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O FATO GERADOR DO ICMS-IMPORTAÇÃO: QUESTÕES CONTROVERTIDAS E PERSPECTIVAS MAURINE MORGAN PIMENTEL DE OLIVEIRA [email protected] Rio de Janeiro 2013

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O FATO GERADOR DO ICMS-IMPORTAÇÃO:

QUESTÕES CONTROVERTIDAS E PERSPECTIVAS

MAURINE MORGAN PIMENTEL DE OLIVEIRA

[email protected]

Rio de Janeiro 2013

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RESUMO

Esta monografia tem por objeto de estudo o fato gerador do ICMS-Importação,

notadamente dos seus aspectos espacial e temporal. Conforme se buscará expor ao longo do

texto, as modificações levadas a cabo pela EC 33/2001 delinearam um imposto com bastantes

particularidades, que, sob alguns aspectos, diferenciaram-no do seu similar nacional. Desse

modo, sustenta-se no presente trabalho que o fato gerador do ICMS-Importação previsto no

art. 155, § 2°, IX, a, CRFB pressupõe a entrada do bem em território nacional, independente

de posterior transferência de propriedade, uma vez que o seu regramento é especial em

relação ao regime geral do ICMS. Portanto, as controvérsias atualmente pendentes de

julgamento no âmbito do STF, notadamente aquela que envolve a tributação de contratos

internacionais, pressupõem seja considerada a especialidade do tratamento do imposto de que

ora se cuida.

Palavras-chave: ICMS-Importação, EC 33/2001, fato gerador, incidência, entrada.

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SUMÁRIO

RESUMO .................................................................................................................................... i

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 1

1.1 Apresentação ............................................................................................................. 1

1.2 O Perfil Constitucional do ICMS ............................................................................. 2

2. O ICMS-IMPORTAÇÃO ....................................................................................................... 4

2.1 Evolução Histórica .................................................................................................... 4

2.2 Aspectos do Fato Gerador ........................................................................................ 6

2.2.1 Aspecto Temporal do Fato Gerador do ICMS-Importação ....................... 7

2.2.2 O Aspecto Espacial do Fato Gerador do ICMS-Importação ..................... 9

3. CONTRATOS ...................................................................................................................... 12

3.1 O Contrato de Leasing ............................................................................................ 12

3.2 A Evolução da Jurisprudência do STF ................................................................... 13

3.3 O ICMS-Importação e o Contrato de Comodato Internacional .............................. 18

4. A INTERPRETAÇÃO DO FATO GERADOR ................................................................... 20

5. CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 23

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................... 26

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1. INTRODUÇÃO

São poucos os temas que reiterada e ininterruptamente despertam a atenção dos

estudiosos. O ICMS é um deles, fonte inesgotável de ilações doutrinárias e debates

jurisprudenciais. Situado na zona fronteiriça entre o estadual e o internacional, o ICMS-

Importação, por sua vez, tem suscitado diversos questionamentos, muitos dos quais ainda sem

resposta.

Este estudo tem, pois, o objetivo de traçar o perfil do ICMS-Importação, enfocando

notadamente um de seus elementos constitutivos, qual seja, o seu fato gerador. A partir de

uma análise inicial das próprias características centrais do ICMS em âmbito interno, buscar-

se-á delimitar os contornos do ICMS-Importação, enfocando-se os pontos de aproximação e

de diferença entre ambos.

1.1 Apresentação

O ICMS é o principal tributo de competência estadual, seja pela sofisticação

legislativa de que se reveste, seja por revelar-se uma importante fonte arrecadatória. Embora

tradicionalmente concebido como um imposto de âmbito interno, a incidência do ICMS na

esfera internacional, notadamente após as mudanças empreendidas pela EC 33/2001, tem

provocado acesos debates em sede doutrinária e pretoriana.

Conforme será demonstrado ao longo do texto, o ICMS-Importação apresenta

regramento específico, pelo que, em alguns aspectos, apresenta sistemática própria e diversa

do seu similar nacional. Por conseguinte, ao longo deste trabalho, serão enfrentados temas ora

colocados para apreciação pelos Tribunais Superiores, buscando-se soluções à luz de posições

doutrinárias mais afinadas com a visão interdependente entre o Direito Tributário e a

Economia, bem como da evolução jurisprudencial sobre a matéria.

O ponto de partida para a análise do que ora se propõe consiste no enfoque aos

diferentes aspectos da chamada hipótese de incidência tributária, consoante os tradicionais

ensinamentos de Geraldo Ataliba e Amílcar de Araújo Falcão. Dessa forma, tomando por base

a classificação quadripartite da hipótese de incidência tributária, serão estudados os aspectos

pessoal, material, especial e temporal do fato gerador do ICMS-Importação, dando-se enfoque

aos dois últimos.

Nesse diapasão, um dos tópicos centrais do texto diz respeito ao contrato de leasing

internacional, em face da controvérsia acerca da necessidade do exercício de opção de compra

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para que o imposto possa incidir. Ao que parece, embora haja alguns precedentes sobre o

tema, ele ainda não foi definitivamente equacionado no âmbito dos Tribunais Superiores.

Finalmente, após percorrer o caminho supra descrito, o presente trabalho proporá

alguns critérios de interpretação do art. 155, § 2°, IX, a, CRFB, para afinal concluir pela

incidência do ICMS-Importação pela entrada, independente de posterior transferência de

propriedade.

1.2 O Perfil Constitucional do ICMS

O ICMS é imposto de competência estadual, conforme preceitua o art. 155, II, da

Constituição de 1988. Teve como predecessores o IVC (imposto sobre vendas e

consignações), previsto na Constituição de 1934, e cuja incidência se dava em cascata e o

ICM (imposto sobre circulação de mercadorias), introduzido pela EC 18/65 e que era não

cumulativo1.

Trata-se de tributo cujas origens remontam ao direito positivo francês de 1954, tendo

sido concebido no contexto de um Estado Unitário. Portanto, a sua transposição para um

Estado Federal, como o brasileiro, trouxe questões de delicado equacionamento, conforme se

exporá adiante. O tributo sobre valor acrescido francês (taxe sur la valeur ajoutée) expandiu-

se posteriormente para diversos outros países, fundando-se, sobretudo, em argumentos de

ordem financeira, como o desestímulo à integração vertical da economia e o estímulo às

exportações2.

Destaque-se que há importantes vozes na doutrina, como o professor Ricardo Lobo

Torres, que defendem a viabilidade de adoção, no direito brasileiro, de um único imposto

sobre valor agregado (IVA), que resultasse da integração entre o ICMS, o IPI e o ISS.

Contudo, há diversas dificuldades práticas para a implantação de um IVA unificado, nos

moldes dos Estados europeus, cabendo destacar, entre outras, a necessidade de modificação

da repartição de competências tributárias – visto que o IPI, o ICMS e o ISS se inserem nas

órbitas federal, estadual e municipal, respectivamente – e de instituição de um fato gerador

1 Entende-se por não cumulatividade a técnica pela qual é assegurado aos contribuintes o aproveitamento dos créditos de ICMS, evitando-se que a carga econômica do tributo distorça as formações dos preços das mercadorias e afete a competitividade das empresas. Daí dizer-se, para certo setor doutrinário, que o ICMS é um tributo neutro, pois, ao longo do processo econômico, a carga do ICMS é do consumidor final. Nesse sentido, cf. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 400. 2 Por todos, cf. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Vol. IV. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 230-232.

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amplo, que conglobasse os três referidos impostos3.

Embora tenha sido delineado pelo constituinte de 1988 como um tributo estadual, o

ICMS apresenta nítida vocação nacional, a tal ponto que é possível afirmar que os seus

principais problemas dizem respeito ao contexto do federalismo brasileiro – notadamente aos

critérios para o seu rateio – e não a aspectos estruturais e econômicos4.

Nesse sentido, a Constituição regulou de forma ampla o regime jurídico do ICMS,

disciplinando um complexo arcabouço jurídico com vistas a evitar a chamada “guerra fiscal”.

De um lado, conferiu ao Senado Federal a competência para, através de resolução, estabelecer

as alíquotas aplicáveis às operações interestaduais e de exportação, bem como para

estabelecer as alíquotas mínimas e máximas nas operações internas. De outro, outorgou à lei

complementar5 a prerrogativa de disciplinar os diversos aspectos do tributo, elencados no art.

155, § 2°, II, CRFB, cabendo destaque para a necessidade de que isenções, incentivos e

benefícios fiscais sejam concedidos e revogados mediante deliberação dos Estados e do

Distrito Federal no âmbito do Confaz (art. 155, § 2°, XII, g, CRFB, c/c LC 24/75).

