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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNIBH LEONARDO HENRIQUE DE SOUSA CAPANEMA REGIME INTERNACIONAL DE DESENVOLVIMENTO E TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA NUCLEAR BELO HORIZONTE 2008

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNIBH

LEONARDO HENRIQUE DE SOUSA CAPANEMA

REGIME INTERNACIONAL DE DESENVOLVIMENTO

E TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA NUCLEAR

BELO HORIZONTE

2008

1

LEONARDO HENRIQUE DE SOUSA CAPANEMA

REGIME INTERNACIONAL DE DESENVOLVIMENTO

E TRANSFÊNCIA DE TECNOLOGIA NUCLEAR

Monografia apresentada ao

Centro Universitário de Belo Horizonte-UNIBH como requisito parcial para obtenção de titulo de bacharel em Relações Internacionais

Orientadora: Geraldine Rosas

BELO HORIZONTE

2008

2

LEONARDO HENRIQUE DE SOUSA CAPANEMA

REGIME INTERNACIONAL DE DESENVOLVIMENTO

E TRANSFÊNCIA DE TECNOLOGIA NUCLEAR

Monografia apresentada ao

Centro Universitário de Belo Horizonte-UNIBH como requisito parcial para obtenção de titulo de bacharel em Relações Internacionais Orientadora: Geraldine Rosas

Monografia defendida e aprovada em: ____ de______________de 2008.

Banca examinadora:

________________________________________________________________

Prof. Rafael Oliveira Avila

________________________________________________________________

Profa. Sylvia Ferreira Marques

3

Dedico a meu pai, modelo de dedicação e esforço. A minha mãe pelo

seu carinho e empenho. Aos meus irmãos, pelo apoio. Aos meus

familiares e amigos pela inspiração de vida.

4

Agradeço a minha orientadora, incentivadora de minha busca por

conhecimento, pelos sábios conselhos em nossa convivência os quais

me permitiram a realização desse trabalho. Ao meu pai e meu irmão

pelos debates e correções que permitiram o melhor desenvolvimento

de minhas idéias.

5

RESUMO

O controle da tecnologia nuclear é um tema recorrente e polêmico nas Relações Internacionais

por apresentar duas forças distintas e até certo ponto contrárias, a militar e a econômica. A

militar explosiva é terminantemente proibida pelo ordenamento jurídico internacional, mas

isso não impede que tais leis sejam contestadas na prática e na teoria. A econômica, por sua

vez, é incentivada, e movimenta um mercado de bilhões de dólares de modo a gerar um ramo

econômico extremamente concorrido, ainda mais em um cenário de escassez energética. Além

dos problemas de se distinguir exatamente o que são tecnologias atômica e nuclear explosiva,

o regime internacional ainda tem que lidar com uma série de contradições internas e externas

que geram desigualdade e, com isso, a manutenção do status quo internacional. A eficiência

dos regimes, então, é diminuída por uma série de fatores legais, estruturais e teóricos que

evidenciam as principais discussões presentes nas contendas nucleares, hoje presentes no

mundo.

Palavras-chave: Tecnologia. Atômica. Nuclear. Regime.

6

ABSTRACT

The control of nuclear technologies is a polemical and recurrent subject in International

Relations, presenting two distinct forces, and, until certain point, contradictory: military and

economic. The atomic and nuclear explosives militaries technologies are totally forbidden by

the international juridical order, but this doesn’t obstruct the theoretical and practical contest

of such laws. The economical one, by her turn, is stimulated, and moves a billion dollars

market, creating an extremely competitive economic field, especially in a background of

energy scarcity. Besides the problem of distinguish what are atomic and nuclear explosives

militaries technologies, the international regimes have to work with internal and external

contradictions, which generates disproportions and, by that, the maintenance of international

status quo. The efficiency of regimes, in that case, is reduced by a series of legal, structural

and theoretic factors, which evince the prior discussions of the actual atomic and nuclear

disputes, around the world.

Key-words: Technology. Atomic. Nuclear. Regimes.

7

LISTA DE SIGLAS

AIEA - Agência Internacional de Energia Atômica

AINDA - Agência Internacional de Desenvolvimento Atômico

CS - Conselho de Segurança das Nações Unidas

EUA - Estados Unidos da América

TNP - Tratado de Não Proliferação Nuclear

ONU - Organização das Nações Unidas

SALT - Strategic Armaments Limitation Talks

START - Strategic Armaments Reduction Talks

UNSCOM - United Nations Special Commission

URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

8

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 09

2 A FORMAÇÃO DO SISTEMA INTERNACIONAL DE CONTROLE DE

TECNOLOGIA NUCLEAR...................................................................................................... 13

2.1 A contextualização histórica da tecnologia nuclear............................................................ 13

2.2 O Conselho de Segurança das Nações Unidas: Atribuições e principais resoluções.......... 23

2.3 A Agência Internacional de Energia Atômica e seu estatuto.............................................. 26

2.4 O Tratado de Não Proliferação Nuclear e suas funções...................................................... 29

3 TEORIA DE REGIMES......................................................................................................... 31

3.1 Regimes em matéria de segurança...................................................................................... 43

3.2 Regime de não proliferação nuclear.................................................................................... 45

4 LIMITES DO SISTEMA INTERNACIONAL DE CONTROLE NUCLEAR..................... 48

4.1Conseqüências do regime na economia nuclear................................................................... 48

4.2 Casos práticos do regime nuclear........................................................................................ 53

4.2.1 Coréia do Norte: A bomba como poder de barganha....................................................... 54

4.2.2 Irã: O grande vilão nuclear?............................................................................................. 57

4.2.3 Índia e Paquistão: A contestação e suas conseqüências................................................... 62

4.3 Problemas legais e estruturais do regime nuclear................................................................ 66

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................. 77

REFERÊNCIAS........................................................................................................................ 79

ANEXOS................................................................................................................................... 84

9

1 INTRODUÇÃO

As bombas atômica e nuclear foram, sem dúvida, umas das invenções do século

XX que causaram maior espanto ao homem, modificando, para sempre, a forma pela qual

seriam visto o ramo nuclear, marcados pelo medo de seu potencial destrutivo.1 Essa

tecnologia, no entanto, com o passar do tempo, demonstrar-se-ia útil ao desenvolvimento

humano, sendo utilizada tanto para fins militares (construção de explosivos, submarinos,

munições eficientes etc.), quanto para fins econômicos, criando um mercado que movimenta

bilhões de dólares.2

Dentre os usos dessa área da ciência, se destaca a geração de energia elétrica3, o

que, como se sabe, é vital para qualquer país moderno, pois o abastecimento energético é

setor base da economia, movimentando os demais.

Na agricultura, a tecnologia nuclear é empregada para o controle de pragas e na

conservação de alimentos. Na área de saúde, ela é utilizada tanto para o diagnóstico de

doenças, como para o tratamento.

Na indústria, o ramo nuclear auxilia diretamente a fabricação de alguns produtos,

e indiretamente o melhoramento de matérias primas. Na conservação do Meio Ambiente, essa

ciência é aplicada ao processo de limpeza de resíduos na água ou no ar.

Tal tecnologia, no entanto, é limitada, pois o acesso às pesquisas, às matérias-

primas, e aos produtos, é restringido, não só por um temor de seu uso para a fabricação de

armas, mas, também, por toda uma estrutura política, criada por tratados e instituições, que,

sobre o pretexto de regulamentar a tecnologia nuclear, supostamente acabam também

servindo à manutenção desse tipo de tecnologia restrito a um grupo de países. 1 Há na doutrina, atualmente, muita confusão acerca da utilização dos termos “atômico” e “nuclear”. O presente trabalho irá utilizar a terminologia mais aceita, mencionando o termo nuclear quando estiver tratando do ramo da ciência que estuda a radioatividade dos núcleos atômicos e quando estiver se tratando de explosivos que utilizam o processo de fusão nuclear. O termo atômico, por sua vez, será utilizado quando se tratar de explosivos que utilizam o processo de fissão nuclear e na geração de energia elétrica, já que nesse processo também se utiliza a fissão nuclear. 2 Segundo a consultoria internacional CERA, em matéria publicada no jornal Valor Econômico, somando-se a capacidade de gerar energia elétrica nuclear de 31 países pesquisados, tem-se 16% da energia consumida no mundo, movimentando um mercado entre U$100 bilhões e U$125 bilhões anuais. Ainda segundo a mesma matéria a empresa francesa Areva, maior distribuidora de energia nuclear no mundo, teve um faturamento no ano de 2004 de U$ 8,2 bilhões. 3 O ciclo para a obtenção de energia atômica começa com a extração de minerais pesados do solo, geralmente o urânio. Logo após o material é beneficiado para ser separado de outros minerais, formado o chamado yellow cake, que, então, é convertido ao estado gasoso. Nessa etapa há o enriquecimento do urânio até o montante desejado. A seguir o urânio é convertido em pó e compactado em pastilhas. Depois dessas etapas as pastilhas são colocadas em hastes de ferro onde haverá um processo de fissão nuclear, gerando calor e, por conseqüência, vapor, que move uma turbina e gera a energia, como descrito por CAVALCANTE (2007).

10

Por meio de tal controle político, é até possível a comercialização de produtos,

mas, somente após uma rígida inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica -

AIEA, e, em última instância, do Conselho de Segurança das Nações Unidas - CS. Além

disso, existe um Tratado de Não Proliferação Nuclear - TNP, em que os países não

possuidores dessa tecnologia são obrigados, abrindo mão de parte de sua soberania, a não se

igualarem aos que a possuem, em termos de armas atômicas e nucleares, sujeitando-se às

inspeções da AIEA. Lado outro, os países que dominam a ciência nuclear, que, teoricamente

pelo TNP, deveriam facilitar o acesso à tecnologia, a fim de estimular os demais países a

entrarem no acordo, o fazem através da AIEA de maneira módica e singela.

Dessa forma o presente trabalho irá analisar o regime de transferência de

tecnologia nuclear observando principalmente os momentos em que, de fato ou supostamente,

o desenvolvimento dessa ciência foi impulsionado ou desestimulado por fatores sistêmicos.

Nesse sentido, pretende-se observar como a questão é tratada no âmbito internacional, e como

se teria criado todo um sistema coercitivo de instituições, leis e tratados que legitimem a

manutenção do monopólio da tecnologia nuclear para um pequeno grupo de países.

Deve-se salientar aqui, que não se defende ingenuamente que a ciência nuclear

não possa gerar graves problemas de segurança e calamidades para a humanidade, se mal

aplicada. O que se quer demonstrar nesse trabalho são os mecanismos políticos, legais e

institucionais mais sutis, embutidos e disfarçados com ideais humanitários, para que sejam

aceitos como naturais, ao invés de dinâmicas de dominação.

Dessa maneira, especificamente, o trabalho pretende abordar o tema através do

papel da Agência Internacional de Energia Atômica e do Conselho de Segurança das Nações

Unidas, enquanto órgãos mantenedores da paz, ou, hipoteticamente de um status quo, assim

como as finalidades formal e real do Tratado de Proliferação Nuclear, dentro de uma

perspectiva de controle do desenvolvimento dessa ciência.

O tema proposto, qual seja, a transferência e restrições internacionais de

tecnologia dentro do regime nuclear, é uma discussão relevante e necessária, porque reflete

toda uma gama de problemas internacionais vivenciados pelo mundo contemporâneo.4 O

objetivo do trabalho, dessa forma, é demonstrar que certas inconsistências das leis e do

regime internacional de controle de armas nucleares como um todo, acabam por gerar alguns

4 A questão dos programas nucleares iraniano e israelense é um exemplo de que, por falta de uma regulamentação mais consistente, o sistema internacional pode gerar respostas diferentes para um mesmo problema. Ou ainda, o fato de que algumas empresas do ramo energético nuclear agora pagam seguro inspeção, uma espécie de seguro para o caso da AIEA impedir ou atrasar obras para realizar inspeções.

11

dos problemas internacionais hoje vivenciados, como a fixação do status quo favorável a

alguns países, não permitindo o crescimento de países menores, ou com entraves informais ao

desenvolvimento de energia elétrica.

O uso de explosivos atômicos e nucleares, atualmente, faz parte do jogo da

coerção internacional, sendo utilizado nas simulações de combate tanto em coordenação com

as armas convencionais, até porque atualmente é possível ter maior controle dos níveis de

radiação e luz, por exemplo, e como último recurso, fazendo parte do processo de dissuasão.5

Além disso, há, ainda, alguns países que tem a idéia de montar pequenos arsenais, segundo

eles, apenas o suficiente para desestimular seus inimigos de invadir seus países.

Esse jogo de poderes tem ganhado mais uma faceta, como bem explicado por

CAVALCANTE (2007): a inevitável troca da matriz energética mundial, que hoje tem uma

grande concentração na queima de carvão e combustíveis fósseis, recursos poluentes, caros e

que tem sofrido escassez.

É exatamente nesse ponto que o presente trabalho, analisando toda essas

discussões já conhecidas nas Relações Internacionais, de mecanismos de manutenção do

controle político e de utilização de artefatos atômicos e nucleares, vem discutir o delicado

tema do regime de tecnologia nuclear, e sua efetividade, como um todo, abarcando temas de

segurança e econômicos

A questão a ser discutida passa, então, por pontos vitais para as Relações

Internacionais, como a soberania de cada país de desenvolver e escolher seu próprio programa

de energia elétrica, as dinâmicas de dominação e a manutenção da paz.

O primeiro capítulo deste trabalho irá demonstrar um breve panorama sobre a

formação do sistema internacional regulatório da ciência nuclear, os principais planos de

ação, os fracassos e os avanços na difícil negociação nuclear. Conterá, ainda, uma descrição

das principais instituições relevantes sobre esse tema, o Conselho de Segurança das Nações

Unidas, a AIEA e o Tratado de Não Proliferação Nuclear.

O segundo capítulo trará a abordagem teórica da transferência de tecnologia

nuclear através da Teoria dos Regimes Internacionais. O capítulo demonstrará as premissas e

bases dessa teoria, assim como uma descrição dos regimes em matéria de segurança e na

questão nuclear propriamente dita.

O terceiro capítulo analisará os principais problemas do regime internacional

nuclear, seus aspectos econômicos e a dificuldade de diferenciar tecnologias civis de

5 Dissuasão é uma política que visa inibir outro Estado de usar certos meios e/ou de adotar comportamentos.

12

militares. Tratará, igualmente, das limitações, contradições e incompatibilidades das leis

existentes sobre a ciência atômica nos casos práticos de Coréia do Norte, Irã, Índia e

Paquistão.

13

2 A FORMAÇÃO DO SISTEMA INTERNACIONAL DE CONTROLE D E

TECNOLOGIA NUCLEAR

2.1 A contextualização histórica da tecnologia nuclear

Após a detonação de duas bombas atômicas, em Hiroshima e Nagasaki6, a

supervisão e o controle internacional da tecnologia nuclear passaram a ser questões centrais

para os países. Em novembro de 1945, portanto, apenas três meses após os ataques às cidades

japonesas, já se pensava sobre a necessidade de um sistema de controle. Assim, Clement

Attlee, primeiro ministro da Grã-Betanha, Harry Truman presidente dos EUA, e William

Mackenzie, primeiro ministro do Canadá, propuseram conjuntamente que as recém criadas

Nações Unidas organizassem uma comissão responsável por regulamentar o uso da energia

atômica, a troca de informações científicas, a criação de salvaguardas que garantissem o uso

pacífico, e a eliminação das armas atômicas, como bem descrito na cronologia de WIGHT

(1985).

Por outro lado, os soviéticos, que na ocasião ainda não tinham sua bomba,

admitiam a criação de uma comissão de energia atômica, mas se recusavam a permitir

inspeções em seu território, sob a alegação de espionagem. A primeira iniciativa concreta de

criação de uma agência internacional de controle se daria com o Plano Baruch de 1946. Trata-

se de um plano de controle baseado em três estudos realizados por cientistas estadunidenses,

dos quais, segundo RODRIGUES (2006), duas conclusões surgiram ao final: primeiro, que a

posse dos armamentos atômicos daria sempre vantagem ao agressor e, segundo, que não

existia qualquer defesa plenamente eficiente contra esse tipo de armamento. Assim, para os

estadunidenses a proliferação desse tipo de arsenal poderia criar sérios problemas à defesa do

país, conforme analisado por WIGHT (1985).

Por esse plano, seria criada uma Agência Internacional de Desenvolvimento

Atômico - AINDA, responsável por interromper todas as atividades nucleares de potencial

uso militar, tendo o poder de licenciar, controlar e inspecionar todas as outras atividades

através do controle de todos os meios de produção. Assim, é interessante que, de acordo com

6 Após alguns testes, os EUA, ao final da 2ª Guerra Mundial, lançaram duas bombas atômicas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki com três intuitos: Testar a bomba em uma guerra real, forçar os japoneses a se renderem incondicionalmente e evitar que a URSS entrasse na guerra no pacífico, como dito por HOBSBAWM (1996).

14

o plano, a agência deveria ter propriedade ou alugar todas as reservas de urânio e outros

minerais vitais para o setor (o que, à época, se achava tratar se de umas tantas em poucos

países). Tal agência teria a capacidade de impor sanções e a imunidade ao veto do Conselho

de Segurança das Nações Unidas - CS e, a ela seriam entregues todos os armamentos

atômicos estadunidenses, não sendo nenhum mais construído.

O plano Baruch claramente não deu certo, porque as superpotências não chegaram

a uma base mínima de acordos que permitissem sua implementação, vez que os EUA

alegavam que só entregariam seu arsenal atômico quando a agência estivesse completamente

formalizada e operante, e a URSS se opunha fortemente à perda do poder de veto, às

inspeções e à posse dos materiais nucleares pela agência internacional. Havia, ainda, segundo

WIGHT (1985), um problema estrutural já que a capacidade de impor sanções da AINDA

entrava diretamente em choque com a construção organizacional da ONU, que somente

permitia ao Conselho de Segurança impor esse tipo de sanção.

A União Soviética tinha seus motivos para rejeitar as inspeções, pois, já em 1949,

testaria sua primeira bomba atômica e, em 1953, sua primeira bomba nuclear de hidrogênio,

se equiparando aos americanos, que em 1952, já haviam criado a bomba nuclear. Além disso,

também se juntaram ao clube nuclear, a Grã-Bretanha (1952), a França (1960) e China (1964),

o que tornou ainda mais complexa a situação conforme é descrito por BONIFACE (2005).

O plano Baruch, dessa forma, se tornava algo cada vez mais distante da realidade,

apesar da Comissão sobre Armamentos Convencionais das Nações Unidas, em 1948,

equiparar os armamentos atômicos às armas químicas e biológicas, já proibidas na Convenção

de Genebra de 1925.

A política dos EUA tinha, então, sérias preocupações com os danos para a nação

se houvesse uma expansão atômica/nuclear em um número maior de países, sem qualquer

controle internacional, embora a força aérea americana afirmasse ser, ainda, capaz de destruir

a capacidade atômica/nuclear soviética.

Os analistas nos EUA, porém, previam que a energia atômica estaria se tornando

mais barata a cada dia, e, por isso, haveria uma expansão do mercado consumidor em outras

nações. Exportando, portanto, seus produtos, sob certas restrições, firmando e inspecionando

por conta própria os acordos bi-laterais, os EUA adquiririam vantagens industriais e boa

vontade política, como descrito por WIGHT (1985). Tais premissas foram demonstradas, pela

15

primeira vez, no discurso às Nações Unidas do presidente Eisenhower, em 1953, na ocasião

do lançamento do programa Átomos pela Paz.7

Com tal plano, apoiado pelas nações menos desenvolvidas, é que começaria a se

desenhar a atual Agência Internacional de Energia Atômica - AIEA, estabelecida em Viena,

Áustria, com seu estatuto negociado entre 1954 e 1956. Dessa maneira, os EUA começaram

uma série de acordos bilaterais, treinando cientistas e fornecendo reatores de treinamento,

com uma série de salvaguardas, visando à utilização pacífica, ficando, agora, a cargo da AIEA

a inspeção de tais acordos. A URSS, como resposta, utilizou a mesma idéia com os países de

seu bloco, exportando tecnologia pacífica, e, ao mesmo tempo, tentando um acordo com as

demais potências para a proibição de testes com bombas nucleares de hidrogênio.

Paralelamente, surgia, em 1957, a Comunidade Européia de Energia Atômica,

estimulando, ao mesmo tempo, o uso pacífico e o controle das usinas de produção de energia

de seis potências européias encabeçadas pela França8. Inicialmente, o objetivo da AIEA, seria

ter uma custódia cada vez maior de materiais físseis, o que segundo EFRON (1971) são os

materiais suscetíveis ao processo de fissão nuclear9. Porém, tal objetivo nunca foi

completamente implementado, sendo que os EUA, por exemplo, preferiam negociar acordos

bilaterais, relegando à AIEA apenas o papel de fiscalizadora dos tratados.

Mesmo com sérios problemas, o sistema de salvaguardas da AIEA começou a

funcionar, e, após alguns anos, a iniciativa teve alguns avanços, como a cessão à organização

de alguns reatores e a permissão, em 1967, da AIEA de inspecionar usinas estadunidenses e

britânicas, que não estivessem diretamente relacionadas com segurança nacional. Novos

problemas, no entanto, começaram a surgir com os países mais pobres, que viam suas

esperanças de uma maior transferência de tecnologia cada vez mais limitadas, perpetuando se

a desigualdade, e, além disso, esses países alegavam que a AIEA praticava espionagem

industrial. No mesmo sentido, o bloco socialista ainda tinha ressalvas a um controle

internacional, embora começasse a perceber algumas vantagens nisso. Assim, os serviços de

espionagem das grandes potências é que exerciam o papel de fiscal, principalmente após o

implemento da política de “céus abertos”, que consistia em fotografar através de satélites e de

7 O programa Átomos pela Paz, de iniciativa do governo dos EUA, tinha basicamente como meta a entrega de alguns reatores atômicos de baixa potência, apenas para fins científicos, em países mais pobres, em troca desses países aceitarem entrar no regime de controle de armas da AIEA. 8 Os integrantes da Comunidade Européia de Energia Atômica eram França, Alemanha, Bélgica, Itália, Luxemburgo e Holanda. 9 Os materiais físseis são usados tanto na produção de bombas atômicas, quanto nucleares, já que toda bomba nuclear utiliza uma pequena bomba atômica como ignição ao processo de fusão nuclear.

16

aviões o território estrangeiro, conforme descrito pelo jornal FOLHA DE SÃO PAULO

(2006)10, em matéria publicada sobre o assunto.

Dessa forma, embora o Plano Baruch tenha falhado em evitar a proliferação

atômica/nuclear, a maioria das potências que obtinham essa tecnologia, de alguma forma a

limitavam, como exemplo a proibição da instalação desse tipo de armamento na Antártica em

1959, ou a proibição parcial de testes atômicos e nucleares na atmosfera, espaço sideral e

regiões submarinas, em 1963, ou a proibição no espaço e corpos celestes em 196711. Ainda,

em 1967, os Estados latino-americanos com a exceção de Cuba, que só aderiu em 2002, e com

o apoio dos EUA e outros, assinaram o Tratado de Tlatelolco, criando a primeira zona livre de

armas atômicas e nucleares do mundo.

Em 1968, foi apresentada pelas duas superpotências, e, apoiada pela Grã-

Bretanha, uma proposta idêntica de Tratado de Não Proliferação Nuclear que, apesar de não

ratificado em um primeiro momento, nem pela França, nem pela China, entraria logo em

vigor, em 1970, sendo esse, até hoje, o instrumento legal mais forte a favor da não

disseminação de armamentos atômicos e nucleares. Começou-se a cogitar também, nesse

espírito de desarmamento, a restrição a tecnologia de mísseis, sob os quais os aparatos

explosivos poderiam ser entregues.

