gustavo capanema

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Livro de um dos mais importantes nomes da educação.

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CAPANEMA

GUSTAVO

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Ministrio da Educao | Fundao Joaquim Nabuco Coordenao executiva Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari Comisso tcnica Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente) Antonio Carlos Caruso Ronca, Atade Alves, Carmen Lcia Bueno Valle, Clio da Cunha, Jane Cristina da Silva, Jos Carlos Wanderley Dias de Freitas, Justina Iva de Arajo Silva, Lcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fvero Reviso de contedo Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Clio da Cunha, Jder de Medeiros Britto, Jos Eustachio Romo, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia Secretaria executiva Ana Elizabete Negreiros Barroso Conceio Silva

Alceu Amoroso Lima | Almeida Jnior | Ansio Teixeira Aparecida Joly Gouveia | Armanda lvaro Alberto | Azeredo Coutinho Bertha Lutz | Ceclia Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy Ribeiro Durmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan Fernandes Frota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos Helena Antipoff | Humberto Mauro | Jos Mrio Pires Azanha Julio de Mesquita Filho | Loureno Filho | Manoel Bomfim Manuel da Nbrega | Nsia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo Freire Roquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio Dria | Valnir Chagas

Alfred Binet | Andrs Bello Anton Makarenko | Antonio Gramsci Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | Clestin Freinet Domingo Sarmiento | douard Claparde | mile Durkheim Frederic Skinner | Friedrich Frbel | Friedrich Hegel Georg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich Jan Amos Comnio | Jean Piaget | Jean-Jacques Rousseau Jean-Ovide Decroly | Johann Herbart Johann Pestalozzi | John Dewey | Jos Mart | Lev Vygotsky Maria Montessori | Ortega y Gasset Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud

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CAPANEMAJos Silvrio Baia Horta

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ISBN 978-85-7019-524-1 2010 Coleo Educadores MEC | Fundao Joaquim Nabuco/Editora Massangana Esta publicao tem a cooperao da UNESCO no mbito do Acordo de Cooperao Tcnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a contribuio para a formulao e implementao de polticas integradas de melhoria da equidade e qualidade da educao em todos os nveis de ensino formal e no formal. Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organizao. As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo desta publicao no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites. A reproduo deste volume, em qualquer meio, sem autorizao prvia, estar sujeita s penalidades da Lei n 9.610 de 19/02/98. Editora Massangana Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540 www.fundaj.gov.br Coleo Educadores Edio-geral Sidney Rocha Coordenao editorial Selma Corra Assessoria editorial Antonio Laurentino Patrcia Lima Reviso Sygma Comunicao Ilustraes Miguel Falco Foi feito depsito legal Impresso no Brasil

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Fundao Joaquim Nabuco. Biblioteca) Horta, Jos Silvrio Baia. Gustavo Capanema / Jos Silvrio Baia Horta. Recife: Fundao Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 160 p.: il. (Coleo Educadores) Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7019-524-1 1. Capanema, Gustavo, 1900-1985. 2. Educao Brasil Histria. I. Ttulo. CDU 37(81)

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SUMRIO

Apresentao, por Fernando Haddad, 7 Ensaio, por Jos Silvrio Baia Horta, 11 De bacharel a interventor em Minas, 15 Defendendo o ensino primrio junto Unesco, 17 Gustavo Capanema, ministro da Educao, 19 O termo cultura, 20 A criao do Conselho Nacional de Cultura, 21 A figura do professor, 22 A disputa, 23 A conspirao integralista, 26 O Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos (Inep), 28 A Universidade do Brasil, 28 A Escola Nacional de Educao Fsica e Desportos, 29 Os intelectuais e Capanema, 31 O que foi a Comisso Nacional do Ensino Primrio, 32 Mudanas, 35 Ensino preparador da elite intelectual do pas, 37 Sociologia e religio e a Lei Orgnica do Ensino Secundrio, 38 Uma aliana com a Igreja, 42 Deixando o Ministrio, 46 Discurso de Capanema na

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comemorao do centenrio do Colgio Pedro II, 48 Educao Moral e Cvica, 58 A formao de uma conscincia patritica, 60 A dimenso esttica, 62 Planejamento da educao, 68 O novo Conselho Nacional de Educao Um plano quinquenal, 70 Relao com o meio estudantil, 76 A UNE, 77 Gustavo Capanema Deputado Constituinte 1946, 83 Gustavo Capanema relator do anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases 1949, 88 Gustavo Capanema atual, 98 Textos selecionados, 101 Instalao do Conselho Nacional de Educao, 102 Posse da diretoria do DCE da Universidade do Brasil, 107 Comemorao do centenrio do Colgio Pedro II, 110 A misso do professor secundrio: educar para a ptria, 132 Exposio de motivos da Lei Orgnica do Ensino Secundrio, 135 Instalao do Senai, 139 Cronologia, 147 Bibliografia, 149

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APRESENTAO

O propsito de organizar uma coleo de livros sobre educadores e pensadores da educao surgiu da necessidade de se colocar disposio dos professores e dirigentes da educao de todo o pas obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram alguns dos principais expoentes da histria educacional, nos planos nacional e internacional. A disseminao de conhecimentos nessa rea, seguida de debates pblicos, constitui passo importante para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da prtica pedaggica em nosso pas. Para concretizar esse propsito, o Ministrio da Educao instituiu Comisso Tcnica em 2006, composta por representantes do MEC, de instituies educacionais, de universidades e da Unesco que, aps longas reunies, chegou a uma lista de trinta brasileiros e trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critrios o reconhecimento histrico e o alcance de suas reflexes e contribuies para o avano da educao. No plano internacional, optou-se por aproveitar a coleo Penseurs de lducation, organizada pelo International Bureau of Education (IBE) da Unesco em Genebra, que rene alguns dos maiores pensadores da educao de todos os tempos e culturas. Para garantir o xito e a qualidade deste ambicioso projeto editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo Freire e de diversas universidades, em condies de cumprir os objetivos previstos pelo projeto.7

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Ao se iniciar a publicao da Coleo Educadores*, o MEC, em parceria com a Unesco e a Fundao Joaquim Nabuco, favorece o aprofundamento das polticas educacionais no Brasil, como tambm contribui para a unio indissocivel entre a teoria e a prtica, que o de que mais necessitamos nestes tempos de transio para cenrios mais promissores. importante sublinhar que o lanamento desta Coleo coincide com o 80 aniversrio de criao do Ministrio da Educao e sugere reflexes oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, em novembro de 1930, a educao brasileira vivia um clima de esperanas e expectativas alentadoras em decorrncia das mudanas que se operavam nos campos poltico, econmico e cultural. A divulgao do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundao, em 1934, da Universidade de So Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em 1935, so alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos to bem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros. Todavia, a imposio ao pas da Constituio de 1937 e do Estado Novo, haveria de interromper por vrios anos a luta auspiciosa do movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do sculo passado, que s seria retomada com a redemocratizao do pas, em 1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possibilitaram alguns avanos definitivos como as vrias campanhas educacionais nos anos 1950, a criao da Capes e do CNPq e a aprovao, aps muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no comeo da dcada de 1960. No entanto, as grandes esperanas e aspiraes retrabalhadas e reavivadas nessa fase e to bem sintetizadas pelo Manifesto dos Educadores de 1959, tambm redigido por Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidas em 1964 por uma nova ditadura de quase dois decnios.

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A relao completa dos educadores que integram a coleo encontra-se no incio deste volume.

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Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estgio da educao brasileira representa uma retomada dos ideais dos manifestos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com o tempo presente. Estou certo de que o lanamento, em 2007, do Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE), como mecanismo de estado para a implementao do Plano Nacional da Educao comeou a resgatar muitos dos objetivos da poltica educacional presentes em ambos os manifestos. Acredito que no ser demais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cuja reedio consta da presente Coleo, juntamente com o Manifesto de 1959, de impressionante atualidade: Na hierarquia dos problemas de uma nao, nenhum sobreleva em importncia, ao da educao. Esse lema inspira e d foras ao movimento de ideias e de aes a que hoje assistimos em todo o pas para fazer da educao uma prioridade de estado.

Fernando Haddad Ministro de Estado da Educao

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GUSTAVO CAPANEMA (1900 - 1985)Jos Silvrio Baia Horta

Introduo

Neste livro pretendemos analisar as atividades desenvolvidas por Gustavo Capanema, inicialmente como ministro da Educao e depois como constituinte e como deputado federal. Temos como ponto de partida um questionamento ao clebre texto de Carlos Drummond de Andrade sobre Capanema, intitulado Experincia de um intelectual no poder, escrito em 1941, no qual ele afirma:a experincia do clrigo no poder foi vivida largamente por Gustavo Capanema. Dez anos j escoados, lcito reconhecer que ele a viveu com perfeita dignidade espiritual. A tentao de usar os meios grosseiros do poder deve ser forte, primeira dificuldade que surja para o intelectual. Exatamente por que so novos para ele, esses meios podem seduzi-lo (...) Comprazo-me em insistir na afirmao de que Gustavo Capanema soube ser, na sua provncia natal, como est sendo em cenrio mais amplo, um intelectual no poder, sem as abdicaes, os desvios e as inibies que o poder, via de regra, impe aos intelectuais.

Como contraponto, utilizamos o discurso pronunciado por Gustavo Capanema no dia 20 de novembro de 1968, na Cmara dos Deputados, em louvor de Francisco Campos, falecido no princpio daquele ms. Disse Capanema,Francisco Campos, o grande morto que hoje pranteamos, merece biografia. No falo de tantas das biografias que se escrevem a esmo, desinteressadas da inteira verdade e quase sempre sem a preocupao do exemplo, isto , sem contedo moral, destitudas das lies contidas nas vidas exemplares. Falo das biografias escritas maneira de Plutarco.

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Poucos, sem dvida, so os que merecem biografia assim. Francisco Campos est no nmero dos brasileiros que, fazendo jus s comemoraes solenes ou aos monumentos de praa pblica, so sobretudo dignos da autntica biografia, porque a sua vida foi a trajetria da mentalidade superior, adversa ao diletantismo, mas resolutamente aplicada, da viglia e do esforo cheios de estoicismo e sem remitncia, da coragem ao mesmo tempo lcida e audaciosa e do idealismo sem ingenuidade e sem destempero, mas objetivo e realista. A biografia de Francisco Campos haver de ser tecida destes dois elementos: a carreira jurdica e a carreira poltica, entrelaadas sempre, influindo uma sobre a outra e nenhuma delas jamais abandonada.

