seis nomes um adorno

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Seis Nomes, um só Adorno Rodrigo A.P. Duarte O objetivo deste trabalho é menos introduzir o pensamento estético de Theodor W. Adorno, do que mostrar como ele pode ser entendido como ponto de entrecruzamento de diversas tendências e linhas de reflexão na filosofia da arte desde os primórdios do Idealismo Alemão, com Kant e Hegel, até a filosofia contemporânea, com Freud e Benjamin, passando pela transição representada por Marx e Nietzsche. Dessa forma, procura-se balizar a reflexão estética de cada um desses pensadores a partir de dois tópicos fundamentais: o lugar ocupado pelo estético e pela arte em cada uma dessas filosofias e a relação entre o estético e o extra-estético, i.e., aquilo que é mais radicalmente heterogêneo ao interior da obra. A eleição da estética adorniana como ponto de inflexão de todas essas filosofias não é de modo algum arbitrária, mas deve-se ao fato de ela guardar relação tanto com filosofemas do tipo dos de Kant e Hegel, para os quais a arte ocupa um lugar mais ou menos representativo num sistema filosófico, quanto com proposições de pensadores que tangem o estético, sem que ele seja o que mais lhes interessa - assim é com Marx e Freud -, reportando-se também a filósofos para os quais o estético possui uma espécie de função legitimadora do restante do seu pensamento, como ocorre com Nietzsche e Benjamin. I Tendo em vista que a mútua exclusão, no plano sistemático, de natureza e razão não coincide - pelo menos, não deveria coincidir - com suas múltiplas imbricações no plano da ação, Kant concebe a Crítica da Faculdade de Julgar não apenas como desfecho de sua filosofia, mas como uma ponte entre suas duas outras partes, cada uma delas centrada numa das faculdades cognitivas consideradas por Kant superiores - entendimento e razão. Enquanto o entendimento processa conceitos aplicáveis ao mundo dos fenômenos e a razão metaboliza os conteúdos da faculdade apetitiva (Begehrungsvermögen), a faculdade de julgar tem a ver - de um modo geral - com o sentimento de prazer ou desprazer. Levando em consideração um amplo conceito de finalidade da natureza (Zweckmässigkeit der Natur), Kant distingue na terceira crítica a representação lógica da estética. Na primeira, podemos "considerar os fins da natureza enquanto apresentação do conceito de uma finalidade real (objetiva) (...), julgar através do entendimento e da razão (de modo lógico, segundo conceitos)" i . Na representação estética da finalidade da natureza, trata-se de abordar a beleza enquanto apresentação do conceito da finalidade formal (meramente subjetiva), na qual se destaca o sentimento de prazer ou desprazer, agora num sentido bastante específico. Esse tipo de representação institui todo um âmbito da terceira crítica, que coincide com a sua primeira parte, a crítica da faculdade estética de julgar que por sua vez se divide nas analíticas do belo e do sublilme. Em ambos casos, Kant, a exemplo de procedimentos utilizados em outros textos ii , destaca quatro momentos que se remetem aos casos da tábua dos juízos da lógica aristotélica: qualidade, quantidade, relação e modalidade. No que concerne à qualidade, trata-se de distinguir o juízo estético do juízo lógico: enquanto esse último atribui um predicado a um sujeito (lógico), determinando, portanto,

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Seis nomes um Adorno

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  • Seis Nomes, um s Adorno Rodrigo A.P. Duarte O objetivo deste trabalho menos introduzir o pensamento esttico de Theodor W. Adorno, do que mostrar como ele pode ser entendido como ponto de entrecruzamento de diversas tendncias e linhas de reflexo na filosofia da arte desde os primrdios do Idealismo Alemo, com Kant e Hegel, at a filosofia contempornea, com Freud e Benjamin, passando pela transio representada por Marx e Nietzsche. Dessa forma, procura-se balizar a reflexo esttica de cada um desses pensadores a partir de dois tpicos fundamentais: o lugar ocupado pelo esttico e pela arte em cada uma dessas filosofias e a relao entre o esttico e o extra-esttico, i.e., aquilo que mais radicalmente heterogneo ao interior da obra. A eleio da esttica adorniana como ponto de inflexo de todas essas filosofias no de modo algum arbitrria, mas deve-se ao fato de ela guardar relao tanto com filosofemas do tipo dos de Kant e Hegel, para os quais a arte ocupa um lugar mais ou menos representativo num sistema filosfico, quanto com proposies de pensadores que tangem o esttico, sem que ele seja o que mais lhes interessa - assim com Marx e Freud -, reportando-se tambm a filsofos para os quais o esttico possui uma espcie de funo legitimadora do restante do seu pensamento, como ocorre com Nietzsche e Benjamin. I Tendo em vista que a mtua excluso, no plano sistemtico, de natureza e razo no coincide - pelo menos, no deveria coincidir - com suas mltiplas imbricaes no plano da ao, Kant concebe a Crtica da Faculdade de Julgar no apenas como desfecho de sua filosofia, mas como uma ponte entre suas duas outras partes, cada uma delas centrada numa das faculdades cognitivas consideradas por Kant superiores - entendimento e razo. Enquanto o entendimento processa conceitos aplicveis ao mundo dos fenmenos e a razo metaboliza os contedos da faculdade apetitiva (Begehrungsvermgen), a faculdade de julgar tem a ver - de um modo geral - com o sentimento de prazer ou desprazer. Levando em considerao um amplo conceito de finalidade da natureza (Zweckmssigkeit der Natur), Kant distingue na terceira crtica a representao lgica da esttica. Na primeira, podemos "considerar os fins da natureza enquanto apresentao do conceito de uma finalidade real (objetiva) (...), julgar atravs do entendimento e da razo (de modo lgico, segundo conceitos)" i. Na representao esttica da finalidade da natureza, trata-se de abordar a beleza enquanto apresentao do conceito da finalidade formal (meramente subjetiva), na qual se destaca o sentimento de prazer ou desprazer, agora num sentido bastante especfico. Esse tipo de representao institui todo um mbito da terceira crtica, que coincide com a sua primeira parte, a crtica da faculdade esttica de julgar que por sua vez se divide nas analticas do belo e do sublilme. Em ambos casos, Kant, a exemplo de procedimentos utilizados em outros textosii, destaca quatro momentos que se remetem aos casos da tbua dos juzos da lgica aristotlica: qualidade, quantidade, relao e modalidade. No que concerne qualidade, trata-se de distinguir o juzo esttico do juzo lgico: enquanto esse ltimo atribui um predicado a um sujeito (lgico), determinando, portanto,

  • caractersticas pertencentes a um objeto externo - transcendentalmente construdo, verdade -, o primeiro essencialmente subjetivo: constitui-se a partir do sentimento de prazer ou desprazer ocorrido to somente no interior do sujeito (agora, concreto). Ocupa lugar de destaque, nesse momento, a caracterizao do juzo de gosto (ou esttico) como desprovido de qualquer interesse (satisfao ligada representao da existncia do objeto), o que o faz contrastar com os juzos acerca do bom e do agradvel, os quais so, - por definio - interessados. Quanto quantidade, Kant insiste na caracterstica de o juzo de gosto, ser universal, no obstante seu trao fundamental de subjetividade, a qual, por sua vez, determinada pela ausncia de conceito (ententido aqui como um tipo de representao que liga o objeto ao seu sujeito). Com isso, estabelece-se mais uma vez um contraste com o juzo lgico, cuja universalidade essencialmente correlata sua objetividade, sendo que no juzo esttico coexistem os traos - aparentemente excludentes - de validade geral e subjetividade. Kant distingue universalidade (Allgemeinheit) de validade geral (Gemeingltigkeit), caracterizando essa ltima como um tipo de universalidade subjetiva. No que tange relao, Kant comea definindo fim como objeto de um conceito na medida em que esse considerado causa daquele. Por conseguinte, finalidade a causalidade de um conceito em considerao do seu objeto. Uma vez que "prazer" definido como a conscincia da causalidade de uma representao na inteno do sujeito de conserv-la em si, e que "finalstico pode ser um objeto, ou estado de nimo, ou tambm uma ao, mesmo que sua possibilidade no pressuponha a representao de um fim" (KdU, B 33), Kant estabelece que a finalidade pode ser sem fim, na medida em que ns no pomos as causas dessa forma numa vontade (faculdade apetitiva agindo de acordo com a representao de um fim), mas, ao contrrio, tornamos compreensvel para ns somente a declarao de sua possibilidade desviando-a de uma vontade. Com isso, estabelece-se a aparentemente contraditria frmula da Crtica da Faculdade de Julgar, segundo a qual, a "Beleza forma da finalidade de um objeto, na medida em que ela precebida nele sem a representao de um fim"(KdU, B 62). Quanto modalidade, Kant postula para o juzo esttico um tipo de necessidade, que no a terico-objetiva do conhecimento a priori, tal como expresso na Crtica da Razo Pura, nem prtica, como a da segunda crtica: a necessidade da concordncia de todos em um juzo, como exemplo de uma regra universal, que a rigor no pode ser dada. A condio desse tipo de necessidade o que Kant chama de senso comum (Gemeinsinn), que se difere, no entanto, do senso comum emprico, o qual dispensaria uma abordagem transcendental. Esse senso comum no poderia, portanto, estar fundado sobre a experincia, pois ele legitima juzos que contm um dever ser (Sollen): dever-se-ia subscrev-los, sem que isso seja, entretanto, compulsrio. Entretanto, os elementos comuns ao belo e ao sublime se limitam aos quatro momentos supra-aludidos, j que, no juzo sobre o belo, Kant fala no livre jogo entre a imaginao e o entendimento (KdU, A 29) , enquanto no subllime aquela impera sobre esse (KdU, A 82). Uma aplicao "prtica" dessa diferena ajuda a entender melhor em que ponto ambas

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  • dimenses se separam inapelavelmente: na abordagem esttica da natureza. Segundo Kant,

    a beleza natural independente descobre para ns uma tcnica da natureza, a qual torna-a imaginvel com um sistema segundo leis, cujo princpio no encontramos em toda nossa faculdade de entendimento, i.e., o de uma finalidade respectiva ao uso da faculdade de juzo na considerao dos fenmenos, de modo a essa dever ser julgada no apenas como pertencendo natureza no seu mecanismo desprovido de finalidade, mas tambm - por analogia - arte (KdU, A 76).

