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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNIBH
LEONARDO HENRIQUE DE SOUSA CAPANEMA
REGIME INTERNACIONAL DE DESENVOLVIMENTO
E TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA NUCLEAR
BELO HORIZONTE
2008
1
LEONARDO HENRIQUE DE SOUSA CAPANEMA
REGIME INTERNACIONAL DE DESENVOLVIMENTO
E TRANSFÊNCIA DE TECNOLOGIA NUCLEAR
Monografia apresentada ao
Centro Universitário de Belo Horizonte-UNIBH como requisito parcial para obtenção de titulo de bacharel em Relações Internacionais
Orientadora: Geraldine Rosas
BELO HORIZONTE
2008
2
LEONARDO HENRIQUE DE SOUSA CAPANEMA
REGIME INTERNACIONAL DE DESENVOLVIMENTO
E TRANSFÊNCIA DE TECNOLOGIA NUCLEAR
Monografia apresentada ao
Centro Universitário de Belo Horizonte-UNIBH como requisito parcial para obtenção de titulo de bacharel em Relações Internacionais Orientadora: Geraldine Rosas
Monografia defendida e aprovada em: ____ de______________de 2008.
Banca examinadora:
________________________________________________________________
Prof. Rafael Oliveira Avila
________________________________________________________________
Profa. Sylvia Ferreira Marques
3
Dedico a meu pai, modelo de dedicação e esforço. A minha mãe pelo
seu carinho e empenho. Aos meus irmãos, pelo apoio. Aos meus
familiares e amigos pela inspiração de vida.
4
Agradeço a minha orientadora, incentivadora de minha busca por
conhecimento, pelos sábios conselhos em nossa convivência os quais
me permitiram a realização desse trabalho. Ao meu pai e meu irmão
pelos debates e correções que permitiram o melhor desenvolvimento
de minhas idéias.
5
RESUMO
O controle da tecnologia nuclear é um tema recorrente e polêmico nas Relações Internacionais
por apresentar duas forças distintas e até certo ponto contrárias, a militar e a econômica. A
militar explosiva é terminantemente proibida pelo ordenamento jurídico internacional, mas
isso não impede que tais leis sejam contestadas na prática e na teoria. A econômica, por sua
vez, é incentivada, e movimenta um mercado de bilhões de dólares de modo a gerar um ramo
econômico extremamente concorrido, ainda mais em um cenário de escassez energética. Além
dos problemas de se distinguir exatamente o que são tecnologias atômica e nuclear explosiva,
o regime internacional ainda tem que lidar com uma série de contradições internas e externas
que geram desigualdade e, com isso, a manutenção do status quo internacional. A eficiência
dos regimes, então, é diminuída por uma série de fatores legais, estruturais e teóricos que
evidenciam as principais discussões presentes nas contendas nucleares, hoje presentes no
mundo.
Palavras-chave: Tecnologia. Atômica. Nuclear. Regime.
6
ABSTRACT
The control of nuclear technologies is a polemical and recurrent subject in International
Relations, presenting two distinct forces, and, until certain point, contradictory: military and
economic. The atomic and nuclear explosives militaries technologies are totally forbidden by
the international juridical order, but this doesn’t obstruct the theoretical and practical contest
of such laws. The economical one, by her turn, is stimulated, and moves a billion dollars
market, creating an extremely competitive economic field, especially in a background of
energy scarcity. Besides the problem of distinguish what are atomic and nuclear explosives
militaries technologies, the international regimes have to work with internal and external
contradictions, which generates disproportions and, by that, the maintenance of international
status quo. The efficiency of regimes, in that case, is reduced by a series of legal, structural
and theoretic factors, which evince the prior discussions of the actual atomic and nuclear
disputes, around the world.
Key-words: Technology. Atomic. Nuclear. Regimes.
7
LISTA DE SIGLAS
AIEA - Agência Internacional de Energia Atômica
AINDA - Agência Internacional de Desenvolvimento Atômico
CS - Conselho de Segurança das Nações Unidas
EUA - Estados Unidos da América
TNP - Tratado de Não Proliferação Nuclear
ONU - Organização das Nações Unidas
SALT - Strategic Armaments Limitation Talks
START - Strategic Armaments Reduction Talks
UNSCOM - United Nations Special Commission
URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 09
2 A FORMAÇÃO DO SISTEMA INTERNACIONAL DE CONTROLE DE
TECNOLOGIA NUCLEAR...................................................................................................... 13
2.1 A contextualização histórica da tecnologia nuclear............................................................ 13
2.2 O Conselho de Segurança das Nações Unidas: Atribuições e principais resoluções.......... 23
2.3 A Agência Internacional de Energia Atômica e seu estatuto.............................................. 26
2.4 O Tratado de Não Proliferação Nuclear e suas funções...................................................... 29
3 TEORIA DE REGIMES......................................................................................................... 31
3.1 Regimes em matéria de segurança...................................................................................... 43
3.2 Regime de não proliferação nuclear.................................................................................... 45
4 LIMITES DO SISTEMA INTERNACIONAL DE CONTROLE NUCLEAR..................... 48
4.1Conseqüências do regime na economia nuclear................................................................... 48
4.2 Casos práticos do regime nuclear........................................................................................ 53
4.2.1 Coréia do Norte: A bomba como poder de barganha....................................................... 54
4.2.2 Irã: O grande vilão nuclear?............................................................................................. 57
4.2.3 Índia e Paquistão: A contestação e suas conseqüências................................................... 62
4.3 Problemas legais e estruturais do regime nuclear................................................................ 66
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................. 77
REFERÊNCIAS........................................................................................................................ 79
ANEXOS................................................................................................................................... 84
9
1 INTRODUÇÃO
As bombas atômica e nuclear foram, sem dúvida, umas das invenções do século
XX que causaram maior espanto ao homem, modificando, para sempre, a forma pela qual
seriam visto o ramo nuclear, marcados pelo medo de seu potencial destrutivo.1 Essa
tecnologia, no entanto, com o passar do tempo, demonstrar-se-ia útil ao desenvolvimento
humano, sendo utilizada tanto para fins militares (construção de explosivos, submarinos,
munições eficientes etc.), quanto para fins econômicos, criando um mercado que movimenta
bilhões de dólares.2
Dentre os usos dessa área da ciência, se destaca a geração de energia elétrica3, o
que, como se sabe, é vital para qualquer país moderno, pois o abastecimento energético é
setor base da economia, movimentando os demais.
Na agricultura, a tecnologia nuclear é empregada para o controle de pragas e na
conservação de alimentos. Na área de saúde, ela é utilizada tanto para o diagnóstico de
doenças, como para o tratamento.
Na indústria, o ramo nuclear auxilia diretamente a fabricação de alguns produtos,
e indiretamente o melhoramento de matérias primas. Na conservação do Meio Ambiente, essa
ciência é aplicada ao processo de limpeza de resíduos na água ou no ar.
Tal tecnologia, no entanto, é limitada, pois o acesso às pesquisas, às matérias-
primas, e aos produtos, é restringido, não só por um temor de seu uso para a fabricação de
armas, mas, também, por toda uma estrutura política, criada por tratados e instituições, que,
sobre o pretexto de regulamentar a tecnologia nuclear, supostamente acabam também
servindo à manutenção desse tipo de tecnologia restrito a um grupo de países. 1 Há na doutrina, atualmente, muita confusão acerca da utilização dos termos “atômico” e “nuclear”. O presente trabalho irá utilizar a terminologia mais aceita, mencionando o termo nuclear quando estiver tratando do ramo da ciência que estuda a radioatividade dos núcleos atômicos e quando estiver se tratando de explosivos que utilizam o processo de fusão nuclear. O termo atômico, por sua vez, será utilizado quando se tratar de explosivos que utilizam o processo de fissão nuclear e na geração de energia elétrica, já que nesse processo também se utiliza a fissão nuclear. 2 Segundo a consultoria internacional CERA, em matéria publicada no jornal Valor Econômico, somando-se a capacidade de gerar energia elétrica nuclear de 31 países pesquisados, tem-se 16% da energia consumida no mundo, movimentando um mercado entre U$100 bilhões e U$125 bilhões anuais. Ainda segundo a mesma matéria a empresa francesa Areva, maior distribuidora de energia nuclear no mundo, teve um faturamento no ano de 2004 de U$ 8,2 bilhões. 3 O ciclo para a obtenção de energia atômica começa com a extração de minerais pesados do solo, geralmente o urânio. Logo após o material é beneficiado para ser separado de outros minerais, formado o chamado yellow cake, que, então, é convertido ao estado gasoso. Nessa etapa há o enriquecimento do urânio até o montante desejado. A seguir o urânio é convertido em pó e compactado em pastilhas. Depois dessas etapas as pastilhas são colocadas em hastes de ferro onde haverá um processo de fissão nuclear, gerando calor e, por conseqüência, vapor, que move uma turbina e gera a energia, como descrito por CAVALCANTE (2007).
10
Por meio de tal controle político, é até possível a comercialização de produtos,
mas, somente após uma rígida inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica -
AIEA, e, em última instância, do Conselho de Segurança das Nações Unidas - CS. Além
disso, existe um Tratado de Não Proliferação Nuclear - TNP, em que os países não
possuidores dessa tecnologia são obrigados, abrindo mão de parte de sua soberania, a não se
igualarem aos que a possuem, em termos de armas atômicas e nucleares, sujeitando-se às
inspeções da AIEA. Lado outro, os países que dominam a ciência nuclear, que, teoricamente
pelo TNP, deveriam facilitar o acesso à tecnologia, a fim de estimular os demais países a
entrarem no acordo, o fazem através da AIEA de maneira módica e singela.
Dessa forma o presente trabalho irá analisar o regime de transferência de
tecnologia nuclear observando principalmente os momentos em que, de fato ou supostamente,
o desenvolvimento dessa ciência foi impulsionado ou desestimulado por fatores sistêmicos.
Nesse sentido, pretende-se observar como a questão é tratada no âmbito internacional, e como
se teria criado todo um sistema coercitivo de instituições, leis e tratados que legitimem a
manutenção do monopólio da tecnologia nuclear para um pequeno grupo de países.
Deve-se salientar aqui, que não se defende ingenuamente que a ciência nuclear
não possa gerar graves problemas de segurança e calamidades para a humanidade, se mal
aplicada. O que se quer demonstrar nesse trabalho são os mecanismos políticos, legais e
institucionais mais sutis, embutidos e disfarçados com ideais humanitários, para que sejam
aceitos como naturais, ao invés de dinâmicas de dominação.
Dessa maneira, especificamente, o trabalho pretende abordar o tema através do
papel da Agência Internacional de Energia Atômica e do Conselho de Segurança das Nações
Unidas, enquanto órgãos mantenedores da paz, ou, hipoteticamente de um status quo, assim
como as finalidades formal e real do Tratado de Proliferação Nuclear, dentro de uma
perspectiva de controle do desenvolvimento dessa ciência.
O tema proposto, qual seja, a transferência e restrições internacionais de
tecnologia dentro do regime nuclear, é uma discussão relevante e necessária, porque reflete
toda uma gama de problemas internacionais vivenciados pelo mundo contemporâneo.4 O
objetivo do trabalho, dessa forma, é demonstrar que certas inconsistências das leis e do
regime internacional de controle de armas nucleares como um todo, acabam por gerar alguns
4 A questão dos programas nucleares iraniano e israelense é um exemplo de que, por falta de uma regulamentação mais consistente, o sistema internacional pode gerar respostas diferentes para um mesmo problema. Ou ainda, o fato de que algumas empresas do ramo energético nuclear agora pagam seguro inspeção, uma espécie de seguro para o caso da AIEA impedir ou atrasar obras para realizar inspeções.
11
dos problemas internacionais hoje vivenciados, como a fixação do status quo favorável a
alguns países, não permitindo o crescimento de países menores, ou com entraves informais ao
desenvolvimento de energia elétrica.
O uso de explosivos atômicos e nucleares, atualmente, faz parte do jogo da
coerção internacional, sendo utilizado nas simulações de combate tanto em coordenação com
as armas convencionais, até porque atualmente é possível ter maior controle dos níveis de
radiação e luz, por exemplo, e como último recurso, fazendo parte do processo de dissuasão.5
Além disso, há, ainda, alguns países que tem a idéia de montar pequenos arsenais, segundo
eles, apenas o suficiente para desestimular seus inimigos de invadir seus países.
Esse jogo de poderes tem ganhado mais uma faceta, como bem explicado por
CAVALCANTE (2007): a inevitável troca da matriz energética mundial, que hoje tem uma
grande concentração na queima de carvão e combustíveis fósseis, recursos poluentes, caros e
que tem sofrido escassez.
É exatamente nesse ponto que o presente trabalho, analisando toda essas
discussões já conhecidas nas Relações Internacionais, de mecanismos de manutenção do
controle político e de utilização de artefatos atômicos e nucleares, vem discutir o delicado
tema do regime de tecnologia nuclear, e sua efetividade, como um todo, abarcando temas de
segurança e econômicos
A questão a ser discutida passa, então, por pontos vitais para as Relações
Internacionais, como a soberania de cada país de desenvolver e escolher seu próprio programa
de energia elétrica, as dinâmicas de dominação e a manutenção da paz.
O primeiro capítulo deste trabalho irá demonstrar um breve panorama sobre a
formação do sistema internacional regulatório da ciência nuclear, os principais planos de
ação, os fracassos e os avanços na difícil negociação nuclear. Conterá, ainda, uma descrição
das principais instituições relevantes sobre esse tema, o Conselho de Segurança das Nações
Unidas, a AIEA e o Tratado de Não Proliferação Nuclear.
O segundo capítulo trará a abordagem teórica da transferência de tecnologia
nuclear através da Teoria dos Regimes Internacionais. O capítulo demonstrará as premissas e
bases dessa teoria, assim como uma descrição dos regimes em matéria de segurança e na
questão nuclear propriamente dita.
O terceiro capítulo analisará os principais problemas do regime internacional
nuclear, seus aspectos econômicos e a dificuldade de diferenciar tecnologias civis de
5 Dissuasão é uma política que visa inibir outro Estado de usar certos meios e/ou de adotar comportamentos.
12
militares. Tratará, igualmente, das limitações, contradições e incompatibilidades das leis
existentes sobre a ciência atômica nos casos práticos de Coréia do Norte, Irã, Índia e
Paquistão.
13
2 A FORMAÇÃO DO SISTEMA INTERNACIONAL DE CONTROLE D E
TECNOLOGIA NUCLEAR
2.1 A contextualização histórica da tecnologia nuclear
Após a detonação de duas bombas atômicas, em Hiroshima e Nagasaki6, a
supervisão e o controle internacional da tecnologia nuclear passaram a ser questões centrais
para os países. Em novembro de 1945, portanto, apenas três meses após os ataques às cidades
japonesas, já se pensava sobre a necessidade de um sistema de controle. Assim, Clement
Attlee, primeiro ministro da Grã-Betanha, Harry Truman presidente dos EUA, e William
Mackenzie, primeiro ministro do Canadá, propuseram conjuntamente que as recém criadas
Nações Unidas organizassem uma comissão responsável por regulamentar o uso da energia
atômica, a troca de informações científicas, a criação de salvaguardas que garantissem o uso
pacífico, e a eliminação das armas atômicas, como bem descrito na cronologia de WIGHT
(1985).
Por outro lado, os soviéticos, que na ocasião ainda não tinham sua bomba,
admitiam a criação de uma comissão de energia atômica, mas se recusavam a permitir
inspeções em seu território, sob a alegação de espionagem. A primeira iniciativa concreta de
criação de uma agência internacional de controle se daria com o Plano Baruch de 1946. Trata-
se de um plano de controle baseado em três estudos realizados por cientistas estadunidenses,
dos quais, segundo RODRIGUES (2006), duas conclusões surgiram ao final: primeiro, que a
posse dos armamentos atômicos daria sempre vantagem ao agressor e, segundo, que não
existia qualquer defesa plenamente eficiente contra esse tipo de armamento. Assim, para os
estadunidenses a proliferação desse tipo de arsenal poderia criar sérios problemas à defesa do
país, conforme analisado por WIGHT (1985).
Por esse plano, seria criada uma Agência Internacional de Desenvolvimento
Atômico - AINDA, responsável por interromper todas as atividades nucleares de potencial
uso militar, tendo o poder de licenciar, controlar e inspecionar todas as outras atividades
através do controle de todos os meios de produção. Assim, é interessante que, de acordo com
6 Após alguns testes, os EUA, ao final da 2ª Guerra Mundial, lançaram duas bombas atômicas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki com três intuitos: Testar a bomba em uma guerra real, forçar os japoneses a se renderem incondicionalmente e evitar que a URSS entrasse na guerra no pacífico, como dito por HOBSBAWM (1996).
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o plano, a agência deveria ter propriedade ou alugar todas as reservas de urânio e outros
minerais vitais para o setor (o que, à época, se achava tratar se de umas tantas em poucos
países). Tal agência teria a capacidade de impor sanções e a imunidade ao veto do Conselho
de Segurança das Nações Unidas - CS e, a ela seriam entregues todos os armamentos
atômicos estadunidenses, não sendo nenhum mais construído.
O plano Baruch claramente não deu certo, porque as superpotências não chegaram
a uma base mínima de acordos que permitissem sua implementação, vez que os EUA
alegavam que só entregariam seu arsenal atômico quando a agência estivesse completamente
formalizada e operante, e a URSS se opunha fortemente à perda do poder de veto, às
inspeções e à posse dos materiais nucleares pela agência internacional. Havia, ainda, segundo
WIGHT (1985), um problema estrutural já que a capacidade de impor sanções da AINDA
entrava diretamente em choque com a construção organizacional da ONU, que somente
permitia ao Conselho de Segurança impor esse tipo de sanção.
A União Soviética tinha seus motivos para rejeitar as inspeções, pois, já em 1949,
testaria sua primeira bomba atômica e, em 1953, sua primeira bomba nuclear de hidrogênio,
se equiparando aos americanos, que em 1952, já haviam criado a bomba nuclear. Além disso,
também se juntaram ao clube nuclear, a Grã-Bretanha (1952), a França (1960) e China (1964),
o que tornou ainda mais complexa a situação conforme é descrito por BONIFACE (2005).
O plano Baruch, dessa forma, se tornava algo cada vez mais distante da realidade,
apesar da Comissão sobre Armamentos Convencionais das Nações Unidas, em 1948,
equiparar os armamentos atômicos às armas químicas e biológicas, já proibidas na Convenção
de Genebra de 1925.
A política dos EUA tinha, então, sérias preocupações com os danos para a nação
se houvesse uma expansão atômica/nuclear em um número maior de países, sem qualquer
controle internacional, embora a força aérea americana afirmasse ser, ainda, capaz de destruir
a capacidade atômica/nuclear soviética.
Os analistas nos EUA, porém, previam que a energia atômica estaria se tornando
mais barata a cada dia, e, por isso, haveria uma expansão do mercado consumidor em outras
nações. Exportando, portanto, seus produtos, sob certas restrições, firmando e inspecionando
por conta própria os acordos bi-laterais, os EUA adquiririam vantagens industriais e boa
vontade política, como descrito por WIGHT (1985). Tais premissas foram demonstradas, pela
15
primeira vez, no discurso às Nações Unidas do presidente Eisenhower, em 1953, na ocasião
do lançamento do programa Átomos pela Paz.7
Com tal plano, apoiado pelas nações menos desenvolvidas, é que começaria a se
desenhar a atual Agência Internacional de Energia Atômica - AIEA, estabelecida em Viena,
Áustria, com seu estatuto negociado entre 1954 e 1956. Dessa maneira, os EUA começaram
uma série de acordos bilaterais, treinando cientistas e fornecendo reatores de treinamento,
com uma série de salvaguardas, visando à utilização pacífica, ficando, agora, a cargo da AIEA
a inspeção de tais acordos. A URSS, como resposta, utilizou a mesma idéia com os países de
seu bloco, exportando tecnologia pacífica, e, ao mesmo tempo, tentando um acordo com as
demais potências para a proibição de testes com bombas nucleares de hidrogênio.
Paralelamente, surgia, em 1957, a Comunidade Européia de Energia Atômica,
estimulando, ao mesmo tempo, o uso pacífico e o controle das usinas de produção de energia
de seis potências européias encabeçadas pela França8. Inicialmente, o objetivo da AIEA, seria
ter uma custódia cada vez maior de materiais físseis, o que segundo EFRON (1971) são os
materiais suscetíveis ao processo de fissão nuclear9. Porém, tal objetivo nunca foi
completamente implementado, sendo que os EUA, por exemplo, preferiam negociar acordos
bilaterais, relegando à AIEA apenas o papel de fiscalizadora dos tratados.
Mesmo com sérios problemas, o sistema de salvaguardas da AIEA começou a
funcionar, e, após alguns anos, a iniciativa teve alguns avanços, como a cessão à organização
de alguns reatores e a permissão, em 1967, da AIEA de inspecionar usinas estadunidenses e
britânicas, que não estivessem diretamente relacionadas com segurança nacional. Novos
problemas, no entanto, começaram a surgir com os países mais pobres, que viam suas
esperanças de uma maior transferência de tecnologia cada vez mais limitadas, perpetuando se
a desigualdade, e, além disso, esses países alegavam que a AIEA praticava espionagem
industrial. No mesmo sentido, o bloco socialista ainda tinha ressalvas a um controle
internacional, embora começasse a perceber algumas vantagens nisso. Assim, os serviços de
espionagem das grandes potências é que exerciam o papel de fiscal, principalmente após o
implemento da política de “céus abertos”, que consistia em fotografar através de satélites e de
7 O programa Átomos pela Paz, de iniciativa do governo dos EUA, tinha basicamente como meta a entrega de alguns reatores atômicos de baixa potência, apenas para fins científicos, em países mais pobres, em troca desses países aceitarem entrar no regime de controle de armas da AIEA. 8 Os integrantes da Comunidade Européia de Energia Atômica eram França, Alemanha, Bélgica, Itália, Luxemburgo e Holanda. 9 Os materiais físseis são usados tanto na produção de bombas atômicas, quanto nucleares, já que toda bomba nuclear utiliza uma pequena bomba atômica como ignição ao processo de fusão nuclear.
16
aviões o território estrangeiro, conforme descrito pelo jornal FOLHA DE SÃO PAULO
(2006)10, em matéria publicada sobre o assunto.
Dessa forma, embora o Plano Baruch tenha falhado em evitar a proliferação
atômica/nuclear, a maioria das potências que obtinham essa tecnologia, de alguma forma a
limitavam, como exemplo a proibição da instalação desse tipo de armamento na Antártica em
1959, ou a proibição parcial de testes atômicos e nucleares na atmosfera, espaço sideral e
regiões submarinas, em 1963, ou a proibição no espaço e corpos celestes em 196711. Ainda,
em 1967, os Estados latino-americanos com a exceção de Cuba, que só aderiu em 2002, e com
o apoio dos EUA e outros, assinaram o Tratado de Tlatelolco, criando a primeira zona livre de
armas atômicas e nucleares do mundo.
Em 1968, foi apresentada pelas duas superpotências, e, apoiada pela Grã-
Bretanha, uma proposta idêntica de Tratado de Não Proliferação Nuclear que, apesar de não
ratificado em um primeiro momento, nem pela França, nem pela China, entraria logo em
vigor, em 1970, sendo esse, até hoje, o instrumento legal mais forte a favor da não
disseminação de armamentos atômicos e nucleares. Começou-se a cogitar também, nesse
espírito de desarmamento, a restrição a tecnologia de mísseis, sob os quais os aparatos
explosivos poderiam ser entregues.
