o problema do não
DESCRIPTION
texto sobre o não que editores dão a autores que enviam originais para editorasTRANSCRIPT
O problema do não
por Nathan Matos
Quando entrei no mundo da edição, o que eu mais ouvia era
“Você não tem noção dos escritores que aparecem, é cada uma...”.
Quando comecei a receber originais, pude ver que a frase é
verdadeira e parece não ter mais fim quanto à sua repetição. Em
menos de um ano, pelo menos meia dúzia de pessoas enviou um
original para análise com alguns comentários sobra a obra em
questão. O que mais me chamou, e ainda chama, a atenção é a
“pouca” pretensão dos escritores em dizer que aquela obra é o mais
novo “best-seller”, ou que o que “você tem em mãos é um futuro
clássico brasileiro”, ou ainda, “com certeza você nunca leu nada
igual”. E é sempre inevitável que a gente pense “É cada um que me
aparece...”.
Apesar de escreverem, de plasmarem em frases o que sentem
do mundo, parece que alguns autores não entendem ou fingem não
entender a verdadeira realidade que os rodeia. A pretensão deles,
que pra mim é mais uma arrogância ou, como preferirem, a ousadia
em se elevarem acima de outros – acredite, há autores que se
comparam com grandes clássicos – pode até ser válida, o problema
não é esse. A questão é que esses autores, muitas vezes, não
conseguem receber um não como resposta.
Sempre que converso com alguns autores amigos ou editores,
eu sou incisivo em dizer que as pessoas que escrevem deveriam ser
pessoas mais abertas aos olhares de outras, principalmente dos
editores aos quais submente suas obras. Eles me respondem que os
editores também não respondem com comentários, ou quando
respondem são e-mails bem secos, diretos. É bem verdade, em
alguns momentos não queremos mesmo fazer floreios, pois isso nos
custa tempo, tempo esse gasto com leituras de novas obras. Porém,
um mínimo de humanidade tem existido em minhas respostas como
editor quando a resposta é não.
É difícil falar nisso porque a maioria dos editores prefere ser
prudente e ter cuidado com o que fala, porque cada palavra pode ser
mal interpretada, principalmente quando o autor em questão é
alguém que se acha a última bolacha cream cracker do pacote. Por
isso, quando a “gangue editorial” se encontra nos bares, festivais ou
qualquer evento que una um punhado de editores, a conversa
sempre, em algum momento, chega a ser essa: os autores que se
vangloriam e que não sabem receber um não. Já ouvi cada história
engraçada, que melhor nem tentar recontar com outras palavras, vai
que algum maluco me aparece aqui.
Dar um não, pra qualquer coisa na vida, é algo que é muito
difícil. Dizer que não quer sair com determinada pessoa, ou que não é
mais possível continuar vivendo debaixo do mesmo teto, ou negar um
presente ao seu filho que chora descontroladamente. É tudo
complicado. Imagine você, que comprou pra si a resolução de dar não
a algumas pessoas, e essas pessoas são escritores. Você escolheu
uma das piores resoluções da sua vida. Essa é que é a verdade. Eu
poderia dizer que desde que comecei a ler e tentar analisar textos,
mesmo como leitor, desde a minha adolescência, isso nunca foi pra
mim um problema. Mentira. Claro que foi, algumas pessoas se
afastaram, outras disseram que não precisava de tanto, mas não,
calma, ninguém saiu chorando ou querendo me bater, apesar de
suspeitar que atualmente devo ter alguns inimigos silenciosos,
esperando o momento do meu livro sair para que possam se vingar.
As palavras que se deve usar quando a resposta é não devem
ser as mais neutras possíveis – como se isso fosse facílimo de realizar
–, porque apesar da obra não ser agradável para o editor em questão,
a pessoa em si não merece receber um “tapa na cara” desnecessário.
Sempre que posso, aponto o que não me fez engatar a leitura de
maneira agradável ou o que poderia ser melhorado, sempre tentando
buscar o melhor caminho para responder com minha análise sobre o
livro. Nem sempre isso é visto com bons olhos. A resposta do editor
pode ser, talvez, se a aprovação for muito importante para o autor,
algo temeroso, um abismo medonho antes de abrir o e-mail. Apesar
de existirem alguns autores que respondem atenciosamente,
agradecendo o tempo dispendido e que irão buscar outras opiniões,
há aqueles pequenos gênios, eles se consideram assim, que nos
informam não entendemos nada sobre literatura, sobre sua obra, que
o buscamos mesmo é ser os “críticos mais elevados”, mas que não
conseguimos ser possíveis de analisar nem um slide de apresentação
em power point. Enfim, um despautério sem fim.
Certa vez, um conhecido pediu que eu lesse alguns dos seus
contos, eu disse, como informo a todo mundo que me envia livro para
resenha ou algum texto para ser publicado em meu portal literário,
que, se fosse para ler criticamente, eu falaria o que eu quisesse,
explicaria tudo e que seria a minha opinião e que ele não precisava
levar a sério nada do que eu dissesse, o critério era dele, mas eu
seria sincero. Foi o que fiz, pois ele concordou. O que ganhei? Que ele
deixasse de falar comigo pelos apontamentos. Menos mal, menos
textos para tomar meu tempo.
Deveríamos entender que o que um editor faz não é por
maldade ou porque questões pessoais. Não é porque se acha melhor
do que alguém ou porque tem inveja de quem sabe escrever. Não é
nada disso. O que o editor faz, ao cortar, inserir ou pedir para
reestruturar algo é estar muito preocupado em como o texto daquele
autor vai aparecer para o público. Se ele, o editor, está se
submetendo a uma análise sincera do texto em questão, o autor tem
que se submeter a receber um não quando necessário e também
saber ouvir. E isso não quer dizer que o texto seja ruim ou que não
mereça ser publicado. Como eu disse, editar também é uma questão
de gosto.
Além disso, o que o editor diz não é palavra dada sem volta. O
autor, por sua vez, não tem, em hipótese alguma, ter que seguir tudo
o que o editor diz. Acredito sempre que uma boa conversa entre
ambas as partes pode trazer um bom resultado, desde que estejam
abertas à discussão. O processo de criação, disse-me um autor
quando comecei a publicar livros, é algo coletivo. O livro não é mais
do autor à medida em que outros olhos o leem e o entendem. Todos
os envolvidos fazem parte daquela narrativa, daquela poética,
tornando-se um só ao final.
Mas o que eu sei? Isso é apenas a minha opinião.