o papel das organizaÇÕes regionais e … · direitos humanos, eleições livres, judiciários...

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Relatório Final da Conferência da Comunidade de Democracias Washington, DC 20-21 de fevereiro de 2001 O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES REGIONAIS E MULTILATERAIS NA PROMOÇÃO E DEFESA DA DEMOCRACIA Patrocinada pelo Grupo de Reuniões da Comunidade de Democracias e pela Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos

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Relatório Final da Conferênciada Comunidade de DemocraciasWashington, DC20-21 de fevereiro de 2001

O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES REGIONAIS E MULTILATERAIS NA

PROMOÇÃO ED E F E S A D ADEMOCRACIA

Patrocinada pelo Grupo de Reuniões da Comunidade de Democracias e pela Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos

Em nome do Grupo, o Chile e os Estados Unidos solici-taram ao Secretário-Geral da OEA a realização, sob seusauspícios, de uma reunião em Washington, D.C. AUnidade para a Promoção da Democracia, da Secretaria-Geral da OEA, organizou e facilitou essa conferência.

A idéia de reunir as principais organizações interna-cionais de apoio à democracia fora sugerida por ocasião daPrimeira Conferência Ministerial da Comunidade deDemocracias, realizada em Varsóvia, Polônia, em junho de2000. Naquela reunião, os governos endossaram a Decla-ração de Varsóvia, em que assumiram o compromisso deadotar um conjunto básico de princípios e práticasdemocráticas e de apoiar-se mutuamente na consecução deobjetivos democráticos. A reunião de Washington, sinteti-zada no presente documento, é resultado direto dos com-promissos assumidos em Varsóvia e representa o primeiroencontro deste tipo – a congregação das principais organi-zações regionais e multilaterais de apoio à democracia emescala mundial, para compartilhar experiências e fazeravançar uma agenda de colaboração e cooperação interna-

RELATÓRIO FINAL DA CONFERÊNCIA DA COMUNIDADE DE DEMOCRACIAS 1

I.I. RESUMO EXECUTIVOA queda do Muro de Berlim assinalou o início de outraonda, a terceira, de transições democráticas ao redor domundo. Mas, ao contrário de qualquer onda anterior, a eraatual tem-se caracterizado por uma tendência igualmenteprofunda: a decisão dos governos de utilizar as organiza-ções regionais e multilaterais a que pertencem comoinstrumentos de apoio e consolidação da democracia. Essasorganizações estão desafiando e transformando os antigosprincípios de não-intervenção e soberania nacional a fimde combater seu corolário inaceitável: o chamado “princí-pio da indiferença”. Longe de serem indiferentes, os Esta-dos atribuíram a muitas dessas organizações um mandatopara defender e apoiar coletivamente a democracia, queinclui o seguinte: assistência direta na formação de institu-ições e sistemas democráticos; ação e sanções coletivas nocaso de interrupção de um governo democrático; infor-mação; e melhores práticas de “como fazer” em matéria deconstrução de democracia.

Representantes da alto nível de 16 organizações regionaise multilaterais de todo o mundo, autoridades governamen-tais e especialistas do setor acadêmico e da sociedade civilreuniram-se durante dois dias na Organização dos EstadosAmericanos (OEA) para debater o papel das organizaçõesregionais na promoção e defesa da democracia. A reuniãofoi patrocinada pelo Grupo de Reuniões da Comunidade deDemocracias, uma coalizão de 110 governos dedicada àdemocracia e ao fortalecimento de instituições democráti-cas. São membros do Grupo de Reuniões os seguintespaíses: África do Sul, Chile, Estados Unidos, Índia, Mali,Polônia, Portugal, República da Coréia e República Checa.

O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES REGIONAIS E MULTILATERAIS NA

PROMOÇÃO ED E F E S A D ADEMOCRACIA

Edifício sede da OEA, Washington, D.C.

cional. A reunião reflete o compromisso dos Estados mem-bros dessas organizações no sentido de aprofundar odesenvolvimento democrático em todo o mundo.

A. Convergência e Acordo entre OrganizaçõesRegionais e MultilateraisNesse encontro, constatou-se uma significativa convergên-cia entre as diferentes tendências de desenvolvimentodemocrático na Ásia e na África, no Hemisfério Ocidental ena Europa. Essa convergência em meio à diversidade é oreflexo de valores, instrumentos e políticas, cada vez maiscomuns e compartilhados. Com base nos mandatos rece-bidos dos Estados membros, quase todas as instituiçõespolíticas regionais e multilaterais estão agora ativamenteempenhadas em apoiar ou promover diretamente a demo-cracia em seus Estados membros. O alcance e o número dasações empreendidas por essas organizações expandem-seconstantemente, abrindo novas oportunidades – e maiornecessidade – de colaboração.

Os dirigentes das organizações regionais e multilateraisparticipantes assinalaram que os desafios que enfrentamguardam notável similaridade. O Secretário-Geral da OEA,César Gaviria, observou que muitas das ameaças à demo-cracia no século XXI são globais, e não apenas regionais:ameaças do crime organizado e do tráfico de drogas, cor-rupção e a desilusão com a democracia à falta de maior pro-gresso social e econômico. Igualmente notável foi ocrescente consenso dessas instituições de que uma definiçãomais ampla de democracia – congruente com os princípiosde Varsóvia e que inclua elementos tais como o respeito aosdireitos humanos, eleições livres, judiciários independentesinstituições transparentes e responsáveis, controle civil dosmilitares e redução da pobreza - é a única via provável parainstitucionalizar a democracia e prevenir o seu retrocesso.

Este relatório contém as conclusões, os debates e os acor-dos principais da conferência de Washington. A conferênciachegou, em áreas essenciais, a um amplo consenso sobre osdesafios comuns enfrentados pelas organizações regionais epreparou uma série de recomendações de ação para apro-fundar ainda mais a cooperação interinstitucional. Asrecomendações estão sintetizadas a seguir, mas são abor-dadas em maiores detalhes na seção final deste relatório.

B. Recomendações Principais: Uma Agenda de Ação para Organizações Regionais eMultilaterais

As recomendações principais das conferência compõemuma “agenda de ação” para a próxima etapa de promoçãoda cooperação interinstitucional e expansão do apoio à

democracia no mundo. Essas recomendações inserem-se,em suma, nas três categorias seguintes:

1. Agenda de Ação para Novos e Melhores Instru-mentos de Apoio à Democracia

O Ministro da Justiça do Peru, Diego García-Sayán, formu-lou importante proposta, referente ao desenvolvimento deuma nova Carta Democrática Interamericana. A novaCarta visaria a aperfeiçoar e tornar mais sistemáticas e con-cretas as “regras do jogo” da comunidade hemisférica nadefesa da democracia. O Embaixador Javier Pérez de Cuél-lar, ex-Secretário-Geral da ONU e Chanceler do Peru,apresentou essa iniciativa à OEA, para maiores discussõesquando da Cúpula das Américas a ser realizada em Québec.

Paralelamente à Carta su-gerida, os participantes discutiramuma ampla gama de propostas no sentido de preparar novosinstrumentos de apoio à demo-cracia ou fortalecer e melhorcoordenar os instrumentos atual-mente em uso, entre as quais: ■ A criação de um grupo

treinado de mediadores oufacilitadores, para prestarassistência a países ameaçadosde interrupção da democracia.

■ O desenvolvimento de sistemas de alerta precoce paradetectar países próximos a uma crise democrática e, assimoferecer intervenção e assistência preventiva.

■ A preparação de um indicador geral de critérios dedemocracia para refletir um conceito mais amplo dedemocracia, em consonância com os princípios contidosna Declaração de Varsóvia.

■ A criação de protocolos conjuntos de acompan-hamento eleitoral, para que as organizações se reco-nheçam mutuamente e acordem quanto aos requisitosmínimos necessários para um acompanhamento eleitoraljusto.

■ A ampliação de instrumentos existentes, para sua apli-cação em casos de deterioração da democracia.

2. Agenda de Ação para Ampliar o Alcance e Desen-volver Novas Áreas de Assistência

Em matéria de assistência democrática, as organizações par-ticipantes acordaram quanto à necessidade de ampliar acobertura dos diferentes atores e fazer uso de novas tecnolo-gias, como segue:

2 RELATÓRIO FINAL DA CONFERÊNCIA DA COMUNIDADE DE DEMOCRACIAS

O Ministro da Justiça doPeru, Diego García-Sayán

■ Trabalhar mais extensivamente com organizações dasociedade civil.

■ Utilizar novas tecnologias para fazer avançar a democracia.■ Contratar, de preferência a pessoal internacional, maior

número de pessoal local para implementar programas eajudar a fortalecer capacidades locais.

■ Intensificar, mediante o desenvolvimento da assistência, acooperação e a complementaridade de programas de apoioà democracia, inclusive por meio da coordenação comdoadores internacionais e instituições de financiamento.

Acordou-se também quanto à necessidade de desen-volver novas formas de assistência democrática a fim deenfrentar desafios emergentes em Estados membros,abrangendo os seguintes campos:■ Cultura democrática.■ Direitos de minorias e programas de redução de conflitos

étnicos.■ Participação política e desenvolvimento de partidos.

3. Agenda de Ação para Expandir a CooperaçãoInterinstitucional

Os acordos mais significativos abrangeram o avanço dacooperação entre organizações regionais e multilaterais.Discutiu-se um conjunto de ações específicas, a saber: ■ Realizar uma segunda conferência, a título de acompa-

nhamento dos acordos e assuntos específicos resultantesda reunião de Washington. O Governo da Romênia, queocupa atualmente a presidência da Organização de Segu-rança e Cooperação da Europa (OSCE), ofereceu estaentidade como sede da próxima conferência.

■ Criar, entre as organizações participantes, uma redeeletrônica para a democracia de caráter prático. Estaproposta foi formulada por Elizabeth Spehar, Coorde-nadora Executiva da Unidade para a Promoção daDemocracia da OEA. Segundo a proponente, esta rede,longe de ser uma fonte estática de informação pública,dotaria as organizações de acesso às melhores experiên-cias práticas em promoção da democracia e lições sobre“como fazer” em relação a tipos específicos de assistênciademocrática, e ofereceria um foro de debates de inter-câmbio de informação entre as organizações.

■ Oferecer assistência técnica para fortalecer o apoio àdemocracia no âmbito de organizações regionais e mul-tilaterais. Isto incluiria: assistência técnica para a implan-tação de unidades de promoção de democracia emorganizações que não disponham de instituições destetipo e para fins de consulta/informação sobre melhorespráticas, a fim de fortalecer a capacidade técnica das organizações.

■ Melhorar a coordenação e harmonizar instrumentosexistentes de resposta a ameaças à estabilidade e à gover-nação democrática, incluindo:

■ Reconhecimento e apoio mútuos a ações adotadas poroutras organizações multilaterais e regionais, mediantealguma forma de “mecanismo acionador” ou de consi-deração rápida.

■ Reconhecimento e aplicação de medidas de nívelnacional adotadas por organizações multilaterais e seusgovernos nacionais.

C. O Relatório FinalEste relatório final descreve em maiores detalhes cadarecomendação, acordo e debate. A Seção II contém as con-clusões iniciais da conferência e descreve as atividades decada organização participante. A Seção III sintetiza a dis-cussão e os debates em torno de três componentes essenci-ais da promoção e defesa da democracia: fortalecimento dacultura, dos valores e das instituições democráticas; desen-volvimento e aplicação de instrumentos políticos e jurídicosde defesa da democracia; e ações para prevenir uma inter-rupção da democracia. Finalmente, a Seção IV resume osacordos e as futuras ações das organizações participantes. OAnexo III contém o texto do comunicado final da Comu-nidade de Democracias.

