndash nosso loacutecus proacute-

prio cada um de noacutes enquanto envolvidos do processo de ensino e aprendizagem comparti-

lhamos desse mundo linguiacutestico esperando que sejamos compreendidos a partir da manifesta-

ccedilatildeo deste meio constituiacutemos linguagem comum no momento em que nos permitimos coabitar

e criar sentido exatamente por esse estar junto O pressuposto da relaccedilatildeo estaacute no reconheci-

94

mento de que o outro ocupa um local proacuteprio constituiacutedo por ele e que ao mesmo tempo o

constitui

No entanto muito aleacutem da educaccedilatildeo infantil percorrendo todos os niacuteveis de ensino

quando a sala de aula se transforma em um meio linguiacutestico comum a todos promove-se jun-

tamente com a construccedilatildeosignificaccedilatildeo dos conhecimentos a educaccedilatildeo moral do ser humano

eacute a partir daiacute que devemos pensar a educaccedilatildeo em uma perspectiva eacutetica Essa promessa de

vida eacute difiacutecil de ser aceita nas praacuteticas pedagoacutegica orientadas pela razatildeo que deve ditar as

regras ao outro meramente obediente

A perda da evidecircncia se constitui para Adorno em instigaccedilatildeo ao pensamento Nada

mais haacute de oacutebvio vivemos em uma eacutepoca tecnoloacutegica onde as identidades on-line satildeo masca-

radas a proacutepria relaccedilatildeo abstrai o corpo priorizando um perfil virtual Outro problema eacute o en-

cobrimento ideoloacutegico que os fatos podem receber o que somado agrave fraqueza de entendimen-

to resulta na desqualificaccedilatildeo do material apreendido pelos sentidos Reconstruindo o argu-

mento com a ausecircncia dos limites que somente o corpo pode nos dar nossa capacidade per-

ceptiva de sensibilidade apreende um material desqualificado possivelmente carente de da-

dos reais ou muito aqueacutem do concreto apontado pelo filoacutesofo de Frankfurt como o local da

verdade Por isso eacute que a esteacutetica enquanto aisthesis capacidade de percepccedilatildeo do outro estaacute

intimamente vinculada a esse ideal de formaccedilatildeo eacutetica e sobre isso recai a necessidade do aacuter-

duo esforccedilo pedagoacutegico educar a sensibilidade a percepccedilatildeo do outro educar para o reconhe-

cimento do local do outro educar para constitui um local comum Pensar eticamente a educa-

ccedilatildeo eacute proporcionar ao ser humano as condiccedilotildees para se relacionar com o corpo qualificada-

mente bem como prover as condiccedilotildees para ampliar a consciecircncia a ponto de estar apto a

reconhecer e reagir diante de compreensotildees ou comportamentos estandardizados A educaccedilatildeo

deveria levar o indiviacuteduo a ocupar qualificadamente seu espaccedilo e tempo de vida

III

O imperativo categoacuterico tem o objetivo em palavras kantianas conforme a Fundamen-

taccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes de gerar uma ligaccedilatildeo sistemaacutetica entre os seres humanos

Enquanto lei moral tal imperativo deve orientar o estabelecimento de maacuteximas as quais nos

conduzem na accedilatildeo Entre a lei moral e a accedilatildeo Kant (MC) define a existecircncia de uma folga

para a livre escolha do modo como ocorreraacute a aplicaccedilatildeo da lei Mesmo assim a relaccedilatildeo com a

moralidade tem o uacutenico criteacuterio da lei e mesmo que pudermos encontrar vaacuterias formas de

aplicaacute-la o fio condutor estaacute previamente dado Em criteacuterios morais natildeo haacute possibilidade de

95

afastamento da lei de modo que a escolha natildeo eacute de todo livre pois cada accedilatildeo deve ser com-

patiacutevel com tal imperativo moral Natildeo existem muitas opccedilotildees devo somente seguir a lei De

tal modo a livre escolha segue somente criteacuterios loacutegicos de adequaccedilatildeo (lei ndash maacutexima ndash

praacutetica) a accedilatildeo natildeo pode se afastar da lei se quiser salvar a ligaccedilatildeo sistemaacutetica denominada

reino dos fins O olhar dirigido para a lei moral dentro de noacutes assim como o dirigimos para o

ceacuteu estrelado acima de noacutes como forma de orientaccedilatildeo pode nos tornar cegos agraves

reivindicaccedilotildees de vida do outro gerando a relaccedilatildeo fria de um simples dever que preciso

seguir Desse modo natildeo eacute o outro que me move agrave accedilatildeo mas a loacutegica do dever Meu olho estaacute

posto nesse criteacuterio

Eacute exatamente no levar ao extremo esse espaccedilo para a livre escolha que reside o pro-

blema educacional Como educar a capacidade de escolha como tornar o ser humano apto a

decidir moralmente Eacute possiacutevel defender a necessidade da educaccedilatildeo que desenvolva modos

de experiecircncias com o outro na capacidade de visualizar sentir o corpo do outro como algo

que passiacutevel de destruiccedilatildeo precisa ser cuidado Aqui o imperativo natildeo eacute loacutegico-conceitual

mas eacute sensiacutevel posto ao deparar-me com o limite fiacutesico e com o limite do sentimento que o

outro tem Ningueacutem tem o direito de infligir dor ao outro pois esse outro eacute ser sensiacutevel muito

antes de ter a loacutegica desenvolvida Educaccedilatildeo e eacutetica exigem entatildeo desenvolver uma postura

humana diante daquilo que natildeo pode ser reduzido ao conceito a dor o sofrimento a

concretude do outro Assim eacute que se conecta a esteacutetica enquanto sentidos aptos a perceber a

vida em sua concretude a sensibilidade mesma Enquanto sensibilidade eacute pela esteacutetica que

ocorre o reconhecimento do local do outro o impulso agrave compreensatildeo e o impulso agrave accedilatildeo

REFEREcircNCIAS

ADORNO Theodor W Dialeacutetica negativa Traduccedilatildeo de Alfredo Brotons Muntildeoz Madrid Ediciones Akal 2005a (Obra Completa 6) _______ Dialeacutetica negativa Traduccedilatildeo de Marco A Casanova Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2009b _______ Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo 3 ed Traduccedilatildeo de Wolfgang Leo Maar Satildeo Paulo Paz e Terra 2003 _______ Experiecircncia e criaccedilatildeo artiacutestica ndash paralipocircmenos agrave ldquoTeoria Esteacuteticardquo Traduccedilatildeo de Artur Moratildeo Lisboa Ediccedilotildees 70 2003 (Arte e Comunicaccedilatildeo 81) _______ Kierkegaard construccioacuten de lo esteacutetico Traduccioacuten de Joaquiacuten C Mielke Ma-drid Ediciones Akal 2006 (Obra completa 2) _______ Minima Moralia ndash reflexotildees a partir da vida danificada Trad Luiz Eduardo Bicca 2 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1993 _______ Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico In ________ Palavras e sinais mode-los criacuteticos 2 Traduccedilatildeo de Maria Helena Ruschel Petroacutepolis Vozes 1995 p15-25 _______ Sobre sujeito e objeto In ________ Palavras e sinais modelos criacuteticos 2 Tradu-ccedilatildeo de Maria Helena Ruschel Petroacutepolis Vozes 1995 p181-201 _______ Teoria esteacutetica Traduccedilatildeo de Artur Moratildeo Lisboa Ediccedilotildees 70 [sd] (Arte e Comu-nicaccedilatildeo14) ADORNO Theodor W HORKHEIMER Max Dialeacutetica do Esclarecimento fragmentos filosoacuteficos Traduccedilatildeo de Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1985 AGAMBEN Giorgio A linguagem e a morte um seminaacuterio sobre o lugar da negatividade Traduccedilatildeo de Henrique Burigo Belo Horizonte UFMG 2006 ALVES JUacuteNIOR Douglas Garcia Dialeacutetica da vertigem Adorno e a filosofia moral Satildeo Paulo Escuta Belo Horizonte FumecFCH 2005 ANTELME Robert A espeacutecie humana Traduccedilatildeo de Clara Alvarez Lisboa Editora Ulisseia 2003 APEL Karl-Otto Eacutetica e responsabilidade o problema da passagem para a moral poacutes-convencional Traduccedilatildeo de Jorge Telles Menezes Lisboa Instituto Piaget 2007 ARENDT Hannah A vida do espiacuterito Traduccedilatildeo de Cesar A de Almeida Antocircnio A Hele-na Martins Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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RESUMO

Eacutetica esteacutetica e educaccedilatildeo satildeo os conceitos baacutesicos presentes nesta investigaccedilatildeo a qual

tem como paradigma orientador a Teoria Criacutetica de Theodor Adorno A partir das bases que

permitem conceber o sujeito poacutes-metafiacutesico em Adorno sob que condiccedilotildees eacute possiacutevel defen-

der o alargamento da experiecircncia como meio de constituiccedilatildeo da subjetividade a qual eacute a base

da consciecircncia moral e que significaccedilatildeo eacutetica surge para a educaccedilatildeo tendo em vista o sujeito

que moralmente precisa ser constituiacutedo com base na experiecircncia Partindo deste problema o

objetivo geral eacute discutir a noccedilatildeo de subjetividade poacutes-metafiacutesica em Adorno a fim de estabe-

lecer baseado em tal sujeito uma significaccedilatildeo eacutetico-educativa capaz de nortear a formaccedilatildeo do

humano e o desenvolvimento da consciecircncia moral Como indicativo teoacuterico a tese propotildee

que no momento em que a educaccedilatildeo se torna promotora de enriquecimento das experiecircncias

formativas eacute possiacutevel o alargamento do modo como ocorre a constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do su-

jeito eacutetico Isto nos conduz agrave constituiccedilatildeo do meio no qual o ser humano estaacute inserido meio

este denominado linguagem Portanto a defesa eacute sobre o plasmar linguumliacutestico como o desafio

eacutetico da formaccedilatildeo humana Articula-se a esteacutetica como fundamento sob o qual eacute possiacutevel de-

fender tal alargamento do conceito de experiecircncia e de constituiccedilatildeo da subjetividade O per-

curso teoacuterico inicia com a discussatildeo sobre o modo como ocorre a constituiccedilatildeo da subjetivida-

de e da consciecircncia moral em Kant cujo alicerce estaacute nos conceitos de finalidade e liberdade

para apoacutes compreender a mudanccedila proposta por Adorno no qual a esteacutetica estaacute em iacutentima

relaccedilatildeo com a eacutetica o que se evidencia a partir dos termos concreto constelaccedilatildeo comunica-

ccedilatildeo e conteuacutedo de verdade O meacutetodo eacute analiacutetico conceitual gerando um confronto entre estas

duas vertentes filosoacuteficas ao mesmo tempo em que propotildee significaccedilatildeo agrave praacutetica educacional

em ambiente escolar A proposta de reconhecimento do outro enquanto concretude que cons-

titui e habita um meio linguumliacutestico e a necessidade de a sala de aula ser o local privilegiado no

qual este meio deve ser plasmado eacute uma alternativa eacutetica para a formaccedilatildeo a partir da qual eacute

possiacutevel vislumbrar a escola enquanto local de desenvolvimento e qualificaccedilatildeo do humano

Palavras-chaves Eacutetica Esteacutetica Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo Plasmar linguiacutestico

ABSTRACT

Ethics aesthetic and education are the basic concepts in this present investigation which has

as its guiding paradigm critical theory of Theodor Adorno Form the basis the allow us to

conceive the post-metaphysical subject in Adorno under what conditions is possible defend

the enlargement of the experience like a way of the constitution of the subjectivity which is

the basis of the moral consciousness and that ethic signification comes to the education in

view of the subject that morally need to be constituted based on the experience Starting

from this problem the general goal is to discuss the post-metaphysical subjectivity notion in

Adorno to establish based in such subject an ethical and educational meaning able to guide

the human formation and the moral consciousness development As theoretical indicative the

thesis proposes that in the moment that the education becomes an enrichment promoter of

the formation experiences is possible the enlargement of the way that happens the

constitution and the development of the ethic subject This guides us to the constitution of the

environment in which the mankind is inside this environment is called language Therefore

the defense is about the linguistic shape as the ethical challenge of human development It is

articulated the aesthetic as a foundation under which is possible to defend the enlargement of

the concept of the experience and the constitution of the subjectivity The theoretical

approach starts with a discussion on how the constitution of subjectivity and moral

consciousness in Kant happens whose foundation lies in the concepts of order and freedom

to after understand the change proposed by Adorno in which aesthetics is intimately related

to ethics as is evident from the terms of concrete constellation communication and real

content The method is analytical and conceptual creating a confrontation between these two

philosophical strands while proposing significance to educational practice in the school

environment The propose o recognize the other as a concrete who is inserted in a linguistic

environment and the necessity for the classroom to be an ideal place in which this

environment should be shaped is an ethical alternative to the formation from which we can

glimpse the school as a place of development and qualification of the human

Keywords Ethics Aesthetic Education Formation Linguistic shape

LISTA DE ABREVIATURAS ANTR ndash Antropologia de um ponto de vista pragmaacutetico

CRPu ndash Criacutetica da razatildeo pura CRPr ndash Criacutetica da razatildeo praacutetica

DE ndash Dialeacutetica do esclarecimento DN ndash Dialeacutetica negativa DOD ndash Discurso sobre a origem e fundamentos das desigualdades entre os homens

EE ndash Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo EXP ndash Experiecircncia e criaccedilatildeo artiacutestica ndash paralipocircmenos agrave ldquoTeoria Esteacuteticardquo

FMC ndash Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes K ndash Kierkegaard

MC ndash Metafiacutesica dos costumes MET ndash Metafiacutesica

MM ndash Miacutenima moralia OPF ndash Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico

PS ndash Palavras e sinais ndash modelos criacuteticos 2 SDMP ndash Sobre a discordacircncia entre moral e a poliacutetica a propoacutesito da paz perpeacutetua

SO ndash Sobre sujeito e objeto

TE ndash Teoria esteacutetica

SUMAacuteRIO INTRODUCcedilAtildeO 9

1 ASPECTOS EacuteTICOS DA CONSTITUICcedilAtildeO E DA FORMACcedilAtildeO DO HUMANO SEGUNDO KANT 19

11 A constituiccedilatildeo transcendental do sujeito eacutetico em Kant 22

12 O ideal de Reino dos fins e a determinaccedilatildeo moral do sujeito transcendental 26

2 THEODOR ADORNO E A CONCEPCcedilAtildeO DE PENSAMENTO POacuteS-METAFIacuteSICO 33

21 Discussatildeo em torno do conceito de ldquosujeitordquo 33

22 A concepccedilatildeo de verdade em seu nuacutecleo histoacuterico 38

221 Tensatildeo entre verdade e procedimento 39

222 A perda da evidecircncia e o impulso ao esclarecimento 41

23 Constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade marcas do pensamento poacutes-metafiacutesico em Adorno 44

3 A IMPOSSIBILIDADE DO REINO DOS FINS MEDIANTE A FORCcedilA DO IMPERATIVO CATEGOacuteRICO

UMA CONTRAPOSICcedilAtildeO FUNDADA EM ADORNO 49

4 O PROJETO EacuteTICO ESTEacuteTICO E FILOSOacuteFICO EM ADORNO 57

41 A vinculaccedilatildeo entre experiecircncia e racionalidade esteacutetica 59

42 A dinacircmica entre aproximaccedilatildeo do outro e construccedilatildeo de si 65

5 O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO NA FORMACcedilAtildeO HUMANA 74

51 Entre o eu e o outro ou quando a presenccedila nos manteacutem humanos 74

52 A eacutetica e a esteacutetica em sua dimensatildeo pedagoacutegica 86

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 92

REFEREcircNCIAS 96

INTRODUCcedilAtildeO

A investigaccedilatildeo que aqui se apresenta tem como foco a relaccedilatildeo entre eacutetica esteacutetica e

educaccedilatildeo Natildeo satildeo poucos os esforccedilos em torno desse tema o que gera uma infinidade de

referenciais teoacutericos de modo que natildeo seria difiacutecil a repeticcedilatildeo de investigaccedilotildees jaacute existentes

o que comprometeria a pretensatildeo deste trabalho Nesse sentido eacute que a tese pretende uma

significaccedilatildeo eacutetico-educativa tendo como base a noccedilatildeo de sujeito esteacutetico em Theodor Adorno

Em linhas gerais entende-se por sujeito esteacutetico o indiviacuteduo que se constitui tanto moralmen-

te quanto em termos de conhecimento mediante a experiecircncia sensiacutevel a relaccedilatildeo efetiva e

permanente Isso remete agrave noccedilatildeo de esteacutetica enquanto percepccedilatildeo a dimensatildeo sensiacutevel que no

caracteriza Viso realizar um direcionamento efetivo estabelecendo as conexotildees entre as ba-

ses conceituais provindas da filosofia seja no acircmbito da eacutetica quanto da esteacutetica e a praacutetica

educativa em sentido amplo e especiacutefico Entendo a praacutetica educativa em sentido amplo en-

quanto processo de esclarecimento efetivado em todos os niacuteveis de relaccedilatildeo e em sentido es-

peciacutefico como aquela sistematicamente desenvolvida em ambiente escolar

Ao abordar a constituiccedilatildeo esteacutetica da subjetividade ou em outros termos a proposta

de um sujeito esteacutetico fica posto um viacutenculo direto com a noccedilatildeo de formaccedilatildeo O sujeito esteacute-

tico precisa ser constituiacutedo por mais que sejamos seres sensiacuteveis por natureza Mas a sensibi-

lidade no sentido de mera percepccedilatildeo natildeo eacute a uacutenica forma de se entender este tema pois ele

envolve a noccedilatildeo de mimese (a possibilidade de riqueza de experiecircncia ordenada pelo encontro

permanente com aquilo que me eacute diferente) e expressatildeo (o modo proacuteprio de o sujeito falar

derivado da riqueza mimeacutetica) Desse modo eacute possiacutevel afirmar que a pobreza de linguagem

revela a pobreza mimeacutetica

Mimese natildeo eacute imitaccedilatildeo mas eacute o braccedilo que se estende eacute o corpo que encontra resso-

nacircncia na realidade permitindo a dialeacutetica do tato conforme defendido nas Minima Moralia

Adorno rejeita a imitaccedilatildeo de modelos alegando que ele impede a autonomia Se admitirmos a

existecircncia de modelos esses satildeo imitaacuteveis Poreacutem um ser emancipado natildeo se fixa na imita-

ccedilatildeo mas tende agrave construccedilatildeo de uma sociedade cujos integrantes sejam capazes de pensar se-

gundo o ideal kantiano de fazer uso do proacuteprio entendimento sem a tutela ou modelagem de

outrem E essa possibilidade perpassa necessariamente pelo processo educacional

No entanto esse processo segue uma tendecircncia eacutetica orientado pelas questotildees baacutesicas

que mundo que ser humano que sociedade noacutes queremos Desse modo se justifica a necessi-

dade de pensar a formaccedilatildeo escolar sob ideais eacuteticos natildeo constituiacuteda exclusivamente de co-

nhecimentos intelectuais Em Theodor Adorno o problema da ldquoformaccedilatildeo moralrdquo se situa den-

10

tro da perspectiva esteacutetica o que remete a uma abordagem da dimensatildeo do outro O outro eacute o

maior e permanente desafio agrave racionalidade e todas as categorias iluministas natildeo datildeo conta da

apreensatildeo e significaccedilatildeo plena deste outro O comportamento da razatildeo pura ou do espiacuterito

absoluto por exemplo em relaccedilatildeo ao que me eacute diferente eacute de ser condiccedilatildeo para todo o senti-

do tudo eacute para a razatildeo e todo objeto dos sentidos tem existecircncia desqualificada ndash ou natildeo eacute

admitido como fato ndash se natildeo passar pela elaboraccedilatildeo subjetiva Essa eacute a noccedilatildeo de constituiccedilatildeo

via sujeito o para mim base teoacuterica para legitimar toda dominaccedilatildeo A existecircncia se torna

desqualificada quanto a prioridade estaacute na representaccedilatildeo que faccedilo daquilo com quem me rela-

ciono reduzindo a existecircncia do outro sua efetividade sua concretude a algo secundaacuterio

frente ao meu entendimento sobre ele Assim eacute que surgem conceitos frios pois natildeo admitem

o outro para aleacutem do sentido jaacute apreendido e para aleacutem do momento vivido como se ao con-

traacuterio do dinamismo da histoacuteria nossas compreensotildees natildeo precisassem mudar

O fator decisivo que originou a tese que aqui se apresenta estaacute constituiacutedo por dois e-

lementos Primeiro se deve ao percurso seguido pelos meus estudos em Filosofia e segundo

pela minha inserccedilatildeo no mundo educacional em acircmbito acadecircmico mas principalmente na

educaccedilatildeo baacutesica Ao concluir meu mestrado em Filosofia fui levado a analisar ndash pelo avanccedilo

nos estudos ndash a relaccedilatildeo entre a constituiccedilatildeo do sujeito e os desafios para a educaccedilatildeo Assim

direcionei meus estudos a um esforccedilo congregador entre aspectos teoacuterico-sistemaacuteticos em

Filosofia e os desafios em significar ndash com base neste estudo teoacuterico ndash eticamente a educa-

ccedilatildeo Realizarei esta abordagem explorando principalmente os conceitos de experiecircncia esteacute-

tica e subjetividade defendendo a possibilidade de mediante o ideal de enriquecimento de

experiecircncias formativas alargar o sentido de constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do sujeito eacutetico

Ao me inquietar com o tema acerca da constituiccedilatildeo do sujeito epistemoloacutegico e eacutetico

direcionei-me necessariamente a Immanuel Kant e agraves condiccedilotildees racionais puras ao ajuiza-

mento nesses dois acircmbitos Em termos eacuteticos surgem as noccedilotildees de fim uacuteltimo e liberdade co-

mo suporte agrave noccedilatildeo de dever O amor incondicional ao dever se constitui na condiccedilatildeo ao a-

gente moral e agrave sociedade baseada em seres racionais que estabelecem ligaccedilatildeo sistemaacutetica a

partir de leis comuns ndash o que pode ser entendido como reino dos fins Desta incondicionalida-

de eacute possiacutevel derivar a concepccedilatildeo de autonomia pois a uacutenica determinaccedilatildeo eacute interna posse do

sujeito Neste ponto eacute que se justifica a necessidade de retornar a Kant pois com este filoacutesofo

o conceito de autonomia foi inserido como criteacuterio epistemoloacutegico e moral Sobre isto ocorre

um incisivo ideal educacional pois tal criteacuterio precisa ser formado desenvolvido no ser hu-

mano Tentativas de implosatildeo deste ideal ocorreram com os regimes totalitaacuterios (por exemplo

o Nacional Socialismo na Alemanha e a Ditadura Militar no Brasil) para os quais a forccedila de

11

determinaccedilatildeo era dada pela ideologia absolutista Poreacutem a Teoria Criacutetica retoma o conceito

de maioridade pondo como condiccedilatildeo para a proacutepria democracia

O que surge ao analisar a obra kantiana sobre moral eacute que o encontro ocorre via amor

ao dever Todo senso moral deriva deste postulado Natildeo eacute pelo outro propriamente dito mas

somente por natildeo poder entrar em contradiccedilatildeo com minha proacutepria razatildeo que aceito o cumpri-

mento do dever aqueacutem a qualquer tendecircncia pessoal Um ponto que merece destaque eacute como

se desenvolve a consciecircncia moral a consciecircncia do dever natildeo ficando evidente como ocorre

a passagem da consciecircncia comum para uma fundamentaccedilatildeo dos costumes Uma possiacutevel

indicaccedilatildeo poderia ser encontrada no texto Resposta agrave pergunta o que eacute esclarecimento

quando eacute possiacutevel vislumbrar que a liberdade de fazer uso puacuteblico da razatildeo se constitui na

condiccedilatildeo para exercer o poder originado a partir do entendimento no seu bom uso O que fica

incerto eacute como o ser humano chega a desenvolver as condiccedilotildees para exercer a liberdade do

uso puacuteblico da razatildeo pois eacute negada pelo autor a forccedila decisiva dos exemplos nessa constitui-

ccedilatildeo

O que pode ser vislumbrado eacute a necessidade de um efetivo ardor educativo para que o

ser humano natildeo venha a fazer mau uso de suas forccedilas Nesse sentido eacute que recorro a Adorno

para buscar elementos que efetivam essa realizaccedilatildeo encontrando nos conceitos de concreto

viacutenculo comunicaccedilatildeo de diferenciados e sociedade atomizada indicaccedilotildees teoacutericas baacutesicas ao

desenvolvimento da consciecircncia moral Tudo isso baseado na concepccedilatildeo de subjetividade

esteacutetica Destaco entatildeo que o percurso traccedilado neste texto eacute indispensaacutevel pois parte do sen-

tido loacutegico-formal a partir do qual ocorre a formaccedilatildeo da consciecircncia moral em Kant para em

Adorno pontuar o contraponto da formaccedilatildeo moral mediante a ecircnfase na experiecircncia efetivada

no encontro com os outros o que remete agrave experiecircncia esteacutetica sensiacutevel Dessa experiecircncia

surge o sentido eacutetico da educaccedilatildeo enquanto promotora de ceacutelulas de humanidade e como o

espaccedilo do plasmar linguumliacutestico

Retomando a discussatildeo da responsabilidade moral baseada na ausecircncia de contradiccedilatildeo

da razatildeo com seus princiacutepios eacute que Kant se distancia de seu antecessor iluminista Jean-

Jacques Rousseau No filoacutesofo francecircs o respeito ao outro natildeo eacute por ser ele racional mas se

alicerccedila na noccedilatildeo de ser sensiacutevel Trago Rousseau presente natildeo por ser um autor decisivo

nesta investigaccedilatildeo mas para pontuar um paralelo entre dois autores da mesma eacutepoca histoacuterica

no que se refere agraves bases da obrigaccedilatildeo moral Tem-se aqui a indicaccedilatildeo da possibilidade de

encontro entre diferentes movido pela virtude da piedade como condiccedilatildeo para a humanidade

O desenvolvimento moral que eacute a existecircncia da humanidade propriamente dita para aleacutem da

animalidade ocorre quando o indiviacuteduo eacute capaz de sair de si e movido pela virtude da pieda-

12

de guiado pela razatildeo pelo ir em direccedilatildeo ao outro Nesse sentido a proposta iluminista de

Rousseau eacute um vislumbre moderno do ideal eacutetico adorniano acerca do encontro

Estar autorizado a agir somente por ser um dever prescrito pela razatildeo eacute conforme a-

cima descrito uma eacutetica de coerecircncia loacutegica Em olhar diferenciado a autorizaccedilatildeo a agir ocor-

re pelo fato de o outro solicitar minha accedilatildeo o que gera uma resposta inevitaacutevel Eacute do outro o

diferente de mim e que por isso se constitui em desafio para o pensamento que vem a obri-

gaccedilatildeo o que remete a uma interdependecircncia planetaacuteria constitutiva de um imperativo de res-

posta guiada pela natildeo colocaccedilatildeo do si mesmo no centro da discussatildeo mas guiada pela neces-

sidade comum de existecircncia qualificada Tal qualificaccedilatildeo nos remete agrave consideraccedilatildeo prioritaacute-

ria do local e do momento que o outro ser humano vive com suas escolhas suas decisotildees

suas experiecircncias e o estado atual que o indiviacuteduo se encontra

Dentro do pensamento de Kant o desafio que surge eacute delinear como ocorre a constitu-

iccedilatildeo da consciecircncia moral e se a partir dessa constituiccedilatildeo eacute possiacutevel assegurar a realizaccedilatildeo do

seu ideal de reino dos fins conceito norteador a partir do qual ocorrem os viacutenculos Nesse

ponto eacute que se torna vaacutelida a investigaccedilatildeo abordando os paradigmas de Kant e de Adorno

para na tensatildeo entre os dois autores em evidecircncia apontar a diferenccedila provinda de Adorno ao

modo como o sujeito eacute constituiacutedo Nessa direccedilatildeo eacute que ocorre uma radical mudanccedila a for-

maccedilatildeo deve levar a uma ampliaccedilatildeo e enriquecimento do niacutevel de experiecircncia pressuposto

para o agir moral Experiecircncia e agir moral encontram iacutentima relaccedilatildeo experiecircncia natildeo eacute mero

trato manejar ou proceder sobre algo mas estaacute vinculada agrave capacidade de se comunicar no

sentido de diaacutelogo momento em que os opostos entram em relaccedilatildeo e se autoconstituem A

obrigaccedilatildeo moral natildeo se deve a um rigor loacutegico de coerecircncia interna da proacutepria razatildeo mas de

um dever cuja base estaacute na necessidade da accedilatildeo por puro amor agrave vida natildeo enquanto universal

conceitual mas enquanto vida do efecircmero a concretude o ente do ser Em termos eacuteticos en-

contramos um ponto determinante todo princiacutepio de valor toda regra de accedilatildeo deve partir do

sensiacutevel a concretude que habita o mundo imediatamente

O fundamento teoacuterico adorniano se apoiaraacute principalmente nas obras Dialeacutetica do es-

clarecimento Dialeacutetica Negativa Teoria Esteacutetica e Minima Moralia apesar de percorrer as

demais obras buscando nelas alguns esclarecimentos terminoloacutegicos necessaacuterios Em Kant a

base estaacute na Criacutetica da razatildeo pura Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes e Fun-

damentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes

Atribuir ao efecircmero (o caraacuteter proacuteprio de transitoriedade) o valor de princiacutepio eacute arran-

car o fundamento das garras da abstraccedilatildeo Deve-se estar atento ao proacuteprio termo vida a cons-

tataccedilatildeo feita na Minima moralia de que natildeo haacute mais vida ou que natildeo haacute vida correta na falsa

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tem seu corretivo ndash o fato de vida estar carregada do significado originado pela relaccedilatildeo per-

manente com o mundo sensiacutevel e natildeo pelo conceito abstrato Eacute essa vida a origem da filoso-

fia e onde ela estaacute em ausecircncia ali eacute que deve surgir o pensamento Baseado nisso eacute que re-

corro agrave Minima moralia Teoria esteacutetica e agrave Dialeacutetica negativa com a finalidade de compre-

ender o direcionamento que eacute dado ao modo de constituiccedilatildeo do sujeito moral

As discussotildees sobre a Teoria Criacutetica de Adorno sofrem de uma marca histoacuterica que a

meu ver eacute muito reducionista em se tratando de atualizaccedilatildeo ou mesmo da anaacutelise referente

aos seus conceitos decisivos Refiro-me ao episoacutedio nazista pontuado na figura de Auschwitz

Apesar da importacircncia que a perseguiccedilatildeo e extermiacutenio principalmente aos judeus significa-

ram para Adorno em questotildees pessoais e teoacutericas situar sua produccedilatildeo considerando somente

tal fato oculta outras dimensotildees fundamentais Em se tratando de educaccedilatildeo tenho claro que

para ele o essencial eacute evitar que Auschwitz se repita impedindo o renovar das causas de tal

regressatildeo Fazendo referecircncia ao tiacutetulo deste projeto de tese O eacutetico e o esteacutetico em Adorno

merece atenccedilatildeo a cunhagem de sua concepccedilatildeo de esteacutetica e a devida vinculaccedilatildeo com a eacutetica

que estaacute aqueacutem do evento nazismo encontrando sua origem na criacutetica agrave tradiccedilatildeo metafiacutesica

principalmente na figura de Immanuel Kant e sua proposta de fundamentos da moralidade

Destaco tambeacutem o ideal de experiecircncia formativa como constituidora da consciecircncia bem

como sua noccedilatildeo fundante de dialeacutetica negativa e a relaccedilatildeo dessa com a rigorosidade no ato de

pensamento e na constituiccedilatildeo da verdade

Como o interesse central desta pesquisa eacute a significaccedilatildeo eacutetico-educativa que surge a

partir do sujeito poacutes-metafiacutesico em Theodor Adorno o problema que direciona a investigaccedilatildeo

estaacute delineado nos seguintes termos a partir das bases que permitem conceber o sujeito poacutes-

metafiacutesico em Adorno sob que condiccedilotildees eacute possiacutevel defender o alargamento da experiecircncia

como meio de constituiccedilatildeo da subjetividade a qual eacute a base da consciecircncia moral e que

significaccedilatildeo eacutetica surge para a educaccedilatildeo tendo em vista o sujeito que moralmente precisa

ser constituiacutedo com base na experiecircncia O sujeito poacutes-metafiacutesico ou para Adorno o sujeito

esteacutetico eacute compreendido a partir da relaccedilatildeo estabelecida com os fragmentos de alteridade

aquilo que permanece apoacutes o ato compreensivo e que exige continuaccedilatildeo da experiecircncia sensiacute-

vel como condiccedilatildeo para ampliaccedilatildeo da consciecircncia

Diante da contextualizaccedilatildeo apresentada e do problema proposto a tese defendida eacute no

momento em que educaccedilatildeo se torna promotora de enriquecimento das experiecircncias formati-

vas eacute possiacutevel o alargamento do modo como ocorre a constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do sujeito eacuteti-

co Isso nos conduz agrave constituiccedilatildeo do meio no qual o ser humano estaacute inserido meio esse de-

nominado linguagem Portanto a defesa eacute sobre o plasmar linguiacutestico como o desafio eacutetico da

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formaccedilatildeo humana Para tanto articula-se a esteacutetica como fundamento sob o qual eacute possiacutevel

defender tal alargamento do conceito de experiecircncia e de constituiccedilatildeo da subjetividade Es-

tando as experiecircncias em processo de constante formaccedilatildeo o desafio eacutetico-educativo eacute desen-

volver a consciecircncia da necessidade de viacutenculos de responsabilidade em contraposiccedilatildeo ao

ideal de seres atomizados (monadas) e movidos unicamente pelo criteacuterio da razatildeo pura que

dita o amor ao dever Somente assim eacute possiacutevel vislumbrar um estado humano ou estado de

reconciliaccedilatildeo em situaccedilatildeo de encontro e comunicaccedilatildeo de antiacuteteses natildeo hostis Juntamente

com a compreensatildeo de educaccedilatildeo em sua funccedilatildeo de plasmar da linguagem surge a relaccedilatildeo

com a noccedilatildeo adorniana do novo Por mais que tenhamos a necessidade de nos adaptarmos a

determinadas normas costumes tradiccedilotildees valores condiccedilatildeo miacutenima para haver convivecircncia

social a educaccedilatildeo deve permitir a manifestaccedilatildeo da riqueza individual e a novidade que a au-

toconstruccedilatildeo pode revelar Isso significa pensar na coesatildeo sem coaccedilatildeo mas mediante a valo-

rizaccedilatildeo daquilo que no outro eacute outro ou seja valorizaccedilatildeo do diferente no outro seu caraacuteter de

novidade

Vale destacar alguns pontos que marcam o horizonte desta pesquisa Como primeiro

aspecto a referecircncia estaacute na alteraccedilatildeo que a accedilatildeo humana sofreu em suas configuraccedilotildees Eacute

improvaacutevel que nossos antepassados tivessem o senso de que seus atos pudessem interferir

sobre a vida em escala planetaacuteria e as consequecircncias se estendessem por seacuteculos ou ateacute mes-

mo que fossem irreversiacuteveis Seus vislumbres se estendiam por poucas geraccedilotildees e estavam

situadas nos limites locais Somente este alargamento jaacute potildee a necessidade de repensar os

fundamentos eacuteticos da accedilatildeo humana em estreito viacutenculo com o ato pedagoacutegico Admitindo

que educar natildeo eacute instruir eacute decisivo analisar como constituir a consciecircncia moral na conside-

raccedilatildeo desta interdependecircncia planetaacuteria com a tarefa de desenvolver a consciecircncia da accedilatildeo e

do alcance da accedilatildeo

No segundo aspecto faccedilo referecircncia ao sentido que o mito de Prometeu assume em

periacuteodos da ciecircncia e tecnologia avanccediladas como se vivencia a partir da revoluccedilatildeo industrial

e no auge dessa ciecircncia nos seacuteculos XX e XXI Eacute possiacutevel afirmar que as descobertas da ci-

ecircncia elevaram o ser humano a uma condiccedilatildeo de desacorrentamento diante da proacutepria nature-

za permitindo a sobrevivecircncia reproduccedilatildeo e o prolongamento da vida para aleacutem dos limites

considerados ateacute entatildeo como naturais A capacidade de prever os fenocircmenos naturais permi-

te a construccedilatildeo de estruturas para resistir ao poder da natureza ou accedilotildees para minimizar viacuteti-

mas diante de tal poder A princiacutepio parece que nada restou do temor que assombrava o ho-

mem primitivo e o fazia endeusar a natureza na busca das explicaccedilotildees para seus dilemas

15

Poreacutem como jaacute alertavam Adorno e Horkeimer na Dialeacutetica do esclarecimento este

processo de desmistificaccedilatildeo acabou por gerar uma nova potecircncia miacutetica hoje configurada no

poder da ciecircncia e da tecnologia Dessa forma eacute que ocorreu um novo acorrentamento e con-

tinuando com a Dialeacutetica do esclarecimento quando se pensa haver rompido com a necessi-

dade natural percebe-se o quanto estamos sujeitos a ela Eacute assim que o ideal kantiano de reino

dos fins na posiccedilatildeo privilegiada do humano como fim e nunca como meio para as accedilotildees

deve ser estendido tambeacutem agrave natureza externa ao humano considerando-a por ela mesma e

natildeo na administraccedilatildeo que impotildee o para-mim e o sentido que surge somente via razatildeo

Esta pesquisa legitima-se na necessidade de repensar os fundamentos da moralidade

para aleacutem do antropocentrismo o que significa repensar o local a partir do qual o ser humano

se posiciona diante daquilo como que se relaciona Em termos morais o sujeito transcendental

e a razatildeo pura encontram seu limite o outro natildeo eacute objeto e o dualismo eacute a oposiccedilatildeo radical agrave

alteridade Objetificar eacute reduzir o sentido agravequilo dado pela razatildeo dualismo eacute admitir um pri-

meiro como portador de todo sentido e um segundo em permanente acircnsia pela inclusatildeo nesse

sentido previamente dado Admitir a alteridade o outro eacute propor uma relaccedilatildeo em configura-

ccedilotildees diferenciadas ou seja a partir da comunicaccedilatildeo entre diferenciados o que pressupotildee

comportamento mimeacutetico e expressivo Mimeacutetico no sentido de acolhida do outro e expres-

sivo enquanto resposta a esta diferenccedila que se impotildee Mimese e expressatildeo se convertem a-

qui em elementos altamente eacuteticos Em primeiro lugar por exigirem uma educaccedilatildeo dos senti-

dos na capacidade de receber essa alteridade e natildeo consideraacute-la antiacutetese hostil Em segundo

lugar por exigirem a resposta em termos de permissatildeo ao outro continuar em sua reserva de

sentido para aleacutem da interpretaccedilatildeo que visa reduzir o outro agravequilo que digo dele

Destaco um terceiro e uacuteltimo aspecto na apresentaccedilatildeo dos horizontes de sentido da

pesquisa Vive-se um tempo de excessos natildeo eacute possiacutevel negar o excesso de poder que impera

nas relaccedilotildees entre seres humanos e entre ser humano e natureza o poder de produccedilatildeo tornou-

se ilimitado o poder do conhecimento permite transcender os limites da natureza humana

(prolongamento da vida para aleacutem das capacidades naturais substacircncias que ampliam a resis-

tecircncia fiacutesica) Poreacutem tem-se a carecircncia de referenciais normativos e ateacute de referecircncias (ou

evidentes exemplos) do que eacute o homo humanus para aleacutem do homo faber ou do homo sapi-

ens Eacute possiacutevel admitir que a existecircncia do elemento produtivo (faber) do elemento do pen-

samento desenvolvido natildeo subsiste sem o alicerce do homo humanus em sua capacidade de

sentir-se responsaacutevel e agir em prol de todos os outros seres o que exige alicerces de valores

e de um elevado senso eacutetico Diante disso a pesquisa assume a incisiva relevacircncia por apontar

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alguns resultados que podem auxiliar na discussatildeo e fundamentaccedilatildeo do agir educativo pauta-

do pelo ideal de humanidade

Sob esta oacutetica e com esta pesquisa questiono o ideal kantiano de que pela forccedila do

imperativo categoacuterico seria possiacutevel instituir o reino dos fins Vislumbrar um estado humano

cuja base estaacute na ligaccedilatildeo sistemaacutetica de todos os seres racionais sob leis comuns condiz com a

pretensatildeo de colocar o indiviacuteduo humano como o primeiro absoluto Eacute possiacutevel pensar o hu-

mano apenas na ligaccedilatildeo entre humanos Absolutizando o humano natildeo se cai no mesmo pro-

blema que se quis superar durante os milecircnios de pensamento filosoacutefico ndash o mito A ligaccedilatildeo

sistemaacutetica de todos os seres racionais segundo leis comuns como sendo o alicerce da morali-

dade se configura em abstracionismo moral pois o mundo do seacuteculo XX percebeu a urgecircncia

da interdependecircncia entre todos os seres vivos Apoiando Hans Jonas o imperativo eacute que haja

vida independente de onde quer que ela esteja Assim eacute que o centro da investigaccedilatildeo eacutetica

estaacute na vida em sua ampla manifestaccedilatildeo Natildeo em uma ligaccedilatildeo entre seres racionais mas em

ligaccedilatildeo cuja base eacute o princiacutepio vital o que natildeo significa outra coisa senatildeo a centralidade na

relaccedilatildeo e o reconhecimento da natureza em noacutes ndash caraacuteter de pertenccedila agrave natureza e dependecircn-

cia dela

Defendendo um giro no eixo sustentador da accedilatildeo moral enfatizando o alargamento da

experiecircncia a partir da perspectiva adorniana de esteacutetica ndash o que derivaraacute no capiacutetulo final no

termo comunicaccedilatildeo de diferenciados ndash e ciente da responsabilidade da educaccedilatildeo em promo-

ver este alargamento como base da educaccedilatildeo eacutetico-esteacutetico eacute que aproximo filosofia e educa-

ccedilatildeo cuja base estaacute no pensamento de Theodor Adorno

Diante disso indico o objetivo central deste trabalho que eacute discutir a noccedilatildeo de subje-

tividade poacutes-metafiacutesica em Adorno a fim de estabelecer baseado em tal sujeito uma signifi-

caccedilatildeo eacutetico-educativa capaz de nortear a formaccedilatildeo do humano e o desenvolvimento da cons-

ciecircncia moral a partir da funccedilatildeo esteacutetica como formadora da eacutetica

Com este norte traccedilado proponho cinco capiacutetulos como estrutura investigativa No

primeiro capiacutetulo o objetivo eacute analisar a concepccedilatildeo e a constituiccedilatildeo do sujeito moral em

Kant cujo significado eacute a constituiccedilatildeo metafiacutesica do humano Desenvolvo releitura e anaacutelise

sobre a proposta kantiana de que nos conceitos de finalidade e liberdade estatildeo a base do

sujeito moral norteado pelo imperativo categoacuterico fundamentado no criteacuterio racional da lei

moral Esta discussatildeo primeira eacute fundamental para posteriormente conseguir situar a criacutetica

adorniana a esse modelo de constituiccedilatildeo de modo que o segundo capiacutetulo visa analisar a

concepccedilatildeo de pensamento e subjetividade na perspectiva poacutes-metafiacutesica de Theodor Adorno

perspectiva essa natildeo orientada pela base racional da lei mas analisando o exato momento da

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decisatildeo momento da efetividade praacutetica quando ocorre o contato com o outro Dada a priori-

dade desse momento sobre ele deve recair todo o interesse teoacuterico-filosoacutefico Para tanto par-

to da concepccedilatildeo de sujeito em Aristoacuteteles para compreender o significado da afirmaccedilatildeo ador-

niana de que hoje o sujeito eacute destituiacutedo de subjetividade e em contrapartida apresentam-se

quais as condiccedilotildees dadas pelo autor para que haja a subjetividade Esse recurso a Aristoacuteteles

deve-se agrave possibilidade de situar ali o surgimento da forccedila de determinaccedilatildeo interna do indiviacute-

duo Situo aqui um aspecto decisivo na argumentaccedilatildeo pois no auge da modernidade ocorre a

insuficiecircncia dessa forccedila interna do sujeito e contrapondo tambeacutem a perspectiva kantiana

esta forccedila interior ao indiviacuteduo humano passa a ser administrada por vontades a ele exteriores

Vislumbra-se assim o colapso da base conceitual do seu imperativo categoacuterico baseado no

poder da autodeterminaccedilatildeo Ocorre uma relaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de sensibilidade e entendimen-

to em Kant e a noccedilatildeo de perda de evidecircncia em Adorno quando o entendimento natildeo mais

encontra material ldquoconfiaacutevelrdquo para o ato de siacutentese Mesmo natildeo tendo sido pontuado por A-

dorno com a concepccedilatildeo de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade ocorre uma possiacutevel soluccedilatildeo

para tal problema No centro da concepccedilatildeo de pensamento poacutes-metafiacutesico estaacute a ideia de de-

terminaccedilatildeo e de verdade portadora de nuacutecleo temporal contrariando radicalmente a concep-

ccedilatildeo tradicional das ideias eternas e imutaacuteveis de Platatildeo ou do criteacuterio transcendental do tem-

po e do espaccedilo em Kant Assim eacute que partindo do princiacutepio temporal o criteacuterio da histoacuteria

em sua transitoriedade o outro eacute constante desafio nunca simples ideia ou resultado final

Partindo dessa compreensatildeo o terceiro capiacutetulo visa propor as criacuteticas ao imperativo

categoacuterico alegando a impossibilidade de mediante a forccedila de tal imperativo objetivar o rei-

no dos fins O amor ao dever gera um viacutenculo baseado estritamente no criteacuterio de coerecircncia

loacutegica como fundamento para a accedilatildeo moral fazendo o humano tatildeo abstrato que perde a efeti-

vidade dos viacutenculos concretos Se junta a isso o problema de que natildeo eacute possiacutevel vislumbrar

nas trecircs obras sobre moral (Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes Fundamenta-

ccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes) o modo como o ser humano desenvolve a consciecircncia moral

Do mesmo modo natildeo satildeo evidentes as condiccedilotildees que permitem ocorrer efetivamente a tran-

siccedilatildeo da consciecircncia moral vulgar para uma metafiacutesica dos costumes

No quarto capiacutetulo o desafio eacute estabelecer as bases teoacutericas para a concepccedilatildeo de su-

jeito esteacutetico em Adorno e o que demarca o acircmbito artiacutestico nesse autor ou seja quando uma

obra pode ser considerada arte Conseguindo situar este sujeito e o acircmbito da obra de arte

torna-se possiacutevel compreender o real desafio agrave racionalidade diante da constante reserva de

sentido que compotildee o outro o diferenciado Na concepccedilatildeo de sujeito esteacutetico encontra-se a

possibilidade de realizaccedilatildeo da dialeacutetica do esclarecimento esse processo de saiacuteda do ser hu-

18

mano de seu estado de menoridade rumo a um patamar de entendimento que ainda em Kant

chama-se esclarecimento e autonomia

Finalizando o itineraacuterio teoacuterico o quinto capiacutetulo visa localizar qual a significaccedilatildeo eacute-

tico-educativa que surge a partir dessa concepccedilatildeo de sujeito esteacutetico Recorro a alguns concei-

tos decisivos e que representam um incisivo desafio agrave educaccedilatildeo Refiro-me especificamente agrave

noccedilatildeo de sensibilidade identificaccedilatildeo viacutenculos de responsabilidades ceacutelulas de humanidade

comunicaccedilatildeo de diferenciados em contraposiccedilatildeo ao ideal de ser humano e sociedade atomi-

zados A educaccedilatildeo deve gerar a paz o que em Adorno se caracteriza como a possibilidade de

comunicaccedilatildeo entre diferentes sem acircnsia de domiacutenio cuja marca estaacute na ausecircncia do medo

natildeo do desconhecido que gera o mito mas de poder ser diferente sem temor sem o risco de

ser considerado antiacutetese hostil A educaccedilatildeo eacute aqui concebida a partir do plasmar linguumliacutestico

da constituiccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade e como possibilitadora no novo

Seguindo esse horizonte teoacuterico-investigativo a educaccedilatildeo e posta diante do desafio de

aperfeiccediloar cada vez mais a humanidade em noacutes tornando-nos aptos a coabitar com a vida

onde quer que ela esteja a partir de sua riqueza proacutepria Natildeo eacute o pensamento que nos humani-

za ele somente nos converte em animais racionais Cabe ao movimento de esclarecimento da

consciecircncia gerar as condiccedilotildees para que a vida seja possiacutevel neste local que habitamos Ou

seja constituir o meio proacuteprio que possibilita a humanidade o que natildeo se fundamenta em um

puro amor ao dever ou agrave coerecircncia loacutegica do pensamento sendo urgente desenvolver a cons-

ciecircncia da interdependecircncia universal como fundamento para a possibilidade de pensar o hu-

mano e de seu proacuteprio existir

1 ASPECTOS EacuteTICOS DA CONSTITUICcedilAtildeO E DA FORMACcedilAtildeO DO HUMANO SEGUNDO KANT

Em se tratando de filosofia e educaccedilatildeo ou se referindo ao termo formaccedilatildeo temos o

grande desafio de estabelecer os fundamentos para a constituiccedilatildeo da subjetividade apta a pro-

duzir a significar o conhecimento e tambeacutem apta a agir moralmente A pergunta poderia ser

sintetizada da seguinte maneira ldquoquem eacute como se forma o sujeito humano e quais as bases

eacuteticas de tal constituiccedilatildeordquo A pretensatildeo dessa investigaccedilatildeo natildeo eacute apresentar um esquema ge-

ral das respostas que surgiram na tradiccedilatildeo filosoacutefica cujo berccedilo estaacute ainda na trageacutedia grega

mas sim pontuar dois paradigmas que considero decisivos nesta abordagem a busca pelos

universais fundados nos conceitos da razatildeo em Kant e a defesa do singular sensiacutevel em A-

dorno Destaca-se que a referecircncia agrave Kant eacute necessaacuteria para melhor apresentar a posiccedilatildeo de

Adorno em relaccedilatildeo agrave defesa do singular sensiacutevel Desse modo metodologicamente a referecircn-

cia agrave Kant eacute apenas de passagem

Diante do problema da subjetividade o que segue eacute uma releitura de alguns toacutepicos do

pensamento kantiano para entatildeo pontuar a criacutetica adorniana aos constituintes da ideia norte-

adora em Kant denominada reino dos fins Para tanto seratildeo percorridos dois caminhos teoacuteri-

cos dois modos de conceber a formaccedilatildeo moral O ponto de partida estaacute em como Kant com-

preende a constituiccedilatildeo da liberdade e autonomia de consciecircncia e representaccedilatildeo e o ideal de

reino dos fins isso baseado nas obras Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes (FMC)

Metafiacutesica dos costumes (MC) e as obras magnas Criacutetica da razatildeo pura (CRPu) e Criacutetica da

razatildeo praacutetica (CRPr) O contraponto em Adorno segue com um diaacutelogo entre suas obras

buscando no jogo de tensotildees textuais que marcam sua produccedilatildeo as bases da constituiccedilatildeo

sensiacutevel da moralidade e os fundamentos de sua afirmaccedilatildeo de sujeito destituiacutedo de subjetivi-

dade ou o fato de natildeo haver mais sujeito

Immanuel Kant com o caraacuteter transcendental que define o sujeito remete a um estrei-

tamento na noccedilatildeo de constituiccedilatildeo ou seja como se forma o sujeito do conhecimento e o sujei-

to moral Agora a forccedila constituinte eacute tatildeo somente interna como condiccedilatildeo de possibilidade de

qualquer regra praacutetica autocircnoma Assim natildeo haacute interferecircncia externa de circunstacircncias con-

tingentes de um soberano de divindades na formaccedilatildeo da natureza interna Essa eacute definida

como posse do indiviacuteduo que no interior da experiecircncia interage movido pela rigidez inaba-

laacutevel derivada da marca constituinte do reino dos fins ou seja a consideraccedilatildeo do humano

como portador de grandeza absoluta sem possibilidade de ser meio Essa grandeza deve estar

na base de qualquer princiacutepio praacutetico ndash ningueacutem pode querer atentar contra o fundamento do

20

reino entendendo tal fundamento como sendo a grandeza do indiviacuteduo ser fim em si mesmo

(cf CRPr MC e FMC) A noccedilatildeo de fim eacute decisiva para Kant em questotildees morais como des-

taca Macarena Marey

Um sistema de fins implica [] natildeo somente uma classificaccedilatildeo de deveres eacuteticos mas tambeacutem uma compreensatildeo da moralidade que eacute notavelmente mais ampla que a preocupaccedilatildeo moral dos agentes na vida cotidiana sobre a autorizaccedilatildeo moral de suas accedilotildees [] A moralidade eacute uma esfera que inclui a questatildeo [] sobre quais satildeo os fins entendidos natildeo como meros lsquoobjetos do arbiacutetriorsquo mas como princiacutepios praacuteticos supremos que informam o plano de vida de um agente cuja efetiva aceitaccedilatildeo eacute con-diccedilatildeo necessaacuteria de qualquer pretensatildeo de moralidade (MAREY 2010 p75 ndash tradu-ccedilatildeo nossa)

Na eacutetica kantiana a consciecircncia desses princiacutepios praacuteticos supremos deveria estar na

base das accedilotildees a partir dos quais se evidenciaria como o agente estaacute conduzindo suas accedilotildees

qual eacute o seu fio condutor Na noccedilatildeo de ser humano como reino de fins estaacute para a mesma

autora ldquoo princiacutepio praacutetico ou o fim geral o projeto fundamental [] que daacute forma ao plano

de vida de um agenterdquo (ibidem p76)

No seacuteculo XX Theodor Adorno elabora uma criacutetica principalmente com base filosoacutefi-

co-esteacutetica que pode ser concebida como sendo o diagnoacutestico da crise enfrentada pelo sujeito

transcendental e pelo almejado reino dos fins kantiano E atribuo o adjetivo crise natildeo no sen-

tido de natildeo aceitar a humanidade como fim uacuteltimo mas aos moldes transcendentais do sujei-

to e aos moldes do imperativo categoacuterico que natildeo conseguiram dar conta da realizaccedilatildeo de

sua tarefa o reino dos fins Em outras palavras o problema natildeo estaacute no reino dos fins na hu-

manidade como fim uacuteltimo mas em sua ideia de fundo na sua teoria legitimadora a qual natildeo

percebeu o caraacuteter determinante das contingecircncias histoacutericas que podem impor o limite da

proacutepria humanidade ndash a barbaacuterie extrema aniquiladora de todo sujeito Isso pelo fato de que

ldquocomo uacutenico ser dotado de entendimento na terra o ser humano pode estabelecer voluntaria-

mente fins para si mesmordquo (HOumlFFE 2009 p32) Um regime totalitaacuterio por exemplo pode

pretender considerar como humano apenas um determinado grupo ou determinado modo de

vida A base racional que potildee o humano como fim propotildee princiacutepios praacuteticos altamente nega-

tivos agravequeles que natildeo se adequarem a essa determinada concepccedilatildeo de humano1

A ideia de fundo anteriormente mencionada e que eacute passiacutevel de discussatildeo reside no

reconhecimento da lei moral como determinante para a accedilatildeo Ateacute admite-se uma referecircncia agrave

esfera praacutetica mas o fundamento estaacute dado sempre pela lei a qual eacute estritamente racional e

nenhum elemento sensiacutevel pode sustentar o dever Eacute o que Kant chama de vontade conduzida

1 Esta discussatildeo seraacute bem pontuada no quinto capiacutetulo

21

pela representaccedilatildeo das regras a vontade eacute a ldquofaculdade de determinar a sua causalidade pela

representaccedilatildeo de regras por conseguinte agrave medida que satildeo capazes de accedilotildees segundo propo-

siccedilotildees fundamentais por conseguinte tambeacutem segundo princiacutepios praacuteticos a priori (pois soacute

estes tecircm aquela necessidade que a razatildeo exige para a proposiccedilatildeo fundamental)rdquo (CRPr sect57)

Para Douglas Garcia Alves Juacutenior a vontade em Kant ldquoeacute uma faculdade pela qual o sujeito

ao ser propriamente afetado pela sensibilidade que lhe impotildee quereres eacute ao mesmo tempo

capaz de sobrepor-lhe a representaccedilatildeo de um dever que ele mesmo concebe atraveacutes da razatildeordquo

(ALVES JUNIOR 2005 p41) Esta representaccedilatildeo do dever eacute a representaccedilatildeo da lei moral2 a

qual conforme a segunda criacutetica (sect64) nos ordena a sua mais estrita observacircncia O ajuiza-

mento enquanto ato do entendimento enquanto direcionado natildeo ao empiacuterico mas ao conteuacute-

do conceitual ndash o juiacutezo diz o conceito ndash natildeo oferece muita dificuldade acerca do que segundo

a lei moral precisa ser feito ldquoa ponto de que ateacute o entendimento mais comum e menos exerci-

tado mesmo sem experiecircncia do mundo natildeo soubesse lidar com elerdquo Essa facilidade reteacutem o

ser humano em um ambiente seguro pois basta clareza loacutegica para aplicar a regra Poreacutem da

lei moral ateacute a accedilatildeo reside um espaccedilo que deve ser habitado pelo ser humano a tomada de

decisatildeo Esse problema foi levantado por Kant quando afirma ldquose a lei somente pode pres-

crever a maacutexima das accedilotildees e natildeo as proacuteprias accedilotildees isso constitui um indiacutecio de que deixa

uma folga para a livre escolha no seguir (conformar-se com) a lei isto eacute que a lei natildeo pode

especificar precisamente de qual maneira algueacutem deve agir e quanto algueacutem precisa fazer

atraveacutes da accedilatildeo para um fim que eacute tambeacutem um deverrdquo (MC p 233) Contudo este espaccedilo

livre de promessa de decisatildeo em como agenciar a lei agrave praacutetica eacute iluminado por um uacutenico

pressuposto a proacutepria lei moral que estaacute em noacutes como o ceacuteu estrelado estaacute acima de noacutes3

A questatildeo que se impotildee e que seraacute alvo das discussotildees eacute A forccedila provinda da lei mo-

ral e do amor ao dever eacute suficiente para mover o ser humano a partir de um fio condutor mo-

ralmente adequado agrave humanidade E como a educaccedilatildeo poderia interferir neste processo de

constituiccedilatildeo da moralidade e na consequente edificaccedilatildeo do humano Sobre esta uacuteltima recai

todo o esforccedilo dessa investigaccedilatildeo

A proposta teoacuterica aqui desenvolvida segue aleacutem das interrogaccedilotildees acima outros pro-

blemas Eacute possiacutevel defender um alargamento da experiecircncia como sendo a base da constitui-

2 Conforme a Criacutetica da razatildeo praacutetica a lei moral eacute descrita nos seguinte imperativo ldquoAge de tal modo que a maacutexima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo (sect7 p54) 3 Metaacutefora utilizada por Kant para expressar a grandeza da lei moral no interior do ser humano Na conclusatildeo da Criacutetica da razatildeo praacutetica (sect288) afirma ldquoDuas coisas enchem o acircnimo de admiraccedilatildeo e veneraccedilatildeo sempre nova e crescente quanto mais frequentemente e persistentemente a reflexatildeo ocupa-se com elas o ceacuteu estrelado acima de mim e a lei moral em mimrdquo

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ccedilatildeo da subjetividade e da consciecircncia moral Em que termos se daria tal defesa A experiecircn-

cia pode significar um alargamento necessaacuterio agrave consciecircncia moral Quanto de autocircnomo e

quanto de heterocircnomo existe na condiccedilatildeo humana

Com isto faccedilo a abertura das discussotildees que constituem este primeiro capiacutetulo visando

firmar ao final da tese uma re-significaccedilatildeo eacutetico-educativa com base no sujeito poacutes-

metafiacutesico ndash ou esteacutetico ndash em Adorno Neste primeiro momento pretendo entatildeo realizar uma

anaacutelise do modelo de constituiccedilatildeo da subjetividade baseado no imperativo categoacuterico Aleacutem

dos motivos jaacute destacados optei por seguir um diaacutelogo com Kant devido agraves constantes inter-

faces que o filoacutesofo de Frankfurt estabelece com o de Koumlnigsberg principalmente em ques-

totildees morais e do imperativo categoacuterico Faccedilo entatildeo uma leitura a partir da recepccedilatildeo ou re-

percussatildeo que a proposta filosoacutefica de Kant teve sobre a proposta filosoacutefica de Adorno

Kant quis que a lei moral fosse interna ao ser humano como autonomia princiacutepio e lei

dados a partir da proacutepria razatildeo e do amor ao dever A questatildeo que surge eacute decisiva O que

fazer com esta gigantesca lei moral interna Como agenciaacute-la na praacutetica Nas obras baacutesicas

que versam sobre eacutetica Kant defenderaacute uma relaccedilatildeo iacutentima da lei moral com as maacuteximas de

accedilatildeo uma vez que satildeo as maacuteximas que estatildeo em iacutentima relaccedilatildeo com a accedilatildeo mesma Dessa

forma a lei moral deve estar na base das maacuteximas utilizadas na accedilatildeo e no momento das deci-

sotildees devemos ter o olhar fixo no princiacutepio do dever ditado pelo imperativo categoacuterico Na

Minima moralia (116 p158) Adorno propotildee que se deve ldquoaprender a lidar com a moralida-

derdquo a senti-la e assim apropriar-se dela sendo as ldquoinfraccedilotildees miacutenimasrdquo o veiacuteculo mediador

entre este ldquoimenso ceacuteu estreladordquo e o mundo da vida Metaforicamente o que ocorre em A-

dorno eacute o retorno do telescoacutepio que busca o gigantesco ceacuteu estrelado kantiano ao proacuteprio

chatildeo da efetividade a fim de na contingecircncia histoacuterica encontrar o incentivo para a accedilatildeo A

consciecircncia moral o princiacutepio interno deve ser despertado em Adorno pelo elemento sensiacute-

vel pelo limite do corpo ndash a contingecircncia histoacuterica

11 A constituiccedilatildeo transcendental do sujeito eacutetico em Kant

A tensatildeo entre Kant e Adorno encontra um ponto de referecircncia ndash o qual considero co-

mo dado fundamental ndash nas noccedilotildees de metafiacutesica e experiecircncia esteacutetica como formas do pen-

samento filosoacutefico

Na Metafiacutesica dos costumes Kant define metafiacutesica como ldquoum sistema de cogniccedilatildeo a

priori a partir exclusivamente de conceitosrdquo (2008) Em outro momento expotildee que ldquooutra

coisa natildeo eacute senatildeo o inventaacuterio sistematicamente ordenado de tudo o que possuiacutemos pela ra-

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zatildeo purardquo (CRPu A XX) Situada em uma dimensatildeo privilegiada do saber referente ao prag-

maacutetico a metafiacutesica serviraacute como telos e nuacutecleo de forccedila ao ideal formativo sendo a clareza

intuitiva apenas a instacircncia propulsora da relaccedilatildeo de conhecimento no momento da receptivi-

dade do nosso espiacuterito quando somos afetados pelo objeto O conhecimento encontra sua

culminacircncia na siacutentese operada pelo entendimento ao sermos capazes de pensar o objeto pro-

vindo da sensibilidade (cf Loacutegica transcendental na Criacutetica da razatildeo pura) Partindo do

princiacutepio de que a verdade estaacute situada dentro dos limites da experiecircncia possiacutevel a sensibili-

dade ampliada se torna decisiva O limite de qualquer conhecimento estaacute mesmo para Kant

na impossibilidade de alcanccedilar a coisa em-si o elemento essencial em palavra aristoteacutelica

Assim sendo na CRPu o conhecimento somente consegue se mover dentro do material que a

sensibilidade lhe fornece e a verdade ocorre como resultado do jogo entre o material provin-

do da sensibilidade e a siacutentese que o entendimento realiza

Na Metafiacutesica dos costumes ao definir o local que a lei moral ocupa dentro dos costu-

mes Kant a coloca em situaccedilatildeo bem distante das accedilotildees e ao ocupar-se com ela refugia-se em

um territoacuterio tranquilamente livre da contingecircncia A lei em Kant e conforme exposto anteri-

ormente pode prescrever somente a maacutexima da accedilatildeo e natildeo o modo de accedilatildeo propriamente

dito de modo que a efetividade praacutetica estaacute definida pela diversidade de regras praacutetica a par-

tir da promessa de decisatildeo Mas em questotildees praacuteticas nenhum ser humano ocupa tal refuacutegio

estando em constante conflito entre suas proacuteprias maacuteximas a accedilatildeo e a lei Na tentativa de re-

duzir tal distacircncia o autor compotildee a moral tanto (a) pela lei quanto (b) pela capacidade de

cumprir tal lei e (c) a vontade em assim fazer (cf MC p240) Lei vontade e capacidade praacute-

tica formam a triacuteade constitutiva do sujeito eacutetico poreacutem tais fatores somente satildeo possiacuteveis de

serem considerados como posse humana pressupondo o sujeito livre

No paraacutegrafo 5 da Criacutetica da razatildeo praacutetica em nota explicativa sobre a lei moral a li-

berdade eacute posta como condiccedilatildeo para a existecircncia da moralidade e por outro lado eacute mediante

esta que a liberdade pode ser conhecida afirmo que a lei moral seja a condiccedilatildeo sob a qual primeiramente podemos tornar-nos conscientes da liberdade quero apenas lembrar que a liberdade eacute sem duacutevida a ratio essendi da lei moral mas que a lei moral eacute a ratio cognoscendi da liberdade Pois se a lei moral natildeo fosse pensada antes claramente em nossa razatildeo jamais nos considerariacuteamos autorizados a admitir algo como a liberdade [] Mas se natildeo exis-tisse liberdade alguma a lei moral natildeo seria de modo algum encontraacutevel em noacutes

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Falar em lei moral exige entatildeo inserir a liberdade4 como algo proacuteprio desse ser consi-

derado por Kant como fim uacuteltimo Liberdade e finalidade satildeo os atributos essenciais a partir

dos quais o humano deve ser reconhecido E assim se impotildee novamente o ser humano no

centro das discussotildees

ele natildeo coloca o ser humano no centro do mundo mas o declara um fim que natildeo exis-te ao mesmo tempo como meio portanto um simples fim um fim em si mesmo Aleacutem disso numa hierarquia de fins o ser humano constitui seu fim terminal e ateacute o fim terminal absoluto de toda a natureza E essa posiccedilatildeo ou dignidade compete segundo o antropocentrismo5 de Kant unicamente ao ser humano (HOumlFFE 2009 p21)

Estamos diante das condiccedilotildees para pensar a humanidade enquanto espeacutecie a liberdade

e a concepccedilatildeo de finalidade Ambas definem o espaccedilo a partir do qual eacute possiacutevel falar em mo-

ralidade

A imputabilidade de uma accedilatildeo ao sujeito sua responsabilidade moral somente eacute pos-

siacutevel pressupondo para Kant a condiccedilatildeo de agente livre Nesse sentido surge o problema dos

modelos os exemplos em sua impossibilidade de mover para a accedilatildeo pois eles ldquoservem apenas

para encorajar isto eacute potildeem fora de duacutevida a possibilidade daquilo que a lei ordenardquo (FMC

BA 29) Ao mesmo tempo em que Kant reconhece os exemplos como necessaacuterios agrave educaccedilatildeo

moral por outro lado o exemplo pode se tornar prejudicial por natildeo permitir o fortalecimento

da subjetividade reconhecida pela autonomia O modelo quando tornado ideal desconside-

rando seu caraacuteter de contingecircncia impede o desenvolvimento da ousadia no pensamento de-

fendido enfaticamente no texto Resposta agrave pergunta que eacute esclarecimento Sapere aude en-

contra o sentido pleno na medida em que permite desenvolver e assumir um comportamento

sem o guia tutorial

Assim eacute que nos textos da Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes e Fun-

damentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes haacute esta dupla perspectiva em relaccedilatildeo agrave tensatildeo entre

exemplos modelos e liberdade Haacute um consenso interno na teoria kantiana pondo os modelos

como encorajadores provando que eacute possiacutevel agir em plena conformidade ao dever Poreacutem

eles natildeo representam em nada o fortalecimento da moralidade em noacutes pois apoacutes acalmar os

sentimentos que o exemplo excita ldquoo coraccedilatildeo retorna espontaneamente ao seu movimento

4 O objetivo natildeo eacute aqui discutir detalhadamente o conceito de liberdade mas pontuaacute-lo brevemente a fim de situar as caracteriacutesticas ndash juntamente com a de finalidade uacuteltima ndash que marcam o ser humano em sentido moral 5 Otfried Houmlffe no mesmo texto indica que o antropocentrismo defendido eacute simplesmente temaacutetico ldquoPoder-se-ia dizer que se trata de um antropocentrismo temaacutetico e natildeo dogmaacutetico ou de um antropocentrismo relativo e natildeo absoluto Este eacute um antropocentrismo condicionado a saber um antropocentrismo que pressupotildee que se olhe a natureza do ponto de vista da espeacutecie homo sapiens Haacute aleacutem disso outra diferenccedila da compreensatildeo usual de antropocentrismo a natureza natildeo eacute instrumentalizada com vistas ao bem-estar humanordquo (2009 p33)

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vital natural e moderado e por conseguinte recai na languidez que lhe era antes peculiar

porque na verdade lhe era oferecido algo que o estimulava mas nada que o fortalecesserdquo

(CRPr sect 281)

O fortalecimento do sujeito para a accedilatildeo eacutetica ocorre em Kant a partir da conduccedilatildeo do

indiviacuteduo agrave liberdade resultando na autonomia como fora defendido na Resposta agrave pergunta

o que eacute esclarecimento Desse movimento inicial eacute possiacutevel desenvolver a consciecircncia da lei

moral ou seja a orientaccedilatildeo da maacutexima de accedilatildeo a partir da forccedila da lei ldquoO ceacuteu estrelado acima

de noacutes e a lei moral em noacutesrdquo Esse enunciado expressa muito mais do que uma forma de ori-

entaccedilatildeo devendo ser conteuacutedo de consciecircncia do mesmo modo que o ceacuteu estrelado em sua

grandeza serve de orientaccedilatildeo a lei moral em sua grandeza deve ser consciecircncia para poder

influenciar a orientaccedilatildeo pragmaacutetica do ser humano ldquoo que ele faz de si mesmo ou pode e

deve fazer como ser que age livrementerdquo (ANTR p21)

Nesse ponto eacute que os exemplos e os modelos sofrem de impossibilidade pois sua uacuteni-

ca funccedilatildeo eacute mostrar que eacute possiacutevel agir por amor ao dever mas natildeo pode ser colocado como

modelo de accedilatildeo Uma educaccedilatildeo que se utiliza de modelos visando fortalecer a consciecircncia e

gerar moralidade eacute carente de princiacutepios pois os modelos quando postos na posiccedilatildeo de prin-

ciacutepios podem impedir o elemento baacutesico da moralidade a liberdade e autonomia Em relaccedilatildeo

a isso eacute possiacutevel aproximar Adorno de Kant quando em Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo (Educa-

ccedilatildeo-para quecirc p141) os modelos ideais satildeo acusados de ideologia o que impede o pensa-

mento emancipado e criacutetico

Pode-se entatildeo defender que os exemplos natildeo servem de princiacutepios pois natildeo agem na

consciecircncia de modo a fortalecer ou ateacute mesmo como motivador da accedilatildeo A uacutenica possibili-

dade de haver a tomada de consciecircncia eacute mediante a representaccedilatildeo da lei da moralidade em

relaccedilatildeo ao ser humano individual ou seja a adequaccedilatildeo do princiacutepio agrave accedilatildeo E isso ocorre ape-

nas quando a base da accedilatildeo seu impulso normativo ocorre via conceito e a representaccedilatildeo deste

na praacutetica humana Princiacutepios tecircm que ser estabelecidos sobre a base de conceitos [] Ora esses con-ceitos se devem tornar-se subjetivamente praacuteticos natildeo tecircm que ficar parados diante das leis objetivas da moralidade para admiraacute-las e para apreciaacute-las em relaccedilatildeo agrave hu-manidade mas tecircm que considerar a sua representaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao homem e sua individualidade (CRPr sect 281)

Fixando a distinccedilatildeo entre princiacutepios e exemplos esses podem gerar apreccedilo e admira-

ccedilatildeo servindo de incentivo ao ajuizamento em conteuacutedos morais Mas natildeo podem servir de

incentivos agrave accedilatildeo mesma o que exige a forccedila motriz dos princiacutepios os quais satildeo originados

26

pela faculdade do entendimento natildeo da sensibilidade Seguindo as linhas da Criacutetica da razatildeo

pura os conceitos se originam da mateacuteria-prima fornecida pela intuiccedilatildeo a qual eacute sensiacutevel Eacute

somente nesse sentido que os exemplos podem ter utilidade movendo a faculdade do enten-

dimento a operar a siacutentese deste diverso em uma ligaccedilatildeo sinteacutetica resultando em consciecircncia

