o sul o caminho do roçado

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DO.GERAL E DO PARTICULAR o Sul: caminho roçado; estratégi reprodução caonesa e tranoção social, de Aânio Gcia Jr., S Pao, Marco ; Brasia; Editora Universidade de Brasia; M-CNPq, 1989. 286p. ros co o "Estudo Comvo volen Regional", · gido pelos professo res Robe rto de Oliveira e David Maybury-Le- wis, e o "Emego e Munça Sio-Eco- DÔmi no Nordeste", cꝏrnado פlo pro· fesr Moir Gracindo Soes Palmeira, o s no Pro de Pós-Gdção Anꜵlogia Sial Muu Nio· l a de fins s <, osas de co ui equic avalia- çOes e di scussOes si stemá�cas, dem nder, durte um longo pzo, nu- ' meros e siavos. Mais do que פla uçDo de textos como A .nação dos ho- e Os clstirws e os direitos, de Lya Sigau, O por do diabo, de José Sérgio ite פs, Te"a trabalho, de o Garcia Jr., e A rrwra v, de B H apen para cir alguns, s imrtância e r afeda פlo fato mesmo de que foram resnveis פla for- mo de פsquiores e פ confa- ção de uma maneira própria de uabalhar e ench análises e press de de- monsaç. O que obva nesses estudos é a recu de uma foa de balho que, talvez r incapacidde de lidar conjun- mente com e fatos, teina ou por úHd, J, v.3, n.6.1Ϟ. p. W·288. Mário Gnszpan ence aque nos famo pítulos in- utórios esquendo-a, m, mais ou menos exn otituiçœs fais qᵫ gᵫm e que a em como , ou r consuir um disc em aparêia deolado d a empiria, que se estrutu r inferêncs. estudos opt cl en- te por uma descção den, que e existir em nção de um roe ico te que ne enconua investido, infodo a produção dos dados, sua ap. rençAo É nes fi0 que inscreve o O S: c. in roçado, livro do profesr Anio Gcia Jr. Trata- de um estudo sério e cuidadoso, que tem como eixo a reflexDo sobre uansformaçs que, nos últimos os, vêm oendo na plantation uadiciol nordesti, em u sistema domin e no próprio espaço ial da regiDo, uansfoaçs estas que têm miaçœs e na constituição de meado de balho indusial no Sul do país dois de seus principais elementos propulres. Na primeira rte do livro, o aulOr p- cura cacterizar relaçœs siais que se· conformam a da plantation, seu sis- tema de dominaçãó uadicional, sua dini- ca e seus limites. O fundamental, aqui, é como esuturou uma situaçao de isola- mento em que os morares, trabalhadores

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  • DO.GERAL E DO PARTICULAR

    o Sul: caminho do roado; estratgias de reproduo camponesa e transformao social,

    de Afrnio Garcia Jr., So Paulo, Marco Zero; Braslia; Editora Universidade de Braslia; MCf-CNPq, 1989. 286p.

    rojelOs como o "Estudo Comparativo "I)esenvolvirnenlO Regional", diri ..

    gido pelos professores Roberto Cardoso de Oliveira e David Maybury-Lewis, e o "Emprego e Mudana Scio-EcoDmica no Nordeste", coordenado pelo pro fessor Moacir Gracindo Soares Palmeira,

    realizados no Programa de Ps-Graduao em Anaopologia Social do Museu Nacio nal a partir de fins dos anos 60, sao amostras de como pesquisas de equipe, com avaliaOes e discussOes sistemcas, podem render, durante um longo prazo, frutos nu

    'merosos e significativos. Mais do que pela produDo de textos como A .nao dos homens e Os clandestirws e os direitos, de Lygia Sigaucl, O vapor do diabo, de Jos Srgio Leite Lopes, Te"a de trabalho, de Afrnio Garcia Jr., e A rrwrado da vida, de Beatriz Heredia, apenas para citar alguns, sua importncia pode ser aferida pelo fato mesmo de que foram responsveis pela formaAo de pesquisadores e pela conforn/ao de uma maneira prpria de uabalhar e encaminhar anlises e processos de demonsttaAo.

