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Pesquisa FAPESP - Ed. 56

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Page 1: Um mistério em partículas
Page 2: Um mistério em partículas
Page 3: Um mistério em partículas

8 Seminário realizado na Assembléia Legislativa paulista debateu a regulação dos serviços públicos privatizados e a atuação das agências reguladoras

10 Projeto Genoma Humano do Câncer coloca à disposição da comunidade científica internacional 280 mil fragmentos de seqüências de genes expressos em tumores

18

Pesquisadores do projeto Genoma Funcional encontram a chave para realizar a transformação genética da bactéria Xylella fastidiosa e abrem caminho para o controle da CVC

Capa: Hélio de Almeida,

sobre foto do HST

23 Estudo consegue isolar um peptídeo

presente no sangue da aranha caranguejeira (Acanthoscurria gomesiana) com potente

ação antimicrobiana e que age mais rápido do que os antibióticos convencionais

EDITORIAL 5 MEMORIAS 6 OPINIÃO 7 POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA 8 CIÊNCIA 18 TECNOLOGIA 40 HUMANIDADES 50 LIVRO 56 LANÇAMENTOS 57 ARTE FINAL 58

30 Com participação brasileira, está nascendo na Argentina o Observatório Pierre Auger de raios cósmicos

40 As incubadoras de micro e pequenas empresas tornam-se o principal meio de transferência de tecnologia dos laboratórios de universidades e centros de pesquisa para o mercado.

50 Pesquisa sobre a história da indústria farmacêutica nacional revela que ela nasceu forte e ligada aos laboratórios de pesquisa

PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • 3

Page 4: Um mistério em partículas

PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL

DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE

PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

FERNAN~~~bCZ.-i!'b~ ~<;:E~CIMENTO JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO

MOHAMED KHEDER ZEYN NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI

VAHAN AGOPYAN

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO

PROF. DR. JOSÉ FERNAi>!DO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO

EQUIPE RESPONSÁVEL CONSELHO EDITORIAL

PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER

PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ

EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA

EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÉNCIA)

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (ENCARTES)

DIAG~r~~~A~I~Rgg~~~Tg'tFICA COLABORADORES

ADILSON AUGUSTO CLAUDIA IZIQUE

CLÁUDIO EUGÉNIO CRISTINA DURÀN

EDUARDO STOPATO LIGIA SANCHES

LUCAS ECHIMENCO MARGARETH LEMOS

MYRIAN CLARK OITO FILGUEIRAS

MARIA APARECIDA MEDEIROS RODRIGO CAETANO SÉRGIO ADEODATO

SILVANA PISANI WAGNER DE OLIVEIRA

ENCARTE ESPECIAL PENSANDO SÃO PAULO:

UNIVERSIDADES E INSTITUTOS

FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN

TIRAGEM: 22.000 EXEMPLARES

FAPESP RUA PIO XI, N" I SOO, CEP 05~68-90 I ALTO DA LAPA- SÃO PAULO - SP

TE L. (O - I I) 3838-~000 - FAX: (O - li) 3838-~ 117

ESTE INFORMATIVO ESTÀ DISPONIVEL NA HOME-PAGE DA FAPESP:

http://www.fa.Pesp.br e-mail: [email protected]

SECRETARIA DA CI ÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVO LVIMENTO

ECONÔMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

4 • AGOSTO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

CARTAS

Pesquisa FAPESP

Como pesquisador científico apo­sentado pelo Instituto Florestal paulista e assessor (ex) da FAPESP, desejo con­gratular-me com a equipe responsável, conselho editorial e colaboradores pela excelência da revista Pesquisa FAPESP, de maio do corrente. Seu texto engran­dece o trabalho encetado pelos pesqui­sadores em nosso meio.

Dilema

ALCEU DE ARRUDA VEIGA

São Paulo, SP

Excelente a matéria sobre a pesquisa de Paulo de Carvalho Fortes, da Faculda­de de Saúde Pública da USP ("Salvar, uma decisão dramática", edição N° 53). Houve um pequeno problema na apre­sentação da tabela sobre os dilemas da escolha para internação. Há dados que diferem da interpretação do texto (a ta­bela indica 71% de estudantes do quarto

ano que optaram pela opção 1, mas o texto menciona a opção 2). Pena que a tabela não reproduz as escolhas da amos­tra de 400 pessoas de Diadema. Serià possível reproduzir a tabela mais com­pleta a que se refere a reportagem?

LUI Z A. DE CASTRO SA TOS

Professor Adjunto Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Houve, de fato, um erro no texto da reportagem e outro na tabela publicada. A criança de 1 ano (Opção I) e não a de 7 (Opção II) é que foi escolhida por 60% dos alunos de primeiro ano de curso de administração hospitalar. A criança de 1 ano foi também a opção de 29% dos alu­nos de quarto ano, e não 71 %, como pu­blicado. De fato, 71% dos estudantes do quarto ano escolheram a opção II ( crian­ça de 7 anos). As escolhas dos acompa­nhantes de usuários do hospital de Dia­dema, recém-pub licada na tese de livre-docência de Paulo de Carvalho For­tes, são as seguintes:

Dilemas apresentados a acompanhantes de usuários do Hospital Público de Diadema

OPÇÃO I

Criança de I ano = 280 (70.9%)

Criança de 7 anos = 287 (72%)

Homem de 25 anos = 143 (36.2%)

Mulher= 314 (79.5%)

Mulher com 3 filhos menores = 354 (89.6%)

Mulher casada = 297 (75.2%)

Homem empregado = 30 (7.6%)

Mulher com renda familiar de R$ 500,00 = 376 (95.2%)

Professor de colégio estadual de 40 anos = I 02 (25.8%)

Trabalhador na construção civil com 2 filhos menores = 366 (92.7%)

OPÇÃO 11

Criança de 7 anos = 81 (20.5%)

Homem de 65 anos = 90 (22.8%)

Homem de 65 anos = 240 (60.8%)

Homem= 44 (11. 1%)

Mulher com I filho menor= 27 (6.9 %)

Mulher solteira = 70 ( 17.7%)

Homem desempregado = 353 (89.4%)

Mulher com renda familiar de R$ 3.000,00 = 6 ( 1.5 %)

Trabalhador na construção civil de 40 anos = 264 (66.8%)

Padre católico = 12 (3.0%)

Operário metalúrgico sem filhos = 251 (63.5%) Pastor evangélico = 116 (29.4%)

Homem fumante= 178 (45.1%) Homem não-fumante = 203 (51.4%)

Mulher de 25 anos Mulher de 25 anos e HIV positivo= 192 (48.6%) e diabética= 188 (47.6%)

Mulher de 40 anos Mulher de 40 anos com hepatite = 325 (82.3%) e alcoólatra = 57 ( 14.4%)

SEM RESPOSTAS

34 (8.6%)

18 (4.6%)

12 (3.0%)

37 (9.4%)

14 (3 .5%)

28 (7.1 %)

12 (3%)

13 (3.3%)

29 (7.3%)

17 (4.3%)

28 (7.1%)

14 (3.5%)

15 (3.8%)

13 (3.3%)

Homem de outra cidade = 238 ( 60. 3 %) Homem residente na cidade = 128 (32.4%) 29 (7.3%)

Fonte: Fortes, Paulo Antonio de Carvalho O dilema bioétko de seledonar quem deve viver: um estudo de microolocoção de recursos escassos em saúde. São Paulo 2000; tese de livre-docência - Faculdade de Saúde Pública - Universidade de São Paulo

Page 5: Um mistério em partículas

EDITORIAL

Um enlace visível entre ciência e tecnologia

Mesmo a pesquisa de partículas produz inovação e efeitos no mercado

Por mais notáveis que tenham sido os avanços obtidos no conhecimento sobre a estrutura e a origem do universo ao longo do século 20,

fenômenos que permanecem como mistérios fas­cinantes nesse campo continuam a desafiar a von­tade de saber e de explicar de cientistas do mundo todo- dos físicos em particular. As chamadas partí­culas de altíssimas energias ou de energias extremas constituem, sem sombra de dúvida, um desses gran­des mistérios. Afinal, o que são essas partículas com massa ínfima, suba-tômica, e que, no entanto, são dota-

Nesta edição, vale também destacar as matérias referentes ao campo do conhecimento que recen­temente projetou a ciência feita no Brasil para um lugar de visibilidade e reconhecimento internacio­nal jamais alcançado antes em sua história. Estamos falando, é claro, de genômica. E aqui damos notí­cia da elevação significativa dos investimentos no Genoma Humano do Câncer, decidida pelas duas instituições responsáveis pelo projeto - FAPESP e

Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer -, em paralelo à decisão de dobrar a meta inicial de produ-

das de uma tal energia que o fenô­meno mais energético produzido na Terra, a aceleração de partículas den­tro do Fermilab, só consegue atingir um quantum de energia 1 milhão de vezes menor do que a que elas carregam? De que parte do Univer­so provêm essas partículas raras, que chegam à atmosfera da Terra na fre-

"Além da ciência, a indústria nacional também participa

ção de seqüências de genes expressos em tumores, de SOO mil (já atingi­da) para 1 milhão de seqüências até o final deste ano. Damos noticia tam­bém dos dois novos projetas geno-ma iniciados há pouco pela Funda­do projeto

Pierre Auge r, ção: o de uma variedade da Xylella que ataca as videiras da Califórnia, em parceria com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (o que, aliás, provocou ciumeira e disputa por parte de um laborató­rio norte-americano), e o da Leifso-

qüência de apenas uma por século, por quilômetro quadrado?

Ninguém tem, por enquanto, res­postas a oferecer para essas questões e entre os que estão empenhados em obtê-las destacam-se os cientistas envolvidos no projeto do Observa-tório Pierre Auger de Raios Cósmicos, tema de capa desta edição de Pesquisa FAPESP. Com apoio de US$ 1,6 milhão da FAPESP e de US$ 340 mil do Ministério da Ciência e Tecnologia, a partici­pação brasileira é decisiva nesse grande empreen­dimento internacional, seja em termos dos recursos humanos de alto nível colocados à disposição do projeto, seja em relação à infra-estrutura do ob­servatório, que conta com equipamentos essenciais, centrais mesmo, aqui desenvolvidos e produzidos pe­la indústria nacional. Idealizado pelo físico norte­americano James Cronin, prêmio Nobel de 1980, o Observatório Pierre Auger terá primeiro um sítio sul, que já começou a ser implantado em Mendoza, na Argentina, com previsão para estar completamen­te instalado em 2003. Feito isso, os coordenadores do projeto definirão a estratégia de implantação do sítio norte em Utah, nos Estados Unidos.

• nia xyli subsp.xyli, conhecida ante­riormente como Clavibacter, que afeta a cana-de-açúcar, em parceria

com um instituto de pesquisa australiano e a Co­persucar. E finalmente, ainda nos domínios da ge­nômica, esta edição traz uma reportagem sobre um avanço muito importante obtido em relação à transformação genética da Xylella fastidiosa- pela primeira vez conseguiu-se em laboratório uma seqüência de DNA que foi "aceita" pelo genoma da bactéria-, que abre o caminho para estratégias de base genética de combate à praga do amarelinho, um inimigo poderoso da citricultura paulista.

De uma certa maneira, nas matérias citadas há um enlace visível entre ciência, tecnologia e socie­dade. Já a reportagem sobre incubadoras de em­presas, na seção de Tecnologia, lança algumas lu­zes especificamente sobre os efeitos benéficos da construção de pontes institucionais entre labora­tórios de universidades e o mercado, num país como o Brasil.

PESQUISA FAPESP • AGOSTO DE 1000 • 5

Page 6: Um mistério em partículas

MEMÓRIAS

O inventor do país mestiço

Em 1933, a publicação do livro Casa Grande & Senzala, do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987), cujo centenário se comemora, deu nova dimensão

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Na África, com chapéu de antropólogo: pioneiro no estudo de culturas

Com o pai, Alfredo, em 1917

Casa-grande, senzala e carro de sinhá '-----------"'""""'""""------'

à historiografia nacional: ela deixou de ser

Ao lado do escritor e amigo José Lins do Rego Com o educador Anísio Teixeira e Jorge Amado

mera sucessão de fatos e nomes grandiosos e passou a fixar-se no cotidiano, na vida social, no jeito de ser brasileiro. Freyre, que fez estudos superiores em Recife e nos Estados Unidos, foi pioneiro aqui em sociologia e antropologia. Lançou um olhar sobre o país com a frieza do analista e a paixão do nativo. Uma mistura, como a mescla étnica e cultural brasileira que ele tanto estudou, da qual surgiu

no mundo e indispensável ao entendimento desta nação tropical. "O tempo nunca é só passado, nem só presente, nem só futuro, mas os três simultaneamente. Vivo nesses três tempos", disse o autor, que complementaria o clássico Casa Grande com Sobrados e Mocambos (1936). O resultado de seus "esforços de ressurreição do passado" foi uma obra pluridisciplinar em que dissecou

uma obra reconhecida O lugar de trabalho da casa de Apipucos, Recife as entranhas da nação.

6 · AGOITO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

Page 7: Um mistério em partículas

OPINIÃO

ANTONIO CARLOS DE CAMARGO

Serpentes e indústria farmacêutica Como mostra o Butantan, venenos podem originar medicamentos

Como entender por que as serpentes, uma das espécies animais mais temidas pelo ho­mem desde a pré-história, exercem em nós

tão irresistível atração? Essa atração é uma das prin­cipais razões que têm feito do Butantan uma ins­tituição conhecida mundialmente.

A fascinação pela serpente é milenar. Para os sumérios, há 4.000 anos, a imortalidade ou a cura das doenças era uma atribuição do deus Ningis­hzida, representado pelas cobras gê-meas. Essas são até hoje o emblema da medicina. Os romanos herda-

raca, que a indústria farmacêutica multinacional desenvolveu o captopril, o remédio mais usado pa­ra tratar a hipertensão arterial. As pesquisas que le­varam ao desenvolvimento desse remédio por mul­tinacionais farmacêuticas geram um faturamento de cerca de US$ 10 bilhões por ano. Essa quantia é de três a quatro vezes superior à que nosso presi­dente quer investir no combate à pobreza no Brasil, ou cem vezes superior àquela que gastamos na fa-

bricação de vacinas para todo o país. Que obstáculos nos impedem de

utilizar nosso imenso potencial de ram dos etruscos o culto às serpen­tes antes de cederem à influência da medicina grega. Já entre os he­breus, simbolizavam maldição. No Butantan, elas são tratadas com respeito e admiração, pois seu ve­neno tem ajudado o homem a en­tender e a curar doenças.

Como o poder mortal do veneno das serpentes pode ser convertido em remédio? Na Antigüidade, mui-

"Temos de superar o fosso que separa o laboratório de pesquisa, mantido com recursos públ icos, da iniciativa privada,

recursos naturais e humanos na ge­ração de produtos e evitar que fatos semelhantes se repitam? Citamos aquele que é uma das mais visíveis ca­racterísticas do subdesenvolvimen­to, traduzida pelo fosso que separa o laboratório de pesquisa (mantido com recursos públicos) da iniciativa privada. Na área farmacêutica te­mos, numa ponta, recursos humanos

tos curandeiros, feiticeiros, médicos e cientistas buscavam nos venenos o remédio para as doenças por acre-ditar que "o mal com o mal se cura" (equivalente ao aforisma médico "similia similibus curantur"). Foi buscando no ve­neno da serpente o remédio para a cura dos males por ele causado que o médico Vital Brazil, funda­dor do Instituto Butantan, fez companhia a deze­nas de personagens famosos da história da medi­cina. Sua admiração por esses animais ajudou a desenvolver no país o soro antiofídico e ainda des­pertou em nossos cientistas o interesse pelas suas to­xinas. Os venenos são também uma fonte de cobiça pelo potencial de gerar riquezas que têm, por servi­rem de modelo para novos remédios e pesticidas.

É notório que nós, brasileiros, não sabemos valorizar nossas riquezas naturais. Exemplos exis­tem também no uso farmacêutico dos venenos. Poucos sabem que foi a partir das pesquisas feitas em laboratórios brasileiros, com o veneno da jara-

qualificados provenientes do meio ·científico e, na outra, uma indús­tria farmacêutica brasileira desenvol­vida em muitos aspectos, mas com pouquíssima capacidade de aprovei­tamento das pesquisas biomédicas.

Passos importantes pará a necessária aproxima­ção entre a bancada dos laboratórios e a iniciativa privada têm sido dados pela FAPESP, criando ini­ciativas que ajudam a contornar a dificuldade do governo para enfrentar as engrenagens emperra­das de muitas instituições públicas. Mas é funda­mental que tais instituições se associem à iniciativa privada para ganhar competitividade e eficiência, desonerando o Estado e beneficiando a sociedade.

ANTONIO CARLOS M. DE CAMARGO, médico, é professor da USP e diretor do Centro de Toxinologia Aplicada do Ins­tituto Butantan

**Artigo publicado originalmente na íntegra na Folha de São Paulo de 24/08/2000

PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 1000 • 7

Page 8: Um mistério em partículas

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

SETOR PÚBLICO

O controle social da privatização

Seminário organizado pela Assembléia Legislativa e FAPESP debate a regulação dos serviços públicos

AFAPESP aposta que as universi­dades e os institutos de pesqui­

sa paulistas têm grande contribuição a dar na avaliação do impacto das pri­vatizações dos serviços públicos e das estratégias de atuação das agências regu­ladoras. E, em parceria com a Assem­bléia Legislativa de São Paulo, está pro­movendo uma série de debates sobre os direitos e deveres dos usuários e das empresas concessionárias, as formas de controle social da qualidade e preço dos serviços dos diversos setores e as pers­pectivas de universalização do acesso aos serviços públicos privatizados.

A primeira rodada de discussão do tema ocorreu durante o seminário Regulação dos Serviços Públicos, reali­zado nos dias 3 e 4 de agosto, na As­sembléia Legislativa, que teve como objetivo avaliar os resultados obtidos com a concessão de serviços públicos no Brasil. O evento integrou a pauta do Fórum São Paulo Século 21. O público, composto por especialistas de diver­sos setores, formadores de opinião, representantes de entidades de defesa do consumidor, entre outros, lotou o auditório Teotônio Vilela, superando as expectativas dos organizadores.

8 • AGOSTO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

Diretores das agências reguladoras dos serviços explicaram a atuação e as dificuldades encontradas pelos órgãos criados para o controle das concessio­nárias. O diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Júlio Colombi Netto, afirmou que todas as legislações deve­rão ter maior dinamismo para acom­panhar as evoluções tecnológicas que estão acontecendo no mundo moder­no. "Muitos dos problemas enfrenta­dos na área de regulação são frutos de erros cometidos no processo de elabo­ração dos contratos de concessão': afir­mou Colombi. Marcelo Poppe, asses­sor especial da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), explicou que a Agência está atuando de forma ri­gorosa com as empresas. Segundo ele, a sensação de ausência de medidas ocorre por causa do grande número de empresas que recorre das multas apli­cadas. "As concessionárias estão recor­rendo das multas para não correr o ris­co de perder as concessões", afirmou.

Modelo de regulação- Mas não falta­ram críticas ao processo de privatiza­ção das empresas públicas. Para o professor da Universidade Estadual

de Campinas Márcio Wohlers, o atual modelo de regulação não tem dado conta das questões que estão surgin­do na sociedade. "As mudanças e os avanços tecnológicos que estão ocor­rendo no mundo obrigam as agências a fazerem reavaliações permanentes em suas atuações", disse. Na sua opi­nião, essas instituições precisam estar sempre incorporando as novas ques­tões que surgem a cada dia. "A Inter­net é um bom exemplo. Enquanto se fala em universalização do telefone, já existe uma nova demanda social por acesso à Internet, que não foi pla­nejada ainda", afirmou Wohlers.

Flávia Lefevre Guimarães, coorde­nadora jurídica do Instituto Brasilei­ro de Defesa do Consumidor (Idec), afirmou que a população quer enten­der o que está acontecendo no pro­cesso de privatização, mas ressalvou que a carência de informações é o que impera neste momento.

Steve Thomas, da Universidade de Sussex, na Inglaterra, país que já vi­venciou a experiência da privati­zação, avaliou que muitos dos pro­blemas registrados na concessão dos serviços decorrem da rapidez do pro-

Page 9: Um mistério em partículas

Especialistas de diversos seto res avaliaram os resultados obtidos

cesso de transferência das em­presas públicas à iniciativa privada. Sugeriu que as agên­cias reguladoras no Brasil avaliem as experiências dos diversos países para evitar vá­rios equívocos.

Thomas: rapidez na concessão pode

trazer problemas

Para o secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimen­to Econômico, José Aníbal, o grande desafio das agências reguladoras é criar instrumen­tos para que a sociedade in­teraja com as empresas privatizadas de forma benéfica. "O interesse desperta­do pelo evento demostrou de forma clara que muito ainda precisa ser feito para que o modelo de agências im­plantado no Brasil atenda às necessi­dades da população." José Geraldo Pi­quet Carneiro, membro da Comissão de Ética Pública do Governo Federal, ressaltou que o conceito de Agências de Regulação ainda não foi assimila­do no Brasil. Lembrou o caso das pri­vatizações do setor de transportes que, ainda hoje, não possui uma agência fiscalizadora. "É errado privatizar pri­meiro para depois regulamentar. O processo correto é o contrário': Depois

STEVE O THOMAS

alertou que é necessário que as Agên­cias possuam "independência decisó­ria", sem que sejam contaminadas pelos órgãos e interesses do governo. ''A função das agências é estimular a concorrência e melhorar a qualidade dos serviços públicos", concluiu.

Criação do conhecimento - A partici­pação da FAPESP na organização do se­minário é reflexo do interesse da ins­tituição na criação do conhecimento. O presidente da Fundação, Carlos Hen­rique de Brito Cruz, ressaltou que a necessidade de avanços na esfera do po­der público e a incorporação de conhe­cimento são fundamentais no atual es-

tágio da sociedade brasileira. "Muitas pessoas pensam que a FAPESP só finan­cia pesquisa sobre raio laser, genoma, biologia molecular e computadores': disse. Lembrou que, para atender ao setor público, a entidade mantém o Pro­grama de Apoio à Pesquisa em Políti­cas Públicas, que incentiva a parceria entre universidades, institutos de pes­quisa e órgãos de governo para o de­senvolvimento, a análise e o diagnósti­co de políticas públicas e até mesmo para a aplicação em escala piloto.

"O evento foi muito importante e funcionou como um balanço da situa­ção das empresas privatizadas'~ afirmou Francisco Romeu Landi, diretor-pre­sidente da FAPESP. Ele explicou que, ao promover o seminário e os debates em torno do tema, a Fundação tem como objetivo estimular o desen­volvimento de pesquisas que apóiem os diversos setores envolvidos.

Publicação especial- Em continuida­de ao seminário, serão organiza­dos encontros

por áreas, onde grupos de traba-

lho detalharão pro­postas institucionais e farão sugestões de pesquisa em diversos setores dos serviços públicos envolvidos. Os resultados do se­minário e dos deba­

tes nos grupos de trabalhos serão reunidos numa publicação especial, editada pela FAPESP em parceria com o Legislativo paulista.

O deputado Arnaldo Jardim (PPS­SP), relator do Fórum São Paulo Sé­culo 21, afirmou que o encontro fun­cionou como mola propulsora para estimular o interesse de novos pes­quisadores para essa área da socieda­de. "Eu acredito que o número de pesquisadores dos meios acadêmicos se multiplique e o seminário estimu­le profissionais para isso", disse. "Os trabalhos com essas questões tendem a aumentar em número e profundi­dade", estimou Jardim. •

PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • 9

Page 10: Um mistério em partículas

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

GENOMA CÂNCER

Projeto ganha mais US$ 5 milhões

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Governador Mário Covas anuncia publicação de resultados do Genoma Câncer em banco de dados internacional

FAPESP e Ludwig publicam resultados e ampliam investimentos

AFAPESP e o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer -

agências financiadoras do projeto Genoma Humano do Câncer - estão compartilhando com a comunidade científica internacional os dados ob­tidos no seqüenciamento de genes ativos em tumores do câncer. A maior parte dos dados brutos, como é cha­mado o conjunto de letras corres­pondentes aos nucleotídeos que se obtêm com o seqüenciamento de ge­nes, já está disponível na Internet, no maior banco de dados públicos inter­nacional, o GenBank.

O sucesso do projeto levou a FA­PESP e o Ludwig a investir, até o fim

I O · AGOSTO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

do ano, mais US$ 5 milhões no pro­jeto, totalizando US$ 20 milhões, o dobro dos recursos inicialmente pre­vistos. A divulgação dos resultádos da pesquisa e os novos investimentos foram anunciados em São Paulo, no dia 21 de julho, em entrevista coleti­va no Palácio dos Bandeirantes. "Es­tamos dobrando os investimentos para dobrar as conquistas" afirmou o governador Mário Covas.

Desde março de 1999, data do iní­cio do Genoma Câncer, os pesquisa­dores obtiveram 500 mil fragmentos de seqüências de genes humanos ex­pressos em tumores de mama, intes­tino, estômago, cabeça, pescoço e ou­tros. Desse total, 280 mil já foram depositados no GenBank. Atualmen­te o Brasil é o segundo país produtor de seqüências derivadas do câncer e o terceiro maior do mundo em termos de ESTs humanas (Expressed Sequen­ce Tags). Perde apenas para os proje-

tos americanos do CGAP ( Cancer Genomic Anatomy Project), que tem 990 mil, e do MERC, na Universida­de de Washington, que produziu 600 mil seqüências. A previsão da coor­denação do Genoma Câncer brasilei­ro é gerar, até o fim do ano, 1 milhão de seqüências.

A técnica utilizada para o seqüen­ciamento dos genomas, batizada de Orestes, foi desenvolvida no Brasil por Andrew Simpson, coordenador do projeto, e o biólogo mineiro Em­manuel Dias Neto, de 33 anos. A Orestes surgiu ao longo da tarefa de selecionar, clonar, seqüenciar e ob­servar os resultados de cada um dos genes identificados na pesquisa de variabilidade genética do Schistoso­ma mansoni, objeto da tese de douto­rado de Dias Neto, sob a supervisão de Simpson. Os recursos da bioinfor­mática ainda não estavam disponí­veis, mas eles se aproximavam cada

Page 11: Um mistério em partículas

vez mais de genes raros e de sua posi­ção exata, o que permitia, por exem­plo, identificar a proteína. A técnica foi aperfeiçoada na análise de 1 O mil seqüências de tumores de mama, fi­nanciada pelo Ludwig e FAPESP, que, em função dos resultados, decidiram propor o desenvolvimento do proje­to em larga escala.

Publicação de dados - Os cientistas responsáveis pelo projeto não temem que a publicação dos dados, ainda que brutos, prejudique os pesquisadores brasileiros. "O importante é avançar na busca da cura. Quanto antes ela

Patenteamento - Tanto a FAPESP co­mo o Instituto Ludwig têm adotado a posição de aceitar o patenteamento de genes, desde que completos e com a função conhecida. "Somos a favor de patentear o invento. Só faremos patente de genes quando soubermos a sua utilização prática e função. Não queremos patentear um con­junto de letras ou a própria nature­za", completou Perez. Segundo ele, um dos desafios do Programa Ge­noma da FAPESP, em particular do projeto Genoma Câncer, é avançar na discussão da questão das paten­tes. "Não podemos ficar numa si-

guma companhia alimentícia pode­ria fazê-lo" justifica Perez. "Estamos patenteando inventos, gene com fun­ção e com utilização prática." No Ge­noma Humano do Câncer já há al­guns genes sendo considerados, mas ainda nenhuma patente.

Para cuidar da proteção à pro­priedade intelectual de inventos ori­ginários das pesquisas que financia, a FAPESP criou o Núcleo de Paten­teamento e Licenciamento de Tec­nologia (Nuplitec) . "Estamos apren­dendo como funciona. O Brasil tem carência enorme de patentes. A Co­réia deposita nos EUA cerca de

z 1.500 patentes por ano ~ e o Brasil apenas 30. §

Temos poucas paten-~ z: tes acadêmicas porque

o pesquisador não sabe como agir. Preci­samos criar uma cul­tura que valorize a propriedade intelec­tual", disse Perez.

vier, melhor", afir­mou Simpson. Antes de estarem disponí­veis no banco público de dados, as informa­ções passam por um processo que lhes confere um critério de qualidade, garan­tindo a correção do que está sendo divul­gado. No decorrer desse processo, os pesquisadores já co­meçam a fazer hipó­teses sobre a função dos genes, o que dá uma certa vantagem competitiva em rela­

Técnica Orestes foi desenvolvida por Dias Neto com su~ervisão de Simpson

O próximo passo será partir para o es­tudo do Genoma Clí­nico do Câncer, cuja verba prevista será de US$ 1 milhão. Numa primeira etapa serão analisados os genes que podem ser usados

ção àqueles que observam os genes pela primeira vez na base de dados pública.

A publicação dos dados do Geno­ma Humano do Câncer no GenBank marca uma posição das instituições financiadoras em relação às pesqui­sas genéticas: quando os dados pas­sam a ser de domínio público nin­guém mais pode patenteá-los, nem mesmo redescobrir um gene isolada­mente. "É uma espécie de 'sabota­gem' contra aqueles que não têm a mesma posição que a nossa", explica José Fernando Perez, diretor científi­co da FAPESP. "O que deve ou não ser patenteado é uma discussão a ser feita em congressos. O nosso dever é produzir dados científicos e dar para a humanidade", acrescenta Simpson.

tuação que iniba o investimento em biotecnologia no país porque vamos ficar numa posição diferente da dos países desenvolvidos", disse. Perez se referia à possibilidade de patentea­mento de fragmentos de genes, ad­mitida pelos Estados Unidos e In­glaterra, embora o presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e o pri­meiro-ministro britânico, Tony Blair, tenham se manifestado favoráveis ao patenteamento de genes inteiros e com função definida.

A FAPESP já patenteou nove genes descobertos no projeto Genoma da bactéria Xylella fastidiosa. Os genes pa­tenteados estão relacionados à produ­ção da goma xantana, um espessante utilizado na indústria alimentícia. "Se não registrássemos a patente, al-

como marcadores no diagnóstico e prognóstico, além de predisposição, em diversos tumores humanos. A partir daí, as pesquisas irão se con­centrar em pacientes individuais. A idéia é analisar os genes associados ao câncer, o que permitiria elaborar um tratamento mais adequado para cada paciente, melhorando o diag­nóstico. "Se a doença for identifica­da mais cedo é possível otimizar o uso das ferramentas que já se tem e ampliar a incidência de cura", afir­ma Simpson.

O endereço para acessar o GenBank na Internet é www.ncbi.nlm.nih.gov Trata-se da página central do Na­tional Center for Biotechnology In­formation, com links para o Gen­Bank. •

PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • li

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

CANA-DE-AÇÚCAR

Reforço na pesquisa do genoma Universidade de Pernambuco inaugura laboratório de genética

ONordeste, a mais antiga região produtora de cana-de-açúcar

do Brasil, integrou-se ao esforço na­

O sucesso dos projetas de seqüen­ciamento da Xylella e de genes especí­ficos da cana-de-açúcar, ambos finan­ciados pela FAPESP, deverá alavancar recursos federais. Em Recife, Sarden­berg anunciou a intenção do governo federal de investir R$ 240 milhões, nos próximos quatro anos, na con­servação de recursos genéticos por meio da biotecnologia no país.

"Já encontramos na cana-de-açúcar proteínas análogas às presentes no genoma humano, responsáveis por processos de infecção", revela o pes­quisador Paulo Arruda, diretor do Centro de Biologia Molecular da Unicamp e coordenador do Projeto Genoma Cana, da FAPESP.

Atualmente, 150 cientistas brasi­leiros participam de 12 projetas de

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cional pelo seqüenciamen­to de genes específicos da planta, coordenado pela FAPESP. Marco dessa no­va investida foi a inaugu­ração do Laboratório de Genética da Universidade Federal Rural de Pernam­buco (UFRPE), no dia 20 de julho. Nas modernas instalações, cientistas per­nambucanos trabalham em regime frenético para seqüenciar 2 mil frag­mentos do genoma da cana até o fim de agosto, quando todo o trabalho dos 23 laboratórios que integram a Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos - Onsa, estará concluído. A meta é atingir, neste prazo, 200 mil seqüên­

Pesquisado res da UFRPE t rabalham no seqüenciamento de 2 mil fragm entos do genoma

cias de genes estudadas, o que torna o projeto brasileiro, iniciado em julho do ano passado, o maior do mundo na área de genética vegetal.

O ministro da Ciência e Tecnolo­gia, Ronaldo Sardenberg, presente à solenidade de inauguração do labo­ratório, comemorou a recente reper­cussão internacional do projeto bra­sileiro envolvendo a bactéria Xylella fastidiosa, causadora de doenças nos laranjais. "Seguiremos o mesmo ca­minho com a cana-de-açúcar, planta de grande impacto econômico e social no Nordeste", destacou o ministro.

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Genoma funcional - Concluído o se­qüenciamento, os cientistas iniciam as pesquisas com o genoma funcio­nal da cana para identificar as fun­ções dos vários fragmentos genéti­cos. Para tanto, a Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe) está investindo R$ 1 milhão em la­boratórios de biologia molecular. Paralelamente, vão garimpar, no data mining, dados para compara­ção dos genes da cana com seqüên­cias genéticas semelhantes existentes em bancos de dados internacionais.

data mining. Uma das possibilidades é, no futuro, usar a genética para pro­duzir açúcar que não engorda.

Desde agosto, 37 trabalhos esta­rão sendo desenvolvidos em diferen­tes áreas de pesquisa do genoma da cana. Pernambuco aprovou quatro de­les. Na UFRPE, serão identificados genes relacionados à fertilidade da ca­na, permitindo no futuro fazer clo­nagens para evitar plantas estéreis. Além do laboratório recém-inaugu­rado, que custou R$ SOO mil, outros três centros de pesquisa pernambu­canos preparam-se para participar do

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projeto. O Instituto de Pesquisas em Agronomia (IPA), órgão estadual, se dedicará ao estudo de genes ligados à resistência da planta a doenças. Na Universidade Federal de Pernambu­co (UFPE), um projeto estudará o papel dos genes na defesa da cana contra pragas e outro identificará proteínas produzidas pelo vegetal submetido a situação de estresse. O objetivo é chegar a variedades de .ca­na-de-açúcar mais resistentes à seca. Na última estiagem, em 1998 e 1999, os canaviais pernambucanos perde­ram até 82% da produção.

Seqüências homólogas - No Departamento de Genética da UFPE, dez computadores liga­dos em rede e conectados à In­ternet fazem o trabalho de ga­rimpo de seqüências genéticas homólogas às da cana-de-açúcar em bancos de dados internacio­nais. No Centro de Informáti­ca, um computador de R$ 150 mil foi instalado para o desen­volvimento de software e ferra­mentas computacionais de su­porte aos futuros projetas de seqüenciamento genético. Com alto poder de memória, a má­quina faz o cruzamento de da­dos para o desenho do comple­xo mosaico genético de seres vivos. Um dos benefícios será aplicar ao milho, ao arroz e ao sorgo os resultados obtidos com a cana-de-açúcar, perten­cente à mesma família vegetal.

Os novos laboratórios são

Cooperativa dos Produtores de Açú­car e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar), o Projeto Genoma Ca­na, prevê o seqüenciamento de genes, especialmente aqueles ligados com o metabolismo da sacarose, com a resis­tência da planta a pragas e doença e a condições adversas de clima e solo. O método utilizado é o ESTs (Expressed Sequence Tags), uma tecnologia de se­qüenciamente rápida e baseada ape­nas nas proporções dos genes expres­sos, que codificam proteínas.

O genoma da cana pode ser tão vasto quanto o humano. Até agora, já foram identificados mais de 5 mil ge-

fruto da parceria inédita entre Arruda: 37% dos genes identificados são novos

duas fundações estaduais de apoio à pesquisa - a FAPESP e a Facepe. O intercâmbio, formalizado no ano passado, previa, além da mon­tagem de uma infraestrutura de labo­ratórios de seqüenciamento genético e de bioinformática, a capacitação de cientistas pernambucanos em bio­logia molecular e genética. Quarenta pesquisadores já participam dos pro­jetas com a cana-de-açúcar.

Lançado oficialmente em abril do ano passado, em parceria com a

nes, um avanço sem precedentes nas pesquisas da cana. Deste total, 3 7% são absolutamente novos, sem seme­lhança em qualquer outro organis­mo. Os pesquisadores supõe que es­tes genes inéditos podem ser a chave para identificar a cana em relação a outros seres. Estas novas estruturas podem estar associadas à produção de proteínas importantes. Os outros genes já identificados têm similarida­de ou são homólogos aos já seqüen-

ciados em outras espécies. Por serem conhecidos, será mais fácil saber quais são realmente importantes nas pesquisas aplicadas.

Leishmania chagasi - A partir do co­nhecimento gerado no seqüencia­mento genético do vegetal, o grupo de Pernambuco pretende centralizar, ainda neste ano, uma rede de labora­tórios dedicada às pesquisas com o genoma da Leishmania chagasi, para­sita transmissor da leishmaniose vis­ceral. A doença é endêmica no Brasil, principalmente no Nordeste. Em todo o mundo, registram-se, por ano, 2 mi­

lhões de novos casos de leishma­niose, incluindo os dois tipos: a visceral e a cutânea.

Já foram identificados deze­nas de genes envolvidos na ab­sorção e no transporte de nu­trientes, que servirão de base para o desenvolvimento deva­riedades de plantas mais efi­cientes na absorção iônica. Os pesquisadores também já reco­nheceram 57 genes anterior­mente identificados em outras plantas, que viabilizam a fixa­ção do dióxido de carbono, a síntese de amido e sacarose e o metabolismo de frutose e mano­se, processos vitais para a plan­ta, que a tornam mais ou menos interessante do ponto de vista econômico. As pesquisas reve­laram ainda, dezenas de genes da cana semelhantes a outros, de outras espécies, que confe­rem resistência a bactérias, fun­dos e vermes nematóides.

"O pior é que a doença, ti­picamente rural, está invadindo as grandes cidades em decorrência da deterioração das condições de vida nas periferias", adverte a bióloga Luíza Martins, da UFRPE. O projeto de pesquisa vai seguir o modelo criado pela FAPESP para os estudos do genoma da cana-de-açúcar. De início, dez laboratórios nordestinos deverão participar da rede que, no momento, busca adesão das institui­ções de São Paulo. •

PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • 13

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

NOVOS GENOMAS

Mais duas bactérias

• na m1ra da Onsa

Pesquisadores vão decodificar genes da Xylella da videira e da Leifsonia

D epois de decifrar o genoma da Xylella fastidiosa e se aproxi­

mar da conclusão dos projetos geno­ma cana, câncer e Xanthomonas axo­nopodis pv citri, pesquisadores ligados à Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos - Onsa, a rede virtual de laboratórios de pes­quisa genômica criada pela FAPESP, iniciam a decodificação dos genomas de duas outras bactérias: o da varie­dade da Xylella responsável pela des­truição das videiras e o da Leifsonia xyli subsp.xyli, conhecida anteriormen­te como Clavibacter, que ataca o talo da cana-de-açúcar. Os dois projetos se desenvolvem no âmbito de um no­vo programa, batizado de Genomas Ambientais e Agronômicos.

O projeto de seqüenciamento da Xylella das videiras será desenvolvido em parceria com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). A bactéria, parente próxima da Xylella fastidiosa, ameaça as videi­ras da Califórnia, região produtora de vinhos nobres. Igualmente trans­portada por espécies da cigarrinha, a

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Xylella da vinha provoca a doença de Pierce, que entope os vasos que trans­portam a seiva, causando a redução de tamanho e amarelamento das fo­lhas e a morte da planta. O resultado é um prejuízo anual estimado em US$ 40 milhões.

