o livro tibetano dos mortos

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 1 A Experiência Psicodélica - Um Manual Baseado no Livro Tibetano dos Mortos ÍNDICE  Notas do tradutor ................................................................................................................................ 3 Experiência Psicodélica ...................................................................................................................... 7 I. Introdução Geral ........................................................................................................................... 8 Um Tributo a W. Y. Evans-Wentz ............................................................................................. 11 Um Tributo a Carl Gustav Jung .................................................................................................. 12 Um Tributo ao Lama Anagarika Govinda .................................................................................. 17 II. O Livro Tibetano dos Mortos Primeiro Bardo: O Período da Ego-Perda ou do Êxtase de Não-Jogos (Chikhai Bardo) Parte I: A Serena Luz Primária Vista no Momento da Ego-Perda .......................................... 21 Parte II: A Serena Luz Secundária Vista Imediatamente Após a Ego-Perda .......................... 24 Segundo Bardo: O Período de Alucinações (Chonyid Bardo) Introdução ................................................................................................................................ 28 Explicação do Segundo Bardo ................................................................................................. 29 As Visões Pacíficas Visão 1: A Fonte ................................................................................................................... 31 Visão 2: O Fluxo Interior de Processos Arquetípicos .......................................................... 31 Visão 3: O Fluxo Flamejante de Unidade Interior ............................................................... 34 Visão 4: A Estrutura de Vibrações Ondulares de Formas Externas ..................................... 36 Visão 5: As Ondas Vibratórias de Unidade Exterior ............................................................ 39 Visão 6: "O Circo Retinal" ................................................................................................... 41 Visão 7: "O Teatro Mágico" ................................................................................................. 42 As Visões Coléricas ................................................................................................................. 43 Conclusão do Segundo Bardo .................................................................................................. 45 Terceiro Bardo: O Período da Reentrada (Sidpa Bardo) Introdução ................................................................................................................................ 46 I. Descrição Geral do Terceiro Bardo ...................................................................................... 47 II. Visões de Reentrada ............................................................................................................ 49 III. A Influência Todo-Determinante do Pensamento ............................................................. 51 IV. Visões do Julgamento ........................................................................................................ 52 V. Visões Sexuais .................................................................................................................... 53 VI. Métodos de Prevenção da Reentrada ................................................................................. 54 VII. Métodos de Escolha da Personalidade Pós-Sessão .......................................................... 55 Conclusão Geral ......................................................................................................................... 56 III. Alguns Comentários Técnicos sobre Sessões Psicodélicas 1. Uso deste Manual ................................................................................................................... 58 2. Planejando uma Sessão .......................................................................................................... 58 3. Drogas e Dosagens ................................................................................................................. 60 4. Preparação .............................................................................................................................. 61 5. O Cenário ................................................................................................................................ 63 6. O Guia Psicodélico ................................................................................................................. 64 7. Composição do Grupo ............................................................................................................ 66 IV. Instruções para Usar Durante uma Sessão Psicodélica Instruções do Primeiro Bardo ..................................................................................................... 67 Instruções Preliminares do Segundo Bardo ................................................................................ 68 Instruções para a Visão 1: A Fonte ............................................................................................. 68 Instruções para os Sintomas Físicos ........................................................................................... 69 Instruções para a Visão 2: O Fluxo Interior de Processos Arquetípicos .................................... 69

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    A Experincia Psicodlica - Um Manual Baseado no Livro Tibetano dos Mortos NDICE Notas do tradutor ................................................................................................................................ 3 Experincia Psicodlica ...................................................................................................................... 7 I. Introduo Geral ........................................................................................................................... 8 Um Tributo a W. Y. Evans-Wentz ............................................................................................. 11 Um Tributo a Carl Gustav Jung .................................................................................................. 12 Um Tributo ao Lama Anagarika Govinda .................................................................................. 17 II. O Livro Tibetano dos Mortos Primeiro Bardo: O Perodo da Ego-Perda ou do xtase de No-Jogos (Chikhai Bardo) Parte I: A Serena Luz Primria Vista no Momento da Ego-Perda .......................................... 21 Parte II: A Serena Luz Secundria Vista Imediatamente Aps a Ego-Perda .......................... 24 Segundo Bardo: O Perodo de Alucinaes (Chonyid Bardo) Introduo ................................................................................................................................ 28 Explicao do Segundo Bardo ................................................................................................. 29 As Vises Pacficas Viso 1: A Fonte ................................................................................................................... 31 Viso 2: O Fluxo Interior de Processos Arquetpicos .......................................................... 31 Viso 3: O Fluxo Flamejante de Unidade Interior ............................................................... 34 Viso 4: A Estrutura de Vibraes Ondulares de Formas Externas ..................................... 36 Viso 5: As Ondas Vibratrias de Unidade Exterior ............................................................ 39 Viso 6: "O Circo Retinal" ................................................................................................... 41 Viso 7: "O Teatro Mgico" ................................................................................................. 42 As Vises Colricas ................................................................................................................. 43 Concluso do Segundo Bardo .................................................................................................. 45 Terceiro Bardo: O Perodo da Reentrada (Sidpa Bardo) Introduo ................................................................................................................................ 46 I. Descrio Geral do Terceiro Bardo ...................................................................................... 47 II. Vises de Reentrada ............................................................................................................ 49 III. A Influncia Todo-Determinante do Pensamento ............................................................. 51 IV. Vises do Julgamento ........................................................................................................ 52 V. Vises Sexuais .................................................................................................................... 53 VI. Mtodos de Preveno da Reentrada ................................................................................. 54 VII. Mtodos de Escolha da Personalidade Ps-Sesso .......................................................... 55 Concluso Geral ......................................................................................................................... 56 III. Alguns Comentrios Tcnicos sobre Sesses Psicodlicas 1. Uso deste Manual ................................................................................................................... 58 2. Planejando uma Sesso .......................................................................................................... 58 3. Drogas e Dosagens ................................................................................................................. 60 4. Preparao .............................................................................................................................. 61 5. O Cenrio ................................................................................................................................ 63 6. O Guia Psicodlico ................................................................................................................. 64 7. Composio do Grupo ............................................................................................................ 66 IV. Instrues para Usar Durante uma Sesso Psicodlica Instrues do Primeiro Bardo ..................................................................................................... 67 Instrues Preliminares do Segundo Bardo ................................................................................ 68 Instrues para a Viso 1: A Fonte ............................................................................................. 68 Instrues para os Sintomas Fsicos ........................................................................................... 69 Instrues para a Viso 2: O Fluxo Interior de Processos Arquetpicos .................................... 69

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    Instrues para a Viso 3: O Fluxo Flamejante de Unidade Interior ......................................... 69 Instrues para a Viso 4: A estrutura de Vibrao ondular de Formas Exteriores ................... 70 Instrues para a Viso 5: As Ondas Vibratrias de Unidade Exterior ...................................... 70 Instrues para a Viso 6: "O Circo Retinal" ............................................................................. 70 Instrues para a Viso 7: "O Teatro Mgico" ........................................................................... 71 Instrues para as Vises Colricas ............................................................................................ 71 Terceiro Bardo: Instrues Preliminares .................................................................................... 71 Instrues para as Vises de Reentrada ...................................................................................... 73 Instrues para a Influncia Todo-Determinante do Pensamento .............................................. 73 Instrues para as Vises de Julgamento ................................................................................... 73 Instrues para as Vises Sexuais .............................................................................................. 74 Quatro Mtodos de Preveno da reentrada ............................................................................... 74 Primeiro Mtodo: Meditao sobre o Buda ............................................................................. 74 Segundo Mtodo: Meditao sobre Bons Jogos ...................................................................... 74 Terceiro Mtodo: Meditao sobre a Iluso ............................................................................ 75 Quarto Mtodo: Meditao sobre o Vazio .............................................................................. 75 Instrues para Escolher a Personalidade Ps-Sesso .................................................................. 75

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    To see the world in a grain of sand And the heaven in a wild flower.

    Hold Infinity in the palm of your hand And Eternity in one hour.

    Se as portas da percepo estivessem limpas, tudo pareceria ao homem como realmente ,

    infinito. William Blake

    "No existem livros sobre xtases e orgasmos csmicos escritos por cientistas, somente narrativas orais e poesia. Os livros de histria so sobre eventos pblicos insignificantes como guerras,

    eleies e revolues. As nicas coisas importantes acontecem nos corpos e crebros dos indivduos."

    Neal Cassady, expoente beatnik.

    "Uma nova civilizao est surgindo em nossas vidas, e indivduos cegos, espalhados por toda parte, tentam suprimi-la. Esta nova civilizao traz consigo novos estilos de famlia; modos

    diferentes de trabalhar, amar e viver; novos conflitos polticos; e por detrs de tudo isso, estados alterados de conscincia (...).

    O nascimento dessa nova civilizao o fato mais explosivo e singular de nossos tempos. o evento central, a chave para compreender os anos que esto por vir. um acontecimento to

    profundo como a Primeira Onda de mudanas lanada h dez mil anos com a inveno da agricultura, ou a estrondosa Segunda Onda iniciada pela revoluo industrial. Ns somos as

    crianas da prxima transformao, a Terceira Onda." Alvin Toffler

    "A evoluo biolgica , em grande parte, uma histria das fugas pelos corredores cegos da superespecializao; a evoluo das idias, uma srie de fugas da tirania dos hbitos mentais e das

    rotinas estagnantes. Na evoluo biolgica, a fuga realizada por um refgio do adulto num estgio juvenil como ponto de partida para uma nova vereda; na evoluo mental, por uma

    regresso temporria a modos mais primitivos e desreprimidos de ideao, seguido pelo salto criativo para adiante."

    Arthur Koestler

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    Apresentao do tradutor annimo

    Leitor, como eu sei que terrivelmente maante ler prlogos ou notas iniciais ou esse tipo de coisa, vou ser o mais conciso e o mais direto possvel. Nem me lembro mais como ou quando foi que comecei a me interessar pela psicodelia do final dos anos 60, interesse que me levou a conhecer o psiclogo americano Timothy Leary, conhecido como papa do LSD nos anos 60. Em vez de contar a sua histria aqui, eu recomendo a leitura de Flashbacks, sua autobiografia. Eis alguns trechos:

    "Eu ri novamente da minha pompa diria, da arrogncia tacanha dos acadmicos, da presuno do racionalismo, da impotncia asseada das palavras em contraposio riqueza bruta e dinmica dos panoramas que inundavam meu crebro. (...) Visto que as drogas psicodlicas expe-nos a nveis diferentes de percepo e experincia, us-las significa entrar em uma aventura filosfica, obrigando-nos a confrontar a natureza da realidade com os nossos frgeis sistemas subjetivos de crenas. A diferena a causa do riso, do terror. Ns descobrimos abruptamente que fomos programados todos esses anos, que tudo que aceitamos como sendo realidade apenas uma construo social. (...) Em quatro horas (...) aprendi mais sobre a mente, o crebro e suas estruturas do que nos quinze anos anteriores como psiclogo dedicado. Aprendi que o crebro um biocomputador subutilizado, que contm bilhes de neurnios no utilizados. Aprendi que a conscincia normal uma gota um oceano de inteligncia, que conscincia e inteligncia podem ser sistematicamente expandidas, que o crebro pode ser reprogramado, que o conhecimento de como o crebro opera a questo cientfica mais urgente de nosso tempo." "O medo irracional o maior impedimento evoluo humana, seja pessoal ou como espcie: diminui a inteligncia, seu contgio virulento e leva a uma rejeio no apropriada ao engajamento em novas coisas das quais depende o crescimento dos indivduos."

