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Tópicos de Física Nuclear e Partículas Elementares Sidney dos Santos Avancini José Ricardo Marinelli Florianópolis, 2009

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Tópicos de Física Nuclear e Partículas Elementares

Sidney dos Santos AvanciniJosé Ricardo Marinelli

Florianópolis, 2009

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Catalogação na fonte: Eleonora Milano Falcão Vieira

A592m Avancini, Sidney dos Santos. Tópicos de física nuclear e partículas elementares/ Sidney dos Santos Avancini, José Ricardo Marinelli. - Florianópolis : UFSC/EAD/CED/CFM, 2009.

103p.

ISBN 978-85-99379-58-5

1.Física nuclear. I. Marinelli, José Ricardo. II. Título.CDU 53

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Sumário

1 Introdução ..................................................................... 9

2 O Núcleo Atômico ........................................................ 21

2.1 Composição e propriedades gerais ..................................... 23

2.2 Radioatividade ......................................................................29

2.3 Fissão e Fusão Nuclear ........................................................ 35

3 Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão ...... 45

3.1 Introdução .............................................................................47

3.2 Modelo de quarks ................................................................ 50

3.3 Léptons ................................................................................. 60

3.4 Interações fundamentais ..................................................... 62

3.5 Leis de conservação .............................................................67

3.6 Aceleradores de Partículas ...................................................71

4 Noções sobre Astrofísica Nuclear ................................ 81

4.1 Introdução ............................................................................ 83

4.2 Teoria da Grande Explosão ................................................. 83

4.3 Energia Nuclear e Nucleossíntese ........................................89

Referências ................................................................... 102

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Apresentação

O conteúdo deste volume tem como objetivo dar ao estudante uma visão ge-

ral e introdutória sobre a Física Nuclear e das Partículas Elementares. Inicial-

mente, fazemos um pequeno histórico do desenvolvimento desta importante

área da Física ao longo do século XX, com destaque para a descoberta do nú-

cleo atômico, os mésons e os neutrinos, além de outras partículas importan-

tes para nosso entendimento atual do microcosmo. Posteriormente, algumas

propriedades fundamentais do núcleo atômico, visto como uma coleção de

prótons e nêutrons, são apresentadas e discutidas juntamente com os fenô-

menos da radioatividade, fissão e fusão nuclear. Esta discussão pertence ao

ramo conhecido atualmente como Física Nuclear de baixa energia.

Com o advento dos grandes aceleradores de partículas, a partir da segunda

metade do século passado, a descoberta de novas partículas e suas intrigan-

tes propriedades abriu caminho para o desenvolvimento do chamado Modelo

Padrão das partículas elementares. A apresentação desse Modelo, juntamen-

te com uma discussão sobre a Física dos Aceleradores e sua importância

para o desenvolvimento do mesmo, é o objeto do capítulo 3.

Finalmente, algumas implicações de nosso conhecimento atual sobre o tema

para a Astrofísica são discutidas no capítulo final, juntamente com o modelo

de Universo conhecido como Grande Explosão (Big Bang) , onde procuramos

mostrar a forte relação existente entre estes diferentes ramos da Física.

É necessário enfatizar aqui a importância que a Física Nuclear e a Física de

Partículas tiveram e ainda têm na nossa compreensão e na sedimentação de

duas teorias fundamentais desenvolvidas no início do século passado: a Teo-

ria da Relatividade Restrita e a Mecânica Quântica. Os fenômenos estudados

no microcosmo constituem um imenso laboratório de testes para estas duas

teorias e só puderam, por sua vez, ser perfeitamente entendidos, graças a

elas. Desta forma, uma compreensão satisfatória do texto aqui desenvolvido

só será possível a partir de um conhecimento introdutório prévio de discipli-

nas como Relatividade Restrita e Estrutura da Matéria.

Os Autores

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Introdução1

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11Introdução

1 Introdução

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Neste capítulo apresentaremos a Física Nuclear e de Par-tículas sob uma perspectiva histórica, enfatizando alguns dos principais fatos e descobertas que levaram à cons-trução do modelo atual para o núcleo atômico e para as partículas fundamentais da natureza.

Em 1897, J.J. Thomson descobriu o elétron, cujas carga e massa foram posteriormente determinadas. O mesmo Thomson observou a impor-tância que tais partículas deveriam ter na constituição do átomo, ti-dos à época como os elementos básicos formadores da matéria. No entanto, o átomo é eletricamente neutro e a carga do elétron, recém determinada naquela época, é negativa. Por outro lado, a massa de um átomo é sabidamente muito maior que a massa do elétron. Thomson imaginou então que o átomo deveria ser formado por uma espécie de “pasta” com carga positiva e muito mais pesada que os elétrons, os quais ficariam distribuídos de forma mais ou menos uniforme dentro desta “pasta”. Era o chamado Modelo de Pudim de Ameixas, onde os elétrons representariam as ameixas e a carga positiva seria o pudim.

Poucos anos mais tarde, este modelo foi no entanto refutado por um fa-moso experimento realizado pelo físico neozelandês Rutherford, cujos resultados foram apresentados à comunidade em 1911. Mais ou menos na mesma época em que o elétron foi detectado pela primeira vez, foi descoberto um importante fenômeno conhecido como Radioativida-de, segundo o qual alguns elementos conhecidos emitiam partículas de carga elétrica positiva ou negativa com energia várias ordens de grandeza superior às energias observadas na escala atômica ou mole-cular. Rutherford utilizou um destes elementos, o qual emitia partículas eletricamente positivas (as chamadas partículas ) para bombardear uma fina placa de ouro colocada perpendicularmente ao feixe de partí-culas alfa. Observando o desvio destas partículas ao atravessar a placa, Rutherford pode concluir que o átomo, ao contrário do que imaginara Thomson, deve ser formado por uma distribuição de carga positiva e de pequena dimensão (cerca de dezenas de milhares de vezes menor), quando comparada com as dimensões totais do átomo. Esta importan-te observação serviu para a formulação do chamado Modelo Plane-tário do Átomo, proposto mais tarde por Niels Bohr. Mas não menos importante foi o fato de que este experimento pode ser considerado

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como o nascimento da Física Nuclear e com ela o aparecimento de uma série de partículas novas, dando origem a um ramo da Física co-nhecido hoje como Física das Partículas Elementares.

Modelo deThomsonpara o átomo

Rutherford e aDescoberta doNúcleo

Figura 1.1: Modelos do átomo.

Na figura 1.1, os pequenos pontos representam os elétrons enquanto que o ponto maior ao centro, o núcleo atômico. As linhas contínuas representam as trajetórias prováveis das partículas para cada um dos modelos (de Thomson e de Rutherford). Observe que de acordo com os resultados de Rutherford, a partícula será fortemente desviada em relação à trajetória original ao passar próxima do núcleo devido à repulsão Coulombiana entre ambos.

Para termos uma idéia de como este ramo da Física se desenvolveu, devemos começar dizendo que, no início da década de 1930, sabia-se que o núcleo atômico, descoberto 20 anos antes por Rutherford, era composto por duas partículas diferentes: o próton, cuja carga era a mesma do elétron porém com sinal positivo e com uma massa cerca de 2000 vezes maior, e o nêutron, cuja massa é muito próxima à do próton e com carga elétrica nula. De acordo com o modelo de Bohr, citado acima, os elétrons orbitam em torno do núcleo graças à ação da força eletromagnética. Tudo se encaixaria perfeitamente não fosse uma questão simples, mas fundamental: as mesmas forças eletromagnéticas que mantêm os elétrons em volta do núcleo devem causar uma violenta repulsão entre os prótons dentro do núcleo, já que estes ocupam um vo-lume muito menor que o átomo como um todo. A resposta óbvia é que prótons e nêutrons devem sentir dentro do núcleo uma força suficiente-mente forte para evitar a repulsão entre os prótons e ao mesmo tempo esta força deve ser de curto alcance, ou seja, deve agir apenas para dis-

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13Introdução

tâncias da ordem do tamanho do núcleo, já que elas são imperceptíveis no nosso dia-a-dia do mundo macroscópico, ao contrário do que ocorre com as forças eletromagnéticas, de longo alcance e responsáveis por toda a estrutura molecular que constitui a matéria tangível.

Átomo

Elétron

Núcleo

Nêutron Próton

Figura 1.2: O átomo e seus constituintes principais.

Nesta altura, já se conhecia o papel que o fóton ou quantum de energia eletromagnética, possuía dentro de nossa compreensão das forças ele-tromagnéticas. De fato, de acordo com a concepção moderna do concei-to de força, cada uma das interações básicas da natureza se manifesta através da troca entre partículas (ou campos) conhecidas como “bósons de gauge”. No caso da força eletromagnética, o fóton é o “bóson de gau-ge” correspondente e pode ser visto como uma espécie de mediador da força eletromagnética (ou partícula transportadora de força) sentida por duas partículas eletricamente carregadas. Assim, dois elétrons a uma dada distância um do outro, interagem por que estão constantemente trocando fótons entre si. Em 1934, baseado nesta mesma idéia, Yukawa propôs a existência de uma nova partícula capaz de fazer esta mesma mediação para o caso da força nuclear ou força forte. Yukawa previu in-clusive a massa que tal partícula deveria ter e a chamou de méson. Apro-ximadamente 10 anos mais tarde, mais precisamente em 1946, o méson de Yukawa foi detectado experimentalmente e verificou-se que sua mas-sa era de fato muito próxima ao valor estimado por ele. Surgia assim a primeira teoria para a força forte. Atualmente, o méson de Yukawa é co-nhecido como méson ou simplesmente pion, e de lá para cá mais de algumas dezenas de tipos diferentes de mésons foram observados expe-rimentalmente. No caso do pion, sua determinação experimental foi fei-

Os quais serão apresentados mais adiante para cada uma das quatro forças fundamentais da natureza.

No caso, se repelem.

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ta usando-se uma técnica de observação dos chamados raios cósmicos, que chegam constantemente ao nosso planeta provenientes do espaço.

É importante lembrar o papel que o físico brasileiro César Lattes teve nesta descoberta.

Mais recentemente, a observação de mésons pode ser feita com o auxílio de grandes aceleradores de partículas, através de reações nu-cleares produzidas a altas energias. As técnicas empregadas nestes grandes aceleradores modernos não são fundamentalmente muito diferentes da técnica empregada no experimento pioneiro de Ruther-ford, embora a tecnologia usada hoje seja bem mais sofisticada.

César Lattes e seu maior feito:

Assim que se formou, Lattes trabalhou com física teórica na Univer-sidade de São Paulo (USP). Mas essa área o enfastiava, e ele decidiu se dedicar à física experimental. Em 1946, após dois anos de USP, ele se convidou para trabalhar na Universidade de Bristol, na Ingla-terra, onde já estava o físico italiano Giuseppe Occhialini, que ele havia conhecido no Brasil. O pedido foi aceito, e, em sua passagem pela Europa, ele realizaria o maior feito de sua carreira: a descober-ta do méson pi.

Lattes zarpou para a Europa no primeiro cargueiro que saiu depois da Segunda Guerra Mundial. Foram 40 dias de uma dura viagem: ele dormia no porão, sobre uma tábua, e a cerveja acabou na primeira semana, para seu desespero. Lattes encontrou um país devastado pela guerra. Em Bristol, o laboratório ficava isolado: tudo em volta havia sido bombardeado. Mesmo a comida era pouca, e o brasileiro não tinha com que gastar seu dinheiro. Assim, a subvenção mensal de 60 dólares, que recebia da fábrica de cigarros que patrocinava seu laboratório, bastava-lhe.

No laboratório, Occhialini pesquisava novas partículas em um ace-lerador sob o comando do britânico Cecil Powell. Lattes propôs que substituíssem o acelerador por raios cósmicos, que continham muito mais energia. Essa radiação poderia registrar rastros das partículas em chapas fotográficas com bórax, um composto do elemento quí-mico boro. As chapas, chamadas de “emulsões nucleares”, deveriam ser depositadas em regiões de grande altitude, em que a incidência de raios cósmicos é maior.

A seguir leia o texto “César Lattes e seu maior feito”, extraído do site da

web http://cienciahoje.uol.com.br/materia/

view/1606.

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15Introdução

Nessa ocasião, Occhialini estava indo passar férias nos Pirineus, uma cadeia montanhosa européia. Lattes pediu-lhe que levasse al-gumas das novas chapas. De volta a Bristol, a surpresa: duas mar-cas eram as primeiras provas da existência do méson pi. Essa partí-cula havia sido prevista em 1935 pelo japonês Hideki Yukawa, e os físicos esperavam encontrá-la havia doze anos. Mas as evidências de Occhialini ainda não eram suficientes. Se as chapas fossem ex-postas em um lugar mais alto, poderia haver um maior número de marcas que confirmariam a descoberta.

Lattes teve a idéia de fazer o experimento no monte Chacaltaya, nos Andes bolivianos, a 5.500 metros de altitude. Deixou as cha-pas na Bolívia e, um mês depois, quando voltou para buscá-las, encontrou as evidências definitivas. Desta vez, havia cerca de 30 marcas. Radiante, Lattes voltou para Bristol, e foi enviado por Po-well a um simpósio em Birmingham para apresentar a descoberta. Alguns cientistas contestaram os resultados, mas o suporte do dina-marquês Niels Bohr, um dos maiores físicos da época, pesou na sua aceitação pela comunidade científica. Bohr acreditou na descoberta e convidou Lattes para dar dois seminários. Na mesma época, a re-vista inglesa Nature publicou um artigo do brasileiro sobre o assun-to. O feito inscrevia definitivamente na história da Física os nomes de Cesar Lattes e da equipe de Cecil Powell.

As partículas que interagem entre si através da chamada força for-te são genericamente conhecidas como Hádrons. Os mésons se en-quadram nesta classificação assim como os chamados bárions. São exemplos de bárions o próton e o nêutron, mas existem outros menos conhecidos, dos quais falaremos adiante. Como também veremos, os mésons como os bárions têm uma origem comum, porém se enqua-dram de forma diferente em uma outra classificação das partículas da natureza. Segundo esta outra classificação, proveniente de um prin-cípio fundamental da Mecânica Quântica conhecido como Princípio de Exclusão de Pauli, as partículas podem ser bósons ou férmions. Assim, enquanto os mésons se comportam como bósons, os bárions têm todas as características de férmions. Outro exemplo importante de um férmion é o elétron. De acordo com o Princípio de Pauli, dois férmions não podem ocupar o mesmo estado quântico em um siste-ma, enquanto que dois bósons podem fazê-lo. Este fato, entretanto, é uma observação mais geral relacionada ao comportamento das par-tículas da natureza e que nada tem a ver com as características das forças que agem entre elas. Desta forma, embora mésons e bárions se comportem de forma diversa no que se refere ao Princípio de Exclu-são, ambas interagem via o mesmo tipo de força.

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Vamos voltar um pouco agora à década de 1920. Nesta época, Paul Di-rac desenvolveu uma teoria para o elétron, incorporando à Mecânica Quântica as idéias introduzidas por Einstein em sua Teoria da Relati-vidade Restrita. Como resultado desta teoria, Dirac obteve o resultado surpreendente de que, mesmo para um elétron livre, sua energia pode-ria ser negativa. Dirac tentou na época encontrar uma interpretação satisfatória para este resultado, e suas idéias acabaram evoluindo para o conceito de antipartícula. Colocando de forma simplificada, pode-mos dizer que as soluções de energia negativa encontradas por Di-rac correspondem na verdade a soluções de energia positiva não para o elétron, mas para uma outra partícula com exatamente a mesma massa, porém com carga positiva. Esta seria, então, o antielétron, ou pósitron ( e+ ), como foi posteriormente conhecido. Acontece que, em 1933, uma partícula com exatamente estas características foi encon-trada, reforçando, conseqüentemente, esta interpretação. Quando um elétron é colocado em presença de um pósitron, as duas partículas se transformam em um fóton com energia pelo menos igual à soma das energias de repouso das duas, e dizemos que houve uma aniquilação elétron-pósitron. Mas a teoria desenvolvida por Dirac pode ser aplica-da sem maiores problemas a outras partículas do tipo férmion, como o próton e o nêutron. Desta forma podemos imediatamente concluir que a toda partícula do tipo férmion deve corresponder sua antipartícula, fato que foi sendo comprovado com o passar do tempo.

Na década de 1960, o número de partículas ditas elementares (e suas antipartículas) era tão grande que os Físicos começaram a realizar uma classificação das mesmas segundo suas propriedades conheci-das, similar à classificação feita para os elementos químicos conhe-cidos um século antes e que culminou na famosa Tabela Periódica dos elementos. Na época também já se sabia que, em experimentos realizados através do bombardeio de elétrons de alta energia em nú-cleos leves como o hidrogênio e o deutério, o próton e o nêutron não devem ser de fato partículas elementares e, portanto, devem ser do-tados de uma estrutura interna. Tais evidências associadas à classi-ficação citada levaram à hipótese de que os hádrons fossem de fato compostos por partículas ainda “mais elementares” e que receberam o nome de quarks. Um experimento muito semelhante ao realizado por Rutherford foi então realizado. Neste caso, ao invés de partículas alfa, provenientes de um elemento radioativo, foi usado um feixe de elétrons acelerado em um poderoso acelerador, o qual bombardeava um alvo de prótons (núcleo do átomo de hidrogênio). Uma vantagem importante da utilização de elétrons ao invés de partículas alfa é que os primeiros interagem com os hádrons principalmente através da força eletromagnética que, por ser bem menos intensa que a força

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17Introdução

forte dentro do alvo, permite uma observação do mesmo sem causar grandes distúrbios em sua estrutura original, enquanto que a partí-cula alfa, que na verdade corresponde ao núcleo do átomo de Hélio, interage tanto via força eletromagnética quanto via força forte ao se aproximar o suficiente de um alvo hadrônico.

Uma análise muito semelhante à realizada por Rutherford (e que le-vou à conclusão da existência do núcleo do átomo) destes experimen-tos com feixes de elétrons concluiu de forma inequívoca que o próton é formado por partículas “puntuais” (sem estrutura interna): seriam os quarks previstos anteriormente. A princípio, para explicar a diver-sidade de mésons e bárions conhecidos era necessário admitir a exis-tência de três tipos diferentes de quarks (ver figura 1.3), mas logo este número aumentou para seis, tendo o último deles apresentado pela primeira vez uma evidência experimental em um experimento reali-zado há pouco mais de dez anos. Assim, podemos dizer que todos os hádrons conhecidos são formados por quarks, os quais podem existir em apenas seis tipos diferentes. Esta foi uma simplificação espeta-cular se levarmos em conta que, entre mésons e bárions, temos um número que chega a mais de uma centena de partículas conhecidas.

Figura 1.3: Os Quarks

Antes de terminarmos esta Introdução, somos obrigados a voltar no tempo e lembrar que o fenômeno da Radioatividade, descoberto ao final do século XIX, se apresenta principalmente em três formas mais conhe-cidas: radioatividade alfa, beta e gama. A primeira, como já dissemos, corresponde à emissão de núcleos do átomo de Hélio. A radioatividade gama nada mais é que a emissão de energia eletromagnética quantiza-da, ou seja, fótons de uma determinada energia característica a proces-

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sos internos ocorridos no núcleo. Já a radioatividade beta pode aparecer em forma de partículas de carga positiva ( + ) ou de carga negativa ( − ). Após a descoberta do pósitron, sabia-se que a + correspondia à emis-são de pósitrons a partir de algum tipo de processo ocorrido no núcleo, enquanto que a − correspondia à emissão de elétrons. O problema com este tipo de reação é que nem a energia nem o momento total eram con-servados a partir da observação das partículas envolvidas e detectadas no processo. Na época, alguns Físicos famosos chegaram a admitir que a Conservação da Energia e do Momento não deveriam ser princípios ge-rais da natureza. Para tentar “salvar” a situação, o alemão Wolfgang Pauli sugeriu que deveria existir uma outra partícula participante do processo e que não era detectada. Tal partícula deveria ter carga nula e massa zero (ou muito próxima disso). Na verdade, partículas com massa zero e sem carga já eram conhecidas: é o caso do fóton. A novidade é que esta outra partícula, proposta por Pauli e que recebeu a denominação de neutrino, deveria ser um férmion, enquanto o fóton é um bóson. O físico italiano Enrico Fermi apostou na hipótese de Pauli e formulou uma teoria para o decaimento . Segundo esta teoria, tal processo, embora ocorra dentro do núcleo, não deve ter sua origem na força forte, mas sim em outro tipo de interação, que ficou conhecida como força nuclear fraca ou mais ge-nericamente como força fraca, já que ela não precisa ocorrer necessaria-mente dentro do núcleo, como observado posteriormente. Embora Pauli tenha postulado a existência do neutrino na década de 1930 e a teoria de Fermi tenha sido desenvolvida na década de 1940, somente em 1956 o neutrino foi pela primeira vez observado experimentalmente, de forma indireta porém irrefutável.