    No sublime da natureza falta, entretanto, qualquer referncia a essa finalidade como pertencente prpria natureza, limitando-se ao uso possvel de suas intuies. Isso o torna muito mais "subjetivo" que o belo natural: "Para o belo da natureza devemos procurar um fundamento fora de ns, para o sublime, porm, somente em ns e no modo de pensamento que na representao daquela introduz sublimidade"(KdU, A 77). Mas a superioridade do belo natural no se impe apenas com relao ao sublime da natureza, havendo indcios de sua preferncia por Kant at mesmo no que tange bela arte. Um deles se expressa no seguinte trecho: "Essa vantagem da beleza natural sobre a beleza artstica, mesmo que aquela, no que tange a forma, seja sobrepujada por essa apenas em despertar um interesse imediato, concorda com a notria e fundamentada maneira de pensar de todas as pessoas que cultivaram o seu sentimento tico" (KdU, A 165). Com isso, estamos de posse dos dois tpicos da terceira crtica que so explicitamente retomados por Adorno sobretudo na sua Teoria Estticaiii: as caractersticas do juzo de gosto e a supremacia do belo natural. Quanto ao primeiro tem, cumpre observar que dos quatro momentos do juzo de gosto, dois se referem ao seu alcance: sua "universalidade" (2o.) e sua "necessidade" (4o.), e dois se referem "ausncia de interesse" no seu exerccio (1o. e 3o.). Adorno faz um julgamento ambivalente da contribuio kantiana esttica, problematizando radicalmente as propostas implcitas nos dois grupos de questes. A Teoria Esttica introduz, entretanto um elogio explcito empresa crtica aplicada esttica, classificando de "revolucionrio" o seu intuito de - a exemplo do restante da obra de Kant - salvar a objetividade mediante a anlise dos momentos subjetivos (T 22). Adorno reconhece, igualmente, a ainda vlida contribuio kantiana no que tange modalidade do juzo esttico, "pois a experincia imanente das obras de arte, sempre que ela se inicia, de fato, como Kant a descreve, necessria, transparente at mesmo nas suas mais sublimes ramificaes" (T 189). No entanto, o carter paradoxal dessa necessidade - como tambm da universalidade - que permanece subjetiva num sentido radical (no apenas "transcendental") no escapa sua considerao: "Isso apresenta a categoria de mediao para o problema kantiano, de como a arte - para ele algo crassamente inconceituvel - introduz consigo aquele momento do necessrio e universal, que, de acordo com a crtica da razo, reservado apenas ao conhecimento discursivo" (T 175 cf. T 247). Mais contundente - porque mais diretamente ligada ao cerne da sua proposta esttica - a abordagem, por Adorno, dos momentos que apontam para o "desinteresse" na experincia

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  • do juzo de gosto. J quanto qualidade desse juzo, na qual deve ficar expressa sua indiferena pela existncia do objeto, a especificidade do agrado (Wohlgefallen) relativo ao belo fica potencialmente comprometida: "O Desinteresse afasta-se do efeito imediato que o agrado quer conservar, e isso prepara a interrupo na sua supremacia. Pois sem aquilo que, em Kant, se chama interesse, o agrado se torna em algo to indeterminado, que no serve mais para qualquer determinao do belo" (T 22). Diante disso, Adorno conclui que a proposio do agrado desinteressado " pobre diante do fenmeno esttico" (T 22). Tambm na idia da finalidade sem fim (11) encontra-se novamente a tese do desinteresse, pois na excluso do fim, entendido como conceito que preside a instaurao do seu objeto, a vontade - faculdade apetitiva agindo de acordo comum fim - tambm fica necessariamente excluda, o que torna a finalidade meramente formal. Nesse caso, alm da crtica ao desinteresse como caracterstica geral do juzo esttico (i.e., quanto sua qualidade) continuar valendo para o momento da relao, ela serve para introduzir um dos temas mais centrais da Teoria Esttica, o relacionamento do mbito esttico com tudo que lhe exterior. Ouamos Adorno:

    A formulao paradoxal de Kant, segundo a qual deve-se chamar belo o que finalstico sem fim, expressa o estado de coisas na linguagem da Filosofia subjetiva transcendental com aquela fidelidade que sempre renovadamente aproxima os teoremas kantianos da conexo metdica na qual eles surgem. As obras de arte eram finalsticas enquanto totalidade dinmica, na qual todos os momentos singulares existem para o seu fim, o todo, do mesmo modo que o todo para o seu fim: o preenchimento ou dissoluo negativa dos momentos. Sem fim, ao contrrio, eram as obras de arte porque elas se retiraram da relao fim-meio da realidade emprica (T 210 cf. OL 107).

    Implcita nessa posio tomada frente "finalidade sem fim" kantiana est uma idia nuclear da esttica de Adorno, segundo a qual existe na obra de arte uma dialtica - interna - entre a totalidade e suas partes e uma outra entre a obra e o seu exterior. Os desdobramentos dessa posio sero abordados adiante. O outro polo da apropriao adorniana da esttica de Kant lhe francamente favorvel: trata-se do seu parti pris a favor do belo natural, j mencionado aqui. De fato, Kant foi o ltimo filsofo a fazer uma avaliao positiva do belo no artstico, pois at mesmo Schelling, cuja concepo de natureza se pretendia como uma alternativa ao mecanicismo vigente, expressa na "deduo transcendental da arte" no Esboo do Sistema de Idealismo transcendental um pronunciado desprzo pelo belo naturaliv. Adorno assinala que esse ponto de vista foi corolrio de um processo iniciado tambm pelo prprio Kant, no sentido de exaltar o que humano em detrimento da natureza: "O belo natural desapareceu da Esttica mediante o crescente predomnio do conceito inaugurado por Kant, logo consequentemente transplantado para a Esttica por Schiller e Hegel, de liberdade e de dignidade humana, de acordo com o qual no h nada no mundo digno de considerao que no se deva agradecer ao prprio sujeito autnomo" (T 98). Para Adorno, o fato desse processo ter sido iniciado por Kant no invalida de modo algum sua enftica tomada de posio a favor do belo natural, e, numa poca em que arte e natureza, apesar de toda a anttese existente entre ambas - segundo uma longa tradio - se encontram na condio de vtimas de um mesmo aparato de destruio - de dominao da natureza "externa" e "interna" -, a retomada desse momento da esttica

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  • kantiana lhe parece extremamente frutfero. Digno de nota, entretanto, o modo pelo qual Adorno entende a solidariedade entre natureza e arte: no como uma unidade, mas conservando a oposio, sem fazer concesso aqualquer romantismo ou "naturalismo": "A arte defende a natureza atravs de sua liquidao in effigie; tudo que naturalstico est prximo da natureza apenas de modo enganoso, porque ela - de modo anlogo ao da indstria - relegada condio de matria prima" (T 104). Nessa idia est implcita tambm uma radical reformulao do antigo preceito da mmese, de acordo com a qual a arte no deve mais ser entendida como imitao da natureza, mas sim do belo natural (T 111). Considerando-se que Adorno entende o belo natural como "alegoria de um 'para alm de'"( T 108), a imitao do mesmo pela arte - mesmo que resguardada sua anttese natureza - faz com que ela projete necessariamente uma utopia reconciliatria, a qual - no menos necessariamente - permance apenas ideal (essa idia tornar-se- mais clara adiante). II exatamente o belo natural que nos fornece o elemento de ligao para a esttica hegeliana - prximo polo da tradio cuja abordagem essencial para a formao do pensamento esttico de Adorno. Como se mencionou acima, Kant foi o ltimo filsofo para quem o belo natural era superior ao artstico; Hegel no apenas rejeita tal posio, mas, j nas primeiras linhas de suas Prelees sobre a Esttica, na explicao sobre a adoo do termo "esttica" em contraposio ao seu intuito de fazer uma filosofia da arte, ele chega a excluir o belo natural do escopo das preocupaoes tericas sobre a beleza: Para esse objeto, o nome Esttica decerto no totalmente apropriado, pois "esttica" designa mais exatamente a cincia do sentido, da sensao (...). Pretendemos nos utilizar do nome esttica, porque ele, enquanto mero nome, nos indiferente e, alm disso, desde algum tempo se consagrou tanto na linguagem corrente, que ele pode ser conservado enquanto nome. A expresso propriamente dita para nossa cincia "Filosofia da Arte", e, mais exatamente, "Filosofia da Bela Arte" (...). Atravs dessa expresso exclumos o belo natural. (...) No devemos entender, nesse sentido como arbitrria a limitao da esttica filosofia da arte (...). O mais elevado do esprito e sua beleza artstica diante da natureza no apenas algo relativo, mas o esprito o verdadeiro que abarca tudo em si, de modo que todo belo s verdadeiramente belo enquanto participante desse algo mais elevado e produzido atravs dele. Nesse sentido, o belo natural aparece apenas como um reflexo do belo pertencente ao espritov. Quando Hegel diz no ser arbitrria a excluso do belo natural, ele est se referindo a certas articulaes internas do seu sistema filosfico, segundo o qual a idia (unidade do conceito com a sua realidade), depois de atingir seu absoluto enquanto abstrata, corporifica-se na materialidade da natureza, a qual, por sua vez, passa por um processo de evoluo que vai da matria inerte aos organismos vivos, passando por formaes intermedirias como os sistemas estelares (dotados de movimentos complexos e "harmnicos", sem serem propriamente vivos) (V I, 157-65). Dessa forma, por mais que possamos considerar belos os objetos da natureza, falta-lhes a marca do esprito, uma intencionalidade pela interveno da qual a racionalidade impressa no seu "funcionamento" passe para a forma sensvel, ligando interior e exterior do construto de modo que o fenmeno sensvel seja racionalmente mediatizado: "Por causa dessa imediatidade apenas sensvel, o belo natural vivo no belo para si mesmo, nem a partir de si mesmo e produzido por causa do belo

