o regime do associada a iva a aplicar aos serviços de saúde...

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Artigo de Opinião O regime do IVA a aplicar aos serviços de saúde prestados por um Health Club Porto, 09 de Janeiro de 2018 Castro, Isabel Gomes Advogada Estagiária inscrita na O.A. Portuguesa, com a cédula profissional n.º 41896P, licenciada em Direito pela Universidade Portucalense Infante D. Henrique. De acordo com o estudo realizado pela Marktest, os ginásios / Health Clubs têm vindo a registar um aumento de utilizadores, estimando-se que cerca de 1,5 milhões de portugueses são utilizadores de ginásios 1 . Presenciámos, nos dias de hoje, uma maior preocupação com a saúde, bem-estar e beleza, preocupação essa que não se prende apenas com a atividade física regular, mas também com uma alimentação saudável. A título de exemplo, de acordo com a Fundação Portuguesa de Cardiologia: “A prática regular de uma atividade física deve associar-se sempre a hábitos alimentares adequados, de forma a não comprometer o próprio desempenho2 . Também a Organização Mundial de Saúde recomenda a prática de exercício físico 1 MARKTEST Grupo, Ginásios/health clubs com mais utilizadores, disponı́vel na World Wide Web<http://www.marktest.com/wap/a/n/id~211a.asp x ; 2 FELICIANO, Elsa. Alimentação e atividade fı́sica, disponı́vel na World Wide Web<http://www.fpcardiologia.pt/alimentacao-e- atividade-fisica/; associada a uma alimentação saudável, sem escalonar a importância de uma e outra 3 . O aumento da procura e das exigências dos consumidores levaram à transição do conceito básico de ginásio para Health Club, em que o serviço disponibilizado não se prende apenas e só com a prática de atividades físicas e desportivas, mas com outros serviços conexos, na área da saúde, como é o caso dos serviços de nutrição, fisioterapia, fisiatria, entre outros. A transição do conceito de ginásio para Health Club acabou por trazer alguns incómodos para os seus proprietários, sendo já do domínio público que os mesmos têm vindo a ser inspecionados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), terminando este procedimento na liquidação de IVA, à taxa de 23%, no respeitante aos serviços de saúde 4 , montante de IVA esse, que não foi cobrado ao consumidor final, por alegada isenção de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 1 do CIVA. Antes de prosseguirmos, cumpre-nos dar nota resumida de como se processa a transição do conceito de ginásio para Health Club, ficando este assim habilitado à prestação dos novos serviços acima enunciados, ou seja, necessário se torna que adotem as seguintes medidas: Alteração do estatuto/pacto social, incluindo nele as novas atividades a 3 WORLD HEALTH ORGANIZATION, Physical activity, disponı́vel na World Wide Web<http://www.who.int/topics/physical_activity/en/; 4 A tı́tulo de exemplo, vd. https://www.dinheirovivo.pt/economia/fisco-reclama- iva-ginasios-achavam-que-estava-isentos/ ;

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ArtigodeOpinião

OregimedoIVAaaplicaraosserviços de saúde prestadosporumHealthClubPorto,09deJaneirode2018

Castro, IsabelGomesAdvogada Estagiáriainscrita na O.A.Portuguesa, com acédula profissionaln.º 41896P,licenciadaemDireitopela UniversidadePortucalense InfanteD.Henrique.

De acordo com o estudo realizado

pelaMarktest,osginásios/HealthClubstêm

vindoaregistarumaumentodeutilizadores,

estimando-se que cerca de 1,5 milhões de

portuguesessãoutilizadoresdeginásios1.

Presenciámos,nosdiasdehoje,uma

maiorpreocupaçãocomasaúde,bem-estare

beleza, preocupação essaquenão seprende

apenas com a atividade física regular, mas

também com uma alimentação saudável. A

títulodeexemplo,deacordocomaFundação

PortuguesadeCardiologia:“Apráticaregular

deumaatividadefísicadeveassociar-sesempre

a hábitos alimentares adequados, de forma a

não comprometer o próprio desempenho”2.