Sabe-se hoje que os neutrinos, assim como a força fraca, têm um papel importante em vários processos da natureza tanto do ponto de vista das partículas elementares como em vários fenômenos astrofí-sicos. Só para citar um exemplo, temos a explosão de uma supernova, em que uma estrela, ao atingir determinadas condições, emite uma grande quantidade de neutrinos, passando a sofrer, como conseqü-ência, um processo de colapso, devido ao desbalanço entre a força gravitacional e outras forças internas. Esta explicação foi dada pela primeira vez pelo eminente físico brasileiro, Mário Schenberg, e foi batizada de efeito URCA por um importante colega seu (G. Gamow), em uma visita ao morro da Urca no Rio de Janeiro, no qual havia um cassino à época. Segundo ele, na explosão de uma supernova a ener-gia no interior da estrela sumiria tão rapidamente com a emissão dos neutrinos, como o dinheiro dos visitantes “sumia” nas mesas do cas-sino. Uma das grandes discussões da última década do século XX foi se o neutrino tem ou não massa e as conseqüências deste fato. As

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19Introdução

evidências são todas no sentido de que o neutrino tem massa, embo-ra não tenha ainda sido possível determiná-la exatamente.

O conhecimento atual sobre as partículas elementares permite formu-lar um modelo conhecido como Modelo Padrão. Nele, como discuti-remos com um pouco mais de detalhes adiante, todos os hádrons são formados por seis tipos diferentes de quarks. Além disso, o elétron e o neutrino são parte de uma outra família conhecida como Léptons. O fóton, por sua vez, pertence a uma categoria de partículas chamadas bósons de calibre (gauge) ou partículas mediadoras. Neste mode-lo, os hádrons podem interagir entre si através das forças eletromag-nética, forte e fraca enquanto que os léptons só interagem via forças fraca e eletromagnética. O neutrino, por sua vez, só interage via força fraca. E quanto à força gravitacional? Bem, esta, embora seja uma das mais importantes no nosso dia-a-dia, ainda não faz parte deste modelo, mesmo que existam tentativas de incluí-la, ou seja, várias tentativas de unificação com as demais forças.

No próximo capítulo vamos apresentar e discutir algumas das princi-pais propriedades do núcleo atômico, assim como alguns fenômenos importantes relacionados com a estrutura nuclear. É o que chamamos de Física Nuclear de baixa energia, em que apenas o próton e o nêu-tron apresentam um papel importante na discussão dos fenômenos envolvidos. No capítulo seguinte discutiremos alguns processos onde os mésons e outras partículas mais exóticas passam a ter um papel relevante e apresentaremos de forma mais completa o Modelo Padrão citado acima, assim como algumas de suas conseqüências para o nos-so entendimento atual da natureza. No capítulo 4, mostraremos a co-nexão da Física Nuclear e da Física de Partículas com a Astrofísica.

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Resumo

Vimos que tanto o experimento de Rutherford de 1911 quanto expe-rimentos bem mais recentes realizados ao longo do século XX têm em comum o mesmo tipo de interpretação dos resultados: no primeiro caso, a descoberta do núcleo e posteriormente de suas partículas cons-tituintes (próton e nêutron); no segundo, a descoberta dos quarks como os tijolos fundamentais para a construção da matéria. Além disto, apre-sentamos outras partículas fundamentais da natureza, como os neutri-nos e os chamados bósons de calibre. A contribuição de dois notáveis físicos brasileiros ao tema foi também rapidamente apresentada.

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O Núcleo Atômico2

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23O Núcleo Atômico

2 O Núcleo Atômico

23

Neste capítulo discutiremos algumas propriedades do núcleo atômico, como a massa, suas dimensões, densidade, e como é possível obter experimentalmente tais propriedades. Além disso, também iremos apresentar e discutir uma das mais importantes manifestações do núcleo, a Radioatividade, a qual é vista em suas formas historicamente mais importan-tes, assim como os fenômenos de fissão e fusão nuclear.

2.1 Composição e propriedades gerais

Neste Capítulo apresentaremos e discutiremos algumas propriedades e características do núcleo atômico, supondo que seus constituintes fundamentais sejam o próton e o nêutron. Costuma-se chamar estas duas partículas simplesmente de núcleons. É comum diferenciar o próton e o nêutron por um número quântico inventado em analogia ao spin e que é conhecido como isospin. Tal número quântico, no

caso dos núcleons, é definido como sendo 12

I = e possui duas pro-

jeções possíveis (lembrando mais um vez da analogia com o spin do elétron):

312

I próton= + → e

312

I nêutron= − → .

Assim, a diferença entre os dois tipos de núcleons fica estabelecida pela projeção de seu isospin, de maneira análoga a dois elétrons no mesmo orbital quântico de um átomo, que ficam diferenciados pela sua projeção de spin. Podemos associar o isospin à carga do núcleon, assim como a outras propriedades.

Na verdade, a forma que usamos para descrever um núcleo depende basicamente da faixa de energia em que o fenômeno estudado ocorre, ou seja, como o núcleo atômico é investigado principalmente através de sua interação com outras partículas de dimensões semelhantes ou

Como o conceito de isospin pode ser estendido a outras partículas, vamos deixar esta discussão mais detalhada para quando formos apresentar o Modelo Padrão das partículas elementares.

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ainda menores. Dependendo da energia destas partículas, os detalhes da estrutura nuclear se revelam de forma mais ou menos detalhada. Para energias da ordem de alguns poucos milhões de elétron-volts ( eV ), é suficiente uma descrição baseada nestes dois tipos de partí-culas apenas. Se aumentarmos esta faixa de energia de aproxima-damente cem vezes, graus de liberdade associados ao aparecimento de mésons podem começar a ficar importantes; e, se subirmos ainda mais em energia (de um fator 1000 ou mais) teremos que recorrer provavelmente a uma estrutura mais fundamental, como a dos qua-rks, dos quais falaremos mais adiante.

Inicialmente, vamos definir algumas ordens de grandeza caracterís-ticas. O raio nuclear é uma grandeza bem conhecida atualmente e seu valor varia entre aproximadamente 2 e 136 10 cm−× . Costuma-se definir a quantidade:

131 10 1 ( )cm fm fermi−× = .

Por outro lado, as energias envolvidas na maior parte dos processos que ocorrem dentro do núcleo é da ordem de alguns MeV , em que:

6 131 10 1,6 10MeV eV J−= ≈ × .

Assim, pode-se dizer que o núcleo é cerca de 1000 vezes menor que um átomo, enquanto que a energia associada ao primeiro é um mi-lhão de vezes maior. Outro dado importante é a massa dos constituin-tes nucleares. O próton e o nêutron têm uma massa bem parecida, da ordem de 10-24 g. Por exemplo, é muitas vezes conveniente expressar a massa em termos de seu equivalente em energia ou energia de re-pouso usando a conhecida relação massa-energia 2E mc= , sendo c a velocidade da luz no vácuo. Daqui em diante usaremos os termos “massa e energia de repouso” de forma indistinta. Desta forma, temos os valores 939,566 MeV e 938,272 MeV para as massas de repouso respectivamente do nêutron e do próton. Uma outra forma comum de expressar as massas do próton e do nêutron é através da unidade de massa atômica ( . . .u m a ou simplesmente u ), cujo equivalente em energia é 1 931,494u MeV= . Estes valores podem ser empregados para uma estimativa da velocidade de um núcleon dentro do núcleo, ou seja:

2

2

2 2 2 1939

T Tcv cm mc

×= = = ,

onde 1T MeV= é a energia cinética. Portanto,

0,05vc≈ .

No entanto, unidades como cm e g, embora nos dêem uma idéia de ordem

de grandeza quando comparamos a dimensões

do nosso dia-a-dia, não são muito úteis na escala

nuclear.

Claro que esta é uma estimativa bastante

grosseira, e cálculos mais elaborados mostram que a energia cinética média

de um núcleon dentro do núcleo chega a ser de

aproximadamente 20 MeV.

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25O Núcleo Atômico

Isto significa que podemos, em primeira aproximação, tratar seu mo-vimento sem fazer uso das chamadas correções relativísticas. Ainda usando estes dados, pode-se calcular o chamado comprimento de onda de de Broglie associado ao núcleon, o qual é dado por:

22h hc

mv mc T = = ,

onde h é a constante de Planck. Utilizamos acima a constan-te hc = 1240MeV.fm. Tomando ainda nossa melhor estimativa para a energia cinética do núcleon como sendo 20 MeV , temos finalmente que 6,5 fm ≈ . Mas este número é bastante próximo de um raio nu-clear típico. Agora, sabemos que uma condição para que os efeitos quânticos sejam importantes na descrição do movimento de um sis-tema é que o comprimento de onda de de Broglie associado às partí-culas que formam este sistema seja da mesma ordem que as dimen-sões do mesmo. Assim, concluímos que o núcleo é um objeto cuja estrutura deve ser obtida a partir dos princípios básicos estabelecidos pela Mecânica Quântica.

A melhor oportunidade que temos de observar a estrutura de um ob-jeto microscópico como o núcleo é através de experimentos de espa-lhamento, do tipo utilizado no trabalho pioneiro de Rutherford. A idéia consiste em preparar um feixe de partículas com energia conhecida, as quais podem ser facilmente aceleradas se as mesmas possuírem carga elétrica (como a partícula ou um elétron). Tal feixe incide sobre um alvo conhecido e mede-se, então, a razão entre o número de partículas espalhadas por unidade de tempo em uma dada direção e o fluxo de partículas incidentes. Isto é o que chamamos de secção de choque diferencial ou simplesmente secção de choque. A secção de choque pode, por sua vez, ser calculada usando técnicas dadas pela Mecânica Quântica, utilizando-se de algum tipo de modelo para descrever o alvo (no caso, o núcleo) ou pode ser escrita em termos de alguns parâmetros fisicamente escolhidos, os quais são, então, ajus-tados para reproduzir a secção de choque experimental.

Usamos unidades de MeV para a energia e fm para distância.

Foi esta a técnica usada por Rutherford e que o levou à conclusão da existência do núcleo, já que ele sabia como obter a secção de choque teórica a partir da colisão entre duas partículas eletricamente carregadas.

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À época de Rutherford, a secção de choque era cal-culada usando Mecânica Clássica, porém os expe-

rimentos mais modernos precisam ser interpretados à luz de cálculos usando os princípios da Mecânica Quân-tica. Curiosamente, a chamada secção de choque de Rutherford fornece exatamente o mesmo resultado se usarmos Mecânica Clássica ou Quântica para obtê-la, e assim a interpretação original de Rutherford estava rigo-rosamente correta.

Naquele caso, a energia da era da ordem de alguns poucos MeV , ou seja, um comprimento de onda de de Broglie em torno de 6 a 7 fm . Se queremos no entanto saber mais do que simplesmente a existência ou tamanho aproximado do núcleo, devemos diminuir o comprimento de de Broglie, ou seja, aumentar a energia do feixe incidente de forma que seja ainda menor que as dimensões do sistema estudado. Tudo funciona como no caso de uma onda eletromagnética (luz visível, por exemplo) incidindo sobre uma fenda. Se o comprimento de onda for muito maior que as dimensões da fenda, os efeitos de difração (espa-lhamento) serão imperceptíveis ao observador. Se tal comprimento de onda, porém, tiver as dimensões da fenda, a difração será facilmente observada, e, se diminuirmos ainda mais o comprimento de onda, poderemos ser capazes de reconstruir os detalhes da fenda, como sua forma por exemplo.

Exemplo 1: Qual deve ser a energia de um elétron se quisermos es-tudar a estrutura interna de um próton através do espalhamento entre ambos?

Para tentar responder esta pergunta, vamos reformulá-la: qual a ener-gia a que um elétron pode ser acelerado com a tecnologia atual? Nos Estados Unidos existe um acelerador conhecido como Jefferson Lab que pode acelerar elétrons a uma energia final de até 4GeV , ou seja, 4 bilhões de elétron-volts ( 91 10 GeV eV= ). A esta energia o elétron, que possui massa de repouso de aproximadamente 0,5 MeV , viaja à velocidade v c . Portanto devemos escrever para a relação entre sua energia e o momento p :

2 2 2( ) eE pc m c= + ,

de onde obtemos:4000 .pc MeV

Ver por exemplo Mecânica, Curso de Física de Berkeley,

vol 1, em problemas do Capítulo 15.

Obtida do espalhamento entre duas partículas

eletricamente carregadas e que interagem através da

força de Coulomb.

Ver o site www.jlab.org para mais detalhes.

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27O Núcleo Atômico

Para o comprimento de onda de de Broglie associado do elétron tere-mos então:

1240 0,34000

h hc fmp pc

= = = .

Isto significa que elétrons a esta energia são sensíveis a estruturas tão pequenas quanto algo da ordem de

0,3 fm. Já desde meados da década de 1950 sabia-se que o próton é um objeto de raio aproximadamente igual a 0,5 fm. De fato, como comentamos na Introdução, a es-trutura de quarks do próton foi detectada pela primeira vez em um experimento de espalhamento de elétrons. Atualmente esta continua sendo uma técnica bastante útil para aprendermos a respeito da estrutura interna do núcleon e outras partículas com dimensões seme-lhantes.

Entre as décadas de 1960 a 1980 foi realizada uma série de experi-mentos em que elétrons eram acelerados até atingirem energias da ordem de centenas de MeV e então eram postos a colidir com vários tipos de alvos, do Hidrogênio até o Chumbo. Pelas razões acima ex-postas, nesta faixa de energia os elétrons “sentem” exclusivamente a estrutura interna do núcleo, e uma análise cuidadosa das secções de choque medidas neste tipo de processo levou à conclusão de que, ao longo de toda a tabela periódica, a densidade nuclear média pratica-mente não varia de núcleo para núcleo. Em outras palavras, se ten-tamos aumentar o número de núcleons dentro do núcleo, seu volume aumenta na mesma proporção, o que significa que o núcleo tem uma compressibilidade muito baixa, se não nula. O valor encontrado para esta densidade média foi 30,153 /nucleons fm ≈ . Para se ter uma idéia, lembrando da massa de um núcleon em g e do fator de trans-formação de fm para cm , chegamos a uma densidade cuja ordem de grandeza é 14 310 /g cm . Se lembrarmos que a densidade média de nosso planeta é de aproximadamente 35 /g cm , vemos que o núcleo é um objeto extremamente denso, contendo partículas que interagem fortemente entre si e, por esta razão, um sistema bastante complexo.

Cada uma das espécies nucleares (ou tipos diferentes de núcleos) co-nhecidas, seja ela natural ou artificialmente produzida, é caracterizada pelo número de nêutrons N e número de prótons (ou número atômico) Z . Na verdade, costuma-se caracterizar a espécie nuclear pelo seu nú-

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mero Z e pela soma A Z N= + , também conhecida como número de massa ou simplesmente número de núcleons. É possível encontrarmos espécies nucleares com mesmo A porém Z diferentes, cujos núcleos correspondentes são chamados de núcleos isóbaros. Por outro lado, núcleos com mesmo Z e valores de A diferentes são chamados de isó-topos. Embora não seja a única empregada na literatura, usaremos aqui a notação A

ZX para indicar um certo tipo de núcleo (ou espécie nucle-ar), onde X representa o símbolo do elemento químico correspondente. Podemos ainda usar simplesmente o par de números ( ,Z A ). A figura 1.3 mostra as espécies nucleares conhecidas em função dos seus números de prótons e nêutrons. Observe que à medida que o número de núcleons aumenta existe uma tendência do número de nêutrons ficar progressi-vamente maior que o número de prótons. Este fato se deve ao aumento da repulsão coulombiana dentro do núcleo (devido ao aumento do nú-mero de prótons), que passa então a competir com a interação nucle-ar atrativa. Aliás, esta competição é em grande parte responsável por fenômenos de instabilidade nuclear, como a instabilidade e a fissão nuclear. No entanto, esta não é a única razão para que várias espécies nucleares sejam instáveis, fenômeno do qual falaremos a seguir.

Figura 2.1 (Fonte: Figura retirada do site www.nndc.bnl.gov)

A figura 2.1 apresenta espécies nucleares conhecidas, onde Z cresce na vertical (de baixo para cima) e N cresce na horizontal (da esquerda para a direita). Os pontos em preto representam os núcleos considerados es-táveis e as demais tonalidades aqueles que são instáveis, sendo cada tonalidade atribuída a uma determinada faixa de instabilidade (tempo médio de vida do núcleo).

Corresponde ao decaimento ou

transformação em outras espécies através

da emissão de certas partículas.

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29O Núcleo Atômico

2.2 Radioatividade

Pode-se dizer que o estudo do decaimento radioativo de alguns ele-mentos pesados (como o Urânio) corresponde ao nascimento da Física Nuclear. Por razões históricas costuma-se classifi car a radioatividade em três tipos principais, conhecidos como radioatividade , e .No entanto, em muitos processos de decaimento radioativo importan-tes ocorre emissão de outras partículas como prótons, nêutrons e até mesmo partículas mais pesadas, como núcleos leves. Neste ponto, de-ve-se distinguir o que se costuma chamar na literatura de núcleos leves ( 20A < ), núcleos médios ( 20 70A< < ) e núcleos pesados ( 70A > ).Núcleos de elementos com 92Z > são chamados de transurânicos, tendo-se até o momento conhecimento de núcleos com 115Z ≈ , al-guns dos quais são produzidos artifi cialmente em laboratório.

A radioatividade é um fenômeno nuclear bastante es-tudado e tem hoje em dia uma série de aplicações

(industriais, médicas, geração de energia etc..), porém não é nosso objetivo aqui dar ênfase a tais aplicações e sim dar uma idéia de como e por que ocorre o fenômeno.

Assim, seguiremos a ordem histórica e discutiremos os três tipos de radiações citadas acima, até porque outros efeitos radioativos podem ser compreendidos a partir destes três.

Radioatividade : Como vimos, o núcleo é um sistema quântico, ou seja, deve ser descrito pelas leis da Mecânica Quântica. Isto signifi ca que os estados ligados do sistema possuem um espectro discreto de energia. Assim, se o núcleo sofrer algum tipo de perturbação externa (com a energia “correta”), ele pode ser excitado a algum de seus es-tados possíveis. No entanto, o tempo de vida do sistema neste estado excitado é limitado e o mesmo acaba por decair para estados de me-nor energia e eventualmente para seu estado fundamental. Ao fazer isto, o núcleo pode emitir (ver fi gura 2.2) o excesso de energia adqui-rida em forma de energia eletromagnética: isto é o que chamamos de radiação .

A radioatividade consiste em um fenômeno no qual o núcleo emite partículas provenientes de sua estrutura original ou que são criadas por algum tipo de transformação ocorrida nesta estrutura.

A radioatividade consiste radioatividade consiste radioatividadeem um fenômeno no qual o núcleo emite partículas provenientes de sua estrutura original ou que são criadas por algum tipo de transformação ocorrida nesta estrutura.

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Na verdade, é o mesmo processo que ocorre na emis-são dos chamados raios X (energia na faixa de eV),

no caso atômico. Só que agora, como as energias estão na faixa de MeV, a freqüência da radiação é correspon-dentemente muito maior.

Um determinado núcleo pode emitir radiação indo desde algumas poucas centenas de keV até dezenas de MeV . Os valores exatos das energias emitidas dependem da estrutura interna do núcleo.

152Dy66

DecaimentoGama

Antes Depois

152Dy66

(raio gama)

fóton

Figura 2.2: Emissão de radiação γ por um núcleo em um estado excitado.

Radioatividade : Uma partícula nada mais é do que um núcleo de 4

2He , o qual é emitido por um núcleo mais pesado. O processo pode ser genericamente representado pela reação nuclear:

4 42 2

A AZ ZX Y He−

−→ + .

Mas por que razão um determinado núcleo emite, muitas vezes de forma espontânea, um núcleo de Hélio? Para respondermos comple-tamente a esta pergunta temos que novamente nos reportar à es-trutura interna detalhada dos núcleos X e Y . No entanto, podemos entender como a emissão deve ocorrer, usando um modelo simples e que leva em conta as características básicas das forças nuclear e eletromagnética.

DecaimentoAlfa

Antes Depois

(partícula alfa)

4He2263Sg106 259Rf

104

Figura 2.3: Exemplo de decaimento alfa no núcleo.

A estrutura interna do núcleo, como dissemos

anteriormente, é um intrincado sistema de grande densidade de

prótons e nêutrons interagindo através de

uma força forte.

