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320 IDENTIFICAÇÃO, VALORIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL NARA MARLEI JOHN Professora Estadual do Rio Grande do Sul [email protected] Resumo: O presente trabalho, objetiva contribuir com a reflexão sobre o papel que desempenha o Patrimônio Histórico Cultural como elemento simbólico representativo do poder e da identidade da memória coletiva das comunidades e do local em que constroem sua história; apresenta a contribuição dada pela Nova História Cultural e o uso da História Oral e da Fotografia como prática de registro para a identificação e a preservação da memória, principalmente das camadas populares e dos lugares onde produzem sua cultura; analisa a proposta de Educação Patrimonial contida no Guia Básico de Educação Patrimonial organizado pelo IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e expõem o que está sendo realizado na comunidade de Tuparendi-RS para que o Patrimônio Histórico Cultural do Município seja preservado. Palavras-chave: Patrimônio Histórico Cultural, Memória, Educação Patrimonial. O Patrimônio Histórico e Cultural constituído por bens materiais e imateriais impregnados de um valor simbólico para a comunidade representa a memória que foi valorizada e materializada pelos poderes constituídos ao longo do tempo. A vivência de um período histórico marcado por uma legislação democrática garante que novas perspectivas possam ser construídas em vista da rememorização de uma história mais significativa especialmente de quem e para quem historicamente foi deixado de lado: os mais pobres, os explorados, os dominados. Além disso, permite que a sociedade civil e os órgãos públicos na contemporaneidade possam desenvolver ações adequadas que fortaleçam a identificação, a valorização e a preservação da memória dos lugares e os lugares de memória, dentro desta nova perspectiva histórica. As comunidades sempre deixam marcas no lugar onde vivem que identificam a sua história individual e coletiva materializando assim, nestes espaços, sua identidade, suas tradições e seus costumes. Como afirma Susana Gastal (2006, p 101) nos lugares estão “as marcas do local construídas no tempo”. Neste sentido, entende-se que todos os lugares trazem sinais peculiares do modo de ver e viver da população que habita ou habitou o local. Para Gastal (2006, p. 101), “O Lugar seria o Locus, no tempo e no espaço, do acúmulo de experiência em forma de história e de tradição, a segurança da identidade”. Já o antropólogo francês Marc Augé (1994) utiliza a expressão “lugar antropológico” para qualificar o local onde se dá a construção concreta e simbólica do espaço. Para ele esse

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IDENTIFICAÇÃO, VALORIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL

Nara Marlei JohN

Professora Estadual do Rio Grande do [email protected]

Resumo: O presente trabalho, objetiva contribuir com a reflexão sobre o papel que desempenha o Patrimônio Histórico Cultural como elemento simbólico representativo do poder e da identidade da memória coletiva das comunidades e do local em que constroem sua história; apresenta a contribuição dada pela Nova História Cultural e o uso da História Oral e da Fotografia como prática de registro para a identificação e a preservação da memória, principalmente das camadas populares e dos lugares onde produzem sua cultura; analisa a proposta de Educação Patrimonial contida no Guia Básico de Educação Patrimonial organizado pelo IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e expõem o que está sendo realizado na comunidade de Tuparendi-RS para que o Patrimônio Histórico Cultural do Município seja preservado.

Palavras-chave: Patrimônio Histórico Cultural, Memória, Educação Patrimonial.

O Patrimônio Histórico e Cultural constituído por bens materiais e imateriais impregnados de um valor simbólico para a comunidade representa a memória que foi valorizada e materializada pelos poderes constituídos ao longo do tempo. A vivência de um período histórico marcado por uma legislação democrática garante que novas perspectivas possam ser construídas em vista da rememorização de uma história mais significativa especialmente de quem e para quem historicamente foi deixado de lado: os mais pobres, os explorados, os dominados. Além disso, permite que a sociedade civil e os órgãos públicos na contemporaneidade possam desenvolver ações adequadas que fortaleçam a identificação, a valorização e a preservação da memória dos lugares e os lugares de memória, dentro desta nova perspectiva histórica. As comunidades sempre deixam marcas no lugar onde vivem que identificam a sua história individual e coletiva materializando assim, nestes espaços, sua identidade, suas tradições e seus costumes. Como afirma Susana Gastal (2006, p 101) nos lugares estão “as marcas do local construídas no tempo”. Neste sentido, entende-se que todos os lugares trazem sinais peculiares do modo de ver e viver da população que habita ou habitou o local. Para Gastal (2006, p. 101), “O Lugar seria o Locus, no tempo e no espaço, do acúmulo de experiência em forma de história e de tradição, a segurança da identidade”. Já o antropólogo francês Marc Augé (1994) utiliza a expressão “lugar antropológico” para qualificar o local onde se dá a construção concreta e simbólica do espaço. Para ele esse

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lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico. Pierre Nora (1984) utiliza a expressão “lugares de memória” para se referir aos locais valorosos em que se constrói a identidade individual e coletiva.

