o patrimônio ambiental urbano de são luiz do paraitinga e as políticas públicas de preservação
DESCRIPTION
Trabalho de Graduação Individual apresentado ao Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo em 01 de fevereiro de 2012 para a obtenção do título de Bacharel em Geografia.TRANSCRIPT
1
DANILO CELSO PEREIRA
O PATRIMÔNIO AMBIENTAL URBANO DE SÃO LUIZ DO PARAITINGA E AS
POLÍTICAS PÚBLICAS DE PRESERVAÇÃO
SÃO PAULO
2012
Des
enh
o a
bic
o d
e p
ena
de
Ly
gia
Fo
ng
(2
00
8)
O PATRIMÔNIO AMBIENTAL URBANO DE SÃO LUIZ DO PARAITINGA E AS
POLÍTICAS PÚBLICAS DE PRESERVAÇÃO
e-mail: [email protected]
Foto
: A
nit
a H
irsc
hbru
ch
DANILO CELSO PEREIRA
O PATRIMÔNIO AMBIENTAL URBANO DE SÃO LUIZ DO PARAITINGA E AS
POLÍTICAS PÚBLICAS DE PRESERVAÇÃO
Trabalho de Graduação Individual apresentado
ao Departamento de Geografia da
Universidade de São Paulo como requisito à
obtenção do título de Bacharel em Geografia.
Orientadora: Profª Drª Simone Scifoni
SÃO PAULO
2012
PEREIRA, D. C. O Patrimônio Ambiental Urbano de São Luiz do Paraitinga e as
políticas públicas de preservação. Trabalho de Graduação Individual apresentado ao
Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Bacharel em Geografia, aprovado pela
seguinte Banca Examinadora:
__________________________________
Profª Drª Simone Scifoni
DG/FFLCH/USP
Orientadora
__________________________________
Profª Drª Isabel Aparecida Pinto Alvarez
DG/FFLCH/USP
__________________________________
Profª Drª Flávia Brito do Nascimento
IPHAN/SP
São Paulo, _____ de __________________ de 2012
Dedico este trabalho a todos os luizenses, em
especial aos que tiveram suas casas invadidas
pelas águas do Rio Paraitinga no primeiro dia
de janeiro de 2010, sobretudo aos familiares
de João Roberto dos Santos, vítima do
desastre.
AGRADECIMENTOS
Hoje eu vou pedir desculpas pelo que eu não disse
eu até desculpo o que você falou
eu quero ver meu coração no seu sorriso
e no olho da tarde a primeira luz.
Oswaldo Montenegro
A primeira pessoa a quem devo agradecer pela concretização dessa etapa é, sem dúvida, a
minha mãe Fátima, tanto pelo apoio irrestrito quanto pelas palavras de incentivo, sobretudo
pelo que parece mais simples, mas que é o mais importante: por ter sido minha Mãe e ter
desempenhado com maestria todas as funções que essa palavra carrega. Mãe, te amo muito!
Ao meu pai Pedro, agradeço por me ensinar a valorizar as coisas simples da vida e pelas
noites em claro que passou ao meu lado em alguns momentos difíceis. E, sem dúvida, um
agradecimento muito especial aos meus segundos pais, os meus avós Brás e Vicentina por me
apoiarem no início dessa caminhada. Amo muito vocês.
Vivendo, se aprende;
mas o que se aprende, mais
é só a fazer outras maiores perguntas.
Guimarães Rosa
Agradeço à minha orientadora, professora Simone Scifoni, por nortear a minha pesquisa.
Nunca poderia imaginar que ao entrar naquela sala, onde ela ministrava sua primeira
disciplina no Departamento de Geografia da USP, comentar onde eu havia nascido e ter
ouvido “Há... aquele lugar lindo!”, eu estaria começando a redefinir o meu percurso
acadêmico, coisas da vida. Obrigado Simone, pessoa admirável pela trajetória profissional
dedicada ao patrimônio cultural e por desempenhar com amor a função de professora, além de
ser uma pessoa que encanta pela simplicidade.
Obrigado Sueli Herculiani, do Instituto Florestal do Estado de São Paulo, por todo incentivo,
pelas orientações, por me mostrar a riqueza do patrimônio cultural imaterial das comunidades
tradicionais paulistas. Fui colocado como estagiário de uma pessoa sensível às questões
culturais em um instituto voltado, sobretudo, a preservação da natureza, agradeço ao destino
por isso.
Precisa-se de um amigo
para se parar de chorar.
Para não se viver
debruçado no passado
em busca de memórias perdidas.
Precisa-se de um amigo
que diga que vale a pena viver,
não porque a vida é bela,
mas porque já se tem um amigo.
Vinícius de Morais
Agradeço profundamente a todos meus amigos da turma de 2006, em especial à Carolina,
Anaclara, Hilda, Cintia e ao Luan, pessoas que fizeram dessa caminhada algo muito mais
gostoso e divertido. Agradeço às duas primeiras pessoas que eu conheci no Departamento de
Geografia e que, assim como eu, estavam perdidas pelos corredores da FFLCH e se tornaram
importantes e constantes companhias nesses seis anos de São Paulo, Deborah e Renata. Um
agradecimento especial também a um sujeito que, como eu, se orgulha de suas origens, de
quem tenho lembranças desde a época da FUVEST, como poderia imaginar que aquele
concorrente na minha sala da ETEP em São José dos Campos viria a se tornar um dos meus
melhores amigos, obrigado Douglas.
Gostaria de agradecer à pessoas especiais que, apesar de não serem da minha turma, estiveram
presentes em importantes momentos desses últimos anos, Claudia, Tais, Janaina, Andressa,
Talita e Glayce.
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las.
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!
Mario Quintana
Agradeço:
Aos funcionários de Seção de Documentação do CONDEPHAAT, por me auxiliarem nas
pesquisas documentais.
Aos técnicos da Superintendência do IPHAN em São Paulo, em especial a arquiteta Liliane
Vieira, pelo trabalho desenvolvido em São Luiz e pela colaboração nessa pesquisa.
À Natália Moradei, Diretora de Obras da PMSLP, pelas conversas e informações que tanto
enriqueceram este trabalho.
Aos meus professores do curso de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, a quem devo a minha formação acadêmica, responsáveis pelos pensamentos que
irão nortear a minha atuação profissional daqui para frente.
À todos os meus professores do ensino fundamental e médio de São Luiz do Paraitinga,
profissionais que me ensinaram a valorizar os estudos e começaram a estimular o meu espírito
crítico, em especial à Profª Fátima Prado Santos, então Diretora da E. E. Monsenhor Ignácio
Gióia, por todo o incentivo.
O sorriso esconde a lágrima
O coração apertado
Mas o luizense tem força
Traz a raça do passado
Acompanhando o tempo devagar
Mas não parado
Queremos agradecer
Um a um quem ajudou
Venham nos dar as mãos
Que muita coisa restou
A cultura está viva
Essa a água não levou
Tocar um dedinho de prosa
O jeito de ser caipira
Saborear comida caseira
Um feijão com cambuquira
A simpatia de um povo
Essa a enchente não tira
Isso que aconteceu
É a força da natureza
Tudo vai pegar seu rumo
Você pode ter certeza
Nossa cidade encantada
Ainda tem muita beleza.
Ditão Virgílio
O Patrimônio Ambiental Urbano de São Luiz do Paraitinga e as políticas públicas de
preservação
The Urban Ambient Heritage of São Luiz do Paraitinga and the public politics of
preservation
Resumo:
Este trabalho trata das políticas de preservação do patrimônio histórico no Brasil, com
enfoque no caso paulista. Temos a finalidade de abordar as contradições da gestão
patrimonial nas duas esferas (federal e estadual) e suas consequentes ações divergentes em
relação à produção do espaço. Através da análise da expansão urbana de São Luiz do
Paraitinga, destacamos as características do urbanismo ilustrado que fizeram desse conjunto
um exemplar paradigmático no sul e no sudeste do Brasil, o que justificou o seu
reconhecimento como Patrimônio Cultural Nacional pelo IPHAN em 2010, ressaltando que o
mesmo é acautelado pelo CONDEPHAAT desde 1982, sendo o seu maior conjunto urbano
tombado. Procuramos entender de que maneira o reconhecimento desse sítio como patrimônio
reflete um processo de evolução das políticas de cultura em São Paulo e no Brasil, e de que
maneiras esses órgãos se comportam em um momento de crise como o atual, quando esse
patrimônio é vítima do pior desastre em área protegida por seu valor cultural da história do
Brasil.
Palavras-chave: Patrimônio ambiental urbano, políticas públicas de preservação, gestão
patrimonial, São Luiz do Paraitinga.
Abstract:
This work deals with the policies of heritage historic preservation in Brazil, focusing on the
case of São Paulo. We have the purpose of addressing the contradictions of wealth
management in the two spheres (federal and state) and its consequent actions divergent in
relation to production of space. Through the analysis of the urban sprawl of Sao Luiz do
Paraitinga, we highlight the characteristics of the urbanism illustrated that made this a single
example in southern and southeastern Brazil, which justified its recognition as a National
Cultural Heritage by IPHAN in 2010, noting that the same is safeguarded by CONDEPHAAT
since 1982, its greater urban center tumbled. We seek to understand how the recognition of
this heritage reflects a process of evolution of political culture in São Paulo and Brazil, and
the ways in which these agencies government behave in a time of crisis like the present, when
this historic center is victim of worst disaster in an area protected for its cultural value of
Brazil's history.
Key-words: Urban ambient heritage, politics of preservation, heritage management, São Luiz
do Paraitinga.
LISTA DE MAPAS
Mapa 1: Bens acautelados pelo Estado em São Luiz do Paraitinga....................................... 41
Mapa 2: Antigos Caminhos de São Paulo.............................................................................. 48
Mapa 3: Evolução urbana do núcleo bicentenário de São Luiz do Paraitinga – SP.............. 54
Mapa 4: Imóveis atingidos pela inundação de 2010.............................................................. 60
Mapa 5: Conjuntos Urbanos tombados pelo IPHAN por Unidade da Federação até 2009... 65
Mapa 6: Bens tombados pelo IPHAN por Unidade da Federação até 2009.......................... 67
Mapa 7: Evolução da representatividade do patrimônio entre 1967 e 2009 por Unidade da
Federação............................................................................................................................... 67
Mapa 8: Bens tombados pelo CONDEPHAAT em São Luiz do Paraitinga.......................... 79
Mapa 9: Perímetro tombado pelo IPHAN em São Luiz do Paraitinga.................................. 88
Mapa 10: Recuperação dos imóveis do Centro Histórico (2010/2011)................................. 101
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Divisão Geral do Patrimônio Cultural.................................................................... 29
Figura 2: Plantas prévias........................................................................................................ 36
Figura 3: Imagem aérea do centro histórico de São Luiz do Paraitinga, em 2009................. 37
Figura 4: Igreja do Rosário dos Homens Pretos e a Rua do Carvalho, em 2009................... 38
Figura 5: Praça Dr. Oswaldo Cruz, em 2009......................................................................... 39
Figura 6: Praça Dr. Oswaldo Cruz em, 2009......................................................................... 39
Figura 7: Igreja Matriz de São Luís de Tolosa, em 1884....................................................... 50
Figura 8: Igreja do Rosário dos Homens Pretos, em 1906, ainda em feições coloniais........ 51
Figura 9: Capela das Mercês, em 1981.................................................................................. 51
Figura 10: Vista do centro histórico, em 1886 e em 2011..................................................... 55
Figura 11: Desabamento da Igreja Matriz de São Luiz de Tolosa, em 2010......................... 59
Figura 12: Centro histórico, em 1978..................................................................................... 76
Figura 13: Centro histórico, em 2007..................................................................................... 76
Figura 14: Falso histórico na Praça Dr. Oswaldo Cruz, em 2011.......................................... 77
Figura 15: Nossa Senhora das Mercês, após restauração....................................................... 93
Figura 16: Nossa Senhora das Mercês, antes da restauração................................................. 93
Figura 17: Igreja Matriz, após as obras de salvamento.......................................................... 94
Figura 18: Igreja Matriz, antes das obras de salvamento....................................................... 94
Figura 19: Asilo de São Vicente, após reforma..................................................................... 96
Figura 20: Asilo de São Vicente, antes da reforma................................................................ 96
Figura 21: Capela das Mercês, depois da recomposição........................................................ 103
Figura 22: Altar da Capela das Mercês, depois da recomposição.......................................... 103
Figura 23: Capela das Mercês, com destaque para o púlpito remanescente.......................... 104
Figura 24: Capela das Mercês, com destaque para a taipa remanescente.............................. 104
Gráfico 1: Produção cafeeira nos municípios do Vale do Paraíba......................................... 44
Gráfico 2: Evolução da população de São Luiz do Paraitinga............................................... 52
Gráfico 3: Responsáveis pelos projetos arquitetônicos......................................................... 99
Gráfico 4: Origem dos recursos empregados na recuperação dos imóveis privados............. 100
Quadro 1: Bens tombados em 2009 e em 1967...................................................................... 66
Quadro 2: Grau de Proteção dos imóveis tombados pelo CONDEPHAAT ......................... 78
Quadro 3: Obras do IPHAN na recuperação de São Luiz do Paraitinga................................ 97
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AMI São Luiz Associação dos Amigos para a Reconstrução e Preservação do Patrimônio
Histórico e Cultural de São Luiz do Paraitinga
BNDS Banco Nacional para o Desenvolvimento Social
CNRC Centro Nacional de Referências Culturais
CONDEPHAAT Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e
Turístico
FNPM Fundação Nacional Pró-Memória
FUPAM Fundação para a Pesquisa Ambiental
IES Instituto Elpídio dos Santos
INRC Inventário Nacional de Referências Culturais
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas
MinC Ministério da Cultura
PMSLP Prefeitura Municipal de São Luiz do Paraitinga
PNPI Plano Nacional de Patrimônio Imaterial
PPSH Plano de Preservação de Sítios Históricos
SEC Secretaria de Estado da Cultura
SPHAN Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
TGR Termo Geral de Referências
UPPH Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 17
1. GEOGRAFIA E PATRIMÔNIO: QUESTÕES TEÓRICAS................................... 22
2. O URBANISMO PORTUGUÊS COMO PATRIMÔNIO CULTURAL
BRASILEIRO .................................................................................................................. 33
2.1. São Luiz do Paraitinga, um patrimônio do café?............................................ 42
3. SÃO LUIZ DO PARAITINGA: UM ESPAÇO CONCEBIDO/APROPRIADO
COMO LUGAR DA VIDA.............................................................................................. 46
3.1. Da várzea do Rio Paraitinga à Imperial Cidade.............................................. 48
3.2. De Imperial Cidade a último reduto caipira paulista.................................... 56
3.3. São Luiz do Paraitinga, um patrimônio cultural brasileiro em risco ............. 58
4. UMA GEOGRAFIA DESIGUAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL
BRASILEIRO .................................................................................................................. 61
5. O CONDEPHAAT E A PRODUÇÃO DE UM ESPAÇO URBANO
ESQUIZOFRÊNICO ....................................................................................................... 70
6. O IPHAN E O SALVAMENTO DE UM PATRIMÔNIO CULTURAL
NACIONAL ...................................................................................................................... 82
6.1. O IPHAN como protagonista de um processo de recuperação ...................... 89
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 107
BIBLIOGRAFIA............................................................................................................... 111
ANEXOS ........................................................................................................................... 117
17
INTRODUÇÃO
Des
enh
o a
bic
o d
e p
ena
de
To
m M
aia
(19
76
)
18
“Sim, lê-se a cidade porque ela se escreve, porque ela foi escrita. Entretanto, não
basta examinar esse texto sem recorrer ao contexto. Escrever sobre essa linguagem,
elaborar a metalinguagem da cidade não é conhecer a cidade e o urbano. O contexto,
aquilo que está sobre o texto a ser decifrado (a vida quotidiana, as relações
imediatas, o inconsciente do „urbano‟, aquilo que não se diz mais e que se escreve
menos ainda, aquilo que se esconde nos espaços habitados – a vida sexual e familiar
– e que não se manifesta mais nos tetê-a-tête), aquilo que está acima do texto urbano
(as instituições, as ideologias), isso não pode ser esquecido na decifração. Um livro
não basta. Que seja lido e relido, muito bem. Que se chegue à sua leitura crítica,
melhor ainda.” (LEFEBVRE, 1969: 56)
Com a globalização as grandes cidades passaram a desempenhar um papel de
protagonismo nos processos sociais, econômicos e políticos de fato, além do cultural no
imaginário das pessoas. Acredita-se que são apenas esses aglomerados urbanos, sobretudo as
metrópoles, que nos possibilitam uma vida culturalmente intensa, pois são nesses espaços que
se tem acesso aos grandes espetáculos que circulam as grandes cidades do mundo todo, é
onde se pode contemplar edifícios projetados pelos mais renomados arquitetos internacionais,
porém, são esses bens culturais que nos representam? É essa cultura massificada que nos
confere identidade?
Essa identidade é construída por pequenas coisas do cotidiano, por expressões
culturais que, apesar de não serem hegemônicas, deixaram registradas na paisagem elementos
de diferentes temporalidades, e através de uma analise mais apurada sobre esses elementos
podemos entender como o espaço geográfico foi produzido.
Esses elementos também estão presentes nas grandes cidades, mas são nas pequenas
cidades de assentamento mais antigo e que permanecem mais ligadas às práticas tradicionais,
em especial os costumes religiosos, que notamos uma maior valorização dos elementos que na
atualidade denominamos de patrimônio cultural. Isso se deve, segundo Francisco (2008), não
apenas pela sobrevivência dos bairros rurais e sua interação com as cidades no interior, mas é
resultado da permanência de uma cultura citadina eminentemente caipira1, onde a identidade
tradicional é mais forte.
Esses elementos que nos conferem identidade são tutelados pelo Estado, ficando a
cargo deste garantir a sua salvaguarda através dos seus órgãos de preservação do patrimônio
cultural, na esfera federal pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN) e na do estado de São Paulo pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Artístico, Arqueológico e Turístico (CONDEPHAAT). É justamente a relação entre estes
1 Do mesmo modo que em Antonio Candido (1987), caipira aqui é entendido como o homem que surgir da miscigenação do
índio e do europeu, com estilo de vida simples e forte ligação com a terra. Nesse sentido, incluímos os caiçaras a esse grupo,
admitindo que a sua relação com o mar lhe traz especificidades.
19
órgãos e a população que se configura como o principal tema do presente trabalho, o que
denominamos de relação entre a “ordem distante” e a “ordem próxima” respectivamente,
categorias de análise do espaço do filósofo Henri Lefebvre (1994).
Porém, esses órgãos em muitos momentos buscaram forjar uma identidade que
representassem toda a população, seja uma identidade nacional, no caso do IPHAN, ou
paulista, no caso do CONDEPHAAT. Contudo, segundo Carlos (1996), a identidade só se
estabelece com o lugar, são nesses espaços que a vida cotidiana acontece, na escala do espaço
vivido como aquela onde se dão a reprodução da vida e as relações sociais que fundam um
vínculo entre os lugares e os objetos materiais.
Dentre esses objetos materiais temos as edificações que foram o principal foco das
políticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil. A busca em forjar uma suposta
identidade nacional fez com que se buscassem nos estados de Minas Gerais, Bahia e Rio de
Janeiros os bens que identificavam a cultura nacional, em detrimento de outros estados como
São Paulo, que possui em seu território cidades antigas, fundadas no auge do açúcar e do café,
ou ainda mais antigas que se remetem ao tropeirismo e que guardam testemunhos tão
significativos quanto os estados privilegiados. Essa distribuição desigual de bens tombados
por unidade da federação também é um dos temas abordados neste trabalho, denominamos
aqui de geografia desigual do patrimônio nacional.
Dentre esses municípios antigos fundados durante o tropeirismo destaca-se São Luiz
do Paraitinga. Para Marins (apud Bocchini, 2010), esse município somente encontra paralelos
em localidades como Pirenópolis (GO) ou Olinda (PE) no que diz respeito à clara
convergência entre o patrimônio material e imaterial, configurando-se este como uma
verdadeira relíquia paulista.
Além disso, o autor ainda destaca que a maioria das cidades paulistas antigas possue
grandes sobrados neoclássicos, porém, nenhuma no Estado com um conjunto do século XIX
tão significativo como em São Luiz do Paraitinga, o que torna esse lugar privilegiado para o
estudo patrimonial em São Paulo. Esses fatos fizeram com que esse centro histórico fosse
escolhido como estudo de caso da presente pesquisa.
Sendo assim, este trabalho pretende abordar as políticas de preservação do patrimônio
cultural no Brasil, com enfoque no caso paulista. Temos a finalidade de abordar as
contradições da gestão patrimonial nas duas esferas, federal e estadual, e suas consequentes
ações divergentes em relação à produção do espaço através da análise da expansão urbana de
São Luiz do Paraitinga, reconhecida como patrimônio paulista em 1982 pelo CONDEPHAAT
e como patrimônio nacional pelo IPHAN em 2010, configurando-se como o maior conjunto
20
urbano tombado em São Paulo. Procuramos entender de que maneira o reconhecimento desse
centro histórico como patrimônio reflete um processo de evolução das políticas de cultura em
São Paulo e no Brasil, e de que maneira esses órgãos se comportam em um momento de crise
como o atual, quando esse patrimônio é vítima do pior desastre em área protegida pelo seu
valor cultural da história do Brasil, destacando sempre o papel da população local como um
dos protagonistas desse processo.
Para que esse objetivo seja contemplado, a presente pesquisa foi estruturada em três
grandes eixos: o primeiro conta com o capítulo 1, intitulado “Geografia e Patrimônio:
questões teóricas”, onde pretendemos conceituar espaço geográfico, cidade, centro histórico e
lugar num primeiro momento, para depois nos debruçarmos sobre as questões do patrimônio,
em especial ao patrimônio ambiental urbano do historiador Ulpiano Bezerra de Meneses. Em
seguida, no segundo eixo temos os capítulos “O urbanismo português como patrimônio
cultual brasileiro” e “São Luiz do Paraitinga, um espaço concebido/apropriado como lugar da
vida”, onde analisaremos as características do patrimônio ambiental urbano de São Luiz do
Paraitinga, “um legado único, em termos de processo de povoamento „pombalino‟” (IPHAN,
2011: 34), enfocando que este, mesmo caracterizando-se como um espaço concebido, é hoje
um espaço vivido por excelência. Para isso, buscamos analisar as características do urbanismo
português, normativas essas impostas a esse espaço já antes de sua fundação, e de que
maneira esse espaço ordenado é apropriado como suporte de memória da população local.