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31O Núcleo Atômico

Antes de mais nada devemos definir o valor Q de uma reação como sendo a diferença entre a massa total dos reagentes e a massa total dos produtos da reação. Na verdade, devemos entender esta diferença de massa (ou seu equivalente em energia) lembrando sempre da relação massa-energia de Einstein. Se 0Q > , uma parte da massa das partículas iniciais do processo é transformada em energia, a qual é em geral liberada em forma de energia cinética das partí-culas finais. Se por outro lado 0Q < , uma parte da massa é agora transformada em energia que é então absorvida para a formação dos produtos finais. Por esta razão, é preferível definir o valor Q em ter-mos da energia de repouso dos participantes da reação. Desta forma, na reação de decaimento representada acima, o chamado valor Q da mesma deve ser positivo para que o processo possa ocorrer espon-taneamente, ou seja,

2( )X YQ M M M ca= − − ,

onde aM representa a massa nuclear correspondente. Podemos agora pensar no núcleo X (também chamado de núcleo pai no decaimento) como sendo originalmente formado por duas partes que interagem entre si: o núcleo Y ( ou núcleo filho) e a partí-cula . Sabemos que a pequenas distâncias entre as duas par-tes (alguns poucos fermis) a força nuclear domina, porém a partir de distâncias pouco maiores a força forte vai rapidamente a zero e apenas a repulsão coulombiana entre as partes existe. A figura 2.4 ilustra esquematicamente este comportamento para o poten-cial entre o núcleo Y e a . Podemos pensar neste como sendo o potencial que a partícula sente na presença do núcleo filho. Su-ponha agora que a tenha uma energia cinética igual a | 0Q V+ |, onde 0V representa a profundidade do poço de potencial nuclear. Classicamente ela pode então estar nas regiões a ou c mostradas na figura 2.4, mas não pode passar de uma região para outra. De acordo com a Mecânica Quântica no entanto existe uma probabi-lidade de “vazamento” ou “tunelamento” através da região b . Na verdade, esta possibilidade nos diz que, mesmo que a tenha a energia cinética correta, ou seja, o valor Q seja positivo, a emissão da mesma por um núcleo não é imediata, e o quão rápida ou lenta vai ser a emissão vai então depender da estrutura detalhada dos núcleos pai e filho. Por exemplo, cálculos elaborados mostram que no caso do 238

92U , um núcleo -instável, a partícula precisa em média de 2110 tentativas por segundo, ou seja, atingir a “parede” da barreira de potencial 2110 vezes por segundo durante 910 anos para escapar. Na prática é mais conveniente definir uma meia-vida para o núcleo -instável, ou seja, dada uma amostra do material radioativo, a meia-vida é o tempo para que metade do material ori-

É importante estabelecermos aqui a diferença entre meia-vida e vida-média. Imagine que se queira acompanhar um grupo de pessoas nascidas no mesmo dia. Diremos que a vida-média do grupo corresponde à média aritmética da idade que estas pessoas atingem até sua morte. Já a meia-vida é o tempo que se passou para que metade do número inicial de pessoas no grupo tenha morrido. Naturalmente, os conceitos de meia-vida e vida-média podem ser usados tanto no decaimento α como em outros processos radioativos.

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ginal decaia. Quanto maior a probabilidade de tunelamento, por-tanto, menor será a meia-vida do elemento. Assim, para o caso do 232

90Th a meia-vida para emissão é de 174 10 s× , enquanto que para o 220

90Th é de apenas 510− segundos.

0 10 20 30 40r (fm)

QV

(r) (

MeV

)

40

30

20

10

0

-10

-20

-30

-40

-50

ab

c

Vo

Figura 2.4: Modelo para o potencial entre o núcleo-filho e uma partícula α.

Na figura 2.4, o valor Q foi escolhido arbitrariamente em 10 MeV eV0 = -40 MeV, o qual é um valor médio para a profundidade do poten-cial nuclear dentro do núcleo.

Radioatividade : Como dissemos na Introdução, a radioatividade foi de extrema importância para a descoberta do neutrino. Esta idéia evo-luiu posteriormente para uma teoria baseada na existência de uma quarta força fundamental da natureza, batizada de força fraca. Assim, a emissão da radiação pelo núcleo, embora ocorra com a participação de prótons e nêutrons, não tem sua origem na mesma força que mantém os núcleons ligados no núcleo. São três as principais reações neste caso:

,

,

,

e

e

e

n p ep n ep e n CE

− −

+ +

→ + + − − − −

→ + + − − − −

+ → + −− − −

Assim, a chamada radiação − ocorre graças à transformação de um nêutron em um próton dentro do núcleo e a conseqüente emis-são de um elétron e um antineutrino (antipartícula do neutrino e ). Note que o sub-índice e está sendo usado para designar o neutrino do elétron. Já a radiação + ocorre devido à transformação de um próton em um nêutron com a emissão de um pósitron acompanhada

Partícula cuja existência foi proposta para “salvar”

as principais leis de conservação da Física.

Você verificará mais adiante, que existem outros dois tipos de

neutrinos.

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33O Núcleo Atômico

de um neutrino. Observe que do ponto de vista energético, o segundo processo não é favorecido pois o nêutron tem uma massa ligeiramen-te maior que o próton. No entanto, se o núcleo como um todo adquirir uma configuração mais estável após o decaimento, o processo será energeticamente possível. Finalmente, a terceira reação mostrada é o que chamamos de captura de elétrons (CE ), onde um elétron atômico é capturado por um próton nuclear, transformando-se em um nêutron através da interação fraca.

É importante observar aqui que o fato do elétron (pósitron) aparecer como um produto do decaimento NÃO significa que existam elétrons (pósitrons) dentro do núcleo! Na verdade eles são criados no processo graças à intervenção da interação fraca, responsável pelo decaimen-to. O mesmo ocorre com os neutrinos (antineutrinos). A possibilidade de criação ou aniquilação de uma partícula (como ocorre com o elé-tron na CE ), durante a interação entre partículas, é hoje um processo bem estabelecido tanto teórica como experimentalmente.

Uma vez que no decaimento sempre ocorre a transformação de um próton em um nêutron ou vice-versa, pode-se observar uma série de decaimentos deste tipo entre núcleos isóbaros entre si. Desta forma, dada uma certa família de isóbaros, apenas um ou dois deles em geral serão estáveis contra decaimento .

Antes Depois

Beta -

Beta +

(elétron)

(pósitron)

18F9

14C6 14N7

18O8

ve

e+

e-

ve

Figura 2.5: Exemplos de decaimento beta no núcleo.

Novamente vale lembrar que também neste tipo de decaimento o nú-cleo instável apresenta uma meia-vida, a qual será mais ou menos longa, dependendo de sua estrutura, embora o modelo usado no caso do decaimento não possa ser usado aqui, uma vez que o processo agora decorre da interação fraca.

Pois, embora Z mude no decaimento, A permanece fixo.

Lembre da definição do Q da reação.

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Exemplo 2: Considere o par de núcleos isóbaros 13555Cs e 135

56Ba . Que tipo(s) de decaimento pode(m) ocorrer entre eles?

Decaimento β entre dois isóbaros do tipo 1Z Z→ + corresponde ao decaimento + , enquanto se for do tipo 1Z Z→ − , poderá ser − ou CE . Para decidir qual deles ocorre neste caso, temos que obter o Q do decaimento, ou seja, as massas atômicas dos elementos acima. Encontramos neste caso os valores 134,905977u e 134,905688 u respectivamente para o 135

55Cs e 13556Ba . Desta forma vemos que o

valor Q só poderá ser positivo e, assim, o decaimento ocorrer, se for do tipo 1Z Z→ + . A reação pode, então, ser representada por:135 135

55 56 eCs Ba e −→ + + .

Note-se, no entanto, que esta é uma reação envolvendo dois núcleos, e o que temos são as massas atômicas correspondentes. Poderíamos, em primeira aproximação, simplesmente desconsiderar os elétrons, já que sua massa é muito menor que a dos núcleons. Podemos, entre-tanto, fazer uma aproximação um pouco melhor escrevendo:

( , ) ( , ) ( )A eM Z A M Z A M Z= − ,

onde ( , ), ( )A eM Z A M Z correspondem às massas atômica e dos elé-trons no átomo respectivamente. Assim, obtemos para o valor Q da reação acima:

[ ] [ ]2 2(55,135) (55) (56,135) (56)A e A e eQ M M c M M m c= − − − + ,

onde a massa do (anti) neutrino foi desprezada. Obtemos assim:

[ ] [ ]2 2(55,135) (56,135)A AQ M c M c= −

[ ]134,905977 134,905688 931,479 0,269Q MeV= − × ,

onde o fator de transformação 1 931,479u MeV= foi mais uma vez usado.

Sugerimos agora que você procure no site da web www.nndc.bnl.gov, o link “Q-value Calculator” para

obter o valor Q do decaimento acima e comparar com o valor aqui obtido. Que aproximação foi feita no cálculo acima?

Tabelas de massa atômica podem ser encontradas

em alguns dos textos na Bibliografia ou em vários sites específicos (ver por

exemplo www.nndc. bnl.gov).

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35O Núcleo Atômico

2.3 Fissão e Fusão Nuclear

Se somarmos as massas de todos os núcleons constituintes de um dado núcleo A

ZX , o valor obtido não será igual à massa medida para este núcleo, ou seja:

( , ) p nM Z A Z m N m≠ × + × .

Por exemplo, considere o 126C . Por definição este elemento possui

massa igual a 12 , na chamada unidade de massa atômica (u). Nesta mesma unidade 1,0078pm u= e 1,0087nm u= e assim a massa de 6 prótons mais 6 nêutrons é maior que a massa de um núcleo com este mesmo número de prótons e nêutrons. Para onde foi a diferença?

A explicação está no princípio de equivalência massa-energia ( dado pela equação 2E mc= ). Uma parte da massa dos constituintes é usada para manter os núcleons dentro do núcleo, ou seja, o que chamamos de energia de ligação do núcleo. Vamos então analisar o comporta-mento médio da massa nuclear ao longo da tabela periódica. Isto está mostrado na figura 2.6, onde temos a massa dividida pelo número de núcleons A , como função de A . Observe que esta curva tem um mínimo na região de 60A ≈ , correspondente aos isótopos de ferro. Agora, quanto menor a razão /massa núcleon , maior a quantidade de massa que foi transformada em energia de ligação, o que significa que o mínimo da curva corresponde a sistemas mais fortemente ligados ou mais estáveis. De fato, o 56

26Fe é o elemento natural mais estável que conhecemos.

Exemplo 3: Vamos obter a energia de ligação do núcleo de 5626Fe .

Novamente consultamos uma tabela de massas atômicas e obtemos (26,56) 55,934937 M u= . Como queremos calcular a energia de li-

gação do núcleo e não do átomo de ferro, gostaríamos de ter uma relação entre a energia de ligação do núcleo e a massa do átomo. Para isto podemos imaginar que nosso átomo seja composto por Z átomos de Hidrogênio (e assim levamos em consideração os prótons e os elétrons) além dos nêutrons, ou seja:

2 2 2( , ) (1,1) ( ) ( , ),nM Z A c Z M c A Z m c B Z A= × + − × −

onde denotamos por ( , )B Z A a energia de ligação do núcleo com Z prótons e ( )A Z− nêutrons. Mas da tabela de massas sabemos que

(1,1) 1,00782503uHM M= = e 1,00866491unm = . Transformando as massas em seu equivalente em energia através do fator de transformação já bem familiar e aplicando a fórmula acima para nosso caso, obtemos:

Podemos nesta discussão desprezar a massa dos elétrons que é aproximadamente 2000 vezes menor que a massa do núcleon.

Note que o equivalente em energia a 1 u é 931,494 MeV.

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36

(26,56) ( 55,93494 26 1,00782503 30 1, 00866491) 931,479B(26,56)=492,219MeV.B = − + × + × ×

Se consultarmos novamente o site www.nndc.bnl.gov, encontraremos uma tabela para as energias de ligação, e para o 56

26Fe encontraremos o valor 492,258 MeV . Na verdade, ao usar a fórmula anterior nossa única aproximação foi supor que um átomo de Z elétrons equivale a Z átomos de Hidrogênio, o que não é verdade, já que os elétrons inte-ragem entre si, além de interagir com todos os prótons do núcleo. No entanto, como a energia dos elétrons é da ordem de alguns elétrons-volts apenas, este efeito é quase imperceptível na obtenção da energia de ligação do núcleo, que é da ordem de milhões de elétron-volts!

É interessante observarmos o comportamento da razão entre a energia de ligação e o número de núcleons no núcleo A . Embora este número varie pouco para a maioria do núcleos (exceto núcleos leves), uma obser-vação cuidadosa revela que este número é maior na região de 60A ≈ , em particular, atingindo seu valor máximo para o núcleo de 56

26Fe .

A partir do mínimo da curva mostrada na figura 2.6, concluímos ain-da que, quando nos movemos tanto para a região de núcleos mais

leves quanto para núcleos mais pesados, a razão ( , )M Z AA

aumenta,

ou seja, os núcleos tornam-se menos estáveis. Desta forma, se dois núcleos leves reagem para formar um núcleo mais pesado (cujo valor de A não ultrapassa o mínimo da curva), este último tende a ser mais estável e deve portanto ocorrer uma liberação de energia no proces-so. Este é o princípio do que chamamos de Fusão Nuclear, a qual está esquematizada na figura (2.7). Por outro lado, se um núcleo pesado, na região de 200A ≈ , se romper em dois fragmentos com A na faixa de 100 aproximadamente (ver figura 2.7), também haverá uma libera-ção de energia, pois os produtos estarão mais próximos do mínimo da curva em 2.6. Neste caso, dizemos que houve uma Fissão Nuclear.

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37O Núcleo Atômico

M/A

(u)

0 50 100 150 200 250A

0,9990

0,9995

1,0000

1,0005

1,0010

1,0015

1,0020

1,0025

1,0030

Figura 2.6: Comportamento da razão massa atômica por núcleon ao longo da tabela periódica.

Observe que os pontos representam alguns valores experimentais es-colhidos para ilustrar o comportamento.

Fissão Fusão

Nêutron Próton

235U

93Rb140Cs

3He

2H2H

3.2 MeV200 MeV

Figura 2.7: Ilustração dos processos de fissão (figura à esquerda) e fusão nuclear.

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38

Apesar da simplicidade do raciocínio apresentado para explicar tanto a fusão quanto a fissão, não

podemos achar que isto explica tudo, pois, se assim fosse, rapidamente todos os núcleos leves se fundiriam até se transformarem em ferro, assim como os pesados, através de processos de fissão, também o fariam. No en-tanto, estes dois tipos importantes de reações nucleares são fortemente atenuados em condições normais (con-dições na superfície de nosso planeta por exemplo).

Para entender melhor o problema, suponha que queremos fazer dois núcleos colidirem entre si para formar um sistema composto e, assim, um novo núcleo. Seja o exemplo de dois núcleos de 20

10Ne , cuja rea-ção de fusão pode ser esquematizada como:20 20 40

10 10 20 ,Ne Ne Ca+ →

Podemos calcular o valor Q desta reação, ou seja:2 22 (10,20) (20,40) 20,7 ,Q M c M c MeV= × − =

com o auxílio de uma tabela de massas atômicas e novamente do princípio de equivalência massa-energia. Isto significa que esta rea-ção, ao ocorrer, libera uma energia de pouco mais de 20 MeV ! O Ne apresenta-se normalmente em forma de um gás, e para fazermos os núcleos dos átomos que formam este gás se aproximarem (para que a força nuclear entre eles se torne efetiva o suficiente para mantê-los ligados) é necessário vencer primeiro a repulsão coulombiana entre eles, a qual é dada por:

21 2

04RZ Z eE

R= ,

onde, no caso 1 2 10Z Z= = e podemos aproximar R por duas vezes o raio do núcleo, ou seja, na situação em que ambos estão em “contato” um com o outro. Usando os valores conhecidos das constantes e o raio deste núcleo como sendo 3 fm , obtemos o valor 21.2RE MeV= . Agora, para se ter uma idéia do que esta energia de repulsão significa, igualemos a energia cinética média por molécula do gás (no caso do neônio, o próprio átomo) à energia correspondente à metade do valor acima. Este, por sua vez, pode ser igualado à energia cinética média por partícula de um gás à temperatura T , ou seja:3 1 21.22 2

kT MeV= × ,

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39O Núcleo Atômico

o que nos dá 7kT MeV≈ . Por outro lado, à temperatura ambiente sabemos que 0,025AkT eV= e, assim, obtemos,

611

2

7 10 102.5 10A

kT T KkT −

×= ⇒ ≈

×,

onde 300AT K= . Para vencer a barreira coulombiana, então, o gás de neônio deveria estar a uma temperatura altíssima. Na verdade, a situação não é tão desanimadora quanto parece, uma vez que mesmo não tendo uma energia cinética suficiente para ultrapassar a barreira, existe uma probabilidade do sistema “tunelar” através dela de forma equivalente ao que ocorre na emissão , só que agora no sentido contrário. Mesmo assim, se considerarmos a fusão de dois núcleos de Hidrogênio (próton) para formar deutério abaixo da barreira (a altura da barreira é bem menor nesse caso), a energia cinética média por partícula deve ser da ordem de 10KeV≈ (1 1000KeV eV= ), o que sig-nifica uma temperatura aproximada de 80 milhões de graus Celsius . A reação neste caso é a seguinte:

21p p H e ++ → + + .

Deve-se notar a importância da interação fraca na fusão acima. Em-bora o processo se dê através de uma competição entre força forte e força eletromagnética, um sistema de dois prótons não consegue formar um estado ligado e assim um deles se transforma em nêu-tron com a concomitante emissão de um pósitron (radiação + ) e um neutrino. A reação acima é na verdade o início de uma cadeia de reações de fusão que ocorre no interior de estrelas, como o Sol, a par-tir da qual outras reações passam a ocorrer formando núcleos mais pesados até o 8

4Be . Neste caso chamamos a cadeia de Ciclo Solar do tipo p p− . Existem outras, como a do Ciclo do Carbono, a partir da qual os elementos mais pesados vão se formando. Este fenômeno é também conhecido como nucleossíntese.

Voltaremos a falar um pouco mais sobre tais cadeias (ou ciclos) no último capítulo.

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40

A fusão nuclear é, na realidade, a grande fonte de geração de energia de uma estrela. Vale também

ressaltar o papel dos neutrinos nas reações do tipo apre-sentado anteriormente, uma vez que, ao ocorrerem no interior das estrelas, o único dos seus produtos que tem grande probabilidade de delas escapar é o neutrino já que ele interage muito fracamente com a matéria. Pode-se então, a partir da observação de neutrinos que che-gam ao nosso planeta, aprender muito do que ocorre em uma estrela. No entanto, dada a dificuldade de detecção do neutrino, são necessários detectores extremamente sofisticados, montados em locais e sob condições mui-to especiais, além de um tempo considerável de obser-vação para que se tenha uma informação confiável. No caso dos neutrinos solares, algumas observações im-portantes foram feitas nessa linha, durante décadas.

Mas se a nucleossíntese ocorre na natureza a partir de núcleos de H , passando por elementos mais pesados até isótopos do Fe (os mais estáveis), como são formados os núcleos mais pesados que este último? A principal reação neste caso é o que chamamos captura de nêutrons, ilustrada abaixo para três isótopos do Fe , com a concomi-tante emissão de radiação :56 57

57 58

58 59

Fe n FeFe n FeFe n Fe

+ → +

+ → +

+ → +

Chega o momento, no entanto, em que o número de nêutrons aumen-ta muito dentro do núcleo e o sistema prefere (por balanço energético) emitir radiação − , transformando nêutron em próton e, assim, au-mentar o número atômico de uma unidade, como por exemplo:59 59

28 29Fe Co e −→ + + .

A seqüência de reações do tipo mostrado acima ilustra então a forma-ção dos núcleos mais pesados.

Voltando agora ao caso da fissão, podemos usar um modelo seme-lhante à emissão da partícula , com a diferença de que agora os dois fragmentos, após a emissão, têm mais ou menos o mesmo tamanho. Ainda, enquanto na emissão de um núcleo pesado é emitida uma

A qual ocorre principalmente para núcleos na região do urânio (A » 200 ou

mais).

Dizemos que a secção de choque do neutrino

é muito pequena, comparada à de outras

partículas.

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41O Núcleo Atômico

energia de alguns poucos MeV , na fissão de um núcleo na mesma re-gião de A , a energia emitida por reação chega a centenas de MeV . A fissão, por sua vez, pode ser induzida pela captura de nêutrons lentos (nêutrons cuja energia cinética é de poucos KeV ), por um isótopo de um dado elemento, o qual então se transforma em outro que se fissio-na imediatamente. É o caso da reação de fissão induzida:

235 236 93 141 2n U U Rb Cs n+ → → + + .

