o nascimento da ciência moderna na europa

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Oclima cultural efervescente que foi

 ber ço dos gra nde s parad igmas do

 pe ns am en to cie ntí fic o eu ro pe u é

aqui analisado em toda a sua miríade de

nuanças que acabaram por constituir as

diversas ciências hoje conhecidas. Época  sui

 generis,  o século XVII assistiu a brilhantes

carreiras de cientistas, atualmente consagra-

dos, se desenvolverem fora das universidades.

É sobre este período em permanente

ebulição que Paolo Rossi se debruça neste

livro, estudando as freqüentes e riquíssimas

 po lê mica s ha vida s en tr e cien ti st as , qu e

trabalhavam e pesquisavam fora das acade-

mias, e o próprio mundo acadêmico. Aomesmo tempo, aponta fatos que enriquecem

O nascimentociência moderna

na Europa

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Coordenação EditorialIrmã Jacinta Turolo Garcia

 Assessoria AdministrativaIrmã Teresa Ana Sôfiatti

Coordenação da Coleção HistóriaLuiz Eugênio Véscio

Paolo Rossi

O nascimentociência moderna

na Europa

Tradução deAntonio Angonese

EDUSCEditora da Unlvorsidad« do Sagrado Coração

•H  e o 4 -

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Editora da  Universidade do Sagrado Coração

JR835n Rossi, Paolo. 'O nascimento da ciência moderna na Europa / Paolo

V Rossi ; tradução de Anto nio Angon ese. — Bauru; SP :" - • • EDUSC, 200 1.

494 p. : ¡1. ; 21, cm. -- (Coleção História).

ISBN 85-7460-103-9Tradução de': La nascita della scienza moderna in

Europa.  JInclui bibliografia e índice onomástico.

1. Ciência - História. 2. Ciência - Europa - História.I, Título. II. Série.

- CDI). 509

- Copyright ®'".EDUSC 2001

ISBN 88-420-6120-4 (original )

Copyright   © 1997^ Gius. Laterza & Figli, Roína-Bari.

- This book is part óf the International Series: THE MAKING OP

EUROPE, of which Jacques Le Goff  i s  the General Editor and C. H.

Beck Verlag in Munic h, Germany, "Blackwell Publishers in Oxfor d,

England, Editorial Critica in Barcelona, Spain, Giusr Laterza & Figli

in Rome, Italy, Editions du Seuil in Paris, France are the original

Publishers. This translation published by arrangement with

Eulama Literary Agency S.R.L., Rome, Italy.  N

Copyright   © de tradução: EDUSC, 2001

Tradução realizada a partir da edição de 1997Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa

para o Brasil adquiridos pela

EDITORA DA UNIVERSIDADE DO SAGRADO CORAÇÃORua Irmã Arminda, 10-50

CEP 17011-160 - Bauru - SP

Fone (14) 3235 -71 11 - Fax (14) 323 5-7 219 .v

ÙMCC02S33D3   e"m a i i : e d u s c # e d " s c c o m ' b r  ^

BIBLI OTECA DE CIÊ NCI AS HUMANAS E EBUCAÇÍO / ^

N o . 5 7 9 / 0 4   1 7 « 1 2 / 2 0 0 4  ^

SUMÁRIO

i PREF ÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA

7 PREFÁCIO

9 PREMISSA

O nascimento da ciência moderna na Europa

CAPITU LO 1 • , _ •

29 Obstáculos

CAPÍTULO 2

45 Segredos

CAPÍTULO 3; 65 Engenheiros

CAPÍTULO 4

87 Coisas jamais vistas^

CAPÍTULO 5

115 Um novo céu

. CAPÍTULO 6

147 Galilei

CAPÍTULO 7

195 Descartes -

CAPÍTULO 8

213 . Mundos inumeráveis

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CAPÍTULO 9 *

239 - Filosofia mecânica

CAPÍTULO 10

271 Filosofia química

CAPÍTULO 11

287 Filosofia magnética

' CAPÍTULO 12

303 O coração e a geração

CAPÍTULO 13

317 Tempos <la natureza

CAPÍTULO 14 .

337 Classificar

. CAPITULO 15

^ 351 Instrumentos e teorias

CAPÍTULO 16

367 Academias

CAPÍTULO 17

387 Newton

\ 43 5 CRONOLOGIA

443 BIBLIOGRAFIA

/

48 5 ÍNDICE ONOMÁSTICO ,

PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA

Alguns dos grandes nomes da1  ciência, noúltimo século, como foi Linus Pauling, só considéra-vam estar preparados para ensinar os iniciantes aoatingir o ápice de Suas carreiras. Tudo parece indicarque tal seja o caso de Paolo Rossi no livro aquieditado. Mestre de mestres, Paolo Rossi, de fato, está preparad o como poucos para fal ar sobre as orig ens daciência moderna. É seu, aliás, um dos maiores e maisimportantes trabalhos sobre Francis Bacon, o notável

autor inglês, cujas idéias tornaram-se, no século XVII,um dos esteios da então nova ciência. Orgulhonacional entre os ingleses, até hoje, a obra de Baconfoi franqueada à análise de bem poucos estrangeiros:um deles, justame nte, o italianíssimo Paolo Rossi. Masnãõ somente os muros altíssimos da Academia Inglesase abalaram com estes trabalhos iniciais de Rossi.Durante os anos 60 abalaram-se também as estruturashistoriográficas tradicionalmente usadas em históriada ciência a partir dós estudos de Rossi e todo umgrupo, como ele, de jovens polêmicos. Esse abaloaconteceu por conta da verificação de que umnúmero considerável de idéias subjacentes à ciência

moderna estava vinculado a concepções mágicasexpressas em antigos textos de hermética, magia ope-rativa e outros saberes afins. Em seu  Francis Bacon -

 from magic to science,  Rossi irá analisar em detalhes essasituação aparentemente controversa para alguém denossa época, mas típica entre os pensadores do qui-

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nhentos e seiscentos. Ao expor uma face áté entãointocada d e Bacon, R ossi. não o faz menor, pelocontrário, mostra a complexidade de suas idéias.

Todavia, os estudos de Rossi e outros histo-

riadores da ciência viriam a servir, nos anos seguintes,não apenas para a reformulação historiográfica pre tendida, mas para pro vocar' algo nã o pret en dido por eles: ou a crítica de qu em ma nt in ha um a visãoanacrônica a respeito das origens da ciência modernaou a adesão indesejável de um segundo grupo, cujas '

 pre tensõ es iam ex at am en te na dir eção contr ári a. Ouseja, o primeiro grupo, desnecessário dizer, seriaaquele de especialistas em história da xiência quemantinham Uma posição historiográfica conser-vadora. Enquanto o segundo grupo visava de fatoestabelecer uma crítica sistemática à ciência, poisconsiderava que esta . perdera seu ru mo original e

deixara de ser um bem para a humanidade na medidaem qúe fora tomada por visões racipnalizadoras comoa ilumin ista no século XVIII e a positivista no XIX. '

Polêmico outra vez e como sempre. Róssi faria,durais críticas aos dois grupos. No olho do furacão pro vocado pelo debate em to rn ò de tais idéi as no sanos 70, ele manteria, por um lado, sua total adesãoao novo modelo historiográfico, rebatendo com ener-gia os que consideravam uma afronta a simplesmenção de berço tão pouco nobre e "racional" para aciência moderna. Mas, por outro lado, criticaria demaneira ainda mais dura o segundo grupo, na

verdade nmito mais um agrupamento de tendências,que abrangia desde os que consideravam que a ciên-cia não estaria cumprindo seu papel na sociedadecontemporânea até os que clamavam por modelos deconhecimento extravagantes e/ou não necessaria-mente modernos. As análises de Rossi indicavam,

ii

efetivamente, esse último agrupamen to de tendênciascomo o mais perigoso, já que as teses aí envolvidas,fossem quais fossem, representavam um ataque aofazer científico e áo papel da ciência na sociedade, po de nd o tèr como res ult ad o a volt a da paral isianiilista ou do misticismo messiânico.

Esses trabalhos, desenvolvido s dur ante as _ pol êmicas na s déc adas de 60 e 70, ser iam reedit ado smais tarde em obras como  A filosofìa e a ciência dosmodernos  onde, novamente, Rossi volta ao tema dacomplexidade de fazeres e pensamentos que deùorigem, entre os séculos XVI e XVII, à ciênciamoderna. Seu trabalho,'no-erttanto, conseguirá iralém desse nicho inicial da ciência e estabelecer para-lelos e implicações com o que vai acontecer entre osséculos XVIII e XX, Deriva dessa possibilidade decomparar de maneira profunda diferentes épocas sua

revisão - na obra Naufrágio sem expectadores (publicadahá pouco) - de conceitos como os de progresso e deabsoluta modernidade da ciência, aparentementeestabelecidos já desde os séculos XVIII e XIX.

 No vame nte po demos apreciar em  O nascimentoda ciência moderna • na Európa o  reflexo desse modo pro life ro e ins tig ante de ope rar, iner en te ao tra ba lhode Rossi. Pois, novamente, no dçbate entre os pensa-mentos ántigo e moderno de onde surgiu a nova ciên-cia, Rossi consegue verificar implicações provenientesde ambos os lados. De tal sorte que, embora apon-tando no começo da obra sua adesão às concepções

 baçhelard ian as refer en tes a obs táculos epi stem ológi-cos, fazendo coni íjue acreditemos que irá trabalhar aidéia de ruptura nageração da nova ciência, podemosdestacar inúmeras instâncias mostrando exatame nte ocontrário. Assim, por exemplo, em sua referência àruptura que a obra de G. Stahl teria produzido no

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século XVIII em relação a velhos modelos alquímicos,Rossi dirá qué, por outro lado,'"o próprio Stahl aler-tava sqbre a necessidade de  se retornar a  química dos  N

Princípios e aos Elementos da tradição essençialista- contra o programa mecanicista e new ton iano basead o

na absoluta homogeneidade da matéria" (p. 284).Para tanto, Stahl confiaria na obra de J, Becher, umconhecido e festejado alqüimistá.

Este constante jogo dialético feito por Rossi eindicado aqui no capítulo sobre a "filosofia química"também se observa naqueles capítulos centrados nas"filosofias" magnética e mecânica, na medicina e naastronomia, ou ainda na técnica.

Enfim, como sempre> Rossi está alerta ndo para ;• a treme nda complex idade na forma ção da ciência

moderna, mistura do antigo e do novo, hibridismo defazeres e saberes, campo de grandes sínteses e grandes

saltos. Só que desta vez, gentil, oferecé um tio condu-tor que guia o iniciante por esse verdadeiro labirintohistórico.

Ana M. Alfonso-Goldfarb e Márcia H. M. Ferraz , • Programa de Estudos Pós-Graduados em História da

Ciência e Centro Simão Mathias - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PREFÁCIO

A Europa está se construindo. É uma)grande es- perança qu e vai se real izar so mente se levar em con taa história: na verdade, uma Europa sem história seriaórfã e miserável. Isso porque o hoje decorre do onteme o amanhã é o fruto do passado. Um passado que nãodeve paralisar o presente, mas sim ajudá-lo a ser dife-rente na fidelidade e novo no progresso. Com afeito,entre o Atlântico, a Ásia e a África, a nossa Europaexiste desde um tempo imemorável, desenhada pela

geografia, modelada pela história, desde a era em queos Gregos lhe deram o seu nome. O Futuro deve seapoiar nestas heranças que desde a antiguidade, aliás,desde a pré-história vieram enriquecendo progressi-vamente a Europa, tornando-a extraordinariamentecriativa na sua unidade e na sua diversidade, inclusi-ve dentro de um contexto mundial mais amplo.

A coleção "Fazer a Europa" nasce da iniciativade cinco editores de língua e nacionalidade diversas(Beck em Mônaco de Baviera, Basil Blackwell em Ox-ford, Crítica em Barcelona, Laterza em Roma e Bari,Seuil em Paris) e que r lançar luz sobre a construç ão daEuropa e sobre os seus inesquecíveis pontos de força,sem dissimular as dificuldades herdadas do passado. Na sua tensã o para a un id ad e, o Cont inen te viv eu dis-córdias, conflitos, - divisões e contradições internas.Esta coleção não pretende esconder nada disso: ocompromisso com o empreendimento europeu devese realizar no conhecimento do passado na sua totali-

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dad e^ na perspectivado futuro. Pai o título "ativo" da^olüção. Na~verdade,a nosso vet não chegou ainda a

Jíoi^ãíf eácjrefrer tigra história sintética da Europa.  Oséris^iosfqtfe 'prbporftos^aò da autoria  dos melhores'histó&adores atpais,  inclusive  não  europeus,  já  consa-grados ou não. Eles  irão abordar os temas essenciaisda história européia nos diversos domínios - econô-mico, político, social, religioso, cultural - baseandó-sèna longa tradição historiográfica que se estende'desdeHeródoto até as novas concepções que, elaboradas naEuropa rio decorrer do século XX, e de modo particu-lar nas ultimas décadas, renovaram profundamente aciência histórica. Em virtude do seu desejo de clareza,tais ensaios são acessíveis também a um vasto publico.

Daí, a nossa ambição é trazer elementos  de  res- po sta às gr an des qu es tõ es qu e se ap re se nt am di an tedos que fazem e farão a Europa, bem como de todos

os que no mundo se interessam pela Europa: "Quemsomos nós? Dç onde viemos? Pará onde vamos?".

 Jacques Le Goff

PREMISSA

CIÊNCIA EUROPÉIA

 Na Eu ro pa nã o exi ste um "lu gar do na sc imen -to" daquela realidade histórica complicada que hojechamamos de  ciência moderna,  pois, tal lugar é toda aEuropa. Neste sentido, vale a pena lembrar tamj>ém ascoisas que todos já sabem: que Copérnico era polonês,Bacon, Harvey e Newton ingleses, Descartes, Fèrniat ePascal franceses, Tycho Brahe dinamarquês, Paracel-so, Kepler e Leibniz alemães, Huygens holandês, Gali-lei, Torricelli e Malpighi ital ian os. O pen sam ent o decada um destes personagens esteve ligado ao pensa-mento dos outros, dentro de uma realidade artificialou ideal, livre de fronteiras e em uma República daCiência que a düras penas foi construindo para si umespaço em situações sociais e políticas sempre difíceis,muitas vezes dramáticas e, por vezes, trágicas.

A ciência moderna não nasceu na tranqüilidadedo s  campus  ou no clima um tanto artificial dos labora-tórios de pesquisa  ao redçr   dos quais, mas não  dentrodeles (como acontecia desde séculos e ainda acontecenos conventos) parece escorrer o rio ensangüentado elamacento da história. E isso por uma simples razão:

 po rq ue aq ue la s in sti tu içõ es (n o qu e co nc er ne àq ue lesaber que denominamos "científico") não tinham nas-cido e porque aquelas  torres de marfim,  utilizadas comtanto proveito e tão injustamente insultadas no decor-rer do nosso*, século, não tinham sido ainda construí-das pelo trabalho dos "filósofos naturalistas".

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Embora quase todos os cientistas do século XVITtivessem estudado em uma universidade, são poucosos nomes de cientistas cuja carreira se tenha desenvol-vido inteira ou prevalente mente no âmbito da univer-sidade. Na verdade, as universidades  não estiveram no

centro da pesquisa científica. A ciência moderna nas-ceu fora das universidades, muitas vezes erti polêmicacom eías e, no decorrer do século XVII e mais aindanos dois séculos sucessivos, transformou-se em umaatividade social organizada capaz de criar as suas pró- pri as inst itui ções.

 Nos livros d edi cad os à física ou à as tro no mia oumesmo à química, em geral pouco se fala a respsitodas vicissitudes, muitas vezes tumultuadas, que acom- panh aram o seu desenvolvimento. Mas é op or tu noque o leitor deste livro (que trata ~de idéias, de teoriase de experimentos e que, por necessidade, concede

 po uco esp aço à najr ração daquela s vici ssitudes), ao pensar no temp o em qu e viv era m os assim ch amad os"pais fundadores" da ciência moderna, não procurelembrar'somente a música de Monteverdi è de Bach,ou o teatro de Corneille e de Molière, a pintura de Ca-ravaggio e de Rembrandt, a arquitetura de Borrominie a poesia de Milton, m as deve lem brar tamb ém jpelomenos um outro ponto importante. A Europa que Vi-,veu um período decisivo da sua história difícil e dra-mática durante os 160 anos que separam o tratado Derevolutionibus de Copérnico (1543) da Ótica deNewton(1704) era radicalmente diferente (mesmo no que diz

respeito ao mundo da cotidianidade) da Europa naqual nos é dado viver hoje. Na pe qu en a cidade de Leo nberg, na Suéc ia, no

decorrer do inverno de 1615-16 foram queimadas 6 bruxas . Em Um po vo ad o viz inh o, Weil (ho je Weil derStadt), cuja população não passava de 200 famílias.

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entre 1615 e 1629, foram queimada 18 bruxas. Umavelha de nome Katharine, um tanto linguaruda e es-tranha, que Vivia em Leonberg, foi acusada pela mu-lher de um vidraceiro de ter feito adoecer uma vizinhacom uma poção mágica e, além disso, ter lançado omau-olhado nos filhos de um alfaiate que acabarammorrendo, ter negociado com um coveiro para adqui-rir o crânio do próprio pai que queria dar de presentecomo taça a um dos seus filhos, astrólogo e adepto àmagia negra. Uma menina de 12 anos que estava le-vando tijolos para cozer no forno, ao encontrar aòlongo do caminho aquela velha, sentiu no braço umador terrível que lhe paralisou'o braço e os dedos du-rante alguns dias. Não é por mero acaso que a lumba-go e o-torcicolo na Alemanha são chamados aindahoje de  Hexenschuss, na Dinamarca  Hekseskud  e, na Itá-lia,  colpo delia strega  (golpe da bruxa). Aquela velha,

que na época tinha 73 anos de idade, foi acusada defeitiçaria, foi mantida acorrentada durante vários me-ses, foi intimada a desculpar-se de 49 acusações de cri-mes, foi submetida à  territio,  isto é, a um interrogató-rio com ameaça de tortura diante do algoz e a ouvirseguidamente uma descrição detalhada dos muitosinstrumentos a serem usados pelo mesmo. Após ficardetida na prisão por mais de um ano, foi finalmenteabsolvida em 4 de Outubro de 1621, 6 anos depois das primei ras acu sações . Não lhe foi pos síve l'vo ltar a v iverem Leonberg porque teria sido linchada pela popula r

ção (Caspar, 1962: 249 -65 ). ' '

Aquela velha tinha um filho famoso, que sechamava Johannes Kepler, o qual se empenhara de-sesperada mente na defesa da própria mãe e q uer du-rante os anos do processo, além de escrever uma cen-tena de páginas para salvá-la da tortura e da fogueira,escreveu também as páginas do seu tratado  Hannonices

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mündi  em que está contida aquela que, nos manuais,foi chamada a terceira lei de Kepler. Na opinião de Ke-

 pler, na orig em do mu nd o hav ia um a ha rmon ia celes-tial que elé imaginava (como está escrito no quarto ca- pít ulo do livro qui nto ) "como um Sol qu e bri lha at ra-vés das nuvens". Kepler estava perfeitamente cons-ciente do fato de que aquela mesma harmonia não rei-nava sobre a terra. No capítulo sexto do livro dedicadoaos sons produzidos pelos planetas escrevia que, consi-derando as notas produzidas pela terra  Mi-Fa-Mi,  era

 possível ded uzi r daí qu e na ter ra re inavam a Miséria  ea  Fome. Ele acabara a redação dq texto três meses apóso falecimento da filha Katharinê.

 Naquele mu nd o há poucas biograf ias.d e cien-tistas dedicados com tranqüilidade à pesquisa. Nãoadianta pensar na fogueira de Giordano Bruno ou natragédia de Galilei. Para termos uma idéia a esse res-

 pe ito é s ufi cie nte lermo s a obr a Vie de monsieur Descar-tes  de Adrien Baillet. Na realidade, a Europa daquelasdécadas n ão viu somen te os processos contra aí bru -xas e a ação dos tribunais da Inquisição^ Quase nun-ca pensamos no sentido verdadeiro da expressão"Guerra dos Trinta Anos". A Europa daqu ela época .era atravessada em todas as direções por exércitos demercenários que arrastavam atrás de si artesãos, cozi-nheiros, prostitutas, rapazes fugindo de suas casas,vendedo res ambulantes, d eixando para trás rastros deroubalheiras, malandragens, incêndios, mulheres es-tupradas, camponeses massacrados, colheitas destruí-

das, igrejas profanadas e povoados saqueados, Na Eu-'ropa cjaquela época, cidades como Milão, Sevilha, Náp oles, Lon dre s vir am os seu s habi tantes serem di-zimados pela peste que teve os caracteres de uma lon-guíssima e aterradora epidemia crônica. As coisasdescritas por Defoe a respeito da peste de Londres e

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 po r Ma nz on i sob re a peste de Milão se repe tir ammuita s e muit as vezes. , .

Somente dentro do contexto de uma Repúblicaideal, que tendia a se tornar independente das lutas eno meio dos contrastes é das misérias do mun do, po-deria nascer a assombrosa afirmação - feita por Fran-cisco Bacon - segundo a qual úma ciência exercida vi-sando à glória ou ao poder do próprio país é algo demoralmente menos nobre do que uma ciência que se põe ao serviço da hu ma ni da de int eir a. So mente na -quele contexto podia nascer a expressão de MarinMersenne qué, referindo-se aos índios canadenses eaos camponeses do Ocidente, afirmava que "um ho-mem não pode fazer nada que outro homem não pos-sa igualmente fazer e que cada homem contém em si pró pri o tud o o qu e é p reci so p ara filosofa r e pa ra racio-cinar a respeito de todas as coisas" (Mersenne, 1634:

135-36). Além disso, há algo mais que apróxinia comfofça os protagonistas da revolução científica: a cons-ciência de que por meio da própria^ obra está  nascendoalgo. O termo  novus  recorre de forma quase obsessivaem várias cent enas de títulos de livros científicos do sé-culo XW: desde a Nova de universis philosophia de Fran-cisco Patrizi e a Newe Attractive  de Robert Norman, atéo  Novum Organum  de Bacon, a  Astronomia Novade Ke-

 pler e os Discorsi intomo a due nuove sçienze de Galilei. Naque les an ós toma vida e alca nça rapidament e

a plena maturidade uma forma de saber que revela ca-racterísticas estruturalmente diferentes das outras for-

mas da cultura, conseguindo a duras penas criar suas pró pri as inst itui ções e suas p róp rias l ing uag ens especí-ficas. Tal saber exige "experiências sensatas" e "deter-minadas demonstrações" e, ao contrário do que acon-tecera na tradição, requer que estas duas coisas com-

 plicadas andem juntas  e estejam indissoluvelmente liga-

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das uma à outra. Qualquer afirmação deve ser "publi-cada", isto é, ligada ao controle por parte de outros,deve ser apresentada e demonstrada a outros, discuti-da e submetida a eventuais contestações. Naquelemundo há pessoas que admitem ter errado^ ou não terconseguido provar aquilo que tencionavam demons-trar, que aceitam render-se às evidências que outrosaduziram. É óbvio que isso ocorre muito raramente,como também que as resistências à mudança (comoaparece em todos os grupos humanos) são muito for-tes, mas o fato de se estabelecer com firmeza que a ver-dade das proposições não depende de modo algum daautoridade de quem as pronuncia e que não está liga-.da de forma nenhuma a úma. "revelação  ou .  iluininaçãoqualquer acabou constituindo uma espécie de patri-mônio ideal ao qual os europeus podem ainda hoje sereferir como a um valor imprete rível. '

U M A REVOLUÇÃO E O SEU PASSADO

A propósito do nascimento da ciência modernase falou e ainda se fala, justamente, de "revoluçãocientífica". Um dos aspectos característicos das revolu-ções consiste no fato de que elas não só olham para ofuturo, dando vida a algo que antes não existia, mastambém constroem um passado imaginário que, emgeral, tem características negativas. Basta ler o  Disçurso

 preliminar  à grande Enciclopédia dos iluministas QU  tam-

 bé m o iní cio do Discurso sobre as ciências e sobre as artesde Jean-Jacques Rousseau para ficar cientes de comocirculava com força, desde meado do séculò XVIII, adefinição da Idade Média como época obscura, oucomo um "retrocesso para a barbárie" a que os esplen-dores da Renascença teriam posto um fim definitivo.

10 13

Em princípio, òs historiadores não aceitam ne-nhum "passado imaginário". Eles colocam de novoem discussão também as tentativas que os homens fa-zem de colocar a si próprios dentr o do processo da his-tória. Aqueles mil anos de história, no decorrer dos

quais ocorreram não poucas grandes revoluções inte-lectuais e aos quais atribuímos o rótulo genérico deIdade Média íor am inyestigados minuci osamen te, li

 pa rt ir do me ad o do séc ulo XIX. Ho je sa bemo s qu e omito da Idkde Média, como época de barbárie, era,

 ju st am en te , um mi to , co ns tr uí do pe la cu lt ur a do s hu -manistas e pçlos pais fundadores da modernidade. Narealidade, naqueles séculos foram construídas inume-ráveis e admiráveis igrejas e catedrais, bem como con-ventos e moinhos movidos a vento e foram lavradosos campos com o arado pesado e foi inventado ò estri-

 bo qu e mu d o u à na tu re za do s co mb ates e a pol íti ca

européia trans form ando o Cen tauro .imaginado pelosantigos no Senhor feudal (White, 1967: 49).

As cidades, onde os homens começaram a viver,hão eram apenas lugares de escambos comerciais, masde intercâmbios intelectuais. A grande filosofia medie-val está ligada ao encontro de diversas tradições: a tra-dição cristã, a bizantina, a judaica e a árabe (De Libera,1991). Naquele mund o nasceram as universidades e seafirmou, sobretudo, a figura do  intelectual   que, entre osséculos XII e xm, considera-se e é considerado comoum homem que exerce uma profissão, desenvolve umtrabalho  (labor),  o qual portanto é considerado seme-lhante aos outros cidadãos, e tem o papel de transmitire eláborar as artes "liberais" (Le Goff, 1 959: 73). As un i-versidades nasceram em Bologna, Paris e Oxford no fi-nal do século XH, multiplicaram-se no decorrer do sé-culo seguinte, difundindo -se sucessivamente por toda aEuropa nos séculos XIV e XV. As universidades se tor-

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nam os lugares privilegiados de um saber que se confi-gura como digno de reconhecimento social, merecedorde uma remuneração, um saber que tem leis próprias,.que são minuciosamente determinadas (Le Goff, 1977:153-70)1 Ao con trário das escolas monásticas ou das cá-tedrais, a universidade era um studium generale,  possuíaum estado jurídico específico, fundado por uma autori-dade "universal" (como o Papa ou o Imperador). A per"missão aos docentes de ensinar eqi qualquer lugar (//-centia ubique docendi)  e os deslocamento dos estudantescontribuíram consideravelmente para constituir umaunificação da çúltura latino-cristã. "Favorecido pelaadoção "do latim como instrumento de comunicaçãoculta, este mercado único do ensino transformou as uni-versidades medievais em centros de estudo de caráterinternacional no seio das quais os homens e as idéias

 podi am circula r ra pi dame nte" (Bia nchi , 1997: 27) . O

assim chamado método escolástico (baseado na  lectio,na  quaestio,  e na  disputatio)  deixaria na cultura européia" marcas indeléveis, tanto assim que é uma verdad e in-

contestável o fato de que, para entender muitos filóso-fos modernos, a começar de Descartes, é indispensávelremontar aos textos daqueles autores que eles detesta-vam profund amente . .

 No qu e d iz respei to à f ilosofi a e à ciência da I da-de Média - além do processo de laicização da culturae às condenações teológicas de muitas teses filosóficas- realizou-se muito trabalho. Na verdade, muitos sus-tentaram de modo especial a tese de uma forte conti-

nuidade entre a ciência dos estudiosos do Merton Col-lege de Oxford (como Bradwardine) dos "físicos pari-sienses" (como Nicolas Oresme e Giovanni Buridano)e a ciência de Galilei, Descartes e Newton. Na impos-sibilidade de discutir interpretações como aquelas dePierre Duhem (Duhem, 1914-58) ou de Marshall Cla-

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gett (Glagett, 1981), quero me limitar,aqui a apresen-tar, em forma de listagem, algumas das boas razõesque servem para confirmar a tese oposta de uma for-te descontinuidade entre a tradição científica medie-val e a ciência moderna e que, por conseguinte, per-

mitem considerar legítimo o uso da expressão "revo-lução científica".

1) A natureza de que falam osmodernos é ra-dicalmente diferente da natureza a que se referem osfilósofos da Idade Média. Na natureza dos modernosnão há (como na tradição) uma distinção   de essênciaent re corpps natur ais e corpos artificiais. .

2) A natureza dos modèrnos é interpelada emcondições artificiais: a ,experiê ncia de q ue fal am osaristotélicos apela para o mundo da cotid^anidade afim de exemplificar ou ilustrar teorias; as "experiên-cias' dos modernos são  experimentos construídos artifi-

cialmente a fim de confirmar ou desmentir teorias.3) O saber científico dos modernos se parece

com a exploração de um novo continente, ao passoque o saber dos medievais parece voltado ao pacienteaprofundamento dos problemas com base em regrascodificadas.

4) A luz da crítica dos modernos o saber dos es-colásticos pareceu incapaz de interpelar a natureza,mas somente interrogar a si próprio oferecendo semprerespostas satisfatórias. Naquele saber há lugar para asfiguras do mestre e do discípulo, mas não para a figurado inventor.

5) Os cientistas modernos - Galilei em primeirolugar - agem com uma "desenvoltura" e um "oportu-nismo metodológico" que.são totalmente desconheci-dos na tradição medieval (Rossi, 1989: 11-13). A pre-tensão medieval para a exatidão absoluta foi um obstá-culo e não uma ajuda para a criação de uma ciência

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matemática da natureza. Galilei inventava sistemas demedição cada vez máis apurados, mas "desviava a aten-ção da precisão ideal para aquela necessária e relativaaos objetivos e alcançável mediante os instrumentosdisponíveis [...]. Ao passo que o mito paralisante daexatidão absoluta foi um entre os fatores que impedi-ram os pensadores dò século XIV de passar das  calcula-tiones  abstratas para um estudo efetivamente quantita-tivo dos fenômenos naturais" (Bianchi, 1990: 150).

Mas as razões pelas quais o autor deste livro fa-lou e contínua falando a respeito da ciência modernacomo de uma revolução intelectual se baseiam obvia-mente não no breve elenco que precede, mas nas pá-ginas que segúem.

'i

A RESPEITO DESTE LIVRO

Le Goff me confiou a tarefa - que considereirealmente uma grande honra - de escrever uma obraintitulada  O nascimento da ciência moderna na Europa.Òs editores europeus interessados neste livro, porsua vez -' como se costuma e como era correto eoportuno fazer -, impuseram-me algumas determi-nações bastante rigorosas: 85.000 palavras ou 300 págin as de 1.8 00 to qu es . Eu superei , po ré m nã omui to, tais limites. •

 Na verda de, um a pu ra e simples list agem da-queles que nós - com um termo forjado no século XIX

- podemos chamar de  cientistas  e que viveram no pe-ríodo que vai do nascimento de Nicolau Copérnicq até1

ã morte de Newton e que poderiam ser consideradosdignos de menção em um manual de história da ciên-cia, ocuparia muitas páginas. E se, além disso, quisés-semos acrescentar a esta listagem uma outra conten-

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do a indicação de algumas de suas obras principais asituação já poderia parecer dramática.

Por isso, logo de início renunciei a qualquer pro pósito de rea liza r um tra ba lho exaus tivo, re nu n-ciando por conseguinte também à idéia de escrever

um manual  de história da ciência. Além disso, fiz algu-mas escolhas das quais acredito ser oportuno dar no-tícia ao leitor a fim de informá-lo a respeito do que po-derá achar neste livro e a fim de esclarecer o ponto devista ado tado pelo autor . ,

Os Capítulos que constituem o livro têm por ob- je to a nova ast ron omia , as obs erv açõ es rea liza das me -diante o telescópio e o microscópio , bem como o

 pr incíp io de inérci a, as exper iên cia s sobre o vazio, acirculação do sangue, as grandes conquistas do cálculo,etc., mas junto com tais assuntos os vários capítulosvisam também a expor as grandes idéias e os grandes

temas que foram centrais no decorrer daquela "revo-lução": a rejeição da concepção sacerdotal ou  herméti-ca  do saber, a nova avaliação da técnica, o caráter hi- pot éti co ou real ista do nos so co nh ec imen to do mun -do, as tentativas de usar - inclusive   c o m  relação aomundo humano - os modelos da  filosofia mécânica,  anova imagem dé Deus como engenheiro ou relojoei-ro, a introdução da dimensão do tempo na considera-ção dos fatos naturais.

 No qu e diz respei to ao mé todo , te nh o a convic-ção de que as teorias específicas que constituem o   cer-

' ne firme de toda a ciência não são de modo algum o re-flexo de determinadas condições histórico-sociais. Aocontrário, estou Convicto de que - e todó o trabalhoque desenvolvi até aqui procedeu nesta direção - àhistória tem muito a ver com as imagens da ciência  (querdizer, os discursos sobre aquilo que a ciência  é e   deve

 ser)  que estão presentes na cultura. Em muitos casos

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aquelas imagens exercem um peso considerável sobrea aceitação ou sobre o sucesso das teorias. De fato,com base em uma determinada imagem da ciência sãodefinidas com freqüência as fronteiras da ciênçias, bemcomo os critérios para distinguir a ciência da magia; dã

metafísica ou da religião. A partir daquela base são es-colhidos sobretudo os problemas a resolver dentro daimensa quantidade de problemas que se apresentamabertos a uma investigação possível.

Aquilo que hoje aparece firmemente codificadoe como tal transmitido pelos manuàis de física ou de

 biologia , assim como o qu e ho je no s parec e co mo ób-vio e natural é porém o resultado de escolhas, opções,contrastes e alternativas.  Antes  da codificação queaconteceu em seguida, tais alternativas-e tais escolhaseram reais e não imaginárias. Cadá decisão implicouopões, dificuldades, descartes, que, por vezes, configu-

rou-se ao mesmo tempo de forma drámática.Espero que algumas coisas resultem claramente pel o livro: qu e o  continuismo é somente uma medíocrefilosofia da história sobreposta na história real; quemediante a pesquisa histórica jamais, no passado, sãodescobertos estudos monoparadigmáticos ou épocascaracterizadas, como as pessoas, por um único rosto;que o diálogo crítico entre teorias, tradições científi-cas, imagens da ciência foi sempre (tal como continuasendo) contínuo e insistente; que a ciência do séculoXVII, junto e ao mesmo tempo, foi paracelsiana, car-tesiana, baconiana e Iebniziana; que modelos não me-canicistas agiram com força também em lugares im-

 pen sáv eis ; qu e o surgimen to de pro ble mas e de poss í-veis domínios de pesquisa está firmemente ligado adiscussões que têm a ver com as várias filosofias e me-tafísicas; que a figura do  cientista  emerge em tempos ede formas diversas em cada setor particular da pesqui-

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sa, considerado que em alguns casos (como na mate-mática e na astronomia) há umà referência a tradiçõesantiqüíssimas, em outros procura-se'fazer emergir do

 pas sad o tradições espec íficas a qu e refe rír- se, em ou -tros ainda se insiste no caráter novo ou "alternativo da

 pró pri a ati vid ade cognitiv a e ex perim enta l.Uma coisa, aparentemente óbvia, às vezes deve

ser lembrada contin uamente pelos historiadores tantoaos seus leitores como também aos letrados, filósofose cientistas do seu tempo. Tal coisa precisa ser lembra-da continuamente porque existe em cada ser humano(è portanto também nos filósofos e cientistas mais re-finados) uma tendência quase inverícível a esquecê-la: todos aqueles que trabalharam, pen saram è formu-laram teorias e efetuaram experimentos no períododo  nascimento  da ciência moderna viveram em ümmundo muito diferente do nosso, em qüe conviviam

 per spectivas qu e ho je noS parecem pe rte ncer a mu n-dos culturais totalmente inconciliáveis entre si. O sé-culo XVH viu um florescimento extraordinário deobras alquímicas e junto coqj isso viu um exuberantecrescimento da criatividade matemática. Newt<5n éum dos grandes criadores do cálculo infinitesimal,mas os seus manuscritos alquimistas abrangem maisde um milhão de palavras - cerca de dez volumesiguais àquele que está em suas mãos agora -., Os cien-tistas do século XVE não sabiam e nem podiam sabero que agora nós sabemos: isto é, que a alquimia da-quele século "era a derradeira flor de tuna planta que

estava morrendo e a matemática do século XVII a pri-meira flor de uma robusta planta perene" (Westfall,1989: 27, 305). -f \

 Na mi nh a opinião, porém, parece incontes táv elo fato de que o quç denominamos "ciência" adquiriunaquela época alguns daqueles caracteres fundamen-

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tais que conserva ainda hoje e que aos pais fundadores pareceram j us tame nt e algo de no vo na historia do gé-nero humano: um artefato oü um empreendimentocoletivo, capáz de se desenvolver por si próprio, volta-do para co nhecer , o mun do e a in tervir sobre b mun -

do. Tal empreendimento, que com certeza não é ino-cente, nçm jamais se considerou tal, ao Contrário doque aconteceu para os ideais políticos, bem como paraas artes, as religiões e as filosofias, tornou-se uma po-

• derosíssima força unificadora da história do mund<>.

Este livro não foi escrito para os historiadoresou para os filósofos da ciência. Na verdade, foi pensa-do e escrito para aqueles jovens que iniciam uma pró-

 pri a rel açã o pes soal com a his tóri a das idé ias e comaqueles objetos complicados, proliferantes e fascinan-tes que são as ciências e a filosofia. Mas tive principal-

mente em mente aquelas numerosíssimas pessoas -entre as quais inscrevo muitos e caríssimos amigos -' que se dedicaram a estudos humanistas", que pensam

a ciência como algo "árido", e que a consideram - nofundo do coração - de pouca relevância tanto para acultura como também para a sua história, que têm arespeito da ciência e da sua história aquela imagemredutiva de serventia que tantos filósofos (mesmoilustres) do nosso»século-contribuíram a fortalecer e adivulgar e qu e compartilham,* quase s empre semaperceber-se, os discursos das primeiras décadas do sé-culo XX sobre a  bancarrota da ciência.

Considerando que as páginas que seguem re- pr esen tam dé algu m mo do um a tenta tiv â não só desíntese, mas também de uma nova ^laboração do tra-

 ba lho sob re alg uns temas da rev olu ção cien tífic a qu ecomecei há mais de cinqüenta anos atrás, se eu qui-sesse entrar pela vereda dos agradecimentos, deveria

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expressar a minha gratidão a um número demasiadogrande de pessoas: a muitos amigos e a muitos jovensalunos, agora talvez não mais tão jovens. Renuncio afazê-lo e dedico este livro à minha doce, decidida einesperada netinha Geórgia que tem os olhos azuis

como aqueles, para mim encantadores, da süa àvóAndreina.

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O NASCIMENTODA CIÊNCIA

MODERNANA EUROPA

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. Quando Cristóvão Colombo, Magalhães e os portu-gueses contaram como perderam o rum o nas suas via-gens, nós não só os desculpamos, mas ficaríamos la-mentando não dispormos da sua narrativa, sem a qualtoda a diversão estaria perdida. Por isso, não serei alvode censura se, induzido pelo mesmo afeto pelos meusleitores, quisesse seguir o mesmo método deles.

JQHANNES KEPLER, Astronomia nova (1.609)

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capítulo 1

OBSTÁCULOS

ESQUECER O QUE SABEMOS«»

Mais do que nas estruturas perenes da mentedos seres humano s, os historiadores estão interessadosna diversidade das formas de funcionar das mentesnas diversas épocas.- Quando nos apr oxima mos de u m

 pe ns am en to qu e nã o é o no sso se to rn a im po rt an tetentar esquecer aquilo que sabemos ou pensamos sa-

 be r. É preci so ad or ar mo s fo rm as de rac io cin ar ou atémesmo princípios metafísicos que para as pessoas do

 pa ssad o er am tã o vál ido s e. fu nd am en ta do s em raci o-cínios e pesquisas do mesmo modo que são para nósos princípios da física matemática e os dados da astro-nomia (Koyré, 1971:-77). É pôr isso que, como certavez Thomas Kuhn escreveu, é essencial fazer a tenta-tiva de  desaprender   os esquemas de pensamento indu-zidos pela experiência e pela instrução precedentes(Kuhn, 1980: 183).

O termo obstáculos epistemológicos foi forjado pelofilósofo francês Gaston Bachelard na década de trinta

do século passado. Faz referência àquelas convicções(deduzidas tanto do saber comum, como também dósaber científico) que tendem a impedir toda rupturaou descontinuidade no crescimento do saber científi-co e, por conseguinte, constituem obstáculos podero-síssimos para a afirmação de novas verdades. Ò tipo de

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O nascimento da ciência moderna na Europa

 pe rg un ta s qu e Bach elard se col ocava co nt ri bu iu pa raa reno vação da história da ciência e para transi ormá-lav  a partir de um "festivo elenco de descobertas", emuma história dos percursos difíceis dá razão.

Vale a pena mostrar, mediante um exemplo es-

 pec ífi co, a qu al re al id ad e Bach elard pe ns av a re fer ir- sequando falava: 1) em Obstáculos epistemológicos; 2)em afastamepto-da ciência do realismo do sentido co-mum ; 3 ) em u ma falsa continuid ade histórica - basea-da no uso das próprias palavras -. Até o século XIX pa-rece totalmente evidente que para  iluminar   é necessá-rio  queimar   alguma matéria. Pelo contrário, i\a lâmpa-da elétrica de fio incandescente de Edison o problemaé  impedir   que uma matéria queime. A ampola de vidronão serve para proteger a chama do ar, mas para asse-gurar o vác,uó ao redor do filamento. Mas, tanto as ve-lhas como também as novas lâmpadas têm uma única

coisa em comum: servem para derrotar a escuridão.Portanto, podemos designá-las com o mesmo termosomente adotando este ponto de vista que, afinal, é o

 po nt o de vist a da vida co tidian a. Na reali dade aq ue lamudança técnica impíica uma complicada  teoria dacombustão,   que tem a ver com a igualmente complica-da história da descoberta do oxigênio (Bachelard,1949: 104; Bachelard, 1995).

FÍSICA ,

Um estudante de 2o  grau da nossa época sabe

distinguir entre o  peso  de um corpo - que varia na me-dida da sua distância da Terra - e a  massa  de um corpoque, conforme a física clássica ou anterior a Einstein, éa mesma em todos os pontos do universo. O mesmo es-

' tudante, além disso, conhece a primeira lei de Newtonou o  princípio'de inércia  e por conseguinte sabe que, na

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-- , Obstáculos

ausência de resistências externas, para deter um corpoem movimento linear uniforme é necessária a aplicaçãode uma força e que, portanto, o movimento linear é, as-sim como o estado de repouso, um estado "natural" doscorpos. Õ referido estudante conhece também a segun-

da lèi de Newton segundo a qual é a  aceleração e não avelocidade a resultar proporcional à força aplicada (aocontrário do que pensava Aristóteles que afirmava ser aaplicação de uma certa força a dar ao corpo uma velo-cidade determinada). Ele sabe, finalmente, algo que eratotalmente inconcebível na física antiga: que portantouma força  constante imprime a um corpo ummovimento va-riável   (uniformemente acelerado) e que uma forçaqualquer, por menor que seja, é capaz de fazer isso comrelação a qualquer massa, por maior que seja. Ele sabetambém que todo movimento circular é um movimen-to acelerado e que o movimento circular não é de modo

algum 0 protótipo do movimento eterno dos céus. Nãosó: mas ao contrário do que sustentava a física anteriora Newton e do que pensava o próprio Galilei, aquelemovimento não é de modo algum "natural", nias deveser   explicado  considerando-se a existência de uma força

 pr ov en ient e do ce nt jo e qu e o ma nt ém fo ra da linh areta que seguiria na ausência daquela força.

A história da física, a partir das elaborações es-colásticas tardias da teoria do  impetus  até as páginascristalinas dos  Principia^   de Newton, é a história deuma profunda revolução conceituai que leva a modi-ficar em profundidade as noções não só de movimen-

to, mas também de massa, peso, inércia, gravidade,força e aceleração. Trata-se, ao mesmo tempo, de umnovo método e de uma no.va concepção geral do uni-verso físico. Trata-se, além disso, de novas formas dedeterminar as finalidades, os papéis e os objetivos doconhe ciment o da natureza . '

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O nascimento da ciência moderna tia Europa

Podemos tentar enumerar uma série de convic-ções das quais foi necessário afastar-se a duras penas

 para qu e chegasse a se const itu ir a assim dit a "físicaclássica" de Galilei e de Newton. A aparente obvieda-de de tais convicções foi um obstáculo enorme para a

fundação da ciência moderna. Aquela obviedade nãoestava ligada somente à existência de tradições dé pe ns am en to qu e possu íam raízes ant iga s e bem fir-mes, mas também à sua  maior aproximação ao assimchamado senso comum. As três convicções que seguem eque a ciência moderna abandonou totalmente, naverdade se apresentam como "generalizações" de ob-servações empíricas ocasionais. ' •

• 1) Os corpos caem porque são pesados, óu seja, po rq ue te nd em para o seu   lugar natural,  que é situadono centro do universo. Portanto, eles possuèm em si pró prios um princí pio int rín sec o de mo vi me nt o e cai-

rão com velocidade cada vez maior na medida que sãomais pesados. A velocidade da queda é diretamente pro porci onal ao peso: de ixando cair ao me sm o temp oduas esferas pesando 1 Kg e 2 Kg respectivamente, ade dois quilos vai tocar o chão antes e a de um quilodemorará o dobro do tempo,

2) O meio com que um corpo se move é umelemento essencial do fenômeno movimento, que é

 preciso leva r em con sideração ao de te rmin ar a veloci-dade da queda dos corpos pesados. A velocidade deum corpo em queda livre (diretamente proporcionalao peso) em geral era considerada inversamente pro-

 por cio nal à densi dade do meio. No vazio (em um am - bi en te isento de den sidade) o m ov im en to se desen vol-veria de modo instantâneo, a velocidade seria infinita,um corpo se acharia em mais lugares no mesmo ins-tante. Estes aspectos eram todos argumentos formidá-veis contra a existência do vazio.

3 2

Obstáculos

3) Considerando que tudo o que se move é mo-vido por outra coisa qualquer   (omne quod movetur abalio movetur),  o movimento violento de um corpo é

 pro duzido por um a força qu e age sobre ele . O mov i-mento necessita de um  motor   que o produza e o con-

serve em movimento durante o movimento. Não ê prec iso ad uz ir al gu ma causa pa ra expli car a pe rman ên cia em est ado de repo uso de um corpo, por -que o repouso é o estado natural dos corpos. O movi-ment o (qualquer tipo de movimento:, quer natural,quer violento) é algo de não-natural e provisório (fa-zem exceção os "perfeitos" movimentos circulares ce-lestes) que pára tão logo cessa a aplicação de uma for-ça, e se move tanto mais rapidámente quanto maior éa forçá aplicada. Se a força aplicada é a mesma, move-se tanto mais lentamente quanto maior for o seu peso.Cessando a ,aplicação da força cessa também o niovi-hiento: cessante causa, cessat effectus; assim, por exem-

 plo, qu an do o cava lo pár a, pár a tamb ém a car roça.

Todas estas três generalizações, como dissemos,nascem da referência a situações ligadas à experiênciacotidiana: a qu eda de u ma pluma e a, de uma pedra eo movimento de uma carroça puxada por um cavalo.Além disso, tais situações estão ligadas a uma concep-ção antropomórfica do mundo, que assume tanto assensações e os comportamentos, como também as

 per cep ções do ho me m, ria sua concret ude, como cri-térios para a realidade. Nas raízes dos "erros" da físicados antigos há motivações profundas, radicadas nanossa fisiologia e na nossa psicologia. Por que, indaga

René Descartes na obra  Principia  (1644), normalmen-te nos enganamos pensando ser necessária uma maioração para o movimento do que para o repouso? Caí-mos neste erro - ele escreve - "desde o início da nos-sa vida", porque estaníos acostumados a mover o nos-

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O nascimento da ci ência moderna tia Europa

so corpo segundo a nossa vontade e o corpo é perce- bi do em re po us o so me nt e pe lo fa to de qu e jes tá gr u-dado à Terra mediante a gravidade, cuja força não per-cebemos"; Considerando que tal gravidade resiste áomovimento dos membros e faz que nos cansemos no

decorrer dos nossos movimentos "tios pareceu quehouvesse necessidade de uma força maior e mais ação pa ra pr od uz ir um mo v im en to dó qu e pa ra pa rá -lo"(Descartes, 1967: II, 88).

A ciência moderna não nasceu no cámpo da ge-nefalização de observações empíricas, mas no terrenode uma análise capaz de  abstrações,  isto' é, capaz de dei-xar o nível do sentido comum; das qualidades sensí-veis e da experiência imediata. O instrumento princi-

 p a l qu e to rn ou possív el a revo lu ção co nc ei tu ai da físi-ca, como é notório, foi a  matematização da física. E paraos seus desenvolvimentos deram contribuições decisi-

vas Galilei, Pascal, Huygens, Newton e Leibniz.

COSMOLOGIA

Creio ser oportuno insistir mais ainda scjbre al-guns outros aspectos fundamentais daquele milenar sistema do mundo  para cuja destruição Copérnico,Tycho Brahe, Descartes, Kepler e Galilei deram contri-

 bu ições dec isivas . /Em primeiro lugar, é necessário nos referirmos

à distinção entr.e  mundo celeste e mundo terrestre,  entremovimentos naturais  e  movimentos violentos.  Na filoso-

fia aristotélica o mundo terrestre ou sub lunar resul-ta da mistura de quatro elementos simples: Terra,Água, Ár e Fogo. O peso ou a leveza de cada corpodepende da diferente proporção com que os quatroelementos são mesclados nele, fazendo que, a Tejra e

33 33

Obstáculos

a Água tenham uma tendência natural para baixo,ao passo que o*Ar e o Fogo tendem para o alto. O de-vir e a mutação do mundo sublünar São causados

 pe la ag it ação ou mi st ur a do s el em en to s. O mo vi -mento natural de um corpo pesado é dirigido  para

baixo,  enquanto o dé um corpo leve se dirige  para oalto:  o movimento linear para o alto ou para baixo(concebidos como absolutos e iião relativos) depen-dem da tendência natural dos corpos a alcançarem oseu lugar natural, isto é, a situação apropriada quecabe a eles por natureza. A experiência cotidiana dáqueda de um corpo sólido no ar, bem. como do fogoque sobe para o alto, das bolhas de ar que vêm à tonana água confiíma a teoria. Mas a experiência nos ço-locá também, continuamente, diante de outros mo-vimentos, como, por exemplo: uma pedra lançada

 pa ra o alt o, u ma fl echa pr oj et ad a pe lo arc d, um achama desviada para baixo pela força do vento. Es-tes são os  movimentos violentos,  devidos à ação de umaforça externa, que se opõe à natureza do objeto agin-"do sobre ele.  Cessante cansa, cessat effectus:  quando a-força deixa de agir, o objeto tende a voltar para o lu-gar que lhe cabe por natureza.

O conceito de movimento na física dos aristoté-licos, não coincide com a idéia de movimento da físi-ca dos modernos. Em geral, movimento é toda passa-gem do ser em potencial para o ser,em ato. Para Aris-tóteles, tal movimento se configura como  movimentono espaço, como alteração nas qualidades, como geração ecorrupção  na esfera do ser. No "moviínento" são impli-cados fenômenos físicos e fenômenos que nós deno-minamos químicos e biológicos. O movimento não éum  estado  dos corpos, mas um devir ou um processo.Um corpo.em movimento não muda somente em re-lação a outros corpos: ele próprio, por estar em movi-

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O nascimento da ciência moderna tia Europa

mento, está sujeito à mutação. O movimento é umaespécie de  qualidade  que âfeta o corpo.

O mundo terrestre é o mundo da alteração e da^mutação, do nascimento e da morte, da geração e da

corrupção. O Céu, ao contrário, é inalterável e perene,

os seus movimentos são. regulares, nele nada nasce enada se corrompe, mas tudo .é imutável e eterno. Asestrelas, os planetas (o Sol é um deles) que sé movemao redor da Terra não são formados pelos mesmos ele-mentos que compõem os corpos do mundo sublunar,mas por um quinto elemento divino: o éter ou   quintaessentia,  que é sólido, cristalino, imponderável, trans- pa rent e e nã o suj eito a alte rações . As esfe ras celestessão feitas da mesma matéria. Sobre a equador destasesferas em rotação (como "nós em uma tábua de ma-deira") são fixados o Sol, a Lua e os outros planetas.

Ao movimento retilíneo, variado e limitado no

tempo (que é próprio do mundo terrestre) se contra- põe o mo vi me nt o circular, un if or me 'e pe rene das es-feras e dos corpos celestes. O movimento circular é perfe ito e por conse guint e ad eq uado à na tureza per-feita dos céus. Tal movimento não tem início e nãotem fim, não tende para Coisa alguma, retornando pe-renemente sobre si próprio e prosseguindo eterna-mente. O éter, com exceção para o mundo terrestre (omundo sub lunar)., e nche o universo inteiro. O univer-so é finito pelo fato de serJimitado pela esfera das es-trelas fixas.-A esfera divina, isto é, o primeiro móvel,transporta as estrelas fixas e produz aquele movimen-to que se transmite, por contato, às outras esferas,

chegando até o céu da Lua que constitui o limite infe-rior do mundo celeste.  Por natureza,  não pode caber àTerra nenhum movimento circular. Ela está imóvel nocentro do universo. A tese da sua centralidade e imo-

 bili dad e nã o só é confi rma da pela óbvi a exp eri ência

33 33

Obstáculos

cotidiana, mas é um dos fundamentos ou pilares detoda física aristotélica.

A grandiosa máquina celeste teorizada por Aris-tóteles e que, em seguida, foi se modificando e com- pli can do de vár ios modos nos sécu los suces sivos, na

realidade era a transposição, no plano dã realidade eda física, do modelo, puramente geométrico e abstra-to, elaborado por Eudóxio de Cnido na primeira me-tade do, século IV a.C. As esferas de que Eudóxio fala-ra não eram entes físicos reais, como mais tarde foramentendidas por Aristóteles, mas meras ficções ou arti-fícios matemáticos vidando a dar uma explicação, me-diante uma construção intelectual, às aparências sen-síveis, isto é, visando a justificarle explicar o movi-mento dos planetas e tentar "resguardar os fenôme-nos" ou justificar as aparências.

Tal contraposição de uma astronomia concebida

como construção de hipóteses a uma astronomia quevisa a apresentar-se xcomo uma dèscrição de eventosreais, terá grande importância. Em todo o caso, o di-vórcio entre a cosmologia e a física de um lado e umaastronomia meramente "calculista" e matemática deoutro, iria se acentuando no mundo antigo, na épocaque viu Alexandria do E^ito no centro da cultura filo-sófica e científica. Com efeito, encontramos tal cons-trução teorizada explicitamente pelo maior astrôno-mo da antigüidade: Cláudio Ptolomeu, que viveu emAlexandria no segundo século da era cristã. Por maisde um milênio a obra  Syntaxis,  comumente conhecida

 _ co mo Almagestò, permanece como alicerce do saber as-

trológico e astronômico.As esferas de Aristóteles eram entes reais, sóli-

. dos e cristalinos. Os movim ent os excên tricos e osepiciclos de Ptolomeu (que começa sempre a exposi-ção dos movimentos planetários com a expressão

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O nascimento da ciência moderna tia Europa

"imaginemos um círculo") não têm realidade física.Como afirma Proclo (410-485 dC), são somente o re-curso mais simples para explicar os movimentos dos

 pl an et as . A as tr on om ia era ap re se nt ad a po r Pt olo-meu como campo de atividade para os matemáticos,

não para os físicos. Mas o quadro complicado do uni-verso que na essência ficou firme até a época de Co- pé rn ic o nã o é re du tí ve l às do ut ri na s le mb ra da s at éagora. Na realidade, foi uma mistura de física aristo-télica e de astronomia ptolemaica, inserida em umacosmologia que chegaria amplamente não só ao mis-ticismo das correntes neo platônicas, mas também àsconcepões da astrologia, à teologia dos Padres daIgreja e às idéias dos filósofos da Escolástica. Para ter-mos uma idéia a esse respeito, basta pensar no uni-verso de Tomás de Aquino (1225-74) ou.naqueledèscrito na  Divina Comédia  de Dante Alighieri (1265-

1.321) onde às esferas celestes correspondem as vá-rias potências angélicas.Simplificando muito as coisas, é possível tentar

enumerar os pressupostos que foi preciso destruir eabandonar para construir uma nova astronomia.

1) A distinção de princípio entre uma física doCéu e urna física terrestre, que resultava da divisão douniverso em duas esferas, uma perfeita e a outra su-

 jei ta ao dev ir.2) A convicção (que seguia deste primeiro pon-

to) do caráter necessariamente circular dos movimen-tos celestes.

3) O pressuposto da imobilidade da Terra e dasua centralidade no universo que era comprovado poruma série de argumentos de aparência irrefutável (omovimento terrestre projetaria para os ares objetos eanimais) e que encontrava uma confirmação no textodas Escrituras. ' ' • '

39 33

Obstáculos

4) A crença na finitude do universo e em ummundo fechado que está ligada à doutrina dos lugaresnaturais.

5) A convicção, conexa estritamente com a dis-tinção entre movimentos naturais e violentos, de que

não há necessidade de aduzir nenhuma causa para ex- pli car o est ad o de re po us o de um cor po , ao pas so qu e,ao contrário, todo movimento deve, ser explicado oucomo dependente da forma natural do corpo ou como

 pr ov oc ad o po r um mo to r qu e o pr od uz e o co nserva .6) O divórcio, que se havia fortalecido, entre as

hipóteses matemáticas da astronomia e a física. No deco rrer de qu ase cem an os (ap ro xi mad a-

mente de 1610 a 1710) cada um destes pressupostosfoi discutido, criticado ou rejeitado. Daí, por meio deum processo difícil e por vezes tortuoso; resultou vima

" nova imagem do universo físico destinada a encontraro seu cumprimento na obra de Isaac Newton^ isto é,naquela grandiosa construção que, a partir de Einstein,hoje chamamos de "física clássica". Na verdade, po-rém, tratou-se de uma rejeição que pressupunha umamudança radical de quadros mentais e de categoriasinterpretativas e que implicava uma nova considera-ção da natureza e do lugar do homem na natureza.

VIL MECÂNICO\

Junto com o tipo de obstáculos que chamarama-atenção de Bachelard e quê se referem ao conheci-

mento e às formas de "olhar o mundo"- na era queviu a difícil afirmação da ciência moderna - existemopiniões e atribuições de valor que têm a ver com aestrutura da sociedade e com a organização trabalhis-ta, bem como com a imagem do homem culto e do sá-

 bi o qu e pr ed om in a na soc ied ade , do mi na nd o na s or -

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 _ O nascimento da ciência moderna na Europa

gánizaçõès dentro das quais é elaborado e transmitidoo saber. Algumas dessas opiniões se configuram tam-

 bé m cóm o obs táculos mu it o difíceis de s up erar . Nas raízes da gra nde rev olu ção científi ca do sé-

culo XVII se situa aquela compenetração entre técni-

ca e ciência que marcou (para o bem ou para o mal) ainteira civilização do Ocidente e que, nas formas queassumiu nos séculos XVII e XVIU (estendendo-se emseguida para o mundo inteiro), não existia tanto na ci-vilização antiga como também naquela da Idade Mé-dia. O termo grego  banausía significa arte mecânica outrabalho manual. Cálicles, na obra  Górgias  de Platão,afirma que o construtor de máquinas deve ser despre-zado, merecendo a alcunha de  bánausos  em sinal demenosprezo, acrescentando que ninguém desejariadar a própria filha em casamento a um sujeito destetipo. Aristóteles excluíra os "operários mecânicos" daclassificação dos cidadãos e os diferenciara dos escra-vos só pelo fato de que atendem às solicitações e àsnecessidades de muitas pessoas ao passo que os escra-vos servem a uma única pessoa. A oposição entre es-cravos e pessoas livres tendia à se resolver na oposiçãoentre técnica e ciência, entre formas de conhecimen-tos voltadas para a prática e para o usp e úm conheci-mento voltado para a contemplação da verdade. Odesprezo pelos escravos, considerados inferiores pornatureza, estende-se às atividade que eles exercem.As sete artes liberais do trivio (gramática, retórica, dia-lética) e do quadrívio (aritmética, geometria, música eastronomia) se chamam liberais porque são as artes

 pró pri as dos ho me ns   livres  em contraposição aos não-livres ou escravos que exercem as artes mecânicas oumanuais. O c onhecimento não subordinado a fins quesejam éxternos ao seu objetivo essencial constitui,tanto em Aristóteles como também na tradição aristo-

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Obstáculos

télica, o único saber no qual se realiza a essência dohomem. O exercício da sophía  requer bem-estar, exigeque as coisas necessárias para a vida já tenham sidoasséguradas. As artes mecânicas são necessárias è filo-sofia, constituindo os seus pressupostos, mas são for-

mas inferiores de conhecimento, mergulhadas dentrodas coisas materiais e sensíveis, ligadas à prática e àatividade das mãos. O ideal do sábio e do homem cul-to (como aconteceria também na filosofia dos estóicose dos epicureus e mais tarde no pensamento de Tomásde Aquino) tende a coincidir-com a imagem daqueleque dedica a própria vida a contemplação na espera dealcançar (para os pensadores Cristãos) a beatitude dacontemplação de Deus.

O elogio da vida ativa, que está presente emnumerosos autores do século XV, o elogio das mãos,que consta nos textos de Giordano Bruno, bem como

a defesa das artes mecânicas, que aparece em muitostextos de en genhe iros e de c onstruto res de rirá quinasdo século XVI e que é retomada por Bacon e por Des-cartes, à luz destas considerações, adquire um signifi-cado muito relevante.

Em rima obra das mais conhecida da técnica daRenascença, a De re metallica  (1556) de Jorge Agrícola(Georg Bauer), encontramos uma defesa apaixonadada arte dos metais. Todavia, ela é acusada de ser "in-digna e vil" em comparação com as artes liberais. Paramuitos ela se configura como um trabalho servil "ver-gonhoso e desonesto para o homem livre,, isto é, paraO homem distinto, honesto e honrado". Mas o "meta-lúrgico", na opinião de Bauer, deveria ser perito naidentificação dos terrenos, das minas, das várias espé-cies de minerais, pedras preciosas e metais. Ele, por-tanto, vai precisar da filosofia, da medicina, da arte decalcular, da arquitetura, da arte do desenho, bem

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 _ O nascimento da ciência moderna na Europa

como da lei e do direito. O trabalho dos técnicos não po de ficar sep ara do do tra ba lho dos cien tista s. Porisso, Bauer responde aos que, sustentando a teseoposta, baseiam-se, na contraposição livres-servos,que também a agricultura em certa época foi pratica-

da pelos escravos, còmo também que servos contri- bu ír am par a a arqu ite tura e qu e nã o po ucos méd ico silustres foram escravos (Agrícola, 1563: 1-2).

 Na ob ra  Mechanicorum libfi  de Guidobaldo deiMonte publicada-em Pésaro em 1577 encontramosesta mesma defesa, baseada em argumentos análogos:em muitos lugares da Itália "se costuma apelidar al-guém de mecânico por escárnio e insulto, e alguns fi-cam irritados por ser chamados de engenheiros". Otermo mecânico, no entanto, indica um "homem dealta competência, que por meio das mãos é do enge-nho sabe executar obras maravilhosas". Arquimedesfoi principalmente um mecânico. Ser mecânico ou en-genheiro "é uma profissão de pessoa digna e distinta, pois mecânico é palav ra greg a qu e signif ica um a coisafeita com artifício e em geral implica todo artefato, in-vento, instrumento, guindaste, prensa ou todo inven-to magistralmente criado e lavrado em qualquer ciên-cia, arte e trabalho" (Guidobaldo, 1531: Aos leitores).

Para entender o significado destas "defesas" dovalor cultural dá técnica vale a pena lembrar que noverbete  mécanique  o  Dictionnaire français  de Richelet(publicado em 1680) trazia ainda a seguinte definição:"o termo mecânico,  com referência às artes, significa oque é contrário ao conceito de liberal e de honrado:

tem sentido de baixo, vulgar, pouco digno de uma pessoa ho nesta ". As tese s de Cálicles ain da co nt in uamvivas no século XVII:  mecânico vil   é um insulto que,quando for dirigido a um fidalgo, leva-o a desembai-nh ar a espada. - x

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Obstáculos

 Na ver dade, alg uns grandes temas da cul turaeuropéia estão lidados à discussão em torno das artesmecânicas, que atingiu uma extraordinária intensida-de entre meados do século XVI e meados do séculoXVin. Nas obras dos artistas e dos inventores, nos tra-

tados dos engenheiros e dos técnicos vem abrindo ca-minho u ma nova consideração do trabalho, da funç ãodo saber técnico, do significado que têm os processosartificiais de alteração e transformação da natureza.Também no domínio da filosofia emerge lentamenteuma avaliação das  artes  muito diferente daquela tradi-cional: alguns dos processos usados pelo? técnicos eartesãos para modificar a natureza servem para o co-nhecimento da realidade natural, ajudando aliás amostrar a "natureza èm movimento" (como em segui-da se afirmaria em polêmica explícita com as filosofiastradicionais).

Somente levando em conta este contexto a pos-tura assumida por Galilei adquire unxsignificado exa-to, a qual, na verdade, está na raiz das suas grandesdescobertas astronômic as.. De fato, em 1609 Galileiapontava para o céu a sua  luneta  (ou telescópio).que determina uma revolução é á  confiança  de Galileiem um instrumento que nasceu no ambiente dós me-cânicos, aperfeiçoado somente mediante a prática,acolhido parcialmente nos meios militares, mas igno-rado, quando não desprezado, pela ciência oficial. Otelescópio nascera nos ambientes do artesanato ho-

1  landês. Galiléi o  reconstruíra e o apresentara em Vene-za em agosto de 1609, para presenteá-lo, em seguida,

ao governo da Senhoria. Para Galilei, o telescópio nãoé um dos numerosos instrumentos curiosos, construí-dos para diversão dos homens de poder ou para a uti-lidade imediata dos militares. Ele o usa e o dirige parào céu com espírito metódico e com mentalidade cien-

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 _ O  nascimento d a  ciência moderna na Europa  Obstáculos

•  '  f• • . j  . .

tífica, transformando-o em um instrumento da ciên-cia. Para acreditar naquilo que se vê com o telescópioé preciso crer que aquele instrumento serve não paradeformar, mas para, pote nciar   a visão. É preciso-conside-rar os instrumentos como uma fonte de cõnhecimen-

, to, abandonar aquela antiga e enraizada concepçãoI antropocê ntrica q ue considera à visão .natur al dos j ol ho s h u ma n o s co mo um cri tér io ab so lu to de co nh e-f cinlento. Fazer   entrar os instrumentos na ciência,  /isto é,

 j con ceb ê-l oà co mo fo nt e de ve rd ad e nã o fo i um em -1 preendimento fácil.  Ver,  na ciência do nosso tempo,

significa, quase que exclusivamente,  interpretar sinais gerados por instrumentos.   Nas origens daquilo que hojenó s  vemos  nos céus há um gesto inicial e solitário decoragem intelectual.

A defesa das artes mecânicas contra a acusaçãode indignidade, bem como a recusa de fazer coincidiro horizonte da cultura com o horizonte das artes libe-rais e as operações práticas com o trabalho servil im-

 pl ica vam na reali dade o ab an do no de u ma im ag emmilenar da ciência, isto é, implicavam o fim dç umadistinção de essência entre o conhecer e o fazer.  J.

\ A. V

#  V '

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capítulo 2

SEGREDOS

"MARGARITAE AD PORCOS"

Há uma passagem no Evangelho de Mateus(7,6) em que Jesus afirma: "Não deis as coisas santasaos cães, nem atireis as vossas pérolas aos porcos,

 po rq ue eles po de ri am pis á-l as e, vo lt an do -s e vo sdespedaçar". O que é precioso não é para todos, a ver-,dade deve ser mantid a secreta, pois a sua difusão é pe-rigosa: é desta forma que numerosíssimos autores le-

ram aquela passagem do Evangelho.A  tese de um saber secreto das coisas essenciais,cuja divulgação poderia trazer conseq üências nefastas,configurou-se durante muitos séculos na cultura eu-ropéia como uma espécie de paradigma dominante.Somen te a difusão, a persistência e a* contin uidadehistórica deste paradigma do segredo conseguem ex-

 pli car a du reza e a fo rça po lêmica qu e est á pr es en teem muitos textos dos assim chamados pais fundado-res da modernidade. De fato, eles dé formã concorderecusam a distinção sobre a qual aquele segredo sefundava: a distinção entré a exígua falange dos sábiosou "verdadeiros homens" e o  promiscuum hominum ge-nus,  isto é, a massa dos incultos.

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O nascimento da ciencia moderna na Europa

•  A :

O SABER HERMÉTICO

A comunicação e a difusão do saber bem comoa discussão pública daS teorias (que para nós são prá-ticas correntes) nem sempre foram percebidas como

valores. No entanto se tomaram  valores. Na verdade, àcomunicação como valor foi sempre contraposta -desde as origens do pensamento europeu - uma ima-gem difer ente do saber, isto é, com o iniciação e como

. um patrimô nio "que somen te pouc os pode m alcançar.

Os Secreta secretorum (-uma obra atribuída a Aris-tóteles) tiveram na Idade Média uma ampla divulga-ção. Em forma de carta, Aristóteles revela áo seu dis-cípulo Alexandre Magno os segredos reservados aosmais íntimos entre os discípulos abrangendo medici-na, astrologia, fisionomia, alquimia e magia. Deste li-vro, que Lynn Thorndike qualifica como "o livro mais

 po pu la r da Ida de Méd ia" , fo ra m des cob ert os na s bi- bli oteca s eu ro pé ias ma is "de 50 0 man uscri to s. En tre -tanto, a literatura sobre os segredos fica alheia aomundo das grandes universidades medievais. Mas cir-cula amplamente também entre os grandes expoentesda nova cultura. No fim do século XHI, Rogério Bacon -teoriza uma  scientia experimentalis  que (como justa-mente notava Lynn Thorndike) para 2/3 é herméticae não transmissível ao mundo dos profanos: "Os sá-

 bios om it ir am tai s as su nt os em seu s escr ito s ou ten ta-ram ocultá-los sob uma linguagem metafórica [...].Como ensinaram tanto Aristóteles no seu livro sobreos segredos, como também o seu mestre Sócrates, os

segredos das ciências não são escritos em peles de ca- br a ou de ov elha de tal mo do a to rn á- lo s acessíveis àsmultidões" (Eamon, 1990: 336).

. , A distinção entre dois tipos de seres humanos,que teve. origem em correntes gnósticas e averroístas,

4 6

Segredos

- a multidão dos simples e dos ignorantes e os poucoseleitos que são capazes de captar a verdade escondidadebaixo da escrita e dos símbolos e que são iniciados,aos sagrados mistérios - está ligada firmemente à visãodo mundo e da históriá que foi própria do hermetismo.

Encon tramos de n ovo tal distinção expressa clara -mente nos catorze tratados do  Corpus hermeticum,  queremo nta m ao século II depois de Cristo é que MarsílioFicino <1433-99) traduziu entre 1463 e1464. Àquelestextos tiveram antes uma enorme difusão manuscritaé entre 1471 e o fim de 1500 foram publicados em de-zesseis edições. Marsílio Fícino atribuiu tal obra (e talopinião foi sustentada em seguida durante todo o sé-culo XVI e as primeiras décadas do século XVH) aolendário Hermes Trismegisto, fundador da religião dosEgípcios, contemporâneo de Moisés e mestre, indire-tamente, de Pitágoras e de Platão. O grande renasci-mento da magia no final do século XV e iro século XVIestá ligado a esses textos, .continuando os mesmos ainfluenciar fortemente a cultura européia até meadosdo século XVII. Toda a grande herança mágico-astro-lógica do pensamento antigó e da Idade Médiã estavainserida em um quadro platónico-hermético amplo eorgânico por meio daqueles escritos. Nesse quadro do-minam não só a tendência a captar a Unidade que, nofundo, subtende as diferenças, mas também a aspira-ção a conciliar as distinções e a exigência para uma

 pacif ica ção to ta l na Un id àd e-T ot ali dade .

Os limites entre filosofia natural e saber místi-co, entre a figura do indivíduo que conhece a nature-

za e realiza experiências e a imagem do homem que(como Fausto) vendeu a alma ao diabo para conhecere dominar a natureza pareceram muito frágeis e sutisaos homens daquela época. A  natureza,  pensada pelacultura mágica, não é somente matéria contínua e ho-

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 _ O nascimento da ciência moderna na Europa

mogênea que enche o espaço,-mas é uma realidadetotal que tem ém si própria uma alma, um princípiode atividade interno e espontâneo. Tal àlma-substân-cia, como para os antigos pensadores jônios do séculoV aC, está "cheia de demônios e de deuses". Cada ob-

 je to do mun do é rep let o de simp ati as ocu ltas qu e o li-gam ao Todo. A matéria é impregnada de divino. Asestrelas são animais vivos divinos. O mundo é a ima-gem ou o espelhó de Deus e o homem é a imagem ouo espelho do mundo. Entre o grande mundo ou   ma-crocosmos e o  microcosmos  ou mundo èm tamanho pe-queno (e o homem é assim) existem correspondênciasexatas. As plantas e as selvas são os cabelos e os pelosdo mundo, as rochas são os seus ossos, as águas sub-terrâneas as suas veias e o seu sangue. O ser humanoé o umbigo do mundo. Está no seu centro. Enquantoespelho do universo, o homem é capaz de revelar e decaptar aquelas correspondências secíetas. O mágico éaquele que sabe penetrar no interior desta realidadeinfinitamente complexa, dentro deste sistema de cor-respondências e de caixas chinesas que remetem parao Todo, dentro das quais o Todo está fechado. Ele co-nhece as correntes de correspondências que descemdo alto e sabe construir - por meio de. invocações, nú-meros, imagens, nomes, sons, acordes de sons, talis-mãs - uma corrente ininterrupta de elos ascendentes.O amor é o nodus o u a junção  que aproxima indissolu-velmente entre si as párteà do mundo. Na opinião deFícirío elas parecem "coligadas umas às outras poruma espécie de caridade recíproca [...], membros de

um único animal, reciprocamente unidas pela comu-nhão de umà única natureza". Daí, vitalismo e ani-mismo, organicismo e antropomorfismo são caracte-rísticas constitutivas do pensamento mágico. Nele do-mina, como viram com clareza Freud e Cassirer, a

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Obstáculos

idéia da identificação entre o eu e o mundo, bemcomo a idéia da "onipotência do pensamento".

O mundo mágico é compacto e totalitario. Nãosé racha facilmente, nem suporta desmentidos. O cará-ter sensacionalista dós feitos realizados pelo mágico nã o

oferece talvez uma proVá da sua pertença ao escalãodos eleitos? E a distinção en tre os e scolhidos e o povãonão'implica talvez o segredo de um patrimônio deidéias em que as verdades profundas devem ser oculta-das a ponto de parecerem não identificáveis? A extre-ma dificuldade dos processos não depende talvez da in-capacidade da maioria dos hremens de se aproximaremde tais verdades? E a ambiguidade e ahisividade da ter-minologia não dependem talvez da complicação dos pro cedim entos e da necessidade de rese rvar q Conheci-mento a poucos indivíduos? Ou será que compreendera verdade não  mediante  a linguagem que é usada, masapesar  de tal linguagem, não é talvez um meio para ve-rificar a própria pertença à exígua classe dos eleitos?

 Na ve rda de, co mo foi rep éti do mu ita s vezes, amagia tende sempre a se resolver  em psicologia ou em revligião. Porém  jamais coincide  nem com a psicologia,nem com a religião, nem com o misticismo. Assimcomo na astrolpgia convivem cálculos sofisticados evitalismo antropológico, do meãmo modo, na magia ena alquimia, cõnvivem misticismo e experimentalis-mo. Os livros da grande magia dá Renascença se apre-sentam aos nossos olhos como o fruto de uma mistu-ra estranha. Com efeito, no mesmo manua l encontra-mos, páginas de ótica,- mecânica, química, b em co mo

receitas de medicina, ensinamentos técnicos sobre aconstrução de máquinas e de jogos mecânicos, codifi-cação de escrituras secretas, receitas de culinária, devenenos para vermes e ratos, conselhos para pescado-res, caçadores e para as donas lie casa. Enc ontra m-se

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O nascimento da çiència moderna na Europa

também sugestões referentes à higiene, à substânciasafrodisíacas," ao sexo e à vida sex ual, re talhos de me-tafísica, reflexões de teologia mística, alusões à tradi-ção sapiencial" do Egito e d os profeta s bíblicos, refe rên-cias às filosofias clássicas e aos mestres da cultura me-

dieval, conselho s para ,os ilusionistas etc. E n ão é sóisso. A magia, de fato, relaciona-se profundamentetambém.com projetos de reforma da cultura - basta

 pe nsarmo s em Gio rda no Bru no , Cornél io Agrippa,. Tommaso Campanella etc; ela tende para o Milenaris-mo, para aspirações a uma renovação política radical.

- A linguage m da alquimia e da magia é ambíguae alusiva porque não tem qualquer sentido que á idéiade uma verdade oculta ou de uift segredo possa serexpressa com clareza e com palavras não alusivas enão ambíguas. Aquela linguagem é estruturalmente enão acidentalmente cheia de deslizes semânticos, demetáforas, analogias e alusões.. A esse propósito, o al-

quimista Bono de Ferrara escreve o seguinte: "Nin-guém dos antigos conseguiu jamais alcançar o sujeitodivino desta arte mediante a sua inteligência natural:nem somente pela razão natural, nem só pela expe-riência porque ele - à guisa de um mistério divino -está acima dá razão e acima da experiência" (Bono deFerrara, 1602: 123).

Os alquimistas não falam de ouro real ou de en-xofre concreto. O objeto jamais é simplesmente o queé em si próprio; ele é também sinal de outra coisa, re-ceptáculo de uma realidade que transcende o nível emque tal objeto existe. Por isso, o químico que hoje exa-

mina as obras alquímicas "experimenta a mesma im- pre ssão qu e sentiri a um pedreir o qu e deseja sse haur irde um texto da maçonaria informações práticas para oseu xtrabalho" (Taylor, 1949: 110). Os iniciados, justa-mente porque compreendem ós segredos da Arte,"corroboram cóm isso a sua pertença ao grupo dos ilu-

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Segredos

minados". Todos os cultores da Arte, escreve Bono deFerrara, "entendem -se entre si como se falassem umaúnica língu^ que é intompreensível a todos bs outros,-sendo conhecida somente por eles mesmos" (Bono deFerrara, 1602: 132). Na obra  Magia adâmica Thomas

Vaughn afirma que o conhecimento é feito.de visões ede revelações, por isso o ser humano pode chegar auma compree nsão total do universo só mediante a di-vina iluminação(Vaughn, 1888: 103).

A distinção entre  homo animalis  e  homo-spiritua-lis,  bem como a separação entre os homens simples eos letrados se tran sforma na identificação dos objetivosdo saber com a salvação e a perfeição individuais. Aciência coincide com a purificação da alma e é ummeio para fugir do destino terreno. O conhecimentointuitivo é superior ao conhecimento racional; a inte-ligência oculta das coisas se identifica com a libertaçãodo mal: "Só para vocês, os filhos da doutrina e da sa-

 bed ori a escrev emo s e sta obra. Esc rut em o li vro, procu-rem colher o saber qüe espalhamos em vários lugares.O que ocultamos em um lugar o manifestamos em ou-tro [...]. Não quisemos escrever a não ser para vocês, -que possuem um espírito puro, cuja mente é casta e

 pud ica , cuj a fé ilibada teme é rev ere nci a a Deu s [...].Só vocês acharão a doutrina que reservamos somente

 para vocês. Os misté rios , ocu ltad os po r muito s enig-mas, não podem se tornar transparentes sem a inteli-gência oculta. Se vocês conseg uirem tal inteligência, sóentão toda a ciência mágica penetrará em vocês e semanifestarão em vocês aquelas virtudes já adquiridas

 por Hermes , Zoro astro , Apo lônio e por outro s real iza-dores de coisas maravilhosas" (Bauer, 1550:1, 498). Ad laudem et gloria altissimi et omnipotenti Dei,

cuius est revelare suis pradestinatis secreta scientiarum:   o.tema do segredo se apresenta já nas primeiras páginasdo  Picatrix  e reaparece continuamente èm seguida. A

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O nascimento da ciência moderna na Europa

magia foi ocultada pelos filósofos mantendo-a cuida-dosamente escondida usando ao falar palavras secre-tas. Eles fizeram isso para o seu próprio bem:  si haec

 , scientia hominibus esset discoperta, confunderent univer- sum.  Por isso, â ciência se divide em duas partes -uma

das quais é manifesta e a oütra oculta. A parte ocultaé profunda: as palavras que se referem à ordem domundo são as mesmas que Adão recebeu de Deus e

 po de m ser en te nd id as ap en as po r po uq uí ss imos in di -víduos (Perrone Compagni, 1975: 298).

Face ao tema do segredo, o que impressiona.não é a variedade das fórmulas mas a sua imutabili-dade. Em escritos compostos em épocas diferentesvoltam constantemente os mesmos autores, as mes-mas citações, os mesmos exemplos. Ña obra de Cor-nélio Agripa, por exemplo, encontramos escrito quePlatão impediu a divulgação dos mistérios, Pitágoras

è Porfírio obrigavam os seus discípulos aguardaremosilêncio a respeito; Orfeu exigia o silêncio sob jura-mento e o mesmo fazia Tertuliano; Teódoto ficoucego por ter tentado penetrar os mistérios da escritu-ra hebraica. Indianos, Etíopes, Persas e Egípcios fala-vam somente por meio de enigmas. Plotino, Orígenese os outros discípulos de Amônio juravam não reve-lar os dogmas do mestre. O próprio Cristo ocultou asua palavra de forma que somente os discípulos maisconfiáveis pudessem entendê-lo e proibiu explicita-mente de lançar aos cães as carnes consagradas e as

 pé ro la s ao s po rcos . "Tod a ex pe riên cia mág ica ab or re -ce o público, precisa perma necer Oculta, fortalecen - \

do-se no silêncio e sendo destruída quando for decla-rada" (Agripa, 1550: I, 498).

A verdade se transmite mediante o contato pe sso al e pe lo s "m ur mú ri os da s t rad içõ es e os di scu r-sos orais". .A comunicação direta entre o mestre e o

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Engenheiros

discípulo é o instrumento, privilegiado da comunica-ção: "Nao sei se alguém, sem um mestre confiável eexperiente possa compreendèr o sentido só pela lei-tura dos livros [...]. Tais coisas não são confiadas às le-tras nem escritas com a caneta, mas são infundidas dê

espírito para espírito mediante palavras sagradas"(Ibid: II, 904 ). ^

O SABER PÚBLIC O '

 No Oci dente, às figu ras do min ant es^ no mu n d oda cultura, durante uns mil anos (quer dizer ao longode dez séculos da Idade Média) são o santo, o monge,

. 0 médico, o professor universitário, o militar, o arte-são e o mágico. Mais tarde ao lado dessas figurasàcrescentam-se aquelas do humanista e do fidalgo dacorte. No período que vai de meados do século XVI até

meados do século XVn aparècem outros personagensnovos: o  mecânico, o filósofo naturalista,  o artista  virtuo-

 so  ou livre empreendedor. Os objetivos perseguidos po r ta is pe rs on ag en s  novos'não  são a santidade, aimortalidade literária, ou a realização de milagres ca-

 pazes de en ca nt ar o po vã o. Além disso¿ o no vo sab ercientífico nasce no terreno de uma áspera polêmicacontra o saber dos monges, dos escolásticos, dos hu-manistas Ce dos professores. Por isso, em 1640, em umamoção dirigida ao Parlamento, John Hall escreve quenas universidades não se ensinam nem a química,nem a anatomia, nem as línguas, nem os experimen-tos. Na verdade, é como se os jovens tivessem apren-dido há três mil anos atrás toda a ciência redigida emhieroglíficos e, em seguida; tivessem ficado dormindocomo múmias para acordar somente agora.

Uma forte oposição ao saber secreto dos mági-cos e dos alquimistas  emerge /agora, não tanto do

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inunda dos filósofos, mas antes do mundo dos enge-nheiros e dos mecânicos. Já em 1540 Vannoccio Bi-ringuccio - como consta na sua .obra  Pirotechnica  - ti-nha idéias muito claras a respeito desses assuntos. Osalquimistas são incapazes de codificar os meios e olham

imediatamente para os fins, aduzindo "mais a autori-dade de testemunhos do que razões.de possibilidàdes,ou efeitos que possam demonstrar. Entre tais teste-munhos há quem cite Hermes, enquanto outros pre-ferem se referir-a Arnoldo, a Raimundo, a Geber, aOcam, a Crátero, a São Tomás, ao Parisiense, ou a umtal de frei Elias da Ordem de São Francisco aos quais,deVido à dignidade da sua ciência filosófica ou pelasantidade, pretendem que se lhes preste um certoobséquio da fé, ou que, quem os escuta, fique caladocomo.um ignorante ou confirme aquilo que dizem"(Biringuccio, 1558: 5r). Ao contrário de Biringuccio,que era uma pessoa de escassa informação cultural,Jorge Agrícola (Georg Bauer) tinha lido muitos livros.Mas na obra D e re metallica,  editada em 1556 (um tex-to que ficava preso com corrente aos altares das igre-

 j   jas do Novo Mund o para que servisse como um ma-nual para todos) manifesta com força a polêmica con-tra um saber incomunicável por princípio: "Muitos li-vros tratam desse assunto, mas todos de difícilcompreensão; pois estes escritores não chamam ascoisas com seus próprios nomes e vocábulos, mascom nomes estranhos e inventados pela própria cabe-ça da forma que ora um autor, ora óutro imaginou

 para si um te rm o di ferent e pa ra a mesm a coi sa"

(Agrícola, 1563:4-5),f Mais tarde, inclusive uma série de razões sociais

e econômicas tendem a fortalecer, no âmbito do mun-do dos mecânicos o valor do "segredo". Muitos arte-sãos e engenheiros da Renascença insistem na oportu-

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Engenheiros

nidade de manter ocultos os próprios inventos: não po rque o p ov o n ão seja dig no de con hec ê-l os, mas p orrazões econômicas. As primeiras patentes remontamao início do século XV. Mas o aumento do.número das pa tentes ocorr e de fo rm a explosiv a no século XVI (cf.

Eamon, 1990; Maldonado, 1991).

  1

 Na épo ca das guer ras relig iosas qu e subver te-ram a Europa os homens que constituem os primeirosgrupos daqueles que sé autodefiniam "filósofos natu-rais", no interior da sociedade maior em que viviam,•construíram sociedades menores e mais tolerantes."Quando morava em Londres - escreve John Wallisem 1645 - tive a oportunidade de conhecer várias pes soas qu e se ocup av am daquilo qu e agora se ch amafilosofia nova ou experimental. Dos nosSt>s discursostínhamos excluído a teologia, pois o nosso interesse sevoltava para matérias como física, anatomia, geome-tria, estática, magnetismo, química, mecânica e expe-riências naturais".

Aqueles que se associam nas primeiras Acade-mias visam a prOteger-se sobretudo de duas coisas: dá políti ca e da i ntr omi ssão da s tèologi as e das Igre jas. Taiscentros de estudos (Linceus) "têm cpmo constituição partic ula r a exc lusã o dos seus est udo s qu alqu er con -trovérsia que não fosse natural e matemática, manten-do afastados os assuntos políticos". Por isso, a todos osmembros da referida sociedade - reza um texto da Ro-yai Sociéty - "se pede uma maneira de falar discreta,despojada, natural, sentidos claros, á preferência paraa linguagem dos artesãos e dos comerciantes em lugar

da linguagem dos filósofos" (Sprat, 1667: 62). No qu e diz res pei to às Academi as e Soc ieda des

científicas, há algúns pontos que devem ser fortemen-te ressaltados: a existência de reuniões dos letrados, bem como o uso de regras parti cular es de comport a-

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mento para as ditas' reuniões e a adoçãó de uma pos-tura crítica com relação às afirmações de quem quer

| que seja como norm a principal de comp ortam ento . Averdade não está ligada à autoridade da pessoa que aenuncia, mas somente à evidência dos experimentos eà força das demonstrações.

Em segundó lugar, deve ser lembrada a tomadade posição que deve ser comum a todos os expoentesda rtòva ciência: uma postura favorávél ao rigor lin-

.güístico e ao caráter não figurativo da terminologia. Amesma tomada de posição coincide com a rejeição, em prin cípi o, de tod a dis tinç ão en tr e pes soas simp les e pes soàs cul tas. As teo rias devem ser in tegralmente co-municáveis e as experiências repetíveis sempre quefor preciso.. A propósito," escreve William Gilbert:"Usamos por vezes palavras novas. Porém, não comofazem os alquimistas, para ocultar as coisas mas paraque as ocultas resultem plenamente compreensívèis".

(Gilbert, 1958: Prefácio). A esse respeito vale a pena• lembrar o célebre começo do Discurso sobre o método de

Descartes que afirma ser o bom-senso "a coisa domundo melhor repartida". A faculdade de julgar cor-

I reta men te e de distinguir a verdade da falsidade (â ra-I zão consiste nisso) "é igual por natureza em todos os

homens". Não só: mas a razão que nos distingtie dosanimais "está totalmente em cada indivíduo". O mé-todo que Hobbes Seguiu e que conduz à ciência e àverdade é construído para todos os homens: "Se vocêgostar - afirma dirigindo-se ao leitor no Prefácio ao li-vro  Decorpore -  você também poderá usá-lo". O méto-

do da ciência, afirmaria por sua vez Bacon, tende a fa-zer desaparecer as diferenças entre os homens e colo-car as suas inteligências no mesmo nível.

A magia cerimonial, escreveu Bacon, opõe-seaò mandamento divino segundo o qual o pão deverá

¿Vb^tf l  Tpíçv*^

56  b-í(AH\

Engenheiros

ser ganho com o suor do rosto e "se propõe alcançarcom poucas, fáceis e pouco pesadas observânciasaqueles nobres efeitos que Deus impôs ao homem de propic iar pa ra si o pão à cus ta do seu trabal ho".' Asdescobertas, escreveria ainda, "são cultivadas pór pou-

cos indivíduos em silêncio absoluto e quase religioso". Na verdade, tod os os críticos e opo sito res da mag ia in-sistiriam em apontar o caráter "sacerdotal" do sabermágico, bem como a mistura da ciência e religião queé característica fundamental da tradição hermética.

Po r isso, indaga Merse nne, p or que os adeptosdá alquimia não estão dispostos a estudar os resulta-dos das suas descobertas sem mais mistérios nem ar-canos"? (Mersenne, 1625: 105). Por isso Francis Ba-con, junto com a avaliação positiva da coragem inte^lectual manifestada por Galilei na? suas descobertasastronômicas, fez o elogio da sua honestidade intelec-tual: "honestamente e de modo relevante homensdessa espécie deram conta progressivamente da formaem que a eles resulta cada pontõ particular da sua pes-quisa" (Bacon, 1887-92: IH, 736). Aqueles qiie se per-dem seguindo caminhos extraordinários, escreveriaDescartes, são menos desculpáveis do que aqueles queçrram junto com outros. Nessas "trevas da vida*, diriamais tarde Leibniz, é necessário caminhar juntos por-que o método da ciência é mais importante do que agenialidade dos indivíduos e porque o objetivo da fi-losofia não é aquele do melhoramento do próprio in-telecto, mas do intelecto de todos os homens . Nestesentido, tanto Leibniz, cómo também Hartlib e Comê-

nio se referem de várias formas ao ideal do  advance-ment of learning,  isto é, de um crescimento do saber ede uma sua difusão. "O ardor das pessoas em abrir es-colas" parecia ao autor da  Pansophiae prodromus  algoque caracteriza os novos tempos. Na opinião de Co-

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O d ê d E Obstáculos

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méniü; é daquele ardor que decorre "a grande multi- pl icação de liv ros em to da s a s líng uas e em cad a na çãoa fim de que também as crianças e as mulheres pos-sam adquirir familiaridade com os mesmos [...]. Final-mente aparece agora 6 esforço constante de alguns em

levar o método dos estudos a tal nível de perfeiçãoque qualquer coisa digna de ser conhecida possà serfacilmente instilada nas mentes. Se tal esforço (comoespero) tiver sucesso encontrar-se-á o caminho procu-rado de ensinar rapidamente tudo a todos" (Comênio,1974:491). .