Capanema, como poltico, no hesita em elogiar Campos, seu iniciador na vida poltica e em seguida seu adversrio ferrenho: Drummond, como intelectual, no hesita em trazer para o seu campo Capanema, seu aliado poltico desde os tempos da Legio Mineira e seu amigo, ao qual permaneceu leal at o fim. Capanema faz uma anlise intelectual do poltico, Drummond faz uma anlise poltica do intelectual. Drummond fala de Capanema tal como ele gostaria que Capanema fosse; Capanema traa uma biografia de Campos tal como gostaria que um dia fosse traada a sua. Drummond apresenta a figura de Capanema tal como ele a via e gostaria que todos vissem: Capanema apresenta a figura de Campos tal como gostaria que um dia fosse apresentada a sua. Tero razo Drummond e Capanema? A biografia de Campos permite dizer que Capanema no tinha razo. Quanto Drummond, esse trabalho pretende mostrar que ele tambm no tinha razo. Para isso, analisamos a atuao de Capanema no campo da educao, em trs momentos: como ministro da Educao do governo Vargas, entre 1934 e 1945, como Constituinte, em 1946 e como parlamentar, entre 1947 e 1957. Utilizamos como principal fonte primria a documentao existente no Arquivo Gustavo Capanema, no Centro de Pesquisa e Documentao Contempornea da Fundao Getlio Vargas, no Rio de Janeiro (CPDOC). Consultamos tambm o Dirio Oficial da Unio, o Dirio do Congresso Nacional, os Anais da Cmara dos Deputados, os Anais da Assembleia12

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Nacional Constituinte de 1946 e o Dirio da Assembleia Nacional Constituinte de 1946.*Dados biogrficos

Gustavo Capanema Filho nasceu em Pitangui (MG) no dia 10 de agosto de 1900. Filho de Gustavo Xavier da Silva Capanema e de Marcelina Jlia de Freitas Capanema, iniciou seus estudos em Pitangui, transferindo-se em seguida para Belo Horizonte, tendo estudado nos colgios Azeredo e Arnaldo e no Ginsio Mineiro. Sua passagem pelo colgio Arnaldo foi interrompida de forma brusca, em novembro de 1916. Em carta ao seu pai, ele narra o acontecido:Meu pai, Logo que foi declarada a guerra entre o Brasil e a Alemanha, os estudantes daqui manifestaram o desejo do fechamento do colgio Arnaldo que, como voc sabe, foi dirigido por padres alemes. Para chegar a esse intento espalharam diversos boletins, nos quais pediam aos pais que retirassem seus filhos do colgio quanto antes. Porm no foram ouvidos, pois o estabelecimento continuou a funcionar regularmente. Em vista disso os acadmicos se dirigiram para l e obrigaram aos padres o fechamento imediato do colgio. Foi ontem a uma e meia da tarde. Os alunos internos foram entregues aos respectivos correspondentes. Alguns no os tm, entre os quais tambm eu. Fomos, pois, entregues ao senhor secretrio do interior que nos colocou em uma penso familiar por conta do estado, at que os pais deliberem o que se deve fazer. (...) Tranquilize-se, pois estou bom de sade e entregue a boas pessoas. O que preciso a minha colocao, pois j necessrio estudar para no perder tempo. Confiemos em Deus e tenhamos coragem. Abenoe o seu filho.

Gustavo Capanema ingressou em 1920 na Faculdade de Direito de Minas Gerais. Durante seus estudos, juntou-se a alguns colegas, formando o grupo conhecido com os intelectuais da

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Agradecemos a Fabiana de Freitas Pinto pela pacincia e competncia com que digitou o contedo dos documentos, alguns manuscritos, utilizados na elaborao desse livro (Nota do autor).

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Rua da Bahia, por se reunirem, frequentemente nos fundos da Livraria Alves, situada nessa rua. Participavam do grupo, alm de Capanema, Abgar Renault, Milton Campos, Pedro Aleixo, Emlio Moura, Carlos Drummond de Andrade, Joo Pinheiro Filho, Martins de Almeida, Flvio de Melo Santos, Lus Camilo de Oliveira Netto, Negro de Lima, Pedro Nava, Mario Casasanta, Joo Alfonsus, Cristvo Breyner, Alberto Campos e Heitor Augusti de Sousa. Em crnica escrita em 1941, Carlos Drummond de Andrade descreve o ambiente no qual se davam os encontros e os debates do grupo:Entre 1920 e 1930, a cidade de Belo Horizonte poderia ser resumida na rua da Baa. Essa rua tem a maior importncia para quem se disponha a estudar a histria e as transformaes da fisionomia da capital mineira. Por ela se vai Praa da Liberdade e ao Palcio do mesmo nome. No Palcio est o governo de Minas, que no s eminncia poltica, mas tambm eminncia topogrfica: situado no altiplano da praa florida, ele domina a cidade e os homens em derredor. A rua da Baa , pois, em Minas Gerais, o caminho que conduz ao governo. Mas, no decnio acima indicado, a rua da Baa era ainda alguma coisa mais, a saber, o crebro de Belo Horizonte. Ali se achava instalada certa livraria de duas portas, com livros didticos e cadernos escolares arrumados displicentemente numa nica vitrine. Livraria escura e meio empoeirada, como toda boa livraria. Quem entrasse nada observaria de extraordinrio nas altas prateleiras, cheias quase que apenas de edies da casa. Mas, atingindo estreito corredor ao lado da jaula da gerncia, perceberia vozes e gestos exaltados, trs ou quatro rapazes em torno de um senhor calvo e de culos reluzentes, que por sua vez gesticulava nervoso. (...) De vez em quando, um outro homem pequenininho e silencioso brotava l do fundo, do mais fundo e profundo daquele corredor sombrio, trazendo na mo algumas brochuras, que tinham o poder mgico de fazer cessar o debate. Os jovens paravam de discutir e punham-se a disputar as preciosidades bibliogrficas. Esses volumes no chegavam nunca a figurar na vitrine melanclica, pois o pequeno grupo do corredor os confiscava sumariamente. E da leitura dessas pginas brotavam novos debates, nas tardes e nas manhs dulcssimas de Belo Horizonte. (...)

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A esse grupo da Livraria Alves pertencia Gustavo Capanema. Era dos mais antigos, pois fizera todo o curso de direito sombra daquelas estantes. J bacharel, foi realizar a experincia da vida municipal, to marcante em sua biografia: advogou, lecionou, fez poltica na cidade mineira de Pitangui. Mas qualquer fria forense ou escolar fazia com que abalasse para Belo Horizonte, onde se reaglutinava ao grupo crtico da livraria. De todos, era talvez o mais terrvel consumidor de livros. Era tambm o mais asctico, e no participava do gosto que um ou outro frequentador ao recinto sagrado nutria pelas peregrinaes noturnas nos bares, com declamao de poemas do modernismo nascente e largo consumo de cerveja gelada. Do ponto de vista da poltica local, era dos espectadores mais frios, cuidando menos de julgar o governo do que de ignor-lo, para melhor se consagrar anlise pura do fenmeno poltico, numa espcie de inconsciente preparao ideolgica para a atividade de governo que em breve lhe seria dado exercer em circunstncias totalmente diversas das que caracterizavam ento a vida pblica de Minas e do pas. De bacharel a interventor em Minas

Gustavo Capanema bacharelou-se em cincias jurdicas e sociais em dezembro de 1924. No ano seguinte retornou a Pitangui, onde lecionou na escola normal e advogou at 1929. Ingressou ao mesmo tempo na vida poltica, elegendo-se, em 1927, vereador da Cmara Municipal de Pitangui. Mas Capanema tinha ambies polticas mais altas. Em abril de 1927, escrever sua me: Vou ao Rio amanh. Demorarei s uns trs ou quatro dias. E depois voltarei de novo para Pitangui, para essa enfastiante Pitangui, onde me espera, alm do mais, a maada de ser vereador. Alis, a relao dele com a sua cidade natal era marcada pela ambiguidade. Em setembro de 1929 Capanema retornou a Belo Horizonte, para ocupar o cargo de oficial de gabinete, a convite de Olegrio Maciel. Em novembro do mesmo ano assumiu a Secretaria do Interior e Justia no governo Olegrio Maciel, em substituio a Cristiano Machado.

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Em dezembro de 1930, Capanema travou os primeiros entendimentos com Francisco Campos, em torno da criao da Legio de Outubro. Campos, ministro da Educao e Sade do governo provisrio de Vargas, foi, segundo afirma Simon Schwartzman, o mentor poltico e intelectual de Capanema nesse perodo. Em fevereiro de 1931, Capanema participou do lanamento do manifesto de fundao, em Minas Gerais, da Legio de Outubro. A Legio de Outubro foi criada em Minas Gerais por Francisco Campos (ento ministro da Educao), com o apoio de Gustavo Capanema (ento secretrio do Interior e Justia do Estado de Minas Gerais) e Amaro Lanari (secretrio das Finanas), como um meio de integrar Minas no processo revolucionrio e como instrumento para enfraquecer as foras polticas oligrquicas tradicionais do estado. Na realidade, a Legio de Outubro fazia parte da estratgia elaborada por Francisco Campos para reforar suas bases de sustentao poltica em Minas Gerais. Olegrio Maciel faleceu no dia 5 de setembro de 1933. Com sua morte, Capanema assumiu interinamente o cargo de interventor federal em Minas, esperando ser efetivado no cargo. Tendo a escolha de Vargas recado sobre Benedito Valadares, Capanema, exonerado em 12 de dezembro de 1933, transmite-lhe o cargo e retorna a Pitangui, aguardando o desenrolar dos acontecimentos. Em janeiro de 1934, Getlio Vargas oferece-lhe o cargo de representante mineiro no Departamento Nacional do Caf. Capanema recusa a oferta, comunicando sua deciso a Vargas em carta de 26 de janeiro de 1934:Prezado amigo doutor Getlio Vargas. Saudaes afetuosas. Depois da ltima audincia que o senhor me concedeu, tratei de averiguar se a residncia em Minas seria compatvel com o exerccio regular das funes de representante mineiro no Departamento Nacional do Caf, cargo que o senhor to generosamente ps minha disposio.

