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Considerar o corpo sensível do paciente foi o que levou Ivanise Fontes, psicanalista e doutora em Psicanálise pela Universidade Paris 7 – Denis Diderot, a pesquisar sobre a existência de uma memória corporal. A autora dividiu a obra em quatro partes. A primeira trata dos fundamentos teóricos; a segunda expõe a noção do corpo na origem do psiquismo; o relato de casos clínicos da autora sob a ótica da Psicanálise do Sensível compõe a terceira e a quarta parte apresenta uma síntese das obras dos psicanalistas P. Fédida e J. Kristeva, autores consagrados nesse segmento. O livro reúne os resultados de um trabalho inédito no Brasil e que agora é publicado em língua portuguesa.

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Apresentação

Com o títuloPsicanálise do Sensível – fundamentos e clínica,

apresentoestacoletâneadeartigosque tema intençãodeumresgatedasensorialidade na teoria e técnica analíticas. Originalmente esses artigosforam publicados em revistas especializadas em Psicanálise, no Rio deJaneiroeSãoPaulo,noperíodode2000a2008.

Considerar o corpo sensível do paciente levou-me a investigar aexistênciadeumamemóriacorporal.EmMemóriacorporaletransferência ,livro anterior publicado em 2002, formulei a hipótese defendida em tesede doutorado na Universidade Paris 7: as impressões sensoriais damaistenra infância podem ser despertadas, no curso de uma análise, pelofenômenodatransferência.

Sejam somatizantes, casos-limite ou personalidades aditivas, essaspatologias consideradas “modernas” apresentam como denominadorcomum di iculdades quanto à representação psíquica. Em função disso aPsicanáliseprecisou interrogarsobreopercursoquevaidoegocorporal,como Freud o chamou, ao ego psíquico. Esse território do pré-representacional ou transverbal é ainda pouco explorado – daí aimportância, ameuver, deumestudo aprofundado sobre a dimensãodocorponaconstituiçãodopsiquismo.

É muito reconfortante identi icar autores contemporâneos,psicanalistascomobrasreconhecidas,voltadosparaaquestãodocorponagênese da vida psíquica. Muitos deles atribuem à sensorialidade, ou ao“período sensível” dos tempos precoces, a condição de fundamento doafetoedopensamento.

São eles: D. Anzieu, G. Haag, F. Tustin, J. Kristeva, P. Fédida, W.Winnicott entre outros. Ingleses e franceses, pensando, cada um a suamaneira, o lugar do sensorial na Psicanálise. Estando, portanto, em boacompanhia e tendo nesses autores referências de base, rea irmo nestaatualobrameuinteressepelacompreensãodoarcaico,doselementospré-ousemrepresentação.

Olivroestádivididoemquatropartes:

A.PsicanálisedoSensível–FundamentosB.OCorponaOrigemdoPsiquismo

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C.ATransferência–CasosClínicosD.Sobreosautores:P.FédidaeJ.Kristeva

No primeiro tema três artigos tratam da fundamentação teórica.

Inicialmente,parasituaroleitorsobreopontodepartidadaPsicanálisedosensível, há um resumo das ideias da tese da autora. O segundo artigopretende apontar novos elementos para a noção de transferência,considerando-acomoumaregressãoalucinatória.Umterceirotextoutilizao formato de um tríptico (obra de artes plásticas composta por trêspainéis), visando uma re lexão sobre o corpo mascarado e o temposensível.

Parafalardocorponaorigemdopsiquismo,aspostulaçõesdeduasautoras, F. Tustin e G. Haag, foram escolhidas por suas descobertas naclínica do autismo e na observação de bebês. Seus estudos sobre aformaçãodoegocorporalsãoextremamentepertinentes.

Sintetizandoainvestigaçãosobreosregistrossensoriaisprecoces,oartigoA Ternura Tátil revela a pesquisa de pós-doutorado da autora noLaboratóriodePsicopatologiaFundamentaldaPUC-SP.

Destaco aqui a terceira parte com o relato de casos clínicosconvidandoo leitoraacompanharaclínicadaPsicanálisedosensível.Sãotrêsosartigosqueconstituemessatemática.NoCasoR,noprimeirotexto,temos a descrição do trabalho analítico de construção de uma pelepsíquica. No segundo, sobre as adições, duas pacientes mulheres, comsintomasdeobesidadeealcoolismo,sãoanalisadassobopontodevistadoautismo como paradigma. Algumas telas do pintor F. Bacon contribuemparaidenti icarasangústiasemquestão.Noúltimo,ocasodeumpacientehomem em depressão propicia uma re lexão sobre o processo deregressãoemanálise.

Para inalizar, a quarta parte homenageia os psicanalistas J.KristevaeP. Fédida.Mostroa in luênciade suasobras emmeu trabalho.Da primeira, tive a oportunidade de receber supervisão clínica; dosegundo,aorientaçãodetese.Devoaelesa inspiraçãoparaconcretizaroprojetodedoutoramento.

Diante da presente ameaça a nosso espaço psíquico nos temposatuais, faz-se necessária uma retomada da experiência sensível. Ela é apossibilidadedeligarcorpoeafeto,promovendooacessoàrepresentaçãoeàlinguagem.

PensoqueatribuirumadjetivoàPsicanálise,comovenhofazendo–Psicanálisedosensível–,resultanumaredundância.Redundância,porém,

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necessáriapararetomarodiálogointerrompidoentreCorpoePsicanálise.Inicio então estenovo livro citandoD.Anzieu, o grandemestredo

Eu-Pele:

A vida psíquica começa pelos estados ora de sensorialidade ora desexualidade....Asensaçãoéaprovaimediatademinhaexistênciainseparáveldaexistênciadomundo.Elaénoespíritoamanifestaçãoprimeiradevida.Eusinto,entãoeusou.Eusouvivonamedidaemqueeusinto.Daíorecursoeventualaoparaíso arti icial para que eume faça sentir.Daí a busca eventual de dor parame acordar do estado de não ser, de não integração de si, para dar a meuespírito a consciência pela experiência de uma sensação forte (D. Anzieu,1993/2004).

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A–PsicanálisedoSensível–Fundamentos

1-AMEMÓRIACORPORALEATRANSFERÊNCIA

1

Cada indivíduo marca seu corpo segundo as impressões de sua

infânciaprecoce.Essasexperiênciasvividasnãopodemserrememoradaspela linguagem, pelo discurso do paciente, porque elas foram impressasnumregistrosensorial.Ointeressesuscitadoporessetematornou-seumatesededoutoradonaUniversidadeParis7querealizei soborientaçãodoProf.PierreFédidacomotítuloAMemóriacorporaleaTransferência.2

Essa pesquisa partiu de uma necessidade de repensar a técnicapsicanalítica. No trabalho analítico com pacientes somatizantes podemosreconhecer que as manifestações corporais colocam em evidência ocon lito, e é por meio delas (sintomas, gestos, posturas...) que asassociações podiam ser feitas, damesma forma que utilizamos o jogo naanálise da criança. A partir daí a investigação ampliou-se a outrasestruturas psíquicas, e a existência de uma memória sensorial seguiusendootema.

Aproblemáticaseinscrevenumeixodoutrinalquesupõequeumamemóriacorporal, constituídade fragmentosde impressõessensoriaisdatenra infância, é despertada no curso de uma análise pelaregressãoalucinatória da transferência . Dois autores foram escolhidos comofundamentais: S. Freud e S. Ferenczi. Nesta comunicação foramselecionadas algumas citações que mostram o interesse do inventor daPsicanáliseede“seuvizirsecreto”peloassunto.

Segundo Ferenczi, “nos momentos em que o psiquismo falha, oorganismo começa a pensar”. 3 Em realidade o corpo já estava lá onde ahistória se fazia.O corpoé testemunhade todasas circunstânciasvividaspelo indivíduo. Ele não esquece e mantém a memória do acontecimento.Ferenczi a irma também que “as sensações desagradáveis continuam avibraremalgumapartedocorpo”.4

Emseuartigosobreaslembrançasencobridoras(1899),Freudnosdiz: “Não se discute o fato de que as experiências dos primeiros anos denossa infância deixaram marcas indeléveis nas profundezas de nossas

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mentes.Entretanto,seprocuramosaveriguaremnossaslembrançasquaisforam destinadas a nos in luenciar até o im da vida, o resultado é: ouabsolutamente nada ou um número relativamente pequeno derecordaçõesisoladas,quesãofrequentementedeimportânciaduvidosaouenigmática”.Eacrescenta:“Oenigmáticoresidenofatodequeestamossobo jugo ou sob o efeito, durante toda a nossa vida, dessas impressõesprecoces.Esse efeito éo infantil queperdura emcada indivíduo.Eoquenosdeixaperplexoséqueessasimpressõesdeinfância,asmaispoderosase soberanas pela vida inteira, não têm necessidade de deixar atrás de siumaimagemmnemônica”.5

Em “O Homem Moisés e a Religião Monoteísta” (1939), Freudretorna à noção de impressões precoces e a irma: “Essas experiênciasinauguraisproduzemfortesimpressõesesãorelativasaocorpopróprioouapercepçõessensoriaisprincipalmentedeordemvisualeauditiva”.6Assimahistóriapessoaléregistrada, logono início,pormeiodassensações,dosmovimentos do corpo, e é somente bem mais tarde que as lembrançasincluirão a linguagem. A ideia de “eindrücke” (impressão) freudiana éutilizada um grande número de vezes na obra inteira. Ela torna-se umconceito essencial por designar a receptividadedodispositivopulsional epsíquicoemrelaçãoaovivido.A impressão,sequeladiretadaexperiênciavivida, é, segundo ele, um elemento fundamental de um processomnemônicoque,aprincípio,nãoéinformativo,esimenergético.

Partindo da a irmação de P. Fédida de que “é pela transferênciaqueseenunciarepetitivamentenopresenteoimpronunciáveldoinfantil”, 7podemospensarquea transferênciaépropíciaaodespertardamemóriacorporal dopaciente.Na relação analítica, entre os fenômenosque fazemaparição, o analisando pode sentir experiências sensoriais já vividas,revelando assim que elas izeram parte de sua história. A história doindivíduoficouemseucorpo.

Ao invés de considerar apenas as associações de ideias, estetrabalhopropõeincluirigualmente,noprocessoanalítico,asassociaçõesdesensações.Trata-se,naverdade,deevidenciarpresençadasensorialidade.Por meio do fenômeno da repetição, característica fundamental desseprocesso, as sequelas de impressões deixadas pelas experiências“originárias”registradasemumamemóriacorporalpoderãoretornar.

A transferência se presta a uma reprodução das sensaçõesanteriormenteexperimentadas.Éalgoquesemanifestabruscamente,pormeiodoaparelhovisual,auditivo,olfativoetc.,quasecomoumaalucinação,oferecendo as condições de um retorno do material inconsciente não

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somente recalcado, mas registrado numa outra ordem – a ordem dosensorial.

A transferência fornece a possibilidade de repetição,mas o que érepetidonessascircunstânciassão fragmentosdesensações,maisdoquerepresentaçõesrecalcadas.

Devemos levar em conta que analista e analisando são remetidosao que Fédida chamaestranheza da transferência ,8 provocada por esses“efeitosespeciais”deumamemóriacorporaldespertada.

É uma sensação corporal inesperada que adentra o espaçoanalítico, indicandoumaexperiência jávivida.Oessencial,nessecaso,nãoestánaevocaçãodaspalavras,decadeiasassociativas,dedeslocamentosecondensações,masnairrupçãodeumasensaçãosimilaraoadventodeumatofalho.

Ferenczi defendia a ideia de uma tendência à regressão tanto navidapsíquicaquantonavidaorgânica.9Aanálisenãochegaanadasemaregressão,segundoele. 10Atransferênciaéo“lugar”privilegiadoparaisso,emrazãodeseuaspectoregressivoalucinatório.

Paraqueasexperiênciasderegressãoalucinatóriase instauremépreciso uma densidade já estável da relação. Somente a partir daí oanalista estará em condições de suportar e metabolizar as expressõesintensas que constituem “o inédito que há na transferência”, 11 comoformulouM.Torok.

Devemosretornar,então,aoqueFerenczichamava“transe” 12paranomear esses momentos em que a dupla analítica se encontra de umamaneiraparticular.DopontodevistadeM.Torok,umademandaindiretaéendereçada ao analista: assumir o papel de “médium” para acolher ascatástrofes ligadas ao trauma. 13 A arte deste “analista-médium” seria desaber convocar, chamar, ressuscitar por todos os meios que suaimaginaçãolhefornece,essesmomentostraumáticos.

Segundo P. Fédida, é graças à força de imaginação analógica emetafórica do analista que o paciente pode tirar proveito terapêutico desuaregressãonotratamento.14

É preciso se deixar levar por essa comunicação não verbal,sensorial, para ter acesso à vida psíquica inconsciente do paciente e,poresse caminho, ter “a sorte eventual de metabolizar a autossensualidadeinominávelemdiscursoconciliável”,15desdeopontodevistadeJ.Kristeva.

Seessamodalidadedecomunicaçãonãoforconsiderada,perde-seapossibilidadedeeficáciadoprocessoanalítico.

Quando uma relação analítica encontra-se num nível primário, ou

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seja, quando a transferência atinge níveismais arcaicos, as palavras nãosão mais possíveis, e as sensações têm lugar. Segundo M. Torok, alinguagem é uma desmaternalização, que sobrevém, portanto,ulteriormente.16

Certos pacientes, ao imporem di iculdades técnicas, exigem que oanalista encontre palavras com mais capacidade sensorial. Elas devemrecuperar sua relação com o corpo para se tornarem representativas.Tentar religar palavras às sensações que originalmente lhe forneceramseusentidoédarcorpoàlinguagem.

Dessa forma as palavras nutrem-se das sensações, não são maisvazias.Nessemomento, então, faz-se a passagemda sensação à ideia.Hálinguagensdessensorializadas,linguagensmortas.Há,porconseguinte,umgrandetrabalhoaserfeitoemanálisepararestituiravitalidadedalíngua.Pacientes narcísicos costumam expressar-se por meio de palavrasdesvitalizadase,notratamento,aofazeressaespéciedereaquecimentodafala,issolhespermiteinvestiropensamento.

AssimestacomunicaçãoaoColóquioN.AbrahameM.Torokvisaautilidade de revalorização do sensível face à algumas patologiascontemporâneas, tendo como denominador comum uma incapacidade derepresentação.

Nesse sentido as ideias de Julia Kristeva em seu livroAs NovasDoenças da Alma17 contribuíram muito à compreensão do lugar dosensorialnateoriaetécnicapsicanalíticasatuais.

Para terminar, retornaremos à Freud em seu texto de 1938, noqualelenosdizque“nãonossurpreendemososu icientecomofenômenodatransferência.Oanalisandoreencarnaremseuanalistaumpersonagemdopassadoémuitoestranho”.18

E esse verbo, reencarnar, envia-nos ao cerne de nosso tema.Reencarnar signi ica fazer-se carne novamente. Do latimincarnare,representar (uma coisa abstrata) sob uma formamaterial e sensível, umcorpocarnal.

Ao constatar que, na transferência, uma reencarnação teve lugarcom toda a conotação de “tornar-se carne”, podemos considerar que a“verdadeira” repetição é a que escapa à representação.Noque concerneàspaixõesprecoces,nãohárepresentaçõespararegistrá-las,sóháocorpoparafazê-lo.

“A lembrança ica impressanocorpoeé somente láquepodeserdespertada”,19comoodiziaS.Ferenczi.

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2-TRANSFERÊNCIA:UMAREGRESSÃOALUCINATÓRIA

1

"É na transferência e pela transferência que se enuncia

repetitivamente no presente o impronunciável do infantil.” 2 Tendo comoponto de partida essa a irmação de Pierre Fédida (1985), pretendoinvestigar o impronunciável, ou melhor, o inominável que se repete natransferência. Essa temática fezpartedapesquisapormimempreendidanoLaboratóriodePsicopatologiaFundamentaldaPUC-SP, cujo título é “Adimensãocorporaldatransferência–evoluçõesdatécnicaanalítica”.

O que consideramos “dimensão corporal” da transferência criacondições de acesso à experiência sensorial precoce do sujeito ereinscreve a atuação do analista. É este aspecto que viso aprofundar,dando continuidade ao trabalho de tese de doutoramento defendido em1998,naUniversidadeParis7,sobre“MemóriaCorporaleTransferência”.

A questão da Memória, do Corpo e da Transferência evoca umconjunto de re lexões que, enraizando-se na clínica, ocupa atualmente ocentro da escuta analítica, e talvez aponte perspectivas para o própriofuturodaPsicanálise.

Natransferência,osurgimentodesensaçõesanteriormentevividasmas ainda não interpretadas pelo indivíduo está sempre latente. Umdetalhe ísico do analista pode, por exemplo, reativar a aparição do quechamamos “memória corporal”. Na maioria dos casos são momentos deumainquietanteestranhezaquesemanifestambruscamente,pormeiodosaparelhos visual, auditivo e olfativo, quase como uma alucinação,oferecendo condições para um retorno do material inconsciente, nãosomente recalcado, mas registrado em outra ordem – a ordem dosensorial.

Na comunicação analista-analisando é necessário então admitir,como parte inerente ao tratamento, uma via sensorial. P. Fédida propõeuma “metapsicologia das modalidades de comunicação nos processostransferenciais”(1986):

Em várias condições o analista vê sua própria atenção se prender aoconteúdo dramático da palavra que lhe é endereçada, e suas intervenções sãofeitasnosentidododeslocamentotransferencial.Mas,emcertosmomentos,essa

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atualizaçãofazdesaparecertodaaassociatividadedequeapalavraseriacapaz,se o vivido foi mantido pelo que ele é, a saber, uma formação alucinatória dodesejo.3

Do mesmomodo que a poesia reenvia-nos a uma experiência de

sensação(ões),pormeiodeumasequênciadepalavrasforadeumalógicadiscursiva, a transferência se presta ao encontro das vicissitudes daexperiência vivida, numa reprodução de sensações anteriormenteexperimentadas.

Faz-senecessárioconsiderarocorposensíveldopaciente–talqualele aparece à escuta do analista – e interrogar que conjuntos dedispositivos analíticos levariam em conta a extraordinária presença docorporal.

Seainterpretaçãodossonhoséumaviapossíveleimportanteparao acesso às impressões precoces, queremos considerar também apossibilidade de observar um retorno das impressões sensíveistraumáticas, não resolvidas, por meio do fenômeno de “regressãoalucinatória”datransferência.

Costumamosreferir-nosà transferênciacomoumenigma.Apartirdo desenvolvimento das ideias aqui apresentadas, talvez possamosaproximar-nosdeumadecifraçãodepartedeseucaráterenigmático.

RegressãoeRepetição

Em suasDeduções Bioanalíticas, Ferenczi defendia a ideia de umatendência à regressão em ação tanto na vida psíquica como na vidaorgânica. Ele acreditava que nos seres vivos existe uma espécie deinconsciente biológico: um modo de funcionamento e uma organizaçãopertencentesafasesdaevoluçãodoindivíduoedaespéciehámuitotempoultrapassados. Ele não agiria somente como ordenador clandestino dosfuncionamentos orgânicos manifestos; também, em certos casosparticulares, ele suplantaria, por suas tendências arcaicas, osfuncionamentos vitais aparentes. Ele cita o exemplo do sono e do coito:nesses dois estados toda a vida psíquica (e em parte também ísica)regride a um modo de existência pré-natal, provavelmente mais antigoigualmentesoboplanofilogenético.

ÉemsuaobraThalassa–psicanálisedasorigensdavidasexualqueanoção de regressão vai ocupar um lugar de destaque: “Sem ela a

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psicanálise não chega a nada”. 4 Seguindo a lei de Haeckel, Ferencziconsidera que: se o analista dispõe de meios para imaginar,analogicamente, o que escuta do paciente, então uma sessão equivale àuma sequência ontogenética que recapitula a infância ilogenética daespécienoindivíduo.

Freud também, com seu ilogenetismo (manuscrito de 1915reencontrado em 1983: “Visão de conjunto das neuroses detransferência”),vianasformasmórbidasmaisseverasoretornoaestadosanteriores,umarestituiçãodaherançaarcaicadahumanidade.

A circunstância da transferência favorece, portanto,extraordinariamente, a instauração das mais re inadas manifestações.Analista e analisando são colocados em uma situação em que osmovimentosregressivospodemterlugar,níveissensoriaisincluídos.

Em seu artigo “A Regressão – formas e deformações”, P. Fédida(1994)reconheceaverdadeirafunçãorestauradoradaregressãoea irmaqueoque limitaousoque fazemoshabitualmentedesseconceitoénosso“psicomor ismo”. Acrescenta: “Ele privaria o analista desta fantasia deformas, de deformações e de transformações que, no entanto, lhe sãosugeridaspelasexpressõesteratológicasdossintomas”.5

Ele acredita que, graças à potência de imaginação analógica emetafórica do analista, o paciente pode extrair recursos terapêuticos desuaregressãonotratamento.

Quando consideramos aprimazia atribuídapor Freud ao corporalcomomemóriadolugarde ixação–tendovistoqueessaéaexpressãodaregressão da libido –, podemos pensar que, no processo analítico, essemovimentoderetornoaumestadodedesenvolvimentoanteriorseproduzpormeiodasmanifestaçõesdocorpo.

Em seu artigo “O Isso em letrasmaiúsculas,” J. -B. Pontalis (1997)reconhece esse aspecto. “Trata-se mais de percepções, de impressõesfrequentemente confusas, do que de signos objetiváveis; e estasimpressõessãocertamentediferentesparacadaanalista.”6

Emaisadiantenomesmotexto:“Não são representações que faltam nesses momentos de

desamparo extremo, nestes tempos de imobilidade psíquica queexperimenta o analista tanto quanto o paciente, pois eles são nessemomento coniventes. Mas elas não se deslocam mais, permanecem nolugar e vêm misturadas, confusas, apenas diferenciadas pertencendo adiversos registros (vista, ouvido, olfato)”. E acrescenta: “A esse mito daalucinaçãoprimordial, aestabuscadequeFreuddenominaa ‘identidade

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de percepção’ de que a identidade de pensamento não é senão umsubstituto,nósnãorenunciamosjamaiscompletamente”.7

É a partir dessa perspectiva que propomos evidenciar o aspectoregressivoalucinatóriodatransferência.

Pormeiodo fenômenoderepetição,característica fundamentaldoprocesso de transferência, as sequelas de impressões deixadas pelaexperiênciadeumtempoprecocepodemretornar.Essematerial “carnal”retorna,evidentemente,buscandoserrepresentado.

Está em jogo a capacidade do analista de interpretar essesenunciados corporais. Face à angústia arcaica do paciente, o analista seencontra numa situação delicada – é o momento em que a memóriacorporalsemanifesta,emlugardalinguagemverbal.Eocorpodoanalistaé implicadonesseprocesso.Pormeiodavivênciacontratransferencialelepode entrar em contato com essas experiências primitivas do paciente.Uma teorizaçãoda contratransferência torna-se indispensável então paradarcontadaverbalizaçãodessasensação.

Seoanalistaencontraseulugarderecepçãosensório-cinestésica,opacientepoderá“comunicar”seussignossensoriaise transmitirvivênciasdeintimidadeedeestranheza.

É nesse sentido que a Pesquisa em Psicanálise deve orientar-se,tratandodeveri icarquenovosprocedimentosoanalistabuscaráacionarpara, comonosdiziaS.Ferenczi,encontrarumacapacidadedeentraremsintoniacomassensibilidadesdopaciente.

P. Fédida sugere uma investigação a respeito da técnica do xamã,por meio da obra de Levi-Strauss, no sentido de re letir sobre agestualidade e a e icácia terapêutica desse tipo de tratamento. A análisedesse tipo de intervenção e suas técnicas curativas de acesso ao sintomadopacientepodemservirdeparadigmaparaotemaemquestão.

Trata-se de saber como o analista pode intervir, como pode darconta das experiências corporais que se encontram presentes natransferência.Apresençadocorporalcolocaoproblemada interpretaçãonaquiloquenãopassapelaregraverbal.

Será que evoluímos em nossa concepção de interpretação – estaque produzimos no tratamento, formada no interior do material desensações que recebemos de nossos pacientes? É esse não verbal,maisbemdesignadocomosensorialousensual,queestáem jogo.Seráque,dealgumaforma,a interpretaçãosedánacapacidadegestual–quepermiteaopacientereceberaspalavrasdoanalistacom,digamos,omaterialqueédesuaprópriaexperiênciatransferencial?

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Aapreensãopeloanalistadaangústiaarcaicacorpori icada,vividapelo paciente, implica a “utilização” de seu próprio corpo. Segundo P.Fédida,oanalistaprecisa“ressoar”acomunicaçãodopaciente,istoé,deveproduzir algum eco em seu próprio corpo, de modo que, por meio davivência contratransferencial, possa entrar também em contato com asexperiênciasprimitivasdopaciente.

Alucinação

Coloca-se em evidência uma reatualização da sensorialidade pelatransferência.O retornode fragmentosde impressões sensoriaisdamaistenra infância – sensações de cheiros, sabores, impressões visuais – éindícioparauma“construçãoemanálise”,assimcomoFreudadenominou.

É justamente no texto “Construções em análise” que Freudmenciona a presença ocasional de verdadeiras alucinações, surgidas nocursodaanálise, certamentenãopsicóticas: “Talvez sejaumcarátermaisgeraldaalucinação,queatéagoranãofoisu icientementevalorizado,quenela retorna alguma coisa de vivido e depois esquecido dos temposprecoces,algumacoisaqueacriançaviuououviunumaépocaemqueelamal sabia falar, e que se impõe nesse momento à consciência,verdadeiramente deformada e deslocada sob o efeito das forças que seopõemaumtalretorno”.8

O retorno do infantil é então convocado para esclarecer osurgimento da alucinação. Daí se tornar importante pensar que atransferência, como o sonho e suamemória do infantil, é de fato o lugarprivilegiadoparaquearegressãoalucinatóriasedê.