Para exemplificar, citemos a observação de Marc Ferro (1924), em relação à época posterior a ocupação estrangeira e nazista na Silésia (importante região industrial da Polônia). O autor afirma que, mesmo que os poloneses tivessem dificuldade de provar com fontes escritas quais os lugares que construíram sua história coletiva, tiveram possibilidade de identificar o local da construção da sua história, graças à forma dos campos e o traçado das terras coletivas, marcos da identidade cultural deste povo. Portanto, como afirma Bartholo (2005, p. 19) “O lugar é produzido na relação com o espaço construído socialmente, mediante uma rede de significados e sentidos que são historicamente e culturalmente tecidos”.

Astor Antônio Diehl (2002, p. 112) entende a construção da memória dos lugares “como um processo dinâmico da própria rememorização” do passado histórico. Segundo o autor, essa reconstrução histórica é capaz de produzir um novo sentido e significação da história a ponto dos grupos perceberem futuro no seu passado. Assim, as comunidades, enquanto originárias de um processo de materialização e síntese de um passado, constituem verdadeiras fontes documentais da história do local. Para Diehl, a memória “Constitui-se de um saber, formando tradições, caminhos – como canais de comunicação entre dimensões temporais -, ao invés de rastros e restos como no caso da lembrança” (2002, p.116).

Neste sentido, o autor afirma que a celebração do passado deva cumprir também o papel de identificação cultural dos sujeitos já que “O ato de rememorar produz sentido e significação através da ressubjetivação do sujeito e a repoetização do passado, produzindo uma nova estética do passado” (p.114). Assim, fundada nas experiências e sentidos da vida, principalmente dos grupos que foram esquecidos pela historiografia tradicional, a memória torna-se fator de identidade e valorização da cultura dos mesmos. No dizer de Andrade (2008, p. 570) estes lugares de memória “são verdadeiros patrimônios culturais, projetados simbolicamente e podem estar atrelados a um passado vivo que ainda marca presença e reforça os traços identitários do lugar”.

Além dos lugares serem depositários da memória coletiva de um povo a memória coletiva de uma comunidade pode ser identificada também em objetos, festas, músicas, danças, práticas alternativas de medicina, técnicas, culinária e tantas outras representações que estão repletas de significação das mais variadas formas de vida que constituem as culturas dos povos. Esse patrimônio, mesmo não sendo como afirma Fonseca (2003), feitos de “pedra e cal” também são memórias que podem servir como ponte dialogal entre as gerações. Um objeto, por exemplo, afirma DEBARY (2010, p. 38-39), “guarda

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consigo uma história que é retomada com ele” e é um testemunho que funciona “como um transmissor de história” que é reativado com as lembranças que ele traz ao indivíduo ou sociedade. Portanto, o objeto “fala sempre de um lugar, seja ele qual for, porque está ligado à experiência dos sujeitos com e no mundo, posto que ele representa uma porção significativa da paisagem vivida” (Silveira e Lima Filho, 2005,p.40). Os autores acrescentam que,

É nesse sentido que é possível falar numa memória que impregna e restitui “a alma nas coisas”, referida a uma paisagem (inter) subjetiva onde o objeto (re) situa o sujeito no mundo vivido mediante o trabalho da memória, ou ainda, é da força e dinâmica da memória coletiva que o objeto, enquanto expressão da materialidade da cultura de um grupo social remete à elasticidade da memória como forma de fortalecer os vínculos com o lugar, considerando as tensões próprias do esquecimento (SILVEIRA E LIMA FILHO, 2005, p.39).

Levantemos ainda uma pequena reflexão relacionada ao desgaste que a memória sofre com o passar do tempo. Diehl (2002, p. 118) chama este processo de “corrosão temporal” da memória. Segundo Diehl, quanto mais distante do fato, ou da época, ou do contexto tomado como objeto de pesquisa, tanto mais desgastada a memória estará. A memória “vai perdendo força, capacidade explicativa, capacidade de informar, tornar-se transparente, sem pontos de referência substantiva para manter suas funções,...” (p.118). Dihel (2002, p. 119) sugere então, que a memória seja “refrescada constantemente” e que seja grafada, narrada ou tornada uma fonte histórica ou ainda que seja transformada em Patrimônio Histórico Cultural da coletividade.