Assim eacute possiacutevel a existecircncia do eu idecircntico (oposto agrave heteronomia) este sujeito possuidor de

si mesmo e capaz de mover-se pela representaccedilatildeo desta carga de consciecircncia ldquoTudo na natu-

reza age segundo leis Soacute um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representaccedilatildeo

das leis isto eacute segundo princiacutepios ou soacute ele tem uma vontaderdquo (FMC BA 36) O que temos

aqui eacute que pela siacutentese ocorre o surgimento de princiacutepios uacutenica via constituidora de uma

forccedila subjetiva para mim

Essa constituiccedilatildeo do sujeito moral em Kant ndash cujo percurso encontra nos exemplos a-

penas um estiacutemulo havendo necessidade da formaccedilatildeo da consciecircncia mediante a siacutentese do

material apreendido pelos sentidos convertendo-os em conceitos sendo que a partir de sua

representaccedilatildeo eacute originada a accedilatildeo moral ndash eacute definida como transcendental O sujeito transcen-

dental estaacute edificado com base metafiacutesica pois a possibilidade de determinaccedilatildeo supera a con-

tingecircncia histoacuterica e se fixa nas bases conceituais estaacuteveis fruto das representaccedilotildees e deste

modo limitando a influecircncia das experiecircncias efetivas com o objeto Este eacute o curso que o meacute-

todo da razatildeo praacutetica assume constituindo a subjetividade enquanto forccedila para mim baseada

no poder da ldquoliberdade interior de desembaraccedilar-se de tal modo da impetuosa impertinecircncia

das inclinaccedilotildees que absolutamente nenhuma mesmo a mais benquista tenha influecircncia sobre

uma resoluccedilatildeo para a qual devemos servir-nos agora da nossa razatildeordquo (CRPr sect 287) A forma-

ccedilatildeo da consciecircncia a partir da criacutetica da razatildeo em Kant segue entatildeo esse trajeto descrito com

sua consequente constituiccedilatildeo do princiacutepio supremo da moralidade Eacute esse um dos pontos deci-

sivos de contraposiccedilatildeo surgidos a partir do estudo da obra de Theodor Adorno o que seraacute

desenvolvido no decorrer do texto

12 O ideal de Reino dos fins e a determinaccedilatildeo moral do sujeito transcendental

O plano intelectual da Criacutetica da razatildeo pura apresentado no prefaacutecio agrave segunda edi-

ccedilatildeo aponta para a exigecircncia de relaccedilatildeo com a natureza a partir do imperativo racional de natildeo

se deixar guiar por nada que esteja aqueacutem da posiccedilatildeo de juiz que dita as regras e obriga a res-

postas conforme sua proacutepria pretensatildeo de esclarecimento Ao definir isso como sendo atributo

da razatildeo que ldquosoacute entende aquilo que produz segundo os seus proacuteprios planos que ela tem que

tomar a dianteira com princiacutepios que determinam os seus juiacutezos segundo leis constantes e

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deve forccedilar a natureza a responder agraves suas interrogaccedilotildees em vez de se deixar guiar por estardquo

(CRPu B XIII) ao apresentar tal plano Kant abre espaccedilo para a interferecircncia direta da razatildeo

pura livre de contingecircncias empiacutericas em relaccedilatildeo aos princiacutepios eacuteticos

Em termos morais a razatildeo precisa ser a produtora de suas leis e orientadora de suas

accedilotildees pois satildeos seus princiacutepios que devem estar na dianteira tanto dos ajuizamentos quanto

da proacutepria atividade humana inserida no mundo Temos em Kant ldquoa indicaccedilatildeo de que o con-

teuacutedo da lei moral em geral e o conteuacutedo concreto de determinadas maacuteximas que se possam

derivar dela natildeo satildeo determinados pelas disposiccedilotildees morais do acircnimo Nesse sentido Kant eacute

inequivocamente um racionalista somente a razatildeo (reflexatildeo) e natildeo um sentimento formula a

lei moral e determina com isso quais accedilotildees satildeo ordenadasrdquo (SCHOumlNECKER 2009 p57)

A moralidade entendida como a adequaccedilatildeo do agir humano ao princiacutepio racional de-

nominado lei e sendo entatildeo de cunho empiacuterico eacute consequecircncia desta situaccedilatildeo de autonomia

caracteriacutestica do sujeito que forccedila a natureza a guiar-se por tal lei constante Nessa perspectiva

Kant cunha a concepccedilatildeo de autonomia da vontade Contrapondo-se agrave possibilidade de deter-

minaccedilatildeo externa e portanto contingente a autonomia revela a capacidade de fazer uso do

proacuteprio entendimento conforme enunciado no texto Resposta agrave pergunta que eacute esclareci-

mento

Na Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes a vontade eacute caracterizada como a ldquofa-

culdade de se determinar a si mesmo a agir em conformidade com a representaccedilatildeo de certas

leisrdquo (BA 63) Desse modo a determinaccedilatildeo moral ocorre via representaccedilatildeo sendo essa resul-

tado da consciecircncia da lei moral em noacutes Isto foi analisado anteriormente poreacutem vale ressal-

tar que este agir em conformidade com a representaccedilatildeo da lei significa guiar-se pelos princiacute-

pios de consciecircncia fixados pelo entendimento em seu ato sinteacutetico de congregar as represen-

taccedilotildees em um conceito cuja forccedila determina a vontade

Voltando agrave autonomia ocorre um ldquoauto-forccedilarrdquo a natureza a seguir alguns criteacuterios

Em se tratando de seres racionais os uacutenicos em que eacute possiacutevel admitir a autonomia como cri-

teacuterio a vontade ldquoeacute aquela sua propriedade graccedilas agrave qual ela eacute para si mesma a sua lei (inde-

pendentemente da natureza dos objetos do querer)rdquo Dessa forma o princiacutepio da autonomia eacute

ldquonatildeo escolher senatildeo de modo a que as maacuteximas da escolha estejam incluiacutedas simultaneamen-

te no querer mesmo como lei universalrdquo (FMC BA 87)

Essa referecircncia eleva o sujeito transcendental para aleacutem da dimensatildeo epistemoloacutegica

Apesar de a Criacutetica da Razatildeo Pura ter o caraacuteter estrito de reformular as bases para o conheci-

mento ao afirmar que foge agrave capacidade de entendimento racional toda determinaccedilatildeo alheia

ao uso puro da razatildeo compreende-se que em termos de conduta praacutetica toda lei deve para

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ser reconhecida pela razatildeo partir de sua necessidade O plano de se deixar guiar por vontade

alheia natildeo encontra legitimaccedilatildeo na razatildeo pelo simples fato de natildeo ter sido ela a movedora de

tal plano e inclusive da minha vontade Este eacute o pressuposto da maioridade em Kant que

toda accedilatildeo feita por mim possa ser reconhecida pela minha razatildeo como devedora total agrave sua

necessidade

Kant faz uma advertecircncia para natildeo confundir a moralidade como pertencente agrave filoso-

fia transcendental pois falar em transcendental exige o entendimento de que nela natildeo entra conceito algum que contenha algo de empiacuterico ou seja vigiar para que o conhecimento a priori seja totalmente puro [] Daiacute resulta que os princiacutepios supremos da moralidade e os seus conceitos fundamentais sendo embora conceitos a priori natildeo pertencem agrave filosofia transcendental (CRPu B 28)

No entanto apesar de as questotildees morais estarem ligadas agrave contingecircncia o princiacutepio

de lei que orienta toda moralidade precisa daquele assentamento Sendo assim pode ateacute natildeo

haver pertenccedila em questotildees praacuteticas mas a lei do agir eacute dada estritamente pela razatildeo Desse

modo o moacutebil eacute sempre dado pelo sujeito transcendental nas suas condiccedilotildees de possibilida-

de a priori em conceber natildeo apenas uma verdade epistemoloacutegica mas a legitimidade e reco-

nhecimento da lei

Estamos diante do fato da razatildeo e sendo assim faz-se necessaacuterio estabelecer as bases

firmes deste fato Ou seja eacute imprescindiacutevel ter claro que para Kant como jaacute fora mencionado

anteriormente todo conhecimento para ser digno de consideraccedilatildeo cientiacutefica e estar legitima-

do racionalmente precisa partir do princiacutepio que a proacutepria razatildeo natildeo reconhece aquilo que eacute

produzido segundo planos a ela estranhos Ao afirmar que natildeo se pode buscar a fundamenta-

ccedilatildeo para a verdade a natildeo ser na convicccedilatildeo racional o deslocamento que ocorre aponta para a

superioridade da natureza interna sobre a externa Esta precisa ser controlada por aquela e

apesar de constantemente estarmos em busca da objetividade a fim de colocarmos em movi-

mento nossa capacidade de conhecer (cf CRPu B 1) isso natildeo ocorre sem mais a razatildeo ldquodeve

ir ao encontro da natureza para ser por esta ensinada eacute certo mas natildeo na qualidade de aluno

que aceita tudo o que o mestre afirma antes na de juiz investido nas suas funccedilotildees que obriga

as testemunhas a responder aos quesitos que lhes apresentardquo (CRPu B XIII)

Em relaccedilatildeo agrave natureza interna isto assume um caraacuteter decisivo na eticidade onde estaacute a

base da lei de conduta O querer natildeo pode ser guiado por questotildees alheias ao si proacuteprio toda

accedilatildeo deve ser pautada pela vontade consequente desse querer e isso por natildeo haver o reconhe-

cimento tanto de um governo divino quanto do humano em outra pessoa a natildeo ser a primeira

do singular o eu mesmo como nuacutecleo de forccedila para o agir A razatildeo natildeo reconhece aquilo que

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natildeo eacute por ela ditada e assim estaacute estabelecida a base para a maioridade e para a edificaccedilatildeo do

estado humano autocircnomo A pergunta ldquode onde proveacutem a leirdquo deveria ter como resposta i-

mediata proveacutem da razatildeo e pela razatildeo Assim sendo o estreitamento da noccedilatildeo de constitui-

ccedilatildeo configurado na necessidade do reconhecimento da lei pela razatildeo remete em Kant ao es-

treitamento na noccedilatildeo de facticidade somente estou autorizado a realizar aquilo que corres-

ponde agrave lei reconhecida pela razatildeo

Mas o que eacute lei Na Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes encontramos uma

definiccedilatildeo elucidativa eacute o princiacutepio objetivo do querer6 ou seja eacute a regra assentada em moti-

vos vaacutelidos para todo ser racional (cf FMC BA 63) Quando a razatildeo tem a possibilidade de

reconhecer uma accedilatildeo gerada por sua lei estamos diante da impossibilidade de accedilatildeo danosa

moralmente imputada pois o princiacutepio da razatildeo se assenta na validade para todos os seres

racionais Em outras palavras para que seja lei eacute necessaacuterio que natildeo ocorra a possibilidade de

a razatildeo mesma ser viacutetima da regra Por isso que o fim objetivo assume o caraacuteter de universali-

dade e necessidade Em termos aristoteacutelicos necessaacuterio eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash o

princiacutepio supremo da obrigaccedilatildeo

Retomando argumentaccedilatildeo acima a consideraccedilatildeo de todos os seres racionais (caraacuteter de

universalidade) envolvidos na necessidade objetiva encontra a denominaccedilatildeo de reino dos

fins Conforme jaacute visto esta eacute uma noccedilatildeo decisiva em Kant pois gera uma concepccedilatildeo de hu-

manidade derivada da forccedila moral (da accedilatildeo por dever) consequente da forccedila da lei (fundamen-

to do dever) A humanidade estabelecida atraveacutes da forccedila moral apoiada no amor ao dever

encontra a obrigatoriedade das accedilotildees nesse amor na segunda formulaccedilatildeo do imperativo cate-

goacuterico que assim dita ldquoAge de tal maneira que uses a humanidade tanto na tua pessoa como

na pessoa de qualquer outro sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente co-

mo meiordquo (FMC BA 66-67)

Em Sobre a discordacircncia entre moral e a poliacutetica a propoacutesito da paz perpeacutetua estaacute

expressa a soberania da consciecircncia no ordenamento do agir humano Eacute impossiacutevel que uma

vez admitido o dever enquanto princiacutepio interno e a constituiccedilatildeo da vontade a partir de tal

natildeo haja a possibilidade de agenciamento praacutetico a partir do princiacutepio do dever Em suas pa-

lavras postula-se que eacute um absurdo ldquoalgueacutem depois de ter admitido a autoridade deste concei-

to do dever querer dizer que natildeo se pode realizaacute-lordquo (2009 p79) Essa postura riacutegida de Kant

representa sua intenccedilatildeo em constituir uma subjetividade que se move unicamente pelo princiacute-

pio da autonomia que somente a lei interna pode proporcionar O motivo moral estaacute no cum-

6 Conforme nota explicativa de Kant em BA 15

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primento da lei sendo esse o motivo da accedilatildeo Em relaccedilatildeo a esse motivo ldquoKant estaacute analisan-

do o conceito proacuteprio de uma lei moral dada uma lei se ela eacute moral devemos segui-la incon-

dicionalmente precisamente por ela ser moralrdquo (MAREY 2010 p79 ndash traduccedilatildeo nossa) Estri-

tamente no sentido moral da lei estaacute entatildeo o criteacuterio de decisatildeo para a adequaccedilatildeo da accedilatildeo agrave

moralidade Esta eacute a centralidade da foacutermula a autorizaccedilatildeo para atuar surge especificamente

ldquodo procedimento de universalizaccedilatildeo enunciado na foacutermula imperativa da lei geralrdquo (MA-

REY 2010 p79 ndash traduccedilatildeo nossa)

A accedilatildeo moral eacute livre isto eacute natildeo passiacutevel de influecircncia heterocircnoma Ao romper com

todo determinismo externo eacute aberta a possibilidade de realizaccedilatildeo do dever por uma uacutenica via

sendo um princiacutepio interno natildeo posso natildeo querer sua realizaccedilatildeo A questatildeo eacute se eacute possiacutevel no

momento da accedilatildeo a vontade humana se guiar unicamente pela consciecircncia do princiacute-

piofoacutermula do dever Ao defender positivamente essa questatildeo Kant fixa a liberdade a partir

do princiacutepio formal como base da moralidade Para fazer a filosofia praacutetica concordar consigo mesma eacute necessaacuterio em primeiro lu-gar resolver a questatildeo de saber se nos problemas da razatildeo praacutetica deve-se tomar co-mo ponto de partida o princiacutepio material dela a finalidade (como objeto da livre vontade) ou partir do princiacutepio formal isto eacute daquele (estabelecido somente com relaccedilatildeo agrave liberdade nas relaccedilotildees externas) assim enunciado age de tal maneira que possas querer que tua maacutexima se torne uma lei universal (qualquer que seja a finali-dade desejada por ti) (SDMP p86)

A concepccedilatildeo anteriormente desenvolvida dita a construccedilatildeo dos princiacutepios atraveacutes da

siacutentese operada pelo entendimento sobre o diverso da intuiccedilatildeo sensiacutevel resultando em conte-

uacutedo de consciecircncia impulsionadora da representaccedilatildeo deste princiacutepio (lei) em relaccedilatildeo ao ser

humano particular A partir dessa concepccedilatildeo eacute que se insere o conceito de liberdade como

suporte que garante a representaccedilatildeo da lei agrave accedilatildeo Isso se torna compreensiacutevel quando relem-

bramos a recusa de Kant a toda forma de determinaccedilatildeo pois ela eacute externa e por isso natildeo cor-

responde ao conceito de liberdade sendo este resultado da accedilatildeo mediante a representaccedilatildeo da

lei a qual eacute conteuacutedo de consciecircncia Para ser livre eacute necessaacuterio que a vontade seja impulsio-

nada por um princiacutepio interno a ela estamos diante da autonomia da vontade

Mas seria simplista entender a liberdade de escolha em Kant apenas na perspectiva

de a vontade natildeo ser determinada por impulsos sensiacuteveis ou determinaccedilotildees externas (instintos

paixotildees) Ampliando essa concepccedilatildeo liberdade eacute ldquocapacidade da razatildeo pura ser por si mes-

ma praacutetica ndash possiacutevel somente pela qualificaccedilatildeo da maacutexima da accedilatildeo como lei universalrdquo (MC

p63) Natildeo se entende o arbiacutetrio livre unicamente como oposiccedilatildeo agrave natureza que manda mas

submetida agrave razatildeo que prescreve a lei na forma de imperativo lei que comanda ou proiacutebe de

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maneira absoluta sem possibilidade de natildeo o ser Desse modo a vontade somente seraacute livre

quando a forccedila legislativa da maacutexima servir como lei visto que a lei eacute algo em si positivo a saber a forma de uma causalidade intelectual isto eacute da liberdade assim na medida em que ela em contraste com uma contra-atuaccedilatildeo subjetiva a saber as inclinaccedilotildees em noacutes enfraquece a presunccedilatildeo eacute ao mesmo tempo um objeto de respeito e na medida em que ela ateacute a abate isto eacute a humilha eacute um objeto do maacuteximo respeito (CRPr sect130)

Eacute dada agrave lei a forccedila de ser causalidade e por ser conteuacutedo de consciecircncia eacute forma da

liberdade A lei eacute forma de causalidade que abate as inclinaccedilotildees ou seja anula em sentido

praacutetico o efeito da felicidade proacutepria e nesse sentido eacute moral pois considera o humano como

finalidade no ideal de reino dos fins Assim se entende o sentido da liberdade a possibilidade

de natildeo ser guiado nem pela determinaccedilatildeo natural o que seria ligado agrave contingecircncia e tam-

pouco pela subjetividade egoiacutesta Nesse sentido liberdade e autonomia satildeo as caracteriacutesticas

proacuteprias do ser dotado de razatildeo

A liberdade eacute entatildeo transcendental condiccedilatildeo de possibilidade natildeo apenas de ruptura

com os ditames da natureza mas de se converter em lei universal e necessaacuteria para a accedilatildeo O

princiacutepio que permite o movimento natildeo eacute outro que a representaccedilatildeo da lei na accedilatildeo humana

Kant identifica a accedilatildeo desprovida de liberdade a um autocircmato algueacutem que age como maacutequi-

na sem raciociacutenio e vontade proacutepria Se seguiacutessemos apenas um mecanismo da natureza en-

tatildeo a accedilatildeo ldquonatildeo seria melhor que a liberdade de um assador giratoacuterio o qual uma vez posto

em marcha executa por si os seus movimentosrdquo (CRPr sect174) quando natildeo haacute a representaccedilatildeo

da accedilatildeo como necessaacuteria e originada por um princiacutepio racional

Conceber a determinaccedilatildeo moral do sujeito exige como linha reguladora a noccedilatildeo de

reino dos fins Essa noccedilatildeo estaacute de acordo com o ideal de sociedade proposto tambeacutem no texto

Ideia de uma histoacuteria universal de um ponto de vista cosmopolita Defendendo a necessidade

de um mundo cosmopolita isso ocorreria pelo equiliacutebrio entre os antagonismos gerais e o

direcionamento das forccedilas em direccedilatildeo agrave realizaccedilatildeo do mais alto propoacutesito da natureza em noacutes

a ligaccedilatildeo mediante um poder irresistiacutevel o qual congrega a liberdade de cada um em co-

habitaccedilatildeo com a liberdade dos outros Isso seria a sociedade que em outras palavras deve ser

entendida como devendo estar regulada pela ideia de reino dos fins Essa relaccedilatildeo fica ainda

mais evidente quando Kant expotildee o conceito de reino ldquoa ligaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios seres

racionais por meio de leis comunsrdquo (FMC BA 74) Assim ocorre a tentativa de edificar a ple-

na igualdade entre os homens quando apesar dos antagonismos todas as forccedilas satildeo orienta-

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das a um objetivo comum constituir a civilizaccedilatildeo entendida como o uso da ideia de morali-

dade

A obrigatoriedade de uma accedilatildeo estaacute na promoccedilatildeo e preservaccedilatildeo desse reino e nenhum

fator subjetivo pode desviar o seguimento do dever Isso significa que nenhum moacutebil pode

desviar o querer orientado pelo elemento objetivo do querer ndash tal eacute a forccedila que o imperativo

categoacuterico daacute ao sujeito envolvido na accedilatildeo uma pureza de intenccedilotildees incapaz de romper a lei

E nesse meio eacute que surge um limite ao ideal eacutetico-moral kantiano pois no acircmbito da razatildeo

pura exige-se um indiviacuteduo com uma rigidez de caraacuteter natildeo realizaacutevel no plano da contingecircn-

cia histoacuterica Eacute necessaacuterio considerar o dinamismo a incerteza histoacuterica como constituinte do

humano Estariacuteamos diante de um limite para a razatildeo pura como fixadora do alcance do ali-

cerce eacutetico Para justificar e fundamentar a afirmaccedilatildeo acima recorro a Theodor W Adorno

2 THEODOR ADORNO E A CONCEPCcedilAtildeO DE PENSAMENTO POacuteS-METAFIacuteSICO

21 Discussatildeo em torno do conceito de ldquosujeitordquo

Theodor Adorno leva ao extremo a criacutetica agrave formaccedilatildeo da subjetividade e consequen-

temente define um novo olhar sobre quem eacute ou o que eacute aquilo que chamamos sujeito Anali-

sando a trajetoacuteria de sua produccedilatildeo intelectual eacute possiacutevel relacionar sua criacutetica agrave subjetividade

tanto como uma contraposiccedilatildeo ao transcendental de Kant quanto ao pensamento grego anti-

go mas especificamente em Aristoacuteteles Considero essa tensatildeo fundamental e a interpretaccedilatildeo

que proponho avanccedila para a noccedilatildeo de que os seres humanos se converteram em ldquosujeitos des-

providos de subjetividaderdquo (MM 33 p467) Quem eacute realmente esse sujeito e em que termos

ocorre este desprover de sua proacutepria subjetividade

Na Metafiacutesica o termo sujeito eacute posto por Aristoacuteteles como um dos sentidos de subs-

tacircncia assim definido-a como a essecircncia o universal o gecircnero e o sujeito ldquoE o sujeito eacute aqui-

lo sobre o qual satildeo ditas as demais coisas sem que ele por sua vez seja dito de outrardquo (VII 3

1028b 36) Essa concepccedilatildeo encontra em seu centro a indicaccedilatildeo de um elemento fundamental

a noccedilatildeo de determinaccedilatildeo condiccedilatildeo para qualquer conhecimento Nada eacute possiacutevel dizer sem

considerar esta origem epistemoloacutegica que em Aristoacuteteles eacute a substacircncia identificada em um

sentido com o sujeito Substacircncia eacute sujeito em seu sentido enfaacutetico a origem de todo o devir

forccedila originaacuteria e que eacute legitimamente em-si Os atributos somente predicam algo em refe-

recircncia a um sujeito no caso o sujeito congregador das predicaccedilotildeesdeterminaccedilotildees eacute a subs-

tacircncia e aquelas natildeo existem fora dessa Ou seja somente satildeo em atribuiccedilatildeo ao sujeito

Apesar de Aristoacuteteles natildeo ter concebido o termo autonomia contudo este em-sisi-

mesmo independente de determinaccedilotildees pode ser entendido como um prenuacutencio desse termo

Aristoacuteteles traz para o interior do ente a capacidade de automover-se Natildeo eacute o sentido kantia-

no de autonomia ou maioridade tampouco o sentido adorniano de emancipaccedilatildeo mas indica a

possibilidade ainda claacutessica de compreender o sujeito como portador de um poder intriacutenseco

capaz de construiacute-lo mesmo que ainda em potecircncia visando um fim

Esse elemento determinante poreacutem natildeo determinado servindo assim de origem ou

suporte para todas as modificaccedilotildees que algo venha a sofrer eacute chamado por Aristoacuteteles de hy-

pokeimenon Em referecircncia a este termo para Hans-Georg Gadamer ldquoa palavra significa lsquoa-

quilo que se encontra na basersquo Eacute assim que a palavra vem ao nosso encontro na fiacutesica e na 7 As chamadas referentes agraves citaccedilotildees da obra Minima Moralia (MM) de Theodor Adorno seguem a seguinte ordem abreviatura da obra nuacutemero do aforismo seguido do nuacutemero da paacutegina conforme a traduccedilatildeo ao portu-guecircs de Luiz Eduardo Bicca

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metafiacutesica de Aristoacuteteles [] e significa aquilo que se encontra inalteravelmente agrave base da

mudanccedila de todas as transformaccedilotildeesrdquo (2007 p11)

A questatildeo eacute sobre a possibilidade de retirar significaccedilatildeo desse fundamento grego em

relaccedilatildeo agrave Teoria Criacutetica de Adorno A soluccedilatildeo que proponho gira em torno de uma criacutetica da

cultura Partindo da concepccedilatildeo grega o sujeito eacute a forccedila original em tudo o que haacute e que per-

mite a realizaccedilatildeo das possibilidades servindo como determinaccedilatildeo para todas as mudanccedilas que

venham a ocorrer Eacute forccedila original por ser proacutepria do indiviacuteduo e natildeo ser passiacutevel de nenhuma

alteraccedilatildeo deriva natildeo sendo derivada O que Adorno percebe eacute que em eacutepocas de administra-

ccedilatildeo da cultura nada escapa ao controle nem mesmo esta substacircncia proacutepria Este em-si origi-

nal se converte conforme apresentado em Dialeacutetica do esclarecimento (p24) em para-ele

Eacute possiacutevel atribuir agrave Paideia grega a concepccedilatildeo desse valor interior poreacutem eacute igual-

mente possiacutevel atribuir agrave nossa sociedade contemporacircnea sua conduccedilatildeo a um valor objetivo

como posse natildeo mais do indiviacuteduo mas da proacutepria estrutura soacutecio-cultural que o determina

Estamos diante de algo desprovido de subjetividade Este que Aristoacuteteles quis como portador

de um nuacutecleo de forccedila originaacuterio foi convertido em algueacutem vazio desta proacutepria forccedila tendo

esta migrado para esferas a ele exteriores Em se tratando de seres humanos tendo sido o po-

der de determinaccedilatildeo a ele alienado eacute totalmente compreensiacutevel a padronizaccedilatildeo de comporta-

mentos e modos de pensar Aquele que deveria ser o sujeito estaacute carente de sua forccedila e aquilo

que deveria ser as derivaccedilotildees da accedilatildeo de tal sujeito (a cultura as instituiccedilotildees o econocircmico)

acaba se convertendo em substrato o elemento essencial que determina externamente o indi-

viacuteduo Sobre a menoridade do indiviacuteduo diante da cultura Rodrigo Duarte afirma ldquoo sujeito

experimenta ndash exatamente na eacutepoca em que os seus meios teacutecnicos de dominaccedilatildeo da natureza

se encontram mais desenvolvidos ndash sua degeneraccedilatildeo em mera coisa sendo que o mundo fiacutesico

a ele subordinado transfere sua selvageria para o seio da cultura acircmbito em que por defini-

ccedilatildeo a autoconsciecircncia do sujeito deveria se colocar como alternativa agrave inconsciecircncia da natu-

rezardquo (1997 p52)

A derivaccedilatildeo primeira dessa constataccedilatildeo ocorre em termos eacutetico-morais O sujeito mo-

ral eacute em Kant o sujeito capaz de se determinar aquele cuja vontade eacute movida por um princiacute-

pio interno legislador universalmente O substrato estaacute no princiacutepio da vontade de um ser ra-

cional capaz de legislar em favor de uma causa comum o bem em sentido efetivo de realiza-

ccedilatildeo do humano em sua dignidade Esta missatildeo legisladora e constituidora do reino dos fins

kantianos exige nada menos que a existecircncia do sujeito enquanto possuidor de subjetividade

forte e autocircnoma Em se tratando da accedilatildeo humana seja em Kant ou Adorno a existecircncia do

sujeito eacute condiccedilatildeo para toda a teoria da moralidade Como persistir na fundamentaccedilatildeo via

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imperativo categoacuterico quando ocorre a anulaccedilatildeo da forccedila autocircnoma do indiviacuteduo como que

perdendo seu poder subjetivo determinante seu em-si (seja aristoteacutelico ou kantiano)

Nessa anaacutelise cabe uma criacutetica ao proacuteprio si Adorno natildeo concebe uma constituiccedilatildeo

metafiacutesica do si mas o percebe como constituiacutedo em conexatildeo com outros si ldquoO sujeito que

supostamente eacute em si estaacute em si mediado por aquilo do qual se separa a conexatildeo de todos os

sujeitos Atraveacutes da mediaccedilatildeo se converte ele mesmo naquilo que segundo sua consciecircncia de

liberdade natildeo quer ser heterocircnomordquo (DN 20058 p 201) Nesses termos a subjetividade natildeo

eacute um dado causal totalmente intriacutenseco ao ser humano como o hypokeimenon aristoteacutelico ou

o transcendental em Kant mas definido mediante as circunstacircncias histoacutericas nas quais ele

estaacute inserido Para ser em-si eacute necessaacuterio tambeacutem ser com-outro O que ocorre eacute em Adorno

uma volta incisiva ao sujeito agora sob novas configuraccedilotildees marcadas pela experiecircncia com

outros sujeitos pois ldquoenquanto a induacutestria cultura e os donos do poder querem sujeitos enfra-

quecidos para melhor se adaptarem ao sistema que os devora Adorno propotildee a reconstruccedilatildeo

da individualidade do sujeito na experiecircncia com outros sujeitos para que essa individualida-

de seja fonte impulsionadora de resistecircnciardquo (PUCCI 2006 p 407)

Mas como garantir que a individualidade natildeo desapareccedila ou sucumba agrave impotecircncia

diante da forccedila da alteridade O que haacute de autocircnomo e de heterocircnomo nesta constituiccedilatildeo A

isso Adorno remete em inuacutemeros textos sempre enfatizando a necessidade de ou constituir

consciecircncia ou elevar o niacutevel de experiecircncias formativas Os quais natildeo deixam de estar em

iacutentima inter-relaccedilatildeo pois os conteuacutedos de consciecircncia e o proacuteprio ato de consciecircncia satildeo for-

mados somente pela radical inserccedilatildeo na experiecircncia

Dessa forma ao tratar do termo consciecircncia Adorno vai aleacutem do procedimento loacutegico

formal que constitui o pensamento

eacute o pensar em relaccedilatildeo agrave realidade ao conteuacutedo ndash a relaccedilatildeo entre as formas e estrutu-ras do pensamento do sujeito e aquilo que este natildeo eacute Este sentido mais profundo de consciecircncia ou faculdade de pensar natildeo eacute apenas o desenvolvimento loacutegico formal mas ele corresponde literalmente agrave capacidade de fazer experiecircncias Eu diria que pensar eacute o mesmo que fazer experiecircncias intelectuais (EE p151)

Eacute possiacutevel traccedilar uma linha teoacuterica que vai de Aristoacuteteles a Adorno Heidegger no tex-

to O fim da filosofia e a tarefa do pensamento (2009 p72) afirma que ldquocom o ego cogito

como subjectum por excelecircncia eacute atingido o fundamentum absolutum isto quer dizer o sujei-

8 Nas chamadas referentes agrave obra Dialeacutetica negativa indicarei o ano de publicaccedilatildeo Isso pelo fato de utilizar a versatildeo em espanhol e tambeacutem a versatildeo em portuguecircs Quando citar a versatildeo em espanhol (2005) a traduccedilatildeo eacute de Mauricio J Farinon

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to eacute o ὑί transferido para a consciecircncia Essa constataccedilatildeo eacute decisiva para compre-

endermos o itineraacuterio teoacuterico em torno do conceito de sujeito Sendo em Aristoacuteteles algo in-

terno agrave constituiccedilatildeo essencial do ente em sua natureza primeira com Descartes esse constitu-

inte eacute transferido ao nuacutecleo racional a consciecircncia humana Eacute a consciecircncia que determina a

existecircncia subjetiva e objetiva tanto da res cogitans quanto da res extensa

Kant leva ao extremo essa constataccedilatildeo quando admite a experiecircncia sensiacutevel como

ponto de apoio para todo entendimento mas esse mesmo se identifica com o ato de pensar e

embora natildeo havendo situaccedilatildeo de primazia entre sensibilidade e entendimento eacute na capacidade

de siacutentese operada pelo entendimento que se origina todo conhecimento E a siacutentese eacute ato de

pensar por conceito ndash pensamento por excelecircncia ndash o que somente eacute possiacutevel via unidade da

consciecircncia a identidade do sujeito consigo mesmo Para Adorno essa consciecircncia se tornou

administrada e o ego nem sempre eacute possuidor de cogito sendo essa caracteriacutestica transferida

para algo a ele estranho Natildeo raro temos indiviacuteduos cuja capacidade de decisatildeo e de origem de

qualquer movimento eacute determinada por tutores Assim temos o sujeito destituiacutedo de subjeti-

vidade

A identidade do sujeito consigo mesmo eacute a consciecircncia de si unidade transcendental

que permite o ajuizamento em termos de conhecimento e o que para noacutes eacute o mais decisivo

em termos morais Eacute por me reconhecer uno que posso atribuir valor moral ou seja na eman-

cipaccedilatildeo estaacute o criteacuterio para a accedilatildeo via imperativo categoacuterico Quanto a isso Kant foi decisivo e

sua proposta pode ser caracterizada como sendo exata O ponto de discussatildeo estaacute em admitir a

identidade para aleacutem do consigo mesmo partindo para uma compreensatildeo de que o outro natildeo

se resume ao sentido que reside na consciecircncia idecircntica a si mesma

Chama agrave atenccedilatildeo a referecircncia do pensamento com aquilo que ele mesmo natildeo eacute A

consciecircncia em Adorno por mais que haja nela o elemento da apreensatildeo e reconhecimento do

objeto perpassa pelo elemento da negatividade da contradiccedilatildeo Somente eacute possiacutevel pensar em

constante progresso quando natildeo haacute identidade pois assim subsistem os indicativos de novas

experiecircncias Natildeo haacute um termo final no processo de constituiccedilatildeo da subjetividade e isso de-

vido agrave inexistecircncia do elemento reconciliador entre sujeito e objeto na paz da subjetividade

constitutiva

Pressupondo tal reconciliaccedilatildeo entre o real e a consciecircncia estariacuteamos diante da frieza

conceitual que permite somente o eterno giro dela sobre ela mesma Ao romper com esse mo-

delo de reconciliaccedilatildeo proacuteprio do idealismo kantiano Adorno indica sua proacutepria concepccedilatildeo de

filosofia dizendo que ela ldquonada mais eacute do que o pensamento que natildeo se deixa travarrdquo (EXP

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p11) A forccedila do ato de pensamento reside na capacidade desenvolvida pelas experiecircncias

formativas Isso eacute decisivo na concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e no todo do pensamento adorniano A

proacutepria possibilidade de experiecircncia esteacutetica perpassa pela habilidade em realizar experiecircncias

formativas O que veremos mais adiante

A referecircncia a Immanuel Kant assume fundamental importacircncia Sua ecircnfase de que haacute

uma complementaccedilatildeo absolutamente necessaacuteria entre sensibilidade e entendimento ou seja

entre experiecircncia e pensamento na constituiccedilatildeo do conhecimento leva a um avanccedilo decisivo

em relaccedilatildeo a Aristoacuteteles Quando este afirma no livro II da Metafiacutesica que o aprendizado eacute

fruto da capacidade de experiecircncia a qual desenvolve a memoacuteria e coloca a έ (arte) vin-

culada ao saber e ao entendimento identifica a sabedoria como o conhecimento das causas e a

filosofia como ldquociecircncia da verdaderdquo

Sendo a verdade o conhecimento das causas deve-se remeter ao termo primeiro agravequi-

lo que eacute a origem de tudo o mais Ateacute mesmo a causa material natildeo deve remeter ao infinito

pois essa total transitoriedade impediria a verdade e esta eacute somente a primeira ldquoos entes eter-

nos satildeo sempre necessariamente os mais verdadeiros (natildeo satildeo temporalmente verdadeiros e

natildeo haacute nenhuma causa de seu ser mas que eles satildeo causa do ser para as demais coisas) de

sorte que cada coisa possui verdade na mesma medida em que possui de serrdquo (MET II 3

993b 28) Ou seja tudo o que deriva passa a ser relativo a esse elemento primordial Eacute assim

que Aristoacuteteles concebe a noccedilatildeo de verdade entendimento e saber Natildeo haacute dependecircncia do

pensamento do sujeito humano mas somente da posse do conhecimento das causas

Eacute nesse ponto que ocorre a diferenciaccedilatildeo kantiana pois o decisivo natildeo estaacute no ser e-

terno aristoteacutelico mas no processo de associaccedilatildeo entre sensibilidade e entendimento o que

significa a capacidade de conhecimento e pensamento Assim ocorre uma inclinaccedilatildeo decisiva

em direccedilatildeo ao sujeito do proacuteprio conhecimento Agora o sujeito eacute o indiviacuteduo mesmo e a con-

diccedilatildeo de possibilidade de todo conhecimento natildeo estaacute em outro lugar a natildeo ser na razatildeo

Adorno poreacutem natildeo compactua com as determinaccedilotildees provindas da subjetividade kan-

tiana Se por um lado Aristoacuteteles apresentava o sujeito como sentido de substacircncia e com

Kant a inclinaccedilatildeo ao sujeito humano passa a ser o elemento central de sua teoria em Adorno

eacute possiacutevel defender uma primazia da experiecircncia O fato central que determina nossa capaci-

dade de conhecimento natildeo estaacute no substrato metafiacutesico claacutessico tampouco eacute exclusividade da

estrutura interna do indiviacuteduo mas eacute o permanente renovar da experiecircncia entre diferencia-

dos

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Natildeo ocorre a negaccedilatildeo do que Kant chamou estruturas internas como condiccedilotildees ao co-

nhecimento e tambeacutem natildeo haacute a abstraccedilatildeo do objeto Contudo a partir da Teoria Criacutetica de

Theodor Adorno falar em conhecimento e em verdade pressupotildee um jogo livre entre diferen-

ciados Eacute livre por natildeo encontrar um termo decisivo um ponto reconciliador onde ocorre a

total adequaccedilatildeo entre pensamento e realidade Fala-se em sujeitos por natildeo haver uma posiccedilatildeo

de centralidade em nenhum dos poacutelos tradicionais sujeito e objeto mas sim na relaccedilatildeo Sujei-

to e objeto natildeo podem existir sem pressupor a relaccedilatildeo o erro kantiano estaacute em enfatizar um

aspecto que natildeo existe sem a relaccedilatildeo com o diferenciado e a inversatildeo ocasionada pelo filoacuteso-

fo de Frankfurt resulta em o proacuteprio ser humano ser concebido como ldquoresultado natildeo Eidosrdquo

(SO p200) Sendo o elemento central do humano a condiccedilatildeo de ser tambeacutem resultado re-

mete-se a um questionamento na tentativa de em relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do que eacute a verdade

conseguir situaacute-la nesse quadro teoacuterico caracterizado pela primazia da relaccedilatildeo

22 A concepccedilatildeo de verdade em seu nuacutecleo histoacuterico

As discussotildees em torno do conceito de verdade encontram uma indicaccedilatildeo precisa ain-

da na Dialeacutetica do esclarecimento A Dialeacutetica negativa e a Teoria esteacutetica ocupam lugar

central nessa discussatildeo mas a referecircncia agrave obra conjunta com Horkheimer eacute decisiva pois

nessa ocorre a fundamentaccedilatildeo das discussotildees em torno desse conceito O que resulta dessas

discussotildees permite situar Adorno como um autor poacutes-metafiacutesico

O nuacutecleo da verdade eacute temporal portanto sua caracteriacutestica baacutesica eacute a transitoriedade

histoacuterica Somente esse fato coloca Adorno em choque radical com a tradiccedilatildeo filosoacutefica que

se criou desde a Greacutecia claacutessica Nas palavras dele mesmo assim eacute caracterizada sua teoria

ldquouma teoria que atribui agrave verdade um nuacutecleo temporal em vez de opocirc-la ao movimento histoacute-

rico como algo imutaacutevelrdquo (DE p9) e a ldquoverdade eacute constelaccedilatildeo em devirrdquo (OPF p21) somen-

te existindo como o que estaacute em devir Esse fato demarca a concepccedilatildeo baacutesica daquilo que eacute

possiacutevel denominar de pensamento poacutes-metafiacutesico Diante da verdade em seu nuacutecleo histoacuteri-

co o proacuteprio sujeito passa a ser compreendido a partir desta dimensatildeo pondo em questatildeo o

caraacuteter a prioritranscendental kantiano ou formal platocircnico Eacute a importacircncia do resgate da

contingecircncia da historicidade e do elemento ativo no ser humano9

Dois problemas perpassam a discussatildeo em torno desse tema a partir de Adorno O

primeiro eacute a aniquilaccedilatildeo da verdade em troca da eficaacutecia no procedimento A segunda discus-

satildeo aponta para uma contraposiccedilatildeo ao conceito grego aletheia Se este termo indica aquilo 9 Ver o texto de Bruno Pucci Teoria Criacutetica e Educaccedilatildeo na obra do mesmo nome editado em 2007

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natildeo oculto natildeo escondido ou dissimulado e portanto alcanccedilar a verdade eacute conseguir tirar o

veacuteu que encobre a realidade e trazer o fato agrave tona em contraposiccedilatildeo a administraccedilatildeo da vida

gera o processo inverso o encobrimento Nesse sentido a verdade natildeo se torna mais evidente

exigindo um radical esforccedilo interpretativo principalmente dos fatores que geram esse enco-

brimento e tambeacutem dos fatores que impedem ao pensamento vislumbrar o mundo sob o veacuteu

ideoloacutegico

Esse quadro natildeo se vislumbra somente em questotildees teoacutericas mas perpassa por toda

formaccedilatildeo do pensamento humano principalmente em questotildees de educaccedilatildeo regular em insti-

tuiccedilotildees de ensino Eacute visiacutevel a resistecircncia ao ato de pensar e de se demorar sobre algo A acircnsia

por foacutermulas capazes de resolver imediatamente os problemas toma conta das atividades esco-

lares e ao se deparar com a necessidade de uso de um uacutenico ferramental ndash o pensamento rigo-

rosamente orientado ndash ocorre o bloqueio das energias do conhecimento o que pode ser en-

tendido como resistecircncia agrave investigaccedilatildeo teoacuterica Diante desse quadro surge a Filosofia como

alternativa formadora e propulsora do pensamento e busca pela verdade Analisaremos esses

dois pontos de discussatildeo acima apontados

221 Tensatildeo entre verdade e procedimento

Para Adorno o problema decisivo ao pensamento e agrave proacutepria Filosofia se situa na fa-

lecircncia do elemento ativo a saber a concentraccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo na verdade Para ele o ativo

natildeo se estabelece como em geral ocorre nas aacutereas teacutecnico-cientiacuteficas nas quais esse termo eacute

identificado com o domiacutenio de procedimentos e a consequente produccedilatildeo de objetos Essa

accedilatildeo pode estar carregada de automatismos A verdadeira atividade coincide com a posse do

elemento cognitivo pois somente nesse momento eacute que a accedilatildeo passa a ser atribuiacuteda ao que

executa10 O robocirc natildeo eacute ativo por mais que produza pois nele estaacute ausente o elemento do

entendimento que em outras palavras eacute a satisfaccedilatildeo da verdade Desse modo vincula-se o

elemento ativo com a existecircncia da forccedila subjetiva com a existecircncia do sujeito propriamente

dito

A falecircncia desse elemento ativo se identifica com a incorporaccedilatildeo do segundo elemen-

to a eficiecircncia na operacionalidade agrave qual vem acoplada a noccedilatildeo de representaccedilatildeo do ldquoobje-

tordquo e de enfraquecimento do ldquosujeitordquo Um primeiro sentido desse enfraquecimento jaacute estaacute

10 Acerca da relaccedilatildeo com a natureza seja interna ou externa a partir do criteacuterio baseado no domiacutenio teacutecnico carente da relaccedilatildeo com a verdade ver Rodrigo Duarte Miacutemesis e Racionalidade (1993) principalmente os capiacute-tulos I II e III onde o autor aborda a relaccedilatildeo de domiacutenio da natureza do ponto de vista da razatildeo totalizadora e na contra-resposta de uma relaccedilatildeo esteacutetica com a natureza

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descrito no paraacutegrafo anterior com a distinccedilatildeo entre ativo e automatismo Outro fator que

aponta para o enfraquecimento do sujeito ocorre pela representaccedilatildeo que percebemos nas rela-

ccedilotildees originadas nos ambientes virtuais Natildeo haacute mais a necessidade de encontro efetivo e a

dinacircmica que envolve o tato e o confronto direto eacute substituiacutedo pela dinacircmica da visatildeo e da

audiccedilatildeo destituiacuteda de efetividade sensiacutevel imediata Essa representaccedilatildeo do outro em um en-

contro desvinculado da experiecircncia efetiva do corpo promovido pelos ambientes virtuais

pode gerar a imediata pobreza de experiecircncia a inexistecircncia de padrotildees eacuteticos que somente

ocorrem quando temos o corpo em contato Subjetividade vazia eacute o que marca o indiviacuteduo

moderno pois a condiccedilatildeo para haver solidez no eu entendida como reconhecimento de si

diante da diferenccedila que o outro significa eacute negada na relaccedilatildeo ausente de corpo e portanto

natildeo efetiva

Retomando o conceito de verdade qual eacute a verdade do outro para aleacutem de minha re-

presentaccedilatildeo Dessa compreensatildeo pode resultar a riqueza ou pobreza de consciecircncia pois

quando acredito poder substituir o objeto pelo objeto de minha representaccedilatildeo ou quando ad-

mito que o outro somente exista por ter passado pela minha percepccedilatildeo e entendimento entatildeo

a verdade se converte em ideologia reducionista e anuladora da riqueza constitutiva desse

outro A verdade do outro eacute seu em-si e devir e natildeo o seu para-mim eacute seu conteuacutedo de cons-

ciecircncia proacuteprio e insubstituiacutevel eacute sua marca histoacuterica constituidora da identidade proacutepria Eacute

baseado nesses dados que defendo a urgecircncia da educaccedilatildeo que vise desenvolver a satisfaccedilatildeo

pela verdade a riqueza de conteuacutedo natildeo somente a operacionalidade Preocupa-se muito em

formar nos modos de proceder (seja em esfera produtiva seja na cotidianidade da vida) es-

quecendo dos criteacuterios que deveriam nortear toda conduta humana

A conduta adequada poder-se-ia caracterizar em sentido filosoacutefico do seguinte modo

natildeo eacute agitaccedilatildeo afanosa nem o ficar parado matutando mas sim o olhar demorado sobre o objeto sem querer forccedilaacute-lo A disciplina cientiacutefica em voga requer do sujeito que se apague a si mesmo em prol da primazia da coisa ingenuamente presumida A isto se opotildee a filosofia O pensar natildeo deve reduzir-se ao meacutetodo a verdade natildeo eacute o resto que permanece apoacutes a eliminaccedilatildeo do sujeito Pelo contraacuterio este deve levar consigo toda sua inervaccedilatildeo e experiecircncia na observaccedilatildeo da coisa para segundo o i-deal perder-se nela (OPF p19)

Esta caracterizaccedilatildeo do pensamento enquanto demorar-se sobre o outro eacute condiccedilatildeo pa-

ra o desenvolvimento da consciecircncia no sentido em que esse termo eacute defendido no texto Edu-

caccedilatildeo ndash para quecirc como conteuacutedo que se origina pelo constante renovar da experiecircncia Natildeo

se deve entender a experiecircncia como um procedimento cientiacutefico laboratorial mas em sentido

intelectual estrito do pensamento que se potildee em confronto com sua alteridade enquanto alte-

41

ridade Falar em educaccedilatildeo eacute propor tais experiecircncias natildeo procedimental em relaccedilatildeo ao outro

mas no sentido de educar na habilidade de realizar experiecircncias de pensamento resistindo ao

previamente pensado Estariacuteamos aqui diante das condiccedilotildees para o contundente desenvolvi-

mento da consciecircncia pois ao resistir ao previamente pensado (enquanto a priori) ocorre a

abertura ao devir histoacuterico gerando inevitavelmente tal desenvolvimento fruto daquilo que

Adorno denomina de ldquoconcentraccedilatildeo ampliada11rdquo (OPF 20)

222 A perda da evidecircncia e o impulso ao esclarecimento

Com o uso do termo perda da evidecircncia quero significar algo diferente do sentido a-

dorniado desenvolvido em sua Teoria esteacutetica de perda da evidecircncia artiacutestica Nessa obra estaacute

desenvolvida a perspectiva de que ldquoperante aquilo em que se torna a realidade a essecircncia

afirmativa da arte esta essecircncia inelutaacutevel tornou-se insuportaacutevelrdquo (TE p12) Por causa disto

eacute que a arte assume o caraacuteter de tensatildeo com a realidade e se mostra como ldquoantiacutetese social da

sociedaderdquo (TE p 19) Na possibilidade de admitir a arte como coacutepia do real em Adorno isso

ocorre ldquona medida em que a este fornecem o que lhe eacute recusado no exterior e assim libertam

daquilo para que as orienta a experiecircncia externa coisificanterdquo (TE p15)

Eacute nesse ponto que reside a compreensatildeo adorniana do caraacuteter esclarecedor da verdade

desenvolver a consciecircncia dos elementos que levam agrave negaccedilatildeo da vida Embora Adorno atri-

bua agrave arte um papel de criacutetica eacute via educaccedilatildeo que se torna possiacutevel a ampliaccedilatildeo da consciecircn-

cia em um incisivo impulso esclarecedor Desenvolver consciecircncia eacute tornar algo evidente

trazer ao entendimento estes poderes que determinam a existecircncia individual a ponto de gerar

a ausecircncia de vida A perda da evidecircncia pode ser entendida como obscurecimento que impe-

de a compreensatildeo dos fatos o qual tem sua origem nos interesses ideoloacutegicos que anulam o

desenvolvimento da consciecircncia ou ainda impedem a consciecircncia de se achegar aos fatos

Como compreender em Kant a sensibilidade a percepccedilatildeo que intui os objetos a par-

tir da ausecircncia de evidecircncia em Adorno Em relaccedilatildeo agrave Kant o poder da sensibilidade regida

pelas estruturas internas ao sujeito nas noccedilotildees de tempo e espaccedilo se tornam insuficientes

Ainda na introduccedilatildeo da primeira criacutetica haacute a seguinte afirmaccedilatildeo

que outra coisa poderia despertar e pocircr em accedilatildeo a nossa capacidade de conhecer se-natildeo os objetos que afetam os sentidos e que por um lado originam por si mesmos as

11 No texto Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico (p20-21) a concentraccedilatildeo ampliada eacute posta como sinocirc-nimo de meditar no sentido de ele ultrapassar o previamente pensado e assim o pensamento se renova pela constante relaccedilatildeo Natildeo eacute pensar simples mas o pensamento ampliado concentraccedilatildeo ampliada permanecircncia na relaccedilatildeo com o outro

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representaccedilotildees e por outro lado potildeem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a comparaacute-las ligaacute-las ou separaacute-las transformando assim a mateacuteria bru-ta das impressotildees sensiacuteveis num conhecimento que se denomina experiecircncia (CR-Pu B 1)

Seguindo a argumentaccedilatildeo acima a percepccedilatildeo oferece um material jaacute desqualificado

gerando um erro no processo inicial que leva agrave siacutentese e ajuizamento operados pelo entendi-

mento A siacutentese operada pelo entendimento estaacute dentro de uma triacuteade no sistema kantiano a

qual possibilita o conhecimento a priori dos objetos Conforme a Criacutetica da razatildeo pura (em B

104) essa triacuteade eacute formada pelas seguintes funccedilotildees

a) primeiro passo o diverso da intuiccedilatildeo pura

b) segundo passo a siacutentese desse diverso pela imaginaccedilatildeo

c) terceiro passo ldquoos conceitos que conferem unidade a essa siacutentese pura e consistem

unicamente na representaccedilatildeo dessa unidade sinteacutetica necessaacuteriardquo

A discussatildeo natildeo estaacute centrada na possibilidade dos conhecimentos sinteacuteticos a priori

mas na possibilidade de a sensibilidade fornecer material confiaacutevel ao entendimento Desse

modo se postula o nuacutecleo do conhecimento como resultado do jogo entre entendimento e ex-

periecircncia estando na possibilidade de experiecircncia efetiva a condiccedilatildeo para um ajuizamento

com conteuacutedo de verdade

Estamos diante da razatildeo interpretativa e do fato sensiacutevel ambos postos em tensatildeo

temporal a qual daacute a possibilidade do encontro Retornando ao problema anterior o qual a-

ponta para um encobrimento da realidade como que existindo uma aura branda sobre os fa-

tos gerando o apaziguamento das consciecircncias promovido pela aderecircncia a seu sentido ime-

diatamente visiacutevel eacute decisivo o desenvolvimento da razatildeo interpretativa em condiccedilotildees de

desvelar ou testemunhar exatamente aquilo que o veacuteu oculta A esse ocultamento Adorno

chamou de administraccedilatildeo promovida pela induacutestria cultural

Isso demarca uma ruptura na triacuteade kantiana acima exposta pois natildeo havendo possibi-

lidade imediata de a sensibilidade dar o objeto em seu efetivo sentido o entendimento natildeo

consegue operar a siacutentese legiacutetima e consequentemente ter a fonte para verdade alguma Ve-

jamos qual o itineraacuterio kantiano ldquoa espontaneidade do nosso pensamento exige que este di-

verso12 seja percorrido recebido e ligado de determinado modo para que se converta em co-

nhecimento A esse ato dou o nome de siacutenteserdquo (CRPu B102) Continuando a argumentaccedilatildeo

encontramos uma definiccedilatildeo mais clara do que eacute o momento da siacutentese ldquona acepccedilatildeo mais geral

12 O diverso fornecido pela intuiccedilatildeo que daacute o objeto em suas singularidades Esse diverso eacute percorrido e elabo-rado pelo entendimento gerando sua siacutentese

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da palavra o ato de juntar umas agraves outras diversas representaccedilotildees e conceber a sua diversi-

dade num conhecimentordquo (B103)

Como consequecircncia deste ato sinteacutetico ocorre o ato de pensamento e que promove

pensamento no sentido de gerar conceito o qual eacute em Kant ldquoa primeira origem do nosso

conhecimentordquo (B103) Estamos diante de um diverso da intuiccedilatildeo sensiacutevel o qual tem como

caracteriacutestica o ajuizamento o discurso ldquoo conhecimento de todo o entendimento pelo me-

nos do entendimento humano eacute um conhecimento por conceitos que natildeo eacute intuitivo mas

discursivordquo (CRPu B 93)

Eacute esse itineraacuterio que fica bloqueado E uma ampliaccedilatildeo da consciecircncia somente ocorre-

ria com a mudanccedila natildeo apenas no sentido mas na possibilidade de conhecimento O conhe-

cimento discursivo por mais que seja importante deve ser precedido por algo que estaacute fora do

domiacutenio conceitual do sujeito transcendental a noccedilatildeo de verdade objetiva O sujeito transcen-

dental queda insuficiente em se tratando da possibilidade de conhecimento por natildeo ser dado

agraves suas estruturas material veriacutedico para sua siacutentese e ajuizamento E isso devido ao fato de

negar a verdade em seu nuacutecleo sensiacutevel concreto presente no objeto e disponibilizado ao

sujeito somente via radical imersatildeo na experiecircncia Eacute nesse momento que podemos entender

claramente a afirmaccedilatildeo adorniana na Dialeacutetica negativa a qual aponta para o fato de que o

ldquoconceito eacute um momento como outro qualquer na loacutegica dialeacuteticardquo E da ldquonecessidade que a

filosofia tem de operar com conceitos natildeo se pode fazer-se a virtude de sua prioridaderdquo (DN

2005 p 23)

Sua natildeo prioridade se justifica na discussatildeo que envolve dois termos decisivos para

Adorno os quais serviratildeo de impulso agrave compreensatildeo do momento especiacutefico que a razatildeo in-

terpretativa e a capacidade conceitual ocupam dentro deste quadro teoacuterico Refiro-me aos

termos constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade

Em se tratando do ajuizamento e expressatildeo vale destacar ldquoO criteacuterio do verdadeiro

natildeo eacute sua imediata comunicabilidade a algueacutem Agora que todo passo em direccedilatildeo agrave

comunicaccedilatildeo vende e falsifica a verdade deve-se resistir agrave coaccedilatildeo quase universal de

confundir o conhecido com sua comunicaccedilatildeo e inclusive situaacute-la acima delerdquo (DN 2005

p49) O fato de ser dito natildeo justifica ser verdade Toda forma de comunicaccedilatildeo pode ser cami-

nho em direccedilatildeo ao ocultamento agrave natildeo evidecircncia na direccedilatildeo de uma pseudo comunicaccedilatildeo O

juiacutezo pode representar a falsa consciecircncia Esse fator reafirma a problemaacutetica que bloqueou o

itineraacuterio teoacuterico kantiano

Diante desse bloqueio ou em outros termos diante do caraacuteter problemaacutetico estabele-

cido entre a sensibilidade e o entendimento eacute possiacutevel situar a partir de Adorno alguns indi-

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cativos que vecircm suprir a lacuna gerada pela ausecircncia de evidecircncia Tais indicativos satildeo condi-

ccedilotildees que garantem agrave subjetividade o conteuacutedo daquilo com o qual se relaciona e representam

o momento dialeacutetico necessaacuterio para a continuaccedilatildeo do processo de formaccedilatildeo da consciecircncia ndash

conforme seraacute posteriormente desenvolvido Os indicativos que pontuo como soluccedilotildees ao

problema indicado satildeo a noccedilatildeo de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade Esses se vinculam

diretamente ao objeto colocando-os na posiccedilatildeo de desafio e exigecircncia agrave razatildeo interpretativa

O termo razatildeo interpretativa tem sentido muito proacuteprio em Adorno indicando inclu-

sive a vinculaccedilatildeo com aquilo que ele denomina na Teoria esteacutetica de racionalidade esteacutetica

Enquanto interpretaccedilatildeo ocorre a ldquonegaccedilatildeo da ideia absoluta o conteuacutedo jaacute natildeo pode identifi-

car-se com a razatildeo como postulava o idealismo criacutetica da onipotecircncia da razatildeo ele deixa

por seu lado de ser racional segundo as normas do pensamento discursivordquo (TE p40) Nesse

sentido eacute impossiacutevel chegar a uma evidecircncia do conteuacutedo a ponto de resolver o interpretado

pois ldquodeve-se interpretar-se e natildeo ser substituiacuteda pela claridade do sentidordquo (TE p42)

Com o sentido de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade se postula a autocriacutetica da razatildeo

gerando a consciecircncia dos fatores que impedem o acesso ao material confiaacutevel via sentidos

Isso para Adorno eacute a racionalidade esteacutetica

Enquanto que o conhecimento discursivo acede agrave realidade mesmo nas suas irracio-nalidades que por sua vez correspondem agrave lei do seu movimento haacute nelas algo de inflexiacutevel em relaccedilatildeo ao conhecimento racional A este uacuteltimo eacute estranho o sofri-mento pode defini-lo subsumindo-o fazer dele um meio de pacificaccedilatildeo Mas soacute com dificuldade o pode exprimir atraveacutes da sua experiecircncia isso significaria a sua irracionalidade O sofrimento reduzido ao seu conceito permanece mudo e sem consequumlecircncias [] a verdade eacute concreta (TE p30)

Mas para chegar a um conteuacutedo ou a seu sentido algumas consideraccedilotildees satildeo funda-

mentais e visando inclusive aprofundar o proacuteprio conceito de interpretaccedilatildeo partimos para o

proacuteximo item deste capiacutetulo

23 Constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade marcas do pensamento poacutes-metafiacutesico em Adorno

O termo constelaccedilatildeo proacuteprio de sua obra Teoria esteacutetica remete ao quatildeo insuficiente

eacute um conceito em sua tentativa de capturar o real A razatildeo interpretativa deve se comportar

como a arte daiacute uma racionalidade esteacutetica semelhante a ldquoum iacutematilde num campo de limalha de

ferro Natildeo apenas os seus elementos mas tambeacutem a sua constelaccedilatildeo o especificamente esteacuteti-

co que se atribui comumente ao seu espiacuterito remete para este Outrordquo (TE p18) Em outra

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passagem assim eacute exposto ldquoA arte tem o seu conceito na constelaccedilatildeo de momentos que se

transformam historicamente fecha-se assim a definiccedilatildeordquo (TE p12)

Esta racionalidade interpretativa exige uma caracteriacutestica a sensibilidade Em outras

palavras eacute uma racionalidade em radical viacutenculo com a efetividade da experiecircncia Desse

modo a sensibilidade natildeo eacute algo agrave parte um momento primeiro e rapidamente superado pelo

momento intelectivo Converte-se na condiccedilatildeo para apreender o objeto por isso a necessidade

de sua permanente renovaccedilatildeo

Como eacute possiacutevel dizer algo Somente via constelaccedilatildeo ou seja na abertura do devir

histoacuterico e na capacidade de congregar sentido mediante a percepccedilatildeo dos conteuacutedos de verda-

de Exatamente por natildeo ser imutaacutevel a verdade se constitui em conteuacutedo a consciecircncia que se

expressa em confronto com a constelaccedilatildeo de momentos que formam um objeto O que forma

o objeto A totalidade de seus momentos sua constelaccedilatildeo Em se tratando do termo consciecircn-

cia eacute possiacutevel afirmaacute-la como sendo o conteuacutedo interno ao sujeito o qual equivale ao niacutevel de

experiecircncia que tenho

Theodor Adorno utiliza o conceito constelaccedilatildeo para trazer ao centro da experiecircncia

esteacutetica a riqueza constitutiva do outro Natildeo eacute mais um uacutenico olhar segundo uma uacutenica loacutegi-

ca interpretativa que consegue capturar o real retendo-o em uma caacutepsula conceitual mas ao

contraacuterio um jogo de forccedilas constitutivas entra em accedilatildeo quando a relaccedilatildeo de diferenciados

ocorre Esse jogo segue a regra de que um uacutenico conceito natildeo contempla a totalidade do obje-

to mas diante da constelaccedilatildeo de sentido diversos conceitos dialogam visando a compreen-

satildeo Poreacutem natildeo eacute simplesmente constelaccedilatildeo de conceitos mas eacute a consideraccedilatildeo da riqueza

constitutiva do outro no instante da relaccedilatildeo Os dois poacutelos da relaccedilatildeo estatildeo em jogo com uma

constelaccedilatildeo de significados uma riqueza constitutiva que natildeo se enclausura em caacutepsulas con-

ceituais ndash por isto eacute constelaccedilatildeo Em linguagem metafoacuterica Adorno se utiliza do exemplo do

imatilde em um campo de limalha de ferro tudo entra em relaccedilatildeo remetendo agrave relaccedilatildeo de diferen-

ciados Fecha-se assim agrave definiccedilotildees por ser uma constelaccedilatildeo de momentos em permanente

abertura histoacuterica

O termo sedimento da histoacuteria no texto Sobre sujeito e objeto remete claramente ao

quanto a consciecircncia eacute determinada pela relaccedilatildeo com aquilo que ela mesma natildeo eacute o outro

Somos resultado da histoacuteria e como tal natildeo haacute a menor possibilidade em persistir sem mais

na captura conceitual cuja pretensatildeo eacute convencionar o sentido Em contraposiccedilatildeo com o idea-

lismo no qual ldquopensar eacute conhecer por conceitosrdquo (CRPu B 94) temos o pensamento como

algo que ldquonatildeo se esgota nem no processo psicoloacutegico nem na loacutegica formal pura intemporal Eacute

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um modo de comportamento ao qual eacute imprescindiacutevel a referecircncia agravequilo com o qual se rela-

cionardquo (OPF p18)

A sensibilidade natildeo fornece e tampouco o entendimento interioriza por completo

seus objetos Duas vias impedem este fornecimento e esta interiorizaccedilatildeo Por um lado temos a

perda da evidecircncia conforme analisado no item anterior Por outro lado ocorre o limite inter-

pretativo da razatildeo a qual gera nada menos que a consciecircncia limitada Em ambos percebe-se

a ausecircncia da possibilidade de experiecircncia que eacute falha na dialeacutetica entre pensamento e reali-

dade A necessidade da Filosofia estaacute em ser forccedila de reflexatildeo sobre o outro a alteridade natildeo

nele mesmo e por ele mesmo mas a partir dele em sua natildeo igualdade impulsionadora da ex-

periecircncia Na terra de iguais natildeo se tem motivo para pensar O pensamento ocorre por causa

da diversidade da tensatildeo da dinacircmica caracterizada pela contradiccedilatildeo

Havendo conteuacutedo de verdade estando o outro imerso em uma constelaccedilatildeo de momen-

tos que o constituem isso remete agrave exigecircncia da razatildeo interpretativa a qual se contrapotildee agrave

clareza de sentido Se houvesse clareza de sentido natildeo precisariamos interpretar A exigecircncia

de interpretaccedilatildeo eacute considerada desse modo exigecircncia filosoacutefica fundante O outro em sua

constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade natildeo eacute somente intuitivo Enquanto empiria eacute possiacutevel ad-

mitir tal reduccedilatildeo Poreacutem se houvesse esta reduccedilatildeo a fascinaccedilatildeo de sua percepccedilatildeo imediata

seria suficiente e desse modo perder-se-ia toda riqueza constitutiva que estaacute aleacutem do conteuacute-

do imediato dado pelos sentidos Em sua constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade o outro eacute impul-

so interpretativo motivo de pensamento e partindo dele conteuacutedo filosoacutefico Eacute filosoacutefico por

natildeo se reduzir agrave intuiccedilatildeo mas apontar estiacutemulo ao pensamento ndash isto converteu aquilo que na

teoria do conhecimento tradicional era tido como objeto em algo qualitativamente distinto o

OUTRO

Onde se localiza o sujeito dessa razatildeo interpretativa e quando eacute possiacutevel dizer que tal

sujeito existe Adorno situa essa possibilidade afirmando que o ldquoindiviacuteduo se converte em

sujeito na medida em que graccedilas a sua consciecircncia individual se objetiva tanto na unidade de

si mesmo quanto de suas experiecircncias ambas podem ser negadas aos animaisrdquo (DN 2005

p53) Esta consciecircncia individual pode ser aproximada salvo algumas restriccedilotildees agrave

autoconsciecircncia kantiana Exporei aspectos da teoria kantiana acerca disso para apoacutes

estabelecer as discussotildees

Na Criacutetica da razatildeo pura ocorre a indicaccedilatildeo clara do que significa para o ser humano

o reconhecimento da siacutentese das representaccedilotildees como propriedade individual Todas as repre-

sentaccedilotildees constituem uma totalidadeunidade na autoconsciecircncia a qual eacute denominada ldquouni-

dade transcendental da autoconsciecircnciardquo Essa unidade significa que ldquoas diversas representa-

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ccedilotildees natildeo seriam representaccedilotildees minhas se natildeo pertencessem na sua totalidade a uma auto-

consciecircnciardquo Eacute a ldquoligaccedilatildeo originaacuteriardquo de todas as representaccedilotildees Para Kant a consciecircncia

empiacuterica eacute dispersa e sem referecircncia agrave identidade do sujeito Tal referecircncia agrave identidade do

sujeito se estabelece ldquoporque acrescento uma representaccedilatildeo agrave outra e tenho consciecircncia da sua

siacutenteserdquo A ligaccedilatildeo originaacuteria agrave identidade do sujeito ocorrida pela autoconsciecircncia somente

ocorre devido exatamente agrave consciecircncia da siacutentese de tais representaccedilotildees num mesmo sujeito

gerando assim o eu idecircntico Por esta unidade de todas as representaccedilotildees na consciecircncia eacute

possiacutevel formar inclusive a unidade do sujeito Se assim natildeo o fosse ldquoteria um eu tatildeo

multicolor e diverso quanto tenho representaccedilotildees das quais sou conscienterdquo (cf CRPu B

132-134)

Partindo de tais referenciais eacute possiacutevel estabelecer um paralelo entre a concepccedilatildeo kan-

tiana da formaccedilatildeo da autoconsciecircncia com a concepccedilatildeo adorniana de tal formaccedilatildeo Um passo

decisivo dado por Adorno estaacute na relevacircncia que a continuidade histoacuterica tem na formaccedilatildeo do

eu Com o desaparecimento da consciecircncia da continuidade histoacuterica ocorre natildeo somente a

perda da referecircncia quanto ao devir histoacuterico mas o esfacelamento da consciecircncia que natildeo

reconhece a totalidade dos momentos como seu constitutivo essencial Isso remete ao fato de

que a autoconsciecircncia deve significar a existecircncia do eu idecircntico pois apesar de no devir his-

toacuterico na tensatildeo histoacuterica de todo encontro e busca da verdade natildeo haver a identidade entre

sujeito e seu outro apesar disso as experiecircncias constituiacutedas pelo indiviacuteduo devem ser repre-

sentadas como propriedade uacutenica de si mesmo

Eacute a noccedilatildeo de que apesar da natildeo possibilidade de representar a totalidade do outro em

minha consciecircncia aquilo que se representa eacute conteuacutedo proacuteprio e forma a autoconsciecircncia

Isso tem consequecircncia em questotildees morais pois diante da impossibilidade de representaccedilatildeo

plena se exige a relaccedilatildeo permanente o encontro constante e na perspectiva adorniana este

encontro deve ocorrer de modo a permitir uma situaccedilatildeo na qual eacute possiacutevel ser diferente sem

ter medo (cf MM 66 p89) Ocorre o entendimento que toda representaccedilatildeo eacute representaccedilatildeo de

um momento histoacuterico de modo que a razatildeo permanece em estranhamento diante do real Eacute

ldquoa siacutentese natildeo violenta do dispersordquo (TE p165) que ocorre apesar de permitir ao outro conti-

nuar sendo ele para aleacutem do meu conteuacutedo de consciecircncia Em se tratando de consciecircncia

moral Adorno argumenta que essa na doutrina kantiana eacute a ldquovoz da lei moralrdquo e somente se

converte em consciecircncia devido agrave forccedila de coerccedilatildeo social que se impotildee mediante seu caraacuteter

de universalidade e necessidade (cf DN 2009 p226 e 230)

48

Retornando ao problema da representaccedilatildeo e utilizando outra anaacutelise da Teoria esteacuteti-

ca percebemos que a relaccedilatildeo da razatildeo interpretativa diante da obra de arte eacute a mesma relaccedilatildeo

que essa razatildeo deve estabelecer com tudo o que entra em seu ciacuterculo de contato

Se uma obra se abre inteiramente atinge-se entatildeo a sua estrutura interrogativa e a re-flexatildeo torna-se obrigatoacuteria em seguida a obra afasta-se para finalmente assaltar uma segunda vez com o laquoo que eacute istoraquo aquele que se sentia seguro da questatildeo Eacute possiacutevel poreacutem reconhecer como constitutivo o caraacuteter enigmaacutetico laacute onde ele falta as obras de arte que se apresentam sem resiacuteduo agrave reflexatildeo e ao pensamento natildeo satildeo obras de arte (TE p142)

Este caraacuteter de instigaccedilatildeo agrave razatildeo e consequentemente de permanente enriquecimento

da experiecircncia eleva o outro esse que era considerado tradicionalmente objeto agrave dignidade

de estar-aiacute com riqueza constitutiva para aleacutem da minha apreensatildeo Parafraseando Adorno o

ldquoobjetordquo que se apresenta sem resiacuteduo agrave reflexatildeo e ao pensamento natildeo eacute ldquoobjetordquo

Educacionalmente se impotildee o desafio de constituir a consciecircncia verdadeira na exi-

gecircncia de que ldquoo princiacutepio do esclarecimento da consciecircncia seja aplicado na praacutetica educa-

cionalrdquo principalmente diante do fato de que

a proacutepria organizaccedilatildeo do mundo em que vivemos e a ideologia dominante [] ou seja a organizaccedilatildeo do mundo converteu-se a si mesma imediatamente em sua proacute-pria ideologia Ela exerce uma pressatildeo tatildeo imensa sobre as pessoas que supera toda a educaccedilatildeo Seria efetivamente idealista no sentido ideoloacutegico se quiseacutessemos com-bater o conceito de emancipaccedilatildeo sem levar em conta o peso imensuraacutevel do obscu-recimento da consciecircncia pelo existente (EE p142-143 ndash grifo nosso)

Isso explica o motivo pelo qual muitas vezes a escola pode sofrer de insuficiecircncia

formativa Frente agrave pressatildeo do mundo sobre os indiviacuteduos sua consciecircncia sofre muito mais o

impacto por tal pressatildeo do que pela accedilatildeo pedagoacutegica desenvolvida por um professor ou insti-

tuiccedilatildeo escolar

3 A IMPOSSIBILIDADE DO REINO DOS FINS MEDIANTE A FORCcedilA DO IMPERA-TIVO CATEGOacuteRICO UMA CONTRAPOSICcedilAtildeO FUNDADA EM ADORNO

Karl Kraus em Os uacuteltimos dias da humanidade apresenta a confianccedila total que se cri-

ou sobre o ser humano cuja forccedila do dever e a forccedila moral em agir por puro amor ao dever eacute o

imperativo maacuteximo de conduta E apresenta isso como criacutetica para deixar claro que o proacuteprio

periacuteodo da Primeira Guerra Mundial tinha como pressuposto da vitoacuteria a forccedila interna gerada

pelo imperativo categoacuterico natildeo pode haver derrota pois nada eacute mais forte que o sujeito que

age movido por tal forccedila Kraus descrevendo uma cena em um quartel-general alematildeo diz

a firme esperanccedila de que o Senhor dos Exeacutercitos continuaraacute a estar do nosso lado Se o inimigo natildeo quiser a paz entatildeo teremos noacutes que trazer a paz ao mundo arrom-bando com punho de ferro e espada flamejante os portotildees daqueles que natildeo querem a paz [] Os feitos heroacuteicos das nossas tropas os ecircxitos dos nossos grandes gene-rais as admiraacuteveis realizaccedilotildees da paacutetria tecircm as suas raiacutezes em uacuteltima anaacutelise nas forccedilas morais inculcadas ao nosso povo numa escola exigente a do imperativo cate-goacuterico [] A nossa vitoacuteria devemo-la em parte natildeo pequena agraves riquezas morais e espirituais que o grande saacutebio de Koumlnigsberg ofereceu ao nosso povo (2003 p287-288)