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  • fenmeno. A beleza natural somente belo para outro, i.e., para ns, para uma conscincia que concebe a beleza" (V I, 167). Isso aponta para a definio lapidar do "belo como aparecer sensvel da idia" (V I, 151), na qual fica patente a conexo interna entre o radicalmente espiritual (a idia) e o imediatamente dado (aparncia sensvel). Tal definio, por sua vez, indica explcitamente o escopo da manifestao da beleza propriamente dita: a obra de arte, consolidada no conceito de ideal, i.e., a idia numa forma determinada (V I, 145). Hegel define, ento, as caractersticas que deve possuir a manifestao esttica para desempenhar a contento a importante funo de mediao por ela assumida, e, de fato, j nas primeiras pginas das Prelees ele vai se posicionar a favor no apenas da "bela arte" (cf. citao supra) mas da arte "autnoma": "O que ns pretendemos considerar a arte livre tanto nos seus objetivos quanto nos meios. Que a arte em geral possa servir tambm a outros fins, e, portanto, ser um mero apndice, isso ela tem afinal em comum com o pensamento" (V I, 20). Contrasta, entretanto, com essa declarao a favor de sua autonomia, a concepo da arte como - essencial e no apenas casualmente - preenchedora de funes bem especficas, tais como a supra-aludida mediao entre a "precria existncia meramente objetiva e a representao simplesmente interior" (V I, 215) e - mais importante ainda - a tarefa de "dar consequncia a altos carecimentos, algumas vezes os mais altos e absolutos, ligando-se s mais universais vises do mundo e a interesses religiosos de povos e pocas inteiros" (V I, 50 cf. 73-75). Isso leva caracterizao de um conceito bastante especfico de "autonomia da arte", bem diferente daquele existente na atualidade: se, por um lado, Hegel desvaloriza a imitao "hiper-realista" do sensvel pela arte (cf. V I, 62-7), por outro, ele jamais abandona uma concepo figurativista do real, determinada por um claro limite imposto imaginao na elaborao da obra: "Disso segue-se tambm que, segundo o aspecto do contedo, a bela arte no possa se entregar em selvagem incontinncia fantasia, pois esses contedos espirituais fixam nela, para seu contedo, determinadas constantes (V I, 28)". Se, por um lado ele declara que no deve haver hiato entre forma e contedo (cf. V I, 105), por outro ele chega a priviligiar explicitamente o contedo: "a arte mais alta aquela que toma para si a tarefa de apresentao do mais alto contedo" (V I, 225). Esses contrastes podem ser entendidas como epifenmenos de uma incongruncia maior: a a colocao da arte no plano do esprito absoluto discrepando de sua inarredvel caracterstica de - ainda que prescindindo da imitao naturalstica - ser definitoriamente presa ao sensvel (dessa conexo depende sua caracterstica de mediao imediata entre o espiritual e o corpreo). Tal discrepncia entre a exigncia da mais alta abstrao para um momento do esprito absoluto e o postulado da figuratividade sensvel leva conhecida tese hegeliana sobre o fim da arte, segundo a qual ela superada por figuras mais espirituais como a religio revelada e a Filosofia. Ainda que a arte factualmente no desaparea - o que certamente o caso -, ela perde sua dominncia, deixando de ter o papel fundamental outrora desempenhado. Ouamos Hegel: Se conferimos, porm arte, por um lado, essa alta colocao, por outro, deve-se lembrar que a arte, nem segundo o contedo nem segundo a forma, a forma mais alta e absoluta de trazer ao esprito seus verdadeiros interesses e conscincia. (...)

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  • O modo peculiar da produo artstica e de suas obras no satisfaz mais nossas mais altas necessidades; estamos para alm do ponto de poder adorar, endeusando, obras de arte e de orarmos diante delas. (...) O pensamento e a reflexo superaram a bela arte. (...) Por isso nossso presente no segundo o seu estado geral favorvel arte. Em todas essas relaes a arte e permanece, segundo o aspecto da mais alta determinao, algo passado para ns (V I, 23-5). Como se pode depreender do trecho acima, o aspecto lgico-sistemtico do fim da arte tem para Hegel consequncias muito claras tanto no tocante sua apreciao - e talvez principalmente - quanto no que concerne sua produo j em incios do sculo passado. Uma vez que, segundo as Prelees, a conexo do contedo da obra com a realidade factual - ainda que "purificada" nos termos do ideal - absolutamente indispensvel, a perda da dominncia da arte deveria encontrar sua contrapartida no mbito histrico - o que, de fato, de acordo com Hegel, acontece. Segundo ele, o prosasmo do mundo moderno d um testemunho a mais sobre a dificuldade atual de se realizar obras de arte dignas do nome, o que consequncia da superao de uma situao histrica que exigia do indivduo verdadeiros atos de herosmo moral, uma vez que a conduta de um modo geral no se achava codificada como hoje: Se o contedo das circunstncias de outro tipo e traz a objetividade enquanto outras determinaes em si do que aquelas que entraram na conscincia do agente, ento o homem atual no toma para si toda a extenso do que ele fez, afastando de si a parte de sua ao que atravs de ignorncia ou m avaliao das circunstncias se tornou ela prpria diferente do que residia na vontade, e assume a responsabilidade somente pelo que ele sabia e realizou conscientemente em virtude desse saber. O carter herico no faz essa diferenciao, mas a ssume a totalidade do seu ato com toda a sua individualidade (V I, 246). Daqui deixa-se encontrar tambm uma razo pela qual as formas artsticas ideais so remetidas idade mtica, principalmente nos mais antigos dias do passado, como melhor solo para sua efetividade [grifos meus/rd] (V I, 248). O que Hegel - erroneamente - considerara uma possvel ausncia de conflito na conscincia comum moderna, teria consequncias imediatas para a confeco das obras de arte, uma vez que aquela suposta pacificao passaria ao contedo dessas tornando-as - de modo semelhante situao idlica (V I, 337) - aborrecidas ao ponto de no mais se poder apreci-las. Portanto, as obras sobreviventes ao "fim da arte" teriam necessariamente um trao de anacronismo por serem obrigadas a se reportar a uma situao histrica que decididamente j no mais a nossa (V I, 359). Por outro lado, se o que Hegel chama de coliso essencial na representao esttica da realidade herica, limites precisos devem ser atribudos ao conflito, sob pena de desagregao definitiva do ideal corporificado na arte: "A coliso destri essa harmonia e coloca o ideal, em si uno, em dissonncia e oposio. (...) At que limite, entretanto, deve a dissonncia ser estimulada, no se deve fixar determinaes gerais, porque cada arte particular segue, nesse sentido, o seu carter peculiar. (...) s artes figurativas, portanto, no permitido tudo que poesia admitido, j que nela algo se deixa aparecer mometaneamente para depois desaparecer" (V I, 268). Esse problema da dissonncia nos fornece uma boa oportunidade de retomar a esttica adorniana, em sua conexo com a tradio filosfica alem - especialmente aqui com