O Tratado de Não Proliferação Nuclear -TNP daria, então, um caráter legal ao que
já vinha sendo feito, em alguma medida, pela AIEA, e pelo condomínio nuclear (nome dado
aos poucos países detentores da tecnologia e de artefatos nucleares). Embora duas potências
nucleares ainda se recusassem a assinar o acordo, China e França, não havia contido nele algo
que as potências não aceitassem negociar diplomaticamente, caso a caso. Dessa maneira, a
posição francesa, por exemplo, era bastante ambígua, pois, ao mesmo tempo, se recusava a
assinar o tratado, e afirmava que iria agir de acordo com ele, conforme descrito por WIGHT
(1985).
Os interesses entre as grandes potências, dessa forma, passaram a convergir,
embora ainda apresentassem problemas de harmonização. Por outro lado, os países não
detentores da tecnologia nuclear, não se sentiam satisfeitos com o acordo, por uma série de
motivos, como problemas de segurança regionais, sanções fracas aos descumpridores das
10 ACOMPANHE a cronologia da corrida nuclear, herança da segunda guerra mundial. Folha online. 14 jun. 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u100920.shtml>. Acesso em: 26 maio. 2008. 11 Tais tratados ganharam, respectivamente, o nome de Tratado da Antártica (1959), Tratado sobre a Proscrição de Testes Nucleares na Atmosfera, Espaço e Regiões Submarinas(1963) e Tratado sobre os Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e no Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes (1967)
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normas internacionais ou, ainda, a opção dos cinco grandes, EUA, Grã-Bretanha, França,
URSS e China, de simplesmente vetar qualquer processo sério de discussão de extinção de
armas atômica e nucleares no âmbito das Nações Unidas.
Os sistemas de pressão e inspeção, então existentes, ainda precisariam de avanços
significativos. Dessa maneira, as inspeções por parte da AIEA ainda eram muito polêmicas. O
Japão, por exemplo, ao assinar o acordo em 1970, fez constar cláusula de que, se fosse dado a
algum país o direito de não ser inspecionado, ele se reservaria no mesmo direito, adotando
posição semelhante de alguns países que já tinham assinado o acordo, como a Alemanha
Ocidental.
As sanções e pressões eram bilateralmente discutidas entre as grandes potências e
os países sob sua influência direta, assim, variando caso a caso. Dessa forma, embora existisse
um senso comum de que as armas atômicas e nucleares devessem ser proibidas, havia um
sistema de garantias e salvaguardas pouco consistentes, que apresentassem sanções
harmonizadas, que impedissem a corrida armamentista e que tivessem critérios científicos
para discriminar programas nucleares, de uso civil, dos militares.
Em 1972, EUA e URSS assinaram um tratado anti-mísseis balísticos12 e o Tratado
Salt-1 -Strategic Armaments Limitation Talks visando reduzir as armas nucleares
estratégicas13. Em 1974, Richard Nixon, presidente dos EUA, e Leonidas Breznev, líder
soviético, acordaram um tratado que limitasse os testes subterrâneos, já que esse tipo de teste
não havia sido incluído nos tratados de 1963. Ainda em 1974, a Índia realizou testes com
fissão nuclear, o que comprovava que, apesar de todos os acordos e esforços de até então, a
proliferação de armas ainda continuava.
Em resposta aos testes nucleares indianos foi criada a Organização dos Supridores
Nucleares, com sede em Londres. Seria mais uma organização com o intuito de regular a
transferência de materiais atômicos e nucleares, que possam ser utilizados para a fabricação
de explosivos, assim como salvas-guardas, e, com isso, impedir o acesso da Índia à
tecnologia. É interessante, ainda, apontar que essa organização teve como membros
fundadores, as duas superpotências da época e seus aliados diretos, mais a França, que a
12 O Tratado Anti-Mísseis Balísticos, de 1972, reconhecia pela primeira vez que para se coibir a proliferação de armas nucleares era também necessário coibir os meios de entrega de artefatos nucleares, ou seja, as maneiras com as quais se poderia fazer um artefato explosivo atingir seu alvo, dentre as quais, está o uso de mísseis de longo alcance, coibido por esse tratado, segundo WIGHT (1985). 13 O acordo Salt-1 visava estimular as negociações sobre a redução do número de armas nucleares estratégicas, o que para DUNNIGAN (2003) em seu livro How to Make War, são as armas nucleares de maior poder de destruição em massa, entregues por advento de mísseis de longo alcance, nunca usadas na história. Dessa maneira, tais armas tem maior utilidade prática nos processos de deterência e compelência, do que propriamente para serem usadas, já que com o uso mútuo de tais armas certamente não haveria vencedores.
18
época, não era signatária do TNP. Um ano depois, 1976, houve uma nova onda de
negociações que culminaram em regulamentar as explosões e permitir a presença de
observadores dos demais países nos testes próprios como bem descrito por BAYLIS et al.
(2005).
Em 1979, cientistas estadunidenses detectaram explosões no Oceano Índico e as
suspeitas recaíram sobre Israel e África do Sul, mas nada foi confirmado. Atualmente,
segundo o jornal israelense Yediot Aharonot (2006, apud FOLHA DE SÃO PAULO, 2006)14,
documentos recém tornados públicos pelas agências de espionagem norte americana apontam
que os dois países teria feito testes nucleares em 1979, a África do Sul, no Oceano Índico, e
Israel, na plataforma oceânica da Antártica. No mesmo ano EUA e URSS assinam o acordo
Salt-2.15
Embora o TNP tivesse sérios problemas de implementação, pouco a pouco os
países mais relutantes foram aderindo ao tratado, a partir da década de 80, inclusive a França
e a China. Alguns países que desejavam resguardar o direito à opção atômica/nuclear
adeririam, paulatinamente, ao tratado, como Brasil, Argentina, Chile e Argélia, mas outros se
mantiveram a margem do acordo, por estarem em regiões mais tensas, como Israel, Índia,
Paquistão e África do Sul. No ano de 1983, o cientista israelense Mordechai Vanunu foi
condenado por seu país por revelar detalhes do programa nuclear israelense.
Dessa maneira, pouco a pouco, graças às mudanças de posição de algumas
potências, ao processo de redemocratização da América Latina e de outras nações, e às
mudanças sistêmicas, como o fim da Guerra Fria, o número de países signatários do TNP
aumentou até o número de 189, conforme relatado por WIGHT (1985).
Em 1991, na ocasião da Guerra do Golfo, houve uma clara contestação ao regime
de controle de armas, por parte do Iraque, que desenvolvia armas biológicas e químicas, e
tinha um programa atômico/nuclear em ascensão. Tais fatos foram respondidos pela
Resolução 687 do CS, que ordena a AIEA que suspenda a ajuda técnica ao Iraque, assim
como cria a UNSCOM16. Tal instituição teria como finalidade fiscalizar e destruir qualquer
material ou instalação referente à produção de armas proibidas, sendo tal missão
14 ISRAEL fez teste com bomba nuclear em 1979, diz jornal. Folha online. 19 maio. 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u96082.shtml>. Acesso em: 10 set. 2008. 15 O acordo Salt-2, a exemplo do acordo Salt-1, visava uma redução ainda maior das armas nucleares estratégicas, através da redução do número de mísseis intercontinentais a um número de 2.400 para cada lado. 16 UNSCOM, United Nations Special Commission, ou em português, Comissão Especial das Nações Unidas.
19
reconhecidamente cumprida em 1993, como descrito pelo jornal eletrônico UOL NOTICÌAS
(2006)17.
Durante 1991 e 1992, a URSS, depois sucedida pela Rússia, anunciou uma auto-
moratória de testes atômicos/nucleares, posição seguida por França, Reino Unido e EUA.
Além disso, foram assinados entre EUA e URSS, e depois pela Rússia, os acordos Start-1
(1991) (Strategic Armaments Reduction Talks) e Start 2 (1993)18, prevendo um redução
gradual dos arsenais nucleares dos dois países, até 2009. No mesmo ano, a África do Sul se
tornou o primeiro país a entregar todas as seis armas atômicas/nucleares de que dispunha, fato
confirmado pela AIEA em 1994. E, nesse mesmo ano, a Coréia do Norte assinou com os
EUA o primeiro compromisso de paralisação de seu programa nuclear, Como descrito na
cronologia de LAFER (1998).
De 1992 até 1994 Bielo-Rússia, Ucrânia e Cazaquistão também cederam seus
arsenais atômico/nucleares ou a AIEA, ou a Rússia, e também paulatinamente aderiram ao
TNP.
Em 1995, ano de revisão do TNP, o tratado teve seu tempo de vigência
prorrogado indefinidamente. Na mão oposta, porém, a França realizou testes submersos na
Polinésia Francesa, no Pacífico Sul, em setembro de 1995 e janeiro de 1996, o que gerou
protestos da comunidade internacional. A pressão pelo fim dos testes teve como conseqüência
a suspensão das explosões quatro meses antes do previsto e a assinatura, em 25 de março, por
França, Reino Unido e EUA do tratado de Rarotonga, proibindo a proliferação
atômica/nuclear no Pacífico Sul.
Em 11 de abril de 1996, 49 países da África, além de China, EUA, Reino Unido e
França, assinaram o Tratado de Pelindaba, que declara o continente africano como zona livre
de armas atômica/nucleares. Só não assinaram o documento Libéria, Somália, Madagascar e
Ilhas Seychelles. Em junho daquele ano, a China, curiosamente, realizou novos testes
atômico/nucleares e, logo após, anunciou uma auto-moratória.
Em setembro de 1996 foi posto para assinatura o histórico Tratado de Proibição
Total de Testes Nucleares, sendo assinado pelas cinco potências nuclearmente declaradas:
EUA, Grã-Bretanha, França, China e Rússia, e rejeitado por Paquistão, Israel e Índia.
17 PRINCIPAIS eventos desde a primeira proibição de testes nucleares, Uol ultimas notícias. Madri, 09 out. 2006. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2006/10/09/ult1808u76392.jhtm>. Acesso em: 26 maio. 2008. 18 O acordo Start 1 visava a redução dos armamentos nucleares estratégicos de EUA e URSS a 1/3, e o acordo Start 2 tinha como meta reduzir em dez anos 2/3 dos arsenais de mísseis intercontinentais e todas as bases de lançamento de mísseis de ogivas múltiplas.
20
Atualmente o tratado é assinado por 176 países, sendo que ainda falta a ratificação de 10
países para a sua entrada em vigor, entre os quais China e EUA.
O ano 1998, porém, marcou o fim do grande período de adesões ao TNP, e a
preocupação com a proliferação de armas atômica/nucleares volta a ser problema central
graças a testes realizados por Índia e logo em seguida pelo Paquistão. Assim, o mundo
nuclear, que se encontrava dividido até então entre os países que têm tecnologia e os que não
têm, adquiriu mais uma nova subcategoria, a dos países que possuem tecnologia nuclear e
estão fora do TNP como bem dito pelo jornal eletrônico UOL NOTÍCIAS (2006)19.
Em 2000, a conferência de revisão do TNP, segundo JESUS (2007), estipulou
quais os passos a serem seguidos, num prazo de 5 anos, para melhoramento do regime
nuclear, quais sejam: 1) a entrada em vigor do Tratado de Proibição Total de Testes
Nucleares; 2) a moratória dos testes atômicos/nucleares até a entrada em vigor deste tratado;
3) a negociação de um Tratado sobre Banimento da Produção de Materiais Físseis; 4) o
estabelecimento, na Conferência sobre Desarmamento, do corpo subsidiário para
desarmamento atômico/nuclear; 5) a aplicação do princípio da irreversibilidade às medidas de
desarmamento; 6) o empreendimento inequívoco de eliminação dos arsenais
atômico/nucleares; 7) a entrada em vigor do tratado START II, a assinatura de um tratado
START III e o fortalecimento do Tratado sobre Limitação de Sistemas Antimísseis Balísticos;
8) a Iniciativa Trilateral entre os EUA, a Rússia e a AIEA para proteção do material atômicos
e nucleares; 9) a tomada de medidas como reduções unilaterais, transparência sobre
capacidades e acordos, diminuição do status operacional de armas nucleares e de seu papel
nas políticas de segurança; 10) a submissão do excesso de material físsil à AIEA ou a outro
mecanismo de verificação internacional, e a disponibilização desse material para fins
pacíficos; 11) a reafirmação do objetivo de desarmamento completo sob controle
internacional; 12) a elaboração de relatórios regulares sobre a implementação das obrigações
contidas no TNP sobre desarmamento 13) o desenvolvimento de capacidades de verificação
dos acordos sobre desarmamento nuclear.
Em 2001, os EUA decidem abandonar o tratado de mísseis antibalísticos, para
desenvolver um escudo antimíssil, após o 11 de setembro. Como resposta, a Rússia
abandonou o Tratado Start 2, em 2002. Ainda no ano de 2002, o Conselho de Segurança das
Nações Unidas decidiu implementar uma série de inspeções no Iraque, a fim de averiguar
19 PRINCIPAIS eventos desde a primeira proibição de testes nucleares, Uol ultimas notícias. Madri, 09 out. 2006. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2006/10/09/ult1808u76392.jhtm>. Acesso em: 26 maio. 2008.
21
denúncias de que aquele país desenvolvia armas atômica/nucleares, apesar de não terem
encontrado nada nesse sentido.
Em 2003, após desentendimentos que culminaram na expulsão dos inspetores da
AIEA, a Coréia do Norte se torna o primeiro país a abandonar o Tratado de Não Proliferação
Nuclear. No mesmo ano, após uma série de pressões, o Irã se comprometeu a suspender o
processo de enriquecimento de urânio e, ainda, a Líbia anunciou o desmantelamento do seu
projeto de armas atômicas, se sujeitando às inspeções da AIEA.
Em 2004, Abdul Qadeer Khan, principal cientista do programa nuclear
paquistanês, admitiu ter vendido materiais para Líbia, Irã e Coréia do Norte. Nesse mesmo
ano, a AIEA se pronunciou requerendo que tanto a Coréia do Norte, quanto o Irã
desmantelassem seu programa atômico/nuclear. O ano de 2005 marcou o reconhecimento,
pela primeira vez, de que a Coréia do Norte possui armas atômica/nucleares, e também a
aprovação da Convenção Contra Atos de Terrorismo Nuclear20.
Em 2006, os EUA propuseram um acordo de cooperação com a Índia, permitindo
que o país tenha acesso à tecnologia nuclear estrangeira pela primeira vez desde 1974 quando
realizou testes atômicos, com a condição de que aceitasse a fiscalização de seu programa
nuclear a fim de evitar sua utilização militar. Ainda em 2006, a Coréia do Norte anunciou que
realizou testes atômico/nucleares subterrâneos, o que foi detectado por sismógrafos de
diversos países. No mesmo ano, a Grã-Bretanha anunciou que iria novamente investir na
manutenção seu programa atômico/nuclear militar, a fim de modernizar seu sistema de defesa,
que inclui mísseis disparados por submarinos, conforme informação obtida pelo jornal
eletrônico UOL NOTÍCIAS (2006)21.
Em 2007 e 2008, Irã e Coréia do Norte continuaram a ser os principais focos de
preocupação em termos de proliferação atômica/nuclear, sendo vigiados de perto tanto pelo
CS quanto pela AIEA, já que o Iraque, invadido pelos EUA, não mais integraria o “eixo do
mal”,22 até assinando o Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares.
20 A Convenção Contra Atos de Terrorismo Nuclear é um documento originalmente sugerido pela Rússia em 1998, e que ganhou força após os atentados de 11 de setembro em Nova Iorque. Tal documento define os atos que podem ser considerados terrorismo nuclear, assim como algumas medidas de extradição e confisco de materiais radioativos. O tratado visa combater principalmente o mercado negro de tecnologia nuclear e os atos de sabotagem a usinas, segundo JESUS (2007). 21 BROWN quer renovar arsenal nuclear britânico. Uol ultimas notícias. Londres, 21/06/2006. disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2006/06/21/ult1808u67320.jhtm> acesso em 26/05/2008. 22 O “eixo do mal” foi um construção feita pelos EUA de um grupo de países que representavam ameaça para o mundo segundo eles, integravam esse grupo Iraque, Irã e Cor
22
Atualmente, portanto, o regime de controle de armas atômica/nucleares tem como
suas principais fontes legais o TNP e o Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares, e,
como principais instituições reguladoras, a AIEA e o CS. No mundo atual, segundo
BONIFACE (2005), há 44 países que mantém programas atômicos/nucleares em
funcionamento, além de cinco zonas livres de armas atômica/nucleares, America Latina,
Sudeste Asiático, África, Pacífico Sul e Ásia Central e uma, em ainda árduo processo de
negociação, para esse fim, a zona do Oriente Médio.
Embora muito se tenha avançado desde 1945, o controle da tecnologia ainda
apresenta muitos desafios. O mundo nuclear, que antes girava em torno de uns poucos países,
hoje apresenta uma complexidade muito maior. Há países nuclearizados dentro e fora das
convenções internacionais, potências nucleares reconhecidas e outras sobre as quais apenas se
especula. Ainda, a questão é particularmente agravada pela manutenção de problemas
regionais de segurança, como no caso de Índia e Paquistão, ou Irã e Israel, e novos dilemas,
como a preocupação com a possibilidade de terrorismo nuclear, como bem relacionado por
DUNNIGAN (2003).
O TNP, embora aceito pela quase totalidade dos países, ainda sofre pesadas
críticas por sua incapacidade de promover um desarmamento total e completo, ainda
dividindo o mundo em potências nucleares e não nucleares. Dessa forma, o desarmamento,
que deveria ser uma questão discutida multilateralmente, fica submetido a iniciativas
unilaterais, que não têm qualquer forma de garantia mais duradoura. A evolução da tecnologia
nuclear representa um desafio às normas legais, porque não tratam claramente das tecnologias
atômica/nucleares militares não explosivas, e, no vácuo da Lei, há a insegurança jurídica. Por
outro lado, os inúmeros benefícios trazidos pelo uso civil da ciência nuclear, principalmente
em uma época de escassez de recursos energéticos, conforme descrito por SCARLATO et al.
(2002), demonstram a necessidade de que tal tecnologia esteja à disposição de todos os países,
o que atualmente é limitado pelo medo do desvio de uso para fins militares.
Assim, segundo TELLES (1978), dentro do contexto histórico da formação do
sistema de controle internacional nuclear, a proliferação dessa tecnologia se desenvolveu de
monopólio para um oligopólio entre uns poucos países mais desenvolvidos, e, em seguida,
para um grande grupo de nações, inclusive as mais pobres.
Em contrapartida, o regime de controle da tecnologia nuclear desenvolveu se aos
poucos. Inicialmente havendo uma total divergência entre os interesses dos países dominantes
da ciência nuclear, que não queriam abrir mão desse tipo de tecnologia. Em seguida, com a
sua proliferação para um número maior de países, as potências chegaram à conclusão de que
23
seria melhor negociar instrumentos de não proliferação, mesmo que isso significasse, ao
menos em teoria, uma redução da sua própria legitimidade para construir artefatos bélicos.
Dessa forma, apesar de serem tentativas esparsas e muitas vezes unilaterais de
controle de tecnologia, com o tempo, surgiram instituições específicas para tratar dessa
questão, como o CS e a AIEA, que são hoje as principais responsáveis por tentar manter o
mundo sem armas atômica/nucleares. Assim, a próxima sessão analisará o papel do Conselho
de Segurança das Nações Unidas, assim como suas resoluções acerca da questão nuclear.
2.2 O Conselho de Segurança das Nações Unidas: Atribuições e principais resoluções
A Organização das Nações Unidas reflete o mundo para o qual foi criada, sob os
escombros da 2ª Guerra Mundial, pois tem como seu propósito principal a manutenção da
paz. Com esse objetivo, essa instituição possui vários órgãos, dentre os quais, o Conselho de
Segurança, como bem dito por HERZ et al. (2004).
A Carta da ONU, em seu capítulo V, artigos 23 a 32, define a composição,
atribuições, votações e processos dentro do Conselho de Segurança.
A análise da composição do CS é importante, porque a partir dela pode se inferir
quais interesses estão devidamente representados no Conselho. Esse órgão é formado por 5
membros permanente e outros 10 membros rotatórios, eleitos pela Assembléia-Geral das
Nações Unidas, observadas as contribuições desses países para a manutenção da paz, e a
distribuição geográfica equitativa.23
As funções e atribuições do Conselho de Segurança são relevantes para a análise
da questão nuclear, porque definem quais as metas devam ser buscadas pela organização e
qual a sua legitimidade para agir. O CS tem, como principal função, ser o guardião dos
princípios da Carta da ONU e, dessa maneira, age em nome próprio e de todos os países
membros, devendo apresentar relatórios anuais à Assembléia-Geral para consideração.
O CS tem como função, segundo o artigo 26, formular planos para a política de
desarmamento, com a assistência da Comissão de Estado Maior, que serão apresentados aos
23 Os membros do Conselho de Segurança são EUA, Rússia, Grã-Bretanha, França e China, como permanentes, e África do Sul (2007-2008), Bélgica (2007-2008), Croácia (2008-2009), Burkina Faso (2008-2009), Indonésia (2007-2008), Itália (2007-2008), Panamá (2007-2008), Costa Rica (2008-2009), Líbia (2008-2009) e Vietnã (2008-2009), como rotatórios.
24
demais membros da ONU, que, pelo artigo 25, são obrigados a aceitarem e executarem as
decisões do Conselho de Segurança.
O processo de votação no Conselho de Segurança é de extrema importância,
porque é ele que estabelece quantos países devam se manifestar favoravelmente a uma
resolução para que ela seja aprovada. No processo de votação, primeiramente, é aberto um
espaço para que os 5 membros permanentes possam manifestar seu direito ao veto, caso isso
não ocorra, dá-se inicio à votação e cada país tem direito a um voto, sendo necessário para
aprovação o voto afirmativo de 9 membros, na maioria das questões.
O capítulo VI, da Carta, artigos 33 a 38, trata do sistema de solução pacífica de
controvérsias da ONU, o que é importante por definir quando e como o Conselho deve se
manifestar sobre uma disputa internacional. Tal capítulo enfatiza os meios de solução pacífica
aos meios bélicos, e ainda, no artigo 34, o direito do CS de investigar qualquer situação que
possa gerar atrito internacional.
O capítulo VII da Carta, artigos 39 a 51, trata das ameaças e a ruptura da paz e
atos de agressão. O artigo 39 dá exclusividade ao Conselho de Segurança para identificar as
ameaças à paz, assim como de adotar as medidas cabíveis para a sua reconstrução. Após as
negociações diplomáticas falharem, o artigo 42 da Carta fala sobre a adoção de todos os tipos
de ação efetiva militar, como bloqueios, intervenção etc. O artigo 50 ressalva que os países
prejudicados, por medidas preventivas ou coercitivas, que se sintam, por isso, prejudicados
em matéria de natureza econômica, terão direito a consultar o Conselho de Segurança a
respeito da solução de tais problemas. Tal capítulo é importante principalmente porque dá ao
CS à tarefa mais importante de toda a ONU, identificar o que deve ou não ser tido como
ameaça à paz, ou seja, onde a ONU deve, ou não, interferir.
