o sensÍvel e a razÃo: relato de uma prática pedagógica

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ENCONTROS – ANO 12 – Número 22 – 1º semestre de 2014 DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO COLÉGIO PEDRO II – RIO DE JANEIRO 98 O SENSÍVEL E A RAZÃO: relato de uma prática pedagógica transdisciplinar Jacqueline Vasconcellos 1 Lourdes Ferreira 2 Marcelo Pangaio 3 Resumo: Este trabalho descreve uma proposta pedagógica na qual as disciplinas de Artes Visuais e de Desenho Geométrico procuraram aliar a sensibilidade estética aos recursos técnicos e tecnológicos na criação de trabalhos plásticos. A prática educativa envolveu o estudo das estéticas barroca e modernista brasileiras, bem como a análise da influência da cultura portuguesa e do grafismo do arquiteto Athos Bulcão na azulejaria brasileira. Palavras-chave: Transdisciplinaridade, Arte, Técnica e Tecnologia, Azulejaria. Abstract: This paper describes a pedagogical proposal in which the disciplines of Visual Arts and Geometric Drafting sought to combine the aesthetic sensibility to technical and technological resources in creating plastic works. The educational practice involved the study of Baroque and Modernist aesthetics in Brazil, as well as the analysis of the influence of portuguese culture and the design of the architect Athos Bulcão in brazilian tiling. Keywords: Transdisciplinarity, Art, Technique and Technology, Tiling. 1 Professora de Artes Visuais do Colégio Pedro II – Campus Humaitá II. Mestre em Ensino de Ciências da Saúde e do Meio Ambiente. Especialista em Socioterapia (FAHUPE). Licenciada em Educação Artística (BENNETT) e Psicologia (UFRJ). 2 Professora de Desenho do Colégio Pedro II - Campus Humaitá II. Mestre em Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente, com ênfase em Meio Ambiente (UNIPLI). Especialista em Docência Superior (FABES). Licenciada em Educação Artística (BENNETT). 3 Professor de Desenho do Colégio Pedro II – Campus Humaitá II. Licenciado em Educação Artística com habilitação em Desenho (UFRJ).

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ENCONTROS – ANO 12 – Número 22 – 1º semestre de 2014

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO COLÉGIO PEDRO II – RIO DE JANEIRO

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O SENSÍVEL E A RAZÃO:

relato de uma prática pedagógica transdisciplinar

Jacqueline Vasconcellos1 Lourdes Ferreira2 Marcelo Pangaio3

Resumo: Este trabalho descreve uma proposta pedagógica na qual as disciplinas de Artes Visuais e de Desenho Geométrico procuraram aliar a sensibilidade estética aos recursos técnicos e tecnológicos na criação de

trabalhos plásticos. A prática educativa envolveu o estudo das estéticas barroca e modernista brasileiras, bem como a análise da influência da

cultura portuguesa e do grafismo do arquiteto Athos Bulcão na azulejaria brasileira.

Palavras-chave: Transdisciplinaridade, Arte, Técnica e Tecnologia, Azulejaria.

Abstract: This paper describes a pedagogical proposal in which the

disciplines of Visual Arts and Geometric Drafting sought to combine the aesthetic sensibility to technical and technological resources in creating

plastic works. The educational practice involved the study of Baroque and Modernist aesthetics in Brazil, as well as the analysis of the influence of portuguese culture and the design of the architect Athos Bulcão in

brazilian tiling.

Keywords: Transdisciplinarity, Art, Technique and Technology, Tiling.

1 Professora de Artes Visuais do Colégio Pedro II – Campus Humaitá II. Mestre em Ensino

de Ciências da Saúde e do Meio Ambiente. Especialista em Socioterapia (FAHUPE).

Licenciada em Educação Artística (BENNETT) e Psicologia (UFRJ). 2 Professora de Desenho do Colégio Pedro II - Campus Humaitá II. Mestre em Ensino de

Ciências da Saúde e do Ambiente, com ênfase em Meio Ambiente (UNIPLI). Especialista

em Docência Superior (FABES). Licenciada em Educação Artística (BENNETT). 3 Professor de Desenho do Colégio Pedro II – Campus Humaitá II. Licenciado em

Educação Artística com habilitação em Desenho (UFRJ).

