o mistério da rua 13 - alberto b. silva

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O Mistério Da Rua 13 UM Pedro estava deitado com a cabeça pousada sobre a sua mochila. Era quase uma hora da tarde e seus colegas começaram a se aglomerar diante do ginásio numa euforia inexplicável. Já que ninguém o percebeu, resolveu passar o resto da tarde ali mesmo; observando os pequenos pássaros nas imensas árvores e vislumbrando as nuvens mágicas que assumiam qualquer forma que a mente fosse capaz de imaginar. Acabou adormecendo. Sonhou que estava num barquinho em meio a um calmo braço de mar. De bruços, perto da proa, fitava as águas cristalinas por onde nadavam cardumes e imensas tartarugas. O vento era suave e Pedro estava imerso em um profundo frenesi. Percebeu que estava sonhando. Fitou o sol nascente na linha do horizonte, onde mar se tornava infinito. Havia ali o mais belo crepúsculo. Uma indígena mergulhava e emergia e a cada repetição do ato, se aproximava lentamente. Quando finalmente estava bem perto, o suficiente para tocar na embarcação, emergiu uma última vez. – Escravo de si próprio. – Submergiu novamente. Dessa vez não voltou mais. – Oque? – Perguntou desnorteado. Uma imensa onda se formou no horizonte e em poucos segundos foi engolido. Já estava escuro quando acordou. Sentiu o suor frio deslizar de sua nuca. A euforia do fim do expediente escolar era maior e mais barulhenta que a do início, pensou ele. Um rapaz moreno vinha sorridente em sua direção, era o seu amigo Jonas. Os dois cumprimentaram-se e seguiram juntos para casa. Jonas é um amigo de infância. Filho de dois pequenos comerciantes que migraram do Rio de Janeiro e montaram na Orla de Boa Viagem um bar e restaurante no estilo americano. Com o forte crescimento econômico e a imigração de famílias abastardas para a Zona Sul, no início dos anos 90, o jovem casal hippie prosperou. Com isso, veio o pequeno Jonas, anos mais tarde, com as suas manias sensitivas e de observar os astros para predizer o iminente futuro. Naquela tarde, havia algo de inquietante em seu semblante e até mesmo no modo como movimentava os ombros. Estava demasiadamente taciturno para um idealista tagarela. Pedro até pensou em contar-lhe sobre o sonho que teve, achou que talvez pudesse interpretá-lo, já que era tão cheio de mistérios. Porém, se limitou a acompanhá-lo silenciosamente, observando de modo discreto. – Estou com um mau pressentimento. – Desabafou. Pedro deu uma bizarra e estrondosa gargalhada. – Sobre oque? –

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O jovem autor vem divulgando este seu inspirado texto de ficção sem cobrança comercial em outros espaços virtuais, que aqui também está sendo divulgado como incentivo.

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O Mistério Da Rua 13 UM Pedro estava deitado com a cabeça pousada sobre a sua mochila. Era quase uma hora da tarde e seus colegas começaram a se aglomerar diante do ginásio numa euforia inexplicável. Já que ninguém o percebeu, resolveu passar o resto da tarde ali mesmo; observando os pequenos pássaros nas imensas árvores e vislumbrando as nuvens mágicas que assumiam qualquer forma que a mente fosse capaz de imaginar. Acabou adormecendo. Sonhou que estava num barquinho em meio a um calmo braço de mar. De bruços, perto da proa, fitava as águas cristalinas por onde nadavam cardumes e imensas tartarugas. O vento era suave e Pedro estava imerso em um profundo frenesi. Percebeu que estava sonhando. Fitou o sol nascente na linha do horizonte, onde mar se tornava infinito. Havia ali o mais belo crepúsculo. Uma indígena mergulhava e emergia e a cada repetição do ato, se aproximava lentamente. Quando finalmente estava bem perto, o suficiente para tocar na embarcação, emergiu uma última vez. – Escravo de si próprio. – Submergiu novamente. Dessa vez não voltou mais. – Oque? – Perguntou desnorteado. Uma imensa onda se formou no horizonte e em poucos segundos foi engolido. Já estava escuro quando acordou. Sentiu o suor frio deslizar de sua nuca. A euforia do fim do expediente escolar era maior e mais barulhenta que a do início, pensou ele. Um rapaz moreno vinha sorridente em sua direção, era o seu amigo Jonas. Os dois cumprimentaram-se e seguiram juntos para casa. Jonas é um amigo de infância. Filho de dois pequenos comerciantes que migraram do Rio de Janeiro e montaram na Orla de Boa Viagem um bar e restaurante no estilo americano. Com o forte crescimento econômico e a imigração de famílias abastardas para a Zona Sul, no início dos anos 90, o jovem casal hippie prosperou. Com isso, veio o pequeno Jonas, anos mais tarde, com as suas manias sensitivas e de observar os astros para predizer o iminente futuro. Naquela tarde, havia algo de inquietante em seu semblante e até mesmo no modo como movimentava os ombros. Estava demasiadamente taciturno para um idealista tagarela. Pedro até pensou em contar-lhe sobre o sonho que teve, achou que talvez pudesse interpretá-lo, já que era tão cheio de mistérios. Porém, se limitou a acompanhá-lo silenciosamente, observando de modo discreto. – Estou com um mau pressentimento. – Desabafou. Pedro deu uma bizarra e estrondosa gargalhada. – Sobre oque? –

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Jonas fez uma careta, enquanto gesticulava negativamente com a cabeça. Tinha dias que acordava com esses pressentimentos quase sempre baseados em suas manias sensitivas. No máximo, em algum estranho alinhamento dos astros ou alguma carta errada de Tarô. Pedro nunca zombava dessas maluquices, apesar de considerá-las como tal. Tentou simplesmente animá-lo. – Na maioria das vezes não acontece nada quando você tem maus pressentimentos. Lembra-se quando seu aniversário caiu na Lua de sangue? – O amigo confirmou movimentando a cabeça, porém seus ombros continuaram encolhidos. – Foi a melhor festa que você já fez! – O rosto de Jonas desabrochou num sorriso. Foram interrompidos pela entusiasmada chegada de Marjorie. – Vocês estão prontos para hoje à noite? – Gritou, enquanto simultaneamente abraçou Jonas e beijou Pedro. Marjorie namora Pedro desde os tempos em que vinha da França duas vezes por ano exclusivamente para visitar o pai, Pedro tornou-se seu primeiro amigo, apesar de Marjorie não saber um só verbo em português. Brincavam juntos e com o tempo foram crescendo, os pais dela se reconciliaram, e as brincadeiras floresceram num namoro precoce; até então, estão juntos. DOIS A forte chuva inunda as ruas entupidas do Recife. Agora sim podemos chama-la de Veneza. A vizinhança exaltada comemora mais um título estadual conquistado pelo Santa Cruz; time das classes menos favorecidas da Capital Pernambucana. A Paróquia de São João Batista soa os seus modestos sinos numa espécie de coincidência, já era hora da última missa do Domingo. Os ventos sacolejavam violentamente, de um lado para o outro, os galhos das árvores. Um deles caiu ao ser atingido por um raio. Ainda assim, Pedro estava alheio a tudo isso e mordiscava o seu jantar com indiferença. Era capaz de enfiar o garfo em um dos olhos de tão aéreo que se encontrava. Sua cabeça estava na estranha casa da esquina, no senhor Leycrow e em seus mais ocultos segredos. Uma semana antes, enquanto ia à escola, lembrava ter-lhe visto colocando o lixo pra fora e jurava ter pingado sangue de uma das sacolas. O moribundo gato preto, Azar, o seguia a todo instante. Não podia mais ficar pensando nessas besteiras. Resolveu tomar o resto vinho que estava na geladeira. Bebeu tudo! A chuva já havia parado, um estalo se deu na janela da sala, ele se aproximou lentamente dela para abri-la... Deve ser o vento... Ao se aproximar, ela se

