o renascimento do mandado de injunÇÃo

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O RENASCIMENTO DO MANDADO DE INJUNÇÃO BERNARDO AUGUSTO FERREIRA DUARTE* FERNANDO JOSÉ ARMANDO RIBEIRO** *Bacharel em Direi- to pela Pontifícia Universidade Cató- lica de Minas Ge- rais **Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; Professor de cursos de pós- graduação em Di- reito da Pontifícia Universidade Ca- tólica de Minas Gerais e da Facul- dade de Direito Milton Campos; e Desembargador do Tribunal de Jus- tiça Militar Resumo O presente estudo científico pretende demonstrar, de forma breve e inteligível, com base nos fundamentos básicos do paradigma democrático, como o Mandado de Injunção, após anos de vilipêndio e flagrante ineficácia, teve finalmente reconhecida a sua importância pelo Supremo Tribunal Fede- ral, órgão que, há quase 20 anos, aniquilara o instituto medi- ante uma interpretação que, pautada em uma pretensa defesa do princípio da separação dos poderes, acabou por suprimir- lhe a utilidade como uma garantia constitucional. Palavras-chave: Mandado de Injunção; paradigma democráti- co, Separação dos Poderes; interpretação; Supremo Tribunal Federal. Abstract The present scientific study aims to intelligibly and briefly show, based on the democratic paradigm fundamentals, how the Writ of Injunction, after years of vilification and flagrant inefficiency, had its importance Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 10, n. 15, p. 131-156, jan./dez. 2008

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TEXTO O RENASCIMENTO DO MANDADO DE INJUNÇÃO

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O RENASCIMENTO DOMANDADO DE INJUNÇÃO

BERNARDO AUGUSTO FERREIRA DUARTE*FERNANDO JOSÉ ARMANDO RIBEIRO**

*Bacharel em Direi-to pela PontifíciaUniversidade Cató-lica de Minas Ge-rais

**Doutor em Direitopela UniversidadeFederal de MinasGerais; Professorde cursos de pós-graduação em Di-reito da PontifíciaUniversidade Ca-tólica de MinasGerais e da Facul-dade de DireitoMilton Campos; eDesembargadordo Tribunal de Jus-tiça Militar

Resumo

O presente estudo científico pretende demonstrar, deforma breve e inteligível, com base nos fundamentos básicosdo paradigma democrático, como o Mandado de Injunção,após anos de vilipêndio e flagrante ineficácia, teve finalmentereconhecida a sua importância pelo Supremo Tribunal Fede-ral, órgão que, há quase 20 anos, aniquilara o instituto medi-ante uma interpretação que, pautada em uma pretensa defesado princípio da separação dos poderes, acabou por suprimir-lhe a utilidade como uma garantia constitucional.

Palavras-chave: Mandado de Injunção; paradigma democráti-co, Separação dos Poderes; interpretação; Supremo TribunalFederal.

Abstract

The present scientific study aims to intelligibly andbriefly show, based on the democratic paradigmfundamentals, how the Writ of Injunction, after years ofvilification and flagrant inefficiency, had its importance

Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 10, n. 15, p. 131-156, jan./dez. 2008

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finally recognized by the Supreme Court, organ which hadannihilated the tool through an interpretation that, based ona supposed defense of Separation of the Powers principle,ended up suppressing its utility as a constitutional guaranteealmost twenty years ago.

Keywords: Writ of Injunction; democratic paradigm;interpretation, Separation of Powers; Supreme Court.

1. Introdução

Descrito no art. 5º, inciso LXXI, da Constituição daRepública de 1988, o Mandado de Injunção é, com certeza,uma das garantias constitucionais mais importantes para aefetivação da nossa Lei Maior, sobretudo, no que tange aoexercício dos direitos e liberdades constitucionais, além dasprerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cida-dania.

Muito já se escreveu acerca desse instituto jurídico,principalmente no que diz respeito à sua finalidade. Todavia,poucas foram as pesquisas científicas que, de fato, tenderam asolucionar o problema de sua ineficácia.

Diante disso, apesar de constituir uma das garantiasconstitucionais mais importantes para a real efetivação doEstado Democrático de Direito no Brasil, o Mandado deInjunção, durante quase 20 anos, foi vilipendiado pelo Supre-mo Tribunal Federal – STF –, órgão que, mediante umainterpretação pretensamente pautada na defesa do princípio daseparação dos Poderes, acabou por suprimir-lhe a utilidadecomo uma garantia constitucional.

Pelo presente trabalho pretende-se demonstrar, de for-ma breve, porém, aprofundada, pautada nos fundamentosbásicos do paradigma democrático, como o Mandado deInjunção, após anos de desrespeito e flagrante ineficácia, tevefinalmente reconhecida a sua importância pelo Supremo Tri-bunal Federal. O estudo em epígrafe, indiscutivelmente, con-tribuirá para a evolução da Ciência do Direito, visto que

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analisará criticamente os problemas das diversas posiçõesexistentes dentro do Supremo Tribunal Federal acerca dessaimportante garantia constitucional denominada Mandado deInjunção.1

2. Compreensões acerca do Mandado de Injunção

2.1 Compreensões doutrinárias

Desde a promulgação da Constituição da República de1988, vários foram os juristas que se dispuseram a estudar oMandado de Injunção, sobretudo em virtude de sua novidade2.Desde então, inúmeras foram as controvérsias doutrináriasacerca do instituto, seja no tocante à sua origem, à suaaplicabilidade, ou, ainda, aos efeitos da decisão concessiva daInjunção. Para Carmen Lúcia Antunes Rocha (1988), o insti-tuto seria oriundo da Inglaterra (séc. XIV), onde era utilizadocomo juízo de eqüidade, pelo qual se podia fundamentar aoutorga judicial de um direito sem a suficiente proteção legalou pretoriana para o seu pleno exercício. Em sua opinião,assimilado pelo sistema norte-americano, o Writ of Injunctionmanteve o fundamento do qual se originara – a equity –,servindo como remédio especial para impedir ou fazer cessarofensas a direitos, que não tivessem outra fonte de impugnaçãoadequada. Esse também é o entendimento de José Afonso daSilva, para quem:

O Mandado de Injunção é um instituto que seoriginou na Inglaterra, séc. XIV, como essencialremédio da Equity.[...] Na injunction inglesa comono Mandado de Injunção do Artigo 5º, LXXI, o juízode eqüidade não é inteiramente desligado de pautasjurídicas. Não tem o juiz inglês na Equity o arbítriode criar norma de agir ex nihil, pois se orienta porpauta de valores jurídicos existentes na sociedade(princípios gerais do direito, costumes, conventionsetc.). E o juiz brasileiro também não terá arbítrio decriar regras próprias, pois terá em primeiro lugarque se ater à pauta que lhe dá o ordenamentoconstitucional, os princípios gerais do direito, os

1 Recentemente, oSTF alterou a suaposição majoritáriaacerca do Mandadode Injunção (MI 670/ES, MI 708/PB, MI712/DF e MI 721/DF).Nesse sentido, confi-ra-se o tópico 2.3 dopresente trabalho.2 A título de exemplo,destacamos a hojeMinistra do SupremoTribunal Federal, Car-men Lúcia AntunesRocha (1988), entãoadvogada e técnicada Procuradoria doEstado de Minas Ge-rais, José Afonso daSilva (1988), J. J.Calmon de Passos(1989) e Ivo Dantas(1988/89), que, comose vê pela data desuas publicações, ini-ciaram os estudosacerca do Mandadode Injunção no Brasil.