Na opinião dos interessados, a conferência representouuma importante iniciativa para fomentar a colaboração econsolidar os laços entre organizações regionais e multila-terais no campo da democracia. Neste esforço, a formaçãode uma Comunidade de Democracias integrada e ativistabem poderá constituir a diferença entre o século XXI etodos os seus predecessores.

II. EXPANSÃO E CONVERGÊNCIA: OCRESCENTE IMPORTANCIA DASORGANIZAÇÕES REGIONAIS EMULTILATERAIS NA DEFESA E PROMOÇÃODA DEMOCRACIA

As tendências são dignas de nota. Tal como assinalou oEmbaixador Alberto Van Klaveren, Diretor de Planeja-mento do Ministério das Relações Exteriores do Chile,quase todas as organizações regionais e multilaterais agoraempreendem ações de promoção e defesa da democracia.Para todas essas organizações, observou o Embaixador, tem

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II.

crescido a importância de suas atividades de apoio à demo-cracia. As organizações envolvidas incluem não apenas umaampla gama de organizações políticas multilaterais como asNações Unidas (ONU) ou a União Européia (UE). comotambém organizações com missão mais focalizada nodesenvolvimento econômico (p. ex., o Programa dasNações Unias para o Desenvolvimento (PNUD)) ou nocomércio (p. ex., o MERCOSUL)). Duas tendências associadas ficaram claramente definidas na conferência. Aprimeira, de expansão — em termos de número de organizações envolvidas e de dimensão operacional e, asegunda, de convergência — a similaridade do pensamentoque as norteia quanto a tipos de ações, atividades e objetivosa que se dedicam. Um dos assuntos focais da conferência foidocumentação e comparação das tendências principais deorganizações regionais e multilaterais na defesa e promoçãoda democracia. Os resultados dessa discussão aparecem aseguir, organizados segundo as duas tendências principais ecorrelatas de expansão e convergência.

A. As Raízes da ExpansãoPara muitos participantes da reunião, a expansão do inte-resse das organizações regionais e multilaterais pelo apoio àdemocracia radica-se na maior aceitação mundial dademocracia como o único sistema político viável de garan-tia dos direitos do cidadão. Nas palavras do EmbaixadorJoel W. Adechi, do Benin: “a emergência da democraciacomo forma de governo universalmente aceita é um dosacontecimentos mais importantes do nosso século”. Deacordo com o Embaixador Luigi Einaudi, Secretário-GeralAdjunto da OEA, a expansão das atividades de apoio àdemocracia foi possibilitada por uma “convergência depensamento entre importantes regiões do mundo”. Por suavez, Juan Gabriel Valdés, Represente Permanente do Chilejunto às Nações Unidas e ex-Ministro das Relações Exteri-ores, indicou que a democracia, mais do que a sua expansãoem todo o mundo, passou a fazer parte dos nossos princí-pios e valores fundamentais, parte “de um novo sentimentocomum de como viver em sociedade”. O EmbaixadorEstéban Tomic Errázuriz, Representante Permanente doChile junto à OEA, observou que o processo que conduziua este nível de aceitação da democracia nada teve de imedi-ato e fácil. O Embaixador evocou o longo processohistórico de desenvolvimento da democracia, que remontaà Revolução Francesa.

As organizações regionais e multilaterais responderam aesse crescente endosso da democracia no mundo em nomede seus governos membros. A ex-Secretária de Estado dosEUA, Madeleine Albright, um dos oradores principais dareunião, sugeriu que essa resposta representava uma trans-

formação lógica: “para serem relevantes (as organizaçõesregionais e multilaterais), devem passar a ser instrumento deação. Para manter-se à altura das circunstâncias, devemadaptar-se constantemente. Para serem efetivas, devem serpaladinas da democracia”.

A respeito, o Ministro da Justiça do Peru, Diego GarcíaSayán, formulou à conferência uma proposta importante esubstantiva no sentido da adoção de uma carta democráticainteramericana. Nesse sentido, indicou que “é indispensávelque avancemos na sistematização dos diferentes princípios,normas, procedimentos, mecanismos e metodologias que aOEA tem aprovado ao longo dos anos para a defesa e a pro-moção da democracia”. Explicou também que o Peruenfrentara uma difícil e tortuosa transição para a democra-cia, em que ações internacionais como a observaçãoeleitoral e a diplomacia desempenharam um papel emdiversos momentos. A experiência peruana, a seu ver, ofere-cia um importante contexto para se entender a importânciae o valor de um avanço rumo a instrumentos mais sistemáti-cos aplicáveis à deterioração da democracia sem a ação maisexplícita de um coup d’etat. García-Sayán argumentou queuma nova carta democrática interamericana poderia ofere-cer “regras de jogo” mais precisas e tornar o atual sistemamultilateral mais coerente e consistente. A seguir, comuni-cou que o Embaixador Javier Pérez de Cuéllar, Ministro dasRelações Exteriores do Peru, tinha apresentado a iniciativaà OEA, com a esperança de que ela seja adicionalmenteaperfeiçoada e desenvolvida na próxima Cúpula das Améri-cas, em Québec, e em subseqüentes reuniões regionais daComunidade de Democracias.

Expansão com Diferenças Regionais. Contudo, essa expansãopara políticas e ações de apoio à democracia não tem sidouniforme em diferentes organizações regionais e multilat-erais. Os participantes discutiram abertamente a diferença

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Ex-Secretária deEstado dos EUA,Madeleine Albright

de ritmo de mudança nas organizações e os diferentesdesafios que estas enfrentavam. Surin Pitsuwan, ex-Mi-nistro das Relações Exteriores da Tailândia e líder da pro-moção de um apoio mais ativo da democracia na região doSudeste da Ásia, reconheceu que existem, a respeito, dife-renças entre a Associação de Nações do Sudeste da Ásia(ASEAN) e outras organizações regionais. Destacou que, aocontrário de outras regiões, os membros da ASEAN“diferem em suas estruturas, valores e sistemas… não exis-tem padrões na ASEAN… a ASEAN não foi fundada combase em qualquer ideologia política… e é uma organizaçãode sólidos vínculos apesar de suas diferenças”. Nãoobstante, tanto Surin Pitsuwan como M.C. Abad Jr., Assis-tente Especial do Secretário-Geral da ASEAN, men-cionaram os novos desafios que a organização e seumembros vinham enfrentando em função da históricaproibição de interferência nos assuntos internos de seusEstados membros e do tradicional silêncio a respeito dademocracia na região. Ambos citaram a crise financeira de1997-98 como momento decisivo para o Sudeste da Ásia.Nas palavras de Surin, a região “perdera o seu atrativo” naarena internacional. Por sua vez, Abad comentou que a crise“demonstrara como uma liberalização financeira eeconômica rápida, desacompanhada de boa governação,podia desintegrar a economia e ameaçar a estabilidadesocial e política”. A região foi adicionalmente abalada pelaviolência no Timor do Leste. Surin assinalou que a ASEANainda não se comprometera com medidas tais como aobservação eleitoral e a intervenção coletiva para prevenir asubversão da democracia, o que se constata cada vez maisem outras organizações regionais. Ressaltou, porém, que anoção geral de democracia agora “pesava no conjunto daASEAN” e fora abertamente mencionada em recentereunião da organização, realizada em Brunei.

O Vice-Ministro das Relações Exteriores da RepúblicaTcheca, Martin Palous, referiu-se às diferenças entre aEuropa Oriental e outras regiões e países. Para a EuropaOriental e a República Tcheca em particular, a construçãoda democracia é um “desafio” maior em comparação comos Estados Unidos. A República Tcheca nasceu sem umabase histórica de democracia e sem uma experiência a longoprazo a aproveitar. Os Estados Unidos tiveram maior con-tinuidade e experiência com a democracia, já que elaevoluiu ao longo de um extenso período.

A Evolução do Princípio de Não-intervenção. Para muitos par-ticipantes, uma das mudanças mais notáveis em suas organi-zações foi a nova flexibilidade encontrada no princípio denão-intervenção nos assuntos de um Estado soberano.Diego Abente Brunk, Representante Permanente doParaguai junto à OEA e presidente do Grupo de Trabalho

da OEA sobre Democracia Representativa, evocou aspalavra do Ministro do Exterior da Argentina, RodríguezGiavirini, por ocasião da Assembléia Geral da OEA rea-lizada em Windsor, Canadá: “o princípio de não-inter-venção deve fazer-se acompanhar do princípio denão-indiferença”. Em particular, os participantes do Hemis-fério Ocidental mencionaram uma evolução maior doprincípio de não-intervenção na região. Juan GabrielValdés, Representante Permanente do Chile junto àsNações Unidas, assinalou ser importante, no HemisférioOcidental, fazer uma distinção entre intervenção unilaterale “ação coletiva e multilateral em prol da democracia”.Mencionou, também, a transformação gradual do princípiode não-intrevenção na região causada pelo seu uso em basesmultilaterais e não unilaterais, como ocorrera durante aGuerra Fria. Salientando que essa transformação tambémfora facilitada por mudanças nas relações internacionais,observou: “a imensa maioria dos países da região preocupa-se cada vez mais com a legitimidade internacional dos seusregimes políticos e a valorização e o reconhecimento doimportante papel que a cooperação internacional começa adesempenhar nesse campo”. Para os membros da ASEAN,o primado do princípio de não-intervenção ainda repre-senta um obstáculo à ação coletiva contra ameaças à demo-cracia na região, mesmo quando o regime não-democráticode um nação ameaça a paz e a estabilidade da região comoum todo.

Considerações sobre a Complexidade do Avanço Democrático.Embora o papel das organizações multilaterais no apoio àdemocracia tenha sido devidamente reconhecido, oSecretário-Geral da OEA, César Gaviria, e outros oradoresadvertiram que esse papel deve pautar-se pelo reconheci-mento da complexidade da tarefa de promoção da demo-cracia e pela necessidade de explorar mais a fundo o modopelo qual a democracia se correlaciona com o desenvolvi-mento econômico e social. Gaviria explicou o “estreito rela-cionamento entre questões políticas e econômicas” ereferiu-se à preocupação quanto à capacidade de muitasdemocracias de enfrentar adequadamente os problemassociais. A seu ver, a democracia na América Latina avançaraapesar da persistência da pobreza e de “cinturões de mi-séria”. Isto, argumentou, levou muitos latino-americanos aperceber uma “democracia com problemas”.

B. Convergência Rumo a Objetivos ComunsApesar de substanciais diferenças regionais e da complexanatureza da tarefa de avanço da democracia, organizaçõesregionais e multilaterais têm convergido para a adoção deações similares e utilizado instrumentos compatíveis emapoio ao fortalecimento democrático.

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Programas Comuns. A grande maioria das organizações re-presentadas na reunião aplica um conjunto básico de progra-mas e atividades de fortalecimento da democracia, a saber:■ Educação cívica e fortalecimento da cultura democrática.■ Acompanhamento eleitoral.■ Apoio à sociedade civil.■ Reforma e fortalecimento judicial.■ Acompanhamento e advocacia dos direitos humanos.■ Apoio a parlamentos.■ Reforma eleitoral e acompanhamento de condições pré-

eleitorais para melhorar a imparcialidade das eleições.■ Descentralização e fortalecimento de governos locais.■ Participação política e fortalecimento de partidos.

