o mistério de battersea

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O MISTRIO DE BATTERSEA Dorothy L. Sayers Uma colecao policial diferente. Primeiro, porque nao estabelece baTreiras artificiais entre o policial clssico (um cadver, um detective, um assassino) e qualquer outra rea da literatura que gura em torno do crime (o livro de gangsters, o de espionagem, o romance *negro+ americano, as mais modernas tendncias da literatura de temtica policial). E depois, porque pretende apreselll& uma grande parte do melhor deste gnero de ii&:T a'.ura, nas suas mais diversas manifestaoes. OS CLASSICOS DO POLICIAL 1 - PENA SUSPENSA, por Patrcia Highsmith 2 -- SETE CRUZINHAS NUMA AGENDA/AS PROLAS DA PAZ, por Georges Simenon,'Leslie Charteris 3 - O GRITO DO MOCHO, por Patrcia Highsmith 4-- O ENIGMA DO MANDARIM, por Ruth Rendell S - OS TRINTA E NOVE DEGRAUS, por John Buchan 6-- RIPLEY'S GAME (O AMIGO AMERICANO), por Patricia Highsmith 7 -- O MISTRIO DO LIVRO ESCONDIDO/A TARTARUGA, por Ellery Queenl IPatricia Highsmith 8-- A *CAIXA+ e ATRAS DO BIOMBO, por Agatha Christie, Dorothy L. Sayers, Anthony Berkeley e outros 9 - A CELA DE VIDRO, por Patrcia Highsmith 10 - DELINQUENTE PRIMARIO/O QUARTO FECHADO, por Ed McBain, Peter L&vesey e outros 11 - LAURA, por Vera Caspary 12-- RAFFLES, por E. W. Hornung 13 -- AGUAS PROFUNDAS, por Patricia Highsmith 14 - UM CRIME QUASE PERFEITO, por John Le Carr 15 - BRANCA DE NEVE, ROSA DE SANGUE, por Ed. McBain 16-- CHAMADA PARA A MORTE, por John Le Carr 17 -- NOVAS AVENTURAS DE RAFFLES, por E. W. Hornung 18 - TUMULTO EM HARLM, por Chester Himes 19 - ASSASSINOS DE ESTIMAAO, por Patricia Highsmith 20-- LAOS DE SANGUE, por Mike Philips 21 - A MORTE VESTE DE SEDA, por Raymond Chandler e Robert B. Parker 22 - VINGANA ADIADA, por June Thomson 23 - ESTATUA FATAL, por Ruth Rendell 24 - O VENCEDOR, por Michael Tolkin 25 - UM CARRASCO IMPACIENTE, por Peter Cheyney 26 - A VIRGEM E O BANDIDO, por James Hadley Chase 27 - CURVAS PERIGOSAS, por Peter Cheyney 28 - VIAGEM PARA O MEDO, por Eric Ambler 29 -- UM LAO DE TREVAS, por Ruth Rendell 30-- ARMADILHA MORTAL, por Maurice Prisset 31 - SINISTRA OBSESSAO, por Ruth Rendell 32-- MAUS CAMINHOS, por Ruth Rendell 33 - O MISTRIO DE BATTERSEA, por Dorothy L. Sayers O, &IISTEI&10 deIr&ATTI& A Titulo onginal: Wllose Body? the e&ecutors of the Estate of Dorothy L. Sayers, 1923 Traduao de Lufs Manuel Bemardes Revisao de traduc,ao de Artur Lopes-Cardoso Revisao tipogrfica de Artur Lopes-Cardoso Capa de Arcangela Marques Depsito Legal N.E 53.174/92 ISBN 972 - 44 - 0838 - 8 Todos os direitos reservados para l&ngua portuguesa por Edioes 70, Lda. Lisboa--PORTUGAL EDIOES 70, LDA. --Av. Infante D. Henrique, Lote 306-2-- 1900 LISBOA Apartado 8229-- 1803 LISBOA CODEX Telefs. 859 63 48 / 859 99 36 / 859 86 23 Fax 859 86 23 DISTRIBUIAO: DEL--DISTRIBUIDORA DE LIVROS, LDA. Av. Infante D. Henrique, Lote 306-2-- 1900 LISBOA Apartado 8230-- 1803 LISBOA CODEX Telefs. 859 63 48 / 859 99 36 / 859 86 23 Fax 859 86 23 DELECAAO NO NORTE: DEL - DISTRIBUIDORA DE LIVROS, LDA. - Rua da Rasa, 173 4400 VLA NOVA DE GAIA Telefs. 370 19 13 - Fa&: 370 19 12 DISTRIBUIAO NO BRASL: EDIOES 70, BRASL, LTDA.--Rua Sao Francisco Xavier, 224-A, Loja 2 (I&IJUCA) CEP 20550 RIO DE JANEIRO, RJ Telef. e Fa& 284 29 42 Telex 40385 AMLJ B Esta obra est protegida pela Lei. Nao pode ser reproduzida, no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado, incluindo fotocpia e &eroc6pia, sem prvia autoriza,cao do Editor. Oualquer transgressao Lei dos Direitos de Autor ser passvel de procedimento judicial. DOROTHY L. SAYERS O, MI&TEI&10 de I&ATTE It SI&A edi&oes 70 A AUTORADorothy Leigh Sayers, nasceu em Oxford, em 1893. Aprendeu latim aos sete anos. Em 1925, formou-se em Literatura Medieval, na Universidade de Oxford, sendo uma das primeiras mulheres inglesas a obterem o grau acadmico. Um ano depois publicou Opus 1, um volume de poesia, seguido de um outro, dois anos mais tarde - Catholic Tales and Christian Songs. Embora mantendo at morte o seu interesse pela literatura religiosa, teve de procurar uma actividade bem remunerada, trabalhando como copywriter na agncia de publicidade mais importante da poca, em Londres. Em 1920, criou a personagem Lord Peter Wimsey, que veio a ser a sua grande figura de detective, ou melhor, um aristocrata feito detective amador. Foi em 1923 que publicou o seu primeiro romance policial Whose BodY? A partir de 1937, Dorothy L. Sayers abandonou a literatura policial, para se dedicar inteiramente s suas actividades religiosas. De modo geral, considerada uma autora em que a qualidade literria sempre se imps. Para ela, mais do que o livro policial era o romance que contava. Faleceu em 1957. Para M. J. Querido Jim, Este livro culpa tua. Se nao fosse a tua constante insistncia, Lord Peter nunca teria levado at ao fim esta investigaao. Peo-te que consideres que ele te agradece com a sua habitual cortesia. A tua sempre, D. L. S. WIMSEY, Peter Death Bredon, D. S. O.; nascimento 1890, 2.E filho de Mortimer Gerald Bredon Wimsey, lS.Q Duque de Denver, e de Honoria Lucasta, filha de Francis Delagardie de Bellingham Manor, em Hants. Educa,cao: Eton College e Balliol College, Oxford ( quadro de honra, Escola de Hist6ria Modema 1912 ); serviu nas foras de Sua Magestade 1914/1918 ( Major, Brigada de Fuzileiros ). Autor de: *Anotaoes sobre o colecionamento de Incunbulos+, *O Vade-Mecum dos Assassinos+, etc. Passatempos: Criminologia; bibliografia; msica; cricket. Clubes: Marlborough; Egotists. Residencias: 110A Piccadilly,W; Bredon Hall, Duke's Denver, NorfoL&. Armas: Em campo negro, trs ratos prateados a correr, como timbre, um gato domstico agachado como se para saltar, respeitvel; Divisa: Ao sabor da fantasia. 10 11 CAPTULO 1 - Diacho! - disse Lord Peter Wimsey em Piccadilly Circus. Pre, motorista! O homem do txi, irritado por receber esta indicaao enquanto ponderava as dificuldades de virar para Lower Regent Street cruzando-se com um autocarro 19, um 38-B e uma bicicleta, inclinou o ouvido relutante. - Esqueci-me do catlogo - continuou Lord Peter com amargura -, um descuido que nao me frequente. Importa-se de voltar atrs?- Ao Savile Club, sir? - Nao... Piccadilly n.Q 110 A... mesmo em frente... obrigado - Pensei que estivesse cheio de pressa - disse o homem, dominado por um sentimento de ofensa. - Temo que seja um lugar inc6modo para virar- disse Lord Peter, respondendo ao pensamento mais do que s palavras. A sua cara, longa e amvel parecia ter sugido espontaneamente da sua cartola, como os vermes brancos nascem do Gorgonzola. O txi, sob o olho severo de um pollcia, girou aos solavancos lentos com um barulho semelhante a ranger de dentes. O bloco de apartamentos novos, perfeitos e caros onde Lord Peter habitava o segundo andar, erguia-se mesmo em frente ao Green Park, num lugar ocupado durante muitos anos pelo esqueleto de um edifcio comercial inacabado. Ao entrar, Lord Peter ouviu, vinda da biblioteca, a voz do seu mordomo, colocada naquela estridencia abafada pr6pria das pessoas treinadas na utilizaao do telefone. - Creio que Sua Senhoria acabou de regressar... se Vossa Graa tiver a amabilidade de esperar um momento. 13 - Que se passa, Bunter? - Sua Graa acabou de ligar de Denver, milord. Estava mesmo a acabar de dizer que vossa senhoria tinha ido ao leilao quando ouvi a chave de vossa senhoria. - Obrigado - disse Lord Peter. - Podes ir procurar-me o catlogo? Penso que o deixei no quarto ou em cima da secretria. Sentou-se ao telefone com um ar de deferncia despreocupada, como se se tratasse de um conhecido que tivesse feito uma curta visita para conversar. - Ol, Mae! -- Ah, sempre voc, querido-- replicou a Duquesa viva. -Receava j nao o encontrar. - Bem, nao me encontrou, de facto. J tinha sa&do para o leilao de Brocklebury para comprar um ou dois livros, mas fui forado a voltar por causa do catlogo. Que se passa? - Uma coisa deveras singular- disse a duquesa. - Pensei que lhe devia contar. Conhece o pequeno senhor Thipps? - Thipps? - inquiriu Lord Peter. - Thipps? Oh, sim, o pequeno arquitecto que est a construir o telhado da igreja. Que se passa com ele? - A senhora Throgmorton esteve c agora num estado de espirito indiscritivel. - Desculpe, Mae, nao consigo ouvir. A senhora quem? - Throgmorton... Throgmorton... a mulher do vigrio. - Ah, Throgmorton, sim? - O senhor Thipps telefonou-lhes esta manha. Era o dia de ele l ir, sabe? - Sim? - Ele telefonou para dizer dizer que nao podia. Estava tao perturbado, pobre homenzinho. Tinha encontrado um cadver na banheira. - Desculpe, mae, nao consigo ouvir; encontrou o qu, onde? - Um cadver, querido, na banheira. - O qu... Nao, nao, nao acabrnos. Por favor nao corte a ligaao. Est l! Est la! Mae? Est l!... Mae!... Sim... desculpe, a telefonista queria cortar a ligaao. Oue espcie de corpo? - Um homem morto, querido que nao trazia mais nada vestidopara alm de um pince-nez. A senhora Throgmorton corou manifestamente quando mo estava a contar. Receio que as pessoas fiquem mentalmente limitadas nos vicariatos de provincia. - Bem, parece um pouco fora do comum. Era algum que ele cnnhece.&e? 1 & - Nao, querido, nao me parece, mas, claro, ele nao lhe pode dar muitos pormenores. Ela disse que lhe pareceu bastante desesperado. E um homenzinho tao respeitvel... e ter a policia em casa, e tudo o mais, realmente apoquentou-o. - Pobre Thipps! Que grande maada para ele. Vejamos, ele vive em Battersea, nao ? - Sim, querido; no n 9 59 das Mansoes Queen Caroline; em frente ao Parque. Aquele grande bloco mesmo ao virar da esquina do hospital. Pensei que voc gostaria de dar l um salto, estar com ele e perguntar-lhe se podemos fazer alguma coisa. Sempre o considerei um homenzinho simptico. - Oh, bastante - disse Lord Peter arreganhando os dentes para o telefone. A Duquesa prestava sempre a maior colaboraao ao seu passatempo de investigaao criminal se bem que nunca se lhe referisse e fizesse discretamente de conta de que nao existia. - A que horas que isso aconteceu, Mae? - Penso que ele o encontrou de manha cedo, mas, claro que nao pensou logo em avisar os Throgmorton. Ela veio c a casa mesmo antes do almoo... que aborrecimento, tive de lhe pedir para ficar. Felizmente estava sozinha. Nao me importo de ser maada, mas detesto que os meus convidados o sejam. - Pobre mae! Bem, muitssimo obrigado por me ter contado. Acho que vou mandar o Bunter ao leilao e vou dar agora um passeio para os lados de Battersea e tentar consolar o desgraado. At breve. Adeus, querido. Bunter! - Sim, milord. - Sua Graa contou-me que um respeitvel arquitecto de Battersea encontrou um homem morto na banheira. - Na verdade, milord? Isso muito gratificante. - Muito, Bunter. A tua escolha dos vocbulos infalvel. Gostaria que Eton e Balliol me tivessem proporcionado a mesma capacidade. Encontraste o catlogo? - Ei-lo, milord. - Obrigado. Vou imediatamente para Battersea. Quero que assistas ao leilao por mim. Nao percas tempo... nao quero ficar sem o Folio de Dante' e o de De Voragine... aqui est... vs? Golden Legend... & Trata-se da primeira ediao florentina, de 1481, por Niccolo di Lorenzo. A cole c,cao de *Dantes+ impressos de Lord Peter merece ser vista. Inclui, para alm do famoso Aldineivo de 1502, o folio napolitano de 1477 - *edizione rarissima+, segundo C olombo. Esta cpia nao tem histria, e a convic,cao privada de Parker de que o actual dono a surripiou de um lado qualquer. A versao de Lord Peter de que a *arranjou num lugarejo das montanhas+, quando fazia um passeio pela Itlia. 