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O ICMS E OS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO DESTINADOS AO
EXTERIOR
Sonia Maria de Oliveira Pirajá1
1-Introdução 2- Breve digressão histórica 3- Serviços de comunicação destinados ao
exterior – posições doutrinárias 4- Sistema tributário e a denominação econômica 5-
Conceito de prestação de serviço nas telecomunicações 6- Os serviços de
comunicação na modalidade longa distância e a EC nº 42/03 7- Telecomunicações
como serviço – redes e sistemas 8- Responsabilidade pelo recolhimento. 9-
Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
Os serviços de comunicação experimentaram, ao longo dos últimos anos, uma
transformação estrutural, cuja essência situa-se no rompimento da idéia monopolista na
exploração dessa atividade, dando lugar à exploração em regime de competição privada,
ensejando o surgimento de grandes operadoras de serviços de telecomunicações, tanto na
telefonia local como de longa distância.
Viu-se, assim, a passagem das telecomunicações como monopólio público para a
esfera de concorrência regulada, atribuindo aos particulares o direito de exercício dessas
atividades, mediante concessões, permissões ou autorizações, sob permanente controle estatal.
1 Procuradora do Estado de São Paulo desde 1991, em exercício na Procuradoria Fiscal, Especialista em Direito
Tributário pela PUC/SP, Especialista em Direito do Estado pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, Monitora em Direito Tributário junto à Escola Superior da PGE – Tributário, e-mail [email protected].
2
Assim, as empresas de telecomunicações angariaram largo espaço de atuação e
obtenção de receitas; criaram mecanismos de execução e comercialização de suas atividades,
baseadas em redes de serviços de telecomunicações alheias, conjuntamente com suas próprias
redes.
Na mesma proporção passaram a responder por considerável cifra na arrecadação
do ICMS. No entanto, os Estados estão enfrentando inúmeras controvérsias sobre a tributação
incidente nas telecomunicações, especialmente no que tange à modalidade de longa distância,
discutindo-se: (i) a hipótese de incidência do ICMS na prestação de serviços de comunicações
iniciados no Brasil e concluídos no exterior; (ii) se as prestadoras locais, utilizando-se de
redes comutadas de terceiros, responderiam por esse tributo.
Desta forma, o objeto do presente estudo é examinar a incidência do Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os serviços destinados ao exterior,
tendo em vista o art. 155, § 2º, X, “a” da CF, com nova redação dada pela EC nº 3, de
17.03.1993 e EC nº 42, de 19.12.2003, bem como o art. 3º, II e 32 da LC nº 87/96.
Palavras chave: ICMS na modalidade longa distância, responsabilidade pelo imposto,
exploração industrial.
2. BREVE DIGRESSÃO HISTÓRICA
A Constituição Federal previu a competência dos Estados para instituir imposto
sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços de transportes interestadual e
intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no
exterior ( art. 155, II da CF/88).
No art. 155, § 2º, inciso X, alínea a, da CF/88, estabeleceu-se que o ICMS não
incidiria sobre as operações que destinassem ao exterior produtos industrializados (excluídos
os semi-elaborados definidos em Lei Complementar) sem fazer nenhuma menção aos serviços
de comunicação. No entanto, ao dispor no inciso XII do par. 2º do art. 155, que a Lei
Complementar definiria os elementos de incidência do ICMS, a CF/88 possibilitou a exclusão
da incidência do imposto à exportação de serviços para o exterior.
3
Com fundamento no art. 34, par. 8º do ADCT da CF/88 sobreveio o
Convênio ICM nº 66/88, que estabeleceu todas as regras necessárias à incidência do imposto,
sem, no entanto, dispor sobre a não-incidência do ICMS nas exportações de serviços ao
exterior. Na vigência desse Convênio, foi editado outro Convênio (nº 04, de 21.02.1989),
onde, na cláusula terceira, determinou o recolhimento do Estado em que situasse o
equipamento terminal da operadora.
Seguindo essa sistemática, em 29.03.1994, foi editado o Convênio ICMS nº
27/94, determinando a redução da base de cálculo do ICMS na prestação de serviços de
telecomunicações internacionais para 13% (treze por cento).
Finalmente em 13.09.1996, editou-se a LC nº 87/96, que dispôs:
Art. 3º O imposto não incide sobre:
(...)
II – operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive
produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços:
(...)
Art. 32. A partir da data da publicação desta Lei Complementar:
I – o imposto não incidirá sobre operações que destinem ao exterior mercadorias,
inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, bem
como sobre prestações de serviços para o exterior.
Em 1998, sobreveio outro Convênio (nº 126), revogando o Convênio ICMS
04/89, ao dispor sobre questões relativas à incidência do ICMS nos serviços de comunicações.
Da mesma forma o Convênio nº 07/2000, revogou a redução da base de cálculo imposta nas
ligações internacionais.
Feita esta breve digressão, temos que a matéria está veiculada, na
atualidade, perante as regras do art. 3º, inciso II, e 32, inciso I, da LC nº 87/96, em
consonância com a regra matriz de competência estatuída no nosso texto constitucional ( art.
155, II e X, a da CF/88), com nova redação dada pela EC nº 3, de 17.03.1993 e EC nº 42, de
19.12.2003.
4
3- SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO DESTINADOS AO EXTERIOR –
POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS
O tema em questão é objeto de divergências doutrinárias, onde a primeira
corrente chamada de subjetiva sustenta a aplicação desses dispositivos somente se e quando
o tomador do serviço de comunicação (o contratante e não o destinatário da ligação) estivesse
localizado no exterior. Por sua vez a segunda corrente, denominada de objetiva, aduz em seu
abono, a aplicabilidade desses dispositivos também quando o tomador estivesse aqui situado e
sua ligação destinasse ao exterior.
A primeira corrente, subjetiva, encontra seu fundamento de validade no
aspecto subjetivo e geográfico, ou seja, o ponto situado no exterior vale apenas para
caracterizar o serviço como de longa distância internacional. Isto porque o tomador do
serviço está se servindo de uma linha telefônica situada no Brasil, e a operadora coloca à
disposição os meios necessários para que a comunicação se estabeleça e o usuário dela se
utiliza, independentemente se este está no País ou fora dele.
Seguindo essa corrente a Procuradoria da Fazenda Nacional editou o
Parecer PGFN-CAT nº 381, de 08.04.99, a saber:
“(...) não podemos dizer que há uma prestação de serviço destinada ao
exterior. A ligação telefônica é que tem como destinatário alguém fora do território
nacional, mas essa prestação se dá internamente. O tomador do serviço é quem está
utilizando a linha telefônica paga, no Brasil, mais especificamente na unidade federada de
onde a ligação é originária, o valor correspondente a toda prestação e à empresa ( ou
empresas – já que, dependendo da origem da ligação, ela pode ser efetivada pelas
diferentes companhias telefônicas que exploram internamente os serviços de
comunicações) operadora, que coloca a disposição do usuário todo o aparato para que a
comunicação ocorra, presta um serviço ao tomador que está localizado no País. O
destinatário da ligação não participa desta relação jurídica, então formada entre tomador e
prestador do serviço de comunicação, nem lhe é prestado qualquer serviço. A referência
feita quanto ao ponto situado no exterior vale apenas para caracterizar o serviço como
5
longa distância internacional, pois somente quando houver a interligação entre dois
pontos situados, um no Brasil, e outro no exterior, a comunicação se realiza”.
Já a segunda corrente, nominada de objetiva, parte do pressuposto de que a
LC nº 87/96, no art. 3º, inciso II, impede a incidência do ICMS, que a matéria é
exclusivamente jurídica e não econômica. Neste sentido Ives Gandra da Silva Martins:2
“como se percebe, os dois serviços (transportes e comunicações)
sujeitos ao ICMS, mesmo que iniciados no Brasil, se concluídos no exterior, não estão
sujeitos ao ICMS. Tanto o transporte que inicia no País e é concluído no exterior, quanto
a comunicação cujo usuário final está no exterior, não podem estar sujeitos ao ICMS (...)
E, a partir da LC nº 87/96, quanto aos serviços iniciados no Brasil e
concluídos no exterior, o próprio art. 3º, inciso II, impede a incidência do ICMS, repita-
se, sobre os únicos dois serviços outorgados à competência impositiva dos Estados”
No entanto, a interpretação que está sendo dada com fito de excluir a
incidência do ICMS na prestação de serviços de comunicação internacional encontra
obstáculos nas premissas básicas do sistema tributário brasileiro e que serão de forma
sintética a seguir abordadas.