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  • Hegel. De um modo geral, Adorno registra na esttica hegeliana um avano com relao kantiana, particularmente no que tange a duas das principais objees que ele levantara contra essa ltima: a ausncia de um enfoque especfico sobre a obra de arte e o carter problemtico da necessidade e da universalidade reivindicadas por Kant para o juzo de gosto. No que concerne primeira, Adorno lembra que "Hegel e sua poca (...) estabeleceram o conceito de uma arte que no - como era evidente para o filho do dix-huitme - simplesmente 'entretem a vaidade e a alegria social'" (T 101), podendo-se depreender da uma concepo enftica de obra, a qual falta em Kant. No tocante segunda objeo, Adorno chama a ateno para o fato de que a noo central de esprito, na qual as obras se inscrevem, resolve o problema da universalidade e necessidade estticas, explicitando sua caracterstica de devir: "Universalidade e necessidade, que, segundo Kant, prescrevem ao juzo esttico o seu cnone, mas nisso permanecem problemticas, so construveis para Hegel atravs do Esprito - a categoria que nele impera absoluta. O progresso dessa esttica sobre todas as antecessoras evidente (...)"(T 139). Adorno assinala igualmente o avano da filosofia da arte hegeliana em relao esttica formal no que tange determinao da referncia imanente da obra de arte quilo que no ela mesma, ao seu outro, ao extra-esttico em geral (cf. T 18, 512). Segundo ele, correta a explicitao do aspecto conteudstico da arte e do seu processo dialtico, segundo o qual, "na histria da arte visual e da literatura novas camadas do mundo exterior foram continuamente tornadas visveis, descobertas e assimiladas enquanto outras pereceram, perderam seu potencial artstico (...)" (T 219). Entretanto, a esttica hegeliana s pode conseguir isso circunscrevendo-se aos limites de uma esttica de contedo, que termina por fazer concesses mais crassa banalidade: Ao mesmo tempo, a esttica idealista de Hegel, que pensa forma enquanto contedo, regride a uma crueza pr-esttica. Ela confunde o tratamento figurativo ou discursivo das matrias com aquela alteridade constitutiva da arte. Hegel se perde ao mesmo tempo contra sua prpria concepo dialtica de esttica, com consequncias para ele imprevisveis; ele incentivou o traslado filistino da arte em ideologia de dominao (T 18). Sob a pesada acusao inclusa no trecho acima deve-se entender uma crtica a outra incongruncia legvel nas Prelees, a saber, aquela entre a concepo da arte como parte do esprito absoluto - pressupondo-se nela um altssimo grau de "espiritualizao" - e a exigncia de que a arte seja essencialmente compreensvel para um pblico leigo, expressa no trecho: "a obra de arte, porm, e a sua fruio imediata no apenas para conhecedores e letrados, mas para o pblico, e os crticos no precisam ser to pedantes, pois eles pertencem tambm ao mesmo pblico (...)" (V I, 357-8). O aprofundamento da banalizao do fenmeno esttico introduzido pelo advento da indstria cultural - alvo de radical crtica por parte de Adorno - aponta para um outro tpico da filosofia hegeliana da arte, cuja retomada essencial para constituio do pensamento esttico do filsofo frankfurtiano: a questo do fim da artevi. Esse d razo definio hegeliana da arte como "conscincia de necessidades" (V I, ...), no sentido de explicar porque, apesar de todas as circunstncias desfavorveis sua existncia, a arte continua a existir, assinalando, porm, o contraste entre aquela definio e a prpria anteviso do fim da arte:

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  • A esttica hegeliana diferenciou-se, na verdade, daquela meramente formal, porque ela , apesar dos traos harmonsticos, da crena na apario sensvel da idia, (...) associou a arte conscincia de necessidades. Aquele que primeiramente previu um fim para a arte, mencionou o motivo mais acertado para sua persistncia: a prpria persistncia das necessidades, as quais esperam por aquela expresso que as obras de arte, representando os desprovidos de fala, realiza (T, 512 ). De fato, na anteviso hegeliana est implcito um tipo de otimismo sobre o desdobramento do esprito no seio da histria, no bojo do qual as "necessidades" (Nten) se extinguiriam, com a consequente extino da "conscincia" das mesmas - da arte. No momento atual, a "confiana no progresso real na conscincia da liberdade (...) foi amargamente decepcionada" (T, 309) e a questo do fim da arte precisa ser recolocada, observando-se, em primeiro lugar, que a precariedade da existncia humana presente torna ainda imprescindvel a continuidade da arte. Em segundo lugar, que o fim da arte se coloca como possibilidade concreta no mundo atual, no em funo de seu progresso espiritual, mas - ao contrrio - da sua perversidade, da sua metamorfose num "mundo administrado", no qual a racionalidade empobrecida em controle tcnico sobre a natureza e a sociedade se coloca a servio de tudo que mais irracional e desumano. Agentes dessa possibilidade so, segundo Adorno, 1) a indstria cultural, cujos produtos, voltados exclusivamente para o mercado, objetivam tomar o lugar outrora ocupado pela arte, porm sem qualquer resqucio das suas ambiguidades caractersticas (inclusive aquela diante do mercado)vii e 2) o obscurantismo poltico, cujo pice foi atingido com os genocdios realizados pelos regimes totalitrios no sculo XX. Em conexo com esse ltimo aspecto, Adorno lembra que a coero exercida pelo totalitarismo est longe de ser um mero cerceamento extrnseco da liberdade de expresso, mas que a exacerbao do sofrimento acaba por provocar uma espcie de mutismo esttico: "pela extino da arte fala a crescente impossibilidade da apresentao do que histrico. Que no haja qualquer drama satisfatrio sobre o fascismo, no reside na falta de talento, mas o talento se atrofia na insolubilidade da mais urgente tarefa do poeta"viii. Adorno observa que a indstria cultural, por outro lado, impe a seu pblico o consumo de objetos cuja principal caracterstica a indistino da prpria vida imediata, enquanto que o trao definitrio da arte tradicional era a constituio de um mbito especfico, no qual se destacava sua "promesse du bonheur"ix, cujo no cumprimento era to certo quanto estrutural. A isso adicione-se que a conscincia reificada dos consumidores abusa dos construtos estticos no sentido de que eles se tornem um espelho do vazio que se apoderou do seu psiquismo: "Como tabula rasa de projees subjetivas, entretanto, a obra de arte desqualificada. Os polos de sua desartificao so tanto que ela se torna em coisa entre coisas, quanto em veculo da psicologia do observador. O que as obras de arte alienadas no dizem mais, o observador substitui pelo eco standardizado de si prprio, o qual ele extrai delas. Esse mecanismo a indstria cultural pe em movimento e o explora" (T 33)x. A maneira pela qual a arte, enquanto "conscincia de necessidades", continua a existir - em virtude da persistncia das "necessidades" - procura exatamente neutralizar a coero no sentido de se dissolver na "vida" tornando essa dissoluo consciente e programtica, o que se manifesta em todas as tendncias da vanguarda esttica do sculo XX, do cubismo ao happening, do dodecafonismo msica aleatria, da literatura "maldita" poesia concreta.

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  • Nesse sentido, "a desartificao da arte se determina no apenas como grau da sua liquidao, mas tambm como tendncia do seu desenvolvimento" (T 123). Resumindo, o trabalho crtico realizado por Adorno com relao a Hegel lhe favorvel sob muitos aspectos - principalmente aqueles nos quais suas objees a Kant ficaram claramente explicitadas: a no tematizao da obra de arte propriamente dita e a problematicidade da universalidade e necessidade do juzo esttico (cf. supra p. ). No entanto, h um tpico no qual Adorno se coloca ao lado de Kant, contra Hegel, a saber, na tematizao do belo natural, a qual permite no apenas recolocar o tema das relaes homem-natureza num momento de aguda crise ecolgica, mas tambm repensar o prprio estatuto da obra de arte como afigurao (mesmo que no literal) da realidade: "A arte no imita a natureza; tampouco o belo natural singular, mas o belo natural em si. Isso tange, por sobre a aporia do belo natural, a da esttica como um todo. Seu objeto determina-se como indeterminvel, negativo" (T 113). III A determinao, por Hegel, da relao entre o esttico e o extra-esttico - reconhecida por Adorno como uma de suas principais contribuies reflexo filosfica sobre a arte - remete ao contato desse ltimo com um filsofo que, apesar de no ter um pensamento explicitamente voltado para a esttica, influenciou-a decisivamente: Karl Marx. Nesse, a idia hegeliana da arte como "conscincia de necessidades" tornou-se parte integrante de uma crtica da ideologia, segundo a qual "a produo das idias, das representaes, da conscincia antes de tudo imediatamente conexa atividade e ao intercmbio materiais dos homens - linguagem da vida real"xi. Que Marx no mencione explicitamente a arte nesse trecho, onde figuram a seguir "a produo espiritual" em geral e a "linguagem da poltica, das leis, da moral, da religio, da metafsica" em particular, remete a um outro texto seu, escrito onze anos depois, no qual ele se admira do fato da arte dos gregos - pressuposta a vinculao imediata da arte ao seu contexto histrico - conservar um valor esttico usufrudo ainda hoje, pelos filhos de uma sociedade muito mais complexa e desenvolvida: "(...) a dificuldade no se encontra em compreender que a arte e o epos gregos esto atrelados a certas formas sociais de desenvolvimento. A dificuldade que eles ainda nos proporcionam prazer esttico e em certo sentido valem como norma e exemplos inatingveis"xii. Na colocao dessa questo, Marx d um impulso muito maior reflexo esttica do que a explicao por ele encontrada, de que o interesse que a arte grega ainda desperta funo da irreversibilidade do desenvolvimento das formas histricas, o qual nunca mais trar uma sociedade como a grega antiga. A abordagem dessa questo - da resistncia da arte ao atrelamento imediato infraestrutura material da sociedade - inspira Adorno na elaborao de uma das frmulas mais lapidares da Teoria Esttica: a definio da arte como "anttese social da sociedade, impossvel de ser imediatamente dela deduzida" (T 19). Nessa colocao, ao mesmo tempo em que a vinculao da manifestao esttica ao contexto histrico aparece no adjetivo "social" acrescentado a "anttese", fica explicitada nesse ltimo termo a problematicidade da relao, infelizmente ignorada por muitos autores de origem marxista. concepo da arte como "reflexo" da realidade social por eles defendida, Adorno contrape sua idia de que

