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Brasília a. 34 n. 134 abr./jun. 1997 11 I- Introdução O tema relativo ao papel do Legislativo e do Executivo no controle de constitucionalidade suscita um número elevado de indagações. Evidentemente, essas questões passam pelo próprio controle de legitimidade dos atos normativos no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo, envolvendo até mesmo a atuação O Poder Executivo e o Poder Legislativo no controle de constitucionalidade GILMAR FERREIRA MENDES Gilmar Ferreira Mendes é Procurador da Repú- blica; Professor Adjunto da Universidade de Brasília – UnB; Mestre em Direito pela Universidade de Brasília – UnB; Doutor em Direito pela Universi- dade de Münster – República Federal da Alemanha – RFA. SUMÁRIO I- Introdução. II- Poder Executivo e Poder Legislativo no controle direto da legitimidade dos atos normativos. 1. Considerações preliminares. 2. O poder de veto sob o argumento da inconstitucio- nalidade do projeto de lei. 3. A sustação de atos de delegação e dos atos regulamentares pelo Poder Legislativo. 4. A “correção” de decisões judiciais pelo Poder Legislativo. 5. Controle de constitucio- nalidade direto e a inexecução da lei pelo Executivo. 6. Sobre a possibilidade de anulação da lei incons- titucional pelo Poder Legislativo. III- O Executivo e o Legislativo no controle abstrato de normas: a ação direta de inconstitucionalidade ou de consti- tucionalidade de lei ou ato normativo. 1. Conside- rações preliminares. 2. Direito de propositura de ação direta pelo Governador do Estado e pela Mesa da Assembléia Legislativa: relação de pertinência. 3. O direito de veto do Presidente da República e do Governador do Estado e o exercício do direito de propositura. 4. Direito de propositura do Governador do Distrito Federal e da Câmara Legislativa do Distrito Federal. 5. O Executivo e o Legislativo na ação declaratória de constitucionalidade. a) Considerações preliminares. b) Ação declaratória: requisitos de admissibilidade. 6. Ação declaratória de constitucionalidade no âmbito estadual. IV- O Executivo e o Legislativo no controle incidental de normas. 1. Introdução. 2. O controle de constitu- cionalidade e a ação civil pública. 3. Incidente de inconstitucionalidade.

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Brasília a. 34 n. 134 abr./jun. 1997 11

I- Introdução

O tema relativo ao papel do Legislativo edo Executivo no controle de constitucionalidadesuscita um número elevado de indagações.Evidentemente, essas questões passam pelopróprio controle de legitimidade dos atosnormativos no âmbito dos Poderes Executivo eLegislativo, envolvendo até mesmo a atuação

O Poder Executivo e o Poder Legislativono controle de constitucionalidade

GILMAR FERREIRA MENDES

Gilmar Ferreira Mendes é Procurador da Repú-blica; Professor Adjunto da Universidade de Brasília– UnB; Mestre em Direito pela Universidade deBrasília – UnB; Doutor em Direito pela Universi-dade de Münster – República Federal da Alemanha– RFA.

SUMÁRIO

I- Introdução. II- Poder Executivo e PoderLegislativo no controle direto da legitimidade dosatos normativos. 1. Considerações preliminares. 2.O poder de veto sob o argumento da inconstitucio-nalidade do projeto de lei. 3. A sustação de atos dedelegação e dos atos regulamentares pelo PoderLegislativo. 4. A “correção” de decisões judiciaispelo Poder Legislativo. 5. Controle de constitucio-nalidade direto e a inexecução da lei pelo Executivo.6. Sobre a possibilidade de anulação da lei incons-titucional pelo Poder Legislativo. III- O Executivoe o Legislativo no controle abstrato de normas: aação direta de inconstitucionalidade ou de consti-tucionalidade de lei ou ato normativo. 1. Conside-rações preliminares. 2. Direito de propositura deação direta pelo Governador do Estado e pela Mesada Assembléia Legislativa: relação de pertinência.3. O direito de veto do Presidente da República e doGovernador do Estado e o exercício do direito depropositura. 4. Direito de propositura do Governadordo Distrito Federal e da Câmara Legislativa doDistrito Federal. 5. O Executivo e o Legislativo naação declaratória de constitucionalidade. a)Considerações preliminares. b) Ação declaratória:requisitos de admissibilidade. 6. Ação declaratóriade constitucionalidade no âmbito estadual. IV- OExecutivo e o Legislativo no controle incidental denormas. 1. Introdução. 2. O controle de constitu-cionalidade e a ação civil pública. 3. Incidente deinconstitucionalidade.

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de órgãos superiores desses Poderes no controledireto de constitucionalidade.

Assim, tanto o exercício do poder de vetopor parte do Chefe do Executivo, quanto ocontrole de constitucionalidade exercido pelosórgãos legislativos situam-se no contexto desseesforço de controle de constitucionalidade dosatos normativos pelos Poderes Executivo eLegislativo.

Outra questão de relevo nesse contextorefere-se à possibilidade ou não de o Executivodeixar de cumprir decisão legislativa comfundamento em uma alegada inconstituciona-lidade.

A controvérsia, que, sob o regime constitu-cional anterior, ganhou alguma densidadedoutrinária e jurisprudencial, perdeu, certamente,muito do seu significado prático em face danova disciplina conferida à ação direta deinconstitucionalidade. A outorga do direito parapropor a ação direta aos Chefes do Executivofederal e estadual retira, senão a legitimidadedesse tipo de conduta, pelo menos, na maioriados casos, a motivação para a adoção dessaconduta de quase desforço no âmbito do Estadode Direito.

Não se pode perder de vista, outrossim, queo controle de constitucionalidade acaba por servisto pelo Executivo e pelo Legislativo comoóbice ou estorvo na realização de dadas polí-ticas. A decisão judicial que afirma a inconsti-tucionalidade de uma decisão legislativa traduz-se, não raras vezes, em obstáculo definitivo àconsecução de determinados objetivos, elimi-nando uma ou algumas possíveis soluçõesalvitradas.

Nesse sentido, pode-se dizer que o chamado“legislador negativo” converte-se em legisladorpositivo, na medida que ele se mostra capaz dedelimitar ou restringir as alternativas políticasa serem utilizadas. O Legislativo ou o Executivopoderão adotar todas as alternativas políticaspossíveis, dentre aquelas consideradas legítimaspelos órgãos judiciários.

Mencione-se, a propósito, que, desde aentrada em vigor da Constituição de 1988 atéos dias atuais (agosto de 1996), o SupremoTribunal Federal deferiu cerca de 600 liminarespara suspender a eficácia de atos normativosestaduais ou federais no âmbito da ação diretade inconstitucionalidade. Muitas dessasdecisões ainda não foram confirmadas peloSupremo Tribunal (cerca de 508), restando aeficácia normativa da disposição suspensa com

base tão-somente na decisão cautelar (videtabelas no Apêndice).

Evidentemente, a simples instauração decontrovérsia sobre a legitimidade ou não de umadeterminada decisão legislativa já se mostraapta a produzir uma ampla insegurançajurídica, podendo dar ensejo ao adiamento daimplementação de determinadas decisões legis-lativas.

É nesse contexto que surge também anecessidade de que se desenvolva um instru-mento que assegure ao Legislativo e ao Execu-tivo a possibilidade de provocar o Judiciário,não para provocar uma declaração de inconsti-tucionalidade, mas, ao revés, para afirmar, demaneira definitiva, a legitimidade de uma dadalei.

A Emenda Constitucional nº 3, de 1993,veio, ainda que parcialmente, colmatar a lacunaidentificada, permitindo que, em caso de dúvidaou controvérsia sobre a legitimidade de umalei federal, pudessem o Presidente da República,a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa doSenado Federal ou, ainda, o Procurador-Geralda República provocar o Supremo Tribunal como objetivo de colher, com eficácia contra todose efeito vinculante, uma declaração de consti-tucionalidade de ato normativo.

É verdade que, em face do texto constitu-cional federal, não há espaço para discussãosobre a possibilidade de se utilizar ação diretade constitucionalidade perante o SupremoTribunal Federal com o objetivo de ver afirmadaa legitimidade de direito estadual.

A questão que remanesce refere-se à possi-bilidade de o Estado-membro instituir a açãodeclaratória de constitucionalidade para aaferição de legitimidade do direito estadual oumunicipal em face da Constituição estadual.

Outra questão sensível, na qual Legislativoe Executivo estão necessariamente envolvidos,diz respeito ao controle de constitucionalidadeda omissão. Embora o constituinte brasileirotenha tratado o controle de constitucionalidadeda ação e o controle de constitucionalidade daomissão como instrumentos distintos, não édifícil concluir que esses institutos estão maispróximos do que uma análise superficialpoderia indicar1.

Assinale-se, por último, que o modeloconstitucional fez ressurgir, entre nós, sistema

Notas de Rodapé ao final do texto.

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de controle de legitimidade dos atos regula-mentares que deverá ser exercido pelo CongressoNacional (ou pelas Assembléias Legislativas, sefor o caso, no plano estadual – CF, art. 49, V).

Antes de contemplarmos cada uma dasquestões enunciadas, afigura-se-nos conve-niente, senão necessário, assentar que o textoconstitucional de 1988 introduziu uma mudançaradical no nosso sistema de controle de consti-tucionalidade.

A ampla legitimação conferida ao controleabstrato, com a inevitável possibilidade de sesubmeter qualquer questão constitucional aoSupremo Tribunal Federal, operou uma mudançasubstancial – ainda que não desejada – nomodelo de controle de constitucionalidade atéentão vigente no Brasil.

O monopólio de ação outorgado ao Procu-rador-Geral da República no sistema de 1967/69 não provocou uma alteração profunda nomodelo incidente ou difuso. Este continuoupredominante, integrando-se a representaçãode inconstitucionalidade a ele como umelemento ancilar, que contribuía muito poucopara diferençiá-lo dos demais sistemas “difu-sos” ou “incidentes” de controle de constitu-cionalidade.

A Constituição de 1988 reduziu o signifi-cado do controle de constitucionalidade inci-dental ou difuso ao ampliar, de forma marcante,a legitimação para propositura da ação diretade inconstitucionalidade (CF, art. 103), permi-tindo que, praticamente, todas as controvérsiasconstitucionais relevantes sejam submetidas aoSupremo Tribunal Federal mediante processode controle abstrato de normas.

Convém assinalar que, tal como já obser-vado por Anschütz ainda no regime de Weimar,toda vez que se outorga a um Tribunal especialatribuição para decidir questões constitucionais,limita-se, explícita ou implicitamente, a com-petência da jurisdição ordinária para apreciartais controvérsias2.

Portanto, parece quase intuitivo que, aoampliar, de forma significativa, o círculo deentes e órgãos legitimados a provocar oSupremo Tribunal Federal no processo decontrole abstrato de normas, acabou o consti-tuinte por restringir, de maneira radical, aamplitude do controle difuso de constitucio-nalidade.

Assim, se se cogitava, no período anteriora 1988, de um modelo misto de controle deconstitucionalidade, é certo que o forte acentoresidia, ainda, no amplo e dominante sistema

difuso de controle. O controle direto continuavaa ser algo acidental e episódico dentro dosistema difuso.

Ressalte-se que essa alteração não se operoude forma ainda profunda porque o SupremoTribunal manteve a orientação anterior, queconsiderava inadmissível o ajuizamento de açãodireta contra direito pré-constitucional em faceda nova Constituição.

A ampla legitimação, a presteza e celeridadedesse modelo processual, dotado inclusive dapossibilidade de se suspender imediatamente aeficácia do ato normativo questionado,mediante pedido de cautelar, fazem com queas grandes questões constitucionais sejamsolvidas, na sua maioria, mediante a utilizaçãoda ação direta, típico instrumento do controleconcentrado.

A particular conformação do processo decontrole abstrato de normas confere-lhe,também, novo significado como instrumentofederativo, permitindo a aferição da constitu-cionalidade das leis federais mediante requeri-mento de um Governador de Estado e a aferiçãoda constitucionalidade das leis estaduaismediante requerimento do Presidente daRepública.

A propositura da ação pelos partidos polí-ticos com representação no Congresso Nacionalconcretiza, por outro lado, a idéia de defesa dasminorias, uma vez que se assegura até às fraçõesparlamentares menos representativas a possibi-lidade de argüir a inconstitucionalidade de lei.

A outorga do direito de propositura da açãodireta de inconstitucionalidade aos partidospolíticos com representação no CongressoNacional realiza, de forma radical, a idéia,exposta inicialmente por Kelsen, da utilizaçãoda jurisdição constitucional, especialmente docontrole abstrato de normas, para a defesa dasminorias3.

Tal como afirmado, a Constituição de 1988pretendeu preservar o chamado sistema mistode controle de constitucionalidade, combinandoelementos do sistema difuso com aqueloutrosdo modelo concentrado de controle de normas.Todavia, a ampliação do direito de propositurafez com que se reduzisse o significado do siste-ma difuso de controle em geral. Quase todas asquestões fundamentais sobre controle deconstitucionalidade são veiculadas em açãodireta de inconstitucionalidade.

A amplitude do direito de propositura fazcom que até mesmo pleitos tipicamente indivi-

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duais sejam submetidos ao Supremo TribunalFederal mediante ação direta de inconstitucio-nalidade. Assim, o processo abstrato de normascumpre entre nós uma dupla função: ele atuatanto como instrumento de defesa da ordemobjetiva, quanto como instrumento de defesade posições subjetivas4.

Finalmente, ressalte-se que a Constituiçãode 1988 resolveu a controvérsia sobre a possi-bilidade de se instaurar o controle abstrato denormas municipais, autorizando expressamenteo constituinte estadual a instituir a represen-tação de inconstitucionalidade perante oTribunal de Justiça, tendo como parâmetro decontrole o direito constitucional estadual (CF,art. 125, § 2º). Subsiste, portanto, a impossibi-lidade de se submeter o direito municipal a umcontrole direto em face da Constituição Federal.

II- Poder Executivo e Poder Legislativo nocontrole direto da legitimidade dos atos

normativos

1. Considerações preliminares

Executivo e Legislativo têm um papelmarcante em algumas questões relacionadascom o controle de legitimidade dos atos doPoder Público:

(1) o exercício do poder de veto com funda-mento na inconstitucionalidade da lei, típicaatribuição do Executivo, entre nós;

(2) a possibilidade de suspensão de atosnormativos que exorbitem dos limites estabe-lecidos em lei (art. 49, V);

(3) a correção de decisões judiciais peloPoder Legislativo;

(4) a possibilidade de anulação de atosnormativos pelo Legislativo;

(5) a possibilidade de que o Executivo senegue a aplicar a lei com fundamento no argu-mento da inconstitucionalidade;

(6) a possibilidade de que se declare a nuli-dade de lei mediante ato de natureza legislativa.

2. O poder de veto sob o argumento dainconstitucionalidade do projeto de lei

É fácil ver que o veto de um projeto de lei,sob o argumento da inconstitucionalidade,outorga ao Executivo uma faculdade de enormesignificado num sistema constitucional que,

como visto, privilegia o controle judicial deconstitucionalidade das leis.

Não são raros os autores que identificamaqui configuração de um modelo preventivo decontrole de constitucionalidade.

É verdade que esse poder há de ser exercidocum grano salis, não se confundindo com aque-loutro, que autoriza o Chefe do Executivo anegar a sanção a projetos de lei manifestamentecontrários ao interesse público.

Evidentemente, a vinculação de todos osórgãos públicos à Constituição não permite queo Chefe do Poder Público se valha do veto comfundamento na inconstitucionalidade com amesma liberdade com que poderá utilizar o vetocom base no interesse público.

Dir-se-á, porém, que eventual utilizaçãoabusiva do veto com fundamento na supostainconstitucionalidade da proposição poderia sersempre reparada, pois estaria sujeita a apre-ciação e, portanto, ao controle do organismoparlamentar competente.