O problema do desarmamento é um dos principais temas discutidos pela ONU,
estando presente tanto na 1ª resolução do Conselho de Segurança, quanto na 1ª resolução da
Assembléia Geral das Nações Unidas, quando se criou a Comissão de Energia Atômica, como
um órgão responsável por aconselhar o CS nas questões nucleares. Trata-se da primeira
instituição internacional responsável por tratar exclusivamente da questão nuclear
internacional, fruto das discussões sobre o Plano Baruch. As demais resoluções do CS que
tratam do assunto são as de n° 18, 20, 52, 74, 135, 255, 687, 825, 984, 1172, 1441,1540,
1673, 1696, 1718, 1737, 1747, 1803, 1810.24
24 SECURITY Council. Desenvolvido por: UN Website Section, 2007. Apresenta as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.un.org/documents/scres.htm>. Acesso em: 26 maio. 2008.
25
As resoluções editadas de 1947 até 1968 refletem a preocupação de que o
desarmamento é um dos principais objetivos das Nações Unidas e delega a Comissão de
Energia Atômica a tarefa de apresentar ao CS, um plano sobre o desarmamento e uso pacífico
da tecnologia nuclear, o que acabou por apresentar a idéia do sistema de salvaguardas hoje
utilizada. Além disso, essas resoluções pedem os melhores esforços para a cessão da corrida
armamentista, e, com essa intenção, pede a adesão dos países ao TNP, e garante a proteção do
CS aos países não nuclearmente armados.
De 1991 até 1995, o CS de segurança se manifestou, ordenando que o Iraque, na
época da Guerra do Golfo, se sujeitasse a ser inspecionado; se pronunciou, ainda,
repreendendo a Coréia do Norte pelo anúncio de sua retirada do TNP e se manifestou
favorável a prorrogação desse tratado, garantindo, mais uma vez, a proteção a qualquer
Estado não nuclearizado.
A resolução 1172, editada em 1998, foi uma resposta do CS aos testes
atômicos/nucleares realizados por Paquistão e Índia, exigindo que aqueles países não realizem
qualquer experiência, paralisem seus programas, se submetessem às inspeções, e que os
demais países não transferissem qualquer tecnologia nuclear, porém, essa pressão não foi
suficiente para que aqueles países assinassem o TNP.
Os pronunciamentos do CS de 2002 até 2006 se referem, basicamente, a novos
requerimentos de que o Iraque fosse inspecionado, a reafirmação dos princípios da não
proliferação, inclusive de meios de entrega e, por fim, cria um comitê para receber relatórios
sobre os programas nucleares de cada país.
Ainda em 2006, pelas resoluções 1696 e 1737, o CS se manifestou, com
preocupação, em relação aos relatórios apresentados pela AIEA sobre o programa nuclear
iraniano, que poderia estar se desviando para um aspecto militar. Dessa forma o CS exige que
o Irã apresente maiores esclarecimentos, interrompa todas as atividades de enriquecimento de
urânio, que aceite às demandas da AIEA e que os demais países não transfiram nem materiais
atômico/nucleares, nem meios de entrega, aquele país.
A resolução 1718, de 2006, por sua vez, condena os testes atômico/nucleares
realizados pela Coréia do Norte, assim como a saída efetiva daquele país do Tratado de Não
Proliferação Nuclear. Como sanção, o CS declarou ainda um embargo aquele país de qualquer
material passível de fissão nuclear, suporte científico, armamentos convencionais e recursos
financeiros que estivessem em outros países.
26
Em 2007, pela resolução 1747, o CS novamente condena o Irã por não ter tomado
as medidas requeridas pela AIEA, e convoca todos os países para ajudarem na vigilância do
mesmo, assim como enrijece as medidas tomadas nas resoluções anteriores.
No ano de 2008, pela resolução 1803, o CS afirma ver com bons olhos um acordo
preliminar entre o governo do Irã e a AIEA, porém, decidiu manter os embargos e a vigilância
até um avanço mais concreto nas negociações. A Resolução 1810 prorrogou, mais uma vez, o
mandato do comitê criado em 2004 e requer, novamente, que todos os Estados apresentem
relatórios sobre o desenvolvimento nuclear de cada país, o que até então não foi realizado.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas, dessa forma, é órgão vital no atual
regime de controle de armas atômica/nucleares, principalmente porque ele tem o direito de
identificar as ameaças à paz mundial, inclusive em matéria nuclear, e impor sanções aos
Estados desviantes. Assim, é importante, também, analisar as resoluções adotadas por ele,
porque dessa maneira pode se observar, na prática, se o CS tem realmente defendido os ideais
de não proliferação de maneira imparcial, assim como em que casos ele realmente agiu, ou
não.
A próxima sessão irá tratar da Agência Internacional de Energia Atômica,
principal órgão técnico do sistema de controle da tecnologia nuclear, responsável por
assessorar o CS.
2.2 A Agência Internacional de Energia Atômica e seu estatuto
Em outubro de 1956, na cidade de Nova Iorque, foi assinado o estatuto da AIEA,
como parte da iniciativa de Átomos pela Paz, do presidente Eisenhower. Tal instituição
começou a funcionar oficialmente em 1957 e marca o início do atual regime de controle de
tecnologia nuclear sendo, atualmente, a maior autoridade internacional especializada sobre o
assunto, e, por isso, é importante o estudo de seu estatuto, como bem explicitado por
ÁLVARES (1975).
A agência tem sua sede em Viena, além de alguns escritórios internacionais, e
possui 137 membros. Atua na fiscalização dos programas nucleares, para que eles não tenham
caráter militar, e na promoção da tecnologia pacífica, submetendo esse apoio ao seu complexo
27
regime de salvaguardas25. Até hoje, se retiraram da agência dois países, o Camboja e a Coréia
do Norte, e a agência retirou seu apoio a apenas três países: Iraque, Irã e Coréia do Norte.
Os três primeiros artigos do estatuto da AIEA lhe concedem legitimidade
internacional para agir, assim como, seus objetivos e finalidades, quais sejam, acelerar e
aumentar a contribuição da energia atômica para a paz, saúde e prosperidade em todo o
mundo através de tratados bilaterais ou multilaterais, que contenham cláusulas sobre o
fornecimento de produtos, serviços, equipamentos e instalações, e o treinamento de pessoal
especializado, principalmente para a produção de energia elétrica nas regiões
subdesenvolvidas do mundo.
A AIEA, segundo seu estatuto, artigo 4°, tem como função primordial atuar de
acordo com os princípios e a política das Nações Unidas de desarmamento universal e em
conformidade com os acordos que garantam essa política, assim, ela deve encaminhar
relatórios à Assembléia Geral e, quando for o caso, ao Conselho de Segurança.
Dessa maneira, os quatro primeiros artigos do estatuto da AIEA são responsáveis
por dar à agência sua legitimidade internacional, seus principais objetivos, funções e regras
para a entrada de novos membros. Todos esses fatores são importantes porque ao se dar
legitimidade para uma organização automaticamente se reconhece sua importância para o
cenário internacional e se aceita tal instituição como detentora de certas responsabilidades. De
igual importância são os objetivos e as funções, porque delas se inferem quais os valores são
defendidos pela AIEA, assim como em que áreas ela pode atuar.
Os artigos 5° e 6° tratam da estrutura interna da AIEA, que são a Conferência
Geral que pode, entre outros ofícios, aprovar a admissão de novos membros, suspender os
privilégios e direitos de qualquer país, enviar relatórios às Nações Unidas; e o Conselho de
Governadores, cuja função é criar comissões úteis de acordo com os princípios do estatuto, e
elaborar relatórios para a Conferência Geral.
O artigo 8° trata do intercâmbio de informações, salientando, mais uma vez, o
papel da AIEA em o fomentar. Afirma, também, que toda descoberta científica, fruto da
parceria da agência com qualquer país, deva ser, também, disponibilizada aos demais
membros, favorecendo a equivalência entre as informações de todos os países.
25 As salvaguardas da AIEA são um conjunto de ações autorizadas por tratado para verificar que os materiais e os equipamentos nucleares não foram desviados das suas aplicações, como inspeções de materiais radioativos e de reatores.
28
O art. 10° dispõe sobre a disponibilização da agência em colaborar com produtos
cindíveis especiais, serviços, equipamentos e instalações a projetos pacíficos, desde que
apresentados com um memorial explicativo.
O 12° artigo trata das exigências da AIEA em qualquer projeto que ela atue ou
fiscalize. Entre as garantias necessárias está a de aplicação dos materiais apenas para fins
pacíficos, o comprometimento do país de ser fiscalizado e o cumprimento nas obras de
normas de segurança e sanitárias. Além disso, o país parte de uma parceria deve elaborar
relatórios periódicos sobre o andamento dos trabalhos e registros dos materiais cindíveis.
Toda atividade será fiscalizada por inspetores, e, ao final, as sobras dos processo
de fissão deverão ser entregues a AIEA. Em caso de descumprimento de qualquer das
exigências a agência terá direito de retirar seu auxilio, como também de receber de volta
qualquer produto que ela tenha fornecido.
A solução de litígios é regulamentada pelo artigo 17°, que determina fique
qualquer litígio, ou dúvida de interpretação sujeito, ao Tribunal Internacional de Justiça, que
também pode dar pareceres consultivos.
O art. 18° trata da emenda do estatuto, que deve ser aprovado por 2/3 dos
membros, e da retirada, que deve ser por escrito, e não retira os compromissos orçamentários
feitos durante o ano.
A suspensão do direito a voto é tratada pelo artigo 19° e pode acontecer se um
membro agir demasiadamente contra o estatuto ou tratado semelhante e em caso de atraso no
pagamento das contribuições financeiras com a agência. Todavia, a Conferência Geral pode
autorizar esse membro a participar na votação, se verificar que aquela falta se deve a
circunstâncias independentes da vontade do membro em questão.
A AIEA tem função primordial no sistema de controle de tecnologia nuclear,
porque ela é o órgão técnico responsável por, na prática, fiscalizar os países e, ao mesmo
tempo, por fomentar a expansão da tecnologia nuclear pacífica. Além disso, outra função
importante da AIEA é fornecer informações de qualidade sobre o programa nuclear de cada
país, com a finalidade de diminuir a insegurança no ambiente internacional. Desse modo, o
estudo de seu estatuto é vital, já que por ele se identifica a capacidade, as funções e os
propósitos da agência.
Na próxima sessão será analisado o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, que é o
instrumento legal de maior referência e importância dentro do sistema de controle de
tecnologia nuclear.
29
2.4 O Tratado de Não Proliferação Nuclear e suas funções
O extenso preâmbulo do TNP afirma que a proliferação de armas atômicas e
nucleares aumentaria consideravelmente o risco de uma guerra e que, com o intento de evitar
tal calamidade, o TNP, em conformidade com a AIEA e as Nações Unidas, visa afastar o
perigo da má utilização da tecnologia nuclear e estimular as atividades pacíficas, utilizando-se
das melhores técnicas, instrumentos e métodos em certos pontos estratégicos dentro do
sistema de salvaguardas.
O Tratado elege, ainda, como princípio a transferência dos benefícios da
tecnologia nuclear pacífica. Estabelece, assim, que todos os benefícios que obtenham os
países nuclearizados ao realizar algum teste, inclusive com artefatos explosivos, devem estar à
disposição de todos os Estados participantes do tratado, nuclearmente armados ou não.
Para a promoção de tal princípio as partes do tratado têm o direito de participar no
intercâmbio mais amplo possível de informações científicas e de, na medida do possível,
contribuir para o desenvolvimento das aplicações da energia atômica para fins pacíficos, de
modo bilateral ou multilateral.
Declara, ainda, a intenção de, no menor prazo possível, conseguir a cessação da
corrida armamentista atômica/nuclear, e do estímulo a medidas em prol do desarmamento.
Afirma, também, que deseja promover um Tratado de Desarmamento Geral e
Completo, abrangente o suficiente para o término da fabricação de armas atômica/nucleares, a
eliminação dos arsenais existente, e dos meios de entrega. Recorda, ainda, a Carta da Nações
Unidas, que relata que os Estados devam se abster tanto da ameaça quanto do uso efetivo da
força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado.
Os dois primeiros artigos do Tratado de Não-Proliferação Nuclear dividem os
países em nuclearmente armados ou não, e proíbem a transferência de tecnologia nuclear
explosiva entre eles.26
O artigo 3° enuncia, ainda, que os Estados não nuclearmente armados partes do
tratado devam aceitar um regime de salvaguardas negociado com a AIEA, de modo a
restringir certos materiais, porém, sem que se entrave o desenvolvimento econômico e
tecnológico, ou a cooperação internacional no campo das atividades nucleares pacíficas.
26 Coletânea de Direito Internacional. Organizador Valerio de Oliveira Mazzuoli. 3. ed. ampl. São Paulo: RT, 2005.
30
O artigo 4° trata da interpretação do tratado sempre favorável as pesquisas e o
estimulo a um intercambio mais aberto possível de informações. O artigo 5° enuncia que
possíveis testes, por qualquer uma das partes do tratado, deverão, sob observação
internacional apropriada e procedimentos internacionais cabíveis, transmitir os benefícios
potenciais dessas explosões pacíficas a todos os Estados não nuclearmente armados parte do
tratado.
O 6° artigo do Tratado de Não Proliferação Nuclear convoca todos os países para
negociarem, de boa-fé, sobre a tomada de medidas efetivas para o fim da corrida
armamentista e um desarmamento sob o controle internacional. O 8° artigo trata das possíveis
emendas ao tratado, que deverão ser submetidas aos governos depositários, que o farão
circular para todas as partes do tratado.
O 9° artigo elege as normas sobre a assinatura do tratado após sua promulgação,
que pode ser realizada a qualquer tempo, após o deposito da ratificação junto a qualquer
membro depositário, que comunicará o fato aos demais Estados parte e depositará o tratado
junto às Nações Unidas.
O 10° artigo trata da denúncia, que deverá ser comunicada a todas as demais
partes do tratado e ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, com 3 meses de
antecedência, contendo, entre outras coisas, os motivos que levaram a denúncia.
O estudo do Tratado de Não Proliferação Nuclear é importante porque em cada
um de seus artigos se evidência algumas informações importantes. A proibição da
transferência de materiais atômicos/nucleares explosivos, a divisão entre países nuclearmente
armados ou não e o estímulo as tecnologias nucleares pacíficas, são normas basilares do
regime de controle de tecnologia nuclear que estão dispostas nos artigos do TNP.
O tratado convoca a cessação da corrida armamentista, é essa disposição é
importante porque exatamente o descumprimento dela representa o maior entrave do regime
de controle nuclear entre países nuclearizados e não nuclearizados. Além disso, o TNP, não
dispondo de nenhuma regra mais complexa para a assinatura de outros Estados, após sua
promulgação, permite que os países desenvolvam armas atômica/nucleares e depois de
dominar essa tecnologia o país entre no sistema de benefícios do tratado sem maiores
problemas.
O próximo capítulo tratará da questão da transferência de tecnologia nuclear nas
bases teóricas da Teoria de Regimes Internacional e suas aplicações, analisando também os
regimes em matéria de segurança e o regime nuclear propriamente dito.
31
3 TEORIA DE REGIMES
As várias teorias de Relações Internacionais desenvolvem-se sempre com base em
alguns temas centrais, como a definição de quais as espécies de atores tem influência no
ambiente internacional e, ainda, como se forma tal ambiente. Além disso, também são
discutidos o papel das instituições internacionais e as dinâmicas de cooperação e conflito. A
Teoria de Regimes internacionais vem responder, a sua maneira particular, a esses temas,
como bem descrito por SARAIVA (2003).
No inicio da década de 70, quando se começou a pensar a idéia de regimes,
muitos autores de Relações Internacionais começaram a perceber que, apesar do ambiente
internacional ser anárquico, isso não significava um ambiente desprovido de ordem. A
conduta dos Estados estava embebida em toda uma cultura de normas e costumes que a
influenciava, às vezes rumo à convergência com os demais Estados, criando um sistema,
como salientado por BARROS-PLATIAU (2004).
O primeiro conceito de regimes, dado por John Ruggie,(1975, apud SARFATI,
2005, p.57 ), abarcava “um grupo de expectativas mútuas, regras e regulamentos, planos,
energias organizacionais e compromissos financeiros que são aceitos por um grupo de
Estados.” O conceito inicial de regimes, portanto, trabalhava com idéias econômicas e a
previsão e ajustes de políticas econômicas governamentais aos demais Estados, sendo que,
somente posteriormente, o conceito foi alargado para as demais áreas das Relações
Internacionais.
Regimes Internacionais, para KRASNER (1983), são definidos como princípios,
normas, regras e processos de tomadas de decisão em que, implícita ou expressamente, as
expectativas dos atores convergem para um mesmo tema. Princípios devem ser tidos como
crenças de fatos, causalidade e integridade; enquanto normas são comportamentos definidos a
partir da idéia de direitos e obrigações; regras são prescrições ou proscrições especificas de
ação; e os processos de tomada de decisão são as práticas utilizadas com a finalidade de
decidir e implementar decisões. É importante, ainda, segundo esse autor, diferenciar
princípios e normas de regras e procedimentos dentro dos regimes.
Princípios e normas definem as características básicas de um regime, enquanto
regras e procedimentos definem assuntos mais específicos. Dessa maneira, alterações de
regras e procedimentos não são, necessariamente, uma alteração de regime, pois podem
significar apenas um ajuste dentro do regime a uma nova realidade. Portanto, é necessário que
32
sejam verificadas efetivas mudanças nas bases de um regime para se afirmar se há uma
alteração em princípios e normas ou uma alteração em regras e procedimentos.
As variáveis básicas que explicam a formação de regimes são o comportamento
auto-interessado dos Estados, o poder político, tanto na visão mais cosmopolita, como na
impositiva, hábitos, costumes e informação, como relata KRASNER (1983). A Teoria de
Regimes pressupõe que os Estados têm, como meta primordial, a maximização de suas
necessidades e que, com esse objetivo, suas forças políticas agem ou em prol do bem comum,
ou de seus próprios interesses, ou de ambos. Além disso, dentro desse jogo de forças políticas,
os Estados tentam prever a ação dos demais, através dos hábitos, costumes e informações
disponíveis no ambiente internacional.
Estados têm preferências, são capazes de ordená-las e de buscar meios
alternativos para alcançá-las. Racionalmente, os Estados buscam atingir suas metas com o
menor custo possível e, por isso, tendem a buscar um caminho médio, um equilíbrio com
outros Estados que lhes assegurem, ao menos, algum ganho, na incerteza e na falta de
informação do ambiente anárquico. Assim, os Estados criam uma ordem internacional,
regimes, que constrangem os países se não cooperarem, e, por isso, servem como uma
garantia de que os acordos serão cumpridos.
A idéia de regimes estaria, então, ligada à de variáveis intervenientes que
influenciam o comportamento dos Estados e o resultado das contendas internacionais.
Regimes têm a função geral de reduzir as incertezas entre os Estados, provocada pela anarquia
e a falta de informação, fazendo-os caminhar para os mesmos objetivos, de forma a haver um
equilíbrio entre os ganhos de cada um.
Regimes não são acordos temporários visando a uma única situação. Para que
exista, na prática, um regime, é necessário que ele seja atemporal, podendo ser aplicado em
qualquer época ou circunstância. Dessa maneira, regimes não são acordos propriamente ditos,
mas apenas facilitadores dos mesmos, por criarem, ao longo do tempo, uma aparente
reciprocidade entre os Estados e as suas condutas, como relatado por YOUNG (1999).
O equilíbrio trazido pelos regimes, para KRASNER (1983), é seu principal
benefício, uma vez que eles aumentam a probabilidade de obter comportamento esperado dos
Estados, pois eles aumentam o custo das trapaças, o benefício de seguir as regras e, além
disso, tornam as expectativas mais claras e estáveis.
Regimes facilitam a reciprocidade entre os Estados porque tendem a formalizar as
relações e a repetição de resultados; como não são um “jogo de uma única rodada” fazem com
que os governos ajam e reajam a conduta dos demais.
33
Regimes, também são importantes, porque facilitam a comunicação entre os
Estados: primeiro, porque a torna mais simples, diminuindo o número de ações possíveis e,
com isso, reduz os custos de se obter informação confiável. Os Estados, dentro dos regimes,
têm um número definido de alternativas possíveis e, com isso, eles podem avaliar
racionalmente suas opções. Além disso, regimes reduzem o custo de fiscalizar e fazer cumprir
contratos, o que é bem descrito por SARAIVA (2003).
A Teoria de Regimes comporta três subdivisões, segundo KRASNER (1983), que
variam de acordo com a importância dada aos regimes, e ainda sobre em que condições os
regimes se formam. De acordo com essas condições, cada visão da teoria fundamenta a
relação entre as variáveis básicas do sistema internacional, como poder e interesse, o
comportamento dos Estados e os regimes.
A primeira visão, chamada de modal, argumenta que regimes nada mais são do
que explicações precipitadas e disfarçadas de dinâmicas de poder e de economia já existentes,
não dando qualquer relevância ao papel das normas, regras e processos de decisão.
A corrente modal enxerga os regimes apenas como um substrato das variáveis
básicas de poder e interesses, sendo que essas sim, refletem no comportamento dos Estados.
Dessa forma, regimes não têm qualquer importância singular, pois nada mais são do que
simples dilemas de poder e interesse. Regimes existem, mas não merecem ser estudados, por
não influenciarem por si só, no comportamento dos Estados.
Uma segunda visão, chamada de estrutural realista, aceita os pressupostos básicos
da teoria realista de relações internacionais de que o ambiente internacional é anárquico e que
os Estados buscam a maximização de seu poder, mas também valorizam as normas, regras e
processos de decisão. Para essa perspectiva, mesmo em um ambiente anárquico, regimes têm
uma importância significativa em condições que a ação individual de cada Estado, por si só,
não assegura resultados positivos aos Estados. Nessas situações os governos auto-interessados
têm um estímulo maior a cooperar e seguir certas normas a fim de evitar resultados
desastrosos.
Por sua vez, a corrente estrutural realista afirma que regimes são importantes em
situações em que a ação individual e o auto-interesse podem provocar resultados sub-ótimos.
Dessa forma, nessas situações, regimes são responsáveis por coordenar o comportamento dos
Estados em prol de um desejo comum, em uma área particular. No entanto, nas demais
situações, principalmente naquelas em que o “jogo de soma zero” prevalece, os Estados não
têm estímulos para se coordenar ou cooperar, de forma que, nesses casos, regimes raramente
se formam.
34
A terceira corrente, grotiana, crê que há uma conexão entre comportamento e
regimes, de maneira que todo um conjunto de decisões e comportamentos inevitavelmente irá
resultar em um regime. Em outros termos, se durante um longo período de tempo um Estado
costumeiramente tem a mesma atitude acerca de determinado tema, isso gera nos demais uma
sensação de que nada irá mudar e que futuramente o Estado irá tomar a mesma escolha,
configurando as figuras da supressio e surrectio 27 e, assim, criando um regime. Regimes,
nessas situações, são importantes por influenciar a expectativa de cada Estado.
A perspectiva grotiniana, aduz que padrões de comportamento que se repetem por
longos períodos de tempo são baseados e sustentados não somente no próprio interesse dos
Estados, mas também por um ambiente social.
Mesmo problemas de segurança podem ser tratados pela ótica da Teoria de
Regimes, porque o ambiente também influência no comportamento dos Estados, inclusive
nessa área. Assim, o ambiente internacional é formado pela disputa de poder e por interesses,
como muito bem tratado por várias teorias de segurança, porém, também é formado pela
difusão de normas, costumes e de informação, o que é tratado exatamente pela Teoria de
Regimes.
