“o gigante adormeceu?”: análise semiótica através do...

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1 “O gigante adormeceu?”: Análise semiótica através do percurso gerativo de sentido 1 Barbara Della Méa PESAMOSCA 2 Elisa Beatriz SARTORI 3 Juliana PETERMANN 4 Magnos Cassiano CASAGRANDE 5 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS RESUMO: O presente artigo desenvolve uma análise semiótica da reportagem “O gigante adormeceu?” publicada no jornal Zero Hora no dia 7 de julho de 2013. Para o desenvolvimento da análise, estudamos o percurso gerativo de sentido, segundo Fiorin (2005) em seus quatro níveis: fundamental, narrativo, discursivo e de manifestação. Desta forma, buscamos identificar como estes níveis apresentam-se no texto e identificar o objetivo do autor ao utilizar artifícios da linguagem (verbal e visual) na reportagem. A polifonia e os operadores argumentativos foram as principais análises feitas, pois na reportagem estão presentes várias “vozes” utilizadas pelo enunciador que explicitam seu posicionamento no texto. Palavras Chave: semiótica; manifestações; percurso gerativo; zero hora; enfraquecimento. 1. INTRODUÇÃO As manifestações populares por todo o país que inicialmente surgiram para contestar os aumentos nas tarifas de transporte público, são assuntos frequentes nos 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos do Jornalismo do V SIPECOM - Seminário Internacional de Pesquisa em Comunicação 2 Estudante de graduação. 3º semestre do curso de Jornalismo da FACOS-UFSM, email [email protected] . 3 Estudante de graduação. 3º semestre do curso de Jornalismo da FACOS-UFSM, email [email protected] . 4 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Publicidade e Propaganda da FACOS-UFSM, email [email protected] 5 Mestrando em Comunicação Midiática - UFSM. Bacharel em Comunicação Social Hab: Publicidade e Propaganda, email [email protected].

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“O gigante adormeceu?”: Análise semiótica através do percurso gerativo de

sentido1

Barbara Della Méa PESAMOSCA2

Elisa Beatriz SARTORI3

Juliana PETERMANN 4

Magnos Cassiano CASAGRANDE5

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS

RESUMO:

O presente artigo desenvolve uma análise semiótica da reportagem “O gigante

adormeceu?” publicada no jornal Zero Hora no dia 7 de julho de 2013. Para o

desenvolvimento da análise, estudamos o percurso gerativo de sentido, segundo Fiorin

(2005) em seus quatro níveis: fundamental, narrativo, discursivo e de manifestação.

Desta forma, buscamos identificar como estes níveis apresentam-se no texto e

identificar o objetivo do autor ao utilizar artifícios da linguagem (verbal e visual) na

reportagem. A polifonia e os operadores argumentativos foram as principais análises

feitas, pois na reportagem estão presentes várias “vozes” utilizadas pelo enunciador que

explicitam seu posicionamento no texto.

Palavras Chave: semiótica; manifestações; percurso gerativo; zero hora;

enfraquecimento.

1. INTRODUÇÃO

As manifestações populares por todo o país que inicialmente surgiram para

contestar os aumentos nas tarifas de transporte público, são assuntos frequentes nos

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos do Jornalismo do V SIPECOM - Seminário

Internacional de Pesquisa em Comunicação 2 Estudante de graduação. 3º semestre do curso de Jornalismo da FACOS-UFSM, email

[email protected]. 3 Estudante de graduação. 3º semestre do curso de Jornalismo da FACOS-UFSM, email [email protected]. 4 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Publicidade e Propaganda da FACOS-UFSM, email

[email protected] 5 Mestrando em Comunicação Midiática - UFSM. Bacharel em Comunicação Social Hab: Publicidade e

Propaganda, email [email protected].

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meios de comunicação, assim como seu enfraquecimento. A reportagem do jornal Zero

Hora intitulada “O gigante acordou?”, do dia 7 de julho de 2013N° 17484, trata

justamente disso: a evolução das cinco últimas manifestações em Porto Alegre, com

enfoque no seu enfraquecimento.