Apesar da convergência em termos de atividades, os par-ticipantes indicaram que a prática não era inteiramente uni-forme. Para citar um exemplo, o ex-Ministro do ExteriorSurin da Tailândia, admitiu que o acompanhamentoeleitoral e outras ações similares de apoio à democraciapoderiam ser assim resumidos: “não na minha região”.

Embora a convergência para ações essenciais pró-demo-cracia reflita o desenvolvimento de um consenso entreorganizações regionais e multilaterais sobre o apoio àdemocracia, os participantes assinalaram que, em certoscasos, isto suscita questões de ineficiência. Claramente, asorganizações começam a desenvolver áreas de aptidão par-ticular ou vantagem comparativa. Jan Kubis, da Organiza-ção de Segurança e Cooperação da Europa (OSCE),afirmou, por exemplo, que existe na OSCE uma tradição eespecialização particular em acompanhamento de direitoshumanos. Jos Lemmers, do Conselho da Europa, destacoua importância da preparação de um gráfico ou mapa dasorganizações e suas áreas de atividade principais, a fim defacilitar o aumento da cooperação interinstitucional, darinício à promoção da especialização entre organizações eevitar duplicações de esforços. A sugestão foi incorporada àsrecomendações finais da conferência.

Convergência em Instrumentos de Defesa da Democracia. Igual-mente marcantes foram os avanços de muitas organizaçõesna adoção de instrumentos de resposta coletiva para casosde interrupção da democracia ou, inversamente, do requi-sito de como condição para uma associação. Tais instru-mentos resultam de histórias amplamente distintas eassumiram diferentes formas. Um após outro, os oradoressalientaram os rumos altamente individuais seguidos porcada organização no estabelecimento e aplicação dessesmecanismos. Citaram-se os seguintes exemplos:

Comunidade de Nações. Jon Sheppard, diretor de AssuntosPolíticos da Comunidade de Nações, discorreu sobre o“acordo marco” de Hararê, de 1991, que vinculou pela

primeira vez a participação na Comunidade e os seus bene-fícios à disposição de aderir a ideais democráticos. Maistarde, em 1995, este acordo foi fortalecido pelo Programade Ação Millbrook, que delineia as medidas a serem ado-tadas para restaurar a democracia dentro de um períodorazoável em caso de derrubada inconstitucional do governodemocraticamente eleito de um país membros.

MERCOSUL. Esta união aduaneira de países do Cone Sul,criada pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, ofereceum exemplo interessante de união econômica que agorarequer democracia como condição para os benefícios deassociação e comércio. A Embaixadora do Paraguai nosEstados Unidos, Leila Rachid de Cowles, salientou que aposição pró-democrática do MERCOSUL evoluiu da“necessidade e convicção” de unificar políticas, inclusive aseconômicas, em conseqüência de uma maior interde-pendência. As sanções da organização a uma interrupção dedemocracia só poderão ser levantadas depois que todos osmembros acordarem que a democracia foi integralmenterestabelecida.

Organização da Unidade Africana (OAU). O Diretor-Adjuntoda OAU, Dieudonné Kombo-yaya discorreu sobre a“extraordinária” mudança ocorrida na Organização,primeiramente com o Compromisso de Adis Abeba comuma África democrática, de 1993, a seguir com o “Espíritode Hararê”, de 1997 e finalmente, com a Declaração deLomé, de 2000. Esses compromissos, embora, não tenhamconseguido prevenir uma série de golpes militares naregião, representaram um novo elo entre democracia econdição de membro da OAU, participação e benefícioseconômicos. Como exemplo, citou a nação insular deCômoros, no leste da África, que não foi convidada paraparticipar da Cúpula de Lomé, após um coup d’etat emabril de 1999.

Organização dos Estados Americanos. O Secretário-GeralGaviria descreveu a Resolução 1080 da Assembléia Geral daOEA como “a força propulsora da defesa da democracia naregião”, ao autorizar consultas e ações conjuntas no caso deuma interrupção ilegítima de um governo democrático doHemisfério. Igualmente, o ativismo da OEA na defesa dademocracia intensificou-se com passar do tempo e, princi-palmente, após o término da Guerra Fria, surgindo naregião um consenso mais amplo a respeito de uma respostacomum a reversões da democracia.

A Seção III contém uma descrição mais detalhada dodebate sobre instrumentos aplicados no caso de uma inter-rupção da democracia e inclui sugestões dos participantespara melhor e fortalecer esses instrumentos, de modo aaplicá-los com mais eficiência. Houve consenso quanto à

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necessidade de melhorar e aplicar mais consistentementeesses instrumentos regionais. A existência generalizada demecanismos de defesa da democracia é indicativa de umanova era, em que as credenciais democráticas tornam-secada vez mais indispensáveis para participar de organizaçõesmultilaterais e usufruir seus benefícios.

C. Apoio Democrático dos Participantes de Organi-zações Regionais e Multilaterais

Importante objetivo da conferência patrocinada pela OEAem Washington foi oferecer um foro para que organizaçõesregionais e multilaterais intercambiassem informação ecompartilhasse experiências e lições comuns, aprendidas aolongo do apoio e da promoção da democracia. Segue-seuma breve síntese dos atributos mais salientes de mais de 20organizações regionais e multilaterais ativas nesse campo.

Organizações do Hemisfério Ocidental Comunidade Andina.1 Sebastián Alegrett, Secretário-Geralda Comunidade Andina, declarou que os países andinosatravessavam um momento crítico em seu desenvolvimentodemocrático. A Comunidade preparou uma série desanções e ações a serem aplicadas no caso de uma inter-rupção da democracia na região, entre as quais a suspensãodo acordo andino de comércio e do acesso a empréstimos eoutros benefícios regionais. Allan Wagner, Assessor doSecretário-Geral, informou que as ações mais recentes daComunidade Andina significavam o aprofundamento deuma cultura democrática e compromissos mais firmes coma defesa dos direitos humanos, sociais, indígenas e culturais.

Comunidade do Caribe. A CARICOM representa os países delíngua inglesa do Caribe, mas começou a expandir seus con-tatos com países de outras línguas e culturas na sub-região.O regime democrático é um requisito para a condição demembro da CARICOM, e a instituição deu início a açõesem diferentes áreas relacionadas com a democracia. OSecretário-Geral Adjunto da CARICOM, Albert Ramdin,explicou que a organização não tinha experiência prévia emmatéria de observação eleitoral até as recentes observaçõesrealizadas na Guiana, no Suriname e no Haiti. Ramdinmencionou as novas ameaças à democracia na região,decorrentes de mudanças no entorno econômico e políticoglobal. Citou, por exemplo, as ameaças à indústriabananeira no Caribe, novas restrições a supervisão da indús-tria de serviços financeiros e a proliferação de atividadestransfronteiriças, como o tráfico ilícito de armas, o tráficode drogas e o contrabando.Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Como maiorinstituição de empréstimos de desenvolvimento para a

América Latina e o Caribe, o BID expandiu notavelmente,nos últimos anos, as operações, a assistência técnica e o diá-logo político em apoio ao desenvolvimento democrático deseus países membros. Em particular, o BID tem promovidoreformas de Estado, o desenvolvimento da sociedade civil e o diálogo, bem como os nexos entre o desempenho do Estado, ou “boa governação”, e o desenvolvimentoeconômico e social.

Grupo do Rio.2 O Embaixador Alberto Van Klaveren, doChile, historiou a emergência do Grupo do Rio comomecanismo informal de consulta em função da complexi-dade da crise dos anos 80 na América Latina (p. ex., crise dadívida, conflitos civis na América Cen-tral). Embora ainda não seja uma insti-tuição formal, o Grupo evoluiu pormais de 15 anos até alcançar “con-tinuidade permanente”, reunindo umavez por ano os mais níveis de governodos seus Estados membros. Isto propi-cia um mecanismo de consulta perma-nente na América Latina e com outrasregiões e países, especialmente signi-ficativo para a região. A participaçãoinicial de países não-democráticos foivedada, fato que retardou o ingresso doChile até os anos 90. Tanto as virtudescomo as fraquezas do Grupo do Rio devem-se ao princípiode ação unânime de seus membros. Van Klavaren indicouque o avanço mais substantivo do Grupo ocorreu no campoda cooperação política regional e que o seu ativo principalconsiste na capacidade de resposta à necessidade de novosinstrumentos coletivos para a América Latina – que operemem bases flexíveis – visando a uma política externa comum.

MERCOSUL. Integrado pelas nações do Cone Sul daAmérica Latina, o MERCOSUL é um caso interessante deorganização de cunho inicialmente comercial que evoluiuaté assumir maior papel político, particularmente em defesae apoio da democracia na região. Tal como observou aEmbaixadora Leila Rachid de Cowles, embora as nações doMERCOSUL tenham estabelecido uma tarifa externacomum em 1995, seus membros deram crescente reco-nhecimento aos vínculos entre comércio e democraciacomo resultado de sua crescente integração comercial. Ocompromisso mais significativo do MERCOSUL com ademocracia foi assinado na Argentina, em junho de 1996: ossignatários comprometeram-se a aplicar sanções conjuntas aqualquer interrupção das instituições democráticas. A“existência integral” de instituições democráticas passou aser um requisito para a participação no MERCOSUL. No

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1 Peru, Bolivia, Venezuela, Colômbia e Equador.2 Os oito membros fundadores foram : Argentina, Brasil, Colômbia, México, Panamá, Peru, Uruguai et Venezuela.

Embaixador Alberto VanKlaveren, Diretor dePlanejamento doMinistério das RelaçõesExteriores do Chile

ano 2000, sanções contra uma tentativa de golpe militar noParaguai foram aplicadas “numa questão de horas”. Organização dos Estados Americanos. A OEA, uma das organi-zações regionais mais antigas do mundo, dedica-se aoavanço político, social e econômico do Hemisfério Ociden-tal. A promoção e defesa da democracia é um dos objetivosprincipais contidos na Carta da OEA, cujos Estados mem-bros agem coletivamente em resposta a instâncias específi-cas de interrupção do regime democrático em outrosEstados membros, valendo-se para tanto de consultas,apoio e sanções por meio de mecanismos como a citadaResolução 1080, adotada em 1991. A Unidade para a Pro-moção da Democracia (UPD), da Secretaria-Geral, é uminstrumento adicional criado em 1990 para prestar assistên-cia a toda uma gama de instituições democráticas naAmérica Latina e no Caribe. Em particular, a UPD apoia osEstados membros nas áreas de assistência e observaçãoeleitoral, apoio a sociedades ao término de conflitos e para aresolução de conflitos, promoção de valores democráticos,descentralização e governo central e fortalecimento deórgãos legislativos. Comissão Parlamentar do MERCOSUL. O avanço das naçõesdo MERCOSUL pode ser constatado na criação específicada Comissão Parlamentar, em apoio aos legislativos daArgentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. A Comissão Parla-mentar Conjunta, estabelecida em 1991 para manter os par-lamentos informados sobre o MERCOSUL e sobreacontecimentos regionais, e para melhor inseri-los noprocesso mais amplo de integração, tem-se preparado cadavez mais para desempenhar papel mais ativo de reação acrises e, quando necessário, procurar restaurar o regimedemocrático na região.