4. SISTEMA TRIBUTÁRIO E A DENOMINAÇÃO ECONÔMICA
A primeira premissa que podemos extrair do nosso sistema tributário é a
unidade do sistema onde as entidades políticas federadas não são só autônomas, mas
integrantes da República Federativa. Isto ocorre porque as normas nacionais “valem para todo
o território nacional, alcançando todas as pessoas que nele estejam e que são de cumprimento
obrigatório pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios”.3
Ainda, como complemento dessa unidade, encontramos uma hierarquia de
leis tributárias e a não admissibilidade de invasão de competência tributária ou subtração de
receitas por meio de isenções não autorizadas.
2 Revista Dialética de Direito Tributário n. 73/159
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A outra premissa básica do sistema tributário nacional é a discriminação
constitucional de rendas tributárias através de impostos denominados pelo seu objeto
econômico.
De fato, os impostos no sistema tributário nacional são denominados por
expressões econômicas, fundamentadas em figuras da microeconomia. A nomenclatura dos
impostos deixou de ser jurídica (de termos jurídicos) para ser econômica (de termos
econômicos), como se vê agasalhado na forma de agrupamento dos impostos no nosso
sistema tributário, a exemplo, impostos sobre patrimônio e renda; impostos sobre produção e
circulação e etc.
Daí o primeiro contraponto na interpretação sobre a matéria, com referência
ao ICMS na prestação de serviços de comunicação, onde vê-se que o objeto relevante é o
fator econômico e não definição exclusivamente jurídica.
Sob a perspectiva do direito financeiro, tributo é uma receita derivada, que
advém do patrimônio do particular para fazer frente às despesas do Estado. Assim, já nos
ensinava Geraldo Ataliba “a receita derivada provém do patrimônio do particular. É o
tributo”.4
Do acima exposto temos que o sistema constitucional tributário é sem
dúvida um sistema de tributação, onde a própria Constituição aponta as competências
tributárias privativas de cada pessoa política. Isso significa que nenhuma norma
infraconstitucional, pode ir além ou aquém dos marcos constitucionais.
Roque Antonio Carrazza preleciona que “por exigência do princípio
federativo, nem a União pode invadir a competência tributária dos Estados, nem estes a da
União .... é defeso apossarem das competências tributárias uns dos outros. Demais disso, a
União não pode estipular – nem mesmo por meio de lei – como os Estados exercitarão suas
3 OLIVEIRA, Regis Fernandes: HORVATH Estevão. Manual de direito financeiro. 5. Ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 27. 4 OLIVEIRA, Regis Fernandes: HORVATH Estevão. Manual de direito financeiro. 5. Ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 35-36.
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competências tributárias, que este é tema acerca do qual eles próprios, com a autonomia que
possuem, devem decidir”.5
Somando-se essas assertivas, vê-se que sob o aspecto material a lei
complementar há de ficar circunscrita a determinadas matérias, com exclusão de outras. Essa
posição já foi externada pelo STF na ADI 1.789/DF. Rel. Min. Celso de Mello: “Só cabe a lei
complementar, no sistema do direito brasileiro, quando formalmente reclamada a sua edição
por norma constitucional explícita”.
Decidir se determinado serviço é tributável, ou não, em face da lei
complementar, diz respeito a “interpretação e aplicação desta lei, sem possibilidade de ofensa
à regra de competência inserta naquele preceito constitucional”.6
Assim, a exegese que se pretende atribuir a LC 87/96 (art. 3º), não encontra
respaldo no nosso ordenamento jurídico, já que o modelo de Sistema Tributário
Constitucional está baseado na repartição de competências federativas, o que impede a
subtração de receita pública, por meio de interpretação ampliativa.
5. CONCEITO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO NAS
TELECOMUNICAÇÕES
O art. 155, II, da Constituição Federal estabelece competência aos Estados e
ao Distrito Federal para a instituição do imposto sobre “operações relativas à circulação de
mercadorias e sobre prestações de serviços (...) de comunicação, ainda que as operações e as
prestações se iniciem no exterior”. Com advento da EC nº 42/03, acresceu-se nova redação ao
inciso X alínea “a”, do art. 155 da CF/88.