Á luta a favor de um saber universal, com- pr eens ív el po r to do s po rq ue co mu ni cáve l a to do s eqüe todos podem construir, já no decorrer do séculoXVII, era destinada a passar do nível das idéias e dos

 pr oj etos do s in te lectua is pa ra o níve l das in sti tu içõ es:"No que concerne aos membros que devem construira Sociedade, é preciso notar que são livremente admi-tidos homens de religiões, países e profissões diferen-tes [...]. EleS declaram abertamente não preparar afundação de uma filosofia inglesa, escocesa, papista ou

 pr ot es ta nt e, ma s a fu nd aç ão de u ma f ilo sof ia do gêne -ro humáno [...]. Eles tentaram colocar a sua obra emtotal condição de desenvolvimento perpétuo, estabe-lecendo uma correspondência inviolável entre a mãoe a mente. Eles procuraram fazer disso um empreen-dimento não para uma única temporada ou para umaoportunidade de sucesso, mas algo firme, duradouro,

 po pu la r e co ns ta nt e. Pr oc ur ar am lib ert á-l a do s art ifí -cios, hum or es e jpaixões das seitas e tran sfor má-l a em

um instrumento mediante o qual a humanidade pos-sa conseguir o domínio sobre as coisas e não somenteo domínio sobre os juízos dos home ns. Enfim, procu-raram efetuar tal reforma da filosofia não mediantesolenidades de leis e ostentação de cerimônias, mas

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Obstáculos

mediante uma prática sólida e por meio de exemplose não com a pompa gloriosa de palavras, mas pormeio de argumentos silenciosos*, efetivos e irrefutáveisdás produções reais" (Sprát, 1667:62-63).

TRADIÇÃO HERMÉTICA E REVOLUÇÃO CIENTÍFICA

? Ña segunda metade do século passado, pormeio de uma série de estudos importantes, o homemchegou a se constíentizãr, com clareza cada vez maior,do peso relevante que a tradição mágico-herméticateve oportunidade de exercer sobre o pensamento denão poucos entre os expoentes da revolução científi-ca. Assim, no limiar da modernidade, a magia e ciên-cia constituem um enredo que não pode ser dissolvi-do facilmente. A imagem, dé proveniênci a iluministae positivista, de uma marcha triunfal do saber cientí-

fico atravessando as trevas e as superstições da magia,hoje parece ter desaparecido definitivamente.

 Na su a de fes a da ce nt ra li da de do Sol, Nic olauCopérnico invoca a autoridade de Hermes Trismegis-to. Por sua vez, William Gilbert se refere a Hermes ea Zoroastro, identificando a sua doutrina do magne-tismo terrestre com a tese da animação universal.Francisco Bacon, por òutro lado, na sua teoria das for-mas,  é fortemente condicionado pela linguagem e pe-los modelos presentes na tradição alquimista. Johan-nes Kepler é um profundo conhecedor do  Corpus her-meticum.  A sua coflvicção de uma còrrespondência se-

creta entre as estruturas da geometrià e as estruturasdo universo, bem como a sua tese de uma música ce-leste das esferas são profundamente embebecidas demisticismo pitagórico. Tycho Brahé vê na astrologiauma aplicação legítima da süa ciência. René Descar-

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tes, cuja filosofia para os modernos se tornou o sím- bo lo da clareza rac ion al, qu an do jo vem, dava um a prefe rên cia ma ior aos res ul tad os da imaginação doque aos resultados da razão; como fizeram numero-sos mágicos do século XVI, deleitava-se na construção

de autôma tos e de "jardins assombrados"; como fize-ram muitos expoentes do lulismo mágico, insistia so- bre a  unidade  e a harmonia do cosmo. São temasque, embora em perspectiva diferente/ reaparecem.também em Leibniz, em cuja lógica conflui uma te-mática toma da da tradição do lulismo hermético e ca- bal ístico. É preciso ac res centa r ¡que a idé ia de ha rm o-nia concebida por Leibniz é baseada na leitura apai-xonada de uma literatura à qual bem dificilmente se pode ria at rib ui r a quali fic ação de "ci ent ífic a. Nas pá-ginas da obra De motu cordis de William Harvey, dedi-cadas à exaltação do coração como "Sol do microcos-mo", ecoam os temas da literatura solar e hermética,

dos séculos XV e XVI. Entre a definição dada por Har-• vey ao  ovum ( como não totalmente cheio de vida neminteiramente desprovido de vitalidade) e a definiçãodada por Marcílio Fícino (e em seguida por muitos

 parac els ian os e alq uim ist as) do  corpo astral   existemrelações precisas. Também na concepção newtonianado espaço como  sensorium Dei  foram ressaltadas in-fluências das correntes neo-platônicas e da cabala ju-daica. Newton não só lia e resumia textos alquimis-tas, mas dedicou muitas horas da sua vida a pesqui-sas do tipo alquimista. Pelos seus manuscritos resultaevidente a sua fé em uma  prisca theologia  (que é o

tema central do hermetismo) cuja verdade deve ser"provada" por meio da nova ciência experimental.

Para traçar linhas provisórias de demarcaçãoentre "mágicos" e "cientistas" aí pelo fim do séculoXVI e no começo do século XVII tem pouca utilidade

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Obstáculos

sublinhar diferenças baseadas em apelos genéricos para a exp eri ênc ia ou na rev olt a con tra as  auctoritates.Jerô nimo Cardano, como é. notório, ocupou-se* comurn certo sucesso de matemática e João-Batista DellaPorta detém um lugar certamente não de pouca im-

 portâ nci a na hist ória da ótica . Os cálculos de muito sastrólogos são bem menos discutíveis do que as diva-gações matemáticas de Hobbes, e Paracelso é bem me-nos "escolástico" do que Descartes.

Para Bacon, folhear com humildade o grande li-vro da natureza significava renunciar a construir, so-

 bre base s con cei tua is e ex perim en tai s demas iado frá -geis, inteiros sistemas de filosofia natural. FranciscoPatrizi e Pedro Sorensen (ou Severinus), bem comoBernardino Telésio, Giordano Brúno, Tommaso Cam-

 panella e William Gilbert fo ram julgad os por Baconcomo filósofos que entram em cena um após o outro

e fabricam ao seu alvitrè os sujeitos dos seus mund os.Todavia, uma avaliação diferente foi feita a respeito daobra do médico veronense Jerônimo Fracastoro(1483-1553) que era lembrado por Bacon como umhomem capaz de uma honesta liberdade de juízo. Nãoé difícil consCientizar-se das razões desta diversidadede tons. No tratado  De sympathia et antipathia rerum(1546) Fracastoro enfrentara uma série de temas cos-tumeiros como, por exemplo, por quê a agulha mag-nética se volta para o Norte, por quê o peixe rêmora

 pode pa ra ra s emb arc açõ es etc. ), mas con ceb era a suainvestigação sobre o "consenso e dissenso" entre ascoisas como sendo a premissa necessária para um es-

tudo dos contágios. Tal contágio até então foi interpre-tado como a manifestação de uma força oculta. Em lu-gar de investigar á respeito dos princípios do contágio,.

 be m como a respei to das forma s em qu e o me smo semanifesta e da diversa gravidade das doenças conta-

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O nascimento da çiènciamodernanaE uropa Segredos

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O nascimento da çiència moderna na E uropa

giosas, ou a respeito da diferença entre doenças con-tagiosas e envenenamentos, tais investigadores secontentaram em se referir a causas misteriosas. A ra-zão disso consiste no f^to de que os filósofos se dedi-caram até então às "causas universalíssimas", descui-

dando do estudo das "causais particulares e determina-das" (Fracastoro, 1574: 57-76). Para explicar a "sim- pa tí a" é pre cis o coloca r no lu ga r do co ncei to de um amisteriosa  natura  dos corpos, a idéia de uma  força.Com base em.tál substituição é impossível fazer usoainda d a teoria aristotélica,. Fazen do refe renci a a De-mócrito^ Epicuro e Lucrécio, Fracastoro consideraaceitável a teoria que situa nas  effluxiones  dos corpos o pri nc íp io da at ra ção. Ass im, pel a tr an smis são rec íp ro -ca de partículas do corpo A para o corpo B depende aatração de dois corpos. O conjunto de tais partículasforma um todo unitário que porém se diferencia emsuas partes: as partículas que estão perto dos dois cor- po s ou aq ue la s qu e são col oca das en tr e do is co rp osnão têm a .mesma densidade e rarefação. Nas "nuvensde átomos", portanto, se produzem movimentos quetendem a realizar o equilíbrio ou o máximo consenti-mento das partes com o todo. Tais movimentos deajuste determinam o movimento dos dois corpos umem relação ao outro e, em algum caso, a sua união.

 No cap ítulo V I do tr at ad o De contagionibus et con-tagiosas morbis  (1546) Fracastoro afirmava qUe "a cau-sa dos contágios que acontecem à distância não podeser r emeti da a pro prie dad es "Ocultas^ (f racasto ro,1574: 77-110). Assim, alguns contágios acontecem

 po r s imp les co nt ato, co mo no caso da sa rn a e da lep ra;outros são transmitidos por meio de veículos, comoroupas ou lençóis; outros, f inalmen te, (como no casoda peste e da varíola) se propagam à- distância pormeio de  seminaria  invisíveis. A tomada de distância de

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Segredos

Fracastoro (do qual devemos lembrar também o céle- br e po em a em ve rso s la tino s  Syphilis sive de morbo gal-lico,  1530) com relação ao ocultismo resulta evidentetambém no opúsculo De causis criticorum diebus.  Os diascríticos ou as "crises" das doenças acontecem sem dú-

vida em dias determinados. Todavia, é impossível de-terminar aqueles dias com base em correspondentesdados estatísticos (como fazem os "filósofos pitagóri-cos"), nem com basé em uma. relação decausa-efeitocom o movimento dos planetas (como fazem os astró-logos). Os médicos cometeram o erro de não ter de-senvolvido, a respeito destes assuntos, uma pacienteinvestigação experimental e "de se ter deixado seduzir

 pel as op in iõ es do s ast ró lo go s" (ib id ; 4 8- 56 ).Portanto, dentro do contexto filosófico mais ge-

rál da solidariedade entre as coisas, da simpatia e an-tipatia, apresentam-se posições/diferentes. Daquelasnoções era' possível fazer   usos  diferentes, relacionan-do-as a uma visão mística da realidade ou seirvindo-sedelas como critérios ou hipóteses para uma investiga-ção "experimental" sobre a natureza.

SEGREDOS E SABER PÚBLICO

A fim de captar a diferença, que é totalmenteevidente, entre a  magia  praticada na Renascença e aciência mode rna, é preciso refletir, não apenas sobre osconteúdos e métodos, mas também sobre as imagensdo saber e sobre as imagens do sábio. No nosso mun-

do existem certamente muitos segredos, e com basenisso vivem muitos teóricos e práticos dos  arcana im- perii.  Todavia, há também numerosíssimas dissimula-ções e com freqüência nem sempre "ho nestas" . É ver-dade que também na história da ciência apareceram

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O nascimento da ciencia moderna na Europa

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O nascimento da ciencia moderna na Europa

vários, dissimuladores. E ntret anto é preciso ressaltarque, depois da primeira revolução da ciência, tanto naliteratura científica como também na literatura da pr óp ria ciên cia nã o exi ste e n em po de rá ma is exi sti r -ao contrário do que aconteceu amplamente e ainda

ocorre no mundo da política - um  elogio  ou uma ava-liação positiva-da dissimulação. Dissimular, isto é, nãotornar públicas as próprias opiniões significa somentefraudar ou trair. Por isso, na medida em que os cien-tistas constituerii uma comunidade, podem sej obriga-dos ao segredo, mas devem, precisamente, ser força-dos. Quando ocorre esse tipo de coação, eles protes-tam de várias maneiras ou, como aconteceu tambémno século passado, eles até se revoltam decididamen-te contra tal coação. Por exemplo, a preposição  de  naexpressão lingüística "leis de Kepler" não significa demodo algum uma propriedade, mas serve apenas para

 pe rp et ua r a le mb ra nç a de um gr an de pe rs on ag em . O

segredo, para a ciência e no âmbito da,ciência, to rno u-se um  desvalor.

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capítulo 3

ENGENHEIROS

A PRAXE E AS PALAVRAS; * .1

 No seu avi so ao s lei tor es, po st o co mo pre mis saaos seus  admirables,  publicados em Paris em 1580, aoatacar os professores da Sorb one Bernard Palissy inda-gava: é possível que um homem possa chegar ao co-nhecimento dos efeitos naturais sem jamais ter lido li-vros escritos em latim? Palissy era uni aprendiz vidra-ceiro que, procurando o segrego do esmalte branco

:

 para aplicar nas cerâmic as, alcanç ara a celebri dade,chegando, porém, em seguida, á beira da ruína. Nasua vida aventurosa ele projetara várias máquinas que

 jama is co ns eg ui u rea liz ar; vár ias vezes co rreu o riscode morrer de fome e de ser condenado à morte. Aca-

 bo u mo rr en do na Bas til ha em 158 9 ou em 159 0. À pe rg un ta qu e se pu se ra , Pali ssy re sp on di a af irma tiva -mente o seguinte: a praxe pode mostrar que as dou-trinas dos filósofos (inclusive os mais famosos) podemser falsas. O laboratório e o museu de objetos naturaise artificiais que Palissy organizou pode ensinar mais fi-losofia do que se possa aprender, freqüentando a Sor-

 bo ne ou po r me io da le it ura do s an tigo s fil óso fos (Pa-lissy, 1880).

Um ano após a publicação dos  Discoitrs  de Pa-lissy, foi publicado em Londres um pequeno volumeintitulado  The New Atraetive, Containing a Short Discour-

 se ofthe Magnet or Lodestone:  um trabalho sobre o mag-

( «r-

O'.nascimento da ciência moderna na Europa E ngenhe i r os

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netismo e a declinação da agulha magnética que seriautilizado por William Gilbert. £> autor deste opúsculoera Robert Norman (ca. 1560-1596), um marinheiroinglês que, depois de transcorrer cerca de vinte anosnos navios, dedicara-se à construção e ao comércio

das bússolas. Normarn qualifica a si próprio de "mate-mático não instruído" que coletou uma grandíssimaquantidade de informações no decorrer da súa profis-são. Decidiu, então, arriscar o seu bom nome e desa-fiar as calúnias dos adversários para propor à avaliação pública os result ado s do seu tra ba lho . A sua in tençãoera trabalhar para a glória de Deus e em prol da Ingla-terra. O leitor deve lembrar sempre que ele é um sim- ples marinh ei ro , incapa z de suste ntar um a dis put acom os profissionais da lógic^ ou dar uma explicaçãosatisfatória das causas do magnetismo terrestre-. Nor-mám tem o senso exato de uma oposição fundamen-tal entre as suas pesquisas e as pèsquisas dos "homensletrados". Tais indivíduos elaboram conceitos muitosofisticados e gostariam que todos os mecânicos fos-sem obrigados a entregar a eles todos'os próprios co-nhecimentos. Por sorte, conclui Norman, "neste paísexistem muitos mecânicos que conhecem com perfei-ção o uso das suas artes e são capazes de aplicá-las par a alcançar os seus diverso s objetiv os com a me smaeficiência que pretendem ter os que gostariam de con-dená-los" (Norman, 1581: Prefácio).

Idéias deste tipo penetram rapidamente tam- bé m no mu nd o dos ho me ns cul tos. De fato, po demosencontrar esses mesmos conceitos expressos talvez

com menor ingenuidade, mas com igual energia, emum filósofo como Juan Luis Vives (1492-1540), ami-go de Erasmo e de Thomas Moro, preceptor na corteinglesa, e homem de vasta cultura que escreve para o pub lico ref inado dos hu mani sta s. No tra tado  De tra-

E ngenhe i r os

dendis disciplinis  (1531) convida os estudiosos euro- peus a pre sta r sér ia at en ção aos pro ble mas Relativos àsmáquinas, à tecelagem, à agricultura e à navegação.Superando o'seu menosprezo tradicional, o homemde letras deve visitar as oficinas e as fazendas, fazer

 pe rgun tas aôs art esãos e procura r tomar conh ec imen-to dos detalhes do seu trabalho. Por isso, no livro   Decausis corruptarum artium  (1531), escreve que a ciênciada natureza não é monopólio dqs filósofos e dos dia-léticos. De fato, a ciência é conhecida melhor pelosmecânicos do que por eles, pois os mecânicos jamaisconstruíram pára si entidades imaginárias como as for-mas e as heceidades (a última realidade do ser).

Por isso Palissy, Norman e Vives, embora se si-tuem em níveis culturais diferentes e persigam dife-rentes objetivos, dão expressão à exigência de umasaber no qual a atenção para as obras e a pesquisaempírica fossem dominantes em lugar de um saberexclusivamente verbal. Esta mesma exigência está

 pye sen te em um dos gran des texto s da nova ciência . No flc  corporis humani fabrica  (1543) Andrea Vasaliotoma energicamente^posição contra a dicotomia quese criou na profissão do médico: de um lado, o pro-fessor que fica cuidadosamente longe do cadáver aseccionar, falando do alto de uma cátedra e consul-tando livros, e, por outro lado, um seccionador quedesconhece qualquer teoria e é rebaixado à categoriade açougueiro.

Os textos que acabamos de lembrar remontamao século XVI, e mais exatam ente a um períod o de cin-

qüenta anos que vai de 1530 a 1580. Nos escritos deum artesão parisiense, de um marinheiro inglês, de umfilósofo espanhol e de um cientista flamengo ligado àtradição cultural italiana está presente uma temáticacomum: os processos dos artesãos, dos artistas e dos

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qüe tem a ver com a pròjetação de máquinas, com aconstrução de instrumentos.bélicos de ataque e de de-fesa, com as fortalezas, os canais, as barragens, a ex4

tração de metais das minas. Os q ue elabo ram esse tipodé saber, os engenheiros oü artistas-engenheiros pas-

sam a assumir uma posição de prestígio igual ou mes-mo superior ao do médico, do mágico, do astrônomodá corte e do professor universitário. Leon Batista Al-

 be rt i é pintor , escu lto r, ar qu it eto, ur ba ni sta e h u ma -nista refinado. ÇÍe acha que a matemática (teoria das pr op or çõ es e teor ia da pe rsp ect iv a) é o te rr en o co-

•' mum .tanto para a obra do artista como também paraa obra do cientista. A visão em perspectiva, que é pró- pri a do pintor, é um a ciência ass im co mo á pi nt ur a éciência. A "razão" e a "regra" se juntam com a "obra"no trabalho do arquiteto, enquanto o elogio do arqui-teto se transforma na exaltação do trabalho do enge-nheiro que é capaz de perfurar montanhas e de des-

viar enormes massas de água e de rocha, bem comodrenar pântanos, disciplinar o curso dos rios, construirnavios, pontes e máquinas de guerra.

LOJAS

Como F. Antal nos lembrou (Antal, 1960), noséculo XIV a arte era considerada um trabalho ma-nual. Quase todos os artistas das primeiras décadas doséculo XV vêm de ambientes artesanais, camp oneses ede pequenos burgüeses. Assim, Andrea del Castagno é

. filho de um camponês, Paulo Ucçello é filho de um ba rb ei ro , Fil ipo Lipp i de um aço ug ue iro, os Pol lai olo(como o rtòme indica) de um vendedor de frangos.

 Nos pr im ei ro s an os do re fe ri do séc ulo escul to res e ar -quitetos, em Florença, eram membros da corporação

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menor dos pedreiros e carpinteiros, ao passo que os pi nt or es er am in scr ito s na co rp or ação ma io r do s mé -dicos e farmacêuticos (sendo classificados no âmbitoda arte) juntamente com os pintores de paredes e osmoedores de tintas. Das lojas, onde iniciava o apren-

dizado prático com trabalhos manuais (moagem dastintas, preparação das telas etc), não só saiam quadrosrenomados, mas também emblemas, bandeiras, gra-vuras, modelos para tapeceiros e bordadores, traba-lhos em terracota e objetos de ourivesaria. Os arq uite-tos não eram somente construtores de edifícios, masse ocupavam também de aparelhos mecânicos e má-quinas de guerra, bem como da préparação dos palcos,das "máquinas" e de aparelhagens complicadas para

 proci ssõ es e pa ra fes tas . Ná épo ca de Gio rgio Vasari, em me ad os do sé-

culo XVI, encargos do tipo artesanal já não parecemmais conciliáveis com a dignidade do artista. Carlos Vse abaixa para apanhar o pincel que Tiziano deixoucair: tal gesto, histórico oü lendário que seja, é o sím-

 bo lo da pa ssa gem do s "ar tis tas " pa ra um no vo  statussocial. Mas antes que a figura do artista fosse identifi-cada com a figura do "gênio", autor de obras-primasdestinadas à vida imortal, justamente nas lojas de Flo-rença do século XV se realizara, como jamais aconte-cera no passado, a fusão entre o trabalho manual e ateoria. Algumas lojas (como por exemplo aquela deLorenzo Ghiberti durante a preparação das portas doBatistério) se transformavam em verdadeiros e pró-

 pr io s labo rat ór io s in du str iai s. Em tai s lojas, qu e são ao

mesmo tempo oficinas, formam-se os pintores e os es-cultores, os engenheiros, os técnicos, os construtores e

 pr ojet ist as de má qu in as . Ao lad o da ar te de mi st ur aras cores, cortar as pedras, fundir o bronze, junto como ensino da,pintura e da escultura, são ensinados con-

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çeitos básicos de anatomia e de ótica, de perspectiva egeometria. A cultura dos "homens sem letras" derivade uma educação prática que se remetera -várias fon-tes, passándo assim a conhecer fragmentos dos gran-des textos da ciência clássica e gloriando-se de fazerreferências a Euclides e Arquimedes. O saber empíri-co de personagens como Leonardo tem atrás de si umambien te deste tipo. r

LEONARDO

Leonardo da Vinci (1452-1519,. pintor e enge-nheiro, construtor e projetista de máquinas, homem"sem letras" e filósofo, para os modernos se tomou,não injustamente, o símbolo do homem de conheci-mentos múltiplos, um exemplo real de superação daantiga separação entre artes mecânicas e artes liberais,

entre a praxe e a teoria, entre as atividades manuais eas atividades da mente. Os seus interesses juvenis sãoligados ao costume das lojas do século XV e desta suafamiliaridade artesã com as características dos mate-riais nasce justamente a consciência, que nele perma-nece sempre viva, da conjunção necessária da praxecom a teoria. As ciências que "começam e terminamna mente" não .possuem a verdade, porque nos dis-cursos puramente mentais "não ocorre a experiência,sem a qual nada oferece certeza de si mesmo". Toda-via é também verdade, reciprocamente, que não seadquire tal certeza a não ser lã onde podem ser apli-cadas as matemáticas e que aqueles que se apaixonam

 pel a pr ax e sem a ciên cia "são co mo os pil oto s qu e en -tram num navio sem timão ou bússola, e que nuncatêm certeza para onde estão indo" (Solmi, 1889: 84,86). Não tem absolutamente sentido censurar Leonar-do, acusando-o de ambigüidade ou incertezas. O f^to

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de defender, como ele fazia, a convergência entre pra-xe e teoria significava tomar posição-vez por vez con-tra os defensores da mera teoria ou contra aquele ad-versário que (usando as mesmas palavras de Leonar-do) "não quer muita ciência, porque lhe basta a práti-ca". Após se filiar à corporação dos pintores em 147£,Leonardo permaneceu até 1476 na loja de Verrocchio.

Em 1482, Ludovico Sforza convidou Leonardo aMilão para executar trabalhos de escultura e fundição.Após aceitar do conde de Ligny o encargo de prepararum projeto sobre a defesa militar da Toscana, em con-seqüência da queda de Sforza, teve que deixar Milão ese refugiar em Mântua. Naquele ano de 1499, foi con-tratado pelòs venezianos para assumir o cargo de en-genheiro militar. Depois de um período de vida "semrumo certo" (durante o qual fica um tempo tambémem Florença), em 1502, passa ao serviço de César Bor-gia, na função de engenheiro militar. Em um caderno

de apontamentos (conhecido como "manuscrito L) fazanotações e desenha tud o o que desperta o seu interes-se em seus deslocamentos contínuos por vários lugaresda Itália central. Após a queda de Valentino, em 1503,retorna a Florença: è o período em que produz a  Gio-conda  e a obra inacabada denominada de  Battagliad'Anghiari.   O grandioso projeto de desvio do rio Arnoe de um porto em Florença foi interrompido pelâ guer-ra entre Florença e Pisa. Em 1506 se encontra de novoem Milão, ao serviço do Rei da França, organizando osfestejos para a entrada de Luís XII em Milão. Permane-ce em Milão até 1513, ano em que os franceses se re-tiram da cidade; logo em seguida se transfere paraRoma, a serviço do Papa Leão X. Em 1516, convidado

 po r Fra nci sco I, dei xa a Itál ia pa ra se estabe lecer naFrança, onde ficou até a sua morte, exercendo a fun-ção de engenheiro, arquiteto e mecânico.

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Falou-se justamente, de modo especial com re-lação à segunda estada na cidade milanesa, portanto,na fase da sua maturidade, de um deslocamento pro-gressivo de Leonardo para a teoria (Brizio, 1954: 278).Com certeza é possível ressaltar o fato de que os com-

 plexos pro jet os de Leonard o ref erentes a bomba s, di-ques, correção e canalização de rios nascem neste pe-ríodo, mas por este motivo não se pode certamente,como muitos fizeram, procurar no pensamento destegrandíssimo artista e letrado o ato de fundação do mé-todo experimental e da nova ciência da natureza. Naverdade, após tanta insistência sóbre o "milagre" Leo-nardo, não sem razão foi lembrado o seu absoluto me-nosprezo pela tipografia e pela imprensa, ressaltando-

-se além disso o fato de qu e a avaliação qu e foi feita dos„ códices de Leonardo na época da sua publicação foi

devjda ao escasso - ou quase nulo - conhecimentoque havia naquela época da efetiva situação do saber

científico do século XVI. A pesquisa de Leonardo, queé extraordinariamente rica de intuições fulgurantes ede concepções geniais, jamais vai além do nível das  ex-

 perimentações curiosas para chegar àquela sistematicida-de que é uma das características fundamentais daciência e das técnicas modernas. A sua imagem, sem- pre osc ilan te en tr e a ex pe rim en tação e a anotação,aparece como esfarelada e pulverizada em üma sériede breves notas, observações espalhadas, apontamen-tos escritos para si próprio em uma simbologia muitasvezes obscura e intencionalmente não transmissível.De fato, sempre movido pela curiosidade relativa a um

 pro ble ma par ticular, Leo ha rd o não te m n en hu m in te-resse em trabalhar para um  corpus  sistemático de co-nhecimentos, como também não tem a preocupação(que é também uma dimensão fundamental daquiloque chamamos de técnica e ciência) de transmitir, ex-

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 plica r e pro var para os outro s as pró pri as des cob ert as.A partir deste ponto de vista, também as numerosas efamosas máquinas projetadas por Leonardo retomamas suas proporções reais e parecem construídas nãotanto como instrumentos para aliviar a fadiga dos ho-

mens e aumentar o seu poder sobre o mundo, mas vi-sando a objetivos passageiros: festejos, diversões eatrações mecanizadas. Não é por acaso que Leonardoestá mais preocupado com a  elaboração  do que com aexecução  dos seus projetos. Aquelas máquinas correm,continuamente o risco de se tornarem "brinquedos^,enquanto o conceito de "força" (a respeito do qual seinsistiu tanto) certamente está mais ligado à temáticahermética e ficiniana da animação universal do queao nascimento da mecânica racional.

Entretanto, não se deve esquecer que nas ano-tações deixadas por Leonardo se encontram continua-mente afirmações que, mesmo em contextos diferen-

tes, voltariam a circular com força no âmbito da épo-ca moderna. Assim/por exemplo, a idéia de uma ne-cessária combinação entre a matemática e a experiên-cia, bem como as dificuldades de se avaliar aquela re-lação; a polêmica muito firnie contra as vãs pretensõesda alquimia; o ataque contra "os declamadores e ostrombeteiros dás obras alheias"; o protesto contra areferência às autoridades que é próprio de quem usa amemória em lugar da inteligência; a imagem de umanatureza "que não quebra suas leis", aparecendoComo  uma corrente admirável e inexorável de causas;a afirmação de que  oi  resultados da experiência são

capazes de "impor o silêncio às línguas dos contesta-dores" e ao "eterno alarido" dos sofistas. Na verdade,seria fácil citar passagens específicas, como, por exem-

 plo : a "cer teza qu e é dada aos olhos" e os "do uto res damemória" de Galileu Galilei, a sua imagem da nature-

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 _   O nascimento da ciência moderna na Europa Obstáculos

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za "surda aos nossos vãos desejos" que produz os seusefeitos "em formas por nós impensáveis". E ainda: arejeição, por parte de Bacon, do saber dos meros em-

 pír ico s, be m co mo da sua im ag em do ho me m, qu e édono da natureza somente se for capaz de obedecer àssuas leis inexoráveis.

Entretanto, a imagem (que ficou dominandodurante longo tempo) de uma espécie de "infância daciência" da qual Leonardo seria a expressão deve sersem dúvida rejeitada. Mas também a longa insistênciasobre as admiráveis "experiências precursoras" e sobreo "milagre" Leonardo deveria ser explicada de algumaforma. Assim, aquela metáfora da infância, emboraem um nível diferente daquele dos "testes precurso-res", é rica de sugestões. Na verd ade, as gran des esco-lhas que estão na raiz da ciência moderna (o matema-tismo, o corpusculariSmo, o mecanicismo) levaram oconceito tanto daquilo que chamamos arte, como

também daquilo que chamamos ciência a percorrercaminhos diferentes, dirigindò-se segundo perspecti-vas que tendem a divergir fortemente e a se afastarem pr og re ss iv amen te um a da ou tr a. Ten tar re ap ro xi má -las e jüntá-las de novo é um empreendimento que pa-rece não ter mais nenhum sentido. Òs desenhos e as

 pi nt ur as de Le on ardo , no en ta nt o; nã o são um sim ple sinstrumento de uma pesquisa científica que tem a suametodologia em outro lugar. Na verdade, muitos da-queles desenhos de rochas, plantas, animais, nuvens,

 pa rtes do co rp o h um an o, ros to s, mo vi me nt os de are se de águas são eles próprios "atos de conhecimentos

científicos, quer dizer, investigação crítica em torno darealidade natural" (Luporini, 1953: 47), Os manus-critos de Leonardo que chegaram até nós - as suasanotações, os seus desenhos e aquela irrepetível e ex-traordinária mistura de textos e de desenhos - nos dão

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à possibilidade de nos apresentarmos como que dian-te de urti limiar: isto é, estarmos diante daqueles ho-,meiis e daquele ambiente em que aquela aproxima-ção e aquela compenetração (para nós impossível eilusória) entre ciência e arte não só pareceram possí-veis, mas se configuraram como reais.

"FÁBRICA" E "DISCURSO"

O livro  "Pirotechnia"   de Biringuccio (1540) éum dos maiores textos do século XVI sobre a técnica.Em nóme da fidelidade a um ideal descritivo, Birin-guccio rejeita qualquer tentativa de enfeite retórico.Pensa que os alquimistas pertencem àquela classe de

 pe ssoas qu e te n ta m oc ul ta r at rá s de "mi l hi st or ie ta s"a ignorância substancial dos assuntos de que tratam.Incapazes de uma pesquisa sobre os "meios", os al-

quimistas têm um desejo imediato de riqueza eolhando demasiado longe, não enxergam "os inter-mediários" (Biringuccio, 1558: 6v, 7v). Ao contráriode Biringuccio Georg Bauer (Agricola) é um homemde vasta cultura e de interesses múltiplos. Nascido emGlauchau, na Sáxônià, em 1494, estudou em Lipcia,Bologna e Veneza. Em 1527 começou a praticar me-dicina em Joaquimstal (na Boêmia), uma região quena época era uma das maiores áreas de mineração daEuropa. Prefeito de Chemnilz, foi encarregado de vá-rias missões políticas na corte do imperador Carlos edo Rei Ferdinando da Áustria, e gozou da estima deErasmo e de Melanchton. As obras  "De óriu e causis

 subterraneorum   e  De natura fossilium  aparecem entre os pr im ei ro s tr at ad os sis temát icos de geo lo gia e mi ne ra -logia. O tratado De re metallica publicad o em 1556, umano após a morte dé seu autor, continuou sendo du-.

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rante dois Séculos a obra fundamental de técnica mi-neral. No Potosí, que forneceu ouro e prata para todaa Europa, a obra de Georg Bauer foi considerada uma -espécie de Bíblia e foi afixada nps altares das igrejas afim de que os mineiros conjugassem a solução de um

 prob lema téc nico a u m a to de devoç ão. Os doze livrosda obra tratam de todos os processos da extração, fu-são e lavra dos metais. A começar, portanto, da des-coberta dos veios e da sua direção, seguem tratandodas máquinas ê dos instrumentos, beni como da ad-ministração, do teste do ouro e dos fornos. No livro po rém, al ém disso, con sta ta mb ém a con sci ênc ia deuma crise séria da cultura que nasce de uih afasta-mento das coisas e de uma degeneração da lingua-gem. "Eu não escrevi coisa alguma que antes não te-nha visto, lido ou não tenha examinado cóm total di-ligência quando tal coisa me foi narrada por outrem".A partir desta base, portanto, ele critica severamente

' a obscuridade lingüística intencional bem como a ar- bi tra rie dade ter min oló gic a dos alq uim ist as cujos li-vros são "todos obscuros", porque aqueles autores in-dicam as coisas com nomes "estranhos e inventados pel a pró pr ia cabeça , de ma ne ir a qu e ora um ora ou -tro imaginaram nomes diferentes para a mesma coi-sa" (Bauer, 1563: 4-6 do Prefácio).

 No seu co mentár io a Vitru vio (1556) , Dan iel eBarbaro se colocou com muita clareza o seguinte pro-

 bl ema: "Por qu e os prá tico s nã o conseguir am adquiri rcrédito? Porque a arquitetura nasce do discurso. Porque os letrados? Porque a arquitetura nasce da fábri-

ca [...]. Para ser arquiteto, que é uma . classe artesã,exige-se ao mesmo tempõ o discurso e a fábrica" (Vi-truvio, 1556: 9). A união efetiva entre  discurso e fábri-ca,  entre  criatividade  e  artesanato  apresenta na realida-de problemas relevantes. Por exemplo, a importância

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destes problemas foi percebida perfeitamente ta mbém po r Bo na iu to Lorini qu e prest ou serv iço co mo enge-nheiro militar a Cqsimo dei Medici e à República deVeneza. Em uma página do seu tratado Delle fortifica- zioni (1 597) aborda 0 problema da relação entre o tra- ba lho do "p uro ma temá tic o esp ecu lat ivo " e o t raba lh o

do "mecânico prático". O matemático trabalha com li-nhas, superfícies e corpos "imaginários e separados

 pel a matéria ". As suas demo nst raç ões "não respon -dem tão perfeitamente quando são aplicadas às coisasmateriais" porque.a matéria com que o mecânico tra-

 ba lha t raz sem pre dif iculdades con sigo ". O crit ério e ahabilidade do mecânico consiste em saber prever asdificuldades e os problemas que decorrem dá diversi-dade das matérias com que é necessário trabalhar (Lo-rini, 1597: 72). A partir deste problema das relaçõesentre as "imperfeições da matéria" e as "puríssimasdemonstrações matemáticas" se abririam também os

 Discorsi intorno a due nuove scienze de Galileu Galilei.Uma mistura característica de modelos idealiza-

dos e considerações "físicas", bem como uma referên-cia insistente e direta a Arquimedes caracterizam as

 pesqui sas de Sim on Stev in (15 48- 1620), co nhec ido pel o n om e l at ino de Stevinus, nas cid o em Bru ges e fa-lecido em Haia. Os seus contemporâneos ficaram es-tarrecidos ao verem um carro a velas que ele cons-truiu para diversão do príncipe de Orange, exibindo-se na praia de Scheveningen. Stevin em seus escritostrata de aritmética e geometria, ocupa-se em fortifica-ções, projeta e constrói máquinas e moinhos movidos

à água, publica tabuadas para calcular juros, no escri-to De Thiende  (O décimo, 1585) ocupa-se da noção dasfrações decimais e na obra  De Havenvindig   (1599) tra-ta da determinação da longitude. Na sua opinião o ho-landês seria' üma das línguas mais antigas do mundo e

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teria qualidades de concisão desconhecidas em outraslínguas. Cuidando-se cada vez niais na busca de clare-za, ele se dirige de preferência a um público constituí-do por artesãos. Por estas duas razões publica os seusescritos em vernáculo. Os três livros dos  Beghinselender Weeghconst (Elementos da arte de pesar)

  publicadosem 1586, fazem referência no título à scientia de ponde-ribus  da Idade Média. Traduzido para o latim nos

 Hypomnemata mathemática  (1605-1608), em 1634 fo-ram publicados tamb ém numa tradução francesa. -

UM SABER CAPAZ DE DESENVOLVIMENTO

 Nos escr ito s do s art ist as e do s práti cos do séc uloXV e mais tarde nos tratados de engenharia minerado-ra, arte da navegação, balística e técnicas das fortifica-ções do século seguinte, abre cami nho nã o só (como já

vimos) uma nova consideração ji o  trabalho manual eda função cultural das artes mecânicas, mas se afirmatambém a imagem do saber como construção progres-siva, posto que tal saber é constituído por uma série deresultados que alcançam, um após outro, um nível decomplexidade ou de perfeição cada vez maior.

 — Também ne st a pe rsp ect iv a o sab er do s téc nicosé construído como uma grande alternativa históricaao saber dos mágicos e dos alquimistas bem como àimagem do saber que é característico da tradição her-mética. No âmbito desta tradição se acredita qu e os sá-

 bi os te n ha m se mp re co nt in ua do a afi rmar, no dec or -

rer dos milênios, as mesmas verdades imutáveis.  Averdade não emerge da história e do tempo: ela é a pe re ne reve laç ão de um  logos  eterno.  A  história é umtecido só aparentemente variado, pois nela está pre-sente uma única e imutável  sabedoria.  Nas obras dos

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mecânicos, n ó ent anto, -tal perspectiva aparece total-mente invertida. As artes mecânica - escreve Agosti-nho Ramelli no prefácio da obra  Diverse et artificiosemacchine  (1588) - nasceram das necessidades e da'fa-diga dos primeiros homens empenhados em defendera própiia vida em um ambiente hostil. O seu desen-

volvimento sucessivo não se assemelha ào movimen-to impetuoso dos ventos que afundam os navios nomar diminuindo erh seguida até desaparecer. Ao con-trário, tal desenvolvimento se assemelha ao curso dosrios que nascem pequenos, chegando ao mar grandese poderoso^, .enriquecidos pelas águas dós seus afluen-tes (Ramelli, 1588: Prefácio). Na dedicatória posta noTratado sobre as proporções do corpo humano  (1528) Al-

 br echt Dü re r esc lar ece ra as raz ões pel as qti ais r ap esarde não,ser um cientista, ousara enfrentar unj tema tãoelevadç. Decidiu publicar o livro, arriscando a maledi-cência, para benefício público de todos os artesãos e

 pa ra in du zi r ou tr os a fa ze rem o me sm o "d e m o do qu eos nossos sucessores possam ter algo para aperfeiçoare fazer progredir" (Dürer, 1528:  Dedicatória). 'O  cirur-gião parisiense Ambroise Paré (Í510-99), mesmo nãosabendo nada de latim e sendo autodidata, mal vistona faculdade, afirma que não é necessário repousarnas fadigas dos antigos porque "existem mais coisas adescobrir-do que aquelas que foram descobertas e asartes não são tão perfeitas que não se possa acrescen-tar a elas algo mais" (Paré, 1840:1, 12-14).

Filósofos como Bacon, Descartes, Boyle leva-riam as próprias idéias ao nível da conscientização fi-

losófica - inserindo-as em contextos teóricos de gran-de destaque, apesar de tais idéias terem nascido emambientes não filosóficos, isto é, em contextos consi-derados com hostilidade, ou até mesmo com despre-zo, pela cultura das universidades.

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ÀRTE E NATUREZA

A imagem positivista de Bacon "fundador da .ciência moderna" com certeza já esgotou o seu tempo.Todavia continua sendo absolutamente verdade que

ele leva para o níve]^ filosófico temas e idéias que fo-ram se afirmando a margem da ciência oficial, isto é,naquele mundo de técnicos, construtores e engenhei-ros a que pertenceram homens como Biringuccio eBauer. A avaliação das artes mecânicas feita por Ba-con é baseada em três pontos: 1) elas servem para re-velar os processos da natureza e são uma forma de co-nhecimento ; 2) as artes mecânicas se desenvolvem so-

 bre si próp rias, qu er dizer, ao con trá rio de tod as as ôu -tras formas do conhecimento tradicional, elas consti-tuem um saber progressivo, e crescem tão rapidamen-te "que os desejos dos homens se acabam antes mes-mo que elas tenham alcançado a perfeição"; 3) nas ar-tes mecânicas, ao contrário do que ocorre nas outrasformas de cultura, vigora á colaboração, tornando-seuma forma de saber coletivo; de fato, nelas conver-gem as capacidades criativas de muitos, ao passo quenas artes liberais os intelectos de muitos se submete-ram ao intelecto de uma única pessoa e os adeptos, namaioria das vezes, corromperam tal saber em lugar defazê-lo progredir".

Por isso, Robert Boyle (1627-91) - um seguidordo pensamento de Bacon - repetidas vezes quis con-trapor o livro da natureza, a oficina dos artesãos e asala de anatomia às bibliotecas, aos-estudos dos letra-

dos e dos humanistas e às pesquisas meramente teóri-cas; na verdade, a sua polêmica na maioria dos casos

 bei ra um a espécie de pri mit ivi smo científ ico . No livroConsiderationsTouchmg the Usefulness of Experimental Na-tural Phitosophy  (1671), Boyle dá forma coerente e de-

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fínitiva aos interesses é às aspirações dos grupos baco-nianos. As experiências realizadas pelos teóricos nosseus laboratórios têm características notáveis de esme-ro, mas .nas experiências realizadas pelos artesãos nassuas oficinas, a carência de um maior cuidado é com-

 pensa da po r um a maior dilig ência. Uma qu ar ta p art edos ensaios que compõem as  Considérations  tem um tí-tulo muito significativo: "os bens da humanidade po-dem ser aumentados grandemente por causa do inte-resse dos filósofos naturais pelos mistérios".

A idéia de que o trabalho dos mecânicos teriatrazido uma certa lüz às teorias, já presente erti Bacon,é expressa com muita clareza por Gottfried WilhelmLeibniz ( 1646-1716), ao referir-se à obra de Galilei e deHarvey. Em um escrito intitulado  Initia et specimina

 scientiae novae generalis prò instauratione et argumentis scientiarum ad publicam felicitatem, Leibniz áfirma que os progressos rea lizados nas a rtes m ecâ nicas são ain da em

grande parte igiiorados pelos homens cultos. Por umlado os técnicos não têm clareza quanto aos usos que po dem ser feit os das suas exp eriê nci as e> po r ou trolado, os cientistas e os teóricos ignoram que mui tos dosseus  desiderata  poderiam ser realizados pelo trabalhodos mecânicos. Entretanto, o programa de uma histó-ria das artes era retomado com amplitude maior naobra  Discours touchant la méthode de la certitude et l'artd'inventer,  isto é, os conhecimentos não escritos e nãocodificados, espalhados entre os homens que desen-volvem atividades técnicas de vária natureza superamde longe, pela quantidade e pela importância, tudo

aquilo que se encontra escrito nos livros. A parte me-lhor do tesouro que está à disposição da raça humananão foi ainda registrada. Por outro lado, não há umaarte mecânica tão  méprisable  que nao possa oferecerobservações e materiais de importância fundamental

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Ó nascimento da ciência moderna na Europa E ngenhe i r os

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 pa ra a ciên cia. Na ve rd ad e, preci sam os de um ve rd a-deiro e próprio  teatro da vida humana extraído da práti-ca dos homens para que se uma das artes fosse perdi-da nem todas as nossas bibliotecas poderiam remediartal fato. Por isso Leibniz achou que  fixar por escrito  os

 pr oc ed im en to s do s ar tes ão s e do s t écn ico s era u ma dastarefas mais urgentes da nova cultura.

 Nas páginas qu e Je an d' Al em be rt (1 71 7- 83 ) co-locou como introdução à grande  Encyclopédie ou dic-tionnaire raisonné des sciences, des artes e des mestiers(1751) está presente a consciência de que aquelegrande empreendimento levava ao cumprimento umdós programas que tinha origens históricas específicas.

 Na en ci cl op éd ia de Wi ll iam Gh am be rs , escrev iad'Alembert, no que sé refere às artes liberais encon-tramos um verbete sobre o qual havia muitas páginas,mas no que se refere às artes mecânicas fomos obriga-dos a fazer tudo de novo. Chambers leu someníe li-

vros, mas nu nca viu artesãos e há coisas que se apren -dem somente nas oficinas. No ensaio  Prospectus  de1750, Denis Diderot (1713-84) expressara a mèsmaexigência de captar ao vivo aqueles métodos de traba-lho: "Nós nos dirigimos aos operários mais habilidososde Paris e de toda a França e assumimos o compromis-so de ir visitar as suas oficinas, interrogá-los, redigir oque eles ditavam, desenvolver os seus pensamentos,referir òs termos próprios da sua profissão, compilar assuas tabuadas, defini-los..." (Diderot; 1875-77: XIII,140). No verbete Art,  Diderot ressaltava os maus efei-tos decorrentes da distinção tradicional das artes em

liberais e mecânicas. De fato, nasceu daí o preconcei-to de que "dirigir-se aos objetos sensíveis e materiais,constitua "uma derrogação da dignidade do espírito".Mas tal preconceito - ele acrescentava - "encheu as ci-dades de orgulhdsos pensadores e de inúteis especula-

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dores e os campos de pequenos tiranos ignorantes,ociosos e elitistas".  A  polêmica em defesa das artesmecânicas se conectava com 0 grande tema da igual-dad e política. '  ;

DÉDALO E O LABIRINTO

Incontáveis filósofos, divulgadores e jornalistasdo nosso tempo colocaram a modernidade inteira sobo signo de uma exaltação perigosa e inaceitável dá téc- 'nica e viram em Francis Bacon o pai espiritual daque-le "tecnicismo neutro" que estaria na fonte dos pro-cessos de alienação e comercialização típicos da mo-dernidade. Mas a verdade é exatamente o contrário.De fato, na inteira e vasta bibliografia sobre a técnicae sobre o seu caráter ambíguo há bem poucas páginasque podem ser comparadas com aquelas escritas pelo

Lord Chanceler na interpretação (que remonta à datade 1609) do mito de Daedalus sive mechanicus.  A  ima-gem de Dédalo é a de um homem extremamente in-teligente mas execrável. O seu nome é celebrado prin-cipalmente pelos "inventos ilícitos": a máquina que

 pe rm it iu a Pas ifes se aco plar co m um to ur o e ge ra r oMinotauro devorador de jovens; o Labirinto excogita-do para esconder o Min otau ro e para /'proteg er o malcom o mal". Do mito de Dédalo são tiradas conclusõesde caráter geral: as artes mecânicas geram ajudas p araa vida mas, ao mesmo tempo, "instrumentos do vícioe da morte" . Na .concepção de Bacon, o aspecto carac-terístico do saber técnico é o seguinte: en qua nto se co-loca como possível produtor do mal e do negativo, aomesmo tempo, e em conjunto com o negativo, oferecea possibilidade de um diagnóstico do mal e de um re-médio do mal. Dédalo, de fato, construiu também "re-

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 _ O nascimento da ciência moderna na Europa Obstáculos

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médios para os crimes". Foi o autor do engenhoso re-curso do fio capaz de desvendar os meandros do Labi-rinto: "Aquele que inventou os meandros do Labirin-to, mostrou também a necessidade do fio> As artesmecânicas são ha verdade de uso ambíguo e podem

 pr od uz ir ao me sm o te mp o o ma l e ofere cer um re mé -dio para o mal" (Bacon, 1975: 482 -83 ). "Para os expoentes da revolução científica, a res-

tauração do poder humano sobre a natureza, bemcomo o avanço do saber têm valor somente se realiza-dos em um contexto mais amplo que concerne à reli-gião, à moral e à política. A "teocracia universal" deTomás Campanella, a'"caridade" de Francis Bacon, o"cristianismo universal" de Leibniz, a "paz universal"de Comênio não são separáveis dos seus interesses edos seus entusiasmos pela nova ciência. Na verdade,constituem outros tantos âmbitos dentro dos quais osaber científico e técnico deve operar para funcionar

como instrumento de resgate e de libertação. Por isso,tanto para Bacon e Boyle, quanto para Galilei, Descar-tes, Kepler, Leibniz e Newton a vontade humana e odesejo de dominação não constituem o princípio maisalto. A natureza é, simultaneamente, objeto de domí-nio e de respeito. Ela pode ser "torturada" e dobradaao serviço do homem, mas ela é também "o livro deDeus" que deve ser lido com espírito de humildade.

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capítulo 4

^ COISAS JAMAIS VISTAS

A  IMPRENSA

Estamos tão acostumados com aquela atividadeindividual que é a leitura de livros, realizada fto silên-cio e no isolamento, a tal ponto de ser difícil pos cons-cientizarmos que aquele objeto familiar que temos emmãos possa ter surgido como uma nòvidade revolu-cionária. O livro, na verdade, foi um invento que nãosó iria difundir de uma formá antes impensável asidéias e o saber, mas ao mesmo tempo iria substituir a

leitura de textos desprovidos de pontuação, outrora"realizada na maioria das vezes coletivamente e efetüa-da provavelmente em voz alta (McLuhan, 1967). Comfreqüência encontramos colocadas uma ao lado daoutra três descobertas mecânicas, como a arte da im-

 pr en sa , a pó lv or a e a b ússo la . Na ob ra  Città dei Sole d eCámpanella (1602), tais descobertas dão a impressão,vivíssima, de uma série de conquistas que cqincidecom um a aceleração da históri a: "faz-se. mais históri aem cem anos do que ocorreu no mundo durante qua-trô milênios; e foram feitos mais livros nestes cemanos do que em um passado de cinco mil; e a maravi-

lhosa invenção do ímã, da imprensa £ das armas defogo, constituem grandes sinais da união do mundo"(Campanella, 1941: 109).  A  partir daquelas três des-cobertas - afirma Francis Bacon em 1620 - derivaraminfinitas mudan ças "de forma que n en hu m ¡império,

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nenhuma seita, nenhuma estrela parece ter exercidosobre às coisas humanas um maior influxo e umamaior eficácia" (Bacon, 1975: 635-36).

 Nes ta ava lia ção , co m cer teza, nã o ha vi a ne -nhum exagero. De fato, a fusão de diversas técnicas,tais como a fabricação do papel e da tinta, a metalurgiae a fusão dos tipós móveis na arte da imprensa^, me-diante uma tecnologia totalmente nova, introduzia naEuropa, com três séculos de antecipação, aquela, "teo-ria das peças intercambiáveis" que está na base dos

 pro cessos mo de rn os da pr od uç ão in du st ri al (St ein ber g,1968). Hans ou Johannes Gutemberg começou a im-

 pr imir .livro s em Mo gú nc ia fa edi ção da Bíbl ia foi rea -lizada em 1456) mediante uma técnica que, totalmen-te desenvolvida no século XVI, iria ficar sem mudançaaté o século XIX (sendo inclusive utilizada ainda hoje).Alguns dados são muito significativos. Em 1480 traba-lhavam prensas tipográficas em mais de 110 cidades

européias, 50 das quais na Itália, 30 na Alemanha, 8 naHolanda e na Espanha respectivamente, 5 na Bélgica ena Suíça, 4 na Inglater ra, 2 na Boêmia e 1 na Polôni a.Apenas 20 anos depois, em 1500, o número de cidadesem que se encontram tipografias aumentou para 286.L. Febvre e J. Martin calcularam que em 150Ó foramimpressas 35.000 edições de 10 a 15.000 textos dife-rentes e q ue pelos menos 20 milhões d e exemplares jáestariam em circulação. No decorrer do século XVII ha-via em circulação 200 milhões de exemplares (Febvree Martin, 1958: 396-97).

As edições de Aldo Manuzio,-de formato pe-v

queno, foram não injustamente comparadas aos  pa- perback   (brochuras) da nossa época. Ao lado de Paris eLion, Veneza se tornou um dos grandes centros edito-riais do mundo. No final do século XVI foram realiza-das em Lion, Medina dei Campo, Lipcia e Frankfurt as

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 pr imei ra s fei ras in te rn ac io na is do liv ro. Um a ed içã ovariava entre 300 a 3000 exemplares, mas a médiados exemplares por edição era em torno de 1000.

 Na rea lid ad e, a di fu são das id éia s e o av an ço dosaber implicavam um forte investimento de capitais euma boa dose de risco para os empresários. Quando o

saber era elaborado na cela do monge ou no escritóriodo humanista certalmente não provocara este tipo de

 pr ob lemas.

LIVROS ANTIGOS R

Para os grandes expoentes do Hüínanismo ita-liano (tais como Leonardo Bruni, Guari no Veronese,Giannozzo Monetti, Lorenzo Valia) ler os grandesclássicos do mundo antigo significa voltar a uma civi-lização mais elevada do que aquela em que lhes cou-

 be vive r e qu e co ns ti tu i o i na lcan çáve l mo de lo de to daforma de convivência humana. Todavia, os humanis-tas não foram repetidores passivos, pois em seus escri-tos esteve presente uma polêmica constante não sócontra a "barbárie" da Escolástica medieval, mas tam-

 bé m co nt ra os pe rigo s da rep et iç ão e d o Cla ssicism o. Acontraposição da  aemulatio  à  imitatio  se tomou o gritode guerrà de muitos intelectuais europeus desde An-gelo Poliziano até Erasmo de Rotterdam. Os escritosdescobertos pelos humanistas, no decorrer do seugrande trabalho de busca e de comentário, não se con-figuravam como meros documentos. Aquelas obrasantigas"; sobre as quais os humanistas aplicavam a sua

refinada filologia, contêm - para os seus olhos - nãosó conhecimento, mas são ao mesftio tempo direta-mente úteis para a ciência e pgra a sua praxe. A difu-são de edições feitas diretamente a partir dos originais

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gregos, isto é, dé traduções não mais baseadas (comona Idade Média) ém traduções árabes de obras gregas,teve efeitos decisivos sobre os desenvolvimentos dosaber científico. Entre as grandes edições bastaria lem-

 br ar : aq ue la s do te xt o greg o de Eu clides (Basi léia1533) e a tradução latina de Federico Commandino

(Pesaro 1572); a edição do texto grego de Arquimedes(Basiléia 1544) e a tradução latina de Commandino(Veneza 1558); a edição das traduções, ainda dé Com-mandino, das 'Cónicas  de Apolônio e da obra de Pappo(Bologna 1566; Pesaro 1588); a edição do Almagesto d ePtolomeu (Basiléia 1538) e das traduções da  Geografia(uma obra praticamente desconhecida na Idade Mé-dia). Após a primeira tradução do grego para o latimde escritos de Hipócrates (Roma 1525) seguiram asedições gregas de 1526 (Veneza) e de 1538 (Basiléia).O enorme acervo dos escritos de Galeno (na maioriatraduzidos do árabe na Idade Média, com a interpola-

ção de muitos escritos apócrifos) foi cuidadosamenteordenada e integrada pela redescoberta dé tratadosdesconhecidos no Ocidente. A primeira coletânea lati-na de escritos de Galeno é datada em 1490 (Veneza);a edição dos textos gregos de 1525 (Veneza) seguida

 pel as edi çõe s organi zad as po r Jo aq ui m Came ra ri us e po r Le on ha rt Fu ch s (Bas iléia 15 38 ).

O ANTIGO E O NOVO

Entre a  redescoberta dos antigos e o sentido do novoque caracterizam a cultura da assim chamada Renas~

cença (um termo aliás de significado ambíguo) existeuma complicada felaç ão. Na verdad e, os maior es_ex-

 po en te s da revo lu çã o cie ntí fic a ti ve ram, co m re la çãoà antiguidade, uma atitude muito diferente daquela

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dos humanistas. De fàto, no mesmo momento emque fazem recurs o aos. textos da antig üidade, Bacon eDescartes negam o caráter modelar da civilizaçãoclássica. Portanto, nãô só recusam a imitação pedan-te e a repetição passiva, mas inclusive a  aemulátio,  emque insistiram muitos humanistas, julgando tal imita-

ção como algo que não tem mais sentido. O que se re-cusa agora é o próprio campo de uma "disputa" comos antigos. A esse propósito, Descartes alegàva a se-guinte razão: quando alguém desperdiça tempo de-masiado em viajar, acaba se tornando estrangeiro no pr óp ri o país,, do mè sm o mo d o q u em é de ma si ad o cu -rioso a respeito das coisas dó pássado, na maioria dasvezes, torna-se muito ignorante das coisas do presen-te, Bacpn, por sua vez, acha que o espírito dos ho-mens que viveram na Grécia antiga Né pequeno e limi-tado. Se nós imitássemos o modelo de viver que se-guiram os antigos, com certeza não conseguiríamos

imitá-los. É preciso buscar outro caminho, isto é, as-sumir: "não o papel de juízes, mas aquele de guias"(Bacon, 1887-92: m; 572).

Por outro lado, Blaise Pascal em 1647 tem aindaa impressão de que não se pode propor impunementeidéias novas, porque o respeito pela antiguidade "che-gou a tal ponto que todas as suas opiniões são tomadascomo oráculos e até mesmo as coisas obscuras são con-sideradas como mistérios" (Pascal, 1959:3)r  Mas tam-

 bé m a  aemulatío não te m mais sentido. Por terem a seudispor somente os olhos. Os antigos não podiam expli-car a Via Láctea de maneira diferente daquela que ado-

taram.; O fato de qu e hoje nós conh ecemos a naturez amais do que eles conheciam, permite-nos adotar noyoscritérios sem injúria e sem ingratidão. Por isso, semquerer contestá-los podemos afirmar o contrário da-quilo que eles diziam (ibid: 7-8, 9-11).

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 Na rea lidad e, am pl ia nd o im en sa me nt e os co n-fins do üniverso, chegando em alguns casos até a afir-mação de um universo infinito, a nova astronomiadespertou em muitos a nítida sensação da crise e dofim do saber tradicional. Percebemos qu e não sabemosnada "que não seja ou não possa ser debatido", escre-via Pierre Borei em 1657: Tanto a -astronomia comotanjbém a física e a mediciha "vacilam a cada dia que passa é vê em de sm or on ar os seu s próp rio s alic erce s".Pedro Ramo destruiu a filosofia de Aristóteles, Copér-nico acabou com a astronomia de Ptolomeu, assimcomo Paracèlso acabou com a medicina de Galeno:"somos forçados a admitir que o que sabemos é muitomenos daquilo que ignoramos" (Borei, 1657: 3-4).

A constatação de uma grandiosa virada do sa- ber , cap az de de sp er ta r no s ân im os ex al ta ção e en tu -siasmo ou, como acontece com mais freqüência, pas-mo, desorientação e sensação de uma crise irremediá-

vel, é confirmada por inumeráveis documentos. Não éevidente, escreveria John Dryden, que nó decursodeste século nos foi revelada uma  novO- natureza? Naverdade, a insistência no tema da novidade perpassatoda a .cultura européia.  Novúm Orcjanum  de Bacon",

 Nova de universis philosophia   de Francesco Patrizi(1591),  De mundo nostro sublunari philòsophia nova  deWilliam Gilbert (1651),  Astronomia nova  de Kepler(1609),  Discorsi intorno a due nuove scienze de  Galilei(1638),  Novo teatro di machine  de Vittorio Zonca(1607): o termo  novus  recorre, de forma quase obses-siva, no título de centenas de livros científicos publi-

cados no decurso do século XVII (Thorndike, 1971:459-73).

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AS   ILUSTRAÇÕESi

Como certa vez ressaltou Erwin Panofsky fqueem 1945 publicou uma grande monografia sobre Al-

 br echt Dü re r) a rig oro sa des cri ção da reali dade na tu -ral que está presente na obra dos grandes pintores e

entalhadores do final do século XV até o século XVII,do ponto de vista das ciências descritivas, tem a mes-ma importância que tem (para a astronomia e as ciên-cias humanas) a descoberta do telescópio e do micros-cópio. As ilustrações dos livros de botânica, anatomiae zoologia não sãó meras integrações do texto. A insu-ficiência das descrições vérbals dependia também daausência de uma linguagem técnica (que pela botâni-ca é alcançada somente no decorrer do século XIX).Por isso, a colaboração dos  artistas  nas ciências descri-tivas, teve efeitos revolucionários.

 Nes te sent id o val e a pe na no s re fe ri rmos às ob -

servações de Leonardo da Vinci sobre a visão e sobrea pintura e destacar a sua exigência de tornar tudo  vi-

 sível.  Muitos dos seus desenhos de rochas, plantas,animais, nuvens, movimentos das águas e dos ventossão atos de conhecimento científico da realidade natu-ral. Nos seus desenhos) anatômicos foi relevado um

 prog res so no tá ve l en tr e o pe rí od o an te ri or e àq ue lesjjcessivo a 1506, que coincide com a leitijra do trata-do De usu partium  de Galeno e com o começo de uma

 prática^ ma is fr eq üe nt e de dis seca ções. A an at om iacomparada dos vertebrados, o vôo dos pássaros, a óti-ca fisiológica: são três temas pelos quais Leonardo se

apaixonou por muitos anos e sobre os quais existeminumeráveis desenhos. Centenas de estudos e de de-senhos sóbre a anatomia do cavalo se prendem ao

 pr oj et o do mo n u me n to ao Du qu e de Mil ão (co meç a-do em 1483) e ao grande painel da batalha de Anghia-

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•ri (começada em 1503). Mas a curiosidade de Leonar-do vai muito além do nível alcançado por escultores e pin tor es int ere ssados no co nh ec imen to da an at om iaartística ou dos músculos superficiais. Ele foi um ob-servador metódico e sistemático e a esta sua posturaestá ligada a sua tese da superioridade do  olho sobre a

mente, da observação atenta do muñdo real sobre os li-vros e as escrituras. Aqui está o seu limite (muitas ve-zes ressaltado, e com razão, por quem se opôs à ima-gem mítica de Leona rdo como cientista mode rno")mas também a sua irrepetível grandeza.

Os desenhos de Leonardo ficaram desconheci-dos. O primeira exemplar de xilografía usado parailustrar livres impressos com tipos móveis remonta aoano de 1461. A passagem das xilografías para'as gra-'vuras (entre as mais célebres aquelas de Dürer) e paraas águas-fortes (Rembrandt é um dos grandes artistasque usa esta técnica) leva a um refinamento progres-

sivo das ilustrações. Ò primeiro texto ilustrado de ana-tomia é o comentário à Anatomia  de Mondino de' Luz-zi (professor em Bologna no período de 1315 a 1318),

 publi cado em Bologna em 1521 po r Giácom o Be ren -gario de Carpi, âpós o qual seguem as Isagoges breves inanatomiam  (1523). Entre as numerosíssimas obras é prec iso lem brar sob re tudo o De dissectione partium cor- poris humani  (1545) de Charles Estienne (StephanúsRiverius). Mas as grandes e belíssimas tábuas anatô-micas, desenhadas para o "De humani corporis fabrica deAndrea Vesálio, superam em precisão e esmero qual-quer exemplo anterior de representação anatômica e

se tornaram, não injustamente, o símbolo de uma vi-rada radical nos métodos de observação da realidade.Por Vasari essas tábuas são atribuídas a Jan Stephanvan Calcar mas, em todo o caso, derivam da Escola deTiziano. Basta compará-las"com os desenhos anatômi-

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cos muito aproximativos dos manuscritos medievais para perce ber qu e na for ma de olhar é represe nta r ocorpo humano se realizou um salto qualitativo. A pro-

 pósi to, to rnou -se um lugar co mu m pôr em desta queuma coincidência de datas: a data de 1543 é o ano emque Copérnico apresenta a sua nova imagem do uni-verso e Vesálio oferece aos homens um novo retratodo corpo humano. Vesálio, que nascera em Bruxelasde uma família de médicos, estudara em Lovaina e emParis; em sua viagem a Itália e na estada em Veneza,em 1537, foi convidado a ensinar-ánatomia em Páduae sucessivamente deu atilas em Bologna. Em 1538 pu-

 blicara as seis táb uas anatô mic as, con hec idas pel onome de Tabulae sex.  Em 1543 foi pessoalmente a Ba-siléia para cuidar da impressão da Fabrica  e da  Epitome(também publicada naquele ano). Quando a sua obra-

 pri ma veio à luz ele ti nh a ap en as 28 an os de idade:"não me oculto o fato - escreve no Prefácio - de que

a minha tentativa, por causa da minha idade, terá pouca au torid ad e e nã o ficará sem críticas dev ido àfreqüente contestação dos axiomas galênicos que nãorespondem à verdade [...] a menos que a obra não saia

 proteg ida pel o patro cín io de alg uma div ind ade ". Defato, o nume protetor foi o Imperador Carlos V, áoqual o livro fora dedicado e que nomearia Vesálio mé-dico imperial. '

Vesálio segúe Galeno no plano das seções quecompõem a obra, na interpretação na nutrição, na afir-mação da importância maior do sistema venoso do quedo arterial. Pensa também, tal como Galeno, que as

veias tenham a sua origem do fígado. Todavia, aindano Prefácio, toma energicamente distâncias da tradiçãoafirmando que Galeno "não se apercebeu de nenhu madas diferenças múltiplas e substanciais entre o corpo-dos macacos e o corpo do homem, exceto a forma di-

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casos a novidade de ve ser vista mais nas ilustrações do ,que nos textos. Foi aplicado o máximo cuidado, escre-ve Fuchs no Prefácio, "para que cada planta fosse re- prese ntada c om a s suas raíze s, caule, folhas , flor es, se- -mentes e frutos; portanto, evitou-se deliberadamentemodificar a forma natural das plantas por meio de

sombras ou outras coisas não necessárias com as.quaisos artistas procuram por"vezes alcançar a fama". Pelomenos( neste caso, foi exercida alguma forma de vigi-lância: "não permitimos aos artistas atender aos seuscaprichos^ de tal forma a impedir que as reproduçõesnão correspondam exatamente à realidade" (Fuchs,1542: Prefácio). Os dois primeiros jardins botânicosuniversitários foram instituídos em Pádua e em Pisa aí pelo- ano de 1544.. Ju nt o com a aula de ana tomia,- as"hortas", nas primeiras décadas do século XVn, tor-nam-se elementos necessários para a respeitabilidadede uma universidade.

Bem menòs numerosas" são as obras enciclopé-dicas que tratam de zoologia. Entre as histórias "espe-ciais" de animais é preciso lembrar sobretudo (inclusi-ve pelas ilustrações)  La nature et diversité des poissons(1555) e  L'histoire de la nature des oyseaux  (1555) dePierre Belon; o tratado  De piscibus marinis  (1554) deGuillaume Rondelet e o maravilhoso tratado  Dell'àna--tomia et dette infermitadi dei cavallo do senador bolonhêsCarlos Ruihi. No campo das obras gerais o maior mo-numento da ..cultura do século XVI (junto com a obrade Ulisses Aldrovandi) é a  Historia animalium  de Kon-rad Gesner de Zurique, que teve uma vida breve, masloi médico e humanista e se ocupou (publicando inclu-sive livros) de botânica, de lingüística, de Alpes e alpi-nismo. Coni 29 anos de idade, em 1545, publicara uma Bibliotheca universalis  que era uma bibliografia dos li-vros impressos em latim, grego e hebraico. Os cinco

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volumes in folio da obra maior, aos quais devem seracrescentados os três volumes de ícones, foram publica-dos entre 1551 e 1558 (o quinto volume saiu póstúmoem 1587). Abrangem um total de aproximadamente4.500 páginas e mais de mil gravuras em madeira, obrade artistas dé Zurique. A célebre imagem do rinoceron-

te é tirada de Albrecht Dürer e é construída sobre ma-terial de segunda mão. Naquela ilustração (que servi-ria de modelo para todas as ilustrações do rinoceronteaté todo o século XVIII) cria a sugestão daquilo queDürer sabia a respeito do mais. célebre dos, animais"exóticos": o dragão coberto de escamas (Gombrich,1972: 98). Ao chifre sobre o nàriz, Dürer acrescentaraum pequeno chifre de forma espiral, bem atrás dasorelhas, na região das vértebras cervicais (que desapa-recèria das ilustrações somente em 1698).

Gesner, todavia, desconhece a anatomia com- parada . A classi ficação dos anima is está em ordem al-

fabética (o Hippopotamos é posto entre o Hippocampus ea  Hirudo  ou sanguessuga). Cada animal é descrito emcapítulos às vezes muito amplos (ao cavalo são dedi-cadas 176 páginas in folio, ao elefánte 33) subdividi-dos em seções (designadas por ufna letra). Nas váriasseções se trata respectivamente do nome do animal,nas várias línguas antigas e modernas, do seu habítat emorfologia, doenças, comportamentos, utilidade ecriação, bem como da comestibilidade (quando possí-vel), bem como da utilidade pára a medicina, da eti-mologia e dós provérbios.

 Na sua tese sobre as "ilustrações" e sobre os "li-

mites da semelhança com a realidade", Ernst Gom- bri ch ce rta mente tem razão qu an do afirm cTque um arepresentação já existente "exercerá sempre o seu in-fluxo sobre o artista mesmo quando ele quer fixar arealidade", "não sendo possível criar do nada uma

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O nascimento da ciência moderna na Europa Ct>i?as jaínais vistas

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imagem visual". Entretanto, como ele próprio ressal-tou e como consta de uma comparação entre as ima-gens de um leão e de um porco-espinho traçadas peloarquiteto gótico Villard de Honnecourt e a imagem deum coelho pintado em aquarela por Dürer, durante o

 pe rí od o de te mp o qu e vai do séc ulo XIV áo XVI acon - ,

teceu algo de decisivo. O "estilo" perdeu a sua rigideze "ap rendeu a se ad equar com bastante: elasticidade"aos sujeitos que caem sob o olhar (Gombrich, 1965:102-103). -Tal mudança teve efeitos certamente naosecundários inclusive sobre os desenvolvimentos dosaber científico.

NOV AS ESTRELAS '

Em 1609 Galileu Galilei apontava para o céu aluneta iniciando uma série de observações que seriam

 pu bl icada s em um pe qu en o liv ro co m 0 tí tu lo  Sidereus Nuncius,  editado em Veneza, no dia 12 de março doano seguinte. Galilei v/w. que a superfície da Lua "nãoé de modo algum lisa, uniforme e nem propriamentede forma esférica, como uma numerosa falange de fi-lósofos achaya a respeito dela e dos corpos celestes,mas, ao contrário, a sua superfície era desigual, esca-

 bro sa, che ia de cav id ade s e de sal iên cia s, po rt an to nã odiferente dq, que é própria face da Terra a qual se dife-rencia aqui por cadeias de montanhas e acolá por pro-fundezas de vales". Os limites entre as trevas e a luz serevelam desiguais e sinuosos, na parte tenebrosa daLua aparecem pontas luminosas que, após transcorri-do um certo tempo, juntam-se com a parte luminosa.Sobre a Terra não acontece o mesmo? Os Cimos maisaltos das montanhas hão são iluminados pela luz daaurorá, ao passo que a sombra ocupa as planícies? e,

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ao surgir do sol, as claridades das planícies e das mon-tanhas não acabam se juntando? A paisagem lunar

 po rt an to é co mo  uma paisagem terrestre.  A Terra temcaracterísticas que não são únicas  no universo. Os cor-

 po s cele stes , pe lo me no s no caso da Lua , nã o t êm um anatureza diferente, isto é, não possuem aqueles carac-

teres de perfeição absoluta que uma tradição milenaratribuiu a eles. E as estrelas são enormemente maisnumerosas do que aquelas que aparecem à "visão na-tural". O telescópio mostra um céu povoado de astrosinumeráveis, não só mas revela a complicada estrutu-ra das constelações já conhecidas, revelando a nature-za da Via Láctea: "aquilo que fói observado por nós emterceiro lugar é a essência, ou seja a matéria da ViaLáctea que, em virtude da luneta, é possível enxergartão sensivelmente a ponto de serem resolvidas, com acerteza que é dada pelos olhos, todas as disputas quedurante tantos séculos atormentaram os filósofos, e

nos livrou de verbosas discussões". A observação da pa rt e nã o lu mi no sa da su per fíc ie lu na r lev a Galil ei aconcluir que o esplendor da LUa é devido ao reflexoda luz .prov enien te da Terra, que por sua vez é ilumi-nada pelo Sol. Entre as estrelas fixas e os planetas serevela finalmente uma diferença substancial. As pri-meiras estrelas, observadas por meio da luneta, con-servam o seu aspecto de pontos luminosos rodeados

 po r "ra ios br il ha nt es" e pa re ce m nã o au me nt ar de ta-manho, como ao contrário acontece com os planetasque se apresentam como globos redondos e perfeita-mente delineados, semelhantes a pequenas luas. Por-tanto, a distância das estrelas fixas da Terra é incom-

 pa ra ve lm en te ma io r do qu e a dis tân cia qu e sep ara os pl an et as do glob o. ter re st re.

Em algumas páginas do  Sidereus Nuncius,  que.ainda hoje dão ao leitor a sensação de emoção que

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sempre acompanha a visão de uma nova realidade,Galilei expõe unía outra das suas descobertas funda-mentais. Na noite do dia 7 de janeiro ele observou, perto de Júp ite r, três pe qu en as estr elas mu it o b ril han-tes, duas a oriente e outra a ocidente do planeta; nanoite seguinte elas se apresentam numa posição dife-

rente, situando-se todas a ocidente; no dia 10 duas dasestrelas estão a oriente, a terceira está como que ocul-tada pelo planeta; no dia 12, após duas horas de ob-servação, Galilei assiste ao aparecimento da terceiraestrela e no dia 13 aparecem quatro estrelas: são asluas ou os satélites de Júpiter (hoje são denominadosIo, Europa, Ganimedes e Calixto) que, em homena-gem a Cósimo II de' Medici, Galileu denominou "es-trelas medicéias".

O caráter revolucionário.das descobertas deGalileu não deixou de ser captado pela percepção doscontemporâneos. Em um poema dedicado ao "princi-

 pé" dos ma temáti cos do nosso século", Jo ha nn es Fá- ber afi rni áva qu e Vespucci e Col omb o, navegado resem mares-antes desconhecidos, deviam reverenciarGalilei que deu ao gêne ro hum ano' novas constela-ções. Tal comparação com as grandes descobertasgeográficas e com as viagens no Novo Mundo retor-na várias vezes. William Lower, na Inglaterra, escre-ve ao seu amigo Thomas Hariot que Galilei realizou,com as suas descobertas,' algo mais importante do quefez Magalhães que também abriu aos homens viasantes inexploradas. Em 1612, em üma obra dedicadaà descrição do mundo intelectual do seu tempo, Fran-

cis Bacon parabeniza "a indústria dos mecânicos,como também o zelo e a energia de certos homens" cultos que, pouco tempo antes, com a ajuda de novosinstrumentos óticos, ou usando chalupas e pequenasembarcações, começaram a ensaiar novos intercâm-

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 bios com os fenô me no s do céu". O seu em preend i-mento, continuava, deve ser considerado "algo nobree digno da raça humana e aqueles homens devem servalorizados, mais ainda do que pela sua coragem,

 pel a sua ho nesti dade , po rq ue , com tra nsp arên cia ecom clareza, deram sucessivamente conta da forma

em que a eles resultava cada ponto particular da sua" pesquisa". O Lord Chancelliere, apesar de não ter

aceito a cosmologia de Copérnico, era um grande fi-lósofo. Entretanto, bem diferente foi com certeza aatitude de Sir Henry Wotton, que também era umhomem de ampla erudição e de fina cultura, embai-xador inglês em Veneza. De fato, no mesmo dia da pub licação do Sidereus Nnncius  envia o livro áo seu rei,com a promessa de enviar-lhe logo uma luneta e com

 palav ras qu e dão a exata sen sação da revoluç ão qu ea obra de Galilei trouxe nos quadros tradicionais douniverso: "Envio a Vossa Majestade, junto com esta

carta, a mais estranha notícia que jamais tenha apa-recido no mundo. Trata-se do livro aqui anexo do pro fes sor de ma tem át ica de Pádua [...] . Este fu lanosubverteu toda a astronomia e toda a astrologia [...].O autor poderá ficar imensam ente famoso, ou tornar-se extrem amente ridiculizado". i

 Na verdade, nã o fal tar am as polêmicas ásperas,as rejeições tenazes, as obstinadas manifestações deincredulidade. Tais reações decorriam sobretudo dosambientes da cultura acadêmica ligada às posições doaristotelismo. O célebre Cremonini, amigo e colega deGalilei em Pádua, não acredita que Galilei tenha vistocoisa alguma, e protesta contra tais "óculos" que "bes-tificam a cabeça" e repreende Galilei por ter entrado

:"em todas estas girándolas". Em Bologna, o astrôno-mo Giovanni Antonio Magini assume uma postura dehostilidade e de malevolência. Quando em abril de

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1610 Galilei vai. a Bologna pa ra tent ar conv ence r osestudiosos a respeito da verdade das suas descobertas,Mar tin o Horlci, que em seguida se torna rá um. adver -sa rio violento, escreve ao grande Kepler: " experim en-tei de mil mane iras tal inst rum ent o de Gálilei, -querrias coisas inferiores quer nas superiores; nas primei-

ras faz maravilhas, liias falha no céu porque as estre-las fixas.aparecem duplicadas".Mais tarde viria o reconhecimento de Kepler, e,

depois de uns - primeiros desen tendi mento s iniciais,também a adesão dos Jesuítas romanos. Galilei vence-ra, porque para convèncer os próprios Jesuítas, obsti-nados irredutíveis, e pára reduzir ao silêncio aqueles

 pr ofess or es qu e ne ga va m as mo nt an ha s na Lu a ou àexistência dos satélites de Júp ite r por razões lógico-matemáticas, não teria sido süficiente, como ele escre-veu mai s tarde> "o tes té mu nh o das próp rias , estrelasq.ue descidas na Terra falassem de si mesmas". A rea-lidade do universo tinha sido ampliada pelo uso deuni instrumento mecânico que era capaz de ajudar os

. sentidos do homem, -aperfeiçoando e apurando a suacapacidade. As observações astronômicas de Galileinão marcavam somente o fim de uma visão do mun-do. Para os contemporâneos elas pareciam também oato de nascimento de um novo conceito de experiên-cia e de verdade. A "certeza propiciada pelos olhos" ti-nha quebrado o círculo sem fina das disputas.  1

DOMÍNIOS DESCONHECIDOS PELA VISÃO

O fascínio despertado pelo pequeno e pelo infini-tame nte pe que no Com, certeza não foi menor, nos sé-culos XVII e XVIII, do que aqüele despertado pelo

 grande,  constituído pelas distâncias sem limites e pela

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infinitude do universo. A concepção da naturezacomo um  plenum fórmarum,  como uma infinita hierar-quia de formas, ou comcruma escada do Ser total e in-finitamente graduada (que é uma das grandes idéias-força da cultura filosófica destes dois séculos), de persi parecia implicar a existência de realidades miúdas e

invisíveis, forçosamente não perceptíveis pelas capaci-dades limitadas do olho humano. Para Henry Power,que em 1664 publica uma  Experimental Philosophy,Containing, New Experiments Microscopical, Mercurical,

 Magnetical   as "novas descobertas da dioptria" ecoamcomo uma confirmação da tese de que os corpos mais

 pe qu en os qu e so mo s cap azes de ve r a ol ho nu são so-mente "os médios proporcionais" entre dois extremosque escapam aps sentidos. Também a idéia de que anatureza seja explicável por meio de um exame da suaestrutura corpuscular ou molecular implica o interes-se por instrumentos capazes de ampliar o campo de

 po ssibil ida des qu e a na tu re za co nc ed eu aos sen tid os .Os habitantes da Nova Atlântida de Francis Bacon(1627) possuem ajudas para a visão melhores do queas lentes e os óculos "para ver distinta e perfeitamen-te os corpos mais miúdos, como as formas e as coresde pequenos insetos e veriries, a granulação e as es-trias das gemas e as composições da urina e do sangue,invisíveis de outro jeito" (Bacom 1975: 861).

 Na his tór ia do micro scó pio e das su as rel açõ escom a ciências não existe nenhuma /data dramática,comparável com aquela de 1609 relativa ao telescó-

 pio . Tal i ns tr um en to , co mo foi res sal tad o vár ias vezes,exerce a sua ação no interior de uma ciência consoli-

dada, qu e tem uma antiga e firme tradição. Q micros-cópio, ao contrário, está no começo de um longo pro-cesso que leva à constituição de novas ciências. Naverdade, a histologia e microbiologia iriam se afirmar

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das ilustrações eram evidentes desde quase um séculoe meão atrás, mas a primeira geração dos microscopis-tas ficara quase insensível a este assunto. As 32 tábuasesplêndidas da  Micrographia  (utilizadas ainda nos ma-nuais do século XIX) revelaram o que podia ser feitoneste cam po (Hall, 1976: 13). .

Pontas de agulhas, pulgas, moscas, formigas, pio lhos: mai s do qu e obj eto s nã o observado s po r ou -tros, Hooke descreveu aquilo que viu por meio do mi-croscópio, com uma exatidão e uma paixão pelo deta-lhe não costumeiros na sua época. O invólucro exter-no do olho da mosca é flexível e transparente e se as-semelha com a substância da córnea de um olho hu-mano. Após. tirar o bulbo, a substância escura e a mu-cosa que está debaixo "pude ver tal invólucro transpa-rente como um fragm ento sutil de pele, possuindomuitas"cavidades no interior, situadas na mesma or-dem das protuberâncias externas". Não há como duvi-

dar que este curioso aparelho seja o órgão da yisão dasmoscas dos crustáceos (Hooke, 1665: Prefác io). Nodecurso da décima oitava observação que é intitulada"Ç   esquematismo (que é um termo usado por Bacon)ou tecido da cortiça e sobre as células  (cells)  ou porosde out fos corpos porosos", em analogia com as celas dofavo das abelhas, é usado pela primeira vez õ termo cé-lula.  Todavia, a partir desta base, nao tem qualquersentido atribuir a Hooke a descoberta da célula.

Hooke que é um cientista que segue a concep-ção de Bacon, insiste longamente sobre o tema da am-

 pli ação do cam po dos sen tidos. O tele scópio abriu oscéus para o olhar, revelou "um vasto número de estre-'las novas e novos movimentos que eram totalmentedesconhecidos aos astrônomos antigos". Ao mesmotempo, tamb ém a Terra, • outror a familiar, agora nos parece um a coisa nova e obser vamos em cada sua

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 par tícula de matéria "u ma varie dade tão gran de decriaturas coma aquelas que antes teríamos podidocontar no universo inteiro"^ Os novos instrumentos

 pe rmit em ex am inar tant o o mu ndo visível, comotambém descobrir mundos desconhecidos: cada aper-feiçoamento considerável do telescópio e-do microscó-

 pio "produ z novos* mu nd os e terra s des conhe cid as para a nos sa visã o" (ibid: 177-7 8). Nò decorre r de alg umas sessões da Roy ai So-

ciety, no ano de 1677, Hooke fez a leitura de uma car-ta de 17 páginas que fora enviada àquela ilustre Aca*demia por Antony van Leeüwenhoeck. O autor dascartas não era um filósofo naturalista nem pertenciaao mundo dos letrados. Empregado na função de con-tínuo junto ao tribunal de Delft (uma pequena cidade^situada no sul da Holanda) construíra-sozinho paraseu uSo várias centenas de pequeníssimas lemes bi-convexas de curto comprimento focal e pequenas es-

feras de vidro fundido (com diâmetro inferior a 2,5mm) que, inseridas em uma armação metálica, fun-cionavam como simples microscópios. Em virtude dasua maravilho sa habilidade dfe ótico (n este século 'umade suas lentes sé revelou superior a qualquer outralente simples conhecida) e impelido por uma insaciá-vel curiosidade, Leewenhoeck realizou'Observaçõessobre os espermatozóides e sobre os glóbulos verme-lhos do sangue, detectando protozoários e bactérias.

Em setembro de 1674, observando o movimen-to daqueles animais microscópicos presentes em umagota de água, pareceram-lhe "velozes e maravilhososde se ver e penso que algumas destas pequenas cria-

turas sejam mil vezes mais pequenas do que eu tenha'visto em uma casca de queijp ou em um mofo". Tam-

 bé m no int er ior do corpo hum an o ele des cob riu qu evivem pequenos animais. Em outubro.de 1676 são

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descritos os protozoários: "é exatamente como ver, aolho nu, pequenas enguias qufe se contorcem umacontra a outra e toda a água parece viva por estes vá-rios animaizinhos; e esta é para mim, entre todas asmaravilhas que observei na natureza, a mais maravi-lhosa de todas".

O NOVO MUNDO

"En las índias - escreve José Acosta - todo es po rt en to so , to do es so rp re nd en te , to do es di sti nt o y enescala mayor que Lo que existe en el Viejo Mundo".Também Cristóvão Colombo e Fernão de Magalhães eos outros inumeráveis viajantes e navegadores no co-meço da era moderna, viram com os próprios olhos -como mais tarde Galilei, Hooke e Leeuwenhoeck -coisas jamais vistas antes. Inclusive a visão de novas

terras contribuíra para pôr em crisè a idéia da superio-ridade dos antigos. Simples marinheiros - afirmammuitas pessoas - são capazes de  enxergar   o contráriodaquilo que filósofos gregos e até mesmo Padres daIgreja afirmarafn a respeito da habitabilidade das re-giões tórridas, da existência das Antípodas, da navega-ção nos Oceanos e da impossibilidade de transpor ascolunas de Hércules.

 No No vo Mu n do se en co nt ra m pl an ta s des co-nhecidas (milho, mandioca, batata, feijão, tomate, pi-mentão, abóbora, abacate, ananás, cacau, tabaco, se-ringueira) e animais nunca vistos antes (peru, lhama,lince, puma, condor, jaguar, anta, alpaca, jacaré). Des-crições de novos animais e novas plantas se encon-tram na  Historia generaly natural de las índias  (1526) deGonzalo Fernández de Oviedo y Valdês que foi pormais de quarenta anos inspetor da extração do ouro

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em Santo Domingo. Eth documentos e em mapas doinício do século XVI o novo continente é povoado deunicórnios, cinocéfalòs e homens com os olhos, o na-riz e a boca situados no peito; Oviedo renuncia à des-crição de seres monstruosos e de entidades imaginá-rias. Pensa que existe uma única natureza que ássüme

diferentes formas nas diversas partes da Terra: plantas.nocivas em uma parte do mundo são benéficas na ou-tra parte, os homens podem ser brancos ou pretíssi-mos e os tigres, ágeis e rápidos no nosso continente,"são tórpidos e pesados na índia de Vossa Majestade".Também o jesuíta José Acosta, na  Historia naturaly mo-ral de las índias  (1590), descreve as características dosolo, os minerais, os vulcões, os metais, as plantas, osanimais, os peixes e os pássaros. O Novo Mu ndo é po-voado de "aniitnais em número e aspecto jamais co-nhecido, dos quais não têm memória nem os gregos,nem latinos, nem qualquer outro povo do  mundo deacà".  Sobre os mesmos assuntos se detém também o

 br ev e esc rit o in ti tu la do  ABriefe and Troue Jieport ofthe New Found Land of Virgínia  (1588) de Thomas Hariot,um dos maiores matemáticos do seu tempo, admira-dor de Galilei e correspondente de Kejpler. Na Itália,Federico Cesi iria adquirir o manuscrito do assim cha-mado  Tesoro messicano  ou  Rerum medicarurn Novae His-

 paniae thesaurus,  uma coletânea monument al de botâ-nica e zoologia exótica baseada no relatório de Fran-cisco Hernández, médico de Filipe n. Depois de váriasvicissitudes editoriais, o livro seria publicado por Fran-cisco Stelluti em 1651. ' ~

Acosta se detivera longamente também à res- pe it o d os h om en s d o N ov o M u n do e s ob re os seu s cos-tumes. O seu livro, traduzido em inglês (1604), italia-no (1606) e holandês (1624) fica no centro de umaamplíssima discussão que envolve a cultura européia

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a partir de meados do século XVI até a época de Vico.Tal discussão diz respeito a algumas perguntas às quaisnão era fácil dar uma resposta. Como conciliar a nar-ração bíblica com a presença de homens num lugartão distante do centro da religião hebraica e cristã? Ossilvícolas americanos são descendentes de povos ou-

trora civilizados e mais tarde decaídos na barbárie? Ouhá várias origens para os diversos povos e os seres hu-.manos apareceram simultaneamente nas várias re-giões da Terra? Como se justifica a filiação direta detodos os homens a partir de Adão? O dilúvio univer-sal atingiu todas as regiões da Terra? Ou, ao contrário,o dilúvio foi só um cataclismo local? E, neste caso, áhistória narrada pela Bíblia não se reduz apenas à his-tória de üm povo particular? Não se limita/portanto,à narração de uma crônica local? Como se explica aexistência de uma natureza diferente daquela que nosé familiar? Como entraram na Arca de Noé os animais

do Novo Mundo, e como saíram dela? Por que ne-nhum exemplar desses animais sobrevive no VelhoMundo? Ou devemos pensar que Deus, após os seisdias da criação, continuou a criar aqüèlé mundonovo? Sobretudo: como chega ram aó Mundo Novo oshomens do Velho Mundo?

 Freethinkers, espritsforts e libertinos de vário ma-tiz e naturez a se serviram amp lame nte da descobertado Novo Mundo para levantar dúvidas sobre a valida-de da narração bíblica e para apresentar aquele tipo deteses ímpias a que se fazia referência, no fim do sécu-lo XVII e no sédilo XVIII, qualificando-as como lucre-cianas, espinosistas e materialistas. Jerônimo Cardano

chegou a afirmar implicitamente a tese de uma gera-ção espontânea dos homens da matéria. O aristotélicoAndrea Cesalpini sustentara explicitamente que "to-dos os animais, inclusive o homem, podem ter tido

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origem da matéria em putrefação". ísso, a seu ver, po-dia ter-^e realizado mais especialmente em lugares,como o Novo Mundo, de clima tórrido é de vegetaçãoexuberante. Para Giordano Bruno, a presença de ani-mais e homens no Novo Mundo não constituía um problema. Ao con trá rio , era a pro va de qu e cada ter ra prod uz toda espécie de anima is. Atr ibuir a os America-nos uma geração de Adão é absurdo "e na verdadenão hoúvé somente um primeiro lobo oü leão ou boido qual todos os lobos e leões e bois foram gérados e.

 pro pagados po r tod as as ilha s, mas em tod a a pa rt e aterra produziu cada coisa desde o princípio". A dispu-ta entre os defensores do polígenismo e os que afirma-

r a m o mono gen ismo (Acosta está entre eles) era des-tinada a clamorosos desenvolvimentos.