Organizações Sediadas na EuropaConselho da Europa. Fundado há 51 anos, o Conselho daEuropa conta atualmente 43 membros do leste, do oeste edo sudeste da Europa, aproximando-se assim da sua visãode uma instituição verdadeiramente pan-européia. O Con-selho presta amplo apoio a seus novos Estados membros,assistindo-nos na transição para a democracia mediante apromoção dos direitos humanos, econômicos, sociais e cul-turais e a adoção de novas iniciativas contra a corrupção. JosLemmers, diretor executivo do Centro Norte-Sul do Con-selho da Europa, descreveu os novos desafios da instituiçãona forma de direitos das minorias, refugiados, racismo elimpeza étnica. Em casos de violações persistentes de direi-tos humanos, as sanções podem culminar em expulsão doConselho.

Comissão Européia. A União Européia (UE), juntamentecom a Comissão Européia, é uma das organizações regio-nais dedicadas aos princípios fundamentais de democracia,respeito aos direitos humanos e primado do direito. De suacriação até hoje, a condição de membro é oferecida exclusi-vamente a países democráticos. Justin Davidson, um asses-sor principal da UE, discorreu sobre o crescimento daestrutura jurídica e operacional da organização, que conti-nuou a aperfeiçoar e expandir sua missão pró-democráticamediante a inclusão de cláusulas sobre respeito aos direitoshumanos em mais de 50 acordos internacionais. Davidsoncitou, como prioridades da UE, a educação em direitoshumanos, o fortalecimento de sistemas legais, a proteção deminorias e a abolição da pena de morte.

IDEA International (Instituto para a Democracia e a AssistênciaEleitoral). O IDEA, sediado na Suécia, trabalha para “cons-truir, apoiar e promover a democracia em todas as regiões”.Seus programas abrangem toda uma variedade de nações,como Burkina Fasso, Cosovo, Líbano, Indonésia eParaguai. O diretor executivo do IDEA, Bengt Soderbergh,apresentou à conferência recomendações para responderaos novos desafios enfrentados pela construção da democra-cia, evoluindo do que classificou de recente “década deeleições” para uma área mais ampla de programas queincluam participação política, participação no nível local efortalecimento da sociedade civil.

Organização para a Segurança e Cooperação na Europa(OSCE). A OCSE é uma entidade pan-européia da qualparticipam 55 Estados. Suas origens remontam ao começodos anos 70, quando serviu de foro multilateral de diálogo enegociação entre as nações do leste e do oeste europeu. ALei Marco de Helsinqui, de 1975, estabeleceu os princípiosbásicos que governam a conduta dos Estados em relação aos

8 RELATÓRIO FINAL DA CONFERÊNCIA DA COMUNIDADE DE DEMOCRACIAS

Surin Pitsuwan, ex-Ministro do Exterior da Tailândia

seus cidadãos e, vice-versa. De acordo com Jan Kubis,Secretário-Geral da OSCE, os direitos humanos cons-tituem a maior área de atividade e um setor de vantagemcomparativa da organização. Kubis descreveu o trabalho daOSCE nos campos do fortalecimento do primado do direi-to, igualdade de gênero, liberdade de religião, apoio parla-mentar, observação eleitoral e proteção de minorias.

Principais Organizações Africanas e AsiáticasAssociação das Nações do Sudeste da Ásia (ASEAN). A ASEANfoi criada com o propósito de promover a liberalizaçãoeconômica e a formação de vínculos entre os Estados mem-bros do Sudeste da Ásia. M.C. Abad Jr., assistente especialdo Secretário-Geral da ASEAN, explicou que liberalizaçãoeconômica é uma forma indireta de promoção da democra-cia". O ex-Ministro do Exterior Surin, da Tailândia, disseque a ASEAN está na difícil posição de promover a demo-cracia, os direitos humanos e a segurança numa região caracterizada por diferentes estruturas, valores e sistemas, eem que o princípio de não-intervenção nos assuntos internos nacionais é muito forte. Mesmo o diálogo inicial ecerto grau de discussão aberta sobre democracia na ASEANrepresentavam um avanço inédito. Segundo Abad, aevolução é inevitável: “a ASEAN deve evoluir para umcomunidade política de Estados com idênticas opiniões”.

Organização da Unidade Africana. O vice-diretor da OAU,Dieudonné Kombo-yaya, referiu-se ao avanço dos mecanis-mos existentes na entidade para apoiar e defender o go-verno democrático no difícil contexto africano, em queforças militares continuam a desafiar rotineiramente os go-vernos civis. A Declaração de Adis Abeba, de 1993, forneceas bases para um compromisso conjunto com umasociedade democrática na África. A OAU desenvolveu,pouco a pouco, uma série de mecanismos de consulta ecoordenação para casos de interrupção da democracia naregião. Estes acordos, mais recentemente incorporados àDeclaração de Lomé, em julho de 2000, prevêem uma sériede sanções a serem invocadas no evento de uma interrupçãoda norma constitucional, tais como a suspensão da OAU, anegativa de emissão de vistos para golpistas, restrições com-erciais e restrições a contatos governamentais. Antes daaplicação de qualquer sanção, os acordos da OAU abremum período de seis meses de consultas para habilitar o go-verno nacional a restaurar a norma constitucional.

Comunidade Sul-Africana de Desenvolvimento (SADC). Cri-ada em 1993, a SADC, da qual fazem parte 14 Estadosmembros africanos, dedica-se principalmente à cooperaçãoeconômica, mas também exige dos seus membros um com-

promisso com a democracia. Violações de condiçõesdemocráticas podem resultar em sanções impostas pelaorganização.

Instituições e Conferências MultilateraisComunidade de Nações.3 A “vocação democrática” da Comu-nidade baseia-se numa série de importantes declarações for-muladas nos mais altos níveis políticos dos seus Estadosmembros. Os Princípios de Hararê, de 1997, vinculam osbenefícios oferecidas à disposição de aderir a ideaisdemocráticos. A “engrenagem”, de acordo com a expressãousada por Jon Sheppard, é o Programa de Ação de Mill-brook, de 1995, que estabelece o procedimento e as consul-tas da organização no sentido de induzir a uma restauraçãoda democracia dentro de um prazo razoável. Shepparddestacou que a Comunidade é uma das poucas organizaçõesque realmente expulsam membros com base em critériosdemocráticos, como ocorreu com a Nigéria e o Paquistão.O programa de promoção da democracia da Comunidadeapoia a resolução de conflitos, a observação eleitoral e odesenvolvimento da capacidade democrática e institucional.

União Interparlamentar (IPU). Anders Johnson, Secretário-Geral da IPU, recordou as origens históricas (1889) da enti-dade, que congrega 140 membros. De acordo comJohnson, a IPU, uma entidade incomum por reunir parla-mentos, e não governos, evoluiu do período da Guerra Fria,em que a democracia era entendida “com qualificações”,para uma ativa promoção da democracia e seu apoio emtodo o mundo. As atividades da IPU estendem-se às áreasdos direitos humanos, da justiça social e da igualdade degênero, oferecendo uma importante “dimensão parlamen-tar para o trabalho em democracia”.

Conferência Internacional sobre Democracias Novas ou Restau-radas. O Embaixador Joel W. Adechi, Representante Perma-nente da República do Benin Junto às Nações Unidas,descreveu as conclusões e os acordos da Conferência Interna-cional sobre Democracias Novas ou Restauradas, realizadaem dezembro de 2000, em Cotonou. Esta foi a quarta deuma série de conferências internacionais realizadas com oobjetivo de fazer avançar o desenvolvimento e o intercâmbiodemocrático.4 A conferência de Benin adotou a Declaraçãode Cotonou, que inclui compromissos com a solução pacíficade conflitos, os direitos democráticos e humanos, e o direito ao desenvolvimento. O evento também preparou recomendações específicas a organizações multilaterais, governos nacionais, a sociedade civil e o setor privado.

Organização Internacional de Estados de Língua Francesa. OEmbaixador Ridha Boahbib, da Associação de Estados deLíngua Francesa, afirmou que esses Estados, ademais de

3 A Comunidade de Nações é formada pelas ex- colônias do Reino Unido em todo o mondo. Sua Secretaria está sediada em Londres.4 Inclui a Noruega, Dinamarca, Estados Unidos da América, Canadá, Japão, Holanda, Nigéria, República Popular da China, Repúblicada Coréia e Suiça.

III.

compartilharem o mesmo idioma, avançaram em grandeescala rumo à adoção de valores comuns: “direitos humanos,liberdade e, é claro, democracia”. A seguir, descreveu as pri-oridades máximas da organização. Em primeiro lugar, o for-talecimento de instituições democráticas, que inclui apoio auma associação de mediadores de língua francesa, uma asso-ciação de escolas nacionais de administração pública, parla-mentos nacionais, tribunais constitucionais e fortalecimentosde corpos eleitorais. Sua segunda prioridade é a promoçãoda cultura democrática e dos direitos humanos. A organiza-ção adotou ações específicas para o caso de um coup d’etatem seus Estados membros.

Nações Unidas. As Nações Unidas e suas agências gozam declaras vantagens comparativas na promoção e defesa dademocracia como organização de âmbito mundial, instru-mentos de aplicação definidos e o quadro de membros maisamplo entre todas as organizações internacionais. IbrahimGambari, assessor para Missões Especiais na África, foi por-tador da mensagem enviada à conferência pelo Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, e detalhou o amplo papeldesempenhado pelas Nações Unidas, que tem incluídorespostas à interrupção da democracia, manutenção eacompanhamento da paz, democracia e assistência aodesenvolvimento, observação e eleitoral e o patrocínio dequatro conferências internacionais. Em sua mensagem,Kofi Annan afirmou que os esforços da ONU “baseiam-senum conjunto de princípios segundo os quais a democraciae o primado da lei estão inseparavelmente interligados”. Também participaram da reunião duas agências especializadas da ONU, a saber:

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD). Ken Sherter, assessor principal do PNUD paraassuntos de governo, falou sobre a evolução do PNUD,que passou a reconhecer a importância da democracia paraa realização do seu objetivo central de redução da pobreza,principalmente em resposta a solicitações emanadas dosseus Estados membros. Depois de um aumento de recur-sos, 50% dos fundos do PNUD destinam-se a programasde base democrática, em comparação com 15% em 1992.O programa do PNUD inclui fortalecimento legislativo,direitos humanos, apoio eleitoral, reforma judiciária edescentralização.

Organização Internacional do Trabalho (OIT). Sediada emGenebra, esta agência das Nações Unidas apóia a democra-tização por meio da promoção de sindicatos trabalhistaslivres, padrões de trabalho decentes e igualdade social. NaDeclaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamen-tais no Trabalho, um documento fundamental, os paísesmembros comprometem-se a respeitar, promover e realizaros princípios de liberdade de associação, direito de negoci-ação coletiva, abolição do trabalho forçado e infantil e elim-inação da discriminação no emprego.

Banco Mundial. O Banco Mundial, a maior instituição indi-vidual de empréstimos para o mundo em desenvolvimento,tem um mandato específico de redução da pobreza. MatsKarlsson, vice-presidente do Banco Mundial para relaçõesexternas e assuntos das Nações Unidas, mencionou osimportantes vínculos entre os mandatos do Banco emmatéria de desenvolvimento e pobreza e desenvolvimentodemocrático. Karlsson assinalou que o Banco tem um claromandato a respeito do impacto econômico e de desenvolvi-mento de seus projetos e enfatizou em particular a ampli-ação da participação em projetos de desenvolvimento e, demodo específico, em iniciativas que focalizem a educação (oBanco é o maior financiador mundial da educação), o for-talecimento dos pobres e as iniciativas de combate à pobreza.