15 Wynkyn de Worde, 1493... percebeste? E alm do mais, faz um esforo especial em relaao ao folio de Caxton de Four Sons of Aymon... o folio de 1489 e o nico. V! Marquei os lotes que quero e escrevi frente de cada um deles a minha oferta base. Faz o teu melhor por mim. Devo regressar para jantar. - Muito bem, milord. - Apanha o meu txi e dizlhe para se despachar. Por ti talvez o faa; de mim nao gosta muito. Terei - disse Lord Peter mirando-se no espelho do sculo xvm colocado sobre a lareira -, terei coragem para perlurbar mais o perturbado Thipps (isto dificil de dizer depressa) aparecendo de cartola e sobrecasaca? Nao o creio. I)ez para um em como nao reparar nas minhas calas e me confundir com o cangalhei&. Um fato cinzento, imagino, elegante mas nao pomposo, com um chapu a condizer convm mais ao meu outro eu. Sai o amador de primeiras edioes; novo tema introduzido pelo fagote solo; entra Sherlock Holmes, disfarado de cavalheiro. L vai o Bunter. Indivfduo impagvel... nunca se oferece para fazer o seu trabalho quando lhe dizemos para fazer outra coisa. Espero que nao perca Four Sons of Aymon. Todavia, ainda h outra c6pia... no Vaticano2. Pode tomar-se disponfvel, nunca se sabe... se a Igreja de Roma for falncia ou se a Sufa invadir a Itlia... ao passo que um cadver estranho s6 aparece numa casa de banho suburbana uma vez na vida... pelo menos, penso assim... de qualquer modo, o nmero de vezes que isso aconteceu com um pince-nez, pode ser contado pelos dedos de uma mao, suponho. Coitado de mim. um terrfvel erro manter dois passatempos ao mesmo tempo. Havia percorrido o corredor at ao quarto, e estava a mudar-se com uma rapidez insuspeita num homem com os seus maneirismos. Escolheu uma gravata verde escura para condizer com as meias e fez o n6 perfeitamente sem hesitaao ou sem franzir os lbios; substituiu um par de sapatos castanhos pelos pretos, enfiou um mon6culo num bolso interior do casaco, e lanou mao a uma bela bengala de Malaca com um pesado castao de prata. - Est tudo, acho - murmurou para si mesmo. - Espera... poderia levar-te... podes vir a ser til... nunca se sabe. - Acrescentou uma caixa de f6sforos de prata achatada ao seu equipamento, deu uma olhadela ao rel6gio, viu que j era um quarto para as trs, correu animadamente pelas escadas abaixo e, chamando um txi, foi conduzido a Battersea Park. 2 OS palpites de &ord Peter eram infundados. o livro est na posse do Conde de spencer. A cpia de Brocklebury est incompleta, faltando-lhe as ltimas cinco folhas , mas a nica que tem a data e O nome do impressor. 16 O senhor Alfred Thipps era um homem pequeno e nervoso, cujo cabelo aloirado comeava a ceder na luta desigual com o destino. Poderia afirmar-se que a sua nica caracterstica acentuada era uma vasta escoriaao sobre a sobrancelha esquerda que lhe dava um ar vagamente estroina, incongruente com o resto da sua aparncia. Sem parar para respirar, cumprimentou Lord Peter e apresentou uma desculpa embrulhada para o facto, murmurando algo sobre ter batido no escuro, contra a porta da sala de jantar. Estava sensibilizado quase at s lgrimas, com a gentileza e deferncia da visita de Lord Peter. - Estou certo de que uma grande bondade de Vossa Senhoria. - repetiu uma dzia de vezes, batendo rapidamente as suas fracas palpebrazinhas. - Estou muito, muito agradecido, de facto, e o mesmo se aplica Mae, s6 que surda, e nao gostaria de incomod-lo tentan-do faz-la perceber. Tem sido um dia muito difcil, - acrescentou com os polfcias em casa e toda esta agitaao. algo a que a Mae e eu nao estvamos habituados, porque sempre vivemos retirados& e bastante perturbador para um homem de hbitos regulares, senhor, e realmente, quase estou grato por a Mae nao compreender, pois tenho a certeza de que a afligiria tremendamente se viesse a saber. Ela estava preocupada de im'cio, mas j arranjou uma explicaao pessoal para o facto, e tenho a certeza de que o melhor. A velha senhora sentada a tricotar lareira acenou de modo sinistro em resposta a um olhar do filho. - Sempre disse que deverias reclamar a prop6sito da casa de banho Alfred - afirmou subitamente com aquela voz elevada e aflautada pr6pria dos surdos -, e esperemos que o senhorio faa alguma coisa agora; nada que, penso, nao tivesses conseguido sem meter a polfcia ao barulho, mas l est! Sempre foste daqueles que fazem uma tempestade num copo de gua, desde que tiveste as bexigas loucas. - Af tem--disse o senhor Thipps como quem pede desculpa -, v como sao as coisas. No entanto essa explicaao tao boa como qualquer outra, porque percebe que fechmos chave a casa de banho e nao tentamos abri-la. Mas tem sido um choque terrvel para mim, senhor... milord, deveria ter dito, mas l est... tenho os nervos em franja. Uma coisa assim nunca aconteceu... me aconteceu desde que nasci. Estava num tal estado esta manha... nao sabia a quantas andava... a srio, e como o meu coraao nao muito forte, quase nao sabia como sair daquela horrfvel divisao e telefonar polcia. Afectou-me, sir, de facto afectou-me... nao consegui tocar nem no pequeno-almoc,o nem no almoo, e com tanto telefonema e desmarcaao de clientes e atendimento de pessoas toda a manha, praticamente nao tive tempo para mim. 17 - Estou certo de que foi invulgarmente esgotante - retorquiu Lord Peter, simpaticamente - sobretudo acontecendo assim antes do pequeno-almoo. Apanha uma pessoa em enorme desvantagem, nao ? - isso mesmo, isso mesmo--retrucou o senhor Thipps com veemncia -, quando vi aquela coisa horrenda estendida na minha banheira, tal como veio ao mundo, s6 com um par de 6culos, garanto-lhe, milord, que me deu completamente volta ao estmago, se me desculpar a expressao. Nao sou muito forte, sir, e por vezes de manha tenho esse sentimento de fraqueza e, dadas as circunstancias, tive... tive de mandar a rapariga buscar um brandy bem forte, ou nem sei o que aconteceria. Senti-me tao estranho, se bem que por regra nao seja apreciador de bebidas alcolicas. Cotudo, uma regra nunca ficar sem brandy em casa, em caso de emergncia, sabe? - muito sensato da sua parte - disse Lord Peter, animadamente -, um homem muito previdente, senhor Thipps. uma maravilha o que um pequeno trago faz em caso de necessidade, e quanto menos estiver habituado melhor lhe faz. Espero que a sua rapariga seja uma jovem sensata! um incmodo ter mulheres a desmaiar e a guinchar por todo o lado. - Oh, a Gladys boa rapariga - retorquiu' o senhor Thipps -, muito razovel, na verdade. Claro que ficou chocada; o que muito compreensvel. Eu pr6prio fiquei chocado, e nao seria pr6prio de uma jovem nao ficar chocada dadas as circunstancias, mas ela realmente uma rapariga enrgica e uma grande ajuda numa crise, se me estou a fazer entender. Considero-me afortunado por ter conseguido, nos tempos que correm, uma rapariga boa e decente para mim e para aMae, se bem que ela seja um pouco descuidada e esquecida em relaao a pequenas coisas, o que natural. Lamentou muito ter deixado a janela da casa de banho aberta, l isso lamentou, e se bem que eu tivesse ficado zangado no princpio, vendo o que da resultou, nao havia motivo para a repreender, pelo menos do modo habitual, como soe dizer-se. As raparigas esquecerao sempre coisas, sabe, milord, e ela estava tao aflita que nao quis repreend-la demasiado. Tudo o que lhe disse foi: *podiam ter sido ladroes+, *lembra-te disso quando, da pr6xima vez, deixares uma janela aberta toda a noite; desta vez foi um homem morto+, *e isso j suficientemente desagradvel, mas da pr6xima vez podem ser ladroes+, disse, *e todos n6s assassinados nas nossas camas+. Mas o inspector da pol&cia... Inspector Sugg, era o nome, da Yard... foi muito severo com ela, pobre rapariga. Assustou-a bastante, e f-la pensar que suspeitava dela, ainda que um corpo lhe fosse totalmente intil, pobre rapariga. Nao a estou a imaginar, e disse-o ao inspector. Ele foi bastante grosseiro comigo, milord... devo 18 dizer que nao gostei nada dos seus modos. *Se tem alguma acusaao defenida em relaao Gladys ou a mim, Inspecto+>, disse-lhe, *apresente-a, o que deve fazer+, disse, *mas ainda estou para saber se pago para ser indelicado com um cavalheiro na sua prpria... casa+. Realmente - disse o senhor Thipps, corando bastante -, ele fez-me perder completamente a cabea, fez-me perder completamente a cabea, milord, e eu sou por regra um homem moderado. - mesmo do Sugg - asseverou Lord Peter -, conheo-o. Quando nao sabe o que dizer, torna-se grosseiro. lgico que voc e a rapariga nao iam coleccionar corpos. Quem quereria arcar com um corpo? Dificuldades nao faltam geralmente para conseguirmos livrar-nos deles. J se livrou deste, por acaso? - Continua na casa de banho - retorquiu o senhor Thipps. - O inspector Sugg disse que nada deveria ser mexido at que os seus homens o viessem buscar. Estou espera deles a qualquer momento. Se interessar a sua senhoria dar-lhe uma vista de olhos... - Muitssimo obrigado - disse Lord Peter -, gostaria muito se nao for um grande inc6modo. - De modo algum - retrucou o senhor Thipps. O seu comportamento enquanto o conduzia pelo corredor convenceu Lord Peter de duas coisas: em primeiro lugar, que, por mais horrvel que fosse o que ia mostrar, ele rejubilava com a importancia conferida a si e ao seu apartamento e, em segundo, que o Inspector Sugg o havia proibido de a mostrar fosse a quem fosse. A ltima suposiao foi confirmada pela atitude do senhor Thipps, que parou para ir buscar a chave ao seu quarto, dizendo que, por regra tinha duas chaves de todas as portas, para o que desse e viesse. A casa de banho n&da tinha de especial. Era comprida e estreita, com a janela exactamente por cima da banheira. Os vidros eram de vidro fosco e o caixilho suficientemente largo para deixar passar um homem. Lord Peter dirigiu-se rapidamente para ela, abriu-a e espreitou para fora. O apartamento estava situado no topo do edifcio a meio do bloco. A janela da casa de banho dava para as traseiras que eram ocupadas por pequenos anexos, carvoarias, garagens, e quejandos. Em frente ficavam os jardins traseiros de uma fila paralela de casas. A direita, erguia-se o extenso ediffcio do hopital de Sao Lucas, em Battersea, com os seus terrenos, e a ele ligada por um telheiro, a residncia dofamoso cirurgiao, Sir Julian Freke, que dirigia o departamento de cirurgia do notvel e recente hospital, e que, para alm disso, era conhecido em Harley Street como distinto neurologista com uma perspectiva muito pr6pria. 19 Esta informaao foi vertida no ouvido de Lord Peter com uma lentidao considervel pelo senhor Thipps, que parecia sentir que a vizinhana de algum tao notvel espalharia uma espcie de halo de glria sobre as Mansoes de Queen Caroline. - Ele andou por c esta manha -, disse -, por causa desta horrvel hist6ria. O Inspector Sugg pensou que um dos jovens mdicos do hospital pudesse ter trazido o corpo por brincadeira, por assim dizer, uma vez que