O acordo de cooperação entre o USDA e a FAPESP já está assinado. As duas instituições vão dividir um investimento de US$ SOO mil na aquisição de seis máquinas de última geração que serão utilizadas na deco­dificação do genoma. Os resultados serão divulgados até agosto de 2001.

O projeto de seqüenciamento do DNA da Xylella da videira foi dispu­tado por laboratórios norte-america­nos. Na tentativa de fechar o acordo com o USDA, os pesquisadores do Joint Genome Institute (JGI) de Wal­nut Creek, na Califórnia, se oferece­ram para realizar a leitura do DNA da bactéria em duas semanas e, pos­teriormente, chegaram a reduzir esse prazo para apenas um dia. Mas a pressa pode ser inimiga da perfeição. Edwin Civerolo, do Serviço de Pes-

quisa Agrícola (ARS) do USDA, de­clarou à Folha de S. Paulo que "nunca ficou claro como esse seqüenciamen­to poderia ser feito tão rápido': Além disso, a equipe do JGI não se com­prometia a fazer as anotações do ge­noma, ou seja, identificar, entre mi­lhões de "letras" químicas, as receitas de proteínas específicas. Essa omis­são contou pontos a favor da rede Onsa. "Tempo é um parâmetro crítico, mas a qualidade e a interpretação dos dados também", comentou à Folha o responsável por programas inter­nacionais no ASR/USDA, Richard Greene. O Brasil ganhou a disputa e o JGI ficou com a tarefa de seqüenciar outra cepa da Xylella que ataca plan­tas da amendoeira.

Genômica comparativa - O acordo com os americanos é estratégico, uma vez que coloca o Brasil como parceiro de uma instituição do porte de um USDA, uma espécie de Minis­tério da Agricultura dos Estados Uni­dos, e reafirma o interesse interna­cional pelo programa funcional da

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A bactéria Leifsonia se propaga pelo uso do facão contaminado e ataca as touceiras de cana

Xylella, praga que ataca mais de 150 plantas em todo o mundo. "Não se trata de venda de serviços, mas de uma pesquisa de importância cientí­fica que permitirá a genômica com­parativa das Xylellas da uva e da la­ranja e que pode ajudar a entender a patogenicidade de cada uma delas",

Xylella da videira: projeto vai buscar o controle da doença de Pierce

diz José Fernando Perez, diretor cien­tífico da FAPESP.

No caso da Xylella da videira, os pesquisadores brasileiros vão utilizar a mesma estratégia adotada na deco­dificação do genoma do Xanthomo­nas axonopodis pv citri para facilitar a anotação. "Não vamos seqüenciar o ge­noma completo", explica Marie-Anne Van Sluys, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), que, junto com Mariana Cabral de Oliveira, coordena o projeto. O geno­ma da bactéria que ataca as vinhas de­ve ter entre 2,7 milhões e 3 milhões

de pares de base. Serão seq üenciados pedaços aleatórios do genoma, de tal forma a cobrir entre 1.000 e 4.000 pares de base, ou seja, a oitava parte do genoma. "A nossa intenção é che­gar o mais próximo possível da cura e caminhar na direção do controle da doença", afirma Marie-Anne.

Os resultados também permitirãq identificar semelhanças e diferenças que possam existir entre a Xylella dos

citros e a da videira e até mesmo con­firmar se as duas bactérias são ines­mo variedades distintas da Xylella, já que a classificação atual foi feita por critérios convencionais da bacterio­logia e não pelo seqüenciamento do genoma.

Genoma da Leifsonia - O programa de seqüenciamento do genoma da Leifsonia xyli subsp.xyli também será resultado de cooperação internacional. A proposta de parceria foi feita por um instituto de pesquisa da Austrá­lia, país produtor de cana-de-açúcar que convive com a praga nas toucei­ras da planta. Também será co-finan­ciado pela Cooperativa dos Produ­tores de Cana, Açúcar e Álcool do

Estado de São Paulo (Copersucar), que já tinha manifestado interesse em patroci­nar a pesquisa. Neste caso, será seqüencia­do o genoma com­pleto da bactéria, que, os pesquisado­res suspeitam, deve ter algo em torno de 3 milhões de pares de base.

A Leifsonia se de­senvolve no mesmo núcleo ecológico da Xylella, mas com hos­pedeiro distinto, no caso a cana-de-açú­car, e é transmitida pelo caldo da cana que fica no facão, na hora da colheita. A decodificação do ge­noma deverá expor

os genes envolvidos com a patoge­nicidade da bactéria e permitir a identificação dos genes-candidatos ao controle da doença. "Queremos ob­servar se ela tem os mesmos padrões quando em contato com a uva ou com a laranja", explica Luís Eduardo Aranha Camargo, do Departamento de Fitopatologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP. •

PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 1000 • IS

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ESTRATÉGIAS . . .

Católica de Cam pinas (PUC-Campinas), receberam , no dia 16, o Prêmio Nacional de Excelência em Educação a Distância, concedido pela Associação Brasileira de Educação a Distância. O prêmio foi dado pelo desenvolvimento, por Prates e Loyolla,

Fernando Henrique com Perez, Br ito e o ministro Sardenberg

da Metodologia EDMC­Educação a Distância Mediada por Computador. A metodologia surgiu

Prêmio e medalha

O presidente Fernando Henrique Cardoso fez a entrega, no dia 14 deste mês, do Prêmio Almirante Álvaro Alberto ao cientista Aziz Ab'Saber e ao empresário Ozires Silva e das medalhas da Ordem Nacional do Mérito Científico, em solenidade no Palácio do Planalto. Entre os 70 agraciados nos diversos graus estavam os pesquisadores paulistas Carlos Henrique de Brito Cruz e José Fernando Perez, ambos da área de Ciências Físicas; Elisaldo Luiz Carlini, Maurício Rocha e Silva, Mayana Zatz e Gerhard Malnic, na área de Ciências Biológicas; Adolpho José Melfi, na área de Ciências da Terra; Jacques Marcovitch, na área de Ciências Sociais; Fernando Galembeck, Hernan Chaimovich, Walter Colli e Paulo Arruda, na área de Ciências Químicas. David Zylberstajn, José Aníbal Peres Pontes, Vilmar Evangelista Faria

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e José Augusto Guilhon de Albuquerque receberam medalhas como personalidades nacionais e o pesquisador Andrew Simpson, coordenador do Genoma Xylella e do Genoma Humano do Câncer, recebeu uma das medalhas destinadas a personalidades estrangeiras.

Prêmio de educação a distância

Os pesquisadores Maurício Prates de Campos Filho, membro do Conselho Superior da FAPESP, e Waldomiro Loyolla, ambos da Pontifícia Universidade

em 1997 para atender à enorme demanda de profissionais de todo o país pelo m estrado em Informática, implantado pela PUC-Campinas em 1992. Incapaz de abrigar a todos, a alternativa encontrada foi o ensino a distância do programa do mestrado. A aplicação da EDMC- que pressupõe um conjunto de ferramentas tecnológicas e pedagógicas­ocorreu em 1998. Atualmente, o mestrado em Gerenciamento de Sistemas da PUC­Campinas atende a mais de 150 alunos, de cidades e estados diversos. A metodologia foi aplicada

Prates (à dir.) e Loyola: democratizando o ensino

também pela Universidade Católica de Brasília, no mestrado em Gestão de Tecnologias da Informação.

Prêmio de inovação tecnológica

A técnica Orestes, uma nova metodologia de análise de genes desenvolvida pelos pesquisadores do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer Andrew Simpson e Emmanuel Dias Neto, foi a vencedora da etapa brasileira do III Prêmio Alcatel à Inovação Tecnológica na América Latina, concorrendo com outros 32 projetos de diversas áreas de todo o Brasil. O projeto, agora, irá representar o país na próxima etapa, em outubro, no Peru, quando será escolhido o vencedor latino-americano.

Ciência e tecnologia em Alagoas

No âmbito de uma reforma administrativa realizada há dois meses, foi criada, em Alagoas, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado. A posse do primeiro secretário, Williams Soares Batista, foi no dia 10 deste mês. Compõem a estrutura da nova secretaria a Fundação de Amparo à Pesquisa de Alagoas (Fapeal), o Laboratório Farmacêutico do Estado de Alagoas (Lifal), a Fundação Universitária de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal) e a Fundação Universidade do Estado.

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Ciência e tecnologia no Maranhão

No ano passado, o governo do Estado do Maranhão realizou uma reforma administrativa que extinguiu as secretarias e os órgãos a elas vinculados, entre os quais a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Maranhão (Fapema). No seu lugar, criou o Fundo de Apoio à Pesquisa do Estado do Maranhão (Fapem), ligado à Gerência de Planejamento e Desenvolvimento Econômico. A secretaria executiva do Fapem ficou sob a responsabilidade da subgerência de Ciência e Tecnologia. No dia 16 deste mês, o titular do cargo, Carlos Alberto dos Santos Marques, esteve em visita à FAPESP. O objetivo foi buscar uma parceria com a fundação paulista para a implantação de um novo modelo de gestão para a pesquisa no Maranhão.

Alterações mudam estrutura do MCT

O governo federal promoveu uma série de alterações na estrutura do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). No âmbito do MCT, foram criadas quatro secretarias. Três possuem fins bem específicos, como a de Coordenação das Unidades de Pesquisa, de Política Tecnológica e Empresarial e de Política de Informática. A quarta, de Políticas e Programas de C&T, terá atuação mais ampla e contará com três

departamentos: de Programas Temáticos, de Política Científica e Programas Especiais e de Assuntos Nucleares e de Bens Sensíveis. OCNPq teve seu estatuto modificado e nove centros de pesquisa foram transferidos para o MCT. São eles: Museu Paranaense Emílio Goeldi, Observatório Nacional, Museu de Astronomia e Ciências Afins, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Instituto de Matemática Pura e Aplicada, Centro de Tecnologia Mineral, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Laboratório Nacional de Astrofísica e Laboratório Nacional de Computação Científica. Também foi extinta a Fundação Centro Tecnológico para Informática.

Solidariedade à Argentina

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) encaminhou ao secretario de Estado para la Tecnologia, la Ciencia y la Innovación Productiva da Argentina nota de solidariedade à comunidade científica daquele país, na defesa da preservação de seu patrimônio científico. Segundo a nota, "qualquer mudança nas instituições ligadas ao avanço do conhecimento, particularmente em épocas de dificuldades financeiras, deve ser ampla

e profundamente discutida, de modo a evitar os impactos negativos, que por vezes são irreversíveis". E prossegue: "Tanto para sobreviver como para revigorar-se, o sistema de C&T depende basicamente de ações continuadas e apoiadas com absoluta regularidade. Reestruturações abruptas e unilaterais podem levar a prejuízos inestimáveis e até à rápida destruição daquilo que custou décadas para ser construído". A nota da SBPC atendeu a uma solicitação dos próprios cientistas argentinos dirigida a toda • a comunidade científica do Hemisfério, com o objetivo de gerar uma pressão internacional sobre o governo. Depois de haverem encaminhado, no mês passado, uma carta ao presidente Fernando de la Rua (Pesquisa FAPESP 54), os cientistas argentinos elaboraram um manifesto em defesa da pesquisa científica e do Conselho Nacional de Ciencia (Conicet) daquele país. Segundo eles, o Conicet, principal agência estatal de apoio à pesquisa, está sendo desmantelado e ameaçado de extinção. O orçamento para

educação e C&T na Argentina foi reduzido em US$ 120

milhões e hoje apenas 0,4o/o do Produto

Nacional Bruto do país

é destinado à ciência e tecnologia.

Os salários dos servidores

públicos, inclusive os da área de C&T,

foram reduzidos em 12o/o e o pagamento dos auxílios a pesquisadores foram adiados temporariamente.

A França e o genoma humano

"A França pode e deve permanecer no primeiro plano no campo da pesquisa genômica." A afirmação, feita pelo primeiro-ministro Lionel Jospin, está se traduzindo em investimentos. O país decidiu destinar 1 bilhão de francos, por cinco anos, para as pesquisas sobre o genoma humano. Essa quantia vem somar-se aos 500 milhões de francos anuais que a França já destina às pesquisas nessa área do conhecimento. Uma parte substancial dos novos recursos suplementares irá para a nova rede GenHomme, criada para coordenar os trabalhos de laboratórios públicos, associações filantrópicas e indústrias, a fim de acelerar a valorização dos conhecimentos obtidos. A criação da rede GenHomme faz parte do programa Génomique, que o governo francês lançou em janeiro de 1999 para coordenar e estruturar os esforços de laboratórios e empresas.

PESQUISA FAPESP · AGOSTO OE 1000 • 17

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CIÊNCIA

GENOMA FUNCIONAL

AXyle//ase rende e deixa entrar os convidados CARLOS FlORAVANTI

Bactéria do amarelinho incorpora fragmento de DNA que pode mudar as funções originais de seu genoma

Está aberto o caminho pa­ra a transformação gené­tica da Xylella fastidiosa, de modo que se possa reduzir a ação indeseja-

da da bactéria causadora da clorose variegada dos citros (CVC), o popular amarelinho, que tornou improdutivo um terço dos laranjais paulistas. A bióloga Patrícia Brant Monteiro, pes­quisadora do Fundo Paulista de De­fesa da Citricultura (Fundecitrus), com apoio da FAPESP, desenvolveu um plasmídeo - no caso, uma seqüência de DNA construída em laboratório -com partes do cromossoma da pró­pria bactéria, que conseguiu se inte­grar ao seu genoma. Até então, a Xylella não era receptiva a qualquer outro fragmento de DNA. Daqui para a frente, ao transportar genes que alterem as funções originais do genoma, o plasmídeo dará origem às Xylellas mutantes, cuja construção,

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na medida em que se torne rotineira, deve pôr em ritmo mais acelerado os estudos que buscam a compreen~ão dos genes da praga do amarelinho -tanto os já conhecidos, quanto, prin­cipalmente, os desconhecidos. É esse, justamente, o objetivo prioritário do Projeto Genoma Funcional, iniciado no ano passado pela FAPESP.

Com esse plasmídeo, a Xylella en­fim se rendeu. É agora o que se chama de transformante, uma célula modi­ficada geneticamente por meio da in­trodução de um DNA de origem ex­terna. Processo largamente utilizado para modificar o genoma de outros microrganismos, era inédito no caso da praga do amarelinho. "É a primei­ra vez que se fazem transformantes de Xylella': atesta o bioquímico Jesus Apa­recido Ferro, coordenador do Funcio­nal. A seu ver, o projeto vai agora "sair da possibilidade remota para a possibilidade real" de realizar desco-

bertas importantes a respeito do ge­noma dessa bactéria. Segundo Ferro, pode ocorrer até mesmo uma explo­são de resultados, pois as equipes do Funcional que se dispuserem a testar genes vão se beneficiar diretamente do novo plasmídeo, resultado, por sua vez, do seqüenciamento do genoma da Xylella, concluído no início do ano.

A inovação de Patrícia, que fez com que o plasmídeo funcionasse, reside essencialmente no emprego de um trecho do cromossoma da pró­pria bactéria, chamado origem de re­plicação ou, de modo abreviado, OriC. É esse fragmento que inicia o processo de replicação do cromosso­ma, durante a duplicação da bacté­ria. Outra abordagem que ela pôs em prática e não se mostrou tão provei­tosa foi tentar introduzir na Xylella plasmídeos com origens de replica­ção vindos de outras bactérias, como a Escherichia coli, Xanthomonas ou

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Pseudomonas. Com ela, não funcio­nou. "Os plasmídeos feitos com ori­gens de replicação de outras bacté­rias são incompatíveis com o sistema de replicação de DNA da Xylella", ex­plica. "Podem até entrar na bactéria, mas são instáveis."

Um ano perdido - A certeza é a filha da persistência, tanto foram as tenta­tivas mal-sucedidas. Entre dezembro de 1998 e junho deste ano, Patrícia trabalhou como pesquisadora do Fundecitrus no Institut National de La Recherche Agronomique (INRA), semelhante à Embrapa brasileira, na cidade portuária de Bordeaux, sul da França. Seu objetivo era o mesmo de outros grupos do Funcional: estudar a biologia molecular da Xylella e construir um plasmídeo que permi­tisse sua transformação genética. Mas, agora ela sabe, insistiu durante um ano no caminho errado.

Uma bactéria muito semelhante à Xylella, a Xanthomonas citrii, que causa o cancro cítrico e é o objeto de outro programa de seqüenciamento financiado pela FAPESP, aceita plas­mídeos de outras bactérias. Por essa razão, tinha-se como certo que a Xy­lella também aceitaria. Patrícia testou 15 plasmídeos, por métodos diferen­tes - e nada. Em dezembro de 1998, imaginou que poderia conseguir o que queria se usasse partes do geno­ma da Xylella, mas seu próprio orien­tador, o biólogo francês Joel Renau­din, a desestimulou a seguir por esse caminho. Ele havia gasto dez anos até conseguir mutantes de uma bactéria que ataca laranjais na Europa, o Spi­roplasma citri, com fragmentos do próprio microrganismo. E sugeriu que ela tentasse todos os plasmídeos disponíveis para Xanthomonas, dada a semelhança que havia entre as duas bactérias.

Patrícia Monteiro no viveiro de mudas com as marias-sem-vergonha: planta modelo para a pesquisa de Xylellas mutantes

Mineira de Bocaiúva que decidiu ser cientista aos 13 anos, ao conhecer na escola as Leis de Mendel, Patrícia no primeiro momento aceitou o con­selho. Os franceses, afinal, são respei­tados internacionalmente pelo tra­balho com bactérias que atacam os vasos condutores das plantas, como a Xylella. Por essa razão é que estava ali. Mais tarde- após ver centenas de experimentos fracassados e ter acesso ao banco de dados do genoma de Xylella, que mostrava que ela se asse­melha, de fato, à E. coZi - resolveu apostar na intuição.

Com a ajuda de Diva do Carmo Teixeira, farmacêutica de formação e primeira pesquisadora do Fundeci­trus a fazer um estágio no INRA, em 1997 e 1998, que lhe enviava informa­ções por e-mail sobre como cultivar Xylella, Patrícia, às vésperas do Natal do ano passado, começou a montar plasmídeos com trechos copiados, ou melhor, clonados do genoma da bac­téria. Desta vez, foram apenas quatro arquiteturas até verificar, no final de junho, dez dias antes de voltar ao Brasil, que uma de suas invenções ha­via finalmente se incorporado ao ge­noma da bactéria e se mantinha está­vel nas células filhas resultantes do processo de divisão celular.

Bagagem preciosa - Da França, além de dezenas de tubos de ensaio com as bactérias transformadas, outros vi­dros com o plasmídeo na forma de um pó cor de baunilha e umas pou­cas garrafas de vinho, que aprendera a apreciar, Patrícia trouxe uma plan­ta com flores brancas que promete ser bastante útil na etapa inicial de testes das Xylellas mutantes, prova­velmente daqui a dois anos. É a ma­ria-sem-vergonha, mimosa ou vinca ( Catharanthus roseus), que cresce fa­cilmente em áreas sombreadas. Essa planta é um dos hospedeiros naturais de Xylella fastidiosa, que, nesse caso, provoca uma doença denominada

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periwinkle wilt (PW) ou, literalmen­te, murchamento da vinca.

Os exemplares que Patrícia trazia a tiracolo, delicadamente assentados em embalagens de perfume, com as raízes envolvidas por papel embebi­do em água, haviam sido há um ano e meio infectados com a linhagem de Xylella usada para o seqüenciamento do genoma, a 9a5c. Tinham proble­mas de crescimento e as folhas um pouco retorcidas e pontuadas por manchas amarelas. Eram os sintomas não de periwinkle wilt, mas de CVC. Uma raridade, portanto. A partir dessas evidências, a maria-sem-ver­gonha - bastante pesquisada por conter alcalóides empregados no tra­tamento de alguns tipos de câncer -torna-se uma alternativa a mais de planta experimental, na qual a bacté­ria cresce mais rápido do que nos la­ranjais. Em dois meses, a maria-sem­vergonha apresenta os primeiros sintomas do amarelinho, que demo­ra de cinco a nove meses para des­pontar nos pés de laranja.

No início do ano, os pesquisadores do Funcional não contavam sequer com uma planta para acompanhar em laboratório o desenvolvimento da in­fecção causada pela Xylella. O fitopa­tologista Sílvio Lopes, do Laboratório de Biologia Molecular da Universida­de de Ribeirão Preto (Unaerp ), resol­veu o problema ao demonstrar que a bactéria poderia crescer de modo sa­tisfatório em uma variedade de taba­co (Nicotiana tabaccum), bem mais fácil de cultivar que uma laranjeira (ver Pesquisa Fapesp no 53). A falta de uma planta modelo era um dos gar­galos do Funcional, mas não foi o primeiro. Logo depois de iniciado o projeto, os pesquisadores também sentiam falta de um meio de cultura definido para a Xylella crescer e se multiplicar. Poucos meses depois, o desafio foi superado com uma for­mulação elaborada pelas bioquími­cas Eliana de Macedo Lemos e Lúcia Carareto Alves, da Universidade Es­tadual Paulista (Unesp) de Jabotica­bal, que trabalhavam há cinco anos com a bactéria do amarelinho (ver

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Uma forma de modificar a Xylella As funções originais do genoma podem ser alteradas acrescentando-se genes

transportados por um plasmídeo feito com partes do DNA da bactéria

o o ~ <.> z ~ u .,;

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Notícias Fapesp no 45). Patrícia arris­ca que, com a possibilidade de criar mutantes, seja possível também re­duzir o tempo de reprodução da Xy­Zella, hoje de seis a dez horas. É quase uma eternidade quando comparado com os 20 minutos da E. coZi, uma bactéria bastante usada em laborató­rio para multiplicar plasmídeos.

A estrutura bem-sucedida - O plas­mídeo que deu certo é chamado de pl6KOC por causa das três partes que o constituem: a origem de repli-

combinação homóloga, como é cha­mada a troca de partes no genoma. A recombinação homóloga, que tem esse nome por se tratar de fragmen­tos do próprio organismo, é um me­canismo natural dos seres vivos que permite a contínua rearrumação en­tre genes dispersos entre os cromos­somos. "Quanto maior a variabilida­de genética, maiores são as chances de uma espécie passar pela seleção natural e evoluir': diz ela.

Nesse caso, ocorre uma troca úni­ca, chamada singZe crossing over, entre

Zelia pela técnica de PCR (reação em cadeia de polimerase), é o Pl6SrRNA. Tem esse nome porque dirige a for­mação de um tipo especial de RNA, o RNA ribossomal, que compõe os ri­bossomos, compartimentos das célu­las onde se produzem proteínas. Re­lativamente pequeno, o Pl6 tem 831 pares de bases. Os promotores regu­lam a expressão dos genes. Na prática, informam quando e quanto de um gene vai atuar na formação de uma proteína- para quebrar as moléculas de glicose e produzir energia, por

• • .. -------------------------• exemplo. ~ ~ Como um chefe de equipe, o Pl6

• c

o

• • •

Seleção de Xylel/as: cresce apenas a colônia que aceita o plasmídeo (esfera maior)

cação, um trecho de DNA chamado promotor, ambos copiados da pró­pria XyZella, e o gene que confere re­sistência ao antibiótico kanamicina, proveniente de um plasmídeo de E. coZi. A origem de replicação, OriC, que controla o processo de duplica­ção do único cromossoma da XyZella, é o maior dos três fragmentos. Tem 1.890 pares de bases nitrogenadas ou nucleotídeos (adenina, citosina, gua­nina ou timina), elementos básicos do genoma de qualquer ser vivo.

Formado por sua vez de duas par­tes, o gene dnaA e os dnaABoxes, o trecho OriC permite ao plasmídeo se multiplicar algumas vezes no interior da bactéria, independente do cro­mossoma. Desse modo, diz a pesqui­sadora, dá tempo de ocorrer a re-

o promotor do plasmídeo e o promo­tor da XyZella. Algo que, à primeira vis­ta, pode parecer um pouco estranho: é uma troca em que apenas um lado sai ganhando. Em outras situações, quando a operação prossegue, no cha­mado doubZe crossing over, um cro­mossoma cede trechos de DNA para outro cromossoma- aí, sim, se dá urna real permuta. Mas haveria também o risco de a bactéria não incorporar ou­tras partes do plasmídeo além do pro­motor. Na troca única, o resultado final, é a incorporação de todo o plas­mídeo no cromossoma da XyZella. É algo incomurn. Em outras situações, apenas partes dos plasmídeos saltam para qualquer lugar do genoma.

O outro fragmento do plasmídeo, também copiado do genoma da Xy-

~ dirige a expressão do segundo trecho, ~ o gene Kan, retirado de um plasmí­~ ~ deo de E. coZi. O Kan, com 1.100 pa-~ res de bases, produz uma proteína <

que permite à bactéria escapar à ka-namicina. É esse gene que seleciona as bactérias cujo cromossoma incor­porou o plasmídeo, quando submeti­das a um banho de kanamicina, que elimina as que o recusaram, por não serem resistentes a esse antibiótico.

Esses três fragmentos de DNA fo­ram adicionados à estrutura de um plasmídeo de E. coZi, o pBS, bastante utilizado no seqüenciamento da Xy­Zella para transportar e multiplicar fragmentos do genoma. Mas agora o caminho é inverso: o mesmo vetar que transporta pedaços da XyZella para longe dela mostra-se, com al­guns ajustes, eficaz também para transportar DNA para dentro dela. O próprio plasmídeo, independente­mente do que lhe foi adicionado, consegue se duplicar por conta pró­pria, como resultado da ação da ori­gem de replicação colElori, vinda de E. coZi. Desse modo, ao dar carona para os outros fragmentos de DNA, torna-se apto a se multiplicar no in­terior da E. coZi e da XyZella. Ganhou versatilidade, portanto.

"O plasmídeo tinha de ser o mais semelhante possível para ser aceito e permanecer no cromossoma", diz a pesquisadora. Mesmo assim, havia o risco de nem sequer entrar na bacté­ria. Por essa razão, Patrícia não deu chance de a XyZella recusar o hóspe-

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Page 22: Um mistério em partículas

de. Por meio de uma técnica chama­da eletroporação, submeteu a praga do amarelinho a pulsos de alta volta­gem, de 2,5 kiloVolts, quase 200 vezes a energia de uma tomada comum. Foi o bastante para fazer com que amem­brana externa da bactéria se tornasse mais permeável e deixasse passar o plasmídeo. Lá dentro, o promotor Pl6 do plasrnídeo emparelha-se com o pro­motor da bactéria. "Esse foi o único ponto em que a operação progrediu com sucesso", diz a pesquisadora. O plasmídeo integra-se ao cromosso-

Colônia de Xylella ampliada cerca de I O vezes e uma laranjeira

infectada: queda de produtividade

genicidade da Xylella no lugar do pro­motor, por exemplo, o espião pode de fato mostrar como impedir que a Xylella se instale nos laranjais inter­rompendo a condução de água e sais minerais no xilema, os vasos condu-

mo quando é copiado pela en­zima DNA polimerase, no iní­cio do processo de divisão celu­lar (ver ilustração).

Maria-sem-vergonha com CVC: folhas

retorcidas com manchas amarelas

Refinamentos - Patrícia criou um espião perfeito. Consegue enganar a Xylella, instala-se em seu genoma, 378, 2 vezes maior, e passa despercebido, de modo que cumpre sua missão, ainda amena. Os plasmí­deos enviados até agora são, de certo modo, inofensivos. Têm a tarefa, tão­somente, de testar a vulnerabilidade das defesas inimigas. No centro de pesquisas da Fundecitrus, em Arara­guara, Patrícia dedica-se ao desenvol­vimento de plasmídeos com versões mais refinadas, evidentemente com missões mais difíceis. Portando genes diretamente envolvidos com a pato-

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tores mais internos dos vegetais mais evoluídos.

À frente do projeto Produção e Caracterização de Mutantes Não-Pa­togénicos de Xylella fastidiosa, que conta com R$ 42,8 mil mais US$ 45,4 mil financiados pela FAPESP, Patrícia criou um plasmídeo em que encur­tou o trecho OriC. Ficou apenas com uma das partes, a região dnaABox, que funcionou do mesmo modo. Com uma vantagem: por ser menor, reduz as chances de encaixes com ou-

tras partes do cromossomo. Utili­zando alternativas como essa, ela acredita que será posssível anular, bloquear ou, como se diria a partir da expressão knock out, nocautear os genes indesejados, para que não

mais se expressem. Outra 51 ~ possibilidade, é acrescen-z ~ tar ao genoma da bactéria ~

~ genes que dêem alguma ~ ~ vantagem à planta, de ~ modo a informar à planta <

que a Xylella está se insta-lando no xilema, antes que sejam entupidos. "Aí é que começa o trabalho que não sei quanto tem­po vai demorar", suspira, ainda com resquícios do sotaque do norte de Mi­nas. O plasmídeo, segun­do ela, agora carrega qual­quer gene.

Sobrando tempo, quer trabalhar também com as ci­garrinhas, os insetos que transmitem a Xylella às laran­jeiras. "Quem sabe não é pos­sível fazer com que a bactéria produza uma proteína que possa matar as cigarrinhas?': imagina. Novamente, a pes­quisadora mineira diz ter ape­nas uma vaga noção de como desenvolver o trabalho. Mas comentava algo parecido ao iniciar a busca de genes para a

construção dos plasmídeos. •

P ERFIL:

• PATRICIA BRANT MONTEIRO, 34 anos, cursou Biologia na Universida­de Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, fez o mestrado e o doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e o pós-doutorado na Universidade da Carolina do Nor­te, nos Estados Unidos. É pesquisa­dora do Fundecitrus desde 1998. Projeto: Produção e Caracterização de Mutantes Não-Patogénicos de Xylella fastidiosa Investimento: R$ 42.860,00 mais US$ 45.410,45

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CIÊNCIA

BIOQUÍMICA

Antibiótico extraído da aranha Peptídeo encontrado em caranguejeira exerce forte ação antimicrobiana

Os antibióticos não precisam ser produzidos apenas a partir

de fungos. Pesquisadores do Institu­to de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) extraíram da aranha caranguejeira (Acanthoscurria gomesiana) uma substância- a gomesina- que fun­ciona como um antimicrobiano mais eficaz e de efeito mais rápido que os convencionais. Tem tam­bém um efeito mais abrangen­te: em laboratório, mostrou uma forte ação contra 24 es­pécies de bactérias, nove fungos e cinco leveduras. Podendo ser testada em seres humanos daqui a pelo menos três anos, a gomesina repre­senta uma nova linha de antibióticos -formados por moléculas emprega­das por animais invertebrados no combate aos microrganismos - e uma saída promissora contra o sur­gimento de bactérias super-resisten­tes, que exigem mais potência e efi­ciência dos medicamentos, numa velocidade que a indústria farmacêu­tica não consegue mais acompanhar. Hoje, não é mais tão simples tratar uma infecção como após a descober­ta da penicilina, em 1928. Naquela época, bastavam cinco a sete dias de tratamento à base de antibiótico e a recuperação era completa.

"O uso dessa nova geração de an­tibióticos em infecções é muito pro­missor", afirma Antonio Gildo Bian­chi, professor do Departamento de Parasitologia do ICB e coordenador do projeto temático Genes, Peptídeos e Proteínas de Artrópodes de Interesse

Médico e Veterinário, que conta com um financiamento de R$ 380,6 mais US$ 358 mil da FAPESP. "Também é muito interessante descobrir essa aplicação a partir de um estudo básico do sistema imunológico de inverte­brados': comenta Bianchi. No carra­pato do boi (Boophilus microplus), outro invertebrado estudado, os pes­quisadores do ICB identificaram três peptídeos (moléculas de baixo peso molecular formadas por uma cadeia

Caranguejeira: no sangue, substâncias eficazes contra bactérias, fungos e leveduras

de aminoácidos) que, embora não es­tejam tão bem caracterizados quanto o similar da aranha, exercem a mes­ma função: formam uma primeira barreira contra microrganismos in­vasores. Um deles encontra-se no in­testino do carrapato e dois, com ação antibacteriana, na hemolinfa, como é chamado o sangue dos artrópodes, o grupo de animais que inclui também os insetos e as aranhas.

Sirlei Daffre, pesquisadora do ICB que coordena o subprojeto voltado à identificação e caracterização dessas novas substâncias, ficou surpresa ao descobrir que um dos peptídeos do carrapato, com ação contra bactérias

e fungos, é na verdade um fragmente da hemoglobina (a molécula que transporta oxigênio para as células) do boi. Para ela, trata-se de uma indi­cação de que o carrapato deve ter uma ou mais enzima capaz de cortar a hemoglobina do boi, extraindo dela um fragmento que lhe serve de pro­teção contra infecções. "Faz sentido': diz. Os carrapatos habitam regiões próximas aos genitais do boi, uma área bastante suscetível à contamina­ção, e extraem do próprio alimento digerido um peptídeo que lhe garan-

te imunidade. "É um parasita per­feito", comenta.

Situação grave - O problema da resis­

tência a antibióticos, que agora começa a ser ame­

nizado, é sério principalmente nos hospitais, onde as infec­

ções encontram um campo fértil para a disseminação, em vista da bai­xa resistência do organismo dos pa­

cientes que se encontram ali para se tratar. Segundo o Ministério

da Saúde, a infecção hospitalar no Brasil é da ordem de 13,1%

e ainda está fora de controle, mesmo com as medidas preventivas exigidas pelo Programa de Controle de Infecção Hospitalar da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVS). A superlotação de hospitais, o uso indiscriminado de antimicro­bianos e a falta de atualização de pro­fissionais da saúde são alguns dos motivos apontados pela ANVS para o crescimento das taxas de infecção hospitalar, hoje a quarta causa de óbitos no Brasil.

Dos antibióticos hoje comerciali­zados, a maioria atua seletivamente sobre um grupo de bactérias, inibin­do seu crescimento e assim as destru­indo. Sua ação, porém, é lenta, se comparada à velocidade de duplica-

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ção de uma bactéria, que é de apenas 20 minutos. Segundo Sirlei, essa dife­rença de ritmos leva à formação de gerações cada vez mais resistentes de bactérias e põe em xeque a eficácia dos antibióticos convencionais. Espe­cializada em imunologia de insetos e biologia molecular, a pesquisadora tem encontrado uma situação oposta e bem mais confortável à medida que avança seu trabalho com a gomesina, extraído das ca­ranguejeiras fornecidas pelo Instituto Butantan e cuida­das no ICB pelo doutorando Pedro Ismael da Silva Jr. no laboratório. É ele, geralmen­te, no primeiro passo para a purificação e caracterização dos peptídeos antimicrobia­nos, que extrai a hemolinfa do vaso dorsal das aranhas. Para fazer isto, as aranhas são depiladas e mantidas por 15 minutos a -20°C.

cionais demoram de 4 horas (no caso da vancomicina) a 24 horas (no caso de norfloxacina). Além do tempo de ação, estão a favor dos peptídeos os in­dícios de que provocam menos efei­tos colaterais e são pouco ativos contra células musculares e de outros tecidos. A princípio, são também pouco he­molíticas, ou seja, destróem menos glóbulos vermelhos que os antibióti-

cies de bactérias causadoras de infec­ções hospitalares, Staphylococcus au­reus, Staphylococcus saprophyticus, Streptococcus pyogenes e Pseudomonas aeruginosa, que também causa infec­ções no trato urinário e em queima­duras. Seguem-se, igualmente dizima­das, as Staphilococcus saprophyticus, que provoca infecção urinária, as Staphylococcus aureus, causadora de

meningite e furúnculos, e a Streptococcus pyogenes, da febre reumática. A lista é re­forçada com a Klebsiella pneumoniae, causadora da pneumonia; Listeria monocy­togenes, associada à meningi­te e pneumonia; Candida al­bicans, origem da candidíase; Cryptococcus neoformans, da meningite; Salmonella thy­phimurium, da salmonelose; e Tricophyton mentagrophy­tes, da micose superficial. A gomesina atua também con­tra o parasita que causa leis­hmaniose, Leishmania ama­zonensts.

"A gomesina tem ação mais rápida que os antibióti­cos convencwna1s porque atua diretamente na mem­brana da bactéria': explica Sirlei. Os experimentos indi­cam que os peptídeos anti­microbianos fazem buracos na membrana da bactéria e assim a levam rapidamente à morte. Os antibióticos con­vencionais têm outro meca­nismo: atuam no interior da

A estrutura tridimensional da gomesina: em forma de grampo

Os peptídeos exercem um papel importante no sis­tema imunológico de ani­mais e plantas. Constituem as primeiras barreiras contra bactérias e fungos invasores, antes que o organismo ela­bore respostas mais específi­cas, por meio da produção de anticorpos e de células de Para os invertebrados, que células, em processos de formação de

proteínas e na síntese de ácidos nu­cléicos como o DNA e o RNA. Por isso, são mais lentos. Essas diferenças tornaram-se evidentes com um expe­rimento que comparou os antibióti­cos convencionais com um peptídeo semelhante à gomesina, a protegrina, extraída de leucócitos (células do sangue) de porcos, animais que não perderam os mecanismos de defesa mais antigos mesmo com sistema imunológico mais sofisticado.

Resultado: a protegrina leva 1 O mi­nu tos para provocar uma redução no número de bactérias de 1.000.000 para 1.000, enquanto antibióticos conven-

24 · AGOSTO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

cos convencionais, algo que pode ser uma tábua de salvação em casos ex­tremamente graves, quando se trata de organismos muito debilitados.

Efeito abrangente - Além da baixa concentração necessária para obter o efeito desejado, o gomesina é um for­te candidato a ser utilizado como an­tibiótico peptídico por ter um largo espectro de atividade. Testes realiza­dos em cultura de células demonstra­ram que esse peptídeo apresenta uma forte ação contra 14 bactérias do tipo gram-positivas, dez bactérias gram­negativas, nove tipos de fungos e cin­co leveduras. Abrem a lista três espé-

defesa. contam somente com o sistema imunológico inato, os peptídeos são vitais. "Diferentemente dos vertebra­dos': conta Sirlei, "os invertebrados não produzem anticorpos e a resposta a um microrganismo invasor é sem­pre a mesma". Os vertebrados con­tam com peptídeos como defensinas, protegrinas e lisozimas do sistema inato que atuam em secreções das mucosas nas vias respiratórias, no trato digestivo, urinário e nos genitais impedindo que microrganismos pe­netrem e se instalem no organismo.

Segundo Sirlei, o estudo das apli­cações dos peptídeos, para avançar,

Page 25: Um mistério em partículas

teria de contar com uma estrutura de pesquisa mais sotifisticada e o inte­resse das indústrias farmacêuticas. Além de resultados consistentes, ates­tados por revistas científicas de circu­lação internacional- a mais recente é o ]ournal Biological Chemistry, que aceitou para publicação o estudo de determinação da estrutura da gome­sina-, a equipe do ICB dispõe de ou-

uso local, mas testes realizados com camundongos indicam que são tam­bém eficientes na forma injetável. "A administração oral também seria viável, mas depende do desenvolvi­mento de uma composição que não se altere com a ação das enzimas di­gestivas", diz ela. Quando comparada com alguns entre os cerca de 500 peptídeos identificados, a gomesina

Sirlei: descobertas resultam do estudo do sistema imunológico de invertebrados

tro trunfo para negociar essa próxi­ma etapa: a gomesina está patenteada há já dois meses. No exterior, as pes­quisas avançam e até mesmo os testes com seres humanos, ainda distantes no Brasil. A própria Sirlei trabalha em colaboração com Philippe Bulet, do Conselho Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) de Estrasburgo (França), que se aliou com outros pes­quisadores para abrir uma empresa e produzir peptídeos de artrópodes em escala industrial, com fins terapêuti­cos. Nos Estados Unidos, uma linha de pesquisa em fase empresarial tra­balha com a protegrina, em busca de um composto para tratamento de úl­ceras na mucosa bucal. No Canadá, um produto para assepsia de catete­res com base nessas substâncias já foi liberado para uso.

