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JOSÉ LUIZ JOVELI O MANDADO DE INJUNÇÃO E SUA INEFETIVIDADE EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS Piracicaba, SP 2007

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JOSÉ LUIZ JOVELI

O MANDADO DE INJUNÇÃO E SUA INEFETIVIDADE EM

FACE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

Piracicaba, SP2007

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JOSÉ LUIZ JOVELI

O MANDADO DE INJUNÇÃO E SUA INEFETIVIDADE EM

FACE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

Orientador: Prof. Dr. SÉRGIO RESENDE DE BARROS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação (Mestrado em Direito) da UniversidadeMetodista de Piracicaba – UNIMEP, como exigênciaparcial para obtenção do título de Mestre em Direito,sob orientação do Professor Doutor Sérgio Resendede Barros.Núcleo: Estudos de Direitos Fundamentais e daCidadania.

Piracicaba, SP2007

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Dados para catalogação:

JOVELI, J. L. O mandado de injunção e sua inefetividade emface dos direitos humanos fundamentais. Universidade Metodistade Piracicaba, 2007. Dissertação (Pós-Graduação, Curso deMestrado em Direito). Orientador: Professor Doutor Sérgio Resendede Barros.

1. Mandado de Injunção; 2. Direitos Fundamentais; 3. Efetividade

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O MANDADO DE INJUNÇÃO E SUA INEFETIVIDADE EM FACE DOS DIREITOS

HUMANOS FUNDAMENTAIS

Autor: José Luiz Joveli

Orientador: Professor Doutor Sérgio Resende de Barros

B A N C A E X A M I N A D O R A

____/____/2007

______________________________________________

PROFESSOR DOUTOR SÉRGIO RESENDE DE BARROSORIENTADOR

_______________________________________________

PROFESSOR DOUTOR GESSÉ MARQUES JÚNIORMEMBRO

_______________________________________________

PROFESSOR DOUTOR RUBENS BEÇAKMEMBRO

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DEDICATÓRIA

À

Ana Luiza; e

Josiane:

DEDICO

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AGRADECIMENTOS

A concretização deste trabalho somente foi possível graças às bênçãos de

Deus, bem como aos muitos colaboradores diretos ou indiretos, dos quais somos

eternos devedores. Agradecimentos a todos. Em especial:

À minha família, pelas horas de convivência que lhe foram subtraídas;

À Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), por mais uma vez

acolher um de seus filhos;

Ao Professor Doutor Sérgio Resende de Barros, pelas aulas, orientações

e, principalmente, pela sua amizade e exemplo de vida;

Ao Professor Doutor Gessé Marques Júnior, pelos valiosos ensinamentos

na arte da pesquisa;

Ao Professor Doutor Rubens Beçak, pela disposição em igualmente

colaborar com a evolução deste projeto;

Ao Professor José Renato da Silva, pelo incentivo e apoio moral e material

para a minha evolução acadêmica;

Ao Senhor Paulo Roberto Rodrigues Jodas, Delegado Seccional de Polícia

de Americana, por sua inestimável colaboração a este projeto de vida;

Ao colega Robson Gonçalves de Oliveira, pela compreensão e apoio;

À colega Carolina de Albuquerque, pelo apoio, sugestões e por confiar em

nosso trabalho.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo aferir, de maneira científica e metodológica, se oMandado de Injunção, remédio constitucional previsto de forma inédita pelaConstituição brasileira de 1988, garante eficazmente os direitos fundamentaispreconizados nesta mesma Constituição. Firmou-se o entendimento de que oMandado de Injunção é uma ação judicial que provoca uma atividade jurisdicionalvoltada, precipuamente, para o controle das omissões inconstitucionais normativas,e que deveria resultar, nos casos de procedência da ação, na edição, pelo órgão doPoder Judiciário competente, de norma judicial provisória e supridora inter partes daomissão do Poder, órgão ou autoridade originalmente competente para a realizaçãoda citada regulamentação.

Palavras-chaves: Mandado de Injunção; Eficácia; Direitos Fundamentais.

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ABSTRACT

The main objective of this work is to survey both in scientific and methodological way,if the Mandado de Injunção, new constitutional treatment established in the BrazilianConstitution of 1988, guarantees efficiently the fundamental rights in this sameConstitution. It was possible to understand that the Mandado de Injunção is a legalaction that provokes a jurisdictional activity, mainly, directed for the control of thenormative unconstitutional omissions, which the result should be the most adequatesolution. For these cases the action is valid in the edition, by the Judiciary Branch, aprovisory judicial norm and provider “inter parts” of the omission of the Power,agency or original competent authority for the accomplishment of this regulation.

Key-words: Mandado de Injunção; Effectiveness; Fundamental Rights.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ADCT: Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

CRFB/88: Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.

DJ: Diário da Justiça

DJU: Diário da Justiça da União

MI: Mandado de Injunção

RDA: Revista de Direito Administrativo

RT: Revista dos Tribunais

RTJ: Revista Trimestral de Jurisprudência

STF: Supremo Tribunal Federal

STJ: Superior Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................12

1 O MANDADO DE INJUNÇÃO E SUA TRAJETÓRIA....................................17

1.1 Origem........................................................................................................... 17

1.2 Direito comparado........................................................................................ 21

1.3 Conceito.........................................................................................................26

1.4 Objeto.............................................................................................................30

1.5 Partes............................................................................................................. 44

1.6 Diferenças entre mandado de injunção e ação de inconstitucionalidadepor omissão....................................................................................................46

1.7 Aspectos processuais e competência........................................................50

2 TEORIA DA CONSTITUIÇÃO E HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL..... 55

2.1 Da jurisprudência como técnica compreensiva........................................ 55

2.2 A concepção adequada de uma Constituição como pré-compreensãocontrolada......................................................................................................59

2.3 Do Estado Democrático de Direito como elemento central das concepçõesde constituição atuais......................................................................................62

3 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICABILIDADE DAS NORMASCONSTITUCIONAIS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DOBRASIL DE 1988............................................................................................. 68

3.1 A disposição do artigo 5º, § 1º, da Constituição de República Federativado Brasil de 1988............................................................................................76

3.2 Breves notas sobre os direitos constitucionais........................................ 79

3.3 Lacunas legais e omissões inconstitucionais........................................... 81

3.4 Possibilidades e limites da concretização judicial de normas constitucionaisno Estado Constitucional e Democrático de Direito.......................................... 84

3.5 Criação judicial do direito............................................................................ 87

4 DA DECISÃO CONCESSIVA DO MANDADO DE INJUNÇÃO.....................90

4.1 Mandado de Injunção e efetividade do processo...................................... 90

4.2 Principais características da decisão regulamentadora...........................99

4.3 Elaboração judicial regulamentadora e res judicata................................. 110

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5 PESQUISA JURISPRUDENCIAL.................................................................. 115

5.1 Decisões no Mandado de Injunção perante o Supremo Tribunal Federal...... 115

5.2 Principais interpretações judiciais..............................................................120

5.3 Cotejo das decisões em face do Poder Legislativo.................................. 131

5.4 Reflexões sobre o resultado da pesquisa.................................................. 134

6 POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA VIABILIZAR MAIOR EFICÁCIA AO MANDADODE INJUNÇÃO................................................................................................. 137

6.1 O processo de investidura dos Ministros do Supremo Tribunal Federal........137

6.2 Sentenças manipulativas aditivas...............................................................138

6.3 A questão da “separação de poderes”.......................................................145

6.4 A indenização por danos decorrentes de omissão inconstitucional...... 148

6.5 O Mandado de Injunção, a Inconstitucionalidade por Omissão e a troca desujeito............................................................................................................. 151

6.6 O artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e o Mandado de Injunção ... 153

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 154

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................. 161

ANEXOS.........................................................................................................169

Anexo 1 - Tabela comparativa

Anexo 2 - Cronologia do Mandado de Injunção a partir da CRFB de1988

Anexo 3 - Mandados de injunção julgados no período de 1988 a 2006e a relação com o total de processos julgados no STF

Anexo 4 - Levantamento de Mandados de Injunção recebidos pelaCâmara dos Deputados

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INTRODUÇÃO

O objeto estudado neste trabalho é o Mandado de Injunção (MI), entendido

como o instituto processual-constitucional inovador, previsto no artigo 5º, LXXI, da

Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 (CRFB/88),

que assim dispõe:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquernatureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentesno País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, àsegurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...]LXXI – conceder-se-á Mandado de Injunção sempre que a falta denorma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos eliberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes ànacionalidade, à soberania e à cidadania.

A análise é realizada sob a perspectiva da garantia de eficácia desse instituto

em face dos direitos fundamentais. Embora se entenda que o dispositivo necessita

de regulamentação própria, já é assente que o writ vem sendo admitido e

processado perante os órgãos do Judiciário de forma tranqüila, tornando-se eficaz

juridicamente, embora não o seja, como se verá, no que tange à sua eficácia social

ou efetividade.

Procurou-se não só apresentar criticamente as interpretações doutrinárias e

jurisprudenciais existentes atualmente sobre o instituto, mas também apresentar

algo de novo na tentativa de fundar uma interpretação que confira ao instituto uma

eficácia real. Nesse sentido, a análise jurisprudencial se limita, salvo raríssimas

exceções, àquela emanada do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem, pelo

disposto no artigo 102, I, “q” da CRFB/88, compete processar e julgar,

originariamente, o Mandado de Injunção, quando a elaboração da norma

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regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional,

da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas

Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do

próprio Supremo Tribunal Federal.

Em face da concentração da competência legislativa na União, resulta que,

praticamente, todas as normas reguladoras dos direitos estabelecidos pela

Constituição são de atribuição do Poder Legislativo Federal, sendo competente para

o processamento e julgamento de Mandado de Injunção com relação a essas

normas o STF. Ademais, o citado Tribunal é a instância máxima na interpretação da

Constituição, possuindo, inclusive, o poder-dever de rever as decisões dos demais

órgãos do Poder Judiciário que importem em interpretação de normas

constitucionais, sendo assim, o último guardião da Carta Magna.

Além disso, o estudo não se limita apenas à pesquisa jurisprudencial da mais

alta Corte do País. De fato, as sentenças concessivas do mandamus junto ao STF

são cotejadas com o Poder Legislativo Federal, avaliando, assim, quais

recomendações foram realmente observadas pelo legislador, editando-se as leis que

deveriam colmatar as omissões inconstitucionais constatadas por aquela Corte

Suprema. Com base nesse critério, é possível afirmar ou não, de forma objetiva e

metodológica, se o Mandado de Injunção cumpre seu papel de instrumento inibidor

da inércia de determinadas normais constitucionais, carentes de regulamentação,

conferindo garantia de efetividade aos direitos fundamentais tutelados pelo

Constituinte.

Como assevera Gessé Marques Júnior, a metodologia é “fundamental no

processo de conhecimento. É através dela que podemos esclarecer, para o leitor,

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qual foi o processo de aquisição de conhecimento.”1

Além disso, enfatiza Marques Júnior, num trabalho científico não se pode

direcionar a pesquisa apenas às informações pontuais que eventualmente possam

servir de base para confirmar a hipótese que se pretende demonstrar, ou somente a

coleta aqueles dados que mais interessam ao pesquisador, pois o interesse é

analisar determinado campo, buscando todas as informações possíveis para iluminar

o objeto de pesquisa.2

Para melhor compreensão do assunto, o Capítulo 1 é dedicado à trajetória do

instituto, contendo matéria relativa à sua origem, conceituação, objeto, partes, sua

relação com outros institutos semelhantes no estrangeiro (direito comparado), as

diferenças entre a Ação de Inconstitucionalidade por Omissão e o Mandado de

Injunção, sobretudo nos aspectos que, de fato, os distinguem na tutela de direito

constitucional objetivo e subjetivo, além dos aspectos processuais e sua

competência jurisdicional.

No Capítulo 2, desenvolvem-se, brevemente, algumas considerações de

Teoria da Constituição e de hermenêutica constitucional, com vias a compreender as

características fundamentais do saber jurisprudencial, inserindo o estudo do Direito

Constitucional em seu seio, bem como visando demonstrar o que é e qual a

importância da concepção de Constituição para a compreensão de uma específica

Constituição, objetivando compreender a Constituição da República Federativa do

Brasil de 5 de outubro de 1988, verificando-se qual das concepções é adequada

para a sua compreensão e porque, e quais as conseqüências desta resposta.

1 MARQUES JÚNIOR, Gessé. Pensando em lógica de projeto. Disponível em: <http://www.unimep.br/~gmarques>.Acesso em 6 dez. 2006.2 Ibidem.

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A seguir, no Capítulo 3, dedica-se à realização de análises para a

compreensão do instituto ora em estudo, pertinentes à Teoria do Direito aplicada à

dogmática constitucional, envolvendo a aplicabilidade das normas constitucionais,

aos direitos subjetivos constitucionais e, por fim, às possibilidades e limites para a

operacionalização de um direito subjetivo constitucional através de interposição

normativa, abordando-se, especialmente, o tema da ausência de regulamentação e

o papel do Judiciário no Estado Constitucional e Democrático de Direito

contemporâneo.

Conseqüentemente, no Capítulo 4 apresenta-se uma análise do instituto sob

o enfoque da eficácia jurídica e social e os efeitos das decisões judiciais nele

exaradas, máxime no que se refere às correntes doutrinárias existentes a respeito.

Cerne deste trabalho, o Capítulo 5 é voltado à pesquisa jurisprudencial

efetivada perante o STF das decisões procedentes em sede de MI, os efeitos dessas

sentenças, o cotejo de tais decisões em face do Poder Legislativo Federal e as

necessárias reflexões sobre o resultado dessas pesquisas.

Concluindo-se pela atual ineficácia social (ou inefetividade, como preferem

alguns) do Mandado de Injunção, apontam-se no Capítulo 6 possíveis soluções para

viabilizar maior eficácia ao instituto, discorrendo-se sobre a questão da “separação

de poderes”, a indenização por danos decorrentes de omissão inconstitucional e as

inovadoras sentenças manipulativas aditivas, originárias do direito alienígena, e que,

de forma incipiente, começam a aparecer no cenário jurídico nacional. É trazida à

colação a instigante obra a propósito de que outro sujeito, inicialmente não dotado

de atribuição constitucional, implementasse o comando constitucional. Ressalta-se,

ainda, a norma contida no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que

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possibilita ao magistrado ou ao tribunal (que não pode eximir-se de uma decisão),

integrar eventuais lacunas, de sorte a atingir uma solução satisfatória.

Nas considerações finais são catalogadas sinteticamente as idéias extraídas

da pesquisa, os objetivos que se pretendeu alcançar com este estudo e as eventuais

propostas dele decorrentes, firmando-se posição de que somente com a concessão

de efeitos constitutivos à decisão judicial exarada na ação injuntiva é possível se

garantir a desejada eficácia social (ou efetividade) dos direitos fundamentais

tuteláveis pelo Mandado de Injunção.

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1 O MANDADO DE INJUNÇÃO E SUA TRAJETÓRIA

1.1 Origem

Antes da Constituição pátria de 1988, nenhuma outra havia tratado o

Mandado de Injunção. As normas constitucionais nem sempre contiveram eficácia

plena em virtude de omissão legislativa, ficando dispositivos constitucionais

importantes sem aplicabilidade, porque normas regulamentadoras deixavam de ser

editadas, como por exemplo a participação dos trabalhadores nos lucros das

empresas, prevista no artigo 6º, inciso XI, cujo dispositivo já constava da Carta de

1946.3

Consultando-se os anais da Assembléia Nacional Constituinte4, bem como

a doutrina constitucional5, infere-se que a tramitação constituinte do Mandado de

Injunção tinha o escopo de encontrar uma maneira de se dar eficácia imediata às

normas constitucionais. Assim, consta que o novo writ teve sua gênese no dia 22

de abril de 1987, por meio do constituinte Gastone Righi, na terceira reunião da

Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias, a qual

estabelecia a existência de um meio pelo qual o cidadão pudesse exercer um direito

3 BRASIL. Senado Federal. Lei n. 10.101/2000. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/sicon>.Acesso em 6 dez. 2006: tal dispositivo foi regulamentado por esta normatização.4 Idem. Congresso. Câmara dos Deputados. Diários da Assembléia Nacional Constituinte de02/02/1987 a 05/10/1988. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/constituinte_principal.asp>.Acesso em 6 dez. 2006.5 SILVA, José Afonso da. Mandado de injunção e habeas data. São Paulo: Revista dos Tribunais,1989. p.14-18 Cf. também SANTOS, Aricê Moacyr Amaral. O mandado de injunção. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1989. p.15-17.

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social previsto pela nova Constituição.6 Interessante observar que há uma disputa

entre parlamentares acerca do reconhecimento pela paternidade do novo instituto,

uma vez que se aponta o Senador Virgilio Távora, mediante as sugestões

constituintes nºs. 155-4, e 156-2, ambas datadas de 27 de março de 1987, como o

primeiro a ter a idéia da criação do mandamus.7

A primeira sugestão em tela propunha que se incluísse no capítulo dos

Direitos e Garantias Constitucionais o seguinte dispositivo: “Sempre que se

caracterizar a inconstitucionalidade por omissão, conceder-se-á Mandado de

Injunção, observado o rito processual estabelecido para o Mandado de Segurança.”8

A segunda oferecia a seguinte redação: “A não edição de atos ou normas

pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, visando a implementar esta

Constituição, implica a inconstitucionalidade por omissão.”9

Em 3 de abril de 1987, o Senador Ruy Bacelar propôs à Constituinte a

sugestão de Norma Constitucional nº 367-1, na qual se previa:

Art. – Os direitos conferidos por esta Constituição e que dependemde lei ou de providências do Estado serão assegurados por Mandadode Injunção, no caso de omissão do Poder Público.

6 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Diário da Assembléia Nacional Constituinte, de 20de maio de 1987. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/constituinte_principal.asp>. Acessoem 6 dez. 2006: na ocasião, assim se manifestou o constituinte Gastone Righi: “Entretanto, nãotemos um mandamus, uma forma de processo pela qual alguém possa exercitar um direito social,digamos o direito social à saúde ou o direito da criança à escola. O diretor da escola diz que não hámais vagas, então, fica a criança sem matrícula. Qual a forma que tem o indivíduo de fazer valer agarantia constitucional de o Estado dar a escola a seu filho? Isso sempre faltou nas Constituições. É’um ponto importante, muito discutido pelos constitucionalistas. E esta é a Subcomissão que deveapreciá-lo. V. Exas. devem resolver esse problema, criando um tipo de mandado de garantia dedireito social para que o juiz possa determinar sua execução. Se não há vaga, tem de haver. Oadministrador tem de criar a vaga ou a sala na escola. Tem de dar solução ao problema, porque agarantia social está na Constituição”. E concluiu apelando “para que não se esqueçam do instrumentojudicial que possa compelir a autoridade pública a garantir o direito social a todos os cidadãos.”7 SANTOS, Aricê Moacyr Amaral. op. cit. p.15-16.8 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Diário da Assembléia Nacional Constituinte. 27abr. 1987. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/constituinte_principal.asp>. Acesso em 6dez. 2006.9 Idem.

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Parágrafo único – O Mandado de Injunção terá o mesmo ritoprocessual estabelecido para o Mandado de Segurança.10

Durante sua tramitação na Assembléia Nacional Constituinte, já na primeira fase

dos trabalhos, o writ recebeu no anteprojeto da subcomissão dos Direitos e Garantias

Individuais, cujo relator foi o Deputado Darcy Pozza, nova redação, a saber:

Art.- Os direitos e garantias constantes desta Constituição têm aaplicação imediata. Conceder-se-á Mandado de Injunção paragarantir direitos nela assegurados, não aplicados em razão daausência de norma regulamentadora, podendo ser requeridos emqualquer juízo ou tribunal, observadas as regras de competência dalei processual.11

Essa redação acabou sofrendo grandes alterações na Comissão da

Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, passando a constar o

instituto injuntivo, no substitutivo do Relator da Comissão, Senador José Paulo Bisol,

da seguinte forma:

Art. 34 – Conceder-se-á Mandado de Injunção, observado o ritoprocessual do mandado de segurança, sempre que a falta de normaregulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdadesconstitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, àsoberania do povo e à cidadania.Art. 48, § 1º - A lacuna permanecendo depois de seis meses dapromulgação da Constituição, qualquer cidadão, associação, partidopolítico, sindicato ou entidade civil poderá promover Mandado deInjunção para o efeito de obrigar o Congresso a legislar sobre oassunto no prazo que a sentença consignar.12

10 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Diário da Assembléia Nacional Constituinte. 29abr. 1987. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/constituinte_principal.asp>. Acesso em 6dez. 2006.11 Idem. 21 mai. 1987. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/constituinte_principal.asp>.Acesso em 6 dez. 2006.12 Idem. 6 jun. 1987. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/constituinte_principal.asp>.Acesso em 6 dez. 2006.

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Conservando a redação final do Mandado de Injunção, a Comissão de

Sistematização, na fase do Projeto de Constituição, fincou a regra de competência

para o seu julgamento:

Art. 32, Parágrafo único – Qualquer juízo ou tribunal, observadas asregras da lei processual, é competente para conhecer, processar ejulgar as garantias constitucionais.13

Na fase de emendas ao Primeiro Substitutivo do Relator da Comissão de

Sistematização, o Senador Fernando Henrique Cardoso indicou a Emenda nº 34.970

de 5 de setembro de 1987, suprimindo a referência ao rito processual do Mandado

de Segurança, contribuindo de forma decisiva para a redação final do Mandado de

Injunção.

O Segundo Substitutivo da Comissão de Sistematização definiu o instituto

nestes termos:

Art. 5º, inciso 47 – Conceder-se-á Mandado de Injunção, observandoo rito processual previsto em lei complementar, sempre que a falta denorma regulamentadora torne inviável o exercício das liberdadesconstitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, àsoberania do povo e à cidadania.14

O Projeto de Constituição (A) (Terceiro Substitutivo do relator da Constituinte)

retirou apenas a referência à lei complementar, substituindo-a pela lei ordinária.

Finalmente, com o Projeto de Constituição (B), originário do segundo turno de

discussão e votação no Plenário, o Mandado de Injunção sofreu a sua última

alteração, sendo definido nos seguintes termos:

13 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Diário da Assembléia Nacional Constituinte. 5ago. 1987. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/constituinte_principal.asp>. Acesso em 6dez. 2006.14 Idem. 6 set. 1987. p.26 Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/constituinte_principal.asp>.Acesso em 6 dez. 2006.

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Art. 5º, inciso LXXI, Constituição Federal de 1988 - Conceder-se-áMandado de Injunção sempre que a falta de norma regulamentadoratorne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais edas prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e àcidadania.15

O vocábulo injunção vem do latim injunctio,onis, que significa ordem formal,

imposição e procede de injugere (mandar, ordenar, impor uma obrigação). Tem,

assim, o sentido de unir, impor, ajuntar, indicando obrigação imposta que se

apresenta em caráter de ordem formal, cujo cumprimento não pode ser desatendido.

Nesse sentido, o Mandado de Injunção surgiu como o instrumento adequado para

colmatar as lacunas decorrentes do texto constitucional, realizando em favor do

impetrante o direito, a liberdade ou a prerrogativa inerentes à nacionalidade, à

soberania e à cidadania.

1.2 Direito comparado

Não há consenso doutrinário acerca da origem do Mandado de Injunção, pois

enquanto uns vêem no instituto um instrumento sui generis, que não encontra

paralelo no Direito Comparado16, outros procuram sua origem no Direito americano

ou inglês, ou, ainda, no Direito alemão.

José Afonso da Silva defende a tese de que o Mandado de Injunção surgiu na

Inglaterra, no final do século XIV, com base no juízo de equidade, em que o juiz,

ante a falta da norma legal ou na hipótese de a Commow Law não oferecer proteção

15 BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Diário da Assembléia Nacional Constituinte. 20set. 1988. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/constituinte_principal.asp>. Acesso em 6dez. 2006.16 BASTOS, Celso Ribeiro. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil.São Paulo: Saraiva, 2001. p.381.

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suficiente, soluciona o caso concreto que lhe foi submetido. Ressalta porém tal

jurista que a fonte mais próxima do Mandado de Injunção é o writ of injuction do

Direito norte-americano.17

Naquele país, o instituto reveste-se de duas formas: a prohibitory injunction,

para vedar a prática de ato violador de direito e a mandadory injunction, para

ordenar a prática de ato cuja omissão viola direito.

Já foram objeto de injunction afrontas à liberdade de associação, à liberdade

de palavra, à liberdade religiosa e à igualdade. No tocante à violação ao direito de

igualdade, referência é o caso Brown v. Board of Education of Topeka, em que a

injunção foi ajuizada para impedir a denegação de igual oportunidade de educação

por razões puramente raciais, cujo julgamento estabeleceu aos estudantes negros o

direito à educação em escolas não segregadas.

Eventual desobediência da ordem de injunction constitui contempt of court, ou

seja, desacato à corte, passível de prisão decretada de forma sumaríssima pelo

Tribunal.

Dircêo Torrecillas Ramos assevera que o processo de injunção surge na

Inglaterra, entre os séculos XIII e XIV, fixando-se na Common law, e no século XV

passa a ser lex scripta. Porém, quando perde a capacidade de adaptar-se diante de

circunstâncias novas, que exigiam a aplicação de princípios jurídicos diversos, acaba

sendo substituído pelo instituto que ficou conhecido como “processo da Corte de

Chancelaria.”18

De fato, como é cediço, o common law começa a surgir, no século XI, a partir

da invasão normanda do que hoje é a Inglaterra, vindo a desenvolver-se, lenta e

17 SILVA, José Afonso da. op. cit., 1989. p.10-11.18 RAMOS, Dircêo Torrecillas. Remédios constitucionais. São Paulo: WVC, 1998. p.40.

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gradualmente, durante séculos. Ocorre que durante o final do século XIV, por razões

que fogem ao nosso interesse momentâneo, as soluções jurídicas extraídas do

common law, mediante precedentes, começaram a ser consideradas insuficientes.

Este problema de “esclerose” do common law veio a ser resolvido através do

recurso dos interessados à autoridade do Rei, para que fizesse justiça no caso

concreto, decidindo a questão, supostamente, de forma eqüitativa.

O Rei, usualmente, e a partir do século XV de forma quase institucional,

delegava a atribuição de solver estes problemas ao Chanceler. Este passa a

resolver os problemas aplicando remédios jurídicos estranhos à tradição inglesa,

derivados, basicamente, do direito romano, considerado, à época, como razão

escrita, e do direito canônico.

Tais decisões, inicialmente casuísticas, vão construindo, com o passar das

décadas, um corpo normativo sistemático, que competirá cada vez mais com o

conjunto de normas jurídicas de common law. Este novo conjunto de pautas de

direito, aplicadas pelos Chanceleres, será denominado equity.

Deste modo, neste período, a Inglaterra conviveu com dois distintos e

paralelos sistemas jurídicos, o common law e a equity, aplicados por tribunais

diferentes (Tribunais de Westminster/Chancelaria), com fontes materiais (tradição e

costume ingleses/direito romano e canônico), institutos e forma de evolução

(precedente/discricionária) diferentes.

Portanto, o fato do writ of injunction ser um instrumento da equity não o faz

integrante de uma jurisdição de equidade, no sentido de atuação judicial

discricionária para a realização da justiça no caso concreto.

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Ou seja, não há mais de equidade no julgamento de um writ of injunction do

que em qualquer outra ação judicial no sistema jurídico anglo-americano. Nesse

sentido é, também, a opinião de Dircêo Torrecillas Ramos, quando afirma que com o

advento da “ação declaratória”19desenvolvida a partir de 1918, teria ocorrido uma

superação da injunção, da mesma forma como esta superara os meios históricos da

common law, cuja evolução dos processos e a utilização da ação declaratória sendo

relegada a um plano residual, a injunção teria ficado reduzida à ordem (injunction),

emanada de um tribunal, de que se faça ou não alguma coisa.20

Concluindo sua excelente exposição sobre o assunto, assevera Torrecillas

Ramos que o Mandado de Injunção, nos moldes atuais, já estaria, portanto,

superado por processos paralelos, desde o século XV e mais acentuadamente a

partir de 1918, com o desenvolvimento da “ação declaratória”. E acrescenta que

“seria suficiente a notificação para a execução da regulamentação, através de ‘ação

declaratória’, facilitando o acesso à justiça, ou fazer valer o direito, ainda que sem a

regulamentação em falta.”21

As possíveis influências do mandado de injunção apontadas pela doutrina não

se restringem ao writ of injunction. Há ainda doutrinadores que vêem no instituto do

Mandado de Injunção alguma semelhança com instituto Verfasungsbeschwerde, do

Direito alemão, vez que o artigo 93 da Lei Fundamental de Bonn prevê que esse

instituto pode ser ajuizado, perante o Tribunal Constitucional Federal, por qualquer

19 RAMOS, Dircêo Torrecillas. op. cit. p.40: As aspas se justificam, visto que se trata, na verdade, deuma reclamação ou denúncia dirigida à Corte Constitucional, para que esta declare ainconstitucionalidade de norma violadora da Constituição, sem qualquer característica, portanto, deação no sentido clássico. Não há litígio.20 Ibidem. p.40-41.21 Ibidem. p.42.

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cidadão, sob a alegação de ter sido prejudicado pelo Poder Público nos seus direitos

fundamentais.22

Em suma, o instituto alemão pode ser impetrado tanto em face de uma ação,

como de uma omissão que acarrete violação a direito fundamental, cuja mora

legislativa pode ser declarada inconstitucional pelo Judiciário, a quem compete dar

uma solução satisfatória para o caso em julgamento, tutelando o direito violado por

omissão do legislador, sem prejuízo de que o Legislativo, no futuro, exerça suas

atribuições constitucionais.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho leciona que no Direito italiano há uma

ingiunzione, tratando-se de um instituto processual mediante o qual pode conseguir-

se uma decisão de condenação de forma mais simples que a do processo ordinário,

sendo particularmente útil para os créditos certos e munidos de prova, em relação

aos quais o devedor não teria razão para resistir em juízo e poderia fazê-lo, num

processo comum, mas com mera finalidade protelatória, concluindo, portanto, que aí

também não estaria a fonte do nosso Mandado de Injunção.23

De todo o exposto, analisando-se o perfil que lhe atribui a Constituição de

1988, forçoso reconhecer que o Mandado de Injunção é algo sem precedente, quer

no direito nacional, quer no alienígena.

22 MACIEL, Adhemar Ferreira. Mandado de injunção e inconstitucionalidade por omissão. Revista deInformação Legislativa. Brasília: Senado Federal, jan.-mar. 1989: outros autores, todavia, sustentamque o instituto alemão é destinado a impugnar ato de autoridade que viole direito constitucional, noque se assemelha, por conseguinte, ao Mandado de Segurança. Cf. PORTO, Odyr. Mandado deInjunção. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. São Paulo:Lex, nov.-dez. 1988.23 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva,2001. p.316.

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J.M. Othon Sidou preleciona que o “instituto incorporado ao elenco de

garantia dos direitos constitucionais, o mandado de injunção, não tem antecedente

legislativo nem doutrinário no direito brasileiro.24 (grifo do autor).

Cotejando-se o novel instituto brasileiro com aqueles existentes no Direito

americano, inglês e alemão já mencionados, infere-se que o nosso envolve, não só

um juízo de equidade (equity dos ingleses), como também se volta à proteção de

direitos fundamentais da pessoa humana (injunction dos americanos e

Verfasungsbeschwerde dos alemães), porém com características próprias e

singulares, já exteriorizadas neste estudo.

Em suma, da forma como idealizado, o Mandado de Injunção não encontra

paralelo no direito estrangeiro, tratando-se, portanto, de verdadeira inovação do

Constituinte Brasileiro.

1.3 Conceito

O conceito legal se encontra no artigo 5º, inciso LXXI da Constituição de

1988, que assim dispõe:

Conceder-se-á Mandado de Injunção sempre que a falta de normaregulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdadesconstitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, àsoberania e à cidadania.

Já o conceito doutrinário é mais amplo. Randolpho Gomes define o Mandado

de Injunção como:

24 SIDOU, J.M. Othon. Habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, habeasdata, ação popular. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.267.

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Uma ação civil, de origem constitucional, de cognição, exercível porqualquer pessoa ou entidade em face de quem quer que obste oexercício de um direito emanado da Constituição, sob o pretexto oufundamento de inexistência de norma que o regulamente.25

Irineu Strenger, procurando encontrar a melhor adaptação dessa figura ao

nosso meio, propõe o seguinte conceito:

Mandado de Injunção é o procedimento pelo qual se visa obterordem judicial que determine a prática ou a abstenção de ato, tantoda administração pública, como do particular, por violação de direitosconstitucionais fundada na falta de norma regulamentadora.26

Ivo Dantas, por seu turno, entende que “sob a perspectiva de uma definição

doutrinária, o ponto capital a ser enfrentado é o da compreensão do adjetivo inviável,

que funcionará para o Mandado de Injunção como a expressão direito líquido e certo

funciona para o Mandado de Segurança”27, cujo adjetivo exprime negação,

significando que algo não pode ser realizado ou levado a efeito por existirem

obstáculos que aparecem no seu caminho, e que representam no Mandado de

Injunção a inexistência de norma regulamentadora que provoca uma lacuna, um

vazio que deveria ser preenchido, e que não o foi.

Marcelo Figueiredo propõe dois conceitos constitucionais para esse instituto.