    O que se observa nesses estudos a recusa de uma certa forma de uabalho que, talvez por incapacidl!de de lidar conjuntamente com teoria e fatos, termina ou por

    rwlosHindricO$, Rio de Janci.ro, vol.3, n.6.1990. p. W288 .

    Mrio Grynszpan

    encerrar aquela nos famosos captulos introdutrios esquecendo-a, porm, nas mais ou menos extensas reconstituioes fachlais que se seguem e que aparecem como dadas, ou por construir um discurso em aparncia descolado da empiria, que se estrutura por inferncias. Esses estudos optam claramente por uma descrio densa, que s pode existir em funo de um recorte terico pertinente que nela se enconua investido, informando a produo dos dados, sua ap.resentaAo e sua discIIssao.

    neste fila0 que se inscreve o recente O Sul: cam.inho do roado, livro do professor Afrnio Garcia Jr. Trata-se de um estudo srio e cuidadoso, que tem como eixo a reflexDo sobre as uansformaOes que, nos ltimos anos, vm ocorrendo na plantation uadicional nordestina, em seu sistema de dominaDo e no prprio espao social rural da regiDo, uansformaOes estas que tm nas migraoes e na constituio de um mercado de uabalho industrial no Sul do pas dois de seus principais elementos propulsores.

    Na primeira parte do livro, o aulOr procura caracterizar as relaoes sociais que se conformam a partir da plantation, seu sistema de domina uadicional, sua dinmica e seus limites. O fundamental, aqui, como se estruturou uma situaao de isolamento em que os moradores, trabalhadores

  • 216 I!SruDOS IIlsroRlCOS 1990/6

    dos engenhos, ficaram confinados aos limites dos domnios, que acabaram por se confundir com as onteiras de sua prpria vida social, sua residncia e Sllas lroCaS materiais, prticas religiosas e festas. A morada nao significava apenas ulJl vnculo de tmbalho, mas tambm a concessllo de uma residncia e de um pedao de tell8 para plantar. O que se tspeiava, em contmpartida, ela disponibilidade permanente,lealdade e defencia, num jogo de expectativas, obrigaOes e controle, numa rede de depen&ncia personaliUlda em relao ao senfwr, a qual se estendia inclusive para os demais componentes da unidade domstica do morador, sendo vivida por este como sujeio.

    A partir de um de1erminado momento, porm, comeariaa se operar uma tmnsformao nas condiOes de produo deste sis1ema de dominao, conduzindo a uma perda da eficcia de estmtgias tmdicionais e a uma disposiO para investir em novas pniticas. Para entender estas mudanas, segundo o autor, seria necesclrio atentar para trs processos 'hsicos, o primeiro deles a diferenciao observada no interior do prprio grupo dominante e.que se expressaria a partir da oposio entre usinas e engenhos.

    J no final do sculo XIX, o deslocamento do acar brasileiro de seus principais mercados consumidores externos geraria uma crise que teria, como uma de Sllas caractersticas, a queda do poder de compra dos senfwres. Para estes, duas opOes se apresentariam: ou a modemiVlo de sua produo abaVs da construo de usinas ou a reconversllo de suas atividades para o mercado interno.

    O que se observaria a partir dali, em larga medida, seria um crescimento das usinas e uma reorganizao da produo aucareira, afirmando-se o usineiro, na verdade, como um senfwr mais potente do que aqueles que no conseguiam empreender a passagem e que se tomavam fornecedores d e cana, desqualific ando- se

    socialmente. Essa diferenciao, conwdo, como indica o autor, nao se daria como um efeito do livre funcionamento de mecanismos de mercado, mas sim pela interveno do Estado, que, atuando como agente econmico por meio da concesslio de subsdios, ,direcionilria os rumos da tmnsformao, favorecendo determinados setores.