Para tal, foi necessário buscar na história, desde o período colonial, quando se tinha uma
política de ocupação da capitania de São Paulo, as fases econômicas que possibilitaram a
consolidação desse conjunto urbano, seja o apogeu, seja a decadência econômica. Foi
necessário também um olhar especial à inundação de 2010 que impôs de maneira drástica a
esse espaço e a essa comunidade novas dinâmicas. Por fim, no último eixo temos os capítulos
“Uma Geografia desigual do patrimônio cultural brasileiro”, “O CONDEPHAAT e a
produção de um espaço urbano esquizofrênico” e “O IPHAN e o salvamento de um
patrimônio cultural brasileiro”, onde destacaremos o processo de evolução das políticas de
preservação no Brasil, a distribuição desigual de bens tombados entre os estados da federação
e a atuação dos órgãos de patrimônio sobre o espaço urbano acautelado em São Luiz do
Paraitinga, atuação que muitas vezes ocorre de maneira contraditória, o que fica registrado na
paisagem urbana em questão. Daremos também, nesses capítulos, especial ênfase aos desafios
impostos a esses órgãos na recuperação desse patrimônio nacional após a grande inundação
em 2010, que resultou no arruinamento total de alguns dos seus principais sustentáculos
materiais de identidade coletiva local. Isso exigiu que um novo protagonista assumisse a
21
gestão desse patrimônio, o IPHAN, que entendeu ser a recuperação desses bens elemento de
coesão dessa população, passando a compartilhar com esse as responsabilidades da
reconstituição desse patrimônio, garantindo assim a sua salvaguarda.
Na atualidade a discussão desse tema torna-se relevante socialmente, uma vez que as
políticas de proteção do patrimônio no Brasil estão cada vez mais ligadas as práticas sociais e
as memórias coletivas. Para Scifoni (2006), a identificação dos valores do bem a ser
preservado leva em conta as relações dos grupos com o lugar, as práticas socioespaciais. Essa
autora salienta ainda que é na escala do local que os conflitos da esfera do patrimônio se
afloram, na medida que eles expõem a luta entre a busca da apropriação social do espaço
geográfico, a intervenção ordenadora do Estado e os interesses do capital, configurando-se
assim o universo da cultura como um campo de lutas, conflitos e tensões políticas.
No contexto da ciência geográfica questões referentes ao patrimônio se justificam,
pois, segundo Milton Santos (1997), os testemunhos do passado, resultantes da acumulação
desigual dos tempos ficam marcados na paisagem, revelando um dinamismo evolutivo através
dos tempos (diacrônico), resultante do processo espacial. Os objetos são expressos pelas
formas, embora fixas, se reportam aos diferentes extratos sociais. A forma é o aspecto visível,
refere-se a uma maneira ordenada de organização do presente e, mesmo tentando ignorar seu
passado, este continua descrito em suas formas.
22
1. GEOGRAFIA E PATRIMÔNIO
QUESTÕES TEÓRICAS
Des
enh
o a
bic
o d
e p
ena
de
To
m M
aia
(19
76
)
23
A materialização do processo histórico de produção do espaço geográfico é dada
pela concretização das relações sociais produtora dos lugares, tornando-se possível
de ser visto, percebido, sentido e vivido (LEFEBVRE, 1974:37).
Como essa pesquisa pretende tratar das políticas de preservação do patrimônio cultural
no Brasil, com enfoque no caso paulista, através do estudo de caso de São Luiz do Paraitinga,
ou seja, políticas e normativas que atuam sobre o espaço geográfico, é justo que iniciemos
com este capítulo que pretende explicitar as bases teóricas que sustentam essa pesquisa por
esse conceito.
Qualquer experiência social não se faz fora do espaço, uma vez que o homem, ao
ocupar e agir sobre a natureza, produz o espaço onde deixa registrado a sua história. Esse
espaço socialmente construído, no decorrer do tempo, se constitui no espaço geográfico.
Porém, espaço geográfico não é algo assim tão fácil de conceitualizar devido às
discordâncias teóricas a esse respeito. Dessa maneira, já iniciamos este capítulo com um
grande desafio: escolher uma linha teórica metodológica de espaço geográfico que norteará
toda essa pesquisa.
Em Carlos (1996), o espaço geográfico é social, produto do processo de trabalho geral
da sociedade em cada momento histórico. Assim, as parcelas do espaço socialmente e
historicamente produzidas se apresentam enquanto trabalho materializado e acumulado a
partir de sucessivas gerações e, nesse caso específico, o espaço como um todo tem valor e se
reproduz a partir de seus usos sempre diferenciados, condizentes com as singularidades de
cada lugar. A autora ressalta que o processo de produzir/reproduzir é também um ato de
apropriação, nesse contexto o sentido do espaço produzido é aquele marcado por modos de
produção e, consequentemente, de apropriação.
Também em Lefebvre (1976), o espaço é empreendido como produção da sociedade,
fruto da reprodução das relações em sua totalidade. Para esse autor, o espaço é socialmente
produzido, apropriado e transformado.
Dentro dessa análise de espaço social, Lefebvre (1974) propõe uma dupla perspectiva
de apreciação do espaço: o espaço concebido e o espaço vivido. O espaço concebido
corresponde aos discursos e as práticas de como conceber e representar o espaço, ou seja, toda
a normativa que interfere no processo de produção do espaço urbano. Para Lefebvre (1974),
são os fatores ideológicos que orientam as ações humanas, estão ligados aos modos de
produção, à ordem para lá dos conhecimentos, dos signos, dos códigos.
24
O espaço concebido em São Luiz do Paraitinga corresponde às normativas rígidas
estabelecidas pelo urbanismo ilustrado quando da sua fundação, assim como às impostas
pelos órgãos de preservação do patrimônio cultural na atualidade.
O espaço vivido corresponde às imagens, sensações, opiniões, aos símbolos e signos
criados com a vivência do lugar. Para Lefebvre (1974), o espaço vivido apresenta os símbolos
complexos, ligando-se ao lado clandestino e subterrâneo da vida, mas também a arte, que se
corrompe eventualmente e é definida não como um código espacial, mas como um código dos
espaços de representação.
O espaço vivido possui importante relevância neste estudo de caso, pois nos permite
analisar uma das principais peculiaridades do espaço em São Luiz do Paraitinga: um espaço
intensamente vivido pela população local, lugar das mais diversas manifestações culturais,
espaço de ver e ser visto.
O espaço é constantemente concebido e vivido pelos homens em virtude dos seus
sistemas de pensamento e de suas necessidades. Dessa maneira, essas categorias se mostram
extremamente relevantes para se analisar o espaço geográfico, um contínuo resultado das
relações socioespaciais, relações estas que são econômicas, políticas e simbólico-culturais.
Como ressalta Lefebvre (1991), a força motriz destas relações são sempre as ações humanas e
suas práticas espaciais.
Contudo, como nossa análise não se dará sobre todo o espaço geográfico, nem sobre
todo o município de São Luiz do Paraitinga, e sim ao seu espaço urbano, não desconsiderando
as relações desse lugar com o global, cabe aqui conceituar cidade.
Esta surgiu antes do capitalismo, para Lefebvre (1991) houve a cidade oriental ligada
ao modo de vida asiática, a cidade arcaica ligada à posse de escravos e a cidade medieval
baseada nas relações feudais. Porém, esse autor ressalta que foi na Idade Média, na transição
do feudalismo para o capitalismo na Europa, que o processo de integração do mercado e da
mercadoria é efetivado à cidade.
Para esse autor, a cidade não é apenas um conjunto denso de edificações onde as
pessoas habitam e trabalham, é muito mais. Trata-se de um assentamento humano, onde o
modo de vida urbano que corresponde ao conjunto de práticas espaciais que promovem o
predomínio da cidade sobre o campo, onde predomina o consumo e a circulação de fluxo de
pessoas, mercadorias, capital e informações, configurando a cidade como o local do consumo.
Para Lefebvre (1991), enquanto uma construção humana, a cidade é produto social, uma
materialização das práticas sociais que se acumulam no decorrer da história a partir da relação
sociedade natureza. A cidade configura-se também como o local da gestão do território, como
25
sede do poder econômico, político e religioso, onde a cultura desempenha o papel crucial na
produção do espaço urbano.
Lefebvre (1991), ao discutir os fenômenos do urbano, lança mão de uma dialética que
é muito cara a esta pesquisa: a relação entre a “ordem próxima” e a “ordem distante”. Aqui, o
autor irá afirmar que a cidade passará a mudar quando a sociedade mudar, ressaltando que não
se trata de uma mudança apenas em escala global, mas ressaltando a escala do local, onde a
ordem próxima corresponderia aos habitantes dessa cidade, os responsáveis por constituí-la
em espaço vivido, e pela ordem distante representada pelas instituições, como o Estado e a
Igreja, ou seja, os responsáveis pelo espaço concebido. O autor destaca que esta ordem
distante se institui num nível superior, dotada de poderes, e se impõe ao nível próximo, ela
impõe sua lógica, sua racionalidade sobre as práticas sociais no espaço vivido.
Para esse autor a cidade tem uma história, ou melhor, o grupo que compõe essa cidade
tem uma história. Os habitantes agem sobre a cidade com o fim de promover e generalizar o
valor de troca, porém, em muitos casos a cidade é, para seus habitantes, muito mais que valor
de troca, é valor de uso.
Contudo, como essa pesquisa não pretende debruçar-se sobre toda a cidade, mas sim
sobre uma parcela desta, o denominado centro histórico, este precisa ser conceituado. Antes
disto, porém, é necessário entender como esta parte da cidade é eleita pelo Estado, sendo que
essa eleição se dá por meio de um instrumento jurídico denominado tombamento.
Apesar de não ser o único instrumento de preservação e acautelamento pelos órgãos de
preservação, tanto no âmbito federal, quanto no estadual e municipal, o tombamento é o mais
utilizado, constituindo-se na prática mais significativa da política de preservação no Brasil.
Segundo Fonseca (1997), possibilita ao Estado delimitar um universo simbólico específico,
além de intervir no estatuto da propriedade e no uso do espaço físico. Essa autora salienta
ainda que essa prática causa interferências na vida social, mesmo o tombamento não se
constituindo na desapropriação do imóvel, implica na restrição do seu uso.
A palavra tombar significa inventariar, arrolar ou inscrever um bem no “Livro de
Tombo”, recaindo sobre o Estado a tutela dos bens considerados de interesse público, “quer
por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (Decreto-lei n° 25, de 30 nov. 1937).
Fonseca (1997) salienta que sobre esse bem tombado incidem duas modalidades de
propriedade: a propriedade do bem, alienável, determinado pelo seu valor econômico,
portanto da pessoa jurídica, e a propriedade dos valores culturais nela identificados que,
26
através do tombamento, passa a ser alheio ao proprietário do bem, passa a ser de propriedade
pública, ou seja, da sociedade sob tutela do Estado.
Entendido qual o instrumento jurídico que elege parte da cidade como de relevância
cultural, o chamado centro histórico, vamos agora defini-lo.
Para Fonseca (1997), a concepção de centro histórico, como é entendido pelos órgãos
de preservação, traz como principal ideia a de conjunto, ou seja, da relação entre o meio
geográfico, natural, e os grupos humanos que ocupam aquele espaço e nele deixaram
registrados sua história. A autora salienta ainda que, nessa perspectiva, a história das cidades
não se resume mais a história de sua arquitetura, mas abrange todas as adaptações feitas pelo
trabalho humano sobre o espaço.
Talvez aqui também seja interessante discutir no que se constitui o centro da cidade.
Para Castells (2000), o centro urbano designa-se tanto como um local geográfico quanto um
conteúdo social, ou seja, assim como a cidade, são produtos que exprimem as forças sociais
em ação e a estrutura da sua dinâmica interna. Para esse autor, o centro da cidade pode ser
dividido em três categorias: o centro simbólico e integrador, onde temos o resultado da
organização da sociedade em relação aos valores expressos no espaço, permitindo a
coordenação das atividades urbanas e a identificação simbólicas dessas atividades; o centro de
trocas, que engloba atividades econômicas, políticas e administrativas; e o centro lúdico, que
valoriza o consumo, em especial os vinculados à atividades de lazer. O autor enfatiza que
nenhuma dessas três categorias existe por si, mas sim enquanto resultado de um processo
social de organização do espaço social.
É importante destacar que o centro é aquilo que se encontra no “meio”, mas não
necessariamente está no centro geográfico ou ocupa o sítio histórico onde a cidade se
originou. Em suma, a distinção espacial e funcional entre os dois tipos de centralidade, a
urbana e a histórica, varia conforme se alteram as práticas espaciais e a funcionalidade da
cidade. Para Spósito (1991), o centro é o oposto de convergência/divergência, o local para
onde todos se deslocam para alguma atividade.
Em São Luiz do Paraitinga, o que se os órgãos de preservação denominam hoje como
centro histórico corresponde ao que antigamente era a própria cidade, o espaço concebido
rigorosamente pelas normativas do urbanismo ilustrado e que hoje se constitui também como
espaço vivido, tanto por poder ser definido como centro simbólico, de trocas e lúdico, a partir
das categorias de Castells (2000), como por se constituir em um lugar das mais diversas
manifestações culturais imateriais e por ser o lugar da vida, apropriado pela população local, o
27
que se constitui, para Fonseca (1997), como o conjunto, ou seja, da relação entre o meio
geográfico, natural, e os grupos humanos.
Aqui cabe ressaltar que, ao definirmos o centro histórico como objeto de estudo, não
estamos delimitando os espaços não históricos da cidade, pois entendemos que toda a cidade é
histórica por si só. Corroboramos com a ideia de que qualquer tentativa de se criar um recorte
e denominá-lo de centro histórico é arbitrária, pois implica em uma escolha com critérios
vigentes em um determinado momento da história. O juízo para delimitar a área de estudo é a
de definir o espaço geográfico que está sob jurisdição dos órgãos de patrimônio, considerado
por estes como o que concentra edifícios relevantes culturalmente na cidade.
Por fim, contemplados os conceitos de espaço geográfico, cidade e centro histórico,
ressaltando o papel premente da sociedade em seu engendramento, mostra-se mais que
oportuno discutir o conceito de lugar, conceito este que expressa de maneira clara e objetiva a
posição adotada para se interpretar o empírico nesta pesquisa. Para Carlos (1996), é no lugar
que se desenvolve a vida em todas as suas dimensões, a prática do cotidiano, o espaço vivido
e a dialética da “ordem distante” e a “ordem próxima” de Lefebvre (1991).
É o conceito do lugar que permite analisar o espaço como resultante de uma história
particular que se realiza, segundo Carlos (1996), em função da cultura/tradição/língua/hábitos
que lhes são próprios. Na cidade produz-se e reproduz-se o plano da vida e do indivíduo, e a
relação que este mantém com os espaços habitados se exprime diariamente como se usa,
sente, pensa, apropria e vive o lugar através do corpo.
Para Carlos (1996), o lugar é a porção do espaço apropriado para a vida através dos
passos de seus moradores pelas ruas e praças e, nesse sentido, ressalta a autora, não seria
nunca na metrópole que essa relação se daria, mas sim nas pequenas vilas ou cidades
vividas/conhecidas/reconhecidas em todos os cantos.
Sendo assim, podemos concluir que a produção do espaço se dá no plano do cotidiano
e aparece nas formas de apropriação de um determinado lugar, num momento específico,
revelando-se pelo uso como produto da divisão social e técnica do trabalho que produz uma
morfologia espacial fragmentada e hierarquizada (CARLOS, 1996).
O lugar nos traz ainda questões como identidade, é no lugar que se guarda o
significado e as dimensões do movimento da história, passível de ser apreendida pela
memória decorrente da acumulação dos tempos, marcados, remarcados e nomeados. Natureza
transformada pela pratica social, acumulando cultura que se insere em um espaço e tempo
(CARLOS, 1996).
28
Porém, ao discorrer sobre o lugar, não podemos ignorar a relação deste com o
mundial. Carlos (1996) salienta que o lugar se produz na articulação contraditória entre o
mundial que se anuncia e as especificidades do lugar, então este se apresenta como o ponto de
articulação entre a mundialidade em constituição e o local enquanto especificidade concreta.
É nessa articulação que a ordem próxima não deveria se anular com a enunciação do mundial,
pois, nesse caso, o lugar abre perspectiva para pensar o viver e o habitar, o uso e o consumo, a
apropriação do espaço.
Sendo assim, entendendo o espaço vivido de São Luiz do Paraitinga enquanto lugar
com o qual a população local, a ordem próxima, estabelece identidade e, ao mesmo tempo,
este é reconhecido como centro histórico pelos órgãos de preservação, a ordem distante,
podemos concluir que a identidade se estabelece com os bens reconhecidos pelo Estado como
patrimônio cultural. Nesse sentido, mostra-se necessário discorrer a respeito dos conceitos
referentes a esta temática.
Para Choay (2000), o patrimônio tem sua origem ligada às estruturas familiares,
econômicas e jurídicas de uma sociedade estável, enraizada no espaço e no tempo,
requalificada por diversos adjetivos como genético, natural ou histórico que fizeram dele um
conceito "nômade". Essa autora entende o patrimônio histórico como expressão de um bem
destinado ao usufruto de uma comunidade, constituído pela acumulação contínua de uma
diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum.
A Constituição Federal do Brasil de 1988 define o patrimônio cultural brasileiro nos
seguintes termos:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referencias à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico;
(Brasil, 1988: art. 216)
Portanto, o conceito de patrimônio cultural na atualidade corresponde ao conjunto de
bens culturais de valor reconhecido por um determinado grupo. Os bens culturais são todos os
artefatos, construções, obras de arte produzida artesanal ou industrialmente pela humanidade,
29
ou que mesmo não sendo produzida por esta, estejam ligados às práticas sociais e à memória
coletiva como a natureza.
Figura 1: Divisão Geral do Patrimônio Cultural. Adaptação: Danilo Pereira (2012)
O patrimônio pode ser classificado como um bem tangível, bem intangível ou bem
natural, o primeiro correspondendo ao patrimônio material, podendo ser móveis, como
objetos arqueológicos, artes plásticas, artesanato, mobiliário, ferramentas e documentos, ou
imóveis, como arquitetura civil, militar, religiosa ou funerária, sítios históricos. Já os bens
intangíveis correspondem ao patrimônio imaterial, mesmo estes também tendo uma
sustentação material, tem seu valor reconhecido pela tradição, como o conhecimento técnico,
o saber fazer envolvido nas comidas típicas, danças populares, costumes, mitos, lendas, entre
outros. Para muitos pode soar estranho a inclusão do termo “natureza” à categoria de
patrimônio cultural, porém, o patrimônio natural surge de uma derivação do patrimônio
cultural e, para Scifoni (2006), o patrimônio natural esta ligado às práticas sociais e a
memória coletiva, um patrimônio que faz parte da vida humana e não se opõe a ela,
legitimando-se a partir da discussão de valor afetivo e social determinado pelos grupos e não
no discurso técnico advindo da ciência ecológica. Nessa categoria se incluem os parques,
praças e sítios arqueológicos.
Em São Luiz do Paraitinga, o patrimônio cultural preservado abrange todas essas
categorias, ou seja, tanto os bens tangíveis móveis e imóveis, quanto os bens intangíveis e
30
naturais. Apesar de toda essa riqueza, o presente trabalho pretende debruçar-se sobre a
questão do patrimônio ambiental urbano.
Adotaremos o conceito de patrimônio ambiental urbano de Ulpiano Bezerra de
Meneses (1979), que o entende como “um sistema de objetos socialmente apropriados,
percebidos como capazes de alimentar representações do ambiente urbano”. Portanto, são
materialidades, socialmente produzidas, que não possuem significação por si, mas na medida
em que se integram a certa formação espacial e se baseiam em representações urbanas. Para
esse autor o significado de patrimônio cultural não se resume a apenas uma listagem de
objetos eleitos por técnicos, mas se define como contexto social.
Em São Luiz do Paraitinga esta noção se refere aos bens culturais tangíveis e imóveis
tombados nesse centro histórico, que são as edificações, o traçado urbano, o rio e as
montanhas da sua área envoltória. Entretanto, reconhecemos ser impossível fazer essa análise
sem, em alguns momentos, resgatar questões da cultura caipira, visto que consideramos esse
espaço geográfico também como espaço vivido (LEFEBVRE, 1974), e essa cultura caipira é a
responsável pela constituição desse patrimônio.
Podemos considerar que a análise do patrimônio cultural torna se muito mais
complexa quando tratamos de um conjunto urbano em comparação à um bem isolado.
Conforme Meneses (1996), é bom ter presente que a cidade deve ser entendida segundo três
dimensões solidariamente imbricadas, cada uma dependendo profundamente das demais, em
relação simbiótica: a cidade é artefato, é campo de forças e é imagem. Enquanto artefato, a
cidade é “coisa complexa”, produto da prática social e historicamente produzida. Os artefatos
são, invariavelmente, produto e vetor de “campo de forças nas suas configurações dominantes
e nas práticas que ela pressupõe”. Assim, podemos considerar que os “artefatos”
correspondem, através das “imagens”, aos elementos característicos da época da sua criação,
porém, o autor salienta que a “imagem” não pode ser tomada como uma “mera carcaça”, mas
como produto social de uma época.
As imagens presentes hoje no conjunto histórico tombado em São Luiz do Paraitinga
foram sendo construídas ao longo do tempo e incidem diretamente sobre a identidade cultural
e espacial do lugar, constituindo-se como um suporte de memória:
“A memória é seletiva e também pode ser induzida e forjada. O culto ao passado
social formalizado é instituído como modelo de valores que representam o oposto da história, pois tentam abolir ou exorcizar o tempo, que tudo muda. As tradições não
se constituem por obra da natureza, mas por ação humana, e como tais podem ser
manipuladas.” (MENESES, 1984: 20)
31
Todas as ações humanas ocorrem no espaço geográfico, historicamente determinado
pela produção social, onde cada transformação ocorrida ao longo do tempo implica em
concepções diferenciadas, vividas de maneiras diversas. Nesse sentido, o patrimônio
ambiental urbano é apenas parte desse espaço geográfico, podendo ser considerado como a
expressão concreta de cada momento histórico do desenvolvimento de uma sociedade. A
materialidade de um tempo que passa por constantes reelaborações até a atualidade, não
podendo ser aprisionada em uma cápsula atemporal, ela é o resultado da dinâmica entre
espaço, história, sociedade e modo de produção.
Para Meneses (1979), o patrimônio ambiental urbano é um produto da cultura que
somente pode ser entendido no seu contexto de produção, isto é, na medida em que são
produtos de cultura, que vem a ser aqueles procedimentos por intermédio dos quais o homem
organiza a sua prática social, nisso incluída a manipulação de uma linguagem simbólica.
Consideramos aqui o patrimônio ambiental urbano como parte integrante do espaço
geográfico, é o passado em constante transformação no presente, constituído pelo espaço
concebido, além da dimensão social que a compõe, o espaço vivido.
A discussão de patrimônio leva hoje à discussão de valor e, nesse sentido, Meneses
(1999) aborda o valor cultural segundo quatro variantes: valor cognitivo, como o associado ao
conhecimento; o valor formal, que permite a construção do universo do sentido; o valor
afetivo, que corresponde as suas cargas simbólicas; e, por fim, o seu valor pragmático, que
corresponde ao seu valor de uso.
As discussões acerca do valor de uso nos levam também às questões de valor de troca
discutidas por Karl Marx, David Harvey e Henri Lefebvre. Pra Marx (2008), o valor de uso
serve diretamente a sobrevivência, visto que este se corresponde ao processo de consumo do
mesmo. Para ele, a criação do valor de troca reside no processo social de aplicação de
trabalho socialmente necessário aos objetos da natureza para criar mercadorias apropriadas
para o consumo do homem.