eles tm sempre corpos na morgue. Entao, o Inspector Sugg foi visitar Sir Julian esta manha para lhe perguntar se nao faltava nenhum corpo. Ele foi muito amvel, foi, Sir Julian de facto foi muito amvel, se bem que estivesse a trabalhar quando eles l chegaram, na morgue. Verificou os registos para se cer&ificar de que todos os corpos correspondiam e, depois, muito obsequiosamente veio c para ver este - indicou a banheira - e disse que lamentava nao nos poder ajudar... nenhum corpo faltava no hospital e este nao correspondia descriao de algum que tivessem tido. - Nem descriao de nenhum dos doentes, espero - sugeriu casualmente Lord Peter. Esta insinuaao sinistra empalideceu o senhor Thipps. - Nao ouvi o Inspector Sugg perguntar - disse, algo agitado. Mas que coisa horrorosa, essa... Deus me valha, milord, nunca tinha pensado nisso. - Bem, se faltasse um doente j teriam dado por isso - afirmou Lord Peter. - Vamos l dar uma olhadela a este. - Ajustou o mon6culo, acrescentando: - Vejo que tem problemas com a fuligem. Uma chatice dos diabos, nao ? Eu tambm a apanho d cabo de todos os meus livros, sabe. Ora, nao se incomode, nao tente olhar. Tirou das maos hesitantes do senhor Thipps o lenol que fora estendido sobre a banheira, e levantou-o. O corpo que jazia na banheira era o de um homem alto, forte, com cerca de cinquenta anos. O cabelo, basto, negro e naturalmente encaracolado, fora cortado e dividido por uma mao de mestre, e exalava um suave perfume de violeta, perfeitamente reconhecvel no ar abafado da casa de banho. As feioes eram compactas, carnudas e fortemente marcadas, com olhos escuros proeminentes e um nariz comprido curvado em direcao a um queixo duro. Os lbios sem barba envolvente eram cheios e sensuais, e a mandibula pendente mostrava dentes tingidos pelo tabaco. Na face do morto o belo par de pince-nez em ouro zombava da morte com uma elegancia grotesca e a fina cadeia de ouro estava enrolada sobre o peito nu. As pemas estendiam-se obstinadamente para fora lado a lado; os braos repousavam junto ao 20 corpo; os dedos estavam dobrados naturaLmente. Lord Peter alou um brao e olhou para a mao com um ligeiro franzir das sobrancelhas. - Um pouco dan&y, o seu visitante, nao acha? - murmurou. Violetas de Parma e manic&re. - Inclinou-se de novo, passando a mao por baixo da cabea. As absurdas lentes oculares escorregaram, batendo na banheira, e o barulho deu o ltimo toque ao crescente nervosismodo senhor Thipps. - Com a sua licena - murmurou -, isto faz-me desfalecer, l isso faz. Esgueirou-se para fora e, mal o fez, Lord Peter, erguendo o corpo rpida e cautelosamente, virou-o e inspeccionou-o com a cabea de lado, trazendo cena o seu mon6culo com o ar do falecido Joseph Chamberlain apreciando uma orqudea rara. Pousou entao a cabea sobre o seu brao, e tirando a caixa de prata do bolso, introduziu-a na boca aberta. Fazendo o barulho geralmente transcrito por *Tut-tut+, pousou o corpo, pegou no misterioso pince-nez, olhou-o, p-lo no seu nariz, olhou atravs dele, fez o mesmo barulho e reajustou o pince-nez no nariz do cadver, de modo a nao deixar sinais de interferncia que irritassem o Inspector Sugg; tornou a pr o corpo como estava; voltou janela e, inclinando-se para fora, estendeu para cima e para os lados a sua bengala, que trouxera consigo um pouco incongruentemente. Como estas investigaoes nao tinham resultados recolheu a cabea, fechou a janela e juntou-se ao senhor Thipps no corredor. O senhor Thipps sensibilizado por este simptico interesse de um filho mais novo de um duque, tomou a liberdade, quando regressaram sala, de lhe oferecer uma chvena de ch. Lord Peter, que se aproximara da janela e admirava as vistas de Battersea, estava para aceitar, quando uma ambulancia surgiu ao fundo da Prince of Wales Road. A sua apariao lembrou a Lord Peter um importante compromisso, e com um apressado *Meu Deus!>& despediu-se do senhor Thipps. - A minha mae envia-lhe os seus cumprimentos e tudo o mais --disse, apertando-lhe fervorosamente a mao--; espera que volte a Denver em breve. Adeus, senhora Thipps - berrou amavelmente ao ouvido da velhota. - Oh, nao meu caro senhor, por favor nao se incomode a vir c. Fora mesmo a tempo. Ao sair da porta e dirigir-se para a estaao a ambulancia parou vinda da direcao oposta, e o Inspector Sugg emergiu acompanhado de dois polcias. O Inspector falou com o agente de servio nas Mansoes, e deitou um olhar de desconfiana retirada de Lord Peter. 21 - Caro Sugg, - disse o nobre, afectuosamente -, caro, caro, passarao! Como ele me odeia, estou certo. CAPITULO 2 - Exelente, Bunter - disse Lord Peter, afundando-se com um suspiro numa poltrona luxuosa - Nem eu pr6prio teria feito melhor. Pensar no Dante faz-me crescer gua na boca e o Four Seasons of Aymon. E poupaste-me 60 libras... isso fantstico. Em que devemos gast-las, Bunter? Pensa nisso... nossas, para delas fazermos o que quisermos, pois como Harold Skimpole faz notar tao correctamente, 60 libras poupadas sao 60 libras ganhas, e eu conto gast-las na totalidade. A poupana tua Bunter, e propriamente falando, as 60 libras sao tuas. Que queremos? Algo do teu departamento? Gostarias de mudar alguma coisa no apartamento? - Bem, milord, como sua senhoria tao bondosa - o criado faz uma pausa para deitar um brandy velho num clice de licor. - Bem, deita c para fora, Bunter, imperturbvel velho hip6crita. Nao adianta falares como se estivesses a anunciar o jantar, ests aentomar o brandy. A voz de Jacob mas as suas maos sao de Esa. Que preciso agora para a tua bendita camara escura? - H um Double Anastigmat com um conjunto de lentes suplementares, milord - disse Bunter com um furor quase religioso. - Se houvesse agora um caso de falsificaao... ou pegadas... eu &oderia ampli-las logo na chapa. Ou a grande angular poderia ser til. E como se a camara tivesse olhos na parte de trs da cabea, milord. Veja... tenho-a aqui. Tirou o catlogo do bolso, e submeteu-o, trmulo, ao olhar atento do seu patrao. Lord Peter leu com atenao e vagar a descriao, os cantos da boca descados num sorriso desmaiado. 23 22 - Para mim, grego - disse - e 50 libras parecem-me um preo ridlculo para uns pedacitos de vidro. Suponho, Bunter, que dirias que 750 libras eram um pouco excessivas para um livro velho e sujo escrito numa lingua morta, nao ? - Nao me caberia diz-lo, milord. - Nao, Bunter, pago-te 200 libras por ano para guardares para ti os teus pensamentos. Diz-me l, Bunter, nao achas isso injusto nesta poca democrtica? - Nao, milord. - Nao achas. Importas-te de me dizer francamente porque que nao achas injusto? - Francamente, milord, vossa senhoria aufere um rendimento principesco para receber Lady Worthington para jantar e nao exercitar os indubitveis poderes de resposta de vossa senhoria. Lord Peter reflectiu sobre o que ouvira. - essa a tua opiniao, nao Bunter? Noblesse oblige... por uma questao de princpio. At te dou razao. Entao ainda ests em melhor circunstancias do que eu, dado que teria de ter boas maneiras com Lady Worthington, mesmo que nao tivesse um tostao. Se te despedisse, aqui e agora, Bunter, dir-me-ias o que pensas de mim? - Nao, milord. - Estavas no teu perfeito direito de o dizer, meu Bunter, e se te despedisse na altura de beber o caf que fazes, mereceria tudo o que dissesses de mim. s levado do diabo para o caf, Bunter... nao sei como o fazes, porque acredito que bruxaria, e nao quero arder etemamente. Podes comprar essas lentes atravessadas. - Obrigado, milord. - J terminaste o que tinhas a fazer na sala de jantar? - Nao propriamente, milord. - Bem, entao volta c quando terminares. Tenho muitas coisas para te dizer. Ol! Quem ser? A campainha da porta soara bruscamente. - A nao ser que seja algum que interesse, nao estou em casa. - Muito bem, milord. A biblioteca de Lord Peter era uma das mais aprazveis salas de solteirao de Londres. A decoraao era negra e amarela-plida; as paredes estavam forradas com edioes raras, e as cadeiras e o sof Chesterfield sugeriam o abrao de houris. Num canto, encontrava-se um piano de meia cauda preto, o fogo crepitava numa ampla lareira antiga e os jarroes de Svres no lintel da lareira continham crisantemos vermelhos e dourados. Aos olhos do jovem que ai fora introduzidovindo do nevoento Novembro aparecia nao s6 como pouco vulgar e inacessivel, mas como amistosa e familiar, qual paraso colorido e sedutor numa pintura medieval. - O senhor Parker, milord. Lord Peter ergeu-se com genuno entusiasmo. - Meu caro amigo, estou encantado por v-lo. Que horrorosa noite de nevoeiro, nao est? Bunter, traz mais desse admirvel caf, outro copo e charutos. Parker, espero que venha cheio de crime... esta noite o mnimo que queremos sao fogo posto e homicdio. Numa noite como esta.. Bunter e eu estvamos a combinar os festejos. Consegui um Dante, e um Caxton que praticamente nico no lcilao de Sir Ralph Brocklebury. Bunter, que regateou, vai ter uma lcnte que faz toda a espcie de coisas maravilhosas com os olhos fechados. e Ambos tivemos um corpo na banheira, Ambos nvemos um corpo numa banheira... Pois apesar de todas as tentaoes Para procurarmos sensaoes vulgares lnsistimos num.corpo na banheira... +Nada inferior nos servir, Parker. meu neste momento mas vamos partilh-lo. P&priedade da firma. Nao se junta a ns? Tem mesmo de contribuir para a sorte grande. Talvez tenha um corpo. Oh, tem um corpo. Oualquer corpo bem vindo. Gin um corpo um corpo Iado perante o entendido Gin um corpo sabe bem quem assassinou um corpo e esse velho Sugg est no rumo errado, E preciso que um corpo fale? &>Nem por sombras. Ele lana um cintilante piscar de olhos em sinal de alerta ao seu amigo e o seu amigo l a verdade. - Ah - disse Parker -, eu sabia que tinha rondado as Queen Mansions. Eu tambm, e encontrei o Sugg, e ele disse-me que o tinha visto. Estava mal-humorado, alis. Chamou-lhe interferncia injustificvel. - J estava espera - retorquiu Lord Peter -, adoro meter o querido velho Sugg a ridiculo, ele sempre tao grosseiro. Li no Star que se excedeu a si pr6prio ao deter a rapariga, Gladys qualquer coisa. Sugg de fim de dia, Wo Sugg! Mas, que veio voc c fazer? - Para lhe dizer a verdade - retrucou Parker -, fui l rondar para ver se o estranho com ar de semita que estava na banheira do senhor Thipps nao seria por uma sorte extraordinria Sir Reuben Levy. Mas nao . - Sir Reuben Levy? Espere um minuto, vi algo sobre isso. J sei! Um cabealho: *Desaparecimento misterioso de um famoso banqueiro+. De que se trata? Nao li com muita atenao. - Bem, um bocado estranho, se bem que alvitrasse que na realidade nao nada... o velho pode ter desaparecido por uma razao que s6 ele conhece. Foi s6 esta manha que isso aconteceu, e ningum se teria preocupado com o assunto se nao se desse o caso de ser o dia em que ele combinara uma importante reuniao de finanas para realizar um neg6cio envolvendo miIhoes... nao estou na posse de todos os pormenores. Mas sei que tem inimigos que gostariam de que o neg6cio nao resultasse, de modo que quando me sopraram a existnciado tipo na banheira, fui l dar uma volta para lhe deitar uma olhadela. Nao era de esperar, claro mas as coisas mais inesperadas acontecem na nossa profissao. O mas divertido na hit6ria que o velho Sugg