o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

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Ë=cfh _J- t ''í n .s ì $ /-\' u Y' ì \ l CoordenaçãoEditorial Irmã Jacinta TtrroÌo Garcia. Ass e s sori a Administrativ a Irrnã Teresa Ana Sofiatti Coordenafio da ColeçãoHistóría Luiz Eugênio Véscio Paolo Rossi O nascimento da ciência moderna na EuroPa Tradução de Antonio Angonese ,*p:+S' $Ëss %# EDITSC ' Edltor. d. Unly.rdd.d. do S.g[.do Conçlo i,j í1.J, ^^ín fr,r,^'n.fe crnì^***rúp A8 tq- lfi : 5(

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Coordenação EditorialIrmã Jacinta TtrroÌo Garcia.

As s e s sori a Administrativ aIrrnã Teresa Ana Sofiatti

Coordenafio da Coleção HistóríaLuiz Eugênio Véscio

Paolo Rossi

O nascimentoda ciência moderna

na EuroPa

Tradução deAntonio Angonese

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EDITSC 'Edltor. d. Unly.rdd.d. do S.g[.do Conçlo

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dade e na perspectiva do futuro. Daí o título "ativo" dacoleção. Na verdade, a nosso ver, não chegou ainda ahora de escrever uma história sintética da Europa. Osensaios que propomos, são da autoria dos melhoreshistoriadores atuais, inclusive não europeus, já consa-grados ou não. Fles irão abordar os temas essenciaisda história européia nos diversos domínios - econô-mico, poÌítico, sociaì, religioso, cultural - baseando-sena longa tradição historiográfica que se estende desdeHeródoto até as novas concepções que elaboradas naEuropa no decorrer do sécuÌo XX, e de rnodo particu-lar nas últimas décadas, renovaram profundamente aciência histórica. Em virtude do seu desejo de clareza,tais ensaios são acessíveis também a um vasto público.

Daí, a nossa ambição é trazer elementos de res-posta às grandes questões que se apresentam diantedos que ïazem e farão a Europa, bem como de todosos que no mundo se interessam pelá Europa. "Quemsomob nós? De onde viemos? Para onde vamos?".

Jacqttes Le Goff

PREMISSA

CÉNcn EURoPÉrA

Na Europa não existe um "lugar do nascìmen-to" daquela realidade histórica complicada que hojechamamos de ciência modenta, pois, tal lugar é toda aEuropa. Neste sentidó, vale a pena lembrar também ascoisas que toclos já sabem: q'ue Copémico era polonês,

- Bacon, Haivey e Newton ingleses, Descartes, Fermat ePascal franceses, \cho Brahe clinamarquês, Paracel-so, I(epler e Leibniz alemães, Huygens holandês, Gali-lei, Torricelli e Malpighi italianos. O pensamento decada um destês personagens esteve ligado ao pensa-mento dos outros, dentro de uma realidade artificial.ou ideal" livre de fronteiras e em uma República daCiência que a duras penas foi construindo para si'umespaço ern situações sociais e'políticas sempre difíceis,muitas vezes dramáticas e, por vezes, trágicas.

A ciência moderna não nasceu na tranqüilidaded,os campus ou no clima um tanto artificial dos labora-tórios de pesquisa ao redor dos quais, mas não dentrodeles (como acontecia desde séculos e ainda acontêcenos conventos) parece escorrer o rio ensangüentado elamacento da história.- E isso por uma simples razão:porque aquelas instituições (no que concerne àquelesaber que denominamos "científico") não tinham nas-cido e porque aquelas torres de marfim, utilizadas comtanto proveito e tão injustamente insultadas no decor- -rer do nosso século, não tinharh sido ainda construí-das pelo trabalho dos "filósoÍoì naturalistas".

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Embora quase todos os cientistas do século XVIItivessem estudado enÌ uma universidade, são poucosos nomes de cientistas cuja carreira se tenha desenvol-vido inteira ou prevalenremente no âmbito da univer-sidade. Na verdade, as universidades zão estiveram nocentro da pesquisa científica. A ciência moderna nas-ceu fora das universidades, muitas vezes enÌ polêmicacom elas e, no decorrer do século XVII e mais aindanos dois séculos sucessivos, transformou-se em umaatividade social organizada capaz de criar as suas pró-prias instituições.

Nos livros dedicados à física ou à astronomia oumesmo à química, em geral pouco se lala a respeitodas vicissitudes, muitas vezes tumultuadas, que acom-panharam o seu desenvolvimento. Mas é oportunoque o leitor deste livro (que trata de idéias, de teoriase de experimentos e que, por necessidade, concedepouco espaço à narração daquelas vicissitudes), aopensar no tempo em que viveram os assim chamados"pais fundadores" da ciência moderna, não procurelembrar somente a música de Monteverdi e de Bach;ou o teatro de Corneille e de Molière, a pintuia de Ca-ravaggio e de Rembrandt, a arquitetura de Bonominie a poesia de Milton, mas deve lembrar também pelornenos unÌ outro ponto importante. A Europa que vi_veu um período decisivo da sua história difícil e dra-mática durante os 160 anos que separam o tratado Derevoltttiortibus de Copérnico (1543) da Otica de Nèwton(I704) era radicalmente diferente (mesmo no que dizrespeito ao mundo da cotidianidade) da Europa naqual nos é dado viver hoje.

Na pequena cidade de Leonberg, na Suécia, nodecorrer do inverno de ló15-ló foram queimadas 6bruxas. Em um povoado vizinho, Weil (hoje Weil derStadt), cuja população não passava de 200 famílias,

l 0 . n

entre ló15 e 1629, ïoram queimada l8 bruxas. Umavelha de nome I(atharinç, um tanto linguaruda e eb-tranha, que vivia em Leonberg, foi acusada pela mu-lher de um viclraceiro de ter feito adoecer uma vizinhacom uma poção mágica e, além disso, ter lançado omau-olhado nos filhos de um alfaiate que acabarammorrendo, ter negociado com um coveiro para adqui-rir o crânio do próprio pai que queria dar de presentecomo taça a um dos seus filhos, astrólogo e adepto àmagia negra. Uma menina de 12 anos que estava le-vando tijoÌos para cozer no forno, ao encontrar aolongo do caminho aquela velha, sentiu no braço umador terrível que lhe paralisou o braço e os dedos du-rante alguns dias. Não é por mero acaso que a lumba-go e. o torcicolo na Alemanha são chamados aindahoje de Hexenscltttss, na Dinamarca Hekseskud e, \altá-lia, colpo della stregcí (golpe da bruxa). Aquela velha,que.na época tinha 73 anos de idade, foi acusada deÍeitiçaria, foi mantida acorrentada durante vários me-ses, foi intimada a desculpar-se de 49 acusações de cri-mes, foi submetida à terrìtío, isto é, a um interrogató-rio com ameaça de tortura diante do algoz e a ouvirseguidamente uma descrição detalhada dos muitosinstrumentos a serem usados pelo mesmo- Após ficardetida na prisão por mais de um ano, foi Íinalmenteabsolvida em 4 de outubro de Ì ó21, ó anos depois dasprimeiras acusações. Não lhe foi possível voltar a viverem Leonbeïg porque teria sido finchada pela popula-

ção (Caspar, 1962: 249-651.Aquela velha tinha um filho famoso, que se

chamava Johannes I(epler, o qual se empenhara de-sesperadamente na defesa da própria mãe e que, du-rante os anos do processo, além de escrever uma cen-tena de páginas para salvá-la da tortura e da fogueira,escreveu tambénr as páginas do seu tratado Harmonices

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mundì em que está contida aquela que, nos manuais,foi chamada a terceira lei de Kepler. Na opinião de I(e-pler, na origem do mundo havia uma harmonia celes-tiaì que ele imaginava (corno está escrito no quarto ca-pítUlo do livro quinto) "como um Sol que brilha atra-vés das nuïens". I(epler estava perfeitamente cons-ciente do fato de que aquela mesma harmonia não rei-nava sobre a terra. No capítulo sexto do livro dedicadoaos sons produzidos pelos planetas escrevia que, consi-derando as notas produzidas pela tèrra IvIi-Fa-Mi, erapossível deduzir daí que na terra reinavam a Miséria ea Fome. Ele acabara a redação do texto três meses apóso falecimento da filha I(atharine.

Naquele mundo há poucas biografias de cien-tistas dedicados com tranqüilidade à pesquisa. Nãoadianta pensar na fogueira de Giordano Bruno ou natragédia de Galilei. Para termos uma idéia a esse res-peito é suficiente lennos a obra Vie de monsiettr Descar-/es de Adrien Baillet. Na realidade, a Europa daquelasdécadas não viu somente os processos contra as bru-xas e a ação dos tribunais da Inquisição. euase nun.ca pensanÌos no sentido verdadeiro da expressão"Guerra dos Tïinta Anos". A Europa daquela épocaera atravessada em todas as direções por exércitos demercenários que arrastavam atrás de si artesãos, cozi-nheiros, prostitutas, rapazes fugindo de suas casas,vendedores ambulantes, deixando para.trás rastros deroubaÌheiras, malandragens, incêndios, mulheres es-tupradas, canÌponeses massacrados, colheitas destruí-das, igrejas profanadas e povoados saqueados. Na Eu-ropa daquela época, cidades como Milão, Sevilha.Nápoles, Londres viranr os seus habitantes serem di-zimados peÌa peste que teve os caracteres de uma lon-guíssima e atelradora epidemia crônica. As coisasdescritas por Defoe a respeito da peste de Londres e

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por Mapzoni sobre a peste de Milão se repetirammuitas e muitas vezes.

Somente deútro do contexto de uma Repúblicaideal, que tendia a se tornar independente das lutas eno meio dos contrastes e das misérias do mundo, po.deria nascer a assombrosa afirmação - Íeita por Fran-cisco Bacon - segundo a qual uma ciência exercida vi-sando à glória ou ao poder do.próprio país é algo demoralmente menos nobre do que uma ciência que se.põe ao serviço da humanidade inteira. Somente na-quele contexto podia nascer a expressão de MarinMersenne que, referindo-se aos Índios canadenses eaos camponeses do Ocidente, afirmava que,"um hg-mem não pode fazer nada que outro homem não pos-sa iguaÌmente ïazer e que cada homem contém em sipróprio tudo o que é preciso para filosofar e para racio-cinar a respeito de todas as coisas" (Mersenne, 1634:135-36). Além disso, há algo mais que aproxima comforça os protagonistas da revolução científica: a cons-ciência de que por meio da própria obra está nascendoalgo. O tenno novus ïecone de forma quase obsessivaem várias centenas de títulos de livros científicos do sé-culo XVtr: desde a Nova de universis philosophiade Fran-cisco Patrizi e a Newe Attradive de Robert Norman, atéo Novum Organum de Bacon, a Astronomia Nova de Ke-pler e os Discorsi intorno a due nuove scìenze de Galilei.

Naqueles anos toma vida e alcança rapidamentea plena maturidade uma forma de saber que revela ca-racterísticas estruturalmente diferentes das outras for-mas da cultura, conseguindo a duras penas criar suaspróprias instituições e suas próprias linguagens especí-ficas. Tal saber exige "experiências sensatas' e ,,deter-

minadas demonstrações" e, ao.contrário do que acon-tecera na tradição, requer que estas duas

-coisas com-

plicadas andem juntas e estejam indissoluvelmente liga-

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das uma à outra. Qualquer afirmação deve ser "publi-

, cada" , isto é, Iigada ao contrOle por parte de outros;deve ser apresentada e demonstradA a outros, discuti-da e submetida a eventuais contestações. Naquelemundo há pessoas que admitem ter errado, ou não terconseguido prpvar aquilo que tencionavam demons-trar, que aceitam render-se às evidências que outrosaduziram. É óUvio que isso ocorre muito raramente,como também que as resistêpcias à mudança (comoaparece em todos os grupos humanos) são muito for-tes, mas oJato de se estabeleceï com firmeza que a ver-dade das proposições 4ão depende de modo algum daautoridade de quem as pronuncia e que não está liga-da de lorma nenhuma a uma "revelação ou ilumhuçãoqualquer acabou constituindo uma espécie de patri-mônio ideal ao qual os europeus podem ainda hoje sereferir como a um valor imnreterível. '.

Uue REVoruÇÃo E o sEU PAssADo

A propósito do nascimento da ciência modernase falou e ainda se fala, justameúte, de "revoluçãocientífica'f . Um dos aspectos-çaracterísticos das revolu-ções consiste no fato de que elas não só olham para ofuturo, dando vida a algo que antes não existia, mastambém constroem um passado imaginário que, emgeral, tem características negativas. Basta ler o Disatrsopreliminar à grande Enciclopédia dos iluministas ou tam-bém o início do Discurso sobre as ciências e sobre as arÍesde Jean-Jacques Rousseau para ficar cientes de comocirculava com força, desde meado do século XVIII, adefinição da Idade Média como época obscura, oucomo um "retrocesso para a barbárie" a que os esplen-dores da Renascença teriam posto um fim definitivo.

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' - - ÍEm princípio, os historiadores não aceitam ne-

nhuìn "passado imaginário". Eles colocam de 'novo ,.'-em discussão também as tentativas que os homens fa'

zem de colocar a si próprios dentro do processo da his-tória. Aqueles mil anos de história, no dècorrer dos .quais ocorreram não poucas.grandes révoluções inte- alectuais e aos quais atribuímos o rótulo genérico de

- 1 '

Idade Média foram investigados minuciosamente, â . ,

ráveis e admiráveis igrejas e catedrâis, bem como con'i ; i

ventos e moinhos movidos a vento e foràm. lawadoqos campos com o arado pesado e foi inventadó o estri-bo que mudou a natureza dos combates e'a políticaeuropéia transformando ó Centauro imaginado pelos Ìantigos no-senhor feudal (White, L967:491.

As cidades, onde os homens começarêm â viver, ,

(.': '

nal.do século )ilI, multiplicaram-se no decorrèr {o sé- - ' : ';

culo seguinte, diÍundindo-se sucessivamente p-or toda,e " ,'(uropa nos séculos

{ . *. As universidades se tor-

,.,)

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nam os lugares priülegiados de um saber que se confi-gura como digno de reconheciinento social, merecedorde uma remraneração, um saber que tem leib próprias,que são minuciosamente determinadas (Le GoII,1977:153-70). Ao contrário das escolas monásticas ou das ca-tedrais, a universidade era um sfi,tdium generale, possuíaum estado jurídico específico, fundado poï uma autori-dade "universal" (como o Papa ou o Imperador). A per-missão aos docentes de ensinar em qualquer lugar (/i-centia ubique docendil e os deslocamento dos estudantescontribuíram consideravelmente para constituiï umaunificação da cultura latino-cristã. "Favorecido pelaadoção do latim como instiumento de comunicaçãoculta, este mercado único do ensino transformou as uni-versidades medievais em centros de estudo de caráterinternacional no seio das quais os homens e as idéiaspodiam_circular rapidamente" (Bianchi, 1997: 27). Oassim chamado método escolástico (baseado na lectio,na quaestio, e na dìsptftatio) deixaria na cultura européiamarcas indeléveis, tanto assim que é umei verdade in-contestável o fato de que, para entender muitos filóso-fos modernos, a começar de Descartes, é indispensávelremontar aos textos daqueles autores què eles detesta-vam profundamente.

No que diz respeito à filosofia e à ciência da Ida-de Média - além do processo de laicização da culturae às condenações teológicas de muitas teses filosóficas- realizou-se muito trabalho. Na verdade, muitos sus-tentaram de modo especial a tese de uma forte conti-nuidade entre a ciência dos estudiosos do Merton Col-lege de Oxford (como Bradwardine) dos "físicos pari-sienses" (como NicoÌas Oresme e Giovanni Buridano)e a ciência de Galilei, Descartes e Newton. Na impos-sibilidade de discutir interpretações como aquelas dePierre Duhem (Duhem, f 914-58) ou de Marshall Cla-

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gett (Clagett, lgBI), quero me Umitar aqui a apresen-tar, em forma de listagem, algumas dàs boas razõesque servem para confirmar a tese oposta de uma for-te descontinuidade entre a'tradição cientíÍica medie.val: e a ciência moderna e que, por conseguinte, per-

,mitem considerar legítimo o-uso da expreSsão "revo- , ,,lução científica".

I ) A natureza.de que falam os r4odemos é ra' ;dicàlmente diferente da natureza a que se referem osfilósofos da Idade Média' Na natüreza dos modernosnão há (como na tradição) uma distinção .de essênciaentïe corpos naturais e corpos artificiais.

2) A natureza dos modernos é interpelada em -.

condições artificiais: a experiência de que falâm os .aristotélicos apela para o mundo da cotidianidade afim de exemplificar ou ilustrar teorias; as "expetiên-cias dos modernos são expeimezÍot construídos artifi- '

cialmente a fim de conÍirmar ou desmentir teorias.3) O saber científico'dos modernos se parece

com a eÍplóração de um novo continente, ao passoque o saber dos medievais parece voltâdo ao pacienteaprofundamento dos problemEs com base em regïas.codificadas.

4) À lúz da cítica dós modemos o saber dos es-' .') lcolásticos pareceu incapaz de interpelar a naüJÍeza', :-;mas somente interrogar a si próprio oferecend_o semprerespostas satisfatórias. Naquele saber há lugar para 4s -

figuras do mestre e dd discípulo, mas não para a figuiado inventor

5) Os cientistas modenÌos - Galilei em primeirplugar - agem com uma "desenvoltura" e um "oportu- -'nismo metodológico" Que são totalmente desconheci'dos na tradição inedieval (Rossi, 1989: ll-13). 4 pre-tensão medieval para a exatidão absoluta foi um obstá.culo;: não uma ajuda para a criação de uma ciência

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matemática da natureza. Galilei inventava sistemas demedição cada vez mais apurados, mas "desviava a aten-ção da precisão ideal para aquela necessária e relativaaos objetivos e alcançável mediante os instrumentosdisponiveis [...]. Ao passo que o miro paralisante daexatidão absoluta foi um enfte os fatores que impedi-ïam os pensadores do século )ilV de passar das calcula-tiones abstratas para um estudo efetivamente quantita-tivo dos fenômenos naturais" (Bianchi, 1990: 150).

Mas as razões pelas quais o autor deste livro fa-lou e continua falando a respeito da ciência modernacomo de uma revolução intelectual se baseiam obvia-mente não no brevq elenco que precede, mas nas pá-ginas que seguem.

A REspnrro DESTE LrvRo

Le Goff me confiou a tarefa - que considereirealmente uma grande honra - de escrever uma obraintitulada O nascìmento da ciência moderna na Europa.Os editores europeus interessa.dos neste livro, porsua vez - como se costuma e coïno era correto eoportuno f.azer -,' impuseram-me algumas determi-nqções bastante rigorosas: B5.000 palavras ou 300páginas de 1.800 toques: Eu superei, porém não.muito, tais limites.

Na verdade, uma pura e simples listagem da-queles que nós - com Llm termo forjado no século XIX- podemos chamar de cientistas e que viveram no pe-ríodo que vai do nascimento de Nicolau Copérnico atéa morte de Newton e que poderiam ser consideradosdignos de menção em um manual de história da ciên-cia, ocuparia muitas páginas. E se, além disso, quisés-semos acrescentar a esta listagem uma outra conten-

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do a inücação de algumas de suas obras principais asituação já poderia parecer dramática.'

Por isso; logo de início renunciei a qualquerpropósito de realizar urn trabalho exausfivo, renun'ciando por conseguinte também 3 idéia de escreverum manual âe história da ciência. Além disso, Ìiz algu'' '

mas escolhas das quais acredito ser oportuno dar no-tícia ao leitor a fim de informá-lo a respeito do que po'derá achar neste livrcÍe a fim de esclarecer o ponto.devista adotado pelo autor.

Os capítulos que constituem o liwo têm por ob-jeto a nova astrónomia, as observações realizadas me-''diante o telescópio e o micro5cópio, bem como. oprincípio de inércia, ás experiências sobre o vado, acirculaçãò do qangue, as grandes conquistas do'câla.tloi

- etc., mas junto com tais assuntos os vários capítulos '

visam também a expor as grandes idéias e os grandestemas que foram centrais no decorrer daquela "revo'lução": a rejeição da concepção sacerdotal ou herméti- .ca do sabet a-nova avaliação da técniòa, o caráter hi-potético ou realista do nosso conhecimento do mun'ào, as tentativas .de usar - inclusive com relaião aomundo humano - os modelos da filosofìa tnecânlct, anova imagem de Deus como engenheiro ou relojoel-ro, a introdução da dimensão do tempo na considera- .

ção dos fatos naturais,No que diz respeito ao método, tenho a conüc-

ção de que as teorias específicas que constituèm o cer'ne firmé de toda a ciência não são de modo algum o re,'flexodedeterminadascondiçõeshistórico-sociais.Aocontrário, estou convicto de que - e todo o trúalhoque desenvolvi até aqui procedeu nesta direção - ahistória tem muito a ver com as imagens da ciência (querdizer, os discursos sobre aquilo.que-a ciência é e deve .ser) que estão presentes! na cultura. Em muitos casos

a

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aquelas imagens exercem um peso considerável sobrea aceitação ou.sobre o sucesso das teorias. De fato,com base em uma determinada imagem da ciência sãodefinidas com Íreqüência as fronteiras da ciências, bemcomo os critérios para distinguir a ciência da magia, dametafísica ou da religião. A partir daquela base são es-colhidos sobretudo.os problemas a resolver dentro daimensa quantidade de problemas que se apresentamabertos a uma investigação possível.

Aquilo que hoje aparece firmemente codificadoe como tal transmitido pelos manuais de física ou debiologia, assim como o que hoje nos parece como ób-vio e natural é porém o resultado de escolhas, qpções,contrastes e alternativas. Antes da codificação queaconteceu em seguida, tais alternativas e tais escolhas

. eram reais e não imaginárias. Cada decisão implicouopões, dificuldades, descartes, que, por vezes, configu-rou-se ao mesmo tempo de forma dramática.

Espero que algumas coisas resultem claramentepelolivro: que o continuismo é somente uma medíocrefilosofia da história sobreposta na história real; qu.emediante a pesquisa histórica jamais, no passado, sãodescobertos estudos monoparadigmáticos ou épocascaracterizadas, como as pessoas, por um único ïosto;que o diálogo crítico enrre teorias, tradições científi-cas, imagens da ciência foi sempre (tal como continuasendo) contínuo e insistente; que a ciência do séculoXVII, junto e ao mesmo tempo, foi paracelsiana, car-tesiana, baconiana e lebniziana; que modelos não me-canicistas agiram com força também em, lugares im-pensáveis; que o surgimento de problemas e de possí-veis domínios de pesquisa está firmemente ligado a

' discussões que têm a ver.com as várias filosofias e me-tafísicas; que a figura do cientista emerge em tempos ede formas diversas em cada setor particular da pesqui-

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sa, considerado que em alguns casos, (como na mate-'.i ', \ , ,-mática e na astronomia) há uma referência a tradiçqesant iqüíssimas,emouirosprocura-sefazeremergirdopassado tradições específicas a que referir-se, em ou-tros ainda.se insiste no caráter novo ou "alternativo da - 1própria atividade cognitiva e experimental. .

-, '

. Uma coisa,.aparentemente óbvia. às vezes deve :

ser lembrada continuamenté pelos hi]toriadores tantoáos seus leitores como também aos letrados, filósofos :ecient istasdoseutempo.TalcoisãprecisaserIembra-.da.continuamente porque existe em cada ser humano ,. ,(e portanto também nos filósofos e cientistas mais re- -,. : .1,tfinados) uma tendência quase invencível'a esquecê- .,la: todos aqueles que trabalharam, pensaram e formu'

- ,

laram teorias e e{étuaram experimentos no peíodo - ',

d,o nascimenro àa c.iência modema viveram ein ummundo muito diÍerente do nosso, em que conviviamperspectivas que hoje nos parecem p..i..t.e. a munr

1

dos culturais totalmente inconciliávéis entre si. O. sé-culo *vn viu, um florescimento extraordinário deobras alquímicas e junto com isso viu um exuberantècrescimento da criatividade matemática. Newton éum dos grandes criadores do cálculo infinitesimal,mas os seus manuscritos alquimistas abrangem mais'de um milhão de palavras - cerca de dez volumesiguais àquele qrr. .*á em suas mãos agora -.'Os cien- .. ',1' '

tistas do. século XVII não sabiam e nem podiam $aber. Io que agora nós sabemos: isto é, que a alquimia da- , -'

'

quele século "era a derradeira flor de uma planta que I -estava morrendo e a matemática do século'XVtr a pri-me.ira flor de uma robusta planta perene' (Westfall,1989: 27, 3051.

' Na minha opiníão, porém, parece incontesúvel

o fato de que o que denominamos "ciência' adquiriunaquela época alguns daqueles-caracteres fundqe.n-

.:l: _' ' ,

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tais que consewa ainda hoje e que aos pai*Iundadorespareceram justamente algo de novo na história do gê-nèro humano: um artefato ou um empreendimentocoletivo, capaz de se desenvolver por si próprio, volta-do para conhecer o mundo e a intervir sobre o rriun-do. Tal empreendimento, que com certeza não é ino-cente, nem jamais se considerou tal, ao contrário doque aconteceu para os ideais políticos, bem como paraas artes, as reìigiões e aS fiìosofias, tornou-se uma po-derosíssima força unificadora da história do mundo.

Este livro não foi escrito para os historiadoresou para os filósofos da ciência. Na verdade, foi pensâ-do e escrito para aqueÌes jovens que iniciam uma pró-pria relação pessoal com a história das idéias e comaqueles objetos complicados, proliferaptes e fascinan-tes que são as ciêìcias e a filosofia. Mas tive principal-mente em mente aquelas numerosíssimas pessoas -entre as quais inscrevo muitos e caríssimos amigos -que se dedicaram a estudos humanistas", que pensama ciência como algo "ârido", e que a consideram - nofundo do coração - de pouca relevância tanto para acultura como tainbém para a sua história, que têm arespeito da ciência e da sua história aquela imagemredutiva de serventia que tantos filósofos (mesmoiluStres) do nosso século contribuíram a fortalecer e adivulgar e que compartilham, quase sempre semaperceber-se, os discursos das primeiras décadas do sé-culo XX sobre a bancarrota da ciência.