Para Harvey (1980), essa relação dialética entre o valor de uso e o valor de troca
redefine constantemente a dinâmica da utilização do solo, sendo este, portanto, fundamental
para se entender a construção de novas abordagens espaciais e econômicas acerca desta
problemática. Nesse sentido, Lefebvre (1991) utiliza a expressão valor de uso e valor de troca
para abordar a questão do uso do solo no urbano. Para esse autor, “cidade e realidade urbana
dependem do valor de uso”. A cidade, como produto desse processo, torna-se mercadoria. O
uso do solo urbano não se dará sem conflitos, na medida em que os interesses do capital e da
sociedade são contraditórios.
32
Sendo assim, o patrimônio é o resultado das ações que foram realizadas no passado e
que estão marcadas nas formas espaciais do presente, estudar o patrimônio é entender o hoje,
é refletir sobre o uso, a apropriação social desse espaço geográfico.
O patrimônio ambiental urbano somente terá seu conteúdo revelado a partir das suas
funções sociais atribuídas pelo desenvolvimento do processo histórico, dos modos de
produção e pela sua representação simbólica. Dessa maneira, para entender o que constitui o
patrimônio ambiental urbano de São Luiz do Paraitinga em todas as suas dimensões,
recorremos à análise do processo de produção do espaço geográfico, à dupla conceitual de
Lefebvre (1971), o concebido e o vivido, para analisarmos como ocorreu a estruturação
espacial luizense, averiguando os fatores e as normativas que conferiram mudanças ou
reforçaram as especificidades desse espaço, que hoje se sobressai como espaço vivido, espaço
da vida, de ver e ser visto.
33
2. O URBANISMO PORTUGUÊS COMO PATRIMÔNIO
CULTURAL BRASILEIRO
Des
enh
o a
bic
o d
e p
ena
de
To
m M
aia
(19
76
)
34
É possível visualizar na cartografia atual de várias cidades brasileiras, de Norte a
Sul, a quadrícula caracterizando a área antiga, central, expressão do plano prévio
com que foram implantadas no século XVIII, seja, por exemplo, em Itapetininga,
Atibaia e Piracicaba, em São Paulo, seja em Mazagão – AP ou Bragança – PA. Mas
é raro, no país, que o plano “iluminista”, “racional”, setecentista, seja dominante no
conjunto urbano atual, como em São Luiz do Paraitinga. Nesse sentido, São Luiz do
Paraitinga é um legado único, em termos de processo de povoamento “pombalino”
como um todo. (IPHAN, 2011: 34)
Este capítulo tem como objetivo discutir as relações entre o espaço concebido e o
vivido (Lefebvre, 1974), ou seja, as normativas impostas a São Luiz do Paraitinga e as formas
de apropriação dessas pela população local, levando-se em conta a ordem distante e a ordem
próxima (Lefebvre, 1991) na organização do espaço geográfico dessa cidade, ou seja, o papel
do Estado na concepção desse espaço e como a população de apropria deste como lugar
(Carlos, 1996) da vida.
Cidade iluminista ou urbanismo ilustrado são maneiras de se referir aos núcleos
urbanos fundados em todo o Brasil e em Portugal durante o governo do Marques de Pombal,
núcleos submetidos a um plano previamente desenhado. Nesse sentido, uma fundação só pode
ser vinculada ao urbanismo ilustrado se estiver situada no contexto do urbanismo pombalino,
assim como ao tradicional urbanismo português. O conceito de “cidade iluminista” é utilizado
desde 1982 pelo historiador português José Eduardo Horta Correia em relação à Vila Real de
Santo Antônio, planejada e construída por ordem do Marques de Pombal, contemporânea à
São Luiz do Paraitinga (IPHAN, 2010).
Desde a Grécia que a ideia física de cidade comporta dois aspectos de que, até hoje,
somos herdeiros: cidade como o lugar da ordem social e política, é o espaço vivido, além de
se constituir como lugar da representação e do exercício do poder. Já o outro aspecto se
reporta a cidade como polo hierárquico da organização do território, centro a partir de onde se
estabelece o controle do território.
As cidades de origem portuguesa têm características morfológicas específicas, para
Teixeira (1999), essas características a diferenciam das cidades de outras culturas. Dentre
esses aspectos, destaca-se o seu desenvolvimento através de sucessivos processos de
adaptação e de síntese, ressaltando a escolha da localidade, das formas, das lógicas de
localização dos principais edifícios, no traçado das vias estruturantes, na localização das
praças e o seu papel na organização do espaço urbano.
Portugal, ao entrar no Século das Luzes, se beneficia de uma vasta tradição
urbanística, o que ficou explícito durante a profunda reforma urbana da cidade de Lisboa,
após o terremoto de 1755, que previa a articulação entre duas praças remanescentes e a praça
35
que passaria a abrigar o Paço e o Rossio, além de atribuir à arquitetura uma função de
normatização urbana (CORREIA, 1985).
A arquitetura e o urbanismo pombalino foram marcados por valores como a
uniformidade, a ordem, a sobriedade e padronização, totalmente inserida numa conjuntura
ideológica filiada ao iluminismo reformador, que procurava o fortalecimento do poder do rei
através da intervenção em vários setores da vida, entre eles da vida urbana (CORREIA, 1985).
Vila Real de Santo Antonio é um expoente representante de espaço concebido pelo
urbanismo ilustrado em Portugal. A vila surge às margens do Rio Guadiana, que marca a
fronteira com a Espanha. Correia (1985) salienta que esta foi fundada sobre um rígido plano
geométrico que utiliza os mesmos parâmetros formais na totalidade da vila, onde os
conhecimentos gerados na experiência de Lisboa são aplicados de forma racional, com o
objetivo de reafirmar o poder do Estado português face ao Estado espanhol. Por isso, este se
constitui um exemplo de cidade perfeita do Iluminismo, pois a sua construção é fundamentada
pela necessidade de reafirmação do poder real que se pretende “iluminista” e “perfeito”.
Nesse contexto, no que se refere ao Brasil, tivemos a fundação de núcleos organizados
que passavam a consolidar a presença do Estado e o povoamento de regiões no norte e o
nordeste, em particular no Grão-Pará e no Maranhão entre 1751 e 1759, quando os
administradores coloniais passam a governar sob um prisma da razão política, impondo sua
autoridade em nome de um “bem-estar da sociedade” a ser alcançado pela instrução e
civilização (IPHAN, 2010).
Os responsáveis pela administração das vastas províncias da América portuguesa,
onde se instalavam grandes tensões com a Espanha relativas ao estabelecimento das
fronteiras, fez com que, no sul do Brasil, se elegesse São Paulo como a única capitania com
capacidade efetiva de apoiar as ações da Coroa portuguesa. Nesse sentido, o Governador e
Capitão-General da Capitania de São Paulo, D. Luís Antônio Mourão, o Morgado de Mateus,
passa a criar novos núcleos de povoação para consolidar e incrementar a trama de caminhos
que garantia a circulação mercantil e de tropas militares, além de possibilitar a ocupação do
território.
36
Em São Paulo, diferentemente do ocorrido em outras partes do Brasil, as fundações
surgiram articuladas a um plano territorial cujas orientações possuíam um claro víeis
fisiocrático, visando o controle da população e o domínio do território (IPHAN, 2010).
São Luiz do Paraitinga, criado nesse contexto histórico, acabou florescendo. A ligação
da região entre São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e o litoral, concentrado no porto de
Paraty o principal destino nas manufaturas, portanto sob jurisdição do Rio de Janeiro, foi aos
poucos derivando para o porto de Ubatuba, tornando a passagem por São Luiz praticamente
obrigatória.
A construção de núcleos urbanos “regulares” resulta de uma estratégia política e
territorial de afirmação do poder do Estado, ou seja, uma imposição da ordem distante sobre a
ordem próxima (Lefebvre, 1991). O local escolhido, uma várzea do Rio Paraitinga entre os
morros da Serra do Mar (Anexo I), reunia as condições ideais para a fundação do
povoamento, porém, com o crescimento desse aglomerado, a várzea se torna pequena e o
Figura 2: Plantas prévias: 1 - Bragança no Pará (1753); 2 - Porto Covo em Portugal (1794); 3 - São Luiz do Paraitinga em São Paulo (1759). Fonte: IPHAN (2010), organizado por Danilo Pereira.
37
traçado urbano regular é obrigado a se adaptar ao relevo acidentado do entorno da várzea do
rio.
Os elementos estruturantes da malha urbana de São Luiz do Paraitinga tiveram o Rio
Paraitinga como principal eixo de organização e remontam da fundação do núcleo, 1773.
Estes compõem um plano traçado em forma de tabuleiro, com regularidade geométrica,
porém, é importante ressaltar que essa concepção de espaço não se restringiu apenas aos
planos, mas também aos imóveis, que deveriam seguir os princípios da uniformidade e
regularidade para se obter a harmonia do conjunto. Como ressalta o IPHAN (2010), se
buscava a “formosura” da vila.
Nessa conjuntura de normatização urbana, destaca-se a Praça da Matriz como grande
eixo viário principal, um retângulo que se estende desde as margens do rio até o sopé do
morro, dando origem a outras quadras paralelas a ela (Figura 3). É importante ressaltar que
essas quadras foram demarcadas com mourões mesmo antes de sua ocupação, o que reforça o
caráter planejado do presente núcleo urbano.
Nesse traçado geométrico e antigo restam numerosos exemplares da arquitetura
tradicional, construídos em taipa de pilão e pau a pique2. Dentre estes, se destacam dois
2 Talvez nesse momento seja relevante descrever sucintamente as duas principais técnicas que dominaram as construções
paulistas até o século XIX, a taipa de pilão e o pau a pique. A primeira constituía em socar terra com pilão de madeira em
grandes formas retangulares chamadas taipais, e, após a secagem da primeira camada se sobrepunha a ela a mesma forma
para a execução da próxima camada colada a primeira e assim sucessivamente até se completar a parede. Essa técnica
construtiva, uma marca registrada dos paulistas, também pode ser verificada em outras localidades como em Minas Gerais,
Goiás, Mato Grosso e Paraná, e isso se deve a dispersão decorrente do bandeirismo e do tropeirismo. Já o pau a pique se
constitui em um entrecruzamento de paus amarrados ou presos a uma estrutura mais firme que servia de alicerce, e este era
preenchido com barro que, posteriormente era alisado com a mão. Essa técnica, mais frágil em comparação a taipa de pilão,
foi a mais usada nas construções populares.
Figura 3: Imagem área do centro histórico de São Luiz do Paraitinga, em 2009. Fonte: PMSLP.
38
conjuntos pela homogeneidade arquitetônica e por serem os principais remanescentes dos
princípios da regularidade, simetria e uniformidade que se impuseram pela ordem distante
desde a fundação desse núcleo. O primeiro é a Rua do Carvalho, com suas pequenas casas de
“meia” e “morada inteira” destinadas à população mais pobre. É importante ressaltar que esse
conjunto de casas se alinha a lateral da Igreja do Rosário dos Homens Pretos (Figura 4), santa
cultuada pelos escravos. O segundo é a Praça da Matriz (Praça Dr. Oswaldo Cruz), com suas
construções em sobrados, com fachadas corridas, onde se instalou a elite local (Figuras 5 e 6).
Datadas de 1830 e 1840, as pequenas moradias da Rua do Carvalho são notáveis pela
sua extensão, homogeneidade e antiguidade. É o mais extenso conjunto de casas térreas de
feição tradicional existentes no estado de São Paulo (IPHAN, 2010).
Assim como na praça central, houve nessa rua a preocupação em se manter as
cumeeiras no mesmo nível, buscando regularidade e simetria, com fachadas térreas corridas,
predominando ora as moradias de um lanço, de porta e janela, ora as de dois lanços, com três
vãos na fachada, porta e duas janelas (IPHAN, 2010).
Mesmo com o intuito de privar essa população mais pobre de residir na área mais
valorizada da cidade (a praça), não foi possível privá-la de vivenciar esse espaço, devido às
dimensões desse núcleo urbano, Sendo assim, a Praça da Matriz, desde a época de sua
fundação, até os dias de hoje, se constitui com um espaço da vida por excelência.
Figura 4: Igreja do Rosário dos Homens Pretos e a Rua do Carvalho, em 2009. Fonte: PMSLP.
39
Figura 5: Praça Dr. Oswaldo Cruz, em 2009. Fonte: PMSLP.
Figura 6: Praça Dr. Oswaldo Cruz, em 2009: Fonte: PMSLP.
40
Quanto a essa praça em São Luiz do Paraitinga, vale destacar que as cidades
tradicionais de origem portuguesa apresentam grande diversidade de espaços públicos abertos
que podem ser designados como praças. Estas podem ter diferentes funções e origem,
distintas localidades na malha urbana, estarem associadas a diferentes edifícios com
dimensões diversas, sua forma pode ser regular ou irregular. Seja qual for a sua origem, as
praças desempenham sempre um papel importante na estruturação da cidade.
A partir do século XV as praças passam a desempenhar um papel fundamental, estas
ganharam destaque na estrutura funcional da cidade. As praças se tornaram os locais mais
nobres desses núcleos, passando a se localizar ali as funções e as edificações mais
importantes, sendo o espaço para o exercício da vida urbana, lugar de ver e ser visto, o espaço
do vivido. A praça vai tornando-se cada vez mais regular, mais inserida na lógica formal dos
planos geométricos, e vai assumir um papel cada vez mais importante na estruturação da
cidade, atingindo seu apogeu no Iluminismo setecentista, quando essa passa a assumir a
função de geradora da malha urbana.
Segundo Teixeira (2006), ao longo da história urbana brasileira, a praça vai adquirindo
uma importância cada vez maior e isso se dá pela crescente busca pela regularização dos
traçados, expressão da proeminência da racionalidade da cultura urbana europeia e brasileira.
Em São Luiz do Paraitinga a praça exerce um papel importante na estruturação do
espaço urbano devido a sua importância funcional e simbólica. É o lugar de encontro, da
troca, de convivência e da sociabilidade da comunidade, condensando ali funções políticas,
econômicas e sociais, funções essas que historicamente desempenhou e que conduziu a
estruturação da cidade, o lugar por excelência onde o espaço concebido foi apropriado como
espaço vivido.
Teixeira (2006) salienta que, em muitos casos, a exploração das relações entre o
traçado urbano e a arquitetura deu origem a abertura de praças associadas a edificações
singulares, como é o caso em São Luiz do Paraitinga. Para o IPHAN (2010), em nenhuma das
praças das antigas cidades paulistas restou um conjunto tão significativo de sobrados,
ressaltando a homogeneidade e a importância desse conjunto geminado composto por
sobrados em arquitetura neoclássica que nos reportam a um período entre 1858 e 1870.
No século XVIII, praças como essa, quadradas ou retangulares, centradas na malha
urbanas e tendo um claro papel de elemento gerador do traçado tornam-se o modelo
dominante, sendo pensadas como o centro da cidade, em termos simbólicos, funcionais e
formais.
41
42
Nesta praça, deveriam estar localizados o pelourinho, a Igreja e a Casa de Câmara e
Cadeia. Todas as casas deveriam ter suas fachadas construídas de acordo com a mesma
tipologia, associando à praça o caráter de “formosura” (TEIXEIRA, 2006). Sendo assim, a
Praça da Matriz em São Luiz mostra-se como um verdadeiro remanescente da tradição
setecentista de organização desse elemento urbano, visto que todos os elementos citados pelo
autor são observáveis nessa localidade.
Nesse sentido, o traçado urbano regular e seu elemento gerador, as praças,
constituem-se um patrimônio fundamental das cidades, sendo que em São Luiz do Paraitinga
essa relação ocorre de maneira clara e segura, o que pode ser comprovado pela função
articuladora que desempenha em relação ao traçado urbano como um todo. As suas dimensões
em relação ao núcleo urbano bicentenário, além da magnitude das edificações que a
emolduram, com destaque para a Igreja Matriz de São Luís de Tolosa, ruída na inundação de
2010, ressaltam a importância da normatização, por parte do Estado, a ordem distante, que
concebeu esse espaço, a tipologia arquitetônica e volumétrica das edificações, inclusive na
dimensão dos vãos, regras estas que remontam a um período anterior ao da fundação desse
povoamento.
2.1. SÃO LUIZ DO PARAITINGA, UM PATRIMÔNIO DO CAFÉ?
Ainda no campo dos espaços concebido e vivido, porém, não mais relacionado à
ordem distante que se impõem à ordem próxima, temos a construção de São Luiz do
Paraitinga como cidade do café. Esse espaço teve na própria ordem próxima a sua concepção
como patrimônio do café e esse discurso foi apropriado pela ordem distante, fortalecendo a
premência do lugar como sustentáculo de identidade.
No decorrer do século XIX a região do Vale do Paraíba começou a sofrer profundas
transformações, onde antes dominava o cultivo do açúcar passou, cada vez mais, a ter no
cultivo do café a sua sustentação econômica.
Porém, mesmo São Luiz do Paraitinga fazendo parte desse contexto por estar
localizada as margens do principal corredor de produção cafeeira do país à época, como nunca
apresentou uma produção de açúcar relevante, não passou por esse processo de substituição
de cultivo.
Mesmo assim, é decorrente a associação entre São Luiz do Paraitinga e o ciclo do café,
no sentido de associar o patrimônio cultural remanescente nos dias de hoje como fruto desse
período econômico, a população local exalta a suposta riqueza do município proporcionada
43
pelo café. Não queremos aqui tirar a importância desse período para a produção desse espaço
urbano, visto que é desse período a construção dos principais edifícios de maior importância
artística, como a grande Igreja Matriz e os sobrados neoclássicos que emolduram a praça
principal da cidade. Porém, não se pode esquecer que a cidade foi fundada em decorrência da
atividade tropeira e é essa a atividade que, mesmo no período áureo do café no Vale do
Paraíba, proporcionou que São Luiz do Paraitinga vivesse seu período de maior prosperidade.
Segundo o IPHAN (2010), mesmo nesse período de maior riqueza da região, o
município era sustentado principalmente pelo tripé milho/feijão/café. Documentos da época
informavam que a riqueza da localidade se dava principalmente pela lavoura comercial de
culturas tidas como tradicionais, marca da expressão da cultural caipira que confere a São
Luiz do Paraitinga um legado cultural singular no território paulista, abrangendo os saberes e
fazeres, as manifestações religiosas e profanas, as músicas e as danças.
Prova desse fato é a ocorrência, ainda hoje na cidade, de festas como a do Divino, o
momento em que o lavrador agradece a Deus as boas colheitas, as Festas Juninas em
comemoração a Santo Antônio, São João e São Pedro, a Festa dos Santos Reis que comemora
a visita dos Reis Magos ao Menino Jesus, dentre outras. Durante essas festas são realizadas
danças como a Dança de Fitas e a Catira, além da realização dos folguedos, onde se destacam
a Cavalhada, a Congada, o Jongo e o Moçambique. Todas essas manifestações, segundo
Pellegrine Filho (2008), têm origens remotas, são formas vivas e dinâmicas que se apresentam
e se renovam em suas funções, formas e significados, são eventos que marcam as
comunidades de seus praticantes, são instrumentos valiosos de salvaguardar a memória desses
grupos. Sem falar de um dos principais sustentáculos de identidade coletiva, as ligadas ao
paladar, pois em poucos lugares em São Paulo é possível saborear um afogado, um arroz com
pato ou suã de porco, um bolinho de farinha, uma canjiquinha com entrecosto, um pastel de
angu ou uma paçoca de carne-seca, sendo que todas essas comidas típicas podem ser
saboreadas em um dos edifícios mais simbólicos da cidade, o Mercado Municipal. É a
presença dessas manifestações culturais que confere ao patrimônio ambiental urbano de São
Luiz do Paraitinga uma genuína alma caipira, a relação entre o patrimônio material e o
imaterial, e, segundo Francisco (2008), isso de dá não apenas pela sobrevivência dos bairros
rurais e sua interação com a cidade, mas é o resultado da permanência de uma cultura citadina
eminentemente caipira.
A associação de São Luiz do Paraitinga como cidade do café no imaginário das
pessoas encontra suporte também no título de “Cidade Imperial”, concedido por D. Pedro II
em 1873, quando a cidade alcança o momento auge de sua importância econômica e política.
44
Porém, os dados históricos não corroboram com essa preponderância das elites locais no
cenário regional. Para Santos (2008), em um momento de alijamento de municípios pequenos
como São Luiz do Paraitinga do atual processo da economia globalizada, torna-se importante
para essas populações poderem associar a sua história com a de localidades que, pelo menos
em um determinado momento histórico, exerceram certa importância e protagonismo,
permitindo a esses cidadãos fazer parte do que o autor chama de uma “história de sucesso”.
Sendo assim, a ordem próxima concebe um espaço fictício e passa a vivê-lo no seu
imaginário.
São Luiz vai se aproveitar desse período de expansão da cafeicultura no Vale do
Paraíba, porém, desempenhando a função que lhe deu origem, a de entreposto comercial, visto
que toda produção de café do Vale do Paraíba e do sul de Minas tinham que passar por São
Luiz do Paraitinga nos lombos dos burros para acessar o porto de Ubatuba.
Para corroborar com esse fato, temos o Gráfico 1 que mostra a produção cafeeira dos
principais municípios do Vale do Paraíba, salientando que, no que se refere a São Luiz do
Paraitinga, há imprecisão quanto à totalidade da produção. Nesse sentido, fica claro a
modéstia da produção cafeeira em território luizense se comparada à produção de seus
vizinhos.
Gráfico 1: Produção cafeeira nos municípios do Vale do Paraíba. Fonte: SANTOS, 2008. * em 1836 houve um levantamento parcial da produção luizense, sendo assim, para efeito de
comparação utilizamos os dados de 1852 para esse município.
Santos (2008) reforça a importância de São Luiz do Paraitinga como entreposto
comercial, qualificando a rota que passava por esse município como sendo a segunda mais
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
Produção cafeeira em 1836 (arrobas)
45
movimentada à época, com um fluxo de aproximadamente 78 mil animais transportando
centenas de milhões de arrobas de café3.
Nesse sentido, é importante salientar que em São Luiz do Paraitinga a riqueza gerada
pelo café não se concentrou de maneira tão intensa, como ocorreu em outros municípios da
região, não apenas nas mãos dos “barões do café”, mesmo que esses possuam no imaginário
da população local grande importância, mas também nas mãos dos comerciantes e dos
pequenos produtores de gêneros alimentícios que abasteciam a região e os tropeiros que
passavam pelo município.
Assim, não se pode diminuir a importância do café como responsável pela produção
do espaço urbano tradicional de São Luiz do Paraitinga, mas isso se deu de maneira indireta,
foi a sua vocação de entreposto comercial, hora de tropas que transportavam ouro, hora de
tropas que transportavam café, e de abastecimento de gêneros alimentícios que estimulou a
fundação e expansão desse núcleo.