O primeiro, entendendo que o:

Mandado de Injunção é a ação constitucional posta à disposição dequalquer pessoa física ou jurídica, apta à tutela de direito individual,coletivo e difuso, toda vez que houver falta de regulamentação dedireito infraconstitucional, que obstaculize sua fruição.

O segundo, que:

25 GOMES, Randolpho. Mandado de injunção. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas S. A., 1989.p.26.26 STRENGER, Irineu. Mandado de injunção. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. p.15.27 DANTAS, Ivo. Mandado de injunção. Rio de Janeiro: Aide, 1989. p.71.

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O Mandado de Injunção é a ação constitucional apta à tutela dosdireitos constitucionais individuais, coletivos ou difusos, não fruíveis,por seus titulares, em razão direta de falta de regulamentação.Hipossuficiência regulamentar.28

De forma lapidar, Adolfo Mamoru Nishiyama assevera que o Mandado de

Injunção “é o remédio constitucional, de procedimento especial, posto à disposição

de pessoa física ou jurídica, com a finalidade de suprir a falta de regulamentação de

uma norma constitucional.”29

Partindo do pressuposto de que a principal finalidade do mandamus, como

um instrumento de realização prática da disposição contida no artigo 5º, § 1º, é

conferir imediata aplicabilidade à norma constitucional portadora daqueles direitos e

daquelas prerrogativas mencionadas no artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição de

1988, inerte em virtude de ausência de regulamentação, José Afonso da Silva

entende que o Mandado de Injunção é “um remédio ou ação constitucional posto à

disposição de quem se considere titular de qualquer daqueles direitos, liberdades ou

prerrogativas inviáveis por falta de norma regulamentadora exigida ou suposta pela

Constituição.”30

O fato é que esses constitucionalistas brasileiros admitem que o Mandado

de Injunção pode ser usado por todo aquele que acredita haver um liame entre a

omissão legislativa e a inviabilidade de exercer os direitos constitucionalmente

previstos, sem exceção de quaisquer deles, dado que a abrangência que lhe é

dedicada no texto constitucional é total. Nessa linha, Cretella Júnior define o

28 SANTOS, Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo. O mandado de injunção e ainconstitucionalidade por omissão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p.36.29 NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. Remédios constitucionais. Barueri, SP: Manole, 2004. p.270.30 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2006. p.448.

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Mandado de Injunção como:

A ação civil de rito sumário, que possibilita a todo aquele que temdireito subjetivo público ou privado, exigir, em juízo, o exercício dedireitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes ànacionalidade, à soberania e à cidadania, tornados inviáveis pelafalta de norma regulamentadora.31

Admitindo-se que direitos fundamentais são aqueles classificados por José

Afonso da Silva32 em seis grupos, a saber:

I. Direitos Individuais (art. 5º);

II. Direitos Coletivos (art. 5º);

III. Direitos Sociais (art. 6º e 193 e seguintes);

IV. Direito à Nacionalidade (art. 12);

V. Direitos Políticos (art. 14 a 17); e

VI. Direitos Solidários (arts. 3º e 225);

e levando-se em conta as finalidades e o alcance que a doutrina nacional agregou até

agora a esse instituto, pode-se conceituar o Mandado de Injunção como uma garantia

ou remédio constitucional, mediante o qual se tenta obter o exercício de quaisquer

direitos fundamentais e liberdades constitucionais espalhados pela CRFB/88, mormente

àqueles catalogados nos artigos 5º ao 17, inclusive os direitos sociais, bem como

direitos individuais decorrentes do regime e de tratados internacionais (artigo 5º, § 2º,

da Constituição Federal), sempre que se verifique a ausência de norma

regulamentadora atrapalhando a eficácia plena daqueles direitos e liberdades.

31 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro:Forense Universitária, 1998. p.724.32 SILVA, José Afonso da. op. cit., 2006. p.184.

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1.4 Objeto

Trata-se de garantia constitucional, prevista pela primeira vez na Constituição

de 1988, no capítulo destinado aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos,

capítulo que integra o Título II, relativo aos direitos e às garantias fundamentais.

Encontra-se no artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição, ao lado de outras garantias

constitucionais, quais sejam, o mandado de segurança individual e coletivo, o

habeas corpus, o habeas data e a ação popular.

Constitui-se numa ação constitucional, cuja previsão legal dispõe: “conceder-

se-á Mandado de Injunção sempre que a falta da norma regulamentadora torne

inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas

inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.

Deve haver, portanto, um nexo de causalidade entre a norma faltante e a

impossibilidade do exercício daqueles direitos, e que constitui o pressuposto para a

impetração do mandamus. Entende-se por norma regulamentadora toda e qualquer

medida para tornar efetiva a norma constitucional, quais sejam, as leis

complementares, ordinárias, decretos, regulamentos, resoluções, portarias, dentre

outras.

Tanto o artigo 102, I, “q”, como o artigo 105, I, “h”, da Constituição Federal -

que disciplinam a competência originária do Supremo Tribunal Federal e do Superior

Tribunal de Justiça, respectivamente, para processar e julgar o Mandado de Injunção

- fazem referência à norma regulamentadora de atribuição do Presidente da

República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal,

das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de

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um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal (artigo 102, I,

“q”), como também à norma regulamentadora de atribuição de órgão, entidade ou

autoridade federal, da administração direta ou indireta (artigo 105, I, “h”), o que nos

permite concluir toda a extensão que se quis dar à expressão “norma

regulamentadora”.

Todavia, interessam para o objeto deste estudo as omissões legislativas e

seu controle, de sorte que as omissões administrativas não são aqui analisadas.

Em suma, o Mandado de Injunção tutela apenas direitos cuja viabilidade de

exercício se acha obstada pela falta de regulamentação. Se a razão para a

inviabilidade do exercício for outra que não a falta de regulamentação, o writ não

poderá ser utilizado.33 Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes afirma que “não cabe o

Mandado de Injunção para forçar a Administração Pública a criar ou melhorar um

serviço público; em outras palavras, não é ele instrumento para suprir a ausência ou

deficiência do serviço público.”34

Portanto, o Mandado de Injunção só controla a omissão de medidas

regulamentares e não de quaisquer medidas, como ocorre, por exemplo, com a ação

de inconstitucionalidade por omissão. Flávia Piovesan, isoladamente, diverge dessa

33 PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Mandado de injunção. São Paulo: Atlas, 1999. p.78-79:este autor entende que, desse modo, “para ensejar a impetração de Mandado de Injunção poucoimporta a natureza do ato; o que é essencial é que este seja de conteúdo normativo e que suaausência impeça o pleno exercício do direito, liberdade ou prerrogativa constitucional. Entretanto,caso o obstáculo seja a simples resistência do obrigado (pessoa física ou jurídica, de direito privadoou público) em cumprir o comando da norma constitucional, não haverá espaço para o mandado deinjunção. E’ o que se dará, por exemplo, se determinado município não estiver dotado de nenhumestabelecimento público de ensino fundamental, frustrando o direito público subjetivo de acesso aoensino público e gratuito. Neste caso, a inefetividade do direito não decorre da ausência delegislação, mas da falta de atos materiais do Poder Público (estadual e municipal). Dessa maneira,deveriam ser utilizados outros instrumentos processuais que compelissem o Poder Público aocumprimento de tal dever (como, por exemplo, a ação civil pública). Em tais hipóteses, porém, jamaispoderia ser impetrado o mandado de injunção.”34 GOMES, Luiz Flávio. Anotações sobre o mandado de injunção. Revista dos Tribunais. São Paulo:Revista dos Tribunais, set. 1989. p.56.

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orientação, pois para ela “compreender a norma regulamentadora como toda e

qualquer medida para tornar efetiva norma constitucional”, é incluir no conceito de

norma regulamentadora não apenas a edição de normas, mas “a produção de ato

administrativo e ato material.”35

A omissão legislativa inconstitucional pode ser total, correspondente à inércia

completa do legislador, ou parcial, que corresponde à deficiência ou insuficiência da

atividade do legislador, principalmente se tal deficiência implicar em violação ao

princípio da isonomia, quando a exclusão legal de benefício se equipara à falta de

norma regulamentadora, ensejando a impetração do writ para justamente estender a

disciplina legal aos grupos excluídos, viabilizando o exercício de direito

constitucional. Em outras palavras, a norma regulamentadora inconstitucional -

inválida, pois - equivale à não regulamentação, permitindo, em tese, a injunção.36

Odyr Porto entende que o Mandado de Injunção presume uma omissão e se

não existir essa falta, como por exemplo na hipótese de haver regulamentação,

ainda que injusta, o mandado não poderia ser concedido.37

No julgamento do Mandado de Injunção 79-4, o Supremo Tribunal Federal

firmou posição, no sentido de que “não cabe Mandado de Injunção, para, sob color

de reclamar a edição de norma regulamentadora de dispositivo constitucional (art.

39, § 1º, da CF), pretender-se a alteração de lei já existente, supostamente

incompatível com a Constituição.”38

35 PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. São Paulo: Revista dosTribunais, 1995. p.119.36 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros,2007, p.407.37 PORTO, Odyr. op. cit. p.96.38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI n. 79-4. Brasília, DF: Diário de Justiça da União, 2 ago.1990. p.6802.

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Com isso, se exigiria recorrer ao Judiciário por duas vezes: primeiro para

requerer a declaração da inconstitucionalidade da lei preexistente, para depois

impetrar Mandado de Injunção, o que seria um despautério. Por questões de

economia processual, mais razoável seria equiparar a manifesta inconstitucionalidade

da lei preexistente com a falta de norma regulamentadora.

No que tange aos direitos e prerrogativas mencionados no novo instituto,

entende o Supremo Tribunal Federal que não cabe Mandado de Injunção em se

tratando de falta de norma regulamentadora a tornar viável o exercício de direitos

previstos em lei complementar, cuja via processual só poderia ser usada quando se

tratasse do exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas

inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.39

A soberania a que alude o artigo 5º, LXXI do texto, refere-se à soberania

popular, prevista no artigo 14 da Constituição, e os respectivos instrumentos de seu

exercício, isto é, sufrágio universal, voto secreto e direto, com igual valor para todos,

mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular.

O objeto do Mandado de Injunção é garantir o exercício de qualquer direito

constitucional não regulamentado, de qualquer liberdade constitucional não

regulamentada e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à cidadania e à

soberania, desde que não regulamentadas.

Por isso não é possível impetrar Mandado de Injunção quando se tratar de

norma jurídica auto-aplicável, que não dependa de norma regulamentadora para

39 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI n. 296-7. Brasília, DF: Diário de Justiça da União, 28 fev.1992. p.2169.

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viabilizar o exercício do direito que dispõe.40 Assim o STF já se posicionou na

Questão de Ordem levantada no Mandado de Injunção 97, no julgamento realizado

no dia 1 de fevereiro de 1990, tendo como Relator o Ministro Sydney Sanches,

estabelecendo que “é impróprio o uso do mandado de injunção para o exercício de

direito decorrente de norma constitucional auto-aplicável.”41

No mesmo sentido, ao considerar como pressuposto do Mandado de Injunção

a falta de norma regulamentadora, decisão proferida em grau de apelação pelo

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Ap. 189102114, da 6ª C., j. 8

de março de 1990):

A invocação do mandado de injunção pressupõe e só tem cabidaquando a inexistência de norma regulamentadora vem a se constituirem obstáculo ou inviabilize o exercício de um direito ou pretensão,causando prejuízo. Se a norma jurídica invocada é auto-aplicável, oque ocorre com o artigo 47 do “Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias”, descabe a utilização do mandado de injunção.42

Interessante observar que o Mandado de Injunção é garantia auto-aplicável,

harmonizando o princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras dos

direitos e das garantias fundamentais, nos moldes do artigo 5º, § 1º, da Constituição

de 1988, embora não seja cabível nas hipóteses das normas constitucionais de

eficácia plena ou de eficácia contida43, conforme se verá no momento oportuno.

Enquanto não editada legislação específica, aplica-se ao Mandado de

Injunção o procedimento do Mandado de Segurança previsto pela Lei 1533/51,

40 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p.907: oautor acredita que “quanto às normas, é preciso que sejam de eficácia limitada, ou seja, dependentesde regulamentação. Portanto, não cabe mandado de injunção se a norma constitucional invocada forauto-aplicável”.41 BRASIL. Supremo Tribunal Federal MI n. 97. Disponível em:<http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em 23 set.2007.42 Revista dos Tribunais. n.654. São Paulo: Revista dos Tribunais. p.18143 NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. op. cit. p.272.

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conforme mandamento previsto no parágrafo único do artigo 24 da Lei 8.038/90, que

institui normas e procedimentos para alguns processos que ela especifica, e como

aliás já havia sido determinado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do MI-

107-3, firmando entendimento, em votação unânime, que “a injunction é auto-

aplicável, independentemente de norma jurídica que a regulamente, inclusive quanto

ao procedimento. Relativamente a este, aplicar-se-á, no que couber, e

analogicamente, o do mandado de segurança.”44

Na hipótese de falta de regulamentação de lei já em vigor, poder-se-ia talvez

impetrar Mandado de Segurança (uma vez que é cabível tal ação contra indevida

omissão administrativa), não fosse, todavia, difícil a definição de um “direito líquido e

certo” ante a ausência de regulamentação integral. Por esse motivo, o Mandado de

Injunção, nesse caso, serviria, não somente para colmatar a norma constitucional

(que fora parcialmente preenchida com a regulamentação em primeiro nível), mas

agora também da própria lei, isto é, a injunção judicial substituiria o regulamento

faltante, uma vez que toda matéria passível de mandado de segurança não é

solucionável por Mandado de Injunção, e vice-versa.45

Insista-se: o Mandado de Injunção é perfeitamente admissível quando,

apesar de editada a norma regulamentadora, esta, por ser incompleta ou

insuficiente, não tem condições reais de viabilizar o exercício de tais direitos, liberdades e

prerrogativas, e, por isso mesmo, incapaz de dar operatividade ao comando

constitucional, isto é, a regulamentação foi formalmente criada pelo Poder, órgão ou

44 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI n. 107-3. Brasília, DF: Diário de Justiça da União, 21 set.1990. p.9782.45 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandadode injunção, “hábeas data”, ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória deconstitucionalidade. São Paulo: Malheiros, 2003. p.252.

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autoridade originariamente competente, mas não é capaz de viabilizar o exercício do

direito em questão.

Ou seja, uma vez aferido que a regulamentação existente é inadequada para

operacionalizar o pleno exercício de qualquer dos direitos tutelados, será imperioso

determinar se esta inadequação é capaz de inquinar dita regulamentação do vício de

inconstitucionalidade por ação ou não. Em caso positivo, teremos uma

inconstitucionalidade por ação, seguida, cronológica e logicamente, de uma

inconstitucionalidade por omissão. Nesse caso, se o conteúdo da norma

regulamentadora se mostrar inapto aos fins a que se destina, tem-se uma

inconstitucionalidade por ação, o que determinará uma carência regulamentar

inconstitucional, na medida em que a norma inconstitucional não integra validamente

o ordenamento jurídico.

Corroborando tal posição, Sérgio Bermudes leciona que

Caso diferente será aquele em que a norma regulamentadora forinconstitucional. Nessa hipótese, a situação será equiparável à daausência de norma, pela ineficácia da regra de direito contrária àConstituição. Aqui, admite-se a injunção, cabendo ao legitimadoimpetrá-la, argüindo a inconstitucionalidade e, por isso, a ineficáciada norma regulamentadora.46

Todavia, essa não parece ser a orientação do Supremo Tribunal Federal,

que entende descaber a injunção para se discutir a deficiência da norma

regulamentadora já editada, ou seja, a mera edição desta norma afasta o

cabimento do Mandado de Injunção.

46 BERMUDES, Sérgio. O mandado de injunção. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dosTribunais, abr. 1989. p.109.

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Nesse sentido, o Ministro Celso de Mello, relator do MI 642-DF, se

manifestou:

Eventuais lacunas normativas ou imperfeições de conteúdo material,constantes de textos meramente legais ou de normas inscritas emtratados internacionais, não se revelam colmatáveis, nem suscetíveisde correção, por via injuncional, eis que o Mandado de Injunçãosomente tem pertinência, quando destinado a suprir omissõesestatais na regulamentação de cláusulas exclusivamente fundadasna própria Constituição da República.47

Ainda no que tange aos direitos tutelados pelo Mandado de Injunção, Calmon

de Passos afirma:

Entendemos, entretanto, descaber o Mandado de Injunção quando oadimplemento, seja pelo particular, seja pelo Estado, envolve aorganização prévia de determinados serviços ou a alocaçãoespecífica de recursos, porque nessas circunstâncias se faz inviávela tutela, inexistentes os recursos ou o serviço, e construir-se oMandado de Injunção como direito de impor ao Estado a organizaçãode serviços constitucionalmente reclamados teria implicações de talsorte que, inclusive, constitucionalmente, obstam, de modo decisivo,a pertinência do mandamus na espécie.48

Como exemplo, o autor cita o seguro-desemprego, cujo direito seria

impossível de ser amparado pelo Mandado de Injunção, visto ser insuscetível de

atribuição individual, sem que haja um sistema (técnico) instalado e funcionando

devidamente.

47 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI n. 642. Brasília, DF: Diário de Justiça da União, 14 ago.2001. p.2881.48 CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Mandado de segurança coletivo, mandado de injunçãoe “habeas data”. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p.112.

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De todo o exposto, infere-se que a omissão normativa inconstitucional

depende de existir, simultaneamente, um dever de regulamentar49 e de um prazo

dentro do qual tal dever deverá ser cumprido. As normas definidoras de direitos e

garantias fundamentais deverão ser, quando necessário, regulamentadas

rapidamente, o que determina a imediata omissão inconstitucional em caso de sua

não regulamentação e, assim sendo, a não permissão, pelo Constituinte, de prazo

qualquer para a regulamentação.

Todavia, por mais que se deseje garantir eficácia social às normas

constitucionais, uma regulamentação demora algum tempo para ser editada em

função das mutações do processo legislativo, motivo pelo qual deve ser outorgado

às autoridades competentes um prazo mínimo de tolerância que, uma vez

transcorrido sem a edição da norma faltante,50 determina-se a total condenação da

conduta omissiva e se impõe a concessão do remédio constitucional mencionado.

Isso desde que a norma constitucional cuja regulamentação esteja faltando

determine um direito amparado por Mandado de Injunção.

Frise-se que a realização de estudos, a formação de comissões ou a

discussão de lei não suspende o transcurso do “prazo para regulamentação”. O

compromisso constitucional de regulamentar é um comprometimento de resultado,

que só é efetivamente cumprido quando a norma regulamentar exigida

49 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Tomemos a Sério o Silêncio dos Poderes Públicos - o Direitoà Emanação de Normas Jurídicas e à Protecção Judicial Contra as Omissões Normativas. In:TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (org.). As garantias do cidadão na Justiça. São Paulo: Saraiva,1993. p.354: o autor entende que “a doutrina costuma salientar que o conceito de omissãojuridicamente relevante não é um conceito naturalístico, reconduzível a um simples ‘não fazer’, a umsimples ‘conceito de negação’. Omissão, em sentido jurídico-constitucional, significa não fazer aquiloa que se estava constitucionalmente obrigado. A omissão legislativa só é autônoma e juridicamenterelevante quando se conexiona com uma exigência constitucional de acção, não bastando o simplesdever geral de legislador para dar fundamento a uma omissão inconstitucional.”50 Prazo esse que, atualmente (mais de dezoito anos depois da promulgação da CRFB/88), já deveser considerado mais do que esgotado.

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constitucionalmente adquire vigência. Nesse sentido, não se pode concordar com a

posição que vinha sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal, de que a

propositura de um projeto de lei pudesse suprimir a omissão inconstitucional,

conforme ficou consignado no voto do Ministro Néri da Silveira, exarado no MI nº

215-1/RS, bem como em decisões semelhantes proferidas nos MI nºs. 226-67/PE e

238-0/RJ. No que concerne ao Poder Legislativo, este trabalho adota a posição de

que somente com a edição da norma regulamentar prevista constitucionalmente se

pode viabilizar o exercício do direito, afastando-se eventual omissão inconstitucional.

Nessa esteira, a realização de estudos ou mesmo a apresentação de projeto de lei

não têm o efeito de afastar as omissões inconstitucionais, exigindo-se a edição e a

vigência de norma regulamentar constitucionalmente prevista, conforme posição já

adotada pelo próprio Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de

Injunção nº 361-1/RJ. Por óbvio, como se verá no momento oportuno, o Poder

Judiciário também é competente para colmatar lacunas inconstitucionais, quando da

inércia do legislador.

Para se entender melhor este objeto, faz-se necessário analisar o significado

da expressão: “dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes

à nacionalidade, à cidadania e à soberania”.

Atualmente, o Supremo Tribunal Federal e a maioria da doutrina nacional,

capitaneada por José Afonso da Silva51, afirmam a existência de três diferentes

expressões: a primeira seria constituída pela expressão “dos direitos constitucionais,

a segunda pela das liberdades constitucionais” e a terceira pela expressão “das

prerrogativas inerentes à nacionalidade, à cidadania e à soberania”. Ou seja, a

51 SILVA, José Afonso da. op. cit., 2006. p.448-449.

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palavra prerrogativas estaria ligada apenas à expressão: “inerentes à nacionalidade,

à cidadania e à soberania”, indicando direitos políticos e direitos de nacionalidade.

Tal entendimento, porém, revela um certo equívoco, visto que a locução “direitos

constitucionais” envolveria as duas seguintes, esvaziando-as, portanto.

Outros autores, liderados por Celso Ribeiro Bastos52, afirmam ter encontrado

no texto constitucional duas expressões apenas: 1) dos direitos e liberdades

constitucionais e 2) das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à cidadania e à

soberania.

Para esses autores, a expressão “prerrogativas inerentes à nacionalidade, à

cidadania e à soberania” se referem aos direitos civis e políticos do cidadão (artigo

12 a 17 da CRFB/88) e que as prerrogativas inerentes à nacionalidade aludiriam aos

direitos próprios do nacional, tanto no que se refere à própria nacionalidade, como

àqueles dela decorrentes, que, embora previstos constitucionalmente, ainda

precisariam de regulamentação.53

Já as prerrogativas inerentes à cidadania e à soberania indicariam os direitos

políticos (abrangendo a função do voto), sendo que a expressão cidadania se

referiria à manifestação de vontade de cada um, e a soberania popular indicaria a

expressão coletiva dessa participação política, nos moldes do artigo 14 da

Constituição (sufrágio universal).

Importante ressaltar que a palavra prerrogativa indica um direito ou poder

especial dado a uma pequena parcela de pessoas, cuja etimologia, aliás, sugere os

direitos especiais de uma categoria de pessoas. Esta palavra é oriunda do termo

52 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2001. p.250.53 Note-se, como exemplo, as normas constitucionais previstas no artigo 12 da Constituição de 1988,referentes à aquisição da nacionalidade, originárias ou derivadas, entre as quais há ainda várias quesão dependentes de regulamentação a fim de que o seu exercício possa ser viabilizado.

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latino praerogativa, que indicava, na Roma antiga, a tribo ou centúria que votava

primeiro (era “rogada” primeira) nas Assembléias populares, podendo influenciar o

voto das demais, tornando-se então sinônimo de vantagem, de privilégio.

Prerrogativa, assim, pode se referir tanto a direitos e liberdades constitucionais,

abrangendo uma ampla gama de destinatários, e portanto não só a nacionais ou

cidadãos, como também se referir simplesmente ao direito de votar e ser votado.

Celso Ribeiro Bastos identifica na locução direitos e liberdades constitucionais

as clássicas declarações de direito individuais, entendendo que se deve considerar

nela incluídos os direitos sociais.54

Mais consentâneo com o verdadeiro objetivo que o Constituinte quis dar ao

mandamus, há posicionamento doutrinário no sentido de que o objeto do Mandado

de Injunção abrange o exercício de qualquer direito constitucional, individual ou

coletivo, político ou social, ainda não regulamentado, além de contemplar em seu

escopo as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania,

também quando não regulamentadas.55

Independentemente da divisão adotada pela doutrina, firma-se a posição de

que são objeto de tutela do Mandado de Injunção todos os direitos de liberdade e

suas garantias (expressos ou não no artigo 5º da CRFB/8856), bem como todos os

direitos de nacionalidade e os direitos políticos, desde que previstos, todos eles, em

normas constitucionais.

54 BASTOS, Celso Ribeiro. op. cit. p.250.55 NISHIYAMA, Adolfo Mamoru, op. cit. p. 275. Cf também: SILVA, José Afonso da. op. cit., 2006.p.448.56 Exemplo de direito-liberdade não previsto no artigo 5º é o direito de greve, que depende deregulamentação que esclareça como se dará o processo coletivo de deliberação acerca de suadecretação/manutenção.

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Nesse sentido, direitos constitucionais significariam o conjunto de faculdades

atribuídas aos governados pela Lei Maior, dentre os quais os direitos individuais,

coletivos, sociais e políticos e nas disposições transitórias do texto constitucional,

bem como nos demais capítulos da Carta Magna. Liberdades constitucionais teriam

como princípio norteador o princípio esculpido no artigo 5º, II, significando dizer que

tudo que não é proibido é livre de ser praticado, bem como as liberdades de

manifestação de pensamento, de consciência, de crença, de expressão, de

comunicação, de exercício profissional, de associação (inclusive sindical), de

obtenção de informações pelo habeas data, de ensino, de pesquisa, de

planejamento familiar e de locomoção, esta protegida também pelo habeas corpus.

Finalmente, as prerrogativas a que alude o disposto no artigo 5º, LXXI,

decorrem dos princípios expostos no artigo 12 e nos artigos 14 a 16 da Lei Maior,

tendo repercussão em vários outros dispositivos constitucionais. Prerrogativas à

nacionalidade seriam, portanto, as referentes ao exercício dos cargos públicos, por

eleição ou por nomeação, salvo os impedimentos e vedações legais, aí incluídos os

de nacionalidade portuguesa e os originários de países de língua portuguesa.

Prerrogativas à soberania se referem à soberania popular que é referida no artigo

14, como os meios de seu exercício, isto é, sufrágio universal, voto secreto e direto,

com igual valor para todos, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular.

Prerrogativas inerentes à cidadania compreendem a qualidade do indivíduo que tem

direitos políticos, ou seja, é cidadão o nacional (nato ou naturalizado), no gozo de

seus direitos civis e políticos, cujos direitos são adquiridos pelo alistamento eleitoral

e exercidos pelo voto e pela elegibilidade.

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Na verdade, as liberdades e prerrogativas constitucionais mencionadas são,

essencialmente, direitos fundamentais. Tivesse disciplinado o legislador constituinte

que o Mandado de Injunção seria concedido sempre que a falta de norma

regulamentadora tornasse inviável o exercício dos direitos fundamentais e teria dito

tudo.57

Esse é, portanto, o alcance dado pela Constituição ao Mandado de Injunção.

Inviabilizado, de qualquer forma, o exercício de quaisquer desses direitos, liberdades

ou prerrogativas elencadas, por falta de norma que os regulamente, têm os

governados a seu dispor esse remédio constitucional, para usufruir os privilégios

sonegados. O elenco é tão vasto quanto a amplitude do dispositivo contido no artigo

5º, § 2º, do Título II, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição

não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos

tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Como exemplo desse importante princípio, veja-se a norma esculpida no

artigo 150, item III, da CRFB/88, autolimitando os poderes do Estado e que, embora

não estando presente no mencionado Título II, sobre os direitos fundamentais, a

eles se equipara, como direito do indivíduo de não pagar tributo em relação a fatos

geradores que tenham ocorrido antes do início da vigência da lei que o instituiu ou

aumentou, ou no mesmo exercício em que haja sido publicada a lei que os houver

instituído ou aumentado.58

57 SIDOU, J. M. Othon. op. cit. p.273. (grifo do autor).58 Ibidem, p.273.

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1.5 Partes

O Mandado de Injunção pode ser impetrado por toda e qualquer pessoa,

diferentemente da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cuja

legitimidade ativa é restrita aos entes relacionados no artigo 103, incisos I a IX da

Constituição.

É possível admitir-se a impetração do Mandado de Injunção para a defesa de

direito coletivo, mas não difuso, sob pena de se confundir o mandamus (como

instrumento de defesa de direito subjetivo) com a ação direta de

inconstitucionalidade por omissão, que visa tutelar direito objetivo, eliminando as

lacunas do sistema, de forma geral e abstrata. A despeito de inexistir norma a

respeito, a jurisprudência vem admitindo a impetração desse tipo de mandado,

sendo legitimadas as mesmas entidades às quais a Constituição concedeu a

possibilidade de ajuizamento de Mandado de Injunção coletivo, cujos requisitos se

aproximam daqueles do mandado de segurança coletivo, na medida em que a

injunção coletiva será cabível quando o prejuízo pela falta de norma

regulamentadora afetar a todos os associados da entidade impetrante.59

Todavia, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o MI 23-9, impetrado por

associação de classe, entendeu que esta não poderia ingressar com Mandado de

Injunção representando seus associados.60

Uma vez que o Mandado de Injunção é cabível tanto nas relações de

natureza pública, como nas relações privadas, sua legitimidade passiva recai sobre

59 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit. p.258.60 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI n. 23-9. Brasília, DF: Diário de Justiça da União, 5 mar.1992.

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a parte privada ou pública que sofre os efeitos de eventual deferimento da injunção,

ou melhor, sobre o ente (pessoa física ou jurídica, pública ou privada) cuja atuação é

imprescindível para viabilizar o exercício do direito, e não sobre a autoridade

competente para elaborar a norma regulamentadora faltante.

Quando o texto constitucional fixa ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior

Tribunal de Justiça as competências para o mandamus, não está, com isso, a

apontar o pólo passivo da ação respectiva, por se tratar de simples critério de

repartição de competências entre os órgãos jurisdicionais. Isso porque se o

Mandado de Injunção visa à tutela de uma pretensão, deverá ser impetrado contra a

pessoa pública ou privada, à qual compete tornar viável a pretensão, não havendo

sentido chamar-se ao processo a autoridade cuja inércia se imputa a omissão, de

sorte a excluir a parte contra a qual a pretensão é dedutível.

Não tem sido esta, porém, a posição do Supremo Tribunal Federal que, por

maioria de votos, fixou o entendimento de que parte passiva é apenas a autoridade

e o órgão omisso, visto que a natureza mandamental do Mandado de Injunção é

dirigir-se às autoridades ou aos órgãos públicos omissos quanto à regulamentação

que viabilize aqueles direitos e aquelas prerrogativas já mencionadas. Dessa forma,

não cabe litisconsórcio passivo entre essas autoridades e esses órgãos públicos -

que deverão, se for o caso, elaborar a regulamentação necessária - e particulares

que, em favor do impetrante do writ, vierem a ser obrigados ao cumprimento da

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norma regulamentadora, quando esta vier, em decorrência de sua elaboração, a

entrar em vigor.61

O Supremo Tribunal Federal já deixou assente que só o órgão público

(estatal) pode ser sujeito passivo na ação injuntiva, ou seja, aquele (legislador ou

administrador) que deveria ter editado a norma integradora e não o fez.62

Assim, tem decidido aquela Corte de Justiça que a indicação da autoridade

legislativa omissa constitui requisito processual, sem o qual a inicial é indeferida, não

se admitindo sequer a companhia litisconsorcial de particular no pólo passivo.63

1.6 Diferenças entre mandado de injunção e ação de inconstitucionalidade poromissão

O Mandado de Injunção serve para tutelar direito subjetivo, e não se confunde

com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que é instrumento para

salvaguardar direito objetivo.

No caso da ação de inconstitucionalidade por omissão, esta é legislativa ou

administrativa; no caso do Mandado de Injunção, a Constituição menciona falta de

norma regulamentadora – lei, decreto, etc. -, portanto, a omissão aí seria tanto

legislativa como do administrador, mas é uma omissão normativa.

61 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI n. 323-8. Brasília, DF: Diário de Justiça da União, 14 fev.1992. p.1164: Confirmando tal posição, no julgamento do MI 382-3, determinou o Supremo que nainjunção não há lugar para a citação, como interveniente ou terceiro interessado, dos particulares,bem como para litisconsórcio passivo entre eles e a autoridade competente para a elaboração danorma regulamentadora. (MI 382-3, DJ 12 de setembro de 2003). Já no julgamento do MI 153-7, oSupremo fixou entendimento de que se a lei inexistente é de iniciativa privativa do Presidente daRepública, é ele quem deve figurar no pólo passivo da ação e não o Presidente do Senado Federal.(RT 655/205).62 Idem. Agravo Regimental ao Mandado de Injunção nº 323-8 . Brasília, DF: Diário de Justiça daUnião, 14 fev. 1992. p.1164.63 CLÉVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p.252.

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Sérgio Resende de Barros exemplifica que:

Se a Constituição garante, como garante, o ensino fundamental paratodos e eu não posso matricular meu filho numa escola públicaporque o Estado não construiu escolas, eu não posso impetrarMandado de Injunção, para assegurar o gozo desse direito que aConstituição me dá, e do qual eu estou sendo privado, porque aí aomissão não é normativa, ou seja, não está faltando uma normaregulamentadora, está faltando é uma construção da escola, é umato administrativo e não normativo.64

No Mandado de Injunção existe uma fiscalização concreta da

inconstitucionalidade por omissão, enquanto que na ação direta há a fiscalização

abstrata da inconstitucionalidade, conforme se depreende da simples leitura dos

dispositivos constitucionais que abrigam tais institutos.