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  • "os antagonismos irresolvidos da realidade retornam obra de arte como problemas imanentes de sua forma" (T 16), provocando um giro radical no modo mais simples e mais cmodo de pensar as relaes entre o esttico e o extra-esttico: o puro e simples daquele a esse. Esse giro permite entender de que maneira o produto esttico das vanguardas - programaticamente inovadoras no tocante s formas - em todas as artes o que melhor "reflete" a realidade social, sem que haja nele a menor sombra de temtica "engajada" ou mesmo de afigurao explcita daquela. Quando se disse, aqui, que Marx deu importante contribuio ao pensamento esttico de Adorno, sem que tenha escrito uma s obra inteiramente dedicada ao tema, tinha-se em mente que a formulao da arte como "anttese social da sociedade" permite tambm ao filsofo estabelecer um paralelo entre alguns termos empregados por Marx para descrever o desenvolvimento da produo material e o da criao artstica. O mais usado deles o das "foras produtivas estticas" (ou artsticas). Enquanto conceito econmico, "foras produtivas" aparece pela primeira vez na Ideologia Alem, significando o conjunto dos meios tcnicos dos quais uma sociedade dispe para satisfazer os seus carecimentos materiais. Uma vez que novas necessidades - mais mediatas - podem ser criadas pela complexificao da produo oriunda do processo mesmo de satisfao daquelas mais elementares, as foras produtivas entram num contnuo desenvolvimento em interao dialtica com as relaes sociais que lhes servem de suporte, podendo at mesmo romp-las e instaurar uma situao revolucionria (DI 207 ss.). Adorno transpe esse conceito para a criao artstica, observando que as diferentes pocas possuem um standard prprio de domnio sobre o material esttico, e que existe um tipo de desenvolvimento interno desses meios mediatamente estimulado por demandas do plano histrico, social: A pontada que a arte dirige sociedade , por sua parte, algo social: reao contra a presso surda do body social; como o progresso intra-esttico, um progresso das foras produtivas, principalmente da tcnica, irmanado ao progresso das foras produtivas extra-estticas. Por vezes, as foras produtivas estticas desencadeadas representam aquele desencadeamento real, que obstaculizado pelas relaes de produo" (T 56). Que a idia da arte como anttese social da sociedade tenha que atuar como um pressuposto no sentido de evitar que o conceito de fora produtiva esttica (e outros anlogos) seja entendido como um atrelamento imediato da arte sociedade, est explcito no trecho acima pela referncia "pontada" que a arte dirige sociedade, tema que ser retomado adiante. IV Enquanto Marx no escreveu nenhuma obra especfica de esttica ou filosofia da arte, tendo tratado apenas en passant da arte como fenmeno superestrutural e influenciado Adorno tambm onde ele no falou especificamente de arte, h um outro filsofo - no menos importante para o frankfurtiano - que tambm no escreveu livros de esttica, mas por um motivo oposto: porque toda a sua obra est imbuda de esttica. O filsofo em questo Friedrich Nietzsche, cuja centralidade do esttico procurarei caracterizar a seguir.

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  • J na poca do Nascimento da Tragdia, Nietzsche parte da caracterizao dos momentos apolneo e dionisaco - emanao direta de foras vitais da natureza - e da sua insero no drama grego clssico para construir a idia de uma sociedade inteiramente perpassada pelo esttico - veiculado antes de mais nada pelo mito - o qual confere vida uma espcie de justificativa, "pois somente como fenmeno esttico a existncia e o mundo so eternamente legitimados"xiii. Ou, colocado de outra forma, s a arte "pode transmutar aqueles pensamentos nauseantes sobre o horror e o absurdo da existncia em representaes, com as quais torna-se possvel viver: elas so o sublime como domesticao do horror e o cmico como a descarga artstica da nusea do absurdo" (WW I , 49). Como se sabe, a difuso do esttico por toda a sociedade no perodo grego clssico era, para Nietzsche, funo de um mtuo recobrimento entre os momentos apolneo e dionisaco, o qual deixa de existir no momento de decadncia da tragdia e de asceno da racionalidade cientfica e filosfica, cuja figura emblemtica ningum menos que Scrates: Aqui, o pensamento filosfico ultrapassa a arte e obriga-a a entrar num apertado colar-se ao tronco da dialtica. No esquematismo lgico a tendncia apolnea desabrochou (...). Scrates, o heri dialtico no drama platnico, lembra-nos da natureza aparentada do heri euripdico, que atravs de argumento e contra-argumento deve defender sua ao e, com isso, cai frequentemente no perigo de perder nossa compaixo trgica (WW I, 80). Nietzsche v na sociedade europia moderna o corolrio desse processo de "desestetizao" da existncia iniciado j no perodo de decadncia da tragdia grega, no qual o fluxo da vida fica sem um tipo de representao que faa juz ao seu dinamismo, j que a coerncia lgica - principal instrumento do homem cientfico - no da conta do mesmo: "Alm disso, ele sente como uma cultura erigida sobre o princpio da cincia deve submergir quando ela comea a se tornar ilgica, i.e., a fugir de suas consequncias. Nossa cultura revela essa precariedade universal (...)" (WW I, 102). A partir dessa constatao, Nietzsche detecta na arte sua contempornea os sinais de enfraquecimento da cultura como um todo, perdendo essa ltima qualquer vinculao ao fenmeno esttico, o qual, por sua vez, se degrada num produto destinado apreciao filistina: "No h qualquer outro perodo artstico, no qual a chamada cultura (Bildung) e a arte propriamente dita fossem to estranhas e to aversas uma outra, como vemos com nossos prprios olhos no presente"(WW I, 112). Explicitando melhor o que ele quer dizer com isso, Nietzsche parece antecipar em vrias dcadas o que viria a ser a crtica da cultura realizada pela chamada Escola de Frankfurt, da qual participou Adorno: Quando o crtico no teatro e concrto, o jornalista na escola, a imprensa na sociedade, chegaram a dominar, a arte se degenerou num objeto de entretenimento da mais baixa espcie, e a crtica esttica foi usada como cimento de uma sociabilidade ociosa, dispersa, egosta e, alm disso, pobre e sem originalidade (...) (WW I, 124). Por mais que Nietzsche, na sua "Tentativa de uma Autocrtica" - escrita quinze anos depois do Nascimento da Tragdia - tenha renegado a mistura do "grandioso problema grego" com "as coisas mais modernas" (WW I, 16) e escarnecido da idia da arte como

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  • legitimao metafsica do mundo, a centralidade do esttico permaneceu intocada no seu pensamento posterior, marcadamente mais crtico que a obra de 1871. Num dos seus mais conhecidos textos de crtica do conhecimento, Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-moral, Nietzsche combate o antropocentrismo gnosiolgico da espcie humana, lembrando que a universalidade e necessidade das proposies cientficas so uma inveno do prprio homem. A verdadeira "necessidade" da cincia aquela oriunda do instinto de autoconservao, a qual parece ser esquecida - recalcada - to logo se chega ao estabelecimento de proposies gerais sobre as coisas do mundo exterior. Essas coisas, alis, so tambm problematizadas por Nietzsche do seguinte modo: certo estmulo nervoso na espcie humana, depois de milnios de adestramento, passa a indicar imageticamente certo objeto externo, cuja existncia "em si" apenas um "X" (cf.WW III, 317). Na formao de uma palavra, ocorre a adio de outra "metfora" a essa primeira: "Um estmulo nervoso, primeiro transposto numa imagem! Primeira metfora. A imagem posteriormente transformada num som! Segunda metfora" (WW III, 313). Se a palavra no diz respeito apenas um objeto particular, mas pretende designar toda uma "espcie", ela se torna um "conceito", cuja principal caracterstica a abstrao dos traos individuais das coisas por ele definidas. Todo conceito surge atravs da igualao do no-igual. To certo como uma folha nunca totalmente igual a outra, o conceito folha formado atravs do abandono arbitrrio dessas diferenas individuais e desperta, ento, a idia de que existiria algo na natureza, fora das folhas, que seria "a folha", um tipo de forma originria, segundo a qual todas as folhas seriam tecidas, desenhadas, medidas, tingidas, frisadas, pintadas, mas por mos desajeitadas, de modo que nenhum exemplar seria correto e confivel como imagem fiel da forma originria (WW III, 313). a partir dessa desvalorizao do conceito como meio de contato com a realidade, a qual se remete problematicidade da ligao entre o mundo exterior e o intelecto, que Nietzsche erige a dimenso esttica num tipo de "fundamento" dessa ligao, pois entre duas esferas absolutamente diferentes como sujeito e objeto, no h qualquer causalidade, qualquer correo, qualquer expresso, porm no mximo um procedimento esttico, quero dizer, uma transposio alusiva, uma traduo balbuciante numa linguagem totalmente estranha, para a qual precisa-se de qualquer modo de uma esfera e de uma fora intermedirias livremente poetantes e inventivas (WW III, 317). Para explicitar e colocar em termos mais concretos essa relao esttica com o mundo, Nietzsche lana mo - mais uma vez - dos gregos, "esse povo miticamente estimulado" (WW III, 320), que soube transformar a vida numa espcie de sonho diurno, sem que tenha sido nisso ingnuo ou inconsciente. Como exemplo da forma acabada da centralidade do esttico em Nietzsche, podemos nos reportar Genealogia da Moral, obra tardia em que a moralidade ocidental - principalmente crist - tem seus pressupostos dissecados e radicalmente desmascarada enquanto ideologia de dominao. O primeiro momento dessa crtica a contraposio do par bom/ruim ao - normalmente aceito - bom/mau. Segundo Nietzsche, originariamente, os homens superiores, nobres se auto-intitularam "bons" para designar sua fora, destreza fsica, habilidade militar e at mesmo sua honradez e generosidade, reservando o adjetivo