Paracelso negara aos Americanos caractereshumanos. Assim como os gigantes, os gnomos, asninfas, "eles. são semelhantes aos h omen s em tud oexceto na alma". São "como as abelhas, que têm umseu rei; como os marrecos selvagens, que têm umchefe; e não vivem conforme a ordem das leis huma-nas, mas segundo as leis da natureza inata". Tambémo humanista Juan Ginés de Sepúlveda, entre muitosoutros escritores, filósofos e viajantes, apresentara osindígenas americanos como uma sub-espéçie de ho-mens, capazes de todo tipo de "malvadezas abominá-veis". Entretan to, são radicalmente diferentes as afir-mações contidas em uma célebre página dos   Essais(1580) de Michel de Montaigne que faz referência àstribos brasileiras: para julgar os povos não europeusnão é possívél nem lícito adotar o ponto de vista eu-

ropeu e cristão. A humanidade se exprime em umavariedade infinita de formas e "cada um chama bar-

 bárie aq ui lo qu e nã o está no s seu s costu mes" (Mo n-taigne, -1970:272 ). •

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As discussões sobre o "selvagem bom" e sobre o"selvagem mau" se entrelaçaram com as vicissitudesda biologie e do pensam ento político. Até Buffon, be mcomo até o abade Corneille de Pauw e os românticos,no que diz respeito ao continente americano, conti-nua-se a afirmar, naquela discussão, o caráter "dege-

nerado", "decaído" ou em todo o caso "inferior" da na-tureza do Novo Mundo. A fauna que o povoa, escreve-ria Hegel na  Philosophie der Geschichte,  tem um aspectomeno r, mais"fraco e mais tími do. <

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capítulo'5

UM NOVO CÉU

COPÉRNICO V

O astrônomo polonês Niklas Koppernigk(1473-1543)- latinizou o seu nome para  Copernicus.Aquele nome, na era moderna, tornou-se o símbolode uma grande" virada do pén samen tó e o ato de nas-cimento de uma nova época e de uma revolução inte-lectual. Como foi ressaltado várias vezes, Nicolau Co-

 pé rn ico nã o as su mi u, ne m na su a v id a e n em ta mp ou -co nas suas obras, qualquer atitude revolucionária.

Como bom humanista, considerou que á própria pos-sibilidade de u m nov o mét odo de, cálculo dos movi-mentos das esferas celestes (capaz de pôr um fim àsincertezas dos astrônomos) fosse preciso buscá-la nostextos filosóficos antigos. Por isso, apresentou a suadoutrina como uma tentativa de fazer reviver as anti-gas teses de Pitágoras e de Filó. Por isso ele foi extre-mamente cauteloso e hesitante. Ficou muito preocu-

 pa do co m rel açã o ao "d esprezo " qu e a su a es tr an ha einusitada doutrina sobre o movimento da Terra podiadespertar no mundo dos eclesiásticos e dos professo-res. Por esta razão ele escreveu a süa obra maior, o tra-tado  "De revolutionibus orbium coelestium  (1543), émconstante paralelismo com o  Almagesto  dè Ptolomeuseguindo-o livro após livro e seção por seção, a pontode Kepler comentar a seu respeito que ele, mais doque interpretar a natureza, interpretara Ptolomeu.

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O nascimento dá ciência moderna na Europa Um novo céu

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Copérnico nascera em Torun (em alemãoThorn) à margem do rio Vístula, em uma cidade queem 1466 passara sob a soberania do Rei da Polônia. Fi- .lho de um comerciante, foi adotado por um tio mater-no, que mais tarde foi nomeado bispo de Warmja.Após completar os estudos na universidade de Cracó-

via foi incentivado pelo tio a passar uma temporadanas universidades italianas. Por isso o seu nome cons-ta registrado; em 1496, nos catálogos da   Natio Germa-norum  da universidade de Bologna onde, ãlém de alu-no, foi bastante amigo do astrônomo Domênico Maria

. Novara (1454-1504). Em 1500 passou por Roma e, noano seguinte,, voltou à sua pátria para tomar posse docabido de Frauemburg. Mas no mesmo ano voltou para a Itália , est abe lecendo- se pri meiro em Pádua,onde continuou a estudar jurisprudência e medicina

 po r qu at ro ano s, e a seguir" em Fer rara on de con se-guiu o doutorado em direito canónico. Em 1506, após

nove anos de-permanência na Itália, regressóu a Polô-niaxcomo secretário e médico junto do tio. Após o fa-lecimento deste, em 1512, estabeleceu-se em Frauen- bu rg on de pe rm an ec eu p or mai s de tri nta ánós, traba-lhando, até ã morte na sua obra-prima. .

 No perío do en tre 1507 e 1512 (os especiali stas•porém têm opiniões contrastantes a respeito destasdatas), Copérnico redigira o tratado  De hypothesibusmotuum coelestium commentarius  que, no texto manus-crito, foi conhecido por muitos. Nele erám apresenta-das as sete petitiones que deviam dar Júgar a uma novaastronomia.

1) Não existe somente um centro de todos os

corpos celestes ou esferas (quer dizer: ao contrário da-quilo que afirmava Ptolomeu, existem dois centros de

' rotação: a Terra que é o centro de rotação da Lua e oSol que é o céntro de rotação dos outros planetas).

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x -

2) Q centro da Terra não coincide com o centrodo universo, mas somente com o centro da gravidádee da esfera da Lua (tal  petitio  abria de novo o proble-ma de uma explicação da gravidade) .

3) Todas as esferas giram ao redor do Sol (que, po r conse guint e, é exc êntri co com rel ação ao, cent ro

do universo).4) A relação entre a distância Terra-Sol e á altu-ra do firmamento é menor do que a relação entre oraio terrestreie a distância Terra-Sol. Tal distância, po r-tanto, é imperceptível em relação à altura do firma-mento (se o universo tem dimensões tão'grandes, omovimento da Terra hão causaria um movimentoaparente das estrelas fixas).  x

5) Todos os movimentos que aparecem no fir-mamento não derivam de movimentos do firmamen-to, mas do movimento da Terra. O firmamen to perma-nece imóvel, enquanto a Terra, junto com os elemen-tos que estão mais próximos a ela (a atmosfera e aságuas da súa superfície) realiza uma completa rotação^sobre os seus pólos fixos em um movimento diurno.

6) Aquilo que nos aparece como movimentos doSol não deriva do movimento do próprio Sol> mas domovimento da Terra e da nossa esfera junto â qual(como qualquer outro planeta) nós giramos ao redor doSol. A Terra, portanto, tem mais de um movimento.

7) O aparente movimento de retrocesso e d|ire-to dos planetas não deriva do seu movimento, mas domovimento da Terra. O movimento da Terra sozinha ésuficiente para explicar todas as desigualdades queaparecem no céu (os assim chamados "movimentos

de retrocesso" dos planetas se tornam  movimentos apa-rentes, posto que dependem do movimento da Terra).

 Nesse me io temp o Copérni co en tre gara ò vol u-moso manuscrito do tratado De revolutionibus ao jovem

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O nascimento da ciência moderna na EuropaUm novo céu

plicado coloc and o o pla neta em m epicick) C jo cen

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Georg Joaquim Rheticus (1514-76, o nome verdadei-ro era LaUschen latinizado por Rheticus para indicar a pro veniê ncia da antiga pro vín cia ro ma na da Recia).Discípulo e admirador de Copérnico, em 1540 Rheti-cus publicou a famosa Narratio prima que,  junto a umasérie de considerações astrológicas sobre a queda do

Império Romano, bem corrio sobre o nascimento doImpério Muçulmano e a segunda vinda de Cristo,contém/ uma exposição cristalina da cosmologia co-

.pernicana. Por meio deste escrito qüe, deixando de seranônimo, foi reimpresso em Basiléia no ano seguinte,o mundo dos letrados teve uma noção mais ampla dasidéias e da grande obra de Copérnico.

 Na süa exp osiç ão Rhe ticus insist ia, com mu it aenergia, em afirmar a maior simplicidade e harmoniado sistema copernicano em comparação com o siste-ma ptolemaico. Todos os movimentos dos planetas po-dem ser explicados mediante o movimento uniforme,

do globo terrestre. Se o Sol for colocado .no centro do• univers o e a Terra girando ao redor dele como um cor- po exc ênt rico ou um un iver so mai or, a verda deiracompreensão das coisas celestes passa a depender so-mente dos movimentos regulares e uniformes  dogloboterrestre.  Por que Copérnico não devia adota r a con-veniente teoria" do movimento terrestre? Adotandotal hipótese, para a construção de uma ciência exatados fenômenos celestes "bastava somente a oitava es-fera imóvel, o Sol sendo ele também imóvel no centrodo universo, e para explicar os ^movimentos dos ou-tros planetas eram suficientes combinações de epici-clos e excêntricos, de excêntricos e excêntricos, deepiciclos e epiciclos" (Rheticus, 1541: 460-6 1). A atri-

 buição do mo vi ment o à Terra permi tia reaf irmar a cir-cularidade dosvmovimentos celestes. Enquanto no sis-tema tradicional o movimento de retrocessão era ex-

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 plic ado coloc and o o pla neta em um epicick) Cujo cen-tro girava por sua vez ao redor da Terra sobre o epici-clo diferente do pla neta, n o. novo sistema os plane tasse movem em um movimento contínuo e todos namesma direção. As irregularidades dos seus movimen-tos são atribuídas ao ponto de vista, diferente a cadamomento, do observador situado sobre à Terra emmovimento.

Como narra a tradição, o livro De revoliitionibus, pub licado em ma io de 1543, foi lev ado ao . leito de.morte de Copérnico. Nas páginas da  Dedicatória,  talcomo já fizera Rheticus, Copérnico insistia sobre amaior simplicidade e harmonia do Sistema.-Ele con-trapunha o novo sistema ao antigo insistindo a respei-to das desavenças, incertezas e contradições dos segui-dores da tradição. - '

A revolução copernicana não consistiu em umaperfeiçoamento dos métodos da astronomia, riem emuma descoberta de novos dados, mas sim na constru-

ção de" uma cosmologia nova baseada nos próprios da-dos  fornecidos pela astronomia de Jtol ome u. Alémdisso, tal cosmologia está íortfemente ligadà a algumasteses fundamentais do aristotelismo: o universo co-

 pe rnican o é pe rf ei tament e esfé rico e fini to; a esferici-dade a que convergem todos os corpos constitui umaforma perfeita e é uma totalidade fechada em si mes-ma que é atribuída justamente aos corpos divinos; omovimento circular das esferas cristalinas deriva dofatò que a mobilidade própria da esfera consiste em semover em círculo (mobilitas sphaerae est in circulum vol-vi), a condição de imohilidade do Sol (que, cóího o céu

das "estrelas fixas, é imóvel) deriva da sua n ature za di-vina, quer dizer, a sua centralidade decorre do fatoque esta "lanterna do mundo" chamada por outrostambém de "mente e reitor do universo" está situada

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V .O nascimento da ciência moderna na Europa

l lh d d " d il i d i i

Um novo céu

M it l t f d t i ti

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no lugar melhor de onde "pode iluminar cada coisa si-multaneamente" (Copérnico, 1979: 212-13).

A simplicidade do novo sistema, no entanto,era mais aparente do que real: para justificai' os dadosdas observações, Copérnico foi forçado, em primeirolugar, a não fazer coincidir o centro do universo com

o Sol (o seu sistema foi chamado de  heliostático, ao in-vés de  heliocêntrico), mas com o ponto central da ór- bit a ter res tre ; em segund o luga r, foi obrigado a in tro -duzir de novo, como em Ptolomeu, uma série de cír-culos girando em torno de outros círculos; e finalmen-te atribuir à Terra (além do movimento de rotação aoredor do seu eixo e de translação ao redor do Sol) umterceiro movimento de declinação  (declinationis motus) para jús tifi car a inv ari abi lidade do eixo ter res tre comrelação à esfera das estrelas fixas.

A revolução copernicana tinha como caracterís-tica o seguinte: não se limitava a contrapor algumasteses novas às teses tradicionais, más conseguia real-mente substituir Ptolomeu, isto é, melhorar o tratado Almagesto  tanto no plano dos cálculos como tambémna construção dos mapas planetários. Os novos ma-

 pas, con hecid os como  tábuas pruténicas  (1551), elabo-radas por Erasmo Reinhold (1511-53) a partir de ba-ses copernicanas, foram acolhidos inclusive por adver-sários ferrenhos do novo sistema do mundo, e o pró- prio Rei nhold jam ais foi coperni capo. O sist ema apre-sentado no tratado De revolutionibUs era funda do sobreuma refinada matemática pitagórica que podia serapreciada pelos astrônomos profissionais. De fato, para alg uns d eles a qu ele sist ema nã o só ap areceu mai s

simples e harmonioso do que o anterior, mas tambémmais de acordo com o pressuposto metafísico (que Co- pérni co ma nt ém be m coeso) da perfe ita circ ula rida dedos movimentos celestes.

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Muitos elementos fundamentais que consti-tuem aquele grandioso fenômeno que nós denomina-mos de "revolução astronômica" (eliminação dos cor- pos excênt ricos, dos epicic los, da rea lid ade das esfe rassólidas, è a questão da infinidade do universo) são to-talmente ausentes em Copérnico. Todavia existem li-

vros que, sem sé apresentarem cõmo revolucionários, provocam gra ndi osa s rev olu çõe s int ele ctu ais . Tal fo i ocaso de Copérnico, como seria também aquele de Dar-win. Eles sãolidos, ainda que de maneira incómpleta, pô r um nú me ro cada vez maior de nã o especial istas .Atingem não só o intelecto, mas a imaginação dos ho-mens, eliminando velhas e consolidadas respostas eabrindo uma quantidade de novos problemas. No casode Copérnico, eles eram os seguintesí o que é a gravi-dade e por que os corpos pesados caem sobre a super-fície de uma Terra em movimento? O que move os

-planetas e como eles são mantidos nas suas órbitas?Qual é a extensão do universo e qual é a distância en-tre a Terra e as estrelas fixas? Mas, além desses proble-mas, abriam-se outros novos não apenas no domíniodas ciências. A admissão do movimento terrestre e aaceitação do novo sistema implicavam não só uma re-viravolta da astronomia e da física e a necessidade deuma sua reestruturação, mas também uma modifica-ção das idéias a respeito do inundo, bem como umanova avaliação da natureza e do lugar do homem nanatureza. Na verdade, em qualquer sistemó cujo equi-líbrio é instável (e tal era sem dúvida a astronomia nos

^tempos de Copérnico) existem pontos problemáticos,que não podem ser tocados sem que desmorone o in-

teiro sistema. O movimento da Terra era um destes po ntos .

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O nascimento-da ciencia moderna na EuropaUm novo céu

oposição com a teologia; "Copérnico habilidoso na

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O MUNDO.SE DESPEDAÇOU

Já em 1539, em um dos Discursos à mesa,  Luterofaz referência a "um astrônomo de quatro vinténs"que sustenta que a Terra se move e pretende subver-ter toda a astronomia, colocando-se em contraste com

o texto das Escrituras" ond e se diz que Jo sué or deno uao Soí, e não à Terra, para deter-se. Seis anos depoisda publicação da obra-prima de Copérnico, Filipe Me-lanchton, rio tratado  Initia doctrinae physicae,  retrucaque aqueles que acreditam que a oitava esfera e o Solnão g iram ao redor «da Terra suste ntam ar gumen tosímpios e perigosos, contrários à honestidade e à de-cência, Calvino, sem nunca citar Copérnico, reafirma-,va porém energicamente o valor literal das Escrituras.

 Na ve rd ad e, di scu tiu- se mu it o a re sp ei to da po st ur a do s pr ot es tant es e cató licos di an te do Cop erni -canismo. Uma das léndas historiográficas mais difusas,

é aquela que afirma a indiferença substancial tanto daCúria Romana como também dos teólogos escolásti-cos com relação ao problema. Somente três anos de-

 po is da mo rt e de Co pér nico , em 154 6, o do mi ni ca noGiovanni Maria Tolosani, ligado a Bartolomeu Spina,mestre do Sagrado Palácio e na ocasião porta-vo z qua-se oficial das reações da Cúria, tomava energicamente

 po siç ão co nt ra o no vo si ste ma no tr at ad o  De veritateSacrae Scripturae (qu e ficou inédito até 1975). O coper-nicanismo, na opinião de Tolosani, tem um defeitoconstitutivo e essencial: viola o princípio fundamentale irrenunciável da  subalternatio scientiarum  com baseno qual "uma ciência inferior necessita da ciência su-

 pe rior ". Não se tr ata, po rt an to , de um a qu es tã o de po uc a re lev ân cia . Poi s a pr imei ra da s ciên cias , a t eo lo -gia, oferece ao cosmólogo uma descrição da estruturafísica do .universo e nenhuma ciência pode estar em

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oposição com a teologia; Copérnico, habilidoso naciência matemática e astronômica, é deficiente riasciências físicas e dialéticas, e é incompetente nas Escri-turas". Ó texto de Tolosani seria lido com cúidado porum outro dominicano, Tommaso Cactíni, cuja violen-ta tomada de posição, expressa no sermão de 20 dedezembro de 1614 na igreja de Santa Maria Novella,está nas raízes da condenação de 1616 que declarava"tola e ábsurda em filosofia e form almen te herética" ateoria de Copérnico. Na  Dedicatória  a Paulo III, Copér-,nico tinha invocado a sua autorização e o seu juízo

 pa ra qu e "im ped iss e o at aq ue do s ca lu niad or es, ap esarde ser proverbial o fató de não haver nenhum remé-dio contra a calúnia dos maledicentes" (cf. Camporea-le, 1977-78; Garin, 1975: 283-95).

Entretanto, com o passar do tempo, as calúniasse tornariam muito numerosas, mas, como sempreocorre diante do novo, não faltaram também adesõescautelosas de especialistas, ferv èntes entu siasmos ape-sar de tecnicamente pouco abalizados, como tambémrejeições irritadas e, sobretudo,^ manifestações de de-sorientações e de incertezas.  D  tratado  De revolutioni-bus  foi reeditado em Basiléia em 1550 (treze lanos apósa primeira edição) trazendo em apêndice a 'Narratio

 prima  de Rheticus que era o texto que melhor sérviaaos leitores não especializados para enten der ò signifi-cado do novo sistema do mundo. As Tábuas pruténicasde Reinhpld (1551) foram revisadas e ampliadas em1557. No ano anterior fora pubjicado em Londres o li-vr o  The Castle of Knowledge   do médico e matemáticoRobert Recorde (1510 ca. 1558). No diálogo entre um

Mestre e um Alunó, o primeiro afirma ser prematurodiscutir a respeito do movimento da Terra, conside-rando que a idéia da sua imobilidade penetrou tão for-temente nas mentes a ponto de fazer parecer louca a

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tese oposta; o aluno porém nega que as opiniões-acei-tas por muitos sejam sempre verdadeiras.

v  Os astrônomos, todavia, foram em geral mui tocautelosos. Com a exceção dos dois grandes nomes,Kepler e Galilei, eles rejeitaram a própria idéia de uma

, declaração relativa à superação do sistema de Ptolo-meu. Depois do sucesso dos novos mapas, predomina-va entre os astrônomos a atitude de Thomas Blunde-ville que, em 1594, chegou a afirmar que, mediante aajuda de uma falsa hipótese, Copérnico'conseguira tra-zer demonstrações mais exatas do que jamais foi feitoantes. Michael Mastlin (1550-1630), professor de as-tronomia em Tubinga, nas ultimas édições da  Epitomeàstronomiae  (1588) inseriu apêndices com a exposiçãodo sistema copernicano. Considerando que foi mestrede Kepler, é lógico supor que instruísse o aluno sobreo novo sistema. Ele colaborou também na redação e naimpressão do  Mysterium cosmográphicum  de Kepler

(1596) que o recompensou pela trabalho desenvolvido(que implicava também cálculos difíceis) com o pre-sente de uma taça de prata dourada e seis táleres de pra ta. Em torn o de 1587, Chr isto pher Ro thma nn , as-trônomo do Landgrave Guilherme IV de Axen-Cassel,na sua correspondência com Tycho Brahe, defendeuenergicamente a validade do copernicanisrno. Naque-las cartas ele confutava as objeções mais tradiciopàiscontra o movimento da Terra e afirmava a insustenta-

 bil idade de um a int erpre tação lit eral das Escr ituras qu eobrigaria a crer também na existência das águas celes-tes (uma questão que, para toda a cosmologia da Ida-

de Médja, fora de importância fundamental).O matemático Giovanni Battista Benedetti(1530-90), no  Diversarum speculationum mathematica-rum etphysicarum líber   (1585), nega qualquer valor aosargumentos extraídos do aristotelismo contra Copér-

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nico. Entre os filósofos, junto com Thomas Digges eGiordano Bruno, devemos lembrar Francisco Patrizide Cherso (1529-97), professor de filosofia platônica

 pri meiro em Fer rar a e depois em Rom a, on de foi cha -mado por Clemente VIII. A concepção que Patrizi teve

do universo, a part'ir do nosso moderno e privilegiado po nt o de vista, par ece um a ex tra vagante mistu ra . Noseu sistema, a Terra está ainda no centro do cosmo e oSol gira ao redor da Terra. A Terra (como quer Copér-nico) está em movimento. Mas Patrizi aceita apenasum dos três movimentos teorizados por Copérnico: omovimento diurno. As estrelas, como grandes ani-mais, movem-se sozinhas, portanto, não são fixadas aesferas reais, mas se movem por causá de uma almaque está dentro delas. O céu é único, contínuo e flui-do. O mo vimen to, das estrelas fixas é aparen te e de-

 pe nd e do mo vi me nt o diurno da Terra ao redo r d o seueixo. Todas as estrelas não estão na mesma distânciada Terra, mas espalhadas em-uma profundeza infinita.

Pode causar desgosto aos astrônomos, mas as li-nhas de demarcação entre aqueles que'rejeitam ouaceitam o copernicanisrno, ou exprimem incertezasdiante do novo, não coincidem de modo algum comaquelas que separam os astrônomos profissionais dosfilosofos ou dos letrados. Os primeiros a sustentarema verdad e copernican a, na Inglaterra, certa ment e não

 po de m ser fac ilm en te inse rido s en tre os "mo dernos"ou entre os que sustentam um noyo método científi-co. Robert Recorde, que já lembramos, concebe a as-tronomia como üma serva da astrologia; o matemáti-

co copernica no; Joh n Dee (1527-160 8), além de umcelebre Prefácio a Euclides, é autor da obra Monas hie-roglyphica  (1564) que pretende desvendar os segredosdas virtudes  sobrenaturais mediante os  mistérios daCabala, as,composições numéricas dos pitagóricos e o

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)   , - :

Sigilo de Hermes; um outro estudioso que se refere a

Um novo céu

con (entre 1610 e 1623) com relação ao copernicanis-

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g ; qHermes Trismegisto e ao poema  Zodiacus vitae  (1534)do ferrarense Palingenio Stellato (Pier Angelo Man-zoili, 1503Jc.l543) éThomas Digges (1543-75) que naobra Perfit Description oj Caelestiall Orbes,  acrescentadaem 1576 ao  Prognostication Everlasting   do padre Leo-nhard, fala de uma órbita imóvel das estrelas fixas quese estende infinitamente para o alto e que ele conce- be como "o palá cio da feli cid ade e a verdadei ra cor tedos anjos celestes isentos de angústias, que enchem amorada dos eleitos". Em torno do ano de 1585, Gior-dano Bruno (1548-1600), tornou-se defensor, na In-glaterra, da' concepção copernicana do mundo. Naobra Cena delle ceneri e no tratado  De l'infinito, universoe mondi  (1584) apresentou a teoria-de Copérnico den-tro do cenário da magia astrai e dos cultos solares, eassociou o copernicanismo com a temática presenteno tratado De vita coelitus comparanda de Marsilio Fici-no, e além disso enxergara no "diagrama" copernica-

no o "hieroglífico" da divindade: a Terra sè move por-que vive ao redor.do Sol; os planetas, como estrelasvivas, cumprem junto com ela o próprio caminho; ou-tros mundos inumeráveis, que se movem e vivemcomo grandes animais, povoam o universo infinito. Nos tex tos de William Gilbert, ele tamb ém de algumaforma "copernicano", não faltavam temas vitalistas ereferências a Hermes, Zoroastro e Orfeu.

A teoria helioc êntrica foi associada com, fre-r   qüência a alg uns dos temas mais característicos da tra-dição mágico-hórmética. Tomando posição contra taltradição, não era de modo algum impossível envolver

os seguidores de Copérnico no contexto de uma rejei-ção mais geral do platonismo místico. Em tal contex-to, tão rico de incertezas e de equívocos, deve ser con-siderada tambéin a atitude assumida por Francis Ba-

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 \

con (entre 1610 e 1623) com relação ao copernicanis-mo. Tal movimento foi utilizado várias vezes (porexemplo pelos espiritualistas da segunda metade doséculo XIX e pelos neo-positivistas e póperiarios doSéculo XX) para exprimir condenações anacrônicas.Falar de "atraso científico" diante das incertezas mani-

festadas naquela época não tem sentido. Bacon, queem 1612 ficou entusiasmado pelas descobertas de Ga-lilei, morreu em 1626. A "conversão" de Marin Mer-senne (1588-48) ao ,copernk anismo ocorre entre osanos 1630-34. Na obra  Novarum observationum libri  de1634 o matemático Gilles Personne de Roberval

 jl 60 2-7 5) afi rma qu e nã o se po de dize r de mo do al-gum qual dos três sistemas do mundo que disputamentre si o domínio das idéias seja o verdadeiro, postoque se pode dizer "que^todos os três sistemas sejamfalsos e aquele verdadeiro nos seja desconhecido".

 Na unive rsid ade de Salamanca , os est atu tos de1561 determinavam que o curSo de matemática deviaabranger Euclides e Ptolomeu ou Copérnico à escolhados estudantes. Parece que Çopérnico quase nunca foiescolhido. E o caso de Salamanca é na verdade excep- 'cional. Nas universidades, inclusive dos países protes-tantes, os dois (ou três) sistemas do mund o são ensina-dos, um ao lado do outro, até as últimas décadas do sé-culo XVII. É preciso lembrar tamb ém qu e os nega doresda realidade das esferas celestes (entre 1600 e 1610)não pertencem ao mundo acadêmico (como é o casode Gilbert, Brahe, Rothmann). Nos manuais de astro-nomia o número dos negadores das esferas aümentade maneira relevante somente no decorrer da década

de vinte do século X^II e aquela doutrina foi definiti-vamente abandonada somente no decurso da décadade trinta. A aceitação, por parte da cultura, do novosistema do mundo implicava a resposta a perguntas di-

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fíceis. Qvie não eram apenas de caráter astronômico. A"

Um novo céu

ra em Leipzig (sem acompanhar regularmente os cur-

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fíceis. Qvie não eram apenas de caráter astronômico. Adecidida escolha copernicana cabe à grandeza de Gali-lei e de Kepler. Ambos reconheceram .Copérnico comoo seu mestre. Ambos deram contribuições decisivas

 pa ra co nf irmar a revo lu ção as tron ômica co meçad a po rele. Mas também as suas contribuições tiveram não

 po ucas dif icu lda des pa ra a abr ir o pr óp rio cami nh o. Osversos da obra  Anatomy of the World   (1611) do grande po eta Jo h n Do nn e (1 57 3- 16 31 ) se to rn ar am o símbo -lo da desorientação, que muitos compartilharam, faceao desmoronamento de tranqüilas certezas:

A nova filosofia coloca tudo em dúvidao elemento Fogo se apagou por completo,O Sol está perdido bem como a Terra; e em homemálgum _ ' .a mente não lhe ensina mais onde encontrá-la.Os homens confessam espontaneamenteque este. mundo está acabado,

enquanto nos planetas e no firmamentomuitos procuram o novo. E vêem qüe o mundoestá despedaçado mesmo em seus átomos.Tudo cai aos pedaços, toda coerência desapareceu, .toda justa providência, toda relação:príncipe, súdito, pai, filho são coisas esquecidas,porque cada homem pensa ter conseguido, sozinho,ser uma Fênix...

(Donne, 1933: 202)

TYCHO BRAHE

Falamos anteriormente de um  terceiro sistema d omundo. O astrônomo dinamarquês Tyge Brahe(1546-1601 ) quis latinizar o próprio nom e passandoa se chama r Tycho. Ele era um auto did ata qu e estuda -

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sos da universidade), cultivando fo rtes interesses pelaalquimia e acreditando firmemente em uma afinidadeentre event os celestes e fenô meno s terrestres. Na capade uma das suas obras, a  Astronomiae instauratae mecha-nica  se fez retratar debruçado sobre um globo, segu-rando na mão um compasso e tendo o olhar dirigido

 pa ra o céu . A frase qu e ac om pa nh a a im ag em é a se-guinte:  suspiciendo despido  (enquanto olho para baixo,fico olhando para o altó). A outra ilustração o repre-senta com o olhar voltado para um aparelho químicoe uma serpente (símbolo de Esculápio) enrolada ao

 braço . No lema está esc rito:  despiciendo suspicio  (olhan-do para baixo, olho para o alto).

Mais do que um filósofo naturalista, Tycho foium observador paciente e extremamente cuidadoso.Com certeza o maior dos observadores a olho nu queteve a história da astrono mia. As suas primeiras obser-vações remontam a 1563, quando tinha apenas dezes-

seis anos, e continuou-tais investigações durante todoo curso da sua vida alcançando tal precisão que, pormuitos historiadores da astronomia foi julgada quàseincrível. Brahe foi se equipando com muitos instru-mentos e construiu muitos outros, de grande sofistica-ção. Ao contra rio do que faziam mui tos do s seus con-temporâneos, ele observâva os planétas de modo con-tínuo e não somente quando eles se apresentavam emuma conjunção favorável.

 Na no it e de 11 de no ve mb ro de 157 2, vo lt an do pa ra casa, Tycho (q ue na épo ca ti nh a 26 an os ) viuUma nova estrela muito brilhante na constelação de

Cassiopeia. Aquele evento deu um rumo definitivo àsua vida: Tycho desistiu de migrar para Basiléia, con-tinuando a trabalhar na sua pátria, onde as suas ob-servações lhe grangearaii), por parte do Rei da Dina-

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0 nascimento da ciencia moderna ita Europa

marca, a senhoria da ilha de Hveen. Ali ele mandaria

ym novo céu

direções, de tal forma a não colocar qualquer obstácu-

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construir ó esplêndido castelo de Uraniborg dotado deobservatorios e laboratorios, bem como um „centro deensino para muitos jovens astrônomos europeus. Tãoluminosa quanto Vénus no período do seu máximoesplendor, a nova estrela se tornaria cada vez menos

 br ilh ante até des apa recer to ta lm en te no co meço de1574. Aquela estrela, escreveria Kepler, "se não foi si-nal de nenhuma outra coisa e de nenhuma outra en-tidade, foi todavia o sinal e causa do surgimento deum grande astrônomo". No livro De Stella nova  (1573)Brahe dava explicação das suas observações. Se não setratava de um cometa, e se a nova estrela aparecia namesma posição de frente à esfera das estrelas fixas,então nos céus imutáveis se verificara uma mudança,

 po dend o- se levantar dúvid as a res pei to do oposiçãoentré a imutabilidade dos céus e a mutabilidade domundo sublunar. A observação dos cometas em 1577e èm_1585 deu a Brahe a confirmação da sua hipóte-

se. Ele tentou medir o paralaxe do cometa de 1577: oseu valor era demasiado pequeno para se referir às re-giões do mundo sublunar. Todos os cometas observa-dos por mim, concluía, "movem-se nas regiões etéreasdo mundo e nunca no mundo sublunar, como Aristó-teles e os seus seguidores quiseram nos fazer crer du-rante tantos séculos". Se os cometas estavam situadosacima da Lua, os planetas não podiam ser situados nasesferas cristalinas da astronomia tradicional. Na mi-nha opinião, escreveria a Kepler, "a realidade de todasas esferas deve ser excluída dos céus". Os cometas nãoseguem a lei de nenhuma esfera, mas agem "em con-

traposição a tais esferas'". A máquina do céu não é um"corpo duro e impenetrável, composto de esferasreais, como muitos acreditaram até o presente mo-mento, mas o céu é fluido e livre, aberto em todas as

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direções, de tal forma a não colocar qualquer obstáculo à livre corrida dos planetas que é regulada, semqualquer maquinário nem rolamento de esferas reais,de acordo com a sabedoria reguladora de Deus". Asesferas "não existem realmente rffts céus, mas "são ad-mitidas somente em benefício da aprendizagem" (Ke-

 pler, 185 8-71: I, 44, 159).Tal afirmação de Brahe era de tal importânciarevolucionária, comparável com aquela de Copérnicorelativa à mobilidade da Terra. Nó domínio da astrono-mia (e não naquele da imaginação especulativa, comoocorrera para Francisco Patrizi) tinha caído um dosdogmas .centrais d'a cosmologia tradicional: o dogma daincorruptibilidade e imutabilidade dos céus. No capítu-lo oitavo do tratado De mun4i aetherei recentioribus phae-nomenis liber secündus  (o proprio título, com a referên-cia a fenômenos  recentes,  era um desafio à tradição),

 pub licado em Uraniborg em 1588, Brá he ex pu nh atambém as linhas essenciais do seu sistema do mundo.

Tal concepção era originada por uma dupla rejeição;em primeiro lugar a rejeição da astronomia ptolemai-ca e depois a da astronomia copernicana. Copérnicoconstruiu um elegante sistema do mundo, matemati-camente superior ao Sistema ptolemaico. Mas Tychonão acredita,  como  pretende Copérnico, que possa seratribuído o movimento (aliás, três movimentos) "aocorpo preguiçoso "e enorme da Terra". Se a Terra esti-,vesse em movimento, ele afirma, deixando cair uma pedra do alto de um a tor re, ela não cairia aos pés datorre, comó ao contrário acontece. Além disso, d siste-ma de Copérnico é inaceitável porque entre a órbita de

Saturno e as estrelas fixas seria necessário admitir umespaço enorme, por causa da falta de um pâralaxe ob-servável das estrelas. Por fim, o sistema .de Copérnicose opõe à Escritura que várias vezes faz referência à

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cas (como ocorre em Copérnico) do movimento do

Um novo céu

série de tentativas sem sucesso, os cinco sólidos regu-

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Sol. Ao,olhos de Kepler, o sistema copernicano está deacordo com os fenômenos celestes e, além disso, é ca-

 paz de demons tra r os mo vimentos passado s e pre veraqueles futuros com uma maior exatidão do que aque-la de Ptolomeu e dos outros astrônomos. Com as hipó-teses tradicionais não se acaba mais de inventar esfe-ras, ao passo que Copérnico tornou mais simples a má-quina do mundo; é nesta maior simplicidade que estátambém a verdade do novo sistema porque a naturezaama a simplicidade e a unidade, e nela nunca há nadade ocioso e de supérfluo.

Mas a finalidade principal do  Mysterium cosmo- grOphicum  não é defé nder Copérnico, mas sim de-monstrar que; na criação do mundo e na disposiçãodos céus, Deus "olhou para aqueles cinco corpos regu-lares que gozaram de tão grande fama desde os tem- pos de Pit ágo ras e de Pla tão , co nced endo à sua na tu -reza o número, a proporção e as relações dos movi-

mentos celestes. Os cinco sólidos regulares ou "cósmi-cos" a que Kepler se refere têm uma característica pe-culiar: somente neles as formas são idênticas e consti-tuídas por figuras eqüilaterais, São elas: o cubo, o te-traedro, o dodecaedro, o icosaedro e o octaedro. Ke- pler indaga por conse guint e as  causas  dò número, dasdimensõès e dos movimentos desses mundos, acredi-tando que tal pesquisa esteja fundada na correspon-dência admirável que existe entre as três coisas imó-veis do universo (o Sol, as estrelas fixas, o espaçointermédio) e as três pessoas^a Trindade. A investiga-ção em torno da possibilidade de que um mundo seja

o dobro, o triplo ou o quádruplo do que um outromundo não chega .a resultado algum: nem mesmo in-troduz indo entre uma órbita e outra planetas invisí-veis devido a sua pequena dimensão. Depois de uma

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lares parecem-lhe como um caminho de saída e talidéia para Kepler se configura como uma descobertaextraordinária. À grandeza dos céus, que Copérnicoestabeleceu ser de nível seis, correspondem sãmentecinco figuras que "entre todas as infinitas figuras pos-

síveis, têm propriedades particulares que nenhumaoutra figura possui". O mundo da Terra se torna a me-dida de todos Os outros mundos. Se a esfera de Satur-no é delimitada ao cubo em que resulta inscrita a es-fera de Júpiter e se o tetraedro está inscrito na esferade Júpiter com a èsfera de Marte inscrita nele e assjm por dia nte (na ordem das figúra s en um erad as an te-riormente), então as dimensões.relativas a todas as es-feras seriam aquelas calculadas por Copérnico. Na rea-lidade, porém, havia algumas diferenças. Kepler, toda-via, confiava na possibilidade de cálculos mais apura-dos e no trabalho de Tycho Brahe.

 No s eu tra tado Mysterium cosmographicum Keplernão pesquisa somente as leis da estrutura do cosmos,mas aborda também o problema da  razão  dos movi-mentos dos .planetas e da sua,velocidade (que e tantomenor na medida em que os planetas ficam mais dis-tantes do Sol). Por isso ele acredita ser preciso áceitarnecessariamente umà das seguintes afirmações: ou asalmas que dão movimento a cada planeta individualsão mais fracas ria medida da sua maior distância doSol, ou existe somente uma alma motora, posta nocentro de todos os mundos, ou seja o Sol, que movi-menta cada corpo: com maior força os corpos vizinhos,com força menor aqueles mais distantes, em virtude da

diminuição da força causada pela distância. Kepler de-cide pela segunda hipótese e considera que tal forçaseja proporcional ao círculo em que se difunde, dimi-nuindo com o aumento da distância. Posto que o pe-

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O nascimento da ci encia moderna na Europa

ríodo aumenta com o aumento da circunferência, "ai di tâ i d S l d l t t d

Um novo céu

A harmonia e as proporções do universo, escre-B h K l d d t i i

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maior, distância do Sol age duplamente no aumento do per íod o, e, inv ers ame nte, a m et ad e do au me nt o d o p e -ríodo é proporcional ao aumento da distância". Estesresultados dos cálculos não estavam muito longe da-qàeles de Copérnico e Kepler tem a impressão de ter-se "aproximado da verdade". Na sua cosmologia, o Solestá no centro do universo (pára1  Copérnico o centrodo universo não coincide com o Sol maá com o centroda órbita terrestre). O Sol é a sede da vida, do movi-mento e dâ alma do mundo. As estrelas fixas estão na posição de rep ouso; os pla net as têm um a atividade se-cundária de movimento. Ao Sol, que supera em es- ple ndor e beleza tod as as coisas, cabe aque le ato pri-meiro que é mais nobre de todos os atos segundos.Imóvel e fonte de movimento, o Sol é a própria ima-gem de Deus Pai. Não somente o universo, mas a in-teira astronomia se tornam heliocêntricos. O Sol eraconcebido não só como o centro arquitetônico do cos-

mos, mas também como o seu  centro dinâmico.O  Mysterium cosmographicum,  grandemente

apreciado por Maestlim foi enviado pelo jovem Keplera Tycho Brahe. Galilei, que viu o livro, escreveu a Ke- pler parabenizand o-o pela sua ade são ao co pemica-nismo. Mas, com toda a probabilidade, ele ainda nãotinha lido tal livro. Quando foi solicitado por parte deKepler para um intercâmbio epistolar, ele nem sequerrespondeu. A sua distância, de qualquer forma de mis-ticismo o afastava também do tipo de ciência pratica-do por Kepler. tal tomada de distância também em se-guida impediria a. Galilei de avaliar todas as grandes

descobertas realizadas sucessivamente por Kepler. Aocontrário, o encontro com Tycho Brahe, muito maissimpático com relação às suas posições de tendênciahermética e mística, teve efeitos decisivos.

132

vera Brahe a Kepler, devem ser procuradas  a posteriorie não determinadas  a priori.  Apesar desta ressalva" defundo, Brahe tinha uma enorme estima pelo trabalhodesenvolvido na obra  Mysterium.  Após deixar a Dina-marca e se estabelecer na Boêmia como matemáticoimperial, Brahe ofereceu a Kepler um emprego de as-sistente. Kepler aceitou (em 1600) a tarefa de elabo-rar uma teoria sobre os movimentos de Marte visan-do à preparação de novos mapas astrais (que deve-riam substituir   as tabulae prutemcae). As tabulae rudol-

 phinae  seriam publicadas somente em 1627. Mas o fa-lecimento de Brahe em 1601, criara uma nova situa-ção. Kepler sucedeu a Brahe no cargo de matemáticoimperial e teve o direito de ter acesso às anotações eaos escritos de Tycho. , .

 Nesta- é poca, alé m dos al manaqu es e hor ósco- pos , Kep ler pub lica os tra tad os De fundamentis astrolo- giae certioribus  (1601); Ad Vitelionem paralipomena  (que

representam uma obra fundamental na história daótica, 1604); De Stella nova (1606); De jesu Christi Salva-toris nostri vero anno natalitio  (1606). Em 1606 termi-nou também a sua obra prima:  a Astronomia nova seu Physica coelestis que seria publicada somente em 1609,no mesmo ano em que Galilei ápontava a sua luneta

 para o céu.

 Na obra Astronomia nova Kepler dá uma explica-ção das setenta tentativas que realizou para fazer en-caixdr os dados obtidos por Tycho relativos aos movi-mentos de Marte nas várias combinações de círculosque é possível deduzir da astronomia de Ptolomeu e

daquela copernicana. A diferença entre as previsões eas observações de Tycho era apenas de 8 minutos degrau. Tal resultado podia parecer aceitável por todosos astrônomos da época. Kepler, no entanto, descar-

1 3 7

O nascimento da ciência. moderna  na Europa

tou todas as soluções e, perdendo a esperança de che-gar a uma solução aceitável, passou a calcular a órbi-t d T A l id d d T é i d l

Um novo céu

 par a mantê-los em movimento. Também no livro da Astro-nomia nova, no qual Kepler rehunciou a explicações

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ta da Terra. A velocidade da Terra é maior quando elase aproxima ao Sol, menor quando se afasta dele. Par-tindo de uma premissa errada (a velocidade da Terra éinversamente proporcional à sua distância do Sol) eefetuando cálculos que continham erros não irrele-

vantes, Kepler chega a formular aquele resultado quehoje conhecemos como a segunda lei de Kepler,  a saber:em tempos iguais, a linha que une o planeta ao Sol co-

 bre. áre as igua is. Ao cont rár io daquilo qu e sus ten tar a3 astronomia antiga e o próprio Copérnico, a Terra eos outros planetas se mo vem com u m, movimen torealmente  - e não só  aparentemente - uniforme., ^ Uma simples lei geonjétrica explica tal ausência

de uniformidade. A causa física da variação deve ser pro curad a mais uma vez no Sol. Assim como Cop érni-co e Tycho Brahe, Kepler reconheceria em Gilbert umdos seus grandes mestre s. A filosofia magnética consti-tui o instrumento adequado para explicar aquelas va-riações físicas da velocidade. Kepler fizera explicita-mente referência a uma alma presente nos corpos ce-lestes. Mas, ao contrário de Giordano Bruno e de Fran-cisco Patrizi, não só efetuara cálculos matemáticos eapuradas observações astronômicas, mas indagaratambém a respeito d as fôrmas de funcionar  daquelas al-mas. No âmbito do seu pensamento e da sua unifica-ção da física celeste com a física terrestre, são aindaoperan tes categorias fund ame ntais ~da física aristotéli-ca. Nesta perspectiva aristotélica, para Kepler, somen-te a aplicação de uma força permite explicar a persis-tência do movimento. Kepler não conhece o princípio

de inércia nem possui a noção de força centrípeta. Aforça que emarta do Sol não exerce uma atração cen-tral: serve para promover o movimento dos planetas e

• - ' .;

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.fundadas na existência de uma alma específica para1

cada planeta particular; a atribuição de uma alma aoSol não se configura de modo algum como uma espé-cie de "concessão" a uma metafísica animista que pos-sa ser eliminada do sistema. Os motores próprios dos

 pla net as são pro pri eda des dós corp os planetário s, se-melhantes "àquela propriedade que está no magneto,que tende para o polo e atrai o ferro". Por conseguin-te, o inteiro sistema dos movimentos celestes é gover-nado "por faculdades , mera men te copróreas, ou seja,magnéticas". Há, porém, uma exceção que é indispen-sável para o funcionamento do sistema: "Faz exceçãosomente a rotação local do corpo do Sol, para cuja ex- plicação parece necessári a a força proven ien te de um aalma". Kepler não atribui uma rotação à Lua. Mas o5oi, corpo central do universo,  deve  rodar em torno do pró pri o eixo e a rrasta r consigo o corpo int eiro d o mu n-

do: "O Sol roda sóbre si próprio como se estivessç so- bre um a tor re e emi te em tod a a ampli tud e do mu nd oum a  species  (forma) imaterial do seu corpo, análoga àforma  (species)  imaterial da sua luz. Tal species, em vir-tude da rotação do corpo solar, gira em fôrma de rede-moinho velocíssimo, que se estende em toda a imensi-dade do universo e transporta consigo os planetas".

Rompendo com uma tradição milenária, Keplerafirma que a órbita do planeta não é um círculo, mas"a partir do áfélio se curva gradativamente pará-o inte-rior, terminando em seguida na amplitude do círculono perigeu: esse tipo de trajetória é denominada oval".Também a passagem do oval para o elíptico foi muito

complicada: Kepler dá conta minuciosamente dos er-ros de cálculo cometidos como também das vias semsaída que ele trilhou. Somente uma elipse perfeita,

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O nascimento da ciência. mod erna  na Europa

còm cTSol em um dos focos (e tal descoberta lhe apa-receu como uma luz que se acendèu de repente) estáde acordo com os dados da observação e com a lei das

Um novo céu

dades da alma. A esfera das estrelas fixas "retém o calordo Sol para que não se disperse e desempenha com re-l ã d f ã d d l

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de acordo com os dados da observação e com a lei dasáreas. Esta sua conclusão nos é conhecida como a  pri-meira lei de Kepler.  Uma curva ,cónica ;é suficiente paradescrever a órbita de cada planeta. Tanto o abandonodos movim entos, excêntricos e dos epiciclos, como

também a simplificação do sistema eram obtidos peloabandono do dogma da circularidade. No mesmo mo-mento em que Kepler "aperfeiçoava" o sistema coper-nicano, na realidade o destruía ('Westfall, 1984: 21).

A doutrina das.causas dos fenômenos celestesfora apresentada, aos poucos leitores do tratado  Astro-nomia Nova  em uma linguagem matemática bastantedifícil. Kepler projetou uma obra que se apresentassecomo uma  summa  da nova astronomia e ao mesmotempo como um manual,  escrito em forma de pergun-ta-resposta, destinado a suplantar os manuais usadosaté então. Km 1610 publicou a  Dissertado cum NuncioSidereo  e, em 1611, a  Dioptrice. Em 1612, após a abdi-cação de Rodolfo II, deixou Praga e se transferiu paraLiriz onde permaneceu durante 14 anos. A guerra oobrigou a deixar o seu cargo de matemático na cidadeaustríaca. Nunca mais conseguiu retornar à Alema-nha, como sempre desejou. Encontrou trabalho juntode vários mecenas (entre os quais Wallenstein); fale-ceu em Ratisbona em 1630.

Qs vários livros da summa-manual ou Epitome as-'tronomiae copernicanae usitata forma quaestionum et respon- sionum conscripta  foram publicados entre 1617 e 1621.As descobertas astronômicas são novamente apresenta-das nesta obra no qua dro do Pitagorismo e Neoplatonis-

mo já teorizado no tratado juvenil Mysteriúm.  Luz, calor,movimento, harmonia dos movimentos constituem a perf eição do mu nd o e são ent idades aná logas às facu l-

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lação ao mundo a função de uma parede ou pele oucasaco". Em virtude do seu corpo, o Sol é  a causa  domovimento dos planetas. A potência vegetativa do étercorresponde à nutrição dós animais e das plantas, en-quanto o calor atende à faculdade vital, o movimento à

vida animal, a luz à vida sensitiva e a harmonia à vidaracional. Um  impetus dado por Deus ao corpo do Sol noato da criação não basta para explicar o seu movimen-to: "a sua constância e perenida de, em qu e .Se fund atoda a vida do mundo, explica-se de maneira mais con-veniente pela ação de uma alma".

Os temas "pitagóricos" se tornam ainda maisevidentes na obra  Harmonices mundi libri quirtcfue  queveio à luz emLinz em 1619. Também neste caso, tra-ta-se de um projeto muito antigo, considerando queem 1600 Kepler escrevera a Herwart de Hohenburg oseguinte: "que Deus me livre da astronomia, de ma-neira qu e eu possa dedicar tod o o meu tempo rão tra-

 ba lho sob re as ha rmon ia s". Às rel açõ es geomé tri casteorizadas no Mysteriúm (às cinco figuras Kepler acres-centou mais tarde os poliedros estrelados) devem seranexadas - considerando que Deus não só é geômetra,mas também músico - relações harmônicas. Keplerencontra a maneira de associar a cada planeta um tomou intervalo musical. Como consta no índice do livroquinto, os tons particulares ou modos musicais são ex-

 pre ssos por pl aneta s sing ula res; os có nt rapo ntos ouharmonia universais dos planetas são diferentes umdo outro; nos planetas sãó expressos quatro tipos devozes: soprano, contralto, te nor e, baixo. No terceiro

capitulo daquele mesmo livro, junto de um a nova ex- posi ção das teses centr ais do  Mysteriúm  se encontratambém uma nóva teoria: "É um fato absolutamente

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O nascimento da ci encia moderna na Europa

certo e exato que a proporção entre os tempos perió-dicos de dois planetas escolhidos à vontade é exata

Um novo céu

insistiram sobre a incrível tenacidade com que ele pro-cura dados que se adaptem a imaginosas hipóteses me-

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dicos de dois planetas escolhidos à vontade é exata-mente como a potência de três meios da proporçãoentre as suas distâncias médias, isto é, entre as suas

 pró pri as órb itas ". É a en unciação daquela qu e ch am a-mo s  terceira lei de Kepler:  os quadrados dos tempos de

translação de qualquer pat de planetas são proporcio-nais aos cubos das ¿uas distâncias médias do Sol. Umavez estabelecida a órbita fica necessariamente estabe-lecida a velocidade e vice-versa. Fora descoberta umalei que não se limitava a regular os movimentos dos pla ne tas nas sua s órbitas par ticula res : ela estabele ciauma relação entre as velocidades dos planetas que semovem em órbitas diferentes. A descoberta da assimchamada terceira lei se configura aos olhos de Keplercomo uma grande descoberta metafísica: "Gratias agotibi, Creator Domine'VO livro poderá ser lido na suaépoca ou pelas futuras gerações. Poderá até mesmoaguardar cem anos alguém que o leia: "Deus não es-

 pe ro u talvez seis 'mil an os an tes qu e alg uém co ntem - plas se as sua s obr as?".

Kepler seguiu caminhos muito tortuosos que so-mente Alexandre Koyré (Koyré, 1966) teve a paciên-cia de reconstruir de modo analítico. De fato, ele nãosó deduziu a sua segunda lei das áreas a partir de pres-supostos "errados", mas a demonstrou como verdadei-ra antes de ter determinado o caráter elíptico dás órbi-tas planetárias. Aquelas três leis, em virtude das quaiso nome de Kepler aparece ainda hoje nos manuais defíáica, emergem de um contexto que - tomando como po nto s de ref erênci a Descartes ou Galilei - é realmen-

te difícil classificar Kepler como "moderno".  #Todos os historiadores ressaltaram a extraordi-

nária mistura de misticismo dos números e de paixão pel a observação qu e está presente em Kepler. Mui tos

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q p g ptafísicas e sirvam para confirmá-las. Muitos aproxima-ram Kepler ao Neopitagorismo e à tradição herméticaaté identificá-lo com tais corrente s: Colocado entre Ga-lilei e Newton, Kepler constitui sem dúvida uma pre-sença embaraçosa. Entretanto, épossível tentar deter-

minar algumas diferenças. Já foi relevado que, demodo diferente do que ocorre com Patrizi, ou com osmagos e filósofos naturalistas da Renascença tardia,Kepler está fortemente interessado em descobrir as  for-mas de funcionamento àas  almas nos corpos celestes.Além da sua adesão extremamente firme às perspecti-vas místicas do  Platomsmo,  a  sua "modernidade" èstàligada a dois temas: 1) a descoberta das variações,quantitativas das forças misteriosas que agem no espa-ço e no tempo; 2) o abandono parcial do ponto de vis-ta animista a favor de uma perspectiva do tipo meca-nicista. Os movimentos que se verificam no espaço, ou

seja, a virtus que emana do Sol e se difunde através dosespaços do mundo são "coisas geométricas". Aquelavirtus  está submetida às necessidades da geometria. A,máquina celeste, a partir deste ponto de vista, "podeser comparada não a um organismo diyino, mas antesa um mecanismo de relojoaria". Todos os seus movi-mentos se cumprem "somente graças a uma forçamagnética muito simples, tal como no relógio todos osmovimentos são causados por uni simples peso".

A i4éia de que o mundo  não  seja um organis-mo divino é o que realmente coloca Kepler em umdissídio insanável com o pensamento mágico. A re-

duçãò das muitas almas (dos planetas em particular)a uma única alma (aquela do Sol), isto é, ? identifica-ção da  alma  com Uma força  se configura aos seus pró-

 pri os olh os co mo resul tados pos itiv os. Ao faz er an o-

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O nascimento da ci encia moderna na Europa

tações (em 1625) na nova edição do  Mysterium cosmo-graphicum afirma ter já demonstrado na Astronomia

Um novo céu

achou que alguns pensamentos de Kepler fossem "maisuma diminuição da doutrina de Copérnico do que um

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 graphicum,  afirma ter já demonstrado,  na Astronomia Nova,  que não existem almas específicas para cada pla net a par ticula r e decl ara que , no que diz respei toao Sol, ''se substituímos ao termo   alma  o termo forçatemos exatamente o mesmo princípio que está no

fundamento da minha física do céu". Anteriormenteele escreveu o seguinte: "eu acreditava firmementeque a causa motora de um planeta fosse uma alma".Agora, refletindo sobre o fato de que a causa motorase enfraquece em proporção da distância e que omesmo ocorre para a luz do Sol, "cheguei ã conclusãode que tal força era algo corpóreo, embora corpóreodeve ser entendido aqui não em sentido literal, masfigurado, do mesmo modo em que afirmamos o   lúmenser algo corpóreo".

O misticismo de Kepler está associado a umaconvicção específica: ser possível chegar perto da ver-dade não mediante os símbolos oü òs hieróglifos, más

 por meio das dem ons traçõe s matemá tic as. Sem taisdemonstrações, ele escreveria ao mágico RobertFlüdd, "eu sou cego". Como ocorre na magia, não setrata "de buscar prazer nas coisas envolvidas naobscuridade", mas sim esclarecê-las". A primeira des-tas atitudes "é familiar aos alquimistas, aos herméticosé aos seguidores de, Paracelso; a segunda é exclusivados matemáticos". "

Certamente para os contemporâneos era difícil perceber tais diferenças, ou acolher resu ltados científ i-cos apresentados como revelações divinas, bem comomover-se dentro de um sistema de idéias que não apre-

sentava as dificuldades já familiares dos clássicos, nema clareza transparente dos textos da nova filosofia. Ga-lilei não só ressaltou a diferença profundíssima entre "ofilosofar" de Kepler e a sua maneira de pensar, mas

132 144

uma diminuição da doutrina de Copérnico do que  umseu estabelecimento" (Galilei, 1890-1909: XVI, 162;XIV, 340). Bacon, por tantos aspectos ligados à tradiçãodo hermetismo, ignorou-o totalmente. Em uma carta aMersenne datáda em 31 de março de 1638, Descartes o

reconhece como "o seu primeiro mestre em ótica", masquanto ao restante não o considera digno de atenção.Somente Alfonso Borelli (1608-79) compreendeu a im-

 por tância da a stro nomia kep leri ana. As leis de Kepler setornaram leis "científicas" somente depois quç Newtonse serviu delas, sendo as mesmas leis aceitas pela maio-ria dos astrônomos somente no decorrer da década desessenta do sécúlo XVH.

capítulo 6

GALILEI

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GALILEI

OS PRIMEIROS ESCRITOS

Galileu Galilei,nasceu em Pisa no dia^i-5 de fe-vereiro de 1564. Era filho de Vincenzo Galilei, um co-merciante de Florença, mestre de canto e teórico damúsica, e de Júlia Ammannati, de Pescia. Em 1581. o

 jo ve m Galil ei fo i ins cri to no "S tu di o" de Pisa  (uma es- pécie de universidade da época - n.dJ ) para" os estudos damedicina, mas ele preferiu se encaminhar para os es-tudos da matemática. Em 1585, sem ter conseguidonenh.um título, deixa o Studio pisano. O primeiro fru-

to dos seus interèsses pela físicas pelo método de Ar 1-quimedes é um trabalho quê intitulou  Theoremata ár-ea centrum gravitatis solidorum.  Em 1586, com basejiasindicações de Arquimedes, projeta uma balança hi?drostática e publica  La bilajicetta.

Em 1589, por intermédio de Guidobaldo deiMonte, que o apóia junto ao Grão Duque Ferdinando,Galilei obtém a nomeaç ão de lente de matemáticas noStudio de Pisa. Ao período pisano pertencem os ma-nuscritos do tratado De Motu  (escritos em tor no do anode 1592) nos quais Galilei afirma, em oposição a Aris-tóteles, que todos os corpos são intrinsecamente pesa-

dos e que a leveza é somente uma propriedade relati-va; por Isso, o fogo sobe para o alto não pelo fato de po ssu ir a qu al id ad e da lev eza , ma s po rq ue é me no s pe sado do qu e o ar. Galil ei ab or da aq ui o pr ob le ma da

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O nascimento da ciencia moderna na Europa

Velocidade de corpos diferentes no mesmo meio, oudo mesmo corpo em meios diferentes, ou de corpos

tUm novo céu

tettura Militare, o Trattato sulle fortificazioni, o estudo so- bre as  Mecaníche  (que. seria. publicado so men te ; em1634 f d ií ) á l b

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p , pdiferentes em meios diferentes. Ele não visa a de-monstrar que todos os corpos caem com a mesma ve-locidade, mas que a velocidade da queda de um corpo pesad o é p rop orcio na l à dif erença en tr e o seu peso es-

 pecífico e a densi dade do me io atr avés do qual ele cai.Objetos da mesma matéria e densidade cairiam no ar,independentemente do seu peso, com a mesma velo-cidade. No caso de objetos de matéria diferente e ten-do o mesmo-peso, o corpo mais denso cairia commaior velocidade. O movimento no vazio (mediante adiminuição progressiva da densidade do meio), aocontrário do que afirma Aristóteles, torna-se possível;

 po r isso obj eto s de matéria s dif ere nte s caem no vaz iocom diferen tes velocidades. -

É o começo de um longo caminho que levariaGâlilei à  r e j e i ç ã o  dos quadros mentais do aristotelis-mo. De fato, ao longo de cinqüenta" anos, Galile.i en-

frenta uma série de problemas, tais como: o isocronis-mo das oscilações do pêndulo; a queda dos corpos pe-sados; o movimento dós projéteis; a coesão; a resistên-cia dos sólidos;-a "batida". Neste longo período detempo, ele iria assumindo, inclusive relativamente aquestões de fundo, diversas posições que resultam deaprofundamentos, correções e, em alguns casos, deverdadeiras e próprias viradas conceituais. Entretanto,um elemento que aparece com firme continuidade éconstituído pela adesão consciente às determinações eao método do "divino Arquimedes".

Os interesses pelos problemas da técnica, já pre-

sentes na obra  La bilancetta,  aparecem com evidênciatambém após a sua passagem na cadeira de matemá-tica do Studio de Pádua (26 de setembro de 1592).Entre 1592 e 1593 escreve a  Breve istruzione ali'arqui-

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1634 na versão francesa de Merseniíe). Dá aula sobreos  Elementos de Euclides e sobre o  Almagesto de Ptolo-meu. Em 1597, para uso dos alunos, redige o   Trattatodella.Sfera o Cosmografia que é um a exposição transpa-rente do sistéma geocêntrico. Todavia, já se situa em

 pos ições dif ere nte s. Em um a car ta datada na qu el emesmo ano, endereçada a Kepler, escreve ter chegado

 já desde muito s an os à do ut rin a de Cop érn ico mu it oembora, espantado pelo sucesso do mestre comum,não tivesse ousado até entãp publicar as suas demons-trações e confutações. Em umà oficina, que surge aolado do seu Studio, são construídos qs aparelhos deque se serve nas suas aulas. Também tais interessesnunca mais seriam abandonados: não somente a ar-quitetura militar e as fortificações, mas também a ba-lística, a engenharia hidráulica, a canalização e o le-vantamento das águas, as pesquisas spbre a resistência

dos materiais, a construção do compasso jeom étric o-militar, do telescópio, do termo-baroscópio, enfim,uma paixão pela observação, pela medida, pelos ins-trumentos, isto é, uma infinita curiosidade pelos ex-

 pe rim en tos. O opú scu lo qu e ilustra   Le operaziani deicompasso geométrico militare  foi redigido "em 1606. Noano sucessivo escreve a Difesa contro le calunnie et impos-ture de Baldessar Capra  que afirmava, sem razão, ser oinventor do compasso.

149

O nascimento da ciência moderna ita Europa

ÀS DESCOBERTAS ASTRONÔMICAS

Galilei

da sua transferência para Florença com o título de "Fi-lósofo e primeiro matemático do Grão-Duque" (setem-br o de 16 11 ) Tra ta- se da desco be rta dõ asp ect o "incor -

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O ano 1609 constitui uma data de importânciadecisiva na história da ciência. As grandes descobertasastronômicas (o  Sidereus Nunciusé  de 1610) não sóabalavam uma imagem consolidada do mundo, masfaziam Cair ao mesmo tempo uma.série de objeções

v  contra o sistema copernicano. A Lua tem  uma nature- za terrestre  e no entanto  se move  nos céus: a partir des-te ponto de vista o movimento da Terra não parecemais uma coisa absurda. Júpiter, com ós satélites quegiram a seu redor, parece uma espécie de modelo, emescala reduzida, do universo copernicano. As observa-ções efetuadas sobre as estrelas fixas mostram comoelas estão situadas em uma distância incomparavel-mente maiòr do que a distância dos planetas e nem fi-cam imediatamente atrás do céu de Saturno. Uma dasobservações mais fortes apresentadas contra o sistemade Copérnico era a ausência de um paralaxe observá-

vel das estrelas." p fenômeno do paralaxe se baseia namudança de posição que ocorre quando o mesmo ob-

 je to é ob se rv ad o de lu ga res di fe rent es (se ol ha rm osum lápis mantendo um olho fechado e abrindo-o emseguida, enquanto se fecha o oütro olho, parece que olápis se moveu). Quanto maior a distância, tanto me-nor resultará o deslocamento. A observação (de quese serviu também Tycho Brahe) era a seguinte: se aTerra se move no espaço, o aspecto das constelaçõesdeveria mudar a cada estação. A impossibilidade dedeterminar o paralaxe é agora explicada mediante aimensa distância das estrelas.

Novos argumentos para o abandono do sistema ptol ema ico e a fav or do sis tem a co pe rn ican o são ofere-cidos também pelas descobertas astronômicas que Ga-lilei realiza pouco tempo antes da sua saída de Pádua e

1 5 0

\

 br o de 16 11 ). Tra ta- se da de sco be rta dõ asp ect o incor - pò reo" de Sa tu rn o (o assi m ch an ia do  anel é  inaccessí-vel ao telescópio de Galilei); da observação das man-chas solares; da descoberta das fases de Vénus, ^ ob-servação de que Vénus "vai mudando de figura do

mesmo modo que faz a Lua" é um fenômeno que (Ga-lilei julga justamente de importância decisiva. Tal ob-servação revela uma realidade que não se pode inserirde medo algum no. quadro ptolemaico do mundo nemé explicável adotando aquele ponto de vista.

Galilei considera a "novidade" das manchas so-lares (como escreve a Cesi em mai o de 1612) "o en-terro ou antes o juízo extremo e final da pseudofiloso-fia". O fato do aparecimento e da dissolução das man-chas sobre a própria superfície do Sol - ele escreveriamais tarde na  Istoria e dimostrazioni intorno alle macchie

 solari  (1612) - não criam qualquer dificuldade para os

"liberi ingegni" (intelectos livres)  que jamais acredita-ram que o mundo situado acima da esfera da Lua nãoesteja sujeito a alterações e a mutações (Galilei, 1890-1909: V, 129).

Após as grandes descobertas astronômicas de1610, Galilei abandona qualquer atitude de cáutela."Possuímos demonstrações ponderadas e certas - eleescreve a Giuliano de' Mediei em janeiro de 1611 - deduas graneles questões què ficaram na dúvida até aquientre os maiores engenhos do mundo" (ibid: XI, 12).A primeira é que todos os planetas são corpos opacos;a outra que eles giram a redor do Sol. isso fora "acre-ditado", mas não "sensatamente provado" tanto pelos

 pit àgó ricos, co mo ta mb ém po r Co pé rn ico, Kep ler , e pe lo pr óp ri o Galil ei. Kep ler e os ou tr os co pe mi ca no sagora poderão se gloriar "por ter acreditado e filosofa-

l i !

O ttasclmcnto da ciência moderna na Eurppa

do Corretamente, muito embora nos coube e ainda pode rá no s cab er ser mos con siderados pela uni ver si-d d d filó f i lib i d t di

Galilei

de 1604, "ele fora denúnciado forma lmente como he-rético e de costumes libertinos junto ao tribunal in-

i it i l dé Pád " C it b bilid d d

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dade dos filósofos  in libris como sendo pouco entendi-dos e pouco menos do que tolos" (ibid: XI, 12).

Alguns meses depois da publicação do  Sidereus Nuncim,  ao mesmo tempo em que reivindicava para sio título de filósofo, Galilei expunha ao secretário do

Grão-Duque os seus projetos para o futuro: dois livrossobre o sistema-e a constituição do universo; três li-

-vros sobre" o movimento local ("ciência inteiramentenova e descoberta por mim desde os primeiros princí- pios"); trê s li vros sobre a mecânica ; e , fin almente, tra -tados sobre o som, as marés, as quantidades contínuase o movimento dos animais. A nova física e a nova as-tronomia não somente deviam mostrar a verdade co- pernica na , mas devia m tamb ém fu nd ar um a novaciência da natureza. Aos filósofos dós livros e aos pro-fessores, bem como à sua "obstinação de víboras" Ga-lilei contrapõe agora, com orgulho, uma sua própria

filosofia e afirma "ter dedicado mais a nos à filosofia doque meses à matemática pura" (ibid: X, 353).

A sua atitude de segurança está ligada à suatransferência para flo re nç a (que ocorreu em setem-

 bro de 1611 ) com o tít ulo de "Filósofo e ma temá tic o princi pal do Grã o-D uq ue". Na rea lidade , a dec isão dedeixar Pádua, à luz de alguns documentos recentes,aparece grávida de conseqüências. De fato, até 1992sempre se considerou que a primeira suspeita do San-to Ofício de Roma a respeito de Galilei tivesse sidoapresentada na congregação de 17 de maio de 1611,quando na ocasião foi prõposto o requerimento explí-

cito de verificar se no processo contra Cesare Cremo-nini  tivesse sido mencionado também Galilei. Antoni-no Poppi, porém, descobriu novos documentos pelosquais consta que já sete anos antes, no dia 21 de abril

1 5 2

quisitorial dé Pádua". Com muita probabilidade o de-nunciante foi Silvestro Pagnoni, esçriyão de Galilei,apesar de reconhecer que "sobre as coisas da fé eu ja-mais o ouvi falar"; acusava-o, no èntanto, de ter feitohoróscopos para várias pessoas, de não ir à missa e de

não se aproximar dos Sacramentos, de fréqüentaruma amante, bem como de fazer leituras pouco edifi-cantes: "eu ouvi claramente sua mãe dizer que elenun ca se c onfessa e, comun ga, a qual às vezes memandava observá-lo nos dias santos de guarda sé ia amissa e se em lugar de ir a missa ia visitar aquela sua

 pu ta ("p utana") Marin a veneziana, qu e mo ra no bai r-ro (Canton) de ponte corvo" (a mulher lembrada aquié Marina Gamba com a qual, entre 1601 e 1606 Gali-lei teve três filhos: Virgínia^Lívia e Vicente). Por fimacrescentava: "Eu acredito que a mãe tenha ido aoSanto Ofício em Florença contra o referido seu filho,

repreendendo aquela mulher dizendo-lhe insultosgravíssimos: puta, "gábrina" etc. Entretanto, se estaúltima afirmação fosse verdadeira, a primeira denún-cia de Galilei ao Santo Ofício remontaria até mesmoao ano de 1592.

Sobretudo à luz destes novos documentos, nãohá dúvida de que a decisão de deixar Pádua não pare-ce ter sido uma atitude sábia. Mas diante das denún-cias contra os professores de Pádua, o governo da Re-

 pública de Veneza na rea lid ade ti nh a to ma do ene rgi -camente posição em defesa dos docentes paduanos:"tais denúncias procedem de ânimos maldosos e por

 pess oas int ere sse iras [...]. Porta nto, nós movid os portais fundadíssimas razões e por conhecer a difamaçãoque poderia ocorrer para aquele Studio, bem como asdivisões € rixas cheias de confusões e de desordens re-

1 5 3

0 nascimento da ciencia moderna ila Europa

levantes que poderia nascer entre os alunos, quere-mos confiar-lh e a incumbên cia de compelir, com a sua

Galilei

A NATUREZA B A ESCRITURA

Nã f l h d d ã

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costumeira prudên cia e destreza, para que nã o mais se pro ssi ga na s re fe rida s de nú nc ia s" .

Muito embora seja verdade que não se pode es-crever a história com base em suposições - se  todavia

é certamente verdade que hoje a afirmação de CesareCremonini adquire um sentido, que antes não era evi-dente: "Oh, como teria feito bem também o Sr. Galilei,não entrar nestas girándolas, e não deixar a liberdade

 pa du an a! " (Po ppi , 19 92 : 11, 58 -6 0, 26 -2 7, 62 -6 3) .Contudo a segurança de Galilei está ligada tam-

 bé m às vici ssitu des qu e ocor rer am apó s a su a tra ns fe-rência para Florença. Em Roma, para onde tinha ido em1611, foi alvo de recepções triunfais: tinh a sido convida-do a fazer parte da Academia dos Iinceus; além disso,,

 po de ros os card eais, os amb ientes jes uít as e o próp rioPontífice Paulo V manifestaram compreensão e cohsen-so. Em dezembro de 1612 Galilei está cheio de confian-

ça e de otimismo. Todavia, justamente naqueles anos, jáia se condensando a tempestade. Galilei escreve uma sé-rie de cartas todas no intuito de fazer Um írabaUio de

 pe rsu asã o e d e c on ve nc im en to à re spe ito d as no vãs ver -dades. Mas a controvérsia sobre a verdade copernicana.tinha uma alçada cultural e "política" enormementeampla, a ponto de escapar ao otimismo de Galilei. Nes-ta época ele parece convencido da possibilidade de umavitória a curto prazo. Enxerga diante de si somente a ig-norância e a presunção de pessoas individuais. Por issonão toma consciência das posições que iam amadure-cendo em alguns ambientes eclesiásticos e nem das im-

 plic ações de caráte r gera l qu e estão prese ntes na su a pró pri a po sição. Oscila en tr e .um ex cesso de seg ura nça euma disposição nun ca apagada para a disputa polêmi-ca, para o artifício retórico e para a artimanha.

1 5 4

 Não fa lt aram as ch am ad as de at en ção e n em osconvites a ser prudent e: "pense bem, p ortanto, - escre-ve-lhe Paulo Gualdo - antes de publicar esta sua opi-nião como verdadeira, porque muitas coisas podem serditas à guisa de disputa, que-não é bom afirmá-lascomo verdadeiras". Em um sermão proferido no con-'vento-florentino de São Marcos no dia de finados de1612, o do minicano Nicolau Lorini acusara os coperni-canos de heresia. No fim do ano seguinte, em Pisa, pe-rante o Grão-Duqüie e a Grã-Duquesa-mãe Cristina deLorena; Benedito Castelli, discípulo/afeiçoado e fiel,defende a doutrina da mobilidade da Terra. A reper-cussão que teve a disputa, como também o medo de

 pe rd er o favo r da famíli a de ' Med ici in du zi ra m Galil eia uma intervenção direta. A carta dirigida a Castelli em21 de dezembro de 1613 (que teve ampla divulgação)aborda explicitamente o problèma das relações entre a

verdade das Escrituras e a verdade da ciência.O libro sobre a  Istoria e dimostrazioni intorno alle

macchie solari  que o principe Federico Cesi mandouimprimir em Roma naquele mesmo ano de 1613, forasubmetido a algumas intervenções significativas dacensura. Galilei escrevera que a tese da incorruptibiÙ-dade dos céus era opinião nao somente falsa, mas "er-ronea e repugnante às verdades incontestáveis das Sa-gradas Escrituras, as quais nos dizem que os céus e omundo inteiro são gerados, dissolúveis e transitórios".Entretan to, Cesi o informara q ue os revisores eclesiás-ticos "tendo aprovado todo o resto, não querem saberde maneira alguma de tal afirmação" (Galilei 1890-1909: V, 238; XI, 428-29). No texto que, após váriastentativas, foi finalmente  aprovado/Galilei tivexa  queeliminar qu alque r referência à Escritura .s

Í 5 5

O nascimento da ciencia moderna na Europa

Os decretos da Escritura, escreve Galilei na suacarta, são dé absoluta e inviolável verdade. Ela nãopode err ar de mo do algum Os seus int érp ret es no en -

Um novo céu

uma série de exposições distantes da letra e postó quenão temos absoluta certeza de que todos os intérpretessejam inspirados por Deus seria prudente não permi-

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 pode err ar de mo do algum. Os seus int érp ret es, no entanto, podem errar: sobretudo relativamente àquelas propos ições cuja forma depend e das necessidad es deadaptação às capacidades de compreensão do povo he-

 br eu . Por con seg uin te, no qu e diz res pei to "ao sen tid o

nu das palavras", muitas proposições têm "aspecto di-ferente da verdade", isto é, são adaptadas à capacidade•do povo e é necessário que intérpretes sábios esclare-çam o seu sentido. Tanto a Natureza quanto a .Escritu-ra procedem dó Verbo de Deus: a primeira como "dita-do do Espírito Santo", a segunda como "executora ob-servantíssima das ordens de Deus". Mas enquanto alinguagem da Escritura é adaptada áo entendimentodos homens e as suas palavras têm significados dife-rentes, a natureza ao contrário é "inexorável e imutá-vel" e não se importa que as süas razões e os seus mo-dos de operar "sejam expostos ou não à capacidade dos

• homens". Nas discussões que têm por objeto a nature-za, à Escritura "deveria ser reservado o último lugar".A natureza tem em si mesma uma coerência e um ri-gor que estão ausentes na Escritura: "nem toda expres-são da Escritura está ligada a obrigações tão severascomo qualquer efeito da Natureza". Os "efeitos natu-rais" que a experiência sensível nos apresenta não po-dem de modo algum "ser postos em dúvida por passa-gens da Escritura que tenham nas palavras aparênciadiferente". Tarefa dos "'sábios expositores do texto sá-grado" (posto qüe a natureza e a Escritura jamais po-dem se contradizer) consiste em "se empenharem paradescobrir os verdadeiros,sentidos das passagens sagra-das" que estejam de acordo com as conclusões científi-cas comprovadas pelo sentido ou pelas demonstrações.Além disso, considerando que as Escrituras admitem

132

sejam inspirados por Deus, seria prudente não permitir a ninguém usar as passagens da Escritura parasustentar como verdadeiras conclusões naturais que,no futuro, poderiam ser demonstradas falsas: A Escri-tura visa a convencer os homens daquelas verdades

que são necessárias para a sua salvação. Mas não é ne-cessário crer que os conhecimentos que podem serconseguidos mediante os sentidos e o intelecto nos se-

 jam p ropiciados pel a Escri tura . A segun da par te da car-tá (muito mais breve) visa à demonstrar que as pala-vras do texto sagrado segundo o qual Deus ordenou aoSol ficar parado, prolongando assim a duração do dia(Josué, X,12) se conciliam perfeitamente com o siste-ma copernicano, e não, ao contrário, com o sistemaaristotélico-ptolemaico (ibid: V, 281 -88).

Todavia, o rasgo de competência com que Gali-lei procurava dividir os seus adversários sustentando

uma maior aproximação da doutrina copernicana aotexto sagrado, não conseguia eliminar perguntas difí-ceis, Se a Bíblia contém somente proposições necessá-rias para a salvação, qual é o sentido de afirmar que a

 pas sag em de Josué "nos mostr a de mo do evide nte afalsidade e a impossibilidade do sistema aristotélico e

 pto lem aico para a con cepçã o do mu nd o" ? Conside -rando que a linguagem rigorosa da natureza era con-traposta à linguagem metafórica da Bíblia, os filósofosnaturais não se tornam intérpretes abalizados daque-la linguagem? Enquanto leitores e intérpretes do livroda natureza que é escrito por Deus não podem tam-

 bé m ind ica r aos int érp re tes da Escr itura aqueles "sen -

tidos" que estão de acordo com as verdades naturais?Será que, com tal atitude, não acabam invadindo ne-cessariamen te o campo reservad o aos teólogos? -

157

O nascimento da ci encia moderna na Europa Um novo céu

A conexão entre teologia e filosofia natural,que desde séculos parecia assegurar à Igreja a sua fun-ção de guia dás consciências e da cultura, apareceu

do Salmo 18 que o próprio Dini lhe assinalara comouma das passagens consideradas "mais em oposição aosistema çopernicano (ibid: V, 301). "Deus pôs no sói o

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 para muito s irr emed iave lmen te romp ida . Na de nú n-cia apresentada no dia 7 de fevereiro de 1615 NicolauLorini, que também traduzia em uma linguagem rudee aproximativa as teses copernicanas e galileianas,

captava com exatidão alguns pontos: na sua carta aCastelli, "que estava correndo pelas mãos de todos",Galilei afirnlou que nas controvérsias Sobre os efeitosnaturais "a Escritura ocupa o último lugar", que osseus expositores erraram freqüentemente, que a Es-critura "não deve se meter em outra coisa a não sernos assuntos concernentes à fé", que nas coisas natu-rais "tem mais força o argumento filosófico ou astro-nômico do qüe o sagrado e o divino" (ibid: XIX, 297-298). Por outro lado, também o Cardeal Belarmino in-sistia, em 1615, no fato de que as conclusões do Con-cílio de Trento proíbem expor as Escrituras "contra oconsenso comum dos Santos Padres". Todos os Padrese todos os comentários modernos sobre o Gênesis, osSalmos, o Eclesiastes e Josué "Concordam em expor  ad¡iteram  que o Sol está no céu e gira ao redor da Terracom suma velocidade e que. a Terra está muito longedo céu e está no centro do mundo imóvel". A Igrejanão pode suportar que se dê às Escrituras um sentido"contrário aos Santos Padres e a todos os expositoresgregos e latinos" (ibid: XII, 171-72).

Com certeza Galilei lutava pela separação entreas verdades da fé e as verdades alcançadas pelo estudoda natureza. Mas não se deve esquecer que Galilei semoveu também no terreno muito escorregadio, da bus-

ca  na  Escritura de uma confirmação das verdades danova ciência. Em uma carta escrita a Piero Dini em 23de março de 1614 Galilei se arrisca na leitura do texto

132

seu tabernáculo...": comentando esta passagem e apon-tando significados "congruentes" com as palavras do profet a, Galilei lev anta. teses tip icamen te neo -platô ni- -cas e "ficinianas". Uma substância "espiritosíssima, te-

nuíssima e velocíssima", capaz de penetrar em qual-quer lugar sem dificuldade, tem a sua sede principal noSol. Daí se difunde por todo o universo e aquece, vivi-fica e torna fecundas todas as criaturas vivas. A luz cria-da por Deus no primeiro dia, e o espírito fecund ante seuniram e se fortaleceram no Sol, Situado portanto nocentro do universo, e daí novamente se difundem. OSol é "um concurso no centro do mundo para o calordas estrelas" e, como fonte de vida, é comparado porGalilei ao coração dos animais que regenera continua-mente os espíritos vitais (ibid: V, 297-305).

Aqui Galilei visa a demonstrar que nos textos

 bíblicos se en co nt ram alg umas verdade s do sistemacopernicano. Na Bíblia estaria contida a idéia de que oSol está no centro do universo e que a_rotação que eleopera sobre si mesmo é a causa do movimento dos

 pla netas . O Salmista conh ece um a ve rda de fu nd a-mental da astronomia moderna: não lhe era oculto,escreve Galilei, que o Sol "faz girar ao seu redor todosos corpos móveis do mundo" (ibid: V, 304).

 No me sm o mo me nt o em qu e faz uso de toda asua habilidade para procurar  no texto sagrado uma con-firmação da nova cosmologia, Galilei arrisca compro-meter o valor da sua tese de caráter geral c|e uma ri-gorosa distinção e separação entre o domínio da ciên-

cia e o domínio da fé, entre a investigação em tornoda forma em que "o céu anda" e da maneira como "sevai para o céu" (ibid: V, 319).

159

0 nascimento da ciencia moderna ila Europa

ÁS HIPÓTESES E G REALISMO

A data de nascimento de Galilei ocorreu no ano

Galilei

um documento de grande importância. Foscarini èGalilei, afirma Bellarmino, terão que contentar-se emse mover no nível das hipóteses. É »expresso muito

t t ã há h i " fi

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seguinte ao encerramento do Concílio de Trento(1563). A Professio fidei trideniinae, após o dia 13 de no-vembro de 1564, marcara uma fronteira rígida entre aheresia e a ortodoxia. Em 1592 Francisco Patrizi fora

condenado por ter sustentado a existência de um úni-co céu, a rotação da Terra, á vida e a inteligência dosastros, a existência de um espaço infinito acima domundo sublimar. Em uma década (durante o pontifi-cado de Clemente VIII) foram condenadas ao Index a Nova philosophia  do mesmo Patrizi, o tratado  De rerumnatura  de Telesio, todas as obras de Giordano Bruno ede Campanella; além disso foram efetuados os inqué-ritos contra Giambattista Della Porta e Cesare Cremo-nini, Francisco Pucci foi condenado à morte, Tomma-so Campanella foi encarcerado e Giordano Brunoqueimado na fogueira.

/ No dia 20 de dezembr o de 1614 o domini canoTommaso Caccini, em um sermão proferido na igrejade Santa Maria Novella, qualificou  como herética tan-to a opinião de Copérnico como também daqueles que pr et en di am corr igi r a Bíb lia. La nç ou -s e co nt ra "a ar tediabólica da matemática" e contra aqueles matemáti-cos incentivadores de heresias, que dev eriam ser bani-dos de qualquer Estado cristão. Nos primeiros mesesde 1615, depois que Galilei já fora denun ciado fo rmal-mente ao Santo Ofício por afirmações "suspêitas e te-merárias" contidas na carta a Castelli, foi publicadaem Nápoles uma  Carta do Muito Reverendo Padre Paolo

 Antonio Foscarini Carmelita sobre a opinião dos Pitagóricos

e de Copérnico  na qual se sustentava a tese de um acor-do entre o sistema copernicano e as verdades da Bí- bli a. A rea ção do car dea l Be ll armino a est a tent at iv a é

154

corretamente e não há nenhum perigo" afirmar que, suposto que a Terra se mova e o Sol esteja parado, "sal-vam-se as aparências" melhor do que com o sistematradicional, mas afirmar que  realmente  o Sol esteja no

cent ro do mun do e a Terr a se mov a "é coisa perigosanão só a ponto de irritar todos os filósofos e teólogosescolásticos, mas também por causar prejuízo à SantaSé pelo fato de tornar falsas as Santas Escrituras" (ibid:XII, 171).

• O jesuíta Roberto Bellàrmino (1542-1621), quefoi eleito cardeal por Clemente VII em 1598 e que eraum dos personagens mais cultos e poderosos da Igre-

 ja da épo ca, re to mava aq ui a tese, já pr es en te nã o sóem Simplício, mas também em Giovanni Filopono,em. Tomás de Aquiho, que considerava a astronomi acomo pura "matemática" e puro "cálculo, e cornoconstrução de hipóteses das quais rião importa dizer se

sejam ou não correspondentes ao mundo real. Naépoca moderna está tese havia sido retomada por An-

~ dré Osiander no seu prefácio anônimo ao tratado  Derevolutionibus   de Copérnico. Contra tais afirmações jáse revoltara com violência inclusive Giordano Bruno.Também Kepler afirmara serem "falsos" os princípiosde Ptolomeu e "verdadeiros aqueles de Copérnico.

A respeito deste assunto, Galilei está de acordocom Giordano Bruno e com Kepler. Ele contrapõe a fi-losofia à pura astronomia e a descrição da realidadedas coisas à mania, das hipóteses. Assim, considerou a

 pe sq ui sa de Cq pé rn ico nã o um me io pa ra ch eg ar a

Cálculos conformes à observação, mas como üm dis-curso que concerne "à constituição das partes do uni-verso  in rerum natura"   e a "verdadeira constituição das

Í55

O nascimento cia ciência moderna na Europa

 parte s do mu nd o" . Cop érn ico , afi rma Galilei, con side -rou o sistema ptolemaico nã o cor respon dente à "reali-dade. Daí, "a meu ver, querer convencer alguém queCopérnico não julgasse verdadeira a mobilidade da

Galilei

no" parecia merecer "do ponto de vista filosófico, amesma censura da primeira; quanto à verdade teoló-gica ela pelo menos é errônea com relação à fé".

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Copérnico não julgasse verdadeira a mobilidade daTerra, não poderia encontrar consenso a não ser talvez por parte de qu em nã o o tive sse lido [„. ]. Ele, no me uentender, é incapaz de moderação, sendo o ponto ab-solutamente principal de toda a sua doutrina e o seufundamento universal a mobilidade da Terra e a esta- bili dade do'Sol ; porta nto , ou é forç oso co nd en á- lo to-talmente ou deixá-lo no seu ser" (ibid: V, 299).

A CONDENAÇÃO DE COPÉRNICO

Em dezembro de 1615 Galilei está em Roma evolta a polemizar. Na carta a Madame Cristina de Lo-rena responde, de um modo mais amplo, aos argu-mentos contidos na carta a Castelli. Em 1616, escreVeo Discorso sopra il flusso e ¡I nflusso del mare, redigido em

forma de carta ao cardeal Alexandre Orsini: um. traba-lho que mais tarde seria recomposto na quarta jorna-da do Dialogo sui massimi sistemi. Mas os seus projetos eas süas ilusões seriam logo interrompidos. No dia 18de fevereiro os teólogos do Santo Ofício tomaram emexame a.doutrina copernicana na formülaçao grossei-ra em que foi apresentada por Caccini. Uma primeira pro pos ição em qu e se afi rma "o Sol ser o centr o domundo , e por conseguinte imóvel com movime nto lo-cal" era declarada pelo Santo Ofício "tola e absurdaem filosofia e formal mente herética, en quan to contra-diz expressamente às sentenças da Sagrada Escritura"-

Uma segunda proposição "que a Terra não está nocentro do mund o, nem é imóvel, e que se mova to-talmente e m st mesma também com movimento diur-

190

Paulo V tinha determinado que Galileifqsse  ad-moestado  no sentido de abandonar a doutrina coperni-cana. No caso de uma sua recusa, ser-lhe-ia dada a   or-dem  (ou  preceito),  perante um tabelião e testemunhas,

de renunciar à doutrina censurada e de abster-se détratar da mesma. A distinção entre  admoestação ou pre-ceito é importante porque com base nesta distinção se-riam formuladas a acúsação e a condenação de 1633.Em 26 de, fevereiro Galilei foi convocado pelo cardealBellarmino. O registro daquela sessão, que não traz asassinaturas dos participantes e tem o aspecto de uma:simples ata, refere que Galilei foi admoestado e que logodepois (sucessive et incontinenti), em nome do Pontí-fice e da inteira Congregação do Santo Ofício, foi-lheordenado  "abandonar totalmente a referida opinião,deixar de aceitá-la, defendê-la e ensiná-la de"qualquer

forma  (quovis modo) mediante palavras e escritos". Nastrágicas jornadas do segundo processo, Galilei achariatais termos "novíssimos e como inauditos". Muitos his-toriadores concordam em considerar aquele registronão correspondente à realidade.

 No dia 3 de março , ap ós a sub mis são de Gali-Jiei, saía o decreto de condenação da Sagrada Congre-gação do Index que proibia os livros de Copérnico,<áté que fossem corrigidos. O mesmo decreto , alémdisso, condenava e proibia não só a obra do PadreFoscarini, como também proibia todos os livros emque a doutrina de Copérnico fosse sustentada. Dessemodo chegara ao término o processo iniciado com a

.denúncia"de Lorini. A pessoa de Galilei não tinhasido atingida e nem os seus escritos tinham sidomencionados. Em maio, face a insinuações maldosas

1 6 3

/

O nascimento da ciência moderna na Europa

e  a boatos-de uma sua abjuração, Galilei pediu a Bel-larmino uma declaração. Nela se comprovava queGalilei jamais abjurara, nem recebera penitências de

é i l t lh f i tifi d d l

Galilei

Para sustentar esta tese, Galilei atacou aspera-mente a astronomia de Tycho Brahe que interpretaraos cometas como corpos reais. Como foi escrito, Gali-lei tinha esperança de riscar os cometas do ceu demo

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espécie alguma: somente lhe foi notificada a declara-ção publicada pela  Sagrada  Congregação afirmandoque a doutrina copernicana era contrária às SagradasEscrituras e, portanto, não se podia "nem defender

nem sustenta r". • •

O LIVRO DA NATUREZA

Em 1523 Galilei publicou  II Saggiatore,  que éuma das grandes obras primas da literatura barroca,Uma obra faiscante de irónia e de força polêmica. Talobra nascera no terreno de uma disputa com o padre ~Horácio Grassi, do Colégio Romano, sobre a naturezados cometas. Em um escrito intitulado  Libra astronômi-ca et philosophica;  publicado em 1619, o, referido padrerespondera a três lições do Discorso sulle comete de Ma-

rio Guiducci, um discípulo de Galilei. O texto de Gui-ducci, na realidade, era obra do próprio Galilei. Comrelação ao fenômeno dos cometas, tanto no  Discorsocomo também no  Saggiatore,  Galilei assu miu as posi-ções do aristotelismo já em declínio naquela época. Ocometa de 1577 apresentava um paralaxe muito me-nor do que o paralaxe da Lua. Desse fenômeno TychoBrahe tinha inferido corretamente que tal cometa seencontrava acima do céu da Lua. Galilei reconhece ser

 poss íve l me di r as dis tân cia s co m o mé to do do para la -xe, mas riega que se possã aplicar   tal  método a  objetos

 , aparentes  (Galilei, 1890-1909: VI, 66). Na verdade, ele

coloca os cometas na mesma categoria dos raios sola-res que se filtram através das nuvens. Os cometas são

 fenômenos óticos e não objetos físicos.

1 6 4/

lei tinha esperança de riscar os cometas do ceu, demo-lindo a ¡reputação de Tycho sobre a Terra. Todavia, poresta sua ofensiva contra o maior astrônomo da suaépoca pagou um preço muito alto: foi forçado á inter-

 pret ar o pape l de um ari sto tél ico conse rvador e pe ne -trar em urna selva repleta de incoerências (Shea,1974:117-18).

