planeta ameaçado

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DIGESTO ECONÔMICO - MARÇO/ABRIL 2012 - ANO LXVII - Nº 467 MARÇO/ABRIL 2012 ANO LXVII – Nº 467 – R$ 4,50 Rio + 20: hora de agir À espera de um choque de organização À beira do abismo Impactos econômicos da mudança climática A nossa sentinela do clima Como salvar o mundo em 18 minutos Ambientalistas, governos, grandes negócios

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Rio + 20: hora de agir - À espera de um choque de organização - À beira do abismo Impactos econômicos da mudança climática - A nossa sentinela do clima - Como salvar o mundo em 18 minutos - Ambientalistas, governos, grandes negócios

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MARÇO/ABRIL 2012ANO LXVII – Nº 467 – R$ 4,50

Rio + 20: hora de agirÀ espera de um choque de organização

À beira do abismoImpactos econômicos da mudança climática

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3MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

O Brasil precisa deplanejamento e estratégias

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Em um seminário sobre Energias Alternativas e Renováveis, realizado nofim de março na sede da Associação Comercial de São Paulo, o nossovice-presidente Luiz Gonzaga Bertelli traçou um panorama do setor

energético brasileiro: o Brasil tem um potencial excepcional, sobram recursosnaturais, mas por outro lado falta uma política clara para o setor, ou seja, nãotemos um planejamento de médio e longo prazo, nos falta estratégia.

Essa mesma situação se repete em outros setores da economia. Nocomeço do ano, a desindustrialização foi tema recorrente nas discussõeseconômicas, inclusive abordada na edição de janeiro/fevereiro do DigestoEconômico. Como resposta, o governo federal anunciou no início de abrilalgumas medidas para estimular a indústria, que vem sofrendo com aconcorrência de produtos importados, principalmente chineses.

O governo vem adotando apenas medidas casuísticas e pontuais, beneficiando alguns setores, comose o problema fosse localizado, as quais poderão permitir maior poder de competição aos produtosbeneficiados, mas às custas dos consumidores, que terão aumento de preços e menos opção de escolha;e dos contribuintes, que suportarão não apenas os ônus da renúncia fiscal, como o custo do subsídio dosfinanciamentos do BNDES.

Sustentabilidade é o principal tema desta edição do Dig esto. A cidade do Rio de Janeiro será sede, emjunho, da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. O tom do eventofoi dado pelo secretário geral do evento, Sha Zukang: "Chega de conversa. Nós já falamos muito. Agora,nosso trabalho é agir." Desde a Rio 92 até agora, houve vários encontros mundiais para se discutir medidascontra o aquecimento global, mas todas sem sucesso. O mundo espera que medidas concretas sejamtomadas neste evento.

O professor Jacques Marcovitch, da Universidade de São Paulo, coordenou um estudo chamado"Economia das Mudanças do Clima no Brasil", que mostra que o País corre o risco de ter uma perda naeconomia de até R$ 3,6 trilhões em 2050. A Amazônia e o Nordeste serão as regiões mais atingidas.A previsão é de forte impacto no sistema de geração de energia hidrelétrica, com redução de 31,5% daenergia firme.

Outro destaque da edição é o Seminário sobre Energias Alternativas, realizado pela ACSP, que contoucom a presença do secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas eEnergia e ex-presidente da Eletrobras, Altino Ventura Filho. Segundo o secretário, a matriz energéticamundial tem 81% de combustíveis fósseis e apenas 13% de fontes renováveis, enquanto que no Brasilesses números são de 53% e 45%, respectivamente. Neste ponto, estamos em uma situação confortável,mas poderíamos estar melhor. No ano passado, o inimaginável aconteceu: o Brasil teve de importar etanolde milho dos Estados Unidos por falta de planejamento no setor sucroalcooleiro .

Boa leitura!

Rogério AmatoPresidente da Associação Comercial de

São Paulo e da Federação das AssociaçõesComerciais do Estado de São Paulo.

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4 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3737CEP 01014-911 - São Paulo - SP

home page: http://www.acsp.com.bre-mail: [email protected]

Pre s i d e nteRogério Amato

Superintendente InstitucionalMarcel Domingos Solimeo

ISSN 0101-4218

Diretor-Resp onsávelJoão de Scantimburgo

Diretor de RedaçãoMoisés Rabinovici

Ed i to r - Ch e feJosé Guilherme Rodrigues Ferreira

Ed i to re sCarlos Ossamu e Domingos Zamagna

Chefia de ReportagemJosé Maria dos Santos

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Pesquisa de ImagemMirian Pimentel

Editor de ArteJosé Coelho

Projeto GráficoEvana Clicia Lisbôa Sutilo

D iagramaçãoEvana Clicia Lisbôa Sutilo

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ÍNDICE

10Distorções da carga tributáriabrasileiraCarlos Ossamu, Domingos Zamagnae José Maria dos Santos

18À espera de um choquede organizaçãoCarlos Ossamu

30Rio + 20: hora de agirMarleine Cohen

CAPAArte: MAX

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36À beira do abismoCarlos Ossamu

Ricardo Stuckert/Instituto Lula

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6Xadrez paulistanoDenis Rosenfield

Page 5: Planeta Ameaçado

5MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

40Impactos econômicosda mudança climática

Carlos Ossamu

Dida Sampaio/AE

46A nossa sentinela do climaJosé Maria dos SantosJo

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54Os valoresrepresentados pelocrucifixo incomodamIves Gandra da Silva Martins

50Como salvar o mundoem 18 minutosCintia Shimokomaki

66Ambientalistas, governos,grandes negóciosDomingos Zamagna

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Meios de comunicação edemocracia: para alémdo confronto entregovernos e empresasBernardo Sorj

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6 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

Xadrezpaulistano

Denis RosenfieldGraduado em Filosofia pelaUniversidade Autônoma doMéxico e Doutor de Estadopela Universidade de Paris IPanthéon Sorbonne.Professor titular de Filosofiada Universidade Federaldo Rio Grande do Sul

Wilson Pedrosa/AE

Marta Suplicy ainda não se engajou na campanha.

Evelson de Freitas/AE

Ex-ministro Fernando Haddad, candidato do PT.

Alex Silva/AE

José Serra: a eleição reforça sua imagem nacional.

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7MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

Contexto

Aentrada do ex-presidente Lula na disputa pela pre-feitura de São Paulo, praticamente escolhendo ocandidato do partido, Fernando Haddad, e con-frontando lideranças estaduais importantes, como

a ex-prefeita Marta Suplicy, sinalizou fortemente para a nacio-nalização da campanha eleitoral nessa cidade. Em decorrên-cia, a entrada de José Serra na disputa é, em parte, uma decor-rência da estratégia lulista, impulsionando o candidato tuca-no com maior potencial eleitoral a entrar no processo eleitoral.Logo, o resultado do pleito paulistano terá forte efeito para aseleições de 2014, tanto no nível federal quanto estadual, in-cluindo a escolha de deputados e senadores. São Paulo surge,assim, como uma eleição propriamente nacional.

LulaLula fez uma aposta arriscada. Trouxe para si a disputa mu-

nicipal, contrariando, inclusive, setores do seu próprio partido,que foram obrigados a ele se curvar. Produziu um desconten-tamento interno, a ponto de a ex-prefeita Marta Suplicy não ter,até agora, se engajado na campanha. Mais importante aindaconsiste o fato de que o resultado da disputa eleitoral recairá di-retamente sobre ele, seja em seu efeito positivo quanto negati-vo. Positivamente, se Fernando Haddad conquistar a prefeitu-ra, o ex-presidente terá consolidada a sua imagem de grandeestrategista, contrariando, se necessário, interesses mais ime-diatos de seu próprio partido. O caminho estaria pavimentadopara a eleição presidencial de 2014 (dele ou de Dilma) e para aconquista do governo estatual paulista. Se Fernando Haddadfor derrotado, Lula se verá obrigado a arcar com a responsabi-lidade do fracasso, prejudicando, inclusive, a sua imagem deser capaz de transferir votos. Ademais, prejudicará fortementea eleição paulista de 2014 e, mesmo, a presidencial.

Lula 2Observe-se que Lula não tinha nenhuma necessidade

de nacionalizar, neste momento, a eleição paulistana, Dil-ma usufruindo de alta popularidade e o seu governo sen-do muito bem avaliado. O ex-presidente encontrou pes-soalmente um meio de voltar a ser destaque e notícia, pa-vimentando, talvez, o seu próprio caminho. O PT poderia,perfeitamente, ter dado uma conotação propriamentemunicipal a um pleito municipal, sem necessidade de ne-nhuma nacionalização direta. Uma eventual derrota seriamuito melhor assimilada e uma eventual vitória poderiaser muito melhor explorada. Ocorre que contou aqui oque poderíamos denominar de fator hegemônico do PT,ou seja, partir para a conquista do mais importante bas-tião tucano, o Estado de São Paulo e a prefeitura. Esse é ofato mais propriamente político da nacionalização, isto é,levar o PSDB à lona antes do pleito de 2014, onde já estariapreviamente derrotado na opinião desses estrategistas

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Lula trouxe para sia disputa municipal.

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8 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

petistas. O risco, para o partido, também se tornou alto, essahegemonia não sendo necessariamente relevante para umaeventual reeleição de Dilma. Há uma recaída no lado maishegemônico do PT, avesso a compor e a tolerar as oposi-ções, o que, aliás, não condiz tampouco com as políticas dealiança seja do governo Lula, seja do governo Dilma.

SerraSegundo essa lógica, tornou-se, por assim dizer, "natu-

ral", que Serra tenha entrado na disputa eleitoral, pois o fa-tor "nacional" lhe é necessariamente conveniente. Ele nãoestá apenas disputando a prefeitura de São Paulo, mas a so-brevivência de seu próprio partido e, mais do que isto, re-forçando a sua imagem nacional. Para ele, conquistar a pre-feitura será um feito nacional e não somente municipal. Aonacionalizar a eleição, Lula deu a Serra o foco nacional doqual tanto carecia. Ademais, a atração que Lula exerceu eexerce sobre Kassab foi um fator que pesou na decisão deSerra em uma perspectiva nacional, pois a perda da prefei-tura para Haddad, secundado por seu aliado, prejudicariatambém a sua posição propriamente partidária. Não falta-riam maledicentes para dizer que o aliado íntimo de Serrafez o jogo do PT contra o PSDB. As oscilações de Kassabexerceram, assim, um efeito negativo sobre Serra que tevede correr atrás do prejuízo.

Serra 2Serra já mostrou que a palavra nada vale, de modo que na-

da lhe impede de vir a disputar o pleito presidencial de 2014,uma vez tendo sido eleito prefeito. Como o pleito já é nacio-nal, nada impede que ele siga na mesma toada. Em todo caso,considerando a sua idade, ele não teria nada a perder. Vito-rioso no pleito municipal, ele poderia, seguindo essa lógica,se colocar como alternativa nacional, pois, afinal, teria elederrotado Lula em São Paulo, mostrando, praticamente, quea capacidade de o ex-presidente Lula transferir votos estariaesgotada. Quisera aqui frisar que, apesar de todas as decla-rações, nada o obriga a permanecer prefeito. Ademais, a suaposição dentro do seu próprio partido também seria refor-çada, conquistando um lugar próprio e não ficando a mercêdo governador Alckmin. A afeição entre ambos, conforme sesabe, não é muito grande. A sua união, neste momento, é fru-to de mera conveniência recíproca. Derrotado, Serra deveráabandonar qualquer projeto nacional, sendo um eventualfracasso uma aposentadoria antecipada.

KassabO prefeito Kassab certamente não sairá bem na foto. Pri-

meiro, oscilou entre o PT e o PSDB ao sabor de conveniênciaspessoais, percebidas como mero oportunismo eleitoral, semnenhuma consistência partidária. Na verdade, terminounão ficando bem com um nem com o outro partido. Segundo,na melhor das hipóteses, conseguirá emplacar um vice nachapa tucana, isto se os democratas e o próprio Alckmin nãocolocarem um obstáculo maior. Um vice não é muito para aspretensões do prefeito paulistano, sobretudo considerandoque as criaturas não seguem costumeiramente o criador. Ter-

ceiro, a situação seria outra se o vice-governador Afif tivessesido escolhido cabeça de chapa, pois, além de ter um perfilliberal próprio, reforçaria o partido em São Paulo. Essa hipó-tese está agora completamente descartada.

Kassab 2Quarto, Gilberto Kassab terminou descontentando o

seu próprio partido, agindo à revelia da direção partidárianacional, colocando as suas ambições próprias à frentedas necessidades partidárias e reduzindo a questão par-tidária nacional às questões municipais de São Paulo. Umnovo partido não pode ter sua atividade principal redu-zida a uma cidade, por maior que seja. Um partido de cortemunicipal não tem necessariamente relevância nacional.Quinto, as pirotecnias do prefeito Kassab podem terminarproduzindo um efeito análogo ao do ex-governador Leo-nel Brizola. Este terminou confundindo os seus militan-

William Volcov/AE

Kassab oscilou entre o PT e o PSDB por conveniências.

Antonio Cruz/ABr

Katia Abreu se reafirmou como liderança nacional.

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9MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

tes, eleitores e até os mais fiéis seguidores. Um dia era fer-renho adversário de Collor, outro dia, seu mais fraternoamigo. Um dia era companheiro de Lula, outro dia, era es-se o "sapo barbudo". Foi numa dessas confusões que umafiel, Dilma Rousseff, abandonou o partido.

Katia AbreuEm entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo

(02/03/2012), a senadora Katia Abreu tomou uma clara e co-rajosa posição em relação ao prefeito Gilberto Kassab, rea-firmando-se como liderança nacional e mostrando-se poucodisposta a ficar refém das maquinações do prefeito. Dentreoutros pontos, salientou: 1) uma oposição responsável deveagir segundo princípios e valores, como os da autonomia doindivíduo frente ao Estado, a economia de mercado e o Es-

tado democrático de direito, o que manifestamente não cor-responde aos posicionamentos do prefeito; 2) Gilberto Kas-sab estaria agindo à revelia da direção nacional do partido,que não estaria nem sendo consultada; 3) não é admissívelque, um dia, o prefeito seja a favor de uma aliança com o PT,contra os tucanos, e no dia seguinte, as posições sejam inver-tidas. Tal tipo de postura não transmite nenhuma credibili-dade, além de, acrescentemos, criar uma imensa confusãoentre os eleitores; 4) um novo partido não pode, nem deve, sereduzir às articulações partidárias de um município, porperder precisamente uma dimensão nacional.

Michel TemerO vice-presidente da República, Michel Temer, está igual-

mente se posicionando como um player da eleição de SãoPaulo, tendo, precisamente, em vista o caráter nacional queesta recebeu. O Brasil, nas eleições presidenciais, tem se mos-

trado fortemente polarizado entre, de um lado, o PT, capita-neando um leque de alianças e, de outro lado, o PSDB, porsua vez capitaneando um outro leque. A polarização tem semostrando a regra, não tendo surgido, até agora, uma tercei-ra via. Ademais, tal tipo de polarização, reproduzindo-se emeleições municipais, pode prejudicar a eleição de prefeitos,algo particularmente importante para o PMDB. Neste sen-tido, o posicionamento de Michel Temer se insere, ao mesmotempo, em uma lógica nacional e em uma lógica municipal.Do ponto de vista nacional, fortalece sua posição comoplayer, cacifando-se, segundo as circunstâncias, a seguir naposição de vice-presidente em uma eventual chapa de ree-leição da presidente Dilma. Diga-se de passagem que essaposição está sendo ameaçada pelo governador de Pernam-buco, Eduardo Campos. Do ponto de vista municipal, se acandidatura de Gabriel Chalita vingar, o vice-presidente teráconseguido romper a polarização PT x PMDB, criando umaterceira via.

ChalitaA aposta da candidatura de Gabriel Chalita consiste em

se colocar em uma posição de terceira via, indo além da po-larização entre PT e PSDB. Boa parte dos eleitores brasilei-ros, e paulistanos em particular, está cansada de uma op-ção reduzida a petistas ou tucanos, almejando por algo no-vo. A sua viabilidade em muito consistirá em conseguir secolocar nessa posição, apresentando-se efetivamente co-mo um outro tipo de alternativa. Seu discurso, nesse sen-tido, deverá ser muito equilibrado para conseguir alcan-çar esse objetivo. Se chegar ao segundo turno, suas chancesserão muito grandes, pois, contra Fernando Haddad, teráo apoio do eleitorado não petista e dos tucanos, com Alck-min entrando fortemente na disputa. Se o seu opositor forSerra, terá o apoio do eleitorado petista e, principalmente,o apoio de Dilma e de Lula. Se, ademais, conseguir o apoiode Russomano, este entrando na chapa na posição de vice,terá, ainda, o apoio do eleitorado evangélico, muito im-portante em São Paulo.

Antonio Cruz/ABr

Michel Temer: de olho na eleição de São Paulo.

Ayrton Vignola/AE

Chalita: opção para a polarização entre PT e PSDB.

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10 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

DISTORÇÕES daCARGA TRIBUTÁRIA

BRASILEIRACarlos Ossamu,

Domingos Zamagna eJosé Maria dos Santos

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11MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

Nesse momento em que tanto o governo quanto osetor privado estão preocupados com a desin-dustrialização do País, volta à tona a discussão danecessidade de uma reforma tributária. Em 2011,

o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP)e do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) re-gistrou mais de R$ 1,5 trilhão em impostos. A alta carga tribu-tária, que já ultrapassa 35% do PIB, é um dos principais vilõesque compõe o chamado "custo Brasil", que reduz a competiti-vidade do setor produtivo e freia o desenvolvimento do País.

Para o economista Juarez Alexandre Baldini Rizzieri, pro-fessor doutor do Departamento de Economia da Universidadede São Paulo (USP) e pesquisador da Fundação Instituto dePesquisas Econômicas (Fipe), o primeiro passo para uma re-forma tributária é a transparência: a população tem o direito desaber o quanto paga de impostos, principalmente os indiretos,aqueles que recaem sobre o consumo e não são discriminadosnas notas fiscais. Em entrevista para a revista Digesto Econô-mico, Rizzieri critica a política assistencialista do governo eaponta como alternativa o aumento dos investimentos do go-verno em infraestrutura. Segundo conta, o Estado investe ape-nas 2% do PIB, enquanto a carga tributária supera 35%.

Digesto Econômico - A carga tributária brasileira sempre foi alta?Juarez Rizzieri - A carga tributária brasileira teve um pro-

cesso contínuo desde o pós-guerra até os dias de hoje, saindoda ordem de 14% no pós-guerra e atingindo hoje a casa dos35%. Ela teve mais ou menos três períodos – uma evoluçãocontínua e modesta até o início do governo militar, atin-gindo 20%, para depois começar uma escalada acentua-

da, passando por uma grande e moderna reforma tributáriano ano de 1967, até atingir o nível de 25%. Assim permaneceuaté o Plano Real em 1994, mas apresentando fortes flutuaçõespor conta da hiperinflação vivida ao longo dos últimos 10anos desse período. Depois do Plano Real, ela teve mais 10pontos percentuais de alta, atingindo os 35% nos dias de hoje.Entre 1995 e 2011, ela cresceu a uma taxa média de 0,6% aoano. Ao longo desse processo evolutivo foram incorporadasmuitas distorções na estrutura tributária, inclusive no com-parativo mundial, em que o Brasil, de um lado, apresentauma carga muito elevada para a renda per capita que tem, e

O Brasil tem uma carga tributária elevada para a sua renda per capita e um péssimo nível de distribuição de renda.

Agliberto Lima/DC

JuarezRizzieri, daFEA/USP.

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12 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

por outro lado, também apresenta uma carga elevada emcomparação ao seu péssimo nível de distribuição de renda.As distorções que têm ocorrido historicamente são de váriasnaturezas: baixa transparência, regressividade, alíquotaselevadas, burocracia etc.

Como são essas distorções?Em primeiro lugar, o sistema é bastante regressivo, ele onera

mais o lado do consumo, atingindo mais as pessoas de baixa ren-da (na aquisição de bens de consumo todos pagam o mesmo im-posto, independentemente da renda que tenham). Assim, a car-ga tributária no consumo não é compensada por um imposto derenda mais progressivo, para se ter uma carga mais justa de acor-

do com as classes de renda. Essa é a primeira distorção – ela éregressiva em relação à renda. Em segundo lugar, em conse-quência da reforma de 1988, que retirou receita da União e atransferiu para Estados e Municípios, sem a devida transferên-cia das respectivas despesas, a União para compensar lançoumão das contribuições fiscais (que não são partilhadas com ou-tras esferas de governo). Contribuição é uma aberração tribu-tária, ela atua em cascata sobre todas a etapas do processo pro-dutivo, cobrando imposto sobre imposto, onerando o consumoe retira dos impostos tradicionais essa função tributária. Hoje, aparticipação das contribuições (Cofins, PIS, CSLL, Cide) superaos 50% dos impostos tradicionais, como IPI, ICMS, ISS e IOF. Acontribuição é politicamente mais vendável do que o aumentodo imposto tradicional, pois ela é sempre destinada a algumafunção social (saúde, educação, previdência, integração socialetc), sendo assim mais tolerada pela sociedade.

Como estão as discussões sobre a reforma tributária?As propostas de reformas hoje estão concentradas em impos-

tos indiretos sobre o consumo em particular. Existem váriasideias fermentando, mas todas de reestruturação e não para aredução da carga tributária. Então, o custo Brasil continuariasendo um fator perverso para a competitividade da economiabrasileira. Isso é para onde as coisas estão caminhando. O Brasil,ao contrário do resto do mundo mais desenvolvido, tem umacarga tributária muito concentrada no consumo, praticamentemetade dos impostos é no consumo e metade em impostos di-retos. No resto do mundo é diferente: 70% são impostos diretose 30% sobre o consumo, o que desonera a baixa renda, é maisjusto, reduz a regressividade e é um sistema mais equitativo.

Parece que há uma questão política neste cenário tributáriobrasileiro. Historicamente, as elites sempre tiveram benefícios doEstado, em detrimento da população mais pobre, que sempre foimais penalizada.

Pode haver uma pressão dos mais ricos de resistir em daruma contribuição maior, pois no Brasil eles não recebem

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Page 13: Planeta Ameaçado

13MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

muitos benefícios. Os benefícios também são concentradosnas pessoas de renda menor – elas pagam proporcionalmen-te mais, mas também recebem mais benefícios de algumaforma. Nos países mais ricos, onde os impostos estão con-centrados mais na riqueza, na renda mais alta, essa parcelarecebe os benefícios. O contribuinte sente que o imposto temcontrapartida. No Brasil, o imposto de renda sobre pessoafísica deveria ter um peso maior na arrecadação. Não se de-ve concentrar impostos nas empresas, porque os lucros de-vem ser reinvestidos para benefício do País. Hoje, já temosuma progressividade no IR da pessoa física, mas existemmuitas brechas na legislação, exceções, isenções e vanta-gens, que acabam reduzindo a carga tributária excessiva-mente. Claro que a distribuição de renda no Brasil é muitoconcentrada e logo não se pode exagerar na progressividadedas alíquotas, porque se ficar insuportável pode haver eva-são fiscal legal, como acontece em muitos países. Mas achoque poderíamos ser mais ousados no imposto de renda e me-nos no imposto sobre consumo, isso eu não tenho dúvidas.Mas esse é um processo de longo prazo.

"Democracia é isso: todo mundotem que pagar de acordo com a

sua capacidade de contribuição,sem isenções ou exceções."

Até a reforma de 1967, os jornalistas, por exemplo, não pagavamimposto de renda.

É o que eu disse. Existem furos e privilégios criados pelo Es-tado e pelos que têm acesso ao poder, o que não deveria existir.Não deveria existir isenção, exceção, renúncia fiscal; tem queser taxativo, não pode deixar que o político ponha a mão paracriar privilégios. É como a Previdência: o sujeito que contri-buiu pela regra se aposenta, se não contribuiu, não deveria re-ceber. O que eu quero dizer é que é preciso ter um sistema rí-gido, extremamente rígido: o sujeito tem que pagar de acordocom a sua capacidade de contribuição, coisa que hoje há inú-meras fugas. Por isso, no Brasil, o sucesso do planejamento tri-butário, onde estão concentrados os maiores esforços técnicos,exatamente para usar as isenções, as brechas, para ganhar pri-vilégios. Isso não deveria existir. Ainda temos um longo avan-ço político e de maturidade também, o País tem de ir em dire-ção do que é mais consistente no mundo inteiro, mais consis-tente também com a democracia. Democracia é isso: todo mun-do tem que pagar de acordo com a sua capacidade decontribuição, sem isenções. Ainda temos que avançar muitonesta direção, mas o norte está dado: é preciso reduzir os im-postos no consumo e aumentar os impostos diretos.

O senhor acha que temos maturidade suficiente para levar estadiscussão adiante? Se a população soubesse o que se faz com osimpostos arrecadados, ela reagiria nas urnas, faria passeataspúblicas nas ruas e até renunciaria ao consumo como represália.

Nossa democracia ainda não é plenamente exercida, ela é,muitas vezes, conceitual: temos os princípios, mas na hora daexecução se criam castas, privilégios, vantagens – geralmente é

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14 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

o Estado quem produz isso. Para se ter uma ideia, ao se medir adistribuição de renda no Brasil, ela é injusta no setor privado,mas quando entra o governo, o cenário piora, pois o governo émuito mais o celeiro de injustiças do que o setor privado, vaidesde a remuneração dos funcionários públicos, que é muitomaior no equivalente do setor privado, até os privilégios queeles têm com aposentadoria integral, tudo isso sem precisar re-

nunciar às greves que fazem, privando a sociedade dos servi-ços de utilidade pública.