Mas qual memória ou a memória de quais grupos sociais merece a preocupação de ser guardada? Antes de responder a esta questão é importante refletir sobre a identificação do poder simbólico nas representações constituídas nos espaços de memória, já que a Historiografia produziu/reproduziu ao longo do tempo, conceitos de poder manifestados não só em seus escritos, mas também em suas representações sociais.

Atualmente, com a origem da nova história política o conceito de poder passou a ser associado não mais unicamente às instituições de poder, mas às mais variadas práticas discursivas fazendo-se representar pelo imaginário social, pela memória coletiva, pelas mentalidades. Foucault (1979) analisa o poder não como um objeto natural e limitado ao Estado ou Igreja, mas como uma prática social construída historicamente. Para o filósofo

[...] o poder não existe; existe sim práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona. E que funciona como uma maquinaria, como uma máquina social que não está situada em um lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina por toda a estrutura social (FOUCAULT, 1979,p. 14).

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Falcon (1997, p. 75) apropriando-se do conceito de poder ampliado por Foucault, afirma que o poder está presente e “se revela nas mais diversas esferas e locais históricos como família, escola, asilos, prisões, hospitais etc.; em suma, no cotidiano de cada indivíduo ou grupo social”.

Chartier (2002) acredita que existem esquemas geradores das classificações e das percepções, que atuam como verdadeiras instituições sociais criadoras do mundo social ou das representações coletivas. Para o referido autor nem sempre a representação é o representado e o signo é o significado. Assim, destaca que existem diversas formas de mascarar a realidade, tornando as representações apenas sua aparência e sempre determinadas pelos interesses de grupos que as forjam, pois elas são originadas através da concorrência e da competição entre as classes sociais existentes. Para o autor, esta relação de representação pode ser entendida como “a relação entre uma imagem presente e um objeto ausente, uma valendo pelo outro porque lhe é homóloga” (CHARTIER, 1989, p. 184).

Bourdieu (1989, p. 12) utiliza a expressão “poder simbólico” como sendo aquele que é capaz de construir uma realidade. O autor acredita que “O campo da produção simbólica é um microcosmos da luta simbólica entre as classes” e que ele é uma forma transformada, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de pode. E acrescenta

O poder se vê por toda parte e é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem (BOURDIEU,1989, p.7-8).

Langer (1997, p. 109) analisa as estruturas de poder dentro da ciência arqueológica e denuncia que “a arqueologia sempre manteve estreitos vínculos com os sistemas de representações das sociedades, legitimando a ordem política estabelecida, principalmente através de sistemas místicos e simbólicos”. Assim, Langer (1997, p. 120) explica que a ciência arqueológica serviu como instrumento de poder principalmente quando “utilizada pelas instituições sociais e pela política, a fim de criar determinados simbolismos do passado histórico, que efetivamente só tomam consciência pela descoberta e preservação de monumentos”. Para o autor um monumento “Não é simplesmente o que restou do tempo, é o que deve permanecer na História” (p.121) porque nele a sociedade pode reconhecer-se nele e os poderes nele constituídos, revelados.

Langer compreende a Arqueologia como “formadora de uma memória histórica, interferindo diretamente na criação de uma cultura material a ser utilizada pelos detentores legítimos dos poderes políticos, indicando certas condições da razão de sua autoridade”

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(1997, p.121). Por isso, é necessário que se faça também, a identificação do poder nas representações dos espaços de memória já que a própria noção de patrimônio, que envolve a construção de identidades coletivas está influenciada por uma concepção de poder.

Canani (2005, p. 3) afirma que o termo patrimônio “pode ser entendido como um conjunto de bens, materiais ou não, direitos, ações, posse e tudo o mais que pertença a uma pessoa e seja suscetível de apreciação econômica”. Assim, a palavra patrimônio cultural está relacionada a um bem que pertence ao paterno, mas tão valioso que justifica sua herança. Por que alguns bens seriam considerados tão valiosos assim? Certamente porque neles está incutida a memória e a identidade de quem o deixa e de quem o herda. Desta forma ao passarem seus bens memoriais e identitários como legado a outra geração, as pessoas podem manter-se como uma representação do que as caracterizam, mantendo aberto um canal de comunicação entre elas. Neste sentido se justificaria a necessidade de sua preservação.

A trajetória histórica da construção do conceito Patrimônio Cultural, no Brasil está vinculada a visão do patrimônio como um bem. O decreto-lei que Getúlio Vargas assinou em 1937 sobre o assunto vai utilizar este vocábulo. O decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, além de criar o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), definiu que patrimônio é o “conjunto de bens móveis e imóveis de interesse público” que possuam “excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”.