O Tratado de Não Proliferação Nuclear -TNP daria, então, um caráter legal ao que

já vinha sendo feito, em alguma medida, pela AIEA, e pelo condomínio nuclear (nome dado

aos poucos países detentores da tecnologia e de artefatos nucleares). Embora duas potências

nucleares ainda se recusassem a assinar o acordo, China e França, não havia contido nele algo

que as potências não aceitassem negociar diplomaticamente, caso a caso. Dessa maneira, a

posição francesa, por exemplo, era bastante ambígua, pois, ao mesmo tempo, se recusava a

assinar o tratado, e afirmava que iria agir de acordo com ele, conforme descrito por WIGHT

(1985).

Os interesses entre as grandes potências, dessa forma, passaram a convergir,

embora ainda apresentassem problemas de harmonização. Por outro lado, os países não

detentores da tecnologia nuclear, não se sentiam satisfeitos com o acordo, por uma série de

motivos, como problemas de segurança regionais, sanções fracas aos descumpridores das

10 ACOMPANHE a cronologia da corrida nuclear, herança da segunda guerra mundial. Folha online. 14 jun. 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u100920.shtml>. Acesso em: 26 maio. 2008. 11 Tais tratados ganharam, respectivamente, o nome de Tratado da Antártica (1959), Tratado sobre a Proscrição de Testes Nucleares na Atmosfera, Espaço e Regiões Submarinas(1963) e Tratado sobre os Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e no Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes (1967)

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normas internacionais ou, ainda, a opção dos cinco grandes, EUA, Grã-Bretanha, França,

URSS e China, de simplesmente vetar qualquer processo sério de discussão de extinção de

armas atômica e nucleares no âmbito das Nações Unidas.

Os sistemas de pressão e inspeção, então existentes, ainda precisariam de avanços

significativos. Dessa maneira, as inspeções por parte da AIEA ainda eram muito polêmicas. O

Japão, por exemplo, ao assinar o acordo em 1970, fez constar cláusula de que, se fosse dado a

algum país o direito de não ser inspecionado, ele se reservaria no mesmo direito, adotando

posição semelhante de alguns países que já tinham assinado o acordo, como a Alemanha

Ocidental.

As sanções e pressões eram bilateralmente discutidas entre as grandes potências e

os países sob sua influência direta, assim, variando caso a caso. Dessa forma, embora existisse

um senso comum de que as armas atômicas e nucleares devessem ser proibidas, havia um

sistema de garantias e salvaguardas pouco consistentes, que apresentassem sanções

harmonizadas, que impedissem a corrida armamentista e que tivessem critérios científicos

para discriminar programas nucleares, de uso civil, dos militares.

Em 1972, EUA e URSS assinaram um tratado anti-mísseis balísticos12 e o Tratado

Salt-1 -Strategic Armaments Limitation Talks visando reduzir as armas nucleares

estratégicas13. Em 1974, Richard Nixon, presidente dos EUA, e Leonidas Breznev, líder

soviético, acordaram um tratado que limitasse os testes subterrâneos, já que esse tipo de teste

não havia sido incluído nos tratados de 1963. Ainda em 1974, a Índia realizou testes com

fissão nuclear, o que comprovava que, apesar de todos os acordos e esforços de até então, a

proliferação de armas ainda continuava.

Em resposta aos testes nucleares indianos foi criada a Organização dos Supridores

Nucleares, com sede em Londres. Seria mais uma organização com o intuito de regular a

transferência de materiais atômicos e nucleares, que possam ser utilizados para a fabricação

de explosivos, assim como salvas-guardas, e, com isso, impedir o acesso da Índia à

tecnologia. É interessante, ainda, apontar que essa organização teve como membros

fundadores, as duas superpotências da época e seus aliados diretos, mais a França, que a

12 O Tratado Anti-Mísseis Balísticos, de 1972, reconhecia pela primeira vez que para se coibir a proliferação de armas nucleares era também necessário coibir os meios de entrega de artefatos nucleares, ou seja, as maneiras com as quais se poderia fazer um artefato explosivo atingir seu alvo, dentre as quais, está o uso de mísseis de longo alcance, coibido por esse tratado, segundo WIGHT (1985). 13 O acordo Salt-1 visava estimular as negociações sobre a redução do número de armas nucleares estratégicas, o que para DUNNIGAN (2003) em seu livro How to Make War, são as armas nucleares de maior poder de destruição em massa, entregues por advento de mísseis de longo alcance, nunca usadas na história. Dessa maneira, tais armas tem maior utilidade prática nos processos de deterência e compelência, do que propriamente para serem usadas, já que com o uso mútuo de tais armas certamente não haveria vencedores.

18

época, não era signatária do TNP. Um ano depois, 1976, houve uma nova onda de

negociações que culminaram em regulamentar as explosões e permitir a presença de

observadores dos demais países nos testes próprios como bem descrito por BAYLIS et al.

(2005).

Em 1979, cientistas estadunidenses detectaram explosões no Oceano Índico e as

suspeitas recaíram sobre Israel e África do Sul, mas nada foi confirmado. Atualmente,

segundo o jornal israelense Yediot Aharonot (2006, apud FOLHA DE SÃO PAULO, 2006)14,

documentos recém tornados públicos pelas agências de espionagem norte americana apontam

que os dois países teria feito testes nucleares em 1979, a África do Sul, no Oceano Índico, e

Israel, na plataforma oceânica da Antártica. No mesmo ano EUA e URSS assinam o acordo

Salt-2.15

Embora o TNP tivesse sérios problemas de implementação, pouco a pouco os

países mais relutantes foram aderindo ao tratado, a partir da década de 80, inclusive a França

e a China. Alguns países que desejavam resguardar o direito à opção atômica/nuclear

adeririam, paulatinamente, ao tratado, como Brasil, Argentina, Chile e Argélia, mas outros se

mantiveram a margem do acordo, por estarem em regiões mais tensas, como Israel, Índia,

Paquistão e África do Sul. No ano de 1983, o cientista israelense Mordechai Vanunu foi

condenado por seu país por revelar detalhes do programa nuclear israelense.

Dessa maneira, pouco a pouco, graças às mudanças de posição de algumas

potências, ao processo de redemocratização da América Latina e de outras nações, e às

mudanças sistêmicas, como o fim da Guerra Fria, o número de países signatários do TNP

aumentou até o número de 189, conforme relatado por WIGHT (1985).

Em 1991, na ocasião da Guerra do Golfo, houve uma clara contestação ao regime

de controle de armas, por parte do Iraque, que desenvolvia armas biológicas e químicas, e

tinha um programa atômico/nuclear em ascensão. Tais fatos foram respondidos pela

Resolução 687 do CS, que ordena a AIEA que suspenda a ajuda técnica ao Iraque, assim

como cria a UNSCOM16. Tal instituição teria como finalidade fiscalizar e destruir qualquer

material ou instalação referente à produção de armas proibidas, sendo tal missão

14 ISRAEL fez teste com bomba nuclear em 1979, diz jornal. Folha online. 19 maio. 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u96082.shtml>. Acesso em: 10 set. 2008. 15 O acordo Salt-2, a exemplo do acordo Salt-1, visava uma redução ainda maior das armas nucleares estratégicas, através da redução do número de mísseis intercontinentais a um número de 2.400 para cada lado. 16 UNSCOM, United Nations Special Commission, ou em português, Comissão Especial das Nações Unidas.

19

reconhecidamente cumprida em 1993, como descrito pelo jornal eletrônico UOL NOTICÌAS

(2006)17.

Durante 1991 e 1992, a URSS, depois sucedida pela Rússia, anunciou uma auto-

moratória de testes atômicos/nucleares, posição seguida por França, Reino Unido e EUA.

Além disso, foram assinados entre EUA e URSS, e depois pela Rússia, os acordos Start-1

(1991) (Strategic Armaments Reduction Talks) e Start 2 (1993)18, prevendo um redução

gradual dos arsenais nucleares dos dois países, até 2009. No mesmo ano, a África do Sul se

tornou o primeiro país a entregar todas as seis armas atômicas/nucleares de que dispunha, fato

confirmado pela AIEA em 1994. E, nesse mesmo ano, a Coréia do Norte assinou com os

EUA o primeiro compromisso de paralisação de seu programa nuclear, Como descrito na

cronologia de LAFER (1998).

De 1992 até 1994 Bielo-Rússia, Ucrânia e Cazaquistão também cederam seus

arsenais atômico/nucleares ou a AIEA, ou a Rússia, e também paulatinamente aderiram ao

TNP.

Em 1995, ano de revisão do TNP, o tratado teve seu tempo de vigência

prorrogado indefinidamente. Na mão oposta, porém, a França realizou testes submersos na

Polinésia Francesa, no Pacífico Sul, em setembro de 1995 e janeiro de 1996, o que gerou

protestos da comunidade internacional. A pressão pelo fim dos testes teve como conseqüência

a suspensão das explosões quatro meses antes do previsto e a assinatura, em 25 de março, por

França, Reino Unido e EUA do tratado de Rarotonga, proibindo a proliferação

atômica/nuclear no Pacífico Sul.

Em 11 de abril de 1996, 49 países da África, além de China, EUA, Reino Unido e

França, assinaram o Tratado de Pelindaba, que declara o continente africano como zona livre

de armas atômica/nucleares. Só não assinaram o documento Libéria, Somália, Madagascar e

Ilhas Seychelles. Em junho daquele ano, a China, curiosamente, realizou novos testes

atômico/nucleares e, logo após, anunciou uma auto-moratória.

Em setembro de 1996 foi posto para assinatura o histórico Tratado de Proibição

Total de Testes Nucleares, sendo assinado pelas cinco potências nuclearmente declaradas:

EUA, Grã-Bretanha, França, China e Rússia, e rejeitado por Paquistão, Israel e Índia.

17 PRINCIPAIS eventos desde a primeira proibição de testes nucleares, Uol ultimas notícias. Madri, 09 out. 2006. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2006/10/09/ult1808u76392.jhtm>. Acesso em: 26 maio. 2008. 18 O acordo Start 1 visava a redução dos armamentos nucleares estratégicos de EUA e URSS a 1/3, e o acordo Start 2 tinha como meta reduzir em dez anos 2/3 dos arsenais de mísseis intercontinentais e todas as bases de lançamento de mísseis de ogivas múltiplas.

20

Atualmente o tratado é assinado por 176 países, sendo que ainda falta a ratificação de 10

países para a sua entrada em vigor, entre os quais China e EUA.

O ano 1998, porém, marcou o fim do grande período de adesões ao TNP, e a

preocupação com a proliferação de armas atômica/nucleares volta a ser problema central

graças a testes realizados por Índia e logo em seguida pelo Paquistão. Assim, o mundo

nuclear, que se encontrava dividido até então entre os países que têm tecnologia e os que não

têm, adquiriu mais uma nova subcategoria, a dos países que possuem tecnologia nuclear e

estão fora do TNP como bem dito pelo jornal eletrônico UOL NOTÍCIAS (2006)19.

Em 2000, a conferência de revisão do TNP, segundo JESUS (2007), estipulou

quais os passos a serem seguidos, num prazo de 5 anos, para melhoramento do regime

nuclear, quais sejam: 1) a entrada em vigor do Tratado de Proibição Total de Testes

Nucleares; 2) a moratória dos testes atômicos/nucleares até a entrada em vigor deste tratado;

3) a negociação de um Tratado sobre Banimento da Produção de Materiais Físseis; 4) o

estabelecimento, na Conferência sobre Desarmamento, do corpo subsidiário para

desarmamento atômico/nuclear; 5) a aplicação do princípio da irreversibilidade às medidas de

desarmamento; 6) o empreendimento inequívoco de eliminação dos arsenais

atômico/nucleares; 7) a entrada em vigor do tratado START II, a assinatura de um tratado

START III e o fortalecimento do Tratado sobre Limitação de Sistemas Antimísseis Balísticos;

8) a Iniciativa Trilateral entre os EUA, a Rússia e a AIEA para proteção do material atômicos

e nucleares; 9) a tomada de medidas como reduções unilaterais, transparência sobre

capacidades e acordos, diminuição do status operacional de armas nucleares e de seu papel

nas políticas de segurança; 10) a submissão do excesso de material físsil à AIEA ou a outro

mecanismo de verificação internacional, e a disponibilização desse material para fins

pacíficos; 11) a reafirmação do objetivo de desarmamento completo sob controle

internacional; 12) a elaboração de relatórios regulares sobre a implementação das obrigações

contidas no TNP sobre desarmamento 13) o desenvolvimento de capacidades de verificação

dos acordos sobre desarmamento nuclear.

Em 2001, os EUA decidem abandonar o tratado de mísseis antibalísticos, para

desenvolver um escudo antimíssil, após o 11 de setembro. Como resposta, a Rússia

abandonou o Tratado Start 2, em 2002. Ainda no ano de 2002, o Conselho de Segurança das

Nações Unidas decidiu implementar uma série de inspeções no Iraque, a fim de averiguar

19 PRINCIPAIS eventos desde a primeira proibição de testes nucleares, Uol ultimas notícias. Madri, 09 out. 2006. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2006/10/09/ult1808u76392.jhtm>. Acesso em: 26 maio. 2008.

21

denúncias de que aquele país desenvolvia armas atômica/nucleares, apesar de não terem

encontrado nada nesse sentido.

Em 2003, após desentendimentos que culminaram na expulsão dos inspetores da

AIEA, a Coréia do Norte se torna o primeiro país a abandonar o Tratado de Não Proliferação

Nuclear. No mesmo ano, após uma série de pressões, o Irã se comprometeu a suspender o

processo de enriquecimento de urânio e, ainda, a Líbia anunciou o desmantelamento do seu

projeto de armas atômicas, se sujeitando às inspeções da AIEA.

Em 2004, Abdul Qadeer Khan, principal cientista do programa nuclear

paquistanês, admitiu ter vendido materiais para Líbia, Irã e Coréia do Norte. Nesse mesmo

ano, a AIEA se pronunciou requerendo que tanto a Coréia do Norte, quanto o Irã

desmantelassem seu programa atômico/nuclear. O ano de 2005 marcou o reconhecimento,

pela primeira vez, de que a Coréia do Norte possui armas atômica/nucleares, e também a

aprovação da Convenção Contra Atos de Terrorismo Nuclear20.

Em 2006, os EUA propuseram um acordo de cooperação com a Índia, permitindo

que o país tenha acesso à tecnologia nuclear estrangeira pela primeira vez desde 1974 quando

realizou testes atômicos, com a condição de que aceitasse a fiscalização de seu programa

nuclear a fim de evitar sua utilização militar. Ainda em 2006, a Coréia do Norte anunciou que

realizou testes atômico/nucleares subterrâneos, o que foi detectado por sismógrafos de

diversos países. No mesmo ano, a Grã-Bretanha anunciou que iria novamente investir na

manutenção seu programa atômico/nuclear militar, a fim de modernizar seu sistema de defesa,

que inclui mísseis disparados por submarinos, conforme informação obtida pelo jornal

eletrônico UOL NOTÍCIAS (2006)21.

Em 2007 e 2008, Irã e Coréia do Norte continuaram a ser os principais focos de

preocupação em termos de proliferação atômica/nuclear, sendo vigiados de perto tanto pelo

CS quanto pela AIEA, já que o Iraque, invadido pelos EUA, não mais integraria o “eixo do

mal”,22 até assinando o Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares.

20 A Convenção Contra Atos de Terrorismo Nuclear é um documento originalmente sugerido pela Rússia em 1998, e que ganhou força após os atentados de 11 de setembro em Nova Iorque. Tal documento define os atos que podem ser considerados terrorismo nuclear, assim como algumas medidas de extradição e confisco de materiais radioativos. O tratado visa combater principalmente o mercado negro de tecnologia nuclear e os atos de sabotagem a usinas, segundo JESUS (2007). 21 BROWN quer renovar arsenal nuclear britânico. Uol ultimas notícias. Londres, 21/06/2006. disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2006/06/21/ult1808u67320.jhtm> acesso em 26/05/2008. 22 O “eixo do mal” foi um construção feita pelos EUA de um grupo de países que representavam ameaça para o mundo segundo eles, integravam esse grupo Iraque, Irã e Cor

22

Atualmente, portanto, o regime de controle de armas atômica/nucleares tem como

suas principais fontes legais o TNP e o Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares, e,

como principais instituições reguladoras, a AIEA e o CS. No mundo atual, segundo

BONIFACE (2005), há 44 países que mantém programas atômicos/nucleares em

funcionamento, além de cinco zonas livres de armas atômica/nucleares, America Latina,

Sudeste Asiático, África, Pacífico Sul e Ásia Central e uma, em ainda árduo processo de

negociação, para esse fim, a zona do Oriente Médio.

Embora muito se tenha avançado desde 1945, o controle da tecnologia ainda

apresenta muitos desafios. O mundo nuclear, que antes girava em torno de uns poucos países,

hoje apresenta uma complexidade muito maior. Há países nuclearizados dentro e fora das

convenções internacionais, potências nucleares reconhecidas e outras sobre as quais apenas se

especula. Ainda, a questão é particularmente agravada pela manutenção de problemas

regionais de segurança, como no caso de Índia e Paquistão, ou Irã e Israel, e novos dilemas,

como a preocupação com a possibilidade de terrorismo nuclear, como bem relacionado por

DUNNIGAN (2003).

O TNP, embora aceito pela quase totalidade dos países, ainda sofre pesadas

críticas por sua incapacidade de promover um desarmamento total e completo, ainda

dividindo o mundo em potências nucleares e não nucleares. Dessa forma, o desarmamento,

que deveria ser uma questão discutida multilateralmente, fica submetido a iniciativas

unilaterais, que não têm qualquer forma de garantia mais duradoura. A evolução da tecnologia

nuclear representa um desafio às normas legais, porque não tratam claramente das tecnologias

atômica/nucleares militares não explosivas, e, no vácuo da Lei, há a insegurança jurídica. Por

outro lado, os inúmeros benefícios trazidos pelo uso civil da ciência nuclear, principalmente

em uma época de escassez de recursos energéticos, conforme descrito por SCARLATO et al.

(2002), demonstram a necessidade de que tal tecnologia esteja à disposição de todos os países,

o que atualmente é limitado pelo medo do desvio de uso para fins militares.

Assim, segundo TELLES (1978), dentro do contexto histórico da formação do

sistema de controle internacional nuclear, a proliferação dessa tecnologia se desenvolveu de

monopólio para um oligopólio entre uns poucos países mais desenvolvidos, e, em seguida,

para um grande grupo de nações, inclusive as mais pobres.

Em contrapartida, o regime de controle da tecnologia nuclear desenvolveu se aos

poucos. Inicialmente havendo uma total divergência entre os interesses dos países dominantes

da ciência nuclear, que não queriam abrir mão desse tipo de tecnologia. Em seguida, com a

sua proliferação para um número maior de países, as potências chegaram à conclusão de que

23

seria melhor negociar instrumentos de não proliferação, mesmo que isso significasse, ao

menos em teoria, uma redução da sua própria legitimidade para construir artefatos bélicos.

Dessa forma, apesar de serem tentativas esparsas e muitas vezes unilaterais de

controle de tecnologia, com o tempo, surgiram instituições específicas para tratar dessa

questão, como o CS e a AIEA, que são hoje as principais responsáveis por tentar manter o

mundo sem armas atômica/nucleares. Assim, a próxima sessão analisará o papel do Conselho

de Segurança das Nações Unidas, assim como suas resoluções acerca da questão nuclear.

2.2 O Conselho de Segurança das Nações Unidas: Atribuições e principais resoluções

A Organização das Nações Unidas reflete o mundo para o qual foi criada, sob os

escombros da 2ª Guerra Mundial, pois tem como seu propósito principal a manutenção da

paz. Com esse objetivo, essa instituição possui vários órgãos, dentre os quais, o Conselho de

Segurança, como bem dito por HERZ et al. (2004).

A Carta da ONU, em seu capítulo V, artigos 23 a 32, define a composição,

atribuições, votações e processos dentro do Conselho de Segurança.

A análise da composição do CS é importante, porque a partir dela pode se inferir

quais interesses estão devidamente representados no Conselho. Esse órgão é formado por 5

membros permanente e outros 10 membros rotatórios, eleitos pela Assembléia-Geral das

Nações Unidas, observadas as contribuições desses países para a manutenção da paz, e a

distribuição geográfica equitativa.23

As funções e atribuições do Conselho de Segurança são relevantes para a análise

da questão nuclear, porque definem quais as metas devam ser buscadas pela organização e

qual a sua legitimidade para agir. O CS tem, como principal função, ser o guardião dos

princípios da Carta da ONU e, dessa maneira, age em nome próprio e de todos os países

membros, devendo apresentar relatórios anuais à Assembléia-Geral para consideração.

O CS tem como função, segundo o artigo 26, formular planos para a política de

desarmamento, com a assistência da Comissão de Estado Maior, que serão apresentados aos

23 Os membros do Conselho de Segurança são EUA, Rússia, Grã-Bretanha, França e China, como permanentes, e África do Sul (2007-2008), Bélgica (2007-2008), Croácia (2008-2009), Burkina Faso (2008-2009), Indonésia (2007-2008), Itália (2007-2008), Panamá (2007-2008), Costa Rica (2008-2009), Líbia (2008-2009) e Vietnã (2008-2009), como rotatórios.

24

demais membros da ONU, que, pelo artigo 25, são obrigados a aceitarem e executarem as

decisões do Conselho de Segurança.

O processo de votação no Conselho de Segurança é de extrema importância,

porque é ele que estabelece quantos países devam se manifestar favoravelmente a uma

resolução para que ela seja aprovada. No processo de votação, primeiramente, é aberto um

espaço para que os 5 membros permanentes possam manifestar seu direito ao veto, caso isso

não ocorra, dá-se inicio à votação e cada país tem direito a um voto, sendo necessário para

aprovação o voto afirmativo de 9 membros, na maioria das questões.

O capítulo VI, da Carta, artigos 33 a 38, trata do sistema de solução pacífica de

controvérsias da ONU, o que é importante por definir quando e como o Conselho deve se

manifestar sobre uma disputa internacional. Tal capítulo enfatiza os meios de solução pacífica

aos meios bélicos, e ainda, no artigo 34, o direito do CS de investigar qualquer situação que

possa gerar atrito internacional.

O capítulo VII da Carta, artigos 39 a 51, trata das ameaças e a ruptura da paz e

atos de agressão. O artigo 39 dá exclusividade ao Conselho de Segurança para identificar as

ameaças à paz, assim como de adotar as medidas cabíveis para a sua reconstrução. Após as

negociações diplomáticas falharem, o artigo 42 da Carta fala sobre a adoção de todos os tipos

de ação efetiva militar, como bloqueios, intervenção etc. O artigo 50 ressalva que os países

prejudicados, por medidas preventivas ou coercitivas, que se sintam, por isso, prejudicados

em matéria de natureza econômica, terão direito a consultar o Conselho de Segurança a

respeito da solução de tais problemas. Tal capítulo é importante principalmente porque dá ao

CS à tarefa mais importante de toda a ONU, identificar o que deve ou não ser tido como

ameaça à paz, ou seja, onde a ONU deve, ou não, interferir.