Considerando que as páginas que seguem re-presentam de algum modo uma tentativa não só desíntese, mas também de uma nova elaboração do trà-balho sobre alguns temas da revolução científica quecomecei há mais de cinqüenta anos atrás, se eu qui-sesse entrar pela veieda dos agradecimentos, deveria

22 23

expressar a minha gratidão a um número demasiadogrande de pessoas: a muitos amìgos e a muitos jovens

alunos, agoratalvez não mais tão jovens. Renuncio afazê-lo e dedico este livro à minha doee, decidida einesperada netinha Georgia que tem os olhos azuiscomo aqueles, para mim encanta(l rps, da süa avóAndreina.

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Quando Cristóvão. Coloúbo; lvtajanaes .,op poÈú.rlgueses contaram mmo perderam o rumo nâs fUaSvla-i.gens,'nds nõo só os descultrranos, mas ficarhmoa la-.,_lrrÍentando não dispomro; da sua narratlrlia, semFqúl '

toda a divercãe:esraria peráida. Por lso, não gret altplde censura se, indirzido pelo mesrno^aÍeo pelos melrs _. 2 :

leitores, [uisesse segirir q mesmo méiodo deles. ' '-'. . .. , ì - , . I

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caPítulo I

OBSTÁCULOS

Esqurcnn o euE sABEMos

Mais do que.nas estruturas perenes da mentedos seres humanos os historiadores estão inteiessadosna divêrsidade'das Íormas de funcionar. das mehtesnas diversas épocas. Quando nos aproximamos de umpensamento que não é o nosso-se torna importantetentar esquecer aquilo que sabemos ou pensamos sâ:ber. É preciso adorairnos formas de raciocinar ou atémesmo princípios metafísicos que para as-pessoas dopassado eram tão válidos e fuídamentados em racio-cínios e'pesquisas do mesmo modo que são para nósos princípios da física matemática e os dados da astro-nomia (I(oyré, l97I:77). É por isso que, como certavez Thomaç l(uhn escreveu, é essencial fazer a tenta,tiva de desaprender oS esquemas de pensaúento indu-zidos pela experiência e pela instrução precedentes(Kuhn, 1980: 183) .

O termo obstáailos epistemológicos foi Íorjado pelofilósofo francês Gaston Bachelard na década de trintado século passado. Faz t'eferência àquelas corìúcções(deduzidas tanto do saber comum, como também dosaber científico) que tendem a impedir toda ruituraou descontinuidade no crescimento do óaber científi-co e, por conseguinte, constituem obstáculos fodero-síssimos païa a afirmação de novas verdades. O tipb ae

t )

, ' ' .

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O tnscinetto da cíêrda moclcnn rra En'opa

perguntas que BacheÌard se colocava contÍibuiu paraa renovação da história da ciência e para transforrná-la, a partir de um "festivo elenco de descotrer-tas", emuma história dos percursos difíceis da razão.

Vale a pena Inostrar, mediante um exemplo es-pecífico, a qual realidade Bachelard pensava referir-sequando falava: l) em obstáculos epistemológicos; 2)em afastamento da ciência do realismo do sentido co-mum; l) em uma falsa continuidade histórica - basea-da no uso das próprias,palavras -. Até o século XIX pa-rece totalmente evidente que para ittòninar é necessá:rio queimar alguma matéria. Pelo contrário, na lâmpa-da elétrica de fio incandescente de Edison o problemaé ìmpedir que uma matéria queime. A ampola de vidronão serve para pròteger a chama do ar, mas para asse-gurar o vácuo ao redor do filamento. Mas, tanto as,ve-lhas como também as novas Ìâmpadas têm uma únicacoisa em comum: servem para derrotar a escuridão.Portanto, podemos designá.las com o mesmo termosomente adotando este ponto de vista que, afinal, é oponto de vista da vida cotidiana. Na realidade aquela'mudança técnica implica uma complicada teoria dacombustão, que tem a vêr com a igualmente complica-da história da descobeÍa do oxigênio (Bachelard,1949: I04; Bachelard, 19951.

FÍSICa,

.Um estudante de 2" grau da nossa época sabedistinluir entre d peso de um corpo - que varia na me-dida da sua distância da Terra - e a massa de um corpoque, conforme a física clássica ou anterior a Einstein, éa mesma em todos os pontos do universo. O mesmo es'tudante, além disso, conhece a primeira lei de Newtonou. o pincípio de inércia e por conseguinte sabe que, na

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Obstáculos

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ausência de resistências externas, para deter um corpoem movimento linear uniforme é necesúria a aplicaSode uma força e que, portanto, o movimento linear é, as-sim como o estado de repouso, um estado "natural" doscorpos. O referido estudante conhecé também a segun-da lei de Newton segundo a qual é a aceleração e não a.-velocidade a resultar proporcional à força aplicada (ao lcontrário do qui pensava Aristóteles que afirmava.ser aaplicação de uma cèrta força a dar ao corpo uma velo--cidade determinada). Ele sabe, finalmente, algo.que eratotalmente inconcebível na Íísica antiga: que.portanto '

uma força constalxte tmpime q um corpo um movimento ua-riável (uniïormemente acelerado) e que uma forçaqualquer, por menor que seja, é capazde fazer isso comrelação a qualquer massa, por maior que seja. Ele'sabetambém que todo.movimento circular é um moümen-to acelerado e que o moúmento circular não é de modoalgum o protótipo do moyimento eterno dos céus. Nãosó: mas ao contrário do que sustentáva a física anterior.;

'

a Newton e do que pensava o próprio Galllei, aquelemovimento não é de modo algum 'natvÍal', mas deve :ser explìcado considerando-se {existência de -urna forçaproveniente do centro e que o mantém Íora da linhareta que seguiria na ausência daquela força.

A hiitória da física, a partir das elalorações es-colásticas tardias da teoria do imp.etus até as páginascristalinas dos Principia de Newton, é a história de' :uma profunda revolução conceitual qlre leva a módi-

'

ficar em profundidade as noções não só de rt'rovimert-to, mas também de massa, peso, inércia, gravidade,-',-força e aceleração.,Tlata-se, ao mesmo tempo, de um . .novo método e de uma nova concepção geral do uni-verso físico. T!âta-se, além disso, de novas formas dedeterminar as finalidades, os papéis e os objetivos do _.conhecimento da natureza.

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O tnscinrcttto da cíência ntoclcnn tn Etn'opa

Podemos tentar enumerar uma série de convic-

ções das quais foi necessário afastar-se a duras penaspara que chegasse a se constituir ã'assim dita "Íísicaclássica" de Galilei e de Newton. A aparente obvieda-de de tais convicções foi um obstáculo enorme para afundação da ciência moderna. Aquela obúedade nãoestava tigada somente à existência de' tradições depensamento qtr" ' ,--ssuíam raízes antigas e bem fir-mes, mas tambern a su4 maior aproximação ao assimchamado setTso comum. As três convicções que seguern eque a ciência moderna ab.i ,'don,ru totalmente, naverdade se apresentam como "gerteralizações" de ob-servações empíricas ocasionais.

l) Os corpos caem porque são pesados, ou.seja,porque tendem para o ser lugar natural, que é situadono centro do universo. Portanto, eles possuem em sipróprios um princípio intrínseco de movimento e cai-rão com velocidade cada vez maior na medida que sãomais pesados. A velocidade da queda é diretamenteproporcional ao peso: deixando cair ao mesmo tempoduas êsferas pesaniio Ì I(g e 2 I(g respectivamente, ade dois quilos vai tocar o chão antes e a de uìn quilodemorará o dobro do tempo.

2) O meio com que um corpo se move é umelemento essencial do fenômeno movimento, que épreciso levar ern consideração ao determinar a veloci-dade da queda dos corpos pesados. A velocidade deum corpo em queda livre (diretamente proporcionalao peso) em geral era considerada inversamente pro-porcional à densidade do meio. No vazio (em um am-biente isento de densidade) o movimento se desenvol-veria de modo instantâneo,. a velocidade seria infinita,um corpo se acharia em mais lugares no mesmo,ins-tanle. Estes aspectos eram todos argumentos formidá-veis contra a existência do vazio.

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Obstáculos

3) ConsiderSndo que ,,rào o que se move é mo- -vido por outra coisa'qualquer lomne quod movetur abalio movetur), o movimento violento de um corpo éproduzido poï uma força que age sòbre ele. O movi- :mento necessita de um motor qve o produza e o con-serve'em movimento durante o movimento. Não épreciso aduzir alguma causa paia explicar a ,permanência em estado de repouso de um cdrpo, por-que o repouso é o estado natural dos corpos. O moú-mento(qua lquer t ipo ldemoümento :quernatura l ,quer violento) é algo de não-natural e provisóido (fa- 1.zem exceção os "perfeitos" movimentos circulàres ce-lestes) que pára tão logo cessa a aplicação de uma for-ça, e se move tanto mais rapidamente quanto ïnaior é ,a força aplicada. Se a força apliòada é a mèsma, move-se tanto mais lentamente quanto maior for o seu peso.Cessando a aplicação da força cessa rambém o movi-mento: cessat\te causa, cessat eÍïectus; assim, por exem-plo, quando o cavalo párra, pára também a carïoça.

Todas es-tâs três generalizações, como dissemos;nascem da referência a situações ligadas à experiêntia . '., . ,:, ,cotidiana: a queda de uma pluma e a de uma pedra eo movimento de uma carroça puxada por um cavalo.Além disso,' tais situaçõ.r .riao ügudas ã uma concep,-ção antropomórfica do mundo, que assume tanto a!Sensações e os comportamentos; como também as --

. -:

percepçõesdohomem,nasuaconcre tudç ,cÓmocr i .tér iosparaareal idade'Nasraízesdos"erÌos"dafísicados antigos há motivações profundas, radicadas nanossa fisiologia e na nossa psicologia. Por que,'indaga r .René Descartes na obra Principia (16441, normalmente nos enganamos pensando ser necessária uma maior ,a ç ã o p a r a o m o v i m e n t o d o q u e p a r a o r e p o u s o ? c a í - l ' tmos neste erro; eìe escreve - "desde o início da nos- -sa vida", porque estamos acostumados a mover o nos- \

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O rnscinrctto dd cíêtrcin modenn na Enopa

so corpo segundo a nossa vontad€ e o còrpo é perce-bido em repouso somente peÌo fato de que "está gru-dado à Terra rnediante a gravidade, cuja força não per-cebemos". Considerando que tal gravidade resiste aomovimento dos membros e faz que nos cansemos nodecorrer dos nossos movimentos "nos pareceu quehouvesse necessidade de uma força maior e mais açãopara produzir um movimentó do que para pará-Io,,(Descar,tes, 1967: II, 88).

A ciência moderìra não nasceu no campo da ge-neralização'de observações empíricas, mas no terrenode uma análise capaz de abstrações, isto é; capaz de dei-xar o,nível do sentido comum, das qualidades sensí-veis e da experiência imediata. O instrumenio princi-pal que tornou possível a revolução conceituâl da físi-ca, como é notório, Ioi a matematização da física. E paraos seüs desenvolvimentos deram contribuições decisi-vas Galilei, Pascal, Huygens, Newton e Leibniz.

CosvorocreCreio ser oportuno insistir mais ainda sobre al-

guns outros aspectos fundamentais daquele milenarsistema do mundo para cuja destruição Copérnico,Tlcho Brahe, Descartes, I(epler e Galilei deram contri-buições decisivas. ì

Em primeiro lugar, é necessário nos referirmosà distinção entre mmdo celeste e mundo terrestre, entremoviffientos naturais e movimentos violentos. Na filoso-fia aristotélica o mundo terrestre ou sub lunar resul-ta da mistura de quatro elementos simples: Terra,Ãgta, Ar e Fogo. O peso ou a leveza de cada corpodepende da diferente proporção com que os quatroelementos são mesclados nele, fazendo que a Terra e

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-Obstáculos

a Água tenham uma tendência natural para baixó,ao passo que o Ar e o Fogo tendem para o alto. O de-vir e a mutação do mundo sublunar são causadospela agitação ou mistura dos elementos, ô movi- )mento natural de um corpo pesado é dirtgido parabaixo, enquanto o de um corpo.leve se dihge para oalto: o movimento linear para o alto ou para baixo(concebidos corno absolutos e não relatìvos) depen- _dem da tendêrtcia natural dos corpos a alcançarem oseu lugar natural, isto é, a situação apropriada quecabe a eles por natureza. A experiência cotidiana daqueda'de um.corpo'sólido no ar, bem como do fogoque sobe païa o alto, das bolhas de ar que vêm à tonana água confirma a ieoria. Mas a experiência nos co-loca também, continuamente, diante de outros'mo-vimentos, como, poï exemplo: uma pedra lançadapara o alto, uma flecha projetada pelo arco, .umachama desviada para baixo pela força do vento. Es:tes são os movimentos violentos, devidos à'ação de uma

.força externa, que se opõe à natureza ão objeto agin-do sobre ele. Cessante causa, cessat effectus: quando aforça deixa de agìa o objeto tende avoltar para o lu-gar que lhe cabe por natureza.

O conceito de movimento na física dos aristoté-/ '

licos, não coincide com a idéia de movimento da físi-ca dos modernos. Em geral, movimento é toda.passa-,gem do ser em potencial para o ser em ato. Para Âris- ,-tóteles, tal movimento se configura como'movimentono espaço, como alteração nas qualidades, como geração ecorntpção na esfera'do ser. No "movimento'f são impli-cados fenôrnenos Íísicos e fenômenos que nós deno-minamos,quítnicos e biológicos. O movimento não éum estado dos corpos, mas um.devir ou urn processo.Um corpo em movimento,não muda somente em re-lação a outros corpos: ele próprio,. por estar em movi-

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O nascíntetto ela ciôrrcia ntodenn ln Ettropd

mento, está sujeito à mutação. O movimento é umaespécie de qualidade que afeta o corpo.

. O mundo terrestre é o mundo da alteração e da -

mutação, do nascimento e da morte, da geração e dacorrupção. O Céu, ao contrário, é inalterável e perene,

-os seus movimentos são regularei, neìe nada nasce enada se corrompe, mas tucÌo é imutável e eterno' Asestrelas, os planetas (o Sol é um deles) que se movemao redor da Terra não são formados pelos mesrnos ele-mentos que compõem os corpos do mundo sublunar,mas por um quintp elemento divino: o éter ou quinta

essentia, que é sólido, cristalino, imponderável, trans-parente e não sujeito a alterações. As esferas celestessão feitas da mesma matéria. Sobre-o equador ilestasesferas em rotação (como "nós em uma tábua de ma-deiral') são fixados o Sol, a Lua e os outros planetas.

Ao movimento retilíneo, variado e limitado notempo (que é próprio do mundo terrestre) se contra-

' põe o movimento circular, uniforme e perene das es-feras e dos corpos celestes. O movimento circular éperfeito e por conseguinte adequado à natureza per-.feita dos céus.,Tal movimento não tem início e nãbtem Íim, não.tende para coisa alguma, retornando pe-

renemente sobre si próprio e pÌosseguindo eterna-mente. O éter, com exceção para o mundo terreslre (omundo sttb lunarl, enche o universo inteiro' O univer-so é finito pelo fato de ser limitado pela esfera das es-trelas fixas. A esfera divina, isto é, o primeiro móveÌ,transporta as estrelas fixas e produz aquele movimen-to que se transmite, por contato,'às oufras esferas,chegando até o céu da Lua que constitui o limile infe-rior do mundo celeste. Por natureza, não pode caber àTerra nenhum movimento circular. Ela está imóvel nocentro do universo. A tese da sua cenmalidade e imo-biliclade não só é confirmada pela óbvia experiência

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Obstáculos

cotidiana,'mas é um dos fundamentos ou pilares detoda física aristotélica,

. A grandioía máquina celeste teorizada por Aris-tóteles e que, em seguida, foi se modificando e com-plicando de vários modos nos séculos sucessivos, na

, realidade era a transposição, no plano da realidade ãda física, do modelo, puramente geométrico e abstra-to, elaborado por Eudóxio de Crrido na primeira me-tade do século fV a.C. As çsferas de que Eudóxio fala-ra não eram entes fíSicos reais, cofno mais tarde foramentendidas por Aristóteles, mas meras fiçções ou arti-fícios matemáticos visando a.dar uma explicação, me:diante uma construção intelectual, às aparências sen:síveis, isto é, visando a justificar'e explicar o movi-mento dos planetas e tentar "resguardar os fenôme,nos" ou justificar as aparências.'

Tal contraposição de uma astronomia concebidacomo construção de hipóteses a uma astronomia'quevisa a apresentar-se como uma descrição de eventos.reais,'terá grande importância. Em todo o caso, o di-vórcio entre a cosmologia e a física de um lado e umaastÌonomia meramente,"calculista" e matemática deoutro, iria se acentuando no mundo antigo, na épOcaque viu Alexandria do Egito no centro da cultura filo-sófica e. científica. Com efeito, encontramos tal con$:trução teorizada explicitamente pelo maior astrôno=mo da antigüidade: Cláudio Ptolomeu, què viveu emAlexandria no segundo século da era cristã. For maisde um milênio a obra Syntaxis, comumente conhecidacomo Alytagesto, permar'ece como aligerce do saber as-trológic/ e astronômico.

As esferas de Aristóteles eram entes reals, sóli,dos ê cristalinos. Os movimentos excêntricos e osepiciclos de Ptolomeu (que cómeça sempre a eipoì--ção dos movimentos planetários com a expressão

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O nascimerfio da cíência noílentd rn Eurooa

"imaginemos um círculo") não têm realidacle física.Como af i rma Proclo (410-485 dC), são somente o re-curso mais simples para explicar os movimentos dosplanetas. A astronomia era apresentada por Ptolo-meü como campo de atividade para os matemáticos,não para os físicos. Mas o quadro compÌicado do uni-verso que na essência ficou firme até a época de Co-pérnico não é redutível às doutrinas lembradas atéagora. Na realidade, foi uma mistura de física aristo-télica e de astronomia ptolemaica, inserida em umacosmologia oue chegaria amplamente'não só ao mis-ticismo das correntes neo platônicas, mas também àsconcepões da astrologia, à teologia dos Padres daIgreja e às idéias dos filósofos da Escolástica. Para ter-mos uma idéia a esse respeito, basta pensar no uni-verso de Tomás de Aquino (1225-741 ou naqueledescrito na Divina Comédia de Dante Alighieri (1265-1321) onde às esferas celestes correspondem as vá-rias potências angéÌicas.

Simplificando muito as coisas, é possíve} tentaÌenumerar os pressupostos que foi preciso destruir eabandonar païa constmir uma nova astronomia.

I ) A distinção de princípio entre uma física doCéu e uma física terrestre, que resultava da divisão douniverso em duas esferas, uma perfeita e a outra su-jeita ao devir.

2) A convicção (que seguia'deste primeiro pon-to) do caráter necessariamente circular'dos movimen-tos celestes.

3) O pressuposto da imobilidade da Terra e dasua centralidade no universo que era comprovâdo poruma série de argumentos de aparência irrefutável (ombvimento terrestre projetaria para os ares objetos eanimais) e que encontrava uma confirmação no textodas Escrituras.

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Obstáculos

4) A crença.na finitude do universo e em ummundo fechado que está ligada à doutrina dos lugareinaturais.

5) A convicção, conexa estritamente com a dis- -

tinção entre mevimentos naturais e violentos, de quenão há necessidade de aduzir nenhuma causa para ex-plicar o estado de r.epouso de um co{po, ao,passo que,ao contrário, todo movimento deve ser explicâdo ou.como dependente da forma natural do corpo ou comoprovocado por um motor que o produz e o conserva.

ó) O divórcio, que se havia Íortalecido, entre ashipóteses matemáticas da astronomia e a física. ,

No decorrer de quase cem anos (aproximada-meúe de 16IO a LTlOl cada um destes piessúpostosfoi discutido, criticado ou rejeitaclo. Daí, por meio deum processo difícil e por vezes tortuoso, resultou umanova imagem do universo físico destin4da a encóntraro seu cumprimento na obra de Isaac Newton, isto é,naquela grandiosa construção que, a partii de Einstein,hoje chamâmos de "lísica clássica". Na verdade, po-rém, tratou-se de uma rejeição que pressupunha ur4amudança radical de quadros mentais e de categoriasinterpretativas e que implicava uma nova ionsidera-ção da natureza e do lugar do homem na natureza.

Vn uEcÂNrco, Junto com o tipo de obstáculos que chamaram

a'atenção de Bachelard e que.se referem ao conheci-mento e às formas de "olhar o mundo"- na era queviu a dífícil aÍirmação da ciência moderna - existemopiniões e atribuições de valor que têrn a ver com aestrutura da sociedade e com a organização trabalhis-ta, bem como com a imagem do homem culto e do sá-bio que predomina na sociedade, domina.ndo nas or-

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O tnscintetto da cìência ntodenn na Europa

ganizações dentro das quais é elaborado e transmitidoo sabeï. Algumas dessas opiniões se configuram tam-bém como obstáculos muito difíceis de superar.

Nas raízes da grande revolução científica do sé-culo XWI se situa aquela compenetração entre técni-ca e ciência que marcou (para o bem ou para o mal) ainteira civilização do Ocidente e que, naò formas queassumiu nos sécuÌos XVII ,e XVItr (estendendo-se ãmseguida para o mundo inteiro), não existia tanto na ci-vilização antiga como rambém naquela da Idade Mé- -dia. O termo grego banausía significa arte mecânica outrabalho manual. Cálicles, na obra Górgìas de platão,afirma que o construtor de máquinas deve ser despre-zado, merecendo a alcunha de bánausos em sinal demenosprezo, acrescentando que ninguém desejariadar a própria filha em casamento a um sujeito destetipo. Aristóteles excluíra os "operários mecânicos,, daclassificação dos cidadãos e os diferenciara dos escra-vos só peÌo fato de que atendem às solicitações e àsnecessidades de muitas pessoas ao passo que os escra-vos serveJn a uma úrnica pessoa. A oposição entre es-cravos e pessoas livres tendia a se resolver na oposiçãoentre técnica e ciência, entre formas de conhecimen-tos voltadas para a prática e para o uso e um conheci-mento voltaclo para a contemplação da verdade. Odesprezo pelos escravos, consideracÌos inferiores pornatureza, estende-se às atividade que eles exercem.As sete artes liberais do trívio (gramática, retórÍca, dia-lética) e do quadrívio (aritmética, geometria, música eastronomia) se chamam liberais porque são as artespróprias dos homens livres em contraposição aos não-livres ou escravos que exercem as artes mecânicas oumanuais. O conhecimento não subordinado a fins quesejam externos ao seu objetivo essencial constitui,tanto ern Aristóteles como também na tradição aristo-

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Obstáculos

télica,- o único saber no qual qe realiza a essência dohomem. O eïercícis da sophía requer bem-estar, exigeque as coisas necessárias para.a vida já tenham sidoasseguradas. As artes mecânicas são necessárias à filo-sofia, constituindo os seus pressupostos, mas são for-mas inferiores de conhecimento, mergulhadas dentrodas coisas materiais e sensíveis, ligadas à frática e àatividade das mãos. O ideal do sábio e do homem cul-to (como'aconteceria também na filosofia dos estóicose dos epicureus e mais tarde no pensamento de Tomásde Aquino) tende a coincidir com a imagem daquel'eque dedicà a própria vida à cgntemplação na eòpera dealcançar (para os pensadores cristãos) a beatitude dacontdmplação de Deus.

O elogio da vida ativa, que está presente emnumerosos autores do século XV, o elogio das mãos,que consta nos textos de Giordano Bruno, bem comoa deÍesa das artes mecânicas, que aparece em muitostextos de engenheiros e de consJrutores de máquinasdo século XVI e que é retomada por Bacon e por Des-cartes, à luz destas considerações, adquire um signiÍi-cado muito relevante.

Em uma obra das mais conhecida da técnica claRenascença, a De re metallica (1556) de Jorge Agricola(Georg Bauer), encontramos uma defesa apaixonadada arte dos metais. Todavia, ela é acusada de ser "in-digna e vil" em comparaçãd com as artes liberais: Paramuitos ela se conÍigura como um trabalho seMl "ver-gonhoso e desonesto para o homem livre, isto é, parao homem distinto, honesto e honrado". Mas o "meta-'lúrgico", na opinião de Bauer, deveria ser pdrito naidentificação dos terrenos, das minás, das várias espé-cies de minerais, pedras preciosas e metais, Ele, por-tanto, vai piecisar da filosofia, da medicina, da arte decalcular, da arqúitetura, da arte do desenho, bem

+t

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O ttascinrctto da cíêrda ntodenn rn Europcl

como da lei e do direito. O trabalho dos técnicos nãopode fical separado do trabalho dos cientistas. Porisso, Bauer responde aos que, sustentando a teseoposta, baseiam-se na contraposição .livres-servos,que também a agricultura em Çerta época ioi pratica-da pelos escravos, como também que servos contri-buíram para a arquitetura e que não poucos médicosilustres foram escxavos (Agricola, 1563: I'21 .

Na obra Mechanicontm lìbri de Guidobaldo delMonte publicada em Pésaro em 1577 encontramosesta mesma defesa, baseada em argumentos análogos:em muitos lugares da Itália "se costuma apelidar, al-guém de mecânico por escárnio e insulto, e alguns fi-cam irritados por ser chamados de engenheiros".'Otermo mecânico, no entanto, indica um "homem dealta colnpetência, que por meio das mãos e do enge-nho sabe executar obras naravilhosas". Arquimedesfoi principalmente um mecânico. Ser mecânico gu en-genheiro "é uma profissão de pessoa digna p distinta,pois mecânico é palavra grega que significa uma coisafeita com artifício e'em geral implica todo artefato, ini'vento, instrumento, guindaste, prensa ou todo inven-to rnagistralmente criado e lavrado em qualquer ciên-cia, arte e trabalho" (Guidobaldo, 158-Ì: Aos leitores).