Segundo S. Freud, “as experiências inaugurais produzem fortesimpressões e são relativas ao corpo próprio ou às percepções sensoriais,principalmentedeordemvisualeauditiva”.9

Admitimos que a alucinação antecede o pensamento, mas nãopodemos dizer que o pensamento é originariamente alucinatório? Aatividadealucinatóriaconcernede inícioamãe,ocorpodamãe, tornandopossívelaconstituiçãodoautoerotismo.

Se aceitarmos a ideia da transferência como condição de umaretomadadocírculoda formaautoerótica,podemoscertamenteesperaroadvento de regressões alucinatórias durante a análise. Pelo viés dassensações corporais, o paciente entra em contato com registros queizeram parte de sua história pessoal, as “marcas registradas” de

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apreensãodeseuuniverso.Segundo C. Parat, autora cuja obra é de grande valia para o

presente tema, o essencial reside na possibilidade de reconstruir, com aajuda de fragmentos disparatados, um segmento de história que,verbalizada, possa ser devolvida a seu proprietário. Nesse sentido aexperiência corporal no tratamento, pormeio da transferência, fornece apossibilidadedereintegraropacienteasuahistória.

Sabemos que o acesso às sensações do sujeito falante exige umaretóricaampliadaesutil.ParaC.Paratéprecisosedeixarlevar,penetrar,invadir pelas sensações e imagens para compreendê-las, reaprendê-las edevolvê-lasaopacientesobumaformaverbalqueestepossasentircomosua, privilegiando intervenções em que as palavras encontrem maiorcapacidadesensorial.

É importante lembrar que nossa presença, enquanto analistas,mesmosilenciosa,éviva.Nossosemblanteévistoepercebido,aomenosnachegada e na saída. Nossa voz é portadora de um ritmo e de umaentonação que são captados, além ou aquém das palavras. “Isso faz doanalista uma super ície sensível na qual o outro virá perceber seureflexo.”10

É preciso que o analista exerça sua imaginação e capacidade deregressãoparapoderteracessoaessematerialfornecidopelopaciente.

RegistrosSensoriaisPrecoces

Freud(1926),em“Inibição, sintomaeangústia”, consideraquehámuitomaiscontinuidadeentreavidaintrauterinaeaprimeirainfânciadoque a cisão imprecisa do ato do nascimento nos permite acreditar.Podemos então admitir que registros sensoriais precoces permaneçampresentes e retornem como alucinações, memórias de um tempo quepodemoschamarsensível.

Nesse sentido fazemos nossa a interrogação de G. Haag,psicanalistavoltadaparaaobservaçãodebebês:

Sem esse vaivém incessante entre a observação dos fenômenos detransferênciaeaobservaçãodiretadosfenômenosdodesenvolvimento,ateoriapsicanalítica, em todo caso no que concerne aos fundamentos do psiquismo,nascido comFreudsobessemodelode funcionamento,não irá seesclerosar?Etambémnossa experiência clínica se ixando sobre o conhecido, determinada afazer entrar toda experiência nos moldes adquiridos, o estudo teórico se

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reduzindoentãoàexegesedostextos?11

G.Haagconcebeaexperiênciasensorialcomofundamentodoafeto

e do pensamento, interrogando simultaneamente o que chama de “aobservação dos fenômenos de transferência” e “a observação direta dosfenômenos de desenvolvimento”. Esse duplo processo tem trazidocontribuições sem precedentes para a técnica analítica e se insere nasre lexões deste artigo. Textos como “Do nascimento ísico ao nascimentopsíquico”e “Estruturas rítmicas do primeiro continente” são essenciais àcompreensão de como as experiências registradas precocementeretornam,dentrodasituaçãoanalítica,pormeiodaregressãoalucinatóriadatransferência.

Freud (1939), em seu texto “O Homem Moisés e a religiãomonoteísta”, vai rea irmar que a gênese da neurose invariavelmenteremonta a impressõesmuitoprimitivasda infância e acrescenta, emnotade pé de página, que: “Torna-se absurdo dizer que se está exercendo aPsicanálisequandoseexcluemdoexameedaconsideraçãoprecisamenteesses períodos primitivos, como acontece em certos lugares” (aqui sãocríticasfeitasporFreudàsopiniõesdeJung).12

Para fazer reconstruções não é indispensável ao analista aobservaçãodebebês,masessaexperiênciapodeserdegrandevaliaparaaumentarsuacapacidadedeentraremressonânciacomosmaisarcaicosfantasmas, que ressurgem no tratamento e que têm sempre uma raizinfantil.

Diversos autores, como G. Haag, F. Tustin e D. Houzel, têmformulado que os estados de sensações originais adquirem umaimportância fundamental no desenvolvimento da imagem do corpo e nosentido deself.A“produçãode formas”advindasdassensaçõescorporaisé para F. Tustin o elemento de base do funcionamento afetivo, estético ecognitivo.

Apartirdo luxoprimitivodesensaçõesnãocoordenadas,passa-seporessa“produçãodeformas”atéchegaraterumcorpoqueascontenha–essaéaexperiênciadotornar-sehumano.

Observamosentãoqueapercepçãoanalíticaduranteotratamentoé transferencialmente uma recepção dessas formas, que se tornamiguráveis pela linguagem, e graças a ela podem ser engendradas novasformas.

Asituaçãoanalíticaéfeitaparaacolheressassensações,eéprecisoquea sensação seja interpretada. Seu retorno comomemória corporal se

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deve ao fato de que não fora anteriormente representada, tornando-seassimumainquietanteestranheza.

SintomatologiaContemporânea

Os analistas atualmente vêm se deparando com toda umasintomatologia que evoca a de iciência simbólica, ou melhor, apresentaumasimbolizaçãoestereotipada,pré-fabricada.

Diantedaconstataçãodequevivemosumareduçãoespetaculardoespaço psíquico provocada pelas condições da vida moderna, podemosobservar a crescente di iculdade ou incapacidade de representação.Di iculdades relacionais e sexuais, sintomas somáticos, impossibilidadedeseexpressaremal-estargeradopeloempregodeuma linguagemsentidacomo arti icial, vazia ou robotizada conduzem os novos pacientes ao divãdoanalista.

Esses pacientes, sejam eles casos-limite, somatizantes ou falsosselves,nosimpõemimpassestécnicosjustamentenoquedizrespeitoaessaligaçãoentreocorpoeapalavra.Essacarênciaderepresentaçãopsíquica,que entrava a vida sensorial, sexual e intelectual, pode atingir o própriofuncionamentobiológico.

A aquisição de uma palavra que possa devolver ao sujeito suacapacidadederepresentaçãopsíquicaéprincípiodotratamentoanalítico.

Maisdoquenuncasefaznecessáriaumarevalorizaçãodosensível.A exploração clínica e conceitual do arcaico transverbal, dos elementospré- ou sem representação impõe-se como tarefa no centro da pesquisaatualemPsicanálise.

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3-OCORPOMASCARADOEOTEMPOSENSÍVEL

1

Tenho hoje aqui esta data – 11 de setembro –, um ano após a

catástrofedeNovaYork,comopanodefundodeminhapalestra.Creioque,apesar de não tratar diretamente daquele fato histórico e político, o quevenho expor se integrará em alguns aspectos, infelizmente, daqueleevento.

Pretendo dividir esta exposição em três partes e convido-os aestabelecerospontosdecontatoentreelasparadebatermosaseguir.

ParteI

“O que usar contra rugas de expressão? Botox ou Dysport?” Sãoessesosdoisfabricantes,apresentadosporumamatériadojornalOGlobo(31/03/2002), que disputam o papel de e iciência máxima contra asmarcasdotempo.

Comofuncionaatoxinabotulínicadessesprodutos?Elabloqueiaosimpulsos nervosos de músculos selecionados, causando uma paralisiatransitória. Ela impede assim osmovimentos repetitivos dessesmúsculosque,inibidos,seenfraquecem,suavizandoasrugas.

A dermatologista gaúcha Doris Heczel é especialista no usocombinado de Botox e técnicas de preenchimento, continua nosinformandoOGlobo.Dizqueseu trabalhoé tanto técnicoquantoartístico.Elacitacomoexemplosuatécnicadereconstituiçãodoslábiosparadeixá-los em formade coração, comoosda ex-missAdalgisaColombo. Palavrassuas:

Adalgisa sabe que uso seus lábios como modelo. O trabalho é técnico-artísticoporquecadapacientetemsingularidadedemúsculosepele.

Doris fez essas declarações no encontro anual da American

Academy of Dermatology ladeada pela canadense descobridora pioneiradoBotoxpara insestéticosedaamericanaconhecida como “a rainhadalipoaspiração”deNovaYork.

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Mas como biólogo francês J. Didier Vincent aprendo algo quemeintriga sobre a expressão facial das emoções. Em seu livro em coautoriacomofilósofoLucFerryintituladoOqueéohomem?(Ferry,2000),leio:

Há uma gama fabulosa de nuances afetivas que esculpem o rostohumano,mesmoque consideremosonúmerode emoçõesdebase como seis: acólera, o medo, a tristeza, a alegria, a repulsa e a surpresa. Sendo que as trêsúltimasnãotêmequivalentesnosprimatasnãohumanos.

Do ponto de vista evolutivo, isso corresponde ao desenvolvimento

da musculatura e, no caso do homem, à capacidade de dissociar osmovimentosdoslábiosdosdasnarinas.

O que é curioso, segundo ele, é sabermos que, pelo fato de ohomem ser onívoro (ecletismo de alimentos), ele desenvolve músculosfaciaismúltiplos. Isto é, a anatomia complexada face é ligada aoshábitosalimentaresdaespécie.(Oqueéumelogioaosgourmands...)

Darwin–nosso teóricodaevolução–escreveuum livro intituladoAsexpressõesdaemoçãonohomemenoanimal(Darwin,1965)noqualelediz:

Devemos compreender que diferentes músculos são ativados nasdiferentesemoções,porque,porexemplo,asextremidadesdassobrancelhassãolevantadas e os ângulos da boca abaixadosnumapessoa em sofrimento ou emansiedade.

Ele tem razão ao pensar que certo número de contrações

musculares é su iciente para se depreender com precisão o estadoemocionaldeumsujeito.

Para ainda concluir o que nos traz a esse respeito a Biologia: aatividade dos músculos faciais dispara diretamente as reaçõesneurovegetativasespecí icas.Daírealmente fazersentidoaa irmação:“ossujeitosestãoemocionadosporqueeles têmum ‘ar’emocionado”.Quandoeu ativo conscientemente meus circuitos cerebrais que comandam aexecução damímica expressiva, uma cópia da instrução será enviada àsregiões domeu cérebro que comandammeu coração,minha circulação eminha respiração, a im de que meus nervos, meus humores e minhasvísceras entrem em acordo com a emoção vivida por meu corpo. E semfalarnoqueéacionadoenquantomemóriacorporalinconsciente.

Creio que, dito isso, a questão da paralisia de um músculo facialpara resolver justamente as rugas de expressão já nos dá o que pensar.Dra.Dorisquemedesculpe...

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ParteII

Sãoduasasquestõesquemecoloco:Oquecaracterizaohumano?Em que estaríamos sendo a inal atingidos pela chamada “sociedade doespetáculo”?InspiradanaobradeJúliaKristevasobreAsNovasDoençasdaAlma(Kristeva,2002),obtenhoalgumasrespostas.

O homem moderno, segundo ela, vê-se ameaçado em seu espaçopsíquico. Habitante de um tempo fragmentado, mal reconhece suafisionomia.

Com a pergunta “Quem tem ainda uma alma hoje em dia?”, J.Kristeva constata uma redução espetacular de nossa vida interior.Pressionado pelo estresse, impaciente por ganhar e gastar, desfrutar emorrer, o ser humano não tem tempo nem espaço necessários paraconstruirumaalma.Desconhecequeestásubmetidoaumaatro iadeseupsiquismo,emboratendoumcorpoqueage.

As novas nosogra ias que incluem as falsas personalidades, osestados psicossomáticos, as toxicomanias e as depressões têm comodenominadorcomumumaincapacidadederepresentação.Essespacientestambém denominados “modernos” empregam cada vez mais umalinguagem arti icial, vazia, robotizada. Fazem “economia” de sua vidapsíquica.

Segundo J. Kristeva a espécie humana se caracteriza pelacapacidadederepresentar.Masessarepresentaçãopsíquicaprecisaestarancoradanocorpo.Suaanálisenosfazverqueessespacientessofremdeuma inibição do “tempo sensível” (Kristeva, 1994), mal estecontemporâneo,quenãolhespermitealcançarasimbolização.

Aautorainsistenoresgatedasensorialidadeporservitalrestituira ligação do corpo à palavra. Não há despertar do sujeito enquanto suaspercepçõesesensaçõesnãoganhamsignificado.

Possuímos uma “caverna sensorial” como parte essencial daexperiência psíquica de todo sujeito. Nela reunimos as impressõessensoriais ainda não informadas pela experiência cognitiva efrequentemente rebeldes a esta. Dessa “matéria” fazemos uso para acriatividadedenossospensamentos.

A palavra vai utilizar-se dessa fonte para atingir uma realsimbolização.Podemosdizerquealinguagemseriaaomesmotempo ísicae psíquica, porque a palavra toca simultaneamente o pensamento e a

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percepção.Essasuaduplanatureza lhepermiteestarnaencruzilhadadocorpoedopsíquico.

Mas não é justamente desse ponto de contato que estamosseriamenteprivados?

No diálogo que pretendo estabelecer com a Biologiacontemporânea,voltoàsideiasdeJ.D.Vincentnolivrojácitado.Vejoentãoum traço em comum. Para ele também o que diferencia o homem doanimalnãoserestringeàaquisiçãoda fala.Adiferença,dentrodasnovasdescobertas do funcionamento cerebral, diz respeito à riquezaextraordinária e à abundância de representações inscritas no cérebrohumano.

Asáreascerebraisditasassociativasocupammaisde2/3dapartesuper icial do cérebro – o córtex frontal e seus neurônios possuemprolongamentos que não saem nunca dessa área, ao contrário do que sesupunha, e conectam bilhões de neurônios do córtex. Lembrando aexpressãodeCabanis,renomadobiólogo,“océrebrosecretaopensamentocomoo ígadosecretaabile”.Talvezpudéssemos invertê-laedizerqueopensamentotambémsecretaocérebro.

Mas essas representações inscritas no cérebro humano seconfundemcomasaçõesquandoadmitimosqueocérebro funcionacomouma “metáfora atuante”, isto é, há uma interdependência total das áreasmotrizese sensoriais. Segundo J.D.Vincent, as representaçõesdomundonão podem ser consideradas independentemente das ações do sujeitosobre esse mesmo mundo. Ele propõe um neologismo: as“represenctations”–ou,emportuguês:as“representa-ações”.

E nesse sentido um tipo de “representa-ação” parece ser própriodo homem: a linguagem. Nela as “representa-ações” encontrariam seuveículomaisevoluídodehumanização.Portanto,nãobastafalar–éprecisofalaremconexãocomocorpo.

J. Kristeva também cria um neologismo: a signi icância (Kristeva,2000). Esse seria um processo mais amplo como reunião darepresentação-linguagem-pensamento. Para além do par signi icante-signi icado, a “signi icância” pressupõe a linguagem, e seu substratopulsional,portanto,nãosereduzàlinguagem,apesardecompreendê-la.

Recuperamos aqui um viés da descoberta freudiana: que a“essência do homem” se especi ica como um desejo indissoluvelmenteenergético e signi icante – um desejo no encontro da genética e dasubjetividade.Éacopresençasexualidade-pensamento.

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ParteIII

Salienta F. Tustin (Tustin, 1990), pormeio da observação de seuspacientesautistas,queumadasprimeirasangústias,talvezamaisprecoce,éadeesvaziamento.Diferentedaameaçadefragmentaçãodenossotenropsiquismo postulada porMelanie Klein, o que está em jogo é omedo dadissolução,dederramamento.Dizelaqueéapartirdocorpo,sentidopelobebêcomo líquidooumesmogasoso– temosemrealidade70%denossoorganismo constituídos por luídos –, que o terror de não possuir umenvelopequeocontenhasefazsentir.

É uma das sensações que está na base de nossa constituiçãopsíquica: esvair-se, num risco de aniquilamento existencial. Apoiando-senessepontodevista,P.Fédida(Fédida,1991)vaiconsideraralgumasdaspatologias aditivas – por exemplo, o alcoolismo – como uma tentativa deingestão de substância, forjando um aquecimento que crie uma formainternailusóriadeconsistência.

Asdenominadassintomatologiasmodernasjácitadaspoderiamservistas dentro dessa perspectiva. Se não me sinto “envelopado”psiquicamente,corroperigodemeesvaziarpelos“buracos”deminhapeleoudemeusori ícios.Façomeucorpovolumoso,“trabalho”meusmúsculosou me alimento em excesso (em muita quantidade) para garantir uma“consistência” que me dê uma existência psíquica, esta sim vivida comodiáfana, franzina. Essa tentativa de se “encorpar” pelo medo dedesaparecerimpõeumparadoxo.

Como declara um de meus analisandos tatuado, frequentadorassíduo de academias de musculação: “Preocupo-me o tempo todo commeu corpo,mas sinto pouco. Cada uma deminhas tatuagens registra umacontecimento deminha vida, algummarco importante”. Assim segue eleinscrevendosuamemóriaemseucorpo,numaprótesepsíquica.

Segundo D. Anzieu, há necessidade de desenvolver envelopespsíquicosparaqueumsujeitoseconstitua.EmseuEu-Pele(Anzieu,1985)observamos desde um envelope tátil – a pele – até um envelope sonoro,gustativo, olfativo, muscular, térmico. A partir da experiência corporaldessesdiversossentidosnasceumsujeitoquesesenteinteiro.

Dentro da inadequação dos estímulos a que vivemos submetidosnos últimos tempos, torna-se necessária a construção de uma armadura,umescafandrocomumaaparênciadeeu.Masnãopassa,narealidade,deumcorpomascarado,deumbalãoinflado.

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O sofrimento persiste. Porque este corpo encouraçado icaimpenetrável às sensações. Enrijecido ou emborrachado ele não permitesentir – há uma inibição do tempo sensível. Na medida em que meanestesio, vestindo um sobrecorpomuscular, por exemplo, bloqueio essetrajeto,quevaidassensaçõesàideia.

Aqui o pontomais trágico de toda a questão. Inibindo o sensorial,torno-me cada vezmais distanteda aquisiçãodeuma identidadequemeassegure uma existência. Sigo então procurando adicionar algo no intuitode me “encher/preencher”. E perco a capacidade de produzirpensamentos (haja vista os pensamentos operatórios na maioria doscasos). Fico limitado a um corpo que atua porque se ressente dassensações. Asseguro-me de um corpo sólido, volumoso o su iciente paragarantirumaexistência,nemquesejaartificial.

As impressões táteis, gustativas e olfativas têm a função dedisparadores tanto da memória sensível, como Proust tão bem nosmostrou, quanto daquilo de que necessito para apreender o mundo. Aobloquear essa função, anestesiando ou paralisando nossos órgãos dossentidos,ficamosinertespsiquicamente.

Nãobasta lembraroqueFreuda irmou sobreo ego ser antesdetudo um ego corporal. É necessário seguir sua nota de pé de páginaacrescentadaem1927ao texto “OEgoeo Id” (Freud,1923)eouvirdeleque:

O ego deriva em última instância das sensações corporais,principalmentedaquelasquetêmsuafontenasuper íciedocorpo.Assim,podeserconsideradocomoumaprojeçãomentaldasuper íciedocorpoe,alémdisso,comovimosanteriormente,elerepresentaasuperfíciedoaparelhomental.

O tátil possuiria uma característica distinta em relação aos outros

registrossensoriais.Porfornecerumapercepçãoexternaeumapercepçãointerna (e aqui continuamos surpreendentemente com Freud), pode-sepensarqueessabipolaridade tátilpreparaodesdobramento re lexivodoego. A experiência táctil, portanto, serviria de modelo à experiênciapsíquica.Apeleensinaoegoapensar.Masseaanestesiamos...

É aos detalhes sensíveis, aparentemente insigni icantes e naverdade supersigni icantes (umodor do quarto dos pais pelamanhã, umsom captado no ar, o motivo de parede de seu quarto de criança), quenossopsiquismodevesuavivacidade.

Escuto agora Ítalo Calvino em uma de suas seis propostas para opróximomilênio(Calvino,2001):

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Às vezes me parece que uma epidemia pestilenta tenha atingido a

humanidade inteira em sua faculdade mais característica, ou seja, no uso dapalavra,consistindoessapestedalinguagemnumaperdadeforçacognoscitivaedeimediaticidade,comoumautomatismoquetendesseanivelaraexpressãoemfórmulasmaisgenéricas,anônimas,abstratas,adiluirossigni icados,aembotaros pontos expressivos, a extinguir toda centelha que crepite no encontro comnovascircunstâncias.

Vivemos sob a chuva ininterrupta de imagens. Grande parte dessanuvemde imagens sedissolve imediatamente comoos sonhosquenãodeixamtraçosnamemória.Oquenãosedissolveéumasensaçãodeestranhezaemal-estar.

Paraeletambém(ecreioquealiteraturamereçacréditoemnosso

tema) o processo de abstração, condensação e interiorização daexperiênciasensívelédeimportânciadecisivatantonavisualizaçãoquantonaverbalizaçãodopensamento.

SegundoI.Calvino,“osemblantehumanoéumamáscara,avisor”.2Eédemáscarasquetrataociclodepalestras.Voltoaorosto(tema

daparte I)porserapartedocorpoquemaisnos identi ica.Equetalvez,não por acaso, receba umamáscara quando a intenção é nos perdermosnoanonimato.

Bailedemáscaras,carnavaisdemascaradosoumesmo,comoeuliarecentementenumlivrodeHistória,amáscaradeferro,usadanoperíodocolonial brasileiro como castigo imposto às escravas rebeldes. Elasmantinham-na colada ao rosto para perderem sua já pouca humanidade.Nadamaistorturante.

LembroW.Winnicott(Winnicott,1975),éclaro,paraquemorostodamãeéoespelho,aliondeobebêsereconhece.Podemosimaginarcomoum espelho desses de circo, que aumenta, entorta, a ina, alonga, numamultifacetada experiência, passa a ser um ambiente desfavorável. Ore lexo deformado que nos é oferecido fabrica indivíduosdescaracterizados,receososdeseperdernoanonimatoetemerososdeumcaospsíquicosemtamanho.

Procurando o signi icado da palavra “vulto”, surpreendo-me. Nodicionário Houaiss encontro: parte anterior da cabeça, face, rosto,semblante; aparência, aspecto, feição; ou compleição ísica, corpo,corporatura; ou grandeza ísica, massa, volume; ou igura ou imagempouconítida; entreoutrasde inições.Umvultonamultidãoperdede fatoseu rosto, sua identidade. A palavra contém as vicissitudes inseridas natemáticaqueapresento.

Relato de uma analisanda com sérias di iculdades de

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representação:“Saio,vouaoslugares,eécomoseninguémmevisse.Achoquequematémeconhecenãovaimereconhecer.Passodesapercebida”.Enemdemáscaraelaprecisa...

Eassimcomorosto,peloaquivisto,ocorpovaisemascarandoporinteiro,naexpectativadeseautocriar.

Inevitável terminar falando de Francis Bacon, com sua obra tãoimpactante de rostos, corpos, carne e sangue. O pintor preferia que seusquadrostivessemvidroparaaspessoaspoderemverasimesmas.“OlharparaumquadrodeBaconéolharparaumespelhoevernossasprópriasa lições,medosdesolidão, fracasso,humilhação,velhice,morteeameaçasde catástrofes inomináveis” (John Rothenstein, na introdução de FrancisBacon:Catalogue raisonné and documentation ; 1964). Inspirada em seustrípticosescreviestetexto.

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B–OCorponaOrigemdoPsiquismo

4-OREGISTROSENSORIALDASIMPRESSÕESPRECOCES

1

Introdução

Minha pesquisa de doutorado2 foi sobre a existência de umamemória corporal, constituída de fragmentos de impressões da tenrainfânciaqueseriadespertadapelatransferência.Mobilizadaessamemóriadopaciente,ter-se-iaacesso,pormeiodofenômenoregressivoalucinatóriodatransferência,àexperiênciaprecocedosujeito.

PropondodarcréditoaoqueFreudpostulouem1923–queoEgoé antes de tudoumego corporal – escolhi duas autoras para a tarefa derecolher informações sobre a etapamais primitiva do desenvolvimento esuas implicações na constituição do aparelho psíquico: Frances Tustin eGenevièveHaag.

Psicanalistainglesaconhecidaporseustrabalhossobreautismo,F.Tustin nos propõe uma concepção original do pensamento fundada nasensorialidade. Pensar a partir de sensações corporais e suatransformaçãoemconceitose ideiaséumdoseixosdesuateoria.Obebêvive,segundoela,numberçodesensaçõesqueodirigeparaaspercepçõeseparatudoqueécognitivo.

G. Haag partilha essemesmo ponto de vista e, em seus inúmerosartigos publicados em revistas francesas, defende a necessidade de seaprofundar sem cessar, mais detalhadamente nas primeiras etapas daformação do ego, do ego corporal, doself, das etapas narcísicas que opróprioFreud,segundoela,convidou-nosaexplorar.SeguidoradométodoE. Bick de observação de bebês, seu pensamento tem sido ummarco nodesenvolvimentoteóricoeclínicodaPsicanálisefrancesa.

ComoF.Tustin,ela ressaltaa fontesensorial como fundamentodoafeto e do pensamento, aliás, título de um de seus artigos: “L’Expériencesensoriellefondementdel’affectetdelapensée”(1992).

Não por acaso, as duas psicanalistas se dedicaram à pesquisa e

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clínica do autismo, tendo em seu pacientes infantis as pistas para aconstruçãodeumgênesedopsiquismo.

Antes de iniciar uma breve exposição das contribuições dasautoras, quero ressaltar um duplo movimento na posição epistemológicade G. Haag que parece fundamental para minha pesquisa: ela interrogasimultaneamente aquilo que chama “a observação direta dos fenômenosde transferência” e “a observação dos fenômenos de desenvolvimento”.Essa correlação me interessa particularmente e, acredito, pode trazerinovaçõessemprecedentesparaatécnicaanalítica.