O problema do desarmamento é um dos principais temas discutidos pela ONU,

estando presente tanto na 1ª resolução do Conselho de Segurança, quanto na 1ª resolução da

Assembléia Geral das Nações Unidas, quando se criou a Comissão de Energia Atômica, como

um órgão responsável por aconselhar o CS nas questões nucleares. Trata-se da primeira

instituição internacional responsável por tratar exclusivamente da questão nuclear

internacional, fruto das discussões sobre o Plano Baruch. As demais resoluções do CS que

tratam do assunto são as de n° 18, 20, 52, 74, 135, 255, 687, 825, 984, 1172, 1441,1540,

1673, 1696, 1718, 1737, 1747, 1803, 1810.24

24 SECURITY Council. Desenvolvido por: UN Website Section, 2007. Apresenta as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.un.org/documents/scres.htm>. Acesso em: 26 maio. 2008.

25

As resoluções editadas de 1947 até 1968 refletem a preocupação de que o

desarmamento é um dos principais objetivos das Nações Unidas e delega a Comissão de

Energia Atômica a tarefa de apresentar ao CS, um plano sobre o desarmamento e uso pacífico

da tecnologia nuclear, o que acabou por apresentar a idéia do sistema de salvaguardas hoje

utilizada. Além disso, essas resoluções pedem os melhores esforços para a cessão da corrida

armamentista, e, com essa intenção, pede a adesão dos países ao TNP, e garante a proteção do

CS aos países não nuclearmente armados.

De 1991 até 1995, o CS de segurança se manifestou, ordenando que o Iraque, na

época da Guerra do Golfo, se sujeitasse a ser inspecionado; se pronunciou, ainda,

repreendendo a Coréia do Norte pelo anúncio de sua retirada do TNP e se manifestou

favorável a prorrogação desse tratado, garantindo, mais uma vez, a proteção a qualquer

Estado não nuclearizado.

A resolução 1172, editada em 1998, foi uma resposta do CS aos testes

atômicos/nucleares realizados por Paquistão e Índia, exigindo que aqueles países não realizem

qualquer experiência, paralisem seus programas, se submetessem às inspeções, e que os

demais países não transferissem qualquer tecnologia nuclear, porém, essa pressão não foi

suficiente para que aqueles países assinassem o TNP.

Os pronunciamentos do CS de 2002 até 2006 se referem, basicamente, a novos

requerimentos de que o Iraque fosse inspecionado, a reafirmação dos princípios da não

proliferação, inclusive de meios de entrega e, por fim, cria um comitê para receber relatórios

sobre os programas nucleares de cada país.

Ainda em 2006, pelas resoluções 1696 e 1737, o CS se manifestou, com

preocupação, em relação aos relatórios apresentados pela AIEA sobre o programa nuclear

iraniano, que poderia estar se desviando para um aspecto militar. Dessa forma o CS exige que

o Irã apresente maiores esclarecimentos, interrompa todas as atividades de enriquecimento de

urânio, que aceite às demandas da AIEA e que os demais países não transfiram nem materiais

atômico/nucleares, nem meios de entrega, aquele país.

A resolução 1718, de 2006, por sua vez, condena os testes atômico/nucleares

realizados pela Coréia do Norte, assim como a saída efetiva daquele país do Tratado de Não

Proliferação Nuclear. Como sanção, o CS declarou ainda um embargo aquele país de qualquer

material passível de fissão nuclear, suporte científico, armamentos convencionais e recursos

financeiros que estivessem em outros países.

26

Em 2007, pela resolução 1747, o CS novamente condena o Irã por não ter tomado

as medidas requeridas pela AIEA, e convoca todos os países para ajudarem na vigilância do

mesmo, assim como enrijece as medidas tomadas nas resoluções anteriores.

No ano de 2008, pela resolução 1803, o CS afirma ver com bons olhos um acordo

preliminar entre o governo do Irã e a AIEA, porém, decidiu manter os embargos e a vigilância

até um avanço mais concreto nas negociações. A Resolução 1810 prorrogou, mais uma vez, o

mandato do comitê criado em 2004 e requer, novamente, que todos os Estados apresentem

relatórios sobre o desenvolvimento nuclear de cada país, o que até então não foi realizado.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas, dessa forma, é órgão vital no atual

regime de controle de armas atômica/nucleares, principalmente porque ele tem o direito de

identificar as ameaças à paz mundial, inclusive em matéria nuclear, e impor sanções aos

Estados desviantes. Assim, é importante, também, analisar as resoluções adotadas por ele,

porque dessa maneira pode se observar, na prática, se o CS tem realmente defendido os ideais

de não proliferação de maneira imparcial, assim como em que casos ele realmente agiu, ou

não.

A próxima sessão irá tratar da Agência Internacional de Energia Atômica,

principal órgão técnico do sistema de controle da tecnologia nuclear, responsável por

assessorar o CS.

2.2 A Agência Internacional de Energia Atômica e seu estatuto

Em outubro de 1956, na cidade de Nova Iorque, foi assinado o estatuto da AIEA,

como parte da iniciativa de Átomos pela Paz, do presidente Eisenhower. Tal instituição

começou a funcionar oficialmente em 1957 e marca o início do atual regime de controle de

tecnologia nuclear sendo, atualmente, a maior autoridade internacional especializada sobre o

assunto, e, por isso, é importante o estudo de seu estatuto, como bem explicitado por

ÁLVARES (1975).

A agência tem sua sede em Viena, além de alguns escritórios internacionais, e

possui 137 membros. Atua na fiscalização dos programas nucleares, para que eles não tenham

caráter militar, e na promoção da tecnologia pacífica, submetendo esse apoio ao seu complexo

27

regime de salvaguardas25. Até hoje, se retiraram da agência dois países, o Camboja e a Coréia

do Norte, e a agência retirou seu apoio a apenas três países: Iraque, Irã e Coréia do Norte.

Os três primeiros artigos do estatuto da AIEA lhe concedem legitimidade

internacional para agir, assim como, seus objetivos e finalidades, quais sejam, acelerar e

aumentar a contribuição da energia atômica para a paz, saúde e prosperidade em todo o

mundo através de tratados bilaterais ou multilaterais, que contenham cláusulas sobre o

fornecimento de produtos, serviços, equipamentos e instalações, e o treinamento de pessoal

especializado, principalmente para a produção de energia elétrica nas regiões

subdesenvolvidas do mundo.

A AIEA, segundo seu estatuto, artigo 4°, tem como função primordial atuar de

acordo com os princípios e a política das Nações Unidas de desarmamento universal e em

conformidade com os acordos que garantam essa política, assim, ela deve encaminhar

relatórios à Assembléia Geral e, quando for o caso, ao Conselho de Segurança.

Dessa maneira, os quatro primeiros artigos do estatuto da AIEA são responsáveis

por dar à agência sua legitimidade internacional, seus principais objetivos, funções e regras

para a entrada de novos membros. Todos esses fatores são importantes porque ao se dar

legitimidade para uma organização automaticamente se reconhece sua importância para o

cenário internacional e se aceita tal instituição como detentora de certas responsabilidades. De

igual importância são os objetivos e as funções, porque delas se inferem quais os valores são

defendidos pela AIEA, assim como em que áreas ela pode atuar.

Os artigos 5° e 6° tratam da estrutura interna da AIEA, que são a Conferência

Geral que pode, entre outros ofícios, aprovar a admissão de novos membros, suspender os

privilégios e direitos de qualquer país, enviar relatórios às Nações Unidas; e o Conselho de

Governadores, cuja função é criar comissões úteis de acordo com os princípios do estatuto, e

elaborar relatórios para a Conferência Geral.

O artigo 8° trata do intercâmbio de informações, salientando, mais uma vez, o

papel da AIEA em o fomentar. Afirma, também, que toda descoberta científica, fruto da

parceria da agência com qualquer país, deva ser, também, disponibilizada aos demais

membros, favorecendo a equivalência entre as informações de todos os países.

25 As salvaguardas da AIEA são um conjunto de ações autorizadas por tratado para verificar que os materiais e os equipamentos nucleares não foram desviados das suas aplicações, como inspeções de materiais radioativos e de reatores.

28

O art. 10° dispõe sobre a disponibilização da agência em colaborar com produtos

cindíveis especiais, serviços, equipamentos e instalações a projetos pacíficos, desde que

apresentados com um memorial explicativo.

O 12° artigo trata das exigências da AIEA em qualquer projeto que ela atue ou

fiscalize. Entre as garantias necessárias está a de aplicação dos materiais apenas para fins

pacíficos, o comprometimento do país de ser fiscalizado e o cumprimento nas obras de

normas de segurança e sanitárias. Além disso, o país parte de uma parceria deve elaborar

relatórios periódicos sobre o andamento dos trabalhos e registros dos materiais cindíveis.

Toda atividade será fiscalizada por inspetores, e, ao final, as sobras dos processo

de fissão deverão ser entregues a AIEA. Em caso de descumprimento de qualquer das

exigências a agência terá direito de retirar seu auxilio, como também de receber de volta

qualquer produto que ela tenha fornecido.

A solução de litígios é regulamentada pelo artigo 17°, que determina fique

qualquer litígio, ou dúvida de interpretação sujeito, ao Tribunal Internacional de Justiça, que

também pode dar pareceres consultivos.

O art. 18° trata da emenda do estatuto, que deve ser aprovado por 2/3 dos

membros, e da retirada, que deve ser por escrito, e não retira os compromissos orçamentários

feitos durante o ano.

A suspensão do direito a voto é tratada pelo artigo 19° e pode acontecer se um

membro agir demasiadamente contra o estatuto ou tratado semelhante e em caso de atraso no

pagamento das contribuições financeiras com a agência. Todavia, a Conferência Geral pode

autorizar esse membro a participar na votação, se verificar que aquela falta se deve a

circunstâncias independentes da vontade do membro em questão.

A AIEA tem função primordial no sistema de controle de tecnologia nuclear,

porque ela é o órgão técnico responsável por, na prática, fiscalizar os países e, ao mesmo

tempo, por fomentar a expansão da tecnologia nuclear pacífica. Além disso, outra função

importante da AIEA é fornecer informações de qualidade sobre o programa nuclear de cada

país, com a finalidade de diminuir a insegurança no ambiente internacional. Desse modo, o

estudo de seu estatuto é vital, já que por ele se identifica a capacidade, as funções e os

propósitos da agência.

Na próxima sessão será analisado o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, que é o

instrumento legal de maior referência e importância dentro do sistema de controle de

tecnologia nuclear.

29

2.4 O Tratado de Não Proliferação Nuclear e suas funções

O extenso preâmbulo do TNP afirma que a proliferação de armas atômicas e

nucleares aumentaria consideravelmente o risco de uma guerra e que, com o intento de evitar

tal calamidade, o TNP, em conformidade com a AIEA e as Nações Unidas, visa afastar o

perigo da má utilização da tecnologia nuclear e estimular as atividades pacíficas, utilizando-se

das melhores técnicas, instrumentos e métodos em certos pontos estratégicos dentro do

sistema de salvaguardas.

O Tratado elege, ainda, como princípio a transferência dos benefícios da

tecnologia nuclear pacífica. Estabelece, assim, que todos os benefícios que obtenham os

países nuclearizados ao realizar algum teste, inclusive com artefatos explosivos, devem estar à

disposição de todos os Estados participantes do tratado, nuclearmente armados ou não.

Para a promoção de tal princípio as partes do tratado têm o direito de participar no

intercâmbio mais amplo possível de informações científicas e de, na medida do possível,

contribuir para o desenvolvimento das aplicações da energia atômica para fins pacíficos, de

modo bilateral ou multilateral.

Declara, ainda, a intenção de, no menor prazo possível, conseguir a cessação da

corrida armamentista atômica/nuclear, e do estímulo a medidas em prol do desarmamento.

Afirma, também, que deseja promover um Tratado de Desarmamento Geral e

Completo, abrangente o suficiente para o término da fabricação de armas atômica/nucleares, a

eliminação dos arsenais existente, e dos meios de entrega. Recorda, ainda, a Carta da Nações

Unidas, que relata que os Estados devam se abster tanto da ameaça quanto do uso efetivo da

força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado.

Os dois primeiros artigos do Tratado de Não-Proliferação Nuclear dividem os

países em nuclearmente armados ou não, e proíbem a transferência de tecnologia nuclear

explosiva entre eles.26

O artigo 3° enuncia, ainda, que os Estados não nuclearmente armados partes do

tratado devam aceitar um regime de salvaguardas negociado com a AIEA, de modo a

restringir certos materiais, porém, sem que se entrave o desenvolvimento econômico e

tecnológico, ou a cooperação internacional no campo das atividades nucleares pacíficas.

26 Coletânea de Direito Internacional. Organizador Valerio de Oliveira Mazzuoli. 3. ed. ampl. São Paulo: RT, 2005.

30

O artigo 4° trata da interpretação do tratado sempre favorável as pesquisas e o

estimulo a um intercambio mais aberto possível de informações. O artigo 5° enuncia que

possíveis testes, por qualquer uma das partes do tratado, deverão, sob observação

internacional apropriada e procedimentos internacionais cabíveis, transmitir os benefícios

potenciais dessas explosões pacíficas a todos os Estados não nuclearmente armados parte do

tratado.

O 6° artigo do Tratado de Não Proliferação Nuclear convoca todos os países para

negociarem, de boa-fé, sobre a tomada de medidas efetivas para o fim da corrida

armamentista e um desarmamento sob o controle internacional. O 8° artigo trata das possíveis

emendas ao tratado, que deverão ser submetidas aos governos depositários, que o farão

circular para todas as partes do tratado.

O 9° artigo elege as normas sobre a assinatura do tratado após sua promulgação,

que pode ser realizada a qualquer tempo, após o deposito da ratificação junto a qualquer

membro depositário, que comunicará o fato aos demais Estados parte e depositará o tratado

junto às Nações Unidas.

O 10° artigo trata da denúncia, que deverá ser comunicada a todas as demais

partes do tratado e ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, com 3 meses de

antecedência, contendo, entre outras coisas, os motivos que levaram a denúncia.

O estudo do Tratado de Não Proliferação Nuclear é importante porque em cada

um de seus artigos se evidência algumas informações importantes. A proibição da

transferência de materiais atômicos/nucleares explosivos, a divisão entre países nuclearmente

armados ou não e o estímulo as tecnologias nucleares pacíficas, são normas basilares do

regime de controle de tecnologia nuclear que estão dispostas nos artigos do TNP.

O tratado convoca a cessação da corrida armamentista, é essa disposição é

importante porque exatamente o descumprimento dela representa o maior entrave do regime

de controle nuclear entre países nuclearizados e não nuclearizados. Além disso, o TNP, não

dispondo de nenhuma regra mais complexa para a assinatura de outros Estados, após sua

promulgação, permite que os países desenvolvam armas atômica/nucleares e depois de

dominar essa tecnologia o país entre no sistema de benefícios do tratado sem maiores

problemas.

O próximo capítulo tratará da questão da transferência de tecnologia nuclear nas

bases teóricas da Teoria de Regimes Internacional e suas aplicações, analisando também os

regimes em matéria de segurança e o regime nuclear propriamente dito.

31

3 TEORIA DE REGIMES

As várias teorias de Relações Internacionais desenvolvem-se sempre com base em

alguns temas centrais, como a definição de quais as espécies de atores tem influência no

ambiente internacional e, ainda, como se forma tal ambiente. Além disso, também são

discutidos o papel das instituições internacionais e as dinâmicas de cooperação e conflito. A

Teoria de Regimes internacionais vem responder, a sua maneira particular, a esses temas,

como bem descrito por SARAIVA (2003).

No inicio da década de 70, quando se começou a pensar a idéia de regimes,

muitos autores de Relações Internacionais começaram a perceber que, apesar do ambiente

internacional ser anárquico, isso não significava um ambiente desprovido de ordem. A

conduta dos Estados estava embebida em toda uma cultura de normas e costumes que a

influenciava, às vezes rumo à convergência com os demais Estados, criando um sistema,

como salientado por BARROS-PLATIAU (2004).

O primeiro conceito de regimes, dado por John Ruggie,(1975, apud SARFATI,

2005, p.57 ), abarcava “um grupo de expectativas mútuas, regras e regulamentos, planos,

energias organizacionais e compromissos financeiros que são aceitos por um grupo de

Estados.” O conceito inicial de regimes, portanto, trabalhava com idéias econômicas e a

previsão e ajustes de políticas econômicas governamentais aos demais Estados, sendo que,

somente posteriormente, o conceito foi alargado para as demais áreas das Relações

Internacionais.

Regimes Internacionais, para KRASNER (1983), são definidos como princípios,

normas, regras e processos de tomadas de decisão em que, implícita ou expressamente, as

expectativas dos atores convergem para um mesmo tema. Princípios devem ser tidos como

crenças de fatos, causalidade e integridade; enquanto normas são comportamentos definidos a

partir da idéia de direitos e obrigações; regras são prescrições ou proscrições especificas de

ação; e os processos de tomada de decisão são as práticas utilizadas com a finalidade de

decidir e implementar decisões. É importante, ainda, segundo esse autor, diferenciar

princípios e normas de regras e procedimentos dentro dos regimes.

Princípios e normas definem as características básicas de um regime, enquanto

regras e procedimentos definem assuntos mais específicos. Dessa maneira, alterações de

regras e procedimentos não são, necessariamente, uma alteração de regime, pois podem

significar apenas um ajuste dentro do regime a uma nova realidade. Portanto, é necessário que

32

sejam verificadas efetivas mudanças nas bases de um regime para se afirmar se há uma

alteração em princípios e normas ou uma alteração em regras e procedimentos.

As variáveis básicas que explicam a formação de regimes são o comportamento

auto-interessado dos Estados, o poder político, tanto na visão mais cosmopolita, como na

impositiva, hábitos, costumes e informação, como relata KRASNER (1983). A Teoria de

Regimes pressupõe que os Estados têm, como meta primordial, a maximização de suas

necessidades e que, com esse objetivo, suas forças políticas agem ou em prol do bem comum,

ou de seus próprios interesses, ou de ambos. Além disso, dentro desse jogo de forças políticas,

os Estados tentam prever a ação dos demais, através dos hábitos, costumes e informações

disponíveis no ambiente internacional.

Estados têm preferências, são capazes de ordená-las e de buscar meios

alternativos para alcançá-las. Racionalmente, os Estados buscam atingir suas metas com o

menor custo possível e, por isso, tendem a buscar um caminho médio, um equilíbrio com

outros Estados que lhes assegurem, ao menos, algum ganho, na incerteza e na falta de

informação do ambiente anárquico. Assim, os Estados criam uma ordem internacional,

regimes, que constrangem os países se não cooperarem, e, por isso, servem como uma

garantia de que os acordos serão cumpridos.

A idéia de regimes estaria, então, ligada à de variáveis intervenientes que

influenciam o comportamento dos Estados e o resultado das contendas internacionais.

Regimes têm a função geral de reduzir as incertezas entre os Estados, provocada pela anarquia

e a falta de informação, fazendo-os caminhar para os mesmos objetivos, de forma a haver um

equilíbrio entre os ganhos de cada um.

Regimes não são acordos temporários visando a uma única situação. Para que

exista, na prática, um regime, é necessário que ele seja atemporal, podendo ser aplicado em

qualquer época ou circunstância. Dessa maneira, regimes não são acordos propriamente ditos,

mas apenas facilitadores dos mesmos, por criarem, ao longo do tempo, uma aparente

reciprocidade entre os Estados e as suas condutas, como relatado por YOUNG (1999).

O equilíbrio trazido pelos regimes, para KRASNER (1983), é seu principal

benefício, uma vez que eles aumentam a probabilidade de obter comportamento esperado dos

Estados, pois eles aumentam o custo das trapaças, o benefício de seguir as regras e, além

disso, tornam as expectativas mais claras e estáveis.

Regimes facilitam a reciprocidade entre os Estados porque tendem a formalizar as

relações e a repetição de resultados; como não são um “jogo de uma única rodada” fazem com

que os governos ajam e reajam a conduta dos demais.

33

Regimes, também são importantes, porque facilitam a comunicação entre os

Estados: primeiro, porque a torna mais simples, diminuindo o número de ações possíveis e,

com isso, reduz os custos de se obter informação confiável. Os Estados, dentro dos regimes,

têm um número definido de alternativas possíveis e, com isso, eles podem avaliar

racionalmente suas opções. Além disso, regimes reduzem o custo de fiscalizar e fazer cumprir

contratos, o que é bem descrito por SARAIVA (2003).

A Teoria de Regimes comporta três subdivisões, segundo KRASNER (1983), que

variam de acordo com a importância dada aos regimes, e ainda sobre em que condições os

regimes se formam. De acordo com essas condições, cada visão da teoria fundamenta a

relação entre as variáveis básicas do sistema internacional, como poder e interesse, o

comportamento dos Estados e os regimes.

A primeira visão, chamada de modal, argumenta que regimes nada mais são do

que explicações precipitadas e disfarçadas de dinâmicas de poder e de economia já existentes,

não dando qualquer relevância ao papel das normas, regras e processos de decisão.

A corrente modal enxerga os regimes apenas como um substrato das variáveis

básicas de poder e interesses, sendo que essas sim, refletem no comportamento dos Estados.

Dessa forma, regimes não têm qualquer importância singular, pois nada mais são do que

simples dilemas de poder e interesse. Regimes existem, mas não merecem ser estudados, por

não influenciarem por si só, no comportamento dos Estados.

Uma segunda visão, chamada de estrutural realista, aceita os pressupostos básicos

da teoria realista de relações internacionais de que o ambiente internacional é anárquico e que

os Estados buscam a maximização de seu poder, mas também valorizam as normas, regras e

processos de decisão. Para essa perspectiva, mesmo em um ambiente anárquico, regimes têm

uma importância significativa em condições que a ação individual de cada Estado, por si só,

não assegura resultados positivos aos Estados. Nessas situações os governos auto-interessados

têm um estímulo maior a cooperar e seguir certas normas a fim de evitar resultados

desastrosos.

Por sua vez, a corrente estrutural realista afirma que regimes são importantes em

situações em que a ação individual e o auto-interesse podem provocar resultados sub-ótimos.

Dessa forma, nessas situações, regimes são responsáveis por coordenar o comportamento dos

Estados em prol de um desejo comum, em uma área particular. No entanto, nas demais

situações, principalmente naquelas em que o “jogo de soma zero” prevalece, os Estados não

têm estímulos para se coordenar ou cooperar, de forma que, nesses casos, regimes raramente

se formam.

34

A terceira corrente, grotiana, crê que há uma conexão entre comportamento e

regimes, de maneira que todo um conjunto de decisões e comportamentos inevitavelmente irá

resultar em um regime. Em outros termos, se durante um longo período de tempo um Estado

costumeiramente tem a mesma atitude acerca de determinado tema, isso gera nos demais uma

sensação de que nada irá mudar e que futuramente o Estado irá tomar a mesma escolha,

configurando as figuras da supressio e surrectio 27 e, assim, criando um regime. Regimes,

nessas situações, são importantes por influenciar a expectativa de cada Estado.

A perspectiva grotiniana, aduz que padrões de comportamento que se repetem por

longos períodos de tempo são baseados e sustentados não somente no próprio interesse dos

Estados, mas também por um ambiente social.

Mesmo problemas de segurança podem ser tratados pela ótica da Teoria de

Regimes, porque o ambiente também influência no comportamento dos Estados, inclusive

nessa área. Assim, o ambiente internacional é formado pela disputa de poder e por interesses,

como muito bem tratado por várias teorias de segurança, porém, também é formado pela

difusão de normas, costumes e de informação, o que é tratado exatamente pela Teoria de

Regimes.