O senhor defende que não haja privilégios, mas no caso da Cultura,que não tem proteção no Brasil, a Lei Rouanet prevê uma renúnciafiscal. O que o senhor acha disso?

Isso depende da base com que se analisam os fatos. Neste caso,o benefício social que a cultura gera é maior que o privado, aomesmo tempo que certos tipos de cultura se assemelham a benspúblicos (aqueles que têm custo e não têm como fazer receita) en-tão é preciso dar o estímulo. Tem que se incentivar a cultura, poisela enriquece todo mundo, independentemente de quem pagapor ela. Então, o benefício social é maior porque privadamente osetor tem desvantagem, então é preciso estimular. Não é precisouma grande análise para entender porque certas atividades pre-cisam de estímulo. Por que se dá isenção de imposto de renda pa-ra a educação? Porque investir em educação melhora o bem estarde todo mundo, você propaga o conhecimento, como a cultura. Ocontrário também é válido. Em alguns casos, o imposto é puni-tivo. Usa-se o imposto para punir a contaminação do meio am-biente, como por exemplo taxando a gasolina. Então, sistema tri-butário pode ser desenhado de diversas formas, mas é preciso sertransparente e esse é o drama brasileiro. Somente com transpa-rência as pessoas podem entender por que ele tem esse formato,por que se pune determinadas atividades e se dá vantagens a ou-tras. Mas isso não pode ter exceções. Ocorre que a política invadea área técnica e passa a ser dominante. Esse é o problema. A nossademocracia não está ainda desenhada em toda a sua extensão do

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17MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

de, pode se mostrar equivocada. Os resultados mundiais reve-lam que em várias épocas, essa correlação é zero. A longo prazo,é preciso promover a produtividade do indivíduo para ele pró-prio garantir sua subsistência e não alimentá-lo somente com po-líticas assistencialistas permanentes. O modelo desenvolvimen-tista vai mais na direção de promover o investimento em capitalfísico e humano, a produtividade e o emprego. O modelo assis-tencialista, adotado pela Social Democracia e intensificado nosúltimos 10 anos gerou grandes benefícios sociais, mas começa ase esgotar como fonte de crescimento econômico, precisa doapoio de um modelo que premie a produtividade, até pela maiorcompetição externa que o país esta enfrentando.

"O Brasil cresce pouco porquetanto o setor público como o setor

privado investem pouco."

Há correntes que dizem o contrário.O que importa são os resulta-

dos. A realidade tem reveladoque essa opção não tem correla-ção com o nível de PIB per capita,o PIB não vai crescer mais acele-rado por causa dessa política. Aquestão é: o que o Brasil está fa-zendo? No início dos anos 90,gastava-se com transferênciasde renda e gastos não financei-ros 15% do PIB e hoje estamos em22% do PIB, com projeção de quechegue a 27% em 2020, o que re-vela que o País está insistindoem usar a carga tributária parapromover mais a distribuição derenda, que pouco tem a ver como crescimento. A preferência émais acomodar socialmente os conflitos distributivos, do queusar o Estado para promover o crescimento econômico, a pro-dutividade. Isso é importante principalmente em um mundofortemente competitivo e globalizado. Nós estamos cuidan-do do passado e não do futuro. Esse cenário evidencia tam-bém os baixos investimentos do Estado, que não vão além de2% do PIB. Um Estado que arrecada 35% do PIB e faz apenas2% de investimento é porque o resto está sendo distribuído deuma maneira ou de outra, alguns com muitos privilégios, ou-tros seguramente de forma justa, mas também há muitas de-formações. Isso também reflete que a falta de infraestruturareduz as chances de investimentos do setor privado. O Brasilcresce pouco porque tanto o setor público como o setor pri-vado investem pouco. Novamente digo que o grande desafioque estamos enfrentando no Brasil é que o modelo distribu-tivo, de crescimento via consumo, está se esgotando, face àpressão mundial e exigência de competitividade. Precisamosusar a carga tributária para promover o investimento e o cres-cimento, para assim torná-la compatível com o padrão mun-

dial, já que não há a intenção de reduzi-la ao atual nível derenda. Só resta promover o crescimento da renda.

A alta carga tributária tira a competitividade do Brasil,não é mesmo?

Há países que convivem muito bem com uma carga tribu-tária menor – Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul são exem-plos. Até o México é mais competitivo que o Brasil. São todospaíses que competem conosco. Nós estamos com a carga tri-butária excessivamente elevada por causa de um modelo maisassistencialista do que desenvolvimentista. Se não houveruma plataforma de governo para promover a competitivida-de, reduzir a carga tributária e incentivar o desenvolvimento,nós vamos ficar a reboque. Hoje já começamos a acionar me-didas de proteção à indústria, devido a perda de competitivi-dade condicionada ao elevado custo do país, e assim pareceque vamos voltar aos anos 70, quando crescemos protegidos.

O senhor não acha que essa alta carga tributária também servepara sustentar um Estado pesado, ineficiente e uma vítima dosdescaminhos da corrupção? Veja os problemas em grandesobras, como, por exemplo, a transposição do Rio São Franciscoentre outras.

É isso mesmo. O que acontece no Brasil? Os poucos projetosde infraestrutura que estão em andamento, que são os do PAC,eles são facilmente aprovados, mas dificilmente acompanha-dos e executados. A gestão é um dos grandes problemas donosso setor público, entre outros. A gestão pública é extrema-mente precária, tem leniência de todos os lados e é comum queum projeto, mais de cunho eleitoreiro, jamais seja avaliado,principalmente aqueles com pífios resultados sociais. É umdesperdício de dinheiro público, desde que garanta os divi-dendos das urnas. O projeto fica no orçamento, independen-temente dos resultados. As políticas públicas são precaria-mente avaliadas, o que hoje torna a gestão da coisa pública omaior desafio do País, pois não se sabe a que custo se está res-gatando socialmente essas pessoas beneficiadas.

Newton Santos/Digna Imagem

A carga tributária é concentrada no consumo, penalizando a população de menor renda.

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15MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

exercício, pois na democracia a transparência é fundamental. Ogoverno, quando ele está gastando ou recebendo, precisa sertransparente. Por que não se tem na nota fiscal a declaração dosimpostos cobrados? Porque o governo cobra imposto sobre im-posto, por isso tem vergonha de colocar na nota. Se ele não precisaser transparente na receita, também não precisa ser nos gastos. Is-so é um desastre, uma coisa encobrindo a outra. É preciso umamadurecimento da sociedade neste sentido. Eu diria que issonão é um problema técnico, pois tecnicamente tem solução. Oproblema é o exercício da imoralidade política. Este País só vaievoluir na democracia se ele cobrar parâmetros de moralidade,não só dos políticos ou dos governos, mas de todos os cidadãos.

"A ideia que se tem é queo Estado é a unidade de poder

para abrigar privilégiospara poucos e proteção para todos."

O Estado brasileiro é muito paternalista, não é mesmo?O pobre, de uma forma geral, acha que o Estado é o seu gran-

de protetor, pois ele acena com políticas sociais, como o BolsaFamília ou empreguismo. O País tem, no governo federal, 81 milcargos em funções de confiança. Em qualquer país civilizado es-se número não chega a 10 mil. Isso é uma vergonha. A ideia quese tem é que o Estado é a unidade de poder para abrigar privi-légios, para abrigar proteção. Esta é a visão de democracia que o

pobre tem no Brasil. Isso vai na mesma direção quando o assun-to é privatização: fica a sensação de que estão tirando algo dele,quando as empresas estatais que estão aí são privilégios apenasde um grupo que tem acesso. Boa parte da imagem dos políticosé se constituírem no canal de acesso à benesse do governo, quan-do atua sem mérito. Isso não é o exercício pleno da democracia,quando o acesso às oportunidades deveria ser igual para todos. O pobre não tem noção da carga tributária, mas acha que o Es-tado pode lhe dar alguma benesse, que privadamente ele nãovai ter sem dar uma contribuição. Ao mesmo tempo, ele acusa opolítico quando é um malversador na gestão da coisa pública,mas o político, quase sempre se constitui no canal de acesso dele,o passaporte para se ter alguma vantagem, participar do con-cebido Estado protetor. Então, ele critica, mas apoia. Isso valepara toda a população. Estudos revelam que 90% dos eleitoresnão sabem se os políticos nos quais votaram estão cumprindo oque prometeram, pois ninguém fiscaliza os compromissos as-sumidos por ninguém (fenômeno quase universal). É precisomudar certas realidades absurdas, como por exemplo, o que ve-mos nos dados da Previdência – funcionários públicos federais,em média, aposentaram ganhando R$ 6 mil/mês, quando 28milhões da Previdência (INSS) aposentaram, em média, com R$700/mês. Esse privilégio é uma violência para um país de tantasdesigualdades. Deveríamos caminhar nas manifestações públi-cas em busca da moralidade, mesmo que a recém iniciativa quehouve, a da Ficha Limpa, não teve a consequência no momentoesperado. É preciso paciência, construir uma democracia trans-parente na gestão da coisa pública é um processo demorado,

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16 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

pois passa primordialmente pelo zelo na conduta dos que exer-cem as funções que os cargos públicos exigem. Um dos canaissão as válvulas de pressão social. Por isso é que a transparênciaé a virtude número um da democracia.

Além da alta carga tributária, o sistema é muito burocrático.As estatísticas internacionais revelam que o Brasil tem uma

carga tributária altamente burocrática: se gasta 2.600 horas pa-ra atender o fisco, enquanto que em qualquer país civilizadoisso não passa de 180 horas. Quer dizer, estamos muito distantedo resto do mundo. As empresas têm um custo adicional imen-so, um desperdício descomunal para lidar com as necessida-des tributárias. Isso mostra o longo caminho que temos de per-correr: precisamos simplificar o sistema, acabar com privilé-

gios, diminuir as contribuições, ter mais transparência, enfim,ter um sistema mais civilizado.

Mas como sair dessa situação?É preciso uma estratégia de compatibilização da carga tribu-

tária com padrões internacionais. O Brasil deveria estar com umacarga tributária da ordem de no máximo 25% do PIB, e não 35%.As estatísticas mostram que o País está fora do padrão interna-cional, com uma carga tributária muito elevada em relação ao ní-vel de renda. Para compatibilizar, ou ele reduz a carga, ou fomen-ta o crescimento. Já que o País não quer reduzir a carga tributária,teria que usá-la para promover o desenvolvimento econômico.Assim, ele avançaria na renda e ficaria compatível com a cargaque tem. O que ele precisaria fazer? O Estado precisa ser maisinvestidor, promover a infraestrutura, educação etc. Até os anos80, o Brasil tinha um Estado desenvolvimentista, a exemplo daChina hoje. Este é um caminho. Da mesma forma, dados mos-tram uma carga tributária elevada em relação à distribuição derenda. Ou o Brasil baixa a carga, ou melhora a distribuição. Comonão vai reduzir a carga, é preciso melhorar a distribuição. Este éum dilema a que o Estado brasileiro chegou. Ele tem que usar areceita para promover as duas coisas, simultaneamente, promo-ver e incentivar o investimento para alcançar o aumento da ren-da e melhorar sua distribuição. A pergunta que fazemos é: o queé mais eficiente? Qual seria a estratégia dominante? O ideal é me-lhorar as duas. Só que hoje, o Estado brasileiro está sendo maisassistencialista, querendo promover o padrão mundial com po-lítica assistencialista, voltada para ampliar o consumo e menosdesenvolvimentista, voltada aos ganhos de produtividade. Porque o Estado brasileiro estaria escolhendo excessivamente o mo-delo assistencialista? Primeiro, por uma política de cunho elei-toreiro. Essa preferência política, e não econômica, é equivocada.Os testes mundiais realizados revelam que não tem correlaçãoentre gastos sociais e o crescimento do PIB per capita. A escolhado gasto público, priorizando o bem estar da população via con-sumo em detrimento do investimento público e da produtivida-

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18 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

À espera de um choque

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termos de fornecimento e produção deenergia, principalmente as energiasrenováveis, como etanol, hidroelétrica e

eólica. Mas se por um lado sobram recursos naturais, poroutro faltam políticas energéticas claras. "As políticasenergéticas dependem muito de pressão dos gruposeconômicos, dos grupos empresariais interessados emseus desenvolvimentos. Nos falta uma coordenaçãomaior", afirmou Luiz Gonzaga Bertelli, vice-presidenteda Associação Comercial de São Paulo (ACSP),conselheiro e diretor da Fiesp/Ciesp, durante oseminário "Energias Alternativas: perspectivas para oaproveitamento em nosso País", realizado no fim demarço. Em sua opinião, estáfaltando a organização, como nopassado, da Comissão Nacionalde Energia, que era subordinadadiretamente ao presidente daRepública, fazendo com que seacabasse com a burocracia notocante ao tratamento de uminsumo tão fundamental parao desenvolvimento da nação."A Comissão Nacional de Energiadeveria voltar a funcionar. Hoje,

no seu planejamento, temos muitos órgãos opinando noque se refere às questões energéticas,", salientou.

Leia a seguir os principais trechos da palestra de LuizGonzaga Bertelli no evento.

Panorama da matriz energética

A queima de lenha representa 12,4% da nossa matrizenergética. O consumo de lenha nos últimos anos voltou aser muito grande, em função principalmente dos preços dosgases, seja o natural ou o liquefeito de petróleo.Infelizmente, voltamos a queimar muita lenha neste País,nos fornos de pizzaria, de restaurantes e até por certosaudosismo, recuperando os fogões a lenha que as nossas

avós usavam.Se considerarmos aquestão do meioambiente, isso é muitosério para o País.

Em relação ao gásnatural, querepresenta 9,3% damatriz, quase tudo éimportado da Bolívia,gerando umadependência muito

À esquerda, duto de gás natural na refinaria de Paulínea (SP); à direita, usina nuclear de Angra dos Reis (RJ).

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19MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

grande. O carvão mineral representa 6% e é consumidoem Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Como é deconhecimento geral, o carvão brasileiro é de baixaqualidade, altamente poluente, mas há um esforço dedesenvolvimento tecnológico para o seu melhora p ro v e i t a m e n t o .

O Brasil tem o quarto ou quinto potencial mundial deaproveitamento de energia nuclear, por conta de umagrande reserva de urânio. Temos três usinas, a primeirafoi a de Angra 1, instalada com uma tecnologia superadae que foi um erro estratégico. A segunda usina foi a Angra2, que utiliza tecnologias modernas e que praticamenteatende às necessidades de consumo do Rio de Janeiro,gerando mil megawatts. Já a Angra 3, comprada daSiemens há alguns anos, se encontra totalmenteencaixotada no Rio de Janeiro. O Brasil paga, só dealuguéis, perto de R$ 500 mil mensais para armazenaresses equipamentos. Diz-se que estão esperando verquem colocará o guizo no pescoço do gato, se será a atualpresidente, ou será uma decisão do Congresso Nacional,mas enquanto isso a usina está lá para ser montada.

Petróleo e seus derivados representam 36% de todamatriz energética brasileira. O consumo de derivados dopetróleo tem crescido, com um aumento sensível nasimportações – a tão proclamada autossuficiência nãoexiste. Nós estamos importando 20% de petróleo e

derivados, o que gera também a uma dependência e umdispêndio fantástico de divisas.

As hidrelétricas, por sua vez, representam 14% da matrize os produtos derivados da cana-de-açúcar, como bagaço eetanol, representam 16%. As outras energias, e aqui seincluem a eólica e solar, contribuem com apenas 3% atéagora, com a eólica representando pouco mais de 1%.

Nós continuamos com uma matriz energéticainvejável, mas a cada ano a participação dos energéticoslimpos e renováveis lamentavelmente diminui, enquantoque cresce o consumo dos combustíveis fósseis e nãorenováveis. Em 2011, todos os dados apresentadosmostram um crescente consumo de combustíveis fósseis,principalmente gasolina e diesel, em detrimento dosrenováveis, como é o caso do etanol e de todos osenergéticos derivados da biomassa.

Energia elétrica

A energia elétrica ainda é a que apresenta a maiordemanda e cresce a passos largos no Brasil, graças aodesenvolvimento econômico dos últimos anos. Dessaforma, verificamos um acentuado consumo residencial,comercial e industrial. No ano passado, por exemplo,o uso da energia elétrica cresceu perto de 8% emcomparação ao ano anterior. Nos últimos anos, a

As usinas hidrelétricas respondem por quase 15% da matriz energética. No ano passado, o País teve de importar etanol.

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20 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

população brasileira passou a ter maior acesso aos bensde consumo duráveis, como micro-ondas, que se tornouuma conquista social das classes menos favorecidas, alémde geladeiras e televisores. Ao mesmo tempo, 63 milhõesde pessoas ascenderam das classes D e E para a C, e daclasse C para a B. isso contribuiu para que o Brasil setornasse a sexta maior economia do mundo. O Brasilprecisará construir pelo menos três hidrelétricasequivalentes a Itaipu para suprir a demanda prevista deenergia em 2021, caso o consumo se mantenha dentro daproporção até agora alcançada.

Segundo as previsões do governo, o consumo deenergia elétrica crescerá a uma taxa média de 4,5% ao ano,mais do que o PIB estimado. O consumo saltará dos 472mil gigawatts hora em 2011 para 736 mil gigawatts em2021. Isso significará que a demanda por energia em 2021será 56% superior a de 2011 e que o País terá de aumentara energia gerada em 264 mil gigawatts nos próximos anos.

Nós colocamos de lado o fantástico potencial hídricoda nação. Nós só aproveitamos 25% do nosso potencial

hídrico, 75% desse potencial ainda não são aproveitados.As usinas hidrelétricas que poderiam ser construídas têmamplas condições de produzir energia mais limpa, maisbarata do que as outras ofertas de energia e competitivascom outros sistemas. E polui menos do que as usinastérmicas acionadas com óleo combustível e diesel, quepassou a ser um modismo no Brasil.

Falta um maior entrosamento e sinergia entre os órgãosgovernamentais. O Ministério Público tem uma posiçãosempre de contestador no que se refere à instalação deusinas hídricas, com o pretexto do desequilíbrio domodus vivendi da população em torno das barragens, ouainda alega que há uma deterioração das condiçõesambientais. Hoje, 70% da energia que o Brasil necessitaráaté 2020 já estariam contratadas, incluindo as usinas deSanto Antônio e Belo Monte.

No consumo de energia por setores, a indústria continualiderando com 44,2%, seguido do setor residencial com23,8%, comercial e serviços com 15%, setor público com8,1%, agropecuário com 3,9% e transporte com 0,4%. O setor

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21MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

comercial e de serviços seráaquele que maisimpulsionará doravante ocrescimento de energia noBrasil na próxima década.Com aumento em suademanda estimado em 5,8%ao ano, seguido pelo setorresidencial, com 4,5%, e aindústria, com 4,4%, porconta dadesindustrialização,principalmente em SãoPaulo. Apesar do elevadoconsumo do setor decomércio e serviço, aindústria se mantém como osetor responsável por quasemetade do consumo total de eletricidade do País em 2021. Oconsumo da indústria saltará de 225 mil gigawatts para 345mil gigawatts hora em 2021.

A energia no Brasil sempre foi abundante e barata,produzidas pelas hidrelétricas. Hoje ela está caríssima e nósdeixamos de ser competitivos em relação aos grandesprodutores mundiais, já que recolhemos perto de 40% emimpostos na energia consumida, principalmente no setordoméstico, que é o que tem maior incidência de impostos.

Falta uma política energética

Está faltando para nós a organização, como no passado,da Comissão Nacional de Energia, que era subordinadadiretamente ao presidente da República, fazendo com quese acabasse com a burocracia no tocante ao tratamentodeste insumo, que é fundamental para a nação e dessaforma, essa Comissão Nacional de Energia deveria voltara funcionar. Hoje, no seu planejamento, temos muitosórgãos opinando no que se refere às questões energéticas.

Outro fato negativo é a lamentável opção pelo diesel. OBrasil, equivocadamente, optou pelo transporte de ônibusou caminhão a diesel e nos dias atuais praticamente tudo étransportado por diesel. São Paulo já teve uma dasmelhores ferrovias da nação, igual a uma TGV francesa,que era a Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Aoinvés de seguirmos no desenvolvimento das ferrovias,houve um fantástico lobby da indústria de caminhões naépoca no sentido de aumentar o consumo e hojepraticamente levamos parafusos fabricado em Caxias (RS)para Belém do Pará transportados em caminhões a diesel.O resultado é que batemos recorde, no ano passado, maisde 20% de todo diesel consumido no Brasil foi importado,pois o Brasil não produz diesel suficiente devido àdificuldade de construção de novas refinarias. Com oaumento atual do petróleo e a instabilidade no OrienteMédio em torno do Irã, essa situação pode se agravar.Teremos ainda de importar petróleo de boa qualidadepara as nossas refinarias e importar diesel.

Outra questãopreocupante é que,lamentavelmente,vergonhosamente, o Brasilpassou a importar etanol.O País pode produzir todoo etanol de que precisa etambém exportar. Noentanto, deixamos espaçopara os americanos, quepassaram a construir assuas destilarias e produziretanol de milho, comtecnologia desenvolvidalá – é muito mais cara aprodução do etanol demilho e o governoamericano passou a

conceder subsídios muito grandes. Em 2011, o Brasilimportou quase 10 bilhões de dólares FOB de gasolina,diesel e etanol, correspondendo a 4,4% do total.

Em relação à importação e exportação de etanol. Emface de contratos celebrados, o Brasil importou 1,2 bilhãode litros de etanol dos EUA e exportou 1,9 bilhão de litrosde etanol. No ano passado, a produção de etanol no Brasilalcançou 21 bilhões de litros, caindo 20% em relação aoano anterior em função de dificuldades econômicas,quando os investimentos ficaram praticamentesuspensos. Se considerarmos em termos de economia dedivisas para o País, com o etanol substituindo a gasolina,isso representará uma economia de divisas da ordem de15 bilhões de dólares neste ano, com a substituição doálcool que será consumido nos veículos bicombustíveis,substituindo a gasolina. Isso, se considerarmos o preço dopetróleo, que já supera 115 dólares o barril.

A falta de estratégia na área de energia é a responsávelpelo Brasil perder a liderança mundial na produção deetanol, bem como o empobrecimento da nossa matriz limpa,renovável, que sempre foi orgulho de nós brasileiros. Nosúltimos anos, os americanos construíram 200 destilariaspara produzir etanol de milho, enquanto que nóspraticamente suspendemos a instalação de novas usinasprodutoras de etanol.

O Brasil, lamentavelmente, é a única nação no mundo ondecombustíveis limpos, ecológicos e renováveis têm umatributação muito alta. No mundo inteiro, quando se produzcombustíveis limpos e renováveis, não há tributos. O Brasiltem uma altíssima tributação – o etanol, por exemplo, temuma tributação igual à gasolina. Isso é um absurdo.

É sabido que, para não aumentar a inflação, o governonão corrige os preços da gasolina há bastante tempo. Comisso, o setor de etanol, que obedece às leis de mercado,não tem como competir. Os preços dos derivados dopetróleo estão totalmente defasados em relação aospreços internacionais. É fundamental estabelecermosprincipalmente uma política de indexação do óleo diesele da gasolina.

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22 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

O outro lado damesma moeda

Para Altino Ventura Filho, secretário de Planejamento eDesenvolvimento Energético do Ministério de Minas eEnergia e ex-presidente da Eletrobras, que também

participou do evento sobre energias alternativas, o Brasil seencontra em uma posição privilegiada quando o assunto éenergia sustentável. Segundo contou, a matriz energéticamundial tem 81% de combustíveis fósseis e apenas 13% defontes renováveis. Essa matriz energética mundial, a médioe longo prazo, é inviável de ser mantida.

Na opinião do secretário, o Brasil se encontra em umasituação extremamente confortável neste ponto. Doscombustíveis fósseis, o País usa bastante petróleo, mais doque a média mundial de 32%. Aqui, o petróleo representa37% da matriz energética, mas temos pouco uso de carvãoe de gás. Esses combustíveis fósseis representam 53%, emcomparação aos 81% dos valores mundiais. No que dizrespeito às fontes renováveis, temos 45%, e o mundo apenas13%. Poucos países ou regiões do mundo têm uma situaçãode matriz energética com estas características brasileiras.

Acompanhe os principais pontos abordados pelosecretário de Planejamento e Desenvolvimento Energéticodo Ministério de Minas e Energia no seminário.

O mundo e o Brasil

Da energia que o mundo utiliza hoje, 32% vêm dopetróleo, seguido do carvão mineral, com 28%, e 21% do gásnatural. Estes três combustíveis fósseis totalizam 81% daenergia que o mundo usa. São os combustíveis que emitem oCO2 e contribuem para as mudanças climáticas. Estaparticipação de 81% quase não tem variado nos anosrecentes, apesar de todos os esforços da sociedade mundial,dos eventos sobre mudanças climáticas, para se sair doscombustíveis fósseis. Os resultados práticos são ainda muitopequenos. Não se visualiza no curto prazo, num horizonte depelo menos dez anos, que o panorama irá mudar. O mundocontinuará aumentando a emissão de gases de efeito estufa,por conta do uso do carvão pela China, Índia e outros paísesque se servem intensamente deste combustível. Porenquanto não há um substituto no montante que permita àsociedade mundial reverter essa situação.