Este artigo busca analisar a reportagem que se propõe a traçar o perfil das

últimas manifestações em Porto Alegre. O objetivo da análise é avaliar de que forma o

enunciador expõe as manifestações em Porto Alegre, bem como de que elementos ele se

utiliza para legitimar sua posição acerca das massas - utilizando falas das fontes e a

linguagem visual - que como ele diz, vêm “abandonando o barco”.

Para tal, utilizamos o percurso gerativo de sentido proposto por Fiorin, no qual

[...] de um lado, podem-se analisar os mecanismos sintáxicos e semânticos

responsáveis pela produção do sentido; de outro, pode-se compreender o

discurso como objeto cultural, produzido a partir de certas condicionantes

históricas, em relação dialógica com outros textos. (Fiorin, 2005, p10).

Além disso, o percurso gerativo de sentido torna-se uma ferramenta na medida

em que mostra de que forma um texto é produzido e interpretado num processo que

segundo Fiorin (2005) vai do mais simples ao mais complexo.

Logo, tendo por base o percurso gerativo segundo Fiorin (2005), analisaremos

os quatro níveis propostos: o fundamental, o narrativo, o discursivo, e por fim, o nível

da manifestação. Os dois primeiros níveis serão analisados sintáxica e semanticamente,

já no nível discursivo a análise será no plano da sintaxe, no qual iremos analisar de

forma mais profunda a polifonia. No nível da manifestação, analisaremos a diagramação

e todos os elementos visuais presentes na reportagem.

2. METODOLOGIA

A análise da reportagem começará pelo nível fundamental, analisando aspectos

semânticos e sintáticos. Do mesmo modo seguirá com os níveis narrativo e discursivo.

No nível da manifestação utilizaremos apenas a semântica como parte da análise.

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NÍVEL SEMÂNTICA SINTÁXE

Fundamental Oposição de valores

opostos: x versus y

Afirmação de a, negação de

a, afirmação de b

Narrativo Objetos modais; objetos de

valor

Enunciados elementares (de

estado e de fazer); narrativas

mínimas; sequência

canônica

Discursivo Tematização e

Figurativização

Operadores argumentativos;

Polifonia

Manifestação Análise de objeto;

diagramação, cores,

legendas, fotos, layout.

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3. ANÁLISE DA REPORTAGEM “O GIGANTE ADORMECEU”

Como primeira análise, fala-se do nível fundamental. A semântica e a sintaxe

desse nível “representam a instância inicial do percurso gerativo e procuram explicar os

níveis mais abstratos da produção, do funcionamento e da interpretação do

discurso.”(FIORIN, 2005, p24). Na semântica, dois termos devem estabelecer uma

posição de ideias, essa relação de contrariedade é representada pelo elemento eufórico e

disfórico, respectivamente com valoração positiva e negativa apresentadas no texto.

Segundo Fiorin (2005), euforia e disforia não são valores determinados pelo sistema

axiólogo do leitor, mas estão inscritos no texto.

No texto sobre as manifestações, temos a oposição dos valores fraqueza versus

força, sendo o primeiro o elemento eufórico e o segundo disfórico. Isso porque, ao

longo da reportagem fica clara a tentativa do enunciado de evidenciar o

enfraquecimento dos protestos, sendo para ele a fraqueza como positiva. “Passadas duas

semanas, as mobilizações seguem, mas as massas desapareceram”.

Neste caso, a força e a fraqueza são valores que remetem ao tema manifestações

em Porto Alegre, onde consta em um momento a força do movimento e logo após, seu

enfraquecimento. Esses valores são pronunciados pelo enunciador do texto.

Já na análise sintática, temos a afirmação da força do movimento - no texto

representado por “maiores mobilizações que o país já viu”, mas,

logo após o autor nega a permanência dessa força “os protestos recentes (...)

encolheram” e, por fim, afirma a fraqueza dos movimentos “as massas

desapareceram”, configurando assim a afirmação de a, negação de a, afirmação de b.