Por sua vez, o art. 2º, III, da LC nº 87/96, nos diz que o ICMS incide sobre
prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a
emissão, a recepção, a transmissão, (...) de comunicação de qualquer natureza. O que
5 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito Constitucional tributário. 2004. Malheiros Editores, p. 901.
6 TRIGUEIRO, Min. Oswaldo: RT, vol. 456, p. 289
8
demonstra que a hipótese de incidência do ICMS é a prestação a terceiros, mediante
contraprestação econômica de um serviço de comunicação.
Neste sentido Guilherme Cezaroti, nos diz que “o ICMS não incide sobe a
comunicação propriamente dita, mas sobre a colocação à disposição de outrem dos meios
necessários para que a comunicação ocorra”. 7
Mais adiante enfatiza:
“a prestação de serviço de comunicação só ocorre quando há a junção simultânea
de serviço e do processo comunicacional, de modo que a atividade a ser realizada
pelo prestador tenha como objetivo possibilitar a comunicação entre o emissor e
terceira pessoa, mediante remuneração. O emissor da mensagem é o tomador do
serviço de comunicação, que contrata o prestador para colocar à disposição os meios
que tornem possível a transmissão da mensagem ao destinatário.
O receptador da mensagem não é parte do contrato de prestação de serviço de
comunicação, mas sua presença é necessária para que ocorra a comunicação”.8
Serviço não é representado pela mera atividade, mas sim, pela atividade em
favor de terceiros, mediante paga, é o que já nos dizia o Ministro Moreira Alves “em direito, o
sentido normal da expressão serviço é atividade que se realiza para terceiros”.9 É um bem
imaterial, incorpóreo, objeto de circulação econômica.
No mesmo sentido Luciana Angeiras “presta serviço de comunicação a
pessoa que coloca à disposição os meios físicos necessários à concretização do vínculo
comunicacional”.10
Como ainda, Roque Antonio Carrazza “o serviço de comunicação tributável
por meio do ICMS se perfaz com a só colocação à disposição do usuário dos meios e modos
aptos à transmissão e recepção de mensagens”.11
7 CEZAROTI, Guilherme. Revista dialética de direito tributário nº 83, p. 47
8 Ob. Cit. p.49
9 STF, RE nº 101.339-7, AC de 14.03.84, in JSTF, Lex, vol.68, p. 280
10 ANGEIRAS, Luciana. Tributação dos provedores de acesso à Internet: O direito na era virtual. Luis Eduardo
Schoueri. Rio de Janeiro: Forense. 2001, p.236 11
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 157.
9
Não poderia ser de outra forma, já que na hipótese de incidência de serviços
de telecomunicações, como diz Pedro Gonçalves “o serviço de telecomunicações prestado
pelo operador não tem por objeto o transporte de informações, mas o acesso a um sistema
que, por si só, efectua o transporte”.12
Conforme acima demonstrado, o processo de comunicação envolve a
transmissão de uma mensagem, por meio de um canal, emissor para o receptador, que
possuem os elementos necessários para decodificar a mensagem.
Prestação de serviço de comunicação consiste na atividade de colocar à
disposição do usuário os meios necessários à transmissão e recepção de mensagem.