    A Experincia Psicodlica um dos principais livros de Leary, que se dedicou pesquisa da expanso da conscincia e divulgao em prol da libertao das mentes desde o incio dos anos 60 at os anos 90, quando faleceu vtima de cncer. Contriburam neste trabalho os seus amigos e colegas de Harvard Ralph Metzner e Rick Alpert. Leary e seus colegas foram duramente perseguidos pelas autoridades governamentais norte-americanas, cujo primeiro passo foi tornar ilegal o LSD, que ironicamente vinha sendo utilizado secretamente pela CIA num projeto de controle da mente, vrios anos antes do incio da pesquisa psicodlica de Timothy Leary, que passou boa parte de sua vida preso ou no exlio, por defender a libertao do ser humano de suas prises psicolgicas. Uma conseqncia dessa perseguio reacionria foi que tornou-se dificlimo obter material para estudos a partir das pesquisas de Timothy Leary, dificuldade ainda maior se voc no vive nos Estados Unidos, e se no sabe ingls ento fica mais difcil ainda. Procurando na internet por este livro, fui encontr-lo aps muito custo num site finlands, e escrito em ingls. No sei da existncia de uma traduo portuguesa de The Psychedelic Experience A Manual Based on the Tibetan Book of the Dead. Ento decidi eu mesmo traduzi-la e distribui-la gratuitamente atravs da internet. Que se fodam os direitos autorais ou da editora, pois a Experincia Psicodlica deve, segundo o prprio Timothy Leary, ser anunciada a todas as pessoas vivas.

    "Ligar-se, sintonizar-se, libertar-se.

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    Ligar-se significa voltar-se para dentro afim de ativar os equipamentos neurais e genticos. Tornar-se sensvel aos muitos e diferentes nveis de conscincia e aos botes especficos que os acionam. (...) Sintonizar-se significa interagir harmoniosamente com o mundo exterior: exteriorizar, materializar, expressar as novas perspectivas internas. Libertar-se sugere um processo ativo, seletivo e suave de separao de compromissos involuntrios ou inconscientes. Libertar-se significa autoconfiana, descoberta da singularidade individual, compromisso com a mobilidade, escolha e mudana." "Ligar-se, sintonizar-se e libertar-se! Chegou a hora de acionar a chave interna para fora mxima! Ouam, ou vocs vo passar o resto de suas vidas como figurantes mal pagos em algum documentrio barato, preto-e-branco e amador, ou vo se tornar os produtores dos seus prprios filmes."

    Timothy Leary Notas sobre a traduo:

    J vou comear dizendo que nunca fiz curso de ingls nem nada do tipo e que aprendi este idioma sozinho, com um dicionrio e discos dos Beatles, acompanhando das letras das msicas. Ento, caro leitor, saiba desde j que esta traduo no uma coisa que se diga: minha nossa! Mas que bom trabalho!... Mas melhor que nada... Para ajudar no entendimento, vou esclarecer alguns pontos que possam causar dvidas: - foi utilizada em certos trechos do livro o que se pode chamar de linguagem psicodlica. Vocs vo ver que no muito fcil de entender, mas isso acontece porque as descries de viagens psicodlicas so prejudicadas pelo fato de as palavras no terem grande utilidade em nveis mais profundos de conscincia. Mesmo no nvel superficial de conscincia, que o que normalmente usamos, as palavras no so muito eficientes... Nada comparado experincia direta. - A palavra game foi traduzida em alguns casos como jogo e em outros como script1, que me pareceu mais apropriado para facilitar a compreenso. - Distino importante: exttico (relativo a xtase) no o mesmo que esttico (que se acha em repouso, sem movimento). - Distino importante: exotrico o ensinamento que pode ser transmitido ao pblico sem restrio, dado o interesse generalizado que suscita e a forma acessvel em que pode ser exposto, enquanto que esotrico o ensinamento hermtico, obscuro, compreensvel apenas por poucos, passvel de ensinar-se a um crculo mais restrito. Ao longo do livro, adicionei algumas notas (no rodap, em vermelho) para explicar melhor alguns pontos e para os termos sem traduo direta para o portugus.

    1 Scripts podem ser definidos, a grosso modo, como um conjunto ordenado de jogos, embora inconscientemente, uma estrutura com um incio e que prev um determinado final. O termo script faz aluso a um roteiro que a pessoa segue durante sua vida, como se atuasse num filme ou pea de teatro. Este termo foi cunhado pelo psiclogo americano Eric Berne, um dos pioneiros na anlise transacional, que tem foco nas transaes (jogos) entre as pessoas. Em seu livro Transational Analysis in Psychotherapy, de 1961, Berne diz que Os jogos parecem ser segmentos de estruturas mais amplas e complexas de transaes, chamadas scripts... Um script uma estrutura complexa de transaes, repetitivas por natureza, mas no necessariamente repetidas, uma vez que uma atuao completa pode exigir uma vida inteira... O objetivo da anlise de scripts acabar com o espetculo e colocar algum melhor a caminho.

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    Meu teatrinho tem tantas portas de palco quantas queiram, dez, cem ou mil, e atrs de cada uma espera-lhes precisamente aquilo que andam a buscar. uma formosa lanterna mgica, meu caro amigo, mas de nada valer recorrer a ela nas condies em que se encontra. Voc se veria impedido e deslumbrado por aquilo a que se acostumou chamar de sua personalidade. Sem dvida j ter adivinhado h algum tempo que o domnio do tempo, a libertao da realidade e tudo aquilo que deseja chamar de seu anseio, no significa outra coisa seno o desejo de libertar-se de sua chamada personalidade. Tais so as prises em que voc se encontra. E se entrasse neste teatro assim como est, assim como , acabaria por ver tudo com os olhos de Harry, com os velhos culos do Lobo da Estepe. Por isso, convido-o a despojar-se desses anteparos e deixar no vestbulo a sua honrada personalidade, onde estar sua disposio a qualquer momento que assim o desejar. (...) Voc vai entrar agora, sem receio e com verdadeiro prazer em nosso mundo visionrio; conseguir isso por meio de um suicdio aparente, de acordo com o hbito. (...) Mas, naturalmente, seu suicdio no definitivo, de maneira alguma; estamos num teatro mgico, onde tudo no passa de smbolos, onde no existe nenhuma realidade.

    trecho de O Lobo da Estepe de Hermann Hesse

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    ~ A Experincia Psicodlica ~ Um manual baseado no Livro Tibetano dos Mortos

    Por Timothy Leary, Ph.D., Ralph Metzner, Ph.D., & Richard Alpert, Ph.D. Os autores estiveram engajados num programa de experincias com LSD e outras drogas psicodlicas na Universidade de Harvard, at que a propaganda nacional sensacionalista, injustamente concentrada no interesse estudantil pelas drogas, levou suspenso das experincias. Desde ento, os autores tm continuado seu trabalho sem os auspcios acadmicos.

    Esta verso do LIVRO TIBETANO DOS MORTOS dedicada a

    ALDOUS HUXLEY

    26 de julho de 1894 22 de novembro de 1963 com profunda admirao e gratido.

    Se voc comeasse do modo errado, disse eu em resposta s perguntas do investigador, tudo que acontecesse seria uma prova da conspirao contra voc. Tudo estaria auto-validado. Voc no poderia respirar sem saber que isto era parte do plano. Ento voc acha que sabe onde jaz a loucura? Minha resposta foi um convicto e sincero Sim. E voc no poderia control-la? No, no poderia. Se algum comeasse com medo e dio como premissa maior, teria que ir at o fim. Voc seria capaz, perguntou-me minha esposa, de fixar sua ateno naquilo que o Livro Tibetano dos Mortos chama de Serena Luz? Fiquei em dvida. Seria ela capaz de manter o mal afastado, caso voc pudesse encar-la?, insistiu ela. Ou ser que voc no poderia fit-la? Pensei algum tempo para poder responder e, por fim, disse: Talvez; talvez o conseguisse. Mas s se houvesse l algum que pudesse esclarecer-me a respeito da Serena Luz. No possvel fazer-se isso a ss. Da a razo, creio eu, para o ritual tibetano assentar-se algum ao nosso lado, durante todo o tempo, para dizer o que vai ocorrendo. (As Portas da Percepo, 57-58)

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    I.

    INTRODUO GERAL

    Uma experincia psicodlica uma jornada a novos reinos da conscincia. A abrangncia e o contedo da experincia so ilimitados, mas suas caractersticas so a transcendncia de conceitos verbais, das dimenses de espao-tempo, e do ego ou identidade. Tais experincias de conscincia expandida podem ocorrer de diversas formas: privao sensorial, exerccios de ioga, meditao disciplinada, xtases religiosos ou estticos, ou espontaneamente. Mais recentemente elas se tornaram disponveis para qualquer um mediante a ingesto de drogas psicodlicas como LSD, pscilocibina, mescalina, DMT, etc. Obviamente, a droga no produz a experincia transcendental. Ela apenas age como uma chave qumica ela abre a mente, liberta o sistema nevoso de seus padres e estruturas ordinrios. A natureza da experincia depende quase inteiramente do arranjo e do cenrio. Arranjo refere-se preparao do indivduo, inclusive de sua estrutura de personalidade e do seu humor no momento. Cenrio o elemento fsico o clima, a atmosfera do ambiente; o social sentimentos das pessoas presentes; e cultural vises predominantes sobre aquilo que real. por esta razo que manuais ou guias so necessrios. Sua proposta fazer com que a pessoa seja capaz de entender as novas realidades da conscincia expandida, servir como mapas rodovirios das novas zonas interiores que a cincia moderna tornou acessveis. Diferentes exploradores produzem mapas diferentes. Outros manuais esto para ser escritos segundo modelos diferentes cientficos, estticos, teraputicos. O modelo tibetano, no qual este manual baseado, visa ensinar a pessoa a direcionar e controlar a conscincia de modo a alcanar o nvel de entendimento diversamente chamado de liberao, iluminao ou esclarecimento. Se o manual for lido vrias vezes antes de uma sesso, e se uma pessoa de confiana estiver l para lembrar e refrescar a memria do viajante durante a experincia, a conscincia ser libertada dos jogos que constituem a personalidade e das alucinaes positivas-negativas que freqentemente acompanham os estados de conscincia expandida. O Livro Tibetano dos Mortos chamado em sua lngua prpria de Bardo Thodol, que significa Libertao pela Audio no Plano Ps-Morte. O livro reala que a conscincia livre precisa apenas ouvir e lembrar-se dos ensinamentos de forma a ser libertada. O Livro Tibetano dos Mortos aparentemente um livro descrevendo as experincias esperadas no momento da morte, durante um perodo intermedirio de quarenta e nove (sete vezes sete) dias, e durante o renascimento numa outra estrutura corprea2. Esta, entretanto,