No atual modelo constitucional brasileiro, o ICMS apresenta os seguintes possíveis

campos de incidência, conforme se infere dos artigos 155, II e 155, § 2°, IX, a, CRFB: a)

operações relativas à circulação de mercadorias, b) prestação de serviços de transporte

interestadual e intermunicipal, c) prestação de serviços de comunicação e d) operações de

importação de mercadorias e bens.

Ademais, consiste o ICMS em tributo indireto, multifásico, não cumulativo e que pode

ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. No entanto, no

âmbito específico do ICMS-Importação, há particularidades que demandam uma análise

específica, que se fará no tópico seguinte.

3 Ibid., p. 232-235. 4 SOUZA, Rubens Gomes de. Os impostos sobre o valor acrescido no sistema tributário. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, vol. 110, p. 24-25, out./dez. 1972. 5 Trata-se da Lei Kandir (LC 87/96).

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2. O ICMS-IMPORTAÇÃO

Conforme leciona o professor Ricardo Lobo Torres, a doutrina tradicionalmente

reconhece a incidência dos impostos internos de consumo sobre a importação, que incidem

sobre a circulação internacional dos bens6. O ICMS-Importação se configura, pois, como

típico tributo a onerar a circulação internacional referida, apresentando, desde 1983, estatura

constitucional. Atualmente previsto no art. 155, § 2°, IX, a, CRFB, a sua hipótese de

incidência foi ampliada de forma significativa com o advento da EC 33/2001.

2.1 Evolução Histórica

Até a Emenda Passos Porto (Emenda 23/83), a incidência do ICM sobre a importação

encontrava previsão apenas em sede infralegal, através dos atos complementares 43/67 e

36/67. A partir da emenda constitucional referida, entretanto, a Constituição de 1967 passou a

contemplar expressamente a incidência do ICM sobre a importação7. A Constituição de 1988,

em sua redação originária8, manteve a redação dada pela Emenda Passos Porto, prevendo que

o ICMS-Importação incidiria, inclusive, no caso de bens destinados ao consumo ou ao ativo

fixo do estabelecimento. Mitigou-se, dessa forma, via Emenda 23/83 e através da constituinte

originária, a jurisprudência do STF, que culminara na edição do enunciado 570 da sua

súmula9, no sentido de que o ICMS não incidiria sobre bens de capital.

Ainda no contexto de vigência da redação originária da Constituição de 1988, o STF

construiu farta jurisprudência no sentido de que o ICMS-Importação não incidiria na

importação de bens por pessoa física, o que culminou na edição do enunciado 660 de sua

súmula10. Contudo, com o advento da Emenda Constitucional 33/2001, que deu nova redação

ao art. 155, § 2°, IX, a, CRFB11, a incidência do ICMS sobre a importação foi ampliada, de

6 TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 265-266. 7 Art. 23, § 11, Constituição de 67. “O imposto a que se refere o item II incidirá, também, sobre a entrada, em estabelecimento comercial, industrial ou produtor, de mercadoria importada do exterior por seu titular, inclusive quando se tratar de bens destinados a consumo ou ativo fixo do estabelecimento”. 8 Art. 155, § 2°, IX, a, CRFB (redação originária). “[...] incidirá também sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço”. 9 Súm. 570, STF. “O imposto de circulação de mercadorias não incide sobre a importação de bens de capital”. 10 Súm. 660, STF. “Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física que não seja contribuinte do imposto”. 11 Art. 155, § 2°, IX, a, CRFB (redação da EC 33/2001): “incidirá também sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto,

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modo que, por expressa previsão constitucional, o imposto deveria incidir ainda que a

importação fosse realizada por quem não era contribuinte habitual do imposto. Nesse sentido,

observe-se que o campo de incidência do ICMS-Importação passa a se mostrar mais

abrangente que o do próprio ICMS no âmbito interno, uma vez que o imposto passou a incidir

pela entrada em território nacional, por pessoa física ou jurídica, independente da finalidade12.

Pode-se concluir, pois, que, a partir da Emenda 33/2001, houve o esvaziamento do

Enunciado 660 da Súmula do STF13, tratando-se de hipótese de superação da jurisprudência

por via de emenda constitucional14. Embora o Supremo Tribunal Federal não tenha procedido

ao cancelamento formal do enunciado referido, há manifestações de Ministros daquela

Colenda Corte, reconhecendo que a EC 33/2001 corrigiu a interpretação anteriormente dada

pelo próprio Supremo Tribunal Federal ao art. 155, §, 2°, IX, a, CRFB. Corroborando esse

entendimento, reproduz-se, a seguir, trecho de manifestação do Min. Gilmar Mendes no

julgamento do RE 540829/SP, ora em fase de vista no gabinete da Ministra Cármen Lúcia,

noticiado no Informativo 629, STF:

“Aduziu que, na vigência da redação original do art. 155, § 2º, IX, a, da CF (“§ 2º - O imposto previsto no inciso I, b, atenderá ao seguinte: [...] IX - incidirá também: a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço”), o STF afirmara a não-incidência do tributo em comento nas importações de bens realizadas por pessoa física para uso próprio, o que culminara na edição do Enunciado 660 de sua súmula (“Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto”). Ocorre que o constituinte derivado editara a EC 33/2001, que alterara a redação do aludido dispositivo constitucional (“§

qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”. 12 Não se pode deixar de referir que há importantes vozes doutrinárias que lecionam no sentido da inconstitucionalidade da EC 33/2001. A este propósito, cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit., p. 89-92. Em sentido contrário e sustentando o acerto da EC 33/2001, cf., por todos, TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 268-269, que destaca: “a importação, mesmo pelo consumidor final, é o momento terminal do ciclo da incidência internacional sobre a circulação de mercadoria, que não pode se desvincular da problemática da tributação universal, sob pena de se criar situação privilegiada para a importação por particulares”. 13 Destaque-se que, embora o enunciado 660 da Súmula do STF tenha sido aprovado em sessão plenária de 24/09/2003 e, portanto, após a edição da Emenda 33/2001, ele se refere a precedentes proferidos à luz da redação original da Constituição de 1988, conforme se verifica no site do STF: <http://www.stf.jus.br/portal/ jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=660.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas>. No mesmo sentido são as lições de PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 253. Deve-se enfatizar, portanto, que, mesmo com a republicação da EC 33/2001 no ano de 2006, as conclusões anteriormente expostas não foram alteradas. 14 Sobre a superação de jurisprudência do STF via emenda constitucional, cf. TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 358-359.

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2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: ... IX - incidirá também: a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”), em típico caso de tentativa de corrigenda da interpretação conferida. Assim, apontou que o constituinte, ao ampliar a base econômica do ICMS, objetivara deixar claro que qualquer pessoa física ou jurídica poderia ser contribuinte da exação, ainda que não fosse contribuinte habitual do imposto (grifo nosso)”.

Destaque-se que, em diversos acórdãos15, embora sem prever o cancelamento formal

do enunciado 660, o STF o aplica apenas para o período anterior à EC 33/2001, o que

corrobora as afirmações dos parágrafos anteriores. No mesmo sentido, uma vez mais, trazem-

se as lições do professor Ricardo Lobo Torres, segundo as quais “o dispositivo veio corrigir a

equivocada jurisprudência do STF, que excluía da incidência do ICMS a importação de bens

por pessoa física” 16.

Dessa forma, pode-se concluir que a incidência do ICMS-Importação, como típico

imposto sobre consumo, independe de que os bens importados se destinem ao ativo fixo do

estabelecimento e dá-se ainda que a importação seja realizada por pessoa física, uma vez que

se trata de tributação sobre a circulação internacional de mercadorias17.