Altino Ventura Filho: posição privilegiada do Brasil

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Na matriz energética brasileira, as fontes renováveis representam 45%, enquanto o mundo tem apenas 13%.

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23MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

A matriz energética mundial tem 81% de combustíveisfósseis e apenas 13% de fontes renováveis. Esses númerosmostram que o mundo, no momento atual, ainda não estáutilizando de maneira racional este recurso natural que é aenergia. Essa matriz energética mundial, a médio e longoprazo, é inviável de ser mantida. Vai ser preciso encontraroutro caminho.

Quando olhamos o Brasil, a situação brasileira éextremamente confortável neste ponto. Dos combustíveisfósseis, usamos bastante petróleo, que representa 37% danossa matriz energética, mas temos pouco uso de carvão erelativamente pouco de gás. Esses combustíveis fósseisrepresentam apenas 53%, em comparação aos 81% dosvalores mundiais. No que diz respeito às fontes renováveis,nós temos 45%, e o mundo apenas 13%. Poucos países ouregiões do mundo têm uma situação de matriz energéticacom estas características brasileiras. Outro pontointeressante na matriz brasileira é o uso do petróleo, que estáacima da média internacional, mas temos uma política clarade redução e nos próximos dez anos chegaremos a valoresabaixo da média mundial, coisa como 28%.

Energia e alimento

A nossa segunda fonte de energia são os derivados dacana-de-açúcar, que são o etanol e a utilização do bagaço e

palha que, quando queimados, produzem calor e energiaelétrica para a própria indústria do açúcar e do álcool,com excedentes para a rede de uma forma competitiva.Qual é o sinal positivo de ter essa fonte? É o sinal que vemdo mercado nacional, por conta do etanol e do açúcar, etambém do cenário internacional. O Brasil estárespondendo satisfatoriamente a esse desafio, pois temosampla possibilidade de expandir a nossa fronteira agrícola,produzindo alimentos e energia, ambos de formacompetitiva, sem ter uma competição entre eles, aocontrário do que existe no resto do mundo; e sem entrar emnossos ecossistemas que queremos preservar. É um modeloautossustentável, uma fonte renovável, competitiva e comtecnologia nacional.

Fim da dependência

As políticas energéticas só têm resultados quando sãoimplantadas e preservadas no médio e longo prazo.Chegamos a importar 45% da energia que o País precisavaem meados da década de 70, depois da crise do petróleo.O País importava quase metade da energia que precisava,concentrado no petróleo. Na época só produzíamos 20% eimportávamos 80%, numa situação em que o País estavagrandemente fragilizado, uma dependência externa, umacommodity com preço descontrolado, utilizado

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24 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

politicamente e o País tendo de enfrentar esta situação desaída de dólar de uma forma intensa: todos nós lembramos oque o País viveu naquela época. Nesse momento, o Brasilteve quatro reações, três delas extremamente positivas,políticas que foram mantidas a longo prazo, e a quarta umpouco discutível. A primeira reação foi aumentar a nossaprodução de petróleo, buscar o petróleo na plataformacontinental e os resultados estão aí. Com o pré-sal agora, oBrasil vai ser um exportador importante de petróleo.

A segunda reação foi o Pro-álcool, uma iniciativa corajosana época, pois não era competitivo, havia uma série dedúvidas, o Brasil manteve esta política no médio prazo eestamos hoje com o etanol competitivo e um exemplo parao mundo de uma fonte renovável, não derivado do petróleode combustível líquido, com tecnologia nacional.

A terceira reação foi a construção das grandeshidrelétricas. Foi quando a Eletrobras decidiu que o setorelétrico devia ficar dependente de hidrelétrica, que é asituação mais adequada para o nosso País. Era, e continuasendo, até certo ponto, a mais adequada e competitiva.

E a quarta reação foi o programa nuclear, que foiantecipado e que os resultados deixam um pouco a desejar.Mas de qualquer maneira, o País o manteve durante osúltimos 30 anos e resultou na matriz atual.

Eletricidade

É evidente que, quando a gente olha para a nossa matriz,uma parte da energia primária passa para a energia elétrica,toda a hidrelétrica passa para energia elétrica, a nuclear

também, uma parte do petróleo, do gás, do carvão, a parte dabiomassa. Quando a gente olha a matriz da energia elétricabrasileira – hidrelétrica, nuclear, petróleo, gás e biomassa – , asituação brasileira é mais favorável ainda, quando se comparaao resto do mundo.

O mundo continua usando os combustíveis fósseis – 41%da energia elétrica que o mundo usa vem do carvão mineral.O programa chinês, indiano, australiano é algosurpreendente. Quando se fala no programa chinês decarvão mineral dá a impressão de que a ordem de grandezaestá equivocada. A China está inaugurando uma usina acarvão mineral de 600 megawatts em média a cada três ouquatro dias. Como é que vamos reduzir a emissão de CO2dessa forma? Por mais que haja eficiência no processo, aquantidade em termos absolutos vai crescer. O mundoutiliza, para produzir energia elétrica, 68% dos combustíveisfósseis – carvão, gás e petróleo. Ouve redução no uso dopetróleo, que foi substituído pelo gás. Mas se usa somente18% de fontes renováveis.

Quando a gente vai para o lado brasileiro, nós utilizamosapenas 10% de fontes fósseis para produzir energia elétrica,sendo que usamos 86% de fontes renováveis, em cima dahidroeletricidade, dos derivados da cana e de outras fontes,como a eólica. A situação brasileira é extremamentefavorável na matriz total e de energia elétrica.

Autossuficiência

O Brasil já foi um grande importador de energia, masisso foi se reduzindo ao longo do tempo. Hoje temos uma

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25MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

importação de 6% a 8% da energia, concentrada na parcelaparaguaia de Itaipu, no gás natural da Bolívia e um poucode carvão mineral para as nossas siderurgias. Podemosconsiderar que o País é praticamente autossuficiente. Edentro do horizonte do plano nacional, com a exploraçãodo pré-sal, nós seremos um exportador importante depetróleo e provavelmente de alguma quantidade de gásnatural, dependendo do montante de gás associado àcamada de petróleo.

Para o futuro, quando a gente olha para o horizonte dospróximos dez anos, será preciso quase que dobrar o nossosistema energético. Se eu tenho uma oferta de energia hojede 270 milhões tep (tonelada equivalente de petróleo), issovai para 440 milhões tep em dez anos; se eu tenho energiaelétrica em 550 milhões de KW/h, vai para 870 milhões deKW/h, isso para manter o crescimento dos 4,5% da nossaeconomia, que é o crescimento mínimo razoável, associadaà distribuição de renda, como está acontecendo nosúltimos anos, fazendo com que a qualidade de vida dosbrasileiros melhore significativamente. Isso vai exigir umesforço de investimento muito grande da sociedadebrasileira, em termos de questões ambientais e de outrostipos, que devemos tratar com muito cuidado. Felizmente,o Brasil tem uma condição que poucas regiões no mundotêm, com abundância de fontes, não existe escassez defontes para atender as nossas necessidades. Temos que tera sabedoria de escolher estas fontes de tal maneira que,com segurança energética, tenhamos uma energiacompetitiva e que os investimentos no setor energético,que são muito elevados, produzam os melhores benefíciospara a sociedade, em termos de criação de empregosnobres, desenvolvimento tecnológico.

Programas de energia

Quando nós olhamos agora o futuro, ao vemos a matrizenergética brasileira nos próximos dez anos, observamosque ela se torna, de alguma maneira, ligeiramente mais

vantajosa do que hoje. O petróleo apresenta uma redução,de 37% para 30% neste horizonte de dez anos – o Brasil estátentando utilizar o petróleo de uma maneira mais nobre.A gente observa que os derivados da cana continuamtendo um papel relevante no nosso sistema; o gás naturaltambém. O Brasil sempre utilizou pouco gás, pois nãotinha esse combustível disponível, mas hoje tem amplapossibilidade de utilizá-lo.

Não tem nenhuma lei ou decreto que diz que a biomassada cana vai passar de 17% para 21%, e que o petróleo vaipassar de 37% para 30%. O que existe é que as políticasenergéticas adotadas pelo Ministério, através doPrograma de Expansão, através de leilões, vai conduzir asociedade nessa direção, que parece ser uma das maisadequadas para o atendimento de nossas necessidadesenergéticas. Quando a gente observa a questão das fontesrenováveis, nós vemos uma pequena elevação em suaparticipação. E também uma pequena redução nautilização de combustíveis fósseis, mostrando queestamos priorizando as fontes renováveis.

Em relação à energia elétrica, é interessante destacar que,dentro da competitividade das fontes primárias de energiaelétrica, a mais econômica é a hidrelétrica – as usinas daAmazônia estão custando da ordem de R$ 100/MW/h; outrasusinas de menor porte estão em torno de R$ 120/ MW/h.

A segunda fonte é a eólica, que aparece como uma dasmais competitivas, também nessa faixa próxima a R$ 100.A terceira fonte mais competitiva é a biomassa, do bagaço decana. Depois vêm as demais: carvão, energia nuclear, etc.As três primeira, hidrelétrica, eólica e biomassa, são as queapresentam maior índice de competitividade, que se obtémenergia com o menor custo unitário.

Quando olhamos a evolução do balanço da energiaelétrica, a gente observa que, por causa das políticasadotadas, está havendo uma redução na participação dahidroeletricidade, isso dentro do desejo de diversificar anossa matriz, abrir espaço para outras fontes, inclusive asfontes alternativas. Mas a hidroeletricidade ainda é o carro-

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Eólica: setoravança devento em popa

Energia eólica: o potencial do Brasil é de 300 GW.

OBrasil é o 16º país com maior capacidade eólicainstalada no mundo, mas em 2014 vamos ter7 GW em operação – hoje estamos com 1,4 GW – e

isso vai corresponder a 5,3% da matriz energética brasileira.Assim, entraremos na lista dos dez maiores produtores deenergia eólica do mundo já no final de 2014, resultantedos leilões que foram realizados em 2009, 2010 e 2011.A capacidade instalada brasileira está crescendoexponencialmente, resultado desses leilões de energia.

Para Elbia Melo, presidente da ABEeólica - AssociaçãoBrasileira de Energia Eólica, não restam dúvidas de que hágrandes oportunidades para a energia eólica crescer noBrasil. Primeiro pelo nosso potencial. "Em 2001, o nossopotencial foi estimado em 143 GW, mas estudos recentes doCepel, que serão divulgados em breve, fizeram um novomapa eólico, mostrando que o potencial é de 300 GW.O principal fator que explica esse aumento é o avançotecnológico – os aerogeradores chegam hoje a uma altura de120 metros, equivalente a um prédio de 40 andares", explicou

chefe, aquela que tem, em valores absolutos, maiorparticipação. A eólica tem participação de 0,4% em 2010e vai para 4,3 em 2020, multiplicando-se por dez. Masesses números já estão subestimados. Hoje, a genteimagina que a participação será ainda maior da energiaeólica em relação às demais fontes. Há também umaumento da biomassa, sua participação dobre, passandode 5,1% em 2010 para 10% em 2020. E as demais fontespraticamente se complementam.

Em relação à capacidade instalada, em 2010 o Brasiltinha 112,4 mil megawatts. Nesse horizonte de dez anos,de acordo com nosso plano decenal, até 2020, estenúmero chegaria a 181,6 mil megawatts, o querepresenta um programa de 70 mil megawatts nessesdez anos, incluindo a autoprodução, não é só o sistemaelétrico das concessionárias. Desse programa de 70 milmegawatts, a gente observa que a hidroeletricidadeparticipa com 49%, quase 35 mil megawatts baseado nashidrelétricas de todo o País, em particular as grandeshidrelétricas da região Norte – Madeira, Jirau e SantoAntônio, que estão entrando em operação agora, depoisBelo Monte e Baixo Tapajós, que é a última fronteira dahidroeletricidade do Brasil. Em seguida, vem a eólica e abiomassa, com cerca de 15% cada uma, o que dá 81% doprograma em cima destas três fontes.

Energia Solar

Em relação à energia fotovoltaica (solar), ela jáapresenta redução de custos significativas. Há quatroou cinco anos atrás, o custo era de mil reais omegawatt/hora, hoje já temos sinais claros na faixa de300 reais, sem impostos. É importante destacar que,para um programa comercial, esse custo deverá sercompatível com as opções que o País tem de 100 a 120reais o megawatt/hora. Isso significa que a tecnologiaainda não tem um nível de competição comercial,mas começa a dar os primeiros sinais de competição.O Ministério de Minas e Energia tem recebido sinaisconcretos dos fabricantes de vários países do mundo –Alemanha, Coreia, Japão, China, etc – , comsinalizações claras de que o custo da energiafotovoltaica está se reduzindo na faixa de 15% a 20%ao ano. E o Brasil é um país que tem sol o ano inteiro,as nossas condições são muito mais favoráveis. Se opainel fotovotaico funciona na Alemanha, no Japão,imagine aqui, onde temos sol várias horas do dia.Se hoje o custo está em 300 reais e há perspectivas dequeda de 15% a 20% ao ano, isso significa que dentrode cinco anos os custos estarão em 150 reais, umhorizonte relativamente rápido. Estamos em umesforço junto a Aneel para a regulação, de forma que,ainda dentro do plano decenal, o Brasil tenha maisuma opção de fonte energética importante, renovávele com baixa emissão de gases de efeito estufa.No nosso entendimento, a energia fotovoltaica é apróxima fronteira nas fontes alternativas. (C.O.)

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27MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

Elbia no Seminário sobre Energias Alternativas.Veja a seguir os principais temas abordados pela executiva

no evento:

História

Quando se fala em energia eólica, vem à mente os moinhosde ventos utilizados nos séculos 17 e 18. Com o processo darevolução Industrial, essa tecnologia foi naturalmenteabandonada e posteriormente retomada para a geração deenergia eólica, principalmente após os anos 70, quando secomeçou a pensar em fontes alternativas de energia. A suaevolução se deu a partir dos países europeus e nos EUA. NoBrasil, a tecnologia chegou com um pouco de atraso e temsofrido uma evolução muito rápida nos últimos anos. Issotem permitido que a energia eólica se torne uma fontecompetitiva, inclusive no Brasil.

A cronologia histórica da energia eólica no Brasil começaem 1992. O primeiro aerogerador foi instalado em Fernando

de Noronha em 1992. Esse aerogerador era de 75 kilowatts.Em 2001 foi lançado o primeiro atlas do potencial eólicobrasileiro pelo Cepel (Centro de Pesquisas de energiaElétrica), a partir de um estudo no fim da década de 90. Osmaiores potenciais identificados estão nas regiões Nordeste eSul do País. O potencial foi estimado em 143 gigawatts deenergia eólica. Note que a capacidade instalada de geraçãodo Brasil de todas as fontes é de 117 gigawatts. Em 2001 játínhamos um potencial bem superior a que temos hoje decapacidade instalada.

Incentivo

Em 2003 surgiram algumas iniciativas no Nordeste do País,principalmente no Ceará e tínhamos a ordem de 22 megawattsde capacidade instalada de energia eólica. Em 2004, quandofoi lançado o primeiro programa de incentivo para fontesalternativas de energia, aí sim começou a fase da energia eólicano Brasil. O Proinfa, que é o Programa de Incentivo às FontesAlternativas de Energia Elétrica, tinha por objetivo contratar3.300 megawatts de energia, sendo que 1.100 MW para fonteeólica, 1.100 para biomassa e 1.100 para as PCHs (PequenasCentrais Hidrelétricas). Foi realizado um processo de leilão,uma chamada pública no âmbito do Ministério de Minas eEnergia, na época, o decreto foi regulamentado pela entãoministra Dilma Roussef, e o leilão dizia o seguinte: vamoscontratar 1.100 de cada fonte, mas caso falte, podemoscomplementar com outra. Naquela ocasião, foram contratadoscerca de 1.400 megawatts de fonte eólica, pois as demais fontesnão atingiram os objetivos.

Depois do Proinfa, temos outro momento da energia eólicano Brasil, que é o momento competitivo, que foi em 2009,quando foi realizado o primeiro leilão de energia elétrica jáno ambiente de contratação regulada no novo modelo dosetor elétrico, onde foram vendidos cerca de 2 gigawatts deenergia eólica, mas desta vez sem incentivo, de maneira

Elbia Melo: a tecnologia vem evoluindo.

O Brasil é o 16º país em capacidade eólica instalada.

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28 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

competitiva. Este é um marco da energia eólica no momentocompetitivo no Brasil.

Energia eólica no mundo

No mundo, em termos de capacidade instalada, o Brasilocupava a 21ª posição em 2010, sendo que o País começou ainvestir somente a partir de 2004, mas mais fortemente apartir de 2009. Os leilões de 2009 estão na categoria de A-3,você contrata três anos antes. Tudo o que foi vendido em 2009começou a ser construído e entra em operação justamenteagora em 2012. Por isso, a nossa capacidade instalada hojeainda está baixa, pois os projetos ainda não entraram. Então,em termos de capacidade instalada, o país que domina é aChina, vindo os EUA em segundo lugar. A China é o país quemais investe em energia eólica, ela coloca 18 gigawatts deenergia eólica por ano. Esta capacidade instalada mundialmostra que temos 200 gigawatts de capacidade instaladamundial e sendo dominado pela China, seguido dos EUA,Alemanha, Espanha e os demais países.

Hoje, o Brasil é o 16º país com maior capacidade eólicainstalada no mundo, mas em 2014 vamos ter 7 GW emoperação, hoje estamos com 1,4 GW , e isso vai correspondera 5,3% da nossa matriz e vamos entrar na lista dos dezmaiores países produtores de energia eólica já no final de2014, resultante dos leilões que foram realizados em 2009,2010 e 2011. A nossa capacidade instalada está crescendoexponencialmente.

Oportunidades e crescimento

Em termos de perspectivas, considerando que a demandano Brasil cresce cerca de 6 GW de potência por ano e há umaforte sinalização do governo no sentido de inserir as fontesrenováveis na matriz, não somente a eólica, mas também asolar, biomassa e hidrelétrica, há realmente uma grandeperspectiva dessas fontes no País. A eólica tem bastanteoportunidade e o nosso sistema, do ponto de vista de fonte

renovável, tem uma característica interessante: acomplementaridade. A hidrelétrica, a eólica, PCH, a solar ea biomassa, elas têm uma alta complementaridade entre si.Há uma sazonalidade inversa entre a eólica e a hidroelétrica.Quando os reservatórios estão vazios, não está chovendo, é operíodo que mais venta. E o contrário também é verdade. Issofaz com que nós aproveitemos de forma otimizada a nossamatriz e evitemos também a geração de energias com base emcombustíveis fósseis, o que reduz a produção de CO2.Também estamos percebendo que a energia solar tem fortecomplementaridade com a eólica, pois durante o dia não ventamuito, mas é a hora de maior incidência de sol, e durante anoite, quando não tem produção solar, nós temos produçãoeólica. Além disso, temos uma complementaridadegeopolítica. Na região Norte nós estamos com as hidrelétricas,no Sudeste e Centro-Oeste temos a bioeletricidade e no Sul eNordeste temos a energia eólica. Este é um fator muitovantajoso para o Brasil, é uma característica nossa.

Benefícios para o País

Um fator importantíssimo para a indústria de energiaeólica é o efeito na cadeia produtiva e que tem trazido debenefício para o País em termos de indústria. Quandofalamos em energia eólica, nós não estamos falando dasimples geração de energia elétrica para atender a demanda.Estamos falando de uma cadeia produtiva como um todo.E essa cadeia produtiva é resultado de uma política adotadano passado. As políticas energéticas precisam de médio elongo prazo. A do Proinfa foi clara, naquele momento em2004, quando fizemos um programa de incentivo, nósfizemos esse programa com o objetivo de trazer a tecnologiae os investimentos para o Brasil para no futuro auferir essesbenefícios. Esses benefícios estão sendo sentidos agoraquando a fonte eólica está indo para os leilões competitivos,a preços competitivos, sendo a segunda fonte maiscompetitiva do País e trazendo toda uma cadeia produtiva.Nós já estamos com 11 fábricas no Brasil e duas chegando,

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29MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

sendo que dessas 11 fábricas, sete são de aerogeradores.Estamos gerando toda uma cadeia produtiva, gerandoemprego e renda para o País.

Falando de cadeia produtiva, nós temos um aspecto quechama a atenção que é a consolidação desta indústria, osinvestimentos em pesquisa e desenvolvimento. Na linha doque vem dizendo o próprio governo federal, nós estamostrabalhando no âmbito da ABEeólica entendendo aimportância dessa cadeia produtiva para trazer os benefíciosda pesquisa e desenvolvimento, buscando as instituições depesquisas, as universidades, os centros de treinamentos, como objetivo de desenvolver uma tecnologia nacional para ageração eólica. A tecnologia que está no Brasil é de fora, poisnão tivemos tempo para desenvolver a nossa e não tivemosincentivos para tal. Hoje estamos vendo condições de sedesenvolver uma tecnologia nacional e estamos trabalhandono âmbito da ABEeólica em um projeto que consideramos demuita importância, que é o projeto de uma Rede de Pesquisade Energia Eólica, que tem como objetivo integrar todos oscentros de pesquisas e mapear essas instituições, agregar asdemandas de ofertas por pesquisas, com o sentido dedesenvolver a pesquisa no Brasil para a geração eólica.

Competitividade

Em termos de competitividade, falando em mercado deenergia eólica, nós fizemos os leilões competitivos desde2009 e foram contratados quase 7 GW, que foram contratadosem um contexto em que se foi aumentado a capacidadeinstalada associada a uma redução dos preços, dos custos deprodução. Quando fizemos o Proinfa em 2004, nós pagamospela eólica cerca de 300 reais por megawatts/hora. No leilãode 2011, a eólica foi vendida por 100 reais o megawatts/hora.Aí se percebe o importante sina dos resultados de umaacertada política pública quando se faz um investimento, umprograma de incentivo e depois se tem os benefícios desseprograma de incentivo.

As condições de financiamento para a eólica, PCH ebiomassa são as mesmas. O BNDES dá incentivo para fonterenovável de energia, não há nada específico para atecnologia eólica. Para fontes emissores de CO2, o BNDES éum pouco duro - no caso de prazo de financiamento paraenergias renováveis, são 16 anos e ele empresta 100% de TJLP(Taxa de Juros de Longo Prazo) e empresta 80% dosinvestimentos. Quando vai para termoelétrica, ele dá 14 anosde prazo, só empresta 50% e cobra 50% de TJLP e mais umcusto adicional. Mas para fontes renováveis, as condições sãoas mesmas. Por isso, o fato de a eólica estar competitiva nãose deve a uma condição especíal do BNDES.

Este s são o que chamamos de fatores estruturais ecompetitividade da eólica e que tem explicado o seucaminho. Além disso, temos os fatores que chamamos deconjunturais, por exemplo, a crise na Europa. A partir de2008 houve uma redução dos investimentos na Europa porconta da crise, Os países que continuaram investindo emfontes renováveis foram China, Índia e Brasil. A China é umpaís extremamente fechado, tem mais de cem fábricas e nãoaceita novos fabricantes; a Índia segue uma trajetória similar;e o único país que tem recebido investimentos de fora é oBrasil. Como o Brasil é o único mercado aberto ainvestimentos, os investidores vêm para cá e entram numprocesso natural de competição, o que faz com que elesestejam dispostos a vender mais barato.

A energia eólica tem hoje um incentivo de ICMS e IPI, masisso não explica toda essa competitividade – estamos falandode um preço de 100 reais o MW/hora. O custo marginal deexpansão do Brasil é em torno de 150 reais; ainda que a eólicavenha a crescer 10% ou 20% no preço, ela ainda vai continuara segunda fonte mais competitiva do País. Não há umaperspectiva de retrocesso dessa fonte, ela está seguindo umcaminho virtuoso. É uma fonte limpa, renovável, que estátrazendo benefícios sociais, econômicos e tecnológicos para oBrasil. É um momento muito oportuno e é muito fácildefender a energia eólica neste País. (C.O.)

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30 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

Marleine Cohen

Esta é a tônica que permeia a próxima Conferência das Na-ções Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20,nas palavras de seu secretário geral, Sha Zukang. A ser reali-zado em junho, duas décadas depois do seu similar, o encontrointernacional sobre meio ambiente nasce sob o signo da ação,rejeita balanços comparativos, dispensa definições concei-tuais e por isso mesmo lança a humanidade num lusco-fuscode apreensão: teria a ECO 92 falhado nos seus propósitos?

A urgência que perpassa os argumentos de Zukang não dei-xa dúvidas: "Definições (como a de 'desenvolvimento susten-tável' e 'economia verde') não importam mais porque nós já

RIO+20: HORA DE AGIR

AFP

Chega de conversa. Nósjá falamos muito. Agora,nosso trabalho é agir."

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31MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

Estudos indicam quea calota polar vemderretendo mais

rapidamente do que seesperava por conta doaquecimento global.

discutimos isso. Precisamos agora de um plano para imple-mentá-las. Afinal, o que aconteceu com todos os documentosque produzimos até aqui? Eles são maravilhosos. Falavam emmuitos acordos. Mas o que nós temos hoje? Sua implementa-ção está muito longe de acontecer".