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valores jurídicos que permeiam o sentir social,enfim, os vetores do justo natural que se aufere noviver social, na índole do povo, no evolver históri-co. Mas a fonte mais próxima desse instituto é o writof injunction do Direito norte-americano, ondecada vez mais tem aplicação na proteção dos direi-tos de pessoa humana, para impedir, por ex., viola-ções de liberdade de Associação e de palavra, daliberdade religiosa e contra denegação de igualoportunidade de educação por razões puramenteraciais [...] (1996, p.426).

Por sua vez, Ivo Dantas, na segunda edição de seulivro Mandado de Injunção: guia teórico e prático, ressaltaque no Direito norte-americano a injunction possui umsentido negativo-proibitivo, de não fazer, “do que é exemploo seu uso para proibir greves, piquetes e boicotes, sobretudoapós o Sherman Act, de 1890.” (1994, p. 68) Em suaspalavras, quando a determinação é um fazer, assume adenominação de mandamus; contudo, “nos EUA não seusam as duas palavras formando uma só expressão, mas cadauma em si tem um sentido-conteúdo próprio: Injunction –negação; Mandamus – positivo” (1994, p. 68). Calmon dePassos (1989) já entende que a Injunction do sistema dacommom law jamais teve o objetivo que o Constituinte de1987/88 definiu para o Mandado de Injunção. Para ele, o Writof Injunction concebido nos Estados Unidos não desempenha“o papel que pretendemos dar ao nosso remédio constitucio-nal, nem foi pensado com o objetivo a que nos propomos coma nossa injunção, nem tem história vinculada à desse institu-to” (1989, p. 104). Essa também é a opinião de ManoelGonçalves Ferreira Filho (1989), para quem não há similitudes,além do nome, entre o Mandado de Injunção e qualquer outroinstituto do Direito alienígena. Idêntica é a posição deFrancisco Antônio de Oliveira, para quem “nos moldes emque fora concebido pelo constituinte brasileiro, além donome, pouca ou nenhuma semelhança guarda com a Injunctionconcebida pelos Direitos inglês, norte-americano, francês,italiano e alemão” (1993, p. 19).

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Cattoni de Oliveira, por sua vez, em estudo específicosobre as Injunctions anglo-americanas e a origem do Mandadode Injunção (1998b), assevera o seguinte:

(...) é preciso desfazer o pré-conceito de algunsjuristas e estudiosos brasileiros acerca do atualDireito anglo-americano, da equity e do commonLaw. Tanto o Direito britânico como o norte-ameri-cano são modernos, regidos por princípios formais.Não são um mero emaranhado de julgados e demáximas saídos da mente ou do coração de um juizda Idade Média. Basta lembrar, além do princípio dastare decisis, o princípio da supremacia da lei doQueen in Parliament e o princípio norte-americanoda supremacia da Constituição. Eles realizam assimcomo os princípios da legalidade e da reserva da lei,estruturantes do Sistema Romano-Germânico, osprincípios do Estado de Direito.

Assim, o Judicature Act, de 1873, editado pelo Par-lamento Inglês, aboliu a common injunction e deupoderes a todas as Divisions of the Higt Court paraconceder injunctions “em todos os casos nos quais seapresente à corte como sendo justo e convenienteconcedê-los”. E nos Estados norte-americanos ondea distinção entre equity e Law foi abolida, levou, p.ex., à impossibilidade de se distinguir a mandatoryinjunction do writ of mandamus, um instrumentoextraordinário, concedido pela corte para uma exe-cução forçada e oficial de um ato ministerial que oDireito reconhece como não discricionário. (1998b,p. 205-206)

Ele ressalta a existência de seis tipos de Injunction,a saber, as proibitórias (prohibitory injunction), asordenatórias (mandatory injunction), as interlocutórias(interlocutory injunction), as permanentes (perpetualinjunction), as quia timet injunction e a ex parte injunction3.Em suas palavras:

3 Essas seis modali-dades, nas palavrasde Cattoni de Olivei-ra, são concebidaspor Curzon, L. B,para quem aInjunction “é umaordem da cortedirigida a uma partepara conter-se depraticar ou continu-ar a praticar um atocensurado, ou prareprimir uma partepor omitir-se de fa-zer algo.” (1974, p.64 apud CATTONIDE OLIVEIRA,1998b, p. 204). Con-soante o Dictionary

of Law (2004),injunction is “a court

order tell ing

someone to stop

doing something or

not to do something”

– Tradução livre:“Injunção é uma or-dem da corte proi-bindo alguém de fa-zer alguma coisa oude se abster de fa-zer alguma coisa”.

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As proibitórias proíbem a prática ou continuação daprática de um ato ilícito. As ordenatórias reprimema continuação de uma omissão, ordenando a práticade um ato positivo. As interlocutórias são temporaryinjunctions, concedidas numa aplicaçãointerlocutória, com a finalidade de manter o statusquo até o julgamento. As permanentes são concedi-das após uma ação ter sido examinada. A quia timet(porque ele teme) é obtida de modo a reprimir umaameaça onde, por enquanto (as yet), os direitos doautor não foram lesados. A ex parte é concedidaantes da corte ter tido a oportunidade de ouvir aoutra parte, num caso de grande urgência.(CATTONI DE OLIVEIRA, 1998b, p. 207)

Cattoni de Oliveira (1998b) ressalta que asInjunctions, inicialmente usadas para a proteção exclusivados direitos de propriedade, foram estendidas para a prote-ção dos mais diversos civil rights. Segundo ele, o casoBrown v. Board of Education4, de 1954, foi o leading casemais famoso da Supreme Court a tratar do tema. Nesseleading case, utilizou-se uma injunction a fim de se obter a“admissão de crianças negras em escola pública que asnegava, a fim de que a tutela injuntiva pudesse viabilizar oexercício do direito daquelas crianças à educação, com basena norma definidora do direito fundamental de igualdade”(CATTONI DE OLIVEIRA, 1998b, p. 211). Aludidainjunction foi denegada pela United States District Courtfor the District of Kansas e provida, em julgamento deapelação, pela United States Supreme Court.