Todavia, nas páginas do  Saggiatore  se encontramduas das mais célebres doutrinas filosóficas de Galilei.A primeira tem por base uma série de consideraçõesrelativas à proposição que afirma "ser o movimento acausa do calor". Antes de mais nada, Galilei rejeita aopinião que considera o calor um atributo ou qualida-de "residente realmente na matéria". O Conceito dematéria ou substância corpórea implica os conceitosde figura, de relação com outros corpos, de existênciaem um determinado tempo e lugar, de estaticidade oude movimento e de contato ou não com outro corpo.Mas a cor, o som, o cheiro, o sabor não são noções queacompanham necessariamente o conceito de corpo.Se não fôssemos dotados de sentidos, a razão e  à  ima-ginação huma na jamais chegariam a suspeitar da exis-tência de tais propriedades. Os sons, as cores, os chei-ros e os sabores são pensados como inerentes aos cor-

 pos, como qua lidad es obj eti yas ; na reali dad e, porém,são apenas "nomes". De fato, uma vez "removido ocorpo animado e sensitivo, do calor não resta nadamais do que um simples vocábulo". E Galilei não ficasó nisso. Ele exprime a sua "inclinação a acreditar"

que a causa que produz em nós a sensação de calor"seja uma multidão de corpúsculos mínimos repre-sentados de forma indeterminada, movidos com ex-

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0 nascimento da ciencia moderna ila Europa

trema velocidade", sendo o seu contato com o nossocorpo "percebido por nós, mediante um efeito que nóschamamos de calor". Mas, além da figura e da multi-dã d l ú l b dó ô i '

Galilei

 padr e Grassi. Na sua répli ca aò Saggiatore publicada em1626 com o título  Ratio ponderum Librae et Simbellae,ele pusera em destaque a aproximação entre as tesesde Galilei e as teses de Epicuro que negava a existên

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dão daqueles corpúsculos, bem como dó seu môvi-'mento, penetração e contato, não há qualquer outraqualidade relacionada com o fogo.

O mundo real, portanto, é tecido por dados

quantitativos e mensuráveis, de espaço e de "corpús-culos mínimos" que se movem no espaço. O sabercientífico écapaz de distinguir o que ño mundo é ob-

 jet ivo e rea l e o que , ao contr ári o, é sub jet ivo e rela ti-vo à percepção dos sentidos. Como diria Mersenne naobra  Verité des stiences,  entre o universo da física e ounive rso da experiência sensível, ña e ra mod erna ,abriu-se üm abismo muito mais profundo do que oabismo imaginado pelas filosofias cépticas.

Ao longo de toda a discussão sobre as qualidades primár ias e secund ária s, Galilei evita recorr er ao te rmoátomo., Usa as expressões "corpúsculos mín imos", "mí-

nimos ígneos", "mínimos de fogo", "mínimos quânti-cos". Em todo o caso se trata das partes mais pequenasde uma determinada-substância (o fogo), não dos com- po nentes últ imo s d a m átéri a. Ao terminar o  SaggiatoreGalilei fazia referência a "átomos realmente indivisí-veis". As passagens em que Galilei faz referência   à s j ) 0 - .

sições atomistas sustentadas por Demócrito são pecu-liarmente importantes. Na primeira jornada dos Discor- si  Galilei voltaria aò assunto a propósito do fenômenoda coesão. Simplício acenaria com desprezo "àquelecerto filósofo antigo", aconselhando Salviati a não to-car em semelhantes teclas "desafiriadas com a mente

 be m for jad a e be m org anizad a de Vossa Sen hor ia, nã osomente religiosa e piedosa, mas católica e santa".

A referência à doutrina dos "corpúsculos" con-tida no  Saggiatore  não escapara à atenção vigilante do-

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de Galilei e as teses de Epicuro, que negava a existên-cia de Deus e da Providência. A redução das qualida-des sensíveis ao nível da subjetividade leva a um con-flito aberto com o dogma da Eucaristia porque (e é

uma objeção que também Descartes teria de enfren-tar) quando as substâncias do pão e do vinho são tran-substanciadas no corpo e no sangue "de Jesus Cristo es-tão presentes nelas também as aparências externas: acor, o cheiro e o gbsto. Para Galilei se trata de "nomes"e, para os nomes; não seria necessária a intervençãomilagrosa de Deus.

A segunda doutrina que ficou célebre, contidano  Saggiatore, exprime a, convicção de Galilei de que anatureza, apesar de^er "surda e inexorável aos nossosvãos desejos" e apesar de produzir os seus efeitos "me-diante formas impensáveis por nós", traz no seu inte-rior uma ordem e uma estrutura harmoniosa, do tipogeométrico: "a filosofia está escrita neste grandíssimolivro que está continuamente aberto diante dos nossosolhos (refiro-mê ao universo), mas não se pode en-tender sem antes aprender a entender a língua e co-nhecer os caracteres, nos quais está escrito. Ele estáescrito em linguagem matemática, e os caracteres sãotriângulos, círculos e outras figuras geométricas, demaneira que sem tais meios é humanamente impossí-vel entender qualquer palavra; sem tais recursos écomo caminhar inutilmente por um labirinto escuro"(Galilei, 1890-1909: VI, 232).

Os caracteres em que está escrito o livro da na-

tureza são diferentes daqueles do nosso alfabeto, enem todos são capazes de ler este livro. Nesta premis-sa Galilei baseia a firmíssima e obstinada convicção de

Í55

O nascimento cia ciência moderna na Europa

toda a süa vida: a ciência não se limita a formular hi- pót ese s e a "inv estigar os fenô meno s", mas é cap az dedizer algo verdadeiro a respeito da constituição daspar tes do un ive rso irí rerpim natura e de representar a

Galilei

quais o intelecto divino conhece mais infinitas propo-sições, conhecendo-as em sua totalidade. Todavia, acompreensão daquelas poucas realidades que são en-

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 par tes do un ive rso   irí rerpim natura  e de representar aestrutura física do mundo. Na página do Saggiatore quevem logo depois daquela que xontém a célebre frasecitada anteriormente, Galilei afirma desejar, tal como

Séneca, conhecer a "verdadeira constituição do uni-verso, qualificando este seu desejo como "uma grandeindagação, muito ansiada por mim".

O sentido destas afirmações foi bem entendido por aqu ele s qu e con sid eravam ímpia e perigosa a idéi ade um conhecimento matemático baseado na estrutu-ra objetiva do mundo e, por conseguinte, capaz deigualar de algum modo o conhecimento divino. A po-sição do cardeal Maffeo Barberini (1568-1644, a partirde 1623 Papa Urbano VIII) a respeito deste ponto émuito clara: considerando que para todo efeito naturalé possível dar uma explicação diferente daquela que anós parece a melhor, toda teoria deve proceder no ní-vel das hipóteses e permanecer neste nível. No  Dialogo,

 ju st am en te em oposição a ésta tese , Galilei sus ten tar iaa possibilidade, mediaíite o conhecimento'matemático,de igualar o conhecimento divino. Com um raciocínioque na opinião do aristotélico Simplício parece "muitoousado", Salviati afirmá:  "extensive,  quer dizer, quantoà multidão das-coisas inteligíveis, que são infinitas, acompreensão human a é como nula [...], mas toman doo entender   intensive,  na medida em que tal termo im-

 plica int ensiv amente, isto é pe rfe ita mente alg uma p ro- posi ção, afi rmo qu e o int electo hu ma no comp ree ndealgumas coisas tão perfeitamente, e tem certeza tão ab-

soluta, quanta certeza tem a respeito da própria natu-reza; e tal certeza pod e ser alcançada pelas ciências ma-temáticas puras, isto é, a geometria e a aritmética, das

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tendidas pelo intelecto humano, é igual ao conheci-mento divino na certeza objetiva" (ibid: VII, 128-29). •

Como foi ressaltado muitas vezes, não há dúvi-da de que na "filosofia" de Galilei confluem temas que

se referem a diversas tradições. Por isso, sequer, temmu ito sentido indagar se Galilei foi funda menta lmen-te um platônico ou um seguidor do método aristotéli-co, nem tampouco se foi um discípulo de Arquimedes,ou um engenheiro que conseguia generalizar expe-riências específicas (Schmitt, 1969: 128-29). É verda-de, no entanto, que Galilei teve uma dívida profundacom relação a cada uma daquelas tradições. Com efei-to, a sua visão do universo como entidade matemati-came nte, estrut urada ce rtame nte está ligada ao plato-nismo; a  distinção  efetuada por ele entre  método

(  compositivo e método resólutivo está com certeza li-

gada ao aristotelismo: a aplicação, da análise matemá-tica aos problemas da física com certeza ele a deduziudè Arquimedes; a construção e o uso da luneta reali-zada por ele, bem como a sua apreciação das artes me-cânicas e do Arsenal dos Venezianos está certamenteligada à tradição intelectual dos-"artesãos superiores"da Renascença. Ele sequer hesitou em se referir à me-tafísica da luz do Pseudo-Dionisio e à   tradição hermé-tica e ficiniana quando, durante um breve período,tentou mostrar que nas Escrituras estão contidas algu-mas das verdades copernicanas.

Galilei utilizou cada uma destas tradições. O

idéalismo matemático, combinado com a herança do"divino Arquimedes" e com uma concepção do tipocorpuscular, na história do Ocidente era destinado ater uma força explosiva. ^ '

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0 nascimento da ciencia moderna ila Europa

OS GRANDES SISTEMAS

O pontificado de Urbano VIII parecia r  caracteri-d tá l t l â i E 1626 t ê ó

Galilei

entusiasmo e à ironia. O segundo personagem é o flo-rehtino Filippo Salviati (1583-1614) que representa o

 papel do cop ern ica no convic to e qu e apa rece como umi i à fi d i õ di i ã

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zado por notável tolerância. Em 1626, três anos apósa sua eleição, o novo Pontífice mandaria libertar Tom-maso Campanella e pagar-lhe uma pensão. Nestenovo clima Galilei projetou a publicação de um  Dialo-

 go sopra il flusso e il riflusso del maré. Mais tarde, porém,' Galilei acharia este título demasiado ousado e envol-vente. Por razões de prudência chegaria a escolher umtítulo que fosse, aparentemente mais neutral:   Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo, tolemaico e coperni-cano.  Já a partir, do título era excluído de uma sériaconsideração o assim chamado "terceiro sistema do

'munido" de Tycho Brahe que no ambiente dos Jesuí-tas fora acolhido com especial simpatia. N

 No pro èmi o Al discreto lettore e nas palavras con-clusivas da obra, Galilei aparentava aderir ao hipotetiv

cismo de Urbano VIE: "aceitei no discurso a parte co-

 pernicana pro cedend o em um a pu ra hip óte se ma te -mática", escreve Galilei no proèmio, e prossegue afir-mando que a condenação pronunciada pela Igreja em1616 não nascera por"ignorância científica mas por ra-zões da piedade e da religião. Por tais razões foi afir-mada "a firmeza da Terra e a tese contrária foi classi- .ficada como um capricho matemático". A argumenta-ção capciosa, bem como a cautela do proèmio e, naconcluáão, a referência à "angélica doutrina" do Pon-tífice não seriam suficientes para poupar Galilei daderrota e da humilhação.

 Na verdade, o to m do  Diálogo  está bem longedestas atitudes de cautela. O colóquio se desenvolveem Veneza no palácio do patrício veneziano Giovan

, Francesco Sagredo (1571-1620) que personifica o pa- pel do espí rito livre e irr eve ren te, sempre disp osto ao

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cientista que une à firmeza das convicções a disposição par a o di álog o pacato . O ter cei ro int erlocuto r é um a fi-gura fictícia de nome Simplício," um aristotélico defen-sor do saber constituído, nãò ingênuo nem desprovido

de cultura, mas atrelado à defesa de uma ordem quelhe parece não modificável, induzindo-o a considerar

 perig osa qu alquer tese qu e se afa ste daq uela ord em:"Esta mane ira de; filosofar tende p ara a subversão detoda a filósofia natural, criando a desordem e pondoem colapso o céu, a terra e o universo inteiro". Salvia-ti representa também o público ao qual o  Dialogo é di-rigido. Tal obra, escrita em língua vernácula, não é cer-tamente endereçada a convencer os "professores" per-sonificados por Simplício. O público que Galilei querconvencer é aquele das cortes, da burguesia e do clèro,

 bem com o das novas classes inte lec tua is. Das qu at ro

 jornad as qu e c ompõ em o Dialogo, a primeira tem comoobjetivo a destruição da. cosmologia aristotélica, a se-gunda e a terceira respectivamente tratam do movi-mento diurno e anual da Tjerra, e a quarta é destinadaà prova física  do movimento terrestre que Galilei achater alcançado com a teoria das marés.

O Dialogo não é um livro de astronomia pelo-fatode não expor um sistema planetário. Totalmente volta-do a demonstrar a vérdade da  cosmologia copernicana éesclarecer as razões que tornam insustentável a  cosmo-logia e a física  aristotélica, a obra não aborda os proble-mas dos movimentos dos planetas e de uma sua expli-cação. No que se refere ao sistema copernicano é ofe-recida uma representação simplificada, sem pondera-ções em torno de movimentos excêntricas e de epici-clos. Ao contrário de Copérnico, Galilei faz coincidir o

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centro das órbitas circulares com o Sol, sem se ocuparem dar razão das observações sobre o movimento dos

 pl an etas. Co mo jü st am en te foi af irmado , Galil ei ti nh amuito mais confiança no seu princípio de mecânica

Galilei

do mundo, isto é, tanto aos corpos celeste^ quanto aoselementares". Tal expressão é muito importante, poisafirma que o céu e a Terra pertencem ao mesmo siste-ma cósmico e que existe  somente uma física,  isto é, so-

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ç p p pe lo qu al os cor po s tê m a tend ên cia a pe rsev erar £mum movimento circular uniforme do que na apuraçãodaquelas medições a que, naquela mesma época, Ke-

 pler se ded ica ra com in esg otáve l pac iên cia . Á esta ati -tude deve ser atribuído também o fato de Galilei nãoter feito nenhuma consideração aos-problemas da Ci-nemática planetária resolvidos por Kepler (a teoriaelíptica fora anunciadá na  Astronomia Nova  em 1609).

A primeira jornada é dedicada à insustentabili-dade da "fábrica do mundo" aristotélica/Aquele con-ceito de mundo tem uma  dupla estrutura,  por Um ladoestá fundado na divisão entre o mundo celeste incor-

v ruptível e o mund o corruptível dos elementos. O pró- pr io Ari stó tel es af ir mo u qu e os te st em un ho s do s sen-tidos devem ser prepostos a qualquer discurso. Porissó,. Salviati objeta a Simplício, que poderia filosofarmais de maneira aristotélica dizendo que o céu é mu-tável porque assim me mostram os sentidos, do queafirmando que o céu é mutável porque assim "pensa-va" Aristóteles. Aquela "distância dos sentidos" quetornava impossível a observação, das coisas celestes foisuperada pelo telescópio. Mas não são apenas as mon-tanhas na Lua que obrigam a abandonar a imagemtradicional do universo. Tal  imagem,  aparentementeorgânica e estável, mostra no seu interiòr falhas e con-tradições: por exemplo, parte do conceito de perfeiçãodos movimentos circulares pára afirmar a perfeiçãodos corpos celestes e em seguida se serve daquela no,-

ção para afirmar a perfeição daqueles mov imento s. Osatributos de gerável e não gerável, alterável e inalte-,rável, divisível e indivisível "cabem a todos os corpos

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mente uma ciência do movimento válida tanto para omundo celeste quanto para o mundo terrestre. A des-truição da cosmologia de Aristóteles implica necèssa-riamente a destruição da sua física. "

A DESTRUIÇÃO DA COSMOLOGIA ARISTOTÉLICA

A segunda jornada é dedicada inteiramente auma confutação minuciosa de todos òs principais ar-gumentos, antigos e modernos, aduzidos contra o mo-vimento da Terra: uma pedra deixada cair do alto deuma torre não poderia tocar o chão perpendicular-mente ao pé da torre, mas em um ponto ligeiramentedesviado para o Ocidente; as balas de.um canhão dis-

 pa ra da s na di reção do Oc id en te de ve ri am te r u ma tr e-

 je tó ri a ma is lo ng a do qu e aq ue la s di sp ara das em di re-ção ao Oriente; ao correr a cavalo sentimos o ar chi-coteando o nosso rosto, (supondo qüe a Terra semova) deveríamos sempre perceber um ventoTmpe-tuoso proveniente do Oriente; as casàs e ás árvores si-tuados sobre a superfície da Terra deveriam ser arran-cadas das raízes e lançadas longe pela força centrífuga

 pr ov oc ad a pe lo mo vi me nt o te rr es tr e. Ou , co mo afi r-ma Galilei em uma ano tação , à parte  "é  de estranharque alguém possa urinar, correndo nós tão velozmen-te atrás da urina; ou pelo men os dev eríamos „nos uri-nar joel hos abaixo " (Galilei, 1890: 190 9: Hf, 1, 255).

Servindo-se de uma tese da qual se servira tam- b ém Tych o Brah e, Sim plí cio ar gu me nt a da segu in teforma: estando em um navio parado, se deixarmos

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\  y   •\ . . .

cair uma pedra do alto do mastro, a pedra desce per- pend icularment e. Em um navio em mo viment o, po-rém, a pedra cai segundo uma linha oblíqua, longe dabase do mas tro na dir eção da pop a do navio Adm i

Galilei

um outro vaso de boca pequena e se o navio se movea qualquer velocidade "contanto que o movimentoseja uniforme e não flutuando daqui para lá, vocêsnão notariam nenhuma mudança mesmo mínima em

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 base do mas tro , na dir eção da pop a do navio. Adm i-tindo que a Terra se mova velozmente no espaço, omesmo ,fenômeno deveria verificar-se deixando cairuma pedra do alto de uma torre. Em um ponto Sim-

 plíc io me nt iu mesm o de mo do inc onsci ent e: a exp e-riência sobre um navio jamais foi realizada. A atitudetomada por Galilei é muito significativa: qualquer umque faça aquela experiência verificará ocorrer o con-trário daquilo que Simplício afirmou. Mas na realida-de não é necessário realizar aquela experiência: "tam-

 bém sem ex periênc ia o efe ito aco nte cer ia. .. po rq ue énecessário que aconteça desse modo". Pelas palavrasde Salviati e de Sagredo, Galilei contrapõe aos argu-mentos ánticopernicanos o princípio da relatividadedos movimentos. Os movimentos celestes existem so-mente para um observador terrestre e não é absurdo

de modo algum atribuir à Terra um movimento diur-no de rotação. Pois o movimento produz uma varia-ção nas aparências, variação esta que ocorre da mes-ma forma quer que se aceite a mobilidade da Terra e aimobilidade do Sol ou a tese contrária. Qualquer mo-vimento que seja atribuído à Terra é necessário que,"enquanto habitantes da mesma Terra e por conse-guinte participantes do mesmo movimento, ele fica pa ra nós to ta lmen te imp erc eptív el como se nã o exis -tisse". O exemplo aduzido por Salviati Como "última prov a" da incons istê ncia de tod as as argu mentaçõescontra õ movimento terrestre-tiradas da experiênciacotidiana  ficou justamente famoso: em um cômodo si-tuado sob o convés de um navio, se há moscas e bor- bolet as e um vas o de águ a com peixes de nt ro e um pe-queno balde do qual cai água gota após gota dentro de

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todos os referidos detalhes, nem por meio de nenhumdeles vocês poderiam perceber se o navio anda ou está parado".

A afirmação da relatividade dos movimentostem conseqüências de grande relevância. Na mecâni-ca dos aristotélicos se estabelece uma ligação necessá-ria entre a movimento e a essência dos corpos. Naque-la perspectiva não "só se pode estabelecer quais corpossão necessariamente móveis é quais imóveis, comotambém sé pod e explicar porque ne m todas as formasdo movimento convêm a todos os corpos. Na perspec-tiva aberta por Galilei repouso e movimento não têmnada a ver com a natureza dos corpos, isto é, não hámais corpos de per si móveis ou imóveis, nem se podedecidir   a priori,  em face do movimento, quais corposse movem e quais são imóveis. Na física dos aristotéli-

cos a localização das coisas não é indiferente nem paraas coisas nem para o universo. O movimento se con-figura como  movimento  quando ocorre no espaço,como  alteração  quando concerne às qualidades, como

 generatio  e  interitus se diz despeito ao ser. Ò movimen-to não é um  estado,  mas um  devir   e um  processo.  Me -diante aquele processo as coisas se constituem, atuali-zam-se e se cumprem. Um corpo em movimento nãomuda apenas na sua relação com outros corpos: ele

 pró pri o está su jei to a um a mu da nç a. Na física gali lea-na a idéia de movimento de um corpo é separada daidéia de uma mudança que afeta o próprio corpo. È o

fim~ da concepção (que é comum à física aristotélica eà teoria medieval do  impetus)  de movimento que ne-cessita de um  motor  que o produza e.que o conserve em

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O nascimento cia ciência moderna na Europa

niovimento  durante o movimento. Ambas as situaçõesde repouso ~e de movimento são estados persistentes doscorpos. Na ausência de resistências externas, para pa-rar um corpo em movimento é necessária uma força

Galilei

tividade implica o conceito de um  movimento retilíneouniforme  e a aceitação do princípio de inércia (confor-me o qual todo corpo continua no seu estado de re-

 pouso ou de mo vi ment o ret ilín eo un ifor me até qu eã i t h f difi t l t d )

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rar um corpo em movimento, é necessária uma força.A força produz não o movimento, mas a aceleração..Mediante a inversão de quadros mentais consolida-dos, Galilei abriu o caminho que levaria à formulação

do princípio de inércia.

GEOMETRIZAÇÃO, RELATIVIDADE, INÉRCIA

A concepção que nos manuais é conhecidacomo o princípio da relatividade galileana não corres- po nd e áo prin cíp io ef et ivamente formulad o por Galilèique visava a mostrar, mediante aquela sua doutrina, aimpossibilidade, para um observador situado na Terra,de perceber o movimento de rotação da própria Terra.De fato, com base nas observações mecânicas efetua-

• das dentro de um sistema não se pode decidir se o pró- prio sistema este ja era situ ação de rep ouso ou em mo -vimento retilíneo e uniforme.  Na verdade, Galilei enu n-cia uma doutrina "mais ampla", segundo a qual ummovimento "não flutuante aqui e ali" comum a todosos corpos que formam um determinado sistema nãoexerce qualquer influência sobre o comportamento re-cíproco desses corpos e por conseguinte nunca podeser demonstrado no interior do sistema. O movimento"não flutuante aqui e ali", conforme o exemplo galilea-no do navio, quer dizer movimento retilíneo òü retoou que procede aO longo do mesmo meridiano terres-tre, sendo po rtanto um a extrapo lação traduzir "não

flutuante" por "retilíneo" (que é um termo usado, re-   >

 pet ida s vezes, por Galilei em outro s contexto s). A di fe-rença não é pouca, porque o princípio clássico de rela-

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não intervenha,uma força para modificar tal estado).Tal princípio, que está nas raízes da dinâmica

moderna, jamais foi formulado por Galilei justamente por causa da açã o exercida sobre a sua física pela s suasconvicções cosmológicas. No  Dialogo  Galilei imaginavaum plano horizontal, isto é, uma superfície "nem émaclive e nem em declive", sobre o qual o móvel ficariaindiferente (entre a propensão e a resistência ao movi-mento". Uma vez que "lhe fosse dado o impulso", omovimento duraria por todo o comprimento do planoe "se tal espaço fosse indeterminado, o movimento nele,seria igualmente sem fim, isto  é, perpétuo ". A superfí-cie de que Galilei está falando aqui não é um plano ho-rizontal tangente na superfície terrestre, mas sim um

 pla no "em qu e todas as suas par tes est eja m igualm entedistantes do centro da Terra". Ele fala de uma superfície

esférica: "Uma superfície que pude sse estar nem em de -clive e nem em aclive, quer dizer, precisaria que todasas suas partes estivessem igualmente distantes do cen-tro. Mas será que no mundo existe uma superfície des-,te tipo?... Existiria sim: aquela do nosso globo terrestre,mas seria preciso qué fosse bem polida".

 Nq qu e diz respei to às razões qu e lev am Galileinesta direção resultam iluminadoras aquelas páginasda primeira jornada nas quais Galilei mantém de pé adistinção aristotélica entre movimentos naturais e nãó-naturais e afirma o caráter   natural   do movimento cir-cular e  a impossibilidade  dç um movimento retilíneo

constante: "sendo o movimento reto infinito por natu-; reza, porque a linha reta é infinita e indeterminada, é"impossível que algum móvel tenha por natureza o

163

0 nascimento da ciencia moderna ila Europa

 princípio de se mo ve r em linha ret a; isto é, para on deé impossível chegar, não havendo um término prede-finido". O movimento retilíneo poderia ser atribuído .^imaginando" que os corpos se moviam no caos primi-

Galilei

sempre rumo ao mesmo, portanto nele tanto a repug-nância como também a inclinação são sempre de for-ças iguais, resultando dessa igualdade uma velocidadenem retardada nem acelerada^ quer dizer, uma unifor-

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g q p ptivo, quando o universo estava ainda desordenado.Aqueles movimentos retilíneos, que têm a característi-ca de desordenar os corpos ordenados, são também

"dispostos a ordenar corretamente aqueles dispostosde maneira perversa".-O movimento reto pode servir"para conduzir as matérias para fabricar a obra, mas,uma vez que é fabricada, (ela deye) ou ficar imóvel.Ou, se móvel, mover-se só'de forma circular". Após a

 per féi tá distr ibuição das parte s qu e const itu em a or-dem do mundo, é impossível que reste nos corpos uma"inclinação natural a se moverem ainda em movimen-to reto,'pelo qual agora resultaria apenas mover-se doseu próprio lugar natural, isto é, desordenar-se". Pode-mos desse modo "imaginar", de acordo com Platão,que o corpo das planetas em um primeiro momento

foi movimentado em movimento reto e acelerado eque em seguida, uma vez alcançado um certo grau de• velocidade/aquele movimento tenha sido convertida

em mo vime nto circular "cuja velocidade a. seguir éoportuno que seja uniforme".

 Não se tra ta de concessõ es do tipo l iter ário à m i-tologia platônica. O mesmo assunto é retomado, commaior amplitude, no decorrer do diálogo, quando Sal-viati argumenta sobre as características do movimentocircular: "sendo que tal movimento faz que o móvelsempre parta e sempre chegue ao término, em primei-ro lugar éle só pode ser uniforme". A aceleração deri-va da inclinação do móvel na direção do término do

movimento, o atraso decorre da repugnância a afastar-se daquele término. No movimento circular, porém, omóvel "parte sempre de um ponto natural, e se move

154

midade, do movimento". A "continuação pe rpétua"que "obviamente não se pode encontrar em uma "li- .nha interminável", deriva desta uniformidade bem

como do fato que ó movimento circular e "inter-minável". A conclusão resume com clareza a posiçãode Gaiilei: somente o movimento circular convém pornatureza aos corpos naturais que constituem o univer-so ordenado; o moVimento retilíneo foi conferido pelanatureza "aos seus corpos e a partes deles, toda vez quese encontrassem fora dos próprios lugares, ficando as-sim em uma disposição perversa".

O movimento retilíneo infinito é impossível pornatureza, porque a natureza "não se move para onde éimpossível chegar". Esta frase, tão fascinante do pontode vista literário, exprime um dos maiores obstáculosque Gaiilei, seguindo o sistema copemicano, não con-seguiu superar. Ò movimento em círculo continua sen-do para ele o movimento por excelência, aquele quenão requer explicações (pela nova física õ movimentocircular deverá ser explicado justamente mediante o re-curso a uma força não inercial). A unificação da física eda astronomia, que constitui a grande conquista imor-tal de Galüei, foi possível com base no conceito de  iner-cialidade dos movimentos circulares. A cosmologia que, aolongo de milênios, veio se referindo aos movimentos perfe itíssimos das esferas celest es, conti nua va a exe rce rum peso decisivo na física galileana.

Apesar de ser difícil ler Gaiilei sem "ver" as pos-

 sibilidades newtonianas  presentes no seu discurso, é ne-cessário não cair no engano de atribuir àquilo que foi

 pe ns ad o antes  as implicações que emergiram  depois. O

Í55

O nascimento da ci encia moderna na Europa

 princí pio de inércia , tal como Consta fo rmul ad o na pri mei ra lei" n ew to ni an a dõ mo viment o, teve um alonga gestação e é a elaboração, por parte de Descar-tes e de Newton, de uma grande e revolucionária idéia

.Mundos inumeráveis

Foi ressaltado várias vezes que a "falsidade" daexplicação galileana (conforme a qual as marés deve-Ijam ocorrer somente a cada 24 horas) não é afirma-da com base nos progressos sucessivos da ciência.

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tes e de Newton, de uma grande e revolucionária idéiade Galilei. Gomo escreveu William Sliea, para passardos conceitos de Galilei para a primeira lei de Newtona inércia deveria ser: 1) reconhecida como uma lei

funda menta l da natureza; 2) considerada como impli-cante , na retilinearidade ; 3) generalizada pelo movi-

. mento sobre a Terra para cada movimento que ocorraem um espaço vazio; 4) associada à massa como quan-tidade de matéria. Os primeiros três passos seriam rea-lizados por Descartes, o quarto somente por Newton(Shea, 1974: 9).

AS MARÉS

A partir do pequeno tratado de 1616 sobre o

fluxo e o refluxo do mar até o Dialogo sui massimi siste-mi,  durante  quase  vinte anos, Galilei enxergou nomovimento das marés e na sua explicação daquelemovimento uma prova física  definitiva da verdade co- pe rni cana , A exp licação de Galilei adota como cau sado fluxo e do refluxo das marés o duplo movimentoda Terra: a rotação diurna do eixo terrestre do Ociden-te para Oriente e a revolução anual da Terrà ao redordo Sol, que também procede do Ocidente para oOriente. Na concepção de Galilei  a combinação destesdois movimentos faz que cada ponto da superfície terres-tre se mova com "movimento progressivo e uniforme"e "mude de velocidade por vezes acelerando-se e por

outras retardando-se". Todas as partes da Terra por-,tanto se movem "com movimento notadamente desi-gual" apçsar de nenhum movimento não regular enão uniforme ter sido atribuído à Terra.

198 199

Aquela explicação dificilmente pode si conciliar comos resultados que o próprio Galilei conquistou para afísica e para a astronomia. Depois que introduziu na

física o princípio clássico da relatividade/ Galilei (comoErnst Ma eh no tou) integra de m od a ilícito dois dife-rentes sistemas de referência. Toda a segunda jornada,do  Dialogo  visa a provar que sobre uma Terra em mo-vimento tudo acontece como sobre uma terra parada.Por que somente os Oceanos seriam influenciados pe-las variações de velocidade da superfície terrestre? enão todo s o corpos não fixado s rigidame nte à. Terra? ATerra, movida por um movimento diurno, na quarta

 jorn ad a, na o s e configura mai s co mo um sistema: iné r-cia! (Clavelin, 1968: 480).

Galilei procura uma solução para o problema

das marés exclusivamente em termos de movimentose de composição dos movimentos, recusando todadoutrina dos "influxos" lunares e movendo-sé no pla-no do mais intransigente mecanicismo. A situaçãotem algo de paradoxal: impelido por uma forte aver-são à doutrina dos influxos e das qualidades ocultas,Galilei é induzido a rejeitar cbmo desprovida de senti-do toda teoria das marés que faça referênda à "atra-ção" entre a massa aquosa dos Oceanos e a Lua.Aquela doutrina não é uma hipótése alternativa paraoutras hipóteses possíveis, nem é incoerente e nemRode ser falsificada por meio de observações: é sim-

 pl esmente "desca rtada" p or Galilei co mo mani fes taç ãode uma mentalidade mágica. Não vale a pena gastar

 pal avras pa ra co nfut ar seme lhan tes lev ian dad es, afi r-. ma Galilei por boca de Sagredo. Que a Sol ou a Lua

O nascimento da ciencia moderna lia Europa

entrem de algum modo na produção das marés é coi-sa  "que  repugna totalmente o meu intelecto [...] oqual não pode se dispor a atribuir [...] a predominiospo r qu al id ad es ocul ta s e a se me lh an te s vãs im ag in a-

Galilei

tina, por causa da quarentena que sé tornou necessá-ria pelo contágio da ¿este, chegou a Roma no dia 13'de fevereiro, fim 12 de abril, física e moral ment e arra-sado, Galilei se apresentou ao Santo Ofício. A acusa-ção não era baseada no fato de ter feito publicar o Diá

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 po r qu al id ad es ocul ta s e a se me lh an te s vãs im ag in a-ções". Galilei exprime também a sua grande surpresa

 pe lo fa to qu e um h o mem co mo Kep ler , de "intelect olivre e agudo", que já conhecia a verdade copernicana"e tinha' em mãos os movimentos atribuídos à Terra",inexplicavelmente tenha no entanto "dado ouvido eassentimento a predomínios da Lua sobre a água e a

 pr op ri ed ad es ocul ta s e se me lh an te s in fant il ismo s"(Galilei, 1890-1909: VII, 470, 486).

A TRAGÉDIA DE GALILEI

Com a polêmica desencadeada na obra  II Ság- giatore  Galilei alienara de si a simpatia dos ambientes jes uí tas . Os in imi go s de Gali lei nã o fi ze ram mu it o es-

forço para convencer Urbano VEI que a referência à"angélica doiítrina", expressa no  Dialogo  pela fala déSimplício significava a intenção específica por parte deGalilei de ridiculizar a autoridade do Pontífice. OPapa, de fato, afirmou ser possível dar uma explicaçãodiferente daquela que nos parece a melhor, é por con-seguinte devemos proceder somente no plano das hi- póteses^ a re sp ei to de- cad a fe nô me n o na tu ra l. Po r issoo Inquisidor de Florença deu ordem de suspender adifusão da obra e no dia primeiro de outubro de 1632Galilei foi intimado a ir a Roma para ficar à disposiçãodò Comissário Geral do Santo Ofício. Galilei conse-

guiu protelar a partida até janeiro do ano seguinte.Por fim, ameaçado de ser levado a Roma "até mesmoamarrado com correntes", pôs-se a caminho no dia 20de  janeiro.'Após uma longa parada em Ponte de Cen-

1 8 2

ção não era baseada no fato de ter feito publicar o  Diá-logo, m&s ter extorquido de modo fraudulento o Impri-matur   sem explicar a quem devia concedê-lo a exis-tência do preceito de  1616 que proibia ensinar e defen-de r   quovis modo  a doutrina copernicana. Durante osdepoim entos Galilei se refere à  notificação  de Bellarmi-no e ao documento que o mesmo Bellarmino lhe re-metera sucessivamente; afirma, al ém disso, que não selembrava de ter recebido a intimação de qualquer   pre-ceito  na presença- de test emunh as; por fim, concluiafirmando que na realidade o Dialogo  tinha o objetivode demonstrar a não validade e a falta de lógica das"razões" de Copérnico. Esta última frase, ditada pelomedo, eolocoú Galilei nas mãos dos juízes, tiía ndo-l hequa lqu er possibilidade real de defesai. A partir da í foifácil para os consult ores da Inquisição mostrar q ue ele

tentava enganar os seus juízes. Eles então concluíramque Galilei "não somente arma a opinião copernicanacom novos argumentos, jamais propostos por ne-nhum cidadão transalpino, mas faz isso em italiano, alíngua  [...Jjnais indicada para arrastar para o seu ladoo povo ignorante no meio do qual o erro tem maisaceitação". Além disso, ele teve a pretensão de ir alémdos limites estabelecidos pelos matemáticos: "O autorsustenta ter discutido uma hipótese matemática, masacaba lhe conferindo uma realidade física, o que osmatemáticos jamais fariam".

 No memo ri al escri to, pr ep ar ad o em su a. defesa ,

Galilei reafir mou com força (10 der maio) que ó s termos(jue constam na instrução do processo de 1616 chega-ram ao seu conhecimento "absolutamente novos e

• O nascimento da ciência moderna na Europa f

como jamais ouvidos". Após um mês de espera e depoisde um novo interrogatório foi emanada a sentença. Nomesmo dia, 22 de junho de 1633, Galilei em traje depen itênci a e de j oelho s diante dos cardeais da Congre-

Galilei

aquilo que se escrevia não era nada mais do que adu-lação e banalidades".

A sentença condenava Galilei ao cárcere for-mal. Em primeiro de julho de 1633 obteve a transfe-

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 pen itênci a e de j oelho s diante dos cardeais da Congregação, pronuncia a abjuração púbüca: "com coraçãosincero e fé não fingida abjuro, c onden o e detesto os re-feridos erros e heresias [...] e juro que no futuro nuncamais direi nem sustentarei, por palavra ou por escrito,coisas dessa espécie pelas quais se possa ter a meu res-

 peito tal Suspeita , mas se ficar sab endo dè alg um here-ge ou que seja suspeito de heresia, denurid á-lo-ei a esteS. Ofído" (Galilei, 1890-1909: XIX, 406-407).

A condenação que foi assinada por seté dos dez juízes, nã o atingia so mente Galilei e ne m cor tav a so :

mente as  suas  esperanças e as suas ilusões. Dava tam- bé m um golpe mort al na s  esperanças  de todos aquelesque, no interior da Igreja, acreditaram não somentenas verdades da nova astronomia, mas também na poss ibil idad e, para a pró pr ia Igre ja, de exerc er um a

função positiva no mundo da cultura. Tanto na histó-ria das idéias como também na história da dência, oano de 1633 será todavia um ano decisivo. Poucosmeses depois da condenação (em 10 de janeiro de1634) Descartes escrevia a Mersenne que desistia de

 pub licar o seu tra tado sobre o mu nd o po rq ue lhe ti-nha chegado a notícia da condenação de Galilei. Porisso adotava como seu lema  bene vixit qui bene latuit(viveu bem q uem soube s abiame nte ficar oculto)  econfessava ter a tentação de "queimar todos os seus pap éis" . Dez anos depois, Jo hn Mil ton lem brava emseu livro  Areopagitica  a  sua visita a Galilei (1639) di-

zendo que "os italianos cultos "lamentavam o estadode escravidão em que a ciênda fora reduzida na sua pát ria ; era a raz ão pel a qual o. espírit o ita liano, tãovivo, apagara-se e pela qual há muitos anos tudó

196

p jrência para Sena, onde o arcebispo Ascanio Piccolomf-,ni o acolheu com sincera amizade.

-- Em dezembro foi autorizad o a se transferir páraa süa vila de Arcetri, perto de Florença, com a condiçãoque vivesse retirado, sem freqüentar muitas pessoas"nem para bater papo nem para comer". Em 2 de abril,de 1634 falecia a sua filha predileta, Irmã Maria Celes-te, e Galilei caiu "em uma tristeza e melancolia imensa:inapetência extrema, odioso á mim mesmo, enfim mesinto continuamente chamar por minha filha dileta"(ibid: XVI, 85). No final de 1637 foi acometido por umacegueira progressiva: "aquele mundo e aquele univer-

, so", escreve Galilei ao amigo Diodati, "que eu com asminhas observações maravilhosas e claras demonstra-ções tinha ampliado cem ou mil vezes mais do que

aquele visto comumente pelos sábios de todos os sécu-los passados, agora para mim ficou tão dimin uído e res-trito a ponto de não ser maior do que aquele que é ocu-

 pado pela mi nh a p esso a" (ibid: XVII, 24 7) .

A imagem  totalmente  não-histórica, preferida por mu it a his tori ogr afi a do séçulo XIX, de um Galileilivre pensador e positivista  ante litteram hojt   em dia

/ parece ter desaparecido. Igualmente deixaram de tersentido as muitas e um tanto penosas tentativas dereavaliar ou justificar integralmente as acusações e acondenação. Em 30 de novembro de 1979 o Pontífice

^ João Pa ulo H, dirigindo-se à Pontifícia Academia" das

• Ciências-por ocasião do centenári o-do nascim ento deA  Albert Einstein, lembrava que Galileu Galilei "tevemuito que sofrer [...] por parte dos homens e organis-

; mos da Igreja" e afirmava que, a respeito dele, houve

197

• O nascimento da ciência moderna  na Europa

uma daquelas "intervenções indevidas" já condenadas pel o Conc ílio Vati cano I I  (Acta,  1979: 1464).

Í

f Galilei

um novo saber: um  corpus  orgânico de teorias podeser aplicado pela primeira vez à engenharia civil e mi-litar e à ciência das construções. Neste contexto setorna relevan te a tese, presente no começo dós Discor-si, de que o "filosofar" precisa levar em cuidadosa

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A NOVA FÍSICA .

Os estudos realizados sobre Galilei no decorrer

da década de Setenta não só esclareceram a grande im- por tân cia de d ois t rat ados escri tos p elo cientista na fase juv enil, De motu e Mecaniche, mas mostraram, por meiode um cuidadoso estudo dos fragmentos, que todos os pro ble mas de fu nd o da física gal ileana r em on ta m à dé-cada de 1600-10 (Wisan, 1974). Portanto, a maior obracientífica de Galilei tem uma gestação muito longa. Aobra  Discorsi e dimostrazioni matematiche intorno a duenuove scienze attinenti alla meccanica e ai Movimenti localifoi editada em Leida, na Holanda, em 1638, sem queGaKlei fosse informado oficialmente. Os três interlocu-tores do Dialogò apareciam de novo. Nas primeiras duas

 jor nadas, dedicadas ao problem a da resi stência do smateriais, desenvolvia-se um verdadeiro e próprio diá-logo. iNá terceira e na quarta  jornada,  dedicadas res- pect iva máhte aos pro ble mas do mo vime nto unifo rme,naturalmente acelerado e uniformemente acelerado, be m co mo ao pro ble ma da tra jet óri a pe rco rri da pelos, projéte is, Salvia ti l ê Um tra tado em lat im sobre o mo -vimento que se  supõe composto-pelo seu amigo Acca-demico. Somente aqui e acolá a leitura é interrompidacom pedidos de esclarecimentos por parte.dos dois in-terlocutores. Uma "qu inta jornad a" (sobre a~ teoria das pro porçõ es fo nh ul ad a por Euclides) e um a "sex ta jor -nada" (sobre o problema da percussão) seriam publica-

das respectivamente em 1774 e em 1718).As teorias elaboradas nos  Discursos  relativas à

resistência dos materiais são o ato de nascimento de

1 8 6

 si,  de que o filosofar precisa levar em cuidadosaconsidera ção o tra balh o dos técnicos e, a praticá dosartesãos. A esse propósito, declara Sagrédq, a conver-sação com os mecânicos "peritíssimos e de discurso fi-níssimo me ajudou várias vezes na pesquisa dos efei-tos ainda ocultos e quase inopináveis". Em primeirolugar, Galilei ressalta, a importância da  escala de umaestrutura como fatòr que determina a su^ resistênciae demonstra as razões da maior resistência do mode-lo em comparação com a escala real. Prismas e cilin-dros que diferem em comprimento e sutileza ofere-cem uma resistência às rachaduras (ao suporte de pe-sos nas extremidades) que é diretamente proporcio-nal aos cubos dos diâmetros das suas bases e inversa-men te proporcional ao seu comprimento. Os ossos deum gigante deveriam ter uma grossura desproporcio-

nalmente grande em comparação com o seu compri-mento; pór isso, tanto na arte como também na na-tureza não é permitido aumentar indefinitamente adimensão das estruturas. A coesão dos sólidos e a re-sistência dos materiais é explicada recorrendo-se àsua composição atômica ou corpuscular, posto queexiste uma resistência à formação do vazio entre as par tícula s (co mo é mo st rado pel a resi stênci a à separação de duas superfícies lisas ao coiitato) ou umasubstância viscosa entre as mesmas partículas. Na suaanálise da rachadura das vigas, Galilei ignora o assimchamado efeito de compressão e considera inextensí-

veis as fibras das vigas., Na terceira jorna da,  Q  caminho percorrido por

.Galilei para chegar à formulação rigorosa do movi-

184 186

O nascimento da ciencia moderna na Europa

mento uniformemente acelerado foi percorrido denovo varias vezes por filósofos e por historiadores daciencia. Tal formulação é colocada no término de um

 process o de ab st raç ão cad a vèz ma is rig orosa de qu al -

Galilei

G A G

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p ocess o de ab st aç ão cad a vè a s g o osa de qu aquer elemento sensível e qualitativo. No tratado juve-ni l  De motu  estavam ainda presentes os conceitos de

 pe so d os cor pos , de mo vi me nt o na tu ra l p ara b aixo de -vido ao peso, de  vis impressa  entendida como uma le-veza temporánea que prevalece sobre a gravidade na-tural. A velocidade da queda era colocada em relaçãocom a densidade e ao peso específico dos corpos. Ago-ra em lugar da investigação das causas é colocada umaconsideração meramente cinemática, ou seja; a velo-cidade é concebida como diretamente proporcional aoespaço percorrido. Tal hipótese, aceita em uma pri-meira fase, éih seguida é abandonada a favor dè uma

 pr op or cion al id ad e di ret a co m o te mp o, qu e te m um aevidência intuitiva muito menor: "Se um móvel; par-tindo da posição de repouso, desce com um movimen-

to uniformemente acelerado, os espaços percorridos po r ele em qu ai sq ue r temp os .. . est ão en tr e si em re la-ção igual aos quadrados dos tempos".

 _ A re lação D -r T2

(expréssa na'proposição 2 doTeorema II) decorre do Teorema I pelo qual o tempodurante o qual um espaço qualquer é percorrido porum móvel que parte da posição de repouso e se movecom movimento uniformemente acelerado é igual aotempo em que aquele mesmo espaço seria percorrido

 pe lo me sm o mó ve l co m um mo vi me nt o un if o rm ecujò grau de velocidade seja a metade do maior e do

último grau de velocidade alcançado no movimentoanterior uniformemente acelerado. Na figura, AB

V

1 8 8

representa o tempo em que um móvel partindo da po-d e r e P ° u s o e m  C percorre o espaço CD com um

movimento acelerado de modo uniforme. A linha EBrepresenta o grau maior de velocidade alcançado no

I ^ A T Í T T 3 2 0 d C t e m p °  A B - traçar a sunhas AE. As linhas eqüidistantes e paralelas a BE re-

 pr es en ta m os gr au s cre sce ntes de vel oc id ad e ap ós omstapte micial A. Vamos dividir EB pela metade como ponto F e tracemos as linhas FG e AG paralelas res-d i v a m e n t e a AB e FB. O paralelogramo AGFB e otriangulo AEB têm áreas iguais porque GF corta AE .no seu pon to intermédi o I. Se prol ong amos as parale-

las contidas no triangulo AEB até GIF "a soma de to-das as paralelas contidas no quadrilátero será igual àsoma das paralel as contidas no triân gulo AEB" Asoma de. todas as paralel as'con tidas n o triângu lo re-

 pr esen ta os "g rau s cresc en tes " de um mo vi me nt o ace -

1 8 9

O nascimento da ciência moderna na Europa

lerado de modo uniforme, enquanto a soma de todasas paralelas contidas no paralelogramo representa osgraus de um movimento uniforme. As somas dosgraus de velocidade nos dois movimentos serão iguais:se a velocidade aumentar de modo, uniforme de O

Galilei

tos ocorrem da forma mais simples e mais óbvia  (sim- plicíssima e t magis obvia ratiohe)? Para que um aumen-to õu incremento da velocidade "ocorra sempré domesmo modo" exigem-se duas possibilidades igual-mente correspondentes: a proporcionalidade da velo-

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 pára EB, a dist anc ia perco rrid a é igu al à dist ânc ia per -corrida em um tempo igual à velocidade uniforme IK(que é a m etad e da (velocidade EB). Em termos nã o

galileanos: a soma das velocidades instantâneas cres-centes no movimento acelerado é igual à soma das ve-locidades instantâneas constantes correspondentes àvelocidade média IK.

No pensamento de Galilei não faltam hesitações

para  urna plena percepção da identificação das áreas,com as distâncias, pelo fato de ele não possuir umaconcepção do cálculo infinitesimal suficientementeclara para afirmar "que a soma de uma infinidade de

 pe qu en as linhas, cad a qu al repr esen tand o um a velo-cidade, constitui algo diferente, isto é, uma distância"(Shea, 1974). O método matemático adequado para

calcular grandezas variáveis com continuidade seriaconstruído com o cálculo infinitesimal.O problema que Galilei se pusera no pequeno

tratado em latim, inserido nos  Discorsi,  era descobriruma definição do movimento acelerado de modo uni-forme que seja "exatamente congruente [...] comaquela forma de aceleração dos corpós pesados emqueda que acontece na natureza".

Galilei afirma ter sido como que "conduzido pela mã o" à sua def ini ção medi an te a con sta taç ão deque a natureza em todas as suas obras faz uso demeios "mais imediatos, mais simples e mais fáceis".

Uma pedra 4ue Cai do alto, a partir da posição de re- pouso , ad quire pro gre ssi vamente novo s incr emen to s 'de velocidade. Por que não acreditar que tais aumen-

192

p p pcidade com ò espaço; e a proporcionalidade da veloci-dade com o tèmpo. Foi ressaltado várias vezes que aescolha efetuada por Gáliíei entre estás duas possibili-dades (que do ponto de vista da simplicidade lhe pa-recem equivalentes) egíá conexa com a sua errada de-monstração do caráter logicamente contraditório da

 pri meira das du as hip óte ses ."Mediante á mesma subdivisão uniforme do

tempo, podemos conceber que os incrementos de ve-locidade ocorrem com a mesma simplicidade". ISso é

 possível po rq ue est abele cemos de mo do abstr ato(mente concipientes)  "que resulte uniforme e (.»] conti-nuamente acelerado aquele movimento que em tem-

 pos iguais, seja qual for o sen tid o em qu e são encar a-dos, adquire mudanças de velocidade iguais". A defi-

nição, observa Sagredo, é arbitrária, "concebida e su- pos ta de forma abs tra ta", podend o-s e po rt an to duvi-dar que ela se adapte à realidade ese verifique real-mente na natureza. Ao'terminar a longa demonstra-ção, Simplício apresenta a mesma objeção. Ele estáconvencido da validade da demonstração, mas temfortes dúvidas quanto ao fato de que, no movimentodos seus corpos pesados em queda, a natureza se sir-va realmente daquele tipo de movimento: "conformea minha compreensão e à de outros que pensam comoeu, parece-me que neste ponto teria sido oportunotrazer alguma experiêncià". E é justamen te neste pon-

to e para responder à tal exigência que Galilei inserenos Discorsi a célebre narração do pequeno canal incli-nado retíssimo, bem polido e liso dentro do qual se faz

193

O nascimento da ciência moderna na Europa

descer uma bola de bròlíze duríssimo, bem arredonda-da e polida. A formulação, da lei não foi deduzidadaquela experiência. Naquela mesma página, Galileiáfirma isso com todas as letras: a experiência foi reali-

d " l ã d

Galilei

sempre. Para não "escandalizar os homens de bem"nao foi permitido que fosse construído um "majestosoe suntuoso abrigo" para os despojos mortais de Gali-lei Nao era correto escreveu o sobrinho do Pontífice

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zada "para comprovar que a aceleração dos corpos pe-sados descendo naturalmente procede na proporçãoreferida anteriormente".

A quarta jornada dos  Discorsi,  que contém aanálise do movimento dos projéteis, é uma das de-monstrações das qualidades excepcionais da ciência

, galileana. Naquelas páginas Galilei demonstra que atrajetória de um projétil descreve uma parábola queresulta da combinação de dois movimentos indepen-dentes e sem interferir um no outro: um movimento uni-forme para frente em linha horizontal e um movi-mento uniformemente acelerado para baixo em linhavertical. Desta lei, que resulta da combinação do prin-cípio de inércia com a lei da queda livre, Galilei deri-va a determinação da velocidade, altura, trajetória e

dimensão do movimento. Tal fato não só constituía ofim de uma maneira tradicional de considerar o movi-mento. Nestas páginas se colocava de uma forma radi-calmente diferente do que no passado o problema das'relações entre o movimento e a geometria.

Mesmo no período da velhice, Galilei continuaa escrever cartas, apaixonar-se por problemas, discutire polemizar. Tendo ao seu lado o afetuoso Viviani eEvangelista Torricelli, o mais novo dos seus discípulos,Galilei reencontra por vezes as antigas energias: pole-miza com Fortúnio Liceti, acompanha as discussõesentre Viviani e Torricelli, esclarece a suá posição com

relação ao aristotelismo. No dia 8 de janeiro de 1642,às 4 horas da manhã, aqueles olhos já quase cegos,que fora m os primeiros na história do mu nd o a Ver a

 pai sagem da Lua e as novas estre las, fecharám -se para

1 9 2

lei. Nao  era correto, escreveu o sobrinho do Pontíficefabricar mausoléus ao cadáver daquele que foi peni-

tenciado no Tribunal da Santa Inquisição e morreu

enquanto durava a penitencia".

1 9 3

1capítulo 7

DESCARTES

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UM SISTEMA -

A grande construção do pensamento de Descar-tes se apresentou à cultura européia como um  sistema.E é esta, na verdade, uma das razões do seu sucessoextraordinário. Tal sistema se apresentava como fun-dado na razão; excluía definitivamente qualquer re-curso a formas de ocultismo e de vitalismo, parecendocapaz de conectar ao mesmo tempo (de um modo di-ferente daquele que havia sido realizado.pela Escolás-tica na Idade Média) a ciência da natureza, a filosofianatural e a religião; propiciava, enfim, em uma época

cheia de incertezas que se relacionavam com as gran-des viradas intelectuais, um quadro coerente, harmo:

nioso e.completo do mundo.

A penetração é a jdifusão do pensamento deDescartes foram lentas e difíceis; acompanhadas poracirradas polêmicas. Após ser banida das universida-des de Utrecht e Leida já durante a década de qua-renta, a filosofia de Descartes foi condenada em to-dos os Países Baixos por um edito do Sinodo de Dor-drecht em 1656. Também a Igreja Católica em 1663colocava no Index os escritos de Descartes. Na-Itáliao pensamento de Descartes se apresentou junto com

o gassendismo e o baconismo, bem como com a he-rança conceituai de Telésio, Campanella e Galilei.Tommaso Cornelio "mandou trazer pára Nápoles as

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• O nascimento da ciência moderna na Europa

obras de Renato delle Carte" (Descartes), Leonardode Cápu a, na sua obra  Parere sulViniertezza delia me-dicina: (Parecer sobre a incerteza da medicina   - n.d.t.)(1681), teoriza em torno da necessária conjunção daciência cartesiana e galileana. Miguelarigelo Fardella

^ de Trápani ensina a filosofia de Descartes em Pádua

 f   Galilei

to de ser forçado a concluir que aqueles anos lhe ser-viram para "descobrir cada vez mais a sua ignorância".Após sair da tutela dos seus educadores, em 1618, "de-cidido a extrair somente aquele saber que podia en-contrar em si próprio oü no grande livro dò mundo",

t d j t d " i j i it

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^ de Trápani ensina a filosofia de Descartes em Páduaentre 1693-1709. '  f

 Nas úl timas décad as do sécu lo o pe ns am en to de

Descartes conquistara as grandes universidades euro- péi as en qu an to as co nd en açõe s fo ra m cai nd o em de su -so. Durante toda a segunda metade do século XVII a fi-losofia e a física de Descartes permanecem no centroda cultura européia. Com a perspectiva de Descartesmedem forças também Hobbes, Espinoza, Leibniz e,mais tarde, também os grandes expoentes do Iluminis-mo, assim como os grandes críticos da filosofia de Des-cartes, desde Locke até Vico, confrontar-se-iam com assuas teses. A intensa discussão entre o sistema de Des-cartes e o sistema de Newton acabaria somente em tor-no de 1750, com a derrota da física de Descartes.

AVANÇO MASCARADO

René Descartes (em* latim Cartesius e em italia-no Cartesio) nasceu em La Haye (hoje La Haye Descar-tes) na região da Turena em 31 de março de 1596 deuma família de pequena e recente nobreza. Criado poruma babá e por uma avó materna, após a morte damãe (em 1597), aos nove anos de idade foi enviado aofamoso colégio dos Jesuítas em La Flèche onde perma-neceu durante oito anos. Embora tivesse aprendidomuito e após ter lido todos os livros que chegavam àssuas mãos, ao término do seu curso de estudos seachou "atrapalhado por tantas dúvidas e erros" a pon-

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empregou o resto da sua juv entu de "para viajar v visitarcortes e exércitos, fre qüe nta r povos ^iç vária índole econdição e coletar diferentes experiências". Alistou-se

no exército de Maurício de Nassau, em Breda, na Ho-landa. Foi nesta época que, no final de 1618, conheceuIsaac Beeckman'f l 588-1637) mestre da escola de latimde Dordrecht: um homem de conhecimentos enciclo-

 péd ico s e de erud içã o de sco mu na l; ele co stumav a an o-tar no seu célebre  Journael   as reflexões e as idéias(muitas das quais importantes e originais) que lhe de-corriam das leituras realizadas ou das suas próprias in-vestigações. O livro de Descartes  Compendiam musicae(que seria publicado póstumo), no qual já consta a suatese típica sobre a análise matemática e os dados sensí-veis, foi por ele oferecido de presente ao referido ami-

go. Em 1619, Descartes se alistou nas tropas do Eleitorda Baviera^-Na noite de H) de novembro, perto deUlm, tomado por uma espécie de crise de exaltaçãomístico-Científica intuiu, como por uma revelação, "ofundamento de uma ciência maravilhosa". No dia se-guinte fez a promessa de Uma peregrinação ao santuá-rio de-Nossa Senh ora Loreto a realizar-se qu and oaquele projeto se concretizasse. Espálhou-se ampla-mente o boato de uma sua filiação (ou de qualquerforma de uma sua forte aproximação) à seita dos Ro-sacruz. Se por um lado não há qualquer prova de se-melhante filiação, há, por outro lado, a certeza de que

ele fòi atraído pelos aspectos escatológicos é milenaris-tas presentes nos seguidores do misterioso Rosen-kreutz o qual nas páginas de um dos numerosos opús-

1 9 7

O nascimento da ciencia mod erna  na Europa

culos rosacrucianos intitulado  Confessio  (publicado em1615) era apresentado como nascido em 1378, afir-mando-se ter vivido 106 anos.

Em 1622, após realizar estadas na Boêmia e naHungria, Descartes' retornou à Fránça e no ano seguin-te viajou para a Itália Provavelmente a red ação da obra

.Mundos inumeráveis

de metafísica iniciado em torno de 1629. Desta obra,em 1647, sairia uma tradução em francês. Em 1642, asdoutrinas de Descartes são condenadas pela universida-de de Utrecht. No ano seguinte sai a  Epistola ad Gilber-tum Voetium _ (Gijsbert Voet foi um dos seus principai sacusadores e críticos)..Em 1644 são publicados os Prin-

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te viajou para a Itália. Provavelmente a red ação da obra Regulae ad directionem ingenii -  um texto fundamental para conhe cer o seu mé todo - r em on ta aos ano s 1627 -

28. Em 1629 Descartes se estabeleceu nà Holanda ondeficaria até 1649. Em 1630 iniciou a redação da óbrá  Le

 Monde ou Traitéde la lumière:  um text o que Descartes de-cidiu não publicar depois que, em 1633, chegou-lhe anotícia da condenação de Galilei. A primeira edição sai-ria em 1664, portanto, mais de catorze anos após amorte do seu autor. O tratado Discours de la méthode, umdos textos fundamentais da filosofia moderna, foipubli-cado em Leyda (8 de junho de 1637) como introduçãoa três ensaios científicos: o primeiro intitulado a  Dioptri-que. o segund o e terceiro intitulados os Météàres e a Géo-métrie, respectivamente. A Dioptrique continha a formu-

lação exata da lei de refração. Tal lei assinala que, quan-do um raio de luz passa de um objeto para um outro, arelação entre o seno do ângulo de incidência e o senodo ângulo de refração se mantém constante. Todavia,este conjunto de escritos, ao qual Descartes confiava a próp ria imagem qu e pre ten dia apres entar aos ho me nscultos da sua época e que coleta os resultados de duasdécadas de trabalho, teve um destino curioso. Até 1644o referido conjunto de obras foi submetido a uma ope-ração de desmembramento que levou a separar a  Géo-métrie  (que nos séculos XVI e XVII foi a obra mais dis-cutida e comentada) e, mais tarde, o Discurso sobre o mé-

todo  lido como obra exclusivamente "filosófica". Em1641 termi nou em Paris a impressão das Meditationes de prima philosophia   e das objeções e respostas: um tratado

198

) pcipia philosophiae  que contêm, nos últimos três livros,uma exposição da física. Em 1647 a universidade de

Leyda acusa Descartes de pelagianismo. Após dois pe-ríodos transcorridos na França, Descartes aceita o con-vite que lhe foi dirigido por Elisabete, rainha da Suéciae em 1649 parte para Estocolmo. Naquele ano sai oTraité des passions de Vâme'.  Em 1650, em Estocolmo,Descartes morre vitimado por uma pneumonia.

Descartes contribuiu notavelmente para que secriasse em torno da sua imagem uma espécie de mitoem que ele aparece como um filósofo solitário, de

 poucas lei tur as, at en to somente às vozes qú e chega mdo interior da consciência. Entretanto, a quantidadeenorme de suas cartas (muitas das quais se referem a

temas fundamentais da ciência) seria suficiente já de pè r si para abala r tal mit o. Descart es tem familia rida -de com os textos dos maiores autores da sua época: Si-mon Stevin e François Viete entre os estudiosos de ál-gebra e matemática; Kepler e Christoph Scheiner(1575-1650) entre os cultores de ótica; Gabriel Harveyentre os médicos; Francisco Bacon entre os filósofosnaturalistas e teóricos de um novo método. Ele co-nhece a matemática dos Gregos e as versõés de altonível que delas foram feitasjios manuais de ChristophClavius (1537-1612), bem como a ótica árabe-latina ea física dos modernos seguidores do atomismo. No

.conjunto ele se mantém fiel a um modelo que descre-

vera em um dos seus cadernos juvenis: "Prestes a su- bir ne ste cen ári o mu nd an o [...] vou en tr an do masca-

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O nascimento da ciencia moderna na Europa

rado". Assim, como foi escrito a seu respeito, ele foium revolucioñário que não queria ser qualificadocomo tal; desejava portanto evitar o conflito com a fi-losofia oficial, conseguindo fazê-lo muito bem sen^ ja-mais comprometer o seu próprio ponto de vista (Shea,1994: 271).

Descar tes

grandezas algébricas "análogas" fazendo correspondeiao "grau da potência" o "número das dimensões". Emoutros termos, na concepção de Descartes (a+b)2, oquadrado da soma de duas linhas,, é ele próprio uma li-nha e não uma área. A expressões ao quadrado ou aocubó corresp ondem entidades geométricas lineares As

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INTRODUZIR TERMOS MATEMÁTICOSNA GEOMETRIA

Já vimos que a ciência moderna não nasceu ba-seada na general ização de observa ções empíricas, mas(como se tornou evidente no caso de Galilei) no ter-reno de uma  análise capaz de  abstrações,  quer dizer, ca-

 paz de ab an do na r o níve l do senso co mu m, da s qu ali -dades sensíveis e da experiência imediata. O instru-mento principal que tornou possível a revolução con-ceituai da física, como é notório, foi,a  matematízação d afísica. Neste aspecto, Galileia Pascal, Huygens, Newtone Leibniz deram contribuições decisivas. Entretanto,no centro deste grande e complicado processo é preci-so colocar a figura de Descartes.

Com base noy resultados alcançados por Fran-çois Viète na segunda metade do século XVI a geome-tria analítica de Descartes realiza uma virada definitivaa respeito da tradição antiga. Tal tradição, de fato, visa-va a resolver qualqu er problema aritmético ou algébri-co em termos geométricos. Descartes, no entanto,mostra a possibilidade de uma abordagem algébrica de

 pr ob lemàs geomé tri cos . Des de o co meç o do seu tr at a-do  La Géométrie  (1637)ele acena à necessidade de "in-troduzir termos matemáticos na geometria" e rompe

definitivamente com a tradição que associava a gran- ,dezas algébricas elevadas ao quadrado ou ao cubo

2 0 0

cubó corresp ondem entidades geométricas lineares. Aslinhas de uma figura geométrica são designadas pormeio de letras. Formando equações entre aquelas le-

tras, a solução das equações dá o comprimento de umalinha incógnita. A introdução daquelas coordenadas quetrazem ainda hoje;o norpe de  cartesianas  permite alémdisso definir a posição de um ponto e fazer correspon-der, (cinemáticamente) u ma equação à um a linha retaou curva traçada a partir daquele ponto. As equações

 po de m ser repr esen tada s g eo me tr ic amen te , e a s cur vas po de m sèr repr esen tada s po r me io de eq uaç ões. Me-diante operações algébricas baseadas nas equações querepresent am determinad as curvas é possível estudar as

 pr op ried ad es da qu elas cur vas .

FÍSICA E COSMOLOGIA

Em virtude da referida "descoberta" de pescar-tes os problemas da física, e em particular os proble-mas da mecânica, podem ser submetidos à aborda-gem resolutiva da álgebra. Só para dar,um exemplo,

 pe ns em os na de te rm in ação , po r me io de eq uaçõ es,da parábola de um projétil. A esse respeito, aparecemde uma "clareza ainda insuperadà, as frases eséritas

 po r Erns t Cassir er: os te rm os "es paç o, te mp o, vel oci -dade, que, considerados êm si mesmos parece impos-sível poder colocá-los em relação entre si, na realida-

de se tornam  homogêneos:  pois a matemática desco- br iu um pr ocess o me di an te o. qu al a un id ad e de me-.

2 0 1

• O nascimento da ciência moderna  na Europa

dída de uma grandeza pode ser referida à grandeza deoutra unidade".

 Na sua grandiosa tenta tiv a de um a  reconstruçãocompleta e racional do .mund o físico, Descartes chega-va a uma importante definição do conceito dé movi-mento e a uma clara formulação do princípio de inér-

f Galilei

é rigidamente mecanicista: por isso, todas as formas doscorpos inanimados podem ser explicadas sem que paratal finalidade seja necessário atribuir a sua matéria nadamais do que o movimento, a grandeza, a forma e a or-ganização das suas partes. Res cogitans et res extensa apa-recem realidades rigidamente separadas. A natureza

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mento e a uma clara formulação do princípio de inércia. A sua segunda "lei da natureza" afirma que "cadacorpo que se move tende a continuar o seu movimen-

to em linha reta" (Descartes, 1967: H, 94-98). Derru- ba nd o as imp õstaçõ es de Cop érn ico (e de Galilei) ,Descartes afirma que "qualquer parte da matéria, noseu particular, jamais tende a se mover conforme li-nhas curvas, mas em linhas retas" e que "todo corpoque se move é determinado a se moyer conforme um alinha reta e não con forme u ma lin ha circular". Nomovimento circular se revela uma tendência "a seafastar constantemente" do círculo que é descrito: estefenômeno" podemos inclusive senti-lo com a mão, no

. momento em que fazemos girar esta pedra nesta fun-da". Esta "consideração" é de grande importância para

Descartes. Na verdade, por meio dela ficavà finalmen-te destruído o mito da perfeição da circularidade. A leida queda dos corpos pesados tinha sido formulada porDescartes «em 1629 (Descartes, 1897 -191 3:1, 71) cóm

.bãse na fórmu la, errada qu e vê na velocidade do mó-vel não uma função do tempo transcorrido, mas doespaço percorrido.

O movimento de que "falaram os filósofos" atéagora é bem diferente do movimento concebido porDescartes: nà sua concepção o movimento não é um

 processo, mas um estado dos corpos e fica no mesmo ní-vel ontológico do repouso: o"fato de estar em repouso

ou em movimento não provoca nos corpos quàlquermudança. Movimento e  matéria são os dois únicos.ingre-dientes que constituem o mundo e a física de Descartes

184

não tem nada de psíquico e não pode ser interpretadamediante as categorias do animismo: "Com o termo na-

tureza não viso de modo algum a qualquer divindadeou a qualquer tipo de poder imaginário, mas me sirvodesta palavra para indicar a própria matéria, enquantodotada de todas às Qualidades que lhe atribui, tomadastodas em seu conjunto, e sob condição de que Deuscontinu e a conservá-la do mesmo modo" em que acriou". Pelo fato qúe Deus continua a conservá-la, asdiversas mudança^ que nela acontecem não poderãoser atribuídas à ação de Deus, mas à própria natureza:

 por isso, "as regras seg und o as quais tais mudançasacontecem quero chamá-las de leis da natureza".

Como errj qualquer perspectiva mecanicista,

Descartes faz uso de modelos para a interpretação danatureza; por exemplo, o mundo das idéias de modoalgum é o espelho do mundo real e ríão há qualquerrazão para crer (mesmo quando normalmente todosestamos convictos disso) "que as idéias contidas nonosso pensamento sejam totalmente semelhantes aosobjetos dos quais derivam". Assim como as palavras,que nasceram da convenção humana, "bastam paranos fazer pensar coisas às quais não se assemelham demodo algum", do mesmo modo a natureza estabele-ceu "sinais" que provocam em nós sensações mesmonão tend o em si mesmos nada 'de semelhante comaquelas sensações.

Como é notório, a  matéria  conforme a concep-ção dé Descartes se reduz à   extensão  e se identifica com

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O nascimento da ciencia moderna na Europa

ela. Entre a materia e o espaço ocupado pela materiahá como única diferença a mobilidade: isso no sentidode que um corpo material é urna forma do espaço que pode ser transp ort ada de um lug ar para outro sem per-der a própria identidade. Tai matéria de fato mantém"á própria extensão de comprimento largura e pro

Descart.es

los; ele porém se distancia fortemente da tradição doatomisrtio por duas razões: primeiro, pelo fato de con-ceber as partículas que c onstituem o mun do como di-visíveis ao infinito; segundo, por não admitir a exis-tência do vazio.

A água, a terra, o ar e todos os outros corpos se-

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á própria extensão de comprimento, largura e pro-fundidade, que constitui o espaço e constitui o corpo;e a diferença que há entre eles consiste a não ser nofato que nós atribuímos ao corpo uma extensão parti-cular, que concebemos mudar de lugar junto com eletodas as vezes que ele é transportado" (Descartes,1967: II, 77). Se o  espaço  e o  movimento  constituem omundo, o universo de Descartes é a  geometria realizada.

A  identificação cartesiana de espaço e matéria

implicava uma série de conseqüências: 1) a identida-de da matéria que constitui o mundo; 2) a extensãoilimitada do mundo; 3) a'divisibilidade ao iñfinito damatéria; 4) a impossibilidade do vazio. Como o espa-ço na concepção de Euclides, o mundo ou "a mátériaextensa que compõe o universo não tem limites"

(ibid: II, 84). Considerando que o atributo da  infinida^de  cabe somente a Deus e a infinidade não pode sercompreendida e analisada pelo intelecto finito do ho-mem "chamaremos estas coisas de  indefinidas ao invésde  infinitas  a fim de reservar somente para Deus onome de infinito" (ibid: I, 39-40). A negação de Des-cartes do vazio é mais radical do que aquela do pró- prio Arist ótel es. Na con cepçã o de Des car tes o espaçovazio é impossível porque se existisse seria um nadaexistente, uma realidade contraditória. O nada nãotem propriedades nem dimensões. A distância entredois corpos é uma dimerfsão e a dimensão coincide

confuma matéria que é extremamente "sutil" para ser perceb ida e qu e ima gin amos como send o "o vazio ".Para Descartes, a realidade é constituída por corpúscu-

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A água, a terra, o ar e todos os outros corpos semelhantes que estão ao redor de nós - ele escreve notratado  Metéores  - na minha opinião são compostos

"de numerosas partículas diferentes pela forma egrandeza; partículas que nunca estão tão bem ordena- .das, nem tão perfeitamente unidas entre si, que nãodeixem-ao seu redor "numerosos intervalos; tais inter-valos não são vazios, mas cheios de uma matéria ex-trema mente sutil por cuja interposição se comunica aação da luz" (Descartes^ 1966-^3: II, 361-62), Descar-tes não se coloca somente o problema da cònstituiçãoatual do universo, mas também o problema dã suaformação. O universo deriva da matéria extensa sub-dividida por Deus em cubos, nas formas mais simplesda geometria. Deus colocou em movimento as partes

do universo, umas em relação com as outras, colocan-do simultaneamente os cubos "em agitação". Dessemodo se formaram ós  três elementos  constitutivos domundo. Por causa da fricção entre os cubos se produzum arredondamento dos seus ângulos e arestas. Óscubos assumem uma forma diferente e se tomam pe-quenas esferas. As partículas infinitesimais produzidas

 pel a "ra spa gem" cons tit uem o  primeiro elemento  "lumi-noso" cuja agitação é a luz. Este primeiro elemento "écomo um líquido, o mais sutil è penetrante que exis-te no mundo"; as suas partes não têm forma, e gran-deza determinada mas "mudam de forma a çada ins-

tante para se adaptarém à forma dos lugares em queentram". Por conseguinte hão há passagem tão estrei-ta, riem parte tão pe quena que tais partículas não pos-

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O nascimento da ciencia moderna na Europa

sam exatamente encher. O movimento desta matériaé comparado ao curso de um rio que se espalha dire-tamente sob o Sol causando a sensação da luz (Descar-tes, 1-897-1913: II, 364-65). Se o primeiro elemento(comparável ao Fogo)  é a luz, o segundo elemento trans-mite a luz: é. "lumífero" e é o éter que forma os céus.

Descart.es

gar de um outro corpo que, por sua vez, vai para o lu-gar de um terceiro, e assim por diante até o últimocorpo, que vai 'ocupar no mesmo instante o lugar dei-xado pelo primeiro, de maneira que não resta niaisvazio entre eles, enquanto se movem, do que háquando estão parados". Considerando que no mundo

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mite a luz: é. lumífero e é o   éter   que forma os céus.As suas partículas  são  todas "mais ou menos esféricase unidas juntas, como grãozinhos de areia ou de poei-ra". Tais partículas não podem ser armazenadas nemcomprimidas  até fazer desaparecer aqueles intervalosèm que "o primeiro elemento consegue deslizar facil-mente". O  terceiro elemento também deriva das "raspa-gens" que se junta m em partículas em forma de para-fuso e são provida s de sulcos. Tais partículas se soldamentre si dando origem a todos os coitos terrestres eopacos. As partes do terceiro elemento são "tão den-sas e unidas de tal forma que têm a força de resistirsempre ao movimento dos outros corpos". As,partícu-las da água, ao  contrário,  são "longas, polidas e lisascomo pequenas enguias, que, apesar de se unirem e se

entrelaçarem umas às outras, não se conectam nem jamais se ju nt am de tal forma qu e, em seguida, nã o é poss ível des tacá-la s facil men te um a da ou tra " (Des-cartes, 1966-83: H, 3£2-63).

A matéria sutil  que compõe os céus, na-física car-tesiana exerce funções decisivas: tal matéria constituio fundamento não só da rarefação e condensação,mas também da transparência e opacidade, da elasti-cidade e da própria gravidade. O movimento dentrode um universo cheio se configura necessariamentecomo deslocamento ou nova arrumação e, nestas con-d i ç õ e s ,  cada movimento tende a criar um turbilhão ou

vórtice- Todos os movimentos que acontecem nomundo são de algum modo circulares. Isto "quer dizerque quando um corpo deixa o seu lugar, vai para o lu-

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q p qnão existe o vazio "não foi possível que todas as par-tes da matéria se movessem em linha reta, mas, sen-do mais ou menos iguais e podendo ser todasdesvia-das quase com a mesma facilidade, elas tiveram queassumir todas juntas um determinado movimento cir-cular". Posto.que desde o início Deus moveu tais par-tes de formas diferentes, elas se puseram a rodar "nãoao redor de um único centro, mas sim   ao "redor demuitos centros diferentes". As partículas globulares dosegundo elemento formaram amplos turbilhões ro-dando. Por causa da força centrífuga as partículas-do

 pri meiro el em en to fo ram imp elidas pára o cent ro. OSol e as estrelas fixas são amontoados de partículas(em forma de globo) do primeiro elemento. Tanto o

 pri meiro el em en to qu an to o se gu nd o gi ram,ao redordo Sol e das estrelas! guisa de turbilhões líquidos. Emtais turbilhões "bóiam" os planetas que são arrastadosao redor do Sol pelo movimento do turbilhão menor:do mesmo modo em que pedacinhos de madeira ro-dam em pequenos redemoinhos que por sua vez sãoarrastados como por uma corren te maior de üm rio.Os cometas não são fenômenos óticos, mas corpos ce-lestes reais que viajam sem fim na periferia dos turbi-lhões passando de um vórtice para outro. ífomniver-so infinitamente grande a expansão dos turbilhões éimpedida por vórtices limítrofes. Os vórtices, final-

mente, geram as forças que seguram os planetas nassuas órbitas. Esta doutrina não dava explicação dosdetalhes técnicos da astronomia planetária (Descartes

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0 nascimento da ciencia moderna na Europa

A construção do pensamento de Descartes des- per ta um fascínio en orme. Um te st em un ho elo qüen tea esse respeito são as afirmações contidas em uma car-ta que Christian Huygens (1629-95) enviou a Bayle em26   de fevereiro de 1693. Nesta carta Huygens afirmaque Descartes achou a maneira de fazer aceitar como

v

Descar tes

Ao contrário de Huygens, Descartes escreveratoda  a  sua física sem usar fórmulas e sem se servir da

d f ™ e  m a f e m á t Í C a -  A S U a f í s Í c a   continhaeis expressas matematicamente (como várias vezes

foi repetido ): a sua era uma física matem ática em

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que Descartes achou a maneira de fazer aceitar comoverdadeiras as suas co njeturas e as suas ficções. A todos

os que liam os seus  Principia philosophiae.acontecia algo parecido com o que oco rre aos leitores de belos r oman -ces que acabam tomando-os por histórias verdadeiras."Quando pela primeira vez li este livro - ele escreve Ttive a impressão de que tudo corresse'às mil maravi-lhas, e quando encontrava alguma dificuldade, acredi-tava que isso dependesse do fato de eu não ter enten-dido corretamente o pensamento do autor. Na época ti-nha quinze ou dezesseis anos de idade... Agora nãoacho quase mais nada a aprovar como verdadeiro emtoda a sua física, nem na sua metafísica e nem nos seusmeteoros" (Descartes, 1897-19Í3: X, 403).

Às lembranças autobiográficas escritas na idadetardia por filósofos e por cientistas tendem com fre-qüência a simplificar peripécias intelectuais complica-das e ricas de detalhes. Huygens estudara em Haiá eem Leida com mestres cartesianos. Mais tarde, em Pa-ris e em Londres entrara em contato com os ambien-tes de Mersenne e com os "virtuosos" da Royai So-ciety. Na sua atividade se juntam refinadas pesquisasteóricas de matemática e de mecânica e interesses pelatécnica e pelas máquinas que o relacionam com a tra-dição de Bacon e de Galilei. Com exceção da ótica ex-

 posta no  Traité de la lumière  (1690), fundamental-men te, Hu ygens ficou muito ligado ao .mecanicismo

no sentido cartesiano do termo. As tomadas de posi-ção antinewtonianas contidas no tratado  Discours surla cause de la pesanteur   (1690) nascem neste terreno.

2 1 0

matematica. O "matematismo" cartesiano se manifes-

tava somente no caráter axiomático e dedutivo da suaconstrução do mundo, o; próprio título do livro de ET?  PhÍl0S °P hiae  Wturalis principia mathema-

t ca  (publicado em Londres em 1687) exprimia umatomada de posição polêmica a respeito da física deDescartes e dos cartesianos. Newton apresentava emImguagem matemática os princípios da filosofia natu-ral e, ao mesmo tempo, tornava própria a grande liçãodo experimentalismo de Bacon, de Hooke e de Boyíe.

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capítulo 8

MUNDOS INUMERÁVEIS

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UM VAZIO INFINITO

As obras de Giojrdano Bruno (1548-1600), de-fensor ardoroso da verdade do sistçma de Copérnico,queimado na fogueira como herege no Campo deiFiori em Roma, foram procuradas e lidas avidamenteem toda a Europa.'O nome dele se tornou.um símbo-lo. A teoria copernicana, na opinião de Bruno, não éuma mera hipótese matemática, como quer aquele"asno igno rante e presunçoso " que escreveu o Prefá-cio ao tratado De tevolutionibus  (como se sabe, esse talé Osiander). Na perspectiva de Bruno, o copernicanis-

mò não é apenas um novo sistema astronômico. Naverdade, é uma nova concepção do mundo. É a con-

.quista de uma nova verdade e, ao mesmo tempo, é.um instrumento de libertação: "Esta é uma filosofiaque abre os sentidos, satisfaz o espírito, exalta á inte-ligência e conduz o homem à verdadeira felicidade,que pode alcançar como ser humano".

Conforme a concepção de Copérnico o mundoera finito e fechado dentro do céu das estrelas fixas. Otratado de Giordano Bruno Cena delle ceneri  (1584) nãocontém apenas uma confutação das objeções clássicascontra o movimento da Terra, mas contém também a

afirmação definitiva da infinitude do universo: "omundo é um ser infinito, e portanto não existe nelenenhum corpo, cuja realidade consista simplesmente

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O nascimento da ciencia modepia na Europa

- • J

nô fato de estar no meio, no extremo, óu entre essesdois termos"." A infinitude do ihündo, produzido poruma Causa infinita, coincide com a infin itude es- paço: "Nós af irmamo s qu e tal espa ço é inf ini to, por-que não há nenhuma razão, conveniência, possibili-dade, sentido ou natureza que o determine [...]. Por

i t T ã tá d d l i i

Mundos inumeráveis

[...] a serviço do Mestre Aristóteles". Ele rejeita tam- bé m a cir cular idade e a reg ula rid ade dos mo vi ment oscelestes bem como a idéia.de qualquer movimento"contínuo e,regular ao redor do centro". Por isso afir-ma no universo físico a impossibilidade de movimen-tos perfeitos e de formas perfeitas. Nas leis dos movi-mentos dos corpos celestes ele enxerga algo que é pró

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conseguinte a Terra não está de modo algum rio meiodo universo, apesar de tal conceito se relacionar   com

a nossa razão [...]. Desse modo se exalta a excelência.de Deus, maftifesta-se a grandeza do seu poder, sendoglorificado não somente em- um Sol, mas em incontá-veis universos solares; não em uma só terra, em umúnico mundo, màs em duzentos mil, digo em infinitosmundos'' (Bruno, 1907: 275, 309).

 Na opini ão de Gio rda no Bruno, mo vi me nt o emudança são realidades positivas. Descanso e paradasão sinônimo de morte. Somente aquilo que mudaestá vivo e a perfeição coincide com o devir e a mu-,dança: "Não existem limites, termos, margens, mura-

• lhas que possapi frustrar ou diminuir a infinita abun-

dância das coisas [...] porque do infinito sempre brotanova abundância de matéria" (ibid: 274). Na mesma pág ina do tra tado  De i'infinito, universo e mondi  (1584)Bruno se refere a Demócrito e a Epicuro. O mundo deCopérnico e os outros inumeráveis mundos análogossão colocados em um espado infinito e homogêneo"que podemos chamar comi toda liberdade de vazio".O vazio infinito da tradição de Demócrito e de Lucré-cio se torna uma espécie de "lugar natural".para o sis-tema solar de Copérnico e para uma pluralidade detais sistemas (Kuhn, 1972: 303). Com relação ao uni-verso vivo de Giordano Bruno, houve quem falasse,não sem razão, de  astrobiología.  Na verdade, Brunonão se limita a interpretar as esferas e os epicicloscómo "emplastros e receituários para curar a natureza

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mentos dos corpos celestes ele enxerga algo que é pró- prio de cad a as tro e de cada pl aneta em par ticula r.

Atribui à "alma própria" dos astros o perçurso que elescumprem nos céus: "Tais corredores têm o princípiode movimentos intrínseco na sua própria natureza, na

 pró pri a alm a e na pró pri a int eligênci a".Bruno realiza uma clara distinção entre o  uni-

verso  e os  mundos, Na sua cosmovisãp, falar de um sis-tema do mundo não significa falar de üm sistema douniverso. A astronomia é legítima e possível comociência do mundo que cai no âmbito da nossa percep-ção sensível. Mas além deste universo, estendé-se umuniverso infinito -que contém aqueles "grandes ani-mais" que chamamos astros, e abrange uma pluralida-

de infinita de mundos. Aquele universo não tem di-mensões nem tamanho, nem possui forma nem figu-ra. Nesse universo, que é ao mesmo tempo uniformee sem forma; que não é nem harmonioso e nem orde-nado, não pode haver de modo algum um  sistema.

 Na apaixonada Apologia pro Galileo  (1616), escri-ta no cárcere em que estava sepultado desde 1599,Tommaso Campariella (1568-1639) insistiria com for-ça na diferença muito profunda que há en tre o fato deadmitir a existêncja de outro s mund os, coorden ados

 para form ar um  único sistema  e, por outro lado, admi-tir uma pluralidade de mundos dispersos de modo de-sorde nado e m um espaço infinito . Por isso, Campa -nella afirma que, graças aos seus instrumentos admi-ráveis, Galilei nos mostrou astros até então desconhe-

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O nascimento da ciência moderna na Europa

eidos, ensiiiando-nos ao mesmo tempo que os plane-tas são parecidos com a Lua, recebem a sua luz do Sole giram uns ao redor dos outros. Aprendemos de Ga-lilei que no céu ocorrem transmutações de élèmentos,como também que existem nuvens e vapores entre asestrelas e que há um grande número de mundos. Onono dos onze Argumenta contra Galilaeum 'discutidos

V

M undos i numer áve i s

enquanto tal ele seja necessariamente ordenadíssimo,isto é, constituído d€ partes dispostas entre si comsuma. e perfeitíssima ordem". Tais palavras de Gálilei(Galilei, 1890-1909: VH, 55-56) constituem uma alter-nativa radical no confronto com a imagem bruníanado universo. A estranha mistura que constado pensa-mento de Bruno de temas tirados do platonismo de

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nono dos onze  Argumenta contra Galilaeum  discutidos po r Canipane ll a af ir ma qu e a pa rt ir des sas op in iõ es se

deduz que existem outros mundos. As afirmações deGalilei, esclarece Frei Tommaso, não deVem ser con-fundidas com aquelas de Demócrito e'de Epicuro: Ga-lilei sustentou que todos os sistemas cósmicos, estãocontidos em um único sistema, encerrados em umúnico espaço e coordenados em uma unidade maisampla: "Admitir mais mundos não coordenados paraconstituir um único mundo, cómo fizeram Demócritoe Epicuro, é um erro contra à fé, porque disso resultaque os mundos se formam ao acaso sem a intervençãoordenadora de Deus. Entretanto, conceber muitos sis-temas menores no seio de um grande sistema ordena-

do segundo a mente divina, de modo algum é contrá-rio à Escritura^ mas somente a Aristóteles" (Campa-nella, 1968: 50-51).

A existência de mundos não coordenados paraconstituir um único mundo está no centro da especu-lação de Giordano Bruno. Copérnico, Kepler, TychoBrahe e Galilei (apesar <Jas diferenças) sustentam po-rém bem firme a imagem de um universo ordenadocomo um sistema unitário; Na sua perspectiva, talmundo é a expressão de uma ordem divina, a manifes-tação de princípios ou arquétipos matemático-geomé-tricos. Todavia, "afirmo que entre as coisas afirmadas

 po r ele (Ari stó tele s) até aq ui , co nc ordo com ele e ad-mito qu e o. mun do seja um corpo dotado de tod as asdimensões; e portanto perfeitíssimo; e acrescento que,

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mento de Bruno, de temas tirados do platonismo deCusano e do materialismo de Lucrécio geraram a ima-

gem de um universo "situado ao acaso" que seria rejei-tada não só pelo fato de ser ímpia/mas porque em con-traste com uma tradição milenária e realmente difícilde ser aceita pelos teoricós da nova astronomia.

UM UNIVERSO INFINITO .

E INFINITAMENTE POVO ADO .

Arthur O. Lovejov, teórico e fundador da "his-tória das idéias, na sua célebre obra publicada em1936 com o título  The Great Chain of Being, enumerouas cinco "teses revolucionárias" que, na segunda me-tade do século XVII e no século XVIII, caracterizarama nova concepção do universo: 1) a afirmação segun-do a qual outros planetas do nosso sistema solar sãohabitados por criaturas vivas, sensíveis e racionais; 2)a demolição das muralhas externas do universo me-dieval, quer se identificassem com a esfera cristalinaextrema ou com uma determinada região das estrelasfixas, e a dispersão dessas estrelas dentro de espaçosvastos e irregulares; 3) a convicção de que as estrelasfixas são sóis semelhantes aó nosso, todos ou quasetodos rodeados por sistemas planetários próprios; 4) ahipótese de que também os planetas desses outros

mun dos possam ser habitados por séres racionais; 5) aafirmação da efetiva infinítude do espaço do universo

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O nascimento da ciência moderna na Europa

físico e do número dos sistemas solares nele contidos(LovejoV, 1966: 114).

 Ne nh um a d as cinco t eses q ue acabamo s d e ref e-rir se encontra em Copérnico. Tanto a doutrina da in-finitude do universo quanto a doutrina da pluralidadedos mundos foram rejeitadas de várias formas pelostrês maiores astrônomos da época de Giordano Bruno

M undos i numer áve i s

que o mesmo ponto seria centro e ao mesmo temponão seria centro, e muitas outras coisas contraditórias,que muito corretamente evitaria quem, achando o céudas estrelas fixas limitado no seu interior, limitá-lo-iatambém no exterior" (Kepler, 1858-71: H, 691; cf. Koy-ré, 1970: 59). O sistema solar permanece um  unicum nouniverso. A respeito das descobertas efetuadas por Ga-liléi di t l t d ' d d i t t õ

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três maiores astrônomos da época de Giordano Brunoe da geração sucessiva: Tycho Brahe, Kepler e Galiléi.

Kepler se opõe decididamente à infinitização do.universo prospectada por Giordano Bruno, rejeitatambém a comparação do Sol com as estrelas fixas econtinua sustentando a unicidade e a "excepcionali-dade" do sistema solar contrapondo-o ao aglomeradoimóvel das estrelas fixas. Os centros das estrelas fixasestariam, então, todos situados sobre uma única su- per fíc ie esférica , e fic ari am po rt an to tod os na mesm adistância da Terra? Tal questão para Kepler patece in-certa, mas na sua opinião é absolutamente verdade,que o universo "tem no centro um vazio imenso; umagrande cavidade, rodeada pela fileira das estrelas fixas,

ou seja, delimitada e fechada como por uma paredeou por uma abóbada, e é dentro desta imensa cavida-de que está fechada a nossa Terra com o Sol e as estre-las móveis" (Kepler, 1858-71: VI, 137).

Tanto  antes  como  depois  das descobertas, efetua-das por Gâlilei pór meio do seu telescópio Kepler man-tém bem firme a sua rejeição das teses infinitistas deGiordano Bruno. O universo é construído por um Deusgeômetra e tem um esquema geométrico: o vazio coin-'cide com o nada  e as estrelas fixas não éstão espalhadasde modo irregular ou irracional no espaço: "Como é possíve l encontr ar no inf ini to um cen tro, que está emtodo o lugar no infinito? Com efeito, qualquer pon to doinfinito fica igualmente distante, isto é, infinitamente,dos extrçmos infinitamente distantes. Daí resultaria

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liléi mediante a luneta pode-se' dar dqas interpretações possíveis: as nov as estrel as fixas qu e Gâlilei viu nãoeram visíveis antes a olho nu ou por ficarem demasia-,do distantes ou por serem demasiado pequenas. Entreestas duas interpretações, Kepler escolhe decididamen-te a segun da (Koyré, 1970: 63). -

A  Dissertatio cum Núncio Sidereo  publicada porKepler em 1610  é  motivada por uma preocupaçãofundamental: mostrar que as descobertas astronômi-cas de Gâlilei não constituem de modo algum uma

 pro va da validade da cosm olog ia inf ini tist a de Giorda-no Bruno. Kepler não pode ficar desfavoravelmenteimpressionado pela descoberta de novas  luas  ou saté-lites que giram ao íe do r de um dos plane tas do siste-

ma solar. Todavia, a descoberta de novos planetas quegiram ao redor de uma das estrelas fixas iriam causaruma crise à sua cosmologia, dando razão ãs teses deGiordano Bruno e do seu amigo Wackher von Wac-khenfeltz, com o qual ele discute o problema, e é umadepto entusiasta das doutrinas brumanas. Se Brunotem razão, isto é, se o sistema solar não for mais eqüi-distante das estrelas fixas, e se o universo não temmais um centro, nem tem mais limites, então deveriaser abandonada a imagem de um universo construído

 para o ser hu ma no , be m co mo a imag em do ho me m"Senhor dá criação.