2.2 Aspectos do Fato Gerador

O fato gerador da obrigação tributária, consoante leciona Amílcar de Araújo Falcão,

consiste “no conjunto de fatos ou no estado de fato, a que o legislador vincula o nascimento

15 “IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS – IMPORTAÇÃO – PESSOA FÍSICA OU JURÍDICA NÃO CONTRIBUINTE DO IMPOSTO – PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 33/2001 – NÃO INCIDÊNCIA – MATÉRIA SUMULADA. Nos termos do Verbete n° 660 da Súmula desta Corte, não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto, em período anterior à Emenda Constitucional nº 33/01”. (RE 594718 AgR/RS, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 13/04/2011, DJe-086 DIVULG 09-05-2011 PUBLIC 10-05-2011 EMENT VOL-02518-02 PP-00388). “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO. SÚMULA STF 660. FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA INATACADO. SÚMULA STF 287. 1. O Supremo Tribunal Federal possui o entendimento consolidado no sentido de que não incide ICMS sobre importações realizadas por bens destinados ao consumo e ao ativo fixo, realizadas por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte habitual do referido imposto, antes da promulgação da Emenda Constitucional 33/2001. Incidência da Súmula STF 660. (...). 4. Agravo regimental a que se nega provimento”. (AI 674396 AgR/SP, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 29/03/2011, DJe-077 DIVULG 26-04-2011 PUBLIC 27-04-2011 EMENT VOL-02509-01 PP-00132). 16 TORRES, Ricardo Lobo. 2006, p. 265. 17 Cabe referir que a Lei Kandir foi alterada pela LC 114/2002, de modo a adequar-se às modificações levadas a cabo pela EC 33/2001, conforme se verifica dos seus artigos 2°, § 1°, 4°, § único, 11, 12 e 13.

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da obrigação jurídica de pagar tributos” 18. Portanto, é possível identificar como

características essenciais do fato gerador: a) resultar de previsão em lei, b) tratar-se de fato

jurídico e c) consistir em pressuposto para o nascimento de uma obrigação ex lege19.

O fato gerador, por sua vez, subdivide-se em fato gerador abstrato ou hipótese de

incidência e fato gerador concreto. O primeiro, conforme exposto no parágrafo anterior,

representa a descrição legislativa de um fato a cuja ocorrência a lei atribui o nascimento de

uma obrigação tributária. Já o segundo, designa a realização em concreto da hipótese

abstratamente prevista em lei20.

O fato gerador abstrato ou hipótese de incidência pode apresentar-se sob variados

aspectos, que devem determinar hipoteticamente os sujeitos da obrigação tributária, o seu

conteúdo substancial, local e momento de nascimento. Portanto, é possível identificar os

seguintes aspectos essenciais da hipótese de incidência tributária: a) aspecto pessoal, b)

aspecto material, c) aspecto temporal e d) aspecto espacial21.

No item anterior, foi abordado brevemente o aspecto pessoal do ICMS-Importação, ou

seja, os possíveis sujeitos da obrigação tributária. Já o aspecto material, que contém a própria

descrição dos aspectos substanciais que servem de suporte à hipótese de incidência, vem

sendo traçado ao longo do presente trabalho. No próximo ponto serão analisados os aspectos

temporal e espacial do fato gerador do ICMS-Importação, em face das profundas

controvérsias em que estão envoltos na atual conjuntura do Direito Tributário brasileiro.

2.2.1 Aspecto Temporal do Fato Gerador do ICMS-Importação

Como o próprio nome sugere, o aspecto temporal indica o momento em que realizado

o fato imponível. No caso específico do ICMS-Importação, a LC 87/96 disciplinou, no seu

art. 12, IX e X, que o tempo da ocorrência se dá no momento “do desembaraço aduaneiro de

mercadorias ou bens importados do exterior” ou, em se tratando de serviços, “do recebimento,

pelo destinatário, de serviços prestados no exterior”.

Dessa forma, mostra-se possível concluir que o enunciado 577 da Súmula do STF, que

estabelecia que “na importação de mercadorias do exterior, o fato gerador do ICMS ocorre no

momento de sua entrada no estabelecimento do importador”, sofreu um nítido esvaziamento.

18 FALCÃO, Amílcar de Araújo. O fato gerador da obrigação tributária. 7ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 2. 19 Ibid., p. 11. 20 Cf. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 49-52. 21 Ibid., p. 75.

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Publicada em 03/01/1977, o referido enunciado foi elaborado na vigência da Constituição de

1967, em consonância com o art. 1°, II, decreto-lei 406/6822. Uma vez mais, pode-se afirmar

que, ainda que não tenha havido o seu cancelamento formal, o enunciado sumular 577, STF

foi superado, diante da posterior alteração legislativa23. O STF, posteriormente, editou o enunciado 661, que estabelece que “na entrada de mercadoria

importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro”.

Transcrevem-se, a seguir, julgados do STF, em que se reconhece no desembaraço aduaneiro o

momento em que se verifica o fato gerador do ICMS-Importação:

“Ementa: Agravo regimental no agravo de instrumento. Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços – ICMS. Mercadorias importadas. Fato gerador: desembaraço aduaneiro. Súmula 661 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento”. (AI 830849 AgR/MG, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 23/03/2011, DJe-069 DIVULG 11-04-2011 PUBLIC 12-04-2011 EMENT VOL-02501-03 PP-00680). DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. DEFINIÇÃO DA AUTORIDADE COATORA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. SÚMULA STF 279. ICMS. IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA. FATO GERADOR. COBRANÇA POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. LEGITIMIDADE. SÚMULA STF 661. 1. (...). 2. O Supremo Tribunal Federal entende que o fato gerador do ICMS sobre a aquisição de mercadorias importadas do exterior é o desembaraço aduaneiro, o que autoriza a cobrança do ICMS nesse momento. Incidência da Súmula STF 661. 3. (...). 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 816953 AgR/SP, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma,

22 Art. 1°, DL 406/68: “O imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias tem como fato gerador: II – a entrada em estabelecimento comercial, industrial ou produtor, de mercadoria importada do exterior pelo titular do estabelecimento”. 23 Nesse sentido, destaque-se o seguinte julgado do STF, em que aquele Tribunal reconhece que a norma do art. 1°, II, DL 406/68 tornou-se incompatível com o ordenamento jurídico: EMENTA: TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS. DESEMBARAÇO. ART. 155, § 2º, IX, A, DA CF/88. ART. 2º, I, DO CONVÊNIO ICM 66/88. ART. 1º, § 2º, V, E § 6º, DA LEI FLUMINENSE Nº 1.423/89. A Constituição de 1988 suprimiu, no dispositivo indicado, a referência que a Carta anterior (EC 03/83, art. 23, II, § 11) fazia à “entrada, em estabelecimento comercial, industrial ou produtor, da mercadoria importada”; e acrescentou caber “o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria”, evidenciando que o elemento temporal referido ao fato gerador, na hipótese, deixou de ser o momento da entrada da mercadoria no estabelecimento do importador. Por isso, tornou-se incompatível com o novo sistema a norma do art. 1º, II, do DL 406/68, que dispunha em sentido contrário, circunstância que legitimou a edição, pelos Estados e pelo Distrito Federal, em conjunto com a União, no exercício da competência prevista no art. 34, § 8º, do ADCT/88, de norma geral, de caráter provisório, sobre a matéria; e, por igual, a iniciativa do Estado do Rio de Janeiro, de dar-lhe consequência, por meio da lei indicada. Incensurável, portanto, em face do novo regime, o condicionamento do desembaraço da mercadoria importada à comprovação do recolhimento do tributo estadual, de par com o tributo federal, sobre ela incidente. Recurso conhecido e provido, para o fim de indeferir o mandado de segurança. (RE 193817/RJ, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 23/10/1996, PUBLIC 10-08-2001 EMENT VOL-02038-03 PP-00454).

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julgado em 02/08/2011, DJe-158 DIVULG 17-08-2011 PUBLIC 18-08-2011 EMENT VOL-02568-05 PP-00599).

No mesmo sentido, é o entendimento do STJ, conforme se depreende do julgado:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA. ICMS. FATO GERADOR. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. PRECEDENTES. VERBETE N. 83/STJ. - A jurisprudência desta Corte orienta que o fato gerador do ICMS na importação de mercadorias ocorre no momento do desembaraço aduaneiro. Incidência do verbete n. 83 da Súmula do STJ. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 1338440/SP, Relator(a): Min. CESAR ASFOR ROCHA, Segunda Turma, julgado em 17/02/2011, DJe-17/03/2011).

Registre-se, por oportuno, que, inobstante a atual jurisprudência das Cortes Superiores

seja firme no sentido de que o ICMS-Importação é devido no momento do desembaraço

aduaneiro, há respeitados doutrinadores que lecionam em sentido contrário. Nesse sentido,

ressalte-se, por todos, o entendimento do professor Roque Carrazza, segundo o qual o critério

temporal do ICMS-Importação continua a ser a efetiva entrada dos bens no estabelecimento

destinatário, e não o desembaraço aduaneiro24.

2.2.2 O Aspecto Espacial do Fato Gerador do ICMS-Importação

O aspecto especial do fato gerador, por sua vez, designa o local em que se configura o

fato imponível. No tocante ao ICMS-Importação, a matéria encontra-se disciplinada no art.