Cattoni de Oliveira (1998b) ainda explora, no mesmoestudo, as diversas sugestões de norma constitucional apresen-tadas, durante a Assembléia Nacional Constituinte de 1987/88, para a criação do Mandado de Injunção. Nessa parte de suapesquisa, ele constata que o Mandado de Injunção teriasurgido a partir da necessidade de elaborar-se uma garantiaconstitucional processual para a defesa do direito à saúde,alargando-se, após as diversas emendas, para a proteção de

4 Nas palavras deBaracho Júnior(2000), essa foi adecisão mais impor-tante de EarlWarren, eleito pre-sidente da SupremaCorte norte-ameri-cana em 1953.

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todos os direitos e liberdades constitucionais, além das prerro-gativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Atese defendida por Cattoni de Oliveira é a de que:

[...] a reconstrução do processo de justificação dasnormas constitucionais configuradoras do Mandadode Injunção pode ter um papel esclarecedor, assimcomo as investigações no Direito estrangeiro, namedida em que se investigou acerca da própriaformação de um instituto novo no Direito Constitu-cional Brasileiro.

As conclusões de tal investigação podem, em termosparadigmáticos, servir de norte para a interpretaçãoe aplicação do Mandado de Injunção, principalmen-te como contra-argumentos a posições5 como a ado-tada pelo Supremo Tribunal Constitucional que,reduzindo, praticamente, os efeitos do Mandado deInjunção (MI) aos da Ação Direta deInconstitucionalidade por Omissão (ADIO), desco-nhece o processo de criação das normas constitucio-nais configuradoras daquele, bem como a sua corres-pondência, no nível do Direito Comparado, a outrosinstitutos, tal como a injunction anglo-americana, queteria influenciado esse processo, como vimos.

Nesse sentido, também Cattoni de Oliveira reconhece,pressuposta a concepção de Direito como integridade6, que asInjunctions anglo-americanas teriam influenciado no proces-so de criação do Mandado de Injunção brasileiro.

No que concerne à aplicabilidade, consoante a doutrinapátria, três foram as compreensões que, inicialmente, se for-maram. A primeira delas, defendida por Manoel GonçalvesFerreira Filho, entendia que a norma definidora do Mandadode Injunção não seria auto-aplicável. A segunda, defendidainicialmente, a título de exemplo, por Gilmar Ferreira Mendese adotada por muitos anos pela corrente majoritária do Supre-mo Tribunal Federal, entendia que a norma definidora doMandado de Injunção seria auto-aplicável e que o referido

5 Que só agora, apósvinte anos da pro-mulgação da Cons-tituição da Repúbli-ca de 1988, come-çam a ser revistas.Vide tópico 3.1.

6 Concebida porRonald Dworkin, nosentido de que deci-sões passadas con-tribuem para a cons-trução e reconstruçãode argumentos, damesma forma quedecisões presentescontribuem para a or-ganização e justifica-ção de práticas futu-ras. Acerca do tema,vide Dworkin (1995,p. 227). Vide, ainda,Baracho Junior (2003,p. 109-127)

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instituto seria uma ação (modelo procedimental) que teria afinalidade de declarar a omissão inconstitucional de Poder,órgão ou autoridade, sem, contudo, regulamentar o casoconcreto – sendo, portanto, muito semelhante à Ação Direta deInconstitucionalidade por Omissão7. A terceira, defendida,entre outros, por Cattoni de Oliveira (1998), entendia que anorma definidora do Mandado de Injunção seria auto-aplicá-vel. Além disso, em contraponto às demais correntes, defendiaque o instituto visaria, declarada a falta de normaregulamentadora, garantir o exercício do direito constitucionalinviabilizado, regulamentando a Constituição para o caso con-creto. Ivo Dantas, que também defendia a auto-aplicabilidadedo instituto, afirmou que “seu caráter de auto-aplicabilidade,determinada pelo §1º do artigo 5º do texto constitucional, nãopoderá deixar de ser cumprido sob a alegação de inexistência dareferida regulamentação” (1994, p. 69).

Num momento inicial, cumpre apenas destacar que,para os defensores da primeira corrente, tornar auto-executáveluma norma incompleta (tal como a definidora do Mandado deInjunção – na opinião desses doutrinadores) seria contrário àprópria natureza das coisas. Essa idéia foi severamente com-batida por Cattoni de Oliveira:

Ora, qual é a racionalidade de um argumento comoesse que, além do mais, não reconhece normatividadeà Constituição? Até que ponto é possível apelar parauma possível natureza em si da norma constitucio-nal? E, mais, quando é a própria Constituição, comovimos, que estabelece e explicita a sua própriavinculabilidade? Claro que não se pode fazê-lo, atémesmo porque não é possível, com base num mínimode consciência hermenêutica, falar em algo como“natureza das coisas”. (1998a, p. 103-104)

A concepção de Cattoni de Oliveira está em perfeitaconsonância com os princípios de interpretação constitucio-nal8 da unidade da constituição; da concordância prática; eda força normativa da constituição, idealizados por Konrad

7 Essa não é mais aposição de GilmarFerreira Mendes,atual presidente doSupremo TribunalFederal. Em suaspalavras, “na sessãode 07.06.2006, foiproposta a revisãoparcial do entendi-mento até então ado-tado pelo Tribunal.Assim, apresenta-mos – o ministro ErosGrau (MI 712/PA) eeu (MI 670/ES) – vo-tos que recomendama adoção de uma “so-lução normativa econcretizadora” paraa omissão verificada(MENDES, 2006, p.16). Vide, ainda, otópico 3.1.

8 Em Hermenêutica

Jurídica e(m) Deba-

te, Álvaro Ricardo deSouza Cruz define os“princípios” idealiza-dos por Hesse comopostulados jurídicos,ou seja, “condiçõesde possibilidade parao conhecimentodestranscenden-talizado do sistemajurídico” (CRUZ,2007, p. 269)

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Hesse. Aludidos princípios pautam-se na moderna (pós-moderna) concepção acerca da Hermenêutica Jurídica (gê-nero), a qual defende o afastamento dos velhos métodos deinterpretação – literal (gramatical), lógico, sistemático, his-tórico e teleológico9 – e a criação de novos critériosinterpretativos, no que toca à espécie Hermenêutica Consti-tucional, advindos da especificidade da Constituição (PE-REIRA, 2001, p. 100-103).

Portanto, a posição adotada por Manoel GonçalvesFerreira Filho é completamente ultrapassada, porquanto nãose coaduna com o “espírito” da Constituição da República de1988 nem com os princípios do Estado Democrático deDireito, que balizaram a sua redação10. Nesse sentido, nãomais se discute na atualidade que a norma definidora doMandado de Injunção seja auto-aplicável (ou norma deeficácia plena), porquanto essa foi a leitura a ela atribuídapela própria Constituição da República de 1988, no sentidode que “as normas definidoras de direitos e garantias funda-mentais têm aplicação imediata” (Art. 5º, § 1º, CR/88).Atualmente, o grande debate doutrinário é acerca da naturezada decisão concessiva do Mandado de Injunção, discussãoque repercute, obviamente, na aplicabilidade e na efetividadedesse instituto.