Kepler nao está nem um pouco disposto áabandonar esse tipo de concepção. As páginas iniciais

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O nascimento da ciência moderna na Europa

da  Dissertatio são um documento extraordinário. Coma sinceridade qüe caracteriza todos os seus escritos,Kepler dá uma explicação da sua situação e das suasatitudes  após  receber a notícia de que Galilei viu nocéu novas "estrelas", mas  antes de saber de quais estre-las se trate. À espera de ver o texto dp Sidereus NunciusKeplèr e von Wackhenfeltz dão do mesmo texto duas

Mundos inumeráveis '

Mercúrio, que não seria visível a partir de Júpiter oude Saturno. A Terra é "a sede da criatura capaz de con-templar a favor da qual foi criado o universo", é o lú-gar "totalmente adequado para a criatura mais impor-tante e mais nobre entre os seres corpóreos" (Kepler,1937-59: VII, 279; IV, 308).

A infinitude do cosmo, que despertava os.entu-

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diferentes interpretações: na opinião de Kepler é pos-

sível que Galilei tenha visto quatro pequenas luas gi-rar ao redor de um dos planetas, para Wackhenfeltz,ao contrário, parece certo que os novos planetas tives-sem sido vistos girar ao redor de alguma estrela fixa.Esta era uma possibilidade que Wackhenfeltz já pros- pecta ra a Kep ler "de duzindo-a das especu lações docardeal Cusano e de Giordano Bruno". A leitura dotexto de Galilei dá razão a Kepler è ele fica confortado po r tal lei tura: "Se você [Galilei] tivesse des cober to

 _ plan eta s g ira ndo ao r ed or de um a das estr elas fi xas, jáestavam preparadas para mim as correntes é o cárce-re nos mundos inumeráveis de Giordano Bruno oumesmo o exílio naquele infinito. De momento, por-tanto, você me libertou de um grande pavor que sur-giu em mim logo que tive notícia do seu livro por cau-sa do grito de triunfo do meu opositor" (Kepler, 1937-1959: IV, 304).

 Na perspect iva de Kep ler a Terra co nt inua sen -do a sede mais alta do universo, a única adèquada

 pa ra o ho me m, senh or da criação. O sistema dos pla-netas em um dos quais nos encontramos é situado porKepler "no lugar principal do universo, aó-redor docoração, do universo que é o Sol". Dentro daquele sis-tema de planetas, a Terra ocupa a posição central en-tre os globos principais (no exterior: Marte, Júpiter,

Saturno; na interior: Vénus, Mercúrio e o Sol). A par-tir da Terra estamos ainda em condição de distinguir

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, q psiasmos de Bruno, parecia para Kepler a fonte de "um

não sei qual horror secreto e octilto: sentjmo-nos per-didos naquela imensidão à qual são negados limites ecentro, à qual é negado, por conseguinte, um lugarqualquer determinado" (Kepler, 1558-71: II, 688).Contra a tese da infinitude do cosmo, Kepler dispunhatodavia de um argumento muito "forte", cuja impor-tância devia ser relevada dois séculos mais tarde.Além das estrelas fixas conhecidas desde a antiguida-de, Galilei pensa -que o céu é p ovoad o por mais de dezmil estrelas. Kepler chegou a este número,com baseem um cálculo aproximativo por falta de dados. Masnão importa: "quanto mais densas e numerosas elassão, tanto mais é válida a minha argumentação contraa infinitude do mundo" (Kepler, 1972: 55). Mesmoque entre mil estrelas fixas houvesse somente algumamaior do que a sexagésima parte de um grau, ou deum minuto (e as estrelas medidas até agora resultamainda maiores), reunidas juntas, igualariam e supera-riam o diâmetro do Sol. O que aconteceria com dezmil estrelas? Se aqueles Sóis são da mesma espécie «jotaosso Sol, "por qual razão também todos aqueles Sóiscolocados juntos não superam em esplendor este nos-so Sol?" (ibid: 55). Este argumento de Kepler é a raizhistórica do célebre "paradoxo do céu noturno" queseria discutido por Edmund Halley na década de Vin-

te do século XVIII e exatamente um século mais tarde# pel o as trô no mo al emão Heinri ch Olbers.

O nascimento da ciencia moderna na Europa

GÀLILEI, DESCARTES E A INFINITUDE DO MUNDO

Galilei nunca fez qualquer aceno ao nome deGiordano Bruno nem nas suas obras e nem nas suascartas, sendo censurado por causa disso por Kepler.Aliás, corno foi analiticamente documentado por Ale-xandre Koyré (Koyré, 1970: 71-78), Galilei não parti-cipa do debate sobre a finitude ou infinitúde do uni

Filosofia mecânica

tão finito-infinito, e nem sei decidir, então é provávelque o universo seja infinito, porque, se fosse finito,não viveria esta indecisão e esta incerteza. No tratado

 Principia  (1644), Descartes faz um raciocínio diferen-te: não devemos nos envolver nas disputas sobre o in-finito -po rque seria ridículo qu e nós, sendo finitos,

 pr oc ur ás semo s de te rm in ar al gu ma coisa e, po r este re-

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cipa do debate sobre a finitude ou infinitúde do uni-verso, declarando nunca ter tomado uma decisão erespeito e, embora fosse propenso para a idéia da infi-nitude, considera tal questão sem solução. De fato,não é provado, nem o será eternamente, "que as es-trelas do firmamento estejam situadas todas em úmmesmo universo". Pois ninguém sabe nem jamais po-derá saber nãó só,"qual seja a figura (do firmamento),ou se ele tem alguma figura" (Galilei, 1890-1909: VI,523, 518). No Dialogo se  encontra a afirmação de que"as estrelas fixas são outros tantos sóis" e que "nãó sa-

 be mo s on de en co nt ra r ou se at é me sm o exi ste ó cen -tro do universo", mas se encontra além disso a decidi-da negação da infinitude do universo (ibid: VII, 306).

Tanto para uma quanto para a outra destas duas solu-ções, escreve a Fortúnio Liceti em 1639, são apresen-tadas simultaneamente "razões inteligentes [...} mas

 pa ra o me u cér eb ro n em estas raz ões e n em aq ue la ssão necessariament e conclusivas, de tal mod o qü e ficosempre iiideciso qual das duas afirmações seja verda-deira". Todavia, há uma única razão que o inclina paraa tfese da infinitude: é mais fácil referir a incompreen-sibilidade ao infinito incompreensível do que ao finitoque não é incompreensível. Entretanto, conclui quese trata de uma daquelas questões, como a predestina-ção e o livre arbítrio, "por ventura inexplicáveis pelosdiscursos humanos" (ibid: XVIII, 106).

O raciocínio exposto por .Galilei a Liceti não ca-rece de sutileza: se estou indeciso a respeito da qúes-

223 245

/

curso, supô-lo finito na tentativa de compreendê-lo. O

exáihe do infinito, realizado por uma mente finita, pr es su põ e a su a re du çã o ao fini to . ^Sortien te, a qu elesque ima gin am o seu- espírito ser infinit o se envolv emem tais questões (por exemplo se a metade de uma li-nha é infinita ou se o número infinito é par ou impar).Por isso, é necessário recusar- se a respon der a tais

 pr ob lemas: "n ão se de ve pr oc ur ar co mp re en de r o in -finito, mas sOmente pensar que tudo aquilo em quenão encontramos nenhum limite é indefinido" (Des-cartes, 1967: II, 39). Na série dos números, assimcomo na extensão do mundo,, pode-se sempre "proce-der além": "chamaremos essas coisas indefinidas emlugar de infinitas, a fim de resguardar somente para

Deus o nome de infinito"  (ibid.).

 Na co rrespo nd ên cia co m o fil óso fo ne op la tô ni -co inglês Henry More (1614-87) que se referia tanto aGiordano Bruno e a Lucrécio, como também à tradi-ção Cabalística e à filosofia cartesiana, o próprio Des-cartes esclarece ulteri orment e a sua distinção entre in-definido e infinito. A afirmação do caráter indefinidoda extensão basta para fazer frente à objeção de More

 pe la qu al um a ex te ns ão lim ita da e úm n ú me ro lim ita -do de turbilhões implicariam (por efeito da força cen-trífuga)' uma dispersão de átomos e poeiras errantesde toda a máquina cartesiana do mundo. Não é possí-

vel imaginar um lugar fora da extensão (ou da maté-ria) em que tais partículas poderiam escapar.

O nascimento da ciência moderna na Europa

Em um universo que não tem limites nem fron-teiras a noção de centr alidad e do -homerti no unive rsotende a perder sentido. O antropocentrismo é umamanifestação de orgulho, é a manifestação da incapa-cidade de captar a grandeza do Criador e ao mesmotempo a pretensão de impor à criação o nosso ponto devista privilegiado. Ào pensarmos que Deus criou todas

M undos i numer áve i s

mens não impedem "que ele possa ter concedido infi-nitos outro s privilégios a unia infin idade de criaturas".Ele declara "deixar sempre em suspenso questões des-se tipo, preferindo não negar è nem afirmar nada arespeito* (ibid: II, 626-27). Entretanto, ao término dasua vida e justamente em função da polêmica contrao antropocentrismo, Descartes apresentava de novo ahipótese de uma pluralidade de mundos habitados A

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as coisas somente para o nosso uso, revelamos uma de-

masiada pretensão de nôssa parte. "Não é provável demodo algum 'que to das as coisas tenham sido feitas pa ra nó s de fo rm a qu e Deu s ao criá -las nã o tev e ne -nhuma outra finalidade [...]. De fato, há no mundoatualmente uma infinidade de coisas, ou existiram no pa ssa do e já de ix aram de exis tir to ta lm en te , sem qu enenhum homem jamais as tenha visto ou conhecido esem que jamais lhe tenham prestado qualquer serviço"(ibid: II, 118). Considerando que não podemos conhe-cer as finalidades de Deus, ele já escrevera em umacarta de 1641, que seria ábsurdo sustentar que Deus,âo criar o universo, não tenha tido outra finalidade anão ser o louvor do homem e que o Sol tenha sidocriado para a única finalidade de propiciar ao homema luz (iiescartes, 1936-63: V, 54). A pequenez da Terracomparada com a grandeza do céu poderia parecer in-crível somente para aqueles que não têm um suficien-te conceito de Deus, e que consideram "a Terra como a

 pa rt e pri nci pal do un iv er so po rq ue é a mo ra da do ho -mem, mantendo assim, sem qualquer razão, aconvicção de que todas as coisas foram feitas ém bene-fício do próprio homem" (Descartes, 1967: II, 138).

A respeito de habitan tes de out ros 'mu ndo s esobre a existência de outras criaturas inteligentes nouniverso, Descartes sustenta que a questão não podeser decidida, mas afirma que o mistério da Encarnaçãoe todos os outros favores que Deus concedeu aos ho-

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hipótese de uma pluralidade de mundos habitados. Aatitude de considerar-se "caríssimos a Deus" é comumaos homens e, baseados nisso, eles pensam que tudotenha sido feito para eles e que a sua própria Terra es-teja "antes de tudo". Mas será que sabemos se Deus

 pr od uz iu al gu ma coisa na s est rel as? se col oco u ne las"criaturas de espécie diferente, ou outras vidas, e, porassim dizer, outros homens, ou pelo menos seres aná-logos aos homens?". Para prodígar na criação o seu

 po der , Deu s po de ria te r pr od uz id o in fini ta s esp écie sde criaturas; por isso, "n ão devemo s presumir demais,como se tudo estivesse em nosso poder e em'nossafunção, enquanto alhures existem talvez outras inu-meráveis criaturas sem dúvida melhores do que nós"

(ibid: II, 696).

• • i 'NÃO ESTAMOS SOZINHOS NO-UNIVERSO

Kepler acredita na existência de uma parede oude uma "abóbada" (usa também a expressão  cútis sivetúnica, pele  ou túnica) que encerra a imensa cavidadeçm cujo çentro está o Sol. Tycho Brâhe acha que ouniverso é finito e fechado pela esfera das estrelas fi-xas. Galilei teoriza uma posição de incerteza inevitá-vel. As cinco teses cosmográficas revolucionárias dasquais falamos no início do segundo capítulo não de-vem ser procuradas no âmbito dos discursos "rigoro-

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O nascimento da ciencia moderna na Europa

dos ,livros mais importantes dá "ciência popular" doséculo XVII: a obra Discovery of a New World, or a Dis-course Tending to Prove that it is Probable there May be

 Another Habitable Worldinthe Moon,  que_ teve uma am- plíssima dif usão e qu e seria lit er almente saqu eado po rFontenelle. Defendendo a sua hipótese, Wilkins se re-feria tanto à descrença que acompanhara o projeto de

l b b i d di i l d idi

.Mundos inumeráveis

inquietantes, como por exemplo: qual é o sentido dahistória da, queda e da redenção, do pecado original edo sacrifício de Cristo, se a Terra, que é o cenário ondese desenvolve este grande drama, é apenas um entreos inumeráveis mundos? Se há mais mundos e muitosdeles são habitados, o Salvador teria redimido tambémaqueles mundos? Se também os céus estão sujeitos à

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" Colombo, como também à atitude tradicional de ridi-

culizar as" novas verdades, ao dog matismo das opi-niões populares e à cegueira daqueles acadêmicos quedurante séculos negaram a existência dos antípodas.Wilkins toma consciência com clareza das dificuldadesde natureza teológica presentes na hipótese dos mun-dos habitados. Tal afirmação é considerada heréticadesde as épocas mais antigas: se os mundos são damesma espécie, Deus não é "providente" consideran-

do ' que nen hu m dos mund os tem uma perfeiçãomaior d» q ue um ou tro; se. são de um a espécie dife-rente, nenhum deles pode ser chamado "mundo" ou"universo" porque carente de perfeição universal. É

muito significativo que) entre os argumentos usadosmais amplamente  contra  o copernicanismo e contra atese de uma pluralidade de mundos, Wilkins faça re-ferência à tese tradicional "diabocêntrica", isto é, à"natureza ínfima da nossá Terra, que consta de umamatéria mais suja e mais vil do que aquela de qual-quer outra parte do universo e que deve por conse-guinte ser situada no centro; posto que este; é o lugar pior e mai s afa stado dos cor pos pu ro s e inc orruptív eisque são os céus" (Wilkins, 1638: 68).

O copernicanismo foi hostilizado  também porqueatribuía ao ser humano uma morada demasiado eleva-da transportando-o para lugares não diferentes daque-les dos céus imutáveis e imortais. Com base na tese da plu ral idade dos mu nd os hab itados sur giam pe rgu ntas

229

 piu dança como pode rão ser a sede de Deus?"

Wilkins citava, como fonte abalizada, tambémas páginas referentes aos mundos habitados contidasna  Apologia pro GalHaeo  (1622) de Tommaso Campa-nella. Entre o fini da década de Trinta e a década deSessenta aparece uma sérié de livros nos quais o tema(que hoje poderíamos chamar de "ficção científica")das viagens à Lua e aos espaços celestes se entrelaça-va com comijderações filosóficas, morais e astronômi-cas:  "The Man in the M,oon   (1638) de Francis Godwin,a  Description of a New World   (1666) de MargaretCavendish.

Com um intervalo de um ano entre um livro e

outro saíram na França a  Histoire comique des états etempires de la Lune  (1656) de Cyrano de Bergerac(1619-1655) e o Discours nouveau provaht que les astres

 sont des terres habitées  (1657) de Pierre Borei. Cyrano éum dos expoentes mais conhecidos do pensamentolibertino: e adepto da doutrina de um universo orgà-nico e vivo; refere-se a Campanella, Gassendi e LaMothé le Vayer, misturando temas hauridos do plato-nismo hermético e da Cabala, do atomismo de Demo-crito e de Epicuro, com a tradição do averroismo, coma nova cosmologia de Copérnico, de Galilei e de Ke-

 pler. As  estrelas fixas são outros tantos sóis e   a partirdissolse pode concluir que o mundo é infinito "por-

que é provável que os habitantes de uma estrela fixadescubram ainda, acima de si próprios, outras estre-

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O nascimento da ciência moderna na Europa

las fixas que hão temos possibilidade de enxergar da-qui e que isso se repita ao infinito. Como alguém quese encontra em uma embarcação tem a impressão deque a margem se moVa, assim os homens acreditaramque fosse o céu girar ao redor dá Terra. A este errodos sentidos é preciso acrescentar "o orgulho insu-

 portá vel do ho me m qu e está con vic to de qu e a na tu -reza foi feita somente para ele, como se fosse possível

M undos i numer áve i s '

/ '' )  '

ções. Junto com a teoria cartesiana dos turbilhões tor-naram-se familiares a um número muito grande deleitores as teses da infinitude do universo e da plúra- N

lidade de mundos habitados. As descobertas microscó- pica s são utili zadas por Fontenel le com o suporte datese da vida difusa por todo o universo. Diante de um

- universo infinito e infinitamente p ovoado a Marq ue-sa a quem o texto é dirigido exprime o seu espanto

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p , pque o Sol tivesse sido aceso apenas para fazer amadu-

recer as suas nêsperas e crescer os seus repolhos". Bo-rel vê nas descobertas galileanas não só a prova daverdade do sistema copernicano, mas da validade dashipóteses sobre mundos habitados. O seu texto (talcomo o texto literariamente muito mais fascinante deCyrano) não contém doutrinas originais, mas apre-senta, reunidos çm conjunto, os termos de uma dis-cussão que é constituída por um complexo entrelaça-mento de elementos hauridos de diferentes tradições.O livro de Borel, dedicado a Kenelm Digby terminacom uma longuíssima citação de Palingenio Stellato.Os nomes que ocorrem cóm mais freqüêhcia sãó

aqueles de Copérnico, Kepler e Campanella. Giorda-no Bruno apesar de hão ser mencio nado sequer umavez,, está continuamente presente e a visão do mun-do de Lucrécio (o texto é constelado de citações tira-das do tratado  De rerum natura)  serve como pano defundo das suas reflexões. Mas' o mais querido dosmestres é Montaigne, que nos ensinou, como Sócra-tes, a rejeitar ás certezas e a duvidar.

Os célebres escritos de Fontenelle (Bernard leBovjer de, 1657-1757) e de Christian Huygens(1629-95) constituem somente o sucesso de uma discussãoque foi se desenvolvendo por quase dois séculos. Os

 Entretiens sur la pluralité des mondes  (1686), nos cemanos de vida do seu autor, já tinham alcançado 31 edi-

2

sa, a quem o texto é dirigido, exprime o seu espanto.Em face daquela perturbação e daquele espanto peloinfinito, o mestre exprime um oposto estado de espí-rito: ele concebe o infinito conforme o seu gosto, "seo céu fosse somente esta abóbada azul onde estives-sem pregadas as estrelas, o universo me pareceria pe-queno e me sentiria Como oprimido [...]. O universotem agora uma outra magnificência, a natureza: aoconstruí-lo não tem poupado nada...".

AS CONJETURAS DE HUYGENS

O grande Huygens faleceu em 1695 deixando

inédito o manuscrito do tratado Cosmotheoros sivé de ter-ris coelestibus earumque ornatu conjecturae que seria pu-

 bli cad o em 1698. Na opini ão de Huy gens tant o Cusa-no comò também Giordano Bruno e Fontenelle nãodesenvolveram uma pesquisa séria em torno dos ha-

 bi tante s de outro s mu nd os . En tre tanto, os caminhosque levam ao conhecimento de coisas tão distantesnão estão interrompidos e há matéria para uma sériede conjeturas verossímeis. A tais conjeturas não sedeve colocar obstáculos por duas razões: eñi primeirolugar porque se tivéssemos aceito a imposição de. limi-.tes à curiosidade humana, não conheceríamos aindanem a forma da Terra e nem a existência do continen-te americano; em segundo lugar porque a investiga-

2 1 11 9

O nascimento da ciencia-moderna na Europa

ção de teorias possíveis constitui a própria essência dafísica (Huygens, 1888-1950:XXI, 683, 687, 689).

Quem assistisse à anatomia de um cachorro nãohesitaria em afirmar a existência de órgãos semelhan-tes em um boi ou em um porco. Do mesmo modo, co-nhecendo a Terra, é possível fazer conjeturas sobre osoutros planetas. Com certeza a gravidade não existesomente na Terra. Porque a vida Vegetal e animal de-

É

M undos i numer áve i s

As críticas dirigidas por Huygens a Kepler a res- pei to des te pro blema apresenta m ele mento s de gra ndeinteresse. Kepler, escreve Huygens, tinha uma oútraopinião' a esse respeito. Emborà a creditando que as es-trelas estivessem espalhadas ha profundidade do céu,achava que o Sol estivesse situado no centro de um es- paço maio r, acima do qual come çava um céu ponti lha -do de estrelas. Pensãva que, se as coisas fossem de

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veria existir apenas sobre a Terra? É verdade que a na-

tureza busca a variedade e que por meio da variedadese manifesta a existência do Criador, mas é tambémverdade que as plantas e os animais americanos têmuma semelhança de estrutura com as plantas e os ani-mais europeus. As diferenças na vida presente nos pla-netas dependem da sua distância do Sol, "mas é possí-vel que haja diferenças de matéria mais do que de for-ma" (ibid: XXI, 699, 701, 703). As formas admiráveisda reprodução das.plantas "não podem ter sido inven-tadas somente para a nossa Terra". E nem por isso seafirma que os habitantes dòs outros planetas são seme-lhantes a nós, mas eles com certeza ^ão estruturalmen-

te análogos a nós: eles também poderiam ser dotadosde uma razão e de valores parecidos com Os nossos, e poderia m ta mb ém ter olhos, mão s, escrit a, sociedade,geometria, música (ibid: XXI, 707, 717, 719-51).

Antes da descoberta do telescópio a tese de queo Sol fosse uma das estrelas fixas podia parecer em dè-saçordo com a doutrina de Copérnico. Hoje, "todosaqueles que aderem ao sistema copernicano" achamque as estrelas não estão situadas na superfície de umamesma esfera e pensam "que elas estão espalhadas por vasto s espaços do céu e qu e a mesm a distâ nciaque há entre a Terra e o Sol e as estrelas mais próxi-mas-há também entre essas estrelas e outras sucessi-

vas, e a partir destas para outras mais, em uma pro-gressão contínua" (ibid: XXI, 809).

2 3 2

1

do de estrelas. Pensãva que, se as coisas fossem de

modo'diferente, nós veríamos somente poucas estrelase de tamanhos muito diferentes. De fato, raciocinavaKepler, considerando que as estrelas maiores nos apa-recem tão pequenas que com dificuldade podemosmedi-las, e considerando que aquelas estrelas .estãoduas ou três vezes mais distantes nos aparecem neces-sariamente duas ou três vezes menores (suposto queelas tenham a mesma grandeza), chegar-se-ia logo aestrelas invisíveis, resultando daí duas coisas: que nóssó poderíamos ver umas poucas estrelas e que elas se-riam de grandeza diferente. Mas, ao contrário, nós en-xergamos muitas estrelas e de grandezas não muito di-ferentes. O raciocínio de Kepler, porém, afirma Huy-

gens, está errado; ele não levou em consideração queé próprio da natureza do fogo e da chama serem visí-veis a partir de distâncias das quais outros objetos não po dem ser vistó s. Nas ruas das nossas cidades é possí-vel contar vinte ou mais lanternas mesmo quando elasestão situadas distantes a uma centena de pés* uma daoutra e também quando a chama da vigésima lanternaé vista por um enfoque de apenas seis segundos. Por-tanto, não há nada de estranho se a olho nu enxerga-mos mil ou duas mil estrelas e se enxergamos vinte ve-zes mais estrelas mediante um telescópio.

Mas, do ponto de vista de Huygens, o erro de

Kepler tem uma raiz mais profunda. Ele desejava  (cii- piebat)  "considerar o Sol como urp objeto eminente

2 3 3

O nascimento da ciência moderna na Europa

sobre as outras estrelas, sendo único na natureza a serdotado de um sistema de planetas e situado no centrodo univ erso". Ele pfecisava disso para ter confirmaçãodo seu "mistério cosmogràfico" pelo qual as distânciasentre os planetas e o Sol deviam corresponder aos diâ-metros daS esferas inscritas e circunscritas pelos polie-dros de Euclides. Por isso, era necessário "què houves-se no universo somente um e único coro de planetas

M undos i numer áv e i s '

Situasse mentalmente (como fazia Huygens)em um ponto do universo eqüidistante do Sol e dasestrelas fixas mais próximas e a partir daquele pontoconsiderar o Sol e a Terra (que se tornoü invisível): taltipo de "experiência mental" não pertence à mesmafamília das experiências enl uso na filosofia natural deGalilei. De fato pressupõe o afastamento de um pontode vista terrestre ou heliocêntrico na consideração do

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p

ao redor de um Sol considerado único representanteda sua espécie" (ibid: XXI, 811): Todo este mistérionasceu da filosofia' de Pitágoras e de Platão: as propor-ções não são conformes à realidade e os argumentosaduzidos a favor da esfericidade dá superfície externado universo são muito fracos. A conclusão de Kepler,segundo a qual a distância do Sol da superfície cônca-va da esfera das estrelas fixas é cem mil vezes o diâ-metro da Terra, está baseada na razão extravagant e deque o diâmetro da órbita de Saturno é igual à superfí-cie inferior da esfèra das estrelas fixas, assim como odiâmetro do Sol é igual àquele da órbita de Saturno(ibid: XXI, 813 ). .

Huygens, no entanto, contra a esquisitice dasidéias do grande fundador da astronomia, aceita a tese"de Giordano Bruno" de uma identidade de naturezaentre o Sol e as estrelas: "Não se deve hesitar em ad-mitir, com os principais filósofos do nosso tempo, queo sol e as estrelas têm uma mesma natureza. Daí re-sulta uma imagem do universo mais grandiosa do queaquela que foi transmitida até aqui. Quem nos impe-de de pensar que cada uma de tais estrelas ou Sóis te-nha planetas a seu redor, providos por sua vez deluas? [...]. Se nos situamos com o pensamento nas re-giões celestes, em uma posição não menos distante do

Sol do que das estrelas fixas, não perceberíamos entreo Sol e tais estrelas diferença alguma"  (ibid.).

2

cosmos, uma espécie de relativismo cosmológico quese desenvolve na mesma época do nascimento do re-lativismo cultural. Isso transparece com clareza do

 pr óp ri o te xt o de Hu yg en s: "C on vé m qu e no s co nsi de-remos como situados fora da Terra e capazes de olhá-la de. longe. Podemo s, então, nos pergu ntar se é ver-dade quê a natureza tem atribuído somente a ela to-dos os seus ornamentos. Desse modo poderíamos en-tender melhor o que é a Terra e como devemos consi-derá-la. Do mesmo modo, aqueles que realizam gran-des viag ens po dem julgar melh or as coisas da sua pá-tria em comparação com aqueles que nunca a deixa-ram" (ibid: XXI, 689).

CRISE E FIM DO ANTROPOCENTRISMO V. ,

Foi se formando lentamente uma imagem douniverso inspirada na concepção filosófica de Lucré-cio, que constituiriá pelo menos ao longo de um sécu-lo (até o Barão de Holbách e ainda mais além) a gran-de alternativa áo deísmo e à imagem do mundo cons-truída por Newton e pelos newtonianos. Nesta novacosmovisão não sobra mais muito espaço para a cele-

 br ação de um un iv er so or de na do e pe rfe ito , co ns truí -do para o homem - senhor do mundo - que deixatransparecer/ para edificação do mesmo ser humano,os desígnios de uma infinita sabedoria.

21 121

.0 nascimento da ciência moderna na Europa

A esse respeito - escrevera Pierre Borel — é.preci-so que os homens aprendam a não se comportar comoaqueles camponeses que, por nunca terem visto umacidade, continuam achando durante a vida inteira quenão pode existir nada maior o,mais belo do que o seu peq ueno vilare jo (Borel, 1657: 14, 32). A tè rrai ntei raagora se configurava como apenas uma província ouuma aldeia do universo. De modo não diferente do que

t M dit â O id t

Mundos inumeráveis

nanos alcançados pelos trabalhos dos grandes astrô-nomos do século XVII, para sustentar as suas cosmo-vtsoes. Ao fazer isso, eles fizeram (como se poderia di^zer hoje) extrapolações nem sempre legítimas e nemcautelosas, baseando-se em analogias. Mesmo assimas suas "ficções" e os seus procedimentos do tipo ana-lógico contribuíram não pouco para mudar o curso dahistoria das idéias e ao mesmo tempo o  rumo da his-

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acontecera; para o Mediterrâneo e para o Ocidente,

diante das. descobertas geográficas e-das viagens para países desco nhecidos e j un to a povos dista ntes.

As longas disputas a respeito da infinitude douniverso e sobre a pluralidade e habitabilidade dosmundos contribuíram - dentro de um contexto cultu-ral mais amplo 't não só para colocar em crise todaconcepção antropocêntrica e "terrestre" do universo,mas também para esvaziar o sentido do discurso tradi-cional dos humanistas sobre a nobreza e dignidade doser humano. "Para adquirir um sentido não meramen-te retórico e literário, tal discurso agora devia ser for-mulado de maneira diferente, isto é, devia ser inscrito

em um contexto mais complicado e assumir um novosignificado. Nascera uma nova imagem da natureza edo lugar do homem na natureza: Por isso, tanto a na-tureza comò também a noção de um universo infini-to; podia ser utilizada de várias formas: podia servir defund ame nto para a profu nda religiosidade de Pascal,como também para o determinismo dos grandes ma-terialistas do século XVIII.

Os grandes protagonistas da história complica-da que levou a mudar a imagem de um mundo fecha-do para a imagem de um universo infinito - comoconsta, por exemplo, no pensamento dè Giordano

Bruno, Wilkins, Borel, Burnet, Cyrano e Fontenelle -serviram-se livremente dos resultados mais revolucio-

236

toria da ciência. Em todo o caso, o Somnium de Keplere o Cosmotheoros de Huygens estão aí para  demonstrarque também os grandes cientistas daquela época nãoficaram indiferentes diante daquelas "ficções". Imagi-naçao e cosmologia então não parecem termos antité-ticos. Um dos maiores cosmólogos do nosso tempoque responde ao nome de Fred Hoyle, não escreveu'acaso também A nuvem preta? —

237

capítulo 9 .

FILOSOFIA MECÂNICA

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oi

NECESSIDADE DA IMAGINAÇÃO

 Na épo ca qu e vai de Co pé rn ico a Ne wt on ma r-cam presença tanto as  macro-ciêncías  como também asmicro-ciências.  As macro-ciências como, por exemplo, aastronomia planetária e a mecânica terrestre, têm a vercom propriedades e processos que podem ser, mais oumenos, observados e medidós diretamente., Às micro-ciências, por sua vez, tais como a óticâ, o magnetismo,as teorias sobre a capilaridade, sobre o calof e sobre asmutações químicas, postulam  micro-entiüades  qu e  em

 princípio  são declaradas  não-observáveis  (Laudan, 1981:

21-22). Galilei, Descartes, Boyle, Gassendi, Hooke,Huygens, Newton, todos concordam em falár em enti-dades que possuem propriedades radicalmente dife-rentes daquelas dos corpos macroscópicos que consti-tuem o mundo da cotidianidade. Neste contexto, asmetáforas e as analogias exercem uma função centra}.

( Na filosofia mecân ica a reali dade é referi da auma relação de corpos ou partículas materiais em mo-vimen to e tal relação pode ser interp retada mediant eas leis do movimento descobertas pela estática e pelamecânica. A análise, portanto, é referida a condiçõesmais simples e é realizada por meio de um processo de

abstração  de qualquer elemento sensível e qualitativo.Como  fatos  a ciência considera somente aqueles ele-mentos do mundo real que são alcançados com base

195

O nascimento da ciência moderna na Europa

çm critérios exatos de caráter teórico. A interpretaçãoda experiência (como foi relevado inúmeras vezes)acontece a partir de teses estabelecidas previamente: a.resistência do ar, o atrito, os diferentes comportamen-tos de cada corpo, os aspectos qualitativos do mundoreal são interpretados como irrelevantes para o discur-so da filosofia -natural ou como  circunstâncias contra-riantes  que não são levadas (ou não se devem levar)

Filosof ia mecânica

qu e  enxerga  fazendo uso da sua bengala. Para explicara transmissão4nstantânea da luz, além da analogia docego que faz uso do seu bastão, na  Dioptrique  de Des-cartes são mencionadas outras analogias que susten-tam a hipótese mecânica, como por exemplo, aquelado vinho que sai do tonél impelido por uma pressãoque se propaga em todas as direções (explica a propa-gação); a analogia da bola que é desviada do seu cursopel o en co nt ro com um ou tro corpo (expli ca os fenô

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q ( )

em consideração na explicação do mundo. Os fenô-menos na sua particularidade e na sua realidade ime-diata, ou seja, o mundo das coisas que encontramosno dia-a-dia, bem como o mundo das coisas "curiosase estranhas" a que se dirigiram com tanta curiosidadee surpreendente interesse os naturalistas e os cultoresda magia na Renascença, não exerce mais qualquerfaseínio sobre os adeptos da filosofia mecânica.

Considerando que as palavras não tê m qualquersemelhança com as coisas que significam - pergunta, ,Descartes - por que a natureza não podia ter estabele-cido um sinal que nos desse a sensação da luz mesmo

não possuindo em si mesma nada de semelhante a talsensação? O som, assegúram os filósofos, é uma vibra-ção do ar, mas o sentido dò ouvido nos faz, pensar nosom e não no movimento do ar. Da mesma forma otato nos faz conceber idéias que não se assemelham demodo algum aos objetos que produzem tais idéias. Porexemplo, a idéia da cócega não se parece de maneiranenhuma com uma pluma que é passada nos lábios.Justamente esta  não-semelhançalewa  necessariamente aelaborar ou a imaginar um modelo. Aquilo que nosaparece como "luz" na realidade é um movimento ra-

 pid íssim o qu e se tra nsmit e aos nossos olhos medi an teo ar e outros  corpos  transparentes. Tal modelo é cons-

truído e feito compreensível por meio de uma analo-gia, como por exemplo, um cego do qual se pode dizer

2 4 0

 pel o en co nt ro com um ou tro corpo (expli ca os fenô-

menos da refração e da reflexão) (Descartes, 1897-1913: XI, 3-6; VI, 84, 86, 89). v

f Pará a ciência/portanto, é necessário passar deuma realidade observável para outra  não-observável. Daí,é tarefa da imaginação conceber este segundo dadocomo semelhante de alguma forma ao primeiro. Aciência obriga os homens a imaginan Se observarmos como olhar uma atração ou uma união, escreve Pierre Gas-sendi, vemos ganchos, cordas, algo que agarra e algõque é agarrado; áo contrário se observamos uma sepa-ração ou uma rejeição vemos pontas ou ferrões. Domesmo modo "para explicar fatos que n'ão são percebi-

dos' pelos nossos sentidos, somo? obrigados a imaginar pequ en os aguilhõ es, pequ en as pontas e outro s ins tru -ment os semelhantes q ue não pode m ser percebido s eagarrados. Não por isso, todavia, deveríamos concluirque eles não existem" (Gassendi, 1649: n, 1, 6, 14).

Robert Hooke é um dos cientistas que, no sécu-lo XVII, participam intensamente nos debates sobre aconstituição da matéria. Sendo que não termos órgãosde sentido capazes de,fazer perceber as atividade» reaisda natureza - achamos escrito na  Micrographia  - pode-mos esperar, que, n o futuro , o microscópio nos ponh aem condição de observar as estruturas verdadeiras e

indivisíveis dos corpos. Nesse meio tempo somos obri-gados a tatear no escuro e á supor,, "fa^ndo uso de

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O nascimento da ciencia moderna na Europa

 po de ria m ter sido evitados mu ito s equ ívo cos e muitosmal-entendidos.

Mas não tem muito sentido procurar solucio-nar os problemas históricos no plano dos mal-enten-'didos ou dos equívocos lingüísticos. Quando aborda-mos os textos do século XVII escritos por müitos de-fensores da filosofia corpuscular ou mecânica (ou pe-los seus adversários igualmente numerosos), quase

Filosof ia mecânica

•leis determinadas/ O mundo real é tecido de dadosquantitativos e mensuráveis, bem como de espaço ede movimentos e relações no espaço. Dimensão, for-ma, situação de movimento das partículas (pára-al-guns também a impenetrabilidade da matéria) são asúnicas propriedades reconhecidas ao mesmo tempocomo reais e como princípios explicativos da realida-del A tese da distinção entre as qualidades   objetivas  èsubjetivas dos corpos está presente de forma variada

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sempre temos a inípressão de que ambos os significadosaos quais Dijksterhuis fazia referência estão presen-tes, com freqüê ncia interligad os ou' misturad os, nanov a cosmovisão.» A assim cha mad a "filosofia mecâ-nica" (tpie antes da época de Newton não coincidiade modo algum com aquela parte da física que hojechamamos  mecânica)  é baseada em aljguns pressupos-tos:^) a natureza não é a manifestação de um princí- pio vivo, ma s é um sis tem a de ma téri a em mo vi me n-to governado por leis; 2) tais leis podem ser determi-nadas com exatidão matemática; 3) um número mui-to reduzido dessas leis é suficiente para explicar ouniverso; 4) a explicação dos comportamentos da na-tureza exclui em princípio qualquer referência às for-ças vitais  ou às  causas finais\  Com base nestes pressu- posto s  explicar   um fenômeno significa construir ummodelo mecânico que "substitui" o fenômeno realque se pretende analisar. Esta reconstrução é tantomais verdadeira, isto é, tanto mais adequada aò mun-do real, quanto mais o modelo for construído só me-diante elementos quantitativos e aptos para serem re-duzidos às formulações da geometria.

Q mundo imediato da experiência.cotidiana(como foi dito no parágrafo anterior)  não é real   etodavia o caso é totalmente irrelevante para a ciência.

Reais são a matéria e os movimentos das partículasque constituem a matéria, "que acontecem segundo

2 4 4/

 subjetivas dos corpos  está presente de forma variadatanto em Bacon e Gálilei, como também em Descar-tes, Pascal, Hobbes,.-Gassendi e Mersenne. Essa teseconstitui um dos pressupostos teóricos fundamentaisdo mecanicismo e na filosofia"de John Locke~(1632-1704), iria assumir a forma da célebre distinção entrequalidades  primárias  e qualidades  secundárias.  Aqueladoutrina serve também para a interpretação e expli-cação das qualidades secun dárias. Como escreve Tho-mas Hobbes (1588-1679) no  Leviathan or the Matter,

 Porrn, and Power ofa Commonwealth Ecçlesiastical and Ci-yzV.(1651): "todas as qualidades chamadas sensíveis,rio objeto que as determina, são os vário s movimen-

tos da matéria, mediante os quais ela influencia deforma s diferent es os nossos órgãos. Em .nós, que so-mos igualmente estimulados, elas não sãç nada maisdo que movimentos diversos, sendo que o movimen-to não pode produzir a não ser movimento , mas a suaaparência é em nós imaginação [...]. DeSse modo osentido, em qualquer caso, nada mais é do que umaimaginação originária causada pelo estímulo, isto é,

 pe lo mo vi me nt o exerc ido pel as coisas ex te rnas sob reos nossos olhos, ouvidos e outros órgãos análogos"(Hobbes, 1955: 48-50). Inclusive as qualidades se-cundárias resultam mecanizadas  ex parte obiecti  e o

mesmo fenômeno da sensação pode ser referido a ummodelo mecânico.

2 4 5

O nascimento da qência moderna na Europa

Um astrônomo como Kepler, que estava forte-mente ligado aos temas do hermetismo, ele tambémfaz referência exata à analogia entre uma máquina eó universo. No confronto com os que sustentavam a pre sença de "al mas " qu e mo ve m os cor pos cele stes,ele rejeita a analogia entre o universo e um ser ani-mado divino, e afirma que o universo é semelhante aum relógio:!» todos os vários mov imen tos que estãopresen tes no cosmo de pe nd em de um a simp les força

Filosof ia mecânica

Descartes escrevera o seguinte: "Nós vemos que reló-gios, chafarizes, moinhos e outras máquinas destetipo, embora sendo construídas por homéns, não lhesfalta força suficiente para se moverem sozinhas de vá-rias maneiras [...].*E na verdade os nervos podem sermuito bem comparados com os tubos das máquinasdaqueles chafarizes, e os seus músculos e os ¿eus ten-dões aos outros mecanismos e molas que servem paramovê-las"*(Descartes, 1897-1/913: XI, 120, 130-31).

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 pr esen tes no cosmo de pe nd em de um a simp les forçaativa material^ assim como todos os movimentos dorelógio são devidos simplesmente ao pêndulo. Tam-

 bé m na opinião de Boyle o un iver so é seme lh an te auma grande máquina qüe é capaz de movimento.Mesmo que quiséssemos concordar com os aristotéli-cos quê os planetas são movidos por anjos ou por in-teligências imateriais, para explicar as paradas, as pro gre ssões, os ret rocessos e ou tro s fe nô me no s des tetipo, precisamos em seguida fazer recurso a movi-mentos, quer dizer, precisamos fazer apelo a teoriasnas quais se fala de movimentos, figuras, posições eoutras características matemáticas e mecânicas dos

corpos (Boyle, 1772: IV, 71). Nes te sen tido, Hobbes ind agava : por qu e nã o

 po demos dize r qu e tod os os Autômatos ou as máquinasque se movem sozinhas por meio de rodas ou de mo-las, como acontece com os relógios, têm uma  vida ar-tificial ? Afinal, o que é o coração senão uma mola, osnervos senão muitas cordas e as articulações senãomuitas rodas? (Hobbes, 1955: 40). As máquinas donosso corpo - afirma Marcelo Malpighi (1628-94) notratado  De pujmpnibus  (1689) - são as bases da medi-cina: elas se identificam com "cordas, filamentos, vi-gas, fluidos que escorrem, cisternas, canais, filtros, pe-

neiras e máquinas semelhantes" (Malpighi, 1944: 40), Na obra  L'homme  (1644, mas terminada em 1633)

2 4 6

As referências aos relógios/-aos moinhos, aoschafarizes, à engenharia hidráulica são insistentes econtínuas. Na "filosofia mecânica" a referência à me-cânica como setor da física e a referência às máquinasaparecem estritamentè interligádas. Durante séculosfoi aceita, e em muitos períodos históricos ficóu domi-nante, a imagem de um universo não só criado  pára ohomem, mas estruturalmente semelhante ou  análogoao homem; A doutrina da analogia entre microcosmoe macrocosmo dera expressão a uma imagem antro-

 pomór fica da na tureza . En tr et an to ,! o mec an ici smoelimina qualquer perspectiva do tipo antropomórfico

na consideração da natureza. O método característicoda filosofia mecânica na opinião dos seus defensoresaparece tão poderoso a ponto de ser aplicáveia todosos aspectos da realidade: não só ào mund o da nature-za, mas também áo mundo da vida, não apenas aomovimento dos astros e à queda dos corpos pesados,mas também à esfera das percepções e dos sentimen-tos dos seres humanos. O mecanicismo atingiu tam-

 bé m o t er reno de inv esti gação da fisiolo gia e da psi co-,logiajl As teorias da percepção por exemplo aparecemfupdadas na hipótese de partículas que, através de po- .rosidades invisíveis, pènetram nos órgãos dos sentidos

 prod uz indo mo viment os qu e são transmit ido s pelo s

nervos ao cérebro. I .

2 4 7

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O nascimento da ciência moderna na Europa

rá jamais alcançar a perfeição da nature za arte é So-mente uma tentativa de reproduzir a natureza nosseus movimento^ por isso, em muitos textos da IdadeMédia, as artes mecânicas são definidas  adulterinae o ufalsificadoras.

A  filosofia mecânica põe em crise também estaconcepção da relação'entre arte e natureza. FrancisBacon critica a teoria aristotélica da espécie, com base

Filosof ia mecânica

Deus enq uan to criador ou construtor -da máqu ina domundo. O critério para conhecer como fazer uma coi-sa ou da identidade entre conhecer e construir, (ou re-construir) serve não só para o homem, mas também

 para Deüs. Deus conhece aque le admirávei reló gio qu eé o mundo porque foi o seu construtor ou relojoeiro.

/ O que realm ente o ser huma no pode c onheceré somente o artificialJ A esse respeito, por exemplo,Marin Mersenne escreve o seguinte: "É difícil encon-

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na qual um produto da natureza (por exemplo, umaárvore) é qualificado como tendo uma  forma primária,ao passo que ao produto da arte (por exemplo umamesa extraída daquela árvore) caberia apenas uma

 forma secundária.  Esta doutrina, escreve Bacon no tra-tado  De augmentis,  "introduziu nos empreendimentoshumanos um desespero prematuro; os homens, aocontrário, deveriam se convencer de que "ás coisas ar-tificiais não diferem das coisas naturais pela forma ou pel a essência , mas so mente pel a cau sa efi cie nte " (Bal-cón, 1887-92:1, 496). O raio, que os antigos negavamque pudesse ser imitado, na realidade foi imitádo pe-las artilharias da era moderna. A arte não é   símia na-

• turae  (macaco da natureza) e nem fica, como queriauma antiga tradição da Idade Média, "de joelhos dian-te da "Natureza". Neste pon to tam bém Descartes está pl en am en te de acord o: l "Não há qu alqu er dif ere nçaentre as máquinas que os artesãos constroem e os vá-rios corpos que fazem parte da natureza". A única di-ferença está no fato de que os aparelhos das máquinasconstruídas pelo homem são bem visíveis, ao passoque "os tubos e as molas que constituem os objetosnaturais são geralmente muito pequenos para que possam ser per ceb ido s pelos sen tidos" (Descartes, \1897-1913: IX, 321).

1 O conhecimento das causas profundas e das es-sências» que é negado ao ser humano, é reservado a

(

2 5 0

gtrar verdades na física. Considerando que o objeto dafísica pertence às coisas criadas por Deus, não deve-mos nos surpreender por não encontrarmos as suasverdadeiras razoes [...].{Na realidade; conhecemos asverdadeiras razões apenas daquelas coisas que pode-mos construir com as rnãos ou com o intelecto"/(Mer-senne, 1636: 8). O materialista Hobbes se situa em po-sições certamente muito diferentes daquelas de Mer-senne, mas neste ponto chega a conclusões totalmen-te semelhantes: "A geometria é demonstrável porqueas linhas e as figuras a partir das-quais raciocinamossão traçadas e descritas por nós jne smo s. E a filosofia

civil pode ser demonstrada porque nós próprios cons-truímo s o Estado. Entretanto, cons ideran do que nãoconhecemos a construção dos corpos naturais, mas a

 procuram os pelos seu s efei tos, nã o há ne nhu ma de-monstração de que natureza sejam as causas procura-das po r nós, ma s som ente còmo elas possam ser" f(Hobbes, 1839-45: II, 92-94).

O trecho de Hobbes que acabamos de lembrarfoi compa rado várias, vezesxxjm as páginas de G iam-

 bat ista Vico (16 68-17 44) na s qua is é en un ciad o o fa-moso princípio  áoíverum-factum.  "Demonstramos as pro porçõ es geomé tri cas po rq ue som os nó s qu e as fa-

zemos, se pudéssemos demonstrar as proporções da fí-sica p odería mos tamb ém fazê-las", Rescreveria n o tra -

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O nascime nto da ciêntia moderna na Europa

tado  De nostri temporis studiorum ratione  (1709). A arit-mética e á geometria - achamos escrito no tratado  Deantiquíssima   (1710) - "bem como aquela sua filiaçãoque é a mecânica, na verdade pertencem ao homem,considerando que nestes três domínios nós demons-tramos somente uma verdadé, na medida em que afazemos". Na  Scienza nuova  (1725 e 1744) o mundo dahistória seria interpretado como objeto de uma nova

Filosofia mecâni ca *

modelo da máquina, na percepção de Descartes, ape-nas estas duas funçõ es parecem inexplicadas ou nãoexplicadas de um modo totalmente satisfatório.

Uma máquina que tivesse os órgãos e o aspectode um macaco ou de um outro animal teria necessida-de de uma disposição especial dos seus órgãos, corres-

 po nd en do a Cada açã o pa rt ic ul ar Na op in ião de Des- part es, nã o é con ceb ív el um a má qu in a qu e te nh a ta n-tos órgãos e tão diversificados a ponto de poder agir

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ciência justamente porque integralmente feito e cons--truído pelos homens: "nessa longa e densa noite detrevas vislumbra somente esta luz: que o mundo dasnações pagãs também foi feito com certeza pelos ho-men s" (Vico, 1957: 781). .

Então, como vimos,f a tese da iden tidade e ntreconhecer e fazer produzia uma ciência consciente dosseus limites insuperáveis, mas aquela tese acabavatambém por envolver (com conseqüências que seriadifícil subestimar) o mundo da moral, da política e dahistória.]

ANIMAIS, HOMENS E MÁQUINAS

 Na fisi olo gia (o u psicof isiolo gia) de Des car tes(exposta na parte quinta do tratado Discóurs de la mé-thode  e no  De 1'homme) o que é vivo não é colocadomais como alternátiyo ou contraditório em relaçãoàquilo que é mecânico. Os animais são máquinas. Orecon hecim ento -da existência de uma alma racionalserve para traçar uma linha de demarcação não entreas máquinas e os organismos vivos, mas entre as má-quinas-viventes e algumas funções particulares da-quelas máquinas peculiares (únicas no universo) que

são os homens, as quais, e somente elas, são capazesde "pensar" e de "falar". Uma vez que seja adotado o

2 5 2

g p p gem cada circunstância da vida taí como a nossa razãonos permite agir. Erfi muitas coisas aquelas máquinastalvez poderiam agir até mesmo melhor do que nós,mas em outras Coisas fracassariam inevitavelmente.

x  -Por isso, para Descartes, a sabedoria ou a capacidadede se adaptar ao ambiente não são dotes que as má-quinas possam adquirir. E o mesmo vale para a lin-guagem. Pois seria possível construir máquinas capar"zes de pronunciar palavras e de reagir com palavras adeterminados estímulos externos, mas tais máquinassempre seriam incapazes de coordenar as palavras

 pa ra re sp on de r con for- me o sen tido das pa lavras qu e

lhes são dirigidas.A alma racional, portanto, não pode derivar do

 po de r da ma té ri a, ma s fo i ap ro pr ia da me nt e cri ada po r Deu s. Tu do isso (e na ve rd ad e nã o é po uc o) qu eestá abaixo do limiar do pensamento e da linguagemé porém interpretado segundo os cânones do mais rí-gido mecanicismo. Os animais são somente máquinase toda a vida fisiológica do ser humano é explicávelcom a metáfora da máquina e pode ser referida à má-quina. Em primeiro lugar, no aspecto fisiológico davida é possível distinguir entre aquilo que é voluntá-rio e aquilo que é meramente mecânico. No ser hu-

manóla alma' tem a sua localização na glândula pi-neal, próxima à base do cérebro, e ela controla âque-

2 5 3

O nascimento da ciêntia moderna na Europa

les movimentos musculares que transformam os pen-samentos em ações e em palavras. A respiração, o es-

 pir ro, o bocejo , o tossir, os mo vi me nt os per istá lticosdo intestino, as contrações da pupila e da laringe nadeglutição são ações naturais e ordinárias que depen-dem. do "curso dos espíritos". Tais espíritos, "seme-lhantes a um vento ou,a uma chama sutilíssima", es-correm rapidamente ao longo daqueles tubos sutijís-simos que são os nervos provocando mecanicamente

Filosofia mecânica *

exemplo, aproximando-se de uma estátua de. Dianano banho - que fizeram aparecer caminhando sobredeterminados ladrilhos -, de repente eles fazemaparecer também uma estátua de Netuno que os.ameaça com um tridente. A alma racional, situada nocérebro, "tem uma função igual àquela do encarrega-do do chafariz que deve se encontrar perto dos tan-ques onde estão conectados todos os tubos de tais má-quinas pa ra provocar, impedir ou mu dar .de algum

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a contração dos músculos. Somente a força dós espí-ritos animais qup escorre do cérebro para os nervos écapaz de explicar este tipo de movimentos: por exem-

 plo, qu an do um a ch am a qu ei ma um pé, acon tece deimediato o retraimento do pé, um grito de dor e des-,locamento do olhar; ou.como no caso dos condena-dos à morte as cabeças que, após serem decepadas/continuam a se mover e mordem o chão.

Tais ações são totalmente semelhantes aos mo-vimentos de um moinho ou de um relógio. Para aconstrução da sua metáfora das ações voluntárias,Descartes faz referência a uma máquina mais compli-

cada. Trata-se de um dos complexos chafarizes dos jar-dins do Rei (uma espécie de Disneylandia do séculoXVII) nos quais apenas a ação da água basta para acio-nar uma série de várias máquinas, produzir sons deinstrumentos e até fazer pronunciar algumas palavras.Os nervos são os tubos do chafariz, os músculos e ostendões são as molas e os aparelhos que o movem. Osespíritos animais são a água que põe o chafariz emmovimento, o coração é a fonte daquela água e as ca-vidades do cérebro são os seus reservatórios. Os obje-tos externos que estimulam os órgãos dos sentidos sãoaqueles que, rodando no interior daquele complicado

chafariz, mesmo sem saber, provocam os movimentosdas máquinas das quais fazem parte. Os visitantes, por

131 2

q p p p gmodo os seus movimentos". Após a descoberta da ci-

 berné tic a ho uv e qu em notas se qu e o tal "en carregadodo chafariz" se assemelha bastante a um mecanismoautomatizado.

Descartes faz uma nítida distinção entre proces-sos fisiológicos voluntários e involuntários; tem umaidéia exata daquele fenômeno que (e em um contex-to explicativo muito diferente) foi sucessivamente de-nominado de "ato reflexo"; abre o caminho ao meca-nismo biológico dos médicos-mecánicos e à progressi-va substituição dos princípios vitais da tradição vitalis-ta pelos métodos da química e .da física. Mas a tese dos

animais-máquinas estava cheia de implicações perigo-sas, como ficará bem evidente ao olho atento do jesuí-ta Gabriel Daniel que, em 1703, afirmou que todos oscartesianos deveriam sustentar, com a mesma serieda-de com que o afirmam para os animais, que tambémos seres humanos são apenas máquinas.,

Também o matemático e astrônomo napolitanoGiovanni Alfonso Borelli (1608-79) fala de Uma se-melhança eptre autômatos e animais semoventes e serefere à geometria e à mecânica como a duas escadas por on de é prec iso subir para alcançar "a mar avilhosaciência do movimento dos seres vivos". Um ano após

o falecimento, em 1680-81, foi publicada em Roma asua obra iñaior: o tratado  De motu animalium.  Nele se

53

O nascimento da ciêntia moderna na Europa

encontram referências a Harvey, bem como a temasdesenvolvidos por Galilei lios  Discorsi  e às colocaçõescartesianas. No livro citado são estudados do ponto devista geométrico-mecânico, isto é, como sistemas desimples máquinas simples, tanto os movimentos dosanimais quando caminham, correm, pulam, levantam peso s, com o tamb ém o vôo dos pás saro s e o nado dos pei xes . As du as parte s em qu e a obra é divid ida estu-dam respectivamente os movimentos externos ou

Filosof ia mecâni ca *

circulação do sangue, o batimento do coração, a respi-ração, a função exercida pelos rins. Apenas com rela-ção ao intumescimento e ä contração dos múáculos ad-mite a idéia de que processos do tipo químico ocorramno interior do corpo. A força de contração própria daestrutura material das fibras musculares é, de per si,fraquíssima e não pode efetuar o levantamento degrandes pesos mediante a contração: aquele levanta-mento "deve ocorrer por meio de unia força externa

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aparentes dos Corpos e os movimentos internos dosmúsculos e das entranhas, alguns dos quais não de- pe nd em da vo nt ad e do ind ivíduo .íO cor po se confi gu-ra como uma máquina hidráulica na qual os espíritosanimais que passam através dos nervos exercem afun ção igual* à da águaf Na gran de maio ria dos casos,os músculos trabalham em condição de relevante des-vantagem; por exemplo, se os ossos, constituem uma"alavanca que tem o seu fulcro na articulação, a forçaexercida pelo músculo age niuito próxima aõ fulcroenquanto o peso (por exemplo em*üm braço estendi-do que sustenta o peso) está próxima à extremidade

de uma alavanca que é dez ou vinte vezes maior doque a pequena alavanca representada pelo músculo.O esforço excede muitas vezes o peso.

Borelli parte de pressupostos do íipo galileano-cartesianó: "a língua e os caracteres com que o Criadordas coisas fala nas suas. obras são co nfigu rações e de-monstrações geométricas" (Borelli, 1680-81:1, 3r). As-sim, no capítulo segundo do De motu escreve o seguin-te: "As operações da natureza são fáceis, simples e se-guem as leis da mecânica, que sãó leis necessárias".Com base nestes pressupostos ele rejeita qualquer in-terpretação química dos fenômenos fisiológicos e in-

\ terpreta a partir de bases meramente mecânicas os processos de todo o o rganismo, ab rang en do inclusiv e a

132 2

diferente da força material da máquina que a contraiviolentamente". Diante das" causas misteriosas é forço-so admitir "uma confissão de ignorância", todavià,nem por isso se deve renunciar a descobrir as "causas

 pro váv eis" dos fenô meno s natur ais . É prec iso ir muitoalém e "conjeturár hipoteticamenté" a respeito das coi-sas cujos mecanismo s não são visíveis aos olhos. Entreaqueles que na filosofia consideram ser lícito ousartudo e aqueles que confessam demasiado rápido a pró- pria ignorância é preciso enco nt rar um equilíbrio cor-reto. Apesar de continuar sendo verdade (como cincoanos mais tarde afirmaria o grande Newton) que não

devemos admitir hipóteses fictícias: "non enim hypo-theses fictas admittere debemus"., No tratado  De venarum ostiolis  (1603) Girolamo

Fabrici d'Acquapendente (1537-1619) comparara as""membranas" presentes nas veias com os obstáculosque os construtores de moinhos colocam ao longo docurso da água a fim de represá-la e acumulá-la pára asmáquinas de moer. "Comportas" ou "diques" seme-lhantes se encontram também nas veias. Gabriel Har- :vey substituiu o conceito de comporta pelo coiiceitode válvula com base eni um diferente modelo de má-quina: a bomba no lugar do moinho. A medicina - es-

creveria Denis Diderot na grande  Encyclopédie  do Ilu-minismo (no verbete  méchanicien)  - aó longo dos úl-

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O nascimento da ciêntia moderna na Europa

constituídos pela retomada dos temas "mágicos", peladifusão da tradição hermética, bem como pela presen-ça de posições "que se referem ao naturalismo da Re-nascença e às doutrinas presentes  no  pensamento de/Pietro Pomponazzi (1462-1525), que negava a existên-cia dos milagres e sustentava que as três grandes reli-giões mediterrâneas foram fundadas para fins políticos, pelos três "imp osto res" : Moisés, Cristo e Maom é.

Mersenne pensava que a magia natural, que

i i h li il f i

Filosofia mecânica *

o epicurismo.e nem com o cartesianismo. No mecani-cismo de Boyle o problema da "primeira origem dascoisas" deve ser mantido cuidadosamente distinto do

 problema do "cu rso sucessivo da na tureza". Deus nã ose limita a conferir o movimento à natureza, mas guiaos movimentos de todás as suas partes de forma a in-seri-ias no "projeto do mundo" qué deveriam formar.Uma vez que o universo foi estruturado por Deus eque Deus estabeleceu "aquelas regras do movimento e

l d i f i

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 permi tia ao ho me m realiza r "mil agre s" fos se mu itomais perigosa para a tradição cristã dó que a, nova fi-losofia mecânica. Esta filosofia, alias, podia ser conci-liada com a tradição cristã. A seu ver, a tese do carátersempre hipotético e conjectural dos conhecimentoscientíficos deixava de fato todo o espaço necessário àdimensão religiosa e à verdade cristã. Também RobertBoyle (1:627-91) tem preocu pações deste tipo. Nomomento em que exalta a excelência da filosofia cor- puscu lar ou mec âni ca  (Aboutthe Excellency and Groundsof the Mechanical Hypothesis, 1655), ele se preocupa emtraçar duas linhas de demarcação. A primeira deve

distingui-lo dos seguidores de Epicuro e de Lucrécio, bem co mo de tod os aqueles qu e consi deram qu e osátomos, encontrando-se juntos por acaso em um va-zio infinito, sejam capazes por si próprios de produ-zirem ó mundo e os seus fenômenos. A segunda ser-ve para diferenciá-lo daqueles que ele chama de "me-canicistas modernos" (que afinal são os cartesianos).Para tais mecanicistas,juposto que Deus tenha intro-duzido na massa total da màtéria uma quantidade in-variável de movimento, as várias partes da matéria,em virtude dos seus próprios movimentos, seriam ca- pazes de org anizar -se soz inh as em um sist ema . Por -tanto, a' filosofia corpuscular ou mecânica da qualBoyle se torna defensor, não deve ser confundida com

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aquela ordem entre as coisas físicas que costumamoschamar de Leis da Natureza", pode-se afirmar que osfenômènos "são fisicamente produzidos pelas caracte-rísticas mecânicas das partes dá matéria e pelas suasrecíprocas operações segundó as leis da mecânica"(Boyle, 1772: IV, 68-69, 76). A distinção entre  origemdas coisas e curso sucessivo da natureza é muito importan-te: aqueles que indagam a respeito da origem do uni-verso têm a pretensão ímpia de explicar o mundo, ede construir hipóteses e sistemas. Por isso, na opiniãode Boyle, tanto os seguidores de Demócrito e de Epi-curo, como" tamb ém os cartesianos, rep resen tam a

versão atéia e materialista da filosofia mecânica.Com efeito, o que fez Descartes no pequenotratado intitulado  Le monde ou Traité de la lumière   se-não descrever o nascimento do mundo? Assim nãoteria ele apresentado uma narração alternativa àque-la do livro do Gênesis? É verdade que Descartes apre-sentara a sua descrição do nascimento do mundocomo uma "fábula" e afirmara falar de um universoimaginário: Mas, seguindo um procedimento estra-nho, ele invertera em vários pontos o sentido do seudiscurso: conhecendo a formação'do feto no ventrematerno, conhecendo como as plantas nascem dassementes, conhecemos algo mais do que conhecersimplesmente um bebê ou uma planta assim como

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O nascimento da ciêntia moderna na Europa

canicismo, é sobremaneira perigosa. De fato, no trata-do  Principia  Descartes escreveu que por obra das leisda natureza "a matéria assume Sucessivamente todasas forcas de que é capaz: se considerarmos tais formas por ordem po deríamos chegar àquela qu e é pró pri adeste mundo" (Descartes/ 1967: II, 143-44). A esserespeito Leibniz comenta o seguinte: se a matéria

 po de ass umir tod as as formas possív eis, decorre porconseguinte que nada daquilo que se pode imaginar

de abs rdo bi arro e' contrário à j stiça não ocorre

Filosofia mecânica *

 bases mai s pr of un da s do mecanic ismo e das leis domovimento, voltei para a metafísica e para a doutrinadas enteléquias" (Leibniz, 1875-90: III, 606), Esse re-torno à metafísica era fadado a ter uma extraordináriaimportância nos desenvolvimentos da matemática, dafísica e da biologia J A partir daí, junto com o cartesia-nismo e o newtonianismo,Jo leibnizianismo seria uniadas grandes metafísicas que influíram a ciência duran-te todo o século XVnife além disso.

I Do ponto de ista de Leibni o mecanicismo é

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de absurdo, bizarro e' contrário à justiça não ocorreuou não possa ocorrer no futuro. Então, como querSpinoza, justiça, bondade e ordem se tornam apenas .conceitos relativos ao homem. Se tudo é possível, e setudo aquilo que é possível está no passado, no presen-te e no futuro (como quer também Hobbes), entãonão existe ne nhum a Providência. Portanto Sustentar,como faz Descartes, que a matéria passa sucessiva-mente por todas as formas possíveis, implica destruira sabedoria e a justiça de Deus. Por isso, conclui Leib-niz, o Deus de Descartes "faz tudo aquilo que é reali-zável e passa, seguindo uma ordem necessária e fatal,

 por tod as as com bin ações possíveis: para isso bas tavaa necessidade da matéria, e o Deus de Descartes nada,mais vé do que tal n ecessidade 1 (Leibniz, 1875-90:IV,283, 341, 344, 399).

{Na perspectiva de Leibniz o cartesianismo seconfigura co mo material ismól Após termina r as esco-las primárias - escreveria Leibniz,. em uma carta auto- biog ráfica de 171 4 - en co nt re i-me com os filósofo smoderliosí "Lembro que, com a idade de quinze anos,fui passear sozinho em "um pequeno bosque não dis-tante de Lipcia discutindo comigo mesmo se teria queadotar a teoria das formas substanciais. No fim, a dis- puta foi vencida pel o mecaniç ismo e i sso me lev ou emdireção das matemáticas. [...] Todavia, na busca das

262

I Do ponto de vista de Leibniz, o mecanicismo éuma posição parcial que precisa ser integrada emuma perspectiva mais ampla: como instrumento útil'na investigação física, é totalmente inadequado nonível metafísico. A investigação sobre a estrutura douniverso não é separável da pesquisa referente às "in-tenções" de Deus: de fato, raciocinar a respeito deuma construção significã ao mesmo tempo pènetrarnos objetivos do arquiteto; parà explicar uma máqui-na é necessário "indagar a respeito da sua finalidadee mostrar como todas as suas peças servem para issoMOs filósofos modernos são "derpasiado materialistas"

 po rq ue se lim itam a tra tar das fig ura s e dos movi-mentos da matéria./Todavia, não é verdade qüe a fí-sica deve limitar-se a indagar como as coisas são narealidade, excluindo a pergunta' relativa ao porquêelas são como elas são efetivament^.jAs causas finaisnão servem apen as para admira r a sabedoria divina, -mas "para conhecer as coisas e para usá-las"l(Leibniz,1875-90: IV, 339).

iLeibniz critica as premissas fundamentais domecanicismo: a redução da matéria à extensão; áconstituição corpuscular da matéria e a sua divisibili-dade em átomos indivisíveis; a passividade da matéria;a distinção entre o mun do da matéria e o mu nd o -do pen sam ent oA   (

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O nascimento da ciêntia moderna na Europa

{Na perspectiva de Leibni^a física não-pode serreduzida à mecânica e a mecânica não coincide com acinemática (como ocorre em Descartes e em Huy-gens).lo modelo da física não é a situação de uma ba-lança em equilíbrio" onde as forças aparecem iguais. Aforça é igual à quantidade de m ovimento so mente nassituaçõ es estáticas ^ (Westfall, 198 4: 16 8). Para umamècânica que tem no seu centro o conceito'de força,Leibniz forja o nome de dinâmica, passando a usar

este terno no Essayde dynamique (1692) e no Specimem

Filosofia mecânica *

de Leibniz, o universo inteiro é o desenvolvimento de poss ibili dades ínip lícit as já con tid as no seu iníc io e já"programa das" como em um embrião , j ^

) A harmonia presente no mun do real, que é es-colhido por Deus como "o melhor" erítre todos osmundos possíveis (isto é, mundos que são o conjuntode todas as eventualidades que podem coexistir semcontradição), exclui da natureza os pulos, as desconti-nuidades e aS contraposições. A natureza obedece aos

prin cíp ios da co nt inuidade e da plen itu de : todas as

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este terno no  Essayde dynamique  (1692) e no  Specimemdynamicum  (1695):J"A idéia de  virtus  ou "energia, queos alemães chamam de  Kraft   e os franceses force,  cujaexplicação eu atribui à ,ciência da dinâmica, aumentamuito a nossa compreensão da essência da substân-cia'^ (Leibniz, 187 5-90:IV , 469) .

I Os termos substância e atividade podem ser so- brepostos um ao ou tro: )a substância é ati vid ade eonde há atividade há substância. Nem tudo o queexiste, é vivo, mas a vida está presente em toda a par-te.|Na biologia da sua época Leibniz encontra, ao mes-mo tempo, estímulos e confirmações para o seu siste-

ma. Por exem plo,|a sua idéia da matéria como agre-gado infinito de mônadas parece ligada às descobertasefetuadas por meio do microscópio, onde cada frag-mento de matéria é semelhante a um lago cheio de peix es, cada parte do qua l, por sua vez, co nt inua ain -da igual a um lagoj Nos  Nouveaux essais sur 1'éntende-mente humain  (1703) que contêm a célebre polêmicacontra o empirismo de John Locke e a defesa do ina-tismo virtual, Leibniz auspicia um uso cada vez maisintenso do microscópio visando a determinar analo-gias cada vez níais amplas entre os seres vivos. A ge-ração concebida como desenvolvimento e crescimen-to coloca •Leibniz no âmbito do assim chama do prefo r-mismo. É verdade porém que,\ conforme a perspectiva

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 prin cíp ios da co nt inuidade e da pl en itu de : todas assubstâncias criadas formam unia série em que está

 presen te qu al qu er poss ível var iação quantit ati va . Nãohá espaço nó universo para dois entes exatamenteiguais ém qüe não seja possível encontrar uma dife-rença interna (princípio dos entes imperceptíveis),Deus não estabelece, como consta em Descartes, asverdades eternas. A sua ação não é arbitrária e Eleobedece ao princípio de não contradição e a uma lógi-ca não-cri ada. \ . /

|Nada existe ou acontece sem que haja uma ra-zão para que ela exista ou aconteça exatamente desta

e não de outra forma/As verdades de fato são regidas pelo princípio da razão' sufic iente em vi rtu de do qualnada acontece no universo por acaso ou sem umacausa. As vérdades da razão são regidas pelo princípiode contradição e em cada enunciado verdadeiro o pre-dicado devé ligar-se ao sujeito. A verdade não é basea-da na intuição de evidências, como pensa Descartes,mas depende da forma do discurso. As essências ou osentes possíveis são governados pela necessidade^ lógi-ca, as existências ou os entes reais que constituem omundo remetem à escolha de Deus e ao princípio domelhor que governa tal escolha. í

^Verdades de razão e verdades de fato coincidemdo ponto de vista de Deus. Do ponto de vista do ho-

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O nascimento da ciência moderna na Europa

mem, visando a uma compreensão do mundo real, asdeduções formais devem conviver e entrelaçar-se coma busca da razão pela qual um determinado fenôme-no se desenvolve de fato em um determinado modo.A investigação sobre o mundo natural não consta ape-nas de deduções, nem é somente matemática, mas étambém experimentalismo. A relação entre Cada fe-nômeno particular é do tipo mecânico, mas aquela re-lação é baseada em uma ordem teleológica. Por isso,

aos olhos de Leibniz o materialismo e o spinozismo se

capítulo 10

FILOSOFIA QUÍMICA

A QUÍMICA E A GALERIA DOS SEUS ANCESTRAIS

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aos olhos de Leibniz, o materialismo e o spinozismo seconfiguram como os filhos ilegítimos da nova ciênciada natureza. \

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A QUÍMICA E A GALERIA DOS SEUS ANCESTRAISQuando fazemos referência à revolução cientí-

fica não faz muito sentido colocarmos no mesmo ní-vel, em um único discurso geral, á astronomia e a quí-mica do mesmo período. De fato, no século XVI, a as-tronomia já possui uma estrutura altamente organiza-da, fazendo uso de técnicas matemáticas refinadas, ao

 pas so qu e a qu ímica nã o te m de mo do al gu m u ma es-trutura de ciência organizada, nem possui Urna teoriadas mutações e das reações e nem tem Um passadocom umatradição claramente definida. Tal como ageologia e como o magnetismo, a química  se torna

uma ciência entre os séculos XVII e XVm, sendo ela pr óp ri a - ao co nt rá ri o da ma te má ti ca , da mecân ic a edá astronomia - um  produto  da revolução científica.

 Na gal eria do s seus an ces tra is os qu ímicos de ho je nã otêm os nobres retratos de grandes cientistas da Anti-güidade e dá Renascença. Ninguém que se compare aEuclides, Arquimedes, Ptolom eu etc. Se éles visitaremaquela galeria, embora isso possa despertar neles umcerto mal-estar, estarão na companhia de alquimistas,

.farmacologistas, médicos-químicos, magos, astrólogose outros personagens multicoloridos.

Um personagem que pode ser classificado corno

"um químico" (isto é, um pouco mais parecido com umquímico moderno do que com um alquimista ou com o

O nascimento da ciêntia  moderna na Europa

adepto entusiasta da tradição hermética") nasce aproxi-madamente em meados do século XVII, míis esse tipode profissional não é reconhecido' (exceto em pouquís-simos casos) como um químico e não tem nada a vercom as universidades. Trabalha como farmacêutico, oucomo médico, ou nas Academias de mineralogia e me-talurgia ou em jardins botânicos. O químico-médico e oquímico-farmacéutico, mediante a sua arte, conseguem

 prod uz ir sub stâ nci as idê nti cas àq ue las qu e exi ste m na

• nat ureza. Muitas'vezes tal personagem não renuncia de

Filo sofi a mecânica *

nova astronomia. Durante a revolução puritana, entre1650 e 1670, no período da formação intelectual de

 Ne wt on , a in fluê nc ia de Par ace lso est ava no seu au ge .(Webster, 1984,).

A tradição hermétiço-paracelsiana teve uma in-fluência muito escassa sobre a física e sobre a astrono-mía, mas propiciou às observações divulgadas dos em-

 pir ist as e do s ma ni pu la do re s de su bs tân cia s u ma te o-ria unitária que se tornou uma base de desenvolvi-

mento para as investigações sobre as substâncias eáti d l b tó i

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u e . u s ve es pe so ge o e u c demodo algum a'inserir as suás práticas em um contextoheriné tico ou paraCelciano. 7

, Sem dúvida, a assim chamad a  filosofia químicatem origens herméticas e encontra a sua matriz teóri-ca na obra grandiosa (que fascinou muitos contempo-râneos e muitos estudiosos modernos) de Philip Au-reolus Theophírast Bombàst von Hóhenheim, nascidona Suíça e conhecido com o nome latino de Paracel-sus (1493 ca. 1541). Entretanto, a filoso fia química ocu-

 pa um lu ga r im po rt an te ri a cu lt ur a cientí fic a do séc u-lo XVII. Muitos entre os co ntemp orâneo s de Descartes

ou de Campanella consideraram que tal filosofiatariibém revolucionou e inovou a nova filosofia mecâ-nica. De fato, a filosofia química destruiu a medicinafundada nos ensinamentos de Galeno, transformouradicalmente a praxe médica e teve efeitos revolucio-nários sobre a estrutura do ensino nas universidades.

 Ño de co rrer do séc ul o XVII, ta nt o a filoso fia he rm ét i-ca como também o paracelsismo não foram fenôme-nos limitados a pequenos grupos de intelectuais nema fenô meno s periféricos da cultura. A discussão que sedesenvolveu em todá a Europa sobre a filosofia quími-ca e sobre as doutrinas de Paracelso teve uma exten-são e uma intensidade não menores do que a discus-são que-se desenvolveu sobre Copérfiico e sobre a

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e o p s ves g ções sob e s subs c s e pa ra as práti cas de labo ra tó rio.

PARACELSO

Paracelso teve uma vida muito movimentada.Peregrinou durante muito tempo por toda a Europa le-vantando debates, polêmicas e violentasdiscussões. Nanoite de São João de 1527, em uma fogueira prepara-da pelos estudantes de Basiléia, queimou os livros deGaleno e de Avicena. Sendo levado por natureza a po-lêmicas violentas, teve muitos admiradores e muitos

inimigos. Enxergou na magia "Uma grande sabedoriasecreta" e na razão "Uma grande loucura pública". Ata-cou com violência os teólogos que inj ustame nte classi-ficam a magia como feitiçaria sem compreender a suanatureza e, com violência ainda maior, os expoentesda medicina tradicional e os métodos usados pará áformação universitária dos médicos. Apre sentou-se a si

 pr óp rio co mo um ser exc epc ion al: o ad je ti vo ing lêsbonibastic  (que significa "fanfarrão" ou "goiigórico" éderivado do seu nome. Na concepção de Paracelso, anova medicina está fundada sobre quatro "colunas": afilosofia como conhecimento da natureza invisível das

coisas; a  astrologia  ou determinação do influxo dos as-

1  V

O nascimento da ciencia moderna na Europa

tros sobre a saúde do corpo; a alquimia que prepara fár-macos capazes de restaurar o equilíbrio perturbado pel a doe nça ; a ética  ou virtude e honestidade do médi-co. A química está em estreita correlação com a medi-cina e tal correlação dá lugar a uma nova disciplina, aiatroquímica  ou química médica. A alquimia serve so-

 br etud o pár a.a des tilação e análise dos min éri os par a a pre par ação de rem édi os eficazes.

A medicina não pode se interessar apenas pelo

corpo do homem: "É preciso tomar consciência de quedi i d ã

Filosof ia química

terra e ar) são matrizes. As plantas, os minérios, os me-,tais e os anjmais são os frutos dos quatro elementos. Naobra  Archidoxis  (publicação póstuma em 1569~ e escritaem torno de 1525) e no  Liber de mineralibus,  além dateoria dos elementos como matrizes dos corpos, é pos-sível detectar também uma teoria dos princípios, quesão o Sal, o Enxofre e o Mercúrio. Os três primeiros  (tria,

 prima) também são substâncias espirituais e se identifi-cam com o Corpo, a Alma e o Espírito. O Sal é o ele-

mento que torna os corpos coesos; enquanto o Mercú-rio os torna fluidos e o Enxofre os torna combustíveis

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p p qa medicina deve ter nos astros a sua preparação e queos astros se tornam os meios para a cura [...]. A prepa-ração do médico terá que ser exercida de tal fôrma Queo remédio seja preparado como por tramitação celeste,do mesmo modo com que são tramitadas as profeciase os outros eventos celestes" (Paracélso, 1973: 136). Ateoria da correlação macrocosmò-micròcosmo está nocentro de um conjunto de temas que derivam da tra-dição mágico-alquimista bem como da tradição astro-lógica, que se entrelaçam com idéias típicas do misticis-mo neoplatônico. Os espíritos invisíveis ou forças danature za con stituem a substância vital dos objetos. Taisespíritos ou  arcana  ou  semínà  primitivos derivam deDeus que criou as coisas na sua matéria  prima  enão namatéria  ultima: ó /  mu nd o é um processo "qu ímico" _contínuo de aperfeiçoamento da matéria prima para amatéria última. Os "elementos" paracelsianos são  ar-quétipos ocultos nos objetos naturais que lhes conferemcaracterísticas e qualidades. As substâncias que podemser tratadas e analisadas concretamente não são outracòisa senão aproximações ou invólucros dos verdadei-ros elementos espirituais. A matéria prima ou  Myste-rium Magnum  ou  Iliastrum  é a mãe ou matriz de todasas coisas.-Essa matéria prima tem uma natureza aquo-

sa. Também os outros três elementos dà tradição (fogo,

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q p ; qrio os torna fluidos e o Enxofre os torna combustíveis.Os três princípios resultam qualitativamente diversosnos vários corpos e existem diferentes enxofres, mer-cúrios e sais conforme as várias espécies que éxistemna natureza: "Uma espécie de Enxofre se encontra rioouro, outra na prata, uma terceira no chumbo e outraainda no estanho e assim por diante. Existe tambémuma outra espécie de Enxofre nas pedras, no cal, nasnascentes, nos sàis. Não só existem muitos Enxofres,mas também muitos Sais. Existe um Sal nas pedras preciosas ; um ou tro no s metais, um terc eiro nas pe-dras, e outros mais nos sais, no ácido sulfúrico e no

alume. As mesmas afirmações valem também para oMercúrio" (Paracelsus, 1922-33: m, 43-44).

A química é a chave da estrutura do mundo e acriação é uma divina "separação" química;: num pri-meiro momento são separados um do outro os quatroelementos; sucessivamente, do Fogo é separado o Fir-mamento; do Ar os* espíritos; da Água as plantas ma-rinhas; da Terra a madeira, as pedras, as plantas terres-tres, os animais até chegar aos objetos singulares e acada criatura em particular. Na obra  Philosophia ad

 Athenienses  (publicada em 1564) todo o processo dacriação é discutido em termos'a lqüimistâ s. '

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O nascimento da ciêntia moderna na Europa

PARACELSIANOS

 Na ob ra  Idea medicinae philosophicae de Petrus Se-verinus (Sorensen) publicada em 1571, bem como noCompendium   (1567) de Jacques Gohory (Leo Suavius,1520-1576) advogado do Parlamento de Paris e tradu-tor de Maquiavel para o francês, e no tratado  Clavis to-tius philosophiae chymicae  (1567) de Gérard Dorn (?-1584) enco ntrara m expressão os grandes debates sobre

o paracelsismo "no final do século XVI. A obra  Basílicah t í d d O ld C ll (1560 1609) f i bli d ^

Filo sofi a mecânica *

vindo-se para isso de sete operações [...] para dar per-feição a todas as transmutações, entendendo nós portransmutação quando a coisá perde a sua forma ex-trínseca, e é alterada de tal modo a não ser mais pare-cida com a primeira forma, mas muda em nova formae toma uma outra essência, uma outra cor é, finalmen-te, convertendo-se em uma outra natureza, adquirin-do propriedades diferentes das primeiras [...]. Os grausde tais operações espargíricas são setè: Calcinação, Di-

gestão/Fermentação, Destilação, Circulação, Sublima-ção Fixaçào" (Quercelanus 1684: 7)

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chytnícd   de Osvyald Croll (1560 ca. 1609) foi publicada^no ano do falecimento do seu autor e sendo editadadezoito vezes tant o no original em latim como també mnas principais línguas européias antes d o mead o do sé-culo. Entretanto, a síntese destinada a notável sucessoé representada pelas numerosas obras escritas por Ro-

 be rt Fl ud d (1 57 4-16 37 ) en tr e 16 17 e 16 21 qu e fo ra mdiscutidas por Kepler, Mersenne e Gassendi. No trata-do  Utriusque cosmi historia  (1617-1618) a tarefa de umrelato místico-alquímista da criação foi posta comofundamento de uma  philosophia mosaica  em que a Es-

curidão, a Luz e a Água do livro do Gênesis eram colo-cadas como fiindamento da antiga doutrina dos quatroelementos.. Sobre Fludd exerceram um impacto decisi-vo tanto os manifestos programáticos do movimentodos Rosacruz, como também o misticismonumerológi-co da tradição pitagórica.

Uma das novidades introduzidas por Paracelsona praxe médica era o uso das substâncias minerais

1  para fins terapêu ticos. A quími ca ou arte espagírica setorna um dos esteios da medicina. Nos textos de Jo-seph Duchesne (Quercetanus, 1544 ca. 1609) a quími-ca "Ensina as composições, as separações, as prepara-ções, as alterações e finalmente as exalações de todosos corpos mistos [,..], mostra a maneira de destilar ser-

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ção, Fixaçào (Quercelanus, 1684: 7).O médico belga Jean-Baptiste van Helmont

(1579-1644) tamb ém constru iu-úma complicada cos-mologia química baseada em uma leiturà "química" dolivro do Gênesis. Depois que Mersenne publicou a suaobra  Questiones celeberrimae in Genesim,  em 1623, (con-tendo um duro ataque contra a magia çomo sendo an-ticristã) as doutrinas alquimistas e paracelsianas se tor-naram ainda mais perigosas do que no passado. VanHelmond foi interrogado pelo tribunal de Malinas-Bruxelas sobre 24 proposições contidas nos seus escri-

tos. Ele confessou os seus erros e se submeteu ao juízoda Igreja em 1627 e, outra vez em 1630, depois que afaculdade de Teologia da universidade de Lovaina e oColégio dos Medici de Lion apresentaram no vas censu-ras contra ele. Em seguida foi novamente acusado deestar beirando à superstição e à magià satânica. Emmarço de 1634 foi preso, os seus livros e manuscritosforam seqüestrados e ele foi transferido para um con-vento dos Minoritas de Bruxelas. Repudiou novamen-te os seus erros, mas ficou detido duraríte dois anos em

 pr isã o dom ici lia r. So me nt e em 164 2 teve a pe rmis sãode publicar uma sua obra. O livro com mais de mil pá-ginas que coleta os seus escritos e que foi publicado em

1648, quatro anos após a sua morte, é intituladerOr/ws

O tiascimeifto da ciência modfma na Europa

medicinae  e é uma das mais divulgadas publicaçõescientíficas do século XVn. Antes de 1707 teve sete edi-ções latinas, foi traduzida para o inglês, francês, ale-mão e resumidamente em flamengo.

 Na co nc ep ção de va n He lm on d a na tu re za éuma realidade viva e animada, governada por um

 pr in cíp io de mo vi me nt o. A im ag em do pa ral el ism oentre macrocosmo e microcosmo é "poética e metafó-

rica, mas não natural ou verdadeira". Na naturezaoperam somente dois princípios: a água é o ar O fogo

Filosof ia qúímica

ÍATROQUÍMICOS

 Nã o h á dú vi da de qu e a qu ímica co mo ar te op e-racion al e analít ica, já no dec orr er do sécul o XVII, "aos

 po uc os fo i se li be rt an do do fu n d o cosmol ógi cò, bíb li-co e metafísico em cujo âmbito estàva colocado tododiscurso sobre os princípios, elemelitos, substâncias esuas transformações. Trata-se, no entanto, de um pro-cesso não linear frente ao qual há sempre o perigo detomar afirmações isoladas que de repente nós pare-

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operam somente dois princípios: a água é o ar. O fogonão é um princípio, mas apenas um instrumento apli-cável aos corpos, podendo modificar a sua composi-ção. Derretendo os corpos por meio do fogo se obtêmos  tria prima  de Paracelso. Tal concepção do fogo comonão sendo um princípio, não serve somente para de-compor substâncias já combinadas ánteriormente,mas cria classes de substâncias tendo uma influênciarelevante sobre a concepção dos elementos químicos

 pr óp ri a de Ro be rt Boy le (Abb ri, 19 80: 77 ). O in te re s-se de van Helmont pelo peso e pela quantificação,

 b em co mo a su a ad esão à tes e da exi stê nci a do vá cu oe a sua polêmica contra o  horror vacui  e a sua defini-ção do gás  como algo que não está  no  corpo; mas  é  o

 pr óp ri o co rp o e m fo rm a di fe re nt e da qu el a or igi nár ia eque tçdavia é o sinal de uma transmutação iminentee, por fim, a sua explicação da digestão baseada naação do áddo como agente da transformação dos ali-mentos, foram ressaltados como importantes aquisi-ções (Debus, 1977: 329-42).

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cem "familiares". Um amplo receituário médico, quetem escassas conexões com a parte teórica inicial, en-contra-se no tratado  Tyrocinium chimicüm  (1610) deJean Beguin que, na tradução francesa, tornou-se umtexto muito divulgado. Existem artes, como a arquite-tura, que dão vida ao seu objeto mediante composi-ções de partes e, por outro lado, há artes, como a quí-mica, que "explicam o próprio objeto abrindò-o a fimde ver o seu interior e o fundo da sua natureza [.,.]

 pa ra ob te r as vi rt ud es ocu ltas ou ap en as en co be rtas ,ou pouco eficazes por causa das impurezas, e para

conferir-lhes uma força sem obstáculos" (Begüin,1665:27). .

A capacidade de alcançar as virtudes ocultas ti-nha evidentes implicações práticas. Tal fato apareceevidente na obra do maior químico analítico do séculoXVH, Rudolph Gláuber (1604-1668), um autodidata,nascido em Karlstadt, mas que desenvolveu a sua ati-vidade sobretudo na Holanda. O livro Furtti novi philo-

 sophici oder Beschreibung einer neue erfunden Distilli rkunst, pu bl ic ad o en tr e 164 6 e 165 0, fo i tr ad uz id o pa ra o la-tim, francês e inglês. A descrição da nova arte de des-tilar (de que falava o título) dizia respeito à produção

dos ácidos hidroclorídrico, nítrico e sulfúrico e díe al-guns sais derivados de tais ácidos. Quando Gláuber

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O nascimento da ciêiitía moderna tia Europa

Do ponto de vista de Boyle, a tese de umatransmutação dos corpos é um corolário dá sua con-cepção corpuscular da matéria. Os  iria prima  são con-creções de partículas produzidas pela ação do fogo.Boyle retomava de van Helmont a concepção do fogocomo criador de substâncias. Por isso ele se ocupoutambém da combustão, da calcificação e da respiração.Rejeitou a idéia do ar como corpo simples e elementare definiu a atmosfera como "um grande receptáculo

ou  rendez-vous  de eflúvios celestes e terrestres" (ibid:IV 85 86) distinguindo nela três tipos ou classes de

Filosof ia química

todo objeto em um outro qualquer e, a partir deste po nt o de vis ta, a sua pr ax e qu ímica r es ul to u di fi cul ta-da até mesmo pela sua filosofia mecânica (Westfall,1984: 100). Entretanto, continua sendo absolutamen-te verdade que a adesão dos químicos aos princípiosda filosofia mecânica, apesar de todas as incertezas e,dos equívocos que vez por vez podem ser detectados,marcou um pon to de vi rada irreversível. Além disso,entre o início e o fim do século, mudam não só os mé-

todos, os princípios e as filosofias que servem de fun-do às pesquisas dos químicos Altera-se o seustatus so -

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IV, 85-86), distinguindo nela três tipos ou classes de par tí cu las : a pr imei ra pr od uz id a po r vapo re s ou exa la-ções secas que são emanadas pelos minerais, vegetaise animais, a segunda, mais sutil, é constituída pelosvapores magnéticos do globo terrestre e pelas inume-ráveis partículas emitidas pelo Sol e pelas outras estre-las, produzindo o fenômeno que chamamos luz; as pa rt ículas da ter cei ra esp éci e "n ão se to rn am elá sti cas po r ob ra de ag en te s ex te rn os , ma s são elás tica s de fo r-ma permanente e podem ser designadas com a ex- pres são  ar permanente"   (ibid: V, 614-15). No contexto

deste cenário devem ser colocadas as célebres expe-riências de Boyle sobre a elasticidade do ar e a forma-ção da assim chamada lei de Boyle  pela qual existe umarelação numérica entre a pressão a que é submetidauma massa de ar e o seu volume.

MECANICISMO E VITALISMO

A teoria química moderna implica o reconheci-mento da existência dos  elementos,  isto é, de um nú-mero exato de substâncias identificadas por meio deuma série precisa de provas. A química, tal como éconcebida por Boyle, na realidade pode transformar

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do às pesquisas dos químicos. Altera se o seu status social. Isto é, muda o tipo de consideração que a socie-dade tem a respeito do seu trabalho.

 No co meço do sécu lo XVIII o médi co Geo rg,Stahl (1660-1734), um dos grandes expoentes da quí-mica alemã, estava claramente consciente da radicali-dade daquela viráda. "A química - escreveu em 1723- ao longo de mais de duzentos anos foi domínio ex-clusivo dos charlatães que produziram uma infinidadede vítimas [...]. Hoje algumas pessoas começaram a seocupar seriamente nesta ciência. Não deve surpreen-

der o seu número pequeno. Era óbvio que os impos-tores, as falsas promessas dos fabricantes de ouro, ossupostos arcanos, os remédios universais, ou os prepa-rados farmacêuticos muitas vezes nocivos dos alqui-mistas tornassem a química odiosa às péssoas hones-tas e sensíveis, despertando nelas uma Sensação dedesgosto por um saber caracterizado pela fraude e pelaimpostuíra" (Stahl, 1783: 2-3).