Essa resposta é evidentemente insatisfa-tória, porque admite que um órgão públicoinvoque eventual inconstitucionalidade semque esteja exatamente convencido da suaprocedência. Isso relativiza, de formainaceitável, a vinculação dos Poderes Públi-cos à Constituição. Por outro lado, pareceinequívoco que a apreciação do veto pelaCasa Legislativa não se inspira exatamenteem razões de legitimidade. A ausência demaioria qualificada fundada em razõesmeramente políticas implicará a manuten-ção do veto, ainda que lastreado em umarazão de inconstitucionalidade absolutamentedespropositada.

A indagação que subsiste diz respeito àpossibilidade de que se pudesse judicializar aquestão constitucional, tendo em vista a aferiçãoda legitimidade ou não do fundamento invocado.

Em um sistema de rígida vinculação à Cons-tituição, parece plausível admitir, pelo menos,que a maioria que garantiu a aprovação da leideveria ter a possibilidade de instaurar talcontrovérsia. Quanto ao instrumento processualadequado, deve-se mencionar que o SupremoTribunal Federal tem admitido a utilização domandado de segurança em situações típicas deconflito entre órgãos5.

Assim, esse controle político de legitimi-dade6 também estaria submetido ao controlejudicial.

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3. A sustação de atos de delegação e dos atosregulamentares pelo Poder Legislativo

O art. 49, V, da Constituição de 1988 resta-beleceu, parcialmente, na ordem constitucionalbrasileira, instituto que havia sido introduzidoentre nós na Constituição de 1934 (CF, art. 91,II), autorizando o Congresso Nacional a sustaros atos legislativos que ultrapassem os limitesda delegação outorgada (lei delegada) ou os atosnormativos que exorbitem do poder regulamentarou dos limites de delegação legislativa.

Trata-se de fórmula excepcional no sistemaconstitucional brasileiro, que, por isso mesmo,há de merecer uma interpretação estrita.

Nas suas anotações à Constituição de 1934,observou Pontes de Miranda a propósito:

“...o inciso II do art. 91 constituiatribuição importantíssima. É a primeiravez que adotamos exame dos regulamentossem o caso concreto, exame da lei em simesma, em sua existência (...). A Cons-tituição brasileira vai além, posto que sóse exerça o poder de exame depois deemitidos. Um pouco função de Alta Corteconstitucional, como preconizamos em1932.

O poder do Senado Federal, no casodo inciso II, é total e definitivo. Poderefugar parte ou todo o regulamento. Éum intérprete da Constituição e das leis,a respeito de regulamentos do PoderExecutivo”7.

Evidentemente, essa competência excep-cional – um autêntico controle político de legi-timidade – é suscetível de contraste na viajudicial.

O próprio Supremo Tribunal Federal tementendido ser admissível a ação direta deinconstitucionalidade contra resolução de órgãolegislativo que suste a eficácia de ato regula-mentar. Nesse sentido, registre-se que aquelaCorte já acolheu ação direta proposta com oobjetivo de impugnar a legitimidade de DecretoLegislativo estadual que suspendeu os efeitosde ato do Poder Executivo sem a observânciados limites estabelecidos no art. 49, V, daConstituição8.

Deve-se registrar que, salvo melhor juízo,esse instituto não se mostra apto a propiciarum efetivo instrumento de controle contraabusos perpetrados pelo Executivo no exercíciodo Poder Regulamentar. Já a dificuldade decolher maiorias nas Casas Parlamentares para

lograr uma decisão clara sobre a legitimidadedo ato normativo questionado demonstra ainsuficiência desse instituto como instrumentode aferição de legitimidade do ato normativo.Por isso, ninguém poderá, em sã consciência,sustentar que a falta de uma decisão da CasaLegislativa sobre a observância ou não peloPoder Executivo dos limites do Poder Regula-mentar corresponderia a uma decisão deimprocedência.

A importância que assume o regulamento naordem jurídica parece sugerir a necessidade deque, ao lado desse instrumento, desenvolva-seforma mais expedita de controle de legitimidadedos atos regulamentares.

Kelsen já havia assinalado que qualquerofensa contra o direito ordinário configurariauma ofensa indireta contra a própria Consti-tuição, desde que esta contivesse o princípioda legalidade da Administração9. Não obstante,enquanto a inconstitucionalidade direta poderiaser aferida pela via abstrata, a inconstituciona-lidade indireta somente poderia ser examinadadentro de um sistema de controle da legalidade.Com a diferenciação entre a inconstitucionali-dade direta e indireta, esforçava-se Kelsen parasuperar as dificuldades práticas decorrentes daampliação desse conceito de inconstitucionali-dade10. Reconhecia-se, porém, a dificuldade dese traçar uma linha precisa entre a inconstitu-cionalidade direta e indireta11.

Sem fazer qualquer distinção entre incons-titucionalidade direta e indireta, a doutrinabrasileira enfatiza que qualquer regulamentoque deixe de observar os limites estabelecidosem lei é inconstitucional.

A Constituição de 1988, tal como já fizeraa Constituição de 1967/1969 (art. 153, § 2º, c/c 81, III), consagra, no art. 5º, II, os princípiosda supremacia da lei e da reserva legal comoelementos fundamentais do Estado de Direito,exigindo que o poder regulamentar do Execu-tivo seja exercido apenas para fiel execução dalei (CF, art. 84, IV).

Disso resulta diretamente, pelo menos noque concerne aos direitos individuais, que ailegalidade de um regulamento equivale a umainconstitucionalidade, porque a legalidade dasnormas secundárias expressa princípio doDireito Constitucional objetivo12 (“Ninguémestá obrigado a fazer ou deixar de fazer algumacoisa senão em virtude de lei” – CF, art. 5º, II).

Entendimento contrário levaria a umacompleta ruptura com a necessária vinculaçãoda administração à Constituição, uma vez que

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ela poderia editar qualquer ato regulamentar,ainda que em contradição com os direitos indi-viduais, sem observância do princípio dareserva legal13. Nesse caso, tal como já ressal-tado por Papier, a legalidade da restriçãoconfigura condição de sua constitucionalidade.A contrariedade à lei representa sempre umcaso de ofensa a direito individual14.

É certo que a inexistência de um sistemade controle judicial que permita aferir a legiti-midade da atividade regulamentar pode levara uma desvalorização do postulado da supre-macia da lei e da reserva legal15. Outrossim, afalta de controle judicial, nesses casos, podeflexibilizar excessivamente o princípio dadivisão dos poderes, afetando, assim, umadecisão fundamental do constituinte (Consti-tuição, art. 2º).

Por outro lado, a proximidade – às vezes, aquase confusão – entre a questão constitucionale a questão legal na relação entre lei e regula-mento não recomenda que a competência paraconhecer dessa questão seja deferida a umaoutra Corte de Justiça, como já se cogitou entrenós, uma vez que, muito possivelmente,surgiriam conflitos de interpretação pratica-mente insolúveis.

Assim, poder-se-ia cogitar da criação deinstituto especial, nos moldes estabelecidos peloart. 139 da Constituição austríaca, conferindotambém o controle abstrato da legitimidade dosatos regulamentares ao Supremo TribunalFederal, mediante iniciativa de órgãos do PoderLegislativo (eventualmente, as Mesas daCâmara e do Senado Federal) e do Procurador-Geral da República16.

4. A “correção” de decisões judiciais peloPoder Legislativo

Na Constituição de 1937, criou-se a possi-bilidade de se suspender, mediante ato legisla-tivo, decisão judicial que declarasse inconsti-tucionalidade do ato normativo. Isso deveriaocorrer por meio de uma resolução do Parla-mento Nacional, aprovada por uma maioriaqualificada de dois terços dos votos (art. 96).Esse instituto deveria cumprir dupla função:confirmar a validade da lei e cassar a decisãojudicial questionada17. A lei confirmadaganhava, assim, a força de uma Emenda Cons-titucional18.

A necessidade desse instituto foi justifica-da com o caráter pretensamente antidemocrá-tico da jurisdição, o que acabava por permitira utilização do controle de normas como

instrumento aristocrático de preservação dopoder ou como expressão de um PoderModerador19.

Deveria ser criada, sobretudo em virtude daabertura das normas constitucionais, umainstância especial, que estivesse em condiçõesde corrigir eventuais desvios da Constituição20.A faculdade confiada ao Parlamento desuspender decisões judiciais acabou por serexercida diretamente pelo ditador mediante aedição de decretos-leis (Constituição de 1937,art. 180)21. Confirmada a constitucionalidadeda lei, passava o Supremo Tribunal Federal areconhecer ipso jure a sua validade22.

Embora a doutrina não tenha logradoexplicitar a origem ou a fonte de inspiração ime-diata desse instituto, é certo que ele não estavaprevisto, nem implicitamente, na Constituiçãopolonesa de 23 de abril de 1935, uma vez queesse texto sequer previa o controle de constitu-cionalidade. Parece mais correto concluir queesse instituto possui referência na própriaexperiência constitucional norte-americana. Éo que se lê na seguinte passagem da obra deKarl Loewenstein sobre o direito constitucionalamericano, especialmente sobre a prática dacorreção de decisões judiciais mediante atolegislativo ou até mesmo mediante emendaconstitucional:

“Um outro mecanismo de limitaçãodo poder da Corte Suprema assenta-sena possibilidade de nulificação dosefeitos da decisão mediante lei de carátercorretivo (korrigierendes Gesetz). Trata-se apenas de casos em que o Congressomanifesta divergência com interpretaçãoconferida à norma pela Corte Suprema.Esse mecanismo não se aplica às hipó-teses de declaração de inconstitucionali-dade de índole formal ou material.Nesses casos, apenas uma reforma cons-titucional pode mostrar-se apta a solvero conflito, como já ocorreu após a decla-ração de inconstitucionalidade da lei deimposto de renda (Bundeseinkommens-teuer) (Pollock v. Farmers’ Loan &Trust. Co., 158 U.S. 601, 1898) atravésda promulgação da XVI Emenda (1913).Esses casos são raros, uma vez que oCongresso apenas consegue utilizar-sedo poder de emenda contra decisão daSuprema Corte em hipóteses de inequí-voco relevo. A correção de decisõesjudiciais mediante lei superveniente é,

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todavia, freqüente, podendo-se falar deum permanente jogo de xadrez entreCongresso e Suprema Corte, no qualaquele logra dar sempre o xeque mate”(LOEWENSTEIN. Verfassungsrecht undverfassungspraxis der vereinigtenstaaten. 1959. p. 429).

De fato, a Emenda XVI à ConstituiçãoAmericana foi conseqüência direta da decisãoda Suprema Corte no caso Pollock v. Farmers’Loan & Trust Co., 157 U. S., 429 (1895); 158U. S. 601 (1895), como anotado por EdwardCorwin:

“A ratificação desta emenda foiconseqüência direta da decisão de 1895,pela qual uma Corte Suprema muitodividida julgou inconstitucional a tenta-tiva do Congresso, do ano anterior, detributar uniformemente os rendimentosem todo os Estados Unidos. Um impostode renda derivado da propriedade,declarou a Corte, era ‘imposto indireto’que o Congresso, de acordo com ostermos do Artigo I, Secção 2, cláusula 3,e Secção 9, cláusula 4, só podia lançarobedecendo à regra da proporcionalidade,segundo a população” (CORWIN,Edward S. A Constituição Norte-Ame-ricana. Rio de Janeiro, 1986. p. 336).

Contudo, como bem observa Loewenstein,não se cuidou propriamente de “rejeição” dadecisão da Corte Suprema (o que representariaa supressão da independência do Poder Judici-ário), mas de posterior reforma constitucional,resguardando-se íntegra a decisão da CorteSuprema.

Em verdade, a exigência de Emenda Cons-titucional apontada por Loewenstein para quea Suprema Corte, em decisão posterior, venhaa fixar entendimento diverso, configurando-senovo precedente, subsiste até nossos dias.

Em 1989, relativamente ao caso Texas v.Johnson, no qual se apreciava o episódio dequeima da bandeira nacional, deu-se a tentativade nulificação da decisão da Corte Supremapela edição de lei pelo Congresso. Posterior-mente, o próprio diploma congressual veio aser declarado inconstitucional pela SupremaCorte. Empreendeu-se então o oferecimento deEmenda Constitucional – sem que se lograsseaprovação – como possibilidade única de vir asuperar-se a orientação da Corte. Ilustra o fatoa seguinte passagem de Akhil Reed Amar:

“...Quando anunciada, a decisão foi

recebida por uma tempestade de protes-tos, incluindo-se uma lei do Congressoelaborada para evitar, senão esvaziar, seuconteúdo. Quando a Corte fulminou taldiploma pela mesma maioria de 5 a 4(sem que qualquer dos originariamentevencidos tencionasse retificar seu votoem nome do stare decisis), líderes doCongresso propuseram uma emendaconstitucional para desautorizar a Cortee não obtiveram mais de trinta e quatrovotos dos necessários dois terços daCâmara e nove votos no Senado.”23.

Assinale-se que a questão poderia assumiroutros contornos nos Estados Unidos se a Cons-tituição americana contivesse disposição comforça de cláusula pétrea, pois, nesse caso, even-tual revisão, nessa parte, acabaria por marcaruma ruptura da própria ordem constitucional.Embora a Constituição americana contenhacláusula que impõe a representação paritáriados Estados no Senado Federal (art. 5º), nadaobsta, segundo o entendimento dominante, aeliminação desse preceito24.

De qualquer forma, pode-se afirmar, comrelativa segurança, que não só toda fundamen-tação doutrinária, mas também a própriaconformação conferida ao instituto previsto noart. 96, parágrafo único, da Constituição de1934 parecem indicar que a sua origem histó-rica reside mesmo na prática político-jurídicanorte-americana.

É de se observar, porém, que, como assina-lado, diferentemente da práxis desenvolvida nosEstados Unidos, a fórmula consagrada pelaCarta de 1937 não apenas permitia a constitu-cionalização de normas consideradas até entãoinconstitucionais, como também ensejava acassação da declaração de inconstitucionalidadeproferida pelo Supremo Tribunal Federal.

A possibilidade de alteração do textoconstitucional para permitir que determinadaconduta ou norma, considerada inconstitu-cional, passasse a ser compatível com a Cons-tituição não apresenta maiores novidades. Acassação da decisão judicial com eficáciaretroativa e a preservação da lei inconstitucionaloutorgam ao modelo de 1937 uma configuraçãopeculiar e, provavelmente, sem paradigma nodireito comparado.

Feitas essas considerações, caberia indagarse instituto semelhante ao concebido peloconstituinte de 1937 – ainda que não idêntico –poderia ser introduzido entre nós medianteproposta de Emenda de Revisão. Mais precisa-

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mente, deve-se contemplar a possibilidade dese superar o núcleo de cláusulas imantadas coma garantia da imutabilidade mediante decisãodo legislador constituinte, ainda que a delibe-ração seja tomada por uma maioria qualificada.

Parece que, diante de um modelo constitu-cional que consagra as chamadas “garantias deeternidade”, tal fórmula não poderia jamais serestabelecida.

5. Controle de constitucionalidade direto e ainexecução da lei pelo Executivo

Um dos temas mais tormentosos no âmbitoda discussão sobre a atuação do Executivo nocontrole de constitucionalidade refere-se,certamente, à possibilidade de que, sob o argu-mento da inconstitucionalidade, negue-se aAdministração a dar cumprimento a uma dadadecisão legislativa.

Pode-se afirmar que, até o advento consti-tucional da Emenda Constitucional nº 16, de1965, que introduziu o controle abstrato denormas no nosso sistema, era plenamentemajoritária a posição que sustentava a legiti-midade da recusa à aplicação da lei consideradainconstitucional25.