Perspectivas- Segundo Sirlei, a apli­cação dos peptídeos está focada no

apresenta uma vantagem: é uma ca­deia relativamente pequena, com apenas 18 aminoácidos. Por essa ra­zão, sua produção por síntese quími­ca torna-se mais simples.

Há indícios de que a gomesina pode também ser obtida por enge­nharia genética. Sirlei conta que, em­bora essa experiência ainda não es­teja concluída, o gene da aranha responsável pela produção desse peptídeo já foi clonado. Abre-se tam­bém a perspectiva de, por meio da clonagem gênica, modificar genetica­mente mosquitos transmissores de doenças de forma que se tornem me­nos hospitaleiros aos parasitas- con­tra os quais os peptídeos antimicro­bianos também atuam. Desse modo, o parasita seria atacado pelos peptí­deos no interior do inseto, rompen­do o ciclo parasitário.

É nesse direção que corre outro subprojeto coordenado por Bianchi.

Há um ano e meio, sob a orientação de Osvaldo Marinotti, que implan­tou no ICB a linha de pesquisa com mosquitos geneticamente transfor­mados, uma equipe se dedica à identificação de subespécies de Ano­pheles, o gênero de mosquitos trans­missores da malária, e ao estudo de sua relação com o parasita Plasmo­dium, o protozoário causador da doença. O que se quer é impedir a sobrevivência do parasita no inse­to. "Já se estudou muito a ação do Plasmodium em humanos, mas ain­da pouco se sabe da relação do pa­rasita com o mosquito", afirma Bianchi. "É claro que criar um mos­quito transgênico implica uma série de questões éticas e exige pesquisas sobre o impacto no meio ambiente." Os resultados, embora já bastante animadores, não devem ganhar uma aplicação tão imediata quanto o controle das infecções com os peptí­deos extraídos dos invertebrados. •

PERFIS:

• ANTONIO GILDO DE BIANCHI, 58 anos, formou-se em Biologia em 1967, concluiu o doutorado em 1972 e a livre-docência em 1977 Instituto de Química da Universi­dade de São Paulo (USP). Atual­mente é professor convidado do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. • S!RLEI DAFFRE, 42 anos, formada em Biologia em 1980, terminou o mestrado em 1983 e o doutorado em 1988 no Instituto de Química da USP. Concluiu em 1992 o pós­doutorado sobre o sistema imuno­lógico da Drosophila melanogaster, a mosca-da-fruta, na Universi­dade de Estocolmo, na Suécia. É professora do Departamento de Parasitologia do ICB da USP des­de 1988. Projeto: Genes, Peptídeos e Proteínas de Artrópodes de Interesse Médico e Veterinário Investimento: R$ 380.670,00 mais US$ 358.000,00

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CIÊNCIA

BIOQUÍMICA

Estudando o metabolismo das frutas depois de colhidas, equipe desvenda os processos bioquímicos que as tornam doces e macias. A pesquisa abre o caminho para mudanças que retardem o amadurecimento e o amolecimento

Será que os quadros de natureza­morta retratam de fato nature­

zas mortas? A resposta negativa surge inevitavelmente quando entramos no laboratório do professor Franco Lajolo, chefe do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêu­ticas da Universidade de São Paulo (USP): ali, bananas e mamões respi­ram normalmente em comparti­mentos com tubos, por onde absor­vem oxigênio e soltam gás carbônico.

Esse é o cenário principal do pro­jeto temático Transformações Bioquí­micas Pós-Colheita e Qualidade de Ali-

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mentos e Matérias-primas. Iniciado há dois anos com financiamento da FAPESP, ele abrange dois temas: o adoçamento e a textura dos vegetais. Os resultados poderão permitir a produção de bananas mais (ou me­nos) doces. No caso da textura, o es­tudo das paredes celulares poderá ajudar a prevenir problemas inver­sos: amolecimento do mamão e en­durecimento do feijão.

As frutas são mantidas em condi­ções controladas de umidade e tempe­ratura, enquanto se recolhem amostras periodicamente para estudar o meta­bolismo delas à medida que amadure-

cem. Para sua preservação, as amos­tras ficam congeladas em nitrogênio líquido a 80 graus Celsius negativos.

Mais qualidade - As frutas estão "vi­vas", inteiras ou cortadas, porque seus processos fisiológicos continuam depois da colheita, fazendo-as mudar de cor, cheiro, sabor e maciez. Coor­denado por Lajolo, farmacêutico­bioquímico doutorado em Ciência dos Alimentos, o projeto busca des­vendar as atividades metabólicas nes­sa fase- ou seja, descobrir tudo o que acontece nas frutas desde a colheita.

As frutas são de procedência conhe­cida e os pesquisadores acompanham seu desenvolvimento desde que surge a flor. "Temos o controle da vida do fruto, para poder fazer todas as com­parações necessárias': diz a química Beatriz Rosana Cordenunsi. São fei­tos controles de umidade, temperatu­ra e respiração, bem como estudados os compostos químicos e a dosagem de

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,

carboidratos, açúcares, amido, sacaro­se e frutose, entre outras substâncias.

Lajolo está otimista com os resulta­dos já obtidos. Explica que as frutas fi­cam doces porque seus carboidratos mudam e macias porque há altera­ções nas paredes celulares da polpa. São diversas as transformações bio­químicas em estudo. Altamente coor­denadas, essas modificações se rela­cionam à ação de enzimas e têm participação de hormônios.

"A idéia do projeto': diz ele, "é saber o que controla essas transformações, qual o mecanismo e as bases molecu­lares envolvidas nesse processo. Por isso estamos estudando mais a fundo os mecanismos associados aos carboi­dratos (para o adoçamento) e à pare­de celular (para a textura), que são parâmetros importantes de qualida­de." Quando se conhecer bem todo esse processo, será possível desenvol­ver tecnologias que aumentem a qua­lidade e a durabilidade dos frutos.

Enzimas adoçam banana -

Para o adoçamento, a pes­quisa se concentrou na ba­nana (Musa paradisíaca), considerada um bom mo­delo do metabolismo de carboidratos: é fácil acom­panhar seu amadurecimen­to, por exemplo, pelas su­cessivas mudanças de cor. Enquanto amadurece, sua respiração se acelera. Além disso, seu consumo de oxi­gênio cresce à medida que as mudanças aumentam. Medindo a respiração, os pesquisadores captam os sinais do trabalho interno de amadurecimento.

A equipe já fez desco­bertas importantes. A ba­

nana é composta por cerca de 20% de amido, que no amadurecimento se transforma em açúcar: isso ocorre porque várias enzimas agem sobre os grãos de amido e os degradam, eh­quanto outras enzimas os transfor­mam sintetizando a sacarose (uma das formas naturais do açúcar). "Uma dessas enzimas, a SPS (sacaro­se-fosfato sintase), interessou-nos particularmente. O que nós vimos -e que não se sabia- é que, no proces­so de amadurecimento, essa enzima tem a quantidade aumentada por ati­vação do respectivo gene: então, é ela que pode controlar a síntese da saca­rose': conta Lajolo.

Ele revela que outra enzima, asa­carose sintase (SS), também pode atuar na formação da sacarose, mas não se sabia como intervinha no pro­cesso. Agora se sabe que na banana a SS não participa da síntese da sacaro­se: enquanto o gene da enzima SPS é ativado, o da SS é desligado.

Genes seqüenciados - Outra con­quista possibilitou essas conclusões. "Um dos resultados inéditos do tra­balho foi a clonagem e o seqüencia­mento dos genes da enzima SPS da banana bem como da ss': ressalta João Roberto Oliveira do Nascimen­to, também farmacêutico-bioquímico, doutorado em Ciência de Alimentos e que trabalha na área de biologia mo­lecular do projeto. Ele isolou e clonou o pedaço de DNA (ácido desoxirribo­nucléico) que contém o código para essas enzimas. Os fragmentos de DNA foram seqüenciados e então se pôde determinar a fórmula desses genes.

"O que nós percebemos sobre a SPS é que, quando a banana amadu­rece e produz bastante açúcar, duran­te dois, três dias, vemos um aumento da quantidade de RNA (ácido ribo­nucléico), sinal de que aquele gene está sendo ativado': resume Nasci­mento. Esse resultado foi confirmado por análises com anticorpos produzi­dos contra as proteínas do fruto pre­viamente purificadas. O grupo conti­nua a estudar a função das demais enzimas que quebram as moléculas dos grãos de amido, fornecendo substrato para a síntese do açúcar.

Também já foram parcialmente obtidas as seqüências dos genes de fosforilases a e ~ amilases. Resultados iniciais com sondas de DNA e anticor­pos mostram que a atividade de algu­mas enzimas depende da ativação de genes no amadurecimento, enquanto a de outras (como a fosforilase) não.

Por dentro da célula - A metodologia básica é avançada: microscopia ele­trônica, sondas de DNA, anticorpos, espectrometria de massa. Mas nem tudo precisa ser tão sofisticado, e um exemplo são os modelos que o grupo desenvolveu.

Beatriz Cordenunsi, doutorada em Ciência de Alimentos e responsável pelos estudos bioquímicos do adoça­mento, explica: "Pegamos a banana, limpamos bem por fora para que não haja contaminação e a colocamos em caixas especiais numa temperatura controlada. No recipiente, há uma sé-

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rie de tubos para entrada e saída de ar. O ar que sai passa por um aparelho, onde é medida a respiração do fruto."

Outro modelo de estudo usa fatias de banana. Os pesquisadores infil­tram nas fatias substâncias que inter­ferem no metabolismo, para poste­rior estudo das reações. Aqui, outra descoberta: as infiltrações com os hormônios vegetais ácido indol-acé­tico e ácido giberélico atrasaram o amadurecimento da banana. Verifi­cou-se que eles afetam a expressão

dos genes ligados à quebra do amido (a e~ amilase).

Textura do mamão - Os estudos sobre textura estão sendo feitos justamente a partir do mamão ( Carica papaya), que amolece com rapidez, além do feijão (Phaseolus vulgaris), que tende a endurecer depois de colhido.

O mamão foi considerado um bom modelo pela evolução de sua textura: como em outros frutos tro­picais, ele muda rapidamente depois da colheita e o amolecimento acele­rado causa grandes perdas.

Pouco se sabe sobre as bases bio­químicas desse amolecimento, mas a equipe resolveu concentrar-se na pa­rede celular. "Estamos associando a estrutura química da parede celular e sua organização química com as enzi­mas que fazem todas essas transforma­ções. E já vimos que há pelo menos uma enzima importante sintetizada no processo- a betagalactosidase (~­gal)': adianta Lajolo.

Os pesquisadores amplificaram parte do gene dessa enzima, que foi

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clonado e seqüenciado. Revelou-se que no amadurecimento aumenta a atividade dessa e de outras enzimas­pectinametilesterase (PME), poliga­lacturorase (PG) e celulase. Consta­tou-se que radiações ionizantes (com raios gama) atrasam em dois dias o início do amadurecimento e também retardam o aumento da presença des­sas enzimas (exceto a celulase) -ou seja, retardam o amolecimento.

Estudos de imunolocalização, de­senvolvidos em colaboração com o

John Innes Center (do Reino Unido), são feitos com anticorpos específicos e microscopia eletrônica. Eles estão mostrando os locais na parede celu­lar e na lamela média, onde ocorrem modificações estruturais associadas a essas enzrmas.

Já com o feijão, freqüentemente armazenado nas condições de umi­dade e temperatura elevadas que prevalecem em grande parte do país, ocorre o endurecimento pós-colhei­ta. Então, sua reidratação fica difícil e o tempo necessário ao cozimento au­menta. "Há prejuízo sensorial, nutri­cional e econômico': ressalta Lajolo. No caso, estuda-se a evolução dos processos nas paredes celulares, cujos polissacarídeos são isolados para es­tudo de sua composição. Não há

conclusões decisivas, mas a pesquisa aponta o ácido ferúlico e a extensina como possivelmente envolvidos no processo de endurecimento.

Transgênicos - "Com esses estudos, estamos dando a base para que pos­sam ser desenvolvidos novos processos de conservação e de qualidade dos frutos, até o limite de propiciar o de­senvolvimento de novas variedades por engenharia genética", admite La­jolo. Ele diz nada ter contra produtos

transgênicos, pois con­sidera importante usar os avanços disponí­veis para criar novas variedades, aumentar a vida útil e melhorar a qualidade dos alimen­tos. "Do ponto de vis­ta de segurança, não há evidências científi­cas de risco à saúde."

O trabalho tam­bém poderá influir no setor de alimentos se­miprocessados - caso dos vegetais já descas­cados, cortados e em­balados-, que são mais perecíveis. Assim, é im­portante saber como o fruto amadurece não só inteiro, mas também

quando semiprocessado, para aumen­tar sua vida útil e sua qualidade. •

PERFIL:

• FRANCO MARIA LAJOLO, 59 anos, formado em Farmácia e Bioquímica pela USP, fez pós-doutorado em Bio­química de Alimentos no Massachu­setts Institute ofTechnology (MIT), dos Estados Unidos, é professor de Ciência de Alimentos e Nutrição Experimental e responsável por vá­rias disciplinas de graduação e de pós-graduação na USP. Projeto: Transformações Bioquímicas Pós-Colheita e Qualidade de Alimen­tos e Matérias-primas Investimento: R$ 180.245,97 e US$ 345.645

Page 29: Um mistério em partículas

CIÊNCIA

. LABORATÓRIO ,

Problemas no Pólo Norte

Fruto do babaçu: experimentos atestam novas aplicações

A última vez foi há 50 mi­lhões de anos, mas aconte­ceu de novo: o Pólo Norte está começando a derreter. De modo totalmente inespe­rado, pesquisadores da Co­missão Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, patrocinada pela ONU, veri­ficaram que uma faixa de gelo de pelo menos 1,6 qui­lômetro de largura do Ocea­no Polar Ártico virou água, numa indicação de que o aquecimento global pode de fato estar afetando as condi­ções climáticas em escala pla­netária. No início deste mês, numa viagem a bordo de um quebra-gelo russo, o oceanó­grafo James McCarthy, da Universidade de Harvard, Estados Unidos, e um dos coordenadores da Comissão da ONU, encontrou camadas de gelo finas a ponto de se­rem atravessadas pela luz so­lar, que sustentava o plânc­ton, logo abaixo. Segundo ele, nunca antes havia sido encontrado água na superfí­cie do pólo. •

Babaçu contra úlceras gástricas

Adotado popularmente co­mo remédio contra reumatis­mo, celulite e até leucemia, o babaçu ( Orbignya phalerata martins) ganhou outra indi­cação, desta vez atestada cien­tificamente: pode também ser usado para lesões gástricas. Especialistas do Departamen­to de Fisiologia e Farmacolo­gia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em experimentos com ratos, com­provaram que o babaçu pode ter, nesses casos, uma eficácia de 70%, enquanto os medica­mentos tradicionais variam ao redor de 27%. Nesse estudo, coordenado por Maria Bernar­dete Maia, empregou-se o pó do fruto do babaçu, a partir do qual se faz o extra to. Vindo do Maranhão, um pacote de 250 gramas do pó de babaçu custa R$ 2,50. Em farmácias, cinco vezes mais.

O bicho-da-seda transgênico

Após 12 anos de trabalho, fi­nalmente deram certo as ex­periências de manipulação

genética do bicho-da-seda (Bombyx mori), realizadas por duas equipes francesas -uma do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS) e outra do Instituto Nacional de Pesquisas Agronômicas (INRA) de Lyon - em cola­boração com grupos japone­ses e americanos. Usando os mesmos métodos de manipu­lação genética do camundon­go e da drosófila, os pesqui­sadores criaram um vetor, o transposon piggyBac, que se mostrou eficiente para en­xertar, no patrimônio gené­tico do inseto, genes que a partir de agora podem ser úteis não só para a produção de seda como para a indús­tria farmacêutica. O bicho­da-seda é um dos primeiros insetos do grupo dos lepi­dópteros a incorporar genes que lhe são estranhos. •

Os novos sagüis da Amazônia

Três novas espécies de sagüis descobertas na Amazônia alargam a vantagem do Brasil como o país que apresenta a

Bombyx mori: com genes de outra espécie

maior diversidade de primatas do mundo, com 25% de todas as espé­cies conhecidas. Na Bacia do Rio Madeira, um gru­po de primatolo­gias apoiados pela União Mundial

de Conservação (IUCN) -Marc van Roosmalen, Tomas van Roosmalen, Russell Mit­termeier e Anthony Rylands - identificaram duas novas espécies, o Callithrix manico­rensis e o Callithrix acariensis, ambos com o tamanho apro­ximado de um esquilo. O pri­meiro tem o corpo banco ou prateado e a cauda preta. O outro é branco, com a cauda preta terminando com uma mancha laranja. Foram en­contrados em 1996 vivendo próximos a comunidades ri-

O Callithrix acariensis (esq.) e o manicorensis

beirinhas, que os adotavam como animais de estimação. Tais relatos somam-se aos de dois primatologistas brasilei­ros, José de Sousa e Silva Jú­nior, do Museus Goeldi, do Pará, e Maurício de Almei­da Noronha, da Fundação Floresta Amazônica, que anteriormente haviam iden­tificado outra espécie, a Cal­lithrix saterei sp.n. Encontra­do em 1994 entre os rios Madeira e Tapajós, tem a face dourada e nua, coberta por raros pêlos alaranjados, ore­lhas nuas e a genitália tam­bém cor de laranja brilhan­te. É também conhecido como mico-leão ou sauim­de-cara-branca. Desde 1990, dez novos macacos foram descobertos no Brasil. O total agora é de cerca de 80. •

PESQUISA FAPESP • AGOSTO DE 2000 29

Page 30: Um mistério em partículas

Observatório deverá decifrar partículas de altas energias que atravessam a atmosfera

MARILUCE MOURA

30 · AGOSTO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

erra E

m Pampa Amarilla, uma região semidesértica no sul da província argentina de Mendoza, que se estende a oeste até o pé da Cordilheira dos Andes, está nascendo, com participação do Brasil e de duas de­zenas de outros países, o Observatório Pierre Auger de Raios Cósmi­cos. Por ora, apenas uma torre de comunicação, um edifício em iní­

cio de construção e o primeiro tanque detector anunciam, perto de Malargue, o futuro empreendimento nessa área de baixíssima densidade populacional -só pequenos criadores de bovinos e caprinos animam aqui e ali uma paisagem em que a planície é a regra, desdobrando-se por uma imensidão de 70 por 50 quilômetros, quebrada por pequenas elevações de, no máximo, 60 metros.

Mas, em 2003, nessa região deverão estar espalhados por uma área total de 10 mil quilômetros quadrados, à distância regular de 1,5 quilômetro entre cada um, os 1.600 detectores de superfície do observatório - os chamados tanques Cerenkov. Deverão estar instalados também quatro detectores de fluorescência- os telescópios "olho-de-mosca"-, um dos quais esférico, com 12 espelhos, no lugarejo chamado Los Leones e três semi-esféricos, com seis espelhos, em pontos periféricos nos limites norte, sul e leste do imenso sítio sul do Pierre Auger. A partir daí, o observatório estará completamente equi­pado para dectetar, analisar e interpretar as partículas raras de altíssimas ener-

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PANGUIPALLI 3740

Telescópio de fluorescência --

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PONTO DE IMPACTO

PESQUISA FAPESP • AGOSTO DE 1000 • 31

Page 32: Um mistério em partículas

gias que, ao bater na atmosfera da Terra, a uma altura de cerca de 50 mil metros da superfície do planeta, iniciam um processo de produção múltipla de novas partículas que geram um enorme chuveiro de mais de 1 bilhão de partículas a atravessar celeremente a atmosfera.

O que se quer com essa caçada de tais partí­culas? Saber o que elas são e de onde vêm. E se possível, a partir desse conhecimen­to, compreender algo mais sobre o big­bang, a portentosa explosão primordial

que, segundo uma das teorias mais aceitas pela física, deu origem ao nosso universo.

Em termos concretos, os cientistas envolvidos no pro­jeto Pierre Auger - que, além do sítio sul, em Mendoza, deverá ter, mais adiante, um sítio norte em Utah, nos Es­tados Unidos - vão investigar partículas que chegam à Terra na freqüência de apenas uma por século, por quilô­metro quadrado. São, portanto, agentes de um fenômeno astrofísico raro, que por isso mesmo demandam para sua observação direta, além de uma área com céu límpido, com pouca cobertura de nuvens e quase nenhuma interfe­rência de luz decorrente da atividade humana (que atra­palharia o trabalho dos telescópios), grandes extensões e

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equipamentos detecto­res de superfície em nú­mero considerável.

Para ter uma idéia mais clara da raridade do evento, vale obser­var que, em média, apenas 30 partículas atingem, por ano, a at­mosfera sobre a área de 10 mil quilômetros quadrados reservada para o observatório em Mendoza. E uma vez que uma dessas partí­culas tenha chegado à atmosfera, em apenas 10 ( -4) segundos ou, o que é o mesmo, 100 microssegundos, o chu­veiro a que elas deram origem atinge a super­fície da Terra. Ou seja, além de raro, o fenô­meno todo é muito rá­pido, daí a necessidade também de um sistema lógico de transmissão e análise de informa­ções extremamente pre­ciso e sofisticado como

o que foi concebido para o Pierre Auger. Mas certamente a característica mais essencial das

partículas em questão é que, sendo subatômicas, com uma massa ínfima de 10 -27 quilogramas, elas têm uma energia que alcança 50 joules, algo equivalente à energia de uma bola de tênis de cerca de 100 gramas no momen­to em que parte do saque potente de um tenista profissio­nal, da categoria do brasileiro Gustavo Küerten ou, me­lhor ainda, do suíço Marc Rosset, a uma velocidade em torno dos 200 quilômetros por hora. Assim, não é à toa a fascinação que exercem sobre os físicos: note-se, a propó­sito, que a energia gerada pela aceleração de partículas dentro do famoso laboratório norte-americano Fermi­lab, situado em Illinois, a cerca de 60 quilômetros de Chi­cago, que vem a ser nada menos que o fenômeno mais energético produzido no planeta, é 100 milhões de vezes menor do que a energia das partículas que estão no alvo do projeto Pierre Auger.

Formalmente, a participação brasileira nesse projeto foi anunciada em 17 de julho último, numa cerimônia no Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), presidida por seu di­retor (e presidente da FAPESP), Carlos Henrique de Brito Cruz. Em termos financeiros , isso deverá se tradu-

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zir, até 2003, num investimento total de US$ 3,5 milhõ­es. Por enquanto, foram concedidos quase US$ 2 milhõ­es, dos quais US$ 1,6 milhão estão sendo aplicados pela FAPESP e US$ 340 mil pelo Ministério da Ciência e Tec­nologia (MCT), através do Programa de Núcleos de Ex­celência em Pesquisa (Pronex). Da parte da Fundação, conforme detalhou seu diretor científico, José Fernando Perez, US$ 1 milhão destinam-se a equipamentos (boa parte deles produzida no Brasil) e material de consumo, enquanto US$ 600 mil são para bolsas de doutoramen­to e pós-doutoramento para pesquisadores de São Pau­lo engajados no projeto.

as se a entrada institucional do Brasil no Pierre Auger é recente, a efetiva participação de pesquisadores brasi­leiros no projeto vem ocorrendo des­de que ele começou a ser mais seria­

mente formulado. A rigor, o observatório começou a ser pensado em 1992, pelo físico norte-americano Ja­mes Cronin, ganhador de um Nobel em 1980 (ver entre­vista na página 36). Logo em seguida, Cronin obteve o apoio de um colega escocês, Allan Watson. Em 1994, tornou-se claro que o observatório teria de ser muito grande e dispor de tecnologia avançada, o que exigia cooperação internacional- e nesses termos, organizou­se uma reunião de trabalho em Paris. Em julho de 1995, nova reunião, de cerca de dez pessoas, no Fermilab. Ali se encontrava um entusiasmado físico brasileiro, Carlos Escobar, hoje professor titular do Departamento de Raios Cósmicos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Originário, como Cronin, da comunidade dos físicos de aceleradores de partículas, e àquela altura

professor no Departamento de Física Nuclear do Insti­tuto de Física da Universidade de São Paulo (USP), de­pois de ter passado alguns anos no Departamento de Física Matemática, Escobar pouco tempo depois foi convidado a participar de uma reunião da Associação Física Argentina, em Bariloche, onde a questão do ob­servatório seria discutida.

Foi em Bariloche que, junto com colegas argentinos e brasileiros, Escobar se preparou para liderar o esforço pela implantação do sítio sul do observatório na Argen­tina. Retornando ao Brasil, procurou Perez, na ocasião já diretor científico da FAPESP, e Lourival Carmo Mônaco,

então presidente da Financiadora de Estudos e Projetas (Finep ), para sondar as possibilidades de apoio institu­cional ao projeto. "Imaginávamos, naquele momento, que a participação brasileira no projeto teria de ser da ordem deUS$ 10 milhões, até porque o Menem (Carlos Menem, então presidente da Argentina) acenava àquela altura com uma oferta deUS$ 15 milhões para a implan­tação do observatório em seu país", lembra Escobar. Apesar da cifra um tanto espantosa, que terminou sere­velando bastante superdimensionada, como de resto se mostraram muito fora das reais possibilidades argenti­nas os acenos de Menem, Escobar recebeu estímulos, nas duas agências de fomento, para ir tocando adiante o pro­jeto. Ele faz questão de ressaltar o apoio que também re­cebeu do físico Oscar Sala, ex-presidente da FAPESP. "As pessoas compreendiam o alcance que o projeto poderia ter para a pesquisa, e até para a indústria brasileira, já que os recursos seriam gastos em sua maior parte no país", comenta. Escobar explica que uma cláusula do projeto do observatório estabelece que no máximo 20%

PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • 33

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dos investimentos de cada país destinam-se a fundos co­muns do empreendimento.

Em novembro de 1995, "com a lição de casa bem fei­ta", um grupo de 20 argentinos e brasileiros, entre os quais, além de Escobar, estavam Ronald Shellard, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), do Rio de Janeiro e Armando Turtelli Jr., da Unicamp, seguiu para uma reunião na sede da Unesco, em Paris, onde seria decidido, entre outras coisas, o local para o sítio sul do Pierre Auger. A Argentina dispunha de três diferentes locais, enquanto Austrália e África do Sul dispunham cada uma de um local, todos já visitados por um search team integrado por um francês, um inglês e um norte americano. Para encurtar a história, com condições ob­jetivas de fato melhores e uma torcida bem organizada (na reunião só havia dois cientistas australianos e dois da África do Sul), a Argentina terminou ganhando a pa­rada, com a área de Mendoza. A lamentar apenas que a escolha da Argentina tenha afastado temporariamente o Japão do projeto, sob alegação da grande distância entre

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os dois países. Há uma possibilidade em aberto de ele participar do sítio norte, que deverá ser em Utah, con­forme decisão tomada em 1997 e cuja implementação está, na verdade, condicionada à demonstração, no sul, de que a concepção técnica geral do observatório é boa.

Outro resuhado da reunião em Paris foi a escolha de Escobar como chairman do Colaboration Board do proje­to por dois anos, função para a qual foi reconduzido uma vez- desde setembro do ano passado, o cargo é ocupado pelo físico francês Murat Boratav.

Desde a reunião de novembro de 1995, o projeto andou muito. Hoje estão instalados na área do observatório dois tanques, ou­tros 18 deverão seguir para lá até o final de setembro e, se tudo correr conforme o cro­

nograma, em novembro já serão 40. São todos produzi­dos pela Alpina Termoplástica Ltda., uma empresa pau­lista instalada no bairro do Jabaquara, na capital, que pode ser situada entre pequena e média (100 emprega­dos), pertencente a um grupo familiar que começou a se formar em 1953, a partir da Alpina Equipamentos Indus­triais Ltda. "Estamos muito orgulhosos de trabalhar para esse projeto': diz o gerente geral da empresa, Estéban Pe­res, um espanhol de Madrid que há 45 anos trabalha pa­ra o grupo. "Fomos escolhidos para fazer o trabalho por

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cientistas que visitaram várias outras empresas em outros países. Se concluíram que tínhamos capacidade de reali­zá-lo, é porque estamos de algum modo na vanguarda tecnológica nessa área", completa ele.

Os tanques, em resina especial, têm 3,60 metros de diâmetro e altura de 1,20 metro, na parte do reservató­rio de 12 mil litros de água. Considerando-se também a estrutura de reforço da parte superior, a altura total al­cança 1,60 metro. O que acontece nesses tanques quan­do as partículas atingem a água é, primeiro, a produção de uma radiação azulada, que é captada por fotossenso-

Área do observatório Pierre Auger Sul

... 2945

res imersos nessa água. Trata-se de uma ra­diação diferente daquela produzida na at­mosfera, passível de ser captada pelos teles­cópios, porque neste caso as partículas excitam as moléculas de nitrogênio, em se­guida elas sofrem uma "desexcitação" e aí é

Rodovia

Ferrovia

que emitem uma luz que sai em todas as direções, com intensidade equivalente à de uma lâmpada de 5 wats, que percorre a atmosfera à velocidade da luz, a 30 quilô­metros de distância. Trata-se, assim, de um processo atô­mico. Já na água, explica Escobar, "a partícula provoca uma modificação das propriedades dielétricas do líqui­do, e é coletivamente que suas moléculas vão emitir ara­diação". E aí trata-se de uma radiação muito mais inten­sa, com quantidade muito maior de fótons e direção cônica, como uma onda de proa. "Como a velocidade da

partícula que entra na água é maior do que a velocidade da luz na água, a captação da radiação nesse meio é mu­ito mais eficiente", diz Escobar.

as é a combinação entre os dois proces­sos de detecção a grande sacada do projeto Pierre Auger. Porque se as par­tículas de um chuveiro entram, em de­terminado instante num tanque, há ali

uma única informação, de alta precisão, enquanto em al­gum dos telescópios que olham para dentro da área do observatório vai se encontrar uma medida mais contínua da radiação do chuveiro, refletindo o acompanhamento do fenômeno em vários pontos, ao longo de seu percurso de 30 quilômetros. E, mais que isso, há uma "conversa" en­tre os dois sistemas intermediada por um sistema lógico. Como? Primeiro, os fotossensores do tanque mandam si­nais para um sistema lógico do próprio tanque e, se os pontos de radiação superarem um determinado limiar, esse sistema alerta o sistema central de computação, que

distribui a informação para o telescó­pio e para outros tanques. Já no teles­cópio, se seus fotossensores dispara­rem e três deles formarem um padrão geométrico razoável, também ocorre o envio de informações para o sistema central e daí para os tanques. Poste­riormente, na área de processamento de dados, coordenada por Shellard, o evento será analisado e, se for o ca­so, guardado. "Mas de modo geral nos­so database ficará mais ocupado com eventos de calibração do que com eventos físicos", prevê Escobar.

Mas a grande questão que persis­te para quem não é do ramo é por que os físicos acreditam que essa ob­servação poderá levá-los a saber o que são e de onde vêm as partículas de altíssimas energias. Bem, eles acre­ditam que as partículas em questão não são fótons, são matéria: têm mas­sa e carga elétrica. Portanto, em prin­cípio seriam desviados pelos campos eletromagnéticos que permeiam o

universo. Mas esses campos são fracos e a energia das par­tículas, ao contrário, imensa. Assim, parece difícil tal des­vio, e as partículas provavelmente mantêm sua rota, que talvez seja possível investigar até uma distância de 300 milhões de anos luz. Ao fim dessa rota talvez estejam co­lisões de galáxias, núcleos ativo de galáxias ou, mais pro­vavelmente, matéria escura, relíquias do big-bang apri- · sionadas no halo da galáxia, massa escura escondida no universo. Por ora, ninguém sabe. Os físicos do Pierre Auger querem saber.

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A assimetria que possibilitou --~--------------------------------------------------

acria~ãodo Havia um pouco mais de matéria que de anttmatéria no big-bang. Ainda bem!

universo mat

Um tanto cansado da rotina de sua área tra­dicional de trabalho- aceleradores de par­tículas -, o físico norte-americano James Watson Cronin, 68 anos, decidiu, em 1992, que passaria a explorar a região de energia

dos raios cósmicos. Mas decidiu igualmente que levaria para seu novo campo de atuação, sem dúvida bem mais especulativo, a filosofia de trabalho pragmática da comu­nidade dos físicos de aceleradores, que inclui entre seus pilares usar sempre a melhor tecnologia de ponta dispo­nível para pesquisa e, se necessário, desenvolver a instru­mentação apropriada aos objetivos de cada projeto. Foi a partir dessas decisões que ele começou a idealizar o pro­jeto do Observatório Pierre Auger de Raios Cósmicos que, coerentemente com sua experiência passada, é bas­tante inovador na concepção técnica e dispõe de uma sé­rie de equipamentos desenhados especificamente para os objetivos de detecção das partículas de altas energias.

Cronin, que em 1980 dividiu com o colega Val Logs­don Fitch o prêmio Nobel de Física, pela descoberta das violações de princípios fundamentais de simetria no decai­mento dos mesons-k neutros, esteve em São Paulo em ju­lho, participando da cerimônia que marcou o apoio for­mal do Brasil ao projeto Pierre Auger. E foi nessa ocasião, no Instituto de Física Gleb Wataghin, na Unicamp, que ele concedeu a Mariluce Moura a entrevista que se segue.

• O senhor poderia tentar explicar em palavras inteligíveis para um leigo o que é antimatéria, um conceito fundamen­tal na descoberta que lhe valeu um Nobel?

-Antimatéria ? O.k. É um fato descoberto empirica­mente para toda porção de matéria. Tomemos um hidra­gênio: é um próton com um elétron girando em volta. Mas sabemos que há um antipróton. Foi descoberto e fi­sicamente produzido num acelerador. E a natureza da antimatéria é tal que, quando se encontra com matéria, ela se destrói e simplesmente se torna ... bem, digamos, pura energia ou partículas instáveis e acaba se transfor­mando no que chamamos fótons ou "partículas leves': Mas o importante é que não poderia haver nenhuma vida, não poderia haver nada se tivéssemos uma igual mistura de matéria e antimatéria. É extremamente im­portante que a Natureza de algum jeito tenha sido capaz

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de desdobrar-se de tal modo que a matéria dominasse, nas galáxias com rerteza e, provavelmente, no Universo. Então, toda partícula é gêmea de uma antipartícula, o próton é carregado positivamente, e o antipróton, negativamente. E quando eles se juntam, todas as estruturas se anulam.

• O senhor e Val Fitch receberam o prêmio Nobel em 1980 pela descoberta das violações de princípios fundamentais de simetria no decaimento de mesons-k neutros. O que isso tem a ver com a relação entre matéria e antimatéria?

-Creio que não é o caso de explicar aqui os detalhes des­sa violação de simetria em mesons-k. O que de fato interessa é que encontramos uma violação no que pensávamos ser uma simetria entre matéria e antimatéria. E vimos que, de fato, no estudo em detalhe dessa partícula elementar en­contra-se uma pequena diferença nas leis da física, entre o universo da matéria e o universo da antimatéria. E acho que a importância da descoberta transcende de longe a pró­pria física das partículas, porque ela permite que se enten­da como o Universo começou com um big-bang quente, ou o que quer que seja, onde a energia é tão alta que não

Page 37: Um mistério em partículas

há como separar matéria e antimatéria. Contudo, com a vio­lação da simetria, e alguns outros detalhes, a assimetria re­sultante entre matéria e antimatéria pôde conduzir a um pe­queno excesso de matéria. E o modo como percebemos as coisas agora nos diz que no big-bang havia quase tanta ma­téria quanto antimatéria, mas um pouquinho menos desta, algo, digamos, como uma parte em um bilhão. E, no mais, toda matéria e antimatéria se aniquilaram produzindo os fótons, esse pano de fundo de microondas que está lá, do qual sabemos e que vemos. O que sobrou, somos nós: uma parte em um bilhão. Isso foi tudo o que foi preciso pa­ra fazer a matéria do Universo. Se você calcular a quantida­de de matéria, ou seja, os prótons, e calcular os fótons, é exa­tamente este o fator que encontrará, de um em um bilhão.

• Mas exatamente o que impediu que no big-bang matéria e antimatéria se aniquilassem completamente?

- Mas elas se destruíram! Só que por causa da assime­tria, da violação da simetria, um pouco de excesso foi produzido. Quero lembrar que foi o físico Andrei Saka-

''Toda matéria e antimatéria se anig,uilaram produzindo os fotons. O que sobrou somos nós: uma parte em um bilhão,,

rov, num artigo publicado em 1967 num jornal russo, quem primeiro exprimiu a idéia de como a noção de uma assimetria entre matéria e antimatéria poderia conduzir a um universo dominado pela matéria. Foi ele, portanto, a primeira pessoa que apontou a significação cosmológica do nosso experimento, que havia sido feito três anos antes, em 1964.

• O senhor poderia estabelecer uma relação entre a sua des­coberta e as mais recentes especulações cosmológicas?

-Você deve estar se referindo às mais recentes medições cosmológicas, ao "universo plano", coisas dessa natureza. Mas acho que a importância da nossa descoberta, no que toca à cosmologia, é o que acabamos de discutir, ou seja, ela permite entender por que estamos num universo domi­nado pela matéria. As novas descobertas da cosmologia são fantásticas. Sabemos agora que, ao que parece, o Uni­verso é muito plano, não tem uma geometria curva de um modo ou do outro. E temos também estes belos sinais do Universo muito jovem, ainda com 4 mil anos, quando o pano de fundo de microondas foi originado.

• E o fechamento do Universo? Ele vai entrar em colapso ou vai continuar a se expandir?

- Bem, o que sugerem os dados atuais- e são dados, não especulações - é que ele não vai se fechar nem explodir, apenas gradualmente irá crescendo. Não há fim para ele.

• Quais são suas expectativas quanto ao Observatório Pier­re Auger?

- Minhas esperanças são de que sejamos capazes de co­letar eventos de alta energia o bastante e que eles mos­trem, por seu caráter, tanto o que são quanto de onde vêm, e que tipos de energia têm. Esses eventos deverão nos dar os tipos de pistas de que precisamos para decidir se há desordem no Universo jovem ou que processos nele acontecem, se há objetos astrofísicos que não conhece­mos etc. Quem sabe nos dêem algumas pistas de coisas que simplesmente não entendemos na nova física, coisas necessárias para entendermos nossas medições. Nosso trabalho, então, é fazer as melhores medições possíveis e, ao mesmo tempo, excluir quaisquer preconceitos sobre as respostas que estaremos encontrando.

• O senhor vê seu trabalho no Pierre Auger como uma con­seqüência natural daquela pesquisa que lhe valeu o Nobel?

-A única coisa em comum entre um momento e outro é a nossa procura por fenômenos grandes e importantes. Tem a ver com a cosmologia, num certo sentido. Ela esta­va presente quando fizemos o experimento original, ain­da que estivéssemos trabalhando num espaço apertado como um acelerador. E sempre me espantou que ali tivés­semos feito algo tão especial, tão misterioso e com conse­qüências de t'ão extraordinária magnitude.