Seguindo com a análise, percebe-se, no nível narrativo, a passagem de um

estado inicial para um estado final, intercalado por uma transformação. Na sintaxe desse

nível tem-se dois tipos de enunciados: o de estado e o de fazer. Nos enunciados de

estado se estabelece uma relação de disjunção ou conjunção entre um sujeito e um

objeto. Nestes, existem duas espécies de narrativas:a de privação, caracterizada pelo

estado final conjunto e estado final disjunto e a de liquidação de uma privação com um

estado inicial disjunto e um final conjunto. No texto analisado, notamos a narrativa

mínima de liquidação de privação, pelo fato do enunciador nos apresentar um estado

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inicial com uma massa participante (evidenciando o caráter forte das manifestações)

mas, logo depois, afirmar o enfraquecimento da mesma, configurando assim um estado

inicial disjunto e um estado final conjunto, já que, no texto, o enunciador traz a fraqueza

como valor positivo eufórico. No texto, os enunciados de fazer, os quais “mostram as

transformações, os que correspondem à passagem de um estado a outro” aparecem de

forma gradativa, onde o enunciador enfatiza a diminuição da população, chegando ao

estado final que é o enfraquecimento total do movimento, caracterizado na reportagem

por sentenças como: Uma das maiores mobilizações que o país já viu / as mobilizações

seguem mas as massas desaparecem / será que o gigante adormeceu de novo? / as

massa abandonaram o barco gradativamente.

Os texto são narrativas complexas, em que uma série de enunciados de fazer

e de ser (de estado) estão organizados hierarquicamente. Uma narrativa

complexa estrutura-se numa sequência canônica que compreende quatro

fases: manipulação, competência, performance e sanção. (FIORIN, 2005,

p29)

Segundo Fiorin (2005), a manipulação acontece quando a ação de um sujeito age

sobre outro levando-o a querer ou fazer alguma coisa. Na análise da reportagem, o autor

expõe o cenário das manifestações, bem como seu início, e, para isso, utiliza a voz do

professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS) para explicar as

chamadas três fases das manifestações. Ele utiliza esses recursos sempre enfatizando a

força do movimento como nas sentenças “uma das maiores mobilizações que o país já

viu”, “o gigante acordou”, “multidões, convocadas por diferentes perfis no Facebook

vão às ruas”.

Porém, ao mesmo tempo que ele fala do “despertar” da população, ele deixa a

entender que esse fenômeno é passageiro, e que logo o gigante adormecerá novamente,

como identificamos nas outras fases da sequência canônica.

Já na competência, o sujeito é dotado de um saber e/ou poder fazer. Esse sujeito

vai iniciar a transformação central da narrativa. No caso da reportagem, a competência

ocorre quando o autor inicia a terceira fase do movimento e prepara o leitor para chegar

na performance, onde a mudança central da narrativa se concretiza. A competência é

marcada no texto pelas seguintes passagens: iniciou-se a partir daí uma terceira fase / a

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massa abandonava o barco gradativamente. O autor utiliza o advérbio gradativamente

para dizer que as manifestações massivas ainda não acabaram mas estão diminuindo

lentamente. O que acaba se confirmando nas sentenças que indicam a performance,

como é o caso de: “eles eram maioria” / vida efêmera / encolhimento dos protestos /

“deixamos de nos envolver nas manifestações” /. Essas passagens – estão inseridas nos

discursos pertencentes a outras “vozes”, a voz do jornal, como se estivesse participando

- indicam que as massas realmente diminuíram.

A quarta fase da sequência canônica, a sansão, na qual haveria o reconhecimento

do sujeito que operou a transformação, distribuindo-se prêmios e castigos (Fiorin,

20005) não está presente na reportagem. O enunciador, na frase “a volta das multidões

dependerá do sucesso da greve”, deixa em aberto a sanção. Ou seja, o enunciador nos

leva a acreditar, ao longo do texto, que o movimento realmente perdeu a força mas não

o prova, sendo assim, a confirmação da performance não chega a se concretizar.

A semântica do nível narrativo aborda os objetos modais e objetos de valor. O

objeto modal é aquele necessário para a obtenção de outro objeto. Na reportagem

analisada, o objeto modal é a população presente nas manifestações Já o objeto de valor

é aquele cuja obtenção é o fim último de um sujeito, o que, no caso da reportagem, está

representado como a diminuição da população nas manifestações.

Em um texto, é possível identificar “vozes” de outras pessoas opinando,

argumentando e servindo de base para o fundamento textual, sendo manuseadas para

mascarar o dizer do próprio enunciador. Com base nisso, e na análise discursiva, pode-

se dizer que um texto nunca é imparcial, neutro. O jornalista, na maioria das vezes

utiliza suas convicções e preconceitos na hora de redigir um texto, “isso todos temos.