11, I, d, e, bem como no art. 11, IV, LC 87/96, que dispõe, em síntese, que o ICMS é devido:

a) no local onde ocorrer a entrada física da mercadoria, b) no domicílio do adquirente da

mercadoria, quando não estabelecido e c) no estabelecimento ou domicílio do destinatário, no

caso de serviços prestados no exterior.

A partir da análise das hipóteses acima elencadas, sobretudo daquela prevista no art.

11, I, d, LC 87/96, verifica-se que, ainda que o aspecto temporal do fato gerador do ICMS-

Importação se perfaça com o desembaraço aduaneiro, o ICMS-Importação é devido ao Estado

em que localizado o estabelecimento importador (destinatário).

Nesse sentido, sedimentou-se a jurisprudência do STF, que parece muito bem

24 Destaque-se que o professor Carrazza defende, inclusive, que o art. 1°, II, DL 406/68 foi recepcionado pela Constituição de 1988, conforme se depreende da sua obra. Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit., p. 75-77.

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traduzida no julgado que segue:

“Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONVERTIDOS EM AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO. SUJEITO ATIVO. ESTADO ONDE SITUADO O ESTABELECIMENTO IMPORTADOR. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 1. O sujeito ativo do ICMS é o estado-membro em que localizado o domicílio ou o estabelecimento onde efetivamente se der a mercância da mercadoria importada, independentemente de onde ocorra o desembaraço aduaneiro. Precedentes: ARE nº 642.416-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe 17.08.2011; AI nº 642.416-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 1º/02/2011 e RE nº 555.654, Segunda Turma, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 16/12/2011. (...) Nego provimento ao agravo regimental”. (RE 611576 ED/RS, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/02/2013, DJe-044 DIVULG 06-03-2013 PUBLIC 07-03-2013).

Dessa forma, ainda que a mercadoria seja desembaraçada por uma unidade da

federação, o ICMS-Importação será devido ao Estado onde se localiza seu destinatário final25,

pelo que é possível concluir que os aspectos temporal e espacial do fato gerador do ICMS-

Importação podem ser realizados em Estados distintos, não havendo uma coincidência

necessária entre ambos.

Questão ora pendente de pronunciamento com caráter vinculante pelo STF é a de

definir o sujeito ativo do ICMS-Importação no caso de uma mercadoria sofrer desembaraço

aduaneiro em um Estado, ser remetida para outro para fins de industrialização e depois

retornar para o primeiro, conforme se depreende da ementa a seguir, relativa à precedente cuja

repercussão geral foi reconhecida:

Ementa: TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO. SUJEITO ATIVO. DESTINATÁRIO JURÍDICO. PROPRIEDADES. IMPORTAÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA. ESTABELECIMENTO COMERCIAL VAREJISTA LOCALIZADO EM SP. DESEMBARAÇO ADUANEIRO EM SÃO PAULO. POSTERIOR REMESSA PARA ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL LOCALIZADO EM MG PARA INDUSTRIALIZAÇÃO. RETORNO AO ESTABELECIMENTO PAULISTA. ART. 155, § 2º, IX, A

25 Esse entendimento está consolidado também na jurisprudência do STJ, cabendo destacar o julgado seguinte: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – ICMS – IMPORTAÇÃO – LOCAL DO FATO GERADOR – DOMICÍLIO DO IMPORTADOR – JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA – SÚMULA 83/STJ. [...] É pacífico no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que o ICMS cobrado em caso de importação é aquele do domicílio do importador, ainda que a mercadoria circule fisicamente no Estado onde o desembaraço tenha sido efetuado. [...] Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1195080/RS, Relator(a): Min. HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, julgado em 16/09/2010, DJe- 30-09-2010, PP-00010, EMENT VOL-02214-2 PP-00372).

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DA CONSTITUIÇÃO. PROPOSTA PELO RECONHECIMENTO DA REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA. Tem repercussão geral a discussão sobre qual é o sujeito ativo constitucional do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, incidente sobre operação de importação de matéria-prima que será industrializada por estabelecimento localizado no Estado de Minas Gerais, mas, porém, é desembaraçada por estabelecimento sediado no Estado de São Paulo e que é o destinatário do produto acabado, para posterior comercialização. (ARE 665134 RG/MG, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 10/02/2012, DJe-047 DIVULG 06-03-2012 PUBLIC 07-03-2012).

Embora nenhum Ministro tenha proferido voto até o momento presente, parece-nos

que, se o STF seguir a orientação que tradicionalmente vem traçando acerca da matéria,

deverá reconhecer o Estado destinatário da mercadoria, e não aquele onde ocorre a

industrialização, como sujeito ativo do ICMS.

Nesse sentido, destaque-se, inclusive, que o STF tem precedente, no tocante à

importação efetuada por meio de terceiro, enfatizando que este fato não altera a sujeição ativa

do ICMS-Importação, devendo o mesmo ser recolhido pelo Estado em que situado o

destinatário da mercadoria26. Ou seja, o critério essencial para a definição do critério espacial

deste imposto é a destinação jurídica da mercadoria, e não circunstâncias intermediárias.

Feitos esses esclarecimentos, passa-se à problemática específica da tributação dos

contratos de leasing internacional.

26 ICMS - MERCADORIA IMPORTADA - INTERMEDIAÇÃO - TITULARIDADE DO TRIBUTO. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços cabe ao Estado em que localizado o porto de desembarque e o destinatário da mercadoria, não prevalecendo a forma sobre o conteúdo, no que procedida a importação por terceiro consignatário situado em outro Estado e beneficiário de sistema tributário mais favorável. (RE 268.586-1/SP, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 24/05/2005, DJ- 18-11-2005, PP-00010 EMENT VOL-02214-2 PP-00372).

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3. CONTRATOS

A adequada compreensão do fato gerador do ICMS-Importação pressupõe que se

verifique o seu liame de interdependência com algumas modalidades contratuais, como o

leasing e o comodato internacionais. Fundados debates têm sido travados, notadamente no

caso do contrato de leasing, entre aqueles que defendem que a incidência pressupõe o

exercício da opção de compra e os que advogam que o art. 155, § 2°, IX, a, CRFB previu a

incidência pela entrada, sem considerações ulteriores quanto à transferência de domínio.

Embora haja alguns precedentes importantes quanto à matéria, que serão referidos e

estudados nos itens seguintes, o tema ainda se encontra em aberto, pelo que se mostra

necessário o seu aprofundamento e sistematização. Nos itens abaixo se buscará expor o

quadro atualmente presente nos Tribunais Superiores para, finalmente, propor que a

incidência do imposto de que ora se cuida deve ocorrer pela entrada, independente de

posterior mudança de propriedade.

3.1 O Contrato de Leasing

O leasing, em linhas gerais, é modalidade contratual em que uma empresa, desejando

utilizar determinado bem, consegue que uma instituição financeira o adquira, alugando-o ao

interessado por prazo certo. Ao final do prazo, o locatário pode optar entre a devolução do

bem, a renovação da locação ou a compra pelo preço residual fixado no momento inicial do

contrato27. Pode apresentar-se sob diversas modalidades, tais como: leasing operacional,

leasing financeiro, selling leasing-back e purchasing leasing-back28.

A tributação do contrato de leasing deve ser enfocada sob dois âmbitos: o interno e o

internacional. No caso do leasing realizado internamente, aplica-se o art. 3°, VIII, LC 87/96,

pelo qual “não incide ICMS nas operações de arrendamento mercantil, não compreendida a

venda do bem arrendado ao arrendatário”. Já no tocante ao leasing internacional, há fundadas

controvérsias sobre qual o regime jurídico aplicável, ainda não decididas de forma definitiva,

que serão expostas a seguir.

27 WALD, Arnoldo. A introdução do leasing no Brasil. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 59, vol. 415, p. 9-15, mai. 1970. 28 Sobre as novas modalidades contratuais, particularmente sobre o leasing, cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III. Atualizador: Régis Fichtner. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 581-585.