Misabel Abreu Machado Derzi, nos mostra a distinção:
1. A prestação de serviços configura uma utilidade ( material ou imaterial), com execução de
obrigação de fazer e não de dar coisa;
2. Deve ser prestada a terceiro, excluindo-se os serviços que a pessoa executa em seu próprio
benefício, como transporte de mercadoria de um estabelecimento a outro da mesma pessoa;
3. Executado sem vínculo de subordinação jurídica, mas em caráter independente, razão pela qual
excluem-se os serviços prestados pelos empregados a seus empregadores e pelos serviços públicos;
4. Deve ser habitual e não meramente eventual;
5. Assim como ser objeto de circulação econômica, executado com objetivo de lucro, excluindo -se
os serviços gratuitos ou de cortesia, beneficentes ou a preços baixos, como alimentação servida a
empregados gratuitamente ou a preço de custo;
6. Finalmente, o serviço deve ser prestado em regime de direito privado ( por pessoa física ou
jurídica, empresa pública ou sociedade de economia mista): se público, haverá imunidade, exceto para
aquele serviço dado em concessão ou permissão a terceiros”13
12
GONÇALVES, Pedro. Direito das telecomunicações. Coimbra: Almedina, 1999, p. 15. 13
DERZI, Misabel, in BALEEIRO. Aliomar. Direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense. 1999, p.49
10
6. OS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO NA MODALIDADE LONGA
DISTÂNCIA E A EC Nº 42/03
A primeira observação sobre o tema consiste em que a EC nº 42/03, ao dar
nova redação ao art. 155, par. 2º, X, “a” da CF/88, não utilizou a expressão “serviços
prestados a tomadores localizados no exterior”, mas apenas “serviços prestados a destinatários
no exterior”, o que nos leva a interpretar que “destinatário no exterior” é quem recebe a
ligação e não aquele que contrata. Essa interpretação vai de encontro a definição do serviço de
ligação internacional dada pela LGT, que não atribuiu qualquer relevância à localização da
parte contratante. Assim, em face da qualificação dada pela LGT, a interpretação que venha
alterar essa definição encontra óbice no art. 110 do CTN.
Ainda, esse critério da destinação ou fluxo que se dá ao serviço, objeto do
contrato, vai de encontro com a sistemática do ICMS, na medida em que sempre se levou em
conta o “fluxo desses serviços” e não a localização das partes contratantes, como podemos
deduzir na própria interpretação histórica da tributação dos serviços de telecomunicações, na
medida em que sempre se levou em conta o fluxo desses serviços e não a localização das
partes contratantes, tal como o CTN considerava o fato gerador do antigo ISC14
; o Convênio
ICM nº 04/89 dava importância ao ponto de origem dos serviços, colocando em relevo o local
em que estava situado o equipamento terminal da operadora que auferisse receita com a
prestação de serviço.
7. TELECOMUNICAÇÕES COMO SERVIÇO – REDES E
SISTEMAS
Antes de tudo, consigne-se que redes de telecomunicações constituem
circuitos de interligação de centrais telefônicas, com finalidades de interligarem todos os
titulares de redes abertas ao publico, visando maior universalização do sistema e impedimento
de duplicidade de infra-estruturas, possibilitando a comunicação entre ausentes.
14
Imposto de Transmissão e Recebimento de Mensagem
11
A necessidade de comercialização de meios e serviços entre as redes
interligadas fez surgir a figura da “revenda”, que consiste na execução e comercialização de
atividades de telecomunicações baseadas em redes e serviços de telecomunicações alheias, em
conjunto com a gestão operacional de redes de telecomunicações próprias15
, ou seja, trata-se
de contratação de redes de terceiros, os quais da mesma forma que prestam serviços
diretamente aos seus usuários finais, podem igualmente atuar no seguimento industrial,
conforme hipótese expressa na LGT, regulada pela ANATEL sob a denominação de
“exploração industrial.16
Como se vê, o escopo da utilização de redes alheias visa alcançar maior
competitividade na prestação dos serviços de telecomunicações, em escala industrial.
Neste sentido, Helena de Araújo Lopes Xavier17
, nos diz “do ponto de vista
tributário, essas modalidades de “revenda” reconduzem-se, porém, às hipóteses típicas de
tributação, notadamente no que concerne às hipóteses de incidência tributária específicas da
prestação de serviços de telecomunicações (como é, por exemplo, o caso da contribuição para
FUST e do ICMS sobre prestação de serviços de comunicação)”.
8. RESPONSABILIDADE PELO RECOLHIMENTO
Auferir a responsabilidade pelo pagamento do tributo é tarefa a ser somada
com a adequada compreensão e qualificação dos contratos de interconexão de redes e no
correto entendimento da natureza do serviço que envolve o conceito de telecomunicação.
Por questão lógica de raciocínio, precisamos conhecer primeiramente o
conceito de telecomunicação que envolve a comunicação propriamente dita no nosso sistema
brasileiro. E a forma mais basilar é considerá-la como qualquer transmissão, recepção ou
emissão de sinais que permite a comunicação entre ausentes. Assim, as telecomunicações
prestam-se a criar sistemas complexos identificados entre “redes” a permitir a comunicação
15
XAVIER, Helena de Araujo Lopes. A tributação da “revenda” de serviços de telecomunicações. S. Paulo. Thomson. 2004, p. 255 16
Cf. arts. 154, LGT e 61, RST 17
Ob. cit. p. 260.