    2 "(...) o lamasmo, assim como a doutrina crist, confere uma decisiva importncia hora da agonia. Chegada esta hora, ou ainda depois da morte, um sacerdote l ao moribundo ou ao cadver o livro que se chama Barde-Thdol ou Libertao pelo Ouvido (transmisso oral), que consta de uma srie de instrues para o viajante no reino da morte. uma vez enterrado o cadver, a cerimnia continua; sua durao de quarenta e nove dias e se executa diante de uma efgie que representa a morte. a efgie, finalmente, queimada. Depois da morte fsica, a primeira etapa ou primeiro bardo de sono profundo e dura quatro dias; brilha em seguida uma luz resplandecente que deslumbra a alma que somente neste momento sabe que morreu. se alcanou a salvao, esta luminosa etapa a ltima e o sacerdote o exorta da seguinte maneira:

  • 9

    apenas a armao esotrica que os budistas tibetanos usaram para encobrir seus ensinamentos msticos. A linguagem e o simbolismo dos rituais de morte do Bon, a religio tradicional do Tibete pr-budista, foram habilmente misturados com conceitos budistas. O significado esotrico, como foi interpretado neste manual, que a morte e o renascimento que so descritos, mas no do corpo. Lama Govinda indica isso claramente em sua introduo quando escreve: um livro para os vivos tanto quanto para os mortos. O significado esotrico do livro geralmente oculto sob vrias camadas de simbolismo. No para o leitor mdio. para ser entendido apenas por aquele que tiver sido iniciado por um guru nas doutrinas budistas, na experincia pre-mortem-morte-renascimento. Essas doutrinas tm sido mantidas em segredo por muitos sculos. Na traduo como um texto esotrico, portanto, existem dois passos: um, a traduo do texto original para o ingls; e dois, a interpretao prtica do texto para seus usos. Ao publicar esta interpretao prtica para o uso em sesses de drogas psicodlicas, estamos em certo sentido rompendo com a tradio de segredo e assim contrariando os ensinamentos dos lamas. Entretanto, este passo justificado, j que o manual no ser entendido por algum que no tenha tido uma experincia de expanso da conscincia e tambm porque h sinais de que os prprios lamas, depois de sua recente dispora, desejam estender seus ensinamentos a um pblico mais amplo. Seguindo o modelo tibetano, distinguimos trs fases da experincia psicodlica. O primeiro perodo (Chikhai Bardo) o da transcendncia completa alm das palavras, alm do 'Tua prpria inteligncia, que agora o vazio, mas que no deves considerar como o vazio do nada, mas sim como a inteligncia mesma, sem trava, resplandecente, estremecida e venturosa, a conscincia, o Buda perfeito'. Em seguida o aconselha a meditar sobre sua divindade tutelar, como se fora o reflexo de uma lua na gua, visvel porm inexistente. Se indigna dessa luz, a alma se retrai e entra no segundo bardo. O morto v que o despem, que varrem a casa e ouve o lamento de seus parentes, mas no pode responder-lhes. Neste estado, experimenta vises: primeiramente aparecem divindades benficas, e logo em seguida divindades iracundas, cuja forma monstruosa. O sacerdote lhe adverte que tais formas so emanaes de sua prpria conscincia e no tm realidade objetiva. Durante sete dias ver sete divindades pacficas, que irradiam cada qual uma luz de distinta cor; paralelamente v outras luzes que correspondem aos mundos em que a alma pode reencarnar, inclusive no dos homens. o monge o aconselha a eleger a luz de cada divindade e rejeitar as outras que o tentam a prosseguir o Samsara; entenda-se bem que a divindade e as luzes procedem do indivduo e do carma acumulado por ele. A partir do oitavo dia se apresentam as divindades iracundas, que so as anteriores sob outro aspecto. A primeira tem trs cabeas, seis mos, quatro ps. Est envolta em chamas, adornada de crnios humanos e de serpentes negras, e suas mos direitas brandem uma espada, uma tocha e uma roda, enquanto que as esquerdas empunham uma campainha, um arado e uma caveira da qual bebe sangue. No dcimo quarto dia aparecem as quatro guardis dos quatro pontos cardeais, com cabeas de tigre, de porco, de serpente e de leo; o Norte, o Sul, o Leste e o Oeste emitiro depois ouras divindades zoomrficas. Todas estas formas so gigantescas. Perante o Senhor da Morte, ocorre finalmente o julgamento da alma. Com cada homem nasceram um anjo tutelar e um gnio malvado; o primeiro conta suas boas aes com pedras brancas, e o segundo as ms, com pedras negras. Em vo a alma trata de mentir, pois o Juiz consulta o Espelho do carma, que reflete nitidamente todo o processo de sua vida. O Senhor da Morte a conscincia, e o Espelho do carma a memria. Reconhecido o carter alucinatrio do extenso processo, o morto sabe qual ser sua reencarnao ulterior. Os que logram o Nirvana j se salvaram nas etapas iniciais."

    Jorge Luis Borges, sobre o uso do Livro Tibetano dos Mortos na religio lamasta (budismo tibetano).

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    espao-tempo, alm do self. No h vises, nem sentido do self, nem pensamentos. H apenas conscincia pura e liberdade extasiante de quaisquer envolvimentos com jogos (e biolgicos). [Jogos so seqncias comportamentais definidas por papeis, regras, rituais, objetivos, estratgias, valores, linguagem, lugares caractersticos no espao-tempo e padres caractersticos de movimento. Qualquer comportamento que no tenha estes nove fatores um no-jogo: isto inclui reflexos fisiolgicos, aes espontneas, e conscincia transcendente.] O segundo grande perodo envolve o self, ou jogo realidade exterior (Chonyid Bardo) numa claridade aguda ou na forma de alucinaes (aparies crmicas). O perodo final (Sidpa Bardo) envolve o retorno ao jogo realidade rotineiro e ao self. Para a maioria das pessoas o segundo estgio (esttico ou alucinatrio) o mais longo. Para os iniciados, o primeiro estgio de iluminao dura mais. Para os despreparados, os heavy game players3, aqueles que se agarram angustiadamente a seus egos, e para aqueles que tomam a droga num cenrio no-apropriado, a luta para voltar realidade comea cedo e normalmente dura at o fim da sesso. Palavras so estticas, enquanto que a experincia psicodlica fluida e mutvel. Normalmente a conscincia do sujeito salta de um para outro desses trs nveis com oscilaes rpidas. Uma proposta deste manual habilitar a pessoa a recuperar a transcendncia do Primeiro Bardo e a evitar a permanncia prolongada nos padres alucingenos ou de jogos ego-dominados. As Confianas e Crenas Bsicas. Voc deve estar disposto a aceitar a possibilidade de que haja uma extenso ilimitada da conscincia para a qual no temos palavras no momento; que a conscincia possa se expandir para alm do seu ego, seu self, sua identidade familiar, alm das diferenas que normalmente separam as pessoas umas das outras e do mundo em torno delas. Voc deve lembrar-se de que, atravs da histria humana, milhes fizeram essa viagem. Uns poucos (a quem chamamos msticos, santos ou budas) fizeram com que essa experincia durasse e comunicaram-na aos seus seguidores. Voc deve lembrar-se, tambm, de que a experincia segura (na pior das hipteses, voc sair da experincia como a mesma pessoa que entrou), e que todos os males que voc teme so produtos desnecessrios de sua mente. Se voc experimentar o paraso ou o inferno, lembre-se de que sua mente que os est criando. Evite agarrar-se a um ou fugir do outro. Evite impor o jogo do ego experincia. Voc deve tentar manter a f e a confiana no potencial do seu prprio crebro e no processo vital de bilhes de anos de idade. Com seu ego atrs de voc, o crebro pode se complicar. Tente lembrar-se de um amigo de confiana ou de uma pessoa respeitada cujo nome sirva com guia e protetor.

    3 NT: pessoas que representam scripts trgicos. Sobre a teoria dos scripts, ver Os Papis Que Vivemos na Vida, de Claude Steiner.

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    Confie em sua divindade, confie em seu crebro, confie em seus companheiros. Em dvida, desligue sua mente, relaxe, v boiando rio abaixo4. Depois de ler este guia, a pessoa preparada deve ser capaz, logo no incio da experincia, de se mover diretamente ao estado de xtase de no-jogos e revelao profunda. Mas se voc no estiver preparado(a), ou se h jogos em volta de voc a distra-lo(a), voc se ver caindo. Se isto acontecer, as instrues na Parte IV devem ajud-lo(a) a recuperar e manter o estado de libertao. Libertao neste contexto no implica necessariamente (especialmente no caso o indivduo mdio) a Libertao do Nirvana, mas principalmente a libertao do fluxo vital do ego, de tal modo a fornecer a maior conscincia possvel e conseqentemente um bom renascimento. Mesmo para a pessoa experiente e eficiente, o [mesmo] processo esotrico de Transferncia [Leitores interessados numa discusso mais detalhada do processo de Transferncia, ver Ioga e Doutrinas Secretas Tibetanos, editado por W. Y. Evans-Wentz, Oxford University Press, 1958.] pode ser, de acordo com os lamas, assim utilizado para prevenir uma quebra do fluxo da corrente de conscincia, do momento da ego-perda ao momento do renascimento consciente (oito horas depois). De acordo com a traduo feita pelo falecido Lama Kazi Dawa-Samdup, de um antigo manuscrito tibetano contendo indicaes prticas para os estados de ego-perda, a habilidade para manter um xtase de no-jogos durante toda a experincia possuda apenas por pessoas treinadas em concentrao mental, a tal grau de proficincia que sejam capazes de controlar todas as funes mentais e ignorar as distraes do mundo exterior. (Evans-Wentz, p. 86, note 2) Este manual dividido em quatro partes. A primeira parte introdutria. A segunda uma descrio passo-a-passo de uma experincia psicodlica baseada diretamente no Livro Tibetano dos Mortos. A terceira parte contm sugestes prticas de como preparar e conduzir uma sesso psicodlica. A quarta parte contm passagens instrutivas adaptadas do Bardo Thodol, que podem ser lidas ao viajante durante a sesso, para facilitar o movimento da conscincia. No restante desta seo introdutria, veremos trs comentrios sobre o Livro tibetano dos Mortos, publicados na edio de Evans-Wentz. So a introduo pelo prprio Evans-Wentz, o distinto tradutor-editor de quatro tratados sobre misticismo tibetano; o comentrio de Carl Jung, o psicanalista suo; e pelo Lama Govinda, um iniciado numa das principais ordens budistas do Tibete.

    UM TRIBUTO A W. Y. EVANS-WENTZ O dr. Evans-Wentz, que literalmente sentou-se aos ps de um lama tibetano por anos, de modo a adquirir sua sabedoria (...) no apenas demonstra um profundo interesse naquelas doutrinas esotricas to caractersticas do esprito do Oriente, mas igualmente possui a rara

    4 NT: Curiosidade: este trecho tambm o primeiro verso da msica Tomorrow never knows, dos Beatles, que faz parte do lbum Revolver, gravado em 1966.