Também a Organização Mundial de Saúde

recomenda a prática de exercício físico

1 MARKTEST Grupo, Ginasios/health clubs com maisutilizadores, disponıvel na World WideWeb<http://www.marktest.com/wap/a/n/id~211a.aspx;2 FELICIANO, Elsa. Alimentaçao e atividade fısica,disponıvel na World WideWeb<http://www.fpcardiologia.pt/alimentacao-e-atividade-fisica/;

associada a uma alimentação saudável, sem

escalonaraimportânciadeumaeoutra3.

O aumento da procura e das

exigências dos consumidores levaram à

transiçãodo conceitobásicode ginásiopara

HealthClub,emqueoserviçodisponibilizado

não se prende apenas e só comaprática de

atividadesfísicasedesportivas,mascom

outros serviços conexos, na área da saúde,

como é o caso dos serviços de nutrição,

fisioterapia,fisiatria,entreoutros.

A transição do conceito de ginásio

para Health Club acabou por trazer alguns

incómodosparaosseusproprietários,sendo

já do domínio público que os mesmos têm

vindo a ser inspecionados pela Autoridade

TributáriaeAduaneira(AT),terminandoeste

procedimentonaliquidaçãodeIVA,àtaxade

23%, no respeitante aos serviços de saúde4,

montantedeIVAesse,quenãofoicobradoao

consumidorfinal,poralegadaisençãodeIVA,

nostermosdoartigo9.º,n.º1doCIVA.

Antesdeprosseguirmos,cumpre-nos

dar nota resumida de como se processa a

transiçãodoconceitodeginásioparaHealth

Club,ficandoesteassimhabilitadoàprestação

dosnovosserviçosacimaenunciados,ouseja,

necessáriose tornaqueadotemasseguintes

medidas:

• Alteração do estatuto/pacto social,

incluindo nele as novas atividades a

3WORLDHEALTHORGANIZATION,Physicalactivity,disponıvelnaWorldWideWeb<http://www.who.int/topics/physical_activity/en/;4 A tıtulo de exemplo, vd.https://www.dinheirovivo.pt/economia/fisco-reclama-iva-ginasios-achavam-que-estava-isentos/;

ArtigodeOpinião

que pretendem dedicar-se (para

procederaestaalteraçãoénecessário

elaborar ata da assembleia geral,

ondeconstenaordemdetrabalhosa

previsão de alteração do objeto

social, acrescentando-se atividades

desaúdehumana,eprocederaoseu

registo);

• Comunicar a Administraçao

TributariaeAduaneira(AT),noprazo

de 15 dias, a alteraçao do objeto

social,comoresultadoartigo32.º,n.º

1doCIVA;

• AdicionaroCAE89906secundário–

outras atividades de saúde humana

(Classificação Portuguesa de

AtividadesEconómicas)5;

• Proceder ao registo obrigatório na

Entidade Reguladora da Saúde6 (a

ausênciaderegistonaERSépunível

com coima de 2.000€ a 3.740,98€,

quando esteja em causa pessoa

singular, e de 4.000€ a 44.891,81€,

quandosetratedepessoacoletiva);

• Contratar profissionais de saúde

certificados, inscritos nas respetivas

ordensprofissionais(seaplicável);

• Ter livro de reclamações autónomo,

reguladopelaERS.

Cumpridasestasetapas, ficaoagora

Health Club habilitado a prestar serviços de

saúde.

Aqui chegados, devemos então

questionar-nos sobre como devem ser

5 Mais informaçoes disponıveis em:http://www.sicae.pt/Alteracao.aspx;6Conformeresultadoartigo2.º,n.º2doDecreto-lein.º

faturadososserviçosdesaúdeprestadospelo

HealthClub.

Limitaremosanossaabordagemaos

serviçosdenutriçãoedietética,porseremos

maisrequisitadospelosutilizadoresdoHealth

Club.

Para o efeito, devemos confrontar

duasdisposiçõesdoCódigodoImpostosobre

ValorAcrescentado(CIVA):

• Artigo 9.º, n.º 1: “Estão isentas do

imposto: as prestações de serviços

efetuadas no exercício das profissões

de médico, odontologista, parteiro,

enfermeiro e outras profissões

paramédicas;”e;

• Artigo18.º,n.º1,alíneac):”Astaxas

do imposto são as seguintes: para as

restantes importações, transmissões

debenseprestaçõesdeserviços,ataxa

de23%”.

