o planeta dos -...

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OO PPLLAANNEETTAA DDOOSS

HHOOMMEENNSS SSEEMM CCOORR

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OO PPLLAANNEETTAA DDOOSS

HHOOMMEENNSS SSEEMM CCOORR

MMAARRGGAARRIIDDAA OOTTTTOONNII

2.a Edição

Orientação da

Dra. Eliane Mazur Rozenblum

Capa:

Arthur Henrique Braga

NAVEGANDO AS ÁGUAS DO SIM

Francisca Nóbrega

Este romance chegou às nossas mãos cercado de

estranhamentos. Perguntas inundaram o espírito de todos os que o

lemos. O rosto da Editora assumiu nuanças de prata e fogo. Ao mesmo

tempo iluminado pela preciosa aparição, ao mesmo tempo ardendo no

temor diante do inesperado. Este era o mais diferente de todos os textos

que já tínhamos recebido para oferecer: sem flores, sem aves, sem

animais, sem mitos. Antes, a presença inusitada de um engenho

mecânico a introduzir-se no espaço poético de um cenário urbano. Era a

surpresa!

Não de súbito, nem sem ponderações, tornamo-nos familiares e

íntimos com O Planeta: esta narrativa que se tece sobre uma situação

impossível de se apresentar no mundo que conhecemos, porque fundada

na hipótese de uma inovação surpreendente.

Começamos a questionar as geografias estáticas dos limites

humanos, tão bem simbolizada no nosso receio de ir aonde não estamos.

Lançamo-nos, pouco a pouco, nas aventuras do homem tecnológico,

ascendendo do herói diário e pedestre, do herói ponto ou traço, para o

herói futuro e mecanizado dos espaços sem fronteiras. Compreendemos

que lançar O Planeta era o mesmo que lançar-nos ao Planeta — não

apenas mundo, mas cosmo. Aplaudimos a hora de sair dos projetos, para

projetar-nos, fiéis ao lance que nos encoraja pelos rumos novos,

desbravadores do espaço aberto que, para nós, ainda eram as águas do

não.

E aqui está O Planeta dos Homens sem Cor. Como sempre, é

Margarida Ottoni que nos dá o toque e o impulso. Cantora da semente

que brota emergente do subterrâneo para a terra, cantora do aventureiro

que imerge da tona para o fundo, cantora do viajante que trilha pontes e

une cidades, cantora de travessias, Margarida agora aciona as asas da

imagem nova. A surpresa que nos traz é não trazer duendes, mas discos

voadores. A gente acostumou-se a imaginar com asas fluidas. Ela nos

força a imaginar com asas de metal. Não se perde no tempo vago do "Era

uma vez..." Encontra-se no tempo do agora, milimetrado a régua e

compasso, compassado milímetro a milímetro pela regularidade de um

discurso perfeito. Margarida promove, aqui, o difícil diálogo entre a

Ciência e a Arte. Se aquela é hoje a forma que informa toda a nossa

compreensão e avaliação da realidade, esta é como sempre a portadora

da força de linguagem que preside o próprio falar da ciência. Por isso, O

Planeta redimensiona os hábitos narrativos na nossa Editora, para

redimensionar os hábitos de leitura de nossos leitores.

Numa estrutura fluente de começo-meio-fim, arquiteta-se uma

estória com certa anomalia.

Mas esta anomalia tende para o aceitável, pois o senso comum já

a aceita e o pensamento científico a sustenta.

Animados, oferecemos O Planeta aos nossos leitores.

Impulsionados, garantimos nosso crescimento, inaugurando a

estante da Ficção Científica.

Desafiados, penetremos juntos, mais adentro dos segredos da

vida, rumo ao mistério poético que, mais que tudo, nos transforma em

argonautas .do desconhecido, navegadores das águas novas do pode-

ser.

11

Madrugada de verão.

Desperta no leito, de olhos perdidos no pedaço de céu estrelado

que a janela emoldurava, eu ouvia, quieta, o marulhar das ondas ao

longe.

Recordava a festa do meu aniversário daquela noite; revia o

grupinho de jovens amigos, todos mais ou menos da minha idade, e a

alegria que, juntos, desfrutamos, a dançar e a bater papo, numa

barulhada incrível até tarde.

— Uma festança! — disseram-me.

Como de hábito, nós a realizamos no clube à beira-mar do qual

papai é sócio-proprietário desde o tempo em que eu era criança.

Quando a diretoria mandou construir, ao lado da sede, um prédio de

apartamentos, meu pai foi um dos primeiros compradores. A partir de

então, nossa família, residente no subúrbio, acostumou-se a veranear

no apartamento e a fazer essa festa.

Uma imagem surgia-me, de vez em vez, interpondo-se à

seqüência dos fatos lembrados: a de um rapaz moreno, de sorriso largo

e olhar insistente — Flávio. Segundo Celeste, minha melhor amiga, ele

estava interessado em mim.

Permanecia acordada, enquanto todos dormiam. E da cama,

junto à janela, observava a Lua Cheia que clareava de leve o quarto.

Como parecia cansada no seu lento e eterno caminhar!

Para atrair o sono, resolvi contar as estrelas:

— Cinco do Cruzeiro do Sul, mais a Estrela-d'Alva, que, aliás,

não é estrela, mais as Três Marias, mais...

O tempo ia passando, eu contando as luzinhas do céu, os

pensamentos vindo e indo, e o sono... nada!

Súbito, interrompeu-se o silêncio da noite. Um zumbido fino e

regular de motor fez-me sentar e ficar à escuta. Que seria? Ronco de

carro ou de motocicleta não era; barulho de avião ou de helicóptero,

também não. Era um som diferente de todos que já ouvira. Muito

incômodo, agredia-me os ouvidos até deixá-los doendo! Entretanto, não

podia dizer que fosse alto ou forte.

Curiosa, ergui-me, cheguei à janela, debrucei-me. Vi o mar,

quebrando na praia distante, a piscina prateada de luar e o clube

fechado e escuro. Nada mais! Contudo, o ruído fino e desagradável que

me fazia tampar os ouvidos pairava no ar amedrontando-me. Seria uma

máquina infernal? Estaria no pavimento térreo? No telhado?

Pouco a pouco, o gramado, em frente à portaria, foi-se

ruborizando à luz que vinha do alto, e o som terrível começou a baixar

de intensidade. Arregalei os olhos, assustada. Havia algo ali! Um objeto

muito grande, circular e metálico, dava voltas e mais voltas sobre o

clube, estendia os faróis para a piscina, para o campo de esporte, para o

prédio, como se estivesse à procura de alguém ou de alguma coisa. Ia e

vinha. ora devagar, ora depressa, subia e descia facilmente, deslocava-

se para a direita e para a esquerda, em linha reta ou em espiral. Piscava

múltiplas cores e girava como pião.

Senti o coração pular dentro do peito. Quis gritar para chamar

meus pais que dormiam no quarto ao lado, mas faltou-me a voz. Dos

lábios, saiu-me apenas um murmúrio entrecortado de medo:

— Meu Deus! Isto é um...

Devagar, a coisa estranha aproximou-se do gramado. A menos

de um metro do solo, imobilizou-se, e o ruído incomodativo cessou. As

luzes, porém, continuaram a varrer o local.

Fiquei rija de espanto, com todos os sentidos presos à misteriosa

aparição. Ah! Se tivesse comigo a máquina fotográfica! Se houvesse

mais alguém acordado para testemunhar o que acontecia! Se tivesse

ânimo para ir acordar meus pais!

Em vez disso, um torpor nunca antes experimentado amorteceu-

me os gestos e perturbou-me as idéias. Ainda que desejasse desviar os

olhos do objeto que via, não o conseguiria nem por um instante.

Comecei, então, a sentir uma força irresistível dominar-me,

suscitando-me a vontade de ir lá fora, para vê-lo de perto. Seria por

natural curiosidade minha, ou viria da atração inevitável daquele enge-

nho? Impossível descobrir, inútil querer raciocinar, sob tamanha tensão

nervosa!

Como autômato, deixei a janela, corri à sala, girei o trinco da

porta, puxei-a para trás, acendi a luz do corredor e, qual um raio, desci

a escada. Num minuto cheguei à portaria. Abri-a com mãos trêmulas e

vi-me a alguns metros da máquina fantástica!

Inconsciente do perigo, corri para ela, mesmo descalça,

magoando os pés nas pedrinhas do chão. Atingi o gramado e continuei

a avançar, resoluta até que, sem forças, estaquei ofegante e confusa.

Da nave, um farol de cor alaranjada iluminou o lugar e pegou-

me em cheio. Cobri os olhos com as mãos, estonteada, e desequilibrei-

me. Cai de bruços e assim fiquei, paralisada, sentindo o latejar

acelerado do coração, que parecia querer saltar do peito.

Surpreendentemente, o ruído infernal recomeçou, e o engenho

ergueu-se como um bólido. Um momento depois, o silêncio e a paz

haviam voltado. Rolando no chão, virei-me para o céu e ainda pude vê-

lo afastar-se, até desaparecer entre as estrelas.

Senti nas costas a umidade do solo. Sentei-me e observei o

ambiente que readquirira a habitual tranqüilidade noturna. Olhei o

gramado muito próximo e rememorei todo o acontecimento. Ainda

trêmula, ergui-me e examinei o lugar onde pousara o objeto terrificante.

Nada existia de anormal, nem sequer vestígio! Ele partira sem deixar

marcas de sua passagem.

Suspirei, aliviada. Ajeitei os cabelos e a roupa e já ia voltando ao

prédio, quando percebi um vulto a distância. Parei para fixá-lo. Ele veio,

então, ao meu encontro. À luz pardacenta do luar, não consegui

distinguir-lhe as feições, mas notei, pelo porte, que se tratava de um

homem. Vestia macacão escuro, calçava botas claras e usava capacete à

moda dos corredores de automóvel de Fórmula 1.

— Deve ser um motoqueiro metido a bacana! — pensei. — Vou

esperá-lo para saber se também viu o disco voador.

Aguardei, pois, que se aproximasse, para falar--lhe. Enquanto

caminhava, ele retirou o capacete e o colocou debaixo do braço. A luz da

lua banhou-o da cabeça aos pés.

Estremeci de pavor ao vê-lo de perto! E não pude conter um grito

de repulsa. O homem tinha as mãos e o rosto prateados!

— É um marciano! — concluí. E, louca de medo, pus-me a

correr, desesperada.

Alcancei a portaria do edifício, entrei espavorida e tranquei a

porta rapidamente. Exausta e ofegante, encostei-me à parede. Senti as

pernas fraquejarem, meu corpo foi deslizando, sentei-me no degrau e

tudo se apagou diante de meus olhos.

22

As luzes frouxas da manhã começavam a iluminar o saguão do

edifício, quando voltei do desmaio. O primeiro pensamento que me veio

foi de horror ao relembrar o encontro com o homem prateado. Que visão

alucinante fora aquela? Teria sido engano? Decerto que não. Ele devia

ser — ora, não havia a menor dúvida! — ele só podia ser o passageiro do

disco voador!

Incitada pela idéia, fiquei à escuta dos sons que vinham de fora.

Além do chuá contínuo das ondas e do barulho de algum veículo pela

estrada próxima, nada mais ouvia! Que alívio! Estava salva!

Que devia fazer, então? Subir a escada, naturalmente, e voltar

pra cama. A curiosidade, porém, provocava-me a abrir a porta e

espreitar. Torci devagar, devagarinho, o trinco e descerrei a porta. Pela

fresta, alonguei o olhar até ao gramado. Não vi ninguém e resolvi

entreabri-la mais um pouco. Acabei por escancará-la num ímpeto. E saí

para dar uma espiada ao redor.

Encontrei o que pressentia: o terrível indivíduo, sentado ali, num

banco ao lado da porta. Ao ver-me, levantou-se, e eu, diante dele, baixei

os olhos, morta de medo.

— Bom dia! — cumprimentou-me.

Com o rabo dos olhos, fitei a mão que estendia para mim. Que

surpresa! Era da cor das minhas! Ergui o olhar para ele e soltei um

"Oh!" de espanto. Sua face era branca também. Não me teria enganado?

Fixei-o de novo, mais admirada ainda. E, apontando-lhe o rosto, gritei:

— A pele!... Eu vi! Era prateada! Eu vi! Por que mudou? Por

quê?

O moço sorriu. Tinha dentes bonitos. Exclamou com ar

incrédulo:

— Prateada?!

Aproximou-se, para que eu o pudesse ver melhor. Exibiu as

mãos. Sem dúvida,, ele era branco, mais do que eu. Os cabelos? Negros,

como os meus.

— Foi por este motivo que fugiu? Confirmei com um bater de

cabeça.

— Por que essa idéia?

Confesso que já não me sentia tão assustada como antes. A

atitude cordial e simples do rapaz devolveu-me boa parte da serenidade

perdida. Contei:

— Vi um disco voador ali! — E apontei para o gramado. — Você

não viu?

Ele se mostrou surpreso:

— Eu? Claro que não!

— Pois eu vi! — retruquei. — Estava acordada, quando

apareceu. Eu o vi da janela. Desci e corri para ele. Cheguei bem perto.

Era grande, metálico e expelia luzes coloridas.

— Ah!... E depois?

— Foi embora e, quando me voltei, havia um homem prateado

com uma roupa igualzinha à sua.

— Igualzinha?

— Isso mesmo! Pensei que fosse um marciano!

— Marciano? Logo agora que já se sabe que marcianos não

existem!

— Tem razão — concordei, meio sem graça. Ele mudou de

assunto:

— Sabe que você é muito bonita? Como se chama?

— Neide. E você?

— Tálbor.

— Que nome esquisito! — exclamei, ficando séria. — Parece até

nome de marciano!

E voltei a mirá-lo, com ar desconfiado, enquanto ele caía na

risada.

— De novo? — perguntou. Encontrávamo-nos no pátio do

edifício, deserto àquela hora matutina. Tálbor, sempre bem-humorado,

começou a contar:

— Se você fosse a minha casa, ia ficar admirada. Todos temos

nomes originais. De marcianos, como você diz! Meu irmão chama-se

Tínger, e minha irmã, Telga.

— Não diga! Nunca vi ninguém com esses nomes! Por que vocês

são diferentes?

— Diferentes? Bem, meu pai é um homem excêntrico! Nossa

casa, por exemplo, parece um charuto. Foi construída sobre uma

coluna cilíndrica. É giratória, para que possamos voltá-la para leste ou

para oeste.

— Formidável! Onde fica?

— Longe — disse ele. E mudou de assunto novamente: — Sabe

que é a primeira vez que venho aqui?

— Não conhece o clube? Puxa! Ele é jóia! Tem todos os

esportes, sabe? Por enquanto, é cedo, mas, assim que abrir, vou levá-lo

para ver as instalações. Agora, só posso mostrar a piscina, quer?

Ele não disse nem sim, nem não, e resolvi conduzi-lo até lá.

— Venha!

Saí à frente, deixando que me seguisse. Não lhe ouvi os passos e

virei-me para aguardá-lo. Estava quase a meu lado. Tinha pés enormes,

metidos em botas que pareciam pesadas, contudo andava com leveza,

como se flutuasse. Desconfiada, ergui os olhos para seu rosto,

pensando outra vez que ele fosse o estranho passageiro do disco voador.

Analisei-lhe as feições. Eram regulares, como -as das pessoas que eu

conhecia. Procurei, então, convencer-me de que não havia razão para

temê-lo. Tratava-se de um ser humano normal. E até bem avançado! O

macacão e as botas que usava eram muito pra-frente.

Sentindo-se observado, ele me perguntou:

— Ainda pensa que sou marciano? Corei e não consegui mentir:

— Penso no homem esquisito que vi. Ele se vestia como você.

— Ora! Um homem esquisito! Não foi impressão sua?

Enquanto falava comigo, olhava-me fixamente dentro dos olhos.

Dei-lhe razão:

— Deve ter sido. Em seguida, confessei:

— Acho que você é um motoqueiro. Conversando, chegamos à

margem da piscina cujas águas puras e azuis refletiam a claridade

tênue da manhã. Indaguei:

— Que tal?

— Ótima! — respondeu, sem aproximar-se da borda. Ainda

assim, o reflexo da água deu-lhe certo tom azulado e translúcido que

me pôs uma vez mais em dúvida. Por isso, afastei-me dele.

A distância de alguns metros, voltei-me para vê-lo. Ele

caminhava em minha direção, seguro e alegre. Fitei a superfície líquida

e não consegui distingui-lo. Por quê? Seria pela luz ofuscante do Sol à

minha frente, que me impedia de enxergar direito, ou Tálbor era mesmo

um homem fora do comum?

