o regime de não-proliferação nuclear

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  • 7/23/2019 O Regime de No-Proliferao Nuclear

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    2.O Regime internacional de no-proliferao nuclear

    O Dictionary of International Relations define os regimes internacionais

    como ...a framework of rules, expectations and prescriptions between actors in

    international relations.1 A formao dos regimes internacionais est atrelada

    idia de interdependncia 2e criao de normas aceitas pelos Estados, de modo a

    construir padres de comportamento, capazes de dotar as relaesinternacionais de normas, mitigando, ainda que de maneira limitada, a anarquia do

    sistema internacional. Stephen Krasner define os regimes internacionais como a

    set of implicit or explicit principles, norms, rules, and decision-making procedures

    around which actors expectations converge in a given area of international

    relations3. Esta definio refora o carter interdependente dos regimes

    internacionais, por estabelecer que as regras levam a uma convergncia das aes

    dos Estados, trazendo-os para uma base de ao comum. Neste captulo, teremoscomo objetivo o mapeamento do regime internacional de no-proliferao

    nuclear, de modo a compreendermos quais so os padres de ao estabelecidos

    internacionalmente no que se refere tecnologia nuclear.

    O regime internacional de no-proliferao nuclear teve origem na

    constatao de que a tecnologia nuclear poderia ser utilizada para fins militares,

    aps o uso das bombas nucleares norte-americanas em Hiroshima e Nagasaki. A

    partir de ento, os Estados e a ONU passaram a negociar um corpo de regras

    necessrias para controlar a difuso da tecnologia nuclear, tendo em vista sua

    dualidade entre o uso civil e o militar. O contencioso envolvendo o programa

    nuclear iraniano, foco desta pesquisa, s pode ser explicado a partir do

    entendimento da construo deste regime internacional. Assim, nesse captulo,

    1EVANS, G. e NEWNHAM, J. Regime in Penguin dictionary of international relations.Suffolk: Penguin Books, 1998

    2 KEOHANE, R. & NYE, J. Power and interdependence: World Politics in Transition.Boston: Little, Brown & Co., 1977

    3KRASNER, Stephen. Structural causes and regime consequences: regimes as interveningvariables inInternational Organization, vol. 51, n. 3, 1982 (p.186)

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    analisaremos a construo do regime internacional de no-proliferao desde sua

    origem at as ltima adaptaes, promovidas pela criao do protocolo adicional

    93+2. Dessa forma, teremos instrumentos para debater a atuao da AIEA no caso

    do programa nuclear iraniano, sobretudo pela necessidade de conhecermos as

    normas existentes, como forma de avaliarmos se a atuao da agncia as cumpriu.

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    2.1.

    As origens do regime

    A entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, em 1941, e a

    informao de que a Alemanha Nazista possua um projeto de desenvolvimento de

    armas utilizando a tecnologia nuclear, motivaram o governo norte-americano a

    estruturar o Projeto Manhattan, destinado a promover estudos que viabilizassem a

    utilizao militar dos conhecimentos nucleares. Apesar de a iniciativa norte-

    americana ser posterior alem, os Estados Unidos realizaram o primeiro teste

    com armas nucleares, no dia 16 de julho de 1945, no Novo Mxico 4 . Poucas

    semanas depois, em agosto do mesmo ano, o mundo tomava conhecimento do

    poder de destruio das armas nucleares, com o ataque norte-americano a

    Hiroshima, seguido pelo ataque a Nagasaki, ambos no Japo. Assim, as relaes

    internacionais entravam na era nuclear, com uma mudana significativa na

    lgica da segurana internacional pelo surgimento de um poder absoluto, capaz de

    causar danos profundos aos Estados inimigos, alterando, com isso, o

    funcionamento da dissuaso nas relaes internacionais5.

    A demonstrao norte-americana deste poder motivou outras potncias a

    buscarem o mesmo caminho. A Unio Sovitica, que passou de aliada norte-

    americana durante a guerra ao posto de principal rival dos Estados Unidos na

    reestruturao internacional do ps-guerra, foi a segunda potncia mundial a testar

    armas nucleares, no ano de 1949, o que motivou o governo norte-americano,

    presidido por Harry Truman a dar um passo frente, ao autorizar que cientistas

    norte-americanos iniciassem estudos em direo construo de bombas de

    hidrognio, mais poderosas que aquelas utilizadas em 1945 6. A primeira bomba

    H foi construda em 1952, apenas um ano antes da concluso de um projeto

    semelhante por parte dos soviticos.

    A posse de armas nucleares por dois Estados iniciou o debate sobre a

    proliferao nuclear, e seus efeitos sobre a segurana internacional. A partir do

    4BONIFACE, Pascal et COURMONT, Bartlmy. Le monde nucleaire: arme nucleaire etrelations internationales depuis 1945. Armand Colin: Paris, 2006

    5Idem6Ibid.

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    momento no qual dois Estados passaram a possuir armas nucleares (EUA e

    URSS), a utilizao deste poderio se tornou improvvel (ainda que no

    impossvel), visto que ambos conheciam as conseqncias das retaliaes que

    sofreriam. Este cenrio levou a uma mudana no clculo estratgico destes

    Estados, pelo fato de as potncias se movimentarem, a partir de ento, para evitar

    a guerra, e no mais para venc-las7:

    The more it became evident that there was no way to fight a nuclear war without ahigh risk of utter catastrophe, (...) the more compelling became schemes foravoiding war as a means of deciding disputes, even if the differences were therebyleft unresolved8

    A possibilidade de ut ilizao das armas nucleares debatida por autores

    como Kenneth Waltz e Scott Sagan. Apesar de o debate entre estes dois autores se

    situar no contexto ps-Guerra Fria, a matriz de pensamento til para pensarmos

    a possibilidade de as armas nucleares serem utilizadas pelos Estados. Waltz

    argumenta que a proliferao de armas nucleares capaz de conferir maior

    estabilidade ao sistema internacional, uma vez que a possibilidade de retaliao a

    um ataque nuclear poderia impedir sua ocorrncia. Segundo Waltz, portanto, as

    armas nucleares no so passveis de uso desde que a retaliao seja possvel.

    Sagan, entretanto, afirma que a proliferao de armas nucleares torna sua

    utilizao mais propcia, devido possibilidade de falhas de percepo dos

    Estados ou perda de controle do Estado sobre seus armamentos9.

    A possibilidade de mtua destruio entre as potncias nucleares, designada

    pelo acrnimo MAD Mutual Assured Destruction fez com que as armas

    nucleares servissem manuteno do status quo, e no promoo da mudana

    atravs da guerra. As armas nucleares passaram a ser uma opo no-utilizvel

    sobretudo com a criao da bomba de hidrognio. Henry Kissinger diagnosticou oalto custo do uso da bomba, de modo que seria razovel buscar opes militares

    convencionais em caso de uma guerra entre as superpotncias10. As armas

    nucleares seriam, segundo Kissinger, big equalizers, por tornarem os Estados

    detentores semelhantes em termos de poder. A posse de armas nucleares por EUA

    7FREEDMAN, Lawrence Freedman,Deterrence. Polity Press: Cambridge, 20048Idem:119SAGAN, S. & WALTZ, K. The Spread of nuclear weapons: a debate renewed. Norton:

    New York, 200310KISSINGER, Henry.Diplomacia. Francisco Alves: Rio de Janeiro, 2001

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    e URSS foi suficiente para que a segurana internacional passasse por mudanas

    em sua estrutura. Ainda na dcada de 1940, Estados Unidos iniciaram debates

    acerca da elaborao de regras para a proliferao da energia nuclear, o que deu

    origem ao regime internacional de no-proliferao nuclear.