12
entre pessoas a distância, através “meios” próprios para tal fim.
Fala-se em meios próprios para tal fim, na medida em que toda a
comunicação pressupõe emissor, receptor, mensagem e canal de transmissão de mensagem,
que entre ausentes, o canal transmissor se perfaz com a interação de meios, é o objeto dos
chamados “serviços de comunicação”, onde, na via telefonia, são meios físicos inseridos na
forma de “ redes” ou “sistemas” denominados de “ infra-estrutura de telecomunicações”.
Neste sentido a nossa LGT (Lei nº 9.472/97) define o conceito de
“telecomunicações”, como “o conjunto de atividades que possibilita a oferta de
telecomunicação”, complementando no seu par. 1º, que “Telecomunicação é a transmissão,
emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer processo
eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de
qualquer natureza”.
Essa disposição legal demonstra que tudo isso serve a permitir concretizar
atos de comunicação, mediante prestações de serviços próprias para tal fim. Concluindo-se
que se trata de um “meio”, um instrumento necessário para garantir o direito de comunicação
(através de redes e sistemas), ou seja, toda a comunicação via telefonia exige um complexo de
meios físicos, sob a forma de “redes” e “sistemas”, ao qual se denomina de “infra-estrutura de
telecomunicações”.
Heleno Taveira Tôrres nos ensina que “o serviço de telefonia tem por objeto
a exploração comercial do transporte endereçado de voz, em tempo real, com origem e
destino em pontos terminais da mesma rede ou, pela interconexão, com pontos terminais de
redes distintas, visando a garantir o direito de todos à comunicação. Daí o art. 60, da LGT,
definir o “serviço de telecomunicações” como sendo “ o conjunto de atividades que possibilita
a oferta de telecomunicação” 18
.
Mais adiante ressalta ”não se tome a “oferta” como simples disposição
contratual, mas como conclusão dos serviços prestados, pela disponibilidade de meios para
prover a comunicação”, ainda “Este serviço consistirá na colocação de meios suficientes e
18
TôRRES, Heleno Taveira. Direito Tributário das Telecomunicações. SP/São Paulo: Thomson –IOB. 2004, p. 311.
13
eficazes para propiciar a vontade humana de interação comunicativa.19
A própria interpretação histórica tal como a Norma nº 05/79, aprovada pela
Portaria nº 663, de 18 de julho de 1979, do Ministério das Comunicações, já tinha por
objetivo regular as condições gerais de prestação do serviço telefônico público, dispondo
sobre direitos e obrigações entre Prestadora, Usuário, Assinante e Locatário.
Essa regulamentação legal, deixa-nos perceber que o chamador, quando
fazia telefonemas, seja lá para onde fosse não mantinha relação jurídica com nenhuma outra
prestadora de serviço telefônico público que não aquela cuja área de atuação (área de
concessão) compreendia a local no qual estava instalada a linha telefônica por ele utilizada.
Assim, qualquer um que se utilizasse de uma linha telefônica, fosse para uma
chamada local, ou nacional ou internacional, mantinha relação jurídico tão-somente com a
empresa que prestava regularmente o serviço telefônico público na “localidade ou região
prestadora”. Conseqüentemente, o chamador que tirasse proveito de uma linha telefônica
instalada pela operadora local, na sua área de concessão, não importava o local para onde
seria dirigida a chamada, mantinha relação jurídica única e exclusivamente com a mesma.
Esta, por sua vez, para alcançar alguém no exterior, utilizava-se de redes
compartilhadas de outras empresas do gênero, tal qual na atualidade se diz em “revendas”, ou
seja, exploração industrial, o que configuraria incidência do imposto de ICMS, na
modalidade em questão.