A suposição de estar junto de um ser de outro planeta deixava-

me sobressaltada, não obstante o jeito amigo que lhe notava nas

atitudes. Para dirimir a dúvida, achei melhor submetê-lo a uma prova

E a primeira idéia que me veio pus em prática.

— Quer dar um mergulho? — convidei, quase certa de que

responderia "não"

— É cedo.

— Que nada! — insisti. — A água é fresca e agradável a esta

hora.

E sem esperar resposta:

— Corro ao apartamento, visto o maio e já volto. É um

instantinho só. Você tem calção, não tem? Adoro cair na água, quando

não há ninguém, sabe? Mais tarde, vem muita gente. .. Assim falando,

afastei-me depressa.

— Até já! — gritei.

Ele me chamou, tentando fazer-me mudar de idéia:

— Neide! Venha cá! Não vá! É cedo para isto! Deixe para mais

tarde! Neide! Volte, por favor!

33

No apartamento, reinava absoluto silêncio. Papai e mamãe

dormiam. Cansados da festa, era provável que acordassem tarde.

Fui ao quarto, vesti o maio e o short e, pé ante pé, dirigi-me à

cozinha para beber um copo de leite gelado.

Mamãe despertou ao roçar quase imperceptível de meus passos.

— Bom dia, querida! — exclamou, perto de mim. — Pronta para

sair? Que horas são?

— Bom dia, mamãe! — Consultei o relógio da sala. — Quase

sete horas — respondi.

— E já vai para a piscina? Garanto que não comeu nada!

— Vou beber um copo de leite. Ela acabara de amarrar o robe.

— Nada disso! — retrucou. — Vou fazer café.

— Não tenho fome. Aquela doçada de ontem ainda está aqui,

mamãe! — E levei a mão ao estômago.

— Um cafezinho é bom — concluiu ela. Entrou na cozinha, pôs

a chaleira ao fogo.

— Neide! — pediu. — Estenda a toalha, ponha as xícaras e os

talheres...

Abriu a geladeira, retirou o leite, o queijo, a manteiga e o pão-de-

forma.

— Que tal um queijo quente? — sugeriu.

— Oh, não, mamãe! Assim só está bom.

Por dentro, eu era um vulcão de impaciência. Preferia não

comer, queria ir-me, porque o rapaz me esperava. Embora o

considerasse muito perigoso, ansiava por vê-lo de novo, conversar com

ele, decifrá-lo .

— Tomara que ande depressa! — pensei, aflita, enquanto ela

arrumava a refeição.

Corri à sala e consultei o relógio outra vez: sete e vinte. Puxa!

Que demora para ferver uma chaleira de água!

Papai acordou nesse instante. Olhou para a sala, viu-me à

janela, chamou-me:

— Neide! O jornal já veio?

O clube costumava mandar uma kombi à banca mais próxima,

aos domingos, para trazer jornais. Depois, um dos empregados ia

entregá-los de porta em porta.

— Ainda não veio, pai.

— Não? Que horas são?

— Sete e vinte e cinco.

— Tão cedo! Gritou por mamãe:

— Consuelo! Por que este rebuliço a esta hora? Nós fomos

dormir às duas da manhã!

Mamãe baixou o fogo da chaleira e foi ao quarto.

— Que rebuliço, Tião? É esta menina — apontou para mim —

que vai sair. Estou fazendo café. Você não quer?

— Quero, sim!

Levantou-se, calçou os chinelos. Veio para a sala e, à falta do

jornal do dia, pegou o da véspera para reler.

Debrucei-me à janela outra vez e olhei para a piscina. Não havia

ninguém por lá. Onde estaria Tálbor? Corri os olhos por toda parte, mas

não o descobri. Ah, se pudesse esquecê-lo, em vez de procurá-lo!

Papai, vendo-me debruçada a observar o exterior, indagou:

— Que foi? Está procurando alguém?

A frase deixou-me gelada. Sem saber, ele acertara no alvo.

Como, porém, dizer-lhe que desejava ver um moço estranho que

mudava de cor, um homem capaz de andar sem que eu lhe ouvisse os

passos? Que pensaria meu pai, se lhe contasse que vira um disco

voador de madrugada?

— Estou vendo se Celeste já desceu — menti.

— Claro que não desceu, minha filha! Você se esquece de que

todo mundo foi dormir tarde?

E fitando-me, incisivo:

— Que aconteceu com você, hoje, para acordar tão cedo? Deu

formiga na cama? Viu passarinho verde?

Comecei a rir. Tive vontade de responder: "Vi homem prateado!"

Da cozinha, chegou o aroma do café.

— Podem vir — avisou mamãe. Voltei-me para o relógio, antes

de sair da sala.

Sete e meia! Imaginei que, a essa hora, Tálbor se cansara de

esperar e já se fora, pensando que eu não voltaria. Que maçada!

Sentamo-nos à mesa. Havia torradas, geléia, queijo e biscoitos,

além do pão com manteiga e do café com leite de costume. Também o

que sobrara do bolo de aniversário ali estava.

— Tião! Você vai querer suco de laranja? — indagou mamãe.

— Hoje, não! Estou sem vontade. Comi demais na festa.

— Eu também — esclareci para evitar que ela começasse a

dizer: "Coma isto, coma aquilo."

Em vez de fome, eu tinha pressa. Quanto mais rápido, melhor!

Se não, Tálbor desistiria. Aliás, já verificara que perto da piscina ele não

se encontrava. Talvez tivesse ido ao bar para comer ou beber alguma

coisa. Mas, não! Só abria às oito!

Ante a fartura da nossa primeira refeição, pensei: "Poderia até

convidá-lo. Se ele é humano, deve ter fome, como toda gente."

Engoli o último pedaço de pão e perguntei:

— Posso ir, não é?

— Que pressa! — observou mamãe. — Você quase não comeu. ..

— Não tenho fome — repeti, enquanto me inclinava para beijá-

los na testa.

Deixei-os à mesa do café e dirigi-me à porta. No corredor,

respirei, aliviada. Afinal, livre! Perdera, entretanto, quarenta minutos.

Ainda encontraria Tálbor? Ou, aborrecido comigo, teria resolvido ir-se

embora?

A correr, desci a escada e cheguei à portaria. A saída, uma

surpresa! Celeste aguardava-me no banco. E estava de maio também.

Pelo visto, teria de apresentá-la a Tálbor.

44

Domingo, no clube, é dia de grande afluência de sócios. Uns vão

à piscina, outros preferem os campos de esporte, outros buscam os

jogos de salão. Muitos chegam para almoçar e ficam a tarde inteira.

Em janeiro, as famílias que possuem apartamento aproveitam as

férias escolares para um período de repouso. O prédio fica apinhado de

gente. Meus pais e eu gostamos de passar dois meses ali, e já faz oito

anos que nunca faltamos. Confesso que para mim não pode haver férias

melhores.

Durante o ano letivo, vamos nos fins-de-semana, como a maioria

dos associados. Sempre combino as idas com Celeste, minha boa

amiga. Somos da mesma idade, entendemo-nos muito bem. Entre nós

não há segredos.

Naquele domingo, porém, vacilei antes de tocar no assunto que

me afligia. Na verdade, tinha receio de contar-lhe o ocorrido. Talvez

risse de mim. Há tantas pessoas que não acreditam em discos voadores!

Arrisquei uma pergunta:

— Você ouviu um barulhão esta noite, Celeste?

— Eu? Que nada! Bati na cama, e foi um sono só!

Voltou-se para mim, com os grandes olhos azuis cheios de

indagação:

— Que barulho?

— Assim, feito um zumbido agudo, ou um ronco forte...

— Ronco? — repetiu, franzindo a testa. — Ah, não ouvi, não!

Que foi?

Olhei-a de frente. Estive a ponto de narrar-lhe o que me

acontecera, mas não tive coragem.

— Não sei ao certo... Ela começou a rir.

— Ronco, não é? Vai ver que foi um disco voador, hem? Há um

empregado, no clube, que diz que já viu um, mas a gente não acredita

em bobagens. Você acredita?

— Eu?!

Senti o rosto quente e virei-me para o lado oposto a fim de

impedir que me visse ruborizada. E tratei de rir também, embora sem

vontade.

Chegamos à piscina; havia diversas pessoas ali.

— Vamos cair n'água? — perguntou Celeste.

— Já, não! Vamos até ao bar. Quero comprar balas.

— Mentira! Você quer é ver se alguém está lá! A frase deixou-me

atônita. Inexplicavelmente, ela acertara. Ou lera no meu rosto a

ansiedade que me consumia?

— Alguém? — repeti, com voz insegura.

— Flávio!

Foi minha a vez de achar graça. E ri tanto, que ela se convenceu

da exatidão do prognóstico.

No bar, porém, não encontrei quem procurava. Convenci-a, pois,

a acompanhar-me até à praia. De lá, fomos ao campo de tênis, ao de

basquete e ao de voleibol. Voltamos à piscina, fomos ao salão e ao bar

novamente. Percorremos o clube duas vezes, sem resultado. Não estava

em parte alguma o misterioso personagem da madrugada. Então,

comecei a duvidar de mim mesma, de meus olhos., de minha mente. -

"Disco voador não existe" pensei. "Tálbor também não!" Logo, reagi:

"Existe, sim! Como não? Eu o vi, falei com ele, tenho certeza!" Contudo,

havia desaparecido. Voltaria?

A contragosto, ligava a figura do moço simpático à do homem

prateado, e tal pensamento me assustava muito. Ainda assim, gostaria

de revê-lo. Tratava-se de uma inquietação a que não me podia furtar.

A tarde, obcecada pela idéia, tornei a circular pelo clube e voltei

à praia. Em vão! Cansei-me e não o achei. Nem me livrei do

desassossego.

Foi um dia angustiante aquele, cheio de segredo e dúvida, de

ansiedade e decepção. Fiquei tão perturbada, que o pessoal notou e

comentou o meu comportamento.

— Que há com você? — quis saber Celeste.

— Ela está no mundo da Lua! — criticou Flávio.

— Parece doente — disse mamãe, à noite.

Na verdade, sentia-me abatida e febril. A cabeça doía-me como

se fosse explodir. Posto o termômetro, verificamos: 38 graus.

— É gripe — sentenciou papai. Enganou-se. O que eu tinha era

um desespero contido, espécie de consumição perniciosa que crescia e

me queimava por dentro.

Mamãe deu-me um chá de limão com aspirina e mandou-me

para a cama. Fechou a janela, lembrando o perigo dos golpes de ar para

quem toma suadouro. Não protestei. Era melhor assim. Não veria o céu,

nem as estrelas, nem discos voadores.

— Mamãe, fique comigo!

Ela se sentou a meu lado e me acariciou os cabelos. Em poucos

minutos, adormeci.

55

Acordei sobressaltada, como se alguém me houvesse sacudido.

Havia claridade no quarto, embora muito suave. Começava a raiar um

novo dia.

Um só pensamento me veio: o de abrir a janela e olhar para fora.

Surpreendentemente, o mal-estar que me prostrara na véspera se

convertera em boa disposição.

Finquei os cotovelos no peitoril e percorri com os olhos todos os

cantos avistáveis do clube. Depois, fixei a praia distante: o mar agitado,

a areia branca, o Sol nascente e um bando de gaivotas que ia e vinha, a

pouca altura, para mergulhar e, rápido, emergir...

Divisei um vulto que caminhava devagar, ao longo da orla

marítima. De quando em quando, abaixava-se e recolhia algo que

guardava nos bolsos. Observando-lhe o físico e o traje, reconheci-o.

Troquei de roupa às carreiras e saí porta afora, em direção à

praia. E fui correndo, receosa de que desaparecesse. Mas, enquanto

corria, minha cabeça voava dessa a outra idéia: seria certo ir ao

encontro de alguém cuja presença tantas dúvidas semeava em meu

espírito? Talvez houvesse perigos que eu ignorava.

Ele me avistou de longe. Acenou para mim e veio alcançar-me a

meio caminho. Reparei que seus pés não se enterravam na areia, como

os meus. Pareciam pairar a alguns centímetros do solo. E as pegadas?

Óh, Deus! Não as vi!

Antes que me recuperasse do assombro, ele começou a explicar:

— Não pude esperá-la ontem. Desculpe-me. Tinha hora

marcada, precisava ir. Como está você?

— Bem, ou melhor, à noite, tive febre — respondi, vacilante.

— Nervosa ainda? Mostrou-se cordial:

— Esqueça os maus pensamentos, por favor! Sejamos amigos.

Em meus olhos, a força indescritível de suas pupilas tinha poder

de persuasão.

— Está certo!

A onda de sobressaltos que me vinha abalando foi cedendo lugar

a uma confortadora sensação de paz. De repente, como por encanto,

percebi que não mais o temia, embora duvidasse de sua condição hu-

mana. Que olhar prodigioso!

— Somos amigos? — perguntou.

— Somos!

— Então, ajude-me!

Inclinou-se para recolher conchinhas.

— Preciso de muitas, de preferência diferentes entre si. Quero

também amostras vegetais: flores, folhas, raízes...

— Para quê?

— Para um trabalho que faço. Posso contar com sua

colaboração?

— Claro!

Ficamos mais de uma hora a executar a tarefa. À medida que lhe

entregava os espécimes, ele os colocava nos bolsos. Estes, porém,

nunca pareciam cheios.

— Sabe que já são cinco e meia? — disse-lhe eu, consultando o

relógio de pulso.

— Já?

Ergueu o rosto e examinou o céu, de norte a sul, de leste a oeste.

— Vamos descansar um pouco? — convidou sentando-se no

chão.

— Vamos — respondi, enquanto pensava se também ele sujaria

os fundilhos de areia, como eu.

Sentei-me a seu lado, observando-o. Vi-o retirar um cigarro do

bolso e levá-lo à boca. Sem acendê-lo, começou a fumar.

— Ué! Estava aceso? — estranhei.

— Acendeu-se ao calor de meus lábios: 37 graus. Basta um

trago para acendê-lo.

— Quê? — admirei-me. — Não é possível!

— Sério. Quer experimentar?

— Deus me livre!

— Então, veja de novo.

Pegou outro cigarro apagado, colocou-o na boca, e ele se

acendeu.

— Que bacana! -- falei.

— Quem inventou isto?

— Meu pai. Por quê?

— Porque ele devia tirar patente deste invento, sabe?

Tálbor começou a rir.

— Uma coisa à-toa, como esta?

— À-toa? — repeti, de queixo caído.

— Se você visse tudo que temos lá em casa, não se

entusiasmava tanto! — concluiu. E continuou a fumar, sereno.

Fiquei atenta ao cigarro. Ele o fumou até ao fim. Nada sobrou.

Mas uma coisa notei durante o tempo em que estava aceso: o rosto de

Tálbor mudou levemente de tom, ruborizou-se.

Perguntei-lhe de supetão:

— Você acredita em discos voadores?

Na certa, não esperava de mim tal pergunta, pois demorou muito

a responder. Entretanto, não me surpreendeu quando disse, de forma

lacônica, mas sincera:

— Sim.

Depois, voltou o olhar para o meu e indagou:

— Você não tem medo, não é?

De fato, não tinha. Nesse momento, então, sentia uma

tranqüilidade que jamais experimentara e plena confiança em sua

palavra.

— Veja! — disse-me apontando para o horizonte. — Lá vem um!

Pos-se de pé, ergueu os braços e gesticulou. Levantei-me,

também, ao ver o disco aproximar-se.

Era igual ao da véspera. Zumbia, girava e emitia luzes de cores

vivas. Em segundos, chegou à praia e, rapidamente, imobilizou-se. Em

cima, abriu--se uma tampa e, por ali, saiu uma passarela que se

estendeu até nós.

Enfim, estava confirmada a suspeita que me preocupara por

mais de vinte e quatro horas. Tálbor era um ser extraterrestre. E eu

sempre soubera disto, embora me agitasse num mar de dúvidas.

Ninguém na Terra muda de cor ou anda sem pisar!

— Neide!

Tálbor fixava-me, persuasivo, e estendia-me a mão.

— Vamos?

Não vacilei. Dirigi-me para a rampa a passos firmes e, sem olhar

para trás, embarquei rumo a um mundo desconhecido.

66

Por dentro, a nave era ampla e silenciosa. Tinha dois

compartimentos contíguos: o primeiro, uma sala-de-estar funcional,

onde cadeiras, mesas e utensílios, embutidos nas paredes, surgiam,

quando necessários, ao toque de botões; o segundo, uma cabina de

comando cheia de painéis, pinos luminosos e aparelhos complexos.