Para a teoria Grotiana regimes podem ser vistos com base em seis premissas

básicas conforme relatado por PUCHALA et al. (1983). Primeiro, que regimes existem e que

podem ser aplicados em qualquer área. Segundo, que a análise dos regimes internacionais

contribui a explicação teórica do comportamento dos Estados de maneira que, em alguns

casos, embora raros, os regimes são a fonte primordial de justificativa da ação dos Estados,

principalmente onde questões técnicas prevalecem, como, por exemplo, as convenções

internacionais sobre correios.

Os grotinianos apontam, como terceira premissa, que há duas espécies de regimes,

funcionalmente específicos e funcionalmente difusos. Os regimes específicos são aqueles

dirigidos por especialistas e técnicos, que geralmente enfrentam problemas em compatibilizar

o mundo jurídico e as práticas técnicas, que evoluem rapidamente. Há também os regimes

funcionalmente difusos, onde prevalece o papel dos diplomatas e oficiais de governo de alto

escalão, que, por sua vez, tem grandes problemas em administrar mudanças, já que nesse caso

a uniformização é mais difícil de ser obtida.

27 Supressio e surrectio são instituições do Direito provindas da boa-fé objetiva. Significam, respectivamente, a perda de um direito pelo seu não exercício no tempo; e a transformação em direito de uma obrigação que uma das partes de um contrato costumeiramente exerce, apesar dessa obrigação não estar prevista no contrato, como relacionado por MATTOS (2007).

35

A quarta premissa básica tem relação com o nível de formalização de um regime.

Regimes podem ser formais ou informais, variando principalmente com relação ao tema a ser

tratado. Os regimes normalmente começam de maneira informal, com base em reciprocidade

e “acordos de cavaleiros”. Com o desenvolvimento, e com um número cada vez maior de

participantes e de regras, os regimes tendem a se formalizar, o que é considerado o seu

apogeu. Há, no entanto, o problema que, a partir desse momento de formalização, o regime

fica rígido, não acompanhando as alterações da realidade, de maneira que geralmente nesse

ponto ele começa a se desfazer.

A efetividade e vitalidade de um regime dependem diretamente do consenso e da

complacência dos participantes. Regimes não têm força suficiente para se manter por si só, e

por isso, é necessário que um país ou um grupo de países tome a dianteira no processo,

promovendo-o perante os demais, sendo essa a quinta premissa.

Por último, existe a premissa de que regimes mudam de acordo com o poder e os

interesses dos Estados, embora nem sempre uma mudança nesses dois fatores represente uma

mudança de regime, já que a mudança sempre tem um custo. Assim, regimes sofrem

mudanças drásticas ou menores graças à influência das dinâmicas de poder e do auto-interesse

dos Estados, embora não mudem somente por conta desses fatores.

YOUNG (1983) desenvolve o conceito de Krasner, de Teoria de Regimes, com

um enfoque no papel institucional dos regimes. Para ele, os regimes são estruturas sociais que

tendem a ser mais ou menos formalizadas. Essas instituições geralmente têm algumas regras

formalizadas, e outras não, sendo que só participam dos regimes internacionais propriamente

ditos os Estados nacionais. Na verdade, segundo esse autor, os regimes têm criação em duas

etapas, uma doméstica e uma internacional.

Na etapa doméstica, as forças políticas internas criam a visão de determinado país

sobre certo tema. Nessa etapa é de vital importância o papel dos grupos de pressão internos;

empresas, bancos, igrejas, sindicatos, forças políticas etc.

Na etapa internacional, após um país já ter uma posição sobre certo tema, é que o

regime internacional propriamente dito toma forma, e, daí pode-se afirmar que somente os

Estados podem interagir. Assim, os governos criam uma instituição internacional, formalizada

ou não, um regime, que passa a fazer parte do meio ambiente internacional.

Regimes surgem a partir da concretização de expectativas convergentes, padrões

de comportamento e práticas. Eles se formam quando é necessária a superação de problemas

36

da ação coletiva, como na chamada tragédia dos bens coletivos, no dilema de segurança e no

dilema do prisioneiro.28

Dessa maneira, os regimes internacionais surgem a partir do anseio dos Estados

em se socializar e ter maior ordem internacional. Essa ordem é criada porque os regimes dão

maior segurança aos Estados ao prever as ações dos demais e, assim, há uma maior

coordenação com eles.

A ordem propagada pelos regimes podem ser três tipos, segundo YOUNG (1983),

espontânea, negociada ou imposta. Os regimes espontâneos são aqueles em que os interesses

dos participantes convergem para um ideal comum. Os integrantes têm uma ideologia própria

que caminha para um mesmo objetivo. A ordem negociada é aquela em que os participantes

conscientemente acordam de chegar a um objetivo comum, apesar de inicialmente terem

idéias contrárias. Os Estados fazem um esforço para encontrar pontos comuns e propõem

barganhas. Há, ainda, a ordem imposta, que é aquela em que os Estados dominantes têm um

efeito coercitivo sobre os atores ou ainda uma manipulação de incentivos. Esse tipo de ordem

ocorre geralmente dentro de uma hegemonia.

Há, ainda, de se considerar que regimes não são estruturas fixas, imutáveis, mas

sim articuladas com a realidade, conforme descrito por SARFATI (2005).

Alterações significantes em um regime podem acontecer pelo fato de haver

contradições internas que possibilitem uma transformação. Contradições internas podem

acontecer desde a concepção do regime, ou com pequenas transformações durante o percorrer

do tempo. Por exemplo, se um regime prevê que determinado tipo de material nunca possa ser

usado para fins econômicos, mas, posteriormente, o regime abre uma série de exceções, pode

ser que o ele perca seu significado devendo sofrer transformações, ou ser extinto.

Outro tipo de fator de alteração de regime é a estrutura de poder do ambiente

internacional. Regimes não conseguem ir totalmente contra os interesses das forças

dominantes, mesmo em regime espontâneos ou negociados. Porém, os regimes também não

podem ser fruto único é exclusivo da balança de poder, já que é importante que eles sejam

aceitos pelos demais países. A alteração promovida por uma estrutura de poder não ocorre

necessariamente quando há uma troca de poder hegemônico, mas também quando algum país

28 A tragédia dos bens coletivos é uma teoria que relata que, graças à concorrência entre os indivíduos há a tendência à super-exploração dos bens comuns, o que acaba por prejudicar a todos. O dilema de segurança, por sua vez, é uma construção teórica que justifica a corrida armamentista pelo efeito em cascata do aumento do arsenal de um Estado. O dilema do prisioneiro, por sua vez, é um modelo criado para a análise do processo de decisão em que os indivíduos podem adotar posturas concorrenciais ou cooperativas, mas o resultado final depende das decisões dos atores somadas em conjunto, como descrito por SARFATI (2005).

37

inicialmente não contemplado pelo regime ganha maior poder de barganha, como descrito por

SARAIVA (2003).

Um regime pode, ainda, ser modificado por fatores exógenos, como uma inovação

tecnológica ou uma mudança de outro regime. Assim, um regime não deve ser considerado

isoladamente dos demais ou de fatores externos, políticos, econômicos, sociais etc.

A perspectiva estrutural, por sua vez, segundo STEIN (1983), trabalha com

regimes de forma mais especifica, principalmente com os dilemas de cooperação e conflito

em um mundo anárquico e com Estados auto-interessados. Como já dito, para os

estruturalistas, regimes só ocorrem em situações em que a ação individual não leva ao

resultado ótimo, ou ainda, quando pode levar a situações calamitosas.

Para os estruturalistas, dessa forma, não são regimes situações em que o auto-

interesse de dois Estados, A e B, por exemplo, objetivem a mesma situação, trazendo

benefícios iguais para os dois, porque os regimes nesse caso não influenciaram em nada a

conduta dos Estados. Nessa situação, o equilíbrio necessário entre as ações dos Estados é

alcançado de forma espontânea, como descrito no quadro I. Nesse quadro a situação A1B1

representa o equilíbrio, porque é nessa em que os dois Estados A e B ganham mais,

independentemente da ação do outro. Assim, é inviável de acontecer as situações A1B2,

A2B1 e A2B2, porque em qualquer delas os Estados perdem mais.

QUADRO I

Ator B

B1* B2

Ato

r A

A1* 4, 4** 3, 2

A2 1, 3 2, 1

Situação de ausência de conflito * Estratégia dominante do ator ** Situação de Equilíbrio

Fonte: STEIN, Arthur A. International Regimes p. 118

38

Da mesma forma, não são necessários regimes quando os atores não têm uma

estratégia dominante, mas compartilham o desejo de ganhar mais ou igualmente aos demais.

Essas situações são dominadas pelo principio da reciprocidade. Se dois Estados, A e B,

adotarem uma mesma conduta 1, ambos sairão ganhando, porém se um adotar uma conduta 2,

automaticamente o outro também adota uma conduta 2, que, embora menos vantajosa para os

dois, alcança um equilíbrio, de forma a nenhum dos dois ganhar mais que o outro, conforme

quadro II.

QUADRO II

Ator B

B1 B2

Ato

r A

A1 4, 4 ** 1, 3

A2 3, 1 2, 2**

Resultado em que há dois pontos de equilíbrio ** Situação de Equilíbrio

Fonte: STEIN, Arthur A. International Regimes p. 119

Regimes são necessários em situações em que o equilíbrio não é naturalmente

alcançado e a ação de um Estado influência o comportamento de outro. Se um Estado A

somente ganha adotando um determinado tipo de ação 1, independentemente de qualquer

coisa, ele irá adotar tal ação. Ao outro Estado B cabe escolher entre a situação que ele tem

maiores ganhos absolutos ou relativos, conforme quadro III.

O dilema do prisioneiro (quadro IV) é outra caso em que é necessária a formação

de regimes. O dilema do prisioneiro é uma situação em que o equilíbrio é dificilmente

alcançado naturalmente, de forma que os Estados sempre estarão tentados a trapacear em

qualquer acordo. Os Estados nesse jogo sempre irão desejar ganhar o máximo possível, dessa

39

maneira, a postura de A é desejar a situação A2B1, e a de B a A1B2, mas como o resultado

final é a soma das duas condutas, o resultado natural, assim, é A2B2, que é a situação em que

os dois ganham menos. Dessa maneira, já que nenhum Estado estará satisfeito com uma

situação em que o outro ganhe mais, e nem com a que os dois ganhem menos, eles tentam

acordar na situação em que haja equilíbrio e ambos ganhem mais, A1B1. Porém, há sempre o

risco de um trapacear para ganhar mais.

QUADRO III

Ator B

B1* B2

Ato

r A

A1* 4, 2 ** 3, 1

A2 2, 4 1, 3

Um resultado de equilíbrio que tem um dos atores prejudicado * Estratégia dominante do autor ** Situação de Equilíbrio

Fonte: STEIN, Arthur A. International Regimes p. 121

40

QUADRO IV

Ator B

B1 B2*

Ato

r A

A1 3, 3 1, 4

A2* 4, 1 2, 2**

O dilema do prisioneiro * Estratégia dominante do autor ** Situação de Equilíbrio

Fonte: STEIN, Arthur A. International Regimes p. 122

Há, ainda, regimes baseados em aversões comuns e indiferença, caso em que o

equilíbrio é alcançado desde que ambos tomem o mesmo tipo de decisão, 1 ou 2, mas é

necessária uma cooperação para que isso ocorra e sejam evitados resultados sub-ótimos

(quadro V). Outro caso em que regimes importam são as aversões com interesses diversos,

caso em que na trapaça um ganhará mais do que o outro, mas ambos ganharam mais do que

na igualdade como descrito no quadro VI.

A formação é criação de regimes dependem diretamente do comportamento auto-

interessado e da interdependência entre os países. Se a ação de determinado Estado em nada

influenciar os demais não existirá um regime porque esse depende, exatamente, que um

Estado, ao tomar decisões, o faça levando em conta a ação dos demais. Por outro lado, um

governo sempre irá tomar decisões visando seu próprio interesse, que, por sua vez, depende

de uma série de fatores políticos, econômicos, tecnológicos e sociais.

41

QUADRO V

Ator B

B1 B2

Ato

r A

A1 1, 1 ** 0, 0

A2 0, 0 1, 1 **

Dilema das aversões e indiferenças comuns Neste exemplo, 1 = mais preferível, 0 = menos preferível ** Situação de Equilíbrio

Fonte: STEIN, Arthur A. International Regimes p. 126

QUADRO VI

Ator B

B1 B2

Ato

r A

A1 2, 2 3, 4**

A2 4, 3** 1,1

Dilema das aversões comuns e dos interesses divergentes ** Situação de Equilíbrio

Fonte: STEIN, Arthur A. International Regimes p. 126

42

A criação e manutenção de regimes derivam não somente da balança de poder, de

interesses ou dos setores domésticos, mas também das regras do jogo em si. A anarquia

internacional existe, porém, não significa que o ambiente internacional esteja fadado ao caos.

Ao se deparar com dilemas de ação coletiva os Estados auto-interessados tendem a criar

regimes, e a partir daí, tentam “jogar” com os demais com coordenação, cooperação ou

trapaça.

O constrangimento na escolha, proposto pelos regimes, dessa forma, pode ser de

duas fontes, de Estados mais fortes ou do sistema em si, como relatado por STEIN (1983). A

força de um regime é, sem dúvida, aumentada na presença de uma força hegemônica, capaz

de garantir seu cumprimento, porém, isso, apenas, não consegue explicar o surgimento nem a

transformação de um regime fraco, porque há outros fatores que também influenciam os

regimes.

A Teoria dos Regimes assume a visão da escolha racional pelos Estados, de forma

que o constrangimento do sistema ocorre porque uma determinada escolha é eleita como

racional enquanto as demais são tidas como irracionais. Os Estados estão sempre interessados

na maximização de suas necessidades e por isso devem agir racionalmente de acordo com

essa meta, e por isso só irão aceitar a situação em que ganhem mais.

Nenhum Estado entra em um determinado regime esperando perder mais do que

se permanecesse fora do regime. Assim, os Estados entram em regimes, mesmo aqueles em

que eles saem perdendo, por esperar certa garantia de que, ao menos, irão perder menos ou

ganhar em outro campo.

Dois fatores são ainda cruciais para a existência de regimes para KEOHANE

(1983): os problemas da informação e o custo das transações. Regimes servem para diminuir a

quantidade de más percepções pelo Estado da conduta dos demais, pois facilita o fluxo de

comunicação, e, com isso, os Estados tendem a confiar mais uns nos outros. O outro fator é o

custo das transações, que é muito maior quando não existem regimes. Quando não há regimes

o Estado que queira promover uma negociação tem que manter contato com cada Estado a

todo o momento, ao passo de que quando há regimes ele pode promover negociações mais

universais e com certa garantia da conduta dos demais Estados.

Regimes, dessa forma, facilitam acordos, por promoverem as regras do jogo, pois,

a partir deles, os Estados não se preocupam com alguns pontos, informação, custos de

transação, etc., mas sim com a possibilidade de trapaças no jogo. Regimes são importantes

por descentralizar as responsabilidades do sistema internacional, sendo substancialmente

43

necessários quanto mais complicado o assunto seja e mais os regimes promovam regras

razoáveis para a questão.

3.1 Regimes em matéria de segurança

Regimes de segurança têm algumas distinções em relação a regimes econômicos,

como dito por JERVIS (1983). Acertos de segurança envolvem uma competitividade muito

maior e os danos prováveis de uma possível trapaça são mais expressivos, o que justifica a

afirmação de que regimes de segurança são difíceis de ocorrer, mas, nem por isso, são

impossíveis.

Uma grande diferença em relação aos regimes econômicos é a maior preocupação

com os ganhos relativos do que os absolutos29 e isso influência diretamente no seu calculo

racional ao entrar ou sair de um regime.

Outro ponto importante dos regimes de segurança é a questão dos possíveis erros

e da má percepção por parte de um Estado. Em algumas situações, pequenos erros por parte

de um Estado podem trazer grandes conseqüências porque a confiança depositada, uma vez

abalada, muito dificilmente se recupera.

Além disso, a qualidade da informação é muito pobre. Poucos Estados estarão

dispostos a informar aos demais sobre seus programas militares, ou, até podem estar

interessados em passar informações contraditórias, propositadamente. Além disso, diferenciar

movimentos militares ofensivos de defensivos é muito complicado, se é que essa diferença

existe, e, a má percepção desses movimentos, pode eclodir todo um regime.

Regimes de segurança são mais raros do que os econômicos, graças a essas

especificidades, mas existem e são importantes para a superação de problemas coletivos,

como o dilema de segurança coletiva, como relacionado por JERVIS (1983).

Segundo esse dilema, em síntese, a corrida armamentista entre os países e

ocasionada quando um país começa a despontar como potência militar e seus rivais diretos

começam a se armar em resposta, isso gera uma reação do primeiro Estado no sentido de se

armar ainda mais, assim como nos demais Estados. O simples aumento do número de armas 29 Há uma grande discussão na doutrina de Relações Internacionais se os Estados nas negociações internacionais devem estar preocupados com o quanto ganham em relação aos demais países, ganhos relativos, ou em relação ao quanto tinham antes da negociação, ganhos absolutos.

44

pode levar um Estado a crer que logo irá ser atacado, e que, portanto esta em um jogo de soma

zero, conforme SANTOS (1983).

O dilema de segurança, assim, tem dois pontos importantes. O primeiro é o

patamar de instabilidade gerado no sistema internacional. Um ambiente internacional em que

os Estados dispõem de grandes arsenais bélicos a paranóia e a desconfiança mútua crescem a

um nível assustador, de modo que, a probabilidade de um grande conflito armado se torna

cada vez maior.

O segundo ponto importante é a inevitabilidade de se entrar na corrida

armamentista. Um Estado presente em uma região onde uma corrida desse tipo está ocorrendo

não poderá se dar ao luxo de não participar dela, sob pena de se tornar uma “ovelha em um

bando de lobos.”

Os regimes internacionais oferecem uma saída para esse dilema na medida em que

um regime, nesse caso, teria como função primordial limitar a corrida armamentista. Pela

Teoria de Regimes, os Estados concordariam explicitamente ou tacitamente a manterem suas

forças militares a um certo patamar, ou ainda, a não utilizar determinada arma.

Uma vez acordado o regime, a informação e a inspeção necessárias para a

existência de confiança dentro do regime poderiam ser fornecidas por uma instituição

internacional que desse maior legitimidade a todo o processo. O regime, dessa forma,

afastaria tanto a instabilidade quanto inevitabilidade, já que os países teriam maior confiança

de que a corrida armamentista irá parar sob determinado patamar.

A formação de regimes de segurança necessita de alguns pressupostos, como

relacionado por JERVIS (1983). Primeiro, que todos os Estados estejam mais ou menos

satisfeitos com o stato quo internacional. Regimes internacionais entre Estados revisionistas e

mantenedores são frágeis pela provável falta de cooperação, de disponibilização de

informação e de segurança nas reais intenções do outro país.

Outro ponto importante é que os Estados sintam que os demais estão

comprometidos com os mesmos objetivos, ou seja, confiem que os demais irão defender essas

metas frente a possíveis agressores.

Os regimes de segurança também não podem conter impérios em expansão,

porque é difícil, ou impossível, haver confiança entre Estados que não se sentem seguros

sobre a sua sobrevivência. Em alguns casos os Estados têm a impressão de que outros são

agressivos, mas isso só se configura efetivamente quando o império se sente tão superior que

para ele os demais Estados são insignificantes, podendo serem facilmente dominados.

45

O comprometimento com a paz é outro ponto importante para os regimes de

segurança. Isso não significa que os Estados não possam entrar em guerras, mas essa guerra

deve ser com Estados de fora do regime. Se os Estados crêem que estão cooperando com um

“lobo”, que cedo ou tarde os irá devorar com a opção da guerra, eles simplesmente irão parar

de cooperar.

Por fim, um regime de segurança deve crescer e se tornar algo autônomo aos

Estados, formando uma instituição. Regimes de segurança só existem quando os Estados

estão comprometidos ao menos em manter um mínimo de ordem no ambiente internacional, e,

para isso a construção da paz deve ter caráter independente aos interesses individuais de cada

Estado. Regimes de segurança existem graças à crença de que poucos Estados tendem a de

fato trapacear nesses processos.

3.2 Regime de não proliferação nuclear

O regime de não proliferação nuclear começou a efetivamente ganhar importância

após a quebra do monopólio atômico estadunidense por parte da URSS. Foi a partir do

momento que os soviéticos se igualaram aos americanos, tanto no que se refere à fabricação

da bomba nuclear, quanto a meios de entrega30 que o problema da proliferação de bombas

nucleares começou a ganhar os contornos hoje adquiridos.

A proliferação nuclear, assim como o dilema de segurança, é um problema

coletivo, que exige respostas coletivas. Os Estado, como já dito, partindo da premissa

racionalista-realista, estão sempre em busca da maximização de seu poder, e a bomba

atômica/nuclear é, sem dúvida, uma grande fonte de poder pela sua capacidade de destruição

e de dissuasão. Dessa maneira, a tendência dos Estados é fabricar um número cada vez maior

de bombas, a fim de se conseguir mais poder.

Dessa maneira, como já esperado, começou-se uma corrida armamentista entre os

Estados sendo que, em pouco tempo, o número de países que dominavam a tecnologia nuclear

triplicou. A partir desse aumento, os Estados, como um todo, efetivamente perceberam a

necessidade de evitar um mundo nuclearmente armado, porque isso aumentava a

30 Os meios de entrega de artefatos nucleares são as maneiras com as quais se poderia fazer um artefato explosivo atingir seu alvo, dentre as quais está o uso de mísseis de longo alcance, lançados de plataformas ou submarinos, e o lançamento de aviões, como descrito por DUNNIGAN (2003).

46

possibilidade de ocorrência de conflitos, assim como a intensidade dos mesmos. Surge, então,

a necessidade de regular a conduta dos países para um mesmo objetivo comum, o

desarmamento.

Nessa situação, então, uma vez que a opção de todos se nuclearizarem é

desfavorável, o equilíbrio só é alcançado com o desarmamento. Assim, se cria toda uma gama

de princípios, normas, regras e processos de tomada de decisão com a finalidade de alcançá-

lo. O problema, porém, é que um simples acordo de desarmamento não resolve a questão pelo

risco da trapaça, e esse, é o principal desafio dos regimes.

O regime nuclear é, portanto, importante para aumentar os custos da trapaça,

através da criação de instituições internacionais, como as Nações Unidas e seu Conselho de

Segurança, e a AIEA, ou, ainda, com legislações como o TNP. É importante salientar que esse

regime não irá, de fato, segurar uma potência, se ela desejar optar pela guerra ou pela

proliferação nuclear, mas o regime, ao proporcionar informações de qualidade, auxilia no

processo de tomada de decisão, minimizando os riscos de uma guerra por acidente ou erro de

cálculo, e, além disso, obriga os Estados a medir com cuidado as conseqüências de suas ações,

como bem dito por SANTOS (1983).

KEOHANE (1986) aponta que para que os regimes sejam efetivos e aumentem o

nível de cooperação é necessário que haja um aumento no nível de informação, punição aos

desviantes e prêmio aos seguidores, facilidade na identificação de trapaças, instituições fortes

e a “sombra do futuro”. Essa última seria que, como o regime é um "jogo de várias rodadas",

os Estados avaliam o tempo todo o histórico uns dos outros para saber se o país já adotou

conduta desviante em algum momento. A tendência, então, seria os Estados só negociarem

com quem não trapaceia, daí o estimulo a sempre cooperar, como acontece com o Paquistão.

