o meio ambiente e os limites da democracia

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RESUMO O presente artigo visa discutir, de modo abreviado, quais os influxos que a questão ecológica provoca na política, especialmente, em relação ao desenvolvimento de uma das formas de sua manifestação, que é a de- mocracia. Assim é que o pensamento construído parte do pressuposto que o componente ecológico passou a constituir elemento verdadeiramente perturbador no clássico entorno economia – política – direito, de modo a fazer com que o resultado final desta linha clássica de produção seja alterado. As chamadas “práticas democráticas” absorvidas pela política e pelo direito dos povos passam a ser reclama- das também na sede da política e do direito internacio- nal, face de uma nova ordem econômica influenciada pela questão ecológica. O MEIO AMBIENTE E OS LIMITES DA DEMOCRACIA João Antunes dos Santos Neto* * Doutorando em Direito Administrativo pela Universidade de São Paulo – USP. Mestre em Direito Administrativo pela Universidade de São Paulo – USP. Professor Titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Professor do Curso de Pós-Gra- duação em Direito Público da Escola Paulista da Magistratura. Professor Convidado do Curso de Pós-Graduação em gestão ambiental da Universidade de Campinas – UNICAMP. Juiz de Direito.

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RESUMOO presente artigo visa discutir, de modo abreviado,quais os influxos que a questão ecológica provoca napolítica, especialmente, em relação ao desenvolvimentode uma das formas de sua manifestação, que é a de-mocracia. Assim é que o pensamento construído partedo pressuposto que o componente ecológico passou aconstituir elemento verdadeiramente perturbador noclássico entorno economia – política – direito, de modo afazer com que o resultado final desta linha clássica deprodução seja alterado.As chamadas “práticas democráticas” absorvidas pelapolítica e pelo direito dos povos passam a ser reclama-das também na sede da política e do direito internacio-nal, face de uma nova ordem econômica influenciadapela questão ecológica.

O MEIO AMBIENTE E OSLIMITES DA DEMOCRACIA

João Antunes dos Santos Neto*

* Doutorando em Direito Administrativo pela Universidade de São Paulo

– USP. Mestre em Direito Administrativo pela Universidade de São

Paulo – USP. Professor Titular de Direito Administrativo da Faculdade

de Direito de São Bernardo do Campo. Professor do Curso de Pós-Gra-

duação em Direito Público da Escola Paulista da Magistratura.

Professor Convidado do Curso de Pós-Graduação em gestão ambiental

da Universidade de Campinas – UNICAMP. Juiz de Direito.

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A partir desta constatação, questiona-se se o direitoambiental ou o direito do meio ambiente seria o ins-trumento que poderia realizar a democracia avançadaexigida pela humanidade neste início de milênio.Presta-se um tributo nas entrelinhas do presente aonobre cientista político espanhol Ramón Tamames.Palavras-chave: meio ambiente, desenvolvimento, de-mocracia.

ABSTRACTThe present article aims at to argue, in shortened way,which the influxes that the ecological question provokesin the politics, especially, in relation to the developmentof one of the forms of its manifestation, that is thedemocracy. Thus it is that the constructed thought partof the estimated one that the ecological componentstarted to constitute truily disturbing element in theclassic entorno economy – politics – right, in order tomake with that the final result of this classic line ofproduction is modified the democratic “practical” callsabsorbed by the politics and the right of the peoplesalso starts to be complained in the headquarters ofthe politics and the international law face of a neweconomic order influenced by the ecological question. Toleave of this to get it is questioned if the enviromentallaw or the right of the environment would be theinstrument that could carry through the advanceddemocracy demanded by the humanity in this beginningof milênio. Spanish politician is useful to a tribute inthe space between lineses of the gift to the noblescientist Ramon Tamames.Keywords: environment, development, democracy.

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE O DIREITOAMBIENTAL OU DIREITO DO MEIO AMBIENTE

Vertente basilar da atualidade das relações humanas, apolítica e suas formas de organização, assim como a ecologia,exigem para a verdadeira contemplação de suas vicissitudes –antes que se faça qualquer outra coisa – a necessidade do

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induzimento de que, para tal compreensão, tenha-se em mentea idéia de globalidade, de um todo da realidade, seja para aanálise das relações dos homens entre si (política), seja para aanálise da relação do homem para com a natureza1 (ecologia), oudesta como objeto de direito2 (direito ambiental ou direito do meioambiente), bem como ao estudo da interação destes institutos.

Em um mundo no qual o comércio aproxima e cria rela-ção de interdependência entre Estados soberanos e no qualse busca um modelo de desenvolvimento alternativo, a ques-tão ambiental adquire relevância vital, inclusive na conside-ração da organização política destes Estados, extrapolando,destarte, a eventual natureza econômica que aprioristicamentepoderia revelar a definição do direito do meio ambiente3.