Para entender o significado destas "defesas" dovalor cultural da técnica vale a pena'Iembrar que noverbete mécanique o Dictionnaire fi'ançais de Richelet(publicado em l680) trazia ainda a seguinte definição:"o termo mecânico, com referência às artes, significa oque é contrário ao conceito de liberal e de honrado:tem sentido de baixo, vulgar, pouco digno de umapessoa honesta". As teses de Cálicles ainda continuamvivas no século )CVII. mecânico vil é um insulto que,quando for dirigido a um fidalgo, leva-o a desembai-nhar a espada,

+ L43

ObstácuÌos

Na verdade,. algu4s grandes temas da cultura

européia estão ligados à discussão em torno das artes

mecánicat que atinglu uma extraordinária intensida-

de entre meados do século XVI e meados do século

XVü. Nas obras dos artistas e dos inventores, nos tra-

tados dos engenheiros e dos técnicos vem abrindo ca'.

minho uúa nova consideração do trabalho, da função

do saber técnico, do significado que têm os processos

artificiais de alteração e transformação da natureza.

Também no domínio da Íilosofia emerge lentamenteuma avaliação das artes muiÍo diferente daquela'tradi--cional: alguns dos processos usados pelos -técn{cos e

artesãos para modificar a natureza servem parâ o cor

nhecimento da realidade. natural, ajudando 'aliás a

mostrar a "ttatureza em movimento" (como em segui-

da se afirmaria em polêmica explícita com as filosofias

tradicionais).Somente levando em conta este contexto a pos-

tura assumida por Galilei adquire um significado exa-

to, a qual, na verdade, está na raiz das suas graqdes

descobertas'astronômicas. De fato, em 1ó09 Galilei

apontava para o céu a sua luneta (ou telescópio). O

qtre determina uma revolução é a conftança de Galilei

em um instrumento qrre nasceu no ambiente dos me-

cânicos, ,aperfeiçoado somente mediante a. prâtica,

acolhido parcialmente nos meios militares, mas igno:

rado, quando não desprezado, pela ciência oficial' O

telescópio nascera nos ambientes do artesanato ho-

landês. Galilei o reconstruíra e o apresentara em venL-

za em agosto de ló09, para presenteá-lo, em seguida,

ao governo da Senhoria' Para Galilei, o telescópio não

é um dos numerosos instrumentos curiosos, construí-

dos para diversão dos homens de poder ou para a uti-

lidade imediata dos militares. Ele-o usa e o dirige para"'o

céu com espírito metódico e com mentalidade cien- -

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O rnscinrcrto cla ciêtda ntodenta na Etropa

tífica, transformando-o em um instrumento da ciên-cia. Para aüeditar naquilo que se vê com o telescópioé preciso crer.que aquele instrumento serve não paradeformar, mas para potenciar a visão. É pleciso conside-rar os instrumentos como uma fonte de conhecimen-to, abandonar aquela antiga e enraizada concepção'antropocêntrica que considera a visão natural dosolhos humanos como um critério absoluto de conhe-cimento. Faìer entrar os instrumentos na ciência, isto é,concebê-los como fonte de verdade não foi um em-preendimentÒ'fácil. Ver, na ciência do nosso tempo,significa, quase que exclusivamente, interpretar sinaisgerados por instrumenlos. Nas origens daquilo que hojenós vemos nos céus há um gesto inicial e solitário decoragem intelectual.

A defesa das artes mecânicas contra a acusaçãode iridignidade, bem como a recusa de fazer coincidiro horizonte da cultura com o horizonte das artes libe-rais e as operações práticas com o trabalho servil im-plicavam na reaÌidade o abandono de uma imagemmilenar da ciência, isto é, implic4vam o fim de umadistinção de essência entre o conhecer e o fazer.

44 45

capítulo 2

SEGREDOS

"MARcARITAE AD PoRcos"

Há uma passagem no Evangelho de Mateú(7,6) em que Jesus afirma: "Não deis as êoisas sanias'aos cães, nem atireis'as vossás pérolas aos porco3,porque eles poderiam pisá-las e, voltando-se vosdespedaçar". O que é precioso não é para todos, a ver-dade deve ser maútida secreta, pois'a sua difusão é pe-rigosa: é desta forma que numerosíssimos autores le-ram aquela passagem do Evangelho.

_ A tese de um saber secreto das coisas essenciais,cüja divulgação poderia tÍazer conseqüências nefaífas,configurou-se durante inuitos sébulos na cultura eu-'ropéia como uma espécie de paradigma dominante..Somente a difusão, a persistência e a continuidade-histórica deste paradigma do segredo conseguem,, ex-plicar a dureza e a força polêmica que está prese4teem muitos textos dos assim chamados pais fundado-res da modernidade. De fato, eles de forma concorderecusam a distinção sobre a qual aquele segredo,sefundava: a distinção entre a exígua falange dos,sábiosou "verdadeiros homens"-e o promiscuum hominum ge-nus, isto-é, a massa dos incultos. ,'

, \- a

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O nascit leilto tta ciêtrcia ntoctenn na Europa

O sesrR HERMÉTrco

A comunicação e a difusão do saber bem comoa discussão pública das teorias (que para nós são prá-ticas correntes) nem sempre foram percebidas comovalores. No entanto se tornaram valores. Na verdade, à.comunicação como valor foi sempre contraposta -desde as origens clo pensamento europeu - uma ima-gem diferente do saber, isto é, como iniciação e comoum patrimônio que somente poucos podem alcançar.

Os Secreta secretorum (uma obra atribuída a Aris-tóteles) tiveram na Idade Média uma ampla divulga-ção. Em Iorma de carta, Aristóteles revela ao seu dis-cípulo Alexandre Magno os segredos reservados aosmais íntimos enue os discípulos abrangendo medici-'na, astrologia, fisionomia, alquimia e magia. Deste li-vro, que Lynn Thorndike qualifica como "o livro maispopular da Idade Média", foram descobertos nas bi-bliotecas européias mais de 500 manuscritos. Entre-tanto, a literatura sobre os segredos fica alheia aomundo das grandes universidades medieqais. Mas cir-cula amplamente também entre os grandes expoentes -da nova cultura. No fim do século XIII, Rogério Baconteoïiza uma scie:ntía experimentahs que (como justa-mente notava Lynn Thorndike) para 2/3 é herméticae úão transmissível ao mundo doi prôfanos: ,,Os sá-bios omitiram tais assuntos em seus escritos ou tenta-ram ocultá-los sob uma linguagem metafórica [...].Como ensinaram.tanto Aristóteles no seu livro sobreos segredos, como também o seu mestre Sóirates, ossegredos das ciências não são escritos em peles de ca-bra ou de ovelha de tal modo a torná-los acessíveis àsmultidões" (Eamo4, l99O: 336).

A distinção entre dóis tipos de seres humanos,que teve origem em correntes.gnósticas e averroístas,

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Segredos

-amul t idãodoss imp lesedos ignoranteseospoucos

eleitos,que são capa2es de captar a verdade escondidadebaixo da escrita e dos símbolos e que são iniciadosaos sagrados mistérios - está ligada firmemente à visãodo mundde da história que foi própria do hermetismo.Encontramos de qovo tal distinção expressa clara-mente nos catorze tratados do'Corpus hermetiatm, queremontam ao século II depois de Cristo e que MarsílioFicino (1433-99l'traduziu entre I4ó3 e 1464. Aquelestextos tiveram antes uma enoÌïne difusão mahuscritae entre l47l e ó fim de 1500 foram publicados em de.:zesseis edições. Marsflio Fícino atribuiu tal obra-(e, talopinião foi sustentada em seguida durante todo o sé- '

culo XVI e as primeiras dó.adas do século XVII) aolendário Hermes Trismegistô, fundador da-religião dosEgípcios, contêmporâneo de Moisés e mestre/ indire-tamente, de Pitágoras e de piatão. O grande renasci-mento da magia no final do século XV e no século XVIestá ligado a esses textos, continuando os mesmos ainfluenciar fortemente a cultura européia até meadosdoséculoXVtr.Todaagrandeherançamágico' .astro.lógica do pensamento antigo e da Idade Média es.tava' ."

inserida em um quadro platônico-hermético amplo 9orgânico por meio daqueles escritos. Nesse quadro dci-minam não só a.tendência a captar a Unidade que, no-' .fundo, subtende as diferenças, mas também a aspira-

ção a conciliar as distinções e a exigência'para umapacificação total na Unidade-Totaüdads

Os limites entre filosoÍia natural e sâber místi-co, entre u iignr" do indivíduo que conh€c€ â.râtür€: .za e realiza experiências e a imagem do hòmem qu€'(como Fausto) vendeu a alma ao diabo para conhecerè dominar a natureza pareceram muito frágeis e sutisaos homens daquela época. A natureza, pensada pelacultura mágica, não é somente matéria contínua e ho-.

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O tnscimetto da ciêttcia modenn nd Eurond

mogenea que enche o espaço, mas é uma realidadetoral que tem em si própria uma alma, um princípiode atiüdade interno e espontâneo..Tal alma_substân_cia, como para os antigos pensadores jônios do séculoV aC, está ,,cheia de demônios e de dèuses,,. Cada ob_jeto do mundo é repleto de simpatias ocultas que o li_gam ao Todo. A matéria é impregnada de divìng. asestrelas são animais vivos diünos. O mundo é a ima_gem ou o espelho de Deus e o homem é a imagem ouo espelho do mundo. Entre o grande mundo oD ma_crocosmos e o microcosmos ou mundo em tamanho pe_queno (e o homem é assim) existem corre3pondênciasexatas. As plantas e as selvas são os cabelos e os pelosdo mundo, as rochas são os seus ossos, as águas sub_ -terrâneas as suas veias e o seu sangue. O ser humanoé o umbigo do mundol Está no seú centro. Enquantoespelho do universo, o homem é capaide revelár e decaptar aqueÌas correspondências secretas. O mágico éaqììele que sabe penetrar no interior desta rearidadeinfinitamente complexa, dentro deste sistema de conrespondências e de caixas chinesas que remetem parao Todo, dentro das quais o Todo estã fechado. Elá co_nhece as coÌrentes de correspondências que descemdo alto e sabe construir - pgr meio de invocações, nú:m'eros, imagens, nomes, sons, acordes. de sons, talis_mãs - uma corrente ininterrupta de elos ascendentes.O amor é o nodus ou a junção que aproxima indissolu_velmente entre si as partes do mundo. Na opinião deFícino elas parecem ,,coligadas umas às outras poruma espécie de caridade recíproca [...], membros deum único animal, reciprocam.rrt" .",rriáu, pela comu_nhão de uma única natuïeza,,. Daí vitalismo e ani_mismo, organicismo e antropomorfismo são caracte.rísticas constitutivas do pensãmento mágico. Nele do_mina, como viram com clgreza Freud e Cassirer. a

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Segredos

idéia da identificação entre o eu e o mundo, bemcomo a idéia da 'aonipotência do pensamento'.

O mundo mágico.é compacto e totaliüírio. Nãose racha facilmente, nem suporta desnièntidos. O cará-tersensacionalista dos feitos realizados pelo mágico não

eferece Íalvez uma prova da sua pertença ao escalãodos eleitos? E a distinção entre os escolhidos e o povãonão implica talvez o segredo dç um patrimônio deidéias em que as verdades profundas devem ser oculta-das a ponto de parecerem não identificiáveis? A extre-ma dificuldade dos processos não depende talvezda in-capacidade da maioria dos homens de se aproximaremde tais verdades? E a ambiguidade e alusividade da ter-minologia não dependem talvez da complicaçâo dosprocedimentos e da necessidáde de reservar o conheci-mento a p_oucos,indivíduos? Ou será que compreendera verdade não mediante ahnguagem que é usada, masapesar de tal linguagem, não é talvez um meio parà ve-rificar a própria pertença à exígua classe dos eleitos?

' Na verdade, como foi repetido muitas vezes/ amagia tende sempie a se resolver em psicologiâ bu.ém re-ligião. Porém jamais coincide nel4 com a psicologia,nem com a ,religião, nem'conì o misticismo.'Assimcomo na astrologia convivem çálculos sofisticadós bvitalismo antropológico, do mesmo modo. na.magia ena alquimia, convivem misticismo e expefmentalis:mo. Os livros da'grande,magia da Renascença se apre-sentam aos nossos olhos cóÌno o fruto de uma mistu-ra estranha. Com efeito, no mesmo manual encontra-mos páginas de ótica" mecânica, química, beú comorëceitas de medicina, ensinamentos técnicos sobre acoristrução de máquinas e de jogos mecânicos, codifi'cação de escrituras secretas, receitas de culinária, devenenos para verïnes e ratoS, conselhos para pescado-res, caçadores e pàra as- donas de casa. Encontram-se

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O tnsdnrctúo da cíêrtcia noclenn trc Eil, opa

também sugestões referentes à higiene, à substânciasafrodisíacas, ao sexo e à vida sexuáI, retalhos,de me_tafísica, reflexões de teologia mística, alusões à tradi_ção sapiencial do Egito e dos profetas bíblicos, reÍerên_cias às filosofias clássicas e aos mestres da cultura me_dieval, conselhos para os ilusionistas etc. E não é sóisso. A magia, de fato, relaciona.se profundamentetambém com projetos de reforma da cultura _ bastapensannos em Giordano Bruno, borriélio Agrippa,Tommasg Campanella etc; ela tende para o Milenaris:mo, para aspirações a uma renovação política radical.

A linguagem da aÌquimia e da magia é ambíguae aÌusiva porque não tem qualquer senriáo que a iõéiade uma verdade oculta ou de um segredo possa serexpressa com clareza e com palavras não alusivas e.não ambíguas. Aquela linguagem é estruturalmente e

nem semente pela ra^ão natural, nem só pela expe_riência poïque ele - à guisa de um mistériã divinà _está acima da razão e acima da experiência,, (Bono deFerrara, 1602:123).

. Os alquimistas não falam de ourô reàl ou de en-xofre concreto. O objeto jamais é simplesmenre o queé em si próprio; ele é também sinal dè outra coisa, re_ceptáculo de uma realidade que transcende o nível emque tal objeto existe. por isso, o químico que hoje exa_mina as obras aÌquímicas ,,experimenta a mesma im-pressão que sentiria um pedreiro que desejasse haurirde um texto da maçonaria inÍormações práticas para oseu trabalho" (Taylor, 1949: Il0). Os iniciados, justa_mente porque compreendem os segredos da Arte,"corroboram com isso a sua pertença ao grupo dqs ilu_

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Segredos

minados". Todos os cultores da Arte, escreve Bono deFerrara, "entendern-se entre si como se falassem umaúnica língua que é incompreensível a todos os outros,sendo conhecida somente por eles mesmos' (Bono deFerrara, 1612: I32), Na obra-Ìufagia adâmica ThomasVaughn afirma que o conh.ecimento é feito de visões ede revelações, por isío o ser humano pode chegar auma compreensão total do universo só mediante a di-vina iluminação (Vaughn, 1888: 103).

A distinção entrè hòmo animalis e.homo spiritua-/li, bem como á separação entre os homins simples e ros letrados se transforma na identificação dos objetivosdo saber com a salvação e a perfeição individuais. Aciência coincide com a prrrificação da alma e é um-meio para fugir do destino terreno. O conhecimento'intuitivo é superior ao conhècimento iacional; a inte-

'

ligência oculta das coisas se identifica com a libenaçãodo mal: "56 paÍa vocês, os filhos da doutrina e da sa-bedoria escrevemos esta obra. Escrutem o livro, procu-rem colher o saber qtre,espalhamos em vários lugáres. ,'O que ocultamos em um lqgar o manifestamos em bu-, ,tro [...]. Não quisemos escrever a não ser parâ vocês,que possuem um espírito puro, cuja Ínente é casta epudica, cuja fé ilibada teme e reverência a Deus t..il. .Só vocês acharão a doutrina que reservámos somentd-,'paravocês .osmis té r ios ,ocu l tadospo imui tosen ig .mas, não podem se tornar transparentes sem a inteli-gência oculta. Se vocês conseguirem tal inteligênda, sô .então toda a ciência mágica penetrará em vocês e se ,manifestarão em vocês aquelas virtudes já adquiridaspor Hermes, ZoroastÍo, Apolônio e por outros reaüza-dores de coisas maravilhosas" (Bauer, l55O;I,4981 .

Ad laudem, et gloria altissimi et omnipotenti Dei,cuiús est revelare nis pradestìnatis seteta scientiaram: otema do segredo se apresenta já nas primeiras páginasdo Picatrix e reaparece continuamente em seguida. A

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O tnscünuúo da ciêrrcía tnodann na Europd

magia foi ocultada pelos filósofos manrendo_a cuida_dosamente escondida usando. ao falar palavras ,;.;;-tas. Eles fizeram isso para o seu próprio bem: si haecscientia hominibus esset discoperta, coìfiutderent univer-sum. Poï isso, a ciência se divide em duas parres umadas quais é manifesta e a outra oculta. A parte .ò;i;;é- profunda: as paÌavras que se referem à ordem domundo são as mesmas que Adão recebeu de Deus epodem ser entendidas apenas por pouquíssimos indi_víduos (Perrone Compagni, I975:lgq.

Face ao tema do segredo, o que impressionanão é a variedade das fórmulas mas à sua imtrtabili-dade. Em escritos compostoí em épocas diferentes

. voltam constantemente os mesmos autores, as mes_. mas citações, os mesmos exemplos. Na obra de Cor_

nélio Agripa, por exemplo, encontramos escrito quePlatão. impediu a divulgação dos misférios, pitágoiase Porfírio obrigavam os seus discípulos a guardarãm osiÌêncio a respeito; Orfeu exigia o silêncio sob jura_mento e o mesmo fazia Tertuliano; Teódoto iicoucego por ter tentado penetrar os mistérios da escritu_ra hebraica. Indianos, Etíopes, persas e Egípcios faÌa_vam somente por meio de enigmas. plotino, Orígenese os outros discípulos de Amônio juravam não reve_lar os dogmas do mestre. o próprio Cristo oculrou asua palavra de forma que somente os discípulos maisconÍiáveis pudessem entendê_lo e proibiti explicita_mente de lançar aos cães as carnes consagraclas e aspérolas aos porcos. ,,Toda experiência mágìca aborre_ce o público, precisa peflnanecer oculta, fortalecen_do-se no silêncio e sendo destruída quando for decla.,rada" (Agripa, 1550: I, 4gS).

A verdade se transmite mediante o contatopessoal e pelos ,,murmúrios das tradições e os discur_sos orais". A comunicação direta entre o mestre e o

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. Segredos

discípulo ( o instrumento privilegiado da comunica-

ção: "Não sei se alguém, sem um mestre confiável e'experiènte possa compreender o sentido só pela lei:-tura dos livros [...]. Tais coisas não são confiadás às le-tras nem escritas com a caneta, mas são inÍundidasdeespírito para espírito mediante palavras sagradas"(Ibid: II, 904). /

O snsrR PUBLrco

No Ocidente, as figuras dominantes no mundoda cultura, durante uns mil anos (quer dizer ao longo

..

de dez séculos da Idade Média) são o santo, o lngnge,o médico, o proÍessor universitário, o milita4 o àrte-sâo e o mágico. Mais tarde ao lado dessas figur4sacrescentam-se aquelas do humarlista e do fidalgo da.corte. No período que vai de meados do século XVI atémeados do século XVII aparecem outros personagensnovos: o mecânico, o lìlísofo naturalista, o artista viftuo-so ou livre empreendedor. Os objetivos perseguidos' '

por ,tais -personagens novos não são a sãntidade, aimortalidade literária, ou a realização de milagres câ-pazes de encantar o povão. Além disso, o novo sabercientífico nasce .no terreno de uma áspera poiêmi."contra o saber dos. monges,' dos escolásticos, dos hu-manistas e dos professores. Por isso, em ló40, em uma :moção dirigida ao Parlamento, John Hall escreve quenas universidades não se ensinam nem a química,nèrrt a anatomia, nem as línguas, nem os experimen-tos. Na verdade, é como se os jovens tivessem apren-dido há três mil anos atrás toda a ciência redigida emhieroglíficos e, em seguida, tivessem ficado dormindocomo múmias para acordar somente agora.

Uma forte oposição ao saber- secreto dos mági-cos e dos alquimistas emerge, agora, não tanto do

/

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O tnscínrctÍo da ciêtrcia ntotlenta na Europa

mundo dos filósofos, rhas antes do mundo dos enge-nheiros e dos mecânicos. Já em 1540 Vannoccio Bi-ringuccio - como consta na sua obra pirotechnica - ti-nha idéias muito claras a respeito desses âssuntos. Osalquimistas são incapazes de codìficar os meios e olhamimediatamente para os fins, aduzindo ,,mais a autori-dade de tesremunhos do que razões de possibilidades,ou efeitos que possam demonstrar. Entre tais teste:munhos há quem cite Hermes, enquanto ourros pre-ferem se referir a Arnoldo, a Raimundo, a Geber, aOcam, a Cratero, a São Tomás, ao parisìen-se, ou a umtal de Írei Elias da Ordem de São Francisco aos quais,devido à dignidade da sua ciência Íilosófica ou pelasantidade, pretendem que se lhes preste um certoobséquio da fé, ou que, quem os escura, fique caladocomo um ignorante ou confirme aquilo que dizem,,(Biringuccio, 1558: 5r). Ao contrário de Biringuccio,que era uma pessoa de escassa informação cultural,Jorge Agricola (Georg Bauer) tinha lido muiros livros.Mas na obra De re metallica, editada em t 55ó (um tex-to que ficava preso com corrente aos aÌtares das igre-jas do Novo Mundo para que servisse como um ma-nual para todos) manifestá com força a polêmica con-tra um saber incomunicável.por princípio: ,,Muitosli-

vros tratam desse assunto, mas todos de difícilcompreensão; pois estes escritores não chamam ascoisas com seus próprios nomes e vocábulos, mascom nomes estranhos e inventados pela própria cabe-ça da forma que ora um autor, ora outro imaginoupara si um termo diferente para a mesma coisa,,(Agricola, 1563:4-5).

Mais tarde, inclusive uma série de razões sociaise econômicas tendem'a fortalecer, no âmbito do mun-do dos mecânicos o valor do "segredo,,. Muitos arte-sãos e engenheiros da Renascença insistem na eporru-

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Segredos

nidade de manter ocultos os próprios inventos: não i '' ,

porque o povo não seja digno de conhecê-los, mas por

razões econômicas. As primeiras patentes remontam : :

ao início do século XV, Mas o aumento do número daspatentes ocoïïe de forma explosiva no século XVI (cf' /

Eamon, 1990; Maldonado, 1991).Na época das guerra$ religiosas quê subverte-

ram a Europa. os homens que constituem os primeiros. ' ' 'l

grupos daqúeles que se autodefiniam "filósofos natu'iais], no interior da sociedade malor em que viviam, . . .

construíram sociedades.. menores e mais tolerantes."Quando morava em Londres - escreve John Wallis 1: '

em tó45 - tive a oportunidade de conhecer váriaspessoas que se oopavam daquilo que âgora se chamaiilosofia ,rorru ou ixperimenial. Dos nossos discursos ,'

') ::

t ínhamosexcluídoateologia,poisonossointeressesevoltava para matérias como física, anatomia, geomé- '

tria, estática, magnetismd, química, mecânica e expe-riências naturais".

Aqueles que se associam nas primeirap Acade'mias visam a protegeï:se sobrerudo de duai coisas: da " --

política e da intromissão das teologias e das lgrejas. Tais ', , ... '-',

centros de estudos- (Linceus) "têm como constituiçãopartlcular a exclusão dos seus estudos qualquer con-trovérsiaquenãofossenaturalematemática,manten.do afastados os assuntos políticosl. Por isso, a todos os.membros da referida sociedade -Íez.a. um texto da Ro- :yal Society - "se pede uma maneira de falar discreta,àespojada; natural, sentidos claros, a preferência paraa linguagem dos artesãoi e dos comerciantes em lugarda linguagem dos filósofos" (Sprat, 1667:621.

,' No que diz respeito às Academias e Sociedadescientíficas, há alguns pontos que devem ser fortemen-te ressaltados: a existência de reuniões dos letrados, ;.".bem como o uso de regras pafticulares de comporta- ' '

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O tascímetúo da ciôttcia nodenra tn Eurooa

mento para as ditas reuniões e a adoção a. .r-" por-tura crítica com relação às afirmações de quem querque seja como norïna principal de comportamento. Averdade não está Ìigada à autoridade da pessoa que aenuncia, mas somente à evidência dos experimentos eà força das demonstrações.

Em segundo lugar, deve ser lembrada a tomadade posição que deve ser comum a todos. os expoentesda nova ciência: uma postura favorávei ao rigor lin-güístico e ao caráter não figurativo da terminologia. Amesma tomada de posição coincide com a rejeição, emprincípio, de toda distinção entre pessoas simples epeísoas cultas. As teorias devem ser integralmente cb-municáveis e as experiências repetíveis sempre quefor preciso. A propósito, escreve William Gitbert:"Usamos por vezes palavras novas. porém, não comofazem os alquimistas, para ocuÌtar as coisas mas paraque as ocuÌtas resultem plenamente compreensíveis,,(GiÌbert, 1958: Prefácio). A esse respeito vale a.penalembrar o célebre começo do Dìsatrso sobre o método deDescartes que afirma ser o bom-senso ,,a coisa domundo melhor repartida',. A faculdade de julgar cor_retamente e de distinguir a verdade da falsidade (a ra_zão consiste nisso) "é igual poï natureza em todos oshomens". Não só: mas a razão que nos clistingue dosanimais "está totalmente em cada indivíduo". O,mé_todo que Hobbes seguiu e que conduz à ciência e àverdade é construído para todos os homens: ,,Se,vocêgostar - afirma dirigindo-se ao leitor no prefácio ao li_vro De corpore - você também poderá usá_Io,,. O méto_do da ciência, afirmaria por sua vez Bacon, tende a fa-zer desaparecer as diferenças entre os homens e colo-car as suas inteligências no mesíno nível.'

A magia cerimonial, escreveu Bacon, opõe-seao mandamento divino segundo o qual o pão deverá

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Segredos

s e r g a n h o c o m o s u o r d o r o s t o e " s e p r o p õ e a l c a n ç a r.orri porr.us, fáceis e pouco peshdas /observâicias ' :aqueles nobres efeitos que Deus impôs áo homem depropiciar para si o pão à'custa do seu trabalho". As .,,descobertas, escreveria ainda, "òão cultivadas por pou-

cosindivíduosemsi lêncioabsolutoequaserel igioso".Na verdade, todos os críticos e opositores da magia in-sistiriam em apontar o caráter "sacetdotal" do sabermágico, bem como a mistura da ciência e religião que )é característica fundamental da tradição hermética.