O papel das instituições, assim, em especial a AIEA e o CS, é vital para a

existência do regime de não proliferação. A AIEA, órgão imparcial, ao menos em teoria, é

provedor de informação qualificada, realizando inspeções que, ao menos teoricamente,

respeitam a soberania de cada Estado. Sem informação de qualidade e inspeções que

garantam o cumprimento do regime, impera a desconfiança e a insegurança de que todos os

Estados estariam promovendo programas nucleares a fim de exterminar seus rivais.

O Conselho de Segurança também é imprescindível, porque ele tem a missão de

ser o grande promovedor do desarmamento, ou seja, o promovedor do regime. Além disso,

cabe a ele, ainda, a tarefa de, com o apoio técnico da AIEA, identificar as ameaças à paz e

impor sanções aos infratores.

47

O TNP e demais tratados sobre a questão nuclear também são importantes, já que

eles dão a sustentação legal sobre o tema, assim como as definições de direitos e obrigações

dos Estados. Portanto, o Tratado de Não Proliferação Nuclear é responsável por definir

algumas regras do regime internacional.

A formalização, que é outra característica importante do sistema internacional

nuclear e está relativamente presente. O regime, que começou totalmente informal, como um

“acordo de cavalheiros”, aos poucos foi se formalizando, tornando se claro, através das suas

instituições e tratados. Porém, o regime nuclear muito provavelmente não irá se tornar

totalmente explícito, primeiro, porque os tratados só falam de explosivos atômico/nucleares,

em nada mencionando sobre os demais aparatos que usam essa tecnologia, e, em segundo

lugar, tornar totalmente claro quem têm bombas, quantas têm, sua capacidade de entrega e,

mais importante, sua disposição de usá-las, seria contra as próprias “regras do jogo” da

dissuasão nuclear que exige a aplicação continua de um efeito moral, como relatado por

WIGHT (1985).

Outro ponto importante é o crescimento do regime, e da sua ordem, a todos os

países, nuclearizados ou não. A expansão do sistema de contenção nuclear para o número de

países hoje abarcados por ele só foi possível graças ao medo da destruição de uma guerra

atômica/nuclear; à promessa dos países nuclearizados de paralisação da corrida armamentista

e de distribuição dos ganhos do uso pacífico dessa tecnologia; e, por fim, graças ao próprio

processo de imposição da ordem. Com esses três impulsionadores, o regime nuclear, hoje,

compromete a maioria dos países.

Dessa maneira, o regime se espalhou pelo globo, principalmente durante as

décadas de 70 até 90, mas isso não evitou que ele fosse, por diversas vezes, contestado, ou

que fossem demandadas reformas em seu interior. O capítulo seguinte irá focar nos pontos

demonstrados importantes do regime nuclear, como os tratados, o nível de formalização do

regime, o papel das instituições, das lideranças, as sanções e o nível de informação disponível

para se verificar o funcionamento do sistema e sua efetividade.

48

4 LIMITES DO SISTEMA INTERNACIONAL DE CONTROLE NUCL EAR

Os dois primeiros capítulos desse trabalho trataram especificamente da formação

do sistema internacional de controle atômico/nuclear e a Teoria de Regimes de Relações

Internacionais aplicada à questão da proliferação desse tipo de tecnologia. O presente

capítulo, partindo das informações já apresentadas, tem como objeto tratar das contradições

internas do regime, analisando não somente suas causas e conseqüências no âmbito militar,

mas também nos ramos político, econômico e cultural.

Com esse objetivo será, primeiramente, analisado a relação entre regimes e a

economia nuclear. Essa sessão será importante, principalmente, para demonstrar que os

efeitos das normas e princípios internacionais não são unicamente relativos ao âmbito militar,

mas apresentam conseqüências também no ramo econômico, que reduzem ou aumentam a

efetividade do regime.

Na segunda sessão desse capítulo serão tratados alguns casos práticos, sendo que,

de cada um deles, irá se retirar perspectivas inovadoras, como o uso de armas nucleares na

barganha econômica, a relativização dos países considerados como ameaça atômica/nuclear,

ou ainda, os países que contestam o regime e mesmo assim tem acesso a tecnologia de ponta.

Por fim, na última sessão, serão analisados pontos legais, estruturais e do regime

nuclear propriamente dito, para se identificar quais desses pontos apresentam incongruências

com as bases teóricas da Teoria de Regimes, e que, portanto, atrapalham o desenvolvimento

desse sistema.

4.1 Conseqüências do regime na economia nuclear

A tecnologia nuclear, que em um primeiro momento somente tinha utilidades

bélicas, com o passar do tempo passou a também ganhar uma série de utilidades em áreas de

uso civil, dentre os quais se destaca a geração de energia elétrica. O ramo econômico nuclear

tem uma série de controles por parte do Estado, sendo que, em alguns países, sua exploração é

de uso exclusivo do Estado, e, em outros, como EUA e França, as empresas privadas ou de

economia mista exploram o comércio, sendo inspecionadas pelo governo.

49

A economia nuclear, atualmente, não está restrita a fatores militares e a tecnologia

desenvolvida pode ser usada no campo, na indústria, na contenção de pragas e até no processo

de dessalinização da água, de modo que o mercado movimenta bilhões de dólares todos os

anos. Além disso, a produção de energia atômica é hoje tida como uma das energias para o

futuro, após a era dos combustíveis fóssil, como bem relatado por CAVALCANTE (2007).

Nesse sentido, o país que mais depende da energia atômica é a França, com cerca

de 75% da sua produção, ávido combatente na defesa do uso dessa tecnologia. Por outro lado,

os EUA possuem o maior parque industrial atômico e são também os maiores produtores de

produtos. A energia atômica começou a ser comercializada na década de 50 e hoje existem

435 usinas operando em 30 países, o que representa cerca de 16% do total da energia

consumida no planeta. Além disso, há 284 reatores de pesquisas espalhados por 56 países,

conforme publicação do jornal VALOR ECONÔMICO (2005)31, o que demonstra a

importância do setor na economia mundial.

O ramo da energia atômica deve ser analisado por dois aspectos, o mercado de

urânio e o mercado de venda de energia, serviços e equipamentos, sendo que todos os dois,

para serem comercializados de maneira legal, precisam passar pelo crivo da AIEA e pelo

Grupo de Supridores Nucleares32.

O preço médio do urânio, assim como o da maioria dos minerais é cíclico, cheio

de autos e baixos, variando de acordo com a demanda e a descoberta de novas áreas de

exploração. Assim, o preço permaneceu em altos patamares durante toda a década de 70,

diminuindo bruscamente durante os anos 80 e 90, tendo ocorrido um novo aumento durante

os anos 2000. O aumento no início do século se deve principalmente ao grande crescimento

da demanda, não acompanhada pela produção mundial.33

O urânio é o principal combustível para reatores e, embora não seja o único, sua

quantidade disponível no mercado e seu preço são vitais para o mercado nuclear. Dessa

forma, levando-se em conta o cenário atual de demanda maior do que a oferta e os preços

altos, as reservas de urânio são altamente disputadas pelos governos. O comércio de urânio,

assim, é imprescindível, principalmente para os grandes consumidores desse tipo de energia,

31 A volta da energia nuclear como opção mais 'limpa'. Valor on-line. 12 jul. 2005. Disponível em <http://www.inovacao.unicamp.br/report/le-nuclear.shtml>. Acesso em: 12 jun. 2008. 32 O Grupo de Supridores Nucleares é uma organização criada após os testes explosivos indianos em 1974. A organização tem como objetivo unificar a conduta de seus membros com a finalidade de embargar um país que esteja desenvolvendo um programa nuclear de cunhos militares, RODRIGUES (2006). 33 URANIUM Price. Desenvolvido por: Disclaimer, 2006. Apresenta informações sobre o mercado internacional de urânio. Disponível: <http://www.cameco.com/investor_relations/ux_history/complete_history.php>. Acesso em: 19 de Nov. 2008

50

porque ele garante o suprimento para as usinas de todo o mundo, e, por esse motivo, o regime

permite essa comercialização.

Os países que têm tecnologia nuclear, mas que não possuem grandes reservas de

urânio, têm adotado a prática de enviar geólogos a países sem tecnologia a fim de identificar

suas reservas e garanti-las para o uso próprio. Por outro lado, algumas nações com grandes

reservas tentam usá-las como moeda de barganha em troca da tecnologia nuclear. Mais

recentemente outra prática adotada pelos Estados, principalmente entre EUA e Rússia, e o

estímulo ao desarmamento de bombas nucleares, para a utilização de seu urânio em usinas,

como descrito por JESUS (2007). Isso demonstra que a cooperação dentro do regime nuclear

é fruto de barganha dos interesses, mesmo em assuntos que envolvem aspectos militares.

A venda de energia, serviços e equipamentos é outro assunto importante no ramo

nuclear, por movimentar a maior parte do capital nesse setor. Produção de energia é uma das

área vitais para qualquer país atual, e nesse caso, pode-se vender tanto a energia gerada por

usinas em seu próprio país, como serviços e equipamentos ligados diretamente ou não à

energia. Os países podem comercializar entre si, ou com empresas privadas do ramo.

Todos os aspectos do mercado nuclear levantados até agora demonstram que ele

tem suas especificações próprias, mas, na base, é como qualquer outro ramo, empresas

públicas ou privadas que visam crescer e se expandir pelo mundo, disputando com isso

mercados consumidores, matérias-primas e tecnologia.

A relação entre o regime nuclear e a economia se baseia em dois aspectos,

principalmente: os problemas de se diferenciar programas nucleares pacíficos dos militares e

a disparidade criada entre os países nuclearizados ou não.

Os tratados internacionais, como o TNP e o estatuto da AIEA, são claros ao

afirmar que proíbem a bomba atômica/nuclear e que permitem a utilização da tecnologia para

fins pacíficos, inclusive a pesquisa tecnológica. Porém, em muitos pontos, programas

nucleares pacíficos e militares se confundem de forma a um influenciar diretamente o outro.

O domínio do processo de enriquecimento de urânio e outros materiais é vital

tanto para a geração de energia em usinas como a fabricação de bombas, sendo a maior

diferença de uma para a outra o nível de enriquecimento do material, que nos explosivos é

muito maior. Assim, o trabalho dos inspetores da AIEA é verificar o nível de enriquecimento

do urânio, como relacionado por ÁLVARES (1975).

As inspeções, portanto, são vitais para se legitimar um programa nuclear como

pacífico, sendo investigadas todas as obras com relação nuclear em qualquer parte do mundo.

51

O problema desse sistema é que quando uma inspeção não é conclusiva, somente o trânsito

burocrático das negociações entre o país e a AIEA demora meses, o que acaba por atrasar a

obra por esse determinado período de tempo.

Além disso, o país que tem seu programa nuclear sob suspeita pode ter entraves

nas negociações em outros setores, de modo que ou ele abre ainda mais seu programa nuclear,

ou se sujeita aos percalços de uma dura negociação, como relatado pelo jornal VALOR

ECONÔMICO (2005).34

No ambiente internacional é claro que a área nuclear é um setor sensível, e, por

isso, resguardado de sigilo comercial, de modo que, abrir demais para inspeções, pode dar

informações vitais aos concorrentes, tanto da tecnologia que um país dispõem como da que

ele não dispõem.

Nas negociações internacionais é comum, informalmente, se inverter o ônus da

prova se considerarmos o Direito Interno, de modo que não é necessário que um país prove

que o outro tem armas atômica/nucleares, mas sim, que os Estados provem que não possuem.

Assim, se há um mínimo de suspeita sobre um programa nuclear, pelas próprias leis de

mercado, ninguém irá querer investir bilhões em um programa que, a qualquer momento,

pode se tornar inviável pela AIEA.

Outro grande problema do regime é a questão da disparidade entre países que se

nuclearizaram antes ou depois de entrarem para o regime. Com a expansão desse tratado para

a maioria dos países, quem não o assinou fica automaticamente sob suspeita, de modo que a

pressão para assiná-lo foi, e é, muito grande, como o ocorrido com o Brasil antes de 1998.

A energia atômica começou a ser comercializada já na década de 50, por empresas

ligadas ao Estado dos seus respectivos países. O setor nuclear, em seus primórdios, exige um

esforço muito grande, principalmente para a identificação de jazidas de urânio, formação de

pessoal técnico e capital.

As primeiras empresas do setor surgiram nos países que já tinham tal tecnologia,

onde já havia uma base pronta para esse mercado, ou seja, eram os países que fabricavam a

bomba atômica.

O papel do Estado, assim, não foi, e não é, unicamente fiscalizar suas próprias

indústrias, mas, também, fomentá-las. O governo, na maioria esmagadora das vezes, é dono

das empresas nucleares, ou, no mínimo, tem algum tipo de participação acionária. Por isso, a

34 A volta da energia nuclear como opção mais 'limpa'. Valor on-line. 12 jul. 2005. Disponível em <http://www.inovacao.unicamp.br/report/le-nuclear.shtml>. Acesso em: 12 jun. 2008.

52

junção entre Estado e empresas foi fundamental para a indústria nuclear nascente dos

primeiros países nucleares, porque o Estado foi o fornecedor de matéria-prima, pessoal

qualificado e principalmente de tecnologia, porque já os tinha graças aos programas nucleares

militares.

Com o passar do tempo, e a evolução do regime, criou-se instrumentos cada vez

mais fortes para a contenção dos programas nucleares suspeitos de desvio para o aspecto

militar, através das inspeções e do costumeiro requerimento do CS de que o país acusado

simplesmente pare de enriquecer urânio em todas as suas usinas.

Tanto a AIEA quanto o TNP são bem claros no sentido de que não proíbem

pesquisas no ramo nuclear, e que qualquer novo teste explosivo deva ter seus benefícios

científicos estendidos para todos os países. Porém, nada se falou sobre as informações e

tecnologias já obtidas, antes dos testes atômico/nucleares serem proibidos no ordenamento

internacional. Além disso, na prática, os países não cedem sua tecnologia nuclear,

obviamente, porque desejam manter os benefícios científicos para si próprio, a despeito do

que aconteceu com a França, que assinou o TNP em 1992, e, apenas 4 anos depois, realizou

testes atômico/nucleares no Pacífico, sem a participação da AIEA e sem dividir qualquer

benfeitoria.

O problema é bastante parecido com a maneira que é tratado o protecionismo nos

foros econômicos. Os países que hoje tem um grau de desenvolvimento avançado sempre

usaram, em alguma medida, de práticas protecionistas e depois de desenvolverem suas

indústrias, como verdadeiros camaleões, se tornam os maiores defensores do liberalismo

econômico.

No mesmo sentido, os mesmo países que hoje são os grandes defensores das

inspeções e do regime de controle dos programas nucleares, e que também são os grandes

detentores das maiores inovações tecnológicas, são aqueles que desenvolveram seus

programas nucleares com base militar, sigilosamente e sem controle internacional.

Os países cujos programas nucleares surgiram após o regime, dessa maneira, não

poderiam seguir os mesmos passos dos programas mais avançados, se submetendo a

inspeções e entraves internacionais, e sem um Estado capaz de fornecer a base econômica

necessária, já que, sem o aspecto militar da tecnologia, os governos têm menos estímulos para

adotar a opção nuclear.

A AIEA mantém uma série de projetos com países menos avançados, exatamente

para mitigar essas conseqüências, porém, isso está longe de resolver o problema. A agência

mantém projetos que treinam pessoal e dão uma base científica para os países menos

53

desenvolvidos, só que, apenas em tecnologias secundárias. Ou seja, a AIEA ajuda, mas

apenas na medida de suas próprias forças, já que o grande patrimônio tecnológico não está em

suas mãos, mas nas dos países mais desenvolvidos. Em alguns casos, o papel da agência até

se inverte, ao invés de estimular o desenvolvimento dos próprios países, a AIEA acaba por

criar novos mercados consumidores para os países desenvolvidos, como dito por ÁLVARES

(1975).

Assim, um país que hoje tenha sua indústria nuclear nascente tem que se submeter

aos entraves das inspeções internacionais, já que, como já dito, é muito difícil se separar

programas nucleares econômicos de militares. Os novos países nucleares não contam com

uma participação forte dos Estados e sua indústria nascente ainda tem que disputar recursos e

mercados com os grandes conglomerados industriais dos países mais desenvolvidos.

Essa sessão do trabalho, dessa maneira, evidência que a simples divisão feita pelo

regime que usos econômicos da tecnologia são permitidos e usos militares são proibidos deve

ser analisada com extrema cautela, porque ambos os ramos estão entrelaçados. Além disso, o

regime nuclear, em seu aspecto econômico, tem uma série de problemas de efetividade,

porque, como visto, cria insatisfação dos países não nuclearizados, porque retira a opção de se

desenvolver tecnologicamente da mesma maneira que se estivessem fora do regime; serve

mais como instrumento dos países mais fortes; e, além disso, AIEA, enquanto instituição

promovedora, não consegue mitigar problemas.

4.2 Casos práticos do regime nuclear

Esta sessão do trabalho irá se dedicar a exemplos práticos, em momentos que o

regime nuclear se viu em contestação ou que enfrentou suas contradições internas. Assim, o

objetivo dessa sessão será relatar os exemplos de Coréia do Norte, Irã, Índia e Paquistão, para

neles demonstrar, na prática, como o regime reage nas situações de cada um desses países.

54

4.2.1 Coréia do Norte: A bomba como poder de barganha

O caso da Coréia do Norte é emblemático, por trazer uma nova perspectiva para o

regime nuclear, a possibilidade de a bomba ser utilizada não somente para os fins de

deterência e compelência35 no âmbito político militar, mas também no econômico.

A história do programa nuclear norte-coreano começa na década de 1960, com a

identificação de várias minas de urânio dentro do país. A partir desse momento, com o apoio

soviético, os norte coreanos construíram seu primeiro complexo de pesquisa nuclear em

YOUNGbyon, conforme descrito na cronologia sobre o programa nuclear norte-coreano, da

influente instituição estadunidense NUCLEAR THREAT INITIATIVE (2008).36

Na década de 70, os norte-coreanos se dedicaram a aprimorar os reatores

nucleares que já possuíam graças ao apoio da URSS, principalmente o ciclo do combustível,

seu refino, conversão e fabricação.

É na década de 80, porém, o programa nuclear adotou feições militares claras. Em

1985, a inteligência americana anunciou, pela primeira vez, que possuía provas que o

programa nuclear norte coreano estava se desvirtuando, inclusive com a construção de

reatores nucleares secretos. No mesmo ano, a Coréia do Norte, altamente pressionada pelos

EUA, Coréia do Sul e Japão, assinou o TNP. Em 1987, porém, o país pôs em atividade o

reator nuclear de grafite de youngbyon, que teoricamente teria capacidade de criar urânio

enriquecido o suficiente para a construção de uma bomba.

Em julho de 1990, o jornal Washington Post publicou fotografias de satélites da

usina nuclear de Youngbyon, onde uma nova ala estava sendo construída, segundo o jornal,

para tratamento de plutônio. Em 1991, em situação de reaproximação das duas Coréias, o

governo de Pyoungyang firmou dois acordos importantes, o de Reconciliação e a declaração

de desnuclearização da península coreana.

Em maio de 1992, a AIEA, após duas semanas de inspeções, concluiu que a

Coréia do Norte ainda não tinha condições de fabricar bombas atômicas e nem nucleares. Em

1993, porém, após desavenças com a Coréia do Sul e os EUA, os norte coreanos anunciaram

35 Deterência e Compelência são dois processo de coerção moral: o primeiro visa que o país coagido não realize determinada ação; e o segundo visa a reversão de determinada ação para a situação inicial ou uma situação aceitável, segundo DUNNigan (2003). 36 NORTH Korea Nuclear Chronology. Nuclear Threat Initiative . set. 2008. Disponível em: <http://www.nti.org/e_research/profiles/NK/index.html>. Acesso em: 14 nov. 2008.

55

sua retirada do TNP. Após resolução do CS e pressões de diversos países a Coréia volta atrás

em sua decisão.

As negociações acerca do programa nuclear norte-coreano terminam em 1994,

com declaração daquele país de que não tem aspirações agressivas e nem de usar armas

atômica/nucleares. Ao mesmo tempo, os EUA e outros países prometeram ajuda econômica a

Coréia do Norte, principalmente no fornecimento de petróleo e também na construção, em 10

anos, de novas usinas nucleares, mais modernas e que usam água ao invés de grafite, já que

essas usinas usam urânio e plutônio de baixa potência.

Em janeiro de 2002, o presidente George W. Bush discursa incluindo a Coréia do

Norte no seu chamado “eixo do mal”. Em outubro, o governo americano afirma que oficiais

norte-coreanos teriam reconhecido a existência de um programa clandestino de

enriquecimento de urânio e, em novembro, a organização de desenvolvimento energético,

criada nos acordos de 1994, suspende ajuda ao norte-coreanos, que, por sua vez, expulsam os

inspetores da AIEA.

Em 2003, Coréia do Norte e Estados Unidos, sem meios diplomáticos diretos,

negociam com o intermédio da China. Durante a conferência, autoridades norte-coreanas

admitiram a existência de um plano de enriquecimento de urânio clandestino, assim como

ameaçaram iniciar a exportação de materiais, se não houvesse conversações diretas entre os

dois países. Além disso, a guerra no Iraque, no mesmo ano, acirrou os ânimos entre os dois

países, já que aquela guerra foi interpretada pelos norte coreanos como a invasão do primeiro

país do “eixo do mal”.

Abdul Khan, cientista paquistanês, confirmou, em 2004, ter vendido tecnologia

nuclear para os norte coreanos. Em janeiro de 2005, os EUA afirmam que consideram a

Coréia do Norte um reduto da tirania, e, em resposta, os norte coreanos afirmam já serem

detentores de um arsenal atômico/nuclear. No mesmo ano, a AIEA estima que a Coréia tem

cerca de seis bombas atômica/nucleares.

Em 2006, os EUA afirmam que um teste de mísseis seria visto pelo CS como

ameaça à paz internacional. Seis meses após a declaração, a Coréia do Norte realiza testes

com mísseis no mar do Japão e, depois, testes atômico/nucleares subterrâneos.

Ainda em 2006, o CS aprova resolução de um embargo à Coréia do Norte de bens

e o bloqueio de suas contas no exterior. Os norte coreanos, então, começam a negociar

aceitando divulgar lista de suas instalações nucleares, assim como o desmantelamento de seu

programa, em troca de ajuda econômica, já no ano de 2007.

56

Em 2008, a Coréia do Norte cumpre parte de seus acordos, mas é pressionada por

Japão e EUA para que se termine a desinstalação de seus reatores e declare seu arsenal

atômico/nuclear. No meio do ano, a Coréia pede rapidez também dos países envolvidos nas

negociações, Coréia do Sul, EUA, Rússia, China e Japão, para que cumprissem a ajuda

econômica ao país que, segundo eles, estava com apenas 40% do prometido.

Em junho de 2008, os norte coreanos entregaram declaração de seu estoque

atômico/nuclear à China. No mesmo mês, os EUA prometem retirar a Coréia do Norte do

“eixo do mal”, e da lista de países que incentivam o terrorismo. Em agosto, porém, o

Departamento de Estado americano volta atrás e diz que a Coréia do Norte permanecerá no

“eixo do mal” até que aceite um programa de fiscalização mais apurado de seu programa

nuclear.

Ainda no mês de agosto, a Coréia do Norte responde a afirmação americana

congelando o desmantelamento de seu programa nuclear e, em setembro, reativa o reator

nuclear de YOUNGbyon. Em outubro, porém, os EUA resolvem retirar a Coréia do Norte da

lista de Estados terroristas, e, com isso, as negociações, inclusive com a AIEA voltam a

acontecer.