Aliás, relevante observar que a doutrina exige, a exemplodo que ocorre com os demais ramos do direito, que o direito domeio ambiente ou direito ambiental seja considerado sob dois as-pectos: um objetivo e outro subjetivo. Assim é que José Afonso daSilva4 qualifica o direito ambiental objetivo como aquele

consistente no conjunto de normas jurídicas disciplinadorasda proteção da qualidade do meio ambiente”, e o direitoambiental subjetivo como a “ciência que busca o conhecimen-to sistematizado das normas e princípios ordenadores daqualidade do meio ambiente.

Ampliando estas proposições, Gordillo5 estabelece que odesenvolvimento da “preocupação ambiental” foi consagrado

1. Utiliza-se o termo ecologia para conceituar as relações do homem com

o meio ambiente de forma genérica, mesmo que tal expressão tenha

um sentido mais amplo, que engloba o dado à proposição, melhor

definida pela sociologia como ecologia humana.

2. Eduardo A.Pigretti. Derecho Ambiental, p.52.

3. Paulo de Bessa Antunes. Direito Ambiental, passim.

4. José Afonso da Silva. Direito Ambiental Constitucional, p. 21-22.

5. Agustín Gordillo. Derechos Humanos. Fundación de Derecho Admi-

nistrativo, p. X-14.

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em “normas positivas constitucionais e supranacionais”,como primeira culminação de uma etapa de “tomada deconsciência”, até observar-se a “internalização” na comu-nidade do “significado deste direito e da necessidade devigência de suas normas”.

Entretanto, não é fácil conceituar-se o direito ambientalou direito do meio ambiente, até porque não são todos que oreconhecem como ramo autônomo do direito. A riqueza e adiversidade dos elementos que são objetos sobre os quais sedebruça aquilo que poderia ser tido por direito ambiental oudireito do meio ambiente, compreende não só valores ligados ànatureza, com base na noção de biodiversidade, como tambémtem de considerar outros, associados ao direito natural, eisque inerentes à própria condição humana do homem.

É de rigor, por outro lado, afirmar que o direito ambientalou direito do meio ambiente, diferentemente do que ocorre como assim denominado direito clássico, não é antropocêntrico,isto é, não tem no homem o núcleo específico de direção daproteção de suas normas, que se destinam a todos os hu-manos, indistintamente, desta e de próximas gerações (nãonascidos), como também prescreve que outros seres que nãosó os homens são objetos de proteção das normas jurídicas.

Alguns autores, aliás, consoante se infere das lições deGuido Fernando Silva Soares6, afirmada nos ensinamentos deAlexander Kiss, não permitem que se conheça da moderna no-ção de diversidade biológica (biodiversidade) e da necessidade desua preservação, sem que se leve em consideração um compo-nente cultural, que “é o traço característico do ser humano e umdos componentes de seu habitat”, razão de que, aos cultoresdeste ideário, dito componente cultural, deveria necessariamentefigurar no rol dos assuntos relativos à proteção internacional do“meio ambiente global, a título de preservar-se a biodiversidade”.

6. Direito Internacional do Meio Ambiente, p. 132.

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Numa breve análise acerca da interação de diversosinstitutos, que se encontram coligados entre si, seria, então,imperativo estabelecer o fomento ao debate e à pesquisa,mais do que conclusões concretas acerca de tão intrincadaengrenagem.

Desta forma, pois, melhor do que se procurar por respos-tas, de se dar ênfase à formulação de proposições, que parti-rão da abreviada análise conjunta de sistemas independen-tes, mas coligados num entorno que lhes estabelece adinâmica de suas próprias existências. Isto mesmo levando-se em consideração que sob o prisma interno, pareçam estessistemas negarem os influxos dos demais – em defesa de sipróprios, muitas vezes, de fato aparelharam-se para rechaçardita influência externa7.

Fazemos referência, aprioristicamente, aos sistemas for-mados pela economia, pela política e pelo direito; todos eles, ou-trossim, formam um entorno que pressupõe uma pressãoexercida de um sobre o outro, de modo a condicionar as res-pectivas produções. Assim é que a economia coage a política quepor seu turno produz o direito – deste entorno é que falamos.

Este fenômeno ganha, a partir da assunção da necessi-dade preservacionista, um novo elemento, perturbador de seudesenvolvimento clássico, mas que, ao mesmo tempo, passaa condicionar seu funcionamento. Falamos da ecologia.

Se a economia transborda seus elementos na política, queem razão disto modifica o produto final de sua dinâmica, queé o direito, de que forma a ecologia poderia provocar a pertur-bação desta verdadeira ordem estabelecida por séculos?