Ribeiro (2005, p.52) afirma que, no Brasil “A atribuição de valores aos bens segue a tradição européia, em que os patrimônios nacionais são constituídos a partir das categorias de história da arte”. E completa: “Na prática, as ações são direcionadas para a proteção da cultura da elite”. Por conseqüência, os tombamentos realizados pelo IPHAN nas primeiras décadas do século XX privilegiaram os monumentos representativos da arte e da arquitetura colonial da camada mais rica da sociedade como fortificações militares, igrejas e conjuntos arquitetônicos. Nas palavras de Lemos (1981, p. 22)

Em geral guardamos os objetos e as construções ricas da classe poderosa. Guardaram-se os artefatos de exceção e perderam-se para todo o sempre os bens culturais usuais e corriqueiros do povo. Esses bens diferenciados preservados sempre podem levar a uma visão distorcida da memória coletiva, pois justamente por serem excepcionais não têm representatividade.

Assim, “esqueceu-se” dos artefatos do povo e selecionaram-se as coisas importantes para e da camada social detentora das terras, da política e da cultura erudita. Segundo Ribeiro (1995, p. 53) esta política de proteção dos monumentos, por meio de tombamento do bem isolado, chamado de “pedra e cal”, de excepcional valor, perdurou até os anos de 1970 sendo esta visão ampliada consideravelmente, somente a partir da Constituição

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Federal de 1988. Magnini (1986, p. 65) comentava em tempos de Constituinte

Existe atualmente uma tendência para encarar a questão do patrimônio também a partir da visão de outros segmentos e grupos sociais – nações indígenas, escravos imigrantes, trabalhadores urbanos e do campo – que apesar de excluídos social e politicamente, são ou foram protagonistas nos diferentes períodos econômicos, de processos culturais, formas de ocupação e povoamento e que também deixaram suas marcas.

A Constituição Federal de 1988, no artigo 216 estabeleceu que “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.” Percebe-se que o conceito de Patrimônio Histórico Cultural definido na nova Carta Constitucional foi ampliado consideravelmente.

No entanto, como analisa Ribeiro (2005, p. 190), ainda o texto carece de regulamentação para que possa permitir “uma política pública de patrimônio que possibilite a gestão democrática”. A Educação Patrimonial poderia contribuir no sentido de provocar e ampliar a participação da comunidade na identificação, reconhecimento e preservação de seu patrimônio cultural. O presidente do IPHAN Luiz Fernando de Almeida, no Prefácio do Livro “Patrimônio: atualizando o debate” reconhece que há esta necessidade quando assim se expressa,

A necessária inclusão do tema Patrimônio Cultural nas agendas prioritárias do país só se viabilizará se, por pressuposto, os processos e procedimentos de identificação, documentação, interpretação, salvaguarda e promoção que se acumulam como conhecimento, prática e reflexão na instituição, forem socialmente compartilhados (2006, p.7).

Lemos (1981, p. 29) em seu livro sobre “O Que é Patrimônio Histórico” sugere que preservemos para “Garantir a compreensão de nossa memória social preservando o que for significativo dentro de nosso vasto repertório de elementos componentes do Patrimônio Cultural”. E acrescenta

Assim, preservar não é só guardar uma coisa, um objeto, uma construção, um miolo histórico de uma grande cidade velha. Preservar também é gravar depoimentos, sons, músicas populares e eruditas. Preservar é manter vivos, mesmo que alterados, usos e costumes populares. È fazer, também, levantamentos, levantamentos de qualquer natureza, de sítios variados, de cidades, de bairros, de quarteirões significativos dentro do contexto urbano.

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É fazer levantamentos de construções, especialmente aquelas sabidamente da especulação imobiliária (LEMOS, 1981, p.29).

Como se ampliou a concepção de patrimônio abrindo o leque das possibilidades de preservação a partir da nova Constituição de 1988 fica ainda o desafio de estabelecer uma nova política de como preservar. Já se enfatizou a necessidade de ter mais envolvimento da comunidade na tomada de decisões em relação à preservação do patrimônio cultural. Mas também os mecanismos de participação precisam sofrer uma adequação para que a população tenha condições de discutir estas questões. Urgente também se faz o trabalho com a base na elaboração de estratégias de Educação Patrimonial. Goodey (2002, p. 93) também afirma que o mais importante e necessário é “trabalhar junto com as comunidades para formar o inventário do que eles valorizam”. Silveira e Lima Filho (2005, p.44) acrescentam que é necessária “uma abordagem interdisciplinar” propondo uma relação direta do assunto patrimônio com “temas caros à antropologia, tais como: identidade, cidadania, diversidade cultural, memória e direitos humanos”. Perceber alternativas para que os grupos sociais marginalizados ao longo da história encontrem na valorização de sua cultura o devido reconhecimento como cidadãos partícipes da construção da identidade local é um grande desafio para as diversas áreas de conhecimento das Ciências Sociais, principalmente para a História que associada a outras ciências pode ser capaz de “reconstruir e recuperar as relações que se estabeleceram entre os homens organizados na sua atividade social e produtiva em diferentes tempos e espaços” (HORN, 2006, p.83).