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Verifiquei que isso no possvel. Para que se exera, conscienciosamente, com real proveito para o servio pblico, aquele cargo, cumpre ao seu detentor morar no Rio de Janeiro. Ora, presentemente, e pelas razes que lhe expus, no poderei afastar-me de Minas. Forado, assim, a no ocupar aquela posio, quero, entretanto, mais uma vez, manifestar-lhe o meu grande reconhecimento pelo seu gesto, to cheio de gentileza e amizade, oferecendo-me esta oportunidade de trabalhar pela economia de meu estado. Aqui continuo, como sempre, ao seu dispor, pronto, com os meus amigos, a trabalhar na defesa de seu governo, bem como a pugnar pela eleio de seu nome para a presidncia constitucional da repblica, conforme os compromissos que, no interesse da nao, com o senhor assumi mais de uma vez. Sou, com estima e apreo, seu amigo, Gustavo Capanema. Defendendo o ensino primrio junto Unesco

Em 26 de julho de 1934, logo aps a posse de Vargas na Presidncia da Repblica, Capanema ser efetivamente nomeado para a pasta da Educao e Sade Pblica, cargo que ocupar at a queda de Vargas, em 30 de outubro de 1945. Em 2 de dezembro de 1945 Capanema elegeu-se deputado por Minas Gerais Assembleia Nacional Constituinte na legenda do PSD. Foi membro da Comisso Constitucional, encarregada de redigir o anteprojeto da nova Carta. Durante os trabalhos constituintes, Capanema participou ativamente dos debates relativos ao captulo sobre educao, tendo apresentado substitutivo que veio a constituir a base do texto. A Constituio foi promulgada em 18 de setembro de 1946 e a Assembleia Nacional Constituinte transformou-se em Congresso ordinrio. Dessa forma, os constituintes tiveram seus mandatos estendidos para a legislatura de 1946 a 1951. De 1947 a 1950, Capanema foi membro da Comisso de Justia da Cmara, participando ainda da comisso encarregada de elaborar as leis complementares Constituio. Nesta condio, elaborou parecer sobre o anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases

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da Educao Nacional, sendo responsvel pela sua rejeio e posterior arquivamento. A participao de Gustavo Capanema nos debates sobre educao na Assembleia Nacional Constituinte de 1946 e na tramitao do anteprojeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional. Em outubro de 1950, Capanema reelegeu-se deputado federal pelo PSD, tendo sido indicado por Vargas para o cargo de lder da maioria. Foi reeleito em 1954 e 1962, sempre na legenda do PSD. Em novembro de 1956, chefiou a delegao brasileira IX Conferncia Geral da Unesco, em Nova Delhi, na ndia, na condio de embaixador extraordinrio. No seu discurso, Capanema defendeu uma atuao mais firme da Unesco no campo do ensino primrio. Eleito suplente de deputado federal nas eleies de 1958, Capanema ficou sem mandato parlamentar de fevereiro de 1959 a janeiro de 1961. Nesse perodo, nomeado pelo presidente Juscelino Kubitschek, exerceu o cargo de ministro do Tribunal de Contas da Unio. Aposentou-se do cargo em 16 de janeiro de 1961, reassumindo em seguida sua cadeira na Cmara dos Deputados. Em 31 de maro de 1964, Capanema apoiou o golpe militar que deps o presidente Joo Goulart. Em 1966, aps a extino dos partidos polticos, ingressou na Arena, partido de apoio ao governo militar, tornando-se membro de sua Comisso Executiva Nacional. Em novembro de 1966, foi reeleito para a Cmara Federal, pela Arena. Na condio de deputado federal, votou favoravelmente aceitao do projeto de Constituio encaminhado ao Congresso Nacional pelo Marechal Castelo Branco em dezembro de 1966, visando a institucionalizao dos ideais e princpios da Revoluo. Em sua declarao de voto, mesmo questionando se a iniciativa do Executivo era legtima, democrtica e correta, Capanema vota favoravelmente por acreditar que o Congresso, aceitando o projeto, estaria dando um passo de sabedoria

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poltica. Alm disso, segundo ele, uma vez aprovada a Constituio, criar-se-ia para o governo um clima de obrigatria juridicidade e se abriria a perspectiva de um retorno plenitude democrtica e ao estado de direito. Em novembro de 1970, Capanema elegeu-se senador por Minas Gerais na legenda da Arena. Durante sua permanncia no Senado, foi presidente da Comisso de Educao e Cultura, de 1971 a 1973. Em janeiro de 1979, ao trmino de seu mandato no Senado, encerrou sua carreira poltica, fixando residncia no Rio de Janeiro. Em 1980, candidatou-se a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, tendo sido derrotado pela escritora Dinh Silveira de Queirs. Gustavo Capanema era casado com Maria de Alencastro Massot, filha do coronel Afonso Emlio Massot, comandante da Brigada Militar do Rio Grande por mais de vinte anos. Teve dois filhos. Faleceu em 14 de maro de 1985.Gustavo Capanema, ministro da Educao 1934-1945

Em 26 de julho de 1934, logo aps a posse de Vargas na Presidncia da Repblica, Capanema ser nomeado para a pasta da Educao e Sade Pblica, cargo que ocupar at a queda de Vargas, em 1945. Durante quase todo este tempo Capanema ter, como seu chefe de gabinete, o seu amigo Carlos Drummond de Andrade, antigo companheiro dos tempos da Legio Mineira. Drummond ser exonerado, a pedido, em 13 de maro de 1945. Durante sua permanncia no Ministrio, Capanema empreendeu a reorganizao administrativa do mesmo, iniciou a elaborao das leis orgnicas do ensino e tomou diversas iniciativas no campo cultural. A reforma do Ministrio, iniciada em dezembro de 1935, com o encaminhamento do projeto ao Poder Legislativo e promulgada em 1937 lei n 378, de 13 de janeiro de 1937 foi marcada,

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de um lado, pela preocupao em adequ-lo s exigncias da Constituio de 1934; de outro, pelo interesse de Capanema em aumentar os seus poderes. Ao mesmo tempo em que procura tornar mais geis os procedimentos administrativos, Capanema busca ampliar o campo de atuao do Ministrio, propondo sem sucesso a sua transformao em Ministrio da Cultura Nacional. Nesta perspectiva, o Servio de Radiodifuso Educativa e o Instituto Nacional de Cinema Educativo, j existentes, sero oficialmente colocados na esfera do Ministrio de Educao e Sade.O termo cultura

Ao encaminhar o projeto ao presidente Getlio Vargas, em novembro de 1935, Capanema escreve:Rio. 14 de novembro de 1935. Meu caro presidente. Trago-lhe, finalmente, o projeto de reorganizao do Ministrio da Educao. Antes do mais, peo-lhe que me perdoe a demora. Demorei muito. Mas demorei, porque no queria apresentar-lhe uma reforma parcial, feita de afogadilho. Demorei, no para distrair-me com outras coisas, mas para consagrar-me fervorosamente, num trabalho realmente penoso, elaborao de uma construo de grande vulto e sentido. Li muito. Percorri livros e livros sobre todos os assuntos relacionados com o Ministrio. Entretanto, no lhe trago um trabalho livresco e artificial. Estive permanentemente em contato com a realidade: observei, examinei, sondei as coisas existentes. Nem uma s linha foi escrita na exposio de motivos e no projeto de lei, sem essa prvia indagao a respeito do que existe, do que est funcionando e de como est funcionando. (...) Busquei realizar um trabalho de sentido moderno, incorporando, no plano que ora lhe apresento, as ideias que, a respeito de administrao pblica em geral e sobre os problemas da sade e da educao em particular, vigoram nas naes mais experientes e adiantadas.

E Capanema procura explicar ao presidente a introduo do termo cultura na nova denominao proposta para o Ministrio:

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Devo ainda dizer que a nova denominao proposta para o Ministrio no inteiramente de minha inspirao. Ronald de Carvalho e eu mais de uma vez conversamos sobre a convenincia de se dar nova denominao ao Ministrio. Certo dia, aventei a palavra cultura, pois o objetivo desta justamente a valorizao do homem, de maneira integral. (...) Ronald achou feliz a ideia, e props que se dissesse cultura nacional. A sugesto de nosso malogrado amigo1 me pareceu de grande alcance. Observa-se, hoje em dia, certa tendncia para se dar ao aparelho de direo das atividades relativas ao preparo do homem este qualificativo de nacional, como que para significar que para o servio da nao que o homem deve ser preparado.

E, ainda antes da apreciao do projeto pelo Legislativo, o ministro articula no sentido de trazer as questes da cultura para o seu Ministrio. Entretanto, a incluso da palavra cultura na denominao do Ministrio no foi aprovada na lei. Capanema no desiste, e em setembro de 1938, encaminha ao presidente projeto de decreto-lei criando, no Ministrio da Educao, um Conselho Nacional de Cultura, composto de quatro cmaras: cmara de cincia pura e aplicada, cmara de literatura, cmara de arte e histria e cmara de msica e teatro.A criao do Conselho Nacional de Cultura

O Conselho Nacional de Cultura foi criado pelo Decreto-lei n n 526, de 1/07/1938, como rgo de coordenao de todas as atividades concernentes ao desenvolvimento cultural, realizadas pelo Ministrio da Educao e Sade ou sob o seu controle ou influncia. De acordo com o decreto, o desenvolvimento cultural abrangia um amplo leque de atividades: a) a produo filosfica, cientifica e literria; b) o cultivo das artes; c) a conservao do patrimnio cultural (patrimnio histrico, artstico, documentrio, bibliogrfico etc.) d)1 Ronald de Carvalho havia falecido em 15 de fevereiro de 1935, no Rio de Janeiro, vtima de acidente de automvel. Nessa poca ocupava o cargo de secretrio da Presidncia da Repblica.

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o intercmbio intelectual; e) a difuso cultural entre as massas atravs dos diferentes processos de penetrao espiritual (o livro, o rdio, o teatro, o cinema etc.); f) a propaganda e a campanha em favor das causas patriticas ou humanitrias; g) a educao cvica atravs de toda sorte de demonstraes coletivas h) a educao fsica (ginstica e esportes); i) a recreao individual ou coletiva. Ao que tudo indica, porm, este Conselho no chegou a ser instalado.A figura do professor

Em janeiro de 1936, o Conselho Nacional de Educao (criado no bojo da Reforma Francisco Campos, em 1931) ser reestruturado, por proposta de Capanema, visando adequ-lo sua nova funo de elaborar o Plano Nacional de Educao, que lhe fora atribuda pela Constituio de 1934 (Lei n 174, de 3/1/ 1936). Na sesso de instalao dos trabalhos do novo Conselho, convocado pelo ministro, este pronunciar um discurso no qual traar as linhas gerais da tarefa a ser realizada pelos conselheiros. Tratava-se, segundo Capanema, de uma misso difcil:Difcil a tarefa que ides realizar. Efetivamente, a primeira vez que se vai fazer em nosso pas, uma lei de conjunto sobre a educao. Do ensino superior temos leis diversas, cada uma sobre determinada parte do assunto. Temos uma lei do ensino secundrio, mas modificada parcialmente por outras leis. O ensino primrio regulado nos estados e no Distrito Federal, por legislaes autnomas, cada qual diferente das outras, na estrutura e no valor. Do ensino profissional, de to formidvel importncia, no possumos, rigorosamente falando, aqui e ali, seno leis parciais e imperfeitas. Sobre a educao extraescolar no temos nenhuma lei de conjunto. Sobre outros numerosos e importantes aspectos do problema educacional, falta-nos a devida legislao.