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    faculdade de torn-las mais ou menos inteligveis ao leigo. [Citao de uma resenha antropolgica sobre a edio da Oxford University Press do Livro Tibetano dos Mortos.] W. Y. Evans-Wentz um grande estudante que dedicou os seus anos adultos tarefa de construir uma ponte entre o Tibete e o Ocidente: como uma molcula de RNA ativando o ltimo com a mensagem codificada do primeiro. No poderamos render maior tributo ao trabalho deste libertador acadmico que no fosse basear nosso manual psicodlico em seus insights e citar diretamente seus comentrios na mensagem deste livro. A mensagem que a Arte de Morrer to importante quanto a Arte de Viver (ou de Vir Vida), de que complemento e resumo; que o futuro do ser dependente, talvez inteiramente, de uma morte altamente controlada, como a Segunda parte deste volume, sobre a Arte de Reencarnar, salienta. A Arte de Morrer, como indicado pelo rito de morte associado iniciao nos Mistrios da Antigidade, e citada por Apuleius, o filsofo platnico, ele mesmo um iniciado, e por muitos outros ilustres iniciados, e como o Livro Egpcio dos Mortos sugere, parece ter sido bem melhor conhecida pelos antigos povos que habitavam os pases mediterrneos do que agora por seus descendentes na Europa e nas Amricas. Para aqueles que passaram pela experincia secreta de morte pre-mortem, a morte justamente uma iniciao, conferindo, assim como faz o rito iniciatrio de morte, o poder de controlar conscientemente o processo de morte e regenerao. (Evans-Wentz, p. XIII-XIV) O aluno de Oxford, como seu grande predecessor do sculo XI, Marpa (O Tradutor), que trouxe os textos budistas indianos ao Tibete, desse modo preservando-os da extino, viu a importncia vital dessas doutrinas e as tornou acessveis a muitos. O segredo j no est oculto: a arte de morrer to importante quanto a arte de viver.

    UM TRIBUTO A CARL G. JUNG A Psicologia a tentativa sistemtica de descrever e explicar o comportamento do homem, o consciente e o inconsciente. A abrangncia do estudo ampla cobrindo a infinita variedade da atividade e experincia humanas; estudando a histria do indivduo, a histria de seus ancestrais, as vicissitudes evolucionrias e os triunfos que determinaram o estado atual da espcie. O mais difcil de tudo, a abrangncia da psicologia complexa, ocupando-se com processos que esto sempre mudando. No de admirar que os psiclogos, em face de tal complexidade, fogem para lado da especializao e da tacanhez paroquial. Uma psicologia baseia-se nos dados disponveis e na habilidade e disposio dos psiclogos para utiliz-los. O behaviorismo e o experimentalismo da psicologia ocidental do sculo XX so to estreitos quanto triviais. A aplicao social e o sentido social so largamente negligenciados. Um curioso ritualismo promulgado por um sacerdcio que cresce rapidamente em nmero e poder.

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    A psicologia oriental, em contraste, nos oferece uma longa histria de observao detalhada e sistematizao da extenso da conscincia humana juntamente com uma vasta literatura de mtodos prticos de controle e modificao da conscincia. Os intelectuais ocidentais tendem a desprezar a psicologia oriental. As teorias da conscincia so vistas como ocultas e msticas. Os mtodos de investigar a conscincia variam, como meditao, ioga, retiro monstico, e privao sensorial, e so vistos como alheios investigao cientfica. E o mais prejudicial de tudo aos olhos do estudante europeu, a alegada ignorncia dos psiclogos orientais em relao aos aspectos prticos, comportamentais e sociais da vida. Tal criticismo revela os conceitos limitados e a incapacidade de lidar com os dados histricos disponveis num nvel significativo. Os psiclogos do oriente encontraram aplicaes prticas na organizao do estado, na organizao da vida diria e da famlia. H uma abundncia de guias: o Livro do Tao, os Anais de Confcio, o Gt, o I-Ching, o Livro Tibetano dos Mortos, s para mencionar os mais conhecidos. Os psiclogos orientais podem ser julgados em termos do uso das evidncias disponveis. Os estudantes da China, Tibete e ndia foram to longe quanto seus dados permitiram que fossem. Eles careciam das descobertas da cincia moderna e assim suas metforas pareciam vagas e poticas. Mesmo isto no nega o seu valor. De fato, teorias filosficas orientais de quatro mil anos atrs se adaptam facilmente s mais recentes descobertas da fsica nuclear, bioqumica, gentica e astronomia. Uma das maiores tarefas da psicologia atual oriental ou ocidental construir uma estrutura de referncia grande o bastante para incorporar as recentes descobertas das cincias da energia numa descrio revisada do homem. Julgado pelo critrio do uso dos fatos disponveis, os maiores psiclogos do nosso sculo (sc. XX) foram William James e Carl Jung. [Para comparar com propriedade Jung com Sigmund Freud precisamos olhar para os dados disponveis que cada um usou para seus estudos. Para Freud foram Darwin, termodinmica clssica, o Antigo Testamento, o Renascimento cultural, histria, e o mais importante, a atmosfera fechada e superaquecida de uma famlia judia. A maior amplitude das referncias materiais de Jung fazem com que suas teorias encontrem maior simpatia com os desenvolvimentos recentes nas cincias da energia e nas cincias evolucionrias. Ambos evitaram os caminhos estreitos do behaviorismo e do experimentalismo. Ambos lutaram para preservar a experincia e a conscincia como uma rea da pesquisa cientfica. Ambos se mantiveram abertos ao avano da teoria cientfica e ambos recusaram-se a desconsiderar a erudio oriental. Jung usou como fonte de dados a fonte mais frtil a interior. Ele reconheceu o rico significado da mensagem oriental; reagiu ao grande borro, o Tao Te Ching. Escreveu prefcios perceptivos e brilhantes para o I-Ching, para o Segredo da Flor Dourada, e lutou com o significado do Livro Tibetano dos Mortos. Por anos, desde que foi publicado pela primeira vez, o Bardo Thodol tem sido meu companheiro constante, e dele tirei no apenas muitas idias estimulantes e descobertas, mas tambm muitos insights fundamentais... Sua filosofia contm a quintessncia do criticismo psicolgico budista; e, como tal, pode-se verdadeiramente dizer que de uma superioridade sem par.

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    O Bardo Thodol est no mais alto grau, psicolgico, em sua perspectiva; mas, como ocorre conosco, sua filosofia e teologia esto ainda na era medieval, estado pr-psicolgico onde apenas afirmaes so ouvidas, explicadas, defendidas, criticadas e disputadas, enquanto a autoridade que as produz, por consenso geral, fica de fora do mbito da discusso. Afirmaes metafsicas, entretanto, so afirmaes da psique, e so portanto psicolgicas. Para a mente ocidental, que compensa seu bem conhecido ressentimento por uma considerao servil com explicaes racionais, esta verdade bvia parece totalmente bvia, ou ento parece-se como uma negao inadmissvel da verdade metafsica. Quando o ocidental ouve a palavra psicolgico, ela sempre soa a seus ouvidos como somente psicolgico. Jung baseia-se em concepes orientais de conscincia para alargar o conceito de projeo: No apenas as colricas mas tambm as deidades pacficas so concebidas como projees da psique humana, uma idia que parece demasiado bvia ao esclarecido europeu, porque faz com que se lembre de suas prprias simplificaes banais. Mas embora o europeu possa facilmente explicar essas divindades como sendo projees, ele seria absolutamente incapaz de defini-las como reais ao mesmo tempo. O Bardo Thodol consegue fazer isso, porque, devido s suas mais essenciais premissas metafsicas, ele tem o europeu esclarecido e o ignorante, ambos, em desvantagem. A idia sempre presente, a presuno calada do Bardo Thodol, o carter anti-nominal de toda afirmao metafsica, e tambm a idia da diferena qualitativa dos vrios nveis de conscincia e das realidades metafsicas condicionadas por elas. O pano de fundo deste livro incomum no o europeu um ou outro-ou, mas uma afirmao magnfica, ambos-e. Esta afirmao pode parecer censurvel ao filsofo ocidental, pois o ocidente adora a clareza e no a ambigidade; conseqentemente, um filsofo se agarra situao Deus , enquanto outro se agarra to ardentemente quanto o primeiro negao, Deus no . Jung v claramente o poder e a amplitude do modelo Tibetano mas ocasionalmente ele falha em apreender os seu significado e aplicao. Jung, tambm, estava limitado (como todos ns estamos) aos moldes sociais de sua tribo. Ele foi um psicanalista, o pai de uma escola. Psicoterapia e diagnose psiquitrica foram as duas aplicaes que lhe vieram naturalmente. Jung perde o conceito central do livro tibetano. Este no (como o Lama Govinda nos lembra) um livro dos mortos. um livro do morrer; o que quer dizer que um livro dos vivos; um livro sobre a vida e sobre como viver. O conceito de morte fsica real foi uma fachada esotrica adotada para se adaptar aos preconceitos dos bonistas tradicionais no Tibete. Longe de ser um guia para embalsamadores, o manual um relato detalhado sobre como perder o ego, como introduzir a personalidade em novos reinos de conscincia; e como evitar os processos limitantes involuntrios do ego; como fazer com que a experincia de expanso da conscincia permanea na vida diria subseqente. Jung luta com este ponto. Ele chega perto mas nunca o resolve. Ele no tinha nada em sua armao conceitual que pudesse fazer sentido numa experincia de ego-perda.

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    O Livro Tibetano dos Mortos, ou o Bardo Thodol, um livro de instrues para os mortos e moribundos. Como o Livro Egpcio dos Mortos tido como um guia para o homem morto durante o seu perodo de existncia do Bardo (...) Nesta citao Jung concorda com o esotrico e perde o esotrico. Numa citao posterior ele parece chegar mais perto: (...) a instruo dada no Bardo Thodol serve para lembrar ao morto a experincia de sua iniciao e os ensinamentos se seu guru, pois a instruo , no fundo, nada menos que uma iniciao do morto na vida do Bardo, da mesma forma como a iniciao do vivo foi uma preparao para o Alm. Tal foi o caso, pelo menos, com todos os cultos nas antigas civilizaes do tempo dos mistrios egpcios e eleusianos. Na iniciao do vivo, entretanto, este Alm no um mundo alm da morte, mas uma inverso dos propsitos da mente e da perspectiva, um Alm psicolgico ou, em termos cristos, uma redeno das mazelas do mundo e dos pecados. Redeno uma separao e entrega de uma condio anterior de escurido e inconscincia, e leva a uma condio de iluminao e liberao, vitoria e transcendncia de tudo o que dado. Da mesma forma o Bardo Thodol , como sente o Dr. Evans-Wentz, um processo de iniciao cuja proposta restaurar alma a divindade perdida com o nascimento. Ainda em outra passagem Jung continua a luta mas perde outra vez: Nem o uso psicolgico que fazemos dele (o Livro Tibetano) outra coisa seno uma inteno secundria, embora ela esteja possivelmente sancionada pela tradio lamasta. A proposta real deste livro singular a tentativa, que deve parecer muito estranha ao educado europeu do sculo XX, de esclarecer os mortos acerca de sua jornada atravs das regies do Bardo. A Igreja Catlica o nico lugar no mundo dos homens brancos onde as provises so feitas para as almas dos que se foram. No resumo dos comentrios do Lama Govinda que se segue veremos que o comentador tibetano, livre dos conceitos europeus de Jung, vai diretamente ao significado prtico e esotrico do livro tibetano. Em sua autobiografia (escrita em 1960) Jung se compromete totalmente com a viso interior e com a sabedoria e a realidade superior das percepes interiores. Em 1938 (quando seu comentrio do Livro Tibetano foi escrito) ele estava indo nesta direo, mas cuidadosamente e com a reserva ambivalente do psiquiatra em relao ao mstico. O morto precisa desesperadamente resistir aos ditames da razo, como a entendemos, e desistir da supremacia do egotismo, considerado sacrossanto pela razo. O que isto significa na prtica a completa capitulao aos poderes objetivos da psique, com todas as suas implicaes; um tipo de morte simblica, correspondente do Julgamento dos Mortos no Sidpa Bardo. Isto significa o fim de todo consciente, do racional, da conduta de vida moralmente responsvel, e uma rendio voluntria quilo que o Bardo Thodol chama de iluso crmica. A iluso crmica surge da crena num mundo visionrio de uma natureza