Várias portas em derredor, todas fechadas. Não vi ninguém. Tálbor

sussurou-me:

— Não há perigo.

Olhei à volta. Reparei que as paredes do veículo, transparentes

de dentro para fora, permitiam ver com exatidão o mundo que nos

cercava. Lembrei-me, então, de que, ao# contrário, de fora para dentro,

eram opacas: do exterior, ninguém conseguia ver o que se passava ali

dentro. Compreendi, por isso, que o disco não precisava de janela.

Outra coisa deixou-me estupefata: as muitas telas panorâmicas dos

aparelhos. Cada qual se destinava a mostrar aspecto diferente da Terra.

Nelas, viam-se homens semelhantes a Tálbor se movimentarem em

pontos diversos de nosso planeta. Ao pé de cada imagem, havia

registros e gráficos, incompreensíveis para mim.

Tálbor mudara de cor. Em conseqüência das luzes vermelhas

dentro da nave, ele tornou-se rubro, e isso me fez estremecer de susto.

Ao notar meu espanto, explicou:

— Sou um homem sem cor. Minha pele toma a coloração

ambiente. Por isso à noite, ao luar você me achou prateado.

— Já sei. Chama-se mimetismo essa propriedade da pele —

falei, pensando no camaleão.

— Acho que sim. Nos animais terrestres, o mimetismo é uma

forma de autodefesa, não é? Em nós, trata-se de um fenômeno

inexplicável. Na Terra há homens amarelos, negros, brancos. .. Entre

nós, não há diferenças raciais.

— Você me assusta! — reclamei.

— Não há motivo. Somos amigos.

Apertou um botão na parede. Imediatamente, abriu-se uma

gaveta que continha vários frascos. Escolheu um para oferecer-me:

— Beba, por favor!

E, como eu hesitasse, esclareceu:

— É um antídoto à ação do raio ultralux, paralisante, que é

mortal, em poucos meses, para os seres da Terra. Ontem, você foi

atingida e estará salva com esta poção. Beba!

Obedeci-lhe e notei que meu gesto o alegrara.

— Muito bem! Se seguir minhas instruções sempre, nada de

mal lhe acontecerá.

Uma porta abriu-se, e dois homens, parecidos com ele na cor e

no traje, vieram procurá-lo. Reparei que ficaram muito tempo juntos,

em silêncio. Comentei com Tálbor, depois que se foram:

— Não ouvi vozes.

— Para quê? — perguntou. — Podemos nos entender sem falar.

— Mas você fala comigo.

— Falo? Engano seu!

Ante meu ar de surpresa, expôs:

— É uma transmissão de pensamentos o que se passa.

— Entre nós dois também?

— Também.

Levei a mão direita aos lábios e exclamei:

— Que horror!

Minha boca não se moveu. Compreendi que ele não mentia.

Entretanto, se não me tivesse revelado a verdade, eu jamais a teria

percebido. Depois, refletindo no caso, achei-o sensacional. Se a gente

fosse igual a eles, poderia entender todos os idiomas da Terra.

— Você também adivinha o que penso? — indaguei.

—Adivinhar, não! Contra a sua vontade, não há transmissão. É

preciso que você se dirija a mim para que eu possa captar seu

pensamento. Entende?

— Claro! É como conversar sem abrir a boca.

— Exato!

Fui-lhe fazendo perguntas sobre perguntas para saciar minha

enorme curiosidade. Respondeu-me, sempre solícito, à maioria delas.

Fiquei sabendo que fora escolhida por me considerarem bem dotada,

capaz de receber e transmitir mensagens sem embaraços .

— Não é fácil encontrar um ser acessível ao nosso contato.

Certa vez, por exemplo, tentei aproximar-me de um empregado do

clube, e ele quase provocou um desastre.

Outras revelações me fez. Contou-me que era habitante do

planeta Vigo, da estrela Canópus. Sua profissão — pescador espacial —

ele a exercia de galáxia em galáxia, recolhendo espécimes para estudos

científicos. Quando havia possibilidade, atraía seres humanos também.

— Mas sempre os devolvemos a seus mundos. Não se preocupe!

Não sei dizer quanto tempo viajamos, porque meu relógio parou

tão logo embarquei no disco. Deslumbrada, vi o espaço sideral, negro e

imenso, ir crescendo à proporção que nele mergulhávamos. Lá, entre

milhares de pontos luminosos, como pequena lâmpada a luzir, o Sol!

Acolá, a Terra e, nela, o Brasil, minha família, meus amigos.. .

— Você me enganou! — falei, virando-me para Tálbor, que

permanecia a meu lado.

— Não! — respondeu. — Você sabia desde o princípio.

Tinha razão. Não me podia queixar. Minha curiosidade

arrastara-me até ali. Por sorte, tudo corria bem. Mas o futuro, como

seria?

77

Junto à nave, meteoritos passavam depressa, obrigando o

veículo a desviar-se seguidamente. Dentro, nem a mais leve trepidação!

Tálbor continuou a dar explicações:

— Estudamos agora a Terra. Conhecemos os elementos que a

compõem e algumas espécies vegetais e animais...

Parou, indeciso, como se algum receio o impedisse de contar

toda a história. Mas prosseguiu:

— Começamos o estudo dos seres humanos. Em cada país de

seu planeta, há dezenas de pescadores nossos. Veja!

Apontou para os painéis que eu já havia notado. Atentando bem,

reconheci aspectos de Paris, Nova Iorque, Tóquio e de outras cidades do

mundo. Percebi, de novo, que cada tela acompanhava os movimentos de

um pescador espacial de Vigo.

— Como vê, estamos em toda parte, tentando contatos com

seres humanos. Ao mesmo tempo, somos controlados, e tudo que

observamos transmitimos à nave mais próxima.

E, com breve sorriso:

— Engraçado, como são complicados vocês, na Terra! E tão

diferentes entre si no físico., na cultura, nos hábitos, no idioma, nos

sentimentos. ..

— Vocês não?

Ele não respondeu. Mostrou-me, a distância, a luz pálida de um

astro.

— Eis o nosso mundo! — exclamou. Silenciei, enquanto ele o

descrevia:

— É menor que a Terra, embora maior que a Lua. Tem

gravidade, ar atmosférico, água, vegetais, animais...

— E petróleo?

— Para quê? Não precisamos dele. Usamos a energia de

Canópus. Ela nos fornece luz, calor, força motriz...

— E há muitos países?

— É constituído de um só, onde as leis, os costumes, a religião

e o governo são iguais, em qualquer latitude ou longitude.

A nave entrou em órbita do planeta. À primeira vista,

decepcionou-me. Não era azul e brilhante como a Terra vista do Espaço.

Envolto em nuvens, à semelhança de Vênus, Vigo tinha cores sombrias.

— Gosta? — perguntou o rapaz.

— Muito! — respondi, com a intenção de ser gentil.

A chegada ao planeta foi surpreendente. A nave circulou-o

algumas vezes. Depois sobrevoou uma cidade e, descrevendo uma

espiral, aproximou-se dela.

— Esta é Vigópolis, a capital do país. Como vê, não se

assemelha a nenhuma das cidades da Terra.

De fato era muito diferente. As casas pareciam grandes balões,

presos a colunas cilíndricas. Variavam de feitio e de cor. Não tinham

telhado nem janelas. Decerto, seriam opacas de fora para dentro e

transparentes de dentro para fora.

— Ah, que casas lindas! — falei.

— Não são de barro, cimento e ferro. Usamos um metal sintético,

aliás o mesmo com que fabricamos os veículos espaciais. Daí, serem

leves e móveis. Voam.

— Voam?

— Voam — repetiu. — As colunas de sustentação são fixas. As

casas, não. Quando nos mudamos de bairro ou de cidade, levamos as

moradias, ou melhor. vamos com elas. Basta adaptá-las, no novo local,

às bases construídas pela prefeitura.

— Espantoso!

Nesse instante, o disco voador em que viajávamos aproximou-se

de uma das colunas em que havia vaga e pousou.

— Ué! — estranhei. — O disco também utiliza a coluna?

— Por que não?

— E como se desce daqui?

— Você verá — foi a resposta.

Com um giro rápido, a nave ajustou-se à base, e um alçapão

abriu-se na parte inferior. Olhei para o buraco de saída, longo, circular

e sombrio.

— Vou entrar pelo cano! — recordei a piada. Tálbor foi o

primeiro a descer. O cano não pareceu escorregadio. Ao contrário, nele

se abrandava a queda, amparando a pessoa. Fiquei doida para

experimentá-lo. Que delícia foi a descida! O tubo era feito de anéis

acolchoados que se moviam.

— E como é que se sobe? — quis saber, assim que cheguei ao

chão.

— É só ligar a chave ao contrário, como nas escadas rolantes.

— Bacana! Posso experimentar de novo? Tálbor achou divertida

a minha idéia.

— Está bem, menina! Suba!

Ligou a chave, e eu subi; torceu-a para o lado oposto, e desci.

Uma, duas, três vezes. Depois, aumentou a velocidade, julgando que me

assustava. Qual! Dei risadas com a brincadeira!

— Chega? — perguntou.

— Agora chega! Mas vou lhe dizer uma coisa: este invento é o

maior barato!

— Lá em casa, temos um igual. Você vai acabar não dando o

menor valor...

— Duvido!

Na rua, fazia frio. A roupa que eu usava — uma calça comprida

de brim e uma blusa de malha sem mangas — não me protegia, e

comecei a tremer. Tálbor pegou uma caixinha do tamanho da de

fósforos e disse-me:

— Ponha-a no bolso. É um aquecedor corporal. Assim fiz, e

um halo de calor envolveu-me,

dando-me conforto. Então, ergui os olhos para o céu. Era cor de

gelo, como nos dias nublados da Terra. Sob aquela luz baça, todos os

habitantes de Vigo tornavam-se brancos, muito pálidos; pareciam anê-

micos.

— Aonde vamos? — perguntei a Tálbor.

— Primeiro, a minha casa. Você será nossa hóspede. Meus pais

e meus irmãos já foram avisados de nossa chegada. Estão a nossa

espera para o almoço.

Lembrei-me de que ainda estava em jejum. Além do remédio que

ele me fizera beber, eu nada tinha ingerido. Que apetite senti! Depois,

pensei nas comidas que iria encontrar e desanimei. Decerto aquele povo

não comia o que a gente come no Brasil: feijão, arroz, farinha, bife,

batata. ..

Tálbor veio ao encontro do meu pensamento:

— Você vai apreciar a refeição. Garanto!

Tomou-me o braço e fez-me subir na pista rolante que passava

na rua. Vendo-me desequilibrar, amparou-me.

— Em breve, estará acostumada. Não temos veículos na

superfície. Nossas pistas nos levam a todos os lugares, com segurança e

rapidez. Os que têm pressa tomam o centro da faixa, que é mais veloz;

os que não a têm, como nós, seguem pela beirada. Nos cruzamentos, há

desvios à direita e à esquerda, o que, na Terra, vocês chamam de trevo,

balão, retorno...

— Ah! Isto é bom!

— Tudo aqui é bom — concluiu o viguense. — Você nunca se

esquecerá desta viagem.

88

Tálbor, felizmente, era bem-educado e não se impacientava com

a torrente de porquês despejada sobre ele. Às vezes, eu nem

precisava indagar. Contava-me com naturalidade:

— Para viagens longas, usamos os minidiscos ou os subtrens.

Todas as moradias têm, pelo menos, um ou dois de cada.

— São individuais?

— Alguns, sim. A maioria dá para três ou quatro pessoas, como

um automóvel. Veja!

Apontou para um deles que voava a grande velocidade. Outros

vinham em sentido contrário.

— Vai bater! — gritei.

— Não vai, não! Os minidiscos, como os grandes, possuem

radar para proteger o vôo. São movidos a energia estelar. Você irá usar

um dos nossos com freqüência.

— E os subtrens?

— Ah, estes são muito utilizados no rigor do inverno ou do

verão. Imagine que, no calor, temos uma temperatura média de 80

graus centígrados à sombra; no frio, ela cai a 120 abaixo de zero. Como

não podemos viver esses períodos na superfície de Vigo, passamos ao

subsolo, onde construímos outras cidades. Estas colunas que

sustentam as casas são profundas e unem as moradias externas às

subvigâneas — subterrâneas, como diria você. Nas estações

temperadas, como esta agora, acumulamos provisões e realizamos tudo

que depende da vida ao ar livre. Nas estações extremas, dedicamo-nos

aos estudos.

— É incrível como podem viver tanto tempo embaixo do chão!

Tálbor completou:

— Os subtrens são movidos a energia centro-planetária. Nesta

época quase não os usamos, mas você poderá conhecê-los, se quiser.

— Quero, sim!

Senti-me penalizada ao saber das dificuldades climáticas do

planeta. Insisti:

— Vocês não se sentem mal lá embaixo?

— Não. Tudo é perfeito: ar, luz, água, temperatura ...

A propósito, informou:

— No planeta vizinho, por exemplo, a situação é mais difícil,

porque não há estação temperada. O povo vive permanentemente

enterrado. Quem passar próximo ou pousar julgará que é desabitado.

— Puxa! — exclamei. — Você me fez pensar em Marte, o vizinho

da Terra. A gente pensava que tinha habitantes e falava nos marcianos

como se existissem mesmo. Agora, descobrimos que é deserto . Quem

sabe se lá também....

— Nunca fui a Marte — atalhou ele.

Assim conversando, chegamos à rua onde Tálbor morava.

Saltamos para a calçada, bem diante da coluna de sua casa. Corri para

o escorregador, enquanto ele ligava a chave de subida. Num instante

encontrava-me na sala.

A primeira pessoa que vi logo me agradou: uma mocinha como

Celeste, de olhos azuis e muito risonha. Nem precisou ser-me

apresentada.

— É Telga! — adivinhei.

Em seguida, surgiram os outros membros da família: pai, mãe e

irmão — este, um menino de nove anos provavelmente.

— Um musicista — adiantou a irmã.

Todas as pessoas vestiam macacões, de cores e feitios diversos,

conforme a idade e o sexo. Cederam--me um, de Telga, estampado e

muito elegante. Não usavam sapatos; nem precisavam deles, pois

não pisavam o assoalho. Levitavam à altura de alguns centímetros.

O dia foi cheio de surpresas. Pude verificar que a residência, à

semelhança da nave, era equipada de móveis e utensílios embutidos

que surgiam ao toque de botões. Os alimentos, até que saborosos,

foram postos sobre a mesa por ganchos automáticos. Os familiares de

Tálbor mostraram-se cordiais e hospitaleiros. Os irmãos, conversadores,

contaram-me, entre outras coisas, que os viguenses davam muita im-

portância aos exercícios físicos: atletismo, natação e jogos desportivos.

Um destes, o predileto do povo, era o da bola, praticado exclusivamente

com a cabeça; pernas e braços só eram utilizados para correr em

direção à bola ou para equilibrar o corpo na hora de cabeceá-la.

Tínger exibiu suas qualidades artísticas. Sentou--se ao

concertino — um instrumento semelhante a uma orquestra, com piano,

violinos, violoncelos, clarinetes, bateria, saxofone e flautas — que tocava

à medida que ele dedilhava algumas teclas. Tudo que em nosso planeta

exige uma equipe, ali era executado por uma pessoa. E a suavidade da

música produziu em mim um completo relaxamento físico e espiritual!

Caía a tarde quando um visitante chegou. Tratava-se de um

homem corpulento e barbudo, vestido numa capa comprida até aos pés.

Foi entrando, sem cerimônia, cumprimentando os presentes com ar

autoritário e, parando diante de mim, declarou:

— Vim buscá-la!

99

A determinação dele apavorou-me.

— Vim buscá-la! — repetiu, tentando segurar--me o braço.

Esquivei-me e corri para junto de Tálbor, confiante na proteção

de que me dera mostras tantas vezes durante a viagem.

Ele se interpôs entre mim e o recém-chegado.

— Deixe-a por minha conta, meu caro Zelfo. Eu a trouxe até

aqui, eu a levarei até lá.

O outro, porém continuou no mesmo tom severo:

— Há grande expectativa no Centro de Ciências. Desde que

recebemos a notícia de que você tinha conseguido pescar um espécime

humano terrestre, estamos a postos. O Grão-Sábio convocou todos os

especialistas .

Tive vontade de xingá-lo. Aquele brutamontes me chamava de

"espécime"! E ainda usava palavras que me feriam a sensibilidade.