E esta premência ganha ares de ultimato: "O desenvolvi-mento sustentável não é opcional. O mundo está se tornandocada vez mais insustentável. Os sete bilhões de pessoas na Ter-ra estão consumindo, a cada ano, mais de 1,3 vezes os recursosnaturais que o planeta pode renovar. Este padrão de consumoinsustentável tem de acabar".

Sha Zukang:O mundoestá setornandocada vezmaisinsustentável

Ueslei Marcelino/Reuters

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32 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

Fábio Feldman: a Rio+20deve ser mais instrumental

do que conceitual.

Em outras palavras, segundo os organi-zadores, a Rio+20 não pretende se ater aofracasso de tratados relevantes, como aConvenção Marco das Nações Unidas so-bre Mudanças Climáticas, que em 1997 deuorigem ao Protocolo de Kyoto; a Conven-ção sobre Biodiversidade (CDB) ou a Con-venção sobre a Luta contra a Desertifica-ção: não há mais tempo para isso. Este tam-bém não é o momento de fazer avaliaçõesdo que se conseguiu nestas duas décadas,mesmo porque o balanço seria desanima-dor: "Há um déficit gigantesco de imple-mentação das decisões da ECO 92, uma vezque a própria Agenda 21 pretendia ser o ro-teiro de transição para o desenvolvimentosustentável através da execução dos seus40 capítulos e a Convenção do Clima já de-terminava a redução das emissões para nãoafetar o sistema climático do planeta", lem-bra o ambientalista Fábio Feldmann. "Ogrande desafio agora será, portanto, transformar as deci-sões multilaterais em políticas nacionais, subnacionais e lo-cais. Nesse sentido, a Rio+20 deve ter um caráter mais ins-trumental do que conceitual, criando mecanismos de men-suração e de monitoramento", advertiu.

Mudança de postura

De fato, não precisa ser nenhum cientistaou estar no auge da maturidade para perce-ber que, em vinte anos, longe de ter freado aação predatória do homem sobre o meio am-biente, a ECO 92 só fez abrir as portas paratodos os fantasmas do imaginário coletivo, ealimentá-los regularmente com evidências,advertências e dedos em riste, até com o au-xílio da mídia, sem, no entanto, lançar os ali-cerces de um mundo sustentável.

Ofuscada pelo brilho de um evento pio-neiro, considerado um marco ambientalpor ter colocado o dedo na ferida do plane-ta – o de 1992 –, a Rio+20 deve atrair menosparticipantes: da primeira vez, 172 paísesse reuniram para discutir problemas liga-dos à preservação do meio ambiente e aodesenvolvimento sob uma perspectivaglobal e cerca de 22 mil pessoas de mais de

9 mil ONGs participaram do Fórum Global. Mesmo assim, opresente encontro postula ser "a conferência que vai tratarda sobrevivência da espécie humana" e, para início de con-versa, advoga o uso inteligente de papel (paper smart): "Éclaro que temos de produzir documentos, mas não perca-

Newton Santos/Hype

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33MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

mos mais tempo com papéis", pediu Sha Zukang, explican-do que, por mais que os países tenham interpretações dife-rentes para o projeto, o momento é de ação.

Mais pragmática e enxuta que a de 1992, apoiada em doiseixos básicos – "arquitetura institucional para o desenvolvi-mento sustentável" e "economia verde no contexto do desen-volvimento sustentável e da erradicação da pobreza" –, a con-ferência mundial prevista para junho promoverá discussõesem sete áreas prioritárias: produção de energia renovável, ali-mentação e agricultura sustentáveis, emprego e sociedade in-clusiva, cidades sustentáveis, água, oceanos e mitigação de im-pactos e desastres naturais. Mas, basicamente, vai se limitar aexortar os mais de cem chefes de Estado que se reunirão na ci-dade do Rio de Janeiro a entrarem num acordo para viabilizardecisões ambientais tomadas ao longo da história e que jamaissaíram do papel. "É hora de criar um plano de ação. Na ECO 92,debatemos os princípios; agora, vamos agir", resume o coor-denador executivo da conferência, Brice Lalonde, ex-ministrode Meio Ambiente da França.

O primeiro ponto de discussão da conferência é a reformadas instituições da ONU voltadas ao meio ambiente. Aindanão houve consenso sobre a criação de uma agência para omeio ambiente do porte de uma Unesco, mas, segundo Sha Zu-kang, "está claro que as formas como lidamos com o desenvol-vimento sustentável têm de ser fortalecidas e sua representa-tividade, aumentada". Uma das opções a serem analisadas é

transformar o PNUMA (Programa das Nações Unidas para oMeio Ambiente) em uma organização mundial do meio am-biente, a exemplo da OMC (Organização Mundial do Comér-cio), que baliza as regras do comércio internacional, ou da OMS(Organização Mundial da Saúde), responsável pelas ações dasNações Unidas na área.

O segundo tema de discussão estratégico, a chamada"economia verde", é um plano recomendado pelo PNUMAque prevê a aplicação de 2% do PIB mundial em programasque conduzam à sustentabilidade em sete setores-chave –agricultura, construção, energia, pesca, florestas, indústria,turismo, transporte, água e gerenciamento de lixo –, umaversão sem dúvida atualizada e algo inspirada num dos ca-pítulos da Agenda 21, que já em 1992 definia que as naçõesmais ricas endereçariam 0,36% do seu PIB aos países pobres,a título de contribuição para erradicar a fome. Um cálculoapresentado pelo jornalista Washington Novaes, autor deMeio Ambiente no Século 21, entre outros títulos, mostraque, com 0,70% deste PIB, seria gerado um fundo anual de120 bilhões de dólares destinado às populações mais caren-tes do globo. Esta decisão, segundo o jornalista, não só nãovingou, como também o patamar caiu para 0,30% do PIB aolongo dos anos, um retrocesso "que levou a ONU a tirar o fo-co dos resultados da ECO 92".

Com isso, num mundo onde mais 1,5 bilhão de pessoas nas-ceram e cresceram entre 1992 e 2010 (aumento de 26%), segun-

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do o relatório Keeping Track of Our ChangingEnvironment From Rio to Rio+20 (1992-2012),da ONU, o número absoluto de indivíduos vi-vendo em favelas passou de 656 milhões em1990 para 827 milhões em 2010, ou 171 milhõesde favelados adicionais. Mais: a extensão da re-de de saneamento básico, que em 1990 mal che-gava a 54%, alcançaria 60% em 2008, deixandoà margem 2,5 bilhões de pessoas. Metade daspopulações dos países em desenvolvimentoainda não tem acesso à rede e, a julgar o ritmode crescimento atual, é praticamente certo queo mundo não atingirá os Objetivos de Desen-volvimento do Milênio (ODM), de reduzir pelametade, até 2015, a proporção de pessoas pri-vadas de saneamento básico. Para estender obenefício a 75% da população mundial, serápreciso empurrar a data para 2049.

Não menos digna de registro é a pressão des-ta assombrosa escalada demográfica sobre osrecursos naturais existentes, seja apenas paraalimentar tantas bocas, ou para lhes dar águade beber. Em suma, como explica Moema Mi-randa, diretora do Ibase (Instituto Brasileiro deAnálises Sociais e Econômicas), "assim como o'desenvolvimento sustentável' em 1992, queganhou força ideológica e política apesar desuas ambiguidades, a 'economia verde' é can-didata a ser um novo marco nos debates e pro-postas alternativas. É definida pelo PNUMAcomo aquela capaz de 'garantir o bem-estar hu-mano e a equidade social ao mesmo tempo emque reduz os riscos ambientais e a escassez eco-lógica'. E mais: 'Em sua expressão mais sim-ples, pode ser pensada como aquela que se ba-seia em baixo carbono, no uso eficiente dos re-cursos e na inclusão social'".

Que seja adotada em teoria durante aRio+20, resta saber então, segundo Moema,quais ações serão adotadas pela comunidadeinternacional – e no entendimento de cada país – para "rede-finir um sistema que gera destruição ambiental crescente, en-quanto amplia os índices de concentração de riquezas, a gera-ção de pobreza e a desigualdade, uma vez que existe uma for-ma de produzir e consumir dominante no mundo, que é in-compatível com os recursos disponíveis no planeta": ochamado american way of life, modelo de consumo insusten-tável que, se aplicado à China, exigiria, por exemplo, segundocálculos, a existência de sete planetas como a Terra.

Ciente das dificuldades impostas pela queda de braço entrepaíses ricos e pobres quanto à manutenção (ou conquista) deindicadores de desenvolvimento socioeconômico consoantescom o modelo vigente – como uma numerosa frota nacional decarros ou uma febril industrialização a despeito da consequen-te emissão de dióxido de carbono na atmosfera – e dos nume-rosos impasses que opõem centenas de nações com realidadessociais, ambientais, políticas e econômicas tão diferentes, Sha

Zukang estima que evitar o naufrágio das negociações sobremeio ambiente passa necessariamente, agora, pela definiçãode metas. Não basta diagnosticar o mal; é preciso extirpar o ór-gão responsável pela doença, sob risco de condenar o organis-mo todo à falência. Para isso, Zukang idealizou um plano sus-tentado por três pilares: o mapa do caminho a ser percorridopelas 'economias verdes', os cronogramas de ação e, por fim,mas não menos importante, um menu de opções políticas. "Émuito difícil conseguir um acordo entre tantos países, conven-cer instituições locais, nacionais e internacionais", reconheceu."Mas nós precisamos de um acordo que cubra as prioridades eo maior desafio é reunir todo o mundo em torno de metas."

Resultados comprometedores

Nos anos 90, praticar a sustentabilidade parecia mais fácil."Os países desenvolvidos acreditavam que haviam resolvido

Jason Lee/Reuters

Apu Gomes/Folhapress

Já não basta diagnosticar o mal, é preciso extirpar o órgão responsávelpela doença, sob risco de condenar o organismo todo à falência.

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suas questões econômicas e sociais e dirigiam ofoco das discussões para os temas exclusiva-mente ambientais. Enquanto isso, os países emdesenvolvimento mantinham foco no desen-volvimento econômico apoiado no contextoda sustentabilidade", explica o embaixadorLuiz Alberto Figueiredo Machado, subsecretá-rio-geral de Meio Ambiente, Energia e Ciênciae Tecnologia do Ministério das Relações Exte-riores (MRE). "Mas, vinte anos depois, o mun-do virou de cabeça para baixo."

Ao lado da Primavera Árabe e das crises eprotestos na zona do euro, os malogros que re-tratam este quadro não faltam: "O chamadoAcordo do Clima não tem sido cumprido como devido senso de urgência", aponta o jorna-lista, professor de Geologia Ambiental e autordo livro Mundo Sustentável - Abrindo Espaçona Mídia para um Planeta em Transformação,André Trigueiro.

Ponto de partida para o Protocolo de Kyoto,assinado em 97 e ratificado somente em 2005, oacordo estabelecia que as nações industrializa-das signatárias do documento teriam até 2012para diminuir suas emissões de gases de efeitoestufa em 5,2% em relação aos níveis de 1990 ecom isso frear as mudanças climáticas em cur-so no planeta. Mas foi preciso esperar 2008 para que ele come-çasse a valer. No relatório Keeping Track of Our Changing En-vironment From Rio to Rio+20 (1992-2012) vê-se, todavia, quenão só a emissão de CO2 aumentou 36% entre 1992 e 2008 comosua concentração na atmosfera também cresceu, passando de357 ppmv (partes por milhão por volume) em 1992 para 389ppmv em 2011. Por outro lado, 80% do CO2 gerado é hoje cre-ditado a um seleto grupo de 19 países.

Não bastasse, em 2010 a temperatura média do planeta re-gistrou aquecimento de 0,4º C em relação a 1992 e os dez re-cordes de temperatura anuais ocorreram depois de 1998.Consequência disso tudo, a temperatura média dos oceanosdobrou no período: 0.22ºC acima da média de longo prazo em1992 contra 0.50ºC em 2010, gerando aumento do nível domar da ordem de 2,5 milímetros por ano, entre 1992 e 2011.Assim, conclui Trigueiro, "apesar do reconhecimento da gra-vidade da questão das mudanças climáticas durante a ECO92, pouquíssimo se avançou em termos de enfrentamento di-reto, efetivo, do problema".

Ao lado disso, o relatório do Blue Planet Prize, pelo qual ofísico José Goldemberg, professor do Instituto de Eletrotéc-nica e Energia da USP e ex-secretário do Meio Ambiente du-rante a ECO 92 também responde, mostra que o mundo estácada vez mais dependente de fontes fósseis de energia:"Atualmente, mais de 80% da energia consumida provémdo petróleo (34,6%), do gás (22,1%) e do carvão (28,4%), sen-do que as energias renováveis correspondem a apenas12,9% do total". A tendência de alta do número de carros par-ticulares e a crescente dependência do homem moderno emrelação ao petróleo são tamanhas que, "entre 1980 e 2010, a

demanda mundial por gasolina subiu de 0,8 trilhão de litrospor ano para quase 1,3 trilhão de litro", anuncia Goldemberg- o que mostra que, na prática, a humanidade está longe debuscar formas alternativas de mobilidade urbana para pre-servar o seu habitat.

Os resultados da Convenção sobre Biodiversidade tampou-co são alentadores, e o mesmo se pode dizer da Declaração dePrincípios sobre Florestas – eventos realizados durante a ECO92. Enquanto a área florestada do planeta sofreu confisco de300 milhões de hectares, desde 1990, em prol de atividades an-trópicas como a agricultura, a taxa de biodiversidade tropicalcaiu 30% a partir de 1992, e, anualmente, 52 vertebrados pas-sam a integrar a lista de espécies ameaçadas de extinção. "Jáperdemos um terço das espécies comprometendo seus habi-tats naturais e o planeta não tem mais como repor 25% deles",explica Washington Novaes.

O quadro se mostra tão grave que mais um encontro foi con-vocado em Nagoya, no Japão, em outubro do ano passado,com vistas a definir novos critérios de preservação dos ecos-sistemas terrestres e marítimos. "Decidiu-se que 17% das áreasterrestres e 13% das zonas costeiras e marinhas seriam legal-mente conservadas entre 2011 e 2020", lembra Novaes. No en-tanto, até o presente momento, segundo o relatório da ONU,apenas 13% da superfície terrestre, 7% das águas costeiras e1,4% dos oceanos passaram a contar com proteção ambiental.

Diante destes resultados, o bom senso reza que cada país,rico ou pobre, dê a mão à palmatória antes de iniciar a Rio+20.Mas a situação é tão grave que, pelo discurso adotado, os or-ganizadores do evento se contentam em trocar a pregação domea culpa pelo mantra da ação.

Gabriel Paiva/O Globo

As atenções do mundo estarão voltadas para a Rio+20, Conferência dasNações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que ocorrerá em junho.

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À beira do abismo

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A ex-ministra Marina Silvae o embaixador RubensRicupero: a Rio+20 pode serum grande fracasso.

Carlos Ossamu

Para um grupo de ex-ministros de Meio Am-biente e de outras pastas, tendo à frente o em-baixador Rubens Ricupero – que foi ministroda Fazenda e do Meio Ambiente, além de

presidente da Unctad – há um sério risco de que aRio+20 seja um grande fracasso, e pior, seja um marcono retrocesso das discussões sobre as mudanças cli-máticas. O grupo divulgou em meados de abril umdocumento chamado "Rio mais ou menos 20?" , queconta com o apoio da ex-ministra Marina Silva e dosex-ministros José Carlos de Carvalho, Gustavo Krau-

se e José Goldemberg, além do ex-deputado e ex-se-cretário de Meio Ambiente de São Paulo Fábio Feld-mann. Eles esperam que as pessoas do governo queestão incumbidas com a realização do evento leiam ereflitam sobre este documento, incluindo a presiden-te Dilma Rousseff. "Este é um documento de um gru-po de pessoas preocupadas com o rumo da conferên-cia e que defendem a adoção de medidas em direçãoa uma economia de baixo carbono no Brasil. Não setrata de oposição ou situação, mas uma tomada deposição", explicou Rubens Ricupero.

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SXC

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Segundo o grupo, apesar de a agenda não estar to-talmente fechada, há sinalizações claras do governoque metas ambientais não estarão na pauta da con-ferência, que diz se tratar de um evento sobre desen-volvimento sustentável, e não de meio ambiente. Deacordo com o documento, "os padrões atuais de pro-dução e consumo estão desafiando os limites natu-rais do planeta. Não se deve aceitar passivamenteque este problema e suas implicações para as estra-tégias de desenvolvimento econômico e social se-jam escamoteados da agenda de uma reunião, cujopróprio nome e objeto é o desenvolvimento susten-tável. As evidências dramáticas do processo deaquecimento global – expressas em eventos climá-ticos extremos – se multiplicam no Brasil e no mun-do e os impactos, inclusive econômicos desta traje-tória, já se fazem notar em diversos países".

O manifesto afirma ainda que: "frente aos desa-fios e urgência da agenda climática e ambiental, háum elevado risco de que a Rio+20 seja, não apenasirrelevante, mas configure um retrocesso. Essa per-cepção começa a se generalizar e pode, inclusive,conduzir a um esvaziamento da conferência em ter-mos de presença de chefes de estado e governos,configurando embaraçoso contraste com a Rio 92,cujo aniversário se pretende comemorar".

Na opinião da ex-ministra de Meio Ambiente eex-senadora Marina Silva, há um elevado risco deque a Rio+20 dê margens a retrocessos importantes."Não há uma preocupação com processo históricoque começou em 92. Naquela oportunidade, o Brasilestava alavancando uma agenda, tanto interna co-mo externa, e que tem resultados relevantes até ho-je", disse. Para o grupo, não se trata de ignorar que oambiente global é hoje pouco propício às negocia-ções e iniciativas de cooperação internacional. Aocontrário, é preciso reconhecer honestamente que acrise econômica serve de aparente justificativa a es-forços unilaterais de crescimento, que não levam emconsideração os limites naturais aos atuais padrõesde consumo e produção. "É importante discutir asquestões econômicas e sociais, mas isso não precisaser colocado em oposição a uma agenda de desen-volvimento sustentável e da economia de baixo car-bono. Se prevalecer essa posição de que meio am-biente não será discutido, será um retrocesso em re-lação à visão que foi colocada em 92, quando se de-finiu que as questões deveriam ser abordadas deforma integral", observou Marina Silva. "Existe simuma crise econômica, mas não há como se discutiruma saída para a crise em prejuízo de outra crise,que é igualmente relevante".

Para a ex-ministra, o Brasil tem um papel impor-tante neste processo por ser o país anfitrião, no sen-tido de ter uma forte mobilização interna, dando re-levância às suas conquistas, que ao longo desses 20anos foram muito significativas. "O Brasil precisa

ser protagonista neste processo,liderar pelo exemplo. Não pode-mos ficar diluídos dentro de umalinhamento com os países emdesenvolvimento", disse Mari-na, referindo-se ao grupo doG77. "Temos de pressionar nosentido do avanço, de propostase aí a governança para mim não éoutra: é a criação de um organis-mo para o meio ambiente seme-lhante à Organização Mundialde Comércio (OMC) ou à Orga-nização Mundial de Saúde(OMS), para que recebam instru-mentos econômicos.

Essa posição é defendida tam-bém pelo ex-ministro José Carlosde Carvalho. "Precisamos tratardo fortalecimento da governan-ça para que estas questões pos-sam ser tratadas não no baixoperfil que tem hoje, mas em ou-tro nível. Dentro do sistema dasNações Unidas, meio ambienteaparece no PNUMA (Programadas Nações Unidas para o MeioAmbiente), um programa quenão tem autonomia e por contadisso não tem poder de articula-ção no âmbito do próprio siste-ma para contrabalançar com asoutras organizações, como aOMC (Organização Mundial doComércio), a FAO (Organização das Nações Unidaspara Agricultura e Alimentação)", diz.

Segundo Carvalho, logo após a divulgação doquarto relatório do IPCC (Intergovernmental Panelon Climate Change), em 2007, um economista doBanco Mundial fez um estudo em que calculava emtorno de US$ 800 bilhões os investimentos necessá-rios para fazer a transição do modelo atual para umaeconomia de baixo carbono. "Por conta disso, estedocumento foi esnobado pelas grandes liderançasmundiais, disseram que era um absurdo, que nãohavia possibilidade de obter esses recursos para fa-zer essa transição. Logo em seguida, eclodiu a crisede 2008 e o mundo torrou literalmente US$ 3 trilhõespara salvar o sistema financeiro".

Exemplo da Rio 92

Para o ex-ministro José Carlos Carvalho, não fazsentido desvincular a questão ambiental do econô-mico. "Quando fazemos uma leitura de que o uso pre-datório dos recursos naturais é um problema somen-te ambiental, pois traz desequilíbrios ecológicos gra-

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ves, nós deixamos de mencionar que ele também éum problema econômico. O uso predatório dos re-cursos naturais está subtraindo do desenvolvimentofuturo insumos necessários ao processo de desenvol-vimento. Em minha opinião, é isso que dá a dimensãofundamental do conceito de sustentabilidade que foiconsagrado na Rio 92. Estamos falando de um proble-ma ambiental que tem repercussão no campo da eco-nomia, sobretudo para um país que tem sua econo-mia fortemente baseada na exploração de recursosnaturais. Nós tínhamos uma participação na pautade exportação que era de 60% de manufaturados e40% de commodities, e nos últimos dez anos inver-temos esta situação", observou Carvalho. Neste mo-delo de exportação de commodities, hoje somos a 6ªeconomia do mundo, mas com grandes chances determinarmos o século em 50º lugar".

Para o embaixador Rubens Ricupero, o maior pro-blema em relação à postura diplomática do Brasil nes-ta fase preparatória da conferência é o fato de que oPaís não está assumindo plenamente a função de an-fitrião, como fez em 92. "O anfitrião de uma conferên-cia tem que ser o facilitador do consenso, ele tem de ser

a força que leve a uma posição que re-presente um avanço", observou. "O an-fitrião não pode repetir a posição de umgrupo, por mais respeitável que seja. Atendência da diplomacia brasileira temsido a de se limitar à posição do G77, queé o grupo de reúne os países em desen-volvimento", afirmou, explicando que éum grupo respeitado, mas muito gran-de – apesar de ter o nome de 77, são maisde 130 países com posições diferentes.As posições são sempre muito diluídas,porque no grupo estão tanto as ilhasameaçadas de desaparecer pela eleva-ção dos oceanos, e que têm posiçõesmuito incisivas, até os países produto-res de petróleo, que não querem ouvirfalar de economia de baixo carbono. "Éóbvio que um grupo tão heterogêneo,que reúne países tão díspares, não podedeterminar a posição do governo brasi-leiro, que tem que procurar, na medidado possível, extrair das posições do gru-po aquilo que ele acha mais adequado.O Brasil não pode esquecer que estaconferência não é puramente uma dis-cussão Norte-Sul. Em um tema comer-cial, essa discussão teria razão de ser,mas em um tema global, em que se fa-lharmos o mundo todo sofrerá, não temsentido assumir esta postura, mas é oque o Brasil está fazendo, assumindo aposição do G77", ressaltou.

Rubens Ricupero explicou que, emgeral, se afirma que o desenvolvimento sustentáveltem três pilares: o econômico, o social e o ambiental."Eles devem ser tratados igualmente, mas é precisoevitar dois erros: o primeiro é de não perceber que oambiental é a condição de possibilidade dos dois ou-tros. Se nós falharmos em evitar um aquecimento glo-bal de 5ºC, como é mais provável no cenário atual, nãohaverá nem economia e nem o social, pois o próprioplaneta estará ameaçado. O ambiental, neste ponto devista, vem antes. Outro erro que se comete é não per-ceber que, quando se fala em desenvolvimento susten-tável, não é qualquer econômico, é o econômico e so-cial com conteúdo ambiental, pois o problema am-biental vem do crescimento econômico, que começoucom a Revolução Industrial em 1750. É esse crescimen-to econômico que no relatório de Sir Nicholas Stern(Relatório Stern sobre mudanças do clima e aqueci-mento global) se lê logo no início que o aquecimentoglobal é o exemplo mais impressionante de falência demercado de toda a história", comentou o embaixador.Para ele, o mercado entregue a si mesmo destrói o pla-neta, pois a lógica do mercado é de um produtivismo eum consumismo sem nenhum tipo de limite.

O mundotorrou US$ 3trilhões para

salvar osistema

financeiro, masreluta em

investir emmeio ambiente.

Mauricio Lima/AFP

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40 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

Impactos econômicosA previsão é de forte impacto no sistema de geração de energia hidroelétrica, com redução de 31,5% a 29,3% da energia firme.

Brasil, ano de 2050. Na aula de Geografia, alunos as-sistem a um vídeo em 3D, que mostra que o País tinhaa maior floresta tropical do mundo, abrigando amaior bacia hidrográfica do planeta. O verde luxu-

riante que aparece no vídeo nada se parece com a Amazôniaatual: árvores esparsas, arbustos isolados e algumas gramí-neas baixas. A usina hidrelétrica de Belo Monte, que no iníciodo século rendeu tantas discussões, vem operando com 30% dasua capacidade e já não atende a demanda de energia elétricada região. As hidrelétricas do Nordeste fecharam, pois a regiãovem sendo castigada por uma forte seca e a população tem mi-grado para cidades do Sul e Sudeste.