 Na épo ca em qu e Stah l esc rev ia tai s pa lavr as jáhavia sido publicada uma série de livros escritos emuma linguagem clara e acessível, capazes de explicarcom transparência as experiências realizadas. No  Coursde chipiie  (1675) do farmacêutico francês Nocolas Le-méry (1645-1715), que teve mais de trinta edições,

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O nascimento da ciência moderna na Europa

 Flogisto  é uma daquelas palavras que pode sercolocada em uma ampla listagem de conceitos abran-gendo-as esferas celestes, as almas motrizes dos plane-tas, o  ímpetus  como uma espécie de motor interno, osturbilhõ es cartesianos; o calórico, ó sêmen feminin o, aaura espermática, ó magnetismo-animal, a força vitalem fisiologia, o éter fumífero e o eléctron nuclear. Naverdade, também a história da ciência é rica deste tipode entidades, que foram consideradas verdadeiras,

confirmadas pela experiência e defendidas com unhase dentes. Trata-se de termos que designam entidadesd d d fí i d i

capítulo 11

FILOSOFIA MAGNÉTICA

FENÔMENOS ESTRANHOS

Diante dos.lénômenos de  atração  e de  rejeição

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que desapareceram do mundo físico e dos manuaiscientíficos usados atualmente, que não interessammais aos cientistas e que conservam um significadoapenas pa'ra Os historiadores da ciência.

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ç j çnão podia talvez parecer de alguma maneira óbvioaplicar aquelas noções do tipo "antropomórfico" como

 simpatia  e, antipatia  que ao longo de milênios caracte-rizaram a observação e o estudo da natureza? A res-

 pe it o dó s efe ito s ad miráv ei s e prod igi oso s do ma gn e-tismo existe uma literatura quase incalculável em quese.narra casos de peixes elétricos que se grudam aosnavios, chegando até mesmo a diminuir a sua veloci-dade; fala-se de ilhas magnéticas que arrancam os pre-gos dos cascos dos navios, ou de virtudes medicinaisdo magneto contra o poder das bruxas. Nicolau Cãbeu(que escreve em 1629) nos deixou uma lista" dê cren-ças deste tipo divulgadas em sua época, tais como: ocheiro do alho pode enfraquecer' ou isolar totalmenteas forças dó imã; um diamante pode impedir que oferro seja atraído pelo ima; o sangue de uma cabra

 po de su sp en de r o efe ito de ta l im pe di me nt o; o imã po de rec on cil iar um casa l de esp oso s ou rev ela r umadultério; pode agir como um filtro de amor, comotambém pode tornar uma pessoa eloqüente e atrair ofavor dos soberanos (Cabeu, 1629: 338).

Há um minério de ferro, a magnetita que pos-suí a propried ade estranha de atrair pode rosamen te o

ferro. Uma agulha de aço, posta em contato Com um

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O nascimento da ciêiitía moderna   tia Europa

 pedaço de magneti ta, ad qu ire a pro pri edad e de atr air par tícula s de fer ro. Se aquela ag ulh a for colocada emum plano horizontal pode girar ao redor do seu bari-centro, orientando sempre a mesma das suas extremi-dades em direção do Norte terrestre.

Se elementos como âmbar, vidro, ebonite e la-cre forem friccionados com um pano de seda ou lã,atraem pedacinhos de papel, cabelos e pedacinhos de palha . Atua lm en te com o te rmo  triboeletricidade  indi-

camps todos aqueles fenômenos envolvidos na eletri-zação por fricção e distinguimos entre  isolantes em quel t i ã ã é li it d à á d t t d t

Filosofia q u í m i c a

medição grapdezas não facilmente determináveis, li-gadas a uma persistente e aparentemente incorrigívelirregularidade de comportamentos. A maternatizãçãoque realizara sucessos indiscutíveis no mundo da me-cânica e da astronomia não parecia de moda algumaplicável a todo o vasto reino da natureza. Kepler citae utiliza o livro de William Gilbert sobre o magnetis-mo, mas procede, como o próprio Gilbert, no nível dasanalogias qualitativas afirmando a existência de uma

força mótora e magnética ou até mesmo uma   alma, pr esen te no Sol. Galilei pensa qu e Gilbert alca nçara^l õ á d d i i ã

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a eletrizãção é limitada às áreas de   contato e conduto-res  nos quais aquele estado se propaga por toda a su-

 perf ície dos corpos ele trizado s. Não foi fácil int rod uzirordem e regras em um terreno como este que acaba-mos de descrever. Neste campo podem acontecer coi-sas realmente estranhas. Em um dia abafado e úmidode verão ou na presença de um multidão de especta-dores bastante suados, experiências, que foram execu-tadas repetidas vezes com pleno sucesso, podem inex- pli cavelmente fracassa r. Os primeiros estudiosos dosfenômenos elétricos não levaram em conta nem osefeitos da umidade e nem aqueles da secura. As jóiase as pedras preciosas, que atraíram a atenção de mui-tos entre os primeiros estudiosos da eletricidade, ti-nham um comportamento não menos caprichoso doque o comportamento do vidro. O próprio Newton,em uma mensagem enviada à Royai Society em de-zembro de 1675 salientava a irregularidade e a impre-visibilidade dos fenômenos triboelétricos (Heilbron,1979:3-5). ^

Os modelos construídos pela filosofia mecânica parec iam ins ufi cie nte s p ara in terpre tar f en ôm en os emque emergiam em primeiro plano  atrações, simpatias  e

antipatias.  Era realmente uma tarefa difícil submeter à

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conclusõeá verdadeiras, mas procurara ein vão as ver-dadeiras causas daquelas conclusões trocando as suas"razões" por "demonstrações" conclusivas: "o-que eu"teria desejado em Gilbert e que tivesse sido um poücomais matemático, e em particular bem fundamentadona geometria" (Galilei, 1890-1909: VII, 432).

Aquele desejo de Gálilei era j.üsto mas, na reali-dade, um pio desejo. De fato, a nível de método e deteorias, a ruptura entre a mecânica e o estudo do mag-netismo, da eletricidade e do calor era destinada a du-rar ainda por muito tempo. Somente no decorrer do

século XVni seriam estabelecidos, tanto no plano dasmedidas como também naquele dás teorias, alguns ponto s estáveis. Mas a determi nação de  conceitos dequantificação (como aqueles de carga, tensão, capátidade,

 potencial, campo elétrico etc.) e, portanto, a constituiçãoda eletrologia como ciência aconteceria somente nofim do século XVm. Com efeito, três entre os maioresteóricos que atuariam neste campo - o engen heirofrancês Charles Coulomb, o Lord inglês Henry Caven-dish e o físico italiano Alessandro Volta, realizariam assuas experiências é descobertas nas últimas décadas doséculo XVIII, falecendo respectivamente em 1806, em

1810 e em 1827. Com certeza não é por um mero aca-

0 nascimento Ha ciencia moderna na Europa

 / /

so que John L. Heilbron, que escreveu a melhor histo-ria da eletricidade disponível até hoje, tenha dedicado po uc o mai s de 50 pág in as ao séc ulo XVIÍ e po ue o me -nos de 300 páginas ao século seguinte.

GILBERT

Diante dè um livro como De  magnete magneticis-que corporibus et de magno magnete Tellure phisiologianova  publicado em Londres em 1660 pelo médico in-glês William Gilbert (1540-4603) (mesmò querendo

Filosof ia magnética

filosofia", Gilbert prefere as "experiências dignas decredibilidade e os argumentos comprovados". Nesta

 ba se ele esb oça u ma ex po siç ão ex pe ri me nt al da s pr o- pr ie da des ma gn ét ic as fu nd am en ta is , a qu al "n ão di fe-re essencialmente da discussão que se encontra nosmodernos manuais básicos de física"(prescindo po-rém dos conceitos de força de um campo magnético ede linhas de força, bem como da formulação matemá-tica), (Dijksterhuis, 1971: 526). Devido à sua descon-

fiança com relação aos "professores", Gilbert utiliza 0livro sobre a declinação da agulha magnética que forabl i d L d 15 81 i h i

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glês William Gilbert (1540-4603) (mesmò querendosupor que a indagação tivesse sentido) seria realmen-te difícil responder à pergunta se a obra citada repre-senta uma última obra da magia natural da Renas-cença ou se trata de uma das primeiras obras da ciên-cia experimental moderna! Na realidade, as duas clas-sificações foram usadas com referência àquele livrocujo primeiro capítulo é uma resenha arrazoada de li-vros de magia natural. A ciência de Gilbert não temnada a ver com a matemática e nem os seus métodostêm algo a ver com a mecânica no sentido galileano.

O seu livro não contém medições e as experiênciasque ele realiza são tipicamente qualitativas. Na essên-cia, ele não usa um método muito diferente daqueleusado por Giambattista Della Porta muito embora acriatividade das experiências, a riqueza dos seus deta-lhes e o cuidado com que os executa sejam sem dú-vida maiores. Também as finalidades que ele se pro- põ e nã o são di fe re nt es da qu el as do s en saí stas do seutempo: indagar a respeito das "causas ocultas" e dos"segredos das'coisas", como também sobre a "nobresubstância do Grande Magneto" e das propriedadesmedicinais da magnetita. Em lugar das "opiniões e

eventuais superstições expostas pelos professores de

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 pu bl ic ad o em Lo nd re s em 15 81, po r um ma ri nh ei roinglês que se dedicara à construção de bússolas. O li-vro de R,obert Norman (ca. 1560-1596) nascera noterreno da praxe e era um daqueles trabalhos que fi-cavam totalmente estranhos ao niundò dos homensde cultura. O títúlo do livro era  The New Attractive,Containing a Short Discourse of the Magnet or Lodestone (Anova atração, que contém um breve arrazoado sobre o Imãou Magneto).

O encontro com a praxe dos "mecânicos" nãodeixava de ter sentido. Gilbert tentou se servir da me-dição da inclinação da agulha magnética (com a ajudade um mapa complicado e de um mostrador) a fim deestabelecer a latitude no mar, A seu ver tal aplicaçãoera uma grande descoberta que poderia permitir "com

 po uc o esf orço e me di an te urrí pe qu en o in st ru me nt o"estabelecer a latitude mesmo com o tempó nublado.

 Nas su as ex pe riên cias Gilber t faz us o de  terrinhas  oumicroterras  ou imãs globulares. A primeira conclusão aque chegou é que a própria Terra é um imã com pola-ridades magnéticas que coincidem com os pólos geo-gráficos. Os pólos terrestres não são jw nt os geométricos(como todos acreditaram até então), mas pontos físicos.

Como a agulha de uma bússóla tem uma direção

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O nascimciìlo da ciencia moderna na Europa

constante, do mesmo modo o eixo da Terra é invariá-vel. Gilbert aceita o movimento diurno da Terra por-que acha que todo imã de forma esférica possui natu-ralmente a capacidade de rodar, mas não chega demaneira nenhuma a seguir Copérnico na sua tese deuma rotação anual da Terra ao redor do Sol.

Uma segunda conclusão importante de Gilberté a clara distinção que ele faz entre ação magnética eação elétrica (introd uz o termo  Vis electrka destinado a

alcançar um sucesso especial). O magnetismo (a atra-ção que a magnetita exerce sobre o ferro) lhe parececomo uma coi tio ou uma aproximação reciproca que

Filosofia1* magnética

nados desde o início pelas suas próprias almas, das.quais derivou o impulso para a preservação". Aristó-teles cometeu o erro de ter atribuído uma alma aoscorpos celestes e, em seguida, de tê-la atribuído à Ter-ra: "A situação das estrelas em comparação com a Ter-ra seria penosa se a excelência da alma fosse negadaàs estrelas e atribuída, ao contrário, aos vermes, àsformigas, aos escaravelhos e às ervas" (Gilbert, 1958:105, 309, 310).

O JESUÍTAS E A MAGIA

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como uma  coi tio  ou uma aproximação reciproca quemodifica a subst ância dos corpo s; .a eletricida de (estetermo porém nunca ocorre nos seus escritos) comou ma  atração  que todos os corpos pequenos e leves so-frem por parte de objetos (como o âmbar, o cristal, ovidro, a resina e o enxofre) quando friccionados. Oversorium  construido por ele era um verdadeiro e pró- pr io ele tro scó pio.

 Na rea lidad e, um a co nc ep ção mág ico -v ita lis taserve de iundo às experiências cuidadosas e criativasde Gilbert. A matéria não é desprovida de vida nem de

 pe rce pção . A at ração elé tri ca é exe rcida me di an te  ef- fluvia materiali; ao contrário, a atração magnética (quenão é impedida pela interposição de corpos materiais)é uma força espiritual, a ação de uma  forma. ( não nosentido aristotélico) que é "única e peculiar", que é"primitiva, radical, astral", que se encontra "em cadaglobo, o Sol, a Lua, as Estrelas" e também na Terra, é"aquela verdadeira potência magnética que chama-mos energia primária". O imã possui uma alma que éaté mesmo superior à alma do ser humano. A Terra éa  mater communis  em cujo útero se formam os metais.O mundo inteiro é animado e "todos os globos, todas

as estrelas bem confio esta Terra gloriosa foram gover-

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Os JESUÍTAS E A MAGIA

Em sua obra Magia naturalis,  publicada em düasedições .difere ntes em 1558 e em 158 9, Giambatti staDella Porta (1535-1615) dedicou todo o livro sétimo(da segunda edição em 20 livros) às maravilhosas apli-cações do imã. Quando preparou uma edição italiana(que apareceu em 1611) Della Porta acusou explicita-mente Gilbert de ter saqueado o seu texto e ter ocul-tado o plágio atrás de um amontoado de insolências.

 Na reali dade , Gilber t se servir a ef et iv am en te do liv ro

de Della Porta (que, após Aristóteles, é o autor maiscitado no tratado De magnete)  porém como uma pistamais do que uma verdadeira e autêntica fonte (Mura-ro, 1979: 145).

Quando Nicolau Cabeu (1596-1650) publicouem Ferrara a obra  Philosophia magnetica  (1629) en-frentou o mesmo tipo de problemas que William Gil-

 be rt en fr en ta ra me n os de tr in ta an os an te s, 'd an do aeles uma ampla difusão: ele nega que a Terra sejaHmVimã, mas tenta introduzir uma distinção exata entrefenômenos elétricos e fenômenos magnéticos; cons-tata, além disso, a presença de efeitos repelentes jun-

to com efeitos atrativos; considera também que a fric-

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O nascimento da ciência moderna na Europa

ção-abre o caminho para eflúvios sutis que tornamrarefeito o ar circunstante e que o ar, tend endo a res-tabelecer a densidade originária, transporta consigoos corpos mais leves. Todavia, ele é cético quanto aos

 po deres extra ordinário s atr ibu ídos ao imã e que,como foi visto anteriormente, ele registrou cuidado-samente. Cabeu era um Jesuíta, mas o título de  Oedi-

 pus huius saeculi  foi atribuído a Athanasius Kircher(1601-80), um outro Jesuíta, professor de matemáti-carfísica e línguas orientais no Colégio Gregoriano de

Roma (desde 1634), polígrafo incansável, divulgadorativíssimo dos grandes temas do saber da sua época,

FiJosofia  magnética

0

mento dos planetas. Se a tese de Kepler é verdadeira, po r qu e as agulh as de tod as as bús solas não se volta m para o Sol? (Kircher, 1654: 3-5 , 383 -86 ).

 No livro ter cei ro da sua obra int itu lad a  Magnes sive de arte magnética opus tripartitum  (publicado emRoma em 1641, em Colônia em 1643 e novamenteem Roma em uma edição mais ampla ein 1654), Kir-cher trata do magnetismo da Terra, dos planetas e dasestrelas, bem como da produção natural e artificial da

chuva, do termômetro, da influência do magnetismodo Sol e da Lua sobre as marés, da força magnética dasplanta s do magnet ism o n a med icina da força de atra-

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construtor e organizador de um grande museu-labo-ratório de magia natural, onde eram combatidas as

 pret en sões do s a lqu imista s e dos inve ntor es de má - f

quinas para o movimento perpétuo, mas tambémeram exibidas "máquinas mágicas" para produzir ilu-sões óticas ou para a comunicação à distância, paramover pesos sem meios evidentes, e onde se contro-lava, tamb ém, por interesse da Royai Society, se ascentopéias podiam fugir de Um anel de pó extraído dochifre de um unicórnio.

 Na opini ão de Kircher, Gilbe rt foi um grandeestudioso do magnetismo. Pòrém, cometeu um únicoerro o de ter aderido à doutrina monstruosa do movi-mento da Terra. Se realmente a Terra fosse um imã,considerando que uma  terrinha  com um diâmetro dedois palmos atrai uma libra de ferro, a ferradura de ca-valos ou de mulos, assim como. as armadu ras, as pa-nelas e os talheres, adeririam com tanta tenacidade aochão que nenhuma força poderia desprendê-los. Narealidade, o uso humano do ferro seria impossível.Kepler, por sua vez, é um príncipe da astronomia, masconstruiu uma cosmologia imaginária que atribui ao

Sol uma força magnética capaz de produzir o movi-

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 planta s, do magnet ism o n a med icina ,  da  força de atra-ção da imaginação, da música e do amor (ibid: 409).

O magnetismo estudado por mero de experiên-cias é somente um caso particular de uma  vis tractivamais geral presente em todas as coisas e distribuída emtoda a natureza. Existe portanto uma faculdade mag-nética não só no imã, mas em todas as coisas naturais.Kircher repete várias vezes a frase que desdè sempreestá present e em todos os. livros de magia: o seme-lhante atrai semelhante e o dissemelhante foge do dis-semelhante. O nexo entre todas as coisas corpóreas éa chave de acesso para aquele conhecimento das coi-sas ocultas qué no jargão do povo é chamado de   ma-

 gia  e que na opinião dos filósofos é considerado comoa verdadeira e a única grande sabedoria (Nocenti,1991: 180-89).

 Na época dos tri un fos da mecânica , em plenoséculo XVII, com a obra de Kircher renasce uma cu-riosa e irrepetível combinação da tradição mágico-al-quimista com o experimentalismo moderno. A figurado mago e aquela do técnico mais uma vez parecemse fundir em uma só imagem. A construção das má-quinas serve mais para exibir prodígios, para mostrar

o aspectó maravilhoso da natureza do que para forta-

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O nascimento da ciêiitía moderna  tia Europa

lecer o controle humano sobre a mesma. Não se tratasomente de um caso isolado. Também na obra do je-suíta Francisco Lana Terzi, 'aluno de.Kircher e sóciocorrespondente da Royal Society, autor do   Prodromoovvero saggio di' alcune invenzioni nuove premesso all'Arte Maestra (1670), beni como na obra Technica curiosa sive'mirabilia artis libriXII   (1664) de um outro aluno, 0 je-suíta Kaspar Schott, voltam as mesmas colocações eSchott, uni autor lido e admirado por Leibniz se ocu-

 pa nã o som ente-da s língua s e das atr açõ es, mas tam- bé m do po de r dos demon ios , de mo ns tro s pol icéf alose de possessões diabólicas.

Filosofia q u í m i c a

da Academia do Cimento, viajante incansável portoda a Europa, embaixador especial de Cósimo III emLondres, na Suécia, na Dinamarca, publicava o seu li-vro   Saggi di naturali espérienze .(Ensaios de experiênciasnaturais)  (1667). Nesta obra, o gosto pela observaçãoexata e objetiva prevalece com nitidez sobre a paixão

 pel o es tra nh o e o mar avilh oso . Pas san do do texto deKircher para o texto de Mangalotti temos realmente aimpressão de entrar em um outro mundo em que a

 pru dência e a cau tel a se to rn am vir tud es necessá rias para o pesqu isador e- no qual  experimentar   é sinónimode superação de dificuldades e obstáculos e o saber é

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p, Não resta dúvida de que, em textos desse tipo,

torna-èe totalmente evidente uma utilização do plato-nismo hermético para fins apologéticos. Â partir deste' po nt o de vista , o pro grama cu ltur ar de Kirc her parececoncluir o projeto de Francisco Patrizi que, no final doséculo XVI, convidara o Pontífice a substituir o ensinodé Aristóteles pagão com a piedosa filosofia herméticae platonizante cte Marsilio Fícino. Daí, perguntamos:existe nisso uma postura, que hoje poderíamos cha-mar de "política cultural" da Ordem dos Jesuítas, atrás

deste tipo de produção que mistura coisas novas comantigas superstições, que tende parar o sensacional e para o incríve l, a fim de ati ngi ria ima gin ação? Ou setrata apenas de uma manifestação da mentalidade ca-racterística do maneirismo e da cultura barroca?

PRUDÊNCIA EXPERIMENTALE OUSADIA MODELISTA

 Na mesma época em qu e Kircher fazia inc ans a-velmente falar de si mesmo e publicava os seus livros

de sucesso, Lorenzo Magalotti (1637-1712), secretário

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de superação de dificuldades e obstáculos e o saber é parec ido com um mar on de a navegação é difícil:"Aqúeles que na ação de experimentar são treinadosdesde longo tempo, sabem por experiência as dificul-dades que se encontram na execúçao de uma expe-riência d evido aos obstáculos qu e traz por vezes o sim- ples uso de in st ru ment os mater iai s [...]. Por con se-guinte. as maravilhosas opera ções do imã de vem sérencaradas como um vasto mar onde, apesar de já te-rem sido descobertas muitas coisas, com toda a proba-

 bil idade rest a ain da mu ito mai s a descobrir e é por issoques nós não fomos até agora tão ousados em nosadentrarmos por esse mar, percebendo muito bemque, o propósito de tentarmos fazer nele novas desco-

 ber tas impli ca um com ple to e longuíssi mo es tud o esem interrompê-lo por outras especulações" (Manga-lotti, 1806: 163; 1976: 2'28).

Dufante o século XVII, nem todos os discursossobre à eletricidade forám situados no cenário de umacultura inspirada no hermetismo.JBe fato, não somen-te a atitude prudente de um Mangalotti opunha-se àtradição "mágica", mas havia também a força da filo-sofia mecânica cartesiana na qual a construção de mo-

delos explicativos e o gosto pelos sistemas fazia passar

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O nascimciìlo da ciencia moderna na Europa

decididamente para um segundo plano (até anulá-la)toda atenção para as experiências. Seria oportunolembrar pelo menos as páginas dedicadas por Descar-tes ao magnetismo rio tratado Prinfipia philosophiae  de1644 nas quais está ausente qualquer pesquisa deta-lhada (do tipo daquela desenvolvida por Gilbert) so- br e cad a fé nô me no ma gn ét ic o pa rt icu lar . Naqu el etexto uma perspectiva rigidamente mecanicista cele- brava os seu s tr iu nf os ilu sór io s re je it an do co mo mág i-

ca e "oculta" toda" noção de força (virtus) 04 de  atração.O magnetismo não exerce nenhuma função sobre omovimento da Terra e nem sobre o movimento dos

Filosofia1* magnética

outro imã. Os imãs se aproximam porque as partícu-las arrastam o; ar que há entre eles e, conside rand oque é impossível se produzir o vazio, forçam a aproxi-mação dos imãs. Quando se afastam é para deixar es-

 pa ço aos fl ux os de pa rt ículas qu e, se os pól os co nt ra- po stos são se me lh an te s en tr e si, nã o po de m pe ne tr arnos canais. Descartes achava que as partículas estria-das podiam ser ativadas toda vez que se verificavamatração ou rejeição, incluindo nisso os fenômenos elé-

tricos (Shea, 1994: 311-14). A tais perspectivas carte-sianas, que na França.teriam sucesso até a década deQuarenta do século XVIII (Heilbron 1979: 31) iriam

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movimento da Terra e nem sobre o movimento dos pl an et as que . s ão ma nt id os em mo vi me nt o pel os tu r- bi lh ões da ma té ri a sut il. Tod os os fe nô me no s qu e des - pe rt ar am tant a mara vi lh a in fu n da da po de m ser exp li-cados com base nos princípios de: grandeza, figura, si-tuação e movimento. Para explicar a atração da lima-nha de ferro em direção do pólo norte e sul de um imaDescartes faz recurso às partículas do primeiro ele-mento as quais, sendo sulcadas ou estriadas quandasão espremidas entre as partículas esféricas do segun-do elemento, adquirem a capacidade de se movimen-tar ao longo de condutores ou canais encürvados. As

" partículas estriadas, semelhantes a pequenas conchasde caracol, móvinientam-se facilmente através do cor- po da Terra e pe ne tr am ne le pel o pó lo No rte ou pe lo pó lo Sul . Po sto q u e o in te iro tu rb il hã o gira ao redo rdo próprio eixo no mesmo sentido, as partículas quevêm do pólo Sul giram em sentido contrário daquelasque v êm do pólo Norte. As partículas estriadas passamfacilmente através da Terra porque ela está frisada rioseu interior de forma adequada para deixar passar as

 pa rtí cu las qu e ro da m da es qu erda pa ra a di rei ta ouaquelas que rodam da direita para a esquerda. As par-

tículas de um imã podem penetrar no corpo de um

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Quarenta do século XVIII (Heilbron, 1979: 31) iriam'Se referir entre outros Jacques Rohâult (1620-75) eFrançois Bayle (1622-170 9). /

• . ^

A ESFERA DE ENXOFRE ,

Oto von Guericke, que em 1672 publicou aobra  Experimenta nova,  era um copernicano fascinado

 pel a id éia de um Cosmo sem lim ite s e do vaz io im en -so dentro do qual estão situados os corpos celestes.

Ele pensava que o vácuo, que reaiizara artificialmen-te mediante a sua célebre e dispendiosa experiência(assunto à que teremos oportunidade de voltar no ca-

 pí tu lo 16) tiv ess e as me sm as car acterí sti cas do vaz iointerplanetário. Pensou além disso que fosse possívelreconstruir os  poderes  ou aS forças dos planetas de for-ma experimental. Por isso construiu uma bola de vi-dro do tamanho da cabeia de uma criança e, após en-chê-la com pó de enxofre, esquentou a esfera, dei-xando-a esfriar em seguida e, finalmente, quebrou ovidro. A esfera de enxofre foi fixada a um eixo ao re-dor do qual podia rodar; sendo friccionada ao rtiesmó

tempo, a bola começa emitir luz e estalidos sonoros,

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O nasámento da ciencia moderna fui Europa

revelando imediatamente a presença das mesmasforças que são próprias da Terra: atrai os corpos levesé os retém sobre éla durante a rotação. Aquela esferaé  um globo terrestre posto debaixo dos nossos olhos.O globo é dotado também dé uma  vis repulsiva  que re-

 pe le àq ui lo qu e fo i at ra íd o, po r causa de um co nf li toentre naturezas diferentes. O mesmo e idêntico fenô-meno acontece com a Terra que expele de si o fogo eos "materiais incandescentés e mantém à distância o

corpo esférico da-Lua.A sua única descoberta, que Guericke teria clas-sificado com o  elétrica,  era aquela relativa à capacidade

Filosof ia magnética

tas. Elas passariam a exercer o seu efeito somentequando foram retomadas, em um contexto teórico di-ferente, em meádos do século seguinte (Heilbron,1979: 219, 226). O fatb de que a situação, como já vi-mos, fosse bastante confusa, não impediria que as li-nhas de demarcação entre a magia e a ciência - queforam claramente formuladas já desde o começo tioséculo - tivessem sido esquecidas. Descartes pensavaque Kircher fosse mais um charlatão do que um  savant

(culto)  (Descartes, 1936-63:111, 803) e Evangelista Tor-ricelli escreveu ao seu velho mestire o seguinte: "Aobra impressa é um volume muito grande sobre o

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, q pda ação elétrica de se propagar ao longo de um fioqua ndo u ma das suas extremidades era colocada emcontato com a esfera eletrificada. As forças (ou os eflú-vios) de que ele falava eram ao mesmo tempo corpó-reas e incorpóreas. As incorpóreas ab rangiam as forçasimpulsiva, conservativa, repulsiva, diretiva ou magné-tica, rotatória, bem como. o som, o calor e a luz. A clas-sificação das forças era complicada e carente de clare-za. Somente a manipulação da esfera de enxofre im-

 pr es si on ou a fantas ia do s co nt em po râ ne os . O di scu rsosobre a transmissibilidade ao longo de um fio ficou to-talmente isolado e precisou ser redescoberto antes deentrar a fazer parte dos conhecimentos adquiridos so-

 br e a ele tri cid ad e (He ilb ro n, 19 79: 21 8) ,

MÚSICA E TARANTISMO

 No me io de un ia qu an ti da de qu as e in fini ta dereflexões curiosas e de experiências efetuadas sem oauxílio de teorias suficient emente válidas, ta nto as ex- pe riê nci as de Gu eri ck e co mo ta mb ém as próp rias re-

flexões de Huygens não teriam conseqüências imedia-

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p gimã; um volume enriquecido com uma grande déco-ração de belos ramos. Poder-se-ao obter informaçõessobre astrolábios, relógios, anemoscópio e além dissocom uma quantidade de vocábulos muito extravagan-tes. Entre Outras coisas há tamb ém numero sos jarrose jarros grandes, epigramas, dísticos, epitáfios, Inscri-ções, uma parte em latim, Outraparte em gregopu emárabe, e outra parte em hebraico e em outras línguas.Entre as coisas lindas há uma partitura daquela músi-ca que diz ser antídoto do veneno da tarântula. Mas,agora chega: o sr. Nardi, Mangiotti e eu rimos muito"(Galilei, 1890-1909: XVIII, 332).  ;  . •

Os três amigos, mesmo não dispondo de teoriassatisfatórias sob re a mag net ismo e sobr e a eletricida-de, tinham ótimos motivos para rir.' Parecia impossí-vel, mas a coisa que talvez os fazia rir mais - a músicacomo antíd oto para o tarant ismo - era a única que, no ^meio de todos aqueles jarros, à distância de três sécu-los, despertava ainda o nosso interesse. A leitura do li-vr o La terra dél rimorso de Ernesto De Martino (que es-tudou o efeito da música sobre os "tarantulões" do Sulda Itália e que a partir deste ponto de vistá ressaltou a

importância de muitas páginas do jesuíta cheio de

' -  :  3 0 1

O nascimento da ciencia moderna na Europa

imaginação) pode nos fazer refletir utilmente tambéma respeito das risadas dos referidos amigos.

Justamente De Martino soube formular, com re-lação ao sucesso dos livros de Kircher e da grande se-dução excercida por eles e pela tradição hermética qu evigorava ainda em pleno século XVH, um juízo muitoagudo: "Em Kircher a ponte que mediara a passagemda baixa magia ritual para a sabedoria baconiana como po der , ag ora servia pa ra rea liz ar a lig ação in ve rsa co mo maravilhoso mundo popular e plebeu e para justifi-car as crenças mágicas tradicionais médianté categorias

capítulo-12

^ O CORAÇÃO E A GERAÇÃO

O SOL DO ORGANISMO

Os estudantes-dè medicina no século XVI (e du-t b t d é l XVII) f

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mentais da magia natural. Pot meio de Kircher se rea-liza em certo sentido o exorcismo contra-reformista damagia natural, isto é, a tentativa de oferecer uma gran-de sinopse da magia natural depurada de todo fermen-to perigoso" (De Martino, 1961: 244).

302

rante um boa parte do século XVII) formavam as suascompetências em fisiologia com base-em uma visãocoerente e sólida do organismo humano que remonta-va ao médico Cláudio Galeno de Pérgamo (ca. 129-200). O sistema de Galeno não fora colocado em crise

 pe la ob ra dos gr an des an at om is ta s do séc ulo XVI (An -drea Vesálio, Realdo Colombo, Gabriele Fallopid, Ge-rolamo Fabrici d'Acquapendente e Bartolomeu Eusta-chi). O fígado, o coráção e o cérebro eram considera-dos por Galeno uma tríade, fon te e reguladora da vida.

Se for examinado um animal sangrado as arté-rias e o ventrículo esquerdo do coração aparecem va-zios. Com base nesta experiência as artérias foram in-terpretadas como condutoras de "ar" ( como indica aetimologia grega da palavra artéria). Galeno no entan-to rejeita esta tese. Ele não acha que o sangue circuleem um sistema fechado, distinguindo assim  dois siste-mas circulatórios.  O primeiro, que desempenha no or-ganismo uma função de nutrição, ê formado pelasveias e pela parte direita do coração. Neste sistema osangue é produzido pelo fígado que transforma emsangue venoso os alimentos que provêm do estômago

é dos intestinos. O segundo sistema circulatório éconstituído pelas artérias e pela parte esquerda do co-

303

O nascimento da ciência moderna na Europa

ração, desempenhando a função de transmitir a todasas partes do organismo o "espírito vital" ou a "alma"que opera no coração. Através de supostas porosida-des do secto intraventricular (a densa parede divisóriaque separa o ventrículo direito do esquerdo) uma par-te do sangue arterial passa para o ventrículo esquerdomistúrando-se com o ar que prov ém dos pulmões queexercem uma ação refrigeradora sobre o coração e ex- pelem pela, respir ação as impurezas do sangue . Por

meio dos pulmões o ar chega ao ventrículo esquerdo;o sangue então se enriquece com espíritos vitais e setransforma ern sangue arterial. Nesta doutrina a fun-

O, coração e a gera ção

seja, pelos maiores teóricos do mecanicismo - comouma virada de importância central, tornando-se o

 po nt o de par tid a da noVa biologia mec ani cis ta, poisconstituiu de fatò umà verdadeira e própria derruba-da da fisiologia de Galeno. A crítica ¡de Harvey à dou-trina galènica se dirige a uma série de pontos funda-mentais: a quantidade de sangue expelida pelo cora-ção em uma hora supera o peso de um homem: como

 po de esta en or me qu an tidade de san gu e ser pro du zi-da pela nutrição? Onde é originado e para onde vai.todo este sangue se não se aceita a hipótese de umàcirculação continuai  Como se justifica a idéia de uma

d l i l di i 0

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transforma ern sangue arterial. Nesta doutrina a função central do coração é a diástole ou dilatação: naverdade, o processo de maior importância parece ser aatração dó sangue para o interior do coração, não a suaexpulsão do coração.

O esmero das descrições dos grandes anatomis-tas do século XVI propiciara uma série enorme de da-dos novos. Tais fatos se configuraram como realmentenevos quando foram inseridos na sistematização teóricaorgânica e coerente apresentada na obra De motu coráis

(1628) do médico inglês William Harvey (1578-1657)que fez o doutorado em medicina em Pádua em 1602,tornando-se em seguida (em_1651) professor de ana-tomia e cirurgia no Colégio Real dos Médicos de Lon-dres. Gozou da amizade e da estima do Rei Carlos I quecom freqüência assistia às suas experiências. Durante aguerra civil, a sua residência foi saqueada e muitas dassuas anotações foram destruídas. Ele jamais teve qual-quer interesse pela política. Certa vez disse a um ami-go que "as férias nàs atividades públicas, que para mui -tos causam tanto desconforto, tornaram-se"para mimum supremo remédio" (Pagel, 1979: 17).

A doutrina de Harvey sobre a circulação do san-gue, que foi acolhida por Descártes e por Hobbes - ou

308'

 passagem do san gue pel o yent ric ulo dir eit o pa ra 0ventrículo esquerdo, considerando que aquelas poro-sidades são invisíveis e, por conseguinte, não é possí-vel observá-las de modo algum? Considerando que osepto Ventricular tem uma estrutura mais dura e com-

 pact a do qu e a de mu ito s outro s tecidos, po r qual ra-zão procurou-se justame nte ali (e não por exemplo notecido esponjoso dos pulmões) um caminho para'a pas sag em do sang ue? Cons ide rando qu e os doi s ven-trículos se dilatam e se contraem ao mesmo tempo,

como pode o ventrículo esquerdo aspirar sangue doventrículo direito? Considerando que os animais des-

 pro vid os de pu lmões são des provid os do ventr ícu lo di-reito, não é mais razoável pensar que este ventrículotenha a função de transmitir sangue aos pulmões?Considerando que se for aberta uma pequena artériatodo o corpo ficaria totalmente sangrado no prazo demais ou menos meia hora, como se pode afirmar quenem todo o sangue circula através das artérias?

Os dados experimentais bem como os proble-mas são reformulados por Harvey a partir de um novomodelo: o sangue circula continua e ininterruptam en-

te no corpo; a função fundamental do coração é a sís-

305

O nascimento da ci ência moderna na Europa

tole, isto é, a sua ação de contrair-se e endurecer-sequando o sangue é impelido para fora do coração (quefunciona como uma bomba de pressão); as artériasnão pulsam em virtude de uma dilatação das suas pa-redes, mas por causa da pressão do líquido impelidonelas pelo còração; as válvulas das veias servem paraimpedir que o sangue venoso reflua do centro para asextremidades; o sangue enriquecido e quente que

 prov ém do cor ação se esgo ta e se resf ria na per iferia

do corpo; passando pelas últimas ramificações das ar-térias para os últimos pontos terminais das veias eleretorna perenemente ao coração como fonte de,vida.

O, coração e a geração

sangue e, portanto, circular. Além disso, o sangue, en-quanto difuso por todo o corpo, na idéia de Harvey >era o receptáculo fundamental da alma (Pagel, 1979:26, 329). Todavia, na sua insistência sobre a centrali- 'dade do coração, que para Harvey aparece como "oSol do microcosmo", assemelhando-se a um soberanoexercendo as suas funções sobre o organismo, hestaatitude de Harvey estavam presentes também os ecosdaquela "literatura Solar" da Renascença que teve emMarsílio Fícino um dos seus maiores representantes

Um aristotélico,-portanto, ainda influenciado pó r temas ligados à' tradiç ão he rmé tic a: A parti r do

d i d já d

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As artérias de um braço (e das articulações ¡em geral)estão situadas em profundidade, ao passo que as veiasestão mais próximas da superfície. Harvey constatou

. que uma amarração muito apertada acima do cotove-lo impede ao sangue arterial de chegar até a mão: a ar-téria acima da atadura se incha, a mão esfria e cessamas pulsações. Ao contrário, uma atadura apertada mo-deradame nte impede ao sàngue ve noso de refluir para

~ó coração: as veias se incham abaixo da atadura, amão fica inchada de sangüe, a pulsação do pulso setorna fraca, mas ainda perceptível.

-A  descoberta  de Harvey deve ser situada dentrode um contexto exato. O problema que dominava,ocupando quase de modo obsessivo a sua mente, erao de conhecer a finalidade ou o sentido da cirCulação.Harvey era um aristotélico e na filosofia aristotélica omovimen to circular ocupa uma posição dominante. Acoesão do cosmo era assegurada pelo movimento cir-cular dos corpos celestes. Esté mesmo princípio orien-tava Harvey na sua consideração do movimento circu-lar do sangue: tal movimento devia garantir a conser-vação daquele microcosmo que é o corpo hum ano por

meio de um movimento regenerativo contínuo do

3 0 6

nosso ponto de vista moderno, já este aspecto pode pa rec er um re tra to um ta nt o descon ce rta nte. Mas nã oé só isso. Há também o fato de que Harvey se aproxi-ma dos dados que lhe são oferecidos pela tradiçãocomo também aos dados que resultam de suas expe-riências inspiradas em um modelo mecanicista. Gale-no comparara o coração a um pavio, o sangue ao óleoque o penetra e os pulmões a um aparelho para ven-tilá-lo. Além disso ele pensou que o sangue, consu-mando-se pela combustão, deixasse um resíduo fu-

moso (ibid: 148-49). Neste modelo as artérias'se dila-tam não por efeito de uma pressão, mas em virtude deuma faculdade vital. Harvey faz uso de um modelo dotipo hidráulico-mecánico: o coração é parecido comuma bomba, as veias e as artérias funcio nam como tu-

 bos no s quais escorre um líqu ido, o san gu e c om ò umlíquido sob pressão e em movimento e as válvulas dasveias como válvulas mecânica s. ,

Com base nesta impostação Harvey pode toma r pos içã o co nt ra a do ut rina dos espírit os na fo rm a emque tal doutrina fora elaborada pelo médico francêsJean Fernel (1497-1559) no seu tratado de  Universa

medicina  (1542), uma das obras de fisiologia mais di-

308' 306

O nascimento da ciência moderna na Europa

vulgadas. Na análise de um cadáver, as artérias, oventrículo esquerdo do coração e as cavidades do cé-rebro aparecem vazios: aquelas cavidades, pórém,enquanto havia vida, estavam repletas por um "espí-rito etéreo". O termo  espírito  tal' Como é usado porFernel e no âmbito da medicina galènica (que distin-gue entre espírito natural, vitaí e animal) na concep-ção de Harley é considerado como vago e indetermi-nado, não utilizável na pesquisa empírica'e ligado a

noções místicas. Seguindo o testemunho dos sentidos"nós jamais conseguimos  achar  aquele espírito em al-gum lugar". Para que a noção de éspírito resulte acei-

O, coração e a ge ração

dos intestinos, a formação do embrião no ovo de gali-nha e sobre a anatomia das plantas. Naquelas brevesmonografias, escritas de forma extremamente clara,encontrava expressão a assim chamada pesquisa estru-tural qué se serve, por um lado, do microscópio e, poroutro lado, de uma série de procedimentos artificiaiscomo a dissecação e p cozimento (Adelmann, 1966).

Já falamos a respeito de Alfonso Borelli no ca- pí tu lo de di cad o à filoso fia me câni ca . Qu an d o Bo re ll ienfrentava o tema da faculdade motora dos músculos,interpretou tal faculdade como uma espécie de reaçãoquímica entre o sangue alcalino e a acidez dos sucos

f i d à t l di

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tável deve ser colocada em um nível diferente: os es- pí ri to s nã o ¿ão fo rças ocu ltas, n em po de re s qu e po -dem ser multiplicados ao infinito a fim de explicar osfenômenos vitais; tais espíritos não são nada mais doque aspectos, qualidades, ou características empíricasdo sangue.

O processo de oxigenação do sangue nos pul-mões foi apenas percebido por Harvey; a existênciados capilares através dos quais o sangue passa das ar-térias para as veias é admitida por ele somente comohipótése teórica. Com relação ao primeiro ponto, omédico inglês Richard Lõwer (1631-91) iria completaras teorias de Harvey. Na realidade, para  enxergar  os va-sos capilares seria preciso o microscópio e seria Mar-celo Malpighi (1628-94) a observar no microscópio,em 1691), o fluir do sangue nos capilares dos pulmõesde uma rã.

Ao lado de Robert Hoocke, Jan Swammerdam(1637-1680)-e Antony van I^eeuwenhoek, MarceloMalpighi, nomeado membro da Royai Society em1669, é üm dos grandes microscopistas  do século XVTLEntre 1661 e 1679 redigiu uma série de breves trata-

dos sobre os pulmões, a língua, o cérebro, a estrutura

158'

nervosos, referindo-se às teses expressas pelo dina-marquês Niels Stensen baseadas na observação das fi-

 br as mu sc ul ar es no mic ro scó pio. Tod avia, a te nt at iv aque consta em Borelli (e em Descartes) de uma reso-lução integral da fisiologia nó nível d^ mecânica iria serevelar parcial. Na verdade, além da mecânica do es-queleto e dos níovimeritòs musculares apareciam os

 pr ob le mas co mp lexo s da res pi ração e da al im en ta çã oaos quais não era possível apliçar os conceitos aindarudimentares da química inorgânica do século XVII.

GERAÇÃO "EX OVO" OU GERAÇÃO BACTERIANA ,

 No séc ul o XVI, a ger açã o dos ser es vi vo s foi otema central de Uma vastíssima discussão (Roger,1963: Solipâs, 1967; Bernardi, 1980). Em tal discussãoum lugar de destaque.cabe mais um a vez a Harvey. Nacapá do Seu tratado.De generat ione animãlium  (1651) háo lema  ex ovo omnia  (todas as coisas nascem do ovo).

 No qu e diz re sp ei to à no çã o ha rv ey an a de ov o n ão éo caso de projetar as nossas noções e definições, mas

naquela época se tornou igualmente célebre a sua ex-

305

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O nascimento da ciência moderna na Europa

franceses a denominaram  emboîtement des germes  e ositalianos  sistema degli inviluppi) é  necessário levar emconsideração que o Pré-formismo elimina - como ine-xistente - o problema da formação no tempo dos or-ganismos vivos, e transforma o problema da  geração^em um problema de crescimento. O organismo individualnão está presente  em potencial  no ovo o u no sême n,mas está  atualmente  presente no ovo ou no sêmen. Não existe m prin cíp ios org ani zat ivo s ou "program as"• ne m no ovo, n em no sêm en. Tanto na o pinião dosovistas quanto na dos micro-organicistas, em cada umdós dois elementos está contido um modelo em esca-la reduzida, mas^ completo e organiza do em tod as as

O, coração e a gera ção

1715) apresentava cõm clareza as teses dó Pré-formis-mo. Desde a criação existem os germes de todos os in-divíduos. Mas são como que mimaturizados e encai-xados uns dentro dos outros. 0 indivíduo que irá nas-cer dali a mil anos depois já está perfeitamente forma-do exatamente igual àquele que nascerá depois denove meses. A diferença está só no fato de ser muito

 pe qu en o. Nas cost as de Eva est avam presen tes os em - briões de tod os os ind iví duo s qu e exi stir am è exis ti-rão, até o dia do Apocalipse.

Com certeza, o Pré-formismo é uma teoria "es-tranha", mas a idéia de uma divisibilidade ao infinitonão se conciliava, naquela época, com as idéias ex-

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a edu da, as co p eto e o ga a do e tod as assuas partes; do indivíduo que deve nascer. A fecunda-ção se limita a ativar o crescimento de uma entidade

 já pl en am èn te org áni zad a e pro vocar o seu desen vol-vimento visível. Aquela entidade é muito pequena eestá como que oculta, no ovo où no sêmen. Muitos a

 pr oc ur am com o microscóp io e Nico laus Har tso eker• (1656-1725) chegou até mesmo a publicar um dese-

nho em qüe, no interior dos "vermezinhos", yia-seum homenzinho minúsculo com as pernas dobradas e

a cabeça presa entre os braços (Bernardi, 1986).A fim de explicar a origem da vida, o Pré-for-

~mismo combinava muito bem com o mecanicismo,eliminando qualquer recurso a princípios vitais e aqualquer capacidade de organização presente na ma-téria. Todavia, algumas-conclusões estavam já conti-das nas premissas. Se na natureza ocorrem somente proces sos de cre scimen to, isto é, se nã o exi stem "for -ças" que organizam as partes de um organismo, entãono pintinho que é pré-formado dentro do ovo há ovos

 pré- formad os e de nt ro dele s há pint in ho s pr é- forma-dos com os próprios ovos pré-formadós. Na obra  Re-

cherche de. la vérité ( 1647) Nocolau Maleb ranch e ( 1638-

314' 305

, q p , pressas por aqueles qu e dis cut iam ern tó rn p do inf ini -to e pelos assim denominados teóricos do cálculo infi-

nitesimal? Entre um determinado ponto e um outrosucessivo - afirmavam estes teóricos - existem sempre

 pontos inf ini tos qu e fo rm am um segm en to co nt ínuoinfinitamente divisível em partes, elas próprias contí-nuas, por sua vez infinitamente divisíveis e assim aoinfinito. Se idéias deste tipo chegam a ir adiante, em-

 bo ra com mu ita dif iculdade, o qu e há de ina ceitável e

de escandaloso/ do ponto de vista de um cientista dasegunda metade de século XVII, em uma teoria paranós tão estran ha? . '

capítulo 13

TEMPOS DA NATUREZA

A  DESCOBERTA DO TEMPO

Hoje pensamos a geologia como a ciência queestuda a origem, constituição, estrutura e a história da

d i i l

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Terra e dos organismos que vivem nela. Pensamos acosmologia como a ciência que procura as leis geraisdo universo e que se ocupa também das suas origense do seu destino. Tânto a geologia quanto a cosmolo-gia, consideradas como conhecimentos Sistemáticosdas   vicissitudes  por que passaram a Terra e o universo,são ciências recentes. De fato, estão ligadas àquela

 pr of un da re vo lu ção co ncei tu ai qu e foi nã o im pr op ri a-mente denominada  a descoberta'do tempo.

Os homens da época de Robert Hoo^e (aí peladécada de trinta do século XVII) achavam de ter atrásde si um passado de séis mil anos; os da época de Kant(nas últimas décadas do século XVIII) estavam cientesde terem um passado de muitos milhões de anos. Tal-vez há alguma diferença entre viver em um presenterelativamente próximo das origens (dispondo alémdisso de um Texto Sagrado que traça a escala cronoló-gica de  toda  a história do mundo) ou, ao contrário, vi-ver em um presente atrás do qual se estende - comoescreveu o conde de Buffon - "o abismo escuro" deum tempo quase infinito.

Os cem anos que separam o livro  Discourse on Earthquakes (Discurso sobre os terremotos,  1668) de Ro-

317

•O nascimento da c iência moderna na Europa

 be rt Ho ok e da ob ra  Allgemeine Naturgeschichte. undTheorie des Himmels (Historia universal da natureza £ teo-ria dó céu,  1755) de Emmanuel Kant, os discursos quedizem respeito à historia da Terra -e a historia do cos-mo se articulam conforme alternativas radicais. Asdiscussões não se prendem somente^aos modelos dife-rentes de historia da Terra ou de historia do universo,mas à própria possibilidade de fazer daquela história oobjeto de uma investigação científica. Se a física e a fi-losofia natural s"e ocupam do mundo  que existe ( tal

cofno foi posto em movimento por Deus), então nãotem nenhum sentido ocupar-se do problema da "for-mação do mundo. Aquele problema fica fora da ciên-

Tempos da natureza

relações com 0 texto_bíblico e com a teologia, os temasda criação e do Apocalipse, a postura a ser adotadacom relação à tradição lucreciana e materialista, a al-ternativa entre uma concepção antropomórfica e tunaconcepção naturalista do mundo. Imagens diferentesda ciência, diferentes tradições de pesquisa agem era

 pr of un di da de nã o só so bre a elab oraçã o das teo ria s,mas sobre a própria "observação" da realidade, isto é,sobre a forma de  enxergar   alguns objetos naturais(Rossi, 1979).

PEDRA S ESTRANHAS '  N

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cia, sendo relegado à esfera das hipóteses gratuitas, oudos "romances de física" (como se falava então) ou,como diríamos hoje, da ficção científica. Todavia, umavez estabelecida a legitimidade de uma consideração"histórica" da natureza, só então de abririam alterna-tivas entre modelos teóricos fortemente divergentes:entre uma história feita de processos lentos, de muta-ções uniformes e imperceptíveis (o assim chamadouniformismo)   e uma história intercalada por violentas

catástrofes, feita de saltos qualitativos e de revoluções(o  catastrofismo).

A linha de demarcação entre ciência e pseudo-ciência pareceu com freqüência muito difícil de serdeterminada. Pressupostos metafísicos agem em pro-fundidade nas discussões que acompanham a consti-tuição da cosmologia e da geologia como ciências.Hooke, Descartes, Newton e Leibniz não elaboraramapenas teorias: propõem para a investigação objetivosdiferentes, orientando-a e limitando-a de várias ma-neiras. Nas páginas dos pesquisadores dos fósseis, edos construtores de histórias da Terra e do cosmo se

. reapresentam constantemente grandes questões: as

328'

Aquelas  pedras estranhas que é fácil encontrar eque têm forma de concha são lapides sui generis  (pedrasespeciais) produzidas naturalmente por alguma força

 pr es en te na Terra, ou a su a fo rm a deve ser atr ib uídaàs conchas originárias que foram transportadas porum dilúvio, terremoto ou por outras causas quaisquer

 pa ra os lu ga res on de ag ora são en co nt ra da s? . As p e-dras em forma de peixe  (lapides icthyomorphi)  são ape-

nas pedras que têm uma forma estranha ou são asmarcas de peixes petrificados? No primeiro caso aque-les objetos que nós chamamos de fósseis são  vistoscomo pedras e objetos naturais mais "estranhos" doque as outras pedras e objetos que existem na nature-za. No segundo caso podem ser encarados como  docu-mentos e   rastros  do passado, como as marcas de peripé-cias e de processos que se desenvolveram no passado.

 No pr im ei ro caso são ap en as ob ser vad os , no segu nd o,são observados e lidos, do mesmo modo que se lê umdocumento. v

Deixando de lado a identificação de  fóssil   (dolatim fodio,  escavar) com tudo o que é situado debai-

345

O nascimento da ciência moderna na Europa

xp da superficie da Terra e que tem o caráter comumda "petrificação", para chegar à definição modernados fósseis como restos ou rastros de organismos qpeviveram sobre a Terra no passado foi preciso não só"distinguir o orgânico do inorgânico, dentro de um es-

 pe ct ro co nt ín uo de ob je to s fós sei s" (Rud wick , 19 76 :44), mas também chegar a aceitar a premissa de queaqueles curiosos objetos pudessem ser explicados fa-zendo recurso à sua  origem,  interpretando-os como

vestígios ou rastros. Mediante a nova avaliação dosfósseis como documentos, a natureza deixa de se con-trapor à história, como o reino do imutável, que é oreino do devir e da mutação: a própria natureza pos-

Tempos da natureza

vastas cavidades internas. No interior da Terra circula-vam "ventos" movidos pela ação solar, que origi-navam os abalos terrestres.

COMÓ SÃÓ PRODUZIDOS OS OBJETOS NATURAIS?

Robert Hooke (1635-1703) tem um concéitoda  história natural   muito mais amplo do que o do seumestre Bacon. A história natural preocupara-se ape-

nas em descrever e classificar os objetos naturais. Não• estud ou por tant o às alterações e as modificações quea natureza sofre no decorrer do tempo. Com relaçãoà " h " H k h iê i d i d

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ç p p psui uma história e as-conchas sãoralguns dos docu-men tos desta história. -

Com exceção de Leonardo da Viñci, que tratada origem dos fósseis marinhos em várias folhas dóCódice Atlântico  e do  Códice Leicester,  e de Bernard Pa-lissy (1510-90), até o sécula XVII são dominantes asinterpretações aristotélicas e platônicas. No tratado  De

 Mineralibus   (que é uma obra espúria) os fósseis  (fossi-lia)  são formados pela ação de um  sitccua lapidescens(suco petrificante) ou de uma  aura betuminosa  que cir-cula no interior da superfície terrestre. Na» opinião doPseudo-Aristóteles, pela ação do calor solar os metaise os outros fósseis são formados por uma exalação quesobe do interior da Terra. A esse tipo de ação desen-volvida por forças ou virtudes  (virtus plastica, lapidifica,vegetabilis)  se referem também as correntes ligadas àtradição do platonismo. Tais tendências acham queum "sêmen" originário dá vida aos fósseis que nasceme crescem, no interior da Terra, como organismos vi-vos. Para dar uma explicação da origem dos terremo-tos, Aristóteles na sua obra  Meteorologica  apresentará o

corpo da Terra como sulcado por feridas, rachaduras e

286

às "conchas", Hooke acha que a ciência deve indagara respeito "da forma, do tempo e das circunstânciasem que tais corpos foram colocados nos lugares emque se encontram". É muito difícil "ler naqueles cor-

 po s e de du zi r del es u ma cron olog ia " ap es ar d e a cro -nologia da natureza constituir um problema. Am-

 pl ia nd o al gu mas co ns id eraçõ es já pr es en te s no tr at a-do  Micrographia  (1665), na obra  Discourse ón Earthqua-kes  (escrita em 1668, mas publicada em 1705), Hooke

aborda também o problema dos fósseis "que até ago-ra atormentou todos os cultores da história natural ada filosofia". Ele mantém profunda distância tantodas teses aristotélicas como também daquelas neo-

 pl atôn icas. Re jei ta ta mb ém , co mo im pr ov áv el , a tes eque faz remontar os fósseis à ação do Dilúvio. Do

 po nt o de vis ta de Ho ok e a Terr a e as fo rm as de vid asobre a Terra têm uma história. Uma série de  natural

 powers e d e causas físicas  (terremotos, inundações, di-lúvios, erupções etc.) alteraram tanto a terra comotambém a vida sobre a terra, A partir da época dacriação "uma grande, parte da superfície terrestre foitransformada e alterou a sua natureza [...] de manei-

287

•O nascimento  da ciência moderna na Europa

ra  que muitas partes que agora são mares, no passa-do foram terra firme, montanhas foram transforma-das em planícies e planícies em montanhas". No iní-cio a terra consistia de substâncias fluidas que aos po ucos se cris tali zaram e sol idif icaram, fo rm an do ca-madas  sobrepostas. Para explicar a existência de fós-seis que não pertencem a nenhuma espécie conheci-da, Hooke abandona também a idéia de espécies imu-táveis e eternas e formulava a hipótese da destruiçãoe do desaparecimento de espécies vivas: "Verificamos

que alterações do clima, do ambiente é do alimento^ produzem com freqüência grandes alterações e não •

há dúvida de que alterações desta natureza podemproduz ir en or me s mu da nç as na fo rma e nas caracte

Tempos da natureza

um objeto/produzido por meios naturais que possuiuma determinada forma, trata-se de descobrir, no pró-

 pri o obj eto , as evid ênc ias qu e rev ele m os modos dasua produção" (Steensen, 1669). No seu livro  Prodro-mus...  estão presentes fortes influxos galileanos e car-tesianos. A teoria corpuscular da matéria era usada

 pa ra int roduzir um a clara dist inção en tr e os ''cri stais "e as "conchas" ou fósseis. A hipótese da estrutura emcamadas sobrepostas da „crosta terrestre e da sua for-mação por sedimentação de matéria inorgânica e de

restos fósSeis na água domar fora construída com baseem um exame do território da Toscana, mas era assu-mida como válida em geral. Tál hipótese explicava-apre sen ça dos fóssei s incluíd os na seq üên cia das cama-

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 produz ir en or me s mu da nç as na fo rma e na s caracte-rísticas dos animais" (Hooke, 1705: 334, 411, 290,298, 327-28). Mas a "história" de-Hooke continuadasendo ihserida dentro das breves épocas da HistóriaSagrada. Ele não pretende rejeitar a cronologia tradi-cional dos seis mil anos, nem tampouco colocar emdúvida a "concórdia" entre natureza e Escritura.

Em meados do século XVII o problema da  inter- pretado naturae  tende a situar-se não mais no contexto

de dimensões exclusivamente espaciais ou estruturais.Reyela-se conexo com a dimensão temporal. O fato deanalisar e interpr etar u m á substância nã o significaapenas decompô-la, reduzindó-a ao movimento de par tícu las, e est udá-l a nos seu s aspect os geo mét ricos.Começam a adquirir sentido também outras pergun-tas, como por exemplo; de que maneira a natureza pro duziu , ,no tem po, um de term in ad o objet o? Comclareza cartesiana os termos de um novo "teorema"relativo aos fósseis são enunciados pelo dinamarquês Niels Ste ensen (Nicolau Ste no ne, 163 8-86) no come-ço do seu tratado "De solido intra solidum naturaliter con-

tento dissertationis prcdromus  (1669): "Considerando

3 2 2

 pre sen ça dos fóssei s inc luíd os na seq üên cia das camadas e constituía uma tèntativa coerente de reconstruira seqüência dos eventos geológicos. A posição originá-ria das camadas, paralela ao horizonte, no decorrerdos séculos foi modificada por erupções e terremotos/A paisagem terrestre atual deriva das rachaduras, co-lapsos e elevações de tais camadas.

Em 1.670, um ano depois da publicação da obra Prodromus  de Stenone, Agostinho Scilla ((1639-

1700), pintor e acadêmico da Fucina, publica  La vana speculazione disingannata dal senso. Lettera responsiva cir-ca i corpi marini che petrificati si truovano ih vari luoghiterrestri (A vã especulação desmentida pelos sentidos. Carta-resposta relativa aos Corpos marinhos que se encontram pe-trificados em vários lugares da terra).  Scilla (que não co-nhece a obra de Stenone) em lugar da "vã especula-ção" que interpreta os fósseis como "crescidos" no in-terior das rochas contrapõe a tese de uma origem or-gânica dos mesmos. Ele.é muito firme em sustentar atese de que os fósseis "fossem animais verdadeiros enão caprichos naturais gerados simplesmente por al-

guma substância pedrosa". Não acredita que os me-'

165' 345

O nascimento da ciencia moderna na Europa

tais "cresçam" nas minas e. ironiza a tese da "vegeta- bil ida de" da;s pedr as . Toda vez qu e se gu ra mo s emmãos uma glossapedra (ou dente petrificado) pode-mos estabelecer o lugar exato daquele dente singularna mandíbula de um esqualídeo (Scilla, 1670: 21, 26,33, 86-87). Scillaifaz constan temen te referência à suaqualidade de pintor, insistindo na observação e pole-çnizando contra as especulações. Faz referência a Lu-crécio e a Descartes. Sem nunca mencionar Galilei,aceita, porém a sua lição bási¿a. Além do seus sensis-

mo e do seu ceticismo, so men te um a filosofia .lhe pa-rece aceitável: aquela "que conhece a grande diferen-ça que existe çntre aquilo que pensam os homens eaquilo que soube operar a Natureza" (ibid: 105). Em

Tempos da natureza

águas que circulam no interior da Terra e o sangue. Nas rocha s é p ossí vel des cobri r fi gur as geo mét ricas , fi-guras de corpos celestes, letras do alfabeto, símbolosque remetem aos significados divinos presentes nomund o. Misturando-s e com os temas da "filosofia quí-mica", a volumosa tentativa de Kircher se apresenta-va como urna alternativa para o mecanicismo das hi-

 pót ese s cosmológicas e geol ógic as de Descar tes .Cientistas como Colonpa, Scilla e Stenone -

cujo texto foi traduzido para o inglês em 1671) to-

maram em consideração os fósseis do Holoceno e doQuaternário (os assim Chamados  subfósseis  da geolo-gia de hoje). Considerando que hão havia, nestecaso diferenças significativas entre os fóssèis e as es

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aquilo que soube operar a Natureza (ibid: 105). Em1696 William Wotton apresentou à Royai SoCiety umresumo (abstract)  da obra de Scilla. No ano seguinte

 publ ic ou  A Vindicatiçm of an Abstract pfan Italian BookConcerning Marine Bodíes.  Contestando as fantasias deKircher que acredita ver Cristo e Moisés nas paredesda. gruta de Ba uma nn e identif ica Apoló e as Musasnos filetes de uma ágata, Leibniz, por sua vez, iriacontrapor ha sua obra  Protogaea,  os testemunhos, pre-

cisos do "culto pintor" de Messína.O texto de Athanasius Kircher (1602-80) inti-tulado Mundus subterraneus  (1664) teVe ampla difusão.A sua hipótese geológica estava de acordo com o Tex-to Sagrado e distinguia, no que diz respeito a orogêne-se, dois tipos de montanhas: umas, ortogonais na su-

 per fíc ie te rrest re , di re ta me nt e cri adas p or Deu s, as ou-tras, pós-diluvianas, apareceram por causas naturais.Os fósseis <jue se encontram nos dois tipos de monta-nhas na opinião de Kircher não são restos de organis-mos, mas são frutos da  vis lapidifica  e do  spiritus plasti-cus. Referihdo-se aos temas niais, característicos da tra-dição hermética, Kircher evocava a analogia entre as

3 2 4

caso, diferenças significativas entre os fóssèis e as es- péc ies vivas de al gu m mo do se to rn av a mais fáci l,tendo à disposição aquele material, sustentar a teseda origem orgânica dos fósseis. Os achados de qüedispunham nas suas coleções Martin Lister (1638-C.1702), John Ray (1627-1705), e Edward Lhwyd(1660) rem onta vam ao período Jurássico e ao Car-

 bo ní fe ro e em mu it os caso s er am mo rf ol og ic am en tediferentes das espécies afins vivas ou (como no caso

das amonites) não correspondiam a nenhuma espé-cie existente. Lister interpretava esses fósseis comorochas e, constatando que os fósseis não são difusosde modo uniforme, mas característicos de determi-nadas camadas, rejeita a hipótese geopaleontológicade Stenone. Os quarenta dias do dilúvio não pare-cem suficientes para formar as camadas de que   éconstituída a crusta terrestre. A tese da origemjprgâ-nica dos fósseis fazia emergir diferenças notáveis en-tre as espécies vivas e os animais fósseis. A relevân-cia de tais diferenças (para quem aceitava aquela ori-gem) levavam necessariamente à constatação de que

algumas espécies animais se extinguiram. O fato de

' 3 2 5»

•O nascimento da ciência moderna na Europa

admitir a extinção de espécies vivas não implicavamira ruptura inaceitável na "plenitude" da realidadee na grande corrente do ser? Não era o mesmo quereconhecer elementos implicando a falta de comple-mentação e a imperfeição na obra do Criador? A re-

 je iç ão da te se da or ig em or gâ ni ca po r p a r t cd o s tr êsnaturalistas ingleses decorria certamente de dificul-dades técnicas e de provas consideradas insuficien-tes. Mas também tinha às suas costas inveteradasconvicções de caráter metafísico.

U M A TEORIA SAGRADA DA TERRA

Tempos da natureza

decrescente de gravidade específica. O resto se subdivi-de, em virtude do mesmo princípio de gravidade, emum corpo líquido e outro em uma forma aérea ou vo-látil. De processos de sedimentação depende a forma-ção da crosta terrestre que, no início, é totalmente lisa,desprovida de enrugamentos e de montanhas e conrtendo no seu interior as águas do "grande abismo". Talsuperfície perfeita, onde não sopram os ventos e nãoocorrem variações de clima, coincide, na sua totalida-de, com o Paraíso Terrestre. Em seguida, uma catástro-

fe grandiosa e universal transforma aquele paraíso es-férico no mu nd o "atual que é irregular, en rugad o econtorcido, feito de grandes superfícies líquidas e decontinentes de costas recortadas. Sob a ação do Sol, a

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A obra  Telluris theorifl sacra  de Thomas Burnet(1635 ca. 1715) foi publicada>em 1680 e, em uma edi-ção mais ampla, em 1684. Aquela teoria da Terra se'configurava como "sagrada" enquanto, como se diz noPrefacio, não se limitava a considerar (como na pers-

 pec tiv a car tes ian a) a "fisi olog ia co mu m" da Terra , ma s pr eten di a lev ar em co nsi de raç ão aq ue la s maiores vicissi-tudines  de que fala a Bíblia e que constituem como que

oss"gonzos" da divina Providência. Estes grandes even-tos ou vicissitudes são: a origem do caos, o dilúvio, aconflagração e a consumação de todas as coisas. A fimde preservar ao dilúvio o seu caráter de universalida-de, ou seja, para não reduzi-lo (como querem os liber-tinos) ao episódio de uma história local, é preciso acei-tar a perspectiva cartesiana: admitir que a Terra no pas-sado tinh a sido^diferente da Terra atual . Nas origen sexiste "unia massa fluida onde se encontram os mate-riais e os ingredientes de todos os corpos misturado demodo confuso". Aquele caos é transformado pela pala-vra divina em um mundo: as partes mais pesadas pre-cipitam-se em direção art centro conforme uma ordem

328'

continentes de costas recortadas. Sob a ação do Sol, acrosta terrestre se quebra e um terremoto gigantescoracha a superfície do mundo. A saída das águas inter-nas provoca o dilúvio, os vapores internos se conden-sam nos pólos e se precipitam, como torrentes gigan-tescas, em direção ao equador. O eixo terrestre se in-clina com relação ao plano da elíptica e disso depen-dem as variações das estações e do clima. Quando aságuas do dilúvio retornam para dentro do grande

abismo (e se trata de um processo lento ainda hoje emcurso) deixam uma Terra revirada. Ela não seassemelha à a obra da natureza "conforme à sua pri-meira intenção e de acordo com o primeiro modelo,mas é o resultado de materiais quebrados, dispersos edespedaçados". A Lua e a Terra são ambas "as iinagense as pinturas de uma grande ruína, tendo o aspecto deurm mund o, que jaz nos seus escombros" (Burnet,1684: 109). Tal fato, referente aos escombros e àGrande Ruína, nas páginas de Burnet, torna-se umaespécie de  Leitmotiv  metafísico. Q tema das ruínas, quese associa à idéia de uma lenta corrupção do mundo ede um decaimento progressivo da natureza, teria na

345

•O nascimento da ciência moderna na Europa

cultura barroca e neogótica uma importância central.-Burnet tentaya conciliar o relato cartesiano da origemdo mundo com o Texto Sagradp. Pensava que Deus ti-

 _ vesse "sin cro nizado " os ev en tos da História Sagradacom a corrente das causas mecânicas e naturais. Com

'certeza não teria pensado que a sua obra viesse a ocu- par um lug ar nã o sec un dário na his tór ia da idéia de"sublime" e no nascimento de uma emoção relativa àsmontanhas. As teses sustentadas por Burnet iriam pro voc ar um a polêmica aci rrada . O seu livro seria vá-

rias vezes juntado ao livro de Fontenelle sõbre a plu-ralidade dos mundos e duramente combatido pelosnewtonianos. Na obra Geology òr a Discourse Concerningthe Earth Before the Deluge  (1690), William Temple

Tempos da natureza

zem sobre a superfície terrestre servem para uma fina-lidade positiva.

Também John Ray (1627-1705) na obra  The •Wisdorn ofGod   (1691) insistira com veemência sobre asabedoria de Deus que se manifesta nas obras da na-tureza. O recolhimento das águas nos seus grandes re-ceptáculos e a emersão da terra firme são manifesta-ções da sabedoria divina "porqúe nessas condições aágua alimenta e conserva inumeráveis quantidades devárias espécies de peixes e a terra firme uma grande

variedade de planta? e animais". Muito mais ambíguae matizada, com relação à ortodoxia, é a posição ado-tada por William Whiston (1667-1752) em seu livro 4

 New Theory ofthe Earth  (1696). A obra, dedicada a

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f g ( ), p(1628-99) contrapõe insistentemente, a cada afirma-ção de Burnet, passagens da Escritura.

A imagem de um universo como processo dedecadência não se adequava à idéia, muito forte natradição newtoniana, de um universo admirável emque transparece continuamente a açaí) benevolentede Deus. Na obia Èssay Towards a Natural History ofthe Earth  (1695) John Woodward 1665-1728), coleciona-

dor de fósseis e professor de física no Gresham Colle-ge, expulso pela sua arrogância da Royai Society, rejei-ta grande parte das hipóteses de Burnet e qualificacomo "imaginária e romanceada" a sua história da Ter-ra. Entre os fósseis descobertos na Inglaterra muitossão de animais que povoam outras parte do globo. Ódilúvio universal, como quer a Escritura, foi uma ver-dadeira e própria destruição do mundo: uma dissolu-ção da matéria nos seus princípios constitutivos, umanova remexida e uma nova separação. Os fósseis são ostestemunhos daquele evento. O novo ambiente quenasce do dilúvio é funcional para a vida do homem. Asmutações e as variações que se produziram e se produ-

329'

 Newto n, apresen tava três teses cosmológ icas: 1) a Ter-ra se formara em conseqüência do esfriamento de um,cometa nebuloso, constituído com uma massa igualàquela da Terra, mas com um volume enormementemaior; 2) o dilúvio foi causado pela emersão das águasinternas provocada pela passagem da Terra através dacauda de um cometa de tamanho seis vezes maior dotamanho da Terra e 24 vezes mais próximo da Terrado que a Lua; 3) a conflagração final será provocada

 pela aprox imação do mesm o com eta ou de um novo,que provocará o desaparecimento das águas e a recon-solidação da Tterra em uma situação semelhante àque-la inicial. A hipótese do cometa como causa do dilúvio

 já tin ha sido apresen tada , em 1694, por Ed mu nd Hal-ley (1656-1742), um dos melhores astrônomos da suageração, que (por medo de uma acusação de ateísmo)deixou inédito o seu escrito que seria publicado nas"Philosophical Transactions" somente em 1742.

345

•O nascimento da ci ência moderna na Europa

A  PROTOGAEA   DE LEIBNIZ

 A obra Protogaea   de Leibniz teve um destino cu-rioso: foi escrita entre 1691 e 1692, um pouco mais dedez anos após o livro  Theoria sacra  de Burnet e antesque fossem publicadas (em 1695 e 1696) as obras bemsucedidas de Woodward e de Whiston. Isto é, foi pu-

 bli cad a so me nt e ci nq üe nt a e seis an os ma is ta rd e: em1749, no mesmo ano da edição do primeiro volumeda grande  Histoire naturelle  de Buffon. Daquela obra

Buffon conhecia apenas um brevíssimo extrato deduas páginas que fora publicado (em janeiro de 1693)no s  Acta eruditorum  de Lipcia.

Leibniz parte de premissas precisas de caráter

Tempos da natureza

ca das mutações que ocorreram e estão ocorrendo nahistória do universo e da Terral

Inclusive os resultados da teoria de Burnet que pa re ce ra m ma is pe rt ur ba do re s e per ig oso s p od em seracolhidos. É verdade que nós "habitamos sobre ruí-nas", mas tais ruínas não são testemunho de uma de-cadência nem documentam um processo de corrup-ção progressiva: aquelas desordens "se desenvolveramna ordem" e inclusive as espantosas perturbações ini-ciais deram lugar a um equilíbrio. Na verdade, tudo o

que saiu das mãos da natureza começou de forma re-gular. Assim aconteceu com a Terra. Os enr ugame ntose as asperidades ocorreram em época posterior. Se oglobo no começo foi líquido tinha por necessidade

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metafísico à luz das quais a historia do universo assu-me três características fundamentais: 1) tal historia éo d esenvolv imento de possibilidades implícitas já con-tidas no seu início e já "programadas" como em umembrião; 2) a escolha do "programa" remonta a Deuse nas raízes da historia do universo não existe o caos,mas há Os decretos livres de Deus, isto é,  as leis da or-dem geral daquele universo possível (o melhor) quefoi escolhido por Deus para se tornar real; 3) a histó-ria do universo se realiza através de mutações e desor-dens - mas só na aparência - configurando-se comotais apenas para os nossos olhos humanos limitados. Na gr an de pe rsp ect iv a de Lei bni z to do s os te rm os tr a-dicionais do problema eram transformados: assim,mecanicismo e finalismo não são incompatíveis; é

 po ssível fal ar em hi stó ria do mu nd o, em fo rm ação dosistema solar, em história do universo e da Terra evi-tando as blasfêmias da tradição libertina, atéia e mate-rialista. Relativizando o caos e a desordem, as posiçõesdos cartesianos e de Burnet ficam neutralizadas,abrindo-se um amplo espaço, para a pessquisa empíri-

330' 345

g ç q puma superfície igual e é conforme às leis gerais doscorpos que as coisas sólidas foram originadas pelo en-durec iment o de coisas líquidas. Isso é confirníado pela

 pr esèn ça (e aq ui a li ng uage m é a me sm a usada po rStenone) de corpos sólidos encerrados em um corposólido: como por exemplo "os restos de coisas antigas,

 pl an ta s, an imais, ob jet os ma nu fa tu ra do s, rev est id os po r um in vó lu cro de pedr a" . Tal in vó lu cro qu e ag ora

aparece sólido se formou necessariamente em uma.época posterior ao objeto encerrado nele "e é portan-to necessário que no passado fosse fluido".

Desde as primeiras páginas Leibniz aceita por-tanto as colocações "cartesianas" e acolhe os resulta-dos alcançados por Stenone. Os globos na origem in-candescentes e luminosos, semelhantes às estrelas eao Sol, tornaram-se corpos opacos por causa das escó-rias produzidas pela matéria incandescente. O calor seconcentrou no interior e a crosta se esfriou e consoli-dou. O processo que se desenvolveu na Terra não é di-ferente daquele que se realiza nas fornalhas. Se a ter-ra e as pedras submetidas ao fogo dão lugar ao vidro,

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O nascimento da ciência moderna na Europa

então é explicável que "os grandes ossos da Terra, asrochas nuas, os silícios imortais estejam quase total-mente vitrificados derivando daquela primeira fusãodos corpos". O vidro, que constitui a base da Terra,está presente, como escondido, nos outros corpos enas suas partículas. Tais partículas, corroídas e dividi-das pelas águas, foram submetidas a numerosas desti-lações e sublimaçõeá até gerar um lodo Capaz de ali-mentar plantas e animais./No decorrer do processo deesfriamento, a consolidação da crosta gerou enormes

 bolha s co nten do ar e ág ua. Por cau sa da div ersi dad eda matéria e do calor, as massas se esfriaram em tem- pos dif ere nte s dand o lug ar a de sm or on am en tos e aoconseguinte formar-se de montanhas e vales. As

Tempos da natureza

qual se produz "um estado mais consistente das coisas,que deriva da cessação das causas e do séu equilíbrio".Uma vez alcançado tal estado, as sucessivas mudançassão provocadas somente por "causas particulares" enão mais por "causas gerais".

Leibniz, que como foi justamente notador (Soli-nas, 1973: 44-45) é muito men^s "diluviano" do quemuitos dos seus contemporâneos, retoma a tese deStenone quer para explicar a existência das camadas(no passado horizontais; em seguida inclinadas) como

também para dar uma explicação dos fósseis. Portan-to, é um defensor decidido da origem orgânica dosfósseis. As páginas que ele dedica à demonstração des-ta tese e à confutação dos seus negadores, mesmo não

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águas_ provenientes d os'abi smos se juntar am comaquelas que desciam das montanhas, derivando daíinundações ^ue deram lugar a sedimentos sobre osquais outros vieram se sobrepor devido à repetiçãodos mesmos fenômenos. Nem todas as pedras derivamdo esfriamento que seguiu a primeira fusão, mas so-mente aquelas primitivas ou  base da Terra. Outras pe-dras, como é documentado pela existência de cama-

das, derivam da reconsolidação de sedimentos que se-guiram às dissoluções que foram provoçadas, em épo-cas diferentes, pelas chuvas. -

Leibniz está ciente de que o discurso sobre os"incunábulos do mundo" contém os germes de uma"ciência nova . ou geografia natu ral". Acha que talciência esteja apenas no seu começo, mas pensa terdescoberto as causas gerais que explicam "o esqueletoe, por assim dizer, a ossatura visível da Terra, isto é, asua estrutura". Ela é constituída pela cadeia do Hima-laya e pelo Atlas, pelos Alpes e pelas grand e cavidadesoceânicas. Tal estrutura apresenta elementos de esta-

 bili dade: é o res ult ado de um proces so ao tér min o, d o

contendo grandes novidades teóricas, possuem umaforça extraordinária de penetração: "Eu mesmo ti\>eem mãos fragmentos de rocha em qué estavam escul- pidos um mu ge m, um pês seg o e um a argenti ta. Pou-co antes havia sido extraído um enorme lúcio que ti-nha o corpo curvado e aboca aberta, como se, sepul-tado ainda vivo, tivesse ficado enrijecido por causa daforça gorgônea petrificante [...]. A esse respeito, mui-

tos apelam para a idéia dos  lusus naturae,  que é umterm o desprovido dç. sentido" (Leibniz, 1749:2 9-30).Leibniz-se ma nt ém cuidadosamente distante daquelesque sustentam que "os animais que habitam a Terraagora no passado foram aquáticos e que em seguida,tendo desaparecido tal elemento, aos poucos se torna-ram anfíbios e que por fim a sua espécie deixou os há-

 bit at primit ivo s" ((ibid : 10). Tal hip óte se, al ém de sercontrária às Escrituras, aprese nta tam bém dificulda-des insuperáveis. Entretanto, Leibniz não exclui pos-síveis mutações nas espécies animais. Alguns se sur-

 pr ee nd em pela pres.ença de espécies fósse is "que em

vão se poderiam achar no mundo conhecido [...], mas

3 3 3

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capítulo 14

CLASSIFICAR

 POA BULBOS A

' É muito freq üen te tamb ém nos nossos pradosuma plantinha conrfolhas rügosas e fluorescências es-verdeadas. Pertence - afirmamos hoje - à família dasGramíneas.  Com base na classificação (usada aindah j ) d d b â i C l Lj

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hoje) do grande botânico sueco Carolus Ljnnaeus ouCarl vori Linné (1707-78), chamamos esta planta dê

 Poa bulbosa.  Com tal denominação binária colocamosaquela planta dentro de um sistema. A sistemática (o u ta-

 xonomia) botânica (ou zoológica), que até hoje atribuiuum nome a mais de um milhão de espécies animais evegetais (e que tem ainda para classificar uma enormequantidade de espécies de ácaros e de insetos), é justa-

mente a disciplina ¿jure se ocupa das classificações, ouseja, ela reúne as várias formas em grupos cada vezmais amplos e abrangentes: raça, espécie, gênero, fa-mília, ordem, classe, tipo ou  phylum  e reino.

O nome daquela plantinha contém - se conhe-cemos a estrutura do sistema - uma quantidade reafcmente notável de informações. O sistema lineano éfuncional: a assim chamada  nomenclatura binômicaconsta de duas palavras: o nome do gênero e uma ad-

 jet iva ção específic a qu e di st ingu e a esp écie en tr e to-das as outras do mesmo gênero, exatamente - afirmaLineu - como acontece com o cognome e o nome dosseres humanos. Identificar a espécie não significa so-

337

O nascimento da ciência moderna na Europa

mente distingui-la, mas também reconhecer as suasafinidades com as outras que pertencem ao mesmogênero. O uso do latim evita 3 confusão das línguasnacionais. Xineu compara a classificação a um exérci-to subdividido» em legiões, batalhões, companhias e

 pe lo tõ es , co nc eb en do -a co mo um si stema hi er ár qu i-co de grupos inclusive em grupos cada vez mais am-

 plos . Cad a um do s níve is mai s res tri to s  limita progres- sivamente  as propriedades que deve possuir aquele ser.vivo específico, enquanto cada um dos níveis mais;

amplos abrange um  número cada vez maior   de proprie-dades e de organismos afins. A cada um dos termosempregados é atribuído um nível hierárquico. Écomo se eú subisse pelas paredes internas de um fu-nil e em cada estágio encontrasse uma companhia

Classificar

 pa lav ra s e ne st as 15 há me ao s in fo rm aç ão do qu econtém as duas ^palavras usadas por Lineu

- ' • - \

CLASSIFICAR

 Na op in iã o co mu m, o p ro b lem a da cla ssi fic a-ção parece relacionado com uma atividade um tan-to obtusa que consistiria em atribuir nomes latinosaos animais e às plantas. Aquela opiniãç comum fazreferência a uma caricatura: "os melhores classifica-dores de nomes sempre estiveram em busca de umsistema  natural,  capaz de revelar as causas da ordemnatural em lugar de ser simplesmente um sistema derotu lação artificial" (Luria, Gou ld, Singer,: 1984 :

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nil e, em cada estágio, encontrasse uma companhiacada vez mais numerosa. Junto com a minha espécie{homo sapiens)  há somente a espécie extinta do  homoerectus,  em seguida há o gênero  Homo, e sucessiva-,mente a família  Hominidae  que abarca também os  1

grandes símios, a seguir a ordem  Primatas  que têmdedos flexíveis e um cérebro grande, a classe  Mama-ria  que têm sangue quente, pêlos e amamentam osseus filhotes, o• phylum Cordata  que, em algum dosseus estágios, tem as características dos vertebrados,e, finalmente, há o reino  Animalia  que reúne todos osseres vivos incapazes de fotossíntese. É evidente que

 po sso rea li zar ta mb ém a op er aç ão in ve rsa e  descer pe-las  paredes do funil.

 No fi na l do séc ulo XVII um gr an de bo tâ ni cofrancês, Joseph Pitton de Tournefort (1656-1708),usava 50 palavras e uma figura para descrever o gerâ-nio. Para descrever a  Pod bulbosa  de Lineu usava 15

 pa lavras:  Gramen Xerampelinum, miliacea, praetenui, ra-mosaque sparsa canicula, sive Xerampelinum congener, ar-vense, aestivum, .gravem minutíssimo semine.  Naquelas 70

3 3 8

ç ( , , g ,585). Um dos temas mais apaixonantes dà biologia

' contemporânea está relacionado aos problemas pos-tos pela  cladístiça  ou àquele tipo de classificação queexclui qualquer noção de "semelhança" entre os se-res vivos e trabalha apenas com báse nas ramifica-ções evolutivas. Mas o problema ficou enormemen-te complicado depois que se entrelaçou, no decorrerdo século XIX, com o problema da evolução. No pe-

ríodo ao qual nos referimos áqui, entre meados doséculo XVI e os primeiros anos do século XVIII, o

 pr ob le ma da Clas sifi cação t em a ve r co m um mu n d oem que (com exceção de pouco casos) as espéciessão consideradas fixas e as pulgas, as moscas, os ele-fantes, os cavalos e as girafas são ainda como eramnas orig ens, < qu and o as espécies vivas saíram dasmãos de Deus.

Alguns problemas devem ser abordados separa-damente: 1) na classificação uma teoria da natureza écolocada em relação Com a teoria da linguagem; 2) oato de classificar não diz respeito apenas ao conheci-

3 3 9 ^

•O nascimento da ciência moderna na Europa

mento, mas também à memorização; >) à linguagemclassificatória é atribuída uma função de diagnósticono sentido de que tal atò deve ser capaz de captaraquilo que é  essencial   descuidando tudo aquilo que pa-rece supérfluo ou acidental.

LÍNGUAS UNIVERSAIS

 Na se gu nd a- me ta de do séc ulo XVII na Eu ro pativeram grande difusão numerosos projetos de"umalíng ua e de uma escrita "filosófica", "artificial", "per-feita" ou universal que fosse capaz (este era o anseiodos teóricos de tal língua) de superar a confusão e aambiguidade das línguas naturais. Aquela língua de-

Tempos da natureza

sal) e qüe foram publicados respectivamente em 1661e em 1668 são apresentadas algumas teses qüe teriamum significado notável para todos os "classificadores"de plant as e de animai s dos sécu los XVII e XVIII. •

1) Existe unia contraposição fundamental entreas línguas naturais e a língua filosófica ou universal. Osistema de sinais que constituem esta última deve sercompreensível independentemente da língua que defato sê fala e as regras da língua universal devem serdiferentes daquelas da língua natural.

2) A finalidade fund amen tal da língua filosóficaé a criação de sinais qué correspondam não aos nomescorrentes das coisas, mas às imagens mentais das coi-sas (que são comuns a todos os seres humanos).

3) Os sinais da língua filosófica devem ser "metó-

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via ser const ituíd a por ""símbolos capazes de fazer re-ferência não aos sons, mas diretamente às "coisas".Bacon e Leibniz tiveram um grande interesse, nesta per sp ect iv a, no s id eo gr amas do s ch in eses e no s hi er ó-glifos dos egípcios. A imagem da coisa remete direta-mente à coisa (Como aconteceu por exemplo nas as-sim chamadas  ícones,  isto é, em um daqueles sinais detrânsito onde duas crianças com a mochila atravessam

correndo uma rua). Aquela imagem se torna com- pr eens ív el in d ep en de nt em en te da líng ua qu e se fal ade fato: é escrita e pronu nciada de modos diferentes,mas é  entendida  por todos da mesma forma (inclusive

 po r aq ue le s qu e fa lam líng uas di fe rent es ). Po r qü enão construir, nestas bases, primeiro uma forma deescrita e em seguida uma verdadeira e própria língua?Desse modo não se colocaria remédio à confusão daslínguas çom que Deus (como narra a Bíblia) castigouo gênero humano, pela culpa de ter construído a Tor-re de Babel? (Rossi, 1983; Eco, 1993).

 NoS escr ito s de Geo rge Da lg arn o e de Jo h n Wil-kins (que foram os maiores teóricos da língua univer-

174'

3) Os sinais da língua filosófica devem ser metódicos": quer dizer, devem ser capazes de mostrar a pre-sença das relações e das ligações qu e há entre as coisas.

4) Entre os sinais e as coisa deve existir uma re-lação unívoca e a cada sinal deve corresponder umacoisa ou noção ("toevery thing and notion there wèreassigned a distinct mark").

5) O projeto de uma língua universal implica o pr oj et o de u ma enc icl op édi a un iv er sa l/ is to é, imp lic aa enumeração completa e ordenada bem como a apu-rada classificação de todas as coisas e noções a quedeve ser aplicado um sinal ou  mark   convencional.

6) A construção de uma enciclopédia é essencial pa ra o fu nc io na me nt o da lín gu a é re qu er a co ns tr ução

- d e  tabulae  (no sentido que Francis Bacon atribuíra a taltermo). Posto que é verdade, como notara Descartes,qué uma linguagem perfeita exigiria uma classificaçãode todas as coisas que existem no mundo, os limites daenciclopédia são os próprios limites da língua.

7) A enciclopédia (embora necessariamente par cia l) no s ass eg ura qu e cad a sin al ser á ta mb ém u ma

345

O nascimento da ciência moderna na Europa

i -

definição precisa da coisa e noção. E temos uma defi-nição exata quando o sinal indica o  lugar  exato da coi-sa naquele conju nto ordenado de objetos naturais,queas tábuas da enciclopédia reproduzem e refletem.

8) A finalidade principal dás tábuas, esclareceWilkins, é dispor as coisas e as noções em uma ordem"tal que o lugar designado para cada coisa possa con-tribuir para a descrição da sua natureza indicando aespécie geral e particular dentro da qual a coisa estásituada e da diferença pela qual a mesma coisa é dis-

tinta das outras coisas da mesma espécie [...]; apren-dendo os nomes,das coisas ficaríamos ao mesmo tem-

 po ins tru ído s* a res pe ito da su a na tu re za " (Wi lki ns,1668:289).

Classificar

são que se abriu, depois daquele ano, entre Wilkins eRay, apresenta elementos de grande interesse.

O reverendo John Ray publicaria em 1682 umestudo intitulado  Methodus plantarum nova (Novo método- para classificação - das plantas). Em 1686 saía o primei-ro voiúme de uma obra gigantesca, a  Historia plantarum(1686-1704): 3.000 páginas  in-fólio  nas quais são des-critas 18.000 espécies e variedades de plantas, subdivi-didas em 33 classes com base em critérios morfológi-cos. Ray introduzira a distinção entre plantas monoco-

tiledôneas e dicotiledônias e definira de modo moder-no a espécie como conjunto de indivíduos morfologi-camente semelhantes e derivãntes de uma sementeidêntica. Ray, entretanto, era um homem de múltiplascuriosidades Na lista dos seus escritos encontramos

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U MA LÍNGUA PARA FALAR DA NATUREZA

Partindo da busca de uma língua universal, semsolução de continuidade, passa-se a buscar urn projetode classificação dos objetos naturais. A esta altura,creio estarem totalmente claras as razões que induzi-

ram um cientista a afirmar que o bispo John Wilkins se pr op un ha "fa zer co m as pal av ras aq ui lo qu e, mai s tar -de, Lineu iria fazer com as plantas" (Emery, 1948: 176;cf. Rossi, 1984). Não se trata de simples analogias pre-sentes no pensamento de um "lingüista" e naquele deum professor de botânica (como h oje seríamos induzi-dos a acreditar). Um dos grandes pais fundadores da

 bo tân ica , o ing lês Jo hn Ray (1 62 7-17 05 ) be m co mo ozoólogo Francis Willoughby (1635-72) colaboraramcom Joh Wilkins depois que ele (em 1666) se dirigiramaos dois ilustres cientistas para poder inserir no seu vo-lume "uma enumeração regular de todas as famíliasdas plantas e dos animais* (Ray, 1718: 366). A discus-

342

curiosidades. Na lista dos seus escritos encontramostambém escritos de caráter teológico, reflexões sobre odilúvio e sobre os fósseis, bem como considerações so-

 br e a retór ica e so bre a ciên cia, to ma da s de po siç ão arespeito da questão debatida referente à superioridadedos modernos. Em 1674 e em 1675 Ray publicou tam-

"bém dois dicionários:  A Collection of English Words notGefierally Used  e Dictionariolum trilingue. Òs seus interes-

se lingüísticos não eram algo de marginal, assim comonão era de modo algum superficial, o seu interesse pelo pr oj eto de Wil kin s. De fat o, ele 'se su bm et eu à in gr atafadiga de traduzir para o latiin, a fim de torná-lo aces-sível aos estudiosos do continente, o volu me inteiro do

 Essay.  A tradução, embora nunca publicada, foi efeti-yamente levada até o término (Ray, 1740: 23).

Uma classificação-"'perfeita", como aquela dese- jad a po r Wilk ins, pa receu a Ray um em pr ee nd im en toirrealizável. Não é possível, como ao contrário preten-dia Wilkins, que a natureza resultasse ordenada geomé-trica e simetricamente. Não é possível enumerar trêsclasses de ervas e subdividir sucessivamente cada uma

343

•O nascimento da ciência moderna na Europa

destas três classes em nove "diferenciações". Diantedestas exigências Ray observava que a natureza não dá

 pu lo s, pr od uz espécies in te rme diári as de difíc il classifi -cação, parecendo uma realidade contínua que resultade um conjunto de graduações imperceptíveis.