I)F.Tustin

F. Tustin conseguiu demonstrar que os estados originais desensações têm uma importância fundamental no desenvolvimento daimagem do corpo e do sentido do ego. As sensações seriam, portanto,raízes do psiquismo. O bebê humano normal, segundo ela, possui umacapacidadeinatadeproduzirformas.Asensaçãocorporaldessas“formas”éoriundada impressãodosobjetosoudasprópriassubstânciasdocorpodobebê.3

A partir do luxo primitivo das sensações não coordenadas,passandopelaproduçãode formas,chegaràconsciênciade terumcorpoqueascontém–essaéaexperiênciadotornar-sehumano.

A ênfase que a autora dá à questão daconsciência da separaçãofísicadamãeébastanterelevanteparanossotema.Osterroresvividosemestado pré-verbal como o medo de cair, desintegrar-se, explodir, en im,perder a linha de continuidade de sua existência, como experiênciasextremamentecorporais,deixasuasmarcas.

Elaa irmaqueumareciprocidadeempáticaaprincípiopromoveailusão decontinuidade ísica e então gradualmente aclimatizaoparnutrizparao fatovagamenteconcebidodaseparação.Essa ilusãopermitequeamãe apoie seu bebê na turbulência que se origina da consciência daseparação, separação que é experimentada como uma quebra dacontinuidade corporal. Uma mãe, diz ela, com inseguranças infantisintoleráveis não formuladas, acha di ícil proteger seu bebê dessasprojeções.

Podemos supor que a pane desse processo em graus variados setraduz em psicossomática ou é maciça em constituição de defesaspsicóticas e autísticas cujo objetivo último é abolir a consciência de

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separaçãocorporal.Em geral consideramos que uma separação traumática ocorreu

antesdeamãetersetornadobemestabelecidacomoexperiênciapsíquicainterioreantesmesmoqueumsensosegurodecontinuarasertivessesedesenvolvido.Mesmo se amãe estavapresente. É o casoda “mãemorta”dotextodeA.Green(1983).

LembrandoFreud(1926)em“Inibição,sintomaeangústia”:

Há muito mais continuidade entre a vida intrauterina e a primeirainfância do que a impressionante cesura do ato do nascimento nos teria feitoacreditar(Freud,[1926]1976,p.162).

Nesse sentido a iminência de uma separação prematura provoca

uma tentativa de evitá-la a qualquer preço. Tudo que seja “não eu”desperta intenso terror. A emergência da consciência da separaçãocorporal trazasensaçãodeumaperdadepartedocorpo,notadamenteaboca.A construçãoda “concha” autística, segundoF. Tustin, tema funçãodeafastartodasasexperiências“nãoeu”.

No capítulo “O Desenvolvimento do Eu” em seu livroBarreirasAutistas em Pacientes Neuróticos , a autora descreve as experiênciascorporaisdessetempoprecoce.

Sua primeira observação, bastante pertinente, é que o termo“imagemcorporal”paraessesestadosprimitivosé inapropriado,umavezque a criança nesse estágio é incapaz de “imaginar” no sentido exato dapalavra. “Os estados primitivos parecem ser um repertório de sensaçõesrelativamente descoordenadas que são mais sentidas que imaginadas”(Tustin, [1989] 1990, p. 175). Ela prefere falar de um “moi-sensation”,termocunhadoporJonathanMuller(1981),equetemsuatraduçãoparaoportuguêscomo“self-sentido”.Resumireialgunsaspectos:

A)LíquidoseGasesSuateseéadequeaprincípioo“self-sentido”éexperimentadoem

termos de líquidos e gases. O que não é surpreendente, já que o bebêemergedeummeiolíquido,esuaprimeiraalimentaçãoeexcreçõesestãoassociadasalíquidosegases.

Emseusestados luidosougasososacriançapode temerexplodirou vazar por meio dos buracos. Ser derramado ou explodido signi icavazio,extinção,nada.TemosaquiomesmopontodevistadeD.Anzieuaofalardos riscosdedespersonalizaçãoporesvaziamento,pela sensaçãodeumenvelopeperfuradocujasubstânciavitalescoassepelosburacos.Seria

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umaangústianãode fragmentação,masdeesvaziamento(Anzieu, [1985]1989,p.43).

Asuavidadeescorregadiadoestado luidopodeserameaçadaporinundações concretas, cascatas, redemoinhos que despertam um terrorprimitivo. Encontramos esse fenômeno em pacientes adultos que emsessãoentramempânicoquandoumatempestadeameaçacair.

Tustin lembraqueWinnicottsalientavaquenaprimeira infânciaointercâmbio baseia-se na ilusão. Essa ilusão parece ser a de um luxo ere luxo contínuo rítmico. Todos os bebês sofremadesilusãodaquedadaaparenteperfeição,dessasuavidadecontínua,sedosa.Sóqueparaalgunsessa queda do estado de graça foi experimentada como uma catástrofe.Vivemoterrordeumderramamentodesuaexistência,deumadissolução.Paraacriançaautistaoencapsulamentoéumaproteçãocontraaameaçadedissolução(Tustin,[1989]1990p.160-173).

NessesentidoG.Haagvaimostrarqueascriançasautistasque,emtratamento,começamasairdessehorrorpassamadesenharumacruznaqualduas linhasdecomprimentosiguaissecruzam.Essefatoé indíciodequecomeçamaterumanoçãodeestruturaósseainterior,sustentadora,enãosólíquidaegasosa.

Quanto à sensação de queda, esta pode ser vivida em suaconcretude corporal. F. Tustin utiliza a descrição de um alpinista numaescaladaperigosapararetrataressaexperiênciadolorosaeinomináveldesesentirna iminênciadeumaseparaçãocatastró icadamãe.Asameaçasfortes ao “continuar a ser” produzem sensações de quedas das maisvariadas“alturas”.

O artigo sobre vertigemdeD.Quinodoz (1990)podebem ilustrarosefeitosnessesintomajustamentedaangústiadeseparação.Essaautoraacreditaquea vertigeméumaviaprivilegiadaparaabordaro estudodarelação de objetos, já que se inscreve de modo indissociável nos doisregistros,psíquicoe ísico.Otextomereceserconsideradoprincipalmentequandofaladavertigemporfusão,formamaisprimitivadosintomaequeconstitui o ponto de partida para os outros tipos apresentados. Essavertigem fusional está diretamente ligada à pouca con iança no objetocontinenteeàameaçadaquedano“buraconegro”(títulooriginaldolivrocitadodeF.Tustin).

Ascriançasautistasparecemteraconstante ilusãodequeestãoaponto de serem derrubadas, de cair. Elas tiveram uma consciência nãoamortecida da separação ísica damãe, sofreram essa separação em umestado imaturo de organização psíquica, e suas impressões são como de

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queda num abismo. Por isso, nesses casos, as férias do analista não sãoexperimentadas como rejeição, e sim como chão que se abre a seus pés.Alguns pacientes neuróticos em suas barreiras autistas podem tambémapresentaramesmasensaçãonatransferência.

B)TúneiseSistemadeCanosOs horrores e o desespero da não existência começam a ser

enfrentadosaoperceberqueascoisastêmumaexistênciacontínua.Algumasatividades interessantescomtúneisvãopropiciandoessa

percepção.Entraresairdeumtúneldetapetereasseguramàcriançaessacontinuidade.Éapartirdanoçãodeumcorpocomoumsistemadecanosquea criança iniciaumapercepçãode contençãodos luidos corporais. ÉdeD. Rosenfeld (1981) essa ideia de que a criança vive seu corpo comoumsistemadetubosquesãosentidoscomocontrolandoo luxodos luidoscorporais.Parecequeesseaspectoseriamaiselementardoquea funçãodacontençãodapele,descritoporE.Bick.

Entretantoo“sistemadecanos”signi icaconsciênciade“interiores”e também consciência de situações externas e identi icações com elas. ÉummovimentodeumaconsciênciatransitóriadonãoEuparaoEu.

A partir daí a criança pode mover-se para uma consciênciaproprioceptiva de que seu corpo tem forma e aparência coesas limitadasporumapeleque lhedáumcontorno.Sabemosqueassimquea imagemdocorpocomeçaaestaremressonânciacomocorporealumsentidomaissegurodeexistênciaedeidentidadesedesenvolve.

Aconstituiçãodeváriosenvelopes(sonoro,térmico,respiratório...),comopostuladoporAnzieu(1985),vaiajudaracon iguraressanoçãodeEu.

A passagem pelo uso do espelho propicia não só um auxílio naaquisiçãodaaparência externado corpo,mas tambémapossibilidadedecontrole de que a imagem está lá, não desapareceu. Segundo Tustin osespelhos são coisas muito mágicas para as crianças. Ao reconhecer suaimagem no espelho e posteriormente na fotogra ia como representaçõesde si mesmo, a criança caminha para a noção de autorrepresentação.Começa a perceber tambémquepormeio damemória os objetos podemterumaexistência contínua,mesmoqueelesnãoestejampresentesparaseremtocados,vistos,manuseados.A“solidãodeserumEu”começaasertolerada.Mas até chegar essemomento o percurso apresenta todas essavicissitudesquedescrevemoscomasformulaçõesdeF.TustinequeaindairemosacrescentarcomasdeG.Haag.

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II)GenevièveHaag

Ostextosescolhidoscomosubsídionestasíntesesão:“Doautismoàesquizofrenia na criança” (1985), “Amãe e o bebê nas duasmetades docorpo”(1985),“Hipótesesobreaestruturarítmicadoprimeirocontinente”(1986), “Do nascimento ísico ao nascimento psicológico” (1989) e “Aexperiência sensorial fundamento do afeto e do pensamento” (1992). Ostítulos desses artigos demonstram por si só o interesse para o qual estávoltadoopensamentodeG.Haag.4

Em seu texto “Do nascimento ísico ao nascimento psicológico”(1989), ela esclarece com alguma precisão o termo “nascimentopsicológico”quehaviasidoempregadoporM.MahlernosEstadosUnidoseF. Tustin na Inglaterra sem haverem trocado essa informação. Seria umfenômenoobservável entre4e5meses,quandoumsentimentode iníciode separação corporal é testemunhado pelas respostas de participação ede reciprocidade do bebê, uma maior capacidade de estar só com aatividadeautoeróticaedeexploraçõesejogoscorporais,impressõesessassentidasporquemestáasuavolta,equeseconjugacomumacapacidadede pensar, de se ver “sonhando” (bebê “sonhador”), assim como osurgimentodeafetosdetristezanovos–“umapequenatristeza”.

Ointeresse,então,deG.Haagésaberoquesepassa“antes”dessecomeço de processo de consciência de separação – dito de outra forma,“antes”docomeçodoprocessodeseparaçãodaspelespsíquicas.

Nessesentidovemosqueasimbiosenormalnãoéuma“fusão”naqual somos engolfados, mas um longo processo complexo indispensávelpara a construção de um ego corporal e do self. Há, portanto, uma“gestação psíquica” para que haja então um “nascimento psíquico”. “Parapoder se separar é preciso de qualquer forma interiorizar a nãoseparação”(Haag,1989,p.219).

Para abordar sucessivamente as diferentes etapas de consciênciadeseparação,éprecisoteridentificaçõescorporaisinstaladasemsi,graçasa todos esses exercícios repetitivos observáveis na gestualidade do bebêemquetodoocorpo“jouelenourrissage”.

Cabe aqui uma observação sobre o papel do pai nessa primeirafase do desenvolvimento. O pai, diz G. Haag, não é de início aquele quecortauma simbiose imaginada sempre comoperigosa.Ele é, ao contrário,aquelequeasustenta,apoiandoamãe, ísicaepsiquicamente,paraqueo

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bebêsejaconvenientementeamparado,elementoprimordial.Faremos um percurso resumido pelos fenômenos que estão em

jogo nessas etapas iniciais do desenvolvimento formuladas por G. Haag,seguindosuasdescobertasdasensorialidademuitasvezesinusitadas.

A primeira integração sobre a qual a autora insiste trata-se do“olhonoolho” combinadocomo suporteposteriorda junçãocostas-nuca-cabeça, integrando também o envelope verbal suave e combinado com aexperiênciapropriamenteoraldaamamentação:peitooubicodopeitonaboca.

Obebêtemnecessidadenãosomentedebeberdo“bom”leite,mastambémdeterbonsolhos“doces”deumamamãequepenetrememseusolhos,edeele tambémterumolho“doce”quepenetrenosolhosdeumamamãe.

Ela acrescenta a isso a importância do contato pele-costas.Relembraque a posiçãodo feto ao inal da vida intrauterinaprocuraummáximo de contato-pele por contrapressão dos envelopes e da distensãouterina sobre a convexidade dorsal. Em seguida, com a amamentação, obebêaliaosuportenuca-costasàexperiênciabucalevisual.

Essaintrojeçãodaprimeirapelepsíquicaavançamuitoemtornodaidadede2meses,2mesesemeio,assimqueaqualidadedo“olhonoolho”mudaaomesmotempoqueaqualidadedesugaropolegar.GHaagfrisaocarátertátildesseintenso“olhonoolho”dosegundomêsdevida.

Elaa irmaque“apartirdessemomentoosentimento-sensaçãodeter esse primeiro envelope em vias de diferenciação,mas incompleto [G.Haagtomacomfrequênciaaimagemdevasoscomunicantesnointeriordeumapelecomum],acompanha-sedeumolharqueselançanodooutro,decertaformaaprofundadocomtalvezummínimodesentimentode‘espaço’entreasduaspeles”(Haag,1989,p.216).Masnessemomentoatotalidadedocorponãoestáaindaenglobadanesseprocesso.É,sobretudo,um“tête-a-tête”. O resto do corpo se integra progressivamente num processo queela situa entre a idade de três e cinco meses, mas que se prolonga emseguida até o im do primeiro ano, e a interiorização do laço dedependênciapareceseconstituirmuitoentreasduasmetadesdocorpo.

Entreaidadedecercadetrêsmeseseaidadedeseis/oitomeses,podemos observar que a inter-relação do bebê com um personagemmaternante provoca junções corporais, particularmente entre as duasmetades do corpo (mãos que se pegam e pés cruzados), e depois, umpoucomais tarde, junçõesmãos-pésemtornodoeixohorizontaldabacia.

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Podemosobservarquandodedisjunçõesbruscascorpodobebê/corpodopersonagemmaternante,queoladodireitodobebê“segue”oadulto,eporvezesoladoesquerdodobebêseagarraaoladodireitoque“partiucomamãe”.

Apatologiadascriançasautistas,quepermanecemnumestadodenão integração desses níveis de desenvolvimento, demonstra esse estado“mal colado” do corpo. Algumas dessas crianças devem permanecercoladasumsemicorposobreosemicorpodooutro,emparticularno“pegaramãoparafazer”,tãoconhecidodosautistas.Outros,en im,comportam-secomo se não houvessemais que umametade do corpo no estado que G.Haagdenominou“hemiplegiaautística”.

Nas explorações desse segundo semestre da vida se dão asprimeirasintrojeções:irimprimir-senofundodooutroedeixarooutroseimprimirnofundodesi,quaseemespelho.Elaseperguntasenãoseriaaíque se formaria uma espécie desubstância psíquica comum e dupla, porsua vez desdobrável, outra formulação talvez para a zona comumindiferenciada da área transicional, prolongada então no autoerotismo, esuporte dos primeirosrêveries. Essasubstância psíquica procuradesenvolver-senaausênciadoobjetoemdireçãoàsexploraçõesembuscade equivalentes simbólicas (sobre o próprio corpo, depois sobre osprimeirosobjetosmanipulados)doencontroprimordial.

Torna-seimportante,antesdeconcluiressaresumidaexposiçãodaabordagem de G. Haag sobre o primeiro ano de vida, acrescentar, isto é,enfatizaraindadoisaspectosqueelanosapresenta:

–adobracomoformaarcaicadevidapsíquica;–aestruturarítmicadoprimeirocontinente.

Segundo essa autora, a dobra ou a dobradura seria a primeira

formadementalizaçãode continência.É issoqueelaobservanomaterialdascriançasqueelaacompanhapormuitotempo.Essaideiavemapoiadana noção de “teatro da boca” de Meltzer (1985): este pensa que asexploraçõesintrabucaistêmjáumasignificaçãodepensamento.

Qualquer objeto que sai e retorna à boca é a referência para adobra, como também os sons produzidos no interior da boca. Serianecessárioobservaroaspectodaritmicidadenessefenômenodescrito.Naorganização dessa sensorialidade, dessa emocionalidade primitiva, oelemento de trocas rítmicas é que permite modular todos os registrossensoriais. Seria admitir uma estrutura rítmica oscilatória de natureza

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quasebiológica.Passar da luminosidade à obscuridade, do frio ao quente, do

cerrado ao solto são passagens que devem ser construídas pelaritmicidade.

Adupla interpenetraçãodosolhares, ondeháumolharquepartemas há um que retorna, pode trazer uma percepção de ondulaçãoreceptora.Essemovimentorítmico,essevaivém,narelaçãodoolharpodecolocaremaçãoaexperiênciadadobra.

G.Haag chamarádeestrutura rítmicadoprimeiro continenteestamesma ilusão postulada porWinnicott de que a troca mãe/bebê pareceserumfluxoerefluxocontínuoerítmico.Seutrabalhoclínicoafezverque,emseusestadosprimitivos,acriançaprecisasentirqueháalguémprontoareceberseu“transbordamento”.Essaentidadereceptora,sejaamãeouoanalista, parece à criança poder conter, reciclar e iltrar seu“transbordamento”, de tal forma que não lhe permitirá perder seucontrole,tornar-seuma“cascata”ouum“vulcão”.

Podemos lembrar aqui a característica apontada por F. Tustin emrelação aos extremos sensoriais emque se ixam as crianças autistas. Asestruturasquenãopodemestabeleceraboaelasticidaderítmicanaszonasintermediárias parecem efetivamente apresentar essa oscilação entre osextremos (ou tudoounada, o duroouomole, o frio ouoquente, semasnuances intermediárias). Aqui as angústias de queda ou liquefação ou oapagamento num espaço sem limite vão então ao máximo, exigindo umanecessidadedeapegointensopermanente,sufocante.Emcontrapartida,ooutro recurso é a manutenção de uma cinestesia rítmica pelobalanceamentodo corpo eda cabeçaou a agitação ritmadadeumobjetoquevaiproporcionarassensaçõesde“sobrevivência”.

Nesses cinco artigos aqui condensados podemos encontrarinúmerosexemplosclínicospormeiodosquaisG.Haag ilustraessassuasobservaçõescujaleiturarecomendamos.

Consideraçõesfinais

Veri icamos a pertinência da a irmação de P. Fédida de que “aexperiênciaterapêuticajuntoacriançasautistas,assimcomojuntoabebêse criançasmuito pequenas, certamente esclarece, sobmuitos aspectos, oanalista em sua prática junto a adultos (principalmente nos casos depatologiaaditivaedeanorexiaebulimia)”(Fédida,[1994]1999,p.30).

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Nesses casos a destituição de qualquer representação intervém,segundoele,comviolênciasobreopensamento,eérequeridodoanalistatornar-seeste “espelho-membrana”docorpodopaciente (Fédida, [1994]1999,p.31).

Se uma das sensações que está na base de nossa constituiçãopsíquica é esvair-se, dissolver-se, num risco de aniquilamento existencial,comonos ensinaF.Tustin, poderíamospensar, por exemplo, o alcoolismocomo uma tentativa de ingestão de substância, forjando um aquecimentoquecrieumaformainternailusóriadeconsistência.5

Conhecermelhoropercursonadasimplesquevaidoegocorporalao ego psíquico pode servir-nos de mapa, de orientação, diante dosfenômenosderepetiçãodassensaçõesmaisprecocesvividasnaregressãoemanálise.

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5-ATERNURATÁTIL

1

Introdução–FreudPrecursor

Pretendo neste artigo apontar dois aspectos que julgo centraispara uma atualização da Psicanálise: o resgate da dimensão dasensorialidade na constituição primordial do psiquismo e a inclusão docorponotrabalhodetransferência.

Freud, em seu texto de 1923, “Ego e o Id”, já reservava um lugarespecial para o corpo na constituição do psiquismo. Não somente elepostulavaaexistênciadeumegocorporalanterioratudo,maschamavaaatençãoparaaquestãodasuperfíciedocorpo–apele.

“O ego é antes de tudo um ego corporal” (Freud, [1923] 1981, p.238), acrescentando ainda emnota de pé de página de 1927 que “o egoderiva em última instância das sensações corporais, principalmentedaquelas que têm sua fonte na super ície do corpo. Assim pode serconsiderado uma projeção mental da super ície do corpo e, além disso,comovimosanteriormente,elerepresentaasuper íciedoaparelhomental(Freud,S.,[1923]1981,p.238).

Devido a sua bipolaridade tátil (Freud faz alusão ao fato de quesintooobjetoquetocaaminhapeleaomesmotempoemquesintominhapele tocada pelo objeto), a pele prepararia o desdobramento psíquico doego(eu/nãoeu).Seria,portanto,napelequeoegoaprenderiaopsíquico.Poderíamosdizerqueapeleensinaoegoapensar.

AindaFreud:

Na aparição do ego e em sua separação do Id, outro fator, além dain luênciadosistemaPC,pareceterdesempenhadoumpapel.Oprópriocorpo,eantes de tudo sua super ície, é um lugar do qual podem resultarsimultaneamentepercepçõesexternase internas.Évisto comoobjetoestranho,masaomesmotempoelepermiteaotatosensaçõesdedoistipos,podendoumadelasserassimiladaaumapercepçãointerna(Freud,S.,[1923]1981,p.238).

Nessesentidoébempertinenteaa irmaçãodeFreuddequeoego

é a projeçãomental da super ície do corpo. A experiência tátil seria por

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assimdizermodelodaexperiênciapsíquica.Para D. Anzieu, o tátil, em relação a todos os outros registros

sensoriais,possuiriaumacaracterísticadistintaquenãosomenteocolocaàorigem do psiquismo,mas também, segundo ele, permite-lhe fornecer aopsiquismopermanentemente alguma coisaque sepode chamarde fundomental(AnzieuD.,1989,p.95).

OCorponaOrigemdoPsiquismo

Emgeralnãotemosideiadoquantoocorpo,desdemuitocedo,estáimplicadonaconstituiçãodopsiquismo.

Em primeiro lugar vamos precisar admitir que nascimentobiológico e nascimento psicológico não coincidem no tempo. Segundo M.Mahler, em frase de abertura de seu livro Nascimento psicológico dacriança,oprimeiroéumeventobemdelimitado,dramáticoeobservável;oúltimo,umprocessointrapsíquicodelentodesdobrar(MahlerM.,1977,p.15).

Omomento em que se dá o primeiro esboço da consciência de siocorre por volta de cinco meses, e não tem sido simples identi icá-lo. Aquestãoétãoatualqueneurobiólogos,comoA.Damásio,vêmpesquisandoo mistério da consciência (Damásio, A., 2000). As descobertas daneurociência têm fornecido elementos para identi icar cada vez mais asredesneuronaisresponsáveisporaçõesespecíficas,masemquemomento,exatamente, isso gera uma consciência de si ainda é obscuro. A inal, apartir de que combinação de fatores o bebê apresenta uma primeiraconsciênciadeumeudiferenciadodomundo?

Proponhoumabrevedescriçãodoqueseriaoeixocentraldoqueestamos aqui denominando “nascimentopsíquico”, cuja origemestarianocorpo:

Para adquirir um primeiro senso de existir enquanto unidadepsíquica,obebêvaiprecisaralcançarumaconsciênciadeseparação ísicada mãe. É importante frisar essa referência ao ísico. F. Tustin (outraautora reconhecida por sua pesquisa sobre autismo) salientapermanentemente,emsuaobra,tratar-seinicialmentedaseparaçãoentrecorpos.Sairdaunidadedualparaperceberaexistênciadeumeuedeumnãoeué a trajetória inicialparaodesenvolvimentodeumpsiquismo.Deinício,portanto,egocorporalparaconstruirumegopsíquico.

SegundoF.Tustinamaneiracomoobebêtomaconsciênciado“não

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eu”éessencialàconstituiçãodesuaidentidadeindividual.O cerne da questão está em que o bebê normal, com uma mãe

responsiva (assim nomeada por F. Tustin), vai precisar adquirirgradativamente essa consciência de que existem dois, e não um só. Digogradativamente porque o bebê vai oscilar entre uma ilusão decontinuidade ísicaeumaquebradacontinuidadecorporal.Oscilaçãoessanecessária para que ele se assegure de uma possibilidade de separaçãonãocatastró ica.Oquenãoéocasodascriançasautistasque, justamentepela faltadecontato (emgeral têmmãesdeprimidas), vivema separaçãocomoquedaabsoluta–um“buraconegro” (títulodo livrodeF.Tustin).Oautismo é, segundo essa autora, uma aberração resultante de umexperiênciatraumáticadeseparaçãocorporal.

Interessa-nosaquia constataçãodequenoautismoesseprocessodeseparaçãosefezdeformaabrupta.ParaF.Tustin,mãesdeprimidasnãopodemrealizaresseirevirnecessário.Privandoobebêdocontatoafetivo,produzem uma distância ísica provocadora da percepção precoce deseparação.Emrelaçãoaesseaspecto temosa importantecontribuiçãodeA. Green sobre a “mãe morta” (Green, A., 1988, p. 239-274). O autistaestacionaaí, criandocomsua cápsulaautistaumasobrevivênciapsíquica,numa tentativa de evitar qualquer contato com esse “não eu” tãoassustadoramentetemido.Todasasenergiasdacriançasãoconcentradas,então,paracriarumacapaprotetoradesensaçõesde“ser”paramantero“nãoeu”aolargo.

Numa evolução normal o bebê não precisará agarrar-se àssensações(numaequaçãoadesiva,comoofazemosautistas);aocontrário,esseberçodesensaçõesnoqualvive,segundoF.Tustin,vaidirigi-loparaas percepções e para tudo que é da ordem do cognitivo. Pensar é partirdassensaçõescorporaisetransformá-lasemideiaseconceitos,emdireçãoàconstruçãodeumaequaçãosimbólica.