A produção do conhecimento histórico nesta perspectiva se distancia da reprodução de conceitos e ideologias de uma História comprometida com o poder das classes dominantes que considera apenas alguns grupos como cultos.

Sabe-se que há um descaso por parte da Historiografia Tradicional em relação à história e a cultura daqueles, que como afirma Astor Antônio Diehl, “foram jogados, historiograficamente, na lata do lixo” (2002, p.18). No entanto, a Nova História está fazendo com que estes atores sociais despontem das profundezas do esquecimento para tornarem-se os principais elementos deste novo processo de reconstrução dos saberes históricos. Neste sentido, alguns instrumentos de investigação e registro são enriquecedores desta reconstrução contribuindo para que as comunidades percebam o patrimônio histórico escondido em suas lembranças e nos lugares onde vivem. É neste contexto que a História Oral e as Fotografias surgiram como importantes fontes documentais capazes de qualificar as pesquisas históricas no sentido de valorizar a história dos indivíduos esquecidos pela historiografia tradicional.

A História Oral é um método de pesquisa que, segundo Alberti (2005, p. 18), “privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam,

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acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo”. Este método de pesquisa utilizado pela Ciência Histórica, Antropológica, Sociológica entre outras, ganhou maior espaço quando a História Nova suplantou de vez a História Tradicional a partir da década de 1970. Paul Thompson figura entre os teóricos defensores do uso da História Oral como alternativa para dar visibilidade a quem e aquilo que foi esquecido pela história tradicional.

Entendendo que toda atividade humana é fonte de pesquisa e a realidade é produto da sociedade e resultado da cultura de um povo, esta corrente historiográfica, denominada História Nova, valorizou como fundamental a opinião das pessoas comuns e suas experiências utilizando novas fontes de pesquisa e diversos questionamentos sobre uma mesma realidade objetivando explicar os fatos a partir de vários enfoques. Assim, a História Nova defendeu a necessidade de olhar o passado a partir de um ponto de vista particular, utilizando todos os instrumentos, todos os métodos capazes de modernizar, de refinar e de ampliar sua faculdade de apreensão do passado. Silveira (2008) entende que a História Oral, por ser uma narrativa oral é também uma narrativa de memória e que “estas, por sua vez, são narrativas de identidade na medida em que o entrevistado não apenas mostra como ele vê a si mesmo e o mundo, mas, também, como ele é visto por outro sujeito ou por uma coletividade” (SILVEIRA, 2008, p.5). Segundo o autor as entrevistas gravadas passaram a servir como uma fonte histórica, porque elas possibilitaram “trazer à História, tanto como sujeitos e/ou testemunhos aqueles que, de certa forma, foram excluídos e colocados no anonimato, sem direito à memória, comum no paradigma tradicional ou marxista” (p.4). Segundo Alberti (2004, p.27) a História Oral pode ser muito útil para alguns campos de pesquisa especialmente para reconstruir a história do cotidiano privilegiando assuntos como casa, família, rotina doméstica, lazer, escola, refeições, entre outros; a história política e conhecer versões desconhecidas sobre as relações de poder e a história de memória, como representações do passado. Neste sentido, Alberti (2004, p. 28) entende que para reconstruir a história do cotidiano, a história política e a história de memória, as “[...] entrevistas de história Oral podem ser usadas como forma de apresentar experiências concretas sobre determinados acontecimentos e conjunturas”. A autora acredita que a contribuição da História Oral será cada vez maior na sociedade do futuro quando “as fontes orais vão se tornar cada vez mais confiáveis e fidedignas” (p.14).

Conforme Freitas (2006) o Brasil está a pelo menos 10 anos na vanguarda no campo da História Oral. A autora destaca como experiência mais importante e enriquecedora neste campo de pesquisa, o trabalho que vem sendo realizado desde a sua fundação em 1975, pelo Centro de Pesquisa e Documentação (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, “tanto pela qualidade de sue acervo... quanto pela realização de comunicações,

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palestras e edições de obras sobre a teoria e metodologia da História Oral” (FREITAS, 2006, p. 31).