Na vigência da Constituição de 1967/69,firmou o Supremo Tribunal Federal entendi-mento no sentido de que seria constitucionaldecreto de Chefe de Poder Executivo estadualque determinasse aos órgãos a ele subordinadosque se abstivessem da prática de atos queimplicassem a execução de dispositivos legaisvetados por falta de iniciativa exclusiva doPoder Executivo26.

Tal como anotou o Supremo TribunalFederal, cuidava-se de hipótese inequívoca deinconstitucionalidade e que, por isso, não sebaseava em inconformismo de um Poder emface do outro. Ao contrário, a Corte vislumbrouaqui uma situação de autodefesa de prerrogativaque a Constituição conferia ao Executivo paramelhor atender ao interesse público27.

Tal como demonstra Ruy Carlos de BarrosMonteiro em minucioso estudo28, a questãosobre eventual descumprimento de lei consi-derada inconstitucional pelo Poder Executivodeu ensejo a intensa controvérsia doutrinária ejurisprudencial.

É certo que a questão perdeu muito do seuapelo em face da Constituição de 1988, queoutorgou aos órgãos do Executivo, no planoestadual e federal, o direito de instaurar o

controle abstrato de normas. A possibilidadede se requerer liminar que suspende imediata-mente o diploma questionado reforça aindamais esse entendimento. Portanto, a justifica-tiva que embasava aquela orientação de enfren-tamento ou de quase desforço perdeu razão deser na maioria dos casos.

Assinale-se, porém, que, ao apreciar açãodireta de inconstitucionalidade, já sob o impérioda Constituição de 1988, teve o SupremoTribunal Federal a oportunidade de enfatizarque

“os Poderes Executivo e Legislativo, porsua Chefia – e isso mesmo tem sidoquestionado com o alargamento da legi-timação ativa na ação direta de inconsti-tucionalidade –, podem tão-só deter-minar aos seus órgãos subordinados quedeixem de aplicar administrativamenteas leis ou atos com força de lei queconsiderem inconstitucionais”29.

Se se entender – como parece razoável –que o Executivo, pelo menos no plano estaduale federal, não mais pode negar-se a cumpriruma lei com base no argumento de inconstitucio-nalidade, subsistem ainda algumas questões quepoderiam legitimar uma conduta de repúdio.

Como o controle abstrato de normas nãoabrange as leis pré-constitucionais30, não seriarazoável que o Executivo se visse compelido aaplicar a lei que considerasse incompatível comnova ordem constitucional, se não dispusessede outra possibilidade de provocar um pronun-ciamento jurisdicional sobre a matéria.

Da mesma forma, no plano do Município,inexiste a possibilidade de se provocar, de formadireta, um pronunciamento definitivo doSupremo Tribunal Federal sobre a incompati-bilidade entre lei municipal e a ConstituiçãoFederal. Também aqui, seguindo a orientaçãofixada pelo Supremo Tribunal, poder-se-iaadmitir que a autoridade administrativa negasseaplicação ao direito municipal sob o argumentoda inconstitucionalidade.

Outra questão igualmente relevante dizrespeito à possibilidade de o Executivo negar-sea implementar determinada vantagem concedidapelo legislador a servidores sob o argumento defalta de previsão na Lei de Diretrizes Orçamen-tárias ou de falta de previsão orçamentária.

O Supremo Tribunal Federal entende que afalta de autorização específica não implicanulidade da lei concessiva da vantagem, impe-dindo, porém, a sua execução.

Nesse sentido, convém registrar passagem

Brasília a. 34 n. 134 abr./jun. 1997 19

de voto do eminente Ministro Ilmar Galvão naADIn nº 1.292:

“É, portanto, inegável que, segundoo regime instituído pelo art. 169 da CF,não basta a existência de recursos orça-mentários para autorizar o pagamento devantagem funcional, sendo, ao revés, atoafrontoso ao princípio da moralidadeadministrativa e suscetível de constituirgrave irregularidade, que pode chegar àsraias do ilícito penal, o pagamento dedespesa dessa natureza que não tenhasido objeto de autorização específica nalei de diretrizes orçamentárias”31.

Essa decisão autoriza o Executivo a negaraplicação à lei concessiva de vantagem nãoprevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias ena Lei Orçamentária.

6. Sobre a possibilidade de anulação da leiinconstitucional pelo Poder Legislativo

Tendo em vista o argumento da nulidadeda lei inconstitucional, poder-se-ia indagar seao Legislativo seria legítimo declarar a nulidadede uma dada lei por considerá-la incompatívelcom a Constituição.

Apreciando a questão suscitada por MedidaProvisória que anulava ato normativo anterior,fixou o Supremo Tribunal Federal o entendi-mento de que a declaração de inconstituciona-lidade não poderá ser levada a efeito mediantea utilização de ato normativo. Nesse sentido,convém registrar a seguinte passagem do votoemitido pelo eminente Ministro Moreira Alves:

“Em nosso sistema jurídico, não seadmite declaração de inconstitucionali-dade de lei ou de ato normativo com forçade lei por lei ou por ato normativo comforça de lei posteriores. O controle deconstitucionalidade da lei ou dos atosnormativos é da competência exclusivado Poder Judiciário. Os Poderes Execu-tivo e Legislativo, por sua Chefia – e issomesmo tem sido questionado com o alar-gamento da legitimação ativa na açãodireta de inconstitucionalidade –, podemtão-só determinar aos seus órgãos subor-dinados que deixem de aplicar adminis-trativamente as leis ou atos com força delei que considerem inconstitucionais”32.

A decisão deixou evidente que a pretensãoanulatória manifestada em ato normativo haveriade ser interpretada como ato de ab-rogação dadisposição considerada inconstitucional33.

III- O Executivo e o Legislativo no controleabstrato de normas: a ação direta de

inconstitucionalidade ou de constituciona-lidade de lei ou ato normativo

1. Considerações preliminares

A Constituição de 1988 conferiu direito depropositura de ação direta de inconstituciona-lidade perante o Supremo Tribunal Federal aoPresidente da República, à Mesa da Câmarados Deputados e à Mesa do Senado Federal, noplano da União, assegurando a legitimação paraagir ao Governador do Estado e à Mesa daAssembléia Legislativa, no plano do Estado-membro.

Ao contrário de algumas Constituiçõesmodernas, o Texto de 1988 não assegurouexpressamente o direito de propositura a umaminoria qualificada. Isso não significa, porém,que a Constituição de 1988 recusou proteçãoàs minorias parlamentares. Ao revés, ao seoutorgar o direito de propositura aos partidospolíticos com representação no CongressoNacional, acabou-se por se assegurar umaradical proteção às chamadas “minorias parla-mentares”, permitindo que até mesmo aquelescom apenas um representante em uma dasCasas do Congresso Nacional estejam legiti-mados a instaurar a ação direta de inconstitucio-nalidade.

O legislador constituinte, ao introduzir aação direta de constitucionalidade, foi, todavia,mais restritivo, concedendo o direito de propo-situra tão-somente ao Presidente da República,à Mesa da Câmara, à Mesa do Senado e aoProcurador-Geral da República.

Como assinalado, resta indagar, ainda, seo constituinte estadual estaria implicitamenteautorizado a instituir a ação declaratória deconstitucionalidade no plano estadual.

2. Direito de propositura de ação direta peloGovernador do Estado e pela Mesa da

Assembléia Legislativa: relação de pertinência

A jurisprudência do Supremo TribunalFederal tem identificado a necessidade de queo Governador de um Estado que impugna atonormativo de outro demonstre a relevância, istoé, a relação de pertinência da pretensãoformulada da pretendida declaração de incons-titucionalidade da lei34.

Essa questão foi discutida na Alemanha sob

Revista de Informação Legislativa20

o império da Constituição de Weimar, verifi-cando-se uma controvérsia doutrinária sobrea admissibilidade ou não de uma ação pro-posta pelo Estado da Baviera contra a lei daTuríngia35.

Entendimento semelhante vem sendoadotado em relação ao direito de proposituradas Mesas das Assembléias Legislativas36.

A falta de autorização constitucional paraque o legislador estabeleça outras limitaçõesao direito de propositura suscita dúvida sobrea correção do entendimento esposado peloSupremo Tribunal Federal.

Pareceria mais ortodoxo, pois, tendo emvista a natureza objetiva do processo de controleabstrato de normas, que, na espécie, fosseadmitida a ação direta independentemente dequalquer juízo sobre a configuração ou não deuma relação de pertinência.

3. O direito de veto do Presidente daRepública e do Governador do Estado e o

exercício do direito de proposituraSe o Presidente da República ou o Gover-

nador do Estado não exercer o poder de veto,nos termos do art. 66, da Constituição, é de seindagar se poderia, posteriormente, argüir ainconstitucionalidade da lei perante o SupremoTribunal Federal.

Pode acontecer que a existência de dúvidaou controvérsia sobre a constitucionalidade dalei impeça ou dificulte a sua aplicação, sobre-tudo no modelo do controle de constitucionali-dade vigente no Brasil, em que qualquer juizou tribunal está autorizado a deixar de aplicara lei ao caso concreto se esta for consideradainconstitucional. Nesse caso, não poderia sernegado ao Presidente da República o direito depropor a ação com o propósito de ver confir-mada a constitucionalidade da lei37.

Não está, todavia, aqui respondida a ques-tão sobre a possibilidade de o Presidente daRepública propor a ação direta com o propósi-to de ver declarada a inconstitucionalidade deuma lei federal.

A Constituição não fornece base para limi-tação do direito de propositura. Por outro lado,não paira dúvida de que, ao assegurar umaamplíssima legitimação, o constituinte buscouevitar, também, que se estabelecessem limita-ções a esse direito.

Tal como já ressaltado, os titulares do direitode propositura atuam no processo de controleabstrato de normas no interesse da comuni-

dade38 ou, se quisermos adotar a formulação deFriesenhahn39, atuam como autênticos advo-gados da Constituição.

É de acentuar-se, ainda, que, se o Chefe doPoder Executivo sanciona, por equívoco ouinadvertência, projeto de lei juridicamenteviciado, não está ele compelido a persistir noerro, sob pena de, em homenagem a umasuposta coerência, agravar o desrespeito à Cons-tituição.

Nesse sentido, já assinalara Miranda Lima,em conhecido Parecer no qual advogava odescumprimento da lei inconstitucional peloExecutivo, à falta de outro meio menos gravoso,que

“o Poder Executivo, que deve conferir oProjeto com a Constituição, cooperandocom o Legislativo no zelo de sua sobera-nia, se o sanciona por inadvertido de quea ela afronta, adiante, alertado do seuerro, no cumprimento de seu dever cons-titucional de a manter e defender, há debuscar corrigi-lo, e, se outro meio nãoencontrar para tanto, senão a recusa ema aplicar, deixará de lhe dar aplicação”40.

O modelo de ampla legitimação consagradono art. 103 da Constituição de 1988 dificilmentese deixa compatibilizar com o recurso a essamedida de quase desforço concernente aodescumprimento pelo Executivo da lei consi-derada inconstitucional.

Se o Presidente da República – ou, eventual-mente, o Governador do Estado – está legitimadoa propor a ação direta de inconstitucionalidadeperante o Supremo Tribunal Federal, inclusivecom pedido de medida cautelar, não se afiguralegítimo que deixe de utilizar essa faculdadeordinária para valer-se de recurso excepcional,somente concebido e tolerado, à época, pelaimpossibilidade de um desate imediato eescorreito da controvérsia41.

Todavia, é inegável que, muitas vezes, umjuízo seguro sobre a inconstitucionalidade dalei pode vir a se formar somente após a suapromulgação, o que legitima a propositura daação, ainda que o Chefe do Poder Executivotenha sancionado o projeto de lei aprovadopelas Casas Legislativas.

Eventual sanção da lei questionada não devecolocar óbice à admissibilidade da ação diretaproposta pelo Chefe do Executivo, mormentese se demonstrar que não era manifesta, aotempo da sanção, a ilegitimidade suscitada.

Brasília a. 34 n. 134 abr./jun. 1997 21

Daí parecer-nos equivocada a orientaçãoesposada pelo Supremo Tribunal Federal naADIn nº 807, segundo a qual,

“quando (...) o ato normativo impugnadoem sede de fiscalização abstrata tiveremanado também do Chefe do PoderExecutivo – a lei, sendo ato estatalsubjetivamente complexo, emerge daconjugação das vontades autônomas doLegislativo e do Executivo – e estefigurar, em conseqüência, no pólopassivo da relação processual, tornar-se-ájuridicamente impossível o seu ingressoem condição subjetiva diversa daquelaque já ostenta no processo”42.

4. Direito de propositura do Governador doDistrito Federal e da Câmara Legislativa do

Distrito FederalA Constituição não contemplou expressa-

mente o direito de propositura da ação diretade inconstitucionalidade pelo Governador doDistrito Federal.

Embora o status do Distrito Federal no textoconstitucional de 1988 seja fundamentalmentediverso dos modelos fixados nas Constituiçõesanteriores, não se pode afirmar, de formaapodítica, que a sua situação jurídica é equiva-lente à de um Estado-membro. Não seria lícitosustentar, porém, que se estaria diante demodelos tão diversos que, no caso, menos doque uma omissão, haveria um exemplo desilêncio eloqüente, que obstaria à extensão dodireito de propositura aos órgãos do DistritoFederal.

Assinale-se que se afigura decisivo para odesate da questão a disciplina contida no art.32 da Constituição, que outorga ao DistritoFederal poder de auto-organização, atribui-lheas competências legislativas dos Estados eMunicípios e define regras para a eleição deGovernador, Vice-Governador e DeputadosDistritais, que em nada diferem do sistemaconsagrado para os Estados-Membros.

Dessarte, para os efeitos exclusivos dosistema de controle de constitucionalidade, asposições jurídicas do Governador e da CâmaraLegislativa do Distrito Federal em nada diferemdas situações jurídicas dos Governadores deEstado e das Assembléias Legislativas.

O eventual interesse na preservação daautonomia de suas unidades contra eventualintromissão por parte do legislador federal éem tudo semelhante. Também o interesse

genérico na defesa das atribuições específicasdos Poderes Executivo e Legislativo é idêntico.

Portanto, ainda que se possam identificardessemelhanças significativas entre o Estado-Membro e o Distrito Federal e, por isso, tambémentre os seus órgãos executivos e legislativos,é lícito concluir que, para os fins do controlede constitucionalidade abstrato, as suas posiçõesjurídicas são, fundamentalmente, idênticas.

Não haveria razão, assim, para deixar dereconhecer o direito de propositura da açãodireta de inconstitucionalidade ao Governadordo Distrito Federal e à Mesa da Câmara Legis-lativa, a despeito do silêncio do texto constitu-cional.

O direito de propositura do Governador doDistrito Federal foi contemplado expressamentepelo Supremo Tribunal Federal na ADIn nº645, reconhecendo-se a sua legitimidade ativa“por via de interpretação compreensiva do textodo art. 103, V, da CF/88, c/c o art. 32, § 1º, damesma Carta”43.

5. O Executivo e o Legislativo na açãodeclaratória de constitucionalidade

a) Considerações preliminares

A Emenda Constitucional nº 3, de 1993,introduziu em nosso sistema a ação declaratóriade constitucionalidade de lei ou ato normativofederal, assegurando o direito de proposituraao Presidente da República, à Mesa da Câmarae à Mesa do Senado Federal, bem como aoProcurador-Geral. Restou excluída do âmbitoda ação declaratória a legislação estadual.

A Lei Fundamental de Bonn outorgou aoBundesverfassungsgericht competência paraexaminar, no controle abstrato de normas, acompatibilidade entre o direito federal e a LeiFundamental ou entre o direito estadual e a LeiFundamental ou outras disposições do direitofederal (art. 93, I, 2), no caso de existência dedúvida (Zweifel) ou controvérsia (Meinungs-verschiedenheit).