Este é um cenário possível, caso as mudanças climáticas,ocasionadas pelo aquecimento global, continuem ocorrendona mesma velocidade. Isso é o que mostra o estudo "Economiadas Mudanças do Clima no Brasil" (EMCB), uma iniciativa pio-neira que analisa e quantifica o impacto da mudança do climana agenda de desenvolvimento do País. Coordenado pelo pro-fessor Jacques Markovitch, da Faculdade de Economia e Ad-ministração de Empresas da Universidade de São Paulo

(FEA/USP), o estudo reuniu uma grande equipe interdiscipli-nar, formada principalmente por cientistas das principais ins-tituições de pesquisa do País.

O estudo adotou como base os modelos climáticos desen-volvidos pelo CPTEC (Centro de Previsão do Tempo e EstudosClimáticos) do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espa-ciais) e o horizonte do ano de 2050. Assim, o estudo aborda vá-rios setores cruciais para o Brasil: agricultura, energia, uso daterra e desmatamento, biodiversidade, recursos hídricos, zonacosteira, migração e saúde.

As conclusões são assustadoras: o Brasil corre o risco de teruma perda na economia de R$ 719 bilhões a R$ 3,6 trilhões em2050, caso nada seja feito para reverter os impactos das mudan-ças climáticas. As regiões mais vulneráveis à mudança do climano Brasil seriam a Amazônia e o Nordeste, com perdas expres-sivas para a agricultura em quase todos os Estados. Além disso,a previsão é de forte impacto no sistema de geração de energiahidroelétrica, com redução de 31,5% a 29,3% da energia firme.

O ponto de partida do estudo foram modelos computacio-nais que forneceram projeções sobre o comportamento futuro

Dida Sampaio/AE

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do clima no território nacional, como temperatura e precipi-tação. Estas projeções alimentaram modelos de simulação dealgumas áreas estratégicas da economia, que traduziram emtermos econômicos os impactos esperados em cada setor, deacordo com duas possíveis trajetórias do clima futuro desen-volvidas por outro estudo, chamado Painel Intergovernamen-tal de Mudança do Clima (IPCC, sigla em inglês), que chamouos cenários de A2 e B2.

O cenário A2 projeta um mundo heterogêneo, voltado paraa autossuficiência nacional e a preservação das identidades lo-cais. Os padrões de fertilidade entre as regiões convergemmuito lentamente, o que acarreta um aumento crescente da po-pulação. O crescimento econômico não ocorre de forma homo-gênea e a disparidade de renda entre países ricos e pobres semantém. Pressupõe-se um fluxo menor de comércio, menordifusão de tecnologia e menor ênfase nas interações econômi-cas entre regiões.

O roteiro do cenário B2 distingue-se do A2 principalmentepela adoção de políticas para enfrentar os problemas do meioambiente e da sustentabilidade social. É um mundo em que a

Segundo o estudo, as regiões mais vulneráveis à mudança do clima no Brasil seriam a Amazônia e o Nordeste.

Divulgação

O professor Jacques Marcovitch foi o coordenador do EMCB.

da mudança climáticaCarlos Ossamu

Jorge Araújo/Folha Imagem

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42 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

população global aumenta a uma taxa inferior à do cenário A2,com níveis intermediários de desenvolvimento econômico emudança tecnológica menos rápida e mais dispersa. As dispa-ridades internacionais de renda decrescem um pouco mais doque no cenário A2.

Principais efeitos da mudança do clima

Segundo o estudo, com ou sem mudança do clima, o PIB bra-sileiro é sempre maior em B2-BR do que em A2-BR. Isto querdizer que na trajetória mais limpa do cenário B2-BR, a econo-mia cresce mais. Em ambos cenários, a pobreza aumenta porconta da mudança do clima, mas de forma quase desprezível.

Haveria uma perda média anual para o cidadão brasileiro em2050 entre R$ 534 (ou US$ 291) e R$ 1.603 (ou US$ 874). O valorpresente em 2008 das reduções no consumo dos brasileiros acu-muladas até 2050 ficaria entre R$ 6 mil e R$ 18 mil, representan-do de 60% a 180% do consumo anual per capita atual.

Na Amazônia, o aquecimento pode chegar a 8°C em 2100, oque prenuncia uma alteração radical da Floresta Amazônica - achamada "savanização". Estima-se que as mudanças climáti-cas resultariam em redução de 40% da cobertura florestal naregião sul-sudeste-leste da Amazônia, que será substituída pe-lo bioma savana.

No Nordeste, as chuvas tenderiam a diminuir de 2 a 2,5mm/dia até 2100, causando perdas agrícolas em todos os es-tados da região. O déficit hídrico reduziria em 25% a capaci-dade de pastoreio de bovinos de corte, favorecendo assim umretrocesso à pecuária de baixo rendimento.

O declínio de precipitação afetaria a vazão de rios em baciasdo Nordeste, importantes para geração de energia, como a doParnaíba e a do Atlântico Leste, com redução de vazões de até90% entre 2070 e 2100.

Haveria perdas expressivas para a agricultura em todos osEstados, com exceção dos mais frios no Sul e Sudeste, que pas-sariam a ter temperaturas mais amenas.

Na agropecuária, com exceção da cana-de-açúcar, todas as demais culturas sofreriam re-dução das áreas com baixo risco de produção,em especial soja (-34% ), milho (-15%) e café (-18%). A produtividade cairia em particular nasculturas de subsistência no Nordeste.

Na zona costeira, considerando-se o pior ce-nário de elevação do nível do mar e de eventosmeteorológicos extremos, a estimativa dos va-lores materiais em risco ao longo da costa bra-sileira é de R$ 136 bilhões a R$ 207,5 bilhões

Ações práticas

O estudo sugere ações para que o País seadapte à mudança do clima de forma a reduzirseus impactos. Na área da agricultura, as mo-dificações genéticas seriam alternativas alta-mente viáveis para minimizar impactos damudança do clima, exigindo investimento empesquisa da ordem de R$ 1 bilhão por ano. A

irrigação também foi investigada como alternativa de adapta-ção, mas com razões benefício-custo em geral menores.

No setor de energia, seria preciso instalar uma capacidadeextra para gerar entre 162 TWh (25% da oferta interna de ener-gia elétrica em 2008) e 153 TWh por ano (31% da oferta internade energia elétrica em 2008), de preferência com geração porgás natural, bagaço de cana e energia eólica, a um custo de ca-pital da ordem de US$ 51 bilhões a US$ 48 bilhões.

Para frear o desmatamento, um preço médio de carbono naAmazônia de US$ 3 por tonelada, ou US$ 450 por hectare, de-sestimularia entre 70% e 80% da pecuária na região. Ao preçomédio de US$ 50 por tonelada de carbono, seria possível redu-zir em 95% o desmatamento.

A substituição de combustíveis fósseis poderia evitar emis-sões domésticas de 92 milhões a 203 milhões de toneladas deCO2 equivalente em 2035. Exportações de etanol acrescenta-riam de 187 milhões a 362 milhões de toneladas às emissõesevitadas em escala global.

O crescimento da área plantada de 17,8 milhões a 19 milhõesde hectares não causaria substituição de áreas destinadas àsculturas de subsistência em nenhuma região brasileira, nempressionaria o desmatamento da Amazônia, mas nas regiõesSudeste e Nordeste poderia afetar florestas e matas dos esta-belecimentos agrícolas, caso as políticas para o setor não sejamimplementadas adequadamente.

Os custos e riscos potenciais da mudança do clima para oBrasil seriam ponderáveis e pesariam mais sobre as popula-ções pobres do Norte e Nordeste, de modo que políticas de pro-teção social nestas regiões devem ser reforçadas.

É possível e necessário associar metas ambiciosas de cres-cimento com a redução de emissões de gases de efeito estufa,para assegurar acesso a mercados que favoreçam produtoscom baixa emissão de carbono em seu ciclo de vida.

A mudança do clima deve integrar as políticas governa-mentais do setor ambiental , incluindo a emissão e sequestro degases do efeito estufa no processo de licenciamento, tanto no

No Nordeste, as chuvas tenderiam a diminuir de 2 a 2,5 mm/dia até 2100.

Diego Vara/Folhapress

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Oprofessor Jacques Marcovitch foi o coordena-dor geral do estudo Economia da Mudança doClima no Brasil (EMCB). Para sua realização,

congregaram-se no âmbito da Academia Brasileira deCiências, representantes de 11 instituições nacionais depesquisa. O alto número de especialistas naturalmente

gerou um saudável antagonismo críti-co e, por este meio, obteve-se o consen-so possível sobre os pontos principais.Segundo Marcovitch, foi um desafioestimulante. Em viagem pela Europa,o professor Marcovitch gentilmenterespondeu algumas questões por e-mail sobre o estudo que coordenou.

Digesto Econômico - O estudo Economiada Mudança do Clima no Brasil seráapresentado na Rio+20?

Jacques Marcovitch - É possível.Trata-se de um estudo que abrange asmais relevantes variáveis econômi-cas das mudanças climáticas no Bra-sil. A nossa governança ambientalpoderá buscar em seu conteúdo im-portantes insumos para as suas polí-ticas. Entretanto, a pauta da Rio+20ainda está em construção. Tudo vaidepender das discussões em anda-mento. Foi positivo que diplomatas,reunidos em Nova York, tenham che-

gado ao consenso de que a Conferência deve estabelecerum conjunto de metas e criar Objetivos do Desenvolvi-mento Sustentável. Alguns países, porém, ainda nãoconcordam. Com isso, favorecem a retórica e desenco-rajam a fixação de métricas. A fortuna de estudos acu-mulados no Brasil sobre o meio ambiente e as mudançasclimáticas, originários de universidades, agências de fo-mento, ONGs, instituições diversas e Ministérios, pode-ria contribuir para a fixação de objetivos e prazos no âm-bito local. Presume-se que assim aconteça, mas não po-demos ignorar que a implementação de novas políticasimplica elevados custos, o que não é bem recebido porpaíses em crises financeiras.

caso da agenda marrom (poluição) quanto no da agenda verde(setor rural e afins) - setores de transportes, habitação, agricul-tura e indústria.

Recomendações

A principal recomendação dos cientistas que participaramdo estudo é estancar o desmatamento da Amazônia. O desma-tamento gera significativas mudanças do clima local e regionale resulta em uma perda projetada de até 38% das espécies e de12% de serviços ambientais em 2100.

Também é preciso aumentar o conhecimento técnico sobre oproblema, com o desenvolvimento de modelos climáticos,modelos que traduzam as mudanças esperadas do clima emimpactos físicos nos diversos setores da economia e apresentaralternativas de mitigação e adaptação mais eficientes. Investirem pesquisa agrícola de ponta, em particular na modificaçãogenética de cultivares.

Finalmente, cumpre notar que, principalmente em decorrênciado debate nacional sobre a posição que o Brasil deveria adotar nas

A presidente Dilma Rousseff visita obras da hidrelétrica de Santo Antônio.

Dida Sampaio/AE

Com a palavra,o coordenador

do estudo

negociações internacionais, tem-se discutido intensamente cená-rios que levam em consideração o grande potencial de mitigaçãodo país, ao se buscar uma economia de baixo carbono. Alguns têmdenominado esta trajetória de "Brasil Potência Ambiental". O re-ferencial de modelagem aqui desenvolvido será útil na elabora-ção de uma série de diferentes cenários econômicos, sociais e cli-mático-ambientais que incorporem as medidas de mitigação quese queira testar. Recomenda-se, assim, como trabalho para o fu-turo imediato que se incorpore esta modelagem às recém criadasredes de pesquisa, como a Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mu-danças Climáticas Globais (Rede CLIMA) e o Instituto Nacionalde Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas, as quais in-corporam a maioria dos grupos de pesquisa do EMCB.

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44 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

O estudo foi inspirado no Relatório Stern, do Reino Unido, que fezuma análise global. O que eles dizem sobre o Brasil é compatívelcom o que vocês apuraram ou há divergências?

O Relatório Stern inspirou o EMCB na busca de projetar equantificar perdas ocasionadas pela inércia global de gover-nos e empresas. O estudo brasileiro apontou algumas delas,em território nacional.

Evidenciou-se que no Brasil a incidência maior recairá sobreas populações pobres. Em consequência desta significativa re-levância social, as mudanças do clima impõem uma articula-ção maior entre as políticas públicas.

Nos próximos 40 anos, de acordo com as projeções calcula-das, o fenômeno climático, embora impactando a economia,poderá ser neutralizado com a redução nas emissões de gasesde efeito estufa. Considera-se viável a realização de metas am-biciosas de crescimento, desde que em paralelo com a adoçãode políticas mitigadoras de poluentes. Será sempre necessáriomanter a competitividade nacional e garantir a presença donosso País em mercados externos cada vez mais receptivos aprodutos e serviços com emissão mínima de carbono. Matrizenergética "limpa" e PIB gerado numa economia também sus-tentável. Esta é a premissa que o Brasil deverá cumprir paraatenuar todos os impactos previstos.

Caso não haja uma estratégia que combine fortemente o de-senvolvimento e a sustentabilidade, teremos dois cenários a te-mer nas décadas vindouras. É importante insistir que, manti-das as mudanças climáticas no ritmo atual, calcula-se para2050, no melhor cenário, uma queda de 0,5% no PIB. Em cená-rio mais desfavorável, tais alterações implicarão uma reduçãode 2,3% na taxa de crescimento econômico. Fez-se também umexercício para verificar o que ocorreria se os custos das mudan-ças climáticas no Brasil, até a primeira metade do século, fos-sem antecipados para hoje, a uma taxa de desconto intertem-poral de 1% ao ano, por exemplo. Estes custos implicariam per-das substantivas, entre 25% e 125% do PIB de 2008.

Se houver inércia na mitigação das mudanças climáticas efaltarem medidas de adaptação serão graves as consequên-cias. O estudo revela que, exceto a cana-de-açúcar, todas asoutras culturas diminuirão as áreas com baixo risco de pro-dução. Os maiores impactos são nas culturas de soja, milho ecafé. Sugere-se também que poderá ocorrer uma redução sig-nificativa das áreas de florestas e matas nos estabelecimentosagrícolas. A produtividade nas regiões Norte, Nordeste eCentro-Oeste, em particular a das culturas de subsistência noNordeste, deverá cair impactando ainda mais suas débeiscondições socioeconômicas e aumentando as desigualdadesregionais brasileiras.

Mesmo se o Brasil se esforçasse para reduzir a emissão de carbonoe o desmatamento, isso mudaria o cenário se os demais paísesnão fizessem o mesmo, principalmente os mais poluidores, comoEUA e China?

A pergunta faz sentido e já contém uma lógica em sua for-mulação. Efetivamente, quando grandes poluidores globaisausentam-se de um esforço para mitigar as emissões de GEE,isso prejudica o cenário geral. Esta ausência não deve, entre-tanto, justificar a inércia dos demais países. Quando o Brasil

Quais os desafios para elaborar um estudo deste porte?Foram dois grandes desafios. Quanto ao desafio metodológi-

co do estudo, foi relacionar as projeções sobre o clima futuro comos setores econômicos e com inúmeras características ambientaise socioeconômicas locais e regionais. Outro desafio foi conceber,realizar e avaliar o estudo Economia da Mudança do Clima noBrasil (EMCB). Para sua concretização, congregaram-se no âm-bito da Academia Brasileira de Ciências, representantes de 11instituições nacionais de pesquisa. O alto número de especialis-tas naturalmente gerou um saudável antagonismo crítico e, poreste meio, obteve-se o consenso possível sobre os pontos prin-cipais. Estes foram os dois desafios mais estimulantes.

O senhor poderia comentar sobre a importância deste estudo?Trata-se de estudo pioneiro centrado num Modelo de Equi-

líbrio Geral, que combinou a perspectiva macroeconômica,que integra as análises setoriais de forma agregada, com a pers-pectiva setorial (microeconômica). Os estudos setoriais incor-poram as variáveis climáticas e analisam seus efeitos econômi-cos sobre os setores, enquanto que no nível nacional um mo-delo macroeconômico integra as análises entre setores e entreestes e as variáveis climáticas. Sua realização coincidiu com odebate e promulgação de três diplomas legais que passaram avigorar entre 2009 e 2010: a Lei Federal nº 12.187 de Dezembrode 2009 - Política Nacional das Mudanças Climáticas; a Lei Es-tadual nº 13.798 de Novembro de 2009 - Política Estadual deMudanças do Clima - SP; e a Lei Municipal nº 14.933 de Junhode 2009- Política Municipal de Mudança do Clima - SP. Nestesentido, houve uma importante sinergia entre a elaboraçãodeste estudo e a preparação das politicas públicas de âmbitofederal, estadual e municipal.

Este estudo, de alguma forma, desmistificou ideias ou conceitosque antes vinham sendo veiculados?

A ideia de provocar impactos pela via do desmonte deconceitos anteriores, ou de trazer surpresas, não move estu-dos científicos. O que se pretende, especialmente no campoda economia, é acrescentar elementos que justifiquem deter-minadas políticas.

Em sua opinião, houve algum dado surpreendente?O EMCB prevê que o setor de energia, por exemplo, impac-

tado pelas mudanças climáticas, exigirá uma capacidadeanual extra entre 162 TWh e 156 TWh, acarretando custos decapital de US$ 51 bilhões e US$ 48 bilhões. O custo operacio-nal e de combustível, a cada ano, poderá chegar a R$ 7,2 bi-lhões. O relatório também alinha números para estimar asperdas, nos próximos 40 anos, em consequência de uma in-tensificação das mudanças climáticas. Apresenta dois cená-rios possíveis nas próximas quatro décadas, com reduções de0,5% a 2,3% em nosso Produto Interno Bruto, caso não ocor-ram ações concretas de adaptação para atenuar os efeitos dofenômeno. As perdas, até o ano 2050, chegariam a um pata-mar de R$ 719 bilhões na melhor hipótese, e R$ 3,6 trilhões napior, durante o período. Ambas as projeções demonstramque é melhor antecipar todas as medidas mitigadoras porparte do Estado e da iniciativa privada.

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estabeleceu suas metas para reduzir o desma-tamento local, ganhou autoridade para plei-tear que os Estados Unidos e a China adotas-sem procedimentos assemelhados.

O senhor acredita que é possível compatibilizar ocrescimento econômico com redução de emissãode carbono? Como isso pode ser feito?

O desatrelamento entre crescimento econô-mico, emissão de carbono e uso dos recursosnaturais é precondição para um futuro susten-tável. Em 2011, os pós-graduandos da discipli-na "Estratégias Empresariais e Mudanças Cli-máticas", do programa de pós-graduação emAdministração FEA/USP, abordaram várioscasos de tecnologias inovadoras para a susten-tabilidade no empreendedorismo privado.Além da descrição de processos, foi analisada asua viabilidade econômica e utilização emgrande escala. Entre as tecnologias examina-das estão um sistema que elimina o reservatório de gasolinapara dar partida em veículos flex e a inovação estrutural no vi-rabrequim com redução no gasto de combustível. Outros pro-cessos são a concepção de um sistema multicombustível paraaviões de pequeno porte e uma plataforma inteligente de ge-renciamento de eletricidade. Trata-se portanto, de exemplosnos quais a redução de emissão de carbono se associa ao cres-cimento via inovação tecnológica.

A eliminação dos combustíveis fósseis, que são finitos, ocor-rerá no futuro por esta razão natural. Por que não adotar me-didas, hoje, que comecem a neutralizar os seus efeitos polui-dores? A matriz energética da maior economia do mundo, anorte-americana, pode perfeitamente ser redirecionada pelatecnologia verde. Na qual, aliás, o governo central dos EUAvem investindo pesadamente.

Os investimentos dos Estados Unidos em tecnologias lim-pas cresceram 31% no ano passado, atingindo o patamar deUS$ 6,8 bilhões contra US$ 5,2 bilhões em 2010. O setor acumu-la milhões de empregos - o que não é fácil em tempos de criseglobal. Tais resultados originaram-se da incomparável contri-buição dos especialistas americanos em ciências climáticas.

Este estudo já rendeu algum fruto? Quais os próximos passos?Há, no corpo do estudo, proposições que reclamam a sua

continuidade ou desdobramentos. Mas o resultado de qual-quer estudo científico é a sua tradução operacional pelos go-vernos e pela sociedade civil, a começar pelas empresas. OEMCB está em poder desses agentes e acreditamos que já tenhacontribuído para a adoção de políticas apropriadas.

Avançar na mensuração dos custos de adaptação seria umadiretriz oportuna, inclusive para dirimir dúvidas quanto a efe-tiva relevância do item no Brasil. Quanto a recursos, o FundoAmazônia, sempre vinculado exclusivamente a objetivos demitigação, teria um grande papel a desempenhar se incluíssemais pontualmente entre suas metas a inovação tecnológicaexigida para fins imediatos de adaptação às mudanças do cli-ma no Brasil. Para tanto, é necessário armazenar desde agora

os dados que venham a municiar novos projetos. Há também,no campo diplomático, obrigações do Estado brasileiro paratornar operacional outro Fundo, ajustado nas Cúpulas de Co-penhague e Durban. Urge definir em que medida o nosso paísauferirá benefícios deste mecanismo. O Brasil dispõe em seuterritório de 70% da floresta amazônica, o maior espaço de se-questro de carbono em todo o mundo e notoriamente regula-dor do clima global.

Com a savanização da Amazônia, quais os impactos na baciahidrográfica e como ficarão as grandes hidrelétricas que estãosendo construídas na região?

A bacia hidrográfica da Amazônia ocupa 7 milhões de qui-lômetros quadrados, 60% dos quais em território brasileiro. Sóa bacia do seu rio principal, o Amazonas, corresponde a 70% dadisponibilidade planetária de água doce. É natural, portanto,que todas as análises sobre a região se ocupem da hidroeletri-cidade. Renomados cientistas, como o inglês James Lovelock,consideram todas as usinas desse tipo como fontes de energialimpa. Outros, igualmente respeitáveis, argumentam que al-guns lagos formados pelas usinas liberam grandes volumes decarbono e de metano para a atmosfera, em consequência da ve-getação que morre e se decompõe. É inegável, porém, a con-tribuição das usinas atuais e futuras para a segurança energé-tica do País. No EMCB, recomenda-se a instalação regional dealternativas de geração ainda mais limpas.

Com base em modelos de probabilidade, o estudo desenhaum cenário para o final do século, caso prevaleça a inação. NaAmazônia, se o aquecimento chegar a 8°C, pode ocorrer, em2100, uma alteração radical da floresta – a chamada savaniza-ção. As mudanças climáticas sem controle reduziriam em 40%a cobertura florestal nas áreas sul-sudeste-leste da Amazônia.É considerada a hipótese de perda de confiabilidade no siste-ma de energia hidrelétrica, com redução de 31,5% a 29,3% daenergia firme. Os impactos mais pronunciados seriam no Nor-te e Nordeste, sem que as demais regiões do País pudessemcompensar tais perdas. (C.O.)

Dida Sampaio/AE

O Brasil corre o risco de ter uma perda de até R$ 3,6 trilhões em 2050.

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46 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

A nossa sentinelado clima

Neste momento, aliás, em qualquer momento, umcontingente de mais de 400 especialistas está ob-servando o clima em todo território nacional. Tra-ta-se de uma vigilância cerrada e minuciosa du-

rante as 24 horas do dia que opera quase como se estivéssemossob situação de emergência. Na verdade, estamos. Errou, portan-to, quem imaginou mais um serviço de previsão meteorológicapara ser anunciada nos telejornais da noite. Esta mobilização, co-mo seu próprio nome indica – Rede Brasileira de Pesquisa SobreMudanças Climáticas Globais – está voltada para aquele que cer-tamente é o tema mais trepidante do século 21. Conhecida fami-liarmente como Rede Clima na comunidade científica, ela é co-ordenada por Paulo Nobre, 55 anos, diretamente de sua sala noINPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, em São José dosCampos, no Vale do Paraíba. Dali, ele está conectado do Oiapo-que ao Chuí. Meteorologista por formação, Nobre está nessa em-preitada desde 2008, quando a Rede começou a ser instalada.

Evidentemente, Nobre está preocupado com as alteraçõesclimáticas que o planeta está conhecendo. No entanto, suaapreensão não traz o tom apocalíptico que costuma caracte-rizar a abordagem do assunto. Para Nobre, o apregoado "fimd o m u n d o " s o m e n t eocorrerá se nada for feitopara preveni-lo. A boanotícia é que essa temidainércia não terá espaço,conforme atesta a exis-tência da própria RedeClima, bem explicadapor Paulo Nobre na en-trevista que se segue.

Digesto Econômico - A RedeClima começou a funcionarhá cerca de três anos. Elatem boas ou más notíciasa nos dar?

Paulo Nobre - Depen-de das expectativas, poisas respostas dependemda nossa conscientizaçãoem relação à questão am-biental. Nossos hábitos

José Maria dos Santos

individuais e coletivosrepresentam a sociedadecomo um todo e sua posi-ção diante do equilíbrioclimático do planeta.

É sabido que nossasociedade não possui essaconscientização. O senhortem alguma ideia de comointroduzi-la na culturabrasileira? Seria atravésdos bancos escolares? Deensinamentos associadosao civismo?