Alberti (2005) destaca também o trabalho realizado pela Associação Brasileira de História Oral, que organiza encontros nacionais e regionais de pesquisadores que buscam trocar experiências sobre esta metodologia, além da dedicação de diversas instituições de ensino e pesquisa que se utilizam da História Oral como alternativa metodológica e da oralidade como mecanismo de expressão da memória, da vivência, do tempo e das identidades. Para Freitas (2006, p.34) “é inegável o papel que as fontes orais vêm ocupando na produção acadêmica”. Desta forma, a História Oral torna-se mais um e um dos mais importantes instrumentos de pesquisa que auxilia o historiador em seu trabalho para a identificação e preservação da memória dos lugares e das comunidades que neles constroem sua história. A imagem, desde os tempos mais remotos foi utilizada como recurso para a representação de acontecimentos marcantes do cotidiano. Os desenhos em cavernas, antes da expressão oral, serviram para comunicar a memória do indivíduo e de seu grupo. O mesmo se deu em sociedades mais complexas onde a pintura, a escultura e outras formas de representação se desenvolveram. Para Kossoy (2001, p.55), na contemporaneidade, são as imagens fotográficas que, “apresentam um meio de conhecimento da cena passada e, portanto, uma possibilidade de resgate da memória visual do homem e do seu entorno sociocultural”. Segundo o comentário de Milton Guran, antropólogo e fotógrafo brasileiro, no prefácio do livro de Ribeiro (2006, p.11), a fotografia é a representação plástica mais popular da atualidade e tem grande importância porque além dela descrever e apresentar o mundo visível, ela ajuda a situar-se nele. O autor acredita que a fotografia “Talvez seja também o mais democrático instrumento de construção de memória e poder-se-ia acrescentar, de identidade coletiva e individual desta nossa civilização”.

O uso da fotografia como testemunho inquestionável da realidade, como prova documental, gerou também acaloradas discussões no meio acadêmico acerca de sua veracidade como documento histórico. Pode-se afirmar que a imagem fotográfica foi valorizada e incorporada como fonte documental em pesquisas, a partir do movimento organizado pelos fundadores da escola dos Annales, que insistiram na necessidade de ampliar a noção de documento histórico, privilégio que as fontes escritas tinham até então.

Mesmo que ainda sobrevivam preconceitos em relação ao seu uso, hoje a fotografia é entendida e tratada pela maioria dos pesquisadores como qualquer outro documento histórico. O grande desafio consiste em descobrir a história, neste caso, do que não está retratado e que indiretamente compõem o cenário oculto, aquele que caracteriza o contexto econômico, social, cultural que não foi fotografado, mas cuja imagem fotográfica traz à

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tona. Le Goff (1992, p. 547) já lembrava que,

O documento não é inócuo. É, antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio.

Para a historiadora Miriam Moreira Leite (2001, p. 26-27) “as fotografias devem ser consideradas pelos historiadores da mesma forma que outra prova qualquer – avaliando mensagens que podem ser simples e óbvias ou complexas e pouco claras”. Neste sentido, Mauad (1996) entende que além do que analisar o que se vê, é necessário fazer outros questionamentos em relação ao uso das fotografias como fontes históricas. Para a autora, como a imagem não fala por si, é importante descobrir “... como chegar ao que não foi imediatamente revelado pelo olhar fotográfico? como ultrapassar a superfície da mensagem fotográfica e, do mesmo modo que Alice nos espelhos ver através da imagem? (MAUAD, 1996, p.5). Estas questões constituem o maior desafio para quem quer utilizar a imagem fotográfica como fonte histórica.

A contribuição que a História Oral e as fotografias trazem para os projetos de pesquisa relacionados à preservação do Patrimônio Histórico Cultural dos grupos esquecidos pela historiografia tradicional é inegável, pois elas são duas técnicas que permitem um diálogo fecundo entre as gerações, colaborando para que as camadas populares façam a identificação de seus bens materiais e imateriais e por consequência a valorização e a preservação dos mesmos como patrimônio histórico cultural. É neste contexto que surge a Educação Patrimonial como um instrumento pedagógico eficaz e capaz de efetivar a identificação, a valorização e a preservação do Patrimônio Histórico e Cultural dos lugares de memória.

Assunção (2003, p.55) entende que “O patrimônio cultural constitui uma herança histórica, deixada pelas gerações anteriores, que cabe a todos preservar para que seja transmitida às gerações vindouras” (op cit). A autora acredita que por estabelecer uma relação de aproximação do indivíduo com o patrimônio, a Educação Patrimonial

Contribui para a formação de um cidadão consciente dos seus direitos e deveres, que compreenderá a importância da preservação dos bens culturais para a preservação da memória e da identidade de um povo ou nação e da necessidade da ação de proteger e escolher seus bens patrimoniais (ASSUNÇÃO, 2003, p.51).