De fato, o artigo 5º, inciso LXXI, da Carta de 1988, objetiva tornar viável o

exercício de um direito fundamental no caso concreto, eventualmente lesado pela

ausência de norma regulamentadora, ao passo que o artigo 103, § 2º, objetiva

conferir efetividade à norma constitucional, atacando a inconstitucionalidade em

tese, saneando a ordem jurídica lacunosa e conferindo eficácia plena aos

dispositivos constitucionais.

Conforme observa Michel Temer, na ação direta de inconstitucionalidade por

omissão “comunica-se a omissão”; no Mandado de Injunção, “o Judiciário deve

declarar o direito para que dele possa desfrutar o postulante ainda que omisso o

regulamentador da norma constitucional. Insista-se: o Judiciário não legislará nem

substituirá o legislador competente. Declarará o direito.”65

64 BARROS, Sérgio Resende de. A inconstitucionalidade por omissão. In: MARTINS, José Renato. Ocontrole de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p.137.65 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001. p.208.

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Nesse sentido, os efeitos da decisão quando do julgamento da injunção são

inter partes, circunscrito ao caso concreto. Na ação direta, os efeitos são erga

omnes, ou seja, oponível contra todos.

No que tange à legitimidade ativa, podem propor ação direta de

inconstitucionalidade por omissão as entidades relacionadas no artigo 103, incisos I

a IX da Constituição, enquanto que o Mandado de Injunção pode ser impetrado por

toda e qualquer pessoa.

No âmbito da legitimidade passiva, constata-se que a injunção pode ser

impetrada contra o ente público ou privado que deve viabilizar o direito. Já na ação

direta, o sujeito passivo é o órgão público responsável por medida que torne efetiva

norma constitucional.

Importante distinção reside no órgão jurisdicional competente para julgar tais

institutos: na ação direta, este órgão é tão somente o Supremo Tribunal Federal, por

se tratar de competência concentrada66, ao passo que, no Mandado de Injunção, a

competência se estende para outros órgãos jurisdicionados, nos termos do artigo

102, I, “q” e artigo 105, I, “h”, da Carta de 1988, por se tratar, até certo ponto, de

competência difusa.67

Até certo ponto difusa, porque se trata de competência concentrada nos

Tribunais Superiores, em que o Supremo Tribunal Federal processa e julga

66 O modelo concentrado também é usado na via de ação direta de inconstitucionalidade, nos moldesdo modelo austríaco, introduzido na Constituição da Áustria de 1920, sob a inspiração de HansKelsen. Diz-se “concentrado” porque o controle é realizado por um órgão judicial único.67 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direitocomparado. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1992. p.65-s.: já o modelo difuso de controle daconstitucionalidade, no que se refere à inconstitucionalidade por ação, é acolhido na via de exceçãoou defesa, inspirado no modelo norte-americano, em que todo e qualquer juiz, seja ele juiz ordinárioou juiz de jurisdição especial, pode efetuar o controle. O precedente (leading case) para a construçãodesse modelo foi o célebre caso “Marbury versus Madison”, de 1803, em que o Juiz Marshalproclamou a supremacia da Constituição sobre as demais leis e o poder dos juízes de, no conflitoentre as leis e a Constituição, deixar de aplicar as normas inconstitucionais.

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originariamente o Mandado de Injunção quando a elaboração da norma

regulamentadora for atribuição do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados e

do Senado Federal, dentre outras hipóteses. Cabe-lhe ainda julgar em recurso

ordinário o Mandado de Injunção decidido em única instância pelos Tribunais

Superiores, se denegatória a decisão, donde se conclui que também esses Tribunais

Superiores têm competência para o julgamento da injunção.

Nem sempre tal competência é difusa porque, na maioria dos casos, o

Mandado de Injunção é impetrado em virtude da falta de norma regulamentadora de

atribuição do órgão Legislativo, o que pode acarretar uma concentração de

processos no Supremo Tribunal Federal.

Parece que o objetivo do Constituinte, ao atribuir ao Supremo Tribunal

Federal tal competência, foi evitar que se criasse uma gama de decisões

heterogêneas, o que poderia acontecer se o julgamento do Mandado de Injunção

coubesse a vários órgãos jurisdicionais.

Equivocada, todavia, essa posição. Este trabalho compartilha a idéia que, se

a competência fosse efetivamente difusa, maior eficácia representaria o Mandado de

Injunção, cuja descentralização não apenas evitaria o acúmulo de processos no

âmbito do Supremo Tribunal Federal, mas também tornaria mais facilitado o acesso

à Justiça, em razão da maior proximidade do órgão jurisdicional, o que poderia

encorajar a impetração do Mandado de Injunção.68

Por derradeiro, outro aspecto diferenciador que merece ser lembrado entre

tais institutos é aquele concernente ao objeto de cada um. De fato, na ação direta

busca-se a efetividade de qualquer norma constitucional, seja de que matéria for,

68 PIOVESAN, Flávia. op. cit. p.163.

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tendo em conta que, nos termos do artigo 103, § 2º da Carta de 1988, a ação direta

torna efetiva a norma constitucional, sem qualquer restrição.

O objeto do Mandado de Injunção, por seu turno, buscando tornar viável o

exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas atinentes à

nacionalidade, cidadania ou soberania, tem um alcance mais reduzido, se

comparado com o objeto da ação direta, porém revela ele maior potencialidade de

eficácia, posto que, no controle concentrado, o Supremo Tribunal Federal não

viabiliza, diretamente, direito algum, mas declara inconstitucional a omissão de

medida para tornar efetiva a norma constitucional, dando ciência ao órgão

competente para a adoção das providências necessárias.

No Mandado de Injunção, todavia, cabe ao Poder Judiciário tornar viável o

exercício de direitos e liberdades constitucionais, quando da falta de norma

regulamentadora. Vide ao final deste trabalho, tabela comparativa desses institutos.

1.7 Aspectos processuais e competência

Hodiernamente, prevalece a tese da auto-aplicabilidade, considerando-se o

novo writ como garantia prontamente realizável, regendo-se, conforme o caso, pelo

procedimento do Mandado de Segurança (Lei 1.553/51) ou pelo procedimento

ordinário do Código de Processo Civil.

O fundamento da auto-aplicabilidade do Mandado de Injunção se encontra no

próprio texto constitucional (artigo 5º, § 1º), que propugna pela aplicação imediata

das normas definidoras de garantias fundamentais. De fato, entende Ingo Wolfgang

Sarlet que a melhor exegese da norma contida no artigo 5º, § 1º, de nossa

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Constituição é a que parte da premissa de que se trata de norma de cunho

inequivocamente principiológico, de caráter mandamental, estabelecendo aos

órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos

fundamentais, sem necessariamente entrar na discussão em torno das diferenças

entre regras e princípios que, para o autor, são espécies do gênero normas

jurídicas.69 Sarlet propugna, ainda, que, concernente aos direitos fundamentais, a

aplicabilidade imediata e eficácia plena assumem a condição de regra geral, uma

espécie de plenitude eficacial que, por motivos elementares (inclusive em face da

natureza principiológica da norma contida no artigo 5º, § 1º), não pode ser

absoluta.70 Em outras palavras, os direitos fundamentais possuem, relativamente às

demais normas constitucionais, maior aplicabilidade e eficácia, a despeito de

existirem eventuais distinções nessa graduação, dependendo da forma de sua

positivação, de seu objeto e da função que desempenham.

Embora a Constituição tenha deixado de estabelecer o rito processual para a

utilização do novel instituto, o Tribunal Federal de Recursos instituiu em seu

Regimento Interno normas procedimentais para o Mandado de Injunção, através do

ato nº 1.245, de 16.11.1988, a saber:

a) o registro da Ação far-se-á no Protocolo da Secretaria do Tribunal na classe

Petição, onde receberá numeração contínua e seriada;

b) o registro e a distribuição far-se-ão através de sistema eletrônico, com

designação das partes, respectivamente, como impetrante e impetrado;

69 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2006. p.282.70 Ibidem. p.282.

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c) quando de competência originária do Supremo, serão processados e julgados

pelo Tribunal Pleno e pelas Seções Especializadas;

d) no processo e julgamento dos Mandados de Injunção serão adotadas, no que

couberem, as normas previstas no Regimento Interno para o Mandado de

Segurança;

e) os processos de Mandado de Injunção terão prioridade sobre todos os atos

judiciais, salvo o habeas corpus, o mandado de segurança e o habeas data.

No que se refere à competência, são competentes para apreciar o Mandado

de Injunção, em instância originária:

1. O Supremo Tribunal Federal, quando a edição de norma regulamentadora for de

responsabilidade:

a) do Presidente da República;

b) do Congresso Nacional;

c) da Câmara dos Deputados;

d) do Senado Federal;

e) das mesas da Câmara ou do Senado;

f) do Tribunal de Contas da União;

g) d) de um dos Tribunais Superiores ou

h) do próprio Supremo Tribunal Federal.

2. O Superior Tribunal de Justiça, quando a edição da norma regulamentadora for

de responsabilidade:

a) de autoridades federais;

b) da Administração direta ou indireta não inserida na competência do STF, da

Justiça Federal, Militar, do Trabalho e Eleitoral.

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3. O Tribunal Superior do Trabalho, o Tribunal Superior Eleitoral, o Superior

Tribunal Militar e os Tribunais Regionais Federais, quando a edição da norma

regulamentadora for de responsabilidade:

a) de autoridades federais;

b) da Administração direta ou indireta, obedecidas a competência especializada

de cada órgão, o local onde deveria se dar a edição do texto ausente e a

pessoa ou entidade encarregada de editá-lo.

4. Os demais órgãos da Justiça Federal, Eleitoral, do Trabalho e Militar, obedecidas

a especialidade, o local da edição do ato e a pessoa ou entidade encarregada de

editá-lo.

5. A Justiça Estadual, por seus órgãos, quando a edição da norma regulamentar for

de responsabilidade de autoridades estaduais ou municipais, da Administração

direta ou indireta, ressalvada a competência especializada e observado o local

onde a edição do ato deveria ter lugar e a pessoa ou entidade encarregada de

editá-lo.

Em suma, o mandado de injunção possui tramitação idêntica ao de seu

congênere, o mandado de segurança. Porém, no que tange o cabimento de medida

liminar, não se vislumbra a hipótese em que a decisão final precise dessa medida,

pelo próprio objetivo do mandamus e da pertinência daquela.

Comungando desse entendimento, J.M. Othon Sidou afirma: “Em todo caso,

é de ter em mente que todas as garantias constitucionais têm ínsita, como

providência primária, a medida liminar. Seria o mandado de injunção o caso único de

exceção à regra.”71

71 SIDOU, J. M. Othon. op. cit. p.283.

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Finalmente, no que tange ao regime recursal, cabível no Mandado de

Injunção recurso ordinário, regido pela Lei nº 8.037, de 1990, mas improcedente o

recurso especial, por ser incabível em mandado de segurança (Lei nº 8.038, de 28

de maio de 1990, art. 30).

Procedem, quer no STF, quer no STJ, os recursos de agravo regimental, de

embargos de divergência, infringentes e de declaração, nos termos de seus

regimentos internos e só excepcionalmente é possível impetrar-se o recurso

extraordinário, em razão da peculiaridade do writ.72

72 SIDOU, J. M. Othon, op. cit., p. 283.

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2 TEORIA DA CONSTITUIÇÃO E HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

2.1 Da jurisprudência como técnica compreensiva

Este tópico destina-se a esclarecer como deve ser realizado (finalidade

prescritiva) o trabalho de um jurista ou operador (especialmente um juiz) em um

Estado Constitucional e Democrático de Direito, o que se mostrará, por diversas

razões, muito importante para a fundamentação de nossas conclusões sobre o

Mandado de Injunção, especialmente no que se refere aos limites e possibilidades

da concreção judicial do direito constitucional.

Como técnica de aplicação concreta do direito, a jurisprudência deve ser

entendida como um saber compreensivo, visando à determinação do significado das

disposições normativas, previamente identificadas como jurídicas, através de uma

interpretação hermeneuticamente73 orientada, bem como um saber construtivo, na

medida em que reconstrói o material normativo desenvolvendo um sistema unitário,

coerente e completo, apto a auxiliar na solução tanto de problemas expressamente

previstos quanto de casos nunca imaginados. Deve ainda ser entendida como um

saber valorativo, visto que a realização de juízos de valor é determinante para a

interpretação e justificação da obrigatoriedade do direito, ainda que não o seja para

sua identificação (positivismo conceitual).

73 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989:p.231-252: segundo este autor, “por ‘hermenêutica’ entendo aqui a doutrina sobre as condições depossibilidade e os modos específicos do <compreender em sentido estrito>, quer dizer, docompreender aquilo que é dotado de sentido enquanto tal, em contraposição ao <explicar> deobjectos sem ter em conta as referências de sentido. Se na metodologia jurídica se trata dos modosespecíficos de compreender referências de sentido jurídico, a hermenêutica geral, no sentidoapontado, constitui por sua vez a base da própria metodologia jurídica.”

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A interpretação do direito, como qualquer interpretação, busca extrair de um

objeto cultural o seu significado. Para tanto, deve-se partir de uma série de

conhecimentos prévios, e, seguindo um processo circular de esclarecimento

recíproco, orientado por determinadas pautas ou critérios, tendo sempre em foco as

conseqüências práticas reais de nossas interpretações, atingir o significado que

melhor se conforma com o conjunto normativo-valorativo em que está inserida a

disposição normativa interpretada.

O conjunto de tais conhecimentos que se deve possuir antecipadamente

sobre o objeto a interpretar, e que, em última análise, são condição de possibilidade

da interpretação, é denominado pela doutrina de pré-compreensão.74 É com base

nesses conhecimentos antecipados que o intérprete formará uma “conjectura de

sentido”75 acerca da norma, que lhe possibilitará dar início ao círculo hermenêutico

que, por sua vez, conduzirá ao significado. A pré-compreensão, portanto, é

indispensável para a descoberta do sentido do objeto interpretado, mas ela não é

determinante, no sentido de pré-estabelecer a interpretação ou, o que é pior, de

justificá-la.

De posse de tal conjetura de sentido, o intérprete ingressa no processo

interpretativo propriamente dito, configurado pelo “círculo hermenêutico de

esclarecimento recíproco”. Com a finalidade de elucidar esta afirmação,

indispensável a transcrição, por inteiro, das palavras de Karl Larenz:

Uma vez que o significado das palavras em cada caso só podeinferir-se da conexão de sentido do texto e este, por sua vez, emúltima análise, apenas do significado – que aqui seja pertinente – daspalavras que o formam e da combinação de palavras, então terá ointérprete – e, em geral, todo aquele que queira compreender um

74 LARENZ, Karl. op. cit. p.245-246.75 Ibidem. p.244.

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texto coerente ou um discurso – de, em relação a cada palavra,tomar em perspectiva previamente o sentido da frase por eleesperado e o sentido do texto no seu conjunto; e a partir daí, sempreque surjam dúvidas, retroceder ao significado da palavraprimeiramente aceite e, conforme o caso, rectificar este ou a suaulterior compreensão do texto, tanto quanto seja preciso, de modo aresultar uma concordância sem falhas. Para isso, terá que lançarmão, como controlo e auxiliares interpretativos, das mencionadas‘circunstâncias hermeneuticamente relevantes’.A imagem de um círculo não será adequada senão na medida emque não se trata de que o movimento circular do compreenderretorne pura e simplesmente ao seu ponto de partida – então tratar-se-ia de uma tautologia -, mas de que eleva a um novo estágio acompreensão do texto. Se o significado de uma palavra aceite emprimeira mão pelo intérprete não se adequa ao nexo do sentido dotexto, tal como este se vem a revelar ao intérprete no decurso doprocesso interpretativo, então o intérprete terá de rectificar a suaposição inicial; se os possíveis (aqui imagináveis) significados dapalavra revelam uma conexão de sentido diversa daquela queinicialmente o intérprete tinha conjecturado, este rectifica então a suaconjectura. O processo de olhar para a frente e para trás pode terque se repetir inúmeras vezes, mormente quando se tenha apenascontemplado uma parte do texto global – por exemplo, uma só fraseou parágrafo. Mesmo no caso em que se confirme plenamente aconjectura inicial de sentido, o intérprete já não estará situado nomesmo ponto, já que a sua mera suposição ou idéia se converte, deora em diante, em certeza. A conjectura de sentido tem o caráter deuma hipótese, que vem a ser confirmada mediante uma interpretaçãoconseguida.O processo de compreender tem o seu curso, deste modo, nãoapenas em uma direção, ‘linearmente’, como uma demonstraçãomatemática ou uma cadeia lógica de conclusões, mas em passosalternados, que têm por objectivo o esclarecimento recíproco de ummediante o outro.76

Se a presença de um momento de criatividade do intérprete do direito é

inevitável e, talvez, até mesmo, desejável, não o é uma ação criativa desregrada e

arbitrária. É possível, tecnicamente, evitar tal arbítrio, fundando nossa pré-

compreensão, como indica Larenz, na tradição da metodologia ocidental e

realizando o autocontrole de nossos preconceitos, utilizando-nos dos critérios

76 LARENZ, Karl. op. cit. p.242-243.

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hermenêuticos, e, principalmente, justificando todas as interpretações de maneira

racional, honesta e pública.77

A indispensabilidade da presença de elementos culturais – extrajurídicos –

portanto, dentre os conhecimentos que integrarão a pré-compreensão é,

evidentemente, mais significativa na interpretação das disposições constitucionais,

visto que estas últimas encontram-se naqueles que são os atos normativos

inaugurais de seus respectivos ordenamentos jurídicos, não podendo ser, portanto,

interpretadas a partir do restante do ordenamento jurídico que inauguraram, mas,

sim, imprimindo seu sentido normativo e valorativo em todo o complexo sistema

jurídico.

A importante presença de tais elementos extrajurídicos não deve significar o

arbítrio subjetivista do intérprete, visto que existem métodos para garantir padrões

significativos de objetividade. E, mais do que possível tecnicamente, esta

objetividade/racionalidade é uma exigência normativa vinculada à realização dos

objetivos centrais do Estado Democrático de Direito.

Neste sentido, é importante notar que a Teoria do Direito tem trazido

importantes contribuições para a técnica de fundamentação das decisões judiciais,

colocações que visam, por um lado, proporcionar instrumentos para o aplicador,

através de recursos que auxiliam na formulação de uma “boa” decisão, tanto no

aspecto de sua justiça/coerência, quanto no aprimoramento de sua capacidade

persuasiva (legalidade/legitimidade); e, por outro, tornar a decisão suscetível de

análise intersubjetiva, buscando a sua controlabilidade (legalidade/controle),

recursos, que, certamente, diminuem o arbítrio e aumentam a legitimidade.78

77 LARENZ, Karl. op. cit. p.294.78 Ibidem. p. 161 e ss.

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2.2 A concepção adequada de uma Constituição como pré-compreensãocontrolada

Como já dito, todo labor compreensivo, toda atividade interpretativa de

descoberta de um sentido, pressupõe uma série de conhecimentos acerca do objeto

a ser interpretado, a assim chamada pré-compreensão.

Asseverar a presença e o papel da pré-compreensão no processo

interpretativo não implica, como poderia parecer, recomendar o seu uso, e nem,

tampouco, recriminar-lhe. Trata-se de um juízo descritivo, ou seja, é apenas o

reconhecimento de que todo aquele que interpreta inevitavelmente fará uso de uma

série, maior ou menor, de conhecimentos acerca do objeto interpretado, que já

possuía antes do início da interpretação.

Este conjunto de conhecimentos prévios necessários para a interpretação

constitucional (pré-compreensão constitucional) organiza-se em torno de uma

macrovisão acerca da Constituição, concernente, basicamente, a seu status

normativo, sua função e sua relação com valores morais, três aspectos intimamente

relacionados. São, justamente, essas idéias essenciais sobre a Constituição que se

convencionou chamar de concepções de Constituição.

Segundo José Joaquim Gomes Canotilho, toda e qualquer Teoria da

Constituição terá de desenvolver-se em três diferentes, mas intrinsecamente

interconectadas, esferas: a esfera política, a “científica” e a crítico-normativa.79

79 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:Almedina, 1998. p.1187-1189.

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À esfera política, segundo o autor supracitado, corresponde a função de

“compreender a ordenação constitucional do político, através da análise, discussão e

crítica da força normativa, possibilidades e limites do direito constitucional”. Percebe-

se que tal função só será cumprida com o apoio de disciplinas científico-sociais,

como a Sociologia e a Ciência Política, mas, é importante ressaltar que tais ciências

deverão responder a determinadas questões (limites e possibilidades da força

normativa). Todo processo de obtenção de conhecimento acha-se pautado por

perguntas que lhe são anteriores – propostas por Canotilho, pois este já parte de

uma concepção prévia, que procura encontrar normatividade na Constituição

(questão do status normativo).

Por sua vez, à esfera “científica” cumpre “descrever, explicar e refutar os

fundamentos, idéias, postulados, construção, estrutura e métodos (dogmática) do

direito constitucional.”80

Ainda que os dois aspectos anteriores já possuam uma carga eminentemente

crítica, Canotilho agrega mais uma função à Teoria da Constituição, denominando-a

“teoria crítica e normativa da constituição” e atribuindo-lhe um triplo sentido:

(1) como instância crítica das soluções constituintes consagradasnas leis fundamentais e das propostas avançadas para a criação deuma constituição nos momentos constitucionais; (2) como fonte dedescoberta das decisões, princípios, regras e alternativas, acolhidaspelos vários modelos constitucionais; (3) como filtro deracionalização das pré-compreensões do intérprete das normasconstitucionais procurando evitar que os seus prejuízos e pré-conceitos jurídicos, filosóficos, ideológicos, religiosos e éticosafectem a racionalidade e razoabilidade indispensáveis à observaçãoda rede de complexidade do estado de direito democrático-constitucional.81

80 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., 1998. p.1187-1189.81 Ibidem. p.1187-1189 (grifos do autor)

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Conclusivamente, à Teoria da Constituição cumpre, simultaneamente, as

fundamentais tarefas de construir a pré-compreensão e realizar o seu controle. Ou

seja, a Teoria da Constituição deverá contribuir para o estabelecimento deste

conhecimento prévio – empírico, analítico-normativo e valorativo – indispensável

para o início da interpretação e deverá, também, reconstruir sistematicamente, de

modo crítico, todo o conhecimento prévio existente sobre a Constituição, de modo a

evitar a irracionalidade e o arbítrio subjetivista.

Daí que, todo aquele que pretenda realmente compreender uma Constituição

terá que partir de uma Teoria da Constituição que seja adequada para o seu

verdadeiro entendimento.

É a necessidade de compatibilizar a defesa dos direitos de liberdade, com o

pluralismo e a Democracia que constituirá o verdadeiro desafio do constitucionalismo

do pós-Segunda Guerra mundial, a institucionalização jurídico-política de um Estado

que seja, simultaneamente, governado por Leis e pelos Homens.

Portanto, como, obviamente, os primeiros passos para a interpretação do

Mandado de Injunção devem ser dados mediante a compreensão da nossa

Constituição vigente, passa-se a abordar, ainda que com brevidade, seus principais

aspectos, dentre eles aqueles concernentes ao que se convencionou chamar-se

Estado Constitucional e Democrático contemporâneo, que, sem dúvida, orienta

nossa Carta Magna.

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2.3 Do Estado Democrático de Direito como elemento central das concepçõesde constituição atuais

A expressão Estado Democrático de Direito, como é de conhecimento geral,

foi cunhada pelo espanhol Elias Dias, para significar um Estado simultaneamente

socialista e democrático, um “socialismo na democracia”.82 Todavia, Manoel

Gonçalves Ferreira Filho discorda de José Afonso da Silva, quando este teria

afirmado que foi nessa acepção que a expressão teria sido adotada pelo

Constituinte de 1988, como Estado em processo de transição democrática para o

socialismo, pois para Ferreira Filho:

[...] esta orientação socialista a ser impressa ao estado de Direito nãofoi sequer objeto de cogitação nos debates da Constituinte. Não hádúvida alguma que a expressão ‘Estado Democrático de Direito’ nãofoi votada pelo constituinte brasileiro com a intenção de designar osocialismo na Constituição ou na democracia pátria.83

De fato, tal afirmação pode ser facilmente confirmada por uma simples leitura

dos Princípios Fundamentais (cidadania, dignidade da pessoa humana, valorização

da livre iniciativa, pluralismo), da relação de Direitos Fundamentais (garantia do

direito fundamental da propriedade, assim como da liberdade de consumo e da

escolha profissional), da Ordem Econômica (livre iniciativa, finalidade de assegurar a

todos existência digna, propriedade privada dos meios de produção, livre

concorrência, liberdade de empresa, intervenção econômica estatal apenas em

situações excepcionais e, por fim, planejamento econômico com força apenas

indicativa para o setor privado) ou dos limites materiais ao poder de reforma (artigo

82 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. SãoPaulo: Saraiva, 2000. p.18.83 Ibidem. p.18.

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60, § 4º, IV – direitos e garantias individuais, entre os quais a liberdade de empresa,

a liberdade de trabalho, ofício ou profissão, a liberdade de consumo e a propriedade

privada) da CRFB/88, que claramente apontam a impossibilidade do

estabelecimento, por meio de um processo democrático, do socialismo no Brasil.

Na verdade, a referida expressão significa, apenas, a necessária junção dos

mecanismos institucionais e dos valores do Estado Democrático e do Estado de

Direito no seio de um verdadeiro Estado Constitucional.

Parece claro, portanto, que a expressão: Estado Democrático de Direito,

procura traduzir o maior dos desafios do Estado Constitucional contemporâneo:

compatibilizar a idéia de Governo das Leis em sua plenitude (Estado de Direito e

Rule of Law) com a de Governos dos Homens em sua plenitude (Democracia).

Não é outra a interpretação de José Joaquim Gomes Canotilho ao afirmar

que:

O Estado constitucional é ‘mais’ do que Estado de direito. Oelemento democrático não foi apenas introduzido para ‘travar’ opoder (to check the power); foi também reclamado pela necessidadede legitimação do mesmo poder (to legitimize State power). Sequisermos um Estado constitucional assente em fundamentos nãometafísicos, temos de distinguir claramente duas coisas: (1) uma é alegitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo delegislação no sistema jurídico; (2) outra é a da legitimidade de umaordem de domínio e da legitimação do exercício do poder político. OEstado ‘impolítico’ do Estado de direito não dá resposta a este últimoproblema: donde vem o poder. Só o princípio da soberania popularsegundo o qual ‘todo o poder vem do povo’ assegura e garante odireito à igual participação na formação democrática da vontadepopular. Assim, o princípio da soberania popular concretizadosegundo procedimento juridicamente regulados serve de ‘charneira’entre o ‘Estado de direito” e o ‘Estado democrático” possibilitando acompreensão da moderna fórmula Estado de direito democrático.84

84 CANOTILHO, José Joaquim Gomes.op.cit., 1998. p.93-94. (grifos do autor)

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Tal compatibilização, verdadeiro desafio (tanto teórico, quanto prático) do

Constitucionalismo contemporâneo, deverá, ainda, atentar para o fato de que o

Estado de Direito de que aqui se fala é o Estado Constitucional de Direito, e não

apenas o Estado Legal de Direito, entendido o primeiro como o verdadeiro e efetivo

primado da Lei como fonte de direito, como meio de regulação social, elaborada pelo

Poder Legislativo, com a conseqüente submissão a ela do Poder Executivo

(Administração) e do Poder Judiciário (juízes).85

Esse Estado Constitucional de Direito se caracteriza, basicamente, por

possuir uma Constituição verdadeira e integralmente normativa (fonte vinculante de

direito e de direitos) e globalmente suprema, subordinando a todos os poderes

estatais, inclusive o Poder Legislativo. E mais: destronando a Lei como norma

primaz do ordenamento, no mesmo momento em que entroniza a Constituição.

Mas afirmar que a Constituição subordina a todos os Poderes estatais

somente constituirá uma afirmativa verdadeira se, além da rigidez constitucional, for

institucionalizado o controle de constitucionalidade, um procedimento efetivo de

verificação da compatibilidade dos atos exarados pelos referidos poderes, inclusive

as leis, com a Constituição, com a conseqüente limpeza do ordenamento jurídico

mediante a expulsão do ato violador (anulação) ou o reconhecimento de que o vício

do suposto ato determinou que o mesmo nunca tenha adquirido real validade

(declaração de nulidade).

Além disso, deverá também dispor de um mecanismo de defesa com vistas a

garantir a obediência a seus comandos, objetivando conferir efetividade aos seus

85 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de Direito e Constituição. São Paulo: Saraiva,1988, p.4.

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propósitos e dar concretude a seus princípios, visto que se descumpre a

Constituição não apenas por ação, mas, igualmente, por uma atitude negativa dos

que são incumbidos constitucionalmente para atuar e agir, com o propósito de tornar

efetivos alguns preceitos da Carta Magna.86

De outro lado, o Estado Constitucional de Direito deverá ser associado com a

Democracia, de modo que os governantes, limitados constitucionalmente

(normatividade e supremacia constitucionais, assegurada pelo controle de

constitucionalidade) e fiscais uns dos outros (divisão de poderes), sejam escolhidos

e vigiados pelo destinatário do poder político, o que assegurará maior controle do

governo e a sua, ao menos parcial, legitimação.87

Esta supremacia constitucional, no entanto, somente será verdadeira e efetiva

se for imposta até mesmo contra as decisões tomadas mediante os procedimentos

da democracia. Ou seja, os desejos da maioria do povo e/ou de seus

representantes, devem sucumbir diante dos imperativos da supremacia

constitucional, o que se operacionaliza através da rigidez constitucional e do controle

de constitucionalidade.

A estas idéias, agrega-se, nas sociedades ocidentais contemporâneas, entre

as quais se encontra nosso país, o fato, sociologicamente verificável, da existência,

na atualidade, de diversas ideologias, no sentido de macrovisões valorativas, na

86 VELOSO, Zeno, Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2000,p.247.87 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., 1998. p.92: o autor explica que “O Estadoconstitucional é, assim, e em primeiro lugar, o Estado com uma constituição limitadora do poderatravés do império do direito. As idéias do ‘governo de leis e não de homens’, de ‘Estado submetidoao direito’, de ‘constituição como vinculação jurídica do poder’ foram, como vimos, tendencialmenterealizadas por institutos como os de rule of law, due process of law, Rechsstaat, príncipe de lalégalité. No entanto, alguma coisa faltava ao Estado de direito constitucional – a legitimidadedemocrática do poder.”

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busca de um lugar ao sol no plano político, noção que pode ser sintetizada na

expressão “pluralismo”.88

Assim, com base na normatividade constitucional, defesa de valores (limites e

fins do Estado) e pluralismo político, constroem-se as principais concepções de

constituição da atualidade, eventuais postulantes da institucionalização de um

Estado Democrático de Direito, como o estabelecido pela CRFB/88.

Na mesma medida em que a CRFB/88 abriga uma série de opções

valorativas, estabelecedoras de limites e orientações teleológicas, ela abre um

espaço do juridicamente possível para a livre decisão democrática, caracterizando-

se, claramente, como uma Constituição Pluralista, instituidora de um verdadeiro

Estado Constitucional e Democrático de Direito, à qual cumpre o estabelecimento e

a garantia efetiva de alguns valores essenciais, associados ao liberalismo político, e

que estes precisam ser compatibilizados com o processo democrático de tomada de

decisões políticas (natureza, relação com os valores e função da Constituição).89

O que se busca, na verdade, é compatibilizar a real normatividade e

supremacia constitucional, com a constitucionalização de valores e com a

Democracia, nem tão aberta que rejeite as conquistas do liberalismo (direitos e

garantias individuais e garantias institucionais), nem tão fechada que esvazie a

Democracia. Esta é a regra da Constituição Pluralista, na busca da construção

normativa de um verdadeiro e efetivo Estado Democrático de Direito.90

Assim, tal tipo constitucional, inserido na tradição do liberalismo político,

compreende que, ainda que seja a principal forma consensualmente admitida de

88 SILVA, José Afonso, 2006, op. cit., p.143.89 Ibidem, p.146.90 Ibidem, p.119.

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legitimação do poder político, a Democracia só é possível se são preservadas

determinadas regras do jogo, dentre as quais se incluem diversos direitos liberais, e

só tem valor se encontra limites na proteção dos direitos fundamentais da pessoa

humana.

A partir desta identificação da CRFB/88 como Constituição tipicamente

Pluralista permite-se construir, de modo controlado, toda uma pré-compreensão do

processo de extração de sentido de qualquer de seus dispositivos, máxime daqueles

concernentes ao Mandado de Injunção, alvo deste trabalho.

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3 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICABILIDADE DAS NORMASCONSTITUCIONAIS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DOBRASIL DE 1988

De início, é necessário fixar-se que todas as normas constitucionais são

verdadeiras normas jurídicas dotadas de aplicabilidade e que desempenham uma

determinada função no ordenamento, autorizando ao lesado pela sua violação exigir

seu cumprimento ou a reparação pelo mal causado.

Somente pode ser aplicada aquela norma que é eficaz, que possui todos os

requisitos para produzir efeitos práticos na realidade concreta, que sai, enfim, da

abstração de si mesma para surtir efeitos na vida do cidadão que busca pelo direito

subjetivo.

Para a elucidação das características de validade e eficácia das disposições

constitucionais, este trabalho leva em consideração a sua realização prática, no

sentido de obediência pelos destinatários, o que se convencionou denominar-se

eficácia social.