O atual cenário dasmudanças climáticas é decorrente da forma como as sociedadesse desenvolveram. É um processo de vários séculos. Portanto,exige uma mudança generalizada de padrões de comportamen-to. Há duas direções para a mudança de comportamento: a imi-tação e a compreensão. Por exemplo: se as pessoas compreen-derem o risco que nos ameaça, mudarão o comportamento. Emprincipio, é um processo de longa duração. Mas nós precisamosnos apressar. É imprescindível mudar nossos hábitos de viver econsumir. Isso precisa ser inserido nas classes das escolas pri-márias. É uma ação essencial. Outra ação primordial é que osmeios de comunicação consigam introduzir a população adul-ta, para que ela participe das decisões com profundidade. Nãoapenas nos limitarmos ao aconselhamento de fechar torneiras,de apagar a luz e continuar vivendo como antes, como sempre.Veja bem: o governo brasileiro criou esta Rede Brasileira de Pes-quisa de Mudanças Climáticas com mais de 400 doutores; 13sub-redes. É uma grande infraestrutura de pesquisas. De modoque há ações sendo tomadas no tópico das pesquisas. Mas nãopodemos imaginar que as mudanças climáticas possam ser li-dadas simplesmente com a criação de uma rede de pesquisa.Não obstante ser um empreendimento notável, isso seria subes-timar a gravidade do problema. Trata-se de uma situação commuitas ramificações, uma imensa capilaridade. O setor produ-tivo precisa ser incluso verdadeiramente. Veja o exemplo quevem da Inglaterra, que estabeleceu como obrigatória a reduçãoda pegada de carbono em todas as instituições governamentais.Idem para a colocação da pegada nos rótulos de cada produto no

Paulo Nobre: se as pessoascompreenderem o risco

que nos ameaça, mudarãoo comportamento.

Divulgação

Joel

Silv

a/Fo

lhap

ress

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47MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

comércio. O consumidor poderá optar entre um produto quecusta uma libra, mas que foi feito na China com mão de obra avil-tante e que consumiu muito petróleo para chegar à Inglaterra, eoutro que, embora sendo mais caro, implica em muito menorpegada e sendo socialmente mais justo.

Em todo caso nós avançamos. Hoje, por exemplo, não se admitemais detergente que não seja biodegradável.

Fica claro que a consciência estabeleceu mudança do padrãode consumo. E, na verdade, as novas opções não são necessa-riamente mais caras. Aliás, há ações que nada custam, como aseparação do lixo doméstico que pode ser reciclável e o orgâ-nico. Não tem custo adicional e significa uma diminuição es-pantosa no impacto ambiental.

No momento parece que está havendo uma espécie deecoterrorismo relativo à degradação ambiental. Essa circunstâncianão atemorizaria as pessoas, prejudicando a compreensão clara dop ro b l e m a

"A economia verde vaigerar milhões de empregos"

Sim, porque a questão passa a ser vista como uma disputaentre duas alas, o que levanta estigmas significativos. Porexemplo: quem é a favor do meio ambiente, automaticamen-

te é contra o desenvolvi-mento e contra a geração deempregos. Trata-se de umafalácia. Justamente atravésda chamada economia ver-de nós poderemos gerarmilhões de empregos. Ape-nas deve ser entendido queos geradores são setores deuma nova economia. O ter-ror ismo ambiental nãocompreendeu a preocupa-ção das pessoas com salá-rios e com sua sobrevivên-cia associada à proteçãoambiental. Eu diria que overde tem que ser defendi-do de uma maneira holísti-ca. A propósito, há uma ex-periência interessante daprodução de óleo de dendêcomo combustível a partirda coleta na floresta daAmazônia. Porém, ficouconstatado que o preço des-se óleo no mercado seriadez vezes superior ao die-sel. Diante disso, a coopera-tiva passou a vender seudendê para a indústria de

cosmético e de produtos farmacêuticos. E passou a comprardiesel para impulsionar suas máquinas de moagem. Criou-seum círculo virtuoso. É muito provável que os filhos dessa ge-ração de coletores de dendê não seguirão a atividade dospais. Haverá um salto através da educação e da relação sus-tentável com o meio ambiente.

A Rede já tem condições de apresentar diagnósticos sobre asituação brasileira ou ainda é muito cedo?

A Rede foi criada de fato em dezembro de 2007. Nós estamosno estágio de aprender a fazer largas pesquisas em conjunto. Éuma nova realidade colocar em rede para trabalhar um grupode mais de 400 pesquisadores doutores. Foi um esforço inicialmuito grande, de modo que a Rede ainda está se articulando,não obstante já existirem resultados de pesquisas muito inte-ressantes a partir da criação de bancos de dados, referentes,por exemplo, às variações climáticas com surtos de asma e dedengue. A produção científica e de resultados em favor da so-ciedade está emergindo. Por outro lado, a Rede Clima contahoje com 23 programas de pós-graduação. Nos dois últimosanos nós tivemos 64 mestrados e 59 doutorados em andamen-to nesse tema. É um número pequeno em relação à quantidadede mestrados e doutorados no Brasil, mas muito significativopara o ambiente. Com o passar do tempo, o Brasil vai contarcom uma classe de pesquisadores experientes e especializadosnos variados temas das mudanças climáticas que possam ge-rar insumos para a criação de políticas públicas a respeito.

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48 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

"Haverá o fim do mundo senada fizermos a respeito"

Este cenário de dengue e asma faz lembrar as pragas do Egito. Seráque não houve algum desequilíbrio climático bíblico por lá?

É uma possibilidade (risos).

A propósito de cenários, professor, o que está ocorrendoconcretamente em termos de mudanças climáticas em nosso País?Trata-se de um processo que se dá lentamente, não é?

Está acontecendo agora na Inglaterra uma reunião chamada"planeta sob pressão". Os trabalhos ali apresentados podemser resumidos em uma única frase: "As mudanças climáticasestão acontecendo numa velocidade muito maior do que a co-munidade científica mundial supôs". Isso envolve o degelo doÁrtico e da Antártica. Isso implica na liberação do gás metanoque estava aprisionado nos solos gelados do Hemisfério Nortee nos oceanos. Todas as evidências indicam que as mudançasclimáticas apontadas para 2100 já estão acontecendo agora oudevem acontecer até 2030. Este quadro requer atenção dos go-vernos, dos meios de comunicação e, por fim, da população deuma maneira muito mais intensa do que nós supúnhamos an-teriormente. O ecoterrorismo acena com o fim do mundo. Euacredito que as mudanças serão o fim do mundo apenas se nãofizermos nada a respeito. Nós não somos como os dinossauros,extintos por mudanças climáticas brutais associadas a outrosfenômenos. Nós somos pessoas que pensam. E os fenômenosestão diante de nós para chamar nossa atenção.

De fato, há uma pesquisa recente indicando variação de até 14graus na temperatura da cidade de São Paulo.

Este trabalho é da pesquisadora Magda Lombardo. Real-mente, a diferença de temperatura durante o dia entre a zonaleste e a região ali da Cantareira é de 14 graus Celsius. É umabsurdo, mas não tem a ver com as mudanças climáticas glo-bais. Trata-se de uma mudança que nós, como seres humanos,introduzimos na cidade, no seu microclima. É a mesma situa-ção da incidência de raios na capital. Vale repetir que a circuns-tância mais grave das mudanças climáticas é o fato de não nosmobilizarmos em relação a elas, e que a ação preventiva é mui-to mais barata que a ação corretiva.

"O plantio obedecerá asmudanças de temperatura"

Biólogos de São Paulo estão observando informalmente maiorpresença da asa branca, aquela ave que inspirou a famosa cançãode Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, no Estado. Mas são aves dosemi-árido, que já estariam ao sabor das alterações climáticas.

Não estudei esse caso específico. Mas posso dizer que mu-danças climáticas estão alterando os padrões migratórios dasaves e insetos. Observa-se também a incidência e ocorrências decardumes que antes aconteciam em latitudes mais baixas por es-tarem migrando para o sul devido ao aquecimento dos oceanos.O fenômeno da mudança está tão evidente, que a ONU está es-

tudando uma proposta de Paulo Krurtzen, Prêmio Nobel deQuímica/2002, de nominar nossa época atual como uma épocageológica do Antropoceno, sucessora da época do Holoceno,que é a atual. Nós estamos mudando o planeta numa velocidadetão grande que, no passado, alterações dessa escala só aconte-ciam em épocas geológicas de milhares de anos. Estamos diantede uma situação em que requer a seriedade de estudarmos o am-biente para podermos nos adaptar a ele. Os peixes estão se adap-tando ao procurar uma região ideal para eles.

Já é possível falar em deslocamentos humanos nesse sentido?Esse deslocamento é muito complexo. Há muitos fatores en-

volvidos. Mas já se pode fazer projeções, com um estudo da Em-brapa relativo às mudanças de cultivares. Ou seja: regiões ondepodem ser cultivados o café, o milho, a soja etc., conforme o au-mento de temperatura e a afinidade dos cultivares com ele.

"A biodiversidade valemais do que o petróleo"

Aqui chegamos a uma questão crucial: é possível conciliar a práticado capitalismo com a preservação ambiental? Parece que boaparte dos ambientalistas pensa que não.

Ao contrário. Essa é o segredo do futuro, particularmente noBrasil, país que tem a maior riqueza de biodiversidade do pla-neta. Traduzindo: essa biodiversidade vale mais do que o pe-tróleo. Seu valor econômico embutido é imenso. No entanto,nós precisamos somar conhecimento para acessá-la. Seria co-mo ter no quintal de sua casa uma grande reserva de petróleo,sem, no entanto, ter uma broca para explorá-la. O Brasil é umpaís potencialmente rico. O que fazemos com essa riqueza? To-camos fogo para plantar soja ou a eliminamos em favor das pa-tas de boi. O caminho está numa nova fórmula de convívio como meio ambiente. De modo que devemos procurar um novo ca-pitalismo. Ou um capitalismo renovado, se preferirem.

Os agentes econômicos têm sido refratários a essas mensagens?Os agentes econômicos já entenderam a questão. Existe, po-

rém, uma inércia; existe um tempo necessário para os agentes eco-nômicos se adequarem a essa nova realidade e conseguirem terlucro dentro dela. Essa nova economia deve ser uma economia deconhecimento. Por exemplo: hoje somos sete bilhões no planeta.Essa gente precisa de alimentos, de energia. Em vez de produzirmilho nos semi-árido do Nordeste, nós poderemos produzirenergia solar devido à alta insolação; ou pimenta, própria dessemeio ambiente, cujo quilo em Londres custa R$ 100. Além disso,no Nordeste a produção de milho não é farta, o milho não crescecom vigor. A chave é o conhecimento. Por que a China está for-mando 300 mil doutores por ano? Porque sabe que a economia dofuturo é a economia do conhecimento.

"Somos um carro semo cinto de segurança"

Há tempo para esperarmos pela adequação à qual o senhor se refere?

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49MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

Não. A grande pergunta da comunidade científica é se exis-te um ponto de inflexão a respeito. Se nós já passamos dele ouse ele está distante ou próximo. É uma situação próxima de di-rigir um carro sem cinto de segurança. A Rede Clima é uma in-dicação: temos que investir na pesquisa de uma maneira sus-tentada, continuada e cada vez maior de modo a oferecer op-ções e soluções ao Poder Público, do federal ao municipal. Nãose repetirá o procedimento de buscar solução em uma univer-sidade norte-americana. Esta solução precisa ser gerada entrenós. É muito mais eficiente e produtivo.

Como a Rede estáe s t ru t u ra d a ?

Ela está bem estruturada.Ainda padecemos da faltade gente. Mas isso é coisaque requer tempo. É um pro-cesso algo parecido comnossa boa condição aeroes-pacial de hoje. Trata-se deum processo iniciado eml930. Nós temos condiçõesde sair de uma condição denão-conhecimento parauma condição de liderança.Tenho a convicção de que oBrasil vai ser líder em produ-ção de energia solar. Aliás,uma das metas da Rede é aprodução de energia limpa. Atualmente, a Rede tem centrosdistribuídos no Amazonas, Pará e Ceará. Estes centros têm asseguintes sub-redes, a saber: Amazonas, com os serviços am-bientais do Inpa; Pará, com diversidades e oceanos; Pernam-buco, com recursos híbridos; Brasília, com desenvolvimentoregional; Rio de Janeiro, com a Fiocruz na área de saúde; com oINPE de Cachoeira Paulista, em modelagem; com a Unicampna Economia em São Paulo; idem em São Paulo, em Campinas,com agricultura; com desastres naturais em Florianópolis ecom zonas costeiras no Rio Grande do Sul.

A propósito, a Rede já tem um estudo por ela produzido sobre aredução de chuvas no Amazonas em função das alterações.

Sim, eu próprio estive envolvido. O estudo identifica umadiminuição da estabilidade pluvial e que a remoção da mataaumenta a variabilidade climática planetária. A Floresta Ama-zônica tem efeito regulador do clima planetário. A Rede des-cobriu, por exemplo, que a floresta contribui para que o fenô-meno El Niño seja mais moderado. É algo extraordinário, in-clusive se levarmos em conta sua influência intensa no clima.

"Nosso supercomputadoré algo sem precedentes"

A Rede também possui um supercomputador que já estáficando célebre pelas suas notáveis possibilidades. Que máquinaé essa, professor?

Esse supercomputador nos permite fazer os estudos refe-ridos, inclusive a essencial descoberta sobre El Niño. Ele é onosso quarto supercomputador dentro do INPE. Em relaçãoao terceiro, o MAC FX3, é 50 vezes mais rápido do que o an-terior que, por sua vez, era 50 vezes mais rápido que o ante-cessor. Está entre o quarto ou quinto computador mais rápidodo mundo em centros de meteorologia. Ele nos dá a possibi-lidade de fazermos cenários com escalas espaciais de 20 qui-lômetros. É algo absolutamente sem precedentes.

Professor: traduza isso emexemplo prático.

Por exemplo: verificar seum aumento da frequênciado total de água capturada nabacia do Rio Tietê vai afetar acapacidade de geração deenergia elétrica das usinas aolongo do Rio Paraná, do qualo Tietê é tributário. Ou se a in-cidência de chuvas acima de100 mm vai se tornar mais oumenos frequente. A partir demodelos matemáticos, pode-remos dizer com mais preci-são quais serão as conse-quências regionais do aque-cimento global. Podemos in-f o r m a r s o b r e e v e n t o s

extremos nas regiões onde as pessoas moram, como o aumentoda incidência de raios no sentido de prevenir acidentes e proble-mas na rede elétrica, nos equipamentos domésticos etc.

Pela sua exposição até aqui, a questão das mudanças climáticasnão é o fim do mundo, mas apenas uma necessidade de adaptação.

Ocorre-me agora, diante dessa ideia, que o Brasil poderia per-feitamente levantar essa bandeira no mundo. No momento, elaestá arriada. Trata-se de uma responsabilidade a ser dividida en-tre nossa mídia, as instituições de pesquisa e de governo, a partirde um pacto social da nação. Não é hora de procurar ou apontarculpados, mas de pensar com cuidado sobre o que nós podemosfazer realisticamente para transformar essa ameaça numa vanta-gem. A Rede Clima é um exemplo. As redes de estudos passarama atuar de uma maneira cooperativa no País. Está nos levando aentender que as mudanças climáticas não são contos da carochi-nha e nem o fim do mundo como prenuncia o ecoterrorismo e queessas mudanças climáticas que estão em curso podem represen-tar uma união nacional em torno de objetivos maiores em favordo País. Podem, por extensão, nos fazer compreender que é in-tolerável existir no Brasil uma criança sem escola, sem dentista,sem computador, sem psicólogos, sem educadores em geral.

Onde está instalado o supercomputador?Em Cachoeira Paulista, no Vale do Paraíba. É atendido por

uma equipe de quatro ou cinco técnicos – engenheiros que zelampelo seu funcionamento 24 horas por dia. E há uma equipe desuporte com outras 20 pessoas que atendem aos usuários.

A destruição de florestas tem influência intensa no clima.

Diego Vara/RBS/Folhapress

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50 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

C O M O S A L V A RO M

UN

DO

E M 1 8 M I N U T O S

SXC

Cintia Shimokomaki

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51MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

Oque é preciso para salvar o mundo?Aquecimento global, gases de efeito estufa,combustíveis fósseis... Todos sabem quais sãoos problemas e todos têm a melhor solução,

desde autoridades, ONGs, cientistas e até mesmo o padeiro daesquina. No entanto, alguns dos trabalhos mais inovadoresatualmente podem ser encontrados na conferência do TED.Por lá, já passaram Bill Gates, James Cameron e Al Gore. Paraparticipar, não é preciso ser nenhum ganhador do prêmioNobel. Basta ter uma ideia brilhante.

O encontro anual, criado em 1984, reunia inicialmenteespecialistas das áreas de Tecnologia, Entretenimento eDesign – daí o nome do evento. Desde o começo, o TED eraconhecido como algo diferente. Algumas invenções, como ocomputador Macintosh da Apple e o CD da Sony, foramapresentadas lá pela primeira vez.

A Terra está cheia.

Desde então, o TED ultrapassou fronteiras. Filósofos,cantores e ativistas foram convidados para falar sobre suaspaixões. Basicamente, qualquer pessoa com uma ideiaarrebatadora. O desafio era o mesmo: apresentar, de formadescontraída, a palestra mais fascinante de suas vidas emapenas 18 minutos.

Os palcos da Califórnia ficaram pequenos demais para osucesso da conferência. Logo, os organizadores promoveramreuniões em outras partes do mundo e motivaram outrosgrupos a criar encontros independentes que seguem omesmo formato – os TEDx.

Uma pequena amostra das palestras relacionadas ao meioambiente é apresentada a seguir. Algumas soluçõesenvolvem milhões de dólares, anos de pesquisa e tecnologiade ponta. Outras, porém, exigem apenas um quintal. É oespírito do TED: o importante é ser inovador. (www.ted.com)

PAUL GILDING

À primeira vista, Paul Gilding pode parecer umpessimista. O ex-CEO do Greenpeace alerta que estamosvivendo uma ilusão: a de que teremos crescimento infinitoem um planeta finito. Segundo Gilding, estamos vivendoalém dos nossos meios. Cientistas afirmam que precisamosde um planeta Terra e meio para sustentar a nossa economiaatual. E os sinais da crise já começam a aparecer. A alta dospreços de alimentos e petróleo, revoltas nas ruas de Londrese manifestações do Ocupe Wall Street... Nenhum dessesavisos nos fez mudar de curso.

Para Gilding, adoramos uma boa crise. Quando sentimosmedo, somos capazes de realizar coisas extraordinárias.Desta vez, se errarmos, será o fim desta civilização. Mas, nofinal, ele é otimista: se acertarmos, será o começo de umacivilização, mais forte e feliz.

Mike Biddle

Nós podemos reciclar plástico.Quando pensamos em reciclagem, pensamos em metais.

Quase 90% deles são recuperados. E o lixo plástico? Ahistória é diferente: apenas 5% do total é reaproveitado.O resto é incinerado ou depositado em aterros. O que amaioria das pessoas enxerga como montanha de lixo,Mike Biddle vê como uma mina de oportunidades.

Até hoje, recuperar materiais plásticos é visto como algocaro e complicado. Irritado com o desperdício, Biddleresolveu enfrentar o que considera a última fronteira dareciclagem. A partir de sua garagem, o engenheirodesenvolveu um sistema capaz de reciclar plástico utilizandomenos de 10% da energia necessária para produzir o mesmomaterial a partir do petróleo. Hoje, ele possui usinas naChina e Áustria, e tem planos de construir mais plantas naEuropa. Para Biddle, o lixo vale ouro.

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52 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

Minha hortasubversiva.

Para mudar o mundo, não é preciso investir bilhõesde dólares ou inventar tecnologia de ponta. Basta cultivaruma horta.

Roger Doiron quer provar que, a partir de um simplesquintal, é possível revolucionar o mundo. Um passatempoprazeroso como jardinagem pode, na realidade, ser umaatividade subversiva. O alimento é uma forma de energia,assim como uma forma de poder. Incentivar pessoas acultivar seu próprio alimento também as estimula a tomaro poder em suas próprias mãos. As pessoas passam acontrolar a sua dieta, saúde e também o seu próprio bolso.

Fundador da organização Kitchen GardenersInternational, Doiron já convenceu 20 mil pessoas em maisde cem países a adotar uma horta. Até mesmo a primeira-dama dos EUA, Michelle Obama, que decidiu aderir àcampanha ao plantar verduras no quintal da Casa Branca.

Por quepreciso

falar sobremudançasclimáticas?

JAMES HANSEN

O que você faria se um asteroide gigante estivesse em rotade colisão direta com a Terra? James Hansen não ficariaparado, ele tentaria alertar o mundo para o perigo. Pois esta éa missão do climatologista: avisar o mundo sobre as ameaçasdo aquecimento global.

O derretimento das geleiras, o aumento do nível do mar,ondas de calor intercaladas com inundações... tudo isso já fazparte do imaginário coletivo, graças aos estudos pioneiros deHansen sobre o impacto dos gases de efeito estufa na Terra.

Hansen já enfrentou censura do governo dos EUA eprisões por criticar a falta de uma política energéticaadequada. Defensor do planeta desde o final da década de1970, ele é considerado uma referência para uma geraçãointeira de ativistas e cientistas. Mas Hansen se consideraapenas um avô preocupado. "Seria imoral deixar aos jovensum sistema climático fora de controle", afirma.

ROGER DOIRON

BILAL BOMANI

Combustíveisvegetais

que podemalimentar jatos.

A busca por fontes renováveis de energia não é novidade.O etanol é um dos exemplos mais conhecidos. No entanto,um cientista da Nasa tem como missão criar umbiocombustível verdadeiramente sustentável, a partir deelementos abundantes na natureza. Se a sua pesquisa forbem-sucedida, a próxima geração de combustíveis virá deágua salgada e algas.

Bilal Bomani é um dos líderes do projeto. Comofuncionário da agência espacial norte-americana, nada maisnatural do que concentrar seus estudos em aviação, um dosmeios de transporte mais poluentes do mundo. Tecnologia éfundamental, assim como a criatividade. Além de águasalgada e algas, Bomani trabalha com ondas e dejetos depeixe. E no meio de sua pesquisa, ele percebeu que suamatéria-prima pode ser usada como alimento. Combustívelpara aeronaves e para a humanidade.

JONATHAN FOLEY

A outra verdade inconveniente.Jonathan Foley começa a sua palestra mostrando a

evolução do desmatamento em Rondônia. A partir depequenas clareiras na Amazônia, ele mostra como aagricultura se tornou um dos maiores perigos para o planeta.

Quando se pensa em meio ambiente, uma das maiorespreocupações é o impacto das mudanças climáticas. MasFoley acredita que a agricultura rivaliza com este fenômenoem termos de importância. A agricultura é o maior emissorde gases de efeito estufa – acima dos meios de transporte,indústria e produção energética. Cultivar alimentos tambémé responsável pelo uso de 70% da água mundial.

Como conter o desastre? A solução é a "terracultura", umnovo tipo de agricultura que une a produção convencionalcom a orgânica, aliadas à conservação ambiental.

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53MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

DONALD SADOWAY

O eloperdido

para aenergia

renovável.Donald Sadoway tem orgulho de ser professor. Apesar de ter

uma profissão menosprezada pelas pessoas, ele acredita quetem o dever de prestar serviço à sociedade. O seu maior méritoé "inventar inventores". Além de ser orientador de mentesbrilhantes, o professor de engenharia do MIT é criador de umnovo produto: baterias para energias renováveis.

O grande desafio das energias alternativas éarmazenagem. Disponibilizar energia quando o sol nãobrilha ou o vento não sopra não é tarefa fácil. Com a ajuda deseus alunos, Sadoway descobriu que é possível realizar estafaçanha com baterias de metal líquido – um solução barata,viável e extremamente eficiente. Como engenheiro, Sadowayquer maximizar o potencial energético. Como professor, elequer maximizar o potencial humano.

T. BOONE PICKENS

Vamos transformar aenergia – com gás natural.

Pickens foi apelidado de "Oráculo do Petróleo", mas eleagora quer ser conhecido como "Oráculo do Gás Natural".Para o magnata norte-americano, o futuro, pelo menos a curtoprazo, não são as energias renováveis, mas o gás natural.

Pickens até tentou investir em energia eólica, mas perdeu.Perdeu muito – US$ 150 milhões, para ser exato. No final, eledescobriu que as energias alternativas ainda não conseguemcompetir com o petróleo.

Enquanto um substituto melhor não for encontrado, Pickenssugere o uso de uma "energia-ponte", o gás natural. Abundantenos Estados Unidos, ele é mais limpo e não requer refino. Amaior vantagem é que gás natural reduzirá a dependência dosEUA em relação ao petróleo do Oriente Médio, o que Pickensconsidera a maior ameaça à segurança norte-americana.

PAUL SNELGROVE

Um censo dooceano.

Após dez anos de pesquisa, Snelgrove conseguiu elaborarum censo da vida marinha, um feito que nunca tinha sidorealizado. Foram 540 expedições, envolvendo cerca de 2.700cientistas em 80 países. No planeta Oceano, mais de 6.000novas espécies foram encontradas, em meio a paisagensdesconhecidas e sinais de degradação ambiental.

As novas espécies incluem desde micróbios até lulas desete metros de comprimento. Descobriu-se também que anatureza é resistente. Camarões que se achavam extintos hámais de 50 anos foram vistos na Austrália. Por outro lado, naságuas profundas do Mediterrâneo, mais lixo foi encontradodo que animais.

No entanto, apenas 9% das espécies marinhas sãoconhecidas. Sabe-se menos do mundo marinho do que asuperfície da Lua ou de Marte. No final de dez anos, Snelgrovepercebeu que a sua odisseia estava apenas no começo.