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I. O conhecimento como construção transdisciplinar

O paradigma tradicional de um conhecimento multifacetado, onde

não há trocas e nem a procura de soluções para problemas comuns, onde

as fronteiras são rígidas e hierárquicas, precisa ser transformado em um

novo modelo, no qual haja a integração entre os saberes, resultando em

uma prática educativa transdisciplinar. Desse modo, o conhecimento a

ser produzido no espaço pedagógico deve ser fruto da busca do sentido

da vida através das relações entre os diversos olhares, em uma

democracia cognitiva onde os limites entre as disciplinas se tornem

fluidos e permeáveis.

O caráter transdisciplinar do processo pedagógico evidencia um

novo modo de ver o mundo, de repensar o ato de ensinar e de aprender.

De acordo com Morin (2000, p. 15):

na escola primária nos ensinam a isolar os objetos (de seu meio ambiente), a separar as disciplinas (em vez de reconhecer suas correlações), a dissociar os problemas, em vez de reunir e integrar. Obrigam-nos a reduzir o complexo ao simples, isto é, ao separar o que está ligado; a decompor, e não a recompor; a eliminar tudo o que causa desordens ou contradições em nosso entendimento.

Como a abrangência do que se entende por leitura ultrapassa as

fronteiras das disciplinas, mediar o desenvolvimento de uma

alfabetização que vá para além das palavras é a base de uma metodologia

transdisciplinar na qual professores e alunos vão descobrindo e inferindo

múltiplos caminhos para a decodificação de mensagens e de seus

processos (FREIRE, 2002).

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A implantação gradual de projetos dessa natureza no contexto

educacional conduz a ações transformadoras, favorecendo a flexibilidade

e o pensamento crítico. Nesse sentido, os esforços para a democratização

do trabalho com imagens na escola não podem ser negligenciados, pois

os benefícios desse saber superam os aspectos unicamente estéticos,

levando os alunos à compreensão da realidade social em que vivem e a

participar ativamente de sua transformação (FREIRE, 1980).

Assim, com o propósito de estabelecer as necessárias pontes entre

as diferentes competências e saberes, já que a realidade não existe

seccionada em disciplinas estanques, foi elaborada uma proposta

pedagógica que visa atender tanto à estrutura do calendário escolar

quanto aos objetivos das disciplinas envolvidas.

II. Azulejaria: arquitetura ou decoração?

Alguns estudiosos afirmam que o termo azulejo deriva do árabe al

zullavcha ou al zulléija (pequena pedra polida ou ladrilho), já outros

afirmam que vem da palavra lazurd, assimilado do persa lachuard (pedra

semipreciosa, de intensa cor azul, também conhecida como lápis-lázuli).

O que se sabe é que o azulejo é uma placa de cerâmica, geralmente pouco

espessa e quadrada, tendo uma das faces revestida por uma substância

vítrea e pintada com motivos decorativos.

Na Península Ibérica, a arte da azulejaria foi trazida pelos mouros

quando da expansão muçulmana. A influência de outras culturas

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promoveu o surgimento do estilo hispano-mourisc4 ou mudéjar, com sua

elaborada técnica e requintados desenhos geométricos (MUSEU DO

AZULEJO, s/data).

Na visita à cidade espanhola de Sevilha, um dos maiores centros

produtores de azulejos, D. Manuel I, rei de Portugal, ficou impressionado

com a exuberância da azulejaria local e, ao retornar ao seu reino, mandou

decorar o Palácio Real ou Palácio Nacional de Sintra com os azulejos

andaluzes, iniciando uma ampla utilização da azulejaria em todo o reino

português.

Em seguida surge uma nova fase, denominada ítalo-flamenga,

originária da união entre o estilo gráfico flamengo e as tendências

renascentistas, cuja minuciosa técnica pictórica resultou em uma

harmoniosa estética sem precedentes na arte da azulejaria portuguesa.

Com o fim da União Ibérica, a nobreza portuguesa desejosa de

reafirmar a identidade nacional, recentemente conquistada, mandou

construir novos palácios revestidos de azulejos importados da região de

Flandres.

4 Disponível em http: www.comunidade.sol.pt Acesso em 14.04.2014.

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A influência flamenga promoveu relevante

renovação temática, com o predomínio dos

conhecidos azul e branco e a figura avulsa5, em

que cada azulejo representava uma cena

autônoma.

Em meados do século XVIII, a rica fase joanina da monarquia

portuguesa, financiada pelo ciclo do ouro no Brasil Colonial, propiciou

um incremento da produção de azulejos em Portugal, por meio da criação

de peças com motivos mitológicos, bucólicos, religiosos ou que

retratavam o cotidiano da corte (REDE AZULEJOS, s/data).