"Pescar"! Ninguém me pescara. Se estava em Vigo, era porque decidira

ir.

Zelfo mostrou-se impaciente.

— Jamais poderíamos supor que você não a levasse direto para

lá!

— Lamento muito. — desculpou-se Tálbor Atrás dele, eu

acompanhava a discussão. Decidiam meu destino e não me

consultavam, como se eu fosse mesmo um espécime pescado. Com o

coração aos pulos, ouvia ora um, ora outro, desconfiando de que me

havia metido na maior enrascada. E lamentava ter acreditado nas

promessas de Tálbor. Que segurança haveria para mim, se ele ia

entregar-me às autoridades?

Zelfo retirou-se tão abruptamente como havia entrado. E o alívio

que sua ausência me trouxe, embora passageiro, arrancou-me lágrimas.

A família comoveu-se com minha tristeza. Telga correu para mim e

abraçou-me.

— Não se assuste — murmurou-me ao ouvido. — O Grão-Sábio

é boníssimo...

— Mas eu não quero ir! — bradei desesperada. — Não quero ir!

Não quero ir!

Voltei-me contra Tálbor:

— Você mentiu! Perverso! Malvado!

Minha reação deixou-o surpreso. Ainda assim, tentou acalmar-

me:

— Não menti...

— Mentiu, sim! Mentiu!. . .

Dei-lhe as costas e enfiei o rosto nas mãos, para abafar o choro

convulso que me transtornava. E, enquanto eu soluçava baixinho, ele

começou a explicar:

— Contei-lhe tudo na viagem, lembra-se?

Era verdade. Contara, sim. Dissera, inclusive, que, sempre que

possível, buscavam atrair seres humanos de outros planetas para

estudos científicos.

— Mas você também disse que sempre devolve cada pessoa a

seu mundo — recordei, menos agressiva.

— Exato, — confirmou ele — e é o que vai acontecer a você!

— Não vai! — protestei. — Eu vi a cara dele... daquele homem

horrível, o Zelfo!

Olhei-o de soslaio. Ele parecia sereno.

— O Zelfo? Ele é vaidoso, só isso! Queria ter o prazer de levá-la,

ele próprio, à presença do Grão-Sábio. Não deixei, porque este

dever é meu. Recebi a missão, vou cumpri-la até o fim. Quanto a

você, acho que está zangada à toa.

— À toa? Sei lá o que vão fazer comigo!

E mirei-o, com olhar de dúvida. Foi a conta: a contemplação

daqueles olhos atraentes transmitiu--me a confiança de que carecia.

— Nada de mal — expôs. — Você será interrogada e submetida

a uma série de testes. Ninguém a afligirá. São exames indolores e

inofensivos que visam complementar nossos arquivos. Temos apare-

lhagem moderníssima para o registro imediato de todas as reações

físicas e psíquicas de uma pessoa. Já possuímos cadastros de

experiências realizadas com seres de vários planetas, para estudos

comparativos.

— E depois? — perguntei, com voz débil.

— Você voltará à Terra. Eu mesmo a levarei.

Acreditando nele, aquiesci. Despedi-me da família e embarquei,

em sua companhia, no minidisco, rumo ao Centro de Ciências.

1100

Ao chegar, tive uma surpresa: ninguém a minha espera!

— Ora! O Zelfo não disse que o Grão-Sábio convocou todos os

especialistas para me conhecerem? — perguntei a Tálbor.

— Convocou, mesmo! Devem estar ansiosos por este momento.

No interior da sala, como à entrada, não encontrei vivalma. Só

paredes lisas, luzes em profusão e, ao centro, uma cadeira de braços.

— Sente-se! — orientou-me ele.

— Para quê?

— Para ser apresentada a todos.

Sentei-me e fiquei aguardando os cidadãos, que, diziam,

estavam ansiosos por me conhecer. Mas o tempo foi passando, foi

passando, e eles não apareceram. Virei-me para um lado e para o outro,

impaciente.

— Acho que desistiram.

— Não desistiram, não! Espere um pouco mais. Afinal, quando

as luzes diminuíram, e eu já

estava cansada de ficar sentada, Tálbor me disse:

— Vamos?

— Aonde?

— Para casa, naturalmente.

— Para casa? E os sábios?

— Já terminaram o primeiro teste. Amanhã cedo, voltaremos.

Na rua, crivei-o de perguntas. Fiquei sabendo que os cientistas

me haviam observado através das paredes, que na cadeira adaptaram

um computador de reações simples e que aquelas luzes nada mais eram

do que câmaras de profundidade.

— Puxa! — exclamei. — Nunca pensei que pudesse funcionar

desse jeito. Não é que foi fácil?

Tálbor alegrou-se, ao ver-me despreocupada.

— Não lhe disse? — perguntou, afirmando.

— Tem razão Só espero que seja sempre assim.

1111

É surpreendente que duas pessoas de mundos tão distantes

possam ser tão parecidas como Celeste e Telga! Não só fisicamente —

estatura, idade, peso e traços fisionômicos — mas por dentro também.

Ambas são muito boazinhas.

Desde o primeiro dia em que a vi, Telga tornou--se minha amiga.

Tão logo voltei do Centro de Ciências, ela veio sentar-se a meu lado e

puxou conversa. Contei-lhe o acontecido, e ela achou graça do fato de

eu ter esperado tanto tempo pelos cientistas e da minha pena por não

os ter conhecido.

— É assim mesmo — explicou. — Eles nos observam, com

precisão, através de aparelhos especiais, enquanto nós nem os vemos!

— Vocês também se sentam naquela cadeira?

— Sim. Geralmente . quando adoecemos, fazemos um exame

desses.

— Ah! Foi por isso que Tálbor não se incomodou com a demora!

— Claro! Por ser pescador espacial, ele é obrigado a exames

periódicos. Só os muito sadios podem exercer essa profissão.

— E mulher, pode?

— Pode, sim. Mas eu não quero. Prefiro ser noticiarista, uma

atividade muito interessante para quem gosta de escrever, como eu.

Vou ter oportunidade de colher notícias, redigi-las, divulgá-las! Com o

avanço da ciência espacial, essa profissão assume importância cada vez

maior.

— Puxa, Telga! Você é formidável — exclamei com entusiasmo.

— Quando Tálbor regressa das viagens, ele me descreve os

outros mundos, o clima, os costumes, tudinho. Depois, aproveito as

informações e escrevo contos. Que tal?

Fiquei curiosa.

— Posso lê-los?

— Você sabe ler a nossa escrita? Se souber, eu até vou gostar,

porque comecei a escrever sobre a Terra.

Vibrei com a novidade.

— Oba! Que idéia genial, Telga! Mas, mesmo que eu não saiba

ler, posso ajudá-la, contando coisas interessantes. Você quer?

— Se quero!

— Em primeiro lugar, você precisa saber que a Terra é um

planeta com milhões de anos de existência. Gira em torno de uma

estrela que chamamos Sol — estrela de quinta grandeza! 'O Sol brilha

tanto que não se pode ficar olhando para ele!

— O nosso sol é Canópus, mas nunca o vemos — lamentou

minha amiga. — Vigo está sempre envolto em nuvens.

Prossegui:

— Temos um satélite, a Lua. Embora sem vida, ela é muito

importante, porque regula as marés de nosso planeta. Quando a Lua

está cheia, é bonita à beca! A coisa mais linda do mundo é uma noite

enluarada à beira-mar.

Telga estava presa às minhas palavras, fascinada. De queixo

caído, parecia sonhar com o que ouvia

— Fale do céu — pediu.

— O céu é azul de dia; o mar também.

— Céu azul? Deve ser maravilhoso! Lembrei-me das cores

sombrias da natureza viguense e tive pena de Telga.

— Mas quando chove fica cinzento.

— Como aqui?

— Mais ou menos.

Ela queria que eu continuasse a discorrer sobre a Terra.

— Fale do mar, por favor.

— Ah! O mar ocupa mais de dois terços da superfície do

planeta.

— Tudo isso? Aqui é meio a meio — informou. — Agora, diga:

qual é a superfície da Terra?

— Certinho, certinho, não sei. Mas é superior a 500 milhões de

quilômetros quadrados.

— Muito maior que Vigo! Deve ter milhões de habitantes, hem?

Esbocei um sorriso e já ia responder, quando Tálbor, que

escutava a conversa, deu um palpite quase certo:

— Não são milhões, minha irmã. São bilhões, provavelmente

cinco.

Ela voltou-se para ele.

— E qual o lugar mais bonito, mano?

— O Brasil! — respondeu, fitando-me de modo significativo. —

Especialmente uma certa praia, em noite de Lua Cheia.

Agradeci, encabulada.

— Bondade sua!

Tínger surgiu à porta e atrapalhou o bate-papo.

— Está na hora de jantar.

Durante a refeição, a família quis saber como se realizara a

minha primeira experiência no Centro de Ciências. Contei toda a

história, inclusive minha vã expectativa pelo aparecimento dos sábios!

Rimos juntos do episódio. E houve quem narrasse vários fatos, em

condições semelhantes.

Depois Tínger convidou-me para ver seus brinquedos.

— São todos eletrônicos — informou. Telga, porém, opôs-se:

— Nada disso! Ela vai ficar comigo aqui, para ler meus contos.

— E amanhã? — sugeriu o menino.

— Só à tarde — disse Tálbor. — Pela manhã, vou levá-la, de

novo, ao Centro de Ciências.

— Posso ir junto?

— Não, senhor! Aquilo não é lugar para crianças. Vendo-o

acabrunhado com os foras que levou,

prometi:

— Quando eu voltar, a gente brinca, está bem, Tínger?

Fiquei até tarde, sentada na sala, entre Telga e Tálbor, ouvindo

os contos que ela escrevera, já que não os sabia ler. Um deles, apenas

esboçado, tinha por cenário a Terra e por personagens uma jovem ter-

restre e um pescador espacial viguense.

— Que nome devo dar à heroína? — indagou.

— Celeste! — sugeri, pensando em homenagear minha amiga

distante.

— Você gosta? — perguntou ao irmão mais velho.

Ele nada respondeu. Puxou um cigarro do bolso, levou-o aos

lábios e, fumando silencioso e com ar pensativo, continuou a ouvir o

desenrolar do romance inacabado.

Fixei-o atentamente. Parecia um galã.

1122

No dia seguinte, conheci um viguense muito afável. Era moço

como Tálbor, magrinho e risonho. Falava muito, perguntava demais, por

dever de ofício.

No começo, pensei que fosse o namorado de Telga, pois notei

grande cordialidade entre ambos. Depois soube que era funcionário do

Centro de Ciências, como Zelfo. Enquanto este secretariava o Grão-

Sábio, Lau exercia a função de noticiarista da entidade: daí seu bom

relacionamento com Telga.

Chegou cedo à casa de Tálbor para entrevistar--me. Trouxe

autorização assinada por Zelfo. Logo que me viu, começou a elogiar-me:

— Uma moça bonita, hem, Tálbor! Além de eficiente, você

mostrou que é um rapaz de bom gosto!

Fiquei embaraçada, sem saber o que dizer. Ele insistiu:

— São todas bonitas assim?

Tálbor não deu resposta. Limitou-se a convidá-lo a sentar-se.

Telga veio assistir à entrevista e foi alvo de outra série de lisonjas.

Lau trouxera uma lista de perguntas. Mostrou-a a Tálbor, que as

leu em silêncio.

Sentei-me diante do noticiarista, com o coração batendo célere.

Não era pelo receio do que pudesse ser perguntado, mas pela

oportunidade de uma experiência nova. Até aquele dia, nunca fora

entrevistada!

O moço explicou, de início:

— Temos um relatório, assinado por Tálbor, sobre todas as

fases do trabalho que desenvolveu até a sua chegada a Vigo. Primeira

pergunta: Que sentiu, quando avistou o objeto voador diante de sua

janela?

— O que todo mundo sente: medo! Ele fazia um barulho

horrível!

— Contou a alguém o que viu?

— Não. Tentei, mas não tive coragem.

— Quando desconfiou que estava lidando com um ser

extraterrestre?

Voltei os olhos para Tálbor. Ele mantinha os seus voltados para

o chão.

— No primeiro instante — respondi.

— Teve medo dele?

— Pavor! — falei, com ênfase.

Acho que Tálbor estremeceu. Tive a impressão de tê-lo magoado.

Tratei, pois, de emendar:

— Foi só no começo. Agora, é diferente.

— Gosta dele, então?

A pergunta encabulou-me. Penso que corei, porque senti o rosto

quente.

— Dele e de todos aqui!

Lau voltou' ao assunto principal:

— É verdade que, na Terra, a maioria das pessoas afirma que

disco voador não existe?

— É sim, mas muita gente, ao contrário, conta que já viu, que já

falou com seus passageiros e, até, que foi levada por eles ...

— Como você!

— Pois é! — confirmei, com um sorriso amarelo.

— E o Governo o que faz?

— Que Governo? Na Terra, há muitos governos, e eles não se

metem nisso! As pessoas que acreditam, sim! Há associações que

congregam os que crêem na existência de discos voadores.

— Onde?

— Em vários países: França, Portugal, Estados Unidos... No

Brasil, por exemplo, há grupos que fazem vigílias, observando o céu,

para descobrir a passagem de objetos voadores.

— Boa notícia!

Telga meteu-se na entrevista.

— Neide, conte como são descritos estes objetos. Procurei

relembrar o que lera a respeito.

— Não há coincidência. Uns dizem que parecem bacias ou pires;

outros, que parecem balões, charutos e até moringas. As luzes também

variam. E os tripulantes? Há quem diga que são pequenos e verdes.

Tálbor e Lau entreolharam-se. Telga revelou mais:

— Dependem da origem, Neide. Há muitas naves espaciais de

outros planetas. Daí, as diferenças.

Fiquei muito surpresa.

— Nunca 'imaginei! — disse. — Aliás, até o começo de 1976,

pensava que os discos fossem marcianos .

Todos riram, e eu também.

Lau ainda tinha perguntas importantes a fazer. Com ar de quem

pretende arrancar um grande segredo, inquiriu:

— Agora, diga-me como são os discos voadores da Terra.

Tive vontade de chamá-lo de bobo.

— A Terra não tem!

— Como não? Já cruzamos com vários a caminho da Lua.

Compreendi a que se referia.

— As Apoios? Ah! Só vão até à Lua.

— Só? Fale a verdade.

— Juro!

Lau consultou o relógio e pôs-se de pé.

— Não posso prolongar mais a entrevista. Sei que tem de ir,

ainda hoje, ao Centro de Ciências, não é verdade? Muito obrigado pelas

informações. Foram excelentes!

Despediu-se. Telga foi levá-lo ao escorregador. Fiquei só com

Tálbor. Perguntei-lhe:

— Está na hora de irmos?

Ele me olhou com certo quê de piedade.

— Está — confirmou. — Gostaria de não ir? Aborreceu-me seu

jeito piedoso. Se tinha pena

de mim, por que me atraíra até Vigo? Fingi-me de forte. Sacudi

os ombros.

— Já que é preciso...

Meu descaso contagiou-o. Mudou de tom:

— Vou carregar a bateria do minidisco é volto para chamá-la.

— Posso ir já — retruquei.

— Se quiser! — respondeu, procurando mostrar-se indiferente.

Saímos juntos. Esperei que cuidasse do veículo e, depois, sentei-

me a seu lado, como se fosse uma estranha. No caminho, mal trocamos

algumas palavras. Dir-se-ia que estávamos zangados.

1133

O relógio de Tálbor marcava dez horas viguenses quando

chegamos ao Centro de Ciências. Como na véspera, não vi ninguém.

Desta vez, entretanto, não me surpreendi.

Entramos na mesma sala. No lugar da cadeira de braços,

computadora de reações simples, do dia anterior, encontrei uma esfera

transparente e vazia, com uma porta aberta. Compreendi que

realizariam o teste no interior dela.

— Vou? — perguntei a Tálbor.

Fez-me um movimento afirmativo de cabeça.

Banquei a corajosa e entrei na bola, sem hesitar. Quando,

porém, olhei para trás e o vi do lado de fora, senti-me perdida. Estendi a

mão para chamá-lo. Tarde demais! A bola fechou-se. As luzes

apagaram-se. E tudo girou à volta.