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  • "ruim" aos demais, no possuidores dessas qualidades (WW II, 272 ss.). O surgimento do par bom/mau que acabou por predominar esmagadoramente sobre seu antecessor seria j uma corrupo, uma degenerao do mesmo - uma inverso, segundo a qual o que era o bom - forte, rico, bem nascido, inteligente - passa a ser o mau, e o que era o ruim - fraco, pobre, vulgar, imbecil - passa a ser considerado o bom. Isso se deu, segundo Nietzsche, por um "levante dos escravos na moral" (WW II, 780 cf. Para alm do bem e do Mal, # 195 - WW II, 653) em que os nobres guerreiros foram subrepticiamente suplantados pelos sacerdotes ascticos, os quais se valeram do "rebanho" para a consolidao dos seus objetivos de dominao. Chama a ateno o fato de que, apesar de Nietzsche se valer de preconceitos racistas e antisemitas (cf. WW II,776-9) para denunciar isso que ele considera uma perversa transvalorao, ele o faz tendo em vista - e ansiando por - uma concepo de moral autnoma, cujos valores so dados por seus prprios sujeitos e no reativamente, como na moral convencional (crist), que ele chama de "moral do ressentido" - daquele que, no podendo achar imediatamente em si as qualidades do nobre, procura achar nele todos os defeitos para poder vir a se considerar algum "bom". Digna de nota tambm a minuciosa descrio, por Nietzsche, dos expedientes utilizados pelo sacerdote asctico no sentido de mobilizar o ressentimento dos fracos para dominar sobre os "fortes" (i.e., os bons), cuja meno aqui nos afastaria do objetivo principal - a caracterizao do esttico na sua obra. Ela comea com a sugesto de que os nobres guerreiros, "animais de rapina", representantes da moral dos senhores, so tambm portadores de um tipo de tica que no tem nada a ver com os ideais ascticos, e que, portanto, tem em si algo de esttico: "Poder no levar longamente a srio seus inimigos, seus acidentes, at mesmo suas atrocidades - isso o signo de de naturezas inteiramente fortes, nas quais se encontra um excesso de fora plstica, refigurativa, curativa, e que faz esquecer" (WW II, 784). Essa contraposio entre asctico e esttico leva ao cerne da viso nietzscheana sobre o papel da arte na vida, o que, por sua vez, mostrar uma conexo profunda com a esttica de Adorno. Nietzsche se pergunta se haveria alguma dimenso cuja vontade de verdade fosse realmente sincera, sendo, portanto, antagnica ao ideal asctico com seu carter de mistificao interessada. A menor insinuao da cincia como essa opositora do ideal asctico enfaticamente rejeitada por ele: No! No me venham com a cincia, se procuro o antagonista natural do ideal asctico (...). Sua relao ao ideal asctico ainda no em si inteiramente antagonstica; ela se apresenta no principal at mesmo com fora impulsionadora no seu aperfeioamento. (...) A arte, na qual exatamente a mentira se santifica, a vontade de iluso tem a conscincia leve ao seu lado, est contraposta ao ideal asctico de modo muito mais fundamental que a cincia (WW II 891-2). Outro trecho da Genealogia refora essa oposio, revelando uma conexo at mais literal com a esttica adorniana. Trata-se daquele em que Nietzsche problematiza a universalidade e a "impessoalidade" da concepo kantiana do belo e - principalmente - o desinteresse no juzo de gosto: "Belo ", disse Kant, "o que agrada sem interesse". Sem interesse! Que se compare com essa definio uma outra, que um real "espectador" e artista fez - Stendhal, que uma vez chama o belo

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  • une promesse de bonheur. Aqui, em todo caso, recusado e riscado aquilo somente que Kant no estado esttico destaca: le dsinteressement (WW II, 845-6). Essa definio do belo dada por Stendhal passa a ser uma espcie de lema para todas as concepes filosficas para as quais a esttica uma dimenso central e no apenas o ornamento de uma filosofia depauperada. No apenas Adorno (cf. supra) adota esse lema mas tambm Benjamin e Marcuse, dentre outros. A conexo de Adorno com o pensamento esttico de Nietzsche, a qual certamente no se limita crtica da banlizao filistina da cultura, bem menos literal do que com o dos outros autores aqui tratados - talvez, por isso, mais profunda e visceral. A "promessa de felicidade", por exemplo, ganha uma explicitao que, sem trair o esprito da proposta nietzscheana, confere-lhe uma nova amplitude: A arte no apenas lugar-tenente de uma praxis melhor do que aquela at hoje dominante, mas tambm crtica da praxis enquanto dominao da brutal autoconservao no seio do existente e em favor dele. Ela denuncia a mentira da produo em benefcio de si mesma, opta por um estado da praxis para alm da priso do trabalho. Promesse du bonheur significa mais do que o fato de a praxis at aqui mascarar a felicidade: felicidade estaria acima da praxis (T 26). Interessantemente, Adorno sugere aqui que a promesse no est principialmente contraposta ao dsinteressement, mas que esse pode estar no final de um processo integrado por aquela. No escapou a Adorno que o belo enquanto promesse est ligado arte como aquela "mentira que se santifica" mencionada por Nietzsche: "Arte a promessa de felicidade (Versprechen des Glcks) que quebrada" (T 205). Estruturalmente quebrada, poderamos completar; pois, no seu carter necessrio de representao conscientemente ilusria, ela apenas aponta na direo "de um estado da prxis para alm da priso do trabalho". Mas, para Adorno, isso no de mdo algum desprezvel: na medida em que, no "mundo administrado", a dominao se imiscui em todos os mbitos da vida, no poupando tambm o conhecimento cientfico e filosfico, a arte se mantm parcialmente retirada desse processo, por sua dialtica de atrao e repulso simultneas com relao ao seu exterior. Isso leva Adorno a subscrever a idia nietzscheana de que a arte - e no a cincia - a verdadeira antangonista do ideal asctico, enquanto forma de dominao. Em Adorno, porm, h um complicador: a arte, exatamente para se contrapor dominao, obrigada a se desartificar (cf. supra), tornando-se, por um risco calculado, asctica: "O preto e cinza da nova arte, sua ascese contra a cor negativamente sua apoteose" (T 204). V A ligao do fenmeno esttico s funes vitais mais elementares leva a investigao a outro autor - tambm importante para a formao da esttica adorniana -, cuja preocupao principal no a arte ou a reflexo sobre ela, mas penetrar nos segredos mais recnditos da psique humana: Sigmund Freud. A ele interessa a arte como um fenmeno derivado de complexos mecanismos psquicos, cujo estudo se apresenta como uma oportunidade de aprofundamento nos conhecimentos sobre os mesmos. O principal deles a sublimao, entendida como uma espcie de desvio do alvo - libidinoso - da pulso para outro menos comprometedor:

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  • A observao da vida cotidiana dos homens nos mostra que possvel maioria dirigir parcelas considerveis de suas foras pulsionais sexuais para sua atividade profissional. A pulso sexual se presta particularmente bem a fornecer essa contribuio, porque ela dotada da capacidade de sublimao, i.e., est pronta a cambiar seu alvo mais prximo por outros, eventualmente mais valorizados e no sexuaisxiv. A atividade artstica certamente um alvo preferencial desses escapes da pulso sexual, e o artista acaba por revelar no seu produto aquilo que ele esconde dos outros e de si mesmo: "Ao artista dado por uma generosa natureza trazer expresso suas emoes mais secretas, ocultas at a ele mesmo, atravs das criaes, as quais atingem poderosamente os outros - estranhos ao artista - sem que eles mesmos saibam dizer de onde vem essa comoo" (SKL 132). O lado positivo da avaliao feita por Adorno sobre as idias freudianas acerca da arte se revela na conexo explcita da criao artstica com a vida pulsional dos seus sujeitos, o que apresenta um avano com relao esttica do idealismo, segundo a qual a arte se constitui num domnio absolutamente fechado, sem comunicao com o exterior. Segundo Adorno: A teoria psicanaltica da arte tem a vantagem sobre a idealista, de lanar luz naquilo que, no prprio interior da arte no artstico. Ela ajuda a resgatar a arte do mbito do esprito absoluto. Ao idealismo vulgar, que, com rancor contra o conhecimento do seu entrelaamento com a pulso , gostaria de pr a arte de quarentena numa esfera pretensamente mais elevada, ela se contrape no esprito do esclarecimento (T 20). Entretanto, Adorno critica na teoria psicanaltica da arte exatamente o fato - no estranho aos seus objetivos - de sua nfase recair no aspecto psicolgico do artista: Ela psicologicamente mais rentvel do que esteticamente. Para ela as obras de arte valem essencialmente como projees do inconsciente daqueles que as produzem, e ela esquece as categorias formais sobre a hermenutica da matria, ao mesmo tempo transpe o filistinismo de mdicos sofisticados para o mais inpto objeto, para Leonardo ou Baudelaire" (T 19). Seu descompromisso, portanto, com o que de mais especificamente esttico total, igualando as obras de arte a sonhos diurnos (T 20 cf. SKL 175 ss.) e ignorando a dimenso mais objetiva da obra de arte - sua qualidade enquanto tal. O prprio Freud reconhece os limites da abordagem psicanaltica da obra de arte quando diz: "Mesmo com o talento artstico e a capacidade de desempenho dependendo intimamente da sublimao, devemos confessar que a essncia mesma do desempenho artstico no nos psicanaliticamente acessvel" (SKL 157 cf. 154, 158). De fato, chama a ateno de Adorno a indiferena do psicanalista no tocante qualidade das obrasxv, exemplicando com a histria da pintora que caoou das pssimas gravuras de Viena que enfeitavam o consultrio do psicanalista e teve como resposta um voto de desconfiana do mesmo sobre as razes que a levavam a agred-lo. Em vista disso, configura-se como o problema central da psicanlise da arte, para Adorno, o fato de ela no dar conta do polo negativo da relao entre a obra e a vida pulsional, que se expressa na tenso daquela para com o existente: se o fenmeno esttico trai a existncia