Note que 2 nêutrons são produzidos após a fissão, os quais podem realimentar o processo se tivermos uma amostra do isótopo usado para capturar o nêutron (no caso acima o 235U ). Uma reação seme-lhante à mostrada acima poderia ser obtida com o isótopo 238U , po-rém, nesse caso, o nêutron teria que ser o que chamamos de nêutron rápido (energia cinética da ordem de alguns MeV ) para que a fissão fosse alcançada. A razão para esta diferença entre os dois isótopos está nos detalhes da estrutura interna de cada um deles, cujo estudo foge dos objetivos deste texto e faz parte de um ramo da Física Nu-clear conhecido como Estrutura Nuclear. Do ponto de vista de produ-ção de energia a partir da fissão, usando urânio como combustível, o isótopo 235U é preferível uma vez que a fissão induzida por nêutrons requer menor energia do que no caso do 238U .

Os processos de fusão e de fissão nuclear têm grande interesse na geração de energia em larga escala e para o consumo geral da popu-lação, porém somente a fissão é no momento economicamente viável e utilizada como fonte de energia através da construção dos chama-dos reatores de fissão. No caso da fusão, o grande problema é ainda como manter o combustível a uma temperatura altíssima por tempo suficiente para gerar uma quantidade razoável de reações de fusão.

Exemplo 4: Considere a energia liberada na fusão de 1g de deutério e trítio. Por quanto tempo esta energia seria suficiente para manter uma lâmpada de 100w de potência acesa? Qual o ganho de energia se o processo de fusão só ocorre a uma temperatura aproximada de 100 milhões de graus Celsius ( 8 01 10 C× )?

Antes de mais nada, devemos calcular a energia liberada na reação de fusão entre deutério e trítio, ou seja:2 3 4

1 1 2H H He n+ → + .

Nesta reação, o deutério e o trítio se “fundem” para formar o núcleo de Hélio (partícula ), que é um núcleo bastante estável, liberando ainda um nêutron. Usando novamente tabelas de massas atômicas e

Para mais detalhes sobre alguns aspectos da fissão nuclear, recomendamos o site http://www.ipen.br/scs/ipen-cidadao/perguntas-respostas/reatores.html.

Alguns reatores de fusão já funcionam em fase experimental (ver por exemplo os sites http://astro.if.ufrgs.br/estrelas/node10.htm e http://www.ufsm.br/gef/FNfunu.htm).

Geralmente em forma de gás.

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42

as mesmas aproximações utilizadas em exemplos anteriores, pode-se calcular o valor Q para esta reação e obter-se o valor 17,59Q MeV=(Sugerimos que você encontre este valor).

Para simplificar, vamos supor que metade da massa na amostra de 1g seja de deutério e a outra metade de trítio. Ou seja, para encontrar o número de átomos de cada tipo que reage, fazemos:

2323

2 0,5 1,5 106 10

xx

= ⇒ = ××

átomos de 21H ,

2323

3 0,5 1,0 106 10

yx

= ⇒ = ××

átomos de 31H ,

onde usamos o valor 236 10× para o número de Avogadro. Assim, a energia total liberada é:

23 23 13 101,0 10 17,6 17,6 10 1,6 10 28,16 10 ,totalQ y Q MeV J J−= × = × × = × × × = ×

em que, no último passo, usamos a relação entre MeV e ( )J Joule . Para uma potência de 100 W , a energia acima fornece o tempo total t :

1010

2

28,16 10 0,2816 10 8910

t s anos×= = ×

Mas se quisermos ter uma idéia do que isto realmente representa em termos de ganho de energia, temos que considerar a energia gasta para “queimar” este combustível. Como o deutério e o trítio devem estar a cerca de 100 milhões de graus Celsius, a energia do gás cor-respondente deve ser da ordem de:

23 23 8 83 3 (1,0 10 ) (1,38 10 ) (1,0 10 ) 2 10 .2 2

E NkT J−= = × × × × × × ×

Portanto, a razão entre a energia produzida e a energia gasta é:10

8

28,16 10 15002 10

totalQE

×=

×

.

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43O Núcleo Atômico

Resumo

A partir de algumas propriedades nucleares gerais e bem conhecidas experimentalmente, mostramos que o núcleo, constituído por pró-tons e nêutrons, deve ser tratado como um sistema quântico e que correções devidas à Relatividade Restrita podem ser desprezadas em primeira aproximação. Vimos ainda, qualitativamente, como o “tune-lamento” quântico pode explicar o comportamento do decaimento , assim como os fenômenos de fissão e fusão nuclear. Alguns exemplos numéricos envolvendo a relação entre massas nucleares e massas atômicas e sua importância para o balanço energético de reações e decaimentos nucleares foram apresentados.

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Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

3

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47Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

3 Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

47

Neste capítulo iremos introduzir as idéias essenciais da Física das partículas elementares e mostrar que através de um pequeno número delas podemos compreender a estrutura de toda a matéria observada no universo. Tam-bém discutiremos de modo qualitativo como o conceito de força é compreendido no contexto da Física Moderna e mostraremos como certas leis de conservação podem nos auxiliar em prever se uma dada reação deve ocorrer ou não. Além disso, apresentaremos os princípios básicos do funcionamento dos aceleradores de partículas.

3.1 Introdução

O conceito de constituinte fundamental ou elementar da matéria teve uma evolução extraordinária desde a idéia do átomo indivisível do grego Demócrito, que viveu por volta do ano 400 .a C A.C., até os dias de hoje. No início do século XX eram conhecidos cerca de 100 ti-pos diferentes de átomos, que eram considerados elementares. Como discutimos na introdução, à medida que as técnicas experimentais foram progredindo, em particular com o advento dos aceleradores de partículas, começou a surgir um número imenso de partículas e, com isto, adicionou-se aos poucos ingredientes fundamentais mais algu-mas centenas deles e, portanto, a idéia de que os tijolos da natureza eram bem conhecidos foi por água abaixo.

Neste ponto, vamos fazer uma breve contextualização histórica da evolução das partículas elementares. Até 1932 só eram conhecidas quatro partículas, consideradas elementares: o fóton, o elétron, o próton e o nêutron, sendo que neste mesmo ano o pósitron foi des-coberto. A partir das pesquisas baseadas essencialmente no estudo dos raios cósmicos, em 1947 o número de partículas elementares ha-via saltado para 14 , consistindo então do -, , ,p n e neutrino, muon e suas respectivas antipartículas além do fóton e dos mésons 0 + -, , . Aparentemente tudo se encaixava do ponto de vista das observações e das teorias existentes. No ano de 1947 traços estranhos apareceram nas fotografias dos raios cósmicos e, em 1952, com a entrada em ope-

Que começaram a ser usados no lugar dos raios cósmicos a partir dos anos 1950.

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ração do acelerador “cosmotron” no Laboratório Nacional Brookha-ven, Estados Unidos, ficou claro que várias outras partículas existiam. Logo ficou evidente que as novas partículas que iam surgindo po-diam ser divididas em dois grupos: partículas de spin zero, que foram chamadas de kaons - 0 0( , , , )K K K K+ , e partículas de spin semi-in-teiro, que foram chamadas de híperons 0 0 - 0 - -( , , , , , , )+Λ Σ Σ Σ Ξ Ξ Ω , sendo que todas interagiam por meio da força forte. Devido ao seu comportamento inesperado, os Kaons e híperons foram chamados de “estranhos”. Após várias tentativas, os físicos mostraram que a clas-sificação de todas as partículas existentes podia ser feita com base em duas propriedades, a saber: o spin e a susceptibilidade quanto à interação forte. As partículas foram então classificadas em quatro famílias.

a) Bárions: partículas que interagem pela força forte e que pos-suem spin semi-inteiro.

b) Mésons: partículas que interagem pela força forte e que pos-suem spin inteiro.

c) Léptons: partículas que não interagem por interação forte e pos-suem spin semi-inteiro.

d) Bósons intermediários: partículas que não interagem por intera-ção forte e possuem spin inteiro.

Até o início dos anos 1960, novas partículas foram descobertas e, no ano de 1961, um novo modelo (eightfold way) foi proposto por Murray Gell-Mann e Yuval Ne’eman para classificá-las. Este modelo abando-nava a idéia de que os hádrons eram os blocos elementares de tudo. O modelo era baseado na idéia de que os hádrons se dividiam em famílias ou super-multipletos, em que os vários membros de uma mesma família eram conectados por certas propriedades, como dis-cutiremos com mais detalhes neste capítulo. Este modelo permitiu a classificação dos vários hádrons conhecidos até o início da década de 1960, além de prever a existência de outros hádrons, que foram logo sendo observados experimentalmente. Com o sucesso deste modelo, a analogia com a tabela periódica de Mendeleev é imediata. Do mes-mo modo que a tabela periódica sugeriu que os átomos deveriam ser formados por constituintes fundamentais, o modelo de Gell-Mann-Ne’eman era uma indicação de que o mesmo poderia ocorrer com os hádrons. Nos anos 1960-1970, com o desenvolvimento de novas facilidades experimentais, o número de partículas cresceu de maneira assustadora.

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49Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

A existência de centenas de novas partículas reforçou a idéia de que essas partículas não poderiam ser elementares e, sim, deveriam ter uma subestrutura que passou a ser procurada pelos físicos. A respos-ta fi nal para esta confusão inicial foi o modelo padrão, desenvolvido nos anos 1970 e, hoje em dia, a teoria ofi cial das partículas elementa-res. Os seus ingredientes básicos são: seis quarks, seis leptons, as res-pectivas antipartículas e os bósons de calibre ( (fóton), g ( gluons), Z e W ), interagindo através das forças fraca e eletromagnética que, neste modelo, são descritas de forma unifi cada através da teoria ele-tro-fraca e da força forte, como discutiremos melhor na seção Intera-ções Fundamentais. Os quarks e léptons e os bósons de calibre são imaginados como fundamentais ou elementares, no entanto, sob certas condições podem ser criados ou destruídos. Neste capítulo va-mos discutir de um modo um pouco mais detalhado algumas proprie-dades dessas partículas, como elas interagem entre si, e dar uma idéia de como funcionam os aceleradores de partícula onde elas são detec-tadas. A idéia fundamental é mostrar que a infi nidade de partículas que foram sendo observadas nos aceleradores e, a priori, imaginadas como fundamentais, são de fato compostas por um pequeno número de partículas genuinamente fundamentais, indivisíveis.

A seguir mostramos de forma ilustrativa os ingredientes do modelo padrão:

u c t

d s b

ve vµ

τ

e µ

g

Z

W

γ

Tran

spor

tado

res d

e Fo

rça

Lépt

ons

Qua

rks

As Três Gerações da MatériaI II III

Figura 3.1: Partículas elementares do modelo padrão.

A todos os quarks e léptons temos os seus correspondentes antiqua-rks e antileptons. As quatro interações fundamentais conhecidas da natureza são apresentadas na tabela a seguir:

Não podem ser subdivididos em partes menores.

Não podem ser subdivididos em partes menores.

Os detalhes referentes à tabela 3.1 serão discutidos ao longo deste capítulo.

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50

Tipo

Intensi-

dade da

força

Bósons de

calibreAlcance Importância

Força nu-

clear forte~ 20 8 Gluons

(sem massa)Curto

Núcleo atô-

mico,

partículas

Força

eletromag-

nética~ 1

Fótons

(sem massa)

Longo (lei

do inverso

do qua-

drado da

distância)

Átomos,

telecomunica-

ções

Força nu-

clear fraca-7~ 10

Bósons

massivos 0 + -Z ,W ,W

(pesados)

CurtoDesintegração

beta

Força gra-

vitacional-36~ 10

Graviton

(massa ?)

Longo (lei

do inverso

do qua-

drado da

distância)

Corpos celes-

tes, planetas,

estrelas, bura-

cos negros

Tabela 3.1: As forças da Natureza.

Observe que a comparação entre as intensidades é feita para dois pró-tons dentro do núcleo, tomando por referência a força eletromagnética.

Iniciaremos o nosso estudo das partículas elementares a partir do modelo de quarks, que foi desenvolvido nos anos 1960.

3.2 Modelo de quarks

Apresentamos a seguir uma tabela com algumas das propriedades das partículas elementares do modelo de quarks. No decorrer deste capítulo faremos uma discussão pormenorizada da definição e do sig-nificado dessas propriedades.

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51Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

Nome Símbolo

Energia de

Repouso

( MeV )

Carga

(Q )

Numero Ba-

riônico ( B )

Isospin

( I ) 3I Estranhe-

za ( S )

Up u 5 2 / 3 e+ 1/ 3 1/ 2 1/ 2 0

Down d 8 -1/ 3 e 1/ 3 1/ 2 1/ 2− 0

Charm c 1500 2 / 3 e+ 1/ 3 0 0 0

Strange s 160 -1/ 3 e 1/ 3 0 0 1−

Top t 2 / 3 e+ 1/ 3 0 0 0

Bottom b -1/ 3 e 1/ 3 0 0 0

Tabela 3.2: Propriedades dos quarks.

Os seis quarks foram batizados por letras associadas a palavras in-glesas, u (up), d (down), c (charm), s (strange), t (top) e b (bot-tom), em que esses rótulos são chamados de sabor. Como a carga do elétron foi tomada como referência, a carga do quark possui va-lor fracionário, isto difere completamente do que havia sido obser-vado até então para a carga elétrica de todas as partículas conheci-das, que invariavelmente possuíam um número inteiro. Assim, carga fracionária é uma característica peculiar dessas novas partículas. Outra propriedade é que todos os quarks possuem spin intrínseco 1 2 . A todo quark corresponde uma antipartícula com a mesma massa, spin, mas com carga elétrica oposta. Representamos o an-tiquark acrescentando uma barra ao símbolo do quark correspon-dente. Por exemplo, u é a antipartícula correspondente ao quark u . Na tabela 3.2 mostramos ainda as energias de repouso dos quarks ao invés das massas. Note que existe uma grande diferença entre as massas dos quarks e, por isto, os experimentos que procuravam evi-dências para a existência dos quarks mais pesados exigiram vultosos investimentos e, apenas em 1995, o quark top foi observado. A maior parte das novas partículas, que proliferaram nos aceleradores, surgia como resultado da ação da interação forte, formando aglomerados de quarks que foram chamados de hádrons. No modelo de quarks os hádrons são subdivididos em duas subfamílias: a) os bárions, que são formados por combinações de três quarks; b) os mésons, formados por um par quark-antiquark.

HÁDRONS

Bárions: (qqq)Mésons: (q q )

174000

4200

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52

Exemplos de bárions são o próton, anti-próton, nêutron, deltas etc. Já exemplos de mésons são o píon, rho, eta etc.

De acordo com a regra de acoplamento de momento angular da me-cânica quântica, que é discutida em detalhes em qualquer livro de estrutura da matéria, os hádrons vão se dividir em dois tipos distintos de partículas no que se refere à estatística quântica:

a) Bárions, formados por três férmions, vão ter spin semi-inteiro e se comportar como férmions.

b) Mésons, formados por dois férmions, vão ter spin inteiro e se comportar como bósons.

Bárions

O próton e o nêutron são obtidos a partir da combinação de três quarks:

O Nêutron O Próton

n = udd p = uud

d

u

ud

d

u

Figura 3.2: O próton e o nêutron no modelo de quarks.

A carga elétrica, Q , é uma grandeza aditiva e, portanto:

( ) ( ) ( ) ( ) 2 / 3 - 1/ 3 - 1/ 3 0 Q n Q u Q d Q d e e e e= + + = = ,

( ) ( ) ( ) ( ) 2 / 3 2 / 3 - 1/ 3 1 Q p Q u Q u Q d e e e e= + + = + = .

Número Bariônico, Estranheza, Hipercarga e Isospin

Esses números quânticos são especialmente importantes para a clas-sificação das partículas elementares e serão definidos a seguir.

Numa colisão entre dois prótons, em um acelerador de partículas, pode ser produzida uma enorme variedade de partículas, no entanto algumas reações jamais foram observadas como, por exemplo,

0p p + ++ → + + .

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53Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

Essa reação, em princípio, não contradiz os princípios de conservação de energia-momento e carga elétrica. Um outro exemplo consiste na reação entre um próton e um anti-próton, em que, como resultado, apenas observamos mésons. Esses fatos sugerem a existência de uma lei de conservação, como a que existe no caso da carga elétrica, com a qual estamos bem familiarizados. Através da postulação ad-hoc de uma “lei de conservação” adequada, será proibida a ocorrência de certas reações e, conseqüentemente, poderemos entender os resul-tados experimentais. A seguir vamos definir o que se entende pela grandeza aditiva que associamos às partículas e que denominamos por número bariônico B , e que se conserva nas reações. A todo bá-rion ( anti-bárion) associamos o número bariônico 1( -1)B B= = , e a todo méson e demais partículas o número bariônico zero.

Quando os kaons - 0 0( , , , )K K K K+ e os híperons0 0 - 0 -( , , , , , )+Λ Σ Σ Σ Ξ Ξ foram observados pela primeira vez, na dé-

cada de 1950, foram chamados de partículas estranhas. A palavra es-tranha foi usada, uma vez que essas partículas não se comportavam da maneira esperada, de acordo com as teorias existentes até o início dos anos 1960. Por exemplo, quando essas partículas eram formadas nos aceleradores, através de colisões próton-próton e próton-píon, elas sempre surgiam aos pares:

0 ,p p p ++ → +Σ +Κ0 0 ,p −+ →Κ +Λ

,p − − ++ → Σ +Κ0 0.p −+ → Σ +Κ

Aqui outra vez pode ser usada a analogia com a conservação da carga elétrica para a compreensão deste comportamento. Recordemos que, a partir do decaimento de um fóton (neutro), só é possível a produção de pares elétron-pósitron, de modo a garantir a conservação da carga elétrica. Com o objetivo de compreender a criação de kaons e hípe-rons apenas aos pares, M. Gell-Mann nos EUA e Nishijima no Japão, em 1952, prontamente associaram a estas partículas uma nova proprieda-de, que foi batizada por Gell-Mann de estranheza, e que, mais uma vez era uma grandeza conservada nas reações envolvendo a força forte. Segundo Gell-Mann e Nishijima, os Kaons possuíam estranheza 1S = , os sigmas e o lambda 1S = − , e os píons, prótons e nêutrons 0S = . Postergaremos uma discussão mais aprofundada do significado físico da estranheza e do número bariônico para uma seção posterior.

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54

Número Bariônico e Estranheza no Modelo de Quarks

A grandeza aditiva conservada do número bariônico, B , é obtida no modelo de quarks simplesmente associando a cada quark (antiquark) presente na composição de um dado hádron o valor 1/ 3(-1/ 3) ao seu número bariônico. Por exemplo, para o próton e antipróton temos:

( ) 1, ( ) -1B p B p= = . Como qualquer méson é formado por um par quark-antiquark, ( ) 0B méson = . A grandeza aditiva conservada es-tranheza, S , do ponto de vista do modelo de quarks, é obtida acres-centando por convenção, sempre que tivermos um quark (antiqua-rk) estranho na composição do bárion, -1( 1)+ à sua estranheza. Por exemplo, o próton tem 0S = , já o bárion formado pela combinação de três quarks s ( sss ) vai ter -3S = .Uma grandeza que pode ser obtida a partir da estranheza e do núme-ro bariônico é a hipercarga, que é definida como a soma do número bariônico e da estranheza:Y B S= +

O isospin, I , do ponto de vista formal é análogo ao spin na mecânica quântica e, portanto, possui três componentes 1 2 3( , , )I I I . No capítulo 2, introduzimos a idéia de isospin. A carga elétrica da partícula está as-sociada à componente do isospin na direção 3 através da expressão:

( )3 32 2Q I Y I B S= + = + + .

O modelo de Gell-Mann-Ne’eman (eightfold way)

Este modelo é o precursor da teoria de quarks. A classificação das partículas elementares (hádrons) baseia-se na idéia de identificar fa-mílias de partículas através da realização de uma conexão entre os seus vários membros. A partir da idéia de isospin, podemos classificar os hádrons em multipletos, em que cada membro de um multipleto possui partículas semelhantes que diferem apenas pela carga elétrica. Esta divisão nos permite distinguir dois números quânticos que irão se conservar em certas reações, isto é, o isospin I e a sua componente 3I . Nos diagramas apresentados nas figuras 3.3 e 3.4, as linhas horizon-tais representam os multipletos, e a classificação dos hádrons consiste em reunir em um mesmo diagrama um certo número de multipletos, que têm o mesmo número bariônico, spin, paridade, formando assim um supermultipleto. Por exemplo, o próton e o nêutron pertencem ao mesmo multipleto I = 1/ 2 com I3 = -1/ 2, 1/2. Já as partículas ∆-, ∆0, ∆+, ∆++ pertencem ao multipleto I = 3/2 com I3 = -3/2 , -1/2 , 1/2 , 3/2.

No diagrama a seguir mostramos famílias de bárions, em que no eixo horizontal representamos 3I e no eixo vertical a estranheza S .

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55Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

S = 0

S = -1

S = -2

n p

Q = -1 Q = 0 Q = +1

Σ+Σ−Σ0

Ξ− Ξ0

Λ

0uus

uss

udd uud

udsdds

dss

-1 1½-½ I3

Figura 3.3: Octeto bariônico.