• Vocês não estavam procurando o que encontraram?

-Não. E isso é o que chamamos "cientificidade": você faz uma coisa numa direção e, no fim das contas, faz uma descoberta que tem conseqüências extraordinárias.

• O trabalho com o Observatório Pierre Auger vai obrigá-lo a vir ao Brasil com freqüência?

- O meu trabalho, além de procurar ficar a par do que as outras pessoas estão fazendo, é tentar garantir o apoio político e financeiro para o projeto. Temos um diretor de projeto que realmente se ocupa de todos os detalhes. Isso quer dizer que eu venho para o Brasil, vou ao Vietnã, à Argentina, aonde for preciso. Aqui já estou certo de que temos o apoio do Estado de São Paulo e também do go­verno federal. Na Argentina temos um apoio extraordi­nariamente bom da província de Mendoza, mas ainda te­mos problemas com o governo federal. •

PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • 37

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CIÊNCIA

QUALIDADE DO AR

A saúde dos prédios em exame Concentração de gases maléficos cria edifícios "doentes" nas cidades

A qualidade do ar em interiores é um problema quase desconhe­

cido no Brasil, segundo o professor Racine Prado, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), autor de uma pesquisa financiada pela FAPESP para detectar poluentes em prédios da cidade de São Paulo.

Racine, que teve a ajuda do bolsista Adriano Trotta do Carmo, baseou-se em limites toleráveis segundo padrões norte-americanos e canadenses. O tra­balho revelou a importância da ven­tilação para dispersar poluentes e mostrou que a concentração deles de­pende muito do tamanho das áreas internas e do número de usuários.

Sem vento - Racine explica que, nas cidades, boa parte das pessoas passa entre 80 e 90% do tempo em prédios, muitos considerados "doentes" devido à existência de fontes poluentes neles próprios ou nas vizinhanças e à má ventilação. Hoje, para economizar energia, pouco se usa a ventilação na­tural das janelas abertas já que, depois da crise do petróleo dos anos 70, gene­ralizaram-se os "edifícios com poucas aberturas para ventilação, que gastam menos energia para manter a circula­ção e a refrigeração do ar". Os prédios ficaram cada vez mais fechados e dota­dos de controles de ventilação, tem­peratura e umidade, enquanto a qua­lidade do ar foi ignorada. Assim, "as concentrações médias de vários po­luentes no ar interno aumentaram

Racine: acúmulo de gente e carros, climatização artificial e geração de

calor em cozinhas favorecem a poluição

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muito, devido à pouca troca de ar en­tre o interior do edifício e o exterior". Vários gases - monóxido e dióxido de carbono, amônia, óxidos de enxo­fre e nitrogênio - são gerados por materiais de construção e de limpeza, mofo, cozinhas, lavagem/secagem de roupas e pelo metabolismo humano.

Isso causa duas patologias. Uma é a "síndrome do edifício doente': estado transitório de parte dos usuários (cerca de 20%), cujos sintomas- dor de ca­beça, náusea, irritação de olhos, nariz e garganta, cansaço, falta de concentra­ção e problemas de pele - costumam sumir quando as pessoas saem. A outra é a "doença relacionada ao edifício", causada por bactérias, vírus e fungos.

Os mais expostos - Racine destacou os poluentes amônia, monóxido e di-

óxido de carbono, dióxido de nitrogê­nio, dióxido de enxofre e formaldeído. E selecionou prédios que estariam mais expostos a eles, por características como fachada com poucas aberturas, probabilidade de grande geração de calor interno ou grande movimenta­ção de pessoas e carros. Escolheu hos­pitais, shoppings, oficinas mecânicas, prédios comerciais e universitários. Dos 23 escolhidos, 12 permitiram as medições: 2 hospitais, 1 oficina, 5 pré­dios comerciais e 4 do câmpus da USP. Racine usou um medidor portátil de gases com microprocessador.

A escolha também considerou o tipo provável de poluente. Numa sala escolar, por exemplo, a respiração dos alunos produz dióxido de carbo­no (COz), gás relativamente não tó­xico, mas considerado bom indica-

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dor da qualidade do ar. Na sala pes­quisada, havia 1.000 ppm (partes por milhão) de COz, nível acima do qual pode haver sensação de abafamento e que indica ventilação insuficiente para diluir poluentes mais nocivos.

Na oficina, ao COz somou-se um gás tóxico, o monóxido de carbono (CO), produto da combustão de ma­terial fóssil, sobretudo por carros, e cujo limite de segurança é 50 ppm. A oficina, um galpão de 2.400 m 2 com pé direito de 6 m, janelas frontais e cin­co aberturas verticais no teto, revelou níveis médios de CO que iam de 173 ppm junto à entrada bem ventilada até 500 ppm na área de funilaria e pintura ao fundo - um excesso que causa problemas respiratórios.

Os hospitais estavam poluídos: a esterilização de objetos, bem como o grande número de pessoas e de mi­crorganismos contribuem para isso. Num deles, o nível de CO era de 148 ppm na sala de espera e na área de endoscopia, bem mais do que na casa de máquinas (52 ppm), cheia de equi-

pamentos poluentes, mas com eficien­te sistema exaustor. No outro hospi­tal, o nível máximo de CO era menor na garagem (98 ppm) que na recep­ção (110 ppm) e na lanchonete (125 ppm). Num restaurante, a combustão de gás liquefeito de petróleo na cozinha liberava no limite do tolerável tanto monóxido (média de 55 ppm) como dióxido de carbono (1.000 ppm).

Outros gases danosos encontra­dos foram amônia, dióxido de enxo­fre e formaldeído. Presente na urina, a amônia (NH3) tem cheiro sufocan­te e níveis toleráveis de 25 a 50 ppm. O dióxido de enxofre (SOz), outro subproduto da combustão fóssil, tam­bém tem cheiro sufocante e, acima de 6 ppm, já irrita o sistema respirató­rio. O formaldeído, exalado por ma­teriais de limpeza e de construção, irrita as mucosas e tem índices máxi­mos de 0,4 ppm nos ambientes inter­nos e 1 ppm nos industriais.

Conclusões - A conclusão básica foi a de que a quantidade excessiva de pes-

soas em determinada área favorece a concentração de poluentes muito mais do que se esperava- mais ainda que a presença de fontes poluidoras como certos equipamentos e revesti­mentos de piso. O nível de CO au­menta muito onde há combustão, sobretudo a gerada por carros. Já a presença de CO num escritório, ain­da que em níveis aceitáveis, sugeriu que esse gás, não produzido pelas pes­soas, tivesse sido introduzido pelo sis­tema de ar-condicionado.

Dados obtidos num prédio co­mercial em condições distintas (am­biente fechado e aberto) mostraram que computadores, impressoras e carpetes exalam, além de amônia, di­óxido de nitrogênio (NOz) - um gás de cor marrom escura e cheiro pun­gente, produzido sobretudo no tráfe­go de veículos, que irrita olhos, gar­ganta e sistema respiratório, com máximo recomendável de 5 ppm em ambientes industriais. Em todos os casos, salienta o trabalho, seria possí­vel controlar as fontes poluidoras ou ao menos aumentar a circulação do ar, o que dispersaria os poluentes.

O objetivo foi fornecer dados bási­cos sobre qualidade do ar interno a alu­nos de graduação, definir os poluen­tes, suas fontes mais conhecidas e os efeitos para a saúde, bem como dar uma visão geral de como prevenir e re­solver o problema. No Brasil, quase não há pesquisas na área, mas existem mui­tos prédios doentes, a começar por alguns da capital federal, como se no­ticiou recentemente. O trabalho, que pode embasar outros mais abrangen­tes, aponta procedimentos que mini­mizariam o problema. •

PERFIL:

• RACINE TADEU ARAú JO PRADO, 45 anos, engenheiro civil formado na Escola Politécnica da USP (1987), onde fez mestrado ( 1991) e douto­rado ( 1996). Especializado em siste­mas prediais. Projeto: Investigação de Campo sobre Poluentes no Ar Interno de Edifícios Investimento: R$ 20.348,75

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TECNOLOGIA

No Centro Incubador de Empresas Tecnológicas, no câmpus da USP, 50% das empresas têm projetes iniciados na universidade

INCUBADORAS

Do laboratório para o mercado Pesquisadores fazem a ponte entre a pesquisa e o mundo dos negócios

MARCOS DE OLIVEIRA *

acrescente aumento no núme­ro de incubadoras de micro e

pequenas empresas no Brasil está se transformando na principal ponte de transferência de tecnologia elaborada nos laboratórios de universidades e centros de pesquisa para o mercado

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de produtos e serviços. Em um país não acostumado a fazer pesquisa dentro de empresas, o crescimento de 35% no número de incubadoras ins­taladas, entre julho de 1999 e junho deste ano, é sem dúvida uma boa notícia. Segundo o recente levanta­mento da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreen­dimentos de Tecnologias Avançadas (Anprotec), o total desses condomí­nios empresariais atingiu a marca de 135 unidades contra cem computa­das no período anterior.

Esses números não param de crescer há duas décadas. Em 1989,

eram quatro incubadoras. Cinco anos depois, em 1994, elas somavam 19, subindo para 60 em 1997. O acelera­do salto na instalação dessas empre­sas representa uma nova postura no cenário industrial brasileiro. Elas ga­rantem um espaço crescente no ain­da carente grupo de empresas brasi­leiras de base tecnológica. Um grupo empresarial que, ao redor do mundo, ganha cada vez mais importância por ser um forte indicador de competiti­vidade dos países neste mundo glo­balizado. Vide a emergente influência exercida nos investidores internacio­nais pelo índice Nasdaq, centrado em Nova York, que concentra ações de empresas de tecnologia.

Os dados da Anprotec apontam a existência de 1.100 empresas nas in­cubadoras brasileiras, em fases que vão da gestação à juventude empresarial. Todas têm menos de cem funcionários e, em conjunto, geram 5.200 mil pos­tos de trabalho, incluindo os sócios.

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Essa movimentação empreendedora só foi possível com uma mudança cul­tural despertada no meio acadêmico e apoiada por órgãos públicos. Univer­sidades federais e estaduais, além de prefeituras e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) têm bancado a instalação desses condôminios. ''A estabilidade econômica também deu tranqüilida­de para a estruturação da passagem do conhecimento científico para o setor produtivo", afirma Luís Afonso Bermúdez, presidente da Anprotec.

Olho dos investidores - Do total de incubadoras, 57% mantêm vínculo formal com universidades e cen­tros de pesquisa e 20% in-

tre pessoas físicas e bancos, procura­ram o Cietec em busca de informa­ções sobre a incubadora e suas em­presas. "Nada foi fechado, mas as perspectivas de novos investimentos são grandes", avalia.

Instalado em um prédio cedido pelo Instituto de Pesquisas Energéti­cas Nucleares (Ipen), no câmpus da Universidade de São Paulo (USP), o Cietec segue um padrão comum a grande parte das incubadoras espa­lhadas pelo país. O espaço é cedido por universidades, centros de pesqui-

CENTRO INCUBADÇR

Para o crescimento da empresa dentro da incubadora também vale a convivência entre os pares. "É muito importante a sinergia existente entre os empreendedores instalados em salas vizinhas ou do outro lado do corredor. Há uma constante troca de informações e de cooperação no de­senvolvimento dos projetas", conta Risola. ''As empresas ajudam-se, tan­to no intercâmbio de informações tecnológicas como nas questões bu­rocráticas", afirma Gerhard Ett, sócio da Anod-Arc, uma empresa criada

c

em 1998. Ele desenvolve no Cietec uma série de expe­rimentos na área de trata­mento de superfície de alu­mínio, que trouxe do seu doutorado realizado no Ipen. Até agora, ele conse­guiu melhorar em três ve­zes o revestimento desse me­tal em relação à dureza do processo utilizado nas in­

DE EMPRESAS TECNOLOGIC /i 5 dústrias metalúrgica, têxtil e aeronáutica.

formal. Nesse caso, mesmo sem papel assinado, os laboratórios, as consul­tarias de professores e outros recursos são incorporados ao conhecimento ne­cessário para a efetivação dos projetas.

"Das nossas 15 empresas incuba­das, 50% têm projetas iniciados na universidade, sendo que cerca de 75% dos sócios têm doutorado", informa Sérgio Wigberto Risola, gerente do Centro Incubador de Empresas Tec­nológicas (Cietec), de São Paulo. Ele revela também que, nos últimos oito meses, 19 grupos de investidores, en-

Risola: nos últimos oito meses, 19 grupos de investidores buscaram informações sobre as empresas incubadas

sa e prefeituras. As empresas utili­zam-se de toda a infra-estrutura, ge­ralmente gratuita, como telefone, In­ternet, água e energia elétrica, além de laboratórios da própria incubado­ra ou da vizinhança acadêmica. Pa­gam aluguéis que variam de R$ 150,00 a R$ 600,00 ou, dependendo da incubadora, nem pagam. Todas disponibilizam consultores em áreas como administração, marketing e ju­rídico. As empresas têm prazos que variam de dois a seis anos para se graduar e sair da incubadora.

Apoio financeiro A Anod-Arc é uma das sete empresas instaladas no Ci­etec, das 15 existentes, que recebem financiamento da

FAPESP dentro do Programa de Ino­vação Tecnológica em Pequena Em­presa (PIPE). A manutenção do Cie­tec, como outras incubadoras do país, é realizada pelo Sebrae. Algu­mas, como o Núcleo de Apoio ao De­senvolvimento de Empresas (Nade), a incubadora da Companhia de De­senvolvimento do Pólo de Alta Tec­nologia de Campinas (Ciatec), são custeadas pela prefeitura da cidade.

No âmbito do Nade, a FAPESP fi­nancia projetas para sete empresas das 20 existentes. Segundo o gerente administrativo da incubadora, Décio Sirbone Júnior, 70% dos projetas se originaram na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). Inaugurada em 1995, a Nade conta com quatro empresas em fase de graduação. São elas a Orion, que fabrica aparelhos de fisioterapia, a Geocamp, uma consul-

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toria de mercado, e a Mult Way e a Well Done, na área de informática.

Outra contribuição importante no financiamento de empresas é dada pelo Programa de Capacitação de Recursos Humanos para Atividades Estratégicas (RHAE), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cien­tífico e Tecnológico (CNPq), em for­ma de bolsa aos sócios e funcioná­rios das empresas. Tomando o Cietec como exemplo, a contribuição do CNPq foi de R$ 1 milhão em bolsas de estudo desde 1998, quando foi criada a incubadora. Nesse mesmo período a FAPESP deu um aporte fi­nanceiro total de R$ 1,1 milhão no financiamento para a execução dos projetos.

O Cietec conta com projetos que já resultaram em produtos e serviços, como é o caso da LaserTools (veja matéria na Pesquisa FAPESP no 50), que está até exportando. "Estamos fa­zendo gravações a laser no painel do rádio de um carro da Ford America­na", conta Spero Penha Morato, um dos sócios da empresa. E a Hormogen (veja Notícias FAPESP n° 43) prepa­ra os testes finais para a aprovação de um hormônio de crescimento desenvolvido por ela. Outra empre­sa, a Pro-line, já comercializa próteses de compostos cerâmicos para recons­tituição de problemas bucofaciais. "Nós temos um projeto na primeira fase do PIPE que prevê o desenvolvi­mento de um implante dentário ino­vador", anuncia Laura Braga, uma das sócias da empresa. "Além de to­das as facilidades da incubadora, te­mos acesso a diversos laboratórios do Ipen e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP onde são realizados os testes em animais."

Rápido crescimento - A história das incubadoras no Brasil é curta. A pri­meira surgiu em 1984, em São Car­los. "Foi pioneira", afirma Sylvio Goulart Rosa Júnior, presidente da Fundação Parque de Alta Tecnologia (Parqtec). "Contribuiu para essa ini­ciativa o perfil da mão-de-obra local, que ajudou a atividade de incuba-

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A evolução das Incubadoras no Brasil

2

Fonte:Anprotec

Relação Incubadoras - Universidades

Inexistente D Informal D Formal •

Fonte:Anprotec

ção", diz Rosa. Ele fala das universida­des e centros de pesquisa da região, com duas unidades da Embrapa; a USP e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). "São a base de for­mação diferenciada do empresariado e da mão-de-obra." Para capacitar esse pessoal no mundo dos negócios, a Parqtec criou a Business School para treinar o empresariado a mon­tar empresas e a administrá-las.

Cerca de 40 empresas passaram pelo Parqtec nos seus 15 anos de vida. Das 12 incubadas atuais, três têm projeto financiado pela FAPESP. Uma delas é a Sensis Eletrônica, em­presa fundada em 1995 dentro da in­cubadora por cinco alunos da pós­graduação do Núcleo de Manufatura Avançada da Escola de Engenharia Mecânica da USP. Eles desenvolve­ram sensores eletrônicos capazes de controlar com mais precisão o fun-

g ~ cionamento de máquinas industriais. ~ No começo, eles não pagavam nada ~ pelo espaço de 35 m2 e tinham à dis­;;; posição linha telefônica e toda a in-

fra-estrutura necessária para o tra­balho. Hoje, pagam R$ 600,00 de aluguel e estão perto da graduação.

As incubadoras têm proporciona­do muitas novidades e a participação das universidades é grande. Mas nem sempre esse apoio do meio acadêmi­co foi tranqüilo. "No início, nossas atividades eram vistas como subver­sivas e fomos acusados de ajudar na privatização da universidade", conta o professor Afrânio Aragão Craveiro, gerente do Parque de Desenvolvi­mento Tecnológico (Padetec) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Alguns setores acreditavam que esse tipo de atividade não tinha nada a ver com o meio acadêmico. "Mas conseguimos mostrar que essa é uma tendência mundial e a univer­sidade não pode ficar longe do setor de maior valia atualmente, que é o uso do conhecimento."

Criada em 1992, a incubadora es­pecializou-se na área de alimentos, química e produtos naturais. Hoje, as dez empresas incubadas proporcio­nam um faturamento anual de R$ 2,2 milhões, com a comercialização de 19 produtos, como cápsulas de quitina, substância extraída da casca de crustáceos um subproduto da in­dústria de pesca do estado. É um pó usado na redução de peso por se tra-

o o <( v z <( u ..

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tar de uma fibra natural que evita a absorção de gordura por parte do or­ganismo humano. Também faz su­cesso comercial as cápsulas de vegetais liofilizados (em pó), que substituem o consumo diário de verduras, produ­zidas pela empresa Polimar, que de­pois de três anos na incubadora está em fase de se tornar independente.

Experiência no ramo - A vocação da incubadora de Fortaleza pela área de produtos naturais seguiu o perfil do ambiente acadêmico existente no lo­cal. Foi assim na Parqtec como tam­bém é o caso da Fundação Biominas, que há dez anos foi criada por profis­sionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para atuar no ramo de biotecnologia. "Hoje, 90% das empresas incubadas são de dou­tores, mestres ou pesquisadores que atuam ou se formaram na UFMG", informa Patrícia Mascarenhas, gerente da Bio­minas. Atualmente, as 13 em­presas incubadas já possuem 69 produtos registrados no Ministério da Saúde e 31 em desenvolvimento. Elas tive­ram, no ano passado, um fa­turamento médio de R$ 321 mil mensais, produzindo um total de R$ 438 mil em im­postos.

Uma das empresas de su­cesso da Biominas é a Katal,

que produz reagentes para diagnósti­cos de exames de colesterol, glicose e mais 21 tipos de análise laboratorial. O professor aposentado do Departa­mento de Bioquímica e Imunologia da UFMG e sócio da Katal, Leonides Rezende, desenvolveu uma nova téc­nica de produção para esses produtos aproveitando sua experiência acadê­mica. "É uma tecnologia inédita no Brasil em que os reagentes são lioflli­zados, proporcionando uma diminui­ção de custo do produto em 30%", in-

Laura Braga, da Pro-line:

acesso a laboratórios

do lpen e da USP

(

Unicamp terá incubadora no câmpus

A mais nova incubadora do Estado de São Paulo vai nascer dentro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ela deve estar em funcionamento no início de 2001. "Campinas necessita de mais uma incubadora", afirma Davi Sales, assessor técnico do Es­critório de Difusão e Serviços Tec­nológicas (Edistec) da Unicamp e futuro gerente da incubadora. "Nossa idéia é somar com o Nú-

cleo de Apoio ao Desenvolvimen­to de Empresas (Nade) e criar mais espaço para alunos que dei­xam a universidade com uma boa idéia e um espírito empreende­dor." A estrutura da nova incuba­dora será instalada dentro do Centro de Tecnologia da Uni­camp e terá dez boxes com 30 m2

cada um. Sem espaço, a Nade não lança,

há dois anos, um edital para sele-

forma Rezende. Com isso, a empresa atingiu um faturamento mensal de R$ 60 mil. "Foi a incubadora que per­mitiu a existência da empresa, porque eu não tinha o capital necessário para Imciar o negócio!'

O apoio das incubadoras na cria­ção e no fortalecimento de pequenas empresas é fundamental para que elas possam sobreviver no futuro, de­pois de graduadas. Segundo a Anpro­tec, o índice de sobrevivência das empresas nascidas em incubadoras é de 84%. Esse dado é proporcional­mente inverso aos levantamentos do Sebrae que apresentam índices de mortalidade de 80% das pequenas e médias empresas (não incubadas) nos dois primeiros anos de vida. "As incubadoras reúnem vantagens que minimizam a taxa de mortalidade dos empreendimentos", diz o enge­nheiro de produção Maurício Gue­des, coordenador da incubadora da Universidade Federal do Rio de Ja­neiro (UFRJ) .

Criada em 1994 dentro do Parque Tecnológico do Rio de Janeiro, situa­do na área da UFRJ, a incubadora abriga 12 empresas. Outras 12 já pas­saram por suas instalações antes de se consolidarem no mercado. A incuba­dora produz cerca de 200 empregos e desenvolve 40 produtos e serviços de inovação tecnológica. O faturamento total das empresas ali instaladas foi de R$ 5 milhões no ano passado.

ção de novos pretendentes a se instalar na incubadora. A Nade chegou a 22 empresas em menos de um ano da inauguração, em 1995. Numa região com tanta de­manda de empresas de base tec­nológica como é Campinas, uma nova incubadora é bem-vinda.

Na futura incubadora uma novidade deve atrair novos em­preendedores. A universidade vai colocar à disposição as 142 paten­tes que são de sua propriedade para quem se habilitar a licenciar e a desenvolver os produtos.

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Guedes credita o bom índice de sobrevivência ao rigoroso processo de escolha das empresas. Ou seja, a triagem indica o que é viável ou não. Vários itens são checados na seleção. Possibilidade de interação com a uni­versidade, viabilidade técnica e eco­nômica, perfil das pessoas envolvidas

e impacto da tecnologia no mercado. "Não apoiamos sonhos. Escolhemos as empresas com idéias que melhor vão aproveitar o ambiente da incu­badora", explica Guedes. "Metade das empresas que estão aqui teria morrido se não estivesse na incuba­dora': garante.

A Oceansat, que realiza consulto­ria ambiental por meio de sensoria­mento remoto, foi uma das quatro empresas escolhidas recentemente pelo processo de seleção da incuba­dora. Ela é dirigida por pesquisado­res que trabalharam na área de sen­soriamento no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os com­putadores da empresa são abasteci­dos com informações de satélites so­bre as condições ambientais do litoral brasileiro. São boletins que reúnem dados como temperatura da água, velocidade das correntes e até aparecimento de manchas de óleo no

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Prédio da Fundação Biominas onde o professor Rezende, da Katal, produz reagentes para exames clínicos

mar, rios ou lagoas. "Indústrias pes­queiras utilizam esses dados para captura e localização de peixes, e as companhias petrolíferas, para moÍJ.Í­torar vazamentos", diz o oceanógrafo Reynaldo Solewicz, da Oceansat.

Processo de seleção -Ter boas idéias não basta para ser aceito em uma in­cubadora. É preciso muito mais. "Os empreendimentos são analisados sob critérios como grau de inovação dos produtos, potencial mercadológico e capacidade gerencial, além da interação com a universidade': explica Sheila Oliveira Pires, gerente da Incubadora de Empresas do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico ( CDT) da Universidade de Brasília (UnB). "O processo de seleção ocorre uma vez por ano e é feito por uma comis­são técnica que julga as solicitações."

Com 11 anos de existência, a in­cubadora da UnB apoiou 45 empre-

sas que produziram 154 novos pro­dutos. Hoje, são 13 empresas que es­tão no processo de gestação. Entre 1997 e 1999, essas empresas criaram 160 postos de trabalho nas áreas de informática, mecânica, telecomunica­ções, biotecnologia, racionalização de energia e geofísica.

Alguns laboratórios da UnB são utilizados no desenvolvimento das pesquisas de inovação tecnológica, professores prestam consultaria às em­presas e os alunos de graduação são convidados a fazer estágio. Dos sócios e funcionários das empresas da incu­badora, 68,5% têm graduação com­pleta, 14,2% possuem mestrado e dou­torado e 17% estão na graduação.

Cerca de 70% dos projetos assisti­dos pela incubadora são apresenta­dos por alunos e ex-alunos da UnB, como é o caso do "pasteurizador hí­brido", idealizado por Rubens Júnior no trabalho final do curso de Enge­nharia Mecânica. Com ajuda dos co­legas de turma Weyder Jorge e Joveli­no Júnior, o invento ganhou forma e vem chamando a atenção de peque­nos produtores. O pasteurizador tem preço baixo e elimina o risco de con­taminação. "É cem por cento seguro", diz Jorge. Em uma hora e meia, o equipamento eleva a temperatura de até 50 litros de leite e depois a reduz rapidamente para matar os micror­ganismos nocivos à saúde humana.

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Detalhe: esse processo é realizado com o leite envasado. Normalmente o envase é feito após a pasteurização -procedimento que o novo pasteuri­zador também pode executar, daí porque é chamado de híbrido.

O equipamento custa R$ 10 mil, metade do preço de um pasteuriza­dor convencional, e está em testes na Secretaria de Agricultura do Distrito Federal. Nesses casos em que o resul-

Solewicz, da Oceansat:

empresa de consultoria

ambiental

tado do trabalho é comercializado, a UnB tem direito a 1 o/o do faturamen­to do produto a título de royalties.

Nova etapa- "A incubadora tem pla­nos ambiciosos para o futuro': afirma a gerente Sheila. No próximo ano será construído um novo prédio para o empreendimento dentro do parque tecnológico da UnB. Isso aumentará a capacidade do CDT em abrigar cer­ca de 25 empresas. Essa é mais uma etapa dessa incubadora que recebeu no ano passado o título de melhor projeto do gênero no País, concedido pela Anprotec "Foi o reconhecimento de um trabalho realizado ao longo desses anos': comenta Sheila.

Outra incubadora reconhecida pelo trabalho prestado nos últimos anos é o Centro Empresarial para La­boração de Tecnologias Avançadas (Celta), de Florianópolis, Santa Cata-

nna. O embrião dessa incubadora surgiu nos primeiros anos da década de 80 quando grandes empresas ins­taladas no estado, como Cônsul, Me­tal Leve, Weg e Embraco, procuraram a Universidade Federal de Santa Ca­tarina (UFSC) em busca de soluções para problemas tecnológicos. Daí nasceu, em 1984, a Fundação Certi -Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras, uma entidade privada sem fins lucrativos. A idéia era inten-

sificar a transferência de tecnologia da universidade para o setor privado, com ganhos para ambos os lados.·

Em 1986, a Certi propôs a criação de uma incubadora em Florianópolis com a missão de dar suporte à cria­ção e ao crescimento de novos em­preendimentos de base tecnológica. Hoje, o Celta funciona em um prédio de 10.500 m\ onde trabalham cerca de 600 pessoas. Na incubadora, os empresários dispõem de toda a infra­estrutura necessária à produção, in­cluindo secretaria, limpeza, segurança, office-boy, correio, bancos, restauran­tes e lojas. Contam também com di­versas assessorias. "Só precisam sair daqui para dormir': afirma o gerente de Negócios, Tony Chierighini.

Inovação para o país- Para candida­tar-se a uma vaga na incubadora é preciso apresentar um plano de ne-

gócios nas áreas de eletroeletrônica, telecomunicações, informática, enge­nharia biomédica, mecânica de pre­cisão ou novos materiais. Em qual­quer dos casos, o plano deve incluir alguma dose de inovação, pelo me­nos para o Brasil.

O perfil dos incubados é de jo­vens estudantes ou recém-formados oriundos das universidades, principal­mente da UFSC. "Isso acontece por­que, antes, os cursos universitários estavam voltados para formar em­pregados. Hoje a ênfase é para gerar empreendedores': avalia Chierighini. Ele se orgulha em dizer que o Celta é auto-sustentável. "Na fase inicial o governo do estado bancava um terço das despesas operacionais e também construiu este prédio. Mas hoje vive­mos com recursos próprios."

O Celta também se encarrega de buscar parceiros capitalistas para idéias "boas e novas". Nos últimos meses, com a criação do programa Alavanke, a incubadora viabilizou o investimento de R$ 1 milhão de um banco privado em uma empresa in­cubada. Os nomes ainda não podiam ser divulgados no início de agosto. E há outros cinco investimentos dessa magnitude em andamento.

Ao todo, 21 empresas saíram do Celta. Dessas, 15 foram liberadas en­tre 1986 e 1995, quando a incubado­ra ocupava uma área de apenas 1 mil m2 e podia abrigar, no máximo, dez empresas. Atualmente há 30 incuba­das e a expectativa é que, até março de 2001, mais dez saiam da incuba­dora. Das 51 empresas que passaram pelo Celta, 23 nasceram com tec­nologia gerada na UFSC. Segundo Chierighini, o índice de mortalidade de empresas após a saída do Celta é zero. "Nós temos empresas que mor­rem aqui dentro. É um índice de 10%. Mas depois da saída, até agora, nenhuma morreu."

Uma que vai muito bem, obriga­do, é a Conversores Estáticos Brasilei­ros (Cebra). A empresa nasceu na in­cubadora e lá permaneceu de 1990 a 1994. O investimento inicial dos qua­tro sócios, todos mestres pela UFSC na

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área de Eletrônica de Potência do cur­so de Engenharia Elétrica, foi de ape­nas R$ 6 mil. Eles decidiram tentar a sorte como empreendedores durante o mestrado. Não receberam qualquer tipo de financiamento. Apenas o in­centivo, entre 1992 e 1994, de duas bolsas RHAI para dois técnicos con­tratados. Hoje, os dois estão entre os 35 funcionários da empresa que fatu­rou R$ 2,5 milhões em 1999 e prevê faturar R$ 3,5 milhões este ano.

Outro foco - A Cebra produz fontes de alimentação elétrica chaveadas para as áreas de telecomunicações, automação bancária e comercial. En­tre seus clientes estão grandes empre­sas como Siemens, Intelbrás, IBM, Itautec, Olivetti e Bematec. "Nossa intenção quando entramos na incu­badora era fabricar fontes de compu­tadores, mas hoje elas podem ser en­contradas por R$ 35,00 em qualquer lojinha de informática. Por isso redi­recionamos o nosso foco e passamos a produzir, sob encomenda, fontes es­peciais, com mais conhecimento tec­nológico agregado': explica Alexandre da Cunha, de 36 anos, um dos quatro sócios da Cebra. "Procuramos nichos de mercado que precisem de produ­tos especiais, produzidos em peque­na escala", revela.

Certamente muitos casos de su­cesso estão presentes na história des­se tipo de condomínio empresarial, com prevalência acadêmica, surgido na década de 50 nos Estados Unidos e na Europa. Os mais famosos são as empresas de informática do Vale do Silício, na Califórnia, e as de eletrôni­ca de Boston, formadas por profis­sionais vindos do Massachusetts Ins­titute of Technology (MIT). Hoje, existem cerca de mil incubadoras es­palhadas pelo mundo. Pouco mais de SOO ficam nos Estados Unidos. Ago­ra, chegou a vez de as incubadoras ganharem espaço no Brasil. •

*Colab o r ar am: W AGNER DE O LI VEIRA (RJ),

SI LVANA PISAN I (SC) , RODRIGO CAETANO (DF)

E L UCAS ECHIMENCO ( São Ca rlos )

46 • AGOITO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

TECNOLOGIA

AGRONOMIA

Na sintonia do tempo

Aparelho controla umidade e permite uso correto de agrotóxicos

Dois engenheiros, um agrônomo e outro eletrônico, uniram-se

num projeto que protege plantações e o meio ambiente: um equipamento que prevê ataques de fungos e a con­seqüente doença das folhas, serve para qualquer cultura tropical e reduz dras-

ticamente o uso de agrotóxicos. Fábio Valadão, em sua pequena empresa de Campinas, a Microdesign Informáti­ca, desenvolveu o projeto Equipa­mento para Previsão de Doenças Fún­gicas em Vegetais, e Nilson Villa Nova, professor da Escola Superior de Agri­cultura Luís de Queiroz (Esalq), de Piracicaba, coordenou o trabalho que é financiado pelo Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP.

O aparelho reduz os gastos com fungicidas para até um terço do total

- o que, dependendo da cultura, equivale a até 25% dos custos de pro­dução. Também indica o momento adequado de pulverizar a lavoura e o número de aplica­ções. Além de tudo, o uso do defensivo na medida certa evita excessos na contaminação das plan­tas, do meio ambiente, bem como da pessoa que faz a aplicação do veneno e dos consumi­dores do produto.

Os pesquisadores explicam que o poten­cial de infestação de do­enças fúngicas é direta­mente proporcional ao número de horas que a água fica sobre as folhas. E está sempre associado a temperaturas eleva­das, e a índices altos de umidade relativa do ar e de chuvas, que contri­buem para manter as plantações molhadas.

Em geral, o agricul­tor resolve pulverizar as plantas simplesmente porque nota que elas fi-

Painel solar mantém bateria e sensores do equipamento cam molhadas por mui-

Page 47: Um mistério em partículas

to tempo. O equipamento, que opera como uma estação de alerta sanitá­rio, evita essa tomada de decisão sem critério científico. Para isso, é dotado de um sistema de previsão da ocor­rência de fungos numa cultura, que funciona por meio do processamen­to de dados meteorológicos.

Painel solar - Chamado de Equipa­mento de Previsão de Doenças Fún­gicas (EPF System), ele tem raio de ação variável, dependendo da topo-

A arquitetura do equipamento, por meio de suas interfaces, permite que as informações dos sensores agrometeo­rológicos possam ser coletadas em até 30 pontos diferentes. Além da coleta ser disponibilizada por um sistema de rádio de forma automática, existe ainda uma pulseira com um botão metálico que necessita apenas ser en­costado no EPF para a coleta dos da­dos. Depois, todas as informações são armazenadas e processadas num computador do agricultor, de onde é

Vi lia Nova e Valadão: alta precisão, custo baixo e software para cada cultura

grafia do terreno. Nas áreas planas, a amplitude de monitoração pode atingir 10 hectares. Em qualquer si­tuação, ele dispensa a energia elétri­ca. O EPF é alimentado por meio de baterias de 6 volts, que são carregadas por um painel solar.

Todas as informações são coleta­das pelo aparelho por meio de um conjunto de sensores acoplados a um microprocessador, que processa e in­dica em um visor ou por um tipo de interface de coleta (rádio ou coleto­res eletrônicos) a possibilidade de in­festação da doença e do grau de seve­ridade esperado. Os sensores medem as temperaturas máxima, mínima e média de um período, a umidade re­lativa do ar, o índice de chuvas, além da intensidade e a duração do perío­do de molhamento foliar.

possível elaborar um relatório que serve para analisar e programar, com facilidade, os momentos mais ade­quados para a pulverização.

Existem no país outros equipa­mentos de previsão de doenças vege­tais, na maioria importados. São ca­ros - as configurações básicas custam de US$ 3 a US$ 5 mil nos países de origem e chegam ao Brasil pelo dobro -,não contam com assistência técni­ca aqui e sua manutenção é difícil.

"Esses aparelhos': acrescenta Vala­dão, "também não fornecem ao usuá­rio comum uma informação simples e clara que o ajude a decidir, porque são destinados mais ao uso na área cien­tífica. Não possuem display gráfico e, como os dados são registrados de for­ma 'empilhada', exigem prévio conhe­cimento das grandezas monitoradas e

de seu peso no resultado final, o que dificulta o manuseio pelo agricultor."

Tecnologia nacional- Já o equipamen­to da Microdesign, segundo Valadão "está adaptado às condições tropicais e à realidade agrícola brasileira': Ele reve­la que só três componentes do equipa­mento- transdutor de umidade relati­va (capta as informações e transforma em grandeza elétrica), pluviômetro (mede a quantidade de chuva) e caixa do abrigo do termohigrômetro (mede a umidade relativa do ar e temperatura) - são importados, porque são produ­zidos em escala mundial, com preços compatíveis e boa qualidade. O res­tante é fruto da tecnologia nacional.

A equipe da Microdesign desenvol­veu os circuitos eletrônicos utilizados nos sensores do molhamento foliar e os do termohigrômetro, pois os con­vencionais existentes no mercado não atendiam às especificações do proje­to- alta precisão, repetibilidade, con­fiabilidade, custo baixo e possibilidade de conexão em rede. A empresa tam­bém desenvolveu o software embutido no microprocessador (firmware), on­de todos os processamentos de sinais matemáticos foram incorporados.

O equipamento está em fase de acabamento. Depois de testados os sensores e o sistema de aquisição dos dados, começaram os testes de cam­po. Valadão revela: "Estamos encami­nhando 20 protótipos para centros de pesquisa como o Instituto Agro­nômico de Campinas (IAC), a Esalq e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal, que farão tes­tes de fitopatologia para verificar o desempenho do equipamento e par­ticularmente dos sensores, para saber se há necessidade ou não de alguma modificação no modo de operação deles, para adequá-los a alguma con­dição mais específica, como a manei­ra de integração dos sinais, ou mes­mo para otimizar ou tornar mais prática a aplicação de campo e, assim, aperfeiçoar o uso do aparelho".

Participação científica - Para Valadão, os convênios entre sua empresa e a

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área científica são fundamentais para o estabelecimento dos parâmetros confiáveis nos algoritmos (conjunto de regras bem definidas para solução de problemas com número finito de etapas) de prevenção específicos para cada cultura. Isso é importante por­que os algoritmos variam conforme a cultura. "No nosso projeto", acrescen­ta Villa Nova, "o algoritmo de alerta

estará disponível até o início de 2001. O agricultor poderá comprá-lo numa rede de revendas autorizadas, que te­rão técnicos treinados para instalar e fazer a manutenção. Poderá ser adqui­rido em operações de leasing, via Ban­co do Brasil ou Caixa Econômica Fe­deral: o usuário paga uma prestação mensal, recebe assistência técnica e ao fim de 24 meses fica com o apare­

motobomba e válvulas de controle hidráulico).

Esses aparelhos foram lançados no mercado e já estão à venda. Trata­se de uma receita importante para o faturamento médio mensal de R$ 20 mil da Microdesign, uma empresa com apenas três empregados que produz e vende 12 produtos.

tem uma fórmula específica para cada cultura, que rela­ciona a temperatura, a umi­dade e dá o grau de severida­de de ataque da doença. Se em determinada cultura a

" . - lho. Além dis­so, paga o soft­ware de cada

Fundada em 1984, a empresa con­centrou-se em informática e apare­lhos eletrônicos de uso agrícola. Vala­dão desenvolveu, por exemplo, um

planta fica molhada 20 ho-ras, por exemplo, a uma temperatura média de 18 graus centígrados, ela estará sujeita a uma infestação fún­gica grave."