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3.2 A Evolução da Jurisprudência do STF

Há dois precedentes importantes em matéria de ICMS-Importação e leasing

internacional, tradicionalmente apontados pelos estudiosos do tema, e que seguem orientação

distinta29. No primeiro deles, cuja relatora foi a então Ministra Ellen Gracie, decidiu-se pela

incidência de ICMS-Importação ao contrato de leasing internacional, independente do

posterior exercício de opção de compra, enfocando-se que o art. 3°, VIII, LC 87/96 aplica-se

exclusivamente em âmbito interno, conforme se deflui da ementa que segue:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. ARRENDAMENTO MERCANTIL - "LEASING". 1. De acordo com a Constituição de 1988, incide ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior. Desnecessária, portanto, a verificação da natureza jurídica do negócio internacional do qual decorre a importação, o qual não se encontra ao alcance do Fisco nacional. 2. O disposto no art. 3º, inciso VIII, da Lei Complementar nº 87/96 aplica-se exclusivamente às operações internas de leasing. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 206069/SP, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2005, DJ- 01-09-2006, PP-00019 EMENT VOL-02245-5 PP-01116).

O segundo precedente, por sua vez, tratava de caso específico de leasing internacional,

em que as companhias de navegação aérea figuravam como arrendatárias e a indústria

aeronáutica como arrendante das aeronaves por ela fabricadas. Neste julgamento, o STF

decidiu que a circulação de mercadorias, mesmo no caso de importação, seria pressuposto

para a incidência do ICMS. Portanto, como no caso concreto não havia a transferência de

domínio, entendeu o STF pela não incidência do ICMS-Importação, conforme se verifica da

ementa abaixo:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ICMS. NÃO-INCIDÊNCIA. ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR. ART. 155, II DA CB. LEASING DE AERONAVES E/OU PEÇAS OU EQUIPAMENTOS DE AERONAVES. OPERAÇÃO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. 1. A importação de aeronaves e/ou peças ou equipamentos que as componham em regime de leasing não admite posterior transferência ao domínio do arrendatário. 2. A circulação de mercadoria é pressuposto de incidência do ICMS. O imposto – diz o artigo 155, II da Constituição do Brasil – é sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e

29 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Tributário na Constituição e no STF: teoria e jurisprudência. 13ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 208-210.

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intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”. 3. Não há operação relativa à circulação de mercadoria sujeita à incidência do ICMS em operação de arrendamento mercantil contratado pela indústria aeronáutica de grande porte para viabilizar o uso, pelas companhias de navegação aérea, de aeronaves por ela construídas. 4. Recurso Extraordinário do Estado de São Paulo a que se nega provimento e Recurso Extraordinário de TAM - Linhas Aéreas S/A que se julga prejudicado. (RE 461968/SP, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 30/05/2007, DJe 087 – DIVULG 23-08-2007, PUBLIC 24-08-2007 - DJ 24-08-2007 PP-00056 EMENT VOL-02286-14 PP-02713).

O voto condutor da decisão, da lavra do então Ministro Eros Grau, deixou expresso

que a hipótese dizia respeito à situação peculiar, pois os contratos de arrendamento mercantil

no âmbito da indústria aeronáutica não preveem a posterior transferência de domínio ao

arrendatário. Dessa forma, o Ministro relator consignou, em seu voto, que era preciso

distinguir esta última hipótese da anterior, pois, enquanto naquela, o exercício da opção de

compra era necessário, nesta, diferentemente, não ocorreria a compra da aeronave pelo

arrendatário ao final do contrato, razão pela qual o precedente firmado no RE 206.069/SP não

seria aplicável às empresas aéreas. Portanto, a seu ver, os dois precedentes não seriam

conflitantes, mas cuidariam de situações diversas.

Todavia, ainda que o RE 461968/SP cuidasse de hipótese fática distinta do RE

206.069/SP, é possível vislumbrar que, em alguma medida, as decisões mostraram-se

contraditórias. Isso porque o cerne da diferença entre um e outro julgamento está no enfoque à

necessidade de que haja ou não circulação jurídica do bem para que seja possível a incidência

do ICMS-Importação. Enquanto no primeiro julgamento foi estabelecido que o ICMS-

Importação seria exigível em virtude da entrada do bem em território nacional, no segundo,

restou consignado que a incidência do imposto pressupunha não só o fato da entrada, mas

também a transferência de propriedade das mercadorias30.

A análise dos dois precedentes referidos mostra-se importante, uma vez que evidencia

que, no âmbito do STF, ainda não foi estabelecido de forma precisa se o ICMS-Importação

deve incidir com a entrada ou, ao contrário, com a entrada, desde que seguida do exercício de

opção de compra.

Atualmente, tramita no âmbito daquela Corte, sob o regime de repercussão geral,

recurso extraordinário em que se debate acerca do fato gerador do ICMS-Importação nos

contratos de leasing internacional. Trata-se do RE 540829/SP, cujo relator é o Ministro

30 No mesmo sentido, cf. Ibid., p. 210.

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Gilmar Mendes31.

O ministro relator proferiu voto, em sessão de 01.06.2011, em que defendeu que o

ICMS-Importação deve incidir na entrada, independentemente de posterior exercício de opção

de compra. Conforme enfatizou, entender o contrário seria outorgar ao contribuinte a

faculdade de pagar ou não o imposto, pois o critério para a incidência do ICMS-Importação

estaria sendo a opção de realizar a compra de um bem, ou seja, o fato gerador estaria sendo

colocado ao alvedrio do particular. Ademais, ressaltou que, no âmbito interno, mas não no

internacional, incide o ISS sobre o leasing. Caso não incidisse ICMS na importação, a entrada

seria totalmente desonerada dos impostos sobre o consumo, em violação ao princípio da

isonomia tributária32.

Em divergência, o Ministro Luiz Fux proferiu voto no sentido de que a incidência de

ICMS-Importação pressupõe a entrada do bem no território nacional com posterior circulação.

Ressaltou que, do contrário, estar-se-ia transformando um imposto sobre consumo em

imposto sobre a importação. Ademais, seguindo orientação já perfilhada no âmbito do STJ,

entendeu que caso a tão só importação fosse apta a ensejar o pagamento do tributo, estaria

havendo vulneração dos conceitos de direito privado, que não podem ser desnaturados pelo

direito tributário33.

31 Recurso extraordinário. Tributário. ICMS. Importação. Arredamento Mercantil. Fato gerador. Repercussão geral reconhecida. (RE 540829 RG/SP, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 26/08/2010, DJe 194 – DIVULG 14-10-2010, PUBLIC 15-10-2010 - EMENT VOL-02419-03 PP-00588). 32 Segue trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes, noticiado no Informativo 629, STF: “Explicou que, no leasing financeiro, o arrendatário possuiria, ao término do contrato, as opções de devolução ou compra do bem e de renovação do ajuste. Por esse motivo, a Constituição previra a incidência de ICMS na importação – na entrada do bem ou da mercadoria –, pois, de outra maneira, a exação ficaria à disposição do particular, a depender apenas do tipo de avença que desejasse celebrar. Ressaltou que isso permitiria elisão fiscal, com graves repercussões a partir do negócio jurídico entabulado. Concluiu que a situação em apreço apresentaria as seguintes possibilidades: 1) se determinado bem for adquirido por contrato de compra e venda internacional, incide ICMS, pois haverá a circulação de mercadoria, a qual será transferida ao patrimônio do adquirente; 2) se bem da mesma espécie for adquirido por contrato de compra e venda interno, incide ICMS; 3) se o mesmo bem for objeto de operação de arrendamento mercantil, leasing financeiro interno, incide ISS, consoante jurisprudência pacificada neste Tribunal (RE 592905/SC, DJe de 5.3.2010) e 4) se bem similar for objeto de importação mediante arrendamento mercantil internacional em que não seja feita a escolha de compra, a posição que vem se formando no STF impedirá a incidência do ICMS na importação – e tampouco do ISS. Diante desse quadro, notadamente da última hipótese, asseverou a ofensa ao princípio da isonomia, haja vista a concessão de vantagens não estendidas àquelas operações realizadas em âmbito interno. Ademais, reputou-se que, se adotada a mencionada tese, o poder de tributar do Estado ficaria à disposição do contribuinte”. 33 Segue trecho do voto do Ministro Fux, conforme noticiado no Informativo 629, STF: “Em divergência, o Min. Luiz Fux desproveu o recurso para manter a jurisprudência decenária desta Corte, segundo a qual a exegese desse novel preceito constitucional pressupõe a entrada e a posterior circulação desse bem para a incidência do ICMS, a fim de não transmudá-lo em imposto de importação. Afirmou que a Constituição delegara à lei complementar o estabelecimento de normas gerais em matéria tributária e o CTN dispusera, como regra de exegese, que na aplicação do direito tributário seriam obedecidos os conceitos de direito privado. Assinalou que o art. 155, II, da CF determinaria que o ICMS seria imposto derivado de uma operação de circulação de mercadoria e que presumiria uma compra e venda. Assim, incabível desnaturarem-se os vínculos de direito

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Posteriormente ao voto do Ministro Fux, houve pedido de vista da Ministra Cármen

Lúcia, não tendo sido o julgamento concluído.