Por certo que Kant natildeo esperava esta realizaccedilatildeo do indiviacuteduo formado em sua ldquoesco-

lardquo Mas o desenvolvimento histoacuterico mostrou que a contingecircncia estaacute muito mais presente na

ldquocoluna vertebral da moralidaderdquo do que ele pocircde imaginar no seacuteculo XVIII E assim eacute que o

ser humano se tornou cego no seguir a vontade fruto daquele estreitamento que o amor agrave lei

estabelece Cegueira que natildeo reconhece mais o contexto em seu nuacutecleo de forccedila a rigidez do

agir por puro respeito agrave lei pode se tornar fechada na lei por ela mesma A advertecircncia neo-

testamentaacuteria do cristianismo remete agrave necessidade de que a lei natildeo estaacute acima do ser humano

nem este fora feito para ela mas o radical contraacuterio Soma-se a isso a exigecircncia de que em

consideraccedilatildeo praacutetica o puro amor deve ser pelo diverso na sua contingecircncia histoacuterica Exis-

tem muito mais coisas de incerto do que puderam imaginar os defensores do caraacuteter de neces-

sidade

O seacuteculo XX testemunhou os maiores exemplos de atrocidades jamais realizadas contra

a humanidade A efetivaccedilatildeo da extinccedilatildeo em massa natildeo liquidou apenas indiviacuteduos humanos

mas arrasou o ideal do Reino dos fins O imperativo categoacuterico pretendia formar um estado

verdadeiramente humano em que nada poderia estar acima da dignidade humana Tambeacutem

tinha a pretensatildeo de formar o sujeito moralmente inabalaacutevel aquele que nada o altera em seu

equiliacutebrio na rigidez de caraacuteter como nuacutecleo de forccedila A grande contribuiccedilatildeo de Kant estaacute eacute

claro no fato de analisar as condiccedilotildees a partir das quais se poderia evitar que o sujeito se con-

50

vertesse em uma mera esponja assim Kant acredita ser necessaacuterio arrancar o sujeito das de-

terminaccedilotildees heterocircnomas Poreacutem este autocircnomo abstraiu tanto o Outro que acabou impedin-

do o encontro a experiecircncia e a linguagem A noccedilatildeo de mimese encontra espaccedilo nesta triacuteade

Analisemos esses termos separadamente

Eacute o encontro entre diferenciados que estabelece as bases para toda experiecircncia possiacute-

vel e ele natildeo se limita ao momento inicial da relaccedilatildeo mas eacute constituinte permanente na am-

pliaccedilatildeo da consciecircncia Desse modo eacute que mesmo que a razatildeo tenha que operar com concei-

tos eles natildeo estatildeo em um patamar de substituiccedilatildeo ao fato mesmo

Retornando agrave discussatildeo do capiacutetulo anterior o termo consciecircncia deve ser entendido

natildeo somente como o espaccedilo de lucidez do entendimento quando tenho clareza no pensar mas

aponta a uma riqueza constitutiva

eacute o pensar em relaccedilatildeo agrave realidade ao conteuacutedo ndash a relaccedilatildeo entre as formas e estruturas do pensamento do sujeito e aquilo que este natildeo eacute Este sentido mais profundo de consciecircncia ou faculdade de pensar natildeo eacute apenas o desenvolvimento loacutegico formal mas ele corresponde literalmente agrave capacidade de fazer experiecircncias Eu diria que pensar eacute o mesmo que fazer experiecircncias intelectuais Nesta medida e nos termos que procuramos expor a educaccedilatildeo para a experiecircncia eacute idecircntica agrave educaccedilatildeo para a emancipaccedilatildeo (EE p151)

Aqui o encontro expressa toda sua forccedila formadora pois na permanecircncia dele eacute que

ocorre a possibilidade de ampliaccedilatildeo do conhecimento Natildeo mais no a priori mas na experiecircn-

cia sempre renovada Assim como a histoacuteria tem a dinamicidade da mudanccedila permanente o

entendimento que natildeo respeita isso sofre o problema de natildeo ter seus conceitos adequados ao

empiacuterico Essa insuficiecircncia liquida a primazia do sujeito doador de sentido pois o real estaacute

sempre fugindo aos modelos ideais estabelecidos A advertecircncia de Heraacuteclito de que natildeo eacute

possiacutevel entrar duas vezes em um mesmo rio elucida isso perfeitamente O juiacutezo eacute sempre

insuficiente pois o fato mesmo (seja do eu quanto do Outro) estaacute em constante mudanccedila exi-

gindo a mesma postura da linguagem

A primazia da experiecircncia ou primazia da relaccedilatildeo deve ser o criteacuterio para o conheci-

mento em constante progresso Em termos dialeacuteticos isso natildeo significa nem a primazia do

sujeito como Kant o propocircs tampouco a primazia do objeto como o quis Adorno indicando

aquilo que natildeo eacute acreacutescimo subjetivo o natildeo-idecircntico O que se propotildee eacute antes a centralidade

do encontro cuja base estaacute na dinacircmica de constante enfrentamento de diferenciados Assim

se estabelece um giro na teoria do conhecimento onde a preocupaccedilatildeo estaacute nos constituintes da

relaccedilatildeo Como esta deve se estabelecer para que natildeo ocorra a ruptura no processo de escla-

recimento Se haacute um sujeito e um objeto ou sujeitos ou ainda somente objetos isto eacute secun-

51

daacuterio diante daquilo que ocorre entre eles O papel da filosofia estaacute nessa definiccedilatildeo Temos

entatildeo que o encontro e a experiecircncia representam um nuacutecleo de tensatildeo natildeo passiacutevel de repou-

so e assim condiccedilatildeo para a ampliaccedilatildeo da consciecircncia Disso resulta a riqueza de linguagem Eacute

impossiacutevel ter o que dizer sobre algo que foge do meu universo experiencial E quando a proacute-

pria experiecircncia eacute limitada limitada tambeacutem eacute minha expressatildeo

A expressatildeo eacute a capacidade de acoplar agraves manifestaccedilotildees linguiacutesticas toda riqueza da

experiecircncia adquirida E isso exige rigor pois toda palavra dita superficialmente sofre a ca-

recircncia de natildeo se aproximar e tampouco se demorar sobre o outro Expressatildeo e rigor satildeo as

condiccedilotildees do conhecimento Poreacutem o rigor natildeo eacute reduccedilatildeo E a mimese eacute o nome dado a este

processo que vai da abertura ao encontro e ampliaccedilatildeo da consciecircncia ateacute a sua objetivaccedilatildeo

como linguagem no mundo sensiacutevel (seja mediante a fala gestos criaccedilatildeo artiacutestica) Mimese

eacute o braccedilo estendido ao que me eacute diferente que ocorre no momento em que se efetiva o encon-

tro Um braccedilo estendido que reconhece a dor alheia poreacutem natildeo eacute reconhecimento somente

racional mas sensiacutevel que encontra reaccedilatildeo no corpo Conforme Tiburi miacutemesis eacute ldquomuito

mais do que tentativa de reproduccedilatildeo do objeto por um sujeito seria a tentativa de tocaacute-lo de

modo sensiacutevelrdquo (2005 p137 ndash grifo nosso)

O tocar sensiacutevel a aproximaccedilatildeo que se pode definir como afetiva pois envolve o sen-

timento afeiccedilatildeo permite o reconhecimento de si e do outro ao mesmo tempo em que permite

a diferenccedila entre ambos Esse modo de conceber a miacutemesis ldquoindicaria muito mais uma dimen-

satildeo essencial do pensar esta dimensatildeo de aproximaccedilatildeo natildeo violenta luacutedica carinhosa []

uma aproximaccedilatildeo do outro que consiga compreendecirc-lo sem prendecirc-lo e oprimi-lo que consi-

ga dizecirc-lo sem desfiguraacute-lo Essa proximidade na qual o espaccedilo da diferenccedila e da distacircncia

seja respeitado sem anguacutestiardquo (GAGNEBIN 2005 p101) Desse modo a origem eacute fiacutesica e

provoca fisicamente natildeo apenas intelectualmente ldquoO sofrimento reduzido ao seu conceito

permanece mudo e sem consequecircnciasrdquo (TE p30) Aqui estaacute a dor mesma quando ocorre a

sua negaccedilatildeo ldquoO que tem de doloroso eacute a dor elevada a conceitordquo (DN 2005 p18) Essa eacute a

pobreza de relaccedilatildeo mimeacutetica e de experiecircncias pelo sacrifiacutecio da diversidade qualificada

Eacute o que se percebe em Kafka quando na cena final de O Processo K exclama derra-

deiramente ldquocomo um catildeordquo por natildeo ser reconhecido e o encontro natildeo ter se efetivado Conse-

quentemente o estado humano tornou-se impossiacutevel e o fracasso do Reino dos fins eminente

Agora parece haver uma terra de ningueacutem entre os dois lados da relaccedilatildeo Mais uma vez torna-

se legiacutetima a preocupaccedilatildeo com os termos do encontro e sua primazia Em Kafka a mimese

natildeo se efetiva pois o encontro mimeacutetico eacute rompido pelo problema da individuaccedilatildeo e indife-

renccedila Reconhecer o outro em sua dignidade passa pela consideraccedilatildeo de sua diferenccedila e isso

52

garante a individuaccedilatildeo necessaacuteria agrave natildeo indiferenccedila13 Adorno potildee esse problema no centro da

questatildeo da barbaacuterie pois ldquose as pessoas natildeo fossem profundamente indiferentes em relaccedilatildeo ao

que acontece com todas as outras excetuando o punhado com quem mantecircm viacutenculos estritos

e possivelmente por intermeacutedio de alguns interesses concretos entatildeo Auschwitz natildeo teria

sido possiacutevel as pessoas natildeo o teriam aceito (EE p134)

Pontuando um problema a partir da teoria kantiana temos a constataccedilatildeo da natildeo reali-

zaccedilatildeo do reino dos fins segundo os moldes do imperativo categoacuterico Auschwitz foi o exem-

plo deste fracasso pois aqueles que deveriam ser os fins passaram a ser possuidores de exis-

tecircncia insignificante O ideal de dignidade proacuteprio do reino kantiano natildeo se atribui a univer-

salidade e entatildeo Adorno potildee o diagnoacutestico natildeo haacute mais vida ndash seres humanos foram reduzi-

dos a mera fumaccedila serpenteando ao ceacuteu pela chamineacute dos fornos dos campos de extermiacutenio14

Esse foi o exemplo maacuteximo da indiferenccedila que destroacutei aniquila o diferente E o fracasso do

reino kantiano se deve exatamente no fato de que a comunicaccedilatildeo foi negada diante da ausecircn-

cia mimeacutetica ndash comunicar-se consigo mesmo como uma mocircnada petrificada Pensar em hu-

manidade exige entatildeo dois pressupostos o encontro e a comunicaccedilatildeo

A forccedila do imperativo categoacuterico visava impedir que o homem entendido como hu-

manidade dispusesse de si mesmo para atentar contra a raccedila humana A ecircnfase posta desde

Aristoacuteteles no ideal da vida justa a retidatildeo que se conquista pela razatildeo orientada para uma

medida justa nas accedilotildees converte-se nas palavras de Adorno em triste ciecircncia E o problema

chave disso estaacute do diagnoacutestico apresentado ainda em Dialeacutetica do Esclarecimento

O processo teacutecnico no qual o sujeito se coisificou apoacutes sua eliminaccedilatildeo da consciecircn-cia estaacute livre da plurivocidade do pensamento miacutetico bem como de toda significa-ccedilatildeo em geral porque a proacutepria razatildeo se tornou um mero adminiacuteculo da aparelhagem econocircmica que a tudo engloba Ela eacute usada como um instrumento universal servindo para a fabricaccedilatildeo de todos os demais instrumentos (p41-42)

E a essecircncia desse novo momento da razatildeo estaacute na sua conversatildeo em meacutetodo perden-

do com isso a referecircncia ao conceito de reta razatildeo a atribuiccedilatildeo do agir humano em relaccedilatildeo

aos outros conforme projeto aristoteacutelico

A teacutecnica eacute a essecircncia desse saber que natildeo visa conceitos e imagens nem o prazer do discernimento mas o meacutetodo a utilizaccedilatildeo do trabalho de outros o capital[] O que os homens querem aprender da natureza eacute como empregaacute-la para dominar completamente a ela e aos homens Nada mais importa Sem a menor consideraccedilatildeo

13 Sobre o problema da individuaccedilatildeo e indiferenccedila ver tambeacutem Civilizaccedilatildeo e barbaacuterie organizado por Adauto Novaes 2004 14 Ver Dialeacutetica negativa (2003) p332

53

consigo mesmo o esclarecimento eliminou com seu cauteacuterio o uacuteltimo resto de sua proacutepria autoconsciecircncia (DE p20)

A eliminaccedilatildeo natildeo somente da consciecircncia entendida como aquela ampliaccedilatildeo do

horizonte de sentido mediante a experiecircncia conforme exposto acima mas da proacutepria

autoconsciecircncia enquanto conhecimento de si mesmo permite o agir livre de qualquer

medida pois uma vez recusada toda ldquoverdade objetiva atraveacutes do recurso ao sujeito implica a

proacutepria negaccedilatildeo deste uacuteltimo natildeo resta nenhuma medida para a medida de todas as coisas

que sucumbe agrave contingecircncia e se torna uma inverdaderdquo (MM 39 p54)

Nesta carecircncia de limite eacute que ocorre o fato original para Adorno Auschwitz Nele a

negaccedilatildeo absoluta da vida e a ausecircncia total de limites marca a contingecircncia na sua dimensatildeo

negativa destrutiva pois os ldquoespeacutecimesrdquo da raccedila humana laacute estavam natildeo por outro motivo a

natildeo ser para o extermiacutenio15 A noccedilatildeo de reino volta com sua forccedila total natildeo enquanto

reconciliaccedilatildeo de sujeito e objeto pela forccedila do conceito Falar na possibilidade de um reino

remete agrave humanidade reconciliada na perspectiva da plena realizaccedilatildeo das diferenccedilas A

reconciliaccedilatildeo inicia no acircmbito individual quando natildeo tenho nenhum receio em ser diferente

quando as singularidades satildeo estiacutemulos agrave comunicaccedilatildeo e natildeo sua reduccedilatildeo Somente a partir

de entatildeo eacute possiacutevel pensar a humanidade como o quis Kant um Reino dos fins pois nada

estaraacute acima do encontro que gera a riqueza de experiecircncia e de comunicaccedilatildeo o que remete a

um alargamento do conceito de constituiccedilatildeo da consciecircncia moral enquanto base teoacuterico-

praacutetica para o estado humano

Para educar seguindo essa linha teoacuterica exige-se um preacute-requisito a permanente

comunicaccedilatildeo de diferenciados Eacute possiacutevel comparar a educaccedilatildeo com o desenvolvimento das

condiccedilotildees em co-habitar Enquanto habitarmos as fronteiras das relaccedilotildees negando ou

esquecendo de ocupar o espaccedilo do encontro toda possiacutevel relaccedilatildeo seraacute de total diferenciaccedilatildeo

ou radical identidade Encontro significa compartir as diferenccedilas na co-habitaccedilatildeo Precisamos

ocupar o territoacuterio esse meio no qual a educaccedilatildeo se efetiva saindo dos extremos fronteiriccedilos

em direccedilatildeo ao nuacutecleo onde ocorre a comunicaccedilatildeo essa eacute efetivaccedilatildeo da dialeacutetica do tato

exposta na Minima moralia (16 p29) Eacute possiacutevel afirmar que esta dialeacutetica do con-tato eacute o

que torna possiacutevel a riqueza de consciecircncia e a representaccedilatildeo deste conteuacutedo na relaccedilatildeo

imediata com o outro

Baseado no pressuposto da dialeacutetica do tato como nuacutecleo de forccedila tanto do

conhecimento quanto em questotildees morais percebe-se que tanto as ideias de Platatildeo quanto o 15 Sobre isso ver a magniacutefica obra de Robert Antelme A espeacutecie humana Apresentarei alguns elementos desta obra no decorrer do quinto capiacutetulo

54

sujeito transcendental com seus juiacutezos sinteacuteticos a priori estatildeo carentes de realidade e sem

efetiva consequecircncia sobre o real A ampliaccedilatildeo que Kant quis seguindo esses termos natildeo

passa de reduccedilatildeo tanto epistemoloacutegica quanto de nuacutecleo de forccedila para constituir a boa

vontade pois tanto as formas quanto o a priori carecem de realidade e determinaccedilatildeo da

realidade Quando o conceito e a consequente possibilidade de ajuizamento se constituem de

forma pura natildeo incorremos no erro de darmos agrave luz um pre-conceito

Retomando a discussatildeo sobre a possibilidade de uma ampliaccedilatildeo do conceito de

constituiccedilatildeo do sujeito a criacutetica a Kant se baseia na insuficiecircncia da formaccedilatildeo da consciecircncia

moral nos moldes apresentados na Criacutetica da razatildeo praacutetica Em termos eacuteticos a noccedilatildeo kanti-

ana de formaccedilatildeo da consciecircncia eacute reducionista e assim sem forccedila para definir a accedilatildeo o que

resulta na impossibilidade de realizaccedilatildeo do reino dos fins mediante a forccedila do imperativo ca-

tegoacuterico Esse imperativo propotildee uma forccedila natildeo suportada pelo sujeito que estaacute em permanen-

te constituiccedilatildeo e portanto em um constante reformular da siacutentese operada pelo entendimento

No capiacutetulo denominado Liberdade na Dialeacutetica negativa (2009 p180) Adorno potildee

em tensatildeo o princiacutepio da vontade com o princiacutepio de realidade Desse modo afirma que para

Kant ldquoa vontade seria a unidade normativa de todos os impulsos que se revelam ao mesmo

tempo como espontacircneos e racionalmente determinados em contraposiccedilatildeo agrave causalidade natu-

ral [] lsquoLiberdadersquo seria a palavra para designar a possibilidade desses impulsosrdquo Seguindo

a linha argumentativa e recorrendo agrave psicologia analiacutetica insere na discussatildeo sobre a vontade

e a moralidade a noccedilatildeo de princiacutepio de realidade segundo o qual ldquoinuacutemeros fatores da reali-

dade exterior sobretudo da realidade social entram nas decisotildees assinaladas pela vontade e

pela liberdaderdquo Dentro desse princiacutepio estaacute inserido o sujeito empiacuterico o qual deve ser consi-

derado como aquele que ldquotoma tais decisotildees ndash e somente um sujeito empiacuterico pode tomaacute-las

o lsquoeu pensorsquo transcendentalmente puro natildeo seria capaz de nenhum impulsordquo Esse sujeito eacute

ldquoele mesmo momento do mundo lsquoexteriorrsquo espacio-temporal e natildeo tem nenhuma prioridade

ontoloacutegica em face delerdquo que permita o esquecimento e abandono de tudo o que eacute finito e aci-

dental de tudo o que envolve a contingecircncia humana mergulhada na experiecircncia

Eacute possiacutevel afirmar que o eu penso transcendentalmente puro falha na possibilidade de

decisatildeo pelo fato de lhe faltar a prova da realidade Os fatores da realidade exterior e social

nos quais o sujeito estaacute inserido e dos quais natildeo pode abstrair interferem na tomada de deci-

sotildees Sem querer negar o princiacutepio da lei estamos diante do questionamento agrave lei considerada

por ela mesma e ao fato de nesta consideraccedilatildeo conseguir constituir o reino dos fins Estando

o ser humano na posiccedilatildeo de fim uacuteltimo uma consideraccedilatildeo se faz indispensaacutevel sendo o indi-

viacuteduo humano um ser historicamente constituiacutedo pressupor o princiacutepio loacutegico-formal como

55

condiccedilatildeo imutaacutevel para a accedilatildeo significa retirar o alicerce que permite o juiacutezo luacutecido sobre o

que se deve fazer Na contingecircncia do fato existem constituintes que podem determinar a con-

duta humana para aleacutem das determinaccedilotildees da lei seja esta moral ou juriacutedica

ldquoO sujeito que eacute pretensamente em si eacute mediado nele mesmo por aquilo do que ele se

separa a conexatildeo de todos os sujeitosrdquo (DN 2009 p181) Nesta conexatildeo estaacute localizado o

reino dos fins natildeo simplesmente enquanto ldquoa ligaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios seres racionais por

meio de leis comunsrdquo (FMC BA 74) mas enquanto conexatildeo de todos os sujeitos cuja media-

ccedilatildeo estaacute na humanidade efetiva dele a qual natildeo se reduz agraves exigecircncias loacutegicas e sentidos loacutegi-

cos da razatildeo

O abstrato princiacutepio da moralidade em Kant por mais que esse o queira forte natildeo tem

forccedila suficiente para imediatamente orientar a existecircncia empiacuterica e sua contingecircncia agrave

pretensatildeo de um possiacutevel reino dos fins Apesar da grandeza desse filoacutesofo marcada pela

tentativa de solidificar os princiacutepios supremos da moralidade natildeo haacute a devida consideraccedilatildeo

do elemento existencial efetivamente noacutes somos muito mais experiecircncia e apesar da

necessidade de um elemento eacutetico imperativo que norteasse a vontade na accedilatildeo e sua dinacircmica

existe o elemento da constante decisatildeo a qual estaacute marcada por outra necessidade a da

formaccedilatildeo da vontade

Eacute o problema da possibilidade de converter esta consciecircncia do dever agrave sua realizaccedilatildeo

em material sensiacutevel Como torno disponiacutevel este dado intelectual primeiro (a lei) como uma

efetiva mobilizaccedilatildeo para a contingecircncia da vida Esse problema se sobressai devido ao fato

de esse percurso natildeo ser imediato e tampouco sua ldquoconstruccedilatildeordquo no interior da subjetividade eacute

natural O modo como a subjetividade eacute constituiacuteda resulta na possibilidade de uma

consequecircncia moral decisiva Somente no automatismo da accedilatildeo natildeo ocorre tal constituiccedilatildeo do

mesmo modo que na pura intelectualidade a consciecircncia moral tambeacutem natildeo se efetiva Este

agenciamento se converte entatildeo em algo decisivo

O domiacutenio da lei enquanto ato intelectual bem como a convicccedilatildeo de seu conteuacutedo ou

ainda a atribuiccedilatildeo de valor a uma accedilatildeo a partir da lei esses momentos natildeo se ajustam um ao

outro em uma relaccedilatildeo de causa e efeito como algo natural O a priori no princiacutepio do dever

natildeo se constitui naturalmente como causa de um efeito na experiecircncia Algo falta agrave teoria

kantiana que permitiria aceitar esta iacutentima relaccedilatildeo O conceito de boa vontade poderia ser

admitido como esse elemento pois se por um lado natildeo haacute nada de bom sem limitaccedilatildeo a natildeo

ser a vontade por outro lado pressupor um planeta povoado por pessoas desse niacutevel de

excelecircncia guiados exclusivamente pela boa vontade incorreria no risco de aceitar a

humanidade como algo jaacute formado o que natildeo se pode admitir sob nenhuma perspectiva A

56

interioridade natildeo se constroacutei unicamente a priori no abstrato Esta interioridade abstrata eacute

por si soacute tatildeo incerta quanto a experiecircncia desprovida de orientaccedilatildeo

Na Metafiacutesica dos costumes fica claro a diversidade de modos de cumprir o dever

Sobre tal diversidade que contrasta com a uacutenica formulaccedilatildeo do dever a lei moral Kant natildeo

dedica suas paacuteginas Poreacutem por se tratar de uma diversidade em modos de cumprir a lei

moral fica evidente sua identidade com a experiecircncia Eacute assim que a capacidade de decisatildeo

prudente entra em cena e encontra sua base legitimadora no fato de que ningueacutem a desenvolve

abstratamente mas somente imerso na contingecircncia da vida A isso denomino de consciecircncia

concreta de si-mesmo Por um lado temos a lei como o uacutenico elemento certo imutaacutevel por

outro a existecircncia como incerta e passiacutevel de infinitas modificaccedilotildees Nessa perspectiva a

mais urgente preparaccedilatildeo estaacute natildeo na consciecircncia da lei mas na capacidade de enfrentar a

efetividade incerta sem sucumbir agravequilo que a lei nega o si-mesmo egoiacutesta Aqui a questatildeo

eacutetica estaacute constantemente em decisatildeo eacute na experiecircncia que torno a lei efetiva de modo que

nesta estaacute o cerne da formaccedilatildeo moral

Um fato marcante eacute que Kant arrancou a existecircncia de sua determinaccedilatildeo individualista

e contingente ao pensar os pressupostos eacuteticos do reino dos fins e afirmar a necessidade da lei

Poreacutem empurrou a existecircncia mesma a um local tatildeo marginal em seu sistema que

praticamente natildeo restou nada aleacutem da frieza constitutiva derivada de sua concepccedilatildeo

metafiacutesico-transcendental E o sujeito natildeo apenas constitui mas eacute constituiacutedo na

transitoriedade da existecircncia que eacute histoacuterica e portanto mutaacutevel

Quando o ser puro eacute posto diante da realidade a qual exige tomada de decisatildeo conside-

rando o entorno corre o risco de sentir-se imobilizado diante do princiacutepio loacutegico racional e de

um irrestrito amor ao dever E isso pelo fato de o ser humano natildeo ser o transcendental mas

ser muito mais consequecircncia do que princiacutepio do mesmo modo que interfere eacute interferido O

poder da objetividade eacute tatildeo grande que acaba por gerar a ldquoneacutevoardquo que encobre o imenso ceacuteu

estrelado kantiano acima de noacutes Com este poder da objetividade agindo e pondo muitas ve-

zes por terra as noccedilotildees abstratas e subjetivas a proacutepria moralidade natildeo assume um viacutenculo

condicionador em relaccedilatildeo ao sujeito empiacuterico (o uacutenico que age e decide)

4 O PROJETO EacuteTICO ESTEacuteTICO E FILOSOacuteFICO EM ADORNO

Na constituiccedilatildeo de sua concepccedilatildeo de esteacutetica Adorno entra em diaacutelogo principalmen-

te com Kierkegaard Kant Hegel e com a psicanaacutelise A partir desses quatro contrapontos

percebe-se o processo de cunhagem de seu pensamento frente a esse tema Na Teoria esteacutetica

Adorno traccedila a criacutetica direta ao idealismo e agrave psicanaacutelise e em Construccedilatildeo do esteacutetico sua

ecircnfase estaacute na teoria do filoacutesofo dinamarquecircs De todos esses contrapontos eacute possiacutevel lanccedilar a

pergunta que constituiccedilatildeo do esteacutetico eacute possiacutevel encontrar em Adorno

Em Kierkegaard construccedilatildeo do esteacutetico Adorno analisa o pensamento do referido fi-

loacutesofo e observa trecircs sentidos para o termo em questatildeo No primeiro o ldquoesteacutetico eacute [hellip] como

no uso comum da linguagem o domiacutenio das obras de arte e da consideraccedilatildeo teoacuterica da arterdquo

em segundo temos ldquoo esteacutetico como atituderdquo e por uacuteltimo ldquoo esteacutetico referido agrave forma da

comunicaccedilatildeo subjetiva e se legitima no conceito kierkegaardiano de existecircnciardquo (K p22-23)

O primeiro sentido encontra referecircncia clara por se dirigir a um objeto especiacutefico de-

nominado obra de arte e a investigaccedilatildeo teoacuterico-filosoacutefica que se realiza a partir dela Poreacutem

os dois sentidos posteriores remetem o pensamento esteacutetico agrave consideraccedilatildeo do ser humano em

seu estado atual com um interesse especial ao pensamento mesmo como posse do sujeito

Desse modo pensar esteticamente consiste no olhar atento ao homem e aquilo que ele eacute de

forma imediata enquanto empiacuterico e passiacutevel de experiecircncia O contraponto eacutetico conforme

cita Adorno considera a mudanccedila e o motivo que leva a se tornar aquilo que se torna De mo-

do que se o esteacutetico eacute o olhar sobre aquilo que o ser humano eacute imediatamente o eacutetico eacute o

olhar sobre aquilo que o ser humano pode vir a ser

O diferencial em Adorno eacute que o proacuteprio domiacutenio e consideraccedilatildeo teoacuterica da arte jaacute eacute

por si mesmo anaacutelise do ser humano em sua existecircncia imediata e em suas possibilidades de

devir Pelo fato de a arte ter se tornado o que se tornou ldquoantiacutetese social da sociedaderdquo falar

sobre ela eacute falar sobre o meio pelo qual e no qual surge No momento em que a arte se contra-

potildee agrave realidade se constitui em forma de conhecimento pois sua tarefa natildeo eacute mais afirmar

mas ser tensatildeo provocando o movimento dialeacutetico do pensamento ndash a antiacutetese entre o pensa-

mento e aquilo que ele mesmo natildeo eacute antiacutetese entre a arte e o meio no qual ela aparece

O comportamento esteacutetico proacuteprio do ser sensiacutevel que cria consciecircncia mediante a ex-

periecircncia desenvolvida assume a marca da contradiccedilatildeo ao princiacutepio de realidade a qual potildee a

adaptaccedilatildeo como o bem supremo Na frase ldquoa realidade oferece muitos outros motivos reais

para dela se fugirrdquo (K p20) natildeo expressa a fuga propriamente dita como uma patologia psiacute-

quica mas remete ao termo resistecircncia muito desenvolvido na Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo e na

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Minima moralia Nesta compreensatildeo da esteacutetica como atitude a realidade natildeo tem o poder

supremo de atuar sobre o indiviacuteduo determinando-o ou reprimindo-o como um sujeito des-

provido de subjetividade Pelo contraacuterio enquanto consideraccedilatildeo do estado em que o humano

se encontra como ser real a capacidade de compreensatildeo e atribuiccedilatildeo de sentido exige a dose

de resistecircncia acusada por Adorno como indispensaacutevel ao entendimento da realidade natildeo en-

quanto aparecircncia imediata ndash afinal essa eacute muito bem administrada ndash mas como um espetaacuteculo

que ocorre nos bastidores

Frente a isso a obra de arte assume vinculaccedilatildeo ao processo de esclarecimento ao natildeo

ser simples coacutepia do empiacuterico ou daquilo que acontece na superfiacutecie da existecircncia mas tra-

zendo para frente do palco aquilo que ocorre nos bastidores

O embuste [] consiste precisamente em que esta harmonizaccedilatildeo da vida e esta de-formaccedilatildeo da vida satildeo imperceptiacuteveis para as pessoas porque acontecem nos bastido-res [] de modo que as pessoas absorvem a harmonizaccedilatildeo oferecida sem ao menos se dar conta do que lhes acontece Talvez ateacute mesmo acreditem estar se comportan-do de modo realista E justamente aqui eacute necessaacuterio resistir (EM p86)

Esta forma distinta de reflexatildeo eacute o ato de pensamento vinculado ao processo de escla-

recimento exigido ainda nas linhas da Dialeacutetica do esclarecimento e que remete natildeo somente

ao terceiro sentido que o termo esteacutetica assume em Kierkegaard e eacute analisado por Adorno

como sendo um interesse especial pelo proacuteprio pensamento enquanto posse do sujeito ou

seja a necessidade de pensar o proacuteprio pensamento Vinculado a isto estaacute a possibilidade de

resistir agraves formas de ofuscamento que substituem a tensatildeo social pela pretensa harmonia de

um sentido imediato Como resposta a este ofuscamento propotildee-se a constituiccedilatildeo de um loacute-

cus comunicativo16 por meio do qual se amplia o niacutevel de experiecircncias e de compreensatildeo

cuja consequecircncia eacute um retorno qualificado ao proacuteprio pensamento de modo autocriacutetico

quanto agrave possibilidade de perceber o diferenciado ndash aquilo que permite a identidade de si suas

caracteriacutesticas proacuteprias e que impedem a simples universalizaccedilatildeo ndash a partir do local ocupado

por ele

Isso remete agrave proacutepria filosofia claacutessica no meacutetodo socraacutetico e platocircnico de construccedilatildeo

do conhecimento Ursula Wolf em sua obra La filosofiacutea y la cuestioacuten de la vida buena reto-

ma Platatildeo e o modelo socraacutetico de constituiccedilatildeo da subjetividade trazendo ao centro de tal

constituiccedilatildeo o sentido de elencos A observaccedilatildeo que se potildee indica para uma diferenccedila entre o

meacutetodo da teacutechne e o meacutetodo do elencos ldquonatildeo apenas evidencia a insuficiecircncia do meacutetodo da

teacutechne para a eacutetica [] mas estabelece ao mesmo tempo um novo meacutetodo o qual tem seu 16 No capiacutetulo 5 seraacute desenvolvido com mais detalhes o significado deste loacutecus comunicativo

59

modelo nos diaacutelogos com os quais Soacutecrates potildee agrave prova o saber de seus companheiros Esse

modo de proceder eacute o do elencosrdquo ([sd] p54 ndash traduccedilatildeo nossa) Em primeiro lugar deve-se

destacar a consciecircncia da tensatildeo dialeacutetica que se estabelece no momento em que ocupo meu

espaccedilo de sujeito portador de voz e com papel efetivo no elenco de atores No momento que

ocorre esse jogo entre atores no sentido de elenco se efetiva o real sentido de diaacutelogo en-

quanto meio de constituiccedilatildeo da subjetividade enquanto meio dialoacutegico que constituo e me

constitui

Este eacute o locus proacuteprio e ideal para que ocorra a resistecircncia apontada por Adorno no

momento em que me eacute permitida a elevaccedilatildeo do niacutevel de consciecircncia mediante a experiecircncia

comunicativa com outros atores Continuando com Wolf isto ocorre pelo fato de o elencos

permitir a complementaccedilatildeo das opiniotildees individuais evidenciando a falta de clareza conceitu-

al e elaborando as contradiccedilotildees Assim se constitui um meio proacuteprio no qual se examinam as

opiniotildees e se constituem referenciais interpretativos acerca do proacuteprio contexto no qual os

indiviacuteduos estatildeo inseridos

41 A vinculaccedilatildeo entre experiecircncia e racionalidade esteacutetica

Com a Teoria esteacutetica Adorno potildee em questatildeo a dinacircmica da subjetividade que se

constitui mediante relaccedilatildeo do sujeito com o mundo e sua consequente objetivaccedilatildeo enquanto

expressatildeo dessa riqueza subjetiva ou seu conteuacutedo de consciecircncia Antes da proacutepria arte o

contexto concreto no qual o indiviacuteduo estaacute inserido ndash as experiecircncias que determinam nosso

modo de compreender a realidade ndash tem o poder de ldquopocircr em movimento processos de pensa-

mentordquo Essa expressatildeo utilizada na Teoria esteacutetica (p45) quando o autor comenta as obras

de Brecht deve ser considerada de modo mais amplo direcionada ao proacuteprio meio concreto

no qual o indiviacuteduo estaacute inserido o qual significa para Adorno impulso ao pensar

Vicente Goacutemez (1998 p49 ndash traduccedilatildeo nossa) ao situar o sentido que a esteacutetica tem

em Adorno afirma que essa ldquonatildeo significa simplesmente teoria da arte mas laquoeacute referir-se agrave

posiccedilatildeo que o pensamento ocupa diante da objetividaderaquordquo Essa posiccedilatildeo do pensamento eacute a

uacutenica para Adorno ldquocapaz de realizar o verdadeiro conhecimento e natildeo a mera tautologia ou

reduplicaccedilatildeo do momento subjetivo no processo cognoscitivordquo Assim estamos diante de um

problema filosoacutefico o que eacute a objetividade o que eacute o concreto e como eacute possiacutevel a compre-

ensatildeo natildeo tautoloacutegica deste por parte do ser humano

O motivo para isso estaacute no fato de o proacuteprio conceito de concreto ser considerado por

Adorno de modo negativo ldquoAquilo que ainda natildeo era eacute o concretordquo ndash o maior problema eacute

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ldquotratar a concreccedilatildeo como dado como indubitavelmente laquoexistenteraquordquo (TE p156) No real no

concreto estaacute a possibilidade de gerar processos de pensamento pelo fato de que ldquoaquilo que

eacute eacute mais do que ele eacute Esse mais natildeo lhe eacute anexado de fora mas permanece imante a elerdquo

(DN 2009 p140) constituindo-se em radical desafio ao pensamento no momento em que

nos deparamos com os limites de apreender somente o disponiacutevel pela experiecircncia imediata Eacute

diante dessa compreensatildeo de concreto que deve ser situada a expressatildeo artiacutestica a obra de

arte e enquanto concretude a proacutepria arte se converte em algo que estaacute para aleacutem do seu sim-

ples existente sendo mais do que aquilo apreendido imediatamente pelos sentidos Desse mo-

do a arte tambeacutem passa a ldquopocircr em movimento processos de pensamentordquo Essa eacute uma das

caracteriacutesticas que demarca o artiacutestico do natildeo-artiacutestico em Adorno

Deve-se destacar a centralidade que esse conceito ndash concreto ndash adquire em Adorno

Se na filosofia claacutessica a admiraccedilatildeo o espanto eacute o que origina o pensamento a filosofia em

Adorno esta funccedilatildeo eacute assumida pelo concreto A Dialeacutetica negativa aponta isso quando le-

mos que ldquosobre o concreto natildeo se deve filosofar mas a partir delerdquo (2005 p41 ndash grifo nos-

so) Poreacutem eacute possiacutevel salvar a admiraccedilatildeo enquanto olhar que natildeo se acomoda diante do evi-

dente e imediato mas encontra seu incitamento no descortinar desta novidade que surge haacute

algo ainda a compreender conteuacutedo ainda a ser transmitido e apreendido o mundo ainda natildeo

estaacute resolvido sob a luz do sentido jaacute manifestado

Esta caracteriacutestica da arte a qual deve ser ampliada para aleacutem do domiacutenio artiacutestico

pois tudo eacute mais do que aquilo que se apresenta permite pontuar o significado da negativida-

de No momento em que o entendimento natildeo consegue perceber nada aleacutem daquilo que ime-

diatamente aparece diante de mim quando desfaccedilo a possibilidade do concreto substituindo-o

pela clareza absoluta de sentido aniquilo a possibilidade da compreensatildeo deixando espaccedilo

para o reducionismo ou pobreza de sentido Nas palavras de Joseacute Antonio Zamora natildeo man-

ter-se na ldquoinsistecircncia do negativo transitar demasiado rapidamente agrave afirmaccedilatildeo do positivo

contribui efetivamente muito mais para a perpetuaccedilatildeo do falso existente do que para sua su-

peraccedilatildeordquo (2004 p13 ndash traduccedilatildeo nossa) Eacute isto que o sentido de concreto permite a colocaccedilatildeo

do eacute para aleacutem daquilo que aiacute estaacute Desse modo o negativo o concreto se transforma em

fundamento epistemoloacutegico

De modo mais enfaacutetico o problema eacute como a arte estaacute situada diante dessa compreen-

satildeo de concreto o qual conforme exposto acima rompe com a simples evidecircncia e se projeta

como reserva de sentido Esse problema nos potildee diante de um fragmento adorniano jaacute co-

mum ldquoTornou-se manifesto que tudo o que diz respeito agrave arte deixou de ser evidenterdquo tendo

perdido aquilo ldquoque poderia fazer de modo natildeo refletido ou sem problemas (TE p11) Essa eacute

61

a criacutetica ao simples existente empiacuterico levada ao extremo com o conceito de enigma e conte-

uacutedo de verdade (os quais jaacute foram desenvolvidos no segundo capiacutetulo) O que cabe aqui eacute

situar a arte enquanto algo que ldquose voltou graccedilas agrave sua forma tanto contra o simples existen-

te contra o estado de coisas persistente como veio em sua ajuda enquanto modelaccedilatildeo dos

elementos existentesrdquo (TE p12)

Ocorre o questionamento daquilo que nos eacute familiar pondo no centro das discussotildees

aquilo que eacute estranho o para aleacutem daquilo que eacute e que constitui o outro do meu entendimento

a alteridade Aqui estaacute a decisiva atualidade do esteacutetico a novidade no modo de compreender

esse termo Para Nadja Hermann

Desde o seacuteculo 20 satildeo conhecidas as profundas transformaccedilotildees ocorridas no pensa-mento que [] denunciam o caraacuteter excludente do conceito que natildeo reconhece o outro e natildeo acolhe aquilo que escapa as suas determinaccedilotildees e apontam para a atuali-dade do esteacutetico para aleacutem da teoria do belo e da arte transposto agora para vida cotidiana Esse conjunto de mudanccedilas produz efeitos sobre nossas interpretaccedilotildees de mundo e no modo de pensar (2010 p123-124 ndash grifo nosso)

Continuando com o argumento anterior tem-se entatildeo a inserccedilatildeo do outro e do estra-

nho em contraposiccedilatildeo ao idecircntico e com o simplesmente familiar Isso se deve agrave experiecircncia

esteacutetica na qual devido ao elemento do concreto e de natildeo evidecircncia se ldquoenfatiza uma multi-

plicidade de dimensotildees do estranho que nos retira da conformidade com o familiarrdquo (HER-

MANN 2010 p124)

Eacute possiacutevel perceber isto de modo enfaacutetico em Adorno quando na Teoria esteacutetica

(p12) situa a arte em um movimento de volta contra o estado de coisas e ao mesmo tempo

vem em sua ajuda enquanto modelaccedilatildeo de tal estado Desse modo natildeo eacute um simples contrari-

ar caracteriacutestica que pode ser aplicada a toda teoria de Adorno principalmente quando acusa-

da de pessimista Inspirada na relaccedilatildeo artiacutestica com a realidade a teoria natildeo eacute um simples ir

contra mas nesse movimento eacute impulso de progresso indo ao encontro do mundo enquanto

possibilidade de modelaccedilatildeo de seus elementos Essa modelaccedilatildeo ocorre no momento em que a

obra de arte nos potildee diante do concreto e ldquointegra-se assim num processo englobante de espi-

ritualizaccedilatildeo no progresso da consciecircnciardquo (TE p110) Essa eacute outra caracteriacutestica para uma

produccedilatildeo se considerada obra de arte em Adorno

Eacute o que se pode observar por exemplo em obras como Guernica de Pablo Picasso

Nessa obra percebe-se que se demarca o acircmbito do concreto e de ausecircncia de evidecircncia con-

vertendo aquilo que aparece em algo que vai aleacutem de sua manifestaccedilatildeo imediata Para Ador-

no ldquoem toda obra de arte genuiacutena aparece algo que natildeo existerdquo (TE p100) ou seja o con-

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creto na consideraccedilatildeo para aleacutem do evidente Mas esse aleacutem natildeo eacute algo anexado de fora mas

conteuacutedo intriacutenseco que precisa ser disponibilizado agrave consciecircncia

A dinacircmica consequente disto eacute entre a arte em sua relaccedilatildeo consigo mesma e em sua

relaccedilatildeo com o concreto A construccedilatildeo do esteacutetico em Adorno perpassa por estas duas dire-

ccedilotildees Em primeiro lugar ldquotoda obra de arte aspira por si mesma agrave identidade consigordquo identi-

dade esta que ldquona realidade empiacuterica se impotildee agrave forccedila a todos os objetosrdquo (TE p15) Este

caraacuteter de singularidade faz com que a obra seja ela mesma e natildeo o que possa representar

extinguindo toda tentativa de extrair dela uma mensagem ndash ldquopinta-se um quadro e natildeo o que

ele representardquo (Ibidem)

Em segundo lugar ocorre o direcionamento em relaccedilatildeo ao concreto ao empiacuterico Po-

reacutem este direcionamento natildeo ocorre enquanto coacutepia imitativa As obras de arte ldquosatildeo coacutepias do

vivente empiacuterico na medida em que a este fornecem o que lhe eacute recusado no exterior e assim

libertam daquilo para que as orienta a experiecircncia externa coisificanterdquo (TE p15) ndash fazem

surgir o concreto naquilo que ele eacute A comunicaccedilatildeo17 que surge a partir da obra de arte assu-

me um sentido positivo e outro negativo Positivo enquanto identidade e afirmaccedilatildeo de si

mesmo enquanto arte ndash arte pela arte negativo pelo fato de defender o natildeo-evidente e rela-

cionar-se com a realidade pela recusa agrave imitaccedilatildeo dos seus elementos Desse modo a obra se

torna altamente espiritualizada e assim realiza a tensatildeo entre forma e conteuacutedo

Se comunicar pressupotildee linguagem eacute possiacutevel dizer que nesta estaacute a formalizaccedilatildeo do

conteuacutedo espiritual Um pensamento expressado eacute um conteuacutedo que se torna linguagem e

desse modo assume uma forma A obra de arte eacute forma expressatildeo de um conteuacutedo A respos-

ta agrave questatildeo sobre qual eacute o elemento decisivo ndash a forma ou o conteuacutedo ndash nos remete agrave impos-

sibilidade de um existir sem o outro Conteuacutedo natildeo formalizado natildeo tornado linguagem eacute

mudo e sem consequecircncias forma linguagem vazia de conteuacutedo eacute ideoloacutegica e nociva ao

desenvolvimento da consciecircncia Partindo desses dados na obra de arte deve haver o equiliacute-

brio entre o conteuacutedo e a forma no sentido de aquilo expresso como conteuacutedo ser indiacutecio do

concreto e do mesmo modo a forma deve permitir o surgimento deste conteuacutedo concreto

Utilizando as palavras de Adorno temos ldquoA forma esteacutetica eacute a organizaccedilatildeo objetiva

de tudo o que no interior de uma obra de arte aparece como linguagem coerente Eacute a siacutentese

natildeo violenta do dispersordquo (TE p165) O elemento de natildeo violecircncia poderia fazer supor a

primazia do conteuacutedo sobre a forma pois esta pode ter a pretensatildeo de reter aquilo que eacute dife-

rente em uma imposiccedilatildeo de sentido Salvo esta consideraccedilatildeo a forma eacute salva pelo fato de ser

17 O conceito de comunicaccedilatildeo seraacute melhor desenvolvido no segundo item deste capiacutetulo Aqui se faz considera-ccedilotildees provisoacuterias a fim de estabelecer as relaccedilotildees com o conceito de forma e conteuacutedo

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indispensaacutevel na organizaccedilatildeo coerecircncia da proacutepria obra mesma Pela forma deve haver a ma-

nifestaccedilatildeo do conteuacutedo aquela eacute a condiccedilatildeo para este ldquoO ecircxito esteacutetico depende essencial-

mente de se o formado eacute capaz de despertar o conteuacutedo depositado na formardquo (TE p161)

O conteuacutedo da obra de arte assume por sua relaccedilatildeo com o concreto a dimensatildeo de

criacutetica Deve fazer surgir o mais naquilo que estaacute dado esse elemento de para aleacutem do imedi-

ato do evidente do oacutebvio Ao permitir a manifestaccedilatildeo da novidade ao fazer aparecer o novo

o concreto no para aleacutem do que aparece a forma deve expressar esse conteuacutedo e em uma

tensatildeo dialeacutetica o conteuacutedo assumir uma forma Vislumbra-se a convergecircncia entre forma e

criacutetica pois nas ldquoobras de arte a forma eacute aquilo mediante o qual elas se revelam criacuteticas em si

mesmas [] Pela sua implicaccedilatildeo criacutetica a forma aniquila as praacuteticas e as obras do passado A

forma contradiz a concepccedilatildeo da obra como algo de imediatordquo (TE p165) Assim se visualiza

a participaccedilatildeo da arte no processo de esclarecimento neste desenvolvimento da consciecircncia

diante daquilo que eacute e pelo questionamento do sentido atribuiacutedo a esse eacute

Essa tensatildeo tambeacutem demarca o acircmbito do que eacute arte Quando as obras ldquotornam-se con-

textos de sentido ao negarem o sentidordquo (TE 176) fazem surgir o concreto ao negarem aquilo

que se quer como o concreto Eacute diante desses elementos que se pode inserir o sentido de sujei-

to em relaccedilatildeo agrave obra de arte Ao pensar sobre o que eacute o sujeito precisamos refletir ldquosobre o

que na arte fala eis o seu verdadeiro sujeito e natildeo o que a produz ou a receberdquo (TE 190)

Continuando com a argumentaccedilatildeo Adorno propotildee

Verdadeira eacute a arte tanto mais que o que nela fala e ela proacutepria estatildeo cindidos natildeo reconciliados mas esta verdade cabe-lhe em sorte quando ela sintetiza o dividido e assim o determina apenas no seu caraacuteter irreconciliaacutevel Paradoxalmente a arte tem de testemunhar o irreconciliaacutevel e tender no entanto para a reconciliaccedilatildeo isso soacute eacute possiacutevel a partir da sua linguagem natildeo-discursiva Soacute neste processo se concretiza o noacutes Mas o que fala na arte eacute verdadeiramente o seu sujeito na medida em que nela fala e por ela natildeo eacute representado (TE p191-192)

Por ser portadora de linguagem e portadora de conteuacutedo a obra de arte assume a fun-

ccedilatildeo de sujeito ela fala propotildee questatildeo converte-se em desafio ao outro sujeito agora o hu-

mano exigindo deste o rigor cognitivo poreacutem em uma posiccedilatildeo de natildeo posse frente agrave obra

Compreende-se entatildeo desse modo que a tensatildeo entre a obra de arte e o ser humano eacute uma

tensatildeo entre sujeitos natildeo mais de sujeito e objeto propondo algumas caracteriacutesticas especiais

Essas caracteriacutesticas como veremos no capiacutetulo 5 devem demarcar a relaccedilatildeo para aleacutem do

sujeito obra de arte e sujeito humano mas constituir uma forma de relaccedilatildeo entre os proacuteprios

sujeitos humanos em suas mais diversas possibilidades de co-habitarem

64

A noccedilatildeo de sujeito eacute condiccedilatildeo para a obra de arte e esta relaccedilatildeo entre sujeitos demarca

a constituiccedilatildeo da obra artiacutestica um deve remeter ao outro a arte deve remeter agrave razatildeo o ser

humano com sua racionalidade deve remeter-se agrave arte em sua linguagem enquanto testemunha

do concreto Assim constitui-se a racionalidade esteacutetica nessa tensatildeo que pode ser entendida

como relaccedilatildeo entre sujeitos pois ambos satildeo portadores de sentido em manifestaccedilatildeo e propotildee

sentido Ambos os sujeitos em sentido concreto O desafio ao sujeito humano estaacute na capaci-

dade de perceber este sentido manifesto por este seu outro

Estamos diante do mais rico sentido de dialeacutetica em Adorno o qual se converte em

imperativo para o pensamento ldquopensar de tal modo que a forma do pensamento natildeo mais tor-

ne seus objetos coisas inalteraacuteveis que permanecem iguais a si mesmas a experiecircncia des-

mente que eles o sejamrdquo (DN 2009 p134) No nuacutecleo do pensamento dialeacutetico estaacute a prima-

zia da experiecircncia de sujeitos que natildeo permanecem iguais no decorrer da histoacuteria rompendo

com o ideal de identidade na paz do conceito ldquoO existente singular coincide tatildeo pouco com o

seu conceito superior quanto se mostra como ininterpretaacutevel Ele tambeacutem natildeo eacute por sua parte

algo derradeiro contra o qual o conhecimento deveria se chocarrdquo (DN 2009 p140) Ao mes-

mo tempo em que o singular natildeo coincide com o conceito afirmando sua dignidade de dife-

renciado ele eacute passiacutevel de interpretaccedilatildeo e se constitui em reserva de sentido Daiacute a ecircnfase de

Adorno na Teoria esteacutetica em definir o momento da razatildeo interpretativa diante do outro

A afirmaccedilatildeo acima de que a relaccedilatildeo entre sujeitos eacute marca da racionalidade esteacutetica

pelo fato de a proacutepria arte se constituir em sujeito exige um complemento O que diferencia o

sujeito humano Em uma palavra a consciecircncia e reafirmando o terceiro capiacutetulo a capaci-

dade de siacutentese operada pelo pensamento humano Poreacutem siacutentese natildeo absoluta mas aberta agrave

ampliaccedilatildeo de sentido ndash siacutentese natildeo final mas dinacircmica Na Dialeacutetica negativa (2009 p159)

visualiza-se essa especificidade do sujeito humano pondo como primeiro a noccedilatildeo de empiria

para somente apoacutes ser possiacutevel falar em transcendental espiritual A consciecircncia eacute em pri-

meiro lugar empiacuterica ldquofunccedilatildeo do sujeito vivordquo e portanto histoacuterica Natildeo havendo ldquoqualquer

relaccedilatildeo com uma consciecircncia empiacuterica com a consciecircncia do eu vivo natildeo haveria nenhuma

consciecircncia transcendental puramente espiritualrdquo (grifo nosso) A expressatildeo consciecircncia do

eu vivo situa-se em um contraponto ao eu penso cartesiano Eu penso logo existo como quis

Descartes eacute contraposto pelo imperativo dialeacutetico do pensamento eu vivo logo posso pensar

Apesar de a vida ser o elemento originaacuterio o ser humano se posiciona diante dela a

partir da razatildeo interpretativa e esta eacute pensamento e constitui pensamento ndash esse eacute o viacutenculo

entre experiecircncia esteacutetica e racionalidade A obra de arte ldquonatildeo dispensa objetivamente a inter-

pretaccedilatildeo como se nada houvesse para interpretar [] A obra de arte que crecirc possuir o conte-

65

uacutedo a partir de si encalha num racionalismo ingecircnuordquo (TE p40) Dessa maneira percebe-se a

relaccedilatildeo natildeo somente da arte com a sociedade com o concreto mas da arte com a razatildeo inter-

pretativa Poreacutem ldquodeve-se interpretar-se e natildeo ser substituiacuteda pela claridade do sentidordquo (TE

p40) isso eacute

se a verdade que as obras de arte contecircm ficar encerrada no momento da experiecircncia esteacutetica ela se perderia e esta natildeo seria nada Disto vem que as obras de arte por causa daquilo que nelas aponta para aleacutem do momento fugaz da experiecircncia esteacutetica satildeo remetidas agrave razatildeo interpretativa para que a interpretaccedilatildeo exponha a verdade pa-ra Adorno interpretaccedilatildeo significa interpretaccedilatildeo filosoacutefica a laquonecessidade de inter-pretaccedilatildeoraquo que as obras de arte possuem eacute a necessidade que a experiecircncia esteacutetica possui da demonstraccedilatildeo filosoacutefica (WELLMER 1993 p19 ndash traduccedilatildeo nossa)

Isso faz retomar o sentido claacutessico de esta admiraccedilatildeo que permitia ao ser

humano pensar filosofar e que a proacutepria filosofia eliminou no momento em que se viu na

posiccedilatildeo de poder apreender o fato e fenocircmeno o empiacuterico em uma caacutepsula conceitual en-

cerrando a proacutepria verdade nessa caacutepsula Esta permanecircncia da thaumazein a qual se origina

no momento em que permito o novo (para a consciecircncia agrave qual nada haacute de novo natildeo eacute possiacute-

vel a admiraccedilatildeo) equivale para usar uma expressatildeo de Hermann agrave promessa de vida A obra

de arte encontra aqui seu local privilegiado ldquoa arte nos indica que o mundo natildeo eacute plenamente

compreendido no acircmbito conceitual e que pode deixar um espaccedilo para uma promessa de vidardquo

(2010 p45) Nada haacute para se admirar no conceito esse em linguagem adorniana eacute frio e sem

consequecircncia A riqueza de mundo soacute eacute possiacutevel por uma via fazendo o movimento ao en-

contro do mundo ao encontro do outro ndash esse encontro quando aberto agrave sua novidade apro-

funda o mundo

42 A dinacircmica entre aproximaccedilatildeo do outro e construccedilatildeo de si

A Teoria esteacutetica lanccedila uma compreensatildeo de obra de arte enquanto ldquoidentidade consi-

go mesmardquo (p15) Nesse sentido a arte natildeo pretende ser idecircntica ao seu exterior mas quer ser

apenas ela mesma e natildeo representaccedilatildeo fidedigna A identidade esteacutetica ocorre de modo a ldquode-

fender o natildeo-idecircntico que a compulsatildeo agrave identidade oprime na realidaderdquo (ibidem) sendo

entatildeo em primeiro lugar identidade consigo mesma Na construccedilatildeo do sujeito esteacutetico o pri-

mado estaacute em ser para si em um impulso de construccedilatildeo de si Essa construccedilatildeo natildeo significa

desarmonia em relaccedilatildeo ao todo sobreposiccedilatildeo de si mesmo mas sim o fortalecimento subjeti-

vo em sua identidade consigo mesmo como condiccedilatildeo para pensar uma possiacutevel identidade

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natildeo opressora Hermann destaca isso de modo incisivo ao afirmar que a devida atenccedilatildeo agravequi-

lo que eacute particular em sua contingecircncia pode

esclarecer a relaccedilatildeo reciacuteproca entre o universal e o particular [e] evita uma orienta-ccedilatildeo puramente abstrata sem abandonar princiacutepios universais pois a educaccedilatildeo pres-supotildee um processo de inserccedilatildeo num mundo compartilhado de valores e crenccedilas sem o qual qualquer dialeacutetica entre individualizaccedilatildeo e socializaccedilatildeo estaria condenada ao fracasso (2010 p104)

Continuando o pensamento para a autora haacute ldquoum miacutenimo de normas morais validadas

intersubjetivamente que constituem nosso ethos e sem as quais se torna muito difiacutecil edificar

a formaccedilatildeo humana O compartilhamento de valores e regras comuns permite projetar um

mundo sob o qual se daacute a base de nossas conversaccedilotildeesrdquo (Ibidem p105) Dessa forma perce-

be-se a dinacircmica que ocorre entre a aproximaccedilatildeo docom o outro e a construccedilatildeo de si indi-

cando o real sentido de pensar a relaccedilatildeo segundo o modelo do elencos a dinacircmica que potildee os

diversos atores como responsaacuteveis pela autoconstruccedilatildeo e pela coesatildeo do todo Somente quan-

do a proximidade permite a proacutepria identidade eacute que se torna possiacutevel projetar uma situaccedilatildeo

em que a diferenccedila eacute motivo de coesatildeo natildeo de rupturas O contraacuterio quando a aproximaccedilatildeo

impede o si mesmo a individualidade o ldquocompartilhamento de valores e regras comunsrdquo eacute

impossibilitado ou ocorre somente de modo aparente E isso devido ao fato de a coerccedilatildeo ge-

rar coesatildeo somente aparente

Sob esta oacutetica o pensamento pode significar um modo de aproximar-se do outro cuja

dinacircmica eacute o desencadear compreensivo gerado pela aproximaccedilatildeo real efetiva que nos potildee

face-a-face Com a aproximaccedilatildeo se estabelece a relaccedilatildeo oposta agrave dominaccedilatildeo gerada pela ca-

pacidade de distanciamento a qual pressupotildee indiferenciaccedilatildeo ndash a dominaccedilatildeo eacute possiacutevel so-

mente para quem eacute indiferente e para ser indiferente natildeo pode ocorrer a aproximaccedilatildeo efetiva

A racionalidade da aproximaccedilatildeo natildeo compactua com a tendecircncia ao equivalente que marca a

forma de relaccedilatildeo sob a oacutetica da instrumentalidade e do princiacutepio da disponibilidade Eacute exata-

mente pelo fato de o outro natildeo estar simplesmente disponiacutevel a mim e ao meu intelecto que

me obriga a natildeo trataacute-lo como simples objeto do meu querer (instrumentalizaccedilatildeo) Nessa di-

nacircmica eacute que deve ser pensada a tensatildeo entre aproximaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo aproximaccedilatildeo e

construccedilatildeo A aproximaccedilatildeo que gera diferenciaccedilatildeo permite a construccedilatildeo tanto do si quanto do

outro e ateacute mesmo construccedilatildeo do todo

A expressatildeo ldquofragmento de alteridaderdquo (TE p18) indica esta racionalidade orientada

por uma siacutentese que natildeo desfaz a alteridade A proacutepria possibilidade de aproximaccedilatildeo envolve

a possibilidade de haver um inteiramente outro como um fragmento de alteridade que faz

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tambeacutem parte da proacutepria possibilidade de aproximaccedilatildeo enquanto comunicaccedilatildeo de diferenci-

ados Na relaccedilatildeo com meu diferente na diferenccedila especiacutefica entre noacutes estou em relaccedilatildeo com

o que eu natildeo sou mas que ao mesmo tempo permite fazer de mim uma singularidade Se

houver alguma siacutentese ndash no sentido de conhecimento ndash contudo ela natildeo extingue tais frag-

mentos os quais permanecem no diferenciado

Os fragmentos de alteridade interferem no processo de siacutentese operada pelo entendi-

mento No momento em que consigo referir todas as representaccedilotildees a mim enquanto ser de

experiecircncia esta siacutentese natildeo eacute uma simples imposiccedilatildeo ao real pois para aleacutem de toda compre-

ensatildeo reside a possibilidade da novidade do renovar da experiecircncia diante de algo que eacute sem-

pre inteiramente outro Assim ldquosubstitui o princiacutepio de unidade e a onipotecircncia do conceito

soberano pela ideacuteia daquilo que existiria fora do feiticcedilo de tal unidaderdquo (DN 2005 p10) Eacute

ilusatildeo a crenccedila de que pela tentativa de unidade nada reste do outro A filosofia pode se ori-

entar pela tendecircncia do uno mas natildeo pode negar a fraqueza do conceito ao estabelecer o uno

como que havendo um envolvimento total das particularidades nessa totalidade

Em sentido contraacuterio a dialeacutetica negativa substitui esse feiticcedilo por aquilo que existe

fora dele Um segundo giro-copernicano colocaria no centro do debate filosoacutefico os fragmen-

tos de alteridade aquilo que resta depois de satisfeita a sanha de tudo abocanhar Nisso estaacute o

sentido de dialeacutetica jaacute que ldquoseu nome a princiacutepio natildeo diz nada mais que os objetos natildeo se

reduzem a seu conceito que entram em contradiccedilatildeo com a norma tradicional da adaequatiordquo

(DN 2005 p 17) E isto devido ao fato de que o ldquoconhecimento natildeo interioriza por completo

nenhum de seus objetosrdquo (p24) e exatamente por natildeo serem objetos completamente apreen-

siacuteveis eacute que tecircm a capacidade de pocircr em movimento processos de pensamento processos de

compreensatildeo que se efetivam pela aproximaccedilatildeo

Considerando a esteacutetica enquanto relaccedilatildeo entre diferenciados sem a acircnsia de posse

como alteridades permanentes o caraacuteter de aproximaccedilatildeo assume efeito decisivo de apariccedilatildeo

Natildeo somente eu percebo o outro ou seja natildeo eacute unicamente ato de minha consciecircncia mas

tambeacutem eacute o outro que aparece que se lanccedila ao meu olhar se deixa apreender A atitude esteacute-

tica eacute a secularizaccedilatildeo do ato religioso da revelaccedilatildeo duas presenccedilas que se potildee em direccedilatildeo

uma agrave outra para um encontro que resulta no aacutepice da experiecircncia e permita a construccedilatildeo de

sentido tatildeo somente a partir disso

Chegamos entatildeo ao conceito de construccedilatildeo no qual natildeo ocorre a prioridade dos pro-

cessos subjetivos Eacute possiacutevel afirmar a concordacircncia de Adorno com o ideal de construccedilatildeo

grego claacutessico

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o bloco de maacutermore e as teclas de um piano nas quais respectivamente uma escultu-ra e uma composiccedilatildeo esperam ser libertadas satildeo para tal tarefa provavelmente mais do que metaacuteforas As tarefas trazem em si a sua soluccedilatildeo objetiva pelo menos no in-terior de uma certa margem de variaccedilatildeo embora natildeo possuam a univocidade de e-quaccedilotildees A accedilatildeo do artista eacute o ponto miacutenimo entre o problema a mediatizar perante o qual ele se vecirc e que jaacute estaacute de antematildeo traccedilado e a soluccedilatildeo que igualmente se en-contra de modo potencial no material Se ao utensiacutelio se chamou um braccedilo prolon-gado poder-se-ia chamar ao artista um utensiacutelio prolongado utensiacutelio da passagem da potencialidade agrave atualidade (TE p190)

Assim em Adorno eacute necessaacuterio ldquoseparar-se daquela comparaccedilatildeo grosseira com o su-

jeito criativo que por uma exuberacircncia presunccedilosa transforma a obra de arte em documento

do seu criador e assim a diminuirdquo (TE p194) Na Teoria esteacutetica ocorre a suspeita diante da

posiccedilatildeo de um sujeito que constroacutei em uma adequaccedilatildeo do material a uma forma existente na

mente de tal sujeito A tendecircncia de Adorno estaacute mais em conceber a capacidade de mediaccedilatildeo

para as possibilidades jaacute existentes no material ldquotudo ainda laacute estaacute No teclado de qualquer

piano estaacute contida a Appassionata soacute que o compositor deve extraiacute-la e para isso natural-

mente eacute preciso ser Beethovenrdquo (EXP p24) E nesse ato natildeo haacute a posse plena de tais mo-

mentos pelo sujeito pois

implica sempre o primado dos procedimentos construtivos em relaccedilatildeo agrave imaginaccedilatildeo subjetiva A construccedilatildeo impotildee soluccedilotildees que o ouvido ou o olho que as representam natildeo tecircm imediatamente presentes em toda a claridade O imprevisto natildeo soacute eacute efeito mas possui igualmente um lado objetivo Isso se encontra modificado numa nova qualidade (TE p36)

No conceito de construccedilatildeo e imprevisto evidencia-se a relaccedilatildeo natildeo de um sujeito sobre

um objeto passivo mas uma dinacircmica construtiva na qual os dois poacutelos tanto o artista quanto

material satildeo atuantes no ato produtivo ldquotornou-se entretanto manifesto que as obras devem

conter caracteriacutesticas as quais no processo de produccedilatildeo natildeo satildeo previsiacuteveis e que subjeti-

vamente o artista era surpreendido pelas suas proacuteprias obrasrdquo (TE p51) O que natildeo significa

espontaneiacutesmo como que em um agir do indiviacuteduo desprovido de criteacuterios racionais de pro-

cedimentos teacutecnicos especializados mas indica tatildeo somente usando o exemplo da composi-

ccedilatildeo ao piano a necessidade de extrair aquilo que jaacute estaacute posto no instrumento Natildeo imponho

um som apenas permito a manifestaccedilatildeo das possibilidades jaacute existentes no instrumento

Nessa dinacircmica de construccedilatildeo e possibilidade do imprevisto na qual se insere a sur-

presa ou a novidade vinda da proacutepria obra Adorno insere a categoria do novo Com isso de

imediato eacute possiacutevel indicar a contraposiccedilatildeo de obras padronizadas ao gosto do cliente na

mercantilizaccedilatildeo das produccedilotildees cujo criteacuterio eacute o modismo e na possibilidade de o cliente pro-

jetar suas emoccedilotildees o que eacute em grossas palavras o produto da induacutestria cultural A contrapo-

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siccedilatildeo ao novo sugerida aqui autoriza-se pela caracteriacutestica imediatamente oposta a do sem-

pre-semelhante

A produccedilatildeo em seacuterie ndash seja da arte ou dos bens de consumo e nesse caso a proacutepria arte

seria um bem de consumo ndash acompanha o padratildeo do sempre-semelhante e visualizando a

educaccedilatildeo visualizando o proacuteprio humano impede a manifestaccedilatildeo da riqueza constitutiva in-

terna a possibilidade de ser natildeo-idecircntico o natildeo-semelhante a proacutepria manifestaccedilatildeo do novo

que eacute cada ser humano Apesar de isso ser objeto de discussatildeo mais detalhada do uacuteltimo capiacute-

tulo eacute viaacutevel afirmar jaacute aqui que educar eacute permitir a manifestaccedilatildeo qualificada da riqueza

constitutiva do indiviacuteduo enquanto algo novo e nessa autoconstruccedilatildeo de si gerar a identida-

de de si a construccedilatildeo do proacuteprio sujeito

Poreacutem esse novo conforme jaacute destacado natildeo eacute algo imposto de fora mas eacute a mani-

festaccedilatildeo de algo jaacute existente poreacutem natildeo evidenciado Enfaticamente o novo eacute somente aquilo

que permite romper com o sempre-semelhante conduzindo a conceitos como outro e alteri-

dade ldquoA relaccedilatildeo ao Novo tem o seu modelo na crianccedila que busca no piano um acorde jamais

ouvido ainda virgem No entanto o acorde existia jaacute desde sempre As possibilidades de

combinaccedilatildeo satildeo limitadas na verdade tudo jaacute se encontra no tecladordquo (TE p45) O desafio

estaacute em fazer com que o outro perceba esse novo em si mesmo e natildeo menos importante con-

seguir perceber isso no outro No novo estaacute entatildeo a expressatildeo do concreto a manifestaccedilatildeo

para aleacutem daquilo que estaacute evidente reafirmando o sentido de dialeacutetica ldquoA dialeacutetica eacute a cons-

ciecircncia consequente da natildeo-identidaderdquo (DN 2005 p17) Em primeiro lugar cabe destacar

que partindo dessa ideia a dialeacutetica natildeo eacute um meacutetodo mas um modo de consciecircncia Consci-

ecircncia esta adquirida apoacutes romper com a ideoloacutegica concepccedilatildeo de pensamento com funccedilatildeo

exclusivamente identificadora Assim temos a impossibilidade de haver identidade e ao

mesmo tempo existir a dialeacutetica ndash a dialeacutetica se opotildee ao pensamento identificador pensar na

identidade eacute pensar natildeo dialeticamente pois anula sua condiccedilatildeo primeira o divergente disso-

nante negativo diferenciado

Conforme a Dialeacutetica negativa (2005 p18) a consequecircncia primeira gerada pela anu-

laccedilatildeo da dialeacutetica promovida pelo pensamento identificador eacute o empobrecimento da experi-

ecircncia A aproximaccedilatildeo natildeo ocorre mais com o criteacuterio de permitir o novo e o diferenciado mas

enclausurando o individual dentro de padrotildees de validade universal Toda a diversidade da

experiecircncia eacute sacrificada juntamente com a diversidade do outro em nome de uma adequaccedilatildeo

e uniformidade abstrata

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Sob condiccedilotildees sociais sobretudo aquelas referentes agrave educaccedilatildeo que dominam orientam atrofiam de muacuteltiplas formas as forccedilas produtivas espirituais sob a dominante pobreza imaginativa [] seria fictiacutecio supor que todos poderiam entendecirc-lo ao todo ou sequer percebecirc-lo Esperar isso seria organizar o conhecimento segundo os traccedilos patoloacutegicos de uma humanidade a qual segundo a lei da igualdade lhe eacute arrebatada a possibilidade de criar experiecircncias se eacute que alguma vez a tenha possuiacutedo (DN 2005 p48-49)

O imperativo dialeacutetico do pensamento o qual conduz agrave possibilidade de criar experi-

ecircncia aponta a necessidade de ldquopensar de tal modo que a forma do pensamento natildeo mais tor-

ne seus objetos coisas inalteraacuteveis que permanecem iguais a si mesmas a experiecircncia des-

mente que eles o sejamrdquo (DN 2009 p134) Os objetos aqui mencionados satildeo os objetos do

pensamento ou seja os conceitos criados pelo pensamento a partir da experiecircncia Indica-se

a necessidade de construccedilatildeo conceitual em confronto permanente com o concreto Assim o

conceito natildeo eacute uma ferramenta a partir da qual o concreto eacute tratado mas esta ferramenta eacute o

proacuteprio ato de pensar

O conceito enquanto resultado da relaccedilatildeo entre pensamento e concretude permite a-

penas uma compreensatildeo daquilo a que se direciona de modo bem direto e portanto passiacutevel

de mudanccedila jaacute que o concreto sofre a accedilatildeo do tempo e do proacuteprio espaccedilo A proacutepria Dialeacutetica

negativa (2009 p136) leva ao extremo a citaccedilatildeo anterior compreendendo o conceito como

algo natildeo-idecircntico nem sequer a si mesmo muito menos com aquilo ao qual se refere Ou seja

ele se determina por aquilo que lhe eacute exterior de modo que natildeo se esgota em si mesmo sendo

impossiacutevel aos objetos do pensamento ndash o conceito ndash ser inalteraacutevel e igual a si mesmo

A dissonacircncia proacutepria das cores sons e imagens no mundo artiacutestico tambeacutem se con-

verte em criteacuterio de racionalidade Eacute o que se percebe por exemplo em uma obra brasileira

como o Rudepoema de Heitor Villa-Lobos na qual o entendimento se depara com sua insufi-

ciecircncia na resoluccedilatildeo do sentido sendo a obra ao mesmo tempo resistecircncia e abertura agrave inter-

pretaccedilatildeo Por ser resistecircncia permanece em seu para si enquanto abertura eacute direcionada agrave

razatildeo interpretativa Sendo assim toda aproximaccedilatildeo eacute sinocircnimo de sentido revelado e reserva

de sentido Por isso que a constituiccedilatildeo do esteacutetico em Adorno tem como objetivo principal pocircr

em movimento processos de pensamento e a verdade encontra sua significaccedilatildeo tatildeo somente

naquilo que natildeo estaacute em harmonia com o sentido administrado imposto Ou seja o verdadei-

ro surge diante daquilo que permite ao ser humano ser forma de alteridade em sua permanen-

te reserva de sentido Em outras palavras a verdade estaacute na aproximaccedilatildeo e natildeo na apropria-

ccedilatildeo

Incorporada a esta noccedilatildeo de sujeito esteacutetico estaacute a dimensatildeo comunicativa Somente haacute

comunicaccedilatildeo ou diaacutelogo quando o pressuposto relacional for paciacutefico e dessa forma natildeo

71

tiver a pretensatildeo de reduccedilatildeo epistemoloacutegica ao sentido que o sujeito apreende ou atribui A

comunicaccedilatildeo somente se efetiva na paz do diferenciado quando eacute possiacutevel ser outro sem te-

mor

Se fosse permitido especular sobre o estado de reconciliaccedilatildeo natildeo caberia imaginaacute-lo nem sob a forma de indiferenciada unidade de sujeito e objeto nem sob a de sua hos-til antiacutetese antes a comunicaccedilatildeo do diferenciado [] Paz eacute um estado de diferenci-accedilatildeo sem dominaccedilatildeo no qual o diferente eacute compartido (PS p184)

A marca da comunicabilidade estaacute na interioridade que realiza a abertura e o fecha-

mento A primeira por natildeo existir plena identidade no princiacutepio de realidade sendo a tensatildeo

dialeacutetica natural e pressuposto para o encontro e para a proacutepria concepccedilatildeo de verdade em A-

dorno A segunda por evitar que o proacuteprio ser humano se perca em meio ao jogo de diferen-

ciados Ou seja eacute preciso que ocorra a identidade do sujeito consigo mesmo o reconhecimen-

to de sua proacutepria subjetividade enquanto nuacutecleo de forccedila ndash noccedilatildeo de siacutentese apresentada no

terceiro capiacutetulo Abertura e fechamento identidade e natildeo identidade satildeo condiccedilotildees para um

sujeito provido de subjetividade ndash significa condiccedilatildeo e capacidade de pensamento bem como

constituiccedilatildeo da proacutepria condiccedilatildeo humana no interior do mundo