Mesmo porque nos ensina ainda, Heleno Taveira Tôrres que:
“Para fins de incidência tributária, não importa, contudo, a relação entre o Estado
e as titulares de concessões ou operadoras de telecomunicações, quanto à
disponibilidade de meios, mas sim a situação jurídica das operações, no seio das
relações entre usuários e demais operadoras do tráfego local e internacional. Neste
plano, importa unicamente a efetivação dos serviços prestados (service provision),
para fins de incidência do ICMS
(....)
19
Ob. Cit. p. 312
14
Nessa última acepção, o serviço prestado consiste em permitir ao usuário “acesso
à rede”, garantido o seu uso efetivo, que pode ser feito em rede local ou mediante
interconexões, nacionais e internacionais, como exige a própria LGT, no seu art.
155: “Para desenvolver a competição, as empresas prestadoras de serviços de
telecomunicações de interesse coletivo deverão, nos caos e condições fixados pela
Agência, disponibilizar suas redes a outras prestadoras de serviços de
telecomunicações de interesse coletivo”. Mas “disponibilizar” aqui tem sentido
bem definido, de permissão para operar negócios jurídicos típicos, a título de
contratos de interconexão, para fins de prestação de serviços em favor das demais
prestadoras de serviços de telecomunicações, mediante remuneração previamente
concertada”. 20
Mais adiante, deixa claro que a relação entre as operadoras de
telecomunicações na prestação dos serviços de telecomunicações são efetivos negócios
jurídicos de interconexão, tratando-se de contratos típicos sujeito à intervenção
administrativa. Veja-se;
“A interconexão é a ligação física e funcional entre redes de telecomunicações,
constituída a partir de contratos típicos firmados entre operadoras e os titulares de
redes públicas de telecomunicações, para permitir que os usuários possam se
comunicar entre si ou acessar diferentes operadores de rede de serviços, em
reciprocidade.
Com a liberação desses serviços e fomento à livre concorrência entre as
operadoras e prestadoras de serviços dos contratos administrativos, regidos pelo
direito administrativo, passou-se aos contratos mercantis, regulados pelo direito
privado, para fins de identificação e qualificação dos contratos de interconexão de
redes de telecomunicações.”
(...)
Firmados e autorizado o Acordo de Interconexão, este gera obrigações recíprocas,
com remuneração garantida pelos mecanismos de preços de interconexão,
mediante um mecanismo de contabilidade separada de custos “.21
20
Ob. cit. p. 313.
15
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. Ao se reconhecer a existência de redes compartilhadas numa escala industrial, visando
dar suporte aos serviços de comunicação, por prestadoras licenciadas, ainda que destinados ao
exterior, admite-se a incidência do ICMS, posto que a EC nº 42/03, apenas usou a expressão
“serviços prestados a destinatários no exterior” e não a “tomadores localizados no exterior”,
o que nos faz crer que a opção do legislador foi pelo critério da localização, ou origem do
serviço prestado.
2. A intermediação de terceiros, criando meios físicos para a melhoria das relações
comunicativas, no intuito competitivo, configura a hipótese de incidência do ICMS, na
medida em que se está executando uma obrigação de fazer, com fito de lucro e na forma de
exploração industrial.
3. Para fins tributários, não importa a relação entre o Estado e as titulares de concessões
ou operadoras de telecomunicações, quanto à disponibilidade de meios, mas sim a relação
jurídica entre as prestadoras e os usuários, no sentido de permitir aos usuários “acesso à rede”,
garantido o seu uso efetivo, que pode ser feito em rede local ou mediante interconexões,
nacionais e internacionais.
4. A EC Nº 42/03, não utilizou a expressão “serviços prestados a tomadores localizados
no exterior”, da mesma forma a LC nº 87/96. Por isso a desoneração do ICMS, por meio de
interpretação ampliativa do texto, encontra óbice no sistema de repartição de competências
tributárias.
5. Atuando a prestadora (integradora ou intermediária) num sistema condominial; com
interligação de redes, tal como a nominada figura da “revenda”, mediante exercício de uma
atividade mercantil; prestando a seus clientes, a título oneroso, o serviço que possibilita a
comunicação entre ausentes, responde pelo recolhimento do imposto do ICMS.
21
Ob. cit. p. 319
16
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANGEIRAS, Luciana. Tributação dos Provedores de Acesso à Internet: O direito na era
virtual. Luis Eduardo Schoueri. Rio de Janeiro: Forense. 2001.
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