No diagrama da figura 3.3 todas as partículas possuem número bari-ônico, 1B = e spin 1 2 .

Ξ∗−

Σ∗0

∆++∆+∆0∆−

Σ∗− Σ∗+

Ξ∗0

Q = 0

Q = -1

Q = 1

Q = 2

S = 0

S = -1

S = -2

S = -3 Ω−

I3-3/2 -1 -1/2 0 1/2 1 3/2ddd

dds

dss

sss

uss

uus

uuuddu duu

dus

Figura 3.4: decupleto bariônico.

É importante destacar que todas as partículas acima têm 1B = e spin 3/2.

O modelo de Gell-Mann – Ne’eman teve um enorme sucesso, pois, além de classificar todas as partículas conhecidas, ainda foi capaz de prever novas partículas que posteriormente acabaram sendo obser-vadas experimentalmente. Por o exemplo o −Ω .

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56

Quando o modelo de quarks surgiu, foi possível compreender de um modo simples e direto a razão do sucesso do modelo Gell-Mann – Ne’eman em classificar as partículas. Basta considerarmos que os bá-rions são formadas por três quarks, com as propriedades que já men-cionamos, para entender a estrutura de supermultipletos. Nas figuras 3.3 e 3.4 mostramos como esses diagramas podem ser entendidos através da associação do conteúdo de quarks às várias partículas dos supermultipletos.

Número quântico de Cor

Aqui surge um problema. Os quarks são férmions e, portanto, têm que respeitar o princípio de exclusão de Pauli (PEP), que afirma que dois férmions idênticos não podem ocupar o mesmo estado quântico. O bárion ++∆ é formado por uma combinação de três quarks u e, por-tanto, vai violar o princípio de Pauli. Afinal, pensava-se que os quarks eram idênticos, porém a existência de certos hadrons indicaram que, ou eles não eram idênticos, e haveria uma propriedade física para distingui-los, relacionada com uma das interações fundamentais, ou o princípio de Pauli seria violado e os quarks não poderiam ser fér-mions. Neste caso fez-se a hipótese conservadora da existência de uma propriedade física que os distinguiria, a qual denominaram “cor” ou carga de cor, associada à interação forte. As implicações desta hipótese foram, então, sendo testadas e analisadas, e hoje acredita-se que a cor é uma propriedade fundamental dos quarks. Os qua-rks podem se apresentar na forma de três cores diferentes, r (red), b (blue) e g (green). Com isto está resolvido o problema da violação do PEP. Obviamente a cor do quark não tem nenhuma relação com o sentido visual a que estamos habituados. Essa propriedade chamada cor é apenas um novo grau de liberdade intrínseco, que foi postulado pela necessidade e de forma completamente arbitrária. Aos antiqua-rks associamos as anticores anti-red, anti-blue e anti-green e postu-lamos, com base nos dados experimentais, que os hádrons só exis-tem em combinações de cores neutras, como por exemplo, r b g+ + , red+antired, antired+antiblue+antigreen são combinações neutras. A aplicação do princípio de neutralidade de cor aos hádrons implica que todos os três quarks de um bárion têm que ser de cores diferentes, de modo a formarem uma combinação neutra de cor, que também é cha-mada branca. Note que isto deve ocorrer mesmo quando o princípio de Pauli não exige tal combinação e, assim, temos uma propriedade que é característica da interação forte. De modo semelhante, pode-mos concluir que o quark e o antiquark que formam um méson têm que possuir cores opostas para formar um objeto neutro ou branco. Uma vez que todas as partículas da natureza são neutras ou brancas,

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57Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

o número quântico de cor não pode servir para classificar as partícu-las ou apresentar uma influência direta na interação entre elas.

Mésons

Os mésons são obtidos a partir de combinações de pares quark-anti-quark. Um exemplo é o méson pi:

Méson Pi

ud

Figura 3.5: O Méson + no modelo de quarks.

Analogamente ao que mostramos para os bárions, os mésons po-dem ser classificados de acordo com o modelo de Gell-Mann-Ne’eman através do diagrama envolvendo a estranheza S e a componente 3I do isospin:

S = 0

S = +1

S = -1

π+

Q = -1 Q = 0

Q = +1

π−

K+

π0

-1

K0

K0K-

-12+12-1 +1 Ι3

η00dū

sū sd

usds

ud

Figura 3.6: Octeto mesônico.

Na figura 3.6 mostramos algumas famílias de mésons que são clas-sificadas de acordo com o modelo de Gell-Mann-Ne’eman, isto é, os kaons (K), píons( ) e o eta( ). Nesta mesma figura mostramos como essas partículas são compreendidas do ponto de vista do modelo de quarks. Destacamos neste diagrama que todas as partículas têm o nú-mero bariônico 0B = e o spin 0= .

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58

Os quarks nos permitem recuperar o conceito de tijolos fundamen-tais, indivisíveis, constituintes dos hádrons.

Exemplo: No estudo do octeto mesônico vimos que no modelo de Gell-Mann-Ne’eman encontramos três mésons que foram associados ao tripleto de isospin, correspondente a 1I = . Neste exemplo vamos discutir de um modo um pouco mais detalhado este tripleto, de modo a entender o significado do isospin na teoria das partículas elemen-tares. Do ponto de vista formal, o isospin é completamente análo-go ao spin do elétron que já conhecemos dos modelos atômicos e, agora, vamos explorar esta analogia com maior profundidade. Nos livros de estrutura da matéria aprendemos que a função de onda de um elétron atômico pode ser considerada como o produto de uma parte associada aos graus de liberdade espaciais e uma parte asso-ciada ao grau de liberdade de spin. A um dado elétron ocupando uma dada função de onda espacial associamos dois estados de spin, um com projeção na direção-3 igual a 1/ 2 (spin up) e outro com projeção

1/ 2− (spin down), aqui vamos considerar o sistema de unidades onde 1= . Neste ponto vamos recordar algumas propriedades essenciais

do momento angular na mecânica quântica, pois tanto o spin como o isospin têm como substrato esta teoria. Os possíveis valores para o módulo do momento angular, de acordo com a mecânica quântica,

( 1)J J J= +

, são dados pela regra: 310, ,1, , 2,... 2 2J = e a proje-

ção de J

na direção-3 por 3 - , - 1,..., -1,J J J J J= + . Por exemplo, no

caso do spin do elétron 12J S= = e, portanto, só temos duas proje-

ções na direção 3 possíveis, Z1 -1S = , 2 2 .

As funções de onda dos quarks, além das suas componentes espaciais e de spin, também vão possuir uma componente de isospin, e vamos afirmar que os quarks u e d correspondem a dois estados de uma

mesma partícula com módulo de isospin 1I= 2 . Os outros quarks são

considerados como possuindo isospin zero. Explicitamente o quark u é associado ao estado |u > com projeção do isospin na direção-3,

31 2I = + (up), e o quark d ao estado |d > com 3

1 2I = − (down).

Portanto podemos usar, como no caso do spin, a seguinte representa-ção matricial para as projeções (estados) de isospin:

1|

0u >⇒

,

0|

1d >⇒

.

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59Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

Os operadores de isospin correspondem às matrizes, 1 2 3( , , ) I I I I=

onde:

( )1

0 111 02

I = ( )2

0102i

Ii

−= ( )3

1 010 12

I =−

A ação do operador 3I é dada por:

3

1 0 1 11 1 1| | 0 1 0 02 2 2

I u u >= = = > −

e

3

1 0 0 01 1 1| - |0 1 1 12 2 2

I d d >= = − = > −

Na última expressão compreendemos de modo formal o que significa

o estado ter projeção 12 ou 1

2− . A partir dos operadores que aca-

bamos de definir, podemos construir os operadores de levantamento

1 2 I I i I+ = + e abaixamento 1 2- I I i I− = da componente de isospin na direção -3. Portanto,

0 1 1 0| 0

0 0 0 0I u+

>= = =

e

0 1 0 1| |

0 0 1 0I d u+

>= = = >

.

Analogamente podemos mostrar que | | I u d− >= > e | 0I d− >= . Neste ponto vamos definir os estados de isospin das antipartículas associadas aos quarks u e d .

0|

1u >⇒

,

1|

0d >⇒ −

.

Com as definições que adotamos, é fácil mostrar que | - |I u d+ >= > ,

| 0I d+ >= , | |I d u− >= − > , | 0I u− >= .

Os píons são formados por um par quark-antiquark envolvendo os quarks u e d e, portanto, o isospin de cada componente vai se adi-cionar de acordo com a regra de adição de momento angular da mecânica quântica, que vamos recordar aqui. O momento angular total de um sistema de duas partículas é dado por: (1) (2)J J J= +

e, portanto, 3 3 3 (1) (2)J J J= + . De acordo com o que se aprende no curso de estrutura da matéria para o momento angular, se 1Je 2J são as projeções máximas na direção-3 dos vetores momen-to angular que vamos adicionar, os possíveis valores do módu-lo do momento angular total são dados pela regra, ( 1)J J J= +

, com 1 2 1 2 1 2, -1,..., -J J J J J J J= + + e a projeção na direção -3,

3 - , - 1,. -1,J J J J J= + .

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Por exemplo, em um sistema contendo dois elétrons, o spin total pode assumir os valores 1S = ou 0S = . Como o isospin do ponto de vista formal se comporta como um tipo de momento angular, o isospin total das combinações de quarks u e d com os seus respectivos an-tiquarks será obtido de forma análoga à adição de dois momentos angulares com 1 1

1J =I = 2 e 2 21J =I = 2 e, de acordo com a regra que

discutimos, devemos ter como resultado o isospin total com 1I = ou 0 . Vamos mostrar que o tripleto 1I = corresponde aos estados do píon. +| | ud >= >, 0| 1/ 2 | ( )dd uu>= − > , | - | du− >= > .

Na última expressão adotamos a notação em que associamos ao qua-rk o rótulo 1 e ao anti-quark o rótulo 2. Usando as propriedades que definimos acima, podemos facilmente mostrar que:

| 0I ++ >= ,

0| ( (1) (2))1/ 2 | 1/ 2 | ( ) 2 | 2 | .I I I dd uu ud u d ud ++ + +>= + − >= − − >= >= >

Analogamente podemos mostrar que 0| 2 |I −+ >= > e

| 0I −− >= . Portanto os mésons formam um estado tripleto (

31, 1,0, 1I I= = − ) do octeto mesônico.

3.3 Léptons

No universo das partículas, ainda nos resta descrever uma pequena classe contendo apenas seis partículas e seis antipartículas que, dife-rentemente dos hádrons, não interagem por intermédio da força forte. Na tabela 3.3 mostramos a família dos léptons junto com algumas de suas propriedades. Os léptons são o elétron, o múon e o tau e os seus correspondentes neutrinos.

A razão de usarmos as palavras bárion, méson e lép-ton, que têm origem no Grego e significam respec-

tivamente pesado, médio e leve, deve-se ao fato de que as primeiras partículas que foram classificadas possuí-am massas de repouso que satisfaziam a seqüência aci-ma (próton, méson, elétron). Hoje em dia esta nomencla-tura continua sendo usada devido a razões meramente históricas, pois existem léptons muito mais pesados que hádrons, como pode ser observado na tabela 3.3.

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61Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

NomeSímbo-

lo

Energia de Re-

pouso ( MeV ) Carga (Q ) Spin( )Número

LeptônicoVida média

Elétron 0,511 1− 12 1 estável

Neutrino do

elétron ev 65,1 10−< × 0 12 1 estável

Múon 105,7 1− 12 1 62,2 10 s−×

Neutrino do

múon v 0,27< 0 12 1 estável

Tau 1777 1− 12 1 133 10 s−×

Neutrino do

tauv 31< 0 1

2 1 estável

Tabela 3.3: Família de Léptons.

A tabela 3.3 mostra que a carga elétrica é dada em função da unidade de carga elementar (e). A vida média é o tempo médio de existência da partícula.

Os léptons têm spin 1 2 e, portanto, são férmions. Vamos assumir que os neutrinos têm massa nula. A todos os léptons temos os cor-respondentes antiléptons. Aos neutrinos, mesmo não possuindo nem carga e nem massa, estão associados os seus respectivos antineutri-nos. Por exemplo, ao elétron corresponde o pósitron, com a mesma massa e spin, mas com carga elétrica oposta. Os léptons têm a pro-priedade de só existirem sozinhos, comportamento exatamente oposto ao dos quarks. Os quarks e os léptons formam a base do conjunto de partículas elementares da matéria. O papel dos bósons de calibre surge no momento em que consideramos as interações entre as partículas elementares que vamos discutir a seguir.

No capítulo 1 discutimos que o neutrino, na verdade, pode ter uma pequena massa, mas sua determinação é um dos problemas fundamentais da física atual.

-e

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62

3.4 Interações fundamentais

Já sabemos que na natureza existem quatro interações fundamentais, das quais duas, as forças eletromagnética e gravitacional, são velhas conhecidas. O modelo padrão descreve as partículas elementares (léptons e quarks) interagindo através das forças forte, fraca e ele-tromagnética. A teoria trata de forma unificada as forças fraca e ele-tromagnética do mesmo modo que o eletromagnetismo de Maxwell unifica as forças elétrica e magnética. A força forte é descrita através da teoria chamada cromodinâmica quântica.

Os físicos propuseram algumas teorias, chamadas de teorias de grande unificação, que procuram

tratar de um modo unificado as três interações do mode-lo padrão, mas apesar de alguns resultados animadores, ainda não têm comprovação experimental.

Ainda é um gigantesco desafio para a física atual incluir em um mes-mo modelo e, em pé de igualdade, a força gravitacional junto com as outras três interações. Usando os dados da tabela 3.1, podemos comparar as intensidades relativas de cada uma das interações. E, é evidente, a menos que haja situações extremas como, por exemplo, no momento da criação do Universo, que a interação gravitacional é desprezível no mundo das partículas elementares. A força eletromag-nética age sobre todas as partículas carregadas e tem um compor-tamento que é bem conhecido e, portanto, vamos apenas nos con-centrar em domínios onde as forças forte e fraca são dominantes. Na figura 3.7 mostramos como a matéria é vista de acordo com as dimen-sões envolvidas. As forças forte e fraca só vão agir quando a distância entre as partículas for da ordem de 1410 m− ou menos, por exemplo, no interior do núcleo atômico. No capítulo 2 mostramos que podemos estimar de modo qualitativo as dimensões envolvidas na descrição de um objeto microscópico através do comprimento de onda de De Broglie. A matéria pode ser vista como formada por átomos e/ou mo-léculas quando a ordem de grandeza das energias envolvidas é de alguns poucos elétrons-volts. Para os graus de liberade de quarks se manifestarem, as energias envolvidas devem ser da ordem de 'GeV s ( 91 10 GeV eV= ).

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63Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

+

+++

+

++

++

Núcleos Nêutron (ou próton) Quark

10-15 - 10-14 m 10-15 m menos que 10-18 m

NúcleosÁtomoMolécula

10-9 m 10-10 m 10-15 - 10-14 m

+

+++

+

++

++

Figura 3.7: A matéria do ponto de vista das dimensões envolvidas.

a) Força forte

A interação forte é de curto alcance, isto quer dizer que apenas a distâncias típicas do diâmetro nuclear, da ordem de 1510 m− , ela se faz atuante. A interação forte só age entre os quarks. Os léptons não a sentem, do mesmo modo que objetos neutros não sentem a força eletromagnética. Esta é a razão para separarmos as partículas entre quarks e léptons. Se os léptons pudessem interagir fortemente en-tão eles poderiam se ligar formando outras partículas compostas. É claro que tanto quarks quanto léptons sentem as outras três forças. A força forte é tão intensa que é capaz de ligar os quarks, formando partículas (hádrons). Os quarks têm a peculiaridade de não existirem sozinhos, sempre aparecem em grupos, formando partículas maio-res (estados ligados de quarks). A teoria da matéria hadrônica, que consiste basicamente em 6 quarks(antiquaks) interagindo através da mediação de glúons, que vamos discutir adiante, recebeu o nome de cromodinâmica quântica, QCD (quantum cromodynamics, em inglês). A teoria QCD considera que é impossível obtermos quarks livres. Acredita-se que a interação forte entre os quarks seja atrativa e aumente com a distância. Note que isto é uma característica peculiar desta interação e completamente diferente das outras três. Portanto, quanto mais tentamos separar um quark do outro, mais energia será necessária para separar os dois quarks. Isto é conhecido como a pro-priedade de confinamento dos quarks. A força forte não pode se es-tender por distâncias muito longas devido exatamente ao fato de sua intensidade aumentar com a distância. Se separarmos dois quarks, estamos fornecendo energia ao sistema na forma de energia poten-cial que, quando se torna muito grande, cria pares quarks-antiquarks.

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64

Por outro lado, quando as distâncias entre os quarks são muito pe-quenas, eles se comportam como se estivessem livres, sem interagir entre si. Chamamos este comportamento de liberdade assintótica. Há fortes evidências experimentais que sustentam tal hipótese. Por exemplo, elétrons de altas energias colidindo com prótons são muito pouco desviados quando passam pelo interior do próton. Além dis-so, alguns elétrons são espalhados em ângulos grandes, fazendo-nos lembrar do experimento de Rutherford. Essas são evidências de que os quarks são pontuais e quase livres quando no interior dos hádrons. Até o momento, todos os quarks foram observados em sistemas liga-dos formando hádrons e, portanto, esta é mais uma confirmação da hipótese do confinamento.

b) Força fraca

Esta força também é de curto alcance e está associada à transfor-mação de partículas de um tipo em outro, como no decaimento beta. A força fraca é sentida tanto por quarks quanto por léptons e tem uma intensidade muito menor que a força forte. Por exemplo, sabe-mos que um nêutron livre decai em um próton através do decaimento beta. Se compararmos a vida média do nêutron, que é de cerca de 900segundos , com a vida média de processos envolvendo a interação forte, como o decaimento do bárion ∆ , em que tipicamente o tempo de decaimento é da ordem de 2310 segundos− , podemos afirmar que o nêutron é praticamente estável.

Aqui vamos apresentar de um modo simplificado a visão moderna de força. Hoje entende-se que as forças que ligam os constituintes da matéria surgem de campos de força que estão associados à troca (emissão-absorção) de partículas, que são as mediadoras da intera-ção. Tais partículas não são observadas e são chamadas de virtu-ais. No modelo padrão, como vemos na tabela 3.1, os mediadores são chamados de bósons de calibre. O fóton no eletromagnetismo é um desses bósons, e como discutimos na Introdução, Yukawa imaginou o méson como sendo o mediador da força nuclear.

Neste ponto vamos introduzir uma representação gráfica que é muito utilizada na descrição dos processos que ocorrem na física de partí-culas e que é chamado de diagrama de Feynman. Um exemplo deste diagrama é dado na figura 3.8. Ao movimento livre das partículas, com um dado momento relativo, associamos linhas retas; e à interação en-tre as partículas, associamos vértices, simbolizando que a partícula que se move livremente emite uma partícula virtual, que será trocada e será responsável pela interação entre elas. Todos os diagramas que

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65Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

satisfizerem as leis de conservação do processo que estivermos des-crevendo, em princípio, podem contribuir. É fato que na maior parte das vezes alguns poucos diagramas são dominantes, e um único ou poucos diagramas podem representar a física envolvida. Apesar da aparente simplicidade desses diagramas, não podemos esquecer que a eles estão associadas complexas expressões matemáticas que vão permitir o cálculo quantitativo das reações por eles representados, isto é, a obtenção das seções de choque que podem ser confrontadas com os dados experimentais.

O diagrama da figura 3.8 corresponde ao espalhamento(colisão) de dois elétrons. A interação entre os elétrons(férmions) se dá através da troca de fótons(bósons) que não têm carga.

e-e-

e- e-

γ

Figura 3.8: Diagrama de Feynman do espalhamento de elétrons pela força eletromagnética.

Exemplo (Partícula Virtual): O conceito de partícula virtual é algo complexo e fundamental no entendimento das interações da nature-za. Vamos considerar a colisão de um par elétron-pósitron com ve-locidades iguais e opostas. Primeiro temos o aniquilamento do par e e− + com a emissão de um fóton virtual e o posterior reaparecimento do par e e− + . O momento do fóton tem que ser nulo devido à conser-vação do momento na colisão e, portanto, o fóton não pode ser um fóton ordinário, pois sua energia também seria nula. Ele tem que ser virtual ou, como muitos gostam de chamar, “fora da camada de mas-sa”. Podemos atribuir massa ao fóton virtual que foi criado. Note que isto não deve ser considerado um grande problema, pois partículas virtuais nunca são observadas. Uma maneira alternativa de visualizar o que ocorre na criação de uma partícula virtual é invocar o princí-pio de incerteza tempo-energia, E t∆ ∆ ≅ . Esta relação nos diz que, dentro de um intervalo de tempo t∆ , não podemos especificar a ener-gia com uma precisão maior do que E∆ . Assim, podemos explicar a criação de partículas virtuais, violando a conservação da energia por intervalos de tempo bem curtos.