Deve-se remarcar, ainda, o julgamento do RE 226899/SP, ora em fase de pedido de

vista, no qual a controvérsia gira, uma vez mais, em torno da possibilidade de incidência de

ICMS-Importação a contrato de leasing em que não exercida a opção de compra.

Foram proferidos alguns votos, entre os quais cabe destacar, em primeiro lugar, o da

então Ministra Ellen Gracie, relatora, que manteve a orientação já traçada quando do RE

206609/SP. Destacou que, a partir da nova redação do art. 155, § 2°, IX, a, CRFB, torna-se

desnecessária a análise do negócio jurídico que ensejou a importação, visto que se passou a

eleger o elemento fático “entrada de mercadoria importada” como caracterizador da

circulação jurídica da mercadoria ou do bem. Ademais, ressaltou que, na regulamentação34 do

leasing, buscou-se proteger o mercado interno e evitar a elisão fiscal. Por fim, reiterou que o

art. 3°, VIII, LC 87/96, já referido, seria aplicável apenas no âmbito interno, pois, do

contrário, criar-se-ia situação de privilégio em detrimento dos produtos nacionais.

O então Ministro Eros Grau, por sua vez, proferiu voto seguindo a orientação

anteriormente delineada no RE 461968/SP, entendendo que, para a incidência de ICMS-

Importação, não era suficiente a entrada da mercadoria no território nacional, sendo também

necessária a circulação da mesma35. Atualmente, há pedido de vista do Ministro Joaquim

Barbosa.

Já quanto à jurisprudência do STJ, cabe destacar que a mesma, em linhas gerais, tem

seguido as diferentes orientações traçadas pelo STF. A este propósito, há precedente proferido

privado, de forma a equiparar o leasing à compra e venda. Observou que se tentara empreender interpretação teleológica à espécie para que a entrada da mercadoria fosse fato gerador do ICMS. No ponto, reiterou que, conforme realçado no RE 461968/SP (DJU de 24.8.2007), para não haver a transfiguração do ICMS em imposto de importação, aquele apenas incidiria se o ingresso se desse a título de circulação da mercadoria, sob pena de violação não só ao art. 146, III, da CF, como também, à luz dessa interpretação teleológica, do art. 155, § 2º, IX, a, da CF. Enfatizou, ainda, que em nível infraconstitucional, o STJ, em julgamento de recurso especial representativo da controvérsia, assentara que o referido imposto incidiria sobre a entrada de bem ou de mercadoria importados do exterior, desde que atinentes à operação relativa à circulação desses por pessoa física ou jurídica, ainda que não contribuinte habitual do tributo, qualquer que seja a finalidade. Por fim, esclareceu que os conceitos de direito privado não poderiam ser desnaturados pelo direito tributário, assim como, por analogia, seria indevida a criação de tributo inexistente”. 34 Vide art. 17, lei 6099/74: A entrada no território nacional dos bens objeto de arrendamento mercantil, contratado com entidades arrendadoras domiciliadas no exterior, não se confunde com o regime de admissão temporária de que trata o Decreto-lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, e se sujeitará a todas as normas legais que regem a importação. 35 A divergência iniciada pelo Ministro Eros Grau foi seguida pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli, tendo sobrevindo pedido de vista do Ministro Joaquim Barbosa. Contudo, deve-se enfatizar que, posteriormente, o Ministro Dias Toffoli declarou-se suspeito para atuar no feito. Ademais, no julgamento do RE 540829/SP, sob o regime de repercussão geral, que versa sobre a mesma matéria, a Ministra Cármen Lúcia pediu vista.

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no final de 2012, inclusive, em que o STJ faz menção expressa aos julgados proferidos no

âmbito do STF, sintetizando-os36. Contudo, o STJ vem interpretando conjugadamente os

artigos 2°, VIII, LC 87/96 e 179, IV, lei 6404/76, entendendo que, se os bens importados

destinarem-se ao ativo fixo da empresa, haverá a incidência do ICMS. Caso contrário, não

haveria a incidência do ICMS-Importação37. Nesse sentido, segue trecho do acórdão referido:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ICMS-IMPORTAÇÃO. INCIDÊNCIA SOBRE BEM OBJETO DE CONTRATO DE LEASING INTERNACIONAL. GUINDASTES PARA OPERAÇÕES PORTUÁRIAS DE ESTIVA E DESESTIVA DE NAVIOS. EQUIPAMENTO DESTINADO AO ATIVO FIXO DA PESSOA JURÍDICA. MATÉRIA SUBMETIDA AO PLENÁRIO DO STF. RE 206.069/SP. INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. DISTINÇÃO. LEASING DE AERONAVES EM QUE O CONTRATO NÃO PREVÊ A AQUISIÇÃO DO BEM. RE 461.968/SP. ENTENDIMENTO ADOTADO PELA PRIMEIRA SEÇÃO DESTA CORTE SUPERIOR NO ERESP 783.814/SP. 1. Recurso especial que discute a incidência de ICMS sobre leasing internacional que teve por objeto o fornecimento de guindastes para a consecução de atividade concernente a “serviços de operações portuárias e de estiva e desestiva de navios, de terminal de carga, de movimentação de cargas acondicionadas ou não em contêineres, de estufagem, etc., tudo em área objeto de arrendamento contratado com a Companhia Docas do Estado de São Paulo - CODESP”. [...] 4. A Primeira Seção desta Corte Superior no julgamento do EREsp 783.814/RJ, da relatoria do Ministro Herman Benjamin, sessão de28.11.2007, decidiu por adotar os seguintes entendimentos acerca do leasing internacional: i) deve incidir ICMS quando o bem for destinado ao ativo fixo; ii) não deve incidir o ICMS no caso de leasing de aeronaves, equipamentos e peças adquiridos por empresas de transporte aéreo. 5. No caso concreto, deve ser reconhecida a presunção constitucional de circulação jurídica dos bens importados, destinados ao ativo fixo, mediante arrendamento mercantil, tal como decidido no RE 206.069/SP, permitindo, dessa forma, a incidência do ICMS. O fato de a empresa contribuinte ter realizado a opção de compra ao final do contrato de arrendamento só confirma a aludida presunção. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 83402/SP, Relator(a): Min. BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, julgado em 04/10/2012, DJe 10/10/2012).

36 Trata-se do AgRg no AREsp 83402/SP. 37 Cabe ressaltar, entretanto, recente precedente da Segunda Turma do STJ, em que esta entendeu, em posição oposta ao que aqui se sustenta, que a incidência do ICMS-Importação condiciona-se ao exercício da opção de compra. Vide, a este propósito, o trecho seguinte, extraído da ementa do acórdão referido: “RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO DE AERONAVE SOB REGIME DE LEASING. EMPRESA QUE NÃO REALIZA TRANSPORTE AÉREO. IRRELEVÂNCIA. NATUREZA ESPECÍFICA DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO QUE NÃO PREVÊ OPÇÃO FINAL DE COMPRA. [...] 2. É irrelevante o fato de a aquisição ser realizada por empresa que não presta serviços transporte aéreo. O que importa é a condição especifica do contrato de arrendamento, que não pode conter cláusula de opção final de compra ou de incorporação automática do bem ao ativo imobilizado da arrendatária”. (AgRg no RMS 23835 / MT, rel. Min. CASTRO MEIRA, Segunda Turma, Julgamento 13/08/2013, DJe 19/08/2013).

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Diante do exposto, conclui-se que o melhor entendimento é o de que o ICMS-

Importação deve incidir na entrada do bem em território nacional, independente de posterior

transferência de propriedade. Isso porque, ao que parece, o constituinte previu que a entrada é

um dos possíveis fatos geradores do ICMS, não havendo que se cogitar de usurpação da

competência da União Federal para instituir impostos sobre a importação (art. 153, I, CRFB).

3.3 O ICMS-Importação e o Contrato de Comodato Internacional

Outra discussão, ainda que de menor vulto, diz respeito à possibilidade de incidência

de ICMS-Importação em relação aos contratos de comodato. Trata-se o comodato de contrato

por meio do qual o comodante entrega ao comodatário determinado bem infungível, para que

dele se utilize, de forma gratuita, tendo a obrigação de restituição a posteriori38. Observa-se,

portanto, que não há aqui a transferência de propriedade do bem, assumindo o comodatário a

posição de possuidor direto e o comodante a posição de possuidor indireto e proprietário do

bem.