Segundo o ministro, o ensino superior precisava ser ampliado e melhorado; o ensino secundrio, deveria subir de padro, fazendo-se, nos colgios, com maior rigor, no s o aprendizado das cincias, mas tambm o estudo das velhas, altas e egrgias humanidades. O ensino profissional, nas suas diversas modalida22

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des (industrial, comercial, agrcola, domstico etc.), precisava ser estruturado solidamente. Quanto ao ensino primrio, este deveria ser incentivado e padronizado. Quanto educao extra escolar, impunha-se a necessidade de mobilizar, para a cultura das massas, todos os instrumentos educativos, estranhos escola e hoje em dia to numerosos e eficientes. Capanema ocupou-se ainda, em seu discurso, da educao fsica e da educao moral. E terminou falando da figura do professor:O professor foi sempre um ser privilegiado. que dele, sobretudo dele, que depende a boa ou a m educao. Dele poder vir para os homens e para as naes o maior bem ou o maior mal, porque nas suas mos que se coloca o grave oficio de afeioar e preparar o esprito da juventude. Para ter ideia do quanto pode fazer um professor, lembraremos a grande revoluo que Scrates, ensinando, fez em Atenas, mas lembremos sobretudo outra revoluo, esta muitas vezes maior, que fizeram aqueles doze homens, na verdade doze professores, a quem Jesus Cristo mandou que fossem no para contar, negociar, ou guerrear, mas precisamente para ensinar: Euntes ergo, docete onnes gentes. Tal a magia do ensino. Tal o poder do professor. Pode-se dizer, portanto, rigorosamente, que uma nao ser aquilo que dela fizerem os seus professores. A disputa

O projeto do Plano Nacional de Educao foi encaminhado por Vargas Cmara dos Deputados ainda no primeiro semestre de 1937. A Comisso Especial criada para examin-lo apresentou suas concluses no final de agosto, tendo sido rejeitada a proposta de Capanema no sentido que o projeto fosse votado em bloco. Em setembro, o documento foi debatido pela Comisso de Educao e Cultura. Mas a tramitao lenta e o debate ser interrompido pela proclamao do Estado Novo e fechamento do Congresso, em 10 de novembro de 1937. A partir deste momento, o plano nacional de educao preparado pelo Conselho Nacional de Educao ser esquecido.23

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O perodo que antecede e o que se segue imediatamente proclamao do Estado Novo sero marcados pela disputa entre Francisco Campos e Gustavo Capanema em torno do Ministrio da Educao. Ser igualmente o momento em que todos aqueles que detinham poder decisrio nos rgos federais e estaduais de educao tero que se definir: ou manifestar sua disposio de trabalhar no sentido de colocar o sistema de ensino a servio do regime autoritrio que acabava de ser instaurado ou afastar-se. As atitudes assumidas por Francisco Campos e Gustavo Capanema, neste momento, so bastante elucidativas a esse respeito. Com efeito, dentro do projeto autoritrio de Francisco Campos, o sistema educacional deveria transformar-se em poderoso instrumento de propagao da ideologia do Estado Novo e de mobilizao da juventude. Assim, em entrevista concedida imprensa em novembro de 1937, para explicar a nova Constituio e o novo estado brasileiro, o ministro da Justia, depois de criticar o sistema educativo de fundo liberal, no qual todas as teorias e crenas so objeto de discusso, no havendo, porm, obrigao de aceitar nenhuma, afirma que a educao no tem seu fim em si mesma; um processo destinado a servir a certos valores e pressupe, portanto, a existncia de valores sobre alguns dos quais a discusso no pode ser admitida. Segundo Campos, era nestes termos que a Constituio de 1937 colocava o problema da educao, conferindo Unio a atribuio de traar as diretrizes a que se deve obedecer a formao fsica, intelectual e moral da infncia e da juventude e atribuindo ao estado a responsabilidade de promover a disciplina moral e o adestramento da juventude, de maneira a prepar-la ao cumprimento de suas obrigaes para com a economia e a defesa da nao (p. 65). Francisco Campos no acreditava que o Gustavo Capanema e seus auxiliares no Ministrio da Educao pudessem orientar o sistema educativo do pas nesta direo. Em vista disso, tornava-se24

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necessrio, para a realizao do seu projeto poltico, substituir Capanema por algum de sua confiana ou por algum que ele pudesse manobrar. Ele volta-se ento para Plnio Salgado. Nos entendimentos estabelecidos entre Francisco Campos e Plnio Salgado, visando obter o apoio dos integralistas para o golpe de novembro de 1937, o Ministrio da Educao foi oferecido a este ltimo. Os contatos do governo com a Ao Integralista Brasileira (AIB), que haviam comeado em 1935, acentuaram-se nos ltimos meses de 1937, antes e imediatamente depois da implantao do Estado Novo. Seguindo orientao de Getlio Vargas, Francisco Campos, oficialmente exercendo o cargo de secretrio da Educao e Cultura da Prefeitura do Distrito Federal, mas na realidade redigindo a nova Constituio e preparando o golpe, encontrou-se com Plnio Salgado duas vezes, em setembro de 1937. A nica informao que se tem desses contatos encontra-se na carta encaminhada por Plnio Salgado a Getlio Vargas, em janeiro de 1938. Eis como Salgado descreve seus encontros com Campos:Foi nessa ocasio que me procurou o Dr. Francisco de Campos (sic), com o qual me encontrei em casa do Dr. Amaro Lanari. Ele me falou dizendo-se autorizado pelo senhor presidente da Repblica e me entregou o original de um projeto de Constituio que deveria ser outorgado, num golpe de estado ao pas. Estvamos no ms de setembro de 1937. O Dr. Francisco de Campos (sic), dizendo sempre falar aps entendimentos com V. Excia., pediu o meu apoio para o golpe de estado e a minha opinio sobre a Constituio, dando-me 24 horas para a resposta. Pediu-me, tambm, o mais absoluto sigilo.

Em fins de outubro de 1937, Getlio Vargas encontrou-se pessoalmente com Plnio Salgado, na casa do industrial Renato da Rocha Miranda. Relatando esse encontro, Plnio Salgado escreve:Em relao ao Integralismo, V. Excia. falou-me da reorganizao da nossa milcia. Tais palavras me encheram de confiana. Acreditei at que essa grande organizao da juventude seria patrocinada diretamente pelo ministro da Educao, uma vez que V. Excia. me dizia25

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que esse Ministrio tocaria ao Integralismo. (...) Eu tinha a impresso de que se iria formar um partido nico; que o Integralismo seria o cerne desse partido; que, alm desse partido, existiria uma vasta organizao da juventude, qual no seriam, de nenhum modo, arrancados os smbolos queridos, os gestos de saudaes que constituem toda a alegria de sua vida.

Vargas relata o mesmo encontro de forma bem mais realista, e at irnica. No dia 26 de outubro de 1937 escreve em seu dirio: Na noite ltima, fui com o Macedo casa do Rocha Miranda Renato onde encontrei-me com Plnio Salgado, que de muito procurava falar-me. Caipira astuto e inteligente, mas entendemo-nos bem. Embora esses encontros fossem mantidos em segredo, as tentativas de aliana entre o integralismo e o governo eram patentes. Mas, uma vez concretizado o golpe de 10 de novembro, Getlio Vargas volta-se contra o Integralismo enquanto partido, embora continue a buscar o apoio e a participao de Plnio Salgado em seu governo. No dia 24 de novembro anotou em seu dirio: Assentei a recomposio do Ministrio (...) Falta o da Educao, que est dependendo de uns entendimentos entre o ministro da Justia e o chefe do integralismo sobre a dissoluo deste.A conspirao integralista

E os entendimentos com Plnio Salgado continuam. novamente Vargas quem escreve, em 6 de dezembro de 1937:Os integralistas, passada a revolta ou os mal-entendidos das primeiras horas, esto procurando acomodar-se. O Plnio Salgado mandou-me uma longa explicao por intermdio do subchefe da minha Casa Militar. Ele deseja aceitar o Ministrio da Educao e est preparando para isso a sua gente.

E continua tambm o drama de Capanema, que em carta de 18 de janeiro de 1938 escreve sua me: O presidente chegar amanh do sul. Espero que logo depois fique de uma vez resolvido se vou ou no deixar o Ministrio.

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Mas, mesmo tendo aumentado os desentendimentos entre Vargas e os integralistas, a questo no se resolve logo, como esperava o ministro. S se resolver com o endurecimento de Vargas com os integralistas e com a crescente insatisfao destes com o governo, que os conduzir conspirao e tentativa de golpe. Duas anotaes de Vargas em seu dirio so bastante esclarecedoras:D. Rosalina teve uma conferncia com Plnio Salgado e traz-me as condies escritas pelo genro deste para ele entrar para o Ministrio. Pedi portadora que as devolvesse, dizendo que eu no tomava conhecimento. (16 de fevereiro de 1938) Perguntei ao ministro Campos se j havia conversado com Plnio Salgado, conforme eu o encarregara. Respondeu-me que no, porque este estava ausente. Reiterei-lhe a recomendao, por um dever de lealdade. Ou ele vinha colaborar, ou teria de adotar medidas de represso contra seus partidrios que estavam conspirando. (5 de maro de 1938)

Mas a colaborao de Plnio Salgado com o governo no se concretizar, para alvio de Capanema. Em fins de maro de 1938, as sombras que pairavam sobre a sua permanncia no Ministrio se dissiparam. Novamente as anotaes de Vargas em seu Dirio so bastante esclarecedoras: Despacho com os ministros da Justia e Educao. (...) Com o segundo [tratei] de vrios assuntos de educao e assistncia. Achei-o mais animado. Parece que a conspirao integralista dissipou-lhe o receio de deixar o Ministrio (Dia 21 de maro de 1938)2.

2 Estes acontecimentos no abalaram a confiana de Capanema. Vargas continuar a ser por ele elogiado, em todas as ocasies. Assim, em novembro de 1941, comemorando o aniversrio do golpe de novembro de 1937, o ministro escrever na revista Cultura Poltica: A atitude do presidente Getlio Vargas, no dia 10 de novembro, foi a dos grandes, dos autnticos homens de estado, nas horas agudas da histria. Tomou a perigosa deciso de mudar os rumos dos acontecimentos, a deciso revolucionria de substituir a crise pelo ideal. E por esse ideal, o ideal do Brasil vencedor de todas as dificuldades e riscos, rompeu o caminho, com f, com energia e com a disposio de aceitar os sacrifcios que se oferecessem. Tal chefe merece a venerao do seu povo.

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Tranquilizado, ou melhor, animado, como escreveu o presidente, Capanema pode continuar sua atuao no Ministrio.O Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos (Inep)

Em 1938, pelo Decreto-lei n 580, de 30/7/1938, ser organizado o Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos (Inep), criado no bojo da lei que reorganizou o Ministrio da Educao e Sade, com o nome de Instituto Nacional de Pedagogia (atualmente Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira). A organizao do Instituto Nacional de Pedagogia e sua nova denominao foram justificadas por Capanema, em Exposio de Motivos encaminhada a Vargas em 10 de junho de 1938. O Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos teria a competncia de: a) organizar documentao relativa histria e ao estudo atual das doutrinas e das tcnicas pedaggicas, bem como das diferentes espcies de instituies educativas; b) manter intercmbio, em matria de pedagogia, com as instituies educacionais do pas e do estrangeiro; c) promover inquritos e pesquisas sobre todos os problemas atinentes organizao do ensino, bem como sobre os vrios mtodos e processos pedaggicos; d) promover investigaes no terreno da psicologia aplicada educao, bem como relativamente ao problema da orientao e seleo profissional; e) prestar assistncia tcnica aos servios estaduais, municipais e particulares de educao, ministrando-lhes, mediante consulta ou independentemente desta, esclarecimentos e solues sobre os problemas pedaggicos; f) divulgar, pelos diferentes processos de difuso, os conhecimentos relativos teoria e prtica pedaggicas. Muitas foram tambm as iniciativas de Capanema no campo do ensino superior.