Não entraremos em detalhes no que diz respeito a esses cálculos, apenas utilizaremos esses diagramas como um recurso auxiliar na discussão qualitativa dos processos envolvidos na física das partículas elementares.

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66

Os bósons de calibre que são os mediadores da interação entre os qua-rks são chamados de gluons. Consistem em oito partículas, têm spin 1, não têm carga elétrica, mas têm carga de cor. De acordo com a teoria moderna das partículas elementares(QCD ), a carga de cor é a fonte da força forte entre os quarks e, conseqüentemente, entre os hádrons. Pode ser feita uma analogia direta entre a carga de cor na QCD e a carga elétrica na teoria eletromagnética. Os gluons também têm carga de cor e, diferentemente do fóton, podem exercer força uns nos outros. Em cada processo de emissão ou absorção de um gluon, a cor do quark pode se alterar, dependendo da cor e anti-cor carregada pelo gluon. Existem seis gluons que mudam as cores ( , , , , ,rg br bg grrb gbG G G G G G ) além de duas combinações neutras 0 0G , G′ , e a barra sobre o símbolo indica anti-cor. Por exemplo, um quark u azul pode se transformar em um quark u vermelho ( b r bru u G→ + ). No entanto os gluons nunca alteram o sabor dos quarks nos processos que envolvem a força forte. Na figura 3.9 mostramos um exemplo de interação entre quarks (férmions) mediada por gluons (bósons), e na figura 3.10 repre-sentamos o decaimento da partícula ∆ .

q q

Figura 3.9: Interação entre quarks através da troca de gluons na representação de Feynman.

∆0 τ = 0.6 x 10-23 s

π−

p

d

d d

du u

u

u

Figura 3.10: Decaimento da partícula Δ no modelo de quarks.

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67Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

As partículas mediadoras da interação fraca são os bósons massivos W + e W − , que carregam carga elétrica e o neutro 0Z . Os mediadores da interação fraca podem alterar o sabor, isto é, transformar um qua-rk de um sabor em outro. Por exemplo, no decaimento beta, que é um processo devido à interação fraca, o nêutron (udd ) se transforma no próton(uud ). Na figura 3.11 representamos o processo de decaimento beta no contexto do modelo padrão: en p e v−→ + + (decaimento beta)

p u u

u

d

ddn

w-

ve e-

Figura 3.11: Decaimento beta.

A representação diagramática das reações entre partículas, desen-volvida por Feynman, é útil para termos certeza de que todos os processos possíveis foram levados em conta.

3.5 Leis de conservação

As forças fraca, forte e eletromagnética obedecem a certas leis de conservação que são úteis para prevermos se algumas reações po-dem ocorrer ou se são proibidas. A origem de algumas dessas leis se baseia em simetrias fundamentais da natureza e são universais, al-gumas são simplesmente baseadas em evidências experimentais que não as refutam. Por definição, grandezas conservadas são aque-las que têm o mesmo valor antes e depois da reação. É impor-tante frisar que se, em princípio, um processo não é proibido ele deve necessariamente acontecer em algum momento. Isto é um princípio corriqueiro na física quântica. As leis de conservação que qualquer processo físico, independentemente de envolver as forças fraca, forte ou eletromagnética tem que respeitar são:

a)conservação de energia-momento.

b)conservação de momento angular

É claro que para realizarmos cálculos para prever os resultados das reações temos que associar a cada diagrama complexas expressões matemáticas que fogem do escopo deste texto.

Por exemplo, conservação de energia-momento.

Por exemplo, conservação do número bariônico.

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c)conservação da carga elétrica.

b)conservação do número bariônico.

e)conservação do número leptônico.

Recordemos que todos os bárions têm número bariônico 1B = , todos os anti-bárions têm número bariônico 1B = − e todas as outras partí-culas têm 0B = . Isto decorre do fato de que a todos os quarks asso-

ciamos o número bariônico, 13B = , e a todos os antiquarks 1

3B = − ,

portanto os mésons e léptons têm número bariônico zero. O número leptônico, L , do elétron, muon, tau e dos neutrinos correspondentes é

1L = , como indicamos na tabela 3.3. As antipartículas ou antiléptons, antielétron(pósitron), antimuon, antitau e antineutrinos têm 1L = − . Todas as outras partículas têm número leptônico zero. A família de léptons é subdividida em três gerações: ( , ee v− ), ( ,v ), ( ,v ). A lei de conservação do número leptônico afirma que, em qualquer reação, o número leptônico de qualquer geração se conserva.

Ainda temos grandezas que são conservadas em reações com rela-ção a uma dada interação, mas violadas por outra. Por exemplo, a estranheza se conserva nas reações fortes e eletromagnéticas, mas pode ser violada nas interações fracas. Como já discutimos anterior-mente, na interação forte, as partículas mediadoras, isto é, os gluons apenas carregam carga de cor e não de sabor. Assim, um quark pode mudar a sua cor com a emissão de um determinado gluon, mas não pode alterar o seu sabor, isto é, vai continuar sendo o mesmo quark. Por exemplo, se colidirmos duas partículas que não possuam quarks estranhos, como resultado da reação, ou serão produzidos pares com estranhezas opostas ou nenhum quark estranho. A isto se deve a con-servação da estranheza nas reações fortes. Note que podemos definir de modo semelhante ao caso da estranheza números quânticos aditi-vos associados a qualquer outro sabor. Analogamente, o mecanismo da interação eletromagnética é a emissão de um fóton por uma par-tícula carregada. Como os fótons não carregam carga elétrica, temos a conservação da carga elétrica. Como fótons também não carregam cor, nas interações eletromagnéticas tanto sabor como cor são con-servados.

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69Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

Exemplos:

1) Decaimento beta

en p e v−→ + +

Na reação acima:

i) A carga elétrica se conserva, ( )( ) ( ) ( ) eQ n Q p Q e Q v−= + + , isto é, 0 0= .

ii) O número bariônico se conserva, ( )( ) ( ) ( ) eB n B p B e B v−= + + , isto é, 1 1= .

iii) O número leptônico eletrônico(1a geração) se conserva, ( )( ) ( ) ( ) eL n L p L e L v−= + + , isto é, 0 0= .

Portanto, do ponto de vista das três leis de conservação testadas, o decaimento beta é permitido.

2) A reação p n + −+ → + , conserva carga, número léptônico, mas é proibida, pois não conserva o numero bariônico.

3) Podemos destacar como conseqüências da conservação da ener-gia-momento:

i) O fato de que nenhuma partícula pode decair espontaneamente em outras partículas cuja massa total exceda a sua própria massa.

ii) Uma partícula em movimento não pode transformar sua energia cinética em massa.

iii) Uma partícula não pode decair espontaneamente em uma única partícula mais leve que ela mesma.

4) Neste exemplo vamos explorar como a análise da conservação de energia-momento no experimento do decaimento beta levou W. Pauli a postular, em 1931, a existência de uma nova partícula, que foi batizada de neutrino por Enrico Fermi. No decaimento:3 3

1 2 H He e−→ + , 19,5 Q KeV=é observado o seguinte resultado experimental,

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70

β−

Ecin

N

Figura 3.12: número de elétrons por faixa de energia versus Energia cinética do elétron emitido

A fim de entender o que está ocorrendo no decaimento do trítio, va-mos analisar a conservação de energia-momento num processo em que uma partícula de massa M decai em duas de massas 1m e 2m(unidades c = 1).

Conservação da energia: 1 2E E E= + onde 2 2E p M= + ,

2 21 1 1E p m= + , 2 2

2 2 2=E p m+

Conservação do momento: 21 ppp

+=

Como a partícula que decaiu estava em repouso 0=p e E M= e, portanto, a conservação energia-momento se reduz a:

2 2 2 21 2 1 1 2 2 M E E p m p m= + = + + +

1 2 1 20 p p p p= + ⇒ = −

portanto,

( )22 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 21 1 2 2 1 1 1 2 1 1 1 22 ( )( )M p m p m p m p m p m p m= + + + = + + + + + +

Da última expressão podemos obter 1p e, após a sua substituição nas expressões das energias 1E e 2E , obtemos:

2 21 2

1 2 2

m mMEM−

= + e

2 22 1

2 2 2

m mMEM−

= + .

Portanto, no decaimento de uma partícula em repouso, as duas par-tículas emitidas devem ter energias determinadas de maneira única pelas equações que acabamos de obter. No decaimento do trítio, cujo resultado experimental mostramos na figura, o elétron é emitido em uma larga faixa de energia, o que parece estar em desacordo com o princípio de conservação de energia-momento. A saída para resol-ver esta aparente violação desse princípio fundamental foi dada por Pauli, sugerindo que no processo de decaimento deveria estar sendo emitida uma partícula de difícil detecção, pois como a carga elétrica

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71Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

no decaimento estava sendo conservada, a nova partícula não deve-ria ter carga elétrica e sua massa deveria ser aproximadamente nula, uma vez que as partículas beta(elétrons) mais energéticas possuíam energia cinética igual a todo o valor Q do processo de decaimento.

3.6 Aceleradores de Partículas

No início, a maior parte das informações que tínhamos sobre as pro-priedades das partículas e dos núcleos vinha do estudo do decaimento de partículas instáveis, de núcleos e das reações entre os mesmos. Os experimentos eram feitos usando-se núcleos radioativos, analisando-se as partículas emitidas e os seus espectros de energia. A partir das observações de raios cósmicos, foi possível um grande avanço na área de física de partículas, no entanto, a grande desvantagem na utiliza-ção de raios cósmicos é que os experimentos não podem ser contro-lados. Hoje em dia, a maior fonte de informações sobre as proprieda-des das partículas elementares e dos núcleos vem dos experimentos realizados nos grandes aceleradores de partículas, que nos permitem reproduzir as reações que ocorrem nos raios cósmicos no laboratório, com a vantagem de podermos controlar todo o processo (energia, di-reção etc). A importância e a necessidade desses equipamentos para a física de partículas deve-se a várias razões, dentre elas:

Para testarmos pequenas distâncias, o comprimento de onda 1) de De Broglie, DB h p = dever ser pequeno, o que exige que o momento linear ( p m v= ⋅ ) ou, de modo equivalente, a energia cinética das partículas seja grande.

A massa e a energia cinética das partículas que são artificial-2) mente produzidas nos experimentos são obtidas a partir da energia das partículas participantes das reações e, portanto, quanto maior for a energia, maior o número e tipos de partículas que podem ser criados.

Quanto maiores as energias envolvidas, mais nos aproximamos 3) do desconhecido e, assim, podemos explorar a possibilidade de

As regras de conservação de número bariônico, lep-tônico, carga elétrica, e energia-momento nunca

foram violadas nos experimentos realizados até hoje.

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72

existirem novas partículas e novas interações e testar as previ-sões feitas pelas teorias existentes. Nós estamos agora vivendo num mundo onde a teoria da relatividade é dominante, a massa de uma partícula M , criada no laboratório é dada pela relação massa-energia de Einstein: 2M E c= .

Os aceleradores de partículas são especialmente úteis para a pesquisa das propriedades das partículas ou núcleos, pois produzem feixes de partículas bem colimados, de intensidades muitos maiores que as de fontes radioativas naturais ou raios cósmicos, e permitem aos físicos experimentais escolher as propriedades das partículas do feixe, como a carga, a massa, a energia, a polarização etc. Nós vamos discutir brevemente os princípios gerais de funcionamento desses sofisticados equipamentos. No que diz respeito ao alvo, geralmente os acelerado-res são de dois tipos:

1) Aceleradores com alvo fixo, em que o feixe de partículas é dirigi-do a um alvo com uma dada energia.

2) Colisores, isto é, aceleradores nos quais dois feixes de partículas viajam em direções opostas até realizarem uma colisão frontal.

Um Acelerador de PartículasRudimentar

vácuo

CátodoÂnodo

BobinasFocalizadoras

Bobinasdefletoras

Feixe de Elétrons

Figura 3.13: Acelerador elementar (tubo de raios catódicos).

Nos grandes laboratórios, a comprovação experi-mental da conversão de energia em matéria, pre-

vista pela teoria da relatividade restrita, é confirmada dia-riamente através da criação de centenas de partículas.

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73Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

No caso em que colidimos partículas de mesma massa, os colisores têm a grande vantagem de realizar a colisão no referencial de centro de massa e, neste caso, toda a energia é disponível para a reação.

Em geral, nos aceleradores as partículas são aceleradas por campos elétricos e são focalizadas e direcionadas através de campos magné-ticos. Note que esses campos, como bem sabemos, só vão agir sobre partículas carregadas. As partículas são produzidas por uma fonte e, então, colimadas e injetadas em uma região onde existem campos elétricos e magnéticos que vão mantê-las nessa região até que ob-tenham a energia desejada. A fim de que não interajam com outras partículas enquanto estão sendo aceleradas elas são mantidas em re-giões onde é feito vácuo. Na figura 3.13 mostramos um acelerador de elétrons rudimentar, isto é, um tubo de raios catódicos de um apare-lho de televisão. A voltagem utilizada em um tubo de TV é da ordem de 20 mil volts. Portanto a energia de cada elétron é da ordem de 20 keV. Isto pode ser comparado com a energia dos elétrons no acelera-dor LEP-CERN, que atingem cerca de 60 GeV.

Os dois tipos de aceleradores mais populares são os lineares e os cir-culares. Nos aceleradores lineares as partículas se movem em linha reta através de uma série de cavidades aceleradoras. Tais acelerado-res têm a óbvia desvantagem de precisar de um longo comprimen-to para atingir altas energias. Os aceleradores circulares por sua vez aceleram as partículas através de campos elétricos e as curvam por meio de campos magnéticos. A energia desejada é obtida aceleran-do-se as partículas do feixe, forçando-a a dar várias voltas ao redor da circunferência do acelerador. A grande desvantagem desse tipo de acelerador é a radiação síncrotron. Sabemos do eletromagnetismo que toda carga acelerada irradia e, portanto, a partícula vai ter uma perda de energia devido a essa radiação, que terá de ser compensada acelerando-se ainda mais a partícula. A intensidade dessa radiação é inversamente proporcional à quarta potência da massa da partícula e ao raio da trajetória. O exemplo de um moderno acelerador circular é o chamado síncrotron. Neste acelerador as partículas se movem atra-vés de câmaras onde é feito vácuo e são mantidas em órbita circular através de imãs supercondutores. A aceleração é obtida por meio de cavidades de radiofreqüência, RF , que a cada volta dão um pequeno impulso à partícula, aumentando sua energia. O campo magnético, B , é aumentado de maneira sincronizada à medida que a velocidade da partícula aumenta de modo que a partícula seja mantida em uma órbita circular fixa. Por exemplo, em um síncrotron, prótons dão cerca de 5000 voltas e, em cada uma, recebem um incremento de energia da ordem de 0,1 MeV da cavidade de RF até atingirem o pico de

Por exemplo, o SLAC(Stanford Linear Acellerator Centre), nos EUA, tem um comprimento de 3Km.

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energia desejado. Na figura 3.14 mostramos um digrama esquemático desse tipo de acelerador.

Figura 3.14: Diagrama esquemático de um sincrotron.

Alguns conceitos físicos envolvidos nos aceleradores

As partículas nos aceleradores são mantidas em órbitas circulares de-vido ao campo magnético B , que representamos na figura 3.15.

+ + + + +

+ + + + +

+ + + + +

+ + + + +

+

B entrandono papel

F v

B v F⊥ ⊥

+ + + + +

Figura 3.15: Carga elétrica em movimento circular devido ao campo B.

Para o caso de uma carga positiva e campo entrando no papel, a acele-ração centrípeta, cpa , será devida à força de Lorentz, ( )F q E v B= + ×

. Com campo elétrico nulo, temos em módulo:

ÍMÃS DEFLETORES

ÍMÃSFOCALIZADORES

CAVIDADEACELERADORA

CO

LISÕ

ES

INJEÇÃO

e+

e-

Acelerador Circular

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75Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

2

| |cpmvF ma q vBR

= = = ,

onde q é a carga da partícula, v o módulo da sua velocidade, B a intensidade do campo magnético e R o raio da órbita circular. Como o momento da partícula é p m v= ⋅ ,podemos reescrever a equação acima como:

p q BR= (i).

Portanto, quanto maior a energia da partícula, para mantê-la em uma órbita circular fixa precisamos de campos magnéticos mais intensos, o que exige imãs supercondutores grandes e caros. Para termos idéia da dimensão de um acelerador, vamos imaginar que desejamos ace-lerar um próton até atingirmos a energia cinética de 1000GeV e, que temos à disposição imãs supercondutores de 5 Teslas (o campo mag-nético terrestre é da ordem de -40,5 10 Teslas× ).

Podemos obter uma estimativa do raio, R , a partir da equação (i):

( )pcR q Bc= (ii)

As energias envolvidas aqui necessitam de um tratamento relativísti-co. A energia cinética na teoria da relatividade restrita é definida por:

12 2 2 2 4 22( )cinE E mc p c m c mc= − = + − ,

onde m é a massa de repouso da partícula. Na equação acima pode-mos obter pc ,

12 2 2( 2 )cin cinpc E mc E= + (iii).

O raio para mantermos um próton em órbita circular com a energia cinética típica dos experimentos atuais, de 1000GeV , pode ser obtido das equações (ii) e (iii). Substituindo a massa de repouso do próton

2 938,3 mc MeV= , e a energia cinética desejada, nas equações ii e iii obtemos o raio 670R m= .

O raio do acelerador sincrotron TEVATRON no labo-ratório FERMILAB, nos EUA, que acelera prótons e

antiprótons até energias da ordem de 1TeV = 1000Gev, é de aproximadamente 1Km.

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76

Referencial do laboratório e do centro-de-massa

Nos aceleradores, duas partículas de massa M podem colidir quan-do uma delas se encontra em repouso no referencial do laboratório, como ocorre nos aceleradores lineares ou, alternativamente, podem colidir de maneira frontal com momentos iguais em módulo, mas com direções opostas. Isto ocorre nos colisores e, neste caso, dizemos que a colisão ocorreu no referencial de centro de massa. Vamos obter a relação entre as energias nos dois referencias que acabamos de dis-cutir e analisar qual é o mais vantajoso. A teoria da relatividade res-trita nos mostra que, quando temos dois referenciais S e S ′ que se movem com velocidade relativa, v , a energia, E , e momento p no referencial S se relaciona com a energia, E′ , e o momento p′ no referencial S ′ pelas relações:

' ( )( )vE v E pc

c= −

2' ( )( )vp v p Ec

= − , 2

2

1( )1

vvc

=

,

onde nos restringimos ao movimento em uma dada direção espacial, digamos a direção x ( xv v= ). Se considerarmos duas partículas com energias e momentos ( 1 1,E p ) e ( 2 2,E p ), a partir das relações acima po-demos defi nir o invariante relativístico, 2s :

2 2 2 2 2 2 21 2 1 2 1 2 1 2( ) ( ) ( ) ( )s E E c p p E E c p p′ ′ ′ ′= + − + = + − +

No referencial do centro-de-massa (CM ) para partículas de massas iguais, o momento total é

1 2 1 1(- ) 0 P p p p p= + = + =

2 2 4 2 2 41 2 1 2 12CME E E p M c p M c E= + = + + + = ,

1 2E E= .

2 2 2 2 2 21 2 1 2 1( ) ( ) (2 ) ( )CMs E E c p p E E= + − + = = (a)

Já no referencial do laboratório, usando 1p p′ = e 2 0p′ = obtemos,

2 2 41

LABE E p M c′≡ = + e 2

2E Mc′ = ,

2 2 2 2 2 2 2 21 2 1 2( ) ( ) ( )LABs E E c p p E Mc c p′ ′ ′ ′= + − + = + − . (b)

Comparando as equações (a) e (b) obtemos:2 2 2 2 2( ) ( )CM LABE E Mc c p= + − .

A expressão acima pode ser facilmente reescrita como:

Na verdade o nome mais apropriado seria centro de

momento.

Um invariante relativístico é uma grandeza que tem o mesmo valor em

qualquer referencial

Um invariante relativístico é uma grandeza que tem o mesmo valor em

qualquer referencial

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77Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

22

2

( )2

CMLAB EE Mc

Mc= − .

A expressão acima mostra que, se acelerarmos prótons com uma ener-gia de 200GeV no laboratório, teremos no referencial do centro-de-massa apenas uma energia de aproximadamente 20GeV disponível para a reação. Por exemplo, numa aniquilação próton-antipróton, toda a energia das partículas no referencial do CM é convertida em novas partículas, sendo este tipo de reação especialmente interessante, uma vez que todos os números quânticos das partículas que colidem de-saparecem e, assim, partículas completamente diferentes podem ser formadas. Os colisores, portanto, levam uma enorme vantagem em comparação com aceleradores com alvo fixo. Um exemplo onde esta vantagem ainda é maior ocorre na aniquilação elétron-pósitron, onde elétrons e pósitrons acelerados com energia de 1GeV ( 2CME GeV= ) vão corresponder a uma energia de 4000GeV no laboratório, isto é, 4000 vezes mais energia.