Para que se direcione o foco a ser perseguido, em respos-ta a estas e outras indagações que podem surgir, necessário

7. Caberia a discorrência acerca da chamada teoria dos sistemas para a

explicitação do fenômeno em análise. Contudo, para os fins a que este

trabalho se destina, o desenvolvimento deste mister poderia levar à

perda do foco central da proposição que constitui o cerne do estudo.

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se estender o estudo sobre o significado da locução democra-cia, para então integrar os institutos com os demais a que sefez referência.

Isto se dá porque todos os sistemas apontados giram emfavor da humanidade, razão de que se torna premente adiscorrência primeira acerca da relação dos homens entre si,sob o prisma da forma predominante de sua organização po-lítica, que hoje é a democracia, ainda que o termo susciteinterpretações elásticas e variadas quanto a seu sentidoetimológico, de dificílima definição8, não sendo raro encontra-rem-se conceituações divergentes ao aprofundar-se o estudoda evolução histórica do tema, ainda que para tanto de tomepor parâmetro o dito de Abraham Lincoln de que ela consti-tuir-se-ia no “governo do povo, pelo povo e para o povo”.

2. UM BREVE APANHADO ACERCA DA SIGNIFICAÇÃO DOVOCÁBULO DEMOCRACIA

Ainda que se relevassem as restrições que se impõe aofato histórico, o início da democracia remonta à Grécia antiga,de Péricles, bem como ao resumo de escritos deixados porAristóteles. Em Roma, especialmente após a instituição daRepública, encontram-se vestígios de práticas democráticas,tais como a instituição do Senado e a criação da figura doTribuno da Plebe, que permitiram a tomada de medidas ten-dentes a reconhecer direitos de classes menos favorecidas(ex vi a reforma agrária de Graco), as quais, contudo, deixarampaulatinamente de servir de fonte informadora da conduçãodo governo de então, passando por fase degenerativa, que apósperíodo de profunda demagogia populista (urbs aeterna –panem et circensis), restou abandonada.

Práticas ditas democráticas ocorreram mesmo durante oobscurantismo da Idade Média, ainda que de forma esporádi-

8. Jack Lively. Democracy. Basil Blackwell, Oxford, 1975, p. VII.

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ca, personificadas em manifestações protoparlamentaristasem diversos países, nas quais se confrontavam aspirações decunho eminentemente popular em face dos interesses danobreza e do clero, mas que, todavia, não serviram para afa-gar a dureza dos séculos das trevas. Ainda assim, não se deveesquecer de João sem Terra e a Magna Carta (1215), o Bill ofRights (1688), como também, constituindo o exemplo maior daexceção, a landsgemainde9, nascida desde a instituição daConfederação Helvética, cuja qual, até hoje, representa oparadigma e a utopia dos ideários do autogoverno dos povos.

Os séculos que se seguiram após o final da Idade Médiaserviram para a auto-afirmação e a sedimentação dos contem-porâneos Estados nacionais; à oportunidade se verificou sensí-vel perda de liberdades para a contrapartida que foi a concen-tração de poderes nas monarquias absolutistas. Porém, já nasegunda metade do século XVIII, encontra-se a semente dademocracia moderna10, nascida no espírito da ilustração11 e doenciclopedismo12, nos quais se revelou o gênio revolucionáriofrancês; entrementes, a experiência serviu somente como mos-

9. Assembléia do povo suíço, instituída em 1291 pelo Pacto da Confede-

ração Helvética, prevista na Carta de Appenzell (retificada em 1315).

10. Ramón Tamames. Un Nuevo Orden Mundial, p. 125.

11. Por ilustração, entenda-se a tendência enfatizada no século XVIII

e disseminada no século XIX de democratizar-se o conhecimento por

meio da adição de vinhetas, caricaturas e ilustrações de toda espécie

nos livros, que passaram a popularizar-se.

12. O enciclopedismo consistiu no trabalho de sistematização da Enciclo-

pédia, no período de 1751-1772, em França. Reuniu um grupo importan-

te de filósofos, escritores, artistas e cientistas franceses, capitaneados

por Dinis Diderot, idealizador da obra, e seu colaborador direto, Cavaleiro

de Jaucourt, únicos que acompanharam a obra do início ao fim. Os mais

ilustres participantes, dentre outros, foram Jean Jacques Rousseau,

Andre Deslandees, Louis Daubenton, Burcher d´Argis, Voltaire, Buffon,

Holbach e Montesquieu, cujas obras O Espírito das Leis e As Cartas

Persas foram transcritas em parte como verbetes.

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tra de demofilia – o povo continuava sem acesso às decisões po-líticas e a organização não se dava de acordo com sua vontade.