Para a teoria Grotiana regimes podem ser vistos com base em seis premissas
básicas conforme relatado por PUCHALA et al. (1983). Primeiro, que regimes existem e que
podem ser aplicados em qualquer área. Segundo, que a análise dos regimes internacionais
contribui a explicação teórica do comportamento dos Estados de maneira que, em alguns
casos, embora raros, os regimes são a fonte primordial de justificativa da ação dos Estados,
principalmente onde questões técnicas prevalecem, como, por exemplo, as convenções
internacionais sobre correios.
Os grotinianos apontam, como terceira premissa, que há duas espécies de regimes,
funcionalmente específicos e funcionalmente difusos. Os regimes específicos são aqueles
dirigidos por especialistas e técnicos, que geralmente enfrentam problemas em compatibilizar
o mundo jurídico e as práticas técnicas, que evoluem rapidamente. Há também os regimes
funcionalmente difusos, onde prevalece o papel dos diplomatas e oficiais de governo de alto
escalão, que, por sua vez, tem grandes problemas em administrar mudanças, já que nesse caso
a uniformização é mais difícil de ser obtida.
27 Supressio e surrectio são instituições do Direito provindas da boa-fé objetiva. Significam, respectivamente, a perda de um direito pelo seu não exercício no tempo; e a transformação em direito de uma obrigação que uma das partes de um contrato costumeiramente exerce, apesar dessa obrigação não estar prevista no contrato, como relacionado por MATTOS (2007).
35
A quarta premissa básica tem relação com o nível de formalização de um regime.
Regimes podem ser formais ou informais, variando principalmente com relação ao tema a ser
tratado. Os regimes normalmente começam de maneira informal, com base em reciprocidade
e “acordos de cavaleiros”. Com o desenvolvimento, e com um número cada vez maior de
participantes e de regras, os regimes tendem a se formalizar, o que é considerado o seu
apogeu. Há, no entanto, o problema que, a partir desse momento de formalização, o regime
fica rígido, não acompanhando as alterações da realidade, de maneira que geralmente nesse
ponto ele começa a se desfazer.
A efetividade e vitalidade de um regime dependem diretamente do consenso e da
complacência dos participantes. Regimes não têm força suficiente para se manter por si só, e
por isso, é necessário que um país ou um grupo de países tome a dianteira no processo,
promovendo-o perante os demais, sendo essa a quinta premissa.
Por último, existe a premissa de que regimes mudam de acordo com o poder e os
interesses dos Estados, embora nem sempre uma mudança nesses dois fatores represente uma
mudança de regime, já que a mudança sempre tem um custo. Assim, regimes sofrem
mudanças drásticas ou menores graças à influência das dinâmicas de poder e do auto-interesse
dos Estados, embora não mudem somente por conta desses fatores.
YOUNG (1983) desenvolve o conceito de Krasner, de Teoria de Regimes, com
um enfoque no papel institucional dos regimes. Para ele, os regimes são estruturas sociais que
tendem a ser mais ou menos formalizadas. Essas instituições geralmente têm algumas regras
formalizadas, e outras não, sendo que só participam dos regimes internacionais propriamente
ditos os Estados nacionais. Na verdade, segundo esse autor, os regimes têm criação em duas
etapas, uma doméstica e uma internacional.
Na etapa doméstica, as forças políticas internas criam a visão de determinado país
sobre certo tema. Nessa etapa é de vital importância o papel dos grupos de pressão internos;
empresas, bancos, igrejas, sindicatos, forças políticas etc.
Na etapa internacional, após um país já ter uma posição sobre certo tema, é que o
regime internacional propriamente dito toma forma, e, daí pode-se afirmar que somente os
Estados podem interagir. Assim, os governos criam uma instituição internacional, formalizada
ou não, um regime, que passa a fazer parte do meio ambiente internacional.
Regimes surgem a partir da concretização de expectativas convergentes, padrões
de comportamento e práticas. Eles se formam quando é necessária a superação de problemas
36
da ação coletiva, como na chamada tragédia dos bens coletivos, no dilema de segurança e no
dilema do prisioneiro.28
Dessa maneira, os regimes internacionais surgem a partir do anseio dos Estados
em se socializar e ter maior ordem internacional. Essa ordem é criada porque os regimes dão
maior segurança aos Estados ao prever as ações dos demais e, assim, há uma maior
coordenação com eles.
A ordem propagada pelos regimes podem ser três tipos, segundo YOUNG (1983),
espontânea, negociada ou imposta. Os regimes espontâneos são aqueles em que os interesses
dos participantes convergem para um ideal comum. Os integrantes têm uma ideologia própria
que caminha para um mesmo objetivo. A ordem negociada é aquela em que os participantes
conscientemente acordam de chegar a um objetivo comum, apesar de inicialmente terem
idéias contrárias. Os Estados fazem um esforço para encontrar pontos comuns e propõem
barganhas. Há, ainda, a ordem imposta, que é aquela em que os Estados dominantes têm um
efeito coercitivo sobre os atores ou ainda uma manipulação de incentivos. Esse tipo de ordem
ocorre geralmente dentro de uma hegemonia.
Há, ainda, de se considerar que regimes não são estruturas fixas, imutáveis, mas
sim articuladas com a realidade, conforme descrito por SARFATI (2005).
Alterações significantes em um regime podem acontecer pelo fato de haver
contradições internas que possibilitem uma transformação. Contradições internas podem
acontecer desde a concepção do regime, ou com pequenas transformações durante o percorrer
do tempo. Por exemplo, se um regime prevê que determinado tipo de material nunca possa ser
usado para fins econômicos, mas, posteriormente, o regime abre uma série de exceções, pode
ser que o ele perca seu significado devendo sofrer transformações, ou ser extinto.
Outro tipo de fator de alteração de regime é a estrutura de poder do ambiente
internacional. Regimes não conseguem ir totalmente contra os interesses das forças
dominantes, mesmo em regime espontâneos ou negociados. Porém, os regimes também não
podem ser fruto único é exclusivo da balança de poder, já que é importante que eles sejam
aceitos pelos demais países. A alteração promovida por uma estrutura de poder não ocorre
necessariamente quando há uma troca de poder hegemônico, mas também quando algum país
28 A tragédia dos bens coletivos é uma teoria que relata que, graças à concorrência entre os indivíduos há a tendência à super-exploração dos bens comuns, o que acaba por prejudicar a todos. O dilema de segurança, por sua vez, é uma construção teórica que justifica a corrida armamentista pelo efeito em cascata do aumento do arsenal de um Estado. O dilema do prisioneiro, por sua vez, é um modelo criado para a análise do processo de decisão em que os indivíduos podem adotar posturas concorrenciais ou cooperativas, mas o resultado final depende das decisões dos atores somadas em conjunto, como descrito por SARFATI (2005).
37
inicialmente não contemplado pelo regime ganha maior poder de barganha, como descrito por
SARAIVA (2003).
Um regime pode, ainda, ser modificado por fatores exógenos, como uma inovação
tecnológica ou uma mudança de outro regime. Assim, um regime não deve ser considerado
isoladamente dos demais ou de fatores externos, políticos, econômicos, sociais etc.
A perspectiva estrutural, por sua vez, segundo STEIN (1983), trabalha com
regimes de forma mais especifica, principalmente com os dilemas de cooperação e conflito
em um mundo anárquico e com Estados auto-interessados. Como já dito, para os
estruturalistas, regimes só ocorrem em situações em que a ação individual não leva ao
resultado ótimo, ou ainda, quando pode levar a situações calamitosas.
Para os estruturalistas, dessa forma, não são regimes situações em que o auto-
interesse de dois Estados, A e B, por exemplo, objetivem a mesma situação, trazendo
benefícios iguais para os dois, porque os regimes nesse caso não influenciaram em nada a
conduta dos Estados. Nessa situação, o equilíbrio necessário entre as ações dos Estados é
alcançado de forma espontânea, como descrito no quadro I. Nesse quadro a situação A1B1
representa o equilíbrio, porque é nessa em que os dois Estados A e B ganham mais,
independentemente da ação do outro. Assim, é inviável de acontecer as situações A1B2,
A2B1 e A2B2, porque em qualquer delas os Estados perdem mais.
QUADRO I
Ator B
B1* B2
Ato
r A
A1* 4, 4** 3, 2
A2 1, 3 2, 1
Situação de ausência de conflito * Estratégia dominante do ator ** Situação de Equilíbrio
Fonte: STEIN, Arthur A. International Regimes p. 118
38
Da mesma forma, não são necessários regimes quando os atores não têm uma
estratégia dominante, mas compartilham o desejo de ganhar mais ou igualmente aos demais.
Essas situações são dominadas pelo principio da reciprocidade. Se dois Estados, A e B,
adotarem uma mesma conduta 1, ambos sairão ganhando, porém se um adotar uma conduta 2,
automaticamente o outro também adota uma conduta 2, que, embora menos vantajosa para os
dois, alcança um equilíbrio, de forma a nenhum dos dois ganhar mais que o outro, conforme
quadro II.
QUADRO II
Ator B
B1 B2
Ato
r A
A1 4, 4 ** 1, 3
A2 3, 1 2, 2**
Resultado em que há dois pontos de equilíbrio ** Situação de Equilíbrio
Fonte: STEIN, Arthur A. International Regimes p. 119
Regimes são necessários em situações em que o equilíbrio não é naturalmente
alcançado e a ação de um Estado influência o comportamento de outro. Se um Estado A
somente ganha adotando um determinado tipo de ação 1, independentemente de qualquer
coisa, ele irá adotar tal ação. Ao outro Estado B cabe escolher entre a situação que ele tem
maiores ganhos absolutos ou relativos, conforme quadro III.
O dilema do prisioneiro (quadro IV) é outra caso em que é necessária a formação
de regimes. O dilema do prisioneiro é uma situação em que o equilíbrio é dificilmente
alcançado naturalmente, de forma que os Estados sempre estarão tentados a trapacear em
qualquer acordo. Os Estados nesse jogo sempre irão desejar ganhar o máximo possível, dessa
39
maneira, a postura de A é desejar a situação A2B1, e a de B a A1B2, mas como o resultado
final é a soma das duas condutas, o resultado natural, assim, é A2B2, que é a situação em que
os dois ganham menos. Dessa maneira, já que nenhum Estado estará satisfeito com uma
situação em que o outro ganhe mais, e nem com a que os dois ganhem menos, eles tentam
acordar na situação em que haja equilíbrio e ambos ganhem mais, A1B1. Porém, há sempre o
risco de um trapacear para ganhar mais.
QUADRO III
Ator B
B1* B2
Ato
r A
A1* 4, 2 ** 3, 1
A2 2, 4 1, 3
Um resultado de equilíbrio que tem um dos atores prejudicado * Estratégia dominante do autor ** Situação de Equilíbrio
Fonte: STEIN, Arthur A. International Regimes p. 121
40
QUADRO IV
Ator B
B1 B2*
Ato
r A
A1 3, 3 1, 4
A2* 4, 1 2, 2**
O dilema do prisioneiro * Estratégia dominante do autor ** Situação de Equilíbrio
Fonte: STEIN, Arthur A. International Regimes p. 122
Há, ainda, regimes baseados em aversões comuns e indiferença, caso em que o
equilíbrio é alcançado desde que ambos tomem o mesmo tipo de decisão, 1 ou 2, mas é
necessária uma cooperação para que isso ocorra e sejam evitados resultados sub-ótimos
(quadro V). Outro caso em que regimes importam são as aversões com interesses diversos,
caso em que na trapaça um ganhará mais do que o outro, mas ambos ganharam mais do que
na igualdade como descrito no quadro VI.
A formação é criação de regimes dependem diretamente do comportamento auto-
interessado e da interdependência entre os países. Se a ação de determinado Estado em nada
influenciar os demais não existirá um regime porque esse depende, exatamente, que um
Estado, ao tomar decisões, o faça levando em conta a ação dos demais. Por outro lado, um
governo sempre irá tomar decisões visando seu próprio interesse, que, por sua vez, depende
de uma série de fatores políticos, econômicos, tecnológicos e sociais.
41
QUADRO V
Ator B
B1 B2
Ato
r A
A1 1, 1 ** 0, 0
A2 0, 0 1, 1 **
Dilema das aversões e indiferenças comuns Neste exemplo, 1 = mais preferível, 0 = menos preferível ** Situação de Equilíbrio
Fonte: STEIN, Arthur A. International Regimes p. 126
QUADRO VI
Ator B
B1 B2
Ato
r A
A1 2, 2 3, 4**
A2 4, 3** 1,1
Dilema das aversões comuns e dos interesses divergentes ** Situação de Equilíbrio
Fonte: STEIN, Arthur A. International Regimes p. 126
42
A criação e manutenção de regimes derivam não somente da balança de poder, de
interesses ou dos setores domésticos, mas também das regras do jogo em si. A anarquia
internacional existe, porém, não significa que o ambiente internacional esteja fadado ao caos.
Ao se deparar com dilemas de ação coletiva os Estados auto-interessados tendem a criar
regimes, e a partir daí, tentam “jogar” com os demais com coordenação, cooperação ou
trapaça.
O constrangimento na escolha, proposto pelos regimes, dessa forma, pode ser de
duas fontes, de Estados mais fortes ou do sistema em si, como relatado por STEIN (1983). A
força de um regime é, sem dúvida, aumentada na presença de uma força hegemônica, capaz
de garantir seu cumprimento, porém, isso, apenas, não consegue explicar o surgimento nem a
transformação de um regime fraco, porque há outros fatores que também influenciam os
regimes.
A Teoria dos Regimes assume a visão da escolha racional pelos Estados, de forma
que o constrangimento do sistema ocorre porque uma determinada escolha é eleita como
racional enquanto as demais são tidas como irracionais. Os Estados estão sempre interessados
na maximização de suas necessidades e por isso devem agir racionalmente de acordo com
essa meta, e por isso só irão aceitar a situação em que ganhem mais.
Nenhum Estado entra em um determinado regime esperando perder mais do que
se permanecesse fora do regime. Assim, os Estados entram em regimes, mesmo aqueles em
que eles saem perdendo, por esperar certa garantia de que, ao menos, irão perder menos ou
ganhar em outro campo.
Dois fatores são ainda cruciais para a existência de regimes para KEOHANE
(1983): os problemas da informação e o custo das transações. Regimes servem para diminuir a
quantidade de más percepções pelo Estado da conduta dos demais, pois facilita o fluxo de
comunicação, e, com isso, os Estados tendem a confiar mais uns nos outros. O outro fator é o
custo das transações, que é muito maior quando não existem regimes. Quando não há regimes
o Estado que queira promover uma negociação tem que manter contato com cada Estado a
todo o momento, ao passo de que quando há regimes ele pode promover negociações mais
universais e com certa garantia da conduta dos demais Estados.
Regimes, dessa forma, facilitam acordos, por promoverem as regras do jogo, pois,
a partir deles, os Estados não se preocupam com alguns pontos, informação, custos de
transação, etc., mas sim com a possibilidade de trapaças no jogo. Regimes são importantes
por descentralizar as responsabilidades do sistema internacional, sendo substancialmente
43
necessários quanto mais complicado o assunto seja e mais os regimes promovam regras
razoáveis para a questão.
3.1 Regimes em matéria de segurança
Regimes de segurança têm algumas distinções em relação a regimes econômicos,
como dito por JERVIS (1983). Acertos de segurança envolvem uma competitividade muito
maior e os danos prováveis de uma possível trapaça são mais expressivos, o que justifica a
afirmação de que regimes de segurança são difíceis de ocorrer, mas, nem por isso, são
impossíveis.
Uma grande diferença em relação aos regimes econômicos é a maior preocupação
com os ganhos relativos do que os absolutos29 e isso influência diretamente no seu calculo
racional ao entrar ou sair de um regime.
Outro ponto importante dos regimes de segurança é a questão dos possíveis erros
e da má percepção por parte de um Estado. Em algumas situações, pequenos erros por parte
de um Estado podem trazer grandes conseqüências porque a confiança depositada, uma vez
abalada, muito dificilmente se recupera.
Além disso, a qualidade da informação é muito pobre. Poucos Estados estarão
dispostos a informar aos demais sobre seus programas militares, ou, até podem estar
interessados em passar informações contraditórias, propositadamente. Além disso, diferenciar
movimentos militares ofensivos de defensivos é muito complicado, se é que essa diferença
existe, e, a má percepção desses movimentos, pode eclodir todo um regime.
Regimes de segurança são mais raros do que os econômicos, graças a essas
especificidades, mas existem e são importantes para a superação de problemas coletivos,
como o dilema de segurança coletiva, como relacionado por JERVIS (1983).
Segundo esse dilema, em síntese, a corrida armamentista entre os países e
ocasionada quando um país começa a despontar como potência militar e seus rivais diretos
começam a se armar em resposta, isso gera uma reação do primeiro Estado no sentido de se
armar ainda mais, assim como nos demais Estados. O simples aumento do número de armas 29 Há uma grande discussão na doutrina de Relações Internacionais se os Estados nas negociações internacionais devem estar preocupados com o quanto ganham em relação aos demais países, ganhos relativos, ou em relação ao quanto tinham antes da negociação, ganhos absolutos.
44
pode levar um Estado a crer que logo irá ser atacado, e que, portanto esta em um jogo de soma
zero, conforme SANTOS (1983).
O dilema de segurança, assim, tem dois pontos importantes. O primeiro é o
patamar de instabilidade gerado no sistema internacional. Um ambiente internacional em que
os Estados dispõem de grandes arsenais bélicos a paranóia e a desconfiança mútua crescem a
um nível assustador, de modo que, a probabilidade de um grande conflito armado se torna
cada vez maior.
O segundo ponto importante é a inevitabilidade de se entrar na corrida
armamentista. Um Estado presente em uma região onde uma corrida desse tipo está ocorrendo
não poderá se dar ao luxo de não participar dela, sob pena de se tornar uma “ovelha em um
bando de lobos.”
Os regimes internacionais oferecem uma saída para esse dilema na medida em que
um regime, nesse caso, teria como função primordial limitar a corrida armamentista. Pela
Teoria de Regimes, os Estados concordariam explicitamente ou tacitamente a manterem suas
forças militares a um certo patamar, ou ainda, a não utilizar determinada arma.
Uma vez acordado o regime, a informação e a inspeção necessárias para a
existência de confiança dentro do regime poderiam ser fornecidas por uma instituição
internacional que desse maior legitimidade a todo o processo. O regime, dessa forma,
afastaria tanto a instabilidade quanto inevitabilidade, já que os países teriam maior confiança
de que a corrida armamentista irá parar sob determinado patamar.
A formação de regimes de segurança necessita de alguns pressupostos, como
relacionado por JERVIS (1983). Primeiro, que todos os Estados estejam mais ou menos
satisfeitos com o stato quo internacional. Regimes internacionais entre Estados revisionistas e
mantenedores são frágeis pela provável falta de cooperação, de disponibilização de
informação e de segurança nas reais intenções do outro país.
Outro ponto importante é que os Estados sintam que os demais estão
comprometidos com os mesmos objetivos, ou seja, confiem que os demais irão defender essas
metas frente a possíveis agressores.
Os regimes de segurança também não podem conter impérios em expansão,
porque é difícil, ou impossível, haver confiança entre Estados que não se sentem seguros
sobre a sua sobrevivência. Em alguns casos os Estados têm a impressão de que outros são
agressivos, mas isso só se configura efetivamente quando o império se sente tão superior que
para ele os demais Estados são insignificantes, podendo serem facilmente dominados.
45
O comprometimento com a paz é outro ponto importante para os regimes de
segurança. Isso não significa que os Estados não possam entrar em guerras, mas essa guerra
deve ser com Estados de fora do regime. Se os Estados crêem que estão cooperando com um
“lobo”, que cedo ou tarde os irá devorar com a opção da guerra, eles simplesmente irão parar
de cooperar.
Por fim, um regime de segurança deve crescer e se tornar algo autônomo aos
Estados, formando uma instituição. Regimes de segurança só existem quando os Estados
estão comprometidos ao menos em manter um mínimo de ordem no ambiente internacional, e,
para isso a construção da paz deve ter caráter independente aos interesses individuais de cada
Estado. Regimes de segurança existem graças à crença de que poucos Estados tendem a de
fato trapacear nesses processos.
3.2 Regime de não proliferação nuclear
O regime de não proliferação nuclear começou a efetivamente ganhar importância
após a quebra do monopólio atômico estadunidense por parte da URSS. Foi a partir do
momento que os soviéticos se igualaram aos americanos, tanto no que se refere à fabricação
da bomba nuclear, quanto a meios de entrega30 que o problema da proliferação de bombas
nucleares começou a ganhar os contornos hoje adquiridos.
A proliferação nuclear, assim como o dilema de segurança, é um problema
coletivo, que exige respostas coletivas. Os Estado, como já dito, partindo da premissa
racionalista-realista, estão sempre em busca da maximização de seu poder, e a bomba
atômica/nuclear é, sem dúvida, uma grande fonte de poder pela sua capacidade de destruição
e de dissuasão. Dessa maneira, a tendência dos Estados é fabricar um número cada vez maior
de bombas, a fim de se conseguir mais poder.
Dessa maneira, como já esperado, começou-se uma corrida armamentista entre os
Estados sendo que, em pouco tempo, o número de países que dominavam a tecnologia nuclear
triplicou. A partir desse aumento, os Estados, como um todo, efetivamente perceberam a
necessidade de evitar um mundo nuclearmente armado, porque isso aumentava a
30 Os meios de entrega de artefatos nucleares são as maneiras com as quais se poderia fazer um artefato explosivo atingir seu alvo, dentre as quais está o uso de mísseis de longo alcance, lançados de plataformas ou submarinos, e o lançamento de aviões, como descrito por DUNNIGAN (2003).
46
possibilidade de ocorrência de conflitos, assim como a intensidade dos mesmos. Surge, então,
a necessidade de regular a conduta dos países para um mesmo objetivo comum, o
desarmamento.
Nessa situação, então, uma vez que a opção de todos se nuclearizarem é
desfavorável, o equilíbrio só é alcançado com o desarmamento. Assim, se cria toda uma gama
de princípios, normas, regras e processos de tomada de decisão com a finalidade de alcançá-
lo. O problema, porém, é que um simples acordo de desarmamento não resolve a questão pelo
risco da trapaça, e esse, é o principal desafio dos regimes.
O regime nuclear é, portanto, importante para aumentar os custos da trapaça,
através da criação de instituições internacionais, como as Nações Unidas e seu Conselho de
Segurança, e a AIEA, ou, ainda, com legislações como o TNP. É importante salientar que esse
regime não irá, de fato, segurar uma potência, se ela desejar optar pela guerra ou pela
proliferação nuclear, mas o regime, ao proporcionar informações de qualidade, auxilia no
processo de tomada de decisão, minimizando os riscos de uma guerra por acidente ou erro de
cálculo, e, além disso, obriga os Estados a medir com cuidado as conseqüências de suas ações,
como bem dito por SANTOS (1983).
KEOHANE (1986) aponta que para que os regimes sejam efetivos e aumentem o
nível de cooperação é necessário que haja um aumento no nível de informação, punição aos
desviantes e prêmio aos seguidores, facilidade na identificação de trapaças, instituições fortes
e a “sombra do futuro”. Essa última seria que, como o regime é um "jogo de várias rodadas",
os Estados avaliam o tempo todo o histórico uns dos outros para saber se o país já adotou
conduta desviante em algum momento. A tendência, então, seria os Estados só negociarem
com quem não trapaceia, daí o estimulo a sempre cooperar, como acontece com o Paquistão.