    O primeiro passo dado neste sentido foi a convocao de uma reunio, por

    parte do governo norte-americano, entre Estados Unidos, Reino Unido, e Unio

    Sovitica, em dezembro de 1945, meses aps os ataques nucleares ao Japo, para

    a discusso do futuro da tecnologia nuclear11. O principal resultado dessa reunio

    foi a estruturao da United Nations Atomic Energy Commission (UNAEC), que

    seria criada pela Assemblia Geral em janeiro de 1946 com o objetivo de lidar

    com os problemas gerados pela descoberta da energia atmica12. A UNAEC

    deveria ser responsvel por reger a utilizao da energia nuclear por parte dos

    Estados, ainda que no tenha sido criado qualquer mecanismo especfico para sua

    atuao em um momento inicial. A criao desta Comisso representa, entretanto,

    um primeiro passo do regime internacional de no-proliferao, atravs da

    coordenao de Estados para a criao de uma instituio internacional

    relacionada proliferao nuclear.

    O caminho para a atuao da UNAEC foi proposto na primeira reunio

    desta comisso, em junho do mesmo ano, pelo representante norte-americano

    neste rgo, Bernard Baruch, e por isso, ficou conhecido como Baruch Plan13. A

    Casa Branca, preocupada com a possibilidade de uma corrida armamentista a ser

    disputada com a Unio Sovitica, propunha, atravs do Baruch Plan, a criao de

    mecanismos para que a energia nuclear ficasse restrita sua utilizao pacfica: a)

    controle de todo o plutnio e urnio do mundo pela UNAEC; b) proibio de

    programas nucleares nacionais criados individualmente; c) toda pesquisa deve ser

    voltada exclusivamente para usos pacficos; d) ampla liberdade de ao para aUNAEC; e) criao de mecanismos punitivos duros contra violadores; f)

    impossibilidade de utilizao do veto no Conselho de Segurana para impedir

    11 MESSARI, N. e GUIMARES, J., Os desafios da no-proliferao nuclear in:CARVALHO, M. e SANTOS, M., O sculo 21 no Brasil e no mundo. Edusc: Bauru, 2006

    12 Organizao das Naes Unidas. Resolutions adopted on the reports of the firstcommittee, Disponvel em Acesso emoutubro de 2008

    13 A proposta de Bernard Baruch se baseou no Report on the International Control ofAtomic Energy, redigido por uma comisso criada pelos Estados Unidos e presidida por DeanAcheson e David Lilienthal. Por isso, o plano tambm conhecido como Acheson -Lilienthal Plan.

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    sanes14. O Baruch Plan estabelecia a centralidade da UNAEC na fiscalizao

    das atividades nucleares dos Estados, que deveriam submeter quaisquer

    programas nucleares jurisdio deste rgo15.

    Lima16 argumenta que o Baruch Plan se baseou na premissa de que a

    vantagem dos Estados Unidos at ento, nico Estado possuidor de armas

    nucleares erodiria ao longo do tempo, de modo que o objetivo do governo norte-

    americano era garantir o controle sobre a tecnologia nuclear, utilizando a UNAEC

    para monopolizar o seu acesso, mesmo que temporariamente. A aprovao do

    Baruch Plan como plano de ao da UNAEC, portanto, seria benfico aos Estados

    Unidos, que retardaria o acesso de outros Estados tecnologia nuclear para a

    fabricao de armas. O objetivo norte-americano ficou patente pela aprovao do

    McMahon Act, de julho de 1946, pelo senado dos Estados Unidos, que estabelecia

    restries na aprovao de parcerias de cooperao nuclear, atravs do controle

    sobre a produo de material fssil17. Esta legislao afirmava que somente os

    Estados Unidos deveriam possuir a bomba nuclear, e portanto, as linhas de

    cooperao com outros Estados deveriam ser reduzidas, para que no houvesse

    transferncia de tecnologia 18.

    Os soviticos, entretanto, se mostraram resistentes ao Baruch Plan,

    sobretudo pela proposta de impedir o uso do poder de veto para evitar sanes em

    caso de violao das normas da UNAEC 19. Dessa forma, a proposta norte-

    americana no foi aceita e a prpria UNAEC foi suspensa, por tempo

    indeterminado, em 1949. Assim, o primeiro empreendimento visando criao de

    regras para o desenvolvimento e a utilizao da energia nuclear foi abandonado,

    devido s divergncias entre os Estados Unidos que buscavam o prolongamento

    de seu monoplio na posse de armas nucleares e a Unio Sovitica que

    buscava igualar os norte-americanos na posse de tais armas.

    14THOMSON, David.A guide to the nuclear arms control treaties. Los Alamos, 200115 LIMA, Maria Regina Soares de. The political economy of brazilian foreign policy:

    nuclear energy, trade and Itaipu. Tese de doutorado, 1986, Vanderbilt University16Idem17 MESSARI, N. e GUIMARES, J., Os desafios da no-proliferao nuclear in:

    CARVALHO, M. e SANTOS, M., O sculo 21 no Brasil e no mundo. Edusc: Bauru, 200618HOWLETT, Darryl & SIMPSON, John. Nuclear proliferation: the evolving debate. In

    CROFT, S. TERRIFF, T. Critical Reflections on security and Change. Routledge, 200019 LIMA, Maria Regina Soares de. The political economy of brazilian foreign policy:

    nuclear energy, trade and Itaipu. Tese de doutorado, 1986, Vanderbilt University

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    2.2.O programa Atoms for Peace e a criao da AIEA

    O fracasso da UNAEC em promover o controle da proliferao nuclearimpeliu o governo norte-americano a buscar outra soluo para o tema. O

    contexto poltico envolvendo a no-proliferao nuclear mudou em 1949, quando

    a Unio Sovitica realizou seus primeiros testes nucleares, o que fez com que

    Moscou no apresentasse mais veto s propostas norte-americanas de criao de

    normas para limitar a proliferao de armas nucleares. Paralelamente, o McMahon

    Act, de 1946, trazia problemas aos Estados Unidos, que deixavam de aproveitar o

    mercado internacional de transferncia de tecnologia nuclear, liderado pelo Reino

    Unido, na primeira metade da dcada de 195020.