De um lado, esse processo revela-seadequado instrumento de defesa da Consti-tuição, permitindo eliminar do ordenamentojurídico as leis inconstitucionais (função dedefesa)44. De outro, o controle abstrato denormas contribui para a segurança jurídicaquando infirma a existência de inconstitucio-nalidade, espancando dúvidas sobre a higidezda situação jurídica (segurança jurídica)45.

Revista de Informação Legislativa22

Deve-se ressaltar que, em virtude da escolhados órgãos legitimados, a instauração docontrole abstrato de normas dá-se, normal-mente, em caso de conflito entre a maioriagovernamental e a oposição parlamentar. Talcircunstância permite que esta se valha do seudireito de instaurar o controle abstrato ou queo faça por meio do Governo de um dos Estadospor ela controlado46.

Dessa forma, pode o próprio Governo con-tribuir para uma maior clareza e segurançajurídica, conforme, de resto, demonstramalguns exemplos da jurisprudência da CorteConstitucional Alemã47.

Assim, cumpre a ação declaratória deconstitucionalidade a função de afastar a inse-gurança jurídica decorrente de pronuncia-mentos judiciais contraditórios. O mesmofenômeno se constata entre nós com a adoçãoda Ação Declaratória de Constitucionalidadepela Emenda nº 3, de 1993.

b) Ação declaratória: requisitos de admissibi-lidade

Ao contrário da proposta contida naEmenda Roberto Campos, que outorgava odireito de propositura da ação direta de consti-tucionalidade a todos os entes legitimados parapropor a ação direta de inconstitucionalidade,a Emenda nº 3, de 1993, acabou por deferiresse direito apenas ao Presidente da República,à Mesa do Senado Federal, à Mesa da Câmarados Deputados e ao Procurador-Geral daRepública (art. 103, § 4º).

Ao lado do direito de propositura, há de secogitar aqui, também, de uma legitimação paraagir in concreto, tal como consagrada no direitoalemão, que se relaciona com a existência deum estado de incerteza, gerado por dúvidas oucontrovérsias sobre a legitimidade da lei. Háde se configurar, portanto, situação hábil aafetar a presunção de constitucionalidade, queé apanágio da lei.

Embora o texto constitucional não tenhacontemplado expressamente esse pressuposto,é certo que ele é inerente às ações declaratórias,mormente às ações declaratórias de conteúdopositivo.

Assim, não se afigura admissível a propo-situra de ação direta de constitucionalidade, senão houver controvérsia ou dúvida relevantequanto à legitimidade da norma.

Evidentemente, são múltiplas as formas demanifestação desse estado de incerteza quanto

à legitimidade da norma.A insegurança poderá resultar de pronun-

ciamentos contraditórios da jurisdição ordináriasobre a constitucionalidade de determinadadisposição.

Se a jurisdição ordinária, por meio de dife-rentes órgãos, passar a afirmar a inconstitucio-nalidade de determinada lei, poderão os órgãoslegitimados, se estiverem convencidos de suaconstitucionalidade, provocar o SupremoTribunal Federal para que ponha termo àcontrovérsia instaurada.

Da mesma forma, pronunciamentos contra-ditórios de órgãos jurisdicionais diversos sobrea legitimidade da norma poderão criar o estadode incerteza imprescindível para a instauraçãoda ação declaratória de constitucionalidade.

Embora as decisões judiciais sejam provo-cadas ou mesmo estimuladas pelo debatedoutrinário, é certo que simples controvérsiadoutrinária não se afigura suficiente para obje-tivar o estado de incerteza apto a legitimar apropositura da ação, uma vez que, por si só,ela não obsta à plena aplicação da lei.

Assim, não configurada dúvida ou contro-vérsia relevante sobre a legitimidade da norma,o Supremo Tribunal Federal não deveráconhecer da ação proposta.

É certo, pois, que somente a configuraçãode um estado de incerteza poderá legitimar –concretamente – a instauração do controleabstrato de normas na sua acepção positiva.

Ao julgar a Ação Declaratória de Constitu-cionalidade nº 1, firmou o Supremo TribunalFederal entendimento no sentido de que referidaação somente poderia ser proposta em caso deexistência de firme controvérsia judicial sobrea legitimidade da lei federal48.

6. Ação declaratória de constitucionalidadeno âmbito estadual

Em face do silêncio do texto constitucional,na versão da Emenda nº 3, de 1993, restariaindagar se os Estados-membros poderiaminstituir a ação declaratória de constitucionali-dade no âmbito da unidade federada com obje-tivo de afirmar a legitimidade de atos norma-tivos estaduais e municipais em face daConstituição estadual.

A imprecisão da fórmula adotada naEmenda nº 16, de 1965 – representação contrainconstitucionalidade de lei ou ato de naturezanormativa, federal ou estadual, encaminhadapelo Procurador-Geral –, não consegue

Brasília a. 34 n. 134 abr./jun. 1997 23

esconder o propósito inequívoco do legisladorconstituinte, que era o de permitir, “desde logo,a definição da controvérsia constitucional sobreleis novas”.

Não se pretendia, pois, que o Procurador-Geral instaurasse o processo de controleabstrato com o propósito exclusivo de verdeclarada a inconstitucionalidade da lei, atéporque ele poderia não tomar parte nacontrovérsia constitucional ou, se dela partici-passe, estar entre aqueles que consideravamválida a lei.

Não se fazia mister, portanto, que o Procu-rador-Geral estivesse convencido da inconsti-tucionalidade da norma. Era suficiente orequisito objetivo relativo à existência de “con-trovérsia constitucional”. Daí ter o constituinteutilizado a fórmula equívoca – representaçãocontra a inconstitucionalidade da lei, encami-nhada pelo Procurador-Geral da República –que explicitava, pelo menos, que a dúvida ou aeventual convicção sobre a inconstituciona-lidade não precisava ser por ele perfilhada.

Se correta essa orientação, parece legítimoadmitir que o Procurador-Geral da Repúblicatanto poderia instaurar o controle abstrato denormas, com o objetivo precípuo de ver decla-rada a inconstitucionalidade da lei ou ato nor-mativo (ação declaratória de inconstituciona-lidade ou representação de inconstitucionali-dade), como poderia postular, expressa ou ta-citamente, a declaração de constitucionalidadeda norma questionada (ação declaratória deconstitucionalidade).

A cláusula sofreu pequena alteração naConstituição de 1967 e de 1967/69 (represen-tação do Procurador-Geral da República, porinconstitucionalidade de lei ou ato normativofederal ou estadual – CF 1967, art. 115, I, “l”;CF 1967/69, art. 119, I, “l”).

O Regimento Interno do Supremo TribunalFederal, na versão de 197049, consagrou expres-samente essa idéia:

“Art. 174.§ 1º Provocado por autoridade ou por

terceiro para exercitar a iniciativa pre-vista neste artigo, o Procurador-Geral,entendendo improcedente a fundamen-tação da súplica, poderá encaminhá-lacom parecer contrário”.

Essa disposição, que, como visto, consoli-dava posição tradicional no Tribunal, permitia

ao titular da ação encaminhar a postulação quelhe fora dirigida por terceiros, manifestando-se,porém, em sentido contrário.

Não é preciso maior esforço de argumen-tação para demonstrar que, do ponto de vistadogmático, nada mais fez o Regimento Internodo que positivar, no plano processual, a orien-tação que balizara a instituição da representaçãode inconstitucionalidade (controle abstrato)entre nós.

Ela se destinava não apenas a eliminar alei declarada inconstitucional da ordem jurídica(pedido de declaração de inconstitucionali-dade), mas também a elidir controvérsias quese instaurassem sobre a legitimidade de deter-minada norma (pedido de declaração deconstitucionalidade).

Assim, se o Procurador-Geral encaminhavasúplica ou representação de autoridade ou deterceiro, com parecer contrário, estava simples-mente a postular uma declaração (positiva) deconstitucionalidade. O pedido de representação,formulado por terceiro e encaminhado aoSupremo, materializava, apenas, a existênciada “controvérsia constitucional” apta a funda-mentar uma “necessidade pública de controle”.

Essa cláusula foi alterada, passando oRegimento Interno a conter as seguintesdisposições:

“Art. 169. O Procurador-Geral daRepública poderá submeter ao Tribunal,mediante representação, o exame de leiou ato normativo federal ou estadual,para que seja declarada a sua inconstitu-cionalidade.

§ 1º Proposta a representação, nãose admitirá desistência, ainda que afinalo Procurador-Geral se manifeste pela suaimprocedência”.

Parece legítimo supor que essa modificaçãonão alterou, substancialmente, a idéia básicaque norteava a aplicação desse instituto. Se otitular da iniciativa manifestava-se, afinal, pelaconstitucionalidade da norma impugnada, éporque estava a defender a declaração deconstitucionalidade.

Na prática, continuou o Procurador-Gerala oferecer representações de inconstituciona-lidade, ressaltando a relevância da questão emanifestando-se, afinal, muitas vezes, em favorda constitucionalidade da norma.

A falta de maior desenvolvimento doutri-nário e a própria balbúrdia conceitual instau-

Revista de Informação Legislativa24

rada em torno da representação interventiva50

– confusão essa que contaminou os estudos donovo instituto – não permitiram que essas idéiasfossem formuladas com a necessária clareza.

A própria disposição regimental é equívoca,pois, se interpretada literalmente, reduziria opapel do titular da iniciativa, o Procurador-Geral da República, ao de um despachanteautorizado, que poderia encaminhar os pleitosque lhe fossem dirigidos, ainda que com parecercontrário.

Assinale-se, porém, que a idéia subjacentea essa fórmula imperfeita, concepção que já haviapresidido a própria elaboração da EmendaConstitucional nº 16, era a de que o Procurador-Geral da República poderia instaurar o controleabstrato de normas quando surgissem “contro-vérsias constitucionais”.

Ser-lhe-ia legítimo, pois, tanto pedir adeclaração de inconstitucionalidade, comoadvogar a pronúncia de uma declaração deconstitucionalidade. A “controvérsia constitu-cional” ou a dúvida fundada sobre a constitu-cionalidade da norma representava, assim, umpressuposto processual implícito do controleabstrato de normas (pressuposto objetivo), quelegitimava a instauração do controle abstratode normas, seja com o escopo de ver declaradaa inconstitucionalidade da norma, seja com opropósito de ver afirmada a sua constituciona-lidade.

Daí ter o saudoso Victor Nunes Leal obser-vado, em palestra proferida na ConferênciaNacional da OAB de 1978 (Curitiba), que, “emcaso de representação com parecer contrário, oque se tem, na realidade, sendo privativa ainiciativa do Procurador-Geral, é uma repre-sentação de constitucionalidade”51.

A propósito, acrescentou, ainda, o notáveljurisconsulto:

“Relembro, aliás, que o ilustre Pro-fessor Haroldo Valladão, quando Procu-rador-Geral da República52, sugeriu aosignatário (não sei se chegou a registrá-lopor escrito) a conveniência de deixarexpressa no Regimento a representaçãodestinada a afirmar a constitucionalidade,para solver dúvidas, ainda que não hou-vesse pedido formal de terceiros nosentido da inconstitucionalidade”53.

Sem dúvida, a disciplina específica do temano Regimento Interno do Supremo TribunalFederal serviria à segurança jurídica, na medida

em que afastaria, de uma vez por todas, ascontrovérsias que marcaram o tema no direitoconstitucional brasileiro.

Assinale-se que o registro dessas assertivasconstantes de manifestação autorizada de VictorNunes demonstra também que, ao contrário doque afirmado por alguns autores, o instituto daação declaratória de constitucionalidade nãorepresenta um novum sequer para a doutrinaconstitucional pátria.

Entendida a representação de inconstitu-cionalidade como instituto de conteúdo dúpliceou de caráter ambivalente, mediante o qual oProcurador-Geral da República tanto poderiapostular a declaração de inconstitucionalidadeda norma, como defender a declaração de suaconstitucionalidade, afigurar-se-ia legítimosustentar, com maior ênfase e razoabilidade, atese relativa à obrigatoriedade de o Procurador-Geral submeter a questão constitucional aoSupremo Tribunal Federal, quando isso lhefosse solicitado.

A controvérsia instaurada em torno darecusa do Procurador-Geral da República deencaminhar ao Supremo Tribunal Federalrepresentação de inconstitucionalidade contrao Decreto-Lei 1.077, de 1970, que instituiu acensura prévia sobre livros e periódicos54, nãoserviu – infelizmente – para realçar esse outrolado da representação de inconstitucionalidade55.

De qualquer sorte, todos aqueles quesustentaram a obrigatoriedade de o Procurador-Geral da República submeter a representaçãoao Supremo Tribunal Federal, ainda quandoestivesse convencido da constitucionalidade danorma56, somente podem ter partido da idéiade que, nesse caso, o Chefe do MinistérioPúblico deveria, necessária e inevitavelmente,formular uma ação declaratória – positiva – deconstitucionalidade.

Na Representação 1.092, relativa à consti-tucionalidade do instituto da reclamação,contido no Regimento Interno do antigoTribunal Federal de Recursos, viu-se o Procu-rador-Geral da República, que instaurou oprocesso de controle abstrato de normas e semanifestou, no mérito, pela improcedência dopedido, na contingência de ter de opor embargosinfringentes da decisão proferida, que julgavaprocedente a ação proposta, declarando incons-titucional a norma impugnada57.

O Supremo Tribunal Federal considerouadmissíveis os embargos pelos fundamentoscontidos no voto do eminente Relator, Ministro

Brasília a. 34 n. 134 abr./jun. 1997 25

Néri da Silveira:“Se os embargos constituem um

recurso e este é meio de provocar, namesma ou na superior instância, areforma ou a modificação de umasentença desfavorável, seria, em princí-pio, de entender que, procedente a ação,ao autor não caberia opor-se ao resultado,que pleiteou vestibularmente. Porque nãosucumbente, não estaria legitimado arecorrer.

Sucede, porém, que, na ação diretade inconstitucionalidade de lei ou atonormativo federal ou estadual, por suanatureza, enquanto instrumento especialde controle jurisdicional de constitucio-nalidade, não é, desde logo, de invocaros princípios regentes da teoria doprocesso civil, senão na medida que osconsagrou o Regimento do STF, onde seregula a representação de competênciaoriginária e exclusiva desta Corte (Cons-tituição, art. 119, I, letra l). Assim, já setornou assente o descabimento daassistência no processo de representaçãopara a declaração de inconstitucionali-dade de lei ou ato normativo federal ouestadual ou para interpretação de lei(Representações nº 1.161-5-GO, 1.155-1-DF e 972-DF). Por igual, não se afirmaimpedimento de membro da Corte parao julgamento da ação direta de inconsti-tucionalidade ou de interpretação de leiou ato normativo federal (Sessão de13-9-1983). Ao Procurador-Geral daRepública, a quem a Constituição reser-va, com exclusividade, aforar a ação, nãose lhe reconhece, todavia, a faculdade dedesistir da representação. Instrumentopor via do qual se exerce função políticado Judiciário, no controle dos atos dosoutros Poderes, e dele próprio, o proce-dimento de ação direta se reveste deespecialidade com sua destinação. Ojulgamento, na representação, refere-seà lei ou ato normativo, em tese, e a deci-são que os tem como inconstitucionaisencerra, em si mesma, o efeito de excluir-lhes a eficácia erga omnes, dispensada,assim, qualquer posterior manifestaçãodo Senado Federal para suspender a exe-cução da lei ou ato normativo, tidos comoinválidos, a teor do art. 42, VII, daConstituição. De outra parte, está noparágrafo único do art. 169 do Regimento

Interno do STF que o Procurador-Geralda República, inobstante autor da açãodireta, pode, em sua manifestação final,pedir a improcedência da representação,tal como na espécie aconteceu (fls. 141/151). Pontes de Miranda, de referênciaà posição do Chefe do Ministério PúblicoFederal, diante da norma do art. 119, I,letra l, da Constituição, observa: ‘Alegitimidade ativa, que tem o Procurador-Geral da República, estende-se à oposi-ção de embargos de nulidade ou infrin-gentes do julgado ou dos embargosdeclaratórios. É órgão da União: não sóa representa, representa-a, como órgãoque é’ (Comentários à Constituição de1967, com a Emenda nº 1, de 1969. 2.ed. t. 2, p. 11). Em face da especialidadedo processo da ação direta de inconsti-tucionalidade, compreendo que o Procu-rador-Geral pode, inobstante julgadaprocedente a representação, notadamente,se pedir em sua manifestação final aimprocedência da demanda constitu-cional, interpor embargos infringentes aoacórdão do STF”58.