embicou na ideia de que mesmo ele, e est a telegrafar furiosamente para que Lady Levy venha e o identifique. Mas, na realidade, o homem na banheira tanto Sir Reuben Levy quanto Adolf Beck, pobre diabo, era John Smith. Nao deixa de ser bastante estranho o facto de que ele seria extraordinariamente parecido com Sir Reuben se tivesse barba, e como Lady Levy est fora com a familia, algum pode ter dito que era ele, levando Sugg a construir uma encantadora teona que, como a Torre de Babel, est igualmente destinada a perecer. - O Sugg um tonto completo e fanfarrao - disse Lord Peter. - como um detective de romance. Bom, nada sei sobre Levy, mas vi o corpo, e diria que a ideia absurda primeira vista. Que acha do brandy ? - Inacreditvel, Wimsey... o tipo de coisas que nos faz acreditar no cu. Mas quero o seu palpite. - Importa-se de que Bunter tambm o oia? Um homem inestimvel, o Bunter... um tipo espantoso com uma camara. E o mais estranho que est sempre em cima do acontecimento quando eu quero o meu banho ou as botas. Nao sei quando faz as suas revelaoes... creio que durante o sono. Bunter! - Sim, milord. - Pra de perder tempo com bagatelas, e arranja para ti os instlumentos apropriados para beber e junta-te aos folioes. - Com certeza, milord. - O senhor Parker tem um novo nmero: o Financeiro Desaparecido. Nada na manga. Hey, presto, desaparece! E onde est? Algum cavalheiro da audincia tem a amabilidade de subir ao palco e 26 inspeccionar a caixa? Obrigado, senhor. A rapidez e a mao iludem o olho. - Temo que a minha hist6ria nao seja grande coisa - disse Parker. - s6 uma daquelas pequenas coisas que nao levam a lado nenhum Sir Reuben Levy jantou na noite passada com trs amigos no Ritz Depois do jantar, os amigos foram ao teatro. Ele recusou-se a ir com eles alegando um encontro. Ainda nao consegui descobrir que encontro mas, de qualquer maneira, voltou para casa... 9 A em Park Lane... meia-noite. - Quem o viu? - A cozinheira, que tinha acabado de subir para se deitar viu-o no patamar da entrada, e ouviu-o entrar. Ele subiu, deixando o sobretudo no cabide do hall e o chapu de chuva no bengaleiro... lembram-se de como chovia ontem noite. Despiu-se e foi para a cama. Na manha seguinte nao estava l. tudo - disse Parker abruptamente, com un aceno da mao. - Nao tudo, nao tudo. Paizinho, continue, ainda ainda nem chegmos a meio da hist6ria - arguiu Lorde Peter. - Mas tudo. Quando o criado veio cham-lo, nao estava l. A cama fora desfeita. O pijama e as roupas estavam l, a nica coisa estranha sendo o facto de estarem espalhadas desordenadamente em cima da otomana aos ps da cama, em vez de estarem dobradas em cima da cadeira, como era hbito de Sir Reuben... o que d a ideia de ter estado agitado ou indisposto. Nao faltava qualquer pea de roupa limpa, nem qualquer fato, nem botas, nada. As botas que usara encontravam-se no quarto de vestir como sempre. Tinha lavadoos dentes e fizera tudo o que constitua hbito. A criada estava a entrada s seis e meia, e pode jurar que ningum entrou ou saiu a partir dessa hora. Assim -se forado a supor que um respeitvel judeu de meia idade, financeiro, ou enlouqueceu entre a meia-noite e as seis e meia da manha e saiu calmamente de casa tal como veio ao mundo numa noite de Novembro, ou se esfumou como a dama nas Ingolds&y Legends, corpo e ossos, deixando apenas um monte de roupas amarfanhadas atrs de si. --A porta da frente estava trancada? - Esse o tipo de perguntas que voce faria de imediato; eu levei uma hora a pensar nisso. Nao; ao contrrio do habitual, estava s6 no trinco. Por outro lado, foi dada folga a algumas criadas para irem ao teatro, e provavelmente Sir Reuben deixou a porta aberta supondo que elas ainda nao tinham regressado. Isso j acontecera antes. - E isso mesmo tudo? - Mesmo tudo. A nao ser uma circunstancia insignifcante. 27 --Adoro circunstancias insignificantes--disse Lord Peter, com um deleite infantil -; tantos homens foram enforcados por causa de circunstancias insignificantes. Qual ela? - Sir Reuben e Lady Levy, que sao um casal extremoso, partilham sempre o mesmo quarto. Lady Levy, como disse, est em Mentone por motivos de sade. Na sua ausncia, Sir Reuben dorme na cama de casal como costume, e invariavelmente do seu lado... o lado de fora... da cama. Na noite passada, juntou as duas almofadas e dormiu ao meio, ou melhor, mais chegado parede que propriamente ao meio. A criada, que uma rapariga muito inteligente, apercebeu-se disso quando foi fazer a cama e, com um admirvel instinto de detective, recusou-se a tocar na cama ou a permitir que algum tocasse, se bem que s6 chamassem a pol&cia bastante tarde. - Nao havia mais ningum em casa para alm de Sir Reuben e da criadagem? - Nao; Lady Reuben estava fora com a filha e a criada. O criado, a cozinheira, a criada da sala, a criada das limpezas e a ajudante de cozinha eram as nicas pessoas em casa e, naturalmente, perderam uma hora ou duas guinchando e tagarelando. Eu cheguei l por volta das dez. - Que fez desde entao? - Tentei seguir a pista do encontro de ontem noite de Sir Reuben, uma vez que, exceptuando a cozinheira, o seu *encontrante+ foi a ltima pessoa a v-lo antes do seu desaparecimento. Deve haver uma explicaao bastante simples se bem que tenha desistido de pensar numa agora. Diabos me levem, um homem nao chega a casa, vai-se deitar e sai outra vez *sem nadinha em cima+ a meio da noite. - Ele podia estar disfarado. - J pensei nisso... de facto parece a nica explicac,ao possvel. Mas muitissimo esquisito, Wimsey. Um financeiro importante, na vspera de uma importante transacao, sem uma palavra de aviso, escapa-se a meio da noite, disfarado com a sua pr6pria pele, deixando para trs rel6gio, carteira, livro de cheques, e... mais misterioso e importante que tudo... os 6culos, sem os quais nao v um degrau, dado que extremamente mope. Ele... - Isso importante - interrompeu Wimsey. - Tem a certeza de que nao levou outro par? - O criado garante que ele s6 tinha dois pares, um dos quais foi encontrado no toucador, e o outro na gaveta onde est sempre guardado.Lord Peter assobiou. - Concordo consigo, Parker. Mesmo que fosse suicidar-se levlos-ia. 28 - Assim ... ou o suicdio ocorreria logo que ele pisasse a estrada. Contudo nao exclu a possibilidade. Tenho relat6rios de todos os acidentes ocorridos hoje nas ruas, e posso pr a mao no peito e afirmar que nenhum deles de Sir Reuben. Alis levou a chave de casa, o que leva a crer que tinha intenoes de regressar. - Esteve com os homens que jantaram com ele? - Encontrei dois deles no clube. Disseram que parecia estar de 6ptima sade e disposiao, falou da sua expectativa em ir ter com Lady Levy mais tarde... talvez no Natal... e referiu com grande satisfaao o neg6cio matutino no qual um deles... um homem chamado Anderson de Wyndams... estava tambm envolvido. - Entao at volta das nove horas, de qualquer modo, nao tinha qualquer intenao ou expectativa de desaparecer. - Nenhuma... a nao ser que fosse um grande actor. O que quer que seja que o levou a mudar de ideias ocorreu ou no misterioso encontro que teve depois de jantar, ou enquanto estava na cama entre a meia-noite e as cinco da manha. - Bem, Bunter - disse Lord Peter -, que fazes com isto? - Nao pertence ao meu departamento, milord. Excepto que estranho que um cavalheiro que estava demasiado agitado ou indisposto para dobrar as suas roupas como de costume se lembrasse de lavar os dentes e de pr as botas fora do quarto. Trata-se de duas coisas que sao ignoradas com muito frequncia, milord. - Se te referes a algo de pessoal, Bunter - retorquiu Lord Peter-, devo dizer-te que um discurso escusado. um problemazinho delicioso, Parker. Olhe nao quero intrometer-me mas gostaria muitssimo de ver esse quarto amanha. Nao que desconfie de si, meu caro, mas gostaria extraordinariamente de o ver. Nao me diga que nao... tome outro gole de bran&y e um Villary Villar, mas nao diga que nao, nao diga que nao! - Claro que pode vir v-lo... encontrar decerto montes de coisas que me escaparam - disse o outro, amistosamente, aceitando a hospitalidade oferecida. - Parker voc uma honra para a Scotland Yard. Olho para si e o Sugg surge como um mito, uma fbula, um rapaz idiota gerado numa hora lunar pelo crebro de um poeta fantstico. Sugg demasiado perfeito para ser possvel. Que diz do corpo, j agora? - Sugg diz - replicou Parker, com precisao -, que morreu devido a uma pancada na parte de trs do pescoo. Foi o mdico que Ihe disse. Afirma que j est morto h um ou dois dias. O mdico tambm lho disse. Ele diz que o corpo de um judeu pr6spero com cerca de cinquenta anos. Qualquer pessoa lhe poderia dizer isso. Diz que 29 ridculo supor que o corpo tenha entrado pela janela sem que ningum desse por isso. Diz que provavelmente entrou pela porta da frente e foi assassinado pelas pessoas que vivem na casa. Prendeu a rapariga porque era baixa e frgil e praticamente incapaz de derrubar com um atiador um semita alto e robusto. Prenderia o Thipps, s6 que Thipps estava em Manchester todo o dia de ontem e de anteontem e s6 voltou tarde na noite passada... na verdade, ele queria prend-lo at eu lheter lembrado que, se o corpo estava morto h um ou dois dias, o pequeno Thipps nao o podia ter morto ontem s 10.30 da noite. Mas ele prend-lo- amanha como cmplice e a velhota do tricot, tambm, suponho. - Bem, estou satisfeito por o homenzinho ter um alibi tao forte - disse Lord Peter -, embora se estiver a confiar na lividez, rigidez, e todas as outras minudncias cadavricas, tenha de estar preparado para deparar com uma besta cptica na acusaao que resolva ignorar Violentamente a prova mdica. Lembra-se da defesa de Impey Biggs no caso daquela casa de ch em Chelsea? Seis exuberantes mdicos a contradizerem-se uns aos outros no banco das testemunhas, e o velho Impey enunciando casos anormais, segundo Glaister e Dixon &Iann, at os olhos do jri ficarem em bico! *Est disposto a jurar, Dr Thingumtight, que o incio do rigor mortis indica a hora da morte sem possibilidade de en&?+ *Dentro dos limites da minha experincia, na maioria dos casos+, diz o mdico, todo formal. *Ah!+ diz Biggs, *mas estamos perante um tribunal, Doutor, nao numa eleiao parlamentar Nao podemos pr&sseguir sem um relat6rio da minoria. A lei, Dr. Thingumtight, respeita os direitos da minoria, viva ou morta+. Um idiota qualquer ri-se e o velho Biggs estica o peito e torna-se impressionante& *Cavalheiros, nao caso para gargalhadas. O meu cliente... um cavalheiro nteg& e honrado... est a ser julgado e a arriscar a vida a vida, a sua vida, cavalheiros... e cabe acusaao provar a sua culpa... se for capaz... sem sombra de dvida. Agora, Dr. Thingumtight, volto a perguntar-lhe, pode jurar solenemente, sem a menor sombra de dvida... provvel, possvel sombra de dvida... que esta infeliz mulher encontrou a morte nem mais cedo nem mais tarde que quinta-feira noite? Uma opiniao provvel? Senhores, nao somos jesutas, somos ingleses. Nao se pode pedir que um jri britanico condene qualquer homem com base numa opiniao provvel+. Rudo surdo de aplausos. - O homem do Biggs nao deixou de ser culpado-, disse Parker. - Claro que o era. Mas tambm nao deixou de ser ilibado, e o que acabou de dizer difamat6rio - Wimsey dirigiu-se estante e retirou um volume de iurisprudncia mdica - *O Rigor mortis... s6 30 pode ser determinado de um modo muito genrico... muitos factores deterrninam o resultado+. Animal prudente. *Em mdia, contudo, o endurecimento deve iniciar-se - pescoo e maxilares, 5 a 6 horas ap6s a morte+... hum... *segundo todas as probabilidades deve passar na maioria dos casos ao fim de 36 horas. Sob determinadas circunstancias, contudo, pode surgir inusitadamente cedo, ou ser inusitadamente retardado!