Por isso, indaga Mersenhe, pot que os adeptosda alquimia não estão disfiostos a'estudal os resulta-dos das suas descobertas sem mais misíérios nem ar-canos"? (Mersenne, 1625: Ì05). Por isSo Ffanci3 Ba-con, junto com a avaliação positiva da coragem'inte-

-,

lectual manifestada por Galilei nas suas descobertas '

astronômicas, fez o elogio da sua honestidade intelec-tual: "honestamente e de modo releyante hoúensdessa espécie deram conta progressivamente da formaem que ã eles resulta cada pottto particular da sua pes-'.quisg{' (Bacon, I8B7-92:m,7E6\. Aqueles q'ue se per'dem seguindo caminhos extraordinários, escreveriaDescartes, são menos desculpáveis do que aqueles que

erÌam junto com outros. Nessas "trevas da vkla", diriamais tarde Leibniz, é necessário caminhar juntos por-que o método da ciência é mais importante do que agenialidade dos indiúduos e porque o objetiyo da fi-

losofia não é aquelê do melhoramento do próprio in-

telecto, mas do intelecto de todos os homens. Neste \sentido, tanto Leibniz, como também Hartlib e Comê-nio se referem de várias formas ao ideal do advance'ment of learning, isto é, de um crescimento do saber ede.uma sua difusão. "O ardor das pessoas em abrir es-colas' parecia ao autor da Pansophiae prodromus algoque caracteriza os novos tempos. Na opinião de Co'

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O nascifietÍo cla cíêttcia modenn na Etu.opa

ménio, é daquele ardor que decorre ,,a grande multi-pÌicação de livros em todas as línguas e etn cada naçãoa fim de que também as crianças e as muÌheres pos-sam adquirir famiÌiaridade com os mesmos [...]. Final-mente aparece agora o esforço constante de alguns emlevar o método dos estudos a tal nível de perfeiçãoque qualquer coisa digna de ser conhecida possa serfacilmente instilada nas mentes. Se tal esforço (comoespero) tiver sucesso,encontrar-se-á ô caminho procu-rado de ensinar rapidamente tudo a todos" (Comênio,1974:4911.

A luta a favor de um saber universal, com-preensível por todos porque comunicável a todos eque todos podem construir, já no decorrer do séculoXVII, era destinada a passar do nível das idéias e dosprojetos dos intelectuais para o nível das instituições:"No que concerne aos membros que devem construira Sociedade, é preciso notar que são livremente admi-tidos homens de religiões, países e profissões üferen-tes [...i. Eles declaram abertamente não preparar afundaçãó de uma filosofia inglesa, escocesa, papista ouprotestante, mas a fundação de uma filosofia do gêne-ro humano [...]. Eles tentaram colocar a sua obra emtotal condição de desenvolümento perpétuo, estabe-lecendo uma correspondência inviolável entre a mãoe a mente. Eles procuraram f.azer disso um empreen-dimento não para uma única temporada ou para umaoportunidade de sucesso, mas algo firme, duradouro,popuÌar e constante. Procuraram libertá-la dos artifí-cios, humores e paixões das seitas e transfórmá-la emum instrumento rnediante o qual a humanidade pos-sa conseguir o domínio sobre as coisas e não somenteo domínio sobre os juízos dos homens. Enfim, procu-raram efetuar tal reforma da filosofia não mediantesolenidades de leis e ostentação de cerimônias, mas

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Segreilos

mediante uma prática sóÌida e por meio de exemplose não com a pompa gloriosa de palawas, mãs pormeio de argumentos'silenciosos, efetivos e irrefutáveisdas produções reais" (Sprat, 1667:62-631,

Tnnorçeo HERMÉTrcA E REVoLUçÃo cIENTFIcA

Na segunda-metade do século passado, potmeio de uma série de estudos importanìes, o,homemchegou a se conscientizar, com clateza cada vez maior,do peso relevante que a tradição mágico-herméticateve oportunidade de exercer sobre o pensamento denfie.poucos entre os expoentes da revolução científi-ca. Assim, no limiar da modernidadé, a ma$a e ciên-cia constitueni um enredo que não pode ser dissolú-do facilmente.,A imagem, de proveniência iluministae positivista, de uma marcha triunfal-do saber cientí-fico atravessando as trevas e as superstições da magia,hoje parece ter desaparecido definitivamente.

. Na sua defesa da centralidade-do,Sol, NicolaurCopérnico invoca a autoridade de Hermes Trismegis-to. Por sua vez, William Gilbert se refere a Hermes-e'-a Zoroastro, identificando a sua doutrina do magne-tismo 'terresire com a teiè da animaçâo rrniversal. .,Francisco Bacon, por outro lado, na süa teoria das for-

'

mas, é fortemente condicionado pela linguagem e pe-los modelos presentes na tradição alquimista.,Johan-nes Kepler é um profundo conhecedor do Corpus her-meticltm. A sua conviçção de.uma correspgndência se-creta entre as estruturas da geomeçriâ e ds estruturasdo'universo, bem como a sua tese de uma música ce-leste das esferas são profundamente embebecidas demisticismo pitagórico. Tlcho Brahe vê na astrologiauma aplicação legítima da sua ciência. René Desèar-

7:ì,(

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O ilascinvrto da ciêrrcia tno.lefiM tta Etu'opa

tes, cuja Íilosofia para os modernos se tornou o sÍm-bolo da claïeza racional, quando jovem, dava umapreferência maior aos resultados da imaginação doque aos resultados da razão; como fizeram numero-sos mágicos do século XVI; deleitava-se na construçãode autômatos e de "jardins assombrados"; como fize-ram muitos expoentes do lulismo mágico, insistia so-bre a unidade e a harmonia do cosmo. São temasque, embora em perspectiva diferente, reaparecemtambém em Leibniz, em cuj4 lógica conÍlui uma te-mática tomada da tradição do lulismo hermético e ca-balístico. É preciso acrescentar que a idéia de harmo-nia concebida por Leibniz é baseada na'leitura apai-xonada de uma literatura à qual bem dificilmente sepoderia atribuir a qualificação de "científica. Nas pá-ginas da obra De motu cordis de William Harvey, dedi-cadas à exaltação do coração como "Sol do miòrocos-mo", ecoam os temas da literatura solar e herméticados séculos XV e XVI. Entre a definição dada por Har-vey ao ovum (corno não totalmçnte cheio de vida neminteiramente desprovidci de vitalidade) e a definiçãodada por Marcílio Fícino (e em seguida por muitosparacelsianos e alquimistas) do corpo astral existemrelações precisas. Também na concepção newtonianado espaço corr-o sensorium Dei foram ressaltadas in-fluências das correntes neo-platônicas e da cabala ju-daica. Newton não só lia e resumia textos alquimis-tas, mas dedicou muitas horas da sua vida a pesqui-sas do tipo alquimista. Pelos seus manuscritos resultaevidente a sua fé em tïma prisca theologia (que é otema central do hermetismo) cuja verdade deve ser"provada" por meio da nova ciência experimental.

Para traçar linhas provisórias de demarcaçãoentre "mágicos" e "cientistas" aí pelo fim do séculoXVI e no começo do século XVII tem pouca utilidade

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Segredos

sublinhar diferenças baseadas em apelos genéricospara a experiência ou na rèvolta contra as auctoitates.Jerônimo Cardano, como é notório, ocupou-se comum ôerto sucesso de matemática e João-Éatista DellaPorta detém um lugar certamente não de. pouca im-portância na história da ótica. Os cálculos de muitosastrólogos são bem menos discutíveis do que as diva-gaçõe5 matemáticas de Hobbes, e Paracelso é bem me.nos "escolástico" do' que Descartes.

Para Bacon, folhear com humildade o grande li-vro'cla natuÌeza signìficava renunciar a construir, so-bre bases conceituaiS e experimentais demasiado frá-_geis, inteiros sistemas de filosofia natural. FranciscoPatrizi e Pedro Sorensen (ou Severinus), bem comoBernardino TeÌésio, Giordano Bruno, Tommaso Cam-panella e William Gilbert foram julgados por Baconcomo filósofos que entram em cena um após o outroe fabricam ao seu alvitre os sujeitos dos seus mundos.Todavia, uma avaliação diferente foi feita a respeito daobra do médico veronense Jerônimo Fracastoro(1483-1553) que era lembrado por Bacon como umhomem capaz de uma honesta liberdade de juízo. Nãoé difícil conscientizar-se das razões de$ta diversidadede tons. No tratado De sympathia et antipàthia rerum(15461 Fracastoro enfrentara uma série de temas cos-.tumeiros como, por exemplo, por quê.a agulha mag-nética se volta para o Norte, por quê o peixe'rêmorapode parar as embarcações etc.), mas concebera a suainvestigação sobre o "consenso é dissenso" entre as'coisas como sendo a premissa necessária para um es-tudo dos contágios. Tal contágio até então foi interpre-tado como a manifestação de uma força oculta. Em lu:gar de investigar a respeito dos princípios do contágio,bem como a respeito das formas em que o mesmo semanifesta e da diversa sravidade das doencas conta-

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O tnscinttto da ciêrda nrcdenn tn Etu'opcl

giosas, ou a respeito da diferença entre doenças con-tagiosas e envenenamentos, tais investigadoïes secontentaram em se referir a causas'misteriosas. A ra-zão disso consiste no fato de que os filósofos se dedi-caram até então às "causas universalíssimas", descui-dando do estudo das "causas particulares e determina-das" (Fracastoro, 1574:57-761. Para explicar a "sim-patia" é preciso colocar no lugaï do conceito de umamisteriosa nclturcl dos corpos, a idéia de uma força.Com base em tal substituição é impossíveì fazer usoainda da teoria aristotélica. Fazendo referência a De-mócrito, Epicuro e Lucrécio, Fïacastoro consideraaceitável a teoria que situa nas effluxiones dos corpos oprincípio da atração. Assim, pela transmissão recípro-.ca de partículas do corpo,A para o corpo B depende aatração de dois corpos. O conjunto de tais partículasforma um todo unitário que porém se diferencia emsuas partes: as partículas que estão perto dos dois cor-pos ou aquelas que são Colocadas entre dois corpos'não têm a mesma densidade q rarefação. Nas "nuvensde átomos", portanto, se pioduzem movimentos que.tendern a realizar o equilíbrio ou o máximo consenti-mento das partes com o todo. Tais movimgntos deajuste determinam o movimento dos'dois corpos umem relação ao outro e, em algum caso; a sua união.

No capítulo \aI do tratado De contagionibus et con-.tagiosis morbis (1546) Fracastoro afirmava que "a cau-sa dos contágios que acontecem à distância não podeser remetida a propriedades ocultas" (Fracastoro,

.1574: 77-IIo). Assim, alguns contágios acontecempor simples contato, como no caso da sarna e da lepra;outros são transmitidos por meio de veículos, como_roupas ou lençóis;-outros, finalmente, (como no casoda peste e da varíola) se propagam à distância pormeio de seminaria invisíveis. A tomada.de distância de

62 63

Segredos

Fracastoro (do qual devemos lembrar também o céle-bre poema em versos latinos Syphilis sive de morbo gal-lico, 15)01 com relação ao ocultismo resulta evidentetambém n-o opúsculo De causìs citicorum diebus. Os diascríticos ou as "crises" das doenças acontecem sem dú-vida em dias determinados. Todavia, é impossível de-terminar aqueles dias com base em correspondentesdados estatísticos (como f.azem os "filósofos pitagóri-cos"), nem com base em uma relação de causa-efeitocom o movimento dos planetas (como f.azem os astró-logos). Os médicos cometeram o erraf, de não ter de-senvolvido, a respeito destes assuútos, trma pacienteinvestigação experimentaÌ e ;'de se ter deixado seduzirpelas opiniões dos astrólogos" (ibid: 48-5ó).

Portanto, dentro do contexto filosófico mais ge-'ral da solidariedade entre as coisas, da simpatia e an-tipatia, apresentam-se posições difçrentes. Daquelasrroções era possível fazer asos- diferentes, relacionan-do-as a uma visão mística da realidade ou servindo-sedelas como critérios ou hipóteCes para uma investigã-

ção "experimental" sobre a natureza. \ '

\

Spcrupos E sABER puBltco z'

A fim de captar a diferença, que é totalmenteevidente, entre a magia praticada na Renascença e aciência moderna, é preciso reflêtir, não apenas sobre osconteúdos e métodos, mas também sobre as imagensdo,saber e sôbre as imagens do sábio. No nosso mun-do existem certamente muitos segredos,'e com basenisso üvem muitos teóricss e práticos dos arcana im-perii. Todavia, há também numerosíssimas- dissimula-

ções e com freqüência nem sempre "honestas" ,Ê, ver-dade que também na história da ciência apareceram

Page 29: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

" o ,rasti,,rr,rto dd ciôttcid'nndct!tt tn Europa

vários dissimuìadores. EntretarÌto é preciso ressaltar

se um desvalor.

capítulo 3

ENGENHEIROS

A pnexr E AS PALAVRAS \' No seu aviso aos leitores, posto como prernissa

aos seus admirables; publicados em Paris em 1580' ao

atacar os prolessores da Sorbone Bernard Palissy inda-

s.ava: é possível que uÌrÌ homem possa chegar ao co-

íhe.imént'o dos ófeitos natuiìis sem jamais ter lido Ii-

vros escritos em latim? Palissy era Llm aprendiz vidra-

e artificiais que Palissy organizou pode ensinar mais Íi-

losofia do que se possa aprender, freqüentandg a S9r-

bone ou.por meio da leitura dos ar-rtìgos filósofos (Pa-

l issy, teso;Um ano após a publicação dos Drscortrs de Pa-

lissy, foi publicaclo etn LoncÌres ttÌÌì pequeno volume

intiìulado Tlrc New Atràctive, Containing a Shorl Díscour-

se of the Magnet or Lodestone: Llm trabalho sobre o lxag-

65

Page 30: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

O tnscintcrLlo tla cìôtrcia ntodettn rn Europa ì

66

Engeuheiros

denclk dkciplittis (1531) convida os -estudiosos euro-

;;;;t pr"rr". séria atenção aos problemas relativos às

lìã.ti"ut, à tecelagem, à agricultu:1 t à navegação'

SupÈrandb o seu ;enosprezo tradicional' o homem

de letras deve visitar u' ãfitittut e as fazenclas' fazer

perguntas aos artesãos e procurar tomar conhecimen-

ïo ão, detalhes do seu trabalho' Por isso' i-ro livro De

causis çorruptarttm nrtirtm (1531)' escreve que a ciência

ã" rrui.rr"tu não é monopólio dos filósofos e dos dia'

léticos. De fato, a ciênciã é conhecida melhor pelos

Ã".a.ri.o, do que pdr eles' pois os mecânicos jamais

.ãnrtr.rirà* paia sie-ntidadçs imaginárias cono as for-

mcls e. as heceidades (a última realídade do ser)'"---- ' poa issô Palissy, Norman e Vives' embora se si-

tuem em níveis culturais diferentes e persigam diÍe-

;;;ì;t objetivos, dão expressão à exigência de uma

saberno qual a atenção para as obras e a pesquisa

r empiriáu fãssem dominantes egn lugar de um saber

exclusivamente verbaÌ' Esta mesma exigência está

;; ; ;" ;um dos grandes textol d1 nova ciência'

frì pt corporis lmmanl fabrica (lt4l) Andrea Y"til l:toma energicamente posição contra a dicotomia que

se cr iou nã prof issão clo médico: de um lado' o pro-

fessor que fica cuicladosamente longe do cadáver a

seccionar, falando cÌo alto de tttna cátedra e consttl '

tanclo livros, e, por outro lado' um seccionador que

Jêr.o.rh".. qualquer' teoria e é rebaixado à categoria

de açougueiro'os textos que acabamos de lembrar remontam

ao século ïVI, e mais exatamente a um período de cin'

qüenta-anos que vai de 1530 a I580' Nos escritos de

um artesão parisiense, de um.marinh-eiro inglês' de um

f i lóso foespanho l .a . , -c ien t is ta f lamengo l igadoà;;tt* ;ltural italiana está presente uma temática

comum: os processos dos artesãos' clos artistas e dos

67

Page 31: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

O ttascintento da ciôttciï nrodutn tn Eutopa

engenheiros têm valor para fins do progrêsso do saber'

poi isso é preciso recoÌlÌlecer a dignidade dos seus tra-

balhos como fatos cul turais (cf ' Rossi ' l97l :9 '771'

ENcENurtRos E TEATRoS DE MÁQUINAS

Muitas traduções do século XVI de textos clás-

sicos ctn língua veinácula se dirigem explicitamente

ãoìriufi.o "-rrr.rg".ttt

dos artesãos' Jean Martin que'

em 1547, traduz para o francês oS trât'ìtiÜS sobre a ar-

ã"it.i"tá de vitúvio (I séc' ac) visa^a aÌcançar os

operários e as oLÌtras pessoas Que não têm condição de

lËr o latim. Walter Rivius que' em 1548' apresenta o

-é*to texto em alemão, dirige-se aos artesãoS' mar'

moristus, arquitetos e tecelões' Os numerosos comen-

iãrio, soUr. Vitrúvio oferecem um claro exemplo do

tìg"lif."ã" e da importância de tais "reapresentações"

de clá,ssicos .r-r,r" oì quais é forçoso lembrar pelo me-

nos Os dez liv'ros aa arqtútentra cle Vítrúvio tradr'zidos e co'

mentados li.)r um nott" veneziano' Daniele Barbaro

(Veneza 15561'Entrando em contato com os ambientes da cul-

turu hrãunista e com a herança do mundo clássico' '

não poucos entre os artesãos mais desenvolvidos pro-

c u r a m n a s o b r a s d e E u c ì i d e s ' A r q u i m e d e s ' H e r ã o eVetrúvio uma resposta para os seus problemas' Como'

todos sabem, a literatuia dos séculos XV e XVI é ex-

iruorai""tiumellte rica de tratados de cará-ter técnico''

;;;;" de se constituírem' por vezes' verdadeiros e

púprios nanuais, ao passo que' em outros casos' con-

ïe- ,o*.rrte reÍìexõet "spãlhadus

sobre o trabalho

desenvoÌvido por art istas ou por "mecânicos" ' 'ou mes-

mo sobre os procedimentos úsados nas vár ias artes' A

.ìr" tipo de Libliografia, produzida por engenheiros'

art istai e artesãos apri tnorados perteÌ lcem os escntos

68

69

ErigenÌreiros

de Fit ipo Brunelleschi (1377-1446)' Lorenço Ghibert i

i i iÀ-ì+:s), Piero della Francesca (1406-92 aprox') '

i .orru.do áa Vinci (1452-1519)' Paulo Lomazzo

(1538-1600); os tratados de I(onracl l(eyser (13ó6-

ì+o:) tout. máquinas de guerra; as ofla-s sobre a ar-

i"ii.r.t.u de Leon Batista Alberti (1404-72\' Francis'

co Averl ino di to o Fi larete ( i4ló-70) ' Francesco di

ãiorgio Martini (14'39-1502..; o livro sobre as máqui-

.ru, ítiti,ur"s de Roberto Valtttrio cle Rimini (publica-

do em I472 e em seguida reimpresso em Verona em

1482 e 1483, em Bologna em 1483' em Veneza em

1493, bem como quatro vezes em Paris entre Ì532 e

1555); os dois trataclos de Albrecht Dürer ,( .1471-I528) sobre a $eometr ia descr i t iva ( Ì525) e sobre as

fortificações (15271, a Pirotechnia de Vannoccio Birin-

succio (ca. 1480-I539) editada em l54O e publ icada

iouu-.rrt" em duas edições latinas' três francesas e

ãrr"rro italianas; a obra sobre a balística (1537\ de Ni-

Ëoúu fon,"na di to Tartagl ia (ca' 1500-57); os clois tra-

;;;;; á" erigenharia de Georg Bauer ou-Jsrge Agrico-

tà (cu. l1;gí-1555) que foram publicados em 1546 e

arn f :SOt o Théâtre dís instrtments mathématiques et mé'

chaniqlles (15ó9) de Jãcques Besson; o livro Diverse et

artiJìciìse macltine (1588) de Agostinho Ramelli (153Ì-

soí; u obra Mecharticorrtm tibrì (1577\ de Guidobaldo

deí'Uont.; os três livros sobre a mecânica de Simon

Stevin ou Stevius (1548-Ìó20); o l ivro Machinae novae

(1595) de Faus to Veranz io ( Ì551- l6 t7 l ; o NovoTeat ro

aì ,,lnrt',int et ectificii (Ì607) de vittori'o Zonca (I5ó8-

iooz)t os tratados sobre navegação de Thoqras Hariot

tííãói-iozr) e de Robertìsues (r553'rrl2 publicados

respect ivamente em 1594 e em I 599) '

Em face deste universo de obras publicadas é

fácil 'concluir que as universidades e os conventos dei-

*urua de ser os únicos lugares onde se prodrtz e se

elabora a cultura. Na verdade' nasce um tipo de saber

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-6 ,,nrrírrr,rto d.1 ciêttcia nrodet rn tn EtLt opa

T ^ - r aLUJ/\)

70

1 1

Er . tgcn l tc i t os

m e n o r d o s p e d r e i r o s e c a r p i n t e i r o s ' a o p a s s o q l t e o spintores eram inscrit"; ;; corporação maior dos mé-

ãi.o, . f armacêu tic"t -t

""0 "'trt *iÏïl"il:;ï:t::

ls, onde iniciava o apren-

os manuais (môagem Cas

etc), não só saialn qLladros

l lnblemas' bandeiras' gra-

üuras, ÌnocÌelos para tapecejtot t. b"^'^1:^dores' traba-

thos em terracota e objeìos d" ":li l::ti l ia'

Os arqtttte-

tos não eram sontentË construtores de edifícios' mas

:ïË;*; iutttue- de aparelhos n-Ìecânicos e n.'a-

quinas de guerra, bem comó da preparação dos palcos'

das "máquinas" e- dl apareÌhagens complicadas para

procissões e Para Jestas'

Na época ot ãìotgio vasari' enr meados do se-

culo XVI, encargos do tlpo arÈsana] já,não parecem

mais, conciliáveis coir"a áignidade do artista' carlos V

se abaixa pu'u upuJ.';i:i::t,:";"ït::ï:,ïïiÌ

rença do século XV-se ree

cera no passado, {lusao

teoria. Algumas lojas (co

Lorenzo Ghiberti clurante a

Batistério) se transformavam eÌn verdadeiros e pro-

prios laborato'ios iïãuìtriais' Em tais lojas' que são ao

mesmo tempo otrcinas' formarn-se os pintores e os es-

cultores, os engenÌreiros' os técnicos' os construtores e

;;;;ã"; a" -aq"ú"'' eo tudo cÌa arte de misturar

as cores, cortar as'pedras' fundir o bronze' junto com

o ensino au pint'-trã t-ãa t""Ìtuta' são ensinados con-

Page 33: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

ò ,rnrrir,r,rto,,ln cìôncia ntodcrtn tut Etttoptl

ceitos básicos cle anatomia e de ótica, de perspectÍva e

geometria. A cttltura dos "ìromens sem letras" deriva

ã. .l-u educação prática que se rernete a várias fon-

tes, passando assim a couÌrecer fragmentos dos gran-

des iextos da ciência clássica e gloriando-se de fazer

referências a Euclides e Arquimedes. O saber empíri-

co de personagens como Leonardo tem atrás de si um

ambiente deste t iPo.