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A Universidade do Brasil

Em julho de 1937 a Universidade do Rio de Janeiro ser reorganizada, transformando-se em Universidade do Brasil (Lei n 452, de 5/7/1937). Em janeiro de 1939 ser a ela legalmente incorporada a Universidade do Distrito Federal (UDF), criada por Ansio Teixeira em 1931. Em abril de 1939, ser nela organizada a Faculdade Nacional de Filosofia (Decreto-lei n 1190, de 4/4/1939), para onde sero transferidos os cursos da extinta UDF. Ainda em abril de 1939 ser criada na Universidade do Brasil a Escola Nacional de Educao Fsica e Desportos (Decreto-lei n 1212, de 17/4/1939). A incorporao da Universidade do Distrito Federal Universidade do Brasil, determinada pelo Decreto-lei n 1063, de 20 de janeiro de 1939, ser justificada na Exposio de Motivos encaminhada por Capanema ao presidente, em 28 de junho de 1938. Na realidade, o fim da Universidade do Distrito Federal representa mais uma iniciativa do ministro no sentido de reduzir ainda mais a influncia de Ansio Teixeira nos rumos da educao brasileira. A Igreja Catlica ter parte ativa nesse processo.A Escola Nacional de Educao Fsica e Desportos

A Escola Nacional de Educao Fsica e Desportos, criada em 1939, na Universidade do Brasil, tinha, de acordo como o Decreto-lei que a criou, as finalidades de: a) formar pessoal tcnico em educao fsica e desportos; b) imprimir ao ensino da educao fsica e dos desportos, em todo o pas, unidade terica e prtica: c) difundir, de modo geral, conhecimentos relativos educao fsica e aos desportos; d) realizar pesquisas sobre a educao fsica e os desportos, indicando os mtodos mais adequados sua prtica no pas. Por solicitao de Capanema, os militares participaram ativamente na organizao desta escola e assumiram a sua direo,

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procurando orient-la de acordo com o modelo da Escola de Educao Fsica do Exrcito3. Assim, no discurso pronunciado por ocasio de sua inaugurao, o ministro da Educao poder dizer: No me furto a uma palavra de agradecimento ao Exrcito Nacional pela colaborao que emprestou ao Ministrio da Educao na organizao da nova escola. Com a criao da Escola Nacional de Educao Fsica e Desportos, o diploma de licenciado passou a ser exigido para o exerccio da funo do professor de educao fsica nas escolas. A obteno deste diploma estava condicionada concluso do curso superior de educao fsica. Mas, em 1941, o ministro da Guerra elabora um projeto de decreto no qual,considerando que a Escola de Educao Fsica do Exrcito tem sido a orientadora da educao fsica tanto que o regulamento bsico para o ensino da mesma foi por ela elaborado e as instituies congneres existentes no pas foram por ela modeladas; e considerando que os elementos egressos da Escola de Educao Fsica do Exrcito, alm da preparao tcnica especializada, adquirem no seu estgio no Exrcito uma formao cvico-moral que os coloca em situao vantajosa para agir sobre as coletividades, incutindo-lhes o esprito de ordem e disciplina, prope que sejam estendidas aos oficiais formados pela Escola de Educao Fsica do Exrcito as prerrogativas de licenciado em educao fsica.

Como se pode ver pelas consideraes apresentadas pelo ministro da Guerra para justificar a sua proposta, os militares, mesmo insistindo sobre a educao fsica como instrumento de revigoramento fsico da raa e de preparao fsica do futuro soldado, no deixam de valorizar tambm a funo do professor3 Sobre a organizao da Escola Nacional de Educao Fsica e Desportos de acordo com o modelo da Escola de Educao Fsica do Exrcito, veja-se a carta endereada ao ministro da Educao, em 26 de dezembro de 1940, por Peregrino Jnior. Depois de denunciar a implantao de uma disciplina militar na Escola Nacional de Educao Fsica e Desportos, Peregrino Jnior, ele prprio professor nessa escola, afirma: Um dos erros mais graves na organizao da Escola Nacional de Educao Fsica e Desportos, foi a sua subordinao integral ao padro militar da Escola de Educao Fsica do Exrcito.

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e do instrutor de educao fsica no processo de disciplinamento do povo. E os oficiais formados em educao fsica pelo Exrcito estavam, segundo Dutra, mais capacitados que os civis para cumprir esta funo de incutir o esprito de ordem e disciplina na coletividade, em razo da formao cvico-moral recebido nos quartis. A proposta do ministro da Guerra ser apoiada por Capanema, que a considerar uma medida de justia. Assim, em maro de 1943, os diplomas de instrutor e de monitor de educao fsica expedidos pela Escola de Educao Fsica do Exrcito, pelo Curso Provisrio de Educao Fsica, pelo Centro Militar de Educao Fsica e pelos Centros Regionais de Educao Fsica organizados pelo Ministrio da Guerra sero equiparados, para todos os efeitos, aos diplomas de licenciado em educao fsica (Decretolei n 5343, de 25 de maro de 1943).Os intelectuais e Capanema

No campo da cultura, a gesto de Capanema assinalou a criao de trs rgos de destacada atuao ao longo de todo o Estado Novo: o Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Decreto-lei n 25, de 30/11/1937), o Servio Nacional de Teatro (Decreto-lei n 92, de 21/12/1937) e o Instituto Nacional do Livro (Decreto-lei n 93, de 21/12/1937). Ainda durante sua gesto ser criado o Conservatrio Nacional de Canto Orfenico (Decreto-lei n 4993, de 28/11/1942). Nas letras e nas artes plsticas, Capanema, assessorado por seu chefe de gabinete, o poeta Carlos Drummond de Andrade, cercou-se de uma equipe diversificada, integrada, entre outros, por Mrio de Andrade, Cndido Portinari, Villa-Lobos, Lcio Costa, Afonso Arinos de Melo Franco e Rodrigo Melo Franco de Andrade. O projeto de construo do edifcio-sede do Ministrio foi o maior exemplo de sua abertura em relao arte moderna.

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O que foi a Comisso Nacional do Ensino Primrio

Aps o golpe de 10 de novembro de 1937, com a promulgao da Constituio de 1937 da qual foi um dos signatrios e a implantao do Estado Novo, Capanema que, como vimos, apesar da oposio de Francisco Campos consegue manter-se no cargo, procura reorientar a ao do Ministrio de Educao e Sade no sentido de sua adequao ao carter fortemente centralizador e autoritrio do novo regime. A criao da Comisso Nacional do Ensino Primrio (Decreto-lei n 868, de 18/11/1938) e a realizao da Primeira Conferncia Nacional de Educao, em novembro de 1941, constituem bons exemplos dessa reorientao. A Comisso Nacional do Ensino Primrio (CNEP) foi criada pelo Decreto-Lei n 868, de 18 de novembro de 1938. Na Exposio de Motivos enviada ao presidente Vargas, para justificar a sua criao, o ministro, depois de identificar o ensino primrio como um dos mais importantes problemas do governo, afirma:Para remediar tais males, s uma soluo se oferece: a interveno do governo federal. Esta interveno no significar, em nenhuma hiptese, que o governo federal entre a dirigir as escolas primrias do pas. A administrao do ensino primrio tarefa que no deve ser arredada das atribuies estaduais e municipais. O papel da Unio ser outro. Cumprir-lhe-, por um lado, traar, em lei federal, as diretrizes fundamentais do ensino primrio, e, por outro lado, cooperar financeiramente, com os governos estaduais e municipais, na medida das necessidades de cada qual, a fim de que, em perodo o mais curto possvel, se liquide o analfabetismo em todo o territrio nacional, se nacionalize integralmente a escola primria dos ncleos de populao de origem estrangeira e se eleve, obedecidos os padres prprios e cada nvel cultural do pas, a qualidade da nossa escola primria.

A funo de traar, em lei federal, as diretrizes fundamentais do ensino primrio ser atribuda Comisso Nacional de Ensino Primrio; a cooperao financeira da Unio aos estados e municpios ser viabilizada pela criao do Fundo Nacional do Ensino32

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Primrio, em 1942, e regulada pelo Convnio Nacional do Ensino Primrio do mesmo ano. A Comisso Nacional do Ensino Primrio iniciou seus trabalhos em 18 de abril de 1939. Durante o perodo em que funcionou, a Comisso que, quase sempre, contava em suas reunies com a participao de Capanema, ocupou-se principalmente com trs questes, definidas pelo ministro como prioritrias: a nacionalizao das escolas primrias nos ncleos de populao de origem estrangeira, especialmente nas colnias italianas e alems do sul do pas; a elaborao do anteprojeto de lei de organizao nacional do ensino primrio, e a formao e disciplinamento do magistrio primrio em todo o pas. A nacionalizao das escolas primrias estrangeiras, considerada como problema de segurana nacional, foi o tema central dos debates nas primeiras sesses de trabalho da Comisso. J na segunda sesso, em 26 de abril de 1939, o ministro define o princpio bsico que deveria orientar as decises relacionadas com essa questo:Um princpio, desde logo, deve ser estabelecido: o ensino primrio no Brasil s poder ser ministrado em escola brasileira, onde se ensine integralmente em lngua nacional e com programas oficiais, elaborado pelo governo. Assim teramos: a) professor brasileiro, b) professor formado em escola brasileira; c) programa nacional, elaborado pelo governo brasileiro; d) livros, em lngua nacional, com sentido exclusivamente brasileiro. Em resumo: s poder haver escolas primrias brasileiras. Temos que acabar, portanto, com todas as escolas primrias estrangeiras, atualmente existentes no territrio nacional, e substitu-las por escolas brasileiras.

Quanto ao estabelecimento de diretrizes orientadoras da organizao e funcionamento do ensino primrio em todo o pas, a Comisso elaborou um anteprojeto de decreto-lei, encaminhado ao ministro em dezembro de 1939. Na Exposio de Motivos que acompanhava o anteprojeto, os membros da Comisso, depois de se declararem conscientes de que o sentido nacional, con33

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dio fundamental da educao primria, no decorreria da unidade formal, mas sim da unidade de esprito, afirmam:O carter nacional aludido apresenta-se, no anteprojeto, por um duplo aspecto: o da nacionalizao da rede escolar primria de todo o pas, pela indicao de normas de administrao e coordenao geral, a serem aplicadas pelo Ministrio da Educao; e o esprito mesmo do ensino, a ser ministrado nas escolas, pblicas ou particulares, ou ainda no lar, mediante a subordinao do exerccio do magistrio a imperativos de ordem nacional. (...) A nacionalizao da rede escolar primria de todo o pas, no sentido que se poderia chamar de administrativo, pela adoo de medidas de coordenao e racionalizao dos esforos dos poderes pblicos e das entidades particulares, poderia caber em qualquer momento e se justificaria simplesmente por medida de economia e boa tcnica; a nacionalizao no sentido poltico, de que o anteprojeto deliberadamente se impregna, uma exigncia do atual momento histrico, que consideraes de nenhuma outra ordem poderiam iludir ou obscurecer.