Ora, ao admitir o cabimento dos embargosinfringentes opostos pelo Procurador-Geral daRepública contra decisão que acolheu represen-tação de inconstitucionalidade de sua própriainiciativa, o Supremo Tribunal Federal contri-buiu para realçar esse caráter ambivalente darepresentação de inconstitucionalidade, reco-nhecendo implicitamente, pelo menos, que aotitular da ação era legítimo tanto postular adeclaração de inconstitucionalidade da lei, sedisso estivesse convencido, como pedir adeclaração de sua constitucionalidade, se, nãoobstante convencido de sua constitucionalidade,houvesse dúvidas ou controvérsias sobre sualegitimidade que reclamassem um pronuncia-mento definitivo do Supremo Tribunal Federal.

É verdade que a Corte restringiu significa-tivamente essa orientação no acórdão de 8 desetembro de 1988. O Procurador-Geral daRepública encaminhou ao Tribunal petiçãoformulada por grupo de parlamentares quesustentava a inconstitucionalidade de determi-nadas disposições da Lei de Informática (Leinº 7.232, de 29 de outubro de 1984). O Tribunalconsiderou inepta a representação, entendendoque, como a Constituição previa uma ação deinconstitucionalidade, não poderia o titular daação demonstrar, de maneira insofismável, queperseguia outros desideratos59.

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Embora o Supremo Tribunal Federal tenhaconsiderado inadmissível a representação naqual o Procurador-Geral da República afirma,de plano, a constitucionalidade da norma, écerto que essa orientação, calcada numa inter-pretação literal do texto constitucional, nãoparece condizente, tal como demonstrado, coma natureza do instituto e com a sua práxis desdea sua adoção pela Emenda nº 16, de 1965.

Todavia, a Corte continuou a admitir asrepresentações e, mesmo após o advento daConstituição de 1988, as ações diretas deinconstitucionalidade nas quais o Procurador-Geral limitava-se a ressaltar a relevância daquestão constitucional, pronunciando-se, afinal,pela sua improcedência60.

Em substância, era indiferente, tal comopercebido por Victor Nunes, que o Procurador-Geral sustentasse, desde logo, a constituciona-lidade da norma, ou que encaminhasse o pedidopara, posteriormente, manifestar-se pela suaimprocedência.

Essa análise demonstra claramente que, adespeito da utilização do termo representaçãode inconstitucionalidade, o controle abstratode normas foi concebido e desenvolvido comoprocesso de natureza dúplice ou ambivalente.

Portanto, não parece subsistir dúvida de quea ação declaratória de constitucionalidade tema mesma natureza da ação direta de inconsti-tucionalidade, podendo-se afirmar até queaquela nada mais é do que uma ADIN com sinaltrocado61.

Se se entender – o que parece absolutamentecorreto do prisma dogmático – que a própriarepresentação de inconstitucionalidade contém,em si mesma, a ação declaratória de constitu-cionalidade, poder-se-á sustentar, de formaplausível, que, independentemente de qualquerautorização expressa do legislador constituintefederal, estão os Estados-membros legitimadosa instituir a ação declaratória de constitucio-nalidade.

IV- O Executivo e o Legislativo no controleincidental de normas

1. Introdução

Não se pode deixar de registrar, ainda, osignificado para órgãos do Executivo docontrole incidental de normas.

Ao contrário do que se verifica no sistema

americano de controle de constitucionalidade,a ordem jurídica brasileira não outorga umaposição privilegiada aos órgãos da adminis-tração ou da legislatura no processo incidentalde controle de constitucionalidade62. Se aquestão envolver apenas pessoas privadas, nãoterá o Poder Público oportunidade de procederà defesa do ato questionado.

É verdade, todavia, que, desde 1934, vem-seexigindo que a decisão afirmadora da incons-titucionalidade de uma dada lei ou ato norma-tivo seja proferida pela maioria absoluta dosmembros do Tribunal. A partir de 1977, passou-se a admitir que tal decisão fosse proferidatambém pela maioria absoluta do órgão especialda Corte de Justiça (CF 1988, art. 97).

Nos últimos tempos, enceta-se discussãosobre a legitimidade de se utilizar a ação civilpública como instrumento de controle de consti-tucionalidade de leis federais, estaduais oumunicipais.

A discussão não é desprovida de sentido,até porque a decisão que, nesse processo, afirmaa inconstitucionalidade de uma dada lei acabapor ser dotada de eficácia geral. Assim, muitasvezes a decisão proferida na ação civil públicapelo juízo monocrático provocará o esvazia-mento do significado normativo de uma dispo-sição. É lícito, pois, indagar sobre a legitimi-dade da utilização da ação civil pública comoinstrumento de controle de normas.

2. O controle de constitucionalidadee a ação civil pública

Como se sabe, no Brasil, a Lei nº 7.347, de24 de julho de 1985, consagrou a ação civilpública como instrumento de defesa doschamados “interesses difusos e coletivos”. Nostermos da própria lei especial, a ação civilpública poderá ter por objeto a condenação ouo cumprimento de obrigação de fazer ou de nãofazer. É, portanto, amplíssimo o objeto da açãocivil pública na ordem jurídica brasileira,estando a sua utilização condicionada, funda-mentalmente, apenas à própria definição doconceito jurídico indeterminado relativo aos“interesses difusos e coletivos”.

Esse objeto extremamente amplo tem ense-jado a utilização da ação civil pública comoinstrumento de controle de constitucionalidade.A despeito do embaraço que não raras vezesprovoca, o tema não tem merecido reflexão maisacurada no âmbito da nossa DogmáticaConstitucional.

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A pergunta básica que se pretende intro-duzir é a seguinte: é legítima a utilização daação civil pública na ordem jurídica brasileirapara obter a declaração de inconstitucionali-dade de lei ou ato normativo? Evidentemente,essa questão sugere desdobramentos: em facedas próprias especificidades processuais quecaracterizam a ação civil pública, poder-se-iaainda cogitar de um controle meramente inci-dental ou concreto de constitucionalidade cujaeficácia restaria limitada às partes envolvidasna controvérsia? Ou, de fato, estamos diantede um processo especialíssimo, de característicanotoriamente objetiva, isto é, sem partes, noqual o requerente atua na defesa genérica dointeresse público?

Não há dúvida de que as respostas a essasquestões dependem de algumas reflexões sobreo próprio modelo brasileiro de controle de consti-tucionalidade. O sistema adotado no Brasil, deinspiração americana, limitava-se, inicialmente,a um controle incidental ou concreto. A questãoconstitucional haveria de ser considerada noâmbito de um caso ou de uma controvérsiaconcreta entre as partes. A adoção da repre-sentação interventiva a partir, efetivamente, de1946 ensejou o desenvolvimento do controleabstrato, consagrado pela Emenda Constitu-cional nº 16, de 1965, e mantido pelo TextoConstitucional de 1967/69.

Como visto, a Constituição de 1988 redu-ziu o significado do controle de constituciona-lidade incidental ou difuso ao ampliar, de formamarcante, a legitimação para propositura daação direta de inconstitucionalidade (CF, art.103), permitindo que, praticamente, todas ascontrovérsias constitucionais relevantes sejamsubmetidas ao Supremo Tribunal Federalmediante processo de controle abstrato denormas.

A propósito, vale registrar pronunciamentodo Ministro Moreira Alves no RE nº 91.740-RS:

“Com efeito, o controle da inconsti-tucionalidade das leis, em tese, aindaquando deferido – como sucede no Brasil– ao Poder Judiciário, não é, ao contráriodo que ocorre com o controle incidentertantum (que, por isso mesmo, foi admi-tido nos Estados Unidos da América doNorte, independentemente de texto cons-titucional que o consagrasse expressa-mente), ínsito à atribuição jurisdicional(aplicar a lei válida e vigente ao casoconcreto submetido ao Judiciário), masato de natureza eminentemente política,

uma vez que, por ele, julga-se, direta-mente e em abstrato, a validade de atodos outros Poderes do Estado (o Legis-lativo e o Executivo), em face dospreceitos constitucionais a que todos osPoderes devem guardar obediência. Porisso mesmo, Willoughby (The SupremeCourt of the United States. Baltimore :J. Hopkins, 1890. p. 36) faz esta adver-tência:

‘Todo ato do Poder Legislativo épresumidamente válido. Sua constitu-cionalidade somente pode ser testada setrazida diante da Corte em caso concreto.A Corte nunca vai de encontro à lei, nemantecipa, em juízo sobre sua constitu-cionalidade, a execução que lhe dará. ACorte é trazida para a arena políticaindependentemente de sua vontade. Elajulga a lei somente porque é obrigada ajulgar o caso.’

“Por isso mesmo, o controle de consti-tucionalidade in abstracto (principal-mente em países em que, como o nosso,admite-se, sem restrições, o incidentertantum) é de natureza excepcional, e sóse permite nos casos expressamenteprevistos pela própria Constituição,como consectário, aliás, do princípio daharmonia e independência dos Poderesdo Estado. Não há que se falar, portanto,nesse terreno, de omissão da Consti-tuição Federal que possa ser preenchida– principalmente quando se trata, comono caso, de meio de controle para apreservação da obediência dela – pornorma supletiva de Constituição Estadual.Se nem o Supremo Tribunal Federal podejulgar da constitucionalidade, ou não, emtese, de lei ou ato normativo municipaldiante da Constituição Federal, comoadmitir-se que as Constituições Estaduais,sob o pretexto de omissão daquela, dêemesse poder, de natureza, como disse,eminentemente política, aos Tribunais deJustiça locais e, portanto, ao próprioSupremo Tribunal Federal, por via indi-reta, em grau de recurso extraordinário?

“Ocorre, pois, no caso, impossibilidadejurídica que reconheço de ofício”63.

Ressalte-se que, na apreciação da questão,destacou-se a singularidade desses tipos deprocesso consistente na necessária eficácia ergaomnes do pronunciamento da Corte que profere

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a declaração de inconstitucionalidade.A ela assim se referiu o Ministro Moreira

Alves:“(...) se fosse possível aos Tribunais deJustiça dos Estados o julgamento derepresentações dessa natureza, comrelação a leis municipais em conflito coma Constituição Federal, poderia ocorrera seguinte situação esdrúxula. É daíndole dessa representação – e isso hojeé matéria pacífica nesta Corte – que ela,transitando em julgado, tem eficácia ergaomnes, independentemente da partici-pação do Senado Federal, o que só seexige para a declaração incidentertantum. O que implica dizer que, se tran-sitasse em julgado a decisão nela profe-rida por Tribunal de Justiça, esta CorteSuprema estaria vinculada à decla-ração de inconstitucionalidade deTribunal que lhe é inferior, mesmo noscasos concretos futuros que lhe che-gassem por via de recurso extraor-dinário. O absurdo da conseqüência,que é da índole do instrumento,demonstra o absurdo da premissa”64.

Também o Ministro Leitão de Abreu delase ocupou, como se vê na seguinte passagemde seu voto:

“Gostaria de deduzir, com o desen-volvimento que o alto relevo dessaquestão constitucional comportaria, asrazões que, a meu sentir, militariam afavor da tese perfilhada pelo acórdãorecorrido, se superáveis, em relação aopresente caso, todos os óbices que selevantam acerca do cabimento da repre-sentação proposta perante o Tribunallocal, para a declaração de inconstitu-cionalidade da lei municipal, de que nahipótese se trata, por incompatibilidadecom a Constituição Federal. Não acheimeios jurídicos, todavia, que me habili-tassem a vencer o obstáculo, levantadopelo Ministro Moreira Alves, no que dizrespeito à situação que se criaria no casode se declarar, pelo Tribunal de Justiça,inconstitucionalidade de lei municipal,por denotar conflito com a Carta Federal,sem que dessa decisão se manifesterecurso extraordinário. Transitada emjulgado decisão dessa natureza, ficaria,na verdade, o Supremo Tribunal vincu-lado à declaração de inconstituciona-

lidade pronunciada pelo Tribunal deJustiça e, por via de conseqüência,impossibilitado de julgar casos concretosfuturos que, em recursos extraordinários,trouxessem-se à sua apreciação. Comoessa conseqüência, que seria inelutável,afigura-se-me, também, inadmissível,não há senão concluir, a meu ver,malgrado a elegante construção jurídicado Tribunal paulista, pela inconstitucio-nalidade das expressões ‘inconstitucio-nalidade’ do artigo 54, I, e, da Consti-tuição do Estado de São Paulo. Conhe-cendo, pois, do recurso, dou-lhe provi-mento para que a inconstitucionalidadeassim fique pronunciada”65.

Em outras palavras, reconheceu-se que adecisão de Corte estadual que declarasse ainconstitucionalidade de lei municipal em faceda Constituição Federal, com eficácia ergaomnes, poderia, de forma absurda, vincular opróprio Supremo Tribunal Federal.

Assim, a característica fundamental do con-trole concreto ou incidental de normas pareceser o seu desenvolvimento inicial no curso deum processo, no qual a questão constitucionalconfigura “antecedente lógico e necessário àdeclaração judicial que há de versar sobre aexistência ou inexistência de relação jurídica”66.

De qualquer sorte, impende salientar que,a partir de 1934, vem a ordem constitucionalbrasileira emprestando tratamento especial aocontrole incidental de constitucionalidade.

Como se sabe, a Constituição de 1934consagrou a competência do Senado Federalpara suspender a execução de qualquer lei ouato declarado inconstitucional pelo SupremoTribunal (art. 91, IV, c/c o art. 96). E, no art.179, condicionou a declaração de inconstitu-cionalidade pelos tribunais ao sufrágio damaioria absoluta.

Tais modificações são reveladoras de umanítida diferenciação no âmbito do controledifuso de constitucionalidade. Embora preser-vasse a competência do juiz singular paraapreciar a questão constitucional, o constituinteestabelecia pressupostos para a declaração deinconstitucionalidade das leis pelos tribunais.

Subordinou-se a eficácia erga omnes dadecisão do Supremo Tribunal que declarasse ainconstitucionalidade da lei ou ato à resoluçãodo Senado Federal (art. 91, IV).

Não obstante, o sistema de declaração deinconstitucionalidade por todos os juízes e

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tribunais, exigida, no caso destes, a observânciado quorum especial, e a suspensão pelo SenadoFederal do ato declarado inconstitucional, peloSupremo Tribunal, foram incorporados pelaConstituição de 1946 (arts. 101, III, b e c, 200e 64), pela Constituição de 1967/1969 (arts.119, III, a, b, c, 116, e 42, VII) e pela Consti-tuição de 1988 (arts. 97 e 52, X).

O controle de constitucionalidade concretoou incidental, tal como desenvolvido no Direitobrasileiro, é exercido por qualquer órgão judi-cial, no curso de processo de sua competên-cia67. A decisão, “que não é feita sobre o objetoprincipal da lide, mas sim sobre questão prévia,indispensável ao julgamento do mérito”68, temo condão, apenas, de afastar a incidência danorma viciada.