O equipamento na con­cepção atual, com quatro ti­pos de sensores e destinado a funcionar numa área pla­na, tem o seu custo estimado entre R$ 3,5 mil e R$ 4 mil (ou deUS$ 1,8 a US$ 2 mil),

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cultura, no valor de cerca de R$ 500.

O financiamen­to da FAPESP já foi empregado no desenvolvimento da

Sensor de molhamento de folhas, à esquerda, e o termohigrômetro que mede a umidade relativa do ar e a temperatura ambiente

sistema de automação, por controle remoto, de pivôs centrais de irriga­ção e um sensor para monitoramento de pas­sagem de grãos em plan­tadeiras, com o qual conquistou o Prêmio Governador do Estado no 18° Concurso Nacio­nal do Invento Brasilei­ro, em 1990. Em 1994, um produtor de tomate lhe falou dos problemas que tinha com a pulve­rização da plantação e queixou-se de gastar mui­to dinheiro com veneno, muitas vezes, desperdiça­do quanto aplicado antes das chuvas. Então o enge-

nheiro começou a pesqm-

pode monitorar 10 hectares e ser usa­do para qualquer cultura, desde que configurado com o software corres­pondente. A forma de leitura das in­formações também vai influir no preço do aparelho. A simples visualização das informações no visor do equipamen­to ou a captação por meio da pulseira com botão vai deixar o EPF System mais barato. Já com a adaptação para um sistema de radiotransmissor, que le­va as informações diretamente ao com­putador do agricultor, haverá um au­mento de R$ 2,5 mil nos custos.

mecânica, na compra de instrumen­tos de laboratório e na montagem dos protótipos que vão para os centros de pesquisa, onde devem ficar em testes por seis meses. Esses centros recebe­rão royalties pelo trabalho que levar ao aperfeiçoamento das soluções ne­cessárias para cada cultura.

sar seu novo invento. •

O equipamento processa e prepa­ra as informações agrometeorológi­cas, faz os cálculos baseados nos algo­ritmos instalados e responde se haverá ou não ocorrência de doen­ças, bem como o grau de severidade da infestação. A partir daí, o agricul­tor calcula a dosagem da pulveriza­ção, conforme critérios definidos por um fitopatologista.

Valadão pretende patentear o equi­pamento antifungo e calcula que ele

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Subprodutos - O projeto não se esgo­tou no equipamento para previsão de doenças fúngicas: teve como sub­produtos uma série de aparelhos controladores para serem usados em estufas, ambientes internos, filtros de lavagem (retrolavagem e lavagem em irrigação localizada), mesas-balanças de viveiros (indicam os períodos cor­retos de irrigação) e conjuntos bom­ba-válvula (permitem sincronizar

PERFIS:

• NILSON AUGUSTO VILLA NOVA, 67 anos, é engenheiro agrônomo for­mado na Esalq, de Piracicaba, onde também fez doutorado em Agro­meteorologia. É professor associa­do da Universidade de São Paulo (USP) na Esalq. • FABIO TAVEIRA VALADÃO, 47 anos, formou-se em Engenheira Eletrô­nica e de Telecomunicações na Fa­culdade de Engenharia Elétrica da Universidade Estadual de Campi­nas (Unicamp ). Projeto: Equipamento para Previsão de Doenças Fúngicas em Vegetais Investimento: R$98.277,20

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TECNOLOGIA

, __ -. LINHA DE. R_RODUÇî

Pixy: baixa altitude com câmaras fotográficas e de vídeo

Instrumento alado é útil em pesquisas

Um pequeno avião sem pilo­to e guiado por radiocontro­le pode ser o novo objeto de desejo de alguns pesquisado­res. Principalmente, aqueles de áreas que necessitem de sensoriamento a baixa alti­tude como agronomia, geo­logia, pedologia, hidrologia e geografia. Esse artefato voa­dor capaz de carregar câma­ras fotográficas e de vídeos foi desenvolvido na França numa cooperação entre o Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), Es­cola Superior de Engenharia de Construções Aeronáuti­cas (Ensica) e a empresa ABS Aérolight, que já está produ­zindo o aparelho. Com o nome de Pixy, o avião voa entre 15 e 30 km/h e também está indicado para localizar sítios arqueológicos, acom­panhar fenômenos como inundações, desmoronamen­tos e ajudar na vigilância de

áreas expostas a riscos de poluição. É portátil e pesa seis quilos. •

Teste detecta soja transgênica

Como saber se um produto é ou não transgênico? Essa dú­vida já pode ser elucidada por um teste desenvolvido no Brasil, capaz de detectar se um grão ou um subpro­duto de soja têm modifica­ções genéticas. O teste, que possui similares somente fora do país, foi criado por pesquisadores do Instituto de Biotecnologia Aplicada à Agro pecuária (Bioagro) da Universidade Federal de Vi­çosa (UFV), em Minas Ge­rais. A coordenação foi dos professores Maurílio Alves Moreira e Everaldo Gonçal­ves de Barros. A pesquisa identificou o gene de uma bactéria resistente ao herbi­cida glifosato que foi incor­porado ao código genético da planta de soja. "Hoje, po-

demos identificar o DNA de qualquer material transgêni­co existente em outras espé­cies vegetais, como o milho", informa Moreira . Diversas empresas estão procurando a Agrogenética, empresa cria­da pelos professores na incu­badora da UFV para comer­cializar a aplicação do teste. Embora a soja transgênica continue proibida no Brasil, a vigilância sobre esse pro­duto é severa. "Empresas que exportam, principalmente para a Europa, nos procu­ram em busca de um laudo comprovando a negativida­de transgênica." Entre elas está uma que coleta amos­tras de navios de vários por­tos do País. O índice geral de detecção de soja modificada não chega a 10%. "São amos­tras de soja coletadas no por­to de Rio Grande (RS), com produtos argentinos ou pa­raguaios", esclarece Moreira. Grandes empresas como Carrefour, Nutrimental e Se­ara também pedem análises de matéria-prima de seus produtos e da ração que ali­menta os animais comercia­lizados por elas. •

Soja: como tirar a dúvida

Computador fala bem em português

Escutar uma mensagem en­viada por e-mail em portu­guês fluente, falado de for­ma natural, é a alternativa que está prestes a ser concre­tizada em qualquer compu­tador instalado no País. Um projeto de pesquisa que leva o nome de "Síntese de Fala para a Língua Portuguesa" está em fase final de desen­volvimento no Laboratório de Instrumentação Eletrôni­ca (Linse), do Departamen­to de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente, existem soft­wares "falantes" em outras línguas, como inglês, francês e espanhol, mas faltava um em língua portuguesa. "O sotaque será o padrão do Rio de Janeiro, não o popu­lar, mas o falado por locu­tores de noticiosos da TV e do rádio, por exemplo", ex­plica Rui Seara, coordena­dor do projeto. Além de fa­zer a conversão do texto de um e-mail para a fala, o soft­ware poderá ser aplicado ao ensino da língua portugue­sa, no auxílio à comunicação de deficientes e no uso em diversas aplicações na área de telecomunicações. "Na elaboração desse sistema es­tão envolvidas a identificação do tipo de palavra, se subs­tantivo, adjetivo, etc., e a sin­taxe (disposição das palavras nas frases), resultando num falar mais natural que nos softwares existentes." A pes­quisa recebeu cerca de R$ 200 mil de financiamento da Digitro Tecnologia, em­presa catarinense do ramo de telecomunicações. •

PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 49

Page 50: Um mistério em partículas

HUMANIDADES

ECONOMIA

Uma indústria que já teve remédio Setor farmacêutico nacional nasceu forte e teve o apoio do Estado

Era uma "criança" forte e com tu­do para ser um grande brasilei­

ro. Mas algo ocorreu para deixá-la à mercê de seus colegas estrangeiros. Pa­ra entender essa mudança, é preciso conhecer a sua história. É o que propõe a professora Maria Alice Rosa Ribei­ro em Estado e Indústria Farmacêutica: Ciência, Tecnologia e a Indústria Farma­cêutica no Brasil 1890-1950, pesquisa sobre o nascimento da indústria far­macêutica nacional que traz dados pou­co conhecidos sobre os primórdios de um dos setores econômicos que mais influência tem sobre o cotidiano dos brasileiros. O estudo, por exemplo, re­vela a existência de empresas de suces­so logo no primeiro momento de seu surgimento, como o Instituto Pinhei­ros e o Laboratório Paulista de Biolo­gia. "Essas empresas, constituídas com capital nacional, foram capazes de desenvolver pesquisas e produzir con­forme critérios de qualidade rigoro­sos': afirma a pesquisadora

O estudo também mostra que a par­ticipação do Estado (que incentivou e forneceu recursos para alguns dos primeiros laboratórios farmacêuticos) na implantação do setor foi fundamen­tal para a criação de uma massa crítica de cientistas brasileiros. O trabalho des­ses homens - levando-se em conta a crescente urbanização ocorrida a par­tir do final do século 19 e suas implica­ções- está associado tanto ao desenvol­vimento de planos de saúde pública como ao trabalho em laboratório e, finalmente, na produção de soros, vaci­nas e medicamentos feita por empresas pioneiras em um país que entraria tardiamente no sistema capitalista.

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Ao trabalhar com apoio da FA­PESP, de quem recebeu R$ 8 mil co­mo auxílio à pesquisa, Maria Alice verificou que essa indústria (que se fortaleceu no início deste século) reu­nia os recursos necessários para a exe­cução do seu trabalho - como boas instalações, equipamentos adequados e profissionais capacitados- e tam­bém as condições que levariam ao crescimento desse setor em nível na­cional, o que não ocorreu devido a mudanças de rumo ditadas pela ado­ção de medidas e planos econômicos - como o Plano de Metas JK - que abriram as portas ao capital estran­geiro, estimulando a implantação de indústrias vindas de outros países e com as quais a indústria nacional não podia concorrer.

Para Maria Alice, que é

tal nacional fundada por médicos trei­nados por cientistas ligados ao Insti­tuto Butantan, de São Paulo. O lP, que estabeleceu intercâmbios e contratos com cientistas ligados a instituições públicas de pesquisa, adquiriu proje-

professora do Departa­mento de Economia da Faculdade de Ciências e Le­tras de Araraquara, da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), "a histó­ria dessa indústria no Bra-

Maria Alice: nacionalização das empresas perdeu fo rça

com JK

sil guarda forte relação com a instituição da saúde pública, das práticas sani-tárias de prevenção e combate a doenças infec-ciosas e, em especial, com as institui­ções de pesquisa básica e aplicada, criadas com a organização do Servi­ço Sanitário de São Paulo, tais como o Instituto Biológico, que respondia pela defesa sanitária da agropecuária, ligado à Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo".

Ao apontar a construção da rede de relações entre instituições públi­cas criadas no âmbito da saúde pú­blica e a formação da indústria far­macêutica nacional, a economista destaca o Instituto Pinheiros -Produ­tos Terapêuticos SA. (lP), criado em 1928, uma empresa privada de capi-

ção nacional e tornou-se o maior pro­dutora de antitoxinas e vacinas (res­pondia por 80% do abastecimento nacional), podendo competir com Manguinhos e o próprio Butantan.

Outra empresa destacada e já estu­dada por ela é o Laboratório Paulista de Biologia (LPB), fundado em 1912 por ex-funcionários do Instituto Pas­teur, cuja ascensão foi rápida justa­mente porque contava com profissio­nais de reconhecida competência. Na fundação do LPB, o principal nome é o do médico Ulisses Paranhos, que, ao lado de dois técnicos de alto nível -Valentim Giolito e Rodolfo Pasqualin

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- foi capaz de dar o ponto de partida para um projeto ambicioso que englo­bava vários produtos, entre eles soros antidiftéricos e antitíficos, soro anti­gangrenoso e antitetânico e, depois, uma variada gama de medicamentos, imunizantes, soros e vacinas e extra tos orgânicos terapêuticos ( ototerápicos).

Saúde pública - A pesquisadora faz um cruzamento entre a história social (saúde pública, práticas terapêuticas,

O que veio mudar essa realidade foi a expansão cafeeira para o oeste paulista, criadora de novas necessi­dades, o que deu início a um trabalho que incluía instituições de pesquisa e a definição de uma política de saúde pública. O combate às doenças infec­ciosas incluía, então, ações de isola­mento, vacinação e desinfecção. Para isso, o Serviço Geral de Desinfecções utilizava grandes volumes de substân­cias químicas para higienizar portos,

foi o de produção de anilinas vege­tais, óleos e ceras, óleos essenciais e medicamentos nativos. Nas últimas décadas do século 19, novas descober­tas, como a síntese orgânica, feita em empresas estrangeiras, levaram à dimi­nuição da produção de artigos quími­cos brasileiros com base em vegetais.

Já a fabricação de produtos deri­vados de minerais, por depender de maior complexidade tecnológica e matérias-primas importadas (enxo­

fre, nitratos, cloro, etc.), co­meçou mais tarde. É verda­de que os ácidos comerciais (sulfúrico, clorídrico e ní­trico) começaram a ser ela­borados em 1895 pelo Luiz de Queiroz & Cia (mais tar­de, Elekeiroz S.A.), mas a empresa sempre dependeu de importação. Com a Pri­meira Guerra, que escasse­ou a importação da soda cáustica, foi preciso partir para a fabricação do produ­to, o que foi feito pela Com­panhia Brasileira de Pro­dutos Químicos, do Rio, a partir de 1921.

Theodore Roosevelt no Butantan, em 1915: know how dos pesquisadores a serviço de empresas

Micróbios e vacinas- A mu­dança em relação às medi­das de saúde pública e de­sinfecções ocorreu no final dos anos 20, devido aos avanços no campo epide­miológico. Os cientistas des-

formação de uma elite científica) e a história econômica (formação da in­dústria farmacêutica privada, origem dos empresários e técnicos e do desen­volvimento científico e tecnológico). É preciso, então, voltar ao período an­terior a 1892, quando começou a ser estruturado o Serviço Sanitário de São Paulo. Naqueles idos, as medidas sani­taristas eram episódicas, sempre com vistas ao combate de epidemias que surgiam em cidades portuárias como Recife, Salvador e Santos, além do Rio de Janeiro, especialmente, onde esta­va a capital do Império e depois capi­tal da República.

cortiços, a Hospedaria dos Imigran­tes, em geral espaços urbanos deterio­rados com moradias baratas e mora­dores pobres. Utilizava-se toda uma variedade de químicos (entre eles sulfato de cobre, cloreto de cal, ácido sulfúrico, cresol, permanganato de potássio, etc.), importados em gran­de volumes da Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos.

Indústria brasileira - O pequeno par­que industrial químico brasileiro es­tava relacionado aos recursos natu­rais - vegetais, minerais e animais. O primeiro segmento a se formar aqui

cobriram que os canais de transmissão das doenças eram mais complexos do que se acreditava até ali. Maria Alice cita (conforme o livro Manguinhos do Sonho à Vida, de Jai­me Benchimol): "Os novos conheci­mentos sobre o comportamento dos micróbios patogênicos reduziram a importância das antigas noções da bacteriologia pasteuriana sobre o pe­rigo do ar e contágio das doenças( ... ) uma nova concepção arquitetônica substituiu a lógica da organização hospitalar ( ... ) por meio da constru­ção de hospitais pavilhonares .... " No­ção presente, por exemplo, no Hospi­tal de Isolamento de São Paulo

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(Emílio Ribas), onde cada pavilhão era específico para cada doença - fe­bre amarela, tifóide, escarlatina, etc.

O Instituto Vacinogênico (de 1802) e o Butantan (criado em 1899, em função de uma epidemia de peste na cidade de Santos) foram as pri­meiras instituições encarregadas de fabricar produtos biológicos em São Paulo. O primeiro voltava-se à pro­dução de vacina contra varíola, e o segundo ao soro contra a peste, e, mais tarde, às vacinas e soros contra mordida de cobras, aranhas e escorpiões.

"Uma peculiaridade foi que os institutos públicos de pes­quisa pertencentes ao Serviço Sanitário foram criados como instituições independentes, an­tes mesmo da instalação do ensino médico. No caso de São Paulo, o Butantan, o Bac­teriológico (em 1892) e o Bio­lógico (em 1927, este ligado à defesa sanitária da agricultura e pecuária) foram responsáveis pela difusão dos conhecimen­tos da microbiologia e pela re­volução no campo da Medici­na", afirma Maria Alice.

nio Teixeira afirmam que a produção nacional de medicamentos aumenta­ra no pós Primeira Guerra, com a transferência de pesquisadores da instituições públicas para empresas privadas. "Cientistas das instituições públicas, que detinham o saber-fazer, passaram a ter interesse no estabele­cimento de empresas ou no trabalho realizado na iniciativa privada" fala a professora. "O know-how adquirido pelos profissionais seria posto a ser-

Vital Brazil é um dos no­mes de peso em saúde públi­ca. Ele, que em 1901 produziu as primeiras doses de soro an­tiofídico, descobriu as proprie­

Vital Brazil (ao centro) no Instituto Bacteriológico, em 1898: um dos defensores da saúde pública •

dades dos soros - ou melhor, que para cada tipo de cobra havia um soro específico para neutralizar seu veneno. "Nos anos 20, ao mesmo tempo em que surgia a BCG, o Bu­tantan passou a produzir em larga es­cala a vacina contra a febre tifóide. Na próxima década, ao lado da orga­nização mais racional na produção de vacinas antivariólicas, o Butantan atra­vessou uma séria crise institucional. Tal situação se estendeu até meados dos anos 50, mas já em 48 o governo limitou sua atuação à preparação de produtos de defesa sanitária e à pes­quisa de animais peçonhentas", reve­la a pesquisadora.

Estudos de pesquisadores como Jaime Larry Benchimol e Luiz Anto-

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viço de interesses mercantis", com­pleta. O próprio Vital Brazil, ao dei­xar o Butantan, devido à discordân­cia com a orientação de Arthur Leiva na direção do Serviço Sanitário, foi para Niterói e instalou o Instituto Vi­tal Brazil. E o próprio Laboratório Paulista foi criado por profissionais que vieram de institutos.

Pesquisa e produção -A pesquisado­ra recorre aos estudos de Wilson Ro­berto Gambeta, de 1982, para mos­trar os laços entre instituições de pesquisa e produção de imunológi­cos e o estabelecimento de uma pro­dução nos moldes capitalistas. "O Pasteur, fundado por médicos, mem­bros da elite paulista, comerciantes,

banqueiros e industriais (e que con­tava com ajuda financeira do Esta­do), contribuiu para o desenvolvi­mento da tecnologia necessária ao fabrico de medicamentos com base científica; introduziu a farmacologia bacteriana complementando a galê­nica e estimulou a divulgação de in­dustrialização de medicamentos", diz a pesquisadora.

Para desenvolver seu trabalho, Maria Alice recorreu a arquivos, de­poimentos de ex-funcionários e pa­rentes de proprietários das antigas empresas. Descobriu que o Labora­tório Paulista teve uma vida de suces­so. A empresa cresceu, diversificou sua produção, ampliou suas instala­ções (em 1919, tinha dois laboratórios, uma fazenda de criação de animais e uma ftlial no Rio de Janeiro). Além disso, manteve-se atualizado cientifi­camente, contratou novos profissio­nais, brasileiros e estrangeiros, e en­trou no segmento das exportações. Em 1936, com 147 funcionários, inaugurou uma sede nova na Aveni­da São Luís. Parte do sucesso de sua trajetória pode ser atribuída, segun­do análise de Gambeta, às "facilida­des" da época. "O segredo industrial e o protecionismo das patentes não eram práticas correntes, de modo que o avanço da farmacologia era possível a todos através da bibliogra­fia de domínio público", diz.

De acordo com a pesquisa, o cres­cimento da empresa foi constante, passando pela Segunda Guerra e os dourados anos 50. "Nos 60 vieram as primeiras dificuldades, pois as gran­des empresas estrangeiras assumiram a liderança do mercado, o governo passou a admitir o protecionismo das patentes industriais, concederam-se incentivos a investidores estrangeiros e houve a sofisticação crescente dos processos de produção dos moder­nos antibióticos."

Logo, o LPB estava exposto à con­corrência muito mais acirrada do que em outros segmentos do merca­do farmacêutico. "O grau de obsole­tismo de sua linha de produtos era imenso, pois mais rápida era a inova-

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ção no segmento, quando em 1966 foi comprado pelo Instituto Pinheiros': conta Maria Alice. E o Instituto Pi­nheiros era, a essa altura, o maior labo­ratório nacional. Um caminho estava aberto, conforme divulgou a direção do lP, "para se manter a indústria far­macêutica nacional, por meio da for­mação de um pool de recursos mate­riais e humanos': Seis anos depois, o lP não resistiu ao assédio e à concor­rência dos estrangeiros e foi vendido à americana Sintex do Brasil. "Tal si­tuação, somada ao problema de su­cessão, que não pode ser desprezado", como lembra a economista, "levaram ao desaparecimento de várias empre­sas nacionais do setor."

Com o trabalho em andamento, Maria Alice irá complementar entre­vistas e buscar o mais difícil. "São os dados relativos à administração, à parte econômica das empresas, pa­péis que, por falta de tradição, poucas famílias preservaram", diz a econo­mista. Em sua pauta está, também, levantar o histórico de mais dois la­boratórios: o Laboratório Torres, on­de trabalhou o cientista Otto Bier, e o Laborterápica, que foi comprado pe­la Bristol de São Paulo. •

PERFIL:

• MARIA ALICE ROSA RIBEIRO é gra­duada em Ciências Econômicas pela Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS e tem 48 anos. É mestre em História pela Unicamp, doutora em Economia pela Unicamp, tem pós-doutorado pela Universidade de Londres (com a pesquisa Indús­tria e Mercado de Trabalho. São Paulo, 1914-1945) e foi residente na Chemical Heritage Foundation, CHF, com uma pesquisa sobre a formação e o desenvolvimento da indústria farmacêutica. É professo­ra da Unesp nos programas de pós­graduação em níveis de mestrado e doutorado. Projeto: Estado e Indústria Farmacêu­tica: Ciência, Tecnologia e a Indústria Farmacêutica no Brasil1890-1950 Investimento: R$ 8.056,00

HUMANIDADES

ARTES PLÁSTICAS

Que história é essa? Pesquisa pretende elaborar uma história crítica da arte brasileira

A tese de doutorado da crítica de arte Sonia Salzstein Gold­

berg, A Questão Moderna: Impasses e Perspectivas da Arte Brasileira, 1910/

1950, procura constituir uma pers­pectiva teórica com o objetivo de elaborar uma história crítica da arte brasileira. Orientanda da filósofa Marilena Chauí, Sonia iniciou o tra­balho em 1994 (recebeu bolsa da FAPESP durante 36 meses), termi­nou em maio e deve apresentá-lo em novembro ao Departamento de Filosofia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Uni­versidade de São Paulo.

Desde que se formou em Artes Plásticas pela Escola de Comunica­

ções e Artes (ECA-USP), em 1977, as inquietações de Sonia, que também estudou Filosofia na mesma universidade, recaem na problemáti-

ca da arte contemporâ-nea, tanto pelo aspecto his­

tórico, quanto no da sua divulgação e organização. Em Arte, Instituição e Mo-

dernização Cultural no Brasil! Uma Experiência Institucio­nal, dissertação de mestrado também orientada por Ma-

rilena Chauí (e que ela apresentou no Departa­mento de Filosofia, da Faculdade de Filosofia,

Letras e Ciências Huma­nas da USP, em 1994), So­

nia discutiu a possibilidade de a arte brasileira irradiar-se

por um espaço público com uma presença mais inos1va na vida cultural brasileira.

Além disso, a pesquisadora partiu para a prática, organizando um bem-sucedido espaço de arte contemporânea no Centro Cultu-

ral São Paulo (CCSP), no qual in-

Obra de Aleijadinho: realização poét ica de autonomia co lonial

PESQUISA FAPESP • AGOSTO DE 1000 • 53

Page 54: Um mistério em partículas

centivou a mostra de obras dos cha­mados artistas emergentes. Foi a partir dessa experiência- e de cura­darias de exposições e na Bienal In­ternacional de Arte de São Paulo em 1987 - que a pesquisadora pôde constatar uma carência de material crítico e teórico para a compreensão da arte brasileira.

~

"Nós ainda não temos uma his­tória da arte moderna brasileira, apesar de sua internacionalização nas últimas três décadas", afirma So­nia. Segundo ela, foi apenas a partir do início dos anos 70 que começa­ram a surgir com mais regularidade trabalhos sobre o modernismo bra­sileiro. E cita como exemplos obras como Artes Plásticas na Semana de 22, de Aracy Amaral (Perspectiva, 1972), e De Anita ao Museu, de Pau­lo Mendes de Almeida (Perspectiva, 1976), entre outras. "Do ponto de vista do enraizamento da arte na vida social, no entanto, o material existente ainda é escasso e o lugar que as artes plásticas passaram a ocupar não redundou no reforço das instituições", avalia Sonia. As iniciativas nesse sentido, de acordo com ela, são pontuais e não rever­tem em ações sistemáticas a longo prazo, capazes de fazer deslanchar a história da arte brasileira.

~ . :I:

i< ~ ;:

~ " Contradições - O problema gerado ~

por essa carência funciona como fio ~ d d d ~ con utor e A Questão Mo erna: 6

Impasses e Perspectivas da Arte Bra- u

sileira, 1910/1950. A tese procura, as­sim, contribuir para o preenchimen­to dessa lacuna e para "despertar a discussão em torno das contradições na produção artística contemporâ­nea no país", como explica a pesqui­sadora.

Em um primeiro momento, Sonia pensou em orientar sua tese ligando a produção artística da primeira metade do século 21 ao barroco mi­neiro, do século 18, e mais precisa­mente à obra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. "Isso me inte­ressava muito, porque assinalaria ge­neticamente a possibilidade de pensar

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em uma história da arte brasileira", diz. Em sua opi-

nião, a obra de Aleijadinho é um caso exemplar de realização po­ética e formal da autonomia coloni­al. Filho de mãe negra, pai portu­guês e de classe não abastada, o artista mulato, para Sonia, é a repre­sentação da visualidade autóctone. "Isso me permitiria partir do objeto, o Aleijadinho, para o moderno", con­ta ela. "Por fim, isso me pareceu uma idéia pretensiosa que redundaria em uma espécie de mosaico superficial da história da arte brasileira."

Sonia optou, então, por se debru­çar exclusivamente sobre o período entre 1910 e 1950. Para ela, esse foi o momento que assinalou um profun­do processo de renovação formal. "Mais genericamente, da renovação dos temas e motivações do debate cultural no país", observa. "Afinal, foi nessas quatro décadas que a pro­dução artística brasileira começou a ganhar autonomia frente às matrizes culturais que se fixaram como para­digmas importantes no curso de to­da a sua formação."

Sonia explica que, mais do que discutir as realizações das gerações inaugurais de nossa arte moderna, o trabalho trata das soluções formais híbridas e contraditórias que uma as­piração ao moderno emancipado pro­duziu nas obras dessas gerações, con­ferindo-lhes, em suas palavras, "uma pátina inescapavelmente ideológica." Para ela, tal aspiração foi a tônica da produção artística em toda esta pri­meira metade do nosso século. Nes­se contexto, Sonia procurou analisar as contradições que isso suscitou no ambiente cultural brasileiro, durante aquele período, e as formações ideo­lógicas que se detectam na análise do interior das obras produzidas por artistas como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari, Guignard e, mais tarde, Mira Schendel.

Mira Schendel: trajetória solitária em busca da fo rma

"Ao ligar-se ao processo de busca da emancipação cultural, a idéia do moderno na arte brasileira marcou, naquele período, a pulsação dessa busca", ressalta. "Isso se manifesta por lados luminosos e renovadores, mas também com momentos re­gressivos", observa Sonia. Ela ainda constatou que a irregularidade nas obras de arte produzidas no país ocorreu, sobretudo, entre a década de 10 e o fim dos anos 40. "As obras conciliam facetas transformadoras com algum retorno a cânones acadê­micos", explica. A sua crítica apon-

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ta, assim, a vinculação orgamca dessas contradições e formações ideológicas a um ambiente cultural formado numa dinâmica de depen­dência e submetido a embates com ondas cíclicas da modernização.

A ideologia na obra - Esse processo de modernização cultural, segundo Sonia, não se desassocia do processo de modernização do país. Ela asse­gura, porém, que, apesar da pers­pectiva histórica, toda a sua análise centrou-se na busca dessas nuances

nas obras, estritamente do ponto de vista formal. Por tudo isso, nas cerca de 200 páginas da tese - divididas em 12 capítulos e extensa bibliogra­fia -, Tarsila do Amaral e Di Caval­canti ganharam, cada um, capítulos à parte. Assim como a tríade Tarsi­la/Di/Portinari ganhou texto em que Sonia analisa e critica a imagem consagratória e celebratória que se formou em torno desses artistas. Ela ressalta que o primeiro estudo crí­tico dessa ideologia da arte mo­derna brasileira foi feito por Carlos Zílio em A Querela do Brasil, A

Questão da Identidade da Arte Brasi­leira - a Obra de Tarsila, Di Caval­canti e Portinari/1922-1945 (Funar­te, 1982, 1" edição).

"A tese busca revisitar a idéia do moderno e olhar o que há de cons­trução ideológica dentro da própria obra, porque essa ideologia, de certa forma, colocou uma camisa-de-for­ça na produção artística", conta a au­tora. Seu trabalho revela, ainda, que se em um primeiro momento o pro­cesso de modernização aparecia de forma incipiente nas obras de Tarsi-

Guignard e Sonia Goldberg: contradição

la do Amaral ou de Guignard, próxi­mo à década de 50 ele desabrochou na produção desses artistas. Final­mente, a tese desemboca na contri­buição que esse amadurecimento da idéia moderna original deu à produ­ção neoconcreta do final da década de 50 e em obras como as da artista Mira Schendel.

Nesse sentido, a crítica de arte observa que a produção artística dos anos 50 percorre uma trajetória so­litária, por um lado - pelas mãos de artistas como Volpi ou Mira e, mais tarde, Sérgio Camargo -, e em gru-

pos como os cariocas do neoconcre­tismo. "A década de 50 presenciou a plenitude da experiência moder­na e ao mesmo tempo seu estilhaça­menta ou desfibramento", conta So­nia. Assim, para ela, a produção artística naquele período abriu o horizonte dos problemas artísticos contemporâneos.

Nos últimos capítulos de seu tra­balho, Sonia trata do ambiente ar­tístico brasileiro contemporâneo. "A tese mostra que, graças a tal expe­riência heterodoxa da forma, a arte brasileira pôde, em geral, demons­trar consistência e originalidade em face do fenômeno recente da

globalização", explica. "O fenôme­no que marca a integração da

arte brasileira ao meio artís-tico internacional é analisa­

do como espécie de culmi­nação e esgotamento da potência renovadora que o movimento modernis-ta teve desde os anos 20, e fulcro dos novos desa­fios que se apresentam

à produção e refle-xão de arte no país",

~ conclui. • ~ § :! PERFIL: L? i'

• SONIA SALZSTEIN

GOLDBERG é crítica de arte formada na Esco-

la de Comunicações e Artes (ECA) da Univer-

sidade de São Paulo, com mestrado em Filosofia na USP, onde faz o doutorado. Iniciou sua vida profissional em 1976, no Idart - Informação e Documentação Artística, da Secretaria Municipal da Cultura. Foi diretora da divisão científica do Museu de Arte Con­temporânea (MAC) de São Paulo. Organizou o espaço de arte con­temporânea no Centro Cultural São Paulo, da Secretaria Municipal da Cultura. Projeto: A Questão Moderna: Im­passes e Perspectivas da Arte Brasi­leira, 1910/1950

PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 1000 • 55

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JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA

Herdeiros das confrarias Livro refaz a trajetória do jacobinismo até os dias atuais

lacobinos e jacobinismo (EDUSC/FAPESP) é um texto para iniciados, apesar do reduzido número de páginas. Destina-se a leitores en-

o hados com a gramática das revoluções e a sin­taxe dos radicalismos políticos. E é o fruto madu­ro de incomparável historiador, um dos pioneiros na travessia da ponte entre a história de funda­mentação marxista e a nova história das mentali­dades, no cenário da história da cultura, cujo ím­peto se redobra nos anos 70.

Sem abandonar a temática das conspirações, revoluções, contra­revoluções, Michel Vovelle adentra o campo do imaginário, das atitu­des diante da morte, buscando uma síntese própria em que análi­se e descrição se entremeiam, em que técnicas e métodos são refina­dos na tensão da pesquisa concre­ta. Inscrita na longa duração, indis­pensável à percepção das inflexões no plano das sensibilidades cole­tivas, a atitude das populações provençais diante da morte revela a laicização dos procedimentos fú­nebres, inserindo-se no vasto cam­po da descristianização. Seu estudo clássico, Ideologias e Mentalidades, publicado em 1986, consagra a reflexão teórica sobre esse procedimento metodológico.

É este historiador referencial que incursiona agora por um tema nevrálgico da história pro­priamente política: a ação das sociedades políti­cas, o jacobinismo histórico e transhistórico, le­vando-nos a uma viagem que parte do decênio revolucionário até os dias atuais. Quem foram os jacobinos? Qual foi a sua herança? Quem foram seus herdeiros? São questões que busca responder numa trajetória que recusa a hipótese de pensar o jacobinismo como uma bolha radical na história, um acidente, retraçando suas origens até as "redes de confrarias de devoção", profanas ou devotas, das quais é tributário singular. Percorre a diás-

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pora ecumênica do jacobinismo, suas múltiplas filiações e configurações, ancorando-as em supor­tes sociais concretos baseados em acuradas elabo­rações estatísticas, até os mais remotos confins, onde se encontrariam os filhos perdidos da aven­tura revolucionária, a exemplo dos alfaiates da Bahia, em 1798.

Partindo da noção de "máquina política", construída por Michelet, estabelece os fluxos e refluxos das visões e contravisões a partir da

história, da historiografia, da mí­dia e da literatura, especialmente a romanesca, com sua poderosa car­ga de representação simbólica co­letiva. O rejuvenescimento do jaco­binismo no século 20, atrelado à revolução socialista em sua iden­tificação com o bolchevismo, só tem paralelo na desconstrução em­preendida no contexto da crise do socialismo, especialmente por his­toriadores que foram outrora co-

. munistas, como François Furet, membro ativo da célula Saint-Just da Sorbone. A trajetória de po­líticos franceses recentes que não recusam a herança jacobina, co-mo Jean-Pierre Chevenement,

completa o quadro de sua análise. Persistências longínquas do jacobinismo surgem na coinci­dência entre franceses que disseram não a Maas­tricht e os locais onde preponderavam os clubes jacobinos.

Por que voltar ao tema do jacobinismo? O que mudou, desde sua morte anunciada nos anos 80? O que traz o tema de volta? Seria a indignação frente à mesmice da história aplastada pela avas­saladora hegemonia norte-americana? Só a leitu­ra desta obra inquietante responderá.

]OSÉ ]OBSON DE ANDRADE ARRUDA -Historiador, é pro­fessor do Departamento de História da FFLCH da USP.

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LANÇAMENTOS

Isaac Newton

O subtítulo desta biografia (lançamento da Editora Record) do cientista inglês, escrita pelo jornalista Michael White, dá a pista para a novidade que ela traz: "O último feiticeiro". Sim, o profeta da razão, mostra o estudo, teria extraído boa parte da inspiração para suas grandes descobertas

científicas de um intenso interesse pela alquimia: dos três milhões de palavras escritas pelo gênio da Física, um milhão delas trata dessa "ciência" esotérica. O livro dá uma imagem inusitada de Newton, um homem obsessivo, neurastênico, inseguro e que perseguia, com ódio exacerbado, os seus rivais.

Um Olhar sobre o Passado

Organizado por Silvia Figueirôa, editado pela Unicamp em parceria com a Imprensa Oficial, este livro quer ser uma "História das Ciências na América Latina". É uma coletânea de textos que tentam entender como foi o desenvolvimento científico nos vários países e de como se deu

a transferência e a posterior adaptação do conhecimento importado no contexto cultural e social da América Latina, tão diverso da fonte original. Para tanto, foram convidados a participar do projeto, feito em conjunto com a Universidade de Rostock, na Alemanha, historiadores do Brasil, México, Chile, Argentina, entre outros.

MAP ÊNCIA 11

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Mapa da Violência 11

Escrito por Jacobo Waiselfisz, este estudo, editado em conjunto pela Unesco,Instituto Ayrton Senna e pelo Ministério da Justiça, trata especificamente dos jovens do Brasil. Com dados atuais, a obra mostra como a violência, tão presente no dia-a-dia nacional, vem afetando a nossa juventude.

O Mapa da Violência II traz dados sobre como morrem os jovens e como essas mortes são causadas pela violência do cotidiano. Os números assustam: 41,8% das mortes juvenis se ligam a homicídios e outras violências. Assim, uma em cada duas mortes de jovens em regiões metropolitanas se deve a esses fatores.

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REVISTAS

Revista de

Antropologia

Revista de Antropologia

Neste que é o volume 43 da revista do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo Klaas Woortmann analisa o tema da alteridade, do outro, entre os gregos, partindo do conceito do "selvagem", o estrangeiro. Cristina Adams

mostra como as populações caiçaras podem ser vítimas de admiradores excessivos que tendem a deformar a sua real natureza e a sua riqueza cultural. João da! Poz discute a crônica de uma morte anunciada: o suicídio entre os índios Sorowaha. E Aloisio Cabalzar fala sobre a descendência e aliança no espaço tiyuka.

UNB Revista

Na edição especial do informativo da Universidade de Brasília ( cuj'a bela capa traz uma foto de Sebastião Salgado), o destaque é, claro, para o trabalho educativo do professor Anísio Teixeira, cujo nascimento é lembrado

neste ano. Outros tempos, a atualidade traz em questão o problemas das verbas nas universidades, tema do artigo "Uni~rsidade Estrangulada". Menos dramático, "Cordon Bleu à Moda da Casa" conta como o campus de Brasília vai ganhar em sabor com a instalação da célebre escola culinária francesa.

ENGENHARIA·-·--· Engenharia Agrícola AGRÍCOLA

A revista da Sociedade Brasileira de Engenharia Agrícola, de Jaboticabal, chega ao seu número 18. Entre os vários artigos científicos desta edição: "Fatores críticos no sistema de produção da cana-de-açúcar", "Comparação entre três

métodos de estimativa de resistência da cobertura vegetal para a determinação de estresse hídrico em cultura de soja", "Simetria de microbacias de primeira ordem de magnitude na região de Ilha Solteira", "Avaliação do regime de vazão continuamente reduzido em irrigação por sulcos", entre outros.

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E FINA í.S

MIADAIRA

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ESPECIAL

-PENSANDO SAO PAULO Universidades e Institutos

Reitores e diretores mostram como suas instituições se preparam para os desafios do século 21

Aniversidades e os institutos de squisa estão conscientes de

que seu papel é muito impor­tante para que São Paulo e o Brasil superem seus proble­

mas e consigam, no século 21, sociedades mais justas. Esta é a conclusão geral de uma série de palestras nas quais reitores de universidades e diretores de institutos apresentaram suas visões para o futuro, em mais uma fase do Fórum São Paulo Século 21, promovido pela Assembléia Legis­lativa do Estado. Resumos dessas conferências aparecem neste encarte da revista Pesquisa FAPESP.

Durante dois dias no mês de março, reitores e direto­res apresentaram suas idéias, seus problemas e, também, suas vitórias. Cláudio Rodrigues, do Ipen, por exemplo, mostrou dados que indicam o sucesso da incubadora de empresas montada no câmpus da USP; Hermano Tava­res, da Unicamp, contou como o país montou o melhor

PESQUISA FAPESP

sistema de pós-graduação do Terceiro Mun­do, e Alberto Duque Portugal, da Embrapa, lembrou que o Brasil, hoje, é o maior deten­tor de tecnologia agropecuária tropical e subtropical do mundo.