Estas orientaes so concretizadas no anteprojeto, que determina, no Art. 8, que o ensino primrio, onde quer que fosse ministrado, deveria visar a perfeita integrao das novas geraes no esprito da unidade, da comunho e da segurana nacional. Para isso, o hasteamento dirio da bandeira e o canto do hino nacional seriam obrigatrios em todas as escolas primrias, pblicas e particulares, bem como o comparecimento dos alunos s solenidades cvicas. Em dezembro de 1940, a Comisso Nacional de Ensino Primrio, depois de receber as observaes e sugestes das Secretarias de Educao de diversos estados, encaminhou ao ministro uma nova verso do anteprojeto. A redao do art. 8 permanece inalterada, visto ter sido plenamente aceita por todos os secretrios de Educao. Nenhum deles contestar tambm a obrigatoriedade do hasteamento dirio da bandeira e do canto do hino nacional. A preparao e disciplinamento do magistrio ser tambm objeto de preocupao da Comisso Nacional do Ensino Primrio. Em carta encaminhada a Capanema, em 19 de abril de 1940, o34

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Major Euclides Sarmento, presidente da Comisso, reagindo publicao do decreto-lei de criao da Juventude Brasileira, comunica ao ministro que estava sendo elaborado pela mesma um plano de formao do magistrio primrio.Mudanas

Assim, mesmo admitindo a necessidade de preparar as novas geraes para integr-las nas atividades de produo, de subordinlas s exigncias que o estado impuser e de disciplinar a vontade do educando para que este sempre se subordine e se enquadre no pensamento do estado, o presidente da Comisso Nacional do Ensino Primrio insiste que estes objetivos poderiam ser alcanados atravs da prpria escola. Consequentemente, em lugar de enquadrar a infncia e a juventude em uma nova instituio, o estado deveria escolariz-las. Ao mesmo tempo, o estado deveria atuar na preparao dos professores, essencialmente atravs de uma educao poltica capaz de criar nos mesmos uma mentalidade que os levasse a orientar a sua ao sobre os alunos no sentido de disciplin-los, subordin-los e enquadr-los no pensamento do estado. Entretanto, nenhuma das duas propostas teve andamento. Capanema foi capaz de perceber as transformaes ocorridas no contexto internacional e a mudana de orientao da poltica externa brasileira, a partir de 1940, e estrategicamente se adequar a elas, afastando-se progressivamente do grupo de tendncias totalitrias e nacionalistas exacerbadas do governo Vargas. A Comisso Nacional do Ensino Primrio foi sendo progressivamente esvaziada. Em carta de julho de 1944, seu presidente, Everardo Backheuser, solicita ao chefe de gabinete do ministro dotao oramentria para que a Comisso reinicie suas atividades, suspensas desde junho de 1943. Em outubro de 1945, poucos dias antes de deixar o Ministrio, Capanema envia uma Nota a Loureno Filho, diretor do Inep, anunciando que as atividades atribudas Comisso Nacional do Ensino Primrio deveriam passar para a competncia do Conselho Nacio35

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nal de Educao. Na prtica, elas j tinham sido assumidas pelo prprio Inep. Assim, em dezembro de 1944, Loureno Filho havia encaminhado ao ministro um anteprojeto de Lei Orgnica do Ensino Primrio, elaborado no Inep, depois de consultados os subsdios preparados pela Comisso Nacional do Ensino Primrio. Esse anteprojeto transformar-se-, com pequenas alteraes de forma, na Lei Orgnica do Ensino Primrio, decretada em janeiro de 1946 (Decreto-lei n 8529, de 2 de janeiro de 1946), depois da queda de Vargas e da substituio de Capanema por Leito da Cunha. Nota-se apenas uma mudana de fundo. O anteprojeto de Loureno Filho, ao tratar dos princpios orientadores do ensino primrio afirma que este dever inspirar-se, em todos os momentos, no esprito da unidade e da segurana nacional e no da fraternidade humana. Na verso definitiva, permanecem a unidade nacional e a fraternidade humana. A segurana nacional fica excluda! Na realidade, a concepo de Capanema com relao ao ensino primrio havia mudado. No incio do Estado Novo, a funo do ensino primrio, tal como o ministro a definiu no discurso pronunciado no centenrio do Colgio Pedro II, em dezembro de 1937, era dotar a criana de disciplina e eficincia, atributos essenciais do cidado e do trabalhador. Mas permanece a concepo centralizadora e unificadora, que, alis, iria acompanhar Capanema mesmo depois de sua sada do Ministrio e balizar a sua atuao como Constituinte, em 1946, e como relator do anteprojeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, em 1949. E Capanema no estava sozinho. Em 18 de dezembro de 1943, discursando como paraninfo na formatura das novas professoras do Instituto de Educao, Vargas vai mais longe de centralizao e unificao do ensino primrio. Referindo-se aos professores primrios, diz o presidente:

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Sempre foi meu pensamento, logo que as circunstncias o permitam, reuni-los na capital federal, vindos de todos os recantos do pas, mesmo os mais longnquos, auscultar-lhe as aspiraes e sentir de perto as necessidades do ambiente onde trabalham. Seria este o Congresso dos Professores, em que se cuidasse de dar unidade ao ensino, no s pela legislao, o que pouco, mas pela escolha do livro escolar nico, pela padronizao do material, pela harmonia de esprito de todos os apstolos dessa grande cruzada. Ensino preparador da elite intelectual do pas

A partir de 1942, comearo a ser promulgadas, por iniciativa de Capanema, as leis orgnicas do ensino, reformando vrios ramos do ensino mdio: Lei Orgnica do Ensino Industrial (Decreto-lei n 4073, de 30/1/1942), Lei Orgnica do Ensino Secundrio (Decreto-lei n 4244, de 9/4/1942) e Lei Orgnica do Ensino Comercial (Decreto-lei n 6141, de 28/12/1943). O anteprojeto da Lei Orgnica do Ensino Industrial foi preparado por uma comisso de educadores, presidida por Gustavo Capanema, e encaminhado ao presidente em janeiro de 1942. De acordo com o anteprojeto, transformado em Decreto-lei pelo presidente Vargas em 30 de janeiro de 1942, o ensino industrial tinha por objetivos atender aos interesses do trabalhador, realizando a sua preparao profissional e a sua formao humana; aos interesses das empresas, nutrindo-as, segundo as suas necessidades crescentes e mutveis, de suficiente e adequada mo de obra, e aos interesses da nao, promovendo continuamente a mobilizao de eficientes construtores de sua economia e cultura. Estes objetivos sero reafirmados e detalhados melhor por Capanema no discurso pronunciado na Confederao Nacional da Indstria, em agosto de 1942. O ensino secundrio, apresentado por Capanema no discurso comemorativo do centenrio do Colgio Pedro II como sendo o ensino preparador da elite intelectual do pas, teve sua lei org-

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nica promulgada em abril de 1942 (Decreto-lei n 4244, de 9/4/ 1942), depois de cuidadosa preparao. Ao contrrio do ocorrido com o ensino industrial, a elaborao do anteprojeto foi levada a termo, de forma isolada, pelo prprio ministro que, em aspectos pontuais, levou em considerao os pareceres recebidos de um seleto grupo de educadores, por ele consultados em maro de 1942. Entre esses, destacam-se os educadores ligados ao grupo catlico, especialmente Alceu Amoroso Lima e os padres jesutas Arlindo Vieira e Leonel Franca4. As suas observaes referem-se principalmente ao currculo, ao ensino religioso e coeducao.Sociologia e religio e a Lei Orgnica do Ensino Secundrio

Quanto ao currculo, os catlicos criticam o seu carter enciclopdico, defendem a presena do latim e das humanidades clssicas e se opem introduo da sociologia no ensino secundrio.A sociologia, introduzida na Frana, outrora, por fins sectrios, no faz parte dos programas de ensino secundrio da Europa. matria de um curso superior. Aqui, essa experincia no curso complementar foi desastrosa. Em quase todos os cursos de colgios leigos, essa disciplina se converteu em ctedra de propaganda subversiva. Disso temos pleno conhecimento, mediante as notas de aula que nos foram apresentadas por nossos antigos alunos e outros. Os pobres rapazes, sem madureza intelectual para ajuizar do valor das doutrinas de mestres sem conscincia, facilmente se deixam levar por essas tiradas de pura demagogia. Seria, pois, conveniente, suprimir essa disciplina do curso secundrio. (Parecer do Padre Arlindo Vieira)

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No dia 7 de abril de 1942, dois dias antes da promulgao da lei orgnica, o jornal Gazeta de Notcias publica artigo de seu diretor, Wladimir Bernardes, no qual este afirma que a reforma a ser promulgada estava marcada pela influncia dos jesutas. Gustavo Capanema responde imediatamente, em carta que foi publicada no dia seguinte, no mesmo jornal: No assim, meu caro amigo. Preocupado em fazer obra segura, tenho ouvido muita gente sobre o assunto. Ao meu gabinete tm vindo professores e intelectuais de todas as feies culturais, para dar o seu parecer e a sua contribuio. No do meu modo de ser deixar-me influenciar por este ou por aquele, deixar-me levar por esta ou aquela tendncia. O governo me deu o hbito de buscar o equilbrio, a equidistncia.