3 SCHMIDT, Carlos. A vida rural no Brasil – A área de Paraitinga, uma amostra representativa. Pág. 34-35.
46
3. SÃO LUIZ DO PARAITINGA: UM ESPAÇO CONCEBIDO/APROPRIADO COMO LUGAR DA VIDA
Des
enh
o a
bic
o d
e p
ena
de
To
m M
aia
(19
76
)
47
O lugar é produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido por
relações sociais que se realizam no plano do vivido o que garante a construção de
uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura
civilizadora produzindo a identidade, posto que é aí que o homem se reconhece
porque é o lugar da vida. (Carlos, 1996: 22)
Temos o intuito aqui de entender como se deu a produção do espaço da cidade de São
Luiz do Paraitinga, desde a sua fundação como parte de uma política de ocupação da capitania
de São Paulo até os dias atuais, enfocando os ciclos econômicos que acarretaram a expansão
dessa malha urbana, com destaque para a inundação de 2010 que impôs grandes alterações na
dinâmica da cidade.
Entre São Paulo e Rio de Janeiro, nos municípios de Taubaté e Guaratinguetá, tivemos
um dos principais focos de atividades bandeiristas em direção ao estado de Minas Gerais, o
que culminou com a descoberta de ouro nesse último. Esses municípios passam então a
desempenhar um papel importante de entroncamento de caminhos de tropas para o
escoamento dessas riquezas em direção ao porto marítimo de ligação imediata, o porto de
Ubatuba. Essas cidades estavam separadas por um “mar de morros”4 que ocupava todo o
planalto, desde a Serra da Bocaina até a Serra de Guararema.
Nesse sentido, Saia (1977) salienta que esse planalto entre Taubaté e Ubatuba passa
então a ser cortado por diversas trilhas pelo crescente fluxo de tropas, criando uma demanda
nessa região por produtos de primeira necessidade no período da mineração, do final do
século XVII ao início do século XIX.
Para Silva (2008), o tropeirismo tem origem a partir de uma conjuntura social,
geográfica e política, o que o torna não apenas uma atividade econômica, mas sim
socioeconômica pelo viver específico que proporciona e pelo impacto sobre o território,
estimulando a fundação de arraiais e vilas. A forma do traçado urbano de São Luiz do
Paraitinga, situado em um dos meandros do Rio Paraitinga, decorre da época do
estabelecimento dessas rotas de escoamento do ouro explorado na capitania de Minas Gerais.
Sendo assim, a criação e desenvolvimento de São Luiz estão diretamente relacionados à sua
localização (Mapa 2).
4 Segundo Ab‟Saber.
48
49
3.1. Da várzea do Rio Paraitinga à Imperial Cidade
A fundação da vila foi estimulada em 1769 pelo Morgado de Mateus como parte de
uma ampla política de organização territorial e dinamização da economia implantada pelo
Marques de Pombal em 1765, com o fim de impor ao território um maior controle por parte
do governo português. Para Santos (2008), era fundamental para a crescente economia de um
país em formação a organização do espaço e das relações sociais, tendo em vista um maior
controle do Estado, e esse autor lembra ainda que São Luiz estava situada em uma região
estratégica no escoamento de grande parte da produção paulista rumo ao litoral nos séculos
XVIII e XIX.
Com o advento da atividade aurífera na região das Gerais, a necessidade de caminhos
mais organizados e seguros para o escoamento dessas riquezas se intensifica. Assim, a
fundação de novos núcleos urbanos ao longo desses caminhos cresce, pois estes permitiam,
por parte da coroa, um maior controle, além é claro de melhorar a qualidade do transporte.
Santos (2008) lembra ainda que, com a aproximação do fim do século XVIII, a região
do Vale do Paraíba passa a ser considerada a mais importante da capitania, por esta ter sido
um dos principais caminhos dos bandeirantes na exploração do território, por exercer função
fundamental para o escoamento do ouro, sobretudo sob o esquema de tropas, chegando ao
século XIX como a região mais povoada da capitania.
Nesse sentido, mesmo antes de sua fundação, São Luiz do Paraitinga tem como
principal vocação econômica servir de apoio para as tropas responsáveis pelo escoamento de
todo tipo de produção rumo ao litoral, em especial ao porto de Ubatuba.
Nessa época temos a elaboração de um plano urbanístico “ilustrado” para São Luiz do
Paraitinga, com a adaptação de um traçado urbano regular ao relevo acidentado da região,
além de normas que garantiam a simetria das fachadas e da volumetria dos edifícios, o que
garantem a esse patrimônio ambiental urbano características paradigmáticas do planejamento
urbanístico que pontuou a segunda metade do século XVIII no Brasil (IPHAN, 2010).
O patrimônio ambiental urbano de São Luiz do Paraitinga é considerado um exemplo
único, visto que das fundações planejadas por Morgado de Mateus, São Luiz preencheu e
consolidou o plano regular a que foi sujeito já na década de 1830, constituindo-se hoje como a
principal referência, nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, dessa política “ilustrada” da segunda
metade do século XVIII. Esse traçado, elaborado em 1769, é dominante até os dias de hoje na
configuração urbana em questão e, em nenhuma das numerosas fundações do período no
Brasil, o plano e o programa urbano-arquitetônico estão presentes como nessa cidade paulista.
50
O município teve seu primeiro período de expansão urbana (Mapa 3), segundo Saia &
Trindade (1977), entre 1770 e 1800, quando a economia local começou a ganhar consistência
devido à transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, fato que levou a uma
dinamização de toda a economia da região Sudeste, consolidando a tradição de policultura de
São Luiz, em especial as culturas do feijão, milho, fumo, café e da criação de suínos para o
abastecimento da região do médio Vale do Paraíba, além do sul da capitania de Minas Gerais
e da corte no Rio de Janeiro, configurando-se como um município voltado aos gêneros para o
mercado interno.
É deste período a configuração da malha urbana da praça central, a Igreja da Matriz, as
Capelas de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e das Mercês (Figuras 7, 8 e 9),
além das ruas Barão do Paraitinga e Cel. Domingues de Castro que faziam a ligação entre
esses templos católicos que se constituíram como marcos estruturais do plano urbanístico
ilustrado. É importante salientar que hoje apenas os locais marcam os assentamentos desses
edifícios primitivos, visto que a capela de Nossa Senhora do Rosário fora substituída, já na
primeira metade do século XX, por uma nova edificação de feições neogóticas e a Capela de
Nossa Senhora das Mercês, juntamente com a Igreja da Matriz, ruíram em decorrência da
grande inundação de 2010.
Figura 7: Igreja Matriz de São Luís de Tolosa, em 1884. Fonte: CONDEPHAAT.
51
Figura 8: Igreja do Rosário dos Homens Pretos, em 1906, ainda em feições coloniais. Fonte: IES
Figura 9: Capela das Mercês, em 1981. Fonte: IPHAN.
52
Entre 1800 e 1850 temos um segundo período de crescimento urbano da cidade (Mapa
3). Este se dá principalmente entre a capela de Nossa Senhora do Rosário e o Rio Paraitinga,
com a abertura da Rua do Carvalho e a construção de casas de “meia morada” pela população
mais pobre, assim como a abertura da rua Cel. Domingues de Castro e da estrada para
Ubatuba, no Morro da Vila, por detrás da Praça onde mais tarde foi edificada a casa em que
nasceria Dr. Oswaldo Cruz. Nesse período, a população total do município girava em torno
dos 10 mil habitantes, como mostra o Gráfico 2.
Apresentando um crescimento urbano lento, porém contínuo, em 1830 a trama urbana
de São Luiz do Paraitinga já se encontrava saturada, obrigando a abertura de novas ruas e a
concessão de novos lotes. O projeto de “cidade iluminista” se consolida por volta dessa
década (SAIA & TRINDADE, 1977). A documentação da época indica que tanto em relação
Gráfico 2: Evolução da população de São Luiz do Paraitinga. Fonte: PETRONE, 1959/ IBGE, 2005/ SEADE, 2005. Organizado por Danilo Pereira.
53
à praça central, como em relação aos alinhamentos das edificações, tem-se o empenho em
manter a uniformidade das fachadas e da volumetria, térrea ou assobradada, questões relativas
à “formosura”, simetria e regularidade, posto desde o início do povoamento na configuração
do cenário urbano local.
Em 1857, a então vila é elevada à categoria de Cidade Imperial de São Luiz do
Paraitinga, título concedido por D. Pedro II a alguns aglomerados urbanos importantes na
época como Ouro Preto, Recife e Salvador, o que ressalta a importância do município para a
época, colocado ao lado de localidades paulistas como São Paulo, Itu, e Taubaté. É este
período, 1850 a 1890, o de maior riqueza do município, quando temos a ocupação completa
dos terrenos na várzea do Rio Paraitinga até a atual Praça Teodoro Coelho (praça da Santa
Casa de Misericórdia), com a abertura da rua Cel. Manoel Bento e o prolongamento da rua
Cel. Domingues de Castro (Mapa 3). Em 1884 os lotes dessas novas ruas já estavam
densamente ocupados. É desse período também o início da ocupação em direção ao Morro do
Cruzeiro (Figura10).
Em 1872 a cidade já contava com 355 casas no perímetro urbano, em 1844 eram
apenas 180, sendo destas 36 sobrados (SAIA & TRINDADE, 1977). Num segundo momento,
a cidade passa por um grande adensamento e por obras que melhoraram a vida citadina como
calçamento e pavimentação de ruas, além de obras de contenção e drenagem, iluminação e
abastecimento de água, e em 1897 a obra da nova ponte de acesso à cidade diretamente na
Praça da Matriz.
A partir de 1890, a expansão urbana resultou na edificação de prédios públicos
deslocados para fora da área mais antiga, como a criação da Santa Casa em 1900 e do
Mercado Municipal em 1902, ambas ao longo da rua Cel. Manuel Bento.
No entanto, em 1877, é completada a ligação ferroviária entre as cidades de São Paulo
e Rio de Janeiro, o que modifica os fluxos de mercadoria produzidos do sul de Minas Gerais e
no médio Vale do Paraíba. Com essas mercadorias seguindo para o porto do Rio de Janeiro os
portos de Ubatuba e Paraty entram em declínio, e com ele a vocação de entreposto comercial
de São Luiz do Paraitinga, o que fortalece a cafeicultura que passa a seguir para a capital
através da estação ferroviária de Taubaté.
54
Elaboração: Danilo Pereira
55
Figura 10: Vista do centro histórico, em 1886 e em 2011. Fonte: IES e Danilo Pereira.
56
Esse crescimento da atividade cafeicultora conferiu maiores lucros aos poucos
fazendeiros do município, o que possibilitou a construção de novos edifícios, em especial de
alguns dos grandes sobrados que emolduram a praça central, expressão dessa elite ciosas da
sua situação financeira, social e política. Esses sobrados são um dos poucos remanescentes de
moradias urbanas erguidas nesse período em São Paulo. Para Marins (2008a), o processo de
urbanização em território paulista ocasionou a valorização excessiva das terras urbanas,
acarretando a demolição em massa das antigas moradias erguidas durante o Império.
Porém, como o clima da região não era muito propício para a cafeicultura, uma grande
geada em 1917 liquidou os pés de café do município e este entra em um forte período de
estagnação econômica. A partir de então, a população local, que chegou a quase 30 mil
habitantes em 1900, passa a declinar (Gráfico 2).
3.2. De Imperial Cidade a último reduto caipira paulista5
Sem atrair imigrantes após a abolição da escravatura, a população de São Luiz do
Paraitinga praticamente desapareceu, em 1940 eram pouco mais de 10 mil habitantes (Gráfico
2). Esse fato, associado a uma agricultura tradicional ainda muito forte, conferiu a esse
município certa “originalidade dentro do Estado” (PETRONE, 1959), o que justificou a sua
inclusão na área de cultura caipira de São Paulo.
A crise econômica, ocasionada pela mudança dos fluxos de mercadoria no Vale do
Paraíba, impossibilitou significativas intervenções no patrimônio ambiental urbano de São
Luiz do Paraitinga. Sendo assim, a cidade permaneceu “congelada” no tempo, sem ser
significativamente alterada. Porém, vale ressaltar que a falta de recursos impediu a alteração
no núcleo antigo, mas não a expansão urbana à revelia da lei no seu entorno, fortemente
influenciado pelo fluxo migratório campo-cidade decorrente dessa estagnação econômica no
campo. Contudo, ainda predomina na cidade a malha tradicional integrada à paisagem natural
(IPHAN, 2010).
Nessa época, partes significativas das áreas rurais do Vale do Paraíba são convertidas
em pastagem para a criação de gado voltado a atividade leiteira, o que não é diferente em São
Luiz do Paraitinga, que passa também a receber um forte contingente de migrantes do sul de
Minas Gerais, atraídos pelos baixos preços das terras nesse município.
5 LUZ, 2004.
57
A produção leiteira de São Luiz do Paraitinga foi estimulada pela instalação da
indústria de laticínios Vigor em 1953, nesse período a população do município volta a crescer
e atinge os 15 mil habitantes. Porém, a imposição econômica que passou a exigir cada vez
mais investimentos financeiros na modernização dessa atividade, incompatível à realidade dos
pequenos produtores, fez com que essa fase da pecuária leiteira passasse então a declinar nos
anos de 1980 e consequentemente os preços das terras passam por um processo de
desvalorização. Esse processo passou a estimular a expansão do plantio extensivo de eucalipto
por empresas de papel e celulose instaladas fora do município a partir daí.
Durante a década de 1980, com o declínio econômico do campo, tem-se a
intensificação do êxodo rural e o conjunto urbano tradicional torna-se pequeno, essa malha
urbana que contava com 1.395 habitantes em 1950 passou a contar com 6.145 habitantes em
2000. Tem-se então a ocupação quase que por completa do Morro do Cruzeiro (Figura 10) e,
devido às limitações físicas que oferece o sítio onde se desenvolveu a cidade, a ocupação, de
forma descontínua, dos vales entre os morros em relação à malha urbana de origem
bicentenária.
Em 1982, a cidade de São Luiz do Paraitinga foi reconhecida como Patrimônio
Cultural do Estado de São Paulo pelo CODEPHAAT, passando a ser considerado o maior
conjunto arquitetônico tombado no estado de São Paulo. São Luiz começou então a buscar na
atividade do turismo a revitalização de sua economia, valendo ressaltar que, após o
tombamento, a população do município volta a crescer, mesmo que de forma modesta.
Vale destacar que, na atualidade, o conjunto tradicional em questão mantém quase as
mesmas funções de outrora, são constituídas principalmente por moradias e por pequenas e
médias casas comerciais (Anexo II), o que lhe confere um grande diferencial em relação aos
outros centros históricos tombados como Paraty, onde a população local foi expulsa para dar
lugar às atividades comerciais voltadas ao turismo. Porém, inspirado em locais como Ouro
Preto, Olinda e Recife, São Luiz do Paraitinga passa a dar ênfase às suas manifestações
populares como o carnaval de rua e os festejos religiosos num cenário urbano tradicional
tombado, imerso numa paisagem natural pouco alterada (IPHAN, 2010) como atrativo.
3.3. São Luiz do Paraitinga, um patrimônio cultural brasileiro em risco
Palco do maior desastre em área protegida por seu valor cultural na história do Brasil,
São Luiz do Paraitinga tem seu centro histórico arrasado pela maior cheia já registrada do Rio
Paraitinga, no início de 2010. Segundo um relatório preliminar divulgado pelo
58
CONDEPHAAT, logo após o evento, dos 426 bens tombados, 65 foram seriamente
danificados e 16 totalmente arruinados (Mapa 4). Dentre os destruídos estão os principais
símbolos do município: a Igreja Matriz de São Luís de Tolosa, do século XIX; a singela
Capela de Nossa Senhora das Mercês, do início do século XVIII; o sobrado do “Grupo
Escolar”, do século XIX; e um sobrado datado de 1858, que fazia parte de um dos mais
importantes conjuntos de fachadas remanescentes do planejamento ilustrado.
Nesse momento de crise, o centro histórico de São Luiz do Paraitinga, que já se
encontrava em processo de estudo para a sua proteção federal desde 2007, é tombado em
caráter de emergência pelo IPHAN e obras de recuperação e salvamento são iniciados por
esse instituto. Cabe ressaltar que estudos acerca da relevância paisagística e urbana de São
Luiz do Paraitinga por esse órgão remontam aos anos de 1950, o que resultou no tombamento
federal da casa onde nasceu o sanitarista Dr. Oswaldo Cruz em 1956 e no próprio centro
histórico pelo CONDEPHAAT em 1982, este último levado ao conselho em conjunto com os
técnicos do IPHAN à época.
É importante lembrar que enchentes ocorrem periodicamente em São Luiz do
Paraitinga, visto que esse conjunto urbano localiza-se em uma área de várzea, documentação
antiga aponta outras duas grandes enchentes no município em 1864 e em 1882.
Segundo Pereira (2011), as perdas decorrentes dessa última inundação não podem ser
encaradas apenas como perdas materiais, mas também como perdas da memória de uma
comunidade, visto que, entre os bens arruinados estão os principais sustentáculos da
identidade luizense. A Igreja Matriz foi o palco dos acontecimentos mais marcantes na vida
daquelas pessoas, além de ser o principal local de reunião nas missas de domingo dessa
comunidade fortemente católica, é o local onde essas pessoas foram batizadas, onde se
casaram e batizaram seus filhos. Além disso, era onde se realizavam as cerimônias de entrega
dos diplomas de conclusão do ensino médio e fundamental, ou seja, os principais
acontecimentos da vida pessoal de cada luizense ocorreram dentro daquele edifício. Podemos
dizer então que o seu desabamento acarretou a perda do principal sustentáculo de memória
coletiva dessa comunidade. Se até o momento do desmoronamento da matriz a inundação
promovia perdas individuais, após a sua queda passamos a ter uma grande perda coletiva. E
esse fato torna-se ainda mais claro quando observamos como essa comunidade agiu quando as
águas começaram a baixar, em vez de irem socorrer seus pertences pessoais, passam a
recolher nos escombros das igrejas todos os objetos que para eles poderiam ser salvos, mesmo
antes da chegada dos técnicos especializados dos órgãos de patrimônio.
59
Além dessas perdas coletivas, temos que contar as perdas pessoais, de cada objeto,
fotografia ou documento que carregava a história de cada um, além da história de toda a sua
família, o que para Bosi (2003) são os objetos biográficos, que além de uma sensação estética
ou de utilidade, são responsáveis por dar um “assentimento posição” das pessoas no mundo, à
sua identidade. Ademais, os objetos que sempre estiveram presentes falam à alma em uma
língua natal, são objetos que envelhecem com o seu proprietário e se incorporam à sua vida,
representando uma experiência vivida, uma aventura efetiva do proprietário.
Para Marins (2008b), o patrimônio cultural torna-se relevante na medida em que é
interpretado como vetor da formação do indivíduo e das relações sociais, que dele se
apropriam, reelaborando-os a si próprios. O patrimônio ambiental urbano de São Luiz do
Paraitinga, indiscutivelmente, repercute sobre a formação dos indivíduos locais e das relações
sociais, ou seja, sobre o peculiar patrimônio imaterial dos luizenses, visto que, como já
discutimos anteriormente, esse lugar se configura como espaço vivido por excelência. Nesse
sentido, torna-se imprescindível para a salvaguarda desse patrimônio intangível a
recomposição desse patrimônio urbano brasileiro.
Figura 11: Desabamento da Igreja Matriz de São Luiz de Tolosa, em 2010. Fonte: Folha de São Paulo.
60
61
4. UMA GEOGRAFIA DESIGUAL DO PATRIMÔNIO
CULTURAL BRASILEIRO
Des
enh
o a
bic
o d
e p
ena
de
To
m M
aia
(19
76
)
62
O uso da palavra cultura para objetivar o patrimônio significa exatamente o que se
pretendia trabalhar a partir de um conceito específico sobre a qual se compusesse um
universo de bens, objetos e paisagens, selecionados por critérios culturais cujo
sentido não seria apenas testemunhar o passado ou servir de documento para essa ou
aquela disciplina, mas que atendesse o presente, não apenas por sua materialidade,
mas também pelo esclarecimento do universo de representações simbólicas implícito
nas relações entre os homens, da qual faz parte a memória. A ação preservacionista
deveria resultar do conhecimento científico e, por meio dele, contemplar os
múltiplos fios que tecem a diferenciação cultural própria das sociedades
contemporâneas. (RODRIGUES, 1999:135)
Questões referentes ao patrimônio cultural vêm articulando alguns saberes
acadêmicos, tateando entre a Arquitetura, o Urbanismo, a História e a Antropologia, estas já
consagradas. Porém, é importante salientar a importante contribuição que a Geografia pode
conferir a esse tema, sendo esta a ciência detentora de conceitos e metodologias que
propiciam a investigação do espaço geográfico, visto que as experiências sociais não se fazem
fora do espaço, o homem ao ocupar e agir sobre a natureza produz o espaço e deixa registrado
nele a sua história.
Na atualidade as discussões acerca do patrimônio cultural estão cada vez mais
centradas nas questões da identidade e é na escala do lugar que ela se estabelece, sendo esta
outra categoria de análise da geografia. Segundo Carlos (1996), é no lugar que se guarda o
significado e as dimensões do movimento da história, passível de ser apreendida pela
memória decorrente da acumulação dos tempos, marcados, remarcados e nomeados, natureza
transformada pela prática social, acumulando cultura que se insere em um espaço e tempo.
No que tange as ações do Estado pela salvaguarda desses acúmulos de cultura no
espaço, Choay (2000) salienta que estas nasceram somente com a Revolução Industrial e
Francesa, embaladas pelos valores do Romantismo. As políticas públicas de preservação da
cultura no Brasil optaram pela arquitetura como foco de suas ações e essa opção foi
fortemente influenciada por esse modelo patrimonial estabelecido nesse contexto francês,
principalmente no que se refere às políticas centralizadoras, ao sistema de organização dos
órgãos públicos e pelas discussões centradas nas questões da identidade nacional.
Essa autora salienta ainda a importância da passagem da noção de monumento-
artefato, entendendo este como o idealizado e construído com o fim de perpetuar a memória,
possuindo assim uma origem espaçotemporal, para a de monumento-histórico, este
possibilitando atribuir características que vão muito além das atribuídas pelo seu idealizador,
permitindo que um sítio urbano como o de São Luiz do Paraitinga se integre a um conjunto de
bens denominados de “patrimônio nacional”, mesmo este não tendo sido concebido para tal,
63
mas sim com o intuito de servir como uma localidade de apoio à atividade tropeira. Assim,
para Choay (2000), todo o objeto do passado pode ser convertido em testemunho histórico
sem ter tido na sua origem um destino memorial.
As primeiras ações voltadas à salvaguarda do patrimônio ocorreram na Inglaterra,
quando um grupo de eruditos passou a se dedicar a colecionar objetos antigos, desenhando-se
assim um processo de valorização do passado através de artefatos que testemunharam a
história nacional.
Mas é com a Revolução Francesa que o Estado passa a assumir em caráter oficial a
função de salvaguardar os elementos que testemunharam o passado, em especial os bens
expropriados do clero e da monarquia, e que passaram a ser tutelados pelo Estado francês.