Uma das primeiras angústias, talvez a mais precoce, segundoTustin, é a de esvair-se, derramar-se, partindo inclusive do fato de que ocorpo é inicialmente sentido pelo bebê como líquido ou gasoso (70% denosso organismo é constituído por luidos). As denominadas patologias“modernas” já citadas poderiam ser vistas dentro dessa perspectiva. Senão me sinto “envelopado” por uma mãe, corro perigo de me esvaziarpelos“buracos”deminhapeleoudemeusori ícios.(D.Anzieunosfaladeum “eu-peleporoso” ou escorredor [Anzieu,D., 1989, p. 210]). Façomeucorpo volumoso, “trabalho” meus músculos ou me alimento em excessoparagarantirumaidentidade,nemquesejaartificial.

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Trata-sedoriscodeumaniquilamentoexistencial.Essatentativadese “encorpar” pelo medo de desaparecer impõe um paradoxo: o corpoenrijecido, in lado, ica impenetrável às sensações. Dessa forma ele nãopermitesentir–háumainibiçãodotemposensível.Namedidaemquemeanestesio, vestindoumsobrecorpomuscular, 2 por exemplo,bloqueioessetrajetoquevaidasensaçãoàideia.

As impressões táteis, gustativas, olfativas têm a função dedisparadores tanto da memória sensível, como Proust tão bem nosmostrou, quanto daquilo que necessito para apreender o mundo. Aobloquear essa função, anestesiando-a ou exacerbando-a, icamos inertespsiquicamente.

Podemos,portanto,considerarumaespéciedeconchaautísticaemjogo nessas novas modalidades de patologia da atualidade. Encontramosem algumas delas “próteses psíquicas” para dar conta de uma ilusóriasensação de consistência. Nesse sentido o modelo do autismo defendidoporFédidaétãopertinente.

GenevièveHaageaSubstânciaPsíquica

Coma Psicanálise podemos tentar responder a pergunta “Como oespírito vemao corpo?”. Esse é o título do artigodapsicanalista francesaGeneviève Haag (Haag, G., 1997), autora em cujas ideias tenho medebruçadoporapresentarcontribuiçõesimportantessobreessetema.

Suaobramerecedestaquedentrodaperspectivaquenosinteressapor possuir inúmeros artigos publicados em revistas francesas nos quaisdefende a necessidade de se aprofundar sem cessar, maisdetalhadamente,nasprimeirasetapasdaformaçãodoegocorporal.Comoexemplos, posso citar dois de seus trabalhos: “Do nascimento ísico aonascimentopsicológico” (1989)e “Aexperiência sensorial fundamentodoafetoedopensamento”(1992).

G.Haag falaem“substânciapsíquica” (Haag,G.,1989,p.219)queiriaformar-seapartirdapassagemdobebêporumasériedeexperiênciascom seu próprio corpo. Seguidora do método E. Bick de observação debebês e especialista na clínica de autismo, ela nos aponta que é naevolução do tratamento dessas crianças que temos a oportunidade deobservar, como em câmera lenta, o desabrochar do psiquismo. Àmedidaque saem de seu encapsulamento, acompanhadas transferencialmente,manifestamumprimeiroesboçodeeu.Para issonos fornecemumasérie

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deaspectoscorporaisilustrativosdessecomplexonascimentopsicológico.G.Haagafirma:

Noestadoautistapropriamenteditoacriançaédominadaporangústias

do eu corporal: a queda sem im e a liquefação, até a formação de seusentimento de envoltório cujo desenvolvimento eles mesmos, à semelhança doque se passa no desenvolvimento normal, conseguiram detalhar para nós: épreciso combinar o tátil das costas, o envoltório sonoro com a penetração doolhar/psiquismo–issoformaum“emvolta”(Haag,G.1997,p.23).

Vemos, por meio das pesquisas dessa autora, que a simbiose

normalnãoimplicaapenasuma“fusão”emquesomosengolfados,masumlongo processo, complexo e indispensável para a construção de um egocorporal e doself. Há que se falar, portanto, em “gestação psíquica” paraque haja um “nascimento psíquico”. Para poder separar-se é precisointeriorizaranãoseparação(Haag,G.,1989,p.219).

Ointeresse,então,ésaberoquesepassa“antes”dessecomeçodeprocesso de consciência de separação, ou seja, “antes” de começo doprocessodeseparaçãodaspelespsíquicas.Diversosautores,entreelesD.Winnicott, brindaram-nos com teorizações sobre essa etapa mais quecrucialdodesenvolvimento.

A hipótese de G. Haag sobre a noção de “estrutura rítmica doprimeirocontinente”(Haag,1986,p.45-50)éalgoextremamenteinovadordentro deste tema. Ela revela a importância dos movimentos de vaivémtantodainterpenetraçãodosolharesmãe-bebêquantodobicodopeitonaboca(duranteoaleitamento)comogarantiadeumritmofundamentalparaaestruturaçãopsíquica(Fontes,2003,p.330-333).

A primeira integração, isto é, a introjeção de uma primeira pelepsíquica, refere-se então a esse “olho no olho” (tão intenso a partir dosegundomêsdevida),acrescidodainterpenetraçãodabocaecombinadocomosuporteposteriordajunçãocostas-nuca-cabeça,integrandotambémo envelope verbal suave. A partir dessemomento o sentimento-sensaçãode ter esse primeiro envelope em vias de diferenciação começa a seesboçar com, talvez,ummínimode sentimentode “espaço”entreasduaspeles.

Nessa organização da primeira pele, do esqueleto interno e dasarticulaçõesdocorpo,otátildevemerecerdestaquecomoexemplodequeo corpo sensível é condição básica dos processos de subjetivação. Essa“interpenetração” essencial da qual nos fala Haag precisa estar aliada,segundoelaprópria, àsqualidadesdedoçuraprovenientesprecisamente

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dotátil(Haag,1991,p.53-54).Énocontatocombrinquedosdepelúciaoucom tecidos extremamente suaves (no caso de tratamentos com autistasessesrecursossãointroduzidosno settinganalítico)queobebêaprendeodoce do tátil e o transporta para o sentimento de ternura. Em muitassituações de angústia, de despedaçamento ou de esfolamento essassensações do suave, do doce, são a possibilidade de elaborar qualidadessensoriaisdeumacontinênciaapaziguadora.

Portanto, num funcionamento mais primitivo (precoce) asprincipaisemoçõessãoaindaconfundidascomessassensações,aternuracom a doçura, tátil e visualmente veri icadas, para só após, com odesenvolvimento,transformarem-seemrepresentaçãodaternura.

Aternuraé,portanto,inicialmentetátil!

P.Fédida,emseulivro Porondecomeçaocorpohumano–retornosobre a regressão (Fédida, P., 2001), fala numa “realidade corporal dopsiquismo”.Nãosaberondeocorpocomeçanemondeele terminaéumadas primeiras experiências vividas. Poder delimitá-lo, dar-lhe fronteiras,prepara a formação do ego. Nesse sentido conhecer melhor o percursonada simplesquevaidoego corporal aoegopsíquicopode servir-nosdeorientação, de mapa, diante dos fenômenos de repetição das sensaçõesmaisprecocesvividasnaregressãoemanálise.

Eapartirdaí,quemsabe,poderacompanharnossospacientesnaconstrução de um “lugar geométrico do eu”, como diria o escritor ÍtaloCalvinoemseuensaiosobreoopaco(Calvino,I.,2000).

Domesmomodo que a poesia nos reenvia a uma experiência desensação(ões),pormeiodeumasequênciadepalavrasforadeumalógicadiscursiva, a transferência se presta ao encontro de vicissitudes daexperiência vivida, numa reprodução de sensações anteriormenteexperimentadas.Finalizo,então,comumapoesiadeManoeldeBarros:

OPêssego

ProustSódeouviravozdeAlbertineentravaem

orgasmo.Sedizque:Oolhardovoyeurtemcondiçõesdephalo

(possuioquevê)Masénotato

Queafontedoamorseabre.

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Apalpardesabrochaotalo.OtatoémaisqueoverÉmaisqueoouvirÉmaisqueocheirar.

Épelobeijoqueoamorseedifica.Énocalordaboca

Queoalarmedacarnegrita.Eseabredocemente

ComoumpêssegodeDeus.

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C–Transferência:CasosClínicos

6-CASOR.CONSTRUINDOUMAPELEPSÍQUICA

1

Introdução:“AsNovasDoençasdaAlma”

Em novembro de 1953, D. Winnicott, em carta à psicanalistaHannahRies, constata que “dentre os casos que surgempara a análise écada vezmenor a proporção de pessoas psiquiatricamente consideradasneuróticas”.Afirmaele:

ameuverétarefadosanalistascomqualificaçãomédicacomoumtodorealizaraanálisedepsicóticos,maséclaroqueosanalistasnãomédicosnãopodemevitaroencontro,detemposemtempos,comfasespsicóticasemanálisesdecaráteremquenãoexistaumaclassificaçãoóbviadepsicose(Winnicott,D.,1990,p.48-49).

Mais de cinquenta anos se passaram e nos encontramos diante

dessaanunciadarealidade:aspsicopatologiascontemporâneasnoslançamemoutrosterritóriosquenãomaisosdaneuroseclássica.

Sobre talevidênciaalgunsanalistas têmsepronunciado–desde J.Kristeva, que em 1993 publicou seu livro sobre As Novas Doenças daAlma,aospsicossomaticistas(EscolaPsicossomáticadeParis)–falandoemprocessos autocalmantes para caracterizar uma dessas patologias, asomatização. Joyce McDougall já apontava para essa gama de pacientes“inanalisáveis”emseu“Emdefesadeumacertaanormalidade”(McDougallJ., 1983).Algunsbrasileiros, comoLuísCláudioFigueiredo,GilbertoSafra,entreoutros,têmvoltadosuaatençãotambémparaotema(Figueiredo,L.C.,2003,eSafra,G.,2004).

Sejam somatizantes, casos-limites, estados deprimidos oupersonalidades aditivas, todos esses pacientes desa iam o analista,sobretudo por sua incapacidade de representação. Mas, a inal, seconsiderarmosquesetratadesintomatologiasquetêmcomodenominadorcomum uma precariedade de simbolização, vamos precisar reconhecerque o trabalho analítico não se fará mais dentro dos preceitos da

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associação livre e atenção lutuante. Esses assim chamados “pacientesmodernos” se caracterizam por di iculdade associativa extremamenteprofundaeestãolongedasquestõesligadasàameaçadecastração.Oqueestáemjogonamaioriadoscasoséaameaçaàexistência,istoé,têmmedodeperderosenso intrínsecodaexistência.Encontram-seaindaembuscade uma organização egoica que icou impossibilitada precocemente.Estabelecer um vaivém incessante entre a observação dos fenômenostransferenciaiseoconhecimentodosprocessosdedesenvolvimentopassaa ser então instrumento essencial no tratamento desses casosconsideradosdifíceis.

Neste artigo pretendo tecer algumas considerações sobre apeculiaridadedoatendimentodeumdessescasosclínicos.

II.CasoR.:ConstruindoumaPelePsíquica

Dois anos se completam da análise de R. e ele chega à sessãosurpreso,contandoter feitoxixinacama.Nãotemexplicação,nãobeberatantonanoiteanterior,nãoestavadeporreemesmoassimacordounumapoçadeurina. Suas interrogaçõesbemhumoradas, comoummeninoquefizeratravessuras,levam-noapensaremalgorelacionadoàanálise.

Éaoportunidadeparaqueeulhedigaque,en im,oPequenoR.semanifestava. Essa é a expressão que ele mesmo criou em seu cotidianopara referir-se a si próprio quando, por vezes, se vê infantilizado.Mas aconotação sempre foi irônica, repreensiva. E, o que é mais signi icativo,comoseestivessefalandodealguémquenãoelepróprio,sendo“aquele”oautordosdeslizes.

Essehomemagoracom42anoschegaraàanálisemesesantesdecompletar 40 anos, idade com a qual seu paimorrera. Estava à beira deum colapso provocado, parecia-lhe, pelo golpe que sofrera no trabalho,tendosidopreteridoemrelaçãoaoutropro issional.Suaautoestima,comoelemesmodizia,“caiuazero”.Adepressãoseanunciava.

A quebra de um contexto organizado – emprego, salário alto,seguro-saúde – arremessa-o ao que podemos chamar “buraco negro”,título do livro de F. Tustin sobre as barreiras autistas nos pacientesneuróticos (Tustin, F., 1990). É o fracasso de um funcionamento mentalprecárioqueotrazàanálise.Aangústiaé intensa.Nãoháâncoraemquese irmar. Pensa em suicídio. É medicado por um psiquiatra por mimindicado, e seu tratamento medicamentoso ica prescrito por um ano,

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acompanhandoseuprocessoanalítico.R. criara uma prótese psíquica, e isso se evidencia em seu corpo.

Temumaaparência“contemporânea”, istoé,umhomemaltodemúsculosde inidos, cabelos pintados de branco/louro, tatuagens visíveis, piercingsnuma das orelhas e no queixo, com sapatos bem coloridos e váriaspulseiras nos dois braços. De alguma formamuitos assim se apresentamdentrode seumeiopro issional: uma companhia teatral emNiterói, ondeele é o diretor.Mas tudo isso contrasta com seu rosto sério, com o olharcomquemeencarounasprimeirasentrevistas, fazendo-mecrerquenãohavia se enganado de consultório (impressão inicial que, confesso, suaigura bizarra me causou). Revelará posteriormente sua capacidade dere lexão, gosto por leituras, a graduação em Letras e um curso deespecializaçãonaFrança.

Refere-se a si próprio como “um show de variedades”, sente-se“multimídia”, e ébem issoqueele “encarna”.Não temomenorhábitodeconversar sobre suas decisões na vida. A possibilidade de compartilharseussentimentoslheémuitoestranha,esabequesóveioàanáliseporquenaufragou. Era bom sur ista quando garoto, pegava “altas ondas”, mastinhahorrordascorrentezas.Podia icarsozinhonapraiaporquesuamãecon iava em sua responsabilidade. Foi menino precoce, autossu icientedesdecedo.Seupaimorreuquandoeletinhadoisanos,eapartirdaí,suamãe,sempreatarefadacomosustentodacasa,costumavadizerqueopaideixara de herança “a rua para se andar”. Havia cuidados com suaalimentação,escolaevestimentas,masfoisempresóemrelaçãoasuavidaemocional:dizquenessesentidonuncateveparaondecorrer...Háalgunsindíciosdequeamãetenhasedeprimidoporcontadessamortesúbitadopai.

O divã é experimentado com estranheza. Ri, brinca que se eubobearvaidormirali,maspercebooquantoessecontatocomsuanucaecostas pode lhe oferecer, mais do que uma oportunidade de associaçãolivredeideias,umaexperiênciaconcretaderetaguarda ísica.Tenhoaquia teoria de G. Haag em meus pensamentos sobre a importância doenvelopecostas-nuca-cabeça(Haag,G.,1989,p.215).2

Reclamado“pesodavida”,achaquenãovaiaguentar.Vejocomeleo fatoprováveldenão ter sido carregado, a inalqualo volume/pesoqueeleprópriotem?Dizter impressão,porvezes,quesedeixarcarregarporalguéméserlevadopelacorrenteza,semcontrole.3

Segura com frequência a cabeça com uma das mãos, quandodeitadoaodivã,dandoa impressãodequeelapoderiasedesprender.Ao

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fazê-lo observar sua postura provoco-lhe uma associação sobre o fato denuncatersido“chegado”adrogas:sempretevemuitomedo,nãogostadenada que o faça perder a cabeça, o controle. Bebe pouco, não “cheira”cocaína, apesarde sua aparência... Ficamuito ofendidoquando em festaspensamqueeleteriaadrogaparaoferecer.

Poroutrolado,seuvício(analogiaquefaz)édemulheres.Conservamuitos casos antigos, pendentes, “pendurados” como as pulseiras. Arelação que faço das mulheres com suas pulseiras provoca-lhe risadas,comenta que se elas soubessem dessa comparação icariam com muitaraiva.F.Tustinmencionaousodebijuteriascomoobjetosautistas(Tustin,F.,1990,p.229).4

Numadas sessões refere-se a essaquantidadedemulheres comouma malha: uma malha de mulheres. Posso então, a partir daí, pensarsobreesse tecidoqueocobre,recobreeondeeleprocuraaquecimentoevitalidade. A cada encontro sexual sente-semais vivo e parece construirumacapaprotetorapormeiodessa“malha”.

Astentativasdeenvelopenessesentidosãoinúmeras:elegostade“malhar” (fazer tensos exercícios que desenvolvam seus músculos) e sesentemuitobemquandoestáforte.Foiummeninomuitoaltoemagro,nãogostavadisso.Depoisque“ganhoucorpo”,segundoele,pareciaoutro,maissedutorinclusive.

Até nesse aspecto sofre um colapso. Sua coluna se ressente daintensidade inadequada dos exercícios em academia e ele precisa parar.Temdese tratar–ortopedista,osteopata, acupuntura–e ica interditadoparaamusculação.Acolunapassaaserotemadassessões.Vejocomeleoquanto esse eixo é frágil,merecendo cuidados, e não, ao contrário, comotemfeito, imposiçãodeesforço.Lembro-meaquidacruzdesenhadapelosautistas em melhora no tratamento, segundo G. Haag, simbolizando aaquisiçãodaconsciênciadecolunavertebral comoeixoparaa integração(Haag,G.,1985).5

As memórias são escassas. O pai é um morto desapercebido, naformulaçãotãopertinentedeP.Fédida(Fédida,P.,2002,p.87/98).6

“Nuncafezpartedeminhavida.Morreuquandoeutinhadoisanos,e não lembronemde sua isionomia. Tenho apenas uma foto 3x4de seurosto.”Sabepouquíssimosobreele:queeradescendentedeportugueses,querido no bairro onde moravam. Não tem notícias da família dele,nenhumcontatocomparentes.Temdeleosobrenome.

Nãoháálbumderetratosdainfância.Suahistória,elemesmodiz,éregistrada em seu corpo. “Cada uma de minhas tatuagens registra um

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acontecimento deminha vida, algummarco importante. São elas quemefazemlembraroqueocorreu.”

Nas sessões que precedem seu aniversário de 40 anos revela omedodesofrerumenfarte–causadamortedopai.Poroutroladopareceàsvezesnãoteridade,sente-sejovemeconseguetransitarpelasgeraçõesmais novas; o que não o impede de ter um medo terrível deenvelhecimento súbito. Lembro-me e comento com ele sobre umapassagemdo livrodeA.CamusOprimeirohomem , noqualopersonagemcom40anos(o livroéconsideradoumaautobiogra ia)encontraotúmulodeseupaimortonaguerradaArgélia,apóslongabuscaporessaorigem,epercebe surpreso que é mais velho que o próprio pai, abatido comosoldadocom29anos(Camus,A.,1994,p.25-26).7

Ele reconhece ter tido sempre a impressão que não teria vidalonga. Foi possível a partir daí, dessa imagem fornecida por aqueleescritor, falardanecessidadedeanálise justamentenaquelemomentoemquepassariaavivermaisdoqueseuprópriopai.

Se ele o perdeu de vista, não signi icou icar imune às fantasiasrelacionadasasuamorte.Disseranumasessão:“Quandoalgosaidaminhafrente,domeucampodevisão,deixadeexistir”.Essafoiaformatruncadadeviveresse luto,seguindoaposturaqueamãeassumiraquandoseviuviúva:“elanãopermitiamemórias”. Jáaquicomigo...(J.-B.Pontalis,emseulivroPerder de vista , faz algumas elaborações sobre o papel do visualcontidonaperda–amortecomoperderdevista)(Pontalis,J.-B,1988).8

A essa altura R. está mais familiarizado (!) com os dispositivosanalíticoseachasempregraçano fatode falarmosemseupai–essesertão inexistente para ele. Brinca que está se adaptando aos princípiosfreudianos,falardepai,mãe...etrazotítulodo ilmedeW.Allencomoumaconstataçãodeseuprocessoanalítico:“Desconstruindo‘R’”.

Após um ano, seu psiquiatra suspende o tratamento psiquiátrico.Fica apreensivo, temendo sentir de volta a depressão, mas consegueidenti icarsuamelhoraeaimportânciadotratamentoconjugado:análiseemedicação,sendoqueadosagemdoantidepressivotornou-semínimanosúltimosmeses.

Apresenta um balanço incessante de pernas e, sobretudo, de pés,deitadonodivã,oquemuitasvezesfazcomquesesacudatodo.Temesseritmo oscilatório também no trabalho e em casa, no entanto, em algunsmomentos,consegueumaimobilidadetotalquechegaacausarapreensãonasparceiras.Parado,inerte,quasemorto.9

Comentamosessefatoeelerevelanostalgiadoritmoqueviveuna

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depressão. Ficava deitado, lendo jornal, quieto e depois descobriu quepodia usufruir daquelas horas de sossego. Em geral tem um ritmofrenético, emenda uma atividade na outra, trabalhando no circuito Rio-Niterói,comhorasreduzidasdesono.

Trata-se aqui desta falta de capacidade depressiva (Fédida, P.,2002, p. ) de que nos fala Fédida e do quanto ele só pode experimentaroutroritmo,odapausa,nadepressão.10

O tema é explorado também nas sessões em que o assunto émúsica:anecessidadedapausanamelodia,osintervalos,osespaços.Masicaevidentequeespaçoparaelepodesigni icar“buraconegro”.Eéassimmesmoqueeledenomina“comoéquevoudeixaresseburaconomeiodomeudia?Tenhoquepreenchê-lo”.Senãoavivênciaédeseperder,cair.

Épossívelestabelecerumarelaçãoentreobalançodocorpo,citadoanteriormente,eafaltadeuma“estruturarítmicadoprimeirocontinente”(Haag,G.,1986,p.45-50).11Essemovimentopendular tentariaproduziroir e vir da dobra que não houve. Re iro-me aqui à noção de G. Haag da“dobra”comoformaarcaicadevidapsíquica(Haag,G.,1990,p.148), istoé,omovimentodevaivémda interpenetraçãodosolharesmãe-bebêedobico do peito na boca, garantindo um ritmo fundamental para aestruturaçãopsíquica.12

Resolve em determinada altura fazer boxe. Acha apropriadoporquelhedisseramserindicadoparareforçaramusculaturadascostas,sem provocar esforço, carregando pesos como na musculação. Crê estarcomeçandoaprecisardisso.Aoqueeuapontoserumanecessidadeantiga,falo da falta de retaguarda, referindo-me ao que já havíamos trabalhado.Ele se surpreende que eu o apoie nessa ideia. Faço referência àsexpressões “costas quentes”, “costas largas”, “guarda-costas”, e juntosexaminamososentidoconcretoquedáorigemacadaumadelas.

Chegoapensar,terminadaasessão,queoelementoagressividadetambém estará em jogo nessa atividade escolhida, o que me parecepositivo.

Elereiniciaseutrabalhoprofissionaldirigindoalgumasnovaspeçasteatrais.Temosentãoaoportunidadedeacompanhara“maternagem”queelefazdesuaprodução.Usandoliteralmenteessetermo, icapossívellevá-loaumare lexãosobreofatodenãopoder“largaroespetáculoenquantoele não anda sozinho”. Percebe, inclusive, que precisará renovar seucontrato com a companhia porque precisa seguir mais um período“cuidando da cria”. Esse novo trabalho dá certo, há uma satisfaçãopro issional, e ele recupera a segurança que, segundo ele, havia sido

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destroçadanoempregoanterior.Está tão envolvidonessanova fase comodiretor quediz estar em

dedicação exclusiva a essa “peça-bebê”. Essa analogia serve-nos tambémpara identi icar a necessidade que a criança tem de ser olhada, mesmoquandoelanãoestámaisnocolo,nemengatinhando.Ofatodejáconseguirandarnãodemandaamesmadedicação,nãoquerendodizer,noentanto,que não precise de atenção. É necessário ser olhado até que adquiraindependência.

Issoremeteàquestãodesuaaparência,suaextremavisibilidadeeomedodequemesmoassimosoutrospossamnãoterolhosparaele.Porvezes sente-se na “contramão”: tem uma aparência que se destaca, masescondeoqueproduz,nãogostadefazerpropagandacomooutrosfazem:“eufiz,euaconteci...”.

Ao que eu lhe mostro não ser necessariamente modéstia, e sim,quemsabe, fragilidadedeseueu.Numadassessões subsequentes trazoincômodocomumnovocolegadetrabalho,extremamenteinvasivo.Elenãoquer esse tipo de disputa de espaço, prefere afastar-se porque senão“podedarbriga”.Descreveo“espaçoso”comoaquelequesaiocupandooslugares, sofá, mesa, e daqui a pouco quer sua função e assim vai..., daípreferelogoceder.

Penso em suas fronteiras, o quanto elas não estão demarcadas.Pergunto-lheoquepoderiabarraressamovimentaçãodocolega.Nãoseriaseuprópriocorpo?ParecequeR.aindatemdúvidassobreapossibilidadede ocupar um lugar, ter um território. Ter um “lugar geométrico do eu”(Calvino,I.,2000.p.118).

Lembro-lhe nessa ocasião de sua necessidade permanente de sefazer crescer, enrijecendo músculos para, quem sabe, apresentar maiscontornos, mais limites. E. Bick, reconhecida autora por seu método deobservaçãodebebês,postulouaexistênciadeumasegundapelemuscular(Bick,E.,1968,p.484-486).13

Falamosentãosobremapas, fronteirasentreosestados,ospaíses.Para ele isso tudo “na geogra ia” é sempre por motivos bélicos, nasguerras,paraseproteger.Ponderoqueháostratados,osacordos,quesepodemfazerrespeitar.

Observando-o isicamenteévisível seuemagrecimento,oumelhor,está recobrando seu corponatural. Ele incomoda-sepor acharque assimnão ica tão sedutor, mas diz que perdeu o “pique” (a vontade intensa)parairàacademia.

