o problema do não

5
O problema do não por Nathan Matos Quando entrei no mundo da edição, o que eu mais ouvia era “Você não tem noção dos escritores que aparecem, é cada uma...”. Quando comecei a receber originais, pude ver que a frase é verdadeira e parece não ter mais fim quanto à sua repetição. Em menos de um ano, pelo menos meia dúzia de pessoas enviou um original para análise com alguns comentários sobra a obra em questão. O que mais me chamou, e ainda chama, a atenção é a “pouca” pretensão dos escritores em dizer que aquela obra é o mais novo “best- seller”, ou que o que “você tem em mãos é um futuro clássico brasileiro”, ou ainda, “com certeza você nunca leu nada igual”. E é sempre inevitável que a gente pense “É cada um que me aparece...”. Apesar de escreverem, de plasmarem em frases o que sentem do mundo, parece que alguns autores não entendem ou fingem não entender a verdadeira realidade que os rodeia. A pretensão deles, que pra mim é mais uma arrogância ou, como preferirem, a ousadia em se elevarem acima de outros – acredite, há autores que se comparam com grandes clássicos – pode até ser válida, o problema não é esse. A questão é que esses autores, muitas vezes, não conseguem receber um não como resposta.

Upload: nathan-matos

Post on 13-Dec-2015

230 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

texto sobre o não que editores dão a autores que enviam originais para editoras

TRANSCRIPT

Page 1: O Problema Do Não

O problema do não

por Nathan Matos

Quando entrei no mundo da edição, o que eu mais ouvia era

“Você não tem noção dos escritores que aparecem, é cada uma...”.

Quando comecei a receber originais, pude ver que a frase é

verdadeira e parece não ter mais fim quanto à sua repetição. Em

menos de um ano, pelo menos meia dúzia de pessoas enviou um

original para análise com alguns comentários sobra a obra em

questão. O que mais me chamou, e ainda chama, a atenção é a

“pouca” pretensão dos escritores em dizer que aquela obra é o mais

novo “best-seller”, ou que o que “você tem em mãos é um futuro

clássico brasileiro”, ou ainda, “com certeza você nunca leu nada

igual”. E é sempre inevitável que a gente pense “É cada um que me

aparece...”.

Apesar de escreverem, de plasmarem em frases o que sentem

do mundo, parece que alguns autores não entendem ou fingem não

entender a verdadeira realidade que os rodeia. A pretensão deles,

que pra mim é mais uma arrogância ou, como preferirem, a ousadia

em se elevarem acima de outros – acredite, há autores que se

comparam com grandes clássicos – pode até ser válida, o problema

não é esse. A questão é que esses autores, muitas vezes, não

conseguem receber um não como resposta.

Sempre que converso com alguns autores amigos ou editores,

eu sou incisivo em dizer que as pessoas que escrevem deveriam ser

pessoas mais abertas aos olhares de outras, principalmente dos

editores aos quais submente suas obras. Eles me respondem que os

editores também não respondem com comentários, ou quando

respondem são e-mails bem secos, diretos. É bem verdade, em

alguns momentos não queremos mesmo fazer floreios, pois isso nos

custa tempo, tempo esse gasto com leituras de novas obras. Porém,

Page 2: O Problema Do Não

um mínimo de humanidade tem existido em minhas respostas como

editor quando a resposta é não.

É difícil falar nisso porque a maioria dos editores prefere ser

prudente e ter cuidado com o que fala, porque cada palavra pode ser

mal interpretada, principalmente quando o autor em questão é

alguém que se acha a última bolacha cream cracker do pacote. Por

isso, quando a “gangue editorial” se encontra nos bares, festivais ou

qualquer evento que una um punhado de editores, a conversa

sempre, em algum momento, chega a ser essa: os autores que se

vangloriam e que não sabem receber um não. Já ouvi cada história

engraçada, que melhor nem tentar recontar com outras palavras, vai

que algum maluco me aparece aqui.