Daí recorrer-se à suspensão de execução,pelo Senado, de leis ou decretos declaradosinconstitucionais pelo Supremo TribunalFederal (CF 1967/1969, art. 42, VII)69.

Essa colocação parece explicitar a naturezasingular da atribuição deferida ao SenadoFederal. A suspensão constitui ato político queretira a lei do ordenamento jurídico, de formadefinitiva e com efeitos retroativos. É o queressalta, igualmente, o Supremo TribunalFederal, ao enfatizar que “a suspensão davigência da lei por inconstitucionalidade tornasem efeito todos os atos praticados sob o impérioda lei inconstitucional”70.

Ora, é fácil ver, pois, que, no âmbito dasistemática adotada pela ordem constitucionalbrasileira, ao contrário da decisão proferida nocontrole direto ou concentrado, que, por suaprópria natureza, é dotada de eficácia geral, adecisão manifestada no controle difuso ouincidental há de ter eficácia limitada às partesenvolvidas na controvérsia. Eventual extensãoda eficácia da decisão do Supremo TribunalFederal há de depender sempre do pronuncia-mento do Senado Federal.

De todas essas digressões resulta ser inad-missível a criação de processos destinados aaferir a legitimidade de normas de formaabstrata ou com eficácia geral pelo legisladorordinário ou pelo constituinte estadual.

Em face das características especiais queornam a ação civil pública, seria lícito indagarsobre a sua adequação para o controle deconstitucionalidade das leis na modalidade decontrole incidental ou concreto. Em outrostermos, seria possível que o juiz, ao apreciarpedido formulado em ação civil pública, afas-tasse topicamente a incidência ou a aplicação

de uma dada norma federal ou estadual em faceda Constituição Federal? Qual seria a eficáciadessa decisão?

É fácil ver, desde logo, que a ação civilpública não se confunde, pela própria forma enatureza, com os processos cognominados de“processos subjetivos”.

A parte ativa nesse processo não atua nadefesa de interesses próprios, mas procuradefender um interesse público devidamentecaracterizado. Assim sendo, afigura-se difícil,senão impossível, sustentar-se que a decisãoque, eventualmente, afastasse a incidência deuma lei considerada inconstitucional, em açãocivil, teria efeito limitado às partes processual-mente legitimadas.

É que, como já enunciado, a ação civilpública aproxima-se muito de um típicoprocesso sem partes ou de um processo objetivo,no qual a parte autora atua não na defesa desituações subjetivas, agindo, fundamental-mente, com escopo de garantir a tutela dointeresse público71.

Não foi por outra razão que o legislador, aodisciplinar a eficácia da decisão proferida naação civil, viu-se compelido a estabelecer que“a sentença civil fará coisa julgada ergaomnes”.

Isso significa que, se utilizada com opropósito de proceder ao controle de constitu-cionalidade, a decisão que, em ação civilpública, afastar a incidência de dada norma poreventual incompatibilidade com a ordem cons-titucional acabará por ter eficácia semelhanteà das ações diretas de inconstitucionalidade,isto é, eficácia geral e irrestrita.

Já o entendimento esposado pelo SupremoTribunal Federal no sentido de que essa espéciede controle genérico da constitucionalidade dasleis constituiria um afazer político de determi-nadas Cortes realça a impossibilidade de utili-zação da ação civil pública com esse escopo.Em verdade, ainda que se pudesse acrescentaralgum outro desiderato adicional a uma açãocivil pública destinada a afastar a incidênciade dada norma infraconstitucional, é certo queo seu objetivo precípuo haveria de ser aimpugnação direta e frontal da legitimidade deato normativo. Não se trataria de discussãosobre aplicação de lei a caso concreto, porquede caso concreto não se cuida. Ao revés, aprópria parte autora ou requerente legitima-senão em razão da necessidade de proteção deum interesse específico, mas exatamente de um

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interesse genérico amplíssimo, de um interessepúblico. Ter-se-ia, pois, uma decisão (direta)sobre a legitimidade da norma.

Deve-se acrescentar, ademais, que o julga-mento desse tipo de questão pela jurisdiçãoordinária de primeiro grau suscita um outroproblema, igualmente grave, no âmbito dasistemática de controle de constitucionalidadeadotada no Brasil. Diferentemente da decisãoincidenter tantum proferida nos casos concre-tos, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal,cuja eficácia fica adstrita às partes do processo,a decisão sobre a constitucionalidade da leiproferida pelo juiz de primeiro grau haveria deser dotada de eficácia geral e abstrata. Nempoderia ser diferente: como as partes na açãocivil pública atuam não na defesa de interessejurídico específico, mas, propriamente, na pro-teção do interesse público, qualquer pretensãono sentido de limitar a eficácia das decisõesproferidas nesses processos apenas às partesformais do processo redundaria na sua completanulificação.

Em outros termos, admitida a utilização daação civil pública como instrumento adequadode controle de constitucionalidade, tem-se, ipsojure, a outorga à jurisdição ordinária deprimeiro grau de poderes que a Constituiçãonão assegura sequer ao Supremo TribunalFederal. É que, como visto, a decisão sobre aconstitucionalidade da lei proferida pelaExcelsa Corte no caso concreto tem, necessáriae inevitavelmente, eficácia inter partes, depen-dendo a sua extensão da decisão do SenadoFederal.

Ainda que se desenvolvam esforços nosentido de formular pretensão diversa, toda vezque, na ação civil, ficar evidente que a medidaou providência que se pretende questionar é aprópria lei ou ato normativo, restará inequívocoque se trata mesmo é de uma impugnação diretade lei.

Nessas condições, para não se chegar a umresultado que subverta todo o sistema decontrole de constitucionalidade adotado noBrasil, tem-se de admitir a inidoneidade com-pleta da ação civil pública como instrumentode controle de constitucionalidade, seja porqueela acabaria por instaurar um controle direto eabstrato no plano da jurisdição de primeirograu, seja porque a decisão haveria de ter,necessariamente, eficácia transcendente daspartes formais.

É verdade que o tema ora abordado ainda

não foi objeto de apreciação direta peloSupremo Tribunal Federal. É certo, porém, que,tal como enunciado, essas conclusões parecemencontrar respaldo pleno na jurisprudência daCorte Suprema. A par de outras decisões jámencionadas, afigura-se digno de referênciaacórdão recém-publicado, no qual o SupremoTribunal Federal acolheu Reclamação que lhefoi submetida pelo Procurador-Geral da Repú-blica, determinando o arquivamento de açõesajuizadas na 2ª e 3ª Varas da Fazenda Públicada Comarca de São Paulo, por entender carac-terizada a usurpação de competência doSupremo Tribunal Federal, uma vez que apretensão nelas veiculada não visava ao julga-mento de uma relação jurídica concreta, masao da validade de lei em tese72.

A propósito, mencione-se a seguinte pas-sagem do voto do eminente Relator, MinistroFrancisco Rezek:

“A leitura do acervo aqui produzidofaz ver que o objeto precípuo das açõesem curso da 2ª e 3ª Varas da FazendaPública da comarca de São Paulo é, aindaque de forma dissimulada, a declaraçãode inconstitucionalidade da lei estadualem face da Carta da República. Asrequerentes, ao proporem a providênciacautelar, preparatória da ação principal,deixam claro que esta visa a ‘... decretara ilegalidade da medida...’ (fls. 34).Ocorre que a ‘medida’ tida por ilegal é aprópria lei. E o juízo de inconstituciona-lidade da lei só se produz como incidenteno processo comum – controle difuso –ou como escopo precípuo do processodeclaratório de inconstitucionalidade dalei em tese – controle concentrado”73.

Essa orientação da Suprema Corte reforçaa idéia desenvolvida de que eventual esforçodissimulatório por parte do requerente da açãocivil pública haverá de restar ainda mais evi-dente, porquanto, diversamente da situaçãomanifesta no precedente referido, o autor aquipede tutela genérica do interesse público,devendo, por isso, a decisão proferida ter efi-cácia erga omnes. Assim, eventual pronúnciade inconstitucionalidade da lei levada a efeitopelo juízo monocrático terá força idêntica à dadecisão proferida pelo Supremo TribunalFederal no controle direto de inconstitucio-nalidade.

As especificidades desse modelo de controle,o seu caráter excepcional, o restrito deferimento

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dessa prerrogativa (no que se refere à aferiçãode constitucionalidade de lei ou ato normativoestadual ou federal em face da ConstituiçãoFederal) apenas ao Supremo, a legitimação res-trita para provocação do Supremo – somenteos órgãos e entes referidos no art. 103 da Cons-tituição estão autorizados a instaurar o processode controle –, a dimensão política inegáveldessa modalidade, tudo leva a infirmar apossibilidade de que se proceda ao controle delegitimidade de lei ou ato normativo federal ouestadual em face da Constituição no âmbito daação civil pública.

3. Incidente de inconstitucionalidade

Na Revisão Constitucional de 1994, afigu-rou-se acertado introduzir o incidente deinconstitucionalidade, que permitiria fosseapreciada diretamente pelo Supremo TribunalFederal controvérsia sobre a constitucionali-dade de lei ou ato normativo federal, estadualou municipal, inclusive os atos anteriores àConstituição, a pedido do Procurador-Geral daRepública, do Advogado-Geral da União, doProcurador-Geral de Justiça e do Procurador-Geral do Estado, sempre que houvesse perigode lesão à segurança jurídica, à ordem ou àsfinanças públicas. A Suprema Corte poderia,acolhendo incidente de inconstitucionalidade,determinar a suspensão de processo em cursoperante qualquer juízo ou tribunal para proferirdecisão exclusivamente sobre a questão federalsuscitada.

Referido instituto destinava-se a completaro complexo sistema de controle de constitu-cionalidade brasileiro, permitindo que oSupremo Tribunal Federal pudesse dirimir,desde logo, controvérsia que, do contrário,daria ensejo certamente a um sem-número dedemandas, com prejuízos para as partes e paraa própria segurança jurídica.

Assim, mediante provocação de qualifi-cados atores do processo judicial, a CorteSuprema fica autorizada a suspender osprocessos em curso e proferir decisão exclusi-vamente sobre a questão constitucional.

Ressalte-se de imediato que, a despeito daaparente novidade, técnica semelhante já seadota entre nós desde 1934, com a chamadacisão funcional da competência, que permitiaque, no julgamento da inconstitucionalidade denorma perante Tribunais, o Plenário ou o ÓrgãoEspecial julgasse a inconstitucionalidade ou aconstitucionalidade da norma, cabendo aoórgão fracionário decidir a espécie à vista do

que restar assentado no julgamento da questãoconstitucional.

Sem dúvida, o incidente ensejaria a sepa-ração da questão para o seu julgamento, nãopelo Pleno do Tribunal ou por seu Órgão Espe-cial, mas, diretamente, pelo Supremo TribunalFederal.

Daí o inevitável símile com a técnicaconsagrada nos modelos de controle concen-trado de normas, que determina seja a questãosubmetida diretamente à Corte Constitucionaltoda vez que a norma for relevante para ojulgamento do caso concreto e o juiz ou tribunalconsiderá-la inconstitucional (cf., v.g., Consti-tuição austríaca, art. 140, (1); Lei Fundamentalde Bonn, art. 100, I, e Lei orgânica da CorteConstitucional, §§ 13, nº 11 e 80 s.).

Todavia, as diferenças são evidentes.Ao contrário do que ocorre nos modelos

concentrados de controle de constitucionalida-de, nos quais a Corte Constitucional detém omonopólio da decisão sobre a constituciona-lidade ou a inconstitucionalidade da lei, oincidente de inconstitucionalidade não altera,em seus fundamentos, o sistema difuso decontrole de constitucionalidade introduzidoentre nós pela Constituição de 1891. Juízes etribunais continuam a decidir também a questãoconstitucional, tal como faziam anteriormente,cumprindo ao Supremo Tribunal Federal,enquanto guardião da Constituição, a unifor-mização da interpretação do Texto Magnomediante o julgamento de recursos extraordi-nários contra decisões judiciais de única ouúltima instância.

Convém assinalar que somente em casosexcepcionais, de relevante interesse público,poderia a Corte Suprema acolher o incidentede inconstitucionalidade, para proferir decisãoexclusivamente sobre a questão constitucional.

O novo instituto serviria para antecipar asdecisões sobre controvérsias constitucionaisrelevantes, evitando que elas venham a ter umdesfecho definitivo após longos anos, quandomuitas situações já se consolidaram ao arrepioda “interpretação autêntica” do SupremoTribunal Federal.

A experiência histórica recente demonstraque, muitas vezes, temas polêmicos acabamsendo decididos de maneira açodada por juízese tribunais ordinários, que optam por declarara inconstitucionalidade de normas, reconhe-cidas, posteriormente, como legítimas peloSupremo Tribunal Federal.

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A adoção do incidente de inconstituciona-lidade propiciaria ao Supremo Tribunal Federala oportunidade de conhecer das questões antesmesmo que se consolidassem orientações ouinterpretações outras, de difícil superação oudesfazimento.

O incidente de inconstitucionalidadeproposto oferece solução adequada para a difícilquestão do controle de constitucionalidade dalei municipal em face da Constituição Federal.Os embaraços que se colocam à utilização daação direta de inconstitucionalidade contra alei municipal perante o Supremo TribunalFederal, até mesmo pela impossibilidade de seapreciar o grande número de atos normativoscomunais, poderão ser afastados com a intro-dução desse instituto, que permitirá ao SupremoTribunal Federal conhecer das questõesconstitucionais mais relevantes provocadas poratos normativos municipais.

A eficácia erga omnes e o efeito vinculantedas decisões proferidas pelo Supremo TribunalFederal nesses processos hão de fornecer adiretriz segura para o juízo sobre a legitimidadeou a ilegitimidade de atos de teor idêntico,editados pelas diversas entidades comunais.

Essa solução é superior, sem dúvida, àalternativa oferecida, que consistiria no reco-nhecimento da competência dos Tribunais deJustiça para apreciar, em ação direta de incons-titucionalidade, a legitimidade de leis ou atosnormativos municipais em face da ConstituiçãoFederal. Além de ensejar múltiplas e variadasinterpretações, essa solução acabaria poragravar a crise do Supremo Tribunal Federal,com a multiplicação de recursos extraordináriosinterpostos contra as decisões proferidas pelasdiferentes Cortes estaduais.

Outra virtude inegável do instituto residena possibilidade de sua utilização para solvercontrovérsia relevante sobre a legitimidade dodireito ordinário pré-constitucional em face danova Constituição.

Aprovado o referido instituto, passaria oordenamento jurídico a dispor de um instru-mento ágil e célere para dirimir, de forma defi-nitiva e com eficácia geral, as controvérsiasrelacionadas com o direito anterior à Consti-tuição que, por ora, somente podem ser veicu-ladas mediante a utilização do recurso extraor-dinário, cuja decisão tem eficácia limitada àspartes envolvidas no processo.