O papel das instituições, assim, em especial a AIEA e o CS, é vital para a
existência do regime de não proliferação. A AIEA, órgão imparcial, ao menos em teoria, é
provedor de informação qualificada, realizando inspeções que, ao menos teoricamente,
respeitam a soberania de cada Estado. Sem informação de qualidade e inspeções que
garantam o cumprimento do regime, impera a desconfiança e a insegurança de que todos os
Estados estariam promovendo programas nucleares a fim de exterminar seus rivais.
O Conselho de Segurança também é imprescindível, porque ele tem a missão de
ser o grande promovedor do desarmamento, ou seja, o promovedor do regime. Além disso,
cabe a ele, ainda, a tarefa de, com o apoio técnico da AIEA, identificar as ameaças à paz e
impor sanções aos infratores.
47
O TNP e demais tratados sobre a questão nuclear também são importantes, já que
eles dão a sustentação legal sobre o tema, assim como as definições de direitos e obrigações
dos Estados. Portanto, o Tratado de Não Proliferação Nuclear é responsável por definir
algumas regras do regime internacional.
A formalização, que é outra característica importante do sistema internacional
nuclear e está relativamente presente. O regime, que começou totalmente informal, como um
“acordo de cavalheiros”, aos poucos foi se formalizando, tornando se claro, através das suas
instituições e tratados. Porém, o regime nuclear muito provavelmente não irá se tornar
totalmente explícito, primeiro, porque os tratados só falam de explosivos atômico/nucleares,
em nada mencionando sobre os demais aparatos que usam essa tecnologia, e, em segundo
lugar, tornar totalmente claro quem têm bombas, quantas têm, sua capacidade de entrega e,
mais importante, sua disposição de usá-las, seria contra as próprias “regras do jogo” da
dissuasão nuclear que exige a aplicação continua de um efeito moral, como relatado por
WIGHT (1985).
Outro ponto importante é o crescimento do regime, e da sua ordem, a todos os
países, nuclearizados ou não. A expansão do sistema de contenção nuclear para o número de
países hoje abarcados por ele só foi possível graças ao medo da destruição de uma guerra
atômica/nuclear; à promessa dos países nuclearizados de paralisação da corrida armamentista
e de distribuição dos ganhos do uso pacífico dessa tecnologia; e, por fim, graças ao próprio
processo de imposição da ordem. Com esses três impulsionadores, o regime nuclear, hoje,
compromete a maioria dos países.
Dessa maneira, o regime se espalhou pelo globo, principalmente durante as
décadas de 70 até 90, mas isso não evitou que ele fosse, por diversas vezes, contestado, ou
que fossem demandadas reformas em seu interior. O capítulo seguinte irá focar nos pontos
demonstrados importantes do regime nuclear, como os tratados, o nível de formalização do
regime, o papel das instituições, das lideranças, as sanções e o nível de informação disponível
para se verificar o funcionamento do sistema e sua efetividade.
48
4 LIMITES DO SISTEMA INTERNACIONAL DE CONTROLE NUCL EAR
Os dois primeiros capítulos desse trabalho trataram especificamente da formação
do sistema internacional de controle atômico/nuclear e a Teoria de Regimes de Relações
Internacionais aplicada à questão da proliferação desse tipo de tecnologia. O presente
capítulo, partindo das informações já apresentadas, tem como objeto tratar das contradições
internas do regime, analisando não somente suas causas e conseqüências no âmbito militar,
mas também nos ramos político, econômico e cultural.
Com esse objetivo será, primeiramente, analisado a relação entre regimes e a
economia nuclear. Essa sessão será importante, principalmente, para demonstrar que os
efeitos das normas e princípios internacionais não são unicamente relativos ao âmbito militar,
mas apresentam conseqüências também no ramo econômico, que reduzem ou aumentam a
efetividade do regime.
Na segunda sessão desse capítulo serão tratados alguns casos práticos, sendo que,
de cada um deles, irá se retirar perspectivas inovadoras, como o uso de armas nucleares na
barganha econômica, a relativização dos países considerados como ameaça atômica/nuclear,
ou ainda, os países que contestam o regime e mesmo assim tem acesso a tecnologia de ponta.
Por fim, na última sessão, serão analisados pontos legais, estruturais e do regime
nuclear propriamente dito, para se identificar quais desses pontos apresentam incongruências
com as bases teóricas da Teoria de Regimes, e que, portanto, atrapalham o desenvolvimento
desse sistema.
4.1 Conseqüências do regime na economia nuclear
A tecnologia nuclear, que em um primeiro momento somente tinha utilidades
bélicas, com o passar do tempo passou a também ganhar uma série de utilidades em áreas de
uso civil, dentre os quais se destaca a geração de energia elétrica. O ramo econômico nuclear
tem uma série de controles por parte do Estado, sendo que, em alguns países, sua exploração é
de uso exclusivo do Estado, e, em outros, como EUA e França, as empresas privadas ou de
economia mista exploram o comércio, sendo inspecionadas pelo governo.
49
A economia nuclear, atualmente, não está restrita a fatores militares e a tecnologia
desenvolvida pode ser usada no campo, na indústria, na contenção de pragas e até no processo
de dessalinização da água, de modo que o mercado movimenta bilhões de dólares todos os
anos. Além disso, a produção de energia atômica é hoje tida como uma das energias para o
futuro, após a era dos combustíveis fóssil, como bem relatado por CAVALCANTE (2007).
Nesse sentido, o país que mais depende da energia atômica é a França, com cerca
de 75% da sua produção, ávido combatente na defesa do uso dessa tecnologia. Por outro lado,
os EUA possuem o maior parque industrial atômico e são também os maiores produtores de
produtos. A energia atômica começou a ser comercializada na década de 50 e hoje existem
435 usinas operando em 30 países, o que representa cerca de 16% do total da energia
consumida no planeta. Além disso, há 284 reatores de pesquisas espalhados por 56 países,
conforme publicação do jornal VALOR ECONÔMICO (2005)31, o que demonstra a
importância do setor na economia mundial.
O ramo da energia atômica deve ser analisado por dois aspectos, o mercado de
urânio e o mercado de venda de energia, serviços e equipamentos, sendo que todos os dois,
para serem comercializados de maneira legal, precisam passar pelo crivo da AIEA e pelo
Grupo de Supridores Nucleares32.
O preço médio do urânio, assim como o da maioria dos minerais é cíclico, cheio
de autos e baixos, variando de acordo com a demanda e a descoberta de novas áreas de
exploração. Assim, o preço permaneceu em altos patamares durante toda a década de 70,
diminuindo bruscamente durante os anos 80 e 90, tendo ocorrido um novo aumento durante
os anos 2000. O aumento no início do século se deve principalmente ao grande crescimento
da demanda, não acompanhada pela produção mundial.33
O urânio é o principal combustível para reatores e, embora não seja o único, sua
quantidade disponível no mercado e seu preço são vitais para o mercado nuclear. Dessa
forma, levando-se em conta o cenário atual de demanda maior do que a oferta e os preços
altos, as reservas de urânio são altamente disputadas pelos governos. O comércio de urânio,
assim, é imprescindível, principalmente para os grandes consumidores desse tipo de energia,
31 A volta da energia nuclear como opção mais 'limpa'. Valor on-line. 12 jul. 2005. Disponível em <http://www.inovacao.unicamp.br/report/le-nuclear.shtml>. Acesso em: 12 jun. 2008. 32 O Grupo de Supridores Nucleares é uma organização criada após os testes explosivos indianos em 1974. A organização tem como objetivo unificar a conduta de seus membros com a finalidade de embargar um país que esteja desenvolvendo um programa nuclear de cunhos militares, RODRIGUES (2006). 33 URANIUM Price. Desenvolvido por: Disclaimer, 2006. Apresenta informações sobre o mercado internacional de urânio. Disponível: <http://www.cameco.com/investor_relations/ux_history/complete_history.php>. Acesso em: 19 de Nov. 2008
50
porque ele garante o suprimento para as usinas de todo o mundo, e, por esse motivo, o regime
permite essa comercialização.
Os países que têm tecnologia nuclear, mas que não possuem grandes reservas de
urânio, têm adotado a prática de enviar geólogos a países sem tecnologia a fim de identificar
suas reservas e garanti-las para o uso próprio. Por outro lado, algumas nações com grandes
reservas tentam usá-las como moeda de barganha em troca da tecnologia nuclear. Mais
recentemente outra prática adotada pelos Estados, principalmente entre EUA e Rússia, e o
estímulo ao desarmamento de bombas nucleares, para a utilização de seu urânio em usinas,
como descrito por JESUS (2007). Isso demonstra que a cooperação dentro do regime nuclear
é fruto de barganha dos interesses, mesmo em assuntos que envolvem aspectos militares.
A venda de energia, serviços e equipamentos é outro assunto importante no ramo
nuclear, por movimentar a maior parte do capital nesse setor. Produção de energia é uma das
área vitais para qualquer país atual, e nesse caso, pode-se vender tanto a energia gerada por
usinas em seu próprio país, como serviços e equipamentos ligados diretamente ou não à
energia. Os países podem comercializar entre si, ou com empresas privadas do ramo.
Todos os aspectos do mercado nuclear levantados até agora demonstram que ele
tem suas especificações próprias, mas, na base, é como qualquer outro ramo, empresas
públicas ou privadas que visam crescer e se expandir pelo mundo, disputando com isso
mercados consumidores, matérias-primas e tecnologia.
A relação entre o regime nuclear e a economia se baseia em dois aspectos,
principalmente: os problemas de se diferenciar programas nucleares pacíficos dos militares e
a disparidade criada entre os países nuclearizados ou não.
Os tratados internacionais, como o TNP e o estatuto da AIEA, são claros ao
afirmar que proíbem a bomba atômica/nuclear e que permitem a utilização da tecnologia para
fins pacíficos, inclusive a pesquisa tecnológica. Porém, em muitos pontos, programas
nucleares pacíficos e militares se confundem de forma a um influenciar diretamente o outro.
O domínio do processo de enriquecimento de urânio e outros materiais é vital
tanto para a geração de energia em usinas como a fabricação de bombas, sendo a maior
diferença de uma para a outra o nível de enriquecimento do material, que nos explosivos é
muito maior. Assim, o trabalho dos inspetores da AIEA é verificar o nível de enriquecimento
do urânio, como relacionado por ÁLVARES (1975).
As inspeções, portanto, são vitais para se legitimar um programa nuclear como
pacífico, sendo investigadas todas as obras com relação nuclear em qualquer parte do mundo.
51
O problema desse sistema é que quando uma inspeção não é conclusiva, somente o trânsito
burocrático das negociações entre o país e a AIEA demora meses, o que acaba por atrasar a
obra por esse determinado período de tempo.
Além disso, o país que tem seu programa nuclear sob suspeita pode ter entraves
nas negociações em outros setores, de modo que ou ele abre ainda mais seu programa nuclear,
ou se sujeita aos percalços de uma dura negociação, como relatado pelo jornal VALOR
ECONÔMICO (2005).34
No ambiente internacional é claro que a área nuclear é um setor sensível, e, por
isso, resguardado de sigilo comercial, de modo que, abrir demais para inspeções, pode dar
informações vitais aos concorrentes, tanto da tecnologia que um país dispõem como da que
ele não dispõem.
Nas negociações internacionais é comum, informalmente, se inverter o ônus da
prova se considerarmos o Direito Interno, de modo que não é necessário que um país prove
que o outro tem armas atômica/nucleares, mas sim, que os Estados provem que não possuem.
Assim, se há um mínimo de suspeita sobre um programa nuclear, pelas próprias leis de
mercado, ninguém irá querer investir bilhões em um programa que, a qualquer momento,
pode se tornar inviável pela AIEA.
Outro grande problema do regime é a questão da disparidade entre países que se
nuclearizaram antes ou depois de entrarem para o regime. Com a expansão desse tratado para
a maioria dos países, quem não o assinou fica automaticamente sob suspeita, de modo que a
pressão para assiná-lo foi, e é, muito grande, como o ocorrido com o Brasil antes de 1998.
A energia atômica começou a ser comercializada já na década de 50, por empresas
ligadas ao Estado dos seus respectivos países. O setor nuclear, em seus primórdios, exige um
esforço muito grande, principalmente para a identificação de jazidas de urânio, formação de
pessoal técnico e capital.
As primeiras empresas do setor surgiram nos países que já tinham tal tecnologia,
onde já havia uma base pronta para esse mercado, ou seja, eram os países que fabricavam a
bomba atômica.
O papel do Estado, assim, não foi, e não é, unicamente fiscalizar suas próprias
indústrias, mas, também, fomentá-las. O governo, na maioria esmagadora das vezes, é dono
das empresas nucleares, ou, no mínimo, tem algum tipo de participação acionária. Por isso, a
34 A volta da energia nuclear como opção mais 'limpa'. Valor on-line. 12 jul. 2005. Disponível em <http://www.inovacao.unicamp.br/report/le-nuclear.shtml>. Acesso em: 12 jun. 2008.
52
junção entre Estado e empresas foi fundamental para a indústria nuclear nascente dos
primeiros países nucleares, porque o Estado foi o fornecedor de matéria-prima, pessoal
qualificado e principalmente de tecnologia, porque já os tinha graças aos programas nucleares
militares.
Com o passar do tempo, e a evolução do regime, criou-se instrumentos cada vez
mais fortes para a contenção dos programas nucleares suspeitos de desvio para o aspecto
militar, através das inspeções e do costumeiro requerimento do CS de que o país acusado
simplesmente pare de enriquecer urânio em todas as suas usinas.
Tanto a AIEA quanto o TNP são bem claros no sentido de que não proíbem
pesquisas no ramo nuclear, e que qualquer novo teste explosivo deva ter seus benefícios
científicos estendidos para todos os países. Porém, nada se falou sobre as informações e
tecnologias já obtidas, antes dos testes atômico/nucleares serem proibidos no ordenamento
internacional. Além disso, na prática, os países não cedem sua tecnologia nuclear,
obviamente, porque desejam manter os benefícios científicos para si próprio, a despeito do
que aconteceu com a França, que assinou o TNP em 1992, e, apenas 4 anos depois, realizou
testes atômico/nucleares no Pacífico, sem a participação da AIEA e sem dividir qualquer
benfeitoria.
O problema é bastante parecido com a maneira que é tratado o protecionismo nos
foros econômicos. Os países que hoje tem um grau de desenvolvimento avançado sempre
usaram, em alguma medida, de práticas protecionistas e depois de desenvolverem suas
indústrias, como verdadeiros camaleões, se tornam os maiores defensores do liberalismo
econômico.
No mesmo sentido, os mesmo países que hoje são os grandes defensores das
inspeções e do regime de controle dos programas nucleares, e que também são os grandes
detentores das maiores inovações tecnológicas, são aqueles que desenvolveram seus
programas nucleares com base militar, sigilosamente e sem controle internacional.
Os países cujos programas nucleares surgiram após o regime, dessa maneira, não
poderiam seguir os mesmos passos dos programas mais avançados, se submetendo a
inspeções e entraves internacionais, e sem um Estado capaz de fornecer a base econômica
necessária, já que, sem o aspecto militar da tecnologia, os governos têm menos estímulos para
adotar a opção nuclear.
A AIEA mantém uma série de projetos com países menos avançados, exatamente
para mitigar essas conseqüências, porém, isso está longe de resolver o problema. A agência
mantém projetos que treinam pessoal e dão uma base científica para os países menos
53
desenvolvidos, só que, apenas em tecnologias secundárias. Ou seja, a AIEA ajuda, mas
apenas na medida de suas próprias forças, já que o grande patrimônio tecnológico não está em
suas mãos, mas nas dos países mais desenvolvidos. Em alguns casos, o papel da agência até
se inverte, ao invés de estimular o desenvolvimento dos próprios países, a AIEA acaba por
criar novos mercados consumidores para os países desenvolvidos, como dito por ÁLVARES
(1975).
Assim, um país que hoje tenha sua indústria nuclear nascente tem que se submeter
aos entraves das inspeções internacionais, já que, como já dito, é muito difícil se separar
programas nucleares econômicos de militares. Os novos países nucleares não contam com
uma participação forte dos Estados e sua indústria nascente ainda tem que disputar recursos e
mercados com os grandes conglomerados industriais dos países mais desenvolvidos.
Essa sessão do trabalho, dessa maneira, evidência que a simples divisão feita pelo
regime que usos econômicos da tecnologia são permitidos e usos militares são proibidos deve
ser analisada com extrema cautela, porque ambos os ramos estão entrelaçados. Além disso, o
regime nuclear, em seu aspecto econômico, tem uma série de problemas de efetividade,
porque, como visto, cria insatisfação dos países não nuclearizados, porque retira a opção de se
desenvolver tecnologicamente da mesma maneira que se estivessem fora do regime; serve
mais como instrumento dos países mais fortes; e, além disso, AIEA, enquanto instituição
promovedora, não consegue mitigar problemas.
4.2 Casos práticos do regime nuclear
Esta sessão do trabalho irá se dedicar a exemplos práticos, em momentos que o
regime nuclear se viu em contestação ou que enfrentou suas contradições internas. Assim, o
objetivo dessa sessão será relatar os exemplos de Coréia do Norte, Irã, Índia e Paquistão, para
neles demonstrar, na prática, como o regime reage nas situações de cada um desses países.
54
4.2.1 Coréia do Norte: A bomba como poder de barganha
O caso da Coréia do Norte é emblemático, por trazer uma nova perspectiva para o
regime nuclear, a possibilidade de a bomba ser utilizada não somente para os fins de
deterência e compelência35 no âmbito político militar, mas também no econômico.
A história do programa nuclear norte-coreano começa na década de 1960, com a
identificação de várias minas de urânio dentro do país. A partir desse momento, com o apoio
soviético, os norte coreanos construíram seu primeiro complexo de pesquisa nuclear em
YOUNGbyon, conforme descrito na cronologia sobre o programa nuclear norte-coreano, da
influente instituição estadunidense NUCLEAR THREAT INITIATIVE (2008).36
Na década de 70, os norte-coreanos se dedicaram a aprimorar os reatores
nucleares que já possuíam graças ao apoio da URSS, principalmente o ciclo do combustível,
seu refino, conversão e fabricação.
É na década de 80, porém, o programa nuclear adotou feições militares claras. Em
1985, a inteligência americana anunciou, pela primeira vez, que possuía provas que o
programa nuclear norte coreano estava se desvirtuando, inclusive com a construção de
reatores nucleares secretos. No mesmo ano, a Coréia do Norte, altamente pressionada pelos
EUA, Coréia do Sul e Japão, assinou o TNP. Em 1987, porém, o país pôs em atividade o
reator nuclear de grafite de youngbyon, que teoricamente teria capacidade de criar urânio
enriquecido o suficiente para a construção de uma bomba.
Em julho de 1990, o jornal Washington Post publicou fotografias de satélites da
usina nuclear de Youngbyon, onde uma nova ala estava sendo construída, segundo o jornal,
para tratamento de plutônio. Em 1991, em situação de reaproximação das duas Coréias, o
governo de Pyoungyang firmou dois acordos importantes, o de Reconciliação e a declaração
de desnuclearização da península coreana.
Em maio de 1992, a AIEA, após duas semanas de inspeções, concluiu que a
Coréia do Norte ainda não tinha condições de fabricar bombas atômicas e nem nucleares. Em
1993, porém, após desavenças com a Coréia do Sul e os EUA, os norte coreanos anunciaram
35 Deterência e Compelência são dois processo de coerção moral: o primeiro visa que o país coagido não realize determinada ação; e o segundo visa a reversão de determinada ação para a situação inicial ou uma situação aceitável, segundo DUNNigan (2003). 36 NORTH Korea Nuclear Chronology. Nuclear Threat Initiative . set. 2008. Disponível em: <http://www.nti.org/e_research/profiles/NK/index.html>. Acesso em: 14 nov. 2008.
55
sua retirada do TNP. Após resolução do CS e pressões de diversos países a Coréia volta atrás
em sua decisão.
As negociações acerca do programa nuclear norte-coreano terminam em 1994,
com declaração daquele país de que não tem aspirações agressivas e nem de usar armas
atômica/nucleares. Ao mesmo tempo, os EUA e outros países prometeram ajuda econômica a
Coréia do Norte, principalmente no fornecimento de petróleo e também na construção, em 10
anos, de novas usinas nucleares, mais modernas e que usam água ao invés de grafite, já que
essas usinas usam urânio e plutônio de baixa potência.
Em janeiro de 2002, o presidente George W. Bush discursa incluindo a Coréia do
Norte no seu chamado “eixo do mal”. Em outubro, o governo americano afirma que oficiais
norte-coreanos teriam reconhecido a existência de um programa clandestino de
enriquecimento de urânio e, em novembro, a organização de desenvolvimento energético,
criada nos acordos de 1994, suspende ajuda ao norte-coreanos, que, por sua vez, expulsam os
inspetores da AIEA.
Em 2003, Coréia do Norte e Estados Unidos, sem meios diplomáticos diretos,
negociam com o intermédio da China. Durante a conferência, autoridades norte-coreanas
admitiram a existência de um plano de enriquecimento de urânio clandestino, assim como
ameaçaram iniciar a exportação de materiais, se não houvesse conversações diretas entre os
dois países. Além disso, a guerra no Iraque, no mesmo ano, acirrou os ânimos entre os dois
países, já que aquela guerra foi interpretada pelos norte coreanos como a invasão do primeiro
país do “eixo do mal”.
Abdul Khan, cientista paquistanês, confirmou, em 2004, ter vendido tecnologia
nuclear para os norte coreanos. Em janeiro de 2005, os EUA afirmam que consideram a
Coréia do Norte um reduto da tirania, e, em resposta, os norte coreanos afirmam já serem
detentores de um arsenal atômico/nuclear. No mesmo ano, a AIEA estima que a Coréia tem
cerca de seis bombas atômica/nucleares.
Em 2006, os EUA afirmam que um teste de mísseis seria visto pelo CS como
ameaça à paz internacional. Seis meses após a declaração, a Coréia do Norte realiza testes
com mísseis no mar do Japão e, depois, testes atômico/nucleares subterrâneos.
Ainda em 2006, o CS aprova resolução de um embargo à Coréia do Norte de bens
e o bloqueio de suas contas no exterior. Os norte coreanos, então, começam a negociar
aceitando divulgar lista de suas instalações nucleares, assim como o desmantelamento de seu
programa, em troca de ajuda econômica, já no ano de 2007.
56
Em 2008, a Coréia do Norte cumpre parte de seus acordos, mas é pressionada por
Japão e EUA para que se termine a desinstalação de seus reatores e declare seu arsenal
atômico/nuclear. No meio do ano, a Coréia pede rapidez também dos países envolvidos nas
negociações, Coréia do Sul, EUA, Rússia, China e Japão, para que cumprissem a ajuda
econômica ao país que, segundo eles, estava com apenas 40% do prometido.
Em junho de 2008, os norte coreanos entregaram declaração de seu estoque
atômico/nuclear à China. No mesmo mês, os EUA prometem retirar a Coréia do Norte do
“eixo do mal”, e da lista de países que incentivam o terrorismo. Em agosto, porém, o
Departamento de Estado americano volta atrás e diz que a Coréia do Norte permanecerá no
“eixo do mal” até que aceite um programa de fiscalização mais apurado de seu programa
nuclear.
Ainda no mês de agosto, a Coréia do Norte responde a afirmação americana
congelando o desmantelamento de seu programa nuclear e, em setembro, reativa o reator
nuclear de YOUNGbyon. Em outubro, porém, os EUA resolvem retirar a Coréia do Norte da
lista de Estados terroristas, e, com isso, as negociações, inclusive com a AIEA voltam a
acontecer.