LpoNnnpo

Leonardo da Vinci (1452-15I9, pintor e enge-

nheiro, construtor e projetista de máquinas, homem

"sem Ìetras" e filósofo, para os modernos se tornou,

clÌrsos puramente urentais "não ocorre a experlencra;

sem a qual nada oferece cerleza de si mesnoi" Toda'

via é drnbém verdade, reciprocamente, que não se

adquire tal certeza a não ser lá onde podem ser apli'

.udut ut matemáticas e que aqueles que se,apaixonam

pela praxe sem a ciência "são como os pilotos que en'

iru* ttrr- navio senl timão- ou bússola, e que nunca

têm certeza para onde estão indo" (Solmi, 1889: 84'

Bó). Não tem absolutamente sentido cçnsurar Leonár-

do, acusando-o de ambigüidade ou incertezas' O fato

72

/ )

El ìg ( Ì ì l Ì c i Ì os

de defend-er, como.ele fazia, a convergência entre pra-

Page 34: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

O rnscinertto da cÌêtrcia ntodeun tn EuroPa

Falou-se justamente, de modo especial çom re'lação à segunda estada na cidade milanesa, portaRto,na fase da sua maturidade, de um deslocamento pro-gressivo de Leonardo para a teoria (Brizio, 1954:278).Com certeza é possível ressaltar o fato de que os com-plexos projetos de Leonardo reÍerentes a bomba's, di-qlles, correção e canalização de rios nascem nest€ pe'ríodo, mas por este motivo não se pode certamente,como muitos fizelant, procurar no pensamento destegrandíssimo artista e letrado o ato de fundação do mé'todo experimental e da nova ciência da natureza. Naverdade, após tanta insistência sobre o 'lmilagre" Leo'nardo, não sem razão foi lembrado o seu absoluto me-nosprezo pela tipografia e pela imprensa, ressaltando-se além disso o fato de que a avaliação que foi Íeita doscódices de Leonardo na época da sua publicação foidevida ao escasso - ou quase nulo - conhecimentoque havia naquela época da efetiva situação do sabercientífico do século XVL A pesquisa de Lêonardo, queé extraordinariamente rica de intuições fulgurantes ede concepções geniais, jamais vai além do nível das ex-p erime nt açõ e s cu rìo s as para chegar à qu eÌa sistematicida'de que é uma das características fundamentais daciência e das técnicas modernas. A sua ir,nagem, sem'pre oscilante entre a experimentação e a anotação,aparece como esfarelada e pulverizada em uma.sériede breves notas, observações espalhadas, apontamen'tos escritos para si próprio em uma simboÌogia muitasvezes obscura e intencionalnÌente não transmissível.De fato, seÌnpre rnovido pela curiosidade relativa a umproblerna particuÌar, Leonardo não tem nenhum iÌlte-resse em trabalhar païa um corpus sistemático de co-nhecirnentos, coÌno também não tem a preocupação(que é também uma dimensão fundamental daquiloque chamamos de técnÍca e ciência) de transmitir, ex-

a ^/ +

EÌìgel l l ìeÌ Ì os

plicar e provar para os otltÌ 'os as próprias descobertas'

i partir-deste ponto de vista, também as numerosas e

farnosas máquinas projetadas por Leonardo retomam

;;;"rt proporçoes: reais e parecem construídas não

tan tocor io ins t rumentosparaaÌ iv ia ra fad igadosho.mens e alÌmeÌltar o seu poder sobre o urundo' mas ú-

sando a objetivos passageiros: festejos' diversões e

"rt.iO.t mecanizadãs' Nãt é por acaso que Leonardo

éstá mais preocupado com a elaborução do que com a

exentção dos seus projetos' Aquelas máquinas correìrÌ

continuamente o risio de se tornarem "brinquedos"'

ènqüurrto o conceito de "força" (a respeito do guaÌ se

insistiu tanto) certamente está mais ligado à ternática

h e r m é t i c a e f i c i n i a n á d a a n i m a ç ã o u n i v e r s a l d o q u eao nascimento da mecânica racional'

Entr,etaÌlto( não se deve esqr-recer que nas ano-

tações deixadas por Leonarcio se encolìtraÌÌì coÌlti lìtla-

-Ënt. af i rmações que, mesmo em contextos di ieren'

ier, voltarium a circular com força uo âmbito da épo-

ca moderna. AssÌm, por exemplo' a idéia de uma.ne-'cessária

combinação entre a matemática e a experlen-

ii", ú.,t como as diÍiculdacles de se avaliar aquela re-

tação; a polêmica muito Íirme contra as vãs pretensões

da alquimia; o ataqlle coÌ-ìtra "os declamadores e os

trombìfeiros das obras alheias"; o protesto contra a

ieterêncià às autoridades que é próprio de quem usa a

-.áOiit em lugab. da inteligência; a imagem de utrra

natureza "que não quebrã suas Ìeis" ' apareceudo

como ttma corrente admiráveÌ e inexorável de causas;

a af i rmação de que os resultacÌos cÌa experiência são

capazes cÌe "impor o silêrlcio às Ìíngtras dos contesta-

dores" e ao "eterno alar icìo" dos soÍ istas' Na verdade'

seria fácil citar passagens específicas' colnq por exen-

plo: a "certeza que éiacÌa aos olhos" e os "doutores da

liemória" de calileu GaliÌei' a sua imagem da uatttre-

/ )

Page 35: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

O rrascintento da ciêrrcia ntotlenn rn Europa

za "surdaaos nossos vãos desejos" que produz :t ,tgttefeitos "ern formas por nós impensáveis"' E aindal a

rejeição, por parte de Bacon' do saber dos meros em-

píricos, bem como à; t;" imagem do homem que é

dono da natureza somente se fãr capaz de obedecer às

suas leis inexoráveisEntretan,o, u i-'g"m (que ficou dominando

durante longo tempo) de uma espécie de "inÍância da

ciência" da qual teonardo seria a expressão deve ser

,.* ari"iau rejeitada' Mas também a longa insistênçia

;;Ë;"'"t ad'miiáveis "experiências precürsoras" e sobre

o "milagre" Leonardo dãveria ser explicada de alguma

forma. Assim, aquela metáfora da infância' embora

.* ,- nível diferente daquele dos "testes precur'so-

res", êrica de sugestões' Na verdade' as grandes esco-

lhas'que estão na raiz da ciência moderna (o matema-

ii;"; o corpuscularisíno, o mecanicismo) Ièvaram o

aorr.aito tuarto daquilo que chamamos arte' como

também daquilo que chamamos ciência a percorrer

caminhos diferentàs, dirigi,ndo-se segundo perspecti-

;;;;; ;"dem a divergir iott"-."ttt" e â se afastarerr'r

progressivamente l'rnuìu outra' Tentar reaproximá-

ias ã;u.tta'tas de noyo é um empreendimento que pa-

,".. ïão ter mais nenhum sentido' os desenhos e as

pìnitrut de Leonardo( no entanlo: 1?.o são um simples

irrrr..t-.nto de uma pesquiga científica que tem a sug

metodologia em out; lugar' Na verdade' muitbs da-

ã""f"t deíenhbs de rochas' plantas' 4nimais' nqvens'

Ë".r"t'a" corpo humano, rostos' movimentqs.de ares

, ; ã" águas sáo eles próprios "at,os de .conheçimentos

ii.*iìr.*, quer dizer, investigação crítica em tornb da

realidàde nâtural" (Luporinl 1953: 47)' Os manus-

critos de Leonardo que chegaram até nós - as suas'

anotações, os seus deìênhos e aquela irrepetível e ex-' traordinária mistura de textos e de desènhos - nos dão

76

Éngenheiros

a possibilidade de nos apresentarmos como que dian-

te de um limiar: i"J"e' L"tmos diante daqueles ho-

mens e daquele umuËnt" :*,ql:^":l^tÌa aproxima- '

;á;];3""i1.:f:ï:;i'::.ï"!T:ïï::.:T,'"iï:"1,;i lusória) entre clen

;;;;t se configuraram como rears'

"FRnNcC'E "DlscuRso"'

ô iïvro "Pìrotechnia" de Biringuccio (I540l é

um'dos maiores tt"ìït O" século XVI sobre a técnica'

Em nome oa riatriàïãt u tt- ideal descritivo' Birin-

guccio,rejeitu qtuiìiti ""otiu'-

a" enfeite retórico'

Pensa que os utq"úi"u' pertencem àquela classe de

pessbas 0," ""'uil

àï"itát atrás de "mil histoÍietas"

::;ï;ailã'ruusianciat dos assuntos de que tratam'

Iricapazes at "-u'ïàü*" ::l l:,:"*eios"'

oq aI-

ouimistas têm um desejo imediato de riqueza e

óthando atmu'iuJo tã"gË' não enxergam "os T::l:

mediários" tsidnguàoi $set u:'^:,:\ Aq contrano

' de Biring,"tio cJo'g Bauer !iï:::,Y) é um homem

de vasta cultura t d"-i"tttt'ses múltiplos'' Nascido em

Glauchau, "u su*ãt'iu ' em 1494' estudou em Lipciâ'

Bologna e venezá' Em 1527 começou a praticar me-

ãú"; eÍn Joaquimstal (na Boêmi

na éPoca era uma das maiores áre

;;t*"'Prefeito de Chemnitz' foi

iüt'tãntots Políticas na corte do

ãJ n.i Ferdinando da Áustria' e- I

, i Erasmo t at rurJá*rtton' As obras "De ortu e causts

' subterraneorttf ii'no"'oTossilitm aparecem entre os

Ëffi {{ i :i: :í;:ix;;:;;ffi 'ãïT :'â ì i'Ëïït"'far"rïi

ii#;:;;;;;, continuou sendo du-

Page 36: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

O rnscintartto da cíêrrcia utodct rta rn Eur optl

rante dois sécuÌos a obra fundamentaÌ de técnica mi-nera l . No Potosí , 'que forneceu ouro e prata para todaa Europa, a obra de Georg Bauer foi considerada uma

espécie de Bíblia e foi afixada nos altares das igrejas afirn de qrÌe os mineiros conjttgasserir a solução de umproblerna técnico a urn ato de devoção. Os doze livrosda obra tratam de todos os processos da extração, fu-

são e lavra dos metais. A começar, portanto, da des-coberta dos veios e da sua direção, seguem tratandodas máquinas e dos instrumentos, bem como da ad'ministrpção, do teste do ouro e dos Íornos. No livroporém, além disso, consta tambérn a consciência deuma crise séria da .cultura que nasce de um afasta-mento.das coisas e de uma degeneração da l ingua-gem. "Eu não escrevi coisa aÌguma que antes não te-nha visto, l ido ou não tenha examinado com total di-l igência quando tal coisa me foi narrada por outrem".A partir depta base, portanto, ele crit ica severamentea obscuridade lingüística intencionaì bem como a ar-bitrariedade terminológica dos alquimistas cujos l i-vros são " todos obscuros" , porque aqueles autores in-dicam as coisas com nomes "estranhos e inventadospela própria cabeça, de maneira que ora um ora ou-úo imaginaiam nomes diferentes para a mesma coi-sa" (Bauer, I563: 4-6 do Prefác io) .

No seu comentár io a Vi t ruv io ( I55ó) , Danie leBarbaro se colocou com muita clareza o seguinte'pro-bÌema: "Por que os práticos não conseguiram adquirircrédito? Porque a arquitetura nasce do discurso. Porque os letrados? Porque a arquitetura nasce da fábri-ca [...], Para ser arquiteto,, que é uma classe artesã,exige-se ao mesmo tempo o discurso e a fábrica" (Vi-truvio, 1556:9). A união efetiva entre disrurso e fábri-cct, enlre criatividade e artesancúo apresenta na realida-de problemas relevantes. Por exemplo, a importância

78 79

Engenheü'os

destes problemas loi percebida perfeitamente tambémpor Bonaiuto Lorini que prestou serviço conÌo enge-

nheiro militar a Cosimo dei Medici e à República de

Veneza. Em uma página do seu tratado Delle fortìJtca-zioni (1597) aborda o problema da relação entre o tra-

balho do "puro matemático especulativo" e o trabaÌho'

do "mecânico prático"' O matemático trabalha com li-

nhas, superfícies e corpos "imaginários e separadospela matéria". As suas demonstrações "não respon-dem tão perfeitamente quando são aplicadas às coisas

materiais" porque a matéria com que o me'cânico tra'

balha traz sempre dificuldades consigo". O critério e a

habilidade do mecânico consiste em saber prever as

dificuldades e os problemas que decorrem da diversi-

dade das matérias cbm que é necessário trabalhar (Lo'

rini, 1597.: 72). A partir deste problema das relações

entre as "imperfeições da matéria" e as "püríssimasdemonstrações matemáticas" se abririam também os

Discorsi intorno a dtie nuove scienze de Galileu Galilei'Uma mistura característica de modelos idealiza-

dos e considerações "físicas", bem como uma referên-

cia insistente e dirçta a Arquimedes caractedzam as

pesqrlisas de Simon Stevin (1548-1620), conhecidopelo nome.latino de Stevinus, nascido em Bruges e fa'

lecido em Haia. Os seus contemporâneos ficaram es-

tarrecidos ao verem um carro a veìas que ele cons'

truiu para diversão do príncipe de Orange, exibindo-

se na praia de Scheveningen' Stevin em seus escritos

trata de aritmética e geometria, ocupa-se em fortifica-

ções, projeta e constrói máquinas e moinhos mÓvidos

à água, pubiica tabuadas para calcular juros, no escri-

to be Thiende (O décimo, 1585) ocupa-se da noção das

frações, decimais e na obra De Havenvindig (1599) tra-

ta da déterminação da longitude. Na sua opinião o ho-

landês seria uma das línguas mais antigas do mundo e

Page 37: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

- O rnscintento dd ciêttcia ntodenta na Europa

teria qualidades de concisão desconhecidas em outraslínguas. Cuidando-se cada ïez mais na busca de clare-za, ele se dirige de preferência a um público constituí-do por artesãos. Por estas duas razões publica os seusescritos em vernáculo. Os três livr.ós dos Beghinselender Weeghconst (Elementos da arte de pesarl publicadosem 158ó, fazem referência no títLllo à scientia de oonde-ribus da Idade Média. Tïaduzido para o latim nosHypomnemata meúlrcmatica (1605-1608), em 16)4 Ío-ram publicados também numa traclução francesa.

Urta senpn cApAzDE DESENVoLVIMENTo :

Nos escritos dos artistas e dos práticos do século.XV e mais tarde nos tratadÒs de engenharia minerado-ra, arte da navegação, balística e técnicas das fortifica-ções do século seguinte, abre caminho não só (como jávimos) uma nova consideração do trabalho manual eda função cultural das artes rnecânicas, mas se afirmatambém a imagem do saQer como construção progres-siva, posto que tal saber é constituído por uma série deresultados que alcançam, úm após outro, um nível decomplexidade ou de perfeição cada vez maior.

Também nesta peïspectiva o saber dos técnicosé construído como uma grãnde alternativa históricaao saberldos mágicos e dos alquimistas bem como àimagem do saber que é característico da tradição her-mética. No âmbito desta tradição se acredita que os sá-bios tenham sempre continuado a afirmar, no decor-rer dos milênios, as mesmas'verdades iinutáveis. Averdade não emerge da história e do ter4po: ela é aperene revelação de um logos eÍerno. A hist6ria é umtecido só aparentemente variado, pois nela está pre-sente uma única e imutável sabedorìa. Nas obras dòs

\

80

Engenherros

mecânicos,noentanÌo,talperspect ivaaparecetotal-mente invertida. As artes mecânica - escÏeve Agosti-

,rtrô nu*"ni no preÍácio da 'obta Diverse et artiÍiciose

macchine (l5BS) - nasceram das necessidades e da fa-

ú;; ã;t primeiros homens empenhados em defender

a iróprià vida em um ambiente hostil' o seu desen-

uJtui-..rto sucessivo não se assemelha ao movirrien-

to impetuoso dos ventoS que aÏundam os navios no

mar úminuindo em seguida até desaparecer' Ao con-

*ário, tal desenvolvimãnto se assernelha ao curso dos

rios que nascem pequenos, chegando ao mar grandes

. podìroror, enriquecidos pelas águas-dos,seus afluen-

ies (nametti, 1588: PreÍácio)' Na dedicatória posta no

Tratado sobre w proporções do corpo hrtmano (1.528) Aì-

Ur"lft, Dürer esclarecera as razões pelas quais' apesar

á" tao ser um cientista, ousara enÍrentar um tema tão

"ú""áo. Decidiu pubücar o livro' aÌriscando a maledi-

;è;;;, para benefício público de todos os ârtesãos e

para induzir outros a faìerem o mesmo."de modo que

os nossos sucessores possam ter algo para aperfeiçoar

"-tur", progredir" 1Oürer, 1528: Dedicatória\' O arur-

ãrãïp""túse Amtroise Paré (1510-99)' mesmo não

í"U."ao nada de latim e sendo autodidata' mal visto

naÍacu ldade,a f i rmaquenãoénecessár io repousar

"ut'f"Agub dos antigórporque

-existem mais coisas a

descobrii'do que aquelas que forám descobertas e as

artes não são-tão perfeitas que não se possa acrescen-

tar a elas algo mais" (Paré, 1840:I' l2'l4l''. Filósofos como Bacon' Descartes' Boyle leva-

riam as próprias idéias ao nível da conscientização fi-

iorOti." - inìerindo-as em contextos teóricosrde gran-

de destaque, apesar de tais idéias terem nascido em

"-ür"i à nao^tiÍosóticbs, isto é' em contextos consi-

derados,com hostilidadq ou até mesrno com despre-

7sì, pela cultura das universidades'

8 1

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Q tnscimento da ciêttcia nodenra na Europa

A TT E NATUREZA

A imagem positivista de Bacon ,,funclador daciência moderna" ccim certeza já esgotou o seu tempo.Todaüa co'ntinua sendo Ebsolutamente verdade oüeele leva para o nível filosófico remas e idéias qrr" ìo-ram sE afirmando à margem da ciência oficial, isto é,naquele mundo de técnicos, construtores e engenhei.ros a que pertenceram homens como Biringuccio eBauer. A avaliação das artes mecânicas feita por Ba_con é baseada em três pontos: l) elas servem para re-velar os processos da natureza e são umaforma de co-nhecimerìto;2) as artes mecânicas se desenvolvem so-bre si próprias, quer dizer, ao contrário de todas as ou-tras formas do conhecimento tradicional, elas consti_tuem um saber progressivo, e crescem tão rapidamen-te "que os desejos dos homens se acabam antes mes_mo que elas tenham alcançado a perfeição"; 3) nas ar_tes mecânicas, ao éontrário do que ocorre nas outrasformas de cultura, vigora.a colaboração, tornandô-seuma forma de saber coletivo; de fato, nelas conver_gem as c4pacidades criativas de muitos, ao passo quenas artes liberais os intelectos de muitos se subrnete_ram ao intelecto de uma única pessoa e os adeptos, namaioria das vezes, corromperam tal saber em lugar defazê-lo progredir".

Por isso, Roberr Boyle (1627-91) - um següidordo pensamento de Bacon - repetidas vezes quis con-trapor o livro da natureza, a oficina dos artesãos e asaÌa de anatomia às bibliotecas, aos estudos dos letra-dos e dos humanistas e às pesquisas meramente teóri-cas; na verdade, a sua polêmiia na maioria dos casosbeira uma espécie de primitivismo científico. No livroConsiderations Toltching the Usefiilness of Expeimental Na-tural Pltilosophy (167Il, Boyle dá forma coerente e de_

8283

Engenheiros

finitiva aos interesses e às aspirações dos grupos baco-

nianos. As experiênbias realizadas pelos teóricos nos

seus laboratórios tênr- caracteústicas notáveis de esme-

ro, mas nas experiências Ìealizadas pelos artesãos nas

suas oficinas, a carência de um maior cuidado é com-pensada por uma maior diligência. Uma quarta parte

ãos ensaios que compõem ai Consideratiotu tem uìn tí-

tulo úuito significativo: "os bens da humanidade po-

dem ser aumentados grandemente por causa do inte-

resse dos filósofos naturais pelos mistérios".A idéia de que o trabalho dos mecânicos teria

trazido uma certa luz às teorias, já presente em Bacon,

progressos realizados nas artes mecânicas são ainda emgrande parte ignorados pelos homens cultos. Por.um

lado os técnicos não têm clareza (uanto aos usos que

podem ser feitos das suas experiências e, por outro

lado, os cientistas e os teóricos ignoram que muitos dos

seus desidìrald poderiam ser realizados pelo trabalhodos ryecânicos. Entretanto, o programa de umà histó-ria das artes era retomado com amplitude maior naobra Discours touchant la méthode de la certitude et l'artd'inventer: isto é,

-os conhçcimentos não escritos e não

codificados, espalhados enìre os homens que desen-volvem atividades técnicas de vária natureza superamde longe, pela quantidade e pela importância, tudo

aquilo que se encontra escrito nos liwos. A parte me-

lhor do tesouro que está à disposição da raça humananão foi ainda registrada. Por outro lado, não há uma

arte mecânica tão méprisable que não possa oferecer

observações e materiais de importância fundamental

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O nasèìnento da ciôncía nrodenn na Europa

8485

Engenheiros

dores e. os campos de pequenos tiranos ignorantes,ociosos e elitistas". A polêmica em defesa das artesmecânicas se conectava com o grande tema da igual-dade política.

DÉparo E o LABTzuNTo

Incontáveis filósofos, divuÌgadores e jornalistasdo nosso tempo colocàram a moderniclade inteira sobo signo de uma'exaltação perigosa e inaceitável da téc-nica e viram em Francis Bacon o pai espiritual daque-le l'tecnicismo neutro" que estaria na fonte dos pro-cessos de alienação e comercialização típicos da mo-dernidade. Mas a verdade é exatamente o contrário.De fato, na inteira e vasta bibliografia sobre a técnicae sobre o seu caráter ambíguo há bem poucas páginasque podem ser comparadas com aquelas escritas peloLord Chafrceler na interpretação (que remonta à datade ló09) do mito de Daedahts sive mechanicus. A ima-gem de Dédalo é a de um homem extremamente in.teligente mas execrável. O seu nome é celebrado prin-cipalmente. pelos "inventos ilícitos": a máquina quepermitiu a.Pasifes se acoplar com urn touro e gerar oMinotauro devorador de jovens; o Labirinto excogita-do para esconder o Minotauio e para "proteger o malcom o mal". Do mito de Dédalo são tiradas conclusõesde,caráter geral: as artes mecânicas geram ajudas paraa íida mas, ao mesmo tempo, "instrumentos do vícioe da morte". Na concepção de Bacon, o aspecto carac-teústico do saber técnico é o seguinte: enquanto se co-loca como possível produtor do mal ,e do negativo, aomesmo tempo e em conjunto com o negativo, oferecea possibilidade de um di4gnóstico do mal e de um re-médio do mal. Dédalo, de fato. construiu também "re-

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O tnscimetrto íla ciência ntoclenrc tn Europa

médios para os crimes,,. Foi o autor do engenhoso re_curso do fio capaz de desvendar os meandïos do Labi_rinto: "Aquele que inìrentou os meandros do Labirin_to, mostÌou também a necessidade do fio. As ah'esméèânicas são na verdade de uso ambíguo e podemproduzir ao mesmo tempo o mal e oferecer um remé_dio para o mal" (Bacon, 1975:492-g31.

Para ôs expoentes da revolução científica, a res_tauração do poder humano sobre a iratureza, bemcomo o avanço do saber têm vaìor somente se realiza_dos em um contexto mais amplo que conceme à reli-gião, à moral e à política. A ,,teocracia universal,, deTomás Campanella, a ,,caridade,, de r*rancis Baconi o"cristianismo universal,, ite Leibniz, a,' paz universal,,de.Comênio não são separáveis dos'seus interesses edos seus entusiasmos pela nova ciência. ÌrÌa verdade,constituem outros tantos âmbitos dentro dos quais osaber científico e técnico deve operar para funcionarcorno instrumento de resgate e de libertação. por isso,tanto para Bacon e Boyle,\uanto para Galilei, Descar_tes, I(epler, Leibniz e Newton a vontadè humana e odesejo de dominação não consrituem o princípio maisalto. A natureza é, simultaneamente, objeto de domí_nio e de respeito. Ela pode ser ,,tcrturada,, e dobradaao serviço do homem, mas ela é também ,<o livro deDeus" que deve ser lido corn espírito de humildade.

8687

capítulo 4

@. COISAS IAMAIS VISTAS@ N

\te,Í

A ttrrpntNsa

Estamos'tão acostumados com aquela atividadeindiüdual que é a leitura de liwos, realizada no silên-cio-e no isolamento, a tal ponto de ser difícil nos cons-ciehtizarmos que'aquele objeto familiar que ternos emmãos possa'ter surgido como uma novidade revolu-cionária. O liwo, na verdade, foi um invento que nãosó iria difundir de uma forma antes impensável asidéias e o saber, mas ao mesmo terÌipo iria substituir aleitura de textos. desprovidos de pontuação, outrorarealizada na maioria das vezes coletivamente e efetua-da provavelmente em voz alta (Mcluhan, l9ó7). Comfreqüência enconramos colocàdas uma. ao lado da

outra três descobertâs mecânicas, como a arte da im-prensa, a póIvora e a bússola. Na obra Città del Sole deCampanella (ló02), tais descobertas dão'h impressão,vivíssiina, de uma série de conquistas que coincidecom uma aceleração da história: "faz-se mais históriaem cem anos do que ocorreu no mundo durante qua-

tro milênios; e foram feitos mais liv;os nestes cemanos do que em um passado de cinco mil; e a maravi-lhosa invenção do ímã, da imprensa e das armas defogo, constituem grandes sinais da união do mundo"(Campanella, L94l: Ì09). A partir daquelas três des-cobertas - afirma Francis Bacon em ló20 - derivaraminÍinitas mudánças "de forma que nenhum império,

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O t t , i s t t t t t t r t t t , l n L i l t t , l t t t t o d t t t t a t t t E : t c r , i

c r ì ì c Ì i r r< t ' i os cxa los c Ì c ca rá t c I t c r í r i cO . A i n t c r . l t r c taçãoda c rpc r i ê r r c i a ( con ro f r t i r e l cv , r c l r : i n r i n r c r as vcze s )aco i ì l c ce a Ì ) a r t i r de t eses cs tabe lec idas p t ' e \ / i au le t ì t e : ( ìr es i s tê Ì ì c i a do a r , o a t r i t o , os d i f e re r r t es co l ì ì po l ' t a Ì l Ì e l ì -t os dc cada co r l ) o , os aspec tos qua l i t a t i vos do n tunc loreaì sâo interpretacÌos coÌ t Ìo i r re levantes pal 'a o d iscr . r r -so da Íi losct[ia uatrrral orì coÌl]o circtutstâtrcidS c0ntt 't l-r io t t tcs qr . Ìe Ì ' Ìão são Ìevai ìas (orr r . rão se devent levai . . )e l ì ì coÌ ' Ìs idcração Ì ìa expÌ icação do nrundo. Os fenò-r ì le Ì ' Ìos Ì ìa sua par t icu lar ic Ìade e na sua real idade i l ì Ìe-d iata, orr se jc ì , o r r runcìo das coisas qt ìe eÌ lco l ì t raÌ ì losno d ia -a -d ia , ben r como o n tundo c ìas co i s . r s " cu r i osase est la Ì ì ì ìas" a qr . Ìe se d i r ig i rarn coÌ . Ì ì tar ' ì ta crr r iosìcÌ . rdce surpreendeÌ ì te i Ì l teresse os l ìa t r l ra l is tas e os ct r l toresda n rag ia na Renasce Ì ' ì ça , ì l âo exe rce n ta i s qua lquc rfascín io sobl 'e os adepros da f i losof ia Ì lecât ì ica.