Segundo Choay (2000), o objetivo que se pretendia alcançar através dos valores
atribuídos ao patrimônio nacional recém-inventado seria: o valor nacional, onde é evocada
uma suposta identidade nacional; o valor cognitivo, que evoca a cidadania; e o valor
econômico vinculado ao turismo, mesmo este só tendo se concretizado na França um século
depois. Entretanto, já se enxergava no patrimônio nascente um potencial atrativo turístico
inspirado no modelo italiano, em particular o de Roma.
Sendo assim, cabe salientar que a Revolução Francesa rompeu com o passado e suas
ações contraditórias não permitiram que, na França, fossem estabelecidas políticas de
preservação mais eficazes e duradouras, sendo que apenas no século XIX as primeiras
medidas consistentes foram implantadas, simultaneamente ao estabelecimento de uma teoria e
uma metodologia de restauro dos monumentos, o que, consequentemente, acarretou
reverberações no campo do patrimônio.
No Brasil, a primeira proposta de lei no sentido de garantir a salvaguarda do
patrimônio cultural se deu através do anteprojeto de lei criado por Mário de Andrade em
1936, em que este se esforçava em abranger uma noção de patrimônio no sentido amplo e
global, onde lugares, objetos, fazeres, saberes, manifestações eruditas e populares se
colocavam como sustentáculos de uma memória nacional.
Contudo, oficialmente, a preservação do patrimônio cultural brasileiro começou a ser
abarcada pela esfera pública um ano antes. Em 1935 temos a elevação da cidade mineira de
Ouro Preto à categoria de Monumento Nacional, seguida pela criação do IPHAN em 1937,
então Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN).
Rodrigues (1999) salienta que a escolha de Ouro Preto como primeiro Monumento
Nacional conferia ao século XVIII a responsabilidade pelo estabelecimento da consciência
64
emancipatória e a maturidade da arte e da arquitetura colonial no Brasil, o que para essa
autora guiaria a atuação do IPHAN nos seus tombamentos seguintes.
Marins (2008b) vai além, para esse autor a eleição de Ouro Preto significou a escolha
de uma arquitetura rica e faustosa, associando a memória nacional às cidades coloniais
mineiras, nesse sentido, depreciando o lugar de São Paulo no mosaico que passaria a
constituir a memória e a identidade nacional, visto que as cidades paulistas nunca
apresentaram a mesma exuberância que as mineiras.
Cabe salientar aqui que estas escolhas não se dão apenas no campo técnico, mas
também no campo ideológico, visto que as elites políticas e intelectuais buscavam moldar a
sociedade para o advento da modernidade. Portanto, opta-se por adotar como representante da
identidade nacional os sustentáculos das memórias das camadas populares urbanas, em
especial as vinculadas às classes sociais mais abastadas. Assim, a cultura negra, a indígena ou
as vinculadas ao mundo rural, como a cultura caipira, são esquecidas.
A adoção desses critérios privilegiou os estados de Minas Gerais, Bahia e Rio de
Janeiro, os mais ricos do Brasil no período colonial, em detrimento do estado de São Paulo,
herdeiro de alguns dos mais antigos núcleos urbanos brasileiros. Marins (2008b) salienta que
as soluções arquitetônicas paulistas foram referências para as edificações ricas e faustosas que
sobreviveram nesses estados privilegiados.
Nem mesmos os intelectuais paulistas foram capazes de valorar o seu patrimônio
nesse momento. Mario de Andrade considerava a arquitetura tradicional das cidades mineiras,
baianas e pernambucanas como “maravilhosas e espantosas”, e que em São Paulo se deveria
tombar o pouco que restava do período seiscentista e setecentista com referência à arquitetura
neocolonial com elementos do barroco, negligenciando todo um patrimônio em arquitetura
neoclássica e eclética que são os grandes representantes da cultura paulista no que se refere
aos bens tangíveis imóveis.
O fato que mais corrobora com o total descaso relacionado ao patrimônio cultural
paulista frente às políticas federais de preservação foi à ausência de “centros históricos”
tombados até 2009, quando parte do perímetro urbano de Iguape é elevada à categoria de
Patrimônio Cultural Nacional.
65
Segundo o “Guia de Bens Tombados” pelo IPHAN, até 2009 haviam 52 municípios
brasileiros com pelo menos um conjunto urbano tombado6, sendo que desses, 10
encontravam-se na Bahia e 10 em Minas Gerais, ou seja, apenas dois estados da federação
concentravam quase 40% do total de conjuntos urbanos tombados e nessa época São Paulo
não possuía nenhum (Mapa 5). Aqui cabe ressaltar que já em 2009 o estado paulista contava
com 10 conjuntos urbanos reconhecidos como patrimônio cultural pelo CONDEPHAAT.
Ao que se refere à totalidade dos bens tombados, é notória a desigualdade que esse
modelo de seleção, adotado pelo IPHAN para eleger os bens que, segundo seus técnicos,
deveriam representar a identidade nacional, impôs à geografia do patrimônio no Brasil,
configurando-se em uma verdadeira geografia desigual do patrimônio nacional. Rubino
(1996) salienta que, em um país de grandes dimensões como o Brasil, o IPHAN desenvolveu
suas atividades de modo marcadamente desigual, onde o conjunto de bens tombados desenha
um mapa de densidades discrepantes nas diversas regiões, períodos e tipos de bens, formando
conjuntos fechados e finitos.
6 Por problemas conceituais, é difícil precisar o número de conjuntos urbanos tombados pelo IPHAN, sendo que o presente
número foi levantado através de uma interpretação do autor dos dados disponibilizados pelo arquivo do órgão federal.
66
Quadro 1: Bens Tombados em 2009 e em 1967
Estados Bens 2009 % em 2009 Bens 1967 % em 1967
Acre 0 0 0 0
Alagoas 11 1,05 5 0,76
Amapá 1 0,10 1 0,15
Amazonas 4 0,38 1 0,15
Bahia 184 17,57 131 19,88
Ceará 21 2,01 3 0,46
DF 4 0,38 1 0,15
Espírito Santo 14 1,34 11 1,67
Goiás 23 2,20 17 2,58
Maranhão 20 1,91 8 1,21
Mato Grosso 5 0,48 1 0,15
Mato Grosso do Sul 3 0,29 0 0
Minas Gerais 204 19,48 165 25,04
Para 25 2,39 16 2,43
Paraíba 23 2,20 15 2,28
Paraná 15 1,43 8 1,21
Pernambuco 80 7,64 57 8,65
Piauí 7 0,67 6 0,91
Rio de Janeiro 224 21,39 140 21,24
Rio Grande do Norte 14 1,34 10 1,52
Rio Grande do Sul 38 3,63 13 1,97
Rondônia 2 0,19 1 0,15
Roraima 0 0 0 0,00
Santa Catarina 22 2,10 8 1,21
São Paulo 77 7,35 41 6,22
Sergipe 25 2,39 0 0
Tocantins 1 0,10 0 0
Total 1047 100 659 100
Fonte: Rubino(1996) e IPHAN (2009)
Como pode ser observado no Quadro 1 e no Mapa 6, dos 1.047 bens tidos como
significativos à memória nacional até 2009, apenas 77 estão em território paulista, ou seja,
pouco mais de 7%, número muito pequeno se comparado aos 224 do Rio de Janeiro, aos 204
de Minas Gerais ou aos 184 da Bahia, que somam cerca de 60% do total de bens tombados.
67
68
Quando o IPHAN iniciou sua atuação no estado, a própria capital paulista ainda
resguardava significativos exemplares de edificações em taipa, além de vários municípios do
interior que, sem o respaldo das políticas de preservação, viram seus bens culturais tangíveis
serem desmantelados na segunda metade do século XX (MARINS, 2008b). O patrimônio de
São Luiz do Paraitinga só sobreviveu porque foi, posteriormente, submetido à tutela do órgão
de proteção estadual e por se constituir como um forte elemento de identidade para a
população local, como espaço vivido.
Somente a partir dos anos de 1970 que as questões referentes ao belo passam a ser
problematizadas e isso se dá, segundo Toji (2009), quando a atuação de historiadores ganha
fôlego dentro do IPHAN. Estes passam a incorporar uma visão de patrimônio enquanto
“documento” ou “testemunho” que pudessem representar momentos da história nacional no
interior do instituto.
Ainda nessa década, temos a criação do Centro de Referências Culturais (CNRC) para
o campo do patrimônio imaterial, incorporado pelo IPHAN em 1979, revigorando as práticas
de patrimônio pela noção de referência cultural7, ampliando a ideia de patrimônio e se
aproximando da proposta original de Mário de Andrade, sendo incorporados saberes do
campo da sociologia, da antropologia e da educação ao campo do patrimônio.
Contudo, como pode ser observado no Quadro 1 e no Mapa 7, de 1967 até 2009 houve
uma pequena tentativa de melhorar a representatividade do patrimônio brasileiro, visto que,
com exceção do Rio de Janeiro, que teve sua representatividade acrescida em 0,15%, os
estados de Minas Gerais e Bahia tiveram quedas de 5,5% e 2,3% respectivamente, contra o
crescimento de 2,3% de Sergipe, 1,6% do Rio Grande do Sul, 1,5% do Ceará e 1,1% de São
Paulo. Apesar desta tentativa, é importante ressaltar que os resultados têm sido modestos e
que o mapa do patrimônio nacional continua extremamente desigual, ressaltando a ausência
de Roraima e do Acre.
Os primeiros bens registrados no livro do tombo do IPHAN referentes ao patrimônio
paulista foram as coleções arqueológicas, etnográficas, artísticas e históricas do Museu
Paulista da Universidade de São Paulo e a Capela de São Miguel Paulista, em 1938. De lá
para cá se deram sucessíveis tombamentos de bens isolados, porém, os primeiros conjuntos
urbanos só vieram em 2009 e 2010, respectivamente Iguape e São Luiz do Paraitinga.
Para tratar a questão da gestão do patrimônio em São Luiz do Paraitinga, é importante
abordar as ações do Estado sobre o espaço que repercutem direta, ou indiretamente, sobre a
7 Conceito que busca a atribuição de valor cultural a partir de diferentes sujeitos sociais (TOJI, 2009).
69
preservação do patrimônio na atualidade, a relação da ordem distante sobre a ordem próxima,
os conflitos e alianças estabelecidas entre as diversas escalas de poder, principalmente em um
momento de crise como o atual, quando o maior conjunto arquitetônico tombado de São
Paulo sofre com as cheias do Rio Paraitinga. É o que será feito nos capítulos a seguir.
70
5. O CONDEPHAAT E A PRODUÇÃO DE UM ESPAÇO URBANO ESQUIZOFRÊNICO
Des
enh
o a
bic
o d
e p
ena
de
To
m M
aia
(19
76
)
71
Inseridos numa década de grandes transformações de parâmetros comportamentais e
de imensas mutações demográficas e espaciais que atingiram as principais cidades
brasileiras, os primeiros órgãos estaduais de preservação atuaram parcialmente na
contracorrente dos cânones estabelecidos pelo IPHAN. (MARINS, 2006b:154)
Aqui iremos analisar como se estabeleceram as políticas paulistas de preservação do
patrimônio cultural, destacando em que contexto da evolução destas se reconheceu a
relevância do patrimônio luizense para São Paulo e os resultados dessas políticas na produção
do espaço geográfico local.
Qualificamos este como esquizofrênico, porque se de um lado os planos da ordem
distante estabeleciam os padrões, modelos e diretrizes de uma cidade racionalmente
produzida, de outro o destino da cidade foi sendo submetido ao contexto econômico e a
dinâmico social local, ou seja, a ordem próxima, resultando em um espaço, hora planejado e
hora produzido à revelia da lei.
Os Compromissos de Brasília (1970) e Salvador (1971), que reuniram os
governadores da maioria dos estados da federação, consolidaram o compartilhamento das
tarefas de proteção do patrimônio cultural entre a esfera federal e os estados. Os primeiros
órgãos estaduais de salvaguarda tiveram sua atuação marcada por ações que contrastavam
com os cânones estabelecidos pelo IPHAN, passando a proteger edificação e núcleos urbanos
não contemplados pelos critérios estabelecidos há décadas pelo órgão federal.
Criado em 1968, o órgão de preservação do patrimônio do estado de São Paulo, o
CONDEPHAAT, teve em seus primeiros anos de atuação que lidar com a tensão de se
posicionar entre os antigos parâmetros herdados pelo IPHAN e uma demanda social que via
suas referências culturais desaparecerem pela crescente especulação imobiliária, tanto na
capital como no interior (RODRIGUES, 1999). Para essa autora, a criação desse conselho só
foi possível quando a burguesia paulista passa a buscar um símbolo identitário, encontrado na
figura do bandeirante. Assim, como elementos edificados desse período são extremamente
escassos no território paulista, os conselheiros optaram pela proteção de construções filiadas
ao neoclassicismo do auge da cafeicultura. Então, se o IPHAN privilegiava a arquitetura
barroca do período colonial, o CONDEPHAAT optou pela arquitetura neoclássica do período
do império, mas novamente a arquitetura era privilegiada.
É importante ressaltar que antecedeu a criação do CONDEPHAAT uma reforma
administrativa iniciada em 1967 no governo de Roberto Costa de Abreu, quando se tem a
criação da Secretaria da Cultura, Esporte e Turismo do Estado de São Paulo. Nesse momento
72
são criadas diversas instituições voltadas ao incentivo da cultura, porém ainda não no sentido
da salvaguarda de bens patrimoniais. É deste período a criação da Fundação Padre Anchieta,
do Museu de Arte Sacra, do Museu da Imagem e do Som, da Casa Brasileira e do Paço das
Artes, demonstrando por parte do Estado uma preocupação com o espetáculo e as artes
plásticas.
O projeto de criação de um órgão de proteção do patrimônio paulista tornou-se lei em
22 de outubro de 1968 com o n° 10.247, no contexto político de plena ditadura militar. No
início, o conselho era composto por oito membros, tendo um representante da Secretaria da
Cultura, Esporte e Turismo, um da Universidade de São Paulo (Departamento de História),
um do Instituto de Pré-história, um do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e outro
do Guarujá-Bertioga, um do Instituto de Arquitetos do Brasil, um da Cúria Metropolitana de
São Paulo e um do IPHAN. Em 1975 foram acrescentados ao conselho mais dois
representantes da Universidade de São Paulo (Departamento de História da Arquitetura da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Departamento de Geografia da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas), um da Comissão de Artes Plásticas do Conselho
Estadual de Cultura e um da Conferência Nacional de Bispos do Brasil. Nesse ano tivemos
também a extinção da representação do Instituto Histórico e Geográfico de Guarujá-Bertioga.
Em 1983 tivemos novamente a ampliação do conselho, que passou a contar com 25
conselheiros, com a incorporação de representantes dos Departamentos de Ciências Sociais e
Antropologia de todas as universidades públicas do Estado, ampliação de representantes dos
Departamentos de Geografia, História e História da Arquitetura da Universidade de Campinas
e da Universidade Estadual Paulista, da Secretária da Agricultura e Abastecimento e da
Secretária de Esporte e Turismo8 (RODRIGUES, 1999).
A presença de especialistas das universidades no conselho se justificava pela tentativa
desta em estabelecer trocas entre as práticas preservacionistas e os centros de produção de
conhecimento onde a noção de preservação poderia se ampliar, mas essas trocas foram
tênues, e as ações do CONDEPHAAT se deram de maneira segmentada, exemplo disso foi o
tombamento do Conjunto da Serra do Mar e Paranapiacaba (1985), onde a normativa abarca
apenas as questões do patrimônio natural, sendo incapaz que garantir a salvaguarda de um
importante patrimônio cultural edificado como as ruínas do Presídio da Ilha Anchieta, não
tombado até os dias hoje.
8 A Secretária da Cultura, Esporte e Turismo foi substituída pela Secretária da Cultura e Turismo e a Cultura foi incorporada
em 1979 à Secretária da Cultura, Ciência e Tecnologia.
73
A criação do órgão de preservação do patrimônio cultural paulista foi fortemente
ligada a um processo de valorização do passado e da possibilidade do seu consumo pela
atividade do turismo, fato influenciado pelas Normas de Quito de 1967 que buscava
relacionar de maneira direta a preservação do “patrimônio monumental” como possibilidade
de desenvolvimento através da atividade do turismo, o que de certo modo contrastava com as
orientações do IPHAN, visto que este atuava no sentido de valorar o passado enquanto
referência para a constituição de uma suposta nacionalidade, além de fonte de conhecimento
arquitetônico, e não como um bem potencial a ser explorado economicamente.
Nos seus primeiros anos de atuação (1969 a 1975), o CONDEPHAAT volta-se ao
modelo de preservação estabelecido pelo IPHAN (RODRIGUES, 1999), com uma visão
nostálgica do passado, não considerando a vida urbana contemporânea como expressão
cultural, contemplando através de tombamento, bens em arquitetura tradicional,
caracterizando-se em um órgão distante da sociedade, isso devido às condições políticas do
momento, um território nacional sob regime militar, o que dava o tom da relação Estado-
sociedade.
É desse período a abertura do processo de tombamento de São Luiz do Paraitinga, este
fortemente influenciado por estudos realizado nos anos de 1950 pelo IPHAN-SP, quando o
arquiteto Luis Saia esteve à frente da superintendência estadual. À época realizou-se um
sistemático levantamento métrico e fotográfico das edificações antigas do núcleo em questão,
resultando no tombamento, em 1956, da casa onde nasceu o sanitarista Dr. Oswaldo Cruz
pelo órgão federal. Porém, com o falecimento de Saia, esses estudos não foram finalizados
pelos que o sucederam, tendo como justificativa a falta de antiguidade, o pouco valor
artístico, a falta de originalidade desse núcleo e pela política de delegar aos órgãos estaduais
os novos tombamentos a partir de 1970, significando na exoneração por parte do IPHAN de
uma das suas principais obrigações, a da gestão do patrimônio, se dedicando apenas à
pesquisa, ou seja, ao trabalho menos conflituoso.
Nesse sentido, podemos dizer que a abertura do estudo de tombamento de São Luiz do
Paraitinga é o resultado de uma grande influência do IPHAN sobre o conselho paulista,
marcando o caráter conservador do mesmo e o seu distanciamento da população, visto que
mesmo o CONDEPHAAT tendo sido pioneiro na adoção do que Marins (2008b)
denomina de “tombamento de balcão”, política que se inicia em 1983, o processo de
acautelamento de São Luiz foi solicitado pelo conselheiro e arquiteto Eduardo Corona. Ou
seja, esse tombamento não resultou de uma demanda popular, mas sim de uma sinalização
74
política, esse acautelamento de cima para baixo sem dialogar com a população gerou dúvidas,
visto que a estes não foi explicando as responsabilidades.
Em 1975 inicia-se uma nova fase do conselho paulista, esta se daria até 1982, ano da
homologação do tombamento do centro histórico aqui estudado. Esse período, denominado
por Rodrigues (1999) como “Considerando o Presente”, consiste no estabelecimento de
políticas revolucionárias da preservação do patrimônio, políticas estas que influenciaram
profundamente o estudo de tombamento de São Luiz do Paraitinga.
Nesse período temos a adoção de uma nova postura de proteção, onde não se abarcava
mais apenas o objeto a ser tombado, mas o ambiente em que este se inseria, considerando as
ações humanas que agiam sobre ele. Nesse sentido, a cultura passava a ser entendida como
“coisa viva”. É nesse período que o CONDEPHAAT incorpora aos seus estudos o conceito de
“Patrimônio Ambiental Urbano”, onde elementos como as ruas e a paisagem são somadas as
edificações como parte de um meio ambiente que seriam suporte de memória e, como tal,
suscetíveis ao acautelamento público. É nesse sentido que a arquitetura eclética, tida como
“menor”, passa a ser objeto de tombamento, visto que esta passa a ser considerada um
importante elemento de ambientes urbanos antigos, cuja eleição considera valores como o
afetivo dos grupos sociais. Assim, ao contrário das políticas federais, o tombamento de um
bem apenas pelo seu valor artístico mostra-se desprovido de sentido, já que é o seu uso que
lhe confere atribuição de valor cultural, ou seja, os espaços vividos passam a ser valorados.
Foi esse tipo de postura do conselho estadual que possibilitou, em 1982, que fossem
listados os 426 bens do centro histórico de São Luiz do Paraitinga, visto que se tivessem
mantido os cânones da primeira fase o número de bens seria bem menor, já que nem todos
possuem influência da arquitetura neoclássica, a mais valorada na fase anterior.
É deste período também que temos o estabelecimento de outras iniciativas também
consideradas revolucionários das políticas de preservação do patrimônio de São Paulo, dentre
elas é possível apontar a grande atenção com as áreas naturais, onde se destaca o tombamento
de todo o conjunto da Serra do Mar e de Paranapiacaba, um dos últimos redutos de Mata
Atlântica preservada no país, além de se listar bairros com vegetação expressiva como o
bairro dos Jardins em São Paulo (1986). Tivemos também, como já mencionado, pouca
ênfase aos tombamentos baseados em inventários sistemáticos, com a prevalência da chamada
“política de balcão”, onde o próprio cidadão poderia indicar um bem que julgasse relevante
para a identidade cultural de um grupo para ser tombado, o que possibilitou o reconhecimento
de bens filiados aos imigrantes, sobretudo japoneses, e da arquitetura industrial e ferroviária.
75
Sendo assim, incluído no Programa Cidade Históricas do CONDEPHAAT em 1980,
São Luiz do Paraitinga teve o seu estudo de tombamento iniciado em uma fase mais
conservadora do CONDEPHAAT, quando este ainda estava fortemente vinculado às políticas
federais de preservação. Porém, o estudo em questão absorveu os aspectos progressistas da
fase seguinte pelo qual passou o conselho paulista, o que resultou num tombamento de
conjunto e da elaboração de uma normativa que pretendia guiar o planejamento urbano
futuro.
A normativa elaborada prevê, além da proteção do chamado centro histórico em si, da
paisagem que o cerca, mas a ausência de uma fiscalização mais intensa acerca das diretrizes
elaboradas pelo CONDEPHAAT levou a uma intensa ocupação à revelia da lei no entorno no
núcleo urbano bicentenário (Figuras 12 e 13). É importante ressaltar também que, mesmo
após a abertura dos estudos referentes à proteção desse núcleo histórico, em 1969, quando
todos esses imóveis passam a ser tutelados pelo Estado e qualquer intervenção necessitaria de
autorização do mesmo, muitos casarões de taipa passaram por forte descaracterização e até
mesmo foram demolidos, fato justificado pela dificuldade da população local em se enquadrar
a esse novo momento de normatização decorrente da ausência da atuação do órgão e da
dificuldade em se manter financeiramente esses imóveis de manutenção onerosa, ou seja,
tivemos uma dissonância entre a ordem distante e a ordem próxima. Esse fato pode ser
facilmente percebido pela chamada “preservação de fachada”, pois em São Luiz do Paraitinga
grande parte dos painéis pintados nas paredes internas e nos forros se perdeu devido às
intervenções sem as orientações técnicas devidas, a preservação se restringiu basicamente as
fachadas e a volumetria das edificações.