(...) o pecado ético do jornalista, em suma, é falsear a sua relação com os fatos, tornando

parte na impostura da neutralidade. ” (BUCCI, 2000, p38).

O enunciador da reportagem utiliza marcadores que introduzem sua opinião de

forma velada, que se manifestam através de operadores argumentativos e dos índices de

polifonia, usando a voz de outras pessoas para expressar o que ele pretende dizer como

forma argumentativa. Ambos conceitos analisados na sintaxe são trazidos por Koch

(1995).

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Os operadores argumentativos, que “têm por função indicar (mostrar) a força

argumentativa dos enunciados, a direção (sentido) para o qual apontam.” (KOCH, 1995,

p.30), são divididos em classe argumentativa e escala argumentativa, segundo Ducrot

(1984)

A classe argumentativa é “constituída de um conjunto de enunciados que podem

igualmente servir de argumento para uma mesma conclusão (que por convenção se

denomina R).” (DUCROT, 1984). Sempre procurando levar o interlocutor a concluir R.

Quando essa classe argumentativa se apresenta em forma crescente, como é o

caso do trecho da reportagem:

“encolhimento dos protestos” - conclusão R

+ (argumento mais forte)

->desilusão ao encontrar partidos e organizações políticas nas

ruas

->confronto com a polícia e depredações assustaram a

população

->redução das tarifas de ônibus, rejeição à PEC 37, e medidas

tomadas pelas autoridades (essas ações eram revindiações da

população nos protestos).

- (argumento mais fraco)

temos uma escala argumentativa crescente que vai ao encontro de uma mesma

conclusão. Ou seja, todos os argumentos desse trecho levam à mesma conclusão R ,

porém, uns são mais fortes (maior poder de persuasão) e outros mais fracos. Os

argumentos apresentados são separados pelo e, que é um indicador de soma de

argumentos, fazendo com que os argumentos façam parte de uma mesma classe

argumentativa.

O primeiro argumento tende a ser o mais forte. No caso da reportagem, o fato

das organizações políticas voltarem ao comando das manifestações fez com que a

população fosse “abandonando o barco”. Portanto, o enunciador afirma ser essa a

principal causa do “encolhimento dos protestos”.

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Outro aspecto importante para a análise são os índices de polifonia, que

possibilitam que encontramos diferentes vozes que permeiam e constituem o texto.

O termo polifonia designa o fenômeno pelo qual, num mesmo

texto, se fazem ouvir “vozes” que falam de perspectivas ou de

pontos de vista diferentes com as quais o locutor se identifica ou

não. Existem determinadas formas linguísticas que funcionam

como índices, no texto, da presença de outra voz” (KOCH,

1995, p63)

Outra análise sintática oportuna ao texto é a dos operadores que contrapõem

argumentos orientados para conclusões contrárias. Ou seja, o autor coloca em seu

discurso um argumento possível para uma conclusão R (argumento p). “O argumento p

é sempre atribuído a uma outra voz, à qual se reconhece uma certa legibilidade”(KOCH,

1995, p63). Em seguida o contrapõem (p) com um argumento decisivo para uma

conclusão contrária a R (conclusão não -R ou ~R). Esse argumento q é mais forte e

levará a uma conclusão oposta. .

Operadores que pertencem ao grupo do MAS: se reconhece legitimidade

a voz como um argumento possível para a conclusão, mas à qual se opõe

um argumento próprio, mais forte, que deve levar a conclusão oposta

(Ducrot, 1984)

Na reportagem, temos o seguinte esquema de contra-argumento:

R - resultou em manifestação de esquerda, menos massiva.

p- na primeira fase o movimento é formado por organizações políticas e grupos

anarquistas

MAS

~R - e multidões vão às ruas para manifestar

q - mas na segunda fase manifestantes mostram hostilidade aos partidos

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“O locutor introduz em seu discurso um argumento possível para uma conclusão

R; Logo em seguida, opõe-lhe um argumento decisivo para a conclusão contrária não-