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  • de distrbios psquicos no artista e a psicanlise visa a cura de manifestaes desse tipo, ento para ela, a sade mental coincidiria, no limite, com a inexistncia da arte. Pelo menos daquela negatividade que, segundo Adorno, lhe essencial (T 21). A concluso a que ele chega que, a despeito do progresso com relao esttica idealista - por ele mesmo apontado - a teoria psicanaltica da arte no supera o subjetivismo daquela: Correlativamente fraqueza da kantiana, a teoria freudiana da arte muito mais idealista do que ela pensa. Transpondo as obras de arte puramente para a imanncia psquica, elas so desprovidas da antittica ao no-eu. Esse permanece ileso s pontadas das obras de arte; aquelas se esgotam no desempenho psquico do domnio da renncia pulsional, em ltima anlise na adaptao (T 25). VI A ambiguidade da relao da obra de arte ao que lhe exterior - um dos principais temas da esttica adorniana - leva considerao da influncia de um filsofo que, diferena de todos os outros aqui enfocados, foi amigo pessoal de Adorno, tendo dialogado com ele pessoal e epistolarmente. Trata-se de Walter Benjamin, para quem o esttico possui uma centralidade - pelo menos - to evidente quanto para Nietzsche ou o prprio Adorno. Na impossibilidade de apresentar o pensamento esttico de Benjamin no pouco espao disponvel, adotarei a estratgia de apontar para o que essencial no tocante ao nosso tema, em dois textos: o "Prefcio Gnosiocrtico" da Origem do Drama Barroco Alemoxvi e A Obra de Arte na poca de sua Reprodutibilidade Tcnicaxvii. No Prefcio Gnosiocrtico, a centralidade do esttico encontra-se delineada j na opo explcita pelo tratado como tipo de escrita filosfica na qual o contedo de modo algum se desvincula da forma de apresentao, o que o torna mais apto a perguntar pela verdade e no apenas produzir conhecimento. Mas isso s tem sentido a partir da reabilitao do valor cognitivo das idias, num sentido quase platnico: "Se a apresentao quer se afirmar como mtodo do tratado filosfico propriamente dito, ento ela deve ser apresentao das idias. A verdade se presentifica na roda das idias apresentadas, foge a qualquer projeo - mesmo que bem estruturada - no mbito do conhecimento" (UdT 11). Pois o conhecimento tem a ver fundamentalmente com a posse de certas representaes na conscincia, em ltima anlise, com propriedade - algo totalmente desimportante para a apresentao das idias no sentido da atualizao da verdade. Para Benjamin, essa representa uma unidade imediata no prprio ser, a qual se d contemplao, enquanto o conhecimento seria uma unidade mediatizada por conceitos, advindos da espontaneidade do entendimento (UdT 12). A presena do esttico, at aqui simplesmente insinuada, concretiza-se na referncia ao Banquete de Plato, no qual a verdade, enquanto reino das idias, desenvolvida como o contedo essencial da beleza. E essa relao entre ambas no deve ser entendida apenas como objetivo superior de qualquer ensaio de filosofia da arte, mas indispensvel para a determinao do prprio conceito de verdade. Falando-se mais especificamente, "aquele momento de apresentao na verdade o refgio da beleza em geral", o que leva questo: "A verdade pode ser adequada ao belo? Essa questo a mais interna no 'Banquete'. Plato a responde destinando verdade a tarefa de acolher o ser no belo. Nesse sentido, portanto, ele desenvolve a verdade como o contedo do belo" (UdT 13).

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  • Essa verdade-beleza que se apresenta como una e singular no mundo das idias, deve ser traduzida, no mbito da existncia humana, em conceitos que se referem s disciplinas particulares, havendo uma especie de disperso, de pulverizao das idias, a qual - tanto quanto possvel - deveria ser evitada pela forma de apresentao. Mas isso no pode se efetivar, porque "as grandes estruturas, que determinam no apenas os sistemas, mas a terminologia filosfica - as mais universais: Lgica, tica e Esttica -, tm, pois, seu significado no apenas como nomes de disciplinas especficas, mas como lembretes de uma estrutura descontnua do mundo das idias" (UdT 15). Os fenmenos existentes no mundo emprico so "salvos" de sua falsidade primordial por sua conexo ao mundo das idias, por interveno dos conceitos. Mas os fenmenos no esto de modo alguma incorporados nas idias: elas so apenas "sua organizao virtual objetiva, sua interpretao objetiva" (UdT 16). Dessa forma, as idias no passam de representaes dos fenmenos, s quais seus elementos, dissolvidos pelos conceitos, tiveram acesso. A "estrutura descontnua do mundo das idias", mencionada acima, explica-se, portanto pelo fato de elas serem "eternas constelaes e sendo captados os elementos como pontos nessas constelaes, os fenmenos so repartidos e salvos ao mesmo tempo" (UdT 17). Nesse quadro, de igual importncia o fato de as idias - no os conceitos - serem a referncia mais geral da linguagem, e, alm disso, estarem na essncia da palavra no seu momento de smbolo, do qual a linguagem emprica j uma forma de corrupo. Por isso, segundo Benjamin, no cerne da teoria da idias seria mais correto apontar Ado do que Plato: "O nomear adamtico est to longe de ser jogo e arbtrio, que exatamente nele o estado paradisaco enquanto tal se confirma, o qual no tem nada a ver com o significado comunicatico das palavras" (UdT 19). Aquela conexo genrica da verdade com a beleza comea a se especificar quando se introduz a identidade das idias aos gneros literrios e artsticos, dentre os quais se destaca o do drama barroco alemo (UdT 20) - tema da obra em questo. Nesse plano mais especfico, destaca-se uma outra proposio sobre a idia: o fato de ela ser "mnada" num sentido semelhante ao atribudo por Leibniz na sua Monadologia. Ouamos Benjamin: A idia mnada. O ser que, com pr e ps-histria, entra nela, fornece na prpria figura ocultamente a figura abreviada e obscurecida do restante mundo das idias, tal como nas Mnadas do "Tratado Metafsico" de 1886 em cada uma delas respectivamente todas as outra esto obscuramente dadas. A idia mnada - nela repousa pr-estabelecida a representao dos fenmenos enquanto sua interpretao objetiva (UdT 30). Esse conceito de mnada aplicado filosofia da arte - vital para Adorno, como se ver em seguida - foi temporariamente deixado de lado por Benjamin, em funo do tratamento do outro tema a ser abordado aqui: o da reprodutibilidade tcnica da obra de arte. Benjamin parte da constatao de que as obras de arte sempre foram reprodutveis - sempre houve meios artesanais para a sua duplicao. O surgimento da fotografia em finais do sculo passado, antes do qual apenas a litografia existia como meio de reproduo de figuras, inaugurou a poca da reprodutiblidade tcnica da obra de arte (KZtR 10). A partir da houve uma subverso total no processo de produo artstica, pois a singularidade de uma obra de arte, diante da qual qualquer reproduo antes seria obrigada a reconhecer sua inferioridade, perde totalmente sua relevncia: torna-se sem sentido falar-se em "original"

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  • no caso da fotografia ou do cinema (certamente no seria o seu negativo ou a primeira cpia feita a partir dele) (KZtR 12) . Benjamin resume esse processo de desvalorizao da singularidade do objeto esttico na perda de sua aura - espcie de distanciamento compulsrio em que a obra de arte convencional lana aquele que a contempla (KZtR 15) - saudando o advento da fotografia e do cinema - construtos essencialmente inaurticos - como a libertao da arte em geral do jugo da tradio: O que na poca da reprodutibilidade tcnica da obra de arte se estiola a sua aura. O processo sintomtico; seu significado ultrapassa o mbito da arte. A tcnica de reproduo, pode-se dizer genericamente, retira o que reproduzido do mbito da tradio. Multiplicando a reproduo, ela pe no lugar de seu acontecer singular um massivo (KZtR 13). Quando Benjamin fala tradio, ele se refere, antes de tudo, ao fundamento religioso da arte do passado, ao fato do seu "valor de culto" ser muito mais pronunciado que o seu "valor de exposio" - quando esse chega a existir -, i.e. ao aprisionamento da arte a um sistema de dominao com base na religio e a superao da tradio significa a "sua fundao numa outra praxis: a saber, sua fundao na poltica" (KZtR 18). Sobretudo em relao ao cinema, Benjamin encontra elementos de uma verdadeira revoluo esttica - a libertao dos sentidos da imanncia da percepo normal, cotidiana - acompanhada de uma situao de potencial subverso poltica - o proletariado vivendo massivamente nas grandes cidades e, ao mesmo tempo, vtima de crescente expoliao. Esses elementos juntam-se numa combinao explosiva: "A massa uma matriz, da qual advm renascido no presente todo comportamento diante de obras de arte. A quantidade tornou-se qualidade: as massas de partivipantes, muito maiores, ocasionou um tipo transformado de participao" (KZtR 39). Benjamin refere-se a uma espcie de desmistificao na percepo esttica, de acordo com a qual a contemplao tradicional - tributria da adorao religiosa - d lugar a uma recepo distrada, desconcentrada (KZtR 40). Essa mudana interpretada como a passagem de um tipo de percepo tica para um outro - ttil - em virtude de o primeiro ter esgotado suas potencialidades esttico-histricas. O cinema, portanto, seria o instrumento ideal para a concretizao dessa mudana - o que no comprometido pelo fato de sua produo se encontrar nas mos do grande capital industrial (KZtR 28). Pois a apropriao da criao filmogrfica pelas foras estticas representantes do proletariado revolucionrio torna-se programtica no sentido de ampliar a revoluo esttica latente no cinema numa subverso poltica capaz de pr fim ao jugo encabeado pela burguesia. Benjamin identifica, portanto, a superao das formas tradicionais de arte com a luta pela emancipao do proletariado e, em especial, contra a modalidade mais nociva de dominao burguesa at ento conhecida: o nazi-fascismo, cuja estratgia inclua a explorao planificada de uma linguagem esttica: "Dessa forma ocorre a estetizao da poltica que o fascismo leva adiante. O Comunismo o responde com a politizao da arte" (KZtR 44). As colocaes de Benjamin so de importncia capital para a esttica adorniana no que se refere tanto Origem do Drama Barroco Alemo, quanto ao texto sobre a reprodutibilidade tcnica da obra de arte. No que tange ao primeiro texto, mesmo diante de muitas possibilidades de abordagem (constelaes, alegoria, etc), destaca-se um conceito que se mostrar estreitamente conexo a uma das questes centrais desta investigao, a relao da manifestao esttica com o que lhe exterior. Trata-se do conceito de mnada -