III.MELHORIA E ATIVAÇÃO DE MECANISMOSESSENCIAIS DE APOIO À PROMOÇÃO EDEFESA DA DEMOCRACIA

A conferência estimulou discussões e debates mais focaliza-dos em três componentes essenciais para o desenvolvi-mento e o avanço do apoio internacional à democracia, asaber: 1) promoção e fortalecimento de valores e institu-ições e da cultura democrática; 2) desenvolvimento e apli-

10 RELATÓRIO FINAL DA CONFERÊNCIA DA COMUNIDADE DE DEMOCRACIAS

Sessão Plenária da Comunidade de Democracias, Salão das Américas

cação de instrumentos políticos e jurídicos de defesa dademocracia; e 3) prevenção de interrupções da democracia.Estas áreas constituíram o assunto de sessões de grupos detrabalho específicos, em que especialistas, formuladores depolíticas e organizações da sociedade civil compartilharamidéias e experiências. Os resumos que aparecem a seguirrefletem tópicos abordados não apenas nas sessões dos gru-pos de trabalho, como também em discussões e apresen-tações mais amplas, em sessões plenárias. As recomendaçõestambém aparecem na seção final (IV) deste relatório.

A. Valores, Cultura e Instituições DemocráticasO Ministro do Exterior Palous, da República Tcheca,falando ao plenário da conferência, descreveu uma visão dedemocracia que se revela na forma de três círculos concên-tricos. Segundo o orador, um círculo interior constituía aconstrução da democracia no nível interno, mediante o cul-tivo de uma mentalidade e um compromisso democrático.O segundo círculo era formado por “Estados de pensa-mento coincidente”, o que não significa, esclareceu, umcrisol de opiniões, e sim Estados que têm algo em comum,como proximidade regional e história compartilhada. O ter-ceiro círculo era a democracia em bases transnacionais euniversais, construtora da visão de uma civilizaçãodemocrática. Comentou que, na República Tcheca, amudança ocorrida no círculo interior fora muito maior doque a esperada, mas que, em termos realistas, “poderárequerer uma mudança de gerações” para que a culturademocrática se consolide.

O Papel Fundamental dos Valores, da Cultura e das InstituiçõesDemocráticas. Os participantes discutiram extensamente odesenvolvimento dos valores, da cultura e das instituiçõesdemocráticas, que as habilitariam a radicar-se e prosperarem todos os três círculos. “Democracia, acima de tudo, écultura”, afirmou Luis Lauredo, Embaixador dos EstadosUnidos junto à OEA, identificando os elementos de liber-dade, primado da lei, direitos individuais, tolerância erespeito ao próximo. A discussão focalizou a construção devalores democráticos em países em transição e o reforço eapoio a esses valores por meio de instituições regionais emultilaterais. Jon Sheppard, da Comunidade de Nações,afirmou claramente que a maior salvaguarda contra umareversão da democracia é o desenvolvimento de uma cul-tura democrática. O Embaixador Ridha Bouabib, da Orga-nização dos Países de Língua Francesa, insistiu quanto àimportância particular da promoção da cultura democráticae dos direitos humanos em países com prolongadas históriasde Estados unipartidários.

Apesar da emergência de um consenso sobre o papel

fundamental dos valores, da cultura e das instituiçõesdemocráticas, existia uma clara lacuna de conhecimentosobre como melhor desempenhar essa tarefa. RubenPerina, da Unidade para a Promoção da Democracia daOEA, sugeriu que a busca de currículos e instrumentos re-levantes na região da América Latina tem revelado prece-dentes muito limitados. Jos Lemmers, do Conselho daEuropa, referiu-se aos avanços do Conselho ao estabelecerum programa denominado Educação para a CidadaniaDemocrática, que está sendo aplicado em todas as 34nações da Europa. Esse currículo, que vai além de expe-riências nacionais, inclui a democracia para cidadãos daEuropa e do mundo (ou seja, os três círculos) e abrange osdireitos humanos, a educação ambiental, a paz e a soluçãode conflitos e a compreensão intercultural. A experiênciaeuropéia foi discutida como melhor caso prático potencial.Registrou-se um claro consenso no sentido de que a educação cívica é o principal insumo para o desenvolvi-mento de culturas e valores democráticos a longo prazo.Sugeriu-se uma forma associada de promover a culturademocrática nacional mediante o uso de maior número depessoal local na execução de programas de democracia. Ogrupo de trabalho também discutiu o papel crítico dasociedade civil no desenvolvimento e consolidação da cul-tura e dos valores democráticos.

Uma instilação insatisfatória da cultura e dos valoresdemocráticos afetará a qualidade e a estabilidade das insti-tuições democráticas. A necessidade de atribuir maioratenção à boa governação e à solidez da administraçãopública foi objeto de grande interesse. Ambas alimentam-se mutuamente: a falta de instituições democráticas viáveismina o compromisso dos cidadãos com a cultura e os va-lores democráticos, o que mina, por sua vez, as instituiçõesdemocráticas. Os participantes acordaram em que o desen-volvimento e a consolidação da cultura, dos valores e das instituições democráticas requer o uso de umadefinição de democracia, mais ampla e mais relevante parao cidadão comum.

Consenso sobre a Necessidade de uma Definição mais ampla deDemocracia. Quase todos os participantes referiram-se ànecessidade de considerar e entender a democracia emfunção dos seus vínculos com o progresso social, a reduçãoda pobreza, a igualdade racial e de gênero, a políticaeconômica e a boa governação. O Embaixador DiegoAbente Brun perguntou: “Qual é a viabilidade da democra-cia sem crescimento econômico? Como sustentar um sis-tema democrático se a corrupção retira a sua legitimidade?”Allan Wagner, assessor da Comunidade Andina, explicoucomo essa compreensão mais ampla do que constitui

11

democracia e do que é necessário para dar-lhe viabilidaderefletiu-se cada vez mais nas atividades da ComunidadeAndina, na medida em que se expandiam para a área dosdireitos indígenas e das minorias, eqüidade em educação eações de combate à pobreza.

Ainda que os participantes tenham concordado quanto àimportância da compreensão da democracia para assegurara viabilidade da cultura e das instituições democráticas,ficou menos claro de que modo isto deveria refletir-se nasatividades e políticas das organizações regionais e multila-terais. Gerald Hyman, do Centro para a Democracia e aGovernação da USAID, manifestou a preocupação de queuma definição de democracia muito ampla suscita o risco dedeitar a perder a própria essência e eficácia das atividades deapoio democrático. Além disso, ela nem sempre serádefinida da mesma forma por todos os países e organiza-ções. Lemmers, do Conselho da Europa, argumentou que“não existia uma definição precisa de democracia, mas quehavia consenso quanto aos aspectos essenciais que conformaa democracia.” Ficou claro, porém, que atentar simples-mente para a estrutura institucional e de procedimentos dademocracia era insuficiente para assegurar sua viabilidade erelevância na economia global de hoje. Mats Karlsson, vice-presidente para assuntos externos e das Nações Unidas doBanco Mundial, afirmou que, embora o desenvolvimentonão possa progredir de maneira sustentada sem que se cuidetambém da democracia, “a pesquisa disponível que consul-tei sobre os nexos entre desenvolvimento e democracia nãoé particularmente convincente”.

Fortalecimento dos Vínculos entre Organizações. O grupo detrabalho também recomendou que os vínculos da democra-cia com o desenvolvimento, os direitos sociais e humanos ea igualdade sejam objeto de maior reflexão estratégica,pesquisa e coordenação entre organizações regionais e mul-tilaterais. Também discutiu um conjunto de idéias para me-lhorar a base de conhecimento mútuo e desenvolver novosinstrumentos de apoio a seus esforços coletivos. ElizabethSpehar, coordenadora executiva da Unidade para a Pro-moção da Democracia da OEA, explicou que, segundo osplanos, esta conferência era a primeira de uma série a serrealizada com a participação de instituições regionais e mul-tilaterais. Propôs que, ademais das reuniões subseqüentes, acolaboração interinstitucional avançasse mediante a criaçãode uma rede eletrônica entre organizações regionais. Su-geriu também que essa rede poderia ir mais além de umaconexão entre os sites em rede das organizações partici-pantes, passando a ser um site interativo de informação,melhores práticas e comunicação direta entre instituiçõesque comungam opiniões idênticas. A seguir, sugeriu que a

UPD poderia ajudar a lançar e sustentar a rede. A propostafoi amplamente endossada, e organizações específicas ofere-ceram sua assistência para trabalhar com a OEA/UPD.

B. Instrumentos Políticos e Jurídicos de Defesa daDemocracia

Apresentaram-se diversas propostas específicas para melhordefinir, coordenar, expandir e promover as atuais “ferra-mentas” políticas e jurídicas de que dispõem as organiza-ções regionais e multilaterais para prevenir regimesnão-democráticos e dar-lhes resposta. Os participantesexaminaram os significativos avanços dos instrumentospolíticos e jurídicos utilizados por organizações regionais emultilaterais, mas também puderam identificar importantesáreas que se prestam a reforma e expansão.

Definição de Interrupção da Democracia. Jennifer McCoy, doCentro Carter, e diversos outros membros do respectivopainel do grupo de trabalho, sugeriram a utilização deeleições como “vara de medição” para verificar se ocorreuinterrupção da democracia em determinado país. Pro-puseram certas condições básicas para eleições livres, cujaausência poderia respaldar uma definição de interrupção dademocracia. Essa estrutura pretendia harmonizar-se com osprincípios da Declaração de Varsóvia. Foram discutidas asseguintes condições para eleições livres: ■ Ausência de coerção física ou intimidação.■ Oportunidade para que os partidos principais transmitam

suas mensagens aos eleitores.■ Voto secreto e contagem honesta.■ Existência de um eficiente processo de apelações.

Com base nessas condições, o grupo de trabalho enu-merou cinco casos que constituiriam interrupção da demo-cracia num contexto eleitoral:■ O governo realiza uma eleição fraudulenta.■ A eleição é livre e justa, mas o vencedor é impedido de

assumir o cargo;.■ A eleição é livre e justa, o vencedor assume o cargo, mas é

posteriormente removido à força.■ O governo eleito subverte gradualmente o processo

democrático.■ Os direitos políticos e humanos não são respeitados.

Impossibilidade de eleições livres e justas.Ao mesmo tempo, no grupo de trabalho pleno, houve

amplo consenso quanto a que os instrumentos interna-cionais devem, ademais da avaliação de eleições, adotar out-ros critérios de direitos humanos e políticos para incluir ostipos de ameaças que o regime democrático enfrenta atual-mente. A fim de avançar verdadeiramente rumo a uma açãoefetiva, o grupo de trabalho sustentou a necessidade de

12 RELATÓRIO FINAL DA CONFERÊNCIA DA COMUNIDADE DE DEMOCRACIAS

ampliar os critérios de resposta das organizações regionais emultilaterais a situações indicativas de um processo de golpeou crise política, em vez de agir somente após a ocorrênciade uma ruptura da democracia. Acordou-se também queera necessário definir mais claramente a “erosão de direitos”e identificar as ações a serem empreendidas.