A beleza ornamental do barroco finalmente chega à arte da

azulejaria através da proliferação dos contrates claro-escuro, dos putti

(desnudos meninos angelicais), dos painéis com motivos naturalistas,

das representações com pássaros e golfinhos e das “figuras de convite”

(pessoas da corte posicionadas nas entradas das edificações em um gesto

de boas vindas aos visitantes).

Representação dos putti6 Figura de convite7

5 Disponível em www.cml.pt. Acesso em 14.04.2014 6 Disponível em www.redeazulejo.fl.ul.pt Acesso em 15.04.2014. 7 Disponível em www.olhares.sapo.pt Acesso em 15.04.2014.

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No início do século XX, surgem as representações de cunho

histórico, o uso de formas sinuosas de enorme plasticidade e a exploração

da cor. As novas propostas estéticas buscam integrar o uso dos azulejos

em projetos modernos de arquitetura e urbanismo (MUSEU DO

AZULEJO, s/data).

III. A azulejaria no Brasil Colonial

A variedade formal da azulejaria portuguesa resulta da influência

de diferentes culturas, estimulada, ainda mais, por sua expansão

marítima. Sendo parte dessa expansão territorial, o emprego de azulejos

no Brasil seguiu o esquema da azulejaria tradicional. Os primeiros

registros datam doinício do século XVII quando foram utilizadas peças,

fabricadas na Metrópole, nas ornamentações do Convento de Santo

Amaro de Água-Fria, do Convento dos Franciscanos8 e do Colégio dos

Jesuítas, todos em Olinda, Pernambuco.

8 Detalhe da sacristia. Disponível em www.pt.wikipedia.org/Ficheiro:Convento-de-s-

francisco3-ol.jpg Acesso em 19.04.2014

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Na segunda metade do século XVII, intensifica-se pelo Brasil afora

a construção de inúmeras edificações religiosas e civis – templos,

sobrados, engenhos – sendo raro encontrar uma que fosse desprovida de

azulejos, na maioria com padrões policromáticos e os conhecidos tons de

azul (SIMÕES, 1959). São exemplos desse período os revestimentos da

Capela de Nossa Senhora do Pilar (Recife) e da Igreja do Antigo Convento

de Nossa Senhora dos Anjos (Cabo Frio, RJ); o frontão do altar da Igreja

de Nossa Senhora da Piedade (Recife) e o interior da Igreja de Nossa

Senhora dos Prazeres9 (Recife).

Quando a Corte Portuguesa fugiu para o Brasil, face à invasão

francesa, a produção de azulejos na Metrópole experimentava uma fase

de estagnação.

Por outro lado, a azulejaria no Brasil havia adquirido uma nova aplicação,

não mais se limitando ao interior das edificações, mas sendo utilizada no

revestimento externo das mesmas. Essa vertente utilitária acaba por

influenciar a produção da Metrópole, onde, até então, os azulejos eram

9 Detalhe do interior. Disponível em http: www.wikimapia.org Acesso em 19.04.2014.

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aplicados somente em “vergas de portas e janelas exteriores” (op. cit., p.

15).

É ainda no século XVIII que as casas e os palácios, principalmente

no Rio de Janeiro e no Maranhão, adotam um estilo arquitetônico de

influência francesa mantendo, contudo, o estilo formal da tradicional

azulejaria portuguesa.

Foi do Brasil – continuação de Portugal – que veio para a

velha metrópole a nova “moda” do azulejo de fachada (...)

que encheu o norte do país de chalés e vivendas, com seu

ar exótico e equatorial (...), de imóveis imponentes a dar ao

Porto, principalmente, essa continuação de “ar de família”

que notamos tão exuberantemente desde o Pará ao Rio de

Janeiro (SIMÕES, 1959, p. 18).

Casario de Palacete Pinho

10 11 12

IV. Athos Bulcão e a tradição da azulejaria barroca portuguesa

Athos Bulcão nasceu no Rio de Janeiro em 1918 e passou sua

infância na residência de Teresópolis. Como a família mantinha interesse

10 Foto da autora Professora Lourdes Ferreira. 11 Disponível em www.skyscrapercity.com Acesso em 19.04.2014. 12 Disponível em www.azulejosantigos.blogspot.com Acesso em 20.04.2014.