Segundo Horta (1999) a proposta de Educação Patrimonial surgiu efetivamente e foi organizada em termos conceituais e práticos no Brasil, a partir de 1983, quando no Museu Imperial de Petrópolis, RJ, ocorreu o I Seminário de Educação Patrimonial. Para a

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autora, a Educação Patrimonial, além de ser uma meta da educação contemporânea e dos órgãos responsáveis pela preservação patrimonial, torna-se,

[...] um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o a compreensão do universo sóciocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. Este processo leva ao reforço da auto-estima dos indivíduos e comunidades e à valorização da cultura brasileira, compreendida como múltipla e plural (HORTA, 1999, p.6).

Neste sentido, o IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional - elaborou um Guia Básico de Educação Patrimonial, que vem auxiliando todas as unidades do país no desenvolvimento de atividades que colaboram com o trabalho educacional em museus, monumentos e sítios históricos, trabalhando com conceitos ligados ao patrimônio além de sugerir metodologias para o desenvolvimento das mesmas.

Os fundamentos conceituais e práticos da metodologia da Educação Patrimonial objetiva orientar, em especial os professores e profissionais responsáveis pela preservação da cultura, em como preservar os bens culturais e do meio ambiente histórico em que estão inseridos considerando a Educação Patrimonial como “um processo permanente e sistemático de trabalho educacional” (HORTA, 1999, p.6) a partir da observação direta dos bens culturais. Este é o ponto que dá centralidade a todo o trabalho de Educação Patrimonial sugerido pelo IPHAN.

A partir do entendimento de que todo e qualquer objeto cultural é uma fonte primária de conhecimento, o IPHAN estruturou uma metodologia específica que facilita a percepção e a compreensão dos fatos e dos fenômenos sociais estudados para que o professores se apropriem dos objetos culturais “na sala de aula ou nos próprios locais onde são encontrados, como peças chave no desenvolvimento dos currículos e não simplesmente como mera ilustração das aulas (HORTA, 1999, p.9). Assim, dá-se vida ao Patrimônio Cultural da comunidade através da valorização da história do seu entorno além de provocar nos alunos sentimentos de surpresa e curiosidade essenciais para que as crianças e jovens adquiram habilidades e conceitos relacionados ao Patrimônio Cultural.

A Educação Patrimonial procura estabelecer uma relação de aproximação do indivíduo com o seu patrimônio, instigando nele, segundo Assunção (2003, p.51) quatro atitudes: a observação e a reflexão sobre o bem cultural; a manifestação das impressões sobre o mesmo; a capacidade de pesquisa e discussão sobre os resultados e a apropriação de um novo significado do bem para cada um que participa da proposta.

Assunção (2003, p.51) entende que os projetos de Educação Patrimonial desenvolvidos nas comunidades devam procurar “envolver o indivíduo e a comunidade como agentes ativos, na preservação sustentável e na gestão do patrimônio cultural”. Assim, é de fundamental importância que a comunidade participe de todas as etapas do

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processo de seu amadurecimento cultural na área da preservação de seus bens patrimoniais. Este seria o desafio que se percebe no momento para que a comunidade de Tuparendi também encontre suas raízes culturais e identifique seu patrimônio histórico cultural.

Tuparendi tem sua história ligada aos primeiros núcleos de colonização formados nas áreas denominadas Colônias Velhas que a partir de 1914, instalaram-se nas áreas de terra dominadas por florestas ao longo da bacia hidrográfica do Rio Santa Rosa. Segundo Zarth (2000, p. 2) foi no final do século XIX que “desenvolveu-se um novo fluxo migratório, através dos projetos de colonização voltados para colonos de origem européia (alemã, italiana, polonesa, russa - entre os principais), que se instalaram como pequenos proprietários nas áreas florestais” habitadas por descendentes de indígenas e por caboclos.

Motter (2011) referindo-se ao estudo da historiadora Tereza Christensen, entende que antes da imigração o território era referido apenas por “bosques montanhosos do rio Uruguai” onde eram encontrados os ervais da antiga Redução Jesuítica de Santo Ângelo Custódio. A autora, em seguida, comenta que “Com a saída dos espanhóis, os extensos ervais e a mata nativa foram ocupadas por elementos de origem lusitana, além dos descendentes de índios, mulatos, caboclos e posseiros, antecedendo a imigração” (MOTTER, 2011.p.75).