    Assim, a soluo encontrada pelos Estados Unidos, atravs do presidente

    Dwight Eisenhower (1953-1961), foi a estruturao de um regime internacional

    que aliasse a transferncia de tecnologia nuclear civil o que permitiria a

    participao dos Estados Unidos neste mercado atrelado criao de garantias

    de que esta tecnologia no seria utilizada para fins militares 21. O programa

    lanado com essa finalidade, chamado de tomos para a Paz, foi anunciado em

    1953 e previa a assistncia no desenvolvimento da tecnologia nuclear para

    Estados que se mostrassem interessados, em troca da aplicao de um sistema de

    salvaguardas e inspees internacionais. Dessa forma, o as oportunidades

    comerciais seriam benficas aos Estados Unidos, que ainda garantiriam a

    existncia de mecanismos que evitassem a transformao desta tecnologia em

    armas nucleares22. No discurso de lanamento do programa, Eisenhower deixou

    clara a inteno de fazer deste um programa que envolvesse um nmero grande de

    Estados, incluindo a Unio Sovitica:

    The United States would be more than willing - it would be proud to take up with others"principally involved" the development of plans whereby such peaceful use of atomicenergy would be expedited. Of those "principally involved" the Soviet Union must, ofcourse, be one.23

    20Idem21THOMSON, David.A guide to the nuclear arms control treaties. Los Alamos, 200122 LIMA, Maria Regina Soares de. The political economy of brazilian foreign policy:

    nuclear energy, trade and Itaipu. Tese de doutorado, 1986, Vanderbilt University23 EISENHOWER, Dwight. Atoms for peace, 1953, Disponvel em

    Acesso em outubro de 2008

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    Neste mesmo discurso, Eisenhower props a criao da Agncia

    Internacional de Energia Atmica: The governments principally involved ()

    should begin now and continue to make joint contributions from their stockpiles

    of normal uranium and fissionable materials to an international atomic energy

    agency24. A agncia teria a funo de colocar em prtica os ideais propostos pelo

    Atoms for Peace, atravs da transferncia de tecnologia e a aplicao de

    salvaguardas que garantissem a utilizao pacfica da energia nuclear25.

    Entretanto, a inteno norte-americana de criar mecanismos que auxiliassem

    no controle dos armamentos nucleares pelo mundo no era compartilhada pela

    Unio Sovitica, Frana e Reino Unido, que tinham como interesse principal a

    consolidao como detentores de armamentos nucleares. A criao de

    mecanismos para a limitao dos armamentos no era uma prioridade para os

    soviticos at a morte de Stlin, em 195326. A ascenso de Nikita Kruschev ao

    poder sovitico, entretanto, propiciou uma mudana de atitude por parte da URSS.

    Aos poucos os soviticos cederam aos argumentos norte-americanos e, aps

    obterem sucesso no teste da Bomba H, tambm em 1953, concordaram em

    integrar negociaes para a criao de uma agncia que viesse a substituir a

    UNAEC. As negociaes para a constituio da AIEA, portanto, receberam a

    adeso de negociadores soviticos a partir de 195427, cumprindo a vontade

    expressa por Eisenhower de contar com Moscou para o sucesso do programa

    Atoms for Peace.

    Com a inteno de aprofundar o debate sobre a tecnologia nuclear, at ento

    desenvolvida de forma secreta pelos Estados, os Estados Unidos convocaram, em

    1955, a Primeira Conferncia Internacional sobre os Usos Pacficos da Energia

    Atmica, que ocorreria em agosto do mesmo ano, em Genebra28

    . A Conferncia,que reuniu representantes de Estados e cientistas, dispostos a trocar informaes

    sobre a tecnologia nuclear e seus benefcios em caso de uso pacfico, teve como

    24Idem25HOWLETT, Darryl & SIMPSON, John. Nuclear proliferation: the evolving debate. In

    CROFT, S. TERRIFF, T. Critical Reflections on security and Change. Routledge, 200026THOMSON, David.A guide to the nuclear arms control treaties. Los Alamos, 200127 LIMA, Maria Regina Soares de. The political economy of brazilian foreign policy:

    nuclear energy, trade and Itaipu. Tese de doutorado, 1986, Vanderbilt University28 MESSARI, N. e GUIMARES, J., Os desafios da no-proliferao nuclear in:

    CARVALHO, M. e SANTOS, M., O sculo 21 no Brasil e no mundo. Edusc: Bauru, 2006

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    um de seus principais resultados a divulgao do potencial de produo energtica

    da tecnologia nuclear, aumentando o interesse de diversos Estados. A realizao

    desta conferncia e a divulgao dos benefcios da tecnologia nuclear aumentaram

    o interesse dos Estados na criao da AIEA, pela possibilidade de serem

    beneficiados pela transferncia de tecnologia.

    O ltimo tema debatido antes da criao da AIEA envolveu a criao de

    acordos de salvaguardas sobre os programas nucleares dos Estados que j

    possuam a tecnologia nuclear naquele momento, Estados Unidos, Unio

    Sovitica e Reino Unido. Como meio de dissipar as desconfianas envolvendo o

    acesso a informaes sigilosas destes Estados, ficou estabelecida, em 1955, uma

    diferenciao entre pertencimento agncia e aplicao de salvaguardas. Esta

    diferenciao permitiu que os Estados detentores de armas nucleares pertencessem

    agncia, sem, entretanto, se submeterem a salvaguardas. A justificativa utilizada

    foi o fato de estes Estados terem desenvolvido suas tecnologias sem o auxlio da

    agncia, o que os eximiria de qualquer inspeo ou controle sobre suas

    atividades29.

    Com a acomodao dos interesses destes Estados, foi redigido e aprovado

    por unanimidade o texto constitutivo da Agncia Internacional de Energia

    Atmica (AIEA), entrando em funcionamento no ano de 1957. O estatuto da

    agncia estabelece que a estrutura do rgo seja composta por uma Conferncia

    Geral, um Conselho de Governadores e por um secretariado. A Conferncia Geral

    rene anualmente todos os Estados que subscrevem o estatuto da agncia e tem

    por objetivo decidir sobre a aceitao de novos Estados, punio dos

    transgressores e eleio dos membros do Conselho de Governadores30. O

    Conselho de Governadores composto por 35 membros, divididos por critrios

    geogrficos. Alguns Estados, avanados no tocante tecnologia nuclear, so, naprtica, permanentes neste rgo: Estados Unidos, Reino Unido, Frana, Rssia

    (herdando o assento sovitico), Canad e China; os demais membros so eleitos

    para mandatos rotativos pela Conferncia Geral, representando suas regies31.

    Apesar de o estatuto da AIEA definir a Conferncia Geral como rgo mximo de

    29 LIMA, Maria Regina Soares de. The political economy of brazilian foreign policy:nuclear energy, trade and Itaipu. Tese de doutorado, 1986, Vanderbilt University

    30THOMSON, David.A guide to the nuclear arms control treaties. Los Alamos, 200131Idem

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    sua estrutura, percebe-se que as reunies do Conselho de Governadores possuem

    importncia singular, sobretudo por ser este rgo responsvel pela redao de

    relatrios acerca da atuao da agncia. So estes documentos que informam a

    ONU sobre os programas nucleares e sobre a maneira como a AIEA tem lidado

    com eles, assumindo um papel importante, dada a relevncia das questes

    nucleares para a organizao. Por fim, o secretariado composto pelos

    funcionrios da AIEA, com destaque para o representante mximo da agncia, o

    Diretor-Geral, eleito pelo Conselho de Governadores e aprovado pela Conferncia

    Geral. Este funcionrio responsvel pelo funcionamento geral da agncia, e no

    deve receber instrues de qualquer fonte externa prpria AIEA, incluindo

    Estados ou outros rgos da ONU, conforme expresso no artigo VII-F do Estatuto

    do rgo32.

    A AIEA, que se auto-intitula The Atoms for Peace Agency iniciou seu

    funcionamento em 1957, dando origem a um perodo no qual a transferncia de

    tecnologia nuclear era vista de forma benfica para a paz e segurana

    internacionais. As salvaguardas da AIEA foram colocadas como um pr-requisito

    para a transferncia de tecnologia, de modo que havia garantias de que os novos

    programas nucleares seriam pacficos, devido fiscalizao de uma agncia

    internacional. Franois Gr33 considera que o funcionamento da AIEA ocorreu

    em meio a uma fase de euforia nuclear, na qual era considerado possvel separar

    as tenses da Guerra Fria da transferncia pacfica de tecnologia nuclear. Tal

    transferncia era vista, ainda, como benfica para a cooperao entre os Estados e

    para o desenvolvimento econmico, por sua utilizao na gerao de energia, na

    medicina e na agricultura, com a possibilidade de dessalinizar a gua do mar.