2.2 Compreensões existentes no Supremo Tribunal

Federal acerca da natureza da decisão concessiva do

Mandado de Injunção11

Segundo Alexandre de Morais, dentro do SupremoTribunal Federal existem basicamente duas correntes acercados efeitos da decisão concessiva do Mandado de Injunção.Essas correntes/concepções são por ele denominadas, respec-tivamente, concretista e não concretista. Para a posiçãoconcretista, presentes os requisitos constitucionais exigidospara o Mandado de Injunção, caberia ao Poder Judiciário, pormeio de uma decisão constitutiva, declarar a existência deomissão administrativa ou legislativa e implementar o exercí-cio do direito, até a incidência de regulamentação, a ser

9 Acerca do tema,vide Camargo (2003,p. 65 e ss., 74 e 80).

10 Mesmo porque, oartigo 24, parágrafoúnico, da Lei 8.038/90, estatuiu que “nomandado de injun-ção e no habeas data

[regulamentado pelaLei 9.507/97] serãoobservadas, no quecouber, as normasdo mandado de se-gurança, enquantonão editada lei espe-cífica”. Essa normanão faria nenhumsentido se, a despei-to do que dispõe oartigo 5º, § 1º, daConstituição da Re-pública de 1988,a norma definidorado mandado deinjunção não fosseauto-aplicável.11 Para uma compre-ensão mais aprofun-dada acerca de comose firmaram as diver-sas posições do Su-premo Tribunal Fe-deral acerca da deci-são concessiva doMandado de Injun-ção, sugere-se a lei-tura de (MENDES,2006, p. 8-15)

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imposta pelo poder competente. Por sua vez, a vertente nãoconcretista, adotada por muito tempo pela jurisprudênciadominante no Supremo Tribunal Federal:

[...] se firmou no sentido de atribuir ao Mandado deInjunção a finalidade específica de ensejar o reco-nhecimento formal da inércia do Poder Público, ‘emdar concreção à norma constitucional positivadorado direito postulado, buscando-se, com essa exorta-ção ao legislador, a plena integração normativa dopreceito fundamental invocado pelo impetrante doWrit como fundamento da prerrogativa que lhe foioutorgada pela Carta Política. Sendo esse o conteú-do possível da decisão jurisdicional, não há falar emmedidas jurisdicionais que estabeleçam, desde logo,condições viabilizadoras do exercício do direito, daliberdade ou da prerrogativa constitucionalmenteprevista, mas, tão-somente, deverá ser dada ciênciaao poder competente para que edite a norma faltante.(MORAES, 2006, p. 162)

A posição concretista pode ser subdividida em duasespécies: Concretista Geral, para a qual “a decisão produziráefeitos erga omnes, implementando o exercício da normaconstitucional através de uma normatividade geral, até que aomissão fosse suprida pelo poder competente” (MORAES,2006, p. 160); e Concretista Individual, que defende que adecisão do Poder Judiciário só produzirá efeitos para o autordo Mandado de Injunção, portanto, in concreto. Esta últimaainda possui duas subespécies; concretista individual direta econcretista individual intermediária. Pela primeira, defendidapelos ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio, “o PoderJudiciário, imediatamente ao julgar procedente o mandado deinjunção, implementa a eficácia da norma constitucional aoautor” (MORAES, 2006, p. 160). Pela segunda, defendidapelo ministro Néri da Silveira, “após julgar a procedência domandado de injunção, fixar-se-ia ao Congresso Nacional oprazo de 120 dias para a elaboração da norma regulamentadora”(MORAES, 2006, p. 160), ao término do qual, mantida a

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inércia do mesmo em elaborar a norma, caberia ao PoderJudiciário fixar as condições necessárias ao exercício dodireito pelo autor.

Em que pesem os argumentos concernentes a cada umadas posições acima descritas, todas padecem de falhas, sendo,portanto, passíveis de crítica, sobretudo por não se adequaremao paradigma12 de Estado consagrado pela Constituição daRepública de 1988, o Democrático de Direito.

3. Problema das compreensões do Supremo Tribunal

Federal

Conforme exposto de forma genérica no tópico anteri-or, as posições do Supremo Tribunal Federal acerca da decisãoconcessiva do Mandado de Injunção são problemáticas, sobre-tudo se analisadas à luz do paradigma democrático, porquantoestão pautadas em uma interpretação paradigmática liberal e/ou social do princípio da separação dos poderes. Antes decriticá-las, portanto, é necessário discorrer, ainda que de formasucinta, sobre a leitura do princípio da separação dos poderesà luz de cada um dos paradigmas jurídicos do Estado Moder-no13, a saber, o Liberal, o Social e o Democrático.

Sinteticamente, sob o paradigma liberal, marcado pelasidéias de Estado Mínimo, divisão de poderes14 e representaçãopolítica (VILANI, 2002, v. 8, nº 11, p. 5), o Poder Legislativopossui supremacia sobre os demais órgãos governamentais(Poder Executivo e Judiciário). A ele cabe a elaboração dasleis, as quais sofrem limitações negativas, presentes na Decla-ração dos Direitos. Ao Poder Judiciário cabe dirimir os confli-tos existentes entre os particulares, ou entre estes e o Estado,desde que provocado a exercer a sua função (jurisdicional).Ele deve, respeitada a igualdade formal expressa na Constitui-ção, aplicar o direito positivo vigente de modo estrito, solucio-nando os conflitos intersubjetivos “através de processos lógi-co-dedutivos de subsunção do caso concreto às hipótesesnormativas, estando sempre vinculado ao sentido literal, nomáximo lógico, da lei, enfim, sendo a boca da lei” (CATTONI

12 O termo paradigmafoi cunhado porThomas Kuhn para oâmbito das pesquisascientíficas, como oconjunto de realiza-ções científicas, uni-versalmente reconhe-cidas, que “fornecemproblemas e soluçõesmodelares para umacomunidade de prati-cante de uma ciência”(KUHN, 1994, p. 6).Aqui, trabalha-se coma idéia de paradigmajurídico, no sentido deum conjunto de visões(contextualizadas) deuma dada sociedade,ou, ainda, o conjuntode “imagens implíci-tas que se tem da pró-pria sociedade, umconhecimento de fun-do, um background,que confere às práti-cas de fazer (e de apli-car o direito) umaperspectiva, orientan-do o projeto de reali-zação de uma comu-nidade jurídica”(CATTONI DE OLI-VEIRA, 2002, p. 54).13 Estado é uma ex-pressão que “deveser observada comouma comunidade deindivíduos, tornados

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DE OLIVEIRA, 2002, p. 57; e 1998a, p. 39)15. Ao PoderExecutivo, por sua vez, cabe implementar o Direito, garantin-do a certeza e a segurança, tanto sociais quanto jurídicas, sejainterna ou externamente. Para Habermas, essa visão clássicadecorre de uma interpretação limitada do conceito de lei.(HABERMAS, 2003, 4, p. 236)

Por sua vez, sob o paradigma do Estado Social:

O Poder Executivo, na figura do presidente da Repú-blica ou do primeiro-ministro, passa a ser dotado deinstrumentos jurídicos, inclusive legislativos, de in-tervenção direta e imediata na economia e na socie-dade civil, em nome do “interesse coletivo, público,social ou nacional”.