A Coréia do Norte sempre dependeu econômica e tecnologicamente de algum

país, desde a URSS até a China atualmente, de modo que o programa nuclear norte coreano

também foi parte de uma série de estímulos por parte de países comunistas da região. Com a

“derrota” do comunismo na Guerra Fria e a morte de Kim Sung I, que era um líder

carismático, a Coréia do Norte se viu ameaçada em sua própria existência.

O projeto nuclear norte coreano, que, como já dito, existia e era apoiado até a

década de 80, nos anos 90 e 00 se viu contestado, promovendo o país a vilão nuclear do

mundo. Porém, a crise nuclear norte-coreana não pode ser enxergada apenas do ponto de vista

geopolítico, mas também do econômico.

A Coréia do Norte, até, a dissolução da URSS, era extremamente dependente

dessa, e, com o seu fim, o país passou a depender única e exclusivamente da China. Porém,

apesar da ajuda chinesa, a Coréia do Norte continua a ser um dos países mais miseráveis do

mundo, já que não consegue manter nem um estoque de alimentos considerável para seu

povo.

Dessa maneira, a tecnologia nuclear, e a ameaça de efetivamente se criar um

arsenal, são a opção adotada por aquele governo não só para tentar garantir a sobrevivência

política e econômica do país, mas também, a manutenção do regime autoritário de Kim Jong

II, como descrito por OLIVIERI (2006).

57

A crise norte coreana traz algo de novo ao regime nuclear na medida em que para

a sua explicação não basta a análise de fatores como a política regional e global, mas também

se deve levar em conta outros fatores na barganha nuclear, como o econômico ou o ambiente

interno de cada Estado.

A questão nuclear norte coreana só realmente começou a ter destaque no cenário

internacional na década de 90, após a Coréia do Norte ameaçar, pela primeira vez, se retirar

do TNP. Antes disso, o programa nuclear estava em expansão e em suspeita, mas não havia

todo o alarde sobre o país. Assim, o fator econômico esteve presente tanto nas negociações de

1994, como nas de 2006, de forma que sempre que se garantiu ajuda econômica e não

agressão, os norte coreanos adotaram posturas de conciliação.

Kim Jong II e George W. Bush procuravam fortalecer seus governos internamente

se atacando. O norte coreano aproveitando se da velho idéia de criar um grande inimigo

externo que justifique a união de seu povo; e o estadunidense, para dar nome e alvos para o

novo inimigo da América, o terrorismo. A questão norte coreana nunca esteve relacionada ao

terrorismo, porém a Coréia do Norte integra o novo “eixo do mal”.

Como já dito no capítulo sobre Teoria de Regimes, para que um país entre em

determinado regime, especialmente os de segurança, é necessário que o Estado tenha garantia

de sobrevivência. Além disso, como dito no mesmo capítulo, algumas vezes os Estados até

aceitam perder num campo, mas para isso devem ganhar em outro. É exatamente essa a

posição da Coréia do Norte, só aceita entrar no regime internacional de controle de tecnologia

nuclear se garantida à sobrevivência daquele Estado comunista, e se ganhar ajuda no campo

econômico.

4.2.2 Irã: O grande vilão nuclear?

O programa nuclear iraniano começou no ano de 1953, com a doação de um reator

nuclear de pesquisa, por ocasião do programa Átomos pela Paz dos EUA. Em 1967, é criada a

Organização de Energia Atômica do Irã, que era o órgão governamental responsável por

administrar as tecnologias cedidas na parceria com os americanos, conforme descrito na

cronologia da instituição NUCLEAR THREAT INITIATIVE (2008). 37

37 IRAN Nuclear Chronology, Nuclear Threat Initiative , nov. 2008. Disponível em: <http://www.nti.org/e_research/profiles/Iran/Nuclear/chronology_2008.html>. Acesso em: 14 nov. 2008.

58

Já em 1968, o Irã participou das negociações do TNP, o ratificando em 1970. Em

1974 o governo iraniano se pronunciou a favor da expansão da produção de energia atômica,

com a finalidade de poupar suas fontes de petróleo e negociá-las no mercado internacional,

para isso firmando contratos com várias empresas européias.

De fato, a relação nessa época entre Irã, EUA, Europa, África do Sul e Namíbia

era bastante entrelaçada. Os americanos e os europeus estavam interessados em fortalecer

seus aliados no Oriente Médio, haja vista a Guerra Fria e o petróleo da região, e, por sua vez,

queriam que os iranianos, uma vez bastante avançados no processo de enriquecimento de

urânio, ajudassem de seus próprios bolsos, a África do Sul e a Namíbia.

Assim, com o apoio dos EUA e da Europa, principalmente a França, o programa

nuclear iraniano começou a virar referência internacional, sendo acompanhado de perto por

outros países, como a Argentina peronista, a Índia e a Austrália. Em 1979, porém, essa

situação iria mudar radicalmente.

A Revolução Islâmica substituiu um governo pró-ocidental por um governo

radical, conservador, que culpava a civilização ocidental pela decadência moral no Irã. Os

EUA, principalmente, passaram a ser considerados o grande mal do país, o que ficou patente

na crise dos diplomatas americanos.38

Com essa situação, os investimentos estrangeiros obviamente desapareceram, e o

novo governo iraniano achava inviável continuar o programa com o mesmo enfoque de

épocas anteriores, já que até a ajuda da AIEA ao país começou a ser questionada por

autoridades americanas.

De fato, embora o Irã tenha praticamente nacionalizado seu programa nuclear, só

comercializando secretamente com a África do Sul e Índia, o país planejava aproveitar as

usinas que já estavam em construção, buscando apoio para acabar de construí-las. Ao mesmo

tempo, a inteligência e os jornais norte americanos afirmam que o projeto iraniano já, há

algum tempo, estava se desviando para a criação de armas atômica/nucleares.

Os anos 80 foram marcantes para o programa nuclear iraniano pelas disputas

comerciais nos foros internacionais com empresas alemãs e francesas e pela busca de novos

parceiros. Quanto às disputas, os franceses jamais aceitaram o rompimento de contrato e

cobram os recursos perdidos, os alemães, por sua vez, chegaram a um acordo, mas nunca mais

38 A crise dos diplomatas foi um incidente logo após a Revolução Islâmica em que estudantes invadiram a embaixada dos EUA em Teerã, fazendo todo o corpo diplomático estadunidense de refém. A situação se prolongou por vários meses e causou grandes atritos entre Irã e EUA por aquele país não ter realizado qualquer medida repreensiva aos seqüestradores, como dito por HOBSBAWM (1996).

59

investiram nas mesmas proporções anteriores à Revolução Islâmica. Quanto à busca por

novos parceiros, o Irã conseguiu dois novos empreendedores, o Paquistão e a China.

Além disso, outros três fatos foram também importantes nesse período: primeiro o

ataque iraquiano a complexos nucleares iranianos; segundo, a inclusão do Irã pelos EUA

numa lista de países que não deveriam receber qualquer suporte tecnológico; e, terceiro,

oficiais iranianos terem comentado a necessidade de o país ter armas atômica/nucleares para

fazer frente ao suposto arsenal atômico/nuclear israelense.

No fim da década de 80 e início de 90, EUA e China trocaram acusações sobre a

proliferação nuclear, dizendo que os chineses estavam incentivando a nuclearização de Irã e

Argentina, e que isso não seria tolerado.

Nos anos 90, apesar de toda a pressão dos EUA, a Rússia também começou a

cooperar com os iranianos. Diante da instabilidade, o Irã foi convencido a permitir inspeções

da AIEA, inclusive a reatores não declarados, tendo a agência chegado a conclusão que, até

aquele momento, o programa nuclear iraniano não tinha se convertido para fins militares.

Nos anos 2000, refugiados do regime iraniano, nos EUA, teriam relatado a

repórteres sobre a construção de dois estabelecimentos não declarados de enriquecimento de

urânio. A União Européia e os EUA, que, em 2002, também incluíram o Irã no chamado

“eixo do mal”, exigiram explicações. A negociação durou até o ano de 2003, que terminou

com a assinatura dos iranianos do protocolo adicional ao TNP, que basicamente aumenta as

inspeções e as torna mais abrangentes.

De 2004 até 2006, a posição do Irã foi pendular, de modo que em alguns

momentos eles até aceitavam inspeções e paralisavam o programa nuclear, e, em outros, o

mantinham em funcionamento, enquanto os relatórios da AIEA eram totalmente

inconclusivos, nem afirmando a existência de um programa nuclear militar, e nem o

descartando.

No ano de 2006 o Conselho de Governadores da AIEA decidiu levar a questão

iraniana ao CS, que, por sua vez, ordenou uma serie de embargos ao Irã por supostamente não

cooperar com a AIEA não prestando esclarecimentos sobre seu programa nuclear. No mesmo

ano, foi exigido do país que abandone o enriquecimento de urânio e que ele passe a lhe ser

fornecido pela Rússia. O acordo, no entanto, não foi aceito.

De 2006 até 2008, o CS novamente se pronunciou enrijecendo as sanções contra o

Irã, que não cumpria determinação de paralisar seu programa nuclear. Atualmente o assunto

ainda faz parte da agenda internacional, porém, está num momento de impasse entre as

determinações do CS e a posição do governo iraniano.

60

O programa nuclear iraniano surgiu como fruto de parcerias daquele país com

diversos aliados, inclusive os EUA. De fato, o Irã só começou a ser visto como um problema

nuclear após a Revolução Islâmica, ou seja, após romper com o mundo ocidental,

principalmente os americanos.

Somente depois de 1979, as fontes de inteligência americanas começaram a

informar sobre o perigo do programa nuclear iraniano estar se tornando militarizado. Porém,

um programa não se torna militarizado em um espaço de meses, e, nem tão pouco, os serviços

de espionagem teriam obtido todas as informações de um mês para outro. Assim, o alarme

internacional só foi dado após a revolução, baseado única e exclusivamente nas provas dos

Estados Unidos. O embargo de informações promovido pelos EUA dificulta a identificação de

trapaceiros ao regime, o que, segundo KEOHANE (1986), prejudica a cooperação.

Mesmo após a tomada de poder pelo regime dos aiatolás, e após as acusações

estadunidenses, alguns países ocidentais, como a Alemanha Ocidental, ainda mantiveram

acordos com o Irã. Além disso, os iranianos ainda contaram com grande apóio de duas

potências nucleares presentes no CS e na região, Rússia e China.

A questão nuclear iraniana, então, é importante para o regime, porque nela dois

pontos ficam bastante claros, primeiro a ligação entre o controle da tecnologia nuclear e a

questão política-cultural de Irã e EUA, e a relatividade na identificação de grandes agressores

ao regime, o que acontece principalmente pelo fato de não haver uma potência hegemônica

que promova o regime, cabendo esse papel ao oligopólio atômico/nuclear do CS.

As animosidades entre o Irã e os EUA vêem, já de longa data, desde a ocasião da

crise dos diplomatas. Há um conflito cultural entre os dois países, ou, pelo menos, é o que os

discursos dos dois países dão a entender. Enquanto o Irã acusa os EUA de serem os

corruptores da moral do país, desviando-o dos seus reais valores, e de serem os mantenedores

dos judeus em terras árabes, os EUA acusam o Irã de ser um país tirano, uma ameaça à paz

regional e financiador do terrorismo.

Dessa maneira, a crise entre os EUA e o Irã não é causada pela questão nuclear,

mas essa é apenas um intensificador de uma animosidade já existente. As acusações mais

recentes que começaram a crise, que se estande até os dias de hoje, foram feitas por um jornal

americano e não por um meio oficial de comunicação. Em outras palavras, tudo começou com

especulações que foram crescendo e envolvendo desde os serviços de inteligência até o CS

das Nações Unidas. Dessa forma, o Irã, que no início dos anos 2000 desenvolvia

tranquilamente seu programa nuclear, num espaço de dois anos passaram a ser o grande vilão

e um dos países do “eixo do mal.”

61

Outro ponto importante é a questão da relativização da ameaça do Irã por parte do

CS. Como já dito EUA, Grã-Bretanha e França passaram, desde o ano de 2002 a acusar o Irã

de ser o maior transgressor das normas internacionais, ao passo que China e Rússia, que tem

efetivamente maiores laços comerciais com aquele país, costumam adotar posturas mais

amenas, manifestando apenas uma preocupação com o assunto. Essa divisão do CS é, ao

mesmo tempo, ruim, porque o regime precisa de um órgão mantenedor forte, e boa, porque

assim as sanções não são aplicadas única e exclusivamente por desafetos de um país com

outro.

Percebe-se que não se discute aqui se efetivamente o programa nuclear iraniano

tem ou não intenções militares, ou se é ou não uma ameaça a paz regional. O problema

abordado se refere ao fato de que a questão nuclear iraniana não se reflete unicamente no

campo militar, mas sim num campo mais geral, do conflito político-moral entre EUA e Irã

que perdura desde a Revolução Islâmica.

Os regimes necessitam de dois pontos básicos: informação e garantia de

sobrevivência dos atores. No caso do Irã, nenhum dos dois objetivos foi ainda alcançado. A

AIEA, até os dias de hoje, não consegue nem descartar, nem confirmar as informações sobre

as contravenções iranianas, porque não tem acesso a todos os locais necessários. Na falta de

informação, cada país vê a crise iraniana de acordo com seus próprios interesses, seja para

acusar os aiatolás, seja para defendê-los.

Por outro lado, como já dito na questão norte coreana, para que um país esteja

disposto a efetivamente entrar no regime nuclear é necessário que lhe seja garantida sua

sobrevivência e, no caso iraniano, isso está longe de acontecer. Os EUA, mas especificamente

na figura de seu presidente George W. Bush, na ocasião da invasão ao Iraque, acusaram

aquele país de novamente, mesmo estando sobre um forte embargo econômico, estar

desenvolvendo armas atômica/nucleares.

A AIEA, a qual foi permitida a entrada nas instalações iraquianas, dessa vez

acenou com a afirmação de que o Iraque não tinha armas atômica/nucleares e que não as

estava desenvolvendo. Mesmo com essa afirmação os EUA, sobre esse pretexto, invadiram o

Iraque e derrubaram o regime de Sadam Hussein. Essa situação, ainda mais o Iraque sendo

um país vizinho do Irã e também integrante do “eixo do mal”, só confirma o medo dos

iranianos de uma invasão americana. Dessa maneira, o Irã não tem qualquer estímulo para

entrar no regime nuclear porque mesmo se o país se abrir totalmente as inspeções, e a AIEA

confirmar que o programa nuclear não tem finalidades bélicas, mesmo assim ainda poderia

sofrer uma invasão.

62

4.2.3 Índia e Paquistão: A contestação e suas conseqüências

O programa nuclear indiano teve seu começo já no ano de 1946, mesmo antes de

sua independência, quando o país tentava formar pessoal com conhecimentos científicos sobre

o assunto, com base nos estudos dos cientistas britânicos, como relatado pela organização

NUCLEAR THREAT INITIATIVE (2008).39

A partir de 1947, a Índia independente nacionalizou e re-estruturou seu programa

nuclear, sendo uma das principais vozes nas conversações internacionais contra o Plano

Baruch. A Índia acreditava que ele mantinha a desigualdade atômica entre os países e, por

isso, qualquer plano nesse sentido deveria desarmar incondicionalmente todos os arsenais

atômicos.

Nos anos 50, a Índia forma parcerias com França e Grã-Bretanha, além de

exportar urânio para o EUA. O país, graças às parcerias, começa a efetivamente obter

tecnologia para a produção de energia elétrica atômica. O Programa Átomos pela Paz, no

entanto, é visto com maus olhos pelos indianos, que acreditavam ser ele também um limitador

da sua liberdade de gerir seus recursos.

Em 1956, a Índia já tinha fortes parcerias com os EUA e o Canadá, e também

conseguiu construir seu primeiro reator nuclear experimental. Na época, ainda, a Índia foi um

dos principais críticos ao sistema de salvaguardas, proposto para a AIEA. Para eles, como a

agência só iria obrigatoriamente fiscalizar os projetos aos quais ela tivesse alguma

participação, somente seriam fiscalizados os programas nucleares dos países menos

desenvolvidos, já que os desenvolvidos não necessitariam da ajuda da agência.

Ainda, ao final da década de 50, o governo indiano alertava a comunidade

internacional que, se provocado, o país poderia produzir armas nucleares em 4 anos, embora

essa não fosse sua intenção. Tal alerta representava a preocupação com o Paquistão, que

começou seu programa nuclear em 1955 e, em 1958, teve um golpe de Estado, e com a China,

que também já tinha um programa nuclear avançado e ameaçava retaliar o levante do Dalai

Lama, em 1959.40

Nos anos 60, a Índia procurou construir seu primeiro reator nuclear, e, com custos

elevados, o país passou a procurar apoio também da URSS. A reação estadunidense foi firmar

39 INDIA Nuclear Chronology, Nuclear Threat Initiative , dez. 2007. Disponível em: <http://www.nti.org/e_research/profiles/India/Nuclear/2296_6395.html>. Acesso em: 14 nov. 2008. 40 PAKISTAN Nuclear overview. Nuclear Threat Initiative . ago. 2008. Disponível em: <http://www.nti.org/e_research/profiles/Pakistan/Nuclear/index.html>. Acesso em: 14 nov. 2008.

63

novos contratos com os indianos em termos pelos quais os EUA forneceria tecnologia de

ponta, e em troca sejam os únicos fornecedores de urânio enriquecido para os indianos. O

contrato constava cláusula de que todos esses materiais estariam sob fiscalização da AIEA,

porque os EUA ,graças à instabilidade política naquela região da Ásia, começaram a temer

uma corrida militar atômica/nuclear, já que a China, em 1964, já tinha explodido sua primeira

arma atômica e apoiou o Paquistão na Guerra de 1965.

Outro ponto importante foi à posição contraria da Índia em relação ao TNP. A

argumentação indiana passava por três pontos básicos: Primeiro que o tratado também

discriminava países nuclearizados de desnuclearizados. Segundo que explosões

atômicas/nucleares fiscalizadas pela AIEA poderiam ser úteis ao desenvolvimento econômico

e que isso era dificultado pelo tratado. Terceiro que, embora se proibisse a China de fabricar

novas bombas atômica/nucleares, não haveria qualquer garantia de que a Índia não seria

alvejada pelo arsenal já existente.

Nos anos 70, a China continuava a testar seu arsenal, inclusive o alcance de seus

mísseis, causando instabilidade na região. Ao mesmo tempo, Índia e EUA começaram a

conflitar com a possibilidade do uso de explosões atômica/nucleares para fins civis, de forma

que, ao final das negociações, os EUA e o Canadá resolveram repassar totalmente a AIEA a

tarefa de fiscalizar seus contratos com os indianos. Apesar disso, os indianos conseguiam

novos parceiros nucleares, a Alemanha Ocidental e o Japão.

Em 1974, a primeira ministra da Índia, Indira Gandhi, ordena a construção e a

detonação do primeiro artefato atômico indiano, com a justificativa de propósitos científicos.

Em resposta a essa explosão, foi criada a Organização dos Supridores Nucleares, com o

intuito de embargar o comércio nuclear de alguns produtos e equipamentos de seus países

membros com todos os países não-signatários do TNP, inclusive a Índia.

Ainda nos anos 70, o Paquistão, contanto com a parceria canadense, constrói sua

primeira usina nuclear. Em 1974, o país reage duramente a notícia dos testes indianos,

ameaçando desenvolver armas atômicas se os testes não cessassem. Com essa afirmação, os

EUA e o Canadá começaram a retirar o apoio ao programa nuclear paquistanês.

Nos anos 80, a Índia continuou a expandir como pode seu programa nuclear,

assim como o Paquistão. Cientistas paquistaneses foram condenado pela justiça holandesa por

espionagem industrial nuclear, e o programa daquele país começou a novamente sofrer

boicotes, exceto por parte de Irã e China, com os quais o país mantinha parcerias em várias

áreas.

64

De 1974 até os anos 90, o programa nuclear indiano, apesar dos embargos

impostos, continuou a prosperar. Nesse período, alguns países como o Canadá retiraram todo

as parcerias, e outros continuaram a comercializar itens não embargados, especialmente a

URSS. Os EUA mantiveram uma postura de aderir ao embargo nuclear, porém quanto aos

itens permitidos, às vezes os comercializava, esperando, com isso, uma aproximação da Índia

com o regime nuclear, mas, em outros tantos casos, o Congresso americano considerou ilegal

a comercialização.

O Paquistão, por sua vez, procurou novos parceiros atômicos, encontrando o

Iraque de Sadam Hussein e a Coréia do Norte de Kim Jung I. Sua parceria visava não só a

obtenção de tecnologia nuclear, mas também a tecnologia de mísseis.

A Índia, por sua vez, já tinha uma tecnologia de mísseis avançada e os testou no

ano de 1996. Em abril de 1998, porém, o Paquistão também realizou testes com mísseis de

longo alcance. Em maio, também como resposta, a Índia fez uma série de testes com

explosivos atômico/nucleares seguidos pelos paquistaneses, que, poucos dias depois, também

detonou sua primeira bomba atômica.

Frente à contestação mais clara possível do regime de controle nuclear, a

comunidade internacional impôs novos embargos e congelou investimentos diretos no país de

vários países e do Banco Mundial. Porém, essas medidas não tiveram êxito, e nem Índia nem

Paquistão assinaram o TNP.

Em 1999 uma breve guerra entre Índia e Paquistão criou um pavor na comunidade

internacional de ter que tratar da primeira guerra atômica/nuclear da história, o que,

felizmente, não aconteceu.

Nos anos seguintes, de 1998 até 2005, a Índia, apesar de embargada, continuou a

comercializar com outros países da região, como o Vietnã. De fato, o país, desde 1974, sofria

um embargo tecnológico, mas ainda comercializava quantidades consideráveis de urânio com

alguns países, assim como o Paquistão, que tem grandes reservas de urânio. Novos acordos

foram selados ou reconfirmados entre Índia e Paquistão, como a criação de uma lista de

estações nucleares e a promessa de, em caso de guerra, não atacá-las.

No ano de 2006, no entanto, o presidente americano George W. Bush começou a

alterar a posição norte americana com relação ao embargo à Índia. Os EUA proporam a

regularização do comércio nuclear indiano em troca da Índia definir o maior numero possível

de suas usinas como civis, e, portanto, permitir fiscalizações extensivas nessas usinas.

O plano só se concretiza em 2008, com a aprovação pelo Congresso americano,

do Grupo de Supridores Nucleares e pela AIEA. Atualmente, a Índia já tem contratos

65

firmados de venda de reatores nucleares com os EUA e com a França, mas outros países já

estudam negociar com os indianos.

O Paquistão, por sua vez, cujos cientistas confessaram em 2001 ter vendido

tecnologia para a Coréia do Norte e Líbia, exige que os EUA também façam um acordo

semelhante com o país, o que segundo alguns analistas é pouco provável. Os paquistaneses

afirmam que se não for garantido ao país tal acordo pelos EUA, irão atrás da China para que

ela o faça. Dessa forma, atualmente, a corrida pela tecnologia nuclear na Ásia volta a

esquentar, como bem relatado pelo jornal TRIBUNA DA IMPRENSA (2008).41

Os programas nucleares indiano e paquistanês mostram alguma contradições e

alguns momentos em que o regime simplesmente não funcionou. O fato é que desde o fim da

2ª Guerra Mundial há uma corrida armamentista na Ásia, que começou a acontecer inclusive

antes da formação do regime nuclear, o que demonstra problemas em se superar o dilema de

segurança.