Considerando qÌ le as paÌavras não tênr qu.r ìquer .senreÌhança con- Ì as coisas que s igni í ica l r r - pel 'guì ì taDescartes - ì )or qì . re a r ìatureza não podia te r estabe lc-c ido r .ur s i r ra l que nos desse a sensação da l r rz l ì ìesÌ l Ìol ìão l )ossr ì i Ì - Ìdo enr s i n tesnra nada de set ' ì ' Ìc l l ìa Ì l te a ta lsensaçâo? O sor.rr, assegrÌrarlì os fi lósoÍos, é unra vibra-ção do ar, Ì lras o sentido clo otrvido nos faz- Ì)eltsar Ì losollì e não no Ìl lovimet-ìto do at'. Da Ìl lesrììa ionrra ot . ì to Ì los faz conceber idéias qrre não se assel ì le ì Ì ìa Ì ì . ì den.rodo algur.n aos objetos que prodnzerì1 tais idéias. porexen.rp lo, a idéia da cócega não se parece de r lauei ranenhrrnra coÌl l LrÌÌìa plnma que é passada nos lábios.J u s taÌ1ìeÌlte esÍ.a não - sct?1e I ln t qa leva necessa riaru ente aelaborar ou a imaginar Lrr r ì modeìo. Aqui Ìo qr Ìe l losal )arece cor .no " l r - rz" na real idade é tun ruovin le l ì to ra-p idíss inro qLÌe se t ransnr i te aos Ì - Ìossos oìhos ntec l ianteo ar e outroS corpos traÌlspareÌÌtes. Tal ruodeÌo é cons:t ruído e fe i to coÌ ì lpreeusíveÌ por ì ì ìc io de uÌ t ìa c ì l Ìa Ìo-gia, conlo l iot exenrpìo, ullt cego do qnal se pode clizer

240

F i ì ( ) 5 o L i , ì l ì ì c c . 1 r ì r c . l

qve cil):ct '! lo fazctlcÌo tÌso da sLÌa IrcÌ'ìgc1Ìa. Par' l exllÌ ic'rr

a t r a Ì l s l ì t i s são i l ì s t a Ì l t â l l c . r c ìa ì L t z , a l ón t da ' r t t ' r Ì og ia c ìo

cego f - l t t r - ' faz l tsc l c lo seLt bastão, na Dìo| l r iq t tc c le f )es-

ca r tes sâo r ì l c l ì c i o t ì ad . l s o t ì t r as a l ì< ì l og ias q t l e sL Ì s t c l ì -

rarr r a Ì r ipótesc ' Ì ì ìecâl ' Ì ica, c( ) Ì ì ìo l )or exel l ì l ) ìo , aqt t t . Ìa

c io v inÌ . ro qt re sai c ìo lor le l in l l lc Ì ic ìo | )or t l l ì ìc1 Ì ì lessJoqrÌe sc pÌ 'o l )<ìga et l ì tocÌc ls .1s d i l 'eções (c 'x1 l Ì ica cì Ì ) fop ' l -gaçâor; a arraÌogia d. r Lro la qLre é cìesviac ia c lo set t c l t rsc ' r

Ì le lo cr ìacÌ ì t ro col l l L l Ì l l o t ì t ro corpo (expÌ ica os feÌ lô-

r - Ì . ìenos cìa ref ração e da ref lexão) (Descartes, Ì 897-

1913 : ) ' J , 3 -6 : Y I , 84 , 86 , 89 ) .

Pat ' . r a c iêrrc ia, l lo l ' ta l ì to , é r lecessát . io passar c le

uf,ìa rea l icìa cie obsc t 't ' '^ 'e I l)ara otl tra r'tão-oltsc n'at'ci ' Da í '

é tare[ . ] t l . r i r r lag inação cor tceber este segt l l lc ìo daclo

cor'Ììo seÌÌlelì larlte cìe algr.rnta forlrla 'to prir.t leiro' A

ciência oht' iga os hctmets n irrtagittar. Se oì-' 'set'varlì1os coÌlì

o o l ì tar t t lna at ração oLl u1Ì la L l Ì l ião, esc leve Pierre Gas-

senrì i , r 'e tu<ts gat tc l los, corcìas, aìgo qt te a13,arra e a lgc l

qt te é agarracÌo; ao cor l t rár io sc observal ì ìus t l l l la se l )a-

ração ot t r - t tna re je ição vel Ì ìos pontas ou ferrões ' Do

ÌÌlesÌno Ir;oCo "para explicar fatos qtie não são percebi-

c Ìos pelos l lossos sel ì t idos, so l l los obr igados a in iagi t r ' r t '

peqÌ lenos ; rg, t r i lhões, pequeÌ ' ìas pol . ì tas e oLÌ t ros inst r l t -

i l . i ' t tnt scnreìhantes qr-le uão pocìett. l seL percebidos e

agarracìos. Não por isso, todavia, c iever íat r los cotrc ì t t i r

que e les não exis tenr" (Gasser ld i , 1649 Í I , l , 6 , 14ì l '

P.obct t HooÌ(e é t tm c los c ient is tas q l te ' no sécu-

lo X\r I ì , par t ic ipanl in teusanret l te Ì los debates sobre a

coÌ ls i i t r i ição cìa matér ia. Sendo que Ì lão tern los órgãos

c ]esen t i c Ìocapazesc . l e . f aze rpe rcebe rasa t i v i dac ìeSrea iSda naftrreza - achatlros esct' i to na ÌvLilogral' l ' lú? - l)oclc-

n los esperar que, no f t t t l r ro, o I . t l ic roscopio I ros pol t l ta

"rr., .,. ' t,ìdição cle observaÌ' as estrtltt lras verdacìeiras e

inc l iv ìs ívc is dos corpos. Nesse nre io tc Ì ' ì ìpo sol l los obl ' i -

gaclos a tatear no escl l ro e a sLlpor , " fazendo t tso de

z+l

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-'Ì)"nascinrcrúo da ciência nodcnn rn Europa

analogias e comparações lby similitudes and compeffi-sonsl as verdadeiras razões das coisas" (Hoòke, tróó5:ll4). As idéias de Hooke são muito claras: a estruturainterna da matéria e dos organismos vivos são inaces-síveis 'aos sent idos (Hooke, 1705: Ió5) . O caminho apercorrer, por conseguinte, é obrigatório: devemosinstituir analogias entre os efeitos produzidos por en-tes hipotéticos e efeitos produzidos por causas que, aocontrário, são acessíveis aos sentidos. A partir de umaanalogia dos efeitos, podemos renìontar a uma analogiadas causas.

Robert Hook é um cientista "baconiano". Apli-cando tal método, baseado em semelhanÇas, compara-

ções, analogias e passagem de analogias de efeitos paraanalogias de causas, ele explica a ação do ar nos pro-cessos de combustão, utiliza as experiências realizadascom a bomba pneumática no estudo clos Íenômenosmeteorológicos; aplica o modelo da capilaridade à su-bida dos fluidos nos filtros e à circulação linfática dasplantas: utiliza a lei da elasticidade para a explicação defenômenos geológicos (a formação das nascentes);pensa que os resultados que alc4nçou nas suas pesqui-sas sobre a luz podem ser estendidos aos fenômenos domagnetismo, da rarefação e da condensação,

A vacaNICA E AS MÁQUINAS

Também o termo mecanicismo (tal como ocorrecom todos os'termos que terminam em ismol é umapalavra elástica, que não pode ser definida de formaunívoca e acaba sempre tomando significados muitovagos. p historiógrafo holandês E.J. Dijksterhuis(Dijksterhuis, I97ll, que escreveu uma história domecanicismo partindo dos pressocráticos até New-

242

Filosofia mecânica

ton, indagou o seguinte: o uso deste termo aplicadoao desenvolvimento milenar do saber iientífico se re-fere ao significado de aparelho ot máquina contido notermo grego mechané?, quer dizer, a uma visão domundo que considera todo o universo semelhante aum grande relógio construído por um Grande Relo-joeiro? Ou, ao usar aquele termo, entendemos nosref.erir ao fato de que os eventos naturais que consti-tuém o mundo podem'ser descritos e interpretadospor meio dos conceitos e dos métodos daquela pârteda física que é chamada mecânica e que é a ciência dosmovimentos?

Como muitos outros historiadores da ciência,Dijksterhuis tinha uma accntuada preferência pelassoluções claras. Ele sabia bep que a mecânica, comoparte da física, foi se tornando profundamente eman-cipada, particularmente no decorrer do século XVII,de suas origens práticas e de suas lig4ções iniciais comas máquinas, bem como com a maneira de pensar dosartesãos, dos engenheiros, dos mestres de oficina, edos mecânicos. Com Galilei e com Newton a mecâni-ca se tornou efetivamente um ramo da física; desen-volveu-se como um setor da física matemática que es-tuda -as leis do movimento (dinâmica) e as condiçõesde equilíbrio dos corpos (estática), encontrando na as-sim chamada "reoria das máquinas" somente uma dassuas múltiplas aplicações práticas. Muitos filósofos emuitos Èistoriadores da ciência se mostram sincera-mente contrariados pelo fato de que a história (inclu-sive aquela da ciência) esteja repleta de equívocos e demal-entendidos. Se a mecânica (afirmava Dijkste-rhuis) tivesse perdido o seu únculo antiqüíssimo comas máquinas e se fosse chamada cinética ou estudo dosmovimentos e se os estudiosos tivessem falado de ma-tematização da natureza em lugar de mecanicização,

243

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O tnscintetúo da ciêrrcia nrcdet rn rn Europa

poderiam ter sido evitados muitos equívocos e muitosmal-entendidos.

. Mas não tem muito sentido procurar solucio-nar os problemas históricos no plano dos mal-enten-didos ou dos equívocos l ingüísticos. Quando aborda-mos os textos do sécuìo XVII escritos por muitos:de-fensores da fi losofia corpuscular ou mecânica (ou pe-los seus adversários igualmente :numerosos), quasesempre temos a impressão de que ambos os signiJïcadosaos quais Dijksterhuis fazia referência estão presen-tes, com freqüência interligados ou misÍurados,' nanova cosmovisão. A assim chamada "fi losofia mecâ-nica" (que antes da época de Newton não coincidiade modo algum com aquela.parte da física que hojechamamos mecânica) é baseada em alguns pressupos-tos: l) a natureza não é a manifestação de um princí-pio vivo, mas'é um sistema de matérià em movimen-to governado por leis; 2) tais leis podem ser determi-nadas com exatidão matemática; 3) um número mui-to reduzido dessas leis é suficiente para explicar ouniverso; 4) a explicação dos comportamentos da na-tvreza èxclui em princípio qualquer referência às foì-ças vìtais ott. às catrsas tïnais. Com base nestes pressu-postos explicar um fenômeno significa construir ummodels mecânico que "substitui" o fenômeno realque se pretende analisar. Esta reconstrução é tantomais verdadeira, isto é, tanto mais adequada ao mun-do real, quanto mais o modelo for construído só me-diante elementos quantitativos e aptos para serem re-duzidos às formulações da geometria.

O mundo imediato da experiência cotidiana'(como foÍ dito no parágrafo anterior) não é real etodavia o caso é totalmente irrelevante para a ciência,Reais são a matéria e os movimentos das partículasque constituem a matéria, que acontecem segundo

244 245

Filosofia mecânica

leìs determinadas. O mundo real é tecido de dados

quantitativos e mensuráveis, bem como de espaço e

de movimentos e relações no espaço. Dimensão, for-

ma, situação de movimento das partículas (para al-

guns também a impenetrabiÌidade da matéria) são as

únicas propriedades reconhecidas ao mesmo tempo

como reais e como princípios explicativos da realida-

de. A tese da distinção entre as qualidades objetivas e

subjetivai dos corpos está presente de forma variada

tanto em Bacon e Galilei, como também em Descar-

tes, Pascal, Hobbes, Gassendi e .$ersenne. Essa tese

constitui um dos pressutpo-stos teóricos fundamentais

do mecanicismo e na filosofia de John Locke (1632-

l7}4l, iria assumir a forma da célebre distinção entre

qualidades primárias e qualidades serundárias' Aquela

áoutrina serve também para a'interpretação e expli-

cação das qualidades secundárias. Como escreve Tho-

mas Hobbes (1588-1ó79) no Leviathan or the Matter,

Form, and Power of a Commonwealth Ecclesiastical and Ci'

vil (f ó5Ì): "todas as qualidades chama{as sensíveis,

no objeto que as determina, são os vários'moviÍten-

tos dá matéria, mediante os quai-s ela influencia de

formas diferentes os noss'os órgãos. Em nós, que so- '

mos igualmente estimulados, elas não são nada mais

do que movimentos diversos, sendo que o moümen-

(Hobbes, I955: 48-50). Inclusive as'qual idades se-

cu{rdárias resultam mecanizadas ex parte obiectì e o

mesmo fenômeno da sensação pode ser referido'a um

modelo mecânico.

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-s1' o tnscinrcrúo da cíôtrcia nrcdefitr tla Europa

Um astrônomo como I(epler, que estava forte-mente ligado aos temas do hermetismo, ele tambémfaz ìeferência exata à analogia entre uma máquina eo universo. No confronto com os que sustentavam apresença de "almas" que movem os corpos celestes,ele rejeita a analogia entre o Llniverso e um ser ani-madq divino, e aÍirma que o universo é semelhante aurn relógio: todos os vários movimentos que estãopresentes no cosmo dependem de uma simples forçaativa material, assim como todos os movimentos dorelógio são devidos simplesmente ao pêndulo. Tam-bém na opinião de Boyle o universo é semelhante auma grande máquina que é capaz de movimento.Mesmo que quiséssemos concordar com os aristotéli-cos que os planetas são movidos por anjos ou por.in-teligências imateriais, para explicar as paradas, asprogressões, os retrocessos e outros( ienômenos destetipo, plecisamos em seguida fazer recurso a movi-mentos, quer dizer, precisamos fazer apelo a teoriasnas quais se fala de movimentos, figuras, posições eoutras características matemáticas e mecânicas doscorpos (Boyle, I772: IY, 7l) .

Neste sentido, Hobbes indagava: por què nãop<.rdemos dizer que todos os Autômatos ou as máquinasque se movem Sozinhas por meio de rodas ou de mo-las, como acontece com os relógios, têm uma vida ar-tifìciat? Afinal, o que é o coração senão uma molà, osnervos senão muitás cordas e as articulações serlãomuitas rodas? (Hobbes, 1955: 40). As máquinas donosso corpo - afirma Marcelo Malpighi (ló28-94) notratado De pulmonibus (168ll - são as bases da medi-cina: elas se identificam com "cordas, filamentos, vi-gas, fluidos que escòrrem, cisternas, canais, filtros, pe-neiras e máquinas semelhantes" (Malpighi, 1944 4Ol.Na obra L'homme (1644, mas terminada em ló33)

246 247

Filosofia nrecânica

Descartes escrevera o seguinte: "Nós t'emos que reló-

gios, chaÍarizes, moinhos e outras nráquinas deste

tipo, embora sendo construídas por homens, não.lhes

falta força suficiente para se moverem sozinhas de vá-

rias Ínaneiras [...]. E na verdade os nervos podem ser

muito bem comparados com os tubos das má{uinasdaqueles thafarizes, e os seus músculos e os seus ten-

dões aos outros mecanismos e úolas que servem para

movê-las" (Descartes, 1897'19L3: XI, I20, I30-31)'As referências aos reh)gios, aos moinhos, aos

chafarizes, à engenharia hidráulica são insistentes e

contínuas. Na "filolofia mecâniba" a referência à me-

cânica como setor da física è a referência às máquinas

apafecem estritamente inteiligadas. Durante séculos

foi aceita, e em müitos períodos históricos Ïicou domi-

nante, a imagem de um universo não só criado para o

homem, mas estruturalmente semelhante ou análogo

ao homem. A doutrina da analogia entre microcosmo

e macrocosmo dera expressão a uma imagem antro-pomórfica da natureza. Entretanto, o mecanicismoèti-in" qualquer perspectiva do tipo antropomórficona consideração da natureza' O método característico

da filosofia mecânica na opinião dos seus defensores

aparece tão poderoso a ponto de ser aplicável a todos

os Aspectos da realidade: não só ao mundo da nature-

za, mas também ao mundo da vida, não'apenas ao

movimento dos astros e à queda dos corpos pesados,

mas também à esfera da's percepções e dos sentimen-

tos dos seres humanos' O mecanicismo atingiu tam-

bém o terreno de inüestigação da fisiologia e da psico-

logia. As teorias. da percepção por exemplo aparecem

furidadas na hipótese de partículas que' através de po-

rosidades invisíveis, penetram nos órgãos dos sentidos

produzifdo movimentos que são transmitidos pelos

nervos ao cérebro.

Page 45: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

O rnscinrctüo da cíêttía ntodenn na EurcDa

O mecanicismo não foi apenas um, método.Afirmava a existência de regras para a ciência e nega-va que pudessem ser consideradas ,,científicas,, afir-mações que se referiam à existência de almas e de"forças vitais". Configurou-se - e os contemporâneosficaram logo cientes disso - como uma verdadeira eprópria filosofia. A filosofia mecânica por conseguin-te propunha também uma "imagem da ciência,,. Afir-mava o que a ciência era e o que devia Jer. Com exce-ção da teologia, nenhum domínio do saber, em prin-cípio, podia se subrrair aos princípios da filosofia me-cânica. Por isso, procedendo nesta direção, ThomasHobbes colocaria também a política sob tr signo da ii-losofia mecânica.

, , -

Corsns NATURATs E coISAs ARTrFIcrArs:CONHECER E FAZER

A rnáquina, que é,o modelo explicativo priúle-giado -pela fiÌosofia mecânica, pode ser um artefatoque existe realmente ou âpbnas um aparelho pensadocomo possível, Levando em- conta que cad4 elemento(ou "peça") de uma máquina cumpre a umà sua fun-ção específica e considerando que cada ,peça,, é ne-cessária para o funcionamento ila própria ,máquina,na grande máquina do mundo não há mais hierar-quias, ou fenômenos mais nobres ou.menos nobres. Omundo concebido como um grande relógio derruba aimagem tradicional do mundo como uma espécie depirâmide que tem embaixo as coisas menos nobres eno alto aquelas.mais próximas de Deus.

Conhecer a realidade signiÍica tomar conheci-mento das formas pelas quais funcionam as máquinasque operam no interior daquela máquina maior que é

248 249

Filosoíia mecânica

o mundo. Pierre Gassendi (1592-1655), cônego emDigne, professor de astronomia e matemática, autorde objeções sutisàs Meditações de Descartes, contrapõeao uniVerso concebido por Descartes como "cheio",isto é, desprovido de vácuo, um universo composto departículas indivisíveis que se movem no vácuo. Notratado Syntagma philosophicum (1658\', enuncia comclareza notável o tema de uma analogia entre as coi-sas naturais e as máquinas ou coisas artificiais: "Nósindagamos a respeito das coisas da natureza, do mes-,mo modo com que indagamos . ìi:jpeito das coisascujos autores somos nós rnesmos.(.'.]. Fazemos uso daanatomia, da química e de subsídios semelhantes afim de entender, solucionando na medida do possívelos problemas relativos aos corpos e à maneira dede-compô-los, analisando de que elementos e segundo

, quais-critérios eles são compostos e para ver se/ me-diarìte outros critérios, outros corpos puderam ou pos-

sam ser compostos" (Gassendi, lÇ58: I, l22b-I23al.' Gassendi é unr adversário convicto dos aristoté-

licos e dot ocultistas e é veemente crítico com.relaçãoaos cartesianos. Ele se aproximava da'temática dos Li-bertinos e teorizavâ um ceticismo metafísico que

con'ótittría a premissa para a aceitação consciente docaráter limitado, provisório e "fenomênico" do saber

'científico. Somente Deus pode conhecer.as essências

das-coisai.'o iromem pode conhecer apenas aquelesfenômenos'cujos modelos ele pode construir ou so-rneRte aqueles produtos'artiÍiciais (as máquinas) que

construiu com as próprias mãos'Esta afirmação implica a tese de uma não-diver-

sidade òubstancial entre\os produtos da arte e aquelesda.natureza, implicando, por conseguinte, a rejeiçãoda definição tradicional da arte como imitatio naturae.Se a arte áapenas imitação da natureza, ela não pode-

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O rnscinrcnto da ciôrtcia nodcnn na Europn

rá jamais alcançar a perfeição da natureza. A arte é so-nìente uma tentativa de reproduzir a natureza nosseus movimentos: por isso, eÌn muitos teÍtos da idadeMédia, as artes mecânicas são definidas adulteri,tae oufa ls i f icadoras.

A fi losofia mecânica põe em crise também estaconcepção da relação entre arte e natureza. FrancisBacon crit ica a teoria aristotélica da espécie, com basena quaÌ um produto da natureza (por exemplo, umaárvore) é quaÌif icado como tendo uma forma primária,ao passo que ao produto da arte (por exemplo umamesa extraída daquela árvore) caberia apenas umafotma secundária. Esta doutrina, escreve Bacon no tra-tado De augmentis, "introduziu nos empreendimentoshumanos um desespero prematuro; os homens, aocontrário, deveriam se convencer de que ,,as coipas ar-tificiais não diferem das coisas naturais pela forma oupela essência, mas somente pela causa eficiente,, (Ba-con, Ì887-92: I ,496) . O ra io, que os ant igos negâvamque pudesse ser imitado, na realidade Íoi imitado pe-las artilharias da era moderna. A arte não é simia na-turae (macaco da natureza) e nem fica, como queriauma antiga tradição da Idade Média, ,,de joelhos dian-te da Natureza". Neste ponto também Descartes estáplenamente de acordo: "Não há qualquer diferpnçaentre as máquinas que os artesãos constroem e os vá-rios corpos,que fazem parte da natureza'. A única di-ferença está no fato de que os apareÌhos das máquinasconstruídas peÌo homem são bem visíveis, ao passoque "os tubos e as molas que constituem os objetosnaturais são geralmente muito pequenos para quepossam ser percebidos pelos sentidos" (Descartes,1897 -I913: W, 32L).

O conhecimento das causas profundas e das es-sências, que é negado ao ser humano, é,reservado a

250 251

Fi loso Í ia n rucân ica .

Deus enquanto." ' r )u . Ìs t l i t tor da máquina domundo. O crit con sl , ,Ìì ' ìo f: lzer uma coi-sa ou da identtir 'r.tc eIìtre r ,Ìtcconstnrir) serve não só t ' .,

Íu ir (ou re-,ias também

paÌ ri, Deus conhe ' .,: o vÊl relógio que

é , , r : iuncio porque fc , r i t r .ünstrutor ou, re lo joei ro.O que reahl o ser humano pode conhecer

é somente o Ar t ' - ia l . A esse resn. ' r tn . por exemplo,Marirt Mersenne escreve o seguir difícil encon-trar verdades na física. Considerat:úo ,ìue o objeto dafísica pertence às coisas cri,.., las pür Deus, não deve-mos nos sul Ï ' l - , , ' lder por i ' ' iJ encontrarmos as suasver{adeiras razões [...] Na r..rÌ i iade, conhecemos asverdadeiras razões aperìts darluetas coisas que pode-Ipns COístruir cOm as mãc,:; :, '-t com O inteleCtO" (Mer-senne, 1636: 8). O materialista Hobbes se situa em po-sições'certamente muito diferentes daquelas de Mer-senne, mas neste ponto chega a çonclusões totalmen-te semelhantes: "A geometria é demonstrável por.queas l inhas e as fi luras a partir das quais raciocinamossão traçadas e descritas por nós mesmos. E a fi losofia'civi] pode ser demonstrada porque nós próprios cons-truímoS o Estado. Entretanto, considerando que nãoconhecemos a construção dos corpos naturais, mas aprocuramos pelos seus efeitos, não há nenhuma de-monstração'de que natureza sejam as causas procura-das por nós, mas somente como elas possam ser"(Hobbes, 1839-45: n, 92-94).

' O trecho de Hobbes que acabamos de lembrar

foi comparado várias vezes com as páginas de Giam-batista Vico (ló68-1744) nas quais é enunciado o Ía-moso princípio do verum-factum. "Demonstramos asproporções geométricas porque somos nós que as Ía-zemos,.se pudéssemos demònstrar as proporções da física poderíamos também f.azê-las", escreveria no tra-

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(1 ' t ì . , i " ! t i l to , la r ì t t r ìn i ln id trd nd Ei l t t t l r í Ì

ANIMAIs, HoÌ\4ENS E MÁQUINAS

252

[ : i l r ) r ( ì l i . ì t ì ì c ( , i r ì l ( J

nrodelr , c la nráqu ina, ua l )crccÌ )çâo cìc Dcsc.r Ì tes, a l )c-l las estas dt ras Iunções parccenr incxpl icacÌas or- r nâocxp l i ca t l as de r rn r r . r r oc lo t o ta l r ì Ì e l ì t e sa t i s fa tó r i o .

Ur.na rnác1t t ina quc t i r iessc os r i rg,ãos e o aspectode r rn t r ndcaco ou de u r t . r ou t ro an in ta l i c r i a r t eccss i c l a -cìe de unra d isposição especiaÌ c los serrs órgâos, corres-po r r c l endo a cac la açâo pa r t i c r r l . r r ' , Na on i r r i ão c ìe Dcs -ca r tes , não é conceb í r , c ' l r r r ua rnác1 r r i r r . r o r Ì e t e l l l ì a t an -tos o rg i cs c t ão c Ì i vc t ' s i Í i c . r< Ìos a l ) o r ì t o r Ì c l l oc l c ' r ' ag i r 'e Ì r ì cada c i lcr - r rs tância da r" ic la taÌ conro a nossa razã<rnos l ) en . Ì l i t e ag i r ' . E r r r r r r r r i t as co i sas aq t re las l r r áqu i r rasta lvez poder ianr agi l a té l ì ìesnlo ure lhol c lo qt re nós,rnas er Ì l o l l t ras coisas f racassar ianr i r reütavelnrente.Por- iss ' : . para Descat tes, a sabedor ia ot r a capacidacìede se ac lap ta r ao au ìb ieu te uão são do tes que as r t r á -quinas possan-ì acìqui r i r ' . E o nresnro valc l rara a Ì i r t -gLrageÌ ì ì . Pois ser ia l rossír te l constru i l urét lLr inas capa-zes c le l - l rorr l r t rc iar l ra lav las e cìe reagi r corr p. r ìavras ac le tenn inac los es tú lL r ìos ex te r Ì ì os , r Ì l as t . r i s n ráq r r i r r assen lp Ìe se r i an r i ncapazes c le coo rdena r as pa Ìav raspa ra r cs l ì o Ì ì de r cc ln ío l r r r c o scn t i c l o c ìas pa la i ' r as q t relhcs sr ì ' c i i r ig ic las.