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    extremamente irracional, que no concorda com nosso julgamento racional nem deriva dele, mas produto exclusivo da imaginao desinibida. puro sonho ou fantasia, e toda pessoa prudente vai instantaneamente nos prevenir contra ela; nem por isso algum conseguiria ver primeira vista a diferena entre fantasias deste tipo e a fantasmagoria de uma luntico. Muito freqentemente um pequeno abaissement du niveau mental necessrio para desencadear esse mundo de iluso. O terror e a escurido deste momento tm seu equivalente nas experincias descritas nas sees introdutrias do Sidpa Bardo. Mas o contedo deste Bardo tambm revela os arqutipos, as imagens crmicas que aparecem primeiro em sua forma terrificante. O estado Chonyid equivalente psicose deliberadamente induzida (...) A transio, ento, do estado Sidpa para o Chonyid uma reverso perigosa dos alvos e propsitos da mente consciente. uma sacrifcio da estabilidade do ego e uma rendio extrema incerteza do que deve parecer um tumulto catico de formas fantasmagricas. Quando Freud cunhou a frase de que o ego era a verdadeira casa da ansiedade, ele estava dando voz a uma intuio profunda e verdadeira. O medo do auto-sacrifcio se esconde no fundo de todo ego, e este medo freqentemente apenas uma demanda precariamente controlada das foras inconscientes para estourar com toda a fora. Ningum que se esforce por si mesmo (individualizao) est dispensado desta perigosa passagem, pois que esta temida e pertence inteireza do eu o sub-humano, ou supra-humano, mundo de dominadores psquicos dos quais o ego originalmente se emancipou com enorme esforo, e s parcialmente ento, por causa de uma liberdade mais ou menos ilusria. Essa libertao certamente um empreendimento muito necessrio e herico, mas no representa nada definitivo: meramente a criao de um indivduo, que, a fim de encontrar realizao, tem ainda que ser confrontado com um objeto. Este, primeira vista, pareceria ser o mundo, que composto com projees para aquele propsito. Aqui procuramos e encontramos nossas dificuldades, aqui procuramos e encontramos nosso inimigo, aqui procuramos e encontramos o que querido e precioso para ns; e confortante saber que todo o mal e todo o bem deve ser encontrado ali, no objeto visvel, onde pode ser conquistado, punido, destrudo ou aproveitado. Mas a prpria natureza no permite que este estado paradisaco de inocncia continue para sempre. Existem, e sempre existiram, aqueles que no podem ajudar mas vem que o mundo e suas experincias esto na natureza de um smbolo, e que ele reflete realmente algo que jaz escondido no prprio sujeito, em sua realidade transubjetiva. desta intuio profunda, de acordo com a doutrina lamasta, que o estado Chonyid deriva seu verdadeiro significado, que o porqu do Chonyid Bardo ser chamado O Bardo da Experimentao da Realidade. A realidade experimentada no estado Chonyid , como a ltima seo do Bardo correspondente ensina, a realidade do pensamento. As formas-pensamento aparecem como realidades, a fantasia toma forma real, e os sonho terrificante evocado pelo carma e trabalhado pelos dominadores inconscientes comea. Jung no teria ficado surpreso com o antagonismo profissional e institucional psicodelia. Ele fecha seu comentrio tibetano com um comovente aparte poltico: O Bardo Thodol comeou por ser um livro fechado, e assim tem permanecido, no importa que tipo de comentrios possam ser escritos sobre ele. Pois este um livro que se

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    abrir apenas ao entendimento espiritual e esta uma capacidade com a qual nenhum homem nascido5, mas que s pode ser adquirida com treino e experincia especiais. bom que tais livros de intenes e propostas inteis existam. Eles se destinam quelas pessoas esquisitas que no se importam muito com as utilidades, objetivos e significado da atual civilizao. Prover o treino especial para a experincia especial possibilitada por materiais psicodlicos a proposta desta verso do Livro Tibetano dos Mortos.

    UM TRIBUTO AO LAMA ANAGARIKA GOVINDA Na seo anterior foi dito que a filosofia e a psicologia orientais poticas, indeterministas experienciais, de viso interior, vagamente evolucionrias e com o fim em aberto so mais facilmente adaptadas s descobertas da cincia moderna que a silogista, segura, experimental e externalizantemente lgica psicologia ocidental. A ltima imita os rituais irrelevantes das cincias energticas mas ignora os dados da fsica e da gentica, os significados e implicaes. Mesmo Carl Jung, o mais penetrante dos psiclogos ocidentais, falhou em entender a filosofia bsica do Bardo Thodol. Totalmente em contraste esto os comentrios do Lama Anagarika Govinda ao manual tibetano. Sua afirmao de abertura primeira vista faria um psiclogo judeu-cristo bufar de impacincia. Mas um olhar mais atento a essas frases revela que ela so a afirmao potica da situao gentica como atualmente descrita pelos bioqumicos e pesquisadores do DNA. Pode ser argido que ningum pode falar da morte com autoridade, se no est morto; e desde que ningum, aparentemente, tenha alguma vez retornado da morte, como pode algum saber o que a morte , ou o que acontece depois dela? O tibetano responder: No h uma pessoa, por isso, no h ser vivo que no tenha retornado da morte. De fato, ns todos j morremos muitas vezes, antes desta encarnao. E o que ns chamamos nascimento apenas o lado inverso da morte, como um dos dois lados de uma moeda, ou como uma porta a qual chamamos de entrada de fora e sada de dentro de uma sala. O lama prossegue e faz um segundo comentrio potico sobre as potencialidades do sistema nervoso, a complexidade os computador cortxico humano. muito mais assombroso que nem todos se lembrem de suas mortes anteriores; e, por causa dessa falta de memria, muitas pessoas no acreditam que tenha havido uma morte anterior. Mas, igualmente, elas no se lembram de seu ltimo nascimento e ainda assim no duvidam que tenham nascido. Elas se esquecem de que a memria ativa apenas uma 5 NT: Reich discorda.

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    pequena parte de nossa conscincia normal, e que nossa memria subconsciente registra e preserva toda impresso passada e experincia que nossa mente desperta falha em relembrar. O lama ento procede a fatiar o significado esotrico do Bardo Thodol aquele significado central que Jung e por conseqncia a maior parte dos orientalistas europeus falhou em apreender. Por esta razo, o Bardo Thodol, a libertao garantida pelo livro tibetano do estado entre a vida e o renascimento, estado chamado pelo homem de morte, foi transmitida em linguagem simblica. um livro selado com os sete selos do silncio, no porque o seu conhecimento pudesse ser mal-entendido e, portanto, tenderia a induzir em erro e prejudicar aqueles que no esto preparados para receb-lo. Mas o tempo veio para quebrar os selos do silncio; pois a raa humana chegou neste momento ao ponto em que deve decidir se vai se contentar com a subjugao do mundo material ou se vai se esforar para conquistar o mundo espiritual, pela subjugao dos desejos egostas e pela transcendncia das limitaes auto-impostas. O lama a seguir descreve os efeitos das tcnicas de expanso da conscincia. Ele est falando aqui sobre o mtodo que conhece o iogue mas suas palavras so igualmente aplicveis experincia psicodlica. H aqueles que, em virtude da concentrao e de outras prticas iogues, so capazes de trazer o subconsciente ao reino da conscincia discriminante e, dessa forma, se debruar sobre a tesouraria irrestrita da memria subconsciente, onde esto guardados no apenas os registros de nossas vidas passadas, mas os registros do passado de nossa raa, o passado da humanidade, e de todas as formas pr-humanas de vida, seno da prpria conscincia que torna possvel a vida neste universo. Se, por obra de algum truque da natureza, os portes de um subconsciente individual fossem se abrir subitamente, a mente despreparada seria sobrecarregada e esmagada. Entretanto, os portes do subconsciente so guardados pelos iniciados, e escondidos sob o vu de mistrios e smbolos. Numa seo posterior do seu prefcio, o lama apresenta uma elaborao mais detalhada do significado interior do Thodol. Se o Bardo Thodol fosse para ser considerado como sendo meramente baseado em folclore, ou como consistindo de especulao religiosa sobre a morte e um hipottico estado ps-morte, ele seria apenas do interesse de antroplogos e estudantes de religio. Mas o Bardo Thodol muito mais. uma chave para os mais profundos esconderijos da mente humana, e um guia para os iniciados, e para aqueles que esto procurando por uma via espiritual de libertao.

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    Embora o bardo Thodol seja nos dias de hoje normalmente usado no Tibete como um brevirio, e lido ou recitado na ocasio da morte razo pela qual foi chamado de O Livro Tibetano dos Mortos no deve-se esquecer de que ele foi originalmente concebido para servir como um guia no s para os moribundos e mortos, mas igualmente para os vivos. E aqui est a justifica para termos tornado o Livro Tibetano dos Mortos acessvel para um pblico mais amplo. No obstante, os costumes e crenas populares que, sob a influncia das antigas tradies de origem pr-budista, cresceram em torno das profundas revelaes do Bardo Thodol, ele tem valor apenas para aqueles que praticam e realizam seus ensinamentos durante suas vidas. H duas coisas que tm causado confuso. Uma que os ensinamentos parecem ser endereados aos mortos ou moribundos; a outra que o ttulo contm a expresso Libertao Pela Audio (em tibetano, Thos-gnol). Como resultado, chegou-se crena de que suficiente ler ou recitar o bardo Thodol na presena de uma pessoa moribunda, ou mesmo de uma pessoa que tenha acabado de morrer, de modo a efetuar a sua libertao. Tal mal-entendido s poderia Ter se dado entre aqueles que uma das mais antigas e universais prticas do iniciado atravessar a experincia da morte antes de poder renascer espiritualmente. Simbolicamente, ele precisa morrer para o seu passado, e para o seu antigo ego, antes que possa tomar seu lugar numa nova vida espiritual na qual tenha sido iniciado. A pessoa morta ou moribunda endereada no Bardo Thodol por trs razes principais: (1) quem pratica intensamente esses ensinamentos deve considerar cada momento de sua vida como o ltimo; (2) quando um seguidor desses ensinamentos estiver morrendo realmente, ele deve ser lembrado de suas experincias da ocasio da iniciao, ou das palavras (ou mantra) do guru, especialmente se a mente do moribundo perder a ateno durante os momentos crticos; e (3) algum que ainda estiver encarnado deve tentar envolver a pessoa moribunda, ou que tenha acabado de morrer, com pensamentos a morosos e esperanosos durante os primeiros estgios do novo estado de existncia, ou estado ps-morte, sem permitir que a afeio interfira ou faa surgir um estado de depresso mental mrbida. Assim sendo, uma funo do Bardo Thodol parece ser mais ajudar aqueles que foram deixados para trs a adotar a atitude correta diante dos mortos e diante do fato da morte do que assistir aos mortos, que, de acordo com as crenas budistas, no se desviaro de seus prprios caminhos crmicos... Isto prova que devemos agir com a prpria vida e no somente com uma missa para os mortos, qual foi reduzido o Bardo Thodol nos ltimos tempos. Sob a aparncia de cincia da morte, o Bardo Thodol revela o segredo da vida; e aqui jaz o seu valor espiritual e o seu apelo universal. Aqui est a chave de um mistrio que se tem perpetuado por mais de 2500 anos a experincia de expanso da conscincia o rito da morte pr-morte e do renascimento. As sagas vdicas conheciam o segredo; os iniciados eleusianos o conheciam; os tntricos o conheciam. Em todos os seus escritos esotricos eles sussurraram a mensagem: possvel ir