O conceito jurídico de validez está intrinsecamente vinculado à sua validez

social. Com efeito, assinala Robert Alexy que:

Si um sistema de normas o uma norma no tiene nínguna validezsocial, es decir, no logra la menor eficácia social, este sistema denormas o esta norma tampoco puede valer juridicamente. Elconcepto de validez jurídica incluye, pues, necesariamente tambiénelementos de la validez social. Si tan solo incluye elementos de lavalidez social, se trata de um concepto positivista de la validezjurídica; si abarca también elementos de la validez moral, de umconcepto no positivista de la validez jurídica.91

91 ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gedisa, 1997a. p.89.

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Portanto, válida é a norma editada de acordo com o sistema jurídico a que

pertence, ou seja, a norma coesa, não contraditória com as demais normas do

sistema, e que observa os requisitos de natureza subjetiva e objetiva, e também

deve exprimir a experiência social de um comportamento obrigatório, pois uma

norma vale se for efetivamente obedecida, uma vez que é vivida como socialmente

obrigatória pelo juiz e por outras autoridades jurídicas, ao aplicarem o Direito. O

requisito essencial da eficácia social é a efetividade da aplicação jurídica, que se

verifica quando a norma, com potencialidade para regular certas situações, é

realmente aplicada a casos concretos.92 Portanto, a norma constitucional eficaz

“seria a efetivamente obedecida.”93

Em suma, a norma constitucional deve ser um reflexo da situação fática

existente, livre de qualquer oposição entre o social e o jurídico, o que poderia levá-la

à sua ineficácia semântica por ausência de uma desejável ressonância na

sociedade, por ser inaplicada pelo órgão competente.94

Todavia, nem toda norma jurídica válida é socialmente eficaz, no sentido de

que sua força significativa realiza-se socialmente por meio de cumprimento

voluntário e coercitivo. Assim, é imperioso precisar quais são os outros elementos

que devem se vincular à norma em questão, no caso a constitucional, para que esta

possa atingir aquele que é, certamente, o seu fim, ou seja, realizar-se

concretamente, de modo que as condutas sociais sejam conformes à sua prescrição.

92 MENEGHELLI, Ruggero. Il problema dell’effettività nella teoria della validità giuridica. Revista diDiritto Civile. Padova: CEDAM, 1964. p.56.93 ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972. passim.94 CALERA, Nicolas Maria Lopez. La estructura lógico-real de la norma jurídica. Madrid: Istmo,1969. p.26.

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Parte desses elementos possui natureza social, econômica, política e/ou

cultural, referente, portanto, a circunstâncias extranormativas, relativas à inexistência

dos elementos fáticos de que depende a conduta (inexistência dos meios materiais

necessários para cumpri-la), ou, à existência de uma profunda contrariedade dos

destinatários a seu conteúdo ou a sua legitimidade, ou, ainda, à ineficiência do

aparato estatal de fiscalização e punição. Todas estas questões são marcantemente

relevantes para um profundo estudo da eficácia social das normas jurídicas e, em

especial, da “força normativa”95 de uma Constituição, mas este trabalho não as

abordará. Pretende-se, apenas, esclarecer quais as condições própria e

exclusivamente jurídicas – estruturais ou normativas – de que depende a eficácia de

uma norma jurídica válida.

Primeiramente, devemos dizer que quando se fala de eficácia da norma

jurídica é necessário fazer uma distinção entre a eficácia jurídico-formal, ocorrente

no mundo das normas, onde impera o dever-ser, e eficácia social, que sucede no

mundo social onde impera o ser.96 A primeira significa “que a norma está apta a

produzir efeitos na ocorrência de situações concretas: mas já produz efeitos jurídicos

na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas

95 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris editor, 1991, p.19.96 ZAVASCKI, Teori Albino. Defesa de direitos coletivos e defesa coletiva de direitos. Revista deInformação Legislativa. Brasília: Senado Federal, 1995. p.83-96: entende este autor que “Nalinguagem jurídica, quando se fala em eficácia das normas, é possível dar a essa expressão doissentidos bem distintos. Vista como fenômeno puramente abstrato, eficácia é a aptidão da norma paragerar efeitos no mundo jurídico. Nesse sentido, ‘a eficácia da norma jurídica é a sua incidência’ e esta‘se passa no mundo dos pensamentos’, ensina Pontes de Miranda. ‘Eficácia jurídica é a que seproduz no mundo do direito, como decorrência dos fatos jurídicos, e não, segundo ele, a mudançaque atua nas relações jurídicas’.Mas há um segundo sentido para a expressão: o que designa aptidãoda norma jurídica para produzir efeitos na realidade social, ou seja, para produzir, concretamente,condutas sociais compatíveis com as determinações constantes do preceito normativo. Aqui, aeficácia é fenômeno que se passa, não no plano puramente formal, mas no mundo dos fatos, e porisso mesmo é denominada eficácia social ou efetividade.”

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anteriores que com ela conflitam.”97 Por sua vez, “a eficácia social se verifica na

hipótese de a norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas

relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos.”98

Assim, entre a validade, como simples pertença formal da norma a um dado

ordenamento, e a eficácia social, como sua realização concreta, há uma etapa que a

norma deve cumprir, ainda, no mundo das normas – dependentes de condições

estruturais intrínsecas à norma e de condições normativas a ela impostas por outras

normas – a que se convencionou chamar-se eficácia jurídico-formal.

Uma norma, pelo simples fato de ser válida, não produz qualquer efeito, nem

mesmo efeitos jurídico-formais. Para que esta venha a produzir algum efeito, é

necessário que agregue mais uma característica, a qual costuma ser chamada de

vigência. Vigência, então, é a qualidade da norma que significa que ela pode atuar

para produzir efeitos concretos, já produzindo, no entanto, efeitos jurídicos.99 A

vigência de uma norma depende do cumprimento de determinadas condições de

caráter temporal que independem da própria norma, sendo-lhe “impostas” por outras

normas.100

97 TEMER, Michel. op. cit., 2001. p.23.98 Ibidem. p.23.99 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 2001.p.193-194.100 MACHADO, Hugo de Brito. Vigência e eficácia da Lei. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense,1991. p.46/47: explica o autor que “A vigência decorre de determinação de norma integrante doordenamento, que pode ser veiculada pela própria lei (por isso mesmo uma lei pode ser válida e nãoser vigente). No período que vai da publicação até o início da vigência, a lei certamente ainda não évigente, embora tenha validade técnico-formal.” E, mais adiante, que “Não se deve confundir,outrossim, a vigência com o período de vigência da lei, embora a palavra vigência também designe talperíodo. A vida, como atributo do homem, não se confunde com a sua duração, com a sua dimensãotemporal.”

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Em outras palavras, a vigência constitui verdadeira condição de possibilidade

da eficácia jurídico-formal. Enquanto a existência da eficácia jurídico-formal de uma

norma jurídica – e com ela, obviamente, a revogação de normas anteriores

incompatíveis (salvo as superiores), a influência interpretativa oriunda da inter-

relação normativa e o bloqueio jurídico à criação de normas inferiores incompatíveis

– decorrem, integralmente, de sua vigência, a possibilidade de efetiva aplicação da

norma a casos concretos, vinculada a sua eficácia-social, depende de uma outra

condição, resultante da própria estrutura e natureza da norma, costumeiramente,

ainda, que imprecisamente, chamada de aplicabilidade.101

Ou, de forma mais clara, a aplicação de uma norma depende desta possuir

eficácia jurídico-formal – sendo indispensável, assim, que a mesma possua vigência,

a qual deriva de uma outra disposição normativa que ordene o diferimento ou

imediatidade de seus efeitos – garantindo-se, desta forma, que qualquer norma

vigente produzirá algum efeito, ainda que este seja apenas jurídico-formal,

circunscrito ao mundo do dever-ser. Mas o tipo/grau do efeito produzido dependerá

de uma outra condição, decorrente da estrutura analítica (interna e ontológica) da

norma.102

Segundo sua estrutura, uma norma pode ser completa, no sentido de não

necessitar qualquer regulamentação para sua aplicação a um caso concreto, ou

101 É evidente que a expressão aplicabilidade deveria se referir simplesmente à possibilidade(capacidade, potencialidade) de aplicação da norma, mas, geralmente, sob esse título estudam-sesomente os diferentes níveis de aplicação consoante a estrutura e densidade da norma, deixando-sede lado o estudo das questões vinculadas à vigência (se a norma é imediatamente aplicável ou sesua aplicação é diferida em razão de outra norma). Para os fins deste trabalho, tratar-se-á do tema daaplicabilidade nesta acepção mais estrita do termo, visto ser a mais condizente com o típico uso queda expressão fazem os autores nacionais.102 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros,2007. p.216.

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incompleta, quando necessitará de algo mais, que poderá restringir-se, apenas, a

uma regulamentação normativa, legislativa ou não, ou até mesmo de outras

condições adicionais, extra-regulamentares, de modo a poder conformar uma

situação social concreta.

Como já assente neste trabalho, todas as normas constitucionais válidas e

vigentes produzem efeitos jurídicos e poderão, em alguma medida, ser aplicadas.

Assim, claro está que a possibilidade de aplicação de uma norma jurídica

(válida, obviamente) será determinada, em termos absolutos, pela sua vigência, e,

em termos relativos, pela sua estrutura e densidade normativa, o que se

convencionou chamar de aplicabilidade.

Diversas são as classificações das normas constitucionais quanto à

aplicabilidade.

José Afonso da Silva defende que as normas constitucionais quanto à sua

capacidade de aplicação podem ser diretivas ou programáticas, quando dirigidas

essencialmente ao legislador; normas preceptivas, obrigatórias, de aplicabilidade

imediata e normas preceptivas, obrigatórias, mas não de aplicabilidade imediata.103

Reconhece, ainda, uma tríplice característica das normas constitucionais

quanto à eficácia e aplicabilidade, discriminando-as em normas constitucionais de

eficácia plena e aplicabilidade imediata (produzem – ou podem produzir – seus

efeitos desde a entrada em vigor da Constituição); normas constitucionais de

eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas passíveis de restrição ((igualmente

produzem – ou podem produzir – todos os seus efeitos desde a entrada em vigor da

Constituição, mas é permitido ao legislador ordinário que limite alguns dos seus

103 SILVA, José Afonso da. op. cit., 2007. p.80.

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efeitos, sob cercas circunstâncias) e normas constitucionais de eficácia limitada ou

reduzida de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque:

Só incidem totalmente sobre esses interesses após umanormatividade ulterior que lhes desenvolva a eficácia, conquantotenham uma incidência reduzida e surtam outros efeitos nãoessenciais, ou melhor, não dirigidos aos valores-fins da norma, masapenas a certos valores-meios e condicionantes.104

As normas de eficácia limitada, na classificação de Silva, abrangem as

normas definidoras de princípios institutivos ou organizativos e as normas

definidoras de princípios programáticos.

As normas institutivas dependem de lei para constituir órgãos e instituições

previstos pela Constituição, cuja feição definitiva depende da atuação do legislador

ordinário.

Por sua vez, as normas programáticas versam sobre matéria eminentemente

ético-social, impondo aos órgãos estatais verdadeiros programas constitucionais de

ação social, visando ao bem-comum.

Outra classificação que merece ser lembrada é aquela proposta por Jorge

Miranda, que se baseia na combinação de duas diferenciações assentadas em

distintos aspectos normativos, a saber: a primeira entre normas programáticas e

normas preceptivas, e a segunda, entre normas exeqüíveis por si mesmas e não

exeqüíveis por si mesmas.105

Os dois critérios, ainda que diferentes, podem ser combinados para gerar

uma classificação global, composta por três tipos diferentes de normas

constitucionais quanto à aplicabilidade: 1) as preceptivas exeqüíveis por si mesmas;

104 SILVA, José Afonso da. op. cit., 2007. p.83.105 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. p.246.

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2) as preceptivas não exeqüíveis por si mesmas; e, 3) as programáticas, que serão,

sempre, não exeqüíveis por si mesmas.

As normas completas, que dispensam qualquer regulamentação para que

possam incidir em situações fáticas, são as exeqüíveis por si mesmas, enquanto que

aquelas que necessitam dessa regulamentação para que possam obter eficácia

social são as não exeqüíveis por si mesmas.

Nas preceptivas exeqüíveis por si mesmas, nada é exigido do Estado

(Legislador ou Administrador) para que esta possa se tornar aplicável. Ela é, como já

dito, bastante em si para incidir, permitindo sua aplicação e, conseqüentemente,

eficácia social.

As preceptivas não exeqüíveis por si mesmas necessitam de regulamentação

para que possam desenvolver-se com plenitude. Sem a regulamentação sua

aplicação resta muito limitada, ainda que possa produzir efeitos jurídicos, com

marcantes prejuízos para sua eficácia social. Mas, o essencial aqui é ressaltar que a

regulamentação é suficiente, e que, uma vez realizada a regulamentação, a norma

preceptiva não exeqüível por si mesma será capaz de aplicação integral.

As normas programáticas, por sua vez, também dependem de

regulamentação para que possam ser aplicadas, mas aqui, diferentemente das

preceptivas não exeqüíveis por si mesmas, esta regulamentação não será suficiente.

As normas programáticas distinguem-se, portanto, das preceptivas não exeqüíveis

por si mesmas por

Exigirem mais do que isso, exigirem não só a lei como providênciasadministrativas e operações materiais. As normas não exeqüíveis porsi mesmas preceptivas dependem apenas de factores jurídicos e de

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decisões políticas; as normas programáticas dependem ainda (esobretudo) de factores econômicos e sociais.106

3.1 A disposição do artigo 5º, § 1º, da Constituição de República Federativa doBrasil de 1988

A partir do que restou assentado acima, pode ser dito que toda norma

constitucional é igualmente válida, mas que a sua eficácia social, como a de

qualquer norma jurídica, dependerá de condições fáticas e normativas. Estas últimas

associam-se ao que se convencionou chamar de eficácia jurídico-formal. Esta, por

sua vez, dependerá do cumprimento pela norma de eventuais exigências de caráter

temporal – termo ou circunstância – de modo que a mesma torne-se vigente, sem as

quais restará impedido o desenvolvimento de sua eficácia jurídico-formal e, por

conseguinte, sua aplicação a casos concretos. Contudo, ainda que toda norma

vigente seja suscetível de aplicação, seus efeitos concretos dependerão, além das

circunstâncias fáticas supra-referidas, de sua estrutura interna e densidade. Ou seja,

se para ser aplicável, basta que a norma seja vigente, diferente serão seus efeitos

de acordo com sua aplicabilidade, elemento que só depende da própria norma,

sendo-lhe inerente, ontológico.

Se a aplicabilidade de uma norma depende, como já se afirmou neste

trabalho, exclusivamente de sua estrutura e densidade, o mesmo não se pode dizer

de seus efeitos jurídico-formais, que podem ser diferidos por outra norma –

suspensão da vigência – ou tornados imediatos.

106 MIRANDA, Jorge. op. cit., 1991. p.248.

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É este, e apenas este, o sentido da disposição contida no artigo 5º, § 1º da

CRFB/88. “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm

aplicação imediata”.

Portanto, a questão da “aplicação imediata” das normas definidoras de

direitos e garantias fundamentais é questão diversa da relativa à sua auto-

aplicabilidade.

A norma que determina a “aplicação imediata” não pretende, o que não seria

possível, como bem aponta Manoel Gonçalves Ferreira Filho107, influir na estrutura

interna das normas instituidoras de direitos e garantias fundamentais. Pretende, isto

sim, determinar a imediata (instantânea) aplicação das normas que os definem. A

palavra “imediata”, aqui, quer significar direta, no sentido de independente de

regulamentação, mas “neste mesmo instante” (o contrário de diferida, não de

indireta).

Frise-se, se uma norma constitucional é incompleta (não exeqüível por si

mesma), ela não pode ser convertida em uma norma completa (exeqüível por si

mesma), nem mesmo por meio de um processo de emenda (artigo 60), no qual ela

seja alterada, mediante a inclusão de todos os elementos nela faltantes, pois, neste

caso teríamos uma nova norma e não mais a norma antiga que se dizia não

exeqüível por si mesma.

Não é possível transformar uma norma incompleta em completa por força de

uma disposição normativa, ainda que constitucional.108 Sendo assim, quando

analisamos o que uma norma pode fazer para influir na aplicação de uma outra, sem

107 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. op. cit., 2001. p.84.108 Ibidem. p.87: o autor acredita que, “Ora, tornar auto-executável norma incompleta é contrariar anatureza das coisas.”

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alterar o conteúdo desta outra disposição normativa a que se refere, somente duas

alternativas reais existem: 1) a norma analisada dispensa a regulamentação

legislativa, permitindo a regulamentação judicial, administrativa ou convencional, o

que não transforma a natureza da norma tornando-a diretamente aplicável; ou, 2) a

norma analisada determina que, ainda que não exeqüível por si mesma, a norma

deve ser aplicada imediatamente, no sentido de neste mesmo instante.

No primeiro caso, uma norma, a que tem por fim dispensar a regulamentação

legislativa, possibilitará a eficácia social da outra norma, a incompleta, sem alterar

sua aplicabilidade. Mas a aplicação não será, de nenhum modo, imediata, no sentido

de direta, ou seja, sem mediação normativa. Nesta hipótese, a aplicação também

seria intermediada por uma regulamentação, contudo, haveria uma diferença, visto

que esta regulamentação teria um criador diferente do usual (o Legislador), a saber:

o Poder Judiciário ou o Poder Executivo.

Esta interpretação é, portanto, incompatível com o texto do parágrafo primeiro

do artigo 5º da CRFB/88, visto que nesta alternativa interpretativa a noção de

“aplicação imediata”, refletida no texto do referido dispositivo constitucional, carece

de qualquer sentido, pois o efeito da norma imaginada por esta hipótese

interpretativa nada tem a ver com imediatidade, no sentido de sem intermediação

regulamentar ou de instantaneidade (sentido da segunda hipótese interpretativa).109

Resta-nos, portanto, avaliar a segunda alternativa interpretativa. Aquela que

determina a aplicação imediata, instantânea, da norma constitucional, ou seja,

determina que a norma afetada seja aplicada sem qualquer delonga (passagem

temporal). Neste caso, a norma analisada atingiria, diretamente, a eficácia jurídica

109 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. p.281.

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da norma incompleta a que se refere, determinando sua vigência instantânea, ainda

que respeitando seu limitado grau de aplicabilidade.

Parece que a segunda interpretação é a única que confere um sentido

possível para a disposição ora analisada (artigo 5º, § 1º, da CRFB/88), dando

significado para a expressão “aplicação imediata”. Segundo esta interpretação

aplicação imediata significa uma determinação para que os aplicadores do direito

confiram aplicação às normas definidoras de direitos fundamentais desde a

promulgação da Constituição, instantaneamente.110

3.2 Breves notas sobre os direitos constitucionais

É somente com o advento do Estado Constitucional de Direito que alguns dos

direitos de liberdade, em razão de sua fundamental importância, ganharam guarida

nas Constituições normativas e supremas, podendo ser assegurados, inclusive,

contra o Legislador, por meio de limites materiais à sua ação (garantias-barreiras),

da jurisdição constitucional das liberdades (garantias procedimentais) e do

adequado arranjo das instituições políticas (garantias institucionais).

Apenas quando se tornaram verdadeiros direitos subjetivos constitucionais, as

liberdades protegidas puderam gozar de proteção geral e absoluta. Trata-se, agora,

de direitos que são liberdades e que residem na Constituição. Verdadeiros direitos-

liberdades constitucionais.

Se existem direitos constitucionais previstos em normas que são completas e

que dispensam regulamentação para o pleno exercício dos direitos que conferem,

110 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. p.283-284. (grifo nosso).

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existem outros, e não são poucos, que necessitam de tal regulamentação, que será

suficiente para viabilizá-los.

No entanto, existem, também, direitos constitucionais previstos em normas

programáticas que exigem para a viabilização do exercício dos direitos que estatuem

mais do que regulamentações. Exigem, sim, regulamentações, mas estas não são

suficientes para viabilizar o seu exercício, pois elas exigem, por sua vez, atos

administrativos materiais de prestação, nos quais o Estado faz ou dá algo para o

titular do direito. Estes são os, assim denominados, direitos sociais111, uma

subespécie dos direitos a ações positivas fáticas.

Tais direitos, chamados de “direitos sociais”, são conceituados por Robert

Alexy como: “direitos do indivíduo frente ao Estado a algo que – se o indivíduo

possuísse meios financeiros suficientes e se encontrasse no mercado oferta

suficiente – poderia obtê-lo, também, de particulares.”112

Realizados esses esclarecimentos, é possível, agora, se aproximar um pouco

mais da melhor interpretação da disposição que estabelece o Mandado de Injunção,

visto que os direitos que ele tutela devem, de acordo com a expressa disposição do

artigo 5º, LXXI, estar com a viabilidade de exercício obstaculizada pela inexistência

de norma regulamentadora, não carecendo de nada menos que esta

regulamentação, nem, tampouco, nada a mais.

111 O nome, como se vê, é impróprio, visto que faz parecer que os outros direitos existentes não sãosociais, como se o Direito, e, por conseguinte, os direitos não fossem sempre “sociais”.112 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de EstudiosConstitucionales, 1997b. p.482. (Tradução livre).

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3.3 Lacunas legais e omissões inconstitucionais

Na medida em que alguns direitos constitucionais necessitam de

regulamentação infraconstitucional para que seu exercício seja viável, é necessário

tratar da possibilidade de inexistência desta regulamentação, isto é, da ausência de

uma norma regulamentadora que deveria existir para viabilizar o exercício de um

direito constitucional.

A existência de lacunas é antes uma característica inerente ao próprio

ordenamento jurídico de um Estado de Direito, em razão da impossibilidade de se

prever todas as situações faticamente possíveis, inclusive as futuras, do que um

vício imputável ao Legislador. Pelo contrário, o Legislador, no seio da teoria das

lacunas, é visto como aquele que, na inevitável situação da “identificação” de uma

lacuna, pelo juiz, confere a este último a competência para colmatá-la, e fornece-lhe

as pautas que deverão ser seguidas na ação integradora.113

As lacunas podem ser pontualmente eliminadas, na medida em que são

descobertas, por regulamentações, caso a caso, elaboradas pelos juízes com o

consentimento do Legislador, que cria e regula os poderes judiciais de

preenchimento das lacunas – artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e artigos

126 e 127 do Código de Processo Civil. Entretanto, sempre e de forma inevitável, o

ordenamento será suscetível ao surgimento de novas lacunas.114

Ocorre que essa antiga visão do Legislador, da lei e do papel do juiz como

mero aplicador, por meio da subsunção, da lei ao caso concreto, não é mais

aplicável ao Estado Constitucional e Democrático de Direito contemporâneo.

113 DINIZ, Maria Helena. op. cit. p.297.114 MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Mandado de injunção. São Paulo: Atlas, 2004, p. 119.

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A idéia de um poder legislativo infalível, supostamente porta-voz da vontade

geral e soberano, vê-se substituída pela de um poder legislativo falível e

subordinado à Constituição, obrigado, portanto, ao seu respeito e à sua realização.

É, justamente, desta idéia de Constituição normativa e suprema, capaz de

impor-se até ao poder mais democraticamente legitimado dentre os poderes

estatais, que brota a noção de omissão inconstitucional.

A omissão inconstitucional é a viciada inação daquele Poder constituído

(qualquer dos poderes do Estado, inclusive o Legislativo) que está vinculado à

realização de alguma atividade constitucionalmente prevista como obrigatória. É

óbvio que nem toda omissão (não-fazer) estatal é inconstitucional; apenas aquela

que implica no não cumprimento de um dever constitucional de agir.115

O problema central emerge quando esta inação viciada deve ser imputada ao

Poder Legislativo por não ter criado uma lei. Ainda que tenham sido criados

mecanismos de controle da ação parlamentar pelo Poder Judiciário ou por um

órgão/poder específico (Tribunal Constitucional) inexiste uma transferência de poder

ilimitado. Ou seja, se de um lado, há um descrédito em relação ao Poder Legislativo

capaz de impor-lhe omissões e atuações, não há, de outra parte, em nenhum lugar,

um poder que tenha se apropriado desta legitimidade perdida.

Em função disto, ainda que as modernas sociedades ocidentais, em geral,

admitam o controle jurisdicional das ações comissivas do poder legislativo que

não observam seus limites constitucionais, poucas controlam-no quando sua

inobservância implica uma omissão. E mesmo aquelas que o fazem, como por

115 QUARESMA, Regina. O mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade poromissão. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 58.

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exemplo Portugal, Alemanha e Brasil, procuram alcançar o delicado equilíbrio entre

a imposição da Constituição e a democracia, evitando o “Governo dos Juízes”116,

através de decisões que possuem apenas o efeito de “conselhos” dirigidos ao poder

legislativo.

Com base na vetusta idéia de que os juízes não criam direito, firmou-se um

equivocado entendimento de que nos casos de controle de constitucionalidade por

omissão, não se permite ao órgão jurisdicional, que dele está encarregado, a

produção de uma norma capaz de suprir a ausência de regulamentação. Este

dogma decorreu de uma visão distorcida da doutrina do Estado de Direito e da

Separação de Poderes, proveniente de motivações ideológicas e normativas. Mas,

como se sabe, a moderna Teoria do Direito, de forma unânime, vem repudiando tal

tese.117

A atividade de interpretação do direito, inclusive a judicial, constitui-se sempre

como um processo criativo, mas não arbitrário. Como diz metaforicamente Diego

Selhane Perez:

O juiz interpreta uma disposição normativa de forma tão criativaquanto um pianista interpreta uma partitura; enquanto a criatividadede um dá vida à música, a do outro dá vida ao direito, mas ambasencontram seus limites no conteúdo objetivo do texto, normativo emusical, interpretado.118

Assiste razão, portanto, a Zeno Veloso, quando afirma que considera de

máxima importância ressaltar que os métodos teleológicos e sociológicos devem ser

116 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juizes. São Paulo: Saraiva, 2007. p.94.117 VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.p.260.118 PEREZ, Diego Selhane. Aspectos constitucionais do mandado de injunção. Dissertação. USP,São Paulo. 2000. p.158.

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utilizados pelo intérprete constitucional, visto que só há uma verdadeira interpretação

da Constituição se estiver baseada e for dirigida por uma ordem axiológica.119

A solução dependerá da criação de instrumentos constitucionais que

possibilitem ao Poder Judiciário preencher essas lacunas, como o Mandado de

Injunção, objeto deste estudo.

3.4 Possibilidades e limites da concretização judicial de normasconstitucionais no Estado Constitucional e Democrático de Direito

A questão que se apresenta não é se a atividade jurisdicional será ou não

criativa no Estado Democrático de Direito, mas o quão criativa ela será, dentro de

que limites e como se pode controlar essa criatividade.

A mesma criatividade que o controle judicial de atos positivos

inconstitucionais (inconstitucionalidade por ação) envolve existe no controle judicial

de constitucionalidade de omissões inconstitucionais. No entanto, enquanto na

primeira é possível solucionar o vício com a declaração de nulidade do ato violador,

nesta última a solução do vício de inconstitucionalidade dependerá da realização de

atos positivos de natureza material ou normativa, e que encontra seu limite na

chamada “reserva do possível”, que dispõe que o juiz, ou mesmo o Poder Público,

não pode efetivar ou desenvolver direitos, sem que existam meios materiais para

tanto.120

119 PEREZ, Diego Selhane. op. cit. p.260. (grifo no original).120 THEODORO, Marcelo Antonio. Direitos Fundamentais e sua concretização. Curitiba: Juruá,2005. p.119-120.

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A solução de omissões de regulamentação de normas constitucionais é

questão, no ordenamento brasileiro, inteiramente inédito.121 O desafio para a

criatividade jurisdicional incrementa-se, e muito, na medida em que a concretização

de preceitos constitucionais deveria, para solucionar a omissão normativa

inconstitucional, dar ensejo à criação da regulamentação infraconstitucional deste

preceito (concretização regulamentadora).

Como já visto neste trabalho, somente as normas constitucionais não

exeqüíveis por si mesmas necessitam de regulamentação para obter plena

possibilidade de eficácia social.

Dentre as normas constitucionais não exeqüíveis por si mesmas, foi visto que

as programáticas geralmente dependem de uma regulamentação maior que a

regulamentação necessitada por normas preceptivas não exeqüíveis por si mesmas.

Além dessas dificuldades, referentes à estrutura das normas, outras se

impõem à concretização judicial de normas programáticas, como a escassez de

recursos e a necessidade de planejamento para a execução de políticas públicas.

Tais dificuldades incrementam-se quando relacionadas com normas programáticas

definidoras de direitos sociais, visto que a efetivação destes somente se realizará

mediante a realização de atos materiais onerosos, o mais das vezes prestações de

serviços públicos.122

Essa concretização dos direitos fundamentais no que se refere a prestações

materiais, encontra seu limite na chamada “reserva do possível”123, no sentido de

121 POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. Rio de Janeiro: Forense, 2000.p.216.122 THEODORO, Marcelo Antonio. Direitos fundamentais e sua concretização. Curitiba: Juruá,2005. p.119.123 Ibidem. p.119.

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que o juiz, ou mesmo o Poder Público, não pode efetivar ou desenvolver direitos,

sem que existam meios materiais para tanto. A aferição desta disponibilidade é feita

em face do orçamento. Todavia, essa barreira orçamentária não pode ser absoluta,

intransponível. O esforço concretizador do intérprete não pode ser fadado ao

fracasso em face de uma lei orçamentária, que nem sempre é justa.124

É bastante provável que, se inexiste regulamentação suficiente para a norma

programática que define o direito social cuja concretização se espera do Poder

Judiciário, tampouco existirá a previsão orçamentária para gastos públicos

envolvendo a realização concreta de atos administrativos materiais capazes de

configurar a prestação de serviços públicos bastantes para que todos possam

usufruir dito direito social.

Do exposto, evidencia-se que o Poder Judiciário não detém os meios

técnicos, quantitativos e qualitativos, adequados para a formulação das

regulamentações necessárias à viabilização de direitos definidos em normas

programáticas. Isto ocorre porque não tem como aferir as peculiares condições

fáticas atuais, situação global de onde partem as políticas públicas, ou todo o

complexo de diferentes políticas alternativas, as vantagens e desvantagens de cada

uma destas políticas públicas, etc.

Todas essas questões demonstram a inaptidão técnica do Poder Judiciário,

tal qual estruturado na CRFB/88, para realizar a “concretização regulamentadora” de

normas programáticas, definidoras ou não de direitos sociais.125

124 THEODORO, Marcelo Antonio. op. cit. p.120.125 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. Rio deJaneiro: Renovar, 2006. p.113-114.

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No entanto, nada do que se afirmou acima atinge diretamente a concretização

regulamentadora de normas constitucionais preceptivas não exeqüíveis por si

mesmas, quer por que estas possuem maior densidade normativa e estrutura

condicional, quer por que não envolvem uma terceira instância político-material.

O Poder Judiciário, de há muito, tem concretizado esta espécie de normas e,

inclusive, grande parte da regulamentação legislativa hoje existente dos direitos-

liberdades (propriedade, liberdade de associação, p.ex.) e dos direitos políticos,

definidos em normas preceptivas não exeqüíveis por si mesmas, inspira-se em

decisões jurisprudenciais consolidadas.

3.5 Criação judicial do direito

Ainda que a decisão judicial possa se compatibilizar com todos os problemas

acima citados deve-se ainda ser enfrentado dois problemas adicionais: a) como

evitar que o arbítrio subjetivista de cada juiz venha a determinar o conteúdo da

regulamentação; e, b) de que modo impedir que as decisões judiciais, tipicamente

caso a caso, impliquem na não-uniformidade de tratamento de situações fáticas

equivalentes.

O juiz permanecerá submetido ao direito e sua conduta não poderá ser

considerada arbitrária quando, submetido diretamente à Constituição, interpretar de

forma concretizadora126 uma disposição constitucional preceptiva e regulamentá-la a

fim de viabilizar o exercício de um direito nela estabelecido. Para isso, deverá

recorrer aos ensinamentos da hermenêutica, à tradição da cultura jurídico-

126 THEODORO, Marcelo Antonio. op. cit. p.56-57.

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constitucional, à analogia, às experiências de sucesso de ordenamentos jurídicos

semelhantes e, em especial, ao sistema constitucional em que se insere a norma a

ser concretizada e às suas finalidades valorativas. Ou seja, o juiz deverá encontrar e

justificar suas respostas de modo racional, razoável, honesto, claro e público,

observando as construções legais e jurisprudenciais relevantes, principalmente as

exigências ético-valorativas, associadas ao Estado Constitucional e Democrático de

Direito.

Enquanto o julgador atuar de acordo com os princípios que informam esse

Estado, especialmente o dever de justificar pública, clara e razoavelmente suas

decisões, ele terá de se pautar por princípios universais em seus julgamentos, o que

gerará pleno respeito e observância ao princípio da igualdade.

Em suma, a concretização judicial de normas constitucionais, mesmo quando

envolva a regulamentação provisória de normas constitucionais preceptivas, pode

ser compatibilizada com os princípios fundamentais do Estado Constitucional e

Democrático de Direito, desde que se limitem a normas que definem direitos-

liberdades, suas garantias e direitos políticos.127

Em síntese, podemos concluir este estudo preliminar acerca dos conceitos

enfocados, tecendo o conteúdo essencial de cada um.