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escancarou violentamente e quase o atingiu em cheio. Acima, surgiu Jonas com um imenso sorriso no rosto, enquanto Pedro morria de medo, taquicardia e falta de ar. Coragem nunca foi seu forte. Na maioria das vezes em que tomava alguma atitude corajosa, essa era facilmente diagnosticada como simples insensatez ou excesso de vinho. – Desculpa, bicho! Não tive a intenção de te assustar. – Desculpou-se Jonas com um zombeteiro sorriso no rosto. – Absolutamente! Não me assustasse. – Mentiu. Os dois caíram na gargalhada. Conversaram, tagarelaram, cantaram, beberam vinho e comeram pizza. Até que, inevitavelmente, o assunto voltou ao Sr. Leycrow. Inventaram mil e uma histórias sobre as bruxarias, trabalhos de magia negra, invocação de demônios, sacrifício de animais e todos os tipos de coisas horrendas que suas mentes febris poderiam inventar. – Ele nunca foi visto com ninguém! A prima da mãe de uma amiga fez faxina na casa dele e contou que há uma coleção de espingardas e uma cabeça de bode na parede. – Disse Jonas no tom mais sensacionalista que foi capaz de expressar. – Aposto que ele é um psicopata fugindo de algum crime. Você sabe como são as leis aqui, ele pode fazer o que bem entender! Até porque, ele parece ter muita grana. – Analisou Pedro. Jonas viu certa razão naquilo. – Isso responderia por que ele não sai de casa. Mas se ele é um psicopata, precisa então se manter discreto, certo? – Pedro acenou positivamente. – Então, por que ele ficaria tão oculto se isso chama bem mais a atenção? – Essa pergunta deixou ainda mais interrogações na mente de ambos. – Talvez ele tenha uma espécie de fobia social ou então se oculte porque gosta de se impor aos curiosos. – A sala foi tomada por um longo silêncio. Imaginavam insensatamente tentando desvendar o quebra cabeça. Finalmente, num ataque de embriaguez e bravata, Pedro gritou com o dedo indicador erguido – Vamos invadir a casa do Homem! – A cena espantou Jonas. Era um criador de histórias, pintor de reputações, açougueiro de suas desavenças, mas nunca um aventureiro sagaz. Inclusive, congelava cada vez que via a polícia graças às histórias que seus país contavam sobre o período da repressão. Porém, já era tarde, Pedro se pôs a traçar planos e antes que Jonas desse sua opinião ele já estava explicando como iriam se infiltrar nas terras do misterioso homem.

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TRÊS A alameda estava mal iluminada. A Rua 13 possuía um aspecto assombroso graças às centenárias arvores quase exclusivamente alumiadas pelo luar. Saída também não existia e o asfalto, calçado de paralelepípedos, dava um ar tipicamente interiorano, realçado pela grandiosa Igreja Católica em sua entrada. – Poderíamos ter pedido a benção do padre antes de enfrentar Satanás, Pedro. – Brincou Jonas. Pedro fez sinal para que ele se calasse. Não era muito tarde e parte da vizinhança ainda estava acordada, pois dava para ouvir algumas televisões sintonizada à novela. Na calçada haviam imensos buracos e rachaduras. Tateavam nos muros verdes, as vezes relando os dedos nas paredes de reboco salpicado... Finalmente chegamos... Uma cerca viva se erguia entre eles e o casarão. Começavam a procurar uma brecha quando um pequeno cachorro começou a latir e a segui-los. Jonas morria de medo do cachorrinho que avançava e recuava sem nenhum sinal de que realmente iria atacar. Pedro achou uma brecha, porém era cheia de espinhos. Forçaram-se a entrar, assim mesmo, na esperança de despistar o cão. O insistente animal os seguiu latindo, dessa vez para todos os lados sem saber ao certo para quem. A casa era imensa, maior do que pudera imaginar: Todas as paredes eram de pedras num estilo rústico, as janelas frontais de vidro, o terraço cheio de plantas impossíveis de identificar devido à precária iluminação. Um belíssimo sótão erguia-se na parte mais elevada da casa, de onde brilhava a única lâmpada acesa. Havia também uma construção na parte de trás. Pedro percebeu apenas um pedaço do teto e presumiu ser uma estufa. Encontraram uma pequena janela no lado esquerdo da casa, a única que não era de vidro. Aproximaram-se juntos para força-la, mas antes que a tocassem, ela se abriu num imenso clarão. Agacharam-se rente a vegetação. – Quem está ai? – Gritou uma voz rouca e carregada com um forte sotaque. O cachorrinho abanou o rabo e encarou o velho na janela. Depois voltou-se pra Jonas e latiu com vontade. Jonas desesperou-se. Subiu uma imensa vermelhidão em seu rosto. Olhou para o amigo e correu desembestado em direção a moita que dava acesso ao pequeno buraco na cerca viva. – Não, não, não, não! – Gritava, enquanto o cachorro corria em seu encalce. Pedro ficou paralisado. Não se mexeu e nem disse uma só palavra. Somente o suor frio escorria como uma cascata em seu rosto. Estava morrendo de medo, mas paradoxalmente com uma irresistível vontade de rir. Até que... – Pedro, entre se quiser! – O convidou a voz na janela.

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QUATRO A porta estava entreaberta. Marjorie entrou. As luzes tinham sido deixadas ligadas. – Pedro! – Gritou, mas não obteve resposta. Ficou um pouco assustada. Aquilo a estremeceu de forma nostálgica ao lembrar-se de um filme de terror qualquer. Acariciava, compulsivamente, o crucifixo em seu pescoço para acalmar a sua fértil imaginação. Havia dois lugares recém-ocupados à mesa. A garrafa de vinho vazia, dois pratos com resto de pizza e dois copos sujos, indicavam que Jonas também esteve ali. – Jonas! – Novamente não obteve respostas. Adentrou na cozinha, quartos, biblioteca, mas a casa estava vazia. Ficou preocupada. Pegou o celular para ligar pra Jonas... Alguém forçou a janela... Tentou gritar, mas digitou o número de Jonas para pedir ajuda. Um telefone toca do outro lado. – Alô, Marjorie? – Atendeu. Ela deu um profundo suspiro, enquanto abria a Janela. – Porque você tem essa mania de pular se a porta esta aberta? Quer me matar de susto? – Jonas deu meio sorriso. – Desculpa! Fiz sem pensar. – Marjorie percebeu que seu rosto abatido e que algo tinha acontecido. Sentaram-se a mesa, deu-lhe um copo d’água e ele explicou tudo que havia acontecido: Da chegada até a sua vergonhosa fuga deixando o amigo para trás. Jonas fugira com o rosto virado para o cão que estava em seu encalce e adentrou numa imensa moita com tanto afinco que varou do outro lado. Surpreendentemente haviam apenas pequenos arranhões nos braços e um perto da sobrancelha esquerda. Estava ofegante, seu coração tão acelerado que parecia uma escola de samba... Que vergonha. "Eu sou tão covarde!...", Pensou em voltar. Sua covardia o impediu. Aquele mau pressentimento o atormentava. Os astros não estavam bons, as cartas também apontavam pra o mau presságio naquela sexta-feira. – Temos que ligar pra Policia. – Disse ela num tom desesperado. – Não! Policia não! Nós fomos pegos invadindo. – Gritou mais de modo mais desesperado ainda. Morria de medo da Policia. – Ele também deve ter fugido, o velho fixou a sua atenção em mim quando saí correndo. Vamos esperar alguns minutos e se ele não aparecer a gente vai atrás deles. – Argumentou. Marjorie pareceu aceitar bem a idéia. – A gente podia ao menos ligar pra ele? –