A ecircnfase dada agrave comunicaccedilatildeo remete ao sujeito que se constitui enquanto ser histoacuterico

ou seja enquanto ser-aiacute enquanto presenccedila posta e mediada pelo elemento comunicativo Eacute o

singular caracterizado como ser-aiacute natildeo o em-si kantiano inapreensiacutevel pelo entendimento

humano mas aquilo que estaacute dado e nessa presenccedila impossiacutevel de ser ignorado ldquoA comuni-

caccedilatildeo com o outro cristaliza-se no singular que eacute mediado por ela em seu ser-aiacuterdquo (DN 2009

p140) Eacute fundamental destacar que a comunicaccedilatildeo entre diferenciados eacute mediada pelo proacuteprio

ato de comunicaccedilatildeo e natildeo nas estruturas a priori do sujeito Nesse sentido eacute que se compre-

ende a primazia da relaccedilatildeo cuja mediaccedilatildeo eacute o ato comunicativo mesmo A individuaccedilatildeo eacute

dada pela comunicaccedilatildeo pelo enfrentamento que busca o comum (universal) e o diferente (al-

teridade)

Esta tensatildeo entre universal e particular a qual se manteacutem enquanto houver comunica-

ccedilatildeo natildeo se caracteriza por uma relaccedilatildeo comparativa entre individualidades Se comunicaccedilatildeo

fosse isso entatildeo tudo se resolveria no ato dedutivo a partir do pensamento Por exemplo mu-

nido dos referenciais sobre o que caracteriza um ser humano poderiacuteamos falar e atribuir valor

sobre qualquer indiviacuteduo mesmo sem relaccedilatildeo efetiva Esse modo de proceder natildeo pode ser

denominado comunicaccedilatildeo pois faz-se ausente o singular que em seu ser-aiacute permite a comu-

nicaccedilatildeo

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O centro dessa discussatildeo estaacute no fato de que natildeo eacute possiacutevel progredir do particular ao

universal somente pela forccedila do pensamento ldquonatildeo se progride a partir de conceitos e por eta-

pas ateacute o conceito superior mais universal mas esses conceitos entram em uma constelaccedilatildeo

Essa constelaccedilatildeo ilumina o que haacute de especiacutefico no objeto e que eacute indiferente ou um peso para

o procedimento classificatoacuteriordquo (DN 2009 p140) Atraveacutes do conceito de constelaccedilatildeo A-

dorno propotildee uma congregaccedilatildeo de momentos e sentidos que se comunicam e sem subsumir

nenhum deles compotildeem a riqueza de sentido Cabe destacar que nenhum dos momentos se

eleva em potecircncia essencial mas todos pontuam um momento permanente (que natildeo eacute negado

na figura do outro momento) na constituiccedilatildeo do sentido de modo que natildeo eacute o primado da

razatildeo doadora de sentido mas o sentido que se forma na ligaccedilatildeo dos momentos histoacutericos

Constelaccedilatildeo natildeo eacute representaccedilatildeo mas apresentaccedilatildeo daquilo que natildeo pode ser compreendido

isoladamente Eacute histoacuteria que engloba o indiviacuteduo e na qual ele estaacute inserido Perceber a cons-

telaccedilatildeo eacute nada mais que perceber e interpretar aquilo que eacute condicionado historicamente ndash

conhecer eacute pensar em constelaccedilatildeo

Essa histoacuteria estaacute nele e fora dele ela eacute algo que o engloba e em que ele tem seu lu-gar Perceber a constelaccedilatildeo na qual a coisa se encontra significa o mesmo que deci-frar aquilo que ele porta em si enquanto algo que veio a ser [] Somente um saber que tem presente o valor histoacuterico conjuntural do objeto em sua relaccedilatildeo com os ou-tros objetos consegue liberar a histoacuteria no objeto (DN 2009 p141)

Com a constelaccedilatildeo que constitui sentido via comunicaccedilatildeo ocorre a abertura do enigma

que se quer decifrar Adorno utiliza a metaacutefora do cofre para expressar o sentido que a conste-

laccedilatildeo assume em sua teoria como os cadeados em um cofre-forte a abertura natildeo ocorre ldquoape-

nas por meio de uma uacutenica chave ou de um uacutenico nuacutemero mas de uma combinaccedilatildeo numeacuteri-

cardquo (DN 2009 p142)

Assim sendo na obra de arte ocorre comunicaccedilatildeo ela mesma comunica Mas natildeo eacute

comunicaccedilatildeo de uma mensagem que se pode simplesmente extrair e que estaacute evidente sendo

antes a manifestaccedilatildeo do concreto Em Adorno a obra somente eacute artiacutestica se permitir tal mani-

festaccedilatildeo abrindo espaccedilo para o surgimento do algo mais o surgimento daquilo que eacute para

aleacutem do que se mostra imediatamente Mantendo a arte essa relaccedilatildeo com o concreto sendo

um ldquodesdobramento da verdaderdquo (TE p123) ela se converte em impulso e possibilidade de

esclarecimento em oposiccedilatildeo radical aos produtos da induacutestria da cultura

Essa eacute a linguagem da obra de arte seu modo de expressatildeo e que lhe daacute autenticidade

ldquoo meio pelo qual as obras de arte existentes satildeo mais do que a existecircnciardquo ndash ou seja pela sua

existecircncia permitem a manifestaccedilatildeo do concreto do mais ndash este meio ldquonatildeo eacute um novo ser-aiacute

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mas a sua linguagem As obras autecircnticas falam mesmo quando recusam a aparecircnciardquo (TE

p124) Essa recusa da aparecircncia volta a fazer referecircncia ao concreto indicando que ldquodeveria

derrubar-se a doutrina da imitaccedilatildeo num sentido sublimado a realidade deve imitar as obras

de arte Mas o fato de as obras de arte existirem mostra que o natildeo-ente poderia existir A rea-

lidade das obras de arte daacute testemunho da possibilidade do possiacutevelrdquo (TE p153 - grifo nos-

so) Em uacuteltima instacircncia o que temos eacute a construccedilatildeo de sentido via expressatildeo comunicaccedilatildeo

linguagem Para isso faz-se necessaacuteria a dinacircmica da aproximaccedilatildeo dos diferentes como possi-

bilidade desta construccedilatildeo do sentido desse outro do sentido de mim mesmo da autoconsci-

ecircncia

5 O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO NA FORMACcedilAtildeO HUMANA

Analisando a obra adorniana observa-se a preocupaccedilatildeo com o corpo como sendo o

desencadeador das reflexotildees sobre eacutetica A experiecircncia do corpo danificado transforma-se em

incentivo ao pensamento e agrave consideraccedilatildeo pelo outro eacute a teoria que lanccedila seu olhar para a

vida posta em seu limite Quando afirma na Dialeacutetica negativa e na Teoria esteacutetica o pro-

blema de elevar a dor ao conceito e o consequente mutismo que este viria a enfrentar Adorno

aponta para a natildeo-compatibilidade entre entendimento conceito e linguagem quando a refe-

recircncia natildeo estaacute dada pelo viacutenculo direto com o real o concreto conforme abordado no capiacutetu-

lo anterior

Deve-se destacar retomando o quarto capiacutetulo que o concreto eacute considerado por A-

dorno como o local a partir do qual se deve filosofar O que significa agora em uma amplia-

ccedilatildeo das discussotildees que o ato de pensar de construir sentido o ato de compreensatildeo e interpre-

taccedilatildeo proacuteprio da filosofia tem sua origem no momento em que nos deparamos com esta alteri-

dade este outro cuja reserva de sentido permite o constante progresso no conhecimento O

local ocupado por este outro o outro propriamente dito assume o centro das discussotildees

Diante disso proponho uma referecircncia agrave literatura e agrave filosofia a fim de percebermos

como a presenccedila do outro define a compreensatildeo humana nosso ato de pensar e nossa accedilatildeo

As obras A condiccedilatildeo humana18 (Andreacute Malraux) publicada em 1933 e A espeacutecie humana19

(Robert Antelme) publicada em 1957 satildeo emblemaacuteticas em sua relaccedilatildeo com a proposta filo-

soacutefica de Theodor Adorno e suas reflexotildees sobre a moral Em um primeiro momento estabe-

leccedilo essa relaccedilatildeo para em seguida indicar o sentido eacutetico que deveria estar presente na ativi-

dade educacional a qual seraacute defendida sob o enfoque do plasmar linguiacutestico

51 Entre o eu e o outro ou quando a presenccedila nos manteacutem humanos

Em ambas as obras da literatura acima citadas ocorre uma indicaccedilatildeo interessante sobre

o sentido eacutetico da accedilatildeo humana o sentido eacutetico da presenccedila o eu que permanece humano por

conseguir perceber o concreto que eacute o outro e o concreto que eacute si mesmo Os dois casos que

seratildeo expostos trazem ao centro da discussatildeo a experiecircncia do corpo a experiecircncia propria-

mente dita e que marca um modo de pensar e de agir conduzido por um excedente a efetivi-

18 Obra traduzida por Ivo Barroso e editada no Brasil pela Record estando em 2008 em sua segunda ediccedilatildeo 19 Da coleccedilatildeo Os afluentes da memoacuteria teve a traduccedilatildeo para o portuguecircs de Portugal feita por Clara Alvarez Foi publicada pela editora Ulisseia de Lisboa em 2003

75

dade do outro e seu apelo por existir a experiecircncia do outro que reivindica algo como eacute pro-

blematizado na Minima moralia quando Adorno afirma que

No desaparecimento da experiecircncia um fato possui uma consideraacutevel responsabili-dade que as coisas sob a lei de sua pura funcionalidade adquirem uma forma que restringe o trato delas a um mero manejo sem tolerar um soacute excedente ndash seja em termos de liberdade de comportamento seja de independecircncia da coisa ndash que subsis-ta como nuacutecleo da experiecircncia porque natildeo eacute consumido pelo instante da accedilatildeo (MM 19 p33)

A dinacircmica exposta tensiona o desaparecimento da experiecircncia e do excedente que

subsiste como nuacutecleo de experiecircncia se nossa capacidade perceptiva permite que algo nos

seja dado esse algo (outro) exige ser percebido em sua concretude a qual natildeo tolera o sim-

ples manejo de nosso proacuteprio entendimento Esta eacute a proposta da obra adorniana evitar a anu-

laccedilatildeo do outro a cegueira diante deste excedente agrave experiecircncia que se compreende como o

concreto Excedente esse que deveria se constituir em incentivo agrave accedilatildeo A fim de compreen-

der melhor o sentido disso busco referecircncia com as obras A condiccedilatildeo humana e A espeacutecie

humana

Toda a obra de Andreacute Malraux aqui em evidecircncia estaacute permeada pelo limite que o

corpo a presenccedila do outro impotildee Seja em termos de luta poliacutetica conflitos ideoloacutegicos seja

em questotildees amorosas o outro sempre aparece para aleacutem de sua funcionalidade natildeo admitin-

do um simples manejo que impede sua liberdade e sua existecircncia concreta Incisivamente eacute

preciso entrar na luminosidade provinda do corpo A cena que abre sua A condiccedilatildeo humana

merece total destaque sendo aqui apresentada em seus aspectos principais

Logo na primeira paacutegina satildeo relatadas as circunstacircncias do personagem que estando

diante da viacutetima a ser assassinada percebe-se separado dessa por um veacuteu uma cortina que o

impede de ver o corpo Assim sendo tudo leva agrave certeza da facilidade que seria matar No

entanto Tchen se depara com um limite uma parte do corpo estaacute descoberta Esse fato provo-

ca Tchen e inicia-se entatildeo um processo de pensamento o momento de reconhecimento do

outro Poreacutem este reconhecimento natildeo ocorre considerando o posto ocupado pela viacutetima em

potencial ou por causa de sua posiccedilatildeo social ou pelo forte senso do dever de Tchen Mas eacute

reconhecimento que ocorre por um uacutenico motivo o contato com o corpo Este eacute o elemento

constituidor de toda consciecircncia de dever o instante em que o limite do outro se impotildee

Tchen tentaria erguer o cortinado Golpearia atraveacutes dele [Estava diante de] um corpo menos visiacutevel que uma sombra e do qual saiacutea apenas aquele peacute semi-inclinado pelo sono mas mesmo assim vivente ndash carne de homem [] [Tchen] sa-bia que o iria matar Preso ou natildeo executado ou natildeo pouco importa Nada mais e-

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xistia aleacutem daquele peacute do homem que devia golpear sem que pudesse defender-se [] Aquele peacute vivo como um animal adormecido Era o teacutermino de um corpo lsquoEs-tarei ficando idiotarsquo Era necessaacuterio ver aquele corpo Vecirc-lo ver-lhe a cabeccedila para tanto entrar na luminosidade deixar que sua sombra atarracada passasse sobre a cama Qual a resistecircncia da carne [] Mataacute-lo natildeo era nada tocaacute-lo eacute que era im-possiacutevel (MALRAUX 2008 p19-21)

E esse processo de reflexatildeo que se desencadeou mediante a percepccedilatildeo do corpo do ou-

tro aleacutem de permitir reconhecer esse outro originou o proacuteprio reconhecimento de si ldquoTchen

descobria em si ateacute a naacuteusea natildeo o combatente que esperava mas um sacrificador [] lsquoAs-

sassinar natildeo eacute apenas matarrsquordquo (ibidem p20) e por isso mesmo o personagem percebe estar

fora do ldquomundo dos homensrdquo (p19)

Deparamo-nos com o fato fundamental o veacuteu da abstraccedilatildeo natildeo nos deixa perceber o

limite do corpo a carne humana Tchen teria que erguer o cortinado mas se o fizesse depa-

rar-se-ia com o corpo mas mesmo assim precisava entrar em sua luminosidade Essa expres-

satildeo de Malroux indica outra forma de luminosidade para aqueacutem da luz da razatildeo o sentido

natildeo estaacute dado previamente pela razatildeo o espaccedilo natildeo eacute somente uma categoria da razatildeo como o

quis Kant condiccedilatildeo para conhecer algo antes mesmo de ocorrer a experiecircncia sensiacutevel eacute sim

espaccedilo ndash local ndash ocupado pelo outro constituiacutedo por ele luminosidade para aleacutem do sentido

atribuiacutedo pelo sujeito que se depara com um simples objeto luminosidade que antecede a

consideraccedilatildeo do outro atraveacutes do puro senso do dever Eacute luz que proveacutem do local que o corpo

ocupa ndash eacute necessaacuterio ver o corpo entrar em sua luminosidade Somente diante deste fato eacute que

o braccedilo do algoz freia pois encontra a resistecircncia da carne

Eacute possiacutevel realizar uma conexatildeo com a obra adorniana tendo como referecircncia aquilo

que constitui a subjetividade aquilo que estaacute para aleacutem do eu mas assume seu momento ori-

ginaacuterio da proacutepria atividade subjetiva do eu Este momento originaacuterio ldquoeacute um choque sofrido

pelo sujeito ndash da materialidade social que penetra na constituiccedilatildeo de sua natureza interna ndash e

que o obriga a pensarrdquo (ALVES JUacuteNIOR 2005 p71) Evidencia-se o viacutenculo com a obra de

Andreacute Malraux ndash A condiccedilatildeo humana ndash no momento em que a materialidade obrigou o assas-

sino a pensar no deparar-se com o corpo da potencial viacutetima Esse choque estaacute na origem das

consideraccedilotildees sobre a eacutetica perpassando toda a accedilatildeo humana como sinal da presenccedila concreta

do outro

Alves Juacutenior denomina isto de ldquovertigem da razatildeo diante da materialidaderdquo (idem

p16) o que corresponde agrave perspectiva fundante das reflexotildees sobre moral em Adorno O afo-

rismo da Minima moralia que considero emblemaacutetico em relaccedilatildeo a isso eacute denominado Para

uma dialeacutetica do tacto (MM 16 p29-30) Em referecircncia a Goethe Adorno analisa a ldquoplena

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consciecircncia da iminente impossibilidade de toda relaccedilatildeo humana no interior da sociedade in-

dustrial nascenterdquo Diante desse problema o tato foi considerado ldquoo expediente salvador entre

os seres humanos alienados [] Tacto e humanidade ndash para ele a mesma coisa ndash percorreram

entrementes precisamente o caminho do qual em sua opiniatildeo deveriam nos preservarrdquo Essa

dialeacutetica civilizadora que permitiria a preservaccedilatildeo da humanidade mediante a percepccedilatildeo do

outro em sua corporeidade ndash o tato em sentido bem geral ndash foi interrompida no momento em

que os indiviacuteduos tornaram-se indiferentes e natildeo mais reconheceram o outro Nesse momento

o tato ldquonatildeo alcanccedila o indiviacuteduo e acaba por lhe fazer uma infinita injusticcedilardquo Natildeo alcanccedila o

indiviacuteduo devido a um avanccedilo que nos fez infinitamente autocircnomos em detrimento radical do

heterocircnomo Pela salvaccedilatildeo do tato poderiacuteamos salvar o viacutenculo heterocircnomo natildeo enquanto

determinaccedilatildeo dada pelo outro a mim sendo o eu um mero objeto dessa accedilatildeo do outro mas

como possibilidade da percepccedilatildeo e consideraccedilatildeo dessa alteridade em seu momento originaacuterio

ndash algo que existe que estaacute aiacute e por isto precisa ser reconhecido

Pelo reconhecimento dessa alteridade realizar-se-ia a autonomia a constituiccedilatildeo de si

Se para Aristoacuteteles o sujeito eacute identificado como o motor imoacutevel ou seja a substacircncia para

Adorno eacute possiacutevel pensar uma salvaccedilatildeo dessa dimensatildeo interna essa constituiccedilatildeo proacutepria que

faz com que o indiviacuteduo seja mais que indiviacuteduo seja sujeito forccedila movente proacutepria Poreacutem

forccedila interna natildeo natural desde sempre dada mas mediada pelas experiecircncias e constituiccedilotildees

histoacutericas de si mesmo A formaccedilatildeo da autonomia passaria necessariamente pela dialeacutetica do

tato pelo reconhecimento da heteronomia a qual natildeo extingue a necessidade de autonomia

apenas indica a constituiccedilatildeo do eu a partir das experiecircncias construiacutedas com o outro A auto-

nomia eacute reconhecida por Adorno como possibilidade de realizaccedilatildeo do humano ldquoO fim objeti-

vo da humanidade eacute apenas uma outra expressatildeo para a mesma coisa Significa que o indiviacute-

duo enquanto indiviacuteduo como representante do gecircnero humano perdeu a autonomia atraveacutes

da qual poderia realizar efetivamente o gecircnerordquo (MM 17 p31)

O criteacuterio do reconhecimento do outro como criteacuterio para firmar sua autonomia sua

identidade seu eu o qual permitiria realizar a humanidade exige fazer referecircncia agrave obra A

condiccedilatildeo humana Como caminho para chegar a esta obra faccedilo referecircncia de passagem a

Rousseaue seu ideal de reconhecimento do sentimento do outro como sendo o nuacutecleo de suas

consideraccedilotildees sobre moral O meio humano ou se quisermos admitir o termo habitat huma-

no encontra sua significaccedilatildeo em um elemento possiacutevel de se encontrar ainda no autor do Dis-

curso sobre a origem e fundamentos das desigualdades entre os homens definindo a condi-

ccedilatildeo para a humanizaccedilatildeo o encontro

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Conforme seu segundo discurso enquanto o homem vagava como selvagem no interi-

or da selva com preocupaccedilotildees exclusivas de alimentaccedilatildeo descanso e procriaccedilatildeo com as ope-

raccedilotildees do sentir querer e temer natildeo havia distinccedilotildees imediatas entre ele e os demais animais

selvagens Somente quando passa a efetivar o encontro duradouro marcado pela cabana e

consequente constituiccedilatildeo dos laccedilos familiares propriamente ditos eacute que seus sentimentos mu-

dam e assim eacute possiacutevel dizer que este ser antes selvagem firma seu passo em um novo mei-

o Agora o sentimento de amor e de cuidado passa a fazer parte desse meio e ele se torna efe-

tivamente humano Poreacutem nesse processo de construccedilatildeo do humano um elemento ficou fa-

lho e o amor e o cuidado ficaram restritos aos limites da moradia ou ao proacuteprio si-mesmo

Tal elemento para Rousseau eacute a virtude da piedade Duas passagens do Discurso sobre a

origem e fundamentos das desigualdades entre os homens enfatizam essa virtude

A primeira citaccedilatildeo remete ao problema de toda possiacutevel barbaacuterie real ou imaginaacuteria

de todo totalitarismo possiacutevel pela natildeo identificaccedilatildeo do indiviacuteduo com o seu gecircnero Quando

abstraio torna-se permitido exterminar pois natildeo faz mais parte da humanidade ldquoCom efeito a

comiseraccedilatildeo seraacute tanto mais eneacutergica quanto mais intimamente o animal espectador se identi-

ficar com o animal sofredorrdquo (DOD p191) A identificaccedilatildeo eacute a consideraccedilatildeo do outro como

um ser tatildeo humano quanto eu e portanto natildeo passiacutevel de nada que tente reduzir ou abstrair a

dignidade dessa sua condiccedilatildeo Assim sendo a virtude da piedade permite o sair de si em dire-

ccedilatildeo ao outro ou seja eacute a condiccedilatildeo da solidariedade remetendo agrave dialeacutetica do tato

A segunda citaccedilatildeo tem ainda maior ecircnfase moral e remete agrave perversatildeo no ato de pen-

samento

Eacute a razatildeo que engendra o amor-proacuteprio e eacute a reflexatildeo que o fortalece eacute ela que faz o homem ensimesmar-se [] Eacute a filosofia que o isola eacute por sua causa que ele diz em segredo ao ver um homem que sofre lsquoPerece se quiseres que eu estou em seguran-ccedilarsquo [] Pode-se impunemente degolar seu semelhante embaixo da sua janela basta-lhe pocircr as matildeos sobre os ouvidos e argumentar um pouco consigo mesmo para im-pedir a natureza que nele se revolta de identificar-se com aquele que assassinam (I-bidem p192)

Chegamos assim agrave obra A espeacutecie humana do francecircs Robert Antelme ex-

prisioneiro em campos de concentraccedilatildeo nazistas Nessa obra estaacute exposta por um lado a au-

secircncia do elemento de piedade e a tentativa de excluir os prisioneiros da condiccedilatildeo humana e

por outro aquilo que permitiu aos prisioneiros resistir sobreviver

Eles quiseram fazer de noacutes animais obrigando-nos a viver em condiccedilotildees que nin-gueacutem digo bem ningueacutem poderaacute jamais imaginar Mas eles natildeo vatildeo conseguir Porque noacutes sabemos de onde vimos [sic] sabemos por que estamos aqui [] Se por

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vezes nos acontece deixarmos de nos reconhecer a noacutes proacuteprios esse eacute o preccedilo desta guerra e temos que nos aguumlentar Mas para aguumlentar eacute preciso que cada um de noacutes saia de si proacuteprio que se sinta responsaacutevel por todos noacutes Conseguiram espoliar-nos de tudo mas natildeo daquilo que somos Noacutes ainda existimos (2003 p196)

Toda a obra retrata o elemento decisivo que permitiu resistir na humanidade sair de si

proacuteprio e se sentir responsaacutevel por todos Que imperativo eacutetico poderia ser maior Afinal em

eacutepoca de terror absoluto20 foi o que garantiu a preservaccedilatildeo Esta ldquoverdade universalrdquo ndash somos

seres humanos ndash se converte em slogan e voltando a afirmar natildeo se realizou pelo imperativo

categoacuterico e nem o poderia ser pois esse dita o respeito por algo que merece no maacuteximo

observacircncia a lei Observo a lei natildeo por respeito a ela mas por respeito ao ser humano o que

exige pensar na contingecircncia O elemento central eacute o sentimento a capacidade de comover-se

Isso permite considerar a todos apesar das diferenccedilas como incluiacutedos na mesma espeacutecie a

humana

a variedade de relaccedilotildees entre os homens a sua cor os seus costumes a sua organi-zaccedilatildeo em classes mascaram uma verdade que aqui surge retumbante no limite da natureza perto dos nosso limites natildeo existem espeacutecies humanas existe uma espeacutecie humana []De fato aiacute tudo se passa como se houvessem espeacutecies ndash ou mais exa-tamente como se a pertenccedila agrave espeacutecie natildeo fosse um dado adquirido como se nela pudeacutessemos entrar e sair ficar laacute soacute metade ou atingi-la em pleno ou nunca a atin-gir mesmo a custo de vaacuterias geraccedilotildees ndash sendo a divisatildeo em raccedilas ou em classes o canhatildeo da espeacutecie que fundamenta o axioma sempre pronto a linha uacuteltima de defe-sa laquonatildeo satildeo gente como noacutesraquo (ANTELME 2003 p222-223)

Natildeo reconhecer a alteridade como elemento intriacutenseco agrave humanidade eacute efeito daquilo

que anteriormente foi caracterizado como fechamento em si mesmo (o ensimesmar-se de

Rousseau) Esse natildeo reconhecimento eacute o que nos impede de ver no outro sua condiccedilatildeo huma-

na sua dignidade intriacutenseca de pertencente agrave proacutepria humanidade Antelme (p223-224) retra-

ta isso ao referir-se aos assassinatos nazistas nos campos como a tentativa fracassada de espo-

liar um homem de sua humanidade Poreacutem apesar dessa tentativa ldquocontinuamos homens

acabaremos como homens [] Ele pode matar um homem mas natildeo o pode transformar numa

coisa diferenterdquo O testemunho de Antelme aponta para a permanecircncia de uma forccedila interna

ao indiviacuteduo que pode ser identificada com a existecircncia do sujeito a capacidade de resistir ao

totalitarismo entendido no seu ldquosignificado mais amplo como concentraccedilatildeo poliacutetica das for-

ccedilas que atuam no sentido de destituir no indiviacuteduo tudo que poderia vir a caracterizaacute-lo como

sujeitordquo (1997 p125) Tal caracterizaccedilatildeo pode ser entendida a partir de tais testemunhos

como a capacidade de resistir e se identificar com o outro 20 Referecircncia ao periacuteodo do holocausto nazista os campos de extermiacutenio Vale lembrar que a obra A espeacutecie humana eacute um magniacutefico relato da vida no interior desse periacuteodo de terror absoluto

80

O imperativo que surge pode ser descrito como a necessidade de natildeo fazer ao outro

aquilo que natildeo estiver em harmonia com sua condiccedilatildeo humana O decisivo eacute entatildeo permitir a

humanidade e que toda tentativa contraacuteria sofra a accedilatildeo de um pensamento orientado para o

ideal adorniano do termo paz ldquoeacute um estado de diferenciaccedilatildeo sem dominaccedilatildeo no qual o dife-

rente eacute compartidordquo (SO p184) contribuindo para gerar a ldquosituaccedilatildeo melhor como aquela na

qual eacute possiacutevel ser diferente sem ter medordquo (MM 66 p89)

Ao sujeito esteacutetico por pressupor a diferenciaccedilatildeo como seu imperativo ndash o que natildeo

pode ser confundido com total toleracircncia ndash eacute dada a condiccedilatildeo de equiliacutebrio entre aquilo que

ele eacute e as condiccedilotildees que permitem a ele tornar-se algo Contudo este vir a ser ocorre dentro

do limite do proacuteprio meio em que vive ou seja a humanidade o que inscreve a estreita rela-

ccedilatildeo da eacutetica e da esteacutetica na constituiccedilatildeo de tal sujeito

Adorno analisa a oposiccedilatildeo radical deste sentimento de identificaccedilatildeo jaacute apontado seacutecu-

los antes por Rousseau e reconhecido de modo histoacuterico nos eventos retratados em A espeacutecie

humana e A condiccedilatildeo humana Essa anaacutelise marca as obras Teoria esteacutetica e Minima moralia

corroborando a concepccedilatildeo de educaccedilatildeo como processo a partir do qual eacute possiacutevel gerar ceacutelu-

las de humanidade Considero isso decisivo em termos de educaccedilatildeo a ponto de defender a

submissatildeo de todos os demais esforccedilos em acircmbito educacional a este criteacuterio humanizar A-

dorno traccedila um diagnoacutestico da sua eacutepoca e afirma a efetivaccedilatildeo de uma ldquoeacutepoca que assume a

etiqueta da era atocircmicardquo (TE p207) O termo era atocircmica seraacute desenvolvido nas linhas abai-

xo na perspectiva de radical fragmentaccedilatildeo das experiecircncias em sentido temporal tambeacutem na

proacutepria fragmentaccedilatildeo subjetiva envolvendo os sentimentos e a passagem do indiviacuteduo para o

individualismo enquanto indiferenccedila ao outro

Atualizando Demoacutecrito e sua definiccedilatildeo da natureza como formada por pequenas partiacute-

culas denominadas aacutetomos o nosso seacuteculo assumiu a atomizaccedilatildeo como categoria orientadora

no todo das accedilotildees humanas O indiviacuteduo corre o risco de se converter em espeacutecime destituiacutedo

de viacutenculos com o todo no qual vive gerando a fragmentaccedilatildeo histoacuterica e conjugando os fatos

apenas no tempo presente Essa desconsideraccedilatildeo da continuidade eacute decisiva para o processo

de formaccedilatildeo da identidade pois ultrapassa os limites da experiecircncia externa se tornando ain-

da mais problemaacutetica ao fragmentar a proacutepria subjetividade Poder-se-ia dizer que esse eacute o

mundo da radicalizaccedilatildeo atocircmica natildeo apenas atomizaccedilatildeo das experiecircncias e da histoacuteria mas

das proacuteprias emoccedilotildees e reaccedilotildees subjetivas Na Minima moralia enfatiza ldquoA atomizaccedilatildeo natildeo

estaacute em progresso apenas entre os seres humanos mas tambeacutem no interior de cada indiviacuteduo

entre as esferas de sua vidardquo (MM 84 p114) Essa individuaccedilatildeo absoluta problematizada jaacute

por Rousseau levou ao problema criacutetico descrito na obra de Antelme e considerado por A-

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dorno como exemplo maacuteximo de barbaacuterie Individuaccedilatildeo aqui entendida por indiferenccedila ou

seja ldquose as pessoas natildeo fossem profundamente indiferentes em relaccedilatildeo ao que acontece com

todas as outras excetuando o punhado com que mantecircm viacutenculos estritos e possivelmente por

intermeacutedio de alguns interesses concretos entatildeo Auschwitz natildeo teria sido possiacutevel as pessoas

natildeo o teriam aceitordquo (MM 61 p85)

Compreende-se o sentido de educaccedilatildeo enquanto processo a partir do qual eacute possiacutevel

gerar ceacutelulas de humanidade Em primeiro lugar enquanto natildeo formos capazes de romper

com a indiferenccedila permaneceremos incapazes de estabelecer viacutenculos de responsabilidade de

nos identificarmos com o outro Como resultado temos simples exemplares humanos cada

um falho na capacidade de relaccedilatildeo com o outro A ldquoceacutelula de humanidaderdquo eacute resultado da in-

terconexatildeo dos diversos indiviacuteduos a partir de viacutenculos Em segundo lugar eacute necessaacuterio rom-

per com a fragmentaccedilatildeo histoacuterica e inserirmo-nos na construccedilatildeo da continuidade histoacuterica

necessaacuteria entre passado presente e futuro As experiecircncias natildeo satildeo aacutetomos isolados devem

sim estar interligadas em um conjunto denominado histoacuteria ndash essa ligaccedilatildeo temporal eacute a ceacutelula

obtida a partir dos diferentes acontecimentos natildeo mais isolados ou seja eacute consciecircncia Em

terceiro lugar as proacuteprias reaccedilotildees subjetivas os sentimentos natildeo satildeo estanques A impressatildeo

de natildeo comunicaccedilatildeo de isolamento entre esses sentimentos fragmenta a proacutepria subjetivida-

de Vivemos assim em uma sucessatildeo de prazeres ou sofrimentos desvinculados onde o im-

perativo do momento eacute o criteacuterio para a satisfaccedilatildeo Eacute imprescindiacutevel a geraccedilatildeo de ceacutelula vin-

culaccedilatildeo com o outro continuidade histoacuterica natildeo isolamento dos sentimentos O desafio edu-

cacional reside no desfazer da era atocircmica e na consequente formaccedilatildeo do ser humano apto a

constituir ceacutelulas de humanidade

Indiferenccedila e barbaacuterie foram amplamente tematizadas na obra organizada por Adauto

Novaes intitulada Civilizaccedilatildeo e barbaacuterie21 O texto Indiferenccedila nova forma de barbaacuterie

(Gabriel Cohn) analisa e potildee em tensatildeo os termos diferenccedila e indiferenccedila conectando-se

perfeitamente com as discussotildees acima desenvolvidas O ponto de partida das reflexotildees eacute a

21 Vale destacar o sentido Adorniano para o termo barbaacuterie Natildeo ocorre um dualismo mas a natildeo coincidecircncia entre o desenvolvimento material tecnoloacutegico e a promoccedilatildeo da humanidade Isso eacute possiacutevel de se perceber no texto Educaccedilatildeo contra a barbaacuterie onde se expotildee ldquoEntendo por barbaacuterie algo muito simples ou seja que estan-do na civilizaccedilatildeo do mais alto desenvolvimento tecnoloacutegico as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relaccedilatildeo a sua proacutepria civilizaccedilatildeo ndash e natildeo apenas por natildeo terem em sua arrasadora maioria experimentado a formaccedilatildeo nos termos correspondentes ao conceito de civilizaccedilatildeo mas tambeacutem por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva um oacutedio primitivo que contribui par aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilizaccedilatildeo venha a explodir aliaacutes uma tendecircncia imanente que a caracterizardquo (EE p 155)

82

ideia de civilizaccedilatildeo cultura22 e humanidade em iacutentima conexatildeo mediante a formaccedilatildeo que

possibilitaria a efetiva dialeacutetica do tato A urgecircncia eacute ldquorecuperar o complexo significado que

anima a ideacuteia de civilizaccedilatildeo e a torna inseparaacutevel da ideacuteia de cultura entendida esta na sua

acepccedilatildeo mais plena como cultivo da humanidade como formaccedilatildeordquo (2004 p82) Pela forma-

ccedilatildeo e aqui estamos diante de um ideal educativo eacute possiacutevel compreender a humanidade fixa-

da natildeo na indiferenccedila pois a indiferenccedila eacute condiccedilatildeo para a natildeo-aceitaccedilatildeo Conforme os argu-

mentos do texto (p84 ss) civilidade e formaccedilatildeo constituem o oposto agrave barbaacuterie partindo da

noccedilatildeo de que a responsabilidade enquanto cuidado com outro se opotildee agrave indiferenccedila Dessa

forma faz-se necessaacuterio evitar que ldquoo respeito pelo outro deslize rumo agrave indiferenccedila pelo ou-

tro A aceitaccedilatildeo generalizada da diferenccedila eacute a expressatildeo exata da indiferenccedilardquo (p85) conside-

rada pelo autor como a nova forma de barbaacuterie e promotora de barbaacuteries

O argumento foi aqui conduzido de modo a demonstrar que a atomizaccedilatildeo desemboca

na indiferenccedila Aleacutem disso foi pontuada a formaccedilatildeo como alternativa para reduzir a distacircncia

entre cultura e humanidade A partir dessas observaccedilotildees eacute possiacutevel atribuir agrave educaccedilatildeo o com-

promisso de possibilitar ao humano a verdadeira inserccedilatildeo na experiecircncia o que ocorre pela

consciecircncia de que natildeo haacute formaccedilatildeo humana sem a re-significaccedilatildeo do passado a plenitude do

presente como tempo no qual podemos agir e o olhar visionaacuterio ao que viraacute

Relaciono tudo isso ao termo utopia pois nada justifica melhor essa vinculaccedilatildeo e con-

tinuidade histoacuterica do que esse termo Em entendimento mais detalhado e sigo aqui as opor-

tunas consideraccedilotildees de Gadamer no texto O que eacute praacutexis As condiccedilotildees da razatildeo social uto-

pia ldquonatildeo eacute um esboccedilo de objetivos de accedilatildeo O caracteriacutestico da utopia eacute mais claramente que

nos conduz ateacute o momento da accedilatildeo [] Natildeo eacute primeiramente um projeto de accedilatildeo mas uma

criacutetica do presenterdquo (1983 p50) Assim eacute que se efetiva a estreita relaccedilatildeo entre o olhar que

vislumbra a plena realizaccedilatildeo do estado humano e que no entanto o faz mais como um olhar

criacutetico ao momento presente e aos constituintes que permitiram chegar a esse estado atual

Assim sendo o olhar ao presente assume sua funccedilatildeo na proacutepria dialeacutetica do esclarecimento

nesse processo histoacuterico de auto-reflexatildeo que permite a constituiccedilatildeo do humano pois na expe-

riecircncia utoacutepica ldquopermanece algo de negativo contra o que existe embora lhe continue a per-

tencerrdquo (TE p45) Nesse aspecto a utopia se vincula agrave esperanccedila a partir da qual Adorno

aponta para o que eacute verdadeiro ldquoa pergunta a colocar seria entatildeo se temos mais razatildeo para

amar o que sucede a noacutes para afirmar o que existe porque existe do que de tomar como ver-

22 Rodrigo Duarte (2007 p150 ss) analisa o problema do entrelaccedilamento de cultura e barbaacuterie a partir do enfo-que da induacutestria cultural sendo esta entendida como a exploraccedilatildeo planificada da cultura caracterizando a domi-naccedilatildeo da vida humana a partir da subversatildeo das manifestaccedilotildees culturais autecircnticas

83

dadeiro aquilo de que temos esperanccedilardquo (MM 61 p85) Esse aspecto da esperanccedila potildee em

conexatildeo a criacutetica do presente a partir do olhar ao passado a fim de questionar a aceitaccedilatildeo do

que existe simplesmente por estar dado a noacutes Por outro lado a criacutetica do presente eacute inscrita

sob o olhar da esperanccedila o caraacuteter eacutetico propriamente dito no qual o pensamento visualiza

aquilo que posso vir a ser no sentido de futuro

Na Criacutetica da razatildeo praacutetica ao diferenciar a causalidade natural da causalidade pela

liberdade sendo essa proacutepria do reino dos fins Kant renuncia radicalmente a consideraccedilatildeo ao

passado e o potildee como totalmente fluiacutedo por natildeo termos mais este momento agraves matildeos Consi-

derando o que determina a accedilatildeo a partir da segunda criacutetica qualquer tentativa de vincular o

fato presente ao passado subtrai toda responsabilidade moral E em se tratando de causalida-

de o ato somente eacute imputaacutevel pressupondo a autonomia do presente frente a qualquer influecircn-

cia passada

visto que o tempo passado natildeo estaacute mais em meu poder cada accedilatildeo que pratico tem que ser necessaacuteria mediante fundamentos determinantes que natildeo estatildeo em meu po-der isto eacute jamais sou livre no momento em que ajo [] Pois a cada momento estou sempre sob a necessidade de ser determinado a agir mediante aquilo que natildeo estaacute em meu poder e a [] seacuterie infinita dos eventos que eu sempre soacute prosseguiria segundo uma ordem jaacute predeterminada e natildeo iniciaria espontaneamente em parte alguma se-ria uma cadeia natural constante portanto minha causalidade jamais seria liberdade (CRPr sect169-170)

Essa forma de considerar a moralidade salva por um lado a accedilatildeo de todo determinis-

mo estranho ou predestinaccedilatildeo levando agrave possibilidade de alterar o curso dos acontecimentos

Nesses termos natildeo apenas sofro a accedilatildeo histoacuterica mas ajo sobre a histoacuteria o que eacute possiacutevel

somente ao ser racional possuidor de liberdade e autonomia da vontade Ao determinismo agrave

dependecircncia dos eventos passados Kant chamou de mecanismo natural por ser comum a

toda natureza dita irracional Mas e por outro lado essa quebra de vinculaccedilatildeo ao passado tem

como efeito colateral a fixaccedilatildeo no presente como momento suficiente na constituiccedilatildeo humana

Admitindo a necessidade de causalidade por liberdade em oposiccedilatildeo agrave natural com seu viacutenculo

ao passado a consequecircncia eacute o processo de individuaccedilatildeo do indiviacuteduo quando este assume a

etiqueta da era atocircmica

Em Adorno o passado e o presente estatildeo continuamente voltando sua face um ao ou-

tro em um processo de constituiccedilatildeo da moralidade identificado como o imperativo da gera-

ccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade Retomando o problema da atomizaccedilatildeo e a consequente indivi-

duaccedilatildeo a noccedilatildeo de viacutenculo temporal se constitui em alternativa decisiva significando a me-

moacuteria posta agrave salvo do esquecimento Faz-se indispensaacutevel que os choques do real no qual

84

estaacute a origem do pensamento natildeo se tornem momentos isolados na histoacuteria mas se configu-

rem em uma sucessatildeo intimamente vinculada e assim constituidora da consciecircncia Se por

um lado temos aqui a condiccedilatildeo para despertar o indiviacuteduo por outro quando ausente esta

noccedilatildeo de viacutenculo temporal as experiecircncias se tornam aacutetomos isolados Eacute o diagnoacutestico de que

a ldquovida transformou-se numa sucessatildeo intemporal de choques entre os quais se rasgam lacu-

nas intervalos paralisadosrdquo (MM 33 p46) Assim a vinculaccedilatildeo histoacuterica aqui defendida

constitui-se em desafio eacutetico-educativo na medida em que remete ao cuidado ao evitar os

elementos que no passado levaram ao problema enfrentado ldquoO cuidado com a memoacuteria fez

dela natildeo soacute um objeto de estudo mas tambeacutem uma tarefa eacutetica nosso dever consistiria assim

em preservaacute-la em salvar o desaparecido o passado em resgatar como se diz tradiccedilotildees vi-

das falas e imagensrdquo (GAGNEBIN 2007 p35) ou seja a experiecircncia vivida pelos outros e

pelo indiviacuteduo mesmo enquanto nuacutecleo de forccedila que impulsiona para novas experiecircncias de

vida superando os fatores perversos do passado e alimentando aquilo que contribuiu para a

constituiccedilatildeo eacutetica das relaccedilotildees humanas No sentido de resgatar tradiccedilotildees vidas falas ima-

gens Gagnebin afirma no mesmo texto que ldquomuitas pessoas entre noacutes nem precisam esque-

cer simplesmente natildeo sabem por exemplo o que essa palavra lsquoAuschwitzrsquo representardquo

(p37) Histoacuteria Filosofia Arte todas vinculadas agrave educaccedilatildeo no sentido de fazer valer a fala o

local do outro como testemunho de um momento da histoacuteria da humanidade mas mais que

isso como testemunho do ser humano que se constitui a partir do local ocupado pelo outro do

intercacircmbio de experiecircncias de vida

A fim de detalhar esse enfrentamento do passado e presente e a constituiccedilatildeo da mora-

lidade remeto ao texto O que significa elaborar o passado23 Nesse texto eacute possiacutevel perceber

a tocircnica que a interconexatildeo de passado e presente assume evitando a incisiva indiferenccedila que

a Criacutetica da razatildeo praacutetica enfatizou O passado natildeo eacute algo que natildeo estaacute mais agrave matildeo mas eacute

material disponiacutevel para toda dialeacutetica entre presente e utopia entre o estado atual e a neces-

sidade de vislumbrar algo melhor como criacutetica agravequilo que permitiu ao presente se converter

naquilo que eacute Em tal texto Adorno aponta o problema de que o ldquodesaparecimento da consci-

ecircncia da continuidade histoacuterica [eacute] um sintoma daquela fraqueza social do eu que Horkhei-

mer e eu jaacute procuramos derivar na Dialeacutetica do esclarecimentordquo (EE p32) Retomando a

obra de 1947 tem-se o que significa esta fraqueza do eu ldquoOs homens receberam o seu eu

como algo pertencente a cada um diferente de todos os outros para que ele possa com maior

seguranccedila se tornar igualrdquo (DE p27)

23 Em Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo p29

85

Essa igualdade se deve dentre outros aspectos agrave natildeo vinculaccedilatildeo das experiecircncias en-

tre si e da natildeo vinculaccedilatildeo do proacuteprio indiviacuteduo agrave sua totalidade de experiecircncias O que signi-

fica a tentativa de gerar coesatildeo pela coerccedilatildeo que soacute eacute possiacutevel com a efetivaccedilatildeo da era atocircmi-

ca ldquoA unidade da coletividade manipulada consiste na negaccedilatildeo de cada indiviacuteduo seria digna

de escaacuternio a sociedade que conseguisse transformar os homens em indiviacuteduosrdquo (DE p27) O

problema eacute que esses indiviacuteduos mesmos cuja condiccedilatildeo de existecircncia eacute a lucidez de seu tem-

po de experiecircncias contiacutenuas acabam por natildeo serem capazes de agir movidos pela consciecircn-

cia provinda de tais experiecircncias mas a partir da igualdade gerada pela vergonha ou medo de

ser diferente ldquoQue todos os homens sejam iguais uns aos outros eacute precisamente o que viria a

calhar para a sociedade Ela considera as diferenccedilas reais ou imaginaacuterias como marcas igno-

miniosas que atestam que natildeo se avanccedilou o bastante que algo escapou da maacutequina e natildeo estaacute

inteiramente determinado pela totalidaderdquo (MM 66 p89) Tal maacute universalidade nega a pos-

sibilidade de compartir as diferenccedilas pondo o universal como a anulaccedilatildeo dessas Para Adorno

a vida em sociedade deveria ser conduzida tendo o ideal de integraccedilatildeo das diferenccedilas como

seu objetivo pois a proposta de coesatildeo sem violecircncia se constitui no sentido do proacuteprio termo

sociedade

uma sociedade emancipada natildeo seria nenhum Estado unitaacuterio mas a realizaccedilatildeo efe-tiva do universal na reconciliaccedilatildeo das diferenccedilas A poliacutetica que ainda estiver seria-mente interessada em tal sociedade natildeo deveria propagar a igualdade abstrata das pessoas sequer como uma ideacuteia Em vez disso ela deveria apontar para a maacute igual-dade hoje para a identidade entre os interessados no cinema e os interessados em armamentos pensando contudo a situaccedilatildeo melhor como aquela na qual eacute possiacutevel ser diferente sem ter medo (MM 66 p89 ndash grifo nosso)

O universal pode entatildeo significar a ausecircncia do sujeito temos a individualidade mas

natildeo temos sujeitos ndash eacute o grave problema da ausecircncia de subjetividade caracteriacutestica da vida

no interior da sociedade do capitalismo tardio ldquoonde o indiviacuteduo natildeo pode ser sujeito instau-

ra-se uma individualidade cuja caracteriacutestica eacute a transformaccedilatildeo do sujeito mesmo em merca-

doria que oferece como vantagem e valor a forccedila de trabalho o proacuteprio corpo informaccedilatildeo ou

sua proacutepria consciecircnciardquo (TIBURI 2005 p129) Diante disto a ldquofilosofia de Adorno filia-se

[] agrave criacutetica do individualismo como resto danificado do sujeitordquo (ibidem p135)

A ecircnfase kantiana do passado destituiacutedo de seu elemento de causalidade inscreve o su-

jeito eacutetico em um presente contiacutenuo e o resultado eacute que ldquoa humanidade se aliena da memoacuteria

esgotando-se sem focirclego na adaptaccedilatildeo ao existenterdquo (EE p33) Evitar tal adaptaccedilatildeo e aliena-

ccedilatildeo eacute tarefa da educaccedilatildeo em seu processo de constituiccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade em meio

ao todo atomizado e a consideraccedilatildeo do passado em seu elemento promotor e necessaacuterio agrave

86

dialeacutetica do esclarecimento24 somente vai ocorrer ldquono instante em que estiverem eliminadas

as causas do que passourdquo (EE p49)

O que surge de todas essas discussotildees eacute que o estabelecimento de viacutenculos estaacute na base

de todas as discussotildees eacuteticas Viacutenculo enquanto diferenccedilas que natildeo nos tornam indiferentes

enquanto necessidade de consciecircncia dos momentos histoacutericos dos tempos que se conectam

na formaccedilatildeo do humano viacutenculo enquanto importacircncia de formar identidade a partir das di-

versas experiecircncias individuais que permitem o reconhecimento do outro e o reconhecimento

de si Viacutenculo eacute a geraccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade Com isso alguns problemas surgem

provocantes Como a educaccedilatildeo pode se comprometer diante disto Eacute possiacutevel reivindicar que

a escola promova ou eduque para o estabelecimento de tais viacutenculos Como significar etica-

mente a educaccedilatildeo tendo como base tais desafios e a concepccedilatildeo de sujeito ateacute entatildeo defendi-

da Como soluccedilatildeo para tais questionamentos seraacute desenvolvido argumento em defesa da sig-

nificaccedilatildeo eacutetico-educativa a partir do termo plasmar linguiacutestico O eixo norteador estaacute entatildeo

no sentido eacutetico que envolve o dar forma agrave linguagem a partir do espaccedilo escolar e em sentido

mais amplo a partir dos processos formativo-educacionais que se estabelecem no decorrer das

experiecircncias de vida do indiviacuteduo

52 A eacutetica e a esteacutetica em sua dimensatildeo pedagoacutegica

Natildeo eacute possiacutevel conceber a educaccedilatildeo sem a vinculaccedilatildeo com a eacutetica e a eacutetica natildeo tem

outro ponto de apoio a natildeo ser o esteacutetico ndash enquanto o sensiacutevel aquela materialidade corpoacuterea

que rompe o abstrato ndash o qual repotildee a preocupaccedilatildeo sobre a formaccedilatildeo humana Eacute necessaacuterio

que ocorra esta reposiccedilatildeo do interesse sobre a formaccedilatildeo e aqui em sentido formal de

instituiccedilotildees de ensino pois esse espaccedilo eacute local privilegiado de desenvolvimento da

consciecircncia da realidade consciecircncia do outro consciecircncia de si Em outras palavras a escola

tem a grande possibilidade de aperfeiccediloar as experiecircncias e educar a sensibilidade o que

seria em linhas gerais a educaccedilatildeo esteacutetica Enfatizo que a consciecircncia da realidade do

reconhecimento do outro e de si mesmo em natildeo sobreposiccedilatildeo deveria ser o motor esteacutetico e

eacutetico da formaccedilatildeo desde a infacircncia

Isso remete agrave preocupaccedilatildeo esteacutetica de Adorno no que se refere agrave formaccedilatildeo escolar

Deveriacuteamos ter preocupaccedilatildeo com aquilo que as crianccedilas tecircm em defasagem aquilo que

24 O passado se torna promotor da dialeacutetica do esclarecimento pelo fato de manter o ser humano luacutecido dos moti-vos pelos quais o presente assumiu determinadas caracteriacutesticas Tambeacutem por dar condiccedilotildees de o pensamento retornar sobre si mesmo compreendendo sua formaccedilatildeo histoacuterica

87

muitas vezes natildeo conseguem aprender ldquoo indescritiacutevel empobrecimento do repertoacuterio de

imagens da riqueza de imagines sem a qual elas crescem o empobrecimento da linguagem e

de toda a expressatildeordquo25 dirigindo o olhar a esse problema para ldquodiscutir se a escola natildeo pode

assumir esta tarefardquo (EE p146) Esse olhar que recai sobre as instituiccedilotildees de ensino

propondo o desafio de ser o espaccedilo no qual este repertoacuterio mental de imagens de linguagem

encontraria seu pleno desenvolvimento eacute plenamente possiacutevel de aceitaccedilatildeo Enfaticamente

essas instituiccedilotildees natildeo podem se abster dessa tarefa em vista do criteacuterio qualitativo que

permeia a educaccedilatildeo para aqueacutem dos iacutendices de aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo das ampliaccedilotildees

de espaccedilos fiacutesicos (sem eacute claro abstrair da importacircncia de tais criteacuterios) No momento em

que a escola assume a tarefa de gerar esse enriquecimento de imagens e de linguagem a

preocupaccedilatildeo recai sobre a ampliaccedilatildeo mental a ampliaccedilatildeo dos referenciais interpretativos do

mundo ampliaccedilatildeo da capacidade de realizar experiecircncias no mundo

Esse eacute o meio no qual a crianccedila jaacute deve ser inserida e muito mais eacute esse o meio que a

crianccedila jaacute deve estar construiacutendo seu meio proacuteprio no qual habita sua linguagem Isso

encontra fundamentos a partir principalmente de Gadamer para quem a linguagem ldquonatildeo eacute

um mero instrumento ou um dom excelente que possuiacutemos como homens mas o meio no

qual vivemos desde o comeccedilo como seres sociais e que manteacutem aberto o todo no qual

existimosrdquo (1983 p11) Assim sendo ldquocada vez que se leva a cabo uma comunicaccedilatildeo natildeo soacute

se usa como tambeacutem se plasma a linguagemrdquo (p12) Seguindo essas linhas nota-se que o ser

humano natildeo usa a linguagem ele eacute linguagem eacute comunicaccedilatildeo que se efetiva no diaacutelogo

efetivo ou seja que modifica os envolvidos ndash o que significa em uacuteltima instacircncia o plasmar

do humano o plasmar da linguagem

Noacutes somos a palavra a linguagem noacutes natildeo a usamos noacutes nela vivemos ldquoas palavras

que usamos na linguagem nos satildeo a tal ponto familiares que estamos aiacute por assim dizer nas

palavras Elas natildeo se tornam objeto O uso da liacutengua natildeo eacute de modo algum o uso de algo Noacutes

vivemos em uma liacutengua como em um elemento como o peixe na aacuteguardquo (GADAMER 2007

p95) Vislumbra-se o real desafio que eacute a sala de aula ela deve ser o espaccedilo do plasmar deste

mundo desse elemento no qual vivemos Pela construccedilatildeo da linguagem eacute possiacutevel construir

sentido gerar sentido por esta construccedilatildeo a proacutepria escola passa a ter sentido convertendo-se

em espaccedilo comum no qual constituiacutemos modos de compreender o mundo

25 Conforme Bruno Pucci ldquoao mesmo tempo que gera a padronizaccedilatildeo de tudo a Induacutestria Cultural atrofia a ima-ginaccedilatildeo a espontaneidade a atividade intelectual do espectador Faz desaparecer tanto a capacidade de criacutetica como a do respeito ao ser humano Exclui o diferente o novo Ateacute o divertir-se significa estar de acordo Sob o monopoacutelio privado da cultura a tirania deixa o corpo e vai direto agrave alma (2007 p31 ndash grifo do autor)

88

A relaccedilatildeo disso com a proposta de significaccedilatildeo eacutetica para a educaccedilatildeo se evidencia no

momento em que percebemos a importacircncia da relaccedilatildeo com o outro com a alteridade como

condiccedilatildeo para este plasmar da linguagem desse meio em que vivemos Sendo a eacutetica o

pressuposto que nos orienta na boa conduccedilatildeo e construccedilatildeo do indiviacuteduo no interior das

experiecircncia coletivas a sala de aula se converte em espaccedilo privilegiado no qual os sujeitos ali

envolvidos se percebem no desafio de dar forma a esse meio construiacute-lo como espaccedilo

comum o habitat sem o qual natildeo nos orientamos adequadamente o habitat referencial que

nos identifica e ao mesmo tempo nos vincula26 O grave problema eacute que haacute um desmembrar

desse mundo desse meio O professor plasma ndash daacute forma ndash a sua linguagem a partir de sua

funccedilatildeo o aluno constitui sua linguagem seu meio tendo como referecircncia sua posiccedilatildeo muitas

vezes apenas receptiva cada um como um aacutetomo isolado natildeo consegue constituir a ceacutelula a

partir do qual se constitui o corpo comum denominado sala de aula Eacute como se cada um dos

envolvidos habitasse as fronteiras do territoacuterio e uma terra de ningueacutem permaneceria

inabitada a linguagem comum permaneceria sem ganhar forma sem ser plasmada e

consequentemente ficaria falha a proacutepria expressatildeo do indiviacuteduo a manifestaccedilatildeo de sua

concretude27

Nesse sentido a linguagem natildeo se constitui simplesmente em um sistema de signos

utilizados para dizer algo Ela eacute salva a partir do conceito constelaccedilatildeo28 natildeo tendo mais sua

finalidade exclusivamente na representaccedilatildeo e definiccedilatildeo de conceitos Na Criacutetica da razatildeo

pura (B93ss) o juiacutezo ndash a capacidade de pensar e definir ndash eacute dado como a ldquorepresentaccedilatildeo de

uma representaccedilatildeo de um objetordquo ou seja a representaccedilatildeo de um conceito criado pela

faculdade do entendimento A partir da Dialeacutetica negativa o sensiacutevel sobrevive a partir de

seu meio linguiacutestico o qual eacute extinguido pelo pensamento reduzido ao conceito ignorando o

caraacuteter de constelaccedilatildeo e o elemento concreto

O momento unificador sobrevive sem a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo e mesmo sem entregar-se agrave abstraccedilatildeo enquanto princiacutepio supremo de modo que natildeo se progride a partir de conceitos e por etapas ateacute o conceito superior mais universal mas esses conceitos entram em uma constelaccedilatildeo Essa constelaccedilatildeo ilumina o que haacute de especiacutefico no ob-jeto e que eacute indiferente ou um peso para o procedimento classificatoacuterio O modelo para isso eacute o comportamento da linguagem Ela natildeo oferece nenhum mero sistema de signos para as funccedilotildees do conhecimento Onde ela se apresenta essencialmente

26 Para Kant o que nos vincularia eacute a ideia de reino de fins O que se defende aqui eacute a vinculaccedilatildeo a partir da forma dada ao meio no qual vivemos a partir desse plasmar linguiacutestico que identifica cada um e a partir do qual podemos nos relacionar 27 Sobre o conceito de concreto ver capiacutetulo 4 28 Conforme desenvolvido no segundo capiacutetulo a constelaccedilatildeo refere-se aos diversos olhares ndash diversos conceitos ndash que entram em tensatildeo quando se quer conhecer algo tambeacutem faz referecircncia agrave diversidade de experiecircncias que natildeo se esgotando contribuem para o entendimento de algo

89

enquanto linguagem e se torna apresentaccedilatildeo ela natildeo define seus conceitos [] Na medida em que os conceitos se reuacutenem em torno da coisa a ser conhecida eles de-terminam potencialmente seu interior alcanccedilam por meio do pensamento aquilo que o pensamento necessariamente extirpa de si (2009 p140-141 ndash grifo nosso)

Estamos diante de uma diferenccedila a linguagem eacute tatildeo somente um sistema de signos a

partir do qual o conceito eacute dito ou a linguagem eacute o meio no qual cada um vive se manifesta

e a partir do qual deve ser conhecido Conforme Tiburi ldquona filosofia adorniana a linguagem

deixa de ser um objeto em seu sentido puro e simples ou um instrumento para designar obje-

tos ela passa a ser lugar de uma experiecircncia [] A proacutepria linguagem aparece como experi-

ecircncia enquanto conviacutevio e fala sem dominaccedilatildeo sobre o natildeo-idecircnticordquo (2005 p68) A Teoria

esteacutetica nos indica a relaccedilatildeo que se estabelece entre a linguagem e o concreto destacando

exatamente o caraacuteter de meio linguiacutestico ldquoo meio pelo qual as obras de arte existentes satildeo

mais do que a existecircncia natildeo eacute um novo ser-aiacute mas a sua linguagem As obras autecircnticas fa-

lam mesmo quando recusam a aparecircnciardquo (p124) Esse ser mais do que a existecircncia indica

algo surgido para aleacutem do evidente do que aparece Ou seja indica o elemento concreto que

precisa ser percebido a partir do seu meio compreendido aqui como meio linguiacutestico local

em que se efetivam as experiecircncias nos comunicamos sem contudo ocorrer sobreposiccedilatildeo de

interlocutores Dizer que a obra de arte fala mesmo quando recusa a aparecircncia ndash tornando-se

natildeo-evidente ndash faz considerar o essencial como aquilo que permanece escondido e por isso

mesmo provocativo Reconhecer esse caraacuteter essencial eacute tarefa da razatildeo que respeita a cons-

telaccedilatildeo de momentos que se inter-relacionam e constituem sentido

o sentido de uma obra de arte eacute ao mesmo tempo a essecircncia que se oculta no faacutetico traduz em apariccedilatildeo o que esta de outro modo esconde A organizaccedilatildeo da obra de ar-te isto eacute o agrupamento dos seus momentos e o seu inter-relacionamento tem este objetivo e eacute difiacutecil mediante a atitude criacutetica distingui-lo do elemento afirmativo da aparecircncia da realidade do sentido tatildeo cuidadosamente como agradaria agrave constru-ccedilatildeo conceptual filosoacutefica (TE p124-125)

Deparamo-nos com a necessidade de atribuir o sentido esteacutetico da obra de arte ao proacute-

prio ser humano Quanto de noacutes se oculta na manifestaccedilatildeo do faacutetico Natildeo estaria o essencial

o verdadeiro nesse conteuacutedo que se oculta Enquanto alternativa de novas descobertas e no-

vos sentidos sim ali estaacute o verdadeiro pois o pensamento que pensa compreender se percebe

insuficiente exigindo o renovar da experiecircncia Diante desse oculto no qual estaria a verdade

o pensamento que retorna a si mesmo natildeo mais se reconhece mas percebe-se estranho em sua

insuficiecircncia de conteuacutedo Poreacutem eacute somente ldquono olhar para o desviante no oacutedio agrave banalidade

90

na busca do que ainda natildeo estaacute gasto do que ainda natildeo foi capturado pelo esquema conceitual

geral que reside a derradeira chance do pensamentordquo (MM 41 p58)

Afirmado na Minima moralia (122 p168) e repetido em Dialeacutetica negativa (2009

p48) esse estranhamento do pensamento sobre ele mesmo permite a abertura para o novo que

estaacute oculto no faacutetico E mais eacute a chance para pensar uma relaccedilatildeo verdadeira entre o pensa-

mento e o pensado ldquoVerdadeiros satildeo apenas aqueles pensamentos que natildeo compreendem a si

mesmosrdquo Natildeo compreendem a si mesmo devido ao desvio ocorrido na regra tradicional da

adequaccedilatildeo entre pensamento e pensado como sendo a verdade Conforme indicado em Dialeacute-

tica negativa (p43) os pensamentos devem ir ao extremo nada deve deter esta capacidade

humana denominada pensar Isso significa em uacuteltimas palavras ldquopensar perigosamente es-

timular o pensamento a partir da experiecircncia da coisa natildeo recuar diante de nada natildeo se dei-

xar embaraccedilar por qualquer conveniecircncia do previamente pensadordquo (OPF p23) A lingua-

gem enquanto posse de um sujeito que diz algo estaacute em conexatildeo com uma novidade a lin-

guagem enquanto meio no qual esse outro estaacute inserido o que impotildee a necessidade de natildeo

recuar diante do natildeo pensado mas encontrar nisso a chance para a filosofia e para a possibili-

dade de reafirmar o plasmar da linguagem como sendo o fundo moral da constituiccedilatildeo do hu-

mano Tudo isso enfatiza a ideia do plasmar linguiacutestico da sala de aula como resultado de uma

relaccedilatildeo entre sujeitos os quais ao mesmo tempo em que constituiacuterem linguagem devem ser

compreendidos a partir dessa constituiccedilatildeo Poreacutem essa constituiccedilatildeo natildeo ocorre somente em

sala de aula mas jaacute eacute algo que o aluno vem constituindo anteriormente agrave vida escolar e conti-

nuaraacute constituindo em paralelo agrave escola nas diversas relaccedilotildees que estabelece na vivecircncia so-

cial Desse modo compreender o outro significa tambeacutem compreender seu meio linguiacutestico

anterior e paralelo agrave escola

Como eacute possiacutevel vincular a formaccedilatildeo eacutetica a partir do plasmar linguiacutestico Como eacute

possiacutevel que no viacutenculo com o outro em seu meio linguiacutestico e aqui focado no ambiente sala

de aula seja derivada a sensibilizaccedilatildeo moral A vinculaccedilatildeo entre arte filosofia e educaccedilatildeo

se constitui em alternativa pedagoacutegica fundamental para pensar a formaccedilatildeo e a sensibilizaccedilatildeo

moral O sentido da eacutetica e moral eacute posto aqui seguindo as linhas de Hermann em sua es-

treita relaccedilatildeo com a educaccedilatildeo e como devendo ser preocupaccedilatildeo da filosofia da educaccedilatildeo Em

Autocriaccedilatildeo e horizonte comum

a investigaccedilatildeo sobre o sentido eacutetico da educaccedilatildeo estaacute muito proacutexima das questotildees mais pungentes com as quais os educadores se defrontam e que longe de ser uma fi-nalidade metafiacutesica ou de diletantismo as questotildees eacuteticas podem ser trabalhadas como uma arte de viver (2010 p92 ndash grifo nosso)

91

O meio linguiacutestico solidamente constituiacutedo esse meio no qual estamos inseridos eacute

condiccedilatildeo para desenvolver a arte de viver Eacute nesse meio para aleacutem dos meros signos a partir

dos quais dizemos o mundo que a arte de viver encontra sua condiccedilatildeo de desenvolvimento

ou de aprendizagem Em outras palavras o lugar ocupado pelo outro e por mim a considera-

ccedilatildeo pela experiecircncia individual enquanto local da manifestaccedilatildeo do concreto que identifica

cada um e a partir do qual devemos ser reconhecidos as estrateacutegias que orientam o modo co-

mo habitamos nosso meio podem ser entendidos para usar a expressatildeo de Hermann como

arte de viver Tudo isso eacute fundamental para a educaccedilatildeo e somente teremos condiccedilotildees de edu-

car pessoas capazes de habitar qualificadamente o meio em que vivem no momento em que

dermos a devida atenccedilatildeo ao modo como se estaacute plasmando a linguagem como se estaacute edifi-

cando esse meio proacuteprio no qual vivemos Dessa forma mediante a educaccedilatildeo ocorre o ldquopro-

cesso compreensivo que exige quebrar nossas resistecircncias para nos abrirmos ao outro para

deixar valer a palavra do outro O encontro com a alteridade nos enriquece ao integrar o que

nos falta ao experimentar que nem sempre o que sabemos eacute suficiente para compreender a

situaccedilatildeordquo (HERMANN 2010 p117 ndash grifo nosso) A experiecircncia do mundo natildeo pode ser

outra a natildeo ser aquela que permite valer a palavra do outro Nesse sentido eacute que a sala de aula

deve assumir algumas tarefas baacutesicas ser o espaccedilo no qual a linguagem eacute formada permitir

que o outro compartilhe dessa linguagem sem medo garantir a subjetividade apta a reconhe-

cer esse meio no qual o outro estaacute inserido Sobre isto recai o sentido eacutetico-educativo de sujei-

to esteacutetico esse que eacute capaz de realizar experiecircncias sempre renovadas com aquilo que o ou-

tro eacute em sua concretude

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Proponho estas consideraccedilotildees em trecircs blocos temaacuteticos nos quais estabeleccedilo as

relaccedilotildees entre os capiacutetulos e indico alguns elementos que considero decisivos para entender a

significaccedilatildeo eacutetico educativa do sujeito poacutes-metafiacutesico em Adorno

I

O termo plasmar linguiacutestico estaacute em iacutentima conexatildeo com o ideal de construccedilatildeo O ato

pedagoacutegico natildeo se identifica com produccedilatildeo pois nessa os envolvidos agem sobre o outro

como se esse uacuteltimo fosse um objeto a ser manipulado A produccedilatildeo ocorre nos moldes

tecnoloacutegicos de fabricaccedilatildeo de materiais um utensiacutelio domeacutestico eacute produzido um automoacutevel eacute

produzido produzem-se alimentos etc A sala de aula eacute local de construccedilatildeo portanto natildeo

possui nenhuma semelhanccedila com manipulaccedilatildeo Por ser ato construtivo ocorre o

reconhecimento da novidade do outro e do local do outro O imprevisto passa a ser elemento

altamente qualificado pois eacute o outro (aqui entendido tanto o aluno quanto o professor) que

estaacute manifestando-se e contruindo-se plasmando o meio em que habita e a partir do qual se

relaciona ndash sua linguagem ndash tanto em dimensotildees pessoais quanto em dimensotildees de grupo Na

relaccedilatildeo o termo constelaccedilatildeo indica o modo como tudo isso ocorre Compreender e dizer o

outro significa consideraacute-lo a partir da constelaccedilatildeo de momentos historicamente construiacutedos

O problema com que precisamos nos defrontar eacute se as instituiccedilotildees de ensino satildeo capazes de

realmente perceber esta constelaccedilatildeo proacutepria de cada indiviacuteduo e ainda se tais instituiccedilotildees

estatildeo sendo promotoras de tais momentos construtivos Natildeo raro percebemos atividades

isoladas (principalmente em projetos desenvolvidos nas escolas) como atividades-extras que

natildeo somam a esse plasmar linguiacutestico natildeo se inserem dentro de uma constelaccedilatildeo de

momentos

II

Existe algum pressuposto a ser levado em consideraccedilatildeo no momento da relaccedilatildeo com o

outro A confirmaccedilatildeo de pressupostos pode ser defendida como radicalmente necessaacuteria O

maior problema estaacute em que consistem tais pressupostos Para esclarecer isso em primeiro

93

lugar faccedilo uma referecircncia a um aspecto negativo A sala de aula enquanto momento de

encontro com a concretude (este indiviacuteduo portador de sentido para aleacutem das atribuiccedilotildees

apreendidas) a partir da perspectiva eacutetica e tambeacutem na perspectiva do conhecimento natildeo

pode seguir o paracircmetro da razatildeo que como juiacuteza dita as regras e obriga o objeto a responder

a tais interrogaccedilotildees Para Kant este eacute o atributo da razatildeo ditar as regras agrave natureza e esta

tem como atributo dar uma resposta ndash eacute a tradicional relaccedilatildeo sujeito e objeto posta como

nuacutecleo epistemoloacutegico e eacutetico

Negando esta relaccedilatildeo o professor passa a ser um personagem fundamental mas natildeo

absoluto em termos de conduccedilatildeo do processo de ensino e aprendizagem Em sala de aula natildeo

raro nos deparamos com a novidade do outro dada a partir do seu local proacuteprio e que potildee em

crise os procedimentos previamente calculados Se nossa razatildeo obrigasse agrave respostas

conforme as interrogaccedilotildees por ela postas todo plano de ensino natildeo seria passiacutevel de falha

pois o objeto aluno seria obrigado a responder aos ditames prescritos O problema estaacute em

como a razatildeo que dita as regras reagiraacute diante da novidade que surge do outro em sua

condiccedilatildeo de concreto na qual resiste sempre em expressatildeo de Hermann uma promessa de

vida E essa promessa obriga tanto o professor quanto o aluno a admitir o local que o outro

ocupa como sendo o local a partir do qual devemos compreender ou conhecer Essa

manifestaccedilatildeo natildeo eacute serva dos ditames racionais poreacutem ocorre tatildeo somente no momento em

que o corpo surge e a sensibilidade se defronta com ele Se em momento posterior a razatildeo

com o entendimento realiza a siacutentese a conceituaccedilatildeo o ajuizamento o pressuposto fundante

de todo esse percurso estaacute no reconhecimento do outro em seu local de manifestaccedilatildeo seu

meio linguiacutestico

Isso remete em Adorno agrave perda da evidecircncia Somente eacute possiacutevel a centralidade posta

na razatildeo que dita as regras ao outro se admitirmos esse outro meramente como um material

passivo e a linguagem como sendo unicamente um meio de dizer algo um instrumento da

razatildeo A educaccedilatildeo infantil eacute exemplo paradigmaacutetico de tal desafio O periacuteodo de adaptaccedilatildeo

nada mais eacute do que o momento de constituir linguagem comum Eacute o momento em que o

professor se defronta com os limites sensiacuteveis da razatildeo e assim percebe que eacute insuficiente

ditar regras sendo necessaacuterio constituir o meio linguiacutestico Constituiacutemos linguagem como

seres viventes vivemos a linguagem como sendo o local que constituiacutemos ndash nosso loacutecus proacute-

prio cada um de noacutes enquanto envolvidos do processo de ensino e aprendizagem comparti-

lhamos desse mundo linguiacutestico esperando que sejamos compreendidos a partir da manifesta-

ccedilatildeo deste meio constituiacutemos linguagem comum no momento em que nos permitimos coabitar

e criar sentido exatamente por esse estar junto O pressuposto da relaccedilatildeo estaacute no reconheci-

94

mento de que o outro ocupa um local proacuteprio constituiacutedo por ele e que ao mesmo tempo o

constitui

No entanto muito aleacutem da educaccedilatildeo infantil percorrendo todos os niacuteveis de ensino

quando a sala de aula se transforma em um meio linguiacutestico comum a todos promove-se jun-

tamente com a construccedilatildeosignificaccedilatildeo dos conhecimentos a educaccedilatildeo moral do ser humano

eacute a partir daiacute que devemos pensar a educaccedilatildeo em uma perspectiva eacutetica Essa promessa de

vida eacute difiacutecil de ser aceita nas praacuteticas pedagoacutegica orientadas pela razatildeo que deve ditar as

regras ao outro meramente obediente

A perda da evidecircncia se constitui para Adorno em instigaccedilatildeo ao pensamento Nada

mais haacute de oacutebvio vivemos em uma eacutepoca tecnoloacutegica onde as identidades on-line satildeo masca-

radas a proacutepria relaccedilatildeo abstrai o corpo priorizando um perfil virtual Outro problema eacute o en-

cobrimento ideoloacutegico que os fatos podem receber o que somado agrave fraqueza de entendimen-

to resulta na desqualificaccedilatildeo do material apreendido pelos sentidos Reconstruindo o argu-

mento com a ausecircncia dos limites que somente o corpo pode nos dar nossa capacidade per-

ceptiva de sensibilidade apreende um material desqualificado possivelmente carente de da-

dos reais ou muito aqueacutem do concreto apontado pelo filoacutesofo de Frankfurt como o local da

verdade Por isso eacute que a esteacutetica enquanto aisthesis capacidade de percepccedilatildeo do outro estaacute

intimamente vinculada a esse ideal de formaccedilatildeo eacutetica e sobre isso recai a necessidade do aacuter-

duo esforccedilo pedagoacutegico educar a sensibilidade a percepccedilatildeo do outro educar para o reconhe-

cimento do local do outro educar para constitui um local comum Pensar eticamente a educa-

ccedilatildeo eacute proporcionar ao ser humano as condiccedilotildees para se relacionar com o corpo qualificada-

mente bem como prover as condiccedilotildees para ampliar a consciecircncia a ponto de estar apto a

reconhecer e reagir diante de compreensotildees ou comportamentos estandardizados A educaccedilatildeo

deveria levar o indiviacuteduo a ocupar qualificadamente seu espaccedilo e tempo de vida