Instrumentos de Harmonização e Coordenação entre Organiza-ções Internacionais. Ainda antes de considerarem a expansãodos instrumentos existentes, os participantes discutiram apremente necessidade de melhor harmonizar critérios ecoordenar as ações adotadas nos casos de interrupção dademocracia. Morton Halperin, do Conselho de RelaçõesExteriores, ex-assessor em democracia e direitos humanosdo Conselho de Segurança Nacional dos EUA e ex-diretordo Planejamento Político do Departamento de Estado,ofereceu o recente exemplo do Paquistão, cujo governomilitar foi objeto de quatro diferentes resoluções/comuni-cados sobre o que constituiria um retorno ao regimedemocrático. Halperin recomendou que as instituiçõesregionais e multilaterais trabalhem em prol de uma abor-dagem externa mais comum a interrupções do regimedemocrático. Seria melhor enviar aos governos, numa situ-ação de crise política severa, uma mensagem internacionaltanto clara como unificada. Rafael Roncagnolio, da ONG“Transparencia”, do Peru, comentou que inclusive a OEAnão fala necessariamente com uma só voz e que poderiahaver diferentes ações emanadas da Secretaria-Geral, doConselho Permanente e da Comissão Interamericana deDireitos Humanos da OEA. Daniel Zovatto, de Interna-tional IDEA, referiu-se, ademais, à freqüente “duplicidadede padrões” adotada por organizações regionais em matériade aplicação de sanções, dependendo do poder ou daimportância estratégica do país envolvido. Devem as orga-nizações padronizar seus próprios processos internos edesenvolver mecanismos de apoio rápido e efetivo às açõesde instituições similares. Anders Johnson, da União Inter-parlamentar (IPU), instou, em particular, por uma coorde-nação mais estreita entre a ONU, no âmbito mundial, e aIPU em matéria de democracia e direitos humanos.

É necessário tanto coordenar e harmonizar instrumentosnas regiões e em âmbito inter-regional, como evitar qual-quer “duplicidade de padrões” no caso de os “instrumentosnão serem aplicados uniformemente.” Os participantesreafirmaram o princípio segundo o qual as organizaçõesregionais e multilaterais deveriam apoiar e fazer observar asações adotadas por uma organização congênere em respostaa uma crise de democracia. Citou-se o caso do apoio dosEUA à Missão de Alto Nível da OEA ao Peru. MortonHalperin sugeriu que os governos nacionais e suas respecti-

vas organizações multilaterais desenvolvam instrumentospara aplicar ou reconhecer ações ou sanções específicas ado-tadas por outras organizações regionais. Discutiram-se duassanções de utilização imediata: a negativa de emissão de vis-tos para conspiradores ou perpetradores de golpes deEstado e o congelamento dos ativos ilegalmente obtidospor meio de golpes.

Finalmente, propôs-se a harmonização da área de obser-vação eleitoral entre as organizações. Por exemplo: aDivisão de Assistência Eleitoral das Nações Unidas requerconvite nesse sentido, recebido com boa antecedência dodia das eleições. E, se verificar que não há condições sufi-cientes para uma eleição livre e justa, a Divisão não enviaráobservadores. Diversos participantes ressaltaram aimportância da adesão em conjunto a esses protocolos.Com isto, a validade da observação eleitoral não seria preju-dicada por grupos dispostos a observar eleições que não sat-isfazem padrões mínimos de imparcialidade.

Reforma e Expansão de Instrumentos Atuais. Realizou-se umamplo debate sobe diversas áreas que se prestam a reformae expansão de instrumentos existentes.

Várias organizações requerem que seus membros adotema democracia (“cláusulas democráticas”) para receber bene-fícios econômicos e de comércio. A UE e o MERCOSULsão exemplos marcantes dessa condicionalidade. Os partici-pantes acordaram quanto à importância e utilidade dacondicionalidade nesses casos. Em particular, Tony Free-man, da Organização Internacional do Trabalho (OIT),pleiteou a expansão desses nexos entre comércio e demo-cracia. Contudo, mencionou-se também que as cláusulasdemocráticas devem levar em conta a dificuldade de excluirpaíses em que há necessidade de cooperação em matéria desegurança e paz. Os participantes debateram a possibilidadede abrir exceções em instituições maiores, como a ONU e aOrganização Mundial do Comércio (OMC), em que acondicionalidade seja um instrumento importante para ou-tros benefícios econômicos à parte desses foros globais.

O Embaixador Juan Gabriel Valdés salientou a importân-

13

A conferência de dois dias reuniu mais de 125 participantes de 20 países

regimes não-democráticos. A criminalização seria real-mente um fator suasório ou apenas reforçaria um isola-mento? Jennifer McCoy indagou se a criminalização nãoergueria um obstáculo e geraria um desincentivo para ummovimento de aproximação com a democracia. Citou,como exemplo, o caso de Serra Leoa, onde os mantene-dores da paz foram ignorados. O grupo de trabalho con-cluiu que a possibilidade de iniciar paralelamente umprocesso de formação de consenso político em torno decrimes eleitorais internacionais era válida. Alguns partici-pantes opinaram que as próprias discussões sobre o assuntopoderiam representar um fator suasório.

Registrou-se amplo consenso quanto a que um impor-tante reforço dos instrumentos atuais deveria ser intro-duzido nas suas possibilidades de aplicação. Tal reforçoinclui a exploração de mecanismos de aplicação e umamaior uniformização dos atuais mecanismos de aplicaçãoaos respectivos países. O mesmo tópico foi suscitado no ter-ceiro grupo de trabalho.

C. Prevenção da Interrupção da DemocraciaUm terceiro grupo de trabalho concentrou-se de modomais específico no tema da prevenção de interrupções dademocracia. O grupo examinou especificamente três áreasprincipais: interrupção abrupta e deterioração a longoprazo, sistemas de alerta precoce e, de modo mais geral, anatureza das respostas internacionais a interrupções.

Deterioração x Interrupção. Uma interrupção da democraciamediante um golpe de Estado ou mediante fraude eleitoraloferece às vezes o momento mais claro para que as organi-zações internacionais se possam aglutinar e pressionar umareversão. Ao longo da conferência, os participantes referi-ram-se invariavelmente à necessidade de maior ação parasustar a deterioração da democracia, o que muitas vezes seestende por um período mais extenso, com um “momentodecisivo” menos definido. Maria del Carmen Oblitas, daMissão da Bolívia junto à OEA, afirmou que, ao pensarmosem interrupções da democracia, evocamos freqüentementeos golpes de Estado. Contudo, essas interrupções podemrevestir diferentes formas, entre as quais a manipulaçãoeleitoral que não chega a se caracterizar como fraude gri-tante. Piotr Ogrodzinski, da Embaixada da Polônia, obser-vou que, para a Europa Oriental, o problema atual é dedeterioração, mais do que interrupção. Laurence White-head, da Universidade de Oxford, indicou que a ação inter-nacional durante um processo de deterioração dademocracia encerra inegavelmente uma importante men-sagem – ao oferecer uma oportunidade melhor de reversãoantes de que a situação interna se agrave ou seja caótica. Os

14 RELATÓRIO FINAL DA CONFERÊNCIA DA COMUNIDADE DE DEMOCRACIAS

cia das ações diplomáticas iniciais para pavimentar o ca-minho rumo a iniciativas internacionais mais amplas. Argu-mentou que cumpre aperfeiçoar e melhor aplicar diferentesações políticas – bons ofícios, diálogo, sobriedadediplomática e suspensão da participação em organizaçõespolíticas. Elizabeth Spehar acrescentou que, tão importantecomo a revisão de instrumentos políticos e jurídicos exis-tentes, a fim de identificar o que deva ser acrescido ou me-lhorado (por exemplo, fala-se freqüentemente em fortalecerou expandir o âmbito da resolução 1080 da OEA), é traba-lhar em prol da adesão a princípios e padrões existentes eexpandir a capacidade de ação, e colocar um conjunto deações ou “instrumentos” políticos à disposição das organiza-ções regionais.

O grupo de trabalho também considerou uma proposta

de Morton Halperin no sentido de caracterizar como crimeinternacional contra a humanidade a violação de umaeleição democrática mediante a usurpação do poder. Instru-mentos contra o genocídio, os crimes de guerra e os crimescontra a humanidade requerem muitos anos de negoci-ações. A questão está em que a “criminalização” do delitoeleitoral, embora possa tardar dez anos até ser instituída,exige que comecemos a construir desde já o consensopolítico para criminalizar interrupções da democracia. Odebate poderia começar agora, sem uma identificação dassanções para ações desse tipo. Os participantes preocu-pações externadas na reunião, de que a tipificação de irregu-laridades eleitorais ou da erosão de direitos políticos comocrime obstaria negociações e estratégias de saída com

O Secretário-Geral da OEA, César Gaviria, cumprimenta a ex-Secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, aplaudidospelo Secretário-Geral Adjunto da OEA, Luigi Einaudi, (esq.) e oEmbaixador do Chile junto a OEA, Esteban Tomic Errazuriz

participantes discutiram amplamente se a deterioração dademocracia, particularmente a deterioração que culminaem crise nacional, poderia ser efetivamente detectada medi-ante um sistema de alerta precoce.

Sistemas de Alerta Precoce. Os participantes discutiram várioselementos e características essenciais para um sistema dealerta de precoce (SAP) capaz de identificar países que seaproximem de uma crise, mas ainda antes de sua plenainstalação. Registrou-se amplo consenso quanto às carac-terísticas que deveriam conformar um sistema de alertaprecoce:■ Imparcialidade suficiente para merecer respeito.■ Claras definições.■ Um processo aberto ao diálogo.■ Uma nítida separação entre avaliadores e mediadores,

mesmo que, na prática, as respectivas tarefas devam serrealizadas em conjunto.Discutiu-se o tópico das necessidades e lições atuais

nos três estágios requeridos por esses sistemas: detecção,avaliação/interpretação e restauração. Todos acordaramquanto à necessidade de maior desenvolvimento em todosos estágios.

Walt Raymond, do Conselho por uma Comunidade deDemocracias, mencionou três indicadores de deterioraçãoda democracia na Ucrânia, onde ele vê a emergência deuma crise nacional e uma ameaça à segurança regional. Ostrês indicadores são: erosão sistemática da imprensa inde-pendente; esforços no sentido de exercer influência inde-vida sobre as legislaturas; e acusações unilaterais decorrupção contra líderes políticos, com a intenção de fazercalar partidos de oposição. Piotr Ogrodzinski, da Embai-xada da Polônia, sustentou que não se pode impor padrões,e sim, estabelecê-los mediante acordo mútuo para que,ocorrendo uma deterioração, exista pelo menos uma linguagem comum e uma base para intervenções.

Identificaram-se certos eventos que geralmente precipitamuma deterioração da democracia; eleições severamente irre-gulares, agitação civil, crise financeira, suspensão do primadoda lei, movimentos militares e flagrantes violações de direitoshumanos. Um participante do Peru afirmou que existiameventos mais sutis cuja ocorrência também seria indicativa deuma deterioração da qualidade da democracia. O Peru ofe-rece um importante exemplo de país em que o primado da leifoi gradualmente sabotado pela corrupção e por açõesencobertas do governo. Ogrodzinski concordou em que acorrupção também era um sinal de alerta para a democracia.