A frustração advinda deste fracasso, somada às dificulda-des de transformação do antigo regime, a velha ordem esta-mental e aos fenômenos provocados pela Revolução Industrialque trouxe para as mãos da burguesia a concentração totaldo poder e fez desmoronar os vestígios econômicos feudais, oesquema mercantilista, o absolutismo e mesmo as auto-limitações do despotismo ilustrado, enfim, serviram desupedâneo ao advento da Revolução Liberal, que introduziu achamada democracia burguesa e os avanços a ela atribuídos,tais como a divisão do trabalho, a abolição dos monopólios, olivre comércio, tudo traduzido em um sistema legal anterior ena instituição de um Parlamento com representantes eleitosdentre os que formavam a própria burguesia.

A democracia censitária13 de então resistia, ainda queveladamente, ao real significado do liberalismo revolucionário.Seu desenvolvimento, contudo, foi forçado pela necessidade,eis que a mesma sequer aproximou-se do igualitarismo social.O advento do crescimento da força dos sindicatos, dos partidossocialistas e social-democratas e, em especial, o paulatino pro-gresso da educação, com a gradual culturalização da sociedade,e mesmo a melhor informação por meio da imprensa, foram omote de seu descarte e do próprio progresso do instituto demo-crático verificado na segunda metade do século XIX.

Parcelas cada vez maiores da população podiam partici-par do processo político, com a amplitude do direito de sufrágioobservado, universalizado primeiro aos homens, para somen-te muito tempo depois ser estendido também às mulheres.

Simultaneamente ao desenvolvimento político-participativo,já no início do século XX, o próprio modelo de capitalismo euro-

13. O termo democracia censitária define a forma de democracia represen-

tativa na qual somente os incluídos no censo de contribuintes têm

verdadeiros direitos políticos.

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peu encontrava-se em transformação, eis que à testa de váriosEstados estavam governos realmente tidos por progressistas, osquais reconheceram e implantaram direitos sociais de fruiçãogeral em seus respectivos ordenamentos, moldando o conceitomoderno de seguridade social14, dentre outros.

Contrariamente a esta ordem, a Rússia Czarista continu-ava alicerçada no velho modelo, barrando uma participaçãomais efetiva da sociedade. A teima em mudar com os ventosliberalizantes custou-lhe a Revolução Proletária de 1917, quemostrou ao mundo uma outra faceta do vocábulo democracia,desta vez trazendo para a realidade, outrossim, – e com mui-tas distorções – a teoria concebida algumas décadas antespor Marx e Engels.

Tanto na Rússia Bolchevique quanto, posteriormente, naUnião das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a democracia polí-tica sucumbiu ante ao monopartidarismo e à chamada demo-cracia social. O ideal de uma sociedade sem classes, contudo,transformou-se em uma estrutura social de semiclasses esemicastas, onde o mais importante era situar-se na assimdenominada nomenklatura, por mais que se pretendesse apugna do resguardo dos direitos do povo.

Vitimado por uma evolução histórica rapidíssima, o ins-tituto conheceu sua própria multifacetação no confronto doemprego que davam as nações organizadas de então ao vocá-bulo democracia.

Seguiram-se governos populistas, que empreenderam àlocução (democracia) adjetivação que não consentia com seusprincípios basilares, em especial a chamada democraciacesarista, que se já conhecera em Napoleão I seu processoembrionário, e desenvolveu-se com solidez na Alemanha Na-zista, com Hitler, que sustentou sua pseudo-legitimidade nopoder, abusando da forma plebiscitária na obtenção da aprova-

14. Sistematizada desde os acidentes do trabalho, implantando-se na Eu-

ropa sistemas de seguro que seguiram à cobertura de enfermidades,

forçando a generalização dos sistemas de pensões.

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ção popular da condução ditatorial disfarçada de seu governo– o povo nunca diz não a César.

Como nos lembra Ferreira Filho15, o resultado referendárioda democracia cesarista é obtido

(...) de um lado pelo controle da propaganda que opera numúnico sentido, de outro pelo que os psicólogos chamam de“horror ao vazio”. Todo povo posto diante da escolha entre algu-ma ordem e o caos, a incerteza, opta por essa ordem qualquer.

A verdade é que o instituto, por possuir conceito equívo-co, vem sempre adicionado de locução que faz exprimir signi-ficado distinto, conforme o momento e a situação do empregodo termo, sempre em se considerando a participação da soci-edade, num ou noutro grau, para sua autodeterminação, ouos empreendimentos governamentais construídos para a mai-or ou menor fruição do coletivo.

Nesta esteira de pensamento, vale a conferência do querestou lecionado por José Afonso da Silva16, que de formaperemptória, assinala que democracia

é conceito histórico (...), não sendo por si um valor-fim, masmeio e instrumento de realização de valores essenciais deconvivência humana, que se traduzem basicamente nosdireitos fundamentais do homem.

Da democracia direta, cuja qual, sustentam alguns, serutopia cada vez mais distante ao modelo de democracia repre-sentativa ou indireta, altamente disseminada entre os povosneste início de milênio, a verdade é que de uma maneira oude outra os homens e seus governos sempre expressarão odesejo democrático, ainda que a democracia e a liberdadeestejam longe de por eles serem alcançadas.