III

O imperativo categoacuterico tem o objetivo em palavras kantianas conforme a Fundamen-

taccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes de gerar uma ligaccedilatildeo sistemaacutetica entre os seres humanos

Enquanto lei moral tal imperativo deve orientar o estabelecimento de maacuteximas as quais nos

conduzem na accedilatildeo Entre a lei moral e a accedilatildeo Kant (MC) define a existecircncia de uma folga

para a livre escolha do modo como ocorreraacute a aplicaccedilatildeo da lei Mesmo assim a relaccedilatildeo com a

moralidade tem o uacutenico criteacuterio da lei e mesmo que pudermos encontrar vaacuterias formas de

aplicaacute-la o fio condutor estaacute previamente dado Em criteacuterios morais natildeo haacute possibilidade de

95

afastamento da lei de modo que a escolha natildeo eacute de todo livre pois cada accedilatildeo deve ser com-

patiacutevel com tal imperativo moral Natildeo existem muitas opccedilotildees devo somente seguir a lei De

tal modo a livre escolha segue somente criteacuterios loacutegicos de adequaccedilatildeo (lei ndash maacutexima ndash

praacutetica) a accedilatildeo natildeo pode se afastar da lei se quiser salvar a ligaccedilatildeo sistemaacutetica denominada

reino dos fins O olhar dirigido para a lei moral dentro de noacutes assim como o dirigimos para o

ceacuteu estrelado acima de noacutes como forma de orientaccedilatildeo pode nos tornar cegos agraves

reivindicaccedilotildees de vida do outro gerando a relaccedilatildeo fria de um simples dever que preciso

seguir Desse modo natildeo eacute o outro que me move agrave accedilatildeo mas a loacutegica do dever Meu olho estaacute

posto nesse criteacuterio

Eacute exatamente no levar ao extremo esse espaccedilo para a livre escolha que reside o pro-

blema educacional Como educar a capacidade de escolha como tornar o ser humano apto a

decidir moralmente Eacute possiacutevel defender a necessidade da educaccedilatildeo que desenvolva modos

de experiecircncias com o outro na capacidade de visualizar sentir o corpo do outro como algo

que passiacutevel de destruiccedilatildeo precisa ser cuidado Aqui o imperativo natildeo eacute loacutegico-conceitual

mas eacute sensiacutevel posto ao deparar-me com o limite fiacutesico e com o limite do sentimento que o

outro tem Ningueacutem tem o direito de infligir dor ao outro pois esse outro eacute ser sensiacutevel muito

antes de ter a loacutegica desenvolvida Educaccedilatildeo e eacutetica exigem entatildeo desenvolver uma postura

humana diante daquilo que natildeo pode ser reduzido ao conceito a dor o sofrimento a

concretude do outro Assim eacute que se conecta a esteacutetica enquanto sentidos aptos a perceber a

vida em sua concretude a sensibilidade mesma Enquanto sensibilidade eacute pela esteacutetica que

ocorre o reconhecimento do local do outro o impulso agrave compreensatildeo e o impulso agrave accedilatildeo

REFEREcircNCIAS

ADORNO Theodor W Dialeacutetica negativa Traduccedilatildeo de Alfredo Brotons Muntildeoz Madrid Ediciones Akal 2005a (Obra Completa 6) _______ Dialeacutetica negativa Traduccedilatildeo de Marco A Casanova Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2009b _______ Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo 3 ed Traduccedilatildeo de Wolfgang Leo Maar Satildeo Paulo Paz e Terra 2003 _______ Experiecircncia e criaccedilatildeo artiacutestica ndash paralipocircmenos agrave ldquoTeoria Esteacuteticardquo Traduccedilatildeo de Artur Moratildeo Lisboa Ediccedilotildees 70 2003 (Arte e Comunicaccedilatildeo 81) _______ Kierkegaard construccioacuten de lo esteacutetico Traduccioacuten de Joaquiacuten C Mielke Ma-drid Ediciones Akal 2006 (Obra completa 2) _______ Minima Moralia ndash reflexotildees a partir da vida danificada Trad Luiz Eduardo Bicca 2 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1993 _______ Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico In ________ Palavras e sinais mode-los criacuteticos 2 Traduccedilatildeo de Maria Helena Ruschel Petroacutepolis Vozes 1995 p15-25 _______ Sobre sujeito e objeto In ________ Palavras e sinais modelos criacuteticos 2 Tradu-ccedilatildeo de Maria Helena Ruschel Petroacutepolis Vozes 1995 p181-201 _______ Teoria esteacutetica Traduccedilatildeo de Artur Moratildeo Lisboa Ediccedilotildees 70 [sd] (Arte e Comu-nicaccedilatildeo14) ADORNO Theodor W HORKHEIMER Max Dialeacutetica do Esclarecimento fragmentos filosoacuteficos Traduccedilatildeo de Guido Antonio de Almeida Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1985 AGAMBEN Giorgio A linguagem e a morte um seminaacuterio sobre o lugar da negatividade Traduccedilatildeo de Henrique Burigo Belo Horizonte UFMG 2006 ALVES JUacuteNIOR Douglas Garcia Dialeacutetica da vertigem Adorno e a filosofia moral Satildeo Paulo Escuta Belo Horizonte FumecFCH 2005 ANTELME Robert A espeacutecie humana Traduccedilatildeo de Clara Alvarez Lisboa Editora Ulisseia 2003 APEL Karl-Otto Eacutetica e responsabilidade o problema da passagem para a moral poacutes-convencional Traduccedilatildeo de Jorge Telles Menezes Lisboa Instituto Piaget 2007 ARENDT Hannah A vida do espiacuterito Traduccedilatildeo de Cesar A de Almeida Antocircnio A Hele-na Martins Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2008

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Page 7: O ÉTICO E O ESTÉTICO EM ADORNO - Pucrs · 2017. 9. 28. · Márcia Tiburi - Universidade Presbiteriana Mackenzie Porto Alegre Janeiro de 2012. Dados Internacionais de Catalogação

ABSTRACT

Ethics aesthetic and education are the basic concepts in this present investigation which has

as its guiding paradigm critical theory of Theodor Adorno Form the basis the allow us to

conceive the post-metaphysical subject in Adorno under what conditions is possible defend

the enlargement of the experience like a way of the constitution of the subjectivity which is

the basis of the moral consciousness and that ethic signification comes to the education in

view of the subject that morally need to be constituted based on the experience Starting

from this problem the general goal is to discuss the post-metaphysical subjectivity notion in

Adorno to establish based in such subject an ethical and educational meaning able to guide

the human formation and the moral consciousness development As theoretical indicative the

thesis proposes that in the moment that the education becomes an enrichment promoter of

the formation experiences is possible the enlargement of the way that happens the

constitution and the development of the ethic subject This guides us to the constitution of the

environment in which the mankind is inside this environment is called language Therefore

the defense is about the linguistic shape as the ethical challenge of human development It is

articulated the aesthetic as a foundation under which is possible to defend the enlargement of

the concept of the experience and the constitution of the subjectivity The theoretical

approach starts with a discussion on how the constitution of subjectivity and moral

consciousness in Kant happens whose foundation lies in the concepts of order and freedom

to after understand the change proposed by Adorno in which aesthetics is intimately related

to ethics as is evident from the terms of concrete constellation communication and real

content The method is analytical and conceptual creating a confrontation between these two

philosophical strands while proposing significance to educational practice in the school

environment The propose o recognize the other as a concrete who is inserted in a linguistic

environment and the necessity for the classroom to be an ideal place in which this

environment should be shaped is an ethical alternative to the formation from which we can

glimpse the school as a place of development and qualification of the human

Keywords Ethics Aesthetic Education Formation Linguistic shape

LISTA DE ABREVIATURAS ANTR ndash Antropologia de um ponto de vista pragmaacutetico

CRPu ndash Criacutetica da razatildeo pura CRPr ndash Criacutetica da razatildeo praacutetica

DE ndash Dialeacutetica do esclarecimento DN ndash Dialeacutetica negativa DOD ndash Discurso sobre a origem e fundamentos das desigualdades entre os homens

EE ndash Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo EXP ndash Experiecircncia e criaccedilatildeo artiacutestica ndash paralipocircmenos agrave ldquoTeoria Esteacuteticardquo

FMC ndash Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes K ndash Kierkegaard

MC ndash Metafiacutesica dos costumes MET ndash Metafiacutesica

MM ndash Miacutenima moralia OPF ndash Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico

PS ndash Palavras e sinais ndash modelos criacuteticos 2 SDMP ndash Sobre a discordacircncia entre moral e a poliacutetica a propoacutesito da paz perpeacutetua

SO ndash Sobre sujeito e objeto

TE ndash Teoria esteacutetica

SUMAacuteRIO INTRODUCcedilAtildeO 9

1 ASPECTOS EacuteTICOS DA CONSTITUICcedilAtildeO E DA FORMACcedilAtildeO DO HUMANO SEGUNDO KANT 19

11 A constituiccedilatildeo transcendental do sujeito eacutetico em Kant 22

12 O ideal de Reino dos fins e a determinaccedilatildeo moral do sujeito transcendental 26

2 THEODOR ADORNO E A CONCEPCcedilAtildeO DE PENSAMENTO POacuteS-METAFIacuteSICO 33

21 Discussatildeo em torno do conceito de ldquosujeitordquo 33

22 A concepccedilatildeo de verdade em seu nuacutecleo histoacuterico 38

221 Tensatildeo entre verdade e procedimento 39

222 A perda da evidecircncia e o impulso ao esclarecimento 41

23 Constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade marcas do pensamento poacutes-metafiacutesico em Adorno 44

3 A IMPOSSIBILIDADE DO REINO DOS FINS MEDIANTE A FORCcedilA DO IMPERATIVO CATEGOacuteRICO

UMA CONTRAPOSICcedilAtildeO FUNDADA EM ADORNO 49

4 O PROJETO EacuteTICO ESTEacuteTICO E FILOSOacuteFICO EM ADORNO 57

41 A vinculaccedilatildeo entre experiecircncia e racionalidade esteacutetica 59

42 A dinacircmica entre aproximaccedilatildeo do outro e construccedilatildeo de si 65

5 O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO NA FORMACcedilAtildeO HUMANA 74

51 Entre o eu e o outro ou quando a presenccedila nos manteacutem humanos 74

52 A eacutetica e a esteacutetica em sua dimensatildeo pedagoacutegica 86

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 92

REFEREcircNCIAS 96

INTRODUCcedilAtildeO

A investigaccedilatildeo que aqui se apresenta tem como foco a relaccedilatildeo entre eacutetica esteacutetica e

educaccedilatildeo Natildeo satildeo poucos os esforccedilos em torno desse tema o que gera uma infinidade de

referenciais teoacutericos de modo que natildeo seria difiacutecil a repeticcedilatildeo de investigaccedilotildees jaacute existentes

o que comprometeria a pretensatildeo deste trabalho Nesse sentido eacute que a tese pretende uma

significaccedilatildeo eacutetico-educativa tendo como base a noccedilatildeo de sujeito esteacutetico em Theodor Adorno

Em linhas gerais entende-se por sujeito esteacutetico o indiviacuteduo que se constitui tanto moralmen-

te quanto em termos de conhecimento mediante a experiecircncia sensiacutevel a relaccedilatildeo efetiva e

permanente Isso remete agrave noccedilatildeo de esteacutetica enquanto percepccedilatildeo a dimensatildeo sensiacutevel que no

caracteriza Viso realizar um direcionamento efetivo estabelecendo as conexotildees entre as ba-

ses conceituais provindas da filosofia seja no acircmbito da eacutetica quanto da esteacutetica e a praacutetica

educativa em sentido amplo e especiacutefico Entendo a praacutetica educativa em sentido amplo en-

quanto processo de esclarecimento efetivado em todos os niacuteveis de relaccedilatildeo e em sentido es-

peciacutefico como aquela sistematicamente desenvolvida em ambiente escolar

Ao abordar a constituiccedilatildeo esteacutetica da subjetividade ou em outros termos a proposta

de um sujeito esteacutetico fica posto um viacutenculo direto com a noccedilatildeo de formaccedilatildeo O sujeito esteacute-

tico precisa ser constituiacutedo por mais que sejamos seres sensiacuteveis por natureza Mas a sensibi-

lidade no sentido de mera percepccedilatildeo natildeo eacute a uacutenica forma de se entender este tema pois ele

envolve a noccedilatildeo de mimese (a possibilidade de riqueza de experiecircncia ordenada pelo encontro

permanente com aquilo que me eacute diferente) e expressatildeo (o modo proacuteprio de o sujeito falar

derivado da riqueza mimeacutetica) Desse modo eacute possiacutevel afirmar que a pobreza de linguagem

revela a pobreza mimeacutetica

Mimese natildeo eacute imitaccedilatildeo mas eacute o braccedilo que se estende eacute o corpo que encontra resso-

nacircncia na realidade permitindo a dialeacutetica do tato conforme defendido nas Minima Moralia

Adorno rejeita a imitaccedilatildeo de modelos alegando que ele impede a autonomia Se admitirmos a

existecircncia de modelos esses satildeo imitaacuteveis Poreacutem um ser emancipado natildeo se fixa na imita-

ccedilatildeo mas tende agrave construccedilatildeo de uma sociedade cujos integrantes sejam capazes de pensar se-

gundo o ideal kantiano de fazer uso do proacuteprio entendimento sem a tutela ou modelagem de

outrem E essa possibilidade perpassa necessariamente pelo processo educacional

No entanto esse processo segue uma tendecircncia eacutetica orientado pelas questotildees baacutesicas

que mundo que ser humano que sociedade noacutes queremos Desse modo se justifica a necessi-

dade de pensar a formaccedilatildeo escolar sob ideais eacuteticos natildeo constituiacuteda exclusivamente de co-

nhecimentos intelectuais Em Theodor Adorno o problema da ldquoformaccedilatildeo moralrdquo se situa den-

10

tro da perspectiva esteacutetica o que remete a uma abordagem da dimensatildeo do outro O outro eacute o

maior e permanente desafio agrave racionalidade e todas as categorias iluministas natildeo datildeo conta da

apreensatildeo e significaccedilatildeo plena deste outro O comportamento da razatildeo pura ou do espiacuterito

absoluto por exemplo em relaccedilatildeo ao que me eacute diferente eacute de ser condiccedilatildeo para todo o senti-

do tudo eacute para a razatildeo e todo objeto dos sentidos tem existecircncia desqualificada ndash ou natildeo eacute

admitido como fato ndash se natildeo passar pela elaboraccedilatildeo subjetiva Essa eacute a noccedilatildeo de constituiccedilatildeo

via sujeito o para mim base teoacuterica para legitimar toda dominaccedilatildeo A existecircncia se torna

desqualificada quanto a prioridade estaacute na representaccedilatildeo que faccedilo daquilo com quem me rela-

ciono reduzindo a existecircncia do outro sua efetividade sua concretude a algo secundaacuterio

frente ao meu entendimento sobre ele Assim eacute que surgem conceitos frios pois natildeo admitem

o outro para aleacutem do sentido jaacute apreendido e para aleacutem do momento vivido como se ao con-

traacuterio do dinamismo da histoacuteria nossas compreensotildees natildeo precisassem mudar

O fator decisivo que originou a tese que aqui se apresenta estaacute constituiacutedo por dois e-

lementos Primeiro se deve ao percurso seguido pelos meus estudos em Filosofia e segundo

pela minha inserccedilatildeo no mundo educacional em acircmbito acadecircmico mas principalmente na

educaccedilatildeo baacutesica Ao concluir meu mestrado em Filosofia fui levado a analisar ndash pelo avanccedilo

nos estudos ndash a relaccedilatildeo entre a constituiccedilatildeo do sujeito e os desafios para a educaccedilatildeo Assim

direcionei meus estudos a um esforccedilo congregador entre aspectos teoacuterico-sistemaacuteticos em

Filosofia e os desafios em significar ndash com base neste estudo teoacuterico ndash eticamente a educa-

ccedilatildeo Realizarei esta abordagem explorando principalmente os conceitos de experiecircncia esteacute-

tica e subjetividade defendendo a possibilidade de mediante o ideal de enriquecimento de

experiecircncias formativas alargar o sentido de constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do sujeito eacutetico

Ao me inquietar com o tema acerca da constituiccedilatildeo do sujeito epistemoloacutegico e eacutetico

direcionei-me necessariamente a Immanuel Kant e agraves condiccedilotildees racionais puras ao ajuiza-

mento nesses dois acircmbitos Em termos eacuteticos surgem as noccedilotildees de fim uacuteltimo e liberdade co-

mo suporte agrave noccedilatildeo de dever O amor incondicional ao dever se constitui na condiccedilatildeo ao a-

gente moral e agrave sociedade baseada em seres racionais que estabelecem ligaccedilatildeo sistemaacutetica a

partir de leis comuns ndash o que pode ser entendido como reino dos fins Desta incondicionalida-

de eacute possiacutevel derivar a concepccedilatildeo de autonomia pois a uacutenica determinaccedilatildeo eacute interna posse do

sujeito Neste ponto eacute que se justifica a necessidade de retornar a Kant pois com este filoacutesofo

o conceito de autonomia foi inserido como criteacuterio epistemoloacutegico e moral Sobre isto ocorre

um incisivo ideal educacional pois tal criteacuterio precisa ser formado desenvolvido no ser hu-

mano Tentativas de implosatildeo deste ideal ocorreram com os regimes totalitaacuterios (por exemplo

o Nacional Socialismo na Alemanha e a Ditadura Militar no Brasil) para os quais a forccedila de

11

determinaccedilatildeo era dada pela ideologia absolutista Poreacutem a Teoria Criacutetica retoma o conceito

de maioridade pondo como condiccedilatildeo para a proacutepria democracia

O que surge ao analisar a obra kantiana sobre moral eacute que o encontro ocorre via amor

ao dever Todo senso moral deriva deste postulado Natildeo eacute pelo outro propriamente dito mas

somente por natildeo poder entrar em contradiccedilatildeo com minha proacutepria razatildeo que aceito o cumpri-

mento do dever aqueacutem a qualquer tendecircncia pessoal Um ponto que merece destaque eacute como

se desenvolve a consciecircncia moral a consciecircncia do dever natildeo ficando evidente como ocorre

a passagem da consciecircncia comum para uma fundamentaccedilatildeo dos costumes Uma possiacutevel

indicaccedilatildeo poderia ser encontrada no texto Resposta agrave pergunta o que eacute esclarecimento

quando eacute possiacutevel vislumbrar que a liberdade de fazer uso puacuteblico da razatildeo se constitui na

condiccedilatildeo para exercer o poder originado a partir do entendimento no seu bom uso O que fica

incerto eacute como o ser humano chega a desenvolver as condiccedilotildees para exercer a liberdade do

uso puacuteblico da razatildeo pois eacute negada pelo autor a forccedila decisiva dos exemplos nessa constitui-

ccedilatildeo

O que pode ser vislumbrado eacute a necessidade de um efetivo ardor educativo para que o

ser humano natildeo venha a fazer mau uso de suas forccedilas Nesse sentido eacute que recorro a Adorno

para buscar elementos que efetivam essa realizaccedilatildeo encontrando nos conceitos de concreto

viacutenculo comunicaccedilatildeo de diferenciados e sociedade atomizada indicaccedilotildees teoacutericas baacutesicas ao

desenvolvimento da consciecircncia moral Tudo isso baseado na concepccedilatildeo de subjetividade

esteacutetica Destaco entatildeo que o percurso traccedilado neste texto eacute indispensaacutevel pois parte do sen-

tido loacutegico-formal a partir do qual ocorre a formaccedilatildeo da consciecircncia moral em Kant para em

Adorno pontuar o contraponto da formaccedilatildeo moral mediante a ecircnfase na experiecircncia efetivada

no encontro com os outros o que remete agrave experiecircncia esteacutetica sensiacutevel Dessa experiecircncia

surge o sentido eacutetico da educaccedilatildeo enquanto promotora de ceacutelulas de humanidade e como o

espaccedilo do plasmar linguumliacutestico

Retomando a discussatildeo da responsabilidade moral baseada na ausecircncia de contradiccedilatildeo

da razatildeo com seus princiacutepios eacute que Kant se distancia de seu antecessor iluminista Jean-

Jacques Rousseau No filoacutesofo francecircs o respeito ao outro natildeo eacute por ser ele racional mas se

alicerccedila na noccedilatildeo de ser sensiacutevel Trago Rousseau presente natildeo por ser um autor decisivo

nesta investigaccedilatildeo mas para pontuar um paralelo entre dois autores da mesma eacutepoca histoacuterica

no que se refere agraves bases da obrigaccedilatildeo moral Tem-se aqui a indicaccedilatildeo da possibilidade de

encontro entre diferentes movido pela virtude da piedade como condiccedilatildeo para a humanidade

O desenvolvimento moral que eacute a existecircncia da humanidade propriamente dita para aleacutem da

animalidade ocorre quando o indiviacuteduo eacute capaz de sair de si e movido pela virtude da pieda-

12

de guiado pela razatildeo pelo ir em direccedilatildeo ao outro Nesse sentido a proposta iluminista de

Rousseau eacute um vislumbre moderno do ideal eacutetico adorniano acerca do encontro

Estar autorizado a agir somente por ser um dever prescrito pela razatildeo eacute conforme a-

cima descrito uma eacutetica de coerecircncia loacutegica Em olhar diferenciado a autorizaccedilatildeo a agir ocor-

re pelo fato de o outro solicitar minha accedilatildeo o que gera uma resposta inevitaacutevel Eacute do outro o

diferente de mim e que por isso se constitui em desafio para o pensamento que vem a obri-

gaccedilatildeo o que remete a uma interdependecircncia planetaacuteria constitutiva de um imperativo de res-

posta guiada pela natildeo colocaccedilatildeo do si mesmo no centro da discussatildeo mas guiada pela neces-

sidade comum de existecircncia qualificada Tal qualificaccedilatildeo nos remete agrave consideraccedilatildeo prioritaacute-

ria do local e do momento que o outro ser humano vive com suas escolhas suas decisotildees

suas experiecircncias e o estado atual que o indiviacuteduo se encontra

Dentro do pensamento de Kant o desafio que surge eacute delinear como ocorre a constitu-

iccedilatildeo da consciecircncia moral e se a partir dessa constituiccedilatildeo eacute possiacutevel assegurar a realizaccedilatildeo do

seu ideal de reino dos fins conceito norteador a partir do qual ocorrem os viacutenculos Nesse

ponto eacute que se torna vaacutelida a investigaccedilatildeo abordando os paradigmas de Kant e de Adorno

para na tensatildeo entre os dois autores em evidecircncia apontar a diferenccedila provinda de Adorno ao

modo como o sujeito eacute constituiacutedo Nessa direccedilatildeo eacute que ocorre uma radical mudanccedila a for-

maccedilatildeo deve levar a uma ampliaccedilatildeo e enriquecimento do niacutevel de experiecircncia pressuposto

para o agir moral Experiecircncia e agir moral encontram iacutentima relaccedilatildeo experiecircncia natildeo eacute mero

trato manejar ou proceder sobre algo mas estaacute vinculada agrave capacidade de se comunicar no

sentido de diaacutelogo momento em que os opostos entram em relaccedilatildeo e se autoconstituem A

obrigaccedilatildeo moral natildeo se deve a um rigor loacutegico de coerecircncia interna da proacutepria razatildeo mas de

um dever cuja base estaacute na necessidade da accedilatildeo por puro amor agrave vida natildeo enquanto universal

conceitual mas enquanto vida do efecircmero a concretude o ente do ser Em termos eacuteticos en-

contramos um ponto determinante todo princiacutepio de valor toda regra de accedilatildeo deve partir do

sensiacutevel a concretude que habita o mundo imediatamente

O fundamento teoacuterico adorniano se apoiaraacute principalmente nas obras Dialeacutetica do es-

clarecimento Dialeacutetica Negativa Teoria Esteacutetica e Minima Moralia apesar de percorrer as

demais obras buscando nelas alguns esclarecimentos terminoloacutegicos necessaacuterios Em Kant a

base estaacute na Criacutetica da razatildeo pura Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes e Fun-

damentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes

Atribuir ao efecircmero (o caraacuteter proacuteprio de transitoriedade) o valor de princiacutepio eacute arran-

car o fundamento das garras da abstraccedilatildeo Deve-se estar atento ao proacuteprio termo vida a cons-

tataccedilatildeo feita na Minima moralia de que natildeo haacute mais vida ou que natildeo haacute vida correta na falsa

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tem seu corretivo ndash o fato de vida estar carregada do significado originado pela relaccedilatildeo per-

manente com o mundo sensiacutevel e natildeo pelo conceito abstrato Eacute essa vida a origem da filoso-

fia e onde ela estaacute em ausecircncia ali eacute que deve surgir o pensamento Baseado nisso eacute que re-

corro agrave Minima moralia Teoria esteacutetica e agrave Dialeacutetica negativa com a finalidade de compre-

ender o direcionamento que eacute dado ao modo de constituiccedilatildeo do sujeito moral

As discussotildees sobre a Teoria Criacutetica de Adorno sofrem de uma marca histoacuterica que a

meu ver eacute muito reducionista em se tratando de atualizaccedilatildeo ou mesmo da anaacutelise referente

aos seus conceitos decisivos Refiro-me ao episoacutedio nazista pontuado na figura de Auschwitz

Apesar da importacircncia que a perseguiccedilatildeo e extermiacutenio principalmente aos judeus significa-

ram para Adorno em questotildees pessoais e teoacutericas situar sua produccedilatildeo considerando somente

tal fato oculta outras dimensotildees fundamentais Em se tratando de educaccedilatildeo tenho claro que

para ele o essencial eacute evitar que Auschwitz se repita impedindo o renovar das causas de tal

regressatildeo Fazendo referecircncia ao tiacutetulo deste projeto de tese O eacutetico e o esteacutetico em Adorno

merece atenccedilatildeo a cunhagem de sua concepccedilatildeo de esteacutetica e a devida vinculaccedilatildeo com a eacutetica

que estaacute aqueacutem do evento nazismo encontrando sua origem na criacutetica agrave tradiccedilatildeo metafiacutesica

principalmente na figura de Immanuel Kant e sua proposta de fundamentos da moralidade

Destaco tambeacutem o ideal de experiecircncia formativa como constituidora da consciecircncia bem

como sua noccedilatildeo fundante de dialeacutetica negativa e a relaccedilatildeo dessa com a rigorosidade no ato de

pensamento e na constituiccedilatildeo da verdade

Como o interesse central desta pesquisa eacute a significaccedilatildeo eacutetico-educativa que surge a

partir do sujeito poacutes-metafiacutesico em Theodor Adorno o problema que direciona a investigaccedilatildeo

estaacute delineado nos seguintes termos a partir das bases que permitem conceber o sujeito poacutes-

metafiacutesico em Adorno sob que condiccedilotildees eacute possiacutevel defender o alargamento da experiecircncia

como meio de constituiccedilatildeo da subjetividade a qual eacute a base da consciecircncia moral e que

significaccedilatildeo eacutetica surge para a educaccedilatildeo tendo em vista o sujeito que moralmente precisa

ser constituiacutedo com base na experiecircncia O sujeito poacutes-metafiacutesico ou para Adorno o sujeito

esteacutetico eacute compreendido a partir da relaccedilatildeo estabelecida com os fragmentos de alteridade

aquilo que permanece apoacutes o ato compreensivo e que exige continuaccedilatildeo da experiecircncia sensiacute-

vel como condiccedilatildeo para ampliaccedilatildeo da consciecircncia

Diante da contextualizaccedilatildeo apresentada e do problema proposto a tese defendida eacute no

momento em que educaccedilatildeo se torna promotora de enriquecimento das experiecircncias formati-

vas eacute possiacutevel o alargamento do modo como ocorre a constituiccedilatildeo e formaccedilatildeo do sujeito eacuteti-

co Isso nos conduz agrave constituiccedilatildeo do meio no qual o ser humano estaacute inserido meio esse de-

nominado linguagem Portanto a defesa eacute sobre o plasmar linguiacutestico como o desafio eacutetico da

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formaccedilatildeo humana Para tanto articula-se a esteacutetica como fundamento sob o qual eacute possiacutevel

defender tal alargamento do conceito de experiecircncia e de constituiccedilatildeo da subjetividade Es-

tando as experiecircncias em processo de constante formaccedilatildeo o desafio eacutetico-educativo eacute desen-

volver a consciecircncia da necessidade de viacutenculos de responsabilidade em contraposiccedilatildeo ao

ideal de seres atomizados (monadas) e movidos unicamente pelo criteacuterio da razatildeo pura que

dita o amor ao dever Somente assim eacute possiacutevel vislumbrar um estado humano ou estado de

reconciliaccedilatildeo em situaccedilatildeo de encontro e comunicaccedilatildeo de antiacuteteses natildeo hostis Juntamente

com a compreensatildeo de educaccedilatildeo em sua funccedilatildeo de plasmar da linguagem surge a relaccedilatildeo

com a noccedilatildeo adorniana do novo Por mais que tenhamos a necessidade de nos adaptarmos a

determinadas normas costumes tradiccedilotildees valores condiccedilatildeo miacutenima para haver convivecircncia

social a educaccedilatildeo deve permitir a manifestaccedilatildeo da riqueza individual e a novidade que a au-

toconstruccedilatildeo pode revelar Isso significa pensar na coesatildeo sem coaccedilatildeo mas mediante a valo-

rizaccedilatildeo daquilo que no outro eacute outro ou seja valorizaccedilatildeo do diferente no outro seu caraacuteter de

novidade

Vale destacar alguns pontos que marcam o horizonte desta pesquisa Como primeiro

aspecto a referecircncia estaacute na alteraccedilatildeo que a accedilatildeo humana sofreu em suas configuraccedilotildees Eacute

improvaacutevel que nossos antepassados tivessem o senso de que seus atos pudessem interferir

sobre a vida em escala planetaacuteria e as consequecircncias se estendessem por seacuteculos ou ateacute mes-

mo que fossem irreversiacuteveis Seus vislumbres se estendiam por poucas geraccedilotildees e estavam

situadas nos limites locais Somente este alargamento jaacute potildee a necessidade de repensar os

fundamentos eacuteticos da accedilatildeo humana em estreito viacutenculo com o ato pedagoacutegico Admitindo

que educar natildeo eacute instruir eacute decisivo analisar como constituir a consciecircncia moral na conside-

raccedilatildeo desta interdependecircncia planetaacuteria com a tarefa de desenvolver a consciecircncia da accedilatildeo e

do alcance da accedilatildeo

No segundo aspecto faccedilo referecircncia ao sentido que o mito de Prometeu assume em

periacuteodos da ciecircncia e tecnologia avanccediladas como se vivencia a partir da revoluccedilatildeo industrial

e no auge dessa ciecircncia nos seacuteculos XX e XXI Eacute possiacutevel afirmar que as descobertas da ci-

ecircncia elevaram o ser humano a uma condiccedilatildeo de desacorrentamento diante da proacutepria nature-

za permitindo a sobrevivecircncia reproduccedilatildeo e o prolongamento da vida para aleacutem dos limites

considerados ateacute entatildeo como naturais A capacidade de prever os fenocircmenos naturais permi-

te a construccedilatildeo de estruturas para resistir ao poder da natureza ou accedilotildees para minimizar viacuteti-

mas diante de tal poder A princiacutepio parece que nada restou do temor que assombrava o ho-

mem primitivo e o fazia endeusar a natureza na busca das explicaccedilotildees para seus dilemas

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Poreacutem como jaacute alertavam Adorno e Horkeimer na Dialeacutetica do esclarecimento este

processo de desmistificaccedilatildeo acabou por gerar uma nova potecircncia miacutetica hoje configurada no

poder da ciecircncia e da tecnologia Dessa forma eacute que ocorreu um novo acorrentamento e con-

tinuando com a Dialeacutetica do esclarecimento quando se pensa haver rompido com a necessi-

dade natural percebe-se o quanto estamos sujeitos a ela Eacute assim que o ideal kantiano de reino

dos fins na posiccedilatildeo privilegiada do humano como fim e nunca como meio para as accedilotildees

deve ser estendido tambeacutem agrave natureza externa ao humano considerando-a por ela mesma e

natildeo na administraccedilatildeo que impotildee o para-mim e o sentido que surge somente via razatildeo

Esta pesquisa legitima-se na necessidade de repensar os fundamentos da moralidade

para aleacutem do antropocentrismo o que significa repensar o local a partir do qual o ser humano

se posiciona diante daquilo como que se relaciona Em termos morais o sujeito transcendental

e a razatildeo pura encontram seu limite o outro natildeo eacute objeto e o dualismo eacute a oposiccedilatildeo radical agrave

alteridade Objetificar eacute reduzir o sentido agravequilo dado pela razatildeo dualismo eacute admitir um pri-

meiro como portador de todo sentido e um segundo em permanente acircnsia pela inclusatildeo nesse

sentido previamente dado Admitir a alteridade o outro eacute propor uma relaccedilatildeo em configura-

ccedilotildees diferenciadas ou seja a partir da comunicaccedilatildeo entre diferenciados o que pressupotildee

comportamento mimeacutetico e expressivo Mimeacutetico no sentido de acolhida do outro e expres-

sivo enquanto resposta a esta diferenccedila que se impotildee Mimese e expressatildeo se convertem a-

qui em elementos altamente eacuteticos Em primeiro lugar por exigirem uma educaccedilatildeo dos senti-

dos na capacidade de receber essa alteridade e natildeo consideraacute-la antiacutetese hostil Em segundo

lugar por exigirem a resposta em termos de permissatildeo ao outro continuar em sua reserva de

sentido para aleacutem da interpretaccedilatildeo que visa reduzir o outro agravequilo que digo dele

Destaco um terceiro e uacuteltimo aspecto na apresentaccedilatildeo dos horizontes de sentido da

pesquisa Vive-se um tempo de excessos natildeo eacute possiacutevel negar o excesso de poder que impera

nas relaccedilotildees entre seres humanos e entre ser humano e natureza o poder de produccedilatildeo tornou-

se ilimitado o poder do conhecimento permite transcender os limites da natureza humana

(prolongamento da vida para aleacutem das capacidades naturais substacircncias que ampliam a resis-

tecircncia fiacutesica) Poreacutem tem-se a carecircncia de referenciais normativos e ateacute de referecircncias (ou

evidentes exemplos) do que eacute o homo humanus para aleacutem do homo faber ou do homo sapi-

ens Eacute possiacutevel admitir que a existecircncia do elemento produtivo (faber) do elemento do pen-

samento desenvolvido natildeo subsiste sem o alicerce do homo humanus em sua capacidade de

sentir-se responsaacutevel e agir em prol de todos os outros seres o que exige alicerces de valores

e de um elevado senso eacutetico Diante disso a pesquisa assume a incisiva relevacircncia por apontar

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alguns resultados que podem auxiliar na discussatildeo e fundamentaccedilatildeo do agir educativo pauta-

do pelo ideal de humanidade

Sob esta oacutetica e com esta pesquisa questiono o ideal kantiano de que pela forccedila do

imperativo categoacuterico seria possiacutevel instituir o reino dos fins Vislumbrar um estado humano

cuja base estaacute na ligaccedilatildeo sistemaacutetica de todos os seres racionais sob leis comuns condiz com a

pretensatildeo de colocar o indiviacuteduo humano como o primeiro absoluto Eacute possiacutevel pensar o hu-

mano apenas na ligaccedilatildeo entre humanos Absolutizando o humano natildeo se cai no mesmo pro-

blema que se quis superar durante os milecircnios de pensamento filosoacutefico ndash o mito A ligaccedilatildeo

sistemaacutetica de todos os seres racionais segundo leis comuns como sendo o alicerce da morali-

dade se configura em abstracionismo moral pois o mundo do seacuteculo XX percebeu a urgecircncia

da interdependecircncia entre todos os seres vivos Apoiando Hans Jonas o imperativo eacute que haja

vida independente de onde quer que ela esteja Assim eacute que o centro da investigaccedilatildeo eacutetica

estaacute na vida em sua ampla manifestaccedilatildeo Natildeo em uma ligaccedilatildeo entre seres racionais mas em

ligaccedilatildeo cuja base eacute o princiacutepio vital o que natildeo significa outra coisa senatildeo a centralidade na

relaccedilatildeo e o reconhecimento da natureza em noacutes ndash caraacuteter de pertenccedila agrave natureza e dependecircn-

cia dela

Defendendo um giro no eixo sustentador da accedilatildeo moral enfatizando o alargamento da

experiecircncia a partir da perspectiva adorniana de esteacutetica ndash o que derivaraacute no capiacutetulo final no

termo comunicaccedilatildeo de diferenciados ndash e ciente da responsabilidade da educaccedilatildeo em promo-

ver este alargamento como base da educaccedilatildeo eacutetico-esteacutetico eacute que aproximo filosofia e educa-

ccedilatildeo cuja base estaacute no pensamento de Theodor Adorno

Diante disso indico o objetivo central deste trabalho que eacute discutir a noccedilatildeo de subje-

tividade poacutes-metafiacutesica em Adorno a fim de estabelecer baseado em tal sujeito uma signifi-

caccedilatildeo eacutetico-educativa capaz de nortear a formaccedilatildeo do humano e o desenvolvimento da cons-

ciecircncia moral a partir da funccedilatildeo esteacutetica como formadora da eacutetica

Com este norte traccedilado proponho cinco capiacutetulos como estrutura investigativa No

primeiro capiacutetulo o objetivo eacute analisar a concepccedilatildeo e a constituiccedilatildeo do sujeito moral em

Kant cujo significado eacute a constituiccedilatildeo metafiacutesica do humano Desenvolvo releitura e anaacutelise

sobre a proposta kantiana de que nos conceitos de finalidade e liberdade estatildeo a base do

sujeito moral norteado pelo imperativo categoacuterico fundamentado no criteacuterio racional da lei

moral Esta discussatildeo primeira eacute fundamental para posteriormente conseguir situar a criacutetica

adorniana a esse modelo de constituiccedilatildeo de modo que o segundo capiacutetulo visa analisar a

concepccedilatildeo de pensamento e subjetividade na perspectiva poacutes-metafiacutesica de Theodor Adorno

perspectiva essa natildeo orientada pela base racional da lei mas analisando o exato momento da

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decisatildeo momento da efetividade praacutetica quando ocorre o contato com o outro Dada a priori-

dade desse momento sobre ele deve recair todo o interesse teoacuterico-filosoacutefico Para tanto par-

to da concepccedilatildeo de sujeito em Aristoacuteteles para compreender o significado da afirmaccedilatildeo ador-

niana de que hoje o sujeito eacute destituiacutedo de subjetividade e em contrapartida apresentam-se

quais as condiccedilotildees dadas pelo autor para que haja a subjetividade Esse recurso a Aristoacuteteles

deve-se agrave possibilidade de situar ali o surgimento da forccedila de determinaccedilatildeo interna do indiviacute-

duo Situo aqui um aspecto decisivo na argumentaccedilatildeo pois no auge da modernidade ocorre a

insuficiecircncia dessa forccedila interna do sujeito e contrapondo tambeacutem a perspectiva kantiana

esta forccedila interior ao indiviacuteduo humano passa a ser administrada por vontades a ele exteriores

Vislumbra-se assim o colapso da base conceitual do seu imperativo categoacuterico baseado no

poder da autodeterminaccedilatildeo Ocorre uma relaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de sensibilidade e entendimen-

to em Kant e a noccedilatildeo de perda de evidecircncia em Adorno quando o entendimento natildeo mais

encontra material ldquoconfiaacutevelrdquo para o ato de siacutentese Mesmo natildeo tendo sido pontuado por A-

dorno com a concepccedilatildeo de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade ocorre uma possiacutevel soluccedilatildeo

para tal problema No centro da concepccedilatildeo de pensamento poacutes-metafiacutesico estaacute a ideia de de-

terminaccedilatildeo e de verdade portadora de nuacutecleo temporal contrariando radicalmente a concep-

ccedilatildeo tradicional das ideias eternas e imutaacuteveis de Platatildeo ou do criteacuterio transcendental do tem-

po e do espaccedilo em Kant Assim eacute que partindo do princiacutepio temporal o criteacuterio da histoacuteria

em sua transitoriedade o outro eacute constante desafio nunca simples ideia ou resultado final

Partindo dessa compreensatildeo o terceiro capiacutetulo visa propor as criacuteticas ao imperativo

categoacuterico alegando a impossibilidade de mediante a forccedila de tal imperativo objetivar o rei-

no dos fins O amor ao dever gera um viacutenculo baseado estritamente no criteacuterio de coerecircncia

loacutegica como fundamento para a accedilatildeo moral fazendo o humano tatildeo abstrato que perde a efeti-

vidade dos viacutenculos concretos Se junta a isso o problema de que natildeo eacute possiacutevel vislumbrar

nas trecircs obras sobre moral (Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes Fundamenta-

ccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes) o modo como o ser humano desenvolve a consciecircncia moral

Do mesmo modo natildeo satildeo evidentes as condiccedilotildees que permitem ocorrer efetivamente a tran-

siccedilatildeo da consciecircncia moral vulgar para uma metafiacutesica dos costumes

No quarto capiacutetulo o desafio eacute estabelecer as bases teoacutericas para a concepccedilatildeo de su-

jeito esteacutetico em Adorno e o que demarca o acircmbito artiacutestico nesse autor ou seja quando uma

obra pode ser considerada arte Conseguindo situar este sujeito e o acircmbito da obra de arte

torna-se possiacutevel compreender o real desafio agrave racionalidade diante da constante reserva de

sentido que compotildee o outro o diferenciado Na concepccedilatildeo de sujeito esteacutetico encontra-se a

possibilidade de realizaccedilatildeo da dialeacutetica do esclarecimento esse processo de saiacuteda do ser hu-

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mano de seu estado de menoridade rumo a um patamar de entendimento que ainda em Kant

chama-se esclarecimento e autonomia

Finalizando o itineraacuterio teoacuterico o quinto capiacutetulo visa localizar qual a significaccedilatildeo eacute-

tico-educativa que surge a partir dessa concepccedilatildeo de sujeito esteacutetico Recorro a alguns concei-

tos decisivos e que representam um incisivo desafio agrave educaccedilatildeo Refiro-me especificamente agrave

noccedilatildeo de sensibilidade identificaccedilatildeo viacutenculos de responsabilidades ceacutelulas de humanidade

comunicaccedilatildeo de diferenciados em contraposiccedilatildeo ao ideal de ser humano e sociedade atomi-

zados A educaccedilatildeo deve gerar a paz o que em Adorno se caracteriza como a possibilidade de

comunicaccedilatildeo entre diferentes sem acircnsia de domiacutenio cuja marca estaacute na ausecircncia do medo

natildeo do desconhecido que gera o mito mas de poder ser diferente sem temor sem o risco de

ser considerado antiacutetese hostil A educaccedilatildeo eacute aqui concebida a partir do plasmar linguumliacutestico

da constituiccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade e como possibilitadora no novo

Seguindo esse horizonte teoacuterico-investigativo a educaccedilatildeo e posta diante do desafio de

aperfeiccediloar cada vez mais a humanidade em noacutes tornando-nos aptos a coabitar com a vida

onde quer que ela esteja a partir de sua riqueza proacutepria Natildeo eacute o pensamento que nos humani-

za ele somente nos converte em animais racionais Cabe ao movimento de esclarecimento da

consciecircncia gerar as condiccedilotildees para que a vida seja possiacutevel neste local que habitamos Ou

seja constituir o meio proacuteprio que possibilita a humanidade o que natildeo se fundamenta em um

puro amor ao dever ou agrave coerecircncia loacutegica do pensamento sendo urgente desenvolver a cons-

ciecircncia da interdependecircncia universal como fundamento para a possibilidade de pensar o hu-

mano e de seu proacuteprio existir

1 ASPECTOS EacuteTICOS DA CONSTITUICcedilAtildeO E DA FORMACcedilAtildeO DO HUMANO SEGUNDO KANT

Em se tratando de filosofia e educaccedilatildeo ou se referindo ao termo formaccedilatildeo temos o

grande desafio de estabelecer os fundamentos para a constituiccedilatildeo da subjetividade apta a pro-

duzir a significar o conhecimento e tambeacutem apta a agir moralmente A pergunta poderia ser

sintetizada da seguinte maneira ldquoquem eacute como se forma o sujeito humano e quais as bases

eacuteticas de tal constituiccedilatildeordquo A pretensatildeo dessa investigaccedilatildeo natildeo eacute apresentar um esquema ge-

ral das respostas que surgiram na tradiccedilatildeo filosoacutefica cujo berccedilo estaacute ainda na trageacutedia grega

mas sim pontuar dois paradigmas que considero decisivos nesta abordagem a busca pelos

universais fundados nos conceitos da razatildeo em Kant e a defesa do singular sensiacutevel em A-

dorno Destaca-se que a referecircncia agrave Kant eacute necessaacuteria para melhor apresentar a posiccedilatildeo de

Adorno em relaccedilatildeo agrave defesa do singular sensiacutevel Desse modo metodologicamente a referecircn-

cia agrave Kant eacute apenas de passagem

Diante do problema da subjetividade o que segue eacute uma releitura de alguns toacutepicos do

pensamento kantiano para entatildeo pontuar a criacutetica adorniana aos constituintes da ideia norte-

adora em Kant denominada reino dos fins Para tanto seratildeo percorridos dois caminhos teoacuteri-

cos dois modos de conceber a formaccedilatildeo moral O ponto de partida estaacute em como Kant com-

preende a constituiccedilatildeo da liberdade e autonomia de consciecircncia e representaccedilatildeo e o ideal de

reino dos fins isso baseado nas obras Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes (FMC)

Metafiacutesica dos costumes (MC) e as obras magnas Criacutetica da razatildeo pura (CRPu) e Criacutetica da

razatildeo praacutetica (CRPr) O contraponto em Adorno segue com um diaacutelogo entre suas obras

buscando no jogo de tensotildees textuais que marcam sua produccedilatildeo as bases da constituiccedilatildeo

sensiacutevel da moralidade e os fundamentos de sua afirmaccedilatildeo de sujeito destituiacutedo de subjetivi-

dade ou o fato de natildeo haver mais sujeito

Immanuel Kant com o caraacuteter transcendental que define o sujeito remete a um estrei-

tamento na noccedilatildeo de constituiccedilatildeo ou seja como se forma o sujeito do conhecimento e o sujei-

to moral Agora a forccedila constituinte eacute tatildeo somente interna como condiccedilatildeo de possibilidade de

qualquer regra praacutetica autocircnoma Assim natildeo haacute interferecircncia externa de circunstacircncias con-

tingentes de um soberano de divindades na formaccedilatildeo da natureza interna Essa eacute definida

como posse do indiviacuteduo que no interior da experiecircncia interage movido pela rigidez inaba-

laacutevel derivada da marca constituinte do reino dos fins ou seja a consideraccedilatildeo do humano

como portador de grandeza absoluta sem possibilidade de ser meio Essa grandeza deve estar

na base de qualquer princiacutepio praacutetico ndash ningueacutem pode querer atentar contra o fundamento do

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reino entendendo tal fundamento como sendo a grandeza do indiviacuteduo ser fim em si mesmo

(cf CRPr MC e FMC) A noccedilatildeo de fim eacute decisiva para Kant em questotildees morais como des-

taca Macarena Marey

Um sistema de fins implica [] natildeo somente uma classificaccedilatildeo de deveres eacuteticos mas tambeacutem uma compreensatildeo da moralidade que eacute notavelmente mais ampla que a preocupaccedilatildeo moral dos agentes na vida cotidiana sobre a autorizaccedilatildeo moral de suas accedilotildees [] A moralidade eacute uma esfera que inclui a questatildeo [] sobre quais satildeo os fins entendidos natildeo como meros lsquoobjetos do arbiacutetriorsquo mas como princiacutepios praacuteticos supremos que informam o plano de vida de um agente cuja efetiva aceitaccedilatildeo eacute con-diccedilatildeo necessaacuteria de qualquer pretensatildeo de moralidade (MAREY 2010 p75 ndash tradu-ccedilatildeo nossa)

Na eacutetica kantiana a consciecircncia desses princiacutepios praacuteticos supremos deveria estar na

base das accedilotildees a partir dos quais se evidenciaria como o agente estaacute conduzindo suas accedilotildees

qual eacute o seu fio condutor Na noccedilatildeo de ser humano como reino de fins estaacute para a mesma

autora ldquoo princiacutepio praacutetico ou o fim geral o projeto fundamental [] que daacute forma ao plano

de vida de um agenterdquo (ibidem p76)

No seacuteculo XX Theodor Adorno elabora uma criacutetica principalmente com base filosoacutefi-

co-esteacutetica que pode ser concebida como sendo o diagnoacutestico da crise enfrentada pelo sujeito

transcendental e pelo almejado reino dos fins kantiano E atribuo o adjetivo crise natildeo no sen-

tido de natildeo aceitar a humanidade como fim uacuteltimo mas aos moldes transcendentais do sujei-

to e aos moldes do imperativo categoacuterico que natildeo conseguiram dar conta da realizaccedilatildeo de

sua tarefa o reino dos fins Em outras palavras o problema natildeo estaacute no reino dos fins na hu-

manidade como fim uacuteltimo mas em sua ideia de fundo na sua teoria legitimadora a qual natildeo

percebeu o caraacuteter determinante das contingecircncias histoacutericas que podem impor o limite da

proacutepria humanidade ndash a barbaacuterie extrema aniquiladora de todo sujeito Isso pelo fato de que

ldquocomo uacutenico ser dotado de entendimento na terra o ser humano pode estabelecer voluntaria-

mente fins para si mesmordquo (HOumlFFE 2009 p32) Um regime totalitaacuterio por exemplo pode

pretender considerar como humano apenas um determinado grupo ou determinado modo de

vida A base racional que potildee o humano como fim propotildee princiacutepios praacuteticos altamente nega-

tivos agravequeles que natildeo se adequarem a essa determinada concepccedilatildeo de humano1

A ideia de fundo anteriormente mencionada e que eacute passiacutevel de discussatildeo reside no

reconhecimento da lei moral como determinante para a accedilatildeo Ateacute admite-se uma referecircncia agrave

esfera praacutetica mas o fundamento estaacute dado sempre pela lei a qual eacute estritamente racional e

nenhum elemento sensiacutevel pode sustentar o dever Eacute o que Kant chama de vontade conduzida

1 Esta discussatildeo seraacute bem pontuada no quinto capiacutetulo

21

pela representaccedilatildeo das regras a vontade eacute a ldquofaculdade de determinar a sua causalidade pela

representaccedilatildeo de regras por conseguinte agrave medida que satildeo capazes de accedilotildees segundo propo-

siccedilotildees fundamentais por conseguinte tambeacutem segundo princiacutepios praacuteticos a priori (pois soacute

estes tecircm aquela necessidade que a razatildeo exige para a proposiccedilatildeo fundamental)rdquo (CRPr sect57)

Para Douglas Garcia Alves Juacutenior a vontade em Kant ldquoeacute uma faculdade pela qual o sujeito

ao ser propriamente afetado pela sensibilidade que lhe impotildee quereres eacute ao mesmo tempo

capaz de sobrepor-lhe a representaccedilatildeo de um dever que ele mesmo concebe atraveacutes da razatildeordquo

(ALVES JUNIOR 2005 p41) Esta representaccedilatildeo do dever eacute a representaccedilatildeo da lei moral2 a

qual conforme a segunda criacutetica (sect64) nos ordena a sua mais estrita observacircncia O ajuiza-

mento enquanto ato do entendimento enquanto direcionado natildeo ao empiacuterico mas ao conteuacute-

do conceitual ndash o juiacutezo diz o conceito ndash natildeo oferece muita dificuldade acerca do que segundo

a lei moral precisa ser feito ldquoa ponto de que ateacute o entendimento mais comum e menos exerci-

tado mesmo sem experiecircncia do mundo natildeo soubesse lidar com elerdquo Essa facilidade reteacutem o

ser humano em um ambiente seguro pois basta clareza loacutegica para aplicar a regra Poreacutem da

lei moral ateacute a accedilatildeo reside um espaccedilo que deve ser habitado pelo ser humano a tomada de

decisatildeo Esse problema foi levantado por Kant quando afirma ldquose a lei somente pode pres-

crever a maacutexima das accedilotildees e natildeo as proacuteprias accedilotildees isso constitui um indiacutecio de que deixa

uma folga para a livre escolha no seguir (conformar-se com) a lei isto eacute que a lei natildeo pode

especificar precisamente de qual maneira algueacutem deve agir e quanto algueacutem precisa fazer

atraveacutes da accedilatildeo para um fim que eacute tambeacutem um deverrdquo (MC p 233) Contudo este espaccedilo

livre de promessa de decisatildeo em como agenciar a lei agrave praacutetica eacute iluminado por um uacutenico

pressuposto a proacutepria lei moral que estaacute em noacutes como o ceacuteu estrelado estaacute acima de noacutes3

A questatildeo que se impotildee e que seraacute alvo das discussotildees eacute A forccedila provinda da lei mo-

ral e do amor ao dever eacute suficiente para mover o ser humano a partir de um fio condutor mo-

ralmente adequado agrave humanidade E como a educaccedilatildeo poderia interferir neste processo de

constituiccedilatildeo da moralidade e na consequente edificaccedilatildeo do humano Sobre esta uacuteltima recai

todo o esforccedilo dessa investigaccedilatildeo

A proposta teoacuterica aqui desenvolvida segue aleacutem das interrogaccedilotildees acima outros pro-

blemas Eacute possiacutevel defender um alargamento da experiecircncia como sendo a base da constitui-

2 Conforme a Criacutetica da razatildeo praacutetica a lei moral eacute descrita nos seguinte imperativo ldquoAge de tal modo que a maacutexima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universalrdquo (sect7 p54) 3 Metaacutefora utilizada por Kant para expressar a grandeza da lei moral no interior do ser humano Na conclusatildeo da Criacutetica da razatildeo praacutetica (sect288) afirma ldquoDuas coisas enchem o acircnimo de admiraccedilatildeo e veneraccedilatildeo sempre nova e crescente quanto mais frequentemente e persistentemente a reflexatildeo ocupa-se com elas o ceacuteu estrelado acima de mim e a lei moral em mimrdquo

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ccedilatildeo da subjetividade e da consciecircncia moral Em que termos se daria tal defesa A experiecircn-

cia pode significar um alargamento necessaacuterio agrave consciecircncia moral Quanto de autocircnomo e

quanto de heterocircnomo existe na condiccedilatildeo humana

Com isto faccedilo a abertura das discussotildees que constituem este primeiro capiacutetulo visando

firmar ao final da tese uma re-significaccedilatildeo eacutetico-educativa com base no sujeito poacutes-

metafiacutesico ndash ou esteacutetico ndash em Adorno Neste primeiro momento pretendo entatildeo realizar uma

anaacutelise do modelo de constituiccedilatildeo da subjetividade baseado no imperativo categoacuterico Aleacutem

dos motivos jaacute destacados optei por seguir um diaacutelogo com Kant devido agraves constantes inter-

faces que o filoacutesofo de Frankfurt estabelece com o de Koumlnigsberg principalmente em ques-

totildees morais e do imperativo categoacuterico Faccedilo entatildeo uma leitura a partir da recepccedilatildeo ou re-

percussatildeo que a proposta filosoacutefica de Kant teve sobre a proposta filosoacutefica de Adorno

Kant quis que a lei moral fosse interna ao ser humano como autonomia princiacutepio e lei

dados a partir da proacutepria razatildeo e do amor ao dever A questatildeo que surge eacute decisiva O que

fazer com esta gigantesca lei moral interna Como agenciaacute-la na praacutetica Nas obras baacutesicas

que versam sobre eacutetica Kant defenderaacute uma relaccedilatildeo iacutentima da lei moral com as maacuteximas de

accedilatildeo uma vez que satildeo as maacuteximas que estatildeo em iacutentima relaccedilatildeo com a accedilatildeo mesma Dessa

forma a lei moral deve estar na base das maacuteximas utilizadas na accedilatildeo e no momento das deci-

sotildees devemos ter o olhar fixo no princiacutepio do dever ditado pelo imperativo categoacuterico Na

Minima moralia (116 p158) Adorno propotildee que se deve ldquoaprender a lidar com a moralida-

derdquo a senti-la e assim apropriar-se dela sendo as ldquoinfraccedilotildees miacutenimasrdquo o veiacuteculo mediador

entre este ldquoimenso ceacuteu estreladordquo e o mundo da vida Metaforicamente o que ocorre em A-

dorno eacute o retorno do telescoacutepio que busca o gigantesco ceacuteu estrelado kantiano ao proacuteprio

chatildeo da efetividade a fim de na contingecircncia histoacuterica encontrar o incentivo para a accedilatildeo A

consciecircncia moral o princiacutepio interno deve ser despertado em Adorno pelo elemento sensiacute-

vel pelo limite do corpo ndash a contingecircncia histoacuterica

11 A constituiccedilatildeo transcendental do sujeito eacutetico em Kant

A tensatildeo entre Kant e Adorno encontra um ponto de referecircncia ndash o qual considero co-

mo dado fundamental ndash nas noccedilotildees de metafiacutesica e experiecircncia esteacutetica como formas do pen-

samento filosoacutefico

Na Metafiacutesica dos costumes Kant define metafiacutesica como ldquoum sistema de cogniccedilatildeo a

priori a partir exclusivamente de conceitosrdquo (2008) Em outro momento expotildee que ldquooutra

coisa natildeo eacute senatildeo o inventaacuterio sistematicamente ordenado de tudo o que possuiacutemos pela ra-

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zatildeo purardquo (CRPu A XX) Situada em uma dimensatildeo privilegiada do saber referente ao prag-

maacutetico a metafiacutesica serviraacute como telos e nuacutecleo de forccedila ao ideal formativo sendo a clareza

intuitiva apenas a instacircncia propulsora da relaccedilatildeo de conhecimento no momento da receptivi-

dade do nosso espiacuterito quando somos afetados pelo objeto O conhecimento encontra sua

culminacircncia na siacutentese operada pelo entendimento ao sermos capazes de pensar o objeto pro-

vindo da sensibilidade (cf Loacutegica transcendental na Criacutetica da razatildeo pura) Partindo do

princiacutepio de que a verdade estaacute situada dentro dos limites da experiecircncia possiacutevel a sensibili-

dade ampliada se torna decisiva O limite de qualquer conhecimento estaacute mesmo para Kant

na impossibilidade de alcanccedilar a coisa em-si o elemento essencial em palavra aristoteacutelica

Assim sendo na CRPu o conhecimento somente consegue se mover dentro do material que a

sensibilidade lhe fornece e a verdade ocorre como resultado do jogo entre o material provin-

do da sensibilidade e a siacutentese que o entendimento realiza

Na Metafiacutesica dos costumes ao definir o local que a lei moral ocupa dentro dos costu-

mes Kant a coloca em situaccedilatildeo bem distante das accedilotildees e ao ocupar-se com ela refugia-se em

um territoacuterio tranquilamente livre da contingecircncia A lei em Kant e conforme exposto anteri-

ormente pode prescrever somente a maacutexima da accedilatildeo e natildeo o modo de accedilatildeo propriamente

dito de modo que a efetividade praacutetica estaacute definida pela diversidade de regras praacutetica a par-

tir da promessa de decisatildeo Mas em questotildees praacuteticas nenhum ser humano ocupa tal refuacutegio

estando em constante conflito entre suas proacuteprias maacuteximas a accedilatildeo e a lei Na tentativa de re-

duzir tal distacircncia o autor compotildee a moral tanto (a) pela lei quanto (b) pela capacidade de

cumprir tal lei e (c) a vontade em assim fazer (cf MC p240) Lei vontade e capacidade praacute-

tica formam a triacuteade constitutiva do sujeito eacutetico poreacutem tais fatores somente satildeo possiacuteveis de

serem considerados como posse humana pressupondo o sujeito livre

No paraacutegrafo 5 da Criacutetica da razatildeo praacutetica em nota explicativa sobre a lei moral a li-

berdade eacute posta como condiccedilatildeo para a existecircncia da moralidade e por outro lado eacute mediante

esta que a liberdade pode ser conhecida afirmo que a lei moral seja a condiccedilatildeo sob a qual primeiramente podemos tornar-nos conscientes da liberdade quero apenas lembrar que a liberdade eacute sem duacutevida a ratio essendi da lei moral mas que a lei moral eacute a ratio cognoscendi da liberdade Pois se a lei moral natildeo fosse pensada antes claramente em nossa razatildeo jamais nos considerariacuteamos autorizados a admitir algo como a liberdade [] Mas se natildeo exis-tisse liberdade alguma a lei moral natildeo seria de modo algum encontraacutevel em noacutes

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Falar em lei moral exige entatildeo inserir a liberdade4 como algo proacuteprio desse ser consi-

derado por Kant como fim uacuteltimo Liberdade e finalidade satildeo os atributos essenciais a partir

dos quais o humano deve ser reconhecido E assim se impotildee novamente o ser humano no

centro das discussotildees

ele natildeo coloca o ser humano no centro do mundo mas o declara um fim que natildeo exis-te ao mesmo tempo como meio portanto um simples fim um fim em si mesmo Aleacutem disso numa hierarquia de fins o ser humano constitui seu fim terminal e ateacute o fim terminal absoluto de toda a natureza E essa posiccedilatildeo ou dignidade compete segundo o antropocentrismo5 de Kant unicamente ao ser humano (HOumlFFE 2009 p21)

Estamos diante das condiccedilotildees para pensar a humanidade enquanto espeacutecie a liberdade

e a concepccedilatildeo de finalidade Ambas definem o espaccedilo a partir do qual eacute possiacutevel falar em mo-

ralidade

A imputabilidade de uma accedilatildeo ao sujeito sua responsabilidade moral somente eacute pos-

siacutevel pressupondo para Kant a condiccedilatildeo de agente livre Nesse sentido surge o problema dos

modelos os exemplos em sua impossibilidade de mover para a accedilatildeo pois eles ldquoservem apenas

para encorajar isto eacute potildeem fora de duacutevida a possibilidade daquilo que a lei ordenardquo (FMC

BA 29) Ao mesmo tempo em que Kant reconhece os exemplos como necessaacuterios agrave educaccedilatildeo

moral por outro lado o exemplo pode se tornar prejudicial por natildeo permitir o fortalecimento

da subjetividade reconhecida pela autonomia O modelo quando tornado ideal desconside-

rando seu caraacuteter de contingecircncia impede o desenvolvimento da ousadia no pensamento de-

fendido enfaticamente no texto Resposta agrave pergunta que eacute esclarecimento Sapere aude en-

contra o sentido pleno na medida em que permite desenvolver e assumir um comportamento

sem o guia tutorial

Assim eacute que nos textos da Criacutetica da razatildeo praacutetica Metafiacutesica dos costumes e Fun-

damentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes haacute esta dupla perspectiva em relaccedilatildeo agrave tensatildeo entre

exemplos modelos e liberdade Haacute um consenso interno na teoria kantiana pondo os modelos

como encorajadores provando que eacute possiacutevel agir em plena conformidade ao dever Poreacutem

eles natildeo representam em nada o fortalecimento da moralidade em noacutes pois apoacutes acalmar os

sentimentos que o exemplo excita ldquoo coraccedilatildeo retorna espontaneamente ao seu movimento

4 O objetivo natildeo eacute aqui discutir detalhadamente o conceito de liberdade mas pontuaacute-lo brevemente a fim de situar as caracteriacutesticas ndash juntamente com a de finalidade uacuteltima ndash que marcam o ser humano em sentido moral 5 Otfried Houmlffe no mesmo texto indica que o antropocentrismo defendido eacute simplesmente temaacutetico ldquoPoder-se-ia dizer que se trata de um antropocentrismo temaacutetico e natildeo dogmaacutetico ou de um antropocentrismo relativo e natildeo absoluto Este eacute um antropocentrismo condicionado a saber um antropocentrismo que pressupotildee que se olhe a natureza do ponto de vista da espeacutecie homo sapiens Haacute aleacutem disso outra diferenccedila da compreensatildeo usual de antropocentrismo a natureza natildeo eacute instrumentalizada com vistas ao bem-estar humanordquo (2009 p33)

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vital natural e moderado e por conseguinte recai na languidez que lhe era antes peculiar

porque na verdade lhe era oferecido algo que o estimulava mas nada que o fortalecesserdquo

(CRPr sect 281)

O fortalecimento do sujeito para a accedilatildeo eacutetica ocorre em Kant a partir da conduccedilatildeo do

indiviacuteduo agrave liberdade resultando na autonomia como fora defendido na Resposta agrave pergunta

o que eacute esclarecimento Desse movimento inicial eacute possiacutevel desenvolver a consciecircncia da lei

moral ou seja a orientaccedilatildeo da maacutexima de accedilatildeo a partir da forccedila da lei ldquoO ceacuteu estrelado acima

de noacutes e a lei moral em noacutesrdquo Esse enunciado expressa muito mais do que uma forma de ori-

entaccedilatildeo devendo ser conteuacutedo de consciecircncia do mesmo modo que o ceacuteu estrelado em sua

grandeza serve de orientaccedilatildeo a lei moral em sua grandeza deve ser consciecircncia para poder

influenciar a orientaccedilatildeo pragmaacutetica do ser humano ldquoo que ele faz de si mesmo ou pode e

deve fazer como ser que age livrementerdquo (ANTR p21)

Nesse ponto eacute que os exemplos e os modelos sofrem de impossibilidade pois sua uacuteni-

ca funccedilatildeo eacute mostrar que eacute possiacutevel agir por amor ao dever mas natildeo pode ser colocado como

modelo de accedilatildeo Uma educaccedilatildeo que se utiliza de modelos visando fortalecer a consciecircncia e

gerar moralidade eacute carente de princiacutepios pois os modelos quando postos na posiccedilatildeo de prin-

ciacutepios podem impedir o elemento baacutesico da moralidade a liberdade e autonomia Em relaccedilatildeo

a isso eacute possiacutevel aproximar Adorno de Kant quando em Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo (Educa-

ccedilatildeo-para quecirc p141) os modelos ideais satildeo acusados de ideologia o que impede o pensa-

mento emancipado e criacutetico

Pode-se entatildeo defender que os exemplos natildeo servem de princiacutepios pois natildeo agem na

consciecircncia de modo a fortalecer ou ateacute mesmo como motivador da accedilatildeo A uacutenica possibili-

dade de haver a tomada de consciecircncia eacute mediante a representaccedilatildeo da lei da moralidade em

relaccedilatildeo ao ser humano individual ou seja a adequaccedilatildeo do princiacutepio agrave accedilatildeo E isso ocorre ape-

nas quando a base da accedilatildeo seu impulso normativo ocorre via conceito e a representaccedilatildeo deste

na praacutetica humana Princiacutepios tecircm que ser estabelecidos sobre a base de conceitos [] Ora esses con-ceitos se devem tornar-se subjetivamente praacuteticos natildeo tecircm que ficar parados diante das leis objetivas da moralidade para admiraacute-las e para apreciaacute-las em relaccedilatildeo agrave hu-manidade mas tecircm que considerar a sua representaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao homem e sua individualidade (CRPr sect 281)

Fixando a distinccedilatildeo entre princiacutepios e exemplos esses podem gerar apreccedilo e admira-

ccedilatildeo servindo de incentivo ao ajuizamento em conteuacutedos morais Mas natildeo podem servir de

incentivos agrave accedilatildeo mesma o que exige a forccedila motriz dos princiacutepios os quais satildeo originados

26

pela faculdade do entendimento natildeo da sensibilidade Seguindo as linhas da Criacutetica da razatildeo

pura os conceitos se originam da mateacuteria-prima fornecida pela intuiccedilatildeo a qual eacute sensiacutevel Eacute

somente nesse sentido que os exemplos podem ter utilidade movendo a faculdade do enten-

dimento a operar a siacutentese deste diverso em uma ligaccedilatildeo sinteacutetica resultando em consciecircncia

Assim eacute possiacutevel a existecircncia do eu idecircntico (oposto agrave heteronomia) este sujeito possuidor de

si mesmo e capaz de mover-se pela representaccedilatildeo desta carga de consciecircncia ldquoTudo na natu-

reza age segundo leis Soacute um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representaccedilatildeo

das leis isto eacute segundo princiacutepios ou soacute ele tem uma vontaderdquo (FMC BA 36) O que temos

aqui eacute que pela siacutentese ocorre o surgimento de princiacutepios uacutenica via constituidora de uma

forccedila subjetiva para mim

Essa constituiccedilatildeo do sujeito moral em Kant ndash cujo percurso encontra nos exemplos a-

penas um estiacutemulo havendo necessidade da formaccedilatildeo da consciecircncia mediante a siacutentese do

material apreendido pelos sentidos convertendo-os em conceitos sendo que a partir de sua

representaccedilatildeo eacute originada a accedilatildeo moral ndash eacute definida como transcendental O sujeito transcen-

dental estaacute edificado com base metafiacutesica pois a possibilidade de determinaccedilatildeo supera a con-

tingecircncia histoacuterica e se fixa nas bases conceituais estaacuteveis fruto das representaccedilotildees e deste

modo limitando a influecircncia das experiecircncias efetivas com o objeto Este eacute o curso que o meacute-

todo da razatildeo praacutetica assume constituindo a subjetividade enquanto forccedila para mim baseada

no poder da ldquoliberdade interior de desembaraccedilar-se de tal modo da impetuosa impertinecircncia

das inclinaccedilotildees que absolutamente nenhuma mesmo a mais benquista tenha influecircncia sobre

uma resoluccedilatildeo para a qual devemos servir-nos agora da nossa razatildeordquo (CRPr sect 287) A forma-

ccedilatildeo da consciecircncia a partir da criacutetica da razatildeo em Kant segue entatildeo esse trajeto descrito com

sua consequente constituiccedilatildeo do princiacutepio supremo da moralidade Eacute esse um dos pontos deci-

sivos de contraposiccedilatildeo surgidos a partir do estudo da obra de Theodor Adorno o que seraacute

desenvolvido no decorrer do texto

12 O ideal de Reino dos fins e a determinaccedilatildeo moral do sujeito transcendental

O plano intelectual da Criacutetica da razatildeo pura apresentado no prefaacutecio agrave segunda edi-

ccedilatildeo aponta para a exigecircncia de relaccedilatildeo com a natureza a partir do imperativo racional de natildeo

se deixar guiar por nada que esteja aqueacutem da posiccedilatildeo de juiz que dita as regras e obriga a res-

postas conforme sua proacutepria pretensatildeo de esclarecimento Ao definir isso como sendo atributo

da razatildeo que ldquosoacute entende aquilo que produz segundo os seus proacuteprios planos que ela tem que

tomar a dianteira com princiacutepios que determinam os seus juiacutezos segundo leis constantes e

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deve forccedilar a natureza a responder agraves suas interrogaccedilotildees em vez de se deixar guiar por estardquo

(CRPu B XIII) ao apresentar tal plano Kant abre espaccedilo para a interferecircncia direta da razatildeo

pura livre de contingecircncias empiacutericas em relaccedilatildeo aos princiacutepios eacuteticos

Em termos morais a razatildeo precisa ser a produtora de suas leis e orientadora de suas

accedilotildees pois satildeos seus princiacutepios que devem estar na dianteira tanto dos ajuizamentos quanto

da proacutepria atividade humana inserida no mundo Temos em Kant ldquoa indicaccedilatildeo de que o con-

teuacutedo da lei moral em geral e o conteuacutedo concreto de determinadas maacuteximas que se possam

derivar dela natildeo satildeo determinados pelas disposiccedilotildees morais do acircnimo Nesse sentido Kant eacute

inequivocamente um racionalista somente a razatildeo (reflexatildeo) e natildeo um sentimento formula a

lei moral e determina com isso quais accedilotildees satildeo ordenadasrdquo (SCHOumlNECKER 2009 p57)

A moralidade entendida como a adequaccedilatildeo do agir humano ao princiacutepio racional de-

nominado lei e sendo entatildeo de cunho empiacuterico eacute consequecircncia desta situaccedilatildeo de autonomia

caracteriacutestica do sujeito que forccedila a natureza a guiar-se por tal lei constante Nessa perspectiva

Kant cunha a concepccedilatildeo de autonomia da vontade Contrapondo-se agrave possibilidade de deter-

minaccedilatildeo externa e portanto contingente a autonomia revela a capacidade de fazer uso do

proacuteprio entendimento conforme enunciado no texto Resposta agrave pergunta que eacute esclareci-

mento

Na Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes a vontade eacute caracterizada como a ldquofa-

culdade de se determinar a si mesmo a agir em conformidade com a representaccedilatildeo de certas

leisrdquo (BA 63) Desse modo a determinaccedilatildeo moral ocorre via representaccedilatildeo sendo essa resul-

tado da consciecircncia da lei moral em noacutes Isto foi analisado anteriormente poreacutem vale ressal-

tar que este agir em conformidade com a representaccedilatildeo da lei significa guiar-se pelos princiacute-

pios de consciecircncia fixados pelo entendimento em seu ato sinteacutetico de congregar as represen-

taccedilotildees em um conceito cuja forccedila determina a vontade

Voltando agrave autonomia ocorre um ldquoauto-forccedilarrdquo a natureza a seguir alguns criteacuterios

Em se tratando de seres racionais os uacutenicos em que eacute possiacutevel admitir a autonomia como cri-

teacuterio a vontade ldquoeacute aquela sua propriedade graccedilas agrave qual ela eacute para si mesma a sua lei (inde-

pendentemente da natureza dos objetos do querer)rdquo Dessa forma o princiacutepio da autonomia eacute

ldquonatildeo escolher senatildeo de modo a que as maacuteximas da escolha estejam incluiacutedas simultaneamen-

te no querer mesmo como lei universalrdquo (FMC BA 87)