IMPOR NOMES EQUIVALE A CONHECER

. "Para u ma realização cuidadosa deste projeto -escrevera Wilkins - é necessário que a própria teoria,em que este projeto deve estar fundado/ siga exata-mente a natureza das coisas" (Wilkins, 1668: 21). Seaprendermos os caracteres e os  nomes  das coisas sere-mos instruídos também a respeito da natureza  das coi-

Tempos da natureza

cinà, más ofuscaram a botânica introduzindo nela ca-sualmente, na medida em que as plantas eram desco-

 ber ta s, um a sér ie de no me s. Tod avia, a fim de to rn ar a bo tâni ca u ma ciên cia é preci so "q ue se ihi cie o es tu dodas plantas mediante o estudo dos seus nomes".(Tournefort, 1797:1, 47). Toürnefort percebe que umalinguagem realmente perfeita óu rigorosa exigiriauma derrubada geral de toda-a terminologia existen-te. Mas existe uma tradição, existem conhecimentosadquiridos que se formaram historicaifiente. Sendo

necessário levá-los em consideração: "Se as plantasnão tivessem ainda nomes, seria possível facilitar oseu conhecimento por meio dê nomes simples cujasdesinências indicariám. as ligações  que  intercorrementre as plantas do mesmo gênero e da mesma classe

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sas. Se as ligações, as contraposições e as relações en-tre os termos da linguagem reproduzem as ligações, ascontraposições e as relações entre as coisas, nomear,equivale a conhecer. Como diria de forma lapidária Li-neu: Fundamentum botanices duplex est: disposïtio et deno-minatio (O fundamento da botânica é duplo: a disposição ea denominação)  (Linnaeus, 1784: 151).

Joseph Pitton de Tournefort (1656-1708), pro-

fessor de botânica no Jardin du Roi, constrói umaclassificação baseada no gênero.  EM Eléments de botani-que ou méthode pour reconnaître les plantes   (1694) e notratado  Institutiones rei herbariae  ( 1700) descreve quase700 gêneros e mais de 10.000 espécies. Também paraTournefort as anotações ou as características de uma pl an ta de ve m ser en tr elaçad as tã o es tr it am en te co m oseu nome a ponto de resultar inseparáveis do mesmo.A botânica não consiste de modo algum em um co-nhecimento das virtudes das plantas, pois não temuma função de prestar serviço à farmacologia ou àmedicina. Galeno e Dioscórides enriqueceram a medi-

328'

[...], Para fazer isso precisaria fazer uma reviravolta detoda a linguagem da botânica e, no inído desta ciên-cia, não era possível conseguir esta exatidão, consider

rando que havia necessidade de atribuir bs nomes às pl an ta s ao me sm o te mp o em qu e se de sco br iam osseus usos" (ibid; I, 48). A botânica está longè da per-feição por causa de um vício de origem: "Os antigos,não sei por qual destino malvado, quanto mais ilustra-

vam com múltiplos auxílios da medicina, tantq maisofuscavam a botânica. Com efeito, eles pensavam emnovos nomes com que denominar as plantas para ilus-trar as suas virtudes e não possuíam ainda normas

 pa ra at ribu ir os no me s de u ma fo rm a n ão arbi tr ár ia "(Tournefort, 1700: I, 12-15).

3 4 5

O nascimento da ciência moderna na Europa

ÀJUDAS PARA A MEMÓRIA

Bernard dé Fontenelle, quando proferiu na .Academia um elogio público pela morte de Tourne-fort, disse: "Ele possibilitou colocar ordem no imensonúmero de plantas espalhadas de modo confuso sobrea Terra, bem como debaixo da superfície do mar eclassificá-las nos diversos gêneros e nas diversas espé-cies, facilitando assim o seu registrou, evitando tam-

 bé m qu e a me mó ri a do s b ot ân icos fos se esmag ad a sob

o peso de uma infinidade de nomes" (Fontenelle,1708: 147). Na verdade, muitos achar am aquelas clas-sificações ájudas valiosas para a memória. TambémFrancis Bacon insistira poj- longo tempo sobre a neces-sidade de tais ajudas, concebidas com o parte integran -

Classificar

mos da natureza. Fazendo referência aos anos que vãodesde meados do século XVII até meádos do século1

xvn i ,  Johan Friedrich^Gmelin, na sua tradução alemãda obra de Lineu, enumera 27 sistemas de classifica-ção dos minérios construídos pelos cientistas de diver-sos países europeus. Quando fazem referência ao pas-sado das suas disciplinas, os seguidores de Lineu insis-tem de modo concorde a respeito deste ponto. O seugrande mestre conseguiu sobretudo acabar com umaépoca da confusãõ.  "A ciência da natureza - escreve um

segui4or russo de Lineu - foi pouco cultivada antesdestes últimos, cem anos [...]. No que diz respeito aostempos mais antigos confesso ter encontrado aqui eacolá algumas descrições de coisas naturais, mas elassão falhas e de tal forma que não se pode aproveitar

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sidade de tais ajudas, concebidas com o parte integrante do novo método. Aliás, o próprio Bacon, apesar decriticá-la, inspirou-se também amplamente no antigo

 pa tr im ôn io da  ars mentor ativa  ciceroniana (cf. Rossi,1983; Yates, 1972) . ,

Fontenelle não foi o único a falar de um possíveldesmoronamento da memória sob o peso dos dados. Éoportuno lembrar que, entre meados do século XVI e

meados do século XVII, a situação das-ciências da natu-reza, inclusive no que diz respeito à  quantidade  dos da- .dos, sofre uma virada radical. No tratado  Herbarum ve-rae icones,  esplendidamente ilustrado por Hans Weiditz,um aluno de Dürer, e escrito por Otto Bruníeis (1439-1534), um dos pais da botânica alemã, encontramos re-gistradas 258 espécies de plantas. As  ícones,de Bruníeisdatam de 1530. Menos de cem anos mais tarde, em1623, o naturalista suíço Gaspar Bahuin, no tratado Pi -nax theatri botànici,  registra em torno de 6.000 espécies.John Ray, como vimos, falava em 18.000 espécies.

A situação era realmente difícil e reinava não po uc a co nf us ão ,- qu e dizia re sp ei to a to do s os do mí -

3 4 6 i

q p pnada delas. Cada qual toma consciência de que a me-mória sozinha nao é suficiente para gravar um núme-ro tão grand e de objetos. E os escritores daquelas épo-cas não tinham estabelecido nenhuma terminologiacerta e não havia nenhuma ordem em que dispor osobjetos e tampouco existia algum sistema" (Linnaeus,1766: VII, 439).  :  .

O ESSENCIAL E O ACIDENTAL '

Para captar a diferença entre o tipo de classifi-cações que se relaciona com o problema da línguauniversal è as classificações que se referiam às im-

 po st açõe s ar ist otél ica s, ser ia co nv en ie nt e le mb ra r agrandiosa tentativa realizada por Andrea Cesalpino(1519-63), nas últimas décadas do século XVI, defundar uma ciência botânico-zóológica baseada nos

 pr in cípi os ar ist ot él ico s da ma té ri a e da fo rm a. No tr a-tado  De plantis libri XVI   (1583) as plantas são apre-

3 4 7

O :nascimento da ciência moderna na Europa

sentadas como dotadas de vida vegetativa, análogasàs formas animais, como cópias mais simples de or-ganismos mais complexos; a planta é um animal in-vertido com a cabeça enterrada no chão: as raízes sãoa boca por meio da qual se alimenta, o fruto é o em-

 bri ão , a lin fa é o sang ue . Além disso seri a preciso aomeno s lembrar o nom e de Conrad Gesner de Zuri-que (1516-65) cuja  Historia animatium,  em 4.500 pá-ginas  in-fólio  contém ahistágem alfabética dos nomes•latinos dos animais. Uma das maravilhosas gravuras

que ornam o texto é a célebre figura do rinocerontede Dürer.

 Não poucos his tor iad ore s e numeros íss imo sepistemólogos menosprezaram totalmente o sentido,a amplidão e a importância daquela gigantesca obra

Classificar

A busca do que é essencial segue, co mo é óbvio,uma quantidade de caminhos diferentes. Entre as 17classes em que são divididas as plantas no tratadoTheatrum botanicum  (1640) de Joh n Parkinson encon-tramos as plantas cheirosas, as venenosas, narcóticas enocivas, as.refrescantes, as quentes, as umbrelíferas,os cereais, as pantanosas, aquáticas e marinas, as ar-

 bór ias e fru tíf era s, as exó tica s e extravagante s. Tour -nefort distingue árvores, arbustos e ervas (distinçãoque seria rejeitada por Lineu) è as subdivide privile-

giando os caracteres da corola, mas utilizando tam- bé m as d iferen ças e nt re os f rut os, as folhas e a s r aízes.As distinções baseadas sobre os usos farmacêuticos ousobre o lugar em que se encontram tendem a cair emdesuso. O caminho que levaria Lineu a privilegiar os

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a amplidão e a importância daquela gigantesca obrade  tabulação  das coisas naturais à qual se dedicaram,no decorrer do século XVII, os cultores de botânica,zoólogia, mineralogia e, em geral, todos os estudiosos,das "coisas naturais".

Captar o que é essencial e menosprezar o supér-fluo. Mas onde procurar o que é essencial? e como de-tectar o supérfluo? Os ensaístas da Antigüidade e da

Renascença, nas suas obras, davam amplo èspaço àsinterpretações alegóricas, aos mitos, às lendas relati-vas a um determinado animal e a uma certa planta, ouà sua comestibilidade, aos possíveis usos, e às repre-sentações poéticas e literárias. Nas obras de botânica ede zoologia dos séculos XVII e XVIH, á assim denomi-nada parte  literária  vai ocupar o último lugar, tornan-do-se uma espécie de apêndice curioso. No tratado D equadrupedis  (1652) o médico e naturalista inglês JohnJonston (1603-75) coloca ainda o liocorno junto como elefante, mas elimina uma parte muito grande dasconsiderações   literárias  ainda presentes nos textos de

Ulisses Aldrovandi (1522-1605),

3 4 8

q p górgãos da reprodução é muito impérvio, até porque'osexo das plantas é negado pelos cientistas corno Mal- ,

 pigh i e Tourn efo rt e chegar ia a ser consi derad o umdado pacífico somente i)a primeira metade do sécúloXIX. No que diz respeito aos animais a situação pare-ce ainda mais complicada. Lineu considera Mam ífe-ros, Aves, Anfíbios e Peixes como as quatro classes de

animais com sangue v erme lho e os Insetos, e os Ver-mes como as duas classes dos animais com sangue bra nco. É verdade qu e cabe a Lineu o mérit o de terclassificado pela primeira vez o homem entre os ani-mais, mas é também verdade que ele o coloca entre osquadrúpedes junto com os macacos antropomorfos ecom o bradípode. Na opinião de Lineu, o rinoceronteé um roedor e os anfíbios abrangem crocodilos, tarta-rugas, rãs, cobras, bem como o robalo e a arraia. Sé-

 pias, polv os e pól ipos são colo cados en tr e os Vermes.

3 4 9

capítulo 15

INSTRUMENTOS E TEORIAS

AJUDAS PARA OS SENTIDOS

 Na ciê nc iac io . n osso te mp o,  ver   significa quasequé exclusivamente  interpretar sinais gerados por instru-mentos,  Com.efeito, entre a visão de um astrônomo donosso tempo que faz uso do telescópio de Hubble euma daquelas galáxias distantes que apaixonam os as-

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q g q ptrofísicos e acendem a fantasia de todos os seres hu-manos está colocada uma dúzia de-complicados apa-relhos intermediários tais como: um satélite, um siste-ma de espelhos, uma lente telescópica, um sistema fo-tográfico, um aparelho automático que digitaliza asimagens, vários computadores que governam tonta-das fotográficas e processos de automação e gravaçãodas imagens digitalizadas, um aparelho que transmite

 pa ra a te rr a tai s im ag en s em fo rm a de rád io -imp ulso s,um aparelho em terra que converte os impulsos emlinguagem para um computador, o software que re-constrói a imagem e lhe confere as cores necessárias,o vídeo, uma impressora a cores e assim por diante(Pickering, 1992; Gallino, 1995).

Um filósofo contemporâneo escreveu um lindolivro de filosofia da ciência intitulado  Rappresentare einten'enire.  Para entender o que  é  a ciência e o que aciência  faz é  necessário juntar aqueles dois termos.  Aciência tem duas atividades fundamentais: a teoria eos experimentos. As teorias procuram imaginar como

351

O nascimento da ciência moderna na Europa

o mundo é; os experimentos servem para controlar avalidade das teorias e a,tecnologia que segue daí mudao mundo. Representamos e intervimos. Representa-mos a fim de intervirmos e intervimos à luz das repre-sentações. Desde a época dá revolução científica to-mou vida uma espécie de  artefato coletivo  que dá cam- po livre a três i nte res ses húndanos fund am en ta is : a es- peculação , o cálculo e o ex pe rim en to . A colabo raçãoentre cada um destes três âmbitos traz a cada um de-les um enriquecimento que de outra forma seria im-

 pos sív el (Hacking" 1987 : 37, 295). Por isso, como en-sinou Frailas Bacon, a ciência não é estudo da natu-reza no estado bruto. Os sentidos do homem são am- pliados por m eio d e instr um en to s. Os raios da ótica de Newton, assim como as par tícu las-da física contem po -

Ins trumentos e teor ias '

nos tratados do século XIII e se tornam de uso co-mum. Como aconteceria também em Descartes e nafísica dos cartesianos (que identificám  matéria  e  exten-

 são)  na plenitude cósmica a matéria que deixa um lu-gar é imediatamente substituída por outra matériacontígua. Por meio dos textos de Diógenes Laércio, emalguns escritos de Cícero, sobretudo no tratado   De re-rum natura de Lucrécio, os filósofos do século XVII en-traram em contato com uma outra grande tradiçãoque, com relação ao vácuo, afirmava o oposto daqui-

lo que fora sustentado pelos aristotélicos. Lucrécio(cujas idéias a respeito tinham sido retomadas na eramoderna por Giordano BrunO) defendera a imagemde inumeráveis mundos dispersos ao acaso dentro deum espaço infinito. Também na tradição dos estóicos,

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rânea, não são dados tais quais existem na natureza,mas são os. "dados" de uma natureza solicitada porinstrumentos. Diante da natureza - como afirmaracóm uma das suas metáforas barrocas o Lord Chancel-ler - devemos aprender a "torcer o rabo do leão". A par tir des te po nt o de vista a his tór ia dos in st ru ment osnão é algo externo à ciência, mas é parte constitutiva

e integrante.A ligação,que se estabelece rio-século XVII en-tre as discussões sobre o barómetro e as discussões so-

 bre a exi stên cia e a na tureza do vácu o po de servir para do cu ment ar tal afi rma ção. No qu ar to livro da Fí- sica Aristóteles definira o espaço como o limite imóvelabarcado por um corpo e negara a existência da,vá-cuo. Ele argumentara mostrando a impossibilidade domovimento no vácuo considerando que se tal movi-mento fosse possível seria ou sem fim ou instantâneo.Além disso, no vácuo os corpos cairiam na mesma ve-locidade independentemente do seu peso. Expressõescomo  natura abhorret vacuum, horror vacui  aparecem

360

tal como foi exposta por Simplício, um único mundo,esférico, cheio e finito, era rodeado por um espaço va-zio tridimensional desprovido de mundos e de maté-ria (Grant, 1981).

Se despejamos um líquido em um tubo, fechan-do com um dedo uma extremidade do mesmo tubo emergulhando a outra extremidade no líquido contidoem um recipiente maior, o líquido contido no tubo não

 pode ficar acim a de um dete rmi nado nível. Quando^(em 1644) Vincenzio Viviani, com base naá instruçõesde Evangelista Torricelli, em Florença executou a   expe:

rienda da prata viva  (mercúrio), que ainda traz o nomede "experiência barométrica de Torricelli", o mercúrio

 parou na col una a 760 mil íme tros acima do níve l da baixel a. Qua l é a causa da elevação do mercú rio ? O artem peso? E além disso: qual é a natureza do espaço"vazio" que fica no tubo acima do mercúrio?

Entre 1645 e 1660 foram elaboradas várias res- pos tas . Os per ipa tét ico s negavam tant o o pes o do arcomo também a existência do vácuo. Uma quantida-

.361

O nascimento da ciência moderna na Europa

de de ar muito pequena ficara no tubo e esta se dila-tava até o limite máximo das suas possibilidadesquan do o mercúrio baixava den tro do tubo. Descartese os cartesianos aceitavam a idéia de um peso. do ar,mas rejeitavam a possibilidade da existência do vácuoafirmando que o espaço acima do mercúrio estavacheio de urna matéria sutil capaz de penetrar atravésdo vidro do tubo, Gil Personiie de Roberval, um anti-cartesiano ferrenho, aceitava o vácuo, mas negava

que o ar tivesse peso.Torricelli observara que a altura da coluna esta-va sujeita a variações e levantou a hipótese de que oaparelho pudesse servir para medir a pressão atmosfé-rica. Na idade de 24 a nos *a pós ter publicad o um en-saio sobre as cónicas e inventado a primeira máquina

Ins trumentos e teor ias

Pascal publicou um relato detalhado um mês depois eque teve uma amplíssima repercussão - tal experiên-cia foi executada com cuidado extraordinário pelo cu-nhado de Pascal Florin Périer no dia 19 de setembrode 1648, sobre o monte Puy-de-Dôme em Auvergne.Em 1647 Pascal publicara as  Expériences nouvelles tou-chant le vide (Novas experiências concernentes ao vácuo).Em 1653 veria à luz o  Traité sur l'équilibre des liquers( Tratado sobre o equilíbrio dos líquidos) de Pascal. No tex-

to de 1647 atribufïa ainda à natureza uma repugnân-cia pelo vazio. No relato de 1648 afirmava que todosos efeitos que foram atribuídos ao  horror vactii derivamna realidade da gravidade "e da pressão do ar.

Em tais discussões sobre o vácuo e a respeito daã t fé i ti i t â i d i i

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saio sobre as cónicas e inventado a primeira máquinacalculadora, Blaise Pascal vivia com a família emRouén. A fábrica de vidro em Rouen era a única capazde construir grandes instrumentos de vidro. Pascal,utilizando tubos de forma e comprimento diversos,

 provou qu e a alt ura da colun a de mercúr io ficavainalterada. Mostrou dessa forma a falsidade da tesedaqueles que sustentavam que o volume do espaço

vazio permanecia constante porque o ar que ficava notubo alcançara um grau máximo de rarefação. Ele ex- plo rou até o máxi mo as cap aci dad es técn icas da vid ra-çaria podendo assim utilizar tubos de até 14 metros decomprimento, amarrados em mastros de navios, pre enchidos com água ou vinh o tin to e mergul hado sde maneira invertida em recipientes contendo águaou vinho. Além disso projetou uma experiência que énarrada ainda hoje nos manuais de física: como se te-ria comportado a-coluna de mercúrio medida na basee ao longo de uma subida de uma montanha e final-mente no cimo? A experiência - que foi denominada

 La grande experience sur Téquilibre des liquers  da qual

3 5 4

 pres são atmosférica , tiv era m um a import ânc ia decisivatambém as experiências de Otto von Gúericke, prefeitode Magdeburgo, e de Robert Boyle. Ern 1654, Gúerickerealizou uma experiência espetacular perante a Assem-

 bléia reu nid a em Rati sbon a. Duas ban das de um a esfè- 'ra de latão com cerca 24 centímetro de diâmetro encos-tadas uma à outra, depois que o interior da esfera foraesvaziado, foram separadas juma da outra somente peloesforço conjunto de quatro cavalos de cada ládo. Paraseparar uma da outra duas bandas de esfera de tama-nho maior, em uma experiência sucessiva, foram ne-cessárias duas dúzias de cavalos. Robert Boyle, por suavez, construiu uma experiência "do vácuo dentro dovácuo" (tal experiência fora ensaiada também por Pas-cal). Tomou um aparelho semelhante ao aparelho deTorricelli, levou-o nas condições.descritas anteriormen-te, marcou o ponto a que chegava o mercúrio e mergu-lhou todo o instrumento em um recipiente do qual era

. progressivamente aspirado o ar. Por causa da diminui-ção da pressão do ar no recipiente o nível do mercúrio

descia progressivamente. Boyle não pretendia identifi-

3 5 5

O nascimento da ci ência moderna na Europa

car com o  nada  o vácuo construído nas suas experiên-cias. Nem tencionava ser rotulado como um defensordo espaço "cheio" ou do espaço "vazio". O recipienteesvaziado >é desprovido de qualquer substância corpó-rea? A respeito de perguntás deste tipo, Boyle é muitocauteloso. Pensa que se trate de questões mais metafí-sicas do que físicas que não devem achar espaço na "fi-losofia experimental" (Dijksterhuie, 1971: x611; Shapine Shaffer, 1994: 55.-56). É verdade que a natureza tinhasido libertada do  horror vacui,  mas é também verdade

que tal horror de alguma forma se apossara das mentes:"as tantas teorias do éter, que ocupariam um lugar dedestaque na física sçriam a prova eloqüente disso"(Dijksterhuis, 1971: 612). _

Os seis grandes instrumentos científicos que fo-

Instru mentos e teorias '

do que a trajetória descrita pelo planeta fosse um cír-culo perfeito. Trata -se, afirmava,, de um  erro perniciosoque lhe fez perder muito tem po, inclusive.pelo fato de.ter sido  sustentado pela autoridade de todos os filósofos. Oque queria dizer Kepler fazendo referência a esta es-

 péc ie de do gm a? Do po nt o de vis ta da tr ad ição a pe r-feição do círculo dependia do fato que cada ponto dacircunferência é ao mesrnò tempo fim e começo do

-mesmo círculo. Em linha reta a início e o fim não são pe rce pt ív eis e o mo vi me nt o em um a ret a nü nc a te r-

mina. Aristóteles reconhece apenas um  infinito em po-tência  e não um  infinito em ato.  O infinito não é realnem como realidade em si, nem como atributo deuma realidade. A infinitude não pode ser atribuída auma coisa e-nem aos seus elementos. Se falamos da

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g qram construídos no decorrer do século  XVII  (o micros-cópio, o telescópio, o termômetro, o barómetro, a bom-

 ba pn eu má ti ca , o reló gio de precisão) ap arecem liga dosde modo inseparável ao avanço do saber.

, AJUDAS PARA  o  INTELECTO >

Como dissemos no começo do-capítulo, teorias,cálculo,, experimentações caracterizam a ciência nasci-da da primeira revolução científica.  A nova matemáticaque vem consolidando-se entre a primeira metade doséculo  XVII  e o começo do XVIII  é sem dúvida o mais po de ro so in st ru me nt o teó ric o qu e te nh a sid o con str uí -do pelos seres humanos no decorrer da história.

 No ce nt ro da no va ma te má ti ca est ão os prob le-mas do infinito e do contínuo. Enquanto estava traba-lhando para calcular a distância entre Marte e o Solnos vários pontos da órbita, ICepler tomou consciência

de que o o seu erro principal foi o fato de ter acredita-

360

infinitude do tempo ou da série infinita dos númerosx ou  se afirmamos que o contínuo é divisível ao infini-

to isso significa apenas que, por exemplo, a ação dodividir ou do somar números a números pode ser re-

 pe tida ao in fini to . O ca mi nh o em di reç ão ao in fini to ,do ponto de vista de Aristóteles, consiste somente na

" infinitude do caminho (Wieland, 1993: 370).

Talvez seja oportuno esclarecer melhor por queo conceito moderno de infinito é muito diferente doconceito de um acréscimo sem fim de uma coisa a ou-tra. Depois da revolução científica'o infinito e o contí-nuo são  pensados  de modo diferente. Passa-se de umnúmero para o número seguinte em uma sucessão  dis-creta.  Ao contrário, a sucessão infinita dos pontos deuma reta é  contínua  e não tem sentido falar do pontoque é  imediatamente  sucessivo a um ponto. Entre um

 po nt o e aq ue le qu e o seg ue há semp re in fin ito s p on to sque formam um segmento contínuo infinitamente di-visível em partes elas mesmas contínuas, ainda infini-

tamente divisíveis e assim ao infinito. Passando de um

.361

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O nascimento da ciência moderna  na Europa

cionam manter-se bem distantes não só de toda filo-sofia atomista, mas também de qualquer posição filo-sófica demasiado exigente..Continuam, porém, a en-frentar "o imenso oceano dos indivisíveis", no terrenoda geometria, justamente confrontando os infinitos.Pensam as áreas como constituídas por um númeroinfinito de segmentos paralelos, os volumes como

. constituídos por um infinito número de áreas planas parale las: aquel es seg mento s e aquelas áreas são os  in-divisíveis.  É possível medir áreas e volumes comparan-

do um por um, os  indivisíveis cujàs áreas e volumes po-dem ser decompostos. Na realidade eles não afirmamde maneira explícita que as áreas são a soma de infi-nitas linhas ou os sólidos a soma de infinitas superfí-.cies. Limitam-se a afirmar que as superfícies estão en-tre si como os agregados dos segmentos e os sólidos

Ins trumentos e teor ias '

 bra se coloca (en tre o século XVII e o sécu lo XVIII) emum nível de nítida superioridade ao da geometria.

A análise infinitesimal ou cálculo infinitesimalou (na terminologia de Newton) o cálculo das fluxõesé capaz de calcular as áreas determinadas por curvas,resolver problemas das tangentes em uma curva e en-frentar o problema dos movimentos contínuos. PierreFermat (1601-65) na França, Isaac Newton (1642-1727^ na Inglaterra, Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) na Alemanha trabalharam em torno dos mes-mos problemas. Quanto à descoberta do cálculo infi-nitesimal se abriu - entre Leibniz e Newton - uma das.mais célebres controvérsias científicas que dividiu omundo dos homens cultos e que ainda hoje são obje-to de atenção por parte dos historiadores (Hall, 1982;Giusti, 1984, 1989).

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g g gcomo os agregados das suas secções.~ À tradição antiga tendia a resolver cada proble-ma aritmético ou algébrico em termos geométricos. Asraízes quadradas de números negativos, de que fize-ram uso (visando à sõlução das eqüações de terceirograu) Nicoló Tartaglia (1506-57)e Gerolámo Cardano(1501-1571), não teriam sido aceitáveis pelos antigos

enquanto entidades desprovidas de uma possível in-terpretação geométrica. Falando de Descartes, foi vistoque a "tradução" dos conceitos da geometria naquelesda álgebra se configurara como um passo de impor-tância decisiva com relação à matematização da física.A geometria analítica trata dos problemas da geome-tria em forma algébrica e as propriedades de umaequação se identificam com as propriedades de umacprva. Todas aquelas curvas, que têm a ver com a me-cânica, e que foram descuidadas pela geometria anti-ga (enquanto não explicáveis com a régua e o com- passo) se sit uam agora no cent ro do discurso . A álge -

3 6 0

 No tra tado  Principia  Newton demonstra os seusteoremas (inclusive aqueles resolvidos com o cálculo)fazendo uso do método geométrico tradicional. Nãotem a estrutura mènta l de um matemá tico puro, pen- 'sa na matemática em função da física e tem uma visãoinstrumental e "prática" do cálculo que criou. Entre-tanto, ele leu com cuidado a segunda edição latina da

Géométrie  de Descartes, estudou a álgebra de FrançoisViète (1540-1603) e as obras matemátiças de JohnWallis (1616-1703). Talvez justamente por estar des-

 pro vid o de um sólido em basamento de geo met ria clás-sica enxerga com clareza a importância e o ponto cen-tral da geometria analítica: as curvas e as equações secorrespondem e as equações exprimem a natureza dacurva {Westfall, 1989: 111). No tratado  De quadratura,curvarum  (1676) não aceita o método de Cavallieri econsidera as grandezas matemáticas não como consti-tuídas de pequenas partes à vontade, mas como gera-das por um mov iment o con tínuo. As linhas, são descri-

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O nascimento da ciência moderna na Europa

 pode haver na na tureza dois seres pe rf ei tament eiguais, isto é, constituídos de tal modo que se torna"impossível descobrir neles alguma diferença internaou. fundada sobre uma denominação intrínseca. Sedois objetos têm todas as características em comumsão o mesmo objeto. Se são distintos devem apresen-tar diferenças, embora imperceptíveis ou infinitesi-mais. Àquela variações infinitesimais quç a álgebranão pode exprimir, podem ao contrário ser expressas pel o cálculo inf ini tes ima l. Tal cálculo necessi ta de um

simbolismo especial para os integrais (as áreas) bemcomo para os diferenciais (as variações infinitesimais).Leibniz formula, além disso, as regras que permitemoperar com quantidades infinitesimais.

Leibniz não aceita o atomismo e mantém dis-tância dos indivisíveis de Cavalieri. Ele. pensa nos infi-

Ins trumentos e teor ias

Os matemáticos do meú tempo, escreveu muito anosdepois, em uma nota-na  Siris  (1744), apesar da suas

 prete nsõ es de evi dên cia "ab raç am no ções obscu ras eopiniões incertas e quebram a cabeça a esse respeito,contradizendo-se um ao outro e disputando como fa-zem todos os homens" (Berkeley, 1996: 650). O suces-so do cálculo, ele acrescenta, não prova absolutamen-te nada: a Correção dos resultados depende simples-mente do fato que erros por defeito e erros por exces-so se compensam reciprocamente. Tanto na versão

newtoniana como também naquelá leibniziana o cál-culo introduzia grandezas que, conforme os casos, sãodiferentes de zero e iguais a zero. A respeito desta"fraqueza" Berkeley insistia com uma certa eficácia(Giusti, 1990: XLII). •

Nos seu s de sen vo lvime nto s g ran dio sos ao lon go

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pnitesimais como em ficções bem fundadas. Ficções por-que os infinitesimais não têm correspondência emuma realidade feita de partículas,  bem fundadas porque

 jus tifi cad as nã o ap en as no nív el da coe rência do cál-culo e das numerosas correspondências entre a antigae a nova geometria, mas tamb'ém no nível de umametafísica que vê no mundo uma hierarquia contínuade infinitos.

A respeito desse» modo de pensar não faltaram%as incompreensões, nem as polêmicas e as críticas. En-tre as críticas é preciso lembrar pelo menos a tomadade posição de George Berkeley (1685-1753). No pará-grafo 130 do célebre Treatise Concernine the Principies of Human Knowledge  (1710) Berkeley ressalta a existên-cia, entre os geônjetras do seu tempo, de uma série de"noções estranhas"; não somente as linhas finitas po-dem ser subdivididas em um número infinito de par-tes, mas cada um desses infinitesimais seria tambémele divisível ao infinito, e assim por diante ao infinito.

3 6 4

 Nos seu s de sen vo lvime nto s g ran dio sos ao lon godo século XVIII o  cálailo  se revelou um instrumento-extraordinariamente poderoso. Abriu sendas novas,não somente no estudo da dinâmica, mas também na-quele da eletricidade, do calor, da luz e do som. Fazen-do uso do cálculo infinitesimal a ciência dos séculosXVIII e XIX conseguiu resolver ou encaminhar para a

solução uma quantidade quase sem fim de problemasem diversos domínios de pesquisa. Com o mesmo pro-cedimento matemático empregado para calcular a ra-

 pidez de variação da dist ânc ia comp ara da no temp o deum instante  é possível calcular a  rapidez de variação deuma variável a respeito de outra  por meio de um deter-minado valor da segunda. Um procedimento destetipo faria o seu ingresso não somente na física, mastambém na economia e na genética. "K fim de trataro conceito de velocidade instantânea/ o matemáticoidealizou espaço e tempo de modo a poder falar dealgo que existe em um instante do tempo e em um

 po nt o qu al qu er do espaço. Ele ob tém desse mo do a

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O nascimento da ci ência moderna na Europa

ratione et corruptione,  e os Parva naturalia). Tanto a par-te teóricá como também a parte prática da medicinaeram estudadas ao mesmo tempo, no triénio sucessi-vo, com base nos textos de Hipócrates, Galeno e Avi-cena. O ensino das artes podia também incluir mate-mática, matérias humanísticas e filosofia moral. Ana-tomia e cirurgia tendiam a configurar-se como disci- plinas au tô no ma s, ocorr endo o mesm o com a botâni -ca. No decorrer do século XVI a botânica chegou a tor-nar-se totalmente autônoma (Schmitt, 1979, 47-51).

 No curri culum unive rsi tár io o ensin o da ma te -mática ocupava ym lugar secundário. Na segunda me-tade do século XVI, a universidade de Bologna tinhaem média 22 professores de medicina. Em 1950, haviaem Pisa nove docentes de medicina. Em 1592, havia11 docentes em Pádua. Calcuiou-se que para cada dú-i d édi i i i id d

Classificar

Bacon e René Descartes. Principalmente na Inglaterraa crítica de Bacon teria desenvolvimentos significati-vos. Os expoentes dó movimento puritano atacaramcom violência tanto a insuficiência dos conteúdos' doensino como também o atraso dos métodos de trans-missão do saber. A tentativa de introduzir nas Univer-sidades novas ciências visava não somente a favoreceras aplicações práticas e as "pesquisas", mas também

 para amp lia r o âmb ito dos des tinatá rios dâ instr ução .Entre a deflagração da guerra civil, em Í642, e a acei-tação por parte de Cromwell do encargo de «Protetor"(1654), saem uma série de escritos (de John Milton,John Hall, John Dury) que voltám a propor com forçaO tema do ensino nas universidades. Também ThomasHobbes, na obra  Leviathan  (1650) afirmara que nasuniversidades a filosofia se identificava com o aristote-.li i t i ã l d id ã

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zia de médicos ensinasse, nas maiores universidades,apenas um matemático. Além disso, nos currículos doséculo XVI o termo "matemático" abrangia umà sériede disciplinas que abrangiam astrologia, astronomia,ótica, mecânica e geografia. Ao redor das cadeiras dematemática por conseguinte foi se agrupand o um cer-to número de disciplinas científicas. O termo costfiogra-

 phia,  que tem sucesso em Ferrara em meados do sécu-lo XVI, abrangia geografia e astronomia ptolemaicas.Muitos estudos (Schmitt, 1979: 62) documentaram asnumerosas "incursões" realizadas por matemáticos nodomínio da filosofia e das ciências naturais.

A presença de ensinos teológicos foi aumentan-do fortemente depois do Concílio de Trento. Antes de1550 Bolognà tinha somente uma cátedra de teologia.Em 1580 as cadeiras eram três, em 1600 seis, em 1650nove (Dallari, 1888-1924;Schmitt, 1979: 78).

Já falamos a respeito da posição fortemente crí-tica com. relação à^ universidades tomada por Francis

3 6 8

i

lisino, a geometria não era levada em consideração, afísica oferecia somente palavrórios e não explicações.

Enquanto isso, nos Países Baixos a longa luta pel a independ ênci a, a es tru tura decen tra lizada do go-verno, bem como a fama internacional de país tole-rante e liberal acabaram criando uma situação muitodiferente. A poptílação era uma mistura extraordiná-ria de nacionalida des. Gu ilherme d'O range viu nacriação de um sistema de instrução superior um dosmeios necessários para a realização da unidade nacio-nal e a sua política foi retomada pelos Estados Gerais.Em 1575 foi fundada a universidade de Leida, em1614 aquela de Groninguen, em 1636 aquela deUtrecht. A situação financeira era boa. Com altos sa-lários foram atraídos numerosos professores estran-'geiros: durante todo o século XVII em Groningen en-sinaram 34 estrangeiros em um total de 52 professo-res. Muitos estudantes também vinham do estrangei-ro: entre 1575 e 1835 estudaram medicina em Leida

346 368

O nascimento da ciencia moderna na Europa

4,300 estu dantes de língua inglesa. O ensino da filoso-fia cartesiana foi proibido em 1656, mas com certezanão dominavam impostações tradicionalistas, como é .mostrado pela rápida penetração das teses anti-aristo-télicas de Pedro Ramo (1515-72).-

Todavia, também nos Países Baixos, como emtodo o resto da Europa, as universidades não eram ocentro da ciência. ChristiaanHuygens (1629-95) estu-dara na universidade, mas rompeu com a tradiçãoacadêmica. Antony van Leeuwenhoeck (1632-1723)

era um comerciante de tecidos. Isaac Béeckman con-tinuou durante muito tempo a atividade do pai queera um comerciante de velas. Nas universidades ho-landesas não se aprendia nenhuma daquelas ativida-des pelas quais os Holandeses eram famosos e celebra-dos no mundo: fabricar máquinas e instrumentos de

Academias

ACADEMIAS . (/

O projeto de um instituo de pesquisa é umaidéia científica mais do qüe humanística e .literária. Tal

 pr oj et o i mpl ica qu e a fina li da de da in st ituição seja n ão pr op ri am en te a di fu sã o do sab er, ma s sim o seu pr o-gresso e que tal progresso seja realizável mediante otrabalho de um grupo ou de uma  equipe  sob a orienta-ção de um diretor. O instituo de pesquisa é um fenô-meno do século XIX, muito embora se possa encon-trar, obviamente, como se Costumava dizer no passa-

do, "iniciativas precedentes" como, por exemplo, oobservatório fundado por Tycho Brahe (1546-1601)em Uranibórg em 1576 ou o Observatório de Paris di-rigido por Gian Domênico Cassini (1625-1712).

As academias que começaram a funcionar noséculo XVII inclusive as maiores não eram instituto

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 preci são , co ns tr ui r navios, dr en ar te rr en os , ab rir ca-nais, construir diques (Hackmann, 1979: 109-13).

Aquele grande período da civilização européiaque foi o Humanismo não teve, sobre as instituiçõesuniversitárias, os mesmos eleitos revolucionários quetivera, na sua época, o assim chamado "renascimentodo século XII". Na realidade, parece totalmente aceitá-vel o juízo formulado por Westfàll: "Em 1600 as uni-versidades reuniam no próprio interior grupos de in-telectuais de grande cultura levados tnão tanto a sau-dar o comparecimento da ciência moderna, quanto àconsiderá-la uma ameaça quer para a verdadeira filo-sofia quer para a religião revelada" (Westfàll, 1984:132). Seria a revolução científica a dar vida a verda-deiras e próprias alternativas à cultura universitária, acriar   lugares diferentes  de construção e de transmissãodo saber (Arnaldi, 1974: 14).

3 7 0

século XVII, inclusive as maiores, não eram institutode pesquisa no sentido moderno do termo. Não se co-lpcavam como finalidade a transmissão do saber. Eramlugares onde era m trocadas informações, djscutidas hi-

 pó tes es, ana lis ada s e rea liz ada s ex per iên cia s em con - ju nt o , so br et ud o emi tid as ava lia çõe s e juízo s sob re ex- pe ri me nt os e rel ato s ap re sent ad os pel os sóçios e po r

indivíduos externos ao grupo. É preciso também seresguardar de projetar sobre todas as Academias, prin-cipalmente a respeito daquelas do século XVI e do iní-cio do século XVn, as características das Academiascientíficas que surgiram mais tarde (e são mais familia-res). Todavia não seria conveniente esquecer por issoum dado importante: o caráter de  renúncia ao trabalho

 solitário  que em todo o caso caracteriza o fato^de ho-mens cultos se constituírem em grupo.

- Com o term o  Academih,  escrevia Girolamo Tira- bo sch i no fina l do séc ulo XVIII, "e nt en do aq ue la so-ciedade de homens eruditos, ligados entre si median-

3 7 1

O nascimento da ciêticia moderna na Europa

te certas leis a que eles próprios se submetem, os quaisreunindo-se" junt os se põem a discutir sobre algumaquestão erudita; oU produzem e submetem à censurados seus colegas algum ensaio do seu engenho e dosseus estudos". Reuniões, elaboração de regras de com-

 po rt am en to , crít ica do s pr od ut os alh eio s são trê s ele -mentos que devem ser destacados. Na raiz das Acade-mias está uma questão de trabalho coletivo, que^de-semboca na construção de um  sujeito coletivo,  encon-

. tra-se sobretudo a exigência de submeter os produtosdo engenho à crítica dos outros e a um controle públi-co. A própria instituição cria as suas próprias regras:"estrutura-se como uma microssociedade mimètica dasociedade real". Ela aprova os seus membros median-te uma espécie de "rito de passagem" que com fre-qüência atribui aos membros um novo nome, estabe-lecendo se como um "território neutro" com as suas

Academias

rum Naturae,  criada em Nápoles por Giambattista Del-la Porta (falecido em 1615), mas a Academia dos Lin-cei que teve origem em 1603 da associação do mar-quês Federico Cesi (nâ época com 18 anos de idade) ede três seus jovens amigos entre os quais, em posição

 pr ee mi ne nt e, , o mé di co h ol an d ês Jo h an n es va nHeeck. As primeiras obrigações assumidas pelos sociosconsistiam no compromisso de estudar juntos e minis-trar lições entre si. A hostilidade dos familiares de Cesiforçou os amigos a separar-se, mas a Academia reto-,mou vida em 1609. Em 1610 começou a participar

dela Giambattista Della Porta (1535-1615), e em 1611Galileu dalilei.

A presença de dois personagens tão diferentes,defensores de concepções do mundo inconciliáveisentre elas, foi considerada por alguns estudiosos osímbolo de umà ausência de programas bem defini-

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lecendo-se como um território neutro , com as suas próp rias reg ras , no in te ri or de u ma mai s ampl a, tu r- bu le nt a e ag it ada so cie dade (Q uo nd am , 19 81 : 22 -2 3) .

.O próprio nome que muitas Academias escolhem par a si de um lad o dá exp res são ao mé to do da pesqu isae às finalidades que são perseguidos (Lincei, Investigan-ti, Cimento, Traccia, Spioni, Illuminati etc.), de outro

lado em alguns casos faz referência à separação entre aAcademia e a sociedade revelando inclusive o clima de

 per seg uiç ão-op osição qu e caracteri za algu mas situaçõesculturais (Incogniti, Secreti, Animosi, Affidati ¿te.)(Quondam, 1991: 43; Ben David, 1975: 108).

PRIMEIRAS ACADEMIAS

A primeira organização que se pode definircomo sociedade científica (apesar de todas as limita-ções que veremos a seguir) não é a  Academia Secreto-

373 '373

símbolo de umà ausência de programas bem definidos. Mas o clima de mistério, as orientações iniciáis"paracelsianas" não são suficientes para tirar o senti doaos intentos de Cesi de "ler este grande, verdadeiro euniversal livro do mundo" à fim de «'conhecer as coi-sas como são" e "experimentar a fim de modificá-las evariá-las". Conforme os projetos de Cesi um estatuto

detalhado, o  Linceografo, deyeria regular, de forma ex-tremamente detalhada, a admissão à Academia e avida dos acadêmicos. Aquele texto jamais foi editadoe encontrou escassa aplicação prática. Todavia, foisempre seguida a regra que proibia a um Linceu a per-tença simultânea a uma ordeni religiosa.

As academias, como foi assinalado, são micros-sociedades que operam dentro de uma sociedademais ampla e articulada. Portanto, assim como todasas Academias científicas, os Lincei visavam a afirmar(em um âmbito limitado) os direitos de um saber au-tônomo, sustentando por conseguinte-a não confli-

O nascimento da ciência moderila na Europa

tual idad é entre "a ciência e a fè, bem como e ntre aciência e a sociedade. Ps Lincej "em virtude da pró- pri a const itu içã o pa rti cular de te rm in am ba ni r do sseus estudos toda controvérsia exceto natural e mate-mática, bem como afastar as questões políticas còmo poií co ag rad ávei s, e co m razão, ao s su pe rio res"(Olmi, ,1981: 193). As referências às matemáticas e àsexperiências naturais, a polêmica contra as universi-dades, o desejo de diferenciar-se nitidamente dasAcademias  literárias, a valorização dos artesãos (con-

trapostos aos "mestres catedráticos e magniloqüen-• tes"), a forte insistência sobre o caráter "público" do

saber são todos elementos que caracterizam clara-mente em sentido "científico" a atividade dos Lincei,o momento da projetualidade foi muito mais intensodo que aquele das execuções efetivas. Nas palavras de

Academiasv ~ -

Quando Leopoldo foi nomeado cardeal, em1667, as reuniões terminaram, também por causa dosdesentendimentos entre os acadêmicos. Justamenteenquanto produto da vida de corte, o Cimento nãoteve a estrutura e nem os caracteres de uma institui-ção científica moderhà. Faltava qualquer estatuto equalquer empenho que se referisse tanto aos mem-

 bros qu an to ao príncipe . As .re un iões er am infor maise não se realizavam em uma sede fixa. Não existiamnem um balanço e nem um caixa. Os mecenas e pro-tetores entenderam à atividade da Academia em fun-ção decididamente celebrativa (Galluzzi, 1981: 790-95). Â política' cultural de Leopoldo visava certamen-te a sustentar e difundir as novas idéias científicas dasquais Galilei fora o expoente principal e batalhador.Mas o rígido experimentalismo adotado pelos acadê-micos tendia excluir conclusões de caráter teórico Se

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Cesi, o filósofo linceu "não irá restringir-se aos escri-tos ou às sentenças deste ou daquele mestre, mas noexercício universal de contemplação e prática procu-rará qualquer conhecimento que possa nos chegar pel a nos sa pró pri a cri ati vid ade ou pel a co mu nic açãode outras pessoas" (Altieri Biagi, 1969: 72).

A Academia do Cimento, que foi justamentedefinida como um típico produto da vida de corte(Hall, 1973: 119), teve uma vida breve: dé 1657 até1667. O grupo de professores universitários, pesquisa-dores e artesãos que a constituíram não se formou porassociação espontânea, mas foi reunido pelo príncipeLeopoldo de', Medici, grande admirador de Galilei e ir-mão do Grão-Duque de Toscana Ferdinando H. Leo- po ldo par tici pav a das sessõ es da Academ ia da qua í,etttre outros, foram membros Vincenzo Viviani (1622-1703), Francesco Redi (1626-98), Nicolò Stenone(1638-86), Alfonso Borelli (1608-79), Lorenzo Maga-lotti (1637-1712) e o aristotélico Ferdinando Marsili.

3 7 4

micos tendia excluir conclusões de caráter teórico. Seno livro Saggi di naturali esperienze  (o volume foi edita-do somente em 1667 e traduzido para o. inglês em.1684) ocorresse de encontrar "especulações" de cará-ter teórico "isso deve ser considerado sempre comoconceito ou sentido particular de acadêmicos; mas ja-mais da Academia, na qual a única regra é aquela de

experimentar e de narrar" (Altieri Biagi, 1969: 626).Esta espécie de voluntária limitação "experimentalis-ta" associa a Academia do Cimento com mui/as outrasAcademias. No caso específico ela está ligada à situa;ção particular presente na Itália depois da condenaçãode Galilei. Todavia, esta Academia do Cimento foi uminstrumento eficaz de apologia e de propaganda dogaMeismo (Galluzzi, 1981: 802-803).

Uma orientação bem diferente se revela, na Aca-'demia dos-Investiganti de Nápoles (1663-70), Na opi-nião de Tommaso Cornelio (1614-84), Leonardo deCápua (1617-1695) e Francesco d'Andrea (1624-98) a

3 7 5

O nascimento da ciêticia moderna na Europa

reforma da filosofia e da ciência não pareceu separávelda renovação das atividadesiprofissionais e da vida ci-vil. As tradições galileanas e cartesianas tendiam aúnir-se, na perspectiva dos inovadores napolitanos,,cpm a tradição que se inspirava em Telésio e no natu-ralismo da Renascença (Torrini, 1981: 847, 855, 876).

A tese historiográfica de uma continuidade di-reta entre os Lincei, o Cimento, os Investiganti e asgrandes Academias européias hoje não parece, maissustentável (Galluzzi, 1981: 762). A profunda diversi-

dade das situações políticas e religiosas, bem como aexistência de diferentes tradições filosóficas e de ima-gens da ciências discordantes (por vezes até divergen-tes) deram lugar a um enred o complicado (que nos di-versos países se configurou de várias formas) entre oassociar -se espontâneo dos cientistas e o interesse dasautoridades políticas por esta sua atividade

Academias

de 1654, começou a reunir na súa casa numerosos eilustres personagens.  1  -  (

Caracteres muito especiais apresentam tambémas 345 "conferências" públicas que se realizaram emParis, toda segunda-feira à tarde, entre 1633 e 1642,

 ju nt o a o B ureau d'Adress e f un da do em to rno d e 1630 por Thé òph ras te Ren aud ot, um méd ico de Loudu n.Junto ao Bureau, nascido como organização comer-cial e como sede de atendimentos médicos, agrupava-

. se um público composto de modo predominante porcuriosos è amadores, advogados, médicos e  beaux es-

 prits. As discussões (das quais ficou um relato preciso)aconteciam de modo totalmente informais, atingindotodos os aspectos da cultura e do costume e eram mui-to animadas. Nos debates de assunto filosófico, médi-co, matemático, astronômico e físico domina quasesempre a tendência para o compromisso entre o novo

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autoridades políticas por esta sua atividade.

PARIS

O mecenatismo esteve presente também naFrança, mas lugares reais ou "ideais." para encontros

entre cientistas se formaram também de modo espon-tâneo, como no caso da complexa rede de correspon-dência e de relações (abrangia em torno de 40 cien-tistas) mantida por Marin Mersenne (1588-1648) emuma época, é bom nos lembrarmos disso, que prece-de a circulação de jornais, periódicos e na qual o in-tercâmbio de cartas é o cariakprivilegiado pára qual-quer intercâmbio intelectual. Entre 1615 e 1662 oCabinet des frères Dupuy fei um centro de debatescientíficos. Bem mais significativa a atividade que sedesenvolveu junto da Academia de Montmor, funda-da por Habert de Montmor (1634-79) e que, a partir

373

e o antigo. Mas o crescimento do saber - na Verdadeera esta a convicção dos organizadores aos quais nãofaltou sequer o apoio do cardeal Richelieu - pressupõeuma discussão livre dentro da qual a verdade deve sersubmetida à crítica e pode tranqüilamente, em facedas críticas, ser modificada e abandonada. As teorias

não devem ser consideradas "entidades invencíveis",como, ao contrário, na opinião de muit os -sócios,acontecia nas universidades (Bofselli, Poli, Rossi,1983: 13, 32-36).

Em 1663 Samuel Sorbière se dirigiu à Jean-Bap-tiste Colbert (1619-83), ministro da economia e das fi-nanças de Luiz XIV, pedindo que o Estado contribuísse

 par a um a conso lidaç ão e par a um a tra nsf orm açã o dogrupo de Montmor. A fundação da Académie Royale desSciences  ocorreu em 1666. E um  mémorandum  escrito

 pelo min ist ro Colbert , Chri stiaa n Huygens (que e ra umdos membros estrangeiros) prospectava experimentos

'192

O nascimento da ciência moderna na Europa

sobre o vácuo, a pólvora, a força dos ventos è a forçada percussão. A "ocupação principal e mais útil do gru-

 po " achava qu e era aq ue la de "t rab alh ar na his tór ianatural conforme o plano traçado por Bacon". Aquelagrande história "composta de experiências e de obser-vações é o único método para alcançar ó conhecimen-to das causas de tudo aquilo que é possível perceber nanatureza". É necessário, concluía, "começar com os as-suntos considerados mais úteis, entregando ao mesmotempo muitos desses temas a vários membros que

apresentarão um relato dos mesmos toda semana; des-se modo tudo poderá proceder de modo ordenado eserá possível obter resultados de grande importância";(Bertrand, 1869: 8-10).

Com a Académie nascera um "lugar para a pes-quisa" diretamente financiado pelo Estado. Os primei-

dê i bi lá i i á d

Academias

82) ou ó cálculo da distância entre a Terrá e o Sol exe-cutado  por Jean  Richer   (16 30-96). Mas, sobretudo de-

 poi s da mo rt e de Col ber t, em 16 83, ti ve ra m pr ed om í-nio notável finalidades práticas, nem sempre especial-mente elevadas: como a manutenção e o aperfeiçoa-mento dos grandes chafarizes dos jardins reais. LuizXIV, de sua parte, considerava a Academia como umembelezamento para a sua coroa e chamava os acadê-micos mes fous  (os meus palhaços). Depois dà revoga-ção do Edito.de Nantes; em 1695, a Academia perdeutambém os seus membros estrangeiros de maior pres-tigio, como Huygens e Róemer.

Como ressaltou Robert fíahn,  "o  espírito da pe sq ui sa pa ra a co mp re en sã o racio na l da na tu re za "não coincidia com as exigências presentes na socieda-de francesa do  Anden Régime.  Muitos membros daAcademia eram convidados a desenvolver fundões de

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ros acadêmicos recebiam um salário que variavá de6 000  liras (francesas) anuais pagas a  Gian DomênicoCassini a 1.50 0/2.000 liras que recebiam os franceses.Considerando a lentidão nas passagens de uma paraoutra classe não era uma boa sistemática econômica.O número dos acadêmicos que, como dissemos, ini-

cialmente era 16, aumentou para 50 aí pelo fim do sé-culo XVII. Em 1699 aumentaram para 7.0 e naqueleano foi estabelecida uma distribuição fortemente hie-rárquica dos encargos que permaneceu inalterada atéa revolução.

O ministro Colbert perseguia, como é notório,objetivos muito precisos: a ampliação e expansão pla-nejadas da indústria, do comércio, da navegação e da

v técnica militar. Mas era um político de grande visão edeixou aos acadêmicos uma autonomia realmente no-tável. A Academia efetuaria empreendimentos rele-vantes de um ponto de vista científico, como p cálcu-lo do Mo terrestre efetuado por Jean Picard (1620-

193 '373

\

Academia eram convidados a desenvolver fundões deconsultores governativos, outros eram impelidos pelasnecessidades econômicas a aceitar o-papel de docen-tes, peritos, administradores. A "profissão de cientista"não pareceu, nestas bases, algo de autônomo e deaceitável e o acadêmico do século  XVin  "foi submeti-do a forças centrífugas que o lançavam para outras di-

reções" (Hahn, 1971: 163).

LONDRES

Londres tem ¿ima precedência cronológica comrelação a Paris porque o nome da Royai Society foiusado pela primeira vez em 1661 e em 15 de julho de1662 a Sociedade foi constituída e aprovada oficial-men te pelo Rçi Carlos H. Com um a única exceção, en-traram a fazer parte da Sociedade os membros do gru-

 po qu e se reun ia , a pa rt ir de  1645,  junto ao Gresham

O nascimento da ciêticia moderna na Europa

\ -  -

College que foi funda do em 1597 próximo à residên-cia de um rico comerciante. Nas memórias do mate-mático Joh n Wallis (1616-170 3), escritas quase trinta .anos mais tarde, as reuniões da Sociedade se realiza-vam semanalmente em Londres; os sócios pagavarfido próprio bolso uma cota para as despesas relativas •aos experimentos; "prescindindo de questões de teo-logia e de política [...] eles debatiam assuntos taiscomo a circulação do sangue, a hipótese copernicana,os satélites de Júpiter, o peso do ar, a possibilidade ouimpossibilidade do vácuo, a experiência de Torricellicom o mercúrio" (Johnson, 1971; 350).

A riova Sociedade era um resultado muitoeclético. Confluíam nela não só a tradição matemáticae ástronômica, mas também a tradição médico-quími-ca e aquelá "tecnológica". Além disso, Robert Boyle,que era um dos membros mais gabaritado da nova

Academias

 profiss ional da hist óri a") , era m mu ito escas sos. A ta-refa assumida inicialmente pela Sociedade foi uma ati-vidade tipicamente baconiana: a compilação de "his-tórias": da mecânica, da astronomia, das profissões, daagricultura, da navegação, da fabricação de tecidos, datinturaria etc. A ambição para o desenvolvimento deverdadeiras e próprias pesquisas coletivas foi logoabandonada mas, ao contrário do que acontecia emmuitos outros grupos do mesmo gênero, "quando eralido um trabalho ou discutida uma idéia, raramente oassunto era abandonado sem que se executasse algu-

ma èxperiência realizada perante a assembléia reuni-'da" (Hall, 1973: 129). Alem disso,_ grande parte da li-teratura científica recente passava pelo crivo da Socie-dade e as experiências nela descritas eram repetidas.Hooke e Boyle eram particularmente ativos e o secre-tário Henry Oldenburg (16157-77), alemão de nas-

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que era um dos membros mais gabaritado da novainstituição, ficara fortemente interessado (como corts-ta de suas cartas de 1646-47) pelo projeto de um ln-visible College. Este último pr ojeto estava ligado à ati-

vidade desenvolvida na Inglaterra (a partir de 1628) por Samue l Hart lib, de origem ale mã, qu e foi urn dosdivulgadores da "pansofia" de Comênio (Johannes

Amos Komenski, 1592-1670). Na opinião de algunsestudiosos, partindo desta perspectiva Boyle constitui-ria uma espécie de ligação entre a tradição herméticae "ütopista", vigorosa na Alemanha, e a nova ciênciaexperimental (Rattansi, em Mathias, 1972: 1-32);

De "real" a Sociedade só tinha o nome, pois nãorecebia subvençõ es de espécia alguma da coroa. Sus-tentava-se pelas contribuições espontâneas dos seusmembros que por esta razão seriam logo muito nume-rosos. Os salários do secretário e do organizador dasexperiências, que era Robert Hooke (que por este mo-tivo foi classificado como sendo "o primeiro cientista

373

cença que se estabelecera na Inglaterra em 1653, esta-va no centro de uma rede muito ampla de contatos

 pessoai s e epi sto lare s.Ao contrário da Açadémie des Sciences, a Royai

Society era totalmente independente do Estado: goza-va do privilégio de poder usar o serviço postal diplo- -v

mático para os seus intercâmbios com o estrangeiro,tendo somente o compromisso da condução do Obser-vatório Real de Greenwich (fundado em 1675). Elacriara para si um instrumento "apto para estabelecerum intercâmbio intelectual constante entre todos os

 paí ses civili zados" e a Soc iedade visava a configur ar- secomo "o banco universal e o porto livre do mundo".

 Nela, acrescen tav a T homas Sprat em 1667, "fo ram ad-mitidos homens de diferente religião, nacionalidade e profiss ão. Eles decla rar am nã o pret en de r-f un da r um afilosofia inglesa, escocesa, católica ou protesta nte, másuma filosofia do gênero humano" (Sprat, 1966: 63).

'373

O nascimento Ha ciência moderna na Europa

BERLIM ^

Com relação aos países de língu a alemã não se po de ce rt am en te fal ar de lu ga r d e pes qu isa cientí fic a arespejto da  t Leopoldinisch-Carolonische DeutscheAkademie der Naturforscher (Academia Alemã Leo-

 po ld in o- Ca ro li na de Ciências Nat urai s) qu e foi fu nd a-da em 1652 em Schweienfurt por quatro médicos como nome (que se referia àquele usado por Della Portano século xVl) de  Academia Naturae Curiosorum  (Kraft,

1981: 448). No final do século XVII a Alemanha eraum mosaico de Estados, alguns católicos, outros lute-ranos, de dimensões muito diversas: desde a Prússia-Brandeburgo até os Ducados, cidades e povoados au-tônomos. As universidades tinham sido reorganizadasconforme o modelo elaborado por um grande ex-p oe nt e da Re fo rm a, Ph il ip p Sc ha rzer d ch am ad o

Academias

uma Academia hou vesse aq uela d e const ruir • umagrande enciclopédia do saber (Hammerstein, 1981:

• 413-18). As realizações efetivas não corresponderamde modo algum aos sonhos iniciais e Leibniz ligou oseu projeto de uma Academia àqueles objetivos queBacon não considerava os mais nobres: a exaltação deuma nação no confronto com todas as outras (IJall,1976: 191). Mediante a criação de uma Academia,Leibniz visava a um incremente da nação e da línguaalemãs, bem como um aprofundamento das ciências,

a expansão da' indústria e do comércio, á propagaçãodo Cristianismo Universal por meio da ciência.

A  Societas Regia Scientiarúm  foi instituída, com ba se no pr oj et o lei bn izi ano , em 11 de ju lh o de 170 0 efoi patrocinada pelo Eleitor (em seguida Rei) de Bran-deburgo-Prússia, Frederico I. A Academia foi definiti-

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 p oe nt e da Re fo rm a, Ph il ip p Sc ha rzer d ch am ad oMelantone (1497-1560): uma faculdade de Artes e Fi-losofia por onde era preciso passar para inscrever-senas faculdades de Diréito, Teologia ou Medicina. Ape-sar da pobreza generalizada e as muitas guerras, a Ale-manha era um país instruído. Já na primeira décadado século XVIII, na Prússia, a educação era obrigatória

 pa ra to das as cri anç as (Fa rrar , 19 79: 21 4- 17 ).Também o grande filósofo, matemático e histo-

riador Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) tinha arespeítp das universidades uma consideração muito,escassa. De fato, con siderava tais instituições antiqua-das, alienadas do mundo, na época quase que total-mente esclerozadas. Em seus projetos de uma grandeAcademia, Leibiniz se preocupava com o difícil pro- bl ema de um a co be rt ur a fina nc ei ra . Ref eri a-s e ao mo -delo francês, mas excluía qualquer controle do Esta-do, teorizando a necessidade de uma ampla autono-mia. Pensava ao mesmo tempo que entre as tarefas de

3 8 2

vamente reconhecida em 19 de janeiro de 1711. Foireorganizada por Frederico II que, por sugestão deVoltaire, cha mou a, dirigi-la (em 1746) Pierre-Lou isMoreau de Maupertuis (1698-1759) fazendo que as-sumisse o nome de Königliche Preussische. Akademieder Wissenschaften ^Academia Real Prussiana das

Ciências). A presidência de Maupert uis marcou o apo-geu da influência francesa sobre a cultura alemã: ofrancês era a língua oficial da Academia e, até 1830, as

 Abhandlungen  conservariam o título de  Mémoires.  AAcademia  de   Berlim dispunha de um teatro anatômi-co, de Um jardim botânico, de coleções de história na-tural e de coleções de instrumentos.

3 8 3

O nascimento da ciêticia moderna na Europa

BOLONHA

Muitas das Sociedades científicas que surgiramna Europa revelam duas características fundamentais:1) a partia de grupos que têm interesses mais amplos .-vão . se consolidando organizações especificamentecientíficas; 2) no interior de tais organizações os "ex-

 pe ri ment al is ta s" ad qu ir em um a po siç ão pr ed om in an -• te. No último quarto do século, em parre pela influên-cia exercida pela filosofia cartesiana e pelo neo-càrte-sianismo matemático e experimental, (representado

 po r Hu yg en s, Lei bni z e Ma lè br an ch e) , na s So cie dad escientíficas aparecem tendências pa ra a profissionaliza-ção: aquelas Sociedades funcionam como centros de ,discussão mais de  resultados  do que de  idéias  (Hall,1973: 117-37).

Justamente nesta direção parecem se mover as

Academias

tentou em vão uma reforma da universidade publi-cando, em 1709, um relato que denominou  Parallelodell'Università di Bologna con le altre di là dei monti. '

"JORNAIS", -

Com certeza não é possível sequer tentar enu-merar os numerosíssimos jornais, gazetas, revistas, co-leções e publicações periódicas em que encontrou ex-

 pr es sã o o im pr essi on an te acervo de tr ab al ho qu e se

desenvolvia nas Academias e nas Sociedades científi-cas européias. Todavia, seria oportuno abrir uma ex-ceção para três casos. Em Ì665 Henry Oldenburg fun-dou.a primeira revista européia de caráter estritamen-te científico, denominada "Philosofical Transactions",um tipo de intercâmbios culturais que ostentavam oimprimatur da Royai Society e servindo se do seu sis

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Constituições do Instituto das Ciências erigido em Bo-lonha. No Instituto não se devia ministrar aulas ou

 pr of er ir   discursos  científicos/ pois todas as atividadesdeviam versar principalmente sobre a prática das in-vestigações, experimentos e outras coisas de naturezasemelhante" (Tega, 1986: 19). A Academia das ciên-

cias de Bolonha, na situação italiana, representa umanovidade. Em Bolonha desenvolveram as suas ativi-dades (entre 1626 e 1647) Bonaventura Cavalieri e(entre 1666 e 1691) Marcelo Malpighi. Em 1655 foi

 pu bl icad a a pr im ei ra ed içã o da s  Opere  de Galilei (que, po r cau sa da cens ur a, nã o ab rang ia m o Dialogo e nem a Lettera a Cristina de Lorena).  Em Bolonha atuara tam- bé m (d esde 16 90 ap ro xi ma da me nt e) a  Academia dos Inquietos  cujos membros se interessavam de astrono-mia, cálculo infinitesimal e ciências humanas. LuigiFerdinando Marsili (1658-1730), que colocara à dis-

 po siç ão do s  Inquietos  o seu palácio e as suas coleções,

3 8 4

imprimatur   da Royai Society e servindo-se do seu sis-tema de correspondência. Nó mesmo ano saiu em Pa-ris o "Journal des Savants" que, além de matemáticae filosofia natural, tratava de história, teologia e litera-tura. E por fim, em 1684 iniciou em Lipcia a publica-ção dos "Acta eruditorum" onde eram recenseados li-

vros de qualquer ramo do saber: os Atos, publicadosem latim, podiam ser lidos pôr todos os homens cul-tos e cientistas europeus.

373 '384

capítulo 17

 NEWTON

OS  PRINCÍPIOS MATEMÁTICOS DA FILOSOFIA NAfURAL .

~>  '

O tratado  Phitosophiae natnralis principia mathe-matica,  publicado em Londres em 1687, é um textoque não cessa de surpreender o leitor. Nele se juntamao mesmo tempo o gênio experimental e o gêiiio ma-temático de Newton. Nele conclui-se e encontra umasistematização coerente, tanto no nível do método

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í "i

quanto no nível das soluções, a revolução científicacomeçada por Copérnico e por Galilei. Aquele texto,tão longamente elaborado e tão demoradamente cele-

 brad o, era desti nado nã o só a oferecer os el emen tosessenciais do credo científico e filosófico do séculoXVIII, mas. tam bém a d ar forma àquela im age m do

universo e das suas leis que se tornou uma parte nãomenosprezível do patrimônio cultural de todos aque-les que estudaram até a idade de quinze ou dezesseisanos. Em seus aspectos fundamentais aquele quadrofoi identificado durante mais de dois séculos - até a as-sim chamada "crise da física clássica" - com  a física.

O próprio título daquele grande livro exprimiauma tomada de posição com relação à física cartesia-na: os princípios da filosofia têm um caráter matemá-tico. Ao contrário de Descartes, Newton apresentavaem linguagem matemática os princípios da filosofianatural e ao mesmo tempo tornava própria a lição da

387

O nascimento da-ciência moderna na Europa

tradição do experimentalismo e assumia como cons-titutiva do método científico a desconfiança - que foi própria de Bacon e dos baco ni an os - píelas  hipótesessem conexões com a evidência empírica. Apesar deter chegado à descoberta do cálculo infinitesimal qua-.se vinte anos antes da publicação dos  Principia,  New-ton nã o fez, uso dele (exc eto algum aceno ) na suaobra-prima e se exprimiu na linguagem tradicionalda geometria. Newton era um ádmirador da geome-tria dos antigos; aliás chegou a lamentar o fato de seter dedicado ao estudo das obras de Descartes e dos

algebristas modernos antes de ter examinado com basta nte at en ção os  Elementos  de Euclides (Westfall,1989: 393). Todavia, sob a fachada da geometria clás-sica operavam ení profündidade (como muitos nãodeixaram de ressaltar) estruturas de pensamento ca-racterísticas do cálculo infinitesimal (Whiteside,1970; Westfall 1989: 442)

 Newt on

mentos (extensão e movimento) mas sim de três: amatéria,  um'infinito número de partículas impenetrá-veis e imodificáveis, mas não idênticas; o   movimento,aquele estado relativo paradoxal que não modifica demodo algum as partículas, mas se limita ã transportá-las aqui e acolá pelo vácuo infinito e homogêneo; o  es-

 paço,  quer dizer o vácuo realmente infinito e homogê-neo em que, sem encontrar oposição, aquelas partícu-las (e os corpos que resultam formados por elas) cum- pr em os seus mo vimentos (Koyré, 1972: 35).

Os Principia procedem das  definições. A primeira

delas define a quantidade de matéria ou  massa  de umcorpo como o produto da densidade pelo volume edistingue nitidamente a massa de um corpo (que é amesma em todos os pontos do universo) do   peso  deum corpo que depende da força de gravidade e varia

 po rt an to com a dist ânc ia. Na opini ão de Newton, opeso nã o é um valor abs olu to No livr o t erc ei ro a for -

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1970; Westfall, 1989: 442).Seguindo o modelo de Euclides, Newton parte

das   definições de massa, forçá e movimento; faz segniros  axiomas  ou leis do movimento; enumera os pressu-

 pos tos , qu e cha ma de  proposições  ou  lemas;  acrescentaos  corolários  e os  escólios  (comentários ou notas expli-

cativas). No capítulo 15 deste, livro acenamos à gran-de controvérsia sobre a descoberta do cálculo que viuduramente empenhados, um contra o outro, Newtone Leibniz. A llistória está cheia de "ironias": todos osnewtonianos do século XVIII iriam expor a nova físi-ca dos Principia  e ampliariam o campo de aplicação damecânica newtoniana servindo-se do cálculo infinite-simal na sua versão leibniziana.

A física de Newton se contrapunha àquela deDescartes não só no nível da técnica expositiva e dométodo. O mundo de Newton, ao contrário do mun-do de Descartes, resulta composto não de dois ele-

388

 peso nã o é um valor abs olu to. No li vr o t erc ei ro a for -ma de gravidade seriaidentiiicada com a força centrí-

 pe ta : a força de atr ação exe rcid a por Um cor po é pro - porc ion al à, su a massa e o peso de um ob je to de mas-sa igual é diferente sobre a superfície dos diversos pla-netas., Na segunda definição o termo quantidade de mo-

vimento  (o "momento") é usado para indicar o produ-to da massa de um corpo pela sua velocidade. A ter-ceira definição faz referência à  força congênita ou inatada matéria pela qual todo corpo tende a perseverar noseu estado atual seja ele de repouso ou de movimen-to uniforme ao longo de uma linha-reta: por esta ra-zão "tal força congênita pode ser chamada com umnome mais expressivo, de força de inércia ou força deinatividade". A  força imprimida  (reza a quarta defini-ção) é uma ação exercida sobre um corpo que lhe fazmudar o seu estado de repouso ou de movimento li-near uniforme. O termo de  força centrípeta  ou que

389

O nascimento da ciência moderna na Europa

"tende para o centro", que Newton introduz na física(que é, por exemplo aquela força que segura os plane-tas nas suas órbitas) aparece, na quinta definição,como sendo a força pela qual os corpos tendem para o po nt o cen tra l e é o opo sto da  força centrífuga  (o termofora forjado por Huygens) que é aquela sofrida por umcorpo que se afasta do centro.

 No  Escólio  Newton discute em torno do éspaço,do tempo e do movimento. Os estados de repouso e demovimento lihear uniforme' perfeitamente equiva-lentes entre si, podem ser determinados somente emrelação a outros corpos que estejam em repouso ouem movimento. Considerando que a remessa para ul-teriores sistemas de referência pode se repetir até o in-finito, o fluxo eterno e uniforme do tempo (tempo ab- soluto) e a extensão infinita do espaço  (espaço absolutg)constituem para Newton as coordenadas às quais é

á i f d t i li it

Academias

lar-se. Quando se estabelece uma figura côncava nasuperfície da água, pode-se afirmar que a água cum-

 pr e as sua s rev olu ções ju nt am en te com o balde emtempos, iguais. Entre a água e o recipiente há en tãoum estado de repouso relativo. Mas a subida da água

 pa ra â bor da indica o esfo rço de af as tame nto do eix odo movimento e tal esforço mede "o verdadeiro e ab-soluto movimento circular da água"..

O primeiro livro inicia com a enunciação dostrês Axiomas ou leis do movimento:  1) Todo corpo conti-nua no seu estado de repouso ou de movimento linearuniforme, exceto quando forçado a mudar aquele es-tado po r forças "imprimidas; 2) a muda nça d e movi-

' mento é proporcional à força motora imprimida, eacontece segundo a linha reta conforme a qual a for-ça foi imprimida; 3) a cada ação corresponde uma rea-ção igual e contrária, ou seja:'as ações de dois corpos

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necessário fazer recurso para determinar, no limite, oestado de repouso ou de movimento dos corpos. Defato, espaço relativo e tempo relativo são quantidadesconcebidas em relação a coisas sensíveis e em filosofia pel o co ntr ári o é neces sár io pre sci ndi r do s s ent ido s: "Otempo absoluto, verdadeiro e matemático, em si e por

sua natureza isento de relação com qualquer realida-de externa, flui de modo uniforme e, com outronome, é chamado duração [...]. O espaço absoluto, pel a sua na tureza ise nto de qu al qu er rel ação com ou -tra coisa qualquer externa, continua sempre igual a simesmo e imóvel" (Newton, '965: 109-10, 104-107).

A concepção newtoniana da relação entre mo-vimentos relativos e movimento absoluto (concepçãoque iria permanecer bem firme até o nosso século) éexpressa mediante a experiência do balde. Amarra-seum balde quase cheio de água a uma corda, enrola-sea corda sobre si mesma, deixando-a depois desenro-

391 '373

são sempre iguais entre eles e dirigidas para direçõesopostas ("qualquer coisa que empurre ou arraste umaoutra coisa, é pressionada e arrastada por esta na mes-ma medida: se alguém pressiona uma pedra com odedo, também o dedo é pressionado pela pedra" -

ibid: 117-20). Os teoremas e os corolários que Newtondeduz destas leis e das definições iniciais abrangem, po r exemp lo, o teorem a da com pos ição ou do paral e-logramo dos movimentos, isto é: quando duas forçaagem simultaneamente sobre um corpo, este descre-verá a diagonal de um paralelogramo no mesmo in-tervalo de tempo em que descreveria os seus lados soba ação de cada força particular. No mesmo livro sãodeduzidas das leis da dinâmica as três leis do movi-mento planetário de Kepler; Quando uma força cen-tral faz desviar um corpo da sua direção inercial valea lei das áreas de Kepler. Quando a força centrípeta

varia inversamente ao quadrado da distância, ckcorpo,

O nascimento da ciêticia moderna na Europa

conforme  a  sua velocidade tangencial percorrerá umadas "cónicas", isto é: uma elipse, uma parábola ouuma hipérbole.

O seguhdo livro abandona o terreno dos pontosmateriais que se movem sem atrito e enfrenta o pro-

 bl ema dos corp os qu e se mo ve m no int eri or de flu ido sresistentes. Nestas páginas, nasce a mecânica dos flui-dos, originando-se delas também a desenvolvimentoda hidrodinâmica. A partir das considerações desen:volvidas neste livro acaba sendo totalmente destruídaa teoria dos turbilhões de Descartes. O movimento de

um turbilhão não pode se manter de forma autôno-ma: pode continuar com movimento uniforme so-mente se uma força externa faz rodar o seu corpo cen-tral. Aquele movimento portanto é fadado a diminuir pro gress iva mente na medida em qü e a sua ene rgia sedispersa e é "sugada no espaço". Um turbilhão nãopod e pro duzir um sistem a planetár io com pat íve l com

Academias

"navalha de Occam": Entia non sunt multiplicanda prae-ter necessitatem  (os entes não se multiplicam além doque é necessário) ou também Frustra fit per plura quod

 fieri potest per pauciora   (em vão Se faz com muitas coi-sas, aquilo que po de ser feito com poucas). Nestas duasformas (que não se encontra m formuladas desse modonos textos do franciscano Guilherme de Occam, faleci-do em 1347) era teorizado, na tradição do empirismoe do nominalismo, o princípio metodológico da parei-";mônia ou da simplicidade.

A segunda regra: "Por conseguinte, até onde for

 poss ível , é preciso a tri buir as mesmas cau sas a efe itosnaturais do mesmo gênero". Tal regra afirma a  unifor-midade  da natureza ou a validade geral das leis natu-rais: as causas da respiração são as mesmas no homeme nos ariimais; as pedras caem de mesmo modo na Eu-ropa e na América; a reflexão da luz é a mesma naTerra e nos planetas.

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 pod e pro duzir um sistem a pl anetár io com pat íve l comas leis de Kepler: "a hipótese dos turbilhões se chõcatotalmente contra os fenômenos astronômicos e le-vam não tanto a elucidar mas sim a obscurecer os fe-nômenos celestes" (ibid: 593).'

O terceiro livro tem por objetivo tratar do "or-

denamento do sistema do mundo" -(ibid: 601). Para - pas sar do níve l das def inições , dos axiom as, dos teore-mas e das demonstrações para o nível de uma descri-ção do mundo, Newton julga necessário enunciar asregras do filosofar.

A primeira regra: "Não se deve admitir causasmais numerosas para as coisas naturais do que aquelasque são verdadeiras e são suficientes para explicar oslenômenos". Esta regra afirma a simplicidade dâ nature-za que "não excede às causas supérfluas" e "não faznada em vão". Com esta regra, Newton insere no pró- pri o coração da ciência mo de rn a, a assim chamada

392

A terceira regra: "As qualidades dos corpos qüenão podem ser aumentadas e diminuídas, e aquelasque pertencem a todos os corpos nos quais é possívelrealizar experiências devem ser consideradas qualida-des de todos os corpos". Esta regra afirma a  homogenei-

dade da natureza, o seu caráter de entidade invariável,regular e previsível. Contra o progresso das experiên-cias "não devem ser inventados sonhos de modo des-considerado, nem devemos nos afastar da analogia danatureza, considerando que ela costuma ser simples esempre conforme a si própria". As qualidades dos cor-

 pos "não po de m ser conhe cid as de outra forma a nã oser por meio de ex periment os, e por' isso deve m serconsideradas gerais todas aquelas que, em geral, con-cordam com os experimentos". As generalizações aque se chega por indução são válidas quando proce-dem no nivelados sentidos: por exemplo "concluímos

37 3 '392

O nascimento da ciência moderna na Europa

não pór meio da razão, mas com base nos sentidosque todos os corpos são impenetráveis; se os objetosque manejamos são comprovados como impenetrá-veis, concluímos daí que a impenetrabilidade é uma prop rie dade dos cor pos em ger al" . Mas a gen era liza-ção vai além do nível dos sentidos: "Concluímos quetodas ás mínimas partes de todos os corpos são exten-sas e duras, impenetráveis, móveis e dotadas de forçasde inércia: e este é o fundamento de -toda a filosofia".

A quarta regra: "Na filosofia experimental, as pro posições extra ída s por indu ção dos fenô meno s,apesar das hipóteses contrárias, devem ser considera-das rigorosamente verdadeiras ou quanto mais possí-vel, até que ocorram outros fenômenos, mediante osquais ou se tornam mais exatas, ou são submetidas aexceções". Esta regra afirma a necessidade de um   con-trole  das teorias. Deve ser seguida "para que o argu-mento da indução não seja eliminado por hipóteses"

Academiasy

sistema solar. O cometa de 1681 segue o movimentode uma parábola (como quer a primeira lei de Kepler)e descreve (coino quer a segunda lei) áreas proporcio-nais aos tempos.

A lei da gravitação universal,  exposta no livro ter-ceiro, afirma que dois corpos no universo se atraemmutuamente com uma força que é diretamente pro-

 porci ona l ao pr od ut o das duas mass as e inve rsam en te pro porcion al ao qu ad rado da dist ânci a qu e os sep ara .

D 2

Onde F é a força de atração, m', e m.2 são asduas massas e D é a distância que há entre elas. G éum  fator   constante que tem o mesmo valor em todosos casos: naquele da relação de atração mútua entre a

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mento da indução não seja eliminado por hipóteses .As teorias científicas devem estar de acordo com asexperiências e devem ser consideradas verdadeirasenquanto tal acordo subsiste (ibíd: 609-13).

Após a enunciação das regras, Newton passa adescrever o sistema do mvúido. Mostra que os movi-

mentos dos satélites de Júpiter e de Saturno e aquelesda Terra e dos planetas ao redor do Sol obedecem àsleis de Kepler. Calcula a massa da Terra; mostra que a preces são dos eq uin ócios é d e v i d a f o r m a daTe rra eà inclinação do seu eixo que por sua vez depende doefeito conjunto da atração exercida pela Lua e peloSol. A combinação das forças exercidas sobre a Terra

 pela Lua e pelo Sol dá tamb ém um a exp licação satis-fatória das marés. Os cometas, cuja aparição improvi-sa e inexplicável durante milênios foi consideradauma prova da não regularidade dós movimentos ce-lestes, são finalmente reconduzidos para dentro do

395 '373

os casos: naquele da relação de atração mútua entre a. Terra e uma maçã, e ntre a Terra e a Lua, en tre o Sol e

Júpiter, entre duas estrelas.

 Newto n, porta nto, che gara a formul ar um aúnica lei capaz de explicar ao mesmo tempp o com-

 po rt am en to de um a maç ã qu e cai sobre a Terra, o

comportamento dos planetas ao redor do Sol e o fenô-meno das marés. O cálculo realizado por Newton nolivro terceiro,, pelo qual resulta que a Lua é man tidana sua órbita pela mesma força de gravidade por cujoefeito os corpos caem sobre a superfície terrestre, foiconsiderado por muitos um dos pontos .centrais daobra newtoniana. A força centrípeta "por cujo efeitoos planetas são mantidos nas suas órbitas consta ser amesma força de gravidade". Aquela descoberta des-

apertou no espírito de Newton uma enorme emoção:uma.única força serve para manter os planetas nassuas órbitas ao redor do Sol; para manter os satélites

O nascimento da ciêticia moderna na Europa

dos planetas nas suas órbitas, para provocar a quedados   corpos  pesados sobre a Terra; para provocar ásmarés. Resultava daí um quadro unitário do mundo eUriia unificação definitiva da física terrestre e da físicaceleste. Caía o dogma de uma diferença essencial en-tre os céus e a terra, entre a mecânica e a astronomiae e era tainbém que,brado aquele "mito da circularida-de" que condicionara por mais de um milênio o de-senvolvimento da física e que pesara também com re-lação ao discurso de Galilei.

O ESCÓLIO GERAL

 No Escólio geral  que foi acrescentado na segunda _edição do tra tad o Principia, Newton se colocava o pro- blema da regula ridade dos movimento s planetários.Tal regularidade, a seu ver, não pode depender de

Academias

da sabedoria e da habilidade de um Agente poderosoe eterno (Newton, 1779-85: IV, 262). O Deus trans-cendente e pessoal de Newton está presente em todoo espaço como no seú  sensorium.  Ele "rege as coisasnão como a alma do mundo, mas cornQ Senhor douniverso". Ele é sempre e em toda á parte e "como ocego não tem idéia das cores, assim nós não temosidéia de como Deus absolutamente sábio sente e con-cebe todas as coisas" (ibid: 794).

A última parte do Escólio volta ao tema da gravi-.dade. Eu fiz recurso àquela força, escreve Newton,

 pa ra explicar os fenômenos do céu e do noss o mar,mas não estabeleci a causa da gravidade. Nõ âmbito dadiscussão deste tema emerge a celebre posição assumi-da por Newton a respeito da função das hipóteses:"Não consegui ainda deduzir dos fenômenos as razõesdas propriedades da gravidade e não in vento hipóteses.Com efeito, qualquer coisa não dedutível dos fenôme-

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g , , p p princ ípios mecâ nicos. Ò ser do mu nd o n ão encon tra oseu fundamento naqueles princípios e é necessário fa-zer apelo àsxausas finais, isto é, ao teleológismo. A va-riedade das coisas criadas não pode nascer de uma ne -cessidade metafísica cega. O cego acaso jamais poderia

fazer movimentar todos os planetas na mesma direçãoem órbitas concêntricas. A uniformidade do sistema planet ári o é o r esu lta do de u ma escolha. "Essa el egan-tíssima composição do Sol, dos planetas e dos cometasnão podia surgir sem a presença de um Ser todo-po-deroso e inteligente". Aquele que ordenou o univer-so, colocou as estrelas fixas a uma imensa distânciaumas das outras "para que tais globos não caíssem umsobre o outro pela força da sua gravidade" (Newton,1965: 792-93). Do mesmo modo os olhos, as orelhas,o cérebro, o coração, as asas, os instintos dos animaise dos insetos não podem ser senão uma conseqüência

396

nos deve ser chamada hipótese e ná filosofia experi-mental não há lugar para as hipóteses, tanto metafísi-cas, como também físicas, quer das qualidades octíltas,quer mecânicas. Em tal filosofia,as proposições são de-duzidas dos fenômenos e são generalizadas por indu-

ção: foi desse modo que se tornaram conhecidas a im- pene trab ilid ade, a mobi lidade e o impu lso dos corpos , bem como as leis do movim ent o e da grav idade. E ésuficiente que a gravidade exista de fato e op ere segun-do as leis expostas por nós, e explique todos os movi-mentos celestes e do nosso mar" (ibid: 796).

A física cartesiana e, em geral, a impostaçãomecanicista tendiam a remet er todos os fenômeno s amovimentos qu£ por sua vez podiam ser referidos aum modelo Conhecido (impacto, pressão etc.). A físi-ca newtoniana fazia recurso a uma "ação à distância"(entendida como-um princípio) que não parecia ser

373 '396

O nascimento da ciêticia moderna na Europa

referido imediatamente a um modelo mecânico. Osseguidores de Descartes na Europa e o próprio Leib-niz acharam que Newton tivesse introduzido nova-mente na física as "qualidades ocultas" da Escolásti-ca das quais a ciência se libertara com tanto esforçoe portanto tivesse abandonado o terreno sólido noqual a nova física pudera afirmar-se e progredir. Taldisputa era destinada a durar por, muito tempo nacultura européia. De fato, muitos entre os materialis-tas do século XVIII iriam se referir ao rígido mecani-cismo de Descartes. Mas o entrelaçamento de meca-nicismo e de deísmo que podia se deduzir da filoso-fia de Newton dominaria amplamente a cultura daépoca do Ilumini smo. \

Todavia, é preciso lembrar que subsistiriam, atéquase meados do século XVII, duas físicas. Em uma pá-gina famosa das  Lettres philosophiques  (1734) Voltaireiria contrapor o espírito de tolerância e á liberdadé dos

Academias

A  Ó TICA

 A obra Opticks;or a Treatise ofthe Reflexions, Infle- xions and Colours o f Light  foi publicada em Londres em1704 (Newton tinha então 62 anos de idade) e reedi-tada duas vezes (em 1717 e em.1721) no decorrer davida do seu autor. O texto fora traduzido para o latim

• em 1706 e Newt on revisou a .tradução . Nas várias edi-ções, que apresentam diferenças significativas, New-ton eláborava pesquisas já amplamente tratadas nofim da década dè sessenta e no decorrer da década de

noventa do século XVII. Também a  Ótica,  tal como os Principia, é dividida em três livros. O primeiro começacom üma série de definições e um grúpo de axiomasque dão forma aos princípios gerais da ótica. Seguemas proposições e os teoremas que expõem more geomé-trico os experimentos e se referem à ótica geométrica,

 be m como à dou tri na da comp osição e dispersão da

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iria contrapor o espírito de tolerância e á liberdadé dosIngleses ao regime ainda feudal dos Franceses, mas iriacontrapor també m a física dos newtonianòs àquela dos,cartesianos: em Paris o mundo te m a forma de um me-lão, em Londres tem a forma de uma abóbora. "Umfrancês que chegue a Londres acha que as coisas estão

muito mudadas na filosofia natural como em todo oresto. Deixou o mundo cheio e o encontra vazio. EmParis o universo é visto como sendo um composto dematéria sutil. Em Londres nada se vê de tudo isso. En-tre nós, na França, é a pressão da Lua a causar o fluxodo mar; junto dos ingleses é o mar a gravitar sobre aLua [...]. Na concepção dos cartesianos tudo acontece por efei to de um impu lso inco mpre ensível; para New-ton, ao contrário, pela força de uma atração da qualnem bem conhece a causa" (Voltaire, 1962:1, 52).

373

luz branca e á aberração das lentes, o arco-íris e a Clas-sificação das cores. O segundo livro aborda muitos

 proble mas rela tivos às cores, aos ané is dé int erf erê n-cia, aos fe nômen os de interferência da luz nas lâminassutis. O terceiro é dedicado à descrição de uma série

de experiment os sobre a difração e sobre as franjas co-loridas que se produzem na presença de obstáculosmiúdos e de lâminas cortantes. "

 Na Micrographia (1665) Robert Hooke retomaraa tese cartesiana sobre a natureza da luz. Nó universodo mecanicismo, onde o vácuo não existe, a luz se propaga do jei to qu e se pro pag am as ondas sonoras eHooke descrevera as leis da refração e interpretado aluz como. devida a propagações ou impulsos vibrató-rios do éter. Sobre a luz e sobre as cores. Newton uti-lizou a Diotrica de Kepler, a tradução latina da Dioptri-que  de Descartes (1664), a  Physico-mathesis de lumtne,

'373

O nascimento da ciência moderna na Europa

toloribus et iride  (1665) de Francesco Maria Grimaldi(1618-63), os Experimenta et considerationes de coloribus(1667) de Robert Boyle e o trabalho de síntese desen-volvido por Isaac Barrow nas  Lectiones opticae  para asquais contribuiu o próprio Newton.

A respeito do caráter ondulatório ou corpuscu-lar da luz Newton assumiu uma atitude muito com- ple xa (qu e se deve ligar ta mb ém com um a pol êmicaacirrada com Hooke, desenvolvida entre 1672 e1676). Newton pensava que alguns estudiosos esta-vam propensos a considerar a luz constituída por cor-

 púscu los inc on cebivelmente pe qu en os e velozes ema-nados dos corpos. Outros pensaram a luz como sendoos movimentos que-ocorrem em um meio. Entre estesé preciso elencar tanto Grimaldi que pensava a luzcòmo um fluido no qual ocorriam movimentos ondu-latórios, como também Christiaan Huygens que supu-nha ondas longitudinais que atravessam um fluido es-

Academias

 pa ra chega r a té nó s na a bo rdag em "com plem en tar" daótica quântica posterior a 1905 (Bevilacqua, Ianniello,1982:245,254),

Em 18 de janeiro de 1672 Newton escreveu aHenry Oldenburg, que era o secretário da Royai So-ciety, que a sua teoria das cores era a maior senão amais importante descoberta feita até então nas investi-gações em torno da natureza (Newton, 1959-77:1, 82-83). As muitas e frequentemente confusas descrições^sobre a natureza das cores atribuíam as cores aos cor-

 pos sobre os qua is agia a luz e nã o à pró pri a luz . Na

tradição aristotélica- a cor era apresentada como umaqualidade inerente aos corpos ou como produzida pòruma mistura da sombra com a luz: o vermelho era luz

 bra nca mistu rad a com pouca escurid ão, o azul era luz bra nca com um máxi mo de escuridão . Paraceíso int er- pre tara as core s como um a manif est ação do princípiosulfúreo . Descartes fazia depen der as cores das diferen-tes velocidades dos movimentos de rotação e de trans

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tacionário. Newton pretende evitar polêmicas queconsidera inúteis. Não chega nunca a uma decididaafirmação da tese corpuscular, que no entanto utilizaamplamente. Ele baseia qualquer afirmação sua sobrefatos experimentais deduzindo deles as afirmações

constitutivas das teorias. Conforme o caso particularque foi tomado em exame prospecta soluções do tipocorpuscular ou do tipo ondulatório. Acha, porém, quea tese ondulatória não seja capaz de explicar nem a

 prò pagação lin ea r da luz, ne m a forma ção das som - bra s atr ás dos obs táculos. ,A pol êmica en tre os de fen-sores da tese ondulatória e aqueles da tese corpuscu-lar, no fim do século XVII, tornar-se-ia mais rígida emuma contraposição entre escolas e daria lugar a umcontraste radical entre metafísicas científicas que veriao sucesso temporário da teoria corpuscular no decor-rer do século XVIII, e da ondulatória no século XIX,

400

tes velocidades dos movimentos de rotação e de trans-lação das partículas do éter, Hooké da diferente incli-nação das ondas. Newton se afasta nitidamente tantoda tradição como também das posições dos seus con-temporâneos: acha qüe a modificação da luz, da qualderivam.as cores, sçja "uma propriedade inata da luz".As cores não derivam da reflexão ou da refração doscorpos naturais (como em geral se acredita): na reali-dade, são "propriedades originais e congênitas, dife-rentes nos diversos raios: algum raio é apto a exibir acor vermelha e nen hum a outra, algum a amarela e ne-nhuma outra, algum a verde e nenhuma outra, e as-sim por diante para o resto das cores" (Newton, 1978:208). O problema da cor não é mais algo que diga res-

 pei to so me nt e à psicologia da percep ção : os âng ulo s derefração podem ser^calculados; a questão da cor é um pro blema físico separável do pro ble ma "psicológico" e

'373

O nascimento da ciência moderna, na Europa

 po de ser t ra tado com mé todos m atemáticos. Os corposnos aparecem coloridos de modos diversos èm relaçãoao diferente grau de absorção das superfícies: por isso,"os raios que aparecem vermelhos, ou antes fazemaparecer tais os objetos, denominamos rubríficos ou

 produtores do vermelho [...] e assim po r dia nte . Defato, falando com propriedade, os raios não são colori-dos. Neles não há nada mais do que um certo poder ouuma certa disposição para estimular uma sensação des-ta ou daquela cor. Com efeito como o som de um sino

[...] nada mais é do que um movimento vibratório e noar nada mais do que um movimento propagado peloobjeto, e no aparelho sensorial se torna sensação da-quele movimento sob forma de som, assim as cores doobjeto nada máis são do que uma disposição a refletireste ou aquele tipo de raio mais intensamente do queoutrosrnos raios as cores nadá mais são do que a süadisposição a propagar este ou aquele movimento no

Newt o n

grau de refrangibilidadè, o vermelho ao grau mínimo.A existência das cores não depende de perturbaçõesda luz, a luz. branc a não é luz pura , é com posta deraios que têm características diversas, é o resultado damistura das cores contidas no ^espectro". Q branconão é uma cor real, não é uma "qualidade inata" daluz, mas uma aparência sensível. Os componentes daluz podem ser separados e recompostos.