A Coréia do Norte sempre dependeu econômica e tecnologicamente de algum
país, desde a URSS até a China atualmente, de modo que o programa nuclear norte coreano
também foi parte de uma série de estímulos por parte de países comunistas da região. Com a
“derrota” do comunismo na Guerra Fria e a morte de Kim Sung I, que era um líder
carismático, a Coréia do Norte se viu ameaçada em sua própria existência.
O projeto nuclear norte coreano, que, como já dito, existia e era apoiado até a
década de 80, nos anos 90 e 00 se viu contestado, promovendo o país a vilão nuclear do
mundo. Porém, a crise nuclear norte-coreana não pode ser enxergada apenas do ponto de vista
geopolítico, mas também do econômico.
A Coréia do Norte, até, a dissolução da URSS, era extremamente dependente
dessa, e, com o seu fim, o país passou a depender única e exclusivamente da China. Porém,
apesar da ajuda chinesa, a Coréia do Norte continua a ser um dos países mais miseráveis do
mundo, já que não consegue manter nem um estoque de alimentos considerável para seu
povo.
Dessa maneira, a tecnologia nuclear, e a ameaça de efetivamente se criar um
arsenal, são a opção adotada por aquele governo não só para tentar garantir a sobrevivência
política e econômica do país, mas também, a manutenção do regime autoritário de Kim Jong
II, como descrito por OLIVIERI (2006).
57
A crise norte coreana traz algo de novo ao regime nuclear na medida em que para
a sua explicação não basta a análise de fatores como a política regional e global, mas também
se deve levar em conta outros fatores na barganha nuclear, como o econômico ou o ambiente
interno de cada Estado.
A questão nuclear norte coreana só realmente começou a ter destaque no cenário
internacional na década de 90, após a Coréia do Norte ameaçar, pela primeira vez, se retirar
do TNP. Antes disso, o programa nuclear estava em expansão e em suspeita, mas não havia
todo o alarde sobre o país. Assim, o fator econômico esteve presente tanto nas negociações de
1994, como nas de 2006, de forma que sempre que se garantiu ajuda econômica e não
agressão, os norte coreanos adotaram posturas de conciliação.
Kim Jong II e George W. Bush procuravam fortalecer seus governos internamente
se atacando. O norte coreano aproveitando se da velho idéia de criar um grande inimigo
externo que justifique a união de seu povo; e o estadunidense, para dar nome e alvos para o
novo inimigo da América, o terrorismo. A questão norte coreana nunca esteve relacionada ao
terrorismo, porém a Coréia do Norte integra o novo “eixo do mal”.
Como já dito no capítulo sobre Teoria de Regimes, para que um país entre em
determinado regime, especialmente os de segurança, é necessário que o Estado tenha garantia
de sobrevivência. Além disso, como dito no mesmo capítulo, algumas vezes os Estados até
aceitam perder num campo, mas para isso devem ganhar em outro. É exatamente essa a
posição da Coréia do Norte, só aceita entrar no regime internacional de controle de tecnologia
nuclear se garantida à sobrevivência daquele Estado comunista, e se ganhar ajuda no campo
econômico.
4.2.2 Irã: O grande vilão nuclear?
O programa nuclear iraniano começou no ano de 1953, com a doação de um reator
nuclear de pesquisa, por ocasião do programa Átomos pela Paz dos EUA. Em 1967, é criada a
Organização de Energia Atômica do Irã, que era o órgão governamental responsável por
administrar as tecnologias cedidas na parceria com os americanos, conforme descrito na
cronologia da instituição NUCLEAR THREAT INITIATIVE (2008). 37
37 IRAN Nuclear Chronology, Nuclear Threat Initiative , nov. 2008. Disponível em: <http://www.nti.org/e_research/profiles/Iran/Nuclear/chronology_2008.html>. Acesso em: 14 nov. 2008.
58
Já em 1968, o Irã participou das negociações do TNP, o ratificando em 1970. Em
1974 o governo iraniano se pronunciou a favor da expansão da produção de energia atômica,
com a finalidade de poupar suas fontes de petróleo e negociá-las no mercado internacional,
para isso firmando contratos com várias empresas européias.
De fato, a relação nessa época entre Irã, EUA, Europa, África do Sul e Namíbia
era bastante entrelaçada. Os americanos e os europeus estavam interessados em fortalecer
seus aliados no Oriente Médio, haja vista a Guerra Fria e o petróleo da região, e, por sua vez,
queriam que os iranianos, uma vez bastante avançados no processo de enriquecimento de
urânio, ajudassem de seus próprios bolsos, a África do Sul e a Namíbia.
Assim, com o apoio dos EUA e da Europa, principalmente a França, o programa
nuclear iraniano começou a virar referência internacional, sendo acompanhado de perto por
outros países, como a Argentina peronista, a Índia e a Austrália. Em 1979, porém, essa
situação iria mudar radicalmente.
A Revolução Islâmica substituiu um governo pró-ocidental por um governo
radical, conservador, que culpava a civilização ocidental pela decadência moral no Irã. Os
EUA, principalmente, passaram a ser considerados o grande mal do país, o que ficou patente
na crise dos diplomatas americanos.38
Com essa situação, os investimentos estrangeiros obviamente desapareceram, e o
novo governo iraniano achava inviável continuar o programa com o mesmo enfoque de
épocas anteriores, já que até a ajuda da AIEA ao país começou a ser questionada por
autoridades americanas.
De fato, embora o Irã tenha praticamente nacionalizado seu programa nuclear, só
comercializando secretamente com a África do Sul e Índia, o país planejava aproveitar as
usinas que já estavam em construção, buscando apoio para acabar de construí-las. Ao mesmo
tempo, a inteligência e os jornais norte americanos afirmam que o projeto iraniano já, há
algum tempo, estava se desviando para a criação de armas atômica/nucleares.
Os anos 80 foram marcantes para o programa nuclear iraniano pelas disputas
comerciais nos foros internacionais com empresas alemãs e francesas e pela busca de novos
parceiros. Quanto às disputas, os franceses jamais aceitaram o rompimento de contrato e
cobram os recursos perdidos, os alemães, por sua vez, chegaram a um acordo, mas nunca mais
38 A crise dos diplomatas foi um incidente logo após a Revolução Islâmica em que estudantes invadiram a embaixada dos EUA em Teerã, fazendo todo o corpo diplomático estadunidense de refém. A situação se prolongou por vários meses e causou grandes atritos entre Irã e EUA por aquele país não ter realizado qualquer medida repreensiva aos seqüestradores, como dito por HOBSBAWM (1996).
59
investiram nas mesmas proporções anteriores à Revolução Islâmica. Quanto à busca por
novos parceiros, o Irã conseguiu dois novos empreendedores, o Paquistão e a China.
Além disso, outros três fatos foram também importantes nesse período: primeiro o
ataque iraquiano a complexos nucleares iranianos; segundo, a inclusão do Irã pelos EUA
numa lista de países que não deveriam receber qualquer suporte tecnológico; e, terceiro,
oficiais iranianos terem comentado a necessidade de o país ter armas atômica/nucleares para
fazer frente ao suposto arsenal atômico/nuclear israelense.
No fim da década de 80 e início de 90, EUA e China trocaram acusações sobre a
proliferação nuclear, dizendo que os chineses estavam incentivando a nuclearização de Irã e
Argentina, e que isso não seria tolerado.
Nos anos 90, apesar de toda a pressão dos EUA, a Rússia também começou a
cooperar com os iranianos. Diante da instabilidade, o Irã foi convencido a permitir inspeções
da AIEA, inclusive a reatores não declarados, tendo a agência chegado a conclusão que, até
aquele momento, o programa nuclear iraniano não tinha se convertido para fins militares.
Nos anos 2000, refugiados do regime iraniano, nos EUA, teriam relatado a
repórteres sobre a construção de dois estabelecimentos não declarados de enriquecimento de
urânio. A União Européia e os EUA, que, em 2002, também incluíram o Irã no chamado
“eixo do mal”, exigiram explicações. A negociação durou até o ano de 2003, que terminou
com a assinatura dos iranianos do protocolo adicional ao TNP, que basicamente aumenta as
inspeções e as torna mais abrangentes.
De 2004 até 2006, a posição do Irã foi pendular, de modo que em alguns
momentos eles até aceitavam inspeções e paralisavam o programa nuclear, e, em outros, o
mantinham em funcionamento, enquanto os relatórios da AIEA eram totalmente
inconclusivos, nem afirmando a existência de um programa nuclear militar, e nem o
descartando.
No ano de 2006 o Conselho de Governadores da AIEA decidiu levar a questão
iraniana ao CS, que, por sua vez, ordenou uma serie de embargos ao Irã por supostamente não
cooperar com a AIEA não prestando esclarecimentos sobre seu programa nuclear. No mesmo
ano, foi exigido do país que abandone o enriquecimento de urânio e que ele passe a lhe ser
fornecido pela Rússia. O acordo, no entanto, não foi aceito.
De 2006 até 2008, o CS novamente se pronunciou enrijecendo as sanções contra o
Irã, que não cumpria determinação de paralisar seu programa nuclear. Atualmente o assunto
ainda faz parte da agenda internacional, porém, está num momento de impasse entre as
determinações do CS e a posição do governo iraniano.
60
O programa nuclear iraniano surgiu como fruto de parcerias daquele país com
diversos aliados, inclusive os EUA. De fato, o Irã só começou a ser visto como um problema
nuclear após a Revolução Islâmica, ou seja, após romper com o mundo ocidental,
principalmente os americanos.
Somente depois de 1979, as fontes de inteligência americanas começaram a
informar sobre o perigo do programa nuclear iraniano estar se tornando militarizado. Porém,
um programa não se torna militarizado em um espaço de meses, e, nem tão pouco, os serviços
de espionagem teriam obtido todas as informações de um mês para outro. Assim, o alarme
internacional só foi dado após a revolução, baseado única e exclusivamente nas provas dos
Estados Unidos. O embargo de informações promovido pelos EUA dificulta a identificação de
trapaceiros ao regime, o que, segundo KEOHANE (1986), prejudica a cooperação.
Mesmo após a tomada de poder pelo regime dos aiatolás, e após as acusações
estadunidenses, alguns países ocidentais, como a Alemanha Ocidental, ainda mantiveram
acordos com o Irã. Além disso, os iranianos ainda contaram com grande apóio de duas
potências nucleares presentes no CS e na região, Rússia e China.
A questão nuclear iraniana, então, é importante para o regime, porque nela dois
pontos ficam bastante claros, primeiro a ligação entre o controle da tecnologia nuclear e a
questão política-cultural de Irã e EUA, e a relatividade na identificação de grandes agressores
ao regime, o que acontece principalmente pelo fato de não haver uma potência hegemônica
que promova o regime, cabendo esse papel ao oligopólio atômico/nuclear do CS.
As animosidades entre o Irã e os EUA vêem, já de longa data, desde a ocasião da
crise dos diplomatas. Há um conflito cultural entre os dois países, ou, pelo menos, é o que os
discursos dos dois países dão a entender. Enquanto o Irã acusa os EUA de serem os
corruptores da moral do país, desviando-o dos seus reais valores, e de serem os mantenedores
dos judeus em terras árabes, os EUA acusam o Irã de ser um país tirano, uma ameaça à paz
regional e financiador do terrorismo.
Dessa maneira, a crise entre os EUA e o Irã não é causada pela questão nuclear,
mas essa é apenas um intensificador de uma animosidade já existente. As acusações mais
recentes que começaram a crise, que se estande até os dias de hoje, foram feitas por um jornal
americano e não por um meio oficial de comunicação. Em outras palavras, tudo começou com
especulações que foram crescendo e envolvendo desde os serviços de inteligência até o CS
das Nações Unidas. Dessa forma, o Irã, que no início dos anos 2000 desenvolvia
tranquilamente seu programa nuclear, num espaço de dois anos passaram a ser o grande vilão
e um dos países do “eixo do mal.”
61
Outro ponto importante é a questão da relativização da ameaça do Irã por parte do
CS. Como já dito EUA, Grã-Bretanha e França passaram, desde o ano de 2002 a acusar o Irã
de ser o maior transgressor das normas internacionais, ao passo que China e Rússia, que tem
efetivamente maiores laços comerciais com aquele país, costumam adotar posturas mais
amenas, manifestando apenas uma preocupação com o assunto. Essa divisão do CS é, ao
mesmo tempo, ruim, porque o regime precisa de um órgão mantenedor forte, e boa, porque
assim as sanções não são aplicadas única e exclusivamente por desafetos de um país com
outro.
Percebe-se que não se discute aqui se efetivamente o programa nuclear iraniano
tem ou não intenções militares, ou se é ou não uma ameaça a paz regional. O problema
abordado se refere ao fato de que a questão nuclear iraniana não se reflete unicamente no
campo militar, mas sim num campo mais geral, do conflito político-moral entre EUA e Irã
que perdura desde a Revolução Islâmica.
Os regimes necessitam de dois pontos básicos: informação e garantia de
sobrevivência dos atores. No caso do Irã, nenhum dos dois objetivos foi ainda alcançado. A
AIEA, até os dias de hoje, não consegue nem descartar, nem confirmar as informações sobre
as contravenções iranianas, porque não tem acesso a todos os locais necessários. Na falta de
informação, cada país vê a crise iraniana de acordo com seus próprios interesses, seja para
acusar os aiatolás, seja para defendê-los.
Por outro lado, como já dito na questão norte coreana, para que um país esteja
disposto a efetivamente entrar no regime nuclear é necessário que lhe seja garantida sua
sobrevivência e, no caso iraniano, isso está longe de acontecer. Os EUA, mas especificamente
na figura de seu presidente George W. Bush, na ocasião da invasão ao Iraque, acusaram
aquele país de novamente, mesmo estando sobre um forte embargo econômico, estar
desenvolvendo armas atômica/nucleares.
A AIEA, a qual foi permitida a entrada nas instalações iraquianas, dessa vez
acenou com a afirmação de que o Iraque não tinha armas atômica/nucleares e que não as
estava desenvolvendo. Mesmo com essa afirmação os EUA, sobre esse pretexto, invadiram o
Iraque e derrubaram o regime de Sadam Hussein. Essa situação, ainda mais o Iraque sendo
um país vizinho do Irã e também integrante do “eixo do mal”, só confirma o medo dos
iranianos de uma invasão americana. Dessa maneira, o Irã não tem qualquer estímulo para
entrar no regime nuclear porque mesmo se o país se abrir totalmente as inspeções, e a AIEA
confirmar que o programa nuclear não tem finalidades bélicas, mesmo assim ainda poderia
sofrer uma invasão.
62
4.2.3 Índia e Paquistão: A contestação e suas conseqüências
O programa nuclear indiano teve seu começo já no ano de 1946, mesmo antes de
sua independência, quando o país tentava formar pessoal com conhecimentos científicos sobre
o assunto, com base nos estudos dos cientistas britânicos, como relatado pela organização
NUCLEAR THREAT INITIATIVE (2008).39
A partir de 1947, a Índia independente nacionalizou e re-estruturou seu programa
nuclear, sendo uma das principais vozes nas conversações internacionais contra o Plano
Baruch. A Índia acreditava que ele mantinha a desigualdade atômica entre os países e, por
isso, qualquer plano nesse sentido deveria desarmar incondicionalmente todos os arsenais
atômicos.
Nos anos 50, a Índia forma parcerias com França e Grã-Bretanha, além de
exportar urânio para o EUA. O país, graças às parcerias, começa a efetivamente obter
tecnologia para a produção de energia elétrica atômica. O Programa Átomos pela Paz, no
entanto, é visto com maus olhos pelos indianos, que acreditavam ser ele também um limitador
da sua liberdade de gerir seus recursos.
Em 1956, a Índia já tinha fortes parcerias com os EUA e o Canadá, e também
conseguiu construir seu primeiro reator nuclear experimental. Na época, ainda, a Índia foi um
dos principais críticos ao sistema de salvaguardas, proposto para a AIEA. Para eles, como a
agência só iria obrigatoriamente fiscalizar os projetos aos quais ela tivesse alguma
participação, somente seriam fiscalizados os programas nucleares dos países menos
desenvolvidos, já que os desenvolvidos não necessitariam da ajuda da agência.
Ainda, ao final da década de 50, o governo indiano alertava a comunidade
internacional que, se provocado, o país poderia produzir armas nucleares em 4 anos, embora
essa não fosse sua intenção. Tal alerta representava a preocupação com o Paquistão, que
começou seu programa nuclear em 1955 e, em 1958, teve um golpe de Estado, e com a China,
que também já tinha um programa nuclear avançado e ameaçava retaliar o levante do Dalai
Lama, em 1959.40
Nos anos 60, a Índia procurou construir seu primeiro reator nuclear, e, com custos
elevados, o país passou a procurar apoio também da URSS. A reação estadunidense foi firmar
39 INDIA Nuclear Chronology, Nuclear Threat Initiative , dez. 2007. Disponível em: <http://www.nti.org/e_research/profiles/India/Nuclear/2296_6395.html>. Acesso em: 14 nov. 2008. 40 PAKISTAN Nuclear overview. Nuclear Threat Initiative . ago. 2008. Disponível em: <http://www.nti.org/e_research/profiles/Pakistan/Nuclear/index.html>. Acesso em: 14 nov. 2008.
63
novos contratos com os indianos em termos pelos quais os EUA forneceria tecnologia de
ponta, e em troca sejam os únicos fornecedores de urânio enriquecido para os indianos. O
contrato constava cláusula de que todos esses materiais estariam sob fiscalização da AIEA,
porque os EUA ,graças à instabilidade política naquela região da Ásia, começaram a temer
uma corrida militar atômica/nuclear, já que a China, em 1964, já tinha explodido sua primeira
arma atômica e apoiou o Paquistão na Guerra de 1965.
Outro ponto importante foi à posição contraria da Índia em relação ao TNP. A
argumentação indiana passava por três pontos básicos: Primeiro que o tratado também
discriminava países nuclearizados de desnuclearizados. Segundo que explosões
atômicas/nucleares fiscalizadas pela AIEA poderiam ser úteis ao desenvolvimento econômico
e que isso era dificultado pelo tratado. Terceiro que, embora se proibisse a China de fabricar
novas bombas atômica/nucleares, não haveria qualquer garantia de que a Índia não seria
alvejada pelo arsenal já existente.
Nos anos 70, a China continuava a testar seu arsenal, inclusive o alcance de seus
mísseis, causando instabilidade na região. Ao mesmo tempo, Índia e EUA começaram a
conflitar com a possibilidade do uso de explosões atômica/nucleares para fins civis, de forma
que, ao final das negociações, os EUA e o Canadá resolveram repassar totalmente a AIEA a
tarefa de fiscalizar seus contratos com os indianos. Apesar disso, os indianos conseguiam
novos parceiros nucleares, a Alemanha Ocidental e o Japão.
Em 1974, a primeira ministra da Índia, Indira Gandhi, ordena a construção e a
detonação do primeiro artefato atômico indiano, com a justificativa de propósitos científicos.
Em resposta a essa explosão, foi criada a Organização dos Supridores Nucleares, com o
intuito de embargar o comércio nuclear de alguns produtos e equipamentos de seus países
membros com todos os países não-signatários do TNP, inclusive a Índia.
Ainda nos anos 70, o Paquistão, contanto com a parceria canadense, constrói sua
primeira usina nuclear. Em 1974, o país reage duramente a notícia dos testes indianos,
ameaçando desenvolver armas atômicas se os testes não cessassem. Com essa afirmação, os
EUA e o Canadá começaram a retirar o apoio ao programa nuclear paquistanês.
Nos anos 80, a Índia continuou a expandir como pode seu programa nuclear,
assim como o Paquistão. Cientistas paquistaneses foram condenado pela justiça holandesa por
espionagem industrial nuclear, e o programa daquele país começou a novamente sofrer
boicotes, exceto por parte de Irã e China, com os quais o país mantinha parcerias em várias
áreas.
64
De 1974 até os anos 90, o programa nuclear indiano, apesar dos embargos
impostos, continuou a prosperar. Nesse período, alguns países como o Canadá retiraram todo
as parcerias, e outros continuaram a comercializar itens não embargados, especialmente a
URSS. Os EUA mantiveram uma postura de aderir ao embargo nuclear, porém quanto aos
itens permitidos, às vezes os comercializava, esperando, com isso, uma aproximação da Índia
com o regime nuclear, mas, em outros tantos casos, o Congresso americano considerou ilegal
a comercialização.
O Paquistão, por sua vez, procurou novos parceiros atômicos, encontrando o
Iraque de Sadam Hussein e a Coréia do Norte de Kim Jung I. Sua parceria visava não só a
obtenção de tecnologia nuclear, mas também a tecnologia de mísseis.
A Índia, por sua vez, já tinha uma tecnologia de mísseis avançada e os testou no
ano de 1996. Em abril de 1998, porém, o Paquistão também realizou testes com mísseis de
longo alcance. Em maio, também como resposta, a Índia fez uma série de testes com
explosivos atômico/nucleares seguidos pelos paquistaneses, que, poucos dias depois, também
detonou sua primeira bomba atômica.
Frente à contestação mais clara possível do regime de controle nuclear, a
comunidade internacional impôs novos embargos e congelou investimentos diretos no país de
vários países e do Banco Mundial. Porém, essas medidas não tiveram êxito, e nem Índia nem
Paquistão assinaram o TNP.
Em 1999 uma breve guerra entre Índia e Paquistão criou um pavor na comunidade
internacional de ter que tratar da primeira guerra atômica/nuclear da história, o que,
felizmente, não aconteceu.
Nos anos seguintes, de 1998 até 2005, a Índia, apesar de embargada, continuou a
comercializar com outros países da região, como o Vietnã. De fato, o país, desde 1974, sofria
um embargo tecnológico, mas ainda comercializava quantidades consideráveis de urânio com
alguns países, assim como o Paquistão, que tem grandes reservas de urânio. Novos acordos
foram selados ou reconfirmados entre Índia e Paquistão, como a criação de uma lista de
estações nucleares e a promessa de, em caso de guerra, não atacá-las.
No ano de 2006, no entanto, o presidente americano George W. Bush começou a
alterar a posição norte americana com relação ao embargo à Índia. Os EUA proporam a
regularização do comércio nuclear indiano em troca da Índia definir o maior numero possível
de suas usinas como civis, e, portanto, permitir fiscalizações extensivas nessas usinas.
O plano só se concretiza em 2008, com a aprovação pelo Congresso americano,
do Grupo de Supridores Nucleares e pela AIEA. Atualmente, a Índia já tem contratos
65
firmados de venda de reatores nucleares com os EUA e com a França, mas outros países já
estudam negociar com os indianos.
O Paquistão, por sua vez, cujos cientistas confessaram em 2001 ter vendido
tecnologia para a Coréia do Norte e Líbia, exige que os EUA também façam um acordo
semelhante com o país, o que segundo alguns analistas é pouco provável. Os paquistaneses
afirmam que se não for garantido ao país tal acordo pelos EUA, irão atrás da China para que
ela o faça. Dessa forma, atualmente, a corrida pela tecnologia nuclear na Ásia volta a
esquentar, como bem relatado pelo jornal TRIBUNA DA IMPRENSA (2008).41
Os programas nucleares indiano e paquistanês mostram alguma contradições e
alguns momentos em que o regime simplesmente não funcionou. O fato é que desde o fim da
2ª Guerra Mundial há uma corrida armamentista na Ásia, que começou a acontecer inclusive
antes da formação do regime nuclear, o que demonstra problemas em se superar o dilema de
segurança.