Essa referecircncia eleva o sujeito transcendental para aleacutem da dimensatildeo epistemoloacutegica

Apesar de a Criacutetica da Razatildeo Pura ter o caraacuteter estrito de reformular as bases para o conheci-

mento ao afirmar que foge agrave capacidade de entendimento racional toda determinaccedilatildeo alheia

ao uso puro da razatildeo compreende-se que em termos de conduta praacutetica toda lei deve para

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ser reconhecida pela razatildeo partir de sua necessidade O plano de se deixar guiar por vontade

alheia natildeo encontra legitimaccedilatildeo na razatildeo pelo simples fato de natildeo ter sido ela a movedora de

tal plano e inclusive da minha vontade Este eacute o pressuposto da maioridade em Kant que

toda accedilatildeo feita por mim possa ser reconhecida pela minha razatildeo como devedora total agrave sua

necessidade

Kant faz uma advertecircncia para natildeo confundir a moralidade como pertencente agrave filoso-

fia transcendental pois falar em transcendental exige o entendimento de que nela natildeo entra conceito algum que contenha algo de empiacuterico ou seja vigiar para que o conhecimento a priori seja totalmente puro [] Daiacute resulta que os princiacutepios supremos da moralidade e os seus conceitos fundamentais sendo embora conceitos a priori natildeo pertencem agrave filosofia transcendental (CRPu B 28)

No entanto apesar de as questotildees morais estarem ligadas agrave contingecircncia o princiacutepio

de lei que orienta toda moralidade precisa daquele assentamento Sendo assim pode ateacute natildeo

haver pertenccedila em questotildees praacuteticas mas a lei do agir eacute dada estritamente pela razatildeo Desse

modo o moacutebil eacute sempre dado pelo sujeito transcendental nas suas condiccedilotildees de possibilida-

de a priori em conceber natildeo apenas uma verdade epistemoloacutegica mas a legitimidade e reco-

nhecimento da lei

Estamos diante do fato da razatildeo e sendo assim faz-se necessaacuterio estabelecer as bases

firmes deste fato Ou seja eacute imprescindiacutevel ter claro que para Kant como jaacute fora mencionado

anteriormente todo conhecimento para ser digno de consideraccedilatildeo cientiacutefica e estar legitima-

do racionalmente precisa partir do princiacutepio que a proacutepria razatildeo natildeo reconhece aquilo que eacute

produzido segundo planos a ela estranhos Ao afirmar que natildeo se pode buscar a fundamenta-

ccedilatildeo para a verdade a natildeo ser na convicccedilatildeo racional o deslocamento que ocorre aponta para a

superioridade da natureza interna sobre a externa Esta precisa ser controlada por aquela e

apesar de constantemente estarmos em busca da objetividade a fim de colocarmos em movi-

mento nossa capacidade de conhecer (cf CRPu B 1) isso natildeo ocorre sem mais a razatildeo ldquodeve

ir ao encontro da natureza para ser por esta ensinada eacute certo mas natildeo na qualidade de aluno

que aceita tudo o que o mestre afirma antes na de juiz investido nas suas funccedilotildees que obriga

as testemunhas a responder aos quesitos que lhes apresentardquo (CRPu B XIII)

Em relaccedilatildeo agrave natureza interna isto assume um caraacuteter decisivo na eticidade onde estaacute a

base da lei de conduta O querer natildeo pode ser guiado por questotildees alheias ao si proacuteprio toda

accedilatildeo deve ser pautada pela vontade consequente desse querer e isso por natildeo haver o reconhe-

cimento tanto de um governo divino quanto do humano em outra pessoa a natildeo ser a primeira

do singular o eu mesmo como nuacutecleo de forccedila para o agir A razatildeo natildeo reconhece aquilo que

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natildeo eacute por ela ditada e assim estaacute estabelecida a base para a maioridade e para a edificaccedilatildeo do

estado humano autocircnomo A pergunta ldquode onde proveacutem a leirdquo deveria ter como resposta i-

mediata proveacutem da razatildeo e pela razatildeo Assim sendo o estreitamento da noccedilatildeo de constitui-

ccedilatildeo configurado na necessidade do reconhecimento da lei pela razatildeo remete em Kant ao es-

treitamento na noccedilatildeo de facticidade somente estou autorizado a realizar aquilo que corres-

ponde agrave lei reconhecida pela razatildeo

Mas o que eacute lei Na Fundamentaccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes encontramos uma

definiccedilatildeo elucidativa eacute o princiacutepio objetivo do querer6 ou seja eacute a regra assentada em moti-

vos vaacutelidos para todo ser racional (cf FMC BA 63) Quando a razatildeo tem a possibilidade de

reconhecer uma accedilatildeo gerada por sua lei estamos diante da impossibilidade de accedilatildeo danosa

moralmente imputada pois o princiacutepio da razatildeo se assenta na validade para todos os seres

racionais Em outras palavras para que seja lei eacute necessaacuterio que natildeo ocorra a possibilidade de

a razatildeo mesma ser viacutetima da regra Por isso que o fim objetivo assume o caraacuteter de universali-

dade e necessidade Em termos aristoteacutelicos necessaacuterio eacute aquilo que natildeo pode natildeo ser ndash o

princiacutepio supremo da obrigaccedilatildeo

Retomando argumentaccedilatildeo acima a consideraccedilatildeo de todos os seres racionais (caraacuteter de

universalidade) envolvidos na necessidade objetiva encontra a denominaccedilatildeo de reino dos

fins Conforme jaacute visto esta eacute uma noccedilatildeo decisiva em Kant pois gera uma concepccedilatildeo de hu-

manidade derivada da forccedila moral (da accedilatildeo por dever) consequente da forccedila da lei (fundamen-

to do dever) A humanidade estabelecida atraveacutes da forccedila moral apoiada no amor ao dever

encontra a obrigatoriedade das accedilotildees nesse amor na segunda formulaccedilatildeo do imperativo cate-

goacuterico que assim dita ldquoAge de tal maneira que uses a humanidade tanto na tua pessoa como

na pessoa de qualquer outro sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente co-

mo meiordquo (FMC BA 66-67)

Em Sobre a discordacircncia entre moral e a poliacutetica a propoacutesito da paz perpeacutetua estaacute

expressa a soberania da consciecircncia no ordenamento do agir humano Eacute impossiacutevel que uma

vez admitido o dever enquanto princiacutepio interno e a constituiccedilatildeo da vontade a partir de tal

natildeo haja a possibilidade de agenciamento praacutetico a partir do princiacutepio do dever Em suas pa-

lavras postula-se que eacute um absurdo ldquoalgueacutem depois de ter admitido a autoridade deste concei-

to do dever querer dizer que natildeo se pode realizaacute-lordquo (2009 p79) Essa postura riacutegida de Kant

representa sua intenccedilatildeo em constituir uma subjetividade que se move unicamente pelo princiacute-

pio da autonomia que somente a lei interna pode proporcionar O motivo moral estaacute no cum-

6 Conforme nota explicativa de Kant em BA 15

30

primento da lei sendo esse o motivo da accedilatildeo Em relaccedilatildeo a esse motivo ldquoKant estaacute analisan-

do o conceito proacuteprio de uma lei moral dada uma lei se ela eacute moral devemos segui-la incon-

dicionalmente precisamente por ela ser moralrdquo (MAREY 2010 p79 ndash traduccedilatildeo nossa) Estri-

tamente no sentido moral da lei estaacute entatildeo o criteacuterio de decisatildeo para a adequaccedilatildeo da accedilatildeo agrave

moralidade Esta eacute a centralidade da foacutermula a autorizaccedilatildeo para atuar surge especificamente

ldquodo procedimento de universalizaccedilatildeo enunciado na foacutermula imperativa da lei geralrdquo (MA-

REY 2010 p79 ndash traduccedilatildeo nossa)

A accedilatildeo moral eacute livre isto eacute natildeo passiacutevel de influecircncia heterocircnoma Ao romper com

todo determinismo externo eacute aberta a possibilidade de realizaccedilatildeo do dever por uma uacutenica via

sendo um princiacutepio interno natildeo posso natildeo querer sua realizaccedilatildeo A questatildeo eacute se eacute possiacutevel no

momento da accedilatildeo a vontade humana se guiar unicamente pela consciecircncia do princiacute-

piofoacutermula do dever Ao defender positivamente essa questatildeo Kant fixa a liberdade a partir

do princiacutepio formal como base da moralidade Para fazer a filosofia praacutetica concordar consigo mesma eacute necessaacuterio em primeiro lu-gar resolver a questatildeo de saber se nos problemas da razatildeo praacutetica deve-se tomar co-mo ponto de partida o princiacutepio material dela a finalidade (como objeto da livre vontade) ou partir do princiacutepio formal isto eacute daquele (estabelecido somente com relaccedilatildeo agrave liberdade nas relaccedilotildees externas) assim enunciado age de tal maneira que possas querer que tua maacutexima se torne uma lei universal (qualquer que seja a finali-dade desejada por ti) (SDMP p86)

A concepccedilatildeo anteriormente desenvolvida dita a construccedilatildeo dos princiacutepios atraveacutes da

siacutentese operada pelo entendimento sobre o diverso da intuiccedilatildeo sensiacutevel resultando em conte-

uacutedo de consciecircncia impulsionadora da representaccedilatildeo deste princiacutepio (lei) em relaccedilatildeo ao ser

humano particular A partir dessa concepccedilatildeo eacute que se insere o conceito de liberdade como

suporte que garante a representaccedilatildeo da lei agrave accedilatildeo Isso se torna compreensiacutevel quando relem-

bramos a recusa de Kant a toda forma de determinaccedilatildeo pois ela eacute externa e por isso natildeo cor-

responde ao conceito de liberdade sendo este resultado da accedilatildeo mediante a representaccedilatildeo da

lei a qual eacute conteuacutedo de consciecircncia Para ser livre eacute necessaacuterio que a vontade seja impulsio-

nada por um princiacutepio interno a ela estamos diante da autonomia da vontade

Mas seria simplista entender a liberdade de escolha em Kant apenas na perspectiva

de a vontade natildeo ser determinada por impulsos sensiacuteveis ou determinaccedilotildees externas (instintos

paixotildees) Ampliando essa concepccedilatildeo liberdade eacute ldquocapacidade da razatildeo pura ser por si mes-

ma praacutetica ndash possiacutevel somente pela qualificaccedilatildeo da maacutexima da accedilatildeo como lei universalrdquo (MC

p63) Natildeo se entende o arbiacutetrio livre unicamente como oposiccedilatildeo agrave natureza que manda mas

submetida agrave razatildeo que prescreve a lei na forma de imperativo lei que comanda ou proiacutebe de

31

maneira absoluta sem possibilidade de natildeo o ser Desse modo a vontade somente seraacute livre

quando a forccedila legislativa da maacutexima servir como lei visto que a lei eacute algo em si positivo a saber a forma de uma causalidade intelectual isto eacute da liberdade assim na medida em que ela em contraste com uma contra-atuaccedilatildeo subjetiva a saber as inclinaccedilotildees em noacutes enfraquece a presunccedilatildeo eacute ao mesmo tempo um objeto de respeito e na medida em que ela ateacute a abate isto eacute a humilha eacute um objeto do maacuteximo respeito (CRPr sect130)

Eacute dada agrave lei a forccedila de ser causalidade e por ser conteuacutedo de consciecircncia eacute forma da

liberdade A lei eacute forma de causalidade que abate as inclinaccedilotildees ou seja anula em sentido

praacutetico o efeito da felicidade proacutepria e nesse sentido eacute moral pois considera o humano como

finalidade no ideal de reino dos fins Assim se entende o sentido da liberdade a possibilidade

de natildeo ser guiado nem pela determinaccedilatildeo natural o que seria ligado agrave contingecircncia e tam-

pouco pela subjetividade egoiacutesta Nesse sentido liberdade e autonomia satildeo as caracteriacutesticas

proacuteprias do ser dotado de razatildeo

A liberdade eacute entatildeo transcendental condiccedilatildeo de possibilidade natildeo apenas de ruptura

com os ditames da natureza mas de se converter em lei universal e necessaacuteria para a accedilatildeo O

princiacutepio que permite o movimento natildeo eacute outro que a representaccedilatildeo da lei na accedilatildeo humana

Kant identifica a accedilatildeo desprovida de liberdade a um autocircmato algueacutem que age como maacutequi-

na sem raciociacutenio e vontade proacutepria Se seguiacutessemos apenas um mecanismo da natureza en-

tatildeo a accedilatildeo ldquonatildeo seria melhor que a liberdade de um assador giratoacuterio o qual uma vez posto

em marcha executa por si os seus movimentosrdquo (CRPr sect174) quando natildeo haacute a representaccedilatildeo

da accedilatildeo como necessaacuteria e originada por um princiacutepio racional

Conceber a determinaccedilatildeo moral do sujeito exige como linha reguladora a noccedilatildeo de

reino dos fins Essa noccedilatildeo estaacute de acordo com o ideal de sociedade proposto tambeacutem no texto

Ideia de uma histoacuteria universal de um ponto de vista cosmopolita Defendendo a necessidade

de um mundo cosmopolita isso ocorreria pelo equiliacutebrio entre os antagonismos gerais e o

direcionamento das forccedilas em direccedilatildeo agrave realizaccedilatildeo do mais alto propoacutesito da natureza em noacutes

a ligaccedilatildeo mediante um poder irresistiacutevel o qual congrega a liberdade de cada um em co-

habitaccedilatildeo com a liberdade dos outros Isso seria a sociedade que em outras palavras deve ser

entendida como devendo estar regulada pela ideia de reino dos fins Essa relaccedilatildeo fica ainda

mais evidente quando Kant expotildee o conceito de reino ldquoa ligaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios seres

racionais por meio de leis comunsrdquo (FMC BA 74) Assim ocorre a tentativa de edificar a ple-

na igualdade entre os homens quando apesar dos antagonismos todas as forccedilas satildeo orienta-

32

das a um objetivo comum constituir a civilizaccedilatildeo entendida como o uso da ideia de morali-

dade

A obrigatoriedade de uma accedilatildeo estaacute na promoccedilatildeo e preservaccedilatildeo desse reino e nenhum

fator subjetivo pode desviar o seguimento do dever Isso significa que nenhum moacutebil pode

desviar o querer orientado pelo elemento objetivo do querer ndash tal eacute a forccedila que o imperativo

categoacuterico daacute ao sujeito envolvido na accedilatildeo uma pureza de intenccedilotildees incapaz de romper a lei

E nesse meio eacute que surge um limite ao ideal eacutetico-moral kantiano pois no acircmbito da razatildeo

pura exige-se um indiviacuteduo com uma rigidez de caraacuteter natildeo realizaacutevel no plano da contingecircn-

cia histoacuterica Eacute necessaacuterio considerar o dinamismo a incerteza histoacuterica como constituinte do

humano Estariacuteamos diante de um limite para a razatildeo pura como fixadora do alcance do ali-

cerce eacutetico Para justificar e fundamentar a afirmaccedilatildeo acima recorro a Theodor W Adorno

2 THEODOR ADORNO E A CONCEPCcedilAtildeO DE PENSAMENTO POacuteS-METAFIacuteSICO

21 Discussatildeo em torno do conceito de ldquosujeitordquo

Theodor Adorno leva ao extremo a criacutetica agrave formaccedilatildeo da subjetividade e consequen-

temente define um novo olhar sobre quem eacute ou o que eacute aquilo que chamamos sujeito Anali-

sando a trajetoacuteria de sua produccedilatildeo intelectual eacute possiacutevel relacionar sua criacutetica agrave subjetividade

tanto como uma contraposiccedilatildeo ao transcendental de Kant quanto ao pensamento grego anti-

go mas especificamente em Aristoacuteteles Considero essa tensatildeo fundamental e a interpretaccedilatildeo

que proponho avanccedila para a noccedilatildeo de que os seres humanos se converteram em ldquosujeitos des-

providos de subjetividaderdquo (MM 33 p467) Quem eacute realmente esse sujeito e em que termos

ocorre este desprover de sua proacutepria subjetividade

Na Metafiacutesica o termo sujeito eacute posto por Aristoacuteteles como um dos sentidos de subs-

tacircncia assim definido-a como a essecircncia o universal o gecircnero e o sujeito ldquoE o sujeito eacute aqui-

lo sobre o qual satildeo ditas as demais coisas sem que ele por sua vez seja dito de outrardquo (VII 3

1028b 36) Essa concepccedilatildeo encontra em seu centro a indicaccedilatildeo de um elemento fundamental

a noccedilatildeo de determinaccedilatildeo condiccedilatildeo para qualquer conhecimento Nada eacute possiacutevel dizer sem

considerar esta origem epistemoloacutegica que em Aristoacuteteles eacute a substacircncia identificada em um

sentido com o sujeito Substacircncia eacute sujeito em seu sentido enfaacutetico a origem de todo o devir

forccedila originaacuteria e que eacute legitimamente em-si Os atributos somente predicam algo em refe-

recircncia a um sujeito no caso o sujeito congregador das predicaccedilotildeesdeterminaccedilotildees eacute a subs-

tacircncia e aquelas natildeo existem fora dessa Ou seja somente satildeo em atribuiccedilatildeo ao sujeito

Apesar de Aristoacuteteles natildeo ter concebido o termo autonomia contudo este em-sisi-

mesmo independente de determinaccedilotildees pode ser entendido como um prenuacutencio desse termo

Aristoacuteteles traz para o interior do ente a capacidade de automover-se Natildeo eacute o sentido kantia-

no de autonomia ou maioridade tampouco o sentido adorniano de emancipaccedilatildeo mas indica a

possibilidade ainda claacutessica de compreender o sujeito como portador de um poder intriacutenseco

capaz de construiacute-lo mesmo que ainda em potecircncia visando um fim

Esse elemento determinante poreacutem natildeo determinado servindo assim de origem ou

suporte para todas as modificaccedilotildees que algo venha a sofrer eacute chamado por Aristoacuteteles de hy-

pokeimenon Em referecircncia a este termo para Hans-Georg Gadamer ldquoa palavra significa lsquoa-

quilo que se encontra na basersquo Eacute assim que a palavra vem ao nosso encontro na fiacutesica e na 7 As chamadas referentes agraves citaccedilotildees da obra Minima Moralia (MM) de Theodor Adorno seguem a seguinte ordem abreviatura da obra nuacutemero do aforismo seguido do nuacutemero da paacutegina conforme a traduccedilatildeo ao portu-guecircs de Luiz Eduardo Bicca

34

metafiacutesica de Aristoacuteteles [] e significa aquilo que se encontra inalteravelmente agrave base da

mudanccedila de todas as transformaccedilotildeesrdquo (2007 p11)

A questatildeo eacute sobre a possibilidade de retirar significaccedilatildeo desse fundamento grego em

relaccedilatildeo agrave Teoria Criacutetica de Adorno A soluccedilatildeo que proponho gira em torno de uma criacutetica da

cultura Partindo da concepccedilatildeo grega o sujeito eacute a forccedila original em tudo o que haacute e que per-

mite a realizaccedilatildeo das possibilidades servindo como determinaccedilatildeo para todas as mudanccedilas que

venham a ocorrer Eacute forccedila original por ser proacutepria do indiviacuteduo e natildeo ser passiacutevel de nenhuma

alteraccedilatildeo deriva natildeo sendo derivada O que Adorno percebe eacute que em eacutepocas de administra-

ccedilatildeo da cultura nada escapa ao controle nem mesmo esta substacircncia proacutepria Este em-si origi-

nal se converte conforme apresentado em Dialeacutetica do esclarecimento (p24) em para-ele

Eacute possiacutevel atribuir agrave Paideia grega a concepccedilatildeo desse valor interior poreacutem eacute igual-

mente possiacutevel atribuir agrave nossa sociedade contemporacircnea sua conduccedilatildeo a um valor objetivo

como posse natildeo mais do indiviacuteduo mas da proacutepria estrutura soacutecio-cultural que o determina

Estamos diante de algo desprovido de subjetividade Este que Aristoacuteteles quis como portador

de um nuacutecleo de forccedila originaacuterio foi convertido em algueacutem vazio desta proacutepria forccedila tendo

esta migrado para esferas a ele exteriores Em se tratando de seres humanos tendo sido o po-

der de determinaccedilatildeo a ele alienado eacute totalmente compreensiacutevel a padronizaccedilatildeo de comporta-

mentos e modos de pensar Aquele que deveria ser o sujeito estaacute carente de sua forccedila e aquilo

que deveria ser as derivaccedilotildees da accedilatildeo de tal sujeito (a cultura as instituiccedilotildees o econocircmico)

acaba se convertendo em substrato o elemento essencial que determina externamente o indi-

viacuteduo Sobre a menoridade do indiviacuteduo diante da cultura Rodrigo Duarte afirma ldquoo sujeito

experimenta ndash exatamente na eacutepoca em que os seus meios teacutecnicos de dominaccedilatildeo da natureza

se encontram mais desenvolvidos ndash sua degeneraccedilatildeo em mera coisa sendo que o mundo fiacutesico

a ele subordinado transfere sua selvageria para o seio da cultura acircmbito em que por defini-

ccedilatildeo a autoconsciecircncia do sujeito deveria se colocar como alternativa agrave inconsciecircncia da natu-

rezardquo (1997 p52)

A derivaccedilatildeo primeira dessa constataccedilatildeo ocorre em termos eacutetico-morais O sujeito mo-

ral eacute em Kant o sujeito capaz de se determinar aquele cuja vontade eacute movida por um princiacute-

pio interno legislador universalmente O substrato estaacute no princiacutepio da vontade de um ser ra-

cional capaz de legislar em favor de uma causa comum o bem em sentido efetivo de realiza-

ccedilatildeo do humano em sua dignidade Esta missatildeo legisladora e constituidora do reino dos fins

kantianos exige nada menos que a existecircncia do sujeito enquanto possuidor de subjetividade

forte e autocircnoma Em se tratando da accedilatildeo humana seja em Kant ou Adorno a existecircncia do

sujeito eacute condiccedilatildeo para toda a teoria da moralidade Como persistir na fundamentaccedilatildeo via

35

imperativo categoacuterico quando ocorre a anulaccedilatildeo da forccedila autocircnoma do indiviacuteduo como que

perdendo seu poder subjetivo determinante seu em-si (seja aristoteacutelico ou kantiano)

Nessa anaacutelise cabe uma criacutetica ao proacuteprio si Adorno natildeo concebe uma constituiccedilatildeo

metafiacutesica do si mas o percebe como constituiacutedo em conexatildeo com outros si ldquoO sujeito que

supostamente eacute em si estaacute em si mediado por aquilo do qual se separa a conexatildeo de todos os

sujeitos Atraveacutes da mediaccedilatildeo se converte ele mesmo naquilo que segundo sua consciecircncia de

liberdade natildeo quer ser heterocircnomordquo (DN 20058 p 201) Nesses termos a subjetividade natildeo

eacute um dado causal totalmente intriacutenseco ao ser humano como o hypokeimenon aristoteacutelico ou

o transcendental em Kant mas definido mediante as circunstacircncias histoacutericas nas quais ele

estaacute inserido Para ser em-si eacute necessaacuterio tambeacutem ser com-outro O que ocorre eacute em Adorno

uma volta incisiva ao sujeito agora sob novas configuraccedilotildees marcadas pela experiecircncia com

outros sujeitos pois ldquoenquanto a induacutestria cultura e os donos do poder querem sujeitos enfra-

quecidos para melhor se adaptarem ao sistema que os devora Adorno propotildee a reconstruccedilatildeo

da individualidade do sujeito na experiecircncia com outros sujeitos para que essa individualida-

de seja fonte impulsionadora de resistecircnciardquo (PUCCI 2006 p 407)

Mas como garantir que a individualidade natildeo desapareccedila ou sucumba agrave impotecircncia

diante da forccedila da alteridade O que haacute de autocircnomo e de heterocircnomo nesta constituiccedilatildeo A

isso Adorno remete em inuacutemeros textos sempre enfatizando a necessidade de ou constituir

consciecircncia ou elevar o niacutevel de experiecircncias formativas Os quais natildeo deixam de estar em

iacutentima inter-relaccedilatildeo pois os conteuacutedos de consciecircncia e o proacuteprio ato de consciecircncia satildeo for-

mados somente pela radical inserccedilatildeo na experiecircncia

Dessa forma ao tratar do termo consciecircncia Adorno vai aleacutem do procedimento loacutegico

formal que constitui o pensamento

eacute o pensar em relaccedilatildeo agrave realidade ao conteuacutedo ndash a relaccedilatildeo entre as formas e estrutu-ras do pensamento do sujeito e aquilo que este natildeo eacute Este sentido mais profundo de consciecircncia ou faculdade de pensar natildeo eacute apenas o desenvolvimento loacutegico formal mas ele corresponde literalmente agrave capacidade de fazer experiecircncias Eu diria que pensar eacute o mesmo que fazer experiecircncias intelectuais (EE p151)

Eacute possiacutevel traccedilar uma linha teoacuterica que vai de Aristoacuteteles a Adorno Heidegger no tex-

to O fim da filosofia e a tarefa do pensamento (2009 p72) afirma que ldquocom o ego cogito

como subjectum por excelecircncia eacute atingido o fundamentum absolutum isto quer dizer o sujei-

8 Nas chamadas referentes agrave obra Dialeacutetica negativa indicarei o ano de publicaccedilatildeo Isso pelo fato de utilizar a versatildeo em espanhol e tambeacutem a versatildeo em portuguecircs Quando citar a versatildeo em espanhol (2005) a traduccedilatildeo eacute de Mauricio J Farinon

36

to eacute o ὑί transferido para a consciecircncia Essa constataccedilatildeo eacute decisiva para compre-

endermos o itineraacuterio teoacuterico em torno do conceito de sujeito Sendo em Aristoacuteteles algo in-

terno agrave constituiccedilatildeo essencial do ente em sua natureza primeira com Descartes esse constitu-

inte eacute transferido ao nuacutecleo racional a consciecircncia humana Eacute a consciecircncia que determina a

existecircncia subjetiva e objetiva tanto da res cogitans quanto da res extensa

Kant leva ao extremo essa constataccedilatildeo quando admite a experiecircncia sensiacutevel como

ponto de apoio para todo entendimento mas esse mesmo se identifica com o ato de pensar e

embora natildeo havendo situaccedilatildeo de primazia entre sensibilidade e entendimento eacute na capacidade

de siacutentese operada pelo entendimento que se origina todo conhecimento E a siacutentese eacute ato de

pensar por conceito ndash pensamento por excelecircncia ndash o que somente eacute possiacutevel via unidade da

consciecircncia a identidade do sujeito consigo mesmo Para Adorno essa consciecircncia se tornou

administrada e o ego nem sempre eacute possuidor de cogito sendo essa caracteriacutestica transferida

para algo a ele estranho Natildeo raro temos indiviacuteduos cuja capacidade de decisatildeo e de origem de

qualquer movimento eacute determinada por tutores Assim temos o sujeito destituiacutedo de subjeti-

vidade

A identidade do sujeito consigo mesmo eacute a consciecircncia de si unidade transcendental

que permite o ajuizamento em termos de conhecimento e o que para noacutes eacute o mais decisivo

em termos morais Eacute por me reconhecer uno que posso atribuir valor moral ou seja na eman-

cipaccedilatildeo estaacute o criteacuterio para a accedilatildeo via imperativo categoacuterico Quanto a isso Kant foi decisivo e

sua proposta pode ser caracterizada como sendo exata O ponto de discussatildeo estaacute em admitir a

identidade para aleacutem do consigo mesmo partindo para uma compreensatildeo de que o outro natildeo

se resume ao sentido que reside na consciecircncia idecircntica a si mesma

Chama agrave atenccedilatildeo a referecircncia do pensamento com aquilo que ele mesmo natildeo eacute A

consciecircncia em Adorno por mais que haja nela o elemento da apreensatildeo e reconhecimento do

objeto perpassa pelo elemento da negatividade da contradiccedilatildeo Somente eacute possiacutevel pensar em

constante progresso quando natildeo haacute identidade pois assim subsistem os indicativos de novas

experiecircncias Natildeo haacute um termo final no processo de constituiccedilatildeo da subjetividade e isso de-

vido agrave inexistecircncia do elemento reconciliador entre sujeito e objeto na paz da subjetividade

constitutiva

Pressupondo tal reconciliaccedilatildeo entre o real e a consciecircncia estariacuteamos diante da frieza

conceitual que permite somente o eterno giro dela sobre ela mesma Ao romper com esse mo-

delo de reconciliaccedilatildeo proacuteprio do idealismo kantiano Adorno indica sua proacutepria concepccedilatildeo de

filosofia dizendo que ela ldquonada mais eacute do que o pensamento que natildeo se deixa travarrdquo (EXP

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p11) A forccedila do ato de pensamento reside na capacidade desenvolvida pelas experiecircncias

formativas Isso eacute decisivo na concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e no todo do pensamento adorniano A

proacutepria possibilidade de experiecircncia esteacutetica perpassa pela habilidade em realizar experiecircncias

formativas O que veremos mais adiante

A referecircncia a Immanuel Kant assume fundamental importacircncia Sua ecircnfase de que haacute

uma complementaccedilatildeo absolutamente necessaacuteria entre sensibilidade e entendimento ou seja

entre experiecircncia e pensamento na constituiccedilatildeo do conhecimento leva a um avanccedilo decisivo

em relaccedilatildeo a Aristoacuteteles Quando este afirma no livro II da Metafiacutesica que o aprendizado eacute

fruto da capacidade de experiecircncia a qual desenvolve a memoacuteria e coloca a έ (arte) vin-

culada ao saber e ao entendimento identifica a sabedoria como o conhecimento das causas e a

filosofia como ldquociecircncia da verdaderdquo

Sendo a verdade o conhecimento das causas deve-se remeter ao termo primeiro agravequi-

lo que eacute a origem de tudo o mais Ateacute mesmo a causa material natildeo deve remeter ao infinito

pois essa total transitoriedade impediria a verdade e esta eacute somente a primeira ldquoos entes eter-

nos satildeo sempre necessariamente os mais verdadeiros (natildeo satildeo temporalmente verdadeiros e

natildeo haacute nenhuma causa de seu ser mas que eles satildeo causa do ser para as demais coisas) de

sorte que cada coisa possui verdade na mesma medida em que possui de serrdquo (MET II 3

993b 28) Ou seja tudo o que deriva passa a ser relativo a esse elemento primordial Eacute assim

que Aristoacuteteles concebe a noccedilatildeo de verdade entendimento e saber Natildeo haacute dependecircncia do

pensamento do sujeito humano mas somente da posse do conhecimento das causas

Eacute nesse ponto que ocorre a diferenciaccedilatildeo kantiana pois o decisivo natildeo estaacute no ser e-

terno aristoteacutelico mas no processo de associaccedilatildeo entre sensibilidade e entendimento o que

significa a capacidade de conhecimento e pensamento Assim ocorre uma inclinaccedilatildeo decisiva

em direccedilatildeo ao sujeito do proacuteprio conhecimento Agora o sujeito eacute o indiviacuteduo mesmo e a con-

diccedilatildeo de possibilidade de todo conhecimento natildeo estaacute em outro lugar a natildeo ser na razatildeo

Adorno poreacutem natildeo compactua com as determinaccedilotildees provindas da subjetividade kan-

tiana Se por um lado Aristoacuteteles apresentava o sujeito como sentido de substacircncia e com

Kant a inclinaccedilatildeo ao sujeito humano passa a ser o elemento central de sua teoria em Adorno

eacute possiacutevel defender uma primazia da experiecircncia O fato central que determina nossa capaci-

dade de conhecimento natildeo estaacute no substrato metafiacutesico claacutessico tampouco eacute exclusividade da

estrutura interna do indiviacuteduo mas eacute o permanente renovar da experiecircncia entre diferencia-

dos

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Natildeo ocorre a negaccedilatildeo do que Kant chamou estruturas internas como condiccedilotildees ao co-

nhecimento e tambeacutem natildeo haacute a abstraccedilatildeo do objeto Contudo a partir da Teoria Criacutetica de

Theodor Adorno falar em conhecimento e em verdade pressupotildee um jogo livre entre diferen-

ciados Eacute livre por natildeo encontrar um termo decisivo um ponto reconciliador onde ocorre a

total adequaccedilatildeo entre pensamento e realidade Fala-se em sujeitos por natildeo haver uma posiccedilatildeo

de centralidade em nenhum dos poacutelos tradicionais sujeito e objeto mas sim na relaccedilatildeo Sujei-

to e objeto natildeo podem existir sem pressupor a relaccedilatildeo o erro kantiano estaacute em enfatizar um

aspecto que natildeo existe sem a relaccedilatildeo com o diferenciado e a inversatildeo ocasionada pelo filoacuteso-

fo de Frankfurt resulta em o proacuteprio ser humano ser concebido como ldquoresultado natildeo Eidosrdquo

(SO p200) Sendo o elemento central do humano a condiccedilatildeo de ser tambeacutem resultado re-

mete-se a um questionamento na tentativa de em relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do que eacute a verdade

conseguir situaacute-la nesse quadro teoacuterico caracterizado pela primazia da relaccedilatildeo

22 A concepccedilatildeo de verdade em seu nuacutecleo histoacuterico

As discussotildees em torno do conceito de verdade encontram uma indicaccedilatildeo precisa ain-

da na Dialeacutetica do esclarecimento A Dialeacutetica negativa e a Teoria esteacutetica ocupam lugar

central nessa discussatildeo mas a referecircncia agrave obra conjunta com Horkheimer eacute decisiva pois

nessa ocorre a fundamentaccedilatildeo das discussotildees em torno desse conceito O que resulta dessas

discussotildees permite situar Adorno como um autor poacutes-metafiacutesico

O nuacutecleo da verdade eacute temporal portanto sua caracteriacutestica baacutesica eacute a transitoriedade

histoacuterica Somente esse fato coloca Adorno em choque radical com a tradiccedilatildeo filosoacutefica que

se criou desde a Greacutecia claacutessica Nas palavras dele mesmo assim eacute caracterizada sua teoria

ldquouma teoria que atribui agrave verdade um nuacutecleo temporal em vez de opocirc-la ao movimento histoacute-

rico como algo imutaacutevelrdquo (DE p9) e a ldquoverdade eacute constelaccedilatildeo em devirrdquo (OPF p21) somen-

te existindo como o que estaacute em devir Esse fato demarca a concepccedilatildeo baacutesica daquilo que eacute

possiacutevel denominar de pensamento poacutes-metafiacutesico Diante da verdade em seu nuacutecleo histoacuteri-

co o proacuteprio sujeito passa a ser compreendido a partir desta dimensatildeo pondo em questatildeo o

caraacuteter a prioritranscendental kantiano ou formal platocircnico Eacute a importacircncia do resgate da

contingecircncia da historicidade e do elemento ativo no ser humano9

Dois problemas perpassam a discussatildeo em torno desse tema a partir de Adorno O

primeiro eacute a aniquilaccedilatildeo da verdade em troca da eficaacutecia no procedimento A segunda discus-

satildeo aponta para uma contraposiccedilatildeo ao conceito grego aletheia Se este termo indica aquilo 9 Ver o texto de Bruno Pucci Teoria Criacutetica e Educaccedilatildeo na obra do mesmo nome editado em 2007

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natildeo oculto natildeo escondido ou dissimulado e portanto alcanccedilar a verdade eacute conseguir tirar o

veacuteu que encobre a realidade e trazer o fato agrave tona em contraposiccedilatildeo a administraccedilatildeo da vida

gera o processo inverso o encobrimento Nesse sentido a verdade natildeo se torna mais evidente

exigindo um radical esforccedilo interpretativo principalmente dos fatores que geram esse enco-

brimento e tambeacutem dos fatores que impedem ao pensamento vislumbrar o mundo sob o veacuteu

ideoloacutegico

Esse quadro natildeo se vislumbra somente em questotildees teoacutericas mas perpassa por toda

formaccedilatildeo do pensamento humano principalmente em questotildees de educaccedilatildeo regular em insti-

tuiccedilotildees de ensino Eacute visiacutevel a resistecircncia ao ato de pensar e de se demorar sobre algo A acircnsia

por foacutermulas capazes de resolver imediatamente os problemas toma conta das atividades esco-

lares e ao se deparar com a necessidade de uso de um uacutenico ferramental ndash o pensamento rigo-

rosamente orientado ndash ocorre o bloqueio das energias do conhecimento o que pode ser en-

tendido como resistecircncia agrave investigaccedilatildeo teoacuterica Diante desse quadro surge a Filosofia como

alternativa formadora e propulsora do pensamento e busca pela verdade Analisaremos esses

dois pontos de discussatildeo acima apontados

221 Tensatildeo entre verdade e procedimento

Para Adorno o problema decisivo ao pensamento e agrave proacutepria Filosofia se situa na fa-

lecircncia do elemento ativo a saber a concentraccedilatildeo e a satisfaccedilatildeo na verdade Para ele o ativo

natildeo se estabelece como em geral ocorre nas aacutereas teacutecnico-cientiacuteficas nas quais esse termo eacute

identificado com o domiacutenio de procedimentos e a consequente produccedilatildeo de objetos Essa

accedilatildeo pode estar carregada de automatismos A verdadeira atividade coincide com a posse do

elemento cognitivo pois somente nesse momento eacute que a accedilatildeo passa a ser atribuiacuteda ao que

executa10 O robocirc natildeo eacute ativo por mais que produza pois nele estaacute ausente o elemento do

entendimento que em outras palavras eacute a satisfaccedilatildeo da verdade Desse modo vincula-se o

elemento ativo com a existecircncia da forccedila subjetiva com a existecircncia do sujeito propriamente

dito

A falecircncia desse elemento ativo se identifica com a incorporaccedilatildeo do segundo elemen-

to a eficiecircncia na operacionalidade agrave qual vem acoplada a noccedilatildeo de representaccedilatildeo do ldquoobje-

tordquo e de enfraquecimento do ldquosujeitordquo Um primeiro sentido desse enfraquecimento jaacute estaacute

10 Acerca da relaccedilatildeo com a natureza seja interna ou externa a partir do criteacuterio baseado no domiacutenio teacutecnico carente da relaccedilatildeo com a verdade ver Rodrigo Duarte Miacutemesis e Racionalidade (1993) principalmente os capiacute-tulos I II e III onde o autor aborda a relaccedilatildeo de domiacutenio da natureza do ponto de vista da razatildeo totalizadora e na contra-resposta de uma relaccedilatildeo esteacutetica com a natureza

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descrito no paraacutegrafo anterior com a distinccedilatildeo entre ativo e automatismo Outro fator que

aponta para o enfraquecimento do sujeito ocorre pela representaccedilatildeo que percebemos nas rela-

ccedilotildees originadas nos ambientes virtuais Natildeo haacute mais a necessidade de encontro efetivo e a

dinacircmica que envolve o tato e o confronto direto eacute substituiacutedo pela dinacircmica da visatildeo e da

audiccedilatildeo destituiacuteda de efetividade sensiacutevel imediata Essa representaccedilatildeo do outro em um en-

contro desvinculado da experiecircncia efetiva do corpo promovido pelos ambientes virtuais

pode gerar a imediata pobreza de experiecircncia a inexistecircncia de padrotildees eacuteticos que somente

ocorrem quando temos o corpo em contato Subjetividade vazia eacute o que marca o indiviacuteduo

moderno pois a condiccedilatildeo para haver solidez no eu entendida como reconhecimento de si

diante da diferenccedila que o outro significa eacute negada na relaccedilatildeo ausente de corpo e portanto

natildeo efetiva

Retomando o conceito de verdade qual eacute a verdade do outro para aleacutem de minha re-

presentaccedilatildeo Dessa compreensatildeo pode resultar a riqueza ou pobreza de consciecircncia pois

quando acredito poder substituir o objeto pelo objeto de minha representaccedilatildeo ou quando ad-

mito que o outro somente exista por ter passado pela minha percepccedilatildeo e entendimento entatildeo

a verdade se converte em ideologia reducionista e anuladora da riqueza constitutiva desse

outro A verdade do outro eacute seu em-si e devir e natildeo o seu para-mim eacute seu conteuacutedo de cons-

ciecircncia proacuteprio e insubstituiacutevel eacute sua marca histoacuterica constituidora da identidade proacutepria Eacute

baseado nesses dados que defendo a urgecircncia da educaccedilatildeo que vise desenvolver a satisfaccedilatildeo

pela verdade a riqueza de conteuacutedo natildeo somente a operacionalidade Preocupa-se muito em

formar nos modos de proceder (seja em esfera produtiva seja na cotidianidade da vida) es-

quecendo dos criteacuterios que deveriam nortear toda conduta humana

A conduta adequada poder-se-ia caracterizar em sentido filosoacutefico do seguinte modo

natildeo eacute agitaccedilatildeo afanosa nem o ficar parado matutando mas sim o olhar demorado sobre o objeto sem querer forccedilaacute-lo A disciplina cientiacutefica em voga requer do sujeito que se apague a si mesmo em prol da primazia da coisa ingenuamente presumida A isto se opotildee a filosofia O pensar natildeo deve reduzir-se ao meacutetodo a verdade natildeo eacute o resto que permanece apoacutes a eliminaccedilatildeo do sujeito Pelo contraacuterio este deve levar consigo toda sua inervaccedilatildeo e experiecircncia na observaccedilatildeo da coisa para segundo o i-deal perder-se nela (OPF p19)

Esta caracterizaccedilatildeo do pensamento enquanto demorar-se sobre o outro eacute condiccedilatildeo pa-

ra o desenvolvimento da consciecircncia no sentido em que esse termo eacute defendido no texto Edu-

caccedilatildeo ndash para quecirc como conteuacutedo que se origina pelo constante renovar da experiecircncia Natildeo

se deve entender a experiecircncia como um procedimento cientiacutefico laboratorial mas em sentido

intelectual estrito do pensamento que se potildee em confronto com sua alteridade enquanto alte-

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ridade Falar em educaccedilatildeo eacute propor tais experiecircncias natildeo procedimental em relaccedilatildeo ao outro

mas no sentido de educar na habilidade de realizar experiecircncias de pensamento resistindo ao

previamente pensado Estariacuteamos aqui diante das condiccedilotildees para o contundente desenvolvi-

mento da consciecircncia pois ao resistir ao previamente pensado (enquanto a priori) ocorre a

abertura ao devir histoacuterico gerando inevitavelmente tal desenvolvimento fruto daquilo que

Adorno denomina de ldquoconcentraccedilatildeo ampliada11rdquo (OPF 20)

222 A perda da evidecircncia e o impulso ao esclarecimento

Com o uso do termo perda da evidecircncia quero significar algo diferente do sentido a-

dorniado desenvolvido em sua Teoria esteacutetica de perda da evidecircncia artiacutestica Nessa obra estaacute

desenvolvida a perspectiva de que ldquoperante aquilo em que se torna a realidade a essecircncia

afirmativa da arte esta essecircncia inelutaacutevel tornou-se insuportaacutevelrdquo (TE p12) Por causa disto

eacute que a arte assume o caraacuteter de tensatildeo com a realidade e se mostra como ldquoantiacutetese social da

sociedaderdquo (TE p 19) Na possibilidade de admitir a arte como coacutepia do real em Adorno isso

ocorre ldquona medida em que a este fornecem o que lhe eacute recusado no exterior e assim libertam

daquilo para que as orienta a experiecircncia externa coisificanterdquo (TE p15)

Eacute nesse ponto que reside a compreensatildeo adorniana do caraacuteter esclarecedor da verdade

desenvolver a consciecircncia dos elementos que levam agrave negaccedilatildeo da vida Embora Adorno atri-

bua agrave arte um papel de criacutetica eacute via educaccedilatildeo que se torna possiacutevel a ampliaccedilatildeo da consciecircn-

cia em um incisivo impulso esclarecedor Desenvolver consciecircncia eacute tornar algo evidente

trazer ao entendimento estes poderes que determinam a existecircncia individual a ponto de gerar

a ausecircncia de vida A perda da evidecircncia pode ser entendida como obscurecimento que impe-

de a compreensatildeo dos fatos o qual tem sua origem nos interesses ideoloacutegicos que anulam o

desenvolvimento da consciecircncia ou ainda impedem a consciecircncia de se achegar aos fatos

Como compreender em Kant a sensibilidade a percepccedilatildeo que intui os objetos a par-

tir da ausecircncia de evidecircncia em Adorno Em relaccedilatildeo agrave Kant o poder da sensibilidade regida

pelas estruturas internas ao sujeito nas noccedilotildees de tempo e espaccedilo se tornam insuficientes

Ainda na introduccedilatildeo da primeira criacutetica haacute a seguinte afirmaccedilatildeo

que outra coisa poderia despertar e pocircr em accedilatildeo a nossa capacidade de conhecer se-natildeo os objetos que afetam os sentidos e que por um lado originam por si mesmos as

11 No texto Observaccedilotildees sobre o pensamento filosoacutefico (p20-21) a concentraccedilatildeo ampliada eacute posta como sinocirc-nimo de meditar no sentido de ele ultrapassar o previamente pensado e assim o pensamento se renova pela constante relaccedilatildeo Natildeo eacute pensar simples mas o pensamento ampliado concentraccedilatildeo ampliada permanecircncia na relaccedilatildeo com o outro

42

representaccedilotildees e por outro lado potildeem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a comparaacute-las ligaacute-las ou separaacute-las transformando assim a mateacuteria bru-ta das impressotildees sensiacuteveis num conhecimento que se denomina experiecircncia (CR-Pu B 1)

Seguindo a argumentaccedilatildeo acima a percepccedilatildeo oferece um material jaacute desqualificado

gerando um erro no processo inicial que leva agrave siacutentese e ajuizamento operados pelo entendi-

mento A siacutentese operada pelo entendimento estaacute dentro de uma triacuteade no sistema kantiano a

qual possibilita o conhecimento a priori dos objetos Conforme a Criacutetica da razatildeo pura (em B

104) essa triacuteade eacute formada pelas seguintes funccedilotildees

a) primeiro passo o diverso da intuiccedilatildeo pura

b) segundo passo a siacutentese desse diverso pela imaginaccedilatildeo

c) terceiro passo ldquoos conceitos que conferem unidade a essa siacutentese pura e consistem

unicamente na representaccedilatildeo dessa unidade sinteacutetica necessaacuteriardquo

A discussatildeo natildeo estaacute centrada na possibilidade dos conhecimentos sinteacuteticos a priori

mas na possibilidade de a sensibilidade fornecer material confiaacutevel ao entendimento Desse

modo se postula o nuacutecleo do conhecimento como resultado do jogo entre entendimento e ex-

periecircncia estando na possibilidade de experiecircncia efetiva a condiccedilatildeo para um ajuizamento

com conteuacutedo de verdade

Estamos diante da razatildeo interpretativa e do fato sensiacutevel ambos postos em tensatildeo

temporal a qual daacute a possibilidade do encontro Retornando ao problema anterior o qual a-

ponta para um encobrimento da realidade como que existindo uma aura branda sobre os fa-

tos gerando o apaziguamento das consciecircncias promovido pela aderecircncia a seu sentido ime-

diatamente visiacutevel eacute decisivo o desenvolvimento da razatildeo interpretativa em condiccedilotildees de

desvelar ou testemunhar exatamente aquilo que o veacuteu oculta A esse ocultamento Adorno

chamou de administraccedilatildeo promovida pela induacutestria cultural

Isso demarca uma ruptura na triacuteade kantiana acima exposta pois natildeo havendo possibi-

lidade imediata de a sensibilidade dar o objeto em seu efetivo sentido o entendimento natildeo

consegue operar a siacutentese legiacutetima e consequentemente ter a fonte para verdade alguma Ve-

jamos qual o itineraacuterio kantiano ldquoa espontaneidade do nosso pensamento exige que este di-

verso12 seja percorrido recebido e ligado de determinado modo para que se converta em co-

nhecimento A esse ato dou o nome de siacutenteserdquo (CRPu B102) Continuando a argumentaccedilatildeo

encontramos uma definiccedilatildeo mais clara do que eacute o momento da siacutentese ldquona acepccedilatildeo mais geral

12 O diverso fornecido pela intuiccedilatildeo que daacute o objeto em suas singularidades Esse diverso eacute percorrido e elabo-rado pelo entendimento gerando sua siacutentese

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da palavra o ato de juntar umas agraves outras diversas representaccedilotildees e conceber a sua diversi-

dade num conhecimentordquo (B103)

Como consequecircncia deste ato sinteacutetico ocorre o ato de pensamento e que promove

pensamento no sentido de gerar conceito o qual eacute em Kant ldquoa primeira origem do nosso

conhecimentordquo (B103) Estamos diante de um diverso da intuiccedilatildeo sensiacutevel o qual tem como

caracteriacutestica o ajuizamento o discurso ldquoo conhecimento de todo o entendimento pelo me-

nos do entendimento humano eacute um conhecimento por conceitos que natildeo eacute intuitivo mas

discursivordquo (CRPu B 93)

Eacute esse itineraacuterio que fica bloqueado E uma ampliaccedilatildeo da consciecircncia somente ocorre-

ria com a mudanccedila natildeo apenas no sentido mas na possibilidade de conhecimento O conhe-

cimento discursivo por mais que seja importante deve ser precedido por algo que estaacute fora do

domiacutenio conceitual do sujeito transcendental a noccedilatildeo de verdade objetiva O sujeito transcen-

dental queda insuficiente em se tratando da possibilidade de conhecimento por natildeo ser dado

agraves suas estruturas material veriacutedico para sua siacutentese e ajuizamento E isso devido ao fato de

negar a verdade em seu nuacutecleo sensiacutevel concreto presente no objeto e disponibilizado ao

sujeito somente via radical imersatildeo na experiecircncia Eacute nesse momento que podemos entender

claramente a afirmaccedilatildeo adorniana na Dialeacutetica negativa a qual aponta para o fato de que o

ldquoconceito eacute um momento como outro qualquer na loacutegica dialeacuteticardquo E da ldquonecessidade que a

filosofia tem de operar com conceitos natildeo se pode fazer-se a virtude de sua prioridaderdquo (DN

2005 p 23)

Sua natildeo prioridade se justifica na discussatildeo que envolve dois termos decisivos para

Adorno os quais serviratildeo de impulso agrave compreensatildeo do momento especiacutefico que a razatildeo in-

terpretativa e a capacidade conceitual ocupam dentro deste quadro teoacuterico Refiro-me aos

termos constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade

Em se tratando do ajuizamento e expressatildeo vale destacar ldquoO criteacuterio do verdadeiro

natildeo eacute sua imediata comunicabilidade a algueacutem Agora que todo passo em direccedilatildeo agrave

comunicaccedilatildeo vende e falsifica a verdade deve-se resistir agrave coaccedilatildeo quase universal de

confundir o conhecido com sua comunicaccedilatildeo e inclusive situaacute-la acima delerdquo (DN 2005

p49) O fato de ser dito natildeo justifica ser verdade Toda forma de comunicaccedilatildeo pode ser cami-

nho em direccedilatildeo ao ocultamento agrave natildeo evidecircncia na direccedilatildeo de uma pseudo comunicaccedilatildeo O

juiacutezo pode representar a falsa consciecircncia Esse fator reafirma a problemaacutetica que bloqueou o

itineraacuterio teoacuterico kantiano

Diante desse bloqueio ou em outros termos diante do caraacuteter problemaacutetico estabele-

cido entre a sensibilidade e o entendimento eacute possiacutevel situar a partir de Adorno alguns indi-

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cativos que vecircm suprir a lacuna gerada pela ausecircncia de evidecircncia Tais indicativos satildeo condi-

ccedilotildees que garantem agrave subjetividade o conteuacutedo daquilo com o qual se relaciona e representam

o momento dialeacutetico necessaacuterio para a continuaccedilatildeo do processo de formaccedilatildeo da consciecircncia ndash

conforme seraacute posteriormente desenvolvido Os indicativos que pontuo como soluccedilotildees ao

problema indicado satildeo a noccedilatildeo de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade Esses se vinculam

diretamente ao objeto colocando-os na posiccedilatildeo de desafio e exigecircncia agrave razatildeo interpretativa

O termo razatildeo interpretativa tem sentido muito proacuteprio em Adorno indicando inclu-

sive a vinculaccedilatildeo com aquilo que ele denomina na Teoria esteacutetica de racionalidade esteacutetica

Enquanto interpretaccedilatildeo ocorre a ldquonegaccedilatildeo da ideia absoluta o conteuacutedo jaacute natildeo pode identifi-

car-se com a razatildeo como postulava o idealismo criacutetica da onipotecircncia da razatildeo ele deixa

por seu lado de ser racional segundo as normas do pensamento discursivordquo (TE p40) Nesse

sentido eacute impossiacutevel chegar a uma evidecircncia do conteuacutedo a ponto de resolver o interpretado

pois ldquodeve-se interpretar-se e natildeo ser substituiacuteda pela claridade do sentidordquo (TE p42)

Com o sentido de constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade se postula a autocriacutetica da razatildeo

gerando a consciecircncia dos fatores que impedem o acesso ao material confiaacutevel via sentidos

Isso para Adorno eacute a racionalidade esteacutetica

Enquanto que o conhecimento discursivo acede agrave realidade mesmo nas suas irracio-nalidades que por sua vez correspondem agrave lei do seu movimento haacute nelas algo de inflexiacutevel em relaccedilatildeo ao conhecimento racional A este uacuteltimo eacute estranho o sofri-mento pode defini-lo subsumindo-o fazer dele um meio de pacificaccedilatildeo Mas soacute com dificuldade o pode exprimir atraveacutes da sua experiecircncia isso significaria a sua irracionalidade O sofrimento reduzido ao seu conceito permanece mudo e sem consequumlecircncias [] a verdade eacute concreta (TE p30)

Mas para chegar a um conteuacutedo ou a seu sentido algumas consideraccedilotildees satildeo funda-

mentais e visando inclusive aprofundar o proacuteprio conceito de interpretaccedilatildeo partimos para o

proacuteximo item deste capiacutetulo

23 Constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade marcas do pensamento poacutes-metafiacutesico em Adorno

O termo constelaccedilatildeo proacuteprio de sua obra Teoria esteacutetica remete ao quatildeo insuficiente

eacute um conceito em sua tentativa de capturar o real A razatildeo interpretativa deve se comportar

como a arte daiacute uma racionalidade esteacutetica semelhante a ldquoum iacutematilde num campo de limalha de

ferro Natildeo apenas os seus elementos mas tambeacutem a sua constelaccedilatildeo o especificamente esteacuteti-

co que se atribui comumente ao seu espiacuterito remete para este Outrordquo (TE p18) Em outra

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passagem assim eacute exposto ldquoA arte tem o seu conceito na constelaccedilatildeo de momentos que se

transformam historicamente fecha-se assim a definiccedilatildeordquo (TE p12)

Esta racionalidade interpretativa exige uma caracteriacutestica a sensibilidade Em outras

palavras eacute uma racionalidade em radical viacutenculo com a efetividade da experiecircncia Desse

modo a sensibilidade natildeo eacute algo agrave parte um momento primeiro e rapidamente superado pelo

momento intelectivo Converte-se na condiccedilatildeo para apreender o objeto por isso a necessidade

de sua permanente renovaccedilatildeo

Como eacute possiacutevel dizer algo Somente via constelaccedilatildeo ou seja na abertura do devir

histoacuterico e na capacidade de congregar sentido mediante a percepccedilatildeo dos conteuacutedos de verda-

de Exatamente por natildeo ser imutaacutevel a verdade se constitui em conteuacutedo a consciecircncia que se

expressa em confronto com a constelaccedilatildeo de momentos que formam um objeto O que forma

o objeto A totalidade de seus momentos sua constelaccedilatildeo Em se tratando do termo consciecircn-

cia eacute possiacutevel afirmaacute-la como sendo o conteuacutedo interno ao sujeito o qual equivale ao niacutevel de

experiecircncia que tenho

Theodor Adorno utiliza o conceito constelaccedilatildeo para trazer ao centro da experiecircncia

esteacutetica a riqueza constitutiva do outro Natildeo eacute mais um uacutenico olhar segundo uma uacutenica loacutegi-

ca interpretativa que consegue capturar o real retendo-o em uma caacutepsula conceitual mas ao

contraacuterio um jogo de forccedilas constitutivas entra em accedilatildeo quando a relaccedilatildeo de diferenciados

ocorre Esse jogo segue a regra de que um uacutenico conceito natildeo contempla a totalidade do obje-

to mas diante da constelaccedilatildeo de sentido diversos conceitos dialogam visando a compreen-

satildeo Poreacutem natildeo eacute simplesmente constelaccedilatildeo de conceitos mas eacute a consideraccedilatildeo da riqueza

constitutiva do outro no instante da relaccedilatildeo Os dois poacutelos da relaccedilatildeo estatildeo em jogo com uma

constelaccedilatildeo de significados uma riqueza constitutiva que natildeo se enclausura em caacutepsulas con-

ceituais ndash por isto eacute constelaccedilatildeo Em linguagem metafoacuterica Adorno se utiliza do exemplo do

imatilde em um campo de limalha de ferro tudo entra em relaccedilatildeo remetendo agrave relaccedilatildeo de diferen-

ciados Fecha-se assim agrave definiccedilotildees por ser uma constelaccedilatildeo de momentos em permanente

abertura histoacuterica

O termo sedimento da histoacuteria no texto Sobre sujeito e objeto remete claramente ao

quanto a consciecircncia eacute determinada pela relaccedilatildeo com aquilo que ela mesma natildeo eacute o outro

Somos resultado da histoacuteria e como tal natildeo haacute a menor possibilidade em persistir sem mais

na captura conceitual cuja pretensatildeo eacute convencionar o sentido Em contraposiccedilatildeo com o idea-

lismo no qual ldquopensar eacute conhecer por conceitosrdquo (CRPu B 94) temos o pensamento como

algo que ldquonatildeo se esgota nem no processo psicoloacutegico nem na loacutegica formal pura intemporal Eacute

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um modo de comportamento ao qual eacute imprescindiacutevel a referecircncia agravequilo com o qual se rela-

cionardquo (OPF p18)

A sensibilidade natildeo fornece e tampouco o entendimento interioriza por completo

seus objetos Duas vias impedem este fornecimento e esta interiorizaccedilatildeo Por um lado temos a

perda da evidecircncia conforme analisado no item anterior Por outro lado ocorre o limite inter-

pretativo da razatildeo a qual gera nada menos que a consciecircncia limitada Em ambos percebe-se

a ausecircncia da possibilidade de experiecircncia que eacute falha na dialeacutetica entre pensamento e reali-

dade A necessidade da Filosofia estaacute em ser forccedila de reflexatildeo sobre o outro a alteridade natildeo

nele mesmo e por ele mesmo mas a partir dele em sua natildeo igualdade impulsionadora da ex-

periecircncia Na terra de iguais natildeo se tem motivo para pensar O pensamento ocorre por causa

da diversidade da tensatildeo da dinacircmica caracterizada pela contradiccedilatildeo

Havendo conteuacutedo de verdade estando o outro imerso em uma constelaccedilatildeo de momen-

tos que o constituem isso remete agrave exigecircncia da razatildeo interpretativa a qual se contrapotildee agrave

clareza de sentido Se houvesse clareza de sentido natildeo precisariamos interpretar A exigecircncia

de interpretaccedilatildeo eacute considerada desse modo exigecircncia filosoacutefica fundante O outro em sua

constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade natildeo eacute somente intuitivo Enquanto empiria eacute possiacutevel ad-

mitir tal reduccedilatildeo Poreacutem se houvesse esta reduccedilatildeo a fascinaccedilatildeo de sua percepccedilatildeo imediata

seria suficiente e desse modo perder-se-ia toda riqueza constitutiva que estaacute aleacutem do conteuacute-

do imediato dado pelos sentidos Em sua constelaccedilatildeo e conteuacutedo de verdade o outro eacute impul-

so interpretativo motivo de pensamento e partindo dele conteuacutedo filosoacutefico Eacute filosoacutefico por

natildeo se reduzir agrave intuiccedilatildeo mas apontar estiacutemulo ao pensamento ndash isto converteu aquilo que na

teoria do conhecimento tradicional era tido como objeto em algo qualitativamente distinto o

OUTRO

Onde se localiza o sujeito dessa razatildeo interpretativa e quando eacute possiacutevel dizer que tal

sujeito existe Adorno situa essa possibilidade afirmando que o ldquoindiviacuteduo se converte em

sujeito na medida em que graccedilas a sua consciecircncia individual se objetiva tanto na unidade de

si mesmo quanto de suas experiecircncias ambas podem ser negadas aos animaisrdquo (DN 2005

p53) Esta consciecircncia individual pode ser aproximada salvo algumas restriccedilotildees agrave

autoconsciecircncia kantiana Exporei aspectos da teoria kantiana acerca disso para apoacutes

estabelecer as discussotildees

Na Criacutetica da razatildeo pura ocorre a indicaccedilatildeo clara do que significa para o ser humano

o reconhecimento da siacutentese das representaccedilotildees como propriedade individual Todas as repre-

sentaccedilotildees constituem uma totalidadeunidade na autoconsciecircncia a qual eacute denominada ldquouni-

dade transcendental da autoconsciecircnciardquo Essa unidade significa que ldquoas diversas representa-

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ccedilotildees natildeo seriam representaccedilotildees minhas se natildeo pertencessem na sua totalidade a uma auto-

consciecircnciardquo Eacute a ldquoligaccedilatildeo originaacuteriardquo de todas as representaccedilotildees Para Kant a consciecircncia

empiacuterica eacute dispersa e sem referecircncia agrave identidade do sujeito Tal referecircncia agrave identidade do

sujeito se estabelece ldquoporque acrescento uma representaccedilatildeo agrave outra e tenho consciecircncia da sua

siacutenteserdquo A ligaccedilatildeo originaacuteria agrave identidade do sujeito ocorrida pela autoconsciecircncia somente

ocorre devido exatamente agrave consciecircncia da siacutentese de tais representaccedilotildees num mesmo sujeito

gerando assim o eu idecircntico Por esta unidade de todas as representaccedilotildees na consciecircncia eacute

possiacutevel formar inclusive a unidade do sujeito Se assim natildeo o fosse ldquoteria um eu tatildeo

multicolor e diverso quanto tenho representaccedilotildees das quais sou conscienterdquo (cf CRPu B

132-134)

Partindo de tais referenciais eacute possiacutevel estabelecer um paralelo entre a concepccedilatildeo kan-

tiana da formaccedilatildeo da autoconsciecircncia com a concepccedilatildeo adorniana de tal formaccedilatildeo Um passo

decisivo dado por Adorno estaacute na relevacircncia que a continuidade histoacuterica tem na formaccedilatildeo do

eu Com o desaparecimento da consciecircncia da continuidade histoacuterica ocorre natildeo somente a

perda da referecircncia quanto ao devir histoacuterico mas o esfacelamento da consciecircncia que natildeo

reconhece a totalidade dos momentos como seu constitutivo essencial Isso remete ao fato de

que a autoconsciecircncia deve significar a existecircncia do eu idecircntico pois apesar de no devir his-

toacuterico na tensatildeo histoacuterica de todo encontro e busca da verdade natildeo haver a identidade entre

sujeito e seu outro apesar disso as experiecircncias constituiacutedas pelo indiviacuteduo devem ser repre-

sentadas como propriedade uacutenica de si mesmo

Eacute a noccedilatildeo de que apesar da natildeo possibilidade de representar a totalidade do outro em

minha consciecircncia aquilo que se representa eacute conteuacutedo proacuteprio e forma a autoconsciecircncia

Isso tem consequecircncia em questotildees morais pois diante da impossibilidade de representaccedilatildeo

plena se exige a relaccedilatildeo permanente o encontro constante e na perspectiva adorniana este

encontro deve ocorrer de modo a permitir uma situaccedilatildeo na qual eacute possiacutevel ser diferente sem

ter medo (cf MM 66 p89) Ocorre o entendimento que toda representaccedilatildeo eacute representaccedilatildeo de

um momento histoacuterico de modo que a razatildeo permanece em estranhamento diante do real Eacute

ldquoa siacutentese natildeo violenta do dispersordquo (TE p165) que ocorre apesar de permitir ao outro conti-

nuar sendo ele para aleacutem do meu conteuacutedo de consciecircncia Em se tratando de consciecircncia

moral Adorno argumenta que essa na doutrina kantiana eacute a ldquovoz da lei moralrdquo e somente se

converte em consciecircncia devido agrave forccedila de coerccedilatildeo social que se impotildee mediante seu caraacuteter

de universalidade e necessidade (cf DN 2009 p226 e 230)

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Retornando ao problema da representaccedilatildeo e utilizando outra anaacutelise da Teoria esteacuteti-

ca percebemos que a relaccedilatildeo da razatildeo interpretativa diante da obra de arte eacute a mesma relaccedilatildeo

que essa razatildeo deve estabelecer com tudo o que entra em seu ciacuterculo de contato

Se uma obra se abre inteiramente atinge-se entatildeo a sua estrutura interrogativa e a re-flexatildeo torna-se obrigatoacuteria em seguida a obra afasta-se para finalmente assaltar uma segunda vez com o laquoo que eacute istoraquo aquele que se sentia seguro da questatildeo Eacute possiacutevel poreacutem reconhecer como constitutivo o caraacuteter enigmaacutetico laacute onde ele falta as obras de arte que se apresentam sem resiacuteduo agrave reflexatildeo e ao pensamento natildeo satildeo obras de arte (TE p142)

Este caraacuteter de instigaccedilatildeo agrave razatildeo e consequentemente de permanente enriquecimento

da experiecircncia eleva o outro esse que era considerado tradicionalmente objeto agrave dignidade

de estar-aiacute com riqueza constitutiva para aleacutem da minha apreensatildeo Parafraseando Adorno o

ldquoobjetordquo que se apresenta sem resiacuteduo agrave reflexatildeo e ao pensamento natildeo eacute ldquoobjetordquo

Educacionalmente se impotildee o desafio de constituir a consciecircncia verdadeira na exi-

gecircncia de que ldquoo princiacutepio do esclarecimento da consciecircncia seja aplicado na praacutetica educa-

cionalrdquo principalmente diante do fato de que

a proacutepria organizaccedilatildeo do mundo em que vivemos e a ideologia dominante [] ou seja a organizaccedilatildeo do mundo converteu-se a si mesma imediatamente em sua proacute-pria ideologia Ela exerce uma pressatildeo tatildeo imensa sobre as pessoas que supera toda a educaccedilatildeo Seria efetivamente idealista no sentido ideoloacutegico se quiseacutessemos com-bater o conceito de emancipaccedilatildeo sem levar em conta o peso imensuraacutevel do obscu-recimento da consciecircncia pelo existente (EE p142-143 ndash grifo nosso)

Isso explica o motivo pelo qual muitas vezes a escola pode sofrer de insuficiecircncia

formativa Frente agrave pressatildeo do mundo sobre os indiviacuteduos sua consciecircncia sofre muito mais o

impacto por tal pressatildeo do que pela accedilatildeo pedagoacutegica desenvolvida por um professor ou insti-

tuiccedilatildeo escolar

3 A IMPOSSIBILIDADE DO REINO DOS FINS MEDIANTE A FORCcedilA DO IMPERA-TIVO CATEGOacuteRICO UMA CONTRAPOSICcedilAtildeO FUNDADA EM ADORNO

Karl Kraus em Os uacuteltimos dias da humanidade apresenta a confianccedila total que se cri-

ou sobre o ser humano cuja forccedila do dever e a forccedila moral em agir por puro amor ao dever eacute o

imperativo maacuteximo de conduta E apresenta isso como criacutetica para deixar claro que o proacuteprio

periacuteodo da Primeira Guerra Mundial tinha como pressuposto da vitoacuteria a forccedila interna gerada

pelo imperativo categoacuterico natildeo pode haver derrota pois nada eacute mais forte que o sujeito que

age movido por tal forccedila Kraus descrevendo uma cena em um quartel-general alematildeo diz

a firme esperanccedila de que o Senhor dos Exeacutercitos continuaraacute a estar do nosso lado Se o inimigo natildeo quiser a paz entatildeo teremos noacutes que trazer a paz ao mundo arrom-bando com punho de ferro e espada flamejante os portotildees daqueles que natildeo querem a paz [] Os feitos heroacuteicos das nossas tropas os ecircxitos dos nossos grandes gene-rais as admiraacuteveis realizaccedilotildees da paacutetria tecircm as suas raiacutezes em uacuteltima anaacutelise nas forccedilas morais inculcadas ao nosso povo numa escola exigente a do imperativo cate-goacuterico [] A nossa vitoacuteria devemo-la em parte natildeo pequena agraves riquezas morais e espirituais que o grande saacutebio de Koumlnigsberg ofereceu ao nosso povo (2003 p287-288)

Por certo que Kant natildeo esperava esta realizaccedilatildeo do indiviacuteduo formado em sua ldquoesco-

lardquo Mas o desenvolvimento histoacuterico mostrou que a contingecircncia estaacute muito mais presente na

ldquocoluna vertebral da moralidaderdquo do que ele pocircde imaginar no seacuteculo XVIII E assim eacute que o

ser humano se tornou cego no seguir a vontade fruto daquele estreitamento que o amor agrave lei

estabelece Cegueira que natildeo reconhece mais o contexto em seu nuacutecleo de forccedila a rigidez do

agir por puro respeito agrave lei pode se tornar fechada na lei por ela mesma A advertecircncia neo-

testamentaacuteria do cristianismo remete agrave necessidade de que a lei natildeo estaacute acima do ser humano

nem este fora feito para ela mas o radical contraacuterio Soma-se a isso a exigecircncia de que em

consideraccedilatildeo praacutetica o puro amor deve ser pelo diverso na sua contingecircncia histoacuterica Exis-

tem muito mais coisas de incerto do que puderam imaginar os defensores do caraacuteter de neces-

sidade

O seacuteculo XX testemunhou os maiores exemplos de atrocidades jamais realizadas contra

a humanidade A efetivaccedilatildeo da extinccedilatildeo em massa natildeo liquidou apenas indiviacuteduos humanos

mas arrasou o ideal do Reino dos fins O imperativo categoacuterico pretendia formar um estado

verdadeiramente humano em que nada poderia estar acima da dignidade humana Tambeacutem

tinha a pretensatildeo de formar o sujeito moralmente inabalaacutevel aquele que nada o altera em seu

equiliacutebrio na rigidez de caraacuteter como nuacutecleo de forccedila A grande contribuiccedilatildeo de Kant estaacute eacute

claro no fato de analisar as condiccedilotildees a partir das quais se poderia evitar que o sujeito se con-

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vertesse em uma mera esponja assim Kant acredita ser necessaacuterio arrancar o sujeito das de-

terminaccedilotildees heterocircnomas Poreacutem este autocircnomo abstraiu tanto o Outro que acabou impedin-

do o encontro a experiecircncia e a linguagem A noccedilatildeo de mimese encontra espaccedilo nesta triacuteade

Analisemos esses termos separadamente

Eacute o encontro entre diferenciados que estabelece as bases para toda experiecircncia possiacute-

vel e ele natildeo se limita ao momento inicial da relaccedilatildeo mas eacute constituinte permanente na am-

pliaccedilatildeo da consciecircncia Desse modo eacute que mesmo que a razatildeo tenha que operar com concei-

tos eles natildeo estatildeo em um patamar de substituiccedilatildeo ao fato mesmo

Retornando agrave discussatildeo do capiacutetulo anterior o termo consciecircncia deve ser entendido

natildeo somente como o espaccedilo de lucidez do entendimento quando tenho clareza no pensar mas

aponta a uma riqueza constitutiva

eacute o pensar em relaccedilatildeo agrave realidade ao conteuacutedo ndash a relaccedilatildeo entre as formas e estruturas do pensamento do sujeito e aquilo que este natildeo eacute Este sentido mais profundo de consciecircncia ou faculdade de pensar natildeo eacute apenas o desenvolvimento loacutegico formal mas ele corresponde literalmente agrave capacidade de fazer experiecircncias Eu diria que pensar eacute o mesmo que fazer experiecircncias intelectuais Nesta medida e nos termos que procuramos expor a educaccedilatildeo para a experiecircncia eacute idecircntica agrave educaccedilatildeo para a emancipaccedilatildeo (EE p151)

Aqui o encontro expressa toda sua forccedila formadora pois na permanecircncia dele eacute que

ocorre a possibilidade de ampliaccedilatildeo do conhecimento Natildeo mais no a priori mas na experiecircn-

cia sempre renovada Assim como a histoacuteria tem a dinamicidade da mudanccedila permanente o

entendimento que natildeo respeita isso sofre o problema de natildeo ter seus conceitos adequados ao

empiacuterico Essa insuficiecircncia liquida a primazia do sujeito doador de sentido pois o real estaacute

sempre fugindo aos modelos ideais estabelecidos A advertecircncia de Heraacuteclito de que natildeo eacute

possiacutevel entrar duas vezes em um mesmo rio elucida isso perfeitamente O juiacutezo eacute sempre

insuficiente pois o fato mesmo (seja do eu quanto do Outro) estaacute em constante mudanccedila exi-

gindo a mesma postura da linguagem

A primazia da experiecircncia ou primazia da relaccedilatildeo deve ser o criteacuterio para o conheci-

mento em constante progresso Em termos dialeacuteticos isso natildeo significa nem a primazia do

sujeito como Kant o propocircs tampouco a primazia do objeto como o quis Adorno indicando

aquilo que natildeo eacute acreacutescimo subjetivo o natildeo-idecircntico O que se propotildee eacute antes a centralidade

do encontro cuja base estaacute na dinacircmica de constante enfrentamento de diferenciados Assim

se estabelece um giro na teoria do conhecimento onde a preocupaccedilatildeo estaacute nos constituintes da

relaccedilatildeo Como esta deve se estabelecer para que natildeo ocorra a ruptura no processo de escla-

recimento Se haacute um sujeito e um objeto ou sujeitos ou ainda somente objetos isto eacute secun-