Dessa forma, cumpre estabelecer um paralelo entre os contratos de comodato e de

leasing. Enquanto neste último pode ou não ser exercida a opção de compra (ao menos na

modalidade de leasing financeiro), naquele, por essência, há um empréstimo gratuito de coisa

infungível. Ou seja, enquanto o contrato de comodato caracteriza-se necessariamente pela

temporariedade e pela ausência de transferência de propriedade, no leasing, ao contrário,

poderá ou não haver a transferência de domínio, a depender do exercício, no caso concreto, da

opção de compra.

Contudo, a par das diferenças entre os regimes jurídicos dos dois tipos contratuais, a

hipótese versando o contrato de comodato em muito se assemelha ao do leasing, caso não seja

exercida a opção de compra neste último. Isso porque, nos dois casos, não terá havido a

transferência de propriedade do bem. Neste ponto, as discussões acerca da incidência de

ICMS-Importação aos contratos de comodato em âmbito internacional passam em muito a se

assemelhar àquelas travadas no tocante ao contrato de arrendamento mercantil.

Embora o STF tenha poucos julgados acerca do tema, cabe ressaltar decisão

monocrática do Ministro Joaquim Barbosa, em que é determinado o sobrestamento do

38 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Vol. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 290-291. Destaque-se que o caráter de gratuidade do contrato de comodato não é desfigurado pela inserção de cláusula de encargo no mesmo. Com a inserção da cláusula citada, passa a cuidar a hipótese do chamado comodato modal.

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julgamento acerca do comodato, até que seja julgado o RE 226899/SP, referido no item

anterior, que versa sobre o leasing. Resulta desse precedente, portanto, o reconhecimento da

indiscutível interseção entre os regimes dos dois contratos, no que atine à incidência do

ICMS-Importação. Veja-se a decisão monocrática, abaixo:

DESPACHO: O recurso extraordinário cujo processamento se deseja assegurar com este agravo de instrumento versa sobre a incidência do Imposto sobre Operação de Circulação de Mercadoria e Serviços – ICMS em operação de importação independentemente da efetiva transferência da propriedade do bem (importação amparada por comodato). A matéria é análoga ao debate sobre a incidência do ICMS na operação de importação amparada por contrato de arrendamento mercantil (leasing), na medida em que a competência tributária exigiria circulação jurídica, entendida como a transferência da titularidade do bem. Ante o exposto, determino o sobrestamento deste recurso até o julgamento do RE 226.899 (rel. min. Ellen Gracie), devendo os autos aguardar na Secretaria Judiciária. (AI 575831/PR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 01/12/2009, DJe 021 – DIVULG 03/02/2010, PUBLIC 04/02/2010).

Entretanto, no âmbito do STJ, há precedentes no sentido de que o ICMS-Importação

não é devido no caso dos contratos de comodato, sob o argumento de que, nesta hipótese, não

haveria circulação jurídica do bem ou mercadoria39.

Contudo, mostra-se mais acertada a posição do Ministro Joaquim Barbosa, no sentido

de determinar fosse aguardado o julgamento sobre a incidência do ICMS-Importação no caso

de leasing internacional, em face da inequívoca similaridade de que se reveste a discussão no

contrato de arrendamento mercantil com aquela do contrato de comodato. Portanto, nos dois

casos, sustenta-se que a decisão deve ser a mesma, qual seja, a incidência do ICMS-

Importação prescinde da transferência de propriedade, diante da modificação introduzida no

art. 155, § 2°, IX, a, CRFB, levada a cabo pela EC 33/2001.

39 TRIBUTÁRIO. ICMS. BENS IMPORTADOS. ATIVO PERMANENTE. DIREITO AO CREDITAMENTO. CESSÃO EM COMODATO A TERCEIROS. CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DO DEVER DE ESTORNAR. AUTUAÇÃO FISCAL IMPROCEDENTE. [...] 3. Se os equipamentos são cedidos em comodato, não se pode falar em “saída”, sob a perspectiva da legislação do ICMS, entendida como circulação de mercadoria com transferência de propriedade. Nesse caso, os bens não deixam de integrar o patrimônio do contribuinte. 4. Portanto, a hipótese dos autos não se subsume aos arts. 20, § 3°, I, e 21, I, da LC 87/1996, o que permite a conclusão pela possibilidade de manutenção do crédito de ICMS. Se não havia o dever de estornar, afigura-se indevida a autuação. No mesmo sentido: RMS 24.911/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 06/08/2012. 5. Recurso Especial provido. (REsp 1307876/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, Julgamento 05/02/2013, DJe 15/02/2013).

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4. A INTERPRETAÇÃO DO FATO GERADOR

Para a melhor compreensão da controvérsia atinente à ocorrência do fato gerador do

ICMS-Importação, faz-se importante tecer algumas considerações acerca da problemática

envolvendo a interpretação no Direito Tributário e, mais especificamente, a interpretação do

fato gerador.

Conforme é do conhecimento tradicional, as normas sobre interpretação e integração

da legislação tributária encontram-se topograficamente dispostas nos artigos 107 e seguintes

do Código Tributário Nacional (Capítulo IV, Título I, Livro II), ao passo que a interpretação

do fato gerador foi objeto do art. 118, CTN. Contudo, a atividade interpretativa transcende aos

limites dispostos na lei, de modo que normas sobre interpretação necessitariam elas próprias

ser interpretadas40.

Dessa forma, a interpretação no Direito Tributário, como a interpretação no Direito,

em geral, não se resume à subsunção a dispositivos legais. Pode-se mesmo afirmar que,

embora apresente algumas particularidades, a interpretação no Direito Tributário funda-se nos

mesmos métodos dos demais ramos do Direito41.

Nesse sentido, cabe destacar, consoante leciona a doutrina mais abalizada, que um dos

limites à atividade interpretativa encontra-se no próprio texto da lei. Ou seja, o ato de

interpretar deve respeitar os sentidos possíveis trazidos pelo legislador, de modo que o

intérprete deve conter-se sempre dentro dos limites e possibilidades do texto legal42.

Portanto, o ponto da partida para a correta compreensão do disposto no art. 155, § 2°,

IX, a, CRFB pressupõe a verificação de que o constituinte dispôs expressamente que o fato

gerador do ICMS, no caso de importação, dá-se com a “entrada de bem ou mercadoria

importados do exterior”. Verifica-se, pois, que, embora pudesse o constituinte derivado ter

disposto diversamente quanto ao aspecto espacial do fato gerador – ou mesmo ter disposto

que a incidência tributária dar-se-ia com a entrada, desde que seguida de posterior

transferência de domínio – ele optou por elencar a entrada como um fato gerador autônomo

40 TORRES, Ricardo Lobo. 2006, p. 21. 41 Ibid., p. 48. 42 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 126. No mesmo sentido, cf. RIBEIRO, Ricardo Lodi. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 177: “Enquanto Enno Becker e seus seguidores se inclinavam, como observou Beisse, para a livre criação do Direito, sem vinculação estreita com a lei, os seguidores da concepção hoje dominante na Alemanha, como se observa nas obras de Tipke, de Vogel, de Lehner e do próprio Beisse, encontram no sentido literal possível da norma um limite à atividade de interpretação”.

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no caso do ICMS-Importação.

Observe-se, outrossim, que as normas especiais derrogam as normas gerais, naquilo

que lhes forem contrárias. Essa máxima, conhecida como critério da especialização, consiste

em clássico critério para a solução de antinomias, aplicável aos diferentes ramos do

conhecimento jurídico, baseando-se na premissa de que, havendo, em relação à determinada

matéria, uma regra geral e uma especial, prevalece a segunda: lex specialis derogat

generalis43.

Por conseguinte, no caso específico do ICMS-Importação, não procede a crítica,

comumente feita, no sentido de que o seu fato gerador deve ser a entrada, desde que seguida

da transferência de propriedade. Esse raciocínio resulta de um inadequado paralelismo com o

ICMS no âmbito interno, já que, no caso deste último, o fato gerador se perfaz com a

mudança de domínio44.

Contudo, o regramento do ICMS-Importação é especial em relação ao do ICMS

interno, não sendo possível cogitar-se de uma transposição absoluta de toda a normatividade

do ICMS para o ICMS-Importação. Dessa forma, trata-se o art. 155, § 2°, IX, a, CRFB de

norma especial, que deve ser aplicada quando da importação, derrogando-se as normas

gerais45 de ICMS no que lhe forem contrárias.