Senti-me como pena solta ao vento, leve e sem destino. Gritei de

medo, mas, suponho, ninguém me ouviu. Depois, um a um,

acenderam-se focos luminosos nas cores do arco-íris, todos dispostos

ao redor da sala. A bola transparente desapareceu. Vi-me colocada bem

no ponto de convergência das luzes, recebendo sobre mim o jato dos

sete focos acesos. Percebi, então, o que se passava: estavam tentando

reproduzir a luz branca da Terra. Por um minuto, alegrei-me — parecia

sentir o brilho e a tepidez do Sol!

Tão rápida como surgira, apagou-se a luz solar. O ambiente

tornou-se sombrio. Saído não sei de onde, apareceu a um canto um

diva. Entendi que deveria usá-lo. Deitei-me, sentindo-me tensa. Eis que

o leito começou a mover-se num suave embalo. Adormeci.

Jamais poderei saber o que se passou durante as horas em que

dormi. Só sei que, ao despertar, senti-me exausta, como se tivesse

trabalhado muito. Dentro de mim, uma sensação de vazio!

Ergui-me, vacilante. Divisei um vulto, de pé, no canto oposto e

reconheci-o imediatamente: Zelfo, o mal-encarado. Então esforcei-me

para não cair. E consegui caminhar até ele, de queixo erguido e olhar

desafiador. Detestava-o.

Zelfo, decerto, sabia da minha aversão, embora não o

demonstrasse.

— Por hoje, basta! Você necessita de recarga.

Apertou um botão, uma porta abriu-se, e apareceu Tálbor. Corri

para ele e pendurei-me em seu braço.

— Vamos embora! — implorei.

No caminho, apesar de cansada, contei-lhe toda a experiência.

Ele explicou-me quanto pôde. As provas tinham por finalidade verificar:

primeiro, os efeitos da ausência súbita da gravidade nos seres ter-

restres; segundo, o aspecto da pele à luz solar. E frisou:

— Um homem viguense não pode tomar banho de sol.

— Não? Que pena!

— Lau me disse que Zelfo está empenhado em descobrir a Teoria

da Mutação das Cores.

— E para que me fizeram dormir?

— Para pesquisar as funções de seu organismo e as reações de

sua mente. Foi um exame longo e profundo. Sua carga físico-mental,

que é limitada, ficou exaurida. Você precisa da pausa de algumas horas

para refazer-se. A este processo natural que, na Terra, vocês chamam

recuperação, nós, em Vigo, damos o nome de recarga. O tempo

necessário para a recarga físico-mental varia, no indivíduo, conforme a

pressão atmosférica e a força de gravidade do planeta de origem. Zelfo

calcula que você, habitante da Terra, precisará de oito a dez horas

viguenses para recarga completa. Só depois voltará a ser submetida a

novos testes.

— Quanto tempo gasta um ser do seu planeta para obter essa

recarga físico-mental?

— Muito menos. A pressão atmosférica e a gravidade de Vigo

estão sob controle. Nosso progresso científico pôs em equilíbrio as

influências do meio. Nas pessoas sadias, a recarga é quase automática.

— Espantoso! Você nunca fica exausto?

— Nunca!

— Que coisa absurda!

— Absurda? Vocês, na Terra, ignoram muitas das próprias

peculiaridades, especialmente no que se refere à força mental. Só o

progresso científico fará com que compreendam.

Vendo-me espantada diante do que dizia, esclareceu :

— Estou falando de seres humanos, adultos e sãos, em

condições normais, entende?

Em tom de pesar, acrescentou:

— Posso verificar que há um abismo entre terrestres e

viguenses. Não pensei que duas horas de testes chegassem a esgotá-la.

Se tivesse que viver aqui, sua capacidade vital seria insuficiente.

Olhei-o, muito admirada. Que pretendia dizer com a frase "Se

tivesse que viver aqui. .."? Ele prometera levar-me de volta à Terra!

Tálbor notou meu desapontamento.

— Estou falando em tese, Neide! Não temos a menor intenção de

retê-la em Vigo. Da mesma forma, se eu quisesse permanecer na

Terra...

— Seria um super-homem! — exclamei.

— Ou uma bomba humana! Quem sabe? Estávamos chegando a

casa, e Tínger esperava--me, ansioso, para brincar, como eu prometera.

— Esta recreação vai lhe fazer bem — comentou Tálbor.

O menino conduziu-me à sala dos brinquedos eletrônicos. Fiquei

encantada! Era um universo em miniatura. Eu quis logo procurar a

Terra. Ele me indicou os dois planetas, Terra e Vigo. Tão distantes entre

si!

— Puxa! — reparei. — São mundos opostos! Depois, Tínger

exibiu sua coleção de veículos espaciais; todos do tamanho de caixas de

fósforos, mas perfeitamente idênticos aos reais. Peguei o Apoio, o

Sputnik, o Soyuz, o Viking.

Mostrou-me também a variedade de ufos. Eram ou circulares,

como pratos; ou bojudos, como balões; ou compridos, como charutos;

ou ainda cúbicos, como dados.

Contou-me uma coisa que me deixou estarrecida:

— Estas naves cúbicas são do planeta Raz, onde os homens são

pequenos e verdes. Sabe por quê? Têm clorofila na pele. Ouvi Tálbor

dizer que eles são meio gente, meio planta.

1144

As experiências científicas prosseguiram por vários dias, sempre

na parte da manhã. À tarde, ficava livre, para fazer o que me agradasse.

Pedi aos meus amigos viguenses que me levassem a passeios.

Desejava conhecer a capital e. se possível, outras metrópoles de Vigo.

Aproveitando o dia da folga semanal, fizemos um piquenique

numa cidade subviganea. Tomamos o subtrem e fomos até ao lago

artificial.

Uma experiência inesquecível! Nunca pensei que pudesse existir,

sob o chão, exatamente tudo o que existe em cima. As casas eram

confortáveis, o meio de transporte excelente, e havia parques, museus,

bibliotecas, igrejas, teatros, escolas...

O lago artificial, maravilhoso, tinha barquinhos a motor e

submarinos panorâmicos. Embaixo da água, havia reproduções de

seres marinhos de diversos planetas. Vibrei de entusiasmo, quando

reconheci a baleia, a tartaruga, o peixe-espada e outros.

Telga levou um cozinheiro automático — espécie de robô, onde

se despejam os ingredientes da comida, por um lado, e, pelo outro, se

retiram os pratos feitos.

Lau fez parte do grupo. Não se afastou de mim um segundo

sequer, cheio de mesuras e lisonjas. Perguntou-me:

— Você tem namorado?

Pensei em Flávio e quase disse que sim. Como não gosto de

mentir, fiquei calada, e ele, julgando que eu considerasse Tálbor meu

namorado, cochichou-me :

— Eu sei de tudo. Ele está doido de ciúmes! Não era verdade.

Lau queria fofocar e ficava inventando histórias. Nesse mesmo instante,

Tálbor divertia-se, jogando bola com Tínger. Nem parecia notar a

presença do noticiarista ao meu lado!

Mais tarde, Telga tirou retratos. Que decepção! Não apareci em

nenhum; via-se apenas a roupa, de tecido viguense.

— Pudera — disse Lau. — Esta câmara só serve para pessoas e

coisas de nosso planeta!

À hora de vestirmos os trajes de banho, aí sim, reparei a

diferença entre mim e eles! Minha pele, cor de mel, queimada do Sol; a

deles, da cor ambiente, branco-gelo. Lembrei-me de que as figuras dos

nossos museus de cera pareciam mais humanas. A iluminação no

subsolo, por processos ópticos, reproduzia a de fora, e eles se

mantinham, como ao ar livre, excessivamente pálidos. Em casa, com as

lâmpadas acesas, tomavam uma coloração, mas jamais se as-

semelhavam a nós. Por isso eu gostava de ver Tálbor fumar — o rubor

da chama deixava-lhe o rosto meio rosado, e eu julgava ver nele uma

pessoa da Terra!

Ao fim da tarde, resolvemos regressar. Logo veio a noite, e meus

amigos começaram a escurecer. Só não ficaram negros de todo, porque

as ruas eram iluminadas.

Na viagem, observei que os rapazes conversavam a um canto do

trem. Tálbor sorria, de leve, enquanto escutava a tagarelice de Lau.

Pouco depois, veio sentar-se junto a mim para revelar o que ouvira:

— Sabe o que ele me contou a seu respeito? Que os primeiros

resultados dos testes foram ótimos. Os registros indicam que você pode

suportar uma prova mais demorada.

— Isto é bom? — perguntei.

— Muito! Diminui seu tempo de recarga físico--mental,

permitindo-lhe uma permanência longa fora de seu mundo, em

absoluta segurança.

— Ah! Não me interessa, Tálbor! — disse, com espontaneidade.

Senti que a frase o contrariara. Respondeu, no mesmo tom:

— Interessa muito mais do que você possa imaginar! Será que

você não entende? É uma conquista universal, a equiparação de dois

mundos diversos, a igualdade de seres humanos diferentes! Levou as

mãos à cabeça. Insistiu:

— Preste atenção! Nem você pode ficar aqui muito tempo, nem

eu posso prolongar minha estada na Terra. Falta-nos capacidade vital

para suportar as diferenças. Mas, se os estudos derem certo, os ha-

bitantes da Terra poderão viver em Vigo; os de Vigo, poderão ficar na

Terra! Isto não significa nada para você?

Eu o olhava, entre surpresa e assustada.

— Significa, sim! — falei, sem convicção. — É uma grande

conquista para seu povo.

— Para o seu também!

— Para o meu, não! — protestei. — Nós não temos meios de vir

até aqui. . .

Ele continuava agitado.

— Vamos buscá-los! — exclamou.

— Vocês? — dei uma risada. — Você pensa que, como eu, vão

acreditar nas suas palavras? Duvido! Na Terra, quase todo mundo tem

má vontade com disco voador. É até ridículo!

— Ridículo, por quê?

— Não sei por quê, mas é! Se alguém fala que viu alma do outro

mundo, o pessoal acredita; se fala que viu disco voador, faz zombaria.

Quer saber de uma? Disco voador é como as lendas, que o povo ouve e

repete, mas não dá crédito.

Tálbor não estava convencido.

— E você? Que fará, quando chegar à Terra?

— É no que tenho pensado muito. Conto ou não conto? Até

Celeste, minha amiga, é capaz de não entender.

Ele voltou ao assunto dos testes:

— Para nós, tudo o que está acontecendo é sério e importante.

Por isso, estou contente com o resultado.

— Então, conte comigo! — arrematei, pousando minha mão

sobre a sua.

O subtrem acabava de chegar à porta subterrânea da casa de

meus amigos. Descemos do veículo e subimos à moradia. Lau despediu-

se, cheio de bajulações, como sempre.

Tálbor advertiu-o:

— Acho melhor não espalhar o que me contou. Enquanto o

Grão-Sábio não autorizar, os resultados devem ser mantidos em sigilo.

Depois que ele se foi, comentou comigo:

— Não é mau esse rapaz, mas fala muito. Às vezes até o que não

deve!

Telga e Tínger descreveram para os pais o piquenique. Ela

mostrou os retratos que havia tirado.

— Vejam só! A Neide não aparece! — falou o menino.

— Sabe o que vou fazer? — disse Telga. — Vou pedir ao Lau

uma câmara que sirva para você. Quero fotografá-la. Quando você

partir, guardarei a lembrança destes dias tão bons!

— Posso pedir uma coisa? — perguntei.

— Tudo! — foi a resposta dela.

— Dê-me uma dessas fotos. Quero levá-la comigo para a Terra.

— Tire a que quiser!

Entregou-me todas. Sentei-me para observá-las com calma. E

estava entretida a escolhê-las, quando o videofone tilintou.

Tínger correu, para acendê-lo. Era Zelfo. Tinha um recado para

Tálbor:

— Esteja dentro de duas horas a bordo da nave número trinta e

três.

Fiquei atônita com o chamado. Olhei para ele, à procura de

explicação. Pareceu-me perturbado. Telga indagou:

— Vai levar a Neide de volta?

— Desta vez, não!

Olhou-me, profunda e demoradamente. E concluiu:

— Fique tranqüila!

Partiu sem que antes eu lhe dissesse uma só palavra. À noite, na

cama, chorei, pensando em mamãe, papai, Celeste e todo o pessoal da

Terra. Acho que foi também pela ausência de Tálbor. Sem ele, eu não

saberia viver no planeta Vigo.

1155

— Neide! Neide! Você está chorando?

Olhei para a porta aberta do quarto. Apesar da escuridão

reinante, pude ver, pela roupa clara, que Telga ali se encontrava. Quis

disfarçar, mas não pude.

— Não é nada! — respondi, fungando.

Ela soprou o comutador — é como se faz em Vigo — para

acender a luz. Sentou-se ao pé da cama, enquanto eu enterrava o rosto

no travesseiro para abafar os soluços.

— Que aconteceu? Diga! — insistia, — Você esteve tão alegre o

dia todo! Agora, começa a chorar.. .

— É saudade, Telga ... Saudade de casa ... Chorei alto, sem pejo

e sem dissimulação. Ela se inclinou e me tocou os ombros suavemente,

procurando consolar-me.

— Saudade? — repetiu. — Você quer dizer falta?

— Quero! Falta de mamãe, de papai, de todos...

— De Tálbor?

Virei-me, num salto. Enxuguei o rosto nas mangas do pijama.

Tive vontade de negar, de dizer que não me importava, nem um

pouquinho com a ausência dele. Mas, por que mentir, se lhe sentia a

falta mesmo? E até receio de permanecer ali, sabendo-o distante!

Desabafei-me com ela. Contei-lhe toda a história de nós dois,

inclusive do horror que ele me causara, à primeira vista, por ser

prateado.

— Prateado, como?

— O luar é uma luz prateada, entende? Telga olhava-me de

modo equívoco,

— Gostaria de entender. Gostaria mais ainda de ver!

— O luar?

— Tudo! Se pudesse...

— Ah! — exclamei. — Você veria o nosso céu, o Sol, que parece

uma bola de fogo; a Lua, que parece um disco de prata; as estrelas, que

parecem velas acesas ao longe. . . E as pessoas? São muito diferentes.. .

— Eu sei. Tálbor já me contou como são. Ela esboçou um

sorriso.

— Quem diria que você ia sentir falta dele um dia, hem? Onde

ficou o horror que ele lhe inspirou?

A essa altura da conversa, recordei os primeiros instantes de

nosso encontro. Confessei:

— Não sei! Sou muito curiosa, Telga! Não resisti à tentação de

averiguar a verdade. Eu bem que desconfiava que ele não era terrestre,

mas fui em frente!

— Agora, está arrependida, não é?

— Oh, não! — exclamei, com sinceridade. — Arrependida, não!

Valeu a pena conhecer vocês. Estou só com saudade.

Exemplifiquei:

— Imagine-se na Terra uma porção de tempo!

— Ah!

— Aliás, — acrescentei — você bem que podia ir!

— Para meter medo às pessoas? — pilheriou.

— Não! Para visitar-me.

— Boa idéia! Quem sabe se o Tálbor me leva, ao menos uma

vez?

— Ia ser legal! — falei, entusiasmada.

Depois, lembrei-me do rebuliço que haveria em casa com a

presença de uma hóspede viguense. E comentei a saudade que ela ia

sentir, se ficasse algum tempo na Terra.

— Para nós, isto não é problema, Neide! Temos a Pedra de Vigo!

— Pedra de Vigo? — indaguei curiosa. — Que negócio é esse?

— Tálbor não lhe mostrou?

Continuei na expectativa. Ela, então, foi ao quarto buscar um

broche com uma pedrinha, branca como neve, lisa como seixo, circular

e miúda como um botão de camisa. Colocou-o na palma da minha mão.

— Veja! Esta pedra emite radiações, quando fora de Vigo. É um

meio de localização a distância. Nós todos a temos. Se um viguense, na

Terra ou noutro planeta, se vir em dificuldades, ele pode entrar em

contato com a nave mais próxima. A pedra emite ondas que indicam o

lugar exato onde ele se encontra.

Vendo-me boquiaberta de espanto, perguntou:

— Dá para compreender? Por exemplo, se eu for à Terra, levo o

broche. Se sentir saudade, estabeleço contato com uma nave, envio

uma mensagem para casa e recebo notícias.

Pulei da cama, excitada.

— Diga como funciona.

— É só aquecer a pedra, friccionando-a.

— Que maravilha! — comentei. — Ah, se eu tivesse uma...

Telga começou a rir.

— Adivinhona! — exclamou. — Tenho uma para lhe dar, sim!

Sabe por quê? Quando penso na sua partida, fico com pena. Mas, um

dia, você vai ter que ir embora. Levando a pedra, você se comunica com

a gente.

Fiquei radiante com a sugestão.