O Paquistão começou a desenvolver seu programa nuclear porque se sentia

ameaçado pela Índia, aquele país tinha a mesma relação com a China, que, por sentir o perigo

de uma URSS nuclearmente armada, que por sua vez desejava se igualar aos americanos.

Perceba-se que dos cinco países aqui citados, só são duramente criticados e penalizados

justamente os dois que não são parte do CS das Nações Unidas.

Dessa forma, o dilema de segurança não foi superado e é exatamente por esse

motivo que o regime não se manteve. Como já dito, o programa nuclear bélico indiano está

intimamente ligado aos programas de Paquistão e China. Dessa maneira, não é possível

superá-lo contendo as ambições atômicas/nucleares apenas do Paquistão, é necessário também

conter a China.

O problema dos programas nucleares de China, Paquistão e Índia é que a questão

toca nas bases do sistema internacional vigente. A China integra, entre outras organizações, os

membros permanentes do CS das Nações Unidas e, assim, não é possível dentro do sistema

internacional adotar medidas mais duras contra o país. Isso, no entanto, não dá qualquer

garantia de que a Índia não será atacada e por isso a questão é tão difícil de ser superada.

Analisando a história dos programas nucleares de Índia e Paquistão, fica claro,

também, que medidas unilaterais de contenção não surtem o efeito esperado. Os EUA

mantiveram o início do programa nuclear da Índia, mas, quando começaram a entender que o

41 INTER: exportadores de tecnologia nuclear discutem fim de restrição à Índia. Tribuna da Imprensa. 21 agos. 2008. Disponível em:<http://www.tribunaimpressa.com.br/Conteudo/?IDConteudo=105265&IDSessao=60038>. Acesso em: 16 nov. 2008.

66

programa cedo ou tarde poderia se desvirtuar para o aspecto militar, começou a adotar

medidas de abafamento do programa. A medida claramente não deu certo porque quando os

EUA adotaram essa postura o vácuo deixado logo foi preenchido pela URSS, e, em outras

ocasiões, por outros países. Dessa maneira, a disputa política e econômica entre os países

deve cessar para um país embargado, sob pena de tais medidas nunca darem certo.

Outro fator importante é que quando a Índia fez os testes em 1998, o país já estava

embargado desde 1974 quando realizou seus primeiros testes atômicos. As medidas não

surtiram efeito porque o embargo cobria apenas a comercialização de novas tecnologias, mas

não proibia totalmente o trânsito de materiais físseis, que só podiam ser comercializados em

pequenas quantidades, mas se podia comercializar com vários países.

Por fim, é possível retirar dos exemplos de Índia e Paquistão que, apesar dos dois

contestarem o regime nuclear desde os primórdios, não serem signatários do TNP e nem da

AIEA, dominarem grande parte da tecnologia nuclear e de lançamento de mísseis e já terem

inadvertidamente testado seus arsenais atômico/nucleares, o CS das Nações Unidas se

manifestou apenas uma única vez sobre o assunto, em 1998. Isso indica que, apesar de todas

as contestações, o regime não foi capaz de responder em seu âmbito interno a trapaça, nesses

casos.

Além disso, o embargo imposto a esses países é simplesmente retirado, por

pressão dos EUA, sob a justificativa de que se a situação da Índia for regularizada o país veria

com melhores olhos o regime de contenção nuclear. O grande problema disso, no entanto, é

que com isso os EUA recomeçam a velha corrida por tecnologia nuclear no sul da Ásia.

Assim, os casos de Índia e Paquistão demonstram bem a necessidade de que as

sanções a países contestadores do regime nuclear sejam uniformes e universais, sob pena de

que o regime tenha tamanhas contradições internas que pare de funcionar.

4.3 Problemas legais e estruturais do regime nuclear

Nessa sessão do trabalho serão descritos problemas do regime em três ordens

distintas: os problemas legais, estruturais e de efetividade. Os problemas legais se referem às

contradições internas dentro do TNP, que é a maior fonte legal sobre o assunto; os problemas

estruturais são aqueles encontrados dentro da estrutura coercitiva nuclear, ou seja, a AIEA e o

67

CS; por fim, há também os problemas de efetividade do regime em si, da sua aceitação, da sua

capacidade de promover regras razoáveis, da sua autonomia e relevância.

O TNP foi negociado entre os anos de 1968 e 1970, em plena corrida

armamentista atômica/nuclear, e, por isso, no momento de sua concepção, alguns países nem

tinham um programa nuclear, outros o tinham em fase de desenvolvimento, e, alguns, já o

tinham avançado o suficiente para ter armas atômicas/nucleares. O primeiro problema do

tratado, dessa maneira, é o momento em que ele foi assinado.

Se tivermos uma visão mais ingênua, o tratado chegou atrasado, pois não evitou a

criação de diversos artefatos explosivos. Por outro lado, se tivermos uma visão mais crítica,

ele chegou exatamente no momento em que ele foi desejado, pois naquela situação a maioria

dos países mais desenvolvidos e relevantes no cenário internacional já tinha tecnologia

nuclear.

Dessa maneira, no contexto da Guerra Fria, um tratado desse tipo só poderia ser

realizado com a participação dos maiores países dos dois blocos, caso contrário não seria

possível congelar a disputa atômica/nuclear. Isso é um problema porque a norma não retroage

aos explosivos atômico/nuclear já existentes criando um precedente perigoso.

O segundo problema do TNP está bem claro em seu próprio nome, o tratado só

trata da proliferação atômica/nuclear, ou seja, visa basicamente evitar que um país não

nuclearizado se torne nuclearizado, quase não tratando da corrida armamentista entre países

que já detinha a tecnologia explosiva.

Enquanto o tratado, em seus primeiros artigos, descreve detalhadamente o que

pode, ou não, ser comercializado entre os países nuclearizados e os não nuclearizados, quanto

à cessação da corrida armamentista essa só está mencionada no preâmbulo do tratado, e em

um único artigo que afirma que os países signatários devem, em boa-fé, começar a negociar

sobre a corrida, e isso influi na aceitação do regime e na tendência a trapacear.42

Em outras palavras, o tratado impede e proíbe que os países menores, já que os

maiores já tinham tecnologia nuclear, desenvolvam programas explosivos, enquanto dá

praticamente um conselho aos países maiores que parem a corrida atômica/nuclear.

Outra contradição grave do tratado, dessa maneira, é a não menção aos arsenais

atômicos já existentes. Se o tratado, como afirmado em seu preâmbulo, pretende evitar a

guerra atômica/ nuclear, é, logicamente vital, que ele trate desses arsenais, porque mesmo que

42 TNP artigo VI: “Cada Parte deste Tratado compromete-se a entabular, de boa fé, negociações sobre medidas efetivas para a cessação, em data próxima, da corrida armamentista nuclear e para o desarmamento nuclear, e sobre um Tratado de desarmamento geral e completo, sob estrito e eficaz controle internacional.”

68

eles não sejam usados, na prática, fazem parte da deterência e compelência internacional, e,

também, servem como elemento econômico já que deles podem ser extraído urânio.

Mais importante ainda, é que, sem essa menção, o tratado, na prática, mantém o

status quo nuclear, ou seja, serve mais como um instrumento de manutenção de poder. Dessa

forma, os Estados não nucleares não são incentivados a entrar no tratado. Para mitigar isso o

TNP afirma que apóia a pesquisa científica e que os benefícios de qualquer teste

atômico/nuclear serão divididos igualmente entre todos os países, o que, na prática não

acontece, haja vista os testes franceses no Pacífico Sul.

Por fim, a entrada e a denúncia ao tratado são muito fáceis. O tratado, ao admitir

novos membros, ou seja, novos membros no regime, não considera se o país, no passado,

criou armas atômica/nucleares. Dessa maneira, é muito fácil para um país burlar o regime

num primeiro momento criando armas, e num segundo, entrando no regime ganhando seus

benefícios. Além disso, para denunciá-lo basta uma simples notificação ao CS e demais

partes, não sendo necessário nem qualquer tipo de inspeção extraordinária. Além disso,

enquanto o Tratado sobre o Direito ao Mar, por exemplo, tem um prazo de denúncia de 1 ano,

o tratado que supostamente impede a guerra atômica/nuclear tem um prazo de denúncia de 3

meses. Isso é prejudicial, porque quanto maior o prazo de denúncia maior o tempo para que as

forças políticas ajam constrangido um país a não abandonar o tratado.

A formação do sistema internacional de controle mostra, claramente, a evolução

organizacional dessa área, que teve como órgão primordial o CS, que é responsável por

identificar as ameaças à paz mundial. Esse órgão político, no entanto, não foi suficiente para o

regime, que tem uma base técnica muito apurada. Exatamente para tratar dessas questões

surgiu a AIEA, que, posteriormente, ainda teve uma base legal para trabalhar com a

ratificação do TNP. Isso demonstra que o regime, tendo instituições próprias, tentou se

fortalecer e se tornar autônomo, porém ainda há dificuldades nesse aspecto.

Os problemas estruturais estão relacionados, primeiramente, à questão da

legitimidade do CS para definir as ameaças à paz. Enquanto os países nuclearizados tem cinco

de seus membros agindo permanente, e com o direito de veto, os não nuclearizados, quando

estão presentes, só podem opinar durante seu mandato e não possuem o poder de vetar

qualquer medida. Além disso, o CS é o responsável por elaborar a política de desarmamento

feita pela ONU, e é o único órgão que tem poder impor sanções mais abrangentes. Assim, o

CS é muito mais rigoroso com certas desavenças políticas e muito brando com relação a seus

próprios membros. Isso também é problemático, na medida em que o regime, dessa forma,

não se torna autônomo e a sua aceitação diminui.

69

Dessa maneira, os interesses dos países nuclearizados estão muito mais bem

representados no CS, e as sanções só são aplicadas quando não obrigam os 5 membros

permanentes, e quando, os interesses de nenhum deles é prejudicado.

A AIEA, por sua vez, é um órgão mais técnico, mas já teve sua função várias

vezes contestada, sendo que, atualmente, ela auxilia os programas nucleares, fiscaliza e pode

dar pareceres sobre o desvirtuamento de programas pacíficos. No entanto, demorou um bom

tempo para que a agência tomasse consciência de suas próprias funções.

O problema é que esse orgão auxiliar ao CS, apresenta pareceres, mas tem pouco

poder, na prática, já que suas sanções próprias só atingem suas parcerias com determinado

país, e não as parcerias entre dois países. O regime necessita de instituições e, por isso, uma

AIEA forte capaz de gerir o regime e fornecer informações confiáveis.

Outro problema estrutural é a falta de um órgão próprio de registro de patentes

nucleares, o que, atualmente, ocorre como qualquer patente industrial. Seria importante a

presença desse órgão porque muitas vezes, para fiscalizar corretamente um país, a AIEA tem

acesso a informações sigilosas dos programas nucleares, e, sem uma proteção especial às

patentes, as inovações tecnológicas ficam expostas aos concorrentes.

Os problemas do regime em si refletem suas contradições internas em seus

pressupostos, como instituições, informação e efetividade, que são premissas para os regimes

funcionarem corretamente, inclusive o regime nuclear. YOUNG (1999) aponta, entre outros

pontos, que a efetividade dos regimes depende de sua autonomia e relevância, devendo o

primeiro ser entendido como a independência do regime em relação aos diversos atores

internacionais e, o segundo, como a capacidade do regime de efetivamente influenciar o

comportamento de cada vez mais Estados.

O primeiro ponto necessário para que um regime seja relevante é a aceitação da

necessidade que, pela interdependência entre os Estados, ações individuais podem trazer

resultados desastrosos. Para evitar essa situação, os países devem convergir para a mesma

idéia, ou seja, a necessidade de uma boa regulamentação da tecnologia nuclear. Para isso

ocorrer, além dos Estados se convencerem que é necessário um regime e importante também

que eles sintam que o regime é autônomo, e que se molda as necessidades coletivas, e não as

de um pequeno grupo de países.

As negociações sobre a questão nuclear, mesmo que de um país em específico,

devem ser discutidas em âmbitos multilaterais, porque, uma vez se tratando de um regime, em

que é vital a universalização de condutas, não há espaço, ou não deveria haver, para arranjos

bilaterais, que o tornam menos efetivo.

70

As sanções são outro ponto importante que deveria ser melhor trabalhado dentro

do regime nuclear, porque elas precisam ser fortes, universais e uniformes, sob pena de não

conseguir influenciar no comportamento estatal e não inibir possíveis trapaças. Os exemplos

de Índia, Irã e Israel demonstram bem as contradições nesse sentido. O Irã apesar de ser

signatário do TNP sofre um duro embargo por causa da questão nuclear, e mesmo quando a

AIEA dá pareceres mais favoráveis, não há qualquer processo de revisão de sua pena. A Índia

contestou a todo momento o regime nuclear, mas deve receber tecnologia nuclear de ponta,

mesmo não tendo assinado o TNP. Por fim, o Estado de Israel não é signatário do TNP, há

fortes suspeitas que o país tenha um programa nuclear ativo, mas não há qualquer pressão sob

o mesmo.

Há, ainda, a questão do que se deve fazer com um possível país desviante, que,

como bem aponta HAASS (2005), só tem 4 saídas possíveis: Primeiro, ir efetivamente à

guerra com o país desviante; segundo, usar a diplomacia; terceiro, realizar um ataque

preventivo; quarto, conviver com o desviante.

A primeira saída pode efetivamente resolver o problema, mas depende de uma

série de fatores políticos, e envolve ocupação por vários anos a fim de mudar a mentalidade

do país. A segunda opção é uma variável razoável, até porque muitas vezes o problema é

negociável, mas, é uma alternativa que se esgota muito facilmente. A terceira opção é um

meio termo entre as duas primeiras, é uma adaptação do polêmico Direito de Ingerência43 e já

foi utilizada, na prática, por Israel no Iraque em 1981, mas nada impede que o país

simplesmente reconstrua o que for destruído. Por fim, há também a opção de ignorar o desvio,

mas isso, além de manter um pária no sistema internacional, ainda serve de estímulo para

outros desviantes.

Dessa maneira, o regime tem que escolher como implementar suas sanções, de

forma que elas fiquem mais contundentes e, além disso, deve analisar a situação, caso a caso,

levando em conta o contexto geopolítico. Não é razoável, dessa maneira, que o Irã seja

altamente punido enquanto não se fiscaliza Israel, uma vez que ambos os programas nucleares

estão diretamente interligados com a geopolítica do Oriente Médio.

Outro ponto importante é a disponibilização de informação qualificada. Os países,

como já dito, na maioria das vezes, não tem interesse em disponibilizar informações de seus

43 O Direito de Ingerência é um princípio de aplicação polemica nas Relações Internacionais criado por organizações humanitárias. Por essa norma todo o Estado incapaz de gerir seu próprio território deve ter seu Direito à Soberania afastado para que possa haver uma intervenção internacional. Mas esse direito seria somente para fins humanitários, daí, no caso nuclear, ser uma adaptação, uma espécie de “defesa preventiva”, como dito por MACEDO (2005).

71

programas nucleares, nem os pacíficos, menos ainda os militares. Assim, é importante o papel

da AIEA, no sentido de ser facilitadora do fluxo de informações, embora, como visto pela

últimas resoluções do CS isso venha sendo feito com grande atraso. O grande problema da

falta de informação é que isso gera desconfiança e más percepções, de modo que a

cooperação muitas vezes fica abalada.

Os regimes, ainda, são vitais para o ambiente nuclear, porque permitem a

obtenção de expectativas claras e palpáveis e a previsibilidade da ação dos demais Estados.

Isso é importante porque, se num regime todos os países devam ter condutas semelhantes, é

vital que todos entendam quais são as expectativas sobre eles, ou seja, o que se espera que

cada país faça, criando, dessa forma uma previsibilidade de condutas.

As expectativas, no entanto, não são sempre claras, haja vista a guerra no Iraque.

Antes da invasão, a expectativa era que o país se abrisse para inspeções da AIEA. Em

determinado momento isso ocorreu, mas, mesmo assim, o país foi invadido. É claro que um

país, ao cumprir as expectativas do regime nuclear, deve ter garantido os mesmos direitos que

qualquer outro Estado, como o de sobrevivência. Nesse caso, porém, ficou claro que o regime

nuclear foi usado como joguete das aspirações estadunidenses, e por isso foram exigidas

expectativas falsas.

Outro ponto importante é o nível de formalização do regime nuclear. O regime é,

em sua maioria, informal. As leis e instituições adotam posturas gerais de proibir a bomba

atômica e nuclear e permitir tecnologia civil, mas as suas especificidades, assim como novos

assuntos como as armas que utilizam tecnologia nuclear não explosiva continuam como

“acordos de cavalheiros”, ou seja, reguladas caso a caso e informalmente.

Para que os regimes tenham efetividade é necessário que haja uma liderança que

os promova. No caso nuclear, por se tratar de um acordo de nível global, não é possível que

um único país tenha força suficiente para promovê-lo. Dessa forma, o regime é incentivado,

não por um único país, mas por todos os cinco membros permanentes do CS. Embora ser

promovido por um grupo de países confira maior legitimidade ao regime, isso significa

também que ele só irá funcionar corretamente se os membros do CS chegarem a um mínimo

de consenso.

Outro ponto significante é o papel das instituições, mais precisamente da AIEA.

Como já dito, é vital para os regimes que neles haja um aumento do nível de informações e

que se fiscalize o cumprimento dos acordos, identificando os trapaceiros, ou seja, quem está

produzindo armas atômica/nucleares, e esse, é o papel da agência. Ao realizar isso, AIEA

72

também dá a garantia intrínseca que se o país não está produzindo armas atômica/nucleares,

não irá sofrer qualquer tipo de sanção, pelo menos não por esse motivo.

O grande problema da AIEA é que, muitas vezes, ela não consegue distinguir com

eficiência programas nucleares militares de civis, como no exemplo do Irã. Isso ocorre porque

a agência só fiscaliza em três situações distintas: em acordos realizados com a própria AIEA;

quando ela é chamada para fiscalizar uma parceria entre dois países; ou, quando o país

autoriza a fiscalização. Além disso, geralmente a fiscalização só compreende os reatores

declarados como de uso civil, sendo que uns poucos os países nuclearizados declaram como

militares, e que não podem ser fiscalizados por envolverem a segurança nacional. Assim,

ainda hoje, a despeito com o que acontecia na Guerra Fria, os grandes fiscais são os serviços

de espionagem dos países maiores. Isso é ruim para o regime porque diminui a quantidade de

informações disponíveis, assim como a sua legitimidade, já que são fornecidas por agências

estatais e não órgão imparciais.

Resta, ao trabalho, fazer algumas classificações do regime nuclear. A primeira é

se eles são funcionalmente específicos ou funcionalmente difusos. No regime nuclear

prevalece claramente o papel dos diplomatas e oficiais de governo de alto escalão, até porque

o órgão político, CS, tem primazia em relação ao técnico, AIEA. Assim, o regime é

funcionalmente difuso, no entanto, o regime sofre, também, problemas em compatibilizar o

mundo jurídico e as práticas técnicas, que evoluem rapidamente, haja vista o caso brasileiro

em Resende, quando houve uma grande discussão acerca das normas técnicas.44 Dessa forma,

o regime é funcionalmente difuso, mas também tem características de regimes específicos.

A ordem propagada pelos regimes, como já dito, pode ser de três tipos:

espontânea, negociada ou imposta. O regime nuclear é predominantemente negociado, pois há

todo um processo de barganha em torno dos objetivos comuns. O regime não pode ser

considerado espontâneo como muitas pessoas crêem, porque apesar de haver um consenso de

que se deve evitar a guerra atômica/nuclear, abrir mão de suas próprias ambições militares

nunca é um processo espontâneo. Em alguns casos específicos, o regime é imposto a alguns

países, porém, como já dito, isso só funciona quando há um consenso dentro do CS, que age

como se fosse uma potência hegemônica.

44 Em 2004, a fabrica de enriquecimento de urânio de Resende virou polêmica internacional após publicação do jornal estadunidense Washington Post de que o Brasil estava se negando a ser inspecionado pela AIEA. A alegação brasileira era de que, para a proteção da tecnologia nacional, a AIEA somente deveria fiscalizar o nível de enriquecimento do urânio que entrava e saia da fábrica, e que isso seria suficiente para a constatação de que o programa só teria fins pacíficos, como descrito por TORTORIELLO (2004).

73

A esperança dos Estados de perder menos, ou ganhar em outra área, é outro ponto

importante dentro do regime. Os países têm interesses em diversas áreas e esperam sempre

ganhar o máximo possível em todas elas. Assim, dentro do processo de negociação, a

barganha entre ganhos de diversas áreas é importante.

Quanto à negociação de segurança propriamente dita, os Estados estão tendentes a

se preocupar mais com os ganhos absolutos do que os relativos. Dessa forma, é necessário que

ele ganhe no campo de segurança mais do que ele esperaria ganhar fora do regime. O exemplo

da Coréia do Norte é bem exemplificativo nesse sentido.

O país negocia atualmente um acordo em que são oferecidas vantagens

econômicas e a garantia de que o país não irá sofrer agressões. É claro que se EUA e Coréia

do Norte de engajarem com todas as suas forças as armas atômica/nucleares não irão deter a

vitória americana. Dessa forma, a Coréia avalia hoje o que é melhor, ter uma bomba

atômica/nuclear ou ter um acordo de não agressão somado a vantagens econômicas.

Outro ponto importante é a defesa dos valores do regime frente aos agressores. Se

é necessário, como já dito, que os Estados desejem o regime nuclear é vital que os países

dentro do regime tenham um serie de garantias, entre as quais sua própria sobrevivência e que

os Estados se alinharão em conjunto contra agressores do regime. Nesse ponto, é importante o

papel do CS que, através de suas resoluções, afirma conceder proteção a qualquer país não

nuclearizado que seja alvejado por bombas atômica/nucleares.

A questão da auto-limitação também é importante para se entender o atual regime

nuclear. Muitos Estados, como França e China, nos primórdios do TNP, não o aderiram

formalmente, porém, em seus discursos oficiais afirmavam que iriam agir como se o tivessem

feito. A auto-limitação, dessa maneira, tem aspectos bons e ruins. Por um lado, se a postura de

um Estado é aderir apenas informalmente ao regime, há pouca garantia de que ele realmente

está cumprirá o que disse, no sentido contrário, porém, se um Estado se compromete a aderir

informalmente ao regime, embora não tenha garantias, ao menos demonstra que tem a

intenção de aderir num momento futuro.

No regime nuclear tem se uma grande dificuldade em separar os aspectos

militares dos econômicos que, embora distintos, estão intimamente entrelaçados. Tanto a

produção de energia atômica, quanto a produção de bombas atômica/nucleares, depende da

tecnologia de enriquecimento de urânio, sendo que uma só se diferencia da outra pelo nível de

enriquecimento, como esclarecido por SCARLATO (2002).

Há, dessa forma, duas forças no regime nuclear: uma militar explosiva, que é

proibida; e uma econômica científica, permitida, mas que, em muitas situações, são contrárias.

74

Essa contradição é o que explica a posição estadunidense, por exemplo, de ao mesmo tempo

proibir e incentivar a tecnologia nuclear.

Os EUA, como visto na formação do regime nuclear, apenas 3 meses após utilizar

a bomba militarmente já propunha o plano Baruch45, limitando a tecnologia. Além disso, o

programa estadunidense Átomos pela Paz foi um dos principais responsáveis por espalhar

essa tecnologia pelo mundo, sendo o passo inicial de muitos programas nucleares, inclusive

os de Brasil e Irã.