Rousseau17 já advertia para isto, ao afirmar, em distin-tas passagens de sua obra fundamental, que “rigorosamente

15. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Curso de Direito Constitucional, p. 81.

16. José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 129-130.

17. Jean Jacques Rousseau. O Contrato Social, p. 75.

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falando, nunca existiu democracia, nem jamais existirá.Contraria a ordem natural o grande número governar, e sero pequeno governado. É impossível admitir esteja o povoincessantemente reunido para cuidar dos negócios públicos(...)”, como também assentiu que “ (...) somente se houvesseum povo de deuses, ele se governaria democraticamente”.

Ante a dificuldade de definição do que viria a ser democra-cia, perquirindo-se a essência da locução, preferível o conceitode Kelsen, para quem, comparativamente, se pode construir amelhor e a mais aceitável idéia do instituto, confrontando-secom seu negativo, a autocracia. É de seu magistério que

a democracia e a autocracia assim definidas não são efetiva-mente descrições de constituições historicamente conhecidas,representando antes tipos ideais. Na realidade política, nãoexiste nenhum tipo de Estado que se conforme completamentea um ou ao outro tipo ideal. Cada Estado representa uma mis-tura de elementos de ambos os tipos, de modo que algumascomunidades estão mais próximas de um pólo, e algumas maispróximas de outro. Entre os dois extremos existe uma profusãode estágios intermediários, a maioria dos quais sem nenhumadesignação específica. Segundo a terminologia usual, um Es-tado é chamado de democracia se o princípio democrático pre-valece na sua organização, e um Estado é chamado autocraciase o princípio autocrático prevalece18.

Relativista por natureza, a conceituação do termo é, pois,mutável e dependente da equação tempo-lugar para encon-trar significado real, coisa a qual já teria alertado o ilustrePinto Ferreira19, quando deixou consignado que

a democracia não é uma doutrina imobilizada, petrificada emum dogma eterno, nem tampouco uma forma histórica imu-tável, porém um sistema de idéias e uma instituição que seretificam constantemente com o progresso ético e científicoda humanidade.

18. Hans Kelsen. Teoria Geral do Direito e do Estado, p. 278.

19. Luís Pinto Ferreira. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno, p. 195.

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Assertivas as quais, registre-se, concordamos inte-gralmente.

Aceita como paradigma das relações humanas contempo-râneas, a chamada democracia representativa – onde aquelesque deliberam a vontade do povo são por este eleitos seusmandatários – se por um lado não é a verdadeira democraciaconclamada por Rousseau, por outro, contudo, seria absoluta-mente aceitável como doutrina e modelo dominante, mesmoem se considerando que com o agigantamento dos Estados ecom a burocratização de suas estruturas, torne-se difícil – epor vezes impraticável – o exercício pleno dos próprios prin-cípios democráticos que àquele servem de alicerce.

Diz-se isto, porque, conquanto maiores os Estados, maio-res também serão os gastos públicos, ainda que não fosse su-ficiente sua desmesurada intervenção na economia privada –mesmo que estas atividades guardem, no mais das vezes, cor-relação com as liberdades daqueles que sustentam os gover-nos, que se supõe, são a afirmação de sua autodeterminação.

Outrossim a burocracia, que alguns sustentam ser aexpressão pessoal e mecânica do Estado, domina, ou buscadominar, a casta de funcionários, que por sua vez trabalhamde forma a sustentar, ainda que sem saber disso, as oligar-quias de todo o tipo, seja de forma direta, ou mesmo indire-tamente, sempre, entretanto, em conivência com suas ins-tâncias próprias.

Não se pode esquecer, igualmente, que os governos sãoformados por homens, e por esta razão, trazem em sua bagagemtoda a miséria do ser humano, como o ódio, o egoísmo, o sensode destruição, governando no mais das vezes em seus própriosinteresses, acima de qualquer outro de relevância. Bobbio20,aliás, já fazia alusão a esta vicissitude quando sustentava, aoestabelecer cotejo entre a democracia dos antigos comparada à dosmodernos, que tanto numa quanto em outra se pode encontrardistorções no exercício do poder. Na democracia direta, elementaraos antigos – em contrapartida da democracia indireta ou

20. Norberto Bobbio. Três Ensaios Sobre a Democracia, p. 40.

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representativa, consensual entre os modernos –, o termos demos,entendido genericamente como “comunidade dos cidadãos”, eradefinido dos modos mais “diversos”, podendo representar, ora “osmais numerosos, os muitos, a massa, os pobres (por oposição aosricos), e assim, ‘democracia’ mudava muito de sentido”, sem quese alterasse, contudo, a regra finalística de que os maisnumerosos, os muitos, a massa , os mais pobres resolvessem elespróprios (e não alguém que escolhessem para decidir em seunome) os assuntos da sociedade a que pertenciam.