Casario do São Luis, Maranhão

Palacete Pinho Belém, Pará

Igreja N.S. do Desterro Rio de Janeiro, RJ

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pela Arte em geral, Bulcão frequentou, desde pequeno, teatros,

exposições e espetáculos. Aos quatro anos já ouvia música clássica e

esboçava desenhos.

A utilização de azulejos no revestimento de construções brasileiras

deriva do renascimento do uso de azulejos na modernização das cidades

portuguesas no período pós-guerra. Essa renovação conceitual

influenciou o arquiteto Lucio Costa no projeto do edifício Gustavo

Capanema (RJ), optando o autor pelo revestimento do prédio com

azulejos planejados por Portinari.

Aos 21 anos, Bulcão foi apresentado a Portinari com quem

trabalhou na decoração do mural de azulejos da Igreja de São Francisco

de Assis. A Igreja13 faz parte do Complexo da Pampulha (Belo Horizonte),

obra idealizada por Oscar Niemeyer:

Primeiro edifício moderno tombado pelo

Patrimônio Histórico do Brasil.

A arquitetura de Niemeyer voltou a integrar o azulejo, agora de

Athos Bulcão, naquela que era a sua visão de uma cidade do futuro e que

veio a materializar-se na nova capital, Brasília.

13 Disponível em www.fundathos.org.br Acesso em 18.04.2014.

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Bulcão potencializa a arquitetura dentro desse projeto trabalhando

as peculiaridades oferecidas pelo espaço projetado e as relações deste

com a paisagem e com a natureza, como a incidência da luminosidade

solar.

Detalhes de revestimentos idealizados por Athos Bulcão.14

Em seus azulejos, com forte influência das linhas curvas e

sinuosas do Barroco português, destacam-se a modulação e o grafismo,

habilmente criados com base em formas geométricas. Sua obra, inscrita

em alguns dos principais edifícios modernos brasileiros, notabiliza-se

pelo equilíbrio encontrado nas relações entre arte e arquitetura, entre

estaticidade e dinamismo, entre a unidade e o conjunto.

A trajetória artística de Athos Bulcão é essencialmente

consagrada ao público em geral. Não ao que frequenta

museus e galerias, mas ao que entra acidentalmente em

contato com sua obra, quando passa para ir ao trabalho,

à escola ou simplesmente passeia pela cidade, impregnada

de sua obra, que “realça” o concreto da arquitetura de

Brasília (MUSEU DO AZULEJO, s/data).

Bulcão trabalhou, ainda, como desenhista gráfico ilustrando vários

livros e revistas literárias, além de fazer cenários para peças de teatro

14 Disponível em www.fundathos.org.br Acesso em 18.04.2014

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como Tio Vânia de Tchekov e O Dilema de um médico de Bernard Shaw

(MESQUITA, 2008). O artista faleceu em Brasília, em 21 de julho de 2008,

aos 90 anos.

V. Prática: união entre o sensível e a técnica

Tanto o Desenho quanto a Arte são linguagens que envolvem

estruturas mentais que potencializam o pensamento visual. Segundo

Rodrigues (1999, p.6), “quaisquer que sejam as estratégias e

instrumentos utilizados, o que se deve entender por ‘pensamento visual’

é um potencial de dimensão ampla, ou seja, um leque de capacidades

que atuam conjuntamente.” Dentre as capacidades mencionadas pela

autora, citamos: percepção, análise, síntese, criatividade, visualização de

soluções, avaliação.

Por outro lado, também não podemos esquecer as especificidades

de cada área que, antes de serem obstáculos, são oportunidades de

captar a diversidades de ‘olhares’ e de ampliar as possibilidades de

criação, observando-se, neste caso, os limites impostos pela

estrutura/composição da matéria.

Nas múltiplas formas em que o homem age e onde penetra seu pensamento, nas artes, nas ciências, na tecnologia, ou no cotidiano, em todos os comportamentos produtivos e atuantes do homem, (...) São análogos os princípios ordenadores que regem o fazer e o pensar (...) Embora os conceitos dinâmicos possam ser análogos, o fazer concreto (...) diferencia-se pelas propostas materiais a serem elaboradas em cada campo de trabalho, de acordo com o caráter da matéria (OSTROWER, 2001, p. 31).