ANEXO I

ANO PROCESSOS ANO PROCESSOS ANO PROCESSOS

1966 22 1977 20 1988* 202

1967 31 1978 29 1989 160

1968 01 1979 15 1990 254

1969 26 1980 40 1991 236

1970 15 1981 42 1992 166

1971 23 1982 37 1993 162

1972 20 1983 26 1994 197

1973 17 1984 55 1995 211

1974 – 1985 70 1996** 113

1975 18 1986 81

1976 24 1987 114

* a estatística considera as Rps e as ADINs* * até agosto de 1996

Brasília a. 34 n. 134 abr./jun. 1997 33

TotalParcial

ANEXO II

REQUERENTES 1988* 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996*

Presidente da República – – – – – – – – – –

Mesa do Senado Federal – – – – – – – – – –

Mesa da Câmara dos Deputados – – – – – – – – – –

Governador de Estado 2 60 102 56 49 45 32 62 18 426

Procurador-Geral da República 191 22 62 67 64 46 68 49 7 382

Conselho Federal da Ordem dosAdvogados do Brasil 1 4 9 3 3 6 3 6 7 38

Partido Político 2 12 30 37 25 13 29 44 33 227

Confederação Sind. ou Ent. deClasse de Âmbito Nacional 6 54 50 64 23 50 66 47 43 403

Mesa da Assembléia Legislativa – 3 1 7 4 1 1 3 22 22

Outros – 5 – 2 1 1 1 4 18 18

TOTAL GERAL 202 160 254 236 166 162 197 211 113 1516

* a estatística considera as Rps e as ADINs* * até agosto de 1996

ANEXO III

Período: outubro/88 – agosto/96Universo da pesquisa: 1507 ADIns

Número de ADIns

Pedidos de Liminar 975

Não conhecidas/sem pedido de liminar

532

Número Total 1507

Deferidos Indeferidos Não apreciados

Pedidos de Liminar 594 355 26

ADIns com Liminar Julgadas definitivamente Confirmadas 63

deferida*

Pendentes

Não confirmadas 20

Total 83

– 508

* Após a concessão da liminar, 3 (três) ADIns não foram conhecidas.

Revista de Informação Legislativa34

Notas de Rodapé1 MENDES, Gilmar Ferreira. A doutrina cons-

titucional e o controle de constitucionalidade comogarantia da cidadania. Cadernos de Direito Tribu-tário e Finanças Públicas, v. 1, n. 3, p. 21-43, abr./jun. 1993.

2 ANSCHÜTZ, Gerhard. Verhandlungen des 34.juristentags. Berlim, 1927. v. 2, p. 208.

3 KELSEN, Hans. Entwicklung der staatsgeri-chtsbarkeit. VVDStRL 5 (1929), p. 30.

4 HÄBERLE, Peter. Verfassungsgerichtsbarkeit.Darmstadt, 1976. p. 1, Grundprobleme der verfas-sungsgerichtsbarkeit.

5 MS nº 20.257. Relator: Ministro MoreiraAlves. Revista Trimestral de Jurisprudência, n. 99,p. 1031-1041.

6 FERRAZ, Anna Cãndida da Cunha. Conflitoentre Poderes. São Paulo, 1994. p. 204.

7 Comentários à Constituição da República dosEstados Unidos do Brasil. t. 1, p. 770-771.

8 ADIn 748. Relator: Ministro Celso de Mello.Diário da Justiça, 6 nov. 1992. p. 20.105.

9 KELSEN, Hans. Wesen und entwicklung derstaatsgerichtsbarkeit, VVDStRL 5 (1929), p. 41.

10 Como observado por Ipsen (Rechtsfolgen derVerfassungswidrigkeit von Norm und Einzelakt, p.147), o ponto central do problema residia, paraKelsen, na diferenciação entre a competência dajurisdição constitucional e da jurisdição adminis-trativa.

11 KELSEN, op cit. p. 39.12 ATALIBA, Geraldo. Poder Regulamentar do

Executivo. Revista de Direito Público, n. 57-58, p.197-198.

13 No direito alemão, ERICHSEN. Staatsrechtund verfassungsgerichtsbarkeit. v. 1, p. 20.

14 PAPIER, Hans-Jürgen. “Bundesverfassungs-gericht und Grundgesetz. v. 1, p. 432-434 : Spezi-fisches verfassungsrecht” und “einfaches recht” alsargumentationsformel des bundesverfassungsgerichts.

15 MELLO, O. A. Bandeira de. Princípios geraisde direito administrativo. v. 1, p. 314-316; ATALIBA,Geraldo. Poder regulamentar do Executivo. Revistade Direito Público, n. 57-58, p. 196; LIMA, RuyCirne. Princípios de Direito Administrativo. p. 37;MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituiçãode 1967, com a Emenda nº 1, de 1969. v. 3, p. 312-314; sobre a questão no direito tedesco, STERN,Staatsrecht der Bundesrepublik, v. 1, p. 85-87.

16 Proposta de emenda revisional do DeputadoAdroaldo Streck (Proposta nº 3.342), que recomen-dava também a supressão do art. 49, X (competênciado Congresso Nacional para sustar atos do PoderExecutivo que exorbitem do poder regulamentar oudos limites de delegação legislativa).

17 NUNES, José de Castro. Teoria e Prática doPoder Judiciário. Rio de Janeiro, 1943. p. 593.

18 BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitu-cional. p. 63.

19 CAMPOS, Francisco. Diretrizes Constitucio-nais do novo Estado brasileiro. Revista Forense, v.73, n. 415/417, p. 229, jan./mar. 1938. Cf., a seguintepassagem, verbis:

“Não me parece essencial ao Poder Judi-ciário a prerrogativa de declarar a inconsti-tucionalidade das leis ou de recusar-lhes aexecução com fundamento na sua incompa-tibilidade com a carta constitucional. Para quese pudesse considerar como essencial essaprerrogativa, seria indispensável que sem elanão se pudesse conceber a existência doPoder Judiciário.

“Ora, tal prerrogativa não é um atributoque se encontre reconhecido universalmenteao Poder Judiciário. Ao contrário, é um atri-buto do Poder Judiciário do tipo americano,e mesmo nos Estados Unidos seriamentecombatido com os melhores fundamentos.

“A constituição americana é, como sesabe, obra de um pequeno número de grandeslegistas. A supremacia do Poder Judiciário,mediante a prerrogativa que lhe foi atribuídade guarda suprema da Constituição, foi umarranjo ou uma construção imaginada porlegistas.

“Os legistas são, por natureza, conserva-dores, e a perspectiva de mudanças, inova-ções ou experiências sempre os intimida. Osinteresses criados constituem o centro dassuas preocupações. Nos arranjos ou nascombinações dos mecanismos de governo, deprocesso ou de justiça, o que domina o seuespírito não é o lado dinâmico, liberal ouprogressista, mas o estático, o das garantiasque assegurem a permanência do status quo,a duração do adquirido, a estabilidade dassituações consolidadas, a conservação dosinteresses criados. O mundo dos legistas nãoé o do futuro, mas o do passado, o mundodos arquétipos ou das fórmulas em que secristalizou a experiência do passado.

“Os legistas que formularam a teoria daConstituição americana não constituíamexceção aos caracteres que definem, em todoo mundo, a família dos legistas. A implan-tação de instituições eminentemente dinâ-micas, como são as instituições democráticas,despertou no seu espírito o temor de que elasviessem a constituir fonte de desassossegoou de mudanças na ordem de cousas estabe-lecida. Cumpria tutelar os poderes de origempopular, sujeitos às injunções da opiniãopública, criando um super poder, de caráter

Brasília a. 34 n. 134 abr./jun. 1997 35

permanente e sem nenhuma dependênciapara com os movimentos de opinião, demaneira que os órgãos representativos nãofossem compelidos pelas pressões popularesa entrar no caminho das inovações ou dasreivindicações democráticas, que sempre sefazem, como é natural, à custa dos interessescriados. Ora, os juízes, não só pela formaçãoespecial do seu espírito, como pela situaçãoprivilegiada que lhe era assegurada na Cons-tituição, tenderiam, naturalmente, a mantera ordem de cousas estabelecida, procurando,de boa-fé, interpretar a Constituição nosentido da concepção do mundo próprio à suafamília espiritual, isto é, de acordo com oprincípio, que informa toda filosofia conser-vadora, de que a ordem de cousas vigentesem um dado momento é a ordem natural eeterna.

“O mecanismo de controle judicial,inventado pelos legistas americanos, corres-pondia, inteiramente, aos motivos, cons-cientes ou obscuros, que os inspiravam. Ocaráter dinâmico das instituições democrá-ticas se achava coarctado por uma poderosaforça de inibição, tanto mais poderosa quantoidealizada por uma hábil propaganda, queconseguiu criar no público a convicção de quea peça teria por função proteger o povo contraos abusos do poder.

“A verdade, porém, é que o mecanismode controle judicial da constitucionalidadedas leis tinha por fim exclusivo a proteçãodos interesses criados ou da ordem de cousasestabelecida contra as veleidades de inicia-tiva dos poderes representativos no sentidode favorecer as aspirações populares ou dealterar, na direção democrática, as relaçõesde poder existentes no País ao tempo dapromulgação da Constituição.

“A ideologia conservadora encontrou,assim, no Poder Judiciário, o instrumentodestinado a moderar ou inibir os ímpetosdemocráticos da Nação. A Constituiçãopassava, por um processo metafísico, aincorporar a filosofia dos juízes. Essa filoso-fia, que se confundia com a Constituição,tornava-se, assim, filosofia obrigatória noPaís. Só era constitucional a concepção domundo dos juízes, os seus pontos de vistapreconcebidos em relação à sociedade, aosdireitos individuais e aos interesses da Nação.Por este artifício, a política de uma demo-cracia, a qual, como toda política democrática,é eminentemente ativa e dinâmica, era trans-ferida dos órgãos de delegação popular paraum cenáculo de notáveis, que uma série deprerrogativas e de privilégios tornavaindependente, senão impermeável às mudan-ças operadas no sentimento público ou na

concepção da vida dos seus contemporâneos.“Completando o processo, seguramente

ingênuo e de boa-fé, de dissimulação do papelconferido ao Poder Judiciário, a teoriaprocurou atenuar a sua importância, decla-rando que o julgamento dos tribunais pres-supõe uma provocação e um litígio, isto é, queo supremo intérprete da Constituição não tema faculdade de interpretá-la em abstrato. Comoobserva, porém, LORD BIRKENHEAD,quando o tribunal, decidindo um litígio,declara a lei inconstitucional, o que eledecide, em última análise, é o caso da lei,privando-a de toda autoridade.

“Ora, a Constituição tem por conteúdoos grandes poderes do governo destinados aserem exercidos para grandes fins públicos.Atribuir a um Tribunal a faculdade dedeclarar o que é constitucional é, de modoindireto, atribuir-lhe o poder de formular nostermos que lhe parecerem mais convenientesou adequados à própria Constituição. Trata-se, no caso, de confiar a um órgão que se nãoorigina do povo, e que não se encontra sujeitoà sua opinião, o mais eminente dos poderes,porque, precisamente, o poder que define osgrande poderes do governo e os grandes finspúblicos a que se destina o governo. Ocontrole judicial da constitucionalidade dasleis é, sem dúvida nenhuma, um processodestinado a transferir do povo para o PoderJudiciário o controle do governo, controletanto mais obscuro quanto insusceptível deinteligibilidade pública, graças à aparelhagemtécnica e dialética que o torna inacessível àcompreensão comum. A supremacia do judi-ciário não é, pois, como procura fazer acre-ditar uma ingênua doutrina que atribui aométodo jurídico um caráter puramente lógicoe objetivo, uma supremacia aparente. É, aocontrário, uma supremacia política, porquea função de interpretar, que redunda na deformular a Constituição, é a mais alta ou amais eminente das funções políticas.

“O controle judicial da constitucionali-dade das leis, ao invés de constituir umaproteção do povo, era um expediente sabia-mente engenhado para o fim de impedir oumoderar as reivindicações populares, oucolocar sob o controle dos interesses criadosou da filosofia conservadora dos beneficiáriosda ordem estabelecida a evolução das insti-tuições democráticas, privando-as das virtua-lidades dinâmicas que lhes são inerentes.

“É, como se vê, uma sobrevivência doPoder Moderador da monarquia, um resíduomonárquico que se enquistou nas instituiçõesdemocráticas com o fim de embaraçar os seusmovimentos naturalmente orientados nosentido das inovações, das experiências e de

Revista de Informação Legislativa36

uma concepção criadora e liberal da vida,exatamente o oposto da filosofia própria aosinteresses criados, que postulam a conser-vação, a permanência, a continuidade, aduração das situações adquiridas.

“A propósito da idealização de que ocontrole judicial foi objeto nos EstadosUnidos, ALLEN SMITH, falecido Professorde ciência política na Universidade deWashington, escreve no seu livro póstumoThe growth and decadence of constitutionalgovernment:

‘Não há, provavelmente, outro exemplo,em toda a história da evolução constitucio-nal, em que a opinião haja sido tão iludidaquanto à verdadeira natureza de um arranjoou de um artifício político. A razão ostensivade atribuir o poder de veto aos tribunais eraa de prover um meio de tornar efetivas aslimitações constitucionais; o objetivo real era,porém, o de concentrar o poder político naSuprema Corte dos Estados Unidos, e,mediante a função que lhe era conferida deinterpretação final, transformar a constituiçãono baluarte do conservantismo.’

“Eis aí como, em instituições democrá-ticas, o povo, ao invés de controlar, passa aser controlado por um poder em cujaformação não participou e cujos processos decontrole, duplamente dissimulados, porqueexercidos sob as modestas aparências de umlitígio de direito comum e envolvidos em umatécnica somente acessível a especialistas,escapam ao registro crítico da opiniãopopular.

“A modificação introduzida pela Cons-tituição de 10 de novembro teve por fimrepor na Nação o controle do governo, sub-metendo-o ao juízo do povo, ao qual deveficar livre a opção quando se tratar de pôrem movimento o mecanismo constitucionalno sentido de serem realizados os grandesfins de governo, fins de ordem pública e geral,em relação aos quais o pronunciamento defi-nitivo não pode deixar de caber ao povo. É apassagem do governo dos cenáculos para ogoverno do povo.

“A faculdade de interpretar final econclusivamente a Constituição, só se justi-ficaria atribuí-la em regime democrático aoPoder Judiciário se o método jurídico fossede natureza puramente lógica ou dedutiva. Afunção judiciária seria, então, puramentelógica ou dedutiva. A função judiciária seria,então, puramente passiva, a interpretaçãolimitando-se apenas a tornar explícito oconteúdo da lei.

“Tais postulados são, porém, hipótesescontrárias à realidade. Nem o método jurídicoé puramente lógico, nem o pensamento jurí-dico puramente objetivo. A interpretação, por

sua vez, longe de ser passiva e neutra, é umprocesso de criação ou de elaboração ativa.Quando a lei a ser interpretada é a Consti-tuição, a generalidade, a amplitude, acompreensão da matéria abre um vasto campoà contribuição do intérprete que, emboraanimado da maior boa-fé, não pode deixarde verter em termos da sua filosofia pessoalou da sua concepção da vida problemas domaior interesse vital para todo o mundo e emtorno de cuja expressão, por mais precisa queseja, não pode deixar de existir um halo deindeterminação propício às opções dotemperamento, do caráter ou da vontade.

Nestas condições, atribuir a supremaciaao Judiciário é atribuí-la à filosofia dos juízes.Em se tratando de interesses nacionais, dosgrandes poderes do governo e dos grandesfins públicos a que o governo se destina, é,certamente, mais democrático, senão maisacertado, preferir à filosofia e à opção dosjuízes a opção e a filosofia da Nação”.

20 Ibidem.21 Cf., a propósito, Decreto-Lei nº 1.564, de

5-9-1939, com o seguinte teor:

“Decreto-Lei nº 1.564, de 5 de setembrode 1939

Confirma os textos de lei, decretados pelaUnião, que sujeitaram ao imposto de rendaos vencimentos pagos pelos cofres públicosestaduais e municipais.