Minhas fériasde inaldeanoo aliviam, segundoele, por se sentir

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independentedemim,mas volta sentindo-se abatidoporuma forte gripequedurara12dias(a interrupçãodaanálise foide15dias).Constata teralgumas “ idelidades”: à cabeleireira que pinta seu cabelo (é a única hámuitosanos),aotatuador(emNiterói,sófazcomele)eagoraamim.

Lembra-se dos “telegramas” queme passava no início de análise,quando eu assim me referia aos seus relatos curtos, sem detalhes, e oquanto vem se deixando cuidar, sentindo-se bem em me contar seucotidiano. Pudemos mencionar aqui o fato de sua mãe estar sempre tãoocupada,semdisponibilidadeparaacompanhá-lo.

Surpreende-se que eu comente algo, por vezes, sobre alguma desuaspeçasteatrais.“Nãopodiaimaginarquevocêfosseassisti-las!”

Maisrecentementeestáinquietoporqueamalhadasmulheresestá“encurtando”. Está agora administrando duas ou três, desfez-se dealgumas pendências. A antiga estrutura começa a se desorganizar. Eleteme que surjam sentimentos que possam confundi-lo, como ciúme,apaixonamento.Detestasurpresas,comofrisafrequentemente.

Por outro lado, diante dos dois temas – o possível apaixonamentoporumamulherouabuscapelaorigempaterna–,eletemumaexpressãofrequente: “Melhor não...” Parece evitar saber onde essa emoção podelevá-lo. Tustin consideraque essa estrutura frágil nãopermite vivernemtristezasnemalegriasfortes(Tustin,F.,1990,p.122).14

Fato é que vem abrindo sua intimidade para mim, não falta àssessões,emboratrabalheforadoRiodeJaneiro.

Ter feito xixi na cama desencadeou, naquela sessão, algumaslembranças.

Não se recorda de ter acontecido isso quando pequeno, muitoraramente;talvezquandodormianacamacomamãe,deondesósaiuaos8/9 anos. Surgem recordações sobre a casa em que morou na infância.Nelahaviaumquartoparaeleeamãe,easalaondedormiaairmã(maisvelhaqueeleeadotada/criadapelamãetemposdepoisdamortedopai).Só sai dessa cama de casal quando amãe acha que ele está “grandinho”paracontinuaradormircomela.

Faço-o ver que, ao contrário, ele teve de ser “grandinho” desde ocomeço,muito cedo, para formar um casal com ela, não poder urinar nacama, não poder icar à vontade. Na verdade, um homenzinho. Nada depequenoR.que,en im,seapresenta,hoje, inaugurandoessapossibilidadedesercriança,graçasàtransferência.

OtrabalhoanalíticocomR.continua;segueagoraumatrajetóriadefato mais simbólica, as representações são possíveis. Surgem relatos de

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sonhos, e o uso da interpretação analítica, no sentidomais clássico, podecomeçaraterlugar.

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7-AADIÇÃOSOBAÓTICADAPSICANÁLISEDOSENSÍVEL

1

Introdução

Numa tarde de sexta-feira da primavera de 1977, D. Anzieu,visitandoaexposiçãodepinturasdeF.Bacon,emParis,naGaleriaClaudeBernard, sentiu-se atado em suas vísceras diante de cada uma daquelastelas.Observouosilêncionagaleria,apesardamultidãopresente,achandosermaiordoqueodeumacatedral.Ovisitante,mergulhadodentrodesseuniversoondenada sepodedizer,nãoencontravapalavras, segundoele,paratraduziroterror.

“Aqui nós entramos no mundo da incomunicabilidade, da mãemuda aos desejos de seu bebê.”2 Sob esse forte impacto dedica-se nosábadoedomingoseguintesaescreverumartigo,publicadonessemesmoano naNouvelleRevuedePsychanalyse,comotítulo“AImagem,otextoeopensamento – a propósito do pintor F. Bacon e do escritor S. Beckett”(Anzieu,1977).

Posteriormente, em1993, o autor retorna a esse artista e publicaumpequenoeprimoroso livro em três capítulos (emcolaboração comM.Monjauze),noqualrea irmaaimportânciadeF.Bacon,S.BeckettedeW.Bion (Anzieu, 1993), cujas diferentes obras expressam justamente o quehádemaisarcaicoemnossopsiquismo.

Apresento brevemente algumas de suas a irmações nos doistrabalhos citados, acreditando serem pertinentes para introduzir o temadaadiçãosobopontodevistadaPsicanálisedosensível:

Os trípticos representam séries de deformações de isionomia ou daestatura, deixando geralmente intacta uma metade do rosto ou das carnes,enquantoqueaoutrametadesedegradaprogressivamentedeumatelaàoutra.Se as orelhas são exatas, o nariz é retorcido, a boca decomposta. No retratoseguinte o nariz e a boca tornam-se intactos, mas uma orelha desaparece, osolhosaparecemfechados...ocorpodespenca,umpé,umamãosomeao inaldapernaoudobraço.Amaioriadospersonagensapresentanametadeinferiordoquadro uma cauda, um farrapo de epiderme. Aquilo que supostamente seriaparaconter:asroupas,apele,ovolumedoquartoderrete,seesgarça,sefunde,o

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continentedeixandoescaparoconteúdo(Bacon,F.,“Tríptico”,agosto1972).3

Para Anzieu a pintura desse “inglês” da Irlanda nos evoca,

sobretudo, a imagemde nosso próprio corpo que se distorce e se altera,quandoooutroofereceumre lexovago,desatentoedesinvestido. “OEu-pelemal se envelopaeo interior, queo retém insu icientemente, ameaçaseesvair.”4Eleserefereaospersonagensque,nus,sedebruçamsobreoslavabos vomitando ou que perdem suas substâncias numa angústia dovaziofundamental(Bacon,F.,“Tríptico”,maio/junho1973).5

Esses seres, apesar de uma aparência ísica adulta, vivem nouniverso anterior à marcha e às palavras, segundo Anzieu. A liquefaçãodos corpos, moles, sem ossatura, com extremidades sem forma, evoca odesamparooriginaldobebêdequenosfalaFreudequeBionrelacionaàinvasãodapessoaporsuapartepsicótica.

OpróprioBaconpropunha-se“aagarrarasensaçãoparacolocá-lana tela”, opondo-se à pinturanarrativa.Nesse sentidonão é uma arte dorelato,seria,aocontrário,tornarimediatamentesensível,pelaimagem,umafeto.

Aponta a importância do espaço que enquadra as iguras: oraportas, ora cores fortes como o vermelho envolvem o personagem numatentativa ou esforço de conter esses envelopes perfurados (Bacon, F.,“Tríptico”,1983).6Porvezesumalâmpadaelétricaaparece,umespelhooucadeiras apoiando corpos como sinal da esperança de que algo vaiestruturar-se (Bacon, F., “Figura escrevendo re letida num espelho”,1976).7

Anzieuobservaqueesseirlandêsalcoólatraeraopintorvivomaiscaro do mundo (este falece em 1992), sem dúvida porque essa dor dacriançaconfrontadaàangústiadovazioéalgumacoisaque,representada,nãotempreço.

Acreditando que a obra de F. Bacon toca na “pele” os dramas desua própria história pessoal (ele foi o ilho de Marguerite – pacienteconhecida como “o caso Aimée” de Lacan), reconhece esse mesmosofrimentoemalgunsdeseuspacientes.RelembraoqueescrevePontalisemseulivroEntreosonhoeador:

Um analista que ignora sua própria dor psíquica não tem nenhumachancedeseranalista.8

É importante ressaltar que, em 1974, já formulara sua hipótese

sobreumEu-pele,noartigointitulado“Lemoi-Peau”naNouvelleRevuede

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Psychanalyse (Anzieu 1974). O contato com as telas de Bacon vem aoencontro de suas formulações teóricas e constatações clínicas. Eleacrescenta:

Resta a nós analistas a chance ainda de nos sentirmos pintores pararecolher os traços que esses contatos mais primitivos imprimiram e paratestemunharseusregistros.9

AConstruçãodoEgoCorporal

Tenhodesenvolvidopesquisassobreaconstruçãodoegocorporal(Fontes, 2003, e Fontes, 2006) e acredito que a técnica analítica compacientesadictosrequerumaconcepçãodocorponaorigemdopsiquismo.

Pretendo expor, resumidamente, algumas ideias fundamentadasnumaPsicanálisedosensível,comoavenhodenominando.Fragmentosdedoiscasosclínicosilustrarãoessashipótesesteóricas.

Paraconstituirumegocorporalque,comodiriaFreud,éanterioratudo (Freud, 1923), é preciso ter vivido uma experiência inicial quegaranta a continuidade do existir. Isso porque nos temposmais precocesestamos diante de angústias corporais provocadas pelas sensações deliquefação,deexplosãooudequedasem im.Essasangústiasimpensáveiscaracterizam o bebê humano e colocam, portanto, a necessidade de sesentirenvelopadooucontidoinicialmentepelocorpodamãe.

A dependência nesse momento é absoluta, como diria D. W.Winnicott, e vital para se estabelecer uma ilusão de continuidade ísicamãe-bebê. Essa é a condição necessária para ele enfrentar a gradativaseparaçãocorporal,ouasaídadessaunidadedual.Aangústiadeesvair-se(o corpo humano é constituído por 70% de luídos corporais) ou deexplodir por meio da sensação dos gases intestinais pode ter umapaziguamento se houver um envelope de contenção fornecido pelacapacidadedamãedeexercerumacontinência.

As psicopatologias que pretendo abordar, especi icamente aspersonalidadesaditivas,trazem-nosossinaisdafaltadeconstruçãodeumego corporal, de uma pele psíquica (Bick, 1968) ou envoltório (Anzieu,1974)quepossaconterasangústiasdesmedidas.

P.Fédida,psicanalistafrancêsautordeumaextensaobra,defendea noção do autismo como modelo paradigmático para a compreensãojustamente dessas patologias fronteiriças ou narcísicas, como as

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consideramosnaPsicanálise(Fédida,1991).Suateoriatemmeservidodebase,deapoio,parapensarseracompulsãoasaídaparaosujeitodiantedaausênciadeumadependência inicial.Talvezpudéssemosdizer “Poucadependência–Muitacompulsão”.Esteéopontocentralaserapresentadoaqui.

Nas crianças autistas a separação ísica damãe ocorreude formaabrupta, e não houve uma oscilação necessária entre fusão e separaçãodaspeles.Assensaçõesdeesvaziamentooudequedabrutalforamvividasmuito cedona falta de um suporte, emgeral devido ao estadodeprimidodamãeque,semvitalidade,nãopodiaconternadaparaseubebê.A faltade interpenetração do olhar, de tônusmuscular dos braços ao segurar acriança, de voz melodiosa e não monocórdia deixaram o bebê com umasensaçãodeinconsistência.

Os autistas constroem uma cápsula ou concha autística e, aocontráriodeestaremanestesiados,comojásepensou,vivemmergulhadosnuma intensidade sensorial extrema. Fabricaram para si mesmos umenvelope protetor que mantém uma continuidade ininterrupta com omundodassensações.Todasasenergiassãoconcentradasparamanteronão eu ao largo. Este foi precocemente experimentado e por issotraumático (vivido num período em que de o bebê não possuía recursosparatal).

Em inúmeros casos o usodeumobjeto autista (não importandooobjetoemsi)garante,porsuasolidez ísica,ailusãodeumanãoseparação.Manter-se grudado a objetos, paredes ou ao corpo do terapeuta forneceuma sensação que aplaca o terror de perder a existência. Porque, comodiria Gilberto Safra, morrer é mais fácil do que deixar de existir (Safra,1998).

Sentir-se derramado signi ica vazio, extinção, nada. Temos aqui omesmo ponto de vista de D. Anzieu ao falar dos riscos dedespersonalização por esvaziamento, pela sensação de um envelopeperfurado ou Eu-pele poroso cuja substância escoasse pelos buracos docorpo (Anzieu, 1985). É uma angústia de esvaziamento, e não defragmentação.

Da mesma forma, com menor gravidade, as denominadaspatologias modernas que incluem os casos-limite, as somatizações, aspersonalidades aditivas e atémesmo as depressões encontram-se dentrodessemesmoimpasse:criarprótesespsíquicasparasobreviveremocionale isicamente.Nãose tratadeautismo,masháumasemelhançaquantoàtentativadeforjarumego.

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CasoB.

B.,emseuscentoequarentaquilos,éumaanalisandadeprimeiraviagem.Temdezoitoanos,váriostratamentosclínicos,dietas,regimes,masnão fez psicanálise. Chama-me de doutora e acomoda-se largamente nodivã.

Numa das primeiras sessões descreve seus lanches, ao sair dafaculdade: “joelhos” com Coca-Cola. Não resiste a eles, mesmo frios eengordurados.

Essa referência a um pão recheado, cujo nome é uma parte docorpo, cria para nós duas a oportunidade de brincarmos sobre afragmentação de seu corpo: braços, pernas, joelhos, mãos... Como esseconjuntoseintegraria?

OpesoexcessivodeB.não lhegaranteumaexistência.Mostra,noentanto, uma tentativa de criar consistência. Ao falar dos própriostrabalhosescolares,considera-ossemprefracos,precários,sem“recheio”.

B. descreve para mim uma cena grotesca, com certoconstrangimento: o hábito de defecar no chão do banheiro, ao tomarbanho, e icar observando a água desfazer as fezes. Penso aqui naencenação de sua angústia de dissolução, do quanto sente poder sedesmancharassimcomosuasfezes(seuproduto).

Maséoenquadreanalíticocomsuaregularidade,meuconsultóriode paredes sólidas de uma casa antiga, a sala com livros (volumes) nasestantes, que vão constituindo para ela um espaço inicialmente ísico decontenção. Esses limites fornecidos pelo ambiente asseguram-lhe algunscontornos.Aliadosa isso,meuolhar irmeedoceparacomela,minhavoznãotão“doutora”oferecemgradativamentecertoenvelopamento.

LembroaquiE.Bick:

A investigação analítica do fenômeno segunda-pele tende a produzirestados transitórios de não integração. Somente uma análise que persevere naelaboração meticulosa da dependência primordial do objeto materno podefortalecer esta fragilidade subjacente. Devemos enfatizar que o aspectocontinentedasituaçãoanalíticaresideespecialmentenosetting,sendo,portanto,umaáreanaqualafirmezadatécnicaécrucial.10

B.tentaexplicarseusintoma,aobesidade,pelofatodetermamado

demais – história contada pela mãe. Se as informações indicavam ter

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havidoexcessoeuascoloqueisobsuspeita.Procurorelativizarentãocomela a questão da quantidade. Pondero sobre o contato frágil com o peito,lembrando-a de que nem sempre só o leite é “ralo”. Con irmo pelo querelataemseguidatersido,provavelmente,umaamamentaçãoconturbada.

Conta-me sobre a morte de dois bebês antes dela, eram gêmeos.“Não vingaram.” Acrescenta ter um irmão mais novo compulsivo portrabalho.Seráqueamãeduvidouqueelavingasse?Teriaficadodeprimidacomaperdadosbebês?

Usa muito a palavra soberba. Brinco com ela sobre tratar-se deumapalavra gorda, cheia de “b”s. É vista pelas amigas comoumapessoasoberba,masnaverdadesente-sequasesempreincapazefrágil.

Seupesomaisbaixofoidecemquilos,masnãoconsegueimaginar-se magra. Só se reconhece assim, são suas palavras. E talvez seja issomesmo,elasóéseforassim.Nãoseria,portanto,umaquestãodeimagemde corpo deformada. Estamos falando de uma incerteza sobre a própriaexistência,enemdelongesobreumaameaçadecastração.

Vou ao dicionário. Soberba: comportamento extremamenteorgulhoso, arrogância, presunção, imodéstia. Origem latina – superbus: oque está acima dos outros; ousuperbhos: que cresce acima dos outros (oquemechamamaisatenção).

Parece estarmesmo às voltas com seu tamanho, seu volume, seuvalor.

Num determinado momento consegue ser selecionada para umestágiopro issionalmuitodesejado.Chegaradiante,contandoessavitória.Nãosedácontadogesto:umadasmãosseguranopulsocomoseestivessemedindosuapressãocardíaca.Perguntoseelavaiexplodir.Falamossobreessaameaçadeexplosãodealegria,denãopoderficar“cheiadesi”.

Faço referência a uma expressão inglesa, citada por JoyceMcDougallnasMúltiplasFacesdeEros:diz-sequeoalcoólatraestásempreatrasado para funeral e para casamento (McDougall, 1997), o que querdizer que o alcoólatra bebe em qualquer circunstância porque nãoconsegue conter os afetosmais fortes, sejam esses tingidos de alegria oude dor. Sentem que podem explodir? Mas quem garantia a B. que seucorponãoiriamesmoliquefazer-seouexplodir?

Pergunta-me ao inal de uma sessão se ela era psicótica, assim, àqueima-roupa.Digo-lhequenão,mashaviaalgonelade fronteiriço,e suaobesidadenosdavasinaisdisso.

Desenvolver “massa”, de gordura ou de músculos, “encorpar”,ampliaaocupaçãonoespaço,alémdepropiciarumadimensãoconcretade

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volume. Aderindo à comida produzo em meu corpo uma sensação decontinuidade, mantendo afastada qualquer ameaça à existência. Mas talmecanismo transforma-se numparadoxo: a criação de uma prótese paranão sofrer quedas vertiginosas de desamparo podeme lançar num riscodemorte.

CasoZ.

A etimologia da palavra adição refere-se à escravidão. Em suaorigem latina, adictos eram os devedores que, não podendo saldar suasdívidas, tornavam-seescravosde seus credores–escravospordívidas.Acompulsãodefatoaprisiona,escraviza.

Grudar em algo – álcool, substâncias tóxicas oumesmoumobjetoamoroso (as neossexualidades, segundo J.McDougall, 1997) – visa evitarrupturas, descontinuidades, que tão traumaticamente prejudicaram osensodeexistiremseuinício.Éessaamesmafunçãodeumobjetoautista,muitodiferentedoqueseriaadoobjetotransicional.

Z.recorreàanáliseema liçãoprofunda.Onamorocomumcolegadefaculdadeestáprestesaacabar,esegundoela“nãoháoqueamorteçaessador”.Retenhoesseverbo“amortecer”.

Fazem tudo juntos, aulas, lazer, esportes e principalmente amonogra ia dele, que foi feita por ela. É uma atitude frequente: suaextremadoaçãoaosoutros,sempredisponível,solícita,tentandodarcontade seus trabalhos acumulados e dos outros. “Pensa sempre primeiro nosoutros,elanuncaemprimeirolugar”–palavrassuas.

Nãosesustentasozinha,sóadicionada.Brincocomelaseraadiçãosuaoperaçãomatemáticapreferida,nuncaasubtração.

Diante da intensidade dessa relação amorosa percebo ser aseparação vivida como uma queda em abismo, e talvez por isso areferência aos amortecedores. Ela de ine amortecedor como aquilo quediminuio impacto,eentãocomeçamosa falaremdespencar,cair.Guardoparamimqueapalavracontémtambémmorte,elanãosedáconta.

Emmeioaumasessãofalandosobrepasseiosmencionateremsidopoucososmomentosagradáveisemfamília.Asrarasviagenseramtensas,sua mãe parecia estar sempre muito irritada e por vezes se isolava noquartodohotel.Masemseguidacorrigeessaafirmaçãodizendo:“Não,maselanãotinhanadadeconcreto”.Dizquehápoucotempoummédicofalounumdiagnósticodepsicosemaníaco-depressiva,mas issonão teria icado

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muitoclaro...Essarevelaçãodasupostadoençadamãe–“nadaconcreta”– faz-

me formularahipótesedeumadepressãogeradoradeuma falhabásica,como diria M. Balint (Balint, 1993), fazendo com que esse eu não fossedevidamenteconstruído.

Nessa sequência revela ter sido uma criança que nunca deutrabalho,muitoautodidata,prescindiadeajudanastarefasescolares.

Paradenominarosmovimentosde“grude”deZ.noobjetoamorosoou em atividades incessantes, uso a palavra ventosa. Ela acha graça, dizcorresponder isicamente ao que sente – e assim vai identi icando suasequaçõesadesivas(quenãoadeixamdesenvolverequaçõessimbólicas).

Após dez meses de análise, quer interromper. Havia conseguidosuperar a separação amorosa. Não quer me dar mais trabalho. Natransferência, uma mãe frágil deve ser poupada. Eu havia mencionado,numasessãoanterior,queapartirdaliaventosaseriacomigo,anunciandoque a relação de dependência podia ser com a análise, e ela em seguidaquis irembora.Seráquemeprecipitaranomeandoantesdotempooqueviriaaindaaacontecer?

Suaprecocidade se evidencia.Nãopode “engatinhar”, tem logode“andar”. Comenta que um furacão passou pelo sul do Brasil e tenho aoportunidadedelheapontarteralgodessaordempassadotambémentrenós,quaseaarrancandodali.

Resolve continuar e reconhece que tem conseguido estabelecerlimitesaospedidosdoscolegas.Nãoprecisamaispreenchersofregamenteo tempo. Cria intervalos dentro de seu dia para “respirar”. Usufrui ostempos de aula vagos na faculdade, sem os temer como se fossem“buracos”.

Revela ingerir bebidas alcoólicas emexcesso à noite e nos ins desemana.Precisa“secalibrar”antesdasdiversões,dosshows.Oalcoolismo,não falado antes, aparece. São vários os episódios em que se embebeda,sendolevadaparacasa“desmantelada”.

Cabeaqui lembraroutromecanismo importantenoautismo:ousoexacerbadodasformasdesensação(Tustin,1990).Embebêsnormaiselasseoriginamda“sensação”desubstânciascorporaismaciastaiscomofezes,muco, saliva e são os rudimentos das noções de fronteiras, delimitadorasde espaço. As crianças autistas recorrem a essas formas de maneirafrequenteetendemacompensarcomelaso luxoaleatóriodassensaçõesdeseuserameaçado.Asformasdesensaçãoacalmam,tranquilizam.

SegundoFédida,oaquecimentoproduzidopela ingestãoexcessiva

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deálcoolpodeproduzirumaformadesensação,construindoumenvelope,nemquesejatérmico(Fédida,1991).

Temos então uma sessão “térmica”. Z. faz referência ao calor quesentiu com os amigos no im de semana, num sítio em torno da lareira.Muitoaconchego.Emseguidasurgeoassuntoeleiçõesemseudiretórionafaculdade,eelaestánachapa“quente”,assumiuumcargomuitobom“quecaiuemseucolo”,segundoela.Apontoparaotérmicopresentenasessão,oaquecimento,nãosendomaisdevidoaoálcoolingerido.EssasensaçãoZ.já descrevera para mim como uma “forma quente” no meio do corpo,formandoumaimpressãoalucinatóriadeintegridadepsíquica.

Seguimos trabalhando facea face,eelapassaameolhar “olhonoolho” com mais tranquilidade. Era muito frequente seu desvio de olhar,mostrando receio de renovar a experiência traumática de não encontrarfundoemminha cabeçaeassimcair atrásdapupila, oqueacontece comum olhar deprimido. Eu sustento esse olhar sabendo ser esta umaexperiênciadeestruturarítmicadoprimeirocontinente(G.Haag,1986).Oritmodadobra,comoprimeiraformadementalização,édadonesteirevirdainterpenetraçãodosolhares.

A imagem damãe numa foto com a expressão desolada surge demaneira forte numa recordação. “Devia mesmo ser deprimida”, conclui.Pensa então ter sempre confundido tristeza com depressão e, muitasvezes, acreditou que parando de se movimentar iria deprimir-se. Estáestranhandoesseritmonovo,maisquieto,pausado.Gostadisso.

Tem um sonho com cobras, elas trocavam de pele,mas não tinhamedo. Nessa ocasião apresentava coceiras na pele. A aquisição de umenvelopetátilprópriopareceefetivar-se.

Segundo D. Anzieu é na pele, por ser uma super ície na qualresultam percepções externas e internas (Freud já fazia alusão a essabipolaridade tátil em 1923 no Ego e o Id), que o ego aprenderia seudesdobramentore lexivo:eu/nãoeu(Anzieu,1985).DaíFreudterrazãoao a irmar que o ego é a projeçãomental da super ície do corpo (Freud,1923). A constituição de vários envelopes (sonoro, térmico, respiratório,muscular)ajudaaconfiguraressanoçãodeeu.

Z. me informava, por meio de seu sonho, viver um processo deseparaçãodaspelespsíquicas, saindoentãodeumaprecáriaorganizaçãoegoica.

ConsideraçõesFinais

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Dentro da perspectiva aqui apresentada os fenômenos que estãoem jogo necessitam ser constituídos, e não recuperados como parte deuma realidade que já foi vivida. Daí não estarmos falando de retorno dorecalcado,esimdeconstrução.

A técnica analítica ica realmente modi icada. Aquilo que não seorganizouemexperiênciacomooutrovaiprecisarconstituir-senarelaçãotransferencial.

Winnicottusavacomfrequênciaaexpressão“sobdomíniodoego”.A pessoa consegue colocar sua experiência sob domínio do ego, dizia ele(Winnicott,1971).Porémissosigni icapossuirumegoquecontenhaseusconteúdospsíquicos.

Estamos diante da aquisição de um envelope psíquico, em que adiscriminação “eu” / “não eu” não seja mais catastró ica. Porque o quehouvefoidaordemdaprivação,nãodacastração(sendoestaposterior).Aênfase cai, portanto, no conceito de regressão. Faz-se necessárioacompanhar o paciente onde não houve experiência, para que viva, naexperiênciaanalítica,afunçãoquefaltou.

Considerando o trabalho de promover transferencialmente uma“gestação psíquica”, J. Kristeva fala em “enxertos de interpretação” –enxertos, pelo fato de a associação não vir do paciente, mas do próprioanalista(Kristeva,2000).

A “construção em análise” tem sempre algo inquietante –conhecendoafrasedeFreud“Temosdefabricaroucriaroquedesejamosobter” (Freud,1937)–,maspor issoP. Fédidaacreditavaqueé “graças àforçadeimaginaçãoanalógicaemetafóricadoanalistaqueopacientepodetirarproveitoterapêuticodesuaregressãonotratamento”(Fédida,1994).