Também no plano das aplicações práticas ou datecnologia, o trabalho ótico de Newton propiciava re-

sultados importantes. As observações no telescópioeram perturbadas pelo fe nômen o das franjas coloridasou da aberração cromática das lentes. Newton cons-truíra com as próprias mãos um telescópio à reflexão(ou a espelho côncavo) com um ocular disposto late-ralmente ao qual enviava os raios um prisma à refle-xão total.-O espelho (que Newton forjou e preparoucom uma liga de sua invenção) tinha um diâmetro de

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p ç p p g qaparelho sensorial, e no aparelho sensorial Os raios setornam sensações daqueles movimentos sob forma decores" (ibid: 393-94). Os problemas da percepção ouda psicofisiologia (diga-se entre parênteses) voltariamnovamente a ingressar na ótica e na colorimetria no

começo do século XIX. Como escreveu um dos maio-res físicos do nosso século: "O fenômeno das corés de- pe nd e parci alm ente do mu nd o físico. Mas natura l-mente o fenômeno depende também do olho é daqui-lo que acontece atrás do olho, no cérebro" (Feynman,1969:1,.2, 35-1).

O célebre e complexo experimento do prismamostra, que a luz "consiste de raios variad amen te re-tractáveis" que são projetados sobre diversos pontosda parede conforme o seu grau de refrangibilidade: acada grau de refrangibilidade é associada uma cor pri-mária fundamenta l. O roxo corresponde ao máximo

'403421

g ç )25 mm, o telescópio tinha um comprimento de ape-nas 15 cm, mas ampliava aproximadamente quarentavezes: muito mais do que era capaz de fazer úm teles-cópio tradicional com um comprimento de um metroe oitentá centímetros. Em 1671 Newton enviara à Ro-

yai Society de Londres o seu telescópio. No começodo ano seguinte enviou a Londres também um" pri-meiro relato da sua teoria das cores que foi publicadonas "Philosophical Transactions" da Royai Society "em19 de fevereiro de 1672: "Arrastado pelo sucesso dotelescópio, Newton ingtressou na comunidade dos fi-lósofos naturalistas à qual, até aquele momento, per-tencera em segredo". (Westfall, 1989: 249)..

'403

O nascimento da ciência moderna na Europa

À VIDA DE NEWTON

Isaac Newton nasceu em Woolsthorpe, um po- ,voado de poucos habitantes no Lincolnshire, em 25 dedezembfo de 1642, o mesmo ano do falecimento de <-Galilei. Tendo ficado órfão do pai com um ano de vida,quando a mãe voltou a se casar, não sendo recébidona casa do padrasto, foi entregue a uma avó. Com 12anos de idade começou a freqüentar a escola públicade Grantham. Aquele menino, que era capaz de cons-truir brin quedo s mecânicos engenh osos e ench eu a

casa onde vivia de relógios solares construídos por 1 ele,teve uma infância difícil. Com certeza sofreu muito pô r cau sa do se gu nd o ca sa me nt o da mã e, ta nt o qu eem uma lista dos seus pècados (que remonta a 1662)anotou: "tèr ameaçado de queimar vivos meu pai eminha mãe e toda a casa junto com eles". Em 1661 foiacolhido, como  substzar no Trinity  College de Cam-

Newton •

College e daqu ela Universidade. Inclüsive a esta situa-ção está ligada a sua escassa sociabilidade com os co-legas e a solidão em que vivia (ibid: 199, 200).

Em Cambridge, além de alguns manuais de fi-losofia peripatética, ele estudara a ótica e a astronomi a

. de Kepler, a  Geometria  de Descartes e o Dialogode  Ga-lilei, bem como obras de Boyle, Hobbes, Glanvill e domatemático John Wallis; estreitou relacionamento deamizade com o teólogo e filósofo platônico HenryMore. l)urante os-terríveis anos em que irrompia a

 pe ste, 16 65 -6 6, re to rn ou à casa pa te rn a, ju n tò da

mãe. Foram dois ou três anos de fecundidade extraor-dinária, q uase incrível. Utilizando as conquistas de u mséculo de estudos, Newton formulou, de maneirasingular, um programa que o colocava na vanguardada ciência européia. Lembrando aqueles anos, New-ton diria que naquela época se ocupou de matemáticae de filosofia mais do que em qualquer período se-guinte da sua vida Ao término de 1665 com 23 anos

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 br id ge qu e era u ma co mu ni da de co m ma is d e' 4 0 0-pessoas e gozava de grande fama. O  subsizar   era um

estudante pobre que ganhava o seu sustento fazendoo trabalho serviçal para os docentes: entre as suasobrigações era: despertar os feilows,  limpar os seus sa-

 pa to s/ es va zi ar os vas os no tu rn os e ass im po r di an te(Westfall, 1989: 57, 75-76). Em Oxford o equivalentedo  subsizar   de Cambridge se denominava, mais expli-citamente,  servidor.  Em 1664 deixou de ser um  subsi-

 zar   e teve a possibilidade de dedicar-se às suas pesqui-sas. Em- 1665 obteve o grau de  bachelor of arts,  em1666 se tornou júnior fellow e, em 1668,  master of artse sênior fellow. No ano seguinte Isaac Barrow lhe cedeua própria cátedra "Lucasiana" de matemática de onde

 Ne wt on co nt in uo u a en si na r a té 17 04 . Ma s os 28 an osque ele passou no Trinity de Cambridge coincidiramcom o período mais desastrado da história daquele

426 427

guinte da sua vida. Ao término de 1665, com 23 anosde idade, Newton já formulara a regra do binômio, ómétodo direto das fluxões (o cálculo infinitesimal) ,deduzira que "as forças que mantêm os planetas nassuas órbitas estão entre si como os quadrados das dis-tâncias que há entre os mesmos planetas e os centrosao redor dos quais eles rodam" (ibid: 147, 148).

Poucas pessoas estavam a par das suas desco- be rt as po rq ue ai nd a n ão ti nh a pu bl icad o na da . Qu an -do sucedeu a Barrow na cátedra "Lucasiana" deu umcurso de aulas sobre a ótica (as  Lectiones Opticae),  masa polêmica que se abriu com Robert Hooke quandoapresentou à Royai Society um seu relato sobre as co-res fez que ele desistisse de publicá-las. Abriu-se entãouma segunda fase de interesses pela alquimia, pelateologia e pela interpretação do Apocalipse. Após tra-çar no tratado De motu corporum in gyrum  as linhas es-

0 )ias ciment o da ciência moderna na Europa

senciais da mecânica celeste, dedicou-se à redação dos Principia  que" foram publicados quando Newton tinha45 anos de idade.

A fase criativa da sua pesquisa científica se con-cluiu na realidade com os  Principia  porque a  Ótica p u-

 bl ica da em 17 04 , ap ós o fa le ci me nt o de Ho ok e, eracomposta, como já vimos, de textos escritos muitosanos antes. No apêndice da  Ótica  foram publicadosdois opúsculos matemáticos que expunham o método

-das fluxões, eles também fruto de pesquisas que re-montavam a mais de trinta anos antes. A disputa can-

sativa e desagradável com Leibniz relativa à priorida-de da descoberta, que foi provocada por umá recensãoque apareceu em 1705 nos  Ácta Eruditorum  de Lipsia,é uma das mais celebres controvérsias da história daciênci a (Hâll, 198 2). , . . '

 Ne wt on viveu se mp re en tr e os liv ros da s su assalas de trabalho em Cambridge e em Londres. Após a

l i l d lid d

Newton

ções humanas, fortemente propenso à desconfiança.Ele tinha "um severo censor interior e vivia constan-temente sub o olhar do Vigilante" (Manuel, 1974: 15-16). A sua primeira é última ligação romântica comuma mulher remonta aos anos da escola secundáriaem Grantham. Humphrey Newton, que foi seu escri-vão em Cambridge durante cinco anos, escreveu queo viu rir somente uma vez. Nas trocas de cartas queteve com Hooke e com Huygens perdeu o controle vá-rias vezes e escreveu cartas brutais e ao mesmo tempo,arrogantes. Na disputa com Leibniz (qüe de sua parte

fez uço persistente dó anonimato) se ocultou atrás deJohn Keill e uma comissão nomeada pela Royai So-ciety. Como escreVeu o seu maior biógrafo, Newtonfoi como que consumido pelas neuroses que remonta-vam à sua infância e pela tensão , pela pesquisa: umhomem atormentado e uma personalidade neuróticaque, nos anos da maturidade, viveu constantemente à

 be ira de um col aps o psicol ógi co (Wes tfal l, 19 89 : 108 ,

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"Gloriosa Revolução" de 1688, entrou nas lides da* vida pública. Duran te 30 anos, a partir de 1696, foi di-

retor da Casa das Moedas de Londfes. Foi deputado aoParlamento pelo partido  whig   nos anos 1689-90. De-

 po is de 17 03 fo i Pr es id en te da Ro yai Soc iety e ex er ceu

uma enorme influência sobre a vida intelectual euro- pé ia . A pre sti gio sa so cied ad e cie nt ífi ca se to rn ou u maespécie de seu feudo pessoal. Faleceu aos 85 anos deidade, em 1727.

Ele estudara sempre éom tanta paixão a pontode passar noites inteiras à escrivaninha. Quando seocupava de um problema muitas vezes esquecia até defazer as refeições normais e o gato qu e tinha em Cam-

 br id ge en go rd ou en o rm em en te co me nd o o al im en toque o patrão deixara de comer. Passou a süa vidaocultando com grande cuidado ao seu próximo as suasconvicções religiosas mais profundas e foi, nas rela-

4 0 6

be de u co ps o ps co óg co (Wes , 9 9 : ,61-62 , 199, 349, 292, 804, 56). '

; • \ . -

INTERVALO SOBRE  os   MANUSCRITOS

Antes de falarmos das  Queries,  (questões, per-guntas ou "problemas abertos") que ocupam a partefinal do tratado da  Ótica  é oportuno esclarecer um

 po n to qu e co nc er ne ta mb ém à pr es en te exp osi ção .Esta, obviamente, não tem nenhuma pretensão deoriginalidade. Estou bem ciente do fato de que nin-guém entre os muitos especialistas em.Newton, quéconstituem üm grupo bastante numeroso de estudio-sos, teria hoje apresentado a filosofia de Newton, par-tindo da exposição do conteúdo das suas obras maio-res. Eu optei por um caminho diferente daquele atual-

4 0 7

O nascimento da ciência moderna na Europa

mente em vigor por duas razões. A primeira: para osnumerosíssimo leitores de Newton, durante todo o sé-culo XVHI e XIX bem como dúrànte muitas décadasdrí século XX, a grandeza e a fama de Newton são li-gadas quase exclusivamente à leitura das suas duasgrandes obras-primas. A atividade meritória, incansá-vel e sofisticada de muitos ilustres estudiosos tem re-virado um terreno que parecia bem cultivado, trans-formando em profundidade o significado e a coloca-ção histórica de Newton, mas pode correr o risco defazer esquecer esta  obviedade ao leitor comum dos nos-

sos dias. Vamos agora ã segunda razão. O entusiasmo pel a lei tura de tex tos até ago ra pouco con hecid os ouaté mesmo desconhecidos pode conduzir a este resul-tado paradoxal: fazer que Newton seja tratado,  inclu- sive  nos  manuais  de história da ciência ou de históriada filosofia, fazendo referência exclusiva a textos qUeele, por excesso de cautela ou por um   amor   invencí-vel pela discrição ou por ambos, decidiu deixar inédi-

Academias

\

 Newt on um a de fin ição qu e causo u escând alo e est evena origem de muitas controvérsias: o chamou não o

 pri meiro dos cien tista s mode rnos , ma s "o úl tim os dosmagos". Aqueles papéis continham muita matemáti-ca, muita f^ica, muita ótica e muita "ciência", mas7

uma parte relevante daqueles escritos era dedicada atemas de alquimia e de cronologia universal, à inter- pre taç ão da Escr itur a e às controvérs ias teol ógicas, aoApocalipse e à Sabedoria Oculta que - como querema tradição herm ética e a magia da Rena scença - Esta-ria na origem da história humana. Entre as entidades

que recusaram adqúirir manuscritos newtonianos é preciso en um er ar a univers idade de Cam bri dge (queaceitou, após selecioná-los, uma série de manuscritoscientíficos), o British Museum, as universidades ãme-ricanas de Harvard, Yale e Princeton. Ò Estado de Is-rael, que recebeu uma parte consistente deles em1951, colocando-os na Univérsity Library de Jerusa-lém somente 18 anos após tê-los recebidos (Mamiani

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vel pela discrição ou por ambos, decidiu deixar inéditos e desconhecidos aos seus leitores. Quando em umdesses manuais (e enquanto tais dirigidos aos estu-dantes— como é d e se presum ir,-) eu li um capítulosobre Newton onde são citadas passagens  somente  ex-traídas dos textos inéditos, tomei a minha decisão.

Quando Newton morreu, a Royai Society recu-sou adquirir os seus manuscritos de conteúdo religio-so é os devolveu à família com a recomendação denão mostrá-los a ninguém. Quando os papéis manus-critos de Newton foram vistos por Sapuel Horsley,qúe estava cuidando da edição da  Opera omnia  (publi-cada entre 1779 e 1785) este "fechou escandalizado atampa do baú que os continha". Uma parte dos ma-nuscritos foi adquirida em 1936 por John Maynardtord Keynes (o grande economista). Considerando oacervo dos manuscritos sobre alquimia, ele deu de

408

p (in Newton, 1994: VI-VII).

Todos os estudiosos de Newton concordam jus-tamente em considerar que os estudos anteriores â1945-50 (entre os quais se encontram todavia contri-

 buiçõ es ái nd a ho je fu nd am en ta is ) fo ra m de al gu mmodo "superados" por aquelas interpretações que pu-deram utilizar as fontes manuscritas. Os escritos ma-temáticos e científicos inéditos foram publicados so-mente nas décadas de sessenta e setenta do século XX(Newton, 1967-81; Newton, 1962; Hérivel, 1965); nosmesmos anos foram publicados os inéditos de ótica efilosofia (Newton, 1984; Newton, 1983b). O mesmo é

 pre ciso dizer pa ra a edição da corre spo ndência (New-ton, 1959-77). A edição dos assim chamados  Escóliosclássicos,  de um apêndice projetado pára a segunda edi-ção dos Principia e do Tratado sobre o.Apocalipse ocorre-

'373

a nascimento da dêitría moderna na Buropa

ram nestas últimas décadas (Newton, 1983a; Newton,1991; Newton, 1994). Após a Segunda Guerra Mun-dial foi despejada sobre os estudiosos uma avalanchede materiais. Mesmo querendo limitar-se ab essencial,trata-se de un s vinte vo lumes de escritos» E há aind amui to material para estudar.

 Nes ta per spectiva, Newt on tev e real me nte umdestino  curioso.  Nada de igual aconteceu para Copér-nico, Descartes > Galilei,"ou (mais tarde) para Darwi n.

- Os retratos que a cultura do Positivismo traçou destes perso nagens são ce rt am en te mu it o dif ere ntes dos re-

tratos de hoje. Mas uma coisa é a descoberta de algumtexto nov o, o utra coisa também são as. muda nças ouos progressos da pesquisa histórica, e totalmente outraé o comparecimento quase improviso (mesmo quan-do é precedida por algum mexerico ou reclamação) deuma montanha de textos que ficaram desconhecidos;ou quase-desconhecidos durante um par de séculos. Aimagem de Newton como "cientista positivo" (que

Newt o n

ficado somente os inéditos "científicos" de Newton be m cò mo o co nt eú do da qu ele ba ú, ser ia un an im e-mente considerado muito estranho dedicar a Newtono capítulo conclusivo de um livro dedicado à revolu-ção científica.

As  QUERIES   DA  ÓTICA

Os  aspectos a que me referi ao falar dó vultodesconhecido de Newton eram parcialmente visíveis

 ju st am en te na pa rt e fin al do tra tado  Opticks  que -como foi dito - é ocupado pelas   Queries,  questões ou pe rg un tas. As 16 pe rgun ta s qu e co ns tam n à pri meiraedição, passam para 23 na tradução latina de 1706_e

 para 31 na ediç ão inglesa de 1717. Sobretudo nas úl-timas  Queries Newton aborda uma amplíssima série de

 pro blemas: a exis tência do  vácuo;  a composição atô-mica da matéria; a natureza elétrica das forças què

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imagem de Newton como "cientista positivo" (queestá ainda amplamente presente) foi construída nãosó pelas interpretações dos historiadores e dos cientis-tas do final d o século XVIII e do séc ulo XIX, ma s tam- bé m pela re íu sa persi stente e tenaz de to mar em co n-

sideração uma numerosíssima série de textos que co-locavam diante dos olhos os traços desconhecidos deum vúlto que era considerado familiar. E a "familiari-dade", neste caso, tem a ver com o retrato de famíliados cientistas modernos ou positivos.

Este intervalo sobre os manuscritos na realida-de tinha duas finalidades que considero convergentes.A primeira: fazer entender a um leitor não, especialis-ta como foi importante abrir o baú que continha osmanuscritos de Newton e estudar aqueles manuscri-tos. A segundá; assinalar discretamente aos especialis-tas talvez demasiado entusiasmados que se tivessem

410

mantêm unidos os átomos entre si; a polarização daluz; as qualidades ocultas; a insuficiência das causasmecânicas; á metafísica de Descartes; a relação entreDeus e o mundo; a natureza de Deus; a relação entrefilosofia natural e filosofia moral; as capacidades que anátureza tem de se transformar em formas diversifica-das e estranhas; as experiências alquímicas.

 Na mais cél ebr e e dis cut ida das  Queries,  isto é, aquestão 31, Newton prospecta a possibilidade de qué,no mundo do infinitamente pequeno, possam operaros mesmos princípios que operam no macrocosmo. As

 partíc ula s dós cor pos ad er em um a a outra 'c' om mu it aforça. Alguns atribuíram aos átomos certos ganchos,outros atribuíram a adesão das partículas ao repouso efizeram desse modo recurso a uma qualidade ocultaou ao nada, outros ainda fal amd o repouso relativo ou

4Í1

O nascimento da ciência moderna na Europa

seja dos movimentos convergentes. "Eu no entanto dacoesão dos corpos deduziria que as suas partículas seatraem umas às outras por efeito de um determinadaforça, que é extraordinariamente forte no contatoimediato, que a pequenas distâncias produz efeitosquímicos e que longe das partículas não chega a pro-duzir nenhum efeito perceptível por parte dos senti-dos" (Newton, 1978: 591-92). A forçâ que mantémnnidos os corpúsculos ou é a gravidade ou é algo mui-to semelhante a ela: "Como a gravidade faz que o marcircunde as partes mais densas e mais- pe sadas do glo -

 bo ter re st re , as si m a at ração faz qu e o áci do aq uo socircunde as partículas mais densas e compactas da ter-ra, formando partículas de sal" (ibid: 589).

As propriedades físicas e químicas dep end em daestrutura corpuscular da matéria e parece possível umdiscurso ca paz-de unificar a física e a química. As par-tículas mais pequenas são unidas por atrações fortíssi-mas e constituem partículas máiorès que possuem

 Nè wt or i

duz um novo impulso que  no entanto é menor do queo impulso inicial. A força de inércia é um princípio

 pas siv o: "Po r co ns eq üê nc ia de st e ún ic o pr in cíp io ja -mais no mundo poderia percorrer qualquer movi-mento. Para colocar os corpos em movimento era ne-cessário um outro princípio; e agora que se movem énecessário um outro princípio que conserve o seu mo-vimento" (ibid: 598).

Junto ao "princípio passivo" da inércia, na na-tureza ocorrem necessariamente princípios ativoscomo a causa da gravidade, dá coesão entre as partí-culas é da fermentação. Entre o Deus de Newton e oDeus de Bacon-e de Galilei há diferenças não de pou-ca monta. O Deus de Newton  faz parte  da física de

 Ne wt on .

Os CICLOS CÓSMICOS

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mas e constituem partículas máiorès que possuemuma força mais fraca. Muitas destas partículas podemse unir entre elas e formar partículas ainda maioresem que a força de atração é ainda menor "e assim pordiante, em uma série contínua, até que a progressão

termina nas partículas maiores das quais dependem asoperações químicas" (ibid: 596).

O universo desse modo é "conforme a si mesmoe muito simples" posto que todos os grandes movi-mentos dos corpos celestes se produzem pelo efeito dagravitação universal e que "todos os movimentos me-nores das suas partículas" se produzem por efeito "deuma outra força de atração e de repulsão que pode sertrocada entre as partículas". Mas por que existe o mo-vimento no mundo? O choque entre corpos muitodensos ou moles aniquila o seu movimento. No casodo choque entre corpos elásticos, a elasticidade pro-

4 1 2

Os princípios ativos, de que fala Newton, de al-gUma maneira podem dar uma explicação da existên-cia do movi ment o na nature za: /'n ão fosse por estes

 pr inc íp ios , os cor po s t an to da Terr a, corrio ta mb ém do s

 pl an etas , do s co me ta s e do Sol, co m to da s as cois asque estão neles, acabariam se esfriando e congelariam,tornando-se massas inertes; acabaria também toda

 pu tref ação , ge raç ão , ve ge taçã o e vid a, e ta nt o os pla -netas quanto os cometas não poderiam permanecernas suas órbitas" (ibid: 600); O universo procede emdireção à decadência e à consumação e tem necessida-de, para  se  manter em vida, da intervenção divina.Aquele que ordenou o universo - como vimos - esta-

 be le ceu ta mb ém a po sição "pr imi tiva e reg ul ar " dasórbitas celestes. A admirável disposição do Sol, dos

 pl an et as e do s co me ta s "som en te po de ser ob ra de um

4 1 3

O nascimento da ciência moderna na Europa

Ser tçdo-póderoso e inteligente". O mundo não.podeter saído do caos por obra das simples leis da nature-za. Mas uma vez que o Criador do mundo introduziuordem no mundo, este pode durar durante muitasépocas em virtude de tais leis  {being once form'd.'it maycontinue by those Laws for many ages).  Todavia, existemnb sistema irregularidades pouco relevantes  (inconside-rable irregularities)  que podem ser derivadas da açãorecíproca dos planetas e dos cometas e que tenderão aaumentar até que o Sistema terá necessidade de uma

. reforma  (which will be apt to increase till this System wants

a Reformation  (Newton, 1779-85: III, 171-72; 1721:377-78; 1978: 602).  (

O Deus de Newton - que cria um universo ca- paz de exist ir por muita s épocas e  não  pela eternidadee que de vez em quand o precisa de reformas - iria pa-recer a Leibniz uni péssimo relojoeiro. A máquinànewtoniana do mundo se move mal e pára sozinha,como um relógio que requer intervenções extraordi-

Academias

de novo. Sobre a cosmogonia de Newton e sobre estetema da "reordenação" do universo, os estudiosos nãose detiveram muito até há poucas décadas atrás. New-ton era apresentado como o expoente de uma ciêhciamecanicista que tem por objetivo um mundo absolu-tamente estático e era exposto com base na distinçãotradicional (e certamente fundamental) entre temporelativo e tempo absoluto. Todavia, inclusive a respei-to deste terreno, não faltaram análises mais sutis. O

 peso exe rci do sobre as discu ssões do sécu lo XVIII pe-las disputas dos séculos XIII. e XIV sobre a eternidade

do mundo, foi recentemente documentado com am- pli tud e (Bianch i,' 198 7). David Kub rin , qu e ab ordouexplicitamente o tema da cosmogonia, demonstradqué no próprio coração da filosofia natural newtonia-na está aninhada firmemente (apesar de ser expressacom certa cautela) uma concepção cíclica do tempo.

 Newt on foi indu zi do às esp ecu lações cosmog ónicas -afirma Kubrin - justamente pela sua recusa da tese dat id d d d A t á i d l idéi

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nárias e que Deus-deve de vez em quando carregar dénovo: "Sir Isaac Newton e os seus seguidores têm umaopinião bem estranha dã obra de Deus. Conforme adoutrina deles, Deus todo-poderoso precisa carregarnovamente o seu relógio1  de vez em quando, porque,caso contrário, ele. deixaria de caminhar. Ao que pare-ce, Ele não teria sido suficientemente previdente paraimprimir ao seu relógio um movimento perpétuo"(Leibniz-Clarke, 1956: 11).

O fato de que a força ativa diminua constante enaturalmente no universo material e portanto tenhanecessidade de novos impulsas, respondia o fervorosonewtoniano Samuel Clarke> não é um defeito do uni-verso. Depende só do fato que a matéria não tem vida,é inerte e inativa. O mundo de Newton precisava devez em quando ser recriado, reajustado ou ordenado

414

eternidade do mundo. Ao contrário daquela idéia,compartilhou com muitos contemporâneos a tese deUm declínio progressivo dos poderes e das regularida-des do cosmo ^Kubrin, 1967).

 Na cart a a Henry Old enb urg de 7 de dezembr ode 1675, Newton (embora reafirmando a sua aversãoàs hipóteses e às disputas carentes de significado quedelas derivam) aproximava princípios elétricos e mag-néticos ao princípio de gravidade. Distingue no éterum "corpo fleumático" fundamental e "outros diferen-,tes espíritos etéreos". Ele ousava afirmar que "talvez.aestrutura inteira da natureza pode ser nada mais doque éter condensado por efeito de um princípio de fer-mentação" e que "é talvez provável que todas as coisassejam Originadas pelo éter". Com base nesta hipótese,a atração da Terra podia ser causada "não pelo corpo

'373

O nascimento da ciêticia moderna na Europa

fundamental do éter fleumático mas pela condensaçãode algo que é, muito ligeira e sutilmente difuso nele,talvez algo de natureza, oleosa ou gomosa, te naz e elás-tica". Tal espirito pode pe netrar e "conservar-se nos po-ros da Terra". Com efeito, o grande corpo da Terra"pode condensar continuamente tamanha parte desteespírito a ponto de fazê-lo descer muito rapidamentedo alto para uma troca". (Newton, 1978: 252). Duran-te tal descida, aquele espírito r  pode trazer cons igo oscorpos que ele penetra com uma força proporcional àssuperfícies de todas as partes sobre as quais age. Defato,, a natureza cria uma circulação que, por causa da

lenta subida de tanta matéria para fora das entranhasda Terra, por um certo tempo constitui a atmosfera,mas sendo continuamente impelida para cima pornovo ar, por exalações, e por vapores que surgem da

 parte mai s baixa, no fim (com exceção de um a pa rtedos vapores que retorna em forma de chuva) desapa-rece novamente nos espaços etéreos e lá talvez, com o passar do tem po, vai se am ac ian do e se af inan do até

Academias

deste espírito "a fim de conservar o próprio esplendore a fim de segurar os planetas para que não se afastemulteriormente". Aqueles que o desejarem, podem pen-sar também que "os vastos espaços etéreos entre nós eas estrelas constituam um suficiente depósito para estealimento do Sol e dos planetas" (ibid: 253).

Em 1675 Newton confiava a uma "matéria eté-rea" a tarefa de renovar o movimento e a atividade docosmo. Nos Principia atribuía esta mesma tarefa aos co-metas: A fim de conservar os mâres e os fluidos dos planetas parece serem exigidos os cometas , de cuj asexalações e vapores pode ser substituída e refeita con-

tinuamente a umidade, muito embora ela seja conti-nuamente consumida põr causa da vegetação e da pu-trefação e convertida em terra árida. De fato, todos osvegetais crescem continuamente pelos líquidos, em se-guida uma grande parte se transforma por putrefaçãoem terra sólida, e o limo desce continuamente dos lí-quidos apodrecidos. Por conseguinte a massa da terrasólida é constantemente aumentada e os líquidos, ex-

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voltar ao seu primeiro princípio (ibid: 253).

A hipótese fundada na imagem da Terra seme-lhante aaima grande esponja que se impregna de umasubstância etérea (que é "princípio ativo"), da qual se

liberta lentamente, é baseada no pressuposto de umanatureza que "opera constantemente com movimen-to circular". A natureza gera Huidos dos sólidos e sóli-dos dos fluidos, substâncias, fixas daquelas voláteis evoláteis daquelas fixas, coisas leves das pesadas e pe-sadas das^leves. Há substâncias que sobem do interior

- da Terra e "formam os líquidos superiores da Terra, os.rios e a atmosfera" e, por conseguinte, "outras subs-tâncias descem para uma troca das primeiras".

O que vale para a Terra, pode valer para o Sol.Talvez ele também fique impregnado abun dantem ente

416

ceto que sejam aumentados de outra forma, deveriamdiminuir constantemente e finalmente faltar. Descon-fio, além disso, que derive principalmente dos cometasaquele espírito que constituí uma parte mínima, po-rém sutilíssima e ótima do nosso, ar e é exigido para avida de todas as coisas" (Newton, 1965: 770-71).

"A necessidade dos princípios ativos que conser-vem em vida o universo exige um mecanismo me-diante o qual o Criador possa renovar periodicamentea quantidade de movimento e a regularidade dos mo-vimentos dos corpos celestes. Newton encontrou talmecanismo nos cometas. Ele não explicava somente arenovação da quantidade de movimento, mas tam-

 bé m a co nt ín ua e cíclica rec riação do sistema e o seudesenvolvimento sucessivo no tempo até O momentoda nova criação (Kubrin, 1967: 345).

373 '416

O nascimento ia ciência moderna na Europa

CRONOLOGIA

 Ne wt on dedi co u n ão po uc as de su as en erg iasao problema da cronologia, que estava no centro demuitas discussões e que estava estritamente ligado aotema teológico das relações entre a história sagradados Hebreus e a história "profan a" povos pagaosou "gentios" (palavra que deriva do latim gentes)  (Ros-si, 1979). Já na última década do século XVII Newtonse ocupara do tema da religião e da teologia dos gen-tios e sobre este tema redigiu em idade tardia um es-

crito ao qual dedicou cuidados especialíssimos: a  Chrc-nology of Ancient Kingdoms Amended   (que foi publicadoem 1728, o ano seguinte da sua morte) no qual eramretomados esboços e pesquisas desenvolvidas váriasdécadas antes. A correção de que Newton fala no títu-lo visava, conforme uma tendência que era própria de -todas as ortodoxias religiosas no finando século XVII eno início do século XVIII, a  encurtar  a história dos an-

Newt o n

universal, mas somente uma inundação específica queatingiu um dos povos que habitavam na Terra.

 Ne wt on po ré m (q ue po r ou jr os asp ect os do seu pe ns am en to reli gio so, é, ao co nt rár io , co mo ve remo s,decididamente herético) não se afasta das posições demuitos outros defensores (tanto protestantes comotambém católicos) da verdade e unicidade da narraçãoda História Sagrada. Todas as histórias dos povos pa-gãos e todas as suas pretensões de uma antiguidademais remota daquela narrada pela Bíblia devem sercomparadas com a história narrada na Bíblia. Newton

é um dos muitos que visam a "encurtar a história".Quer demonstrar que a civilização dos Hebreus é an-terior à civilização dos gregos e dos outros povos. Cor-ta muitos anos (em torno de 500 anos) da cronologiacomumente aceita da história grega, elimina algunsmilhares de anos da cronologia histórica dos outros

 po vo s an tig os e, so bret ud o, re to ma e ela bo ra um ar-gumento que teria grande sucesso: as incontáveis an-

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tigos a fim de evitar a solução irreligiosa prospectada po r m ui to s seg ui do res dá tr ad içã o he rm ét ic a e p el os l i- be rt in os . Par a mu it os fil ósofo s qu e se in sp ir av am nohermetismo e para todos os libertinos existem histó-

rias mais antigas do que a hebraica que é narrada naBíblia . A civilização, a moral, a religião, nesta pers- pec tiv a, nã o n as ce ra m do diálo go de Deu s co m Mo isé se com a entrega a Moisés, pòr parte de Deus das Tá- bu as da Lei. Se ex ist em po vo s e civi lizações ma is an ti -gos do que  Q  povo e a civilização dos Hebreus (os se-guidores do hermetismo pensavam sobretudo nosEgípcios, os libertinos pensavam não só nos Egípciosmas também nos Mexicanos e nos Chineses) então aBíblia não n arra mais a história das origens do mun doe do gênero humano, mas apenas a história de um

 po vo pa rti cul ar, e en tã o o Dil úv io n ão foi re al me nt e

418

tiguidades de que falam os libertinos jamais existirame são totalmente o fruto daquela Lque GiambattistaVico chamaria a^ vanglóri a das naçõ es, q uer dizer a

 pr eten sã o, qu e está pr es en te em cada po vo , de se con -

ceber a si próprio como o povo mais antigo, e portan-to como o fundador da civilização. Todas as nações,revindicam cada qual uma origem mais nobre, deslo-cando para trás Nno tempo a sua antigüidade. Os deu-ses, os reis, os príncipes divinizados da Caldéia, da As-síria e da Grécia foram considerados mais antigos doque foram na realidade. Por esta mesma razão osEgípcios construíram, com base na sua própria vaida-de, a imagem de uma moharquia mais antiga de al-guns milhares de anos do que fora o mundo antigo.As antiguidades mais remotas (afirmava Newton norastro de Bacon) são todas incertas, muitas vezes ima-

41 9 x

O nascimento da ciência moderna, na Europa

ginadas, sempre cheias de ficções poéticas  (full ofpoe-tical-fictions): "Os Egípcios exaltavam o seu impéri o an-tigo como o mais antigo e durável [...]. Por mera vai-dade eles tornaram esta sua monarquia alguns milha-res de anos mais antiga do mundo" (Newton, 1757:144; Newton, 1779-85: V, 142-93).

 Na obra  The Original of Monarchies (que remontaaos anos 1693-94 e que foi publicado por Manuel) en-con tram os as mesmas^ afirma ções: "Todas as nações ,antes de começarem a fazer um cálculo exato do tem- po , ti nh am a te nd ên ci a a pr ol on ga r a su a an ti gu id ad e

e a conceber a vida dos seus ancestrais mais longas doque foram na realidade [...]. Por   isso tanto os  Egípcioscomo também os Caldeus prolongaram para trás a suaantiguidade por muitos milhares de anos a mais doque fora na realid ade [...]. Os gregos e òs latin os fo-ram mais modestos acerca de suas origens, mas elestambém foram além dos limites da realidade" (Ma-nuel, 1963: 211). Como diria Voltaire na sua décima

Newt o n

A  SABEDORIA DOS ANTIGOS

A pesquisa de Fraiik Manuel sobre Newton"historiador" (Manuel, 1963) mostrou a estrita cone-xão existente, na obra de Newton, entre a "história fí-sica" do universo e a "história das Nações". No seu sis-.tema, escreveu Manuel, um evento cronológico nahistória das monarquias pode ser traduzido em umevento astronômico e vice-versa, porque nos Céus esobre a Terra desenvolvem-se histórias paralelas. As-sim comô "a formação das massas planetárias e a re-gulação do seu movimento tiveram um começo tem-

 po ral , ass im o m u n d o é d es ti na do à co ns um aç ão co moé profetizado no Livro do Apocalipse" (ibid: 164).

 Ne wt on ac ha va qu e o Egi to tiv esse sido o lu ga rde origem das crenças religiosas dos pagãos ou da teo-logia dos Gentios. Tal teologia "tinha Caráter filosóficoe depen dia da astr ono mia e da ciência física do .siste-ma do mundo". No Egito viveu uma temporada Noédepois do dilúvio e no Egito disputaram a sua suces-

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sétima das suas  Lettres philosophiques,  todos os cálculosque Newton utilizava, para fins dé estabelecer umadata, a teoria da precessão dos equinócios e as descri-ções do estado do céu na literatura dos antigos, ti-

nham somente a finalidade de encurtar a história domundo: "todas as épocas são reaproximadas, tudoaconteceu mais tarde do que se acredita".

Um. leitor de Vico que leia a  obra  "histórica" de Ne wt on to ma con sci ênc ia de co mo u ma sér ie am pl ade temas fosse persistente e difusa. É realmente uma pe na qu e se ja m deve ras po uc os os es tu diosos de Vicoque lêem as obras de Newton e sejam igualmente po uc os os in té rp re te s de Ne wt on qu e te n ha m da do pe lo me n os um a esp iad a na  Scienza Nuova de Giambat-tista Vico. •

'403

depois do dilúvio e no Egito disputaram a sua sucessão os filhos deJSToé. A religião se identificou com "oculto de um fogo sacrificai que ardia perpetuamentenos umbrais de um lugar sagrado". Quando Moiséscolocou no tabernáculo um fogo sagrado, restaurou o

culto originário "purificádo das superstições introduzi-das nele pelos egípcios". As superstições consistiam nadivinização dos seus antepassados e os outros povosseguiram os egípcios por este caminho (Westfall,1989; 366-68).

A polêmica contra os libertinos não excluía demodo algum a crença no mito de uma antiga sabedoriaoriginária e secreta. Francis Bacon apresentara a sua re-forma do saber como uma  Instaurado,  como um cum-

 pr im en to de um a anti ga promess a. A n ov a ciên cia op e-racional teria permitido restaurar aquele poder sobre a

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0)iascimento da ciência moderna na Europa

natureza que o homem perdera depois do pecado. Ba-con pensava que as "fábulas antigas" não fossem um prpd utQ da sua idade, ne m t am po uco o f ru to da inven-ção dos antigos poetas, mas ao contrário semelhantes a"relíquias sagradas e músicas leves que inspiravamtempos'"melhores, trazidas pelas tradições de naçõesmais antigas e transmitidas às flautas e às trompas dosgregos" (Bacon, 1887-1892: VI, 627). A idéia de que osaber deva ser   ressuscitado, que ele seja de algum modoescondido nos tempos mais remotos da história huma-na, e que antes da filosofia dos gregos tivessem sido

 percebidas algumas verdad es fund am en ta is apagad asem seguida e perdidas é um tema "hermético", queatravessa uma ampla parte da cultura do século XVII eque reaparece inclusive em autores nos quais pensaría-mos ser mais difícil de achá-lo. De fa to, co mo veremos,não apenas em Newton, mas também, por exemplo,nas  Regulae de Descartes que era um defensor decididoda superioridade dos. modernos : "Estou convencido deque as primeiras semen tes da" verdade [ ] eram ch eias

Newt o n

um fogo inextinguível. Todavia, é bem proVável quetal idéia tivesse sido difusa pelos Egípcios, os mais an-tigos observadores dos astros. Com efeito parece que

, justamente pelos Egípcios e dos povos limítrofes setransmitiu aos Gregos, um pov o mais filológico do quefilosófico, toda a filqsofia mais antiga e mais sadia: in-clusive o culto de Vesta tem algo em comum com o es-

 pír ito dos Egípcios, qu e rep resenta vam, medi an te ritossagrados e hiéroglifos, mistérios que superavam acompreensão popular" (Newton, 1983a: 28-29). ;

 Nos assim ditos Escóliof  clássicos que tencionava

apresentar ao texto dos Principia, Newton adere à idéiade uma  prisca sapientia  (antiga sabedoria) e pretendemostrar q ue os filósofos jónicos e itálicos bem como osastrônomos egípcios conheceram os fenômenos e as-leis da astronomia gravitacional  (ibid).  Newton achaaté que, embora de uma forma simbólica, nos temposmais remoto s da história já se sabia que a força de atra-ção diminui na proporção do quadrado da distância:"Os antigos nao explicaram suficientemente com que

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que as. primeiras semen tes da verdade [,..] eram ch eiasde vigor na rude e simples antiguidade [...]. Os hom enstinham então idéias verdadeiras da filosofia e da mate-mática [...]. Estaria propenso a acreditar que tais auto-res em seguida tenham escondido este seu saber, talcomo fazem os artesãos com as suas invenções, temen-do que o seu método perdesse o seu  valor uma vez d i-vulgado" (Descartes, 1897-1913: X, 376).

 No tra tado  De mundi systemate  (redigido entre1684 e 1686) Newton fazia remontar a tese coperni-cana não só a Filolau e Aristarco, mas a Platão, Ana-ximandro, a Numa Pompílio e retomava a tese da an-tiga sabedoria dos Egípcios: "Para simbolizar a esferici-dade do universo tendo ao centro o fogo solar, NumaPompílio mandou erguer o templo de Vesta de formacircular e quis que nele fosse conservado no centro

406 42 2

Os antigos nao explicaram suficientemente com que pro porção a gravidade dim inui afa stando-s e dos p lan e-tas. Todavia parece que tivessem simbolizado tal pro-

 porção com a ha rmon ia das esfe ras celestes, ind icandoo Sol e os outros seis planetas [...] media nte Apolo coma lira de sete cordas e medindo os intervalos entre asesferas mediante os intervalos dos tons [...]. No orácu-lo de Apolo referido por Eusébio [...] o Sol é chamadoo rei da harmonia de sete sons. Com tal símbolo quise-ram indicar que o Sol age com a sua força com relaçãoaos planetas [...] proporcionalmente ao inverso doquadrado da distância" (ibid: 143-44).

Com toda probabilidade houve exagerp emapresentar Newton como um pensador "hermético",mas não há dúvida de que Newton foi firmementeconvencido de que estava  redescobrindo verdades de fi-

O nascimento da ciencia moderna na Europa

lòsofia natural que já se apresentaram nos tempos re-motos da história, e que foram reveladas pelo próprioDeus, ofuscadas depois do pecado, e que os antigos sá-

 bio s, po r su a vez, ti nh am pa rc ia lm en te redescob er to .Ô grande livro da natureza já tinha sido decifrado. O

 progresso  da astronomia foi concebido por Copérnico, po r Kep ler , e pe lo pr óp ri o Ne wt on , in clu siv e co moum  retorno  (McGuire e Rattansi, í966).

ALQUIMIA

Alguns milhares de páginas manuscritas, redigi-das durante toda a sua vida, mostram que Newton de-dicou não só à leitura, mas também à transcrição e aocomentário de textos alquimistas uma parte d everas re-levante da sua atividade. Mas não se trata apenas disso:aquelas páginas documentam uma grande quantidadède experiências efetuadas com os álcalis, os metais e 05ácidos. Quando Newton relaciona a gravidade, como

Newt o n

e os membros dos animais se moyem à vontade' postoque as vibrações deste espírito se propagam pelos ór-gãos dos sentidos ao cérebro e do cérebro aos músculos.Todavia, concluía Newton, não há suficiente abundân-cia de experimentos mediante os quais as leis de açãodeste espírito possam ser cuidadosamente determina-dàs e mostradas" (Newton, 1965: 796).

Os interesses de Newton pela alquimia remon-tam à época em que ele tinha menos de trinta anosde idade e adquirira ácido nítrico, sublimado de mer-cúrio, antimonio, álcool, salitre e construiu sozinho

 pa ra si, se m in co mo da r os pedr eir os , os seus fo rn osde tijolos. Na mesma época (ém torno de 1669) co-meçaram as suas leituras alquimistas. No decorrer de

• tais leituras Newton tenta estabelecer uma série deaxiomas comuns aos vários cultores de alquimia e es-tabelecer as referências comuns a que oír alquimistasse referem com uma multiplicidade de termos imagi-nários. Newton sé mostra sem dúvida interessadomais nos experimentos do que nas experiências mís-

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ácidos. Quando Newton relaciona a gravidade, comoum  princípio ativo  presente no universo, mostrando acoesão dos corpos e a femientação devemos lembrar, osseus interesses pela química e pela alquimia. Nesta

 per spe cti va nã o há dú vida de qu e as exp eri ênc ias de Ne wt on ne ste do míni o vi sav am ta mb ém a fo rn eceruma base experimental às suas hipóteses ou indaga-ções, presentes de forma problemática e provisória, so-

 bre os átom os e sob re o éter , bem co mo à sua ter tta tiv ade uma explicação unitária ou de uma ciência unitáriado universo tal como transparece claramente nas últi-mas linhas do Escólio geral  posto nos  Principia  onde fazapelo ao "espírito sutilíssimo que penetra os grandescorpos, e neles se oculta" por cuja força e ações as par-tículas se atraem e aderem, e os corpos elétricos agem àdistância emitindo a luz, e os sentidos são estimulados

424

mais nos experimentos do que nas experiências mís-tico-religiosas que caracterizam uma ampla parte daliteratura alquimista. Os experimentos acompanhamas suas leituras é não há dúvida de que, como ressal-tou o seu maior biógrafo, Newton se voltou para o es-tudo da Grande Arte com uma preparação intelectualque nenhum alquimista jamais possuíra. O seu inte-resse pelo aspecto quantitativo das operações de me-dida continua dominante assim como continua inal-terada a sua exigência de uma linguagem rigorosa enã o somente metafó rica e alusiva. Mas é tan^bémverdade que Newton considerou bem cedo a filosofiamecânica uma realidade construída sobre categoria*?demasiado rígidas e todavia insuficiente para expri-mir a complexidade da natureza (Westfall, 1989: 308,309,314-15) .

425

O nascimento da ciência moderna na Europa

\ •  -Para explicar a posição de Newton, (a qual, umavez conhecidos os manuscritos alquimistas, se tornoudesconcertante para muitos estudiosos) Westfall se ser-viu de uma brilhante metáfora, yma  rebelião  contra oslimites demasiado rígidos impostos pelo mecanicismosemelhante àcjuela que pode atingir um magníficoquarentão que vive em uma matrimonio aparente-men te feliz: "A filosofia mecanicista talvez cedeu rapi-damente demais ào seu desejo. Insatisfeito, Newtoncontinuou a busca e encontrou na alquimia, e na filo-sofia a ela associada, uma nova amante infinitamente

 po liv ale nte, qu e par ecia nu nc a se en tr eg ar to ta lm en te .

Enquanto que as outras geravam saturação, ela se li-mitava a estimular o apetite. Newton a namorou seria-mente durante trinta anos" (ibid: 314-15).

 Na rea lid ad e se lig arm os os int ere sse s de New-ton pela alqui mia com as suas afirmaçõe s sobre' a ino- po rt un id ad e de to rn ar púb lica um a sér ie de tese s, co ma sua convicção a respeito do "fim do mundo", bemcomo com a sua crença em uma Sabedoria Originária

 Newto n •

réticas. Durante todo o percurso da sua vida manteve,cuidadosamente ocultas muitas das suas idéias sobreJesus Cristo e sobre o cristianismo e, no campo dasconvicções religiosas, adotou a postura que Descartesteorizara, tornando próprio o lema  larvatus prodeo(sigo adiante mascarado). Quase por milagre conse-guira obter a dispensa, com a apropriada dispensa ré-^,già, de assumir as ordens religiosas no seio da IgrejaAnglicana, como era exigido de qualquer   fellow  deCambridge. Na parte final da sua vida dedicou muitosanos para eliminar das obras teológicas afirmações

consideradas reprováveis que abandonou Visando àuma eventual publicação. Na presença somente deduas pessoas (que mantiveram cuidadosamente ocul-ta a notícia), no momento da morte, rç/éusou os sacra-mentos da Igreja (Westfall, 1989: 345-49, 913).

 Ne wt on leu um a gr an de qu an ti da de de ob rasdos Padres da Igreja e se convenceu (bem antes de1675) qüe na disputa ferõz que caracterizara a histó-i d l j d t t é l d i tã f

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e Oculta que está nas origens da história, contendounia verdade pura e incorrupta e ao seu discurso sobreo  espirito elétrico  que é vez por vez material e imateriale se assemelha com uma chama vital (Newton, 1991)

e, além disso, com as afirmações contidas na carta a OL-denburg sobre o "éter condensado por efeito de'um. pr in cíp io de fe rm en taçã o" e so bre o pe re ne "mo vi -mento circular da Natureza" (Newton, 1978: 252-53),é realmente difícil enxergar Newton  somente  envolvidoem uma longa "paquera" extramatrimonial.

X RELIGIÃO DE NEWTON E O APOCALIPSE

 Newton acr edi tav a em Deus e na Bíbl ia, ma s es-tava - secretamente - em posições decididamente he-

426

ria da lgreja durante o quarto século da era cristã fora pe rp et ra da um a gig ant esca fr au de po r pa rte de Atan á-sio e dos seus seguidores: o Texto sagrado havia sidoalterado em muitos pontos. Aquelas alterações ti-

nhám a finalidade de afirmar a doutrina do Trinitaris-mo. Desde 1668, Newton era  fellow  de um Cambridgeque tomava o seu nome da  Holy and Undivided Trinity(Santíssima e Indivisa Trindade). Mas a doutrina daTrindade, pensava Newton, foi falsamente impostaaos cristãos ña época da vitóriá triunfal de Atanásiosobre Ário e sobre os Arianos. Adorar Cristo comoDeus era, do ponto de.vista &e Newton, uma manifes-tação de idolatria. O Papa de Roma apoiara Atanásio ea Igreja de Roma era a sede de um culto idolátrico quese manifestara depois  que a Igreja primitiva estabelece-ra que se devia adorar um único Deus. A doutrina tri-

427

O nascimento da ciência moderna na Europa

nitária se tornara um dogma tanto para a Igreja cató-lica quanto para a Igreja Anglicana. Ao fazer a profis-são de ser secretamente seguidor de Ario, Newton viaem Cristo um, mediador entre o homem e Deus, masnão um Deus: "O Filho admite que o Pai é maior doque ele e o chama seu Deus [...] subordina a sua von-tade àquela do Pai e isso seria irracional se ele fosseigual ao Pai". Devemos adorar Jesus Cristo como Se-nhor, mas devemos fazê-lo sem violar o primeiromandamento (ibid: 328, 329, 331, 866).

Cristo é o Filho de Deus, mas não é Deus, não é

consubstancial   ao Pai. Os dois grandes mandamentos,que são a essência da religião, amar a Deus e amar ao próximo , "se mpre foram e sem pre deve rão ser obs er-vados por todas as Nações, e a vinda de Jesus Cristosobre a terra não os modificou de modo algum". Oamor ao próximo foi ensinado aos pagãos por Sócra-tes, Cícero, Confúcio. A lei da retidão e da caridade"foi ditada por Cristo aos cristãos, aos Hebreus porMoisés e a todo o gênero humano pela luz da razão"

Academias

tianismo originário. E Newton achava ter alcançado, no!domínio do conhecimento das escrituras proféticas, osmesmos resultados de verdade que alcançara relativa-mente à natureza das cores e às leis do Universo: "Tèn-dò procurado e pela graça de Deus óbtido o conheci-mento das Escrituras proféticas, pensei ter a obrigaçãode comunicá-lo para benefício de outros, lembrando o

 juí zo daquele qu e escondeu o tal ent o em um pa no [...]. Não dese jaria qu e ning uém se des encorajass e dia ntedas dificuldades e do insucesso que os homens encon-traram até agora nestas tentativas. Isso é justamente oque era necessário que ocorresse. De fato, foi revelado

a Daniel que as profecias sobre 'os últimos tempos Re-viam ficar fechadas e em sigilo até o tempo final: masentão os sábios entenderiam e ò conhecimento aumen-tàriá  (Dn 12, 4,9,10). E por isso quanto mais tempo fi-caram na escuridão, tanto maiores são as esperanças deque tenhâ chegado o tempo em que devem ser torna-das manifestas" (Newton, 1994: 3).

A referência à passagem de Daniel (que é a

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(ibid: 864-65).Por muitos aspectos o monoteísmo ariano de

-fíewton confina com o deísmo e com as análises liber-tinas da religião e não por acaso o deísmo e o newto-

nianismo se apresentam, no século XVIII, estritamenteconjuntos (Cassini, 1980: 40). Newton dedicou aos te-mas de teologia uma espaço muito maior do que aos te-mas científicos. O envolvimento nestes problemas eratão forte a ponto de induzir Newton, em alguns perío-

- dós da sua vida, a considerar os problemas de ótica e defísica como interrupções ènfadonhas em um trabalhode maior alçada que tinha como assunto uma nova dis-cussão da inteira tradição cristã (Westfall, 1989: 330).

O estudo das Escrituras e, de modo especial,aquele das profecias, para, Newton, fazia parte do cris-

428

mesma colocada por Francis Bacon na capa do trata-do Novum Organum)  torna totalmente evidente a con-vicção de Newton de viver nos últimos tempos da his-tória, isto é, os tempos qye possibilitam e tornam ine-vitável o entendimento do significado dos livros pro-féticos. Embora na idade avançada os cálculos de

 Newt on rel ativos à Segunda Vinda tend am a deslocá -lo para os séculos XX ou XXI, é sem dúvida que ele parte de um a per spectiva mil ena ris ta (Westfa ll, 1989:860). A linguagem das profecias, como a linguagemda natureza, provém diretámente de Deus. Newton sesente um eleito por Deus e define a si mesmo (em umtexto até ago ra manuscri to) c omo um a das "pessoas ,espalhadas que Deus escolheu e que, sem serem leva-das por interesse, educação ou autoridade podem co-

'373

a nascimento da dê it r í a moderna na Buropa

locar-se sincera e ardorosamente ao serviço da verda-de" (Mamian i, i 990: 109). •

A INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA

E A INTERPRETAÇÃO DA NATUREZA

Como Maurício Mamiani conseguiu demons-trar de modo convincente, antes mesmo de formularqualq uer teoria "científica" Consistente Newton elabo-rou, para interpretar o texto do Apocalipse, uma sériede regras. Com relação a tais regras as  regulae philoso-

 phandi   que constam nos  Principia  parecem um afina-mento e uma simplificação das regras para interpretaras palavras e a linguagçm da Sagrada Escritura (Ma-

' miani em Newton, 1994: XXIX-XXXI). Ao construir aciência, afirmaria Newton nos  Principia,  "não devemos

\ nos afastar da analogia da natureza, porque ela costu-ma ser simples e conforme a si mesma". Esta mesmaregra fora usada, muitos anos antes, para a interpreta-ção do Te to Sagrad o: a concord ância das Escrit ras e

Newt o n

tar a natureza. Há um único método para captar a ver-dade e esse método vale com relação à Bíblia é comrelação à natureza. Tal método é próprio e caracterís-tico tanto da ciência quanto da religião. Nao somenteos dois livros da Bíblia e da natureza, còmo afirmaraGalilei, nã o podem se contradizer um ao outro , mas (eisso Galilei jamais o teria assinado) devem Ser lidos fa-zendo uso das  mesmas regras de leitura:  "Como aquelesque desejariam compreender a estrutura do mundodev em se esforçar para redu zir o seu conhe cim ent o atoda simplicidade possível, assim deve ser na busca decompreender tais yisões" (ibid: 29).

Depois das  regras  que são enunciadas no início• do Tratado sobre o Apocalipse  seguem  as definições  e as proposições.   Tais proposições, precisamente como naOpticks,  são provadas de duas formas mediánté as re-gras e as definições (equivalentes aos princípios mate-máticos) e com referência direta ao Texto Sagrado(equivalente à comparação dos fenômenos com os ex-

 pe ri me nt os )" (M am iani , 19 90 : 1L 0- 1I ). Po rt an to ,id í l d já l l i

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ção do. Texto Sagrad o: a concord ância das Escritu ras ea analogia do estilo profético devem ser observadascuidadosamente e devem ser escolhidas "aquelasconstruções que sem forçar reduzem as coisas à maior

simplicidade [...]. A verdade dev e sempre ser procura-da na simplicidade e não na multiplicidade e confusãodas coisas. Como o mundo qué a olho nu mostra amaior variedade de objetos aparece muito simples, nasua constituição interna quando é contemplado comintelecto filosófico e tànto mais simples quanto me-lhor entendido, assim acontece nestas visões. É pela pe rfeiç ão das ob ras de Deus qu e elas são to da s rea liz a-das com a maior simplicidade. Ele é o Deus da ordem

*e não da confusão" (Newton, 1994: 21, 29).

O método para interpretar o texto é substan-cialmente idêntico ao método que serve para interpre-

430

 Ne wt on co ns id era po ssí vel e de se já ve l u m a le it ur acientífica do Texto Sagrado. Uma inter pretação do Tex-to conduzida com base nas regras que ele planejou, dána verdade ás mesmas idênticas certezas e as mesmas

seguranças que oferece a verdade científica: "Sé al-guém quiser objetar que a minha construção do Apo-calipse é incerta, com a pretensão de que seria possí-vel encontrar outròs modos, não deve ser levado emconsideração a menos que não mostre em que-aquiloque eu fiz pode ser corrigido., Se os modos pelos quaisele objeta fossem menos naturais ou fundados em ra-zões mais fracas, tal coisa seria a demonstração sufi-ciente de que eles são falsos e que ele não busca a ver-dade, mas o interesse partidário". A analogia que se-gue logo depois é ainda mais impressionante: "Como

219 4Í1

O nascimento da ciênría moderna na Europa

se acredita prontamente que as partes de uma máqui-na construída por um excelente artista sejam justa-mente comparadas quando se vê que se adaptam ver-dadeiramente umas às outras [...] assim, pela mesmarazão se deveria aceitar a construção destas profecias,quando se vê que as suas partes ordenadas conformeà sua conveniência e conforme as características gra-vadas nelas para este fim". É certamente possível queuma máquina possa ser comprovada em mais de umamaneira e com a mesma congruência, é possível queas frases sejam ambíguas, mas "tal objeção não pode

ter lugar para o Apocalipse, porque Deus, que sabiacompô-lo sem ambiguidade, entendeu-o como umaregra de fé" (Newton, 1994: 29-31).

CONCLUSÕES

Como no caso dos interesses pela alquimia e dacrença firme em uma sabedoria originária relativa àsorigens também a relação ^ue Newton estabelece en

Newt o n

 Nature and Nature's laws were bid in nig htGod said "Let Newton be", and all was light.[A Natureza e as suas leis estava escondidas na escuridãoDeus disse "Seja .Newton!" e tudo foi luz.]

Todavia é também verdade que referir todas asafirmações de Newton a um contexto inteiramente"moderno" parece um empreendimento desesperado.Esta não é uma conclusão desagradável para quemdedicou aq ueles" que o utror a se chamav am os anosmelhores da vida para estudar, na era do  nascimento d aciência moderna, as relações entre a magia e a ciência.

Aquilo que hoje chamamos ciência jamais pareceu (eacredito também que jamais deveria parecer) aos his-toriadores como um produto acabado, mas^como úmasérie de tentativas de defròntar-se com problemas queentão  não estavam resolvidos e que, em muitos casos,havia dificuldade em fazê-los aceitar como problemasqUe era sensato e legítimo colocar-se.

A história da ciência pode setvir para nos tor-nar conscientes do fato de que tanto a racionalidade,

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origens, também a relação ue Newton estabelece en-tre a ciência e a religião, entre o conceito de Deus e afísica, entre o método de pesquisa sobre a natureza eo método de leitura dos Textos Sagrados colocam a

óbra inteira de Newton em um nível muito diferente¿daquele, irremediavelmente obsoleto, das interpreta-ções de Newton como  cientista positivo  ou das celebra-ções de Newton como primeiro grande cientista mo-derno. Também a ciência moderna tem os seus heróise Newton é talvez o maior entre eles. É verdade que oepitáfio fúnebre colocado sobre o túmulo, na sua

. magniloq uência barroca, atinge o alvo: "os mor tais p od em se ale grar po r te r exi sti do um tal e tão gr an deornamento do espírito humano". E exprime de algu-ma forma uma profunda verdade também o dístico deAlexandre Pope, citado com tanta freqüência:

432

nar conscientes do fato de que tanto a racionalidade,como também o rigor lógico, a possibilidade de con-trolar as afirmações, a publicidade dos resultad os é dosmétodos, a própria estrutura do saber científico como

algo que é capaz de crescer sobre si próprio, não sãocategorias perenes do espírito nem dados eternos dahistória humana, mas conquistas históricas, que,como todas as conquistas, por definição, são susceptí-veis de se perderem.

 No q ue diz res pe ito às or ig en s qu e po de m pa re -cer   turvas  pelos muitos valores que estão conexos aosaber científico e que hoje assumimos como positivose irrecusáveis, não ocorreu talvez algo de muito pare-cido também com relação aos valores políticos da li-

 be rd ad e e da to le rân cia?

430 432

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O nascimento da ríênda moderna na Europa

Anos Ciências e tecnologias Política, religião, artes

1530 Fracastoro, Syphilis sivemorbigallico

Carlos V é coroadoimperador

4533-1535 A cidade de Münsteré tomada pelos anabatistas

1534 Fundação da Companhia deJesus

1535\

Execução de Thomas Moro

1536-

Calvino, Instituições dareligião .cristã; Miguelangelo,

 Juízo universal

1537 Tradução latina deApolônio de Perge

1540 Biringuccio, Pirotechnia;Rheticus, Narratio prima

Calvino realiza a 'Reforma em Genebra

1542•

Fuchs, Historia stirpium(tratado de botânica);Vesálio, De fabrica corporis

-

1543 Compérnico, De revolutionibus

Anos Ciências e tecnologias Política, religião, artes

1574

1580

1582

1583

1584

1588

1589

Ï590ca.

1591

1596

1598

Brahe em Uraniborg

Palissy, Discours admirables.

Cesalpino, De plantìs

Bruno, De l'infinito, universoe mondi •

Brahe.Oe mundi aetherei phaenomenis

Stevin: princípios demecânica

Viète é o primeiro a usaras ìetras em álgebra

Kepler, MysteriumCosmographicum

Montaigne, Essais

Reformajregoriana 'do calendário

Walter Raleigh fundaa Virginia

Derrota da ArmadaInvencível

Shakespeare, Henrique VI

EditodeNantes:os

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1545 Cardano, Ars magna Início do Concílio de Trento

1546 Fracastoro,  De contagine

1551-1558 Gesner, Historiäe animalium

1551 Reinhold, Tabulae Prutenicae

1552 Cardano, De subtilitate

1556 Agricola, De re metallica

1558 Deik-Porta, Magia naturalis

1562 Começo das guerrasreligiosas na França

1571 Batalha de Lepanto

1572 Noite de SãoBartolomeu: massacredos Huguenotes em Paris

436

1599-1607

1600

1602

, 1603

1605

1609

1610

Publicação das enciclopédias

zoológicas de AndrovandiGilbert, De magnete

Fundação da Academia dosLincei

Cervantes, Dom Quixote,

Kepler, Astronomia nova

Galilei, Sidereus nundus

Edito de Nantes: osHuguenotes obtêmtolerância e garantias

Giordano Bruno équeimado na fogueira

Campanella, La cittàdelsole• Shakspeare, Hamlet

Assasinato de Henrique ÍV daFrança

437

Anos Ciências e tecnologias Política, religião, artes

1611

1-615

1616

1618

1619

1620 .

1623

1625

1626

1627

1629

1632

Kepler, Dióptrica

Galilei, Carta a MadameCristina •

Condenação docopernicanismopòrpârte da Igreja católica

Começo da guerra dostrinta anos

Kepler, Harmonices Mundi

Bacon, Novum Organum

Galilei, Il Saggiatore

Em Paris é fundado oJardin des plantes

Bacon, Nova Atlàntida

Harvey, De motti coráis <

Galilei, Dialogo sui massimi sistemi

GrÖcio, De iure belli acpacis

Rembrandt, A liçãode anatomia

Anos Ciências e tecnologias Política, religião, artes

1643

1647

1648

1649

1651

1652-1654

1653-1658

1656-1663

1657

Baròmetro de Torricelli

Gassendi, De vita Epicuri;  Revolta de MasanielloPascal, Novas experiências  em Nâpoles •

 sobre o vazio - '

Van Helmont, Ortus mediarne Paz dé WesMIia:termina a guerra dostrina anos

Descartes, As paixões daalma

Guericke realiza a máquinapneumática '

Execução de Carlos Ida Inglaterra

Hobbes, Leviathan

Guerra entre' Inglaterra e Holanda

Cromwell é Lord protetor

" Bernini, colunado de1  São Pedro

Fundação da Academia do A peste em NápolesCimento; relógio de pêndulo , - •de Huygens

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• 1633

1635

1637

1638

1640

1642

Condenação de Galileu

Cavalieri formula a teoriados indivisíveis

Descartes, Discurso sobreo método

Fermat define o método paradeterminar as tangentes de

. uma curva; Galilei, Discorsi• intorno a due nuove scienze

Pascal, Tratado sobre ascónicas

Calderón de la Barca, A vida é sonho

Corneille, 0 Cid

Comênio, Didáticamagna; 25.000 colonosna Nova Inglaterra

Hobbes, De eive;começo da guerra civilna Ingraterra

450

1661-1715

J661

1662

1665

1666

' Reinado de Luiz XIV _ na França <

Boyle formula a lei sobre '

os gases; microscópio deMalpighi

Fundação da Royal Society

Hooke, Micrographia; início A peste em Londres .das publicações da"Philosophical Transactions"

Leibniz, De arte combinatorial  Molière, II misantropoem Paris é instituída a * ' "ACadémie des Sciences einicia a publicação do"Journal des Savants;termômetro a álcool de 'Magaloíti ,

451

Anos Ciências e tecnologias Política, religião, artes

1667

1668

1669

1670

.1671-1674

1671

1672

1675

1677

1679

Malpighì estuda a estruturacelular dos tecidos

Kircher, Ars magna

Newton, Nova teoria sobre.aluzeas cores

Leméry, Curso de quimica

Leeuwenhoeck estuda osespermatozóides nomicroscópio

Milton, 0 paraíso perdido

Redi realiza sua experiênciassobre a geração espontânea

Newton, Methodus fluxionum

Pascal, Pensamentos;Spinoza, Tratado teológico-político

Nascimento deAntonio Vivaldi

Spinosa, Ètica

Na Inglaterra o

Anos Ciências e tecnologias Política, religião, artes

1688 "Revolução Gloriosa"na Inglaterra

.1688-1713 Reinado de Frederico

• "„ • • . ^ ' Ida Rússia .1689-1725 Reinado de Pedro o

Grande na Rússia

1689 Lock e, Carta sobre a tolerância

Ì 690 Locke, Ensaio sobreo intelecto humam

1694 - 'Huygens, Tratado sobre a luz1695-1697 Bayle, Dictionnaire

1703 Leibniz, Novos ensaios sobre o •' intelecto humano

1704 Newton, Ótica .

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16801682

1683 y

1684

1685

 Habeas Corpus Aäsanciona e regula o princípioda inviolabilidade pessoal

Borelli, De motu animaliumRay, Methodùs plantarum nova

Leibniz, Nova methodus promaximis et minimis

Os Turcos cercam Viena

Nascimento de Bach ede Hefidel; revogaçãodo edito de Nantes

'por parte de Luiz XIV

1687 Newton, Prinápia

\

451

(

451

BIBLIOGRAFIA

A primeira parte da pre sente Bibliografia abran-ge só e exclusivamente as obras e os estudos dos quais

 foram extraídas citações  ou (no caso dos estudos) aosquais fizemos referência explícita nos vários capítulosque constituem este livro. As obras são indicadas emórdem alfabética do sobrenome do autor. A segunda

 pa rt e da Bib lio gra fia in ti tu lada  Outras leituras  abrange(subdividida por assuntos) uma indicação muito su-

mária de alguns entre os estudos mais importantesnãó lembrados nesta primeira parte.

PREMISSA

Bianchii.1990 L'esattezza impossibile: scienza e'calculation®'

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Camporeale, Salvatore, 123.Caravaggio (Miguelângelo Merisí dito

o),10.

Cardano, Gerolamo, 61, 112, 360.Carlos I, Rei da Inglaterra, 304.Carlos II, Rei da Inglaterra, 339.Carlos y, Imperador, 71, 95.Caspar, Max, 11,

Cassini, Gian Domenico, 371, 378, 428.Cassirer, Ernst, 362.Casteiii, Benedetto, 359, 364, 384.Castelnuovo, Guido, 289.Cavalieri, Bonaventura, 229.Cavendish, Henry, 289.

Commandino, Federico, ,90.Confucio, 428.Copérnico, Nicolau (Niklas Kopemigk),

s  9,18, 34, 38, 59, 92, 95, 103,115-28, 131-8, 145, 149-61, 171, 183,202,2.13,216,216,218,229,239,273,292,387,410,424.

Cornelio, Tommaso, 50, 52.Cosimo II, Grão-Duquç de Toscana,

102.

Cos imo   IH, Grào-Duque de   Tos cana ,

297.Coulomb, Charles, 289.Cratero, 54.Cremonini, Cesare, 103, 152, 160.

Cristina de Lorena, Grã-DuqueS-mãe,¡55, ¡62.Croll, Oswald, 276.Cromwell, Oliver, 379.Cusano, Nicolau, 217, 220,-226, 231.Cyrano de Bergerac, Hector-Saviinien^

de, 229, 236.

D

Dalgamo, George, 340.Dallari, Ugo, 368.D'Andrea, Francesco, 375.Daniel, Gabriel, 255.Daniel, profeta, 429.

222, 226, 239, 241, 246, 250, 254,261-72,298-9, 301, 309, 318, 324,334, 341, 353, 369, 387, 392, 401,405,410,422,427.

Diderot, Denis, 84,257.Digby, Kenelm, 230.Digges, Leonhard, 126.Digges, Thomas, 125-6, 226.Dijksterhuis, E.J., 242-4, 291, 356.Dilli/Piero, 158.Diodati, Elia, 185.Diógenes Laércio, 353.Donne, John, 128. 'Dorn, Gerald, 236.Drycfen, Jon,92.

Dubois, Jacques (Jacobus Sylvius), 96.Duchesne, Joseph (Quercetanus), 236.Duhem, Pierre, 16.Dürer, Albrecht, 69,81, 93, 94,99, 100,

346, 348.Dury, John, 369.

E

Eamon, William, 46, 55.Eco, Umberto, 340.Edison, Thomas Alva, 30.Einstein, Albert, 30, 39,185.Elias, fiei, 54.

Elisabete, Rainha da Suécia, 199.

. Falloppio, Gabriele, 303.Fardella, Michelangelo, 196.Fanrar, William V., 382.Febvre, Lucien, 88.

Frederico 1 Rei da Prússia, 383.Frederico E, Rei da Prússia, 374.

• Ferdinando da Áustria, 9,3 61. •Ferdinando I, Grão-Duque de Toscana,

307,308. .

Ferdinando ÍI, Grão-Duque de Toscana,374, . • ,,

Fermat, Pierre, 9, 361.Fernel, Jean, 307, 308.Feynman, Richard T., 263,402.Ficino, Marsilio, 4 7,12 6.

Filipe n, Rei da Espanha, 9 7,111 .• Filoíau de Crotone, 422.

Filopono, giovanili, 161.Fludd, Robert, 144, 276.Fontana, Felice, 106.Fontana, Nicolau, dito Tartaglia, 69.Fontenelle, Bernard le Bivier de, 228,

230, 231; 236, 328, 346.Foscarini, Paolo Antonio, 160, 161,

163.

Fracastoro, Girolamo, 61, 62, 63.Francisco I, Rei da França, 73.Freud, Sigmund, 48.Fuchs, Leonhart, 90, 97, 98.

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8/10/2019 O nascimento da ciência moderna na Europa

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Cavendish, Margaret, 229.Cesalpino, Andrea, 347. v

Cesi, Federico, 106, 111, 151, 155, 373..Cicero, 346.Clagett Marshal), 16.Clarke, Samuel,'267, 414. •Clavelin, Maurice, 131.Clavius, Christoph, 199.Clemente VII, Papa, 161.Clemente VIII, Papa, 125, 16JkColbert, Jean-Baptiste, 377.Colombo, Crsitóvão, 27, 110.Colombo, Realdo, 102, 228, 303.Colonna; Fabio, 325.Coménio (Johannes Amos Komenski),

57, 86, 380.

Dante Aliguieri, 38, 91.Darwin, Charles, 121, 410.Debus, Alien G., 278.Dèdalo, mito de, 85. >

Dee, John, 125.Defoe, Daniel, 12.

• De Libera, Alain, 15.Della Porta, Giovambattista, 61, 290,

293, 373, 382.•De Martino, Ernesto, 301, 302.Democrito de Abdera, 62, 166, 214,

216, 226, 229, 258, 267.Descartes, René (acrescentar as citações

sob o.verbete Descartes), 9, 12, 16,33, 41, 56-9, 61, 81, 86, 91,142,

. 145, 167, 180, 184-185, 196-210,

247' 447

Emery, Charles, 342.Epicuro, 62,167,214,216,,229,260,261.Erasmo de Rotterdam, 89.Esculápio, 129.Estienne, Charles (Stephanús Riverius),

94.Eudóxio de Cnido, 37.Eusébio de Cesaréia, 423.Eustachi, Bartolomeu, 303.

FFaber, Johannes, 102,10 6.Fabri, Honoré, 267.Fabrici d'Acquapendente, Girolamo,

257,303.

G

Galeno de Pergamo, 90, 92, 93, 95, 96,

' 272, 273, 303, 305, 307, 344, 3,68.Galilei, Galileu, 9, 12, 16-8, 31-4, 43,

57, 75, 79, 83, 86, 92, 100, 104,110, 124, 127, 128, 136, 142-210,216-222, 225, 229, 235, 239, 243,245, 256, 2?9, 301/324, 358, 373-5, 384, 396, 404, 410, 413, 431.

Galilei, Lívia (Irmã Arcangela, filha deGalilei), 153.

Galilei, Vicente (filho de Galilei), 153.Galilei, Virgínia (Irmã Maria Celeste, fi-

lha de Galilei), 153. ^

Gáflino, Luciano, 351.Galluzzi, Paolo, 375-6.Gassendi, Pierre, 229, 239, 241, 245,

249, 259', 262, 267.Geber, Konrad, 54.Ghiberti, Lorenzo, 69, 71.Gilbert, William, 56, 59, 61, 66, 92,

1.26, 127, 138, 199, 226, 289-94,298.

Giorello, Giulio, 362.Giusti, Enrico, 361, 365.Glanvill, Joseph, 405.Glauber, Rudolph, 279.Gmelin,Johan Friedrich, 347.Godwin, Francis, 229.Gohory, Jacques (Leo'Suavius), 276.Gombrich, Ernst, 99, 100.

(Gould, Stephen J., 339.Graaf, Reinier de, 312.Grant, Edwart, 353. ,

' Grassi, Orácio, 164, 167.Grew, Nehemiah, 107.

- Grimaldi, Francisco Maria, 400.' Gualdo, Paojo, 155.

Guericke, Oto von, 299, 300, 355.Guilherme IV, Landgrav de Axen-Kas-

sel, 124.Guilherme de Occam, 393.Guilherme.de Orange, 369.Guidobaldo del Monte, 42, 69, 147.

Hartsocker, Nicolaus, 384, 314..Harvey, Gabriel, 199, 257. 'Harvey, William, 60, 304. "Heeck, Joannes van, 343.Hegel, Georg Wilhem Friedrich, 114.Heilbron, John L„ 239, 290, 299, 300. .Helmont, Jean-Baptiste van, 278, 282.Herivel, J., 409.Hermes Trismegisto, 47, 51"," 54, 59,

126.

Hernández, Francisco, 110. ,Hipócrates de Cos,\ 90, 368.

Hobbes, Thomas, .56, 61, 196, 245-8,251,258,266,304,405.

Hohenburg, Herwart de, 141.Holbach, Pau-Héiiri Dietrich, Baräo de,

135.Honnecourt, Villard de, 100. -Hooke, Robert, 106-10, 211,239, 241,

242, 317, 318, 321, 322, 380, 399,400,405.

Horki, Martino, 1Ö4.Horsley, Samuel, 408.Hoyle, Fred, 237.

* Hubblè, Edwin Powell, 351.Hues, Robert, 69. 'Huygens, Christian, 9, 34, 200, 209-11,

231-9, 268, 300, 370; 379, 390,400, 407.

Kepler, Katharine (mãe de Johannes),9, 11-3.

Kepler, Katharine (fiha de Johannes),11, 27,59, 133.

Kepler, Johannes, 6, 34, 58, 64, 86, 92,104, 111; 125, 124, 130, 132, 134,135-45, 151, 161, 172, 182, 199,208,216,218-33,246,276,289,294, 356, 391, 405.

Keines, John Maynard, 408.Keyser, Konrad, 69. •Kircher, Athanasius, 294-7, 301, 302,

324,-440.

Kline, Morris, 358, 363, 3.66.Koyré, Alexandre, 29, 142, 209, 219,

222,389.

Kraft, Fritz, 268, 382.Kubrin, David, 415,4 17. '

Kuhn,'Thomas, 29, 214.

LLa Mothe Je Vayer, François de, 229.Lana Terzi, Francisco, 296;Laudan, Harry, 239.Lavoisier, Antoine-Laurent, 285.Leão X Pipa, 73.Leeuwenhoeck, Antony van, 106, 107,

110,370.Le Goff, Jaques , 15.Leibniz, Gottfried Wilhelm, 9, 34, 57,

Locke, John, 196,245,268.Lomazzo, Paolo, 69. <

Lombardo Radice, Lucio, 358. >Lorini, Bonaiuto, 79. '

Lorini, Nicolau, 155, .158, 163. -¡

Lovejov, Arthur O., J17.Lower, Richard, 308.Lower, William, 102.Lucrécio, 62,  214 217 223,  226 230

235, 258, .260, 324, 353.Luiz XIV, Rei da.França, 377, 379.Lullo, Raimundo (Ramón Llull), 54.Luporini, íesa re, 76.Luria, Salvatore, 339.Lutero, Maitin, 122.Luzzi, Mondino de'; 94.

M

Mach, Emst, 181.Maquiavel Nicolau, 276.Maestlin, Michael, 133, 136.Magalhães, Fernão, 27,102, 110.Magalotti, Lorenzo; 296, 374.Magini, Giovanni Antonio, 103..Maldonado, Tomás, 55.Malebranche, Nicolas, 3Í4, 334. -Malpighi; Marcelo, 9, 107, 246, 308,

349, 384.Mamiani, Mauricio, 409.Monetti Giannozzo 89

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8/10/2019 O nascimento da ciência moderna na Europa

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Guidobaldo del Monte, 42, 69, 147.Guiducci, Mario, 164.

Gutenberg, Hans ou Johannes, 88.

I

Ianniello, Maria Grazia, 401.

H

Hacking, Ian, 352.Hackmann, W.D., 370.Hahn, Roger; 379.Hall, A. Rupert, Ì08, 361, 364, 381,

383.Hall, John, 53, 369.Halley, Edmund, 221, 329.Hammerstein, Notker, 383.Hariot, Thomas, 69, 102,111.Hartlib, Samuel, 57, 380.

Jesus, 45, 167, 427, 428.João Paulo H (Papa), 185.Johnson, FÍancís J., 380.Jonston, John, 348.Josué, 122, 157.

Kant, Immanuel, 317, 318.

Keill, John, 334,407.

248' 447

Leibniz, Gottfried Wilhelm, 9, 34, 57,83, 86, 196, 200, 263-70, 318,

, 324, 330-3, 340, 361, 383, 398,400,414.   1

Leméry, Nicolau, 283. •Leonardo da Vinci, 69, 72, 93/ 320,Leonardo de Cápua, 126, 375.Lhwyd, Edward, 325.

Licetì, Fortúnio, 192, 222.Ligny, conde de, 73.Lineu, Carlos (Carolus Linnaeus ou

Carl von Linné), 337, 342, 344,347, 349.

Lippi, Filippo, 70.Lister, Martin, 325.

Monetti, Giannozzo, 89.Manuel, Frank, 407,420, 421.

Manuzio, Aldo, 38.Manzoni, Alessandro, 13.Maomé, 26Ö.

Maßiii, Luís Ferdinando, 374, 384.

Martin, Henry J., 68.Martini, Francisco de Giorgio, 69.Mathias, P., 380.-Mateus, evangelista, 45.Maupertuis, Pierre-Louis Moreau de,

60, 383,Maurício de-Nassau, 197.Mc Guire,J.E„ 471.McLuhan, Herbert Marshall, 87 .

Medid, família de', 155.Medici, Giuliano de', 151. ^Medici, Leopoldo de', 374.

.Melanchton, Philipp Schwarzerd, 77,- 122, 126.

Mersenne, Marin, 376.Milton, John, 10, 184, 369.Moisés, 47, 260, 324, 418, 421, 428.Molière (Jean-Baptiste Poquelin), 10.MQntaigne, Michel de, 113-, 213.Monteverdi, Claudio,. 10.Montmor, Herbert de, 376.

' More, Henry, 223, 226.Moro, Tomás, 66.Muraro, Luisa, 293.

Nardi, Baldassar, 301,Newton, Humphrey, 407.Newton, Isaac, 9,10,16,18, 21, 30, 31.Nicolson, Marjorie, 227.Nocenti, Luca, 295.Noè, 112, 421.Norman, Robert, 13, 66, 291.Novara, Domenico Maria, 116.Numa Pompilio, 422.

Occam, Guilherme, 392.Odierna (ou Hodiema) Giovanni Bat

P

Pagel, Walter, 304, 307.Pagnoni, Silvestro, 153.Palingenio Stellato (Pier Angelo Man-

. zolli), 126, 226, 230.Palissy, Bernard, 65, 320.Panofsky, Erwin, 95.Paracelso (Philipp Aureolus Theophrast

Bombast von Hohenheim), 9, .92,113, 144, 272, 273t8, 285, 401.

Pare, Ambroise, 81.Parkinson, John, 349.Partington, J.R., 285.Pascal, Blaise, 34,91,200,236,245,354.Patrizi, Francisco, 13, 61, 92, 125, 131,

 j 138, 1 43,460, 296.Paulo IH, Papa, 123.'Paulo V, Papa, 154, 163.Paulo Uccello (Paulo de Dono), 70.Pauw, Cornelle de, 114.Périer, Florin, 355.Perrone Compagni, Vitória, 52.Picard, Jean, 378.Piccolomini, Ascanio, 185.Prckering, A., 351.Piero della Francesca, 69.Pitágoras, 47, 52,115,.134, 234, 267.Platão, <10, 47, 52,134,178, 23.4, 422.Plotino, 52.Poli, Çhiaretta, 377.

QQuöndam, Atnedeo, 372.

R

Ràmelli, Agbstino, 69, 81.Ranio (delà Ramée), Pedro, 92, 384.Rattansi, Paul M., 380, 424.Ray, John, 325, 329, 342.Recorde, Robert, 123,. 125.Redi, Francisco, 310, 379.Reinhold, Erasmo, 120, 123.Rembrandt, Harmenszoon van Rijn, 10,

94, , -Renaudot, Théophraste, 377. •Rheticus, Georg Joachim (Georg Ja-

chim Lauschen), 118,123.Richelieu, Armand-Jean du Plessis de,

377.Richer, Jean, 379.Rivius, Walter, 68.Roberval, Gillesl'ersonne de, 127, 354.Roemer, Olaiis, 379.Rohault, Jacques, 299.Rondelet, Guillaume, 98.Rosen, Edgar, 227.

Rosenkreutz (Rosacruz), 197.Rossi, Paolo, 17, 68,318, 340, 342, 346)

377,418.Rothmann, 'Crhistopher, 124, 127.Rousseau Jean Jacques 14

Scilla, Agostinho, 323.Sepúlveda, Juan Ginés de, 113.Seneca, 168. ^-Sfcfrza, Lodovico, 73.Shaffer, Simon, 356.Shapin, Steven, 356.

, Shapiro, A.E., 472. , VShea, William R„ 165, 180, 190, 200,

299.

Simplicio, 161, 166, 168, 171-4,-182,191, 353. - .  1

Singh, Jagjt, 362.Singer, Sam, 239.Sócrates, 46, 230,428.Sófocles; 285.

Solinaí, Giovanni, 309, 333.

Solmi, Edmundo, 72.Sorbière, Samuel, 377.Sorensen, Pedro (Petrus Severinus), 61,

276.

Spina, Bartolomeu, 122.Spinoza, Baruch,' 258,259, 264.Sprat, Thomas, 55, 59, 381.. ,SÍahl, Georg, 283-5.Steinberg, S.H., 88.Stelluti/Francisco, 106, 111.Stenone, Nicolau (Niels Steensen), 320,

322-5, 331, 374. 'Stevin, Simon, (Stevinus), 69, 79, 199.Swammerdam, Jan, 106, 308.

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Odierna (ou Hodiema), Giovanni Bat-tista, 106. .

Olbers, Henrich, 221.Oldenburg, Henry, 381, 385; 401, 415,

426.

Olmi, Giuseppe, 374.Oresme, Nicolau, 16.Orfeu, 52,126.Orìgenes, 52.

Orsini, Alessandro, card., 162.Oviedo y Valdés, Gonzalo Frnandez de,

110.

Poliziano, Angelo, 89.

Pollaiolo (Antònió de Jacopo Benci),70. . ' '

Pomponazzi, Pietro, 260.Pope, Alexandre, 432.Poppi, Antonino, 152, 154.Porfirio, 52.Power, Henry, 105.Proclo, 38.

Pseudo-Aristóteles, 320.Ptolomeu, Cláudio, 37, 90, 115, 119,

124,127, 132,137, 149; 161, 271.Pucci, Francisco, 160.

249' 447

Rousseau, Jean-Jacques, 14.Rudwick, Martin J.S. 320.Ruini, Carlos, 98.

SSaads, M., 363.Sagredo, Giovan Francesco, 170, 174,

181,187,191.Salviati, Filippo, 166, 168, 171, 172,

174, 186, 359.Scheiner, Christoph, 199.Schmitt, B., 469.Schmitt, Charles, 169, 368.Schott, Kaspai-, 296 .

T

Tartaglia, Nicolau, 69, 360.Taylor, F.S., 50.Tega, Walter, 384.Telesio, Bernardino, .160.Tempie, William, 328.Teódoto, 52.

Tertuliano, 52. . ,Thorndike, Lynn, 42,46.Tiraboschi, Girolamo, 371.Tiziano Vecellio, 71, 94.Toland, John, 259.Tolosani, Giovanni Maria, 122.

Tomás de Aquino, 38, 41,1 61.Torricelli Evangelista, 9,192, 301,353,

355, 359, 380.Tonini, Mauricio, 376.Tournefort, Joseph Pitton de, 338, 344,

346.Trucco, E., 472.

uOrbano VIII, Papa (Maffeo Barberini),

168, 170, 182.

V

Valla, Giorgio, Válla, Lorenzo, 89, 226.•Vallisnieri, Antonio,Vasari, Giorgio,

312.Vaughan, Thomas, 447.Veranzio, Fausto, 69.Vèrne, Jules, 226.

' Veronese, Guarino, 89.Verrocchio (Andrea de Francesco de

Clone), 73.Vesalio, Andrea, 451.Vespucci, Amerigo, 102.Vesta, 422.

Vico, Giambattista, 112, 196, 151, 419.Viète,'François, 199, 200, 361.Vitrúvió, 68.Vives, Juan Luis, 66, 67.Viviani, Vincenzo, 192, 353, 374.

266, 268, 283, 361, 370, 388, 403,404, 407, 42V425, 426-8.

Whiston, William, 3296, 330.White, Lynn Jr., 15.Whiteside, D.T., 388.Wieland,'Wolfgang, 357/Wilkins, John, 227-9, 236, 340, 342-4.Willoughby, Francis, 342.Wisan, Winifred, 186. • ' "Woodward, John, 328.Wotton, Henry, 103.Wotton William, 324.Wren, Christopher, 107.

Y

Yates,. Frances A., 3 46.

Z

Zonca, Vitorio, 69, 92.2toroastro, 51, 59, 126.

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8/10/2019 O nascimento da ciência moderna na Europa

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, , , ,Voet, Gijsbert, 199.

Volta/Alessandro, 289.Voltaire (François-Marie Arouet), 209,

383,398,420.

w

Wackhenfeltz, Wacker von, 219,220.Wallenstein, Albrecht Wenzel eusebius,

von,Wallis, John, 133,140.Webster, Charles, 275.Weiditz, Hans, 97, 246.Wells, Herbert George, 226.Westfall, Sanuel Richard, 21, 140, 208,

492

Sobrro LivroFormato  14x21 cm

 , Tipologia  Meridien Roman 10 (texto)

Minion 14 (títulos)

 Papel   Reciclato 70 g/m!  (miolo)

Cartão Supremo ,250g/itf ( capa)

 Impressão  Sob demanda

 Acabamento  Costurado e colado

Tiragem  1.000

Equipe de Realização

Coordenação Executiva  luzia Bianchi Produção Gráfica  Renato Valdérramas

 Edição de Texto  Carlos Valero

 Assistentes de Edição de Texto  Renata Vieira e Villas Bôas

Fernanda Godoy Tarcinalli

Valéria Biondo

 Parecer Técnico  Modesto Fiorenzano

 Revisão  Cláudio Antonio Pedrini

 Projeto Gráfico  Cássia Letícia Carrara Domiciano

Criação da Capa  João Luiz Roth

 Referências Bibliográficas  Valéria Maria Campaneri

 Diagmmação  Carlos Fendei

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8/10/2019 O nascimento da ciência moderna na Europa

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Impressão e Acabamento

BANDEÍRANTISO N D E M A N D

Gráfica Bandeirantes S/A

sua análise, como queimas de supostas bruxas

e ação de tribunais da Inquisição, situándo-os numa Europa cruzada por sucessivas

ondas de mercenários, artesãos, prostitutas,na qual certa camada social está tomando

consciência de que "por meio da própria obraestá  n a s c e n d o   algo".

A característica de  n o v i d a d e  dosempreendimentos do período, encetados nasmais diversas áreas, expressa-se nos títu los das

 principa is obras do per íodo no ter mo "novo" .E a função cultural desta novidade, repercu-

tida nos séculos posteriores,  é   aqui brilhante-mente enfocada em sua dimensão social.

P a o l o R o s s i . Na sc id o em Ur bi no , Itál ia, em 19 23 ,

Paolo Rossi lecionou História da Filosofia

na Universidade de Florença. Entre outros

livros, publicou:  F r a n c e s c o B a c o n e . D a l l a

m a g i a a l l a s c i e n z a  (1957);  C l a v i s U n i v e r -

s a l i s A r t i d e l l a m e m o r i a e l o g i c a c o m b i n a t o -

• r i a d a L u l l o   a  L e i b n i z   (1983); /  r a g n i   e  l e

 f o r m i c h e : u n ' a p o l o g i a d e l l a s t o r i a d e l l a

s c i e n z a   (1986);  I l p a s s a t o , l a m e m o r i a ,

l ' o b l i o   (1991 ) e  U n a l t r o p r e s e n t e  (2000). É

sócio nacional da Academia dos Linces.

Em 1985 foi condecorado pela American

History of Science Society com a medalha

Sarton po r sua obra sobre história da ciência.

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8/10/2019 O nascimento da ciência moderna na Europa

http://slidepdf.com/reader/full/o-nascimento-da-ciencia-moderna-na-europa 252/252

ISBN 65-74b0-103 -1

9

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