Dar um não, pra qualquer coisa na vida, é algo que é muito

difícil. Dizer que não quer sair com determinada pessoa, ou que não é

mais possível continuar vivendo debaixo do mesmo teto, ou negar um

presente ao seu filho que chora descontroladamente. É tudo

complicado. Imagine você, que comprou pra si a resolução de dar não

a algumas pessoas, e essas pessoas são escritores. Você escolheu

uma das piores resoluções da sua vida. Essa é que é a verdade. Eu

poderia dizer que desde que comecei a ler e tentar analisar textos,

mesmo como leitor, desde a minha adolescência, isso nunca foi pra

mim um problema. Mentira. Claro que foi, algumas pessoas se

afastaram, outras disseram que não precisava de tanto, mas não,

calma, ninguém saiu chorando ou querendo me bater, apesar de

suspeitar que atualmente devo ter alguns inimigos silenciosos,

esperando o momento do meu livro sair para que possam se vingar.

As palavras que se deve usar quando a resposta é não devem

ser as mais neutras possíveis – como se isso fosse facílimo de realizar

–, porque apesar da obra não ser agradável para o editor em questão,

a pessoa em si não merece receber um “tapa na cara” desnecessário.

Sempre que posso, aponto o que não me fez engatar a leitura de

maneira agradável ou o que poderia ser melhorado, sempre tentando

Page 3: O Problema Do Não

buscar o melhor caminho para responder com minha análise sobre o

livro. Nem sempre isso é visto com bons olhos. A resposta do editor

pode ser, talvez, se a aprovação for muito importante para o autor,

algo temeroso, um abismo medonho antes de abrir o e-mail. Apesar

de existirem alguns autores que respondem atenciosamente,

agradecendo o tempo dispendido e que irão buscar outras opiniões,

há aqueles pequenos gênios, eles se consideram assim, que nos

informam não entendemos nada sobre literatura, sobre sua obra, que

o buscamos mesmo é ser os “críticos mais elevados”, mas que não

conseguimos ser possíveis de analisar nem um slide de apresentação

em power point. Enfim, um despautério sem fim.

Certa vez, um conhecido pediu que eu lesse alguns dos seus

contos, eu disse, como informo a todo mundo que me envia livro para

resenha ou algum texto para ser publicado em meu portal literário,

que, se fosse para ler criticamente, eu falaria o que eu quisesse,

explicaria tudo e que seria a minha opinião e que ele não precisava

levar a sério nada do que eu dissesse, o critério era dele, mas eu

seria sincero. Foi o que fiz, pois ele concordou. O que ganhei? Que ele

deixasse de falar comigo pelos apontamentos. Menos mal, menos

textos para tomar meu tempo.

Deveríamos entender que o que um editor faz não é por

maldade ou porque questões pessoais. Não é porque se acha melhor

do que alguém ou porque tem inveja de quem sabe escrever. Não é

nada disso. O que o editor faz, ao cortar, inserir ou pedir para

reestruturar algo é estar muito preocupado em como o texto daquele

autor vai aparecer para o público. Se ele, o editor, está se

submetendo a uma análise sincera do texto em questão, o autor tem

que se submeter a receber um não quando necessário e também

saber ouvir. E isso não quer dizer que o texto seja ruim ou que não

mereça ser publicado. Como eu disse, editar também é uma questão

de gosto.

Page 4: O Problema Do Não

Além disso, o que o editor diz não é palavra dada sem volta. O

autor, por sua vez, não tem, em hipótese alguma, ter que seguir tudo

o que o editor diz. Acredito sempre que uma boa conversa entre

ambas as partes pode trazer um bom resultado, desde que estejam

abertas à discussão. O processo de criação, disse-me um autor

quando comecei a publicar livros, é algo coletivo. O livro não é mais

do autor à medida em que outros olhos o leem e o entendem. Todos

os envolvidos fazem parte daquela narrativa, daquela poética,

tornando-se um só ao final.

Mas o que eu sei? Isso é apenas a minha opinião.