O Presidente da República, usando daatribuição que lhe confere o artigo 180 daConstituição, e para os efeitos do artigo 96,parágrafo,

Considerando que o Supremo TribunalFederal declarou a inconstitucionalidade daincidência do imposto de renda, decretadopela União no uso de sua competência priva-tiva, sobre os vencimentos pagos pelos cofrespúblicos estaduais e municipais;

Considerando que essa decisão judiciárianão consulta o interesse nacional e o princípioda divisão eqüitativa de ônus no imposto,

Decreta:Artigo único. São confirmados os

textos de lei, decretados pela União, quesujeitaram ao imposto de renda os venci-mentos pagos pelos cofres públicos esta-duais e municipais; ficando sem efeito asdecisões do Supremo Tribunal Federal ede quaisquer outros tribunais e juízes quetenham declarado a inconstitucionalidadedesses mesmos textos.

Rio de Janeiro, 5 de setembro de 1939,118º da Independência e 51º da República.

Brasília a. 34 n. 134 abr./jun. 1997 37

Getulio VargasFrancisco CamposA. de Souza Costa”

22 É interessante, a propósito, registrar voto doMinistro Carlos Maximiliano, quando se discutiu,no Mandado de Segurança nº 623, a eficácia dadecisão confirmatória baixada pelo Presidente daRepública em relação às questões ainda não apre-ciadas pelo Supremo Tribunal Federal:

“A Constituição de 1891 incorporou oBrasil ao sistema democrático americano – odo governo de leis em vez de governo dehomens; entre nós, como nos Estados Unidose na República Argentina, a cúpula do regimeachava-se na Côrte Suprema; por isso, osgrandes presidentes da terra de Jefferson, nascerimônias solenes, davam a frente aos juízesdo pretório excelso, em republicana e belís-sima homenagem à soberania da Justiça. Ostribunais reviam e anulavam, aliás comdiscreta reserva, as leis e atos contrários aoespírito do código fundamental.

“O Chile constituía notória exceção,porque se inclinara para a onipotência parla-mentar, à francesa, porém evoluiu no sentidogeneralizado no continente: naquela repú-blica, a reforma constitucional de 1925investiu o Judiciário da prerrogativa outor-gada pelo estatuto norte-americano, ‘o maisperfeito do mundo’, segundo o conceito deBarbalho dos Andes, o hábil comentador donovo código básico, o professor Guerra, mortotragicamente em Valparaiso na semana emque eu visitava aquela encantadora cidade deveraneio.

“Notável coincidência, no mesmo ano de1925, famoso aresto do Tribunal Supremo daAlemanha (Reichsgericht), em 4 de novem-bro, proclamou a autoridade da magistraturapara declarar inválidos, por inconstitucionais,diplomas legislativos; assim foi decidido,apesar de não haver, na Constituição deWeimar, preceito expresso a tal respeito.Manifestou-se na terra de Frederico, à seme-lhança do que ocorrera, sobre o mesmoassunto, na pátria de Washington, a açãocriadora da jurisprudência.

“O estatuto brasileiro de 1937, no art. 96,transferiu, em tal esfera, a supremacia aoLegislativo, quando provocado pelo Presidente:julgada inconstitucional uma lei, posteriordecreto atua e prevalece como vitoriososembargos infringentes ao aresto supremo. Detal prerrogativa do Parlamento usou o Sr.Presidente da República, escudado no art.180 da Constituição, a propósito da incidên-cia de imposto federal sobre os proventos defuncionários locais, porque, sobrepondo a leia interesse ou rivalidade individual ou declasse, os membros do pretório mais altohaviam declarado os serviços, e, conseqüen-

temente, os servidores dos Estados, isentosde tributos que eles, Ministros togados,pagam, na média de cinco contos de réisanuais, sem recalcitrar nem discutir.

“Qual a diretriz futura a predominar nospretórios, em face da resolução presidencial?Não posso recorrer ao apoio precioso doDireito Comparado; porque a providênciaconstitucional brasileira, consistente emreformar sentenças por meio de decretos, nãoencontra similar ou paradigma em paísnenhum do orbe terráqueo. Recorro a outrafonte: os precedentes, em casos análogos.Vigorante o sistema generalizado na América,embora o Judiciário apenas decidisse emespécie e a sentença final só obrigasse nocaso em apreço, Presidente e Congresso, emobediência ao princípio da harmonia dospoderes, dali por diante se abstinham de agirou deliberar contra as conclusões do arestosupremo. Pela mesma razão, agora, atribuídaà Legislatura a antiga preeminência da Côrteexcelsa, esta não mais conhecerá de igualinconstitucionalidade. Seria, aliás, irrisórioestar a proferir acórdãos platônicos, arestospor lei destituídos de exeqüibilidade. Preva-lecerá, no alto pretório, o inelutável, emboramurmurando os seus membros o ‘e pur simuove’, de Galileu. Em conclusão: pelomenos no meu conceito, o desagradável inci-dente, para o qual confluíram, durante umaquinzena, as vistas sobressaltadas dos juristasnacionais, está definitivamente encerrado.

“No tocante à hipótese em apreço, eujulgo prejudicados os dois recursos; porqueo Decreto-lei nº 1.564, de 5 de setembro de1939, posterior à sentença concessiva domandado de segurança, explicitamente atornou sem efeito” (RF nº 82, p. 298 (300)).

23 The case of the misssing amendments : R. A.V. v. City of St. Paul. Harvard Law Review, v. 106n.1, p.124, nov. 1992.

24 LOEWENSTEIN. Teoría de la Constitución.Traducción y estudio sobre la obra por AlfredoGallego Anabitarte. 2. ed. Barcelona : Ariel, 1976.p. 190.

25 MAXIMILIANO, Carlos. Comentários àConstituição de 1891. Porto Alegre, 1929. n. 226,p. 311; REALE, Miguel. Revogação e anulamentodo Ato Administrativo. Rio, 1968. p. 47; CAVAL-CANTI, Themistocles Brandão. Arquivamento deRepresentação por inconstitucionalidade da lei.Revista de Direito Público, n. 16, p. 169; PEREIRA,Caio Mário da Silva. Parecer D-24 do Consultor-Geral da República. Diário Oficial da União, 22jun. 1965; LIMA, L. C. Miranda. Parecer. Revistade Direito Administrativo n. 81, p. 466. Ver tambémas decisões do Supremo Tribunal : RMS nº 4.211.Relator Ministro Cândido Motta Filho. RevistaTrimestral de Jurisprudência, n. 2, p. 386-7; RMS

Revista de Informação Legislativa38

nº 5.860, Relator: Ministro Vilas Boas. Acórdãopublicado em audiência de 23 fev. 1959; Rp nº 512.Relator: Ministro Pedro Chaves. Revista de DireitoAdministrativo, n. 76, p. 308-9, 1964; RE nº 55.718-SP, Relator: Ministro Hermes Lima. Revista Trimes-tral de Jurisprudência, n. 32, p. 143-47; RMS nº14.557. Relator: Ministro Cândido Motta Filho.Revista Trimestral de Jurisprudência, n. 33, p.330-8; RMS nº 13.950, Relator: Ministro AmaralSantos. Revista de Direito Administrativo, n. 97, p.116-120, 1969.

26 Rp nº 980. Relator: Ministro Moreira Alves.Revista Trimestral de Jurisprudência, n. 96, p. 496.

27 Ibidem.28 O argumento de inconstitucionalidade e o

repúdio da Lei pelo Poder Executivo. RevistaForense, v. 79, n. 284 p. 101, out./dez. 1983.

29 ADIn nº 221. Relator: Ministro Moreira Alves.Diário da Justiça, 22 out. 1993.

30 ADIn nº 2. Relator: Ministro Paulo Brossard.Diário da Justiça, 12 fev. 1992.

31 ADIn nº 1.292. Relator: Ministro Ilmar Galvão.Diário da Justiça, 15 set. 1995.

32 ADIn nº 221. Relator: Ministro Moreira Alves,Diário da Justiça, 22 out. 1993.

33 ADIn nº 221. Relator: Ministro Moreira Alves.Diário da Justiça, 22 out. 1993.

34 ADIn nº 902. Relator: Ministro Marco Aurélio.Diário da Justiça, 22 abr. 1994, p. 8946.

35 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Die abstraktenormenkontrolle vor dem bundesverfassungsgerichtund vor dem Supremo Tribunal Federal. Berlim,1991, p. 85.

36 ADIn nº 1.096. Relator: Ministro Celso deMello. Diário da Justiça, 22 set. 1995.

37 Sobre a problemática no Direito alemão:ZEIDLER, K. Gedanken zum fernseh- urteil desbundesverfassungsgerichts. AöR 86, 1961, p. 361(380-381).

38 Sobre a problemática: Söhn, Die abstrakteNormenkontrolle.: Bundesverfassungsgericht undGrundgesetz. v. 1, p. 292-306; STEPHAN. DasRechtsschutzbedürfnis. 1967, p. 147; GOESSL.Organstreitigkeiten innerhalb des Bundes. p. 173 e219.

39 FRIESENHAHN. Verfassungsgerichtsbarkeit.Jura, 1986. p. 505-509.

40 LIMA, op. cit.41 MONTEIRO, op. cit.42 ADIn nº 807. Relator: Ministro Celso de

Mello. Diário da Justiça, 11 jun. 1993 Registre-seque, na espécie, após ter sancionado o projeto delei, o Governador do Estado Rio Grande do Sulapresentou pedido de ingresso na causa, na quali-

dade de litisconsorte ativo do Procurador-Geral daRepública, autor originário da impugnação.

43 ADIn nº 645-2. Relator: Ministro IlmarGalvão. Diário da Justiça, p. 1693. 21 fev. 1992;ver também, ADIn nº 665. Relator: Ministro OctavioGallotti. Diário da Justiça, p. 5376. 24 abr. 1992.

44 BVerfGE 1, 184.45 BVerfGE 1.396, 413.46 Cf., principalmente, as ações movidas pelo

Partido Social-Democrata contra a política exteriordo Governo Adenauer: 1.396 (Serviço militarobrigatório e Comunidade Européia de Defesa –Wehrpflicht, EVG); 4.157 ( Estatuto do Sarre – Saar-Statut); as ações movidas pelo Estado de Hessecontra o sistema de financiamento dos partidospolíticos (Parteienfinanzierung) (8, 51; 20, 56) econtra a disciplina do Estado de Necessidade (30,1); as ações dos Senados de Bremen e Hamburgo edo Governo da Renânia do Norte-Vestfália contra alei que disciplinava a recusa à prestação do serviçomilitar (Kriegsdienstverweigerungs-Neuordnungs-gesetz – KDVNG) (69, 1); as ações dos cristãos-democratas (CDU/CSU) contra a lei que descrimi-nalizava o aborto (Fristenlösung) (39, 1) e contra areforma da lei sobre o serviço militar obrigatório(Wehrpflichtnovelle) (48, 127); a ação do Governoda Baviera contra o Tratado Fundamental entre asduas Alemanhas (Grundvertrag) (36, 1); a ação dogoverno da Baixa-Saxônia contra o § 10, b, da Leide Imposto de Renda (Einkommensteuergesetz) de5-12-77 (53, 63); a ação dos cristãos-democratas(CDU-CSU) contra o § 2, I, da Lei de Orçamento1981 (BVerfGE 79, 311); Ver, também, BRYDE,Brunn-Otto, Verfassungsentwicklung : stabilität unddynamik im verfassungsrecht der bundesrepublikdeutschland. 1980.

47 BVerfGE 2, 307; BVerfGE 6, 104; BVerfGE12, 205, 217; Cf. também BVerfGE 2, 143, 158.

48 ADEC nº 1. Relator: Ministro Moreira Alves.Diário da Justiça, 16 jun. 1995.

49 Diário da Justiça, 4 set. 1970. p. 3.971.50 BUZAID, Alfredo. Da ação direta de decla-

ração de inconstitucionalidade no Direito brasileiro.São Paulo : Saraiva, 1958, p. 107; MOREIRA,Barbosa. As Partes na ação declaratória de incons-titucionalidade. Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado da Guanabara, n. 13, p. 67, 75-76; CAVALCANTI, Themístocles. Do controle. p.115.

51 LEAL, Victor Nunes. Representação deInconstitucionalidade perante o Supremo TribunalFederal : um aspecto inexplorado. Revista de DireitoPúblico, v. 13 n. 53-54 p. 25 jan./jun. 1980.

52 O Professor Haroldo Valladão exerceu o cargode Procurador-Geral da República no período de19-4-67 a 13-11-67.

53 LEAL, op. cit. p. 25, 33.

Brasília a. 34 n. 134 abr./jun. 1997 39

54 Reclamação nº 849, Relator: Ministro AdalícioNogueira. Revista Trimestral de Jurisprudência, 59,p. 333.

55 Registros da discussão travada no ConselhoFederal da Ordem dos Advogados do Brasil, emmarço de 1971. Arquivos do Ministério da Justiça,n. 118, p. 23, 1971.

56 MARINHO, Josaphat. Inconstitucionalidadede lei : representação ao STF. Revista de DireitoPúblico, 12, p. 150; PEREIRA, Caio Mário da Silva.Voto proferido no Conselho Federal da OAB.Arquivos do Ministério da Justiça, n. 118, p. 25;CAVALCANTI, Themístocles. Arquivamento derepresentação por inconstitucionalidade da lei.Revista de Direito Público, n. 16, p. 169; CARDOSO,Adaucto Lucio. Voto na Reclamação. n. 850. RevistaTrimestral de Jurisprudência, n. 50, p. 347-8;BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitucional.1982. p. 69.

57 Embargos na Representação nº 1.092. Rela-tor: Ministro Néri da Silveira, Revista Trimestralde Jurisprudência, n. 117, p. 921.

58 Embargos na Representação nº 1.092. Rela-tor: Ministro Néri da Silveira. Revista Trimestralde Jurisprudência, n. 117, p. 921, 944-945.

59 Rp nº 1349. Relator: Ministro Aldir Passarinho.Revista Trimestral de Jurisprudência, n. 129, p. 41.

60 Dentre outras, ADIN nº 716-5. Relator:Ministro Marco Aurélio. Diário da Justiça, 29 abr.1992, p. 5.606.

61 MENDES, Gilmar Ferreira. Ação Declaratóriade Constitucionalidade : a inovação da Emenda nº3, de 1993. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva,MENDES, Gilmar Ferreira (org.). Ação Declaratóriade Constitucionalidade. São Paulo, 1994. p. 56.

62 KELSEN, Hans. Il controllo di constituzio-

nalitá delle leggi: La Giustizia Costituzionale, Milão,1981. p. 295, 306.

63 RE 91.740-RS. Relator: Ministro Xavier deAlbuquerque. Revista Trimestral de Jurisprudência.v. 93, n. 1, p. 161-2.

64 Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 103,n. 3, p. 1.115.

65 RE 92.169-SP. Relator: Ministro CunhaPeixoto. Revista Trimestral de Jurisprudência, v.103, n. 3, p. 1.116-17.

66 BUZAID, Alfredo. “Juicio de amparo” emandado de segurança : contrastes e confrontos.Revista de Direito Processual Civil. São Paulo. v.5, p. 30-78, jan./jun. 1962, Cf., também, ZAGRE-BELSKY, La giustizia costituzionale. Bologna :Mulino, 1979. p. 84.

67 BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. Ocontrole jurisdicional da constitucionalidade dasleis. 2. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1968. p. 36-7e 46.

68 BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitu-cional. 5. ed. atual. São Paulo : Saraiva, 1982, cit.,p. 59; BUZAID, op. cit. p. 69.

69 O ordenamento constitucional de 1988manteve inalterada essa orientação (CF 1988, art.52, X).

70 RMS 17.976. Relator: Ministro AmaralSantos. Revista de Direito Administrativo, n. 105,p. 111, 113.

71 KOCH, Harald. Prozessführung im öffentli-chen Interesse. Frankfurt am Main, 1983. p. 1.

72 Reclamação nº 434. Relator: MinistroFrancisco Rezek. Diário da Justiça, 09 dez. 1994.

73 Ibidem.

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