Essa obsessão pelas fachadas levou também a uma reprodução dos padrões
arquitetônicos dos períodos colonial e imperial nas novas construções, os chamados “falsos
históricos” (Figuras 14), mesmo o CONDEPHAAT repudiando esse tipo de obra em seu
estudo de tombamento, exemplares desse tipo estão espalhados por todo centro histórico,
dificultando aos olhos de um leigo a percepção do que é verdadeiro do que é falso.
76
Figura 12: Centro histórico, em 1978. Fonte: IBGE, 1978.
Figura 13: Centro histórico, em 2007. Fonte: Danilo Pereira.
77
A Resolução de Tombamento (SC-55 de 1982) estabeleceu uma normativa que, além
de regrar a situação presente, pretendia estabelecer como deveria se dar o desenvolvimento
desse núcleo urbano. Em um primeiro momento o presente processo realiza uma descrição
das características desse sítio, como o histórico, zona envoltória, traçado urbano, tipologia e
cronologia das edificações, usos das edificações, estado de conservação e regime de posse do
imóvel. A resolução solicitava ainda que o presente núcleo fosse prioridade dos órgãos de
proteção municipal, estadual e federal em seus programas devido à sua importância como
patrimônio representante do período cafeicultor na região, ou seja, como foi discutido no
capítulo anterior, a ordem distante incorpora o discurso da ordem próxima.
Após essa análise, é definida a proposta de atuação, como os graus de proteção de
cada edificação e as diretrizes para as novas construções no centro histórico ou na área
envoltória. Nesse momento o conjunto em questão é dividido em Centro Histórico I e Centro
Histórico II, onde o primeiro corresponderia à área com as melhores habitações, com a
presença de grandes sobrados do século XIX, construídos pelas famílias mais abastadas, onde
a resolução ressaltava que estas possuíam influência da arquitetura urbana observada em
Minas Gerais e que, pela homogeneidade e peculiaridade, esse conjunto se tornava único no
estado de São Paulo.
Figura 14: Falso histórico na Praça Dr. Oswaldo Cruz, em 2011. Fonte: Danilo Pereira.
78
Esta área deveria ser considerada de proteção proeminente, todas as intervenções
ficariam sob controle da PMSLP e do CONDEPHAAT, sendo que o estudo em questão ainda
apontava a necessidade da adoção de ruas de pedestre e reestruturação do tráfego nessa zona,
o controle de publicidade, iluminação e sinalização, fixação de gabarito máximo de dois
pavimentos e a utilização do rio para compor a ambiência do conjunto.
O Centro Histórico II se caracteriza por edificações de menor porte e alguns sobrados
isolados, ressaltando que essas foram as que sofreram maior descaracterização. Essas zonas
deveriam receber tratamento diferencial quanto ao rigor das intervenções físicas propostas,
sendo assim, essa zona têm sua preservação necessária para se manter a harmonia do Centro
Histórico I, onde se limita a altura e a volumetria das edificações. Sendo assim, o que se
objetivava era garantir à preservação dos bens ligados à elite local, não dos bens como um
todo.
Além do estabelecimento dessas duas zonas de proteção definidas em função dos
correspondentes valores artísticos, estabeleceu-se graus de proteção para cada imóvel
individualmente, levando-se em conta o seu grau de conservação, usos, manutenção dos
espaços internos e o período da construção, assim se estabeleceram os seguintes graus de
proteção:
GP1 Construções anteriores ao século XX, que desempenham as mesmas funções ou
funções análogas às originais e que possuem os espaços internos preservados. Essas
deveriam ser conservadas integralmente.
GP1a Construções anteriores ao século XX, que desempenham as mesmas funções ou
funções análogas às originais e que possuem os espaços internos preservados. Essas
passaram por algum tipo de descaracterização, contudo passíveis de restauração.
Elas deveriam ser conservadas integralmente, além de passar por um processo de
restauração.
GP2 Construções anteriores ao século XX, que desempenham as mesmas funções ou
funções análogas às originais, estas passaram por algumas descaracterizações
impossíveis de serem restauradas devido à indisponibilidade dos elementos
primitivos. Assim, essas edificações deveriam ter a fachada, cobertura e volumetria
preservadas.
GP3 Imóveis construídos no século XX. Essas deveriam ser preservadas para se manter o
visual do conjunto, podendo ser reformadas, desde que mantido o equilíbrio urbano.
GP4 Novas edificações. Aqui a resolução de tombamento salienta que deveriam ser
evitadas soluções que conduzissem a imitação do antigo, porém, respeitando a
homogeneidade do núcleo urbano, seja em sua volumetria, utilização de cores ou na
relação com a paisagem.
Quadro 2: Grau de Proteção dos imóveis tombados pelo CODEPHAAT: Fonte: SC-55 de 1982.
79
80
Quanto à Zona Envoltória, definia que se deveriam determinar as áreas passíveis de
ocupação urbana para que estas fossem incorporadas de maneira organizada ao centro
tombado, e que se mantivesse a paisagem do seu entorno para que esta servisse de cenário ao
núcleo bicentenário.
A presente resolução apontava ainda o estabelecimento de ruas para pedestre,
enfatizando que as mesmas não foram dimensionadas para a circulação de veículos e
proporcionando ao citadino a utilização plena de certos espaços urbanos, ou seja, uma
preocupação com o espaço vivido, além de se evitar que a circulação de veículos danificasse a
estrutura das edificações. Em consequência do estabelecimento dessas ruas de pedestres seria
necessária a implantação de áreas de estacionamento para os moradores dessas ruas restritas,
a implantação de uma nova ponte na Rua Benfica para desviar o tráfego do centro histórico, a
necessidade de ampliação da rede hoteleira, visto que para o CONDEPHAAT a vocação
turística de São Luiz do Paraitinga era clara, e o remanejamento do Terminal Rodoviário para
fora do centro histórico. É importante salientar que a presente Resolução de Tombamento já
previa uma intensa ocupação das margens do Rio Paraitinga, porém a única preocupação
desta era em se manter a ambiência e não com as questões ambientais.
Apesar de Rodrigues (2000) afirmar que a próxima fase do conselho paulista, que ela
denominou de “Tempos de abertura”, referente ao período de 1982 a 1987, buscava uma
aproximação entre o CONDEPHAAT e a sociedade, com o fim do regime de exceção,
tornando-se um órgão de pesquisa da memória com forte interação com as populações locais,
no caso de São Luiz do Paraitinga essa atuação não se realizou, esse sempre foi tido pelos
luizenses como um órgão distante, burocrático, frágil e ineficiente, visto que não conseguiu
implantar as normativas que estabeleceu na Resolução de Tombamento, com exceção da
realocação do Terminal Rodoviário. Porém, é importante ressaltar que não se pode colocar
nos conselheiros e técnicos a responsabilidade pela falta de eficácia do mesmo, mas sim no
fato deste, como um órgão de Estado, estar submetido a um governo que sempre privilegia os
interesses econômicos em detrimento dos interesses sociais. Para este governo não interessa
um órgão de patrimônio forte e atuante, visto que isso impossibilitaria a manutenção da atual
política econômica, totalmente submetida aos interesses da especulação imobiliária.
Mais recentemente, em 2006, a Secretária de Estado da Cultura passou por um
processo de reestruturação e, nesse processo, o CONDEPHAAT também sofreu mudanças. A
mais significativa foi a criação da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico (UPPH),
unidade submetida diretamente ao gabinete do secretário e que passou a ter como atribuição
inventariar o patrimônio cultural e natural, coordenar o Grupo de Conservação e Restauro de
81
Bens Tombados, além de servir de núcleo de apoio administrativo ao CONDEPHAAT,
cabendo ao conselho apenas a deliberação de estudos e projetos elaborados pela UPPH. Essas
mudanças podem ser encaradas como uma tentativa de atrelar cada vez mais as decisões ao
controle da Secretaria da Cultura.
Em 2006 também tivemos uma reorganização da estrutura do conselho paulista, com
um fortalecimento dos representantes do governo em detrimento dos representantes das
universidades e da sociedade. Passaram a ser dez conselheiros indicados diretamente pelo
governo (quatro da Secretária da Cultura, um da UPPH, um da Secretária do Meio Ambiente,
um da Secretária de Esporte, Lazer e Turismo, um da Secretária da Justiça e Defesa da
Cidadania, um da Secretária da Economia e Planejamento e um da Procuradoria Geral do
Estado), treze representantes das universidades públicas paulistas (Departamentos de História,
Geografia, História da Arquitetura, Antropologia ou Sociologia e do Museu de Arqueologia e
Etnologia da Universidade de São Paulo), dois representantes de diversos seguimentos da
sociedade (Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil e Instituto de Arquitetos do Brasil) e
um do IPHAN.
Nesse sentido, esse processo de fragmentação da estrutura administrativa com a
criação do UPPH e a maior presença do governo na composição do conselho têm uma clara
intenção de enfraquecer o CONDEPHAAT, tornando-o ainda mais suscetível aos interesses
do capital imobiliário, mesmo que estas reformas possuam o discurso de modernizar, agilizar
os estudos de tombamento e de se aproximar da sociedade.
82
6. O IPHAN E O SALVAMENTO DE UM PATRIMÔNIO CULTURAL NACIONAL
Des
enh
o a
bic
o d
e p
ena
de
To
m M
aia
(19
76
)
83
Mesmo críticos renitentes aceitariam que a experiência de preservação do assim
chamado “patrimônio histórico e artístico nacional” constitui a política cultural mais
bem-sucedida na área pública deste país. E tal concordância poderia ocorrer a
despeito do fato de cada um deles manifestar reservas de bom calibre quer quanto ao
conteúdo doutrinário cristalizados pela expressão entre aspas quer no tocante à
substância factual a que cada um dos termos remete (MICELI, 1987)
Nesse momento iremos discorrer sobre como se estabeleceram as políticas federais de
preservação do patrimônio cultural, ou seja, sobre a trajetória do IPHAN nos seus 74 anos de
existência, claro que de maneira sucinta. Destacaremos os fatos políticos, visto que os
relacionados às suas ações e os resultados que estes produziram sobre o mapa desigual do
patrimônio cultural brasileiro já foram contemplados anteriormente.
A partir da análise desse contexto político, procuraremos entender em que momento e
circunstância, levando-se em conta a relação da ordem distante e a ordem próxima (Lefebvre,
1991), se deu o tombamento do conjunto urbano de São Luiz do Paraitinga.
O IPHAN foi criado em 1937 pelo decreto-lei n° 25, que regulamentava a proteção do
patrimônio histórico e artístico nacional por meio do tombamento. Porém, foi na constituição
de 1934 que tivemos a primeira referência à proteção de bens culturais pela esfera estatal no
Brasil, quando se dispôs que “cabe à União e aos Estados proteger as belezas naturais e os
monumentos de valor histórico e artístico...” (BRASIL, 1934), ou seja, temos a consagração
do patrimônio histórico e artístico como um princípio constitucional.
O decreto-lei n° 25 organizou a proteção dos bens culturais brasileiros através do
tombamento, efetivando-se quando o presente bem é inscrito em um ou mais dos quatro livros
do tombo criado pelo mesmo decreto-lei, o Livro do Tombo Arqueológico, Etnológico e
Paisagístico; o Livro do Tombo Histórico; o Livro do Tombo das Belas Artes e o Livro do
Tombo de Artes Aplicadas. Esses livros possuem status diferentes dentro da instituição, sendo
o Livro do Tombo das Belas Artes o de maior prestígio.
Nos seus primeiros trinta anos de atuação, de 1937 até 1967, denominado “Fase
Heroica” por Fonseca (1997), sob a direção de Rodrigo de Mello Franco de Andrade, foram
responsáveis por instituir uma política federal de preservação, marcando uma posição oficial
do Estado na questão da salvaguarda da memória. Porém, é importante marcar que esse
período também foi marcado pelo atendimento de interesses específicos e não coletivos,
principalmente aos interesses do Estado e dos intelectuais modernistas.
Temos nesse momento uma busca incansável por uma cultura e uma identidade
“autenticamente brasileira”, encontrada nos bens do período colonial, em especial as
84
signatárias do barroco mineiro. Fonseca (1997) salienta que nesse momento a eleição dos
bens a serem listados não era embasada por estudos e pesquisas, mas sim pelas escolhas feitas
pelos técnicos, não sendo necessário formular justificativas, prevalecendo as características
estéticas, onde o caráter histórico era secundário.
O decreto-lei n° 3.534 de 1946 criou quatro distritos sedes do IPHAN, em Belo
Horizonte, São Paulo, Salvador e Recife. É nesse momento que temos por parte da sede
paulista o início dos estudos referentes à relevância do patrimônio cultural de São Luiz do
Paraitinga, sob a coordenação do arquiteto Luis Saia. À época realizou-se um profundo
estudo dessas edificações, porém, como elas não se enquadravam nos cânones da instituição
no presente momento, o seu tombamento foi negado e esses estudos foram encaminhados na
década seguinte ao CONDEPHAAT, para que este realizasse o tombamento.
A segunda fase, que Fonseca (1996) denomina de “Fase Modernista”, se inicia em
1967 e vai até o fim dos anos 1980, quanto esta autora termina a sua análise. Sob a direção de
Renato Soeiro, esta fase foi marcada por uma nova política de tombamento, voltada mais para
a salvaguarda de conjuntos urbanos, este como uma resposta à crescente especulação
imobiliária e à atividade turística. Assim, a ideia de ambiência foi criada para possibilitar a
inclusão de outros estilos arquitetônicos que anteriormente não eram aceitos, tentando manter
a volumetria dos imóveis do entorno, dificultando a ação dos especuladores.
Promovido pelo Ministério da Educação em 1970 e 1971, os encontros dos
governadores tiveram como objetivo promover a discussões acerca das medidas necessárias à
defesa do patrimônio cultural brasileiro. Como resultado desses encontros tivemos,
respectivamente, o Compromisso de Brasília e o Compromisso de Salvador, estes
estabeleciam o compartilhamento da preservação do patrimônio com os municípios e os
estados, buscando estabelecer políticas locais de salvaguarda dos bens culturais. Aqui cabe
salientar que é nesta conjuntura que tivemos a criação do CONDEPHAAT, mesmo esta se
dando anos antes, em 1968.
Com a criação do órgão de proteção paulista, o IPHAN de São Paulo delega a este os
novos tombamentos, se exonerando em tombar e gerir o patrimônio cultural, suas principais
funções. Assim, o tombamento federal do núcleo urbano estudado aqui se torna cada vez mais
distante.
Até então de caráter estritamente cultural, o IPHAN foi fortemente influenciado nos
anos de 1950 e 1960 pela ideologia do desenvolvimentismo, atrelando o nacionalismo aos
valores modernistas. Nesse período temos a eleição de um novo estilo arquitetônico como
subsídio da identidade nacional, a arquitetura modernista no estilo Oscar Niemayer.
85
Em 1979 temos a criação da Fundação Pró-Memória (FNPM), esse fato significou o
estabelecimento de uma nova dinâmica do órgão federal, acarretando uma reformulação do
mesmo com a manutenção dos instrumentos legais que lhe conferiam eficácia. A FNPM tinha
como finalidade realizar inventários, classificação, conservação, proteção, restauração e
revitalização dos bens culturais, enquanto o IPHAN coordenava e dirigia as atividades de
preservação dos bens culturais.
Em 1985 temos a criação do Ministério da Cultura (MinC), e tanto o IPHAN como a
FNPM ficam sob tutela do mesmo. A criação deste ministério não foi resultado de uma
reivindicação popular, mas sim de um arranjo político. Mesmo agora a cultura tendo pela
primeira vez um ministério próprio, as questões referentes a este continuavam secundárias
(FONSECA, 1996).
Em 1988 tivemos a promulgação da nova Constituição, nesse momento o Estado
abarca a questão cultural de maneira mais abrangente através dos artigos 215 e 216, com a
ampliação da noção de patrimônio cultural e com o surgimento de um novo agente frente a
esse processo, a sociedade em parceria com o Estado. Porém, mesmo assegurado pela
constituição, os mecanismos públicos de preservação do patrimônio passaram por um
processo de desmantelamento no governo de Fernando Collor, quando temos a extinção do
MinC e do IPHAN em 1990, tornando-se respectivamente a Secretaria da Cultura e Instituto
Brasileiro de Patrimônio Cultural, o que dá início ao que denominaremos terceira fase do
IPHAN.
Esse desmantelamento da área da cultura foi somado com a aprovação da Lei Rouanet,
que permitia que projetos de incentivo à cultura recebessem patrocínio e doações de empresas
e pessoas físicas, podendo estes virem a ter parte dos benefícios concedidos abatidos no
Imposto de Renda. Esse fato efetivou a cooptação da esfera da cultura pelo mercado, de
maneira que apenas os projetos de grande visibilidade, portanto, os que possuíam maior
capacidade de gerar lucro tivessem agentes financiadores, uma verdadeira “privatização” da
cultura e do patrimônio, cabendo ao Estado apenas a aprovação das ações.
Com a ascensão de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da Republica, quando
temos o início da quarta fase do IPHAN, o MinC é recriado e o IPHAN é efetivado como uma
entidade integrada a Administração Pública Federal, revigorando assim a atuação dos órgãos
oficiais de cultura.
A questão mais importante referente a essa temática no presente período refere-se à
institucionalização do patrimônio imaterial, redefinindo as diretrizes de preservação no Brasil.
Instituído pelo Decreto n° 3.551 de 2000, juntamente com o Programa Nacional do
86
Patrimônio Imaterial (PNPI), tendo como objetivo fomentar e buscar estabelecer parcerias
entre as instituições federais, estaduais, municipais, universidades, organizações não
governamentais, agências de desenvolvimento e fomento ligadas à cultura, pesquisa e
educação.
Com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva em 2003 não tivemos grandes mudanças
na estrutura do MinC e do IPHAN, porém houve mudanças significativas nas políticas de
ambos, principalmente no que tange o direcionamento dos recursos por meio dos Pontos de
Cultura e no estabelecimento das prioridades. Contudo, as mudanças mais significativas
referem-se ao início de uma política de reconstituição dos quadros administrativos e técnicos
do IPHAN, caracterizando uma nova fase desse instituto, portanto, a quinta fase. Através de
concursos públicos, novos quatros são incluídos ao corpo técnico e administrativo,
revitalizando suas ações em relação às políticas de patrimônio, com uma maior disposição
para o diálogo com a sociedade e pela busca por uma melhor representatividade do
patrimônio nacional, visto que as tentativas anteriores foram insuficientes.
É deste período também a aprovação do regimento interno do IPHAN, neste se
estabelece que é de competência do presente instituto proteger, fiscalizar, promover, estudar e
pesquisar o patrimônio cultural brasileiro. Nesse sentido, são estabelecidas as ações de rotina
do órgão, como as vistorias, visitas técnicas e fiscalizações, análises de processos e aprovação
de projetos, emissão de autorizações, notificações e embargos, acompanhamento da execução
de intervenções e projetos e a adoção de medidas legais no caso de danos aos bens tombados.
Nessa nova conjuntura política, temos em 2007, quase cinquenta anos depois, a
reabertura de estudos acerca da possibilidade de realizar novos tombamentos em São Paulo,
com destaque para os conjuntos urbanos de Santos, Iguape e São Luiz do Paraitinga.
Dessa maneira, em dezembro de 2009 Iguape é declarada Patrimônio Cultural
Nacional, constituindo-se no primeiro conjunto urbano tombado pelo poder público federal no
estado de São Paulo. Tal tombamento fez parte de uma série de ações do IPHAN no Vale do
Ribeira (tombamento dos bens da imigração japonesa, estudo da Paisagem Cultural,
inventário de referências culturais, ações de educação patrimonial). Cabe ressaltar que o
presente tombamento não se restringe apenas ao núcleo urbano, um conjunto composto por 60
imóveis, mas também pelo registro do Morro da Espia, responsável pelo abastecimento de
água doce dos primeiros grupos humanos que habitavam a região e pelos vários sítios
arqueológicos encontrados e cadastrados anteriormente pelo IPHAN na localidade, e pelo
Setor Portuário (Canal do Valo Grande e Estuário Lagunar do Mar Pequeno) por se constituir
como um importante testemunho da relação intrínseca entre o conjunto urbano e as águas.
87
A definição dessa grande área a ser tombada foi estabelecida de forma participativa,
onde a população foi sistematicamente ouvida em vários encontros promovidos pela
superintendência do IPHAN de São Paulo e a Prefeitura Municipal de Iguape com a
população, prova desse fato foi a abertura da Casa de Patrimônio do Vale do Ribeira nesse
município, mesmo antes do seu tombamento.
Porém, esse processo participativo não ocorreu no caso do tombamento de São Luiz
do Paraitinga, talvez isso tenha ocorrido pelo fato de ter se congregado ao tombamento de
Iguape justamente os novos técnicos aprovados nos últimos concursos públicos, com uma
visão mais democrática de patrimônio, e no caso de São Luiz do Paraitinga seguiu-se o
mesmo modelo e abordagem tradicional. Assim, se desenhava novamente um tombamento
autoritário de cima para baixo, no mesmo modelo ao efetuado pelo CONDEPHAAT em 1982.
Contudo, vítima de um desastre natural, São Luiz do Paraitinga tem seu centro
histórico arrasado pela maior cheia já registrada do Rio Paraitinga, em janeiro de 2010. Dessa
maneira, a sociedade cobra do IPHAN um posicionamento oficial na recuperação desses bens,
e esse órgão tomba em caráter emergencial o presente centro histórico e a paisagem do seu
entorno em março do mesmo ano, mesmo antes de ter seu dossiê concluído, uma vez que essa
ação era necessária para embasar juridicamente suas ações no município.
Nesse momento é deslocada para São Luiz uma equipe do IPHAN de Goiás,
responsáveis pela recuperação da cidade de Goiás Velho depois de cheia do Rio Vermelho em
2000. Inúmeras obras de salvamento são iniciadas, entre elas se destacam o salvamento dos
remanescentes das Igrejas Matriz e das Mercês e o escoramento de vinte edificações que
possuíam risco iminente de ruir, além de obras emergenciais na Igreja do Rosário e na casa
Dr. Oswaldo Cruz, estas duas últimas, mesmo não tendo sido afetadas diretamente pela
enchente, encontravam-se em precário estado de conservação.
Enfim, quase sessenta anos depois do início dos primeiros estudos referentes à
relevância de São Luiz do Paraitinga como patrimônio cultural pelo IPHAN, temos o seu
reconhecimento como Patrimônio Cultural Nacional em 10 de dezembro de 2010, em uma
reunião do Conselho Consultivo do IPHAN no Palácio Gustavo Capanema, na cidade do Rio
de Janeiro, com o acautelamento de mais de 450 imóveis numa área superior a 6,5 milhões de
metros quadrados.
88
89
Nesse sentido, podemos concluir que, como aponta Scifoni (2006), o processo de
valorização dos bens tem, antes de qualquer coisa, um caráter político, a definição do que tem
valor e do que não tem implica uma escolha, uma seleção que ocorre segundo padrões de
aceitação social que tem uma historicidade, ou seja, os bens são suporte físico de valores que
lhes são conferidos de acordo com as condições presentes em cada momento da história.