Ao Poder Legislativo, na figura do Congresso ouAssembléia, além da atividade legislativa cabe oexercício de funções de fiscalização e de apreciaçãoda atividade da administração pública e da atuaçãoeconômica do Estado.

Ao Poder Judiciário, seus Tribunais e juízes, cabe,no exercício da função jurisdicional aplicar o direitomaterial vigente aos casos concretos submetidos àsua apreciação, de modo construtivo, buscando osentido teleológico de um imenso ordenamento jurí-dico. Não se prendendo à literalidade da lei e à deuma enormidade e regulamentos administrativos oua uma possível intenção do legislador, deve enfrentar osdesafios de um Direito lacunoso, cheio de antinomias.E será exercida tal função através de procedimentosque muitas vezes fogem ao ordinário, nos quais deve serlevada mais em conta a eficácia da prestação ou tutelado que propriamente a certeza jurídico-processual-formal: no Estado Social, cabe ao juiz, enfim, noexercício da função jurisdicional, uma tarefadensificadora e concretizada do Direito, a fim de segarantir, sob o princípio da igualdade materializada,“a Justiça no caso concreto” (CATTONI DE OLIVEI-RA, 2002, p. 42; e 1998a, p. 60/61).

cidadãos, estabe-lecida em determinadoterritório e com poderpolítico capaz de im-por-se a todos os mem-bros dessa comunida-de” (QUINTÃO, 2001,p. 141).14 A separação dospoderes, hoje consi-derada como princí-pio geral do DireitoConstitucional (cf.SILVA, 2001, p.106;CATTONI, 2002,p.56; CATTONI,1998a, p.38), consis-te na atribuição dasdiferentes funçõesgovernamentais aórgãos estatais dis-tintos. Não obstanteter adquirido projeçãointernacional comMontesquieu, que lheinseriu o sistema defreios e contrapesos,sua gênese remontaà Grécia Antiga (cf.SILVA, 2001, p.109;e QUINTÃO, 2001,p.109). Ele é rece-pcionado pelasConstituições de to-dos os paradigmasmodernos de Estado,e, sob o paradigmado Estado Liberal,tem a sua operacio-nalidade adstrita aosistema de freios econtrapesos, em fi-dedigna obediência àidéia de Montes-quieu.15 Nesse sentido, vertambém Cruz (2007,p. 272-273).

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Dessa forma, o princípio da separação dos Poderes deixade ser interpretado sob uma ótica de subordinação e passa a serentendido sob uma perspectiva de colaboração, cujo objetivofinal é o de propiciar aos cidadãos – clientes da Administração– os direitos consubstanciadores de valores fundamentais e deprogramas de fins, desde que, evidentemente, haja aportesmateriais para tanto, ou seja, no “limite do possível”16.

Finalmente, à luz do paradigma Democrático o prin-cípio da separação dos Poderes é mais uma vez(re)interpretado17, passando a ser entendido, nas palavras deHabermas, com base na teoria do discurso (HABERMAS,2003, 4, p. 238-239), o que significa dizer que as funçõesexecutiva, legislativa e jurisdicional passam a ser exercidasde forma a garantir direitos fundamentais aos cidadãos (o queé tornado possível por um processo democrático baseado nodiscurso). Assim é que o Poder Executivo deve ser organiza-do a ponto de implementar, por meio de tecnologias eestratégias de ação, os programas por ele propostos. O PoderJudiciário, igualmente independente, organizado e, sobretu-do, imparcial, deve solucionar as controvérsias que lhe sãopropostas pelos cidadãos, proferindo decisões fundamenta-das e consistentes (não atreladas a uma mera interpretaçãoliteral do conteúdo da lei), as quais respeitem as garantiasconstitucionais processuais e, sobretudo, o direitodialogicamente construído. Finalmente, o Poder Legislativodeve elaborar as leis, respeitando um processo democráticode formação da vontade (caracterizado pelo discurso), quegaranta um assentimento intersubjetivo, de forma que oscidadãos (entendidos como co-associados livres e iguaisperante o direito) possam ser considerados, ao final, como osformadores de suas próprias leis.

3.1 Análise crítica das posições do Supremo Tribunal

Federal relativamente à decisão concessiva do

Mandado de Injunção

Diante das explicações descritas, é evidente que todasas posições do Supremo acerca da decisão concessiva do

16 Sobre o tema, videCattoni de Oliveira(2002, p. 50-59; e1998a, p. 41-42).Sobre a “reserva dopossível” videCattoni de Oliveira(2001, p. 185) e Cruz(2007, p. 208-209 e359-377).17 Essa (re)interpre-tação foi pautada nagarantia dos direitosfundamentais (ou di-reitos básicos), a sa-ber, o direito a iguaisliberdades subjetivas,o direito a iguais direi-tos de pertinência (di-reitos de nacionalida-de), o direito à tutelajurisdicional, o direito àelaboração legislativaautônoma e os direitosparticipatórios, substá-culos do novel para-digma democrático(CATTONI DE OLI-VEIRA, 2002, p. 71-73; e 1998a, p. 53- 54).

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Mandado de Injunção são problemáticas, carecendo de repa-ros (umas completamente, outras apenas no que toca à funda-mentação) a fim de melhor se adequarem ao paradigma doEstado Democrático de Direito.18

A posição não concretista, por exemplo, que por longos19 anos perdurou como concepção majoritária no Supremo, épautada no clássico sistema de freios e contrapesos (checksand balances) idealizado por Montesquieu, o qual é caracte-rizado por uma compreensão estrita do princípio da separaçãodos poderes. (CATTONI, 1998, p. 95) Ao discorrer sobre aposição não concretista, sem, contudo, utilizar essa classifica-ção, Cattoni de Oliveira afirma:

O entendimento jurisprudencial dado ao Mandadode Injunção pelo Supremo Tribunal Federal com-promete a eficácia desse instituto como garantiaconstitucional, já que nega a possibilidade jurídicade o Poder Judiciário suprir in concreto a falta denorma regulamentadora que torne viável o exercíciodesses direitos, liberdades e prerrogativas e, combase nisso, apresentar solução para o caso concreto,praticamente reduzindo os efeitos da decisãoconcessiva do MI à mera declaração deinconstitucionalidade por omissão [...]. (1998a, p.24)

Prosseguindo em suas críticas, ele afirma:

É como se a Constituição tivesse criado dois institu-tos cujos efeitos práticos seriam os mesmos, ou seja,os da Ação Direta de Inconstitucionalidade porOmissão. E nesse caso, qual seria o interesse processu-al de qualquer um para agir em juízo? Qual a necessi-dade de se estabelecer, como fez a Constituição noartigo 103, os legitimados para a Ação Direta deInconstitucionalidade por Omissão, se qualquer umpode conseguir o mesmo por via do Mandado deInjunção? Como é que o Mandado de Injunção, nostermos adotados por esta tese, pode ser interpretadocomo garantia constitucional de direitos se, com base

18 Acerca da mudan-ça de paradigmas doEstado Liberal parao Social (Welfare

State) e, posterior-mente, deste para oDemocrático de Di-reito, vide Cattoni deOliveira (2002, p. 50;e 1998a, p. 38-42);Bonavides, (2004, p.232); e Habermas(2003, 4, p. 211-239).Acerca da Teoria doDiscurso, cujo enten-dimento é imprescin-dível para a compre-ensão do paradigmado Estado Democrá-tico de Direito, verHabermas (2002, 9,p. 280-281; e 2003,4, p. 221).