— Posso levar mesmo? E onde está? — eu ardia de curiosidade.

Ela segurou-me uma das mãos, tirou do bolso do pijama um

anel pequeno e o colocou em meu dedo mínimo. A pedra era igualzinha

à sua: branca, leitosa, sem brilho e até feia!

— Comprei-o ontem, pensando em sua ida. Fiquei olhando o

anel, encantada com ele como

se fosse a maior jóia do mundo.

— Tálbor também usa, não é? — perguntei.

— Usa, sim, no cinto.

Compreendia, agora, por que as naves espaciais de Vigo sabiam,

exatamente, em que lugar se encontrava cada pescador espacial.

Lembrei-me dos painéis que focalizavam Paris, Tóquio, Nova Iorque e

outras cidades da Terra. Que pedrinha fabulosa! — pensei, excitada

com mais essa novidade.

— Puxa! — reclamei. — Seu irmão nunca pensou em me dar

essa pedra.

Ela justificou:

— Ele tem mais juízo que eu, não revela segredos a seres de

outros planetas. Mas, para mim, você já é um pouquinho viguense,

sabe?

— Eu? — comecei a rir. — Tálbor me disse que não tenho

capacidade vital para ser viguense.

Acabei de falar e lembrei-me dos testes a que deveria submeter-

me ainda. Queixei-me:

— Ah, Telga! Amanhã, tenho de ir ao Centro de Ciências,

sozinha. Vai ser horrível!

Ela prometeu:

— Não vai, não! Peço ao Lau que a leve. Ele vai adorar ir com

você!

Aceitei o oferecimento, porque não havia outro remédio, não

queria ir só. Quanto ao Lau, pouco me importava que adorasse sair

comigo. Eu não sentia nada em relação a ele.

1166

Acordei cedo, apesar de ter dormido muito pouco naquela noite.

Havia dois grandes motivos para não ter sono. O primeiro era a

novidade da Pedra de Vigo, que me fez sonhar acordada horas a fio; o

segundo, a ida ao Centro de Ciências sem a companhia de Tálbor, o que

me desencorajava.

Enquanto tomávamos a refeição matinal, Telga cochichou-me:

— Já contei a meus pais o que fiz. Eles aprovaram.

Sabia que falava do anel em meu dedo. Nem quis pensar no que

diria Tálbor, quando soubesse que ela me dera uma Pedra de Vigo!

— Acho melhor você não usá-lo aqui — aconselhou-me ela. —

Se Lau o vir, vai botar a boca no mundo!

Estava certa. O noticiarista não perdia ocasião de fofocar.

Poderia denunciar Telga, e o anel seria confiscado.

— Tem razão — respondi e fui correndo ao quarto para guardá-

lo.

Lau chegou pouco depois. Trouxe a câmara fotográfica especial

para mim. Explicou:

— É a que usamos para objetos e seres de outros planetas.

E, puxando-me pela mão:

— Vá vestir sua roupa terrestre, beleza!

Em meia hora bateu uma porção de fotos. Entregou-me a

maioria delas. Reservou algumas para si e disse, com sorriso amarelo:

— Faço coleção de retratos de moças bonitas, sabe?

Deixei todas as minhas nas mãos de Telga.

— Escolha as que preferir.

— Vou tirar uma para Tálbor também, posso? — perguntou.

— Claro! E para Tínger, se ele quiser. O menino ficou

interessado.

— Quero, sim! Você é a melhor hóspede que já tivemos. Nunca

ninguém de outro planeta brincou comigo.

E indagou:

— Quando é que a gente vai brincar de novo?

— Qualquer dia, Tínger! Lau chamou-me da porta:

— Vamos, beleza! Está na hora dos testes.

Olhei ao redor, com pena de sair. Gostava de estar naquela casa.

Por minha vontade, não iria a lugar nenhum, especialmente sem Tálbor.

— Vamos — acedi, com desânimo.

No minidisco, ele voltou a cortejar-me:

— Sabe que você tem os olhos mais bonitos que já vi?

— Obrigada.

— E os cabelos também!

— Obrigada — respondi.

— Se você não fosse a namorada de Tálbor, eu a convidava para

ir comigo ao teatro esta noite.

Não dei importância à insinuação.

— Não sou namorada de ninguém!

— Então, aceita?

Pensei como seria enfadonho aturar-lhe os galanteios por mais

tempo que o indispensável. Ir ao teatro, porém, era algo que gostaria de

fazer.

— Eu, você e Telga, está bem?

— Ótimo! Após o jantar, estarei lá, para buscá-las.

Passei toda a manhã no Centro de Ciências. Fui submetida a

provas de avaliação dos sentidos: visão, olfato, paladar, tato e audição.

Depois repetiram comigo o teste da esfera transparente e das luzes do

arco-íris. Desta vez, não me perturbei com eles.

Zelfo apareceu entre a primeira e a segunda parte das

experiências. Veio trazendo instrumentos para auscultar-me o cérebro

— e não o tórax, como se faz na Terra. Nem sequer me disse "olá". Para

ele, eu não passava de um espécime a ser pesquisado. Pouco me

importei. Para mim, ele não passava de um careta!

À noite, um espetáculo surpreendente! O teatro de Vigópolis

apresentava artistas e cores numa pantomima. Assisti a uma peça

representada por seres multicoloridos cujo tom variava conforme a

intensidade dramática ou satírica da cena. Aproveitando-se da mutação

de cores da pele, utilizavam-na para expressar sentimentos diversos.

Vestiam roupas sumárias que deixassem à vista a maior parte da

epiderme, o que significava mais para o espetáculo do que belos trajes.

O efeito era conseguido graças a inúmeros focos luminosos. Observei

que o vermelho exprimia coragem; o azul, amor; o amarelo, tristeza; e o

verde, alegria.

Enquanto apreciava a cena, refleti no porquê da obsessão dos

viguenses pelas luzes e pelas cores. "Está na cara", concluí, com bom

humor.

— Gosta? — perguntou Lau, com os lábios quase tocando-me a

orelha.

— Acho lindo! — respondi, esquivando-me dele. Na volta,

conversamos a respeito de Tálbor. O noticiarista contou-nos que ele

estava viajando, para pesquisar as atividades dos terrestres em Marte.

— Há veículos espaciais da Terra pousados no planeta

vermelho. Você sabia?

— Sabia — respondi. — Mas não são tripulados.

— Ah, não? — piscou um olho para mim. — Você está

mentindo, beleza!

— Eu? — protestei. — Por que haveria de mentir? Estou dizendo

o que li nos jornais. Quando Talbor voltar, você saberá que não sou

mentirosa. Ele procurou desculpar-se:

— Faz parte da minha profissão duvidar de tudo e de todos.

Voltei-me pra Telga.

— Você pretende agir assim também, quando for noticiarista?

— Oh, não! — respondeu sem hesitar. — Lau é um fofoqueiro

incorrigível!

Caímos na risada. Ele não se ofendeu com as palavras de Telga.

Decerto, considerou a frase um elogio.

Ainda sorridentes, chegamos a casa. Despedimo-nos de Lau e

subimos pelo escorregador. Na sala, encontramos a mãe de Telga a

nossa espera. Parecia preocupada.

— Acabei de saber que o Grão-Sábio está passando muito mal.

Zelfo assumiu, provisoriamente, a direção do Centro de Ciências —

contou.

A notícia deixou-me aturdida, como se tivesse levado uma

pancada na cabeça. Nada poderia ser pior. Zelfo era, em Vigo, a única

pessoa que eu temia.

1177

O Grão-Sábio, por suas qualidades, podia ser comparado a uma

combinação de homens famosos da Terra, como Pasteur, Fleming,

Sabin, Von Braun, Einstein, Carlos Chagas, Osvaldo Cruz, César Lattes

e outros. Embora nunca o tivesse conhecido pessoalmente, admirava-o

pelo seu saber incomensurável. Em qualquer parte de Vigo, falava-se

dele sempre com respeito e devoção. O governo reverenciava-o. A ele o

povo devia quase todas as conquistas científicas, algumas, inclusive,

incompreensíveis para nós.

Das que mais a empolgavam, Telga citou-me:

— As naves interplanetárias, o metal sintético e a levitação.

— Levitação? Não é natural?

— Não. Depende de treinamento, mas é tão agradável!

E Lau revelou-me:

— O metal sintético é paratérmico.

— Paratérmico? Nós dizemos antitérmico.

— Não é a mesma coisa. Paratérmicos são os materiais que nos

protegem contra as agressões térmicas externas, transformando-as em

temperaturas compatíveis à nossa vida.

— Formidável!

Muitos outros empreendimentos notáveis foram revelados por

ambos:

— Nas cidades subvigâneas cultivamos todos os gêneros

alimentícios à luz artificial.

— O trabalho não nos cansa, em decorrência do processo

automático de recarga físico-mental.

— A água que bebemos e o ar que respiramos estão livres de

poluição, graças aos nossos laboratórios de purificação.

— O Grão-Sábio é um gênio! Dedicou toda a vida ao estudo.

Fundou o Centro de Ciências, comprovou teorias, ensinou-as aos

outros. E só trabalha para o bem da humanidade!

— Puxa! — exclamei. — Este homem é o maior!

A conversa entabulara-se no minidisco, de manhã, enquanto

viajávamos para o Centro de Ciências. Telga resolveu acompanhar-me

até lá e ficar a minha espera, do lado de fora, certamente para

encorajar-me.

— Você está muito apreensiva! É por causa do Zelfo? —

perguntara, cedo, ao ver-me demasiado agitada.

Não neguei. Todo o meu ser era uma pilha de nervos!

Lau também estava excitado, se bem que por outro motivo. A

doença do Grão-Sábio oferecia um prato cheio de assuntos para sua

tagarelice, embora a notícia não tivesse sido ainda divulgada.

Ali, no interior do veículo, podia falar com liberdade:

— Uma criatura boníssima! — exclamou, referindo-se ao

enfermo. — Apesar de ser importante, é simples, dispensa honrarias.

Tem um lema: "A Ciência a serviço do homem."

— E o Zelfo? — perguntei. — Qual o seu lema? "O homem a

serviço da ciência"?

Lau e Telga riram muito. O noticiarista pilheriou:

— "O homem e a ciência a serviço de Zelfo"! Soltou uma risada

sonora.

— Estou brincando, hem? Ele é meu amigo, mas, infelizmente,

muito vaidoso.

— É o oposto do Grão-Sábio, como diz meu irmão — comentou

a moça. — Não sei como pode substituí-lo.

Lau defendeu-o:

— É competente e dedicado!

— Tomara que o Grão-Sábio fique bom depressa! — disse eu,

expressando meu mais sincero voto.

— Tomara mesmo! — concordou Telga. Nunca me senti tão

exausta após os testes como nesse dia. Nem tão confusa! É bem

verdade que nunca fora submetida a tantas provas difíceis! A pior delas

foi a do índice de Capacidade Vital Comparativa. Tálbor já me havia

descrito a experiência, e pude reconhecê-la. Entretanto, fracassei.

Tenho certeza de que causei grande decepção aos especialistas .

Zelfo entrou qual uma fera no laboratório onde me encontrava e

olhou-me como se eu fosse um verme. Conferiu os dados dos painéis,

tomou anotações, chamou um auxiliar.

— Deve ser o secretário interino — pensei. Observei o

homem: pequeno, gordo, barrigudo, porém simpático. A primeira coisa

que fez, ao entrar, foi cumprimentar-me com modos educados. Pensei

em dizer-lhe que o resultado obtido na pesquisa era falso, que fora

provocado pela depressão em que me encontrava desde a véspera à

noite. Lamentavelmente, seria impossível explicar-lhe o motivo.

Vi-o sair preocupado, e fiquei triste. Quais seriam para mim as

conseqüências das provas mal sucedidas? A calcular pela cara

amarrada de Zelfo, podia aguardar a pior. Se, ao menos, Tálbor esti-

vesse perto de mim, para tirar-me as dúvidas! Afinal, só por ele eu fazia

tanto sacrifício, dia após dia, sem reclamar!

Saí do Centro de Ciências muito mais inquieta do que quando lá

entrei. Quase não consegui conversar com meus amigos. Lembro-me de

que só me interessei por uma coisa: saber quem era o homem gordo e

barrigudo, de maneiras gentis.

— É Mingo, o novo" secretário — informou Lau. — Homem de

valor! Já ganhou vários prêmios de Ciências, como Zelfo, mas não ficou

vaidoso.

— Penso que ele é quem deveria substituir o Grão-Sábio —

opinei.

Depois, permaneci calada o resto da viagem. Entendi quando

Telga perguntou a Lau:

— Você acha que o Grão-Sábio vai morrer?

— Ele está tão velhinho!

— Tálbor já foi avisado?

— Não, porque Zelfo não quer que se interrompam as atividades

programadas.

— Fica tudo como estava? Ele deu um muxoxo.

— Nem tudo! — exclamou.

Não dei importância ao que diziam. Sentia-me cansada,

aborrecida e triste. Queria chegar a casa, recolher-me ao quarto e ficar

só com meus pensamentos. A meditação, após o fracasso, é ótimo

remédio; ajuda a aceitar a derrota e a revigorar o ânimo.

Se fosse verdadeira a teoria da recarga físico--mental, como

afirmavam os viguenses, eu poderia ficar bem disposta, dentro de

algumas horas. E mostraria àquele brutamontes, na próxima vez, que

os terrestres são gente de fibra.

1188

Não cheguei a realizar meu intento. O dia seguinte foi cheio de

situações imprevistas, a começar pela chegada intempestiva de Lau às

seis horas da manhã.

Quem se levantou para atendê-lo foi Telga. Eu também já estava

acordada, pensando nas dificuldades que me envolviam. Sabia que a

culpa era minha. Se não fosse curiosa, não me teria metido numa en-

crenca tão grande. Agora precisava sair dela com dignidade.

Enquanto meditava, tinha nas mãos os objetos que ganhara de

Telga e de Tálbor: o anel com a Pedra de Vigo e o aquecedor corporal

que recebera à minha chegada. Ambos eram valiosos. Quando eu vol-

tasse à Terra, serviriam para comprovar a história que ia narrar.

Pressenti movimento na sala e tratei de levantar-me, pensando

que Lau viera mais cedo por ordem de Zelfo. Decerto, o mal-encarado

pretendia repetir as provas da véspera, para comparar os resultados.

Guardei os objetos, recolhi a cama à parede, arrumei-me e dirigi-

me à sala. Antes, porém, de lá chegar, uma frase de Lau, captada por

mim ao acaso, gelou-me da cabeça aos pés:

— Ele vai tirar-lhe a pele.

Estaquei, horrorizada. Tirar a pele? De quem? A minha? Mas era

uma idéia absurda, uma monstruosidade! Não podia crer! Zelfo não

tinha o direito de sacrificar-me!

Entrei na sala, mais pálida que eles, com as pernas bambas de

pavor. Os dois perceberam logo que eu sabia da notícia. Correram para

amparar-me. Enquanto Telga puxava um sofá para recostar-me, Lau

começou a falar à beca:

— Não se preocupe, que eu não vou deixar! Desde ontem, à

noite, que sei disto. Ele me contou a intenção que tem: fazê-la dormir e

retirar parte de sua pele para exames. Zelfo quer decifrar o mistério da

mutação de cores de nossa epiderme e acha que precisa analisar a sua.

Fiquei num dilema atroz, sem saber o que fazer. Se guardasse segredo,

em benefício da ciência, que seria de você? Eu sei que o Grão-Sábio

jamais permitiria uma experiência dessas, mas Zelfo agora tem o poder

nas mãos. Infelizmente, é frio e calculista. Para ele, você representa

apenas material de pesquisa...

— Cobaia! — completei, com voz chorosa.

— Não se assuste! — interveio Telga. — Lau não vai deixar que

isso lhe aconteça, não é, Lau?

— Evidente! Pensei a noite toda, quase fiquei maluco de tanto

pensar! Uma pequena bonita como você, de quem a gente gosta tanto,

ser descascada como se fosse um fruto? De jeito nenhum! Mas, melhor

que discutir com Zelfo, é deixá-lo na mão. Já resolvi tudo!

— Quê? — indaguei.

— A fuga!

— Fuga?! — repeti, cheia de esperança.

— Exato! É a única saída. Tenho tudo articulado. Você vai voltar

a seu planeta. E quanto antes melhor!

— A Terra? — suspirei, aliviada. — Que bom!