Mas não é só isso. Nota-se também, quanto à interpretação do fato gerador, que a

norma contida no art. 118, CTN mostra-se insuficiente46, pelo que importantes doutrinadores

advogam a possibilidade de se empregar o método teleológico à interpretação da hipótese de

incidência tributária. Nesse sentido, quando da interpretação, deve-se considerar, em alguma

medida, o critério econômico – que não se confunde com a vetusta teoria da interpretação

econômica do fato gerador – de modo a se aferir o verdadeiro conteúdo do negócio jurídico

praticado47.

43 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 237-242. 44 Observe-se, inclusive, que a necessidade de que haja a transferência de domínio para fins de incidência de ICMS, no âmbito interno, foi uma construção dos Tribunais Superiores, não resultando propriamente da legislação sobre o tema, o que se depreende dos enunciados 166 e 573, das Súmulas do STJ e STF, respectivamente. Em crítica a esse posicionamento, cabe mencionar as lições do professor Ricardo Lobo Torres, que destaca que a transferência de domínio era necessária no tributo anterior, mas não no atual regramento do ICMS. Cf. TORRES, Ricardo Lobo. 2007, p. 244-245. 45 No sentido aqui empregado, a locução “normas gerais” refere-se não apenas à legislação, mas à própria interpretação que se tem conferido à locução “circulação”, no caso do ICMS interno, e que resultou na edição dos enunciados referidos no item anterior. 46 O professor Ricardo Lobo Torres chega mesmo a afirmar que se trata de “norma ambígua e contraditória”, consoante leciona em TORRES, Ricardo Lobo. 2006, p. 305-312. Ademais, destaca que o art. 118, CTN foi impreciso, porque utiliza a locução “fato gerador” indistintamente, quando o que se interpreta é o fato gerador abstrato ou hipótese de incidência, e não o fato gerador concreto. Nesse sentido, cf. Ibid., p. 309. 47 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Op. cit., p. 176. Sobre o critério jurídico-econômico especificamente na interpretação

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Observe-se, igualmente, que, de acordo com a natureza do tributo, o critério

econômico poderá apresentar maior relevância, o que se dá notadamente com relação aos

impostos sobre a renda e o consumo48, de que é exemplo o ICMS-Importação. Dentro dessa

ordem de ideias, e considerando que o constituinte elegeu expressamente a entrada como fato

gerador do imposto ora analisado, pode-se inferir que a forma contratual escolhida pelo

destinatário não elidirá a incidência tributária, diante da inequívoca circulação econômica

internacional daquele bem49.

De outro lado, no que atine à interpretação no Direito Tributário, não há um princípio

in dubio contra fiscum50, segundo o qual, como o próprio nome designa, em caso de dúvida,

seria aplicada a interpretação mais gravosa à Fazenda Pública. Dessa forma, ainda que a

norma contida no art. 155, § 2°, IX, a, CRFB, não deixasse claro que a incidência do ICMS-

Importação se dá com a entrada do bem em território brasileiro – o que se afirma apenas a

título argumentativo – não se poderia extrair desse dispositivo, sem que se incorra em

inequívoca aplicação do brocardo in dubio contra fiscum, que somente a entrada seguida da

transferência de propriedade constitui o seu fato gerador.

Dessa forma, diante do exposto neste item, infere-se que, a se admitir que a incidência

de ICMS-Importação apenas se dê com a entrada do bem em território nacional, desde que

seguida da transferência de domínio, haveria a violação, a um só tempo: a) da literalidade do

art. 155, § 2°, IX, a, CRFB, b) de o ICMS-Importação consistir em modalidade específica de

ICMS, pelo que determinadas normas gerais do instituto devem ser afastadas, c) da

consideração econômica do fato gerador, e d) de não viger no Direito Tributário brasileiro o

brocardo in dubio contra fiscum.

do fato gerador do ICMS, destaque-se TORRES, Ricardo Lobo. 2007, p. 244-248. 48 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Op. cit., p. 179. 49 Sobre a circulação econômica internacional, cf. TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 264. 50 TORRES, Ricardo Lobo. 2006, p. 204.

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5. CONCLUSÃO

Portanto, tendo em vista o exposto ao longo presente trabalho, é possível concluir que

o ICMS-Importação, como modalidade específica de ICMS, apresenta regras próprias e

particulares que em inúmeros pontos derrogam as regras gerais sobre o ICMS em âmbito

interno, mostrando-se possível extrair as seguintes proposições:

1) O ICMS-Importação incide no caso de importação de bens destinados ao consumo

ou ao ativo fixo do estabelecimento, o que levou à mitigação do enunciado 570 da

Súmula do STF.

2) De igual forma, o imposto em questão incide no caso de importação por pessoa

física, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, de modo que o

enunciado 660 da Súmula do STF não subsiste desde a EC 33/2001.

3) O aspecto temporal do tributo em epígrafe se perfaz no momento do desembaraço

aduaneiro, conforme resulta do art. 12, IX, LC 87/96 e do enunciado 661 da

Súmula do STF. Dessa forma, uma vez mais, é possível verificar a superação de

jurisprudência por via de emenda constitucional, de modo que o teor do enunciado

577, STF foi esvaziado.

4) Já o aspecto espacial vem regulado pelo art. 11, I, d, LC 87/96, segundo o qual o

local da operação é o “estabelecimento onde ocorrer a entrada física”. Destaque-se,

outrossim, que os Tribunais Superiores entendem que o ICMS-Importação deve ser

recolhido ao Estado final destinatário da mercadoria.

5) No caso da tributação dos contratos internacionais, a análise deve ser feita

tomando-se o contrato de leasing como ponto de partida. A compreensão deste,

por sua vez, pressupõe o enfoque de dois aspectos, quais sejam, o interno e o

internacional. Quanto ao primeiro, não haverá incidência de ICMS, tendo em vista

a regra inserta no art. 3°, VIII, LC 87/96. Já quanto ao segundo, a par do dissenso

doutrinário e jurisprudencial acerca do tema, propugna-se pela sua incidência pela

entrada, independente de ulteriores considerações acerca da possibilidade de

transferência de domínio.

6) Por conseguinte, e em paralelo ao regime jurídico que se entende deva ser aplicado

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ao contrato de leasing, parece possível sustentar que, na tributação de outras

modalidades contratuais, como o comodato ou a franquia internacionais, o ICMS-

Importação deve incidir pela entrada, tendo em vista a norma abrangente do art.

155, § 2°, IX, a, CRFB.

7) Outrossim, a interpretação do dispositivo supra pressupõe sejam consideradas as

premissas interpretativas seguintes, em sede de Direito Tributário e, mais

especificamente, no âmbito da interpretação do fato gerador.

8) Em primeiro lugar, deve-se observar a própria literalidade do texto, que previu a

incidência pela entrada, independente de ulteriores considerações acerca de

transferência de propriedade.

9) Em segundo lugar, e intimamente relacionado à primeira observação, há de ser

destacado que as normas especiais derrogam as normas gerais naquilo que lhes

forem contrárias. Dessa forma, ainda que o entendimento jurisprudencial que se

formou em torno da locução “circulação”, no âmbito do art. 155, II, CRFB,

designe transferência de propriedade, não se pode estender este entendimento ao

ICMS-Importação, que é modalidade especial de tributo, apresentando regras

próprias e, portanto, potencialmente divergentes das normas gerais sobre ICMS no

âmbito interno.

10) Ademais, é possível considerar, em alguma medida, conforme apontado por

destacado setor doutrinário, o critério econômico na interpretação em Direito

Tributário. Dessa forma, e com as cautelas que o referido critério impõe, é possível

inferir que, tendo em vista a ocorrência da circulação econômica internacional do

bem, deve ocorrer a incidência de ICMS-Importação pela entrada, independente da

modalidade contratual utilizada.

11) Finalmente, não vige no Direito Tributário um princípio interpretativo in dubio

contra fiscum, pelo que, ainda que dúvida houvesse quanto ao alcance do art. 155,

§ 2°, IX, a, CRFB, a mesma não poderia ser sanada considerando-se a alternativa

mais gravosa para a Fazenda Estadual.

12) Dessa forma, por todas as razões expostas, conclui-se que, tendo em vista o atual

quadro do Direito Positivo brasileiro, o ICMS-Importação deve incidir, nos termos

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do art. 155, § 2°, IX, a, CRFB, pela entrada da mercadoria em território nacional,

independente de posterior transferência de domínio e do tipo contratual de que o

particular se utilize, haja vista a inequívoca circulação internacional do bem.

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