Peloconfrontodasduasdisposições,

seráque sepodeafirmarqueos serviçosde

nutrição prestados pelos Health Clubs se

subsumemnaprevisãodoartigo9.º,n.º1do

CIVA, beneficiando da isenção do imposto

sobre valor acrescentado?Caso tais serviços

não se subsumam naquela previsão legal,

entãoestarãosujeitosàtaxade23%atítulo

de imposto sobre valor acrescentado. Mas

vejamosmelhor.

Tendo em conta a ambiguidade da

previsão do artigo 9.º, n.º 1 CIVA, a AT veio

prestar esclarecimentos acerca do

enquadramento, em sede de IVA, das

279/2009,de6deOutubroePortarian.º52/2011,de27deJaneiro.

ArtigodeOpinião

prestaçõesdeserviçosnutriçãoedietéticaem

Health Clubs, faturados aos seus clientes,

através da Informação Vinculativa n.º 9215,

daAT,de19-08-20157.

Para preencher o conceito

indeterminado de profissões paramédicas, a

ATsocorreu-sedoDecreto-Lein.º261/93,de

24 de julho, bem como do Decreto-Lei n.º

320/99,de11deagosto,porseremestesos

doisdiplomasqueditamosrequisitosparao

exercício das atividades em causa, acabando

por concluir que a atividade de nutrição e

dietética é subsumível no conceito de

profissõesparamédicas.

Ora,aíchegados,aATdeterminouna

informação vinculativa o seguinte: “Face a

todo o exposto, conclui-se que os serviços

prestados no âmbito do aconselhamento de

nutrição, faturados pela requerente aos seus

clientes,podembeneficiarda isençãoprevista

naalínea1) doartigo9.º doCIVA, desdeque

sejam assegurados por profissionais

habilitadosparaoseuexercícionostermosda

legislação aplicável (Decretos-Lei n.º 261/93

de24dejulhoe320/99,de11deagosto).”.

Isto posto, as consultas de nutrição

disponibilizadas mensalmente pelos Health

Clubsaossócios,passaramavirdiscriminadas

na faturamensal, coma respetiva isenção, à

luzdoartigo9.º,n.º1doCIVA.

Todavia, aparentemente, o cenário

alterou-se e a AT tem vindo a adotar outra

posturaquantoàaplicabilidadedoregimede

isenção,vindoagoraadvogarquequandoseja

7Disponıvelemhttp://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/despesa/civa/Documents/I

cobrado ao utente um valor único e fixo

(mensalidade, por exemplo), englobando,

simultaneamente,apráticadeatividadefísica

e desportiva e os serviços de nutrição (em

pacote),nãohálugaràaplicaçãodoartigo9.º,

n.º1doCIVA,pornãoestarmosperantedois

serviços distintos entre si, mas perante um

serviço principal (entendendo a AT que o

serviço principal é a atividade física e

desportiva)eumserviçoacessório(queéoda

nutrição e dietética). Ora, as prestações de

serviçosqueestãoemconcorrênciaentre si,

nãodevemsertratadasdemaneiradiferente

do ponto de vista do IVA, ou seja, quando o

Health Club disponha de pacotes de adesão,

queincluamoacessoàsinstalaçõeseserviços

eaconsultasdenutriçãoouaconselhamentos

alimentares,aATentendequeosHealthClubs

devem discriminar tais serviços na fatura8,

mas deve aplicar a ambos amesma taxa de

IVA, ou seja, à taxa de 23%, ao abrigo do

dispostonoartigo18.º,n.º1,alíneac)doCIVA.

Discordamos de tal entendimento,

uma vez que este argumento, por ser frágil,

nãocolhe,atendendoaqueretiraobenefício

legal, concedido pela lei, por uma questão

formal,semrelevância,podendoatépropiciar

oualiciarosHealthClubsaadotaremcondutas

diferentes,queapenascamuflamarealidade.