    De fato, estas mudanas, por si, no vieram a afetar a construo e a manuteno da dominao tmdicional, visto que as usinas tambm se utilizaram da morada. Em que pesem s"as caracteristicas mais modernas e mecanizao, portanto, a afirmao da usina no implicou, ao mesmo tempo, o emprego em escala ampliada do trabalho assaIariado, ainda que vrios de seus tmbalhadores pudessem perceber salrios como pagamento. A crtica, alis, associao direta que geralmente feita entre a forma de salrio e tmbalho assalariado um dos pontos fortes do livro.

    crise dos senfwres veio somar-se nos anos 50, justamente, os deslocamentos de pequenos proprierrios e moradores para o Sul, reduzindo O nmero de indivduos submetidos sujeio pela morada. A concorrncia movida pelos industriais do Sul pela rnlio-de-obra, por conseguinte, que iria atingir as bases de poder dos grandes proprierrios, sendo o segundo processo bsico a ser levado em conta.

    O mercado de tmbalho industrial terminaria por constiwir uma altelllativa fora do engenho, uma forma de escapar sujeio, contribuindo para o rompimento das fronteiras sociais da propriedade. Aqui, destar-, te, d i f e r e n a d o que tem s i do tmdicionalmente descrito, a af111ll8o do tmbalhador livre nAo precederia a conformao de um mercado de tmbalho. Pelo contrrio, seria a existncia mesmo deste mercado que confluiria para a quebra da sujeio. Mais ainda, interessante observar, a venda da fora de tmbalho na indstria, no caso estudado, poderi a no necessariamente conduzir transformao

  • RESENHAS 287

    defmitiva dos trabalhadores que se deslocavam em proletrios urbanos, e sim, na med i d a em que lhes oferecia alguma possibilidade de acumulallO, permitir-lhes adquirir terras na volta, afirmando-se como camponeses e evitando uma nova sujeio. O Sul, assim, poderia ser um caminho para a liM,dade, para um pedao de terra, para o roado. E liberdade, por sua vez, poderia significar nao a proletarizaO, mas a reprodullO camponesa,

    Como terceiro processo bsico a ser tomado em conta, esl o aparecimento de organizaOes componesas, tambm nos anos 50, Em sua atuaao, elas MO apenas limitaram os poderes dos glandes proprietrios, contendo o seu arbtrio e permitindo ver aos moradores que os direitos podiam ser encontrados no prprio Norte, e MO obrigatoriamente no Sul, mas tambm mudaram, por isso mesmo, as condies de produao da dominaao tradicional.

    Abria-se naquele momento, em funo da mobilizao e da afmnao do campesinato como um ator poltico, um novo quadro jurdico e institucional em que moradores, bllscando a aplicaao das leis, podiam modificar seus nveis de vida e obter ou estabilizar vantagens materiais. Isso, certo, veio acelerar as transformaes do sistema de dominaao, tornando perigosas para os grandes proprietrios as condies que antes a favoreciam. Muitos senhores em declnio, obrigados a pagar indenizaes na Justia, acabaram tendo de faz-lo em terras, dissolvendo seu patrimnio e permitindo a seus moradores a passagem de sujeito a liberto. Aimobilizaodos trabalhadores nos domnios, diante disso, passava a nao mais ser um princpio unificador das estratgias dos senhores.

    Se, contudo, as estratgias de dominao tradicionais perderam sua efic4cia neste contexto, que novas estratgias pasS31am a ser empreendidas pelos grandes proprietrios e como se operou a reconversllo de suas prticas? Por oulrO lado. Que efiros

    tiveram tais movimentos sobre as vises e as p'rticas dos demais agentes sociais? Tais slIO questOes que constituem o fio condutor da segunda parte do livro.

    A partir desse poDlD, o trabalho vai ganhando ainda maior densidade. Dialogando com uma longa linha de reflexo sobre economia e sociologia rurais que passa por Kautsky e Chayanov, indo at Galeski e Tepicht, e escorando-se em dados qualitativos e quantitativos, o autor empreende uma minuciosa reconstituio das estratgias de reconverso dos diferentes agentes, e dos clculos especficos que as informam, bem como de sllas distintas trajetrias sociais, quer sejam ascendentes, quer descendentes,

    A influncia mais forte aqui , sem dvida, a do pensamento do socilogo francs Pierre Bourdieu. Ela esl presente nllO apenas nos conceitos que so utilizados -como o de reconversllo, que central-, mas na prpria complexidade da anlise, na forma como construda e detalhada.