Norma jurídica válida é aquela produzida em conformidade com os ditames

do ordenamento jurídico. A eficácia jurídica identifica-se com a aptidão de produzir

efeitos normativos no âmbito da ordem jurídica, ou seja, a qualidade da norma de

produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos. A eficácia social, por seu turno,

corresponde à idéia de a norma estar sendo efetivamente observada e respeitada no

127 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. op. cit., 2006. p.121.

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mundo dos fatos. A aplicabilidade corresponde à noção de realizabilidade normativa

ou executoriedade das diferentes normas em vigor, isto é, a aplicabilidade está

relacionada com a possibilidade de aplicação da norma e, nesse sentido, identifica-

se com o conceito de eficácia jurídica, uma vez que a eficácia social está

relacionada com o cumprimento efetivo da norma no mundo fático.

Para que os direitos e garantias fundamentais tenham não só eficácia jurídica,

mas, também, eficácia social, a própria Constituição Federal prevê mecanismos para

o seu cumprimento,128 dentre eles os chamados remédios constitucionais, em que se

destaca o Mandado de Injunção, objeto deste estudo.

128 NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. op. cit. p.4.

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4 DA DECISÃO CONCESSIVA DO MANDADO DE INJUNÇÃO

4.1 Mandado de Injunção e efetividade do processo

Desde o início deste trabalho, firmou-se a posição de que o Mandado de

Injunção é uma ação judicial, tipificada em nível constitucional, destinada à tutela de

direitos subjetivos; um remédio constitucional, portanto.

Assim, não só a necessidade hermenêutica de garantir a uma disposição

constitucional a máxima eficácia possível, mas, também, as noções de

instrumentalidade do processo e efetividade da atividade jurisdicional, orientadas à

proteção dos direitos subjetivos, determinam que as decisões procedentes em

processo de Mandado de Injunção sejam, o mais possível, aptas à proteção dos

direitos violados pela ausência de regulamentação infraconstitucional.

Do exposto, passa-se à análise crítica das diferentes propostas doutrinárias e

jurisprudenciais acerca da eficácia e efeitos da decisão concessiva do Mandado de

Injunção, tendo sempre em mente a garantia de máxima efetividade possível para

este instrumento.

Doutrinariamente129, existem três teses a respeito dos efeitos da decisão

proferida em sede de Mandado de Injunção. A primeira sustenta que, ao conceder o

Mandado de Injunção, cabe ao Poder Judiciário elaborar a norma regulamentadora

faltante, suprindo, assim, a omissão do legislador. A segunda assevera que,

concedida a injunção, caberia ao Judiciário declarar inconstitucional a omissão e dar

ciência ao órgão competente para a adoção das providências necessárias à

129 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva,2000. p.151.

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realização da norma constitucional. Finalmente, a terceira corrente entende que tal

decisão visa tornar viável, no caso concreto, o exercício de direito, liberdade ou

prerrogativa constitucional que se encontrar obstado por falta de norma

regulamentadora.

Hodiernamente, já não se pode falar em separação dogmática e absoluta de

poderes e, sim, em interdependência. A primeira corrente deve ser vista, portanto,

não pela ótica da pretensa usurpação da função legislativa pelo Poder Judiciário e,

sim, de exercício de uma atribuição conferida constitucionalmente. E como não é o

caso de atividade legislativa stricto sensu, de criação de norma geral e abstrata, o

Supremo Tribunal Federal, nessa hipótese, suscitaria um pseudoproblema, não

podendo ser acolhida.130

A segunda corrente também não poderia ser acolhida, sob pena de se atribuir

ao Mandado de Injunção a mesma finalidade da ação direta de inconstitucionalidade

por omissão, resultando em dois instrumentos jurídicos com igual objetivo. Na

interpretação do Supremo Tribunal Federal131, todavia, o Mandado de Injunção é

ação que visa obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade por

omissão, desde que caracterizado o silêncio inconstitucional de quem deveria editar

a norma faltante, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração para

que adote as providências necessárias, de cuja interpretação o STJ não compartilha,

entendendo que o Mandado de Injunção destina-se a suprir, via judicial, lacunas

legislativas na estrutura normativa.132

130 MACHADO, Carlos Augusto Alcântara, op. cit., p.124.131 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI n. 219-3. Brasília, DF: Diário de Justiça da União, 19 mai.1995. p.13989.132 Idem. MI n. 15. Brasília, DF: Diário de Justiça da União, 4 set. 1989. p.14029.

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Frise-se que no julgamento do MI 232-1, impetrado por entidade beneficente

de assistência social, o Excelso Pretório adotou outro precedente, rompendo com a

orientação que vinha mantendo, declarando o estado de mora do Congresso

Nacional e fixando-lhe prazo de seis meses para que desse efetivação ao disposto

no artigo 195, § 7º da Carta de 1988, o qual determina a isenção de contribuição

para seguridade social das entidades beneficentes de assistência social que

atendam às exigências estabelecidas em lei, sob pena de, vencido o prazo sem

legislar, o impetrante passaria a gozar da imunidade requerida.133 Com isso, o

Supremo Tribunal Federal converteu uma norma constitucional de eficácia limitada

(porque dependente de norma infraconstitucional regulamentadora) em norma de

eficácia plena, considerando o Mandado de Injunção instrumento idôneo para se

conseguir a regulamentação de qualquer direito previsto na Constituição, e não

apenas os direitos e garantias fundamentais constantes de seu Título II.

Digno de registro, igualmente, foi o julgamento do MI 283-5, em que se

pretendia tornar viável o exercício do direito previsto no artigo 8º, § 3º, do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias, direito este dos cidadãos que foram

impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em decorrência

das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica de nº S-50-GM5, de 19 de

junho de 1964, e a de número S-285-GM5, e que faziam jus à reparação de

natureza econômica, na forma que dispusesse a lei de iniciativa do Congresso

Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da

Constituição. No caso, levando-se em conta a mora inconstitucional do Congresso

que deixou de elaborar a norma regulamentadora no prazo fixado, o Supremo não

133 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI n. 232-1. Brasília, DF: Diário de Justiça da União, 27 mar.1992. p.3800.

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apenas declarou a demora do legislador, comunicando-a ao Congresso Nacional e à

Presidência da República, como também fixou o prazo de quarenta e cinco dias,

acrescido de quinze dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultimasse o

processo legislativo da lei reclamada. Além disso, fixou também que, se

ultrapassado tal prazo, sem que fosse promulgada a lei, ficaria reconhecida ao

impetrante a faculdade de obter contra a União, pela via processual adequada,

sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida pelas perdas e

danos que fossem arbitradas, observando, ainda, que, uma vez prolatada a

condenação, a superveniência de lei não prejudicaria a coisa julgada, o que,

contudo, não impediria o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, na

medida em que lhe fosse mais favorável.134

Assim, em decisão de natureza declaratória, o Supremo Tribunal Federal

reconheceu ao impetrante a faculdade de obter contra a União, pela via processual

adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida.

Conquanto as decisões do MI 232-1 e do MI 283-5 relevem um avanço na

orientação jurisprudencial do Supremo, ainda não exprimem toda a potencialidade

do Mandado de Injunção, que permite ao próprio Poder Judiciário assegurar ao

impetrante o exercício imediato de direitos, liberdades e prerrogativas

constitucionais, no caso concreto.

134 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI n. 283-5. Brasília, DF: Diário de Justiça da União, 14 nov.1991. p.16355: Posteriormente, em Mandado de Injunção impetrado com base na mesma disposiçãoconstitucional, o Supremo Tribunal Federal assim decidiu: “Reconhecido o estado de morainconstitucional do Congresso Nacional – único destinatário do comando para satisfazer, no caso, aprestação legislativa reclamada – e considerando que, embora previamente cientificado no Mandadode Injunção n. 283, absteve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se prescindível nova comunicação à instituição parlamentar, assegurando-se aos impetrantes, desdelogo, a possibilidade de ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito comum ou ordinário, a açãode reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório.” (MI n. 284-3.Brasília, DF: Diário de Justiça da União, 26 jun. 1992. p.10103).

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No que tange à terceira corrente interpretativa do Mandado de Injunção, que

advoga a tese de que o Poder Judiciário, ao conceder a injunção, deve tornar viável,

no caso concreto, o exercício do direito, da liberdade ou prerrogativa constitucional,

que se encontre obstado por faltar norma regulamentadora, esta parece ser a

fórmula mais adequada ao novo instituto, permitindo viabilizar um direito subjetivo

constitucional, cabendo ao titular deste direito, pela via da injunction, postular ao

Poder Judiciário a edição de decisão que venha a suprir tal omissão.

Nesse sentido, afirma Celso Agrícola Barbi que “a fórmula que parece mais

adequada é a de o juiz criar, para o caso concreto do requerente do Mandado de

Injunção, uma norma especial, ou adotar uma medida capaz de proteger o direito do

autor da demanda.”135

Na mesma linha de raciocínio, observa Sérgio Bermudes:

Através do Mandado de Injunção, o juiz não apenas edita a normaregulamentadora, como também faz atuar sua vontade concreta. Emoutras palavras, e sinteticamente, o juiz compõe a lide; resolve oconflito, assegurando, desde logo, o direito, a liberdade, aprerrogativa, cujo exercício a falta de norma regulamentadoratornava inviável. Não teria sentido o juiz apenas enunciar a normafaltante, quando a injunção se insere no sistema constitucional degarantia de direitos.136

Em suma, no Mandado de Injunção, ao enfrentar as lacunas inconstitucionais,

cabe ao Poder Judiciário criar normas jurídicas individuais válidas para o caso

concreto, colmatando essas lacunas, sem contudo eliminá-las do mundo jurídico,

cuja tarefa pertence ao Poder Legislativo, quando da edição da norma jurídica geral

e abstrata faltante. Essa posição, como se vê, esvazia aquela tese proposta por

135 BARBI, Celso Agrícola. Mandado de injunção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p.439.136 BERMUDES, Sérgio. op. cit. p.110.

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algumas correntes doutrinárias, dentre elas Kelsen e sua Teoria Pura do Direito, que

sustenta ser o sistema jurídico fechado, completo e sem lacunas, “em que tudo o

que não está proibido está permitido.”137

Ao se defrontar com a ausência de norma regulamentadora que torne viável o

exercício de direitos e liberdades constitucionais, ao julgar o Mandado de Injunção,

deve o Juiz descobrir normas implícitas do sistema jurídico e recorrer às demais

fontes do ordenamento, como a analogia, os princípios gerais do Direito, os

costumes e a equidade, no sentido de, colmatando a lacuna, concretizar o exercício

de direito constitucional. Deve, portanto, abeberar-se do que dispõe o artigo 4º da

Lei de Introdução ao Código Civil, que estabelece: “Quando a lei for omissa, o juiz

decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de

direito”. Na mesma linha, o artigo 5º do referido diploma determina: “Na aplicação da

lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem

comum.”138

Permite-se, assim, que o Poder Judiciário possa exercer uma interpretação

criativa, construindo, à luz do sistema jurídico, uma solução satisfatória, de sorte a

137 DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. São Paulo: Saraiva, 2007. p.299: Sobre o tema, aautora afirma que: “O direito apresenta lacunas, porém é, concomitantemente, sem lacunas, o quepoderia parecer paradoxal se se captar o direito estaticamente. É ele lacunoso, mas sem lacunas,porque o seu próprio dinamismo apresenta solução para qualquer caso sub judice, dada pelo PoderJudiciário ou Legislativo. O próprio direito supre seus espaços vazios, mediante a aplicação e criaçãode normas. De forma que o sistema jurídico não é completo, mas completável.”138 CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre derecho y lenguage. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1990.p.49-50: sobre o tema, observa observa o autor que: “Si los jueces no quierem resolver a ciegas o emforma arbitraria los casos de la penumbra, nos les basta con conocer a fondo las normas jurídicas ysus fuentes, ni saber armar com ellas estructuras coherentes. Tienen que poseer, además, umaadecuada información de hechos sobre ciertos aspectos básicos de la vida de la comunidad a quepertenecen, um conocimiento serio de las consecuencias probables de sus decisiones y unainteligencia alerta para clarificar cuestiones valorativas y dar buenas razones em apoyo de las pautasno especificamente jurídicas en que, muchas veces, tienen que buscar fundamento. Algo semejantese requiere de los juristas que no se resignem a ser meros espectadores de um espetáculo que noentienden. De lo contrario, ni unos ni otros estarán en condiciones de cumplir una función socialverdaderamente útil.”

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dar concretude ao direito constitucional do impetrante. Saliente-se que é a própria

Carta constitucional que exige do Judiciário mais criatividade na função jurisdicional,

a fim de viabilizar os direitos constitucionais fundamentais, suprindo as lacunas que

poderiam obstaculizar a aplicabilidade da norma constitucional.

Pondera, todavia, José Afonso da Silva, que isso não quer dizer que o juiz

está autorizado a legislar, mas se limitará a explicitar o direito para o caso concreto,

ou seja, decidirá o caso explicitando o direito esboçado na norma constitucional, em

favor do impetrante, “nos termos normativos por ele supostos, mentalizados (como

se fora legislador), mas não formulará senão no estabelecimento das condições

indispensáveis à correta aplicação da norma constitucional em causa.”139

Trata-se, à evidência, de verdadeiro dever jurisdicional inescusável, que se

fundamenta no princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras dos

direitos e garantias fundamentais, bem como no princípio da proibição do non liquet,

que impõe a obrigatoriedade da decisão, cuja desatenção implica ofensa a todo

sistema de comandos.

Na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, é escusável a não

edição da “decisão normativa” quando o dever de legislar não puder ser suprido

senão pelo próprio legislador. No Mandado de Injunção, entretanto, não se admite

qualquer escusa, haja vista que neste o objeto é o direito, a liberdade ou a

prerrogativa constitucional inviabilizados por faltar norma regulamentadora.

Adverte Michel Temer que, na apreciação do Mandado de Injunção, cabe ao

juiz verificar se há os contornos jurídicos mínimos autorizadores do conhecimento e

139 SILVA, José Afonso da. op. cit., 1989. p.45.

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da concessão da injunção, o que implica na idéia de discricionariedade dos

Tribunais na apreciação do Mandado de Injunção.140

Ressalte-se que o Mandado de Injunção pode ter por objeto qualquer direito

constitucional não regulamentado, inclusive os direitos sociais, desde que

inviabilizados por ausência de norma regulamentadora. A título de exemplo,

podemos citar o artigo 5º, inciso VII da Constituição, que assegura, “nos termos da

lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação

coletiva”. Nesse caso, atendidos os pressupostos de cabimento da injunção, caberia

ao órgão jurisdicional competente, na ausência da lei, proferir decisão no sentido de

que as entidades civis e militares determinassem locais e horas destinadas à

assistência religiosa dos internados. Com isso, se afastaria qualquer recalcitrância

do órgão competente que pretendesse argüir a inexistência de lei para não

satisfazer aquele comando constitucional.

Interessante refletir, mais uma vez, quanto à possibilidade de se impetrar

Mandado de Injunção na hipótese de omissão legislativa parcial. No exemplo dado,

se a lei elaborada fosse destinada apenas às entidades civis, sem qualquer menção

às entidades militares, pergunta-se: seria cabível o Mandado de Injunção? Ou seja,

é admissível Mandado de Injunção em caso de omissão legislativa parcial, da qual

eventualmente decorra ofensa ao princípio da igualdade? Entende-se que na

hipótese seria cabível Mandado de Injunção justamente para estender a disciplina

legal existente também às entidades militares, viabilizando o exercício do direito

constitucional bloqueado por falta de norma que o regulamente. Em outras palavras,

admissível é a impetração de Mandado de Injunção em face de omissão parcial, seja

140 TEMER, Michel. A nova feição do mandado de injunção. Revista Trimestral de Direito Público.São Paulo: Malheiros, nov. 1993. p.104.

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pelo atendimento defeituoso do dever constitucional de legislar, seja pelo

estabelecimento de discriminação ofensiva ao princípio da isonomia.141

Com relação àqueles que entendem que o Mandado de Injunção estaria

indevidamente transferindo o encargo de legislar para outro poder, distorcendo a

concepção da tripartição dos Poderes, pondera-se que, na verdade, não existe tal

transferência, posto que não cabe ao Judiciário elaborar normas gerais e abstratas,

mas tão-somente tornar viável o exercício de direitos e liberdades constitucionais no

caso concreto, em que o Poder Judiciário assume, embora em dimensões mais

alargadas, sua função típica e própria, qual seja, a função jurisdicional, respondendo

satisfatoriamente ao caso concreto.

O princípio da separação dos poderes deve, assim, ser entendido à luz da

sistemática de “freios e contrapesos”, ou checks and balances, em que um órgão do

Poder há de ser fiscalizado e controlado por um órgão de outro Poder, nos moldes

propostos por Montesquieu: “Todo homem que tem o poder é levado a abusar dele.

Para que não possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o

Poder freie o Poder.”142 Logo, no Mandado de Injunção, a omissão do órgão

141 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI n. 58-1. Brasília, DF: Diário de Justiça da União, 12 set.2003. p.4580: Com relação à omissão legislativa parcial, pondera o Ministro Celso de Mello: “Impõe-se refletir, no entanto, em tema de omissão parcial, sobre as possíveis soluções jurídicas que aquestão da exclusão de benefício, com ofensa ao princípio da isonomia, tem sugerido no plano dodireito comparado: a) extensão dos benefícios ou vantagens às categorias ou gruposinconstitucionalmente deles excluídos; b) supressão dos benefícios ou vantagens que foramindevidamente concedidos a terceiros; c) reconhecimento da existência de uma situação aindaconstitucional (situação constitucional imperfeita), ensejando-se ao Poder Público a edição, em temporazoável, de lei restabelecedora do dever de integral obediência ao princípio da igualdade, sob penade progressiva inconstitucionalização do ato estatal existente, porém insuficiente e incompleto.” Noentanto, tudo leva a crer que o Supremo Tribunal Federal não venha a acolher o fenômeno daomissão legislativa parcial, em face do precedente judicial em que firmou entendimento de que “oMandado de Injunção não é meio de corrigir ilegalidade nem inconstitucionalidade” (MI n. 81-6.Brasília, DF: Diário de Justiça da União, 25 mai. 1990. p.4603.), tendo em vista que seu pressupostoé a falta de norma regulamentadora.142 MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat. Do espírito das leis. São Paulo: Saraiva, 1987.p.198.

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Legislativo é contida e controlada pelo órgão Judiciário, tendo em mira a interação

entre o princípio da prevalência da Constituição e o princípio do controle mútuo entre

os poderes.

Finalizando este tópico, é oportuno enfatizar que a efetividade do Mandado de

Injunção exige, a todo o momento, uma interpretação teleológica de acordo com a

lógica social, que redunda em se emprestar um novo sentido à separação dos

Poderes, transformando o Poder Judiciário em poder responsável por uma justiça

essencial e distributiva, que consagre, como principal valor, a igualdade material e,

como paradigma obrigatório e vinculante, os direitos e as garantias fundamentais.

Espera-se, portanto, uma participação mais intensa do Judiciário para a construção

da sociedade do bem-estar, voltada para as finalidades sociais, conforme

preconizado pelo hodierno welfare state.143

4.2 Principais características da decisão regulamentadora

Tormentosa a questão de se definir os efeitos da decisão regulamentadora

em Mandado de Injunção. Este trabalho compartilha144 o entendimento de que a

decisão final procedente em Mandado de Injunção deveria ter eficácia constitutiva,

143 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes irresponsáveis? Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1989. p.22-23.144 PEREZ, Diego Selhane. op. cit. p.352. Cf. também: SANTOS, Aricê Moacyr Amaral. op. cit. p.29;DANTAS, Ivo. op. cit. p.97.

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no sentido de que o Poder Judiciário, substituindo-se145 provisoriamente o órgão

originalmente competente, deveria criar uma regulamentação suficiente para

viabilizar o exercício do direito tutelável pelo mandamus.146 Assim, faz-se agora

necessário estabelecer algumas características adicionais dessa decisão. Dentre

estas, serão analisadas as relativas a seus efeitos temporais (se retroativos,

protelados ou ex nunc), seu âmbito pessoal de incidência (inter partes ou erga

omnes) e sua estrutura analítica (concreta ou abstrata).

O Mandado de Injunção pressupõe a existência de uma omissão

inconstitucional normativa capaz de inviabilizar o exercício de um direito tutelável.

Assim, ao se impetrar a ação, a norma regulamentadora inexiste ou é insuficiente, só

passando a existir, ou sendo preenchida em sua insuficiência, quando do ato judicial

de concessão definitiva do writ, a desejável sentença constitutiva. Somente a partir

da publicação da sentença, o direito – até então apenas previsto constitucionalmente

e reconhecido como exigível em Mandado de Injunção, cujo exercício estava

inviabilizado em função da falta da norma regulamentadora – poderá ser plenamente

exercido pelo impetrante da ação injuntiva.

Inexiste, portanto, retroatividade dos efeitos regulamentadores dessa decisão,

tanto no que tange à garantia constitucional da segurança jurídica (artigo 5º, caput

da CRFB/88), que reduz a possibilidade de regulamentações retroativas, quanto em

145 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. São Paulo: Malheiros, 2001. p.18: sobre oassunto, este autor explica que “Ao exercer em concreto a atividade jurisdicional, o órgão estatalimparcialmente sobrepõe-se aos sujeitos envolvidos no litígio submetido à sua apreciação e,substituindo-se a eles, torna efetiva a regra geral reguladora do conflito; então, além da naturezasubstitutiva (já que por meio da jurisdição o Estado faz valer a sua vontade, compatível com aConstituição, sobrepondo-a à vontade das partes envolvidas no conflito), a jurisdição ainda éinstrumental, ou seja, valendo-se dela o Estado torna efetiva e concreta a tutela abstrata egenericamente prevista no ordenamento positivo.”146 PEREZ, Diego Selhane. op. cit. p.352.

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função da própria natureza do Mandado de Injunção. Isso porque é imprescindível

para esse instituto que a viabilidade do exercício do direito tutelável – já que é um

pré-requisito do Mandado de Injunção que o exercício do direito se mantenha

inviabilizado até a data da sentença, sob pena de restar prejudicada a ação – ocorra

somente após tal data, na qual se realiza a regulamentação judicial.147 É óbvio que

os requisitos do Mandado de Injunção devem estar presentes desde a propositura

até o julgamento deste.

Desse modo, a decisão judicial estabelece a norma regulamentar faltante,

viabilizando o exercício do direito e, por conseguinte, suscita que se pleiteie seu

cumprimento pelo destinatário, o qual somente a partir do momento em que a

sentença judicial produz seus efeitos (publicação), estará obrigado a realizar a

conduta determinada na norma regulamentadora. É por isso, tendo em vista que a

decisão regulamentadora não pode possuir efeitos retroativos, que a eficácia

condenatória é imprópria ao Mandado de Injunção, uma vez que o direito do

peticionário só aparece integral e suscetível a ser exercido após a publicação da

decisão judicial.

A hipótese de que a decisão que viria colmatar a omissão inconstitucional

tenha seus efeitos suspensos (eficácia protelada) até uma data posterior, mesmo

que decidida pelo Judiciário, ou prefixada em lei (quando, por exemplo,

regulamenta-se o direito, mas se suspende a regulamentação por um prazo dentro

do qual o órgão omisso poderá suprir sua omissão, como decidido nos MI 232 e

283), parece inviável para o Mandado de Injunção, uma vez que, se há omissão

147 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2000. p.305: os autores entendem que a regrageral é que as sentenças condenatórias e declaratórias produzem efeitos ex tunc, enquanto que aconstitutiva só produz efeitos para o futuro.”

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inconstitucional que prejudica o impetrante, a solução de seu problema não deve

tardar ainda mais por força de decisão do Poder Judiciário. Tal decisão implicaria na

mantença da lesão inconstitucional em face do impetrante, desvirtuando a função

judicante que, como se sabe, visa proteger os direitos subjetivos contra lesões ou

ameaças de qualquer espécie, inclusive as omissivas.

Assim, os efeitos temporais da decisão judicial em Mandado de Injunção se

movem para o futuro, produzindo alterações no mundo jurídico a partir da publicação

da decisão (efeitos ex nunc).

Outra importante controvérsia é saber se os efeitos da decisão concessiva do

Mandado de Injunção se restringirão àqueles que foram partes no processo

finalizado pela sentença (inter partes), ou se estenderão a todas as pessoas que são

titulares do direito constitucional regulamentado (erga omnes). Ou seja, se a

regulamentação criada pela sentença será individual – destinada ao impetrante ou

ao particular grupo de impetrantes (litisconsórcio) – ou geral – se destinando a todos

os interessados na regulamentação.

A princípio, infere-se que as decisões se referem apenas àqueles que

participaram como partes no processo em que estas são tomadas, assim como a

maior parte dos doutrinadores que advogam pela eficácia constitutiva e entendem

que a regulamentação produzirá, sempre, como costuma acontecer com decisões

judiciais, efeitos inter partes.148 Todavia, outros doutrinadores sustentam que a

148 ACKEL FILHO, Diomar. Writs constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1991. p.128: nesse sentido,afirma este autor que “Em suma, pode-se afirmar que a Constituição Federal, por via do mandado deinjunção, criou um sistema peculiar de delegação de atividade normativa (legislativa propriamentenão), permitindo ao Judiciário legislar para casos concretos, de modo restrito e exclusivo àsdemandas propostas, sempre que houver omissão do organismo responsável pela edição doregulamento normativo tido como indispensável para a exeqüibilidade do preceito constitucional doqual derivam os direitos tutelados.” Cf. também: CALMON DE PASSOS, José Joaquim. op. cit. p.127;GOMES, Randolpho. op. cit. p.48; DANTAS, Ivo. op. cit. p.97.

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decisão do Mandado de Injunção criará uma regulamentação de caráter geral, que

fará as vezes, ainda que provisoriamente, da regulamentação que deveria ter sido

criada pela autoridade originária e fundamentalmente, segundo a Constituição, da

regulamentação da norma constitucional definidora de direito tutelável. Segundo

esses autores, por conseguinte, o Mandado de Injunção resultaria, sempre, em uma

decisão regulamentadora de caráter geral, aplicável a todas as pessoas que

estivessem na mesma situação fática que o impetrante, pessoas essas que não

precisariam impetrar um novo Mandado de Injunção, beneficiando-se daquela

particular decisão como se ela fosse uma verdadeira lei.

Dentre esses autores, defende essa posição interpretativa Herzeleide Maria

Fernandes de Oliveira, quando afirma que “na hipótese de omissão de lei ou ato

normativo, esses, por terem efeitos genéricos, provocarão decisão do Poder

Judiciário que beneficiará a todos, ou seja, produzirá efeitos erga omnes”.149 Tal

interpretação, todavia, não se coaduna com a tese desenvolvida neste trabalho,

visto que provoca uma verdadeira e imprópria atribuição do Poder Legislativo pelo

Poder Judiciário, ultrapassando, sem necessidade, as finalidades de viabilização do

direito concretamente reclamado, e aprofunda a alteração no arranjo de divisão de

funções entre os diferentes órgãos constitucionais. Além disso, a concessão, em

toda e qualquer situação, de efeitos erga omnes, desnatura a característica do

Mandado de Injunção como mecanismo jurisdicional voltado à tutela de direitos

subjetivos e o assemelha a um instrumento de tutela da ordem constitucional

149 OLIVEIRA, Herizelde Maria Fernandes de. O Mandado de Injunção. Revista de InformaçãoLegislativa. Brasília: Senado Federal, out.-dez. 1988. p.57. Cf também: GRECO FILHO, Vicente.Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989. p.181-184; GOMES, Luiz Flávio.op. cit. p.43; PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. op. cit. p.100.

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objetiva, como a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cujas diferenças

já foram delineadas neste estudo.

Nesse sentido, posiciona-se Celso Agrícola Barbi, afirmando que:

A criação de norma regulamentadora, de caráter geral, tem um graveinconveniente, que é a atuação além do caso concreto, o que não écompatível com a natureza da função jurisdicional. Esta, em regra,destina-se a solucionar o caso de quem reclama a proteçãojurisdicional e não pretende resolver casos de outras pessoas, aindaque iguais, mas que não foram levados a juízo. Além disso, a criaçãode norma geral é função típica do Poder Legislativo e não há razãopara supor que a Constituição queira fazer tão grande alteração nasfunções dos Poderes.150

Refutando também essa distorção das finalidades do instituto injuntivo,

argumenta Carlos Augusto Alcântara Machado:

Desde logo, registre-se que a corrente concretista geral desvirtua afinalidade do instituto processual sub examine, porquanto suainstituição visou à tutela de direitos subjetivos e não à defesa daordem jurídica em geral.151

Corroborando tal posição, afirma Flávia Piovesan:

Não seria razoável que o Poder Judiciário elaborasse norma geral eabstrata, quando da apreciação de um caso concreto, cujo pedido éa restauração de direito subjetivo violado. Não condiz com afinalidade de um instrumento de tutela de direito subjetivo, o intuitode sanear vícios da ordem jurídica, ou seja, do direito objetivo.152

Contudo, a intransigente observância do princípio da igualdade, apesar de o

julgamento ser realizado com efeitos inter partes, deriva, também, de mecanismos

processuais como o litisconsórcio, o julgamento simultâneo de causas conexas, a

150 BARBI, Celso Agrícola. Mandado de Injunção. Revista de Processo. São Paulo: Revista dosTribunais, jan.-mar. 1991. p.94.151 MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. op. cit. p.109.152 PIOVESAN, Flávia. op. cit., p.130-131.

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concentração de uma mesma situação carente de regulamentação na esfera de

julgamento de um mesmo tribunal e a uniformização de jurisprudência (por força de

recursos ou de ofício), somadas ao julgamento por colegiado de juízes imparciais e

independentes e à fiscalização dos advogados e do Ministério Público, visto que

todos os direitos tuteláveis (direitos-liberdades, suas garantias, direitos políticos e de

nacionalidade) são direitos indisponíveis e essenciais para a preservação do Estado

Democrático de Direito, conforme preconizado nos artigos 95, 127 e 133 da

CRFB/88.

Assim, rejeitados os argumentos contrários e reforçada a natureza

jurisdicional, ainda que atípica, do Mandado de Injunção, entende-se,

contrariamente, que os efeitos constitutivos da sentença devem observar os limites

subjetivos do caso em questão, ou seja, a norma regulamentadora criada

judicialmente deve atingir, inicialmente, apenas as partes envolvidas no litígio,

exceto, é claro, eventuais efeitos indiretos da sentença. A decisão se caracteriza,

portanto, por possuir, em princípio, “efeitos apenas para as partes (inter partes).”153

A situação se complica quando os direitos tutelados somente comportam

satisfação indivisível, isto é, quando diversas pessoas, vinculadas por uma relação

jurídica base de natureza constitucional, são titulares de um mesmo direito

constitucional, mas a viabilização do exercício, mediante regulamentação deste

direito a um dos titulares importa, necessariamente, na viabilização, simultânea, do

exercício do direito de todos os demais titulares, aqui definido como o problema de

defesa judicial de direito coletivo e não da defesa coletiva de direitos individuais.

153 PÉREZ, Diego Selhane. op. cit. p.362.

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Diego Pérez exemplifica com a situação em que o exercício da prerrogativa

de votar (direito de sufrágio) esteja obstado pela inexistência de uma lei eleitoral, e

que alguém, ou até mesmo um grupo de interessados, requeira a concessão de

Mandado de Injunção capaz de regulamentar o artigo 14 da CRFB/88, viabilizando o

exercício desse direito político, evidentemente tutelável por Mandado de Injunção.

Nesse sentido, afirma que:

Seria impensável que tal direito possa ser exercido só pela pessoaou grupo que impetrou o Mandado de Injunção, visto que o processoeleitoral no Brasil tem de envolver todos os cidadãos integrantes doparticular colégio eleitoral a que são afetos. Sendo assim, aregulamentação judicial do direito dos impetrantes teria,necessariamente, de viabilizar, também, o direito de pessoas quenão integravam o processo, sob pena de não poder operacionalizar oexercício desse direito sequer para os autores da ação.154

Em outras palavras, ou bem se confere à sentença a possibilidade de que

seus efeitos regulamentares atinjam a todas as pessoas que precisam exercer,

simultaneamente, aquele direito ou prerrogativa constitucional, ou não se poderá,

por razões normativas (natureza, p. ex., do sistema eleitoral), conceder tal

viabilização a ninguém, visto que não se pode, p. ex., realizar adequadamente o

processo eleitoral sem que todos os legitimados constitucionalmente a dele

participar possam exercer sua cidadania.

Portanto, dependendo da natureza do direito tutelado, é necessário que a

regulamentação viabilize os direitos de toda uma categoria de pessoas e que,

conseqüentemente, os efeitos regulamentadores da sentença desdobrem-se ultra

partes, atingindo todos os integrantes da categoria legitimada a exercê-lo. Por óbvio,

inicialmente, os efeitos sentenciais deverão se restringir às partes (inter partes), com

154 PÉREZ, Diego Selhane. op. cit. p.362-363.

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a possibilidade de, em situações excepcionais, esses efeitos atingirem também

pessoas que não participaram do processo (efeito ultra partes), mas que, em função

da específica natureza do direito regulamentado, precisam exercer, juntamente com

os impetrantes, o direito definido em face do processo por eles iniciado.

Os efeitos sentenciais no processo de Mandado de Injunção, assim sendo,

serão determinados secundum eventum litis (segundo o teor da lide), ou seja,

dependem do conteúdo da decisão, no que tange à natureza do direito constitucional

viabilizado, sendo, em princípio, inter partes e, excepcionalmente, ultra partes.