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Sugiro ainda, de modo veemente, a supresso da cadeira de sociologia, que em hiptese alguma, deve ser cadeira do curso secundrio e apenas do curso superior. (Parecer de Alceu Amoroso Lima) Inclino-me a julgar que a sociologia no se ensina com grande proveito nos cursos secundrios. (Parecer do Padre Leonel Franca)

A posio dos pareceristas prevalece e a sociologia no aparece como disciplina na verso definitiva da lei. No que se refere coeducao, as posies do ministro e dos educadores catlicos so coincidentes. O anteprojeto dedicava todo um ttulo educao secundria feminina, no qual se recomendava que a educao secundria das mulheres se fizesse em estabelecimentos de ensino de exclusiva frequncia feminina e se determinava que nos estabelecimentos de ensino secundrio frequentado por homens e mulheres, a educao destas fosse ministradas em classes exclusivamente femininas, salvo especial autorizao do Ministrio da Educao, por motivo relevante. Alceu Amoroso Lima apoia este dispositivo, embora insistindo que seria muito prefervel que se proibisse a coeducao e se desse um prazo de dois a trs anos para a adaptao dos estabelecimentos onde ela existe. Estas disposies se mantm na verso definitiva da lei. Entretanto, nos anos subsequentes, elas sero suspensas, no incio de cada ano, por portaria do ministro da Educao, em nome da economia de guerra. A exigncia da autorizao do Ministrio da Educao para o funcionamento de classes mistas ser suprimida pelo Decreto-lei n 8347, de 10 de dezembro de 1945, que mantm a referncia ao funcionamento de classes exclusivamente femininas sempre que possvel. Quanto ao ensino religioso, nas primeiras verses do anteprojeto, Capanema far constar um artigo sobre a educao religiosa, determinando: As escolas secundrias incluiro a educao religiosa entre as prticas educativas do ensino de primeiro e segundo ciclos, sem carter obrigatrio. O Padre Leonel Franca e Alceu Amoroso Lima, nos seus pareceres, reagiro contra a clusula final, sem carter obrigatrio, que poderia, segundo eles pres39

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tar-se a interpretao errnea, impedindo que um instituto livre ministre o ensino religioso com carter de obrigatoriedade. Assim, diferentemente do que acontecia com relao ao ensino primrio, quanto ao ensino secundrio a Igreja parece estar mais preocupada em assegurar-se o direito de obrigar os alunos matriculados em suas escolas a frequentarem as aulas de religio do que em garantir o direito de ensinar religio nas escolas secundrias oficiais, alis, em pequeno nmero. A verso definitiva da Lei Orgnica do Ensino Secundrio levar em considerao essa preocupao. Estava dessa forma assegurado aos colgios religiosos o direito de exigir de seus alunos a frequncia s aulas de religio5. O anteprojeto de Lei Orgnica do Ensino Secundrio foi encaminhado por Capanema ao presidente Vargas, em 1 de abril de 1942. Entretanto, a implantao da Lei Orgnica do Ensino Secundrio no se dar sem problemas, especialmente no momento de sua concretizao nas diferentes unidades da Federao, o que levar o ministro a encaminhar a Vargas, em fevereiro de 1944, o anteprojeto de um novo decreto-lei, dispondo sobre a unidade de legislao sobre ensino secundrio em todo o pas. Na Exposio de Motivos Capanema apresenta a unidade nacional como ideal a ser conquistado e mantido com muita luta. Segundo o ministro, no campo da educao esta unidade decorre da harmonia do sistema legislativo e se mantm por meio da vigilncia e direo. Dessa forma, na execuo das leis do ensino o critrio deve ser uniforme e geral e as decises devem ser nicas. E isto principalmente no ensino secundrio. Esse anteprojeto no se transformou em lei. Mas, tal como em relao ao ensino primrio, Capanema continuar defendendo5 Assim, quando um estabelecimento de ensino do Rio de Janeiro, dependente da Igreja Metodista, recusa, em 1944, matrcula a um aluno cujo pai ope-se a que seu filho frequente as aulas de religio ministradas pelo estabelecimento, o ministro da Educao, com base no artigo 21 da Lei Orgnica do Ensino Secundrio, d razo ao Colgio e manda arquivar o processo aberto contra o colgio pelo pai.

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estes princpios, em sua atuao como Constituinte, em 1946, e como relator do anteprojeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, em 1949. Em 29 de abril de 1944, Capanema envia a Loureno Filho, diretor do Inep, o Aviso Ministerial n 231, solicitando que fosse organizado um plano de uma revista de cultura pedaggica. Na realidade, a ideia no era nova. Em 4 de dezembro de 1939 Loureno Filho havia apresentado a Capanema uma minuta de decreto-lei, criando, no Inep, uma publicao peridica semestral, com o nome de Arquivos Pedaggicos, para divulgar os estudos e pesquisas realizados pelo Instituto, a legislao federal sobre educao e informaes gerais sobre o desenvolvimento da educao no pas e no estrangeiro. Tal iniciativa no foi adiante. No fim de abril de 1944, o ministro envia ao diretor do Inep um aviso, solicitando providncias no sentido da organizao de um plano de uma revista de cultura pedaggica a ser publicada pelo Instituto, como rgo oficial do Ministrio, para tudo que se referisse organizao do ensino. Tal plano foi encaminhado ao ministro, por Loureno Filho, em 8 de maio de 1944. O plano do diretor do Inep previa a publicao de uma revista mensal, denominada Educao Nacional ou Revista Brasileira de Educao, com as finalidades de divulgar, em todo o pas, os modernos princpios e tcnicas da educao, servir como rgo de debate dos grandes problemas da educao nacional e concorrer por todos os meios para imprimir crescente unidade de objetivos e de mtodos ao pensamento pedaggico nacional. Cada nmero teria, em mdia, 120 pginas e a tiragem seria de mil exemplares. O primeiro nmero sair em julho de 1944. Embora Loureno Filho tivesse proposto que se chamasse Educao Nacional ou Revista Brasileira de Educao, preferindo a segunda denominao, o nome finalmente escolhido, certamente por Capanema, foi Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos.

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O prprio ministro escrever a apresentao do primeiro nmero. Segundo ele, a funo da revista seria reunir e divulgar, pr em equao e em discusso no apenas os problemas gerais da pedagogia, mas sobretudo os problemas pedaggicos especiais que se deparam na vida educacional do Brasil. Para Capanema, as questes gerais da educao j estavam equacionadas, sendo necessrio que a revista se ocupasse dos problemas especficos da educao brasileira.Uma aliana com a Igreja

A partir de 1944 as mudanas ocorridas no cenrio internacional, com forte repercusso na poltica interna do Brasil, levaro o ministro Capanema a se colocar na defensiva, seja para tentar salvar o governo do presidente Vargas, a quem ele continuava fiel, seja para defender a sua atuao no Ministrio, que ele sabia ser decisiva para o seu futuro poltico. Esta posio defensiva se manifestar em diferentes momentos e assumir formas variadas. Vamos nos referir a duas. Em primeiro lugar, a tentativa de intermediar uma aliana entre Getlio Vargas e a Igreja Catlica, traduzida em documento encaminhado por ele ao presidente, ainda em 1944. Em segundo lugar, a defesa veemente de sua poltica educacional, contida em conferncia pronunciada por ele, em outubro de 1945, em resposta s acusaes feitas pelo Brigadeiro Eduardo Gomes, candidato Presidncia da Repblica. Durante o Estado Novo havia sido estabelecida uma forma de relacionamento entre o estado e a Igreja, chamada por D. Aquino Correa de concordata moral. Vargas compromete-se a assegurar Igreja a liberdade que ela necessita para agir e ambiente propcio a esta ao. Mas, na concepo de Vargas, a atuao da Igreja deveria limitar-se ao domnio religioso, em sentido estrito: pregao e domnio sobre as almas. Em troca, o Estado Novo esperava dos membros do clero que estes, atravs da palavra e do exemplo, ensinassem aos fiis a obedincia lei, a ordem e a disciplina.

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No final do Estado Novo a atitude da liderana catlica com relao ao governo Vargas comear a se modificar, em razo dos acontecimentos vinculados participao do Brasil na guerra e das presses internas pela redemocratizao do pas. Buscando elucidar as razes que o levavam a rever as suas concepes polticas, Alceu Amoroso Lima escrever, em 1945:Muitos da nossa gerao rejeitamos, em tempo, a democracia, por ser ela, ou pelo menos se ter tornado exclusivamente o setor poltico da burguesia, a mscara da hipocrisia poltica de que ela se revestia para fazer crer ao povo que ele governa. (...) em Maritain que vamos procurar os fundamentos metafsicos indispensveis para uma restaurao da dignidade da democracia, que deixa assim de ser, quando bem entendida e aplicada, a defesa de uma classe moribunda, para se tornar a garantia dos prprios direitos do homem, contra toda opresso econmica e poltica, na sociedade.

Entretanto, se a situao internacional leva rejeio do totalitarismo, permanece ainda em alguns setores da Igreja uma tendncia autoritria, que no lhes parece incompatvel com certa forma de bem entender e de bem aplicar a democracia. o que se pode verificar nesta afirmao do Padre Leonel Franca, Reitor das Faculdades Catlicas do Rio de Janeiro, no discurso de abertura dos cursos em 1944, publicado no segundo nmero da Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos:No entendemos por democracia um regime poltico caracterizado por instituies representativas ou parlamentares baseadas no sufrgio direto, emolduradas quase sempre em quadros republicanos. As formas de governo so contingncias histricas, que variam de povo para povo, e, num mesmo povo, com as diferentes fases de sua evoluo social. (...) Por democracia entendemos, aqui e agora, a organizao da vida comum baseada no respeito da dignidade de cada homem que vem a este mundo, como portador de um destino pessoal e prprio, para cujo conseguimento titular de direitos imprescritveis e inconfiscveis. (...) Poder existir sob as aparncias exteriores de um governo fortemente hierrquico e autoritrio, mas ser inimiga irreconcilivel de qualquer totalitarismo, racista ou comunista.

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A convivncia com Alceu Amoroso Lima e com o Padre Leonel Franca permitir a Gustavo Capanema perceber esta transformao no seio da Igreja, em toda a sua ambiguidade e seus limites; com sua habilidade poltica, Capanema procurar tirar proveito dela. Partindo da proposio do Padre Leonel Franca, de rejeio do totalitarismo e de aceitao de um governo autoritrio, o ministro da Educao propor a Getlio Vargas uma nova aliana com a Igreja, bem mais ampla em suas exigncias e mais modesta em suas promessas do que o pacto proposto por Francisco Campos em 1931. As linhas gerais desta proposta esto contidas em um documento redigido por Capanema, provavelmente em 1944. Trata-se de um documento de trs pginas, sem data nem assinatura, apresentado em papel timbrado do gabinete do ministro do Ministrio da Educao e Sade, intitulado Algumas consideraes sobre a nossa atualidade catlica. Enquanto Francisco Campos, em 1931, havia prometido a Vargas a mobilizao de toda a Igreja Catlica ao lado do governo em troca da introduo do ensino religioso nas escolas oficiais, Capanema, em 1944, promete a Vargas a simpatia das correntes militantes do catolicismo brasileiro em troca de uma tomada de posio do presidente na defesa dos objetivos catlicos essenciais. Segundo Capanema, estes objetivos seriam: combater o totalitarismo, assegurar o primado do direito e manter diretriz segura e constante com relao s polticas da famlia, do trabalho e da educao. A poltica da famlia, partindo de uma concepo jurdica e econmica da existncia familiar deveria ser ampla, abrangendo um sistema completo de medidas protetoras; poltica do trabalho caberia assegurar ao trabalhador justia social plena; a poltica de educao deveria excluir as influncias materialistas de todas as denominaes, garantir escola a liberdade de ensinar a religio dos alunos e dos pais e fazer com que o ensino, de um modo geral, estivesse baseado e orientado numa concepo espiritualista da vida.44

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A dimenso poltica da proposta de Capanema aparece no momento da explicitao dos dois outros objetivos: o combate ao totalitarismo e a garantia do primado do direito na ordem jurdica nacional. Segundo Capanema, era possvel distinguir duas correntes de opinio no catolicismo brasileiro. Para o ministro, os catlicos do Brasil, sem estarem divididos e sem divergirem com relao ao que havia de essencial no pensamento cristo, apresentavam dois pensamentos polticos, duas concepes em face dos problemas que agita(va)m o mundo e a (...) ptria. A primeira corrente era a dos conservadores. Preocupados acima de tudo em manter uma ordem que permita e existncia do catolicismo, os conservadores consideravam o comunismo como o grande inimigo do catolicismo; assim, aceitariam qualquer soluo que importasse a liquidao do comunismo. A segunda corrente apontada por Capanema era a dos progressistas. Para os progressistas, a soluo no seria o simples combate ao comunismo, visto no ser este o nico inimigo:Para os catlicos progressistas, o inimigo o totalitarismo, e este se reveste de trs formas: o totalitarismo nazista, de tipo alemo ou italiano; o totalitarismo sovitico, de tipo russo; e o totalitarismo militar, de tipo argentino. (...) Contra todos os trs preciso combater.