6.1. O IPHAN como protagonista de um processo de recuperação
A grande inundação do réveillon de 2010, quando choveu intensamente em toda a
Bacia do Rio Paraitinga, resultou na elevação de cerca de 14 metros do nível do rio. Só para
se ter uma ideia da magnitude dessas chuvas, o Rio Paraitinga despeja na Represa de
Paraibuna, segundo a Companhia Energética de São Paulo (CESP), cerca de 80 mil litros de
água por segundo, no pico da inundação chegou a despejar 2 milhões de litros por segundo.
Com esse desastre e a grande cobertura que a mídia deu ao evento, a reconstrução e a
restauração de imóveis tombados em São Luiz do Paraitinga passam a ser prioridade da
Secretaria de Estado da Cultura (SEC) e do MinC que, através dos seus respectivos órgãos de
patrimônio, passam a atuar de maneira mais sistemática através de intervenções diretas e de
fiscalizações com a instalação de escritórios técnicos no município.
Para guiar esse processo de reconstrução é necessário considerar as Resoluções do
CONDEPHAAT, a de tombamento em 1982 e a complementar de 2010, e o Tombamento do
IPHAN de 2010, sem desconsiderar as recomendações internacionais por meio das Cartas de
Patrimônio da UNESCO para conferir legitimidade a esse processo.
Nesse sentido, a Carta de Veneza de 1964 (IPHAN, 2004) é o principal documento
orientador das intervenções em imóveis de interesse cultural. O seu artigo 3° sugere que “a
conservação e a restauração de monumentos visam à salvaguarda tanto da obra de arte quanto
do testemunho histórico”, sendo assim, para garantir à sobrevivência do monumento a
restauração é aceita.
No artigo 9°, a mesma carta sugere que a restauração é “uma operação que deve ter
caráter excepcional. Tem por objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do
monumento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos.
Termina onde começa a hipótese; no plano das reconstituições conjecturais, todo trabalho
complementar reconhecido como indispensável por razões estéticas ou técnicas destacar-se-á
da composição arquitetônica e devera ostentar a marca do nosso tempo. A restauração será
sempre precedida e acompanhada por um estudo arqueológico e histórico do monumento”.
90
Nesse sentido, a carta indica que se devem respeitar os remanescentes das edificações, visto
que estes são os documentos autênticos.
Como em São Luiz do Paraitinga o pau a pique e a taipa mostraram ser totalmente
vulneráveis a eventos extremos de inundação, onde “as técnicas tradicionais se revelaram
inadequadas, a consolidação do monumento pode ser assegurada com o emprego de todas as
técnicas modernas de conservação e construção cuja eficácia tenha sido demonstrada por
dados científicos e comprovada pela experiência”, diz o artigo 10° da Carta de Veneza. Então,
entendemos que os materiais remanescentes devem ser preservados, porém, para garantir à
sobrevivência desses bens a eventuais inundações futuras, estes devem ser recompostos com
o emprego de materiais resistentes.
Já a Carta de Burra de 1980 (IPHAN, 2004) estabelece, no artigo 17°, que a
“reconstrução deve ser efetivada quando constituir condição sine qua non de sobrevivência de
um bem cuja integridade tenha sido comprometida”, ressaltando no artigo 19° que “a
reconstrução deve limitar-se à reprodução de substâncias cujas características são conhecidas
graças ao testemunho material e/ou documental”. Assim, no caso de São Luiz do Paraitinga, a
reconstrução dos imóveis é aceita por haver levantamentos métricos e arquitetônicos de todos
os imóveis tombados pelos órgãos de preservação.
A Carta de Nairobi de 1976 (IPHAN, 2004), que dispõe sobre as recomendações
relativas à salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea, coloca
como um dos seus princípios gerais que “cada conjunto histórico ou tradicional e sua
ambiência deveriam ser considerados em sua globalidade, como um todo coerente, cujo
equilíbrio e um caráter específico dependem da síntese dos elementos que o compõem e que
compreendem tanto as atividades humanas quanto as construções, a estrutura espacial e as
zonas circundantes. Desta maneira, todos os elementos válidos, incluídas as atividades
humanas, desde as mais modestas, têm, em relação ao conjunto, uma significação que é
preciso respeitar”. Sendo assim, as reconstruções precisam ser pensadas em conjunto, não
como reconstruções de imóveis isolados, deve ser levada em consideração a relação dos
luizenses com o presente conjunto urbano em sua totalidade, visto que este, como já foi
discutido, configura-se como o lugar da vida, espaço vivido e suporte da identidade local.
Portanto, mostra-se importante a reconstituição do mesmo para que essas relações espaciais
persistam.
Por fim, a Carta de Nara de 1994 (IPHAN, 2004) dispõe sobre autenticidade e afirma
no artigo 13° que “dependendo da natureza do patrimônio cultural, do seu contexto cultural, e
da sua evolução através do tempo, os julgamentos de autenticidade podem estar ligados ao
91
valor de uma grande variedade de fontes de informação. Entre os aspectos destas fontes,
podem estar incluídos a forma e o desenho, os materiais e a substância, o uso e a função, as
tradições e as técnicas, a localização e o enquadramento, o espírito e o sentimento, bem como
outros fatores internos e externos. O uso destas fontes permite a elaboração das específicas
dimensões artística, histórica, social e científica do patrimônio cultural que está a ser
examinado”. Nesse sentido, quando a carta evoca o uso, a função, as tradições, o espírito e o
sentimento como fatores responsáveis pela conferência de autenticidade dos bens, há como
contestar a legitimidade do patrimônio de São Luiz do Paraitinga? Depois de tudo o que foi
discutido neste trabalho até aqui, a relação do lugar e da identidade em Carlos (1996) e de São
Luiz como o espaço da vida em Lefebvre (1991), não restam dúvidas quanto a sua
autenticidade.
Contempladas as questões de legitimidade desse processo de recuperação do centro
histórico no âmbito internacional, é necessário entender quais são as diretrizes adotadas pelos
órgãos de patrimônio, ou seja, as normativas que efetivamente guiaram esse processo. Sendo
assim, é necessário iniciar pelas determinações da Resolução de Tombamento do
CONDEPHAAT (SC-55 de 1982), que especifica o grau de proteção de cada imóvel, se ele
deve ser integralmente ou parcialmente conservado para garantir a harmonia do conjunto, o
que exige, por parte de intervenções em determinados imóveis, a adoção de métodos
científicos de restauração. Não entraremos com mais detalhes aqui, visto que essa resolução
já foi sistematicamente descrita anteriormente.
No que se refere ao tombamento do IPHAN, este ainda não possui uma normativa
específica, está sendo construída em parceria com a população local, porém, trata-se de um
tombamento paisagístico, cujos limites extrapolam os estabelecidos pelo CONDEPHAAT,
contudo este se preocupa com a relação estabelecida entre os imóveis e as medidas das
quadras, quanto ao seu aspecto exterior, principalmente em relação às elevações frontais,
incluindo os panos de cobertura, a volumetria.
Quanto à Resolução Complementar à de Tombamento de 2010 (SC-3 de 2010), fruto
de discussões entre o Conselho, técnicos da UPPH e o IPHAN, estabeleceu-se diretrizes
específicas para a reconstrução e reformas dos imóveis atingidos pela inundação, orientando-
se a utilização de técnicas e materiais resistentes a possíveis futuras inundações, onde as
edificações com grau de proteção GP1 e GP2 e perda estrutural igual ou superior a 50%
deveriam ser recompostos com alvenaria estrutural. Nas intervenções realizadas nas
edificações parcialmente arruinadas, com menos de 50% de perda estrutural, a restauração
92
deveria, preferencialmente, utilizar as mesmas técnicas construtivas dos remanescentes.
Como vimos, estas determinações estão de acordo com as Cartas Patrimoniais da UNESCO.
A resolução exige ainda que se respeitem as dimensões das paredes originais, que as
fachadas sejam recompostas de acordo com seus elementos decorativos e seus materiais
originais, que a volumetria e os telhados sejam respeitados. Apesar desta resolução ter sido
estabelecida em parceria entre o CONDEPHAAT e o IPHAN, no que se refere às técnicas de
restauração adotadas, é importante salientar que a posição deles tem sido divergentes em
muitos casos, o que tem acarretado muita morosidade na aprovação e execução de algumas
obras.
Mostra-se justo e necessário reconhecer o importante papel que o IPHAN
desempenhou no processo de salvamento dos remanescentes da Igreja Matriz e da Capela das
Mercês, o que possibilitou que à população fossem devolvidos vários objetos, dentre eles
importantes imagens sacras de extrema relevância para as memórias dessas pessoas, como a
imagem de Nossa Senhora das Mercês do século XVIII (Figuras 15 e 16), construída em terra
cota e que fora encontrada em 82 pedaços sobre os escombros da capela dedicada a ela, além
dos elementos integrados das edificações, suscetíveis a serem reincorporados aos novos
templos.
É importante salientar o papel que a população local teve nesse processo de
salvamento, visto que, mesmo antes das equipes técnicas dos órgãos competentes chegarem à
cidade logo após a inundação, a população já havia retirado dos escombros inúmeros objetos
que para eles serviam como sustentáculos de identidade, muitas vezes deixando seus próprios
pertences pessoais em segundo plano. Essa atitude foi muito valorizada pelos órgãos de
patrimônio, em especial pelo IPHAN, influenciando de maneira decisiva em suas ações, que
posteriormente contratou essas pessoas para dar continuidade às obras de salvamento, assim
como na reconstituição dos imóveis.
Após esse primeiro momento de salvamento, mostrou-se necessário estabelecer um
planejamento em conjunto entre IPHAN, CONDEPHAAT e PMSLP para o estabelecimento
de uma estratégia que visasse a reconstrução, recomposição e restauração dos imóveis
tombados. Porém, houve uma clara cisão entre a esfera federal e a estadual, onde a PMSLP, a
esfera mais fraca, não conseguindo impor sua posição perante o governo federal e o estadual
opta por se aliar, por questões partidárias, à esfera estadual. Assim, o IPHAN se viu isolado, e
esse fato pode ser comprovado pelo descaso da prefeitura na Reunião do Conselho do
IPHAN, que deliberou pelo tombamento definitivo de centro histórico em questão, quando
nenhum representante da mesma esteve presente.
93
Figura 15: Nossa Senhora das Mercês, após restauração. Fonte: Biapó (2010)
Figura 16: Nossa Senhora das Mercês, antes da restauração. Fonte: Biapó (2010).
94
Figura 18: Igreja Matriz, antes das obras de salvamento. Fonte: Biapó (2010)
Figura 17: Igreja Matriz, após as obras de salvamento. Fonte: Biapó (2010)
95
Esse fato forçou o IPHAN a eleger outros parceiros nesse processo de recuperação.
Assim, temos a entrada de duas instituições civis locais nesse processo, o Instituto Elpídio dos
Santos (IES) e a recém-criada Associação dos Amigos para a Reconstrução e Preservação do
Patrimônio Histórico de São Luiz do Paraitinga (AMI São Luiz). Essa parceria só foi possível
porque, nesse momento dramático, tivemos o alinhamento de um grupo de técnicos do
instituto mais sensíveis às questões que envolviam esse processo, que entenderam ser o
patrimônio cultural luizense um elemento de coesão entre a população e o poder público.
O IES é um tradicional órgão de valorização da cultura local, que tem como
fundadores os filhos do compositor Elpídio dos Santos, e que passa a desempenhar um
importante papel de salvaguarda do patrimônio após o convênio firmado com o IPHAN.
O presente convênio foi responsável pelo repasse de verbas para a restauração integral
da Igreja do Rosário, único templo católico do centro histórico que não fora atingido pelas
águas do Rio Paraitinga, mas que se encontrava em péssimo estado de conservação, sendo
condenada pelo IPT em 2008. É importante salientar que, mesmo esse edifício não possuindo
nenhum valor artístico por se constituir em uma edificação em estilo neogótico, totalmente
destoante do conjunto, ele é de extrema importância para a salvaguarda das memórias dessa
comunidade, fortemente católica e que passou pelo drama de perder seus principais templos
religiosos. Sendo assim, podemos considerar que esse fato representa a vitória do espaço
vivido sobre o concebido, é o reconhecimento deste espaço da vida pela ordem distante.
Esse convênio prevê ainda a restauração completa de outro bem de extrema
importância para o presente conjunto urbano, a Casa Dr. Oswaldo Cruz, que se converterá em
um “Museu da Reconstrução”. As obras emergenciais já foram concluídas e o seu restauro
completo aguarda a conclusão do projeto arquitetônico.
A parceria entre o IPHAN e o IES também apoia diversas ações do AMI São Luiz,
uma entidade comunitária que possui como finalidade contribuir na articulação da sociedade
civil e a iniciativa privada com o poder público, em especial com os órgãos de patrimônio.
Esta vem captando recursos para serem aplicados nas áreas em que o poder público não tem
condições de atuar, se configurando como uma resposta da comunidade local às limitações
das políticas públicas de preservação do patrimônio no Brasil. Foram essas ações da
comunidade local que sensibilizaram o IPHAN quanto às questões dos imóveis particulares e,
por meio dessa parceria firmada com o IES, dois imóveis privados serão reconstruídos no
centro histórico com custeio público.
96
Figura 19: Asilo de São Vicente, após reforma. Fonte: AMI São Luiz (2010).
Figura 20: Asilo de São Vicente, antes da reforma. Fonte: AMI São Luiz (2010)
97
A atuação da AMI São Luiz tem se concentrado na elaboração de projetos em parceria
com o IES e na doação de recursos para a restauração de imóveis privados de famílias
carentes, entendendo que não se pode falar em São Luiz do Paraitinga enquanto seus
moradores não estiverem ocupando novamente o espaço urbano que lhes pertence, visto que
este é fato que confere a São Luiz do Paraitinga grande particularidade dentre os conjuntos
tombados no Brasil, ser ocupado pela população local. Nesse sentido, destaca-se a execução
do projeto e das obras de recuperação da Vila São Vicente de Paula (Figuras 19 e 20), um
asilo, permitindo o retorno de um grupo de idosos que ali moravam até o réveillon de 2010,
quando foram transferidos para Taubaté.
Voltando as ações do IPHAN, em parceria com o IES e a AMI São Luiz, temos o
quadro abaixo onde são sistematizadas as obras executadas, em execução e a serem
executadas pelo IPHAN em São Luiz do Paraitinga:
Quadro 3: Obras do IPHAN na recuperação de São Luiz do Paraitinga
Obra Valor (R$)
Salvamento dos remanescentes das Igrejas Matriz e Mercês, trabalho de limpeza e
escoramento de 20 imóveis públicos e privados (executado)
2,8 milhões
Projeto museológico do Memorial da Reconstrução da Casa Dr. Oswaldo Cruz
(executado)
190 mil
Obras emergenciais na Igreja do Rosário, Casa Dr. Oswaldo Cruz e Instituto Elpídio
dos Santos (executado)
1 milhão
Vídeo documentário sobre o município (executado) 6,5 mil
Festa em comemoração ao tombamento nacional (executado) 60,5 mil
Restauro da Igreja do Rosário (em execução) 2,5 milhões
Reconstituição da Igreja das Mercês (executado) 1,3 mil
Projeto executivo da Casa Elpídio dos Santos (executado) 14,5 mil
Memorial da Casa Dr. Oswaldo Cruz e construção de anexo (em execução) 730 mil
Reconstrução de dois imóveis privados no Centro Histórico (em execução) 533 mil
Projeto de paisagismo no bosque da Casa Dr. Oswaldo Cruz (em execução) 54,5 mil
Obras de paisagismo no bosque da Casa Dr. Oswaldo Cruz (execução prevista para
2011)
250 mil
Custo administrativo do convênio com o Instituto Elpídio dos Santos (execução
prevista para 2011)
270 mil
Restauro da Cápsula do Tempo (execução prevista para 2011) 48,3 mil
Oficinas de Educação Patrimonial (execução prevista para 2011) 6 mil
Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) (execução prevista para 2011) 78,9 mil
Fonte: IPHAN (2011)
98
No que compete ao governo do estado de São Paulo, através do CONDEPHAAT e da
SEC, tivemos a restauração completa do Mercado Municipal, o mais antigo mercado em
funcionamento do estado (IPHAN 2010), um dos símbolos da cidade, outro importante
espaço vivido pela população. O imóvel ficou totalmente submerso e sua restauração já foi
concluída, todas as características originais foram respeitadas, inclusive no que se refere aos
materiais utilizados.
Outras das duas principais obras da SEC no centro histórico de São Luiz do Paraitinga
se referem à reconstrução do antigo Grupo Escolar e da restauração da sede da PMSLP. O
primeiro projeto, cujo imóvel original possuía grau de proteção GP1 e fora totalmente
arruinado, prevê a construção de um imóvel contemporâneo, onde a volumetria e os vãos do
imóvel original serão respeitados para garantir a harmonia do conjunto urbano, esse imóvel
deixará de ser uma escola para abrigar a biblioteca da cidade.
Quanto à sede da PMSLP, o prédio foi parcialmente arruinado e o mesmo possui grau
de proteção GP1a, ou seja, deve ser integralmente protegido. O projeto de restauração prevê o
respeito às técnicas e aos materiais originais, sendo adotados elementos modernos apenas
quando estes forem necessários para garantir que esse imóvel resista a possíveis novos
sinistros, porém, a fachada, a volumetria e as divisões internas serão mantidas.
Contudo, no que se refere à atuação do CONDEPHAAT, destaca-se o convênio
firmado entre a UPPH e a Fundação para a Pesquisa Ambiental (FUPAM), este tem como
objetivo suprir a demanda por projetos de restauro ou reconstrução de imóveis afetados pela
inundação, sendo a FUPAM responsável pelo desenvolvimento de projetos particulares em
diversos imóveis com grau de proteção GP3 e GP4, de acordo com os levantamentos técnicos
realizados pela UPPH dos danos ocorridos.
Como podemos observar no gráfico a seguir (Gráfico 3), dos 55 projetos elaborados
entre 2010 e 2011, 66% desses foram preparadas ou pela própria UPPH ou pelo convênio
firmado com a FUPAM, o que demonstra uma boa vontade do órgão estadual em viabilizar a
recuperação dos imóveis privados, visto que, sendo os projetos elaborados por eles, a sua
aprovação ocorre de maneira mais rápida.
99
Gráfico 3: Responsáveis pelos projetos arquitetônicos. Fonte: PMSLP.
Os 13% de projetos elaboras pelo CONDEPHAAT, através da UPPH, referem-se aos
imóveis com grau de proteção GP1, GP1a e GP2, por estes demandarem um maior rigor
técnico, onde os imóveis devem ser protegidos integralmente. Porém, a morosidade na
elaboração desses projetos tem sido apontada pela população como um dos empecilhos para
que a restauração desses imóveis seja realizada com maior agilidade. Até outubro de 2011 a
UPPH submeteu ao Conselho apenas sete projetos de restauração, pouco se considerado que
foram esses os imóveis que mais sofreram com a inundação por terem sido os que passaram
por menos alteração no decorrer do tempo, onde a taipa e o pau a pique eram as técnicas
construtivas predominantes, além de serem os imóveis que compõem o principal espaço
vivido da cidade, a Praça da Matriz, e a população se encontra ciosa por ter esse espaço
recuperado.
Porém, é justo ressaltar que, ao analisar os projetos elaborados pela UPPH foi possível
notar que os mesmos possuem um sólido embasamento técnico, onde todos os elementos
originais são respeitados e a utilização de materiais modernos só foram sugeridos quando
estes se mostravam importante para garantir que estes sobrevivam a possíveis novos
desastres, seguindo recomendações de engenharia feitas pela equipe técnica do Instituto de
Pesquisas Tecnológicas (IPT), sempre respeitando as fachadas, volumetrias, espessura das
paredes e divisões internas.
Contudo, a recuperação dos imóveis privados não depende apenas dos projetos, mas
também de linhas de financiamento. Para isto, o Governo do Estado disponibilizou recursos
especiais para as famílias do centro histórico de São Luiz do Paraitinga com renda de até dez
13%
53%
34%
Responsáveis pelos projetos arquitetônicos
Condephaat Fupam Particular
100
salários mínimos. Porém, poucas famílias estão conseguindo acesso a essa linha de crédito, e
isso ocorre porque os proprietários receberam esses imóveis por meio de herança, sendo
assim, alguns possuem várias famílias como titulares e quando as rendas dessas são somadas,
estas não conseguem se enquadrar. Outra questão que tem sido apontada como empecilho
refere-se à propriedade do imóvel estar regularizada, em São Luiz grande parte dos imóveis
possui apenas direito de posse, sendo necessária a sua regularização.
Gráfico 4: Origem dos recursos empregados na recuperação dos imóveis privados. Fonte: PMSLP.
Como podemos observar no gráfico 4, mais da metade dos imóveis tem sido
recuperada com recursos particulares, sendo que as linhas de crédito têm auxiliado apenas
25% das famílias, ressaltando que esses 11% correspondem às famílias que tiveram algum
problema ao se adequar aos requisitos, seja pela renda ou pelas questões fundiárias.
Os imóveis que estão apresentando mais dificuldades para serem recuperados são os
que se localizam na Praça da Matriz, pois estes não se enquadram na questão de renda,
porém, a recuperação desses grandes sobrados seguindo todas as exigências dos órgãos de
preservação possui custos muito elevados, visto que estes exigem até a contratação de
empresas especializadas, o que tem levado o poder público local a procurar outras alternativas
para recuperar o principal espaço público da cidade.
6%25%
11%5%
53%
Origem dos recursos empregados na recuperação dos imóveis privados
AMI-SLP
Financiamento público aprovado
Financiamento público em análise
IPHAN
Paticular
101
102
Como em Goiás Velho, que teve seu patrimônio recuperado após as cheias do Rio
Vermelho, em 2000, em grande parte pela iniciativa privada, a PMSLP está tentando
viabilizar que empresas que atuam na região e no município passem a auxiliar nesse processo
de recuperação, em especial as empresas de papel e celulose, como a Fibria, que possui
extensas áreas de eucalipto plantadas no município. Por se tratarem dos imóveis de maior
destaque, já que se encontram na praça principal da cidade, onde ocorrem as principais
manifestações culturais, portanto, de certa maneira com uma maior visibilidade, a prefeitura
acredita na viabilidade desse projeto, porém, este ainda encontra-se em processo de estudos.
Por fim, porém não menos importante, é necessário discorrer sobre a recuperação de
dois imóveis que se constituem como os principais sustentáculos de memória coletiva dessa
comunidade, imóveis estes que foram os primeiros a serem socorridos pela população assim
que as águas do Rio Paraitinga começaram a baixar: a Capela das Mercês e a Igreja Matriz de
São Luiz de Tolosa.
Estes são também os projetos mais polêmicos dentro dos órgãos de patrimônio, pois
colocaram em pauta novos desafios, como proceder quando um bem tem sua arquitetura
ruída, mas seus bens integrados recuperados?