Acresce que, tal posição coloca em risco a

segurançajurídicadepositadanaInformação

Vinculativan.º9215,daAT,de19-08-2015.

A ratio legis do benefício de isenção

previsto no artigo 9.º, n.º 1 do CIVA é a

NFORMAÇA}O.9215.pdf8Assimimpoeoartigo36.º,n.º5,alınead)doCIVA.

ArtigodeOpinião

proteção,manutençãoourestabelecimentoda

saúde das pessoas, enquadrando-se aqui os

serviços de nutrição e dietética, como

havíamos visto anteriormente. Ora, quando

umHealthClubprestaestesserviçosdesaúde,que beneficiam de tal isenção de IVA -

podendo fazê-loporqueestãoabrangidosno

seu objeto social, socorrendo-se de

profissionais certificados para o efeito, deve

ser-lhesaplicadaareferidaisenção.Nãopode

retirar-se a possibilidade destas entidades

beneficiaremdetalisençãosóporqueolocal

de prestação dos serviços de saúde aqui em

causasetratardeinstalaçõesdeginásio,pois

isso seria discriminar, sem razão, os

consultórios ou clínicas onde tais

profissionais desempenham a mesma

atividade que desempenhamnas instalações

doginásio,eondeosmeioseaconselhamento

prestados são exatamente osmesmos. Aliás,

efetuar-se tal discriminação será, em nosso

entender, ilegal, não só porque é arbitrária,

mastambémporsercontralegem.

Quanto ao argumento de

acessoriedadedaprestaçãoalegadapelaAT,

no que concerne aos serviços de nutrição e

dietética,énossoentendimentoqueamesma

não se verifica. Não é verdade que tais

serviçossejamvistoscomoacessórios,poisé

possível que sejam contratados de forma

isolada os serviços de nutrição, tal como é

possível contratar apenas os serviços de

atividadefísica.Nãoexistindoqualquerunião

decontratosentreosdois,asvicissitudesque

possam inquinar o contrato de prestação de

serviços de atividade física não influem o

contratodeprestaçãodeserviçosdenutrição

evive-versa.Assim,seumutilizadordoHealth

Clubentendeucontratarosdoisserviços,não

há motivo algum que justifique colocar o

serviço de nutrição e dietética como um

serviço acessório. Em súmula, não só não é

acessório, como é independente a sua

contratação de um serviço à contratação de

outro,peloquenãoexisteaquiacessoriedade

daatividadeprincipal.

Assim, no nosso entender, para que

umHealthClub(devidamentehabilitadopara

o efeito, tendo procedido de acordo com as

etapas supra mencionadas) possa beneficiar

daisençãoprevistanoartigo9.º,n.º1doCIVA,

com transparência fiscal, deverá atuar da

seguinteforma,paraefeitosdeprova:

• Ter dois contratos de adesão: um

paraosserviçosdeatividadefísicae

desportiva e outro para os serviços

denutrição;

• Discriminar os dois serviços na

fatura,aplicandoacorrespetivataxa

deIVA(23%paraaatividadefísicae

desportivae0%,aoabrigodoartigo

9.º,n.º1CIVA),comoimpõeoartigo

36.º,n.º5,alínead)CIVA;

• Agendas dos nutricionistas, que

comprovem a realização das

consultas/aconselhamentos

alimentares,aquemtenhasubscrito

oserviçodenutrição;

• Ficha individual de avaliação dos

utentes, comelementos comodados

biométricos, incompatibilidades

alimentares,etc;

ArtigodeOpinião

• Prescrição de plano alimentar,

podendoeste ser feito via e-mail ou

presencialmente;

• Existência de publicidade nas

instalações do Health Club aos

serviçosdenutrição.

• Efetivaprestaçãodestesserviços.

Em suma: discordamos frontalmente da

posição assumida pela AT no âmbito das

inspeções realizadas, pois não deve a AT

retirarobenefíciode isenção,discriminando

o prestador de serviços, desde que os

prestadores atuem em conformidade com a

lei, respeitando os pressupostos aqui

enunciados.