Ressalte-se que nos casos em que, dependendo da natureza do direito a ser

efetivado pela sentença que concedeu o mandamus, esta última possua efeitos ultra

partes, a cautela do julgador deverá ser mais rigorosa, devendo fundamentar sua

decisão dentro da melhor interpretação hermenêutica possível.

Provavelmente a última questão que se coloca quanto aos efeitos da decisão

regulamentadora é saber se a regulamentação criada pela sentença de Mandado de

Injunção será concreta ou abstrata. As decisões judiciais, via de regra, são normas

individuais e concretas, mas, de outra banda, normalmente seu conteúdo não é,

como no Mandado de Injunção. Assim, a análise da decisão concessiva no writ

deve, como já dito, observar as peculiaridades desse processo, para a particular

finalidade desse remédio constitucional, visto que este se propõe a viabilizar o

exercício de determinados direitos constitucionais por ele tuteláveis não em uma

situação concreta, mas para todos os casos em que o impetrante vier a se encontrar

diante de uma situação que possa, se desejar, utilizar-se do direito constitucional em

questão. Nesse sentido, uma única decisão judicial resolveria, para o autor da ação,

o problema da omissão inconstitucional, viabilizando o exercício de um específico

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direito até que a regulamentação criada pelo Poder, órgão ou autoridade competente

viesse a ser editada. Frise-se que a regulamentação criada sentencialmente possui

natureza provisória e subsidiária, vigendo até que a regulamentação principal e

definitiva seja devidamente elaborada.

Trata-se, destarte, não de uma regulamentação voltada a um específico caso

concreto, mas a toda e qualquer situação similar que vier a ocorrer – até a

regulamentação definitiva a ser criada pelo Poder, órgão ou autoridade omissa –

com o impetrante. Este, portanto, não precisa demonstrar em qual específica

situação pretende se utilizar da regulamentação que requer ao Poder Judiciário,

essencialmente por dois motivos. O primeiro é que toda vez que a ausência de uma

norma regulamentadora inviabilizar o exercício de um direito amparável pela

injunção, obviamente seu titular estará sendo ameaçado (artigo 5º XXXV) de não

poder exercer seus direitos de liberdade ou político como gostaria. O segundo é que

os direitos normalmente amparados pelo Mandado de Injunção estabelecem ao seu

titular a possibilidade de agir ou não, motivo pelo qual o sujeito ativo pode exigir uma

regulamentação apenas para obter a faculdade de agir, uma vez que a não ação

(non facere) diante de uma situação em que poderia agir, está inserida no campo da

tutela dos direitos de liberdade.

Essa estruturação abstrata (regulamentação na forma de uma hipótese de

incidência) poderá se vincular a um julgamento com efeitos individuais (inter partes)

ou com efeitos gerais (ultra partes). Hipótese de incidência, no dizer de Geralldo

Ataliba:

É primeiramente a descrição legal – melhor seria dizer jurídico-normativa – de um fato: é a formulação hipotética, prévia e genérica,contida na lei – ou em qualquer outra fonte formal de direito -, de umfato (é o espelho do fato, a imagem conceitual de um fato, é seu

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desenho). É, portanto, mero conceito, necessariamente abstrato. Éformulado pelo legislador – ou por qualquer outra autoridade capazde criar normas abstratas – fazendo abstração de qualquer fatoconcreto. Por isso é mera “previsão legal” (a lei é, por definição,abstrata, impessoal e geral).155

Desse modo, a norma regulamentadora decorrente da decisão judicial

favorável ao impetrante, possuindo estrutura abstrata (formulada que foi como uma

hipótese de incidência), permitirá que a parte subjetivamente atingida pela sentença

possa usufruir tal regulamentação, elaborada de forma provisória e subsidiária pelo

Poder Judiciário, exercendo o direito ou prerrogativa previstos constitucionalmente,

tantas vezes e nas oportunidades que entender conveniente, até que a

regulamentação definitiva a ser elaborada pelo poder competente seja editada,

substituindo a judicial.

Em suma, a regulamentação a ser criada sentencialmente, quando do

julgamento de um Mandado de Injunção, deverá ser prospectiva de efeitos imediatos

(ex nunc, ou seja, vigente desde a publicação da decisão judicial), provisória

(vigente até que a regulamentação definitiva seja criada pelo órgão originariamente

competente), abstrata (uma hipótese de incidência) e possuidora, secundum

eventum litis (tendo em vista a peculiar natureza do direito tutelado), de efeitos

pessoais (âmbito de pessoas atingidas pela regulamentação criada na sentença)

inter partes ou ultra partes.

155 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 1992. p.58.

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4.3 Elaboração judicial regulamentadora e res judicata

A regulamentação elaborada quando do julgamento de um Mandado de

Injunção terá efeitos apenas provisoriamente, já que se trata de regulamentação

transitória, cujos efeitos se conservarão até que o sujeito passivo, inicialmente

competente para a regulamentação prevista constitucionalmente, afaste a

inconstitucionalidade por omissão. Inexiste eventual incompatibilidade da coisa

julgada da decisão judicial em Mandado de Injunção com a regulamentação

posterior do direito tutelado, visto que a finalidade do mandamus é exatamente

permitir a formulação de uma regra provisória, ficando assegurado pela res judicata

que enquanto não vier a norma regulamentadora, editada pelo órgão competente, a

disciplina a ser cumprida é aquela determinada na decisão judicial. Por óbvio,

quando vier a norma regulamentadora, esta se estenderá a todos os casos que

apresentarem as mesmas características, inclusive para aqueles que,

eventualmente, já tenham decisão através do writ. Assim, não há o que se falar em

choque entre a coisa julgada, numa determinada situação, e a norma

regulamentadora que venha a ser editada em seguida.

A regulamentação elaborada no Mandado de Injunção, dada sua

característica provisória, somente teria efeitos enquanto a falta da norma

regulamentadora não fosse colmatada pelo órgão competente. Os efeitos da

imutabilidade dessa decisão se restringem à esfera processual, não impedindo que

a regulamentação incida sobre a situação concreta que ensejou a concessão da

injunção. De fato, como bem observado por Carlos Alberto Álvaro de Oliveira:

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[...] a sentença normativa integrativa de lacuna dessa natureza nãoostenta, contudo, força de Lei, com o caráter de permanência própriodesta última categoria. Tal sentença é fadada a vigorar si et inquantum, até o suprimento da lacuna pelo órgão próprio, poisprolatada exatamente para esse fim.156

Nesse sentido, Diego Selhane Perez157 exemplifica que se alguém impetra um

Mandado de Injunção para a regulamentação do direito-liberdade de associação

(artigo 5º, XVII, da CRFB/88), posterior à decisão, concessiva e regulamentadora,

mas antes do efetivo exercício do direito pelo autor da ação, o Congresso Nacional

complementa a norma viabilizadora do exercício do referido direito-liberdade, essa

regulamentação posterior atingirá a anterior como o faria com uma lei, “revogando-a”

e regulando todos os fatos e comportamentos futuros. Mas, complementa Diego

Selhane Perez, se a regulamentação da norma definidora do direito constitucional

tutelável tivesse ensejado o seu efetivo exercício, com a realização de um ato

jurídico perfeito (criação de uma associação, por exemplo), ou com o surgimento de

nova coisa julgada em outro processo judicial, cuja decisão se fundasse na norma

criada pela sentença concessiva do Mandado de Injunção, tal regulamentação

posterior respeitaria essas situações consolidadas, como o faria se estas

decorressem de uma regulamentação legislativa.158 Destarte, com relação a

regulamentações posteriores, a norma criada pela sentença do Mandado de

Injunção, em princípio, produzirá os mesmos efeitos que produziria uma

regulamentação legal, ainda que, salvo em casos especiais, tenha seus efeitos

limitados aos impetrantes.

156 OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. A natureza do Mandado de Injunção. Estudos Jurídicos.São Leopoldo, RS: Unversidade Vale Rio, jan.-abr. 1990. p.76.157 PEREZ, Diego Selhane. op. cit. p.371.158 Ibidem. p.372.

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No julgamento do MI 283, todavia, o STF acabou declarando que a relação

entre a regulamentação judicial transitada em julgado e a regulamentação

superveniente criada pelo órgão originalmente competente observaria o princípio da

retroatividade da regulamentação mais benigna.159 Entendeu o STF que um

impetrante de Mandado de Injunção não deveria ser prejudicado por valer-se desse

remédio constitucional, o que poderia ocorrer se não pudesse desfrutar de uma

regulamentação posterior mais benéfica, ainda que decorrente daquele órgão

originalmente competente para a criação, erga omnes, dessa regulamentação. Se,

por um lado, esse entendimento apresenta, em alguns casos, algum benefício sobre

a idéia de absoluta imutabilidade das situações já consolidadas que tenham se

fundado em normas criadas em decisões definitivas de Mandados de Injunção, por

outro, em algumas situações, ele poderá acarretar uma insegurança jurídica, visto

que tal solução provocaria um permanente estado de incerteza no que se refere à

manutenção dos atos jurídicos baseados nas regulamentações criadas, com severos

reflexos sobre a própria regulamentação judicial, cuja credibilidade ficaria

comprometida em função da perda da estabilidade (risco de desprestígio da

regulamentação criada em sentenças de Mandado de Injunção).

Por tudo isso, Diego Perez sustenta que deveriam ser conservados os efeitos

já consolidados por ato jurídico perfeito ou coisa julgada, fundados em uma

regulamentação criada por uma sentença proferida em Mandado de Injunção(artigo

5º, XXXVI), salvo em situações excepcionais, verificadas caso a caso, nas quais

159 A ementa do acórdão referido assevera: “a superveniência de lei não prejudicará a coisa julgada(formada em um processo diferente e posterior ao julgamento de um mandado de injunção), que,entretanto, não impedirá o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhefor mais favorável”. (RTJ 135:883).

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deverão ser ponderados160 os interesses em conflito. Este entendido como o

confronto entre a expectativa do titular do direito a um tratamento mais favorável

previsto na regulamentação posterior e a expectativa das contrapartes do referido

titular do direito, de manutenção do ato jurídico perfeito ou da coisa julgada – direito

à segurança jurídica.161

Por fim, um último problema a ser analisado neste tópico é aquele referente à

autoridade de coisa julgada das sentenças proferidas em Mandado de Injunção

cujos efeitos atinjam pessoas que não participaram do processo judicial, ou seja,

possuam efeitos ultra partes. A princípio, é bom ressaltar que as decisões definitivas

em Mandado de Injunção somente produzirão efeitos ultra partes quando

procedentes. Isto é assim, justamente, porque tais efeitos decorrem, como visto, da

natureza do direito ou da prerrogativa cujo exercício foi viabilizado pela

regulamentação judicial (que obviamente só existirá se a sentença for procedente),

natureza esta que determina que tal direito ou prerrogativa seja exercido(a),

simultaneamente, tanto pelos impetrantes (diretos ou substituídos), quanto por

terceiros que não participaram do processo. Em outras palavras, as decisões

improcedentes em Mandado de Injunção, não importando a natureza do direito

envolvido ou a razão da improcedência, nunca produzirão efeitos ultra partes.162

160 Sobre a técnica de ponderação de direitos, bens ou interesses constitucionais, conferir, dentreoutros, ALEXY, Robert. op. cit., 1997b. p.484.161 Perez, Diego Selhane. op. cit. p.373-374.162 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.op. cit. p.302: Complexa questão – cuja discussão não interfere na solução dos problemas destetrabalho – é a de se saber se uma decisão improcedente produz qualquer efeito, visto queimutabilidade do decidido, característica da autoridade de coisa julgada, é efeito do trânsito emjulgado e não um efeito da sentença. Alguns autores entendem que a sentença de improcedênciapossui eficácia declaratória (geralmente negativa, salvo quando o pedido for declaratório negativo,quando a sentença de improcedência teria eficácia declaratória positiva), produzindo os efeitoscorrespondentes. MESQUITA, José Ignácio Botelho de. A coisa julgada no código do consumidor”. In:CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). Processo civil. São Paulo: Saraiva, 1995. p.143-145: outros,capitaneados por José Ignácio Botelho de Mesquita, entendem que a sentença improcedente nãoproduz efeito jurídico algum, a não ser o de extinguir o processo.

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114

Diego Selhane Perez163 sustenta que os limites subjetivos da autoridade de

coisa julgada deverão corresponder ao âmbito pessoal de atingidos pelos efeitos da

sentença, em que se tem uma situação de coisa julgada secundum eventum litis, em

perfeita vinculação com os efeitos subjetivos da sentença proferida. Disso decorre

que se a sentença tiver efeitos inter partes, a coisa julgada a elas se limitará. No

entanto, se a sentença produzir efeitos ultra partes, todos os atingidos pelos efeitos

da sentença também serão incluídos no âmbito de incidência da autoridade de coisa

julgada, o que responde adequadamente às exigências atreladas à necessidade de

economia processual e segurança jurídica.

Pergunta-se: o que ocorreria com um impetrante de Mandado de Injunção

cuja decisão tivesse sido improcedente se, posteriormente, surgisse uma

regulamentação (legislativa, administrativa ou judicial) com efeitos ultra partes,

versando sobre o mesmo direito por ele anteriormente reclamado? Ele poderia se

beneficiar dessa nova regulamentação? Por força dos argumentos já expendidos,

adota-se a posição neste trabalho de que o impetrante de um Mandado de Injunção

improcedente poderá se beneficiar de uma regulamentação superveniente, relativa

ao mesmo direito por ele alegado na ação referida, desde que sua particular

situação se enquadre na hipótese de incidência criada em dita regulamentação

(legal, administrativa ou judicial com efeitos ultra partes).

163 PEREZ, Diego Selhane. op. cit. p.375-376.

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5 PESQUISA JURISPRUDENCIAL

5.1 Decisões no Mandado de Injunção perante o Supremo Tribunal Federal

Inicialmente, a jurisprudência do STF em relação ao Mandado de Injunção foi

no sentido de considerá-lo “uma declaração, pelo Poder Judiciário, da ocorrência de

omissão inconstitucional, a ser comunicada ao órgão legislativo inadimplente para

que promova a integração normativa do dispositivo constitucional nela objetivado”,

cuja decisão foi proferida no Mandado de Injunção 107-DF164, tendo como Relator o

Ministro Moreira Alves, o qual será objeto de interpretação no tópico seguinte.

Equiparava-se, assim, a injunção à ação direta de inconstitucionalidade por

omissão, posição que foi criticada por parte da doutrina, para a qual estaria sendo

inócua a providência tomada, não alcançada a sua finalidade constitucional.165

Esta jurisprudência, embora muito discutida, firmou-se com pequena maioria,

havendo vários acórdãos dando pela procedência do Mandado de Injunção

exclusivamente para que o Poder Legislativo omisso fosse cientificado do julgado e

instado a suprir a lacuna.166

Mais recentemente, houve uma evolução na jurisprudência da Suprema

Corte, que concedeu o Mandado de Injunção não apenas com o fim de reconhecer a

existência da omissão, mas ainda assinando um prazo a fim de que se ultimasse o

processo legislativo faltante, sob pena de, vencido o prazo sem legiferação,

passasse a requerente a gozar da imunidade requerida nos termos do art. 195, § 7º

164 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI n. 107-3. op. cit p.9782..165 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit. p.259.166 Entre outros, vide MI 124-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. RTJ 148/653; MI 168-5-RS, Rel. Min.Sepúlveda Pertence, RT 671/216; MI 362-0-RJ, Rel. Min. Francisco Rezek, RT 732/139.

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da CRFB/88, conforme consta do julgamento proferido no MI 232-1-RJ, que também

será objeto de análise logo em seguida.

Em outro Mandado de Injunção, além de declarar a inconstitucionalidade da

omissão legislativa, pois o Congresso não elaborou e promulgou a lei prevista no art.

8º, § 3º do ADCT, estabeleceu o STF o prazo para que essa legislação fosse

aprovada, bem como estabeleceu uma sanção, embora não quantificada, ao decidir

que, caso não fosse ultimado o processo legislativo no prazo fixado, ficava

assegurada ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual

adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida, pelas

perdas e danos que fossem arbitrados. Essa decisão consta do MI 283-5-DF, que

igualmente será objeto de interpretação logo mais adiante.

Idêntica posição assumiu o STF no MI 384, julgado em 5 de agosto de 1993,

cuja ementa é a seguinte:

Com a persistência do estado de mora do Congresso Nacional, que,não obstante cientificado pelo STF, deixou de adimplir a obrigaçãoque lhe foi imposta pelo art. 8º, § 3º, do ADCT/88, reconhece-se,desde logo, aos beneficiários dessa norma transitória a possibilidadede ajuizarem, com fundamento no Direito Comum, a pertinente açãode reparação econômica.167

Por tudo isso, já se pode dizer que a jurisprudência do STF consolidou-se no

sentido de que a persistência do estado de mora do Congresso Nacional, quando,

embora seguidamente notificado, deixa de editar a norma cabível, autoriza o

beneficiário daquela a ajuizar ação de indenização com base no direito comum.

167 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI n. 384. <Disponível em:http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em 04 out. 2007.

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A cronologia desses julgamentos em Mandado de Injunção pode ser mais

bem observada na tabela colocada ao final deste trabalho, como adendo.

Todavia, para um instituto que encerrava tantas expectativas, essas decisões

têm sido muito tímidas, visto que o STF não tem exercido na sua plenitude a tarefa

jurisdicional de dizer o direito no caso concreto, zelando pelas garantias e direitos

constitucionais e assegurando o exercício do direito subjetivo garantido na Carta

Magna.

Esse o motivo pelo qual a doutrina nacional, de forma majoritária, vem

perseguindo uma corrente que confira ao Mandado de Injunção sua real missão,

qual seja, a de instrumento implementador de direitos constitucionais inviabilizados

pela falta de norma regulamentadora, a de instrumento de efetividade da

Constituição.168

De qualquer forma, para a adequada compreensão desse instituto, buscaram-

se elementos que pudessem contribuir com as metas deste trabalho, mediante

pesquisas jurisprudenciais que fossem capazes de responder a indagação do que

teria levado os julgadores do STF a julgar e processar o Mandado de Injunção como

o fizeram.

Já na introdução deste trabalho, afirmou-se que as pesquisas jurisprudenciais

se concentrariam nas decisões provenientes da mais alta corte de nosso país, o

Supremo Tribunal Federal.

A justificativa para essa concentração de análise deriva de duas diferentes

razões: a primeira relacionada ao fato de o Supremo Tribunal Federal ser a última

instância para qualquer processo que envolva o controle de constitucionalidade – já

168 MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. op. cit. p.138.

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definido que o Mandado de Injunção é uma ação tipicamente dirigida ao controle da

omissão inconstitucional para a defesa de determinados direitos constitucionalmente

estabelecidos – frente à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o

que garante ao Supremo Tribunal Federal a última palavra no que se refere à

interpretação do instituto ora analisado. A segunda das razões diz respeito à forma

como é realizada a previsão constitucional das competências do Supremo Tribunal

Federal no que se refere ao Mandado de Injunção, visto que esta lhe garante o

monopólio do controle das omissões normativas dos principais responsáveis pela

regulamentação de disposições constitucionais, como se depreende de seu texto:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, aguarda da Constituição, cabendo-lhe:I – processar e julgar, originalmente:[...]q) o mandado de injunção, quando a elaboração da normaregulamentadora for atribuição do Presidente da República, doCongresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal,das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contasda União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio SupremoTribunal Federal.

O texto normativo constitucional acima reproduzido evidencia – se analisado

em conjunto com a repartição de competências legislativas entre os entes federais

(artigos 21 a 25 e 30 da CRFB/88) e com a Organização dos Poderes (Título IV da

CRFB/88) – que a quase totalidade das regulamentações necessárias para tornar

viável o exercício de quaisquer direitos constitucionais centraliza-se nas mãos dos

órgãos cuja omissão deverá ser controlada, em Mandado de Injunção, pelo Supremo

Tribunal Federal.

Entretanto, com isso, não se está a negar a possibilidade de que outros

tribunais possuam, também, competência para conhecer do Mandado de Injunção.

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119

Isso se dará sempre que outros órgãos estatais, diferentes dos elencados no artigo

102, I, “q”, estiverem, de forma omissiva, deixando de regulamentar algum direito

constitucional, em afronta ao texto da CRFB/88. Apenas se afirma que isso tende a

ocorrer mais raramente, em situações mais específicas, e envolvendo ato

regulamentar de natureza administrativa (portaria, regimento interno dos tribunais de

segunda instância e outras disposições da mesma espécie).

Destarte, o conjunto de circunstâncias acima mencionadas justifica a

centralização analítica e a restrição da pesquisa jurisprudencial adotadas neste

trabalho. Com base nesse foco de atenção, passa-se à análise da jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal acerca do Mandado de Injunção.

Tendo como fonte a Seção de Pesquisa de Jurisprudência do STF169, obteve-

se a informação de que, desde a promulgação da Constituição de 1988 até o mês de

novembro de 2006, foram impetrados nesse interregno exatos 743 (setecentos e

quarenta e três) Mandados de Injunção. Desses, apenas oitenta e nove foram

deferidos, expedindo-se as recomendações subseqüentes a fim de que o Poder

Legislativo Federal editasse as normas para o efetivo exercício dos direitos e

liberdades constitucionais ainda carentes de regulamentação.

169 Disponível em: <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/jurisp.asp?tip=aco>. Acesso em 16 nov. 2006.

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5.2 Principais interpretações judiciais

Analisando-se os writs impetrados, constata-se que a mais importante

decisão judicial sobre o Mandado de Injunção foi tomada em 23 de novembro de

1989, no Mandado de Injunção nº 107-DF, na qual foi fixada a primeira posição do

STF acerca da matéria. Nesta oportunidade, o Ministro Relator José Carlos Moreira

Alves entendeu que o Mandado de Injunção era uma ação a ser proposta por aquele

a quem, no caso concreto, é outorgado direito ou liberdade constitucionais, ou

prerrogativa inerente à nacionalidade, à soberania ou à cidadania, e que estes não

podem ser exercitados por falta de norma regulamentadora. Entendeu ainda que

tratava de uma ação ajuizável perante órgão do Poder Judiciário competente, em

razão do Poder, do órgão, da entidade ou da autoridade cuja omissão tornasse

inviável o exercício do direito, da liberdade ou prerrogativa já referidas.170

Estabeleceram-se, portanto, quatro importantes posições sobre o assunto: a)

o caráter de ação civil do instituto; b) a legitimidade ativa ad causam do titular do

direito cujo exercício estivesse inviabilizado; c) a necessidade de um estreito nexo

causal entre a inviabilidade do exercício do direito e a falta da regulamentação; e d)

o fato de a repartição de competências jurisdicionais ter sido realizada ratione

personae.

Nada foi cogitado, todavia, acerca dos legitimados passivos ad causam, das

questões concernentes à natureza e aos efeitos da decisão jurisdicional proveniente

do Mandado de Injunção, ou ainda sobre os problemas relativos ao procedimento a

ser seguido pelo instituto. Constatou-se, também, um debate doutrinário a respeito

170 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. op. cit., 21 set. 1990. p.9782.

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dos direitos tutelados pelo writ171, em que duas questões se digladiavam: a primeira

relacionada à expressão prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à

cidadania, uma vez que, para alguns autores, poderia gerar dúvida em relação ao

conceito de soberania, debate este que o Relator pretendeu solucionar afirmando

que a expressão se referia às prerrogativas associadas à soberania popular. A

segunda questão, relativa ao significado da expressão direitos e liberdades

constitucionais, o Relator resolveu afirmando que seriam aqueles previstos no artigo

5º da Constituição, bem como aqueles outros direitos e garantias constitucionais,

inclusive os sociais, cujo exercício estivesse inviabilizado pela falta de normas

regulamentadoras.172

Em relação às três outras questões (qual o procedimento, quem são os

legitimados passivos, qual a natureza e os efeitos da decisão), o Relator firmou

posição no sentido de que o procedimento aplicável seria o do Mandado de

Segurança, no que lhe coubesse, bem como que a competência para o

processamento e julgamento originários do Mandado de Injunção seria fixada ratione

personae, ou seja, em razão da condição dos Poderes, órgãos, entidades ou

autoridades a que fosse imputada a omissão regulamentadora, o que, “segundo a

técnica processual, se daria quando essas pessoas estivessem em causa,

participando, portanto, da relação jurídica processual, na defesa de interesse

jurídico.”173 Por fim, o Relator definiu que a natureza ou eficácia da decisão é

mandamental, e que seus efeitos se restringiam a dar ciência ao órgão omisso de

que o STF o declarou em estado de omissão inconstitucional, no que se refere à

171 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. op. cit., 21 set. 1990. p.9782.172 RTJ. 133:30173 RTJ. 133:31

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regulamentação do direito constitucional cuja inviabilidade de exercício, por carência

de regulamentação, dera suporte à impetração do writ.

Como argumentos dessa decisão, o Ministro Moreira Alves174 ressaltou:

a) a regulamentação por via judicial trazia consigo o risco de inobservância do

princípio da igualdade, visto que, como a atividade judicial usualmente é feita

caso a caso, diferentes regulamentações poderiam surgir de diferentes tribunais;

b) o fato de que alguns direitos constitucionais, como as prerrogativas associadas à

soberania popular, não eram suscetíveis de uma regulamentação de caráter

individual;

c) o princípio da legalidade, associado com a democracia e a separação dos

Poderes;

d) a necessidade de preservação da liberdade de decisão política do legislador;

e) nem todos os direitos constitucionais podiam ser viabilizados por meio de uma

regulamentação, pois precisaria de uma instância político-administrativa, com a

organização de serviços, alocação de recursos e regulamentações de natureza

técnica;

f) a impossibilidade de modificação da regulamentação, criada pelo tribunal na

decisão do Mandado de Injunção, por via legislativa, em função de que esta faria

coisa julgada, insuscetível de ser prejudicada em função do disposto no artigo 5º,

XXXVI;

g) a comparação com a ação de inconstitucionalidade por omissão, prevista no

artigo 103, § 2º, que provocaria um ceticismo acerca da existência de alguma

razão para que a decisão do Mandado de Injunção, cujo objetivo era a defesa de

174 RTJ. 133:33-37.

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direitos individuais, fosse constitutiva, já que na ação direta de

inconstitucionalidade por omissão, na qual o controle é abstrato e onde o objetivo

é a tutela da ordem constitucional objetiva, a eficácia é declaratória ou

mandamental;

h) se a decisão em Mandado de Injunção fosse constitutiva, esse instituto esvaziaria

a ação direta de inconstitucionalidade por omissão;

i) a denominação do instituto e sua colocação ao lado do Mandado de Segurança,

no inciso que o prevê (artigo 5º, LXXI), indicavam que o mesmo era uma ação

mandamental.

Quanto aos quatro primeiros argumentos, obviamente que o legislador não é

livre para, por meio de sua omissão, inviabilizar o exercício de direitos associados à

liberdade política (em seus aspectos de autonomia e de participação), nem

tampouco a separação dos poderes, a democracia e o princípio da legalidade

podem ser utilizados como justificativas para impedir o incremento do controle das

atividades dos órgãos do Estado pelos indivíduos, especialmente quando esse

controle é realizado em benefício da liberdade.

Com relação às cinco objeções restantes, a última é a que merece menor

atenção, pois afirmar que o Mandado de Injunção possui natureza mandamental

porque o inciso que o prevê está ao lado do inciso do Mandado de Segurança não

serve de argumento, visto que para tanto seria necessária a comprovação que a

proximidade de incisos é um critério hermeneuticamente válido, a ponto de se

atribuir a um instituto as mesmas características previstas no outro, comprovação

esta que não parece ter sido cogitada por qualquer doutrinador conhecido.

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Da mesma maneira, interpretar uma instituição por seu nomen iuris seria

inadequado, uma vez que as razões que levaram o Constituinte a denominar o

instituto dessa forma são desconhecidas e, nesse aspecto, irrelevantes.

A questão levantada no argumento do item “f”, criado para os proponentes da

eficácia constitutiva da decisão do Mandado de Injunção pelo binômio alterabilidade

do direito/autoridade de coisa julgada sobre a regulamentação, foi resolvida pelo

próprio STF no Mandado de Injunção número 283, em que se definiu que a relação

entre a regulamentação judicial transitada em julgado e a superveniente criada pelo

órgão original de competência, observaria o princípio da retroatividade da

regulamentação mais benigna.175

No que tange ao argumento apresentado no item “g”, o fato de se entender o

Mandado de Injunção como possuidor de eficácia constitutiva, não esvazia a ação

direta de inconstitucionalidade por omissão, pelas seguintes razões: 1) o Mandado

de Injunção só serviria quando a omissão fosse de natureza normativa (falta de

norma regulamentadora), enquanto que a ação direta de inconstitucionalidade é

adequada para qualquer tipo de omissão (omissão de medida para tornar efetiva

norma constitucional), seja ela normativa ou não; 2) o Mandado de Injunção só seria

adequado para tornar efetivas normas que definissem determinados direitos

constitucionais, ao passo que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão

cabe ainda que a norma não efetiva, em função da omissão, tenha por objeto um

dever estatal que não importe em um direito de particulares; e, 3) a ação de

inconstitucionalidade por omissão - em razão de ser proposta por órgãos

175 A ementa do acórdão referido assevera: “a superveniência de lei não prejudicará a coisa julgada(formada em um processo diferente e posterior ao julgamento de um mandado de injunção) que,entretanto, não impedirá o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhefor mais favorável.” (RTJ. 135:883).

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politicamente representativos e por ser analisada em abstrato (inconstitucionalidade

em tese) – possui uma maior carga de reprovação e expressão política.

Finalmente, no que se refere ao argumento contido no item “e”, é correta a

afirmação de que nem todos os direitos constitucionais podem ser viabilizados por

meio de uma regulamentação, pois precisam de uma instância político-

administrativa, com a organização de serviços, alocação de recursos e

regulamentações de natureza técnica. Mas daí não decorre, necessariamente, que a

eficácia da sentença do Mandado de Injunção não possa ser constitutiva.

Na verdade, parece que o Relator do MI 107 fincou a posição de que a ação

injuntiva é aplicável a todos os direitos constitucionais – inclusive os que, em razão

de necessitarem de ações materiais administrativas para a sua operacionalização,

não podem ser viabilizados pela criação judicial de uma regulamentação –, mas,

como não é possível solucionar o problema de todos os direitos por meio de

regulamentações, estas não seriam criadas para nenhum direito. Ou seja, o

mandamus tutelaria todos os direitos, mas seria totalmente destituído de qualquer

importância prática, visto que seus efeitos seriam apenas declaratórios.

Declaratórios, e não mandamentais, porque estes últimos existem quando a decisão

judicial se caracteriza por ser uma verdadeira ordem, um mandado. E, para tal

caracterização, é indispensável a presença de uma pena para aqueles que

descumprirem a decisão, pena sequer cogitada no MI 107.

Destarte, todos os argumentos levantados pelo Ministro Relator foram

refutados, não se podendo afirmar que tenham sido capazes de afastar qualquer

argumento contra uma interpretação do instituto que procure garantir a ele o máximo

de efetividade e de relevância político-constitucional. De outra banda, importante

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ressaltar que a posição ventilada no MI 107 não deve ser confundida com o

entendimento definitivo do Supremo Tribunal Federal, mas deve ser entendida como

a posição daquele Tribunal naquele particular momento histórico176, visto que, logo

após o julgamento do MI 107, começaram a surgir divergências entre os ministros e

alguns deles mudaram suas opiniões, ou ainda pelo fato de que novos ministros

passaram a compor a Corte Suprema.

Posteriormente, alguns ministros do STF – especialmente Marco Aurélio de

Mello, Carlos Mário da Silva Velloso e Ilmar Galvão – têm reconhecido que a

concessão do Mandado de Injunção deve resultar na edição de uma

regulamentação judicial pela corte judicial competente, conforme afirmou o Ministro

Ilmar Galvão, em voto dissidente, quando do julgamento do MI 284:

O pedido que prepondera no Mandado de Injunção não é o de quese compila o Poder Legislativo a elaborar a lei faltante, mas oconsistente em que se viabilize a concretização da vontade da normaconstitucional, mediante a satisfação do direito por ela atribuído aoimpetrante. Não se trata, pois, de ação mandamental. Nele, oTribunal não expede ordem de elaboração de lei. O que lhe cabe é,na falta desta, ditar a regra a ser utilizada no caso concreto. Acitação dos órgãos do Poder Legislativo, portanto, tem o sentido demera ciência, a fim de que tome, se for o caso, as medidasnecessárias à expiação de sua mora.177

A primeira alteração significativa do STF surgiu já em 1991, quando do

julgamento, em 20 de março, do Mandado de Injunção nº 283, já mencionado no

item 4.1 deste trabalho, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, versando sobre

um direito indenizatório previsto no § 3º do artigo 8º do Ato das Disposições

176 HAGE, Jorge. Omissão inconstitucional e direito subjetivo. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.p.160-167: também é certo, como salienta este autor, que se pode perceber no voto de alguns dosministros (especialmente Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Célio Borja) a existência, mesmodurante a aclamação unânime do voto do Ministro Relator Moreira Alves, de algumas reticênciasquanto aos seus resultados.177 RTJ. 139:722

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Constitucionais Transitórias (ADCT). Nesse processo, o STF decidiu conferir ao

Congresso Nacional um prazo para que este regulamentasse a disposição

constitucional, sob pena de concessão de efeitos constitutivos para essa decisão

judicial. A propósito, veja-se um trecho do memorável acórdão:

Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do Mandadode Injunção para:a) declarar em mora o legislador com relação à ordem de legislarcontida no art. 8º, § 3º, ADCT, comunicando-se ao CongressoNacional e à Presidência da República;b) assinalar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sançãopresidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da leireclamada;c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei,reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pelavia processual adequada, sentença líquida de condenação àreparação constitucional devida, pelas perdas e danos que searbitrem;d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência de lei nãoprejudicará a coisa julgada, que, entretanto, não impedirá oimpetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em quelhe for mais favorável.