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    alm da conscincia do ego, sintonizar-se a processos neurolgicos que operam na velocidade da luz, e tornar-se consciente da enorme tesouraria de antigos conhecimentos raciais soldada no ncleo de cada clula do seu corpo. A moderna qumica psicodlica proporciona uma chave para este reino esquecido da conscincia. Mas da mesma forma que este manual sem a conscincia psicodlica na nada seno um exerccio acadmico de tibetologia , assim tambm a poderosa chave qumica de pequeno valor sem os conselhos e ensinamentos. Os ocidentais no aceitam a existncia de processos conscientes para os quais eles no tenham um termo operacional. A atitude predominante : - se voc no pode rotular uma coisa, e se ela est alm das noes atuais de espao-tempo e de personalidade, ento ela no est aberta investigao. Assim vemos a experincia da ego-perda confundida com esquizofrenia. Assim vemos os psiquiatras dos dias atuais declarando as chaves psicodlicas perigosas e produtoras de psicoses. A nova qumica visionria e a experincia pr-morte-morte-renascimento podem ser mais uma vez empurradas para as sombras da histria. Olhando para trs, nos lembramos de que todo administrador poltico na Europa e no Oriente Mdio (com exceo de certos perodos na Grcia e na Prsia) tem, nos ltimos trs mil anos, se apressado em impor leis contra qualquer processo transcendental emergente, contra a sesso de pre-mortem-morte-renascimento, seus adeptos, e contra qualquer mtodo de expanso da conscincia. O presente momento da histria humana (como disse o Lama Govinda) crtico. Agora, pela primeira vez, possumos os meios de prover o esclarecimento a qualquer voluntrio preparado (o esclarecimento sempre vem, ns lembramos, na forma de um novo processo energtico, um evento fsico, neurolgico). Por essas razes preparamos esta verso psicodlica do Livro Tibetano dos Mortos. O segredo disperso novamente, num novo dialeto, e nos sentamos calmamente para observar se o homem est pronto para se mover adiante e fazer uso das novas ferramentas proporcionadas pela cincia moderna.

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    II

    O LIVRO TIBETANO DOS MORTOS

    PRIMEIRO BARDO:

    O PERODO DA EGO-PERDA OU DO XTASE DE NO-JOGOS (Chikhai Bardo)

    Parte I: A Serena Luz Primria Vista no Momento da Ego-perda.

    Todos os indivduos que tenham recebido os ensinamentos prticos deste manual sero postos, se o texto for lembrado, face a face com a irradiao exttica e recebero a iluminao instantaneamente, sem entrar em lutas alucingenas e sem mais sofrer na antiga trilha da evoluo normal que atravessa os vrios mundos do jogo existncia. Esta doutrina a base de todo o modelo tibetano. F o primeiro passo na Trilha Secreta. Ento vem a iluminao e com ela a certeza; quando o objetivo alcanado. O sucesso implica uma preparao muito incomum na expanso da conscincia, e do mesmo modo muita calma, e o jogar o jogo compassivo (bom carma) da parte do participante. Se pode-se fazer o participante ver e apreender a idia da mente vazio to logo o guia a revela isto , se ele tem o poder para morrer conscientemente e, se no supremo instante de perder o ego, puder reconhecer o xtase que o tomar, ento, e se tornar uno com ele, todos os vnculos ilusrios de jogos se quebraro imediatamente: o sonhador acorda para a realidade simultaneamente com a poderosa conquista do reconhecimento. melhor se o guru (professor espiritual), de quem o participante recebe as instrues, estiver presente, mas se o guru no puder estar presente, deve haver outra pessoa experiente; se o ltimo caos tambm no for possvel, ento uma pessoa em quem o participante confie deve ser capaz de ler este manual sem impor quaisquer se seus prprios jogos. Assim, o participante trar mente o que ele ouviu precisamente a respeito da experincia e vir a reconhecer pela primeira vez a Luz fundamental e indubitavelmente obter a libertao. Libertao o sistema nervoso destitudo de atividade mental-conceitual. [Realizao do Vazio, do No-Tornado, do No-Nascido, do No-Formado, implica o estado do Buda, o Perfeito Esclarecimento o estado da mente divina do Buda. Pode ser de ajuda lembrar-se de que esta antiga doutrina no est em conflito com a fsica moderna. O terico fsico e cosmologista George Gamow apresentou em 1950 um ponto de vista prximo da experincia fenomenolgica descrita pelos lamas tibetanos. Se imaginamos a histria correndo de volta no tempo, inevitavelmente chegamos poca do big squeeze com todas as galxias, estrelas, tomos e ncleos atmicos espremidos, por assim dizer, ao tamanho de um caroo. Durante este estgio primitivo da evoluo, a matria deve Ter estado dissociada em seus componentes elementares (...) Chamamos esta mistura primordial de ylem.

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    Neste primeiro ponto na evoluo do ciclo atual, de acordo com este fsico de primeira linha, existia apenas o No-Tornado, o No-Nascido, o No-Formado. E este, de acordo com os astrofsicos, o modo como a coisa acaba; a unidade silenciosa do No-Formado. Os budistas tibetanos sugerem que o intelecto ordenado pode experimentar o que os astrofsicos confirmam. O Buda Vainochana, o Dhyani Buda do Centro, Manifestador de Fenmenos, a mais alta forma de chegar ao esclarecimento. Como fonte de toda a vida orgnica, nele todas as coisas visveis e invisveis tm sua consumao e absoro. Ele associado ao Reino Central do Densamente-Condensado, isto , a semente de todas as foras universais e as coisas esto condensadas juntas, densamente. Esta notvel convergncia da astrofsica moderna e do antigo lamasmo no requer nenhuma explicao complicada. A conscincia cosmolgica e conscincia de todo processo natural est l no crtex. Voc pode confirmar este conhecimento mstico pr-conceitual atravs da observao emprica e meditao, mas est tudo l no seu crnio. Seus neurnios sabem porque esto ligados diretamente ao processo, so parte dele.] a mente em seu estado condicionado, isto , quando limitada a palavras e jogos do ego, est continuamente em atividade de formao de pensamento. O sistema nervoso em estado de quietude, alerta, acordado mas no ativo, comparvel ao que os budistas chamam de o mais elevado estado de dhyana (meditao profunda) quando ainda unida ao corpo humano. O reconhecimento consciente da serena Luz induz a uma condio conscincia exttica como o que os msticos e santos do Ocidente chamavam de iluminao. O primeiro sinal o vislumbre da Serena Luz da Realidade, a mente infalvel do estado mstico puro. Isto a conscincia das transformaes energticas sem a imposio de categorias mentais. A durao deste estado varia para cada indivduo. Depende da experincia, da segurana, confiana, preparao e dos elementos exteriores em torno do participante. Naqueles que j tenham tido uma pequena experincia prtica do tranqilo estado de conscincia de no-jogos, e naqueles que tenham scripts felizes, este estado pode durar de trinta minutos at vrias horas. Neste estado, a realizao do que os msticos chamam de Verdade Final possvel, desde que tenham sido providenciada anteriormente a preparao necessria pela pessoa, de outro modo, ela no poder se beneficiar agora, e dever vagar por estados alucinatrios cada vez mais profundos, determinados pelos seus jogos passados, at voltar realidade rotineira. importante lembrar que o processo de expanso da conscincia o reverso do processo do nascimento, sendo o nascimento o incio da vida de scripts e a experincia de ego-perda sendo uma cessao temporria da vida de scripts. Mas em ambos h uma passagem de um estado de conscincia para outro. E assim como uma criana precisa acordar e apreendera experncia da natureza deste mundo, da mesma forma uma pessoas no momento da expanso da conscincia precisa acordar para este novo mundo brilhante e tornar familiares suas to peculiares condies.

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    Naqueles grandemente dependentes de seus jogos do ego6, e que temem abandonar o controle, o estado iluminado dura to somente o tempo de estalar um dedo. Em alguns, ele pode durar o tempo de tomar um lanche ou almoar ou coisa que o valha. Se o indivduo estiver preparado para diagnosticar os sintomas da ego-perda, ele no precisar de nenhuma ajuda externa neste ponto. A pessoa prestes a abandonar o ego deve ser capaz no apenas de diagnosticar os sintomas assim que eles vierem como tambm de reconhecer a Serena Luz sem que outra pessoa ajude a identific-la. Se a pessoa falhar em reconhecer e aceitar o incio da ego-perda, ela pode queixar-se de estranhos sintomas corporais. Isto indica que ela no alcanou o estado de libertao. Ento o guia ou amigo deve explicar os sintomas como indicadores do incio da ego-perda. Eis uma lista das sensaes fsicas comumente relatadas: 1. Presso corporal, que os tibetanos chamam de terra-se-desfazendo-em-gua; 2. Frio mido, seguido por calor febril, o que os tibetanos chamam de gua-se-desfazendo-em-fogo; 3. Desintegrao do corpo ou a sua disperso em tomos, chamada fogo-se-desfazendo-em-ar; 4. Presso na cabea e nos ouvidos, que os americanos chamam de foguete-sendo-lanado-ao-espao; 5. Formigamento nas extremidades; 6. Sensao de como se o corpo estivesse derretendo ou escorrendo como cera; 7. Nusea; 8. Tremor, comeando na regio plvica e se espalhando para o tronco. As reaes fsicas devem ser reconhecidas como sinais indicativos da transcendncia. Evite trat-las como sintomas de doena, aceite-as, una-se a elas, aproveite-as. Uma leve nusea ocorre freqentemente com a ingesto de morning glory ou peiote, raramente com mescalina, e ainda com menor freqncia com LSD e pscilocibina. Se o sujeito experimentar sensaes estomacais, elas devem ser saudadas como um sinal de que a conscincia est se movendo pelo corpo. Os sintomas so mentais; a mente controla as sensaes, e o indivduo deve unir-se sensao, experienci-la totalmente, aproveit-la e, tendo a aproveitado, deve deixar a conscincia fluir para a prxima fase. mais comum deixar que a conscincia fique no corpo a ateno do indivduo pode mover-se do estmago para a respirao, as batidas do corao. Se isto no livr-lo da nusea, o guia deve guiar a conscincia para eventos externos msica, uma caminhada no jardim etc. O aparecimento de sintomas fsicos da ego-perda, reconhecida e entendida, deve resultar na conquista tranqila da iluminao. Se a aceitao exttica no ocorrer (ou quando o perodo de silncio tranqilo parecer estar terminando), as sees de instrues relevantes podem ser sussurradas ao ouvido. freqentemente til repeti-las, claramente, incutindo-as pessoa para evitar que sua mente fique vagando por a. Um outro mtodo de guiar a experincia com um mnimo de atividade ter as instrues previamente gravadas na voz do prprio sujeito. Isto recordar ao viajante sua preparao prvia; far com que a conscincia nua seja reconhecida como a Serena Luz do Incio; vai lembrar ao indivduo sua unio com o estado de perfeito esclarecimento e ajud-lo a mant-lo.