Certos pacientes, comoos descritos hoje, ao imporemdi iculdadestécnicas, exigem que o analista encontre palavras commaior capacidadesensorial. Elas devem recuperar sua relação com o corpo, para setornaremrepresentativas.Tentarligarpalavrasàssensaçõesédarcorpoàlinguagem.

Venho denominando Psicanálise do sensível a essa tentativa derepensar o lugar da sensorialidade na teoria e técnicas analíticas. Doiseixossãofundamentaisdentrodessaperspectiva:

1. O resgate da sensorialidade na constituição primordial dopsiquismo.

2.Adimensãocorporaldatransferência.Finalizando,gostariaderea irmarpormeiodaspalavrasdeFédida

que:

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O autismo adquiriu tal nível de pertinência semioclínica que sua

descrição fenomenologicamente apurada transforma-o numa verdadeira fontedemodelização(Fédida,1991).

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8-DEPRESSÃOEREGRESSÃOEMANÁLISEÀLUZDEUMAPSICANÁLISEDOSENSÍVEL

1

Nunca uma psicopatologia poderia aproximar tanto corpo e

psiquismocomoadepressão.Nestetrabalhopretendoabordá-ladentrodaperspectivadeumaPsicanálisedosensívelemtrêspartes:2

I.Introdução:PertodastrevasII.CasoP.:“umadepressãomalcurada”III. Os bene ícios da depressão e a retomada da regressão em

análise:opensamentodeP.FédidaedeD.W.Winnicott.

Introdução

Quando W. Styron, o autor do livro Perto das Trevas , expõe seusofrimento, provocadopor umadepressão aguda, podemos ter uma ideiadadimensãocatastróficadessapatologia.

A depressão, diz ele, é um distúrbio do espírito, tão misteriosa eimprevisivelmente percebida pela pessoa, pela mente mediadora, que équaseindescritível.Sendoassim,permaneceincompreensível.

Esserelatofeitoporumescritordeobraliteráriareconhecida(seulivroAescolhadeSo iateveversãocinematográ ica)éumdepoimento,dosmaissensíveis,sobreopercursotrágicodealguémquequasesucumbiu.

Foi surpreendido por um mal-estar aterrador, inicialmente ísico,numa ocasião, em Paris, às vésperas de receber uma homenagem. Nãoconseguiu identi icarcausaaparentequeo justi icasse.Suadescrição,noscapítulos seguintes, é a de uma imersão em sintomas de extremodesconforto, incluindo então angústias desmedidas até a tentativa desuicídio. A competência de seu talento literário fornece uma visão dealguémque,efetivamente,foibempertodastrevas.3

Até sofrer o ataque, o escritor nuncahaviapensadona ligaçãodotrabalho(osromances)comseuinconsciente.Ospersonagens,pelomenostrês,tentamosuicídio,easheroínastrilhamocaminhodadesgraça.Issooleva a perceber que a depressão estava à espreita. “Desse modo a

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depressão,quandomedominou,nãoeraumaestranha,nemmesmoumavisitantecompletamenteinesperada.Hádécadaselabatiaàminhaporta.”4

Eleterminaporseconvencerqueacondiçãomórbidatinhaorigemem seus primeiros anos de vida. Ele lembra o que chamam de “lutoincompleto”, isto é, não conseguir fazer a catarse da dor e, por isso,carregarnoíntimo,portodaavida,ummistoderaivaeculpa,aliadoàdornãoliberada.

CasoP.:Umadepressão“mal-curada”

MuitodescrentedoqueaPsicanálise aindapodia fazerpor ele, P.referia-se a sua doença como uma “depressão mal-curada”. Permaneciaem tratamento medicamentoso, tomando lítio e alguns ansiolíticos. Nasentrevistasiniciaisdescreveusuatrajetóriadeanálisesdesdeos25anose,naquela ocasião, um homem de 45, resolvera tentar mais uma vez. Aexpressão escolhida, referindo-se a outra usual, “uma gripemal-curada”,fez sentidoquandome relatounão ter sidoumapessoadeprimidadesdesempre.

Teve o primeiro “desabamento”, como ele mesmo denominou, aoinaldoquartoanodeseuprimeiroprocessoanalítico.Naépoca,segundoele, o analista considerou esse fato comoum fracasso do tratamento, nãoaceitando encaminhá-lo a um psiquiatra. Interrompeu o atendimento,procurou por conta própria uma indicação psiquiátrica e recuperou-seaparentemente.

Iniciou novo processo analítico e em poucos meses estava sendoresponsabilizado por seus sintomas depressivos, questionado pelosmotivosdetal“boicote”asuaspotencialidades.Naverdadesuadepressão,assim percebeu, era vista como algo do qual ele tirava vantagens, nãoconseguindo dispensá-la. Seguiu culpando-se, tentando reagir, mas semsinais de melhora da angústia avassaladora. Foi mais curta a duraçãodessasegundatentativadeanálise,cercadeumanoemeio.

Sem muitas expectativas e com descon iança inicia sua análisecomigo,aceitandoafrequênciadeapenasumasessãoporsemana.Umademinhasprimeiras interferências foiemtornodo fatodepoder inalmenteviver a depressão dentro de um lugar propício para isso. Pensei nessemomento num artigo da psicanalista Edna Vilete no qual ela relata oatendimento de uma paciente que subitamente sofre um colapso, nosentidowinnicottianodotermo,quandojustamentecompletavaseuquinto

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anodeanálise.5É com surpresa que ele registra esse ponto de vista e passa a

compreender sua depressão de alguns anos atrás como resultado, e nãoataque ao processo analítico. A depressão chegara, sem aviso prévio, porestar aguardando um terreno de con iança para se deixar tratar. (EsseaspectoserádesenvolvidoteoricamentenaparteIII.)

Sente-se uma sombra, não tem luz própria e desconhece suascapacidades. Pouco apouco, vai revelando ter tidoumamãedeprimida avida inteira. Suas lembranças da casa dos pais, onde vivia commais doisirmãos,sãodesilêncio,poucasbrincadeiras,deircedoparaacama.Fazerbarulho,ouvirmúsica,en im, tervitalidadepodia incomodaramãe,e issoseria fatal.Amãe,porvezes trancadanoquarto,nãoalimentavaos ilhosou,muito irritada, achavadefeitos ísicos nos três.Nadano corpodeP. aagradava, cor de cabelo, olhos amendoados, parecia feio por completo. Equanto ao mundo externo, para sua mãe, todos eram suspeitos, suadoutrina incessanteeradequeos ilhosnãopodiamcon iaremninguém,sóelamereceriacrédito.

Essa descrição me fez lembrar o ilme “Os Outros”, de AlejandroAmenabar, com Nicole Kidman no papel principal. É uma contribuiçãocinematográ ica mostrando o isolamento que uma mãe pode causar aosseus bebês. A personagem mantinha os ilhos num casarão, às escuras,comcortinasquenãodeixavamentraraluzdosol,justi icandosuaatitudecomumapossíveldoençadascrianças.Oenredoenvolvemistérioeterrore re lete um tema atual:assassinato de crianças emortes em família. É aloucuramaternaqueestáaliexposta,eaocomentarmoso ilmeemsessão(P. também o havia assistido) aproximamo-nos de sua experiência. Adepressãodefende-seda tristezapelaparanoia e, oqueémais grave,háuma incapacidade maternal para se deixar utilizar como um objeto deamorpelofilho.6

Na escuridão, instaurada por uma mãe sem ternura, quepossibilidade teria P. de identi icar, sozinho, seu próprio brilho? Nade inição freudiana demelancolia reencontramos esta imagem: a sombrado objeto cai sobre o ego, que passa a ser o objeto abandonado.7 Amãe,vivendo em si própria uma perda de objeto, dissemina essa sombra eencobreosquedeladependem.

Em uma determinada sessão, o assunto gira em torno de umabebida chamada “morte súbita”, comentário de um amigo, cujo nomechamou-lhe a atenção. Em seguida passa a falar de um prazer emdescobrirmúsicasnainternet,antigas,Villa-Lobos,epormomentossentir

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uma“emoçãoviva”,umjúbilo.Asassociaçõesseguintessãominhas:mortesúbita, mal-súbito, morte, vida, vida súbita... Digo-lhe que parece sentir“vida súbita”, brinco com ele que, ao contrário da fatídica bebida, o quesenteéalgovivo,emborafugaz!

ComodiriaFédida,emcertoscasos,opacientenãosuportaterumavidapsíquica,paraalgunsé“muitodifícilserpsiquicamentevivo”.8

PelovistoP.precisavaescondersuavitalidade.Suamemóriavaiaoencontrodeum incômodonaépocaemquevivia comamãe: a geladeirada casa sempre vazia. Era insuportável ver aquele vazio. Seria a própriaexpressãodocorpodamãevazioegelado?

Emum ano de análise a depressão retorna sem trégua. Ele haviame perguntado, no início, se eu estava certa de que poderia aguentar,anunciando-me assim a força devastadora de seu sofrimento. Não oassegurara,masmecomprometeraaacompanhá-lo.Naverdade iava-menossuportesteóricosaquiapresentadoseemminhaanálisepessoal.Possoa irmarquevivemos“atravessiadoabismo”,lembrandoaspalavrasdeM.Balint.9

Um dos momentos mais críticos ocorreu quando P. começou arepetir palavras sem nenhum sentido. Muito a lito, chega à sessãocontando que dentro do táxi, em direção a meu consultório, repetirainúmeras vezes: “Cosme Velho, Cosme Velho”, nome do bairro, e emseguida palavras a esmo, nomes de coisas que ele via ao passar, “carro,menino,sinal,janela...”.

Acalmo-o, dizendo que era importante segurar-se nas palavras,como se elas fossem concretas e boas para se agarrar, não o deixandoafundar. Façoo gesto comaminhamão, imitandoo atode agarrar no aruma palavra (ele está de frente para mim, incapaz, nesse momento, dedeitarnodivã).Naangústiadequedasem imaspalavrasnãotêmsentido,mas podem ter a mesma função dos objetos autistas, que, sólidos,garantemaoautistaumacertezadenãodespencar.Com isso, forneço-lheumacompreensãodesseestadoemqueeleachaqueiaenlouquecer.

Queixava-se de estar isolando-se, evitando as pessoas, a família.LeioemWinnicott,emseulivroNaturezaHumana,queoisolamentoéumaproteção aoself invadido,umamaneiradeevitar intrusões.10Eébem issoque P. tentava conseguir, manter-se inteiro na quietude, mesmo queprecariamente,semameaçasdeesvaziamento.

Aosairdeumadassessõeselesedespedeeeucolocominhamãoemsuascostas,apoiandosuacoluna.Havíamosfaladomuitosobreelenãose cobraro esforçopara se “erguer”, para se animar,porqueomomento

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era, ao contrário, de tolerância com esse estado regredido e de procuraremcasalugaresaconchegantespararepousar.

Opiorparaumdeprimido,diziaFédida,équeselheaconselhemareagir,levantar,iràluta,enfrentaravida.

Sua postura ísica é encolhida, sente seu corpo muito curvado eenroscado para frente; isso o a lige. Mostro sua necessidade de ter ascostas em arco, pedindo apoio. É de G. Haag a constatação de que o fetosentedesdemuitocedoodorsodocorpoencostadonasparedesdoútero,justamente com essa curvatura, já experimentando a sensação ísica deumaretaguarda.11

Solicitonesseperíodoarevisãodeseutratamentopsiquiátrico.Suamedicação é reavaliada por médico por mim indicado, e inicia um novotratamentocomantidepressivos,acompanhadomaisefetivamente.Sendoopsiquiatra ocasionalmente homem, formamos, a partir daí, um casalcuidador,numaimportanteparceria.

Sente-se paralisar, ica imóvel em casa durante horas, condena-sedepoisporessetempoperdido.SegundoFédida,oshumanosquandoestãodeprimidos podem tornar-se tão glaciais e imóveis quanto as própriastumbas.12

Ressurgeageladeiradamãeondesóhaviaáguaegelatina–nadademuito consistente. Ofereçomeu olhar para ele, está emposição face aface nesse período, e digo que ele pode agarrar-se emmeu olho. (Tenhoaqui presente a teorização de G. Haag sobre a importância dainterpenetração do olhar como construção de continência.)13 Ele lembraque a mãe não o olhava, só existiam críticas da parte dela. No caminhoparaaanáliseobservaumacasaemobras,comentaquesãoreformasdebase. Ficamuito evidente estarmos ali também fortalecendo os alicerces,ondetudocomeçou,cuidandodasnecessidadesbásicas,olhareserolhado,sersustentado,eatéumcardápiodasemanaeuprecisoorganizarcomele,parasealimentar.

Em certo momento a irmo que sua mãe foi realmente muito má,quase repetindo a intervenção de Winnicott no caso de sua pacienteMargareth Little ao dizer: “Eu realmente odeio sua mãe”. 14 Mesmosurpresocomessaminhaa irmação,perceboqueissooconforta,comoseninguématéentãopudesse ter lheesclarecidosobrearealidadepsíquicadesuamãe.Nemseupaidefendeu-odapatologiamaterna.

Lendo Guimarães Rosa, no contoA Terceira margem do rio , opaciente P. ica impressionado com a cena em que o pai do personagempermanece num barco no meio do rio, sem voltar, estagnado,

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incomunicável, longe da família. Mas eu aponto para o inal da história,onde poderíamos, quem sabe, identi icar algumas semelhanças com suaexperiência.Elenãoconseguelembrarcomoterminaoconto,eaquiFreudmaisumaveztemrazão:oesquecimentoéosinalrevelador.

Ao inal do conto o personagem ilho consegue inalmente secomunicarcomopaiegritadesejarsubstituí-lonobarco,porqueagora,jáadulto, pode trocar de lugar com ele, para acabar com aquela situaçãotrágica. Ao que o pai acena inalmente, aceitando a oferta, o ilho correapavorado. Formulo a hipótese de que ele talvez estivesse às voltas comisso: uma substituição – quem agora é deprimido e icaria no lugar doisolamento–eleousuamãe?

A análise de P. prosseguiu dentro do que podemos considerar“construções em análise”, lembrando ser isso sempre algo inquietante;segundo o próprio Freud, “temos de fabricar ou criar o que desejamosobter” (1937). A ênfase cai, portanto, no conceito de regressão. Fez-senecessárioacompanharopacienteondenãohouveexperiência,paraquevivesse,naexperiênciaanalítica,afunçãoquefaltou.

EFédida acreditavaque graças à forçade imaginação analógica emetafóricadoanalistaéqueopacientepodetirarproveitoterapêuticodesuaregressãonotratamento(1994).

Osbenefíciosdadepressãoearetomadadaregressãoemanálise:opensamentodeP.FédidaedeD.W.Winnicott

Apresentandoorelatodessecaso,tenhoemmenteaconvergênciaentreaspostulaçõesdeD.W.WinnicottedeP.Fédidasobreaimportânciadaregressão.

P.Fédida,psicanalistafrancêscomumaobrareconhecidaemtornodo tema do Corpo e da Psicanálise, deteve-se em seus últimos livros(faleceuem2002)na investigaçãodadepressão.Num livro intituladoDosBene ícios da depressão – elogio da psicoterapia (2002), enfatiza o valordessa patologia, no tocante a um ritmo vivenciado pelo paciente comopossibilidade de reconstrução de um equilíbrio. O tempo seráexperimentado de forma a se aproximar do quase parado até que opaciente possa, dentro de uma regressão em análise, readquirir omovimento.

Encontro aqui um diálogo possível entre esse autor e D. W.Winnicott pelo menos em três de seus artigos: “Aspectos clínicos e

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metapsicológicosda regressãono contextopsicanalítico” (1954); “Omedodo colapso” (1963) e “A importância do setting no encontro com aregressãonaPsicanálise”(1964).

Considerando que Freud teria deixado a nosso cargo a tarefa dedesenvolver o estudo da regressão, Winnicott dedica-se a esseaprofundamento.Destacoalgumasdesuashipótesese creioquepoderãoserverificadasnocasodeP.enorelatodoescritorW.Styron.

Segundoele,háumcongelamentodasituaçãodafalha,oeuécapazde se defender e aomesmo tempo aguardar, de forma inconsciente, queemalgummomentofuturohajaoportunidadeparaumanovaexperiência.Nessemomento, “a situaçãoda falhapoderá serdescongeladae revivida,comoindivíduoemestadoderegressãodentrodeumambientecapazdeproveraadaptaçãoadequada”.15

Poderíamos então reconhecer a situação transferencial como oespaço pertinente para a regressão, o analista representando para opacienteoencontrocomumaesperadaboamaternagem.

Winnicottchamaaatençãoparaapossibilidadedequeocolapsojátenha acontecido, próximo do início da vida. O autor surpreende-nos aoa irmar que o paciente precisa “lembrar” um estado passado, que nãopodeser lembradoporqueelenãoestava lácomoumeu integrado.Dizoautor:“aúnicamaneirade ‘lembrar’,nestecaso,éopacienteexperenciaresta coisa passada pela primeira vez no presente, ou seja, pelatransferência”.16

Fédida, apoiando-se em Freud, a irma que a transferência dispõedeumamemóriaalucinatóriaregressivaquevaibuscarasformasvivasdeumpassadoanacrônicopormeiodapresença,empessoa,doanalista.

Diante das angústias inimagináveis, revividas nos momentos decrise,ospacientesdepressivossolicitamdoanalistaqueele se torneumaformaplástica–ummolde,segundoFédida,próprioparareceberoestadoinforme no qual eles se sentem. Alguns pacientes vivem a ameaça de sedesmancharnodivã.

“A forma corporal que toma a aparência do deprimido impõe aimagemdoleitodadepressão.”AodizerissoFédidaadmitequeaimagemé bastante winnicottiana: o analista não hesita em reforçar a ilusãoregressivadaproteçãoquentedeumdivã(almofadas,mantas...).17

Winnicottesclarecequeestamosdiantedeumgrupodepacientes

cujaanálisedeverá lidarcomosestágios iniciaisdodesenvolvimentoemocional,remota e imediatamente anteriores ao estabelecimento da personalidade comouma entidade... Nessa categoria de pacientes está em jogo o desenvolvimento

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emocional primitivo no qual é necessário que a mãe esteja segurandoconcretamenteacriança.18

Podemospensarqueessadimensãoéoferecidapelapresençaviva

doanalista.Tendoemvistaqueoparadigmadepressivoéaimaginaçãodavida inanimada, segundo Fédida, a depressão inevitavelmente remete aofrio, ao silêncio gelado, ao desaparecimento aparente da vida. Apsicoterapiaanalítica,peloprocessoquedesencadeia,constituiexatamenteuma reanimação desse vivente psíquico inanimado. Portanto, o que estáemjogonotratamentoéotempodaregressão,queFédidade inecomootempo de retorno das experiências psíquicas corporais anteriores,especialmente dos primeiros anos de vida. Em sua publicaçãoPor ondecomeça o corpo humano – retorno sobre a regressão (2001), dá ênfase àretomada da noção de regressão (que caiu em desuso pelos analistas),justamenteemrazãodoscasosreputadosdifíceis.

Esse ponto de vista comum aos dois autores vai colocá-los diantedasdi iculdadesinerentesàtécnicaanalítica.Se,porvezes,atarefaparecesimples, por ser uma experiência demasiadamente humana – a deressonância íntimacomooutro–,oqueentraemquestãoé“apercepçãodoanalistadesuaprópriamembranaderessonância”.19

NessaperspectivaWinnicottchamaatençãoparaofatodequeessetrabalho não apenas é di ícil, mas absorve uma grande quantidade dacapacidade de investimento psicoenergético do analista. Aconselha aconduçãodedoisoutrêscasos,enãoquatroaomesmotempo.Háqueseconsideraraviolênciaproduzidapeladepressãodopacientesobreavidapsíquicadoanalista.

Cabe observar que ambos os autores consideram que a cura doestadodeprimidoencontra-senaaquisiçãodeumacapacidadedepressiva,ouseja,daspotencialidadesdavidapsíquica(asubjetividadedostempos,a interioridade, a regulação das excitações...). Fédida acrescenta: “ospacientes deprimidos só podem curar-se se forem ajudados a entrar emcontatocomseusmortos”.20

Se a regressão à dependência, comodiriaWinnicott, é necessária,estamos, então, diante de um período inicial do desenvolvimento doindivíduoemqueocorpotempapelpreponderante.Emminhaspesquisassobreamemóriacorporal, 21constateiqueocorpoestá,defato,naorigemdopsiquismo.VenhodenominandoPsicanálisedoSensívelaessatentativa,portanto, de resgatar o lugar da sensorialidade na teoria e nas técnicasanalíticas.

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OsestudosdeF.TustineG.Haag,especialistasemautismoinfantil,devem ser aqui enfatizados. Por meio de suas contribuições, temos umasólida descrição dos aspectos corporais envolvidos na constituiçãoprimordialdopsiquismo.22 Esse conhecimentopode servir-nosdebússolana orientação dos fenômenos apresentados pelos pacientes adultosimersos ainda nessa necessidade de discriminação eu/não eu. Enumeroaqui uma lista dos elementos corporais cruciais para a integração queresultanumnascimentopsíquico:oritmodevaivémdo“olhonoolho”edo“bicodopeitonaboca”, o suportenuca-pescoço-costas, o envelopeverbalsuave–adobradosom,as junções intracorporais (unirasduasmetadesdo corpo em tornoda colunavertebral), a noçãode esqueleto interno, asarticulaçõescorporaiseaexperiênciatátil.

Winnicottusavacomfrequênciaaexpressão“sobdomíniodoego”.A pessoa consegue colocar sua experiência sob domínio do ego, dizia ele(1971).Porémissosigni icapossuirumegoquecontenhaseusconteúdospsíquicos. É por meio da dimensão corporal da transferência que opacientepodebene iciar-sedeumaconstruçãodeseuegocorporal,queseencontra ainda não-integrado. O trabalho dessa “reforma de base”, comomencionado pelo paciente P., requer do analista uma posturasu icientementeboaecontínua,eaosettingdeve-seatribuirtambémumafunçãocontinente.

TerminocomofinaldolivrodeW.Styron:

Para aqueles que viveram no bosque tenebroso da depressão econheceramsuaagoniaindescritível,avoltadoabismonãoémuitodiferentedaascensão do poeta, subindo e subindo, deixando as profundezas negras doinferno para chegar ao que ele via como “o mundo cheio de luz”. Aí, quemrecuperouasaúdequasesemprerecuperaacapacidadeparaaserenidadeeaalegria, e isso deve ser indenização su iciente por ter suportado o desesperoalémdodesespero.23

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D–Sobreosautores:P.FédidaeJ.Kristeva

9-PIERREFÉDIDA:UMAHOMENAGEMPARTICULAR

1

Emoutubrode2002,aconvitedainstituiçãoFormaçãoFreudiana

no Rio de Janeiro, pude expor alguns dos aspectos da obra de P. Fédidaquein luenciaramminhapesquisadedoutoradosobreotemadamemóriacorporaleatransferência.Apenasquinzediasdepoisrecebiaanotíciadeseufalecimento,oquemefeztransformarapalestranumartigoqueaquiapresentocomoumahomenagem,infelizmente,póstuma.

A questão que norteou o trabalho de tese, defendida naUniversidadeParis7sobsuaorientação,foisobreadimensãocorporaldatransferência.Trata-sedeconsiderarocorposensíveldopacientetalqualele aparece à escuta do analista. E este corpo sensível surge despertadopela transferência, reproduzindo sensações anteriormenteexperimentadas.

Sedeinícioasobservaçõesclínicasdetiveram-senasmanifestaçõescorporais de pacientes somatizantes, em seguida a pesquisa ampliou-seincluindo o retorno dessa memória corporal em outras organizaçõespsíquicas.

O encontro com Fédida foi então determinante. Psicanalista eprofessor da Universidade Paris 7, diretor do Laboratório dePsicopatologia Fundamental e Psicanálise e do Centro de Estudos doVivente na citada Universidade, esse autor pretendia traçar umaMetapsicologiadaclínica.Assemelhava-seassimaS.Ferenczi(tendonesseautor uma referência teórica importante) numa mesma intenção: umametapsicologia da técnica, que infelizmente o analista húngaro não podelevaratermo.

O contato com suas ideias por meio de livros traduzidos para oportuguês (Clínica psicanalítica – estudos2 e Nome, Figura e Memória – alinguagem na situação psicanalítica3) iniciara pouco antes deminha ida àFrança, por orientação do professor e psicanalista Chaim Katz. Fédidanessesescritosapontavaparao lugardocorpodentroda teoriae técnicaanalíticas. Fui encontrar eco em suas postulações para uma série de

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impassescomquemedeparavanaclínica.Em busca de sua orientação, candidatei-me ao mestrado que se

desdobrou num doutorado tendo então como hipótese de trabalho: “Assensaçõesregistradas iloeontogeneticamentepeloindivíduoreaparecemna transferência com o analista, quando o paciente encontra o espaçoapropriadoàrepetiçãodascenasmaisprecoces”.4

Atualmente, este tema,o corpo e a transferência recebeu umaprofundamento em pesquisa de pós-doutorado no Laboratório dePsicopatologia Fundamental da PUC/SP e nas publicações em francês 5 eemportuguês6datesecitada.

São três os aspectos dentro da obra de P. Fédida que mein luenciaram particularmente e nos quais encontrei fundamento para otemaemquestão:

I.AvisãodoautismocomomodeloparadigmáticoemPsicopatologiaFundamental

II. A retomada da noção de regressão em análise, apoiada em S.Ferenczi

III.Aênfasenotrabalhodetransferência

Fareiumabreveexposiçãodecadaumdessesaspectos, inalizandocom alguns dos comentários de P. Fédida na banca de defesa de minhatese,transcritosdefitagravadanaocasião(outubrode1998).