Um sistema de detecção deve fundamentar-se na existên-cia de organizações que tenham acumulado um histórico decredibilidade na região local. Ted Piccone, do Departa-

mento de Estado dos EUA, salientou que já existem, noHemisfério Ocidental, instituições que oferecem umaestrutura para a análise da deterioração da democracia, eque os direitos humanos eram apenas um elemento dessaestrutura. Segundo ele, um SAP efetivo deve sintetizar ainformação fornecida por todos os componentes institu-cionais da região, incorporando, por exemplo, no Hemis-fério Ocidental, a Comissão Interamericana de DireitosHumanos (CIDH), a Comissão Econômica para a AméricaLatina e o Caribe (CEPAL) e a Comissão Interamericanapara o Controle do Abuso de Drogas (CICAD). LaurenceWhithead destacou que a região também conta com orga-nizações substancialmente desenvolvidas, que realizam umtrabalho de observação confiável e independentemente.Foram mencionadas Américas Watch e Anistia Interna-cional no campo dos direitos humanos, bem como ONGsque acompanham os meios de divulgação.

Mesmo que seja possível desenvolver um sistema de indi-cadores e detecção, ainda assim seria necessário umprocesso de interpretação de SAP. Luis Bitencourt, do Cen-tro Woodrow Wilson, argumentou que se deve considerarcom cautela a idéia de que é possível criar um modelomatemático que ofereça resultados incontestáveis. Ademocracia não é uma ciência exata. Steven Griner, daUnidade para a Democracia da OEA, referiu-se àimportância de uma presença interna para detectar eresponder a uma deterioração da democracia. No caso doHaiti, os mecanismos de alerta precoce deram resultadodevido a uma presença substancial da OEA no país e àcoleta de informação pela ONU. Advertiu que um esquemasemelhante não deveria reunir a função de alerta precoce eas tarefas de assistência técnica para abordar a deterioração.Essa opinião foi apoiada por Laurence Whitehead, quedefendeu a separação das funções de avaliação e mediação.Luis Bitencourt acrescentou que as avaliações devem levarem conta o modo pelo qual as autoridades reagem à deteri-oração: elas procuram abordar as violações de direitoshumanos que ocorram ou são as próprias instigadorasdessas violações? Concluiu que as políticas dos governosnacionais são importantes para avaliar, de alguma forma, aexistência de uma verdadeira crise.

Expressou-se a preocupação de que um SAP poderiachegar a criar diferentes padrões regionais, gerando umefeito de “duplicação de padrões” no caso de não existiralguma estrutura universal reguladora. Grupos e organiza-ções regionais podem oferecer insumos para uma estruturainternacional de avaliação. Laurence Whtihead sugeriu quea ONU era a única agência com cobertura mundial parauma tarefa dessa natureza.

Quais seriam as ações a adotar uma vez detectada uma

15

IV.

entre os atores nacionais. Amr Aljowaly, da Missão doEgito, salientou a importância da Declaração de Lomé(OAU), que concede aos países o prazo de seis meses paratratar de seus problemas internos antes que sejam aplicadassanções ou pressões regionais. A formação de uma culturaglobal, em que as intervenções sejam cada vez mais aceitaspor todos ou, melhor ainda, menos necessárias, é umdemorado processo de consolidação de uma base para ademocracia nos países e para o avanço da democracia comofundamento comum para as relações entre países. Porexemplo: Luis Bitencourt, do Centro Wilson, evocou ointeressante caso do Tajiquistão, em que “não foi difícilidentificar irregularidades (eleições fraudulentas); o difícilfoi fazer com que o povo se desse conta de que a fraude éalgo evidentemente errado”. Esse dilema “entre o ovo e agalinha” continuou a reafirmar a necessidade de um tra-balho fora de situações de crise e a longo prazo das organi-zações regionais e multilaterais, no sentido de apoiar ofortalecimento da cultura e das instituições democráticas.

IV. ACORDOS E RECOMENDAÇÕES PRINCIPAISO espírito de consulta, cooperação e diálogo emanado daconferência da Comunidade de Democracias realizada emVarsóvia, em junho de 2000, levou as 16 organizaçõesregionais e multilaterais reunidas em Washington, emfevereiro de 2001, a acordarem quanto a uma definiçãomais precisa de um conjunto de objetivos comuns. Tal como observou o Secretário-Geral Adjunto da OEA,Luigi Einaudi, a conferência de Washington produziu“uma chuva de idéias”, paralelamente a compromissosespecíficos de prestação de assistência técnica, desenvolvi-mento de mecanismos de coordenação e trabalho conjuntoem novas áreas.

Esta seção sintetiza os acordos e recomendações princi-pais que, em conjunto, valem como ponto de partida para acooperação interinstitucional. A exposição e consideraçãodessas idéias estão resumidas nas três seções precedentes.

A. Acordos Quanto ao Papel e aos DesafiosAtuais de Organizações Regionais eMultilateraisA reunião patrocinada pela OEA conseguiu identificar acrescente complementaridade das atividades de apoio àdemocracia realizadas por organizações regionais e multi-

16 RELATÓRIO FINAL DA CONFERÊNCIA DA COMUNIDADE DE DEMOCRACIAS

situação de pré-crise? Segundo os participantes, este eraum dos numerosos assuntos dos sistemas de alerta precoceainda não resolvidos. Os participantes discutiram os méri-tos dos mecanismos informais e formais de reversão dadeterioração, e concluiu claramente que um só método nãose adaptava a todas as circunstâncias nacionais. Todos con-sideraram importante que os procedimentos e ações deve-riam ser de base multilateral, e não unilateral. Ficouevidente que o processo de induzir os países em situação depré-crise a restaurar as liberdades ou reverter suas açõesrequereria discussões e negociações extremamente hábeiscom os países, respaldadas pela opinião internacional.Madeleine Albright sugeriu a necessidade de um quadro demediadores treinados, capaz de recolher lições e aptidõesde outros países. Charlotte Roe, da Missão dos EstadosUnidos junto à OEA, evocou o caso do Peru e a importân-cia de um esforço cooperativo de que participem tanto osatores internacionais como a oposição local. assinalou tam-bém que o ativo papel da oposição peruana foram impor-tante para a solução do caso do Peru.

Reação Internacional à Interrupção da Democracia. Os partici-pantes da conferência discutiram amplamente as respostasdadas atualmente pela organizações internacionais e inter-rupções da democracia. Essas lições aplicam-se a instru-mentos atuais e ajudariam a alimentar o desenvolvimentode qualquer SEP. Ainda persistem indagações sobre comoaplicar sanções e benefícios internacionais com consistênciae eficiência. Jon Sheppard, da Secretaria da Comunidade,suscitou a questão das importantes limitações e das con-tradições inerentes ao papel das organizações interna-cionais. Ele argumento que nem sempre é possível intervirdiretamente se o governo relutar a essa idéia, e são os piorestransgressores que oferecem a maior resistência à pressãointernacional. Para muitas iniciativas internacionais, como arestauração interna e a assistência técnica, o diálogo e aobservação eleitoral, há necessidade de um convite formaldo governo anfitrião. Muitas vezes, a presença das organiza-ções internacionais ocorre em casos intermédios ou“cinzentos”, porque são estes os países que pelo menos for-mulam tal convite. Países como o Afeganistão esquivam-sede longa data da pressão internacional. O EmbaixadorAlberto Van Klaveren, do Chile, recordou aos participantesque as organizações regionais e multilaterais enfrentam àsvezes situações em que o chamado político não é fácil, porestar imprensado entre “a ética da convicção e a ética daresponsabilidade”, e citou as limitações da reação da OEA àcrise interna do Peru. Segundo as palavras de Van Klaveren,“não podemos substituir ações que devem ser adotadas den-tro dos próprios países”.

O fulcro de qualquer restauração da democracia situa-se

laterais e, o que é de notar, a crescente convergência depensamento relação a ameaças emergentes à democraciaque afetam todas as regiões. Tal como assinalou ElizabethSpehar, coordenadora executiva da UPD, em suas palavrasfinais, “a democracia passou a ser não só uma meta univer-sal, como um valor cada vez mais compartilhado para asorganizações regionais e os países que representam”.

Convergência para Atividades e Instrumentos Essenciais. Asorganizações participantes mencionaram o crescentealcance e escala de suas atividades de apoio à democracia ede suas metas comuns. As atividades da maioria dessas insti-tuições incluem: observação eleitoral, educação cívica, for-talecimento de parlamentos, garantia do controle civil dosmilitares, direitos humanos e reforma judiciária.

As instituições regionais e multinacionais desempenhamum papel claramente mais ativo durante crises políticas,quando a ordem democrática é ameaçada ou revertida. Osrepresentantes principais dessas organizações discutiram osinstrumentos legais específicos desenvolvidos para respon-der a essas crises, entre os quais a aplicação de sanções con-tra membros que violem as normas democráticas eprestação de apoio para restaurar governos democráticos.Acordou-se quanto à necessidade de atribuir maior atençãoà deterioração a longo prazo da democracia em países chavee de aplicar mais coerentemente os instrumentosdisponíveis. Apresentaram-se propostas de melhoria dacoordenação e harmonização desses instrumentos, com vis-tas à adoção de uma posição internacional mais unida e con-sistente para prevenir interrupções da democracia ou pararesponder a tais casos. O Embaixador Joel W. Adechi, doBenin, observou que “o progresso da democracia requersolidariedade democrática”. Avançar rumo a uma respostainternacional coordenada será particularmente importantepara respaldar o progresso da democracia nas regiões emque suas raízes sejam menos profundas. Os debates da con-ferência deixaram clara a existência de um reconhecimentode que as ações de organizações regionais em apoio àdemocracia devem ser reforçadas e complementadas poroutros atores, em particular a sociedade civil organizada,tanto no próprio país que lutam por afirmá-la como nocontexto da solidariedade mundial.

A Emergência de Desafios à Democracia no Século XXI. Re-gistrou-se também um claro consenso de que, apesar dediferenças regionais, os governos democráticos emer-gentes enfrentam, cada vez mais, ameaças similares. Há,em todo o mundo, nações que sofrem pressões causadaspor uma nova série de ameaças globalizadas – p. ex., trá-fico de drogas, crime e corrupção internacional, tensões eguerras étnicas – ameaças que não podem ser enfrentadas

sem fortes governos democráticos. O ministro da justiçado Peru, Diego García-Sayan, assim descreveu o que trans-pirava no seu país: “o colapso da democracia habilitou ocrime organizado a crescer e ocupar o Peru”. A seguir,propôs a adoção de uma nova “carta democrática” pelaOEA. Entre outros oradores, o Embaixador dos EstadosUnidos junto à OEA, Luis Lauredo, sustentou quedesafios atuais são, acima de tudo, o resultado da deterio-ração de governos democraticamente eleitos. “dirigenteseleitos, mas autoritários, e suas práticas populares, mas nãodemocráticas, são uma ameaça neste Hemisfério e em ou-tras parte do mundo”.

A democracia também sofre perigos decorrentes da “lim-itada capacidade de enfrentar problemas sociais”, tal comoexplicou o Secretário-Geral da OEA, César Gaviria. Quasetodos os participantes referiram-se à necessidade de enten-der a democracia segundo os seus nexos com o progressosocial, a redução da pobreza, a igualdade racial e de gênero,a política econômica e a boa governação. Concordou-se emque uma definição ampliada do que seja uma democraciaativa e viável – capaz de abordar a pobreza e as necessidadessociais, étnicas e de gênero – é o único caminho realista paraassegurar a sustentabilidade da democracia ao longo dotempo. Foram evocadas as palavras de um delegado doMalaui na conferência de Varsóvia: “as instituições livresterão pouca oportunidade de viver se não estiverem associ-adas com uma melhor qualidade de vida”.