+ Util, nao Parker? *Brown-Squard afirma... 3 minutos e meio depois da morte.... Em certos casos s6 num prazo de 16 horas depois da morte ... presente durante 21 dias depois+. Meu Deus! *Factores diferenciais... idade... estado dos msculos... ou doenas febris... ou quando a temperatura ambiente elevada+... e por a adiante... um assunto frtil. Nao se preocupe. Pode apresentar o argumento mais vantajoso para o Sugg. Ele nao dar pela diferena. - Lanou o livro para longe. - Voltemos aos factos. O que que voc fez ao corpo? - Bom - disse o detective -, nada de especial ... fiquei baralhado... sinceramente. Eu diria tratar-se de um homem rico, mas que se fez a si mesmo, e que a boa sorte lhe veio recentemente. - Ah, notou as calosidades nas maos... logo vi que nao as deixaria escapar.- Ambos os ps estavam cheios de marcas... ele andou a usar sapatos apertados. - Fazendo um longo trajecto com eles tambm - continuou Lord Peter -, para arranjar umas bolhas daquelas. Nao lhe pareceu estranho numa pessoa manifestamente em boa situaao financeira? - Bom, nao sei, as bolhas tinham dois ou trs dias. Ele pode ter-se visto nos subrbios noite... o ltimo comboio passara e nao havia um txi... e ter de caminhar at casa. - possivel. - Tinha umas marcas vermelhas nas costas e numa pema cuja procedncia nao conseguir identificar. - Eu vi-as. - Digo-lhe mais tarde. Continue. - Era muito mope... estranhamente mope para um homem na primavera da vida; os 6culos eram de um homem muito mais velho A prop6sito, tinham uma corrente muito bonita e aparatosa com elos batidos com um padrao em relevo. Ocorreu-me que se poderia seguir-lhe a pista atravs dela. - Acabei de pr um anncio no Times a esse respeito - disse Lord Peter. - Continue. - Ele j tinha os 6culos h bastante tempo... foram arranjados duas vezes 31 - Maravilhoso, Parker, maravilhoso. Deu-se conta da importancia disso? - Nem por isso, temo. Porqu? - Deixe estar... prossiga. - Era decerto um homem rabugento, com mau temperamento... as suas unhas estavam limadas at ao sabugo como se habitualmente as roesse, e os dedos tambm estavam rodos. Fumou quantidades de cigarros sem boquilha. Era esquisito quanto aparncia. - Teve alguma oport&midade de examinar o quarto? Eu nao consegui. - Nao consegui encontrar grande coisa no que respeita a pegadas. Sugg & C.a andaram por todo o lado, para j nao falar do pequeno Thipps e da empregada, mas reparei numa marca bem defin&da mesmo por detrs da cabeceira da banheira como se/ algo hmido tivesse l estado. Dificilmente se poderia chamar-lhe uma impressao - Chovia a potes ontem noite, claro. - Sim; reparou que a fuligem no peitoril da janela estava vagamente marcada? `- Reparei - disse Wimsey. - Examinei-a aturadamente com este amiguinho, mas o mximo que consegui concluir foi que qualquer coisa poisou no parapeito. - Tirou o mon6culo e passou-o a Parker. - Caramba, trata-se de uma lente poderosa. - Assim - retorquiu Wimsey -, e bem til quando se quer dar uma boa olhadela e parecer um louco completo a toda a hora. S6 que nao d para usar permanentemente... se as pessoas nos olham a direito dirao: *Deus meu! Como deve ser fraca a visao daquele olho!+ Todavia, til. - Sugg e eu examinmos o solo das traseiras do edif&cio. - Isso interessante. Foram ao telhado? - Nao. - Bom, vamos l amanha. O algeroz fica apenas a cerca de meio metro do topo da janela. Medi-o com a minha bengala... o vademecumdo cavalheiro-escuteiro, como lhe chamo... que est graduada em polegadas. Uma companhia invulgarmente conveniente por vezes. Tem uma espada dentro e uma bssola no castao: mandei-a fazer de prop6sito. Mais alguma coisa? - Temo que nao. Vamos ouvir a sua versao, Wimsey? - Bem, penso que se apercebeu da maior parte dos factos. H apenas uma ou duas pequenas contradioes. Por exemplo, eis um homem que usa um pince-nez dispendioso de aros em ouro e que possui h tempo suficiente para o ter mandado arranjar duas vezes. Todavia, os seus dentes estao nao s6 descorados. mas francamente apodrecidos e tm 32 ar de nunca terem sido lavados na vida. Faltam quatro molares num lado e trs no outro e um dente da frente est todo partido. um homem preocupado com a aparncia, como o testemunham o cabelo e as maos. Oue diz a isto? - Oh, estes homens de baixa extracao que sobem na vida pensam pouco nos dentes, e tm pavor dos dentistas. - verdade; mas um dos molares tem um canto partido tao afiado que teria feito uma ferida na lingua: nada mais doloroso. Acha que um homem o suportaria se pudesse pagar a extracao do dente? - Bom, as pessoas sao estranhas. Conheci criados que suportavam agonias para nao porem os ps no dentista. Oue acha disto, Wimsey? - D uma espreitadela aqui para dentro; uma lampada de algibeira - disse Lord Peter. - Um instrumentozinho muito til. Parece uma caixa de f6sforos. Bom... atrever-me-ia a dizer que est bem mas eu limitei-me a chamar a sua atenao para o facto. Segundo: um cavalheiro com o cabelo a cheirar a violeta de Parma e com as maos arranjadas e tudo o mais, nunca lava os ouvidos. Estavam cheios de cera Nojentos. - Apanhou-me com essa, Wimsey; eu nao tinha reparado. Contudo... os velhos hbitos custam a morrer. - Est bem! Diga que isso. Terceiro: o cavalheiro com o tratarnento das maos e a brilhantina e tudo o mais v&tima de pulgas. - Caramba, tem razao! Mordeduras de pulga. Nao me tinha ocorrido. - certinho, velho amigo. As marcas eram velhas e estavam esbatidas, mas eram inequ&vocas. - Claro, agora que o diz. Todavia isso pode acontecer a qualquer um. Perdi uma enorme, h duas semanas, no melhor hotel de Lincoln Espero que tenha mordido o pr6ximo utente. - Oh, todas essas coisas podem acontecer a qualquer um... separadamente. Quarto: o cavalheiro que usa violetas de Parma para o cabelo, etc... etc., lava o corpo com um forte sabao carb61ico... tao forte que o seu cheiro permanece cerca de vinte e quatro horas - Carb61ico para se livrar das pulgas. - Quanto a si Parker, diria que tem resposta para tudo. Quinto: um cavalheiro aperaltado, com as unhas tratadas, embora rofdas, tem as unhas dos ps imundas com ar de nao serem cortadas h anos. - Faz tudo parte dos hbitos referidos. - Sim, eu sei, mas hbitos desses! Agora, sexto, e ltimo. este cavalheiro com hbitos cavalheirescos intermitentes chega a meio de uma noite chuvosa, aparentemente pela janela, quando j estava morto h vmte e quatro horas, e deita-se calmamente na banheira do senhor 33Thipps, vestido a desprop6sito apenas com un pince-nez. Nem um plo da sua cabea est fora do srtio o cabelo foi cortado tao recentemente que ainda ficaram uns pelitos agarrados ao pescoo e aos lados da banheira e barbeou-se tao recentemente que ficou uma linha de sabao seco na bochecha... _ Wimsey! _ Espere um minuto... e sabao seco na boca. Bunter levantou-se e apareceu subitamente ao lado do cotovelo do detective& na pose perfeita do criado respeitoso. _ Um pouco de brandy, sir? - murmurou. _ Wimsey - disse Parker -, est a provocar-me um arrepio de frio - Esvaziou o seu copo; mirou-o como se ficasse surpreendido por ele estar vazio, pousoll O, levantando-se, dirigiu-se estante, deu meia volta, ficou de costas para a estante e continuou. - Olhe l, Wimsey- - voc andou a lcr hist6rias policiais, est a dizer disparates. _ Nao estou nao - retroquiu Lord Peter, sonolentamente -, nao deixa de ser um incidente invulgarmente propcio para uma hist6ria policial. nao acha? Bunter, havemos de escrever uma, e voc ilustr-la- com fotografias. _ Sabao dentro da boca.. Disparate! - disse Parker. - Era outra cOisa qualquer--- alguma despigmentaao. Nao - retrucou Lord Peter -, havia cabelos tambm. Hirsutos, alis. Ele tinha barba. &Irou o rel6gio do bolsO, e fez aparecer um par de plos compridos e djOS que tinha guardado entre a tampa interior e a exterior. parker voltou-os uma ou duas vezes entre os dedos, mirou-os perto da luz, examinou-os com uma lente, passou-os ao impassvel Bunter, e disse: - Pretende dizer-me, Wimsey que qualquer homem vivo teria riu desagradavelmente - CorLado a barba com a boca aberLa, e, depois, teria ido embora para se deixar matar com a boca cheia de plos? Est doido. - Nao digo isso - re&orquiu Wimsey. - Vocs polcias sao todos iguaiS s6 tm uma ideia nos vossos cranios. Diabos me levem se consigo perceber porque que o nomeiam sempre. Ele foi barbeado dCpois de morto. Bonito, nao ? Um trabalhinho de primeira, inesperado para o barbeiro, nao acha? V l sente-se, homem, e nao seja parvo, a andar desnorteado pela sala. Na guerra acontecem coisas piores. Isto apenaS um caso trivial. Mas devo dizer-lhe, Parker, estamos perante um criminoso, O criminOsO& o verdadeiro artista possudo pelo mal, cOm imaginaao, material autntico, artstico. acabado. Agrada-me, Pa&er 34 CAPITULO 3 Lord Peter acabou uma sonata de Scarlatti, e sentou-se a olhar pensativamente para as maos. Os dedos eram compridos e musculados com Junoes amplas e espalmadas e pontas quadradas. Ouando estava a tocar, os seus olhos, de um cinzento cortante, tomavam-se doces e a sua boca grande e indeterminada, em compensaao, endurecia Em nenhuma outra altura tivera qualquer pretensao a uma boa aparncia e sempre fora prejudicado por um queixo proeminente e estreito e por uma testa ampla e recuada, acentuada pelo brilho do seu cabelo cor de estopa penteado para trs. Os jomais esquerdistas, atenuando-lhe o queixo, caricaturizavam-no como um aristocrata tpico. - E um instrumento magnfico - disse Parker.