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nesta posição, ele, por fim, nada ou quase nada garan-tiria? (CATTONI DE OLIVEIRA, 1998a, p. 105-106)

O fato é que, ao igualar dois institutos diferentes daConstituição, o Supremo Tribunal Federal claramente o faz emvirtude de uma interpretação liberal do principio da separaçãodos Poderes. Isso porque, em sede de Mandado de Injunção,regulamentar o caso concreto significaria, para a posição nãoconcretista do Supremo Tribunal Federal, adentrar o campo decompetência do Poder Legislativo, uma vez que o PoderJudiciário estaria exercendo atividade legislativa. Para que issonão ocorresse, a decisão concessiva do Mandado de Injunção sópoderia gerar efeitos declaratórios, significando apenas umreconhecimento formal da inércia do Poder Legislativo em darconcreção à norma constitucional positivadora do direito postu-lado, pelo que seus efeitos seriam os mesmos da Ação Direta deInconstitucionalidade por Omissão.

Ocorre que, sob o paradigma do Estado Democrático deDireito, a interpretação do princípio da separação dos Poderesestá intimamente ligada à garantia de direitos fundamentais(ou básicos). Por esse motivo, não faz sentido privar o PoderJudiciário da prerrogativa de resolver o caso específico (con-creto) através da atividade de regulamentação, quando, incasu, esteja sendo tratada questão atinente a direitos funda-mentais. Mesmo porque, em se tratando da decisão concessivado Mandado de Injunção, é a própria Constituição que deter-mina a regulamentação do caso concreto pelo Poder Judiciá-rio. Trata-se de um discurso de aplicação19, e não de fundamen-tação20. Uma compreensão pautada no paradigma democráti-co assegura ao Poder Judiciário, portanto, a função de garantir,processualmente, o exercício de direitos constitucionaisinviabilizados por falta de norma regulamentadora. Essa ativi-dade jurisdicional, em sede de Mandado de Injunção, não deveser compreendida “como sendo legislativa, mas de regulamen-tação, e regulamentação para o caso concreto” (CATTONIDE OLIVEIRA, 1998a, p. 105-106).

Diante dessa explicação, percebe-se que a posiçãoconcretista do Supremo Tribunal Federal também deriva de

19 Busca-se, nessesentido, a melhor solu-ção para o caso con-creto, e não a justifica-ção de normas. É cer-to que, em sede deMandado de Injunção,a solução do caso con-creto demandará umaregulamentação, quenão deixa de ser umaatividade criativa porparte do Poder Judici-ário. No entanto, essaregulamentação, alémde prevista e autoriza-da pela Constituição,deverá estar atrelada,necessariamente, a ar-gumentos de princípio,e não de política. Adistinção entre argu-mentos de política e deprincípios (direito) podeser depreendida emDworkin (2002, p.127e ss.). Para Dworkin,“os juízes não deveri-

am ser e não são legis-

ladores delegados, e é

enganoso o conheci-

do pressuposto de que

eles estão legislando

quando vão além das

decisões políticas já to-

madas por outras pes-

soas. Esse pressupos-

to não leva em consi-

deração a importância

de uma distinção fun-

damental na teoria po-

lítica [...]. Refiro-me à

distinção entre argu-

mentos de princípio,

por um lado, e argu-

mentos de política

(policy), por outro. Os

argumentos de políti-

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uma compreensão inadequada do princípio da separação dosPoderes à luz do paradigma do Estado Democrático de Direito.Essa inadequação se reflete em todas as suas espécies esubespécies, inclusive na concretista individual direta. Aposição concretista individual intermediária, p. ex., cuja gêne-se se deve à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federalno MI nº. 23221 (Relator Ministro Moreira Alves), é severa-mente criticada por Marcelo Cattoni:

[...] até essas últimas decisões pecam tanto pelosfundamentos, quanto por condicionarem os efeitosconstitutivos da decisão concessiva do Mandado deInjunção a transcurso de prazo fixado para que oPoder Legislativo legisle; também, por ainda deixa-rem, de um modo ou de outro, o caso concreto semsolução, já que não há expedição de ordem, com basena decisão, para que se garanta de fato o exercício dodireito, liberdade ou prerrogativa, negado sob aalegação de falta de norma regulamentadora.(CATTONI DE OLIVEIRA, 1998a, p. 25-26)

Uma reflexão acerca da posição concretista intermedi-ária comprova, mais uma vez, que o STF confunde a atividadede implementação do exercício de direitos inviabilizados porausência de norma regulamentadora – exercida pelo PoderJudiciário – com o exercício de legislar. É em razão dessaconfusão que os defensores dessa posição sustentam a neces-sidade de prévia comunicação, ao Poder Legislativo, da “omis-são inconstitucional”, para só depois, mantida a inércia desteem legislar, admitir a implementação in concreto, pelo PoderJudiciário, do exercício dos direitos, liberdades e prerrogati-vas inviabilizados em virtude da ausência de normaregulamentadora. Essa proposição fica ainda mais evidente sea posição em análise for a concretista geral, para a qual osefeitos da decisão concessiva do Mandado de Injunção sãoerga omnes. Em verdade, em sede de Mandado de Injunção,isso claramente ultrapassa a atividade de regulamentação docaso concreto, invadindo a função legislativa; e “sob oparadigma do Estado Democrático de Direito, não caberia ao

ca justificam uma deci-

são política, mostran-

do que a decisão fo-

menta ou protege al-

gum objetivo coletivo

da comunidade como

um todo.[...] Os argu-

mentos de princípio

justificam uma decisão

política, mostrando que

a decisão respeita ou

garante um direito de

um indivíduo ou de um

grupo (2002, p. 129).

Existe, no entanto,grande celeuma acer-ca da adequação desua teoria aobackgroud brasileiro,sobretudo quando, incasu, estiverem emjogo Direitos sociais.Critica-se, ainda, a pre-tensão de Dworkin deseparar argumentosde princípio dos depolítica. (p. ex.SAMPAIO, 2004, p.75). Aqui utiliza-se atese de Dworkin comas ressalvas de Cruz,no sentido de sermetafísica a cisão dosDireitos Fundamentaisfora da argumentaçãoe, ainda, de ser a dis-tinção dicotômica aci-ma descrita uma meraexigência de que a ar-g u m e n t a ç ã ojurisdicional siga umtraçado deontológico.Para mais detalhes,ver Cruz (2006b, p.191-192; e 2007, p.187-188).