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– Não! Se ele seguiu a missão e está infiltrado na casa do velho, o que você acha que acontece se ligarmos? – Marjorie começou a chorar e murmurar em francês. – Calma! Ele é esperto, não será pego. E se for, o velho sabe que existe alguém aqui fora que sabe que ele está lá. Vamos dar meia hora a Pedro – Marjorie continuou em prantos com as duas mãos enfiadas no rosto. Jonas a abraçou. CINCO A sala principal estava bem iluminada por um grandioso e belíssimo lustre de cristais suspenso em meio a ela. Isso dava ao ambiente um vigor quase aristocrático. Ao redor, haviam quatro pilares, cada qual com redondas lâmpadas emitindo luzes suaves, porém suficientemente fortes para não deixar uma só sombra nos cantos das paredes. O carpete, de um azul acinzentado e macio, encontrava-se limpo como se nunca alguém o tivesse pisado. Bonsais japoneses enfeitavam o vácuo entre o divã, as poltronas e o pequeno sofá de couro enegrecido. Aqueles simpáticos moveis se espalhavam numa simetria quase perfeita, lembrou mais tarde. Isso despertou uma certa surpresa em Pedro. Não imaginava que aquele Homem poderia, algum dia, receber visitas. Sr. Leycrow estava no divã, servia café em duas pequenas xícaras sob a simpática mesinha de centro. Os dois permaneceram em silêncio por um longo tempo. Tomaram todo o café. O gato, Azar, enroscou-se entre as canelas de Pedro, mas logo desistiu da não correspondida tentativa de obter afagos. – Como o senhor soube o meu nome? – O invasor quebrou o gelo. Sr. Leycrow forçou uma risada abafada. – Eu sei de muitas coisas, meu jovem. Principalmente da curiosidade que move a juventude – Parou de súbito. Azar subiu em seu colo e aninhou a cabeça debaixo do seu braço esquerdo. Afagou entre as orelhas e o animalzinho adormeceu ali mesmo. Pedro sentia medo, pavor, tentava disfarçar as pernas tremulas as movendo de um lado pro outro. Porém se resignou a ir até o fim. Não havia saída; foi pego invadindo uma propriedade. Mas não era a policia que mais temia, mas sim aquele monstro da vizinhança; O Mistério da Rua 13. – Vejo que tem muitas perguntas a me fazer – Disse o velho, num tom reflexivo, endossado pelo firme semblante Anglo-Saxão. – O que Você busca? – A pergunta desconcertou Pedro. Raramente questionava, a si próprio, sobre isto. A vida sempre foi meio sem sentido para ele. Nunca acreditou totalmente em Deus, seu interesse pela escola se reduzia ao interesse pelas garotas do terceiro ano e sempre que questionado por algo muito além da sua compreensão, apelava pro ceticismo pseudocientífico para fugir do debate. Era um típico jovem clichê que, em seu

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mundinho, imaginava ser diferente de todos os outros... Esse velhote parece me conhecer... Respirou fundo, organizou as idéias em sua mente. – Eu quero saber a sua história, talvez o seu mistério – O velho deixou escapar uma discreta sugestão de sorriso no lado esquerdo do rosto. Acendeu um cigarro. Deu uma longa tragada, bebeu um gole do café – Pra que? – Rebateu com outra pergunta. Voltou a encher a própria xícara com o delicioso café colombiano. Pedro parecia uma mar de indecisões. Ao contrário, o velho mostrava-se aristocrático em sua postura imponente, porém modesta. Usava um terno antigo, mas que possuía toda a dignidade que os anos pareciam dar às pessoas e as coisas. – Não se apresse, Pedro! Dessa resposta depende, talvez, o seu futuro – Pedro congelou. Sentiu calafrios, vontade de correr. Não correu simplesmente porque as pernas não obedeciam e tremiam como nunca. Deu um gole no café, enquanto fitava a imagem de Santo Agostinho pendurada na parede. A imagem de alguma forma o tranqüilizou. O velho falava como se o destino de tudo estivesse em sua língua e até a inclinação da luz parecia contribuir para a sua majestosa humildade. Porém, era calmo e emanava um tipo sutil e misterioso de bondade. Mas o choque fazia Pedro se sentir uma barata prestes a ser pisada. Deu outro gole no café, dessa vez tão longo que bebeu tudo. E isso simplesmente para disfarçar que estava nervoso e tentando ganhar tempo para pensar. – Busco um sentido pra vida e as respostas para as minhas dúvidas – Proferiu essas palavras de modo mecânico. Ele próprio não acreditou ter dito aquilo. O sentimento de medo foi substituído pela impressão de ser o indivíduo mais idiota e infantil do mundo. Riu nervosamente, depois se calou. O Sr. Leycrow continuou firme em sua postura. Não parecia minimante afetado ou surpreso pela resposta. Pousou as mãos sobre a face, enquanto balançava a cabeça de um lado para o outro. Murmurava uma espécie de reza da qual só se ouvia burburinhos. Aquilo arrepiou Pedro. Tirou as mãos do rosto e o seu semblante tinha se transfigurado no de Jonas. – Quer mais respostas, jovem? – Pedro pensou em correr, mas congelou quando o velho se levantou e foi até a gaveta dum pequeno armário próximo a um dos pilares. Abriu a única gaveta e tirou de lá um envelope. – Como você fez isso? – O velho não prestou atenção em suas palavras. Voltou a sentar-se. Estendeu o envelope que continha algumas cartas. Junto a ele havia um anel. – Não tenha medo! Posso te ensinar tudo que sei e ainda perdoar você e seu amigo por invadir a minha casa, mas antes você precisa fazer algo para mim. – Pedro estremeceu. – O que? – Disse. – Você só precisa recuperar algo que é meu. As instruções estão no

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envelope e o anel será o nosso selo. – Pedro olhou pro Anel. Era de um tipo simples, com a peculiaridade de ser feito de ramos entrelaçado de alguma planta. – Coloque o anel! – Ordenou. – Oque acontece se eu colocá-lo? – Perguntou. – Você será como um Deus, mas estará obrigado a cumprir a sua promessa de recuperar oque é meu. É uma troca, experimente-o – Pedro colocou o Anel e se sentiu confiante. Agora parecia poder esmagar o velho com um olhar. Seus pensamentos fluíam e parecia poder derrubá-lo com o sopro da boca. – É bom né, ser um deus? – Comentou. Pedro confirmou com a cabeça demonstrando satisfação no rosto. – É seu! Basta me jurar que trará oque é meu ou me devolva. – Pedro colocou o braço do anel para trás do corpo numa atitude de reprovação. O velho sorriu. – Eu juro! – disse Pedro. Um estrondoso raio rasgou o céu e todas as lâmpadas da casa explodiram. – pacta sunt servanda! – SEIS As paredes eram brancas e a luz da lâmpada penetrava os olhos como centenas de pequenas agulhas. Pra piorar, cheiro de material esterilizado e cloro lhe davam náuseas. A cama era o único móvel do cômodo e as fronhas tinham a mesmas cores do forro: azul e branco. – A quanto tempo estive desacordado? – As roupas também não eram suas; o tecido era fino demais. Estava em um Hospital. – Tem alguém aí? – Ninguém respondeu... Será que foi um sonho? ... Observou a mão direita; o anel estava lá... Então, aconteceu de verdade! ... Uma enfermeira entrou no quanto. Sorriu ao velo acordado. – Finalmente acordou! Se sente melhor, Senhor Pedro? – Parecia o conhecer. Presumiu que talvez tenha cuidado dele enquanto esteve desacordado. – Me sinto bem! Onde estou e oque aconteceu? – Disse, meio desnorteado. Sua cabeça começou a latejar. – No Hospital Municipal. Sobre oque aconteceu, nós esperávamos obter uma resposta de você – Marjorie entrou no quarto com algumas flores. Ao se deparar com Pedro acordado caiu em prantos, como se estivesse a beira da morte. – Bom, vou chamar doutor Fernando Oliveira para uma avaliação.

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Descanse! – Pedro consentiu com um gesto. A enfermeira saiu. – Que diabos você foi fazer lá? Você não tem nada na cabeça? Porque você tem que ser sempre tão idiota? Marca comigo e resolveu me dá um bolo pra invadir a casa de um maníaco? – Ela falou por uns cinco minutos como um papagaio, só não o chamou de santo. Depois o abraçou e ficaram em silêncio por quase meia hora. – Onde está Jonas? – Marjorie percebeu a peso evidente em sua voz. – Ele está vindo pra cá todos os dias. – Tentou melhorar o clima... Todos os dias. – A quanto tempo apaguei? – A preocupação com o tempo era aparente. Marjorie ajeitou as flores no vazo. – Uma semana. Nós te encontramos caído na frente da sua casa – Relatou com profunda tristeza. – Você me ama? – A pergunta embaralhou a cabeça de Marjorie. Ela sempre esteve ao lado dele em todos os momentos, inclusive agora; achava que as atitudes falavam por si. Porém, respondeu de modo simples – Sim! – A resposta pareceu deixá-lo feliz. Jonas entrou no quarto. Não olhou diretamente nos olhos de Pedro e parecia abatido, porém deu um sorriso quando viu o amigo acordado. O clima pesou numa mistura de melancolia e vergonha. – Veja como ele está bem, Jonas! – Quebrou o grossíssimo gelo, Marjorie. Pedro estendeu-lhe as mãos. Os olhos de Jonas brilharam e seguiu para junto do amigo. – Desculpa bixo, desculpa! – Caiu aos prantos ao encará-lo de perto. Pedro simplesmente abraçou os dois. Na mão observou o discreto anel... “Recupere o que é meu! As instruções estão no envelope, o anel é o nosso selo.”... Estremeceu! – Há uma coisa que preciso fazer e dessa vez não arrastarei ninguém comigo. – Plantou a semente. O Anel lhe dava um raciocínio além da compreensão. Sabia oque dizer, como agir, oque fazer. – Oque? Eu vou com você! – Se antecipou Jonas com o objetivo de se retratar da vergonhosa fuga. Não imaginava no que estava se metendo. – Pedro! Você tá doido, bateu com a cabeça? – Objetivou Marjorie. Pedro segurou firme sua mão. – Não vou pedir que você me siga. Já é o bastante você perder tempo com alguém como eu, mas preciso cumprir uma promessa. Espero que você entenda, meu amor. – Ele nunca tinha falado assim antes. Pedro era um tipo cafajeste e brincalhão. Nunca foi romântico ou bom com as palavras. A declaração pareceu surtir efeito, graças ao anel ela parecia enxergá-lo com outros olhos. Nem se assemelhava a garota que a pouco estava o enchendo de tediosas broncas.