    Assim, percebemos que, sendo a base da criao da AIEA o Atoms for

    Peace de Eisenhower, a agncia apostava na cooperao tcnica entre os Estadose na transferncia de tecnologia pacfica como meio de reduzir a proliferao de

    armas nucleares. Esta base de pensamento fez com que o desenho institucional da

    AIEA no previsse mecanismos eficazes na fiscalizao dos Estados. A aplicao

    de salvaguardas ocorria no momento da assinatura do acordo de transferncia de

    32 Agncia Internacional de Energia Atmica. Statute of the IAEA. Disponvel em Acesso em outubro de 2008

    33GR, Franois. LIran et Le nuclaire. Les tourments perses. Lignes de repres: Paris,2006

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    tecnologia nuclear entre os Estados. No havia, entretanto, uma estrutura capaz de

    evitar a utilizao desta tecnologia, de forma secreta, para projetos militares. A

    dificuldade na deteco de instalaes nucleares no-declaradas presente ainda

    hoje no regime de no-proliferao nuclear mostra que o apoio transferncia

    de tecnologia nuclear pacfica no previu mecanismos para evitar o desvio desta

    para a utilizao militar34. A AIEA apostava, desde sua origem, na possibilidade

    de fiscalizar toda a utilizao dos materiais fsseis atravs de visitas espordicas

    aos Estados, verificando a origem e o destino de todos os componentes

    necessrios para a consecuo de um programa nuclear.

    34 COCHRAN, Thomas. Adequacy of IAEAssafeguards for achieving timely detectionin SOKOLSKI, Henry.Falling Behind: International Scrutiny of the peaceful Atom.2008

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    2.3.O Tratado de No-Proliferao Nuclear (TNP)

    A criao da AIEA foi vista como um passo inicial na criao de um corpode normas capaz de impedir a proliferao de armas nucleares. De fato, at o fim

    dos anos 1960, apenas cinco Estados possuam armas nucleares reconhecidas

    internacionalmente: alm de Estados Unidos, Unio Sovitica e Reino Unido,

    Frana e China se juntaram ao clube atmico ao realizarem testes em 1960 e

    1968, respectivamente35. A agncia, entretanto, no era suficiente para prevenir o

    surgimento de novos programas nucleares por no criar obrigaes especficas aos

    Estados alm da obrigatoriedade de se submeterem a salvaguardas em caso de

    recebimento de tecnologia nuclear. Por isso, desde o incio dos anos 1960, alguns

    Estados, notadamente as duas superpotncias, mostraram-se preocupados em criar

    mecanismos mais slidos para o regime internacional de no-proliferao. Estados

    Unidos e Unio Sovitica propuseram, ento, textos-base para tratados de no-

    proliferao e desarmamento nuclear, mas diferenas entre as duas propostas,

    como a periodicidade das inspees em cada Estado, atrasaram o fechamento de

    um texto nico36. At que, em 1964, o presidente Lyndon Johnson apresentou um

    esboo do que viria a ser o Tratado de No-Proliferao Nuclear, que seria criado

    em 1968, incluindo a possibilidade de fiscalizaes nos pases declaradamente

    possuidores de armas nucleares. Os termos propostos foram bem recebidos pelos

    Estados que no detinham armas nucleares, mas encontrou a resistncia da Unio

    Sovitica, sobretudo devido Multilateral Nuclear Force (MNF), que vinha sendo

    negociada entre os Estados Unidos e a OTAN. Os soviticos deixaram claro que

    no aceitariam qualquer acordo de no-proliferao que pudesse significar a

    transferncia de armas nucleares para a Repblica Federal da Alemanha 37. Em

    1965, entretanto, os Estados Unidos mostraram-se dispostos a abrir mo da

    transferncia de armamentos atravs da MLF e propuseram o estabelecimento de

    salvaguardas para os Estados que no possuem armas nucleares (nonnuclear

    weapon sates NNWS), e a proibio de transferncia de armas por parte dos

    35BONIFACE, Pascal et COURMONT, Bartlmy. Le monde nucleaire: arme nucleaire etrelations internationales depuis 1945. Armand Colin: Paris, 2006

    36THOMSON, David.A guide to the nuclear arms control treaties. Los Alamos, 200137 LIMA, Maria Regina Soares de. The political economy of brazilian foreign policy:

    nuclear energy, trade and Itaipu. Tese de doutorado, 1986, Vanderbilt University

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    43

    Estados dotados de armas nucleares (nuclear weapon states NWS). Atravs das

    negociaes, Estados Unidos e Unio Sovitica chegaram, em 1967, a um texto

    nico para um tratado de no-proliferao, o TNP38. Assim, foram estabelecidas

    as duas categorias de Estados do TNP: os NNWS, que se comprometeriam a no

    produzir ou adquirir armas nucleares; e os NWS, Estados que testaram armas

    nucleares antes de janeiro de 1967, e que se comprometeriam a no transferir

    armas nucleares para os NNWS e a manter seus arsenais nucleares reduzidos39.

    A criao de duas categorias de Estados, entretanto, gerou preocupaes nos

    NNWS que no pertenciam OTAN ou ao Pacto de Varsvia, que pediam

    garantias de que no seriam alvos de ataques nucleares. Sem tais garantias, a

    ratificao do TNP era vista como nociva segurana destes Estados, que no

    poderiam se igualar aos possuidores de armas nuc leares40. As demandas eram por

    garantias positivas de que no seriam atacados pelos NWS e negativas de

    que os NWS viriam em defesa dos NNWS em caso de ataque nuclear. O TNP foi

    aprovado pela Assemblia Geral, em 12 de junho de 1968, com garantias positivas

    consideradas limitadas e insatisfatrias pelos NNWS. Em 1970, as garantias

    negativas foram aprovadas pelos NWS41, garantindo proteo para NNWS que se

    encontrassem sob ataques nucleares. O Tratado contou, inicialmente, com 43

    Estados, incluindo Estados Unidos, Reino Unido e Unio Sovitica, os trs

    depositrios42

    A criao do TNP conferiu AIEA a funo de fiscalizar seu cumprimento,

    pois este tratado obrigou que os seus signatrios se submetessem s regras

    estabelecidas pela agncia, aceitando suas salvaguardas e mantendo seus

    programas nucleares dentro dos parmetros estabelecidos43. O tratado reforou

    princpios defendidos pela AIEA, como a cooperao cientfica e a transferncia

    de tecnologia pacfica, de modo que o TNP ratificou as funes da agncia. Oprembulo do TNP estabelece os seus objetivos, quais sejam a reduo, com

    38THOMSON, David. A guide to the nuclear arms control treaties. Los Alamos, 200139 MESSARI, N. e GUIMARES, J., Os desafios da no-proliferao nuclear in:

    CARVALHO, M. e SANTOS, M., O sculo 21 no Brasil e no mundo. Edusc: Bauru, 200640HOWLETT, Darryl & SIMPSON, John. Nuclear proliferation: the evolving debate. In

    CROFT, S. TERRIFF, T. Critical Reflections on security and Change. Routledge, 200041Idem42Atualmente, so 189 signatrios. Israel, Paquisto, ndia e Coria do Norte so os quatro

    no-signatrios atualmente. A Coria do Norte foi signatria entre 1985 e 2003, quando se retiroualegando protesto contra as presses exercidas pelos EUA devido a suas atividades nucleares.