    6 Heavy game players.

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    Quando, experimentada a ego-perda, se estiver familiarizado(a) com este estado, em virtude da experincia e preparao prvias, a Roda do renascimento (isto , todos os jogos) parar, e a libertao ser alcanada imediatamente. Mas tal eficincia espiritual rarssima, e a condio mental normal da pessoa inadequada suprema faanha de manter-se no estado em que brilha a Serena Luz, e a vai descendo progressivamente a estados cada vez mais baixos da existncia Bardo, at o renascimento. A comparao com uma agulha equilibrada sobre uma linha usada pelos lamas para explicar esta condio. Enquanto a agulha mantm o equilbrio, ela permanece sobre a linha. Mas por fim a lei da gravidade (o puxo do ego ou de uma simulao exterior) a afeta, e ela cai. No reino da Serena Luz, da mesma forma, a mentalidade de uma pessoa no estado de transcendncia do ego momentaneamente desfruta da condio de estabilidade, de perfeito equilbrio e de unidade. Sem estar familiarizada com este estado, que um estado exttico de no-ego, a conscincia do ser humano mdio carece da capacidade de funcionar nele. Propenses crmicas (isto , propenses a jogos/scripts) envolvem o princpio-da-conscincia com idias de personalidade, do ser individualizado, do dualismo. Assim, perdendo o equilbrio, a conscincia cai para fora da Serena Luz. So os processos do pensamento que impedem a realizao do Nirvana (que a extino da chama do desejo egosta de jogos); e ento a Roda da vida continua girando. Todas ou algumas das passagens apropriadas nas instrues podem ser lidas ao viajante durante o perodo de espera at que a droga faa efeito, e quando os primeiros sinais da ego-perda aparecerem. Quando o viajante estiver claramente num xtase de transcendncia do ego, o guia sbio permanecer em silncio.

    Parte II: A Serena Luz Secundria Vista Imediatamente Aps A Ego-perda

    A seo anterior descreve como a Serena Luz pode ser reconhecida e mantida a libertao. Mas se tornar-se aparente que a Serena Luz Primria no est sendo reconhecida, ento pode-se assumir certamente que est principiando o que chamado a fase da Serena Luz Secundria. O primeiro lampejo da experincia usualmente produz um estado de xtase da maior intensidade. Toda clula do corpo sentida como sendo envolta em criatividade orgstica. Pode ser de ajuda descrever em maiores detalhes alguns dos fenmenos que geralmente acompanham o momento da ego-perda. Um deles pode ser chamado de fluxo de ondas de energia. O indivduo torna-se consciente de que parte de um campo de energia carregado, e de que est cercado por ele, que parece quase eltrico. Para prolongar o estado de ego-perda tanto quanto possvel, a pessoa preparada relaxar e permitir que as foras fluam atravs dela. H dois perigos a evitar: a tentativa de controlar ou racionalizar esse fluxo. Ambas as reaes so indicativas da atividade do ego e ento a transcendncia do bardo se perde. O segundo fenmeno pode ser chamado de fluxo vital biolgico. Aqui a pessoa torna-se consciente dos processos bioqumicos e fisiolgicos, da atividade rtmica pulsante no interior do corpo. Freqentemente isto pode ser sentido como poderosos motores ou geradores continuamente pulsando e irradiando energia. Um fluxo interminvel de formas celulares e cores passa como raios. Os processos biolgicos interiores podem tambm ser

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    ouvidos com chiados e barulhos de crepitao e triturao caractersticos. Novamente a pessoa deve resistir tentao de rotular e controlar esses processos. Nesse ponto voc est ligado(a) a reas do sistema nervoso que so inacessveis percepo rotineira. Voc no pode arrastar seu ego para dentro dos processos moleculares da vida. Esses processos so um bilho de anos mais velhos que a mente conceitual erudita. Uma outra fase tpica e mais compensadora do Primeiro bardo envolve o movimento de energia exttica sentido na espinha. A base da espinha parece estar derretendo ou pegando fogo. Se a pessoa puder manter-se calma e concentrada, a energia ser sentida como se flusse para cima. Os adeptos do tantra devotam dcadas de mediao concentrada para liberar essa energia exttica que chamam de Kundalini, a Fora da Serpente. Permite-se que as energias subam atravs de vrios centros ganglionares (chakras) at o crebro, onde so sentidas como um ardor no fundo do crnio. Essas sensaes no so desagradveis para a pessoa preparada mas, pelo contrrio, so acompanhadas pelos mais intensos sentimentos de alegria e iluminao. Indivduos mal-preparados podem interpretar a experincia em termos patolgicos e tentar control-la, normalmente com resultados desagradveis. [O professor R. C. Zaehner, que como estudante oriental e expert em misticismo deve saber mais sobre o assunto, publicou um relato sobre como esta experincia de primeira classe pode ser perdida e distorcida com queixumes hipocondracos pelos no-educados. (...) senti algo curioso no meu corpo, que me fez lembrar do que o Sr. Custance descreve como um formigamento na base da espinha, que, de acordo com ele, geralmente precede um ataque psictico. Foi bem assim. Na Broad Walk esta sensao ocorreu de novo e de novo at que o clmax da experincia foi alcanado (...) Eu no gostei dela, absolutamente. (R. C. Zaehner: Misticism, Sacred and Profane. Oxford University Press, 1957, p. 214).] Se os indivduos falham em reconhecer o fluxo corrente dos fenmenos do Primeiro Bardo, a libertao do ego perdida. A pessoa se v retornando s atividades mentais. Nesse ponto ela deveria tentar se lembrar das instrues ou ser lembrada delas, e um segundo contato com esses processos poderia ser feito. O segundo estgio menos intenso. Uma bola quicando alcana a maior altura no primeiro salto; o segundo quique menor, e assim vai at que a bola volte ao repouso. A conscincia na ego-perda similar a isto. Seu primeiro salto espiritual, ao deixar o corpo-ego, o mais alto; o prximo mais baixo. Ento a fora do carma (isto , dos jogos passados), se ergue e diferentes formas de realidades exteriores so experimentadas. Finalmente, a fora do carma tendo se esgotado, a conscincia retorna ao normal. As rotinas so retomadas e assim ocorre o renascimento. O primeiro xtase normalmente termina com um flashback momentneo para a condio do ego. Este retorno pode ser feliz ou triste, cheio de amor ou de suspeitas, de medo ou de coragem, dependendo da personalidade, da preparao e do cenrio. Este flashback do ego-jogo acompanhado por uma preocupao com a identidade. Quem sou eu agora? Estou morto(a) ou no-morto(a)? O que est a acontecer? Voc no consegue determinar. V o que o cerca e a seus como costumava fazer antes. H uma

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    sensitividade penetrante. Mas voc est em outro nvel. A compreenso do seu ego no mais to segura quanto antes. As alucinaes e vises crmicas ainda no comearam. Nem as aparies atemorizantes nem as vises paradisacas comearam ainda. Este um perodo mais prenhe e sensitivo. O saldo da experincia pode ser levado para um lado ou para outro dependendo da preparao e do clima emocional. Se voc tem experincia na alterao da conscincia ou se uma pessoa naturalmente introvertida, lembre-se da situao e do plano. Fique calmo(a) e deixe que a experincia o(a) leve aonde ela quiser. Voc provavelmente experienciar o xtase da iluminao; ou pode derivar em esclarecimentos estticos, filosficos ou interpessoais. No segure: deixe o rio lev-lo(a). A pessoa experiente est normalmente alm da dependncia do cenrio. Ela pode desligar-se da presso exterior e retornar iluminao. Uma pessoa extrovertida, dependente de jogos sociais e situaes exteriores pode, no entanto, ficar prazerosamente distrada (cores, sons, pessoas). Se voc antecipar a distrao do extrovertido e quiser manter um estado de xtase de no-jogos, ento lembre-se de seguir as seguintes instrues: no se distraia, tente se concentrar numa personalidade contemplativa ideal, por exemplo o Buda, Cristo, Scrates, Ramakrishna, Einstein, Hermann Hesse ou Lao Ts: siga o seu modelo como se ele fosse um ser com um corpo fsico esperando por voc. Junte-se a ele. Se no obtiver sucesso com isso, no se aflija nem pense nisso. Talvez voc no tenha um ideal mstico ou transcendental. Isto significa que seus limites conceituais esto dentro de jogos exteriores. Agora que voc sabe o que a experincia mstica, pode se preparar para a prxima vez. Voc perdeu o fluxo livre-de-contedo e agora deve estar pronto(a) para mergulhar na excitante confrontao com a realidade externa. No Segundo bardo voc pode experienciar profundamente as revelaes de jogos. Acabamos de antecipar as reaes do naturalmente misticamente introvertido, da pessoa experiente e do extrovertido. Agora vamos nos voltar para o novato que demonstra confuso no estgio inicial da seqncia. O melhor procedimento sinalizar confiana e mais nada. Teremos lido este manual e teremos alguma orientao. Deixe-o(a) em paz e ele(a) provavelmente mergulhar em seu pnico e o dominar. Se ele(a) indicar que deseja orientao, repita as instrues. Diga a ele(a) o que est acontecendo. Lembre-o da fase do processo em que ele(a) est. Inste-o a relaxar a luta do seu ego e a voltar ao contato com a Serena Luz. Preparao e orientao deste tipo permitiro a muitos alcanar o estado iluminado, que no seria de outra forma por eles reconhecido. Neste ponto, necessrio dar uma palavra como um alerta benigno. Ler este manual extremamente til, mas nenhuma palavra capaz de comunicar a experincia. Voc ficar surpreendido(a), espantado(a) e deliciado(a). Uma pessoa pode Ter ouvido uma descrio detalhada da arte de nadar e ainda assim nunca Ter tido a oportunidade de nadar. Igualmente, h aqueles que tentaram aprender a teoria da experincia da ego-perda, e nunca