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– Eu vou com você. Afinal, alguém tem que lembrar cuidar do Jonas pra que você não o mate, coitado! – O orgulho a fez disfarçar descaradamente os motivos. Todos caíram numa gargalhada profunda. Mas só Pedro sabia o quão distante estavam do destino almejado. Um estalo se deu em sua mente e a lembrança o fez congelar. – Onde está o envelope? – A menina olhou sem saber do que estava falando. Foi ultima coisa que ele viu quando o raio rasgou o céu e estourou todas as lâmpadas da casa. O velho, com o rosto transfigurado no seu amigo, deu um grito numa língua macabra. Pedro se arrepiou ao lembrá-lo com as mãos sobre o rosto, movendo-se de um lado para o outro, enquanto fazia uma prece sinistra. Um calafrio tomou a sua espinha. – Lembro! Estava no seu bolso. A policia recolheu assim que fizeram os primeiros socorros – A forma como aconteceu pareceu suspeita, logo o Hospital acionou a policia. Tudo que pudesse ser usado como prova. O médico entrou no quarto. – Como se sente rapaz? – perguntou. – Bem! Preciso sair daqui o quanto antes. Tenho algumas obrigações a cumprir. – Disse Pedro. O MÉDICO fez uma serie de exames. Levanta aqui, flexiona ali, sente dor aqui? Ou aqui? Etc. Pedro foi considerado um milagre, pois o Médico suspeitou de um traumatismo craniano quando o avaliou a três dias. Agora tinha quase que se regenerado. – Olha pelo estado em que você se encontrava eu vou ter que te dar 24hrs de observação antes de te liberar, então descanse! – Pedro foi tomado duma profunda angustia. – Mas Doutor, eu não posso! – O Médico explicou-lhe a situação e sobre as normas dos hospitais públicos da cidade, mas todo aquele sofismo jurídico-administrativo não pareceu convencer Pedro de forma alguma. – Eu vou sair hoje! – Alisou o pequeno Anel e olhou nos olhos do médico, como se penetrasse os confins de sua alma. A atitude assustou um pouco os amigos. – Certo! Preencherei a papelada. – Marjorie ficou estupefata. Os olhos do amigo brilhavam com a coragem e a firmeza que o amigo parecia ter adquirido. Pedro levantou-se, Jonas tentou ajudá-lo, porém ele se negou a aceitar. Parecia que ninguém acreditava na súbita melhora. Porém, Pedro compreendia cada vez mais o poder que aquele anel lhe estava depositando. Sentia-se melhor do que nunca. Jurava poder sentir a rotação da Terra e também o mar que estava a mais de 50km de distância. Trocou de roupa. Observou pela janela do quarto alguns pacientes nos corredores a baixo. O Hospital estava lotado e se o colocaram numa sala sozinho era porque devia estar em maus bocados. Havia uma

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mocinha num cantinho, estava de cadeiras de rodas. Observou-a com bastante interesse. Olhou pro anel... Até onde vai isso?... Fitou a garota... LEVANTA E... – PEDRO! O Médico trouxe o termo de responsabilidade, venha logo assinar. – Interrompeu Marjorie. Encarou a garota uma ultima vez. SETE A rua estava cheia e os transeuntes caminhavam solitariamente em meio à multidão. O transito estava congestionamento até onde a vista não podia mais alcançar. Caia uma garoa fina. O cheiro de terra se misturava ao da fumaça escura expirada pelos carros, oque fazia o ar ficar pesado. Pedro compra pequenas pastilhas mentoladas numa banca de revistas. A chuva começa a engrossar e inundar as ruas. Pedro está devidamente agasalhado. Observa a delegacia do outro lado da rua; muita gente entrando e pouca saindo. Poderia entrar sem ser percebido. Porém, seria difícil saber exatamente onde fica a sala pericial. Tinha um plano B. Caminhou até a entrada e foi em direção ao policial atrás do balcão. Grande bigode, tipo um mexicano do velho oeste. Estava lendo os comentários sobre o jogo de antes de ontem em um jornal de ontem. – Bom dia! – O policial baixou o jornal, olhou-o aquela figura enfiada em seu casaco. – No que posso ajudá-lo – perguntou sem delongas. – Preciso falar com o delegado. – O sujeito entrouxou os lábios com má vontade aparente. – Ele não está! – maldito. – Ok. Eu espero! – disse petulantemente, como se o desafiasse. – Boa sorte. – Ergueu o jornal. Pedro se dirigiu até o banco mais próximo, sentou-se e se colocou a esperar pacientemente. Demoraram alguns minutos e nada. Por vezes o guardinha baixava o jornal e o encarava com frieza. Ignorava-o. Horas se passaram, cochilou. Acordou com um alvoroço enorme, um preso gritava. Acabou de ter ser preso por tráfico e porte ilegal de armas. – Mais um cretino! – disse o guardinha. – Sim, vai apodrecer no xilindró – respondeu. – Aliais, Yuri, onde coloco essa arma pra averiguação das digitais? A sala pericial está trancada – disse. Pedro ficou atento, porém de olhos fechados. – Está interditada por causa da chuva. Tudo está provisoriamente na enfermaria até a prefeitura resolver reformar. – Pedro abriu os olhos e viu o policial entrar na ultima sala do fim do corredor.

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A placa indicava uma enfermaria. A frente, uma senhora começou a esfregar o chão. “Chão escorregadio”, dizia o aviso. Teve uma idéia sádica – Meu Deus! Esqueci a chave na moto. – Gritou. Correu na direção da saída, escorregou propositalmente e enfiou o punho esquerdo na vidraça. O vidro se estilhaçou em milhares de microscópicos pedaços. Caiu gritando, enquanto o sangue escorria de seu punho serrado. O Guardinha ficou estupefato. A corporação inteira saiu das salas e encheu o salão principal sem compreender bem. - Meu Deus, ai, ai, água! – fez um festival de contorções no chão. Uma enfermeira correu em sua direção. Tragam ele pra enfermaria rápido. Dois guardas o pegaram, colocaram numa maca e levaram pra enfermaria. – Que vergonha! – Disse ele. – Calma! Acontece! Todo mundo escorrega – Ele deu uma observada nos recantos da sala. O envelope estava junto a outras cartas em cima da mesinha de centro. Observou a bagunça que estava. Não deixou de notar que a enfermeira era linda: Morena, olhos verdes e um pouco mais velha que ele, talvez uma estagiária. Havia um bebedouro d’água na porta da enfermaria, percebeu. – Desculpa te dar mais trabalho, moça. Mas a senhorita poderia me dar um copo d’água? – ela sorriu. Parecia gostar dele. – Só um minuto – Terminou o curativo e foi de encontro à porta. Pedro rapidamente se esticou o máximo que pode, pegou a carta e colocou dentro das calças. Assim que o fez, o guarda entrou. Ficou desconfiado. – O delegado chegou – Pedro gelou. Levantou-se e foi de encontro a ele. Bebeu a água e agradeceu a enfermeira que lhe deu o telefone - Pra caso você caia de novo - Pedro pensou em Marjorie e sorriu. – Jovem oque aconteceu naquele dia? – Interrogou o delegado. – Simplesmente exagerei no vinho, escorreguei e cai de cabeça enquanto voltava pra casa – Respondeu. Pareceu satisfatório para ele. Retirou a queixa e foi-se embora. Quando abriu a porta – Hey, não tá esquecendo-se de deixar algo? – Pedro congelou da cabeça aos pés. Virou-se atônito. Antes de abrir a boca pra ele se explicar – assine aqui como garantia que irá pagar os prejuízos de seu acidente. – Pedro sorriu desconcertado.