Como o processo de inspeção muitas vezes não consegue fiscalizar integralmente

as atividades nucleares, seria de se esperar que alguns desses programas se desvirtuassem para

o aspecto militar. Dessa maneira, se poderia perguntar porque os EUA lançariam um

programa que incentiva o uso de tecnologia nuclear. A resposta passa tanto por fatores

econômicos, quanto militares. Economicamente o uso de tecnologia nuclear para a produção

de energia estava ficando mais barato e crescendo, de forma que o programa criava condições

para que as empresas americanas garantissem os novos mercados. Por outro lado, o programa

Átomos pela Paz ironicamente não tinha objetivos unicamente pacíficos, pois ele capacitava

pessoal para operar tecnologia nuclear, inclusive as das armas atômicas que os EUA

posicionavam no entorno da URSS, com mísseis de médio alcance, como dito por JESUS

(2007).

Além disso, aspectos militares e econômicos também se confundem com relação

ao urânio presente em armas nucleares, já que está se tornando comum um país comprar o

urânio das armas nucleares dos outros com suposta justificativa humanitária. Dessa forma,

quando aspectos militares e econômicos estão entrelaçados, o regime nuclear dificilmente

consegue separar um do outro, e, portanto, dificilmente é capaz de separar o que deve ou não

ser proibido.

Há, ainda, a questão da desigualdade nuclear, que, como já dito, cria e mantém

disparidades econômicas e militares entre os países mais desenvolvidos e os menos

desenvolvidos. O regime pode até funcionar, como hoje funciona, com essa desigualdade,

porém, enquanto ela perdurar, os riscos de trapaça serão maiores e a aceitação do regime será

menor.

45 O plano Baruch foi o primeiro plano de contenção nuclear e previa alguns pontos que mais tarde se mostraram inviáveis naquele momento histórico, como a compra pela AINDA de todas as reservas de urânio, a entrega de todos os artefatos explosivos atômicos a essa agência, a capacidade própria de impor sanções e a imunidade ao poder de veto do CS.

75

Por fim, há também a questão das tecnologias nucleares militares não explosivas,

como o submarino nuclear, as munições e blindagens revestidas com urânio empobrecido46,

minas terrestres e o lastro de mísseis, como o Tomahawk. Tais tecnologias se encontram em

um limbo jurídico, não sendo normatizadas por nenhum tratado, não sendo nem permitidas,

nem sendo expressamente proibidas.

Não há um tratado específico sobre as armas nucleares não explosivas e, por isso,

há uma seria discussão sobre a legalidade dessas armas em vários foros internacionais, como

na União Européia e nas Nações Unidas. Alguns países negam que estejam usando tais

armamentos, outros o usam expressamente, e alguns, como o caso da Bélgica, tem proibições

contra o uso de algumas desses equipamentos em suas forças armadas, como demonstrado

pela instituição INTERNATIONAL COALITION TO BAN DEPLETED URANIUM

(2007).47

As munições e blindagens revestidas com urânio empobrecido, por exemplo, já

foram discutidas em 2007 e em 2008, no âmbito da Assembléia Geral das Nações Unidas,

tendo grande resistência por parte de EUA, Grã-Bretanha, França e Israel. Porém, nessa

situação, tratava-se apenas de um pedido para que a AIEA, a Organização Mundial de Saúde e

o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas, elaborem conjuntamente um relatório

sobre os possíveis efeitos colaterais do uso dessas armas nos combatentes e nas populações

civis.

O importante desse relatório é que ele visa a responder a maior polêmica no uso

dessas armas, ou seja, se elas provocam doenças relacionadas com radiação ou não. Se o

relatório for positivo nesse sentido, essas armas ficam automaticamente proibidas, por

agredirem o Direito Humanitário.

Seriam desrespeitados, portanto, a proibição de provocar sofrimentos

desnecessários aos combatentes, a não distinção de civis de militares e o controle dos efeitos

da guerra pelos combatentes. Assim, se armas com urânio causarem doenças, que muitas

vezes só são verificáveis depois da guerra, isso é, com certeza, provocar sofrimento

desnecessário, e como agrediria inclusive o operador dessas armas, também foge ao controle.

Além disso, a radiação obviamente não faz distinção entre militares e civis. 46 O urânio encontrado na natureza é composto de três isótopos: o U-238, o U-235 e o U-234. Durante o processo de enriquecimento do urânio se separa essas três partículas, utilizando-se na geração de energia o U-235, que é o urânio enriquecido. O U-238, inicialmente não tinha utilidade alguma, sendo considerado lixo nuclear. Com o passar do tempo, no entanto, esse isótopo por ser muito denso, começou a ser utilizado na fabricação de balas e blindagens de tanques, tendo o primeiro registro de utilização na década de 70. ICBUW (2007). 47 URANIUM Weapons Summary, ICBUW , nov. 2007. Disponível em: <http://www.bandepleteduranium.org/en/a/151.html>. Acesso em: 13 set. 2008

76

Os produtos revestidos de urânio são consumidos por muitos países, mas sua

produção somente é realizada por quatro: EUA, França, Rússia e Paquistão. Analisando essa

informação, percebes-se duas coisas importantes: a primeira que três dos quatro são membros

permanentes do CS, o que certamente influiu nos debates; a segunda é que essas armas são

feitas a partir de resíduos da produção de energia elétrica e de bombas atômica/nucleares, ou

seja, esses países estão aproveitando das sobras de seus arsenais atômico/nucleares para

produzir armas mais eficientes.

O mesmo problema o regime encontra ao se deparar com a questão dos

submarinos nucleares e sua possível proibição. Não há qualquer tratado nesse sentido, até

porque o TNP só proibe tecnologias atômicas explosivas. Porém, muitos analistas enxergam

que, como todos os tratados visam ao não emprego de tecnologia nuclear em assuntos

militares, e que o uso desses submarinos poderia gerar possíveis vazamentos radioativos,

agredindo também as normas do direito humanitário, o submarino estaria proibido.

Dessa forma, há varias novas situações que o regime nuclear tem que lidar, e,

além disso, é necessário que o regime se ajuste para melhorar sua atuação, corrigindo suas

contradições internas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo a análise do regime nuclear, assim como a

sua efetividade. O tema proposto é importante uma vez que o assunto é, atualmente, muito

discutido nos foros internacionais e envolve tópicos importantes da agenda internacional,

como a segurança e a economia dos países.

O 1° capítulo tratou dos principais acontecimentos no universo nuclear. Foram

relatados os principais planos de regulamentação da tecnologia nuclear, Baruch e Átomos pela

Paz, com seus avanços e retrocessos na difícil missão de criar um consenso, assim, como

apresentados os principais momentos em que o regime internacional foi contestado tácita ou

expressamente.

A Teoria de Regimes é a base teórica desse trabalho e foi apresentada no 2°

capítulo. As premissas básicas dessa teoria, e suas principais vertentes, grotinianos e

estruturalistas, foram demonstradas, assim como as características que definem a efetividade

de um regime. Ainda nesse capítulo, foram mostradas as especificidades dos regimes em

matéria de segurança e do regime nuclear.

Por fim, o 3° capítulo teve como finalidade analisar propriamente o regime

nuclear, assim como sua efetividade, em termos econômicos, legais e estruturais, como um

todo e em alguns casos práticos. Para tanto, o trabalho primeiramente relatou quais os pontos

mais importantes para a economia nuclear, comércio de minérios, pessoal técnico e

tecnologia, para, depois, analisar as conseqüências do regime nesses fatores.

Assim, o regime nuclear, quanto à matéria econômica, apesar de legalizar a

tecnologia, tem uma série de problemas entre o quais uma disparidade criada no passado que

perdura até os dias de hoje, ou a dificuldade de provar que um programa é de uso civil, por

falta de confiança nas inspeções e das discussões sobre métodos de fiscalização.

Quanto aos aspectos estruturais e legais, foi feito uma correlação entre a Teoria de

Regimes apresentada no capítulo 2° com os fatos e acontecimentos descritos no capítulo 1° e

nos casos práticos apresentados no capítulo 3°. Assim, se elegeu uma série de pontos, como o

papel das instituições, das lideranças, o nível de formalização do regime, os tratados, as

sanções e o nível de informação disponível para se verificar o funcionamento do sistema e sua

efetividade.

Dessa maneira, há vários pontos que apresentam pouca eficiência, principalmente

devido ao jogo de poderes presente no ambiente internacional. A corrida armamentista não

78

cessou e temas como os armamentos nucleares não explosivos continuam não

regulamentados, o que demonstra a necessidade de adaptação do regime a novas realidades.

Regimes, como visto, começam quando os Estados percebem que necessitam de

ter um objetivo comum, no caso nuclear, a boa regulamentação da tecnologia atômica. Assim,

o sistema não pode e não deve servir exclusivamente para os interesses do oligopólio

atômico/nuclear, porque isso diminuiu o nível de coesão e aumenta o risco da trapaça, como

nos casos apresentados de Irã e Coréia do Norte. Além disso, o regime não pode ser

subterfúgio de interpretações grosseiras como a realizada pela Grã-Bretanha, afirmando que o

TNP não proibia a fabricação de armas atômica/nucleares, desde que não aumentasse o

arsenal, o que deve ser absolutamente descartado pelos órgãos competentes, como a AIEA e o

CS.

Para a construção de um mundo melhor ecologicamente mais estável e com

menores riscos de uma guerra atômica/nuclear, faz-se indispensável que os Estados

trabalhem, com seriedade, os pontos frágeis do regime nuclear, cumprindo, efetivamente, as

medidas elencadas pela Conferência de Prorrogação do TNP, em 2000.

O presente trabalho não objetivou, em nenhum momento, diminuir ou mitigar a

importância da existência de um regime nuclear. Mas, sim, identificar, dentro de suas

limitações, os interesses e os mecanismos sutis do jogo de poder que são empurrados à

totalidade dos países, transvertidos de ideais mais nobres, de cunho humanitário e pacifista.

Por fim, sabe-se que o mundo não tem suas estruturas vigentes modificadas

repentinamente, bem como que os jogos de poder não cessarão totalmente, permitindo a

ascensão de interesses mais elevados. Contudo, ante os riscos inerentes de uma era nuclear, a

humanidade há de evoluir, e, com a racionalidade que lhe é inerente, trilhar caminhos que não

a leve a aniquilação.

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ANEXO A- Tratado de Não Proliferação Nuclear

Tratado Sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares

Os Estados signatários deste Tratado, designados a seguir como Partes do Tratado;

Considerando a devastação que uma guerra nuclear traria a toda a humanidade e, em conseqüência, a necessidade de empreender todos os esforços para afastar o risco de tal guerra e de tomar medidas para resguardar a segurança dos povos;

Convencidos de que a proliferação de armas nucleares aumentaria consideravelmente o risco de uma guerra nuclear;

De conformidade com as resoluções da Assembléia-Geral que reclamam a conclusão de um acordo destinado a impedir maior disseminação de armas nucleares;

Comprometendo-se a cooperar para facilitar a aplicação de salvaguardas pela Agência Internacional de Energia Atômica sobre as atividades nucleares pacíficas;

Manifestando seu apoio à pesquisa, ao desenvolvimento e a outros esforços destinados a promover a aplicação, no âmbito do sistema de salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica, do princípio de salvaguardar de modo efetivo o trânsito de materiais fonte e físseis especiais, por meio do emprego, em certos pontos estratégicos, de instrumentos e outras técnicas;

Afirmando o princípio de que os benefícios das aplicações pacíficas da tecnologia nuclear - inclusive quaisquer derivados tecnológicos que obtenham as potências nuclearmente armadas mediante o desenvolvimento de artefatos nucleares explosivos - devem ser postos, para fins pacíficos, à disposição de todas as Partes do Tratado, sejam elas Estados nuclearmente armados ou não;

Convencidos de que, na promoção deste princípio, todas as Partes têm o direito de participar no intercâmbio mais amplo possível de informações científicas e de contribuir, isoladamente ou em cooperação com outros Estados, para o desenvolvimento crescente das aplicações da energia nuclear para fins pacíficos;

Declarando seu propósito de conseguir, no menor prazo possível, a cessação da corrida armamentista nuclear e de adotar medidas eficazes tendentes ao desarmamento nuclear;

Instando a cooperação de todos os Estados para a consecução desse objetivo;

Recordando a determinação expressa pelas Partes no preâmbulo do Tratado de 1963, que proíbe testes com armas nucleares na atmosfera, no espaço cósmico e sob a água, de procurar obter a cessação definitiva de todos os testes de armas nucleares e de prosseguir negociações com esse objetivo;

Desejando promover a diminuição da tensão internacional e o fortalecimento da confiança entre os Estados, de modo a facilitar a cessação da fabricação de armas nucleares, a liquidação de todos seus estoques existentes e a eliminação dos arsenais nacionais de armas nucleares e

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dos meios de seu lançamento, consoante um Tratado de Desarmamento Geral e Completo, sob eficaz e estrito controle internacional;

Recordando que, de acordo com a Carta das Nações Unidas, os Estados devem abster-se, em suas relações internacionais, da ameaça ou do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou agir de qualquer outra maneira contrária aos Propósitos das Nações Unidas, e que o estabelecimento e a manutenção da paz e segurança internacionais devem ser promovidos com o menor desvio possível dos recursos humanos e econômicos mundiais para armamentos.

Convieram no seguinte:

Artigo I

Cada Estado nuclearmente armado, Parte deste Tratado, compromete-se a não transferir, para qualquer recipiendário, armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, assim como o controle, direto ou indireto, sobre tais armas ou artefatos explosivos e, sob forma alguma assistir, encorajar ou induzir qualquer Estado não-nuclearmente armado a fabricar, ou por outros meios adquirir armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, ou obter controle sobre tais armas ou artefatos explosivos nucleares.

Artigo II

Cada Estado não-nuclearmente armado, Parte deste Tratado, compromete-se a não receber a transferência, de qualquer fornecedor, de armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, ou o controle, direto ou indireto, sobre tais armas ou artefatos explosivos; a não fabricar, ou por outros meios adquirir armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, e a não procurar ou receber qualquer assistência para a fabricação de armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares.

Artigo III

1. Cada Estado não-nuclearmente armado, Parte deste Tratado, compromete-se a aceitar salvaguardas - conforme estabelecidas em um acordo a ser negociado e celebrado com a Agência Internacional de Energia Atômica, de acordo com o Estatuto da Agência Internacional de Energia Atômica e com o sistema de salvaguardas da Agência - com a finalidade exclusiva de verificação do cumprimento das obrigações assumidas sob o presente Tratado, e com vistas a impedir que a energia nuclear destinada a fins pacíficos venha a ser desviada para armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares. Os métodos de salvaguardas previstos neste Artigo serão aplicados em relação aos materiais fonte ou físseis especiais, tanto na fase de sua produção, quanto nas de processamento ou utilização, em qualquer instalação nuclear principal ou fora de tais instalações. As salvaguardas previstas neste Artigo serão aplicadas a todos os materiais fonte ou físseis especiais usados em todas as atividades nucleares pacíficas que tenham lugar no território de tal Estado, sob sua jurisdição, ou aquelas levadas a efeito sob seu controle, em qualquer outro local.

2. Cada Estado, Parte deste Tratado, compromete-se a não fornecer:

a) material fonte ou físsil especial, ou

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b) equipamento ou material especialmente destinado ou preparado para o processamento, utilização ou produção de material físsil especial para qualquer Estado não-nuclearmente armado, para fins pacíficos, exceto quando o material fonte ou físsil especial esteja sujeito às salvaguardas previstas neste Artigo.

3. As salvaguardas exigidas por este Artigo serão implementadas de modo que se cumpra o disposto no Artigo IV deste Tratado e se evite entravar o desenvolvimento econômico e tecnológico das Partes ou a cooperação internacional no campo das atividades nucleares pacíficas, inclusive no tocante ao intercâmbio internacional de material nuclear e de equipamentos para o processamento, utilização ou produção de material nuclear para fins pacíficos, de conformidade com o disposto neste Artigo e com o princípio de salvaguardas enunciado no Preâmbulo deste Tratado.

4. Cada Estado não-nuclearmente armado, Parte deste Tratado, deverá celebrar - isoladamente ou juntamente com outros Estados - acordos com a Agência Internacional de Energia Atômica, com a finalidade de cumprir o disposto neste Artigo, de conformidade com o Estatuto da Agência Internacional de Energia Atômica. A negociação de tais acordos deverá começar dentro de 180 (cento e oitenta) dias a partir do começo da vigência do Tratado. Para os Estados que depositarem seus instrumentos de ratificação ou de adesão após esse período de 180 (cento e oitenta) dias, a negociação de tais acordos deverá começar em data não posterior à do depósito daqueles instrumentos. Tais acordos entrarão em vigor em data não posterior a 18 (dezoito) meses depois da data do início das negociações.

Artigo IV

1. Nenhuma disposição deste Tratado será interpretada como afetando o direito inalienável de todas as Partes do Tratado de desenvolverem a pesquisa, a produção e a utilização da energia nuclear para fins pacíficos, sem discriminação, e de conformidade com os Artigos I e II deste Tratado.

2. Todas as Partes deste Tratado comprometem-se a facilitar o mais amplo intercâmbio possível de equipamento, materiais e informação científica e tecnológica sobre a utilização pacífica da energia nuclear e dele têm o direito de participar. As Partes do Tratado em condições de o fazerem deverão também cooperar - isoladamente ou juntamente com outros Estados ou Organizações Internacionais - com vistas a contribuir para o desenvolvimento crescente das aplicações da energia nuclear para fins pacíficos, especialmente nos territórios dos Estados não-nuclearmente armados, Partes do Tratado, com a devida consideração pelas necessidades das regiões do mundo em desenvolvimento.

Artigo V

Cada Parte deste Tratado compromete-se a tomar as medidas apropriadas para assegurar que, de acordo com este Tratado, sob observação internacional apropriada, e por meio de procedimentos internacionais apropriados, os benefícios potenciais de quaisquer aplicações pacíficas de explosões nucleares serão tornados acessíveis aos Estados não-nuclearmente armados, Partes deste Tratado, em uma base não discriminatória, e que o custo para essas Partes, dos explosivos nucleares empregados, será tão baixo quanto possível, com exclusão de qualquer custo de pesquisa e desenvolvimento. Os Estados não-nuclearmente armados, Partes deste Tratado, poderão obter tais benefícios mediante acordo ou acordos internacionais especiais, por meio de um organismo internacional apropriado no qual os Estados não-

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nuclearmente armados terão representação adequada. As negociações sobre esse assunto começarão logo que possível, após a entrada em vigor deste Tratado. Os Estados não-nuclearmente armados, Partes deste Tratado, que assim o desejem, poderão também obter tais benefícios em decorrência de acordos bilaterais.

Artigo VI

Cada Parte deste Tratado compromete-se a entabular, de boa fé, negociações sobre medidas efetivas para a cessação em data próxima da corrida armamentista nuclear e para o desarmamento nuclear, e sobre um Tratado de desarmamento geral e completo, sob estrito e eficaz controle internacional.

Artigo VII

Nenhuma cláusula deste Tratado afeta o direito de qualquer grupo de Estados de concluir tratados regionais para assegurar a ausência total de armas nucleares em seus respectivos territórios.

Artigo VIII

1. Qualquer Parte deste Tratado poderá propor emendas ao mesmo. O texto de qualquer emenda proposta deverá ser submetido aos Governos depositários, que o circulará entre todas as Partes do Tratado. Em seguida, se solicitados a fazê-lo por um terço ou mais das Partes, os Governos depositários convocarão uma Conferência, à qual convidarão todas as Partes, para considerar tal emenda.

2. Qualquer emenda a este Tratado deverá ser aprovada pela maioria dos votos de todas as Partes do Tratado, incluindo os votos de todos os Estados nuclearmente armados Partes do Tratado e os votos de todas as outras Partes que, na data em que a emenda foi circulada, sejam membros da Junta de Governadores da Agência Internacional de Energia Atômica. A emenda entrará em vigor para cada Parte que depositar seu instrumento de ratificação da emenda após o depósito dos instrumentos de ratificação por uma maioria de todas as Partes, incluindo os instrumentos de ratificação de todos os Estados nuclearmente armados Partes do Tratado e os instrumentos de ratificação de todas as outras Partes que, na data em que a emenda foi circulada, sejam membros da Junta de Governadores da Agência Internacional de Energia Atômica. A partir de então, a emenda entrará em vigor para qualquer outra Parte quando do depósito de seu instrumento de ratificação da emenda.

3. Cinco anos após a entrada em vigor deste Tratado, uma Conferência das Partes será realizada em Genebra, Suíça, para avaliar a implementação do Tratado, com vistas a assegurar que os propósitos do Preâmbulo e os dispositivos do Tratado estejam sendo executados. A partir desta data, em intervalos de 5 (cinco) anos, a maioria das Partes do Tratado poderá obter - submetendo uma proposta com essa finalidade aos Governos depositários - a convocação de outras Conferências com o mesmo objetivo de avaliar a implementação do Tratado.

Artigo IX

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1. Este Tratado estará aberto a assinatura de todos os Estados. Qualquer Estado que não assine o Tratado antes de sua entrada em vigor, de acordo com o parágrafo 3 deste Artigo, poderá a ele aderir a qualquer momento.

2. Este Tratado estará sujeito à ratificação pelos Estados signatários. Os instrumentos de ratificação e os instrumentos de adesão serão depositados junto aos Governos do Reino Unido, dos Estados Unidos da América e da União Soviética, que são aqui designados Governos depositários.

3. Este Tratado entrará em vigor após sua ratificação pelos Estados cujos Governos são designados depositários, e por 40 (quarenta) outros Estados signatários deste Tratado e após o depósito de seus instrumentos de ratificação. Para fins deste Tratado, um Estado nuclearmente armado é aquele que tiver fabricado ou explodido uma arma nuclear ou outro artefato explosivo nuclear antes de 1 º de janeiro de 1967.

4. Para os Estados cujos instrumentos de ratificação ou adesão sejam depositados após a entrada em vigor deste Tratado, o mesmo entrará em vigor na data do depósito de seus instrumentos de ratificação ou adesão.

5. Os Governos depositários informarão prontamente a todos os Estados que tenham assinado ou aderido ao Tratado, a data de cada assinatura, a data do depósito de cada instrumento de ratificação ou adesão, a data de entrada em vigor deste Tratado, a data de recebimento de quaisquer pedidos de convocação de uma Conferência ou outras notificações.

6. Este Tratado será registrado pelos Governos depositários, de acordo com o Artigo 102 da Carta das Nações Unidas.

Artigo X

1. Cada Parte tem, no exercício de sua soberania nacional, o direito de denunciar o Tratado se decidir que acontecimentos extraordinários, relacionados com o assunto deste Tratado, põem em risco os interesses supremos do país. Deverá notificar essa denúncia a todas as demais Partes do Tratado e ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, com 3 (três) meses de antecedência. Essa notificação deverá incluir uma declaração sobre os acontecimentos extraordinários que a seu juízo ameaçaram seus interesses supremos.

2. Vinte e cinco anos após a entrada em vigor do Tratado, reunir-se-á uma Conferência para decidir se o Tratado continuará em vigor indefinidamente, ou se será estendido por um ou mais períodos adicionais fixos. Essa decisão será tomada pela maioria das Partes no Tratado.

Artigo XI

Este Tratado - cujos textos em inglês, russo, francês, espanhol e chinês são igualmente autênticos - deverá ser depositado nos arquivos dos Governos depositários. Cópias devidamente autenticadas do presente Tratado serão transmitidas pelos Governos depositários aos Governos dos Estados que o assinem ou a ele adiram.