Os participantes da conferência formularam, entre ou-tras, as seguintes observações sobre a globalização deameaças à democracia e o vínculo entre progressodemocrático e políticas econômicas e sociais:■ Ela aumenta o valor e a necessidade de maior cooperação

e coordenação entre organizações regionais e multila-terais, em particular entre instituições orientadas parapolíticas e o desenvolvimento, como o Banco Mundial, oBID e o Banco Asiático de Desenvolvimento;

■ Ela requer maior pesquisa e análise sobre a estrutura e o foco de programas de desenvolvimento democrático, em apoio à compreensão do que constitui uma democracia viável

B. Agenda de Ação: Recomendações Principaisda Conferência

1. Agenda de Ação para a Melhoria da CooperaçãoInterinstitucional

Os participantes acordaram quanto a uma série de passospara criar uma estrutura de cooperação e colaboração maissustentada e para compartilhar lições aprendidas. Recomen-

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daram-se as seguintes ações específicas:

Uma Segunda Fase de Conferências. Um dos acordos maisimportantes deixou estabelecido que a estrutura inicial decooperação, consulta e estudo, tal como descrita nestaseção, seria objeto de uma segunda fase de conferênciaspatrocinada pela Organização para a Segurança e a Cooper-ação na Europa (OSCE), por iniciativa do Governo daRomênia, que ocupa atualmente a presidência da OSCE. Asrecomendações seriam acompanhadas, consolidadas erevisadas nessa ocasião. Young-jin Choi, vice-Primeiro-Ministro e diretor de planejamento político da República daCoréia, também se referiu à contribuição que a reunião dosministros do exterior da Comunidade de Democracias, a ser

realizada em Seul, no segundo semes-tre de 2002, representará para aagenda de ação da próxima conferên-cia. Essa reunião também incluirá umfórum para a sociedade civil.

Criação de Uma Rede Eletrônica para aDemocracia. Uma forma paralela esustentada de cooperação interinsti-tucional proposta pela Unidade paraa Promoção da Democracia, da OEAfoi fortemente apoiada pelos partici-pantes. A proposta, apresentada porElizabeth Spehar, coordenadora

executiva da UPD, visa à criação de uma rede eletrônicaentre as organizações participantes. Tratar-se-ia de umarede dinâmica e atuante, e não apenas uma fonte estática deinformação pública. Ela daria acesso às melhores experiên-cias práticas, a lições sobre como prestar tipos específicos deassistência democrática, informação sobre atividades coleti-vas e uma página de conexão com os sites em rede de cadaorganização. Ademais, conteria uma facilidade de debatesprivados, conectando organizações para debates sobregrandes temas de democracia. Jos Lemmers sugeriu e ofer-eceu a participação do Conselho da Europa num grupo detrabalho de organizações, que assistira a OEA no desen-volvimento dessa facilidade eletrônica.

Melhoria da Coordenação e Harmonização de InstrumentosAplicados em Casos de Ameaçã à Democracia. Em casos de se-vera crise ou de interrupção da democracia, as organizaçõesregionais e multilaterais podem invocar sanções ou açõesdestinadas a reverter o golpe ou tratar da deterioraçãopolítica. A eficiência dessas ações poderia ser melhoradamediante a intensificação dos esforços para coordenar e harmonizar sanções existentes invocadas por organizaçõesinternacionais. Seriam mecanismos específicos para esse fim:■ O reconhecimento e apoio mútuo das ações adotadas por

outras organizações regionais e multilaterais, mediantealguma forma de um mecanismo “acionador” ou derápida aplicação.

■ O reconhecimento e aplicação de sanções no nívelnacional adotadas por organizações multilaterais e seusgovernos nacionais, tais como a negativa de emissão devistos internacionais a conspiradores e perpetradores degolpes; e o congelamento dos ativos nacionais dos conde-nados por ganhos ilícitos resultantes de golpes.

■ Assistência Técnica entre Organizações. Os partici-pantes também decidiram compartilhar assistência téc-nica em diversas áreas. Essa assistência seriaproporcionada por meio de contatos individuais entreinstituições, por missões conjuntas e pela rede Internet. A áreas de assistência técnica facilitariam o seguinte:

■ A implantação de unidades ou departamentos de pro-moção da democracia em outras organizações regionais emultilaterais onde não exista atualmente uma entidade desta natureza.

■ O intercâmbio mais amplo de lições aprendidas pelasorganizações, em matéria de tipos fundamentais de pro-gramas de democracia (p. ex., reforma judiciária,sociedade civil) e consultas entre as organizações sobreesses programas.

■ A constituição de uma rede entre todas as organizaçõesregionais e multilaterais, capaz de indicar prontamente asentidades que operam programas em distintas áreas (p.ex., observação eleitoral, direitos humanos). A rede seriautilizada como base para se procurar reduzir duplicaçõesentre organizações e para delinear mais claramente asáreas de vantagem comparativa de cada uma delas.

2. Agenda de Ação para Instrumentos Novos ou For-talecidos de Apoio à Democracia

Embora as políticas e os programas de organizações inter-nacionais em apoio e defesa da democracia continuem a seexpandir, os participantes identificaram a necessidade dedesenvolver novos instrumentos e aperfeiçoar os existentesa fim de responder às ameaças à democracia do nossotempo. Discutiu-se amplamente o desenvolvimento deinstrumentos novos e mais efetivos para apoiar a democra-cia ou prevenir sua interrupção. Esse debate abrangeu asseguintes propostas:■ Elaborar uma Carta Democrática Interamericana,

conforme proposto pelo Ministro da Justiça do Peru,García-Sayán, que estabeleceria claramente as “regras dojogo” para ações em resposta a interrupções da democra-cia, fortalecendo a resolução 1080 da OEA.

■ Formar um grupo de mediadores treinados, habilitados

18 RELATÓRIO FINAL DA CONFERÊNCIA DA COMUNIDADE DE DEMOCRACIAS

Young-jin Choi,vice-Primeiro-Ministro e diretor deplanejamento políticoda República daCoréia

a prestar assistência a países sob ameaça de interrupçãoda democracia.

■ Desenvolver sistemas de alerta precoce para detectarpaíses próximos a uma crise democrática, de modo a pos-sibilitar uma intervenção oportuna e prestar assistência.Descreveram-se, na conferência, as características princi-pais desses sistemas quanto a elementos de detecção,interpretação, avaliação e restauração.

■ Elaborar um Indicador Geral de Elementos deDemocracia que reflita um conceito mais amplo dedemocracia, de acordo com os princípios contidos nadeclaração de Varsóvia, na Declaração Universal dosDireitos Humanos e em instrumentos regionais sobredemocracia e direitos humanos.

■ Criação de rotocolos conjuntos sobre observaçãoeleitoral, para que as organizações reconheçam e acor-dem mutuamente os requisitos mínimos necessários parauma observação eleitoral imparcial, também refletindo ospadrões internacionais acima citados.

■ Reforço de instrumentos e cláusulas de democraciaexistentes, mediante, por exemplo, a melhoria dos nexosentre cláusulas democráticas e benefícios econômicos e aampliação de instrumentos existentes, cuja aplicação seriafeita não apenas em casos de ruptura, como também dedeterioração da democracia.

3. Agenda de Ação para a Ampliação da Cobertura eNovas Áreas de Assistência

Os participantes também identificaram diversas áreas denovas necessidades, em que poderiam ser desenvolvidosnovos programas ou prestada assistência em resposta aosdesafios emergentes de desenvolvimento democrático.Poder-se-ia prestar assistência nas seguintes áreas:

Cultura Democrática. Os oradores ressaltaram a importânciade inculcar cultura e valores democráticos como principalsalvaguarda contra a reversão da democracia a longo prazo.Diversos participantes consideraram necessário atribuirmaior atenção ao desenvolvimento de currículos novos einovadores, que poderiam ser amplamente compartilhados.A Educação para a Cidadania Democrática, que está em usoem todas 34 nações da Europa, foi sugerida como melhorcaso prático com potencial de aplicação a outras regiões.

Direitos de Minorias, Redução de Conflitos Étnicos. Os partici-pantes assinalaram a escassez de estudos e de desenvolvi-mento de programas em relação às ameaças mais recentes àdemocracia, resultantes de conflitos étnicos, racismo e vio-lação de direitos das minorias e dos indígenas. Estes assun-tos requereriam maiores estudos e um intercâmbio deexperiências para o exame de um estrutura de assistência

internacional, bem como um trabalho mais extenso com asociedade civil.

Participação Política de Desenvolvimento de Partidos. BengtSoderbergh, do IDEA comentou que a participação políticaestava em declínio em todo o mundo, principalmente entreos jovens. Propôs-se que, para apoiar a democracia noséculo XXI, seria necessário atribuir maior atenção ao fortalecimento das estruturas democráticas básicas, dos partidos políticos e da participação política.

Concordou-se também em que a realização de novosesforços para dar cobertura a um grupo maior de atores edesenvolver diferentes metodologias renderia importantesdividendos. A respeito, formularam-se as seguintesrecomendações: ■ Trabalhar mais extensivamente com organizações da

sociedade civil.■ Utilizar novas tecnologias para fazer avançar a democracia.■ Contratar maior número de pessoal local, em vez de

internacional, para implementar programas de cons-trução da capacidade local.

■ Aumentar tanto a cooperação como a complementari-dade de programas de apoio à democracia com entidadesde assistência do desenvolvimento, inclusive com institui-ções multilaterais doadoras e de financiamento, como asNações Unidas, o Banco Mundial, o BID, o BancoAsiático e o Banco Africano de Desenvolvimento.

Um Passo à FrenteEm conjunto, essas conclusões e esses acordos oferecem umponto de partida mais definido para intensificar a colabo-ração e o intercâmbio entre as principais organizaçõesregionais e multilaterais do mundo que apoiam a promoçãoe a defesa da democracia. Estas primeiras ações de colabo-ração serão adicionalmente desenvolvidas na conferência aser realizada no fim de 2001 ou no começo de 2002, sob opatrocínio da OSCE. A próxima conferência dará às organi-zações regionais a oportunidade de apresentar relatórios deprogresso rumo à implementação das recomendações apre-sentadas neste relatório, especificamente as de dar cumpri-mento à agenda de ação descrita nas seções I a III, definirdesafios e áreas de estudo adicionais e trabalhar por umconjunto mais concreto de ações a empreender.

É importante reafirmar que os acordos alcançados naconferência de Washington são um ponto de partida e nãotraçam um mapa rodoviário a percorrer. Os representantesdas organizações regionais e multilaterais participantesreconheceram integralmente a necessidade de redefinir ereformar continuamente o seu apoio à democracia – na

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medida em que a própria democracia enfrenta diferentesdesafios, em que as organizações aprendem a melhor apoiara democracia e em que as diferenças regionais evoluem paraum entendimento mútuo. Trata-se de um processo semmeta de chegada. A ex-Secretária de Estado dos EUA,Madeleine Albright, evocou à conferência as palavras deThomas Jefferson: “o preço da liberdade é a eterna vigilân-cia”. E acrescentou que, para a Comunidade de Democra-cias, o corolário contemporâneo é: “o preço da liberdaderequer um eterno esforço”.

20 RELATÓRIO FINAL DA CONFERÊNCIA DA COMUNIDADE DE DEMOCRACIAS

Na preparação deste relatório, a Unidade para a Promoção da Democracia baseou-se eminformação e citações coligidas de diferentes pessoas e instituições, razão pela qualnão pode garantir inteiramente a exatidão de todas as declarações nele contidas.