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OITO

Ela observava a linha do trem sentada no sopé duma pequena montanha. Aquelas pessoas, embarcando e desembarcando, despertavam o seu interesse. Havia muitas belíssimas árvores na região, normalmente estavam secas por causa de estiagem, mas quando sua folhagem ressurgia, no inverno, eram as coisas mais majestosas e bonitas de toda a terra. Aquela estação de trem ficava entre duas montanhas que possuíam um pequeno bosque, quase um Oasis Sertanejo. O rio passava pertinho; criando uma faixa fértil relativamente grande. Havia, também, diversas espécies de pássaros. Sofia fitava um pequeno galo de campina com a sua cabeça carmesim. Cantarolou e voou pra longe. Lembrou-se que tinha de ir até a cidade fazer a feira pro seu tio-avô. Calçou a suas pequenas sandálias e se pôs a caminhar fitando o trem. Esperava um dia partir dali e construir a sua vida perto do mar. Seu Sonho. Nunca viu o mar; exceto em filmes. Vivia com seus pais e de vez em quando subia a montanha pra para visitar seu avô; figura mística importante para os católicos da região. Todo mundo na cidade o conhecia. Alguns achavam que ele era um Santo, outros diziam que era louco. Mas ninguém ousava desafiá-lo, tamanha era a sua inteligência. Subiu para a Montanha do Urubu depois que um tremor de terra matou todos em sua paróquia. Tinha apenas vinte anos. Uma enorme pedra que havia no alto da montanha rolou e destruiu a paróquia com todos dentro. Morreu o padre da cidade, um monge, dois coroinhas e só sobrou ele. A pedra que destruiu a estrutura parou bem em cima do recém-ordenado Monge e por pouco não foi esmagado. Depois o teto caiu, mas a pedra que quase o matou terminou o abrigando e protegendo. Após aquele dia, subiu a montanha e nunca mais retornou. A pedra que tinha rolado abriu espaço para uma imensa cavidade na montanha, onde se formou uma pequena caverna; passou a habitar ali mesmo. Subiu apenas com a roupa do couro, um crucifixo e o evangelho. Dedicou toda a sua vida a meditação, jejum e orações. Todo o seu sustento provinha de parentes e os fieis que peregrinavam em busca de seus famosos conselhos. Certa vez um homem desesperado o procurou com o objetivo de se matar assim que o consultasse, pois tinha matado um parente pra ficar com sua mulher, mas quando a mulher soube de morte do marido se matou. Estava perturbado e perambulava pela caatinga durante semanas, com um rolo de fumo e uma garrafa de pinga. Não se alimentava a dias. As covas do seu rosto pareciam as de um cadáver. O homem se aproximou, estava armado, bêbado e os seus olhos exalavam o ardor do ódio. A multidão subiu correndo para vê-lo e com fúria para matá-lo, mas o homem estava disposto a morrer. Todos ficaram boquiabertos quando o monge raquítico levantou, pegou o imenso homem pela gola da camisa, derrubou no chão e começou a espancá-lo com um cipó de aroeira. O homem

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chorava feito uma criança. Por fim, o monge rasgou suas vestes e pegou uma outra bem simples. Estendeu-lhe as mãos e disse – Vista, meu filho! – O homem vestiu. – Desça, pague com o que você deve com a Justiça do Homem, ore, jejue, peça perdão a Deus e, quando sair, a sua sina será sustentar e proteger cada órfão ou viúva que encontrar sobre a terra. Promete ao Senhor teu Deus como expiação? – O homem que caiu em prantos aceitou e toda a cidade o levou mansamente até a cadeia, onde cumpriu pena até ser solto. A família nunca o perdoou, mas ele cumpriu a sua promessa durante anos, até o dia em que foi morto numa briga de bar. Sofia finalmente chegou ao supermercado, comprou apenas o necessário: Pão, azeite, peixe e uma garrafa de vinho. Sabia que não devia comprar o vinho, pois a dieta do monge era regular. Mas como ele reclamava, mais o bebia e ela sabia que ele gostava de beber uma taça antes de dormir para se aquecer, comprava uma por semana assim mesmo. Juntou tudo, mandou o seu Quincas colocar na conta do seu pai e partiu. O comerciante anotou o preço num pedaço de jornal e depois guardou na pequena gaveta do caixa. Todo mundo na cidade se conhecia, não existia grandes solenidades para comprar algo. Aliais, a pequena cidade era quase que exclusivamente constituída por três grandes famílias: Os Mendes, Os Ferreira e os Silva; essa ultima era a mais numerosa. Sofia fazia parte das três. Isso fazia dela uma filha da cidade. Entrava e saia de praticamente qualquer casa, quase todo mundo era seu primo ou prima. Isso lhe proporcionou uma vida mais segura e cheia de muitas amizades. – Sofia! – Gritou uma voz feminina. Virou-se na direção da voz. – Lucy! – Abraçou-a. Era uma menininha loura e de grandes olhos azuis. Estava acompanhada de outras amiguinhas. – Sofia, tem um bicho lá no chiqueiro. Vem ver! – Sofia olhou pras compras em suas mãos. – Eu preciso levar isso pro nosso Tio, Lucy. – A menininha bateu com o pé no chão, cruzou os braços e prendeu o ar nas bochechas. Ficaram se encarando por algum tempo. – Por favor, Sofia, ele vai comer os porquinhos! – Ela se rendeu. – Que bicho é esse? – A menininha olhou desconfiada. – Não sei. Vem vê! – Ela se pôs a segui-la na direção oposta a da pequena montanha. Começou a chuviscar um pouco e isso as fizeram acelerar o passo. Havia um grande compartimento antes de onde ficavam os porcos, “O chiqueiro” era uma parte no qual a mata adentrava em parte da cidade. Lá, a chuva fazia um lamaçal para onde os porcos, que viviam soltos, se atraiam. Elas entraram passaram pelo compartimento, a rua estava bastante movimentada, e saíram rapidamente do outro lado. Aqueles poucos chuviscos foram suficientes para fazer o lamaçal quase dobrar. O Cheiro era

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desagradável, uma mistura de lixo, lavagem e dejetos de porco. As menininhas se aglomeraram perto da saída e não avançaram. Sofia também parou de súbito. – Meninas, porque pararam? – Perguntou. – Ela está aqui! – Disse Lucy. – Onde? – Ouviram uma chacoalhada. As menininhas correram. Ficaram apenas Lucy e Sofia. O ar pesou e a folhagem em volta começou a cair, as arvores balançaram numa chacoalhada bruta. E uma imensa cobra saiu de Dentro da vegetação. Os porcos fugiram. A cabeça do basilisco tinha quase 5 metrôs. As meninas congelaram. Deram as mãos, enquanto a cobra as fitava nos olhos. Ficaram em choque. Ela se aproximou lentamente, girou a calda em torno da menininha... A população começou a se aglomerar em torno, observando de longe sem acreditar. Gritaram, chamaram atenção, mas nada. – Ao inferno Satanás! – Disse o monge que surgiu inesperadamente, enquanto se ajoelhava com uma imensa cruz sustentada nas costas. Os sinos da Igreja soaram e a serpente se escafedeu entre a vegetação, levando consigo a menininha. O povo correu na direção do mato. A mãe da menina apareceu e caiu em prantos, enquanto a cidade se amotinava em desespero. – Vigiai, oh cidade! Babilônia se ergue! As tumbas se abrem. A serpente acordou. O rei está vindo! O Rei está vindo! O Rei está vindo! – Gritava o monge. A cidade se espantou. Houve uma correria imensa e toda a cidade guiou em cortejo do Monge até a paróquia. O padre se espantou ao vê-lo. Ele jamais havia decido da montanha. E trazia uma imensa cruz que não largava em nenhum momento. Algumas vezes seus familiares o ajudavam a carregá-la, mas ele jamais se desprendia dela. O fardo era compartilhado, porém a cruz era dele. Entraram na Paróquia que rapidamente ficou lotada, não havia espaço nem mesmo pra andar. Já estava ficando escuro. O pátio também estava tomado e as celas do clero estavam lotadas de crianças e mães temerosas pelos seus filhos. Todo o efetivo religioso tentava acalmar o alvoroço, enquanto o assunto tomava conta do o lugar NOVE O trem seguia numa velocidade estável. Aquela era a única linha em funcionamento na região; um privilégio para os amantes das coisas antigas. Dentro, as cabines eram pequenas e desprovidas de conforto, com espaço para quatro pessoas cada. As montanhas esverdeadas da zona da mata se unem a vista do pôr do sol, criando uma paisagem magnetizante. Tiveram sorte em ficarem todos na mesma cabine por insistência de Pedro com um parente que trabalhava na estação. Ainda assim, tiveram que dividi-la com mais um passageiro estranho. Um homem