- Nao mau de todo - retorquiu Lord Peter -, mas Scarlatti pede um cravo. O piano demasiado modemo... todo ressonancias e sons harm6nicos. Nao presta para a nossa tarefa, Parker. Chegou a alguma - O homem na banheira - disse Parker, metodicamente -, nao era um homem bem na vida, preocupado com a aparncia. Era um operrio, desempregado, mas que s6 recentemente perdeu o emprego Andava por a procura de emprego quando deparou com o seu fim Algum o matou, lavou, perfumou e barbeou com vista a disfar -lo e p-lo na banheira do Thipps sem deixar rasto. Conclusao- o assassino era um homem poderoso, uma vez que o matou com urna unica pancada no pescoo, um homem de cabea fria e intelecto superior, uma vez que fez esse trabalho sinist& sem deixar um &nico vestgio, um homem de fortuna, requintado, uma vez que tinha & mao todo o aparato para uma toilette, e um homem bizarro. com llma 35 irnaginaao quase prevertida, como o mostram os dois hom'veis toques de depositar o corpo na banheira e de adorn-lo com um pince-nez. - um poeta do crime - disse Wimsey. - A prop6sito, a sua dificuldade com o pince-nez est esclarecida. Obviamente, o pince-nez nunca pertenceu ao cadaver. - Isso apenas conduz a um novo problema intrincado. Nao se pode supor que o assassino o tenha deixado de um modo tao amvel como pista para a sua identidade. --Dificilmente o poderemos supor: temo que este homem possua o que falta a muitos criminosos... sentido de humor. - Um humor bastante macabro. - verdade. Mas um homem que consegue, nessas circunstancias, ter uma ponta de humor um tipo terrvel. Estou a pensar no que ter feito com o corpo entre o homic&dio e o depsito chez Thipps. Depois h mais perguntas. Como o enfiou l? E porqu? Foi ntroduzido pela porta, como o Sugg do nosso coraao sugere? Ou atravs da janela, como n6s pensamos, a partir do nao muito adequado testemunho de uma mancha no parapeito? O assassino tinha cmplices? O pequeno Thipps est mesmo metido nisso, ou a rapariga? Eu nao excluo a ideia s6 porque o Sugg est inclinado para ela. Mesmo os idiotas dizem ocasionalmente verdades, por puro acaso. Por outro lado, porque que Thipps foi escolhido para uma brincadeira tao abominvel? Algum nutre a seu respeito qualquer rancor? Quem mora nos outros apartamentos? Temos de descobri-lo. Thipps toca piano meia-noite por cima das suas cabeas ou destr6i a reputaao do edifcio ao trazer para casa senhoras de respeitabilidade duvidosa? H arquitectos falhados ansiando pelo seu sangue? Diabos levem isto tudo, Parker, tem de haver um motivo algures. Nao pode haver crime sem motivo, voc sabe-o. - Um louco - sugeriu Parker, timidamente. - Com uma grande dose de mtodo na sua loucura. Nao cometeu um erro... um nico, a nao ser que deixar cabelos na boca do cadver possa ser chamado de erro. Bom, de qualquer maneira, nao se trata de Levy... nisso est certo. Devo dizer, meu velho, que nem O seu homem nem o meu deixaram grandes pistas para seguir, nao acha? E tambm nao parece haver grandes motivos. E em relaao ao trabalho da noite passada, faltam-nos dois conjuntos de roupa. Sir Reuben desaparece sem levar nem uma folha de figueira, e um indivduo misterioso aparece com um pince-nez, o que francamente inadequado para manter a decncia. Diabos levem isto tudo! Setivesse pelo menos uma boa desculpa para pegar oficialmente neste caso do corpo... 36 A campainha do telefone tocou. O silencioso Bunter, que os dois praticamente tinham esquecido, dirigiu-se para o telefone furtivamente. - E uma senhora de idade, milord - disse. - Penso que surda... nao consigo fazer que me oia, mas est a perguntar por Vossa Excelncia. Lord Peter pegou no auscultador. e berrou um *Al!+ que poderia ter feito estalar a vulcanite. Ouviu durante alguns minutos com um sorriso incrdulo que gradualmente se alargou num esgar de prazer. De quando em quando gritava: *Est bem! Est bem!+ vrias vezes e desligou. - Caramba! - anunciou, radiante. - a velha senhora Thipps. Surda que nem uma porta. Nunca tulha usado o telefone. Mas determinada. Um perfeito Napoleao. O incomparvel Sugg fez uma descoberta e prendeu o pequeno Thipps. A velha senhora ficou abandonada no apartamento. O ltimo berro de Thipps: *Diga a Lord Peter Wimsey+. A velhota audaz. Luta com a agenda. Acorda as pessoas da central. Nao aceita um nao como resposta (nao consegue ouvi-lo), consegue furar, diz: *Farei o que posso!+ Diz que se sentiria a salvo nas maos de um verdadeiro cavalheiro. Oh, Parker, Parker! Eu poderia beij-la, poderia mesmo, como diz Thipps. Em vez disso escrever-lhe-ei... nao, espere al Parker, vamos l direitinhos. Bunter vai buscar a tua mquina infemal e o magnsio. Sugiro que faamos uma sociedade... juntamos os dois casos e trabalhamo-los em conjunto. Voc ver o meu corpo esta noite, Parker, e eu procurarei o seu judeu errante amanha. Sinto-me tao feliz, que sou capaz de explodir. Sugg, Sugg, como ests suggado! Bunter, os meus sapatos. Deixe-me ver Parker, suponho que os seus tm sola de borracha. Nao? Tut, Tut nao deve sair assim. N6s emprestamos-lhe um par. Luvas? Aqui. A minha bengala, a lantema, a fuligem, a pina, a faca, as caixas de comprimidos... est tudo? - Cer&amente, milord. - Oh, Bunter, nao ponhas esse ar tao ofendido. Nao pretendi magoar-te. Acredito em ti, confio em ti... quanto dinheiro tens? Chega. Conheci um homem, Parker, que deixou escapar um envenenador mundialmente famoso, porque a mquina do metro s6 aceitava pence. Havia bicha na bilheteira e o fiscal interpelou-o, e enquanto discutiam sobre a aceitaao de uma nota de cinco libras (que era tudo o que ele tinha) como pagamento de uma viagem de dois pence at Baker Street, o criminoso enfiou-se num comboio e depois ouviu-se falar dele em Constantinopla, difarado de velho sacerdote da Igreja anglicana a viajar com a sobrinha. Estamos todos prontos? Vamos! Sa&ram, com Bunter a desligar cuidadosamente as luzes atrs deles. 37 Ao entrarem na obscuridade e no fulgor de Piccadilly, Wimsey parou subitamente com uma pequena exclamaao. - Esperem um segundo - disse -, lembrei-me de uma coisa. Se o Sugg estiver l vai arranjar sarilho. Tenho de curto-circuit-lo. Voltou atrs a correr e os outros dois aproveitaram alguns minutos da sua ausncia para apanhar um txi. O Inspector Sugg e um crbero subordinado estavam de guardaao n.E 59 das Queen Caroline Mansions, e nao mostraram qualquer disposiao de deixar entrar investigadores nao oficiais. A Parker, de facto, era-lhes diffcil nao deixar entrar, mas Lord Peter viu-se confrontado com os modos grosseiros e com o que Lord Beaconsfield descreveu como uma magistral inactividade. Foi em vao que Lord Peter arguiu que fora intimado pela senhora Thipps por causa do filho. - Intimado! - disse o Inspector Sugg, com com um resmungo -, se nao se poe a pau ela que intimada. Nao sei se ela nao estaria metida no caso, mas tao surda que nao serve para nada. - Olhe l, Inspector, - retorquiu Lord Peter-, qual a vantagem de ser tao maadoramente obstrutivo? Seria muito melhor que me deixasse entrar... sabe que o acabarei por o fazer. C'os diabos, nao propriamente como se estivesse a tirar a comida da boca dos seus filhos. Ningum me pagou para encontrar as esmeraldas de Lord Attenbury para si. - meu dever manter o pblico afastado - respondeu o Inspector Sugg, tacitumamente -, e ele ficar afastado. - Eu nada disse sobre afastar o pblico - retrucou Lord Peter, vontade, sentando-se na escada para esmiuar o assunto confortavelmente -, se bem que nao tenha duvidas de que pzinhos de la sejam uma boa coisa, em principio, se nao se exagerar. O meio de ouro, Sugg, como diz Arist6teles, impede que nos transfommemos no asno de ouro. J alguma vez foi um asno de ouro, Sugg? Eu j. Era necessrio um roseiral inteiro para me curar, Sugg... Tu s o meu jardim de lindas rosas, A minha rosa a minha rosa nica, s tu! - Nao vou continuar aqui a falar consigo - disse o vexado Sugg -, j chega... ol, diabos levem esse telefone. Hei, Cawthom, v atender e veja quem , se a velhota o deixar entrar no quarto. Fechou-se l em cima aos gritos - continuou o Inspector -, quanto basta para que um homem desista do crime e opte por jardinar. O policia regressou: 38 - E da Yard, senhor - disse, tossindo como que a pedir desculpa -, o Chefe diz que devem ser concedidas todas as facilidades a Lord Peter Wimsey, senhor. Hum! Manteve-se afastado sem se comprometer, com uma expressao vtrea nos olhos. --Cinco ases - disse Lorde Peter, bem disposto. - O Chefe um amigo querido da minha mae. Nao vale a pena espemear, Sugg tem uma excelente jogada e eu vou tom-la um pouco melhor. Entrou com os seus acompanhantes. O corpo fora removido algumas horas antes, e quando a casa de banho e o resto do apartamento foram explorados a olho nu e pela camara do competente Bunter, tomou-se evidente que o verdadeiro problema da casa era a velha senhora Thipps. O filho e a criada haviam ambos sido levados, e parecia que nao tinham amigos na cidade, salvo algumas relaoes de neg6cios de Thipps, cuja morada era desconhecida da velhota. Os outros apartamentos do prdio estavam ocupados respectivamente por uma familia de sete pessoas, presentemente a passar fora o Invemo, um velho coronel do exrcito da ndia, de modos ferozes, que vivia sozinho com um criado indiano, e uma familia muitissimo respeitvel no terceiro andar, a quem a perturbaao porcima das suas cabeas ultrajou at ao limite. O marido, de facto, quando chamado por Lord Peter, mostrou um pouco de fraqueza humana mas a senhora Appledore, surgindo subitamente num quente roupao, livrou-o das dificuldades nas quais ele descuidadamente vagueava. - Peo desculpa - disse. - Temo que nao possamos intervir seja como for. Trata-se de um assunto muito desagradvel, senhor... receio nao ter conseguido ouvir o seu nome, e sempre achmos melhor nao temmos nada a ver com a policia. Claro, se os Thipps estao inocentes, e espero ardentemente que sim, um grande infortnio para eles, mas devo dizer que as circunstancias me parecem muito suspeitas, e ao Te6filo tambm, e nao gostaria nada que se viesse a dizer que colabormos com assassinos. Podemos mesmo ser considerados cmplices. Claro que voc jovem, senhor... - E Lord Peter Wimsey, querida - disse Tefilo suavemente Ela ficou na mesma. --Ah, sim,--disse--, creio que vagamente aparentado com o meu falecido primo, o Bispo de Carisbrooke. Pobre homem! Estava sempre a ser levado por impostores; morreu sem nunca ter conhecido gente melhor. Julgo que se parece com ele, Lord Peter --Duvido - retorquiu Lord Peter. - Tanto quanto sei trata-se apenas de uma ligaao, se bem que um filho avisado seja aquele que conhece o seu pr6prio pai. Dou-lhe os meus parabns, querida senhora, por 39 sair ao outro lado da famnia. Desculpar-me- esta minha invasao assim no meio da noite, apesar de, como diz, estarmos todos em famnia, e estou-lhe muito grato por isso e por me permitir admirar essa coisa horrivelmente atraente que traz vestida. Nao se preocupe, senhora Appledore. Estou a pensar que o melhor que tenho a fazer enviar a velha senhora para casa de minha mae e tir-la do seu caminho, de outro modo ainda acabar por se dar conta de que os seus sentimentos cristaos estao a levar a melhor sobre si, e nao h nada pior do que sentimentos cristaos para perturbarem o conforto domstico de um homem. Boa-noite, senhor... boa-noite, querida senhora... foi uma extrema amabilidade sua deixar-me incomod-la a esta hora. - Bem! - disse a senhora Appledore, enquanto a porta se fechava atrs dele. E... - Agradeo a bondade e a graca que sorriram no meu nascimento. - disse Lord Peter -, e que me ensinou a ser brutalmente impertinente quando decido faz-lo. Bruxa! As duas da manha, Lord Peter chegou no carro de um amigo a Dower House, Denver Casde, na companhia de uma senhora idosa e surda e de um malao antigo. - muito agradvel v-lo, querido - disse a Duquesa viva, placidamente. Era uma mulher pequena e rolia, com um cabelo completamente branco e maos delicadas. De aparncia, era tao diferente do seu segundo filho quanto se lhe assemelhava de carcter, os seus olhos negros brilharam de satisfaao, e os seus modos e movimentos eram marcados pela decisao rpida e precisa. Vestia um encantador agasalho da Liberty, e sentou-se a observar Lord Peter a comer bife frio e queijo como se a sua chegada em tais circunstancias e companhia fosse o acontecimento mais vulgar o que, tratando-se dele, na verdade, era.