R”. (KOCH, 1995, p36). Logo, a possível conclusão é derrubada quando o contra-

argumento (que possui o operador MAS) fala que os manifestantes passam a hostilizar

as organizações políticas presentes nos protestos, ocasionando um aumento significativo

de manifestantes, portanto, opondo a manifestação menos massiva com a manifestação

das multidões (conclusão final). Entretanto, isso é novamente derrubado quando

analisamos o segundo esquema que apresenta o operador NO ENTANTO, que equivale

ao MAS (operador de oposição):

R - e multidões vão às ruas para manifestar

p - na segunda fase manifestantes mostram hostilidade aos partidos

NO ENTANTO

~R -há um encolhimento da população

q - na terceira fase os partidos reassumem a organização

Uma outra oportuna análise sintática da reportagem é o uso de travessão, que se

enquadraria na análise do uso de aspas de Koch.

“O uso de aspas é frequentemente um modo de manter distância do que se diz,

colocando-o „na boca‟ de outros”. (KOCH, 1995, p65). Isso é percebido quando o

enunciador da reportagem utiliza a “voz” de um professor da Universidade Federal do

Rio Grande do Sul (UFRGS) que tem sua pesquisa voltada para as manifestações

sociais e a “voz” de uma advogada fundadora de grupo participante das manifestações

massivas. Ele utiliza essas citações como forma de opinar sem usar suas próprias

palavras. Ou seja, para legitimar suas próprias convicções.

“(...) não há texto neutro, objetivo, imparcial. Os índices de subjetividade se

introjetam no discurso permitindo que se capte a sua orientação

argumentativa.”(KOCH, 1995, p65). Para exemplificar, temos as sentenças: Virou pop

(citação do professor) / Ninguém consegue manter uma mobilização de massa por muito

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tempo (citação do professor) / Deixamos de nos envolver nas manifestações por causa

da violência (citação da advogada).

A semântica discursiva, segundo Koch (1995), tem como componentes de

análise os temas e as figuras. Os temas são os valores abstratos gerais do discurso. A

tematização é iniciada pela identificação dos traços semânticos pertinentes ao discurso.

Da reportagem analisada é possível achar o tema “terceira fase das manifestações”.

As figuras são as especificidades e particularidades do discurso. O autor da

reportagem opta pelas seguintes figuras para representar o tema proposto acima:

abandonava o barco / encolhimento dos protestos / se desligaram das manifestações /

vida efêmera. Nessa figurativização o enunciador escolhe as figuras de acordo com seu

discurso, carregando-as de significações e conceitos pré-selecionados.

Na análise da manifestação, segundo Fiorin (2005) “é a união de um plano de

conteúdo com um plano de expressão”. Ou seja, “O sentido do texto não é redutível à

soma dos sentidos das palavras que o compõe nem dos enunciados em que os vocábulos

se encadeiam, mas que decorre de uma articulação dos elementos que o formam”.

(Fiorin, 2005, p44)

A imagem, portanto, possui uma relação de complemento com o texto e não é

uma estrutura isolada, o texto verbal e visual se complementam.

Segundo Barthes (1990), existe um paradoxo quando se fala de um texto

visual. Esse paradoxo se constitui na existência de duas imagens: uma sem código

(denotativa) e outra codificada (conotativa). Embora a foto (principalmente a foto

jornalística) seja uma reprodução do real, analisamos as imagens da reportagem como

codificadas, tendo em vista que a manipulação da imagem tem um longo percurso, que

vai desde o ponto de vista ideológico de quem vai registrar a cena, acarretando com

isso, a escolha do ângulo, a posição dos objetos, do cenário, até a manipulação da

imagem na edição, para se chegar a mensagem exata que se quer passar.

Na reportagem, faz-se um jogo com três imagens, as duas primeiras retratam a

presença de uma grande massa com cartazes que reivindicam desde a redução da tarifa

até o combate à corrupção, como o autor ratifica da legenda. Já na terceira imagem,

percebemos uma tentativa de enquadramento que busca demonstrar o enfraquecimento

das manifestações, fato que fica claro ao observarmos a imagem: o ângulo escolhido