Entretanto, não se pode esquecer o “célebre epitáfio dePéricles”, que elogiava aqueles que não se ocupavam, apenas,de seus interesses particulares, mas tratavam, também, dosassuntos públicos. Ao trazer à baila este pensamento, Bobbio,nas entrelinhas, parece admitir que mesmo na democraciadireta, há captura de interesses individualizados em detrimen-to dos interesses gerais da sociedade.

Por outro lado, do ponto de vista da relação internaci-onal dos Estados, deparamo-nos com uma estrutura maisautocrática do que democrática, se seguirmos a orientaçãokelseniana anteriormente colacionada, posto que no Con-selho de Segurança das Nações Unidas, cinco, e não mais doque cinco países, com poder de veto, inclusive, deliberamde forma censitária, acerca do destino e interesses dosdemais coadjuvantes do processo integracionista, alijando daparticipação decisória e de fruição, destarte, significativaparcela da população mundial. Isto se verifica, inclusive, naUnião Européia, que a despeito de economicamente integrada,não conseguiu democratizar a relação política internacionalde seus membros, considerando-se que seu Parlamento nãolegisla e seu Conselho de Ministros não responde ao Parla-mento, fazendo que o poder seja concentrado.

Fiel a esta linha de raciocínio, Bobbio21 estabeleceu in-teressante adágio ao formular o seguinte questionamento: épossível um sistema internacional democrático reunindo EstadosAutocráticos? É possível um sistema internacional autocráticoreunindo Estados Democráticos?

21. Norberto Bobbio. Três Ensaios Sobre a Democracia, p. 60-61.

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O festejado autor abstém-se de responder àquelas inda-gações, mas não se furta de debatê-las, fazendo-o de modo ainduzir que a democracia, sendo mais pacífica que a autocra-cia, faz com que a paz externa dependa de uma progressivaampliação dos Estados democráticos e da “democratização dacomunidade internacional”.

Cientistas políticos das mais diversas correntes advertemque uma democracia avançada dependeria do desenvolvimentohumano – salientando que o homem praticamente não se de-senvolveu desde a Revolução Neolítica, ocorrida há dez ou dozemil anos passados – bem como da fusão dos institutos demo-cráticos, considerados os regimes que deles se utilizaram deforma parcial e diferenciada. Desta forma, a democraciaavançada compreenderia a devolução do Estado à gente, aoinvés da estatificação da sociedade, descartando-se a burocra-tização do Estado socialista, bem como a manipulação escusa eencoberta do Estado monetarista. Desta forma, seria de selevar em conta os verdadeiros princípios de liberdade, igualdadee fraternidade, acrescentando-se a eles a solidariedade;assumiria esta democracia avançada as aspirações igualitáriasdo socialismo e o ideário revolucionário do liberalismo, nasalvaguarda das liberdades fundamentais.

Oportunamente, sob o mesmo enfoque, ainda que a soci-edade não esteja em tal nível de desenvolvimento, encontra-se, e mais que isto, almeja-se, na democracia, do mesmomodo, que as gentes possam se autodeterminar, que ninguémdetenha todo o poder, nem mesmo o próprio povo. Darcy Azam-buja, aliás, ao entabular pensamento nesse sentido, chega aenfatizar, ao dizer que

a soberania popular não é ilimitada nem despótica, em umregime são de organização política. Tem limitações naturais enecessárias no sistema democrático, pois este não é apenaso governo para o povo, mas, e principalmente, para a pessoahumana, que possui direitos inalienáveis. Se uma assembléiade todo o povo suprimisse um só direito individual fundamen-tal, extinguiria, ipso facto a democracia22.

22. Teoria do Estado, p. 324.

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Se os órgãos do Estado e a própria democracia, nestediapasão, já encontram limites na sua própria estruturação,encontram também controle na atividade fiscalizadora popu-lar. Isto faz concreta a reflexão de que se este poder políticosofre limitações naturais impostos pela própria sociedadepolítica; simultaneamente e da mesma forma é controladopela atuação popular.

O controle do poder político encontra guarida não só nosmecanismos segundo os quais o povo fiscaliza toda a açãogovernamental, como também nos instrumentos que permi-tem a efetiva participação na elaboração da ordem jurídica,como, aliás, é lembrado por Marcello Caetano23, e ocorre “noslimites naturais impostos pela sociedade política”.

Compreendendo que a democracia não exista em suaplenitude, as práticas democráticas ganham sustentação maisque legítima nos limites impostos ao próprio instituto, emespecial a fixação das liberdades, as quais, todo regime demo-crático deve reconhecer em favor dos governados, devendo-seentender por liberdades, não só a individual, consagrada pelaordem positiva, bem como e especialmente, a essencial,indestacável e inalienável da pessoa humana.