51

daacuterio diante daquilo que ocorre entre eles O papel da filosofia estaacute nessa definiccedilatildeo Temos

entatildeo que o encontro e a experiecircncia representam um nuacutecleo de tensatildeo natildeo passiacutevel de repou-

so e assim condiccedilatildeo para a ampliaccedilatildeo da consciecircncia Disso resulta a riqueza de linguagem Eacute

impossiacutevel ter o que dizer sobre algo que foge do meu universo experiencial E quando a proacute-

pria experiecircncia eacute limitada limitada tambeacutem eacute minha expressatildeo

A expressatildeo eacute a capacidade de acoplar agraves manifestaccedilotildees linguiacutesticas toda riqueza da

experiecircncia adquirida E isso exige rigor pois toda palavra dita superficialmente sofre a ca-

recircncia de natildeo se aproximar e tampouco se demorar sobre o outro Expressatildeo e rigor satildeo as

condiccedilotildees do conhecimento Poreacutem o rigor natildeo eacute reduccedilatildeo E a mimese eacute o nome dado a este

processo que vai da abertura ao encontro e ampliaccedilatildeo da consciecircncia ateacute a sua objetivaccedilatildeo

como linguagem no mundo sensiacutevel (seja mediante a fala gestos criaccedilatildeo artiacutestica) Mimese

eacute o braccedilo estendido ao que me eacute diferente que ocorre no momento em que se efetiva o encon-

tro Um braccedilo estendido que reconhece a dor alheia poreacutem natildeo eacute reconhecimento somente

racional mas sensiacutevel que encontra reaccedilatildeo no corpo Conforme Tiburi miacutemesis eacute ldquomuito

mais do que tentativa de reproduccedilatildeo do objeto por um sujeito seria a tentativa de tocaacute-lo de

modo sensiacutevelrdquo (2005 p137 ndash grifo nosso)

O tocar sensiacutevel a aproximaccedilatildeo que se pode definir como afetiva pois envolve o sen-

timento afeiccedilatildeo permite o reconhecimento de si e do outro ao mesmo tempo em que permite

a diferenccedila entre ambos Esse modo de conceber a miacutemesis ldquoindicaria muito mais uma dimen-

satildeo essencial do pensar esta dimensatildeo de aproximaccedilatildeo natildeo violenta luacutedica carinhosa []

uma aproximaccedilatildeo do outro que consiga compreendecirc-lo sem prendecirc-lo e oprimi-lo que consi-

ga dizecirc-lo sem desfiguraacute-lo Essa proximidade na qual o espaccedilo da diferenccedila e da distacircncia

seja respeitado sem anguacutestiardquo (GAGNEBIN 2005 p101) Desse modo a origem eacute fiacutesica e

provoca fisicamente natildeo apenas intelectualmente ldquoO sofrimento reduzido ao seu conceito

permanece mudo e sem consequecircnciasrdquo (TE p30) Aqui estaacute a dor mesma quando ocorre a

sua negaccedilatildeo ldquoO que tem de doloroso eacute a dor elevada a conceitordquo (DN 2005 p18) Essa eacute a

pobreza de relaccedilatildeo mimeacutetica e de experiecircncias pelo sacrifiacutecio da diversidade qualificada

Eacute o que se percebe em Kafka quando na cena final de O Processo K exclama derra-

deiramente ldquocomo um catildeordquo por natildeo ser reconhecido e o encontro natildeo ter se efetivado Conse-

quentemente o estado humano tornou-se impossiacutevel e o fracasso do Reino dos fins eminente

Agora parece haver uma terra de ningueacutem entre os dois lados da relaccedilatildeo Mais uma vez torna-

se legiacutetima a preocupaccedilatildeo com os termos do encontro e sua primazia Em Kafka a mimese

natildeo se efetiva pois o encontro mimeacutetico eacute rompido pelo problema da individuaccedilatildeo e indife-

renccedila Reconhecer o outro em sua dignidade passa pela consideraccedilatildeo de sua diferenccedila e isso

52

garante a individuaccedilatildeo necessaacuteria agrave natildeo indiferenccedila13 Adorno potildee esse problema no centro da

questatildeo da barbaacuterie pois ldquose as pessoas natildeo fossem profundamente indiferentes em relaccedilatildeo ao

que acontece com todas as outras excetuando o punhado com quem mantecircm viacutenculos estritos

e possivelmente por intermeacutedio de alguns interesses concretos entatildeo Auschwitz natildeo teria

sido possiacutevel as pessoas natildeo o teriam aceito (EE p134)

Pontuando um problema a partir da teoria kantiana temos a constataccedilatildeo da natildeo reali-

zaccedilatildeo do reino dos fins segundo os moldes do imperativo categoacuterico Auschwitz foi o exem-

plo deste fracasso pois aqueles que deveriam ser os fins passaram a ser possuidores de exis-

tecircncia insignificante O ideal de dignidade proacuteprio do reino kantiano natildeo se atribui a univer-

salidade e entatildeo Adorno potildee o diagnoacutestico natildeo haacute mais vida ndash seres humanos foram reduzi-

dos a mera fumaccedila serpenteando ao ceacuteu pela chamineacute dos fornos dos campos de extermiacutenio14

Esse foi o exemplo maacuteximo da indiferenccedila que destroacutei aniquila o diferente E o fracasso do

reino kantiano se deve exatamente no fato de que a comunicaccedilatildeo foi negada diante da ausecircn-

cia mimeacutetica ndash comunicar-se consigo mesmo como uma mocircnada petrificada Pensar em hu-

manidade exige entatildeo dois pressupostos o encontro e a comunicaccedilatildeo

A forccedila do imperativo categoacuterico visava impedir que o homem entendido como hu-

manidade dispusesse de si mesmo para atentar contra a raccedila humana A ecircnfase posta desde

Aristoacuteteles no ideal da vida justa a retidatildeo que se conquista pela razatildeo orientada para uma

medida justa nas accedilotildees converte-se nas palavras de Adorno em triste ciecircncia E o problema

chave disso estaacute do diagnoacutestico apresentado ainda em Dialeacutetica do Esclarecimento

O processo teacutecnico no qual o sujeito se coisificou apoacutes sua eliminaccedilatildeo da consciecircn-cia estaacute livre da plurivocidade do pensamento miacutetico bem como de toda significa-ccedilatildeo em geral porque a proacutepria razatildeo se tornou um mero adminiacuteculo da aparelhagem econocircmica que a tudo engloba Ela eacute usada como um instrumento universal servindo para a fabricaccedilatildeo de todos os demais instrumentos (p41-42)

E a essecircncia desse novo momento da razatildeo estaacute na sua conversatildeo em meacutetodo perden-

do com isso a referecircncia ao conceito de reta razatildeo a atribuiccedilatildeo do agir humano em relaccedilatildeo

aos outros conforme projeto aristoteacutelico

A teacutecnica eacute a essecircncia desse saber que natildeo visa conceitos e imagens nem o prazer do discernimento mas o meacutetodo a utilizaccedilatildeo do trabalho de outros o capital[] O que os homens querem aprender da natureza eacute como empregaacute-la para dominar completamente a ela e aos homens Nada mais importa Sem a menor consideraccedilatildeo

13 Sobre o problema da individuaccedilatildeo e indiferenccedila ver tambeacutem Civilizaccedilatildeo e barbaacuterie organizado por Adauto Novaes 2004 14 Ver Dialeacutetica negativa (2003) p332

53

consigo mesmo o esclarecimento eliminou com seu cauteacuterio o uacuteltimo resto de sua proacutepria autoconsciecircncia (DE p20)

A eliminaccedilatildeo natildeo somente da consciecircncia entendida como aquela ampliaccedilatildeo do

horizonte de sentido mediante a experiecircncia conforme exposto acima mas da proacutepria

autoconsciecircncia enquanto conhecimento de si mesmo permite o agir livre de qualquer

medida pois uma vez recusada toda ldquoverdade objetiva atraveacutes do recurso ao sujeito implica a

proacutepria negaccedilatildeo deste uacuteltimo natildeo resta nenhuma medida para a medida de todas as coisas

que sucumbe agrave contingecircncia e se torna uma inverdaderdquo (MM 39 p54)

Nesta carecircncia de limite eacute que ocorre o fato original para Adorno Auschwitz Nele a

negaccedilatildeo absoluta da vida e a ausecircncia total de limites marca a contingecircncia na sua dimensatildeo

negativa destrutiva pois os ldquoespeacutecimesrdquo da raccedila humana laacute estavam natildeo por outro motivo a

natildeo ser para o extermiacutenio15 A noccedilatildeo de reino volta com sua forccedila total natildeo enquanto

reconciliaccedilatildeo de sujeito e objeto pela forccedila do conceito Falar na possibilidade de um reino

remete agrave humanidade reconciliada na perspectiva da plena realizaccedilatildeo das diferenccedilas A

reconciliaccedilatildeo inicia no acircmbito individual quando natildeo tenho nenhum receio em ser diferente

quando as singularidades satildeo estiacutemulos agrave comunicaccedilatildeo e natildeo sua reduccedilatildeo Somente a partir

de entatildeo eacute possiacutevel pensar a humanidade como o quis Kant um Reino dos fins pois nada

estaraacute acima do encontro que gera a riqueza de experiecircncia e de comunicaccedilatildeo o que remete a

um alargamento do conceito de constituiccedilatildeo da consciecircncia moral enquanto base teoacuterico-

praacutetica para o estado humano

Para educar seguindo essa linha teoacuterica exige-se um preacute-requisito a permanente

comunicaccedilatildeo de diferenciados Eacute possiacutevel comparar a educaccedilatildeo com o desenvolvimento das

condiccedilotildees em co-habitar Enquanto habitarmos as fronteiras das relaccedilotildees negando ou

esquecendo de ocupar o espaccedilo do encontro toda possiacutevel relaccedilatildeo seraacute de total diferenciaccedilatildeo

ou radical identidade Encontro significa compartir as diferenccedilas na co-habitaccedilatildeo Precisamos

ocupar o territoacuterio esse meio no qual a educaccedilatildeo se efetiva saindo dos extremos fronteiriccedilos

em direccedilatildeo ao nuacutecleo onde ocorre a comunicaccedilatildeo essa eacute efetivaccedilatildeo da dialeacutetica do tato

exposta na Minima moralia (16 p29) Eacute possiacutevel afirmar que esta dialeacutetica do con-tato eacute o

que torna possiacutevel a riqueza de consciecircncia e a representaccedilatildeo deste conteuacutedo na relaccedilatildeo

imediata com o outro

Baseado no pressuposto da dialeacutetica do tato como nuacutecleo de forccedila tanto do

conhecimento quanto em questotildees morais percebe-se que tanto as ideias de Platatildeo quanto o 15 Sobre isso ver a magniacutefica obra de Robert Antelme A espeacutecie humana Apresentarei alguns elementos desta obra no decorrer do quinto capiacutetulo

54

sujeito transcendental com seus juiacutezos sinteacuteticos a priori estatildeo carentes de realidade e sem

efetiva consequecircncia sobre o real A ampliaccedilatildeo que Kant quis seguindo esses termos natildeo

passa de reduccedilatildeo tanto epistemoloacutegica quanto de nuacutecleo de forccedila para constituir a boa

vontade pois tanto as formas quanto o a priori carecem de realidade e determinaccedilatildeo da

realidade Quando o conceito e a consequente possibilidade de ajuizamento se constituem de

forma pura natildeo incorremos no erro de darmos agrave luz um pre-conceito

Retomando a discussatildeo sobre a possibilidade de uma ampliaccedilatildeo do conceito de

constituiccedilatildeo do sujeito a criacutetica a Kant se baseia na insuficiecircncia da formaccedilatildeo da consciecircncia

moral nos moldes apresentados na Criacutetica da razatildeo praacutetica Em termos eacuteticos a noccedilatildeo kanti-

ana de formaccedilatildeo da consciecircncia eacute reducionista e assim sem forccedila para definir a accedilatildeo o que

resulta na impossibilidade de realizaccedilatildeo do reino dos fins mediante a forccedila do imperativo ca-

tegoacuterico Esse imperativo propotildee uma forccedila natildeo suportada pelo sujeito que estaacute em permanen-

te constituiccedilatildeo e portanto em um constante reformular da siacutentese operada pelo entendimento

No capiacutetulo denominado Liberdade na Dialeacutetica negativa (2009 p180) Adorno potildee

em tensatildeo o princiacutepio da vontade com o princiacutepio de realidade Desse modo afirma que para

Kant ldquoa vontade seria a unidade normativa de todos os impulsos que se revelam ao mesmo

tempo como espontacircneos e racionalmente determinados em contraposiccedilatildeo agrave causalidade natu-

ral [] lsquoLiberdadersquo seria a palavra para designar a possibilidade desses impulsosrdquo Seguindo

a linha argumentativa e recorrendo agrave psicologia analiacutetica insere na discussatildeo sobre a vontade

e a moralidade a noccedilatildeo de princiacutepio de realidade segundo o qual ldquoinuacutemeros fatores da reali-

dade exterior sobretudo da realidade social entram nas decisotildees assinaladas pela vontade e

pela liberdaderdquo Dentro desse princiacutepio estaacute inserido o sujeito empiacuterico o qual deve ser consi-

derado como aquele que ldquotoma tais decisotildees ndash e somente um sujeito empiacuterico pode tomaacute-las

o lsquoeu pensorsquo transcendentalmente puro natildeo seria capaz de nenhum impulsordquo Esse sujeito eacute

ldquoele mesmo momento do mundo lsquoexteriorrsquo espacio-temporal e natildeo tem nenhuma prioridade

ontoloacutegica em face delerdquo que permita o esquecimento e abandono de tudo o que eacute finito e aci-

dental de tudo o que envolve a contingecircncia humana mergulhada na experiecircncia

Eacute possiacutevel afirmar que o eu penso transcendentalmente puro falha na possibilidade de

decisatildeo pelo fato de lhe faltar a prova da realidade Os fatores da realidade exterior e social

nos quais o sujeito estaacute inserido e dos quais natildeo pode abstrair interferem na tomada de deci-

sotildees Sem querer negar o princiacutepio da lei estamos diante do questionamento agrave lei considerada

por ela mesma e ao fato de nesta consideraccedilatildeo conseguir constituir o reino dos fins Estando

o ser humano na posiccedilatildeo de fim uacuteltimo uma consideraccedilatildeo se faz indispensaacutevel sendo o indi-

viacuteduo humano um ser historicamente constituiacutedo pressupor o princiacutepio loacutegico-formal como

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condiccedilatildeo imutaacutevel para a accedilatildeo significa retirar o alicerce que permite o juiacutezo luacutecido sobre o

que se deve fazer Na contingecircncia do fato existem constituintes que podem determinar a con-

duta humana para aleacutem das determinaccedilotildees da lei seja esta moral ou juriacutedica

ldquoO sujeito que eacute pretensamente em si eacute mediado nele mesmo por aquilo do que ele se

separa a conexatildeo de todos os sujeitosrdquo (DN 2009 p181) Nesta conexatildeo estaacute localizado o

reino dos fins natildeo simplesmente enquanto ldquoa ligaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios seres racionais por

meio de leis comunsrdquo (FMC BA 74) mas enquanto conexatildeo de todos os sujeitos cuja media-

ccedilatildeo estaacute na humanidade efetiva dele a qual natildeo se reduz agraves exigecircncias loacutegicas e sentidos loacutegi-

cos da razatildeo

O abstrato princiacutepio da moralidade em Kant por mais que esse o queira forte natildeo tem

forccedila suficiente para imediatamente orientar a existecircncia empiacuterica e sua contingecircncia agrave

pretensatildeo de um possiacutevel reino dos fins Apesar da grandeza desse filoacutesofo marcada pela

tentativa de solidificar os princiacutepios supremos da moralidade natildeo haacute a devida consideraccedilatildeo

do elemento existencial efetivamente noacutes somos muito mais experiecircncia e apesar da

necessidade de um elemento eacutetico imperativo que norteasse a vontade na accedilatildeo e sua dinacircmica

existe o elemento da constante decisatildeo a qual estaacute marcada por outra necessidade a da

formaccedilatildeo da vontade

Eacute o problema da possibilidade de converter esta consciecircncia do dever agrave sua realizaccedilatildeo

em material sensiacutevel Como torno disponiacutevel este dado intelectual primeiro (a lei) como uma

efetiva mobilizaccedilatildeo para a contingecircncia da vida Esse problema se sobressai devido ao fato

de esse percurso natildeo ser imediato e tampouco sua ldquoconstruccedilatildeordquo no interior da subjetividade eacute

natural O modo como a subjetividade eacute constituiacuteda resulta na possibilidade de uma

consequecircncia moral decisiva Somente no automatismo da accedilatildeo natildeo ocorre tal constituiccedilatildeo do

mesmo modo que na pura intelectualidade a consciecircncia moral tambeacutem natildeo se efetiva Este

agenciamento se converte entatildeo em algo decisivo

O domiacutenio da lei enquanto ato intelectual bem como a convicccedilatildeo de seu conteuacutedo ou

ainda a atribuiccedilatildeo de valor a uma accedilatildeo a partir da lei esses momentos natildeo se ajustam um ao

outro em uma relaccedilatildeo de causa e efeito como algo natural O a priori no princiacutepio do dever

natildeo se constitui naturalmente como causa de um efeito na experiecircncia Algo falta agrave teoria

kantiana que permitiria aceitar esta iacutentima relaccedilatildeo O conceito de boa vontade poderia ser

admitido como esse elemento pois se por um lado natildeo haacute nada de bom sem limitaccedilatildeo a natildeo

ser a vontade por outro lado pressupor um planeta povoado por pessoas desse niacutevel de

excelecircncia guiados exclusivamente pela boa vontade incorreria no risco de aceitar a

humanidade como algo jaacute formado o que natildeo se pode admitir sob nenhuma perspectiva A

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interioridade natildeo se constroacutei unicamente a priori no abstrato Esta interioridade abstrata eacute

por si soacute tatildeo incerta quanto a experiecircncia desprovida de orientaccedilatildeo

Na Metafiacutesica dos costumes fica claro a diversidade de modos de cumprir o dever

Sobre tal diversidade que contrasta com a uacutenica formulaccedilatildeo do dever a lei moral Kant natildeo

dedica suas paacuteginas Poreacutem por se tratar de uma diversidade em modos de cumprir a lei

moral fica evidente sua identidade com a experiecircncia Eacute assim que a capacidade de decisatildeo

prudente entra em cena e encontra sua base legitimadora no fato de que ningueacutem a desenvolve

abstratamente mas somente imerso na contingecircncia da vida A isso denomino de consciecircncia

concreta de si-mesmo Por um lado temos a lei como o uacutenico elemento certo imutaacutevel por

outro a existecircncia como incerta e passiacutevel de infinitas modificaccedilotildees Nessa perspectiva a

mais urgente preparaccedilatildeo estaacute natildeo na consciecircncia da lei mas na capacidade de enfrentar a

efetividade incerta sem sucumbir agravequilo que a lei nega o si-mesmo egoiacutesta Aqui a questatildeo

eacutetica estaacute constantemente em decisatildeo eacute na experiecircncia que torno a lei efetiva de modo que

nesta estaacute o cerne da formaccedilatildeo moral

Um fato marcante eacute que Kant arrancou a existecircncia de sua determinaccedilatildeo individualista

e contingente ao pensar os pressupostos eacuteticos do reino dos fins e afirmar a necessidade da lei

Poreacutem empurrou a existecircncia mesma a um local tatildeo marginal em seu sistema que

praticamente natildeo restou nada aleacutem da frieza constitutiva derivada de sua concepccedilatildeo

metafiacutesico-transcendental E o sujeito natildeo apenas constitui mas eacute constituiacutedo na

transitoriedade da existecircncia que eacute histoacuterica e portanto mutaacutevel

Quando o ser puro eacute posto diante da realidade a qual exige tomada de decisatildeo conside-

rando o entorno corre o risco de sentir-se imobilizado diante do princiacutepio loacutegico racional e de

um irrestrito amor ao dever E isso pelo fato de o ser humano natildeo ser o transcendental mas

ser muito mais consequecircncia do que princiacutepio do mesmo modo que interfere eacute interferido O

poder da objetividade eacute tatildeo grande que acaba por gerar a ldquoneacutevoardquo que encobre o imenso ceacuteu

estrelado kantiano acima de noacutes Com este poder da objetividade agindo e pondo muitas ve-

zes por terra as noccedilotildees abstratas e subjetivas a proacutepria moralidade natildeo assume um viacutenculo

condicionador em relaccedilatildeo ao sujeito empiacuterico (o uacutenico que age e decide)

4 O PROJETO EacuteTICO ESTEacuteTICO E FILOSOacuteFICO EM ADORNO

Na constituiccedilatildeo de sua concepccedilatildeo de esteacutetica Adorno entra em diaacutelogo principalmen-

te com Kierkegaard Kant Hegel e com a psicanaacutelise A partir desses quatro contrapontos

percebe-se o processo de cunhagem de seu pensamento frente a esse tema Na Teoria esteacutetica

Adorno traccedila a criacutetica direta ao idealismo e agrave psicanaacutelise e em Construccedilatildeo do esteacutetico sua

ecircnfase estaacute na teoria do filoacutesofo dinamarquecircs De todos esses contrapontos eacute possiacutevel lanccedilar a

pergunta que constituiccedilatildeo do esteacutetico eacute possiacutevel encontrar em Adorno

Em Kierkegaard construccedilatildeo do esteacutetico Adorno analisa o pensamento do referido fi-

loacutesofo e observa trecircs sentidos para o termo em questatildeo No primeiro o ldquoesteacutetico eacute [hellip] como

no uso comum da linguagem o domiacutenio das obras de arte e da consideraccedilatildeo teoacuterica da arterdquo

em segundo temos ldquoo esteacutetico como atituderdquo e por uacuteltimo ldquoo esteacutetico referido agrave forma da

comunicaccedilatildeo subjetiva e se legitima no conceito kierkegaardiano de existecircnciardquo (K p22-23)

O primeiro sentido encontra referecircncia clara por se dirigir a um objeto especiacutefico de-

nominado obra de arte e a investigaccedilatildeo teoacuterico-filosoacutefica que se realiza a partir dela Poreacutem

os dois sentidos posteriores remetem o pensamento esteacutetico agrave consideraccedilatildeo do ser humano em

seu estado atual com um interesse especial ao pensamento mesmo como posse do sujeito

Desse modo pensar esteticamente consiste no olhar atento ao homem e aquilo que ele eacute de

forma imediata enquanto empiacuterico e passiacutevel de experiecircncia O contraponto eacutetico conforme

cita Adorno considera a mudanccedila e o motivo que leva a se tornar aquilo que se torna De mo-

do que se o esteacutetico eacute o olhar sobre aquilo que o ser humano eacute imediatamente o eacutetico eacute o

olhar sobre aquilo que o ser humano pode vir a ser

O diferencial em Adorno eacute que o proacuteprio domiacutenio e consideraccedilatildeo teoacuterica da arte jaacute eacute

por si mesmo anaacutelise do ser humano em sua existecircncia imediata e em suas possibilidades de

devir Pelo fato de a arte ter se tornado o que se tornou ldquoantiacutetese social da sociedaderdquo falar

sobre ela eacute falar sobre o meio pelo qual e no qual surge No momento em que a arte se contra-

potildee agrave realidade se constitui em forma de conhecimento pois sua tarefa natildeo eacute mais afirmar

mas ser tensatildeo provocando o movimento dialeacutetico do pensamento ndash a antiacutetese entre o pensa-

mento e aquilo que ele mesmo natildeo eacute antiacutetese entre a arte e o meio no qual ela aparece

O comportamento esteacutetico proacuteprio do ser sensiacutevel que cria consciecircncia mediante a ex-

periecircncia desenvolvida assume a marca da contradiccedilatildeo ao princiacutepio de realidade a qual potildee a

adaptaccedilatildeo como o bem supremo Na frase ldquoa realidade oferece muitos outros motivos reais

para dela se fugirrdquo (K p20) natildeo expressa a fuga propriamente dita como uma patologia psiacute-

quica mas remete ao termo resistecircncia muito desenvolvido na Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo e na

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Minima moralia Nesta compreensatildeo da esteacutetica como atitude a realidade natildeo tem o poder

supremo de atuar sobre o indiviacuteduo determinando-o ou reprimindo-o como um sujeito des-

provido de subjetividade Pelo contraacuterio enquanto consideraccedilatildeo do estado em que o humano

se encontra como ser real a capacidade de compreensatildeo e atribuiccedilatildeo de sentido exige a dose

de resistecircncia acusada por Adorno como indispensaacutevel ao entendimento da realidade natildeo en-

quanto aparecircncia imediata ndash afinal essa eacute muito bem administrada ndash mas como um espetaacuteculo

que ocorre nos bastidores

Frente a isso a obra de arte assume vinculaccedilatildeo ao processo de esclarecimento ao natildeo

ser simples coacutepia do empiacuterico ou daquilo que acontece na superfiacutecie da existecircncia mas tra-

zendo para frente do palco aquilo que ocorre nos bastidores

O embuste [] consiste precisamente em que esta harmonizaccedilatildeo da vida e esta de-formaccedilatildeo da vida satildeo imperceptiacuteveis para as pessoas porque acontecem nos bastido-res [] de modo que as pessoas absorvem a harmonizaccedilatildeo oferecida sem ao menos se dar conta do que lhes acontece Talvez ateacute mesmo acreditem estar se comportan-do de modo realista E justamente aqui eacute necessaacuterio resistir (EM p86)

Esta forma distinta de reflexatildeo eacute o ato de pensamento vinculado ao processo de escla-

recimento exigido ainda nas linhas da Dialeacutetica do esclarecimento e que remete natildeo somente

ao terceiro sentido que o termo esteacutetica assume em Kierkegaard e eacute analisado por Adorno

como sendo um interesse especial pelo proacuteprio pensamento enquanto posse do sujeito ou

seja a necessidade de pensar o proacuteprio pensamento Vinculado a isto estaacute a possibilidade de

resistir agraves formas de ofuscamento que substituem a tensatildeo social pela pretensa harmonia de

um sentido imediato Como resposta a este ofuscamento propotildee-se a constituiccedilatildeo de um loacute-

cus comunicativo16 por meio do qual se amplia o niacutevel de experiecircncias e de compreensatildeo

cuja consequecircncia eacute um retorno qualificado ao proacuteprio pensamento de modo autocriacutetico

quanto agrave possibilidade de perceber o diferenciado ndash aquilo que permite a identidade de si suas

caracteriacutesticas proacuteprias e que impedem a simples universalizaccedilatildeo ndash a partir do local ocupado

por ele

Isso remete agrave proacutepria filosofia claacutessica no meacutetodo socraacutetico e platocircnico de construccedilatildeo

do conhecimento Ursula Wolf em sua obra La filosofiacutea y la cuestioacuten de la vida buena reto-

ma Platatildeo e o modelo socraacutetico de constituiccedilatildeo da subjetividade trazendo ao centro de tal

constituiccedilatildeo o sentido de elencos A observaccedilatildeo que se potildee indica para uma diferenccedila entre o

meacutetodo da teacutechne e o meacutetodo do elencos ldquonatildeo apenas evidencia a insuficiecircncia do meacutetodo da

teacutechne para a eacutetica [] mas estabelece ao mesmo tempo um novo meacutetodo o qual tem seu 16 No capiacutetulo 5 seraacute desenvolvido com mais detalhes o significado deste loacutecus comunicativo

59

modelo nos diaacutelogos com os quais Soacutecrates potildee agrave prova o saber de seus companheiros Esse

modo de proceder eacute o do elencosrdquo ([sd] p54 ndash traduccedilatildeo nossa) Em primeiro lugar deve-se

destacar a consciecircncia da tensatildeo dialeacutetica que se estabelece no momento em que ocupo meu

espaccedilo de sujeito portador de voz e com papel efetivo no elenco de atores No momento que

ocorre esse jogo entre atores no sentido de elenco se efetiva o real sentido de diaacutelogo en-

quanto meio de constituiccedilatildeo da subjetividade enquanto meio dialoacutegico que constituo e me

constitui

Este eacute o locus proacuteprio e ideal para que ocorra a resistecircncia apontada por Adorno no

momento em que me eacute permitida a elevaccedilatildeo do niacutevel de consciecircncia mediante a experiecircncia

comunicativa com outros atores Continuando com Wolf isto ocorre pelo fato de o elencos

permitir a complementaccedilatildeo das opiniotildees individuais evidenciando a falta de clareza conceitu-

al e elaborando as contradiccedilotildees Assim se constitui um meio proacuteprio no qual se examinam as

opiniotildees e se constituem referenciais interpretativos acerca do proacuteprio contexto no qual os

indiviacuteduos estatildeo inseridos

41 A vinculaccedilatildeo entre experiecircncia e racionalidade esteacutetica

Com a Teoria esteacutetica Adorno potildee em questatildeo a dinacircmica da subjetividade que se

constitui mediante relaccedilatildeo do sujeito com o mundo e sua consequente objetivaccedilatildeo enquanto

expressatildeo dessa riqueza subjetiva ou seu conteuacutedo de consciecircncia Antes da proacutepria arte o

contexto concreto no qual o indiviacuteduo estaacute inserido ndash as experiecircncias que determinam nosso

modo de compreender a realidade ndash tem o poder de ldquopocircr em movimento processos de pensa-

mentordquo Essa expressatildeo utilizada na Teoria esteacutetica (p45) quando o autor comenta as obras

de Brecht deve ser considerada de modo mais amplo direcionada ao proacuteprio meio concreto

no qual o indiviacuteduo estaacute inserido o qual significa para Adorno impulso ao pensar

Vicente Goacutemez (1998 p49 ndash traduccedilatildeo nossa) ao situar o sentido que a esteacutetica tem

em Adorno afirma que essa ldquonatildeo significa simplesmente teoria da arte mas laquoeacute referir-se agrave

posiccedilatildeo que o pensamento ocupa diante da objetividaderaquordquo Essa posiccedilatildeo do pensamento eacute a

uacutenica para Adorno ldquocapaz de realizar o verdadeiro conhecimento e natildeo a mera tautologia ou

reduplicaccedilatildeo do momento subjetivo no processo cognoscitivordquo Assim estamos diante de um

problema filosoacutefico o que eacute a objetividade o que eacute o concreto e como eacute possiacutevel a compre-

ensatildeo natildeo tautoloacutegica deste por parte do ser humano

O motivo para isso estaacute no fato de o proacuteprio conceito de concreto ser considerado por

Adorno de modo negativo ldquoAquilo que ainda natildeo era eacute o concretordquo ndash o maior problema eacute

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ldquotratar a concreccedilatildeo como dado como indubitavelmente laquoexistenteraquordquo (TE p156) No real no

concreto estaacute a possibilidade de gerar processos de pensamento pelo fato de que ldquoaquilo que

eacute eacute mais do que ele eacute Esse mais natildeo lhe eacute anexado de fora mas permanece imante a elerdquo

(DN 2009 p140) constituindo-se em radical desafio ao pensamento no momento em que

nos deparamos com os limites de apreender somente o disponiacutevel pela experiecircncia imediata Eacute

diante dessa compreensatildeo de concreto que deve ser situada a expressatildeo artiacutestica a obra de

arte e enquanto concretude a proacutepria arte se converte em algo que estaacute para aleacutem do seu sim-

ples existente sendo mais do que aquilo apreendido imediatamente pelos sentidos Desse mo-

do a arte tambeacutem passa a ldquopocircr em movimento processos de pensamentordquo Essa eacute uma das

caracteriacutesticas que demarca o artiacutestico do natildeo-artiacutestico em Adorno

Deve-se destacar a centralidade que esse conceito ndash concreto ndash adquire em Adorno

Se na filosofia claacutessica a admiraccedilatildeo o espanto eacute o que origina o pensamento a filosofia em

Adorno esta funccedilatildeo eacute assumida pelo concreto A Dialeacutetica negativa aponta isso quando le-

mos que ldquosobre o concreto natildeo se deve filosofar mas a partir delerdquo (2005 p41 ndash grifo nos-

so) Poreacutem eacute possiacutevel salvar a admiraccedilatildeo enquanto olhar que natildeo se acomoda diante do evi-

dente e imediato mas encontra seu incitamento no descortinar desta novidade que surge haacute

algo ainda a compreender conteuacutedo ainda a ser transmitido e apreendido o mundo ainda natildeo

estaacute resolvido sob a luz do sentido jaacute manifestado

Esta caracteriacutestica da arte a qual deve ser ampliada para aleacutem do domiacutenio artiacutestico

pois tudo eacute mais do que aquilo que se apresenta permite pontuar o significado da negativida-

de No momento em que o entendimento natildeo consegue perceber nada aleacutem daquilo que ime-

diatamente aparece diante de mim quando desfaccedilo a possibilidade do concreto substituindo-o

pela clareza absoluta de sentido aniquilo a possibilidade da compreensatildeo deixando espaccedilo

para o reducionismo ou pobreza de sentido Nas palavras de Joseacute Antonio Zamora natildeo man-

ter-se na ldquoinsistecircncia do negativo transitar demasiado rapidamente agrave afirmaccedilatildeo do positivo

contribui efetivamente muito mais para a perpetuaccedilatildeo do falso existente do que para sua su-

peraccedilatildeordquo (2004 p13 ndash traduccedilatildeo nossa) Eacute isto que o sentido de concreto permite a colocaccedilatildeo

do eacute para aleacutem daquilo que aiacute estaacute Desse modo o negativo o concreto se transforma em

fundamento epistemoloacutegico

De modo mais enfaacutetico o problema eacute como a arte estaacute situada diante dessa compreen-

satildeo de concreto o qual conforme exposto acima rompe com a simples evidecircncia e se projeta

como reserva de sentido Esse problema nos potildee diante de um fragmento adorniano jaacute co-

mum ldquoTornou-se manifesto que tudo o que diz respeito agrave arte deixou de ser evidenterdquo tendo

perdido aquilo ldquoque poderia fazer de modo natildeo refletido ou sem problemas (TE p11) Essa eacute

61

a criacutetica ao simples existente empiacuterico levada ao extremo com o conceito de enigma e conte-

uacutedo de verdade (os quais jaacute foram desenvolvidos no segundo capiacutetulo) O que cabe aqui eacute

situar a arte enquanto algo que ldquose voltou graccedilas agrave sua forma tanto contra o simples existen-

te contra o estado de coisas persistente como veio em sua ajuda enquanto modelaccedilatildeo dos

elementos existentesrdquo (TE p12)

Ocorre o questionamento daquilo que nos eacute familiar pondo no centro das discussotildees

aquilo que eacute estranho o para aleacutem daquilo que eacute e que constitui o outro do meu entendimento

a alteridade Aqui estaacute a decisiva atualidade do esteacutetico a novidade no modo de compreender

esse termo Para Nadja Hermann

Desde o seacuteculo 20 satildeo conhecidas as profundas transformaccedilotildees ocorridas no pensa-mento que [] denunciam o caraacuteter excludente do conceito que natildeo reconhece o outro e natildeo acolhe aquilo que escapa as suas determinaccedilotildees e apontam para a atuali-dade do esteacutetico para aleacutem da teoria do belo e da arte transposto agora para vida cotidiana Esse conjunto de mudanccedilas produz efeitos sobre nossas interpretaccedilotildees de mundo e no modo de pensar (2010 p123-124 ndash grifo nosso)

Continuando com o argumento anterior tem-se entatildeo a inserccedilatildeo do outro e do estra-

nho em contraposiccedilatildeo ao idecircntico e com o simplesmente familiar Isso se deve agrave experiecircncia

esteacutetica na qual devido ao elemento do concreto e de natildeo evidecircncia se ldquoenfatiza uma multi-

plicidade de dimensotildees do estranho que nos retira da conformidade com o familiarrdquo (HER-

MANN 2010 p124)

Eacute possiacutevel perceber isto de modo enfaacutetico em Adorno quando na Teoria esteacutetica

(p12) situa a arte em um movimento de volta contra o estado de coisas e ao mesmo tempo

vem em sua ajuda enquanto modelaccedilatildeo de tal estado Desse modo natildeo eacute um simples contrari-

ar caracteriacutestica que pode ser aplicada a toda teoria de Adorno principalmente quando acusa-

da de pessimista Inspirada na relaccedilatildeo artiacutestica com a realidade a teoria natildeo eacute um simples ir

contra mas nesse movimento eacute impulso de progresso indo ao encontro do mundo enquanto

possibilidade de modelaccedilatildeo de seus elementos Essa modelaccedilatildeo ocorre no momento em que a

obra de arte nos potildee diante do concreto e ldquointegra-se assim num processo englobante de espi-

ritualizaccedilatildeo no progresso da consciecircnciardquo (TE p110) Essa eacute outra caracteriacutestica para uma

produccedilatildeo se considerada obra de arte em Adorno

Eacute o que se pode observar por exemplo em obras como Guernica de Pablo Picasso

Nessa obra percebe-se que se demarca o acircmbito do concreto e de ausecircncia de evidecircncia con-

vertendo aquilo que aparece em algo que vai aleacutem de sua manifestaccedilatildeo imediata Para Ador-

no ldquoem toda obra de arte genuiacutena aparece algo que natildeo existerdquo (TE p100) ou seja o con-

62

creto na consideraccedilatildeo para aleacutem do evidente Mas esse aleacutem natildeo eacute algo anexado de fora mas

conteuacutedo intriacutenseco que precisa ser disponibilizado agrave consciecircncia

A dinacircmica consequente disto eacute entre a arte em sua relaccedilatildeo consigo mesma e em sua

relaccedilatildeo com o concreto A construccedilatildeo do esteacutetico em Adorno perpassa por estas duas dire-

ccedilotildees Em primeiro lugar ldquotoda obra de arte aspira por si mesma agrave identidade consigordquo identi-

dade esta que ldquona realidade empiacuterica se impotildee agrave forccedila a todos os objetosrdquo (TE p15) Este

caraacuteter de singularidade faz com que a obra seja ela mesma e natildeo o que possa representar

extinguindo toda tentativa de extrair dela uma mensagem ndash ldquopinta-se um quadro e natildeo o que

ele representardquo (Ibidem)

Em segundo lugar ocorre o direcionamento em relaccedilatildeo ao concreto ao empiacuterico Po-

reacutem este direcionamento natildeo ocorre enquanto coacutepia imitativa As obras de arte ldquosatildeo coacutepias do

vivente empiacuterico na medida em que a este fornecem o que lhe eacute recusado no exterior e assim

libertam daquilo para que as orienta a experiecircncia externa coisificanterdquo (TE p15) ndash fazem

surgir o concreto naquilo que ele eacute A comunicaccedilatildeo17 que surge a partir da obra de arte assu-

me um sentido positivo e outro negativo Positivo enquanto identidade e afirmaccedilatildeo de si

mesmo enquanto arte ndash arte pela arte negativo pelo fato de defender o natildeo-evidente e rela-

cionar-se com a realidade pela recusa agrave imitaccedilatildeo dos seus elementos Desse modo a obra se

torna altamente espiritualizada e assim realiza a tensatildeo entre forma e conteuacutedo

Se comunicar pressupotildee linguagem eacute possiacutevel dizer que nesta estaacute a formalizaccedilatildeo do

conteuacutedo espiritual Um pensamento expressado eacute um conteuacutedo que se torna linguagem e

desse modo assume uma forma A obra de arte eacute forma expressatildeo de um conteuacutedo A respos-

ta agrave questatildeo sobre qual eacute o elemento decisivo ndash a forma ou o conteuacutedo ndash nos remete agrave impos-

sibilidade de um existir sem o outro Conteuacutedo natildeo formalizado natildeo tornado linguagem eacute

mudo e sem consequecircncias forma linguagem vazia de conteuacutedo eacute ideoloacutegica e nociva ao

desenvolvimento da consciecircncia Partindo desses dados na obra de arte deve haver o equiliacute-

brio entre o conteuacutedo e a forma no sentido de aquilo expresso como conteuacutedo ser indiacutecio do

concreto e do mesmo modo a forma deve permitir o surgimento deste conteuacutedo concreto

Utilizando as palavras de Adorno temos ldquoA forma esteacutetica eacute a organizaccedilatildeo objetiva

de tudo o que no interior de uma obra de arte aparece como linguagem coerente Eacute a siacutentese

natildeo violenta do dispersordquo (TE p165) O elemento de natildeo violecircncia poderia fazer supor a

primazia do conteuacutedo sobre a forma pois esta pode ter a pretensatildeo de reter aquilo que eacute dife-

rente em uma imposiccedilatildeo de sentido Salvo esta consideraccedilatildeo a forma eacute salva pelo fato de ser

17 O conceito de comunicaccedilatildeo seraacute melhor desenvolvido no segundo item deste capiacutetulo Aqui se faz considera-ccedilotildees provisoacuterias a fim de estabelecer as relaccedilotildees com o conceito de forma e conteuacutedo

63

indispensaacutevel na organizaccedilatildeo coerecircncia da proacutepria obra mesma Pela forma deve haver a ma-

nifestaccedilatildeo do conteuacutedo aquela eacute a condiccedilatildeo para este ldquoO ecircxito esteacutetico depende essencial-

mente de se o formado eacute capaz de despertar o conteuacutedo depositado na formardquo (TE p161)

O conteuacutedo da obra de arte assume por sua relaccedilatildeo com o concreto a dimensatildeo de

criacutetica Deve fazer surgir o mais naquilo que estaacute dado esse elemento de para aleacutem do imedi-

ato do evidente do oacutebvio Ao permitir a manifestaccedilatildeo da novidade ao fazer aparecer o novo

o concreto no para aleacutem do que aparece a forma deve expressar esse conteuacutedo e em uma

tensatildeo dialeacutetica o conteuacutedo assumir uma forma Vislumbra-se a convergecircncia entre forma e

criacutetica pois nas ldquoobras de arte a forma eacute aquilo mediante o qual elas se revelam criacuteticas em si

mesmas [] Pela sua implicaccedilatildeo criacutetica a forma aniquila as praacuteticas e as obras do passado A

forma contradiz a concepccedilatildeo da obra como algo de imediatordquo (TE p165) Assim se visualiza

a participaccedilatildeo da arte no processo de esclarecimento neste desenvolvimento da consciecircncia

diante daquilo que eacute e pelo questionamento do sentido atribuiacutedo a esse eacute

Essa tensatildeo tambeacutem demarca o acircmbito do que eacute arte Quando as obras ldquotornam-se con-

textos de sentido ao negarem o sentidordquo (TE 176) fazem surgir o concreto ao negarem aquilo

que se quer como o concreto Eacute diante desses elementos que se pode inserir o sentido de sujei-

to em relaccedilatildeo agrave obra de arte Ao pensar sobre o que eacute o sujeito precisamos refletir ldquosobre o

que na arte fala eis o seu verdadeiro sujeito e natildeo o que a produz ou a receberdquo (TE 190)

Continuando com a argumentaccedilatildeo Adorno propotildee

Verdadeira eacute a arte tanto mais que o que nela fala e ela proacutepria estatildeo cindidos natildeo reconciliados mas esta verdade cabe-lhe em sorte quando ela sintetiza o dividido e assim o determina apenas no seu caraacuteter irreconciliaacutevel Paradoxalmente a arte tem de testemunhar o irreconciliaacutevel e tender no entanto para a reconciliaccedilatildeo isso soacute eacute possiacutevel a partir da sua linguagem natildeo-discursiva Soacute neste processo se concretiza o noacutes Mas o que fala na arte eacute verdadeiramente o seu sujeito na medida em que nela fala e por ela natildeo eacute representado (TE p191-192)

Por ser portadora de linguagem e portadora de conteuacutedo a obra de arte assume a fun-

ccedilatildeo de sujeito ela fala propotildee questatildeo converte-se em desafio ao outro sujeito agora o hu-

mano exigindo deste o rigor cognitivo poreacutem em uma posiccedilatildeo de natildeo posse frente agrave obra

Compreende-se entatildeo desse modo que a tensatildeo entre a obra de arte e o ser humano eacute uma

tensatildeo entre sujeitos natildeo mais de sujeito e objeto propondo algumas caracteriacutesticas especiais

Essas caracteriacutesticas como veremos no capiacutetulo 5 devem demarcar a relaccedilatildeo para aleacutem do

sujeito obra de arte e sujeito humano mas constituir uma forma de relaccedilatildeo entre os proacuteprios

sujeitos humanos em suas mais diversas possibilidades de co-habitarem

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A noccedilatildeo de sujeito eacute condiccedilatildeo para a obra de arte e esta relaccedilatildeo entre sujeitos demarca

a constituiccedilatildeo da obra artiacutestica um deve remeter ao outro a arte deve remeter agrave razatildeo o ser

humano com sua racionalidade deve remeter-se agrave arte em sua linguagem enquanto testemunha

do concreto Assim constitui-se a racionalidade esteacutetica nessa tensatildeo que pode ser entendida

como relaccedilatildeo entre sujeitos pois ambos satildeo portadores de sentido em manifestaccedilatildeo e propotildee

sentido Ambos os sujeitos em sentido concreto O desafio ao sujeito humano estaacute na capaci-

dade de perceber este sentido manifesto por este seu outro

Estamos diante do mais rico sentido de dialeacutetica em Adorno o qual se converte em

imperativo para o pensamento ldquopensar de tal modo que a forma do pensamento natildeo mais tor-

ne seus objetos coisas inalteraacuteveis que permanecem iguais a si mesmas a experiecircncia des-

mente que eles o sejamrdquo (DN 2009 p134) No nuacutecleo do pensamento dialeacutetico estaacute a prima-

zia da experiecircncia de sujeitos que natildeo permanecem iguais no decorrer da histoacuteria rompendo

com o ideal de identidade na paz do conceito ldquoO existente singular coincide tatildeo pouco com o

seu conceito superior quanto se mostra como ininterpretaacutevel Ele tambeacutem natildeo eacute por sua parte

algo derradeiro contra o qual o conhecimento deveria se chocarrdquo (DN 2009 p140) Ao mes-

mo tempo em que o singular natildeo coincide com o conceito afirmando sua dignidade de dife-

renciado ele eacute passiacutevel de interpretaccedilatildeo e se constitui em reserva de sentido Daiacute a ecircnfase de

Adorno na Teoria esteacutetica em definir o momento da razatildeo interpretativa diante do outro

A afirmaccedilatildeo acima de que a relaccedilatildeo entre sujeitos eacute marca da racionalidade esteacutetica

pelo fato de a proacutepria arte se constituir em sujeito exige um complemento O que diferencia o

sujeito humano Em uma palavra a consciecircncia e reafirmando o terceiro capiacutetulo a capaci-

dade de siacutentese operada pelo pensamento humano Poreacutem siacutentese natildeo absoluta mas aberta agrave

ampliaccedilatildeo de sentido ndash siacutentese natildeo final mas dinacircmica Na Dialeacutetica negativa (2009 p159)

visualiza-se essa especificidade do sujeito humano pondo como primeiro a noccedilatildeo de empiria

para somente apoacutes ser possiacutevel falar em transcendental espiritual A consciecircncia eacute em pri-

meiro lugar empiacuterica ldquofunccedilatildeo do sujeito vivordquo e portanto histoacuterica Natildeo havendo ldquoqualquer

relaccedilatildeo com uma consciecircncia empiacuterica com a consciecircncia do eu vivo natildeo haveria nenhuma

consciecircncia transcendental puramente espiritualrdquo (grifo nosso) A expressatildeo consciecircncia do

eu vivo situa-se em um contraponto ao eu penso cartesiano Eu penso logo existo como quis

Descartes eacute contraposto pelo imperativo dialeacutetico do pensamento eu vivo logo posso pensar

Apesar de a vida ser o elemento originaacuterio o ser humano se posiciona diante dela a

partir da razatildeo interpretativa e esta eacute pensamento e constitui pensamento ndash esse eacute o viacutenculo

entre experiecircncia esteacutetica e racionalidade A obra de arte ldquonatildeo dispensa objetivamente a inter-

pretaccedilatildeo como se nada houvesse para interpretar [] A obra de arte que crecirc possuir o conte-

65

uacutedo a partir de si encalha num racionalismo ingecircnuordquo (TE p40) Dessa maneira percebe-se a

relaccedilatildeo natildeo somente da arte com a sociedade com o concreto mas da arte com a razatildeo inter-

pretativa Poreacutem ldquodeve-se interpretar-se e natildeo ser substituiacuteda pela claridade do sentidordquo (TE

p40) isso eacute

se a verdade que as obras de arte contecircm ficar encerrada no momento da experiecircncia esteacutetica ela se perderia e esta natildeo seria nada Disto vem que as obras de arte por causa daquilo que nelas aponta para aleacutem do momento fugaz da experiecircncia esteacutetica satildeo remetidas agrave razatildeo interpretativa para que a interpretaccedilatildeo exponha a verdade pa-ra Adorno interpretaccedilatildeo significa interpretaccedilatildeo filosoacutefica a laquonecessidade de inter-pretaccedilatildeoraquo que as obras de arte possuem eacute a necessidade que a experiecircncia esteacutetica possui da demonstraccedilatildeo filosoacutefica (WELLMER 1993 p19 ndash traduccedilatildeo nossa)

Isso faz retomar o sentido claacutessico de esta admiraccedilatildeo que permitia ao ser

humano pensar filosofar e que a proacutepria filosofia eliminou no momento em que se viu na

posiccedilatildeo de poder apreender o fato e fenocircmeno o empiacuterico em uma caacutepsula conceitual en-

cerrando a proacutepria verdade nessa caacutepsula Esta permanecircncia da thaumazein a qual se origina

no momento em que permito o novo (para a consciecircncia agrave qual nada haacute de novo natildeo eacute possiacute-

vel a admiraccedilatildeo) equivale para usar uma expressatildeo de Hermann agrave promessa de vida A obra

de arte encontra aqui seu local privilegiado ldquoa arte nos indica que o mundo natildeo eacute plenamente

compreendido no acircmbito conceitual e que pode deixar um espaccedilo para uma promessa de vidardquo

(2010 p45) Nada haacute para se admirar no conceito esse em linguagem adorniana eacute frio e sem

consequecircncia A riqueza de mundo soacute eacute possiacutevel por uma via fazendo o movimento ao en-

contro do mundo ao encontro do outro ndash esse encontro quando aberto agrave sua novidade apro-

funda o mundo

42 A dinacircmica entre aproximaccedilatildeo do outro e construccedilatildeo de si

A Teoria esteacutetica lanccedila uma compreensatildeo de obra de arte enquanto ldquoidentidade consi-

go mesmardquo (p15) Nesse sentido a arte natildeo pretende ser idecircntica ao seu exterior mas quer ser

apenas ela mesma e natildeo representaccedilatildeo fidedigna A identidade esteacutetica ocorre de modo a ldquode-

fender o natildeo-idecircntico que a compulsatildeo agrave identidade oprime na realidaderdquo (ibidem) sendo

entatildeo em primeiro lugar identidade consigo mesma Na construccedilatildeo do sujeito esteacutetico o pri-

mado estaacute em ser para si em um impulso de construccedilatildeo de si Essa construccedilatildeo natildeo significa

desarmonia em relaccedilatildeo ao todo sobreposiccedilatildeo de si mesmo mas sim o fortalecimento subjeti-

vo em sua identidade consigo mesmo como condiccedilatildeo para pensar uma possiacutevel identidade

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natildeo opressora Hermann destaca isso de modo incisivo ao afirmar que a devida atenccedilatildeo agravequi-

lo que eacute particular em sua contingecircncia pode

esclarecer a relaccedilatildeo reciacuteproca entre o universal e o particular [e] evita uma orienta-ccedilatildeo puramente abstrata sem abandonar princiacutepios universais pois a educaccedilatildeo pres-supotildee um processo de inserccedilatildeo num mundo compartilhado de valores e crenccedilas sem o qual qualquer dialeacutetica entre individualizaccedilatildeo e socializaccedilatildeo estaria condenada ao fracasso (2010 p104)

Continuando o pensamento para a autora haacute ldquoum miacutenimo de normas morais validadas

intersubjetivamente que constituem nosso ethos e sem as quais se torna muito difiacutecil edificar

a formaccedilatildeo humana O compartilhamento de valores e regras comuns permite projetar um

mundo sob o qual se daacute a base de nossas conversaccedilotildeesrdquo (Ibidem p105) Dessa forma perce-

be-se a dinacircmica que ocorre entre a aproximaccedilatildeo docom o outro e a construccedilatildeo de si indi-

cando o real sentido de pensar a relaccedilatildeo segundo o modelo do elencos a dinacircmica que potildee os

diversos atores como responsaacuteveis pela autoconstruccedilatildeo e pela coesatildeo do todo Somente quan-

do a proximidade permite a proacutepria identidade eacute que se torna possiacutevel projetar uma situaccedilatildeo

em que a diferenccedila eacute motivo de coesatildeo natildeo de rupturas O contraacuterio quando a aproximaccedilatildeo

impede o si mesmo a individualidade o ldquocompartilhamento de valores e regras comunsrdquo eacute

impossibilitado ou ocorre somente de modo aparente E isso devido ao fato de a coerccedilatildeo ge-

rar coesatildeo somente aparente

Sob esta oacutetica o pensamento pode significar um modo de aproximar-se do outro cuja

dinacircmica eacute o desencadear compreensivo gerado pela aproximaccedilatildeo real efetiva que nos potildee

face-a-face Com a aproximaccedilatildeo se estabelece a relaccedilatildeo oposta agrave dominaccedilatildeo gerada pela ca-

pacidade de distanciamento a qual pressupotildee indiferenciaccedilatildeo ndash a dominaccedilatildeo eacute possiacutevel so-

mente para quem eacute indiferente e para ser indiferente natildeo pode ocorrer a aproximaccedilatildeo efetiva

A racionalidade da aproximaccedilatildeo natildeo compactua com a tendecircncia ao equivalente que marca a

forma de relaccedilatildeo sob a oacutetica da instrumentalidade e do princiacutepio da disponibilidade Eacute exata-

mente pelo fato de o outro natildeo estar simplesmente disponiacutevel a mim e ao meu intelecto que

me obriga a natildeo trataacute-lo como simples objeto do meu querer (instrumentalizaccedilatildeo) Nessa di-

nacircmica eacute que deve ser pensada a tensatildeo entre aproximaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo aproximaccedilatildeo e

construccedilatildeo A aproximaccedilatildeo que gera diferenciaccedilatildeo permite a construccedilatildeo tanto do si quanto do

outro e ateacute mesmo construccedilatildeo do todo

A expressatildeo ldquofragmento de alteridaderdquo (TE p18) indica esta racionalidade orientada

por uma siacutentese que natildeo desfaz a alteridade A proacutepria possibilidade de aproximaccedilatildeo envolve

a possibilidade de haver um inteiramente outro como um fragmento de alteridade que faz

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tambeacutem parte da proacutepria possibilidade de aproximaccedilatildeo enquanto comunicaccedilatildeo de diferenci-

ados Na relaccedilatildeo com meu diferente na diferenccedila especiacutefica entre noacutes estou em relaccedilatildeo com

o que eu natildeo sou mas que ao mesmo tempo permite fazer de mim uma singularidade Se

houver alguma siacutentese ndash no sentido de conhecimento ndash contudo ela natildeo extingue tais frag-

mentos os quais permanecem no diferenciado

Os fragmentos de alteridade interferem no processo de siacutentese operada pelo entendi-

mento No momento em que consigo referir todas as representaccedilotildees a mim enquanto ser de

experiecircncia esta siacutentese natildeo eacute uma simples imposiccedilatildeo ao real pois para aleacutem de toda compre-

ensatildeo reside a possibilidade da novidade do renovar da experiecircncia diante de algo que eacute sem-

pre inteiramente outro Assim ldquosubstitui o princiacutepio de unidade e a onipotecircncia do conceito

soberano pela ideacuteia daquilo que existiria fora do feiticcedilo de tal unidaderdquo (DN 2005 p10) Eacute

ilusatildeo a crenccedila de que pela tentativa de unidade nada reste do outro A filosofia pode se ori-

entar pela tendecircncia do uno mas natildeo pode negar a fraqueza do conceito ao estabelecer o uno

como que havendo um envolvimento total das particularidades nessa totalidade

Em sentido contraacuterio a dialeacutetica negativa substitui esse feiticcedilo por aquilo que existe

fora dele Um segundo giro-copernicano colocaria no centro do debate filosoacutefico os fragmen-

tos de alteridade aquilo que resta depois de satisfeita a sanha de tudo abocanhar Nisso estaacute o

sentido de dialeacutetica jaacute que ldquoseu nome a princiacutepio natildeo diz nada mais que os objetos natildeo se

reduzem a seu conceito que entram em contradiccedilatildeo com a norma tradicional da adaequatiordquo

(DN 2005 p 17) E isto devido ao fato de que o ldquoconhecimento natildeo interioriza por completo

nenhum de seus objetosrdquo (p24) e exatamente por natildeo serem objetos completamente apreen-

siacuteveis eacute que tecircm a capacidade de pocircr em movimento processos de pensamento processos de

compreensatildeo que se efetivam pela aproximaccedilatildeo

Considerando a esteacutetica enquanto relaccedilatildeo entre diferenciados sem a acircnsia de posse

como alteridades permanentes o caraacuteter de aproximaccedilatildeo assume efeito decisivo de apariccedilatildeo

Natildeo somente eu percebo o outro ou seja natildeo eacute unicamente ato de minha consciecircncia mas

tambeacutem eacute o outro que aparece que se lanccedila ao meu olhar se deixa apreender A atitude esteacute-

tica eacute a secularizaccedilatildeo do ato religioso da revelaccedilatildeo duas presenccedilas que se potildee em direccedilatildeo

uma agrave outra para um encontro que resulta no aacutepice da experiecircncia e permita a construccedilatildeo de

sentido tatildeo somente a partir disso

Chegamos entatildeo ao conceito de construccedilatildeo no qual natildeo ocorre a prioridade dos pro-

cessos subjetivos Eacute possiacutevel afirmar a concordacircncia de Adorno com o ideal de construccedilatildeo

grego claacutessico

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o bloco de maacutermore e as teclas de um piano nas quais respectivamente uma escultu-ra e uma composiccedilatildeo esperam ser libertadas satildeo para tal tarefa provavelmente mais do que metaacuteforas As tarefas trazem em si a sua soluccedilatildeo objetiva pelo menos no in-terior de uma certa margem de variaccedilatildeo embora natildeo possuam a univocidade de e-quaccedilotildees A accedilatildeo do artista eacute o ponto miacutenimo entre o problema a mediatizar perante o qual ele se vecirc e que jaacute estaacute de antematildeo traccedilado e a soluccedilatildeo que igualmente se en-contra de modo potencial no material Se ao utensiacutelio se chamou um braccedilo prolon-gado poder-se-ia chamar ao artista um utensiacutelio prolongado utensiacutelio da passagem da potencialidade agrave atualidade (TE p190)

Assim em Adorno eacute necessaacuterio ldquoseparar-se daquela comparaccedilatildeo grosseira com o su-

jeito criativo que por uma exuberacircncia presunccedilosa transforma a obra de arte em documento

do seu criador e assim a diminuirdquo (TE p194) Na Teoria esteacutetica ocorre a suspeita diante da

posiccedilatildeo de um sujeito que constroacutei em uma adequaccedilatildeo do material a uma forma existente na

mente de tal sujeito A tendecircncia de Adorno estaacute mais em conceber a capacidade de mediaccedilatildeo

para as possibilidades jaacute existentes no material ldquotudo ainda laacute estaacute No teclado de qualquer

piano estaacute contida a Appassionata soacute que o compositor deve extraiacute-la e para isso natural-

mente eacute preciso ser Beethovenrdquo (EXP p24) E nesse ato natildeo haacute a posse plena de tais mo-

mentos pelo sujeito pois

implica sempre o primado dos procedimentos construtivos em relaccedilatildeo agrave imaginaccedilatildeo subjetiva A construccedilatildeo impotildee soluccedilotildees que o ouvido ou o olho que as representam natildeo tecircm imediatamente presentes em toda a claridade O imprevisto natildeo soacute eacute efeito mas possui igualmente um lado objetivo Isso se encontra modificado numa nova qualidade (TE p36)

No conceito de construccedilatildeo e imprevisto evidencia-se a relaccedilatildeo natildeo de um sujeito sobre

um objeto passivo mas uma dinacircmica construtiva na qual os dois poacutelos tanto o artista quanto

material satildeo atuantes no ato produtivo ldquotornou-se entretanto manifesto que as obras devem

conter caracteriacutesticas as quais no processo de produccedilatildeo natildeo satildeo previsiacuteveis e que subjeti-

vamente o artista era surpreendido pelas suas proacuteprias obrasrdquo (TE p51) O que natildeo significa

espontaneiacutesmo como que em um agir do indiviacuteduo desprovido de criteacuterios racionais de pro-

cedimentos teacutecnicos especializados mas indica tatildeo somente usando o exemplo da composi-

ccedilatildeo ao piano a necessidade de extrair aquilo que jaacute estaacute posto no instrumento Natildeo imponho

um som apenas permito a manifestaccedilatildeo das possibilidades jaacute existentes no instrumento

Nessa dinacircmica de construccedilatildeo e possibilidade do imprevisto na qual se insere a sur-

presa ou a novidade vinda da proacutepria obra Adorno insere a categoria do novo Com isso de

imediato eacute possiacutevel indicar a contraposiccedilatildeo de obras padronizadas ao gosto do cliente na

mercantilizaccedilatildeo das produccedilotildees cujo criteacuterio eacute o modismo e na possibilidade de o cliente pro-

jetar suas emoccedilotildees o que eacute em grossas palavras o produto da induacutestria cultural A contrapo-

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siccedilatildeo ao novo sugerida aqui autoriza-se pela caracteriacutestica imediatamente oposta a do sem-

pre-semelhante

A produccedilatildeo em seacuterie ndash seja da arte ou dos bens de consumo e nesse caso a proacutepria arte

seria um bem de consumo ndash acompanha o padratildeo do sempre-semelhante e visualizando a

educaccedilatildeo visualizando o proacuteprio humano impede a manifestaccedilatildeo da riqueza constitutiva in-

terna a possibilidade de ser natildeo-idecircntico o natildeo-semelhante a proacutepria manifestaccedilatildeo do novo

que eacute cada ser humano Apesar de isso ser objeto de discussatildeo mais detalhada do uacuteltimo capiacute-

tulo eacute viaacutevel afirmar jaacute aqui que educar eacute permitir a manifestaccedilatildeo qualificada da riqueza

constitutiva do indiviacuteduo enquanto algo novo e nessa autoconstruccedilatildeo de si gerar a identida-

de de si a construccedilatildeo do proacuteprio sujeito

Poreacutem esse novo conforme jaacute destacado natildeo eacute algo imposto de fora mas eacute a mani-

festaccedilatildeo de algo jaacute existente poreacutem natildeo evidenciado Enfaticamente o novo eacute somente aquilo

que permite romper com o sempre-semelhante conduzindo a conceitos como outro e alteri-

dade ldquoA relaccedilatildeo ao Novo tem o seu modelo na crianccedila que busca no piano um acorde jamais

ouvido ainda virgem No entanto o acorde existia jaacute desde sempre As possibilidades de

combinaccedilatildeo satildeo limitadas na verdade tudo jaacute se encontra no tecladordquo (TE p45) O desafio

estaacute em fazer com que o outro perceba esse novo em si mesmo e natildeo menos importante con-

seguir perceber isso no outro No novo estaacute entatildeo a expressatildeo do concreto a manifestaccedilatildeo

para aleacutem daquilo que estaacute evidente reafirmando o sentido de dialeacutetica ldquoA dialeacutetica eacute a cons-

ciecircncia consequente da natildeo-identidaderdquo (DN 2005 p17) Em primeiro lugar cabe destacar

que partindo dessa ideia a dialeacutetica natildeo eacute um meacutetodo mas um modo de consciecircncia Consci-

ecircncia esta adquirida apoacutes romper com a ideoloacutegica concepccedilatildeo de pensamento com funccedilatildeo

exclusivamente identificadora Assim temos a impossibilidade de haver identidade e ao

mesmo tempo existir a dialeacutetica ndash a dialeacutetica se opotildee ao pensamento identificador pensar na

identidade eacute pensar natildeo dialeticamente pois anula sua condiccedilatildeo primeira o divergente disso-

nante negativo diferenciado

Conforme a Dialeacutetica negativa (2005 p18) a consequecircncia primeira gerada pela anu-

laccedilatildeo da dialeacutetica promovida pelo pensamento identificador eacute o empobrecimento da experi-

ecircncia A aproximaccedilatildeo natildeo ocorre mais com o criteacuterio de permitir o novo e o diferenciado mas

enclausurando o individual dentro de padrotildees de validade universal Toda a diversidade da

experiecircncia eacute sacrificada juntamente com a diversidade do outro em nome de uma adequaccedilatildeo

e uniformidade abstrata

70

Sob condiccedilotildees sociais sobretudo aquelas referentes agrave educaccedilatildeo que dominam orientam atrofiam de muacuteltiplas formas as forccedilas produtivas espirituais sob a dominante pobreza imaginativa [] seria fictiacutecio supor que todos poderiam entendecirc-lo ao todo ou sequer percebecirc-lo Esperar isso seria organizar o conhecimento segundo os traccedilos patoloacutegicos de uma humanidade a qual segundo a lei da igualdade lhe eacute arrebatada a possibilidade de criar experiecircncias se eacute que alguma vez a tenha possuiacutedo (DN 2005 p48-49)

O imperativo dialeacutetico do pensamento o qual conduz agrave possibilidade de criar experi-

ecircncia aponta a necessidade de ldquopensar de tal modo que a forma do pensamento natildeo mais tor-

ne seus objetos coisas inalteraacuteveis que permanecem iguais a si mesmas a experiecircncia des-

mente que eles o sejamrdquo (DN 2009 p134) Os objetos aqui mencionados satildeo os objetos do

pensamento ou seja os conceitos criados pelo pensamento a partir da experiecircncia Indica-se

a necessidade de construccedilatildeo conceitual em confronto permanente com o concreto Assim o

conceito natildeo eacute uma ferramenta a partir da qual o concreto eacute tratado mas esta ferramenta eacute o

proacuteprio ato de pensar

O conceito enquanto resultado da relaccedilatildeo entre pensamento e concretude permite a-

penas uma compreensatildeo daquilo a que se direciona de modo bem direto e portanto passiacutevel

de mudanccedila jaacute que o concreto sofre a accedilatildeo do tempo e do proacuteprio espaccedilo A proacutepria Dialeacutetica

negativa (2009 p136) leva ao extremo a citaccedilatildeo anterior compreendendo o conceito como

algo natildeo-idecircntico nem sequer a si mesmo muito menos com aquilo ao qual se refere Ou seja

ele se determina por aquilo que lhe eacute exterior de modo que natildeo se esgota em si mesmo sendo

impossiacutevel aos objetos do pensamento ndash o conceito ndash ser inalteraacutevel e igual a si mesmo

A dissonacircncia proacutepria das cores sons e imagens no mundo artiacutestico tambeacutem se con-

verte em criteacuterio de racionalidade Eacute o que se percebe por exemplo em uma obra brasileira

como o Rudepoema de Heitor Villa-Lobos na qual o entendimento se depara com sua insufi-

ciecircncia na resoluccedilatildeo do sentido sendo a obra ao mesmo tempo resistecircncia e abertura agrave inter-

pretaccedilatildeo Por ser resistecircncia permanece em seu para si enquanto abertura eacute direcionada agrave

razatildeo interpretativa Sendo assim toda aproximaccedilatildeo eacute sinocircnimo de sentido revelado e reserva

de sentido Por isso que a constituiccedilatildeo do esteacutetico em Adorno tem como objetivo principal pocircr

em movimento processos de pensamento e a verdade encontra sua significaccedilatildeo tatildeo somente

naquilo que natildeo estaacute em harmonia com o sentido administrado imposto Ou seja o verdadei-

ro surge diante daquilo que permite ao ser humano ser forma de alteridade em sua permanen-

te reserva de sentido Em outras palavras a verdade estaacute na aproximaccedilatildeo e natildeo na apropria-

ccedilatildeo

Incorporada a esta noccedilatildeo de sujeito esteacutetico estaacute a dimensatildeo comunicativa Somente haacute

comunicaccedilatildeo ou diaacutelogo quando o pressuposto relacional for paciacutefico e dessa forma natildeo

71

tiver a pretensatildeo de reduccedilatildeo epistemoloacutegica ao sentido que o sujeito apreende ou atribui A

comunicaccedilatildeo somente se efetiva na paz do diferenciado quando eacute possiacutevel ser outro sem te-

mor

Se fosse permitido especular sobre o estado de reconciliaccedilatildeo natildeo caberia imaginaacute-lo nem sob a forma de indiferenciada unidade de sujeito e objeto nem sob a de sua hos-til antiacutetese antes a comunicaccedilatildeo do diferenciado [] Paz eacute um estado de diferenci-accedilatildeo sem dominaccedilatildeo no qual o diferente eacute compartido (PS p184)

A marca da comunicabilidade estaacute na interioridade que realiza a abertura e o fecha-

mento A primeira por natildeo existir plena identidade no princiacutepio de realidade sendo a tensatildeo

dialeacutetica natural e pressuposto para o encontro e para a proacutepria concepccedilatildeo de verdade em A-

dorno A segunda por evitar que o proacuteprio ser humano se perca em meio ao jogo de diferen-

ciados Ou seja eacute preciso que ocorra a identidade do sujeito consigo mesmo o reconhecimen-

to de sua proacutepria subjetividade enquanto nuacutecleo de forccedila ndash noccedilatildeo de siacutentese apresentada no

terceiro capiacutetulo Abertura e fechamento identidade e natildeo identidade satildeo condiccedilotildees para um

sujeito provido de subjetividade ndash significa condiccedilatildeo e capacidade de pensamento bem como

constituiccedilatildeo da proacutepria condiccedilatildeo humana no interior do mundo

A ecircnfase dada agrave comunicaccedilatildeo remete ao sujeito que se constitui enquanto ser histoacuterico

ou seja enquanto ser-aiacute enquanto presenccedila posta e mediada pelo elemento comunicativo Eacute o

singular caracterizado como ser-aiacute natildeo o em-si kantiano inapreensiacutevel pelo entendimento

humano mas aquilo que estaacute dado e nessa presenccedila impossiacutevel de ser ignorado ldquoA comuni-

caccedilatildeo com o outro cristaliza-se no singular que eacute mediado por ela em seu ser-aiacuterdquo (DN 2009

p140) Eacute fundamental destacar que a comunicaccedilatildeo entre diferenciados eacute mediada pelo proacuteprio

ato de comunicaccedilatildeo e natildeo nas estruturas a priori do sujeito Nesse sentido eacute que se compre-

ende a primazia da relaccedilatildeo cuja mediaccedilatildeo eacute o ato comunicativo mesmo A individuaccedilatildeo eacute

dada pela comunicaccedilatildeo pelo enfrentamento que busca o comum (universal) e o diferente (al-

teridade)

Esta tensatildeo entre universal e particular a qual se manteacutem enquanto houver comunica-

ccedilatildeo natildeo se caracteriza por uma relaccedilatildeo comparativa entre individualidades Se comunicaccedilatildeo

fosse isso entatildeo tudo se resolveria no ato dedutivo a partir do pensamento Por exemplo mu-

nido dos referenciais sobre o que caracteriza um ser humano poderiacuteamos falar e atribuir valor

sobre qualquer indiviacuteduo mesmo sem relaccedilatildeo efetiva Esse modo de proceder natildeo pode ser

denominado comunicaccedilatildeo pois faz-se ausente o singular que em seu ser-aiacute permite a comu-

nicaccedilatildeo

72

O centro dessa discussatildeo estaacute no fato de que natildeo eacute possiacutevel progredir do particular ao

universal somente pela forccedila do pensamento ldquonatildeo se progride a partir de conceitos e por eta-

pas ateacute o conceito superior mais universal mas esses conceitos entram em uma constelaccedilatildeo

Essa constelaccedilatildeo ilumina o que haacute de especiacutefico no objeto e que eacute indiferente ou um peso para

o procedimento classificatoacuteriordquo (DN 2009 p140) Atraveacutes do conceito de constelaccedilatildeo A-

dorno propotildee uma congregaccedilatildeo de momentos e sentidos que se comunicam e sem subsumir

nenhum deles compotildeem a riqueza de sentido Cabe destacar que nenhum dos momentos se

eleva em potecircncia essencial mas todos pontuam um momento permanente (que natildeo eacute negado

na figura do outro momento) na constituiccedilatildeo do sentido de modo que natildeo eacute o primado da

razatildeo doadora de sentido mas o sentido que se forma na ligaccedilatildeo dos momentos histoacutericos

Constelaccedilatildeo natildeo eacute representaccedilatildeo mas apresentaccedilatildeo daquilo que natildeo pode ser compreendido

isoladamente Eacute histoacuteria que engloba o indiviacuteduo e na qual ele estaacute inserido Perceber a cons-

telaccedilatildeo eacute nada mais que perceber e interpretar aquilo que eacute condicionado historicamente ndash

conhecer eacute pensar em constelaccedilatildeo

Essa histoacuteria estaacute nele e fora dele ela eacute algo que o engloba e em que ele tem seu lu-gar Perceber a constelaccedilatildeo na qual a coisa se encontra significa o mesmo que deci-frar aquilo que ele porta em si enquanto algo que veio a ser [] Somente um saber que tem presente o valor histoacuterico conjuntural do objeto em sua relaccedilatildeo com os ou-tros objetos consegue liberar a histoacuteria no objeto (DN 2009 p141)

Com a constelaccedilatildeo que constitui sentido via comunicaccedilatildeo ocorre a abertura do enigma

que se quer decifrar Adorno utiliza a metaacutefora do cofre para expressar o sentido que a conste-

laccedilatildeo assume em sua teoria como os cadeados em um cofre-forte a abertura natildeo ocorre ldquoape-

nas por meio de uma uacutenica chave ou de um uacutenico nuacutemero mas de uma combinaccedilatildeo numeacuteri-

cardquo (DN 2009 p142)