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pelo fotógrafo foi justamente onde estavam menos pessoas, onde as massas estavam

dispersas, pois se olharmos à esquerda, identificamos um número bem maior de

pessoas. Outros elementos somam-se a imagem para dar sentido ao texto, no caso da

reportagem, as legendas, a diagramação, e o protestômetro (espécie de termômetro que

mais uma vez reforça o abandono das massas nos protestos) aparecem de forma

interligada. Segundo Kress e van Leeuwen (1996) as imagens objetivas são imagens

técnicas e científicas, como diagramas, mapas e esquemas, que codificam uma atitude

objetiva em relação à imagem. Logo, o protestômetro é uma imagem objetiva e, na

reportagem, central que serve para ligar e relacionar as fotos e as legendas. O

protestômetro aparece como forma de termômetro numa gradação que passa pelo

vermelho, laranja e por fim o azul, dando a entender o “esfriamento” das manifestações.

O termômetro se liga aos outros elementos através de flechas que contém números,

indicando as respectivas legendas. Cada legenda tem um título e é iniciada por termos

em negrito que se relacionam com as flechas e seus respectivos números e datas,

contabilizando cinco, como mostra a tabela seguinte:

Elementos Legenda 1 Legenda 2 Legenda 3 Legenda 4 Legenda 5

Título

O começo Uma grande

multidão

O protesto

do caminhão

de som

O bloco de

luta no

comando

Mobilização

menor

Termo

grifado

Uma grande Uma

multidão

Dois

protestos

O protesto Já com

Número de

pessoas

10 a 15 mil 15 a 20 mil 10 mil 5 mil 500

Data 17 de junho 20 de junho 24 de junho 27 de junho 4 de julho

Portanto, através da análise dos textos não verbais, que possibilita uma

visualização dos aspectos subjetivos do texto, notamos que houve uma estratégia em

relação a diagramação, para que todos os elementos visuais estivessem relacionados e

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ratificassem a opinião do autor no texto: o “adormecimento do gigante” devido a

diminuição do apoio popular.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando o percurso gerativo de sentido de Fiorin (2005), destacamos que

todas as estratégias, tanto do texto verbal como do visual, contribuem para que o

enunciador tente se afastar das opiniões, no caso, dadas pelas suas fontes, fazendo com

que pareça imparcial perante os fatos. Dentre os recursos utilizados cabe ressaltar,

principalmente, os operadores argumentativos e a polifonia do nível discursivo, assim

como as estratégias usadas no nível da manifestação, que buscam relacionar todos os

elementos visuais entre si, além de reforçar a opinião do autor do texto sobre os

protestos.

Koch diz que não há texto neutro, objetivo e imparcial. A subjetividade se

coloca no discurso e permite que a sua orientação argumentativa seja captada. A

neutralidade que se busca em alguns discursos é apenas uma fuga, uma “forma de

representação teatral”, fazendo com que o enunciador se represente como neutro e sem

se comprometer com o conteúdo apresentado.

Na análise do nível fundamental, quando opomos os valores força versus

fraqueza, encontramos a fraqueza como valor eufórico. Ou seja, o autor conduz o texto

para que a fraqueza seja o valor positivo.

Isso é visto no nível da narrativa, onde temos uma narrativa mínima de

liquidação de privação, onde passamos da disjunção (negativo para o autor) de força

para o conjunção da fraqueza. Além disso, isso se concretiza no nível discursivo, onde

“as formas abstratas do nível narrativo são revestidas de termos que lhe dão

concretude”. (FIORIN, 2005, p41). Logo, a conjunção com a fraqueza vai se consolidar

no nível discursivo através da argumentação e da polifonia.

Portanto, através da análise do percurso gerativo de sentido proposto por Fiorin

na reportagem “O gigante acordou”, comprovamos que desde o nível fundamental, até o

da manifestação, podemos notar a nítida tentativa do enunciador de provar o

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enfraquecimento dos protestos, mesmo que no final, na fase da sansão, ele não

comprove esse fato, deixando o futuro das manifestações em aberto.

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5. REFERÊNCIAS

BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000

DUCROT, Oswald. Les échellesargumentativés.Paris: Minuit, 1980

FIORIN, José Luiz. Elementos do discurso. São Paulo: Contexto, 2005

KOCH, Ingedore. A inter-ação pela linguagem.São Paulo: Contexto, 1995.

KRESS, G. e VAN LEEUWEN, T. 1996.Reading images: the grammar of the design

visual. London, Routledge.