Em outras palavras, mesmo que de forma disfarçada, o STF, como “punição”

pelo desrespeito do prazo por ele fixado, realizou a regulamentação, por meio de

efeitos constitutivos de sua decisão, que no MI 107 havia informado não constituir o

objeto do Mandado de Injunção, visto que seria, em tese, incompatível com a

Constituição. O suposto caráter mandamental atribuído à decisão do MI 107 –

meramente declaratório – converteu-se, assim, de modo disfarçado, em eficácia

constitutiva.

As decisões proferidas nos MI 384, 355 e 447, entre outras, também

regulamentadoras do § 3º do artigo 8º do ADCT, se seguiram, sendo que a única

diferença entre estas e a tomada no MI 283 é que, por serem posteriores à fruição

do prazo de 60 dias concedidas ao Congresso Nacional e ao Presidente da

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República para a regulamentação, inexistia a concessão de novos prazos,

reconhecendo-se desde logo, aos beneficiários dessa norma transitória, a

possibilidade de ajuizarem, com fundamento no direito comum, a pertinente ação de

reparação econômica, resultando em imediatos efeitos constitutivos para as

mencionadas decisões.

Dessa forma, nos julgamentos supramencionados, o STF adotou duas

diferentes medidas que entendera, no passado, juridicamente impossíveis. A

primeira foi ordenar, no sentido propriamente mandamental, as condutas do

Presidente da República e do Congresso Nacional, ainda que a pena por

descumprimento não recaísse em nenhum dos dois, posto que eventual “sanção”

aplicada à União, não pudesse ser considerada uma punição de comportamento dos

congressistas e/ou do Presidente da República. A segunda foi a concessão, ainda

que de forma discreta, de efeitos constitutivos à decisão do Mandado de Injunção,

embora se tenha negado a realizar uma regulamentação detalhada do dispositivo

constitucional, transferindo a responsabilidade para os juízes de primeira instância.

Estabeleceu-se, assim, a despeito de suas considerações anteriores quanto à

eficácia constitutiva da decisão, que entendera impossível, um resultado alternativo

e acessório do Mandado de Injunção (punição em caso de descumprimento).

O STF decidiu ainda, de forma constitutiva, no MI 232 –- também já

mencionado no item 4.1 deste estudo, julgado em 02 de agosto de 1991. Nessa

ação, discutiu-se a imunidade prevista no artigo 195, § 7º, da CRFB/88 – que

entidades filantrópicas de assistência social tinham de pagar contribuições para a

seguridade social, apesar da imunidade legal prevista, uma vez que não havia

qualquer critério para as autoridades públicas diferenciarem umas entidades

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beneficentes de outras, a fim de reconhecer a algumas a imunidade e a outras não.

Diante dessa situação, o STF resolveu deliberar de modo semelhante ao que havia

feito no MI 283, fixando um prazo para que o legislador regulamentasse o referido

dispositivo, findo o qual a impetrante passaria a gozar, automaticamente, da

imunidade prevista na norma constitucional. Veja-se trecho do acórdão:

Mandado de Injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferidopara declarar-se o estado de mora em que se encontra o CongressoNacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele asprovidências legislativas que se impõem para o cumprimento daobrigação de legislar decorrente do art. 197, § 7º, da Constituição,sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumprapassar o requerente a gozar da imunidade requerida.178

Também nesse caso, a “sanção”, na hipótese de descumprimento da

determinação de legislar, foi a “regulamentação” da norma constitucional que

estabelece a imunidade, bastando a entidade comprovar ter cumprido os dois

requisitos constitucionalmente previstos, quais sejam, constituir-se em instituição de

assistência social, sem fins lucrativos. Tratou-se, portanto, de decisão constitutiva

que importou em substituição, ainda que provisória e restrita ao caso concreto, da

atividade legislativa, embora de forma disfarçada e sob a aparência de uma sanção

no caso de descumprimento do que fora decidido.

Esse estranho caráter de sanção, que a eficácia regulamentadora/constitutiva

possui nas decisões retro-mencionadas, é confirmado expressamente pelo Ministro

Sepúlveda Pertence que, no julgamento do MI 361, asseverou:

A mim me parece que o prazo só é adequado, no dispositivo doMandado de Injunção, quando seja possível cominar conseqüênciasà sua superação, in albis, como fizemos no Mandado de Injunção nº

178 RDA. 199:155

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283, Caso Daudt, porque se tratava de obrigação imputável à União,vale dizer, à pessoa jurídica responsável pela mora legislativa.179

Evidente que “conseqüências à [...] superação in albis” do prazo estabelecido

pelo STF é uma sanção que atribui, ainda que de forma velada, o caráter constitutivo

à decisão judicial concessiva do Mandado de Injunção, desde que a pessoa

obrigada a cumprir o conteúdo da regulamentação seja a mesma à qual possa ser

imputada a omissão inconstitucional. Tal condição adicional, todavia, não

descaracterizou o fato de o STF ter, nos casos alinhavados, conferido eficácia

constitutiva ao Mandado de Injunção.

O ex-Ministro Néri da Silveira, em pronunciamento realizado em 16 de março

de 1995, descreveu a situação das posições do STF da seguinte maneira:

Há, como sabemos, no julgamento dos Mandados de Injunção, trêscorrentes: a majoritária, que se formou a partir do Mandado deInjunção nº 107, que entende deva o Supremo Tribunal Federal, emreconhecendo a existência da mora do Congresso Nacional,comunicar a existência dessa omissão, para que o Poder Legislativoelabore a lei. Outra corrente, minoritária, reconhecendo também amora do Congresso Nacional, decide, desde logo, o pedido dorequerente do Mandado de Injunção e provê sobre o exercício dodireito constitucional previsto. Por último, registro a minha posição,que é isolada: partilho do entendimento de que o CongressoNacional deve elaborar a lei, mas também tenho presente que aConstituição, por via do Mandado de Injunção, quer assegurar aoscidadãos o exercício de direitos e liberdades, contemplados na CartaPolítica, mas dependentes de regulamentação. Adoto posição queconsidero intermediária. Entendo que se deva, também, em primeirolugar, comunicar ao Congresso Nacional a omissão inconstitucional,para que ele, exercitando sua competência, faça a lei indispensávelao exercício do direito constitucional assegurado aos cidadãos.Compreendo, entretanto, que se o Congresso não fizer a lei, emcerto prazo que se estabelece na decisão, o Supremo TribunalFederal pode tomar conhecimento da reclamação da parte, quantoao prosseguimento da omissão, e, a seguir, dispor a respeito dodireito in concreto. É, por isso mesmo, uma posição que me parececoncilia a prerrogativa do Poder Legislativo de fazer a lei, como oórgão competente para a criação da norma, e a possibilidade de oPoder Judiciário garantir aos cidadãos, assim como quer a

179 RTJ. 158:385

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Constituição, o efetivo exercício de direito na Constituição,assegurando, mesmo se não houver elaboração de lei.180

Essa declaração demonstra que, pelo menos, Néri da Silveira tinha absoluta

consciência de que a posição assumida nos MI 283 e 232, e em outros processos

semelhantes, assegurava à sentença do Mandado de Injunção uma eficácia

constitutiva regulamentadora, ainda que posterior a uma nova oportunidade de

regulamentação para o órgão omisso.

Por tudo isso, o STF não poderá continuar a insistir por muito tempo na linha

argumentativa do MI 107, que ele mesmo já vem rejeitando, ainda que de forma

velada, restando-lhe converter sua posição atual naquela que é defendida pelos

Ministros Marco Aurélio de Mello e Celso de Mello, ou seja, concessão de eficácia

constitutiva e tutela de todos os direitos constitucionais181, ou o abandono de sua

posição atual e a adoção de uma nova linha interpretativa, mais compatível com a

ordem constitucional brasileira.

5.3 Cotejo das decisões em face do Poder Legislativo

Conforme já se ressaltou neste trabalho, a pesquisa jurisprudencial realizada

no STF acerca do Mandado de Injunção revelou que de um total de 743 mandamus

180 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ata da 7ª Sessão Extraordinária . Brasília, DF: Diário deJustiça da União, 4 abr. 1995. p.8265-6.181 A própria posição tomada nos MI 232 e 283, é perfeitamente assimilável na posição dos referidosMinistros, visto que, em última análise, essas decisões são constitutivas, regulamentando o direitoconstitucional pleiteado em juízo. Nesse sentido, oportuno ressaltar o julgamento do RMS nº 22.307,julgado em 19/02/1997, no qual o STF realizou uma extensão de benefício incompatível com oprincípio da igualdade, atribuindo aos funcionários públicos civis impetrantes do mandado desegurança o mesmo reajuste de vencimentos que havia concedido aos militares, uma vez que setratava de “revisão geral dos vencimentos” que, portanto, por força da Constituição, deveria serestendida a todos os funcionários públicos federais. Nessa decisão, o STF afastou-se de suaorientação tradicional (caracterizada pela Súmula 339 – necessidade de lei para a concessão dereajuste de vencimentos), e realizou o reajuste judicialmente.

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já impetrados desde a Carta de 1988, apenas 89 foram deferidos pela Corte

Suprema, alguns de forma parcial, mas todos recomendando ao Poder Legislativo

Federal a edição da norma faltante e exigível constitucionalmente.

Os resultados da pesquisa em questão, como já mencionado, foram obtidos

da Seção de Pesquisa de Jurisprudência182 daquela Corte, por correspondência

eletrônica, cuja documentação enviada foi cuidadosamente analisada e conferida,

inclusive confrontando-se os acórdãos existentes no mesmo sentido, evitando-se,

assim, eventual duplicidade que poderiam comprometer a metodologia desenvolvida

neste estudo.

De posse de tais importantes informações oficiais, adquiridas diretamente do

órgão responsável para julgar o remédio constitucional, objeto deste trabalho,

passou-se à segunda fase da pesquisa, visando responder ao objetivo inicialmente

proposto, qual seja, se o Mandado de Injunção garante ou não eficazmente os

direitos fundamentais preconizados na Constituição de 1988.

Nesta segunda fase, a busca se concentrou no Poder Legislativo Federal,

mais precisamente na Câmara dos Deputados, em Brasília, visando aferir quantas

recomendações emanadas do STF em Mandados de injunção teriam sido

recepcionadas naquela Casa de Leis e, mais do que isso, quantas recomendações

resultaram na edição da norma regulamentadora indicada pelo Poder Judiciário

competente.

Neste sentido, o Centro de Documentação e Informação (CEDI)183, localizado

no Anexo II da Câmara dos Deputados, expediu e disponibilizou o histórico de todos

os expedientes recebidos naquela Casa de Leis provenientes do Supremo Tribunal

182 Disponível em: <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/jurisp.asp?tip=aco>. Acesso em 26 nov.2006.183 Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/conheca/estruturaadm/cedi>. Acesso em 18 dez. 2006.

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Federal, relativamente a Mandados de Injunção, contendo a tramitação desses

documentos até sua final decisão. Ou seja, disponibilizou amplo levantamento

efetuado no acervo existente a respeito de Mandados de injunção recebidos pela

Câmara a partir de 1988, cujo resumo pode ser conferido ao final deste trabalho.

O material recebido foi cuidadosamente analisado e confrontado com as

recomendações oriundas do STF acerca do assunto, oportunidade em que a

pesquisa revelou que, dos expedientes recepcionadas pela Câmara dos Deputados,

ao longo desses anos, nenhum se transmudou na edição da lei recomendada pelo

STF no bojo de Mandado de Injunção impetrado naquela Corte. Repita-se, nenhuma

recomendação recepcionada pelo Poder Legislativo Federal resultou na edição da

norma indicada pelo Poder Judiciário.

A pesquisa realizada no banco de dados do Supremo Tribunal Federal

revelou, ainda, que no período de 1988 a 2006, o STF julgou um total de 1.013.959

processos, dos quais apenas 705 se referiam a Mandados de Injunção, ou seja,

menos de um por cento desse total (na verdade, cerca de 0,069%).184

Vide tabela comparativa ao final deste trabalho, no item Anexos.

Ou seja, é muito significativo que menos de um processo em mil, ou seja,

menos do que 0,1% de todos os processos apreciados na Suprema Corte, seja

relativo ao Mandado de Injunção, o que demonstra o descrédito que veio a

caracterizar o instituto.

Obviamente que, referente às matérias ventiladas nos mandados deferidos

pelo STF, uma lei ou outra foi editada, como por exemplo a Lei 10.101, de

19.12.2000, que dispôs sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou

184 Disponível em: <http:/www.stf.gov.br>. Acesso em 7 out. 2007.

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resultados da empresa, prevista no artigo 7º, XI, CRFB/88. Todavia, nenhuma foi

editada em função das recomendações oriundas de Mandados de injunção, mas

sobretudo resultantes de projetos de leis já existentes acerca do assunto, de livre

iniciativa do poder competente, sem qualquer nexo com as decisões proferidas na

ação injuntiva. No caso da Lei mencionada, o que ocorreu foi a conversão da

Medida Provisória nº 1982-77, de 23.11.2000, editada pelo então Presidente da

República Fernando Henrique Cardoso185, sem qualquer vínculo com as

recomendações emanadas pelo STF em Mandados de injunção acerca dessa

matéria.

A pesquisa revelou que a maioria das recomendações recepcionadas pela

Câmara dos Deputados versava sobre a regulamentação do artigo 192, § 3º, da

Constituição de 1988, que dispunha sobre os juros reais de 12% ao ano, cujo artigo,

como se sabe, nunca foi regulamentado, visto que revogado pela Emenda

Constitucional número 40, de 29 de maio de 2003.

5.4 Reflexões sobre o resultado da pesquisa

No cotejo das informações recebidas do STF e da Câmara dos Deputados,

conclui-se que, se a eficácia jurídica (leia-se: a possibilidade de aplicação da norma,

no sentido de possibilidade de produção de efeitos) do mandamus vem se afirmando

ao longo do tempo, o mesmo não se pode falar acerca de sua desejável eficácia

social (ou efetividade, na preferência de alguns autores), no sentido de ser

obedecida e aplicada pelos órgãos competentes.

185 Disponível em: <http:/www.planalto.gov.br>. Acesso em 9 fev. 2007.

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Tal conclusão é preocupante, na medida em que uma omissão normativa

inconstitucional que inviabilize o exercício de um direito-liberdade constitucional ou

uma prerrogativa política é sempre danosa ao Estado de Direito e à Democracia,

que não podem existir sem a defesa dos direitos fundamentais e sem a plena

viabilidade do exercício dos direitos políticos.

A criação do Mandado de Injunção como remédio constitucional supridor

dessas omissões visava justamente conferir garantia de efetividade aos direitos

constitucionais delineados em nossa jovem Constituição de 1988 e que precisavam

ser regulamentados pelo órgão competente. Nesse sentido, ao possibilitar a criação

de soluções regulamentares provisórias, o Mandado de Injunção poderia ter o

condão de desestimular a manutenção de omissão inconstitucional, visto que: 1) a

autoridade competente não poderia auferir qualquer vantagem derivada da não

regulamentação da norma constitucional definidora do direito ou prerrogativa

tutelável; 2) geraria uma grave censura de natureza política, pois demonstraria que a

regulamentação é possível, comprovando assim que a omissão seria apenas o

resultado de uma inatividade dolosa ou culposa do Poder, órgão ou autoridade

omisso.

Diante dessa inércia legislativa inviabilizando a desejada eficácia social (ou

efetividade) que se esperava desse tão importante remédio constitucional, este

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trabalho defende a tese, com amplo apoio doutrinário186, de que, na decisão de

procedência no processo de Mandado de Injunção, o Poder Judiciário agiria

substituindo o Poder, órgão ou autoridade omissos, exarando uma sentença de

eficácia constitutiva, capaz de criar uma regulamentação infraconstitucional

suficiente para garantir ao sujeito ativo a plenitude do exercício do seu direito

amparado constitucionalmente.

Nesse diapasão, Vicente Greco Filho187 propôs que o Tribunal elaborasse a

norma, admitida a alternativa de antes ser dada a oportunidade para que o poder

competente o fizesse e, se isto não ocorrese, o Judiciário o faria para que exercesse

então o direito constitucional.

Talvez essa seja a solução mais adequada para que o Mandado de Injunção

possa cumprir sua função precípua, permitindo ao cidadão exigir as condições

legais para o exercício dos direitos fundamentais que lhes são assegurados pela

Constituição de 1988, e que ainda dependem de norma infraconstitucional

regulamentadora.

186 VELOSO, Carlos Mário. As novas garantias constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais,1989. p.7-17: o autor acredita que “no mandado de injunção, reconhecendo o juiz ou tribunal que odireito que a Constituição concede é ineficaz ou inviável, em razão da ausência de normainfraconstitucional, fará ele, juiz ou tribunal, por força do próprio mandado de injunção, a integraçãodo direito à ordem jurídica, assim tornando-o eficaz e exercitável.” Cf. também BACHA, SérgioReginaldo. A evolução do mandado de injunção na Suprema Corte Brasileira. Cadernos de DireitoConstitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul.-set. 1997, quando afirmaque “o Poder Judiciário deverá, a exemplo do que já ocorre com a função da sentença, formular umanorma para o caso concreto, viabilizando assim o exercício dos direitos constitucionais e dasliberdades públicas.”187 GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989. p.183-184.

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6 POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA VIABILIZAR MAIOR EFICÁCIA AO MANDADODE INJUNÇÃO

6.1 O processo de investidura dos Ministros do Supremo Tribunal Federal

Como é cediço, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 101, exige

apenas três requisitos para a investidura de Ministro do STF: a idade entre 35 e 65

anos, o notável saber jurídico e a reputação ilibada, que, uma vez presentes,

habilitam indicação e nomeação pelo Presidente da República, após a aprovação do

seu nome pela maioria absoluta do Senado Federal, que sabidamente nunca

reprovou nenhum candidato.

Nos Estados Unidos da América, que dispõe de mecanismo semelhante, a

Suprema Corte cumpre sua missão constitucional, mas no Brasil esse método de

escolha, que deveria servir de equilíbrio, definitivamente não funciona, haja vista

nossa cultura, centralizadora e autoritária, em que o Poder Executivo normalmente é

preponderante.

De outra banda, ao dar maior ênfase ao controle concentrado de

constitucionalidade, como se tem visto ultimamente, relegamos a segundo plano o

eficiente controle difuso, num retrocesso sem precedentes.

Urge, portanto, substituir o atual método de escolha dos Ministros do STF, por

qualquer outro que seja mais democrático e eficaz, a fim de que a jurisdição

constitucional possa ser, de fato, independente.

Sugestões não faltam, como é óbvio.

Alexandre Nery de Oliveira, ao discorrer sobre a reforma do Judiciário, sugere

um sistema de cooptação, com a participação dos próprios Ministros do STF, desde

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que a escolha recaísse em magistrados de Tribunais Superiores, o que deveria ser

capaz de impedir as investiduras com base em critérios políticos, ou ainda, que a

investidura dos ministros do Supremo fosse feita a partir de listas encaminhadas

pelos Tribunais Superiores, pelo Ministério Público e pela OAB.188

A respeito, Alexandre de Moraes defende a transformação do Supremo em

Corte Constitucional, e a participação mais efetiva dos três Poderes na escolha de

seus membros, que deveriam ter mandatos limitados, proibida a recondução.189

Mais coerente com a nossa tradição jurídica, Dalmo Dallari sugere, apenas,

uma restrição ao processo atual, através da apresentação de listas tríplices, pela

OAB, pela Magistratura e pelo Ministério Público.190

Sem dúvida o processo de escolha dos Ministros do STF assume atualmente

uma grande importância, principalmente pela opção em favor do sistema

concentrado de constitucionalidade, que tende a sobrepujar o sistema difuso,

concentrando o poder decisório no STF.

6.2 Sentenças manipulativas aditivas

Infirmada a constitucionalidade do preceito discriminatório “naquilo que faltou

fazer”, supera-se a omissão relativa pela incidência obrigatória de norma

constitucional auto-aplicável, nos moldes já desenvolvidos na Espanha e na Itália,

188 OLIVEIRA, Alexandre Nery. A reforma do Judiciário - IV. Disponível em: <http://www.jusnavigandi.com.br>.Acesso em 5 ago. 2006.189 MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais. São Paulo:Atlas, 2000. p.324.190 DALLARI, Dalmo de Abreu. op. cit. p.119.

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pelas chamadas sentenças “manipulativas aditivas”.191 É certo que mesmo nesses

países o assunto ainda é polêmico, haja vista que alguns doutrinadores sustentam

que tais mecanismos convertem o órgão controlador em “legislador positivo”. De

qualquer forma, segue prevalente a tese de que o tribunal constitucional, como

acima sustentado, apenas faz emergir, por via da interpretação, norma auto-

aplicável e já presente no texto constitucional.192

Na defesa desse tipo de controle sobre as omissões relativas, Diaz Revorio

pondera que, em muitos casos, as exigências constitucionais podem impor a

extensão do regime previsto no preceito discriminatório, já que a supressão da

regulação favorável iria contra certos mandamentos contidos na própria

Constituição. Se a disciplina deficiente representa, ainda que de modo incompleto, a

atuação da Constituição, o realizado na disciplina não pode ser “desatuado” contra a

vontade da norma fundamental.193 Por isso, num contexto constitucional com grande

elenco de direitos sociais, é justificável o fato de a Corte Constitucional espanhola

preferir considerar a legislação antiisonômica como portadora de “insuficientes

generalizações” a benefícios em sentido inconstitucional.

191 BERNARDES, Juliano Taveira. Novas perspectivas do controle da omissão inconstitucional nodireito brasileiro. Disponível em: <http://www.jusnavigandi.com.br>. Acesso em 24 abr. 2006.192 CAMPO, Jimenez Javier. La declaración de inconstitucionalidad de la ley. In: LLORENTE,Francisco Rubio. Estudios sobre jurisdicción constitucional. Madrid: McGraw-Hill, 1998. p.135-136: para Jimenez Javier Campo, a reparação da inconstitucionalidade omissiva relativa, por parte dotribunal constitucional, não pode acarretar atividade de legislação positiva. Entende o jurista espanholque, por isso, tal reparação haveria de ser necessariamente mediada pela intervenção da lei ou deoutra decisão judicial que viesse a ser depois editada pelo juízo ordinário. Destarte, quandoimplementa a reparação imediata daquele tipo de vício, o TC espanhol trabalha sob a falsa premissasegundo a qual, por intermédio da anulação da negação implícita contida na lei, é possível introduzirno enunciado legal as determinações por cuja falta o legislador incidiu em inconstitucionalidade.Nesses casos, porém, como a nulidade é sanção puramente ablativa, a reparação dainconstitucionalidade por omissão não nasce da invocação da própria nulidade. Surge, na verdade,de nova ordenação abstrata, materialmente legislativa, baixada pelo próprio TC, com desrespeito aoslimites da jurisdição constitucional.193 REVORIO, Francisco Javier Diaz. Las sentencias interpretativas del Tribunal Constitucional.Valladolid: Lex Nova, 2001. p.207.

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Embora não se devam chancelar privilégios injustificados, a solução aditiva, quando

contrastada com a opção de decretar a inconstitucionalidade do regime favorável, é

mais respeitosa com as exigências constitucionais.194

Em suma, a sentença aditiva é uma maneira de salvar, ao menos

parcialmente, a decisão tomada pelo legislador. Oportuno salientar, entretanto, que

não são todos os casos de omissão que admitem livremente sentenças

“manipulativas” aditivas. A Corte Constitucional italiana, com base no rigoroso

princípio da legalidade em matéria penal, não admite sentenças aditivas in malam

partem.195 Por outro lado, conhecendo o problema financeiro que a solução judicial

pode ensejar, a doutrina italiana tem diferenciado decisões “aditivas de gastos” ou

de “prestação” (additive di spese e additive de prestazione) daquelas “aditivas de

garantias”. Com isso, questiona-se a constitucionalidade de precedentes da Corte

Constitucional italiana nos quais não houve indicação da fonte de recursos

necessários para suportar o aumento de despesas decorrentes da extensão,

mediante sentenças “aditivas de prestação”, do original programa normativo da lei

deficitária.

Essa discussão se funda no artigo 81, § 4º, da Constituição italiana, o qual

exige - de forma até mais contundente que o artigo 63 da CRFB/88 – que qualquer

lei que implique novos ou maiores gastos deve indicar os meios para lhes fazer

frente. A saída para esse problema, tanto no Brasil quanto na Itália, parece estar no

raciocínio exposto por Romboli, para quem o artigo 81, § 4º, da Constituição italiana

não vincula diretamente os pronunciamentos judiciais, mas deve ser visto como

princípio a ser considerado e valorado pela Corte no momento de julgar a

194 REVORIO, Francisco Javier Diaz. op. cit. p.208-215.195 CERRI, Augusto. Corso de giustizia costituzionale. Milano: Giuffrè, 2001. p.237-238.

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legitimidade constitucional de uma lei.196 Logo, a decisão do tribunal não poderá

indicar uma regra que traduza a solução constitucional obrigatória, senão apontar

princípio ou princípios que nortearão as posteriores modalidades de atuação

normativa necessárias para corrigir a disciplina incompleta.

É importante enfatizar que, nas decisões aditivas (também ditas modificativas

ou manipulativas), a inconstitucionalidade detectada não reside tanto naquilo que a

norma preceitua, quanto naquilo que ela não preceitua; ou, por outras palavras, a

inconstitucionalidade acha-se na norma na medida em que não contém tudo aquilo

que deveria conter para responder aos imperativos da Constituição. E então, o órgão

de fiscalização acrescenta (e, acrescentado, modifica) esse elemento que falta.197

Sustenta Jorge Miranda que o órgão de fiscalização não se comporta aqui

como legislador, pois não age por iniciativa própria e nem segundo critérios políticos;

age em processo instaurado por outrem e vinculado aos critérios de interpretação e

construção jurídica inerentes à hermenêutica constitucional.198

6.3 A questão da “separação de poderes”

Numa versão sintetizada de alguns capítulos de sua tese de doutoramento

defendida na Faculdade de Direito da USP, Rubens Beçak afirma em artigo

homenageando Sérgio Resende de Barros, que os poderes estatais exercem

funções que, em tese, não lhes seriam atinentes, mas que em realidade o fazem

como atribuições necessárias à realização de suas próprias tarefas, e que não é a

196 ROMBOLI, Roberto. Revista Española de Derecho Constitucional. Madri: Centro de EstudiosConstitucionales, set.-dez. 1996. p.105-106.197 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.514.198 Ibidem. p.515.

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realização de atividades secundárias por um determinado poder que o desvia da

consecução de sua atividade principal.199

Pois bem. Em pelo menos duas decisões, o Supremo Tribunal Federal,

deixando de lado sua dogmática posição de não agir como “legislador positivo”,

culminou por realizar autênticas “adições normativas”, contemplando situações que

eram frontalmente contrárias à “vontade negativa” do Legislativo. Numa delas,

estendeu aos proventos de servidores inativos aumentos remuneratórios que os

discriminaram, utilizando-se do mesmo raciocínio adotado para justificar as

sentenças manipulativas aditivas, já mencionadas, argumentando que o Tribunal

pode desconsiderar a norma infraconstitucional discriminatória a pretexto de aplicar

uma outra norma, auto-aplicável, já prevista na Constituição da República. Senão,

vejamos:

ISONOMIA – ATIVOS E INATIVO - § 4º DO ARTIGO 40 DACONSTITUIÇÃO FEDERAL – APLICABILIDADE. A garantiainsculpida no § 4º do artigo 40 da Constituição Federal é de eficáciaimediata. A revisão dos proventos da aposentadoria e a extensãoaos inativos de quaisquer benefícios e vantagens posteriormenteconcedidos aos servidores em atividade pressupõem, tão-somente, aexistência de lei prevendo-os em relação a estes últimos. O silênciodo diploma legal quanto aos inativos não é de molde a afastar aobservância da igualação, sob pena de relegar-se o preceitoconstitucional a plano secundário, potencializando-se a atuação dolegislador ordinário como se a este fosse possível introduzir, nocenário jurídico, temperamentos à igualdade. Uma vez editada leique implique outorga de direitos aos servidores em atividade, dá-se,pela existência da norma constitucional, a repercussão no campopatrimonial dos aposentados. A locução contida na parte final do § 4ºem comento – “na forma da lei” – apenas submete a situação dosinativos às balizas impostas na outorga do direito aos servidores daativa.200

199 BEÇAK, Rubens. A legiferação pelo Executivo: evolução e situação atual no Brasil. In:CASTARDO, Hamilton Fernando; et. al. (coords.). Lições de direito constitucional em homenagemao Prof. Dr. Sérgio Resende de Barros. Campinas, SP: Millennium, 2007. p.183.200 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 198.129 .Brasília, DF: Diário de Justiça da União, 30 mai. 1997: referiu-se à redação original do § 4º, da CF/88.Atualmente, por força da EC 41/2003, a mesma regra está no § 8º do citado artigo 40.

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No mesmo sentido foi a decisão do Supremo Tribunal Federal no RMS

22.307/DF, conforme ementa extraída do acórdão:

REVISÃO DE VENCIMENTOS – ISONOMIA. A revisão geral deremuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entreservidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data– inciso X – sendo irredutíveis, sob o ângulo não simplesmente daforma (valor nominal), mas real (poder aquisitivo) os vencimentos dosservidores públicos civis e militares – inciso XV, ambos do artigo 37da Constituição Federal.201

Extrai-se desses dois exemplos que o Supremo Tribunal Federal constatou a

ocorrência de implícita omissão relativa “determinada”, e então decidiu aplicar a

regra constitucional obrigatória ao caso, e como tais decisões resultaram em

acréscimo de gastos não previstos na legislação guerreada, os efeitos “aditivos”

implementados pelo Supremo foram classificados como “aditivo de prestação”, ou

seja, o mais complicado deles. Após a decisão proferida no RMS 22.307/DF, outras

a ela se seguiram de forma semelhante por toda a Justiça Federal, culminando na

edição de Medida Provisória do Presidente da República, estendendo os efeitos

daquele julgamento do Supremo.202

Por fim, não menos importante, o julgamento proferido pelo STJ em matéria

penal, atribuindo efeito aditivo “de garantia” ao interpretar o artigo 2º da Lei 10.259,

de 12.07.2001. Como é cediço, esse dispositivo fixou a competência dos Juizados

Especiais Criminais no âmbito da Justiça Federal, para o julgamento das infrações

201 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Min. Marco Aurélio. Brasília, DF: Diário de Justiça daUnião, 13 jun. 1997. p.26722: nesse caso, conforme havia decidido no Processo Administrativo19.426-3 – em que se consideraram, entre outros fatores, “a auto-aplicabilidade e, portanto, aimperatividade, com eficácia imediata, da norma constitucional asseguradora da revisão geral daremuneração de civis e militares na mesma data, sem distinção de índice” -, com base no inciso X doartigo 37 da CF/88 (em sua redação original), estendeu a outros servidores públicos a revisão salarialconcedida somente a determinadas categorias pelas Leis 8.622, de 10 de janeiro de 1993, e 8.627,de 19 de fevereiro de 1993.202 Atual Medida Provisória 2.169-43/2001.

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de menor potencial ofensivo e o parágrafo único do mesmo artigo assim as definiu:

“Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os

crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa”. Ocorre

que, no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais e do Distrito Federal, o legislador

já havia estabelecido o conceito dessas no artigo 61 da Lei 9.099, de 26.09.1995,

dispondo que estas somente se restringiam aos delitos criminais cuja pena máxima

não fosse superior a um ano.

Ora, como tal disparidade implicaria tratamento discriminatório, o STJ,

estribado exatamente no princípio da isonomia, passou a entender que a nova

definição de crimes de menor potencial ofensivo acabou por derrogar aquela

prevista no artigo 61 da Lei 9.099/95, a despeito da regra de exclusão explícita,

contida no mencionado parágrafo único do artigo 2º da Lei 10.259/01, que restringia

o novo conceito de crimes de menor potencial ofensivo apenas para os efeitos da

própria Lei 10.259/01. Em outras palavras, o STJ acabou considerando

inconstitucional omissão relativa expressa, pretensamente cometida pelo legislador

e, em razão do princípio da isonomia, estendeu a nova definição de crimes de menor

potencial ofensivo também para o âmbito Estadual, não obstante a cláusula explícita

de exclusão contida na Lei 10.259/01.

Destarte, com todos esses exemplos, tudo indica que as sentenças aditivas

efetivadas no controle concreto de constitucionalidade brasileiro podem e devem

avançar em direção ao âmbito da fiscalização abstrata.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIn 2.652/DF,

corrigiu, na redação da Lei 10.358/2001, omissão relativa que excluía advogados

vinculados a entidades estatais da exceção prevista no artigo 14 do CPC. Referido

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dispositivo ressalvava da imposição de multa por obstrução à Justiça tão-só “os

advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB”. Assim, da forma

como editada, a expressão “exclusivamente” deixava claro que a regra legal

continha inequívoca vontade de excluir da ressalva os advogados e procuradores de

entidades públicas, já que sujeitos também à disciplina estatutária dessas entidades.