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Supremo Tribunal legislar”. (CATTONI DE OLIVEIRA,1998a, p.95) Nas palavras de Ivo Dantas, a decisão concessiva,sede de Mandado de Injunção:

(...) examina o direito invocado e, se procedente apretensão, deverá preencher a lacuna da omissãoque vinha existindo, pela não ação de quem eraresponsável para tornar efetivos os direitos e liber-dades constitucionais.

Seus efeitos [...] são interpartes, ou seja, beneficia-rão àqueles que foram parte no processo. Preenchi-da a lacuna, caberá ao Judiciário fixar o comodeverá ser exercido o direito constitucionalmenteassegurado, cabendo à autoridade a quem foi dirigi-do o mandado cumpri-lo [...] (1994, p. 97)

Essa também é a posição de Barbosa Moreira, paraquem, por meio do Mandado de Injunção “se pode pleitear e,eventualmente, conseguir que o Poder Judiciário, pelo órgãocompetente, primeiro formule a regra que complemente, quesupra aquela lacuna no ordenamento” (1989, p.115).

[...] e, em seguida, sem solução de continuidade, essemesmo órgão aplique a norma ao caso concreto doimpetrante, isto é, profira uma decisão capaz detutelar, em concreto, aquele direito, aquela liberda-de ou aquela prerrogativa inerente à cidadania, ànacionalidade ou à soberania. (BARBOSAMOREIRA, 1989, p. 115)

O equívoco do STF deriva da já criticada comparaçãodo Mandado de Injunção com a Ação Direta deInconstitucionalidade por Omissão. Mencionada compara-ção, aliás, também contaminou a posição concretista individu-al direta do STF, tendo em vista que os ministros Carlos Velosoe Marco Aurélio, que lhe são adeptos, justificam-na com oargumento de que a constituição criou mecanismos distintosvoltados a controlar omissões inconstitucionais. O Mandadode Injunção, todavia, não se destina à declaração de omissões

20 É por meio dessesdiscursos que se bus-cará a validade dasnormas. Essa valida-de é aferida pelo as-sentimento daquelesque por ela são afe-tados, o que se dáem virtude, exata-mente, do fato de elesterem participado,ainda que indireta-mente na forma deinputs, de sua cria-ção. Acerca do tema,vide Habermas(2003, p.1 57-159) eCattoni de Oliveira(2002, p. 84).21MI nº 232 – RJ, Rel.Min. Moreira Alves,RTJ Vol. 00137-03,p.965-984, DJ 27/03/1992 <http://w w w . s t f . g o v . b r /jurisprudencia/nova/p e s q u i s a . a s p > .Acesso em: 30 abril/06 e 14 março/07.

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inconstitucionais, pelo que o STF precisa rever os argumentosque fundamentam a posição concretista individual direta.

É bem verdade que, atualmente, por meio do julgamen-to dos Mandados de Injunção 670/ES, 708/PB, 712/DF, rela-tivos à questão do direito de greve dos servidores públicos, oSupremo Tribunal Federal finalmente alterou a sua concepçãomajoritária acerca dos efeitos da decisão concessiva do MI (denão concretista para concretista), garantindo-lhe, enfim,efetividade e utilidade22. Não obstante, nem mesmo a atualposição do Supremo em relação ao tema é imune a críticas,porquanto, se assim o fosse, negada seria uma das caracterís-ticas mais marcantes do Estado Democrático de Direito: abusca incessante pela resposta correta23. Em outras palavras,negada seria a idéia de que a resposta correta, enquantoresposta última para o caso específico, jamais será alcançada(filosoficamente falando), uma vez que, no âmbito de umparadigma em que os direitos são levados a sério em suaintegralidade (tal qual o Democrático), essa resposta estásempre em constante aprimoramento.

Nesse sentido, mesmo com a alteração da correntemajoritária do Supremo acerca da decisão concessiva doMandado de Injunção, como já foi dito, de não concretistapara concretista individual direta, ainda perduram falhas nafundamentação dos novos julgados acerca do tema. Mesmoassim, não há como negar o progresso protagonizado pelanova composição dos Ministros do STF acerca do tema.Confira-se:

Estamos diante de uma situação jurídica que, desdea promulgação da Carta Federal de 1988 (ou seja,há mais de 17 anos), remanesce sem qualquer alte-ração. Isto é, mesmo com as modificaçõesimplementadas pela Emenda n° 19/1998 quanto àexigência de lei ordinária específica, o direito degreve dos servidores públicos ainda não recebeu otratamento legislativo minimamente satisfatório paragarantir o exercício dessa prerrogativa em conso-nância com imperativos constitucionais.

22 Nesse sentido, con-fira-se o julgamentodo Pleno do Supre-mo Tribunal Federal,proferido no MI 670/ES, e repetido nosMI(s) 708/PB e 712/DF – “Decisão: O Tri-bunal, por maioria,conheceu do manda-do de injunção e pro-pôs a solução para aomissão legislativacom a aplicação daLei nº 7.783, de 28 dejunho de 1989, no quecouber, vencidos, emparte, o senhor mi-nistro MaurícioCorrêa (Relator), queconhecia apenaspara certificar a morado Congresso Nacio-nal, e os senhoresministros RicardoLewandowski, Joa-quim Barbosa e Mar-co Aurélio, que limi-tavam a decisão àcategoria representa-da pelo sindicato eestabeleciam condi-ções específicaspara o exercício dasparalisações. Votoua presidente, minis-tra Ellen Gracie. La-

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O RENASCIMENTO DOMANDADO DE INJUNÇÃO

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Por essa razão, não estou a defender aqui a assunçãodo papel de legislador positivo pelo Supremo Tribu-nal Federal.

Pelo contrário, enfatizo tão-somente que, tendo emvista as imperiosas balizas constitucionais que de-mandam a concretização do direito de greve a todosos trabalhadores, este Tribunal não pode se abster dereconhecer que, assim como se estabelece o controlejudicial sobre a atividade do legislador, é possívelatuar também nos casos de inatividade ou omissãodo Legislativo. (MI 670/ES, Voto – Vista, Min. GilmarMendes. Disponível em: <www.google.com.br ewww.idp.edu.br/download.php>. Acessado em: 6 demaio de 2008).

E ainda:

A jurisprudência que se formou no Supremo Tribu-nal Federal, a partir do julgamento do MI 107/DF,Rel. Min. MOREIRA ALVES (RTJ 133/11), fixou-seno sentido de proclamar que a finalidade, a seralcançada pela via do mandado de injunção, resu-me-se à mera declaração, pelo Poder Judiciário, daocorrência de omissão inconstitucional, a ser mera-mente comunicada ao órgão estatal inadimplente,para que este promova a integração normativa dodispositivo constitucional invocado como fundamentodo direito titularizado pelo impetrante do “writ”.