Sob este prisma, os instrumentos colocados a favor docontrole doméstico do poder político e de direitos daquelaqualidade, todavia, seriam insuficientes para dar-se ao temaem debate os contornos por ele próprio exigidos.

3. O FATOR ECONÔMICO DE INFLUXO: A POLÍTICA SOBUMA NOVA ORDEM ECONÔMICA INFLUENCIADA PELAECOLOGIA – O DIREITO AMBIENTAL COMO PRODUÇÃODESTA NOVA ORDEM SERIA O INSTRUMENTO DA REALI-ZAÇÃO DA DEMOCRACIA AVANÇADA?

Retornando ao início deste estudo, o enfoque a ser dis-pensado à matéria deve ser o de contemplação global, máxi-

23. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, p. 310.

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me porque, sob o prisma da democracia avançada, exige-separa um novo modelo de desenvolvimento, repita-se, a plenademocratização das relações internacionais, além do simplesreconhecimento de direitos estabelecidos desde a RevoluçãoLiberal, ganhando, destarte a questão ambiental, relevânciadas mais distintas no processo.

Isto porque, do ponto de vista econômico (que provocainquestionável influxo sobre o sistema político, que por seuturno transborda na produção jurídica), deparamo-nos comforças dominantes impostas pelas oligarquias das sociedadesprevalentes, as quais Tamames24 identificou como sendo oprodutivismo (busca de excedentes nefasta ao meio ambientee despreziva dos direitos do consumidor), o consumismo (aber-ração do consumo necessário, forçado pelo marketing e pelapublicidade levados pelos meios de comunicação, que forçauma demanda irreal e desnecessária), a dependência tecno-lógica (o mais moderno fator de produção – grandes corpo-rações conseguem seu poder dos investimentos que fazemna investigação científica alcançando desenvolvimento efechando os mercados por meio de patentes e licenças de fa-bricação, fazendo disto fonte de exploração de países menosdesenvolvidos, que se tornam devedores de cifras altíssimaspela transferência dessas tecnologias), e por final, o dirigismo(concentração de poder nos meios de comunicação, que influ-em decisivamente nos novos processos de decisão das pes-soas, de forma direta na política ou por meio do mercado pelapublicidade que se relaciona diretamente com os três outrosaspectos em comento), as quais impedem a plenitude do gozodas liberdades pelo homem.

Prossegue na evolução do tema o autor citado, sugerindoalternativas de desenvolvimento democrático à dominação queanteviu como forma de avanço e de renovação da vida. Assimé que frente ao produtivismo e ao consumismo, propõe a busca

24. Ramón Tamames. Un Nuevo Orden Mundial, p. 147-149.

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de uma nova teoria de bem estar social que enfoque o trabalhonão mais como mera fonte de produção, mas sim como instru-mento de realização humana e realização social, partindo acomunidade internacional para a medição dos PIBs dos Estadossoberanos não mais pela renda per capita, mas sim por umaequação que considere os níveis de bem-estar. À dependênciatecnológica contrapor-se-ia a exigência da difusão da ciênciaentre os povos por meio da culturalização e da educação, peladescolonização do ensino básico e pela proibição do trabalhoinfantil. Por derradeiro, frente ao dirigismo, propõe, por óbvio,a desconcentração do poder dos meios de comunicação.

Uma nova racionalidade nasce, todavia, na relação ecolo-gia/economia, que impõe como contraponto à casta internacionaldominante, de forma inexorável, um novo modelo de desenvolvi-mento. É certo que o norte não pode mais se desenvolver daforma como até agora o fez, restando ao sul e ao leste, os outrosvértices do triângulo concebidos na visão do mestre espanhol,a adoção de outro modelo desenvolvicionista que os livre da“crítica” situação em termos ambientais experimentadas pelonorte. Este triângulo deveria tomar consciência de sua inter-relação e ajustar-se em face desta conseqüência, conclui.

Abaixo de uma visão sempre holística, e sob o prismaeconômico, histórico e temporal, o meio ambiente e a questãoambiental vêm forçando a democratização das relações inter-nacionais, de modo a verdadeiramente amarrar os Estados aorganizar seus modelos em respeito a seus princípios.

De cunho eminentemente econômico, o direito am-biental, em sua construção prática, contudo, é “fruto da lutados cidadãos por uma nova forma e qualidade de vida”25, qua-lificando-se como direito humano, que de tal forma atua demodo a firmar a relação democrática em outro patamar queo até então observado na comunidade internacional.