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grisalho, olhos castanhos claro e um bigode escondendo parte do lábio superior, que só não era mais chamativo que os óculos 'fundos de garrafa'. Não parecia preocupado. Carregava uma pequena maleta e aparentava ser operário comum. Pedro abriu o envelope. Tinha algumas coisas escritas e parecia procurar algo nas linhas iniciais. Fechou. Começou a observar o homem com um olhar curioso; o homem lia o jornal sem demonstrar interesse. – Já leu Dostoyvski? – Disse inesperadamente o homem que baixou o jornal. – Fui obrigado a ler no colégio. – Ficaram todos sem compreender o repentino diálogo. – Oque você acha da colocação de Ivã Karamazov: "Se Deus não existe, tudo posso?" – Um silêncio se seguiu após aquela colocação estranha. De fato a leitura de Dostoyevski era o obrigatória e ainda assim a estranheza daquele anônimo soava muito sem sentido. Se queria começar um diálogo poderia primeiro se apresentar devidamente e depois, de algum modo, chegar ao assunto desejado. – Se Deus não existisse, as verdades transcendentais não existiriam, de onde então partiria o nosso saber? Acredito que essa pergunta poderia ser transformada na afirmação: Não posso tudo, porque Deus existe! E da sua lei vem todas limitações que ele impôs a carne. Você não pode pelo simples fato de apenas ele poder. – Pedro pareceu confiante em suas palavras. O estranho homem pareceu satisfeito. – Tirou uma caixinha de madeira, da maleta, e a entregou. – Isso vai te ajudar um dia – Levantou-se e se retirou com a locomotiva ainda em movimento. Apitou mais uma vez. – DESEMBARQUE! ESTAÇÃO DE NOVA JERICÓ! DESEMBARQUE! – Uma movimentação frenética se iniciou dentro do trem. Muitos começaram a se mover com as suas bagagens em direção a porta de saída. Pedro guardou a caixa na sua mochila e seguiram para fora. A estação era pequena. Vendedores ambulantes tomavam conta de cada metro de espaço. Uma pequena placa dizia "Bem vindos a Jericó". Seguiram na direção dos poucos carros de alugueis que existiam no local. Tiveram sorte de serem os primeiros. – Amigo, queremos ir para o albergue dos Mendes. Conhece? O motorista deu um sorriso malicioso. – Metade da cidade é parente da dona, rapaz! Prazer, Carlos Mendes. – Cumprimentaram e seguiram. O motorista parecia entusiasmado com novos visitantes numa cidade tão esquecida. – Vocês vem do Recife? – Perguntou. Depois falaram sobre a violência, os engarrafamentos, alagamentos e todos os problemas das cidades grandes. – Não sei como vocês agüentam! – Afirmou o motorista. Ninguém comentou.

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– Mas olhe, Nova Jericó não tem dessas coisas, mas é muito mais estranha! Acredita que uma cobra gigante assola a cidade? Dizem que o apocalipse vai começar aqui desde que a Pedra rolou da montanha e atingiu o monastério – Aquilo soava como lenda para atrair turistas. Pedro tentou confirmar. – E aposto que há excussões para onde essa pedra rolou – O homem confirmou com a cabeça. – Lá vive o único monge que sobreviveu a essa trágica história. Don Luís é quase um santo por aqui. – Jonas ouvia tudo com a orelha em pé. Ele adorava gurus, figuras místicas e qualquer tipo de coisa esotérica. Finalmente chegaram a estalagem. Nova Jericó era uma cidade interiorana como qualquer outra; tinha um centro, onde havia uma imensa igreja e vários comerciantes. Há apenas um mercado que também é padaria e um único posto médico para atender os seus dois mil habitantes. A cidade cresceu em volta da estação da antiga ferrovia de trens ingleses. – É tudo tão lindo. – Marjorie pareceu ser a única a gostar do lugarejo. Era leitora de Ariano Suassuana e sonhava a utopia de que todos eram mais felizes no interior. Uma espécie de fuga romântica das cidades grandes. Entraram no Albergue – Olá! Meu nome é Pedro e eu fiz três reservas. A senhora suspendeu os óculos com o dedo indicador. – Oque? – Pedro falou o mais alto que pode. – MEU NOME É PEDRO E FIZ UMA RESERVA – A senhora gritou mais alto ainda – EU NÃO SOU SURDA, MENINO. VOCÊ FEZ RESERVA DO QUE? – Pedro ficou sem graça. – Três quartos! – dessa vez respondeu num tom quase inaudível. A funcionária pegou uma pilha de papéis amarelados e começou a procurar com o dedo indicador e os olhos serrados contra um dos papéis. – Seu nome não consta na lista e o Albergue tá cheio! – Pedro perdeu a paciência. – Como não? Faz uma semana que fiz a reserva! – Enquanto isso Jonas conversava com uma garota ali do lado, sem dar a mínima atenção ao curioso diálogo. – Tia, o 14 está vazio. – Disse ela ainda sorrindo de algo que o Hippie tinha dito. – Ai, ai, mais três pra me dar trabalho. Égua! – Todos caíram na risada. – Gente, essa é a Sofia. – Todos se apresentaram devidamente. – De nada, menino estranho! –

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Jonas mudou de cor. Marjorie e Pedro pegaram as chaves, e seguiram para guardar as mochilas. Acabaram todos ficando no mesmo quarto, onde havia uma cama e um pequeno divã. Marjorie ficou com a cama. Jonas, que trouxe equipamentos pra acampar até no Alaska, encheu o seu confortável colchão inflável, enquanto ria de Pedro espremido no minúsculo divã. Marjorie adormeceu cedo. Ficou tão entusiasmada com o trem que não conseguiu dormir na madruga anterior durante a viagem. Houve uma queda de energia e a governanta logo apareceu com algumas velas acesas. – Isso é comum? – A governanta sorriu – Só quando faz sol. – Jonas começou a tagarelar assim que ela saiu. – Cara, tem umas paradas sinistras nessa cidade. – Falava de modo fantasmagórico por trás da vela. – Hum... – Bocejou. Deu mais uma colherada na sopa. – Boa parte dos habitantes da cidade estão acampados por trás daquela Igreja ali da Frente. Pois acham que uma espécie de Obelisco está assolando a cidade.– Pedro balançou a cabeça incrédulo. – A prima da Sofia foi raptada. Agora, eles estão pensando em subir a montanha pra resgatá-la. Lembra do monge loucão o qual o taxista se referiu? – Pedro acenou positivamente – É tio-avô da Sofia. E ele está na Igreja. Você não entende, cara? Essa é a nossa chance! – Pedro pareceu convencido. Marjorie acordou. – Desculpa, Marjorie. Quer jantar? – Ofereceu Jonas. – Não. Obrigada! Estou bem. – Voltou a se cobrir e dormir. Os sinos da paróquia anunciavam o inicio da Missa. Pedro se animou a ir conhecer o misterioso monge. – Vamos, Jonas! – Saíram. A praça estava escura devido ao apagão. Mas todos se conheciam e por isso não havia perigo algum em perambular por ali. Um grupo de mulheres conversavam na escadaria da igreja, aos pés da imagem de São Tomás. Seguravam velas, vestiam véus e algumas rezavam fervorosamente olhando o céu. A lua cheia proporcionava um luar capaz de dar uma visibilidade completa do aos que ali estavam. As crianças brincavam, despreocupadas, ao redor de uma pequena fogueira que foi acesa em homenagem a São Pedro; pareciam se divertir muito. A Igreja lotada abrigava o fluxo de transeuntes que iam e vinham do santuário que se encontrava na parte de trás, onde estavam enterrados os primeiros monges. Pedro fez um sinal da cruz em respeito, e entrou no pequeno beco atraído pela curiosidade ou por influência do anel que portava. Deu de cara com Sofia. – Jonas disse que você queria subir a montanha – Disse a garota. Pedro confirmou movimentando a cabeça.