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VI. Relato da Prática Educativa

As atividades foram desenvolvidas com seis turmas do 8o Ano do

Ensino Fundamental do Colégio Pedro II – Campus Humaitá II, tendo

cada turma aproximadamente trinta alunos. No primeiro momento os

alunos foram informados do projeto, de suas características

transdisciplinares, das regras e possibilidades de trabalhos.

Nos encontros iniciais das aulas de Artes Visuais, os alunos

analisaram através de imagens o estilo barroco em diferentes momentos

da História da Arte, inclusive comparando a estética europeia com a

brasileira. Em relação a esta última, foram observados os aspectos

formais na arquitetura e na pintura, buscando registrar a presença do

barroco nos períodos colonial e moderno brasileiros.

Paralelamente, nas aulas de Desenho, as turmas assistiram a uma

apresentação sobre o desenvolvimento da azulejaria portuguesa, na qual

foram mostradas imagens que exemplificavam a influência de diferentes

culturas na estética e na fabricação portuguesa.

A criação dos módulos/azulejos teve como inspiração o trabalho do

artista Athos Bulcão, cuja produção mantém estreita relação com os

conteúdos programáticos de Desenho e Artes, tendo em vista o caráter

geométrico de seus azulejos, a presença da influência portuguesa e a

importância de sua produção no campo das artes e da arquitetura

modernista brasileira.

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A trajetória artística de Bulcão foi apresentada às turmas tanto nas

aulas de Arte quanto nas de Desenho, sendo abordados os aspectos

relevantes relacionados às duas áreas. Consideramos ainda que seria

interessante mesclar dois estilos estéticos presentes na azulejaria

brasileira: o Barroco português e o modernismo de Athos Bulcão. Isso se

traduziu pelo uso das cores, limitado ao branco e aos tons de azul (uma

das características dos azulejos portugueses), e pela livre escolha das

formas na criação do módulo/azulejo que serviria de base para as etapas

seguintes do projeto.

A elaboração desse módulo utilizou, inicialmente, o papel (prancha

A4) e o lápis de cor, sendo desenvolvida em dupla, estimulando-se, assim,

a troca e a negociação entre os sujeitos. Nesse momento os alunos

aplicaram os conhecimentos sobre as formas geométricas, conteúdo que

faz parte do curso de Desenho ao longo de todo o 2o ciclo do Ensino

Fundamental. Além disso, os módulos foram feitos em escala reduzida -

igualmente um conteúdo de Desenho - para posterior reprodução nas

aulas de Artes Visuais.

Módulos produzidos pelos alunos Luiz Henrique S. M., Felipe Martinez,

Carolina Tornaghi, Ana Carolina Meireles, Ana Carolina Marques, Igor Totti e

Henrique Costa

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A partir dessa produção, os trabalhos foram levados para as

turmas nas aulas de Artes que, em grupos de quatro alunos, escolhiam

um único módulo para ser reproduzido individualmente, tendo agora

como suporte a tela e utilizando tinta acrílica.

O trabalho nessas aulas teve início com a ampliação em tela das

imagens criadas, processo ao mesmo tempo inverso e complementar ao

desenvolvido em Desenho no que tange as relações de escalas e

proporções. Os grupos passaram a transpor o módulo escolhido para

telas de 20cm x 20cm, construindo e avaliando a cada momento as

relações de tamanho, proporção e encaixe entre as telas já que as

mesmas estariam dispostas de modo a formar um único trabalho

(polípticos).

Após os esboços prontos, os alunos iniciaram a pintura com tinta

acrílica e a criação de escalas tonais para que pudessem trabalhar os

azuis característicos da azulejaria colonial portuguesa.

A experiência em se construir diferentes arranjos com as telas e a

consequente transformação das imagens a partir de suas variadas

combinações permitiu não só a visualização da maleabilidade das formas

e das múltiplas possibilidades de interpretação das imagens, mas ainda

a concretude necessária para a compreensão de análises combinatórias

matemáticas.

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Polípticos produzidos por Ana Luiza Ribeiro, Rebecca Reimol,

Carolina Tornaghi, Camila Costa e Camila Montovani.

A atividade desenvolvida no Laboratório de Informática teve como

objetivos estimular o senso estético, a percepção espacial e a criatividade

dos alunos. Além disso, no processo de criação das composições

estávamos aplicando as transformações pontuais – rotação, translação e

reflexão - conteúdos que fazem parte do programa de Desenho e que são

amplamente utilizados em projetos gráficos. A atividade consistiu na

produção de dois ‘arranjos’ distintos utilizando o mesmo módulo/azulejo

projetado pelas duplas no encontro inicial de Desenho.