- Deitou a velhota? - perguntou Lord Peter. - Oh, sim, querido. Uma pessoa de idade tao admirvel, nao ? E muito corajosa. - Disse-me que nunca viajara num autom6vel. Mas considera-o um rapaz muito simptico, querido... tao cuidadoso com ela, que lhe fez lembrar o seu prprio filho. Pobre Thippezinho... o que levou o seu amigo inspector a pensar que ele poderia ter morto algum? - O meu amigo inspector... nao, mais nao, obrigado, Mae... est decidido a provar que o intruso na banheira de Thipps Sir Reuben 40 Levy, que desapareceu misteriosamente de sua casa na noite passada. A sequncia do seu raciocnio : perdemos um cavalheiro de meia-idade sem &upas em Park Lane; encontrmos um cavalheiro de meia-idade sem roupas em Battersea. Logo, eles sao uma e a mesma pessoa quod erat demonstradum. e ps o pequeno Thipps na cadeia. --Voc muito elfptico, querido - disse a Duquesa com brandura. --Por que razao o senhor Thipps deveria ser preso mesmo que fossem a mesma pessoa? - O Sugg tem de prender algum - retorqiu Lord Peter -, mas h& uns vestfgios inquietantes de indcios que, muito esticados, apoiam teoria de Sugg. S6 que eu sei que nao servem para nada, pelo que vi com os meus pr6prios olhos. Na noite passada, por volta das 9 IS, estava uma jovem a passear pela rua de Battersea Park, com &ositos s seus conhecidos, quando viu um cavalheiro de casaco peles e de cartola passeando vagarosamente sob um chapu de va, a olhar para os nomes de todas as ruas. Parecia um pouco locado e, portanto ela, que nao era envergonhada, dirigiu-se-lhe e &: *Boa noite+. *Pode dizer-me, por favor+, continuou o misterioso --&- *se esta rua vai dar rua Prince of Wales?+ Ela disse-lhe - &, e para alm disso perguntou-lhe jocosamente o que andava &r por ali e por a adiante, s6 que ela nao foi muito tao expl&cita &essa par&e da conversa, porque estava a abrir o coraao a Sugg, I &er, e ele pago por um pas reconhecido por ter ideais muito &e devados, nao ? De qualquer modo, o velhote disse que nao & dar atenao porque tinha um encontro. *Tenho de ir ter com _em, minha querida+, segundo o relato dela e subiu a avenida em direcao rua Prince of Wales. Ela ainda o mirava lo bastar&e surpreendida, quando se lhe juntou um amigo *Nao vale a pena perderes o teu tempo com ele... o Levy... quando vivia no West End, e as raparigas costumavam o Anjinho+... o nome do amigo foi omitido, devido a de monta, mas a rapariga garante aquilo que foi dito. Ela pensar no caso at que o leiteiro trouxe esta manha as e&citaao nas Caroline Mansions; entao, foi direitinha, & gostar da polcia por princpio, e perguntou ao homem n &e o cavalheiro morto tinha barba e 6culos. Quando lhe & usava 6culos mas nao tinha barba, afirmou descuida1, * tao nao ele,+ e o homem perguntou: *Nao quem?+ ta a hist6ria dela, o Sugg adorou, claro, e prendeu base nela. Das--disse a Duquesa.--Espero que a pobre rapariga cr em sarilhos. 41- Acho que nao - retorquiu Lord Peter. - O Thipps que vai levar a pancada. Para alm do mais, fez um disparate. Tambm tirei isso do Sugg. apesar de ele nao abrir mao da informaao. Parece que o Thipps entrou em contradiao sobre o comboio que tomou de regresso de &anchester. Primeiro disse que chegara a casa s 10 e 30. Entao interrogaram Gladys Horrocks, que deixou escapar que ele s6 regressara aps as 11 e 45- Entao, Thipps, ao ser-lhe pedido para explicar a discrepancia& gagueja e balbucia e diz, primeiro, que perdeu o comboio. Depois Sugg investiga na estaao de St. Pancras e descobre que ele deixOU uma mala no vestirio s dez. Thipps, de novo instado a explicar, ainda gagueja mais e diz que andou a passear durante algumas horas... encontrou um amigo... nao pode dizer quem... nao consegue e&plicar por que nao foi buscar a mala... nao sabe dizer a que horas entrou em casa... nao pode explicar como arranjou uma ferida na testa. Na verdade nao conseguiu explicar nada. Gladys Horrocks foi interrogada de novo. Desta vez diz que Thipps voltou s 10 e 30. Depois admite que nao o ouviu entrar. Nao sabe dizer por que comeou a afirmar que o tinha ouvido. Desfaz-se em lgrimas. Contradiz-se. As suspeitas de toda a gente aumentam. Ambos sao presos. - ApresentadO por si, querido - disse a Duquesa -, parece tudo muito confuso, e nao muito respeitvel O pobre Thippezinho ficaria terrivelmente perlurbado por algo que nao fosse respeitvel. - Estou a pensar no que ele ter andado a fazer - continuou Lord Peter pensativamente- - Na verdade, nao creio que tenha andado a cometer um crime. Ademais, estou em crer que o indivduo estava morLo h um ou dois dias, embora nao esteja,inclinado a construir demasiado com base nas provas mdicas. E um problemazinho divertido. - Muito curioso. querido. Mas tao triste no que respeita ao pobre Sir Reuben. Tenho de escrever umas linhas a Lady Levy; privei bastante com ela, sabe, querido, em Hampshire, quando ela era uma rapariga. Christine Ford, era o seu nome na altura, e lembro-me tao bem do temvel problema que foi o seu casamento com um judeu. Isso foi antes de ele ter feito fortuna, claro, com aquele negcio de petr61eo na Amrica. A famnia queria que ela casasse com o Julian Freke, que se sau tao bem depois e estava relacionado com a famnia, mas ela apaixonou-se por este Levy e fugiu de casa. Ele tinha muito boa aparncia& na altura, sabia, querido, com um ar estrangeiro, mas nao tinha posses, e os Ford nao gostavam da sua religiao. Claro que m& tndoS iudeus hoje em dia, e eles nao se teriam importado tanto 42 se ele tivesse fingido ser outra coisa qualquer, como o senhor Simons que encontrmos em casa da senhora Porchester, que diz sempre a toda a gente que o seu nariz vem do Renascimento italiano, e afirma descender de uma maneira ou de outra de Bella Simonetta... tao tonto sabe, querido,... como se algum a acreditasse; e estou certo de que muitos judeus sao 6ptimas pessoas, e pessoalmente prefiro mil vezes que eles acreditem em qualquer coisa, embora deva ser muito inc6modo isso de nao trabalharem ao sbado e circuncisarem os pobres bbzinhos e tudo depender da lua e esse engraado tipo de came que eles tm com um nome que soa tao injurioso, e nunca poderem comer bacon ao pequeno-almoo. Contudo, ali estava ele, e foi muito melhor para ela casar com ele se gostava mesmo dele, apesar de eu acreditar que o jovem Freke Ihe era muito devotado e que continuam grandes amigos. Nao que alguma vez tivesse havido um noivado a srio, s6uma espcie de entendimento com o pai dela, mas ele continua por casar, sabe, e vive completamente s6 naquela grande casa perto do hospital, apesar de ser muito rico e distinto, e eu sei que muita gente tentou apanh-lo... era a Lady Mainwaring que o queria para a sua filha mais velha, apesar de me lembrar de ter dito na altura que nao valia a pena esperar que um cirurgiao fosse apanhado por uma figura que era toda gordura... eles tm tantas oportunidades de escolha, sabe querido? - Lady Levy parece ter tido o dom de fazer devotos - disse Peter. - Olhe o anjinho do Levy. - Isso bem verdade, querido; ela era uma rapariga encantadora, e dizem que a filha exactamente como ela. Eu deixei praticamente de a ver quando se casou, e sabe que o seu pai nunca se interessou muito por gente de neg6cios, mas soube que toda a gente sempre disse que eles formavam um casal modelar. De facto era proverbial que Sir Reuben era tao bem amado em casa quanto era odiado no exterior. Nao me estou a referir a pases estrangeiros, sabe, querido... s6 uma maneira proverbial de pr as coisas... como *um santo fora e um dem6nio em casa+... s6 que ao contrrio, fazendo-nos lembrar o Pilgrim's Progress. - Sim - disse Peter -, atrevo-me a dizer que o velhote fez urn ou dois inimigos. - Dzias, querido... a City um lugar horn'vel, nao ? um bando de Ismae... embora julgue que Sir Reuben nao gostaria de que Ihe chamassem nao ? Quer dizer ilegtimo, ou um judeu nao autntico. nao ? Eu sempre fiz confusao com aquelas personagens do Antigo Testamento. Lord Peter riu-se e bocejou. 43 - Ach0 que me vou deitar uma hora ou duas - disse. - Tenho de voltar i Cldade s oito... o Parker vem tomar o pequeno-almoo comigo. A Duq&eSa Olhou para o rel6gio, que marcava cinco minutos para as trs. - Man&E lh& O pequeno-almoo s seis e meia. querido, - afirmou. - Espero &lUe tUdo esteja a contento. Disse-lhes para enfiarem um saco de gua &ente na cama; estes len6is de linho sao tao frios; pode p-lo fora se E incomodar. CAPITIJLO 4 - Ora a est, Parker- disse Lord Peter, afastando para o lado a chvena de caf e acendendo o cachimbo ps-pequeno-almoo -; pode achar que isso o leva a algum lado, embora nao julgue que me leve mais longe no problema da casa de banho. Fez mais alguma coisa nesse campo desde que me fui embora? - Nao; mas estive no telhado esta manha. - Diabos o levem... que dem6nio enrgico voc me saiu! Devo dizer-lhe, Parker, que considero este esquema cooperativo invulgarmente bom. muito mais fcil trabalhar no labor alheio que no pr6prio... d-nos aquele delicioso sentimento de estar a interferir e a controlar, combinado com a maravilhosa sensaao de que um outro tipo nos est a tirar o nosso pr6prio trabalho das maos. Uma mao lava a outra... nao ? Encontrou algo? - Nao muito. Procurei pegadas, claro, mas naturalmente com estachuva toda, nao havia um nico vestgio. Claro, se se tratasse de uma hist6ria policial, teria havido uma btega muito oportuna uma hora antes do crime e um belo conjunto de marcas que s6 poderiam ter sido deixadas entre as duas e as trs da manha; mas, tratando-se da vida real num Novembro londrino, mais vale esperar por pegadas no Niagara. Corri os telhados de fio a pavio... e cheguei linda conclusao de que qualquer pessoa de qualquer abenoado apartamento no abenoado quarteirao poderia tlo feito. Todas as escadas dao para o telhado e todas as coberturas sao bastante planas; pode percorr-las tao facilmente como a Avenida Shaftesbury. Contudo, tenho algumas provas de que o corpo andou por l. - Quais? 