A história do Município de Tuparendi, apresentada nos sites do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), Wikipedia, RS Virtual e Confederação Nacional dos Municípios , está centrada em quatro pontos principais: a) antes da colonização, quando o local era mata virgem e habitada por índios; b) na época da chegada dos colonizadores alemães e italianos em busca de terras aráveis para a prática da agricultura; c) o período de progresso econômico do local e d) período que ocorreu o processo de emancipação político-administrativa. Também é comentado a origem do nome “Belo Centro” e o significado da palavra “Tuparendi”. Analisar-se-á os dois primeiros pontos: antes da colonização, quando o local era mata virgem e habitada por índios e na época da chegada dos colonizadores alemães e italianos em busca de terras aráveis para a prática da agricultura.

Em relação ao primeiro bloco de informações apresentadas nos sites, pouco se fala sobre a paisagem natural existente na região antes da chegada dos colonizadores. Desconsidera-se o tipo de solo, as espécies vegetais que predominavam e a fauna existente nesta mata densa. Também nada se comenta em relação à hidrografia do local. Tampouco são lembrados os caboclos que exploravam a erva-mate. Ou será que o site “RS Virtual”, faz referência a eles quando comenta que a área de mata virgem era povoada por índios e “espécies nativas”? Além do mais, o comentário sobre os indígenas não relaciona a presença deles com o passado histórico das Reduções Jesuíticas.

Já no segundo ponto observado, quando se comenta a chegada dos colonizadores

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alemães e italianos em busca de terras aráveis para a prática da agricultura, toda história de adaptação geográfica é esquecida. Nada é comentado em relação à necessidade de aprender com o índio e o caboclo as primeiras lições de sobrevivência. Também nada se fala do sentimento de solidariedade entre as famílias que garantia a ajuda mútua nas horas de socorro.

Percebe-se que as comunidades que compõem na atualidade a região da Fronteira Noroeste, como Tuparendi, têm sua identidade e sua história marcadas pela incorporação de diversas culturas que ao longo dos séculos integraram-se nestas áreas florestais. No entanto, analisando as informações históricas do Município, percebe-se, muito mais do que limites em relação às informações do passado do Município, a existência de um campo enorme de possibilidades em relação à identificação e construção da memória coletiva da comunidade que a pesquisa pode suprir principalmente em relação à história dos atores sociais que fizeram parte da construção desta história em diversos momentos do processo de colonização até os dias atuais.

Neste início de século a comunidade tem se levantado e tomado iniciativas que colaboram com identificação, valorização e preservação da história do Município. Dentre elas pode-se destacar:

A publicação do Livro Ouro de Tuparendi, editado em comemoração aos 50 a) anos de emancipação política do município; Os relatos deb) Wilson Winkler, que procura rememorar a história do passado da região através da publicação de fotografias e pesquisas nos jornais de circulação regional como Jornal Noroeste e Jornal Destaque;A criação do Museu Municipal que contém objetos e documentos históricos c) doadas por moradores conseguidos com a mobilização dos integrantes da Secretaria de Educação, responsável pela iniciativa e A publicação de um livro que conta parte da história de personalidades que d) deram nomes das ruas e praças do município. O projeto foi coordenado pela equipe da Secretaria Municipal de Educação e contou com a colaboração de alguns alunos das escolas municipais.

Estas iniciativas contribuem enormemente para a valorização do Patrimônio Histórico Cultural da comunidade principalmente porque chamam atenção sobre a importância de lembrar o passado e registrá-lo antes que o tempo se encarregue de apagar para sempre a memória histórica que constitui a identidade dos moradores do lugar.

Desenvolver projetos e atividades contínuas com os alunos das escolas e séries que estudam a história do município considerando a proposta do IPHAN poderia ser uma possibilidade para avançar na perspectiva de identificação, valorização e preservação dos bens patrimoniais da comunidade de Tuparendi, utilizando os bens culturais e

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explorando o meio ambiente histórico da comunidade como fonte direta de conhecimento e compreensão do passado e do presente.

A utilização da metodologia do Guia Básico de Educação Patrimonial sugerida pelo IPHAN nos programas curriculares do sistema educacional contribuiria para a abertura de um canal de comunicação e enriquecimento de dois segmentos que nem sempre estão conectados: Os órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio histórico e cultural e as comunidades que o produziram.

Todos nós que entendemos o papel que o Patrimônio Histórico Cultural desempenha no resgate e valorização da identidade de cada indivíduo e de cada coletividade que constrói num mesmo local a sua história deveria pensar em como colaborar neste sentido. Este também é um desafio que a escola deveria assumir dentro do contexto de objetivar uma educação de qualidade, seja ela pública ou privada.

Desta forma, acredito que reconhecendo-nos nos elementos constituídos do passado e no passado, possamos valorizar quem somos e lutar por uma sociedade que efetivamente esteja comprometida com a construção de uma nação livre, democrática, solidária e de respeito para com a história e pelo povo que a constrói.

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