Os problemas, porém, não foram es­condidos. "O Instituto acumula dívidas no mercado': lembrou Plínio Assmann, do

IPT. Sidney Storch Dutra, da Universidade de Santo Amaro, comparou o Brasil a uma saci, que p).lla com uma perna só, produzindo conhecimentos científicos, mas pou­cas patentes. "As tecnologias de que o mundo tropical pre­cisa não chegam pela Internet nem por satélite", destacou o presidente da Associação dos Pesquisadores Científi­cos, Nelson Raimundo Braga.

O presente encarte inclui um texto especialmente prepa­rado pelo deputado Carlos Zarattini, coordenador do gru­po de Ciência, Tecnologia e Comunicações do Fórum. Nele, ele expõe suas idéias sobre a situação dessa área no estado.

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Transfortnar o conhecitnento etn políticas públicas

O deputado estadual Carlos Zarattini é o coordenador das áreas de Ciência, Tecnologia

e Comunicação do Fórum São Paulo Século 21, organizado pela Assembléia Legislativa do Estado. Preparou cuidadosamente

;::::::====::::;:;::;~=::::~- z O Fórum São Paulo Século 21 foi cria-

os trabalhos do grupo encarregado dessas áreas. Um conselho formado por 20 pessoas, incluindo representantes das universidades e dos institutos de pesquisa de São Paulo, de cientistas e de empresas, discutiu profundamente como tematizar a questão, antes do próprio início dos debates. "Os resultados foram muito bons", afirma. Zarattini não chegou a fazer uma exposição durante os debates. O texto destas páginas, resumindo suas idéias sobre a situação da ciência e tecnologia no Estado, foi produzido especialmente para a revista Pesquisa FAPESP. Defensor dos investimentos em pesquisa científica e tecnológica, acha importante a sociedade entender que essas aplicações são decisivas para o futuro. "Muitas vezes, não se obtêm resultados em um ano ou dois", explica, "mas, dado o passo, certamente eles vão aparecer". Formado em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e técnico em transporte público da Companhia do Metropolitano de São Paulo, Zarattini elegeu-se deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT), em 1998. Antes, foi suplente de vereador na Capital, entre 1992 e 1996, e participou das políticas estudantil e sindical, ocupando, inclusive, o cargo de secretário-geral do Sindicato dos Metroviários de São Paulo.

2

" ~ ~ do, em 1999, com o objetivo principal de 0 estabelecer um diálogo entre a Assembléia " Legislativa do Estado de São Paulo e os di-

versos setores da sociedade. A partir desse encontro, o Legislativo quer discutir um projeto capaz de fazer com que São Paulo se mantenha no rumo do desenvolvimen­to e esteja à sua frente, aumentando a qualidade de vida da população do estado e melhorando as condições de produção.

O fórum e esta reflexão só estarão ter­minados no fim deste ano. Mas o que se con­seguiu até agora já é muito importante. Surgiram novas propostas. Foram dados subsídios para que tanto o Executivo co­mo o Legislativo apresentem novos proje-

Carlos Zarattini tos. No caso específico da Comissão de Ciência e Tecnologia, a Assembléia tem

agora um conhecimento muito melhor do que representa e como se constitui esse sistema no estado. Principalmen­te, são visualizadas de maneira mais ampla as perspectivas de que esse sistema leve a indústria, a agricultura, os ser­viços de São Paulo a se desenvolverem mais e aumenta­rem o bem-estar de seus habitantes.

Muitos problemas ainda têm que ser enfrentados. En­tre eles, os problemas financeiros das universidades pú-blicas do estStdo, que não estão ainda resolvidos, nem equacionados. As universidades não conseguem mais re­ter seus professores. Eles saem, em muitos casos aposen­tados, para ganhar mais em outros lugares. O número de profissionais que deixa as universidades públicas atingiu dimensões muito grandes. Não é só isso. Há a questão do grande volume de aposentadorias, que pesa de forma sig­nificativa nos orçamentos das universidades.

Há o problema dos hospitais universitários, que aten­dem a população e não são devidamente ressarcidos pelo SUS. São assuntos para os quais é necessário apresentar soluções. Precisam ser resolvidos para que as universida­des públicas paulistas não sofram do mesmo mal que acomete as universidades federais. Nelas, qualquer coisa se torna difícil, pois nenhum tipo de recurso está garan­tido. Elas dependem, para funcionar, de verbas e da exe­cução orçamentária do Ministério da Fazenda. Não se pode deixar que as três universidades públicas paulistas tenham o mesmo problema.

Quanto aos institutos, eles claramente precisam de maiores investimentos. Os institutos poderiam ser bem

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melhor aproveitados do que ocorre hoje. Alguns estão em situação bastante difícil. Outros estão um pouco melhor. Mas todos enfrentam o problema de que é preciso me­lhorar a remuneração de sua mão-de-obra. Ao lado dis­so, existe a questão de situar qual é o papel dos institutos. O governo não definiu isso claramente. É preciso deter­minar como eles serão interligados com a produção, com setores do desenvolvimento e da economia.

As universidades públicas devem também ser racio­nalizadas e democratizadas. Da maneira como é monta­do, o sistema universitário público de São Paulo sofre da falta de uma dinâmica muitas vezes necessária. E não se pode esquecer

PENSANDO SÃO PAULO: UNIVERSIDADES E INSTITUTO S

também, por meio de incentivos fiscais e de crédito. Uma empresa que realiza um investimento para desenvolver um novo produto não pode pagar a mesma taxa de juros e o mesmo nível de impostos de quem não faz nada e sim­plesmente compra uma patente estrangeira.

Muitas vezes se avalia que uma nova tecnologia, ao ser incorporada a um sistema de produção, leva ao desempre­go. Esse debate vem sendo mal colocado. É verdade que novas tecnologias, muitas vezes, levam ao desemprego numa área específica. Mas, se o Brasil desenvolver inteira­mente novas tecnologias, estará gerando mais e melhores

empregos. Hoje, até projetas de edifícios são feitos fora do país. O

as universidades particulares. Elas vêm tendo um crescimento explo­sivo. Está na hora de exigir que elas também façam investimentos em pesquisa científica. Essa deve ser uma cobrança da sociedade. É preciso criar condições para que a expansão dessas universidades leve a uma qualidade comparável à das universidades públicas.

''o Brasil, hoje, não tem

autonomia do ponto de vista

que o Brasil compra de projetas e patentes no exterior é gerador de de­semprego na sua população. Qual a solução? É ter dentro do país um sistema de pesquisa e desenvolvi­mento capaz de criar novos tipos de emprego, de maior qualificação.

Não se trata de um problema de tecnologia versus emprego. A ques­tão é de como o Brasil se inseriu na chamada globalização e no sis-Apesar de todas essas dificulda­

des, São Paulo tem o sistema de

da tecnologia''

ciência e tecnologia mais avança-do do país. Mas não tem ainda algo necessário para dar o grande salto. Trata-se da participação da empresa privada na pesquisa científica e, principalmente, no desenvolvi­mento tecnológico. Essa é a grande questão que ainda está por ser resolvida. Ainda não está claro de que forma esse salto vai ocorrer.

Particularmente, creio que o governo estadual pode ter um papel decisivo nesse assunto. Ele pode determinar quais são suas prioridades e, por meio de suas empresas e de iniciativas governamentais, incentivar as empresas privadas a desenvolver pesquisas sobre questões básicas para a qua­lidade de vida da população. Em outros países, especial­mente nos Estados Unidos, existem políticas nesse sentido. As Forças Armadas dos Estados Unidos e a NASA estimu­lam empresas privadas a resolver questões relacionadas com a defesa e o programa espacial. Uma boa parte do de­senvolvimento científico norte-americano saiu dessa base.

Os problemas de São Paulo são outros. Mas pesquisas sobre algumas questões fundamentais para a população paulista poderiam ser incentivadas dessa forma. Há o exemplo do lixo, do saneamento básico. São Paulo tem problemas gravíssimos nessa área, especialmente nas re­giões metropolitanas da capital, de Santos e de Campinas. As condições são dramáticas. Novas técnicas são necessá­rias. As que existem hoje não resolvem mais os problemas.

O governo estadual poderia agir, por exemplo, garan­tindo a compra, por intermédio de suas empresas, de um produto após seu desenvolvimento. Poderia trabalhar,

PESQUISA FAPESP

tema produtivo mundial. Até agora, o país se inseriu de maneira su­

bordinada. O Brasil está mais a reboque do que na dian­teira. Aliás, bem a reboque.

Um grande desafio é o que universidades e institutos po­dem fazer para diminuir a desigualdade social. O número de pesquisas é bastante grande. Mas o retorno em termos de democracia social tem sido pequeno. A desigualdade social no Brasil não está diminuindo. Pelo contrário, está aumentando. ·um dos objetivos da pesquisa científica e do desenvolvimento tecnológico deve ser evitar que isso ocorra. O país, hoje, não tem autonomia do ponto de vis­ta tecnológico. Não consegue crescer e ao mesmo tempo diminuir as desigualdades de renda de sua população. É preciso inverter isso. A solução não está somente no de­senvolvimento científico e tecnológico. Mas passa por ele.

Evidentemente, tudo o que se fala e discute no fórum se transforma numa discussão política. Com certeza, o que se discute no fórum chegará à sociedade por meio do debate político. É necessário aproveitar o conhecimento acadêmico e transformá-lo em políticas públicas.

Não é possível conceber qualquer tipo de crescimento, no Brasil ou em qualquer outro lugar, sem grandes investi­mentos em ciência e tecnologia. No Brasil, esse investimen­to ainda é muito pequeno. Não existe ainda uma consciên­cia de como é necessária a autonomia nesse campo. O país tem um número enorme de necessidades, de problemas. O patrimônio intelectual brasileiro tem condições de resolvê­los. Mas é preciso organizar o sistema de ciência e tecno­logia. Sem investir nessa área, será muito difícil avançar.

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O prin1eiro lugar do sisten1a cabe à educação

O professor Jacques Marcovitch é reitor da Universidade de São Paulo (USP) desde

novembro de 1997. Antes, entre 1994 e 199 7, foi pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária. Com 35 unidades espalhadas pelo Estado e um posto avançado em Marabá, na Amazônia Paraense, a USP é uma das maiores universidades do Hemisfério Sul. Foi criada na década de 30. Mas algumas de suas unidades são bem mais antigas. A F acuidade

~ Penso que este evento começa num ~ ambiente de realização da comunidade 3 científica. O projeto Genoma Xylella, am­" piamente divulgado, mostrou a vitalidade

e a capacidade de articulação dessa comu­nidade, para obter resultados reconhe­cidos internacionalmente. Sem dúvida, sempre haverá preconceitos, por parte de alguns. Mas acho que temos a capacidade de conseguir resultados que se destacam em escala internacional.

de Direito, por exemplo, é de 1827. Jacques Marcovitch

Não se pode subestimar o momento histórico pelo qual passa a humanidade. O ser humano passou da comunicação pelo gesto para a comunicação pela fala e começou a se comunicar pela palavra es­crita há apenas 7 mil anos. Só SOO anos atrás teve origem a comunicação impres­sa. Foi há poucos anos que se iniciou o A Escola Politécnica, de 1893.

Marcovitch formou-se em Administração em 1968, na própria USP. Em 1972, obteve o mestrado na Graduate School of Management da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos. O doutorado, em Administração, foi conseguido na USP, com uma tese sobre Eficácia Organizacional. Marcovitch fez o pós-doutoramento em 1978, no lnternational Management lnstitute, de Genebra, na Suíça. Sua experiência inclui a diretoria da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), de 1983 a 1986, e a do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, entre 1988 e 1993. Entre 1987 e 1995, foi coordenador do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica da USP. Suas atividades de ensino e pesquisa estão concentradas nas áreas de Gestão da Inovação, Gestão da Cooperação Internacional, Gestão Tecnológica e Estratégia Empresarial. Como professor, além de lecionar nos cursos de graduação e pós-graduação de Administração, participa de programas de especialização e em cursos de desenvolvimento gerencial.

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uso da digitalização como forma de armazenar, acessar e comunicar informações.

Cada uma dessas migrações trouxe grandes mudanças. A migração do escrito para o impresso levou a humani­dade a duas grandes revoluções, uma científica, por volta de 1600, e uma tecnológica, por volta de 1800. Pode-se dizer que a era digital, na qual a humanidade está entran­do, antecipa duas grandes revoluções, semelhantes às an­teriores mas ·ainda mais intensas, porque muito provavel­mente ocorrerão simultaneamente.

Medindo as tendências, observamos que nos últimos 100 anos, o Brasil e o Estado de São Paulo se destacaram mundialmente com relação à sua evolução demográfica. A população mundial, nesse período, aumentou de 1,6 bilhão para 6 bilhões de habitantes. Portanto, cresceu em torno de 3,5 vezes. Já o Brasil, que passou de 17 mi­lhões para 170 milhões de habitantes, aumentou dez vezes em termos demográficos. Esse aumento, sem qual­quer discussão, provoca dores de crescimento, seme­lhantes às de um jovem adolescente que cresce de ma­neira muito rápida.

Assim, as dificuldades do Brasil não são as de uma estrutura que sofre as dores terminais. Pelo contrário, são dores de crescimento. São elas as que devemos equa­cionar e enfrentar. Esse crescimento, único em escala mundial, ocorreu de maneira simultânea com um pro­cesso de urbanização que também se deu no menor pra­zo conhecido em todo o mundo. Em apenas 30 anos, passamos de uma relação de 75% para 25%, na compa-

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ração entre as populações rural e urbana, para exata­mente o inverso.

Mas, se os brasileiros nunca foram tantos e nunca es­tiveram tão próximos, nunca estiveram tão distantes, na distribuição da renda e na dualidade socioeconômica. A distância entre os níveis socioeconômicos está crescendo, cobrando os preços de violência e de criminalidade dos quais todos são testemunhas.

As rupturas tecnológicas fazem parte dessas tendên­cias. Mas, felizmente, no Brasil, e este fórum é um exem­plo disso, estrutura-se uma consciência na qual as gera­ções presentes preocupam-se com as gerações ainda não nascidas. A

PE NS A N DO SÃ O PAULO: U N IVER S IDADE S E IN STIT UTO S

O primário é o local básico que deve desmistificar, desde os primeiros dias de aula, os meios de comunica­ção que acabam por desenvolver um falso imaginário na mente das crianças, quer seja a televisão, quer seja o espa­ço virtual. O secundário deve familiarizar o jovem com a linguagem que o acompanhará ao longo da vida. O cur­so superior deve ser entendido como a primeira etapa da educação continuada, que acompanhará o ser humano ao longo de toda a sua vida.

O segundo componente desse sistema de inovação é o sistema de pesquisa, que inclui universidades, institu­

tos, laboratórios de pesquisa e de­senvolvimento das empresas e as

idéia de um fórum que olha para os próximos 25 anos, mas estende seu horizonte até o final do sé­culo, constitui um exemplo dessa preocupação.

A universidade, que recebe hoje jovens de 18 anos, que devem viver até 2070, sabe como é im­portante esta visão voltada para o futuro. Pois também há notícias positivas. A esperança de vida au­mentou, a qualidade de vida me-

''Queremos uma economia de mercado,

nao uma sociedade

de mercado''

agências de financiamento. O ter­ceiro é o subsistema empresarial, de produção e prestação de servi­ços, constituído de dirigentes, ca­pitalistas, acionistas, sindicalistas, organizações não-governamentais e associações de pequenas e mé­dias empresas. Finalmente, existem os sistemas articulador e regula­dor, que são de responsabilidade do Estado.

lhorou, a interdependência entre os atores sociais se ampliou. Mas, infelizmente, uma eco­nomia criminosa está crescendo. Um fundamentalismo de tipo religioso se instala pelo mundo, com a erosão do papel do Estado, quando, na nossa sociedade, por ser fragmentada, o Estado precisa consolidar-se.

Quais são os impasses? A tecnologia está avançando mais que as habilidades humanas. O desenvolvimento sustentado precisa de uma visão a-médio e longo pra­zo. A instabilidade monetária de um lado e uma estru­tura partidária que acaba privilegiando o curto prazo de outro tornam difícil qualquer equacionamento de um desenvolvimento sustentado. A competição, que é natural na economia de mercado, não é natural numa sociedade. Queremos uma economia de mercado, mas não uma sociedade de mercado. Não se pode substi­tuir o ser pelo ter.

Por outro lado, do ponto de vista da comunicação, o Brasil sai de uma era na qual a informação era a comuni­cação libertada. Quem viveu o período da ditadura no Brasil sabe como a comunicação libertava. Mas hoje, como disse Ignacio Ramonet, editor de Le Monde Diplo­matique, entramos numa era de tirania da comunicação. A comunicação, pelo excesso e pela falta de filtros quali­tativos, está inibindo o poder criativo de adultos e jovens. Isso nos leva a entender a ciência e a tecnologia como in­tegrantes de um sistema de inovação mais amplo, consti­tuído em primeiro lugar pelo sistema educacional, do primário até a educação continuada.

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Esses quatro componentes as-seguram o surgimento do novo.

Portanto, quando se fala em mais investimentos na área da ciência e tecnologia, isso significa mais recursos hu­manos e financeiros para todo o sistema de inovação, aquele que abre o novo para enfrentar novos desafios. Não quer dizer mais dinheiro para um ou outro compo­nente, mas sim recursos para que esses quatro compo­nentes possam assegurar uma relação mais harmoniosa, voltada para ó futuro.

Mas o que resta a ser feito? Lembremos o Projeto Ge­noma. Ele envolveu 196 cientistas, dos quais 172 eram de universidades públicas em geral e 144 eram das universi­dades públicas do Estado de São Paulo. Desses, 76 eram de minha universidade, a USP. Eles contribuíram para que o Brasil desse esse salto para o futuro.

As universidades públicas ajudaram a formar novas gerações e colaboraram para o avanço do conhecimento. Na USP, a universidade que melhor conheço, isso não ocorreu apenas na capital. Aconteceu na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba; aconteceu na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; ocorreu em Bauru, em São Carlos, em cada canto do estado onde as universidades estão instaladas.

As universidades públicas contribuíram também com suas atividades de extensão. Desde 1911, os alunos da Fa­culdade de Direito, do Centro XI de Agosto, prestam as­sistência jurídica gratuita aos excluídos. Outros exemplos importantes são a Estação Ciência e o Projeto Avizinhar, que aproxima as universidades das comunidades de ex-

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P ENSAN DO SÃO PA U LO: UN IVER SIDADE S E I NSTITUTO S

cluídos em sua volta. As universidades também ajudaram a preservar e consolidar uma identidade nacional. O Mu­seu Paulista, cujo patrimônio a Universidade de São Pau­lo tem o privilégio de zelar, é um exemplo de como os historiadores e os museólogos estão dedicados à preser­vação da identidade nacional.

Finalmente, não menos importante, a USP se debru­çou sobre os temas das políticas públicas, saúde, educa­ção, meio ambiente, violência, emprego. Colocou fora da universidade o que cada um de seus 4. 700 professo­res e 25 mil alunos de pós-graduação fizeram sobre es­ses temas. Mas isso não chega. É preciso fazer mais, é preciso aju-

conformismo e a incerteza que conduzem o jovem a per­ceber, no conhecimento incompleto, a forma de lidar com o desconhecido.

Um jovem que está hoje nos bancos da universidade e deverá enfrentar os desafios de 2030 e 2040, longe de re­ceber um quadro profissionalizante acabado, precisa de­senvolver em si mesmo a capacidade de lidar com o in­certo, por meio do inconformismo. Isso se aplica desde a pesquisa nas áreas exatas e biomédicas até a que ocorre nos setores mais aplicados da engenharia.

É preciso fazer mais na formação de recursos huma­nos. Isso significa uma graduação que deve ser ampliada, mas sem­

dar a abrir um espaço de reflexão estrutural, baseado na prospecti­va. Nas palavras de Antônio Cân­dido, as universidades fizeram muito, mas ainda não fizeram o suficiente.

As Humanidades têm o papel determinante de construir essas visões do futuro, centradas no ser humano, como epicentro da socie­dade moderna. Não se trata mais de ciência e tecnologia no sentido

''o jovem prec1sa

desenvolver a capacidade

de lidar com o incerto''

pre tendo uma referência qualita­tiva favorável à estruturação dos projetos de vida dos jovens; uma pós-graduação que forme não só pesquisadores, mas prepare os quadros docentes necessários à expansão do ensino superior, pú­blico e privado; e uma educação continuada formada de maneira a dar a todos um espaço acessível, no qual possam atualizar-se cons-

restrito. Mas de filósofos, antropó-logos, psicólogos, sociólogos que se debruçam para en­tender como o ser humano se insere numa sociedade onde o material e o tecnológico passaram a constituir o centro das atenções.

As Letras têm a missão de transformar visões e lingua­gens, de forma que sejam capazes de arquitetar novas mentalidades que possam conciliar valores humanos e o sistema econômico e político. Esses valores devem pro­mover a cultura do respeito humano, apesar das dife­renças. Devem ser valores de solidariedade e de universa­lismo, buscando um sistema econômico que induza a eficácia e a complementaridade nas cadeias setoriais, as­segurando a competição de mercado, mas sem nunca ini­bir a cooperação entre os agentes econômicos.

Deve buscar-se também um sistema político que asse­gure o pluralismo de idéias, mas com o imprescindível consenso duradouro, que permita a implantação de pro­jetas ousados de políticas públicas. Já houve, no passado, clássicos da literatura que influiram no imaginário da ju­ventude. Cada um desses clássicos tem seu papel. Como leitura obrigatória nas escolas, eles mostram muito bem como as letras dão sua contribuição para a arquitetura das mentalidades.

É preciso também fazer mais no avanço do conheci­mento, e isso quer dizer a pesquisa. Ela deve constituir a base do inconformismo com o qual se lida com as incer­tezas. Não se pode imaginar a pesquisa isolada do ensino. O pesquisador que ensina leva para a sala de aula o in-

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tantemente. Quanto à Assembléia Legisla­

tiva, que vem dando toda a consideração às universida­des públicas, peço que continue a entender o ciclo lon­go das instituições universitárias e sua necessidade de previsibilidade de recursos e de autonomia, com rigoro­sa avaliação. As universidades públicas querem ser co­bradas, mas é preciso entender que seus ciclos de tempo são diferentes. Teses podem levar dez ou 15 anos para serem conclÚídas. Um ciclo de formação, em algumas áreas, leva mais de dez anos.

As universidades precisam de previsibilidade e auto­nomia. Uma forma de sedimentar a previsibilidade seria constitucionalizar a quota parte das universidades. Hoje, nos recursos das universidades, estão embutidas, por exemplo, despesas com hospitais e com a previdência. A sociedade tem uma falsa percepção dos investimentos que estão sendo realizados.

É necessário também cada vez mais promover estu­dos estratégicos, usando as metodologias disponíveis. Por exemplo, olhar para o século 21 e ter dados razoa­velmente sólidos sobre demografia, urbanização, duali­dade socioeconômica e tecnologia, para que a sociedade possa ser mais responsável com relação ao futuro.

As universidades públicas do Estado de São Paulo es­tão prontas para empreender esse trabalho, visando à alimentação das decisões a serem tomadas sobre as po­líticas públicas. Este espaço, aberto na Assembléia Le­gislativa, destinado a articular os atores sociais para pensar sobre o futuro, deve ser multiplicado.

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Pesquisa brasileira precisa de u111 novo perfil

O professor Hermano de Medeiros Ferreira Tavares, reitor da Universidade

Estadual de Campinas (Unicamp), já completou 25 anos de trabalho na universidade. É professor titular da F acuidade de Engenharia Elétrica e de Computação. Com cerca de 90 trabalhos científicos publicados, suas principais áreas de atuação estão nos campos

~ Mais do que nunca, São Paulo preci­~ sa de iniciativas como este fórum. OBra­il sil atravessa uma década que não pode " ser considerada perdida. Nos últimos

dez anos, o país evoluiu e trilhou cami­nhos, embora sem qualquer planeja­mento. O professor Jacques Marcovitch, reitor da Universidade de São Paulo, re­feriu-se à possibilidade de que este fó­rum pense os próximos 25 anos, talvez o próximo século. Vou restringir-me a pen­sar os próximos dez anos.

Se este fórum fizer o trabalho de pen­sar os próximos dez anos do Estado de São Paulo, particularmente no que diz respeito ao desenvolvimento econômico e seu relacionamento com a ciência e a tec-

da pesquisa operacional/problemas combinatoriais, inteligência artificial, planejamento de sistemas telefônicos e análise de sistemas Hermano de M. Ferreira Tavares nologia, fará não somente um trabalho econômicos. Tavares é engenheiro eletrônico, formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos, em 1964. Em 1966 e 1968, fez mestrado e doutorado na Universidade de Toulouse, na França. Antes de ir para a Unicamp, lecionou nas universidades federais da Paraíba e de Pernambuco, no ITA e na Escola de Engenharia da USP em São Carlos. Apesar de relativamente nova, pois começou a funcionar em outubro de 1966, a Unicamp é uma das mais importantes universidades brasileiras. De seus institutos sai 15% da produção científica do país. Eles abrigam, ainda, 10% dos estudantes de pós-graduação. Com 2 mil professores, a Unicamp tem cerca de 10.500 alunos de graduação e 1 O mil de pós-graduação.

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útil para toda a população. Será uma tare­fa particularmente preponderante e indispensável para o desenvolvimento das universidades públicas do Estado de São Paulo, as quais, ao cabo de dez anos de autonomia, enfrentam dificuldades claríssimas.

A revista inglesa The Economistpublicou recentemen­te dados sobre a evolução do Produto Nacional Bruto per capita da Europa Ocidental nos últimos 1.000 anos. Pela ausência de contas públicas rigorosas, esses dados, natu­ralmente, envolvem muitas suposições. Mas pode-se ver com clareza que do ano 1000 até por volta de 1700, a ren­da per capita do europeu manteve-se particularmente es­tável, oscilando por volta de US$ 700 anuais (em valores corrigidos para 1990).

Dentro do espaço de vida de um ser humano, que era de entre 40 e 50 anos, não havia, assim, qualquer evolução. De um ano para outro, o avanço econômico era quase que rigorosamente zero por cento. O avanço econômico era praticamente insignificante, resumin­do-se basicamente a cobrir o aumento da população, que também era bastante lento. O ser humano nascia e vivia sem qualquer perspectiva de crescimento e mu­dança nas suas condições econômicas e em sua quali-dade de vida.

Essa camisa de força, de dificuldade para a mudança econômica, foi rompida por volta de 1750, época em que se observa o início de um nítido avanço na renda per ca­pita dos europeus. O processo se acelerou notavelmente nos últimos 100 anos. Em 1900, a renda per capitada Eu­ropa Ocidental era de cerca de US$ 2 mil por ano. Hoje,

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PENSANDO SÃO PAULO: UN IVE RS ID A D ES E INST ITUTOS

a cifra ultrapassa os US$ 20 mil na maioria dos países países europeus.

O que aconteceu nessa época para causar tal mudan­ça? Houve o início do processo de incorporação da tec­nologia à produção de bens, processo esse que a partir desse ponto se intensificou. Esse foi um fenômeno inicial­mente europeu, mas que se irradiou para países como o Brasil, de cultura européia. Não é possível admitir, po­rém, sem qualquer possibilidade de erro, de que esse avanço seja algo inexorável.

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, a cultura mais importante do mundo, em termos científicos e

tituto de Pesquisas Tecnológicas, muito importante, mais dirigido para a área produtiva, multissetorial.

As indústrias respondem, por sua vez, por uma parce­la mínima do desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Estado de São Paulo. Essa é uma das características bá­sicas do sistema brasileiro.

As universidades brasileiras tiveram um apareci­mento bastante tardio. Rigorosamente, pode-se dizer que a primeira universidade brasileira, na acepção ple­na do termo, foi a Universidade de São Paulo, criada em 1934, por meio de um movimento extremamente meri-

tório, facilitado pelo momento político vivido então pela Euro­

tecnológicos, era a chinesa. Mas essa cultura sofreu percalços e não avançou. Pelo contrário, a qualida­de de vida de seu povo piorou. Há outros exemplos que apontam nessa mesma direção. Um deles é o da cultura islâmica, que teve de­senvolvimentos notáveis até 1300, sobretudo na área da Matemática. Mas esses desenvolvimentos não tiveram seqüência.

''o modelo de universidade existente hoje talvez tenha

chegado

pa. Na década de 50, foram cria­das várias outras universidades no país, sobretudo federais. Fi­nalmente, na década de 70, ocor­reu uma importante reforma na universidade brasileira, que levou ao modelo de universidade exis­tente hoje e que, talvez, tenha che­gado ao seu esgotamento.

ao esgotamento'' Essa reforma universitária da década de 70 tinha como pilares básicos a organização em departa­mentos, com a derrubada das cá­

Portanto, não podemos pre­sumir que o crescimento como o verificado na Europa vá continuar para sempre. Esse crescimento é decorrente da incorporação da tecnolo­gia à produção. A tecnologia, por sua vez, é, com algum tempo de atraso, puxada pelo desenvolvimento das ciên­cias básicas.

O que garante a incorporação da tecnologia ao mun­do produtivo é, provavelmente, um conjunto de valores culturais, instituições políticas e instituições econômicas. Portanto, é da maior importância que estejam juntos, como aqui neste fórum, segmentos universitários, que imprimem os valores culturais de um povo, e segmentos políticos, como o representado por esta Assembléia Le­gislativa. Juntos, como está proposto na carta básica do Fórum Século 21, eles podem pensar o futuro do estado, fixar metas e determinar trilhas para serem seguidas pe­las autoridades.

A pesquisa científica no Brasil é feita, sobretudo, nas universidades públicas e nos centros de pesquisa do siste­ma do Ministério de Ciência e Tecnologia. Uma fração menor dessa atividade é encontrada nas empresas estatais e nos institutos de pesquisa estaduais. No Estado de São Paulo, em particular, existe um segmento bastante im­portante de institutos estaduais de pesquisa.

Existe, por exemplo, a rede de institutos de pesquisa da Secretaria da Saúde, representada pelo Instituto Bu­tantan e outros, igualmente notáveis. Há também a rede da Secretaria da Agricultura, representada pelo Instituto Agronômico de Campinas. Pode-se citar, também, o Ins-

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tedras, a adoção do regime de dedicação exclusiva e a im­plantação da pós-graduação. A criação da pós-graduação talvez seja o fato mais relevante da evolução da universi­dade brasileira nos últimos 30 anos.

Ela fixou a pesquisa e permitiu a criação de quadros renováveis, jovens que se dirigem cada vez mais para a universidade, dando ao Brasil uma posição ímpar no ce­nário mundiál. O país tem, talvez, o melhor sistema de pós-graduação do Terceiro Mundo. Desse modo, embo­ra tenha começado a montar suas universidades tardia­mente, o Brasil tem hoje as melhores universidades da América Latina.

Na década de 70, assim, com a reforma pela qual passaram na ocasião, as universidades brasileiras assu­miram papel de destaque. A principal característica des­se papel foi a integração entre a pesquisa científica e o ensino de pós-graduação. Entretanto, por ser um país que pratica uma ciência relativamente nova, o Brasil tende a praticar uma ciência reflexa dos países avança­dos. A pesquisa desenvolvida nas universidades brasi­leiras não é, necessariamente, aquela da qual o país pre­cisa. De certa maneira, ela segue a tendência acadêmica mundial, o que facilita, por exemplo, sua inclusão em grupos internacionais e a publicação de artigos em pe­riódicos de circulação mundial.

É preciso, neste momento, com o amadurecimento da pós-graduação no Brasil e a necessidade de um desenvol­vimento de um perfil competitivo no mercado mundial,

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que a pós-graduação e a pesquisa brasileira procurem ca­minhos próprios. Faz-se necessário, sobretudo, que seja incorporada à nossa pesquisa, que é de boa qualidade, a indispensável preocupação com problemas de relevância social para o país. É necessário fazer pesquisa que tenha relevância social e cuja aplicáção possa ir ao encontro das necessidades de melhoria da qualidade de vida da popu­lação brasileira.

Oitenta por cento das atividades científicas brasileiras estão concentrados na Região Sudeste. É o que mostra o mapa. Boa parte desta concentração está em São Paulo, o estado mais rico e mais populoso. Nem por isso, aliás, a situação do

PENSANDO SÃO PAULO: U NIVERSIDADES E INSTITUTOS

próximos dez anos. Não será necessária nenhuma mági­ca. O objetivo não é extremamente difícil. A Argentina e o Chile têm proporções superiores à brasileira. Não dos 15% atuais, mas do dobro, dos 30%.

Tenho 60 anos. Estou às portas da aposentadoria. Passei a vida trabalhando no sistema universitário. Es­perei a vida inteira por uma oportunidade como a que existe no momento no estado. Temos, através deste Fó­rum São Paulo Século 21, a oportunidade de pensar, planejar e preparar o Brasil, e especialmente o Estado de São Paulo, para os próximos dez anos. E é mais que

óbvio: o desenvolvimento cientí­fico, a melhoria da qualidade de

estado é extremamente cômoda. Essa distorção geográfica decorre de um processo de desenvolvimen­to heterogêneo. Não poderá ser so­lucionado apenas com um esforço financeiro de promoção à pesqui­sa. É necessário um esforço mais profundo. Não se trata, simples­mente, de um problema de finan­ciamento da pesquisa.

''As universidades públicas

vida e o resgate da dívida social passam necessariamente pelo cres­cimento de uma ciência e uma tecnologia que possam ser aplica­das à melhoria das condições de vida do povo brasileiro.

de São Paulo formam a metade

dos doutores Existe a possibilidade de que

isso seja feito agora. As universi­dades públicas devem ser coloca­das a serviço desse objetivo. Não se pode adiar mais uma posição.

do Brasil'' Um aspecto muito importante

para a compreensão do problema está na distribuição da formação de quadros para o ensino superior. O Brasil, em termos de graduação, forma cerca de 300 mil bacharéis por ano. Nesse total, a contribuição das universidades públicas no Estado de São Paulo é bastante modesta, de cerca de 10 mil bacharéis, ou 3% do total brasileiro. As instituições federais de ensino superior, que de certa maneira consti­tuem a espinha dorsal do ensino universitário, contri­buem com cerca de 18% desse total.

Mas, quando se trata da pós-graduação, a posição das universidades públicas paulistas é bem mais expressiva. As cinco universidades públicas existentes no Estado de São Paulo, três estaduais (USP, Unesp e Unicamp) e duas federais (Unifesp e Universidade Federal de São Carlos) são as responsáveis por cerca de 50% da formação de doutores no país. De certa maneira, as universidades pú­blicas paulistas são escolas de escolas. Elas formam uma boa parte dos profissionais que vão lecionar nas universi­dades brasileiras. Esse quadro é da maior importância quando se trata de pensar o futuro.

De qualquer maneira, deve-se estar atento para o fato de que apenas 15% da população potencialmente univer­sitária do Brasil- os jovens com entre 20 e 24 anos- che­gam às escolas superiores. Mesmo em São Paulo, onde se poderia esperar um resultado bem melhor, devido à sua situação com relação ao restante do país, essa proporção é de apenas 17%. Essa parcela é dramaticamente baixa. Para se ter um futuro melhor, é preciso estabelecer metas com cuja aplicação será possível dobrar esse número nos

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É possível criar metas válidas pa­ra esses próximos dez anos, deli­

neando, por exemplo, quantos estudantes universitários queremos ter no futuro e que tipo de pesquisa se preten­de fazer.

Devem ser cobrados resultados dessas pesquisas e o processo de avaliação das universidades deve ser perma­nente. O financiamento das universidades públicas do Estado de São Paulo precisa ser encarado com o máximo de seriedade: Parte substancial desse financiamento é destinada, no momento, ao pagamento de inativos e à manutenção dos hospitais universitários. São pelo menos esses dois fatores que vêm estrangulando atualmente as universidades públicas estaduais paulistas.

Finalmente, há mais um fator que não pode deixar de ser pensado pelo Fórum São Paulo Século 21. Trata-se da necessidade de revigorar a rede de institutos de pesquisa do Estado de São Paulo. Essa rede é da maior importân­cia. O desenvolvimento do sistema agrícola paulista, que é importantíssimo, dependeu fortemente dos institutos ligados à Secretaria da Agricultura. Mas boa parte deles mereceu, nas últimas décadas, um tratamento que não foi o melhor que poderiam ter recebido.

Essa rede de institutos é de importância fundamental para o desenvolvimento de nosso estado. Mesmo assim, não tem recebido a atenção e o tratamento adequados. É indispensável pensar no revigoramento e no crescimento desse sistema. E, ao seu lado, pensar também no proble­ma do dimensionamento das universidades públicas e do seu financiamento.

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Page 70: Um mistério em partículas

Cuidado cotn as falsas detnandas sociais

O reitor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Antonio Manoel dos Santos

Silva, é um veterano da instituição, na qual leciona há 33 anos. Com dez livros e mais de 100 artigos publicados, é professor de Literatura Brasileira no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas do câmpus da Unesp em São José do Rio Preto. Antes de ser escolhido para a reitoria, ocupou os cargos de pró-reitor

A Unesp é uma universidade nova. Foi criada em 1976. Mas também é uma universidade com origens que remontam ao início do século. Muitas das unidades que formaram o conglomerado para sua constituição são antigas. Suas faculdades mais antigas são as de Odontologia e Farmácia em Araraquara; começaram a funcionar em 1923. A Faculdade de Ciên­cias Agrárias e Veterinárias de Jabotica­bal tem origem numa escola agrícola fundada em 1921. A Unesp tem esta par­ticularidade: é a mais nova das universi­dades públicas, mas, em alguns pontos, também é antiga. Sua estrutura foi mui­to violentada quando de sua criação: fo­ram extintos cursos de graduação, ou-

de Pós-Graduação e Pesquisa e de vice-reitor. Entre seus

Antonio Manoel dos Santos Silva tros foram deslocados, alguns foram

trabalhos, está a consolidação do sistema de pós-graduação da universidade. Entre 1989 e 1993, o professor Silva foi vice-reitor da Universidade Ibero-Americana de Pós-Graduação, com sede em Salamanca, na Espanha. Desde então, é diretor regional da Associação Universitária Ibero-Americana para o Brasil, Portugal e Cone Sul. Foi até o início deste ano membro do Conselho Superior da FAPESP. A Unesp está presente na maioria das regiões do Estado, com 15 campi universitários, três campi avançados, 24 unidades universitárias e dez unidades complementares em 15 cidades. Com cerca de 3.500 professores, atende cerca de 23.260 alunos. Mantém 80 cursos de graduação e 46 de pós-graduação, com 92 programas de mestrado e 67 de doutorado.

lO

criados. Sua reitoria estava oficialmente em Ilha Solteira, a 666 km de São Paulo.

Em 1984, a Unesp passou por uma reestruturação. De certa maneira, foi democratizada, uma vez que mui­to mais pessoas passaram a participar dos órgãos cole­giados que definem seus destinos. Importantíssimo foi o ano de 1989, quando se estabeleceu a autonomia das três universidades públicas do Estado, entre elas a Unesp, que passaram a ter aplicado nelas um índice do orçamento do Estado. A partir desse ano, a Unesp te­ve um crescimento relativamente muito forte. Isso in­fluenciou seu papel de preparar cientistas e diferentes tipos de profissionais e situar-se na fronteira do conhe­cimento dentro do Estado de São Paulo, em pesquisas e desenvolvimento.