    43Ibidem

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    44

    vistas eliminao, dos arsenais nucleares dos NWS e a no-aquisio de

    tecnologia com fins blicos pelos NNWS44. Com vistas ao cumprimento deste

    objetivo, o Artigo I do TNP estabelece que os NWS devem se abster de qualquer

    transferncia de artefato blico para os NNWS, num sinal de recuo dos Estados

    Unidos quanto a sua inteno de levar cabo o Multilateral Nuclear Force, em

    conjunto com os outros membros da OTAN. O Artigo II, por sua vez, estabelece

    que os NNWS devem se abster de da busca por tais artefatos, dividindo a

    responsabilidade pela limitao de armamentos nucleares no mundo entre os

    possuidores e os no-possuidores de arsenais atmicos45.

    Os Artigos III e IV so centrais para a compreenso das normas do regime

    internacional de proliferao e, portanto, das possibilidade de novos Estados,

    signatrios do TNP, adquirirem tecnologia nuclear, at os dias atuais. O Artigo III

    ressalta a centralidade das salvaguardas da AIEA sobre as atividades nucleares de

    todos os signatrios, afirmando que todo e qualquer programa nuclear deve ser

    submetido ao escrutnio da agncia. A complementao ao estabelecimento da

    obrigatoriedade das salvaguardas da AIEA vem no artigo IV, que estabelece o

    direito inalienvel de todos os Estados de buscarem avanos tecnolgicos na

    esfera nuclear, sem que a agncia represente empecilhos ou dificuldades

    adicionais:

    Nothing in this Treaty shall be interpreted as affecting the inalienable right of allthe Parties to the Treaty to develop research, production and use of nuclear energyfor peaceful purposes without discrimination and in conformity with Articles I andII of this Treaty.46

    Estamos aptos a identificar, ento, uma fraqueza do regime internacional de

    no-proliferao nuclear. O TNP estabeleceu o pleno direito ao desenvolvimento

    de tecnologia nuclear, desde que os fins sejam pacficos. A funo, entretanto, de

    verificar as instalaes nucleares de cada Estado, de modo a identificar o carter

    pacfico ou blico de cada uma delas, da AIEA que no possui instrumentos

    eficazes para a fiscalizao das atividades dos Estados. Institucionalmente, a

    funo da AIEA era fiscalizar os programas nucleares declarados, sem

    44Thomson, David. A guide to the nuclear arms control treaties. Los Alamos, 200145idem46 Organizao das Naes Unidas. Non-proliferation Treaty. Disponvel em:

    Acesso em outubro de 2008

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    45

    mecanismos que permitissem a descoberta de programas nucleares secretos. O

    TNP, que surge como uma complementao ao regime internacional de no-

    proliferao, apia-se na AIEA como meio de fiscalizar as atividades nucleares

    dos Estados sem, contudo dotar a agncia de instrumentos mais eficazes de

    fiscalizao47.

    O processo de estabelecimento de salvaguardas da AIEA ganhou corpo nos

    anos 1970, aps a entrada do TNP em vigor, a despeito das resistncias de alguns

    pases. Tanto os Estados pertencentes Euratom, quanto o Japo e os NNWS do

    Pacto de Varsvia, s aceitaram a aplicao de salvaguardas a partir da garantia de

    que no haveria prejuzos s suas indstrias nucleares, com fiscalizaes

    constantes que viessem a colocar em risco informaes confidenciais 48. Tambm

    para a AIEA surgiram problemas, como a dificuldade de fiscalizar um nmero

    maior de instalaes nucleares salvaguardadas, sem que houvesse um aumento

    condizente de seu oramento e de sua estrutura49.

    O TNP entrou em vigor ainda em meio fase de otimismo quanto

    transferncia de tecnologia nuclear, que durou, aproximadamente, at 1974. O

    crescimento do nmero de Estados interessados em construir instalaes nucleares

    em funo do alto preo do petrleo levou os Estados Unidos a promoverem

    cortes nas transferncias de tecnologia, pelo receio de que fosse difcil para a

    AIEA manter o controle sobre um nmero elevado de novos programas

    nucleares50. Alm disso, em 1974, a ndia, no-signatria do TNP, realizou seu

    primeiro teste nuclear, deixando o mundo em alerta quanto possibilidade de

    haver uma expanso do nmero de Estados dotados de armas nucleares51.

    Motivado pelo teste nuclear indiano, o Paquisto, seu rival regional e igualmente

    no-signatrio do TNP, iniciou pesquisas com a inteno de igualar o poderio

    blico de seu vizinho. O temor de que, alm de ndia e Paquisto, outros Estadosbuscassem desenvolver armas nucleares levou a uma mudana no tratamento

    internacional da proliferao nuclear. O governo norte-americano iniciou ento

    presses para que fossem reduzidos os mecanismos de transferncia de tecnologia.

    47Thomson, David. A guide to the nuclear arms control treaties. Los Alamos, 200148Idem49 SOKOLSKI, Henry. Assessing the IAEAs ability to verify the NPT in SOKOLSKI,

    Henry. Falling Behind: International Scrutiny of the peaceful Ato m. 200850HOWLETT, Darryl & SIMPSON, John. Nuclear proliferation: the evolving debate. In

    CROFT, S. TERRIFF, T. Critical Reflections on security and Change. Routledge, 200051Idem

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    A partir de ento, a posio norte-americana passou a ser a de que a AIEA deveria

    ter um papel mais fiscalizador, e menos de auxlio transferncia de tecnologia.

    Esta reao se justificou pelo fato de a ndia ter tido acesso tecnologia nuclear

    atravs de um acordo de cooperao tcnica firmado com o Canad e com os

    Estados Unidos, o que explicitou as dificuldades do regime em detectar o desvio

    de material nuclear de um programa civil para um programa militar.

    A reao ao teste nuclear indiano por parte de Estados fornecedores de

    tecnologia nuclear foi a criao do Nuclear Suppliers Group (NSG) ou Clube de

    Londres, em 1974. Este grupo foi criado com o objetivo de criar linhas de

    atuao comuns para a transferncia de tecnologia nuclear e uma de suas primeiras

    decises foi a restrio exportao de tecnologia para o enriquecimento de

    urnio e para a obteno de plutnio52. A segunda metade dos anos 1970 ficou

    conhecido como o perodo de Guerra ao Plutnio, devido ao objetivo de reduzir

    a quantidade de plutnio separado no mundo 53.

    O governo norte-americano de Jimmy Carter (1977-1981) atuou na AIEA

    atravs de presses para que a agncia mudasse seu foco, deixando de favorecer a

    transferncia de tecnologia e aumentando sua capacidade de fiscalizao 54. A

    ameaa estabilidade do regime, representada pela utilizao de tecnologia

    nuclear pacfica para fins militares, feita pela ndia, gerou uma reao dos Estados

    fornecedores de tecnologia nuclear, representados pelo NSG, que acabou por

    fechar um perodo no qual a transferncia de tecnologia era vista de forma

    positiva, por possibilitar a concluso de acordos de salvaguardas, que permitiriam

    inspees da AIEA. O caso indiano explicitou, entretanto, que a possibilidade de

    desvio da tecnologia nuclear existia, devido dificuldade de a AIEA fiscalizar as

    instalaes nucleares salvaguardadas de forma minuciosa.