PAVAN SUKHDEV

Ponha valorna natureza!

A natureza tem um preço? Atualmente, não pagamosnada pelo ar que respiramos. Mas Pavan Sukhdev quermudar isso. O banqueiro da natureza quer botar um preçonos ativos do planeta e defende que economias verdes sãoum motor para criar riqueza e empregos.

Os beneficiados serão justamente aqueles que abrigam essesecossistemas. Sukhdev cita a Amazônia. Além de acolher umafloresta de rara biodiversidade, a região é uma fábrica de chuvaque sustenta uma economia agrícola de US$ 240 bilhões naAmérica Latina, incluindo o Estado do Mato Grosso. Masquanto é pago para o Estado do Amazonas, uma das regiõesmais pobres do continente, que produz estas chuvas? Zero.

Antes invisível, agora Sukhdev quer tornar a economiada natureza visível. Para o analista, somente conhecendoo valor real das riquezas naturais, teremos mais cuidadocom o que usamos.

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54 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

Os valores representados

Ives Gandra daSilva MartinsProfessor Emérito dasUniversidadesMackenzie, Unip,Unifieo, UNIFMU, doCIEE/O Estado deSão Paulo, das Escolasde Comando e Estado-Maior do Exército -ECEME, Superior deGuerra - ESG e daMagistratura doTribunal RegionalFederal-1a. Região;Professor Honoráriodas UniversidadesAustral (Argentina),San Martin de Porres(Peru) e Vasili Goldis(Romênia); DoutorHonoris Causa dasUniversidades deCraiova (Romênia)e da PUC-Paraná, eCatedrático daUniversidade do Minho(Portugal); Presidente doConselho Superior deDireito da Fecomercio -SP; Fundador ePresidente Honoráriodo Centro de ExtensãoUniversitária-CEU/InstitutoInternacional deCiências Sociais-IICS.

OConselho da Magistratura doTribunal do Rio Grande do Suldecidiu que os crucifixos deve-riam ser eliminados das salas de

sessão do Poder Judiciário daquele Estado,sem que tivesse até o fim do mês de Março,quando escrevi este artigo, sido referendadatal decisão, que depende ainda de manifesta-ção do órgão especial ou de todo o colegiadodaquele Sodalício.

Muitos dos magistrados rebelaram-se contraa manifestação de seus cinco componentes, ten-do alguns deles afirmado que continuariam amanter os crucifixos, respeitando decisão doCNJ, em sentido contrário ao da Corte Sulina.

Os Ministros aposentados do STF, PauloBrossard e Carlos Mário Velloso, criticaram adecisão dos cinco desembargadores, chegan-do Paulo Brossard a dizer que o Tribunal atra-vessava "tempos apocalípticos".

Os cinco componentes do Conselho da Ma-gistratura curvaram-se a um pedido de entida-de civil de lésbicas, as quais se sentiam incomo-dadas em ver o crucifixo representativo de umdos mais injustos e sangrentos julgamentos dahistória e que induz reflexão permanente a ca-da magistrado de que é sua obrigação fazer jus-tiça, sem preconceitos e não agir como os julga-dores que condenaram Cristo à cruz.

Luiz Prado/LUZ O problema exterioriza o que já denomineide ditadura do laicismo, ou melhor de umfalso laicismo.

É interessante que tal decisão de uma esma-gadora minoria do Tribunal gaúcho, mas as-sentada no Conselho da Magistratura, está nalinha de decisão da Corte de Direitos HumanosEuropeia, lá não provocada por lésbicas, maspor uma única senhora, que perdera na JustiçaItaliana o pedido de retirada dos crucifixos detodas as repartições públicas italianas.

Esta uma única senhora, que, certamente, nodia de comemoração do nascimento de Cristo,ofertou a seus filhos e familiares presentes na-talinos e a Corte Europeia de Direitos Huma-nos, constituída de juízes não-italianos, e quetambém, em homenagem ao Natal, não funcio-nou no dia 25 de dezembro, impuseram à na-ção peninsular, berço do Cristianismo univer-sal, contra a opinião de dezenas de milhões depessoas que lá vivem, a obrigatoriedade de re-tirada dos crucifixos de suas escolas.

Os próprios juízes daquela Corte, que impu-seram a eliminação dos crucifixos – símbolo in-tegrante da cultura da esmagadora maioriados cidadãos italianos –, certamente tambémfestejaram as festas natalinas , presentearamfamiliares e amigos e comemoraram a data deconfraternização mundial, por excelência, tal-

Os valores representados

Celso Junior/AE

Paulo Brossard:os temposlembram oApocalipse, emface da tiraniados poucos quenão acreditamem Deus (...)

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55MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

vez, a mais importante para a difusão da paz e dafraternidade entre os povos.

A hipocrisia entre a eliminação dos crucifixos ea comemoração do Natal, signos que lembram amorte e o nascimento de Cristo, é evidente, de-monstrando a falta de razoabilidade da decisão daCorte Europeia de Direitos Humanos, por imporaos italianos a vontade de uma única pessoa.

Não cogitou, entretanto, de instituir a proibiçãodos feriados natalinos a todos os países da Europa.

Este e outros episódios, que vão se multipli-cando pelo mundo, estão a atestar que os valoresdo Cristianismo incomodam hoje, como inco-modaram, nos primeiros 300 anos, osdetentores do poder, no impérioromano, cujo padrão de com-portamento moral não servi-ria de lição para nenhumaescola de governantes.

Para o referido órgão de-cisório, acostumado a con-denar todos aqueles que ,na sua preconceituosa vi-são laicista, ferem seu con-ceito amesquinhado de dig-nidade humana, realmente afigura do crucifixo deve per-turbar, pois, como julgador,Cristo, na cruz, não só absolveu to-dos os que o condenaram, mas tam-bém aquele criminoso (Dimas), que comele foi crucificado. E para essa Corte acostumada acondenar, a figura de um juiz que absolve, é pertur-badora, como lembra Américo Lacombe.

O certo é que há uma minoria, com forte influên-cia política, que busca solapar os valores éticos eculturais do Cristianismo, a título de impor a dita-dura do ateísmo, pela qual, no Estado Laico, apenasos que não têm religião podem se manifestar, imporas suas regras e exigir que todos os que acreditamem Deus se submetam à tirania agnóstica.

A decisão, por outro lado, fere um princípiofundamental, o da subsidiariedade no direito eu-ropeu, segundo o qual todas as questões que po-dem ser decididas de acordo com a tradição, cos-tumes e legislação locais não devem ser levadas àsCortes da comunidade, por dizerem respeito, ex-clusivamente, ao direito interno de cada país.

Bem por isso a decisão referida recebeu fortescríticas, terminou não sendo cumprida em umpaís onde as leis que contrariem seus costumes,são de difícil cumprimento.

No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça, emresolução tomada por 12 votos e uma abstenção,deliberou que , nos Tribunais , caberá a cada ma-gistrado decidir, de acordo com suas convicções, amanutenção ou não do crucifixo na sala de julga-mentos. E uma tentativa do Ministério Público deretirar os crucifixos desses recintos foi rejeitadapelo Poder Judiciário.

Se a Turquia vier a ingressar na União Euro-peia – já estando avançadas as tratati-

vas neste sentido - certamente aCorte Europeia não terá cora-

gem de proibir, nas sessõesde julgamento, os símbolos

da cultura e da crença islâ-mica, diante de possíveisreações "talebanísticas" .

Os valores do Cristia-nismo incomodam sem-pre. Embora sem a viru-lência dos tempos dos

mártires do Coliseu, a rea-ção dos que querem impor

sua maneira de ser é a mes-ma. Uma visão deturpada do

Estado Laico, que não é UM ESTA-DO SEM DEUS, mas um Estado em que

a liberdade de pensar é plena e não pode repu-tar-se ameaçada pelo respeito às tradições dopovo e do País. Numa democracia, é a maioriaque deve decidir os seus destinos. E a maioriaacredita em Deus.

É por esta razão que magistrados do Rio Gran-de do Sul católicos tenderão a manter ou não oscrucifixos em suas salas de audiência, conformesuas convicções até que haja uma decisão finaldo órgão especial ou do Tribunal Pleno. Comodisse Paulo Brossard, os tempos lembram o Apo-calipse, em face da tirania dos poucos que nãoacreditam em Deus, que ignoram, inclusive, queo Estado laico é o Estado em que se respeita a opi-nião de todos e que as decisões do Estado não sãodeterminadas pela religião, mas sim pela maio-ria da população.

pelo crucifixo incomodampelo crucifixo incomodam

SXC

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56 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

Meios decomunicação edemocracia:

Masao Goto Filho/e-Sim

para além doconfronto entre

governos eempresas

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57MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

Divulgação

Bernardo Sorj (1)

Diretor do Centro Edelsteinde Pesquisas Sociais e

codiretor do projetoPlataforma Democrática -

www.bernardosorj.org

Introdução

Neste trabalho buscamos identificar os problemasque a regulação pública dos meios de comuni-cação deve enfrentar nos regimes democráticos,a partir das contribuições de um grupo de espe-

cialistas de dentro e de fora da região, lembrando sempre queas generalizações sobre a América Latina mascaram situaçõesnacionais muito diferentes. (2)

Na última década, a maioria dos países da América Latinaviveu confrontações constantes entre governos e meios de co-municação. Por vezes de forma velada, e frequentemente deforma explícita, alguns governos buscaram, por meio de novaslegislações, modificar o quadro atual de distribuição dosmeios de comunicação, em nome de maior diversidade de opi-niões e participação social. Por sua vez, os meios de comuni-cação reagiram contra estas declarações e medidas denuncian-do-as como ataques à liberdade de imprensa e tentativas deamordaçar a atividade jornalística (3).

Em sociedades modernas, não existe democracia sem um jor-nalismo capaz de agir livremente para informar e investigar oserros, abusos e excessos do poder público e do poder econômi-co. Sem dúvida, um jornalismo totalmente livre e aberto à diver-sidade de opiniões é um ideal que nunca se concretiza totalmen-te. Mas é um ideal que deve guiar os esforços de regulação. Edenúncias sobre distorções existentes não podem ser um álibipara intervenções autoritárias. Do ponto de vista de um com-promisso com os valores democráticos, entre os quais se encon-tra a defesa da plena liberdade de expressão - que supõe a exis-tência de um jornalismo livre, sem nenhum tipo de censura go-vernamental, investigativo, vigilante e crítico, com diversidadede opiniões, desconcentração da propriedade dos meios de co-municação e acesso à informação dos mais diversos setores so-ciais -, o debate público sobre a regulação dos meios de comu-nicação é, portanto, legítimo e necessário. Mas, para avançar es-te debate, é fundamental que ele não seja dominado, como ocor-re atualmente, pela polarização entre empresários e governos,que inviabiliza um diálogo cujo objetivo seja o bem público.

Em nome da diversidade e da participação social, vários go-vernos promoveram legislações e, sobretudo, as aplicaram so-bre os meios de comunicação, em função de seus interesses po-líticos conjunturais, algumas vezes atacando diretamente o li-vre exercício da atividade jornalística e a liberdade de expres-são. Por sua vez, em nome da defesa da liberdade de expressão,os meios de comunicação privados mascararam problemasreais de concentração de propriedade e do uso dos meios paradefender seus próprios interesses empresariais, muitas vezesaceitando acordos tácitos com os governos em exercício, quelhes permitem manter situações oligopolistas oferecendo co-mo contraparte um jornalismo "controlado".

Em muitas ocasiões, a aparente oposição esconde uma im-bricação de interesses, chantagens e apoios mútuos entre go-vernos e setor privado, associados à distribuição de conces-sões públicas (muitas vezes autoatribuídas aos próprios polí-ticos) ou de recursos oficiais para publicidade e cooptação in-dividual de jornalistas. Por sua vez, inclusive em países onde aliberdade de imprensa é efetivamente respeitada, em geral seimpõe uma lei de silêncio entre os meios de comunicação, que,por interesse corporativo, não aplicam o jornalismo crítico e in-vestigativo em relação a outras empresas de comunicação.

O desafio da regulação

É importante lembrar que há formas de regulação públicados meios de comunicação presentes em todos os países de-mocráticos. O que está em jogo, sobretudo, é garantir o direitode expressão, que inclui em primeiro lugar a liberdade de ca-da indivíduo e grupo de se expressar livremente no espaçopúblico e o acesso universal à informação. Por esta razão, nospaíses democráticos, não existe nenhuma legislação particu-lar de regulação específica para jornais e revistas - fora de te-mas relacionados à difamação, ao uso de linguagem obscenaou de incitação ao ódio -, pois se supõe que qualquer pessoaou grupo pode produzir sua própria publicação. Esta possi-bilidade deixou de existir com o rádio e depois com a televi-são, pois o espectro eletromagnético é limitado, o que deter-

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mina dois desafios fundamentais: 1) o acesso a um canal detransmissão é sempre, em última instância, uma concessãopública, fazendo com que o árbitro na distribuição de privi-légios seja uma instituição governamental ou agência regu-ladora e, 2) dado o número limitado de canais, faz-se neces-sária uma regulação que limite a concentração e garanta amaior diversidade de vozes e opiniões.

A experiência europeia, dentro da qual o exemplo da BBC,do Reino Unido, criada em 1921, desempenhou um papel pio-neiro e exemplar, é de uma forte presença dos canais públicosno rádio e na televisão. Inclusive, por vários anos, em muitospaíses europeus, a televisão pública foi a única existente, comum horário de programação limitado a certos períodos dodia. Esta situação se diversificou, nas últimas décadas, com acrescente participação de canais privados, mas as rádios e te-levisões públicas mantêm ainda uma porção relevante da au-diência nacional, enquanto na televisão a ca-bo o setor privado é dominante.

A televisão pública se caracteriza por nãoter fins lucrativos e transmitir conteúdos cul-turais e educativos que não se orientam so-mente pelos níveis de audiência, fator centralpara as televisões privadas para obter publici-dade. Os modelos de gestão e de indicação dasautoridades de governança variam entre ospaíses europeus, mas em todos, se espera dastelevisões públicas autonomia e independên-cia frente ao governo. As formas de financia-mento vão de uma taxa anual paga pelos usuá-rios de rádio e televisão (modelo britânico se-guido pela Alemanha e pelos países escandi-navos) ao financiamento público direto(França e Espanha) e a formas de produção deconteúdo que incluem, como na Holanda,apoio a associações não governamentais, reli-giosas ou políticas, que geram seus programase obtêm espaço de transmissão nos canais pú-blicos. A publicidade, originalmente excluídados canais públicos, passou a ser aceita em quase todos eles,em geral com certas restrições do tempo que pode ocupar.

Nos Estados Unidos, o nível de financiamento público (4) di-minuiu com o passar do tempo e a importância das emissoraspúblicas é muito menor que na Europa. As doações do setorprivado são importantes e as situações diferem bastante de es-tado a estado. Em alguns casos, redes nacionais se entrelaçamcom emissoras estaduais, como a NPR (National Public Ra-dio), PSB (Public Broadcasting Service), APT (American Pu-blic Television) e APM (American Public Media). O apoio derecursos públicos é realizado pela CPB (Corporation for PublicBroadcasting). Embora muitas vezes a programação dos ca-nais não comerciais seja criticada pelos setores conservadores,por transmitir conteúdos críticos ao establishment, o sistemada CPB é avaliado positivamente por 75% do público, que tam-bém considera a PBS como a fonte mais confiável de notícias.

Em 1934 foi criada a FCC (Federal Communications Com-mission), a agência reguladora do setor, ligada ao governo dosEstados Unidos, que regulamentou os meios de comunicação,

diferenciando entre veículos de comunicação de utilidade pú-blica (correio, telégrafo e telefone) e produtoras de conteúdo,proibindo o acesso de companhias telefônicas ao mercado de te-levisão a cabo ou de publicações eletrônicas. (5) Em ambos os ca-sos, a legislação supunha que a entrada das companhias telefô-nicas em ambos os mercados limitaria a concorrência. (6) As nor-mas de licenciamentos exigem que os licenciados incluam pro-gramas de interesse público e educativos, acesso equitativo aoscandidatos a cargos eleitorais, limitação do número de emisso-ras que podem pertencer ao mesmo proprietário - seja em nívelestadual ou nacional -, regras de renovação e de transferência delicenças, uma porcentagem do tempo de capacidade de trans-missão de TV por satélite para programas educacionais, emboraa legislação nem sempre seja aplicada na prática.

As regras relativas à TV a cabo, que permitem maior diver-sidade de canais, são menos exigentes. Embora por um perío-

do, as empresas de telefonia tenham sido proi-bidas de entrar no setor - decisão que foi pos-teriormente revogada -, pois poderiam ser cria-das barreiras para concorrentes, afetando oprincípio da liberdade de expressão.

Portanto, o tema da escassez é central na de-cisão de regular ou não um meio de comuni-cação. De acordo com a Suprema Corte dos Es-tados Unidos: o poder público deve intervirquando o número de possíveis transmissoresfor limitado por barreiras físicas. Esta visãotem consequências sobre a regulação da inter-net, pois se trata de um meio no qual não hálimitações ao acesso universal para a trans-missão de conteúdos. A Suprema Corte deJustiça dos Estados Unidos considerou que asregulamentações necessárias para meios "es-cassos" não são aplicáveis à internet. Comoveremos na próxima seção, a convergênciados meios de comunicação leva ao desmoro-namento da tipologia clássica dos meios dife-renciados entre fornecedores de linhas de

transmissão e produtores de conteúdo. Consideremos porexemplo o telefone, que deixou de ser um instrumento de co-municação para se transformar em fonte de informação (tan-to escrita como audiovisual), um prestador de serviços co-merciais on-line e um emissor de publicidade.

A situação da América Latina se encontra no extremo opos-to da europeia, com uma regulação e apoio público bastantelimitados e, quando existentes, uma baixa audiência dos ca-nais públicos de rádio e televisão, que em geral não transmitemmaterial jornalístico investigativo. Considerando o históricoda região, pontuada por regimes autoritários, quiçá este qua-dro tenha tido uma consequência não intencional positiva,pois limitou a capacidade das ditaduras de usar os meios pú-blicos de comunicação como instrumento de propaganda go-vernamental. Contudo, com a consolidação da democracia, élegítimo que seja levantado o problema da regulação, mas estedetalhe deve levar em consideração a dificuldade dos paísesda região de criar agências reguladoras e empresas públicas in-dependentes do poder governamental, o que exige cuidados e

A televisãopública secaracteriza por nãoter fins lucrativos etransmitir conteúdosculturais e educativosque não se orientamsomente pelos níveisde audiência, fatorcentral para astelevisões privadaspara obterpublicidade.

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garantias redobradas. Soma-se a isso que o problema da regu-lação se coloca em um novo contexto histórico, de transforma-ção profunda dos meios de comunicação, a qual levou a umacrise do modelo tradicional do jornalismo, particularmente -mas não apenas - dos jornais impressos.

O impacto das novas tecnologias sobre o jornalismo

A internet se transformou na principal fonte de notícias, emparticular entre os jovens, superando inclusive o número deespectadores de noticiários de televisão. Trata-se não só deuma mudança de veículo, mas também de tipo de leitor e deleitura: orientado pela busca de informação específica, na qualo navegador se concentra por pouco tempo e da qual rapida-mente um hiperlink o leva a outro site. (7)

Relatórios recentes da FCC (Federal CommunicationsCommission), sobre "The Information Needs of Communi-ties" (8) e da FTD (Federal Trade Commission), sobre "PotentialPolicy Recommendations to Support the Reinvention of Jour-nalism" (9) enfocam a situação do jornalismo nos Estados Uni-dos, apresentando uma visão de conjunto que, apesar das va-riações nacionais, é indicativa de tendências globais:

- Desde o ano 2000, as receitas de publicidade dos jornais caí-ram 45 por cento. A publicidade sempre foi a principal fonte definanciamento dos grandes jornais, ou seja, a produção de no-tícias era "subsidiada" pela publicidade. Apesar de, hoje emdia, os jornais chegarem por meio da web a um número maiorde leitores e continuarem sendo a principal fonte de notíciasassociadas ao jornalismo investigativo, eles não conseguiramtransformar esses acessos em fonte relevante de receitas. Os re-cursos de publicidade para os jornais continuam associados àversão impressa. A publicidade que se dirige à internet tende ase concentrar em sistemas de busca (que colhem informaçãoproduzida por outros), redes sociais, centrais de venda e sis-temas que identificam preferências individuais, nenhum dosquais é produtor de notícias originais de interesse público (10).A isso se soma que a internet multiplicou e fragmentou enor-memente os sites entre os quais se distribui a publicidade. Emsuma, se antigamente a publicidade se acoplava e dependia daprodução de notícias, esta conjunção já não é mais necessária.

A Internet se transformou na principalfonte de notícias, em particular entreos jovens, superando até mesmo os

espectadores de noticiários da televisão.

Shannon Stapleton/Reuters

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- A diminuição de receitas levou a cortes de pessoal. Em2008 foram eliminados nos Estados Unidos 16 mil cargos dejornalistas associados à produção de notícias. No mesmo pe-ríodo, o quadro de jornalistas trabalhando em jornais im-pressos diminuiu 25% e, em alguns grandes jornais, os corteschegaram a 50%. Nas redes de televisão, desde os anos 80, onúmero de jornalistas trabalhando no setor de notícias caiu àmetade. ( 11 ) Tendência similar se deu em revistas de informa-ção e em rádios locais, dedicadas exclusivamente a notícias.O efeito destes cortes se concentra nos jornais locais, commenos jornalistas trabalhando fora da redação na coberturade temas de interesse da comunidade e em áreas como ciên-cias ou artes. A diminuição da cobertura dos acontecimentosque afetam a comunidade reduz a capacidade dos jornais demonitorar, auditar e denunciar os abusos, desperdícios, ine-ficiência e corrupção dos órgãos públicos. Ainda que parteda investigação jornalística possa ser feitapor meio da internet, permitindo diminuircustos, a necessidade de pesquisa de camponão foi eliminada.

-A internet gerou uma massa enorme de in-formação, mas esta se encontra enormementefragmentada e em geral os sites se concentramem textos de opinião e comentários, baseadosem material produzido originalmente pelaimprensa profissional. A informação públicainédita na internet se dá fundamentalmenteao nível microlocal, mas dificilmente superaeste limite. Até o momento, não surgiu ummodelo comercial jornalístico na web e boaparte dos sites jornalísticos se sustentam gra-ças ao trabalho voluntário ou semivoluntárioe a doações, com capacidade limitada de pa-gar pela produção de material de pesquisaoriginal, similar aos meios "tradicionais" (1 2) .

Muitos dos sites com informações jornalísti-cas não possuem as características dos jor-nais, tanto em termos de responsabilidade ju-rídica pela informação transmitida, como naspráticas profissionais que regem os jornais de excelência. Par-te do problema se encontra nas características da internet,com uma variedade enorme de fontes de informação, ao con-trário do quase monopólio que os poucos jornais e canais detelevisão tinham até pouco tempo atrás. A possibilidade deobter informação gratuita na internet conspira contra pagarpor conteúdos informativos (mas não podemos esquecer queo usuário está pagando indiretamente pelo acesso à informa-ção ao provedor do serviço de comunicação, gastando inclu-sive mais que antigamente em jornais).

Entre as várias possíveis soluções apresentadas nos rela-tórios mencionados, incluem-se: considerar regras pelasquais os sistemas de busca e portais de notícias que se alimen-tam de informação obtida de órgãos de imprensa paguem pe-los conteúdos que usam; taxar as rádios e televisões pelo usodo espectro e utilizar estes recursos para apoiar redes de co-municação sem fins lucrativos; aumentar os subsídios pos-tais para o envio de jornais; criar taxas para usuários de rádio,

televisão, internet ou no momento da compra dos aparelhos;políticas fiscais favoráveis aos jornais; aumentar os recursospúblicos para as redes públicas existentes; apoiar as escolasde comunicação das universidades para que seus alunos fa-çam jornalismo investigativo; distribuir cupões para que oscidadãos os utilizem para apoiar meios de comunicação; au-mentar a disponibilidade, qualidade e facilidade de acesso àinformação disponível na internet sobre gastos públicos, do-cumentos, avaliações e debates em instituições governamen-tais, para facilitar o acompanhamento e monitoramento dotrabalho das instituições públicas, diminuindo os custos dotrabalho jornalístico; aumentar os recursos de publicidadepública para os meios de comunicação locais; garantir o aces-so universal à internet.

A convergência tecnológica entre os diferentes meios decomunicação é uma realidade em curso e a preocupação com

o futuro do jornalismo é comum aos EstadosUnidos e à Europa (13). Ocorre que estamos vi-vendo processos incessantes de mudanças e,portanto, difíceis de regular. Os sistemas deregulação precedentes supunham a existên-cia de uma clara diferenciação entre cadameio, o que permitia um tratamento legal e re-gulações separadas, seja com subvenções, de-finição de conteúdos ou de espaços do espec-tro eletromagnético dedicados a emissoraspúblicas. À medida que os meios convergem eas fronteiras se diluem, a noção de espaço pú-blico (e privado) se transforma drasticamen-te. Por exemplo, um e-mail enviado a umapessoa equivale a uma carta privada, um e-mail enviado a 100 mil pessoas é uma mensa-gem no espaço público; conteúdos escritos ouaudiovisuais sobre os quais incidem direitosautorais transmitidos em um e-mail de pessoaa pessoa é diferente dos mesmos conteúdosserem distribuídos em massa, mas as frontei-ras nem sempre são claras.