Assim sendo na obra de arte ocorre comunicaccedilatildeo ela mesma comunica Mas natildeo eacute

comunicaccedilatildeo de uma mensagem que se pode simplesmente extrair e que estaacute evidente sendo

antes a manifestaccedilatildeo do concreto Em Adorno a obra somente eacute artiacutestica se permitir tal mani-

festaccedilatildeo abrindo espaccedilo para o surgimento do algo mais o surgimento daquilo que eacute para

aleacutem do que se mostra imediatamente Mantendo a arte essa relaccedilatildeo com o concreto sendo

um ldquodesdobramento da verdaderdquo (TE p123) ela se converte em impulso e possibilidade de

esclarecimento em oposiccedilatildeo radical aos produtos da induacutestria da cultura

Essa eacute a linguagem da obra de arte seu modo de expressatildeo e que lhe daacute autenticidade

ldquoo meio pelo qual as obras de arte existentes satildeo mais do que a existecircnciardquo ndash ou seja pela sua

existecircncia permitem a manifestaccedilatildeo do concreto do mais ndash este meio ldquonatildeo eacute um novo ser-aiacute

73

mas a sua linguagem As obras autecircnticas falam mesmo quando recusam a aparecircnciardquo (TE

p124) Essa recusa da aparecircncia volta a fazer referecircncia ao concreto indicando que ldquodeveria

derrubar-se a doutrina da imitaccedilatildeo num sentido sublimado a realidade deve imitar as obras

de arte Mas o fato de as obras de arte existirem mostra que o natildeo-ente poderia existir A rea-

lidade das obras de arte daacute testemunho da possibilidade do possiacutevelrdquo (TE p153 - grifo nos-

so) Em uacuteltima instacircncia o que temos eacute a construccedilatildeo de sentido via expressatildeo comunicaccedilatildeo

linguagem Para isso faz-se necessaacuteria a dinacircmica da aproximaccedilatildeo dos diferentes como possi-

bilidade desta construccedilatildeo do sentido desse outro do sentido de mim mesmo da autoconsci-

ecircncia

5 O EacuteTICO E O ESTEacuteTICO NA FORMACcedilAtildeO HUMANA

Analisando a obra adorniana observa-se a preocupaccedilatildeo com o corpo como sendo o

desencadeador das reflexotildees sobre eacutetica A experiecircncia do corpo danificado transforma-se em

incentivo ao pensamento e agrave consideraccedilatildeo pelo outro eacute a teoria que lanccedila seu olhar para a

vida posta em seu limite Quando afirma na Dialeacutetica negativa e na Teoria esteacutetica o pro-

blema de elevar a dor ao conceito e o consequente mutismo que este viria a enfrentar Adorno

aponta para a natildeo-compatibilidade entre entendimento conceito e linguagem quando a refe-

recircncia natildeo estaacute dada pelo viacutenculo direto com o real o concreto conforme abordado no capiacutetu-

lo anterior

Deve-se destacar retomando o quarto capiacutetulo que o concreto eacute considerado por A-

dorno como o local a partir do qual se deve filosofar O que significa agora em uma amplia-

ccedilatildeo das discussotildees que o ato de pensar de construir sentido o ato de compreensatildeo e interpre-

taccedilatildeo proacuteprio da filosofia tem sua origem no momento em que nos deparamos com esta alteri-

dade este outro cuja reserva de sentido permite o constante progresso no conhecimento O

local ocupado por este outro o outro propriamente dito assume o centro das discussotildees

Diante disso proponho uma referecircncia agrave literatura e agrave filosofia a fim de percebermos

como a presenccedila do outro define a compreensatildeo humana nosso ato de pensar e nossa accedilatildeo

As obras A condiccedilatildeo humana18 (Andreacute Malraux) publicada em 1933 e A espeacutecie humana19

(Robert Antelme) publicada em 1957 satildeo emblemaacuteticas em sua relaccedilatildeo com a proposta filo-

soacutefica de Theodor Adorno e suas reflexotildees sobre a moral Em um primeiro momento estabe-

leccedilo essa relaccedilatildeo para em seguida indicar o sentido eacutetico que deveria estar presente na ativi-

dade educacional a qual seraacute defendida sob o enfoque do plasmar linguiacutestico

51 Entre o eu e o outro ou quando a presenccedila nos manteacutem humanos

Em ambas as obras da literatura acima citadas ocorre uma indicaccedilatildeo interessante sobre

o sentido eacutetico da accedilatildeo humana o sentido eacutetico da presenccedila o eu que permanece humano por

conseguir perceber o concreto que eacute o outro e o concreto que eacute si mesmo Os dois casos que

seratildeo expostos trazem ao centro da discussatildeo a experiecircncia do corpo a experiecircncia propria-

mente dita e que marca um modo de pensar e de agir conduzido por um excedente a efetivi-

18 Obra traduzida por Ivo Barroso e editada no Brasil pela Record estando em 2008 em sua segunda ediccedilatildeo 19 Da coleccedilatildeo Os afluentes da memoacuteria teve a traduccedilatildeo para o portuguecircs de Portugal feita por Clara Alvarez Foi publicada pela editora Ulisseia de Lisboa em 2003

75

dade do outro e seu apelo por existir a experiecircncia do outro que reivindica algo como eacute pro-

blematizado na Minima moralia quando Adorno afirma que

No desaparecimento da experiecircncia um fato possui uma consideraacutevel responsabili-dade que as coisas sob a lei de sua pura funcionalidade adquirem uma forma que restringe o trato delas a um mero manejo sem tolerar um soacute excedente ndash seja em termos de liberdade de comportamento seja de independecircncia da coisa ndash que subsis-ta como nuacutecleo da experiecircncia porque natildeo eacute consumido pelo instante da accedilatildeo (MM 19 p33)

A dinacircmica exposta tensiona o desaparecimento da experiecircncia e do excedente que

subsiste como nuacutecleo de experiecircncia se nossa capacidade perceptiva permite que algo nos

seja dado esse algo (outro) exige ser percebido em sua concretude a qual natildeo tolera o sim-

ples manejo de nosso proacuteprio entendimento Esta eacute a proposta da obra adorniana evitar a anu-

laccedilatildeo do outro a cegueira diante deste excedente agrave experiecircncia que se compreende como o

concreto Excedente esse que deveria se constituir em incentivo agrave accedilatildeo A fim de compreen-

der melhor o sentido disso busco referecircncia com as obras A condiccedilatildeo humana e A espeacutecie

humana

Toda a obra de Andreacute Malraux aqui em evidecircncia estaacute permeada pelo limite que o

corpo a presenccedila do outro impotildee Seja em termos de luta poliacutetica conflitos ideoloacutegicos seja

em questotildees amorosas o outro sempre aparece para aleacutem de sua funcionalidade natildeo admitin-

do um simples manejo que impede sua liberdade e sua existecircncia concreta Incisivamente eacute

preciso entrar na luminosidade provinda do corpo A cena que abre sua A condiccedilatildeo humana

merece total destaque sendo aqui apresentada em seus aspectos principais

Logo na primeira paacutegina satildeo relatadas as circunstacircncias do personagem que estando

diante da viacutetima a ser assassinada percebe-se separado dessa por um veacuteu uma cortina que o

impede de ver o corpo Assim sendo tudo leva agrave certeza da facilidade que seria matar No

entanto Tchen se depara com um limite uma parte do corpo estaacute descoberta Esse fato provo-

ca Tchen e inicia-se entatildeo um processo de pensamento o momento de reconhecimento do

outro Poreacutem este reconhecimento natildeo ocorre considerando o posto ocupado pela viacutetima em

potencial ou por causa de sua posiccedilatildeo social ou pelo forte senso do dever de Tchen Mas eacute

reconhecimento que ocorre por um uacutenico motivo o contato com o corpo Este eacute o elemento

constituidor de toda consciecircncia de dever o instante em que o limite do outro se impotildee

Tchen tentaria erguer o cortinado Golpearia atraveacutes dele [Estava diante de] um corpo menos visiacutevel que uma sombra e do qual saiacutea apenas aquele peacute semi-inclinado pelo sono mas mesmo assim vivente ndash carne de homem [] [Tchen] sa-bia que o iria matar Preso ou natildeo executado ou natildeo pouco importa Nada mais e-

76

xistia aleacutem daquele peacute do homem que devia golpear sem que pudesse defender-se [] Aquele peacute vivo como um animal adormecido Era o teacutermino de um corpo lsquoEs-tarei ficando idiotarsquo Era necessaacuterio ver aquele corpo Vecirc-lo ver-lhe a cabeccedila para tanto entrar na luminosidade deixar que sua sombra atarracada passasse sobre a cama Qual a resistecircncia da carne [] Mataacute-lo natildeo era nada tocaacute-lo eacute que era im-possiacutevel (MALRAUX 2008 p19-21)

E esse processo de reflexatildeo que se desencadeou mediante a percepccedilatildeo do corpo do ou-

tro aleacutem de permitir reconhecer esse outro originou o proacuteprio reconhecimento de si ldquoTchen

descobria em si ateacute a naacuteusea natildeo o combatente que esperava mas um sacrificador [] lsquoAs-

sassinar natildeo eacute apenas matarrsquordquo (ibidem p20) e por isso mesmo o personagem percebe estar

fora do ldquomundo dos homensrdquo (p19)

Deparamo-nos com o fato fundamental o veacuteu da abstraccedilatildeo natildeo nos deixa perceber o

limite do corpo a carne humana Tchen teria que erguer o cortinado mas se o fizesse depa-

rar-se-ia com o corpo mas mesmo assim precisava entrar em sua luminosidade Essa expres-

satildeo de Malroux indica outra forma de luminosidade para aqueacutem da luz da razatildeo o sentido

natildeo estaacute dado previamente pela razatildeo o espaccedilo natildeo eacute somente uma categoria da razatildeo como o

quis Kant condiccedilatildeo para conhecer algo antes mesmo de ocorrer a experiecircncia sensiacutevel eacute sim

espaccedilo ndash local ndash ocupado pelo outro constituiacutedo por ele luminosidade para aleacutem do sentido

atribuiacutedo pelo sujeito que se depara com um simples objeto luminosidade que antecede a

consideraccedilatildeo do outro atraveacutes do puro senso do dever Eacute luz que proveacutem do local que o corpo

ocupa ndash eacute necessaacuterio ver o corpo entrar em sua luminosidade Somente diante deste fato eacute que

o braccedilo do algoz freia pois encontra a resistecircncia da carne

Eacute possiacutevel realizar uma conexatildeo com a obra adorniana tendo como referecircncia aquilo

que constitui a subjetividade aquilo que estaacute para aleacutem do eu mas assume seu momento ori-

ginaacuterio da proacutepria atividade subjetiva do eu Este momento originaacuterio ldquoeacute um choque sofrido

pelo sujeito ndash da materialidade social que penetra na constituiccedilatildeo de sua natureza interna ndash e

que o obriga a pensarrdquo (ALVES JUacuteNIOR 2005 p71) Evidencia-se o viacutenculo com a obra de

Andreacute Malraux ndash A condiccedilatildeo humana ndash no momento em que a materialidade obrigou o assas-

sino a pensar no deparar-se com o corpo da potencial viacutetima Esse choque estaacute na origem das

consideraccedilotildees sobre a eacutetica perpassando toda a accedilatildeo humana como sinal da presenccedila concreta

do outro

Alves Juacutenior denomina isto de ldquovertigem da razatildeo diante da materialidaderdquo (idem

p16) o que corresponde agrave perspectiva fundante das reflexotildees sobre moral em Adorno O afo-

rismo da Minima moralia que considero emblemaacutetico em relaccedilatildeo a isso eacute denominado Para

uma dialeacutetica do tacto (MM 16 p29-30) Em referecircncia a Goethe Adorno analisa a ldquoplena

77

consciecircncia da iminente impossibilidade de toda relaccedilatildeo humana no interior da sociedade in-

dustrial nascenterdquo Diante desse problema o tato foi considerado ldquoo expediente salvador entre

os seres humanos alienados [] Tacto e humanidade ndash para ele a mesma coisa ndash percorreram

entrementes precisamente o caminho do qual em sua opiniatildeo deveriam nos preservarrdquo Essa

dialeacutetica civilizadora que permitiria a preservaccedilatildeo da humanidade mediante a percepccedilatildeo do

outro em sua corporeidade ndash o tato em sentido bem geral ndash foi interrompida no momento em

que os indiviacuteduos tornaram-se indiferentes e natildeo mais reconheceram o outro Nesse momento

o tato ldquonatildeo alcanccedila o indiviacuteduo e acaba por lhe fazer uma infinita injusticcedilardquo Natildeo alcanccedila o

indiviacuteduo devido a um avanccedilo que nos fez infinitamente autocircnomos em detrimento radical do

heterocircnomo Pela salvaccedilatildeo do tato poderiacuteamos salvar o viacutenculo heterocircnomo natildeo enquanto

determinaccedilatildeo dada pelo outro a mim sendo o eu um mero objeto dessa accedilatildeo do outro mas

como possibilidade da percepccedilatildeo e consideraccedilatildeo dessa alteridade em seu momento originaacuterio

ndash algo que existe que estaacute aiacute e por isto precisa ser reconhecido

Pelo reconhecimento dessa alteridade realizar-se-ia a autonomia a constituiccedilatildeo de si

Se para Aristoacuteteles o sujeito eacute identificado como o motor imoacutevel ou seja a substacircncia para

Adorno eacute possiacutevel pensar uma salvaccedilatildeo dessa dimensatildeo interna essa constituiccedilatildeo proacutepria que

faz com que o indiviacuteduo seja mais que indiviacuteduo seja sujeito forccedila movente proacutepria Poreacutem

forccedila interna natildeo natural desde sempre dada mas mediada pelas experiecircncias e constituiccedilotildees

histoacutericas de si mesmo A formaccedilatildeo da autonomia passaria necessariamente pela dialeacutetica do

tato pelo reconhecimento da heteronomia a qual natildeo extingue a necessidade de autonomia

apenas indica a constituiccedilatildeo do eu a partir das experiecircncias construiacutedas com o outro A auto-

nomia eacute reconhecida por Adorno como possibilidade de realizaccedilatildeo do humano ldquoO fim objeti-

vo da humanidade eacute apenas uma outra expressatildeo para a mesma coisa Significa que o indiviacute-

duo enquanto indiviacuteduo como representante do gecircnero humano perdeu a autonomia atraveacutes

da qual poderia realizar efetivamente o gecircnerordquo (MM 17 p31)

O criteacuterio do reconhecimento do outro como criteacuterio para firmar sua autonomia sua

identidade seu eu o qual permitiria realizar a humanidade exige fazer referecircncia agrave obra A

condiccedilatildeo humana Como caminho para chegar a esta obra faccedilo referecircncia de passagem a

Rousseaue seu ideal de reconhecimento do sentimento do outro como sendo o nuacutecleo de suas

consideraccedilotildees sobre moral O meio humano ou se quisermos admitir o termo habitat huma-

no encontra sua significaccedilatildeo em um elemento possiacutevel de se encontrar ainda no autor do Dis-

curso sobre a origem e fundamentos das desigualdades entre os homens definindo a condi-

ccedilatildeo para a humanizaccedilatildeo o encontro

78

Conforme seu segundo discurso enquanto o homem vagava como selvagem no interi-

or da selva com preocupaccedilotildees exclusivas de alimentaccedilatildeo descanso e procriaccedilatildeo com as ope-

raccedilotildees do sentir querer e temer natildeo havia distinccedilotildees imediatas entre ele e os demais animais

selvagens Somente quando passa a efetivar o encontro duradouro marcado pela cabana e

consequente constituiccedilatildeo dos laccedilos familiares propriamente ditos eacute que seus sentimentos mu-

dam e assim eacute possiacutevel dizer que este ser antes selvagem firma seu passo em um novo mei-

o Agora o sentimento de amor e de cuidado passa a fazer parte desse meio e ele se torna efe-

tivamente humano Poreacutem nesse processo de construccedilatildeo do humano um elemento ficou fa-

lho e o amor e o cuidado ficaram restritos aos limites da moradia ou ao proacuteprio si-mesmo

Tal elemento para Rousseau eacute a virtude da piedade Duas passagens do Discurso sobre a

origem e fundamentos das desigualdades entre os homens enfatizam essa virtude

A primeira citaccedilatildeo remete ao problema de toda possiacutevel barbaacuterie real ou imaginaacuteria

de todo totalitarismo possiacutevel pela natildeo identificaccedilatildeo do indiviacuteduo com o seu gecircnero Quando

abstraio torna-se permitido exterminar pois natildeo faz mais parte da humanidade ldquoCom efeito a

comiseraccedilatildeo seraacute tanto mais eneacutergica quanto mais intimamente o animal espectador se identi-

ficar com o animal sofredorrdquo (DOD p191) A identificaccedilatildeo eacute a consideraccedilatildeo do outro como

um ser tatildeo humano quanto eu e portanto natildeo passiacutevel de nada que tente reduzir ou abstrair a

dignidade dessa sua condiccedilatildeo Assim sendo a virtude da piedade permite o sair de si em dire-

ccedilatildeo ao outro ou seja eacute a condiccedilatildeo da solidariedade remetendo agrave dialeacutetica do tato

A segunda citaccedilatildeo tem ainda maior ecircnfase moral e remete agrave perversatildeo no ato de pen-

samento

Eacute a razatildeo que engendra o amor-proacuteprio e eacute a reflexatildeo que o fortalece eacute ela que faz o homem ensimesmar-se [] Eacute a filosofia que o isola eacute por sua causa que ele diz em segredo ao ver um homem que sofre lsquoPerece se quiseres que eu estou em seguran-ccedilarsquo [] Pode-se impunemente degolar seu semelhante embaixo da sua janela basta-lhe pocircr as matildeos sobre os ouvidos e argumentar um pouco consigo mesmo para im-pedir a natureza que nele se revolta de identificar-se com aquele que assassinam (I-bidem p192)

Chegamos assim agrave obra A espeacutecie humana do francecircs Robert Antelme ex-

prisioneiro em campos de concentraccedilatildeo nazistas Nessa obra estaacute exposta por um lado a au-

secircncia do elemento de piedade e a tentativa de excluir os prisioneiros da condiccedilatildeo humana e

por outro aquilo que permitiu aos prisioneiros resistir sobreviver

Eles quiseram fazer de noacutes animais obrigando-nos a viver em condiccedilotildees que nin-gueacutem digo bem ningueacutem poderaacute jamais imaginar Mas eles natildeo vatildeo conseguir Porque noacutes sabemos de onde vimos [sic] sabemos por que estamos aqui [] Se por

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vezes nos acontece deixarmos de nos reconhecer a noacutes proacuteprios esse eacute o preccedilo desta guerra e temos que nos aguumlentar Mas para aguumlentar eacute preciso que cada um de noacutes saia de si proacuteprio que se sinta responsaacutevel por todos noacutes Conseguiram espoliar-nos de tudo mas natildeo daquilo que somos Noacutes ainda existimos (2003 p196)

Toda a obra retrata o elemento decisivo que permitiu resistir na humanidade sair de si

proacuteprio e se sentir responsaacutevel por todos Que imperativo eacutetico poderia ser maior Afinal em

eacutepoca de terror absoluto20 foi o que garantiu a preservaccedilatildeo Esta ldquoverdade universalrdquo ndash somos

seres humanos ndash se converte em slogan e voltando a afirmar natildeo se realizou pelo imperativo

categoacuterico e nem o poderia ser pois esse dita o respeito por algo que merece no maacuteximo

observacircncia a lei Observo a lei natildeo por respeito a ela mas por respeito ao ser humano o que

exige pensar na contingecircncia O elemento central eacute o sentimento a capacidade de comover-se

Isso permite considerar a todos apesar das diferenccedilas como incluiacutedos na mesma espeacutecie a

humana

a variedade de relaccedilotildees entre os homens a sua cor os seus costumes a sua organi-zaccedilatildeo em classes mascaram uma verdade que aqui surge retumbante no limite da natureza perto dos nosso limites natildeo existem espeacutecies humanas existe uma espeacutecie humana []De fato aiacute tudo se passa como se houvessem espeacutecies ndash ou mais exa-tamente como se a pertenccedila agrave espeacutecie natildeo fosse um dado adquirido como se nela pudeacutessemos entrar e sair ficar laacute soacute metade ou atingi-la em pleno ou nunca a atin-gir mesmo a custo de vaacuterias geraccedilotildees ndash sendo a divisatildeo em raccedilas ou em classes o canhatildeo da espeacutecie que fundamenta o axioma sempre pronto a linha uacuteltima de defe-sa laquonatildeo satildeo gente como noacutesraquo (ANTELME 2003 p222-223)

Natildeo reconhecer a alteridade como elemento intriacutenseco agrave humanidade eacute efeito daquilo

que anteriormente foi caracterizado como fechamento em si mesmo (o ensimesmar-se de

Rousseau) Esse natildeo reconhecimento eacute o que nos impede de ver no outro sua condiccedilatildeo huma-

na sua dignidade intriacutenseca de pertencente agrave proacutepria humanidade Antelme (p223-224) retra-

ta isso ao referir-se aos assassinatos nazistas nos campos como a tentativa fracassada de espo-

liar um homem de sua humanidade Poreacutem apesar dessa tentativa ldquocontinuamos homens

acabaremos como homens [] Ele pode matar um homem mas natildeo o pode transformar numa

coisa diferenterdquo O testemunho de Antelme aponta para a permanecircncia de uma forccedila interna

ao indiviacuteduo que pode ser identificada com a existecircncia do sujeito a capacidade de resistir ao

totalitarismo entendido no seu ldquosignificado mais amplo como concentraccedilatildeo poliacutetica das for-

ccedilas que atuam no sentido de destituir no indiviacuteduo tudo que poderia vir a caracterizaacute-lo como

sujeitordquo (1997 p125) Tal caracterizaccedilatildeo pode ser entendida a partir de tais testemunhos

como a capacidade de resistir e se identificar com o outro 20 Referecircncia ao periacuteodo do holocausto nazista os campos de extermiacutenio Vale lembrar que a obra A espeacutecie humana eacute um magniacutefico relato da vida no interior desse periacuteodo de terror absoluto

80

O imperativo que surge pode ser descrito como a necessidade de natildeo fazer ao outro

aquilo que natildeo estiver em harmonia com sua condiccedilatildeo humana O decisivo eacute entatildeo permitir a

humanidade e que toda tentativa contraacuteria sofra a accedilatildeo de um pensamento orientado para o

ideal adorniano do termo paz ldquoeacute um estado de diferenciaccedilatildeo sem dominaccedilatildeo no qual o dife-

rente eacute compartidordquo (SO p184) contribuindo para gerar a ldquosituaccedilatildeo melhor como aquela na

qual eacute possiacutevel ser diferente sem ter medordquo (MM 66 p89)

Ao sujeito esteacutetico por pressupor a diferenciaccedilatildeo como seu imperativo ndash o que natildeo

pode ser confundido com total toleracircncia ndash eacute dada a condiccedilatildeo de equiliacutebrio entre aquilo que

ele eacute e as condiccedilotildees que permitem a ele tornar-se algo Contudo este vir a ser ocorre dentro

do limite do proacuteprio meio em que vive ou seja a humanidade o que inscreve a estreita rela-

ccedilatildeo da eacutetica e da esteacutetica na constituiccedilatildeo de tal sujeito

Adorno analisa a oposiccedilatildeo radical deste sentimento de identificaccedilatildeo jaacute apontado seacutecu-

los antes por Rousseau e reconhecido de modo histoacuterico nos eventos retratados em A espeacutecie

humana e A condiccedilatildeo humana Essa anaacutelise marca as obras Teoria esteacutetica e Minima moralia

corroborando a concepccedilatildeo de educaccedilatildeo como processo a partir do qual eacute possiacutevel gerar ceacutelu-

las de humanidade Considero isso decisivo em termos de educaccedilatildeo a ponto de defender a

submissatildeo de todos os demais esforccedilos em acircmbito educacional a este criteacuterio humanizar A-

dorno traccedila um diagnoacutestico da sua eacutepoca e afirma a efetivaccedilatildeo de uma ldquoeacutepoca que assume a

etiqueta da era atocircmicardquo (TE p207) O termo era atocircmica seraacute desenvolvido nas linhas abai-

xo na perspectiva de radical fragmentaccedilatildeo das experiecircncias em sentido temporal tambeacutem na

proacutepria fragmentaccedilatildeo subjetiva envolvendo os sentimentos e a passagem do indiviacuteduo para o

individualismo enquanto indiferenccedila ao outro

Atualizando Demoacutecrito e sua definiccedilatildeo da natureza como formada por pequenas partiacute-

culas denominadas aacutetomos o nosso seacuteculo assumiu a atomizaccedilatildeo como categoria orientadora

no todo das accedilotildees humanas O indiviacuteduo corre o risco de se converter em espeacutecime destituiacutedo

de viacutenculos com o todo no qual vive gerando a fragmentaccedilatildeo histoacuterica e conjugando os fatos

apenas no tempo presente Essa desconsideraccedilatildeo da continuidade eacute decisiva para o processo

de formaccedilatildeo da identidade pois ultrapassa os limites da experiecircncia externa se tornando ain-

da mais problemaacutetica ao fragmentar a proacutepria subjetividade Poder-se-ia dizer que esse eacute o

mundo da radicalizaccedilatildeo atocircmica natildeo apenas atomizaccedilatildeo das experiecircncias e da histoacuteria mas

das proacuteprias emoccedilotildees e reaccedilotildees subjetivas Na Minima moralia enfatiza ldquoA atomizaccedilatildeo natildeo

estaacute em progresso apenas entre os seres humanos mas tambeacutem no interior de cada indiviacuteduo

entre as esferas de sua vidardquo (MM 84 p114) Essa individuaccedilatildeo absoluta problematizada jaacute

por Rousseau levou ao problema criacutetico descrito na obra de Antelme e considerado por A-

81

dorno como exemplo maacuteximo de barbaacuterie Individuaccedilatildeo aqui entendida por indiferenccedila ou

seja ldquose as pessoas natildeo fossem profundamente indiferentes em relaccedilatildeo ao que acontece com

todas as outras excetuando o punhado com que mantecircm viacutenculos estritos e possivelmente por

intermeacutedio de alguns interesses concretos entatildeo Auschwitz natildeo teria sido possiacutevel as pessoas

natildeo o teriam aceitordquo (MM 61 p85)

Compreende-se o sentido de educaccedilatildeo enquanto processo a partir do qual eacute possiacutevel

gerar ceacutelulas de humanidade Em primeiro lugar enquanto natildeo formos capazes de romper

com a indiferenccedila permaneceremos incapazes de estabelecer viacutenculos de responsabilidade de

nos identificarmos com o outro Como resultado temos simples exemplares humanos cada

um falho na capacidade de relaccedilatildeo com o outro A ldquoceacutelula de humanidaderdquo eacute resultado da in-

terconexatildeo dos diversos indiviacuteduos a partir de viacutenculos Em segundo lugar eacute necessaacuterio rom-

per com a fragmentaccedilatildeo histoacuterica e inserirmo-nos na construccedilatildeo da continuidade histoacuterica

necessaacuteria entre passado presente e futuro As experiecircncias natildeo satildeo aacutetomos isolados devem

sim estar interligadas em um conjunto denominado histoacuteria ndash essa ligaccedilatildeo temporal eacute a ceacutelula

obtida a partir dos diferentes acontecimentos natildeo mais isolados ou seja eacute consciecircncia Em

terceiro lugar as proacuteprias reaccedilotildees subjetivas os sentimentos natildeo satildeo estanques A impressatildeo

de natildeo comunicaccedilatildeo de isolamento entre esses sentimentos fragmenta a proacutepria subjetivida-

de Vivemos assim em uma sucessatildeo de prazeres ou sofrimentos desvinculados onde o im-

perativo do momento eacute o criteacuterio para a satisfaccedilatildeo Eacute imprescindiacutevel a geraccedilatildeo de ceacutelula vin-

culaccedilatildeo com o outro continuidade histoacuterica natildeo isolamento dos sentimentos O desafio edu-

cacional reside no desfazer da era atocircmica e na consequente formaccedilatildeo do ser humano apto a

constituir ceacutelulas de humanidade

Indiferenccedila e barbaacuterie foram amplamente tematizadas na obra organizada por Adauto

Novaes intitulada Civilizaccedilatildeo e barbaacuterie21 O texto Indiferenccedila nova forma de barbaacuterie

(Gabriel Cohn) analisa e potildee em tensatildeo os termos diferenccedila e indiferenccedila conectando-se

perfeitamente com as discussotildees acima desenvolvidas O ponto de partida das reflexotildees eacute a

21 Vale destacar o sentido Adorniano para o termo barbaacuterie Natildeo ocorre um dualismo mas a natildeo coincidecircncia entre o desenvolvimento material tecnoloacutegico e a promoccedilatildeo da humanidade Isso eacute possiacutevel de se perceber no texto Educaccedilatildeo contra a barbaacuterie onde se expotildee ldquoEntendo por barbaacuterie algo muito simples ou seja que estan-do na civilizaccedilatildeo do mais alto desenvolvimento tecnoloacutegico as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relaccedilatildeo a sua proacutepria civilizaccedilatildeo ndash e natildeo apenas por natildeo terem em sua arrasadora maioria experimentado a formaccedilatildeo nos termos correspondentes ao conceito de civilizaccedilatildeo mas tambeacutem por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva um oacutedio primitivo que contribui par aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilizaccedilatildeo venha a explodir aliaacutes uma tendecircncia imanente que a caracterizardquo (EE p 155)

82

ideia de civilizaccedilatildeo cultura22 e humanidade em iacutentima conexatildeo mediante a formaccedilatildeo que

possibilitaria a efetiva dialeacutetica do tato A urgecircncia eacute ldquorecuperar o complexo significado que

anima a ideacuteia de civilizaccedilatildeo e a torna inseparaacutevel da ideacuteia de cultura entendida esta na sua

acepccedilatildeo mais plena como cultivo da humanidade como formaccedilatildeordquo (2004 p82) Pela forma-

ccedilatildeo e aqui estamos diante de um ideal educativo eacute possiacutevel compreender a humanidade fixa-

da natildeo na indiferenccedila pois a indiferenccedila eacute condiccedilatildeo para a natildeo-aceitaccedilatildeo Conforme os argu-

mentos do texto (p84 ss) civilidade e formaccedilatildeo constituem o oposto agrave barbaacuterie partindo da

noccedilatildeo de que a responsabilidade enquanto cuidado com outro se opotildee agrave indiferenccedila Dessa

forma faz-se necessaacuterio evitar que ldquoo respeito pelo outro deslize rumo agrave indiferenccedila pelo ou-

tro A aceitaccedilatildeo generalizada da diferenccedila eacute a expressatildeo exata da indiferenccedilardquo (p85) conside-

rada pelo autor como a nova forma de barbaacuterie e promotora de barbaacuteries

O argumento foi aqui conduzido de modo a demonstrar que a atomizaccedilatildeo desemboca

na indiferenccedila Aleacutem disso foi pontuada a formaccedilatildeo como alternativa para reduzir a distacircncia

entre cultura e humanidade A partir dessas observaccedilotildees eacute possiacutevel atribuir agrave educaccedilatildeo o com-

promisso de possibilitar ao humano a verdadeira inserccedilatildeo na experiecircncia o que ocorre pela

consciecircncia de que natildeo haacute formaccedilatildeo humana sem a re-significaccedilatildeo do passado a plenitude do

presente como tempo no qual podemos agir e o olhar visionaacuterio ao que viraacute

Relaciono tudo isso ao termo utopia pois nada justifica melhor essa vinculaccedilatildeo e con-

tinuidade histoacuterica do que esse termo Em entendimento mais detalhado e sigo aqui as opor-

tunas consideraccedilotildees de Gadamer no texto O que eacute praacutexis As condiccedilotildees da razatildeo social uto-

pia ldquonatildeo eacute um esboccedilo de objetivos de accedilatildeo O caracteriacutestico da utopia eacute mais claramente que

nos conduz ateacute o momento da accedilatildeo [] Natildeo eacute primeiramente um projeto de accedilatildeo mas uma

criacutetica do presenterdquo (1983 p50) Assim eacute que se efetiva a estreita relaccedilatildeo entre o olhar que

vislumbra a plena realizaccedilatildeo do estado humano e que no entanto o faz mais como um olhar

criacutetico ao momento presente e aos constituintes que permitiram chegar a esse estado atual

Assim sendo o olhar ao presente assume sua funccedilatildeo na proacutepria dialeacutetica do esclarecimento

nesse processo histoacuterico de auto-reflexatildeo que permite a constituiccedilatildeo do humano pois na expe-

riecircncia utoacutepica ldquopermanece algo de negativo contra o que existe embora lhe continue a per-

tencerrdquo (TE p45) Nesse aspecto a utopia se vincula agrave esperanccedila a partir da qual Adorno

aponta para o que eacute verdadeiro ldquoa pergunta a colocar seria entatildeo se temos mais razatildeo para

amar o que sucede a noacutes para afirmar o que existe porque existe do que de tomar como ver-

22 Rodrigo Duarte (2007 p150 ss) analisa o problema do entrelaccedilamento de cultura e barbaacuterie a partir do enfo-que da induacutestria cultural sendo esta entendida como a exploraccedilatildeo planificada da cultura caracterizando a domi-naccedilatildeo da vida humana a partir da subversatildeo das manifestaccedilotildees culturais autecircnticas

83

dadeiro aquilo de que temos esperanccedilardquo (MM 61 p85) Esse aspecto da esperanccedila potildee em

conexatildeo a criacutetica do presente a partir do olhar ao passado a fim de questionar a aceitaccedilatildeo do

que existe simplesmente por estar dado a noacutes Por outro lado a criacutetica do presente eacute inscrita

sob o olhar da esperanccedila o caraacuteter eacutetico propriamente dito no qual o pensamento visualiza

aquilo que posso vir a ser no sentido de futuro

Na Criacutetica da razatildeo praacutetica ao diferenciar a causalidade natural da causalidade pela

liberdade sendo essa proacutepria do reino dos fins Kant renuncia radicalmente a consideraccedilatildeo ao

passado e o potildee como totalmente fluiacutedo por natildeo termos mais este momento agraves matildeos Consi-

derando o que determina a accedilatildeo a partir da segunda criacutetica qualquer tentativa de vincular o

fato presente ao passado subtrai toda responsabilidade moral E em se tratando de causalida-

de o ato somente eacute imputaacutevel pressupondo a autonomia do presente frente a qualquer influecircn-

cia passada

visto que o tempo passado natildeo estaacute mais em meu poder cada accedilatildeo que pratico tem que ser necessaacuteria mediante fundamentos determinantes que natildeo estatildeo em meu po-der isto eacute jamais sou livre no momento em que ajo [] Pois a cada momento estou sempre sob a necessidade de ser determinado a agir mediante aquilo que natildeo estaacute em meu poder e a [] seacuterie infinita dos eventos que eu sempre soacute prosseguiria segundo uma ordem jaacute predeterminada e natildeo iniciaria espontaneamente em parte alguma se-ria uma cadeia natural constante portanto minha causalidade jamais seria liberdade (CRPr sect169-170)

Essa forma de considerar a moralidade salva por um lado a accedilatildeo de todo determinis-

mo estranho ou predestinaccedilatildeo levando agrave possibilidade de alterar o curso dos acontecimentos

Nesses termos natildeo apenas sofro a accedilatildeo histoacuterica mas ajo sobre a histoacuteria o que eacute possiacutevel

somente ao ser racional possuidor de liberdade e autonomia da vontade Ao determinismo agrave

dependecircncia dos eventos passados Kant chamou de mecanismo natural por ser comum a

toda natureza dita irracional Mas e por outro lado essa quebra de vinculaccedilatildeo ao passado tem

como efeito colateral a fixaccedilatildeo no presente como momento suficiente na constituiccedilatildeo humana

Admitindo a necessidade de causalidade por liberdade em oposiccedilatildeo agrave natural com seu viacutenculo

ao passado a consequecircncia eacute o processo de individuaccedilatildeo do indiviacuteduo quando este assume a

etiqueta da era atocircmica

Em Adorno o passado e o presente estatildeo continuamente voltando sua face um ao ou-

tro em um processo de constituiccedilatildeo da moralidade identificado como o imperativo da gera-

ccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade Retomando o problema da atomizaccedilatildeo e a consequente indivi-

duaccedilatildeo a noccedilatildeo de viacutenculo temporal se constitui em alternativa decisiva significando a me-

moacuteria posta agrave salvo do esquecimento Faz-se indispensaacutevel que os choques do real no qual

84

estaacute a origem do pensamento natildeo se tornem momentos isolados na histoacuteria mas se configu-

rem em uma sucessatildeo intimamente vinculada e assim constituidora da consciecircncia Se por

um lado temos aqui a condiccedilatildeo para despertar o indiviacuteduo por outro quando ausente esta

noccedilatildeo de viacutenculo temporal as experiecircncias se tornam aacutetomos isolados Eacute o diagnoacutestico de que

a ldquovida transformou-se numa sucessatildeo intemporal de choques entre os quais se rasgam lacu-

nas intervalos paralisadosrdquo (MM 33 p46) Assim a vinculaccedilatildeo histoacuterica aqui defendida

constitui-se em desafio eacutetico-educativo na medida em que remete ao cuidado ao evitar os

elementos que no passado levaram ao problema enfrentado ldquoO cuidado com a memoacuteria fez

dela natildeo soacute um objeto de estudo mas tambeacutem uma tarefa eacutetica nosso dever consistiria assim

em preservaacute-la em salvar o desaparecido o passado em resgatar como se diz tradiccedilotildees vi-

das falas e imagensrdquo (GAGNEBIN 2007 p35) ou seja a experiecircncia vivida pelos outros e

pelo indiviacuteduo mesmo enquanto nuacutecleo de forccedila que impulsiona para novas experiecircncias de

vida superando os fatores perversos do passado e alimentando aquilo que contribuiu para a

constituiccedilatildeo eacutetica das relaccedilotildees humanas No sentido de resgatar tradiccedilotildees vidas falas ima-

gens Gagnebin afirma no mesmo texto que ldquomuitas pessoas entre noacutes nem precisam esque-

cer simplesmente natildeo sabem por exemplo o que essa palavra lsquoAuschwitzrsquo representardquo

(p37) Histoacuteria Filosofia Arte todas vinculadas agrave educaccedilatildeo no sentido de fazer valer a fala o

local do outro como testemunho de um momento da histoacuteria da humanidade mas mais que

isso como testemunho do ser humano que se constitui a partir do local ocupado pelo outro do

intercacircmbio de experiecircncias de vida

A fim de detalhar esse enfrentamento do passado e presente e a constituiccedilatildeo da mora-

lidade remeto ao texto O que significa elaborar o passado23 Nesse texto eacute possiacutevel perceber

a tocircnica que a interconexatildeo de passado e presente assume evitando a incisiva indiferenccedila que

a Criacutetica da razatildeo praacutetica enfatizou O passado natildeo eacute algo que natildeo estaacute mais agrave matildeo mas eacute

material disponiacutevel para toda dialeacutetica entre presente e utopia entre o estado atual e a neces-

sidade de vislumbrar algo melhor como criacutetica agravequilo que permitiu ao presente se converter

naquilo que eacute Em tal texto Adorno aponta o problema de que o ldquodesaparecimento da consci-

ecircncia da continuidade histoacuterica [eacute] um sintoma daquela fraqueza social do eu que Horkhei-

mer e eu jaacute procuramos derivar na Dialeacutetica do esclarecimentordquo (EE p32) Retomando a

obra de 1947 tem-se o que significa esta fraqueza do eu ldquoOs homens receberam o seu eu

como algo pertencente a cada um diferente de todos os outros para que ele possa com maior

seguranccedila se tornar igualrdquo (DE p27)

23 Em Educaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo p29

85

Essa igualdade se deve dentre outros aspectos agrave natildeo vinculaccedilatildeo das experiecircncias en-

tre si e da natildeo vinculaccedilatildeo do proacuteprio indiviacuteduo agrave sua totalidade de experiecircncias O que signi-

fica a tentativa de gerar coesatildeo pela coerccedilatildeo que soacute eacute possiacutevel com a efetivaccedilatildeo da era atocircmi-

ca ldquoA unidade da coletividade manipulada consiste na negaccedilatildeo de cada indiviacuteduo seria digna

de escaacuternio a sociedade que conseguisse transformar os homens em indiviacuteduosrdquo (DE p27) O

problema eacute que esses indiviacuteduos mesmos cuja condiccedilatildeo de existecircncia eacute a lucidez de seu tem-

po de experiecircncias contiacutenuas acabam por natildeo serem capazes de agir movidos pela consciecircn-

cia provinda de tais experiecircncias mas a partir da igualdade gerada pela vergonha ou medo de

ser diferente ldquoQue todos os homens sejam iguais uns aos outros eacute precisamente o que viria a

calhar para a sociedade Ela considera as diferenccedilas reais ou imaginaacuterias como marcas igno-

miniosas que atestam que natildeo se avanccedilou o bastante que algo escapou da maacutequina e natildeo estaacute

inteiramente determinado pela totalidaderdquo (MM 66 p89) Tal maacute universalidade nega a pos-

sibilidade de compartir as diferenccedilas pondo o universal como a anulaccedilatildeo dessas Para Adorno

a vida em sociedade deveria ser conduzida tendo o ideal de integraccedilatildeo das diferenccedilas como

seu objetivo pois a proposta de coesatildeo sem violecircncia se constitui no sentido do proacuteprio termo

sociedade

uma sociedade emancipada natildeo seria nenhum Estado unitaacuterio mas a realizaccedilatildeo efe-tiva do universal na reconciliaccedilatildeo das diferenccedilas A poliacutetica que ainda estiver seria-mente interessada em tal sociedade natildeo deveria propagar a igualdade abstrata das pessoas sequer como uma ideacuteia Em vez disso ela deveria apontar para a maacute igual-dade hoje para a identidade entre os interessados no cinema e os interessados em armamentos pensando contudo a situaccedilatildeo melhor como aquela na qual eacute possiacutevel ser diferente sem ter medo (MM 66 p89 ndash grifo nosso)

O universal pode entatildeo significar a ausecircncia do sujeito temos a individualidade mas

natildeo temos sujeitos ndash eacute o grave problema da ausecircncia de subjetividade caracteriacutestica da vida

no interior da sociedade do capitalismo tardio ldquoonde o indiviacuteduo natildeo pode ser sujeito instau-

ra-se uma individualidade cuja caracteriacutestica eacute a transformaccedilatildeo do sujeito mesmo em merca-

doria que oferece como vantagem e valor a forccedila de trabalho o proacuteprio corpo informaccedilatildeo ou

sua proacutepria consciecircnciardquo (TIBURI 2005 p129) Diante disto a ldquofilosofia de Adorno filia-se

[] agrave criacutetica do individualismo como resto danificado do sujeitordquo (ibidem p135)

A ecircnfase kantiana do passado destituiacutedo de seu elemento de causalidade inscreve o su-

jeito eacutetico em um presente contiacutenuo e o resultado eacute que ldquoa humanidade se aliena da memoacuteria

esgotando-se sem focirclego na adaptaccedilatildeo ao existenterdquo (EE p33) Evitar tal adaptaccedilatildeo e aliena-

ccedilatildeo eacute tarefa da educaccedilatildeo em seu processo de constituiccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade em meio

ao todo atomizado e a consideraccedilatildeo do passado em seu elemento promotor e necessaacuterio agrave

86

dialeacutetica do esclarecimento24 somente vai ocorrer ldquono instante em que estiverem eliminadas

as causas do que passourdquo (EE p49)

O que surge de todas essas discussotildees eacute que o estabelecimento de viacutenculos estaacute na base

de todas as discussotildees eacuteticas Viacutenculo enquanto diferenccedilas que natildeo nos tornam indiferentes

enquanto necessidade de consciecircncia dos momentos histoacutericos dos tempos que se conectam

na formaccedilatildeo do humano viacutenculo enquanto importacircncia de formar identidade a partir das di-

versas experiecircncias individuais que permitem o reconhecimento do outro e o reconhecimento

de si Viacutenculo eacute a geraccedilatildeo de ceacutelulas de humanidade Com isso alguns problemas surgem

provocantes Como a educaccedilatildeo pode se comprometer diante disto Eacute possiacutevel reivindicar que

a escola promova ou eduque para o estabelecimento de tais viacutenculos Como significar etica-

mente a educaccedilatildeo tendo como base tais desafios e a concepccedilatildeo de sujeito ateacute entatildeo defendi-

da Como soluccedilatildeo para tais questionamentos seraacute desenvolvido argumento em defesa da sig-

nificaccedilatildeo eacutetico-educativa a partir do termo plasmar linguiacutestico O eixo norteador estaacute entatildeo

no sentido eacutetico que envolve o dar forma agrave linguagem a partir do espaccedilo escolar e em sentido

mais amplo a partir dos processos formativo-educacionais que se estabelecem no decorrer das

experiecircncias de vida do indiviacuteduo

52 A eacutetica e a esteacutetica em sua dimensatildeo pedagoacutegica

Natildeo eacute possiacutevel conceber a educaccedilatildeo sem a vinculaccedilatildeo com a eacutetica e a eacutetica natildeo tem

outro ponto de apoio a natildeo ser o esteacutetico ndash enquanto o sensiacutevel aquela materialidade corpoacuterea

que rompe o abstrato ndash o qual repotildee a preocupaccedilatildeo sobre a formaccedilatildeo humana Eacute necessaacuterio

que ocorra esta reposiccedilatildeo do interesse sobre a formaccedilatildeo e aqui em sentido formal de

instituiccedilotildees de ensino pois esse espaccedilo eacute local privilegiado de desenvolvimento da

consciecircncia da realidade consciecircncia do outro consciecircncia de si Em outras palavras a escola

tem a grande possibilidade de aperfeiccediloar as experiecircncias e educar a sensibilidade o que

seria em linhas gerais a educaccedilatildeo esteacutetica Enfatizo que a consciecircncia da realidade do

reconhecimento do outro e de si mesmo em natildeo sobreposiccedilatildeo deveria ser o motor esteacutetico e

eacutetico da formaccedilatildeo desde a infacircncia

Isso remete agrave preocupaccedilatildeo esteacutetica de Adorno no que se refere agrave formaccedilatildeo escolar

Deveriacuteamos ter preocupaccedilatildeo com aquilo que as crianccedilas tecircm em defasagem aquilo que

24 O passado se torna promotor da dialeacutetica do esclarecimento pelo fato de manter o ser humano luacutecido dos moti-vos pelos quais o presente assumiu determinadas caracteriacutesticas Tambeacutem por dar condiccedilotildees de o pensamento retornar sobre si mesmo compreendendo sua formaccedilatildeo histoacuterica

87

muitas vezes natildeo conseguem aprender ldquoo indescritiacutevel empobrecimento do repertoacuterio de

imagens da riqueza de imagines sem a qual elas crescem o empobrecimento da linguagem e

de toda a expressatildeordquo25 dirigindo o olhar a esse problema para ldquodiscutir se a escola natildeo pode

assumir esta tarefardquo (EE p146) Esse olhar que recai sobre as instituiccedilotildees de ensino

propondo o desafio de ser o espaccedilo no qual este repertoacuterio mental de imagens de linguagem

encontraria seu pleno desenvolvimento eacute plenamente possiacutevel de aceitaccedilatildeo Enfaticamente

essas instituiccedilotildees natildeo podem se abster dessa tarefa em vista do criteacuterio qualitativo que

permeia a educaccedilatildeo para aqueacutem dos iacutendices de aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo das ampliaccedilotildees

de espaccedilos fiacutesicos (sem eacute claro abstrair da importacircncia de tais criteacuterios) No momento em

que a escola assume a tarefa de gerar esse enriquecimento de imagens e de linguagem a

preocupaccedilatildeo recai sobre a ampliaccedilatildeo mental a ampliaccedilatildeo dos referenciais interpretativos do

mundo ampliaccedilatildeo da capacidade de realizar experiecircncias no mundo

Esse eacute o meio no qual a crianccedila jaacute deve ser inserida e muito mais eacute esse o meio que a

crianccedila jaacute deve estar construiacutendo seu meio proacuteprio no qual habita sua linguagem Isso

encontra fundamentos a partir principalmente de Gadamer para quem a linguagem ldquonatildeo eacute

um mero instrumento ou um dom excelente que possuiacutemos como homens mas o meio no

qual vivemos desde o comeccedilo como seres sociais e que manteacutem aberto o todo no qual

existimosrdquo (1983 p11) Assim sendo ldquocada vez que se leva a cabo uma comunicaccedilatildeo natildeo soacute

se usa como tambeacutem se plasma a linguagemrdquo (p12) Seguindo essas linhas nota-se que o ser

humano natildeo usa a linguagem ele eacute linguagem eacute comunicaccedilatildeo que se efetiva no diaacutelogo

efetivo ou seja que modifica os envolvidos ndash o que significa em uacuteltima instacircncia o plasmar

do humano o plasmar da linguagem

Noacutes somos a palavra a linguagem noacutes natildeo a usamos noacutes nela vivemos ldquoas palavras

que usamos na linguagem nos satildeo a tal ponto familiares que estamos aiacute por assim dizer nas

palavras Elas natildeo se tornam objeto O uso da liacutengua natildeo eacute de modo algum o uso de algo Noacutes

vivemos em uma liacutengua como em um elemento como o peixe na aacuteguardquo (GADAMER 2007

p95) Vislumbra-se o real desafio que eacute a sala de aula ela deve ser o espaccedilo do plasmar deste

mundo desse elemento no qual vivemos Pela construccedilatildeo da linguagem eacute possiacutevel construir

sentido gerar sentido por esta construccedilatildeo a proacutepria escola passa a ter sentido convertendo-se

em espaccedilo comum no qual constituiacutemos modos de compreender o mundo

25 Conforme Bruno Pucci ldquoao mesmo tempo que gera a padronizaccedilatildeo de tudo a Induacutestria Cultural atrofia a ima-ginaccedilatildeo a espontaneidade a atividade intelectual do espectador Faz desaparecer tanto a capacidade de criacutetica como a do respeito ao ser humano Exclui o diferente o novo Ateacute o divertir-se significa estar de acordo Sob o monopoacutelio privado da cultura a tirania deixa o corpo e vai direto agrave alma (2007 p31 ndash grifo do autor)

88

A relaccedilatildeo disso com a proposta de significaccedilatildeo eacutetica para a educaccedilatildeo se evidencia no

momento em que percebemos a importacircncia da relaccedilatildeo com o outro com a alteridade como

condiccedilatildeo para este plasmar da linguagem desse meio em que vivemos Sendo a eacutetica o

pressuposto que nos orienta na boa conduccedilatildeo e construccedilatildeo do indiviacuteduo no interior das

experiecircncia coletivas a sala de aula se converte em espaccedilo privilegiado no qual os sujeitos ali

envolvidos se percebem no desafio de dar forma a esse meio construiacute-lo como espaccedilo

comum o habitat sem o qual natildeo nos orientamos adequadamente o habitat referencial que

nos identifica e ao mesmo tempo nos vincula26 O grave problema eacute que haacute um desmembrar

desse mundo desse meio O professor plasma ndash daacute forma ndash a sua linguagem a partir de sua

funccedilatildeo o aluno constitui sua linguagem seu meio tendo como referecircncia sua posiccedilatildeo muitas

vezes apenas receptiva cada um como um aacutetomo isolado natildeo consegue constituir a ceacutelula a

partir do qual se constitui o corpo comum denominado sala de aula Eacute como se cada um dos

envolvidos habitasse as fronteiras do territoacuterio e uma terra de ningueacutem permaneceria

inabitada a linguagem comum permaneceria sem ganhar forma sem ser plasmada e

consequentemente ficaria falha a proacutepria expressatildeo do indiviacuteduo a manifestaccedilatildeo de sua

concretude27

Nesse sentido a linguagem natildeo se constitui simplesmente em um sistema de signos

utilizados para dizer algo Ela eacute salva a partir do conceito constelaccedilatildeo28 natildeo tendo mais sua

finalidade exclusivamente na representaccedilatildeo e definiccedilatildeo de conceitos Na Criacutetica da razatildeo

pura (B93ss) o juiacutezo ndash a capacidade de pensar e definir ndash eacute dado como a ldquorepresentaccedilatildeo de

uma representaccedilatildeo de um objetordquo ou seja a representaccedilatildeo de um conceito criado pela

faculdade do entendimento A partir da Dialeacutetica negativa o sensiacutevel sobrevive a partir de

seu meio linguiacutestico o qual eacute extinguido pelo pensamento reduzido ao conceito ignorando o

caraacuteter de constelaccedilatildeo e o elemento concreto

O momento unificador sobrevive sem a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo e mesmo sem entregar-se agrave abstraccedilatildeo enquanto princiacutepio supremo de modo que natildeo se progride a partir de conceitos e por etapas ateacute o conceito superior mais universal mas esses conceitos entram em uma constelaccedilatildeo Essa constelaccedilatildeo ilumina o que haacute de especiacutefico no ob-jeto e que eacute indiferente ou um peso para o procedimento classificatoacuterio O modelo para isso eacute o comportamento da linguagem Ela natildeo oferece nenhum mero sistema de signos para as funccedilotildees do conhecimento Onde ela se apresenta essencialmente

26 Para Kant o que nos vincularia eacute a ideia de reino de fins O que se defende aqui eacute a vinculaccedilatildeo a partir da forma dada ao meio no qual vivemos a partir desse plasmar linguiacutestico que identifica cada um e a partir do qual podemos nos relacionar 27 Sobre o conceito de concreto ver capiacutetulo 4 28 Conforme desenvolvido no segundo capiacutetulo a constelaccedilatildeo refere-se aos diversos olhares ndash diversos conceitos ndash que entram em tensatildeo quando se quer conhecer algo tambeacutem faz referecircncia agrave diversidade de experiecircncias que natildeo se esgotando contribuem para o entendimento de algo

89

enquanto linguagem e se torna apresentaccedilatildeo ela natildeo define seus conceitos [] Na medida em que os conceitos se reuacutenem em torno da coisa a ser conhecida eles de-terminam potencialmente seu interior alcanccedilam por meio do pensamento aquilo que o pensamento necessariamente extirpa de si (2009 p140-141 ndash grifo nosso)

Estamos diante de uma diferenccedila a linguagem eacute tatildeo somente um sistema de signos a

partir do qual o conceito eacute dito ou a linguagem eacute o meio no qual cada um vive se manifesta

e a partir do qual deve ser conhecido Conforme Tiburi ldquona filosofia adorniana a linguagem

deixa de ser um objeto em seu sentido puro e simples ou um instrumento para designar obje-

tos ela passa a ser lugar de uma experiecircncia [] A proacutepria linguagem aparece como experi-

ecircncia enquanto conviacutevio e fala sem dominaccedilatildeo sobre o natildeo-idecircnticordquo (2005 p68) A Teoria

esteacutetica nos indica a relaccedilatildeo que se estabelece entre a linguagem e o concreto destacando

exatamente o caraacuteter de meio linguiacutestico ldquoo meio pelo qual as obras de arte existentes satildeo

mais do que a existecircncia natildeo eacute um novo ser-aiacute mas a sua linguagem As obras autecircnticas fa-

lam mesmo quando recusam a aparecircnciardquo (p124) Esse ser mais do que a existecircncia indica

algo surgido para aleacutem do evidente do que aparece Ou seja indica o elemento concreto que

precisa ser percebido a partir do seu meio compreendido aqui como meio linguiacutestico local

em que se efetivam as experiecircncias nos comunicamos sem contudo ocorrer sobreposiccedilatildeo de

interlocutores Dizer que a obra de arte fala mesmo quando recusa a aparecircncia ndash tornando-se

natildeo-evidente ndash faz considerar o essencial como aquilo que permanece escondido e por isso

mesmo provocativo Reconhecer esse caraacuteter essencial eacute tarefa da razatildeo que respeita a cons-

telaccedilatildeo de momentos que se inter-relacionam e constituem sentido

o sentido de uma obra de arte eacute ao mesmo tempo a essecircncia que se oculta no faacutetico traduz em apariccedilatildeo o que esta de outro modo esconde A organizaccedilatildeo da obra de ar-te isto eacute o agrupamento dos seus momentos e o seu inter-relacionamento tem este objetivo e eacute difiacutecil mediante a atitude criacutetica distingui-lo do elemento afirmativo da aparecircncia da realidade do sentido tatildeo cuidadosamente como agradaria agrave constru-ccedilatildeo conceptual filosoacutefica (TE p124-125)

Deparamo-nos com a necessidade de atribuir o sentido esteacutetico da obra de arte ao proacute-

prio ser humano Quanto de noacutes se oculta na manifestaccedilatildeo do faacutetico Natildeo estaria o essencial

o verdadeiro nesse conteuacutedo que se oculta Enquanto alternativa de novas descobertas e no-

vos sentidos sim ali estaacute o verdadeiro pois o pensamento que pensa compreender se percebe

insuficiente exigindo o renovar da experiecircncia Diante desse oculto no qual estaria a verdade

o pensamento que retorna a si mesmo natildeo mais se reconhece mas percebe-se estranho em sua

insuficiecircncia de conteuacutedo Poreacutem eacute somente ldquono olhar para o desviante no oacutedio agrave banalidade

90

na busca do que ainda natildeo estaacute gasto do que ainda natildeo foi capturado pelo esquema conceitual

geral que reside a derradeira chance do pensamentordquo (MM 41 p58)

Afirmado na Minima moralia (122 p168) e repetido em Dialeacutetica negativa (2009

p48) esse estranhamento do pensamento sobre ele mesmo permite a abertura para o novo que

estaacute oculto no faacutetico E mais eacute a chance para pensar uma relaccedilatildeo verdadeira entre o pensa-

mento e o pensado ldquoVerdadeiros satildeo apenas aqueles pensamentos que natildeo compreendem a si

mesmosrdquo Natildeo compreendem a si mesmo devido ao desvio ocorrido na regra tradicional da

adequaccedilatildeo entre pensamento e pensado como sendo a verdade Conforme indicado em Dialeacute-

tica negativa (p43) os pensamentos devem ir ao extremo nada deve deter esta capacidade

humana denominada pensar Isso significa em uacuteltimas palavras ldquopensar perigosamente es-

timular o pensamento a partir da experiecircncia da coisa natildeo recuar diante de nada natildeo se dei-

xar embaraccedilar por qualquer conveniecircncia do previamente pensadordquo (OPF p23) A lingua-

gem enquanto posse de um sujeito que diz algo estaacute em conexatildeo com uma novidade a lin-

guagem enquanto meio no qual esse outro estaacute inserido o que impotildee a necessidade de natildeo

recuar diante do natildeo pensado mas encontrar nisso a chance para a filosofia e para a possibili-

dade de reafirmar o plasmar da linguagem como sendo o fundo moral da constituiccedilatildeo do hu-

mano Tudo isso enfatiza a ideia do plasmar linguiacutestico da sala de aula como resultado de uma

relaccedilatildeo entre sujeitos os quais ao mesmo tempo em que constituiacuterem linguagem devem ser

compreendidos a partir dessa constituiccedilatildeo Poreacutem essa constituiccedilatildeo natildeo ocorre somente em

sala de aula mas jaacute eacute algo que o aluno vem constituindo anteriormente agrave vida escolar e conti-

nuaraacute constituindo em paralelo agrave escola nas diversas relaccedilotildees que estabelece na vivecircncia so-

cial Desse modo compreender o outro significa tambeacutem compreender seu meio linguiacutestico

anterior e paralelo agrave escola

Como eacute possiacutevel vincular a formaccedilatildeo eacutetica a partir do plasmar linguiacutestico Como eacute

possiacutevel que no viacutenculo com o outro em seu meio linguiacutestico e aqui focado no ambiente sala

de aula seja derivada a sensibilizaccedilatildeo moral A vinculaccedilatildeo entre arte filosofia e educaccedilatildeo

se constitui em alternativa pedagoacutegica fundamental para pensar a formaccedilatildeo e a sensibilizaccedilatildeo

moral O sentido da eacutetica e moral eacute posto aqui seguindo as linhas de Hermann em sua es-

treita relaccedilatildeo com a educaccedilatildeo e como devendo ser preocupaccedilatildeo da filosofia da educaccedilatildeo Em

Autocriaccedilatildeo e horizonte comum

a investigaccedilatildeo sobre o sentido eacutetico da educaccedilatildeo estaacute muito proacutexima das questotildees mais pungentes com as quais os educadores se defrontam e que longe de ser uma fi-nalidade metafiacutesica ou de diletantismo as questotildees eacuteticas podem ser trabalhadas como uma arte de viver (2010 p92 ndash grifo nosso)

91

O meio linguiacutestico solidamente constituiacutedo esse meio no qual estamos inseridos eacute

condiccedilatildeo para desenvolver a arte de viver Eacute nesse meio para aleacutem dos meros signos a partir

dos quais dizemos o mundo que a arte de viver encontra sua condiccedilatildeo de desenvolvimento

ou de aprendizagem Em outras palavras o lugar ocupado pelo outro e por mim a considera-

ccedilatildeo pela experiecircncia individual enquanto local da manifestaccedilatildeo do concreto que identifica

cada um e a partir do qual devemos ser reconhecidos as estrateacutegias que orientam o modo co-

mo habitamos nosso meio podem ser entendidos para usar a expressatildeo de Hermann como

arte de viver Tudo isso eacute fundamental para a educaccedilatildeo e somente teremos condiccedilotildees de edu-

car pessoas capazes de habitar qualificadamente o meio em que vivem no momento em que

dermos a devida atenccedilatildeo ao modo como se estaacute plasmando a linguagem como se estaacute edifi-

cando esse meio proacuteprio no qual vivemos Dessa forma mediante a educaccedilatildeo ocorre o ldquopro-

cesso compreensivo que exige quebrar nossas resistecircncias para nos abrirmos ao outro para

deixar valer a palavra do outro O encontro com a alteridade nos enriquece ao integrar o que

nos falta ao experimentar que nem sempre o que sabemos eacute suficiente para compreender a

situaccedilatildeordquo (HERMANN 2010 p117 ndash grifo nosso) A experiecircncia do mundo natildeo pode ser

outra a natildeo ser aquela que permite valer a palavra do outro Nesse sentido eacute que a sala de aula

deve assumir algumas tarefas baacutesicas ser o espaccedilo no qual a linguagem eacute formada permitir

que o outro compartilhe dessa linguagem sem medo garantir a subjetividade apta a reconhe-

cer esse meio no qual o outro estaacute inserido Sobre isto recai o sentido eacutetico-educativo de sujei-

to esteacutetico esse que eacute capaz de realizar experiecircncias sempre renovadas com aquilo que o ou-

tro eacute em sua concretude

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Proponho estas consideraccedilotildees em trecircs blocos temaacuteticos nos quais estabeleccedilo as

relaccedilotildees entre os capiacutetulos e indico alguns elementos que considero decisivos para entender a

significaccedilatildeo eacutetico educativa do sujeito poacutes-metafiacutesico em Adorno

I

O termo plasmar linguiacutestico estaacute em iacutentima conexatildeo com o ideal de construccedilatildeo O ato

pedagoacutegico natildeo se identifica com produccedilatildeo pois nessa os envolvidos agem sobre o outro

como se esse uacuteltimo fosse um objeto a ser manipulado A produccedilatildeo ocorre nos moldes

tecnoloacutegicos de fabricaccedilatildeo de materiais um utensiacutelio domeacutestico eacute produzido um automoacutevel eacute

produzido produzem-se alimentos etc A sala de aula eacute local de construccedilatildeo portanto natildeo

possui nenhuma semelhanccedila com manipulaccedilatildeo Por ser ato construtivo ocorre o

reconhecimento da novidade do outro e do local do outro O imprevisto passa a ser elemento

altamente qualificado pois eacute o outro (aqui entendido tanto o aluno quanto o professor) que

estaacute manifestando-se e contruindo-se plasmando o meio em que habita e a partir do qual se

relaciona ndash sua linguagem ndash tanto em dimensotildees pessoais quanto em dimensotildees de grupo Na

relaccedilatildeo o termo constelaccedilatildeo indica o modo como tudo isso ocorre Compreender e dizer o

outro significa consideraacute-lo a partir da constelaccedilatildeo de momentos historicamente construiacutedos

O problema com que precisamos nos defrontar eacute se as instituiccedilotildees de ensino satildeo capazes de

realmente perceber esta constelaccedilatildeo proacutepria de cada indiviacuteduo e ainda se tais instituiccedilotildees

estatildeo sendo promotoras de tais momentos construtivos Natildeo raro percebemos atividades

isoladas (principalmente em projetos desenvolvidos nas escolas) como atividades-extras que

natildeo somam a esse plasmar linguiacutestico natildeo se inserem dentro de uma constelaccedilatildeo de

momentos

II

Existe algum pressuposto a ser levado em consideraccedilatildeo no momento da relaccedilatildeo com o

outro A confirmaccedilatildeo de pressupostos pode ser defendida como radicalmente necessaacuteria O

maior problema estaacute em que consistem tais pressupostos Para esclarecer isso em primeiro

93

lugar faccedilo uma referecircncia a um aspecto negativo A sala de aula enquanto momento de

encontro com a concretude (este indiviacuteduo portador de sentido para aleacutem das atribuiccedilotildees

apreendidas) a partir da perspectiva eacutetica e tambeacutem na perspectiva do conhecimento natildeo

pode seguir o paracircmetro da razatildeo que como juiacuteza dita as regras e obriga o objeto a responder

a tais interrogaccedilotildees Para Kant este eacute o atributo da razatildeo ditar as regras agrave natureza e esta

tem como atributo dar uma resposta ndash eacute a tradicional relaccedilatildeo sujeito e objeto posta como

nuacutecleo epistemoloacutegico e eacutetico

Negando esta relaccedilatildeo o professor passa a ser um personagem fundamental mas natildeo

absoluto em termos de conduccedilatildeo do processo de ensino e aprendizagem Em sala de aula natildeo

raro nos deparamos com a novidade do outro dada a partir do seu local proacuteprio e que potildee em

crise os procedimentos previamente calculados Se nossa razatildeo obrigasse agrave respostas

conforme as interrogaccedilotildees por ela postas todo plano de ensino natildeo seria passiacutevel de falha

pois o objeto aluno seria obrigado a responder aos ditames prescritos O problema estaacute em

como a razatildeo que dita as regras reagiraacute diante da novidade que surge do outro em sua

condiccedilatildeo de concreto na qual resiste sempre em expressatildeo de Hermann uma promessa de

vida E essa promessa obriga tanto o professor quanto o aluno a admitir o local que o outro

ocupa como sendo o local a partir do qual devemos compreender ou conhecer Essa

manifestaccedilatildeo natildeo eacute serva dos ditames racionais poreacutem ocorre tatildeo somente no momento em

que o corpo surge e a sensibilidade se defronta com ele Se em momento posterior a razatildeo

com o entendimento realiza a siacutentese a conceituaccedilatildeo o ajuizamento o pressuposto fundante

de todo esse percurso estaacute no reconhecimento do outro em seu local de manifestaccedilatildeo seu

meio linguiacutestico

Isso remete em Adorno agrave perda da evidecircncia Somente eacute possiacutevel a centralidade posta

na razatildeo que dita as regras ao outro se admitirmos esse outro meramente como um material

passivo e a linguagem como sendo unicamente um meio de dizer algo um instrumento da

razatildeo A educaccedilatildeo infantil eacute exemplo paradigmaacutetico de tal desafio O periacuteodo de adaptaccedilatildeo

nada mais eacute do que o momento de constituir linguagem comum Eacute o momento em que o

professor se defronta com os limites sensiacuteveis da razatildeo e assim percebe que eacute insuficiente

ditar regras sendo necessaacuterio constituir o meio linguiacutestico Constituiacutemos linguagem como

seres viventes vivemos a linguagem como sendo o local que constituiacutemos ndash nosso loacutecus proacute-

prio cada um de noacutes enquanto envolvidos do processo de ensino e aprendizagem comparti-

lhamos desse mundo linguiacutestico esperando que sejamos compreendidos a partir da manifesta-

ccedilatildeo deste meio constituiacutemos linguagem comum no momento em que nos permitimos coabitar

e criar sentido exatamente por esse estar junto O pressuposto da relaccedilatildeo estaacute no reconheci-

94

mento de que o outro ocupa um local proacuteprio constituiacutedo por ele e que ao mesmo tempo o

constitui

No entanto muito aleacutem da educaccedilatildeo infantil percorrendo todos os niacuteveis de ensino

quando a sala de aula se transforma em um meio linguiacutestico comum a todos promove-se jun-

tamente com a construccedilatildeosignificaccedilatildeo dos conhecimentos a educaccedilatildeo moral do ser humano

eacute a partir daiacute que devemos pensar a educaccedilatildeo em uma perspectiva eacutetica Essa promessa de

vida eacute difiacutecil de ser aceita nas praacuteticas pedagoacutegica orientadas pela razatildeo que deve ditar as

regras ao outro meramente obediente

A perda da evidecircncia se constitui para Adorno em instigaccedilatildeo ao pensamento Nada

mais haacute de oacutebvio vivemos em uma eacutepoca tecnoloacutegica onde as identidades on-line satildeo masca-

radas a proacutepria relaccedilatildeo abstrai o corpo priorizando um perfil virtual Outro problema eacute o en-

cobrimento ideoloacutegico que os fatos podem receber o que somado agrave fraqueza de entendimen-

to resulta na desqualificaccedilatildeo do material apreendido pelos sentidos Reconstruindo o argu-

mento com a ausecircncia dos limites que somente o corpo pode nos dar nossa capacidade per-

ceptiva de sensibilidade apreende um material desqualificado possivelmente carente de da-

dos reais ou muito aqueacutem do concreto apontado pelo filoacutesofo de Frankfurt como o local da

verdade Por isso eacute que a esteacutetica enquanto aisthesis capacidade de percepccedilatildeo do outro estaacute

intimamente vinculada a esse ideal de formaccedilatildeo eacutetica e sobre isso recai a necessidade do aacuter-

duo esforccedilo pedagoacutegico educar a sensibilidade a percepccedilatildeo do outro educar para o reconhe-

cimento do local do outro educar para constitui um local comum Pensar eticamente a educa-

ccedilatildeo eacute proporcionar ao ser humano as condiccedilotildees para se relacionar com o corpo qualificada-

mente bem como prover as condiccedilotildees para ampliar a consciecircncia a ponto de estar apto a

reconhecer e reagir diante de compreensotildees ou comportamentos estandardizados A educaccedilatildeo

deveria levar o indiviacuteduo a ocupar qualificadamente seu espaccedilo e tempo de vida

III

O imperativo categoacuterico tem o objetivo em palavras kantianas conforme a Fundamen-

taccedilatildeo da metafiacutesica dos costumes de gerar uma ligaccedilatildeo sistemaacutetica entre os seres humanos

Enquanto lei moral tal imperativo deve orientar o estabelecimento de maacuteximas as quais nos

conduzem na accedilatildeo Entre a lei moral e a accedilatildeo Kant (MC) define a existecircncia de uma folga

para a livre escolha do modo como ocorreraacute a aplicaccedilatildeo da lei Mesmo assim a relaccedilatildeo com a

moralidade tem o uacutenico criteacuterio da lei e mesmo que pudermos encontrar vaacuterias formas de

aplicaacute-la o fio condutor estaacute previamente dado Em criteacuterios morais natildeo haacute possibilidade de

95

afastamento da lei de modo que a escolha natildeo eacute de todo livre pois cada accedilatildeo deve ser com-

patiacutevel com tal imperativo moral Natildeo existem muitas opccedilotildees devo somente seguir a lei De

tal modo a livre escolha segue somente criteacuterios loacutegicos de adequaccedilatildeo (lei ndash maacutexima ndash

praacutetica) a accedilatildeo natildeo pode se afastar da lei se quiser salvar a ligaccedilatildeo sistemaacutetica denominada

reino dos fins O olhar dirigido para a lei moral dentro de noacutes assim como o dirigimos para o

ceacuteu estrelado acima de noacutes como forma de orientaccedilatildeo pode nos tornar cegos agraves

reivindicaccedilotildees de vida do outro gerando a relaccedilatildeo fria de um simples dever que preciso

seguir Desse modo natildeo eacute o outro que me move agrave accedilatildeo mas a loacutegica do dever Meu olho estaacute

posto nesse criteacuterio

Eacute exatamente no levar ao extremo esse espaccedilo para a livre escolha que reside o pro-

blema educacional Como educar a capacidade de escolha como tornar o ser humano apto a

decidir moralmente Eacute possiacutevel defender a necessidade da educaccedilatildeo que desenvolva modos

de experiecircncias com o outro na capacidade de visualizar sentir o corpo do outro como algo

que passiacutevel de destruiccedilatildeo precisa ser cuidado Aqui o imperativo natildeo eacute loacutegico-conceitual

mas eacute sensiacutevel posto ao deparar-me com o limite fiacutesico e com o limite do sentimento que o

outro tem Ningueacutem tem o direito de infligir dor ao outro pois esse outro eacute ser sensiacutevel muito

antes de ter a loacutegica desenvolvida Educaccedilatildeo e eacutetica exigem entatildeo desenvolver uma postura

humana diante daquilo que natildeo pode ser reduzido ao conceito a dor o sofrimento a

concretude do outro Assim eacute que se conecta a esteacutetica enquanto sentidos aptos a perceber a

vida em sua concretude a sensibilidade mesma Enquanto sensibilidade eacute pela esteacutetica que

ocorre o reconhecimento do local do outro o impulso agrave compreensatildeo e o impulso agrave accedilatildeo

REFEREcircNCIAS

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WIGGERSHAUS Rolf A escola de Frankfurt histoacuteria desenvolvimento teoacuterico significa-ccedilatildeo poliacutetica Traduccedilatildeo de Vera de Azambuja Harvey 2ed Rio de Janeiro DIFEL 2006 WOLF Ursula La filosofiacutea y la cuestioacuten de la vida buena Traduccioacuten de Aacutengel Galaacuten Bujaacuten Madrid Editorial Siacutentesis [sd] WULF Christoph Antropologia da educaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Sidney Reinaldo da Silva Cam-pinas Editora Aliacutenea 2005 ZAMORA Joseacute Antonio Theodor W Adorno pensar contra la barbarie Madrid Editorial Trotta 2004

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