, ' , a l l ' Ì - ìa rac iorraì , l lor tar ì to , não 1-roc lc 'c ler ivar dopoder c la matér ' ia , n las fo i a l ) ro l ) r ja( iar . Ì rerr te cr iacìapo r Deus . Tudo i sso (e na ve l c l ac ìe não é l r ouco ) quees tá a Ì ì í ì i xo do ì i r r r i a r do pcnsan rc r r t o c c l a l i r t guagen ré porérn in ter l r retac lo scgr- rnc lo os cânor:cs c lo nra is r í -g i do n rccan i c i s rno . Os a r r i n ra i s sâo so Ì ì ì c l ì t e l t áqu i t t ase toda a v i da f i s i o Ìóg i ca do se r hu rnano é cxp l i cáve l

I co l ] r a l ì ) e tá fo ra c l a n rác t r i na e r l ode se r re f " r i da à n rá -quina. Ì l rn pr imeiro lugar , no aspecto f is io ìógico dav ida é l ì oss í ve l d i s t i r r gu i r e l ì t Í e aqu i l o que é vo l r - rn tá -r i o e aq r r i l o que é n re rau re r ì t e mecâ r . t i co . No se r hL t -

l ì r a r ' Ì o , a a ln ìa t e l r ì a sua l oca l i zação n , r g ìâ r rdu la P i -r rea l , p róx ìma à t r ase c ìo ce< reb ro , e e la con l ro la . rq r re -

25- ì

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( ) t t ã i , ì t t t I t t t , 1 , l , i c t , 1 r t , i ' l t t t o L l c t t t ' t t t l E t r t o p t l

254

25)

F ì l 0 s o [ i . ] l ì l c c a l ì i c a

exeÌìlplo, aproxil ' Ì-IaÌlclo-se cÌe tl l l la estáttla cle Diana

no baÌlì lo - qLle fize,ram aparecer catniuhaudo sobre

cletenlittacìos Ìaclri l Ìros -, de repente eÌes Iazeur

aparecer tar lbém Lìma estát i la de Netuno qt le os

uir-,.uçu coÌìl t l lrì tr idente' A aÌma racional, sitttada uo

cérebro, "teÌl1 LtÌl la Ïtrtrção igual àqtreÌa do etlcarrega-

c lo do chafar iz qr . te c Ìeve se eÌ lco l l t rar per to dos tau-

qucs o l lc le estão conectacìos toc los os tLìbos de ta is nrá '

quì l ì<ìs ì )ara provocar, Ìu tpecì i r ou nr l tdar de a lgt r t l l

,.r 'roctu oi se'.ts t lovil l lelìtos"' Após a cìescoberta cla ci-

berr rét ica hot tve qt le Ì Ì l 1 ìo lasse que o ta l "eucar leg ' r t ìo

cìo chafar' iz" siassenlcll 'ra Ìlastante a ull.ì nlecalìÌsÌl. lo

autontat izacìo.Descartes faz t t t l la ní t ida d is t i r lção entre proces-

sos f is io lógicos vol t tn tár ios e involuÌ - Ì tár ios; tenl L l Ì Ì la

icÌéia exata daquele feuôt:leno qlre (e eÌl l ttnl coIìtex-

to expl icat ivo mtr ' i to c i i Íerente) io i s t tcessivaÌ Ì ìe Ì l te de-

nontinacÌo de "ato reflexo''; abre o cauril- iho ao meca-

os se rcs l i t t t r ta t ros são apetras r t táqtr i t ras '

Tarllbénr o urateu'rático e astrônoulo napoÌitatto

Giovantr i AÌ forrso Borel ì i (1608'79) fa la de t r Ì l la se-

t l r e l Ì r a r l çae I ] t I ea l Ì t ô l l ] a tosea t r i t . t r a i sse l ì ÌOve I l t eSeSere[cre' iì geouletri"r e à rlrecânica coÌÌlo a cìttas escaclas

pc,r ' r . rncìã é prec iso st rb i r para a lcat lçar "a maravi Ìhosa

ciôrrc ia c ìo t t rov i t r ret - i to c los seres v ivos" Unl ano a1lós

o [a lcc i t r teuto, e l ] l I680-8i , Io i pr ' tb l icacìa enr Rot l ta a

srra obra t l ra ior : o t ratacìo De mott t ar in tn l i t r t t r ' NeÌe se

Page 49: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

O ttascintcttto do cittrcia ntoderun tn Ettropn

el lcoÌ l t ra l l ) referêt lc ias a Harvcy ' betn cot t ro a tc t ' Ì las

cìcser tvolv idos l )or Gal i le i nos Disrcrc i e às colocações

cartcs iaÌ14s. No l ivro c i tac lo são esruclados do poÌ l to de

vis ta geot l rét r ico-mecânico, is to ó ' cot . t ro.s is tentas de

sinrplãs ttráqtl itras siurtrrles, talìto os moviuretttos dos

a ninr.r i s qt,aircì o catrl itrham, correÌ1.ì ' pr't lalrr ' levatr ta tlr

;;;;t, .onln tu,r.,bétrr o vôo clos pássaros e o uado clos

peixes. As cìttas partes el.Ì1 qtle a obra é dividida csttt-

cìaut respectivaÌ.ì lellte os tl.tovilrtelltos exterl los oLl

apareÌltes clos corpos e os rlÌovilneÌltos iÌ l terlros dos

I- ì1úlScl - l Ìos e CìaS et ] t rat lhas, a lgLt t ts do: ; ' t l i ta is t rão de.

p"ìla"ttt cla voutacle do incÌir ' ícluo' o corpo se corrÍigtt-

r.u .orrro uma ntáquina l l idráttl ica na qttal os esllír itos

arlit l lâis qtte passan atra'/és dos nervos exercell ' Ì a

i . 'nção ig i ra l á c Ìa água' Na grande r Ì la ior ia dos casos '

o, -úrç i i los t rabalhau em concl ìção de reìevatr tc c les-

vantagen-Ì; por exemplo, se os ossos constitueÏl l uÌl la

a lavanca qt le te ln o seu Iu lcro na ar t icu lação' a força

"i.t. iA. pelo músculo àge tlrrt ito próx.ima ao fulcro

enquanto o peso (por exénlp lo em um braço estendi-

c ìo qt te sLìstet ' Ì ta o peso) está próx i tna à extrenr ic lade

de ltttra aìavanca que é cÌez ott vinte vezes rl ' Ìaior clo

lu" u p"quena a lavauca re l l resel ì tada pelo n lúscr ' t lo '

O esforço excede nr t t i tas vezes o peso'

Bolc l l i par te c le pressLl l lostos do t ipo g 'a l i ìcat ro-

car tes iauo: "u ìú. ,gr . ,u e os caract€ l 'es com qr ' te o Cr iador

c las coisas fa la r ras st tas obras são cotr f ig t r rações e de-

,no, l r t raçõ.s geourétr icas" (Borel l i ' l6S0-81: l ' 3r ' ) ' As-

. sint, tro callítr.t lo segttt ldo do Dc tnottt escreve o segtll l ì '

te : i 'As opàrações c la nat t t rez-a são íáceis ' s in . rpÌcs e sc-

g l le l l l as le is c ìa t l recâtr ica, qt te são le is necessár ias" '

Col l basc l ìestes p l 'esst l l lostos e le re je i ta qt ra lq l ter i t t '

terpretação quí t l r ica dos fenônlenos f is io lógicos e in '

,a .p. . ,a 'a par t i r c ìe bases n ' ìe ÏaÌnel l te nrecânicas os

l r roaarro, c te tocìo o orgauist l lo ' aLrraugeur lo i r lc Ì t ts ive a

256

Fi loso I i . r r t t cca t t i c . l

cl i Íereute c la força t l ra te r ia l da r l ráqr ' t i t ta qt le a.col l t ra l

r r io lentantet l te" . Diat l tc c las cat tsas t l l is ter iosas é forço-

so ac l t l i t i r " r t t l la co l t [ issão c lc igr r t l rârrc ia" ' toc lar ' ' ia '

theses f ic tas ac lnr i t tere del retnt ts" '

No t t ' a i a r ì o De t ' c r t a r t r t r t os t ì o l i s (1603 ) G i ro la t r l o

h7

Page 50: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

( ) | l i 5 L i | | t t t t I t ) , / , t , t ' i r l r t ' t t t Ì o t l i t I I d I I d I : L t I t ) l t l

t i Ì ì los ce Ì ì l a Ì l ( )s ass [ Ì l ] l i ra t l Ì Ì l as l )c 'c lo to ta lu ls l l te l Ìovo

e passot l a ac ìc ta r r ' r t t ia ì inguageur to ta l t .ueute d i le ren-

te cÌaqttela q'.re fora rtsada clt trarìte 1'ì ìLì i to tcì ' t ìpo'

E possÍr 'pl sEÌì MECANICISTÀE CONTINU \Iì CRISTÃO?

Os t t ra iote 's f i lósolos l la t t t raÌ is tas do sécr- r lo XVI I

qLìe sc ' to l ' Ì ìcr rc ì l ì l defensorcs e propagandisr ' is do nìeca '

' i i . i t,.,.to rinIialrr aclt 'r l iração llor Detlrócrito, bel'u cotlc

pelos ant igos atoÌ Ì ì is tas e l le lo l )octa roÌ ' ì la ì ro Lucrécio '

os qrra is cc l t ts t t ' r t í ra t l . t t ' t t t la i t l raget t t c ìo I l r r t t tc ìo do t ipo

rnccârr ico e corpr tsct t lar ' I \ {as, c lev ido às cor lseqi ìêucias

íntp ias ot t a tc ís tas qr- re pocì ianr sel c ìedtrz iuas pela t ra-

c l ição cìo t t ta tcr ia ì ismo, r la gra l ld íss in la t r l ; r ior ia dos ca-

soi , e les t i r r l r i r t t . l a i l l re t lção de se u lantet ' d is tantes '

Relo jc le i ro, O csr t rc lo crr ic lac loso c 1 l ' rÇie l l te c la grar lc le

ntáquina cìo t l l t tndo era a le i t Ì l ra do L ivro C: Natureza'

jur.ìfo coÌtì a ieitttt 'a cìo Livro <Ìa Escritttra' Arlbas as in-

i 'est igações tecì t t t lc lavat l r r la g lór ia de Der ' ts .

ós Í i l< isofos cìc ls qt ra is c ' ra l l re c iso t t tanter d is-

tância. Poì ' tere l ì l s ic ìo re je i tacÌos e cot lc j ' - 'uados in t i -

r ì reras vezes, são Thot l ras Hobtres ( I5SS- 16791 e Ba-

rr rch Spìr roz a ( l632-77) . O l l r i r t re i r< l estcr ldet t o l Ì le-

canic isnro a tocìa a v ida psíqt l ica, conceÌ lcudo o pel ì -

saì l re l l to coÌ ì lo L l Ì l la espécie c lc i t ls t iu to t ln ì pol Ìco

n ra i s co r t t p l i c . r t Ì o c Ìo c Ì t ì e o i l ì s t i Ì ì t o c l os a t r i t na i s e

atr ib t t i r tc lo ao t l t t . l t ' i l l ler l to todas as c leter t r l i t rações e

258259

F i l 0 s o l i J r Ì ì c c , i l l i c i

t r a t l s l o r t r t açõesc le t t t r r a rea l i c ìadee t l t e t r c Ì i daexc l t t s i -vaÌ ì lc ' Ì ì te coÌ Ì Ìo corpo. Fazet tc ìo da ex let lsãc ' t r tna

"atributo" cìe Detls, Spinoza ÌÌegou de modo ínlpio a

clistinção urilenária eÌltre tlÌ l l ttrutldo urateriaÌ e ltnr

Deus imater ia l , negat ldo qLle Det ls se ja pessoa e q l te

possa ter f ius or- r c ìesígnios, AÍ i rmot t a lénr d isso que

ia is aspectos são aper las a pro jeção grossei ra de ex i -

gências h l t tnauas 1 la ' ra a idéia cìe DeLls SusteÌ ì to t Ì a

inseparabi Ì ic ìac le er l t re a l t l ra e, corpo ' E, f inaÌ t t le t l te '

v i r . r no t tn iverso t r l l r : t t .uáqt t ina eter Ì ' Ìa , desprovic ìa c le

seÌ ì t ic lo e cÌe f ina l ic ìacìes, sencÌo expressão cÌe t t t l ta

carrsal idade necessár ia e i Ì Ì la . Ì lente '

Na ct r Ì t t r ra c la seguuda uretade cÌo séctr Ìo XVII '

ter r ì ros cor t to hobì : is ta, s l l i t toz is ta, atet t , ì iber t ino são

h'e ' t1 t ìc t r tcr t lcntc t lsacìos ató l ì ìes l ì ìo col t to s i t tô t i i t r los '

As teses rnais radicais do t t tov i tnento l iber t i r to c l ìcoÌ ì -

traÌìì a stra tltaior exllressão ua olrta Tlrcoplrrasrtts rcdi-

yil irs (r:ecligicìa eur torno de Ió66) qtre alcatlçot't tttrra

anrpl íss inrã cÌ i f t rsão ' Por meio desse rect t rso subÌerrâ-

lìco, o ttatttralisulo cla Rc'r'rascettça, betl l coÌl lo os teÌlìas

ínrpios da traclição clo tnagisuro e clo hertnetisnro sc co'

, 'ra.to,',-t (ÌìÌecÌiante a insistente reÍerência a Giordatto

Bruno,; corll a Íi losofia anti-Ì lewtoÌl iana e aÌlt i-deísta

cìc John Tolancl (1670-1722) e, u la is tarde, cot l t a obra

clos grar : rc Ìes mater ia l is tas i rat lceses do sóculo XVII I '

Cottro já viuros, Pierre Gassendi, apesar de ad-

rur i t i l os átomos ct ' iac los l lor Det ts , lo i considerado por

rur t r i tos per igosar t - ret l te 1 l róx inro às l los içõcs c los l iber t i -

r ros. Cot t t ra os I iber t inc ls pc l le t t l iza abef taf l lc t l te Mar iu

Nlct'setrtre ( l5S8- I Ó48; no l ivro " L'irttpiété dcs déistes

(1624\ . EÌe abat lc ìot la a t radiçãr- r c ìo pensamel l to esco-

lást ico e se a l i t lha c lec ic l ic laurent€ . ro Iac lo da nova c iêu-

cia. De fato, eÌe consicÌelott esta ciêììcia cotno r'tt la bar-

l 'agcÌl l frenfe aos etìorÌl les perigos qtle/ para o peÌlsa-

r r tcnt<- l cr is tão e l )a la o set t l la t r i t . t rônio c le valorcs ' sã<r

Page 51: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

O rnscirtrcruo da ci[trcia ttodctttn tn Erlopa

cor ìs t i lL l ídos pela retot ì lada dos tenras " rnágicos" , peladi fusão da t radição hermét ica, bcr t r conto pela prcsel l -

ça de posições qLle se refereÌ1 l ao natura l is lno da Re-Ì ìascença e às dor t t l iDas prescÌ l tes l ìo pel ' ìsaÌ l rerr tO dePiet io PonrponazT- i (1462-1525), que Ì legava a ex isrên-c ia dos nr i lagres e s l ls tentava que as t rês grandes re l i -g iões rnedi ter ïâÌ1eas forarn fundadas para f i ì ls l to l í r icos,peÌos t rês " iurpostores" : Moisés, Cr is to e N, l .aomé.

MeLsenne pensava que á n tag ia na tu ra l , quepen-ni t ia âo I romer. r - r real izar "nt i lagres" fosse r t ru i tor . r ra is per igosa para a t racì ição cr is tã c lo ' tpre a nova f i -ìosof ia nrecânica. Esta f i Ìosof ia , a l iás, pocl ia scr conci -Ì iada conr a t radiçâo cr is tã, A seu vet a tese c lo car 'á terscnl l l re Ì r ipotét ico e coì l ject r . l ta l dos conÌrec imentosc ien t í Í i cos c l e i xava c le f a to t odo o espaço necessã r i o àdiurcrrsão rcì ig ios. r e à vcrdaclc cr is tã. Tanr[ rérr r RotrcrrBo1'1. (1 627-91) tcnr preocupações cìeste t ipo. Non ìo r ì ì c r ì l o e l ì ì que cxa l t a a cxce ìê r r c i a d . r f i l oso f i a co r -

l r t tsçLr lar ou nrecânica (Ahout the E.rce l le t t1 , at td Grorr t tdso.f t lrc A'IeclntTi6al f l.1tpotlrcsls, Ì 655), ele se trtreocul)a erììl raçar duas l inhas dc denrarcação. A pr inre i ra devedist ingui ìo dos segr . r idores de Epict r ro e cìe Lucr 'éc io,Lrenr couro c ie toc los aqueles que col Ìs ideranì que osátor los, e l rcontrar tdo-se ju ì ì tos l )or acaso em ul ì ì va-z io in f in i to , se jan.r capazes l lor s i própr ios de proclu-z i t 'e tn o nrundo e os ser ls {enôrnenos. A segtr r - rd. r ser-ve pal 'a d i ferenciá- Ìo daqueles que eÌe chanta de " r le-canic is tas urocìcmos" (que af inaÌ são os c( ' ì r tes i . ì nos) .

. Para ta is l . ì lecanic is tas, sr ìposto qr te Deus tenha int ro-dt rz ido r ì ( ì r l rassa tota l c la uratér i . r uula quaÌ l t íc ladc in-var iável de nrovimel ì to , as vár ias l )ar tcs da nratér ia,enr viltrrde dos seus próplios nÌo\/i l Ì1eììtos, seriaur ca-pazes de organizar-se sozinhas elÌr LÌl lr sister.na. Por-tanto, a f i losof ia cor l l rscular ou Ì l ìecâr ' Ì ica da quaÌBo1, lc r . tonra c ic fensor , não cìeve ser conf t rndida cot t t

260

Fi l r l s r r l i , t r t t cc , r r r i c . r

o epic l l r isr ì lo e l le l l ì coì l ì ( ) ca l tes ia l l is l l ìo ' No l Ì ì (

c isrno dc Boyle o problcr l ta da "pr i r l re i ra ot ' iget

coisas" c leve ser l l la Ì l t ido ct r ic ìacìosatr le t l te c l ìs t in

problet 'na do "ct t rso st lcessivo c ia t ta t t t reza" Det l

se l i n f i t a a con fe l i r o n tov i t t t e l t t ( ì a l ì a tL l l ev -a , n1a

os r t . tov i t t tentos de toc las as st las p<ì r tes c le for t l la

se l i - Ì as r t o "p ro je to c l t l t t l t t l t do " q t t c t ì c l ' e r i a l t t f c

Unta vez qt le o t tu iverst - l fo i cst rLr tLr r . rc ì t : l lor D

que De t l s es tabe l cce t l " ac l t t e l as r cg ras c ìo t t r t l v i l r l r

aqt te la ordel . ì ' ì e t ì t re as ct r is . rs f ís icas ( . l t le cost t l l ì '

chaurar c le l . ,e is c la Nat l t reza", l loc le-se aí i r l l rar q

fcnômenos "sã o f is ica t t l e ì ì te l l l ' ( ) ( Ì [ ì z ic Ìos r - tc las ca

r ís t icas l t lecânicas c l . rs l )ar tes c la ntatér ia e l l í l la lrecíprocas operações segt t t rc lo as le is c la ' t rec/

(Bo1 ; l e , 1772 :LY , 68 -69 , 76 \ . A d i s t i nção e r ì t r e (

c las cois i 'e e c t t t 'so srrc t 'ss ivo dd t td t t t tc :d é r l l t t i io i t r rpr

t e : aq [ t ( ì l es que i t l c ì aga r l ] a I cs l ) c i t o c l a o r i go r l c i t

verso têÌ ì l a l l re tet lsão ínrp ia c le ex l l Ì icar o l l . Ì t l r

de cons t r r - r i r . l t i p í r t eses e s i s te l ì ì as Po t ' i s so , t r a o1

cÌe Bo1 le, ta t l to os segt t ic lores cìc Denlóct ' i1o e dr

cÌ l ro, coÌ l lo tanrL.rét t l os car tes iat ros, re l ) reset ' Ì t

ve rsão a té ia e l l l a t c r i a l i s t a da í i l oso f i a u tecâ r l i ca '

Co t t r e fe i t o , o q t l e l ez De sca r tes l ì o l ) ec

t ratac lo in t i t l r lac lo Le ntot tde ou Tr a i té dc la l t t t t t ì ì

não c lescrever o t lasc i t . t lc Ì ì to ( lo t l l r ' t t tdo? Assi t t

t e r i a e le a l ) rese l l t a ( l o r l l ' ì ì a l ' ì a r l açâo a l t e r t l a t i va

la c lo ì ivr , t c lo Gêr les is? E ve rdat lc ( . ì t le I )escaf tes

se l l t a ra a s r t a c ìesc l . i ção do t l asc in re t t t o c l o l . t '

con lo l l l ì r a " Í áb r - r l a " c a l i t ' t l l a t ' a f a l ' r r . c l e t Ì l ì ì t l Ì l

inra-q inár io. Mas, seg, t t i t tc lo t t t l l l l rocecl i l l leu lonho . e le i nve r t c l ' a c t t l v i l . i r l s l ) o ì ì t ( ) s o se t l l i r ì o c

d i scu .so : co t t hecendc l a f o l n l ação do Íe to r ro t

n ìa te l l ì o , co t l hece t l do co l l ìQ as p la t t t as ì l asce l

semel ì tes, cot thecetr tos aÌgo t l ra is do qt le coÌ '

s i r t t Ì r i es t t r c t t t c l l l ì ì [ ' cbê c i t l t r t l t a P la t t t ; r ass i t t t

Page 52: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

Q nascirncruo da ci[rrcia'nodcrnn tkt Ëtt1 opa

const i lu ídos pela re tor .nada dos tenras " t t rágicos" , pela

difusão cìa tradição hermética, bcnr cottto pela l lrcser'ì-ça de posições qLle se referenr ao ÌìatLrralisrno da Re-nascer ìça e às doutr inas preseÌ1tes l ' ìo 'pel lsa l l ìe ì l to dePietro Ponrp onazzi (1462-1525), que Ì 'Ìegava a existên-c ia dos nr i lagres c s l ls ter ' ì tava q l le as f rês grat rdes reÌ i -g iões nredi terrâneas foram fundadas para f ins l to l í t icos,pelos t rês " impostores" : Moisés, Cr is to e l \4aouté.

Mersenne l le l . ìsava que a ntagia I ratura l , q t tepelnt i t ia ao hontern real izar " t r t i ìagres" fosse t t r r t i tonra is per igosa para a t rac l ição cr is tã c lo ' t1ue a nova f i -losoÍ ia urecânica. Esta f i ìosof ia , a l iás, podia scr conci -l iada cortr a tradiçâo cristã, A serÌ ver, a tese clo carátersenlpre Ì r ipotét ico e cotr jectut 'a l dos conÌrec imert tosc ien t í l ì cos de i xava de fa to t odo o espaço necessá r i o àd i r r r c r r são r c l i g i os . t e à r , c r c l ac l c c r i s tã . T . r t t t bé t t t Robc t ' tBol , lc (1627-91) ter ì ì preocr . rpações deste t ipo. Non ron ' ì c Ì ì t o e l ì ì que exa l t a a cxce lê t t c i a d . r f i l oso f i a co r -

l r t rsçrr l . r r o t r nrecânica (Ahot t t the E.rce / lc t tc l , t t tú Gr orr r tds

o.f t lrc Ìríe clnrtisal f l.yprtt lrcszs, I 65 5 ), ele se preocrll)a eìììt raçar duas l inhas dc denrarcação. A pt ' iure i ra devedist ingr"r iJo dos seguidores de Epicr .uo e cìe Lr tcrec io,Lrenr con.ro cÌe toc los aqueles que cot ts idera l l ì q t le os

átot los, er- ìcoÌ l t raì ìdo-se j t tn tos l lor acaso enì t l Ì11 va-

z io i r r Í in i to , se janr capazes por s i própt ios de 1-r rocì t t -z i rer .n o nr t t t - tdo e os set ls íeuômettos. A segt lnd. l ser-ve para d i ferenciá- lo daqueles qt re e le chauta de " t . l le-

can i c i s tas u toc Ì c ruos " (que a f i r l a l são os ca r tes i . r l r os ) ..Pa ra t a i s n recan i c i s tas , s t l pos to q t t e De t t s t enha i r l t r o -

dt rz ic lo l ì ( ì ì ì lassa tota l da r t . ratér ia t t t t la qr tat t t ic ladc i t r -va l i áve Ì de n tov ime l l t o , as vá r i as pa r t cs da n ra lé t ' i a ,enr v i r tude dos seLts própl ios morui t t te t t tos, ser iat t l ca-pazes de orgauizar-se sozinhas eÌìì LlÌ l ' ì sistetl la. Por-

tanto, a f i losof ia cor l t t tscr . t lar ot t u lecâuica da qt ra l

Bo1,1s ra torna dc[ensor , não cìeve ser conf t t t rd ida cot t t

2602( t l

F i h ) s r 1 í i J n ì c c , ì l ì i c a

o ep icur isn lo e l . ìe ì l l co ì l1 o car tes ia t l i s t t lo ' No tnecat l Í -

c is rno c ìo Boy le o p lob lc t l ra c la ' " l l r i r l te i ra o r ige t t l das

co isas" c leve ser l l l a Ì ì t ido c r - r Ìc ìac losa t l le l t te c l i s t in tO c ìo

prob len ta c lo "c t t rso sL tcess ivo c ìa t la t t t reza" ' Det ts t tã i l

ie l in r i ta a coníe t ' i t ' o t . t rov i lue l t to á l la tL l l eza ' n ras g t r ia

o s n r o v i t t t e r r t o s c l e t o c l a s . r s s t l a s p a r t e s d e f o r l t t ' r a i t t -

ser i - las r ro "p ro je to c l t l r l r r t t rdo" q t rc c lcve t ' ia t l l fo r t t la r '

Unra vez q t te o t t t l i ve rs t l fo i es t l t Ì t t l rac ìo l lo t Dc t ls c

q r . r e D e t r s e s t a b e l c c e t r " a t l t t c Ì a s r c g ' t ' a s d o t t r o v i t r l c t t t o e

aqueìa orc le r t r e l ì t re as cc t i sas f ís ic . rs q ì . ìe cos t t l l ì l an los

chat t ra t c le L ,e is c la Nat t r t 'ez -a" , l loc le -se a i i r t l ra r q t le os

fenôt t ren os "sã o f i s ica r t re t l t t ' l l r t l c l t t z ic los r l c l c s ca Ia c t e -

r ís t i cas t r tecân icas c l . rs l la r tes c la t r la té r ia c 1 l r : las s t tas

rec íprocas operações segt t l l c lo as le is c ìa ' l . recá t l i ca"

leo i le , 1772: lY , 68-69 ,76) . A d is t inção en ' t re o r igc t t t

c las co is i . , e c tu .so s r rccss l |d dd t t t t t t r rc :a é t l t t t i to i r l t l l o l ' t . t l t -

c Ì l Ío , con . ìo ta r l rbén l os ca t ' tes ia r ros ' re l ) rese l l ta t l l a

v e r s ã o a t é i a e t l l a t e r i a l i s t a d a í i l o s o f i a u t e c â r l i c a '