Esse entendimento restritivo não mais pode prevale-cer, sob pena de se esterilizar a importantíssimafunção político-jurídica para a qual foi concebido,pelo constituinte, o mandado de injunção, que deveser visto e qualificado como instrumento deconcretização das cláusulas constitucionais frustra-das, em sua eficácia, pela inaceitável omissão doCongresso Nacional, impedindo-se, desse modo, quese degrade a Constituição à inadmissível condiçãosubalterna de um estatuto subordinado à vontadeordinária do legislador comum. (MI 712 / PA, Voto

vrará o acórdão osenhor ministroGilmar Mendes. Nãovotaram os senhoresministros MenezesDireito e Eros Graupor sucederem, res-pectivamente, aossenhores ministrosSepúlveda Pertencee Maurício Corrêa,que proferiram votoanteriomente. Au-sente, justifica-damente, a senhoraministra Cármen Lú-cia, com voto proferi-do em assentadaanterior. Plenário,25.10.2007.” É opor-tuno mencionar que,em 30/11/2007, foipublicado no Diáriode Justiça da União oacórdão do MI 721-7/DF, relatado pelo Mi-nistro Marco Aurélio,em que o Supremoconsolidou a posiçãoconcretista, desta fei-ta em matéria previ-denciária. Esse acór-dão demonstra umamadurecimento doSupremo TribunalFederal acerca danatureza da decisãoconcessiva do Man-dado de Injunção. (In-formações disponí-veis no site: http://w w w . s t f . g o v . b r ,acessado em 6 demaio de 2008 – grifoacrescido).

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de Vista, Ministro Celso de Mello. Disponível emwww.google.com.br, www.esdc.com.br/decisoes/MI712cm.pdf, acessados em 6 de maio de 2008).

E finalmente:

O argumento de que a Corte estaria então a legislar– o que se afiguraria inconcebível, por ferir a inde-pendência e harmonia entre os poderes (art. 2º daConstituição do Brasil) e a separação dos poderes(art. 60, 4º, III) – é insubsistente.

Pois é certo que este Tribunal exercerá, ao formular anorma regulamentadora de que carece o artigo 40, §4º,da Constituição, função normativa, porém não legislativa.(MI 712/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Voto- VistaMinistro Eros Grau, p. 24/25, Tribunal Pleno, DJ 29/11/2007. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 6de maio de 2008.)

Cumpre salientar, em tempo, que atualmente começama surgir dentro do STF novas posições em relação ao princípioda separação dos Poderes:

Essa eminente atribuição conferida ao SupremoTribunal Federal põe em evidência, de modo parti-cularmente expressivo, a dimensão política da juris-dição constitucional conferida a esta Corte, que nãopode demitir-se do gravíssimo encargo de tornarefetivos os direitos econômicos, sociais e culturais –que se identificam, enquanto direitos de segundageração, com as liberdades positivas, reais ou con-cretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DEMELLO) –, sob pena de o Poder Público, por viola-ção positiva ou negativa da Constituição, compro-meter, de modo inaceitável, a integridade da própriaordem constitucional:

[...] É que, se tais Poderes do Estado agirem de modoirrazoável ou procederem com a clara intenção deneutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direi-

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tos sociais, econômicos e culturais, afetando, comodecorrência causal de uma injustificável inérciaestatal ou de um abusivo comportamento governa-mental, aquele núcleo intangível consubstanciadorde um conjunto irredutível de condições mínimasnecessárias a uma existência digna e essenciais àprópria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justi-ficar-se-á, como precedentemente já enfatizado – eaté mesmo por razões fundadas em um imperativoético-jurídico –, a possibilidade de intervenção doPoder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, oacesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injusta-mente recusada pelo Estado. (ADPF 45 MC/DF,Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04.05.2004, p.12. grifoacrescido. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia>. Acesso em: 14 de março de 2007).

A decisão acima colacionada, evidentemente, nãoestá de todo “descontaminada” da influência causada pelateoria alexiana, que entende os direitos como valores oucomandos otimizáveis (bens de fruição). Não obstante, járepresenta um avanço considerável, sobretudo porque reco-nhece a impossibilidade de omissão (ou inércia) do PoderJudiciário em face da não-implementação dos direitos soci-ais, econômicos e culturais pelos Poderes Executivo eLegislativo. Em virtude disso, ainda que não se trate, especi-ficamente, de uma posição relativa à decisão concessiva doMandado de Injunção, possui extrema relevância para o casoem comento, visto que o raciocínio por ela desenvolvido,com algumas ressalvas24, pode ser perfeitamente aplicado àreferida garantia constitucional.

4. Conclusão

Diante de tudo o que foi delineado neste trabalho, estádevidamente demonstrado que/como o Mandado de Injunção,após quase 20 anos de flagrante ineficácia, finalmente come-ça a (re)conquistar a sua importância no cenário jurídicobrasileiro.

24 Algumas dessasressalvas são as se-guintes: a) em sedede Mandado deInjunção o Poder Ju-diciário não exerceatividade legislativa,mas de regulamen-tação do caso con-creto; b) sob oparadigma do Esta-do Democrático deDireito, os direitosfundamentais nãopodem ser entendi-dos como valores oucomandos deotimização, mascomo princípiosdeontológicos, de-vendo ser aplicados,e não priorizados.Destarte, não po-dem ser entendidoscomo bens defruição, visto que osbens, assim comoos valores, são atra-tivos, possuindoaplicabilidade pon-derada.

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Para que esse objetivo fosse alcançado foi necessário,primeiramente, discorrer sobre as diversas posições doutriná-rias e jurisprudenciais acerca do Mandado de Injunção e de suadecisão concessiva. Feita essa exposição, demonstrou-se queo problema das posições do STF acerca do Mandado deInjunção devia-se a uma compreensão inadequada, à luz doparadigma do Estado Democrático de Direito, do princípio daseparação dos Poderes.

Em seguida, destacou-se que, recentemente, o STFreviu a sua posição majoritária em relação ao Mandado deInjunção, o que, finalmente, acabou por efetivar/ressuscitar autilidade dessa importante garantia constitucional, tendente aviabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais,bem como de prerrogativas inerentes à nacionalidade, à sobe-rania e à cidadania, tornado inviável pela ausência de normaregulamentadora.

O presente estudo não pretende, de maneira alguma,encerrar a discussão sobre o Mandado de Injunção e a naturezade sua decisão concessiva. Seu objetivo, ao contrário, édemonstrar que, sob o paradigma do Estado Democrático deDireito, conceitos e concepções jurídicas precisam ser cons-tantemente revistos, porquanto o Direito, enquanto categoriada mediação social entre facticidade e validade e, ainda, meiopelo qual a sociedade busca estabilizar expectativas de com-portamento, está em permanente construção, tal qual umromance em cadeia.

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