Segundo Capanema, existiam no Brasil germes bem vivos e fortes do totalitarismo nazista e do totalitarismo sovitico (integralistas e comunistas). A respeito do totalitarismo militar, o ministro no se pronuncia! Como o combate ao totalitarismo no se coadunava com a situao ditatorial vigente no pas, era necessrio transform-la, de modo a assegurar, na existncia do pas, o primado do direito. Contudo, esta transformao no implicava, segundo Capanema, em uma mudana de regime ou em uma nova Constituio. Bastava, segundo ele, tornar vigente em todos os seus termos a ordem jurdica nacional tomando como base a Constituio de 1045

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de novembro de 1937, que envolvia possibilidade ampla de sua prpria adaptao a quaisquer novas condies polticas. Entretanto, o novo pacto proposto por Capanema no se concretizou. Em 1945, o episcopado toma posio em favor de uma nova Constituio, manifesta preferncia pela forma democrtica de governo e engaja a Liga Eleitoral Catlica nesta campanha, enquanto uma parte dos intelectuais catlicos ingressa na Unio Democrtica Nacional, passando a apoiar a candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes, que se ope ao General Dutra, candidato oficial de Vargas.Deixando o Ministrio

Gustavo Capanema deixou o Ministrio da Educao e Sade em 30 de outubro de 1945, no bojo da renncia coletiva de todos os ministros, logo aps a deposio do Presidente Getlio Vargas. Antes de deixar o Ministrio, Capanema pronuncia, no auditrio do Ministrio da Educao e Sade, em 1/10/1945, diante de uma plateia formada principalmente por funcionrios do Ministrio, por ele convidados6, conferncia na qual busca responder s acusaes de Eduardo Gomes, que havia denunciado, em discurso de campanha presidencial, a ocorrncia de uma criminosa infiltrao fascista no ensino brasileiro, a transformao da escola em rgos de propaganda do regime e a utilizao dos alu-

6 O Arquivo Loureno Filho, do CPDOC, conserva a seguinte carta, por ele recebida em 26 de setembro de 1945, quando ainda era diretor do Inep: Meu Prezado Loureno, no prximo dia 1 de outubro, segunda-feira, s 5 horas da tarde, terei oportunidade de pronunciar, no auditrio do edifcio do Ministrio de Educao e Sade, uma conferncia sobre o problema da educao no governo do presidente Getlio Vargas, examinando as consideraes que sobre esta matria foram feitas pelo senhor Brigadeiro Eduardo Gomes, em seu recente discurso pronunciado na Bahia. Tenho o prazer de convidar o eminente amigo para assistir a essa conferncia, confessando-me desde j sumamente agradecido pela honra do seu comparecimento. Remeto-lhe os inclusos convites, pedindo-lhe com interesse que os transmita a pessoas que trabalham sob sua direo ou que sejam de suas relaes pessoais. Apresento-lhe os meus cordiais protestos de estima e apreo, Gustavo Capanema.

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nos para a glorificao dos governantes. Capanema, que era ainda ministro da Educao, responde a estas acusaes a partir da definio do fascismo como regime de partido nico e da escola fascista como instrumento utilizado pelo estado para formar politicamente a infncia e a juventude e levar os jovens a participarem das organizaes e atividades do partido. Com base nesta definio de fascismo e de escola fascista, o ministro nega categoricamente que o fascismo tenha sido introduzido no ensino brasileiro. Segundo o ministro, nunca foi fascista a escola brasileira: foi sempre uma escola democrtica e patritica. Mas o mesmo argumento utilizado por Capanema para negar o carter fascista da escola brasileira, poderia ser utilizado para negar a afirmao feita por ele de que a escola brasileira durante o Estado Novo, havia sido uma escola democrtica. A escola brasileira, principalmente a partir de 1937, no foi democrtica, visto que o regime no era um regime democrtico. Na verdade no este o verdadeiro caminho: o problema da utilizao do sistema escolar como instrumento de legitimao do regime poltico autoritrio no pode ser tratado de forma unilateral, mas a partir de uma anlise das relaes entre o papel poltico e a dimenso especificamente pedaggica da educao. No caso da Itlia, o papel poltico da educao acentua-se durante o perodo fascista, a partir da entrada da verdadeira poltica na escola, proposta por Gentile, passando pela exigncia de uma ao poltica dos professores no sentido de transformar a escola em uma escola fascista, at chegar a uma identificao entre escola e partido, na Carta della Scuola. Assim, a fascistizao da escola significou, de fato, a supresso quase total de sua autonomia relativa. No caso do Brasil, o papel poltico da escola no constituiu nunca a dimenso predominante, mesmo tendo sido acentuado por Francisco Campos em 1935, no momento em que ele substitui Ansio Teixeira frente da Secretaria de Educao do Distrito

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Federal, ou por Capanema em 1937, por ocasio do discurso pronunciado durante a comemorao do centenrio do Colgio Pedro II. Assim, apesar de uma forte interveno do estado no aparelho escolar, sobretudo no perodo 1937-1942, a no concretizao das diferentes propostas oficiais mostra que o regime nunca chegou a impor escola um papel poltico idntico quele imposto na Itlia fascista. Assim, a escola no Brasil pde conservar durante todo o perodo uma relativa autonomia. Alm disso, a poltica educativa que o estado procurou implantar provocou certamente resistncia por parte de professores, pais e alunos. Neste momento passamos para o nvel da prtica escolar, ao qual no se pode chegar sem enfrentar delicados problemas metodolgicos. Se uma anlise do discurso e da prtica dominante sempre possvel, as prticas de resistncia so, ao contrrio, muito mais difceis de apreender.Discurso de Capanema na comemorao do centenrio do Colgio Pedro II

Como vimos, o perodo que antecede e que se segue imediatamente proclamao do Estado Novo ser marcado pela disputa entre Francisco Campos e Gustavo Capanema em torno do Ministrio da Educao. Com efeito, o ministro da Educao teve conhecimento das iniciativas de Francisco Campos para afast-lo do Ministrio da Educao e Sade, Sentindo-se ameaado, deve ter percebido que o nico caminho para permanecer no cargo seria mostrar-se perfeitamente identificado com a ideologia do Estado Novo. E aproveita a oportunidade das comemoraes do centenrio do Colgio Pedro II para manifestar publicamente sua adeso nova situao e sua disposio de colocar o sistema educacional a servio do novo regime. Acreditamos ser esta a perspectiva sob a qual deve ser analisado o discurso por ele pronunciado na ocasio,

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em solenidade realizada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, na presena de Getlio Vargas, no dia 2 de dezembro de 1937. Na realidade, existem no Arquivo Gustavo Capanema dois conjuntos de verses deste discurso. Nas primeiras verses, certamente escritas por Capanema antes que ele tivesse conhecimento de que a sua permanncia no cargo estava ameaada, o ministro da Educao considera a solenidade do Teatro Municipal como uma homenagem que lhe era prestada em razo das atividades desenvolvidas por ele frente do Ministrio. Nas ltimas verses, escritas por Capanema aps ter tomado conhecimento do risco que corria a sua permanncia no Ministrio da Educao, e que se concretizaro na verso definitiva, lida por ele no Teatro Municipal, o ministro da Educao passa a apresentar a cerimnia como uma homenagem a Getlio Vargas, que lhe teria encarregado de falar em seu nome7. No corpo do discurso, tal como aparece nas primeiras verses, Capanema limita-se a apresentar as suas realizaes na rea da educao e da cultura, e conclui prometendo continuar, com firmeza, a obra encetada. Na verso definitiva, entretanto, a orientao geral do discurso muda radicalmente. Capanema manifesta-se publicamente a favor do novo regime e compromete-se a orientar a escola no sentido de transform-la em centro de preparao integral de cada indivduo, para o servio da nao. Para Capanema, antes de tudo tornava-se necessrio conceituar o que era educao. Segundo ele, mesmo sendo este um tema bastante debatido, o conceito de educao no estava ainda assentado em termos completos e definitivos, nem na doutrina geral dos educadores, nem na prtica seguida pelos poderes oficiais. Para o ministro, apesar de os pioneiros da escola nova terem7 H indcios de que as primeiras verses do discurso teriam sido escritas por Capanema na suposio que ele seria pronunciado por Vargas. Tal fato no invalida o raciocnio que estamos desenvolvendo.

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reagido contra a concepo tradicional que considerava a educao como uma atividade destinada transmisso de noes e conhecimentos adquiridos por uma gerao, gerao subsequente, e terem sido os responsveis por um vasto movimento de renovao pedaggica, do qual era necessrio reconhecer as vantagens, nem mesmo a concepo de educao que os havia orientado estava isenta de deficincia e erro. Com efeito, segundo Capanema, na doutrina dos Pioneiros a educao (...) deve tratar o ser humano como uma entidade social destinada ao, limitando-se a preparar cada homem para viver, com o mximo de eficincia, entre os outros homens. Mas, e a estava a deficincia e o erro desta concepo, a ao para a qual o homem deve ser preparado, esta no prevista nem definida. A aptido lhe dada simplesmente para agir, para atuar, para trabalhar, pouco importando a situao, o problema ou a crise em que ele se venha a encontrar. Para o ministro, tal concepo s poderia ser proveitosanas pocas tranquilas e felizes, nas pocas de leis durveis, de ordem consolidada, de ideias e conceitos assentados, de vida econmica e espiritual organizada, definida, orientada, (...) poca na qual basta a capacidade de agir para que a ao seja certa e segura, porque as verdades, incontestes e pacficas, so um patrimnio comum, e debaixo do seu imprio os negcios humanos se resolvem segundo a linha de coerncia, da facilidade e do xito.

Tal no era o caso da fa