Essa questão é fácil de ser entendida se compararmos o caso da Igreja de Nossa
Senhora do Rosário de Pirenópolis, em Goiás, com a da Igreja Matriz de São Luís de Tolosa.
Ambas foram acometidas por grandes desastres, a primeira num incêndio em 2002 que
destruiu todos os seus bens integrados, porém, preservou sua arquitetura. Em São Luiz se deu
o oposto, a inundação fez com que a arquitetura ruísse, mas permitiu que os bens integrados
fossem recuperados. Nesse sentido, como pode se ter a recuperação da igreja em Pirenópolis
como legítima e em São Luiz não? O que fazer com esses bens integrados? Transformá-los
em peças de museu mesmo estes ainda tendo significado no imaginário da comunidade? Ou
reincorporá-los em novas construções onde estes não estarão em harmonia com o restante da
nova edificação?
Ambos os casos são legítimos, pois, assim como em Pirenópolis, em São Luiz os
remanescentes serão respeitados e poderão ser contemplados pelos que adentrarem a nova
edificação, e se considerarmos os fatores que conferem autenticidade, segundo a Carta de
Nara de 1994 (IPHAN, 2004), esta questões já estão superadas, ficando apenas essa discussão
de “falso histórico” na dimensão de alguns arquitetos que ainda acreditam que o patrimônio
cultural se restringe a pedra e a cal, no caso a taipa.
103
Figura 21: Capela das Mercês, depois da recomposição. Fonte: Danilo Pereira, 2011.
Figura22: Altar da Capela das Mercês, depois da recomposição. Fonte: Danilo Pereira, 2011.
104
Figura23: Capela das Mercês, com destaque para o púlpito remanescente. Fonte: Danilo Pereira, 2011.
Figura 24: Capela das Mercês, com destaque para a taipa remanescente. Fonte: Danilo Pereira, 2011.
105
A reconstituição da Capela das Mercês (Figuras 21, 22, 23, 24) obedeceu a essas
questões descritas acima. Como a principal obra executada pelo IPHAN em São Luiz do
Paraitinga até o presente momento, está foi entregue a população no dia 27 de setembro de
2011, quando se comemorou as festividades da padroeira do templo, além do aniversário de
197 anos da edificação. O projeto realizou a recomposição da capela bicentenário, com a
reincorporação de seus remanescentes, dentre eles os pináculos, os capitéis, o altar e o
púlpito. As antigas paredes de taipa podem ser contempladas no interior da edificação por
intermédio da utilização de revestimentos de vidro.
Ao observar as imagens da Capela das Mercês, principalmente em seu interior,
podemos perceber a preocupação em não se falsificar a história. Essa nova edificação está
impregnada pela história desse lugar (lugar enquanto categoria geográfica com o qual se
estabelece identidade, como em Carlos, 1996), com a história dessa comunidade, inclusive a
inundação esta ali presente e visível nos bens integrados que foram restaurados e
reincorporados, mas cujas marcas não se apagaram.
No que se refere à reconstrução do principal imóvel arruinado durante a inundação, a
Igreja Matriz de São Luís de Tolosa, a recuperação desse bem prevê a realização de quatro
etapas, o que envolve o IPHAN, o CONDEPHAAT através da SEC e a Diocese de Taubaté,
proprietária do imóvel. A primeira etapa correspondeu ao processo de salvamento dos
remanescentes da antiga igreja, esta realizada pelo órgão federal. Nessa fase foi possível
salvar vários elementos decorativos, como capitéis, os altares de mármore, os sinos, o piso, os
lustres de cristais, os pináculos, os púlpitos de mármore e grande parte do forro que possui
várias pinturas de cenas bíblicas, estes são passiveis de restauração e deveram ser
reincorporados à nova edificação.
A segunda fase constituiu-se na elaboração do projeto, este fora realizado pela
Diocese de Taubaté. A Resolução Complementar do CONDEPHAAT de 2010 apontou três
possibilidades técnicas para a elaboração desse projeto. A primeira mantendo-se as
características da edificação original antes das intervenções pelas quais passou durante o
século XX, portanto, uma igreja mais harmônica ao conjunto, porém que não possui
sustentação nas memórias da comunidade. A segunda opção seria a reconstrução de uma
igreja o mais próximo possível da igreja que ruiu, mantendo-se as principais características da
arquitetura eclética da facha principal. Por fim, a terceira possibilidade previa a construção de
uma igreja nova e que em nenhum momento aludisse à antiga. Apesar de essa terceira opção
ter sido fortemente defendida entre os membros do conselho, que até chegaram a cogitar a
possibilidade da SEC promover um concurso para escolher o projeto, a demanda da
106
população pela reconstrução de um edifício o mais próximo possível do original os
sensibilizou. Aqui cabe ressaltar também que essa resolução é anterior ao término das obras
de salvamento realizadas pelo IPHAN, o que revelaria os elementos que deveriam ser
reincorporados à nova edificação, aliás, a reincorporação destes passou a ser um pré-requisito
para a aprovação do projeto pelos técnicos do IPHAN.
Por fim, as duas últimas etapas referem-se ao processo de edificação e decoração do
imóvel, essas sob responsabilidade da SEC. As obras tiveram início em setembro de 2011,
possuem previsão de 18 meses para serem concluídas e o orçamento disponibilizado foi de 13
milhões de reais. Assim como a Capela das Mercês, a volumetria das pareces deve ser
mantida, mas ao contrário da capela, que possui paredes maciças, a Matriz possuía paredes
com mais de 1,5 metros de espessuras que deverão ser ocas, com todos os remanescentes
reincorporados e as paredes de taipa originais preservadas e expostas.
Sendo assim, fica claro o importante papel do IPHAN na recuperação do patrimônio
de São Luiz do Paraitinga, visto que é ele quem dita e estabelece as diretrizes a serem
seguidas. Porém, é justo ressaltar o papel da população local nesse processo, pois foi ela quem
sensibilizou o poder público, a ordem próxima interferindo na ordem distante. Em poucas
localidades do Brasil existe uma convergência tão clara entre o patrimônio cultural material e
imaterial como em São Luiz, o que demandou a aplicação do Inventário Nacional de
Referências Culturais (INRC) em todo o município, uma metodologia desenvolvida para
identificar e catalogar o patrimônio imaterial. Isso permitirá o levantamento desse patrimônio
intangível e das memórias da cidade, cidade esta que é lugar por excelência, onde a natureza é
transformada pela prática social, acumulando cultura em um espaço e tempo, acúmulos esses
que se dão simultaneamente e com os quais se estabelecem laços de identidade (CARLOS,
1996), espaço vivido (LEFEBVRE, 1991), de ver e ser visto, portanto um patrimônio
autêntico segundo as determinações da Carta de Nara de 1994 (IPHAN, 2004).
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Des
enh
o a
bic
o d
e p
ena
de
To
m M
aia
(19
76
)
108
O conhecimento científico surge de uma dúvida e, consequentemente, do desejo de
fornecer explicações sistemáticas que possam ser testadas e criticadas. Esse conhecimento,
porém, é falível. Por se reconhecer a natureza hipotética do conhecimento científico, ele deve
ser constantemente submetido a uma revisão crítica, tanto de consistência lógica das teorias,
quanto da validade dos métodos e das técnicas de investigação adotados. Ou seja, não
devemos dogmatizar os resultados, mas tratá-los como eternas hipóteses que necessitam de
constantes investigações e revisões críticas em futuras pesquisas.
Essa breve reflexão sobre o conhecimento científico se mostra necessária, porque os
resultados a que chegamos neste trabalho vão de encontro a resultados obtidos por outros
pesquisadores que afirmam, entre outras coisas, que a área de estudo em questão passa por um
processo de refuncionalização, onde o presente centro histórico estaria passado por um
processo de cenarização devido à massificação da atividade do turismo, onde a identidade das
pessoas com o lugar estaria se perdendo. Contudo, os usos dos imóveis tombados continuam
sendo os mesmos desde o primeiro levantamento em 1982, quando do tombamento pelo
CONDEPHAAT, ou seja, as famílias não estão sendo desalojadas do centro histórico para a
incorporação de novos usos voltados à atividade turística. Sendo assim, é importante ressaltar
que os métodos e técnicas adotadas neste trabalho nos levaram a resultados totalmente
divergentes, pois entendemos ser a identidade dos luizenses com o lugar que habitam como
um dos grandes diferenciais desse espaço que, para nós, é vivido.
Outra questão que gostaríamos de salientar antes de apresentar alguns resultados da
pesquisa refere-se à relação do pesquisador e seu objeto de pesquisa. Muitos manuais de
metodologia afirmam ser necessário manter uma distância estratégica entre o sujeito e o
objeto de pesquisa, buscando um não envolvimento subjetivo com as variáveis em análise,
mas isso é possível quando tratamos de memória coletiva e identidade de um grupo? Em
especial de um grupo que passou pela tragédia de perder seus principais sustentáculos de
identidade em uma grande tragédia que marcou, não só a história dessas pessoas, mas as
formas de se estabelecer as políticas de patrimônio no país. Aqui, cabe outra importante
ressalva, como o pesquisador pode manter distância do seu objeto de pesquisa quando
compartilha dos mesmos sustentáculos de memórias que essa população, possui nesse lugar
seus referenciais de identidade, que estava presente quando da inundação e viu parte dos seus
suportes de memórias serem levadas pelas águas do Rio Paraitinga? Nesse sentido,
assumimos desde o início dessa pesquisa que tal abordagem seria impossível, admitimos
assim todas as dificuldades que essa forte relação entre o pesquisador e sua área de estudo
109
iriam impor, o que não foram poucas, aliás, as dificuldades se mostraram maiores do que as
vantagens que essa proximidade propiciou.
Após o reconhecimento dessas limitações, vamos a alguns resultados que este trabalho
possibilitou que chegássemos: após o tombamento, cabe aos órgãos de proteção zelar pelos
bens listados, promovendo a manutenção e a valorização desses bens, além de difundir ações
voltadas à educação da população no que concerne às questões que envolvem a preservação
desse patrimônio.
Em São Luiz do Paraitinga, nunca houve por parte do CONDEPHAAT ações de
educação patrimonial e, no que se refere à manutenção e valorização, as ações se mostraram
insuficientes. O tombamento realizado por esse órgão apenas produziu um espaço
esquizofrênico, pois o mesmo se mostrou incapaz de implantar as diretrizes e normas que
estabeleceu no processo de tombamento, mantendo um grande distanciamento com a
população local, o que gerou um grande vazio institucional, vazio este que agora passa a ser
ocupado pelo IPHAN, que tem se mostrado mais suscetível a dialogar com os verdadeiros
agentes da preservação do patrimônio cultural, a população local.
Assim, podemos afirmar que apenas dois fatores foram responsáveis pela manutenção
desses bens no presente espaço geográfico, em um primeiro momento a impossibilidade
econômica em substituir esses imóveis por novos, e num segundo pela relação de identidade
que essa população possui com esses bens, prova disso era o grau de conservação que estes
apresentavam até o advento da inundação. Segundo levantamento do IPHAN em 2009 (Anexo
III), dos 450 bens que compõem o centro histórico, apenas 4,5% encontravam-se em estado de
conservação ruim, 12% regular e 83,5% em bom estado de conservação, o que corrobora com
o fato de que, mesmo com a ineficiência das políticas estaduais de preservação e sem uma
orientação técnica devida a população zelava pelo que ela tinha como seu patrimônio.
Outra questão que nos leva a tal afirmação é a presença nesse espaço de vários agentes
culturais não vinculados ao estado e que passaram a desempenhar um importante papel no
processo de recuperação após a inundação de 2010, como já discutimos aqui.
Gostaríamos de deixar marcado então que, até o advento da grande cheia do Rio
Paraitinga, a gestão pública do patrimônio cultural não se consistia em uma realidade em São
Luiz do Paraitinga, portanto, somente com essa nova fase de gestão patrimonial que se inicia,
tendo o IPHAN como protagonista, é que esse quadro muda e esperamos que essa nova fase
seja capaz de recuperar parte do maior conjunto arquitetônico tombado pelo seu valor cultural
em São Paulo. Esperamos ainda que esse órgão seja apto em criar mecanismos de valorização
do patrimônio imaterial, tão significativo ou até mais que o tangível, porém, lamentamos que
110
parte das memórias pessoais e coletivas nunca poderão ser recuperadas, visto que essa
inundação não levou apenas edificações, algumas que se configuram como verdadeiras perdas
coletivas como no caso das Igrejas e do Grupo Escolar, mas levou também um pouco da
história pessoal e familiar dessa comunidade.
Apesar de tudo, uma lição positiva pode ser tirada desses acontecimentos, há anos era
comum ouvir da população local frases do tipo “São Luiz não existe lá fora, não está nem no
mapa”, hoje podemos afirmar que São Luiz do Paraitinga está no mapa e, no que se refere ao
mapa de referências culturais do Brasil, possui um lugar de destaque, seja pelo seu patrimônio
material como pelo imaterial.
111
BIBLIOGRAFIA
Des
enh
o a
bic
o d
e p
ena d
e T
om
Mai
a (1
97
6)
112
ARANTES, C. Caminhos antigos e povoamento do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1975
AB‟SABER, A. N. São Luiz do Paraitinga, espaços rurais. Revista Scientific American
Brasil. São Paulo, nº 67, p. 98. Nov. 2007.
BOCCHINI, B. São Paulo pode ter perdido maior conjunto de edificações do século XIX. In:
Agência Brasil – Empresa Brasil de Comunicação. Disponível em:<
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2010-01-11/sao-paulo-pode-ter-perdido-maior-
conjunto-de-edificacoes-do-seculo-19>. Acesso em: 11 jan. 2010.
BOSI, E. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2003.
BRANDÃO, C. R. A partilha da vida. São Paulo: Geic/Cabral, 1995.
BRASIL. Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil (1934). Diário Oficial da
União. Brasília, DF, jul. 1934.
__________. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Diário Oficial da
União. Brasília, DF, out. 1998.
__________. Decreto-Lei n° 3.551 de 04 de agosto de 2000. Institui o registro de Bens
Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o programa
nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília,
DF, ago. 2000.
__________. Decreto-Lei n° 25 de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção ao
patrimônio histórico e artístico nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, Nov. 1837.
CANDIDO, A. Os Parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a
transformação dos seus meios de vida. São Paulo: Editora Livraria Duas Cidades, 1987.
CARLOS, A.F.A. O Lugar no/do mundo. São Paulo: HUCITEC, 1996.
CASTELLS, M. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
CHOAY, F. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.
CORREIA, J.E.H. Vila Real de Santo António levantada em cinco meses pelo Marquês de
Pombal. In: SANTOS, M. H. C. (Org.) Pombal Revisitado. Lisboa: Ed. Estampa, 1984, v. 2,
p. 85-91.
__________. Vila Real de Santo António, um exemplo de urbanismo iluminista. In:
CORREA, A. B. (Org.) Urbanismo e história urbana em El Mundo Hispano: Segundo
Simposio. Madrid: Universidad Complutense de Madrid, v. 2, 1985.
113
FONSECA, M.C.L. O patrimônio em processo: Trajetória da política federal de
preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 1997.
FRANCISCO, L.R. de. A gente paulista e a vida caipira. In: SETUBAL, M.A.. Terra
Paulista: histórias, arte e costumes. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008. v. 3, p. 23-50.
HAESBAERT, R.; LIMONAD, E. O território em tempos de globalização. In: Espaço,
tempo e crítica – Revista Eletrônica de Ciências Sociais Aplicadas. v. 1, n. 2, 2007.
Disponível em: <http://www.uff.br/etc>. Acesso em: 1 de maio de 2010.
HARVEY, D. A justiça social e a cidade. São Paulo: Hucitec, 1980.
__________. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1993.
__________. Do gerenciamento ao empresariamento: a transição da administração urbana no
capitalismo tardio. In: Espaço & Debate – Revista de Estudos Regionais e Urbanos. São
Paulo, n. 39, p. 48-64, 1996.
__________. A Produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005.
IPHAN. Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: IPHAN/MinC, 2004.
__________. Dossiê de Tombamento de Iguape. São Paulo: Minc/IPHAN, 2009.
__________. Bens Móveis e Imóveis Inscritos nos Livros do Tombo do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional 1938 – 2009. Brasília: Minc/IPHAN, 2009.
__________. Dossiê de Tombamento – São Luiz do Paraitinga/SP: um programa da
“ilustração”. Proposta de tombamento da cidade configurada a partir do plano traçado
no século XVIII. São Paulo: Minc/IPHAN, 2010.
LEFEBVRE, H.. A natureza e o domínio da natureza. In: LEFEBVRE, H. Introdução à
Modernidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.
__________. La production de l’espace. Paris: Anthropos, 1974.
__________. O direito a cidade. São Paulo: Moraes, 1991.
__________. A revolução urbana. Belo Horizonte: UFMG, 2004.
LUZ, R.R. São Luiz do Paraitinga: o último reduto caipira. São Paulo: BH Gráfica e
Editora, 2004.
MAIA, T. Vale do Paraíba: Velhas Cidades. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1976.
114
MARINS, P.C.G. A vida cotidiana dos paulistas: moradias, alimentação, indumentária. In:
SETUBAL, M. A. Terra Paulista: histórias, arte e costumes. São Paulo: Imprensa Oficial,
2008a. v. 3, p. 89-192.
__________. Trajetória de preservação do patrimônio cultural paulista In: SETUBAL, M. A.
Terra Paulista: histórias, arte e costumes. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008b. v. 4, p.137-
168.
MARX, K. O Capital. São Paulo: Edipro, 2008.
MENESES, U.B. Patrimônio ambiental urbano em São Paulo. Comunidade e Debate.
São Paulo: Emplasa, 1979.
__________. A psicologia social do campo do patrimônio material. In: Anais do Museu
Paulista. São Paulo, v.4, p. 283-290, jan./dez. 1996.
__________. Os usos culturais da cultura. Contribuição para uma abordagem crítica das
praticas e políticas culturais. In: YÁZIGI, E. (org). Turismo: espaço, paisagem e cultura.
São Paulo: Hucitec, 1999. p. 88-99.
MICELI, S. SPHAN: refrigério da cultura nacional. In: Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. Rio de Janeiro, n° 22, p. 44-47, 1987.
OLIVEIRA, M.R.S. Gestão patrimonial em Ouro Preto: alcances e limites das políticas
públicas preservacionais. Dissertação (Mestrado em Geografia – Instituto de Geociências –
Unicamp) Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.
PAES, M.T.D. e OLIVEIRA, M.R.S. (orgs). Geografia, Turismo e Patrimônio Cultural.
São Paulo: FAPESP, 2009.
PEREIRA, D.C. Gestão Patrimonial no Brasil: o caso de São Luiz do Paraitinga. In: Revista
Geográfica de América Central, San José, v.2, n. 47E, p. 1-16, 2011.
PETRONE, P. A região de São Luiz do Paraitinga. In: Revista Brasileira de Geografia. v. 1,
n. 3, p. 3-99, 1959.
PRADO-SANTOS, C.M. O reencantamento das cidades: tempo e espaço na memória do
patrimônio histórico de São Luiz do Paraitinga/SP. Dissertação (Mestrado em Geografia -
Instituto de Geociências - Unicamp) Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006.
RODRIGUES, M. Imagens do Passado – a instituição do patrimônio em São Paulo, 1969-
1987. São Paulo: Ed. Unesp; Imesp; Condephaat; Fapesp, 1999.
RUBINO, S. O mapa do Brasil passado. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Brasília, n° 24, 97-105, 1996.
115
SAIA, L. & TRINDADE, J. B. São Luiz do Paraitinga. São Paulo: CONDEPHAAT, nº 2,
1977.
SANTOS, J.R.C.C. A festa do Divino em São Luiz do Paraitinga: o desafio da cultura
popular na contemporaneidade. Dissertação (Mestrado em História – Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
SANTOS, M. Por uma economia política da cidade: o caso de São Paulo. São Paulo:
Hucitec, 1994.
__________. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1997.
__________. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp,
2002.
SANTOS, M. e SILVEIRA, M.L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI.
Rio de Janeiro: Record, 2001, 473p.
SECRETARIA DA CULTURA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Resolução n° 55 de
outubro de 1982. Dispõe sobre o Tombamento de São Luiz do Paraitinga. Diário Oficial. São
Paulo, SP, 1982
__________. Resolução n° 03 janeiro de 2010. Dispõe sobre as diretrizes para a reconstrução
do Centro Histórico de São Luiz do Paraitinga. Diário Oficial. São Paulo, SP, 2010.
SCIFONI, S. A construção do patrimônio natural. Tese (Doutorado em Geografia –
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP) Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2006.
__________. Os diferentes significados do patrimônio natural. Revista Diálogos, DHI/UEM,
vol. 10, n. 3, p. 55-78, 2006.
_________. Por uma geografia política dos recursos naturais. In: PAES, Maria Teresa Duarte
e OLIVEIRA, Melissa Ramos da Silva (orgs). Geografia, Turismo e Patrimônio Cultural.
São Paulo: FAPESP, 2009, p. 179-206.
SCIFONI, S. e RIBEIRO, W.C. Preservar: por que e para quem? In: Revista Patrimônio e
Memória. Assis: UNESP, v. 2, p. 1-12, 2006.
SCHMIDT, C. B. A vida Rural no Brasil: a área do Paraitinga, uma amostra
representativa. São Paulo: Secretaria da Agricultura de São Paulo; Diretoria de Publicidade
Agrícola, 1951.
SETUBAL, M.A. Terra Paulista: histórias, arte e costumes. São Paulo: Imprensa Oficial,
2008.
116
SILVA, V. A. Paulistas em movimento: bandeiras, monções e tropas. In: SETUBAL, M.A..
Terra Paulista: histórias, arte e costumes. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008. v. 1, p. 55-
101.
SPÓSITO, M.E.B. O centro e as formas de expressão da centralidade urbana. Revista de
Geografia. São Paulo, n. 10, p. 1-18, 1991.
TEIXEIRA, M.C. O urbanismo português, Séculos XIII-XVIII Portugal-Brasil. Lisboa:
Livros Horizonte, 1999.
__________. A Praça nas morfologias urbanas brasileiras. In: Simpósio de Arquitetura da
Cidade nas Américas: Diálogos Contemporâneos entre o local e o global. Sevilha, 2006.
TOJI, S. Patrimônio Imaterial: marcos, referências, políticas públicas e alguns dilemas. In:
Revista Patrimônio e Memória – UNESP. Assis, v. 5, n. 2, p. 11-26, dez. 2009.
117
ANEXOS
Des
enh
o a
bic
o d
e p
ena
de
To
m M
aia
(19
76
)
118
ANEXO I: Mapa das Formas do Relevo
Fonte: IPT, 2010
119
ANEXO II: Uso dos imóveis do Centro Histórico em 2009
Fonte: IPHAN, 2010
120
ANEXO III: Estado de conservação dos imóveis do Centro Histórico em 2009
Fonte: IPHAN, 2010
121
ANEXO IV: Diagnóstico do estado dos imóveis do Centro Histórico após a inundação
Fonte: IPHAN, 2010