25. Ramón Tamames. Un Nuevo Orden Mundial, p. 17.

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Seu fator econômico passa a ser encarado como desenvol-vimento e não como simples crescimento, diferenciando-se osinstitutos de modo que no desenvolvimento não mais seconsidera a pura e simples preponderância e prioridade daacumulação do capital sobre os demais componentes envolvi-dos no processo. E mesmo este desenvolvimento deve dar-se demodo a ser sustentável, como insistem, sob a batuta destaterminologia, estudiosos americanos e canadenses, ao afir-marem que o direito ambiental atual possui uma finalidadede ação preventiva e não mais simplesmente reparadora.

Na qualidade de direito humano, observa-se, como tendên-cia, que a questão ambiental ganhou contornos que lhe possi-bilitam instrumentalizar a participação e o controle político doshomens sobre seus governantes e mesmo da relação destesenquanto representantes dos Estados nas relações internacio-nais, de forma a construir uma nova cidadania ativa e parti-cipativa. Tanto os indivíduos quanto as ONGs (organizações nãogovernamentais) têm buscado no litígio judicial soluções para asgravíssimas demandas ambientais, podendo-se afirmar que ostribunais, não raras vezes, antecipam-se às regras jurídicaslegisladas, assegurando proteção legal ao meio ambiente.

Esta tendência ganhou reconhecimento em 1972 pelaDeclaração do Meio Ambiente, adotada pela Conferência dasNações Unidas, realizada em Estocolmo, Suécia, cujos vintee seis princípios fundamentais proclamam-se prolongamentoda Declaração Universal dos Direitos do Homem, sendo que,nesta categoria, todo governo deve reconhecê-los em favordos governados e em suas relações internacionais.

De consignar-se que a Declaração de Estocolmo serviu demarco de modo a se fazer absorver nas Constituições Nacio-nais dos povos, a despeito de algumas experiências anterio-res, tais como a Constituição Alemã (1949) e a Suíça (1957),que já possuíam capitulações específicas acerca dapreservação ecológica. Todavia, o pioneirismo do albergue daproteção como direito fundamental do homem erigido ao

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cânone constitucional atribui-se à Constituição da Bulgária(1971), que em seu artigo 31 declarou que “a proteção, asalvaguarda da Natureza e das riquezas naturais, da água,ar e solo (...) incumbe aos órgãos do Estado e é dever tambémde cada cidadão”. Cuba, em 1976, também alçou à suaConstituição o dever do Estado e da sociedade a incumbênciada proteção da natureza, seguindo-se Portugal (1976), UniãoSoviética (1977) e Chile (1981), como textos significativos aotema, reconhecendo-se na Constituição Portuguesa a for-mulação mais atual e moderna da problemática.

Interessante, permitindo-se abrir pequeno parêntese,que mesmo as ditas democracias socialistas bem como as de-mocracias monetaristas atribuem ao povo e à sociedade a in-cumbência da salvaguarda destes direitos, ao que se acres-centou em 1992, na Conferência das Nações Unidas do Riode Janeiro (ECO/92), a salvaguarda do direito ao desenvol-vimento sustentável.

Daí decorre que com o advento de ambas as Conferênciase com a absorção e reconhecimento dos princípios nelas de-clarados, os Estados passaram a ter, além do direito a sobe-ranamente explorarem seus próprios recursos segundo suaspróprias políticas de meio ambiente e desenvolvimento, odever de assegurar que as atividades sob sua tutela não cau-sem danos ao meio ambiente de outros Estados, fixando olimite de suas soberanias “no direito dos outros” e no direitodas gerações futuras a viver num ecossistema saudável e adesenvolver-se em harmonia com a natureza, que exprime,em última e primeira análise, a própria vida em si.

Mesmo Tamames26 admite que os Estados mais avança-dos, ademais de a comunidade internacional organizar-senuma verdadeira autocracia, evoluíram de modo a reconhecerdireitos importantes desde a Revolução Liberal, aguardando

26. Ramón Tamames. Un Nuevo Orden Mundial, p. 151.

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como estágio de verdadeiro avanço, a democratização das re-lações internacionais, as quais, obtemperamos, encontraramo embrião deste avanço no reconhecimento da questão am-biental e da alternativa de desenvolvimento dela decorrente.

A sustentabilidade reconhecida por fundamental, mais onovo e alternativo modelo econômico dela advindo, observadosna conjugação do vetor tempo-lugar que informa o instituto dademocracia – acerca do qual, aliás, já se reportou anteriormen-te – além de trazerem por característica essencial a muta-bilidade, passam a atuar, certamente, de modo a promoverprofunda mudança na relação política dos homens, refletida,decisivamente, nas relações dos Estados, que é, nada obstan-te, o que de fato se reclama.

Parece nascer, enfim, pelo ambientalismo, uma nova or-dem global, que nos empurra a um novo e alternativo modelode economia; estes fatores certamente farão a política – e viade conseqüência o direito – experimentar, talvez, uma mudan-ça decisiva.

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