— Preste atenção! Vamos sair daqui agora. tomar o subtrem e

descer numa cidade litorânea, onde há uma base de naves

interplanetárias. Lá, um de meus irmãos — Lio — é comandante

espacial. Já videofonei a ele, dizendo que preciso de ajuda. Ele nos

aguarda.

Telga prosseguiu a explicação:

— Às dez horas, mais ou menos, aviso o Centro de Ciências de

que você está ainda esgotada e pede licença para ir à tarde. Vocês terão,

pelo menos, oito horas livres. Que tal?

Abracei-os, comovida. Cheguei a beijá-los, como se fossem meus

irmãos.

— Quanta bondade! — exclamei.

Depois, perguntei se não temiam as conseqüências por conspirar

contra o progresso científico de Vigo.

— Não creio que nos aconteça grande coisa — disse Lau. —

Mingo é contra a idéia de Zelfo. O Grão-Sábio ainda está vivo, prevalece

a sua orientação. Ele jamais...

— Eu sei, é boníssimo! — atalhei.

Telga preparou-nos uma refeição ligeira. Fui ao quarto para

buscar os presentes que havia ganho. Tomei a fotografia do piquenique

para levá-la também. Fitei-a por alguns segundos, pensando em Tálbor,

ali tão risonho naquele dia, sem desconfiar de que era o último em que

nos veríamos. Naquela mesma noite, viajara. Quando voltasse, não me

acharia. Disso eu tinha pena. Preferiria regressar à Terra, como viera,na

companhia dele.

Coloquei os objetos no bolso. Abracei minha amiga e

recomendei:

— Diga aos outros que levo saudades. Diga a Tálbor...

A voz falseou. Enrubesci. Lau interpretou:

— Diga a Tálbor que ela gosta muito dele!

Descemos pelo escorregador ate ao subsolo e tomamos o

subtrem da casa.

— São sete horas — informou ele. — Por sorte, não estamos no

verão nem no inverno. Quase ninguém se utiliza dos caminhos

subvigâneos nesta época. Poderemos tirar vantagem disto. Antes do

meio-dia, chegaremos à base.

Durante a viagem, para distrair-me, Lau contou casos de sua

infância e episódios da História de Vigo. E referiu-se à origem do

homem. Segundo eles, o ser humano não veio do macaco; as pessoas de

qualquer planeta do Universo são descendentes dos deuses

astronautas.

A cidade litorânea dividia-se em duas partes: uma, balneária,

para recreação do povo à beira--mar; outra privativa das naves

interplanetárias.

Para esta nos dirigimos, utilizando a pista rolante, idêntica à de

Vigópolis. Quando lá chegamos, Lio já se encontrava a nossa espera.

Recebeu-nos cordialmente e, após ligeira conversação com Lau, propôs-

se a ajudar-me.

— É justo. — disse — Não se pode aceitar que Zelfo abuse da

autoridade que tem.

Feitas as despedidas, embarcamos no disco voador, eu e o

comandante. Rápido, ele acionou o motor para a decolagem. Em poucos

minutos, Vigo nada mais era que uma luz branca e pálida, na

imensidão negra do espaço sideral.

1199

Uma hora fazia que viajávamos, entretidos a conversar. Lio, um

homem alto, calvo e maduro, gostava de bater papo, contar casos e

fazer perguntas, tal como o irmão. Para mim foi ótimo ter com quem

trocar idéias. Enquanto conversávamos, a viagem ia prosseguindo, e eu

não sentia o tempo passar.

— Sou estudante — contei. — Pretendo dedicar-me aos astros.

— Vai ser astronauta?

— Oh, não! Astrônoma..

— Ah! Meu filho mais velho vai seguir essa mesma carreira. Já

está fazendo o curso, lá no Centro de Ciências em Vigópolis.

— E ele gosta do Zelfo? — perguntei, lembrando-me da cara

antipática do famoso cientista.

— Mais ou menos. Diz que é um ótimo professor, porém muito

ríspido. O mais querido de todos os mestres é Mingo.

— Está certo! — exclamei. — Ele não é mau nem posudo!

Acabei de falar e tomei um susto.

— Vai bater! — gritei.

O comandante também vira o perigo. Uma nave de forma cúbica

aproximava-se velozmente da nossa. Pelo jeito, pretendia atingir-nos.

Ele, então, manejou pinos e alavancas, para proteger o veículo sob sua

direção.

Desviou-se a tempo. O cubo passou por nós como um foguete.

— Não pensei que fosse encontrar esta gente na viagem —

contou.

— Senão teria vindo noutro disco mais novo. Este é muito bom

para o vôo, tem muita estabilidade, mas não possui os aparelhos mais

modernos: Radar de Longo Alcance, Raio Ultralux, paralisante...

— Já conheço! — pensei.

— ... Campo de Força Tangencial!

— Campo de força, o quê?

— Tangencial! Uma espécie de armadura invisível . Tudo que

nele toca, sai na tangente, sem atingir a nave.

— Ah! Isto é bom! — respondi, mas logo me lembrei de que não

tínhamos a proteção do tal campo de força, e fiquei preocupada. O

homem deu-me explicações:

— Estes veículos cúbicos são do planeta Raz.

— Eu sei. Tínger, o irmão de Tálbor, já me contou. Disse-me

até que os habitantes são meio gente e meio planta!

— De fato! É um povo detestável, sabe? Acontece que, nesta

época do ano, nunca saem do planeta, porque é o tempo das chuvas por

lá. Por isso, não pensei em encontrá-los no caminho. No estio, eles

enchem o Universo com seus dados coloridos. Vão buscar água e

alimentos em outros mundos. São bandidos do Espaço!

— Será que tentavam...

Não terminei de falar. Tive um arrepio, só de pensar que pudesse

ser seqüestrada por aqueles bandidos!

— É verdade que são verdes? — indaguei, com voz trêmula.

O comandante não pôde responder. O cubo luminoso surgiu,

novamente, e veio direto para nós. Em vão, Lio tentou escapulir. A nave

de Raz, como se fosse um ímã, atraiu a nossa.

Por alguns minutos, as duas ficaram unidas. Um ser semi-

humano, pequeno e verde, com cabelos de folhas e mãos e pés que

pareciam raízes, entrou no disco. Agarrou-nos, amarrou-nos e levou-

nos para o cubo. Lá chegando, acionou o motor para partir e

abandonou o disco voador à deriva.

Fomos jogados a um canto, como se jogam os fardos. Olhei para

o comandante, e ele para mim. Em seus olhos pude ler um grande

temor. Imagine eu! Compreendi que estava em maus lençóis. Lio nada

poderia fazer por mim. Nem por ele, coitado! Nosso destino pertencia ao

povo de Raz.

Analisei o interior da nave. Outros homenzinhos verdes havia ali

dentro, todos repulsivos, parecendo mais vegetais que humanos,

principalmente quando gesticulavam ou moviam a cabeça. Tinham

olhos brancos, como a seiva das árvores. Vestiam-se de verde e

comunicavam-se entre si emitindo sons ininteligíveis-.

Comecei a pensar: — Se nós não conseguimos entendê-los, com

certeza, eles não nos entendem também. — Embora morta de medo,

resolvi verificar se estava certa. Dirigi-me ao comandante:

— O senhor, por acaso, sabe dizer o que vão fazer conosco?

Ele correu os olhos, ao redor, apreensivo. Vendo que os

pequenos monstros se mantinham imperturbáveis, compreendeu o que

se passava e respondeu:

— Não sei. Até hoje, ninguém que tenha sido capturado voltou

para contar. Fala-se muita coisa horrível a respeito deles...

Arrependeu-se, decerto, do que ia dizer, pois interrompeu a

frase.

— Conte! — pedi. — Conte, por favor! Preciso saber! Conte!

Ele hesitou por algum tempo, mas tanto insisti, que acabou

revelando:

— Fala-se que não há animais no planeta, e que os razenses são

carnívoros. Daí...

Foi-me fácil compreender. Era por isso que ninguém voltava de

Raz, e pouco se sabia a respeito do misterioso mundo dos homens

verdes.

Não pude mais conversar. Baixei a cabeça e fechei os olhos, para

não ver os abomináveis antropófagos que nos levavam para casa como

quem leva gado para o corte.

Chorar, não chorei. Sofri, calada, a expectativa de.um

condenado à morte. Senti raiva e muita vontade de fugir, sumir e até

vingar-me! Idéias vãs! Sabia, perfeitamente, que não havia esperança.

Ficamos atentos aos menores gestos de nossos captores.

Percebemos quando a nave pousou e quando a porta foi aberta. Fomos

carregados nos braços — seria melhor dizer nos galhos — dos

humanóides e colocados num veículo escuro que saiu a toda velocidade.

Chegamos rápido ao destino: um campo coberto de relva, onde havia

uma porção de jaulas.

Ao contrário do que supusera o Comandante Lio, não chovia. A

noite começava, e o céu, muito límpido, estava pontilhado de estrelas.

Fitei-as, com lágrimas nos olhos. Qual delas seria o Sol?

A mão áspera de um dos seqüestradores puxou--me pelo braço

para um lado, e outro mostrengo arrastou o comandante para o oposto.

Fui encerrada numa jaula, onde encontrei apenas uma tigela

com água. Olhando ao redor, antes que o negrume da noite cobrisse o

local, pude ver outras prisões iguais à minha, todas ocupadas.

2200

A natureza, em Raz, é muito exuberante, parecida com a da

Terra. E o céu azul e o sol radioso, como no Brasil.

A prisão que me destinaram ficava no meio de um vasto campo,

cercado de jardins e limitado por denso bosque. Descobri que um riacho

corria nas proximidades, pois, de onde me encontrava, ouvia muito bem

o rolar das águas sobre os seixos.

Um jardim zoológico — eis como classifiquei o conjunto de

gaiolas onde viviam seres dos mais diversos aspectos, provavelmente

oriundos de planetas diferentes. A maioria tinha forma humana, como

eu. Alguns, porém, eram monstruosos. Quase todos emitiam vozes:

falavam, gritavam, urravam. Os agressivos sacudiam as grades,

tentando arrancá-las. Havia tratadores. Dois razenses abasteciam as

jaulas, uma vez ao dia, com água e alimentos, frutos apenas. Havia

médicos veterinários também. Estes examinavam os animais presos —

entre eles, eu — todas as manhãs. Entravam nas gaiolas, empunhando,

além dos aparelhos necessários, um chicote, para amansar os bravos.

Nunca esqueciam a balança. E isto me fez pensar, ao fim de três dias de

cativeiro, que talvez não fosse um jardim zoológico aquela série de

jaulas, mas algo muito pior.

— A história de Joãzinho e Maria, em versão cósmica —

imaginei, cheia de horror.

Os mansos, como Lio e eu, tinham direito a um passeio, embora

amarrados. Era a única hora boa para mim. Aproveitava-a para

caminhar ao sol. O comandante, ao contrário, preferia a sombra.

Sempre trocávamos algumas palavras, quando passávamos um pelo

outro.

Disse-lhe no segundo dia:

— Tenho a Pedra de Vigo. Acho que vou usá-la. A notícia

alegrou-o.

— Que bom! Perdi a minha ao ser agarrado por eles. Sabe como

usá-la?

— É só friccioná-la, não é?

Ele confirmou. Logo, perguntou, muito intrigado :

— Como a conseguiu?

— Foi presente de Telga. Ela me deu escondido.

— Graças a Deus! — exclamou. Mas caiu no desânimo de novo

e disse: — Não creio que venham até cá. Todos têm receio destes

homens verdes. A esta hora, em Vigo, já sabem que fomos capturados; o

disco voador, que ficou à deriva, por certo foi encontrado vazio.

Ninguém ignora que estamos em perigo.

— O senhor acha.. .

Fomos afastados um do outro com brutalidade, o que me

impediu de perguntar-lhe se achava que seu povo nos deixaria morrer

em Raz, sem tentar salvar-nos .

Não podia crer que gente tão boa, como Tálbor, Telga, Lau e,

principalmente, o Grão-Sábio, cruzasse os braços, deixando-nos

entregues à má sorte. Ia usar a Pedra de Vigo até não poder mais!

Foi o que fiz no segundo e no terceiro dias, só parando para

comer e dormir. Na verdade, não dormia, só cochilava. Quem pode

dormir direito, estando aflita?

No dia seguinte, contei a Lio o que fizera. Mostrei-lhe os dedos

cheios de bolhas, de tanto esfregá-los na pedra do anel.

— Continue!

— Onde fica sua jaula? — indaguei, pensando em salvá-lo, caso

viesse alguém buscar-me. No íntimo, alimentava a esperança de que tal

fato acontecesse .

— Do outro lado do riacho. — respondeu. — Há uma pequena

ponte.

Um puxão repentino afastou-o de mim. Compreendemos que

seria mais seguro conversarmos afastados, já que os razenses não

conseguiam decifrar o que dizíamos. E foi o que fizemos.

De longe, ele avisou:

— Minha gaiola é a quinta, depois do canteiro de flores.

Naquela noite, enquanto fitava o céu, através da grade, à espera

de que surgisse algum disco voador, comecei a rememorar os

acontecimentos em que me envolvera desde o dia do meu aniversário.

Quanto tempo havia passado? As horas, os dias, as semanas e os

meses, eu os sabia contar pela medida de tempo utilizada na Terra. Por

acaso, gastava Vigo ou Raz 24 horas no movimento de rotação e 365

dias e 6 horas no de translação?

Lembrava-me a todo momento de meus pais, não só porque

sentia saudade deles, mas porque os imaginava cheios de preocupação

com o meu desaparecimento. Coitados! Decerto, não dormiam nem

comiam, de tristeza. E a polícia estaria à minha procura, os jornais

noticiando, o povo comentando. . .

Súbito, pareceu-me ouvir um zumbido fino e regular. Era um

som que se sobrepunha ao do correr das águas do riacho e ao do

farfalhar da brisa no arvoredo. Vinha crescendo de intensidade à

medida que os segundos passavam.

Reconheci-o, quando se aproximou, pois agredia os ouvidos, até

fazê-los doer, embora não fosse alto nem forte. Com o coração aos

pulos, agarrei-me às grades e ergui os olhos.

Divisei, imediatamente, uma nave a dar voltas e mais voltas

sobre o jardim zoológico, riscando com o brilho dos faróis a mata, o rio,

o jardim e as prisões. Ia e vinha, ora depressa, ora devagar, subia e

descia com facilidade, deslocava-se para a direita e para a esquerda, em

linha reta ou em espiral. Era grande, circular, metálica e girava como

pião.

— Um disco de Vigo! — pensei, radiante.

Devagar, ele foi se aproximando da relva. A menos de um metro

do solo, imobilizou-se. e o ruído incomodativo cessou.

Percebi, então, que os homenzinhos verdes avançavam e o

cercavam, armados com revólveres cúbicos. E vi também o farol de raio

ultralux, paralisante, atingi-los, um a um. Ficaram todos inertes,

estendidos no chão!

A tampa do disco abriu-se, e uma passarela surgiu. Em seguida,

apareceu um vulto cujas feições não pude distinguir de onde me

encontrava. Desceu a rampa e dirigiu-se à minha gaiola. Dei um grito

de alegria. Pelo porte e pelo andar, reconheci-o. Era Tálbor! E viera em

meu socorro!

Depois, foi uma agitação sem igual! Ele abriu a jaula e libertou-

me. Juntos, corremos à de Lio e o retiramos dela. Em poucos minutos,

embarcamos.

Não tivemos sossego, porém. Os razenses, refeitos da ação da luz

paralisante, comunicaram-se com os responsáveis pelo jardim

zoológico, e estes, com os chefes. Imediatamente, três cubos voadores

decolaram para caçar-nos. Por sorte, a nave de Tálbor estava equipada

com radar de longo alcance e campo de força tangencial. Ante o poderio

viguense, os homens verdes nada conseguiram. Após algumas

investidas inúteis, regressaram a Raz.

Durante a viagem, tínhamos muito que conversar. Tálbor relatou

como tudo se passara:

— Eu voltava de Marte, anteontem, quando avistei uma nave

nossa à deriva. Fui inspecioná-la e verifiquei que estava vazia. Notei

sinais de violência no interior. Reboquei-a para Vigo e, lá chegando,

comuniquei o ocorrido. Informaram-me do que Lau realizara. Fiquei

preocupadíssimo, imaginando os riscos que vocês poderiam estar

enfrentando. Em casa, Telga me disse que lhe dera um anel com a

Pedra de Vigo. Não esperei mais. Vim para cá sozinho mesmo, porque a

tripulação estava de folga. Dei voltas e mais voltas pelo espaço,

buscando captar a radiação da pedra, até que, de repente, recebi os

sinais!