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  • acima aludido -, o qual passa por uma verdadeira mutao na Teoria Esttica de Adorno. Em Benjamin, a mnada uma idia "platnica" que preside de fora, de um mundo separado, a consolidao de um gnero esttico, cuja relao com sua origem permanece problemtica. Adorno concebe a prpria obra de arte - no mais a sua idia - como mnada, delineando, com isso, uma soluo para o espinhoso problema das relaes dos fenmenos com as idias. Mas permanece a noo central da mnada que, no obstante ser "sem janelas", reflete todo o universo, estabelecendo uma dialtica universal-particular que se revela indispensvel para a correta compreenso da relao da obra de arte com a histria: "No h qualquer determinao do particular numa obra de arte, que no sasse da mnada, segundo sua forma, como um universal" (T 269). Essa dialtica especifica-se na relao da obra (particular) historia (universal), de um modo assim descrito: "Ela mediatizada com a histria real atravs de seu ncleo monadolgico. O contedo das obras de arte pode se chamar de histria. Analisar obras de arte significa tanto quanto se inteirar da histria imanente nelas armazenadas" (T 132). Mas essa equao do contedo das obras com a histria no pode, de modo algum, ser entendida como imediata, pois, se assim fosse, a noo de mnada no poderia ser a ela aplicada. Trata-se, aqui, de um enfoque semelhante ao supra-mencionado (p.10), da "arte como anttese social da sociedade", no qual a imagem da sociedade, enquanto extra-esttico por excelncia, s aparece no interior da obra transmutada numa ressonncia esttica dos seus antagonismos. Em relao a isso, Adorno defende a arte de vanguarda das acusaes de hermetismo e introspeco, apontando para o carter de falsificao que a explicitao literal dos contedos sociais na arte pode ter: Um argumento do Diamat [materialismo dialtico oficial/rd] no carece prima vista de fora de persuao. O ponto de vista da modernidade radical seria o do solipsismo, o de uma mnada, que - limitada - se fecharia intersubjetividade. (...) A infra-estrutura de um sujeito coletivo imediato seria ilusria e condenaria a obra de arte inverdade, porque aquela retiraria dessa a nica possibilidade de experincia que hoje possivel. Se a arte se orienta corretivamente, a partir de uma viso terica, ao seu prprio ser mediada e procura pular fora do seu carter de mnada - visto como aparncia social - , a verdade terica permanece exterior a ela e se torna inverdade (T 384-5). Interessantemente, essa posio assumida por Adorno a partir de uma remodelao do conceito benjaminiano de mnada, fornece-lhe o instrumental para criticar a idia central da Obra de Arte na poca de sua Reprodutibilidade Tcnica, de que os meios tcnicos reprodutveis oferecem o pressuposto de uma revoluo esttica - correlativa da poltica. Para Adorno, o que potencialmente revolucionrio na arte no so os meios de que ela se vale, mas exatamente o seu procedimento monadolgico, que atinge o cerne de sua lei formal: Onde, entretanto, a arte autnoma absorve seriamente os procedimentos industriais, eles lhe permanecem exteriores. A reprodutibilidade massiva no se tornou para ela em lei formal imanente, como a identificao com o agressor faz de bom grado. Mesmo no cinema os momentos industriais e os artstico-artesanais dissociam-se sob a presso econmico social. A industrializao radical da arte, sua adaptao irrestrita ao padro tcnico alcanado colide com aquilo que na arte se recusa incorporao (T 322).

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  • Sem desconhecer a contribuio prestada pelo texto de Benjamin (T 89), Adorno teme que alguns aspectos de sua teoria possam ser distorcidos para fins de legitimao daquilo que se coloca no campo oposto da emancipao do proletariado: a indstria cultural e o seu planificado controle das conscincias: "O veredito sobre a aura passa rpido pela arte qualitativamente moderna, que se distancia da lgica das coisas habituais e cobre, por outro lado, os produtos da cultura de massa, nos quais est enterrado o lucro, e cujo rastro eles portam ainda nos pases chamados socialistas" (T 89-90). Dessa forma, Adorno refora uma das teses principais de sua esttica: a de que a lei formal o princpio bsico de toda manifestao artstica, e que, por conseguinte, sua referncia ao que lhe exterior se d por uma traduo em termos da imanncia daquela lei (esse princpio se aplica igualmente bem ao que aproxima e distancia Adorno de todos os autores aqui tratados). iKANT, Immanuel. Kritik der Urteilskraft. Frankfurt (M), Suhrkamp, 1986. P. A XLVIII. A partir daqui, as referncias a essa obra sero feitas no corpo do texto, designadas por "KdU", seguido do nmero da pgina, tudo entre parnteses. iiP.ex., Kritik der reinen Vernunft, Hamburg, Felix Meiner Verlag, 1976. Analtica Transcendental, B 95 ss.. iiiADORNO, Theodor W.. sthetische Theorie. Frankfurt (M), Suhrkamp, 1986. Designada a partir daqui por "T", seguido do nmero da pgina. ivSCHELLING, F.W.J. System des transcendentalen Idealismus. In: Ausgewhlte Schriften. Frankfurt (M), Suhrkamp, 1988. Vol. I, p.690. vHEGEL, G.W.F. Vorlesungen ber die sthetik I. In: Werke 13. Frankfurt (M), Suhrkamp, 1989. Pp. 13-5. Designado a partir daqui por "V I", seguido do nmero da pgina. viAcompanho aqui a argumentao explicitada no meu texto "Morte da Imortalidade - Adorno e o prognstico hegeliano da morte da arte". In: Duarte, Rodrigo (org.), Morte da Arte, Hoje - Anais, Belo Horizonte, Laboratrio de Esttica da FAFICH-UFMG, 1993. Pp.135-45. viiCf. HORKHEIMER, Max & Theodor Adorno. Dialektik der Aufklrung. Frankfurt (M), 1981, pp. 180-3. viiiADORNO, Theodor W.. Minima Moralia. Frankfurt (M), Suhrkamp, 1987, pp. 187-8. A partir daqui designado por "MM", seguido do nmero da pgina. ixCf. ADORNO, Theodor W.. Dissonanzen. Musik in der verwalteten Welt. Gttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1982, p. 13. V. tb..T 26, 128; MM 155, 300. xCf. ADORNO, Theodor W.. Prismen. Kulturkritik und Gesellschaft. Frankfurt (M), Suhrkamp, 1987, p159. xiMARX, Karl. Die Deutsche Ideologie. In: Ausgewhlte Werke I. Berlin, Dietz Verlag, 1981, p.212. A partir daqui designado por "DI", seguido do nmero da pgina. xiiMARX, Karl. Grundrissse der Kritik der politischen konomie. In: Marx Engels Werke 42. Berlin, Dietz Verlag, 1983, p.45 xiii NIETZSCHE, Friedrich. Werke I. Frankfurt, Berlin e Viena, Verlag Ulstein, 1980, p.40. A partir daqui designado por "WW", seguido do nmero do volume em algarismos romanos e do nmero da pgina em algarismos arbicos. xivFREUD, Sigmund. Schriften zur Kunst und Literatur. Frankfurt (M), Fischer Verlag, 1987, p.104. A partir daqui designado por "SKL" seguido do nmero da pgina. xvFreud chega a declarar sua preferncia por analisar obras de comprovada inferioridade esttica: (...) escolhamos para nossa comparao [entre sonhos diurnos e obras de arte/rd] no exatamente aqueles escritores que sejam apreciados pela crtica como mais elevados, mais os mais despretenciosos narradores de romances, novelas e contos, que, por isso, econtram os leitores e leitoras mais numerosos e vorazes (SKL 176). xviBENJAMIN, Walter. Ursprung des deutschen Trauerspiels. Frankfurt (M), Suhrkamp, 1987. A partir daqui designado por "UdT", seguido do nmero da pgina. xviiBENJAMINA, Walter. Das Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen Reproduzierbarkeit. Frankfurt (M), Suhrkamp, 1986. A partir daqui designado por "KZtR", seguido do nmero da pgina.

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