    Ao longo dos anos 1980, a tnica do regime internacional foi a busca peloaprofundamento das regras do regime em direo a Estados no-signatrios do

    TNP. O teste de armas nucleares pela ndia fez com que os Estados Unidos

    iniciassem um debate sobre a cooperao tcnica com Estados no-signatrios do

    TNP. Alm disso, a existncia de Estados possuidores de armas testadas aps

    52 LIMA, Maria Regina Soares de. The political economy of brazilian foreign policy:nuclear energy, trade and Itaipu. Tese de doutorado, 1986, Vanderbilt University

    5353HOWLETT, Darryl & SIMPSON, John. Nuclear proliferation: the evolving debate. InCROFT, S. TERRIFF, T. Critical Reflections on security and Change. Routledge, 2000

    54GR, Franois, 2006:94

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    janeiro de 1967 se mostrava problemtico para o regime, que no previa esta

    possibilidade. As conferncias de reviso do TNP, ocorridas a cada cinco anos,

    foram utilizadas como tentativas de criar maiores comprometimentos dos Estados

    com o Regime de no-proliferao. A III Conferncia, de 1985, por exemplo,

    ressaltou a importncia de que os Estados NNWS no-signatrios do TNP, como a

    ndia, assinassem acordos vinculantes de no-aquisio de armas nucleares55.

    O fim da Unio Sovitica fez com que fosse criado um contexto propcio

    proliferao nuclear sem o conhecimento da AIEA, devido falta de controle da

    agncia sobre o arsenal sovitico, que se encontrava espalhado por quatro das

    quinze ex-repblicas soviticas: Rssia, Cazaquisto, Ucrnia e Bielorrssia56.

    Alm disso, as armas nucleares tticas da Unio Sovitica estavam espalhadas

    pelas quinze repblicas. Dessa forma, surgiram novos Estados detentores de armas

    nucleares, sem que a AIEA pudesse estender salvaguardas sobre suas instalaes

    nucleares. A dissoluo da URSS gerou preocupaes: [the soviet disintegration]

    raised the prospect that more than one nuclear successor state might emerge from

    the dissolution of the Soviet Union, and that complete weapons or fissile materials

    might be disseminated from its former territory57

    Ademais, boa parte das cerca de 100.000 pessoas que trabalhavam

    diretamente no setor nuclear da Unio Sovitica encontraram-se desempregadas.

    Destas, Boniface e Courmont 58 estimam que entre 2.000 e 3.000 eram

    conhecedoras de detalhes da fabricao de armas nucleares. A possibilidade de

    este know-how ser associado grande quantidade de material nuclear disponvel

    nas ex-Repblicas Soviticas, e dar origem a novos programas nucleares secretos,

    soava como uma porta aberta em direo a um aumento da proliferao nuclear.

    Para evitar tais problemas foram feitos acordos que previam a transferncia de

    todo material nuclear presente nas ex-Repblicas para a Rssia, em troca deinvestimentos norte-americanos, de modo a facilitar a transio do comunismo

    para a economia de mercado. Apesar de cientistas soviticos terem sido

    empregados por laboratrios ocidentais, como modo de evitar sua contratao por

    55Thomson, David. A guide to the nuclear arms control treaties. Los Alamos, 200156BONIFACE, Pascal et COURMONT, Bartlmy. Le monde nucleaire: arme nucleaire et

    relations internationales depuis 1945. Armand Colin: Paris, 200657HOWLETT, Darryl & SIMPSON, John, 2000:20858BONIFACE, Pascal et COURMONT, Bartlmy. Le monde nucleaire: arme nucleaire et

    relations internationales depuis 1945. Armand Colin: Paris, 2006

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    possveis Estados proliferantes, ainda havia o receio de que o desmantelamento da

    estrutura sovitica tenha propiciado a transferncia de tecnologia nuclear de forma

    ilegal, atravs do mercado clandestino59.

    De forma similar, o caso iraquiano chamou a ateno do regime

    internacional de no-proliferao para as possibilidades de trapaa no TNP. A

    derrota iraquiana na Guerra do Golfo, em 1991, mostrou que, apesar de ser

    signatrio do TNP, o Iraque havia desenvolvido um programa nuclear blico

    clandestino60. Tal informao foi dada AIEA por agncias de inteligncia dos

    Estados Unidos, que tambm descobriram instalaes clandestinas na Coria do

    Norte, destinadas fabricao de armas nucleares61. Tais descobertas levantaram

    questes sobre a possibilidade de outros Estados, signatrios do TNP,

    desenvolverem programas nucleares blicos sem o conhecimento da AIEA.

    Atuando na clandestinidade, Estados como o Iraque poderiam ter programas

    nucleares no-declarados, diminuindo a eficcia das medidas restritivas

    estabelecidas pelo NSG:

    as a result of the developments concerning Iraq, a renewed debate erupted overthe effectiveness of the NSG export control guidelines and IAEA safeguard, andwhether they could ever be successful if confronted by a state determined to breach

    these arrangements62

    A partir da queda da Unio Sovitica e da descoberta do programa nuclear

    iraquiano, a AIEA dava provas de que no possua instrumentos suficientes para

    fiscalizar as atividades de todos os Estados, visto que esta no era sua funo

    inicial. O lanamento da AIEA em 1956 tinha por objetivo principal o auxlio a

    Estados que objetivassem ter acesso tecnologia nuclear pacfica. A criao de

    mecanismos destinados fiscalizao dos programas nucleares, foi atrelada

    transferncia de tecnologia, de modo que Estados que recebessem auxlio tcnico

    se submetessem s salvaguardas da AIEA. Assim, no foi criada uma estrutura

    consistente para a fiscalizao dos programas nucleares pela assuno de que os

    Estados que tivessem acesso tecnologia teriam suas instalaes salvaguardadas.

    59Idem60Ibidem61ZAK, Chen. Irans Nuclear Policy and the IAEA: An Evaluation of Program 93+2. 200262HOWLETT, Darryl & SIMPSON, John, 2000:213

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    De forma similar, a AIEA no criou uma estrutura capaz de detectar programas

    nucleares secretos, tarefa que vem desenvolvendo nos ltimos anos63.

    63 COCHRAN, Thomas. Adequacy of IAEAssafeguards for achieving timely detectionin SOKOLSKI, Henry.Falling Behind: International Scrutiny of the peaceful Atom.2008

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    2.4.Repensando o regime

    Os casos sovitico, iraquiano e norte-coreano explicitaram a necessidade dedotar a AIEA de mecanismos institucionais capazes de fiscalizar de forma eficaz

    os programas nucleares. O acordo de salvaguardas tradicional da AIEA,

    denominado INFCIRC/153, criado em 1970, mostrava-se ineficaz para o

    acompanhamento das atividades nucleares dos Estados signatrios, por respeitar

    sua soberania demasiadamente64. As possibilidades de fiscalizao das instalaes

    nucleares ficam limitadas quelas estipuladas pelos prprios Estados, reduzindo

    com isso as possibilidades de a AIEA ter acesso a instalaes no-declaradas,

    onde h uma maior probabilidade de serem desenvolvidas atividades proibidas.