O Paquistão começou a desenvolver seu programa nuclear porque se sentia
ameaçado pela Índia, aquele país tinha a mesma relação com a China, que, por sentir o perigo
de uma URSS nuclearmente armada, que por sua vez desejava se igualar aos americanos.
Perceba-se que dos cinco países aqui citados, só são duramente criticados e penalizados
justamente os dois que não são parte do CS das Nações Unidas.
Dessa forma, o dilema de segurança não foi superado e é exatamente por esse
motivo que o regime não se manteve. Como já dito, o programa nuclear bélico indiano está
intimamente ligado aos programas de Paquistão e China. Dessa maneira, não é possível
superá-lo contendo as ambições atômicas/nucleares apenas do Paquistão, é necessário também
conter a China.
O problema dos programas nucleares de China, Paquistão e Índia é que a questão
toca nas bases do sistema internacional vigente. A China integra, entre outras organizações, os
membros permanentes do CS das Nações Unidas e, assim, não é possível dentro do sistema
internacional adotar medidas mais duras contra o país. Isso, no entanto, não dá qualquer
garantia de que a Índia não será atacada e por isso a questão é tão difícil de ser superada.
Analisando a história dos programas nucleares de Índia e Paquistão, fica claro,
também, que medidas unilaterais de contenção não surtem o efeito esperado. Os EUA
mantiveram o início do programa nuclear da Índia, mas, quando começaram a entender que o
41 INTER: exportadores de tecnologia nuclear discutem fim de restrição à Índia. Tribuna da Imprensa. 21 agos. 2008. Disponível em:<http://www.tribunaimpressa.com.br/Conteudo/?IDConteudo=105265&IDSessao=60038>. Acesso em: 16 nov. 2008.
66
programa cedo ou tarde poderia se desvirtuar para o aspecto militar, começou a adotar
medidas de abafamento do programa. A medida claramente não deu certo porque quando os
EUA adotaram essa postura o vácuo deixado logo foi preenchido pela URSS, e, em outras
ocasiões, por outros países. Dessa maneira, a disputa política e econômica entre os países
deve cessar para um país embargado, sob pena de tais medidas nunca darem certo.
Outro fator importante é que quando a Índia fez os testes em 1998, o país já estava
embargado desde 1974 quando realizou seus primeiros testes atômicos. As medidas não
surtiram efeito porque o embargo cobria apenas a comercialização de novas tecnologias, mas
não proibia totalmente o trânsito de materiais físseis, que só podiam ser comercializados em
pequenas quantidades, mas se podia comercializar com vários países.
Por fim, é possível retirar dos exemplos de Índia e Paquistão que, apesar dos dois
contestarem o regime nuclear desde os primórdios, não serem signatários do TNP e nem da
AIEA, dominarem grande parte da tecnologia nuclear e de lançamento de mísseis e já terem
inadvertidamente testado seus arsenais atômico/nucleares, o CS das Nações Unidas se
manifestou apenas uma única vez sobre o assunto, em 1998. Isso indica que, apesar de todas
as contestações, o regime não foi capaz de responder em seu âmbito interno a trapaça, nesses
casos.
Além disso, o embargo imposto a esses países é simplesmente retirado, por
pressão dos EUA, sob a justificativa de que se a situação da Índia for regularizada o país veria
com melhores olhos o regime de contenção nuclear. O grande problema disso, no entanto, é
que com isso os EUA recomeçam a velha corrida por tecnologia nuclear no sul da Ásia.
Assim, os casos de Índia e Paquistão demonstram bem a necessidade de que as
sanções a países contestadores do regime nuclear sejam uniformes e universais, sob pena de
que o regime tenha tamanhas contradições internas que pare de funcionar.
4.3 Problemas legais e estruturais do regime nuclear
Nessa sessão do trabalho serão descritos problemas do regime em três ordens
distintas: os problemas legais, estruturais e de efetividade. Os problemas legais se referem às
contradições internas dentro do TNP, que é a maior fonte legal sobre o assunto; os problemas
estruturais são aqueles encontrados dentro da estrutura coercitiva nuclear, ou seja, a AIEA e o
67
CS; por fim, há também os problemas de efetividade do regime em si, da sua aceitação, da sua
capacidade de promover regras razoáveis, da sua autonomia e relevância.
O TNP foi negociado entre os anos de 1968 e 1970, em plena corrida
armamentista atômica/nuclear, e, por isso, no momento de sua concepção, alguns países nem
tinham um programa nuclear, outros o tinham em fase de desenvolvimento, e, alguns, já o
tinham avançado o suficiente para ter armas atômicas/nucleares. O primeiro problema do
tratado, dessa maneira, é o momento em que ele foi assinado.
Se tivermos uma visão mais ingênua, o tratado chegou atrasado, pois não evitou a
criação de diversos artefatos explosivos. Por outro lado, se tivermos uma visão mais crítica,
ele chegou exatamente no momento em que ele foi desejado, pois naquela situação a maioria
dos países mais desenvolvidos e relevantes no cenário internacional já tinha tecnologia
nuclear.
Dessa maneira, no contexto da Guerra Fria, um tratado desse tipo só poderia ser
realizado com a participação dos maiores países dos dois blocos, caso contrário não seria
possível congelar a disputa atômica/nuclear. Isso é um problema porque a norma não retroage
aos explosivos atômico/nuclear já existentes criando um precedente perigoso.
O segundo problema do TNP está bem claro em seu próprio nome, o tratado só
trata da proliferação atômica/nuclear, ou seja, visa basicamente evitar que um país não
nuclearizado se torne nuclearizado, quase não tratando da corrida armamentista entre países
que já detinha a tecnologia explosiva.
Enquanto o tratado, em seus primeiros artigos, descreve detalhadamente o que
pode, ou não, ser comercializado entre os países nuclearizados e os não nuclearizados, quanto
à cessação da corrida armamentista essa só está mencionada no preâmbulo do tratado, e em
um único artigo que afirma que os países signatários devem, em boa-fé, começar a negociar
sobre a corrida, e isso influi na aceitação do regime e na tendência a trapacear.42
Em outras palavras, o tratado impede e proíbe que os países menores, já que os
maiores já tinham tecnologia nuclear, desenvolvam programas explosivos, enquanto dá
praticamente um conselho aos países maiores que parem a corrida atômica/nuclear.
Outra contradição grave do tratado, dessa maneira, é a não menção aos arsenais
atômicos já existentes. Se o tratado, como afirmado em seu preâmbulo, pretende evitar a
guerra atômica/ nuclear, é, logicamente vital, que ele trate desses arsenais, porque mesmo que
42 TNP artigo VI: “Cada Parte deste Tratado compromete-se a entabular, de boa fé, negociações sobre medidas efetivas para a cessação, em data próxima, da corrida armamentista nuclear e para o desarmamento nuclear, e sobre um Tratado de desarmamento geral e completo, sob estrito e eficaz controle internacional.”
68
eles não sejam usados, na prática, fazem parte da deterência e compelência internacional, e,
também, servem como elemento econômico já que deles podem ser extraído urânio.
Mais importante ainda, é que, sem essa menção, o tratado, na prática, mantém o
status quo nuclear, ou seja, serve mais como um instrumento de manutenção de poder. Dessa
forma, os Estados não nucleares não são incentivados a entrar no tratado. Para mitigar isso o
TNP afirma que apóia a pesquisa científica e que os benefícios de qualquer teste
atômico/nuclear serão divididos igualmente entre todos os países, o que, na prática não
acontece, haja vista os testes franceses no Pacífico Sul.
Por fim, a entrada e a denúncia ao tratado são muito fáceis. O tratado, ao admitir
novos membros, ou seja, novos membros no regime, não considera se o país, no passado,
criou armas atômica/nucleares. Dessa maneira, é muito fácil para um país burlar o regime
num primeiro momento criando armas, e num segundo, entrando no regime ganhando seus
benefícios. Além disso, para denunciá-lo basta uma simples notificação ao CS e demais
partes, não sendo necessário nem qualquer tipo de inspeção extraordinária. Além disso,
enquanto o Tratado sobre o Direito ao Mar, por exemplo, tem um prazo de denúncia de 1 ano,
o tratado que supostamente impede a guerra atômica/nuclear tem um prazo de denúncia de 3
meses. Isso é prejudicial, porque quanto maior o prazo de denúncia maior o tempo para que as
forças políticas ajam constrangido um país a não abandonar o tratado.
A formação do sistema internacional de controle mostra, claramente, a evolução
organizacional dessa área, que teve como órgão primordial o CS, que é responsável por
identificar as ameaças à paz mundial. Esse órgão político, no entanto, não foi suficiente para o
regime, que tem uma base técnica muito apurada. Exatamente para tratar dessas questões
surgiu a AIEA, que, posteriormente, ainda teve uma base legal para trabalhar com a
ratificação do TNP. Isso demonstra que o regime, tendo instituições próprias, tentou se
fortalecer e se tornar autônomo, porém ainda há dificuldades nesse aspecto.
Os problemas estruturais estão relacionados, primeiramente, à questão da
legitimidade do CS para definir as ameaças à paz. Enquanto os países nuclearizados tem cinco
de seus membros agindo permanente, e com o direito de veto, os não nuclearizados, quando
estão presentes, só podem opinar durante seu mandato e não possuem o poder de vetar
qualquer medida. Além disso, o CS é o responsável por elaborar a política de desarmamento
feita pela ONU, e é o único órgão que tem poder impor sanções mais abrangentes. Assim, o
CS é muito mais rigoroso com certas desavenças políticas e muito brando com relação a seus
próprios membros. Isso também é problemático, na medida em que o regime, dessa forma,
não se torna autônomo e a sua aceitação diminui.
69
Dessa maneira, os interesses dos países nuclearizados estão muito mais bem
representados no CS, e as sanções só são aplicadas quando não obrigam os 5 membros
permanentes, e quando, os interesses de nenhum deles é prejudicado.
A AIEA, por sua vez, é um órgão mais técnico, mas já teve sua função várias
vezes contestada, sendo que, atualmente, ela auxilia os programas nucleares, fiscaliza e pode
dar pareceres sobre o desvirtuamento de programas pacíficos. No entanto, demorou um bom
tempo para que a agência tomasse consciência de suas próprias funções.
O problema é que esse orgão auxiliar ao CS, apresenta pareceres, mas tem pouco
poder, na prática, já que suas sanções próprias só atingem suas parcerias com determinado
país, e não as parcerias entre dois países. O regime necessita de instituições e, por isso, uma
AIEA forte capaz de gerir o regime e fornecer informações confiáveis.
Outro problema estrutural é a falta de um órgão próprio de registro de patentes
nucleares, o que, atualmente, ocorre como qualquer patente industrial. Seria importante a
presença desse órgão porque muitas vezes, para fiscalizar corretamente um país, a AIEA tem
acesso a informações sigilosas dos programas nucleares, e, sem uma proteção especial às
patentes, as inovações tecnológicas ficam expostas aos concorrentes.
Os problemas do regime em si refletem suas contradições internas em seus
pressupostos, como instituições, informação e efetividade, que são premissas para os regimes
funcionarem corretamente, inclusive o regime nuclear. YOUNG (1999) aponta, entre outros
pontos, que a efetividade dos regimes depende de sua autonomia e relevância, devendo o
primeiro ser entendido como a independência do regime em relação aos diversos atores
internacionais e, o segundo, como a capacidade do regime de efetivamente influenciar o
comportamento de cada vez mais Estados.
O primeiro ponto necessário para que um regime seja relevante é a aceitação da
necessidade que, pela interdependência entre os Estados, ações individuais podem trazer
resultados desastrosos. Para evitar essa situação, os países devem convergir para a mesma
idéia, ou seja, a necessidade de uma boa regulamentação da tecnologia nuclear. Para isso
ocorrer, além dos Estados se convencerem que é necessário um regime e importante também
que eles sintam que o regime é autônomo, e que se molda as necessidades coletivas, e não as
de um pequeno grupo de países.
As negociações sobre a questão nuclear, mesmo que de um país em específico,
devem ser discutidas em âmbitos multilaterais, porque, uma vez se tratando de um regime, em
que é vital a universalização de condutas, não há espaço, ou não deveria haver, para arranjos
bilaterais, que o tornam menos efetivo.
70
As sanções são outro ponto importante que deveria ser melhor trabalhado dentro
do regime nuclear, porque elas precisam ser fortes, universais e uniformes, sob pena de não
conseguir influenciar no comportamento estatal e não inibir possíveis trapaças. Os exemplos
de Índia, Irã e Israel demonstram bem as contradições nesse sentido. O Irã apesar de ser
signatário do TNP sofre um duro embargo por causa da questão nuclear, e mesmo quando a
AIEA dá pareceres mais favoráveis, não há qualquer processo de revisão de sua pena. A Índia
contestou a todo momento o regime nuclear, mas deve receber tecnologia nuclear de ponta,
mesmo não tendo assinado o TNP. Por fim, o Estado de Israel não é signatário do TNP, há
fortes suspeitas que o país tenha um programa nuclear ativo, mas não há qualquer pressão sob
o mesmo.
Há, ainda, a questão do que se deve fazer com um possível país desviante, que,
como bem aponta HAASS (2005), só tem 4 saídas possíveis: Primeiro, ir efetivamente à
guerra com o país desviante; segundo, usar a diplomacia; terceiro, realizar um ataque
preventivo; quarto, conviver com o desviante.
A primeira saída pode efetivamente resolver o problema, mas depende de uma
série de fatores políticos, e envolve ocupação por vários anos a fim de mudar a mentalidade
do país. A segunda opção é uma variável razoável, até porque muitas vezes o problema é
negociável, mas, é uma alternativa que se esgota muito facilmente. A terceira opção é um
meio termo entre as duas primeiras, é uma adaptação do polêmico Direito de Ingerência43 e já
foi utilizada, na prática, por Israel no Iraque em 1981, mas nada impede que o país
simplesmente reconstrua o que for destruído. Por fim, há também a opção de ignorar o desvio,
mas isso, além de manter um pária no sistema internacional, ainda serve de estímulo para
outros desviantes.
Dessa maneira, o regime tem que escolher como implementar suas sanções, de
forma que elas fiquem mais contundentes e, além disso, deve analisar a situação, caso a caso,
levando em conta o contexto geopolítico. Não é razoável, dessa maneira, que o Irã seja
altamente punido enquanto não se fiscaliza Israel, uma vez que ambos os programas nucleares
estão diretamente interligados com a geopolítica do Oriente Médio.
Outro ponto importante é a disponibilização de informação qualificada. Os países,
como já dito, na maioria das vezes, não tem interesse em disponibilizar informações de seus
43 O Direito de Ingerência é um princípio de aplicação polemica nas Relações Internacionais criado por organizações humanitárias. Por essa norma todo o Estado incapaz de gerir seu próprio território deve ter seu Direito à Soberania afastado para que possa haver uma intervenção internacional. Mas esse direito seria somente para fins humanitários, daí, no caso nuclear, ser uma adaptação, uma espécie de “defesa preventiva”, como dito por MACEDO (2005).
71
programas nucleares, nem os pacíficos, menos ainda os militares. Assim, é importante o papel
da AIEA, no sentido de ser facilitadora do fluxo de informações, embora, como visto pela
últimas resoluções do CS isso venha sendo feito com grande atraso. O grande problema da
falta de informação é que isso gera desconfiança e más percepções, de modo que a
cooperação muitas vezes fica abalada.
Os regimes, ainda, são vitais para o ambiente nuclear, porque permitem a
obtenção de expectativas claras e palpáveis e a previsibilidade da ação dos demais Estados.
Isso é importante porque, se num regime todos os países devam ter condutas semelhantes, é
vital que todos entendam quais são as expectativas sobre eles, ou seja, o que se espera que
cada país faça, criando, dessa forma uma previsibilidade de condutas.
As expectativas, no entanto, não são sempre claras, haja vista a guerra no Iraque.
Antes da invasão, a expectativa era que o país se abrisse para inspeções da AIEA. Em
determinado momento isso ocorreu, mas, mesmo assim, o país foi invadido. É claro que um
país, ao cumprir as expectativas do regime nuclear, deve ter garantido os mesmos direitos que
qualquer outro Estado, como o de sobrevivência. Nesse caso, porém, ficou claro que o regime
nuclear foi usado como joguete das aspirações estadunidenses, e por isso foram exigidas
expectativas falsas.
Outro ponto importante é o nível de formalização do regime nuclear. O regime é,
em sua maioria, informal. As leis e instituições adotam posturas gerais de proibir a bomba
atômica e nuclear e permitir tecnologia civil, mas as suas especificidades, assim como novos
assuntos como as armas que utilizam tecnologia nuclear não explosiva continuam como
“acordos de cavalheiros”, ou seja, reguladas caso a caso e informalmente.
Para que os regimes tenham efetividade é necessário que haja uma liderança que
os promova. No caso nuclear, por se tratar de um acordo de nível global, não é possível que
um único país tenha força suficiente para promovê-lo. Dessa forma, o regime é incentivado,
não por um único país, mas por todos os cinco membros permanentes do CS. Embora ser
promovido por um grupo de países confira maior legitimidade ao regime, isso significa
também que ele só irá funcionar corretamente se os membros do CS chegarem a um mínimo
de consenso.
Outro ponto significante é o papel das instituições, mais precisamente da AIEA.
Como já dito, é vital para os regimes que neles haja um aumento do nível de informações e
que se fiscalize o cumprimento dos acordos, identificando os trapaceiros, ou seja, quem está
produzindo armas atômica/nucleares, e esse, é o papel da agência. Ao realizar isso, AIEA
72
também dá a garantia intrínseca que se o país não está produzindo armas atômica/nucleares,
não irá sofrer qualquer tipo de sanção, pelo menos não por esse motivo.
O grande problema da AIEA é que, muitas vezes, ela não consegue distinguir com
eficiência programas nucleares militares de civis, como no exemplo do Irã. Isso ocorre porque
a agência só fiscaliza em três situações distintas: em acordos realizados com a própria AIEA;
quando ela é chamada para fiscalizar uma parceria entre dois países; ou, quando o país
autoriza a fiscalização. Além disso, geralmente a fiscalização só compreende os reatores
declarados como de uso civil, sendo que uns poucos os países nuclearizados declaram como
militares, e que não podem ser fiscalizados por envolverem a segurança nacional. Assim,
ainda hoje, a despeito com o que acontecia na Guerra Fria, os grandes fiscais são os serviços
de espionagem dos países maiores. Isso é ruim para o regime porque diminui a quantidade de
informações disponíveis, assim como a sua legitimidade, já que são fornecidas por agências
estatais e não órgão imparciais.
Resta, ao trabalho, fazer algumas classificações do regime nuclear. A primeira é
se eles são funcionalmente específicos ou funcionalmente difusos. No regime nuclear
prevalece claramente o papel dos diplomatas e oficiais de governo de alto escalão, até porque
o órgão político, CS, tem primazia em relação ao técnico, AIEA. Assim, o regime é
funcionalmente difuso, no entanto, o regime sofre, também, problemas em compatibilizar o
mundo jurídico e as práticas técnicas, que evoluem rapidamente, haja vista o caso brasileiro
em Resende, quando houve uma grande discussão acerca das normas técnicas.44 Dessa forma,
o regime é funcionalmente difuso, mas também tem características de regimes específicos.
A ordem propagada pelos regimes, como já dito, pode ser de três tipos:
espontânea, negociada ou imposta. O regime nuclear é predominantemente negociado, pois há
todo um processo de barganha em torno dos objetivos comuns. O regime não pode ser
considerado espontâneo como muitas pessoas crêem, porque apesar de haver um consenso de
que se deve evitar a guerra atômica/nuclear, abrir mão de suas próprias ambições militares
nunca é um processo espontâneo. Em alguns casos específicos, o regime é imposto a alguns
países, porém, como já dito, isso só funciona quando há um consenso dentro do CS, que age
como se fosse uma potência hegemônica.
44 Em 2004, a fabrica de enriquecimento de urânio de Resende virou polêmica internacional após publicação do jornal estadunidense Washington Post de que o Brasil estava se negando a ser inspecionado pela AIEA. A alegação brasileira era de que, para a proteção da tecnologia nacional, a AIEA somente deveria fiscalizar o nível de enriquecimento do urânio que entrava e saia da fábrica, e que isso seria suficiente para a constatação de que o programa só teria fins pacíficos, como descrito por TORTORIELLO (2004).
73
A esperança dos Estados de perder menos, ou ganhar em outra área, é outro ponto
importante dentro do regime. Os países têm interesses em diversas áreas e esperam sempre
ganhar o máximo possível em todas elas. Assim, dentro do processo de negociação, a
barganha entre ganhos de diversas áreas é importante.
Quanto à negociação de segurança propriamente dita, os Estados estão tendentes a
se preocupar mais com os ganhos absolutos do que os relativos. Dessa forma, é necessário que
ele ganhe no campo de segurança mais do que ele esperaria ganhar fora do regime. O exemplo
da Coréia do Norte é bem exemplificativo nesse sentido.
O país negocia atualmente um acordo em que são oferecidas vantagens
econômicas e a garantia de que o país não irá sofrer agressões. É claro que se EUA e Coréia
do Norte de engajarem com todas as suas forças as armas atômica/nucleares não irão deter a
vitória americana. Dessa forma, a Coréia avalia hoje o que é melhor, ter uma bomba
atômica/nuclear ou ter um acordo de não agressão somado a vantagens econômicas.
Outro ponto importante é a defesa dos valores do regime frente aos agressores. Se
é necessário, como já dito, que os Estados desejem o regime nuclear é vital que os países
dentro do regime tenham um serie de garantias, entre as quais sua própria sobrevivência e que
os Estados se alinharão em conjunto contra agressores do regime. Nesse ponto, é importante o
papel do CS que, através de suas resoluções, afirma conceder proteção a qualquer país não
nuclearizado que seja alvejado por bombas atômica/nucleares.
A questão da auto-limitação também é importante para se entender o atual regime
nuclear. Muitos Estados, como França e China, nos primórdios do TNP, não o aderiram
formalmente, porém, em seus discursos oficiais afirmavam que iriam agir como se o tivessem
feito. A auto-limitação, dessa maneira, tem aspectos bons e ruins. Por um lado, se a postura de
um Estado é aderir apenas informalmente ao regime, há pouca garantia de que ele realmente
está cumprirá o que disse, no sentido contrário, porém, se um Estado se compromete a aderir
informalmente ao regime, embora não tenha garantias, ao menos demonstra que tem a
intenção de aderir num momento futuro.
No regime nuclear tem se uma grande dificuldade em separar os aspectos
militares dos econômicos que, embora distintos, estão intimamente entrelaçados. Tanto a
produção de energia atômica, quanto a produção de bombas atômica/nucleares, depende da
tecnologia de enriquecimento de urânio, sendo que uma só se diferencia da outra pelo nível de
enriquecimento, como esclarecido por SCARLATO (2002).
Há, dessa forma, duas forças no regime nuclear: uma militar explosiva, que é
proibida; e uma econômica científica, permitida, mas que, em muitas situações, são contrárias.
74
Essa contradição é o que explica a posição estadunidense, por exemplo, de ao mesmo tempo
proibir e incentivar a tecnologia nuclear.
Os EUA, como visto na formação do regime nuclear, apenas 3 meses após utilizar
a bomba militarmente já propunha o plano Baruch45, limitando a tecnologia. Além disso, o
programa estadunidense Átomos pela Paz foi um dos principais responsáveis por espalhar
essa tecnologia pelo mundo, sendo o passo inicial de muitos programas nucleares, inclusive
os de Brasil e Irã.