45 Parker tirou a agenda do bolso e extrau alguns fragmentos de material, que apresentou ao amigo. - Um foi apanhado no algeroz mesmo por cima da janela da casa de banho do Thipps, outro na fissura do parapeito de pedra mesrno por cima, e o resto veio do cano da chamin que se encontra atrs onde ficaram presos num suporte de ferro. Que faz com eles? Lord Peter observou-os cuidadosamente com a sua lente. - Interessante - disse -, tremendamente interessante. J revelaste aquelas chapas, Bunter? - acrescentou, chegada desse discreto assistente com o correio. - Sim, milord. - Apanhaste alguma coisa? - Nao sei se Ihe chame alguma coisa ou nao, milord - retorquiu Bunter de um modo dbio. - Vou buscar as c6pias. - Vai--disse Wimsey. - Ol! Aqui est o nosso anncio no Times sobre o fio de ouro... est com 6ptimo aspecto: *Escreva, telefone ou venha ao n.E 110 A de Piccadilly+. Talvez fosse mais seguro ter posto um apartado, apesar de pensar que quanto mais francos somos com as pessoas, mais possibilidades temos de as enganar; o mundo actual est tao pouco habituado mao aberta e ao coraao sincero, nao ? - Mas nao pensa que o tipo que deixou o fio no corpo se v entregar vindo aqui reclam-lo? - Eu nao, cabea de ab6bora - retorquiu Lord Peter, com a falta de educaao cuidada da verdadeira aristocracia -, foi por isso que tentei apanhar o joalheiro que vendeu originariamente o fio. Est a ver? &pontou para o pargrafo. - Nao se trata de um fio antigo... est praticamente por usar. Oh, obrigado, Bunter. Agora, veja, Parker, estas sao as impressoes digitais que notou ontem na guilhotina da janela e na borda da banheira. Eu nao me apercebi delas; dou-lhe toda a gl6ria da descoberta. Rastejo, humilho-me, o meu nome Watson, e nao precisa de dizer o que estava para dizer, porque admito tudo. &gora devemos... Ol, ol, ol! Os trs homens fixaram as fotografias. - O criminoso - disse Lord Peter, amargamente -, subiu aos telhados debaixo de chuva e, nada fora do comum, ficou com filligem nos dedos. Colocou o corpo na banheira e limpou todos os vestgios da sua passagem, excepto dois, que amavelmente deixou para nos mostrar como deveramos fazer o nosso trabalho. Uma mancha no chao mostrou-nos que ele usava botas de sola de Ceilao, e este admirvel coniunto de impressoes digitais na borda da banheira mostra-nos que46 tinha o nmero normal de dedos e usava luvas de borracha. Eis o tipo de homem que . Mandem embora o bobo, cavalheiros. Afastou as fotografias, e voltou ao exame dos farrapos de material que tinha na mao. De sbito assobiou baixinho. - Faz alguma coisa com isto, Parker? - Parecem-me fiapos de um material de algodao grosseiro... um lenol, talvez, ou uma corda improvisada. - Sim - retorquiu Lord Peter - sim, pode ser um erro... pode ser o nosso erro. Estou a pensar. Diga-me, pensa que estes fiozinhos sao suficientemente compridos e fortes para enforcar um homem? Ficou silencioso, com os olhos reduzidos a uma fenda por detrs do fumo do cachimbo. - Que sugere que se faa esta manha? - perguntou Parker. - Bom - respondeu Lord Peter -, parece-me que j tempo de eu meter o nariz no seu trabalho. Vamos direitos a Park Lane para vermos que brincadeiras andou a fazer Sir Reuben Levy na cama, na noite passada. - E agora, senhora Pemming, se tivesse a gentileza de me dar um cobertor - disse o senhor Bunter, ao descer para a cozinha -, e pem1itir-me que pendure um lenol volta da parte de baixo desta janela, e afastar a cortina para aqui de modo... de modo a eliminar qualquer reflexo, percebe? Vamos ao trabalho. A cozinheira de Sir Reuben, com os olhos postos na aparncia cavalheiresca e bem vestida do senhor Bunter, despachou-se a trazer o que era preciso. O seu visitante colocou em cima da mesa um cabaz contendo uma garrafa de gua, uma escova de prata, um par de botas, um pequeno rolo de oleado, e as Cartas de um comerciante autodidata ao seu filho, encademado em marroquim polido. Tirou um chapu de chuva de debaixo do brao e juntou-o ao conjunto. Pegou numa pesada mquina fotogrfica e colocou-a na proximidade da porta da cozinha; depois, espalhando um jornal sobre a superfcie lisa e lavada da mesa, comeou a arregaar as mangas e calou um par de luvas cirrgicas. O criado de Sir Reuben Levy, tendo entrado nesse momento e deparando com ele naquela figura, afastou a ajudante de cozinha, que estava especada a olhar mesmo em frente e observou com olhar crtico o aparelho. O senhor Bunter acenou-lhe vivamente, e tirou a rolha de uma pequena garrafa com um p6 cinzento. - Um &po estranho, o seu patrao, nao ? - inquiriu o criado, descuidadamente. - Muito singular, de facto - retorquiu o senhor Bunter. - Agora, minha quenda - acrescentou, insinuantemente, para a criada de sala 47 -, estava a pensar se me poria s6 um pouco deste p6 cinzento na borda da garrafa enquanto eu a seguro... e faa o mesmo nesta bota... aqui, no topo... obrigado menina, qual o seu nome? Price? Oh, mas tem outros nomes para alm de Price, nao tem? Mabel? Eis um nome que me agrada particularmente... muito bem, tem uma mao firme, menina Mabel... est a ver isto? Sao impressoes digitais... trs ali, e duas aqui, e todas esborratadas. Nao, nao lhes toque, minha querida, ou apaga-lhes a nitidez. Vamos mant-las aqui at estarem prontas para serem fotografadas. Agora, vamos tratar da escova. Senhora Pemming, talvez queira pegar-lhe, com muito cuidado, pelas cerdas. - Pelas cerdas, senhor Bunter?- Se fizer o favor, senhora Pemming... e pouse-a aqui. Agora, menina Mabel, mais uma exibiao da sua arte, se faz favor. Nao... desta vez vamos exprimentar o negro de fumo. Perfeito. Nem eu faria melhor. Ah! A est um lindo conjunto. Nada de borroes desta vez. Isto vai interessar Sua Senhoria. Agora o livrinho... nao, eu pr6prio o vou buscar... com estas luvas, estao a ver, e pelos cantos... sou um criminoso cuidadoso, senhora Pemming, nao quero deixar quaisquer vestgios. Polvilhe a capa toda, menina Mabel; agora deste lado... assim mesmo que se faz. Muitas impressoes e nenhuma esborratada. Tudo a correr segundo o plano. Oh, por favor, senhor Graves, nao deve tocar-lhe... deixar tocar-lhe o mesmo que perder o meu lugar... - Tem de fazer muito disto? - inquiriu o senhor Graves, com ares de superioridade. --Bastante - replicou o senhor Bunter, com um suspiro calculado para apelar ao coraao do senhor Graves e conquistar a sua confiana. - Se tivesse a amabilidade de segurar uma ponta deste bocado de lin61eo, senhora Pemming, eu segurava nesta ponta enquanlo a menina Mabel entra em acao. Sim, senhor Graves, uma vida dura, ser criado de dia e fot6grafo noite... o ch da manha a qualquer hora entre as 6 e meia e as 11, e investigaao policial a todas as horas. espantoso, as ideias que estes homens ricos sem nada para fazer metem na cabea. --Estou a pensar como que voc aguenta - disse o senhor Graves. - C nao h nada disso. Uma vida domstica calma e ordenada tem muito a seu favor. Refeioes a horas certas; famlias respeitveis, decentes para jantar... nada das vossas mulheres pintadas... e nenhum servio noite, muito bom. Eu nao vou l muito baila com judeus, por regra, senhor Bunter, e claro que compreendo que considere vantajoso servir uma famnia titular, mas d-se menos importancia a isso nos nossos dias, e devo dizer, para um homem que se fez a si pr6prio, ningum poderia chamar ordinrio a Sir Reuben, e a minha 48 senhora vem de um condado... era a menina Ford, filha dos Ford de Hampshire, e ambos foram sempre muito atenciosos. - Concordo consigo, senhor Graves... Sua Senhoria e eu nunca suportmos pessoas tacanhas... pois, sim, minha querida, claro que uma pegada, trata-se do lin61eo do lavat6rio. Um bom judeu pode ser um bom homem, foi o que eu sempre disse. E horas certas e hbitos moderados sao altamente recomendveis. Tinha gostos muito simples, Sir Reuben, nao tinha? Isto , para um homem tao rico. - Muito simples de facto - acrescentou a cozinheira -, as refeioes que ele e a senhora tomavam quando estavam sozinhos com a menina Rachel... bom, vejamos, se nao fossem os jantares, que sao sempre bons quando h companhia, eu estaria a perder os meus talentos e o meu saber aqui, percebe, senhor Bunter? O senhor Bunter acrescentou o cabo do chapu de chuva sua colecao, e comeou a fixar um lenol volta da janela, ajudado pela criada. - Admirvel - disse. - Bem, se pudessem pr este cobertor em cima da mesa e o outro num toalheiro, ou qualquer coisa desse gnero, para servir como fundo... muito amvel, senhora Pemming... Ah! Quem me dera que sua senhoria nunca quisesse o meu servio noite. Sao tantas as vezes que fiquei sentado at s trs e quatro e me levantei outra vez para o chamar cedo para ir sherlockar para o outro extremo do pas. E a poeira que traz nas roupas e nas botas!- Estou certa de que uma vergonha, senhor Bunter - retorquiu a senhora Pemming calorosamente. - Baixo, como eu Ihe chamo. Na minha opiniao, o trabalho de polcia nao convm a um cavalheiro, quanto mais a uma senhoria. - Tudo se toma tao difcil, tambm - continuou o senhor Bunter sacrificando nobremente o carcter do seu patao e os seus pr6prios sentimentos por uma boa causa. - As botas atiradas para um canto, as roupas espalhadas pelo chao como eles dizem... - Acontece muitas vezes com estes homens nascidos em bero de ouro - disse o senhor Graves. - Pois, Sir Reuben, nunca perdeu os seus bons hbitos antiquados. As roupas bem dobradas, as botas deixadas no quarto de vestir, de modo a que um homem possa ir busc-las de manha, tudo feito para facilitar. - Contudo esqueceu-se na noite de anteontem. - Das roupas, nao das botas. Sempre a pensar nos outros, Sir Reuben. Ah! Espero que nao lhe tenha acontecido nada. - De facto, nao, pobre senhor- intrometeu-se a cozinheira -, e quanto ao que se anda a dizer, que ele se foi embora subrepticiamente para fazer al&o que nao devia. bom. eu nunca o acreditaria 49 a seu respeito, senhor Bunter, nem que tivesse de jurar pela minha vida. --Ah! - exclamou o senhor Bunter, ajustando os projectores e ligando-os tomada mais pr6xima - e isso mais do que muitos de n6s Poden'amos dizer deles Para alm de que nos Pa&am. - Um metro e setenta - disse Lord Peter -, e nem uma polegada mais. - Examinou desconfiadamente a depressao na roupa da cama, e mediu-a uma segunda vez com o vademecum do cavalheiro escuteiro. Parker registou o dado num caderninho. - Suponho - disse - que um homem com um metro e oitenta pode deixar uma marca de um metro e setenta se se enroscar. - Tem algum sangue escocs, Parker? - inquiriu o seu colega, amargamente. - Que eu saiba nao - replicou Parker. - Porqu? - Porque de todos os tipos cautelosos, mesquinhos, prudentes e de sangue frio que conheo - disse Lord Peter -, voc o mais cauteloso, mesquinho, prudente e de sangue frio. Eu estou para aqui a fazer suar os miolos para introduzir um incidente verdadeiramente sensacional no meio da sua investigaaozinha mon6tona e desonrosa, e voc recusa-se a mostrar um simples lampejo de entusiasmo. - Bem, nao vale a pena tirar conclusoes precipitadas. - Precipitadas? Voc nem lentamente se aproxima com uma conclusao vista. Suponho que se apanhasse o gato com a cabea dentro do jarro das natas diria que era provvel que o jarro estivesse vazio quando o gato l foi. - Bom, seria aceitvel, nao seria? - Diabos me levem - disse Lord Peter. Ajustou o mon6culo ao olho, e debruou-se sobre o travesseiro, respirando pesada e firmemente pelo nariz. - D-me ai a pina - pediu -, meu Deus, homem, nao sopre dessa maneira, parece uma baleia. - Retirou um objecto quase invisvel do lenol. - De que se trata? - perguntou Parker. -- um cabelo - retorquiu Wimsey sinistramente, com o olhar a tomar-se mais duro. - Vamos l dar uma vista de olhos aos chapus do Levy, est bem? E pode tocar para chamar esse tipo com um nome sepulcral? O senhor Graves, quando chegou, encontrou Lord Peter Wimseyacocorado no chao do quarto de vestir em frente de uma fila de chapus voltados com a copa para baixo. - Ah, j a est- disse o nobre, amavelmente. - Vamos l, Graves, trata-se de um concurso de adivinhas, uma esPcie de truque dos trs 50 chapus, para misturar as metforas. Estao aqui nove chapus, incluindo trs cartolas. Identifica todos os chapus como pertencentes a Sir Reuben Levy? Sim? Muito bem. Agora tenho trs palpites sobre qual dos chapus ele usou na noite em que desapareceu, e se adivinhar correctamente, ganho; se nao ganha voc. Est a ver? Pronto? Partida. Suponho que conhea a resposta, j agora? - Devo compreender que a sua senhoria est a perguntar que chapu usou Sir Reuben quando saiu na segunda-feira noite, vossa senhoria? - Nao, nao est a perceber nada - disse Lord Peter. -