    O debate acerca do fortalecimento do poder de fiscalizao da AIEA foi

    iniciado nas reunies da agncia, tendo como objetivo transformar esta numa

    estrutura diferente daquela pensada no momento de criao. A agncia

    permaneceria com suas atribuies de auxlio tcnico para Estados que quisessem

    obter tecnologia nuclear para uso pacfico, mas passaria a ter maiores poderes na

    fiscalizao dos Estados65. Para fortalecer tais atribuies, um programa gradual

    foi elaborado pelo secretariado da AIEA, a partir de 1992, em conjunto com os

    Estados componentes do Conselho de Governadores e com o Standing Advisory

    Group on Safeguards Implementation (SAGSI), de modo a desenvolver

    mecanismos capazes de reforar o controle da agncia sobre os programas

    nucleares, sobretudo aqueles no-salvaguardados66.

    O resultado foi o Programa 93+2, que seria apresentado antes da V

    Conferncia de Exame do TNP, em 1995, mas que acabou sendo concludo

    apenas dois anos mais tarde, em 1997. A demora na concluso do texto se deveu

    ao grande nmero de preocupaes envolvidas nas negociaes. Estados com

    importantes programas nucleares civis, como Japo, Canad e Alemanha no

    aceitavam ser penalizados por aumentos na carga de inspees ou pelo aumento

    nas exigncias da AIEA. Por outro lado, os Estados Unidos pressionavam por um

    64ZAK, Chen. Irans Nuclear Policy and the IAEA: An Evaluation of Program 93+2. 200265GR, Franois. LIran et Le nuclaire. Les tourments perses. Lignes de repres: Paris,

    200666HOWLETT, Darryl & SIMPSON, John. Nuclear proliferation: the evolving debate. In

    CROFT, S. TERRIFF, T. Critical Reflections on security and Change. Routledge, 2000

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    poder de controle e de inspeo mais significativo e amplo. O texto final resultou

    de um compromisso entre os Estados, de modo a utilizar termos aceitveis para

    todos: o protocolo adicional no deu um carter sistemtico s inspees

    especiais, mas insistiu no carter qualitativo, e no meramente contbil, das

    informaes pedidas pela agncia aos Estados67. Dessa forma, a AIEA atendia aos

    interesses de Estados que se sentiriam prejudicados pelo aumento no nmero de

    inspees, e garantia que as informaes permitiriam a criao de um banco de

    dados completo sobre as origens e destinos dos materiais nucleares.

    O objetivo do programa 93+2 ficou estabelecido como: to strengthen the

    safeguards system and in particular to develop its ability to detect and to have

    access to undeclared activities68. Segundo este novo sistema de salvaguardas, que

    complementa o INFCIRC/153 para Estados que o subscrevam, a AIEA passa a ter

    autorizao para verificar instalaes no declaradas, garantindo um maior

    controle das atividades nucleares de seus signatrios.

    O Programa 93+2 foi dividido em dois documentos diferentes. O primeiro

    deles representa mudanas que no requerem alteraes no quadro jurdico da

    instituio. Portanto, as obrigaes expressas neste documento vinculam a todos

    os Estados-membros da AIEA. Nesta parte do programa esto estabelecidas

    mudanas que significam um aumento do fluxo de informaes que parte dos

    Estados para a AIEA. Assim, todos so obrigados a comunicar construo ou

    fechamento de instalaes nucleares, transmisso das atividades nas instalaes

    atravs de cmeras, possibilidade de inspees-surpresa, entre outras medidas69.

    O segundo documento do programa 93+2 tem por objetivo dotar a AIEA de

    novos poderes e precisa, portanto, de mudanas no quadro jurdico da agncia. Foi

    estruturado, ento, um protocolo adicional (denominado INFCIRC/540), aprovado

    em 15 de maio de 1997 pelo Conselho dos Governadores. Para Estados queaceitem o protocolo adicional, so criadas obrigaes mais aprofundadas, como

    fornecer dados mais completos e com maior freqncia do que obrigavam os

    acordos de salvaguardas tradicionais, possibilidade de inspees em qualquer

    local do pas, mesmo em instalaes que o Estado no declare como partes do

    67GR, Franois. LIran et Le nuclaire. Les tourments perses. Lignes de repres: Paris,2006

    68The annual report for 1997(Vienna: IAEA, 1998), p 49. Apud Zak, 2002:1269GR, Franois. LIran et Le nuclaire. Les tourments perses. Lignes de repres: Paris,

    2006

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    programa nucleares, e at mesmo coleta de material para anlise mais

    aprofundada70. Signatrios do Protocolo adicional se comprometem a entregar

    uma declarao para a AIEA, contendo uma relao exaustiva e qualitativa de

    todos os prdios e instalaes dos stios salvaguardados, independente da

    utilizao feita71. Com o programa 93+2, a AIEA ganhou um maior poder de

    ingerncia sobre assuntos internos dos Estados, desde que estes se subscrevessem

    o protocolo adicional.

    O incremento no poder de ingerncia da AIEA, promovido pelo programa

    93+2, a partir de 1997, marcou uma fase de aprofundamento do movimento

    antiproliferao. Este aprofundamento no reduziu, entretanto, o interesse gerado

    pela energia nuclear, que continua sendo bastante atrativo para os Estados, como

    mostra o diretor do Nonproliferation Policy Education Center (NPEC), Henry

    Sokolski72. Sokolski afirma que, desde 2005, mais de quinze Estados anunciaram

    o desejo de construrem seus prprios reatores nucleares at 2020, no obstante os

    debates acerca do programa nuclear do Ir.

    Dentre estes Estados, encontramos nove localizados no Oriente Mdio.

    Segundo Sokolski, alguns deles, como Arglia, Lbia, Egito, Turquia e Arbia

    Saudita, possuem chances de obterem sucesso em suas empreitadas, sobretudo se

    se concretizarem os pedidos de cooperao nuclear com Estados avanados nessa

    tecnologia. Em meio a estes quinze Estados desejosos de possuir reatores

    nucleares, at least four of have made it clear that they are interested in hedging

    security bets with a nuclear weapon-option. For these states, developing

    purportedly peaceful nuclear energy is the weapon of choice73. A partir deste

    quadro, devemos nos perguntar se a AIEA est preparada para lidar com estes

    Estados que se mostram interessados em atingir o thresholdnuclear, sobretudo se

    levarmos em conta o reduzido tempo necessrio para a fabricao de armasnucleares, como veremos a seguir.

    Para a aplicao das salvaguardas, a AIEA estabelece alguns parmetros que

    servem como medidas para a avaliao dos programas nucleares dos Estados. As

    medidas de quantidade (quantidade significativa) e de tempo (tempo de

    70Idem71ZAK, Chen. Irans Nuclear Policy and the IAEA: An Evaluation of Program 93+2. 200272 SOKOLSKI, Henry. Assessing the IAEAs ability to verify the NPT in SOKOLSKI,

    Henry. Falling Behind: International Scrutiny of the peaceful Atom. 200873Idem:5

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    converso) servem como parmetro para que a AIEA avalie os programas

    nucleares salvaguardados. A quantidade significativa refere-se quantidade de

    material fssil necessrio para a fabricao de uma bomba nuclear. Nesse sentido,

    este parmetro serve como medida para que a AIEA avalie se o desvio de uma

    determinada quantidade de material fssil suficiente para a construo de uma

    arma. O tempo de converso se refere ao perodo de tempo necessrio para a

    fabricao de uma bomba nuclear. atravs dessa medida que a AIEA estabelece

    seu calendrio de inspees, de modo a garantir que as instalaes salvaguardadas

    sero vistoriadas num espao de tempo menor do que o necessrio para a

    fabricao de uma bomba nuclear.