Em que momento a defesa do direito à pri-vacidade dá lugar a regras aplicáveis ao espaço público é umtema urgente, que deve ser tratado cuidadosamente. Damesma forma, surgem novos problemas: a transparênciaque a internet oferece tem também uma contraparte extre-mamente perigosa, pois está criando uma espécie de totali-tarismo voluntário pela colocação na rede, pelos próprios ci-dadãos (muitas vezes menores de idade), de informaçõespessoais, inclusive intencionalmente, pois os dados são exi-gidos para realizar transações virtuais. A transparência queexige dos organismos públicos a maior quantidade possívelde informação sobre suas atividades deve ser acompanhadada proteção (frente ao Poder Público e às empresas) das in-formações que os cidadãos colocam no espaço virtual. Sur-giram igualmente novas tendências oligopolistas, nas quaisalguns poucos portais, sistemas de busca e redes sociais con-centram a maior parte do tráfego e possuem bancos de dadosde usuários, cujas consequências para a vida democráticapodem ser questionáveis.

Em 2008 forameliminados nos EUA16 mil cargos dejornalistasassociados àprodução denotícias. No mesmoperíodo, o quadrode jornalistastrabalhando emjornais impressosdiminuiu 25% e, emalguns grandesjornais, os corteschegaram a 50%.

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O contexto político e econômico mais amplo

Existem fatores sociais mais amplos que, nas últimas déca-das, transformaram as relações entre meios e governos. Tais fa-tores estão presentes em todos os contextos democráticos, masa fragilidade das instituições democráticas na América Latinafaz com que seus efeitos sejam mais difíceis de enfrentar:

1) A crise de representação política expressada no enfra-quecimento das ideologias e dos partidos políticos. A mi-diatização da política, das campanhas eleitorais e dos can-didatos presidenciais aprofundou o desgaste do papel dasideologias e da capacidade convocatória dos partidos polí-ticos e sindicatos. O enfraquecimento dos mecanismos tra-dicionais de identificação e mobilização política, por suavez, projetou os meios de comunicação como principal forçaaglutinadora de oposição ao governo. Dizer que os meios se"transformaram em um poder" é uma afir-mação errada, no sentido de que os meios decomunicação sempre foram um poder nasdemocracias modernas. Em sociedades ur-banas e de massas, os meios de comunicaçãotiveram um papel central na formação daopinião pública e são um componente essen-cial para garantir as liberdades públicas. Se oque se deseja afirmar é que seu poder relativoaumentou exageradamente, é preciso funda-mentar esta afirmação empiricamente. Seconfirmada, possivelmente as razões este-jam, sobretudo, associadas à incapacidadedos partidos políticos de representar e orien-tar a opinião pública. Neste contexto, o que sepode esperar dos meios de comunicação éque redobrem sua responsabilidade com a ci-dadania, busquem uma cobertura ampla emantenham sua autonomia em relação aogoverno em exercício e deem espaço à maior diversidadepossível de opiniões e análises.

2) A revolução tecnológica em curso. A convergência tec-nológica – e em particular a revolução no sistema de produ-ção e distribuição da informação representada pela internet– está modificando profundamente as relações entre os di-ferentes grupos empresariais que atuam no setor de comu-nicações, alguns dos quais desejam frear e outros avançarnovas formas de regulamentação. Assim, por um lado, osmeios de comunicação viram seu lugar na sociedade poten-cializado pelo enfraquecimento do sistema de representa-ção política tradicional. Por outro lado, as empresas associa-das aos meios jornalísticos tradicionais, em particular, osjornais, se veem acossados e por vezes fragilizados pelastransformações que lhes retiram público e recursos de pu-blicidade, ao mesmo tempo em que surgem concorrentes -econômica e politicamente poderosos, em particular os for-necedores de serviços de comunicação e os grandes portaisda internet. A convergência tecnológica exige modificaçõesna legislação sobre meios de comunicação - na América La-tina por vezes ainda associada a regimes autoritários - que aajuste aos novos tempos. Isto abre espaço para que os gover-

nos proponham mudanças, que, se por um lado se fazem ne-cessárias, muitas vezes são utilizadas para favorecer novosgrupos empresariais e/ou visões estatizantes.

Mapeando desafios

Na América Latina, as transformações apontadas anterior-mente já se encontram em curso. Mas tal processo de trans-formação não deve levar a que se subestime a permanência deestruturas estabelecidas de propriedade dos principais veí-culos de informação. Igualmente, os jornais impressos, geral-mente diários, mas às vezes também semanários, continuamsendo a principal fonte de jornalismo investigativo. Seus no-ticiários são centrais para pautar a agenda política e para aformação de opinião nas elites sociais e nas classes médias.Por sua vez, a televisão ainda é a principal fonte de notícias

para a maioria da população.Para entender o funcionamento do novo

sistema de informação em formação, em lu-gar de contrapor um veículo a outro, que pas-saria a ser considerado obsoleto, devemosacompanhar as novas interrelações que vãosendo tecidas entre eles. A notícia publicadaem um jornal é transformada na versão queaparece – quando aparece – na televisão, aqual, por sua vez, gera um tráfego de comen-tários na internet, muito diversificado, ondepredomina o comentário opinativo. Alémdisso, a internet começa ser uma fonte de no-tícias para televisões e jornais, que, por suavez, dão coberturas diferentes.

O jornalismo investigativo, com uma éticajornalística que o leva a transformar uma pistaou rumor em informação sólida, que buscaidentificar e defender o interesse público, ou

seja, o jornalismo de qualidade é uma das condições de exis-tência de regimes democráticos. Este jornalismo não depen-de do formato no qual é veiculado, mas só pode existir se osveículos de comunicação não estiverem sob controle diretodos governos em exercício. Seguramente, situações de con-trole oligopolista dos meios de comunicação não são favorá-veis ao livre exercício do jornalismo.

Em muitos países da região, o jornalismo está sofrendo adiminuição de vagas nas redações de jornais impressos, queem geral não são compensadas pela abertura de postos detrabalho nas suas versões online. O novo quadro dos siste-mas de informação na América Latina exige uma análise emprofundidade de cada situação nacional. Em alguns países,os governos intervieram para modificar o quadro de pro-priedade das empresas de comunicação, como na Venezue-la, ou para apoiar a criação de uma rede de jornais locais comum claro viés político, direta ou indiretamente subsidiadospelo governo, como na Argentina.

Em cada país da América Latina, a elaboração de uma novalegislação enfrenta uma variedade de problemas, alguns asso-ciados a pesos mortos do passado, outros às complexidades dopresente. É essencial tratar destes problemas de forma não ma-

A notícia publicadaem um jornal étransformada na versãoque aparece – quandoaparece – na televisão,a qual, por sua vez,gera um tráfego decomentários na internet,muito diversificado,onde predomina ocomentário opinativo.

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niqueísta, separando-os de maneira a que não se amalgamem etransformem em blocos opostos, que levam à ideologização esimplificação excessiva. Não é demais lembrar que qualquerlegislação deverá orientar-se em primeiro lugar pelo objetivode garantir a liberdade de expressão dos cidadãos frente ao po-der do Estado e ao poder econômico.

Regulação da ação do Poder Público:

1. A distribuição de concessões para rádio e televisão devepassar pela criação de uma agência reguladora que aja comtransparência e cujas decisões sejam abertas ao debate e escru-tínio público. A distribuição do espectro deve garantir que par-te do mesmo seja atribuído a instituições sem fins lucrativos.Entretanto, deve-se reconhecer que este último princípio é defácil enunciação, mas de difícil aplicação. Por exemplo, a novalei argentina de serviços de comunicação audiovisual outorga33% do espectro à sociedade civil. A pergunta que se apresentaé: quem define as instituições da sociedade civil que receberãoa concessão, pois, como sabemos, a sociedade civil é diversa,não possui mecanismos de representatividade e, por outro la-do, ninguém pode arvorar-se em representante dela. A decisãosobre a distribuição de concessões para organizações sem finslucrativos deve ser tomada por instituições independentes,com mecanismos transparentes e regras que assegurem amaior diversidade possível.

2. Garantir a autonomia dos canais ou emissoras públicas,direta ou indiretamente dependentes de recursos públicos.Aqui novamente é fundamental ter regras que assegurem a au-tonomia e independência de qualquer ingerência externa, emparticular do Poder Executivo, e que considerem as mais di-versas opiniões, como um Conselho de Administração inde-pendente, que reflita os diversos setores da sociedade. A legis-lação e sua efetiva execução devem assegurar que canais sub-sidiados com recursos públicos tenham regras de gestão e fi-nanciamento que garantam sua independência frente aosistema político.

3. O uso e a distribuição da dotação pública para publicidadeoficial devem ser transparentes e politicamente neutros. Ideal-mente, o governo e os organismos paraestatais não deveriam ternenhum recurso público para publicidade. Quando necessário,por exemplo, para transmitir notícias de interesse público, comono caso de uma campanha de vacinação, os concessionários (rá-dio e televisão) deveriam transmitir esta informação gratuita-mente e, caso necessário, utilizar jornais impressos. Nesse caso,o pagamento deveria seguir critérios universais. Seguramente,a eliminação de recursos públicos de publicidade não acabarácom a prática de políticos e governos pagarem ilegalmente a jor-nais e jornalistas, mas com certeza diminuirá enormemente a ca-pacidade de cooptação dos governos.

4. O favorecimento de certos meios, quando realizado emnome do apoio a pequenas e médias empresas de comunica-

Cleones Ribeiro/Divulgação

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63MARÇO/ABRIL 2012 DIGESTO ECONÔMICO

Marcelo Camargo/Folhapress

Valter Campanato/ABr

O jornalismo livre é umadas condições de

existência de regimesdemocráticos. Nas fotos,

os ex-ministrosOrlando Silva (à esq.) eWagner Rossi (à dir.),

que saíram do governopor denúncias da

imprensa. Abaixo, opolicial João Dias

Ferreira, que denunciouo desvio de verbas no

Ministério dos Esportes.

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Notas(1) Bernardo Sorj é diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sociaes eprofessor de Sociología da Universidad Federal do Río de Janeiro. Ediretor do Projeto Plataforma Democrática. Estudou antropologia efilosofia no Uruguai, cursou o B.A. e M.A. em História e Sociologiana Universidade de Haifa, Israel, e obteve o título de Ph.D. emSociologia na Universidade de Manchester, Inglaterra. Foi professorvisitante em várias universidades da Europa e nos Estados Unidos.Autor de 23 livros publicados em vários linguas. Entre os maisrecentes incluem: O Desafio Latino-American. Civilização Brasileira,2008; Poder político e meios de comunicação - da representaçãopolítica ao reality show (Ed.), Paz e Terra, 2010; Usos, abusos edesafios da sociedade civil na América Latina.(Ed.), Paz e Terra, 2010e A Democracia Inesperada, Jorge Zahar, 2005.(2) Este texto se baseia nos trabalhos elaborados para PlataformaDemocrática e Fundação Konrad Adenauer, disponíveis emwww.plataformademocratica.org. Agradeço pelos comentáriosrecebidos na reunião realizada em Buenos Aires, com aparticipação de Carlos Mesa, Martín Becerra, Doris Reniz,

Raúl Trejo, Eugenio Bucci, Javier Couso, Javier Darío Restrepo,Roberto Guareschi, Rubén Aguilar, Sergio Fausto e Peter-AlbertoBehrens, e os realizados sobre a versão original por Raúl Trejo,Sergio Fausto e EiLing Díaz. A análise e as interpretações aquiapresentadas são de responsabilidade única do autor.(3) Embora esta tenha sido a tônica em boa parte dos países daregião, não podemos deixar de mencionar que, em outros, osgovernos e meios de comunicação estão profundamenteimbricados. Ver, por exemplo, a contribuição de Raul Tejo,disponível em www.plataformademocratica.org.(4) Parte do apoio público aos jornais se deu por meio de tarifassubsidiadas para o envio de jornais pelo correio.(5) A missão da FCC é:- Promover a concorrência, inovação e o investimentonos serviços e instalações de radiodifusão;- Dar suporte à economia nacional, garantindo um quadrocompetitivo apropriado para o desenvolvimento da revoluçãonas comunicações;

ção, deve ser realizado com critérios transparentes e univer-sais, abertos ao debate e escrutínio público.

5. A liberdade de informação inclui a obrigação dos gover-nos de informar. A disponibilidade pública da informação so-bre orçamentos e gastos efetivos dos governos já é por si só umobstáculo contra os abusos do poder e é fundamental para atransparência e o monitoramento pelos cidadãos em geral e pe-los jornalistas em particular.

6. Garantir o acesso público aos conteúdos sem que eles se-jam parasitados por sites comerciais e garantir a neutralidadeda rede. O desafio é respeitar o uso da rede para transmitir li-vremente conteúdos entre indivíduos, não permitindo o usocomercial dos mesmos, sem o reconhecimento dos direitos depropriedade intelectual. As regras de neutralidade devem im-pedir que os fornecedores de transmissão apliquem qualquertipo de discriminação no conteúdo ou na qualidade dos servi-ços oferecidos.

Regulação do setor privado

1. Uma crítica constante aos meios de comunicação em vá-rios países da América Latina é o alto nível de concentração dapropriedade e, por vezes, o controle cruzado de diversos meios(jornais, rádio e televisão) (14). Se a concentração da proprieda-de é prejudicial em qualquer área da atividade econômica, pe-los abusos de poder que acarreta, no caso da mídia, tal concen-tração adquire uma nocividade adicional, pelo caráter especí-fico do bem público que ela produz e dissemina. Paradoxal-mente, esta mesma concentração exacerba o embate entremeios de comunicação e governos, pois a concentração de po-der de certos grupos empresariais os transforma em alvos fá-ceis de atacar por governos que se sentem prejudicados por es-tes grupos. Em suma, a concentração extrema pode fragilizar opróprio sistema privado de comunicação. A extrema concen-

tração não deve ser confundida com a existência de grupos demídia economicamente sólidos, pois isto lhes oferece maior in-dependência frente aos poderes de estado e governo em exer-cício. Tanto na formulação legal como em sua aplicação, o com-bate à concentração da propriedade deve ser orientado por re-gras claras e universais, por agências reguladoras autônomasdo poder governamental.

2. Comoindicamosanteriormente,osistemadecomunicaçãovive uma profunda revolução que fragiliza em particular os jor-nais, que sempre foram, e continuam sendo, o principal espaçodo jornalismo investigativo. A internet permitiu o desenvolvi-mento de novos sistemas de produção e disseminação de infor-mação, mas até hoje não se substituiu o jornalismo profissionalinvestigativo associado a empresas comerciais de comunicação,em particular os jornais. Como garantir a continuidade destesmeios de comunicação no novo contexto? Trata-se de uma per-gunta para a qual não existem respostas óbvias. Uma linha dedefesa em favor de permitir certo nível de controle cruzado devários meios de comunicação (por exemplo, jornais e televisãoe/ou sistemas de comunicação) pela mesma empresa argumen-ta que os lucros de um setor possibilitam o financiamento do se-tor jornalístico. Cremos que este é um argumento válido, masnão uma justificativa para a existência ou formação de oligopó-lios. Outro tema, cuja análise detalhada escapa aos limites destetexto, é o dos direitos intelectuais, particularmente os que se re-ferem ao uso pelos grandes portais comerciais de conteúdo pro-duzido pela mídia tradicional. Acreditamos que é importantediferenciar o uso da internet para transmitir conteúdos parausos não comerciais da apropriação dos mesmos pelos sites co-merciais. O debate atual encontra-se polarizado entre uma po-sição que defende o uso livre na internet de todos os conteúdos(e que aglutina paradoxalmente desde libertários a grandes por-tais de internet) e aqueles que buscam a aplicação estrita do re-conhecimento da propriedade intelectual.

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- Estimular o maior e melhor uso do espectro, internamente einternacionalmente;- Revisar a regulação de mídia de forma que as novas tecnologiasfloresçam em conjunto com a diversidade e o localismo;- Liderar o fortalecimento da defesa da infraestrutura nacionalde comunicações.(6) Embora, como indica Corn-Revere em seu texto sobre osEstados Unidos, que informa esta seção, os controles começarama ser afrouxados nos anos 90.(7) Embora os usuários de tablets pareçam permanecer mais tempofolheando a mesma publicação.(8) http://www.fcc.gov/info-needs-communities, acesso em25 de junho de 2011.(9) "Potential Policy Recommendations to Support theReinvention of Journalism"h t t p : / / w w w. f t c . g o v / o p p / w o r k s h o p s / n e w s / j u n 1 5 / d o c s / n e w - s t a f f -discussion.pdf (acesso em 26 de junho de 2011).(10) Embora alguns grandes portais comecem a ser produtores

de notícias e a empregar jornalistas, geralmente emexpediente parcial.(11) O que indica uma queda no interesse público por notícias,anterior à chegada da Internet.(12) Os problemas judiciais que o The Huffington Post estásofrendo por blogueiros que contribuíram com o jornal e sesentiram traídos com a venda para a AOL indicam que o modelode negócios para o jornalismo na internet ainda não está definido.(13) Sobre o contexto europeu, ver o trabalho de Christoph Keeseneste volume.(14) Ver, por exemplo, o texto de Martín Becerra, desta coleção.(15) Ver o trabalho de Javier Couso. O autor também indica que osempresários chilenos adotam uma política de somente colocarpublicidade em meios de comunicação que simpatizam com suasopiniões políticas. Se este for o caso, deve ser claramentecondenado, mas dificilmente podem-se criar mecanismos legaispara obrigar a publicidade privada a obedecer a critériosuniversalistas.

3. Um dos trabalhos dos especialistas (15) indica que, empelo menos um país da região, o Chile, a concentração dosjornais em torno de uma única linha político-ideológica,produto da supressão dos jornais alternativos pela ditadurade Pinochet, pode exigir do Poder Público políticas que fa-voreçam um maior pluralismo. Possivelmente, o mecanis-mo mais adequado seria uma política de apoio universal aosurgimento de novos jornais, com subsídios que diminuamos custos de entrada no setor.

4. Finalmente, não podemos deixar de men-cionar a necessidade de conscientizar a socie-dade sobre a importância de ter acesso à infor-mação e ser capaz de realizar uma leitura crí-tica da informação recebida. Com a internet,onde circula informação anônima que tornapraticamente impossível que o autor possa serresponsabilizado judicialmente, este desafio éamplificado. Deve-se fomentar nas escolas apromoção de palestras e atividades jornalísti-cas e o ensino de problemas éticos, bem como odesenvolvimento da capacidade de análise crí-tica do conteúdo que circula dentro da rede.

Conclusões

Como indicamos ao longo deste texto, é im-portante que o debate sobre os vários temas associados à re-gulação dos meios não seja apropriado unicamente pelas par-tes diretamente interessadas. É preciso haver maior partici-pação da comunidade acadêmica, que não reflita simples-mente os interesses particulares em conflito, para orientar odebate público. Não temos clara a razão da baixa incidência eparticipação dos sindicatos de jornalistas frente às transfor-mações em curso. Certamente, contribuem para isso o baixo

poder de negociação das associações de jornalistas frente aosgrandes órgãos de comunicação, sua fragmentação e estrati-ficação e as estratégias de diversificação profissional indivi-dual, que leva muitos jornalistas a se transformarem em as-sessores de comunicação empresarial.

É preciso haver uma pesquisa mais detalhada sobre o es-tado atual e o papel do jornalismo em nossos países. Muito sefala da capacidade dos meios de comunicação de influenciar

a opinião pública, mas de fato pouco se sabedas relações entre emissores e receptores deinformação. O fato de que na região váriaseleições tenham sido vencidas por candidatosque não possuíam a simpatia da maioria dosmeios de comunicação indica uma maior au-tonomia dos cidadãos, distante da pintadapor certos autores que consideram o povouma manada. Isto obviamente não justifica aspráticas erradas dos meios privados, mas in-dica que a situação não seja apresentada, co-mo fazem alguns políticos, como se a mídiapossuísse o controle da opinião pública.

O impacto dos novos meios de comunicaçãotem ramificações que afetam a qualidade de vi-da, a educação, a noção de público e privado, asformas de construção de conhecimento, queexigem repensar o papel do Estado e das empre-

sas, mas, sobretudo, conscientizar os cidadãos para que parti-cipem do debate público para que o futuro, em lugar de atro-pelar, possa ser construído coletivamente. Trata-se de um desa-fio difícil, que deve ser promovido pela sociedade civil, pois osparlamentos estão colonizados pela ação dos lobbies políticos eempresariais, que, em função de interesses corporativos ou decurto prazo, não permitem que se avance um debate necessáriopara criar regras que fortaleçam a democracia.

O fato de quena região váriaseleições tenhamsido vencidaspor candidatos quenão possuíam asimpatia da maioriados meios decomunicação indicamaior autonomiados cidadãos.

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66 DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2012

A M B I E N TA L I S TA S , GOVERNOS,GRANDES NEGÓCIOS

Duas obras quediscutem osimperceptíveis

vínculos entre os diversos agentes que seapresentam como salvadores do planeta (*).

Domingos ZamagnaReprodução

As Ongs, assim denominadas pelas Nações Unidasdesde o ano 1950, proliferaram no Brasil a partir daredemocratização, e hoje são contadas em centenas

de milhares. No meio dessa imensa constelação temos ins-tituições ótimas, outras boas, outras sofríveis e até aquelasque certamente devemos classificar de péssimas.

Das que prestam relevantes serviços nas áreas de meio-ambiente, desenvolvimento social, saúde, educação, re-ciclagem, combate à pobreza, etc., só podemos agradecê-las e apoiá-las. Mas, para além da capa de respeitabili-dade que muitas procuram demonstrar, encontramostambém a mediocridade, o desperdício eaté a criminalidade.

Num país de muitascarências, como é o casodo Brasil, teoricamentedeveríamos nos alegrarcom o surgimento de tan-tas Ongs, pois elas nasce-ram para ajudar a superarfalhas dos governos, des-pertar o civismo, a coopera-ção, a solidariedade. Mas,neste caso, não devemos com-prar gato por lebre...

As duas obras em questãoajudam-nos a discernir entre ojoio e o trigo no emaranhado deinformações que a mídia lançadiariamente no mercado, colo-cando o leitor brasileiro na difí-cil situação de saber se está real-mente conhecendo a realidade ou uma fantasia.

Elaine Dewar é uma premiada jornalista canadense que umdia ouviu, numa igreja em Toronto, uma palestra em que o ca-cique Paulinho Paiakan pedia aos canadenses que pressionas-sem politicamente o governo brasileiro, e lhe dessem dinheiropara salvar a floresta equatorial amazônica. A jornalista resol-veu mergulhar a fundo na questão e durante mais de seis anosvasculhou imensa literatura, visitou o Brasil, entrevistou cien-tistas, técnicos, economistas, diplomatas, juristas, políticos,jornalistas especializados; arguiu autoridades governamen-tais do Canadá e Estados Unidos, seguiu os intrincados itine-rários internacionais de transferências de altas somas monetá-rias, bem como as linhas e entrelinhas dos vistosos relatóriosdas agências financiadoras de projetos.

Lastreando cada afirmação em farta documentação, sua

obra desvenda os laços en-tre grupos ambientais, go-vernos e um imenso e – parao leigo – insuspeito balcão denegócios: uma trilha de mi-lhões e milhões de dólares.

As conferências ambientaisde Estocolmo (1972), do Rio deJaneiro (1982), de Kyoto (1997),de Durban (2011), etc. e tantosoutros capítulos do ambientalis-mo têm o suporte de uma agendainternacional que serve de plata-forma para interesses do primeiromundo, travestidos de proteçãoambiental. O desconhecimento dosbastidores dessas articulações nos

torna presas fáceis de "achismos" e espectadores ingênuos dopanorama onde se desdobram os grandes lances das agên-cias que controlam as finanças internacionais.

O livro de Dewar poderá ser completado, com proveito, pe-la leitura de outra obra, esta do geólogo e professor GeraldoLuís Lino, um dos expoentes da climatologia no Brasil. Elecontesta o que chama de catastrofismo ambiental, especial-mente os dados alarmantes do aquecimento global - que elenão hesita em chamar de fraude - com informações porme-norizadas e sempre muito bem documentadas. Avaliza atese de que aos países do terceiro mundo está sendo im-posta uma política de condenação ao baixo desenvolvi-mento, em troca de uma proteção, e mesmo salvação, do

planeta pelos países ricos, que são os mais poluidores.Os benefícios do progresso da ciência e da tecnologia, se

compartilhados adequadamente entre as nações, não inviabi-lizam uma Terra com pelo menos mais três bilhões de habitan-tes até 2050. É claro que essa política supõe uma outra ordemmundial, mais solidária, em que as nações pobres deixem de vi-ver sob a compressão do hemisfério norte quando almejam lan-çar mão responsavelmente de seus recursos naturais.

Num Brasil em que a média de leitura anual é de 2,1 livros porhabitante, essas duas instigantes obras, se lidas com atenção, já se-riam suficientes para a provisão de informações que tornariammenos improvisados os nossos debates em questão ambiental.

(*) DEWAR, Elaine. Uma demão de verde. Rio de Janeiro: CapaxDei, 2008.

LINO, Geraldo Luís. A fraude do aquecimento global. Rio deJaneiro: Capax Dei, 2009.

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