Como o uso dos recursos computacionais permite a visualização

imediata do resultado final de qualquer produção artística, os alunos

puderam comparar/modificar seus desenhos em busca da melhor

solução gráfica, exercitando, desse modo, a percepção, flexibilização e a

análise crítica.

Ana Carolina Meirelles e Ana Carolina Marques

Felipe Holst e Gabriel Ruas

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VI. Considerações Finais

Neste projeto procuramos superar os obstáculos/limites impostos

pela estrutura educacional brasileira através de um trabalho

compartilhado, no qual o diálogo e a busca de pontos comuns às duas

disciplinas serviram de bases para o desenvolvimento das atividades.

A presença cada vez maior das representações visuais em nossa

sociedade determina a importância que deve ser dada ao desenvolvimento

de atividades educacionais capazes de dinamizar a capacidade dos

alunos de se expressarem graficamente. Neste aspecto, o Desenho -

enquanto recurso técnico - e a Arte - como expressão do sensível - se

tornam valiosos aliados, já que seus objetivos se relacionam com as

capacidades que atuam no processo criativo.

Há, ainda, outro aspecto a ser mencionado: a crescente presença

dos recursos tecnológicos na atual sociedade. Os jovens de hoje são

estimulados a todo o momento pelas redes de comunicação e informação,

pelos programas multimídias, pelos jogos eletrônicos e pela propaganda,

exigindo deles uma nova maneira de raciocinar, aguçando-lhes a

imaginação e a percepção. A incorporação do som e do movimento às

linguagens visuais transformou a maneira pela qual nos relacionamos

com o mundo real e o mundo das ideias (MENDONÇA, 2001).

Assim, devemos considerar que esses recursos, que tanto

encantam os jovens fora da escola, podem contribuir para que as

atividades pedagógicas se tornem mais atraentes e estimulantes.

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Ademais, as tecnologias digitais dinamizam os ambientes de

aprendizagem, uma vez que possibilitam obter, armazenar e interagir

com diversas formas de expressão.

Acreditamos que esta proposta não se encerra aqui, uma vez que o

papel do professor, como mediador do processo educativo, se explicita

através de leituras inovadoras de conteúdos pré-estabelecidos e

cristalizados nas diversas áreas do saber, objetivando ampliar a formação

dos jovens do século XXI.

Referências

Obras e Artigos

FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1980.

FREIRE, P., MACEDO, D. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

MENDONÇA, A. C. As redes de significados como um novo paradigma na educação. Revista Brasileira de Tecnologia, vol. 30, p. 152-153, Jan/Jun. Rio de Janeiro, 2001.

MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

OSTROWER, F. Criatividade e Processos de Criação. 15a edição. Petrópolis: Vozes, 2001.

RODRIGUES, M. H. W. L. Da realidade à virtualidade. O “pensamento

visual” como interface: contribuição das linguagens técnicas de representação da forma à Educação. Tese de Doutorado. Faculdade de Comunicação. UFRJ, 1999.

Em meio eletrônico

FUNDAÇÃO ATHOS BULCÃO. Artigos. Disponível em

<www.fundathos.org.br> Acesso em 15.04.2014.

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INSTITUTO CAMÕES. Disponível em: <http://cvc.instituto-

camoes.pt/conhecer/exposicoes-virtuais/a-arte-do-azulejo-em-portugal.html> Acesso em 13.04.2014.

MESQUITA, J. Athos Bulcão – Artista Plástico. Disponível em<www.biografia.inf.br/athos-bulcao-artista-plastico.html> Acesso em 16.05.2014.

MUSEU DO AZULEJO. Cronologia do Azulejo em Portugal. Disponível em<www.museudoalzulejo.pt> Acesso em 14.04.2014.

REDE AZULEJO. Cronologia do azulejo português. Disponível em

http://reazulejo.fl.ul.pt/timeline/timeline-pt.html Acesso em 13.04.2014.

SIMÕES, J. M. S. Azulejaria no Brasil. Comunicação destinada ao colóquio de estudos luso-brasileiros na Bahia, 1959. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, no 14. Rio de Janeiro: MEC,

1959. Disponível em <www.iphan.gov.br/baixaFcdAnexo.do?id=3190> Acesso em 18.04.2014.

* * *

Recebido em 30/05/2014 Aprovado em 30/06/2014