    O campo pensado no trabalho, ao mesmo tempo como um espao social concorrente, que no se esgota em si mesmo, o que implica pens-lo igualmente como um espao em devir. Os passos e estratgias de cada agente ou grupo e suas possibilidades de sucesso, assim, dependerl!o dos capitais e recursos especficos de que disponham e da viso do espao que, da posil\O social que ocupam, slIO capares de ter, bem como dos passos e estratgias dQs demais agentes. Desta perspectiva, por conseguinte, a anlise deve, necessariamente, encaminhar-se de forma relaciortal, atentando para a rede como um todo e MO para agentes isolados.

    Assim conduzido, O estudo exorciza qualquer teleologia ou determinismo nico, absoluto, dos processos sociais e histricos, deixando de v-los como inexorveis, naturais ou lineeocs. ESWlIo eles na dependncia, isto sim, da forma como, a cada momento, se resolverl!o os conflitos e disDura,. conflito< e.res que so nllO apenas

  • 21. ESlUOOS HISTRICOS 1990/6

    materiais mas tambm, importante ressaltar, simblicos. A expressa0 "8 cada momento" - nllo demais destacar -, igualmente, nlIo se constitui aqui em mero recurso literrio, sendo levada na mais ampla considerao. Armai, tomada 8 srio a idia de um espao em transfonnao, ser preciso ver que sua estrutura nlIo se mantm inalterada, que as posies ocupadas no slIo conquistas definitivas e que as trajetrias nlIo slIo, obrigatoriamente, unidirecio-

    nalS. Adotando tal perspectiva, o autor con

    segue prodllzir uma anlise bastante rica e inovadora. Escapando aos caminhos convencionais, ele pode nao apenas extrair conclusOes diferentes e relevantes, mas tambm observar aqueles mesmos caminhos por um prisma distinto, "desnaturalizndo-os" e tomando relativos pontos de vista e formulaes de h muito firmados e aceitos.

    Embora gozando de grande prestgio, o antroplogo pode, por vezes, ocupar uma posio incmoda no campo intelectual. Seus trabalhos, no raro, slIo julgados como interessantes estudos de caso mas que, por sua tica reduzida, lm restritas as suas possibilidades de conuibuio terica.

    Se tal avaliao indica a necessidade, de fato, de uma reflexao aprofundada sobre o carter e o lugar do terico nas cincias sociais, ela importa, igualmente, dissociar teoria e caso, como se pensadores como Marx, Weber e Durkheim tivessem produzido sllas formulaes a partir do nada. Na verdade, seria quase possvel perceber um ceno elemento de espacial idade permeando esse tipo de visllo. E como se a relevncia cientfica estivesse na razao direta da amplitude espacial do objeto. Desta forma, falar de um bairro seria menos importante

    do que falar de uma cidade, um estado, um pas e assim por diante.

    Percebe-se mesmo, acoplado a isso, um trao de regionalizallo do saber, como se a hierarquia da legitimidade do conhecimento se confundisse com a do campo cienfico, com o estado atual das relaOes de fora em seu interior, ou mesmo com a configu callo presente do espao social. Por este processo que, sem necessariamente nos darmos conta, casos particulares slIo alados categoria de gerais, permitindo-nos, asim, muitas vezes, falar sobre o Brasil quando nossa nica referncia , por exemplo, a cidade do Rio de Janeiro. Da mesma maneira, digamos, cremos estar produzindo um discurso acerca do empresariado nacional lanando mllo apenas de dados relativos a alguns setores do empresariado paulista.

    Livros como o do professor Afrnio Garcia J r. nos mostram que trabalhos que se assumem como esrudos de caso, mesmo centrados sobre dois municpios paraibanos, como Remgio e Areia, podem se revelar de grande importncia, trazendo relevantes contribuiOes.e constituinpo contraponto para outras anlises. Alm disso, permiteni testar, refletir ou mesmo tornar relativos modelos e conceitos que, empregados de maneira acrtica, lintitam mais do que ampliam o conhecimento, levando pesquisadores a se digladiarem num crculo vicioso infindvel. Deixam-nos perceber, finalmente, que algumas de nossaS" teorias ou modelos podem representar, na verdade, a imposiO, como .gerais, de casos que sao particulares.

    Mrio Grynszpan pesquisador do Cpdoc/FVG e professor do Departamento de Hislriada UFF.