No início da autonomia, em 1989, a Unesp tinha 12 mil alunos de graduação. Hoje, tem 21 mil. Tinha 900 alunos regulares na pós-graduação. Hoje, tem 7 mil. Os números relativos ao crescimento do número de alunos das outras duas universidades estaduais não devem ser muito diferentes. Esse crescimento em dez anos mostra como foi importante para a universidade ter autonomia na gestão dos recursos que, aprovados pela Assembléia Legislativa, o Estado é obrigado mensalmente a repassar para a universidade pública.

Mas a Unesp está, de certa maneira, estrangulada. Não porque não esteja desenvolvendo bem o que desen­volve hoje. Mas porque não pode usar seu potencial para se desenvolver mais. A Unesp tem uma potenciali­dade altíssima para desenvolver o ensino e pesquisa.

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Mas não pode fazer mais do que faz. Os cordões que fa­zem este estrangulamento são vários. Vou citar um exemplo. Em 1989, no começo da autonomia, o paga­mento de inativos consumia 7% dos recursos da Unesp. Hoje, consome 26%.

Mesmo assim, a Unesp continua a crescer. Em 1989, a proporção do corpo docente com titulação mínima de doutor era de 38%. Hoje, subiu para 72%. Há a pre­visão de chegar ao fim do ano 2000 com uma propor­ção próxima às da USP e da Unicamp, de 85%. Daqui a seis anos, a Unesp terá condições de abrigar 30 mil alu­nos na graduação e 12 mil na pós-graduação. O papel da uni-

P ENSAN D O SÃ O PAUL O: UN I V ER S ID A DE S E I NST ITU TOS

As universidades têm de expor isso às instâncias que tomam as decisões, o Executivo e o Legislativo. Esses pro­blemas não são só das universidades, são também da so­ciedade que as sustenta. As universidades públicas e os institutos de pesquisa do Estado de São Paulo formam a estrutura e a base para o desenvolvimento científico e tec­nológico fundamental para o desenvolvimento do País.

Assim, um dos problemas das universidades é como trabalhar as demandas sociais de maneira a distinguir as realmente humanas das ditadas pelo eixo exclusivo do mercado. Elas têm de trabalhar isso muito bem, até

mesmo para atender às próprias exigências do mercado. Têm de

versidade na preparação de cien­tistas e profissionais qualificados é justamente este: o de formar se­res humanos, na graduação e na pós-graduação. As universidades fizeram muito, de acordo com os objetivos ou metas estabelecidos por diversas instâncias, quando foram criadas. Mas não fizeram o suficiente.

''Para matar pensar muito nisso. Essa é uma questão que vem sendo discutida de maneira candente dentro das próprias universidades. a universidade

pública, basta exigir que atenda

ao imediato do mercado''

Outra insuficiência da univer­sidade pública é sua territoriali­dade. As universidades públicas ocupam quase todo o Estado de São Paulo, mas não todo o esta­do. Há vazios. Pode-se citar dois lugares, o Vale do Ribeira e o lito-Um dos problemas diz respei­

to às relações da universidade com as empresas inovadoras. Falta algo para que elas possam absorver e desenvolver a pesquisa nacional. Outro é sua situação no que diz respeito às demandas sociais. Quem lidera essas de­mandas e quais são elas? Hoje, as universidades públi­cas recebem demandas de diversas instâncias. Uma das mais agressivas é a mídia. Ela pensa a curto prazo, en­quanto o prazo na universidade é no mínimo médio e longo. Não se faz melhoramento genético em menos de dez anos. Pode ser que com as novas tecnologias esse prazo diminua. Mas não se fazem coisas assim em pra­zo curto.

Um dos elementos a serem considerados é o tempo do próprio pesquisador. Ele tem de dividir a tarefa de pesquisar com a docência, o tempo dedicado a formar aqueles que vão dar continuidade às linhas de pesquisa. Isso é demoradíssimo. É necessário levar em conta, tam­bém, o tempo dedicado à própria constituição da uni­versidade. Ela precisa ser dinâmica e perceber as mu­danças que ocorrem em sua volta.

As demandas sociais feitas às universidades são de dois tipos. Algumas são ditadas pelo mercado e podem ser extremamente perigosas. Outras são demandas so­ciais realmente humanas. Sua identificação é um dos maiores problemas das universidades, não só para o de­senvolvimento da pesquisa e da tecnologia como para a formação dos recursos humanos. Para matar a universi­dade pública, basta exigir que elas atendam ao imediato do mercado.

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ral. Eles não têm universidades públicas e lá o desenvolvimento

científico e tecnológico é precário. As três universidades estaduais não podem resolver

os problemas que estrangulam o sistema público do en­sino superior de São Paulo. Mas podem contribuir com as instâncias que decidem, deliberando ou executando. Isso não está fora do tema central deste encontro, o de­senvolvimento científico e tecnológico, pois isso nos conduz para ó eixo central, a sociedade do conhecimen­to. Se, de fato, a sociedade do século 21 for a sociedade do conhecimento, quem não tiver acesso direto ou indi­reto aos atores do conhecimento, que são as universida­des, estará excluído dessa sociedade.

Se me perguntassem como resolver esses problemas, responderia "não sei". Mas sou professor há 37 anos e creio que as universidades, com seu grande corpo de es­pecialistas, doutores, cientistas, pesquisadores de ponta, podem juntar-se aos que devem pensar o futuro do es­tado. Assim, será possível chegar a algumas soluções, in­clusive a de dobrar o número de alunos nas escolas pú­blicas superiores de São Paulo.

Isso não é tão difícil. Lugares mais pobres do que São Paulo já o conseguiram. São Paulo é privilegiado com relação à infra-estrutura física, comercial, industrial. A infra-estrutura oferecida pelas suas universidades públi­cas e por algumas universidades privadas pode fazer com que, além de não ter excluídos pela miséria da fome e da falta de moradia, São Paulo não tenha também os excluídos do conhecimento.

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O gigante que pula colll ullla perna só

Reitor da Universidade de Santo Amaro (Unisa), Sidney Storch Outra é o representante

iiiiiiiiiiiiiiiiii;:::====;;jjjjjjjjiiiiiiiiii ~ A vigésima sétima Conferência Geral

da Região 3, que compreende os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, no conselho deliberativo do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB). Outra é formado em Engenharia Eletrônica pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), tem especialização

~ da Unesco sobre educação superior, reali­~ zada em novembro de 1993, em Paris, ;o apresentou ao mundo uma definição so-

bre o que efetivamente é educação supe­rior. Trata-se, afirma, de "todo tipo de es­tudos, treinamento ou formação para pesquisa em nível pós-secundário, ofere­cido por universidades ou outros estabe­lecimentos educacionais aprovados como instituições de educação superior pelas autoridades competentes do Estado."

em Administração Financeira pela Escola de Administração Sidney Storch Outra

Essa definição tem a ver efetivamente com o papel das universidades no processo de desenvolvimento das nações e dos povos, tema central deste fórum. A proposta que trago para este seminário é a de que as universidades assumam, de fato, um pa­pel de liderança no processo de desenvol-de Empresas da Fundação Getúlio

Vargas e MBA na Sociedade de Desenvolvimento Empresarial de São Paulo. Atualmente, faz doutorado em Educação pela Universidade Andrews, dos Estados Unidos. Foi diretor-geral do Hospital São Vicente, de Curitiba, e diretor administrativo e financeiro da Amico Assistência Médica de São Paulo. A Universidade de Santo Amaro funciona em dois campi na Zona Sul da cidade de São Paulo. Surgiu em 1968, como Organização Santamarense de Educação e Cultura (Osec). Ganhou o novo nome ao adquirir o status de universidade, em 1994. Tem 10 mil alunos e 800 professores, em 27 cursos superiores. O CRUB reúne reitores de dezenas de universidades brasileiras. Participa da busca de soluções para problemas como o financiamento dos hospitais universitários e participa de projetas como a Ação da Cidadania contra a Fome e a Universidade Solidária.

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vimento, no que tange à ciência e tecnologia. Essa é uma conclusão óbvia, devido ao fato de que as universidades dispõem de trunfos únicos para desempenhar este papel.

Isso está inerente à sua própria missão, que consiste, primeiramente, em formar os dirigentes de amanhã. Essa formação é papel da universidade. Ao mesmo tempo em que ela forma pessoas no nível superior, forma líderes. A pesquisa dentro da universidade deve, acima de tudo, procurar ampliar os horizontes e expandir as mentes. As-sim, os líderes poderão, de fato, pensar no benefício do seu próximo e da sociedade.

A natureza fundamental da existência da universida-de é a de ser o motor do saber dentro da sociedade. Nos 35 anos que correram até 1995, o número de alunos matri­culados em cursos superiores em todo o mundo multipli­cou-se por mais de seis. Hoje, existem provavelmente 90 milhões de pessoas matriculadas no ensino superior. A afir­mação de que a educação é a alavanca do conhecimento não é ouvida só no Brasil. Ela ocorre em todo o mundo.

Esse aumento quantitativo não foi acompanhado por um crescimento qualitativo no sentido e contexto do de­senvolvimento das nações. Ficou constatado que ocasio­nou um aumento ainda maior na disparidade entre os países. No contexto mundial, 75% de novos conhecimen­tos no mundo provêm de um número restrito de países, a saber, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Japão, Fran­ça e Canadá. Esses países representam apenas 13% da popu­lação do globo. Praticamente todos os 87% restantes com-pram e consomem conhecimento, tecnologia e ciência.

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Isso pode ser corroborado por um dado publicado na edição de março de 1995 da revista Science. De acordo com esse dado, a América Latina produz apenas 0,9% das pesquisas realizadas no mundo. Deve-se ressaltar que, destes 0,9%, 70% das pesquisas da América Latina são realizadas no Brasil. Portanto, apesar do número global não ser favorável, o Brasil é líder dentro do contexto da América Latina. Trata-se de um fator importante.

De qualquer forma, pode-se fazer o diagnóstico de que o Brasil é fundamentalmente um consumidor de co­nhecimento. Vamos analisar um pouco mais profunda­mente essa questão. Para isso, vou usar dados de um trabalho produ-

PEN S ANDO SA O PAULO: U NIVER S IDAD ES E IN STITUTO S

ses países, quem paga a pesquisa básica é o governo, quem executa é a universidade. Na pesquisa aplicada, quem pa­ga, fundamentalmente, é a indústria, com alguma parti­cipação do governo. A parcela governamental correspon­de em grande parte à compra de patentes e de tecnologia, para que elas sejam trazidas para dentro do país. Quanto ao desenvolvimento de novos produtos, quem paga e quem realiza é o setor privado. É a outra perna do Saci.

Este modelo, no qual a universidade faz a ciência fun­damental, a pesquisa básica, e a indústria aplica e desen­volve tecnologia, parece ser o que mais fomenta o desen­

volvimento de forma rápida e segura. Não é função da universi­

zido pelo presidente da FAPESP, professor Carlos Henrique de Bri­to Cruz. Nele, é comparada a dis­tribuição institucional da ativida­de de pesquisa e desenvolvimento no Brasil com a de outros países.

''Não faz parte das funções

dade desenvolver produtos finais. Isso exige conhecimentos de carac­terísticas do mercado e um envol­vimento comercial não pertinen­tes à universidade. A universidade faz a pesquisa básica e a indústria faz a pesquisa aplicada. Os dados mostram que existe

uma diferença significativa. Nos Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Canadá, a maior parte da atividade de pes­quisa e desenvolvimento é realiza-

da universidade desenvolver

produtos finais para o mercado''

No modelo brasileiro, já existe uma perna. Está faltando a outra, que é a aplicação e o investimento do setor privado. As universidades

da na indústria. No Brasil, ocorre exatamente o inverso. A pesquisa é realizada fundamen­talmente na universidade. O trabalho também compara artigos científicos publicados e patentes registradas nos Estados Unidos. O Brasil aparece entre os países que pro­duzem artigos científicos de maneira significativa, mas não está entre os que registram patentes.

Vale uma comparação com a Coréia, país que há 20 anos estava numa situação muito semelhante à do Brasil. Hoje, a Coréia aparece significativamente como grande publicadora de artigos científicos e registro de patentes, ou seja, possui as duas pernas que medem a questão da pesquisa e desenvolvimento de forma mais equilibrada. Todos devem concordar que no Brasil temos uma situa­ção diferente, estamos com uma perna só, publicamos muito e quase não registramos patentes. Usando uma fi­gura da mitologia brasileira, poderíamos afirmar que ainda sofremos da síndrome do Saci. O Brasil está pulan­do com uma perna só. Faz pesquisa nas universidades, mas não consegue transformar esta ciência e tecnologia em efetivo desenvolvimento para benefício de seu povo.

Na década de 80, o Brasil tinha uma situação até um pouco melhor que a da Coréia. Por volta de 1984 e 1985, po­rém, houve uma grande mudança na situação coreana. Na­quele período, houve um significativo aumento nos inves­timentos das empresas em pesquisa e desenvolvimento, o que gerou um grande acréscimo no registro de patentes.

É possível observar que o modelo coreano é quase uma cópia do modelo seguido nos Estados Unidos. Nes-

PESQUISA FAPESP

podem e devem tomar a iniciati­va, liderar e buscar esse processo.

Durante muitos anos, a universidade brasileira esteve um pouco dissociada de sua real função. Isso ocorreu como uma reação ao regime militar, no qual a universidade, com raras exceções, esteve mais voltada para a questão políti­ca, para a implantação da democracia. No setor privado, não havia razão para investir em pesquisa e gerar novas tec­nologias. Havia um exagerado protecionismo e a reserva de mercado, ~orno no caso da informática, por exemplo.

Hoje, a sociedade brasileira paga por esses 20 anos de nossa história. Para solucionar o problema, o Brasil pre­cisa ser ágil. Não pode demorar muito. A impressão é a de que as instituições não-públicas têm um pouco dessa agi­lidade. Devido a essa velocidade, as instituições privadas podem exercer um papel importantíssimo de atrair contra­tos de parceria com o setor público e rapidamente gerar expertise em determinados nichos de mercado. A partir daí, é possível ter o retorno desejado em termos de desen­volvimento que tanto se almeja, do qual o país tanto pre­cisa, e que certamente nos conduzirá a um Brasil mais justo. Afinal, esta é a proposta fundamental deste fórum.

Concluindo, reafirmo que acima de tudo a função primeira das universidades ainda é a de combater a escas­sez de material humano. As grandes indústrias mundiais implantarão suas atividades de pesquisa e desenvolvi­mento onde houver potenciais de recursos humanos. Portanto, o aumento do investimento privado em ciência e tecnologia depende significativamente da nossa capaci­dade de recrutar e desenvolver talentos.

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Surgetn novas oportunidades para a educação continuada

O professor José Rubens Rebelatto, reitor da Universidade Federal

de São Carlos (UFSCar), formou-se em Educação Física em 1975 e em Fisioterapia em 1978, nos dois casos pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Começou a lecionar na UFSCar em 1980. Nessa universidade, fez especialização em Análise e Programação de Condições

~ Quando se analisa o papel de uma ins­§ tituição social em relação aos vários seg­il mentos sociais, é necessário estabelecer " com clareza quais são seus objetivos, suas

metas, sua missão. É preciso determinar qual é seu contrato social ou, pelo menos, qual era na sua gênese, quando a institui­ção foi concebida. O assunto é polêmico, mas neste debate vou assumir uma deter­minada missão para a universidade públi­ca. Trata-se da tarefa de produzir conheci­mento e de torná-lo acessível a todas as pessoas que possam precisar dele.

de Ensino, em 1983, o mestrado, em Educação Especial, em 1986, e o doutorado, em Educação, José Rubens Rebelatto

Até pouco tempo atrás, era usual ouvir que os objetivos das universidades, pelo menos as públicas, eram o ensino, a pes­quisa e a extensão. Mais recentemente, de­monstrou-se, inclusive em trabalhos aca­dêmicos, que essas são apenas atividades. em 1991. Suas áreas principais

de pesquisa são as de Prevenção em Fisioterapia e de Ensino em Fisioterapia. Antes de chegar à reitoria, o professor Rebelatto ocupou diversos cargos na UFSCar, inclusive os de chefe dos departamentos de Ciências da Saúde e de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, vice-coordenador dos órgãos suplementares, pró-reitor de extensão e vice-reitor. A Universidade Federal de São Carlos tem atualmente cerca de 4.800 alunos na graduação e 1.400 na pós-graduação, çom 25 cursos de graduação e 28 opções em pós-graduação. Além das instalações em São Carlos, tem outro câmpus permanente na cidade de Araras, onde funciona o curso de Engenharia Agronômica. Dos seus professores, nada menos do que 96,31% têm mestrado ou doutorado. É a maior proporção entre as universidades federais brasileiras.

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As razões de ser dessas atividades é que devem evidenciar a missão da instituição. Para que fazer pesquisa, para que produzir o conhecimento, para que realizar a atividade do ensino de extensão, se não for para a produção do co­nhecimento e tornar esse conhecimento acessível?

A primeira parte é a produção do conhecimento. A universidade pública está produzindo o conhecimento? Quais são as atividades dessa instituição no seu dia-a­dia que caracterizam a consecução desta parte de seu compromisso social? Aparentemente, sim. Mais de 96% do conhecimento científico e tecnológico brasileiros são produzidos nas universidades públicas. As atividades de pesquisa e de formação de futuros cientistas são feitas, majoritariamente, nas universidades públicas.

Quais as atividades desenvolvidas cotidianamente pe­las instituições públicas para tornar esse conhecimento acessível? Uma das mais tradicionais e conhecidas dessas maneiras é a formação dos futuros profissionais, que vão interferir na sociedade para resolver seus problemas. Ou­tra, menos conhecida, é a pós-graduação. Ao formar pro­fissionais cientistas para o país, torna acessível à socieda­de o conhecimento gerado pela universidade.

Existe, porém, uma atividade ainda menos conhecida, que é a de extensão. Ela está passando por uma evolução muito grande. Ela entra na concepção da educação con­tinuada, educação permanente ou educação para a vida toda. Essa atividade tem características que a tornam di­ferente das outras. Nem melhor nem pior, mas diferente e com um potencial de atendimento de demanda superior

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bastante privilegiado. Esse privilégio vem, entre outros fatores, de não ter os limites formais da graduação e da pós-graduação, podendo, por isso, atender demandas es­pecíficas da sociedade.

A extensão é pouco explorada, especialmente por ser um universo inacabado. Existe uma quantidade signifi­cativa de formas de atividades de extensão que precisam ser mais bem estudadas, descobertas e implementadas. A Universidade Federal de São Carlos está desenvolven­do várias experiências nesse campo. Três formas vão ser citadas, por suas características especiais. São os nú­cleos de extensão, os escritórios regionais e as incubadoras de co-

PENSANDO SÃO PAULO: UN IVERSIDADES E I NSTITU T OS

O terceiro exemplo é a incubadora de cooperativas que a Universidade Federal de São Carlos está pondo em prática em conjunto com a UniTrabalho. O problema a ser enfrentado, no caso, é o desemprego e a exclusão so­cial, resultados do momento político-econômico existente atualmente em todo o mundo e também no Brasil. O projeto partiu da convicção de que determinadas cama­das sociais poderiam usar o auxílio de várias áreas do co­nhecimento, como engenharia de produção, engenharia civil, ciências sociais, psicologia, advocacia e outras, para enfrentar essa situação.

A universidade fornece o co-nhecimento e uma infra-estrutu­

operativas. Os núcleos de extensão da Uni­

versidade Federal de São Carlos estão voltados para determinados segmentos sociais. Eles surgiram da necessidade de organizar ativi­dades da universidade. Há núcleos voltados para empresas, sindica­tos, município, saúde e cidadania. Além de se mostrarem eficazes na organização das atividades inter­nas, eles se mostraram potentes

''Primeira cooperativa formada na

ra básica para que as pessoas for­mem uma cooperativa. A partir daí, elas vão ao mercado e ofere­cem seus serviços. A primeira co­operativa formada na Universida­de Federal de São Carlos foi uma cooperativa de serviços de limpe­za. Antes, eram pessoas excluídas totalmente do mundo do traba­lho. Hoje, fornecem serviços de limpeza inclusive para a própria

U FSCar hoje faz a limpeza

da universidade''

organismos de interlocução do diagnóstico das demandas dos segmentos sociais e de agilização de trabalhos.

Quanto ao segundo exemplo, a UFSCar tem hoje es­critórios regionais em três cidades: Araçatuba, Assis e Fernandópolis. Eles surgiram da freqüência com que pre­feitos ou associações comerciais de municípios distantes da sede procuravam a universidade, pedindo seu auxílio para a solução de problemas específicos. Isso levou à cria­ção de um programa, com o qual, a partir de uma infra­estrutura fornecida pelos interessados e com a supervisão de um pesquisador e professor da universidade, eram tra­çados alguns objetivos, como diagnosticar mais correta­mente o problema levantado.

O programa envolve o uso de grupos de pesquisa e alunos de graduação e pós-graduação da universidade para o treinamento de pessoas do próprio município, capazes de resolver os problemas quando a universida­de se retira. Nem sempre o programa corre bem. Esse tipo de atividade levanta um grande número de proble­mas. Um deles é a descontinuidade político-partidária na direção dos municípios. Muitas vezes, o escritório está funcionando muito bem, mas é fechado quando se muda o prefeito. Houve cidades em que o mesmo escri­tório foi inaugurado quatro vezes. Quando isso aconte­ceu, foi estabelecida a exigência de que um escritório regional só é montado depois que uma legislação a res­peito é estudada e aprovada pela Câmara Municipal. Isso deu maior estabilidade ao programa.

PESQUISA FAPESP

universidade, pois ganharam a li­citação. A universidade consegue

serviços por um preço bem menor que o pago a outras empresas e os cooperados ganham muito mais do que receberiam como empregados dessas empresas.

A educação continuada tem relação com o compro­misso da universidade pública de, além de formar futuros profissionais, ser responsável pela educação do cidadão no decorrer de sua vida. Isso exige outra concepção do que deve ser o papel da universidade no que era chama­do de extensão. A Universidade Federal de São Carlos es­tudou o que vem sendo chamado de educação continua­da ou educação permanente em vários países, Portugal, Espanha, Itália e Inglaterra. Descobriu que grande parte do que é feito nesses países já se faz nas universidades pú­blicas brasileiras.

A diferença exigida para que esse passo seja dado é ba­sicamente uma postura a favor dessas atividades, com maior agilidade administrativa e disposição para a capta­ção de recursos. A diferença está principalmente nessas três posições, embora nem mesmo elas devam ser enca­radas como fundamentais.

A missão de produzir o conhecimento e torná-lo aces­sível e a realização das atividades de pesquisa, ensino e prin­cipalmente de extensão são exemplos do compromisso e da contribuição das universidades públicas para o desen­volvimento da ciência e tecnologia. Isso, se concatenado com uma política governamental, da Secretaria de C&T, poderia fazer do Estado de São Paulo um exemplo único de desenvolvimento regional e evolução social no país.

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Sucesso leva à atnpliação da incubadora de etnpresas

O professor Claudio Rodrigues, superintendente do Instituto de Pesquisas Energéticas

e Nucleares (lpen), é um dos mais experientes cientistas brasileiros no campo da física nuclear. Desde 1965, quando foi contratado como pesquisador auxiliar do Instituto de Energia Atômica, antigo nome do lpen, ele trabalha nessa área. Formado em física pela Universidade de São Paulo (USP), Rodrigues obteve o doutorado em 1970, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com Claudio Rodrigues

O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) foi fundado em 19S6. Pouco mais de um ano depois de sua fun­dação, começou a operar, no câmpus da Universidade de São Paulo (USP), o pri­meiro reator nuclear de pesquisa do He­misfério Sul. É uma instituição científica e tecnológica cujo compromisso é melho­rar a qualidade de vida do povo brasileiro. Para isso, produz conhecimento científico, desenvolve tecnologias, gera produtos e serviços e forma recursos humanos. Tem cursos de pós-graduação que outorga­ram, no ano passado, 29 títulos de doutor e 43 de mestre. Sua área, de SOO mil me­tros quadrados, ocupa cerca de um quar­to do câmpus da Cidade Universitária de São Paulo.

uma tese sobre os movimentos dos átomos do metanol estudados através do espalhamento de nêutrons. De 1971 a 1973, com uma bolsa de pós-doutorado da FAPESP, esteve no Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos, participando de pesquisas sobre a presença do dióxido de carbono de origem industrial na atmosfera. O atual mandato é o segundo de Rodrigues como superintendente do lpen. Ele ocupou o mesmo cargo de 1985 a 1990, período no qual entrou em funcionamento o primeiro reatar nuclear construído no Brasil, o IPEN/MB-01. Os produtos preparados no lpen são usados hoje na medicina, na indústria e na agricultura de todo o Brasil e de vários países da América Latina. As atividades de pesquisa desenvolvidas no instituto, no entanto, não se limitam ao campo estritamente nuclear. Ali se investigam, também, áreas como a obtenção de hormônios humanos por engenharia genética e o crescimento de monocristais para uso em lasers.

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A principal atividade atual do Ipen está na área da saúde. Produz medicamentos e outros materiais radioativos para diagnóstico e terapia de diver­sas doenças. A distribuição desses medicamentos atinge todo o território brasileiro. Mais de SOO hospitais e clíni­cas recebem, em média quatro vezes por semana, mate­riais radioativos produzidos pelo Ipen. Os produtos do Instituto foram responsáveis, em 1999, pelo atendimento de mais de um milhão e meio de pacientes.

A distribuiÇão do material radioativo é just in time. O material radioativo produzido é transportado aos hospi­tais imediatamente; se não chegar rapidamente ao clien­te, perde a atividade. Há materiais radioativos com meia­vida de duas horas, ou seja, depois de duas horas, o medicamento já perdeu metade da atividade. É por isso que o Ipen funciona sem interrupções, em três turnos.

Há alguns anos, o Ipen desenvolveu um novo meca­nismo de gestão. Adotou uma política e um planejamen­to de gestão que focam principalmente as atividades do Instituto dirigidas para a demanda da sociedade e para o cliente. Em função disso, entrou fortemente num projeto de excelência tecnológica patrocinado pelo Conselho Na­cional de Pesquisas e pelo Ministério da Ciência e Tecno­logia. Todos os produtos médicos que saem do Ipen têm o certificado ISO 9002.

O Instituto, porém, não está ausente do novo paradig­ma da participação das instituições de pesquisa de São Paulo. Faz parte de uma importante parceria constituída pelo Ipen, o IPT e a USP, com a forte participação do Se­brae, que instalou no câmpus da USP em São Paulo uma

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incubadora de negócios de base tecnológica. Trata-se do Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec).

A missão do Centro é ajudar o nascimento de novos negócios, idéias e empreendimentos de base tecnológi­ca. Fornece uma infra-estrutura básica com condições de aumentar o índice de sobrevivência e competitividade das novas empresas. Seu objetivo é auxiliar o crescimen­to da economia brasileira, aumentar a geração de empre­gos e melhorar a capacidade de exportação. A incubado­ra foi inaugurada no segundo semestre de 1998.

Há vários exemplos de empresas já incubadas no Cietec. Na área da biomedicina, há empresas que desenvolvem tecno-

P ENSANDO SA O PA U LO : U N I V ER S IDADE S E I NS TIT UT O S

USP, aproveitando espaços ainda disponíveis. Ele con­tribuiria para a política de atração de investimentos de qualidade da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desen­volvimento Econômico, contribuiria para a alteração da vocação econômica da Região Metropolitana de São Paulo e intensificaria a interação do Ipen, IPT e USP com as empresas.

O parque serviria, ainda, como motivação para a par­ticipação dos cerca de 4 mil pesquisadores que trabalham hoje na área e seria um estímulo para a ampliação dos empreendimentos bem-sucedidos a partir da incubadora

do câmpus. Esse parque tecnoló­gico já está em gestação. Um gru­

logias para a produção de válvulas para catéteres, grampeadores ci­rúrgicos e endoscópios. Na biotec­nologia, a fabricação de hormônio de crescimento humano, sintetiza­do por bactérias geneticamente mõdificadas, é exemplo de uma pesquisa que começou no Ipen e que está sendo transformada num negócio de importância significa­tiva para a sociedade, principal­mente se considerarmos o alto ín-

''o conhecimento e a tecnologia

obtidos nas universidades

devem chega r à sociedade''

po executivo formado pelos par­ceiros e constituído pela Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desen­volvimento Econômico está dan­do os primeiros passos para trans­formá-lo em realidade.

Há várias sugestões, proposi­ções e ações para que a produção científica e tecnológica seja efeti­vamente utilizada no desenvolvi­mento social e econômico de São

dice de nanismo encontrado na população brasileira.

No início, havia o prognóstico de que seriam necessá­rios entre três e quatro anos para que empresas de base tecnológica ocupassem o espaço alocado, capaz de abri­gar 15 empresas. O prognóstico estava errado. Em pouco mais de um ano, os 15 módulos já estavam ocupados. Hoje, mais de 80 empresas e negócios esperam a oportu­nidade de serem incubadas no parque.

Já existe uma proposta da parceria Ipen-IPT-USP, en­caminhada à Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desen­volvimento Econômico, para a adequação de um número maior de galpões. Assim, o Centro receberia um número bem maior de empresas. Num primeiro momento, seriam criados mais 15 módulos. Mas é possível que o total de 70 empresas incubadas possa ser atingido antes do fim do ano. É provável que seja aberto no câmpus do IPT um espa­ço para empresas que tenham sinergia com esse Instituto. É um novo modelo. Pela primeira vez, uma incubadora ins­talada na área da USP teve sucesso e o sucesso foi forte.

O objetivo desse trabalho é criar condições para que a iniciativa privada participe um pouco mais da ciência no Brasil. O conhecimento científico e o desenvolvimento tecnológico obtidos nas universidades devem chegar re­almente à sociedade, ao mercado. A proposta é fazer isso em parcerias com empresas privadas, pequenas, médias e mesmo grandes.

Esse seria o objetivo de um parque tecnológico que poderia ser instalado inicialmente dentro da área da

PESQUISA FAPESP

Paulo. É importante, de qualquer maneira, captar o interesse do setor,

por sua participação na definição de políticas e dos pro­gramas de incentivo à cooperação entre instituições de pes­quisa e empresas. É preciso tentar flexibilizar os mecanis­mos legais que impedem ou dificultam essa cooperação.

São necessários novos programas governamentais de apoio à inovação tecnológica que estejam voltados para a realidade, que sejam capazes de apoiar a inovação nas empresas de ·acordo com sua capacidade. As instituições de pesquisa precisam contar com o apoio de programas e organismos governamentais capazes de auxiliá-las no de­senvolvimento dessas atividades, principalmente na sua interação com as empresas e na preparação de novos ne­gócios dentro ou perto dos câmpus universitários.

Não é possível, ainda, esquecer o problema do capital de risco. As empresas residentes ou incubadas num Cen­tro de Criação de Empresas Tecnológicas ou num parque tecnológico precisam de capital de risco. Mas a solução desse probléma ainda está distante dos modelos propos­tos para a interação da ciência e da tecnologia.

As novas empresas não estão acostumadas a buscar capital de risco e não sabem onde procurá-lo. As grandes empresas, por sua vez, ou não estão interessadas numa associação ou, muitas vezes, não sabem falar a linguagem existente no mundo científico. Nosso mundo científico não está acostumado ou não está interessado em ouvir o discurso das empresas. É preciso fazer com que esses pa­radigmas sejam destruídos. Só assim, realmente, o saber alcançará o fazer.

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Page 78: Um mistério em partículas

Área da saúde precisa de tratatnento diferenciado

O professor José da Rocha Carvalheira é o responsável pela Coordenação

dos Institutos de Pesquisa, um órgão da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. É também o presidente da comissão brasileira que estuda as vacinas contra a Aids. O estudo das doenças trans­missíveis, como o mal de Chagas, faz parte de sua carreira. Carvalheira era professor titular do Departamento de Medicina Social da F acuidade de Medicina

~ O esforço de coordenação de ciência e ~ tecnologia na Secretaria da Saúde come­a çou há pelo menos 30 anos, com a refor­" ma administrativa de 1969, quando foi

de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, de onde

José da Rocha Carvalheira

criada a coordenadoria dos Institutos de Pesquisa. Os institutos tradicionais de pesquisa da área, porém, trabalham desde o início do século. Portanto, por serem anteriores até à constituição da própria Universidade de São Paulo, têm um papel extremamente relevante na história da pesquisa básica, da pesquisa aplicada e dos processos de produção associados. O Instituto Butantan fará 100 anos em 2001. O Instituto Adolfo Lutz é anterior ao Butantan. O Hospital Emílio Ribas e o Instituto Pasteur também são do começo do século.

se aposentou, em 1994, para dirigir o Instituto de Saúde, outro órgão estadual. Da direção do Instituto, passou para a coordenação dos institutos. Embora a coordenação seja relativamente recente, pois foi criada em 1969, ela é responsável por alguns nomes muito tradicionais da ciência brasileira, como o Instituto Butantan, o Instituto Adolfo Lutz, o Instituto Emílio Ribas, o Instituto Pasteur, a Hemorrede e outros organismos do governo estadual de São Paulo. Uma de suas funções é justamente a de servir como órgão de gestão, política, técnica e orçamentária, desses organismos, dos centros de vigilância e dos programas de ação coletiva ligados à saúde no estado.

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Essas instituições deram o tom da in­trodução da pesquisa experimental no Brasil. É preciso refletir sobre o que representava o paradigma adotado nessa época e que norteou a composição dessas institui­ções. A questão era sempre determinada socialmente. Ha­via problemas com os quais a sociedade se defrontava e pa­ra os quais era necessário encontrar algum tipo de solução.

Na área da saúde, o paradigma era dado pelo Institu­to Pasteur de Paris. Era um aprofundamento da pesquisa básica, dentro aa percepção de que a pesquisa básica de­veria ser informada pela realidade concreta, por meio de trabalhos de campo. Mais que isso, havia uma associação íntima com a pesquisa clínica e com a produção de soros e, posteriormente, de vacinas. Era assim que as institui­ções enfrentavam os problemas colocados pela sociedade.

A coordenação incorporou essas estruturas com toda a sua perspectiva e todo o seu trabalho acumulado. A es­trutura mais nova a ser criada foi o Instituto de Saúde, voltado fundamentalmente para uma característica da área de saúde menos existente em outras áreas, que é o aparecimento de uma tecnologia que não é material, mas tem maior importância.

O papel de uma secretaria da saúde é dar conta da si­tuação de saúde da população, promover e preservar a saúde, prevenir no que for possível a ocorrência de doen­ças, atender as pessoas que caíram doentes e, no final, tentar recuperar as seqüelas dos que adoeceram e com­pletaram o ciclo da doença.

Uma secretaria desse tipo não pode, assim, valer-se única e exclusivamente de tecnologias materiais, como

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medicamentos, equipamentos, vacinas e outros produtos dessa natureza. Na área da saúde, é da maior importância a tecnologia não material, de organização de serviços e das modalidades de gestão e atendimento, para que o poder público possa cumprir seus papéis. Este é o grande pro­blema com o qual se defronta, atualmente, a coordenação.

Apesar de seu nome indicar uma coordenação de ins­titutos de pesquisa, ela assumiu uma dimensão mais am­pla. Passou a incorporar uma parcela do que se conven­cionou chamar de saúde coletiva, envolvendo aí todos os sistemas de vigilância epidemiológica e sanitária e mes­mo estruturas ambulatoriais e hospitalares destinadas ao comba-

PENSANDO SAO PAULO: UNIVERSIDADES E INSTITUTOS

dor Mário Covas. A comissão fez várias sugestões ao Exe­cutivo, ao Legislativo e a outras áreas de âmbito federal.

Uma dessas recomendações propunha a criação, no âm­bito federal, de um organismo parecido com o Conselho de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (Concite). Esse conselho teria caráter deliberativo e, portanto, pode­res muito maiores, com comissões voltadas para diversos setores e que acompanhariam o estado da arte em cada área, mantendo o conselho informado sobre o assunto.

Recomendava-se, ainda, a criação de um Instituto de Altos Estudos associado ao Congresso Nacional para cui­

dar dessas questões. O Congresso dos Estados Unidos tem um orga­

te a doenças transmissíveis, como é o caso do Instituto Emílio Ribas e do Centro de Referência de Aids.

Trata-se de um problema de extrema complexidade e inclui a análise do processo social mais importante vivido atualmente pe­lo Brasil, o processo de municipa­lização da saúde. Um processo dessa envergadura não pode dei­xar de ser analisado por um pen­samento crítico, de passar por uma

''os principais beneficiários não

consegu1nam comprar a

vacina contra

nismo semelhante. Uma Assem­bléia Legislativa do porte da de São Paulo também poderia pen­sar em ter um instrumento como esse, de modo a acompanhar os processos que tramitam pelo Le­gislativo estadual.

Existem permanentemente em tramitação questões de extre­ma complexidade e que, portan­to, devem merecer uma reflexão

a Aids''

análise científica detalhada. Essa é uma das tarefas a que estão associadas as instituições de pesquisa da Secretaria da Saúde de São Paulo.

Nos últimos dez anos, apareceu uma característica de extrema relevância na área da saúde. Foi a criação de um mecanismo de controle social representado por conse­lhos municipais, estaduais e, no nível federal, pelo Conse­lho Nacional de Saúde. Além dos conselhos, que são o instrumento paritário de controle social, existem, de ma­neira também paritária, as conferências municipais e es­taduais e a Conferência Nacional de Saúde. As conferên­cias, realizadas periodicamente, são os instrumentos que indicam os rumos desejados pela população brasileira para seu sistema de saúde.

Foi realizada em 1993, em Brasília, uma primeira con­ferência nacional de ciência e tecnologia em saúde. Entre as teses mais importantes levadas por São Paulo a essa conferência estava a de que, na convergência do sistema de ciência e tecnologia com o sistema de saúde, a orien­tação deve ser dada pelo SUS, com base nas necessidades de saúde da população. Propôs-se, na época, a criação de uma Secretaria Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde, que nunca foi constituída, e de coordenações estaduais, semelhantes à existente em São Paulo.

Antes disso, em 1991, o Congresso Nacional organi­zou uma Comissão Parlamentar de Inquérito mista para examinar as causas e dimensões do atraso tecnológico brasileiro. A rela tora era a deputada Irma Passoni e o pre­sidente da comissão era o então senador e hoje governa-

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de grande profundidade. Na área da saúde, há situações de extre­

ma sensibilidade, nas quais o problema da propriedade intelectual e transferência de tecnologia precisa ser tra­tado com uma ótica diferente da mera análise do ponto de vista do mercado e da consideração de produtos ou processos como meras mercadorias. Um exemplo, no qual estou diretamente inserido atualmente, é a tentati­va, da qual participa toda a humanidade, de se conse­guir uma vaéina contra a Aids.

Exatamente sobre esse ponto, no qual os principais beneficiários seriam seguramente países incapazes de ad­quirir a vacina em quantidades suficientes, coloca-se em nível internacional uma discussão de extrema profundi­dade sobre mecanismos alternativos para trabalhar a questão da propriedade intelectual.

A Fundação Rockefeller, por exemplo, propôs que uma terceira parte, a Organização Mundial de Saúde ou a própria Fundação, sirva como intermediário sobre es­sas questões, permitindo que fossem abrandadas as exi­gências de propriedade intelectual para a transferência da tecnologia de produção de alguns produtos mais avança­dos do ponto de vista tecnológico. O objetivo seria torná­los acessíveis aos necessitados sem obedecer, obrigatoria­mente, às leis do mercado.