— Ah! — exclamei. — Veja meus dedos! Mostrei-lhe as pontas,

feridas. Ele tomou-me as mãos entre as suas, delicadamente.

— Tenho remédio para isto.

Foi buscar uma pomada e fez o curativo. Lio pediu notícias:

— Que aconteceu a Lau?

— Não sei. Não tive tempo de falar com ele.

— E Zelfo? — indaguei.

— Estava uma fera!

Passamos a contar-lhe o que vimos no planeta Raz. Descrevi as

pessoas esquisitas que viviam enjauladas.

— Que farão com elas? — perguntei.

— Ninguém sabe o que eles fazem com os prisioneiros. Fala-se

muita coisa horrível, inclusive que são invencíveis, mas resolvi tentar o

resgate de vocês e tive sorte. Nós três, por enquanto, somos os únicos

entes que escaparam de Raz.

— E os outros? — disse, penalizada, lembrando--me dos que

ficaram presos.

— Vou enviar mensagens aos diversos planetas civilizados,

revelando o que vi e ensinando como dominar os homens verdes. Talvez

sejam libertados também.

— Puxa, Tálbor! Você é formidável!

Calei-me e fiquei a olhá-lo com infinita admiração. Estava diante

de um herói, simples e bondoso que eu jamais haveria de esquecer.

2211

A chegada a Vigópolis foi um acontecimento nacional. O povo

encontrava-se nas ruas à nossa espera. Antes de pousarmos, já todos

batiam palmas.

Lio disse a Tálbor.

— Você merece esta recepção. Foi um grande feito!

— Eu? — respondeu ele. — Esta manifestação é para nós três.

— Nós? — admirei-me.

— Não se esqueça do que lhe disse no caminho: somos os únicos

que foram a Raz e de lá conseguiram voltar.

— É mesmo!

O comandante, que assumira a direção da nave desde o

momento em que nela havia entrado, quis saber onde Tálbor preferia

descer.

— Ora, no meio do povo. Vamos dar-lhe este prazer.

E voltando-se para mim:

— Prepare-se para receber milhões de abraços! Assim que

saímos do escorregador, fomos alvo das mais efusivas demonstrações de

carinho. No meio de tanta gente, só não me perdi de Tálbor, porque eu e

ele nos conservamos de mãos dadas.

Depois, foi a vez dos parentes e dos amigos. Conheci a esposa e

os filhos de Lio. Abracei Lau com muita amizade. E tive grande alegria

em reencontrar a família de Tálbor, especialmente Telga.

O Centro de Ciências enviou um grupo de funcionários para dar-

nos as boas-vindas. Quem representou o Grão-Sábio foi Mingo.

— Ué! Que foi feito de Zelfo? — perguntei a Lau.

— Foi substituído. O Grão-Sábio restabeleceu--se e reassumiu o

cargo, no dia exato em que o Tálbor chegou aqui rebocando a nave

perdida. Foi um rebu!

Comecei a rir.

— E daí? — indaguei, fervendo de curiosidade.

— Bem! — gaguejou ele. — Fui chamado à presença do Grão-

Sábio e admoestado por ele. Então, contei toda a verdade, tintim

por tintim!

— Oba! — gritei. Ele prosseguiu:

— Ontem saiu a substituição de Zelfo por Mingo, o que agradou

a todos. Menos a Zelfo, é claro!

Rimos juntos. Olhei-o de frente.

— Você ainda é amigo dele? Lau confessou:

— Ainda! Ele tem defeitos, mas é competente e dedicado. Por

enquanto, está meio zangado comigo.

Sei que isto passa. Nossa amizade começou na infância.

Segurou-me o queixo e ergueu meu rosto, fixando os olhos nos

meus.

— Diga-me uma coisa: na Terra ninguém tem defeitos?

— Se tem! — respondi. — À beca!

— E você não perdoa?

— Perdôo, sim! — disse prontamente. — Mas a maioria, não!

Por este motivo, Tálbor acha que os terrestres são complicados.

— Há séculos, já fomos assim. Hoje, vivemos na era da razão!

Na casa de Tálbor, fizemos uma festa. Dançamos, ao som do

concertino, até tarde. Ensinei a Tínger alguns sambas e pedi à Telga

que colasse papel pardo nas lâmpadas. Ah, que beleza! Eles ficaram

parecendo brasileiros, na cor e no ritmo!

A grande novidade, soube-a no dia seguinte, quando compareci

ao Centro de Ciências, para submeter-me ao último teste. Após a

realização deste, Mingo cumprimentou-me e agradeceu muito a cola-

boração por mim prestada aos cientistas viguenses.

— Sua atuação, hoje, foi maravilhosa! — foram as primeiras

palavras que me disse.

— É porque estou feliz!

— Então, saiba que estamos felizes também. Obtivemos a

resposta mais importante para nós. Conseguimos achar o índice de

Capacidade Vital Comparativa entre viguenses e terrestres.

— Isto é bom? — perguntei.

— Muito! — esclareceu. — Sabendo o índice, partiremos, agora,

para a solução da parte definitiva de pesquisa, que é o prolongamento

da estada de viguenses na Terra, e vice-versa.

Tálbor apertou-lhe a mão e exclamou:

— Parabéns! Este resultado final me interessa!

— Sei disto — respondeu o especialista, piscando um olho, com

jeito maroto.

Havia uma pergunta que me atormentava há algum tempo:

— Posso saber por que vocês têm tanto interesse em viver na

Terra e em trazer os terrestres a Vigo?

— Pode! É para ajudá-los a encontrar o caminho da razão, como

já fizemos em outros planetas, visando a segurança de todo o Universo.

Lembrei-me, imediatamente, dos homens verdes.

— Por que não fazem o mesmo em Raz?

— Claro que vamos fazer! Será a nossa próxima etapa, conforme

o ideal do Grão-Sábio!

Ao sair, pensei nos planos de Zelfo. Indaguei de Tálbor:

— E a Teoria da Mutação das Cores? Foi resolvida?

— Não! Esta vai demorar mais tempo. Todavia, acabará sendo

descoberta. Zelfo continua a pesquisá-la .

Olhei-o com dó. Se não fosse tão pálido, Tálbor seria um belo

rapaz. Por um instante, arrependi-me de ter fugido de Zelfo, atrasando o

estudo que desenvolvia.

— Se ele aceitasse um pedacinho só de pele, bem que eu daria!

— falei de coração.

Ele se comoveu. Protestou:

— De forma alguma! Eu não permitiria! E meio desconfiado

comigo:

— Estou achando é que você tem vergonha de andar comigo na

Terra!

— Oh, não! Que idéia, Tálbor!

Confesso que não fui muito sincera. Não era por vergonha que

preferia vê-lo de uma cor só. Para mim não fazia diferença. Gostava

dele assim mesmo. Pensava na confusão que provocaria, em nosso

meio, a mutação de cores dos viguenses.

Em casa, contamos à família a grande novidade. A alegria foi

geral. Telga logo avisou:

— Você vai ter que me levar à Terra, mano!

— Se nossos pais permitirem...

— Claro! — responderam eles. — Nas férias escolares.

— E eu? — perguntou Tínger. — Posso ir?

— Quando crescer! — disse Tálbor, pondo--lhe a mão na

cabeça.

Lau chegou à tarde, com toda a corda, falando da descoberta do

índice. Contou que já havia combinado com o irmão uma viagem à

Terra, para uma longa permanência, assim que a segunda parte dos

estudos de Mingo estivesse pronta.

— Vou realizar o melhor trabalho de minha vida!

— E a cor da pele? — perguntou Tálbor que me parecia ainda

cismado com a questão.

— Eu me pinto, ora! — foi a resposta imediata do noticiarista.

Todos riram dele, menos eu. Fechei os olhos, por um instante, e

imaginei-os pintados da minha cor. Ia ser fácil. Bastava usar os

produtos de beleza que mamãe tinha sobre a penteadeira. Havia uma

base, de cor morena, que ia ficar ótima na Telga!

— Vou direto ao Brasil — explicou Lau. — É uma grande nação!

Notamos que Tálbor ficou sério repentinamente. Lau pilheriou

com ele:

— Não precisa ter ciúme. Minha intenção é percorrer todo o país.

Encabulamos os dois, eu e Tálbor. Por sorte, Telga mudou de

assunto:

— Mano! Conte o que viu em Marte. Há gente lá?

Escutei-o descrever o solo vermelho e pedregoso do planeta.

Referiu-se também às sondas vikings. Completou:

— Por onde andei, não vi ninguém, nem vegetação, nem

animais...

— Deve ser como a Lua — lembrei. Ficamos a bater papo até

tarde, naquela noite, entusiasmados com planos de futuros encontros,

ora na Terra, ora em Vigo. E no dia seguinte, após a refeição matinal,

despedi-me da família.

— Volte breve! — disse o casal.

— Você volta, não é? — perguntou Tínger.

— Claro! Voltarei sempre.

Lau e Telga foram até à nave. Despedimo-nos com longos

abraços. Ela me falou baixinho:

— Agora, sei como vou terminar aquele conto que estou

escrevendo, o do pescador espacial de Vigo e da moça da Terra...

— Sabe? Como vai ser?

Ela caiu na risada e exclamou:

— Você também sabe! Sabia mesmo. Por isso, corei.

Quase à hora da largada, chegou um mensageiro com um ramo

de flores, gentileza de Mingo.

Eu, Tálbor e dois tripulantes embarcamos no disco voador que

começou a funcionar e a piscar luzes. Ergueu-se, ganhou aceleração e,

ligeiro, afastou-se do planeta.

Voltei à Terra, como queria, na mesma nave em que fui para

Vigo e com a mesma pessoa! Desta vez, porém, a ansiedade que me

agitava não era por medo do desconhecido, mas pela saudade

antecipada do que eu deixava para trás. Felizmente, tinha certeza de

poder revê-los.

Voando à velocidade da luz, num instante, avistamos o Sol,

resplendente e rubro como uma fogueira, em meio aos planetas,

planetóides e satélites integrantes do seu sistema. Com facilidade,

reconheci a Terra, azul e luminosa, cuja visão me causava imenso bem.

— Falta pouco — disse Tálbor. — Está contente? Não menti.

— Contente e um pouco triste!... Dá para entender?

Ele pôs a mão no meu ombro.

— Dá, sim — respondeu.

Com brandura, puxou-me o rosto e fitou-me nos olhos, como

tinha por hábito fazer quando queria influenciar-me.

— Sorria! Está tudo ótimo! Mas não se esqueça de uma coisa:

observe sempre a pedra do anel. Quando ela começar a pulsar, você já

sabe que eu e Telga estamos chegando.

Sorri, ao ouvir a promessa.

— Está ótimo! — repeti, esperançada. Aproximando-se da

cidade, a nave sobrevoou os bairros algumas vezes, descrevendo

espirais. Começou a descer, e eu divisei a praia, o clube, o prédio de

apartamentos e a piscina.

Amanhecia, e tudo estava deserto. Tálbor pediu aos tripulantes

que parassem o veículo no gramado, em frente à portaria. Num minuto,

eles executaram a manobra. Em seguida, abriram a tampa do disco

voador e estenderam a passarela.

Era o momento da despedida. Abraçamo-nos demoradamente.

— Amigos? — perguntou-me ele.

— Amigos! — exclamei.

Desci a rampa sem olhar para trás, corri em direção à porta do

edifício e voltei-me para dar-lhe adeus. Ele acenou para mim e fechou a

nave. Ouvi o zumbir do motor e vi o disco girar, piscar luzes e alçar.

vôo. Acompanhei-o com os olhos, comovida, até perdê-lo de vista na

amplidão...

Agora, que estou só, um novo problema se me depara: contar

essa história. Será que meus pais vão acreditar em mim? Já posso

imaginar o que dirão as pessoas.

— Quase morremos de aflição! — exclamará mamãe, entre

lágrimas, quando me vir entrar.

— Onde esteve? — argüirá papai.

— Não foi sonho? — perguntará Celeste, ao ouvir a narrativa.

— É mentira! — afirmarão quase todos.

Ergo a cabeça e observo o prédio. Não há luzes nem sons. Dir-

se-ia que os veranistas já se foram. ou que — idéia absurda! — o tempo

não passou desde a minha ida.

Toco a porta do hall, e ela se abre. Diante da escada, paro

enternecida. Mais alguns degraus e estarei em casa nos braços de meus

pais. Depois, virão os vizinhos, os amigos, os parentes, os repórteres ...

Muito rebuliço deverá provocar a novidade. Os céticos rirão de

mim, e os maldosos falarão horrores . Haverá quem me acuse de

mentirosa ou louca. Em compensação, um grande número de pessoas

acreditará na história. E tudo ficará esclarecido quando Tálbor voltar e

trouxer Telga.

Não me preocupo mais. Subo a escada a correr e, com o coração

ansioso, estendo o dedo para a campainha.

Fim

Ottoni, Margarida.

097p O Planeta dos Homens sem Cor / Margarida Ottoni; capa

de Arthur Henrique Braga; orientação da Dra. Eliane Mazur Ro-

zenblum. 2ª. ed. — Rio de Janeiro: Ed. de Orientação Cultural,

1980.

1. Ficção brasileira. I. Título.

CDD — 869.93

80-0029 CDU — 869.0 (81) – 3

Copyright ® 1977 by Editora de Orientação Cultural Ltda.

Rua Barata Ribeiro, 512 — Tel.: 236-3405 — Rio de Janeiro, RJ

É proibido reproduzir este livro ou partes dele sob qualquer forma.

Impresso no Brasil — Printed in Brazil

Impresso nas oficinas da Editora Brasil-América (EBAL) S. A.

Esta é Margarida Ottoni:

na verdade, Margarida Moita Benedicto Ottoni,

professora, poetisa — como se diz;

poeta — como preferimos dizer.

PREMIADA desde 1969, até hoje. Primeiro com o "Orlando

Dantas" conferido ao conto Sino de Belém, com que participou do

concurso promovido pelo Diário de Notícias, do Rio, patrocinado pelo

INL — MEC, conto publicado em 1971 pela Livraria São José. Depois,

ganhou por dois anos seguidos o "Prêmio Estado da Guanabara"; em

1972, com seus Dois Meninos na Transamazônica; em 1973, com

Aventuras da Ponte Rio — Niterói. Depois ainda, em 1977, ganhou o

"João-de-Barro" de Belo Horizonte, quando um júri infantil escolheu-a

por suas Travessuras no Fundo do Mar.

APLAUDIDA por milhares de telespectadores, só em 1978, teve

sete de seus livros de histórias levados ao ar pelo Canal 2, a TV-

Educativa do Rio de Janeiro. O exercício do magistério, em diferentes

setores, proporcionou-lhe inspiração para grande número de suas

criações literárias, como o poema lírico Ontem e Hoje e o romance de

sabor realista Escola da Vida, semimemórias editadas em 1970 e

utilizado pela então ESPEG, no mesmo ano, como único texto da prova

de Sociologia Educacional do concurso para provimento em cargos de

Professores Primários EP-1.

PARTICIPANTE, é filiada à Associação Brasileira de Educação, ao

Instituto de Professores Públicos e Particulares, ao Elos Clube do Rio de

Janeiro, à União Brasileira de Escritores, à Fundação Nacional do Livro

Infantil e Juvenil, ao Sindicato dos Escritores do Município do Rio de

Janeiro e à Ordem dos Velhos Jornalistas, de que é 2.a Bibliotecária.

ATUANTE e em plena forma, enriquece sua produção destinada

às crianças (Dois Peraltas e um Disco Voador, A Caminho do Espaço,

Os Vegetais Falantes, Aventuras no Reino Submarino, Um Preto...

Um Branco) com suas incursões pela alma do público juvenil. A este já

deu Na Taba dos Peitos-de-Fogo. A este entrega agora O Planeta dos

Homens sem Cor.

IMORTAL, foi eleita, por unanimidade, para a Academia

Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil, sediada em São Paulo.

Esta é Margarida Ottoni:

na verdade, Poeta. E só.

Esta obra foi digitalizada e revisada pelo grupo Digital Source para proporcionar, de maneira totalmente gratuita, o benefício de sua leitura àqueles que não podem comprá-la ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para ler. Dessa forma, a venda deste e-book ou até mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer circunstância. A generosidade e a humildade é a marca da distribuição, portanto distribua este livro livremente. Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original, pois assim você estará incentivando o autor e a publicação de novas obras. Se quiser outros títulos nos procure : http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros, será um prazer recebê-lo em nosso grupo.

http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros

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