Detectores

Uma vez criadas nos aceleradores, através de colisões, as partículas são observadas nos detectores. Nestes, elas são identificadas através das medidas de suas propriedades, tais como, carga elétrica, spin, pa-ridade, massa etc. Uma técnica que foi muito utilizada para detectar as partículas é a chamada câmara de bolhas, idealizada por D. A. Glaser e L. Alvarez em 1952. Uma câmara de bolhas consiste em um recipiente preenchido por um líquido superaquecido, isto é, um líquido à temperatura maior do que seu ponto de ebulição. O líquido pode ser hidrogênio ou hélio a temperaturas muito baixas, ou o freon ou propano à temperatura ambiente. Quando uma partícula ionizante passa através do líquido da câmara, ela deixa um rastro de bolhas de gás marcando a sua trajetória com uma linha que pode ser fotografa-da. Na figura 3.16 mostramos a fotografia obtida no CERN da reação:

- - K p ++ → ∑ +0

ee − −∑ → Λ + +

O movimento espiralado do elétron se deve à presença de um campo magnético. Pelo estudo deste movimento podemos descobrir o sinal da carga e o momento da partícula.

Os quais receberam o prêmio Nobel de Física em 1960 e 1968 respectivamente.

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78

Figura 3.16. Fotografi a de uma reação obtida na câmara de bolhas do CERN.

Na fi gura 3.16 também é mostrado um diagrama simplifi cado da rea-ção onde as partículas envolvidas são identifi cadas.

Hoje em dia a técnica de câmara de bolhas não é mais utilizada nos experimentos de altas energias. Atualmente utilizam-se, entre outras técnicas, os chamados calorímetros. O sentido de calorímetro neste caso é de um dispositivo que mede a energia total depositada pela partícula ou chuveiro de partículas. Após a absorção da partícula incidente, ocorre a formação de um grande número de partículas se-cundárias, posteriormente terciárias, e assim por diante. No fi nal, a maior parte da energia da partícula incidente foi transferida ao meio, o que justifi ca a denominação calorímetro. Os calorímetros são deno-minados de acordo com o tipo de partícula que se deseja medir. Por exemplo, o calorímetro eletromagnético é o que mede a energia de fótons e léptons, e o calorímetro hadrônico, o que mede a energia dos hadrons. Um calorímetro típico pode ser feito de placas absorvedoras passivas ( ou Pb Fe ) com um material cintilador ativo entre elas, com a fi nalidade de medir a energia das partículas. Os materiais cintilado-res são certos materiais que emitem luz visível quando são atingidos por partículas carregadas ou fótons. Nos calorímetros, as partículas

p^º

π-

π+

e-

ve

K-

∑−

K- + p ∑− π+; ∑−^º e- , CERN ` 62v

O nome destes equipamentos é uma

generalização da palavra usada em dispositivos que

medem calor.

Entende-se por chuveiro de partículas o conjunto de eventos que ocorrem

devido à interação da partícula relativística com

as moléculas ou átomos do detector.

Entende-se por chuveiro de partículas o conjunto de eventos que ocorrem

devido à interação da partícula relativística com

as moléculas ou átomos do detector.

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79Física das Partículas Elementares: Modelo Padrão

ou chuveiros de partículas dissipam uma fração de sua energia, que surge como luz cintilante, que é acoplada a um detector de luz, tal como um tubo fotomultiplicador, e a um contador. Através da medida dessa energia dissipada, podemos inferir a energia da partícula, que é o que nos interessa.

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Resumo

Neste capítulo discutimos, do ponto de vista da Física Moderna, quais são as partículas fundamentais ou tijolos, a partir dos quais é forma-da toda a matéria do universo. Apresentamos os elementos do mo-delo padrão, que é a teoria oficial das partículas elementares, a qual é obtida através da combinação da cromodinâmica quântica com a teoria eletro-fraca, isto é, das teorias da interação forte com a das interações eletromagnética e fraca. Mostramos que, de acordo com este modelo, as partículas elementares são: 6 quarks, 6 anti-quarks, 6 léptons, 6 anti-léptons, 8 gluons, 3 bósons massi-vos ( 0 -, e Z W W+ ) e o fóton. O conceito de interação foi discutido do ponto de vista da troca de partículas virtuais. A idéia de grandeza conservada bem como do seu uso na Física de partículas foram ex-ploradas. Por fim, os conceitos essenciais relacionados com o funcio-namento dos aceleradores e detectores, onde a pesquisa da física de partículas é realizada, foram discutidos.

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Noções sobre Astrofísica Nuclear4

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83Noções sobre Astrofísica Nuclear

4 Noções sobre Astrofísica Nuclear

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Neste capítulo apresentaremos de forma concisa a teoria da grande explosão, enfatizando a importância dos con-ceitos de Física de partículas e nuclear necessários para a sua compreensão. Mostraremos como pode ser entendida a formação dos elementos químicos encontrados no Uni-verso. Por fim, apresentaremos uma breve discussão so-bre a evolução estelar e as condições para que uma estrela de nêutrons possa se formar.

4.1 Introdução

Existe uma enorme inter-relação entre as propriedades do extrema-mente pequeno, com o extremamente grande. A fim de compreender como se entrelaçam estes dois universos, que parecem ser totalmente distintos, vamos começar pelo ramo da física que estuda a origem, a evolução e a estrutura do Universo como um todo, chamado de cos-mologia. Apresentaremos de maneira bem simplificada e concisa a teoria da grande explosão (em inglês, big bang) que na atualidade é a teoria cosmológica mais bem aceita. Ao mesmo tempo vamos mostrar que, sem o total domínio dos conceitos da física nuclear e de partículas elementares, é impossível compreender a teoria da grande explosão e, no contexto desta teoria, vamos introduzir alguns tópicos relacionados com a astrofísica nuclear, cujo objeto de estudo é a produção de energia nas estrelas e a nucleossíntese, isto é, o proces-so de formação dos elementos químicos do Universo, cuja discussão iniciamos no capítulo 2.

4.2 Teoria da Grande Explosão

Acredita-se que o Universo surgiu há cerca de 15 bilhões de anos, quando tudo se resumia a um único ponto onde a matéria era com-primida a uma densidade e temperatura inacreditavelmente grandes e, em certo momento, ocorreu uma grande explosão. Uma evidência desta grande explosão pode ser obtida observando-se o movimento

Que corresponde ao universo das partículas elementares.

Que corresponde ao Universo Sideral, sendo este último constituído pelas galáxias, estrelas, planetas etc.

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de expansão das galáxias. O cenário logo após a explosão é o Univer-so com temperaturas da ordem de inacreditáveis 1030 K e ocupando um volume muito inferior ao da Terra.

Nesta temperatura não existe matéria na forma com a qual estamos habituados, na verdade, temos so-

mente partículas elementares reagindo entre si a altíssi-mas energias.

Para termos uma idéia de ordem de grandeza, a energia cinética de uma única partícula seria superior a de um avião a jato. Aqui perce-bemos que a física das partículas elementares é a chave para enten-dermos de onde viemos e como surgimos. A partir de experimentos realizados em vários laboratórios, e hoje em dia especialmente nos grandes laboratórios tais como o CERN na Suíça e o FERMILAB nos Estados Unidos, podemos compreender as regras e leis que governam o mundo das partículas elementares e, com isso, o nosso passado remoto, nossa criação e, talvez, nosso presente e futuro. Obviamen-te respostas para as questões “o que causou a grande explosão?” ou “o que havia antes?” não temos, e provavelmente nunca tere-mos. No entanto, com o que já sabemos até agora sobre as partículas, muito podemos afirmar sobre o que provavelmente ocorreu após um intervalo de tempo da ordem de -4310 segundos após a grande explo-são. Em intervalos menores do que este, as teorias atuais ainda não funcionam, pois isto corresponderia à situação em que as reações entre as partículas ocorrem quando elas estão tão próximas umas das outras que a força da gravidade tem um papel tão importante quanto qualquer uma das outras três forças. Para explicar isto, ne-cessitamos de uma teoria unificada das quatro forças fundamentais. Essas teorias procuram mostrar que, neste cenário, as quatro forças se unem em uma única força. Mas, apesar dos esforços de muitos físi-cos e do próprio Einstein, esta teoria ainda não existe, pois, nesta fase os efeitos quânticos são importantes em conjunção com a interação gravitacional e, até agora, não temos uma teoria quântica definitiva para a gravidade. Isto não deve nos desanimar, pois, a menos de in-significantes -4310 segundos, temos muito a dizer sobre nosso passado como veremos.

A fim de compreender a evolução do Universo a partir da teoria da grande explosão, podemos imaginar que, logo após a explosão, temos uma pequena porção de matéria extremamente quente e densa, que pode ser chamada de bola-de-fogo primordial, e que originou todo

Nem mesmo nos grandes laboratórios atuais

chegamos perto de obter tais temperaturas ou

energias.

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85Noções sobre Astrofísica Nuclear

o Universo. Nestes momentos iniciais a temperatura era gigantesca, e conseqüentemente também era gigante a energia cinética média das partículas. Nessa situação o Universo estava em expansão, au-mentando de tamanho com as partículas movendo-se a velocidades imensas. À medida que o Universo se expande, ele se esfria. Neste ponto foi fundamental a descoberta feita por Edwin Hubble, em 1929, de que o espectro de luz emitido por galáxias distantes sistematica-mente se desviava para o vermelho quando comparado ao espectro de galáxias próximas e, além disso, quanto mais distante a galáxia, maior era o desvio. O físico russo A. Friedmann obteve uma solução para as equações de Einstein que mostrava que o Universo deveria estar alterando a sua forma. Uma das possíveis soluções consiste em assumir que o Universo está em expansão e, portanto, todos os obje-tos passam a ficar cada vez mais distantes uns dos outros, inclusive o espaço vazio pelo qual a luz se propaga. Isto explica a razão para que haja um aumento no comprimento de onda da luz vinda de to-das as galáxias distantes. A energia de um fóton é dada pela relação

de Einstein hcE hv = = . Como o desvio ao vermelho significa que

o comprimento de onda do fóton vai sistematicamente aumentando, isto quer dizer que sua energia vai diminuindo com o tempo e, con-seqüentemente, a temperatura diminui. O desvio ao vermelho é uma outra evidência experimental para a existência da grande explosão, pois se o Universo está em expansão, isto quer dizer que em algum momento tudo deveria estar junto em algum lugar.

Exemplo: Uma estimativa da idade do Universo pode ser feita a partir da lei de Hubble, que afirma que o desvio ao vermelho da luz emitida por galáxias distantes satisfaz aproximadamente a equação:

z Hd

′−= = ,

onde é o comprimento de onda no referencial da galáxia, ′ é o comprimento de onda no referencial fixo na terra, d é a distância da galáxia à terra e H é a constante de Hubble. Considerando a expressão para o efeito Doppler relativístico, no caso da fonte se afastando com velocidade aparente v , na aproximação onde 1v

c = << , obtemos:

1 1 1 1(1 )1

−= ≅ −

′ ′+.

Substituindo a equação acima na Lei de Hubble obtemos:v Hdc= .

A explicação para o desvio ao vermelho foi possível através da teoria da relatividade geral de Einstein.

Desvio ao vermelho.

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Assumindo que a velocidade de expansão do Universo tenha se man-tido constante desde a grande explosão, podemos estimar a idade

do Universo como sendo 1 15 t bilhões de anosHc= ≅ . A estimativa

que fizemos deve ser encarada como uma aproximação da realidade, uma vez que as teorias cosmológicas modernas consideram que essa velocidade e, conseqüentemente, o parâmetro H vem se alterando com o tempo.

É o valor da temperatura que determina quais partículas são os cons-tituintes dominantes do Universo. Por exemplo, enquanto a tempera-tura for superior a um dado valor limiar, as seguintes reações podem ocorrer:

- Partícula anti partícula + → + (aniquilação) + Partícula+anti-partícula → → (materialização)

e, portanto, enquanto as reações acima ocorrerem, partículas e anti-partículas serão constituintes ativos do Universo. A energia cinética média dos fótons está associada à temperatura, assim podemos es-timar a temperatura limiar para que as reações acima ocorram, no caso de prótons e antiprótons:

2 p

E cE kT T mk k

≅ → ≅ = ⋅ ,

e, portanto, 1310 T K∼ . Quando o Universo se resfriou abaixo des-ta temperatura, os prótons e anti-prótons se aniquilaram e restaram muito poucos, se comparados com o número de fótons.

Temperatura

A temperatura do Universo pode ser estimada através da expressão, válida para um gás ideal, que relaciona a temperatura, T , com a ener-gia cinética média de suas partículas:

3 2Ec kT kT< >= ≅ ,

onde k é a constante de Boltzmann.

Através da fórmula acima, obtemos para 1010 T Kelvin= que a ener-gia Ec< > é da ordem de 1 MeV por partícula. Em um núcleo atômi-co, a energia de ligação por núcleon é da ordem de 8 MeV .

Neste ponto será útil dividir os primeiros momentos desde a criação do Universo em fases para entendermos a física envolvida em cada uma delas.

O papel da temperatura é essencial na compreensão

dos fenômenos que ocorreram a partir da

grande explosão.

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87Noções sobre Astrofísica Nuclear

1) O primeiro nanosegundo (10-9s)

Nesta fase o Universo expandiu-se e resfriou-se rapidamente e, em algum momento, foi quebrada a simetria entre matéria e antimatéria. A quebra da simetria é necessária para explicar a razão de só ter restado matéria na composição do Universo. As teorias que procu-ram explicar o que ocorreu imediatamente após a grande explosão supõem que havia o mesmo número de quarks e antiquarks, leptons e antileptons. Hoje, acreditamos que, ao final do seu primeiro nanose-gundo, o Universo era constituído por uma espécie de “sopa” de qua-rks, antiquarks e, em número ligeiramente menor, léptons e bósons de calibre (gluons, fótons e bósons massivos). Estas são as partículas que formam o modelo padrão das partículas elementares.

2) O primeiro microsegundo (10-6s)

Após o primeiro nanosegundo, a matéria em expansão esfria-se sufi-cientemente para poder formar os hádrons. Nesta fase, três quarks se ligam de modo a criar os bárions (prótons, nêutrons etc) e pares de quarks e antiquarks se unem para criar os mésons (píons, kaons etc). A expansão do Universo continua, e todas as partículas constituintes desta fase, isto é, os bárions, mésons e léptons, colidem entre si, e algumas decaem, até que no final restam apenas as partículas mais estáveis: a saber, entre os léptons e bósons de calibre, sobrevivem os elétrons, os neutrinos e os fótons; e entre os hádrons sobrevivem apenas os prótons e os nêutrons, que ainda estão em números aproxi-madamente iguais devido às suas interações com os neutrinos.

3) O Primeiro segundo

O Universo ainda se encontra em processo de expansão com a corres-pondente diminuição de sua temperatura, que no final deste período cai para um valor da ordem de 10 bilhões de graus Kelvin . Aqui o número de prótons deixa de ser aproximadamente o mesmo que o nú-mero de nêutrons, pois a temperatura não é mais suficiente para que os neutrinos mantenham esse equilíbrio e, gradualmente, o número de prótons vai aumentando.

4) Os primeiros 25 minutos

Nesta fase, a temperatura do Universo cai para valores onde a energia associada ao movimento térmico das partículas passa a ser inferior à energia de ligação que mantém os núcleons confinados dentro dos núcleos. Neste momento, os núcleons passam a se grudar uns juntos

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aos outros, formando pequenos aglomerados, em especial, deuterons e partículas alfa. Aqui nos encontramos no que é chamada de era da nucleossíntese primordial, que será responsável pela abundância de elementos leves, tais como o deutério e o hélio. No entanto ainda nos encontramos em uma fase em que átomos e moléculas não existem.

5) O primeiro milhão de anos

O contínuo processo de expansão e resfriamento do Universo nos leva a uma situação em que os elétrons se juntam aos núcleos para formar os átomos e moléculas. A energia térmica agora é tal que não consegue superar as forças que são responsáveis pela coesão de áto-mos e moléculas e que têm origem nas interações eletromagnéticas. A matéria passa a ser constituída de átomos neutros que, diferente-mente do caso em que tínhamos elétrons livres, torna-se transparen-te à radiação e, então, os fótons são abundantemente emitidos em todas as direções do Universo. Esses fótons formam o que é conhe-cido por radiação de fundo, possuem comprimento de onda na fai-xa do milímetro (microondas), nunca sofreram absorção e são parte significativa do ruído de fundo das telecomunicações e radar usando microondas.

Primeira Evidência Experimental da Grande Explosão

No ano de 1964, os físicos Robert Wilson e Arno Penzias dos Labora-tórios Bell nos Estados Unidos, quando trabalhavam em uma antena de radiocomunicações por satélite e estudavam as emissões de rádio vindas do espaço, acidentalmente descobriram um sinal de baixa in-tensidade na faixa de microondas do espectro eletromagnético, que vinha de todas as direções, em qualquer hora do dia e da noite, e com a mesma intensidade. A medida desta radiação em vários compri-mentos de onda distintos mostrou que ela tinha um espectro caracte-rístico da radiação do corpo negro e foi possível associá-la a um corpo negro com a temperatura de 2,7 K . Imediatamente, esta radiação foi reconhecida como a radiação cósmica gerada pela grande explosão. Por esta descoberta, seus autores receberam o premio Nobel de Física em 1978.

6) O primeiro bilhão de anos

A partir desta idade, a interação gravitacional passa a exercer um papel ainda mais fundamental na evolução do Universo. Os átomos e moléculas formados a partir da grande explosão dão início à cria-ção de aglomerados devido à atração mútua da força gravitacional.

Núcleos do átomo deutério formados por um próton e

um nêutron.

Normalmente uma fonte de ondas de rádio tem origem

em uma parte localizada do céu.

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89Noções sobre Astrofísica Nuclear

Em certos casos essa atração é sufi ciente para que os aglomerados adquiram uma massa adequada a se transformarem em embriões de estrelas, isto é, nas protoestrelas. A atração gravitacional leva a protoestrela a se contrair, causando o aumento de sua temperatura e, assim, evoluindo para a fase de pré-seqüência principal, quando atinge uma temperatura sufi ciente para dar início a uma seqüência de reações nucleares (reações termonucleares), que vão ser responsáveis por grande parte dos elementos mais leves que o ferro. A duração desta fase pode ser de bilhões de anos.

Até este ponto, discutimos de forma esquemática as várias fases da evolução do Universo segundo a teoria da grande explosão, em que destacamos a importância da física de partículas e nuclear. A seguir, vamos discutir como as estrelas evoluem, que elementos químicos são formados nas estrelas e como a energia é produzida numa estrela.

4.3 Energia Nuclear e Nucleossíntese

Nucleossíntese primordial

Inicialmente vamos discutir o processo de síntese de elementos que denominamos de nucleossíntese primordial. No momento em que a temperatura caiu a um valor tal, em que os fótons não tinham ener-gia sufi ciente para quebrar qualquer núcleo que pudesse se formar, a síntese de prótons e nêutrons em núcleos se tornou possível. O núcleo mais leve que pode ser formado é o deuteron, d , que tem energia de ligação de 2,225 MeV e é obtido pela reação de fusão:

p n d + → +

Uma vez que o deuteron é formado, outros núcleos podem ser obtidos a partir das reações seguintes:

3 d n H + → +3 d p He + → +

3 d d H p+ → +3 d d He n+ → +

3 4 H p He + → +3 4 He n He + → +

Todos os núcleos leves produzidos nas reações anteriores têm energia de ligação superior à do deuteron e, portanto, se os fótons forem sufi -cientemente frios para permitir a formação do deuteron, todos esses

Por defi nição uma estrela é um objeto astronômico composto por gás ionizado, confi nado através da força gravitacional, e que emite radiação eletromagnética como resultado das reações nucleares que ocorrem no seu interior.

Por defi nição uma estrela é um objeto astronômico composto por gás ionizado, confi nado através da força gravitacional, e que emite radiação eletromagnética como resultado das reações nucleares que ocorrem no seu interior.

Como citamos anteriormente, inicia-se dentro dos primeiros 25 minutos de formação do Universo e dura cerca de um bilhão de anos.