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    a aplicaram. Eles no conseguem manter intacta a continuidade da conscincia, ficam desnorteados com a mudana de condio; falham em manter o xtase mstico; falham em tirar vantagem da oportunidade a no ser com a ajuda e a direo de um guia. Mesmo com tudo o que um guia pode fazer, eles ordinariamente, devido ao carma ruim (heavy ego games), falham em reconhecer a libertao. Mas isto no motivo para preocupaes. Nas pior das hipteses, eles flutuam de volta praia. Ningum se afogou, e a maioria dos que fizeram a viagem ficaram ansiosos para repeti-la. Mesmo aqueles que j se familiarizaram com os mapas e j tiveram previamente uma experincia de iluminao podem se achar em cenrios nos quais o comportamento marcado por jogos intensos (heavy games) da parte dos outros os forcem ao contato com a realidade externa. Se isso acontecer, lembre-se das instrues. A pessoa que domina esse princpio pode bloquear o exterior. Quem dominou o controle da conscincia fica independente do cenrio. Novamente h aqueles que, embora tenham tido sucesso anteriormente, podem Ter trazido consigo sesso ego-jogos. Podem querer fazer com que algum mais tenha um tipo particular de experincia. Podem estar atrs de algum objetivo prprio. Podem estar nutrindo sentimentos negativos, competitivos em relao a algum do grupo. Se isso acontecer, lembre-se das instrues. Lembre-se da unidade de todos os seres. Desfaa-se de sua programao egosta e flutue de volta radiante beatitude do em-unicidade. Se voc alcanar a Serena Luz imediatamente e mant-la, chuchu beleza! Mas se no, se voc flutuou de volta s preocupaes da realidade, lembrando-se destas instrues voc deve ser capaz de recuperar o que os tibetanos chamam de Serena Luz Secundria. Enquanto neste nvel secundrio, um interessante dilogo ocorre entre a transcendncia pura e a conscincia que esta viso exttica lhe produz. A primeira irradiao no conhece nenhum eu, nenhum conceito. A experincia secundria envolve um certo estado de lucidez conceitual. O self paira num terreno transcendente do qual normalmente excludo. Se as instrues forem lembradas, a realidade exterior no se intrometer. Mas o envio de mensagens entre a divindade livre-de-ego e a individualidade lcida de no-jogos produz um xtase intelectual que desafia a descrio. A leitura filosfica de antes vai subitamente tomar um significado vivo! Assim, no estgio secundrio do Primeiro Bardo, so possveis ambas as experincias do no-eu mstico e do eu mstico. Depois de Ter experimentado esses dois estgios, voc pode querer fazer essa distino intelectual. Somos confrontados aqui com um dos mais antigos debates da filosofia oriental: melhor ser parte do acar ou provar do acar? Controvrsias teolgicas e suas dualidades ficam longe da experincia. Uma vez que o misticismo experimental tenha se tornado possvel por meio de drogas que expandem a conscincia, voc pode Ter tido a sorte de Ter experimentado o vai-e-vem entre os dois estados. Voc pode ser sortudo o bastante para conhecer o que os monges acadmicos podiam apenas conjeturar.

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    Aqui termina o Primeiro Bardo, o Perodo da Ego-perda e do xtase de No-Jogos

    SEGUNDO BARDO

    O PERODO DE ALUCINAES (Chonyid Bardo)

    Introduo

    Se a Serena Luz primria no for reconhecida, ainda h a possibilidade de manter a Serena Luz secundria. Se ela perdida, ento vem o Chonyid Bardo, o perodo das iluses crmicas ou intensas misturas alucinatrias do jogo realidade. muito importante que as instrues sejam lembradas elas podem Ter grande efeito e influncia. Durante este perodo, o fluxo de conscincia, microscopicamente ntido e intenso, interrompido por tentativas fugazes de interpretar e racionalizar. Mas o ego-jogador normal no est funcionando efetivamente. Existem, portanto, possibilidades ilimitadas para, por um lado, novidades intelectuais e emocionais agradveis se deixar-se flutuar com a corrente; e, por outro lado, temveis emboscadas de confuso e terror se tentar-se impor a sua vontade experincia. A proposta desta parte do manual preparar a pessoa para os pontos de escolha que surgem durante este estgio. Estranhos sons, vises sobrenaturais e perturbadoras podem ocorrer. Eles podem impressionar, assustar e atemorizar a no ser que se esteja preparado. A pessoa experiente ser capaz de manter a percepo de que todas as percepes vm de dentro e ser capaz de sentar-se calmamente, controlando sua conscincia expandida como um aparelho de televiso multidimensional fantasmagrico: as alucinaes mais agudas e sensveis visuais, audveis, tteis, olfativas, fsicas e corporais; as reaes mais requintadas, o discernimento compassivo do eu, do mundo. A chave a inao: a integrao passiva com tudo o que ocorre sua volta. Se voc tentar impor sua vontade, usar sua mente, racionalizar, buscar explicaes, voc ser pego em rodamoinhos alucinatrios. O lema: paz, aceitao. um panorama que muda continuamente. Voc temporariamente apartado(a) do mundo de jogo. Aproveite isso. Os inexperientes e aqueles para os quais o ego-controle importante podem considerar a passividade impossvel. Se voc no puder se manter inativo(a) e subjugar sua vontade, ento a nica atividade que pode certamente reduzir o pnico e pux-lo(a) de volta dos jogos mentais alucinatrios o contato fsico com outra pessoa. V at o guia ou at outro participante e ponha sua cabea no ombro dele(a) ou no seu colo; ponha seu rosto prximo ao dele(a) e se concentre no movimento e no som da respirao dele(a). Respire profundamente e sinta o ar correr para dentro e a expirao. Esta a forma mais antiga de comunicao viva; a irmandade da respirao. A mo do guia sobre sua testa pode ajudar no relaxamento. O contato com outro participante pode ser mal-entendido e provocar alucinaes sexuais. Por esta razo, esse tipo de ajuda deve ser combinada previa e explicitamente. Participantes

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    despreparados podem impor medos ou fantasias sexuais no contato. Desligue-os; eles so produes ilusrias crmicas. O aconchegar terno, gentil e apoiador dos participantes do desenvolvimento natural da Segunda fase. No tente racionalizar este contato. Seres humanos e, analogamente, quase todas as criaturas terrestres mveis tm se aconchegado por muito tempo, em noites escuras e confusas por muitas centenas de milhares de anos. Inspire e expire com seus companheiros. Ns somos todos um! Isso o que a respirao est lhe dizendo.

    Explicao do Segundo Bardo

    O problema essencial do Segundo Bardo que toda e qualquer imagem humana, divina, diablica, herica, m, animal, coisa que o crebro humano invoca ou as lembranas de vidas passadas, podem apresentar-se conscincia: imagens e formas e sons girando interminavelmente. A soluo essencial repetida de novo e de novo reconhecer que seu crebro est produzindo as vises. Elas no existem. Nada existe exceto da forma como sua conscincia d vida s coisas. No h, claro, modo de classificar as infinitas trocas e combinaes de elementos visionrios. O crtex contm registros de bilhes de imagens da histria da pessoa, da raa e das formas vivas. Qualquer delas, taxa de cem milhes por segundo (de acordo com neurofisiologistas), pode inundar a conscincia. Balouando neste brilhante e sinfnico mar de imaginrio est o que resta da mente conceitual. Num turbulento e infindvel aguaceiro do Oceano Pacfico baloua uma pequena boca aberta a gritar (entre bocados de gua salgada) Ordem! Sistema! Explique tudo isso! No se pode prever que vises ocorrero, nem sua seqncia. Pode-se apenas incitar os participantes a fechar a boca, respirar pelo nariz, e desligar a irrequieta mente racionalizante. Mas s uma pessoa experiente de inclinaes msticas consegue fazer isso (e assim permanecer no sereno esclarecimento). A pessoa despreparada ficar confusa ou, pior, entrar em pnico: a luta intelectual para controlar o oceano. Com o objetivo de guiar a pessoa, ajud-la a organizar suas vises em unidades explicveis, o Chonyid Bardo foi escrito. H duas sees: (1) Sete Deidades pacficas com suas simetricamente opostas ego-armadilhas; (2) Oito Deidades Colricas que podemos alegremente aceitar como produes visionrias, ou fugir de medo. Cada uma das Sete Deidades Pacficas (representaes Pai-Me bissexuadas) acompanhada por consortes, criados, deidades menores, santos, anjos, heris. Cada uma das Deidades Colricas similarmente acompanhada. Luzes, objetos simblicos, belos, horrveis, assustadores, ferventes, tambm so vistos.

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    Se lido literalmente, o Livro Tibetano dos Mortos o(a) faria esperar o Mestre de Todas as Imagens Visveis (ou seu oposto, a absurdidade da estupidez) no primeiro dia; a Deidade Imvel da felicidade e seus consorte, criados e seu oposto no segundo, etc. O manual no deve, claro, ser usado rigidamente, exotericamente, mas deve ser tomado em sua forma esotrica, alegrica. Lido desta perspectiva, vemos que os lamas ouviram ou nomearam milhares de imagens que podem ferver no mosaico ajoalhado em constante mudana da retina (aquele atoleiro de multi-camadas de bilhes de raios e cores, infiltrado, como um tapete persa ou uma escultura maia, com incontveis capilares multicoloridos). Atravs da leitura preparatria do manual e por sua repetio durante a experincia, o novato levado via sugesto a reconhecer seu fantstico caleidoscpio retinal. O mais importante, a pessoa aprende que as vises vem de dentro. Todas as deidades e demnios, todos os parasos e infernos so internos. O estudante com interesse particular pelo budismo tntrico ou tibetano deve mergulhar no Chonyid Bardo. Deve arranjar placas coloridas das catorze chamas do Bardo, e arranjar para que o guia o leve segundo a seqncia prevista durante a sesso. Isto providenciar inesquecveis sries de libertao e permitir ao devoto emergir reencarnado da experincia na tradio lamasta. A inteno deste manual tornar disponvel o esboo geral do Livro Tibetano e traduzi-lo num ingls psicodlico. Por esta razo, no apresentaremos a seqncia detalhada de alucinaes lamasta, mas, em vez disso, vamos listar algumas aparies comumente relatadas pelos ocidentais. Seguindo o Thodol Tibetano, classificamos as vises do Segundo Bardo em sete tipos: 1. A Fonte ou Viso do Criador; 2. O Fluxo Interior de Processos Arquetpicos; 3. O Fluxo Flamejante de unidade Interior; 4. A Estrutura de Vibraes Ondulares de Formas Exteriores; 5. As Ondas Vibratrias de Unidade Exterior; 6. O Circo Retinal; 7. O Teatro Mgico [Devemos a frase circo retinal a Henri Michaux (Miservel Milagre) e o termo teatro mgico a Hermann Hesse (O Lobo da Estepe)]. As vises 2 e 3 envolvem o fechar dos olhos e nenhum contato com estmulos externos. Na viso 2 o imaginrio interior primariamente conceitual. A experincia pode se estender das revelaes e do insight confuso e ao caos, mas o significado intelectual, cognitivo, primordial. Na viso 3 o imaginrio interior primariamente emocional. A experincia pode se estender do amor e da unidade exttica ao medo, desconfiana e isolamento. As vises 4 e 5 envolvem olhos abertos e ateno para os estmulos exteriores, tais como sons, luzes, toque etc. Na viso 4 o imaginrio exterior primariamente conceitual e na viso 5 os fatores emocionais predominam. A lista stupla acima descrita tem alguma semelhana com o esquema mandlico das Deidades Pacficas listadas para o Segundo Bardo no Livro Tibetano dos Mortos.

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    As Vises Pacficas

    Viso 1: A Fonte [A primeira Deidade Pacfica listada pelo Bardo Thodol o Bhagavan

    Vairochana, que ocupa o centro da mandala d