Avisãodoautismocomomodeloparadigmáticoempsicopatologiafundamental

Segundo Fédida, a teoria freudiana do autoerotismo continuaapontandoparanovasviasdepesquisa.Lembrandoa fórmuladeBleulerdeque“oautismoéoautoerotismosemoEros”,elevaiproporoautismocomoverdadeiroparadigmateórico-clínico.7

Para ele, a anorexia, por exemplo, pode ser pensada clinicamentepelo modelo do autismo, se considerarmos o mecanismo de retração,isolamentoerecusaalimentarcomoumaautossensualidadeconservadora.

Recorre a F. Tustin, autora inglesa reconhecida por seu trabalhoteórico-clínico com crianças autistas, principalmente no que ela postulasobreaproduçãodeformas.Cito-a:

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Pareceprovávelqueobebêhumanonormaltenhaumadisposiçãoinatapara criarformas. Essas formas primárias são provavelmente formações vagasdesensações.Elastenderiamacompensaraaleatoriedadedo luxodesensaçõesque constitui o senso de ser primitivo da criança... Essas primeirasformasoriginam-se da “sensação” de substâncias corporais macias, tais como fezes,urina,muco,saliva,oleitenabocaeatéovômito,algumasdessassendoobjetodeexperiências repetidas. Entretanto asformas são mais importantes para acriançadoqueassubstânciascorporais.Assubstânciascorporaissãomeramenteprodutoras deformas... Asformas de sensações normais são os rudimentosbásicos para o funcionamento emocional, estético e cognitivo. Se as coisas dãoerradoaqui,entãoproblemasterríveissãoacumulados.Foioqueaconteceucomascriançasautistas.8

A autora considera o autismo como uma aberração que se

desenvolveucomoresultadodeumaexperiênciatraumáticadeseparaçãocorporal. Haveria uma exacerbação dessa autossensualidade das formas,sempermitiraentradanoautoerotismoquejáprecisariasuporooutro.

Fédidaafirma:

Trata-se de verdadeiras catástrofes ocorridas no início da vida, quedestruíramacapacidadeimagináriadeumcírculoautoeróticodaformaeque,aomesmotempo,afetaramoconjuntodepossibilidadesdeconstituiçãodeumsiedesuasdefesas, inclusiveimunitárias,sendoqueapercepção–porassimdizer,emabismo – destas catástrofes éparcialmentepossível pormeiodas tentativasdacriançaparaseproporcionarumorganismoporautossensualidade.9

Oqueosbebêsnormaisobtémnassuper íciesdeseuscorpos,ele

nos diz, é a impressão de uma forma. Essas super ícies ainda nãoconstituem a pele como fonte diferenciada (interna/externa) autoerótica:são super ícies de impressões ou, mais exatamente, de projeções desuper ícies a partir do suporte dapele... Aindanão se trata da atribuiçãode uma pele, mas apenas de uma super ície ulteriormente capaz deproduzi-la.

Tudoissonosremeteaostemposprecoces,àsmarcasouregistrossensoriaisprecocesqueenvolvemo corpoantesmesmoquea linguagemsurja. Resgata-se assim a importância da sensorialidade na constituiçãoprimordial do psiquismo. Dentro de uma investigação sobre a memóriacorporal e como ela se manifesta por meio da transferência, torna-sefundamentaloestudodessesprimeirostempos.

Algumas psicopatologias consideradas por alguns comomodernastêm como denominador comum a incapacidade de representação –incluídasaíaspsicossomatoses,osestados-limitesasorganizaçõesaditivas–epodemservistaspormeiodesseparadigma.Suahipóteseédeque“oautismo adquiriu tal nível de pertinência semioclínica que sua descrição

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fenomenologicamente apurada transforma-o numa verdadeira fonte demodelização”.10

Fédida considera que no alcoolismo podemos pensar que asubstância se torna importante para o sujeito por estar ligada a essaproduçãodeforma:“queoálcooltorne-seaúltimasubstânciaquepermiteaexperiênciadeumfundonegronointerior ”.11Comoseissoocorresse,elecontinua,“paracriarintrapsíquicaouintracorporalmenteolugardooutro,por assim dizer inédito. Produzir um topos para este outro é a obratransferencialdaanáliseedapsicoterapia”.12

Umbreverelatoclínico

B.éumhomemde50anos,músicodesucesso jávencido,quemediznão saber se é alcoólatra.Nãobebe tododia,mas consomepor vezesumagarrafadevodcaemparceriacomamulheremdiascomuns.

Intriga-me a história de B., menino talentoso, pianista precoce,aderido durante anos a um grupo musical falido, sem autonomiafinanceira,emostrando-seacadasessãoanalíticafrágilevulnerável.

Suafotodeinfânciavestidodeternorevelaadeformidadejáinicial–ummenino que nunca deu trabalho. Só chorou de desespero quando airmã nasceu, aí, aos três anos, deu sinais de que era criança... contava amãe, orgulhosa de seu ilhomaduro. Andou cedo, falou cedo, tocoupianoparatodossentadocomseupequenocorponumtamboreteondenãotinhanemcomoseencostar.Nenhumaretaguarda,nenhumrespaldoafetivo.

A adição – o alcoolismo – ganha para mim contornos de umaprivação inicial e me lança no território do autismo, nessa capacidadeexacerbada de criação de formas de sensação para garantir umasobrevivênciapsíquica.Minhaclínicatransforma-se,eavalioqueaanálisedeB. seráuma longa trajetóriadeconstruçãodeumeu,nãopormeiodeuma ressigni icação de experiências já vividas, mas como uma novaexperiência,inaugural.

No caso de B. o álcool não entraria para preencher uma carênciaafetivaouanestesiarsentimentos,masaingestãodessasubstânciaforjaumaquecimentoquecriaumaformainternailusóriadeconsistência.13 Éumaimpressãoalucinatóriadeintegridadepsíquica.

Podemospassarparaosegundoaspecto:

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Aretomadadaregressãocomofenômenoinerenteaoprocessoanalítico

Apoiado nas ideias de S. Ferenczi, Fédida irá rever a noção deregressãoemanálise.EmsuasConclusõesbioanalíticas,14Ferenczidefendiaa ideia de uma tendência à regressão em ação na vida psíquica como aexistentenavidaorgânica.Segundoeleaanálisenãochegariaanadasema regressão. Segue a irmando que se o analista dispõe de meios paraimaginaranalogicamenteoqueescutadopaciente,umasessãodeanáliseequivale a uma sequência ontogenética que recapitula a infânciafilogenéticadaespécienoindivíduo,pautando-seaquinaleideHaeckel.15

Inspiradonessas formulações,Fédidaescreveumartigo intitulado“A regressão: formas e deformações”, 16 em que defende a regressão notratamento.

Para ele é graças à imaginação analógica emetafórica do analistaque o paciente pode obter recurso terapêutico de sua regressão notratamento.

Quando, portanto, uma relação analítica encontra-se num nívelprimário, ou seja, quando a transferência atinge níveis mais arcaicos, aspalavras não são possíveis, e as sensações têm lugar. A dupla analíticaencontra-sedemaneiraparticular(o“estadodetranse”17deFerenczi).

Cabe aqui lembrar que a hipótese deminha pesquisa foi sobre aexistência de uma memória corporal constituída de fragmentos deimpressões sensoriais da mais tenra infância que seria despertada nocurso de uma análise pelo fenômeno daregressão alucinatória datransferência.

Esses registros, que se fazemno corpo de início autossensuais, (eque podem ganhar nos autistas proporções desmesuradas) produzemformas vitais para o desenvolvimento e o asseguramento de uma futuraidentidadepsíquica.Háentãoapossibilidadedequejustamenteasformasdescritas por F. Tustin se reapresentem por vezes dentro da relaçãoanalíticapormeiodatransferência.

Esses fenômenos, segundo ele, encontram-se isolados de uma falaque possa descrevê-los; produzem apenas imagens sensoriaisexperimentadas pelo analista (não sendo metáforas). São muitas vezesessas formas autísticas que, mesmo que não estejamos diante de umacriançaautista, entramem jogoemoutras síndromesenos surpreendemnaclínicadeadultos.

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SegundoFédida:

Em várias condições o analista vê sua própria atenção prender-se aoconteúdodramáticodafalaquelheéendereçadaemsessão,esuasintervençõessão feitas no sentido do deslocamento transferencial.Mas em certosmomentosessa atualização faz desaparecer toda a associatividade de que a palavra seriacapaz,casoovividofossemantidopeloqueé,asaber,umaformaalucinatóriadodesejo.18

Aênfasenotrabalhodetransferência

A transferência favorece extraordinariamente a instauração dasmais re inadas manifestações. Essa é a razão pela qual analista eanalisando são colocados em uma situação em que os movimentosregressivospoderãoterlugar,níveissensoriaisincluídos.

Fédida vai explorar muito essa modalidade de comunicação nosprocessostransferenciais,títulodeumdeseusartigos.19

Paraele,analistaeanalisandosãoremetidosaoqueeledenominainquietanteestranheza da transferência.Oprópriodaquiloquechamamostransferência,dizele,estáemconstituirumfenômenounheimlich,porseudesencadeamento e pela potência psicótica (alucinatória) dos processosativados.20

Emminha pesquisa pude constatar que na comunicação analista-analisandoénecessário admitir, comoparte inerentedo tratamento, umaviasensorial.Domesmomodoqueapoesianosreenviaaumaexperiênciade sensação(ões) por meio de uma sequência de palavras fora de umalógicadiscursiva,atransferênciapresta-seaoencontrodasvicissitudesdaexperiência vivida, numa reprodução de sensações anteriormenteexperimentadas. Na maioria dos casos essas manifestações irrompembruscamentepormeiodosaparelhosvisual,auditivoeolfativo,quasecomouma alucinação, oferecendo condições para um retorno do infantil. Podeser uma sensação corporal inesperada, que adentra o espaço analítico eque indicaria uma experiência precocemente vivida. Está em jogo acapacidadedoanalistadeinterpretaressesenunciadoscorporais.

Portanto,aceitandoaideiada“transferênciacomocondiçãodeumarecolocação em movimento do círculo da forma autoerótica”, 21 podemosesperarpeloadventoderegressõesalucinatóriasduranteotratamento.

Oregistrosensorialescapaporvezesaoprocessoderecalcamento,justamente por estar fora da representação. Como diria S. Ferenczi, “a

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lembrança ica impressa no corpo, e é somente lá que ela pode serdespertada”.22 Algumas impressões icariam inscritas nessa memóriacorporal, memória esta que retorna despertada pelo processotransferencial,oferecendoapossibilidadederepresentação.

LembrandoS.Freud:“asexperiências inauguraisproduzemfortesimpressões e são relativas ao corpo próprio ou às percepções sensoriais,principalmente de ordem visual e auditiva”. 23 Em 1937, em seu texto“Construções em análise”, refere-se à presença de verdadeirasalucinações,certamentenãopsicóticas,surgidasaolongodotratamento:

Talvezsejaumacaracterísticageraldasalucinações–àqualumaatençãosu icientenãofoiatéagoraprestada–que,nelas,algoquefoiexperimentadonainfância e depois esquecido retorne – algo que a criança viu ou ouviu numaépoca em que ainda mal podia falar e que agora força o seu caminho àconsciência,provavelmentedeformadoedeslocado,devidoàoperaçãodeforçasqueseopõemaesseretorno.24

A noção freudiana de memória do infantil é invocada por Fédida

para esclarecer essas alucinações em análise. Daí considerarmos atransferênciacomolugarprivilegiadoparaaregressãoalucinatória.Talvezpudéssemosdizeratéqueelaéemsimesmaumaregressãoalucinatória.

É preciso que o analista exerça sua imaginação e capacidaderegressivaparapoder ter acessoa essematerial fornecidopelopaciente.Se ele encontra seu lugar de recepção sensório-cinestésica, o pacientepoderá “comunicar” seus signos sensoriais e transmitir vivências deintimidadeeestranheza.

Face à angústia arcaica do paciente, o analista encontra-se numasituaçãodelicada–éomomentoemqueamemóriacorporalmanifesta-seem lugar da linguagem verbal. E o corpo do analista é implicado nesseprocesso. SegundoP.Fédida,oanalistaprecisa ressoara comunicaçãodopaciente, isto é, deveproduzir algumeco em seupróprio corpo, demodoque, pormeio da vivência contratransferencial, possa entrar também emcontatocomessasexperiênciasprimitivas.

ComentáriosdeP.Fédidasobreapesquisa“AMemóriaCorporaleaTransferência”

Nabanca de defesa de tese demeudoutoradoP. Fédida a irmou,dentreoutrasobservações:25

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Quando a doutoranda veio me falar de seu projeto de tese eu logo

percebi que o que a interessava era, com efeito, a memória da transferência,própria da transferência. E que seu projeto mais amplo era, no fundo, umareflexãosobreatécnica,sobreapráticaanalítica.

Tenhosimpatiaporessetrabalhoqueacabadeserconcluídoequetemporinteressecolocaremevidênciaalgoquemetemocupadodesdemuitotempo.Este tema, memória, corpo e transferência, situa-se no coração mesmo daPsicanálisee,eudiria,tambémemseuprópriofuturo.

Uma perplexidademuito fecunda de sua parte conduziu-a a re letir, apartirdecasosclínicosdesuaexperiência,sobreaquiloquecolocavaemcon litoeventualmenteaestritaobediênciaàs regraseaomesmo tempo faziaaparecercerto número de acontecimentos que revelavam precisamente um campo ateorizar.Iria,portanto,precisarinterrogar-sesobrequeconjuntodedispositivosanalíticosconsideraaextraordináriapresençadocorporal.Equerolembrarnãose tratar de modi icar radicalmente a técnica, mas as intervenções do analistavãoprecisarlevaremcontaasexperiênciascorporaisoriginaisqueseencontrampresentesnatransferência.

Orientando-sefundamentalmentenateoriafreudiana, foinecessário,noentanto, constatar que o fenômeno corporal implicava considerar nainterpretação,enaprópriatécnica,oquenãopassapelaregraverbal.

Eraprecisoevitartodaa facilidadequeconsistiriaempoderretomarosslogansde certas terapias corporais, quer seja gestalt ou outras, e que consisteem querer supor que podemos diretamente ter acesso ao infantil, o maistraumático,atravésdeexperiênciascorporalmentevividas.

Creionohorizontenoqual se situa seu trabalho, tantoquepoderíamosdizer “imaginação corporal e interpretação” – como se apresenta a inal essaimaginação do corpo na atividade de interpretação e em toda a intervenção.Tendoemvistaqueessarelaçãonãoconsisteemtocaropaciente,adoutorandaseguiunosentidodeumapesquisaque,domeupontodevista,nãopoderiasedesenvolver e ter uma resposta satisfatória sem uma experiência clínica queproduzissenovashipótesesteóricasefetivas.

Enquanto lia seu trabalho eu estava ao mesmo tempo preparandoconferênciasquefareinoBrasilcomosargumentosdeLévi-Straussde1947,emseu projeto de comparar a técnica freudiana à técnica do xamã. Nessacomparação ele coloca em evidência as oposições entre a comunidade verbal eimaginária que sustenta a ação do xamã e a atividade psíquica que sustenta aatividadedoanalista.EeumeperguntavaseumtextocomoessedeLévi-Straussteriaparanóshojeemdia certae icácia.Trata-se talvezde saber senós jánãoteríamos formulado uma resposta a essa questão que se lhe apresentava naépoca: que os gestos verbais que o xamã dirige a sua paciente, no caso umamulher que está doente no momento em que vai parir, não conduzem adespertara“saída”domal.Emseutextovemosocaminhoquepercorreogestoda palavra para ir buscar no corpo a forma doente e colocá-la nessemomentoforadocorpodapaciente.

Suatesecolocaaseguintequestãoatual:Seráquenósevoluímossobreanossaconcepçãodeinterpretação?Essaqueproduzimosnotratamentoequeseformano interiordomaterialdesensaçõesqueoanalistarecebevindasdeseupaciente? Re iro-me a esse não verbal, se os senhores assim o querem,melhorseriadesigná-locomosensorial, comosensual, comosexualnãoagidonasessão.Será que a interpretação forma-se nessa capacidade gestual que permite emseguidaaopacientereceberaspalavrasdoanalista,com,digamos,omaterialque

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édesuaexperiênciatransferencial?Portanto,aquestãoqueeulevantoé,maisglobalmente,sobreaevolução

da técnica analítica. O desdobramento desta pesquisa de tese concerneprecisamente esse ponto, posto queme parece ter sido lançada uma primeirapedraque,agora,lhepermitiráalcançaraconstruçãoquevirá.

Concluo aqui esta exposição considerando que devo a Pierre

FédidameureencontrocomumaPsicanálise sensível; suaobra incitou-meadesenvolveras ideiasdapesquisaquecontinuaatualmentecomo título“A dimensão corporal da transferência – evoluções da técnica analítica”.Soumuitogrataàconfiançaqueemmimdepositou.

Post-scriptum

Sinceros agradecimentos ao amigo Marcelo Marques, psicanalistada Association Psychanalytique de France, a quem devo meu primeirocontatocomP.FédidaemParis.

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10-JÚLIAKRISTEVAEOTEMPOSENSÍVEL

1

Autoradeumaextensaobra, J.Kristevavemdestacando-se como

uma das pensadoras mais instigantes da Psicanálise francesacontemporânea.Minha intenção é partilhar como leitor algumas de suasideias. No dizer de Roland Barthes, ela sabe ser efervescente em váriossentidos:comopresençaeautoridadedepensamento.

Cabe aqui uma breve biogra ia. Búlgara de origem, francesa poradoção (reside na França hámais de 30 anos), J. Kristeva é psicanalista,semióloga, romancista e professora das Universidades de Paris 7 eColumbia, deNovaYork. Atualmente dirige a EscolaDoutoral de Línguas,LiteraturaeCivilizaçõesdaUniversidadeParis7.

Alguns de seus livros têm tradução brasileira: Estrangeiros a nósmesmos, Sol negro.Depressão e melancolia (ambos da Ed. Rocco); osromancesOssamurais,Ovelhoeoslobos(Ed.Rocco),Históriasdeamor (Ed.Paz e Terra); o ensaioNoprincípio eraoamor (Ed. Brasiliense) e, omaisrecente,Sentidoecontra-sensodarevolta–poderese limitesdaPsicanálise ,foilançadoesteanopelaEd.Rocco.

OtítulodestaobrafoitemadeumdeseuscursosnaUniversidadeParis 7 (1994/95), cujas aulas foram transcritas por alunos e publicadasnaFrança emdois volumes.Oprimeirodesses volumesnos chega agora.Suaformadediscursodiretonosdáadimensãodaeloquênciadamestra.

Militante de maio de 68, J. Kristeva participou do movimentofeminista dessa época e sempre esteve voltada para a questão política.Mantém sua visão crítica dos acontecimentos contemporâneos, o querevela em suas recentes publicações:As novas doenças da alma (Ed.Fayard),Contra a depressão nacional (Ed. Textuel) eO Futuro de umarevolta(Ed.Calmann-Lévy).

Condiçõesdavidamodernareduzemoespaçopsíquico

SegundoJ.Kristeva,ascondiçõesdavidamoderna,comoprimadodatecnologia,davelocidade,daimagem,reduzemoespaçopsíquico–que

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correatéoriscodeextinção.Apontaparaareduçãoespetaculardenossavidainterior:

Fazemoseconomiadessarepresentaçãodasexperiênciasquechamamosvidapsíquica.

Daí a necessidade de se contrapor uma “cultura-revolta” à atual

“cultura-diversão”,“cultura-show”quefazempartedenossasociedadedoespetáculo(G.Debord).

É contundente suaa irmaçãodequeavidapsíquica só será salvaseelasederotempoeoespaçodasrevoltas:romper,rememorar,refazer.Édentrodessaperspectivaqueelarecuperaosentidoderevoltacomoumretorno que visa uma subversão, um deslocamento, uma mutação,desfazendo-sedeseusentidorestritodemeraoposição.EssarevoltaseriaalógicaprofundadecertaculturaqueJ.Kristevaquerreabilitar.

Elaconsideraqueavidapsíquicadohomematualsitua-seentreossintomas somáticos (a doença e o hospital) e a colocaçãode seus desejosem imagens (o sonho diante da TV ou do computador). E que para alémdas diferenças entre esses novos sintomas temos um denominadorcomum: uma di iculdade crescente de representação psíquica. As “novasdoenças da alma”, os doentes deste início de novo século, mostram umaincapacidadedeligarcorpoàpalavra,denomearsensações.Elamencionauma inibição do tempo sensível, por mais que possamos observar,paradoxalmente,umaexacerbaçãodotemadocorpo.

Acredita,então,queumarevalorizaçãodaexperiênciasensívelfaz-senecessáriaemtermosjustamentedeconjugá-laauma“cultura-revolta”.Umadascondiçõesnecessárias, segundoela, àvidadoespírito seriaumareabilitaçãodosensível.

Tomando como base o pensamento de Hanna Arendt, J. Kristevaa irmaquenossoscontemporâneosestãoinaptosajulgarobemeomalemergulham em sua banalização. Muitos não conseguem representarpsiquicamente (palavras, imagens, pensamentos) seus con litos e vãoconsequentementeaovandalismo,àspsicossomatoses,àsdrogas.

Énessesentidoquecaberessaltaraoriginalidadedacontribuiçãode J. Kristeva ao freudismo, já que propõe uma atenção particular aosensorial, ao não verbal. A Psicanálise surge de seu ponto de vista comocopresença sexualidade-pensamento. Julga que Freud propõe-nos algodiferente de um modelo de linguagem, na verdade um modelo de“signi icância”, bem mais abrangente, pressupondo a linguagem e seu

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substrato pulsional. Isso anuncia domínios fecundos de pesquisa para aPsicanálisecontemporânea.

“A insistência sobre o sentido (sensação), a utilização da palavraerotizadana transferência são o sinal de reconhecimento essencial dessaaventurasingularqueéadescobertafreudiana.”

UmaPsicanálisedoSensível:Anoçãodeexperiência

Numa palestra de lançamento de seu livroO Tempo Sensível –Proust e a experiência literária , tive pela primeira vez contato com seupensamento e com o destaque que ela dá à noção de experiência.Retomando o ponto de vista ilosó ico, J. Kristeva vai redimensionar essanoção: “A experiência marca um traço de união frágil, doloroso oujubilatóriodocorpoàideia,quetornamcaducasessasdistinções”.

A concepção de “experiência” implica, na tradição ilosó ica, numacopresença com a plenitude do Ser, o que não quer dizer que o corpoesteja sempre incluído nessa perspectiva. Ao contrário, a dicotomiaimaginadaporPlatãoentreasideiaseomundosensívelfezadeptos.ÉnaRepública de Platão que Kristeva localiza a “cicatriz” da origem dessedebate. Mas, na iloso ia pré-socrática, podemos compreender a“experiência” por meio do papel essencial da sensibilidade. Aextraordinária concepção da alma como equilíbrio do corpo vivente vemprovavelmentedossofistas.

Aexperiênciaadquireassimseusentido.Elaéapossibilidadedeoser humano sentir o mundo e dele tomar conhecimento, deixandopenetrar-se pelas sensações. Segundo J. Kristeva, uma pessoa com“experiência”éaquelaquereúnepensamento,afetividade,sensorialidade.A irma: “Meus alunos seguem os professores que lhe forneceminformações,maselesrespeitam–eporvezesadoram–aquelequeanimaseudiscursocomuma‘experiência’.É,semdúvida,seucaso.EfoioquemefezacompanharseucursocomodoutorandanaUniversidadeParis7etê-la como referência teórico-clínica em minha tese sobre “A MemóriacorporaleaTransferência”.

É dentro dessa noção de experiência que J. Kristeva vai incluir aexperiência sensível e analisar a obra literária de Proust. A experiênciaproustiana leva-nos ao “tempo sensível de nossas memórias subjetivas”.Trata-se da busca in inita desse tempo perdido, desse tempo invisível.Proust faz ressoaramemóriadas sensaçõesatéaspalavrasevice-versa.

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Assensaçõesseriamacarnedenossamemória,assimpoderíamosdizer.Desdeoexemplomaisconhecidoda“madeleineembebidanochá”,

são inúmeras as passagens descritas em que o personagem principalrevive a força de um choque sensorial que pode icar em ligaçãopermanente com o imaginário subjetivo, numa memória que podemoschamar de memória corporal. Proust refere-se a uma memóriainvoluntária!

Eleprossegueemtodaasuaobrainundando-nosdessassensações,fazendo-nos sentir esse gosto da infância. É em relação ao sonho queProustprivilegiaassensações,maisqueaslembrançasabstratas.Segundoele,aintensidadedassensaçõesbanhaemovimentaosonhador.Écomosehouvesseum“segundoapartamento”.

Nós estamos então lá, dentro desse apartamento recolhido dasensação indizível,umacâmeraobscuraquesegundoKristevanãoéumadefesacontraalibido,masostraçosarcaicosdesuanãodiferenciação,desua fusão com o continente, desse ainda não outro que o autistaexperimentaprovavelmenteasuamaneira.

J. Kristeva denomina “caverna sensorial” essa experiência nãoinformadaaindapelaexperiênciacognitivae,viaderegra,rebeldeaesta.É uma caverna sensorial desprovida de símbolos, constituída das“representações de coisa” e parte essencial da experiência psíquica detodosujeitofalante.

Desde que consideremos ter uma caverna sensorial, podemospensar que alguns de nós a vivem como uma catástrofe psíquica (osautistas são o extremo limite), outros tiram dela o gozo (as histéricas, nocaso),eoutrostentamconduzi-laaumdiscurso.

O autista permanece nessa caverna sensorial, demaneira trágica,em seu mundo de sensações extremas. Ele a ixa e a torna intraduzível.Nesse sentido podemos dizer que Proust tem sucesso onde o autistafracassa. É na escrita, na arte da literatura, que ele reencontra o tempoperdido,extraiosentido(sensação)deseuapartamentoobscuro,arranca-odoindizível,dá-lhesigno,sentidoeobjeto.“Reencontraramemóriaseriacriá-la,criandoaspalavras,pensamentosnovos.”