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– Venham! Vou lhes apresentar o meu o meu avô – Eles seguiram sem questionar. Passaram todo o corredor; no lado direito haviam vitrais com cenas de santos, no esquerdo apenas um muro de pedras rústicas vestido de vegetação natural. Na parte de trás, uma outra praça com arvores simetricamente distribuídas e algumas celas onde dormiam os monges mais velhos. Uma capelinha barroca se erguia logo a frente, onde não cabiam mais de 50 pessoas. Estavam indo em direção a ela. O cheiro de jasmins enchia os pulmões duma fragrância adocicada que se misturava a fumaça dos antigos lampiões. Jonas sentiu uma sensação estranha. Entraram. Lá estavam alguns anciãos ao redor de um outro que parecia o mais velho de todos. Sua pele era queimada do sol, suas vestes aos farrapos, mas o olha emana uma bondade imensurável. Ai entrar, o simpático velhinho fez um sinal para que se sentassem. A conserva prosseguiu. – Esses ataques não passam de lendas, Don Luiz. Não podemos levar isso a sério – Gritou um padre de dentro da sua bata preta. – Você também leu os manuscritos antigos, Padre Cerqueira. E sabe muito bem do nosso compromisso com essa cidade. – Salientou o Monge. – Isso foi há anos e as coisas... – Foi interrompido. – Cuidado com o que fala para fora dessas paredes. – O padre olhou para os recém-chegados. – Vejo que tem novos amigos, Sofia. No que posso ajudá-los, meus filhos? – Disse amavelmente. – Soubemos que vão subir a montanha; eu preciso ir junto. – Jonas interrompeu. – Nós queremos. – O ancião meditou um pouco. – Pois bem, partimos hoje mesmo. – Sorriu. – Mas nem conhecemos esses garotos. Que absurdo! – O monge deu um sermão. – E por acaso devemos amar e confiar apenas naqueles que conhecemos? – O padre baixou a cabeça. – Deixemos que eles conquistem a nossa confiança, pois o amor da Igreja já conquistaram ao existir – Jonas ficou maravilhado com as palavras. Levantaram, reverenciaram o padre e saíram. Sofia saiu logo atrás, após abraçá-lo. DEZ Os cidadãos de N. Jericó estavam prontos para subir a montanha: Homens, mulheres, monges e cães; cerca de 20 pessoas e 4 animais empenhados na

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esperança de resgatar a Lucy ainda, talvez, com vida. Seguiram em marcha em direção a floresta. Foram por um caminho relativamente aberto, oque facilitou a velocidade da marcha. Mal se aproximaram da mata fechada, perto do sopé da montanha, e os cães já estavam agitados. Rosnavam e latiam o tempo todo. – Soltem os cães, exceto a fêmea. – Os cães adentraram no mato com afinco. Continuaram a caminhada e de tempos em tempos eles ressurgiam a frente do grupo. Pequenos vaga-lumes faziam um verdadeiro festival de piscadas... Marjorie iria amar ver isso... Pensou Pedro. Finalmente chegaram no pé da montanha. Havia um pequeno olho d'água no local. Jonas se pôs a encher um cantil, enquanto um dos moços ria dele. – Vai pra guerra? – Disse Pedro. Riram. Sofia puxou ele pela mão direita. – Não ligue pra esses idiotas. – A subida da montanha era um pouco íngreme e a chuva tinha tornado o terreno escorregadio. Um deslize e era morte certa. Resolveram subir no lado Oeste. - Eu desci por ali. É mais seguro – Todos acompanharam o Homem que era tão velho que usava um cajado para se apoiar. Ninguém parecia acreditar que ele tinha decido sozinho... Ele me parecer familiar... Seguiram. A cadela começou a rosnar em direção a montanha, todos ficaram alertas. O delegado apontou a arma na direção. O silêncio tomou conta do local. Um dos cães saiu da moita e todos suspiraram aliviados. Se colocaram a subir pelo caminho indicado pelo velho, onde havia sulcos produzidos pela própria natureza. O monge, apesar de ser o mais velho, seguia corajosamente na frente da comitiva. Ele parou; todos pararam em conjunto. Abaixou-se e começou a observar o chão como se tivesse perdido algumas moedas. Todos ficaram surpreso com a atitude. – Onde está, onde está? – Cochichava consigo mesmo. – Aqui! – Gritou. O padre começou a pensar que ele estava louco. Recolheu uma pequena florzinha entre muitas que enchiam abundantemente o local. Só ele não encontrou de primeira por causa da visão debilitada pela idade. – Recolham todas iguais àquela. – Jovem, cadê a água que você recolheu? – Apontou pra Jonas que logo o entregou o cantil cheio. – Alguém me traga um balde! – Houve uma agitação e logo entregaram-lhe um balde, enquanto alguns catavam as flores como ele havia ordenado. – Encheu o balde de água, derramou as flores e começou a pisá-las com o cajado. – Ela, a basilísco, pode não enxergar muito bem, mas decerto sente o nosso cheiro a quilômetros.

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– Todos finalmente compreenderam. Se sujaram com a gosma verde enlameada e seguiram caminho. A chuva começou a se precipitar. A floresta úmida dificultava a subida. Até os cães faziam esforço e a cadela era praticamente arrastada pelo delegado. Um rapaz caiu e deslizou para baixo, mas se segurou numa das arvores antes de cair de uns dois metros de altura, por sorte só se arranhou. Faltava pouco e o pico já era visível. Imensas árvores foram derrubadas, pedregulhos e restos de folhagem se misturavam num cenário de guerra. Os cães recomeçaram a latir para a caverna, indo e voltando, enquanto a cadelinha se deitava, se negando a prosseguir. O delega a soltou. Prosseguiram sem ela. A boca da caverna media cerca de dois metros de altura por cinco de largura. O que variava de acordo com o lugar. Entraram calmamente, evitando fazer o mínimo de barulho que fosse. Ouviu-se um assobio do fundo da caverna, que se repetia a cada segundo. – Esperem aqui! – Disse o velho. – O senhor pretende ir sozinho? – Indagou o padre que parecia incrédulo. – Não. – Olhou para Jonas. – Venha comigo! – Jonas arregalou os olhos. – Eu? – Apontou pro próprio peito. – Sim, Jonas! – Confirmou. – Mas vovô... – Tentou argumentar, Sofia, mas foi interrompida. – Você quer ver Lucy de volta, não quer? – Ela acenou com a cabeça e beijou Jonas. – Nem pensar! – Gritou Pedro. Todos simultaneamente mandaram ele se calar. – Eu vou! É a coisa certa a se fazer. – Seguiram juntos a partir dali. O declive era de uns cinco metros e desceram lentamente. O velho, vez ou outra, virava-se e olhava pra Jonas. Finalmente chegaram ao fundo. – Preste atenção no que verá, jovem. E não se esqueça – Tirou uma pequena adaga do bolso, jogou uma pó na roupa de garoto e se ocultou nas sombras. Jonas tentou procurá-lo, mas foi em vão. Um barulho estridente, de dentes se partindo, se alastrou pela caverna. Jonas tentou correr para subida, mas levou uma pancada muito forte, na barriga, de algo que ele não soube oque era. Caiu desnorteado e apagou. Abriu os olhos e estava no chão. O céu estava estrelado, mas ainda estava dentro da caverna. A serpente se projetou com toda a sua imensidão em cima dele. Tentou gritar mais não havia ar nos pulmões. Ela se enrolou em volta do pescoço dele, seus olhos pareciam duas pedras carmesins. O velho apareceu e cortou-lhe a garganta. Jonas apagou. O velho se ajoelhou. Limpou as mãos de