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outros núcleos também poderão ser formados. Nesta fase, a tempera-tura (energia) não é suficiente para permitir que dois núcleos, que aca-baram de ser formados, vençam a barreira Coulombiana e se fundam para formar núcleos mais pesados. A cadeia de reações que acabamos de descrever termina quando todos os nêutrons passam a fazer parte dos núcleos formados ou sofrem decaimento beta ( en p e −→ + + ). O resultado deste processo de síntese é um Universo com uma nu-vem de prótons, 4 He , fótons e uma pequena quantidade de núcle-os mais leves. Os processos aqui descritos duraram cerca de um bilhão de anos até chegarmos à formação da fase de protoestrela, que consiste no embrião de estrelas. Note que a quantidade de 4 He produzida nas reações que acabamos de descrever corresponde, aproximadamente, à abundância (proporção relativa) de 4 He que observamos atualmente no Universo. Se considerarmos a massa de todos os elementos químicos que observamos em nosso Universo, va-mos encontrar hidrogênio na proporção de aproximadamente 75% , hélio 24% e os outros elementos 1% . Isto está de acordo com as previsões da teoria da grande explosão e é uma das grandes evidên-cias experimentais que dão suporte a esta teoria.

Evolução Estelar e Diagrama HR

Vamos aqui de forma breve discutir a evolução estelar e sua relação com um método de classificação de estrelas que foi introduzida pelo astrônomo dinamarquês E. Hertzsprung e pelo astrônomo americano H. Russel em 1911, conhecido como diagrama HR , e que mostramos na figura 4.1.

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91Noções sobre Astrofísica Nuclear

azul vermelhotipo espectralO B A F G K M

T (K)

40000 20000 10000 5000 2500

106

104

102

1

10-2

10-4

L (L

sol)

Super gigantes

Anãs brancas

Gigantesvermelhassequência

principal(anãs)

Sol

Figura 4.1: Diagrama HR

Neste diagrama, o eixo vertical corresponde à luminosidade estelar, e o eixo horizontal à temperatura estelar. A luminosidade é definida como a potência total necessária para sustentar o fluxo de energia emitido a partir da superfície estelar. Assim, este observável nos dá indicações da energia emitida pela estrela e, portanto, sobre sua massa. Vamos ado-tar a definição para a temperatura estelar como sendo a temperatura de um corpo negro que tem a mesma potência irradiada por unidade de área que a estrela. A uma dada temperatura corresponde uma certa cor ou tipo espectral, como é indicado na figura, e isto será a base para a classificação das estrelas. A relação entre temperatura e espectro pode ser entendida a partir da lei de Wien, que relaciona o comprimento de onda m para o qual a emissão do corpo negro é máxima, e a tempe-ratura através da expressão 32,898 10 mT mK −= × . O diagrama HR nos mostra que as estrelas não se distribuem uniformemente, isto é, concentram-se em certas regiões do diagrama, em particular ao longo da linha, que é chamada de seqüência principal, e em certas ilhas acima e abaixo da seqüência principal. A localização da estrela na seqüência principal é determinada por sua massa e todas as estrelas da seqüência principal são chamadas de anãs.

O sol é uma estrela de tipo anã e se encontra sobre a seqüência principal.

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A partir da análise desse diagrama, notamos que estrelas de uma mesma cor podem ser divididas em luminosas, e neste caso são cha-madas de gigantes ou supergigantes, e estrelas de pouca luminosida-de, que se encontram sobre ou abaixo da linha da seqüência principal e agora são chamadas de anãs. No diagrama da fig. 3.1 destacamos as regiões onde ocorre uma grande concentração de estrelas, que são denominadas de gigantes vermelhas, supergigantes vermelhas e anãs brancas, em que estas últimas, apesar do nome, cobrem uma ampla faixa de cores e temperaturas.

Exemplo (Temperatura do Sol): Vamos assumir, como fazem os astrônomos na maioria das vezes, que o sol se comporta como um corpo negro ideal. Neste caso, a potência irradiada por unidade de área, I , satisfaz a lei de Stefan-Boltzmann:

4 I T= onde 8 2 4 5,67 10 W m K −= × .

Sabendo-se que a luminosidade do sol, 263,85 10 L W= ×

, e o raio

do sol, 8 6,96 10 m R x=

, obtemos a temperatura efetiva da super-fície do sol,

42

4L

I TR

= =

.

Da equação acima, obtemos 5800 T K= .

Aplicando a lei de Wien sabemos que o comprimento de onda para o qual a energia emitida pelo sol é máxima:

3 (2,898 10 5800) 499,7 m m nm −= × = .

Este comprimento de onda pode ser comparado com o intervalo correspondente ao espectro visível, que

varia aproximadamente de 400 – 700 nm, isto é, da cor violeta à cor vermelha.

A evolução de uma estrela vai depender essencialmente de sua massa no início do processo de fusão nuclear e, para manter a nossa discus-são o mais simples possível, não vamos considerar sistemas binários, pois neste caso também teríamos uma dependência com a distân-cia entre as estrelas. Quanto mais massiva for a estrela, maior será a sua emissão de energia e, conseqüentemente, mais rápida será a sua evolução. A evolução estelar é o resultado da reação da estrela a um

As alterações pela qual a estrela passará ao longo

de sua vida.

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93Noções sobre Astrofísica Nuclear

desbalanceamento entre a pressão e a gravidade. A estrela reage de modo a encontrar uma nova fonte de energia que a estabilize contra a força da gravidade que tende a contraí-la. Assim, os vários estágios da evolução estelar são caracterizados pelos diferentes mecanismos de geração de energia. Todas as estrelas iniciam seu ciclo de vida como uma estrela da seqüência principal, obtendo sua energia através da queima do hidrogênio (isto é, da fusão do hidrogênio em hélio no seu núcleo). Com isto, a estrela adquire um núcleo composto por hélio e, como resultado da contração, o núcleo vai se tornando mais quente até o momento em que, eventualmente, o hélio pode iniciar reações de fusão que terão como resultado oxigênio e carbono. O hidrogênio ainda continuará sendo queimado nas camadas que cir-cundam o núcleo. Como resultado, temos uma geração de energia pela estrela muito maior (mais brilho) do que no caso da queima de hidrogênio e, além disso, ocorrerá uma grande emissão de energia na direção da superfície da estrela, que é mais fria, com o conseqüente aumento do tamanho da estrela. Neste caso, a estrela deixará de fazer parte da seqüência principal do diagrama HR . Estrelas que iniciaram sua vida com menos do que cerca de 10 massas solares vão parar a sua geração de energia na queima do hélio e evoluir para a fase de gigante vermelha, supergigante vermelha para, por fi m, atingir o momento em que ejetarão uma nebulosa planetária e terminarão as suas vidas como anãs brancas. Já uma estrela que iniciar a sua vida com mais do que cerca de 10 massas solares continuará o pro-cesso de fusão no seu núcleo além da queima do hélio até obter um núcleo de ferro e, então, evoluirá para a fase de supergigante, quando ejetará a maior parte de sua massa em uma explosão de supernova, terminando a sua vida ou como uma estrela de nêutrons ou como um buraco negro. A queima de hélio em uma estrela de pouca massa ( 3< massas solares) se inicia de maneira espetacular. O hélio começa a se fundir de forma abrupta e explosiva. Este processo de ignição rápida do hélio é chamado de “fl ash de hélio”, dura poucos minutos e tem um pico de luminosidade da ordem de fantásticos 1110 L

. A rapidez com que os processos ocorrem depende da massa inicial da estrela, estre-las de massas muito baixas ( 0,08M<

) nunca irão além da queima do hidrogênio e permanecerão para sempre na seqüência principal e terminarão sua vida como anã marrom.

No diagrama a seguir, mostramos de modo esquemático a evolução es-telar em função da massa, tomando por unidade a massa do sol, M

.

Nebulosa Planetária: é uma camada de gás em expansão ejetada por uma estrela gigante vermelha no fi m de sua vida. Apesar do nome, não tem nenhuma relação com planetas.

Nebulosa Planetária: é uma camada de gás em expansão ejetada por uma estrela gigante vermelha no fi m de sua vida. Apesar do nome, não tem nenhuma relação com planetas.

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Figura 4.2 Diagrama esquemático de evolução estelar. No eixo horizontal está indi-cado a massa da estrela da sequência principal em unidades de massas solares. Note o uso da escala logarítmica.

Nucleossíntese

Após o primeiro bilhão de anos, as estrelas e galáxias começaram a se formar a partir da protoestrela devido à atração gravitacional. A primeira geração de estrelas foi formada inicialmente a partir de nuvens de gás hidrogênio, H , e hélio, He . À medida que a nuvem gasosa se contrai, a energia cinética dos átomos individuais aumenta, devido ao gasto da energia potencial gravitacional e, como conse-qüência disto, a temperatura da nuvem aumenta. No momento em que a temperatura no núcleo atinge valores suficientemente altos, a estrela inicia reações nucleares no núcleo estelar, tornando-se uma estrela da seqüência principal e transformando hidrogênio em hélio. Isto corresponde ao nascimento de uma estrela.

Agora vamos procurar responder à questão de como são formados os elementos químicos. Imaginemos que partimos de uma protoes-trela formada por uma nuvem composta de gases hidrogênio e hélio

Massa/ massa solar (Mס)

Anã Branca Buraco NegroEstrela deNêutrons

Nebulosa Planetária

Fusão de Elementos Pesados

Supernova

Flash de He

Gigante

Estrela da Sequência Principal

0.1 1 10 100

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95Noções sobre Astrofísica Nuclear

primordiais em processo de colapso. Quando a temperatura alcança cerca de 710 K , a fusão do hidrogênio se torna possível, e o ciclo do próton, determinado pelas cadeias de reações pp , inicia-se, dando origem a uma estrela da seqüência principal e transformando hidro-gênio em hélio no seu núcleo. Este é o processo dominante para es-trelas com massas menores que 1,2M

. Por exemplo, 98% da energia do Sol é obtida a partir deste ciclo. A seguir, apresentamos as 3 pos-síveis reações pp :

Cadeia pp - I

( 1, 44 , 0, 42 )−+ → + + = ≤eep p d e Q MeV E MeV

3 ( 5, 49 )d p He Q MeV+ → + =3 3 4 2 He He He p+ → +

A cadeia envolvendo as três reações acima resulta na transformação:44 2 2 24,7ep He e MeV+→ + + + .

A posterior aniquilação de dois pósitrons com os dois elétrons livres faz com que a energia total produzida passe a ser 26,7MeV . Desta energia, no máximo 0,84MeV é transportado pelos neutrinos, que devido ao fato de interagirem muito pouco, deixam a estrela imedia-tamente.

Cadeia pp - II3 4 7He + He Be + ( Q=1,59 MeV) →

7 7 ( 0,86 )eBe e Li Q MeV−+ → + =7 4 2 ( 17,35 )Li p He Q MeV+ → =

Cadeia pp - III7 8 ( 0,13 ) Be p B Q MeV+ → + =8 8 ( 17,05 ) eB Be e Q MeV−→ + + =8 4 2 Be He→

As reações acima ocorrem no núcleo da estrela, com probabilidades relativas de cerca de 86% para a pp I− , 14% para a pp II− e 0,02% para 3pp − , e prosseguem até que quase todo o hidrogênio tenha sido consumido (queimado). No momento em que isto ocorre, a pressão gravitacional deixa de ser equilibrada pela pressão gerada por estas reações de fusão e a estrela volta a se contrair, com o subse-

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qüente aumento da temperatura de seu núcleo até atingir o momento em que se torna possível a fusão do hélio produzindo carbono, sendo que o hidrogênio ainda continua sendo queimado nas camadas ex-teriores da estrela. No caso de estrelas com massas maiores do que 1,2M

, que na sua composição possuam misturas de elementos mais pesados (estrelas de segunda geração), o ciclo CNO , que apresenta-mos a seguir, é favorecido com relação ao ciclo do próton e passa a ter um papel predominante.

Ciclo CNO

12 13C p N + → +13 13 eN C e v+→ + +13 14 C p N + → +

14 15N + p O + →15 15 eO N e v+→ + +15 12 4 N p C He+ → + .

Nas reações acima, o carbono e o nitrogênio agem como um catali-sador e o efeito líquido dessa cadeia é, analogamente à “cadeia” pp, transformar 4p → 4He. A partir deste ponto, se a massa da estrela for maior do que cerca de 10 massas solares, são gerados o neônio e o silício e se caminha para o ciclo final da nucleossíntese dos elemen-tos químicos através do processo de fusão. Os núcleos se fundem até produzir os núcleos do ferro, e, então, este processo cessa, uma vez que a fusão para produzir elementos mais pesados requer energia ao invés de produzi-la.

Se a estrela for pouco massiva, a sua contração vai parar antes do nú-cleo de ferro se formar. Quando a fusão termina, uma estrela pequena vai encolhendo vagarosamente até que os elétrons sob alta pressão impeçam o processo de contração. Quando isto ocorre, o núcleo de ferro ainda não foi formado, e as camadas externas que haviam sido parcialmente queimadas explodem, deixando ao final de todo o pro-cesso um núcleo de elementos mais leves que o ferro. A estrela se torna uma anã branca.

As estrelas de maior massa acabam tendo um núcleo formado por ferro circundado por camadas de silício e enxofre e, à medida que nos aproximamos das camadas mais externas, passamos a ter oxigênio, carbono e hélio até atingirmos a camada mais externa onde encon-tramos hidrogênio.

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97Noções sobre Astrofísica Nuclear

H He

He C, OC Ne, MgO SI, SSI, S Fe

Núcleo Fe

Figura 4.3: Composição de uma estrela massiva e altamente evoluída.

As setas da figura 4.3 indicam os elementos que ainda queimam nas várias camadas da estrela.

O ciclo de reações de fusão é mais rápido em estrelas mais massivas devido à maior pressão gravitacional e temperatura interna e, portan-to, queimam mais rápido.

Estrelas massivas ( 10 M M>

)

Vamos discutir com mais detalhes o caso de estrelas com massa inicial maior que 10 massas solares. Neste caso, a temperatura do núcleo pode atingir o valor de 95 10 K× , que é o valor necessário para for-mar o núcleo de ferro. A formação de ferro no núcleo não cessa no momento em que a fusão nuclear no núcleo da estrela termina, pois a camada de silício que circunda o núcleo continua produzindo ferro e, assim, aumentando a massa de seu núcleo até o instante em que o gás de elétrons, que produz uma pressão que resiste à contração da estrela, não é mais capaz de sustentar o seu peso e, então, ocorre o colapso da estrela. Após um processo complexo, o núcleo se transforma em um gás, cuja pressão resiste à atração gravitacional. Essa resistência gera ondas de choque que causam o colapso da estrela em uma explosão catastrófica. Toda a matéria da estrela além de um certo raio é, então, ejetada através de uma violenta explosão. Isto é conhecido como a ex-plosão de supernova do tipo II, durante a qual a luminosidade da estrela é tão intensa a ponto de exceder a luminosidade da galáxia.

Para termos uma idéia disto, de acordo com as teorias atuais, estima-se que o sol tenha uma vida de cerca de 1010 anos, enquanto uma estrela com uma massa dez vezes maior deve durar 1000 vezes menos.

Tipos de Supernova: as supernovas podem ser classificadas em tipos I e II. As do tipo I são formadas a partir de populações de estrelas mais velhas (chamadas populações de estrelas do tipo II) e menos massivas. Já as supernovas do tipo II são formadas a partir de estrelas mais jovens (populações do tipo I) e mais massivas.

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Estrela de Neutrons e Buracos Negros

Se o núcleo remanescente de uma explosão de supernova está no intervalo de 1,4 a 3 massas solares, a pressão dos elétrons dege-nerados não é forte o suficiente para suportar a estrela. Esta irá se contrair, e os elétrons se combinar com os prótons de modo a formar nêutrons (captura de elétrons). A pressão de nêutrons degenerados pode ser suficiente para parar a contração da estrela e, então, está formada uma estrela de nêutrons.

Pressão de Degenerescência

Para compreendermos como uma estrela pode fazer frente à sua pró-pria atração gravitacional, que produz uma enorme pressão que tende a levá-la ao colapso, vamos discutir brevemente o que ocorre com o gás de partículas do qual é constituído o seu interior. Em geral, estaremos interessados em descrever o interior de estrelas formado por gases de partículas fermiônicas (elétrons, nêutrons, prótons etc). Neste caso, o gás consiste em um típico sistema onde os efeitos quânticos são impor-tantes e apenas certas energias são permitidas para tais sistemas con-finados. As partículas são arranjadas em níveis de energias. Quando a temperatura é próxima de zero e, por conseqüência, todos os níveis de menor energia estão ocupados, o gás é chamado de degenerado e a sua correspondente pressão, que se deve ao princípio de exclusão de Pauli, é chamada de pressão de degenerescência. No caso das estrelas anãs brancas, as partículas degeneradas são os elétrons, e nas estrelas de nêutrons são os nêutrons. Seja qual for o caso, o gás resiste fortemente à compressão, pois a única maneira de uma nova partícula ser absor-vida pelo sistema é ocupando um nível com energia alta e desocupado, o que exigirá muita energia. É a pressão de degenerescência originada do gás de partículas fermiônicas, a baixa temperatura, que irá impedir o colapso da estrela devido à gravidade.

Note que este é um comportamento totalmente dife-rente de um gás ideal, a pressão é diferente de zero

mesmo à T = 0.

Uma estrela de nêutrons tem em sua composição de 95 99% − de nêutrons, mas também contém, em menor proporção, elétrons e pró-tons. O tamanho típico é de 8 16 Km− de raio, massa da ordem de

Massa de Chandrasekhar (Mch ):

É a massa limite para que a pressão do gás de elétrons

relativísticos degenerados possa suportar a

atração gravitacional

(Mch~1,4M

).

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99Noções sobre Astrofísica Nuclear

1,4 M

e densidade da ordem de 1014 g/cm3 . Acredita-se que uma es-trela de nêutrons é formada por uma crosta sólida de núcleos pesados de cerca de 1Km de raio. Abaixo desta crosta deve haver uma camada grossa de nêutrons num estado semelhante a um líquido e, por fim, um pequeno núcleo sólido, que não é ainda bem conhecido, talvez composto por quarks. Sob certas condições, a estrela de nêutrons não é capaz de resistir a um posterior colapso, gerando o que é conheci-do como buraco negro. Acredita-se que um buraco negro deve ter se originado do resfriamento de uma estrela de nêutrons, devido à emis-são de neutrinos. A detecção dos mesmos é uma possível maneira de descobrirmos o que aconteceu nesses últimos estágios da vida de uma estrela.

Crosta Sólida

“Líquido” de Nêutrons

Núcleo Sólido

Figura 4.4 Estrela de Nêutrons

Como os elementos mais pesados foram formados?

No capítulo 2 os processos responsáveis pela forma-ção dos elementos mais pesados foram discutidos.

Como vimos, o processo de fusão termonuclear não pode ser o res-ponsável pela criação de qualquer elemento que seja mais pesado que o ferro, pois, como a energia de ligação do ferro é máxima, neste caso as reações de fusão consumiriam energia ao invés de liberá-la. No entanto, outros processos que envolvem uma seqüência de captura de nêutrons e decaimentos beta são dominantes na formação de núcleos mais pesados.

Note que esta densidade é gigantesca. Corresponde a concentrarmos a massa de 100 milhões de carros populares num volume equivalente à cabeça de um alfinete.

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Vamos terminar esta seção fazendo uma breve síntese do processo envolvido na formação dos elementos químicos do Universo. Uma estrela evolui até o momento em que acaba o seu combustível e ela morre. No caso de estrelas pouco massivas, é ejetada uma nebulosa planetária, e no caso oposto ocorre uma explosão de supernova. As-sim, os elementos químicos que acabaram de se formar são lançados ao meio interestelar, isto é, ao espaço onde havia gás e poeira. Este meio, que agora vai possuir elementos pesados, servirá de matéria prima para a formação de novas estrelas, e o ciclo continua, gerando novas gerações de estrelas.

Todos os elementos químicos que estão

presentes em nosso meio ambiente, desde os que

constituem o nosso corpo, os metais, os gases do ar

etc. foram formados no interior de estrelas.

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101Noções sobre Astrofísica Nuclear

Resumo

Apresentamos a teoria da grande explosão bem como algumas das evidências experimentais que dão sustentação a esta teoria. Em cada fase da evolução do Universo discutimos os conceitos da Física de partículas elementares e nuclear envolvidos. A partir do diagrama

-H R , falamos sobre a evolução estelar e, com isto, discutimos as condições para uma estrela de nêutrons se formar. Mostramos como os elementos químicos se formaram através da nucleossíntese.

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Referências

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Capítulo 3

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Capítulo 4

CHUNG, K. C. 12) Vamos Falar de Estrelas?. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2000.

OLIVEIRA FILHO, K. de S.; SARAIVA, M. F. O. 13) Astronomia e Astrofísica. 2. ed. São Paulo: Ed. Livraria da Física, 2004.

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IMAGINE THE UNIVERSE SCIENCE. Disponível em: 18) <http://imagine.gsfc.nasa.gov/docs/science/>.