Se a sensação-percepção, domínio essencial e arcaico daexperiência psíquica, não é reabsorvida pela linguagem e permanece emtodos os sujeitos, mais ou menos irredutíveis a ela, essa irredutibilidadeentre o sensorial e o cognitivonão é necessariamente vivida sob a formadolorosa do resíduo autista, mas sob outros aspectos cujos testemunhos,entre outros, são a perversão, a arte e a psicanálise. Para J. Kristeva, a

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escritaéaterapiadacavernasensorial.Podemos traçar um paralelo entre o percurso proustiano e o

analítico embuscadeum tempo sensível, deumamemória empartenãosimbolizada, não representada. O “tempo reencontrado” não seriasimplesmenteumareconciliaçãocomopassado,masumaconstrução:darnomeaoinominável.

Tudo isso nos remete às sensações indizíveis de nossos pacientesmodernos. Como tarefa do analista coloca-se então a “sorte eventual demetabolizaraautossensualidadeinominávelemdiscursoconciliável”.

Assim,apartirde ixaçõessensoriais,aanálisetrabalhadeinícioosjogossensoriais,depoisaspalavras–masaspalavras-prazer,palavras-coisa,palavras-fetiche. Podemos chamar essa nominação, à qual se lança o terapeuta, de umaartedefazer,apartirdacarnedossignos,osobjetostransicionais.Notratamentodas afecções narcísicas essa arte impõe-se mais do que no tratamento dequalquer outra. A coisi icação da palavra, sua fetichização, parece ser umapassagemobrigatóriadasensaçãoàideia.

Dessaformaaspalavrasalimentam-sedassensações.Nãosãomais

vazias,sãopalavrascomtemperatura,comonosdizChicoBuarqueemsuamúsica“Palavra”.

No trabalho analítico queremos encontrar palavras capazes denomear os signos sensoriais, palavras que sejam elas mesmas atossensoriaisdesigni icação.Aaquisiçãodeumapalavraquepossadevolverao sujeito sua capacidade de representação psíquica é, com efeito, oprincípiodotratamentopsicanalítico.

Não é su iciente, no entanto, dizer que o paciente em análise fezuma rememoração, uma repetição. Ele faz uma revolta, um retorno quevisaumdeslocamento,eparatalterádeentraremcontatocomseutemposensível.

É dessa Psicanálise que estamos falando. Uma Psicanálise dosensível, que seja constituída pelo substrato energético das pulsões, adeterminaçãodosentidopelodesejosexualeainscriçãodotratamentonatransferência (compreendida como reatualização dos traumaspsicossensoriais).

LembrandootítulodeumdoscapítulosdaobracitadadeKristevasobre Proust, na qual ela se interroga: “É a sensação uma linguagem?”,pensamosterfornecidoelementosparaumarespostaaessaquestão.Eterevidenciadoacontribuiçãodessaanalistanorestabelecimentodolugardosensorialnateoriaetécnicapsicanalíticas .

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Capítulo1

1.TrabalhoapresentadonoColóquio InternacionalNicolasAbrahameMariaTorokno outonode2004, emParis, e publicadono livro intituladoPsychanalyse,histoire, rêve et poésie (Psicanálise, história, sonho e poesia)sobadireçãodeClaudeNachin,Paris,Ed.L’Harmattan,2006.

2. Fontes, I.,La Mémoire corporelle et le transfert (1999), Villeneuved’Ascq,PressesUniversitairesduSeptentrion.

3.Ferenczi,S.,JournalClinique(1932),1985,Paris,Payot,p.49.

4. Ferenczi, S.,Notes et fragments (1930/32), in “Oeuvres complètesPsychanalyse”4(1927-33),1982,Paris,Payot,p.316.

5. Freud, S.,Les souvenirs-écrans (1899), in “Névrose, psychose etperversion”,1973,Paris,P.U.F.,p.113-132.

6. Freud, S.,L’Homme Moïse et la réligion monothéiste (1939), 1986,Paris,FolioessaisGallimard,p.161-162.

7. Fédida, P., La construction – introduction a une question de lamémoire dans la supervision , in “Revue Française de Psychanalyse”, tomeXLIX,Paris,PUF,1985.

8. Fédida, P., L’angoisse dans Le contre-transfert ou l´inquiétanteetrangetédutransfert,in“RevueTopique”,n.41,Paris,Épi,1988.

9.Ferenczi,S.,Thalassa–essaisurunethéoriedelagenitalité (1914/15-24),in“Oeuvrescomplètes”,t.III(1919-1926),1977,Paris,Payot,p.313.

10. Ferenczi, S.,Thalassa – essai sur une théorie de la genitalité(1914/15-24), in “Oeuvres complètes”, t. III (1919-1926), 1977, Paris,Payot,p.167.

11.Torok,M.,Covello,A.etGentis,R.,EntretienautourdeS.FerencziinBlocnotesdePsychanalysen.2,1982,p.46-47.

12.Ferenczi,S.,Principederelaxationetnéocatharsis(1929),in“Oeuvrescomplètes”,Psychanalyse4(1927-1933),1996,Paris,Payot,p.92.

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13.Torok,M.,Covello,A.etGentis,R.,EntretienautourdeS.Ferenczi , in

“Bloc-notesdePsychanalyse”n.2,1982,p.46-47.

14. Fédida, P., La Régression, formes et déformations, in “RevueInternationaledePsychopathologie”(1994),Paris,P.U.F.

15. Kristeva, J.,Le contre-transfert: une hystérie réveillé (1992), in“RevueInternationaledePsychopathologie”,n.5,Paris,P.U.F.,p.55.

16.Torok,M.etAbraham,N., L’ÉcorceetleNoyau (1978),Paris,ChampFlammarion,1987,p.421.

17.Kristeva,J.,LesNouvellesMaladiesdeL´Âme(1993),Paris,Fayard.

18.Freud,S.,AbregédelaPsychanalyse(1938),1967,Paris,P.U.F.,p.42.

19. Ferenczi, S.,Notes et fragments (1930/32) in “Oeuvres complètesPsychanalyse”4(1927-33),1982,Paris,Payot,p.300.

Capítulo2

1. Artigo publicado na Revista Latino-americana de PsicopatologiaFundamental,vol.IV,n.2,SãoPaulo,Escuta,2001,p.18-28.

2. Fédida, P., La construction (introduction à une question de lamémoiredans lasupervision), in “RevueFrançaisedePsychanalyse”n.4,1985,Paris,P.U.F.,p.178.

3.Fédida,P.,Modalitésdelacommunicationdansletransfertetmomentscritiquesducontre-transfert , in “CommunicationetReprésentation”,Paris,P.U.F.,1986,p.79-80.

4.Ferenczi,S.,Thalassa–essaisurunethéoriedelagénitalité (1914/15-24),in“Oeuvrescomplètes”t.III(1919-1926),1977,Paris,Payot,p.289.

5.Fédida,P.,“LaRégression,formesetdéformations”,op.cit.,p.46.

6. Pontalis, J-B.,O ISSO em letras maiúsculas (1997), trad. Port., in

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RevistaPercurson.23(p.5ap.15),abril/2000.

7.Ibid.

8. Freud, S.,Construçõesemanálise (1937),EdiçãoStandardBrasileiradasObrasCompletas,ImagoEditora,1975,p.302.

9. Freud, S.,O Homem Moisés e a religião monoteísta (1939), EdiçãoStandardBrasileiradasObrasCompletasvol.XXIII,ImagoEditora,1975,p.93.

10. Parat, C.,À propos de la thérapeutique analytique , in “RevueFrançaisedePsychanalyse”n.1,1991,Paris,P.U.F.,p.313.

11. Haag, G.,La mére et le bébé dans les deux moitiés du corps, in“Neuropsychiatriedel’enfance”,1985,Cannes,p.107.

12. Freud, S., (1899),Névrose, Psychose et Perversion , cap. “Lessouvenirs-écrans”,Paris,P.U.F.,p.159.

Capítulo3

1. Conferência proferida no Ciclo de Conferências 2002 do CírculoPsicanalíticodoRiodeJaneiro,cujotemageral foiMáscarasdoSujeito,nodia11de setembrode2002, e publicadaoriginalmentenosCadernosdePsicanálisedoCírculoPsicanalíticodoRiodeJaneiro,ano24,n.15,RiodeJaneiro, 2002, p. 191-199. Agradeço a leitura atenta deste texto e oscomentáriosdosmembrosdogrupodepesquisa“Psicanálisedosensível”:SílviaCalmon,AnitaHirszman,MônicaPortelaeBeatrizMano.

2. Calvino, I.,Seis Propostas para o Próximo Milênio , S. Paulo, Ed.CompanhiadasLetras,2001,p.30.

Capítulo4

1. Artigo publicado nos Cadernos de Psicanálise da Sociedade dePsicanálisedaCidadedoRiodeJaneiro,v.19,n.22,2003.

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2. Em 1998, na Universidade Paris 7, defendi tese de doutorado. A

pesquisaprosseguenumdesdobramentodessasideias,eopresenteartigoé parte do pós-doutorado que se realizou junto ao Laboratório dePsicopatologiaFundamentaldaPUC-SP.

3.Umestudomaisdetalhadodessanoçãode“produçãodeformas”emF. Tustin pode ser encontrado nos capítulos 7 e 8 de seu livro Barreirasautistasempacientesneuróticos,PortoAlegre,Ed.ArtesMédicas,1990.

4. Agradeço a participação da psicanalista Beatriz Mano, mestre emPsicologia Clínica da PUC-Rio, no trabalho de reunião dos textos deGenevièveHaageoacompanhamentonaleituradosmesmos.

5.VercontribuiçõesdeP.Fédidasobreessetemanocapítulointitulado“Autoerotismo e autismo: condições de e icácia de um paradigma emPsicopatologia”, in Nome, Figura e Memória – a linguagem na situaçãopsicanalítica,Escuta,SãoPaulo,1992.

Capítulo5

1. O artigo foi elaborado a partir de participação em mesa-redondaintitulada “Trauma e corpo: do sensível à representação” no I CongressoInternacionaldePsicopatologiaFundamentaleVIICongressoBrasileirodePsicopatologia Fundamental, no Rio de Janeiro, em setembro de 2004 epublicadonaRevistaPsychê,SãoPaulo,em2005.

2. E. Bick descreve o caso de um bebê, cuja contenção psicológicaexterna (pelo meio ambiente) falhou, que apresentava uma espécie de“autocontençãomuscular”–umaespéciedesegundapele,emlugardeuminvólucrodepeleautêntica(Bick,E.,1968).

Capítulo6

1. Esse caso clínico foi apresentado na Jornada interna do CírculoPsicanalíticodoRiodeJaneiro,em2004,cujotemacentralera“OsSentidosdoCorpo”,epublicadonosCadernosdePsicanálisedamesma instituição,

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ano26,n.17,p.55-71,em2004.

2.G.Haagrelembraqueaposiçãodofetoao inaldavidaintrauterinaprocuraummáximodecontato-pele,porcontrapressãodosenvelopesedadistensão uterina sobre a convexidade dorsal. Em seguida, com aamamentação, o bebê alia o suporte nuca-costas à experiência bucal evisual.

3. I. Calvino estabelece uma relação entre “a insustentável leveza doser”(Kundera)eoinelutávelpesodoviveremumadesuasseispropostasparaopróximomilênio,justamentesobrealeveza.“(...)devemosrecordarque se a ideia de um mundo constituído de átomos sem peso nosimpressiona é porque temos experiência do peso das coisas; assim comonão podemos admirar a leveza da linguagem se não soubermos admirarigualmentealinguagemdotadadepeso”(Calvino,2001).

4.“Tudoquesedisseatéagoraemrelaçãoacriançasautistastambémse aplica a pacientes adultos que suspeitamos tenham uma cápsula deautismo que exige o trabalho psicanalítico com eles. ADra. Nini Ettlingertinha uma paciente cujas bijuterias eram usadas como objetos autistas”(Tustin,F.,1990,p.229).Vertambémobjetosautistasnocapítulo6dessamesmareferência.

5. G. Haag indica que crianças autistas desenham uma cruz na qualduas linhas de comprimentos iguais se cruzam quando, em tratamento,estãocomeçandoaterumaimagemcorporalquetemumaestruturaósseainterior,sustentadora.

6.SegundoP.Fédida,nocapítulo“Mortosdesapercebidos”deseulivrosobre os bene ícios da depressão, os pacientes deprimidos só podemcurar-seseforemajudadosaentraremcontatocomseusmortos–mortosnumamortedesapercebida.

7.Reproduzoaquitrechodocapítulo“Aprocuradopai”,dolivrodeA.CamusOprimeirohomem:

Cormeryaproximou-sedalápideeolhou-adistraído.Sim,eramesmoseunome.Ergueu os olhos. No céu mais pálido, pequenas nuvens brancas e cinzentaspassavam lentamente, e caía uma luminosidade ora leve ora mais sombria...Jacques Cormery, o olhar atento à lenta navegação das nuvens no céu, tentavaapreender,portrásdoperfumedas loresmolhadas,ocheirosalgadoquevinhadomarlongínquoeimóvel,quandootinirdeumbaldecontraomármoredeum

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dos túmulos tirou-o de seu devaneio. Foi nessemomento que leu no túmulo adata de nascimento de seu pai, que só então descobriu ignorar. Depois, leu asduasdatas,1885-1914,e fezumcálculomaquinal:29anos.Súbito,ocorreu-lheuma ideia que chegou a lhe agitar o corpo. Ele tinha quarenta anos. O homementerradosobaquelalápide,equetinhasidoseupai,eramaismoçoqueele.E a onda de ternura e pena que subitamente lhe encheu o coração não era omovimento da alma que leva o ilho à lembrança do pai desaparecido, mas acompaixãoperturbadaqueohomemfeitosentediantedacriançainjustamenteassassinada–algumacoisaalinãoseguiaaordemnatural,enaverdadenãoháordemmassomenteloucuraecaosquandoofilhoémaisvelhoqueopai...

8. No livro Perdre de Vue, J.-B. Pontalis trata da relação entre o

inconsciente e o visual. Relata uma fala deMerleau Ponty que, diante damortede suamãede câncer, irritado coma tentativade consoloda ilha,diz-lhe:“Vocênãocompreendenada.Vocênãocompreendesequerqueeunãoavereimais!”Depoisumpaciente,aproximando-sedo inaldeanálise,traz um sonho de um deserto a perder de vista (um deserto que podefazerpensarnodesêtre comodiriaooutro, segundoPontalis).Apartirdaconjunçãodessesdoiselementoslheveiotodaarelação,nãosomentecomaperda,mastambémcomopapeldovisualaícontido.

9. “Quando os humanos estão deprimidos, eles podem se tornar tãoglaciaiseimóveisquantoasprópriastumbas”(Fédida,P.,2002,p.89).

10. Fédida a irma que a cura do estado deprimido encontra-se nareaquisiçãodesuacapacidadedepressiva,ouseja,daspotencialidadesdavida psíquica (subjetividade dos tempos, a interioridade, a regulação dasexcitações)(Fédida,P.,2002).

11. A hipótese da autora sobre a estrutura rítmica do primeirocontinente envolve a dupla interpenetração dos olhares: pode haver apercepçãopelobebêdeumaondulaçãoreceptora,damesmaformaqueaamamentação(bicodopeitonaboca).Seriaocasodeadmitir,segundoela,uma estrutura rítmica oscilatória de natureza quase biológica, queparticipariadaorganizaçãodoprimeirocontinente.

12.SegundoG.Haag,adobra,oudobradura,seriaaprimeiraformadematerializaçãodaconsciência.Qualquerobjetoquesaieretornaàbocaéareferência para a dobra, como também sons produzidos no interior daboca.

13. E. Bick descreve o caso de um bebê cuja contenção psicológica

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externa (pelo meio ambiente) falhou, que apresentava uma espécie de“autocontençãomuscular”–umaespéciedesegundapele,emlugardeuminvólucrodepeleautêntica(Bick,E.,1968).

14.NumadescriçãoclínicaTustinmostraofatodeumapacienteautistatermedodeexperimentaremoçõeshumanasprofundas.Emvezdisso,elatinhaformasdesensação.Numasituaçãonormal,obebê,paracompensaraameaçadaausênciadamãe, terámemórias– táteis, olfativas, auditivas,visuais – das experiências íntimas com ela. Não havendo isso, vai apelarpara as formas de sensação. Podemos lembrar aqui o ditado inglês: “oalcoólatrachegaatrasadoafuneralecasamento”.

Capítulo7

1. Trabalho apresentado na mesa-redonda “Situações-limites naExperiênciaPsicanalítica” noCírculoPsicanalítico doRio de Janeiro (maiode2007)epublicadonosCadernosdePsicanálisedoCírculoPsicanalíticodoRiodeJaneiro,n.20,ano29,2007.

2. Anzieu, D.,L’Image, le texte et la pensée in Nouvelle Revue dePsychanalyse,n.16,Paris,Ed.Gallimard,1977,p.122.

3.Bacon,F.,ColeçãoDescobrindoaArtedoSéculoXX ,RiodeJaneiro,Ed.CivilizaçãoBrasileira,1995,p.61.

4.Anzieu,D.,op.cit.,p.119.

5.Bacon,F.,ColeçãoDescobrindoaArtedoSéculoXX ,RiodeJaneiro,Ed.CivilizaçãoBrasileira,1995,p.61.

6. Bacon, F.,Centre Georges Pompidou , Paris, ED. Beaux Arts, 1996, p.23.

7.Bacon,F.,ColeçãoDescobrindoaArtedoSéculoXX ,RiodeJaneiro,Ed.CivilizaçãoBrasileira,1995,p.23.

8. Pontalis, J.-B.Entre le Revê et la Douleur , Paris, Gallimard, 1977, p.269.

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9.Anzieu,D.,op.cit.,p.124.

10. Bick, E.,The experience of the skin in early object-relations , in

“InternationalJournalofPsycho-analysis”,vol.49,1968,p.468.

Capítulo8

1.ArtigopublicadonosCadernosdePsicanálisedoCírculoPsicanalíticodoRiodeJaneiro,ano30,n.21,2008.

2. Este trabalho foi escrito para o Congresso Internacional Corpo ePsicanáliseaserrealizadoemAracajuemmarçode2008.Contoucomasleituras atentas e correções da psicanalista Aline de Leo Malaquias dosSantosedeLuizMarianoPaesdeCarvalhoFilho.Édedicadoàmemóriademeupai,IvanHoraFontes,sergipanodeAracaju.

3.TivecontatopelaprimeiravezcomolivrodesseautornumapalestradapsicanalistaEdnaP.Viletecomotítulo“PertodasTrevas–ahistóriadeum colapso” no evento sobre Depressão: crise e criatividade, organizadopeloEspaçoWinnicott-RJ,emjunhode2004.Verbibliografia.

4.Styron,W.,PertodasTrevas,RiodeJaneiro,Ed.Rocco,2000,p.86.

5.Vilete,P.E.,Regressãonoprocessoanalítico–avisãodeWinnicott , in“RevistaBrasileiradePsicanálise”,vol.36(4),2002,p.835-843.

6.VercrônicadeJ.KristevanolivroChroniquesDutempssensiblecomotítulo“L’enfer,c’est lesautres”,naqualelaressaltaqueo ilmeOsOutrostraz à cena amelancolia feminina, transformandoumamãe viva emumamãe “morta”. A presença afetiva e sensível desse outro que ela é icaanulada, logo esse que seria o primeiro presente que uma mãe deveofereceraseusfilhos.

7.Freud,S.(1915),Lutoemelancolia,E.S.B.,RiodeJaneiro,Ed.Imago,1969,v.XIV,p.281.

8.VerseminárioclínicodeP.Fédidapublicadona“Percurso”–revistadePsicanálise,anoXVI,n.31/32,S.Paulo,p.21.

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9. Balint, M.A Falha Básica. No capítulo intitulado “A Travessia do

Abismo”, o autordizqueumpacienteque tenha regredidoatéoníveldafalha básica geralmente é incapaz de atravessá-lo por si mesmo. Balintprivilegiouanoçãode regressão, tendo sua fundamentaçãonaobradeS.Ferenczi. O tema aqui desenvolvido pode se aprofundar com o estudodesse autor, que vem sendo recuperado como um importanterepresentante da Escola de Budapeste.Vários de seus artigos tratam daquestãodatécnicaanalíticadiantedoschamados“casosdifíceis”.

10.Winnicott,D.W.,NaturezaHumana,RiodeJaneiro,Ed.Imago,1971,p.149.

11.Haag,G.,Acontribuiçãodostratamentospsicoterápicosdeinspiraçãopsicanalíticaparaoconhecimentodasdi iculdadescognitivasespecí icasdascriançasautistas,“LesCahiersdeBeaumont”,marçode1990,Paris,p.44-52,traduçãolivre.

12. Fédida, P., Dos Bene ícios da depressão – elogio da psicoterapia , nocap.“Mortosdesapercebidos”,SãoPaulo,Ed.Escuta2002,p.89.

13. Haag, G.,Hypothèse sur la structure rythmique du premiercontenant,in“Gruppo”,n.2,Toulouse,1986,p.45-51.

14.Little,M.Ansiedadespsicóticaseprevenção–registropessoaldeumaanálisecomWinnicott,RiodeJaneiro,Ed.Imago,1992,p.48.

15. Winnicott, D. W.,Da Pediatria à Psicanálise, Rio de Janeiro, Ed.Imago,2000,p.378.

16. Winnicott, D. W.,Explorações Psicanalíticas, Porto Alegre, Ed.Artmed,2005,p.74.

17.Fédida,P.,Dosbenefíciosdadepressão,op.cit.,p.92.

18.Winnicott,D.W.,DaPediatriaàPsicanálise,op.cit.,p.375.

19.Fédida,P.,Dosbenefíciosdadepressão,op.cit.,p.32.

20.Fédida,P.,ibid.,p.97.

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21.Fontes, I.,AMemóriacorporaleatransferência–fundamentospara

umaPsicanálisedosensível,SãoPaulo,Ed.ViaLettera,2002.

22.Fontes,I.Vermeusdoisartigosqueresumemasideiasdasautoras:“O registro sensorial das impressões precoces”, na revista da SPC-RJ, vol.19, n. 22, 2003, e “A ternura táctil: o corpo na origem do psiquismo”, inrevistaPsychê,anoX,n.17,SãoPaulo,2006.

23.Styron,W.,PertodaTrevas,op.cit.,p.91.

Capítulo9

1. Palestra proferida em 17 de outubro de 2002, a convite dapsicanalista Suzana Nolasko, na Formação Freudiana, instituiçãopsicanalíticanoRiodeJaneiro,epublicadanaRevistaPercurso,anoXV–n.31,SãoPaulo,segundosemestrede2003.

2.Fédida,P.,Clínicapsicanalítica–estudos,SãoPaulo,Escuta,1988.

3.Fédida,P.(1991), Nome, iguraememória–alinguagemnasituaçãopsicanalítica,SãoPaulo,Escuta,1992.

4. Cf. tese de doutorado intitulada “La Mémoire corporelle et leTransfert”, defendida pela autora em 1998 no Laboratoire dePsychopathologieFondamentaleetPsychanalyse–UniversitéParis7.

5. Fontes, I.,La Mémoire corporelle et le Transfert , Paris, PressesUniversitairesduSeptentrion,1999.

6.Fontes,I.,MemóriacorporaleTransferência–fundamentosparaumapsicanálisedosensível,SãoPaulo,ViaLettera,2001.

7.Fédida,P.(1990),“Autoerotismoeautismo:condiçõesdee icáciadeum paradigma em psicopatologia”, in Nome, igura e memória – alinguagemnasituaçãopsicanalítica,SãoPaulo,Escuta,1992.

8. Tustin, F. (1989),Barreiras autísticas em pacientes neuróticos ,PortoAlegre,ArtesMédicas,1990,p.99-100.

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9.Fédida,P.,op.cit.,p.156-157.

10.Fédida,P.,op.cit.,p.151.

11.Fédida,P.,op.cit.,p.157.

12.Fédida,P.,op.cit.,p.157.

13.Cf.meuartigo“Ocorpomascaradoeotemposensível”,in Cadernos

dePsicanálise doCírculoPsicanalíticodoRiode Janeiro,n.15, ano24,RiodeJaneiro,2002,p.195-196.

14. Ferenczi, S. (1914-15/1924),Thalassa-essai sur une théorie de lagenitalité, in “Oeuvres complètes”, Psychanalyse 3, Paris, Payot, 1977, p.311-323.

15. Haeckel, E. (1834-1919), zoólogo alemão para o qual a leiilogenética estipula que cada organismo recapitula no curso de seudesenvolvimentoembrionárioasdiferentesetapasdahistóriaevolutivadaespécie.

16. Fédida, P. La régression, formes et déformations , “RevueInternationaledePsychopathologie”,n.5,Paris,PUF,1994.

17. Ferenczi, S. (1930), “Princípio de relaxação e neocatarse”, inEscritospsicanalíticos–1909-1933,Taurus,RiodeJaneiro,p.327.

18. Fédida, P.,Modalités de la communication dans le transfert etmoments critiques du contre-trasnfert in “Communication etreprésentation”,Paris,PUF,1986,p.79-80.

19.Fédida,P.,op.cit.

20. Fédida, P. A Angústia na contratransferência ou o sinistro (ainquietante estranheza) da transferência ” in “Clínica psicanalítica –estudos”,op.cit.,p.91.

21. Fédida, P., Nome, igura e memória – a linguagem na situaçãopsicanalítica,op.cit.,p.161.

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22.Ferenczi, S.,Notase fragmentos, in “Obras completas–Psicanálise4”,SãoPaulo,MartinsFontes,1992,p.268.

23.Freud,S.(1939),Moiséseomonoteísmo,EdiçãoStandardbrasileiradasObrascompletas,vol.XXIII,Imago,1975,p.93.

24. Freud, S.,Construções em análise, in “Obras completas”, EdiçãoStandardbrasileira,vol.XXIII,1975,p.302.

25. Trechos de texto de ita gravada, transcritos e traduzidos pelaautora.

Capítulo10

1.ArtigopublicadonaPulsionalRevistadePsicanálise,anoXIII,n.139,SãoPaulo,Ed.Escuta,novembrode2000.