Contudo, por entender violado o princípio da isonomia, o Supremo Tribunal Federal

julgou procedente o pedido para, sem reduzir o texto da disposição atacada, “dar

interpretação ao parágrafo único do artigo 41 do CPC, conforme a Constituição

Federal, e declarar que a ressalva contida na parte inicial desse artigo alcança todos

os advogados, com esse título atuando em juízo, independentemente de estarem

sujeitos também a outros regimes jurídicos.” (Rel. Min. Maurício Correa, DJU de

14.11.2003).

Este trabalho compartilha o entendimento que a função do Poder Judiciário no

Mandado de Injunção é a de resolver a omissão constitucional apresentada no caso

concreto, oportunidade em que o órgão jurisdicional não estaria legislando203, mas

resolvendo um litígio concreto individual, sem efeito erga omnes.204

6.4 A indenização por danos decorrentes de omissão inconstitucional

Embora sedutora a idéia de que a procedência do pedido de uma ação

docontrole abstrato de constitucionalidade contra atos omissos – no caso a Ação

203 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas constitucionais programáticas. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2001. p..227: entende esta autora que “o não cumprimento da Constituição porfalta de regulamentação legislativa, quando existe um expresso dever de legislar, pode e deve serdeclarado inconstitucional, violador da Lei Fundamental. O problema aqui não se resume em fazerpolítica, em substituir o legislador pelo juiz, mas apreciar a inconstitucionalidade da política.”204 NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. op. cit. p.278.

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Direta de Inconstitucionalidade por Omissão - daria margem a que a parte lesada

reclamasse perdas e danos, se o órgão inadimplente permanecesse omisso, essa

tese esbarra em vários problemas.205

O primeiro deles se encontra na quantificação dos pretensos prejuízos, o que

exigiria presumir virtualmente qual a disciplina que o órgão inadimplente deveria ter

editado, para daí extrair o quantum que eventualmente indenizaria o prejuízo sofrido

pela pessoa lesada. Isso levaria ao problema da substituição, pelo juiz, da

discricionariedade do legislador quanto às escolhas disponíveis em relação às

providências tendentes a equacionar a aplicabilidade da norma constitucional

conspurcada pela omissão.

Restaria ainda o problema da legitimidade passiva do pedido reparatório, haja

vista que o órgão omisso geralmente está obrigado a implementar a aplicabilidade

de normas constitucionais que disciplinam relações jurídicas estranhas ao ente

federativo ao qual pertence, como por exemplo, numa situação de fixação de

salário-mínimo em valores insuficientes, matéria de competência legislativa da

União. Como responsabilizar a União em face de prejuízos decorrentes da

insuficiência salarial cujo pagamento é da responsabilidade de terceiros?

Do exposto, a procedência do pedido feito em controle abstrato de

constitucionalidade omissiva não assegura direito geral de indenização, uma vez

que o interesse de agir é do tipo objetivo, inexistindo amparo constitucional para

essa hipótese, salvo naquelas situações contra as quais caiba Mandado de

Injunção.

205 CARRAZZA, Roque Antonio. op. cit. p.401.

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Mesmo nos casos de Mandados de Injunção julgados pelo Supremo Tribunal

Federal, não houve condenação indireta à indenização pela omissão, mas apenas o

afastamento da necessidade de intermediação normativa para que se obtivesse

aquilo que a própria norma constitucional violada havia garantido.206

Assim, só existiria direito à indenização no controle abstrato quando também

houvesse direito subjetivo à edição das providências normativas não implementadas,

quando o pleito indenizatório não se baseasse na mera insuficiência da providência

incompleta, bem como quando a pretensão do lesado tivesse por fundamento

reparação prevista na própria norma constitucional, cuja aplicabilidade fosse

inviabilizada pela omissão impugnada, ou ainda quando a mesma entidade

responsável pela omissão devesse suportar a reparação prevista na norma

constitucional, se esta tivesse sido regulamentada.

Tal indenização, por certo, somente seria possível quando da declaração de

omissão relativa indefinida própria, e, mesmo assim, somente a partir do momento

em que tivesse início a eficácia da sanção de nulidade aplicada à norma

discriminatória inconstitucional (“naquilo que faltou fazer”) ou após a fluência em

branco do prazo eventualmente assinalado ao órgão inadimplente.

206 Cite-se o caso em que o Supremo Tribunal Federal, em se tratando de omissão decorrente dainobservância de prazo estipulado na própria Constituição Federal (mora qualificada), assinou prazopara que a norma constitucional fosse regulamentada, após o que a impetrante poderia gozar daimunidade inviabilizada pela inércia legislativa (RTJ 137:965). Ou ainda no julgamento do MI 543/DF,Rel. Min. Octávio Gallotti, DJU de 24 de maio de 2002, p.55, calcado no artigo 8º, § 3º, do ADCT,deferindo parcialmente o pedido e assegurando direito à imediata ação de liquidação doressarcimento advindo da omissão normativa, independentemente de sentença condenatória.

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Nesse caso, o fundamento da indenização deve estar não na norma

constitucional violada, mas na própria disciplina na qual se detectou a discriminação

arbitrária.207

6.5 O Mandado de Injunção, a Inconstitucionalidade por Omissão e a troca desujeito

Revolucionária e polêmica é a tese defendida por Walter Claudius

Rothenburg, em sua obra Inconstitucionalidade por Omissão e Troca de Sujeito, a

qual admite que outro sujeito, inicialmente não dotado de atribuição constitucional,

implementasse o comando constitucional. Sustenta o autor que o controle de

constitucionalidade, realizado por órgão e procedimentos legítimos, poderia chegar a

esse ponto: destituir um sujeito constitucionalmente previsto e autorizar outro a dar

efetividade à Constituição.208 Ou seja, para o autor, importa mais a finalidade de

cumprir a Constituição do que o sujeito (órgão) a quem as atribuições

(competências) foram conferidas.209

Assim, argumenta Rothenburg que o controle judicial em tese da

constitucionalidade em situações de omissão não se prende exclusivamente à

omissão normativa, e que seria perfeitamente possível a destituição do sujeito

omisso, com a conseqüente designação de outro, a fim de se concretizar a vontade

da Constituição. Como exemplo, pode-se citar o fato do Presidente da República

que, não nomeando Ministros para o Supremo Tribunal Federal, por interregno

207 BERNARDES, Juliano Taveira. op. cit. 24 abr. 2006.208 ROTHENBURG, Walter Claudius. Inconstitucionalidade por omissão e troca de sujeito. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2005. (nota do autor).209 Ibidem. p.89.

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inexplicável, perderia essa faculdade (poder-dever) em proveito de seu sucessor

constitucional provisório, no caso o Presidente da Câmara dos Deputados, nos

moldes do artigo 80 da Constituição, do que resultaria uma troca de sujeitos, ou seja,

uma substituição institucional do Executivo pelo Legislativo.210

Nessa esteira, não sendo, por exemplo, realizado concurso para provimento

dos cargos de Defensor Público do Distrito Federal (cuja responsabilidade é da

União: artigo 21, XIII da CF/88), ao próprio Distrito Federal poderia ser entregue a

competência (os gastos seriam então computados como crédito em face da

União).211 Esse tipo de troca de sujeito apresentar-se-ia, dessa forma, como uma

espécie de evolução dos comandos constitucionais, bem como destinar-se-ia a

satisfazer uma exigência cada vez maior de efetiva implementação das normas

constitucionais programáticas. Destarte, o Poder Judiciário seria o órgão, dentro do

controle de constitucionalidade, como o mais adequado para conduzir (e às vezes

mesmo assumir) esse câmbio. Esse câmbio também é possível de ocorrer de forma

inversa, isto é, o Poder Legislativo conferindo máxima eficácia a direito fundamental,

quando de eventual inoperância do Poder Judiciário. Vale mencionar a polêmica

decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário

197.807-RS, relator Ministro Octávio Gallotti, em 30 de maio de 2.000,

estabelecendo não ser possível estender à mãe adotiva o direito à licença, instituído

em favor da empregada gestante pelo inciso XVIII do art.igo 7º da Constituição

Federal, cuja matéria ficaria sujeita ao legislador ordinário. A repercussão negativa

210 ROTHENBURG, Walter Claudius. op. cit. p.89.211 Ibidem. p.90.

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do julgamento sensibilizou o Congresso Nacional, que aprovou a Lei 10.421, de 15

de abril de 2002, a qual estendeu à mãe adotiva o direito à licença-maternidade.212

Reconhecendo sua ousadia, o autor se justifica alegando tratar-se de (mais)

um discurso de reforço da legitimidade do tribunal constitucional nos tempos atuais,

e que, longe de parecer eventual menosprezo aos outros sujeitos (em especial o

legislador), o tribunal ficaria cingido à finalidade constitucionalmente determinada e,

via de regra, não se colocaria no lugar do sujeito “inadimplente”, mas apenas

autorizaria a atuação de outro sujeito com condições para, na situação, dar

cumprimento ao comando constitucional.213

Nesse diapasão, Carlos Frederico Marés de Souza Filho, ex-Diretor da Funai

e Professor Titular do Programa de Mestrado em Direito Econômico e Social da

PUC-PR, chega mesmo a sugerir, na hipótese de caracterizada omissão legislativa

(através de Mandado de Injunção, presume-se), que o Judiciário afaste o legislador

e assuma a própria atividade legislativa primária (genérica e abstrata), conquanto de

forma provisória:

Se é possível a adoção de medidas provisórias, por exemplo, peloPoder Executivo (ao gosto e ao abuso, como está ocorrendo noBrasil hoje), sem que se veja nisso um duro e profundo rompimentoda ordem democrática, por que não seria pensável uma medidaprovisória do Judiciário para colmatar lacuna de regulamentação dedireitos constitucionais?214

Encerrando a polêmica tese, adverte Rothenburg que a troca de titular como

sanção pela incompetência em atuar nos comandos constitucionais, no entanto,

deve ser aceita apenas excepcionalmente, quando outros mecanismos menos

212 ROTHENBURG, Walter Claudius. op. cit. p.74.213 Ibidem. p.11.214 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O direito constitucional e as lacunas da lei. Revista deInformação Legislativa. Brasília: Senado Federal, jan.-mar. 1997. p.63.

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drásticos de controle de constitucionalidade se mostrem ineficientes e se revele

adequado levar as possíveis soluções jurídicas a tais conseqüências, desde que

seja realizado o ideal constitucional.215

6.6 O artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e o Mandado de Injunção

Na sua obra “O direito constitucional e a efetividade de suas normas”, Luis

Roberto Barroso acena com uma proposta de reformulação do Mandado de

Injunção, posto que este já teria cumprido seu ciclo histórico e seria melhor substituí-

lo por fórmula mais simples, célere e abrangente.216 Tal proposta se afastaria dos

anteprojetos de regulamentação do writ atualmente em discussão, pois se fundaria

no fato de que toda norma constitucional é dotada de eficácia jurídica e deve ser

interpretada e aplicada em busca de sua máxima efetividade. Assim, juízes e

Tribunais devem pautar suas atividades por tais pressupostos, cabendo ao Poder

Judiciário integrar a ordem jurídica, quando isto seja indispensável ao exercício do

direito. Nesse sentido, bastaria aplicar o que já vem expresso de longa data no

artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil: “Quando a lei for omissa, o juiz

decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de

direito.”217

Entende o autor da proposta que isso não importaria no exercício excessivo

de competências normativas pelo Poder Judiciário, posto que as normas

materialmente constitucionais de organização, como aquelas que constituem o

215 ROTHENBURG, Walter Claudius. op. cit. p.210216 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. Rio deJaneiro: Renovar, 2006. p.264.217 Ibidem. p.265.

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exercício do poder político, não ensejam a impetração de Mandado de Injunção ou

decisões integrativas, enquanto que as normas programáticas – que indicam fins

públicos, sem especificar a conduta a ser adotada, como por exemplo, aquela

prevista no artigo 217, caput, 218 e § 1º – não ensejam a exigibilidade de qualquer

conduta positiva.

Posto isso, “somente as regras definidoras de direitos subjetivos

constitucionais, cuja eficácia e efetividade estejam condicionadas à edição de uma

norma infraconstitucional, ensejam a impetração de Mandado de Injunção ou a

necessidade de decisões integrativas”218, de hipóteses limitadas. Nesse sentido,

inexistindo, por exemplo, norma legal que defina “pequena propriedade rural”, a

colmatar o preceito instituído no artigo 5º, inciso XXVI, da Carta Magna, o

proprietário que quisesse impedir a penhora de sua propriedade poderia, em tese,

impetrar Mandado de Injunção, para que fosse dada ciência ao Congresso da

omissão ventilada, conforme aliás orientação do próprio Supremo Tribunal Federal.

Pelo entendimento da maior parte da doutrina, caberia igualmente Mandado de

Injunção, também perante aquela Corte, no qual se pediria que se definisse, para o

caso concreto, o sentido de “pequena propriedade rural”. Já pela proposta

apresentada, caberia ao juiz da causa esta definição, “com base na analogia, nos

costumes e nos princípios gerais de direito”, de cuja decisão caberiam os recursos

próprios.219

Concluindo a proposição, Barroso afirma que o Mandado de Injunção:

[...] na atual quadra, tornou-se uma complexidade desnecessária.Mais simples, célere e prática se afigura a atribuição, ao juiz naturaldo caso, da competência para a integração da ordem jurídica,

218 BARROSO, Luís Roberto. op. cit. p.265.219 Ibidem. p.266.

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quando necessária para a efetivação de um direito subjetivoconstitucional submetido à sua apreciação.220

220 BARROSO, Luís Roberto. op. cit. p.266.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término deste trabalho, infere-se que o Mandado de Injunção é garantia

constitucional prevista pela primeira vez na Constituição de 1988, sem precedente

no Direito comparado, sendo uma criação tipicamente brasileira, podendo ser usado

por qualquer cidadão que, em face da ausência de norma regulamentadora, por

omissão (total ou parcial) de medida para tornar efetiva a norma constitucional, se

veja inviabilizado de exercer seus direitos e suas liberdades constitucionais ou suas

prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Mandado de Injunção é, portanto, uma garantia ou remédio constitucional,

mediante o qual se tenta obter o exercício de quaisquer direitos fundamentais e

liberdades constitucionais mencionados pela CRFB/88, mormente aqueles

catalogados nos artigos 5º ao 17, inclusos os direitos sociais, bem como os direitos

individuais decorrentes do regime e de Tratados internacionais (artigo 5º, § 2º, da

CF), sempre que se verifique a ausência de norma regulamentadora obliterando a

eficácia plena daqueles direitos e liberdades.

Buscando-se informações diretamente das fontes, por meio de pesquisas

documentais oriundas dos órgãos competentes (STF e Câmara dos Deputados),

constatou-se que, desde a criação do instituto na Constituição de 1988, já se

impetraram na Corte Suprema deste País nada menos que 743 writs, dos quais

apenas 89 foram deferidos. Constatou-se ainda que foram enviadas recomendações

ao Poder Legislativo Federal para a edição da lei faltante, suficiente para se

colmatar a ausência da norma regulamentadora constitucional, e nenhuma dessas

recomendações se transmudou nas leis indicadas pelo Poder Judiciário, motivo pelo

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qual se pôde concluir, com base científica e metodológica, que o Mandado de

Injunção carece de efetividade (ou eficácia social), embora sua eficácia jurídica

tenha evoluído gradativamente.

Destarte, o questionamento proposto como tema deste trabalho encontrou

solução após exaustivas pesquisas realizadas, que não se limitaram a pinçar uma ou

outra decisão judicial a respeito do assunto, evitando-se cair no mesmo lugar comum

em que esse tipo de trabalho costuma resvalar. Ao contrário, buscou-se coletar

todos os dados existentes nas fontes disponíveis, sem qualquer exceção, obtendo-

se assim dados confiáveis, dentro de um método científico.

A análise desses dados revela que tão importante instrumento de garantia

constitucional merece uma nova proposta interpretativa no que se refere à sua

eficácia, com o objetivo de uma correta compreensão desse instituto, em seus

requisitos, objetivos, efeitos, significado político-constitucional e efetividade.

Conforme demonstrado, tal instituto possui como requisito a inibição do exercício de

direito no que se refere aos direitos e às liberdades constitucionais (liberdades-

autonomia) ou às prerrogativas inerentes à nacionalidade, à cidadania e à soberania

popular (liberdades-participação), causada, exclusiva e diretamente, pela ausência

de uma norma regulamentadora, derivada de uma omissão inconstitucional do

Poder, órgão ou autoridade estatal originalmente competente para sua criação.

Seus objetivos são, diretamente, permitir aos cidadãos uma forma de

viabilizar o exercício dos direitos subjetivos mencionados e, indiretamente, agir como

um instrumento de controle das omissões normativas inconstitucionais, evitando-se

que tais omissões possam prejudicar o exercício de um direito-liberdade

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constitucional ou uma prerrogativa política, que não podem existir sem a defesa dos

direitos fundamentais e sem a plena viabilidade de exercício desses direitos.

Dessa forma, seu propósito final visa - ou deveria visar - a garantia de

determinados direitos constitucionais fundamentais, abolindo eventuais omissões

normativas inconstitucionais, preenchendo, ainda que de forma provisória, as

lacunas por elas provocadas, mediante a atuação substitutiva do Poder Judiciário, e

estimulando a ação regulamentadora do Poder, órgão ou autoridade originalmente

competente. Além disso, com essa garantia constitucional, ficariam resguardados os

valores máximos da liberdade, segurança, igualdade e justiça e as instituições

democráticas e do Estado de Direito. Isso tudo somente pode ser obtido por uma

solução interpretativa equilibrada, em que tais valores não apenas são preservados,

mas, sobretudo, revigorados.

Ao permitir a criação de soluções regulamentares provisórias, o Mandado de

Injunção provoca um desestímulo à mantença do estado de omissão

inconstitucional, uma vez que a autoridade competente não pode obter qualquer

vantagem resultante da não regulamentação da norma constitucional que demarca o

direito ou a prerrogativa tutelável, e que ocasiona, via de regra, grave censura de

natureza política, pois comprova, dessa forma, que tal regulamentação é possível,

evidenciando que a omissão é o fruto de uma inatividade dolosa ou culposa do

Poder, órgão ou autoridade omissa.

Eventuais obstáculos à criação judicial da regulamentação infraconstitucional,

como por exemplo aqueles relacionados ao princípio da legalidade, na separação

dos Poderes ou na supremacia do Legislativo para criação do direito, embora

significantes, não podem ser considerados como uma barreira para a atuação

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judicial substitutiva, direcionada à viabilização dos direitos amparados pela ação

injuntiva.

O Mandado de Injunção, se corretamente compreendido e empregado,

objetiva proteger tais direitos contra omissões estatais que ameaçam a sua

efetividade, ou pelo menos deveria ser administrado com esse objetivo. Na verdade,

ao criar uma regulamentação provisória vigente apenas até a efetivação de

regulamentação definitiva para determinado caso em discussão, suficiente para dar

concretude ao exercício daqueles direitos mencionados no artigo 5º, LXXI, da

CRFB/88, o Mandado de Injunção contribui para o equilíbrio entre os Poderes, visto

que assegura mais uma possibilidade de controle de um Poder pelo outro, o que

determina uma salutar proteção às liberdades públicas dos cidadãos.

O conteúdo de eficácia procedente da decisão exarada em Mandado de

Injunção tem sua sustentação na fonte de legitimidade intrínseca do Poder

Judiciário, no que se refere à defesa dos direitos subjetivos – em especial daqueles

direitos fundamentais considerados cláusulas pétreas (direitos e garantias individuais

– artigo 60, § 4º, IV; e direitos de participação política – artigo 60, § 4º, II) – contra

qualquer tipo de ameaça ou lesão (artigo 5º, XXXV).

Se a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de

Direito e tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, é

óbvio que o Mandado de Injunção pode e deve provocar uma decisão constitutiva

criadora da norma para o caso concreto, apta a viabilizar o exercício dos direitos

humanos fundamentais do indivíduo e do cidadão, garantindo, conseqüentemente,

os freios e contra-pesos do Poder Estatal, e, com isso, aprimorando o funcionamento

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de mecanismos constitucionais, tais como a separação dos Poderes e a

Democracia, direcionadas a esse fim.

Nesse diapasão, Sérgio Resende de Barros afirma numa de suas principais

obras sobre o assunto:

A possibilidade de um governo eficaz – aquele que realiza aomáximo a comunidade nas individualidades e as individualidades nacomunidade da sociedade – implica diversas condições cráticas, masque se resumem em estabilidade institucional e eficiência funcional,ambas se correlacionando entre si e com eficácia social do Estado,na qual resultam. Todas, enfim, condicionando o exercício do poderpolítico, terminando por possibilitar o seu melhor exercício.221

Assim, a eficácia da sentença deve ser constitutiva e implica, forçosamente,

que garanta de fato aqueles direitos fundamentais constantes do inciso LXXI do

artigo 5º da CRFB/88.

Como se procurou demonstrar neste trabalho, a eficácia social do instituto

deixa muito a desejar, visto que, ao longo dos anos em que o writ existe no

ordenamento normativo, raramente foi aplicado, seja por inadequada utilização do

instituto ou pela timidez da decisão judicial dele exarada. Além disso, nas poucas

oportunidades em que o Poder Judiciário (leia-se o STF) recomendou ao Poder

Legislativo (leia-se Câmara dos Deputados) a edição de lei regulamentadora,

visando suprir lacuna inconstitucional normativa, este se quedou inerte e jamais

editou a lei faltante atendendo àquelas recomendações, embora o tenha feito em

casos esporádicos sobre os mesmos assuntos, através de outras fontes inspiradoras

que não a ação injuntiva.

221 BARROS, Sérgio Resende. Direitos humanos. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.449. (grifo nooriginal).

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Dessa forma, infere-se que o Mandado de Injunção ainda está longe de

produzir os efeitos imaginados pelo Constituinte, posto que, em diversos aspectos,

há dificuldades em sua aplicação, seja pela falta de regulamentação – que gera

inúmeras dúvidas, principalmente quanto ao seu procedimento – seja pelas diversas

interpretações que o instituto suscita.

De qualquer forma, se o Mandado de Injunção for um dia adequadamente

compreendido, ele se transformará não só em um dos importantes institutos do novo

constitucionalismo brasileiro, mas também em uma das mais significativas

contribuições da experiência constitucional pátria para garantia de direitos humanos

fundamentais.

Por outro lado, apesar dessas constatações, percebe-se que tal desiderato

possa ser realizado num tempo não tão distante, considerando que o STF – no

julgamento realizado no dia 07 de junho de 2006222, referente ao Mandado de

Injunção nº 712-PA – tenha sinalizado que, se o Congresso não cumprir seu papel

de legislar, o Tribunal o fará, quando o direito previsto na Constituição não puder ser

exercido por omissão dos parlamentares. Com a nova posição, o dispositivo que

tinha efeito declaratório apenas, assume caráter constitutivo. O novo entendimento

se revelou com o voto do Ministro Gilmar Mendes, que se manifestou no sentido de

que, se o Legislativo não cumpre seu papel de regulamentar a lei, cabe ao Supremo

interferir e fazer o direito do cidadão valer mesmo assim. No caso em questão, o que

se discutia era o direito de greve dos servidores públicos. Para Mendes, se não há

lei que regulamente esse direito, devem valer as mesmas regras que se aplicam

para os trabalhadores do setor privado, no caso, a Lei 7.783/89.

222 Informativo STF 430.

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O passo dado pelo ministro acompanha o entendimento revolucionário do

Ministro Celso de Mello em matéria similar.223 Ao julgar quebras de sigilos

determinadas por Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPIs), o Ministro acenou

positivamente para a interferência do Judiciário no Legislativo sempre que este

cometer abusos, colocando-se um freio na até então intocável independência dos

três Poderes. O posicionamento de Mendes contrariou o voto do relator, ministro

Maurício Corrêa, já aposentado, para quem o Judiciário não pode substituir o

legislador, conforme aliás já preconizava o ex-ministro Moreira Alves, também

aposentado, considerado o porta-voz do conservadorismo no STF durante a

transição para a democracia.

Agora, a corrente deve mudar. O julgamento no Plenário do Supremo foi

suspenso por pedido de vista do Ministro Ricardo Lewandowski, adiando uma

decisão final sobre a matéria. Mas, a aceitação e o reconhecimento ostensivo da

tese sustentada por Gilmar Mendes indicam que uma nova era está nascendo nas

relações entre os três Poderes.

È justamente a necessidade de uma nova relação entre os Poderes o que se

procurou demonstrar ao longo deste trabalho. De fato, assumir posições é ousar.

Neste tempo, parece ser imperativo que se tenha a ousadia de se provocar a

consolidação do verdadeiro Estado Constitucional e Democrático de Direito, uma vez

que uma intenção que não se compromete é ideologia que ilumina as mentes, mas

não produz eficácia social.

223 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 25668. Brasília, DF: Diário deJustiça da União, 4 ago. 2006. p.0027.

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ANEXOS

Anexo 1 - Tabela comparativa

Anexo 2 - Cronologia do Mandado de Injunção a partir da CRFB de 1988

Anexo 3 - Mandados de injunção julgados no período de 1988 a 2006 e arelação com o total de processos julgados no STF

Anexo 4 - Levantamento de Mandados de Injunção recebidos pela Câmara dosDeputados

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Anexo 1 - Tabela comparativa

CRITÉRIOS AIO MI

Parâmetro Inefetividade de NormasConstitucionais

Inviabilidade do exercício dedireitos individuais

Base Legal Artigo 103, § 2º, CF Artigo 5º, LXXI, CF

Objeto

Normas Jurídicas de NívelConstitucional, dependentesde complementação (eficácia

limitada).

Direito líquido e certo amparadoconstitucionalmente (Federal ou

Estadual)

Competência parajulgamento

Supremo Tribunal Federal –Artigo 102, I, a, CF

(concentrada)

Supremo Tribunal Federal –Artigo 102, I, “q” e II, “a”, CF;

STJ – Art. 105, I, “h”, CF.(obs: Tribunais dos Estados, sehouver previsão). – (De certa

forma, difusa).Legitimação ativa Múltipla (Artigo 103, CF) Qualquer pessoa

Legitimaçãopassiva

Órgão público responsávelpor medida que torne efetiva

norma constitucional

Ente privado ou público quedeve viabilizar o direito

Natureza jurídica Admoestação/Mandamental Declaratória-constitutiva (hácontrovérsia)

Admissibilidade Não exige relevância IdemLiminar Não cabe Não cabeEfeitos Erga omnes Inter partes

EficáciaCiência ao Poder competentepara adotar providências. Seórgão administrativo, deve

fazê-lo em 30 dias

Três correntes: a) Declarainconstitucional a omissão e dáciência ao órgão competente

para a adoção das providênciasnecessárias à realização da

norma constitucional; b) elaboraa norma regulamentadora

faltante, suprimindo a omissão dolegislador, ou, c) torna viável, no

caso concreto, o exercício dodireito postulado).

Advogado Geralda União

Não Não

Procurador Geralda República

Sim Não

Objetivo da tutela Direito Objetivo Direito SubjetivoFiscalização da

Inconstitucionalidade

Abstrata Concreta

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CRITÉRIOS AIO MI

Objetivo Tornar efetiva normaconstitucional.

Tornar viável o exercício de umdireito

FinalidadeConferir efetividade à normaconstitucional, atacando a

inconstitucionalidade em tese

Tornar viável o exercício de umdireito fundamental no caso

concreto

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Anexo 2 - Cronologia do Mandado de Injunção a partir da CRFB de 1988

MANDADO DEINJUNÇÃO

DATA DEJULGAMENTO

DECISÃO

107 21/11/1990

O Mandado foi indeferido, porém fixou-se a naturezameramente declaratória do instituto, em que o STF selimitaria a dar ciência ao órgão omisso quanto ao seuestado de omissão, castrando, assim, essa garantiaconstitucional

283 20/03/1991

O STF julgou procedente o MI, que versava sobredireito indenizatório previsto no § 3º do artigo 8º daADCT, declarando em mora o legislador e concedendoo prazo de 60 dias para a edição da lei faltante e suasanção, sob pena do impetrante obter, pela viaprocessual adequada, sentença líquida de condenaçãoà reparação pelas perdas e danos sofridos. Ou seja,concedeu uma espécie de efeito constitutivo ao MI.

232 2/8/1991

O STF julgou procedente o MI e concedeu um prazo de6 meses para que o legislador editasse a lei queconcederia a imunidade prevista no artigo 195, § 7º, daCF/88, para que entidades filantrópicas de assistênciasocial não tivessem que pagar contribuições para aseguridade social, findo o qual, passariam a gozar,automaticamente, da imunidade prevista na normaconstitucional. Novamente deu eficácia constitutiva aoinstituto.

384 5/8/1993

Idem ao MI 283, exceto que o STF não fixou prazo paraa edição da norma, reconhecendo desde logo aosbeneficiários daquela norma, a possibilidade deajuizarem a pertinente ação de reparação econômica.Eficácia constitutiva.

361 8/4/1994

Concedeu caráter constitutivo ao MI, desde que apessoa obrigada a cumprir o conteúdo daregulamentação fosse a mesma a qual pudesse serimputada a omissão inconstitucional

447 5/5/1994 Idem ao MI 384

712

Ainda semjulgamento.

Relator: MinistroEros Grau. Em

7.6.2006 oMinistro Ricardo

Lewandowskipediu vista do

processo

Surge um novo entendimento no STF acerca doMandado de Injunção com o voto do Ministro GilmarMendes, que se manifestou no sentido de que, se oLegislativo não cumpre seu papel de regulamentar a lei,cabe ao STF interferir e fazer o direito do cidadão valermesmo assim. No caso em questão, o que se discute éo direito de greve dos servidores públicos. ParaMendes, se não há lei que regulamente esse direito,devem valer as mesmas regras que se aplicam para ostrabalhadores do setor privado, no caso, a Lei 7.783/89

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Anexo 3 - Mandados de injunção julgados no período de 1988 a 2006 e a relaçãocom o total de processos julgados no STF:

CRITÉRIOS 1988 - 2006

Mandados de Injunção Impetrados 743

Total de processos Julgados 1.013.959

Mandados de Injunção Julgados 705

Mandados de Injunção Deferidos 89

% entre os julgamentos de Mandados deInjunção e total de processos

0,069

Fonte: <http://www.stf.gov.br/portal/cms>.

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Anexo 3 - Levantamento de Mandados de Injunção recebidos pela Câmara dosDeputados

Nº DOCTO/PROCESSO ANO ORIGEM SOLUÇÃO

651 – SGM/P 056 1991 STF Arquivado808- SGM/P 428 1991 Idem Idem809 – SGM/P 348 1991 Idem Idem810 – SGM/P 561 1991 Idem Idem811 – SGM/P 560 1991 Idem Idem

812 – SGM/P 736/01 1991 Idem Idem813 – SGM/P 336/01 1991 Idem Idem

06/92 – OF. SM/001/02 1991 Idem Idem292/92 – OF. 98/P 1992 Idem Idem

608/92 - 1992 Idem Em andamento4791/92 – OF SM 652/92 1992 Idem Arquivado5658 – OF SGM/P 188 1992 Idem Idem5662 – OF SGM/P 315 1992 Idem Idem

3216 - 1993 Idem Em andamento 1262 – OF SM 271/94 1994 Idem Arquivado1295 – OF SM 278/94 1994 Idem Idem

2285 – OF 780/P 1994 Idem Idem2615 – OF SM 557/94 1994 Idem Idem

2638 – OF 1251/P 1994 Idem Idem2926 – OF 1480/P 1994 Idem Idem

558 – OF 79/P 1994 Idem Idem1454 – OF 429/P 1995 Idem Idem2553 – OF 763/P 1995 Idem Idem3118 – OF 1424 1995 Idem Idem

3176 – OF 608/96 1996 Idem Idem655 – OF 290/SF 1996 Idem Idem774 – OF 351 SF 1996 Idem Idem910 – OF 373 SF 1996 Idem Idem3291 – OF 852/97 1997 Idem Idem3294 – OF 852/97 1997 Idem Idem3299 – OF 852/97 1997 Idem Idem3302 – OF 852/97 1997 Idem Idem3307 – OF 678/97 1997 Idem Idem3311 – OF 852/97 1997 Idem Idem

1212 – 848/98 1998 Idem Idem1342 – 924/98 1998 Idem Idem

1808 – OF 765/98 1998 Idem Idem1877 – OF 1523/98 1998 Idem Idem1908 – OF 793/98 1998 Idem Idem552 – OF 249/98 1998 Idem Idem697 – OF 146/98 1998 Idem Idem846 – OF 210/98 1998 Idem Idem

1171 – OF 479/99 1999 idem Idem2273 – OF 1068/99 1999 Idem Idem

3487 - 1999 Idem Idem544 – OF 106/99 1999 Idem Idem

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Nº DOCTO/PROCESSO ANO ORIGEM SOLUÇÃO

1035 – OF 739/00 2000 Idem Idem1092 – OF 763/00 2000 Idem Idem767 – OF 454/00 2000 Idem Idem

3513 – OF 1310/01 2001 Idem Idem2962 – OF 1043/02 2002 Idem Idem1237 – OF 232/03 2003 Idem Idem

2426 – OF 1538/03 2003 Idem Idem558 – OF 804/04 2004 Idem Idem

1009 – 2005 Idem Idem

Fonte: Centro de Documentação e Informação – CEDI