O preço da vacina contra a hepatite levou quase 20 anos para cair de US$ 50 por dose para alguns centavos por dose e poder, assim, ser distribuída nos países pobres, do Terceiro Mundo. Na área da saúde, assim, esta é uma questão de extrema importância.

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En1 busca de recursos para novas necessidades

F armado em Engenharia Elétrica e Mecânica

;;;;;;;=:==========::;;.;;;;;.; ~ O Instituto de Pesquisas Tecnológicas § já completou 100 anos. Sua existência tem & sido um exemplo de pioneirismo. É o retra­" to da saga paulista da busca da construção

pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Plínio Assmann acumulou uma enorme experiência antes de assumir o cargo de diretor-superintendente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em junho de 1998. Entre os cargos que ocupou estão o de secretário dos Transportes do Estado de São Paulo, o de presidente da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), o de presidente do Metrô de São Paulo e o de presidente do conselho de administração do Metrô do Rio de Janeiro. Assmann foi ainda fundador e primeiro presidente da Associação Nacional dos Transportes Públicos, fundador e presidente da Associação de Administração Participativa (Anpar) e da Agência de Desenvolvimento de Cubatão (ADC) e presidente do Instituto Brasileiro de Siderurgia e do Instituto de Engenharia de São Paulo. Também ocupou a presidência dos conselhos de administração da Ferrovia Paulista (Fepasa), da Dersa, da Caraíba Metais e da Companhia Brasileira do Cobre. Com cerca de 1.000 funcionários, dos quais 800 são pesquisadores e técnicos, o IPT tem 72 laboratórios, com condições de realizar mais de 3 mil tipos de ensaios, testes e análises. O Instituto já está entrando em seu segundo século. Foi fundado em 1899, como Gabinete de Resistência de Materiais da Escola Politécnica.

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de um país industrialmente competitivo e de um povo que quer a modernidade. O IPT foi o berço do concreto armado no Brasil. Foi também a origem da indústria aeronáutica brasileira, muito antes da Em­braer, com seus protótipos de aviões com estrutura de madeira brasileira, muitos, muitos mesmo, ainda hoje servindo aos aeroclubes do país. .

Foi também a origem da engenharia de construção naval, experimentada no seu banco de provas para navios, o primeiro do Brasil. Esteve no começo do estudo da

Plínio Assmann mecânica de solos para áreas de risco em obras de infra-estrutura e áreas urbaniza­

das. Isso também ocorreu com a tecnologia do álcool-mo­tor. O IPT foi a principal base tecnológica de todo um pro­cesso de desenvolvimento econômico brasileiro durante o meio século da política de substituição das importações.

Durante esse tempo, o IPT forjou um conceito de pes­quisa industrial básica adequada aos movimentos de de­senvolvimento do país, adequou extensões tecnológicas às necessidades do mercado e formou uma numerosa equipe de pesquisadores competentes na gestão de políti­cas públicas, ética e profissionalmente preparados. Em fase importante de sua vida o IPT teve continuidade ad­ministrativa invejável. Inquestionavelmente, o IPT é um elemento significativo da política industrial.

No caso brasileiro atual, o IPT é parte da política in­dustrial real e não formal. Atrás de cada laboratório do IPT há procedimentos básicos para setores industriais que podem progredir ou não, direcionar-se nessa ou na­quela direção, na medida dos estímulos tecnológicos do­minados no IPT.

Uma recente pesquisa divulgada pela Sobeete, a asso­ciação de empresas e profissionais dedicada aos estudos dos impactos da globalização no país, mostrou que em­presas multinacionais, que representam 15% do PIB in­dustrial, investem 3% do seu faturamento em inovação e capacitação para adaptar os produtos e processos já de­senvolvidos pelas suas matrizes e, em 40% dos casos ana­lisados, para desenvolver novos produtos.

Se, por um lado, isso mostra que a abertura da econo­mia não resultará no extermínio dos esforços de inovação

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tecnológica no Brasil, indica, por outro, o quanto a in­dústria nacional precisa investir para se manter competi­tiva e o quanto é preciso fazer para dominar tecnologias em nosso ambiente, particularmente aquelas tecnologias adequadas às vantagens competitivas brasileiras, que so­mente serão estudadas por nós mesmos. Vale dizer, por nossos institutos de tecnologia.

As instituições de fomento à pesquisa estão cada vez mais abrindo programas de cooperação com empresas. Esse caminho está certo e tudo que se fizer nessa parte ainda será pouco. A ciência tem sido mais fomentada do que a tecnologia com recursos pú-blicos. O que distingue o esforço

PENSANDO SÃO PAU LO: UN I VERS I DADES E I NST ITUTOS

prática, de objetivos e de caráter nitidamente pró-ativo, elegeu dois programas-mestres: o primeiro, de apoio tecno­lógico a micro e pequenas empresas, por meio de labora­tórios itinerantes que vão às fábricas prover conhecimen­to e o domínio tecnológico do qual essas empresas estão hoje órfãs. É o chamado Projeto Prumo. O segundo, de apoio de extensão tecnológica à exportação, é o Projex.

Há que mencionar um dilema que não é apenas do IPT, mas de todos os institutos que trabalham abaixo de seu ponto de equilíbrio. De um modo geral, as agências de fomento não remuneram a aplicação de mão-de-obra

própria da instituição nos proje­tas propostos. Cobrem apenas

científico do esforço de desenvol­vimento tecnológico é a política industrial. Atrás do desenvolvi­mento científico vem o conheci­mento, atrás do conhecimento tecnológico vem o emprego.

O IPT tem grande potenciali­dade de crescimento e pode fazê­lo rapidamente. Sua vocação é multidisciplinar. Os seus 70 labo­ratórios abrangem praticamente todos os campos da tecnologia

''os últimos investimentos significativos

feitos pelo

materiais, equipamentos e mão­de-obra contratados com tercei­ros. No caso do IPT, temos difi­culdade de usar esses fundos de agências na proporção adequada para o programa de metrologia. Se forem usados os próprios pes­quisadores do IPT no trabalho, ele será obrigado a pleitear maior subsídio do Tesouro do Estado pa­ra compensar a receita cessante,

IPT ocorreram na década de 70''

industrial e podem trabalhar em conjunto, o que praticamente coloca o IPT numa situa­ção ímpar no contexto. Mas o IPT precisa modernizar-se. Os últimos investimentos significativos que fez ocorre­ram na década de 70.

De lá para cá, o país abandonou a sua política indus­trial autárquica, a economia modernizou-se e o mundo se globalizou. Particularmente, hoje é importante a ação na tecnologia metrológica, fundamental para a competi­ção industrial, tanto no mercado interno como externo. Dificilmente duplicaremos as exportações brasileiras sem uma base metrológica moderna. Igualmente o comércio eletrônico, business to business, somente será possível com metrologia garantida nos produtos comercializados.

A atualização dos laboratórios de metrologia do IPT é orçada em aproximadamente US$ 12 milhões. A metro­logia é essencial para embasar a exportação e conter a im­portação de produtos de baixa qualidade. É ainda fun­damental para agilizar a elaboração de normas, feitas profissionalmente e não de forma amadora, como ocorre no Brasil, assim como para construir barreiras técnicas e regulamentos que respondam às necessidades de controles quanto aos aspectos de saúde, segurança e meio ambien­te. O Brasil não pode escancarar as porteiras à importa­ção sem se proteger, como fazem os países adiantados, contra produtos que não lhe interessam.

Além de propugnar pela agilização da normalização com base em modernização metrológica, o IPT, incorpo­rando uma opção consciente por uma política industrial

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para o que não há lógica. Outra questão relevante é a prá­

tica do fomento de não financiar a pessoa jurídica. As agên­cias organizaram-se para financiar o pesquisador. Isso po­de ser adequado para a pesquisa científica, mas nem sempre é para a pesquisa tecnológica. Esse assunto precisa ser re­solvido até para o benefício das próprias agências de fo­mento, que estão sujeitas a críticas, ao privatizarem recur­sos públicos à margem das práticas da legislação em vigor.

O IPT vai crescer para atender às demandas da mo­derna tecnologia. Neste ano, pretende aumentar em 50% o seu ritmo de investimentos e crescer 15%. Mas a situa­ção financeira do Instituto não é boa. Ele acumula dívi­das no mercado, vencidas e não pagas. Necessita rapida­mente de um aporte extraordinário para poder continuar atuar normalmente. É certo que o desenvolvimento do IPT não deverá estrategicamente basear-se em recursos extras. Eles são, no entanto, agora necessários na situação de curto prazo, mas, superado esse problema, o IPT tra­balhará no seu ponto de equilíbrio, o que não consegue fazer hoje. A partir daí, poderá crescer em condição sau­dável e permanente.

Na base desse crescimento, é imprescindível a presen­ça permanente de recursos do Tesouro, como hoje, numa proporção de 50% do orçamento total. Para cada real que o IPT crescer com recursos auferidos de sua atuação no mercado, o Estado deverá crescer numa participação igual. Esta é uma proposta aceitável para a sociedade, e sua execução dará a ela um IPT tão atuante como no seu primeiro século de vida.

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Novas responsabilidades ' . se sotnatn a pesquisa

O engenheiro agrônomo Eduardo Antonio Bulisani, diretor-geral do Instituto

Agronômico de Campinas (IAC), formou-se pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade

iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii;;;;;:::::;;;;;;:==::; z Os institutos de pesquisas ligados à ~ agricultura em seu sentido amplo foram

6 fundados no Estado de São Paulo para re­" solver problemas da comunidade por meio

de São Paulo. Em 1979, obteve o mestrado, pela Universidade do Estado de Washington, nos Estados Unidos, e em 1994 o doutorado, pela Esalq.

de experimentação e pesquisa, essencial­mente, e também para se conseguir apro­priação de conhecimento e prestar serviços tecnológicos. A impressão é a de que os ca­sos paulistas foram extremamente bem-su­cedidos. Em poucos lugares do mundo foi possível alcançar tanto sucesso com relação aos recursos investidos. Os cálculos de taxa de retorno desses investimentos são todos altamente expressivos e ainda mais quan­do se consideram produtos individuais, co­mo café, cana-de-açúcar, algodão e citros.

Desde 1969, Bulisani é pesquisador do Instituto Agronômico, trabalhando especialmente no setor de Leguminosas. De 1981 a 1992, foi chefe da seção técnica e,

Eduardo Antonio Bulisani É sempre bom lembrar casos que rele­

vam a importância da pesquisa agrícola. Um dos mais citados é o do algodão.

de 1992 a 1998, diretor de divisão. Tem cerca de 30 artigos científicos publicados, especialmente sobre feijão, soja e adubação verde. Ganhou duas vezes o prêmio de Honra ao Mérito do governo de Estado de São Paulo, pelo desenvolvimento de novos cultivares de soja e feijão. O Instituto Agronômico já completou seu primeiro século. Foi fundado em 1887 pelo imperador dom Pedro 11, com o nome de Estação Agronômica de Campinas, e passou para o governo do Estado de São Paulo em 1892. Nos últimos 50 anos, lançou mais de 300 novos cultivares de diversas plantas. Atualmente, seus pesquisadores trabalham em cerca de 140 projetas, usando 6 mil hectares distribuídos por 20 estações experimentais espalhadas pelo estado.

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Quando, em 1929, houve uma crise de excesso de produ­ção de café, o algodão já existia como uma alternativa tec­nológica pronta para ser adotada. Isso contribuiu para que o Estado de São Paulo e o país sofressem menores perdas do que ocorreria normalmente.

Há exemplos mais recentes. A importância da existên­cia de uma tecnologia brasileira foi realçada por um fato, também ligado ao algodão, que ocorreu na safra de 1998 e 1999 no Esrado de Goiás. Os produtores, trabalhando com material importado, tiveram um prejuízo de aproxi­madamente R$ 55 milhões, devido ao intenso ataque de uma doença pouco importante para os cultivares de algo­dão desenvolvidos no Brasil. Ou seja, devido ao açoda­mento da iniciativa privada em importar materiais novos e plantá-los em larga escala, sem verificar se estavam per­feitamente adaptados ao meio, o potencial dos prejuízos causados por um agente, responsável por uma moléstia, elevou-se a tal ponto que nem os cultivares aqui desenvol-vidos, tidos como tolerantes, suportaram o ataque. Cente­nas de outros exemplos mostram como os institutos da área agrícola trabalhavam e trabalham com questões de alta relevância para a socioeconomia do país.

Os institutos paulistas ligados à agricultura, com o passar do tempo, passaram por um processo de especia­lização. Os diversos institutos criaram escolas e, princi­palmente, uma competência para resolver problemas, es­pecialmente quando atuam de maneira multidisciplinar e articulada. Sua capacidade instalada sempre pronta a se organizar e reorganizar permitiu que em pouco tempo

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fossem resolvidas dificuldades como a ocorrida em Goiás, a do nematóide de cisto da soja, a da nova mosca branca e dezenas de outras.

Nessa trajetória, os institutos se especializam cada vez mais. Vão sendo formados especialistas focados no co­nhecimento dos produtos e relativamente poucos volta­dos para os sistemas produtivos como um todo. Mas, de qualquer maneira, eles têm uma participação importan­te na definição de uma tecnologia agrícola tropical. Tra­ta-se de uma tecnologia que não pode ser importada. Ela precisa ser brasileira. E hoje, sem dúvida, o Brasil é deten­tor do maior e mais abrangente co-nhecimento desse setor no mundo.

PENSANDO SÃO PAULO: UNIVERSIDADES E INSTITUTOS

chamar de "agro-silvo-pastoril e pesca" é o de que eles as­sumiram, de maneira clara e precípua, a tarefa da difusão e transferência de conhecimento. Os institutos não po­dem prescindir dessa atividade. Mas essa responsabilida­de ajudou a quebrar um tripé que existia há algum tem­po, no qual os componentes do ensino, da pesquisa e da extensão rural apareciam separados. Agora, os institutos são cobrados permanentemente pela difusão e transferên­cia de tecnologia, de uma maneira até um tanto contunden­te, pois há uma certa confusão entre difundir e transferir com treinar. Treinar um determinado número de produ-

tores ou industriais é até relativa­mente fácil. Coloca-se o pessoal

Mas estão ocorrendo aconteci­mentos importantes. Examinan­do-se o quadro de pessoal, de fins de 1992 até hoje, verifica-se que o IAC conseguiu manter, aproxi­madamente, o mesmo número de pesquisadores. Entretanto, vem ocorrendo uma perda sensível de pessoal de apoio. Nessa área, a redução atingiu praticamente a metade do quadro de pessoal do Instituto. Trata-se de uma gran-

''o Estado não tem a i nda mecanismos eficazes para

a proteção

num auditório e passam-se as ex­plicações. Porém, treinar todos os produtores do estado, ou mesmo segmentos de cadeias produtivas em sua totalidade, é muito mais com­plicado, especialmente com as es­truturas e pessoal hoje existentes.

Houve, assim, uma mudança de trajetória com relação à pesqui­sa agropecuária, à produção de bens e à prestação de serviços fei-

do conhecimento''

de dificuldade, que deve ser mais bem avaliada.

Quando se examina a produção científica e tecnológi­ca dos institutos, somada à sua prestação de serviços, nota-se uma diferença em relação a um passado não dis­tante. O que aconteceu, e está acontecendo cada vez com maior intensidade, não é um desvio de função ou missão. Mas eles estão assumindo cada vez mais o papel de difu­sores de tecnologias e principalmente, em conjunto com as universidades, um papel de apoio ou de complemen­taridade nos cursos de pós-graduação. Esse é um fato ob­servado praticamente em todos os países onde se desen­volvem pesquisa e ensino públicos.

O processo, incipiente até 1970, foi evoluindo em fun­ção da capacidade instalada e da competência do pessoal formado em pós-graduação nos institutos. Hoje, é fato corriqueiro, na análise de currículos de pesquisadores, encontrarmos também a qualificação de docente.

Isso pode explicar em parte por que não ocorre uma queda na produção científica dos institutos. Muito pelo contrário, observa-se em determinadas áreas até um acrés­cimo acentuado. Isso ocorre porque a participação dos bolsistas está aumentando. O Instituto Agronômico abriga, hoje, um grande número de bolsistas, estagiários de uni­versidades e empresas ou recém-formados. Com 212 pes­quisadores científicos, atende até 300 bolsistas por ano, não propriamente trabalhando, mas estudando no IAC.

Outro fator que levou a mudanças de imagem e ativi­dade dos institutos de pesquisa na área que podemos

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tas pelos institutos da área agríco­la. Existem hoje, como diretrizes

básicas em função da realidade socioeconômica do país, da globalização e da modernização dos produtos e pro­cessos, quatro pontos que devem ser incorporados na concepção de sua atuação como básicos à sua inserção nas políticas públicas e na comunidade. Esses pontos são a geração de renda, a geração de trabalho, a inclusão so­cial e a qualidade certificada dos produtos. Os institutos, hoje, têm dificuldade para articular sua programação científica dentro dessas diretrizes básicas. Os próximos passos para que eles consigam continuar a trabalhar bem, prestar serviços à comunidade e avançar no conhecimen­to devem estar ligados à criação de mecanismos de apro­priação do conhecimento gerado.

Existe porém, nesse campo, a questão do tratamento desse conhecimento e da maneira como os institutos po­dem apropriar-se desse conhecimento em seu benefício próprio, auferindo recursos dele. Hoje, esse conhecimen­to é público e o que é público não protege o seu conheci­mento. O Estado não tem ainda mecanismos eficazes para sua proteção, ou mesmo para cobrar royalties ou usar processos de outra natureza para que esses recursos voltem para as instituições geradoras.

Além disso, será necessário criar novos mecanismos da gestão da pesquisa propriamente dita, principalmente da gestão das instituições, do ponto de vista financeiro, administrativo e patrimonial, a partir do imenso patri­mônio e da capacidade instalada para se executar ciência e tecnologia no estado.

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Medidas para tnotivar e tnanter os funcionários

O presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo,

Nélson Raimundo Braga, é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ) e trabalha como pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Obteve o mestrado no departamento de Fitotecnia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com um trabalho

~ A conjuntura mundial vive, hoje, um ~ processo de implosão dos Estados nacio-6 nais. Tudo o que ocorre hoje em termos i' de debilitamento de empresas públicas,

de comparação de dez cultivares de soja num ambiente de alto rendimento. O doutorado foi

Nélson Raimundo Braga

de institutos de pesquisa e de universida­des vem de uma compressão orçamentá­ria com relação aos gastos sociais, resul­tante desse processo. O prioritário para o Estado, hoje, é pagar dívidas. Como se fosse uma homenagem aos 500 anos do descobrimento, a dívida pública brasilei­ra, interna ou externa, atingiu cerca de US$ 500 bilhões. Esse é o fato maior da conjuntura em que vive o Brasil e o mun­do. Sem olhar isso, não é possível falar de instituições de pesquisa ou de coisa algu­ma. A situação das instituições de pesqui­sa reflete o que ocorre com o país.

conseguido no departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais. A tese examinou as possibilidades do cultivo do grão-de-bico na área de Viçosa. No IAC, onde está desde 1975, Braga trabalha no Centro de Plantas Graníferas e é autor de diversos trabalhos sobre a adaptação do cultivo de grão-de-bico ao Estado de São Paulo e sobre o melhoramento da soja. Participou do lançamento de diversos novos cultivares de soja. Nos últimos anos, vem pesquisando também a adubação verde, uma técnica com a qual é possível melhorar o solo e a produtividade das plantas com pouco ou nenhum uso de adubos químicos. Este é o seu terceiro ano, num segundo mandato, na presidência da Associação dos Pesquisadores.

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Quanto à dimensão do setor de ciên­cia e tecnologia, é dispensável e redundante falar da im­portância de instituições como os 17 institutos de pesqui­sa paulistas, da Embrapa e das universidades públicas, estaduais e federais, em termos de geração de conheci­mento básico e de sua tradução em tecnologias capazes de responder a questões concretas apontadas pela socie­dade. As tecnologias de que o mundo tropical precisa não · chegam pela Internet nem por satélite. Por isso, é funda­mental que o 13rasil revigore os institutos de pesquisa e as universidades do sistema público.

As dificuldades em São Paulo não começaram hoje. Uma pesquisa feita em 1984 pelo Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia indicava já um quadro de crise, de retração orçamentária, de evasão de pessoal, de desconti­nuidade de medidas governamentais que sustentassem os institutos de pesquisa. É preciso, porém, conhecer os moti­vos da crise que atinge instituições de pesquisa da dimensão do Instituto Agronômico de Campinas. Em 1975, o IAC dispunha de 3.200 servidores. Hoje, tem menos de 1.500.

Se for feito o mapeamento desse pessoal, será possível observar que os pólos de criação de tecnologia no Insti­tuto Agronômico foram os mais debilitados. Um dos la­boratórios do Instituto, que participou do Projeto Geno­ma, merecedor de uma homenagem expressiva do governo do Estado, não dispunha de nenhum servidor de apoio permanente. Realizou a sua missão com compe­tência, mas recrutando pessoas na forma de bolsas e ou­tras formas de emprego não-estáveis. A situação dos ins­titutos de pesquisa está chegando ao limiar do escândalo.

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Eles hoje recrutam pessoal para trabalhar inclusive sem respeitar a legislação trabalhista.

No caso do Instituto Agronômico, em particular, seus pesquisadores tiveram este ano uma surpresa desagradá­vel. Em janeiro, foram informados de que, diante da falta de recursos, teriam de pagar parte do custo da publicação de seus trabalhos. Ou seja, o autor de uma pesquisa tem de tirar do seu bolso, do seu salário, os recursos para co­brir os custos de um periódico da instituição. O estado de penúria dos pesquisadores seria ainda pior se, no ano passado, o governador Mário Covas, após quatro ou cinco anos de luta de parte da Associação dos Pesquisadores e de setores so-

PE NS AN DO SÃO PA U LO: UN IV ERSIDADE S E INS TIT UTOS

nha condições de custear nossas atividades, como parte do trabalho. Assim, perderemos nossa autonomia e a isen­ção imprescindíveis a quem cumpre uma função pública de interesse social.

Não é digno que isso aconteça, não é justo. Ou se to­mam medidas urgentes de recuperação e de restauração dos institutos de pesquisa, ou eles passarão a representar o papel de tradutores de tecnologias importadas, difuso­res de tecnologia feita por outros e com interesse diferen­te do brasileiro. O país precisa buscar um caminho pró­prio, independente, autônomo e soberano, embora

evidentemente com uma visão global e universal. É preciso inse­

ciais solidários, não tivesse consa­grado a equiparação que os pes­quisadores tinham por lei com os salários dos docentes das universi­dades estaduais.

Sem dúvida, foi um ato de grandeza do governador. Mas, com relação ao pessoal de apoio, nada, porém, foi concretizado. A associação encaminhou ao gover­nador um anteprojeto que sinali­zava uma nova concepção de car-

''o país precisa buscar um

caminho próprio, independente,

autônomo

rir-se nesse mundo, dito globali­zado, mas com soberania, com independência e com a cara de Brasil. É a isso que os institutos de pesquisa se prestam. É para isso que foram edificados.

A médio e longo prazo, o ca­minho definitivo para recuperar uma política de pessoal que fixe, motive e dê estabilidade aos insti­tutos é proteger a carreira de pes-

e soberano''

reira. Até o valor correspondente do orçamento era secundário naquele instante. O objeti­vo da associação era mostrar ser possível uma gestão mo­derna nos institutos, para que eles possam recrutar, fixar, motivar e dar estabilidade ao seu pessoal permanente.

Parece, porém, que dentro de todos os governos, in­clusive do atual governo estadual de São Paulo, existe um entulho burocrático, formado por pessoas que aprende­ram profissionalmente a técnica de dizer não. Sempre que se encaminha ao governo alguma coisa que tenha mérito social, essas pessoas têm o capricho de justificar o não, de explicar o não.

De qualquer maneira, vive-se hoje um processo de sensibilização do governo, da Assembléia Legislativa, de to­dos os deputados, de todos os partidos. Esse movimento não tem caráter partidário, é um movimento em defesa do Brasil, de São Paulo e das suas instituições. Quem estiver ao lado dessas instituições, integra o movimento. Deve­mos buscar o caminho definitivo para conquistar uma po­lítica de recursos humanos que dê estabilidade aos insti­tutos a médio e longo prazo. Para isso, é fundamental tomar medidas que protejam os servidores de apoio à pesquisa.

O objetivo é evitar um mal maior, o colapso de insti­tuições que vão perder a sua característica de instituições públicas para se transformarem talvez, na melhor das hi­póteses, em prestadoras de serviços a terceiros. Daqui a alguns anos, nós, que pesquisamos soja, talvez sejamos compelidos a sair fazendo palestras ou outras atividades, sob o patrocínio da Monsanto ou de quem quer que te-

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soal de apoio. Em caráter emer­gencial, porém, é básico estender o

diferencial salarial concedido ao pessoal de apoio à saúde a todos os outros servidores, de maneira universal e não excludente. Se o Brasil não tiver a Embrapa, empresas es­taduais e universidades fortalecidas, não terá como reagir para desenvolver-se com soberania e justiça social. Abri­gará uma população de consumidores e produtores re­féns de poucas transnacionais, que imporão aos brasilei­ros o que e cÓmo eles vão produzir e consumir.

Os institutos de pesquisa vivem hoje um momento dramático. A associação tem sugerido que o Poder Execu­tivo e a Assembléia Legislativa realizem visitas e audiên­cias públicas nos próprios institutos. A posição dos pes­quisadores científicos é de transparência, é de respeito à verdade dos fatos. Não há nada a esconder. É preciso evi­denciar méritos e carências de cada instituição.

O governador teria uma caminhada muito positiva se ele fosse aos institutos. Apesar das crises, ele encontraria o Instituto Agronômico, por exemplo, produzindo novas variedades de manga, de café, de soja, amendoim, trigo, feijão, participando do Projeto Genoma, com espírito cria­tivo e produtivo e tentando romper as dificuldades. De­pois destas audiências, governador e deputados poderiam assumir suas decisões com mais convicção. O que os pes­quisadores representados pela associação pedem neste momento é a ajuda do Poder Legislativo e do Executivo para retirar os institutos do isolamento e da marginalida­de e para que suas realidades, finalmente, sejam conheci­das e modificadas.

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Para crescer, a agricultura precisa ser cotnpetitiva

A o defender a adoção de novos parâmetros para avaliar os resultados

da pesquisa agropecuária no Brasil, o ~ngenheiro agrônomo Alberto Duque Portugal pisa em terreno conhecido. Ele concentrou seus estudos e pesquisas nas áreas de gestão de pesquisa, socioeconomia, economia agrícola e desenvolvimento rural. Desde maio de 1995, ele é presidente

w O americano Jeffrey Sachs afirmou ~ d _ recentemente que o mundo não está ivi-~ dido pela ideologia, mas pela capacidade g ~ de gerar e absorver tecnologia. Informa-~ ções da Unesco e do Banco Mundial in-

da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura Alberto Duque Portugal

dicam, realmente, que há uma forte cor­relação entre indicadores de renda e intensidade de ciência e tecnologia entre países. Relacionando-se a renda per capi­ta PPA (Paridade de Poder Aquisitivo) com o número de pesquisadores científi­cos por milhão de habitantes, constata­se que as regiões mais desenvolvidas do mundo, as que têm renda per capita aci­ma de US$ 20 mil ao ano, têm acima de 3 mil pesquisadores por milhão de habi­tantes. Blocos de países em desenvolvi­mento, como a América Latina, possuem uma renda per capita PPA entre US$ 5 e Abastecimento, responsável,

em boa parte, pela posição de destaque do país com relação à agricultura em áreas tropicais e subtropicais. Sua experiência inclui um período, entre setembro de 1993 e março de 1994, no qual foi secretário-executivo e ministro interino, no Ministério da Agricultura. Portugal formou-se engenheiro agrônomo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1968, e obteve o doutorado em sistemas agrícolas pela Universidade de Reading, na Inglaterra, em 1982. Trabalhou como engenheiro agrônomo e agente de extensão rural em Minas Gerais e Goiás. Foi chefe do Departamento de Zootecnia e diretor de Operações Técnicas da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Antes de ir para Brasília, chefiou o Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Leite (CNPGL) da Embrapa, em Coronel Pacheco (MG). No setor privado, foi produtor rural e serviu como presidente da Associação de Produtores Rurais do Vale do Rio Preto (MG).

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mil e US$ 10 mil, e sua relação é de menos de 500 pes­quisadores por milhão de habitantes.

A mesma relação é observada quando se compara a renda per capita PPA com a porcentagem de investi­mentos em ciência e tecnologia ( C&T) com relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Tomando apenas o pro­duto agrícola bruto, os países desenvolvidos investiram, em média, 2,3% no ano de 1997. Alguns se aplicaram mais do que i~so. Os Estados Unidos investiram 3,4%, o Reino Unido, 3,7% e o Canadá, 5,3%. Os países desen­volvidos investem mais de 2% de seu PIB em C&T, en­quanto, para as nações em desenvolvimento, o valor mé­dio é de 0,5%. Estima-se que a África invista apenas ao redor de 0,3% de seu PIB em C&T.

Um fator importante é que essa diferença está au­mentando. Entre 1971 e 1992, houve um crescimento de 68,7% nos investimentos em ciência e tecnologia dos países mais ricos. Nos menos desenvolvidos, o aumento foi de 27%.

O Brasil melhorou bastante, nos últimos anos. Esti­ma-se que esteja investindo ao redor de 1,0% de seu PIB em atividades de C&T, computando-se os setores públi­co e privado. Este valor está muito acima da média dos países em desenvolvimento, de 0,5%, graças a esforços do governo federal e de vários estados, inclusive São Paulo. Mas, embora os investimentos estejam aumen­tando, ainda estão aquém das potencialidades e necessi­dades para que o Brasil entre num ritmo de desenvolvi­mento mais rápido.

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Que fatores levam a essa diferença entre países ricos e países pobres? Primeiro, os países ricos dão maior im­portância à C&T do que os países pobres. Portanto, in­vestem mais em C&T. Outro fator é a participação do Estado. Nenhum país é capaz de criar um sistema forte de ciência e tecnologia, capaz de proporcionar desen­volvimento, sem a ativa participação do Estado. Além disso, em todos os países mais ricos há uma crescente presença do setor privado, complementando ou soman­do esforços com o poder público. É um diferencial que não se observa nos países em desenvolvimento.

Existe ainda um fator extre­mamente importante, que é a

PENSANDO SÃO PAULO: UNIVERSIDADES E INSTITUTOS

sível de agentes econômicos, especialmente pequenos produtores rurais. Esses desafios só poderão ser venci­dos se a estrutura produtiva brasileira tiver o suporte de uma forte estrutura de ciência e tecnologia.

Há áreas de C&T que farão a diferença, com impac­tos muito fortes sobre a agricultura no século que se ini­cia. Entre elas há áreas inovadoras como a biotecno­logia, incluindo a engenharia genética. Elas estão mudando as vantagens competitivas entre regiões e paí­ses. Elas tornam possível, por exemplo, desenhar um produto de acordo com os desejos do mercado. Podem

também levar a métodos de pro­dução mais baratos e com o me­

existência de um arcabouço legal adequado, capaz de proteger a propriedade intelectual. O Brasil começou agora, na década de 90, a montar um arcabouço legal desse tipo, com agilidade e flexi­bilidade, capaz de dar condições para que a ciência e a tecnologia avancem rapidamente e de esti­mular a participação do setor privado em parceria com o setor público.

''o agronegócio pOSSUI Um

grande potencial

nor uso de defensivos. Outra área inovadora é a agri­

cultura de precisão. Constitui-se em um sistema integrado de in­formações e tecnologias, baseado no conceito de que as variabilida­des espacial e temporal influen­ciam os rendimentos de cultivos e a sua sustentabilidade. Seu uso permite a redução do risco eco­nômico, ao diminuir custos de

de crescimento no Brasil''

Há vários motivos para que o Brasil e, em particular, o Estado de São Paulo conti­nuem a investir em pesquisa agropecuária. Embora te­nha decrescido a participação da agricultura na renda nacional, o que é normal num processo de desenvolvi­mento, a contribuição do agronegócio, como um todo, representa ao redor de 25% do PIB nacional. Além de ser, isoladamente, o setor mais importante da econo­mia, possui um grande potencial de crescimento, pela abundância de seus recursos naturais, como terras nos cerrados, e pela disponibilidade de tecnologia e capaci­dade empresarial.

Num mundo em rápido processo de globalização, com crescente abertura comercial, a agricultura para crescer deve ser competitiva, em termos de qualidade dos produtos, preços e continuidade de oferta. Ao mes­mo tempo, precisa estar constantemente preocupada com a sustentabilidade, especialmente do ponto de vis­ta ambiental. O Brasil precisa ser competitivo, mas sem perder de vista essa questão. A questão ambiental já es­tá colocada de maneira decisiva e definitiva em toda a sociedade. Há ainda a questão da qualidade da nutri­ção. Serão cada vez mais valorizados os vínculos exis­tentes entre agricultura, alimento, nutrição e saúde. Es­tes são três desafios comuns à agricultura de qualquer país do mundo.

O Brasil tem, ainda, outro desafio: a eqüidade social. Precisa incorporar ao processo produtivo de mercado, ao processo de desenvolvimento, o maior número pos-

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produção. Permite também redu­zir o risco de contaminação, do

solo e da água, já que os insumos são aplicados localiza­damente, em quantidades variáveis e em tempos especí­ficos, de conformidade com mapeamentos obtidos an­teriormente.

Outras tecnologias são aquelas que agregam valor ao produto agropecuário, ou atuam sobre o processamen­to ou a diversificação de seu uso. Há ainda as tecnolo­gias que torn(lm mais ágil o acesso e a disseminação de informações. Se o Brasil não conseguir dominar bem es­sas tecnologias, dificilmente será capaz de vencer os seus desafios e manter-se no mercado. Todas essas tecnolo­gias terão um impacto muito grande no século 21.

A superação dos desafios e o domínio dessas tecno­logias são importantes não somente para a agricultura brasileira. Eles têm outros efeitos positivos. O Brasil tem uma posição geográfica similar à de países menos desen­volvidos no mundo tropical: África, Ásia e América La­tina. País tropical e subtropical, é detentor de um forte estoque de conhecimento de tecnologia para o agrone­gócio nessas áreas. O estoque de tecnologia tropical e subtropical desenvolvido pelo Brasil pode ser um exce­lente instrumento de cooperação técnica com países da África, Ásia e da própria América Latina e do Caribe, com a conseqüente integração comercial e política, co­locando o Brasil em posição privilegiada.

A Embrapa está inserida em todo esse contexto. A sua missão é viabilizar soluções para o desenvolvimen­to sustentável do agronegócio brasileiro por meio da

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PENSAN D O SÃO PAU LO: UN IVERS ID ADES E I NS TI TU TOS

geração, adaptação de transferência e conhecimentos e tecnologias em benefício da sociedade. O papel da Em­brapa hoje não é simplesmente fazer pesquisa, mas viabilizar soluções por meio da pesquisa, com a preo­cupação de olhar a do agronegócio com uma visão que vai desde a do pequeno produtor até à do grande em­presário.

A Embrapa entende como agronegócio não só a grande empresa, mas todo um conjunto, composto pelo que está dentro da fazenda, antes da fazenda e depois da fazenda, incluindo aí o pequeno produtor. Sua política de administração está baseada numa filosofia de relacionamento

buscar a eficiência e a racionalização no uso de recursos e ter foco nas necessidades dos mais diversos segmentos da sociedade. Devem ser modelos com processos azeita­dos, embasados em avaliações por resultado.

Outro aparte é o necessário engajamento do setor privado. Esse setor participa ativamente no desenvolvi­mento da ciência e tecnologia em países desenvolvidos. A equação do desenvolvimento brasileiro, em todas as áreas, mas especialmente no agronegócio, não poderá ser adequadamente resolvida somente com os recursos do Estado. O setor privado terá de participar decisiva-

mente desse esforço. Finalmente, investimentos em

com a sociedade e com o merca­do, entendido num sentido am­plo, não se limitando ao que se refere a transações financeiras, e com três políticas setoriais bem definidas, uma de pesquisa e de­senvolvimento, outra de negócios tecnológicos e uma terceira de co­municação empresarial.

Essas políticas partem da pre­missa de que a Embrapa está num negócio, como outro qualquer.

''o pequeno tem de receber a tecnologia,

po1s nao tem condições de comprá-la''

ciência e tecnologia agropecuária pelo Estado de São Paulo mante­rão a sua liderança, em relação ao resto do Brasil, que resultará em futuros bons negócios para o es­tado. A Embrapa tem hoje em São Paulo cerca de 40 projetas de pesquisa em andamento, envol­vendo 13 instituições em Jagua­riúna, Campinas e São Carlos. A Embrapa tem procurado fazer

Mas está entendido que a Embra-pa não vai vender tecnologia para o pequeno produtor. Ele tem de receber essa tecnologia, pois não tem condi­ções de comprá-la. Então, é óbvio que órgãos de desen­volvimento, ministérios, secretarias estaduais, coopera­tivas, associações, têm de tornar viável essa tecnologia.

Mas como podem o Estado de São Paulo e o Brasil aumentar suas capacidades de gerar ciência e tecnologia agropecuárias? Há quatro questões fundamentais a con­siderar. A primeira é a valorização institucional. É de fundamental importância que a população brasileira en­care a questão da ciência e tecnologia como um seta r es­tratégico, tão importante para o seu futuro como a edu­cação, a segurança e o transporte.

Outro ponto é o arcabouço legal. Felizmente, nos últimos anos, o Brasil aprovou uma legislação sobre propriedade intelectual, o que aumentou a possibilida­de de o setor privado investir também na área. Mas, ainda, é preciso buscar, dentro do arcabouço legal bra­sileiro, um nicho que dê à ciência e tecnologia um am­biente propício para o desenvolvimento institucional. A pesquisa precisa de continuidade, estabilidade, agili­dade e flexibilidade, características essenciais a insti­tuições que queiram acompanhar o avanço científico mundial.

Também é fundamental desenvolver e exercitar mo­delos de gestão capazes de atender às expectativas da so­ciedade e do próprio governo, que é quem banca os re­cursos das instituições públicas. Esses modelos devem

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um grande esforço. Acho que toda a estrutura de ciência e tec­

nologia tem que fazer seu dever de casa nesse sentido.

FORU M SÃO PAULO SÉCU LO 2 1

PRESIDENTE: DEPUTADO VANDERLEI MACRIS

RELATOR-GERAL: DEPUTADO ARNALDO JARDIM

GRU PO T E M Á TIÇO NÚM E RO 13

CL~NCJA, T EC NOLOG IA E C OMUNIC A ÇOES

COORDENADOR: DEPUTADO CARLOS ZARATTINI

RELATOR: DEPUTADO EDMUR MESQUITA

CONSELHO TEMATICO:

JosB ANIBA L PERES DE P ONTES

F LAVIO GRYNSZPAN

OZIRES SILVA

ALDO M ALAVASI

H ERNAN CHA IMOVICH

ANTON IO M ANOEL DOS SANTOS SILVA

CARLOS VOGT

CRODOWALDO PAVAN

JOAO PISYSIEZNIG F ILHO

NELY BACELAR

0 TAVIANO H ELENE

NBLSON RAIMU DO B RAGA

EDUARDO ANTONIO B ULISANI

FERNANDO L EÇA

CARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ

CLAUD IO RODRIGUES

H BLIO WALDMAN

MARCOS ANTONIO MONTEIRO

M ONICA TEIXEIRA

PESQUI SA FAPESP