Como o processo de inspeção muitas vezes não consegue fiscalizar integralmente
as atividades nucleares, seria de se esperar que alguns desses programas se desvirtuassem para
o aspecto militar. Dessa maneira, se poderia perguntar porque os EUA lançariam um
programa que incentiva o uso de tecnologia nuclear. A resposta passa tanto por fatores
econômicos, quanto militares. Economicamente o uso de tecnologia nuclear para a produção
de energia estava ficando mais barato e crescendo, de forma que o programa criava condições
para que as empresas americanas garantissem os novos mercados. Por outro lado, o programa
Átomos pela Paz ironicamente não tinha objetivos unicamente pacíficos, pois ele capacitava
pessoal para operar tecnologia nuclear, inclusive as das armas atômicas que os EUA
posicionavam no entorno da URSS, com mísseis de médio alcance, como dito por JESUS
(2007).
Além disso, aspectos militares e econômicos também se confundem com relação
ao urânio presente em armas nucleares, já que está se tornando comum um país comprar o
urânio das armas nucleares dos outros com suposta justificativa humanitária. Dessa forma,
quando aspectos militares e econômicos estão entrelaçados, o regime nuclear dificilmente
consegue separar um do outro, e, portanto, dificilmente é capaz de separar o que deve ou não
ser proibido.
Há, ainda, a questão da desigualdade nuclear, que, como já dito, cria e mantém
disparidades econômicas e militares entre os países mais desenvolvidos e os menos
desenvolvidos. O regime pode até funcionar, como hoje funciona, com essa desigualdade,
porém, enquanto ela perdurar, os riscos de trapaça serão maiores e a aceitação do regime será
menor.
45 O plano Baruch foi o primeiro plano de contenção nuclear e previa alguns pontos que mais tarde se mostraram inviáveis naquele momento histórico, como a compra pela AINDA de todas as reservas de urânio, a entrega de todos os artefatos explosivos atômicos a essa agência, a capacidade própria de impor sanções e a imunidade ao poder de veto do CS.
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Por fim, há também a questão das tecnologias nucleares militares não explosivas,
como o submarino nuclear, as munições e blindagens revestidas com urânio empobrecido46,
minas terrestres e o lastro de mísseis, como o Tomahawk. Tais tecnologias se encontram em
um limbo jurídico, não sendo normatizadas por nenhum tratado, não sendo nem permitidas,
nem sendo expressamente proibidas.
Não há um tratado específico sobre as armas nucleares não explosivas e, por isso,
há uma seria discussão sobre a legalidade dessas armas em vários foros internacionais, como
na União Européia e nas Nações Unidas. Alguns países negam que estejam usando tais
armamentos, outros o usam expressamente, e alguns, como o caso da Bélgica, tem proibições
contra o uso de algumas desses equipamentos em suas forças armadas, como demonstrado
pela instituição INTERNATIONAL COALITION TO BAN DEPLETED URANIUM
(2007).47
As munições e blindagens revestidas com urânio empobrecido, por exemplo, já
foram discutidas em 2007 e em 2008, no âmbito da Assembléia Geral das Nações Unidas,
tendo grande resistência por parte de EUA, Grã-Bretanha, França e Israel. Porém, nessa
situação, tratava-se apenas de um pedido para que a AIEA, a Organização Mundial de Saúde e
o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas, elaborem conjuntamente um relatório
sobre os possíveis efeitos colaterais do uso dessas armas nos combatentes e nas populações
civis.
O importante desse relatório é que ele visa a responder a maior polêmica no uso
dessas armas, ou seja, se elas provocam doenças relacionadas com radiação ou não. Se o
relatório for positivo nesse sentido, essas armas ficam automaticamente proibidas, por
agredirem o Direito Humanitário.
Seriam desrespeitados, portanto, a proibição de provocar sofrimentos
desnecessários aos combatentes, a não distinção de civis de militares e o controle dos efeitos
da guerra pelos combatentes. Assim, se armas com urânio causarem doenças, que muitas
vezes só são verificáveis depois da guerra, isso é, com certeza, provocar sofrimento
desnecessário, e como agrediria inclusive o operador dessas armas, também foge ao controle.
Além disso, a radiação obviamente não faz distinção entre militares e civis. 46 O urânio encontrado na natureza é composto de três isótopos: o U-238, o U-235 e o U-234. Durante o processo de enriquecimento do urânio se separa essas três partículas, utilizando-se na geração de energia o U-235, que é o urânio enriquecido. O U-238, inicialmente não tinha utilidade alguma, sendo considerado lixo nuclear. Com o passar do tempo, no entanto, esse isótopo por ser muito denso, começou a ser utilizado na fabricação de balas e blindagens de tanques, tendo o primeiro registro de utilização na década de 70. ICBUW (2007). 47 URANIUM Weapons Summary, ICBUW , nov. 2007. Disponível em: <http://www.bandepleteduranium.org/en/a/151.html>. Acesso em: 13 set. 2008
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Os produtos revestidos de urânio são consumidos por muitos países, mas sua
produção somente é realizada por quatro: EUA, França, Rússia e Paquistão. Analisando essa
informação, percebes-se duas coisas importantes: a primeira que três dos quatro são membros
permanentes do CS, o que certamente influiu nos debates; a segunda é que essas armas são
feitas a partir de resíduos da produção de energia elétrica e de bombas atômica/nucleares, ou
seja, esses países estão aproveitando das sobras de seus arsenais atômico/nucleares para
produzir armas mais eficientes.
O mesmo problema o regime encontra ao se deparar com a questão dos
submarinos nucleares e sua possível proibição. Não há qualquer tratado nesse sentido, até
porque o TNP só proibe tecnologias atômicas explosivas. Porém, muitos analistas enxergam
que, como todos os tratados visam ao não emprego de tecnologia nuclear em assuntos
militares, e que o uso desses submarinos poderia gerar possíveis vazamentos radioativos,
agredindo também as normas do direito humanitário, o submarino estaria proibido.
Dessa forma, há varias novas situações que o regime nuclear tem que lidar, e,
além disso, é necessário que o regime se ajuste para melhorar sua atuação, corrigindo suas
contradições internas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo a análise do regime nuclear, assim como a
sua efetividade. O tema proposto é importante uma vez que o assunto é, atualmente, muito
discutido nos foros internacionais e envolve tópicos importantes da agenda internacional,
como a segurança e a economia dos países.
O 1° capítulo tratou dos principais acontecimentos no universo nuclear. Foram
relatados os principais planos de regulamentação da tecnologia nuclear, Baruch e Átomos pela
Paz, com seus avanços e retrocessos na difícil missão de criar um consenso, assim, como
apresentados os principais momentos em que o regime internacional foi contestado tácita ou
expressamente.
A Teoria de Regimes é a base teórica desse trabalho e foi apresentada no 2°
capítulo. As premissas básicas dessa teoria, e suas principais vertentes, grotinianos e
estruturalistas, foram demonstradas, assim como as características que definem a efetividade
de um regime. Ainda nesse capítulo, foram mostradas as especificidades dos regimes em
matéria de segurança e do regime nuclear.
Por fim, o 3° capítulo teve como finalidade analisar propriamente o regime
nuclear, assim como sua efetividade, em termos econômicos, legais e estruturais, como um
todo e em alguns casos práticos. Para tanto, o trabalho primeiramente relatou quais os pontos
mais importantes para a economia nuclear, comércio de minérios, pessoal técnico e
tecnologia, para, depois, analisar as conseqüências do regime nesses fatores.
Assim, o regime nuclear, quanto à matéria econômica, apesar de legalizar a
tecnologia, tem uma série de problemas entre o quais uma disparidade criada no passado que
perdura até os dias de hoje, ou a dificuldade de provar que um programa é de uso civil, por
falta de confiança nas inspeções e das discussões sobre métodos de fiscalização.
Quanto aos aspectos estruturais e legais, foi feito uma correlação entre a Teoria de
Regimes apresentada no capítulo 2° com os fatos e acontecimentos descritos no capítulo 1° e
nos casos práticos apresentados no capítulo 3°. Assim, se elegeu uma série de pontos, como o
papel das instituições, das lideranças, o nível de formalização do regime, os tratados, as
sanções e o nível de informação disponível para se verificar o funcionamento do sistema e sua
efetividade.
Dessa maneira, há vários pontos que apresentam pouca eficiência, principalmente
devido ao jogo de poderes presente no ambiente internacional. A corrida armamentista não
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cessou e temas como os armamentos nucleares não explosivos continuam não
regulamentados, o que demonstra a necessidade de adaptação do regime a novas realidades.
Regimes, como visto, começam quando os Estados percebem que necessitam de
ter um objetivo comum, no caso nuclear, a boa regulamentação da tecnologia atômica. Assim,
o sistema não pode e não deve servir exclusivamente para os interesses do oligopólio
atômico/nuclear, porque isso diminuiu o nível de coesão e aumenta o risco da trapaça, como
nos casos apresentados de Irã e Coréia do Norte. Além disso, o regime não pode ser
subterfúgio de interpretações grosseiras como a realizada pela Grã-Bretanha, afirmando que o
TNP não proibia a fabricação de armas atômica/nucleares, desde que não aumentasse o
arsenal, o que deve ser absolutamente descartado pelos órgãos competentes, como a AIEA e o
CS.
Para a construção de um mundo melhor ecologicamente mais estável e com
menores riscos de uma guerra atômica/nuclear, faz-se indispensável que os Estados
trabalhem, com seriedade, os pontos frágeis do regime nuclear, cumprindo, efetivamente, as
medidas elencadas pela Conferência de Prorrogação do TNP, em 2000.
O presente trabalho não objetivou, em nenhum momento, diminuir ou mitigar a
importância da existência de um regime nuclear. Mas, sim, identificar, dentro de suas
limitações, os interesses e os mecanismos sutis do jogo de poder que são empurrados à
totalidade dos países, transvertidos de ideais mais nobres, de cunho humanitário e pacifista.
Por fim, sabe-se que o mundo não tem suas estruturas vigentes modificadas
repentinamente, bem como que os jogos de poder não cessarão totalmente, permitindo a
ascensão de interesses mais elevados. Contudo, ante os riscos inerentes de uma era nuclear, a
humanidade há de evoluir, e, com a racionalidade que lhe é inerente, trilhar caminhos que não
a leve a aniquilação.
79
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ANEXO A- Tratado de Não Proliferação Nuclear
Tratado Sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares
Os Estados signatários deste Tratado, designados a seguir como Partes do Tratado;
Considerando a devastação que uma guerra nuclear traria a toda a humanidade e, em conseqüência, a necessidade de empreender todos os esforços para afastar o risco de tal guerra e de tomar medidas para resguardar a segurança dos povos;
Convencidos de que a proliferação de armas nucleares aumentaria consideravelmente o risco de uma guerra nuclear;
De conformidade com as resoluções da Assembléia-Geral que reclamam a conclusão de um acordo destinado a impedir maior disseminação de armas nucleares;
Comprometendo-se a cooperar para facilitar a aplicação de salvaguardas pela Agência Internacional de Energia Atômica sobre as atividades nucleares pacíficas;
Manifestando seu apoio à pesquisa, ao desenvolvimento e a outros esforços destinados a promover a aplicação, no âmbito do sistema de salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica, do princípio de salvaguardar de modo efetivo o trânsito de materiais fonte e físseis especiais, por meio do emprego, em certos pontos estratégicos, de instrumentos e outras técnicas;
Afirmando o princípio de que os benefícios das aplicações pacíficas da tecnologia nuclear - inclusive quaisquer derivados tecnológicos que obtenham as potências nuclearmente armadas mediante o desenvolvimento de artefatos nucleares explosivos - devem ser postos, para fins pacíficos, à disposição de todas as Partes do Tratado, sejam elas Estados nuclearmente armados ou não;
Convencidos de que, na promoção deste princípio, todas as Partes têm o direito de participar no intercâmbio mais amplo possível de informações científicas e de contribuir, isoladamente ou em cooperação com outros Estados, para o desenvolvimento crescente das aplicações da energia nuclear para fins pacíficos;
Declarando seu propósito de conseguir, no menor prazo possível, a cessação da corrida armamentista nuclear e de adotar medidas eficazes tendentes ao desarmamento nuclear;
Instando a cooperação de todos os Estados para a consecução desse objetivo;
Recordando a determinação expressa pelas Partes no preâmbulo do Tratado de 1963, que proíbe testes com armas nucleares na atmosfera, no espaço cósmico e sob a água, de procurar obter a cessação definitiva de todos os testes de armas nucleares e de prosseguir negociações com esse objetivo;
Desejando promover a diminuição da tensão internacional e o fortalecimento da confiança entre os Estados, de modo a facilitar a cessação da fabricação de armas nucleares, a liquidação de todos seus estoques existentes e a eliminação dos arsenais nacionais de armas nucleares e
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dos meios de seu lançamento, consoante um Tratado de Desarmamento Geral e Completo, sob eficaz e estrito controle internacional;
Recordando que, de acordo com a Carta das Nações Unidas, os Estados devem abster-se, em suas relações internacionais, da ameaça ou do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou agir de qualquer outra maneira contrária aos Propósitos das Nações Unidas, e que o estabelecimento e a manutenção da paz e segurança internacionais devem ser promovidos com o menor desvio possível dos recursos humanos e econômicos mundiais para armamentos.
Convieram no seguinte:
Artigo I
Cada Estado nuclearmente armado, Parte deste Tratado, compromete-se a não transferir, para qualquer recipiendário, armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, assim como o controle, direto ou indireto, sobre tais armas ou artefatos explosivos e, sob forma alguma assistir, encorajar ou induzir qualquer Estado não-nuclearmente armado a fabricar, ou por outros meios adquirir armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, ou obter controle sobre tais armas ou artefatos explosivos nucleares.
Artigo II
Cada Estado não-nuclearmente armado, Parte deste Tratado, compromete-se a não receber a transferência, de qualquer fornecedor, de armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, ou o controle, direto ou indireto, sobre tais armas ou artefatos explosivos; a não fabricar, ou por outros meios adquirir armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, e a não procurar ou receber qualquer assistência para a fabricação de armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares.
Artigo III
1. Cada Estado não-nuclearmente armado, Parte deste Tratado, compromete-se a aceitar salvaguardas - conforme estabelecidas em um acordo a ser negociado e celebrado com a Agência Internacional de Energia Atômica, de acordo com o Estatuto da Agência Internacional de Energia Atômica e com o sistema de salvaguardas da Agência - com a finalidade exclusiva de verificação do cumprimento das obrigações assumidas sob o presente Tratado, e com vistas a impedir que a energia nuclear destinada a fins pacíficos venha a ser desviada para armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares. Os métodos de salvaguardas previstos neste Artigo serão aplicados em relação aos materiais fonte ou físseis especiais, tanto na fase de sua produção, quanto nas de processamento ou utilização, em qualquer instalação nuclear principal ou fora de tais instalações. As salvaguardas previstas neste Artigo serão aplicadas a todos os materiais fonte ou físseis especiais usados em todas as atividades nucleares pacíficas que tenham lugar no território de tal Estado, sob sua jurisdição, ou aquelas levadas a efeito sob seu controle, em qualquer outro local.
2. Cada Estado, Parte deste Tratado, compromete-se a não fornecer:
a) material fonte ou físsil especial, ou
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b) equipamento ou material especialmente destinado ou preparado para o processamento, utilização ou produção de material físsil especial para qualquer Estado não-nuclearmente armado, para fins pacíficos, exceto quando o material fonte ou físsil especial esteja sujeito às salvaguardas previstas neste Artigo.
3. As salvaguardas exigidas por este Artigo serão implementadas de modo que se cumpra o disposto no Artigo IV deste Tratado e se evite entravar o desenvolvimento econômico e tecnológico das Partes ou a cooperação internacional no campo das atividades nucleares pacíficas, inclusive no tocante ao intercâmbio internacional de material nuclear e de equipamentos para o processamento, utilização ou produção de material nuclear para fins pacíficos, de conformidade com o disposto neste Artigo e com o princípio de salvaguardas enunciado no Preâmbulo deste Tratado.
4. Cada Estado não-nuclearmente armado, Parte deste Tratado, deverá celebrar - isoladamente ou juntamente com outros Estados - acordos com a Agência Internacional de Energia Atômica, com a finalidade de cumprir o disposto neste Artigo, de conformidade com o Estatuto da Agência Internacional de Energia Atômica. A negociação de tais acordos deverá começar dentro de 180 (cento e oitenta) dias a partir do começo da vigência do Tratado. Para os Estados que depositarem seus instrumentos de ratificação ou de adesão após esse período de 180 (cento e oitenta) dias, a negociação de tais acordos deverá começar em data não posterior à do depósito daqueles instrumentos. Tais acordos entrarão em vigor em data não posterior a 18 (dezoito) meses depois da data do início das negociações.
Artigo IV
1. Nenhuma disposição deste Tratado será interpretada como afetando o direito inalienável de todas as Partes do Tratado de desenvolverem a pesquisa, a produção e a utilização da energia nuclear para fins pacíficos, sem discriminação, e de conformidade com os Artigos I e II deste Tratado.
2. Todas as Partes deste Tratado comprometem-se a facilitar o mais amplo intercâmbio possível de equipamento, materiais e informação científica e tecnológica sobre a utilização pacífica da energia nuclear e dele têm o direito de participar. As Partes do Tratado em condições de o fazerem deverão também cooperar - isoladamente ou juntamente com outros Estados ou Organizações Internacionais - com vistas a contribuir para o desenvolvimento crescente das aplicações da energia nuclear para fins pacíficos, especialmente nos territórios dos Estados não-nuclearmente armados, Partes do Tratado, com a devida consideração pelas necessidades das regiões do mundo em desenvolvimento.
Artigo V
Cada Parte deste Tratado compromete-se a tomar as medidas apropriadas para assegurar que, de acordo com este Tratado, sob observação internacional apropriada, e por meio de procedimentos internacionais apropriados, os benefícios potenciais de quaisquer aplicações pacíficas de explosões nucleares serão tornados acessíveis aos Estados não-nuclearmente armados, Partes deste Tratado, em uma base não discriminatória, e que o custo para essas Partes, dos explosivos nucleares empregados, será tão baixo quanto possível, com exclusão de qualquer custo de pesquisa e desenvolvimento. Os Estados não-nuclearmente armados, Partes deste Tratado, poderão obter tais benefícios mediante acordo ou acordos internacionais especiais, por meio de um organismo internacional apropriado no qual os Estados não-
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nuclearmente armados terão representação adequada. As negociações sobre esse assunto começarão logo que possível, após a entrada em vigor deste Tratado. Os Estados não-nuclearmente armados, Partes deste Tratado, que assim o desejem, poderão também obter tais benefícios em decorrência de acordos bilaterais.
Artigo VI
Cada Parte deste Tratado compromete-se a entabular, de boa fé, negociações sobre medidas efetivas para a cessação em data próxima da corrida armamentista nuclear e para o desarmamento nuclear, e sobre um Tratado de desarmamento geral e completo, sob estrito e eficaz controle internacional.
Artigo VII
Nenhuma cláusula deste Tratado afeta o direito de qualquer grupo de Estados de concluir tratados regionais para assegurar a ausência total de armas nucleares em seus respectivos territórios.
Artigo VIII
1. Qualquer Parte deste Tratado poderá propor emendas ao mesmo. O texto de qualquer emenda proposta deverá ser submetido aos Governos depositários, que o circulará entre todas as Partes do Tratado. Em seguida, se solicitados a fazê-lo por um terço ou mais das Partes, os Governos depositários convocarão uma Conferência, à qual convidarão todas as Partes, para considerar tal emenda.
2. Qualquer emenda a este Tratado deverá ser aprovada pela maioria dos votos de todas as Partes do Tratado, incluindo os votos de todos os Estados nuclearmente armados Partes do Tratado e os votos de todas as outras Partes que, na data em que a emenda foi circulada, sejam membros da Junta de Governadores da Agência Internacional de Energia Atômica. A emenda entrará em vigor para cada Parte que depositar seu instrumento de ratificação da emenda após o depósito dos instrumentos de ratificação por uma maioria de todas as Partes, incluindo os instrumentos de ratificação de todos os Estados nuclearmente armados Partes do Tratado e os instrumentos de ratificação de todas as outras Partes que, na data em que a emenda foi circulada, sejam membros da Junta de Governadores da Agência Internacional de Energia Atômica. A partir de então, a emenda entrará em vigor para qualquer outra Parte quando do depósito de seu instrumento de ratificação da emenda.
3. Cinco anos após a entrada em vigor deste Tratado, uma Conferência das Partes será realizada em Genebra, Suíça, para avaliar a implementação do Tratado, com vistas a assegurar que os propósitos do Preâmbulo e os dispositivos do Tratado estejam sendo executados. A partir desta data, em intervalos de 5 (cinco) anos, a maioria das Partes do Tratado poderá obter - submetendo uma proposta com essa finalidade aos Governos depositários - a convocação de outras Conferências com o mesmo objetivo de avaliar a implementação do Tratado.
Artigo IX
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1. Este Tratado estará aberto a assinatura de todos os Estados. Qualquer Estado que não assine o Tratado antes de sua entrada em vigor, de acordo com o parágrafo 3 deste Artigo, poderá a ele aderir a qualquer momento.
2. Este Tratado estará sujeito à ratificação pelos Estados signatários. Os instrumentos de ratificação e os instrumentos de adesão serão depositados junto aos Governos do Reino Unido, dos Estados Unidos da América e da União Soviética, que são aqui designados Governos depositários.
3. Este Tratado entrará em vigor após sua ratificação pelos Estados cujos Governos são designados depositários, e por 40 (quarenta) outros Estados signatários deste Tratado e após o depósito de seus instrumentos de ratificação. Para fins deste Tratado, um Estado nuclearmente armado é aquele que tiver fabricado ou explodido uma arma nuclear ou outro artefato explosivo nuclear antes de 1 º de janeiro de 1967.
4. Para os Estados cujos instrumentos de ratificação ou adesão sejam depositados após a entrada em vigor deste Tratado, o mesmo entrará em vigor na data do depósito de seus instrumentos de ratificação ou adesão.
5. Os Governos depositários informarão prontamente a todos os Estados que tenham assinado ou aderido ao Tratado, a data de cada assinatura, a data do depósito de cada instrumento de ratificação ou adesão, a data de entrada em vigor deste Tratado, a data de recebimento de quaisquer pedidos de convocação de uma Conferência ou outras notificações.
6. Este Tratado será registrado pelos Governos depositários, de acordo com o Artigo 102 da Carta das Nações Unidas.
Artigo X
1. Cada Parte tem, no exercício de sua soberania nacional, o direito de denunciar o Tratado se decidir que acontecimentos extraordinários, relacionados com o assunto deste Tratado, põem em risco os interesses supremos do país. Deverá notificar essa denúncia a todas as demais Partes do Tratado e ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, com 3 (três) meses de antecedência. Essa notificação deverá incluir uma declaração sobre os acontecimentos extraordinários que a seu juízo ameaçaram seus interesses supremos.
2. Vinte e cinco anos após a entrada em vigor do Tratado, reunir-se-á uma Conferência para decidir se o Tratado continuará em vigor indefinidamente, ou se será estendido por um ou mais períodos adicionais fixos. Essa decisão será tomada pela maioria das Partes no Tratado.
Artigo XI
Este Tratado - cujos textos em inglês, russo, francês, espanhol e chinês são igualmente autênticos - deverá ser depositado nos arquivos dos Governos depositários. Cópias devidamente autenticadas do presente Tratado serão transmitidas pelos Governos depositários aos Governos dos Estados que o assinem ou a ele adiram.