    Os parmetros estabelecidos pela AIEA, entretanto, esto obsoletos, por no

    terem sido adaptados aos avanos tecnolgicos, que permitem a construo de

    armas nucleares com quantidades menores de material fssil, em um espao de

    tempo menor. A quantidade significativa estimada pela AIEA de oito

    quilogramas de plutnio ou 25 quilogramas de urnio enriquecido a 90% para a

    fabricao de uma bomba nuclear. A NPEC estima que, atualmente, a construo

    de uma bomba nuclear pode ser feita com apenas um quilograma de plutnio ou

    2,5 quilogramas de urnio enriquecido a 90%74.

    A estipulao do tempo de converso, baseada no material fssil especfico

    possudo por cada Estado, tambm visto como defasado pela NPEC. A

    tecnologia atual permite que os Estados construam bombas nucleares no perodo

    de tempo compreendido entre duas inspees da agncia, sem que esta possa

    detectar qualquer ao clandestina. Os parmetros de quantidade e de tempo

    foram estipulados pela AIEA h trs dcadas, sem que tenham ocorrido as

    adaptaes necessrias, inerentes aos avanos da tecnologia75.

    Alm destas dificuldades, a AIEA se v desafiada pela amplitude de suamisso. A aplicao de salvaguardas e a inspeo a todos os programas nucleares

    requerem uma estrutura ampla e dispendiosa. O oramento da AIEA, entretanto,

    no acompanhou o crescimento do nmero de instalaes salvaguardadas nas

    ltimas dcadas e atualmente a agncia no tem recursos para investir no

    treinamento de inspetores ou na aplicao de recursos tecnolgicos que

    74 COCHRAN, Thomas. Adequacy of IAEAssafeguards for achieving timely detectionin SOKOLSKI, Henry.Falling Behind: International Scrutiny of the peaceful Atom.2008

    75Idem

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    auxiliariam a AIEA a manter controle sobre as instalaes salvaguardadas76. A

    AIEA costuma incluir entre suas medidas de salvaguardas a fiscalizao atravs

    de sistemas de monitoramento remoto, com a instalao de cmeras nas

    instalaes nucleares, de modo a garantir que toda a utilizao de material fssil

    seja conhecida pela agncia. Entretanto, este mecanismo no confivel, segundo

    a NPEC, pela incapacidade da agncia de disponibilizar tcnicos para monitorar

    as imagens obtidas, ou sequer ter certeza de que as cmeras so mantidas ligadas o

    tempo todo: over the last 6 years, the agency has learned of cmera blackouts

    that lasted for more than 30 hours on 12 separate occasions77.Sob as regras de

    salvaguardas tradicionais, as imagens s so verificadas a cada 90 dias, espao de

    tempo preocupante, dada a reduo do tempo de converso que acompanha os

    avanos tecnolgicos.

    O Programa 93+2 criou mecanismos para evitar que os Estados fabriquem

    armas nucleares no tempo compreendido entre duas inspees, com a realizao

    de inspees mais frequentes e sem uma periodicidade definida, podendo ocorrer

    a qualquer momento. As dificuldades oramentrias da AIEA, entretanto, trazem

    dvidas quanto possibilidade de a agncia aumentar a fiscalizao sobre os

    Estados. A assinatura do protocolo 93+2 por mais Estados at 3 de maro de

    2009, 90 Estados haviam ratificado o protocolo 78 desejvel do ponto de vista

    institucional, pois aumentaria o poder de fiscalizao da AIEA sobre um nmero

    maior de Estados, mas foraria uma reavaliao sobre os recursos da agncia.

    76 SOKOLSKI, Henry. Assessing the IAEAs ability to verify the NPT in SOKOLSKI,Henry.Falling Behind: International Scrutiny of the peaceful Atom.2008

    77SOKOLSKI, 2008:2278Agncia Internacional de Energia Atmica, Safeguards and verification. Disponvel em

    Acesso em outubro de 2008

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    2.5.Concluso

    A AIEA o rgo da ONU responsvel por fiscalizar e manter sob controle

    a proliferao nuclear, mas possui dificuldades para fazer cumprir suasdeterminaes. A criao do sistema de salvaguardas e a busca pelo seu

    fortalecimento, com o TNP, representaram a busca da agncia pela posse da

    oniscincia sobre a utilizao de todo material fssil por parte dos Estados.

    Entretanto, a AIEA enfrenta problemas que a impedem de cumprir suas

    atribuies, devido maneira como o regime foi construdo. O fato de a

    tecnologia nuclear ter implicaes civis e militares faz com que o regime

    internacional de no-proliferao lide com a dualidade existente entre o direito ao

    desenvolvimento econmico e tecnolgico com a construo de instalaes

    destinadas utilizao pacfica da energia nuclear; e a possibilidade de desvio da

    tecnologia nuclear em direo fabricao de armas nucleares. Assim, as funes

    da AIEA ganham importncia por envolverem desenvolvimento e segurana

    internacional e o rgo deve agir de forma equilibrada para no causar prejuzos

    em nenhum destes dois temas.

    O momento de criao da AIEA vinculava a possibilidade de transferncia

    de tecnologia nuclear favorecendo, portanto, o desenvolvimento construo

    de uma estrutura que garantisse a segurana internacional, atravs das

    salvaguardas. O modelo institucional implementado na AIEA favorecia a

    transferncia de tecnologia, mas negligenciava a implementao de salvaguardas

    sobre os Estados, de modo que a fiscalizao da agncia era deficiente e

    permissiva. A necessidade de construir uma estrutura mais forte de coibio da

    proliferao nuclear foi percebida na dcada de 1970, mas os mecanismos criados

    pelo Nuclear Suppliers Group (NSG) no foram suficientes para evitar que novos

    Estados nucleares surgissem. A desintegrao da Unio Sovitica e a descoberta

    de um programa nuclear secreto no Iraque evidenciaram a necessidade de novos

    instrumentos para evitar a proliferao de armas nucleares. Como resultado,

    tivemos a estruturao do Protocolo Adicional 93+2, que amplia os poderes de

    fiscalizao da agncia, mas depende da ratificao dos Estados, de modo que a

    agncia ainda se encontra sem possibilidades de inspecionar de forma

    aprofundada Estados que vem gerando desconfianas no secretariado da agncia.

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    O protocolo adicional, entretanto, ainda no soluciona problemas estruturais

    da AIEA, como a falta de recursos para o aumento de seu quadro de inspetores e o

    treinamento adequado destes, alm da utilizao de recursos tecnolgicos. Tais

    melhorias ajudariam a solucionar problemas decorrentes da demora em detectar

    programas nucleares no-declarados. A rpida deteco dos programas nucleares

    pode ser feita atravs de recursos como satlites ou anlises de radioatividade, e

    garantem que o tema ser tratado com o mximo de informaes possveis, e com

    tempo suficiente para que a agncia analise o programa e sua legalidade.

    nesse contexto que surge o tema do programa nuclear do Ir, que fora a

    AIEA a adotar uma postura que no seja restritiva para possveis usos civis da

    energia nuclear, ao mesmo tempo em que seja capaz de evitar qualquer desvio que

    signifique a ascenso de mais um Estado nuclear no Oriente Mdio. O fato de o

    Ir ser tido como um Estado perigoso deve ser explorado para medirmos como

    esta imagem capaz de afetar a atuao da AIEA. o que veremos no prximo

    captulo.

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