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sangue na testa de Jonas e deu o sinal para que dissessem. Lucy estava viva, mas desacordada. A serpente se desintegrou na frente deles. Como se estivesse mumificada a muito tempo e não mais resistisse ao ar fresco. Mas os dentes continuaram intactos e reluzentes, pareciam prata. Trinta dentes de prata. O monge chegou perto de Pedro, sem que os outros o vissem. – Ali está o que você veio buscar. Agradeça ao seu amigo. – Aquilo soou estranho. Abriu o envelope, escolheu os dentes e os guardou. Na chegada a cidade estava em festa. Marjorie se encontrava acordada e conversava com as mulheres na frente da igreja. Correu e abraçou Pedro. E se entristeceu com a notícia de que voltariam no outro dia mesmo. – Você podia vir conosco. – Disse Jonas à Sofia. Olhou para o avô. – Vá, minha filha. Isso tudo ainda não acabou. – Ela o abraçou. O dia clareou com o canto dos galos, a cidade ainda estava em festa. Todos os cidadãos fizeram questão de levá-los até a estação de Nova Jericó, o que deixou Jonas especialmente encabulado. Pois o monge espalhou que ele tinha matado a serpente com uma apunhalada na cabeça. Todos se despediram e os jovens partiram naquele sábado. Sofia estava com lagrimas nos olhos, mas foi corajosa. ONZE Naquele domingo chuvoso, o Recife estava tomado por um terrível temporal. As arvores dançavam violentamente, tamanha era a força dos ventos. A rua 13 parecia uma tumba, e nem mesmo o vigia estava em seu posto. Frio! Começou a chover. Algumas pessoas pareciam terem abandonado as suas casas, pois algumas estavam abertas. Grossas folhagens cobriam os paralelepípedos e imensos galhos obstruíam as passagens. Jonas encontrou o cachorrinho morto debaixo de um deles. Os olhos do cão tinham sidos removidos e os decompositores se alimentavam nas duas pequenas cavidades da face. Frio! Uma nevoa repentina tomou conta do lugar. Mal cheiro de putrefação e enxofre deixaram o ar pesado. A nevoa não era natural, pois o ar forçosamente enchia os pulmões. Respirar ficou difícil. Sentiram uma leve sonolência, provavelmente por causa da queda do oxigênio no sangue. Frio! – Acho melhor eu ir sozinho daqui. – Disse Pedro em um tom carregado de preocupação. Seus olhos, fatigados pelo cansaço, jaziam enterrados no rosto magro. Não andava se alimentando direito, tinha emagrecido uns 3 quilos. O anel sugou toda a sua energia vital. – De jeito nenhum! Nós estamos juntos nisso. – Marjorie não deixou margem para discussões. Seguirem todos juntos. Jonas fingia

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confiança para impressionar Sofia, apesar de deixar transparecer o temor. – Socorro! – gritou uma voz de uma das casas. Sofia correu, corajosamente, em direção a residência. – Sofia... – Gritou Jonas, porém se conteve quando ela parou de súbito e olhou para trás. – Você vem? – Ele acenou com a cabeça e todos entraram juntos. A casa sala era imensa e os moveis estavam revirados. – Será que houve uma briga? – Disse Pedro. – Não, Olhem! – Apontou Sofia para alguns dos muitos objetos quebráveis que estavam intactos, espalhados pelo chão. – Alguém estava procurando algo e se preocupou em não quebrar nada. – Seguiram para o cômodo da cozinha, quartos e assim por diante. – Socorro! – O barulho vinha do sótão. Correram em direção as escadas, subiram e deram de cara com vários quartos. – Não, não, não, por favor, não! – Disse a voz desesperada. Dessa vez vinha do quarto no fim do corredor. A maçaneta rodou sem êxito; a porta estava trancada. Pedro correu na direção do quarto, pegou embalo e se lançou contra a porta que se arrebentou no chão junto a ele. Levantou-se rapidamente. A janela explodiu e um barulho ensurdecedor se seguiu de um estrondo de algo grande caindo entre os galhos. Pedro se levantou rapidamente, mas não a tempo de ver a coisa. No canto esquerdo, entre a poltrona e o guarda roupas, estava um homem fardado estendido no chão. Estava inconsciente. Todos se esforçaram num esforço conjunto para colocá-lo na cama. – Você viu o que era? – Perguntou Marjorie à Pedro. – Não! Mas alguma coisa caiu ou pulou da Janela. – A sensação de terror cobria a atmosfera do ambiente. A neblina não permitia enxergar muito além da calçada da própria residência. – Vocês precisam fugir! – O homem acordou repentinamente. – Quem te atacou? – O homem agarrou o braço de Pedro com força, arregalou os olhos. – Ele vai voltar! – Desmaiou. A luz do corredor começou a acender e a apagar incessantemente. Dava pra ouvir alguns assobios na rua. O sino da Igreja bateu 7 vezes. – Fechem as portas e fiquem aqui, tenho que ir sozinho. –

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Marjorie se apressou em discordar, mas Jonas interrompeu. – Eu vou com ele. – Disse firmemente sem deixar transparecer o terror. – Não. Melhor eu ir com ele. Jonas, você pode cuidar da Marjorie e do vigia. A gente vai terminar logo com isso. – O vigia começou a ter alguns espasmos epilépticos. Acabaram concordando em não deixa-lo sozinho. Jonas de imediato começou a arrastar os móveis do quarto em direção as janelas e portas. A rua estava mais fria do que nunca. A casa do Sr. Leycrow ficava uns 100 metros dali. Pedro mais uma vez lembrou da transfiguração que o Homem tinha feito. Sentiu um arrepio atrás das orelhas. Sofia esfregou as mãos e se colocaram a andar. Os trechos adiante estavam ainda mais debilitados. Parecia que havia passado um furacão naquele lugar, embora todas as ruas circunvizinhas estivessem intactas. A polícia não tinha se aproximado do local e não haviam curiosos xeretando o acontecimento. O muro da Casa do Sr. Leycrow estava arrebentado. Tinha caído cerca de 1 metro da parte frontal. Entraram com muita facilidade. Pedro resolveu pega-lo de surpresa, pois acreditava que tudo aquilo tinha sido obra dele. Forçaram a Janela de madeira e ela se escancarou. Sofia a segurou antes que ela batesse na parede e fizesse um barulho alardeante. Entraram silenciosamente. Seguiram o corredor esquerdo e Pedro se guiou até a sala principal, onde acreditava que ele se encontrava. O velho estava sentado na mesma poltrona que da última vez. Bebia numa taça de vinho. Usava um terno azul elegante e uns sapatos de couro brilhante. - Você demorou, rapaz. Porque tanta furtividade? Por um acaso acha que não sinto oque tens preso em seu dedo? – Pedro estremeceu. – Porque você fez tudo isso? Eu trouxe aquilo que você pediu que eu buscasse! – O velho caiu na gargalhada, enquanto levantava-se da cadeira. Seus olhos eram vermelhos e uma pequena tatuagem pulsava em sua testa. – Para um grande ganho; um grande sacrifício, Pedro. - Pedro tirou o envelope com dentes de prata do bolso e sacudiu na direção do dele. – O velho ergueu as mãos e ela se rasgou. Os dentes se espalharam por todo o lugar. – Sim, você trouxe oque eu queria. – Olhou pra Sofia com um sorriso sádico no rosto. Pedro se colocou na frente dela. – Porque? Esse não era o nosso trato. – A garota estava mais confusa que o rapaz. – Quando aquela pedra rolou e destruiu o mosteiro. A morte dos monges consumaria o fim dessa prisão na qual me encontro. Mas o meu irmão bastardo tinha que sobreviver! – Pedro interrompeu. – Seu irmão? O padreco? – Olhou pra Sofia.

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– Ele não morreu e desenvolveu dentro de si um ardor feroz à minha pessoa. A solução, matar o mais santo, virou-se contra mim, pois ele não só solidificou sua fé, como enfraqueceu a minha. – Prosseguiu. – Mas aí, ela nasceu muitos anos depois e me trouxe de novo essa chance. – Correu na direção de ambos. Tirou a mochila das costas e sacudiu contra ele que a partiu ao meio com uma imensa espada. Seu rosto de transfigurou incessantemente sem tomar uma forma definitiva. O ódio transbordava de seu olhar sanguinário. Não havia saída. Empurrou Pedro com uma força sobre-humana contra o chão. Os objetos de mochila se espalharam. Sofia também caiu. Sr. Leycrow estava erguido perante ela com a espada em posição para desferir um único golpe vertical. – Não. Pelo amor de Deus, você não pode fazer isso. – Jonas apareceu e apanhou a caixinha caída no chão sem ser percebido. – Deus não existe, eu posso, sim! – Desferiu o golpe que foi interrompido por uma brusca apunhalada nas costas. – Existe e é por isso que você não pode! – FIM.