Cot r t e fe i to , o q t le fez De sca t - tes l ìo l leq t le l lo

c o t t l o r i l ì r a " í á Ì ; t r l a " c a I i r t r l a t ' a [ a Ì a r c l e t t t t t t t t l i v e - r s o

i n r a g i r t á r i o . M a s , s e g , t t i r l c l o t t l l r l ) r o c e L l i l ì l e n 1 o e s t r a -

n h o , e l e ì Ì l v e r t c l a c t t l v á r i o s l ) o l ì t ( ) s o s c l r l i c ì o c l o s c t t

c l i s c u r s . o : c o r r l r e c e t r c ì o a f o r l r r a ç ã o c l o f e t o l ì o v c l ì t r e

t . Ì la te Í l ì .o , co t rhecet lc lc l co l l ìo aS p Ìa t r tas i rasce t r l c las

semet l tes , co t l l tece t l . tos a lg ,o t l ra is c ìo q t te cor thecer

s i tnp Ìesn lc r l t c t l ì l l L lcbê o t t t t r t ta l l l a l t t ; r ass i t . t l co t t to

Page 53: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

l ó l

F i l o s o I i a t t r c c â L t i c a

Optt icks (que Ío i acrescentacÌa Ì la ec l ição de 17171 conto

ta Ì l ì bé l ] - Ì l t oS , j l ' 1o l i | | l ngene ra le ,apoS içãodeNewto r ré;;;.;; font g,.untìt cìareza: ÌrÌr1 "cego acaso" jattrais

pocler ia fazer mover tocìos os pÌanetas ao Ì l lesÌno ten- ì -

po elÌl órbitas coÌ-ìceÌ-ÌÍricas e a nlalavilhosa tt lr iIortui-

ã. , f . - , f " s is te ina soÌar é efe i to de t t tna "pÌauo inteucto-

r raì" . Os p lanetas coÌ l t in l Ìanl a l l ìover-se nas sr ias ór-

ü i ,o , p" tu, Ìe is c la grav ic lacìe ' n tas "a posição pr iur i t iva

.'r"glüt .r. tais ó;'bitas r1ão pocle ser atriÌruícÌa a tais

úir,ï aitp"sição adn-rirável cÌo SoÌ' cìos plar-reta5 e dos

coÌlìetas soÌTÌeÌÌte pocÌe ser obra cìe tlm Ser todo pocÌe-

roso e iÌ l.teligetìte". A cìisrinção apresentacÌa por BoyÌe

.ntra orig.Ã clas coisas e ctlÌ 'so\regltlar.da Ìlatl lreza

era retontada neste cot ì texto ' Sè é verdadc qt le "as

;;;, i; i ;t sóliclas forat.u associacìas cÌe urocìo variaclcr

nu-pr i ,n" i ru cr iação pelo cr i tér io 9t : 'n t , , l l t t r te iu teÌ i -

; ; ' i ; ; ' ; : ; . é verc lacìe 'qt te ta is ì rar l ícu las " Íorat ' co loca-

cìas eur ot'cìetlr por 'tc1ueÌe qtìe as criott" ' elltão "l lão

h á r a z ã o p a r a b t t s c a r . . ' , , ' u o . . t , u o r i g e l l l q t t a l q t r e r c ì o,.tì,,,t, i" o,', prere' ' 'cìtr qì'te o ÌÌ lesÌl1o possa ter saído de

rrr r r Caos, pol ot r ra c las ' l i " las lc is c la l la tL l reza" (New-

t o r t , t 7 2 I . l l l - l s l . A s l e i s Ì l a t t l r a i s c o Ì - Ì . Ì e ç a Ì ] l a o p e r a rsolÌÌeÌlte depois qtte o r'rniverso foi criacÌo' A ciência de

Newrotl é ltnla cìescrição rigorosa clo trtrivelso taÌ

cot t to eìe é: euqr tauto iompreencÌ ic Ìo desde a cr iação

clo 'trrnclo rrarrada por tr 'toisés até a aniqtl i lação fi 'aÌ

fr.vistu peÌas Apocalipses' Newtou e os ÌlewtoÌlÌallos

ia,.,.,ais aieitarianr a icìéia cÌe que o mtttl.ìo Ìlossa ter

siclo Proclttziclo por leis t l lecânicas'

Lt tgxtz: A cRÍTICÂ Ao N'IECANIcISÌvIo

Tat l tbét t r r la opi l t ião cìe Leibrr iz a f i losof ia c Ìe

Descartes, qrre é o l ) l€sst lposlo cìe toc la Íor t l ia c lc t l tc-

Page 54: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

O rtntìutatt t t t t l t c i i t tc io rr t , ,dtr t t t t t tn Eutol t t t

ca r ' ì i c i s ì l ì o , é sob re rnane i ra l ) c t ' i gosa . De fa to , l ì o t t ' a ta -t1o Prittcipìa Descaltes escreveu qLle l)oI olrra cias leisr l a r ra t r r r c7 .a "a ì ì ì a t c< r i a as : i u Ì l l c su i css i van l c t ì t c I o ( l . l sas íor . Ì ì ras ( ìc c ìuc é capaz: se consic lc t 'anì ìos taìs f r l r r . r r i rspor orc lern poderíanros c l ìegar àqtrc la que é l r ró l ) r i .1c leste rnrrndo" (Descartes, 1967: I I , l4) -44) . A esserespc i t o Le ibn i z comen ta o scgu i l l t e : se a u ìa té t ' i apode assLln l i r tocìas as forrnas l )ossívc is , decorrc porconsegu in te que nada daq r r i ì o qL ìe se pode i n rag ina rde at rsrr rdo, Lr izarro e cor ì t rár io à j r - rs t iça Ì lão oc( l l ' reuou I lão l )ossa ocorrer Ì to íut r ì Ì 'o . E l t tâo, coulo ( . ìUCrSpiuoza, j r rs t iça, bondade e ordel Ì . Ì se toÍ Ì lar ì Ì a l )et . )asconcei tos r :e lat ivos ao hor ì rL ' l Ì ì . Sc t r rdo é possíveÌ , e setudo aqui Ìo que é possível cstá t r<. r l tassaclo, l ìo preseÌ l -te e no f r - r turo (coruo qLrer tanìbénr Hol lbes) , cntâonão exis te r ìeÌ1hLÌn la Providência. Por ta l l to sr ls te l ì ta f ,conro faz Descartes, que a l l ta tér ' ia l rass.r sL lccssiva-ü ler ì te Ì ror toc las as fornras poSsíveis , i rnpl ica destru i ra sabccìor ia e a j r rs t iça cìe Dcrrs. Por isso, concÌ t r i Le ib-n iz , o Deus de Descartes " Íaz t r . rdo aqui lo que é reaì i -závcl e passa, segui Ì ldo L lnta orc le nt necessár ia e fata l ,por todas as conrbinações possíveis : para isso bastavaa necessidacìe da uratér ia, e o Delrs c le Descartes nadanrais é do que ta l necessidade (Leibniz , 1875-90:1V,28), )41, 344, )99).

Na perspect iva c le Leibniz o car tes ianisuìo seconfigura colì.ìo nìaterialismo. Após tenniner as esco-las primárias - escreveria Leibniz enl Lll-Ì.ìa cart.ì aì.lto-b iog rá f i ca de l 7 l 4 - encon ( re i - Ì r ì e co Ì l ' ì os f i l óso fosrr toc lcr r t t . ls : "Lenr t r ro q l lc , coÌ ì l a idacle de c l t r inzc . rnos,f r t i passe.r r sozinho eÌ ì t L l l l l pe queÌ lo L losqr . re não c i is-tante de L ipc ia d iscut iudo corn igo t . Ì . ìesn1o se f er ia queado ta r a t eo r i a das fo ru ras subs tanc ia i s . No Í i r l , a d i s -prr ta fo i veucida pelo rnecanic isnro e isso r r re levou eurd i reçâo c las u ra teu tá t i cas . [ . . . ] Todav ia , na busca das

264 265

F i l o s o Í i a u r c r , ì r t t c a

b a s c : ; ' t t a i s l t r o f L r r t t l a s r l o t t t c c ; t r t ì c i s t t l t l ' l t l a s l c i s c l o

r ' ì ' ì o \ / i Ì ì ì c r ì t o , r ' o ì t c i l t a ra a l ì ì c t ( ì [ í s i ca c l l a ra a t l o t t t r i t l . r

c ìas c r t c Ì c í c1 t r i . r s " 1 l . c i l r n i 7 , l 87 t -90 : I I I , í r 0 í r ) . l l s sc r c -

t c r r n o ì t r r r c l a [ í s i c a c t a Í a < l a t ì o . r t ( ] r Ì l Ì ì ì . ì c . t t a t l r c l i t t á r i a

i n r l r c r t i r : c i a t t os t Ì csc t t vo l v i t t t c t t t t l s c l a t l t . r l c t l t á t i ca , c l . t

Í í s i ca e c l ; r l , i o l og ia . r \ Pa r t i r c l a í , j L t r t t o co Ì ì ì ( ) ca r tes i . l -

n i s l r r , ' " o ne rv to t t i a t t i s t t t o , o l e i b r t i z i r n i s t r t o se r i a t t t l ì . 1

c las g r . , r r c l cs Ì l ì c l . 1 f í s i cas qL rc i r t I l t t í t ' . r t t l a c i ô r t c i a t ì t t r a l t -

t e t odo o sécu lo XV Ì I ] c a lé r r t c l i s s< t .Do l l on to c l c ' r , i s t a c l e Lc ib t r i z , o t neca l r i c i s tuo é

ru tna pos i ção l ) . r l c i a Ì q t t c 1 t t ' c c i s . r sc r ì i r i cg t ' ac l . . t c t t t

u Ì ì 1a 1 )e l s i ) ec t i va r l r a i s a t l l p l a : co l ì ì o i t l s t r t r r l t c t t t o ú t i l

na i nves t i gação f í s i ca , c j t o ta l t t t c t l l c i nac ì cq t ta t l o r ro

n ívc l r r r e ta f í s i co . A i r t ves t ì g . r ção s t t L r r c a es t r t t t t t r a c i o

t rn i v ' e r so t t ão é sc l t a rã r ' c l c l a l t esq t r i sa r c f c r c t l t e às " i r r -

t ençòcs " c l e Dc t r s : dc I a to , r . 1c ioc i l l . r r a f cs Ì ) c i t o c l c

t l l l l a cons t l r r ção s ìg t l i f i c c ' ì âo Ì ì ì es l l l o t cJ . ì ì l ì o l ) e l l e t ra Inos o ì r j r ; 1 i ves c l o a rq t r i t e to ; Ì ) a ra exP l i ca r t r r t l a t t t áqL r i -

l r a ó r t ecessá t ' i o " i r t c l . r ga r a t ' es l r c i l o da l t t a f i l r a l i c ì ac l c

e n lo l , t r a r co t t t o t c l c l as as s t t . ì s l ) cças sc rvc l t l l l a ra i sso " .

Os f ì 1óso ios n ìoc Ìe t ' t r os são "de r t ras iado t t r a te r i a l i s t . r s "

l ) o r q L r e : ; c I i t r t i t a r r t . t t r a Ì . 1 | t l a s f i g L t r a s c c l t l s t t t o v i -

nre l l tos da nratér ia. Toclav ia; não é verc lac le que a í í -

s i ca deve i i t n i t a r - sc a i r r c Ìaga r co Ì l l o as co i sas são l l a

real idade, cxc lL l i t ìdo a pet 'gLl t ì ta re lat iva ao l lorqt têe las sâo con ro e las sãò e fe t i va r r t c t r t e . As ca t t sas f i na i s

não server t r a l le l las p. r ra adt l r i i 'ar a sabcclor ia c i iv i t la ,

n las "Da ra co t rhece r as co i sas c ì ) a fa r r sá - ìas " (Lc ib r l i z ,

Ì 8 7 5 - e 0 : l v , ) ) 9 \ .i - c ' i l r r r i z c r i t i c . r . r s l t r c t t t i s sas I t t l l r l a t r t c r l t . r i s c ì r r

Ì ì ì cca r r i c i s l ì r o : a r c< l t r ção c la I t l a tó t ' i a à cx te t t sã t l ; a

cons t i t u i ção co r l t t t sc t t l a r c l a n ra tó r i a e a s r r a d i v i s i b i l i -

dac l c i . u r á tou tc t s i nc l i v i s í r , e i s ; a l l ass i v i c l ac ì c da I r t a tó r i . r ;

a d i s t i r r ção e t ' ì t r c o t t t t t l r c Ì t> c l a r l l a té r i a c o l ì ì t l l l c l o ( l o

pel l sa l l l e l1 Ïo.

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O t t d s \ r i l t i l ! o , l r t , i . ; r r r i r t t t t O t i . ' t t t n t t ì I l t ! ) Q P i l

A ex tc t t : i o , qu ( . c g ( ' , r l l é t r i ca , ì t o r t r ogêuea e

r ì l l i f o f l ì ì c r t âo cxp l i ca 0 l t t t - r v i t l l e t ì t o c l ì e Ì l ) exp l i ca a

re s is têÌ lc ia c los corpcts ao Ì l lo \ / i ì t le l ' ì to . Não é l lossíveÌc ì c u rodo a lgL ru t c l ec l t r z i t t a l t ' es i s tê t t c i a da e r r cusão .

Ern I686 Leibniz pLrbÌ ica r . r Ì l l ar t igo, qrrc c lespertougrande a lvoroço, in t i tu Ìacìo Bret ' is dernot t t t rot io error ismenrcrabì l is C, t ic t i i . Descar tes coÌneteLl Lt Ì ì t 'er ro Ì . ì Ìe-

ru ro rávc l " ach ; i nc Ìo q r r c l ì a Ì ì a tL l t cza a q t l a l ì t i d tde de

nrovinre 'nto 1u p loc l r t to c ìa nrassa pcla vc l r 'c idade cìeunl cor l )o) se utarr ténr col ìs taÌ l te . Mas o que ocorre éo cor ì t rár io : o qr ìe se r rat t te íDì eÍet iva l re l . ì ie coì- Ìs taÌ l teé a v'is viva o',r força viva (aquilo qtte trtais tar(Ìc seria

denou r i nac lo de ene rg ia c i né t i ca ) que é equ i va ì cn te aoproduto c la r r rassa pelo quacl racìo c la veloc idade. Nape rspe t i va , ca r t cs iana q Ì t a l ì t i dade c le t l ' t ov in reu to e f o r -

ça eran ' ì cc.ns i l le lac las ic lêDt icas. Na basc do erro deDescartes e c los car tes iaì ros está o f ; r ro de tereì l l to Ì . ì la-do conio uror le lo as s inrp les t láqt t iuas. Le i l ru iz t raça

un ra l i nha c Ìa ra c Ìe c Ì cn ta t ' cação c l l t f c a cs lá t i ca e a d i -

nân r i ca (Wcs t [a ì1 , 1982 : )59 ì t .Do pon to c l c v i s ta de Le ibn i z , a f o r ça v i va uão

é urn nr . inrer ' ( ) ou uÌ Ì la pt ì l 'a qLlant i ( ìade t l ra teÌ Ì rát ica.

Enr taì Íor 'ça se r r rani festa ut t ra real idadc r t retaf ís icacr . r jas r rar í i íc ' tações r tão só t rão combi t la t ' ì l con- ì asprern issas cìo rnecanic isuro, t t tas ex iger .u a sLta derr r , t -bada. Para Lc ' ibr r iz , tn . r tc í r ia c- t t . tov i t r te t t to são as Ì l ìa-

r r i f c s ta çõcs f r ' ' t on r ê t t i cas t l c t t t t t a rea ì i c l ade t t r c ta f í s i c . r .

O pólo at i \ ,o c Ìc ta l lca l ic ìac le é o cor tatus (qt tc é ut l r

ter Ì r ìo t i rac lo c ie i lobÌrcs) , e . r et rerg ia ot l v /5 t ' iva que

al lareceì- Ì l ÍenonrenicaÌ1. ìeÌ ì te coÌ l lo r - Ì . Ìov intento, Opó lo pass i vo é a u ra ré r i a -p r i n ra que a Ì )a rece fe t t ou te -n icanrente corno inérc ia, is to é, a i inpenerra,b i Ì idade

ou res is têrrc ia ao i t lpacto da ntatér ia. Os corpos f ís i -cos ou subsrâncias conl ì )ostas são rest t l tacì<-rs fer tourê-n i cos c l c ' l ) o Ì ì r í ) s l ì ì e t . . ì i í s i cos o t ì ce l l t r os de Ío r ' ças ou

26ô

Fi loso l in r ì ì cç i t r i c . l

srrbstâucias s iurpìes e iDdiv is íveis cr iadas d i Ì 'e taÌ l le Ì l te

por Dctrs , qt te, t tsat rc ìo c lc t lu l ter Ì l ìo de r ivado cìe Pi -

tágorut e de Giorc lauo Brt l l ro , Lei l rn iz chat l ra ç le ntô '

t r r tc las. A ta is t -uôuadas não se cÌ tega s i r t tp Ìest t le t r te

subcì iv ic l i i rc ìo a n laté l ' ia , p-o is por sereÌ l l desprovidas

cìe es l tac ia l ic lac le e c le 1ìgt r ra; eÌas são eÌ l Íes cot l lp ìc tos

enr s i e rec ipt 'ocaurel Ì te i Ì Ìde l lendentes i " r lão tênl ja-

neìas") . Cacìa Ì1 lôÌ ìada é dotada de at iv idacìe repre-

sc r r l a t i va co r l r r e ìação ao res to c l o t l t . t i v c r so c r l c c l i s -

posição oLt te l lc ìêÌ Ìc ia a l )assaI 'c ìe l t r l t estac lo l )ara ot Ì -

t ro. As t t rônacìas são pensadas etn at ra logia cot l r a

ahrra ìrrturana. A teoria clos polltos tl letafísicos ot-t

centros cÌe íorça recol ls t i t t l i a unidade eÌ l t re a real ic la-

cìe nratcr ia i e a espi r i t t ta l , e reulete eur c l iscussão a l re-

terogeneidade qualitativa entre res exlet$a e res co!' lt '

t í l l ts que l tarec ia adquir ic ia f i r t t le tnetr te pelos car tes ia '

nos e l te los atot r r is tas 'Leibniz re je i ta o vácr . to e a ação à d is tât tc ia (a

esse t 'cspei to eìe cor lcorcìa cotn Descartes e c l iscorda

racl ica lmeute cÌe Newtou) : Poìern izatrdo coul o Ì ìewto-

n iano Sar l r . reÌ Clar ì<e re je i tar ia o espaço absol t r to (a

po Ìên r i ca oco r re en r l 7 l 5 - l 7 tó ) : t e Ì Ì ì po e espaço uão

são substâDcias e uet l . t se lcs absoÌutos, Ì l las são a l le t tas

a o lc lc- Ì r t c Ìas coexistências e a ordetn das st rcessões'

is to e<, são " t 'ea l idades re lat ivas" ' Et t l t tua car ta qt Ìe es-

c reveu ao j esu í ta Hono ré Fab r i ( Ì 607 -c ' Ì ó88 ) , Le ibn i z

esclarece a sua colocação d iante c las cì i ferentes escolas

e t rac l ições: "Os car tcs iat los rc Ìac iot ' ta t l r a cssêl tc ia c lo

corÌro sonteÌìte colìl a extetlsão. Erlbora etr não acÌr.tri-

ta o váct to (c ìe acorc lo cor-n Ar is tóte les e Descartes e

cì iscorcÌat tc ìo c ìe Demócr i to e GasscÌ ìd i ) , todavia acho

qtre ex is te a lgo de passivo Ì los corpos, oLt se ja, qt le os

corì)os resistetlr à penetração, Nisso colrcordo cottr De-

nrócr i to e Al isróte les e d iscorc lo c le Gassendi e Descar-

t es " (Le ib r r i z , I 849 - ì 863 : V I . 93 - I 00 ) '

267

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O tj, ls,irtttÌ lo da dirrci.n ntodc: tta tLa Ettr opa

Na perspectiva cle Leibniz a íísica Ì.ìão pode serredl rz ic la à mecânica e a Ì recâr ' ì ica não coinc ide com aci r rerr rát ica (corr ro ocor ïe enr Des'car tcs e enì I ' luy-gens) . O modeÌo da f ís ica não é a s i tuação de ur .na ba-lançà em eqr-ri líbrio oÌ1de as forças apareceÌì.ì igu.ris. Aforça é iguaÌ à quant idade de movin ler ' ì to soÌ Ì . ìe11te nassi t r " rações estát icas (West fa i ì , 1984: Ió8) . Para umamecânica que tem no seu centro o conceito de força,Leibniz forja o nome de dinârnica, passando a usareste terlxo no Essay de dynaxliqlte (16921 e no Specimemdynamiaun (Ì695): "A idéia de virtr.rs ou eneïgia, queos alemães chamam de l?aft e os franceses forcc, ctjaexplicação eu atribui à ciência da dinâmica, adlu-ìentamui to a nossa coÌ . Ì - ìpreensão da essência da substân-c ia" (Lc ibniz . , 1875-90: IY, 4691,

Os termos substância e at iv ic lade poderu scr so-brepostos L ln l ao outro: a substância é at iv ic ì . rc lc eonde há a t i v i dade há subs tânc ia . Nem tudo o que

t ex is te. é v ivo, n las a v ic ìa cstá presente e l r tocìa a par-te. Na b io logia c la sua época Leibniz encontra, ,ao l . Ì ìes-mo tenìpo, estímuÌos e confirmações para o seu siste.ma, Por exemplo, a sua idéia da matéria corio agre-gado inf in i to de mônadas pafece l igada às descol rer tasefetuadas por meio do microscópio, onde cada { rag-Ìnento de matér ia é semeìhante a unr Ìago cheio depeixes, cad.a par te do qual , por s l la vez, cont i Ì1ua a in-da ignal a um lago. Nos Nol.lveaux essais sur l 'ettende-ntentc l.ttrmain (170)) que contêm a célebre poìêrnicacontra o empirismo de John Locl<e e a defesa clo ina-t ismo v i r tual , Leibniz auspic ia um uso cada vcz ura isintenso do microscópio visanclo a determinar analo-gias cada vez mais amplas entre ôs seres vivos. A ge-ração concebida como desenvolvinìento e crescimen-to coloca Leibniz no ârnbito do assim chamacfo prefor-ntismo. É verdade porém que, conforrire a perspectiva

268 2(t9

Fil osoIia nìc,:.1rìic.1

cle Leibniz , o t t t l iverso in te i ro é o desctrvolv i tne t l to de

possib i l ic lades inpl íc i tas já cont ic ìas no seLr in íc io e já

"prograr t tadâs" col ì ìo c Ì l ì t l l Ì . ì e l r tb t ' ìão '

A harnlot l ia preseì l te t lo nr i t t rdo real , qr ' te é es-

col l r ic Ìo por Detrs coì . ì1o "o n le l l lor" entre todos os

rnunclos possíveis ( is to é, mt tndos qt te são o col l j t t t l to

de toc las as eventr - ta l idades qr- te podetn coexist i r seul

contradição), exclui cla natureza os pulos, as desconti-

nuicìacÌes e as contraposições. A natureza obedece aos

princípios da continuidade e da plenitude: todas as

substâtrcias criadas formatn uma série em que está

presente qualquer possível var iação quant i ta t i \ /a ' Não

há espaço no t tn iverso para c lo is er Ì tes exatamente

iguais em qr te não seja possír 'c l encontrar r rma di fe-

r ' -ença i t r terr ta (pr incíp io c los ct l tes i l . t lpercept íve is) '

Deus I t ão es tabc l ccc , c ( ) l ì ' ì o co l l s t . r c l l t Dcsca r t cs , ás

verc lades eternas. A sr- ta ação não é arb i t rár ia e EÌe

obedcce ao pr i r rc íp io c le não cor l t radição e a unla lógi -

ca não -c t i ada .Nada existe ou acoÌìtece seÌn qì' le haja utna ra-

zão pa ra que ela exista oLl acollteça e,{ataÍlente desÌa

e naã de outra forma. As verdades de fato são regidas

pelo pr incíp io da razão suf ic iente em v i r tude do qual

nada acot-ttece no universo i)or acaso otÌ sem uma

causa. As verdacles da razão são regidas pelo pr incíp io

de coniLadição e enl cada etr t t t lc iado verdadeiro o pre-

d icado r l t 've l igar-se ao suje i to , A verdacÌc não é basea-

da na ìntu ição de ev ic lências, cotno perSsa Descartes '

mas depel tde cìa fornra do c l iscurso ' As cssêl rc ias ot t os

entes possívc is são gover t lac los pela necessidade lógi '

ca, as existências ou os eÍì.tes Leais quc col-ìstitLtem o

munclo lelÌIc:ell l à escolha de Detts e ao.princípio do

melhor que Sover l ìa taÌ escolha.

Veldacìes c le razão e verdades de íato coinc idem

do no t r t o dc v i s ta dc DeL ts . Do pon to dc v i s ta do ho -

Page 57: o nascimento da ciência moderna na europa - paolo rossi.pdf

O ttnscìutart to da cútrcia nrodL'r rro t ta Etn optt

n.Ìeü1, visando a LìÌrÌa coÌÌìÌ lreeÌlsão do nrundo reaÌ, asdeduções forrnais deven conviver e entreÌaçar-se conìa bLìsca da lazão peÌa qual unì cÌeternlin.ìdo feÌlôme'Ììo se desenvolve de fato em um deternÌinado modo.A investigação sobre o Ìrìundo natural não consta ape-nas de dedr.rções, r-Ìem é somente nlatemática, Ìnas étambén expcrimeÌìtaÌismo. A relação e,utre cada fe-nôÌneÌ lo par t icu lar é c lo t ipo mecânico, mas aqueÌa re-lação é baseada em uÌìla ordem teleológica. Por isso,aos olhos de Leibniz, o nraterialismo e o spinozismo seconfiguram coÌl lo os l i l Ìros i legítimos da nova ciênciada natureza.

270271

capítulo I0

A euÍtvttcA E A GA,LERI.A Dos sEUS ANCESTMIS

Quando Íazemos referência à revoìução cientí-